Nesta obra a autora nos convida a uma jornada pelos meandros da estética
da sensibilidade, um dos pilares educacionais pós-reforma de 1996 conti-
da nas Diretrizes Curriculares Nacionais, no Brasil. Em um contexto de
redenição educacional, a estética da sensibilidade tornou-se um termo
multifacetado, frequentemente utilizado de maneiras diversas e, por vezes,
vagas.
Ao revisitar reexões losócas, psicológicas, pedagógicas e sociológi-
cas, a autora propõe uma reinterpretação pormenorizada da estética da
sensibilidade, afastando-se de interpretações simplistas. Este livro desaa
a visão convencional, apresentando a estética da sensibilidade não apenas
como um componente emocional ou adaptativo, mas como uma arte, um
método de harmonizar o sentir e o pensar na jornada educacional.
Em um diálogo inspirado pelas leituras decoloniais, a obra se volta para
uma perspectiva de educação emancipatória. Aqui, a estética da sensibili-
dade transcende seu papel convencional, tornando-se um catalisador para
a formação de indivíduos críticos e reexivos.
Ao explorar os conceitos de sentipensar e corazonar e associá-los à estética
da sensibilidade este livro oferece uma visão fresca e relevante sobre a edu-
cação contemporânea. É um convite à reexão sobre como a estética da
sensibilidade pode ser mais do que uma simples ferramenta de adaptação,
mas sim um veículo poderoso para a construção de uma sociedade mais
justa e equitativa. Trata-se de uma narrativa que desaa preconceitos, e
preconceções e adquire incomum interessante para aqueles que buscam
compreender e transformar os fundamentos que moldam a educação do
século XXI.
“Entre Sentir e Pensar: Desvendando a Estéti-
ca da Sensibilidade na Educação” é uma obra
perspicaz e reveladora, onde a autora se de-
bruça sobre a complexa tapeçaria da estética
da sensibilidade na educação. Este trabalho,
emergindo de uma pesquisa de doutorado
meticulosa, revê um princípio educacional
que passou despercebido por grande parte
dos educadores. Datando da reforma edu-
cacional de 1996, o conceito de estética da
sensibilidade foi, infelizmente, diluído em
um operador vazio, sobrecarregado por sig-
nicados conitantes ao longo das décadas.
Com um olhar crítico e renado, a autora
desa a estética da sensibilidade, revisitando
sua etimologia e mergulha em algumas obras
da losoa clássica para resgatar sua essência
verdadeira e ampliada. Desaando interpre-
tações simplistas, ela reivindica a estética da
sensibilidade não como uma ferramenta tri-
vial de preparação emocional para o merca-
do de trabalho, mas como uma forma de arte
a arte de tecer juntos o sentir e o pensar.
Página após página, somos levados a conec-
tar esse conceito com o ‘sentipensar’ e ‘co-
razonar’, termos carregados de signicado
dentro do pensamento decolonial. Com esta
obra, a autora não apenas atende, mas supera
as expectativas, estabelecendo um elo ino-
vador entre a estética da sensibilidade e as
teorias decoloniais, e posicionando-a como
um operador emancipador e humanizador.
Este livro é um convite sedutor para to-
dos nós repensarmos a educação através
de uma lente que valoriza a sensibilida-
de e o pensamento crítico, promovendo
uma sociedade mais engajada com práti-
cas educacionais inquisitivas e decoloniais.
“Entre Sentir e Pensar” é essencial para
aqueles que buscam compreender e trans-
formar a educação em um ato de liberda-
de e expressão autêntica do ser humano.
Marina Coimbra Casadei Barbosa da Sil-
va é psicóloga formada pela UNESP-
Assis, com mestrado e doutorado em
Educação, pela UNESP-Marília. Atua
como psicóloga clínica e professora de
Psicologia. Atualmente é professora
da Universidade de Marília (Unimar)
onde desenvolve o trabalho de docên-
cia, pesquisa e extensão no curso de
Psicologia.
ENTRE SENTIR E PENSAR
MARINA SILVA
ANTONIO CARLOS BARBOSA DA SILVA


ENTRE SENTIR E PENSAR:
Desvendando a Estética da Sensibilidade
na Educação
Marina Coimbra Casadei Barbosa da Silva
Marina Coimbra Casadei Barbosa da Silva
ENTRE SENTIR E PENSAR:
Desvendando a Estética da Sensibilidade
na Educação
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2024
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Edvaldo Soares
Franciele Marques Redigolo
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Henrique Tahan Novaes
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Alonso Bezerra de Carvalho
Ana Clara Bortoleto Nery
Claudia da Mota Daros Parente
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Daniela Nogueira de Moraes Garcia
Pedro Angelo Pagni
Auxílio Nº 0039/2022, Processo Nº 23038.001838/2022-11, Programa PROEX/CAPES
Parecerista: Antonio Carlos Barbosa da Silva - Unesp-Assis
Capa: Imagem de uso livre "América Invertida" de Torres Garcia. Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Joaqu%C3%ADn_Torres_Garc%C3%ADa_-
_Am%C3%A9rica_Invertida.jpg#mw-jump-to-license (acesso em 23/02/2024)
Ficha catalográfica
Silva, Marina Coimbra Casadei Barbosa da.
S586e Entre sentir e pensar: desvendando a estética da sensibilidade na educação / Marina Coimbra
Casadei Barbosa da Silva. Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica,
2024.
239 p.
CAPES
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-497-4 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-498-1 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-498-1
1. Educação. 2. Mulheres na educação – 1938-1985. 3. Professoras. 4. Trabalho feminino. I.
Título.
CDD 372.21
Catalogação: André Sávio Craveiro Bueno C
RB 8/8211
Copyright © 2024, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Verena e Catarina, minhas amadas filhas, este livro é dedicado a
vocês. Que suas jornadas educacionais sejam guiadas pela liberdade
de pensamento, pela diversidade de ideias e pela coragem de
questionar o que é estabelecido. Que possam sempre trilhar caminhos
de aprendizado que respeitem e celebrem a multiplicidade de culturas
e saberes. Que este livro seja um convite à reflexões profundas e
transformadoras e que a educação que recebem seja uma fonte de
empoderamento, permitindo que alcancem seus sonhos e contribuam
para a construção de uma sociedade mais justa.
E a você, Tom, meu companheiro de jornada, agradeço por sua
parceria, comprometimento e dedicação inabaláveis. Sem você, esta
jornada teria sido muito penosa. Eu te amo!
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Prof. Dr. Alonso Bezerra de Carvalho pela
caminhada, acolhida e orientação ao longo da minha trajetória no
Programa de Pós-Graduação em Educação (Unesp-Marília). Foram
anos de caminhada e de muito aprendizado. Obrigada, mestre!
Também estendo minha gratidão a Profa. Dra. Rosane
Michelli de Castro, pelas aulas sobre a História da Educação no Brasil
e por ser abrigo e incentivo nessa jornada. Obrigada pelo suporte,
palavras de incentivo e empatia. Você é uma inspiração para mim!
Agradeço a todos e todas que estiveram presentes direta e
indiretamente no percurso da pesquisa do doutorado que foi realizado
com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior Brasil (CAPES) Código de Financiamento 00, da qual
originou essa obra. Agradeço aos demais professores que compuseram
a banca de defesa do doutorado (Prof. Dr. o Prof. Dr. Genvilado de
Souza Santos, Prof. Dr. Vandeí Pinto da Silva, Prof. Dr. José
Alejandro Tasat) pelas colaborações pontuais.
Tento buscar em verso aquilo que não da rima
Como posso eu falar das dores daqueles que se estima?
Não foi descoberta, não foi sorte, nem foi galardão
Foi hipocrisia, sofrimento, dor e colonização
Mas eu que nem sofri, sinto o sangue aqui no chão
E a dor me sufoca até sair um não!
Se ainda impera o conhecimento que não foi aqui gestado
Como pode permanecer aqui esse legado?
Buscarei nos meus ascendentes a essência do coração
Que é uma sabedoria inteligente que se une a razão
E assim a resistência vem do solo/coração
E assim termino a rima com amor e educação
Sumário
Prefácio | Antonio Carlos Barbosa da Silva……………….………..13
Introdução - Bricolagem: uma postura metodológica reflexiva….27
1.1 Princípios da bricolagem científica em educação
Capítulo 2 - A estética da sensibilidade: multiplicidade de sentidos e
limitações conceituais……………………………………………39
2.1 A estética da sensibilidade prevista nos documentos oficiais da
educação
2.2 O domínio da sensibilidade
Capítulo 3 - A estética na filosofia clássica: Baumgarten, Kant e
Schiller…………………………………………………………..91
3.1 Estética: o conceito e sua história em Baumgarten e Kant
3.2 A concepção de estética em Schiller
3.3 O iluminismo e a educação
3.4 Modernidade, Brasil e positivismo
Capítulo 4 - Perspectivas decoloniais: articulações em/para a filosofia
da educação…………………………………………………….133
4.1 A criação da América Latina
4.2 Um breve histórico dos estudos introdutórios da decolonialidade
4.3 O projeto modernidade/colonialidade/decolonialidade: sua consti-
tuição e seus expoentes
4.4 Uma atualização das potencialidades e limitações dos estudos
decoloniais
Capítulo 5 - Qual o lugar da estética da sensibilidade?...................163
5.1 O ser/estar em rodolfo kusch e a busca de uma antropologia-
filosófica americana
5.3 Aproximações entre a estética da sensibilidade, o sentipensar e o
corazonar
5.4 Para pensar a (de)colonialidade na e para educação brasileira
Considerações finais……………………………………………213
Posfácio | Alonso Bezerra de Carvalho…………………..………..….219
Referências…………………………………………………….223
Sobre a autora…………………………………………………..239
13
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-498-1.p13-26
PREFÁCIO
É com apreço que introduzo a obra "Entre Sentir e Pensar:
desvendando a Estética da Sensibilidade na Educação", uma
incursão acadêmica audaz da Psicóloga, Professora de Psicologia e
Doutora em Educação Marina Coimbra Casadei Barbosa da Silva.
A obra emerge como uma contribuição relevante para a
compreensão crítica do conceito da estética da sensibilidade no
contexto educacional brasileiro. Ao promover uma reflexão
meticulosa, a autora entrelaça temas de filosofia, educação, psicologia
e teorias decoloniais, demonstrando sua capacidade de dialogar entre
diferentes campos do saber.
Este livro se notabiliza por expandir debates entre diferentes
campos do conhecimento, apresentando um leque variado de
reflexões e perspectivas. Com uma abordagem metodológica
inteligente e coesa, o texto consegue enriquecer a discussão ao mesclar
diversas visões teóricas.
Dedicando um capítulo inteiro às metodologias de pesquisa,
o texto nos introduz à "Bricolagem Metodológica e Reflexão Crítica".
Esta técnica não apenas inova no campo da pesquisa, mas também se
fundamenta em uma lógica convincente e prática. A técnica de
bricolagem é particularmente adaptável e alinha-se com o objetivo de
examinar a estética da sensibilidade de maneira crítica e
contemporânea.
A bricolagem surge como uma abordagem instigante na
pesquisa, celebrando a união de diferentes disciplinas. Ela acolhe
tanto teorias tradicionais quanto inovações filosóficas e decoloniais,
proporcionando ao pesquisador as ferramentas para explorar
14
profundamente seu tema de estudo com base em uma ampla gama de
fontes. Essa técnica não só respeita a complexidade do tema
investigado, mas também mantém uma dedicação ao detalhe
científico, cruzando fronteiras entre o social, cultural, educacional e
psicológico.
Mais do que uma simples ferramenta, a bricolagem é uma
resposta às demandas atuais por uma pesquisa que seja ao mesmo
tempo adaptável e minuciosa. Essa abordagem não é apenas um meio
de pesquisa, mas uma estratégia essencial para um estudo genuíno e
holístico, que respeita a diversidade de perspectivas e experiências que
compõem o universo da educação estética.
No escopo deste estudo, a bricolagem científica é interpretada
como uma concepção de pesquisa que proporciona ao pesquisador
uma liberdade ampliada para transitar pelo território metodológico.
Essa abordagem não compromete a necessária meticulosidade na
formulação do conhecimento, pelo contrário, ela promove a
associação de diversos saberes. Isso resulta em uma compreensão mais
abrangente do objeto de pesquisa, enriquecida pelas perspectivas
socioculturais, políticas, filosóficas, sociológicas, psicológicas,
históricas, educacionais, éticas e estéticas, entre outras dimensões.
No segmento "A Estética da Sensibilidade: Multiplicidade de
Sentidos e Limitações", a autora direciona sua análise à concepção
oficial da estética da sensibilidade, conforme delineada nos
documentos educacionais. O texto examina as restrições associadas a
essa definição, que fez sua estreia nos registros do Ministério da
Educação com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio, datadas de 1998. Nesse contexto, a estética da sensibilidade
foi posicionada, juntamente com a política da igualdade e a ética da
identidade, como um dos três princípios educacionais fundamentais.
Estes princípios, por sua vez, direcionariam a elaboração curricular,
15
as metodologias e as práticas educativas adotadas pelos profissionais
da educação.
A estética da sensibilidade, enquanto conceito educacional,
assumiu a responsabilidade de instigar novos processos de
subjetivação nos alunos, visando prepará-los para enfrentar os desafios
de uma sociedade em constante crescimento tecnológico. Além disso,
procurava adaptar os indivíduos às novas competências demandadas
pelo mercado de trabalho globalizado. A introdução dessa temática
no âmbito educacional propunha substituir o tradicional enfoque na
repetição e padronização, incentivando a criatividade, o pensamento
inovador, a busca pelo inusitado, a expressão da afetividade e a
formação de identidades capazes de lidar com a inquietação, a
incerteza e a diversidade.
No escopo do debate acadêmico contemporâneo, a autora
defende de forma eloquente a tese de que a integração da estética da
sensibilidade no âmbito educacional é uma estratégia pedagógica
essencial para enriquecer a qualidade, a delicadeza e a sutileza nas
experiências de aprendizagem. Ela postula que tal integração propicia
um ambiente onde a ludicidade e a alegoria se tornam meios
significativos de engajamento com o mundo, incentivando, assim, a
valorização do lazer, da sexualidade e da imaginação como práticas de
uma liberdade exercida com responsabilidade. Esta perspectiva
pedagógica sugere uma evolução disruptiva do paradigma convencio-
nal, propondo uma harmonização com um ethos educativo mais
fluido e responsivo às constantes metamorfoses sociais e tecnológicas.
A autora apresenta uma ideia poderosa: ao integrar a estética
no coração da educação, podemos desencadear transformações
significativas nas escolas. Mais do que isso, ela sugere que essa
mudança pode inspirar tanto a resistência a métodos de ensino
16
ultrapassados quanto o desenvolvimento de novas formas de
identidade pessoal e coletiva no ambiente educacional.
Ela defende que é essencial mergulhar nas raízes e no
significado profundo da 'estética da sensibilidade' para entender
completamente seu impacto. O trabalho revela que, muitas vezes, o
ensino da estética é vago, o que pode ser um reflexo das complexas
dinâmicas sociais, culturais e políticas atuais, e possivelmente uma
estratégia deliberada para alterar ou diluir o entendimento
convencional de estética.
Ao incorporar a estética nas salas de aula, poderíamos
expandir o modo como os alunos pensam e questionam o mundo,
promovendo uma análise mais profunda e crítica. Comprometida
com o desvendamento desse tema multifacetado, a autora promete
uma investigação mais aprofundada em capítulos futuros, com uma
abordagem que promete não só elucidar, mas também desafiar o
entendimento tradicional da estética através de um exame filosófico
meticuloso.
No terceiro capítulo de sua obra, intitulado "A Estética na
Filosofia Clássica: Baumgarten, Kant e Schiller," a pesquisadora
explora diversos aspectos do conceito de estética na Filosofia Clássica.
Seu objetivo é compreender a origem e o sentido inicial desse
conceito, contribuindo assim para a construção de uma possível
definição para a 'estética da sensibilidade' no âmbito da Filosofia da
Educação.
A autora empreende uma incursão filosófica profunda ao
discernir entre estética e arte, uma distinção crucial para a
compreensão do desenvolvimento humano e da educação. A estética,
tal como discutida nas reformas educacionais contemporâneas,
transcende a mera arte ao abraçar integralmente a esfera da
sensibilidade humana - uma sinfonia de percepções, emoções, e
17
expressões em objetos, sons e visões. Este estudo revive o legado da
Grécia Antiga, onde a estética não era apenas apreciada, mas
fundamental para a compreensão da condição humana.
Através da lente de Baumgarten, que em sua obra "Aesthetica"
estabelece a estética como a ciência das sensações, a autora explora a
busca da beleza como a quintessência do conhecimento sensível.
Baumgarten reimagina o belo, não como um mero acidente da
natureza, mas como uma força antropocêntrica, uma interseção entre
razão e a experiência sensorial elevada. Sua visão pioneira
redirecionou o belo para longe do mero utilitarismo, colocando-o
firmemente na arena da subjetividade e representação harmônica,
uma verdadeira revolução paradigmática.
O texto avança para a filosofia de Immanuel Kant, explorando
sua concepção sobre o belo e o sublime, elementos centrais da estética.
Kant nos ensina que o prazer estético nasce do julgamento de gosto,
um processo que envolve nossa capacidade de imaginar e sentir
profundamente. Esta interação, segundo ele, é complexa e revela uma
relação de tensão e, curiosamente, de complementaridade entre a
racionalidade e a imaginação.
Kant nos apresenta o sublime como uma experiência de prazer
atípica, nascida da contemplação de fenômenos que transcendem
nossa compreensão, seja pela sua magnitude ou força avassaladora. Ele
descreve esse sentimento como um 'prazer negativo', uma forma de
apreciação que nasce ao reconhecermos as limitações de nossa mente
frente à imensidão da realidade.
Essa experiência do sublime é enfatizada como um aspecto
crucial da existência humana, colocando-nos diante do vasto e
ilimitado e, através deste confronto, transformando nossa percepção
de nós mesmos e do mundo. É um lembrete da nossa finitude diante
18
do infinito, uma lição de humildade que nos oferece um tipo distinto
de satisfação e reverência.
A autora desdobra a dialética kantiana, ilustrando como a
tensão entre a razão nosso poder de pensar e ordenar o
conhecimento e a imaginação a fonte de nossa criatividade e
inovação não é apenas uma batalha interna, mas uma dança. Estas
faculdades, embora muitas vezes pareçam opostas, são na verdade
complementares e essenciais para a experiência estética completa.
Ela aponta que o prazer estético, segundo Kant, não é um
simples contentamento sensorial, mas resulta de um julgamento de
gosto uma capacidade de avaliação que é intrínseca ao ser humano.
Este julgamento é uma orquestração complexa entre nossa capacidade
de imaginar e nossa sensibilidade, isto é, nossa habilidade de sentir e
de responder emocionalmente ao mundo ao nosso redor.
A abordagem da autora sobre o pensamento de Kant nos faz
ver que a estética vai muito além do que é simplesmente agradável aos
olhos. Ela toca o núcleo de nossa experiência como seres humanos,
convidando-nos a refletir sobre o nosso lugar no mundo e como
percebemos a realidade ao nosso redor. Esta não é uma ideia apenas
para filósofos; é algo que todos nós podemos sentir e entender em
nosso cotidiano. Ao aprender sobre a estética de Kant, mesmo aqueles
de nós sem conhecimento prévio em filosofia podem começar a ver o
mundo de uma maneira nova e enriquecedora.
A obra de Schiller, "Sobre a Educação Estética do Homem",
é habilmente integrada à discussão, com sua noção de belo como
sensível e objetivo. Schiller não só busca a síntese do belo e do
sublime, mas vê na educação estética um caminho para refinar os
sentimentos e promover a liberdade humana - uma liberdade que é
tão estética quanto é ética.
19
Ao entrelaçar as teorias de Baumgarten, Kant e Schiller à
pedagogia contemporânea, o estudo estabelece um diálogo
enriquecedor com a Filosofia da Educação moderna, expandindo a
conversa sobre a estética da sensibilidade. Esse trabalho lança uma
crítica ao predomínio da razão e do empirismo na educação brasileira,
que muitas vezes prioriza o tangível e o mensurável em prejuízo das
dimensões subjetivas e emocionais. A estética da sensibilidade, nesse
contexto, é vista sob um viés pragmático, servindo mais como
instrumento de utilidade do que como caminho para a emancipação
intelectual.
Este estudo desafia o paradigma vigente, advogando por uma
compreensão da estética que vá além da lógica instrumental,
cultivando a formação de indivíduos conscientes de seu papel crítico
e ético na sociedade. Nesse sentido, ressalta-se a importância de
revisitar a estética da sensibilidade por meio de uma abordagem
teórica que se afaste de uma racionalidade estrita.
O texto prevê uma investigação adicional que considerará a
singularidade do Brasil, distanciando-se das raízes educacionais
europeias coloniais. Reconhecerá as características únicas da sociedade
brasileira que persistem apesar das tentativas de homogeneização
cultural. Um capítulo futuro promete explorar a educação e a
sociedade brasileira através do prisma da teoria decolonial, buscando
valorizar e integrar a identidade nacional no discurso educativo.
No capítulo "Perspectivas Decoloniais: Articulações em/para
a Filosofia da Educação," a análise profunda da decolonialidade se
apoia em uma revisão bibliográfica robusta, desvendando as cicatrizes
da colonização europeia na América Latina e suas imposições sobre os
conhecimentos dos povos originários. O estudo aponta como o
colonialismo velou a rica história e diversidade cultural dos povos
indígenas, entrelaçando-se na gênese de estruturas étnico-raciais e
20
sexistas e deixando legados de opressão que ainda ressoam na
contemporaneidade sob as sombras do racismo, machismo,
capitalismo e globalismo.
A obra em questão mergulha nas complexidades da América
Latina, examinando-a sob o arcabouço da teoria decolonial, que
desvenda a região como um cenário onde as narrativas
modernas/coloniais se entrelaçam. Esta análise acadêmica enfatiza
como a chegada dos europeus impôs um novo sistema de valores e
conhecimentos, frequentemente camuflados sob a noção de
progresso, mas que, na realidade, resultou na opressão e na
marginalização sistemática das culturas indígenas e afrodescendentes.
Através do pensamento crítico de Aníbal Quijano, a obra
desafia a suposta superioridade do paradigma ocidental, argumen-
tando que o processo de modernização na América Latina foi, de fato,
um veículo de violência e dominação. Quijano cunhou o conceito de
"colonialidade do poder", um termo que explica como as estruturas
coloniais sobrevivem no presente, perpetuando desigualdades sociais,
raciais e econômicas. Seu trabalho argumenta que a colonialidade não
terminou com as independências formais dos países latino-
americanos, mas continuou a moldar as sociedades de maneiras mais
sutis e profundamente enraizadas.
A obra expande essa discussão ao abordar como a
colonialidade afeta a epistemologia a forma como conhecemos e
compreendemos o mundo. Ela ressalta que o conhecimento e a
cultura foram colonizados juntamente com os territórios, levando à
desvalorização ou mesmo ao apagamento de práticas e saberes não
europeus. Isso cria o que Quijano e outros teóricos decoloniais
chamam de "hierarquia global de conhecimento", onde as formas de
saber dos colonizadores são vistas como superiores e mais legítimas do
que aquelas dos colonizados.
21
Atrativa tanto para acadêmicos quanto para o público mais
amplo, esta obra não apenas explica a teoria decolonial, mas também
ilustra como ela pode ser usada para reinterpretar a história e a cultura
da América Latina. Ao fazer isso, ela nos encoraja a reconhecer e
valorizar as ricas tradições e conhecimentos dos povos originários e
afrodescendentes, e a considerar maneiras de descolonizar nosso
pensamento e práticas atuais.
Este estudo defende o movimento decolonial como um
caminho para reavivar os elementos culturais essenciais dos povos
nativos, contribuindo para uma identidade genuína e fortalecida. A
postura intercultural proposta abraça a multiplicidade de saberes e
práticas, incentivando uma coexistência equitativa e sem
preconceitos, culminando em uma interculturalidade autêntica.
Frantz Fanon, um pensador seminal da decolonialidade, é
invocado para introduzir a noção de "sociogênese". Esta ideia desafia
a visão simplista da identidade negra, mostrando que ela é forjada
dentro do imaginário racial do colonialismo, e não se limita a
características fenotípicas. É uma visão que convida à reflexão sobre
as camadas profundas de significado que compõem a identidade em
um mundo ainda assombrado por seu passado colonial.
"Sociogênese" basicamente significa como as sociedades se
formam e evoluem ao longo do tempo. Fanon foca em como as
sociedades mudam depois de se libertarem do controle colonial. Este
livro argumenta que essa ideia é única porque vai além do que é
tradicionalmente explorado em estudos sobre evolução humana e
desenvolvimento individual, ao enfatizar a experiência de pessoas que
foram oprimidas pelo colonialismo.
Enquanto áreas como a Sociologia, a Psicologia e a História
tentam entender a experiência dos negros, a sociogênese proposta por
Fanon vai mais fundo, desafiando as maneiras tradicionais de pensar
22
e aprender sobre o mundo, especialmente quando se trata de
conhecimento que vem da perspectiva decolonial. Ele quer saber
como as relações sociais afetam a identidade das pessoas, tanto
individual quanto coletivamente, e como essas relações podem mudar
depois que um país se liberta do colonialismo. A abordagem de Fanon
é valiosa porque nos ajuda a entender os desafios que as sociedades
enfrentam enquanto tentam se transformar e se libertar das sombras
do passado colonial.
Em resumo, o capítulo oferece uma contribuição significativa
para o entendimento da decolonialidade na Filosofia da Educação,
explorando as raízes históricas da colonização na América Latina e
propondo uma abordagem intercultural e desobediente epistêmica
como caminho para uma compreensão mais autêntica e inclusiva.
Pode se afirmar que a análise da autora é fundamentada em uma
cuidadosa revisão bibliográfica, enriquecendo o debate acadêmico
sobre as perspectivas decoloniais.
No capítulo "Qual o Lugar da Estética da Sensibilidade?", a
reflexão se volta para a integração da estética da sensibilidade dentro
de uma moldura decolonial, com um olhar atento para a realidade
educacional da América Latina, e mais precisamente, do Brasil. A
indagação central é se a educação brasileira, com seus moldes
fortemente influenciados pelo eurocentrismo, pode verdadeiramente
abraçar e refletir uma estética da sensibilidade que seja autenticamente
latino-americana.
A discussão proposta parte do resgate dos fundamentos da
estética oriundos da filosofia clássica ocidental, buscando
reinterpretá-los sob uma perspectiva decolonial. Aqui, a estética da
sensibilidade é entendida como uma análise profunda das formas de
sentir e de perceber, ressaltando sua capacidade de unir racionalidade
23
e emoção, e de atuar como elemento propulsor na resolução das
tensões entre experiências sensíveis e pensamentos estruturados.
A obra se apropria do legado do filósofo Rodolfo Kusch, um
precursor de ideias decoloniais, para fundamentar esta análise. Kusch
é reconhecido por sua abordagem de reavaliação cultural a partir das
raízes da sociedade, valorizando a perspectiva dos campesinos e sua
resistência às imposições culturais dominantes. Embora Kusch não
tenha empregado explicitamente o termo "decolonial", seu trabalho é
situado neste campo crítico, enriquecendo a compreensão da estética
em contextos pós-coloniais.
A necessidade de forjar uma filosofia que se enraíze na
realidade presente e que honre as culturas e valores locais é posta em
destaque como um passo essencial para a descolonização do
pensamento. A ideia de uma identidade enraizada, ligada ao "ser" no
próprio ambiente, é central para a autenticidade latino-americana. O
texto aponta para uma lacuna na educação latino-americana, muitas
vezes inundada por práticas pedagógicas importadas que
desconsideram o contexto cultural local.
O capítulo conclama a um equilíbrio entre conteúdo e forma
educacionais, sugerindo que integrar plenamente o sentir ao pensar é
crucial para uma estética da sensibilidade que seja não apenas teórica,
mas vivida e autêntica, refletindo verdadeiramente a alma latino-
americana.
Em sua abordagem aponta a complexa relação entre ser e estar
na formação do latino-americano, ressaltando o embate entre a
cultura ancestral e aquela imposta pela colonização. Além disso,
reflete sobre os objetivos da educação contemporânea, sua interação
com o poder político e a resistência presente nos ambientes
educativos.
24
A estética da sensibilidade é apresentada como um ato de
insurgência e resistência, buscando promover a formação de
subjetividades decoloniais. A autora destaca a urgência de
descolonizar a estética na educação, reconhecendo seu papel central
nesse contexto.
A conexão entre as ideias de Paulo Freire e a perspectiva
decolonial é destacada nesse capítulo, enfocando a valorização das
memórias coletivas, diferentes abordagens de conhecimento e a ênfase
na educação popular. Embora Paulo Freire não se rotule como autor
decolonial, a autora ressalta que a pedagogia decolonial se alinha à sua
concepção de pedagogia libertadora, desenvolvida a partir de 1960.
Tanto na perspectiva decolonial quanto nos trabalhos de
Freire e Orlando Fals Borda, percebe-se a importância dada às
memórias coletivas dos movimentos de resistência e à busca por
abordagens diversas de conhecimento. É crucial salientar que a autora
não está sugerindo uma equivalência direta entre as teorias de Freire
e as teorias decoloniais, mas sim as considerando fontes inspiradoras,
reconhecendo que a educação popular, defendida por Freire, destaca
as potencialidades do conhecimento local e das experiências dos
grupos subalternos, aspecto similar às propostas educativas
decoloniais.
A necessidade de uma transformação significativa na educação
brasileira é evidenciada, alinhando-a ao princípio da decolonialidade.
Essa proposta aponta para uma abordagem crítica e reflexiva que
reconhece as diversas formas de conhecimento, quebrando com os
paradigmas educacionais tradicionais.
A estética da sensibilidade é então colocada como protago-
nista na educação decolonial, promovendo a subjetivação sensível, a
percepção do Outro e a mudança das mentalidades. A autora encerra
25
propondo uma compreensão crítica do multiculturalismo como base
para uma pedagogia decolonial.
No desfecho desta obra, a autora realiza uma incursão
profunda na estética da sensibilidade, destacando sua notável
distância das raízes etimológicas e semânticas, moldada pela
generalização na sociedade de consumo e no capitalismo estético.
Buscando coerência conceitual, a pesquisa resgata as ideias de filósofos
proeminentes, como Baumgarten, Kant e Schiller, propondo uma
definição mais robusta: a estética da sensibilidade como a habilidade
de harmonizar o sentir e o pensar, agindo como catalisadora entre
razão e emoção.
Diante da predominância de paradigmas cartesianos e
positivistas na educação, a obra destaca a urgência de explorar
alternativas, encontrando na teoria decolonial um arcabouço capaz de
reconstruir o passado e examinar as feridas infligidas pelo
colonialismo. A estética da sensibilidade, elemento central na
educação decolonial, representa a sinergia entre razão e sensibilidade,
incorporando o sentipensar e o corazonar.
Destaca-se, ainda, a visão de Kusch sobre a identidade latino-
americana, situada entre a europeia e a dos povos nativos,
sublinhando o papel crucial do movimento decolonial na forja de
uma antropologia-filosófica singular. O conceito de "estar sem mais",
expresso por Kusch, revela uma harmonia estética entre pensar e
sentir, uma existência desvinculada das imposições do ser
caracterizada pela completa aceitação do ciclo da vida.
A proposta de introduzir uma estética da sensibilidade na
educação contemporânea é encarada como uma transgressão,
demandando uma formação insurgente de professores para efetivar
essa visão decolonial. O texto sugere reflexões futuras sobre esse
desafio.
26
Ademais, a obra examina a influência da sociedade
contemporânea na configuração da estética, considerando fatores
como tecnologia, consumo e individualismo. A discussão sobre a
estética na sociedade capitalista oferece insights cruciais para
compreender o papel da educação nesse contexto.
O diálogo proposto entre sentir e pensar na educação, visando
resgatar a harmonia entre esses elementos como essência da estética
da sensibilidade, constitui uma contribuição genuína. A autora, de
maneira convincente, argumenta sobre a necessidade de superar a
dicotomia entre razão e emoção na prática educacional, promovendo
uma abordagem mais integradora.
Ao mesclar densidade conceitual e lucidez expositiva, a autora
mantém o rigor acadêmico essencial, proporcionando uma imersão
profunda nos temas abordados. Destaca-se, ainda, a habilidade em
articular um diálogo interdisciplinar de maneira coesa,
proporcionando uma análise multifacetada que ressoa no cerne das
questões discutidas.
A presente obra não apenas enriquece o campo acadêmico,
mas também oferece uma contribuição significativa para a
compreensão e promoção da estética da sensibilidade na educação
brasileira. A obra de Marina Coimbra Casadei Barbosa da Silva, pela
sua profundidade, originalidade e relevância, certamente se destaca
como uma leitura essencial para pesquisadores, psicólogos,
educadores e todos aqueles interessados em abordagens inovadoras no
âmbito educacional.
Professor Doutor Antonio Carlos Barbosa da Silva
Psicologia Social, Unesp-Assis
27
INTRODUÇÃO
A pesquisa de doutorado da qual se originou essa obra tomou
por objeto de estudos a estética da sensibilidade que compõe um dos
três fundamentos da educação brasileira que foi descrito no Parecer
CNE/CEB 15/98. Tenho por objetivo compreender qual é o
sentido desse fundamento que foi inserido no campo da educação após
a reforma educacional de 1990, além de pensar suas possibilidades de
sentido no contexto educacional.
Após deparar-me com um enunciado vago e genérico da
estética da sensibilidade contido nos documentos da educação, me
propus a de buscar um conceito para estética da sensibilidade a partir
dos clássicos da Filosofia que se debruçaram sobre o estudo da estética,
como Baumgarten (1993), Kant (1994) e Schiller (1997). Esse novo
conceito ensaiado nesta obra ampliou o olhar para as possibilidades
educativas, levando para reflexões de um pensamento decolonial,
latino-americano.
Grande parte dessas reflexões acerca da teoria decolonial
provém dos encontros realizados pelo Grupo de Estudos e Pesquisa,
Ética, Educação e Sociedade (GEPPES), liderado pelo Prof. Dr.
Alonso Bezerra de Carvalho (UNESP- Marília) e Genivaldo de Souza
Santos (IFSP/Birigui). O propósito do grupo visa promover debates
e reflexões com o objetivo de compreender e articular os aspectos que
constituem o ethos, isto é, da maneira de ser, de estar, de pensar, de
agir, de educar que foram e que estão sendo produzidos na América
Latina, de modo especial o ethos escolar. Além disso, grande parte da
minha inquietação a respeito da educação é proveniente da formação
em Psicologia, por meio da qual germinaram os primeiros
28
questionamentos sobre a cultura da escola e a Psicologia Escolar. Ainda
na pesquisa do mestrado, trabalhei sobre as festas escolares e sobre a
cultura da escola, o ethos escolar. E na pesquisa de doutoramento
continuamos a percorrer as questões escolares, aqui, sobre a estética
da sensibilidade.
Pouco conhecemos sobre nossas filosofias "nativas",
pensamentos próprios e ideias outras que, se retomadas, expostas e
debatidas, podem contribuir para novas concepções, posturas e
práticas que atendam os anseios por professores, pesquisadores e
aqueles envolvidos no campo da educação e que ainda atuam sob
pensamentos e ideias pedagógicas da cultura proveniente do
continente europeu, que poderíamos chamar de “universal”.
O termo decolonial
1
ou ainda descolonial (não há total
concordância sobre qual o mais apropriado) refere-se em geral à
dissolução das estruturas de dominação e exploração pela colonia-
lidade e desmantelamento de seus dispositivos principais
1
. Ou seja, a
de(s)colonização é um processo de superação do colonialismo,
geralmente associado às lutas anticoloniais no marco dos Estados que
resultaram na independência política das antigas colônias. Nesta obra,
adotaremos o termo decolonial com a supressão do “s”.
O colonialismo é uma estrutura de poder, de dominação e
exploração que aconteceu nos países colonizados, como na América
Latina, e opera até à época contemporânea pela colonialidade como
padrão de poder, na naturalização das hierarquias territoriais, raciais,
artísticas, culturais e epistemológicas que reproduzem as relações de
dominação e deixa profundas marcas nos colonizados.
1
A sugestão do uso do termo decolonial, com a supressão do “s”, com o sem hífen, foi feita
por Catherine Walsh. A supressão da letra “s” marcaria a distinção entre o projeto decolonial
do Grupo Modernidade/Colonialidade e a ideia histórica de descolonização, via libertação
nacional durante a Guerra Fria. (BALLESTRIN, 2013, p. 108).
29
Compreendo que nossa América não foi descoberta como
muito já se falou, ela foi colonizada, usada, e junto com ela foi
também colonizado os povos originários, seus costumes, culturas,
ritos, e toda forma de vida existente aqui foi alterada. Os
colonizadores impuseram sua cultura, espiritualidade, usaram a terra
para retirada de riquezas que até então não tinham valor por aqui, e
tudo se alterou de modo que hoje precisamos reunir esforços para
compreender o tamanho do impacto destrutivo que a colonização
gerou para os autóctones num primeiro momento de (des)encontro.
Com o fenômeno da globalização e, também, após 500 anos
vivendo sob as consequências desse processo colonizador, houve
acontecimentos marcantes que mudaram os paradigmas vigentes no
mundo moderno, e consequentemente toda ilusão e promessas não
cumpridas por esse modelo de pensamento. Na América-Latina, e
também em demais países historicamente colonizados, emergiu uma
nova perspectiva epistemológica provinda de uma consciência de que
o modo de pensar, de produzir conhecimento e de se relacionar com a
própria existência tem se mostrado alheia à nossa ancestralidade
histórica.
Nesse trabalho, parti da ideia de que a educação é um ponto
especial a partir da qual toda colonialidade existente se propaga, de
modo sutil por vezes, porém efetiva, que faz perdurar a colonialidade
do saber, do poder e do ser, e é na perspectiva da colonização do ser
(do ser/estar, sentir/pensar) que me debrucei especialmente. A estética
da sensibilidade se mostra um dos mecanismos sutis dessa forma de
colonização da nossa subjetividade, dos afetos, das emoções, dos
sentidos.
Posto isso, o objetivo geral da pesquisa foi revelar como a
estética da sensibilidade, um enunciado bem descrito com adjetivos e
qualidades pode ser compreendido como uma estratégia de
30
manutenção da colonialidade na educação, evidenciando a educação
como uma aliada da sociedade de consumo, da tecnologia, da
informação, cuja intenção é de manutenção do status quo sem
salvaguardar críticas aos processos colonizadores ocorridos e ainda
ocorrem legitimados pela colonialidade.
O avanço da tecnologia (robótica, sofwtares, programas,
microchips etc), nunca visto antes, restringiu a necessidade de
quadros maiores de funcionários nas fábricas e permitiu que ações
desenvolvidas ao redor do mundo (novas formas de entretenimento,
conhecimentos, costumes etc.) fossem compartilhadas em diversos
países. Nos últimos tempos, o capital produtivo cedeu lugar para o
capital financeiro, pois a indústria, a partir do avanço tecnológico,
passou a produzir mercadorias em excesso, consequentemente
serviços, e o consumo tornou-se a motor da economia. A educação
escolar foi invadida pelas tecnologias, como por exemplo a educação
à distância, os softwares educativos, a internet etc. Por isso, as relações
humanas e as formas de compreensão dos objetos de estudo, que
outrora ocorriam no espaço físico da escola foram ressignificadas. Por
fim, padrões estéticos (forma física, arte, comunicação, relaciona-
mentos, entretenimento etc.) são reabastecidos pelo mundo virtual,
pelo capital maleável, pelo consumo, pelo individualismo e
competitividade, impondo uma nova forma de se portar e agir diante
de um mundo tão célere e que muda constantemente.
Assim, a estética no mundo contemporâneo assume um papel
importante, chegando a ser elemento central no sistema capitalista. A
estética configura-se por padrões de criatividade, inventividade,
afetividade, qualidade e delicadeza. Nesse sentido, o homem estético
tornou-se aquele que adere às características da sociedade capitalista.
Mas a incerteza, a insegurança, o consumismo, o hedonismo, o
individualismo, a celeridade, a obsolescência e o descarte também
31
fazem parte dessa sociedade. O sujeito dentro deste capital estético
deve ser capaz de suportar a inquietação, a convivência com o incerto
e o imprevisível, a obsolescência de ideias e produtos que duram curto
tempo e são descartados conforme o interesse dos consumidores e a
benevolência dos grandes capitalistas.
Segundo Trojan (2004), o capital estético valoriza a leveza, a
delicadeza e a sutileza, necessárias para um trabalhador polido,
educado e perspicaz, capaz de compreender o explicitado e, ao mesmo
tempo, o insinuado. Trata-se de uma concepção de estética
fundamentada na aparência e na superficialidade que pode esconder
as relações de opressão e exploração da classe trabalhadora.
Para preparar sujeitos aptos a atender essa realidade, a
educação precisou se remodelar, e após a reforma educacional dos anos
1990, mais precisamente no Parecer CNE/CEB 15/98, a estética da
sensibilidade aparece como um dos fundamentos da educação que
seria capaz de modular as subjetividades para a demanda dessa
sociedade. O objeto de estudo da pesquisa da qual originou esse livro,
a estética da sensibilidade, foi analisado sob uma perspectiva crítica
ao modelo vigente de educação. Empenhei-me em compreender o
termo “estética da sensibilidade” contido no documento educacional
sob à luz da Filosofia da Educação ocidental, e desenvolver um
potencial conceito para esse termo a partir da interlocução entre
filósofos clássicos que foram proeminentes na abordagem sobre
estética. Posteriormente, promovi aproximações desse conceito
construído às concepções da teoria decolonial.
Algumas vezes é preciso retroceder para avançar, sob esse
entendimento foi que voltei aos clássicos europeus, especificamente
os primeiros a conferir atenção à estética, justamente porque
compreendo que a produção do pensamento, no nosso contexto
cultural e educacional, foi formatada aos moldes europeus e aqui
32
realocadas. Esse modelo importado tornou-se o modus operandi,
hegemônico e que cria barreiras para eventuais formas alternativas de
se pensar.
Encontro um potencial sentido da estética da sensibilidade na
Filosofia e faço um exercício de reflexão sobre o que seria uma
educação estética numa outra realidade educacional - a decolonial.
A bricolagem tornou legítima a possibilidade de se fazer
pesquisa a partir do diálogo entre autores de pontos de vistas distintos,
realidades plurais e permitiu pensar a estética da sensibilidade sob
prismas diversos, inaugurando nesta pesquisa a hipótese de que a
harmonia entre o pensar e sentir pode ser o sentido da estética da
sensibilidade.
A sociedade da produtividade, da dicotomia, da razão apurada
cindiu o amálgama do sentir-pensar, quebrou essa relação a ponto de
setorizar o que é do campo do sentir e o campo do saber. Nas leituras
decoloniais é possível encontrar diálogos com um outro modo de se
perceber a vida, a relação com o conhecimento, o sentipensante, o
corazonar e a esperança de novas modalidades e perspectivas
educacionais. Orlando Fals Borda (2015), ao conviver com povos
campesinos e ribeirinhos ameríndios e com a chamada cultura anfíbia
destes povos, se depara com o significado profundo de ser
“sentipensante”, ou seja, de atuar com o coração e empregar o racional
a um só tempo. Sousa (2017) acrescenta que o termo sentipensar
também permeia e é categoria fundante em toda a filosofia literária de
Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio, considerado um dos
principais expoentes do antiamericanismo e anticapitalismo na
América Latina do culo XX. o corazonar, de acordo com
Patricio Guerrero Arias (2010a), é uma postura intelectual,
acadêmica e política de luta decolonial a partir do corazonamiento do
saber, do poder e do ser. O termo corazonar faz referência à religação
33
da afetividade à racionalidade intelectual e trata-se de uma postura de
decolonialidade do saber, do sentir e do ser, mas também de uma
decolonização da própria academia e sua racionalidade
universalizante.
Esses termos trazem a ideia da importância da subjetividade
do pesquisador/produtor de sua existência/protagonismo, seu lugar de
afeto, de fala, na ciência, na arte, na cultura, na educação, enfim, em
todos os âmbitos em que as pessoas buscam produzir suas existências
no mundo. Ao situar a “operação historiográfica” em uma espécie de
espaço intermediário entre a linguagem de ontem e a contemporânea,
Certeau (2011) deixa claro que a marca do lugar de onde se fala incide
de forma indelével sobre essa “operação”. Sua reflexão sobre a
historiografia é uma interrogação acerca de suas próprias condições de
possibilidade, bem como das características constituintes e
peculiaridades desse discurso, cuja relação com o lugar a partir do qual
é articulado é incontornável.
Por isso, falar em educação é também falar de vida, e nesta
pesquisa instigo relacionar o saber e o sentir e a buscar outras
sensibilidades de mundo. É por isso que este livro está escrito na
primeira pessoa do singular, por compreender que o meu lugar de
fala, de mulher, acadêmica, mãe, psicóloga, pesquisadora e professora
univesitária, além da afinidade pessoal para com a temática,
influenciam sobremaneira nesta pesquisa, pois não é possível cindir a
função de pesquisadora com as demais esferas que compõe a vida
cotidiana e afetiva. A opção pela escrita na primeira pessoa do singular,
muitas vezes recusada em trabalhos científicos tem sido um dos
tópicos repensados pelas pesquisas decoloniais.
A minha própria reflexão crítica também se compromete com
uma inscrição intelectual que, do “eu” ao “nós”, se compreende
emancipatória. Nesse sentido, biografar-me profissionalmente
34
adquire o sentido de colocar a minha trajetória aprendente como
objeto de investigação crítica acerca das possibilidades de uma
formação docente comprometida com perspectiva epistemológica
antirracista, feminista, interdisciplinar, interprofissional, intercultural
e interepistêmica.
Mignolo (2014) utilizou a expressão visión del mundo
2
(no
original) para o qual “el concepto de ‘visión’ es privilegiado en la
epistemologia occidental. Al serlo, bloqueó los afectos y los campos
sensoriales, uno sólo de los cuales es la visión”
3
(MIGNOLO, 2014, p.
31). Por isso a busca da sensibilidade de mundo é exatamente na
busca da harmonização do pensar e sentir, o que deveria ser de fato o
sentido da estética da sensibilidade na educação.
Levando-se em conta os apontados citados, entendo que o
doutorado em educação precisa ser marcado por reflexões sobre a
formação do professor pesquisador-crítico. Nesse sentido, não se pode
perder de vista que a investigação científica é, antes de tudo, um
trabalho humano e social que, portanto, envolve intersubjetividades.
Evidencio a bricolagem como uma atitude investigativa-
reflexiva, como abordagem que orienta o pesquisador em seu modo de
pensar e fazer ciência. A bricolagem propõe o diálogo, o ato de ouvir,
dar espaço para a fala, e compreende que as verdades não são
definitivas. Possibilita, portanto, enxergar o fenômeno com origem em
diversas visões, entendendo que o discurso expresso, muitas vezes,
apenas reproduz um repertório hegemônico, sendo assim, a
bricolagem não é imparcial, e muito menos sinônimo de ecletismo.
2
Visão de mundo
3
o conceito de "visão" é privilegiado na epistemologia ocidental. Ao ser assim, bloqueou os
afetos e os campos sensoriais, dos quais apenas um é a visão.
35
É claro que o período de doutoramento representa uma fase
bastante curta para se formar um cientista bricoleur em toda a sua
inteireza. Mas, por outro lado, é um tempo fundamental para se refletir
sobre a necessidade da construção e legitimação de modos distintos
de ver e fazer pesquisa em educação.
No primeiro capítulo desta obra, “Bricolagem: uma postura
metodológica reflexiva”, justifico e explicito escolha da metodologia
da bricolagem, a qual nos permite estudar a estética da sensibilidade-
sob diversos pontos de vista. A bricolagem é uma metodologia que
questiona o pensamento hegemônico em relação a pesquisa e,
portanto, se mostra uma abordagem reflexiva e flexível, coerente com
a pesquisa contemporânea e com pensamento decolonial, além de se
mostrar um campo crescente na área educacional.
No segundo capítulo, intitulado “A estética da sensibilidade:
multiplicidade de sentidos e limitações conceituais” entro de fato na
apresentação do objeto de estudo desenvolvido, apontando sua rasa e
genérica localização e apresentação no documento oficial da educação
brasileira. Ao mesmo tempo, procuro refletir sobre a sociedade em
que vivemos e suas inter-relações com a educação. Ao terminar esse
capítulo é possível compreender uma cooptação da estética pela
sociedade atual e notamos a necessidade de retornarmos aos filósofos
clássicos que se aprofundaram na construção sobre o sentido e
significado da estética para elaborarmos um sentido conceitual
filosófico do que seria, afinal, uma estética da sensibilidade.
No terceiro capítulo, portanto, trato sobre a estética na
filosofia clássica em três grandes pensadores: Baumgarten, Kant e
Schiller. Aqui retomo os estudos de Baumgarten, filósofo que
introduziu a expressão estética no seio da Filosofia, propondo-a
como disciplina para o estudo das sensibilidades. Kant também foi
um autor relevante para a compreensão de estética, pois ele se reportou
36
aos estudos de Baumgarten e tratou sobre a subjetividade inerente ao
belo, e por fim trouxemos Schiller, que tratou sobre a educação
estética como uma possibilidade de educar os sujeitos para serem
livres. Diante disso, compreendo que a estética abordada pelos seus
filósofos precursores se distingue da estética empregada na educação
contemporânea. A estética da sensibilidade deveria estar, como
hipoteticamente mencionado, com a arte de harmonizar o sentir e o
pensar. A estética como um campo de conhecimento do sensível
pouco se assemelha com a estética da sensibilidade utilizada nos
documentos oficiais da educação brasileira que visa adaptar os sujeitos
às mudanças constantes do mundo do trabalho, submetendo-se as
constantes e céleres revoluções tecnológicas que marcam a
contemporaneidade.
Continuo, ainda no terceiro capítulo, mostrando o
rompimento entre o sentir e o pensar, entre as instâncias da razão e
da emoção ocasionadas fortemente pelo movimento racionalista
Iluminista e positivista sob o qual nossa sociedade ocidental se
estruturou na modernidade. Mas não seria proveitoso parar por aqui.
Assim, o desenvolvimento da pesquisa tece continuidade norteado
pelos seguintes questionamentos: Onde a estética da sensibilidade,
coerente com os pressupostos da Filosofia, poderia se efetivar para
uma educação estética? Haveria espaço para uma estética da
sensibilidade outra, em educação? Se sim, em qual? Para responder a
estas questões, ampliei a ótica e elaborei um novo ensaio delineado no
quarto capítulo.
No capítulo quatro, intitulado “Perspectivas decoloniais:
articulações em/para a Filosofia da Educação” articulei reflexões com
uma outra possibilidade e perspectiva teórica para e na Filosofia da
Educação, evidenciando os estudos do pensamento decolonial.
Movimento que é contra a dominação de versões universalizantes de
37
conhecimento, e que busca a construção do conhecimento próprio do
lugar do qual falamos. Para compreender melhor, é preciso entender
a criação da América Latina, o processo de colonização e os poderes
que perpassam nossas estruturas e colonizaram nosso modo de ser,
pensar, agir. E assim, depois dessa explanação sob uma nova
perspectiva de vislumbrar nossa cultura, é possível explanar sobre uma
outra possibilidade educacional.
Chego ao quinto capítulo no qual me debruço sobre os
sentidos e as possibilidades de uma educação na qual a estética da
sensibilidade esteja presente na finalidade compatível ao conceito
apuradamente mais clássico que concluí a partir dos filósofos e mais
próximo de nos enveredarmos em possibilidades de uma educação
decolonial brasileira em harmonia com o sentir e pensar, ao encontro
da Filosofia e Pedagogia de Paulo Freire, filósofo e educador que
travou um debate e também mostrou a importância das questões
estéticas no campo da educação, sobretudo em países em que o
colonialismo avançou na supressão das identidades dos povos
considerados de terceiro mundo.
Ao final, apresento as considerações finais e aspectos pós-
textuais. A estética da sensibilidade como a arte de harmonizar o sentir
e o pensar seria um conceito expressivo para as pesquisas decoloniais
em educação, além disso, propor essa estética da sensibilidade como
um modo de fazer educação para o processo formativo e na prática
docente já poderia, por si só, ser considerada decolonial, pois atua
contrária aos modelos dominantes na educação contemporânea.
38
39
CAPÍTULO 1
BRICOLAGEM:
UMA POSTURA METODOLÓGICA REFLEXIVA
Neste capítulo explano sobre a bricolagem, que é uma postura
metodológica reflexiva que foi adotada para sustentar as reflexões sobre
a estética da sensibilidade sob diversas perspectivas teóricas.
A pesquisa desenvolvida centrada na análise da estética da
sensibilidade e no delineamento de propostas ou hipóteses cujas
constatações ou verificações são, sem dúvida, pontos delicados e,
também, aqui reside. Trata-se, provavelmente, uma das grandes
diferenças entre a Filosofia e as ciências em geral.
Como exigir verificação em pesquisa de cunho filosófico? Ou
melhor, o que caracterizaria essa verificação para pesquisas dessa
natureza? Em certos momentos da história da ciência chegamos a
acreditar que a possibilidade de verificação de um estudo poderia
somente ser realizada se a pesquisa fosse conduzida em bases
quantitativas. Percebeu-se, entretanto, que esse princípio não poderia
ser aplicado indistintamente a todas as áreas do conhecimento e até
hoje, provavelmente, não podemos apontar um princípio de
verificação próprio à filosofia.
Como mencionei na introdução deste trabalho sobre a
separação da razão e sentimento, também foi estabelecido que o
conhecimento científico e o filosófico são de ordens epistemologica-
mente distintas, não podendo ser equiparados. A dificuldade de
comprovação e verificação nos estudos da Filosofia não implica
ausência de verdade, mas que as verdades não estão sujeitas à
40
verificação de fato e aos controles precisos. Esclareço, no entanto, que
não é o intuito fazer a defesa da cientificidade ou da não-cientificidade
das reflexões exercitadas aqui, mas simplesmente apontar que não há
um princípio metodológico universalmente aceito que possa ser
exigido como condição para que este estudo seja considerado válido.
Um dos pontos mais particulares deste trabalho é sua
abrangência. Nosso objeto de estudo é delimitado, porém as reflexões
que nos propusemos a realizar encontram-se diante de um vasto
campo, o campo da estética (do sentir-pensar). Diante de tal
amplitude corremos o risco de nos deleitar em um mar de reflexões e
conceitos tão variados e muitas vezes contraditórios e não chegarmos
a um lugar-comum. Certamente isso torna toda nossa discussão, logo
de antemão, suscetível de críticas por abarcarmos o objeto de estudo
por perspectivas teóricas diversificadas e plurais de reflexões, mas
também de possibilidades e de novas perspectivas.
Reconheço que a pesquisa desenvolvida apresentou certas
limitações intrínsecas, mas também que, se assim ocorre, é em função
de uma visão de mundo que o fundamenta. Estudar a estética
desvinculada do sujeito contemporâneo, herdeiro das ideias que
fundamentaram o Iluminismo, a modernidade, é, na melhor das
hipóteses, uma abstração didática.
As experiências humanas são baseadas no pressuposto do ser
no mundo, e a ideia da existência quer precisamente exprimir que a
subjetividade humana não é real sem o mundo e que este pertence à
essência do homem, de modo que, deixando-se de lado o pensamento
do mundo, também o sujeito não pode mais ser afirmado. Surge a
necessidade de se atentar para a dimensão relacional entre objetivo e
subjetivo, focando, assim, o próprio local no qual o “pacto” entre corpo
e mundo é estabelecido. Entendo que as referências deste mundo são
41
diluídas, desmanchadas e desacreditadas, gerando uma crise no
sujeito.
A forma com que essa crise se manifesta, pelo menos no
âmbito da reflexão filosófica, é a de uma crítica da modernidade que,
frequentemente, acaba por apontar um certo mal-estar cultural
contemporâneo e isso nos leva a refletir sobre outros modos possíveis
de se relacionar com o estar no mundo, o ser e estar, o pensar e o
sentir. E esse outro modo de pensar, muitas vezes pensando no modo
de outras culturas, povos originários, nos faz beber de outras fontes
para abordar a temática a partir de outro ponto de vista, como no caso
aqui, o pensamento decolonial que surgiu diante das intensas
mudanças sociais que colocaram em xeque o legado da modernidade.
As verdades da ciência moderna m sofridos constantes
críticas, e até mesmo o modo de se produzir conhecimentos tem sido
questionado atualmente, e esse trabalho é um deles. Dentro dessas
perspectivas alternativas emergentes está o método da bricolagem, que
uso neste livro para apresentar essa metodologia de pesquisa ainda
pouco utilizada, porém, pertinente e necessária para as ciências
humanas. A bricolagem permite uma variedade de métodos,
instrumentos e referenciais teóricos e confere a possibilidade de tecer
distintas reflexões e interpretações (NEIRA; LIPPI, 2012). Desse
modo, é possível dizer que o método da bricolagem denuncia as
relações de poder que estão vigentes nos discursos científicos que
colonizam os saberes.
Como tratei, as mudanças ocorridas na sociedade
contemporânea vêm colocando limites à racionalidade positivista que
embasa a cientificidade, visto que a ciência não resposta a todos os
problemas que o mundo enfrenta, inclusive em alguns momentos a
ciência pode fazer parte do problema ao forjar discursos totalizantes.
O questionamento da ciência inaugura espaços de discussão e
42
aceitação de outros referenciais teóricos para pensar o mundo,
mudanças nos critérios e procedimentos de produção ou mesmo
validação de discursos (SANTOS, 2001).
A identidade como um produto de uma construção discursiva
é uma análise dos Estudos Culturais, que é um termo que, em síntese,
dividem o compromisso de explorar as práticas culturais envolvidas
nas relações de poder. Giroux e Simon (2008, p. 98) compreende os
Estudos Culturais como “[...] o estudo da produção, da recepção e do
uso situado de variados textos, e da forma como eles estruturam as
relações sociais, os valores e as noções de comunidade, o futuro e as
diversas definições do eu”.
Para os Estudos Culturais seria impossível alterar os quadros
sociais sem que sejam modificadas ou desnaturalizadas as estruturas e
os discursos instalados que imperam na produção dos conhecimentos
científicos. A bricolagem vem tomando espaços em pesquisas em
educação, ainda que sejam parcos trabalhos dentro da filosofia da
educação que utilizam esse método.
A bricolagem é um termo que tem origem do francês
(bricolage), para designar um trabalho manual feito de modo
improvisado utilizando-se de materiais distintos. Certeau (2000)
utilizou a ideia de bricolagem para unir diversos elementos culturais
e ter como resultado algo novo. Como exemplo da pesquisa com
bricolagem em educação, podemos referenciar Kincheloe (2006;
2007), que define a bricolagem como um modo investigativo de fazer
pesquisa, em busca de incorporar distintas perspectivas sobre um
mesmo fenômeno, sendo assim, uma forma de fazer ciência levando em
conta a pluralidade de pontos de vista e as relações de poder que
perpassam o cotidiano. Nesse sentido esse método de fazer pesquisa
rejeita as diretrizes e roteiros preexistente e busca uma liberdade
teórica em referenciar diversos autores sob vários pontos de vista sobre
43
um mesmo assunto conferindo a possibilidade de criar processos
investigativos conforme surgem as demandas.
Por não privilegiar pontos de vistas hegemônicos, nem
métodos e nem teorias convencionais, a bricolagem altera a lógica
dominante na produção de conhecimentos, rompendo com o
reducionismo, a fragmentação e neutralidade quista pelos métodos
positivistas, que legitimam a desigualdade nas relações de poder
(KINCHELOE, 2007). Nesse método não há busca por verdades
universalizantes, mas sim a compreensão daquilo que produz e
reproduz a imposição dos discursos hegemônicos. As teorias e
conhecimentos são artefatos culturais e linguísticos, por isso, levando
em consideração a dinâmica social e histórica que modela a cultura que
está sob análise, na bricolagem o objeto de pesquisa e o contexto estão
atrelados e indissociáveis.
A busca por compreender o objeto de estudos a partir de
múltiplas perspectivas implica conhecer a origem das explicações
fornecidas e também as influências sociais sobre o objeto estudado,
ou seja, é preciso diversas explicações sobre o objeto, para que o
pesquisador possa ter variedades de caminhos a trilhar e,
possivelmente, chegar a múltiplas interpretações, contando ainda que
a subjetividade e o posicionamento político não são descartados na
bricolagem.
Neira e Lippi (2012) descrevem que no processo de
bricolagem, um processo de entretecer (no sentindo de tecer, tecer
juntos ou tecer entremeando), é uma pesquisa que ao final não confere
uma conclusão fixa, mas sim provisória e processual, pois se reconhece
que pode haver diversas interpretações sobre o objeto, construídas a
partir de discursos e construções sociais. Ao entretecer damos espaço
para multiplicidades de vozes, e vamos alinhavando o trabalho
compreendendo de qual lugar originam os discursos e os grupos que
44
defendem cada ponto de vista. Diante dessa feitura de colchas de
ideias, posicionamentos, a bricolagem sai de uma posição arrogante
de validar apenas uma interpretação sobre um objeto de estudo, para
favorecer o surgimento de outros pontos de vista e interpretações.
Diante disso, a busca por metodologias mais abertas, flexíveis
e criativas, com "rigor fecundante" (MACEDO, 1998, p. 62),
princípio básico da "bricolagem científica" nas pesquisas em educação,
tornou-se necessárias e atrativas por ser um método pouco utilizado
no contexto de pesquisa científica no Brasil. A bricolagem científica se
refere a um modo particular de pensar e realizar a pesquisa científica
que utiliza as lentes da multirreferencialidade.
A introdução da multirreferencialidade nas ciências humanas
e na educação vai além de uma perspectiva metodológica, assumindo
posição epistemológica. Jacques Ardoino, pesquisador francês
integrante de uma corrente científica centrada na complexidade dos
fenômenos educacionais, contribuiu para a disseminação desse
conceito no Brasil no final do século XIX. (RODRIGUES, et.al,
2016).
Ardoino (1998, p.24)
[...] a abordagem multirreferencial propõe-se a uma leitura plural
de seus objetos (práticos ou teóricos), sob diferentes pontos de
vista, que implicam tanto visões específicas quanto linguagens
apropriadas às descrições exigidas, em função de sistemas de
referências distintos [...], ou seja, heterogêneos.
Por meio da multirreferencialidade, a pesquisa vai além da
ciência tradicional, e nos permite desconstituir e readequar métodos.
Para Macedo (1998, p.64) "a multirreferencialidade não se encaixa
em nenhum tipo de colonialismo cientificista". A perspectiva
multirreferencial é pautada na reflexão crítica do conhecimento, num
45
processo de fazê-lo inseparável da dinâmica social, política,
econômica e cultural. Também fica evidente a visão de mundo do
próprio pesquisador, em toda a sua epistemologia, gnosiologia e
ontologia (GAMBOA, 2012).
O campo das buscas científicas sociais e humanas é desafiador
uma vez que a metodologia não é como um livro de receitas prontas.
O caráter de abertura da bricolagem permite a reflexão mais profunda
e ampla do objeto investigado, pois não é mais admissível um único
método ou modo de produção científica, mesmo que, para isso, se
tenhamos que garimpar reflexões de teóricos de outras áreas de
conhecimento em relação ao objeto pesquisado.
A bricolagem como um modo alternativo de pensar a
pesquisa, possibilita um modo distinto de olhar as demandas do
conhecimento no mundo contemporâneo. A flexibilidade conferida
pelo método da bricolagem possibilita que o pesquisador se aprofunde
de modo mais complexo o estudo do seu objeto de pesquisa, e consiga
realizar reflexões fundadas em conexões de diversas fontes necessárias
para a explanação em sua totalidade, associando-o ao conhecimento
social, cultural, educacional e psicológico, por exemplo.
O encontro com o modus operandi do bricoleur, com o seu jeito
idiossincrásico de pensar e fazer a pesquisa em educação, desvela a
realidade de que novas opções no campo investigativo estão se
desenhando. Esse novo horizonte ajuda a desconstituir a ideia de
associação indispensável a uma modalidade de pesquisa, geralmente
com orientações reducionistas de coleta e análise de indicadores. A
opção por métodos monológicos e ordenados implica uma clara
adesão às "racionalidades simplificadoras, unificadoras, redutoras [e
colonizadoras]." (MACEDO, 1998, p. 62).
46
Ao fazer um exercício de bricolagem, assumo o risco de
transitar de uma área a outra, com o objetivo de produzir
conhecimentos de maneira mais flexível, aberta, crítica e criativa,
porém, procurando manter um rigor científico necessário. Esse
modelo de trabalho não é simples, pois pensar na possibilidade de fazer
ciência por meio da bricolagem ainda é uma discussão fundada em
opiniões sem exames críticos mais afinados.
Lapassade (1998) apontou o preconceito ainda existente no
meio acadêmico em relação ao uso da bricolagem para se produzir
pesquisas científicas, porém entendemos que independentemente dos
preconceitos sobre a bricolagem, esse modo de pesquisa é apropriado
e capaz de suportar as posições críticas e reflexivas necessárias para
pensar na complexidade e totalidade do ser humano, sendo, portanto,
pertinente para a pesquisa em educação e demais áreas que busquem a
investigação de fenômenos complexos.
Mas uma pesquisa que trama as malhas, costura colchas de
ideias, irrompe com o convencional e fixo, transita entre culturas,
linguagens, concepções, também requer humildade científica, como
disse Kimcheloe e Berry (2007, p.51),
[...] a arrogância do especialista empírico é abandonada em favor
da humildade das perspectivas diversas [...] e mesmo aquilo que
acabamos de concluir em nossa pesquisa permanece eternamente
aberto a reconsideração à luz do que poderia ser, do que foi e do
que deveria ser.
A investigação a partir da bricolagem ao mesmo tempo que
constrói a pesquisa, também desconstrói métodos unívocos,
possibilita visitar e revisitar o tema estudado sempre que necessário,
pois entende o objeto de estudo passível de revisitações, revisões,
readaptações, reflexões e que não é algo definido como permanente
47
1.1 Princípios da bricolagem científica em educação
A bricolagem científica na área de Educação mostra-se como
uma alternativa reflexiva de concepção de mundo e de ser humano.
O homem será analisado a partir de múltiplas determinações,
enquanto produto e produtor social, um sujeito histórico, e isso
significa considerar que o sujeito interfere e recebe interferências de
elementos diversos, sendo ao mesmo tempo singular e plural, estando
em permanente constituição de si e do mundo. Esse pressuposto
implica romper com uma visão simplista de homem, percebido de
forma isolada, concebido com amparo em perspectivas unilaterais.
Nessa abordagem, a pesquisa está aliada a um compromisso social.
Reitero que a bricolagem científica, neste estudo, é entendida
como concepção de pesquisa que possibilita maior liberdade ao
pesquisador em transitar pelo território metodológico, sem deixar de
lado o rigor na formulação do conhecimento, associando saberes
diversos para melhor compreender seu objeto de pesquisa. Pelo fato
da bricolagem se relacionar à multirreferencialidade como
procedimento de produção científica, abrem-se portas para visualizar
o objeto de investigação sob olhares diversos - socioculturais,
políticos, filosóficos, sociológicos, psicológicos, históricos,
educacionais, éticos, estéticos, entre outros. Ou seja, diversos
elementos basilares para o desenvolvimento de análises que habilitam
o pesquisador a "fazer uso de sua caixa de ferramentas conceituais e
epistemológicas, dependendo da natureza do contexto de pesquisa e
do fenômeno em questão" (KINCHELOE; BERRY,2007, p. 27).
O diálogo crítico entre áreas disciplinares diversas pode
ampliar a compreensão do objeto e também produzir e apontar,
ocasionalmente, contradições, dúvidas e questionamentos impor-
tantes. A busca em compreender o objeto de estudo amplamente, por
48
meio de várias facetas, em suas múltiplas semelhanças e diferenças,
aumenta a capacidade interpretativa do pesquisador.
Tais argumentos sobre o uso da bricolagem na pesquisa em
educação se pautam, certamente, na compreensão de que investigar
um fenômeno da realidade vai além do manejo de técnicas e métodos,
geralmente dispostos em manuais que se limitam a orientar o passo a
passo de como fazer uma pesquisa corretamente. Com isso, a formação
de um pesquisador não pode se restringir ao domínio de algumas
técnicas de coleta, registro e tratamento de dados, porquanto estas
são insuficientes e não constituem em si mesmas instâncias
autônomas do conhecimento científico (GAMBOA, 2012).
As heranças do modelo tecnicista de pensar e fazer pesquisa
que se apoiam em pressupostos positivistas que desconsideram a
relação dialética entre o conhecimento e o contexto, descartando as
múltiplas formas de ver a realidade ainda está presente nos dias atuais.
Essa perspectiva esconde a complexidade da vida cotidiana que deixa
de ser analisada em sua totalidade. Critica-se, nessa perspectiva,
[...] a preocupação por constatar, descrever, congelar e prever
fatos, comportamentos humanos e sociais ou sistemas de
representação, como se fossem objetos inanimados e distanciados
do pesquisador por meio dos instrumentos e as técnicas de
pesquisa. Critica-se a pretensão de reduzir a complexidade do real
à visão simplista e superficial de uma fotografia estática.
(GAMBOA, 2012, p. 24)
Desse modo, estamos num processo no qual vem sendo
gestadas outros modos de perceber e viver a pesquisa em educação,
que surgem do diálogo com novos paradigmas, ampliando os
caminhos teórico-metodológicos e reconhecendo a importância da
49
interação dos sujeitos da pesquisa, tendo em vista a compreensão
crítica do objeto e a feição dialética da realidade a ser investigada.
Entendo que "atrás das diferentes formas e métodos de
abordar a realidade educativa há diferentes pressupostos implícitos
que precisam ser desvelados" (GAMBOA, 2012, p. 12). Desse modo,
o trabalho científico deve ser compreendido como uma lógica que se
formou a partir de diversos fatores articulados e de múltiplas
perspectivas.
Neira e Lippi (2012) advertem, no entanto, que ter diversas
referências não é sinônimo de perder o foco. É fundamental que o
pesquisador saiba eleger as inter-relações mais significativas, sem ficar
preso a determinados elementos da sua busca, sem encarcerar sua
liberdade, criatividade e rigorosidade fecunda. O caminho da
bricolagem é incerto e o ponto de chegada é duvidoso. A falta de
certezas, marca da bricolagem científica, chega a ser desafiadora e até
assustadora, mas a liberdade criativa do processo investigativo, sem as
correntes metodológicas adeptas da lógica única, dos procedimentos
monológicos, conferem outras possibilidades investigativas e
discursivas que enriquecerão o ato de pesquisar.
O pesquisador que tomou a bricolagem como seu caminho
investigativo pode apresentar inquietações, sobretudo ao se deparar
com a multiplicidade de áreas e a abrangência de teorias em curso no
campo científico. Como fazer para abordar e conhecer toda a gama
de categorias e conceitos que envolvem esse emaranhado teórico?
Kinchieloe e Berry (2007, p.120) ajudam a amenizar a
preocupação ao reforçarem que não é possível esgotar o tema, abordar
todas categorias e perspectivas em relação ao objeto de estudo e isso
não é pra ser a pretensão do bricoleur, pois toda a criatividade, a
perspectiva sensível pode se dissolver diante do cumprimento de um
protocolo exaustivo e enfadonho de rigor tradicional acadêmico. Em
50
contraposição a essa lógica, é preciso reconstituir a identidade crítica
do pesquisador, reconhecendo-o como investigador humano que não
se esquiva da força interdisciplinar emanada da bricolagem.
(RODRIGUES et. al, 2016).
Desse modo, a concepção da bricolagem científica abre
caminhos para modos de fazer pesquisa, nas quais, o ser humano e
suas relações são vistos numa totalidade, constituindo e se
reconstituindo em espaços situados, e compreende que a história de
vida dos sujeitos e os contextos em que eles estão inseridos interferem
substancialmente em todos os elementos da pesquisa. Além disso, a
visão multirreferencial do objeto estudado possibilita alterações mais
significativas para a compreensão do objeto, à medida em que
favorece pensar e repensar, desconstituir e constituir as temáticas e os
fenômenos sociais, entendendo que os construtos não são absolutos.
A bricolagem como um modo de fazer pesquisa científica abre
horizontes para pesquisa em educação, suscitando o reconhecimento
das diversas visões que podem ser determinadas e determinantes, em
maior ou menor grau, na vida do pesquisador dessa área e soa como
um convite para desconstituir e (re)constituir visões e perspectivas de
pesquisa na formação de professores, fundadas em abordagens mais
dialéticas, críticas e criativas, de modo que se logre compreender o
objeto em sua totalidade e complexidade humana e social.
Obviamente não se pode esperar que a concepção de
bricolagem se incorpore de uma hora para outra nos pensamentos e
práticas dos pesquisadores. Além disso, essa perspectiva não se
restringe somente ao campo da pesquisa científica, especificamente,
pois, na verdade, é uma razão multirreferencial de entender a
realidade e tudo que envolve o ser humano. É uma aprendizagem
contínua, infinita, que inclui o próprio currículo da vida humana em
toda a sua existência e profundidade.
51
A bricolagem é mais uma postura metodológica que um
método propriamente dito. É uma prática de fronteira, pois não finca
os pés em nenhum paradigma, e, portanto, assemelha-se ao conceito
de paradigma que agrega as dimensões éticas, históricas, culturais e
sociais aos modos de "fazer" ciência. Ao mesmo tempo em que se
mostra resiliente, no meio de tanta dureza dos "homens da ciência”, a
bricolagem apresenta-se flexível e multifacetada.
Não é à toa que essa postura metodológica é afinada ao
pensamento da teoria decolonial, que se posiciona de modo oposto aos
moldes universais e universalizantes de se fazer pesquisa e de ser. Não
perdi de vista o objeto de estudo, apenas foi necessária uma pausa para
que pudesse esclarecer os modos que continuarei as reflexões acerca
dele.
A partir daqui, abordarei a estética da sensibilidade dos
documentos da educação e posteriormente ensaiarei qual seria a
definição mais próxima do conceito estética da sensibilidade,
partindo da origem do termo e os expoentes da filosofia que
trabalharam com a definição de estética. A partir de então ousarei em
reflexões do que poderiam ser compreendidas como estética da
sensibilidade para perspectivas outras em educação, modos de vida, e
de cultura. Passo a refletir de modo decolonial, ou ainda, intentaremos
buscar uma estética da sensibilidade que faça sentido para o
pensamento latino-americano, visto que toda reflexão realizada sobre
a estética da sensibilidade foi feita a partir da Filosofia ocidental,
eurocêntrica e transposta e imposta no nosso continente colonizado.
E a pergunta que fica: podemos pensar numa estética da
sensibilidade latino-americana? Trabalharei essa questão adiante,
porém antes, é preciso falar sobre o pensamento decolonial, uma vez
que a bricolagem e a teoria decolonial concordam em alguns pontos
centrais, tendo um elo principal entre elas: a defesa de que não há
52
apenas uma perspectiva de mundo e cultura que deva orientar todo o
mundo. Além disso, a bricolagem leva em conta que o pesquisador
está inserido num meio social, e não neutralidade científica para
fenômenos sociais, educacionais, que tratam do ser humano. A postura
da bricolagem frente aos modos impostos de unívoco modo de ciência
é análoga, se assim podemos falar, ao giro decolonial.
O termo “giro decolonial” foi cunhado originalmente por
Nelson Maldonado-Torres em 2005, refere-se ao movimento de
resistência teórico e prático, político e epistemológico, à lógica da
modernidade/colonialidade (BALLESTRIN, 2013). Uma vez que a
bricolagem se mostra implicada nas relações sociais, de modo a tratar
o objeto de estudo inserido na sociedade, e buscar pensá-lo a partir de
diversos pontos de vista, não compactuando com apenas uma visão de
mundo, ela se mostra como uma resistência teórica e prática, política
e epistemológica. Por isso que, quando sugerimos analogia entre a
bricolagem e ao movimento do giro decolonial, compreendemos que
ao utilizar essa postura metodológica, estamos fazendo também uma
pesquisa decolonial, pensando a estética da sensibilidade de modo
decolonial.
A teoria decolonial vem como uma insurgência ao que
acontece no mundo ocidental, se posicionando como uma outra
possibilidade, um novo modo de pensar e agir a partir da
reconstituição histórica e a compreensão dos resultados catastróficos do
processo de colonialismo na América Latina e demais países
colonizados, nos processos de constituição da subjetividade, cultura,
educação, etc.
53
CAPÍTULO 2
A ESTÉTICA DA SENSIBILIDADE:
MULTIPLICIDADE DE SENTIDOS E LIMITAÇÕES
CONCEITUAIS
2.1 A estética da sensibilidade prevista
nos documentos oficiais da Educação
Neste capítulo, abordo a estética da sensibilidade conforme
descrita oficialmente nos documentos da educação e também analiso
as limitações dessa definição apresentada nos documentos. O termo
estética da sensibilidade apareceu pela primeira vez quando o
Ministério da Educação instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio, por meio da Resolução CEB nº 3, de 26 de
junho de 1998 (BRASIL, 1998). Buscando assegurar uma
organização curricular orientada por valores contidos na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Câmara de Educação de
Básica (CEB), órgão assessor do Conselho Nacional de Educação,
apresenta a estética da sensibilidade, a política da igualdade e a ética
da identidade como três princípios educativos norteadores para a
elaboração curricular, as metodologias e as práticas educativas a serem
realizadas na formação dos educandos. Assim, o documento considera
que a estética da sensibilidade
[...] deverá substituir a da repetição e padronização, estimulando
a criatividade, o espírito inventivo, a curiosidade pelo inusitado,
e a afetividade, bem como facilitar a constituição de identidades
capazes de suportar a inquietação, conviver com o incerto e o
54
imprevisível, acolher e conviver com a diversidade, valorizar a
qualidade, a delicadeza, a sutileza, as formas lúdicas e alegóricas
de conhecer o mundo e fazer do lazer, da sexualidade e da
imaginação um exercício de liberdade responsável. (BRASIL,
1998a)
Apesar da importância das Diretrizes Nacionais e da proposta
apresentada, o que se tem visto, a partir de leituras, buscas em
plataformas de pesquisa e bases de dados indexados, além da minha
trajetória na área de educação, é a ausência de debates e reflexões a
respeito da estética da sensibilidade, principalmente no campo da
filosofia da educação. É possível citar, notoriamente, dois trabalhos
sólidos sobre o tema, que tratam de uma análise da estética da
sensibilidade a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs),
que são Torres (2011) e Trojan (2004).
Todo trabalho científico necessita de embasamento de
trabalhos já realizados como parâmetros, e ambos autores
promoveram análise sobre a estética da sensibilidade prevista nos
documentos educacionais, porém, a ideia central dessa obra é ir para
além dessas reflexões já realizadas por estes autores, e ampliar a
análise para repensar o que seria uma estética da sensibilidade no
sentido mais próximo da filosofia da educação e conferir uma nova
perspectiva de estética da sensibilidade em educação, ao encontro do
pensamento e perspectiva latino-americana.
O espaço destinado para tratar sobre a estética da sensibilidade
foi irrisório no campo da educação se considerada a importância de
um enunciado inédito e tão carregado de possibilidades. De antemão,
alerto para o problema da extrema flexibilização do termo, uma vez que
passa a funcionar como um operador vazio, possibilitando a qualquer
um, colocar no conceito de estética da sensibilidade naquilo que bem
entender. Talvez pelo motivo de não ter sido definida ou por ter uma
55
definição com generalidades, a estética da sensibilidade passou
desapercebida, ou talvez, retirada intencionalmente da elaboração da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Conforme definido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996), a BNCC deve nortear os
currículos dos sistemas e redes de ensino das Unidades Federativas,
como também as propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e
privadas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio,
em todo o Brasil. A BNCC vem sendo motivo de pautas há muitos
anos e apenas em 2018 passou a ser implementada. Na Constituição
Federal de 1988 era prevista a criação de uma Base Nacional
Comum Curricular para o Ensino Fundamental. Na Lei de Diretrizes
e Bases (LDB) de 1996 foi determinada a adoção de uma base comum
para toda a Educação Básica.
Faz-se necessário situar a formulação da BNCC no contexto
político nacional de adesão ao neoliberalismo que prioriza o capital
em detrimento ao humano, acentuando a exploração dos
trabalhadores, a privatização dos serviços públicos, a flexibilização dos
direitos humanos e o controle ideológico dos setores críticos ao
sistema de exploração vigente (PINTO, 2020).
Em âmbito conjuntural, cumpre lembrar que após o Golpe
que depôs a Presidenta Dilma Rousseff, em 2016, o governo do
Presidente Michel Temer realizou mudanças na equipe responsável
pela BNCC, havendo prejuízos quanto às diretrizes que estavam em
curso, reformulação de redação e restrições das audiências públicas.
A BNCC se insere nesse contexto de contenção de
investimentos e, no caso da área educacional, se adequa a uma
proposta educacional tecnicista: busca centralizar a produção de
materiais didáticos e alinhar a formação de professores ao ideário
reprodutivista. As consequências serão nefastas para as populações
56
mais pobres, pois a restrição de investimento em setores públicos
estratégicos para o desenvolvimento do Brasil, por meio de
Emenda Constitucional nº 95 (BRASIL, 2016), limitará o
desenvolvimento nacional e, de maneira específica, o cumprimento
das metas do PNE.
Inserir a análise da Base Nacional Comum Curricular
BNCC no contexto estrutural da voracidade do capitalismo neoliberal
e na conjuntura das políticas econômicas e educacionais nacionais em
curso se faz necessário para a compreensão crítica dos seus objetivos.
A intenção governamental de anular o Plano Nacional de Educação -
PNE e pautar a BNCC a todo o vapor, faz parte de sua estratégia de
focar em suas pautas privatistas e secundarizar conquistas
democraticamente alcançadas.
A BNCC tem como autoria o Ministério da Educação e
Cultura (MEC). Foram parceiros principais o Conselho Nacional dos
Secretários de Educação (CONSED) e a União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME). Dentre os
apoiadores destacamos a Organização não Governamental (ONG)
Movimento pela Base Nacional Comum e as fundações privadas
Lemann e Vanzolini, ambas interessadas em parcerias com o Estado
desde a formulação de projetos para a formação de professores até a
produção de material didático em consonância com o ideário da
BNCC.
Nas equipes formuladoras da BNCC atuaram, num primeiro
momento, representantes de diferentes órgãos e pesquisadores de
Instituições de Ensino Superior (IES) públicas e privadas. Contudo,
o processo de elaboração da Base Nacional Comum Curricular foi
bastante conturbado e nele, Pinto (2020) destaca dois momentos: o
primeiro momento, iniciado em 2014, contou com maior participação
de representantes dos educadores e da sociedade civil organizada e o
57
segundo momento, após o golpe de 2016, no qual as decisões passaram
a ser centralizadas. No tocante ao ponto de vista legal, argumenta-se
que a BNCC encontra respaldo na LDB 9394/96 (BRASIL, 1996) e
no PNE de 2014 (BRASIL, 2014), documentos estes nos quais estão
previstos os princípios balizadores dos currículos nos diferentes
contextos da federação.
Contudo, no que se refere à Educação Infantil e ao Ensino
Fundamental, a BNCC foi muito além, chegando a prescrever o
currículo para os diferentes sistemas de ensino e detalhando os
conteúdos por disciplinas e seus respectivos tópicos de estudos nas
diferentes faixas etárias e ries. Tal detalhamento, expresso em
códigos alfanuméricos, certamente orientará não somente os planos de
ensino e de aulas dos professores, mas também a produção de material
didático padronizado, os processos de avaliação na sala de aula e as
avaliações internas e externas dos diferentes sistemas de ensino.
Do ponto de vista de sua fundamentação teórica, verifica-se
que a BNCC não contém uma análise estrutural e conjuntural
criteriosa acerca do papel da escola na sociedade contemporânea. De
uma perspectiva neoliberal, considera que a sociedade se encontra
harmonizada e propõe a formação das classes populares com um viés
técnico elementar.
Há necessidade, portanto, de uma leitura crítica da BNCC,
indo além da propaganda oficial e dos setores privados interessados em
lucrar com a sua institucionalização. Em nota sobre a BNCC em sua
terceira versão, da diretoria da Associação Nacional de Pós-Graduação
e Pesquisa em Educação (ANPED), podemos ler:
É preocupante também a retomada de um modelo curricular
pautado em competências. Esta “volta” das competências ignora
todo o movimento das Diretrizes Curriculares Nacionais
construídas nos últimos anos e a crítica às formas esquemáticas e
58
não processuais de compreender os currículos; [...] (ANPED,
2017).
A suposta neutralidade teórica da BNCC, sob a alegação de
não coagir os professores a uma matriz teórica unívoca, se desfaz
com adoção explícita de concepções tecnicistas da educação, nas
quais se enfatizam a formação técnica e a profissionalização precoce
com vistas ao desenvolvimento de habilidades e competências. A
BNCC ao focar a descrição de tópicos de conteúdos e o seu
detalhamento, secundariza os fundamentos que sustentam os perfis
formativos dos professores, os seus saberes e o contexto do seu entorno.
A prescrição detalhada de conteúdos se coaduna com a tendência
tecnicista de educação, para a qual não é necessário que o professor
seja o autor principal do seu trabalho, bastando a ele desenvolver o que
foi prescrito por supostos especialistas.
Do ponto de vista de uma visão historiográfica conservadora,
a BNCC propõe “[...] relativizando visões dualistas como civilização/
barbárie, nomadismo/sedentarismo e cidade/campo [...]” (BRASIL,
2018, p. 561). Qual o sentido de tais relativizações? A quem interessa
tratar indistintamente conceitos como civilização e barbárie e cidade
e campo? Por que relativizar as contradições e os conflitos de classe?
Entendemos que uma coisa é analisar o movimento histórico como
um processo dialético de continuidade e ruptura, permanência e
mudança e outra bem diferente é negar as contradições, a luta dos
contrários.
As categorias da Área de Ciências Humanas e Sociais
Aplicadas são as seguintes: “[...] tempo e espaço; territórios e
fronteiras; indivíduo, natureza, sociedade, cultura e ética; e política e
trabalho.” (BRASIL, 2018, p. 549). A apresentação assim abrangente
dessas categorias se adequa ao mecanismo de supressão de disciplinas:
“Essas categorias são fundantes para a investigação e a aprendizagem,
59
não se confundindo com temas ou propostas de conteúdo. (BRASIL,
2018, p. 550). Por fim, a intensa propaganda oficial acerca da
liberdade de escolha dos estudantes por um dos cinco itinerários
formativos (Linguagens e suas tecnologias; Matemática e suas
tecnologias; Ciências da natureza e suas tecnologias; Ciências
humanas e sociais aplicadas e; Formação técnica e profissional)
mostrou-se um engodo. Os sistemas de ensino é que teriam a
prerrogativa de optar por até dois desses itinerários, e, em diferentes
localidades, não há projetos e recursos previstos para a implementação
dos ditos itinerários.
Por fim, há que se ter clareza das causas do insucesso nos
processos de ensino e aprendizagem, de modo a questionar as
vertentes oficiais que responsabilizam os professores e os estudantes
por mazelas que são de sua responsabilidade e que, mediante
diagnósticos frágeis, propõem reformas de interesse do capital, como
ficou explicitado com a Reforma do Ensino Médio e a promulgação
da BNCC que se sucedeu a ela. Para tanto, faz-se necessário perceber
e valorizar as potencialidades existentes entre sujeitos diretamente
envolvidos nos processos de ensinar e aprender, professores,
estudantes e gestores, estabelecendo um pacto de criação e inovação,
indispensável à superação dos processos de alienação que
desmobilizam a busca por uma sociedade justa. E, na perspectiva da
práxis, manter a utopia por dias melhores: sonhar e agir.
A BNCC estabelece conhecimentos, competências e
habilidades que se espera que todos os estudantes desenvolvam ao
longo da escolaridade básica. Orientada pelos princípios éticos,
políticos e estéticos traçados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais
da Educação Básica, a Base em discurso aos propósitos que direcionam
a educação brasileira para a formação humana integral e para a
construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.
60
Em 1997 foram elaborados os Parâmetros Curriculares
Nacionais referenciando cada disciplina do currículo escolar. A
BNCC foi contemplada no Plano Nacional de Educação (PNE) em
2014. Porém, foi apenas em 2017 que, em sua terceira versão foi
aprovada e passou por audiências públicas mediante o Conselho
Nacional de Educação (CNE), e finalmente concebida pelo MEC. Por
fim, a implementação da base comum em todas as escolas é prevista
para ocorrer de 2018 a 2020, passando por etapas, como por exemplo,
(re)elaboração dos currículos, revisão de materiais didático-
pedagógicos e formação de professores.
A proposta inicial era de que a BNCC fosse elaborada de forma
democrática, envolvendo educadores e membros da sociedade, porém
essa posição não parece ter consenso, pois alguns movimentos de
trabalhadores da educação e entidades da sociedade civil consideram
que a sua versão final descaracterizou em muito o documento inicial.
Isso parece ter sentido, pois quando fazemos uma pesquisa no
documento em sua íntegra, de quase 600 páginas, a palavra estética
aparece 88 vezes, e a palavra sensibilidade 15 vezes. O princípio
“estética da sensibilidade” não aparece nenhuma vez, ou seja, a ideia
de se pensar uma educação mais ampla e aberta e baseada em uma
dimensão formativa consistente e não apenas voltada para o mercado
de trabalho, parece não ser prioritário. A estética quando é mencionada
está na maioria das vezes ligada ao artístico, à fruição da arte. E a
sensibilidade também aparece ligada ao campo artístico, por exemplo,
neste trecho retirado da BNCC (p. 195): “A sensibilidade, a intuição,
o pensamento, as emoções e as subjetividades se manifestam como
formas de expressão no processo de aprendizagem em Arte.”
Notamos, portanto, que a estética da sensibilidade, usada no
Parecer CNE/CEB 15/98, o é mencionada em nenhum momento
no documento atual. Daí tem-se algumas indagações: seria por não
61
ter sido bem definida? Por ter funcionado como um operador vazio?
Será que por ser um conceito mal formulado, que se ajustava para
diversas funções, não se consolidando como um conceito forte
suficiente para se perpetuar nos demais documentos? Por que houve
a cisão entre a estética e a sensibilidade, uma vez que separadas não
tem o mesmo significado e sentido propostos pela estética da
sensibilidade?
Vamos retornar ao documento oficial no qual a estética
apareceu pela primeira vez, nos “Fundamentos Estéticos, Políticos e
Éticos do Novo Ensino Médio Brasileiro segundo o Parecer
CNE/CEB nº 15/98”. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) a estética e o sensível são apontados como aspectos
constitutivos do processo de formação educacional do sujeito que
contribuiriam na busca de conhecimento e no exercício da cidadania.
Com a intenção de ser mais didático para a discussão neste
capítulo, optei por transcrever e retomar na íntegra o trecho do
documento oficial que trata sobre o que é e o que se espera do
princípio ´estética da sensibilidade`. Segue o trecho para posterior
explanação, texto retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais
Ensino Médio. (BRASIL, 1998a, p. 63).
A Estética da Sensibilidade.
Como expressão do tempo contemporâneo, a estética da
sensibilidade vem substituir a da repetição e padronização,
hegemônica na era das revoluções industriais. Ela estimula a
criatividade, o espírito inventivo, a curiosidade pelo inusitado, a
afetividade, para facilitar a constituição de identidades capazes de
suportar a inquietação, conviver com o incerto, o imprevisível e o
diferente.
62
Diferentemente da estética estruturada, própria de um tempo
em que os fatores sicos e mecânicos são determinantes do modo de
produzir e conviver, a estética da sensibilidade valoriza a leveza, a
delicadeza e a sutileza. Estas, por estimularem a compreensão não
apenas do explicitado, mas também, e principalmente, do insinuado,
são mais contemporâneas de uma era em que a informação caminha
pelo vácuo, de um tempo no qual o conhecimento concentrado no
microcircuito do computador vai se impondo sobre o valor das
matérias-primas e da força física, presentes nas estruturas mecânicas.
A estética da sensibilidade realiza um esforço permanente para
devolver ao âmbito do trabalho e da produção a criação e a beleza, daí
banidas pela moralidade industrial taylorista. Por esta razão procura
não limitar o lúdico a espaços e tempos exclusivos, mas integrar
diversão, alegria e senso de humor a dimensões de vida muitas vezes
consideradas afetivamente austeras, como a escola, o trabalho, os
deveres, a rotina cotidiana. Mas a estética da sensibilidade quer
também educar pessoas que saibam transformar o uso do tempo livre
num exercício produtivo porque criador. E que aprendam a fazer do
prazer, do entretenimento, da sexualidade, um exercício de liberdade
responsável.
Como expressão de identidade nacional, a estética da
sensibilidade facilitará o reconhecimento e valorização da diversidade
cultural brasileira e das formas de perceber e expressar a realidade
próprias dos gêneros, das etnias, e das muitas regiões e grupos sociais
do país. Assim entendida a estética da sensibilidade é um substrato
indispensável para uma pedagogia que se quer brasileira, portadora da
riqueza de cores, sons e sabores deste país, aberta à diversidade dos
nossos alunos e professores, mas que não abdica da responsabilidade
de constituir cidadania para um mundo que se globaliza, e de dar
significado universal aos conteúdos da aprendizagem.
63
Nos produtos da atividade humana, sejam eles bens, serviços
ou conhecimentos, a estética da sensibilidade valoriza a qualidade.
Nas práticas e processos, a busca de aprimoramento permanente.
Ambos, qualidade e aprimoramento, associam-se ao prazer de fazer
bem feito e à insatisfação com o razoável, quando é possível realizar o
bom, e com este, quando o ótimo é factível. Para essa concepção
estética, o ensino de má qualidade é, em sua feiura, uma agressão à
sensibilidade e, por isso, será também antidemocrático e antiético.
A estética da sensibilidade não é um princípio inspirador
apenas do ensino de conteúdos ou atividades expressivas, mas uma
atitude diante de todas as formas de expressão, que deve estar
presente no desenvolvimento do currículo e na gestão escolar. Ela não
se dissocia das dimensões éticas e políticas da educação porque quer
promover a crítica à vulgarização da pessoa; às formas estereotipadas
e reducionistas de expressar a realidade; às manifestações que
banalizam os afetos e brutalizam as relações pessoais.
Numa escola inspirada na estética da sensibilidade, o espaço e
o tempo são planejados para acolher e expressar a diversidade dos
alunos e oportunizar trocas de significados. Nessa escola, a
descontinuidade, a dispersão caótica, a padronização, o ruído, cederão
lugar à continuidade, à diversidade expressiva, ao ordenamento e à
permanente estimulação pelas palavras, imagens, sons, gestos e
expressões de pessoas que buscam incansavelmente superar a
fragmentação dos significados e o isolamento que ela provoca.
Finalmente, a estética da sensibilidade não exclui outras
estéticas, próprias de outros tempos e lugares. Como forma mais
avançada de expressão ela as subassume, explica, entende, critica,
contextualiza porque o convive com a exclusão, a intolerância e a
intransigência (grifos do original).
64
Como podemos ver a estética da sensibilidade é abordada
como um dos fundamentos da educação para o Ensino Médio e que
seria capaz de habilitar o sujeito a ter um conhecimento ajustado de
si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva,
física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção
social, ainda, estimularia a criatividade, o espírito inventivo, a
curiosidade pelo inusitado, e a afetividade, facilitaria a constituição de
identidades capazes de suportar a inquietação, permitiria o sujeito a
conviver com o incerto e o imprevisível, acolhe e conviveria com a
diversidade, valorizaria a qualidade, a delicadeza e a sutileza (BRASIL,
1998c).
Trojan (2004) apontou que a estética da sensibilidade confere
as qualidades para um futuro trabalhador ser polido, educado e
perspicaz, capaz de compreender o explicitado e, ao mesmo tempo, o
insinuado. A educação baseada na estética da sensibilidade seria aquela
que não mediria esforços para prover uma formação de sujeitos que
saibam articular os conteúdos com a prática, e que possua atitudes
compatíveis com a vida em uma sociedade que se pretende
democrática, igualitária e sensível. Seria, portanto, incentivadora da
reaproximação entre a filosofia, a ética, a política, o fazer científico e
a experiência pedagógica humanizadora no cotidiano escolar.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) foi e é
considerada um marco de um determinado momento histórico a
partir do qual se apontou o caminho político para o novo Ensino
Médio brasileiro. As reformas educacionais que se iniciam nos anos
1980 e as reformas dos anos 90 são caracterizadas pela nova geração
de reforma. A ideia de “novo” presente na expressão “Novo Ensino
Médio” está diretamente ligada à justificativa que se segue à
apresentação do PCN, a saber, o papel da educação na sociedade
tecnológica.
65
O “novo” quer dizer uma mudança em relação à posição
anterior. No mundo de mudanças geopolíticas e econômicas se
constrói uma dicotomia. Há a velha educação que não atendia mais
aos interesses de adequação para o mundo do trabalho e para o pleno
desenvolvimento da cidadania e uma educação nova que se pretende
substituta. Tudo o que faz parte da velha educação ficou associado ao
obsoleto. E à nova educação ficou destinada alcançar três conceitos
amplos e abertos a muitas interpretações: eficiência, qualidade e
equidade. Estas metas servirão para maior adaptação do sujeito ao
novo paradigma civilizacional exigido pela sociedade do
conhecimento, sociedade pós-industrial ou sociedade da informação,
conforme nomenclaturas adotadas nos documentos.
Com o início das reformas a nova LDB muda a identidade do
Ensino Médio. Em decorrência da revolução tecnológica uma nova
sociedade surge: é a chamada sociedade tecnológica que tornaria
possível a continuidade da inovação. Portanto, é necessário educar as
pessoas para esta continuidade. O principal objetivo da formação do
alunado passa a ser aquisição de conhecimentos básicos, a preparação
científica e a capacidade de utilizar as diferentes tecnologias relativas
às áreas de atuação.
À estética da sensibilidade caberia dar suporte a todas as
demandas que uma educação contemporânea precisa ter. Diante de
um mundo repleto de mudanças constantes, no qual o incerto e o
imprevisível torna-se a única certeza, a estética da sensibilidade se
tornou um operador que abarca a capacidade para preparar para essa
demanda. Nesta perspectiva, os sujeitos devem ser flexíveis,
adaptáveis, capazes de dominar as inovações tecnológicas, por isso, a
estética da sensibilidade educa as atitudes, o modo de ser, o
comportamento e a sensibilidade das pessoas. Mas como ela poderia
educar em espaços que não são os dela, para além do espaço da
66
instituição escolar senão por meio da modulação da subjetividade? Isso
é possível desde que cada um dos sujeitos tenha aderido ao seu
mundo o pressuposto nessa concepção de educação.
Esse princípio educacional tem como proposta a superação da
fragmentação da realidade, passando a compreender o ser humano de
modo holístico, superando pressupostos do positivismo e do
cientificismo cartesiano, entretanto, valorizar o estético e a
sensibilidade não significa, necessariamente, declarar uma posição
crítica frente aos processos de exclusão econômico-social e nem negar
as lógicas de massificação no mundo globalizado.
A LDB/1996 foi influenciada diretamente pelos interesses do
capitalismo global, portanto, a análise da estética da sensibilidade
deve ser de feita de modo cuidadoso, procurando identificar aspectos
ideológicos subjacentes. A estética identificada nos documentos
educacionais diz respeito, dentre outras coisas, ao desenvolvimento de
competências e habilidades específicas para o mundo do trabalho
contemporâneo, como apontou Torres (2011). Na contemporanei-
dade o sujeito para programar e gerir sua permanência no mercado
deve ter um amplo domínio de suas competências afetivas.
Os documentos da reforma educacional apontam as novas
tecnologias e a centralidade do conhecimento como marcos
fundamentais da época contemporânea. Diferentemente das
revoluções anteriores, na qual predominava uma aprendizagem para
o mundo do trabalho na operação de máquinas e memorizações, a
terceira revolução industrial é caracterizada pela predominância de
um estilo de aprendizagem do software (suporte lógico, processa-
mento, habilidades para responder as demandas de forma rápida).
Hoje, o domínio sobre um maquinário bruto é algo menor, valor
maior está no conhecimento necessário para fazer o maquinário
funcionar.
67
De modo geral, o mundo tecnológico é apresentado como
líquido, flexível, maleável, marcado pela leveza e pela imaterialidade
do software, o qual passa a comandar as grandes operações na segunda
metade do século XX. O software promoveu uma nova relação com o
tempo e o espaço, encurtando distâncias, aproximando o que antes
era remoto, otimizando e racionalizando ainda mais o mundo da
produção e da informação. As mudanças ocasionadas no mundo por
conta das novas tecnologias exigem uma reorganização da educação
bem como redefinem o lugar do ensino técnico e profissionalizante
que passa a ter capital importância para a construção das competências
então exigidas. Os paradigmas a partir dos quais são reelaboradas as
políticas educacionais observam as demandas da atualidade que dizem
respeito ao domínio dessas novas tecnologias softs necessárias para a
entrada no cenário econômico competitivo internacional.
As competências necessárias à execução de uma tarefa laboral
acompanham a celeridade das mudanças corridas no mundo
contemporâneo. A inovação parece não parar e passa a sensação de
que é necessário se movimentar permanente e constantemente na
busca por aperfeiçoamento dos conhecimentos. A educação escolar,
pelo seu caráter formativo, é o ambiente onde todos depositam a
esperança de encontrar os supostos conhecimentos para as incertezas
do mundo contemporâneo.
Entretanto, diante de uma sociedade que prima pela
celeridade, as competências são transitórias. A liquidez, a obsoles-
cência, a insatisfação, a incerteza são marcas da contemporaneidade.
Diante desse contexto, a educação volta-se para o indivíduo, que é
colocado como o gestor de seu conhecimento e aprendizagem, pois o
novo cenário favorece um processo de virtualização da educação, isto
é, os formandos, por si próprios, devem estar preparados para fazer
face à defasagem de seus conhecimentos e de suas competências
68
preparando-se para lidar com aquilo que ainda não existe. O
indivíduo deve aprender a aprender.
Como afirmado, para o sujeito acompanhar as mudanças no
mundo atual deve, por meio da sensibilidade, desenvolver suas
capacidades afetivas, física, cognitiva, ética, que lhe servirão para lidar
com o inusitado e as novas tecnologias softs.
De um modo geral, a enunciação da sensibilidade como
princípio educacional indica a ruptura para com um paradigma
anterior. A reforma educacional dos anos 1990 no Brasil conjectura
novos fundamentos e talvez se possa afirmar que a estética da
sensibilidade seja compreendida como um dos mais importante deles
para atender aos novos desafios lançadas pelas evoluções tecnológicas
que têm impactado significativamente o conhecimento humano.
É possível perceber que a estética da sensibilidade não veicula
uma função bem definida, às vezes é propagandeada como valor,
princípio e fundamento e outras vezes é difundida como atitude e
procedimento. Na retaguarda da estética da sensibilidade deposita-se
diversos temas aleatórios. De acordo com Torres (2011), ao se
percorrer os documentos que tratam da estética da sensibilidade é
possível observar que ela pode ser compreendida como uma espécie
de faculdade que permitiria reunificar esferas da vida dilaceradas pela
racionalidade instrumental (pela tecnociência), um amálgama que
possibilita religar os mundos heterogêneos do conhecimento, da ética
e da política num todo orgânico.
A educação escolar, diante da nova realidade contemporânea,
não poderia pretender abarcar um mundo tão complexo encerrando-
se em si mesma. Sozinha a educação não pode mais dar conta dos vários
mundos que são solidificados para logo em seguida serem
liquidificados.
69
Diante da mudança no ritmo e estilo de vida contemporâneo,
das modificações emocionais e cognitivas promovidas pelo marketing,
pela interatividade das redes sociais, jogos eletrônicos, etc., a estética
da sensibilidade poderia ser compreendida como uma tentativa de
defender a unidade que se dissipa, como se fosse uma espécie de
princípio integrador, do caótico e da fluidez, um aglutinador que tenta
homogeneizar a fragmentação presente no mundo contemporâneo.
Diversas dimensões podem ter a estética como princípio
inspirador no mundo contemporâneo devido à generalização estética,
presente na cultura ocidental sob a égide do capitalismo atual. Esse
processo de generalização do estético deve ser compreendido como
um agenciamento abusivo da sensibilidade por parte do capitalismo
avançado que incorpora procedimentos e atitudes geralmente
associados ao campo artístico.
O capitalismo negocia a sensibilidade, capturando os afetos,
paixões, instintos, pulsões, através da “nomeação” (formação) de um
especialista que passa a ser, ao mesmo tempo, aquele que estuda e
produz: o trabalhador e o pensador; porque o produto agora é uma
ideia e a ideia um produto. Designers, arquitetos, marqueteiros,
influenciadores, decoradores, estilistas, promoters, personal trainers,
coachings recomendam uma diversidade de afetos e pulsões capazes de
suscitar desejos, vontades, sonhos. O trabalho destes especialistas é
formatar a sensibilidade para vendê-la no mercado.
Diante da relação entre cultura e tecnociência, a educação
entra em contradição com seus pressupostos em parte ligados, ainda,
aos ideais iluministas. Não se pode deixar de levar em conta que a
educação pode se tornar cúmplice do mal-estar na cultura. Hoje a
educação está entrando em contradição com os pressupostos
iluministas ainda presentes em seus fundamentos pois ela está
aderindo aos pressupostos do capitalismo avançado. Para Lyotard
70
(1993), o desenvolvimento das tecnociências tornou-se um meio de
aumentar o mal-estar, e não de o apaziguar.
Nunca a descoberta científica ou técnica foi subordinada a uma
procura com origem nas necessidades humanas. Foi sempre
movida por uma dinâmica independente daquilo que os homens
podem pensar que é desejável, proveitoso, confortável. É que o
desejo de saber-fazer e de saber é incomensurável relativamente
ao benefício que se pode esperar do seu crescimento. A
humanidade sempre esteve atrasada relativamente às capacidades
de compreender, as ideias, e de agir, os meios, que resultam das
invenções, das descobertas, das pesquisas e dos acasos.
(LYOTARD, 1993, p.103).
Tem-se por um lado a racionalidade e a insistência na
formulação de diretrizes e parâmetros pautados nos conceitos de
beleza e justiça, autonomia e emancipação, razão e sensibilidade,
ainda presentes na educação por meio da ideia de uma estética como
princípio integrador e articulador da heterogeneidade, como
consenso, organicidade, onde todos os elementos da vida se
comunicariam de modo eficaz. E por outro lado, há o desejo de
atualidade marcado pela integração às novas tecnologias cuja marca é
justamente a dispersão e a heterogeneidade.
Ao eleger um princípio educacional como o da estética da
sensibilidade indica-se talvez o desejo de encontrar um meio termo,
um justo meio entre a completude e a autonomia frente ao mundo.
Porém, enquanto se propõe compreender e educar para o mundo
contemporâneo, essa educação, ao insistir em modelos totalizantes,
entra em contradição com os pressupostos dessa contemporaneidade:
fragmentação, plasticidade, fluidez, imaterialidade. Trata-se da
emergência de uma nova concepção de educação que tem como um
dos princípios a ideia de uma nova sensibilidade que cumpriria a
71
função de agenciar afetos, paixões, desejos, instintos, pulsões a fim de
educá-las para os desafios do mundo contemporâneos.
O mundo contemporâneo passa por uma transformação
tecnológica que converte a tecnociência em aliada do capitalismo. O
mundo do trabalho foi alterado assim como a relação das pessoas com
o conhecimento, o modo de se conhecer as coisas e essa mudança é sem
dúvidas uma alteração do modus percepiendi dos homens. E por ser
uma mudança na forma como se percebe e se conhece o mundo as
pessoas precisam ser educadas para lidar com esse mundo inusitado.
Isso quer dizer que o estético se generaliza. O sensível no mundo
contemporâneo se tornou valioso em função do processo de
reestruturação do capitalismo que transforma a sensibilidade, os
afetos, paixões, pulsões, em mercadorias. Por isso se a necessidade
de haver subjetividades sensíveis adequadas às causas da
contemporaneidade. Atualmente, pensa-se a estética para além do
território da arte, porque o mundo e a vida se estetizaram, a arte se
alastrou na epiderme da vida. Quase tudo pode ser arte; quase todos
podem ser artistas.
Portanto, é possível reconhecer que a escolha da estética como
um dos princípios que fundamentam as Diretrizes Curriculares
Nacionais está introduzida num processo superior; esta é uma era na
qual a educação passa a ser investida por esse processo de estetização
generalizada. Para Torres (2011) o desejo das vanguardas em parte se
cumpre: a arte disseminada na vida. Em parte, o terror também se
cumpre: a captura da arte e da estética pelo poder sobre a vida.
Ao longo do século XX, vimos o surgimento das vanguardas
heroicas com todo seu ideal utópico e revolucionário, seu poder
de negatividade negatividade entendida como o poder ou a
disposição de fazer frente ao que está dado, ao status quo.
Observamos também o lento, e ao mesmo tempo, rápido
72
esboroamento das vanguardas e a perda de seu ideal utópico que
coincidem com uma captura, uma estratificação burocrática que
teria subordinado a arte aos meios de gerenciamento do
capitalismo convertendo-se, deste modo, em um dos seus
principais dispositivos. (TORRES, 2011, p. 24)
O processo de estetização apareceria como um poderoso
dispositivo governamental, a sensibilidade teria sido colonizada e ao
mesmo tempo constituída por sistemas de administração,
tornando-se um dispositivo de gerenciamentos da vida. A
generalização do estético diz respeito a violação do estético na
cotidianidade e à consequente adesão de toda uma população aos
dispositivos de cooptação afetiva.
Os documentos da educação colocaram a estética como uma
concepção de que sensibilidade e a arte seriam os mensageiros da
transformação da vida mediante o capitalismo avançado. Assim,
pode-se pensar que a educação, ao tomar a estética como princípio
axiológico, pode muito facilmente fortalecer os princípios do
capitalismo avançado, funcionando, inclusive, como uma tecnologia
que fornece ao sistema aquilo de que ele precisa para lidar com os
desafios do mundo contemporâneo.
Ao se estetizar a vida cotidiana, vários mundos são oferecidos,
diversas possibilidades de mundos mais seguros e felizes. É um
mecanismo de regulação. A vida é uma fonte interminável para o
sistema capitalista. Viver, no contexto do capitalismo avançado
(cognitivo, afetivo, estético) é inventar modos de vida. A política, o
capitalismo e a educação são estéticos porque todos se estruturam em
torno da invenção de mundos e dos sujeitos que viverão nesse mundo.
A estética intenta conciliar política, educação e capitalismo.
Boltanski e Chiapello (1999) mostram que o capitalismo
incorpora tudo aquilo que fazia parte, outrora, do universo das artes.
73
A esse fenômeno eles chamam capitalismo estético. Se a estética da
sensibilidade propõe como paradigma para a educação aquilo que,
historicamente, pertence ao território da arte, então a reforma
educacional está propondo como fundamento da educação aquilo que
é fundamento também do capitalismo. Assim, um dos principais
fundamentos dessa nova concepção de educação é justamente aquilo
que fortalece e reestrutura o capitalismo avançado: invenção e criação,
flexibilidade e fluidez, capacidade de lidar com o inusitado, beleza,
delicadeza, pluralidade cultural, saber conviver - características
marcantes significativas da estética da sensibilidade.
É possível pensar que uma pessoa tem potencialidades diante
de um conjunto de habilidades a serem criadas, e que a educação
poderá desenvolver essas habilidades e competências, por isso a pessoa
é convocada a se construir. O sujeito está diante de várias capacidades,
de faculdades, de potencialidades e a ele é dada a possibilidade de se
“bricolar”, montar, construir-se conforme a situação, mesmo sendo
inusitada. Trata-se, portanto, de um jogo onde as competências e
habilidades funcionam como blocos de conexão. O sujeito é criado
na medida em que joga. E quanto mais joga, mais ele experimenta,
num processo de se fabricar a si mesmo por meio da experimentação.
Para Torres (2011), o jogo contemporâneo de se fabricar a si
mesmo poderia muito bem ser chamado de “a bricolagem de si”: a
lógica da subjetivação pressuposta por essa nova concepção de
educação, pautada dentre outras coisas na estética, é a da montagem.
A educação pode ser assim compreendida como uma tecnologia de
modulação a serviço de uma política que produz mundos por meio do
agenciamento da afetividade. O jogo atualiza habilidades e
competências conforme exigências eventuais, referentes a situações
parciais, dadas a cada vez, e nunca numa totalidade. Trata-se da
produção de uma subjetividade cujo traço talvez mais marcante seja a
74
plasticidade que possibilita ao sujeito criar-se e inventar-se
permanentemente. O que hoje se é invisível: fluxos informacionais
e informações numéricas (bits).
Essa é a nova “matéria” do capitalismo, o imaterial. O
capitalismo investe cada vez mais nos processos próprios da dimensão
estética, ligados ao trabalho do artista. A vida se estetizou, a empresa
se estetizou e disseminou a lógica da empresa por todos os cantos,
inclusive na educação. Os produtos são formas de vida. Formas de
vida são produtos. Mapear, controlar e monitorar formas de vida,
desejos, afetos. Não seria isso que, intencionalmente ou não, ocorre
quando a sensibilidade se torna princípio educacional? Quanto mais
a educação passa a ser investida por esse processo de generalização do
estético mais é necessário que se conheça o que é que constitui o
homem como sujeito da sensibilidade. Trata-se de um desafio para a
educação atual: de lidar com potencialidades, virtualidades, quando
essas são as grandes mercadorias do capitalismo avançado. Criar e
inventar, ser um sujeito sensível, nos libertam e possibilitam resistir
ou nos lançam ainda mais no âmago do capitalismo?
Portanto, o capitalismo estético cria nos sujeitos a necessidade
de inventar modos de ser, de experimentar a vida, de se portar diante
dela, formas de se inventar, cria as próprias linhas de fuga, para que se
possa aderir o mundo. O capitalismo estético quer que se compre um
mundo, ainda que provisório, mas que o sujeito se sinta pertencente
a um grupo, a uma tribo, por isso tantas comunidades virtuais:
facebook, myspace, flick, instagram, WhatsApp entre outras.
A nova concepção de educação proposta na reforma
educacional dos anos 1990 mostra que ela se concilia a um ethos que
pressupõe uma outra sensibilidade. Deseja-se que a sala de
aula/plateia seja estimulada que venha a consumir educação como um
serviço. Na sociedade de controle não se convence o aluno pela
75
brutalidade ou de outros dispositivos disciplinares, mas pela
modulação dos afetos. Trabalhados eles podem modular vontades,
desejos, condutas. Quanto mais adesões, mais os homens fornecem os
dados de que o sistema necessita para controlar. Os dispositivos
eletrônicos podem ser ao mesmo tempo dispositivos de controle e
dispositivos de resistência.
Após analisar as características que são conferidas ao princípio
axiológico, é possível relacionar a ideia de estética da sensibilidade
veiculada nos documentos legais com as competências e habilidades.
É laboriosa a compreensão das noções de competência e habilidades
contida nos documentos da reforma. Talvez porque escapa do
vocabulário administrativo para a educação, essas categorias permitem
diversas definições. Uma das mais utilizadas no âmbito da educação é
a de Perrenoud (1999), que define competência como sendo a
capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação,
apoiada em conhecimentos, mas sem limitar- se a eles. Para enfrentar
uma situação da melhor maneira possível, deve-se, via-de-regra, pôr
em ação e em sinergia vários recursos cognitivos complementares,
entre os quais estão os conhecimentos.
Competências são as modalidades estruturais da inteligência, ou
melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações
com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que
desejamos conhecer. As habilidades decorrem das competências
adquiridas e referem-se ao plano imediato do “saber fazer”. Através
das ações e operações, as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-
se, possibilitando nova reorganização das competências.
(PERRENOUD, 1999, p.7)
Outra acepção de competências e habilidades encontra-se no
documento que regulamenta o Enem Exame Nacional do Ensino
76
Médio. Na matriz de competências e habilidades, encontramos a
seguinte definição:
Competências são as modalidades estruturais da inteligência, ou
melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações
com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que
desejamos conhecer. As habilidades decorrem das competências
adquiridas e referem-se ao plano imediato do “saber fazer”.
Através das ações e operações, as habilidades aperfeiçoam-se e
articulam-se, possibilitando nova reorganização das compe-
tências. (INEP, 1999).
Nos dois exemplos a educação tem um prestígio fundamental
na sociedade contemporânea uma vez que a escola, em todos os seus
âmbitos, deve estar atenta às questões do contemporâneo e suas
demandas pelo novo.
Os documentos apontam para uma cisão entre a “educação
para a sociedade tecnológica” e a educação de postura “tradicional” de
uma escola distanciada das mudanças sociais. De modo que,
[..] uma nova concepção curricular para o Ensino Médio...deve
expressar a contemporaneidade e, considerando a rapidez com
que ocorrem as mudanças na área do conhecimento e da
produção, ter a ousadia de se mostrar prospectiva. (BRASIL, 1999
p.13).
Qual contemporaneidade exatamente um currículo deve
expressar? A sociedade tecnológica, contemporânea, é marcada pela
velocidade do progresso científico e tecnológico e da transformação
dos processos de produção e se opõe às sociedades tradicionais
marcadas pela estabilidade das organizações política, produtiva e
social. O novo arranjo social propiciado pelo processo de
77
industrialização crescente primeira, segunda e terceira revolução
industrial coincidiria com a passagem daquilo que Foucault (1995)
denominou “sociedade disciplinar” para um outro tipo de
configuração, a saber, a sociedade de controle. Segundo ele,
[...] a disciplina é o processo técnico unitário pelo qual a força do
corpo é com o mínimo ônus reduzida como força “política”, e
maximalizada como força útil. O crescimento de uma economia
capitalista fez apelo à modalidade específica do poder disciplinar.
(FOUCAULT, 1987, p. 244)
A estética padronizada, taylorista-fordista, da era das
revoluções industrial seria a estética da “sociedade disciplinar” marcada
pela austeridade, pelo peso, pelo padrão, marcada por uma tecnologia
disciplinar em que a visibilidade permanente é imposta aos mais
diferentes espaços de confinamento presentes na fábrica e na escola
correspondem àquilo que os PCNs chamam de estética da
padronização.
Nos PCNs são abordados aspectos do mundo do trabalho e
da necessidade de mudança, pois o modelo rígido (hard),
padronizado, não serve mais. Na sociedade disciplinar é preciso
disciplinar o corpo, e umas das instituições que desempenham essa
tarefa de modo efetivo são a fábrica e a escolaos corpos são vigiados
constantemente no espaço que ele ocupa. Seus gestos são educados
para desempenhar uma cadência ritmada e eficaz, automatizando-se.
A “estética da sensibilidade” é colocada na educação com a missão de
adaptar as gerações para as mudanças da sociedade disciplinar para a
de controle. Os corpos devem ser reeducados para as novas normas e
valores desse mundo transformado pela terceira revolução
tecnológica.
78
É isso que se pretende com a estética da sensibilidade:
reeducar o corpo para que possa suportar e ser útil às mudanças
proporcionadas pela terceira revolução industrial. A reforma do
ensino e a consideração da estética tem por objetivo a atualização das
relações de poder sobre o corpo. Um corpo reeducado para este novo
mundo é um corpo que representa o poder. A economia e os processos
de reestruturação do capital geram novas reivindicações e necessidades
sobre o corpo que deve ser também reestruturado, reinventado. O
problema é que a técnica prossegue fugaz: como é então que se vai
fazer o corpo acompanhar a velocidade das transformações ciberné-
ticas sem que se transforme este corpo cibernético? Naturalmente o
organismo dos homens não possuiriam a estrutura e velocidade
necessárias para acompanhar a progressão cibernética com que a
técnica hoje avança.
Nunca a descoberta científica ou técnica foi subordinada a uma
procura com origem nas necessidades humanas. Foi sempre
movida por uma dinâmica independente daquilo que os homens
podem pensar que é desejável, proveitoso, confortável. É que o
desejo de saber-fazer e de saber é incomensurável relativamente
ao benefício que se pode esperar do seu crescimento. A
humanidade sempre esteve atrasada relativamente às capacidades
de compreender, as ideias, e de agir, os meios, que resultam das
invenções, das descobertas, das pesquisas e dos acasos.
(LYOTARD, 1993, p.103).
Necessita-se de um corpo instantâneo que se modele na
velocidade característica da revolução tecnológica, mesmo que isso
não seja possível o ser humano tem a tendência de ir além do seu limite
além dos limites de razão e sensibilidade resultando num colapso
do humano frente ao mundo que ele criou. Ou a integração do
humano com o inumano. No caso da integração não se deve esquecer
79
que a técnica continuará seu progresso e isso exigirá a cada vez uma
reestruturação do humano para continuação do processo de
integração. Isso significaria que a cada passo dado, o homem se
tornaria menos humano.
A contemporaneidade é um território em que o capitalismo
encontra as condições de possibilidades para o agenciamento da
sensibilidade que passa a ser investida como dispositivo da biopolítica.
A dimensão estética, não mais restrita ao território das artes é usada
como estratégia de produção e circulação do capital. A estética está
ligada à biopolítica uma vez que, desde seu nascimento, podemos
pen-la como um investimento do poder sobre o corpo, produzindo
configurações sensíveis convenientes a uma determinada sociedade.
Uma nova categoria, segundo Hardt (2006), é criada no
mundo contemporâneo, a do trabalho imaterial: a informação, o
conhecimento, as ideias, as imagens, os relacionamentos e os afetos. Ao
gerenciar os gostos, os desejos, os sonhos, como componentes
importantes do mundo do trabalho, logo, toda a vida do trabalhador
passa a ser dominada, inclusive aquilo que há de mais profundo. A
produção de subjetividades, modos de ser e estar, formas, estilos de
vida, relações interpessoais é resultado da cooptação da estética pelo
capitalismo e, consequentemente, de seus efeitos na vida psíquica.
O gerenciamento de tudo isso é biopolítico, porque passa a
ser uma preocupação dos documentos oficiais e com isso o que está
em causa não é o gerenciamento de um indivíduo apenas, mas sim,
de toda uma população. Manipulação e gerenciamento do poder
criativo, da sensibilidade, da afetividade articulada em rede, na
medida em que cada qual, “espontaneamente”, dispõe de sua vida
afetiva, à medida em que histórias, dramas, romances, tem um
potencial de mercadoria, podem se tornar produtos da noite para o
80
dia. As vidas são expostas em sites como facebook, instagram, entre
outros.
As competências e habilidades requeridas pelo atual processo
de reorganização da produção dizem respeito à “criatividade,
autonomia e capacidade de solucionar problemas (que) serão cada vez
mais importantes, comparadas à repetição das tarefas rotineiras.
Portanto, no lugar da disciplina (da sociedade disciplinar) tem-se a
capacidade de aprender, criar, formular, a flexibilidade, a capacidade
de se adaptar, de suportar o incomensurável e o inusitado. Nesta nova
sociedade o que está em causa não é a conformação, a disciplina e a
obediência, mas a capacidade de pesquisar, buscar informações,
selecioná-las e analisá-las. Isso numa sociedade baseada na disciplina
e na obediência parece impossível uma vez que a obediência pressupõe
sujeição à ordem e à rotina.
O movimento de estetização no qual os documentos da
reforma educacional se inserem faz parte de um processo muito mais
amplo; o de estetização das relações de trabalho. O estético passa a se
referir ao flexível, ao intuitivo, emotividade, subjetividade, confiança,
hospitalidade, qualidade de vida, pluralidade cultural, desestruturação
do tempo e do espaço, virtualidade.
Um problema permanente na reforma educacional é o de
conseguir oferecer uma educação que possa abranger o ensino
profissionalizante e a educação para o trabalho. Percebe- se cada vez
mais similaridade entre escola e empresa por conta da revolução
tecnológica e da reestruturação produtiva com o conhecimento como
elemento central.
O “Parecer CNE 16/99 CEB é o que trata mais
explicitamente das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Profissional de Nível Técnico”, também regida pelos princípios
estéticos, éticos e políticos. O Parecer afirma que é pelos valores
81
estéticos que convém iniciar quando se trata de buscar paradigmas
axiológicos para práticas no caso deste parecer, a prática
institucional e pedagógica da educação profissional.” (BRASIL, 1999,
p. 176) Afirmar os valores estéticos que devem inspirar a organização
pedagógica e curricular da educão profissional é afirmar aqueles
valores que aqui devem impregnar com maior força todas as situações
práticas e ambientes de aprendizagem. Desenvolver a habilidade de
administrar a complexidade e a descontinuidade do mundo contem-
porâneo, tornando suportável a vida diante da incomensurabilidade é
propriamente desenvolver a estética da sensibilidade. Em tempo de
globalização, a diversidade é marcada pela descontinuidade, pela
dispersão caótica, ruído, velocidade, superficialidade, moda.
Os sistemas de produção que requerem a sensibilidade como
princípio, requerem também a inteligibilidade e a racionalidade.
Parece que se requer uma sensibilidade que fosse capaz de lidar com
a mais infinita sutileza: aquela que se encontra justamente no não-
sensível e que, portanto, só poderia ser uma “sensibilidade inteligível”,
uma sensibilidade que se refere, antes de tudo, não ao imediato, mas
ao mediado pelas novas tecnologias. Mas as mediações tecnológicas
dependem do cálculo na medida em que se necessita de um chip para
processar informações; necessitam do domínio de línguas, culturas,
idiomas etc.... para a construção de uma campanha publicitária. Uma
sensibilidade assim descrita poderia ser uma competência.
Embora o Parecer 15/98 justifique sua posição frente à
inovação tecnológica dizendo que a educação não pode ser reduzida a
“um mero instrumento da economia” e, por conta disso, enfatize a
importância dos afetos e da criatividade no ato de aprender, ainda
assim é importante notar que a estética da sensibilidade o campo
específico por onde se dá a entrada do afeto e da criatividade é
pensada no âmbito da terceira revolução industrial, sendo pois,
82
praticamente impossível pensar a estética dissociada do âmbito da
economia. Sendo assim, é necessária a ligação, ou melhor, estabelecer
relações entre campos diversos como o que diz respeito à economia e
o que diz respeito e à educação.
Não é a estética que vai introduzir o afeto e a criatividade para
mudar o mundo do trabalho; mas, isto sim, o afeto e criatividade, o
espírito inventivo e a delicadeza, a capacidade para lidar com o
inusitado e com as nuances é que serão demandas do novo cenário da
produtividade. Todas essas qualidades subordinam-se aos ideais
de reestruturação da produtividade. Daí é muito fácil associar tais
características com as da chamada pós-modernidade marcadas pelo
signo da revolução informática advinda da tecnociência.
O significado de ‘adquirir laborabilidade’ é desenvolver
determinadas habilidades que tornariam os indivíduos capazes de
apreender sinais e intuir direções. A estética da sensibilidade seria uma
das competências para a laborabilidade presentes num cenário em que
a reforma educacional tem de dar conta do desafio da educação
profissional, uma vez que é por meio dessa que se possível evitar a
marginalização do país frente o cenário internacional.
A reforma educacional atualiza as necessidades de adaptação
da sociedade para atender as demandas dos novos paradigmas da
contemporaneidade como o das noções de competência e habilidade.
A revolução tecnológica, responsável por mudanças no conhecimento
e meio de produção foi ponto central para alavancar as reformas para
que o país não fique à margem no novo cenário econômico mundial.
É necessário dominar essa tecnologia, o que se faz por meio de
programas eficazes de educação, uma educação para as novas
tecnologias da qual dependem os novos meios de produção.
A aquisição de competências e habilidades para competitivi-
dade passa a ser confundido com cidadania. Nesta circunstância, o
83
aprender não significa mais acumular conteúdos: aprender está ligado
ao desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas às
diversas áreas do conhecimento humano. Dentre o conjunto de
competências encontram-se as competências para a laborabilidade
sendo a estética da sensibilidade uma delas. A estética da sensibilidade
é apresentada como um dos fundamentos. Se ela é uma competência
para a laborabilidade, então, ser competente para o trabalho é o que
está em questão. Ser competente para o trabalho é a condão
necessária para que o educando possa inserir-se no mercado de
trabalho que agora exige, mais do que qualquer outra coisa, a
capacidade de aprender a aprender, isto é, a capacidade de conduzir sua
própria formação. Desenvolver essa competência é, portanto, uma
questão ética, política e econômica.
Incluída como um saber sobre o sensível a estética da
sensibilidade foi colocada como eixo norteador da reforma
educacional, visto que, pelo fato de ter como objeto a experiência
sensível, a produção de mundos, a fabricação de subjetividades, a
estética seria o campo de significação equipado para tratar da
problemática das novas sensibilidades propiciadas e requeridas pela
nova sociedade tecnológica. O objetivo, portanto, é de promover um
processo de estruturação de uma “nova sensibilidade requerida pela
experiência tecnológica. Portanto, seria necessário aprender,
compreender, entender, operar essa nova sensibilidade requerida
pelo mundo. Essa nova sensibilidade implicaria em mudanças
significativas nos afetos, nas emoções e paixões.
Criar um mundo é produzir também o sujeito que vai
trabalhar na feitura desse mundo. E esse sujeito passa a ser forjado
na escola que se confunde cada vez mais com uma empresa, na medida
em que cada aluno passa a ser também um colaborador da sociedade
do conhecimento. Cada sala de aula, cada escola, cada cérebro, cada
84
afeto, cada emoção de cada um dos indivíduos dessa sociedade do
conhecimento passa a ser conectada por meio da comunicação
exaltada cada vez mais como uma das grandes competências da
atualidade. A escola, portanto, utiliza a mesma linguagem da empresa.
O regime da contemporaneidade correspondente à sociedade
de controle, ocasiona uma sensibilidade diferente do modelo da
sociedade disciplinar, na qual o corpo deveria ser moldado. Nessa nova
era, a do controle, a necessidade é de modelar o sentimento, a
subjetividade e as sensações.
A teoria do capital humano considera o ser humano como
algo lucrativo. Nesse sentido, humano tem valor como uma
mercadoria: vale mais quanto mais incrementado ele for, vale
conforme seu diferencial. Cada humano passa a ser considerado uma
empresa, cada humano é agora gerente de si mesmo, responsável por
seu ingresso e permanência no mercado. O discurso da qualidade
coloniza a alma das pessoas que passam a vida correndo atrás de cursos,
formações continuadas, uma busca contínua por melhorar a si: sua
aparência, vocabulário, capital social, referências culturais. A ISO
9000 e outros sistemas de qualificação são incorporados à nova
sensibilidade própria do atual regime de quinas que produzem um
novo ethos
4
que é incorporado por meio de diretrizes para a condução
da alma, daquilo que é mais íntimo no ser humano e que, não
obstante, não lhe pertence. O trabalhador contemporâneo é um
eterno aprendiz e isso exige dele novas competências. Para se adquirir
novas competências e habilidades é necessário transformar a escola que
até então preparava para um determinado regime de máquinas. Mas, a
educação é regida pelos dispositivos da Lei para se promover
reformas educacionais é necessário, portanto, mudar também os
4
Característica em comum a um grupo de indivíduos pertencentes a uma mesma sociedade.
Fonte: Dicionário Online de Português, Aurélio
85
dispositivos dessa Lei e essa mudança envolve ideologias, mobilização
de interesses de setores, demais quesitos.A sensibilidade é um dos
pontos que vem sendo valorizado, porém, uma sensibilidade
adaptativa, se assim posso dizer, pois num mundo de mutações
tecnológicas aceleradas o conceito e os padrões pelos quais se aquilata
a qualidade do resultado do trabalho estão também em constante
mutação. Adquirir laborabilidade nesse mundo é apreender os sinais
da reviravolta dos padrões de qualidade e é, inclusive, intuir sua direção.
Um exemplo disso pode ser encontrado na diferença entre o conceito
de qualidade na produção em larga escala e na tendência
contemporânea de produção que atenda a nichos específicos de
mercado para oferecer produtos ou serviços que sirvam a segmentos
determinados de consumidores.
Enfim, essa sensibilidade para perceber as demandas de
mercado é bem distinta das sensibilidades relacionadas à convivência,
as questões de ordem ética e estética do ser humano. Em suma, vale a
pena pensar sobre a sensibilidade para compreender a junção da
estética com a sensibilidade.
2.2 O domínio da sensibilidade
A sensibilidade passa a ser concebida como uma forma
especial de conhecimento, característica dessa época. Pode-se dizer
que a sensibilidade sempre foi tecnicamente mediada, o que significa
dizer que o modo como se percebe, o modo como se sente o mundo
não é algo natural, mas um conjunto de técnicas/práticas/dispositivos
constituintes do sujeito sensível num determinado lugar e tempo. O
regime de sensibilidade de uma época pode ser compreendido como
o conjunto de fatores determinantes da sensibilidade, como por
exemplo, os modos de vida, o pensamento sobre as formas de ser e estar
86
no mundo, as condições materiais e técnicas de uma época, assim
como questões que se poderia chamar de espirituais, como o sistema
de crenças, valores, as emoções, os afetos.
Mário Pedrosa (1975) em seus textos A problemática da
Sensibilidade Ie a Problemática da sensibilidade II, faz uma crítica
ao conceito de sensibilidade que geralmente está associado como
contraparte da racionalidade. Segundo o autor, ao tratar de modo
superficial esse conceito pode-se acarretar sérios problemas quando
utilizado no universo das artes, e mais além, vê-se a problemática da
sensibilidade ser utilizada na área da educação, acarretando inclusive
os mesmos perigos da superficialidade. Retomar a problemática da
sensibilidade e as questões de fundo presentes nos PCNs se mostram
oportunas para refletir o objeto desta pesquisa. Ir a fundo é pensar
como os documentos da reforma educacional dão margens para
atualizar ou reescrever a problemática da sensibilidade em educação
que se estende para além do artístico e do estético, para mergulhar no
campo da moral e da ética.
Ocorre que, por conta das novas tecnologias, o mundo passa
por um processo de redefinição da sensorialidade, de modo que um
processo de reestruturação, de reforma, mudança ou revolução na
educação deveria levar em consideração os novos regimes de
sensibilidade. Esse cenário exige uma série de respostas que, antes de
serem respondidas, exigem que as perguntas sejam constantemente
reelaboradas de acordo com a problemática em voga, ou seja, qual o
papel da estética mediante novos paradigmas educacionais?
A estética da sensibilidade se insere numa longa tradição que
durante muito tempo insistiu na “insuportável formulação, segundo a
qual a razão seria dessecante, esfriadora, assassina da sensibilidade e
da emoção” (PORCHER, 1982, p. 17); como se as categorias da
87
estética da sensibilidade - leveza, delicadeza, sutileza - fossem naturais,
porém estas são, em seu princípio axiológico, categorias culturais.
O imediato é, na verdade, mediado, a sensibilidade é construída,
o talento pode ser formado, a inspiração adquirida, a emoção
preparada, o dom não passa de uma maneira de denominar
provisoriamente um processo que não é misterioso, mas que não
sabemos ainda explicar. (PORCHER, 1982, p.15).
No ensino de artes, por exemplo, onde talvez ocorra a maior
incidência dessa concepção, a dimensão crítica de uma educação
estética diria respeito à aquisição de
[...] um certo número de ferramentas intelectuais e técnicas que
nenhuma espontaneidade permite dispensar. A educação não
tem como criar uma oposição entre o que é sentido e o que é
concebido, entre a sensibilidade e a inteligência, a emoção e a
razão. O importante é que os dois planos se complementem
mutuamente. Implantar a monarquia de um desses termos,
qualquer que ele seja, é perder o fio da meada. (PORCHER,
1982, p.22).
A arte se constitui como um campo que constituiu
historicamente como campo privilegiado da estética. Associando a
arte e a estética da sensibilidade, observa-se a insistência no modelo
que toma a arte como paradigma. A idealização da estética e da arte
como “modelos de uma nova sociedade” se torna ainda mais forte
quando mediante a chamada “crise dos paradigmas” se imputa à
ciência e à racionalidade parte da responsabilidade pelas mazelas em
que o pensamento e a humanidade se encontram.
Os documentos não tratam sobre a formação ou educação da
sensibilidade ou do sensível, apenas toma como pressuposto que o
88
contato com palavras, os sons, as cores etc., desenvolveriam a
sensibilidade. Deste modo, embora apareçam como distintos, o
estético e o artístico, parece que uma educação estética seria possível
então a partir do contato com a disciplina arte. Porém, é preciso
lembrar, o estético não se subsume ao artístico. Todas as aulas que
lidam com o sensível e a sensibilidade perpassa por todas as atividades
humanas, inclusive a ciência acusada de falta de sensibilidade.
O instituído é sempre coerente com a implantação e
manutenção da ordem de uma determinada classe. Nos PCNs, talvez
a ordem vigente seja a do capitalismo avançado e de seu processo de
reestruturação frente ao trabalho imaterial.
Desde pelo menos o século XVIII, a questão da sensibilidade
é um problema. O que o capitalismo em seu estágio atual faz é
capturar, agenciar e modular as sensibilidades em favor de sua
recomposição, convertendo-as em bens, produtos, mercadoria como
outra qualquer. A educação passa a ser acometida por esse modelo de
formatar as sensibilidades porque é o momento em que a
reestruturação do capital necessita de novas formas de compreender e
sentir o mundo.
A concepção de estética atribuída pelos documentos se dá a
partir da afirmação do seu oposto, ou seja, sua condição depende da
existência de um outro que ela tem de negar para se auto afirmar. Ela
é abstrata porque não se refere a nenhum sentido em especial. A
sensibilidade é dada como o oposto da racionalidade.
O conceito de estética, se construído, se faz mediante a
operação de opor dois elementos. Sob esse aspecto, a “estética da
sensibilidade” se faz conceituar a partir da oposição à “racionalidade
de uma estética taylorista”. É, pois, impossível pensar uma estética da
sensibilidade sem pensar a “racionalidade taylorista da estética da
padronização”. Para que possa se sustentar, a estética da sensibilidade
89
é obrigada a conceituar aquilo que ela não é, conferindo identidade
àquilo que ela não é.
É possível observar, então, que a estética da sensibilidade
depende da continuidade de seu oposto, ainda que seja para dominá-
lo. Posso apontar, portanto, que é instaurada nos documentos uma
oposição imposta pela exclusão: onde há sensibilidade, ali a
racionalidade instrumental não deve estar e vice-versa.
A estética como um fundamento educacional redireciona o
que aprender para como se deve aprender. A estética da sensibilidade
como princípio educacional irá modular as subjetividades de modo
que a sensibilidade dos alunos seja educada de acordo com os
interesses do capitalismo, uma vez que a educação está cooptada pelo
sistema. Que sensibilidade queremos que nossos alunos desenvolvam
ou construam? E outra pergunta necessária: o que é uma educação do
sensível para a qual uma geração inteira deveria ser preparada? Ou,
ainda, uma questão ética: que direitos temos nós de educar a
sensibilidade dos outros, educá-las para quê?
A estética enquanto princípio que se propõe reintroduzir a
sensibilidade, a leveza e a delicadeza são dispositivos que tem por
finalidade produzir efeitos sobre os corpos, sendo capaz de operar
mudanças efetivas sobre a comunidade escolar.
O surgimento do saber sensível e da sensibilidade é possível
porque a época atual oferece condões necessárias para isso, como a
implantação de um programa para a educação do sensível nas escolas,
empresas, cidades, governos. A sensibilidade passa a ser racionalizada,
calculável e, embora cooptada quase que imediatamente através dos
planos de gerenciamento e do controle informacionais, é válido
observar que a nova sensibilidade poderia promover também novas
formas e estilos de resistência e processos de subjetivação.
90
Há, nos documentos da reforma educacional, a intenção de
agenciamento da sensibilidade, dos afetos e paixões deixando para a
tecnologia a responsabilidade não apenas pela educação dos sentidos,
mas, ainda mais, pela transformação, ou ainda, modulação dos
sentidos, porém, o que acontece com a sensibilidade e com os sentidos
no mundo contemporâneo?
O sujeito não se dispõe de um aparato biológico, psíquico,
emocional sólido suficiente para ter boa relação com “àquilo que
chega” por meio da tecnociência. Parece que quanto mais as
tecnologias avançam, mais aparecem os problemas em relação a
sensibilidade requerida pela velocidade das mudanças, pelo
baralhamento dos sentidos, desestabilizados pelos novos regimes de
percepção e concepção do mundo como, por exemplo, a dita
realidade virtual. Ao vivenciar esse caos tem-se o sentido (aesthesia) e
a anestesia o que impulsiona novos processos de subjetivação.
Para melhor compreensão da aesthesia, passo para o terceiro
capítulo para pensar o que seria a estética da sensibilidade na sua raiz
etimológica e no sentido filosófico.
91
CAPÍTULO 3
A ESTÉTICA NA FILOSOFIA CSSICA:
BAUMGARTEN, KANT E SCHILLER
Neste capítulo, abordo aspectos do conceito de estética na
Filosofia clássica para compreender sua origem e seu sentido inicial
com o intuito de pensar possível conceito para a ‘estética da
sensibilidade’ na Filosofia da Educação. Foi possível apresentar no
capítulo anterior que o fundamento da estética da sensibilidade ficou
vago, um operador vazio, embora muitas vezes esse pudesse ser
também o objetivo na sociedade atual, que seria esvaziar sentidos.
É necessário compreender o porquê do estético ter autonomia
em relação ao artístico, e compreender essa distinção, uma vez que o
campo de constituição apresenta o artístico e o estético justapostos,
mas nunca como sinônimos. O estético nos documentos da reforma é,
inicial e genericamente, compreendido como tudo aquilo que se refere
à sensibilidade, diz respeito não apenas ao artístico, mas a tudo que
envolve percepção, sentimento, afeto: objetos, sonoridades, formas,
linhas, cores variadas, sentimentos, emoções, intuição, criatividade,
delicadeza.
Recapitulando os conceitos clássicos da Filosofia, e
consequentemente da Filosofia da Educação, resgata-se aqui o que é
estética. A palavra estética de origem grega (aisthésis) significa
percepção, sensação, sensibilidade, apreensão pelos sentidos. A
estética é uma das áreas de conhecimento da Filosofia que estuda a
natureza, a beleza e os fundamentos da arte, mas também se ocupa do
feio (daquilo que é privado de beleza), e do sublime (extrema
92
amplitude ou força que transcende o belo). É também chamada de
Filosofia da Arte.
3.1 Estética: o conceito e sua história em Baumgarten e Kant
O estudo da estética, tal como é concebido hoje, tem sua
origem na Grécia antiga, no entanto os seres humanos, desde sua
origem deixam evidências em possuir um cuidado estético em suas
produções. Pode-se perceber isso desde as pinturas rupestres até à arte
contemporânea. A importância conferida à estética é perene. Foi em
meados de 1750, o filósofo Alexander Baumgarten (1714-1762)
empregou pela primeira vez o termo "estética" como uma área do
conhecimento do conhecimento sensível (pelos sentidos). A estética
passou a ser compreendida como uma forma de se conhecer pela
sensibilidade, ao lado da lógica, e se desenvolveu como uma área de
conhecimento sendo atualmente entendida como o estudo das formas
de arte, dos processos de criação artística e suas relações políticas,
sociais e éticas.
A obra Estética (1750), mesmo que incompleta, escrita por
Baumgarten, buscou inaugurar a estética como ciência das sensações
que teria por finalidade a busca da perfeição do conhecimento sensível,
ou seja, a beleza. Após a obra Poética de Aristóteles de IV a. C, a Estética
de Baumgarten é a primeira obra que trata das abordagens reflexivas
do campo das artes.
Baumgarten trouxe à discussão novamente os aspectos da arte
e do belo que até então estavam fadadas ao utilitarismo, desprezadas
pelas reflexões filosóficas sujeitadas e longe de um pensamento
racional. O pensador se debruçou a retomar a questão do belo no
campo reflexivo- racional da filosofia, atribuindo outra definição ao
93
belo, desta vez sob a perspectiva do antropocentrismo que marca a era
moderna.
O menosprezo pelas questões do belo vem da antiguidade,
desde Platão, na qual o belo era visto como uma utilidade para a
moralidade. O belo era apenas uma imitação (mimese) do belo ideal,
e essa função mimética atribuída ao belo se perdurou na arte até o
século XVIII.
Para Cecim (2014) a arte ainda sob influência das concepções
de Platão e Aristóteles, vista como prisioneira do sensível e indigna
de ser absorvida pelo intelecto, este por sua vez imbricado a tratar
das questões religiosas, metafísicas e morais. Porventura, começa-se a
alterar essa estrutura a partir da união do belo com a arte, promovida
pelo Renascimento no culo XVII.
Baumgartern definiu o belo como a perfeição do
conhecimento sensível, e a estética é o estudo do belo. Portanto, a
estética é o estudo do conhecimento sensível. Em sua obra magna
Aesthetica sive theoria liberalium artium” (1750) instala-se a estética
como uma disciplina da filosofia, que foi possível pela cisão entre a
concepção do belo e do bem, garantindo a autonomia do belo,
necessária para configurar-se em uma disciplina.
O belo agora devidamente separado da sua função utilitária e
moralizante, é agora configurado por Baumgarten sob a luz da
gnosiologia. Influenciado por Wolff e Leibniz, Baumgarten se inspira
na concepção do racionalismo de que há graus de conhecimento e
divide as faculdades do espírito humano em duas: a superior e a
inferior.
A faculdade superior estaria preenchida pelas questões da
metafísica e a faculdade inferior estaria na função das sensações (o
sensível), porém carente da ajuda do intelecto. A gnosiologia inferior,
portanto, é o conhecimento sensível no qual se instala a estética.
94
A estética definida por Baumgarten como a arte de pensar de
modo belo é, portanto, análoga à razão. Agora é possível realizar o
exercício estético que, para Baumgarten é a depuração do
conhecimento sensível, o qual é turvo, mas com o exercício estético
ele passa por um “filtro” que permite que fique limpo e claro,
exatamente como é o conhecimento lógico e científico.
Ao eleger a arte como merecedora de reflexão filosófica e a
estética como disciplina desta temática, Baumgarten aproxima o
conhecimento sensível (estética) ao conhecimento científico,
propondo uma analogia entre eles, uma vez que a estética eleva nossas
representações obscuras para uma clareza semelhante à teoria
científica, lógico-abstrato. O exercício estético que possibilita a
depuração do conhecimento sensível deixa evidente que a busca do
belo e da perfeição é um exercício de pensamento uma vez que essa
perfeição sensível é aquela que mais se aproxima de uma ideia do
objeto (no sentido platônico, no princípio de perfeição). Por isso, o
conhecimento racional é impedido da perfeição porque o intelecto
não pode esperar perfeição dos objetos sensíveis, exatamente porque
estes, imperfeitos, não podem ofertar perfeição pela própria condão
mutável e constituição ontológica frente do conhecimento racional.
A importância de Baumgarten para o campo da estética foi
exatamente esse novo sentido que ele atribuiu a ela, a saber, um
sentido metodológico e atualizado do belo como uma ciência que
pretende, por meio de um exercício de constante abstração e
depuração do conhecimento dos objetos sensíveis, reconhecer a
universalidade da beleza que por fim leva à possibilidade teórica de
perfeição do conhecimento sensível. Pode-se definir que, em
Baumgarten, a estética como a disciplina do conhecimento sensível na
qual o belo ganha o destaque, mas não sendo exatamente uma ciência
do belo.
95
Baumgarten define “A Estética (como teoria das artes liberais,
como gnoseologia inferior, como arte de pensar de modo belo, como
arte do análogon da razão) é a ciência do conhecimento sensitivo
(BAUMGARTEN, 1993, p. 95, grifo nosso). Distancia o belo de um
caráter utilitarista e moral, como era outrora as artes como mimese do
real na função de catarse (como a epopeia, comédia e tragédia),
Baungarten redefiniu o belo em termos subjetivos, situando-o na
representação do sujeito, ou seja, os objetos que são sensíveis são
apreendidos em forma de imagens em nosso intelecto, portanto, o
conhecimento sensível é um conjunto de representações harmônicas,
e isso é o belo.
Por isso, é possível falar em belos pensamentos que seria o
ápice da perfeição do conhecimento sensível. O belo é dependente da
nossa representação, uma vez que o reconhecimento da beleza de algo
depende do pensamento. A imanência do belo em nossa
representação é a arte de pensar de modo belo. Diz ele:
as partes mais importantes do saber belo são as disciplinas que
versam sobre Deus, sobre o universo, sobre o homem uma vez
que seu estado é sobretudo moral -, sobre a História, não
excluindo os mitos, sobre antiguidades e sobre a beleza dos signos
linguísticos. (BAUMGARTEN, 1993, p. 95)
O exercício estético não é igual para todos os sujeitos
exatamente porque as experiências são distintas para cada um, sendo
assim o belo é subjetivo e só pode ser alcançado conforme a recepção
representativa de cada ser. Precisa-se que seja aperfeiçoado a nossa
sensibilidade e isso nos elevaria a um pensamento belo. Sintetizando,
o belo é subjetivo para Baumgarten pois depende das várias formas da
percepção representativa, que é algo conduzidos pelo exercício
estético realizado por cada um.
96
Baumgarten (1993, p.99) diz que “O esteta, enquanto esteta,
não se ocupa das perfeições do conhecimento sensitivo, tão recônditas
que o nos permanecem totalmente obscuras ou que apenas podem ser
intuídas pelo pensamento.”, então, o belo não se encontra no mundo
inteligível como algo objetivo, utilitário, preciso.
O belo precisa ser depurado, refratar nas representações e
assim ser criado pelo sujeito, algo é belo para-alguém. Com isso,
a consequência de um belo subjetivo e atrelado ao pensamento é
que uma teoria do belo não pode ser uma ciência. Kant (1994) não
concorda com a pretensão de Baumgarten em fundar uma ciência do
belo.
Uma vez que o belo está no pensamento, no próprio
julgamento de cada um a partir da sua forma de representação, ele
não pode estar em coisas empíricas e por isso não poderia ser
subordinado a conceitos técnicos. Por isso, não haveria uma ciência
do belo como era a intenção de Baumgarten, embora ele tenha
contribuído decisivamente para os estudos de Kant em a Crítica do
Juízo de 1790. Esta discussão foi continuada por abordagens sobre a
estética nos séculos XVIII e XIX, com destaque para as reflexões de
autores ligados ao movimento romântico alemão, tais como Goethe,
Schiller e Novalis.
Utilizando-se de conceitos e concepções baumgarteanas, Kant
vê o belo imbricado pela representação interna e pura, esta seria sem
interesse e sem propriedades materiais. Para Kant (1995), o belo é a
bela representação. Desse modo para distinguir se algo é belo ou não
se deve referir à representação deste e não ao objeto em si em sua
materialidade. Desse modo,
para distinguir se algo é belo ou não, referimos a representação,
não pelo entendimento ao objeto em vista do conhecimento, mas
97
pela faculdade da imaginação […] ao sujeito e ao seu sentimento
de prazer ou desprazer. (KANT, 1995, p. 47)
As obras Estética (Baumgarten) e a Crítica do Juízo (Kant)
tratam o belo sob o ponto de vista das representações, ainda que ambos
não se distanciem da perspectiva platônica de um belo em Ideia. Os
autores conseguem dar outra perspectiva para o belo ideal por meio da
subjetividade da representação.
O conhecimento pelo sensível no concernente às artes, por
exemplo, deve ser um exercício estético. O pensamento é o
responsável por refinar, depurar o conhecimento sensível. Desse
modo, as reflexões de Baumgarten e demais teóricos do século XVIII
e XIX, pressupunham a arte como um produto da sensibilidade, da
imaginação e da inspiração do artista com a finalidade da
contemplação. A contemplação é a busca pelo belo (não ao útil,
agradável e prazeroso). Já aos espectadores cabe o julgamento do valor
de beleza que a obra conseguiu atingir, ressaltando que o belo aqui já
é diferente do verdadeiro.
Além disso, como a obra de arte é pensada a partir de sua
finalidade a criação do belo -, torna-se inseparável da figura do
público (espectador, ouvinte, leitor), que julga e avalia o objeto
artístico conforme tenha ou não realizado a beleza. Surge, assim,
o conceito de juízo de gosto, que será amplamente estudado por
Kant. (CHAUÍ, 2000, p.407).
O belo tem a particularidade de possuir um valor universal,
ainda que a obra de arte seja essencialmente particular e singular e
capaz de oferecer algo universal a beleza - sem ter que apresentar
provas, conceitos e inferências teóricas. Como por exemplo quando
se aprecia uma obra de arte como um quadro, um poema, uma
98
escultura, pode-se dizer que há beleza naquilo embora seja algo
singular.
Atualmente o juízo de gosto foi deixado de lado como critério
de avaliação de obra de arte. As artes deixaram de ser pensadas
estritamente sob a ótica do belo e são vistas sob a perspectiva das
expressões das emoções e desejos, interpretação e crítica de uma
realidade social, invenção de objetos artísticos, entre outras.
Paradoxalmente, a alteração da percepção em relação ao belo
e às artes tirou o privilégio estético e faz com que a estética se aproxime
cada vez mais da ideia de poética, que é a arte como um trabalho e não
como contemplação e sensibilidade, fantasia e ilusão. Lembrando que
a palavra poética é a tradução de poiesis, portanto, fabricação. Desse
modo a arte poética, que remonta a Aristóteles, trata a arte como a
fabricação de seres e gestos pelos humanos. (CHAUÍ, 1995).
A universalidade do belo é subjetiva. Kant (1995, p. 85) diz
que
[...] em todos os juízos pelos quais declaramos algo belo não
permitimos a ninguém ser de outra opinião, sem com isso
fundarmos nosso juízo sobre conceitos, mas somente sobre nosso
sentimento; o qual, pois, colocamos a fundamento, não como
sentimento privado, mas como um sentimento comunitário.
Um objeto não é considerado belo por uma qualidade
inerente dele, mas sim, uma percepção subjetiva que alcança um
âmbito intersubjetivo. Em Crítica, Kant diz que o belo e o sublime
requerem o prazer, assim, ambos se deleitam por si próprios. O
impulso de vida concedida por algo belo está atrelado ao lúdico e à
imaginação.
99
A rosa, que contemplo, declaro-a bela mediante um juízo de
gosto. […] o juízo que surge por comparação de vários singulares:
as rosas, em geral, são belas não é desde então enunciado
simplesmente como estético, mas como um juízo lógico fundado
sobre um juízo estético. (KANT, 1995, p. 59).
A imaginação, em Kant, é uma instância pré-teórica, é
inadequada para almejar o infinito. A imaginação se sustenta apenas na
sensibilidade, enquanto a razão requer que a imaginação faça o
inconcebível: que cuide daquilo que possa ser expresso sensivelmente
(KANT, 1995).
Em Kant a razão violenta a imaginação. A imaginação faz da
natureza uma estrutura para as ideias e isso é danoso para a
sensibilidade. A razão solicita a imaginação “somente para ampliá-la
convenientemente para o seu domínio próprio (o prático) e propiciar-
lhe uma perspectiva para o infinito, que para ela [imaginação] é um
abismo” (KANT, 1994, p.111). Assim, domínio da imaginação é a
sensibilidade, isso quer dizer, a representação do mundo por meio da
imagem.
A razão faz a imaginação inferiorizar qualquer aspecto que
esteja sob a esfera da sensibilidade, uma vez que ela deve se encarregar
daquilo que não é representável. No movimento de compreender algo
que não é compreensível, a imaginação se depara com o vazio do seu
esforço, pois só pode se pensar numa ausência em relação ao infinito.
Em Kant, a imaginação e a razão são dois entes conflitantes.
O sublime seria mais um sentimento de desprazer do que de
prazer, ou ainda, um sentimento de prazer negativo uma vez que
evidencia a inadequação da imaginação humana em captar e
representar a natureza na sua discrepância e poder.
O sentimento do sublime denuncia (na própria sensibilidade
e sentimento) um abalo que atinge a todos completamente, não numa
100
mera contemplação tranquila (como faz o belo) que a condição do
homem não se cumpre no plano da natureza. Ou seja, por meio do
sublime, a natureza em suas manifestações de enorme poder, mostra-
nos o que está além dela, deixando claro a nossa condição moral e
ofertando-se como um símbolo do absoluto e do infindável.
Em Crítica da faculdade de juízo dedicado à “Analítica do
sublime”, Kant explana sobre a imaginação e os obstáculos da natureza
suscita, as experiências positivas ou negativas com o sublime que se
revela ser o dever moral. À natureza fica o papel de despertar o sublime
para as ideias da razão pela via da sensibilidade. O sublime está
atrelado ao modo de pensar. Portanto, a verdadeira sublimidade, para
Kant, está no ânimo de quem julga e não no objeto da natureza.
Enfim, as ideias de Baumgarten e Kant contribuem para a
compreensão da introdução da Estética como uma disciplina dentro
da Filosofia e também na discussão sobre o juízo de gosto e da
subjetividade em relação ao belo. É relevante buscar o significado da
estética para se compreender epistemologicamente a estética da
sensibilidade. Schiller também agrega contribuições relevantes acerca
da estética, trato no próximo item.
3.2 A concepção de estética em Schiller
Outro autor relevante para o tema da estética e que fora
influenciado em partes pelas obras de Kant, foi Schiller (1759/1805),
que teve na terceira Crítica de Kant sua maior inspiração para
desenvolver seu pensamento estético. Ele mesmo mencionou numa
carta a Christian Gottfried Körner em 5 de março de 1791:
Você não advinha o que leio e estudo agora? Nada menos do que
Kant. Sua Crítica da faculdade do juízo, que adquiri, me estimula
através do seu conteúdo pleno de luz e rico em espírito, e me
101
trouxe o maior desejo de me familiarizar aos poucos com a sua
filosofia. (...), Mas como tenho pensado muito por mim mesmo
sobre estética e nisso sou ainda mais versado empiricamente,
progrido com mais facilidade na Crítica da faculdade do juízo e
começo a conhecer muito sobre as representações kantianas, pois
nessa obra se refere a elas e aplica muitas ideias da Crítica da razão
[pura] à Crítica da faculdade do juízo. Em suma, pressinto que
Kant não é para mim uma montanha intransponível, e
certamente ainda me envolverei com ele com mais exatidão
(SCHILLER, 2002, p. 910 apud SANTOS NETO, 2016)
Schiller redigiu a Educação estética do homem (1793), além de
outras obras, para fundamentar o belo como algo objetivo sensível,
discordando de Kant para o qual não nenhuma regra objetiva sobre
o gosto, que possa determinar por meio de conceitos o que é belo. O
que determina o gosto é estético, ou seja, está alicerçado no
sentimento do sujeito. Embora a teoria schilleriana sobre o belo não
siga uma estrutura sistêmica como de Kant, ela tem seu rito pela
tentativa da construção de uma teoria da beleza a partir das reflexões
kantianas.
Schiller está inerido nas teorias estéticas do século XVIII que
objetivavam atribuir autonomia à arte, contrariamente ao
subjetivismo racional de Kant, ao subjetivismo sensível de Burke e do
objetivismo racional de Baumgarten. (SANTOS NETO, 2016). Na
Europa ocorria a Revolução Francesa, a aflorada promessa de uma
República, do sujeito livre e racional, capaz de articular seus próprios
pensamentos, porém, o que se insinuava promissor se transformou
numa violenta luta por ideais e essa disputa foi uma infelicidade para
muitos, principalmente entre os filósofos da Alemanha do culo
XVIII, inclusive para os mesmos que haviam de perfilhado com o
movimento da Aufklärung. É nesse contexto que Schiller estava, ele
apoiou inicialmente o Iluminismo, mas ficou desiludido ao ver a
102
violência gerada pelos conflitos de ideais. Ele constatou a necessidade
de achar uma solução para a sociedade, e essa teria a base na educação,
mas especificamente uma educação para a arte.
Embora Schiller tenha partido da Crítica de Kant para suas
reflexões e teoria, limitações entre o pensamento desses dois
autores. A estética a partir de fundamentos objetivos, na teoria de
Schiller, não pretende colocar o estético sobre bases empíricas, mas
antes dar-lhe autonomia, embasada em princípios racionais. Schiller
considera a importância da autonomia da estética - intensão de que ela
seja uma ciência filosófica.
O que moveu Schiller foi investigar os efeitos da arte para a
formação do homem. Para ele, a arte deve ser investigada pelo espírito
e não por meio da relatividade do gosto. A proposta de Schiller é
conflitante e desafiadora uma vez que o belo está na esfera dos
sentimentos e não do conhecimento o que é contraditório com a
afirmação de um princípio objetivo universal para a beleza.
Para Schiller, há artes que dão prazer ao entendimento e à
imaginação; essas têm como meta o que é verídico, perfeito e belo.
Algumas delas ainda se localizam no âmbito da imaginação e da razão,
objetivando averiguar o que é bom, sublime e comovente.
Na teoria schilleriana, o sentimento de prazer ou desprazer são
possibilitados pelas artes. O sentimento de desprazer também é capaz
de ser estimulante, pois cumpre um papel de elevação do homem
natural à condição de homem moral. Os afetos desagradáveis também
podem ser fontes de prazer em si e podem ainda fazer emanar uma
disposição de caráter mais elevado, que pode ser chamado de patético
ou sublime. Nesse sentido, é possível dizer que Schiller vê uma
utilidade moral para a arte, assim como Aristóteles?
Em Aristóteles, a arte está a serviço da moral e tem como
principal função e melhoria moral dos seres humanos. Para ele, as
103
tragédias artísticas podem ensinar aos espectadores que não relação
circunstanciais entre a virtude e a felicidade. A riqueza e a cultura são
majoritariamente insuficientes para a virtude humana. Uma boa obra
de arte consegue passar a mensagem que para ser feliz é necessário
praticar as virtudes morais.
A respeito do sublime, Schiller se separa radicalmente da
proposta de Kant (na qual o sublime é um estado de ânimo perante
uma paisagem da natureza livre). O foco de investigação de Schiller é
de que modo o estético oportuniza o desenvolvimento moral. Para
ele, a natureza tem a capacidade de suscitar os sentimentos de belo e
o sublime. O belo seria gentil e delicado capaz de suavizar a existência
com tons de alegria. A beleza é arraigada no mundo sensível, e incapaz
de migrar para regiões da moral.
Embora algo sublime não seja capturado em forma de
imagem, pois ele escapa do entendimento e da imaginação, é capaz de
anunciar ao ser humano sua limitação, e isso tem um poder fascinante
e atraente. O sublime então seria um paradoxo do espanto e da alegria,
da tristeza e da alegria que ficam intensos ao ponto de produzir o
encanto. No sentimento sublime, um objeto pode anunciar o estado
dos sentidos do espírito e o ser humano é incentivado a articular os
mais profundos sentimentos de grandeza moral e exiguidade física. Ao
observar algo sublime o ser humano é confrontado por uma força
brutal superior a toda força física, deixando escancarada a impotência
humana. O afrontoso poder da natureza é esteticamente sublime.
O sublime não se eleva pelo domínio da natureza
(domesticação de animais, controle das leis naturais, como a gravidade
é desafiada pelo voo de um avião etc.). A natureza é sublime por ser
pavorosa, mas, para Schiller, quando o ser humano controla a
natureza pela ciência e a natureza já não apresenta mais nenhum
temor para a sensibilidade humana, daí a natureza perde sua
104
sublimidade. Até mesmo o sublime está no ânimo de cada sujeito
e não no objeto em si, portanto, o sublime é subjetivo. Assim é
também o pavor que o sublime causa, se o sublime é subjetivo, o
pavor aqui também não é do tipo que coloque a vida humana em
xeque. Logo, ao vislumbrar a natureza, pela contemplação estética
infere-se que liberdade e nada que a impeça. Ainda, o sublime
quem está seguro em relação àquilo que produz pavor. Para
ocorrer é necessário que a imaginação se dedique àquilo que
representa, e não apenas uma abstração simples.
Schiller explora sobre a comoção propiciada pela represen-
tação do sofrimento humano expressa na tragédia. A finalidade da
obra de arte não seria apenas a representar o sofrimento, mas levar o
espectador a ter sentimentos de prazer e felicidade. Até mesmo o
desprazer representado na tragédia leva ao prazer, uma vez que aviva os
sentimentos de temor e compaixão.
Na concepção de Schiller, a tragédia é o gênero poético que
propicia dor que leva a um prazer moral. O prazer no desprazer é
alcançado por aquele que consegue reconhecer o universal no
particular. O despertar da compaixão pelo outro é da particularidade
da natureza sensível. Para tanto, o sofrimento não é sublime, porém,
a resistência ao sofrimento sim.
Schiller abordou sobre o patético, que só pode ser estético se
for sublime. A arte trágica é salva pelo momento que aparece a paixão
que resiste. É uma força acima do sensível, de resistência. Para passar
do mundo sensível para o mundo inteligível tem uma ruptura e não
uma passarela, pois é o abalo que “arranca o espírito autônomo à rede
que a sensibilidade requintada teceu à sua volta” (SCHILLER, 1997,
p.224).
Na compreensão schilleriana, o sublime faz que o ser se evada
do mundo sensível dominado pelo belo. Pela ótica da estética o
105
sublime seria menos relevante do que o belo, mas o sublime tem a
capacidade de desvelar a direção humana ao que é suprassensível.
Ao unir o belo com o sublime é possível dizer que a beleza não
se rende a um prazer eterno ou então a um prazer hedonista, mas sim,
à sensibilidade desprendida da natureza. Em Educação estética do
homem, Schiller continua sobre a reflexão do intuito pedagógico da
estética e pensa sobre o gosto como um colaborador na depuração dos
sentimentos, asseverando a arte como um exercício para a liberdade
humana.
Para abordar suas ideias para a educação, Schiller escreveu, em
1793, uma gama de cartas e as endereçou ao seu amigo, Duque de
Augustenburg, nas quais ele apresentava seus os ideais educativos.
Nessas cartas ele também expôs os desagrados com o movimento da
época, expõe e aprofunda sobre conceitos que ao seu ver fundariam o
pensamento educativo e revelaria sua preferência e influência pelos
clássicos gregos para assentar sua proposta educativa. De Platão
absorveu os conceitos de visão e belo e de Aristóteles o conceito de
catarse.
Na visão de Schiller “para resolver na experiência o problema
político é necessário caminhar através do estético, pois é pela beleza
que se vai à liberdade.” (carta II, p.26). E o legado de tornar o homem
físico num homem estético caberia à cultura, uma vez que apenas a
beleza conseguiria trazer o estado moral. O autor compreendia que
apenas ao harmonizar os impulsos sensíveis e formais é que o Homem
seria livre e realizaria o pleno uso da moral, chegando ao absoluto do
ser.
A educação proposta por Schiller tem foco na moral e na
política, na busca pelo ser humano pronto para ser um cidadão salutar
e capaz de interferir no Estado honestamente por meio do coletivo.
O ser absoluto é caracterizado pela capacidade de equilibrar a
106
necessidade física e moral, capaz de lidar com as potencialidades e
transformações harmoniosamente.
Após a exposição do que considero central nos pensamentos
de Baumgarten, Kant e Schiller, em vista dos propósitos da obra,
chegou o momento de explanar o que seria uma possível definição para
o termo estética da sensibilidade, a partir das referências na filosofia.
Evidencia- se que esta questão deve estar atrelada à educação.
Baumgarten propôs que a estética pudesse ser estudada,
fundou essa disciplina para a Filosofia, olhou para ela por outro
prisma até então não visto, abrindo o caminho para longos diálogos
sobre a estética e para a arte. Kant, retoma reflexões de Baumgarten
e ainda que com discordância em pontos específicos, contribuiu
também para se expandir as reflexões sobre a estética a partir do juízo
do gosto, da subjetividade e da perspectiva do espectador. E por fim,
pelo menos aqui neste livro, Schiller, que tem a importância de trazer
a importância da educação, e da estética para a educação.
A estética compreendida como aisthésis, de perceber, sentir
compreenderia um campo da percepção por meio dos sentidos,
apreender o conhecimento pelos sentidos, [...] abarca uma vasta gama
de conteúdo: o sensorial, o sensacional, o sensível, o sensato e o
sentimental, junto com o sensual.” (DEWEY, 2010, p.88). Então, o
princípio da estética da sensibilidade como um dos fundamentos da
educação, poderia ser compreendido como o sensível da
sensibilidade? O sensorial da sensibilidade? Ou ainda, o sentimental
da sensibilidade? Seria um pleonasmo?
Ao refletir sobre as concepções elementares sobre estética
posso inferir a estética como um campo de estudos das sensibilidades,
ou ainda a arte de sentir. Ainda, como propôs Schiller, a estética numa
função catalisadora do conflito entre o sensível e o formal, chegamos
107
a uma potente definição para a estética da sensibilidade: a arte de
harmonizar o sentir e o pensar.
Seria por meio da catarse que os sentimentos são sentidos
artisticamente como belo. Para Schiller, é o impulso lúdico, a catarse
estética que faz a ponte necessária para o equilíbrio do sensível e
formal, é dessa maneira que o ser humano se (re)cria e assim, na
medida que se refaz também se autodetermina, ao se reconstruir sua
destinação é a liberdade. Por isso que para Schiller pela liberdade
estética o ser humano atinge a liberdade política. O sujeito nunca é
acabado, está sempre recriando, se reinventando.
A liberdade do Homem grego era liberdade de..., mas a
liberdade do Homem moderno é uma liberdade para.... Pela catarse o
Homem grego livrava-se das dores físicas, se livrava de emoções,
atingia a ataraxia, porém sempre ligado a uma totalidade que tudo
provia. Era uma liberdade inconsciente, que não se formava com a
participação ativa e, sim, por uma ordem “natural”. Na antiguidade,
o Homem era o que era, não se autodeterminava. Já o Homem
moderno é ativo na sua existência no sentido de reconstruí-la
constantemente. Não é coagido pelas sensibilidades e pela razão. É
livre para ser o que quiser. O Homem estético funde-se ao Homem
ideal. Ao abordar sobre o belo ideal e o realizável, Schiller retornou e
se desvinculou dos pensamentos de Platão e Aristóteles num
movimento de buscar respostas e soluções repensando as teorias
passadas. E com isso ele reinventou seu olhar, e compilou sua obra
como um artista.
Esse movimento feito por Schiller de ir em busca dos
pensamentos dos clássicos gregos com a intenção de compreender a
realidade e propor uma solução para o momento que ele vivia é uma
atitude estética. Pode-se dizer que fica evidente a superação do mundo
grego, já que Schiller teve uma consciência que talvez a consciência
108
do Homem grego ingenuamente insistiu na superação da tensão entre
a razão e a sensibilidade. Schiller conseguiu evidenciar o jogo com a
beleza, que está na tensão entre a razão e a sensibilidade. Monteiro
(1998) considerou o trabalho desenvolvido por Schiller em A Educação
Estética do Homem aporética. Essa obra é trabalhada à luz de uma
aporia, mas é isso lhe confere a beleza, a catarse, o jogo e o poder
criativo.
Os autores gregos buscaram a superação da dicotomia entre o
universal e o particular de muitos modos. Platão e Aristóteles
exemplificam esse empenho, cada um do seu modo. Mas, qual a
aproximação das ideias de Schiller ao nosso tempo? Porque trazer a
reflexão de Baumgarten, Kant e Schiller para pensar a estética da
sensibilidade?
Primeiramente, não anacronismo nas temáticas abordadas
no ponto de vista desta obra, pois as questões relativas à estética
continuam presente na sociedade atual. Porém algumas ressalvas
precisam ser feitas. No mundo contemporâneo impera a fragmen-
tação em relação à totalidade. O Ideal do Belo ficou relativizado nas
revoluções artísticas do século XX no mundo da arte ao ponto de
inaugurar o feio como categoria na busca de liberdade e
aproximação do público com a ideia da arte para todos. Ainda hoje se
vivencia a cultura do efêmero e do obsoleto. Até hoje busca-se a
totalidade, no classicismo dos pensadores gregos, passando pelos
pensadores do Ocidente como Schiller que buscou entender a tensão
entre a razão e sensibilidade, Aristóteles e Platão, entre o ideal e o
realizável como um meio de se atingir o todo. Corroboro com o
pensamento de Schiller, em que não há duelo ou oposição entre a
razão e a sensibilidade, não são dois extremos, porém o que se é que
a sociedade atual se fundamentou no positivismo e na dicotomia
109
mente-corpo e ainda se caminha num processo de superação. Isso pode
ser notado na educação.
3.3 O iluminismo e a educação
Como abordado, a separação entre o que é da ordem da razão
e da emoção ficou cindida, sendo o privilégio da razão sobre o
sentimento. A educação incorporou os fundamentos e legados do
Iluminismo e do positivismo, que enalteceram a razão, cindiram as
duas instâncias como se fosse possível isolá-las para o fazer científico.
O presente tópico e o seguinte (sobre a modernidade no Brasil e o
positivismo) trata dessas bases que influenciaram e ainda estão
presente a educação contemporânea.
Como exposto, Schiller conviveu com as mudanças instigadas
pelas ideias iluminista e pela Revolução Francesa, que o levou aos
estudos dos clássicos gregos a fim de compreender conceitos que
poderiam contribuir para a formação do ser humano, além de seu
espectro notoriamente racionalista. Apesar dos esforços em recuperar
essas ideias e propor uma harmonia entre o sentir e o pensar, os ideais
da razão iluminista predominam até os dias atuais. Por isso, faz-se
importante pensar como se estabeleceu o predomínio racionalista do
movimento iluminista sobre a pedagogia e, consequentemente, sobre
a educação atual.
As mudanças que ocorreram na Europa Ocidental, entre os
séculos XI ao XV, colaboraram para a efetivação do absolutismo
monárquico que se fundamentava na ideia do poder estabelecido pela
ordem divina. Não havia lei em papel e a justiça era apenas para quem
exercia o poder. Ao chegar no século XVIII, a realidade era marcada
pelas regulamentações mercantis que não estavam contribuindo para
o crescimento material, havia imposição religiosa dos governantes aos
110
súditos, a pobreza e a fome assolam as populações e o privilégio da
nobreza se mantinha intocável. São estas características que
circundaram a Revolução Francesa (1789- 1815).
Com o fim do feudalismo e do absolutismo veio o
desenvolvimento do capitalismo promovendo a ampliação do lucro e
domínio burguês que propagavam os ideais políticos de luta pela
liberdade e igualdade. Na França, em especial, houve uma revolução
intelectual que se disseminou pela Europa e provocou profundas
transformações no modo de pensar e agir. Os valores da burguesia se
sobressaíam e com isso houve o favorecimento da ascensão dessa
classe. A procura pela explicação racional para todas as questões
rompeu com o pensamento religioso, rejeitando a visão medieval
teocêntrica.
Estas novas ideias contavam com apoio de filósofos,
pensadores políticos, economistas que analisavam a sociedade sob à
luz da razão, por isso, esse movimento, ao longo da história, passou a
ser compreendido como a era do Esclarecimento, Filosofia das Luzes
e Ilustração. A luz se opunha as trevas da ignorância do Antigo
Regime, marcado por fanatismos, superstições e opressão.
Pode-se pensar que a Revolução Francesa foi consequência da
era do Esclarecimento, pois foi articulada por pensadores que se
debruçaram a analisar criticamente e apontar as injustiças do Antigo
Regime, mas além disso tinham a proposta de uma nova sociedade
baseada na igualdade e liberdade para todos, e defendiam que o
homem é produto da sociedade na qual vive.
A razão passou a ser capaz de responder a todos os problemas e
ser o método para resolver os enigmas do Universo. Seria apenas por
meio da razão científica que o ser humano poderia alcançar o
conhecimento verdadeiro, desenvolver uma boa convivência social,
defender a liberdade e por fim ser feliz. A reestruturação da sociedade
111
centrada no ser humano em busca da sua liberdade, do bem-estar geral
e do progresso, também favorecia as causas burguesas contra o Antigo
Regime.
Esses novos ideais foram se propagando entre a aristocracia e
grupos sociais influentes, como por exemplo na maçonaria francesa,
além de influenciar escritores que lançavam obras literárias com esse
pensamento. Assim, importante parcela da população aderiu as ideias
propagadas pelo novo pensamento, aquele que esclarecia o
pensamento iluminista.
Os filósofos desse período da histórica que apoiavam a razão
como a fonte do verdadeiro conhecimento foram chamados de
filósofos iluministas, e o modo de pensar e agir denominada de
pedagogia filosófica iluminista, segundo Cassirer (1994) e Sciacca
(1986). O racionalismo, o liberalismo e o desenvolvimento do
pensamento científico foram as bases da filosofia iluminista, que foram
estabelecidas a partir de alguns pensadores, precursores do
Iluminismo, a saber: René Descartes (1596 1650), John Locke
(1632-1704) e Isaac Newton (1642-1727).
Os maiores representantes desta corrente, de modo geral, são
representados por Montesquieu (1689-1755), Voltaire (1694-1778),
Jean Jacques Rousseau (1712-1778) e Immanuel Kant (1724-1804).
Estes pensadores em suas obras realizavam críticas aos resquícios
feudais, ao regime absolutista e ao mercantilismo, assim também
como à influência da igreja sobre a educação e cultura, além de expor
as desigualdades entre os indivíduos que o antigo regime gerava.
(MAINKA, 2007).
A pedagogia filosófica iluminista tem repercussão na educação
até os dias contemporâneos. A escola é uma instituição vinculada ao
Estado e comprometida social, política e economicamente com os
modos de produção dominantes, não havendo espaço para uma
112
educação neutra, que não faça parte do jogo de forças característico
de cada época. Por isso que é relevante abordar os pressupostos
político-filosóficos que subjazem à práxis educacional.
A defesa por uma educação laica, universal, gratuita e
obrigatória, é proveniente da própria pedagogia filosófica iluminista
vigente que advém de um processo liberal no sentido da proposta do
liberalismo “teoria burguesa e econômica do capitalismo burguês.”
(ARANHA, 1996, p. 136). Pode-se entender que a educação liberal
é reflexo dos ideais do homem burguês, com a valorização do
conhecimento racional trazidas do Iluminismo, o espírito de
liberdade o otimismo da capacidade de transformação do mundo por
meio da razão.
Os antagonismos de interesses na sociedade liberal reservam a
educação à elite. Ainda no final do século XIX, quando os movimentos
socialistas ampararam o proletariado, começou as reivindicações para
conquistar benefícios à população mais pobre, como a expansão da
rede escolar, porém a instrução tornou-se um privilégio de classe e
não uma ação democrática que atingia igualmente a todos, mesmo
porque nem todos eram considerados cidadãos. Ainda que a
sociedade burguesa tenha ampliado a rede escolar isso não ocasionou
a equalização de oportunidades. Conforme crescia o comércio e a
indústria mais aumentava a exigência de escolarização no meio da
classe proletária. Entretanto, vale ressaltar que as escolas que esta classe
frequentava é distinta daquelas reservadas aos alunos da classe
dominante. Romanelli (1991) apontou que essa distinção na
educação de acordo com o status social acabava por setorizar a
formação em global, para a profissionalização técnica, ou para a
simples iniciação de leitura, escrita e operações matemáticas para os
alunos menos privilegiados financeiramente.
113
No pensamento liberal, desde o século XVII, a vertente
representada por Comênius (1592-1670), Diderot (1713-1784) e
Condorcet (1743-1794) no século XVIII, John Frederic Herbart no
século XIX, até chegar no século XX com Dewey (1859-1952),
preocupou-se com a educação para a reconstrução social, guardando
críticas a tendência individualista da educação burguesa e
vislumbrando maior democratização, mais tarde essas preocupações
endossaram os ideais da Escola Nova, uma vertente modernizadora
da educação liberal que se opunha aos princípios do que passou a ser
conhecido como escola tradicional, porém com o tempo pode-se ver
que também a escola nova não foi capaz de equalizar a educação no
Brasil porque nossas escolas e ensino não foram dotados de condições
para isso. Quando a escola saiu do domínio das congregações religiosas
e passou a ter a ingerência do Estado, tornando-se pública, foi o
marco do início de uma instrução estatal.
Influenciado pelas ideias do Iluminismo (séc. XVIII) e do
evolucionismo (séc.XIX), Auguste Comte, importante pensador
francês que influenciará o Brasil republicano, adotou a razão científica
como base para a organização da sociedade industrial. Ele se valeu da
sociologia a partir de dois enfoques: a Estática social, voltada para o
estudo das forças que mantém unida a sociedade; e a Dinâmica social,
para o estudo das causas das mudanças sociais. Seu intuito era intervir
na sociedade desde as instâncias governamentais, sob a luz de
argumentos científicos. Por conta disso não se justifica ver a
modernidade como um resultado evolutivo natural das sociedades
humanas, mas como um projeto de sociedade.
Para Comte, no Discurso Preliminar Sobre o Espírito Positivo, a
humanidade passa por uma evolução intelectual, classificada em três
estágios: o estado teológico ou fictício, o estado metafísico, e o estado
positivo. Para que se alcance o seu pleno potencial é necessário que os
114
dois primeiros estágios tenham sido superados pelo Estado Positivo,
firmado nas verdades científicas universais, no Estado democrático e
nas leis do mercado. Gradativamente, os aspectos religiosos que unem
as pessoas e regulam seus vínculos devem ser substituídos pelo senso
de dever cívico e de corresponsabilidade social por parte de cada
indivíduo, ainda que as relações sejam marcadas pela impessoalidade.
O positivismo visa a substituição dos teólogos e militares por
cientistas e pela civilidade pacífica, ou seja, a visão teológica de mundo
pela razão. A modernidade busca o cumprimento do ideal positivista
da sociedade secular, que por meio do progresso científico, do Estado
democrático e do capitalismo.
O sucesso do projeto da modernidade significa também ter a
ciência como fundamento e discurso legitimador. O dogmatismo
científico firmado em leis universais, legitimador da realidade
estabelecida, anunciava que os caminhos trilhados pela sociedade
ocidental a levariam para a superação das mazelas humanas, em todos
os aspectos da vida em sociedade.
O otimismo comteano em relação aos avanços científicos e
econômico inspirou inicialmente os governos dos países do Norte e,
em seguida o governo e as elites brasileiras para construírem o percurso
à modernidade.
Para Bauman (1999), a vida moderna é o esforço para
exterminar a ambivalência: um esforço para definir com precisão e
suprimir ou eliminar tudo que não poderia ser ou não fosse
precisamente definido. A modernidade valoriza a ordem e evita o
caos. Isso é feito na tentativa de superar um mundo pensado a partir
de um substrato divino. Quando se retira esse substrato nos
deparamos com a necessidade de organizar a sociedade, os fenômenos,
existência em si tendo outro ponto como referência.
115
O legado dos percussores da modernidade, culminou no que
comumente se chama de ciência moderna. Essa pretendia controlar a
natureza e colocá-la a serviço do homem. A natureza é vista como algo
caótico e carente de uma ordenação racional. Nela o ser humano se
encontra totalmente entregue ao acaso, algo que inquietaria uma
racionalidade iminentemente moderna. A ciência moderna nasceu da
esmagadora ambição de conquistar a natureza e submetê-la às
necessidades humanas.
A modernidade e suas contradições estimularam cada vez mais
movimentos que colocassem em dúvida a razão, questionando seus
próprios fundamentos enquanto discurso científico. Vigorou-se o
debate em torno do real, da ausência do real, ou da multiplicidade de
realidades, estabelecendo um sentido de realidade fluida, oscilante,
líquida.
Quer na arte e na filosofia, quer na ciência, a racionalidade é
atacada pelo niilismo. Os assim chamados sistemas da razão, afirma
Nietzsche (1998), são na verdade sistemas de persuasão. Assim, as
pretensões de ter descoberto a verdade são desmascaradas como sendo
o que Nietzsche chamou de vontade de poder. “Os que sustentam
pretensões desse tipo colocam- se acima daqueles a quem elaso
expostas, o que faz com que sejam dominados”. (LYON, 1998, p.18).
A própria pretensão de uma neutralidade científica
desencadeou rivalidade a qualquer discurso que não se pretenda
universal, ou mesmo que considere a pluralidade de razões e sentidos
existentes. Dessa forma, o projeto moderno, enquanto tentativa
humana de desenvolver um espaço inteiramente humano e sob seu
controle, um processo de desmistificar do mundo, mostrou-se
ineficiente.
Porém, se por um lado as doutrinas científicas, estilos de vida,
costumes e valores se relativizam, dando ao mundo contemporâneo
116
uma tonalidade caótica, por outro lado ainda persiste como pano de
fundo uma lógica, uma racionalidade que a tudo pretende envolver.
Os processos de globalização econômica e cultural,
legitimados pela revolução no campo da tecnociência, demonstram
que as lógicas da modernidade capitalista se firmam de modo
hegemônico no mundo, e constituem a totalidade da vida social.
Ainda que seja possível reconhecer a relatividade dos discursos e a
própria multiculturalidade na qual estamos inseridos, sabe-se também
que as lógicas do capitalismo positivista ainda perduram, adequando-
se às novas dinâmicas sociais e tecnológicas.
O estudo do conceito de Modernidade envolve praticamente
os três últimos séculos da Cultura Ocidental Europeia e põe em
questão os valores e conceitos estabelecidos anteriormente pela
sociedade que, no caso, eram tidos como absolutos. Iniciando-se no
século XVIII e atingindo certa maturidade no culo XIX, quando a
Revolução Industrial se firma, a burguesia se consolida no poder e surge
uma nova classe socialo proletariado.
Como uma primeira aproximação, digamos que a sociedade
aqui referenciada denota um estilo, um costume de vida ou uma
organização social que emergiu na Europa a partir do século XVII e
que ulteriormente se tornou mais ou menos mundial em sua
influência. Isto associa essa sociedade a um período e a uma localização
geográfica inicial. (GIDDENS, 1994).
Retrocedendo, teoricamente, aos séculos XVII, vemos que a
Revolução Industrial foi um marco histórico que impulsionou as bases
de nossa sociedade moderna. Esta Revolução deu início a uma etapa
da acumulação crescente de produção de bens e serviços, em caráter
permanente e sistemático sem precedentes. Foi inseparável do
desenvolvimento por ser, fundamentalmente, uma revolução
produtiva: uma revolução na capacidade de produção e de
117
acumulação do homem. Uma revolução que constituiu em uma
autêntica transformação social que se manifestou por mudanças
profundas da estrutura institucional, cultural, política e social.
Os capitalismos comerciais, que antecederam os capitalismos
industriais, provenientes da Revolução Industrial, havia introduzido
algumas modificações substanciais na atividade manufatureira, ainda
de natureza artesanal, doméstica e marcadamente rural: o capitalista-
comerciante reorganizou o trabalho individual ou familiar que
prevalecia nas oficinas, onde reunia grupos importantes de artesãos a
quem fornece matéria-prima, energia mecânica, local de trabalho e
organização de vendas.
Porém, será a Revolução Industrial que, verdadeiramente,
traduzirá a profunda transformação estrutural da sociedade,
reordenando a sociedade rural, destruindo a sistemática da servidão e
da organização rural, centralizada na vila e na aldeia camponesa e
consequente fortalecendo a emigração da população rural para os
centros urbanos.
Ainda, no final do século XVIII ocorre a Revolução Burguesa
que derrubará o poder autocrático na França e colocará a burguesia
no poder, reestruturando uma nova ordem política na sociedade
francesa. A Revolução Industrial implicou o fortalecimento e a
ampliação de uma nova classe social que vinha sendo configurada em
períodos anteriores sobre a atividade comercial e financeira e a
Revolução Francesa foi o fenômeno histórico que consolidou as
aspirações e exigências políticas da nova classe burguesa em
consolidação.
De certa forma, a Revolução Francesa e a Revolução
Industrial constituem duas faces de um mesmo processo a
consolidação do regime capitalista moderno. Com o apoio daqueles
que recusavam a ideia de contrato e defendiam a doutrina do egoísmo
118
racional e, consequentemente, do racionalismo econômico as
sociedades anteriores, baseadas nas relações comunitárias feudais, era a
inimiga do progresso que se vislumbrava no final do século XVIII,
representando a persistência das tradições a serem vencidas, que
impedia o desenvolvimento econômico e a reforma administrativa
que se ajustava. Enfim, todas as forças sociais racionais uniram-se na
tarefa gigantesca de eliminar os destroços legados pela Idade Média,
que teimava em penetrar no culo XIX.
Num primeiro momento da ideia de modernidade que
permeia a nova sociedade advinda da oposição e/ou ruptura da
tradição. Moderno seria tudo aquilo que se opusesse a algo mais
antigo: usos comuns do termo, designando como moderno o
presente, o atual, em oposição ao passadonesse sentido, cada época
tem sua própria modernidade, ou melhor, é sempre moderna em
relação a seu passado, e o termo se torna, como adjetivo, sinônimo de
contemporâneo.
A modernidade não era aquilo que fosse novo em oposição a
algo antigo, como também aquilo que rompesse com uma tradição
acentuando-se aqui o caráter de ruptura, e não apenas o de
diferenciação. O rompimento com algo consagrado pelo tempo, pelos
costumes, pela repetição procurava destruir qualquer tentativa de
manter as ideias medievais como mediadoras da sociedade.
No limite deste uso do termo, mas passando de adjetivo a
substantivo e designando uma diferença e uma ruptura específica,
caracterizamos modernidade pela valorização do efêmero, do fugaz, do
transitório, em detrimento do eterno, do permanente. Definição que
dever ser assinalada em consideração a uma sociedade e uma época
especifica, tentando dar conta de sua singularidade, ou ao menos da
singularidade de seus valores artísticos. São essas formações sociais que
119
Weber (1982) vai designar como sociedades ocidentais capitalistas
modernas.
A definição de Weber (1982) acerca da modernidade é mais
abrangente, indo por um viés mais sócio histórico. Por modernidade
ele entende o produto do processo de racionalização que ocorreu no
ocidente desde o final do século XVIII, incluindo: a organização
capitalista moderna da produção, com destaque para sua divisão de
trabalho e cálculo racional de custos e benefícios; a constituição do
Estado Moderno; a distinção de esferas axiológicas autônomas na
esfera da cultura no processo de racionalização das visões de mundo:
a ciência, a moral, a política, a religião. Todas essas linhas participam,
como veremos, do fortalecimento do objetivismo confirmativo do
indivíduo que predominará no mundo contemporâneo.
Georg Simmel (2005) considera a modernidade como a
conjunção de dois processos que ele localiza nos séculos XVIII e XIX:
a urbanização a concentração da vida nas grandes cidades e a
individualização entendida como sendo, por um lado, a libertação
do indivíduo de seus vínculos feudais, agrários e corporativos e, por
outro, o livre desenvolvimento de suas potencialidades.
É possível reiterar que as dimensões apontadas por Weber
(1982) confluem para um território a grande cidade e para um
modo específico de experimen-las como indivíduos. O homem
retirado de uma vida rural comunitária é forçado a viver em cidades,
a fim de conquistar sua sustentabilidade social.
Berman (1986) definiu a modernidade como um fenômeno
situado no nível da experiência que dela fazem os sujeitos,
entendendo-a como sendo essa experiência em curso dede o século
XVI, experiência que se estende por todo o planeta a partir do núcleo
original na Europa Ocidental.
120
A modernidade seria um tipo de experiência vital
experiência de tempo e de espaço, de si mesmo e dos outros, das
possibilidades e perigos da vida é compartilhada por homens e
mulheres em todo mundo. Ser moderno foi encontrar-se em um
ambiente que prometia aventura, poder, alegria, crescimento,
autotransformação e transformação das coisas ao redor mas, ao
mesmo tempo ameaçava destruir tudo o que temos, tudo que
sabemos, tudo o que somos. A experiência ambiental da modernidade
anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade,
de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a
modernidade uniu a espécie humana. Porém, foi uma união
paradoxal, uma unidade da desunidade: ela nos despejou a todos num
turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e
contradição, de ambiguidade e angústia. Ser moderno foi fazer parte
de um universo no qual, como diz Marx, tudo que é sólido desmancha
no ar.
[...] Marx e Engels pretendiam caracterizar o caráter
revolucionário das transformações operadas pela modernidade e
pelo capitalismo nos mais diferentes setores da vida social. O
âmbito, o ritmo e a intensidade de tais transformações abalavam
a tal ponto modos de vida ancestrais, lealdades até então
inquestionadas, processos de regulação econômica, social e
política julgados, mais que legítimos, insubstituíveis, práticas
sociais tidas por naturais de tão confirmadas histórica e
vivencialmente, que a sociedade do século XIX parecia perder
toda a sua solidez, evaporada, juntamente com os seus
fundamentos, numa vertigem aérea. (SANTOS, 2001, p.23)
A radicalidade do capitalismo residia em que ele, longe de ser
apenas um novo modo de produção, era a manifestação de uma nova
época e de um amplo processo civilizatório, a modernidade, e, como
121
tal, significa uma mudança social global, uma mudança
paradigmática.
Santos (2001) analisou os últimos séculos e o momento
histórico atual, denominado de pós-modernidade, conferindo a
possibilidade de conhecermos as mudanças paradigmáticas do
capitalismo e a edificação do projeto sociocultural da Modernidade.
Em sua argumentação o autor revela a Modernidade como
um projeto muito rico, capaz de infinitas possibilidades e, como tal,
muito complexo e sujeito a desenvolvimentos contraditórios que se
assenta em dois pilares fundamentais, o pilar da regulação e o pilar da
emancipação. São pilares constituídos por três princípios. O pilar da
regulação constituído pelo princípio do Estado, pelo princípio do
mercado e pelo princípio da comunidade. O pilar da emancipação
constituído por três lógicas de racionalidade: a racionalidade estético-
expressiva da arte e da literatura; a racionalidade moral-prática da ética
e do direito; e a racionalidade cognitivo- instrumental da ciência e
técnica.
As articulações entre emancipação e regulação servem para
orientar a vida prática dos cidadãos. Assim a racionalidade estético-
expressiva articula-se com o princípio de comunidade, porque é nela
que se condensam as ideias de identidade e de comunhão sem as quais
não é possível a contemplação estética. A racionalidade moral-prática
liga-se preferencialmente ao princípio do Estado na medida em que a
este compete definir e fazer cumprir um mínimo ético para o que é
dotado do monopólio da produção e da distribuição do direito. A
racionalidade cognitivo-instrumental tem uma correspondência
específica com o princípio do mercado, não porque nele se
condensam as ideias da individualidade e da concorrência, mas porque
são centrais ao desenvolvimento da ciência e da técnica, fundamentais
122
para a automatização das indústrias e o fluxo desenvolvimentista da
informação.
Porém, a complexidade, a riqueza e a diversidade das ideias que
surgem com a articulação dessas forças são infinitas e contemplam
tanto o excesso das promessas que a Modernidade promete ao povo
como o déficit do seu cumprimento.
O excesso reside no próprio objetivo de vincular o pilar da
regulação ao pilar da emancipação e de os vincular a ambos à
concretização de objetivos práticos de racionalização global da vida
coletiva e da vida individual. Essa dupla vinculação é incapaz de
assegurar o desenvolvimento harmonioso de valores tendencialmente
contraditórios, da justiça e da autonomia, da solidariedade e da
identidade, da emancipação e da subjetividade, da igualdade e da
liberdade.
A sociedade moderna é, ao mesmo tempo, um vetor da
emancipação dos indivíduos que estimula sua autonomia e os torna
portadores de direitos, e um fator de insegurança crescente, fazendo
com que todos sejam responsáveis pelo futuro e obrigados a dar à vida
um sentido predeterminado a partir da sociedade que cada vez mais
entra em conflito com seus valores, que se mostra violenta, corrupta e
despreocupada com a condição de vida da maioria de seus cidadãos.
3.4 Modernidade, Brasil e positivismo
A modernidade, com toda herança do Iluminismo e do
positivismo também foi base para a educação no Brasil. Neste tópico
procuro expor brevemente sobre as características que influenciam a
nossa educação até os dias de hoje, e por conseguinte, possibilitou a
inserção do enunciado estética da sensibilidade no documento oficial,
tal como a analisamos no segundo capítulo desta obra, uma estética
123
da sensibilidade voltada para o progresso, para a desenvolvimento,
adaptação dos sujeitos às demandas de mercado, e não como uma
estética da sensibilidade voltada para às questões subjacentes da
existência humana, seus conflitos das paixões, a arte de harmonizar
os sentimentos, as sensibilidades que permeiam a conivência coletiva
na nossa sociedade, uma educação que consiga unir o sentir e o pensar
numa amalgama, de modo que o ensino seja das epistemologias e
também da estética, da política, da ética.
Para Ortiz (1991) a modernidade representa uma cultura,
uma visão de mundo, uma sensibilidade com suas próprias categorias
cognitivas. A modernidade se caracteriza por um conjunto de
transformações tais como, o surgimento dos estados nacionais e
avanços no mundo da ciência, a reengenharia nas técnicas de
produção, a revolução industrial, o surgimento do agronegócio e
consequente o estabelecimento de latifúndios, o êxodo rural e a
intensa urbanização, além do fenômeno da secularização, o
encurtamento dos meios de comunicação, através do rádio e televisão,
e a globalização econômica e cultural.
Pode-se dizer que o Brasil entra tardiamente na era moderna,
uma vez que, estes avanços demoram a vingar no país, principalmente
devido à força ruralista e a pressão do agronegócio cafeeiro (estrutura
remanescente do período escravocrata) que, ainda em meados dos anos
1930 monopolizava o mercado brasileiro com forte apoio do Estado,
temia a concorrência de livres mercados e o surgimento de outras
grandes indústrias.
Segundo Faoro (1989) o capitalismo brasileiro, sempre foi
politicamente orientado, alimenta-se e é alimentado pelo patrimonia-
lismo estatal, que tem como traço principal um modo de agir
completamente alheio e indiferente às transformações do mundo.
Nessas condições, os avaos da modernidade foram sempre
124
rechaçados em favor dos interesses daqueles que possuem condições
de se articularem em torno do aparelhamento estatal, “a realidade
histórica brasileira demonstrou a persistência secular da estrutura
patrimonial, resistindo galhardamente, inviolavelmente, à repetição,
em fase progressiva, da experiência capitalista” (FAORO, 1989, p.
736).
Porém, foi a partir da década de 1930, após a crise econômica
mundial de 1929, que investimentos estatais fortaleceram as
indústrias de base, dando um impulso maior à industrialização no
Brasil. Foi a partir deste período, com a implantação do Estado Novo
(1937) que se consolidou a vitória, ainda que parcial, dos interesses
urbanos - industriais sobre os interesses da economia rural de
exportação (OLIVEN, 1982).
Para Furtado (2000) nos anos 1930 ocorre o questionamento
do modelo econômico agrícola brasileiro que gerará transformações
na população brasileira. A consequência foi a alta elevação da
população urbana que chegará a 36,16% em 1950. Essa maior
presença da indústria nas cidades tornou-a mais atrativa à população
rural, a qual via os benefícios da modernidade industrial no cotidiano
da população citadina e vislumbrava novas oportunidades de
emprego e crescimento. Por outro lado, a diminuição da população
rural e o consequente aumento da população urbana era condição sine
qua non para o lançamento das indústrias e a estruturação do mercado
interno de consumo, o que reforçou ainda mais a indústria nacional.
Todavia, foi somente na segunda metade do século XX que o
cenário brasileiro foi alterado significativamente, com o governo de
Juscelino Kubitschek (1956-1960) regendo potentes mudanças no
quadro político-econômico, que contribuíram para a entrada
definitiva do Brasil na era moderna. JK acelerou a industrialização
brasileira dando abertura às indústrias transnacionais. A narrativa do
125
Brasil como um país de vocação agrária era, finalmente,
descredenciada. A indústria e o mercado moderno
internacionalizado, como categoria econômica, política e cultural,
passaram a dominar o pensamento e a atividade dos governantes e das
classes sociais dos centros urbanos (OLIVEN, 1982).
Podemos notar como as transformações que começaram na
Europa cerca de trezentos anos foram implementadas no Brasil de
modo intenso somente na segunda metade do século XX. Santos
(1982) debruça sobre esse assunto ao apontar que o Brasil foi
submetido a um processo intenso de transformações em meio século.
Fora construído um novo projeto de nação conforme os ditames
econômicos e valores sócio-culturais do capitalismo global. Diante
desse contexto, o Brasil passará por um importante processo de
reorganização em sua estrutura comunicativa que ampliará de forma
célere o projeto de modernidade que tomará conta do país.
Para Santos (2001) a globalização é, de certa forma, o ápice
desse processo de internacionalização do mundo capitalista, que a
partir da fusão de grandes empresas internacionais, da entrada e
rotatividade do capital financeiro para lucrar rapidamente em diversos
países demonstrou avidez econômica, política e ideológica para
destruir quaisquer outros modelos econômicos e culturais que
defendessem modelos sociais diferentes do liberalismo.
[...] principalmente pela existência de grandes conglomerados de
interesse econômico e militar, aliada à incorporação de conquis-
tas tecnológicas com o objetivo de otimizar o desempenho da
economia, ao mesmo tempo em que cria coesão ideológica em
torno das diretrizes principais do sistema de dominação política
(2001, p.31).
126
Ainda mais após o declínio do socialismo real no século XX,
com a queda do muro de Berlim, a globalização pode ser
compreendida como projeto neoliberal que se alavanca ideologica-
mente defendendo a supremacia das lógicas de mercado sobre as
relações políticas, sociais e culturais. Para Sodré (1997) o mercado e
o consumo são colocados como paradigmas para a sociedade, em
todos os aspectos da vida e num âmbito global. Através de suas
forças econômicas, o capitalismo controla as principais instituições
sociais e de poder reforçando e fixando o neoliberalismo como único
modelo a ser exaltado.
Dessa forma, a globalização efetiva-se expansiva do projeto da
modernidade capitalista, se efetiva pela reprodução do modo de vida
elitista urbano em todas as esferas da sociedade. A classe dominante
impôs uma organização social que serve aos seus interesses,
rearranjando as forças e as relações produtivas num modo específico
de transformação e utilização do ambiente. Tal como tem ocorrido ao
redor do planeta, o mundo urbano industrial capitalista se
expande como regulador da vida cotidiana, estabelecendo novas
lógicas de espaço-tempo, economia e cultura. É neste sentido que a
expressão modernidade designa um processo social complexo, que
influencia todas as dimensões da vida humana, inclusive a própria
subjetividade. Mesmo considerando os fortes resíduos culturais do
mundo rural, no Brasil, pode-se pontuar que os brasileiros atuais,
em sua maioria, se constituíram a partir dos condicionantes
existenciais impostos pelo mundo moderno, isto é, um mundo
capitalista, urbano e industrial.
5
5
Segundo Santos (1994), para a real compreensão do crescimento demográfico urbano faz-
se necessário levar em consideração tanto o crescimento natural como o êxodo rural. Deste
modo, enquanto os países industrializados, no início de sua industrialização no século XVIII,
possuíam taxas de urbanização por migração maiores que as taxas de crescimento natural, nos
127
Há de se considerar que os meios de comunicação de massa,
principalmente através de sua produção radiofônica e televisiva
nacional, expandiram a mentalidade da cultura elitista e urbana no
mundo rural. Essa expansão generalizou padrões de narrativas e
consumo associados à vida urbana abafando os estilos de vidas ligados
às tradições locais.
Para Santos (1994), a metrópole invadiu todo espaço e está
presente em toda a parte, no mesmo momento, instantaneamente.
Pode-se compreender que o estilo de vida das metrópoles tornou-se a
principal referência para a totalidade social.
A industrialização gerou uma série de transformações nas
cidades e uma delas foi a reorganização do espaço urbano. A pequena
cidade combinava a habitação e o trabalho no mesmo espaço. Patrão
e empregados compartilhavam o mesmo espaço para morar e se
utilizavam da mesma estrutura urbana. Agora, o espaço urbano
contemporâneo se configura a partir da evidente delimitação entre
patrão e empregado, pois não praticamente nenhum espaço que não
seja investido pelas lógicas do mercado (LIBÂNEO, 2001).
Ao ser implantada uma reforma sanitarista estabeleceu-se a
lógica do centro (urbanizado) e da periferia (precarizada). Esta
separação da metrópole e da periferia deixa evidente e intenso os
contrastes sociais, transformando o ambiente urbano num lugar de
luta pelo espaço e de fragmentação social.
A industrialização como produto da modernidade transfor-
mou o espaço geográfico urbano e a própria concepção de espaço. A
pequena cidade medieval era erigida segundo as limitações que a
países subdesenvolvidos o fenômeno ocorreu de forma inversa. A urbanização dos países
subdesenvolvidos não é somente uma consequência do êxodo rural, mas também de uma
explosão demográfica ocorrida tanto nos centros urbanos, quanto das áreas rurais (SANTOS,
1982).
128
natureza lhe impunha. Mas a evolução tecnológico-industrial
possibilitou ao ser humano ampliar o poder de transformar o meio
ambiente segundo os seus interesses. Para o ser humano
metropolitano, não há espaço que não possa ser alterado, que não seja
construído.
Para além disso, a evolução das redes de comunicação a partir
dos anos 1980, com destaque para a popularização da internet, mudou
a concepção de mobilidade, informação e centro de vida nas cidades.
A pequena cidade rural tinha por característica ter três centros: a
igreja, a praça e a moradia. Na metrópole estes centros se perdem
porque os meios de comunicação desmaterializaram o espaço. Sobre
isto, Libâneo afirma: “O mundo urbano é pluricentral, regido pelos
desejos e escolhas das pessoas [...]” (2001, p.32). Espaços tradicionais
(igreja, praça, família, escola) e suas objetivações são desconstruídos e
uma nova lógica regida pelo status, estilos, posse econômica,
aparência, vitrine e consumo se impõe.
A vida urbana não alterou apenas o espaço, mas também
promoveu uma nova concepção do tempo. A cidade industrial mudou
os hábitos das pessoas ao criar rotinas necessárias para a vida urbana.
O forte ritmo de industrialização e urbanização forçou as empresas a
exigirem cada vez mais turnos de trabalho. As pessoas começaram a
ampliar sua jornada de trabalho para poderem dar conta do aumento
de gastos exigidos pela vida moderna. A modernidade instaurou um
ritmo de transformação da noção tempo-espaço, causando uma
constante sensação de que o tempo se esvai. Na modernidade, estar
com a “agenda cheia” ocupando o máximo de tempo possível é o
discurso de todos, consumir o tempo torna-se um mantra atualidade,
pois não se tem “tempo a perder”, uma vez que “tempo é dinheiro”.
Embora a modernidade tenha chegado em momentos
distintos para os países do Norte e do Sul, um comum entre eles,
129
que é a necessidade de apropriação das inovações científicas,
tecnológicas, econômicas e políticas com o intuito de adequar-se aos
imperativos do capitalismo. No Brasil, este processo colaborou para
que grupos hegemônicos continuassem a ter controle sobre a
economia durante a adaptação ao novo sistema. Dessa forma, a elite
defendeu e vendeu, de forma ideológica, o projeto de modernidade
como uma inovação que melhoraria as condições de vida de todos.
A modernidade que se estabelece no Brasil busca o
cumprimento do ideal positivista da sociedade secular, que por meio
do progresso científico, do Estado democrático e do capitalismo.
A modernidade se formou a partir de um otimismo,
alicerçado na concepção de um progresso inevitável. Para o sociólogo
canadense Lyon (1998, p.35), “O ponto central da visão de futuro da
modernidade se relaciona fortemente com a crença no progresso e com
o poder da razão humana de produzir liberdade”. Pode-se afirmar que,
em certo sentido, a razão moderna crê nas suas próprias realizações.
O sucesso do projeto da modernidade significa também ter a
ciência como fundamento e discurso legitimador. O dogmatismo
científico firmado em leis universais, legitimador da realidade
estabelecida, anunciava que os caminhos trilhados pela sociedade
ocidental a levariam para a superação das adversidades humanas, em
todos os aspectos da vida em sociedade.
O otimismo da modernidade em relação aos avanços
científicos e econômico inspirou os governos dos países do Norte. No
Brasil republicano as ideias iluministas de Comte construirão o
percurso à modernidade. A crítica de Houaiss e Amaral (1995) é firme
e salienta precisamente o caráter evolutivo do processo de
modernização brasileiro que seguiu os moldes de países europeus e
dos Estados Unidos, mesmo que estes moldes tenham sido preparados
em contextos completamente diferentes.
130
Porém, o século XX assistiu à profunda crise de autoridade do
discurso científico positivista. A Primeira e a Segunda Guerra
exibiram ao mundo que mesmo as sociedades ditas positivas não
conseguiram formar sujeitos capazes de promover a paz, que tivessem
superado o paradigma militar da guerra de homens contra homens. A
ampliação dos mercados e as intenções de lucro se colocaram acima
dos vínculos de solidariedade que moralmente é um dos propostos
fundamentais de uma vida social harmoniosa. Na economia, o
impacto da Quebra da Bolsa de Nova York (1929) expôs as
fragilidades das leis de mercado. A economia capitalista, que se
apresentava cientificamente neutra, com as precisões das ciências
exatas, se viu na necessidade de reavaliar seus posicionamentos.
No campo da educação brasileira percebe-se uma tentativa de
reduzir as relações sociais e a organização das sociedades às leis
similares as das ciências exatas, podendo assim se fazer manipulações,
previsões e tomar decisões no sentido de conduzir a sociedade ao
caminho da unidade. O positivismo como discurso na educação que
confere sentido de vida aos indivíduos e para a coletividade atravessou
uma severa revisão epistemológica que discutia a relatividade da
verdade. Junto a isso floresceu, no âmbito da cultura, um movimento
de crítica que passou a questionar os imperativos da sociedade
moderna. No campo estético, as contradições sociais, sua crise de
valores, a ausência da sensibilidade e consequente desumanização das
relações foi contestada como consequência do positivismo.
A educação moderna que se estabelece no Brasil, portanto,
priorizou a razão e o pensamento empirista, batizando de modelos
científicos aqueles fenômenos observáveis e exatos e de anticientíficos
aqueles que provinham dos processos intrapsíquicos, subjetivos, e
afetivos do sujeito e que envolviam a estética e a sensibilidade. A
estética da sensibilidade que está colocada na educação ela é
131
utilitarista, ou seja, é uma sensibilidade para atender uma demanda,
é um modo de se portar frente ao mundo em constante transfor-
mação, é uma estética da adaptação, de uma sensibilidade para
perceber a demanda de mercado, portanto uma estética da
sensibilidade da ordem da razão, pensada e articulada para devidos fins,
que não é uma finalidade formativa de um sujeito emancipado,
político, ético e reflexivo.
Até aqui foi exposto que a estética da sensibilidade contida nos
documentos da educação não condiz ao que deveria ser baseado nos
pressupostos filosóficos, então, a pergunta que fica aqui é: há espaço
para pensarmos nessa outra estética da sensibilidade? Em quais
espaços educativos poderia haver uma estética da sensibilidade que
fosse a arte de harmonizar o sentir e pensar, a arte de educar primando
ambas instâncias, sem a cisão entre a razão e o sentimento?
Para responder essas questões, busquei compreender a
educação sob outra perspectiva teórica, uma possibilidade outra de se
educar. Diante do fato de que nossa educação tem fortes influências
europeias, porém, também é sabido que não somos europeus, e que o
Brasil tem suas características que resistiram e ainda resistem a todo
domínio colonizador que tivemos e perpetua pela colonialidade até
hoje. Busco no próximo capítulo compreender a educação e sociedade
brasileira pela perspectiva da teoria decolonial, legitimados pela
bricolagem que legitima não ter uma posição unívoca e hegemônica
sobre a temática estudada, no caso a estética da sensibilidade.
132
133
CAPÍTULO 4
PERSPECTIVAS DECOLONIAIS: ARTICULAÇÕES
EM/PARA A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
O Descobrimento
Em 1492, os nativos descobriram que eram índios, descobriram
que viviam na América, descobriram que estavam nus,
descobriram que deviam obediência a um rei e a uma rainha de
outro mundo e a um deus de outro céu, e que esse deus havia
inventado a culpa e o vestido e que havia mandado que fosse
queimado vivo quem adorasse o Sol e a Lua e a terra e a chuva
que molha essa terra.
Eduardo Galeano. Os filhos dos dias. (2012)
Neste capítulo abordo outra perspectiva para a educação e o
modo de pensar a sociedade. Trata-se de uma crítica ao modelo
vigente, mas também reflexões sobre outros modos de pensar a
realidade e a busca em construir conceitos e teorias próprias da
América Latina, mais especificamente aqui, brasileira. Pensar a estética
da sensibilidade numa perspectiva educacional distinta do que se tem
atualmente já é um pensamento decolonial, por se opor a hegemonia
do pensamento epistêmico. Vou além, em busca de encontrar
possibilidades para a estética da sensibilidade dentro e partir de outras
perspectivas formativas.
A prevalência do saber epistêmico em detrimento das demais
dimensões da vida que marcou a modernidade, a sociedade e a
educação recebe ferrenhas críticas atualmente, e a perspectiva
134
decolonial delas. Há um arsenal de reflexões sobre a problemática
educacional na América Latina, e não apenas no aspecto educacional,
mas cultural, político, antropológico, filosófico, enfim, que se
desenvolveram diante da tomada de consciência da necessidade de
decolonização do pensamento. A teoria decolonial evidencia as
consequências trazidas pelo epistemicídio no bojo do processo
civilizatório e busca pensamentos outros para a superação do modelo
imposto.
O epistemicídio é um termo empregado por Santos (1997) no
seu livro Pela Mão de Alice e em duas posteriores obras. Além de Santos
(1997), também tem sido utilizado frequentemente por autores e
autoras que analisam a influência da colonização europeia (branca) e
do imperialismo capitalista sobre os processos de produção e
reprodução da vida. Entendemos por epistemicídio a destruição de
conhecimentos, de saberes, e de culturas não assimiladas pela cultura
branca/ocidental. É uma das consequências do colonialismo
instaurado pelo avanço imperialista europeu sobre os povos da Ásia,
da África e das Américas.
um movimento antropológico-filosófico (ou filosófico-
antropológico) que visa resgatar aspectos culturais elementares dos
povos autóctones que por anos foram sufocados para compreendermos
e construirmos uma identidade própria latino-americana. Para a
construção dessa identidade os estudos têm se pautado na perspectiva
intercultural que reconhece a pluralidade e a diversidade de saberes e
culturas, e compreende a possibilidade e importância de uma efetiva
interação e convivência entre essas multiculturalidades, sem
hierarquização ou hegemonia entre essas culturas plurais, que passa a
ser, portanto, uma interculturalidade, como descreve Walsh (2007).
Para Severino (2020), essa alteração na lógica de pensamento
só se torna possível se a filosofia praticada tiver um compromisso com
135
um processo pedagógico e político emancipatório dos sujeitos situados
historicamente, promovendo uma educação politicamente consis-
tente, complacente com a complexidade da condição humana,
baseada no etnoconhecimento. As práticas da etnofilosofia levam a
uma intervenção epistêmica e pedagógica que não se restringe apenas
ao campo do conhecimento, mas põe em prática uma reflexão sobre
a Antropologia, a Sociologia, a Política e a Ética, não deixando a
crítica ao modelo hegemônico da racionalidade ocidental.
À Filosofia da Educação, na qual esta obra se situa, deve
contribuir para preparar as gerações vindouras para construir uma
civilização mais justa à condição humana, aberta à transcendência
subjetiva da vida. Isso é possível dentro de uma nova perspectiva
epistemológica, a decolonial.
O movimento decolonial é um amplo movimento filosófico e
cultural que põe em questão o paradigma epistemológico euro-norte-
americano que acabou se impondo e se tornou hegemônico em todo
o território geocultural da América Latina. Essa tomada de
consciência atrelada ao questionamento do eurocentrismo tornou-se
emergente desde a segunda metade do século XX, em países
colonizados da Ásia e da África e mesmo na própria Europa, com a
sensibilização de alguns pensadores que repudiavam a situação de
alienação e de dependência em que viviam os povos colonizados.
Na mesma toada, sob essa inspiração, pensadores da América
Latina iniciaram uma busca pela identidade e originalidade de um
pensamento próprio e autônomo, entre eles podemos citar Leopoldo
Zea, Salazar Bondy, Enrique Dussel, Arturo Roig, Paulo Freire que
um primeiro momento, se juntaram ao Grupo Estudos subalternos
Latino-americanos, inspirado no grupo indiano e que foi consolidado
no Grupo Colonialidade/Modernidade, cujos nomes expoentes o:
Anibal Quijano, Walter Mignolo, Fernando Coronil, Nelson
136
Maldonado-Torres, Edgardo Langer, Santiago Castro-Gomez,
Ramón Grosfoguel. Conta com a contribuição de Caherine Walsh e
Immanuel Walerstein, norte-americanos, de Joseph Eastermann,
austríaco e o próprio Boaventura Santos, de Portugal.
Essa nova perspectiva de olhar para o mundo e para todo modo
de conhecimento, saberes, culturas e afetos têm sido empregada na
teoria e prática de diversos campos do conhecimento. Aqui no Brasil,
já podemos identificar algumas iniciativas teóricas e práticas da
decolonização do pensamento latino-americano.
É, portanto, a participação desses demais autores brasileiros
que estão num processo de reflexão sobre a realidade nacional, sob a
perspectiva dessa nova abordagem epistemológica que esta obra
resultante da pesquisa de doutorado se soma, além de outros
inúmeros estudos. Para ilustrar autores que se inspiram na
decolonização para suas respectivas pesquisas: Fernanda Bragato, no
campo do Direito, Luciana Balestrini, no campo sócio-político,
Gilberto Ferreira, no campo da Educação, José Eustáquio Romão e
Manuel Tavares, no campo da Filosofia, Antonio José Severino e
Alonso Bezerra de Carvalho na área da Filosofia da Educação, e
muitos outros. Especificamente na Filosofia da Educação, para pensar
numa Filosofia da Educação decolonial de ser revista a sua
dimensão epistemológica norteadora. É que a Educação, até mais que
os outros campos, tem raízes profundas no modo de ser específico de
cada sociedade e é a partir dessa condição que ela precisa ser pensada,
já que dela se espera justamente a maneira pela qual as pessoas vão se
portar, teórica e praticamente, frente à realidade histórica concreta.
(SEVERINO, 2020).
O processo semiótico da Filosofia da Educação decolonial, ou
ainda, uma Filosofia da Educação latino-americana, não rechaça e
nem cria um duelo com teorias europeias, desprezando-as ou
137
aniquilando-as do repertório de articulações conceituais e teóricas.
Quando abordamos a obra de um pensador estrangeiro, por exemplo,
de Kant, Schiller ou Foucault, não podemos colocar em pauta a busca
de um modelo explicativo autônomo e automaticamente válido por
si mesmo, mas, antes, um pensamento que possa interagir e/ou
contribuir com nossas experiências levando em conta o nosso contexto
específico. Até mesmo porque nós não somos nem europeus e nem
povo autóctone, ficamos nesse entre meio em busca da nossa
identidade, de construção de perspectivas próprias coerentes com a
nossa realidade.
Portanto, à Filosofia da Educação e à atuação no processo
educativo cabe manter alguns pontos importantes: a condição de
etnoconhecimento, a exigência da interculturalidade em sua prática,
um compromisso emancipatório e acrescentamos a harmonização do
sentir e pensar, que deveria ser a proposta inicial de uma estética da
sensibilidade, porém, que só tem sentido na perspectiva decolonial de
educação, pois na atual sociedade ela não é valorizada, pelo contrário
foi totalmente alterada, deturpada e sem sentido.
4.1 A criação da América Latina
De onde se fala? Falamos da América-Latina, de um
continente que fora violentamente colonizado, onde os povos
originários foram mortos em sua maioria, a cultura, a língua, e todo
legado dos povos foram enterrados, violentados assim como seus
corpos, para que outros homens e mulheres pudessem daqui tirar
riquezas e dominar o mundo com sua hegemonia. Instalaram aqui
crenças, valores, modelos, que ficaram na subjetividade e ainda nos
atormentam por meio da colonialidade. Que não seja esquecido como
tudo começou aqui nestas terras que se vive!
138
As características estereotipadas atribuídas à invenção de uma
América Latina têm início com os relatos dos primeiros invasores.
Todorov (2010) ao estudar os diários de viagem de Cristóvão
Colombo, encontrou as descrições sobre os corpos dos indígenas e da
natureza que compõe o cenário do “paraíso terrestre”. relatos sobre
a beleza dos indígenas, sobre seus corpos nus, porém não relato de
que seja descrito sobre a cultura, as crenças e os saberes dos povos
originários.
Ao realizar análises sobre Colombo em relação aos indígenas,
Todorov (2010) evidencia acerca do caráter e a moral do relator-
invasor. Ao categorizar os indígenas ora como bons selvagens, ora
como maus, sabe-se mais sobre o observador do que sobre o
observado. Colombo chegou a enaltecer a bondade e a generosidade
dos indígenas que se agradavam com qualquer objeto como presente,
mas, por conveniência, ambição e missão cristã, outras vezes
desprestigia os indígenas desqualificando-os como ladrões, covardes,
selvagens, violentos e medrosos.
Os invasores europeus tiveram atitudes lastimáveis em relação
aos povos autóctones das Américas. Desqualificaram e/ou ignoraram a
cultura, passando pela simpatia expropriadora, até a concepção que os
indígenas seriam uma espécie de cópia imperfeita e sem alma do ideal
europeu de ser humano. Para que os indígenas pudessem caber no
projeto civilizatório, deveriam, portanto, se converter ao cristianismo
e abandonar sua natureza para daí servirem, obedientemente, aos
ideários do projeto da conquista.
Como Colombo pode estar associado a estes dois mitos
aparentemente contraditórios, um em que o outro é um “bom
selvagem” (quando é visto de longe), e o outro em que é um “cão
imundo”, escravo em potencial? É porque ambos têm uma base
comum, que é o desconhecimento dos índios, a recusa em admitir que
139
sejam sujeitos com os mesmos direitos que ele, mas diferentes.
Colombo descobriu a América, mas não os americanos
(TODOROV, 2010, p. 68-69).
Todos navegantes que aqui aportavam estavam com a
ambição das riquezas da terra, dispensando qualquer riqueza cultural,
artística, ou qualquer outra dimensão que não fosse os produtos e os
minérios como em ouro, prata, pedras preciosas, minerais nobres.
Segundo Porto- Gonçalves (2005, p. 3), “a América teve um papel
protagonista, subalternizado é certo, sem o qual a Europa não teria
acumulado toda a riqueza e poder que concentrou”. O capitalismo,
que depois seria compreensível como macroestrutura econômica
do sistema mundo posteriormente, teve início com a exploração da
América Latina. (WALLERSTEIN, 2012).
A hegemonia da Europa, imposta nos mais diversos aspectos
da América Latina, pretendeu-se universalizante, no sentido de uni-
versal (uma única versão válida), eurocêntrica. Quijano (2007, p.95)
apresenta a seguinte definição de Europa:
“Europa” es aquí el nombre de una metáfora, no de una zona
geográfica ni de su población. Se refiere a todo lo que se
estableció como una expresión racial/étnica/cultural de Europa,
como una prolongación de ella, es decir, como un carácter
distintivo de la identidad no sometida a la colonialidad del poder.
A concepção de “Europa” escancara as feridas do colonialismo
na América Latina, que na contemporaneidade ainda vivencia a
colonialidade.
Os processos colonizadores na América Latina, encobertaram
a história dos povos e das culturas das Américas que, de forma não
linear, contribui para argumentos étnico/racial e sexista, e heranças
coloniais doloridas na América Latina contemporânea, muitos deles
140
justificados nos ismos racismo, machismo, capitalismo, globalismo.
Importa (re)afirmar que, existe uma América Latina que ultrapassa a
invenção colonial. Existe pensamentos artísticos, culturais, estéticos,
éticos, sociais, políticos, subjetivos que foram construídos sobre a
América Latina desde as invasões europeias com processos de
exploração, apropriação e expropriação colonial, até a contempora-
neidade, a partir de uma manutenção do projeto moderno/colonial
por meio da colonialidade que, assentada nas bases do colonialismo e
capitalismo, produz/impõe subalternidades e hierarquias artísticas,
estéticas e subjetivas.
A América Latina como é concebida atualmente trata-se de um
produto moderno/colonial europeu, uma construção complexa e
injusta fundamentada sobre vidas, sangue e alma índias e negras, com
crueldade, exploração, violência e escravidão, porém, fantasiada de
promessas de modernidade e civilização.
O expressivo número de instituições e sistemas políticos
econômicos e sociais vigentes atualmente foram criados e impostos
pelos povos hegemônicos de cada época. A América não é uma
exceção. Desde a invasão, ocupação e apropriação europeia, no século
XV, o colonizador impôs uma série de comportamentos e práticas não
pertencentes aos habitantes nativos da terra que hoje é chamada de
América.
Não houve só a imposição de novos costumes, leis e culturas,
mas, ao mesmo tempo e em seu complemento, se colocou em prática
um processo de invisibilização e desvalorização das culturas
originárias americanas. A começar pelo seu próprio nome, “América”.
O conceito de América e, posteriormente, América Latina, é uma
construção semântica com implicações políticas, econômicas,
epistêmicas e éticas que surgiu e se impôs, em detrimento das questões
originárias deste mesmo continente.
141
Em homenagem ao navegante Américo Vespúcio, tornamos
“América”, que depois de chegar nestas terras, notou aqui não se
tratava das Índias, mas de um “Novo” Mundo. Porém, esta terra já
possuía nomes próprios que os nativos daqui usavam para designar
essas terras, e esses nomes originais foram silenciados, alguns deles são:
Tawantisuyu, Anáhuac e Abya- Yala. Muito embora os diferentes
povos originários que habitam o continente atribuíssem nomes
próprios às regiões que ocupavam Tawantinsuyu, Anahuac,
Pindorama a expressão Abya Yala vem sendo cada vez mais usada
pelos povos originários do continente objetivando construir um
sentimento de unidade e pertencimento. (PORTO-GONÇALVES,
2009).
Nessa perspectiva, a própria narrativa do “descobrimento” é
parte também de uma visão de mundo restrita ao universo cristão
europeu e exemplo de um discurso que posiciona a Europa como
centro do mundo (QUENTAL, 2012). A América nunca foi uma
terra a ser descoberta, a sua existência coincide com a vivência dos
outros continentes, mas seu “descobrimento” foi uma invenção
engendrada durante o processo da história colonial europeia e, por
conseguinte, da consolidação e expansão das ideias e instituições
ocidentais. Assim, podemos concluir que houve uma invenção
eurocêntrica da América, que encobriu seus povos originários e
invisibiliza, ainda hoje, muito das suas próprias identidades. A
designação “latina”, “foi introduzida pela intelectualidade política
francesa e usada na época para traçar as fronteiras, tanto na Europa,
como nas Américas, entre anglo-saxônicos e latinos.” (MIGNOLO,
2003, p. 59).
A divisão da América em Latina, ao sul, e, Anglo-Saxã, ao
norte, como se vê, estão relacionadas às contradições imperiais
traçados pelas potências europeias sobre as colônias em processo de
142
independência e às resistências que, no interior dessas relações sociais
e de poder, foram engendradas a partir da América, que se
autodenominaria Latina. Portanto, o conceito de América Latina foi
utilizado tanto para marcar uma continuidade com o modelo de
civilização europeu no continente, como para reproduzir a exclusão de
povos e culturas que, no período colonial, estavam localizados fora do
modelo de humanidade desenhado pela colonialidade do poder. Nesse
momento, “América Latina” foi o nome eleito para denominar a
restauração da “civilização” da Europa meridional, católica e latina na
América do Sul e, ao mesmo tempo, reproduzir as ausências (dos
indígenas e dos africanos) do primeiro período colonial
(MIGNOLO, 2007).
4.1.1 O resgate da
Abya Yala
Neste sentido, o resgate dos vocábulos que buscam
descolonizar as semânticas impostas pela colonialidade, como
Tawantisuyu, Anáhuac e Abya Yala são uma forma de resistência. Abya
Yala na língua do povo Kuna significa “Terra madura”, “Terra Viva”
ou “Terra em florescimento” e é sinônimo de América. O povo Kuna
é originário da Serra Nevada no norte da Colômbia tendo habitado a
região do Golfo de Urabá e das montanhas de Darién e vive
atualmente na costa caribenha do Panamá, na Comarca de Kuna Yala
(San Blas). (PORTO- GONÇALVES, 2009).
Porto-Gonçalves (2009) aponta que Abya Yala vem sendo
usado como uma autodesignação dos povos originários do continente
como contraponto a América. Embora os diferentes povos originários
que habitaram ou ainda habitam o continente atribuíssem nomes
próprios às regiões que ocupavam, a expressão Abya Yala vem sendo
143
cada vez mais usada pelos povos originários do continente para
construir um sentimento de unidade e pertencimento.
A ideia de um nome próprio que desse conta de todo o
continente se impôs a esses diferentes povos e nacionalidades no
momento em que começaram a superar o longo processo de
isolamento político a que se viram submetidos depois da invasão de
seus territórios em 1492 com a chegada dos europeus. Junto com Abya
Yala há um conjunto de cunho político que também vem sendo
construído onde a própria expressão povos originários ganha sentido.
Essa expressão afirmativa foi a que esses povos em luta encontraram
para se autodesignarem e superarem a generalização eurocêntrica de
povos indígenas. Afinal,
[...] antes da chegada dos invasores europeus havia no continente
uma população estimada entre 57 e 90 milhões de habitantes que
se distinguiam como maia, kuna, chibcha, mixteca, zapoteca,
ashuar, huaraoni, guarani, tupinikin, kaiapó, aymara, ashaninka,
kaxinawa, tikuna, terena, quéchua, karajás, krenak, araucanos/
mapuche, yanomami, xavante entre tantos e tantas naciona-
lidades e povos desse continente. (PORTO-GONÇALVES,
2009, p. 26)
A expressão “indígena” foi adotada por fazer menção às Índias,
ou seja, à região buscada pelos negociantes europeus em finais do
século XV, porém essa expressão é genérica e ignora que esses povos
tinham seus nomes próprios e designação própria para os seus
territórios.
Porém, ao mesmo tempo que ignora a diferença específica
desses povos, contribui também para unificá-los não apenas do ponto
de vista dos conquistadores/invasores, mas contribuiu para constituir
a unidade política desses povos por si mesmos quando começaram a
144
notar a história que todos tinham em comum de humilhação,
opressão e exploração de sua população e a dissipação e devastação de
seus recursos naturais.
Portanto, Abya Yala configura-se como parte de um processo
de construção político- identitário no qual as práticas discursivas
cumprem um papel relevante de decolonização do pensamento. A
compreensão da riqueza dos povos que aqui vivem há milhares de
anos e do papel que tiveram e têm na constituição do sistema-mundo
tem alimentado a construção desse processo político-identitário.
É pertinente realizarmos algumas considerações, ainda que
breves, sobre a identidade latino-americana. Os países que integram a
América Latina possuem grande diversidade cultural, o que não
permite uma abordagem única ou conclusões definitivas sobre a
questão. Rever o processo histórico que deu origem à concepção
de identidade que temos hoje é determinante, pois ela não é algo
acabado e imutável. Pelo contrário, se forma a partir de vários fatores
que permanecem em mudança com o decorrer do tempo.
Compartilhamos uma colonização predatória, que deixou sequelas
sociais e econômicas por onde passou e compartilhamos também
as sequelas desse processo de maneiras muito semelhantes. Se
por um lado é não é possível colocar todos os países da América
Latina sob uma mesma identidade, também é muitas vezes bastante
latente um sentimento comum de compartilhamento de histórias,
sentimentos e luta permanente entre nossos países. Ademais,
sejamos todos considerados latinos ou não de um ponto de vista
embasado por investigações, é fato que não podemos negar nossos
laços fronteiriços, e que seríamos mutuamente beneficiados se
estreitássemos mais nossas trocas em todos os sentidos.
145
4.2 Um breve histórico dos estudos introdutórios da
decolonialidade
Mignolo (2007b) descreve que a (des)colonialidade é um
conceito que surgiu nas discussões sobre o Terceiro Mundo, no
mesmo período em que se dissolvia as três divisões que ordenava o
planeta e se celebrava o fim da história e de uma nova ordem mundial.
O conceito da (des)colonialidade foi tão impactante e se fixou nos
debates internacionais, principalmente no mundo não-europeu e na
“antiga Europa do Leste”.
A modernidade, a pós-modernidade e a altermodernidade,
tem suas bases históricas no Iluminismo e na Revolução Francesa.
as bases históricas da decolonialidade estão na Conferência de
Bandung de 1955, na qual se reuniram 29 países da Ásia e da África
com o objetivo de encontrar as bases e uma visão em comum para um
futuro que não fosse capitalista e nem comunista. Daí então,
encontraram a solução: a “descolonização
6
que pretende desprender-
se das principais macro-narrativas ocidentais.
Houve uma conferência parecida, promovida pelos países não
alinhados, em Belgrado em 1961, na qual vários estados latino-
americanos somaram suas forças aos asiáticos e africanos. Faz, 59
anos, portanto que os fundamentos políticos e epistêmicos da
decolonialidade foram estabelecidos.
Mignolo (2007b) escreveu que a Conferência de Bandung,
declarava não ser capitalista nem comunista, mas politicamente
descolonizadora
6
. O pensamento decolonial está comprometido com
a igualdade global e a justiça econômica. Os argumentos decoloniais
6
Por descolonização entende-se o processo de superação do colonialismo, geralmente
associado às lutas anticoloniais no marco dos Estados que resultaram na independência
política das antigas colônias
146
propiciam o comunal como outra opção junto ao capitalismo e ao
comunismo. O intelectual aymará Simón Yampara elucidou que os
aimarás não se consideram nem capitalistas e nem comunistas, mas
que promovem o pensamento decolonial e o fazer comunal.
A classificação dos mundos se deu por uma epistemologia
territorial e imperial que as inventou e as estabeleceu. A dominação
que possibilitou a inferioridade de outros povos e etnias se justificou
numa ficção criada para dominá-lo. Os sujeitos que não aceitam ser
assimilado pelo dominador (colonizador), que não se por
convencido “a sorte” de ter nascido onde nasceu, então desprende-
se. Desprender-se significa não aceitar as opções que lhe dão. Não
pode evitá-las, mas ao mesmo tempo não quer obedecer. Habita a
fronteira, senta na fronteira e pensa na fronteira no processo de
desprender-se e ressubjetivar-se, segundo Mignolo (2007b), isso
define o pensamento fronteiriço.
Várias frentes têm se debruçado a estudar a genealogia do
pensamento fronteiriço, do pensar e do fazer decolonial. O legado
de Frantz Fanon é amplo, mas, para Mignolo (2007b), talvez o
conceito teórico mais radical que Fanon introduziu é “sociogênese”. A
sociogênese é um conceito que é capaz de traduzir em si próprio o
pensamento fronteiriço, o desprendimento e a desobediência
epistêmica e representa a abertura de uma gramática da
decolonialidade. Esse conceito não se baseia na lógica literal, do
sentido próprio e objetivo. O conceito de sociogênese manifesta-se no
momento em que se toma consciência de que ser “negro”, não é pela
cor da pele, mas por causa do imaginário racial do mundo colonial
moderno: tornou-se “negro” ou “homossexual” ou “mulher” ou
“indígena” por um discurso cujas regras não podem ser controladas e
que não espaço para a queixa.
147
A sociogênese surgiu do pensamento fronteiriço e decolonial
uma vez que é oriunda do que Lewis Gordon denomina existência
africana. Poderia até ter sido originada de qualquer outra experiência
de indivíduos racializados, porém, é pouco provável que o conceito de
“sociogênese” pudesse se surgir por meio da experiência europeia, com
exceção aos imigrantes de hoje. Fanon teve a experiência de imigrante
do Terceiro Mundo na França e foi assim que ele teve a clareza do
fato de que a filogênese e a ontogênese não consegue ir além de apenas
descrever a condição do sujeito colonial e racializado.
As disciplinas da Sociologia, Psicologia, História, etc. podem
tratar sobre a condição do “negro” e “descrever” a experiência dele,
mas não podem suplantar o pensamento do “negro” (a experiência
constitutiva do sujeito). A Sociogênese se desvincula da episteme
ocidental e ao fazer isso se compromete com a desobediência
epistêmica. O saber, fazer e ser decolonial só se dá mediante um
compromisso com a desobediência epistêmica.
A conferência de Bandung levou ao desprendimento
geopolítico e Fanon inaugurou a sociogênese que situa o corpo-
politicamente; duas referências para o desprendimento da matriz
colonial do poder e de habitar o pensamento fronteiriço. A
sociogênese não pode ser subsumida ao paradigma linear das rupturas
epistêmicas analisadas por Foucault ou às mudanças paradigmáticas
na história da ciência analisadas por Thomas Kuhn (1997).
Este é o legado da Conferência de Bandung. Quem participou
da conferência optou por desprender-se. Optaram por decolonizar. O
processo é longo e contínuo. A magnitude da Conferência de
Bandung consistiu exatamente em revelar que a decolonialidade é
uma “terceira opção” que não resulta da combinação das existentes,
mas consiste em desprender-se delas. Não foi pautada a dimensão
epistêmica, porém, as condições para colocá-las já estavam dadas.
148
A (de)colonialidade não pretende ser um conceito que vem
para substituir os demais existentes, também não pretende ser um
novo universal que se apresenta como o verdadeiro, trata-se, portanto,
de representar uma outra opção, isso quer dizer que epistemes ou
paradigmas da modernidade, pós-modernidade, ciência newtoniana,
e as demais deixam de ser a referência da legitimidade epistêmica.
4.3 O projeto Modernidade/Colonialidade/Decolonialida-de: sua
constituição e seus expoentes
Modernidade/colonialidade/decolonialidade são três palavras
distintas e um só conceito. É uma tríade que nomeia um conjunto
complexo de relações de poder. Mignolo (2007b) aponta que o
pensamento fronteiriço é a singularidade epistêmica de qualquer
projeto decolonial. A decolonialidade e o pensamento/sensi-
bilidade/fazer fronteiriços estão interconectados, contudo, decolo-
nialidade emerge da experiência da colonialidade.
A formação posterior do que Escobar (1998) chamou de
projeto Modernidade/Colonialidade/Decolonialidade (M/C/D),
passou a ser o aprofundamento e a expansão sistemática dessas linhas.
As propostas iniciais sobre a colonialidade do poder cresceram e se
espalharam para além das fronteiras americanas, tornando-se
gradualmente de um tópico de discussão em uma categoria de uso
comum. Tanto na América como na Europa, já existe um grande
número de profissionais de várias disciplinas empenhados em
trabalhar a colonialidade e seus concomitantes, assim como a
crescente presença de coletivos e grupos de debate, pesquisa e práxis,
bem como centros e institutos de pesquisa e até programas de pós-
graduação em torno dessas questões. Em muitos casos, essa tendência
de expansão converge com outras tradições críticas com genealogias e
149
interesses diferentes, como os estudos subalternos e/ou estudos pós-
coloniais.
No entanto, e apesar das semelhanças que podem ser
observadas à primeira vista, é necessária uma diferenciação entre essas
diferentes tendências. O nome de Edward Said é frequentemente
associado à fundação de ambos os conjuntos de críticas, mas apesar da
influência do intelectual e ativista palestino nelas, Said sempre se
destacou de suas produções, reconhecendo suas contribuições, mas
mantendo cauteloso distanciamento de suas próprias reflexões
7
.
Por um lado, os estudos subordinados inaugurados na Índia
graças à pesquisa de Ranajit Guha com forte influência do marxismo
gramsciano deu uma importante contribuição para a crítica do
eurocentrismo e da dinâmica política, econômica e cultural do
colonialismo, durante os anos 1980. Não obstante, a continuação da
obra de Guha nos estudos subalternos não representou uma tentativa
de crítica e de descolonização e acabou por se subordinar aos estudos
institucionalizados nos Estados Unidos, sendo apenas cópia desses
(GROSFOGUEL, 2006).
Já os estudos pós-coloniais originam-se de importantes
centros de produção acadêmica chamados de “primeiro mundo” e
surgiram com forte influência do pós-modernismo e do pós-
estruturalismo e, portanto, mais voltados para a análise do discurso e
da textualidade. Com maior sucesso editorial do que outras correntes
críticas nesses centros mundiais de enunciação, o pós-colonialismo
também teve uma forte influência na produção intelectual periférica
desde os anos 1990, sempre atento ao discurso dominante
(MIGNOLO, 2005).
7
No epílogo ao Orientalismo de 1995, Said torna explícita sua simpatia, mas também suas
diferenças e desconforto com ambos os projetos.
150
As diferenças entre os estudos subalternos, pós-coloniais e
descolonial, não impedem a articulação de ideias entre essas
categorias, e ainda por vezes pode fortalecer as abordagens acerca da
colonialidade, graças a presença e integração de outras ferramentas
analíticas e tradições críticas que podem ajudar a compreensão da
dinâmica da colonialidade (CASTRO- GÓMEZ, 2005).
Os estudos decoloniais, conforme apontado, iniciados pela
formação da M/C/D, apesar de sua heterogeneidade compõe um
conjunto sistemático de afirmações teóricas que revisitam a questão de
poder na modernidade. Quintero, et. al. (2019, p. 5) aponta esses
procedimentos conceituais são:
1 . A localização das origens da modernidade na conquista da
América e no controle do Atlântico pela Europa, entre o final do
século 15 e o início do 16, e não no Iluminismo ou na Revolução
Industrial, como é comumente aceito; 2. A ênfase especial na
estruturação do poder por meio do colonialismo e das dinâmicas
constitutivas do sistema -mundo moderno/ capitalista e em suas
formas específicas de acumulação e de exploração em escala global;
3. A compreensão da modernidade como fenômeno planetário
constituído por relações assimétricas de poder, e não como
fenômeno simétrico produzido na Europa e posteriormente
estendido ao resto do mundo; 4. A assimetria das relações de poder
entre a Europa e seus outros representa uma dimensão constitutiva
da modernidade e, portanto, implica necessariamente a
subalternização das práticas e subjetividades dos povos dominados;
5. A subalternização da maioria da população mundial se estabelece
a partir de dois eixos estruturais baseados no controle do trabalho e
no controle da intersubjetividade; 6. A designação do
eurocentrismo/ocidentalismo como a forma específica de produção
de conhecimento e subjetividades na modernidade.
151
A colonialidade do poder se configura com a conquista da
América, no mesmo processo histórico no qual começa o modo de
produção capitalista também. Esses movimentos centrais têm como
principal consequência o surgimento de um sistema sem precedentes
de dominação e exploração social e, com eles, um novo modelo de
conflito.
Nesse cenário histórico geral, a colonialidade do poder se
configura a partir da conjugação de dois eixos centrais. Por um lado, a
organização de um profundo sistema de dominação cultural que
controlará a produção e reprodução de subjetividades sob a
orientação do eurocentrismo e da racionalidade moderna, com base
na classificação hierárquica da população mundial (QUIJANO,
2007). Por outro lado, a formação de um sistema global de exploração
social que articulará todas as formas conhecidas e vigente de controle
do trabalho sob a hegemonia exclusiva do capital (QUIJANO, 2000).
Nesse sentido, a colonialidade do poder, como foi conceitua-
da por Aníbal Quijano, é a chave analítica que permite visualizar o
espaço de confluência entre modernidade e capitalismo, e o campo
formado por essa associação estrutural. É justamente nesse campo de
confluência e conjunção onde são afetados, de forma heterogênea,
mas contínua, todas as áreas da existência social como sexualidade,
autoridade coletiva e "natureza", além, claro, do trabalho e
subjetividade (QUINTERO, 2010), e aqui também cabe o objeto de
estudo da pesquisa que norteou a pesquisa: a estética da sensibilidade
na educação desenvolvida sob essa perspectiva adiante.
O exposto, então, supõe a existência de uma matriz colonial de
poder no tecido social que constitui a história da América Latina,
matriz como sistema ordenador e cumulativo de relações sociais e a
disposição do poder. Com a emancipação latino-americana no início
do século XIX, um processo de descolonização parcial começou
152
quando as repúblicas conseguiram se livrar da hegemonia político-
administrativa dos centros europeus; no entanto, a colonialidade e
seus efeitos fundamentais continuam a ordenar as sociedades latino-
americanas, ocorrendo com a passagem do tempo diferente
estruturação social da matriz colonial.
Porém, estamos na presença da reconfiguração da matriz de
dominação social, e não de seu ressurgimento após um fim hipotético.
O colonialismo é um fenômeno histórico, a colonialidade precede e
se origina como uma matriz de poder e sobrevive ao colonialismo.
A colonialidade, como patrona do poder, teve profundas
consequências para a constituição das sociedades latino-americanas,
pois cimentou a formação das novas repúblicas modelando suas
instituições e reproduzindo nesse ato a dependência histórico-
estrutural que perdura da colonização e da miscigenação.
Com a imposição da reprodução, e das mais diversas formas
de exploração do trabalho, a sociedade ficou separada pela
classificação sócio-racial entre os "brancos" e as demais "tipologias
raciais" (QUINTERO, 2019, p.6) consideradas inferiores. Os setores
brancos exerceram o domínio e a exploração da maioria dos
indígenas, afrodescendentes e mestiços que habitavam as repúblicas
por meio do controle dos meios de produção e domínio da
subjetividade, outorgando a imitação dos modelos culturais europeus.
4.4 Uma atualização das potencialidades e limitações dos estudos
decoloniais
O desenvolvimento dos estudos decoloniais continuou até
agora mostrando-se um vasto campo de produção de reflexões e
reviravoltas conceituais. Alguns pontos merecem ser destacados. O
primeiro é sobre o crescimento e expansão da bagagem conceitual e
153
teórico da decolonialidade. Tomando como referência a categoria de
colonialidade do poder, o uso do substantivo colonialidade se
expandiu para ser aplicado a outras dimensões e campos que, apesar de
sua articulação com o fenômeno do poder, costumam ser tratados
como áreas diferenciadas. Isso levou à proposição de principalmente
dois conceitos, a saber, colonialidade do saber e da colonialidade do
ser.
A colonialidade do saber foi tratada com certa sistematicidade
na compilação por Lander (2000). A colonialidade do conhecimento
seria representada pelo caráter eurocêntrico do conhecimento
moderno e sua articulação com as formas de domínio colonial/
imperial. Esta categoria conceitual refere-se especificamente às formas
de controle do conhecimento associadas à geopolítica global arranjada
pela colonialidade do poder. Nesse sentido, o eurocentrismo funciona
como locus epistêmico a partir do qual se elege um modelo de
conhecimento que, por um lado, universaliza a experiência local
europeia como modelo regulatório a seguir e, por outro lado, designa
os seus dispositivos do conhecimento como os únicos válidos.
A ligação específica entre conhecimento e poder também
repousa na eficácia naturalizante da construção discursiva do
conhecimento social moderno, legitimando as atuais relações
assimétricas de poder. As seguintes operações cognitivas que
caracterizam o referido conhecimento dão-lhe essa capacidade: a) a
cisão do que é "real" e “irreal”, “válido” e “inválido”, “razão” e
“emoção” (dualismo); b) a divisão dos componentes do mundo em
unidades isoladas, negando suas relações (atomismo) e impossibili-
tando a abordagem em termos da totalidade histórico-social; c) a
conversão das diferenças em hierarquias e o exercício de naturalização
dessas representações (CORONIL, 1999).
154
Uma série de mecanismos reproduzem a colonialidade do
conhecimento, dentre outros: a avaliação da produção científica sob o
critério meritocrático-quantificável, ou seja, objetivo e universal, a
hierarquização dos circuitos de distribuição de textos científicos com
enunciação privilegiada e o caráter monolítico das instituições
universitárias (QUINTERO; PETZ, 2009).
A visualização da chamada colonialidade do conhecimento
possibilitou novos caminhos de pesquisa decolonial em torno da
formação do pensamento eurocêntrico (Mignolo, 2003), lugar
ocupado pelas ciências sociais dentro deste pensamento (Walsh;
Schiwy; Castro-Gómez, 2002), às alternativas dos fatores cognitivos
à racionalidade moderna (Mignolo, 2003 e 2010), e a possibilidade
de construção de novos campos de pesquisa e crítica, que em uma
primeira tentativa foram articulados como ´estudos` em eventos
culturais latino-americanos (Walsh, 2003 e 2007). Essas são
preocupações constantes dentro da produção de estudos decoloniais,
embora em alguns autores ainda sejam evidentes as formações
disciplinares e os lugares de enunciação que essas formações recriam.
Desde o século XVII, nos principais centros hegemónicos desse
padrão mundial de poder, nessa centúria, não sendo um acaso a
Holanda (Descartes, Spinoza) e a Inglaterra (Locke, Newton),
desse universo intersubjetivo, foi elaborado e formalizado um
modo de produzir conhecimento que dava conta das
necessidades cognitivas do capitalismo: a medição, a
externalização (ou objetivação) do cognoscível em relação ao
conhecedor, para o controlo das relações dos indivíduos com a
natureza e entre aquelas em relação a esta, em especial a
propriedade dos recursos de produção. Dentro dessa mesma
orientação foram também, formalmente, naturalizadas as
experiências, identidades e relações históricas da colonialidade e
da distribuição geocultural do poder capitalista mundial. Esse
155
modo de conhecimento foi, pelo seu carácter e pela sua origem,
eurocêntrico. Denominado racional, foi imposto e admitido no
conjunto do mundo capitalista como a única racionalidade
válida e como emblema da modernidade. As linhas matrizes
dessa perspectiva cognitiva mantiveram-se, não obstante as
mudanças dos seus conteúdos específicos, das críticas e dos
debates, ao longo da duração do poder mundial do capitalismo
colonial e moderno. Essa é a modernidade/racionalidade que está
agora, finalmente, em crise. (QUIJANO, 2009, p. 74).
Outra conceituação oriunda da noção de colonialidade é a
proposta por Maldonado- Torres (2007) como colonialidade do ser,
que compreende a modernidade como uma conquista perpétua em
que o constructo de "raça" passa a justificar o prolongamento da
antiética da guerra, que permite a subjugação total da humanidade do
outro.
Maldonado-Torres marca a relação entre a colonialidade do
saber e o ser, sustentando que é a partir da centralidade do saber na
modernidade que pode ocorrer uma desqualificação epistêmica do
outro. Tal desqualificação representa uma tentativa de negação
ontológica. A colonialidade do ser como categoria analítica viria
revelar o ego conquistado que antecede e sobrevive ao ego cartesiano
(DUSSEL, 1994), desde depois da afirmação "penso, logo existo", a
validação de um único pensamento está oculta “Yo pienso (otros no
piensan o no piensan adecuadamente), luego soy (otros no son, están
desprovistos de ser, no deben existir o son dispensables
8
(MALDONADO-TORRES, 2007, p. 144). Desta forma, não pensar
em termos moderno se traduzirá em não-ser, uma justificativa para a
dominação e a exploração. Ou seja, “a modernidade, o colonialismo e
8
“Penso (outros não pensam ou o pensam adequadamente), logo existo (outros não são,
são destituídos de ser, não deveriam existir ou são dispensáveis)”
156
o sistema-mundo, denotam aspectos de uma mesma realidade
simultânea e mutuamente constitutiva (DUSSEL, 2016, p. 58).
Apesar de essas formas serem as mais difundidas do uso
combinatório da ideia de colonialidade (de poder, conhecimento, ser),
tem havido mais propostas como a colonialidade do tempo, a
colonialidade do fazer, e aqui acrescentamos a colonialidade do sentir,
que será desenvolvido nos tópicos seguintes. Essas outras formas de
desenvolver essas outras categorias colonizadas apresentam menos
impacto e despertaram menos interesse na comunidade que
acompanha de perto o progresso dos estudos decoloniais, talvez
porque o alcance dessas propostas limita as intenções originais do
termo colonialidade. Se a colonialidade é um padrão global de poder,
como articulador e estruturante da modernidade, é evidente que esse
padrão permeia as mais diversas áreas da existência humana.
Em alguns casos, o uso dessa multiplicidade de colonialidades
que surgiram recentemente, longe de aprofundar a análise da
colonialidade, tendem a limitá-la, ou pior ainda, a banali-la, este não
é o objetivo aqui, e sim promover diálogo e aproximações da estética
da sensibilidade e o pensamento decolonial.
Dentro dos avanços na produção e expansão teórica, há
também várias tentativas de recuperar e atualizar o pensamento crítico
latino-americano e "subalterno" em geral dentro de contextos
particulares e linhas críticas. Mesmo que não possam ser encontrados
aqui ainda trabalhos dedicados inteiramente a esta questão, é possível
apontar uma tendência transversal nos estudos decoloniais,
particularmente interessados em revisitar obras de pensamento crítico
do “Sul” que em seu tempo foram esquecidos.
Este esforço para rastrear o arquivo analítico subordinado
inclui a revitalização de obras que vão de Waman Puma (Mignolo,
2007a) a Cornejo Polar (Palermo, 2005), passando por um conjunto
157
muito diversificado de propostas intelectuais. Neste quadro, a série de
publicações das edições del Signo, cuja coordenação geral está a cargo
de Walter Mignolo, abordou desde seu primeiro número publicado
em 2006, estudos sobre diferentes regiões e problemas latino-
americanos, colocando, porém, a ênfase na busca por pensamentos
alternativos mais do que no aprofundamento ou aplicação da
colonialidade como referencial teórico.
Por outro lado, a expansão dos estudos decoloniais além de
estar ligada ao crescimento da produção teórica e seus derivados, tem
se caracterizado pela pesquisa histórica, seja no sentido de
enquadramento de processos globais ou no estudo de casos localizados
local e regionalmente. Enrique Dussel (1994, 1998 e 2007) é quem
provavelmente desenvolveu um conjunto de publicações diversas,
aliado à sua produção filosófica, com as características centrais do
colonial por meio de investigações históricas.
o modelo da colonialidade do poder de Quijano representa
uma compreensão histórica dos processos centrais do sistema-mundo,
mas alguns dos trabalhos mencionados de Dussel aprofundam essa
visão geral. Em um de seus trabalhos, Mignolo (2007b) investiga a
história específica da América Latina, dentro dos processos de
constituição da colonialidade do poder, dando especial ênfase à
construção das esquivas identidades latino-americanas.
No ramo dos estudos historiográficos específicos, Castro-
Gómez tem procurado explanar sobre os percursos particulares da
colonialidade do poder nos espaços locais, procurando visualizar os
processos de constituição da colonialidade e descobrir como se
articulam com outras forças, em alguns casos, em escala local. Em
ambas as obras ele faz esse esforço, primeiro focando no Novo
Granada, de meados do século XVIII ao início do século XIX
158
(CASTRO- GÓMEZ, 2007a), e depois para a cidade de Bogotá nas
primeiras décadas do século XX (CASTRO-GÓMEZ, 2009).
Tentando estabelecer conexões entre as ideias centrais de
Quijano e o método foucaultiano (CASTRO-GÓMEZ, 2007b), o
filósofo colombiano encontra nessas investigações uma colonialidade
que se articulou com diferentes dispositivos históricos de poder/
conhecimento. Também vale a pena mencionar dentro dessas
tendências a obra de Grosfoguel (2003), que explora a história da
população porto-riquenha no interior do sistema mundial moderno,
reconstruindo a história do capitalismo e da colonialidade na ilha de
Caribe e acompanhando a diáspora da população porto-riquenha nos
Estados Unidos.
Em outros estudos de caso, a dimensão histórica não é
necessariamente o fio condutor. Aqui devemos citar os crescentes
trabalhos sobre movimentos sociais e alternativas da vida realizada,
entre outros, por Achinte (2000), Escobar (2005 e 2008), Fernández
(2004) e Walsh (2009), que coletam as trajetórias de grupos humanos
que foram historicamente subordinados pela colonialidade.
Essas obras não representam exclusivamente uma descrão das
características distintivas da dominação e exploração cujas populações
têm sido submetidas, mas também procuram recriar suas estratégias e
alternativas de sobrevivência, seja em processos migratórios
(ACHINTE, 2000), sob as tendências mais ferozes, conflitos armados
na América Latina (ESCOBAR, 2008), atuando na formação do
pensamento, outros dentro das fronteiras dos imaginários sociais e do
conhecimento moderno (FERNÁNDEZ, 2004), ou em processos de
transformação social que, fundamentalmente, buscam subverter as
ordens da colonialidade. (WALSH, 2009).
Kusch, filósofo argentino, parte do pensamento popular,
permeado por sabedorias marginalizadas para mostrar a riqueza e
159
diversidade de um pensamento, em sua obra intitulada Esboço de
uma antropologia filosófica americana apresenta a problemática de
pensarmos o(s) sentido(s) do humano desde a realidade latino-
americana. A cultura e sua relação profunda com a terra são elementos
centrais desta obra (Kusch, 1978).
As obras de Escobar (1999, 2005, 2009) nas comunidades
afrodescendentes do Pacífico colombiano, e a valorização de suas
concepções alternativas de "natureza" e biodiversidade, apropriação e
conservação, que diferem das noções oficiais do Estado, bem como
das de ONGs e grupos ativistas, propondo um novo quadro conceitual
de ecologia política, que se articula com a perspectiva decolonial.
Esta é apenas uma parte dos estudos decoloniais realizados ou
em andamento, dos quais participam tanto os autores citados como
outros também comprometidos com a perspectiva. Em alguns casos,
pode-se visualizar um conjunto de contribuições importantes que,
apesar de não estarem explicitamente identificadas com os estudos
decoloniais ou de não recorrerem a parte de sua formação teórico-
conceitual, partem de um lugar de enunciação profundamente
semelhante. Este é o caso do livro de Escobar (1998) onde desconstrói
o discurso do desenvolvimento a partir de uma crítica radical a
modernidade. Podemos citar também a famosa obra de Coronil
(2002), que muito provavelmente é a história contemporânea mais
profunda da Venezuela que foi escrita até hoje, de uma perspectiva
“pós-ocidental”, como o próprio Coronil reconhece em seu texto e
também as obras de Rodolfo Kusch que busca organizar uma
antropologia tendo como referência as experiências do povo,
formuladas a partir da fala popular, que nem sempre é visível.
Certamente, se a decolonialidade representa a subversão do
padrão de poder da colonialidade e a proposição de alternativas,
questões relacionadas ao trabalho, produção, troca e consumo, esses
160
debates são de suma importância para a decolonialidade como
perspectiva de futuro e apresenta um campo fértil de inúmeros temas
de pesquisa, além disso, outras questões e áreas podem surgir delas
onde o projeto decolonial e os estudos decoloniais em geral ainda não
foram regados.
Uma das questões que se destaca na visibilidade atual da
perspectiva decolonial e dos estudos decoloniais em geral, é a grande
produção de noções e conceitos. Enquanto estes colaboram com a
ação de repensar as categorias conceituais herdadas das ciências sociais
e, portanto, dão um novo sentido estratégico à produção epistêmica,
esse esforço gerou - talvez sem querer - uma grande quantidade de
jargão que o torna difícil de entender por parte do público
interessado na decolonialidade, e por isso faz a introdução de novos
agentes em perspectiva, incluindo movimentos sociais.
Além disso, há a preocupação com a falta de estratégias
metodológicas nos estudos decoloniais. Reconhecendo que esta é uma
dimensão fundamental, surgiu internamente a questão sobre se é
possível fazer estudos decoloniais sem transformar radicalmente a
metodologia da ciência social. Uma vez que as ciências humanas
modernas foram configuradas sob a colonialidade do saber e o método
científico significou um distanciamento do "objeto de estudo", vale
perguntar como é possível se livrar da "arrogância do ponto zero" para
criar algumas outras ciências sociais?
Uma resposta potencial seria uma produção em diálogo com
os sujeitos da mudança social e com os subalternizados. Algumas
questões permanecem em aberto: as metodologias pluritópicas são
possíveis? Como eles seriam na sua prática?
Além do exposto acima, como costuma ser o caso com
perspectivas críticas que têm sua origem no campo acadêmico, a
dúvida sobre a práxis dos estudos decoloniais é frequente, e se estes
161
produzem ao mesmo tempo um impacto nas realidades sociais. A
maioria dos estudos referentes M/C/D e as novas gerações de estudos
decoloniais participam ativamente dos movimentos sociais e têm
influência política de várias maneiras nos contextos locais. Isso não se
traduziu necessariamente em trabalhos sobre movimentos sociais ou
certas perspectivas sobre mudança social, justamente porque tem sido
uma das políticas epistêmicas da perspectiva de não tratar os setores
subalternizados como objetos de estudo, mas como agentes políticos
e epistêmicos.
Seria fundamental encontrar uma forma de produzir
conhecimento com os movimentos a partir de questões sociais locais,
questão que não parece ter repercussão geral nos estudos decoloniais.
O dilema de como falar sobre os agentes de transformação não deve
ser encerrado por medo de repetir os velhos esquemas do pensamento
hegemônico.
Como conclusão deste capítulo e articulando-o com o tema
ou problema deste trabalho, isto é, a estética da sensibilidade, posso
afirmar que é praticamente inevitável fazer pesquisa em educação na
perspectiva decolonial sem se reportar e se posicionar em relação aos
constructos intelectuais que tivemos ao longo dos séculos. Embora as
metodologias sejam desafiadoras em uma produção científica
decolonial, ao abordar a estética da sensibilidade, procurei pensar
articuladamente com os autores que não são especificamente adeptos
dessas abordagens, mas que fazem críticas aos modelos atuais vigentes.
A metodologia da bricolagem favoreceu a pesquisa e posso apontá-la
como um dos caminhos de se fazer pesquisa em educação, e porque
não dizer, em estudos decoloniais.
162
163
CAPÍTULO 5
QUAL O LUGAR DA ESTÉTICA DA
SENSIBILIDADE?
Amazônidas
Somos filhas das ribanceiras Netas de velhas benzedeiras, Deusas
da mata molhada
Temos no urucum a pele encarnada,
Lavando roupas no rio, lavadeiras, No corpo o gingando de
carimbozeiras, Temos a força da onça pintada Lutamos pela
aldeia amada,
Mas viver na cidade Não tira de nós o direito de ser:
Nação, Ancestralidade, Sabedoria, Cultura, Somos filhas de
Nhanderú, Senerú, Nhandecy,
O Brasil começou bem aqui.
Não nos sentimos aculturadas, Temos a memória acesa
E vivemos na certeza,
De que nossa aldeia resisti ao preconceito do colonizador.
Somos a voz que ecoa!
Resistência? Sim senhor! Marcia Wayna Kambeba
Recapitulando, até aqui analisei um fundamento educacional
chamado estética da sensibilidade, previsto num documento oficial
vigente aqui no Brasil. Vi também que esse conceito foi pouco
apurado no campo da educação, e também não foi definido
164
efetivamente. A má definição desse termo abriu precedentes para
algumas pontuações: um termo que funcionou como operador vazio,
repleto de palavras, mas esvaziado de sentidos, ou ainda, os sentidos
colocados nesse termo estão a serviço de uma educação adaptativa dos
sujeitos ao sistema vigente, voltada para atender às demandas de uma
sociedade de consumo e alienada nas questões relativas as
sensibilidades humanas.
Diante disso, recorri aos clássicos da Filosofia ocidental com
a finalidade e ousadia de pensar uma possível definição para a estética
da sensibilidade a partir do conceito de estética. Após passar pelos
pensamentos de Baumgarten, Kant e Schiller acerca da estética,
concluí que a estética da sensibilidade, de acordo com sua raiz
etimológica e semântica, seria um campo de saber que estuda
sensibilidades para o equilíbrio do pensar e sentir, ou seja, a estética
da sensibilidade enquanto uma catalizadora da dualidade da razão e a
emoção. Essa dualidade que marca nossa sociedade, herdeira dos
modelos cartesiano e positivista sob os quais nossa sociedade foi
fundada.
Quando falo que nossa sociedade foi fundada sob esses dois
modelos, passa-se a impressão que foi uma escolha erigir uma
sociedade assim, e não foi isso que ocorreu. E é aqui que me deparo
numa problemática central desta pesquisa: a estética da sensibilidade
não é bem definida nos documentos oficiais da educação porque a
nossa educação está pautada no modo cartesiano de pensar/sentir, e
quando se pretende introduzir a sensibilidade no campo educacional se
faz necessário dar uma utilidade a ela, no caso como foi descrito nos
documentos, uma sensibilidade capaz de ser flexível às necessidades e
demandas do trabalho coletivo, da utilização dos recursos da
informática, às qualificações requeridas para se manter ativo no
165
mercado de trabalho, ou seja, trata-se de uma sensibilidade submissa
a uma adaptação.
Ter uma postura crítica à sociedade que vivemos atualmente,
e ainda mais, à colonialidade que perdura nos dias atuais e contamina
toda estrutura social, educacional, econômica, etc., me levou a pensar
o objeto de estudo sob a luz da teoria decolonial.
Como poderia, então, ensejar a estética da sensibilidade em
uma proposta decolonial para a educação na latino-americana, mais
especificamente brasileira, se vi anteriormente que a educação
brasileira incorporou o modelo e os padrões eurocentrados?
Ou ainda, como poderia propor sentidos de uma estética da
sensibilidade latino-americana se vimos anteriormente que a estética
é um campo da Filosofia ocidental, clássica, e ainda assim ao chegar
nos documentos oficiais da educação brasileira foi deturpado como
uma ferramenta a serviço da adaptação das pessoas aos sistemas
técnico-científico, do trabalho padronizado? Eis as questões que
pretendo realizar no atual capítulo.
Nessa etapa do livro, busco evidenciar que, os conceitos
inicias da estética, ainda que originada da Filosofia clássica, está
próxima da concepção da estética da sensibilidade da perspectiva
decolonial que explanaremos aqui. O exercício de resgatar os
conceitos na Filosofia ocidental proporcionou chegar a uma possível
definição da estética da sensibilidade, a saber: área de estudo das
sensibilidades, a arte de harmonizar a razão e o sentir, a estética como
uma função catalisadora do conflito entre o sensível e o formal, o
sentir e o pensar.
Embora nossa educação não tenha valorizado a esfera do
sentir, e priorizou a esfera do pensar, na intenção de que ser alguém
é o objetivo final de um longo processo educativo, ainda, mesmo
que dentro dos espaços da academia como cá estamos, movimentos
166
que resistem a esse modelo de educação que prioriza a razão científica,
a razão instrumental, a educação regida pelo positivismo, pelo método
cartesiano, pela memorização de conteúdos, de uma educação
bancária, de uma normatividade do pensar.
Ainda que haja autores que, cada qual ao seu modo, teça
críticas a esses modelos mencionados com o intuito de propor novos
modelos, novas percepções em relação a educação, aqui também
realizei críticas ao modelo que nos foi imposto, pois se tratou de uma
colonização. Porém, para além do ressentimento do colonizado, a
proposta dessa obra é pensar, portanto, qual é a possibilidade de
harmonizar o sentir e o pensar para uma educação latino-americana.
5.1 O ser/estar em Rodolfo Kusch e a busca de uma antropologia-
filosófica americana
O filósofo argentino Rodolfo Kusch nasceu e faleceu em
Buenos Aires, era filho de alemães radicados na Argentina. Concluiu
sua graduação em Filosofia pela Universidade de Buenos Aires no ano
de 1948 e atuou no Ministério da Educação de Buenos Aires na área
de Psicologia Educacional e orientação profissional.
Kusch apresentou a problemática de pensarmos o(s)
sentido(s) do humano a partir da realidade latino-americana. Em sua
obra Esboço de uma antropologia filosófica americana (1978), Kusch
parte do pensamento popular, repleto de sabedorias que foram
marginalizadas com a colonização, para evidenciar a riqueza e a
diversidade de um pensamento. A relação profunda com a terra são
aspectos centrais dessa obra do autor, que evidencia a necessidade de
haver um pensamento latino-americano que resgate os saberes dos
povos originários, saberes que foram em grande parte sufocado pela
imposição da cultura europeia sob os solos americanos.
167
Com o intuito de organizar uma antropologia filosófica
americana, tendo como base as experiências do povo, compilada por
meio do silêncio sufocado e inaudível, Kusch buscou pensar à margem
de uma preocupação de uma definição de ser humano, como faz a
própria história do pensamento filosófico ocidental. O autor buscou
desconstruir todo discurso sólido sobre o homem americano, ainda
que, não promovido nenhuma outra definição deste por enfatizar um
homem incompleto, um ser não metafísico, que se constrói à medida
que se faz.
A pretensão de Kusch, assim como outros autores que
possuem uma perspectiva decolonial, não é a de conferir soluções aos
problemas do homem moderno a partir dos povos campesinos, mas
sim, recolocar o problema desde as origens da nossa sociedade. Os
campesinos representam uma irreverência aos modos hegemônicos da
cultura dominante. Vale ressaltar que Kusch não usava a expressão
decolonial, mas podemos dizer que o seu pensamento crítico em
busca de uma antropologia autônoma, anti-imperialista antecipou as
grandes linhas que constituem a noção de decolonialidade. Portanto,
nós aqui, consideramos o pensamento de Kusch nas conformidades
do pensamento decolonial, uma vez que o autor inaugura um
pensamento com tal crítica de compreensão decolonial.
Para Brocanelli (2020, p.99) “Kusch destaca o valor de pensar
uma filosofia a partir do que há aqui. A partir do ser legitimamente
aqui constituído, com sua cultura, suas crenças, seus valores, seus
afazeres e tudo o que pode ser considerado deste território.”, e isso é
de compreensão decolonial.
A importância da terra, do solo, nas obras do Kusch, é tratada
em Geocultura do Pensamento, o primeiro capítulo da obra Esboço de
uma antropologia filosófica americana. Nesse capítulo, Kusch indica
que o pensar dos grupos humanos está condicionado pelo lugar
168
geográfico, ou seja, intersecção entre o geográfico e o cultural, por
conseguinte apesenta uma nova dimensão de cultura, nesta ela não é
apenas um repertório ou um repositório, mas sim uma atitude,
sobretudo uma afirmação existencial de um coletivo. Kusch
evidenciou que todo diálogo é intercultural, implicando processos de
negociação com o Outro. Kusch (1978) colocou o diálogo como antes
de tudo um problema de interculturalidade, no qual tende a existir
uma diferença cultural entre os interlocutores, não no sentido de grau
de culturalização - um ser mais culto que ou outro -, mas sim, antes
de tudo há uma diferença entre o estilo cultural entre eles.
Detrás de toda cultura está siempre el suelo [...] Y ese suelo así
enunciado, que no es ni cosa, ni si toca, pero que pesa, es la única
respuesta cuando uno se hace la pregunta por la cultura. Él simboliza
el margen de arraigo que toda cultura debe tener [...] No hay otra
universalidad que esta condición de estar caído en el suelo, aunque
se trate del altiplano o de la selva. De ahí el arraigo y, peor que eso,
la necesidad de ese arraigo, porque, si no, no tiene sentido la vida.
9
(KUSCH, 2000, p. 109-110).
9
Kusch realizou entrevistas com pessoas simples do campo que
orientavam suas vidas por meio da tradição mítica presente em suas
culturas, pelo pensamento popular. Nesse método de trabalho, Kusch
ressalta que o informante da pesquisa não foi colocado na condição de
um objeto a ser pensado, e sim como um sujeito que define o próprio
olhar interpretativo do pesquisador. Não são personagens que
9
Atrás de cada cultura está sempre o solo [...] E aquele solo assim enunciado, que não é uma
coisa, nem se toca, mas que pesa, é a única resposta quando se faz a pergunta sobre a cultura.
Ele simboliza a margem de raízes que toda cultura deve ter [...] Não há outra universalidade
que essa condição de estar caído no chão, mesmo que seja no sertão ou na selva. Daí o
enraizamento e, pior que isso, a necessidade desse enraizamento, porque, senão, a vida o tem
sentido
169
emprestam voz a cultura popular, mas como traços fundamentais que
ajudaram o pesquisador a compor o esboço de humano.
O humano é um esboço porque é uma obra inicial,
incompleta que vai se construindo e se reafirmando de acordo com os
encontros e os diálogos com o Outro. A questão do humano em Kusch
vem para ressoar um silêncio que perpassa o sentido do humano. Há
algo além do silenciamento da voz dos povos, da imposição da mudez,
também o silêncio como resistência, um silêncio que vem do
simples fato de estar, conceito prevalente nas obras de Kusch, um estar
arraigado a um solo que nutre. Kusch, ao longo da sua narrativa notou
que o novo está no pensamento popular e no indígena, e não no
considerado saber culto. Seguindo esse pensamento, se buscarmos um
pensamento popular perceberemos a possibilidade de descobrir um
pensamento próprio, americano.
A questão do humano aparece em sua obra não apenas para
formular novas respostas à questão histórica da Filosofia, mas para
fazer ressoar um silêncio que perpassa o sentido do humano. O esboço
também é feito de silêncios que não são o resultado de um abafamento
da voz dos povos, da imposição da mudez, mas resistência, de uma
existência que fala pelo simples fato de estar (conceito este extrema-
mente significativo para Kusch), arraigada a um solo que a nutre.
Nesta obra, acompanhamos o trabalho de um pensador em ler o
cotidiano, no desafio de uma hermenêutica que coloca o pesquisador
mesmo sob suspeita. Assim, a forma como as pessoas vão lendo a si
mesmas, surge no texto em sua transparência, traçando novos sentidos
a realidades que parecem já tão pré-determinas. Não há apenas algo a
ser revelado na fala de suas interlocutoras, é a própria fala que define
o movimento dos olhos de quem a lê. (MENEZES, 2014, p. 1253).
Para enveredar nesses caminhos o pesquisador penetra as
demais realidades campesinas e indígenas inventando caminhos
170
poéticos e pela ótica da academia, nada metódica. Ao ler o cotidiano,
Kusch, num desafio de uma hermenêutica que posiciona o
pesquisador sob suspeita também, ou seja, à medida que as pessoas
vão lendo a si mesmas, emerge a transparência, e evidencia novos
sentidos a realidades que pareciam já ser pré-determinadas. Nas
pesquisas de Kusch, o autor mostra que não apenas algo a ser
revelado na fala das interlocutoras, é a própria fala delas que define o
movimento dos olhos de quem as lê.
No sexto capítulo intitulado O que passa com o estar? do livro
Esboço de uma antropologia filosófica americana, Kusch contextualiza
nossa América, ressaltando a base de nossa cultura assimilada, nossos
hábitos de pensamento, em face à cultura que moldou nossa forma de
estar no mundo. Movemo-nos entre as perspectivas populares,
indígenas e a ocidental, contexto no qual se funda nosso modo de
pensar como intelectuais (MENEZES, et.al, 2014). É neste contexto
que nos interrogamos a respeito de nosso estar. Kusch ressalta a
necessidade de se compreender o pensamento em geral, a fim de
superar o vazio intercultural dentro do qual nos movemos. Somos
marcados pela ocidentalização e em consequência, analisamos a
realidade a partir de um ponto de vista já internalizado, que surge
como a única referência possível para pensarmos.
O racional implica certa coerência e lógica dentro de um
modo de pensar assim, muitas vezes o pensar de outras formas
significa agir irracionalmente, fora de uma ordem estabelecida que
não aceita novas racionalidades. O pensamento popular nos apresenta
outro modo de ser e isso nos exige outra postura filosófica e novas
metodologias que sejam capazes de reconhecer o saber popular como
um pensar legítimo. Dentro de uma lógica ocidental, construímos o
saber ancorado na necessidade de definição, devemos sempre
responder à pergunta pelo que é. Para recuperar o mistério de nosso
171
estar temos que penetrar nos símbolos e no solo, e assim, recuperar
nossa vinculação com o absoluto.
Carvalho (2020) realiza um movimento de reflexão sobre o
ser e o estar a partir das aproximações e distanciamentos das ideias dos
filósofos gregos Heráclito, Parmênides e as possíveis relações com o
estar em Kusch. Ao retomar Heráclito, Carvalho (2020) descreve a
percepção do filósofo sobre a pluralidade e mutabilidade das coisas
particulares e efêmeras, como os sentidos, e a indagação sobre a
existência de uma norma universal fixa que comandasse todos os
acontecimentos, de modo que pudesse haver uma harmonia do
universo que estivesse superior às contradições e conflitos dos
fenômenos do mundo.
Para Heráclito, a realidade se manifesta como um fluxo
perpétuo de todas as coisas que existem, sendo assim, a vida seria uma
dinâmica que se transforma constantemente, desse modo, não nada
perene e universal, e se algo inalterável seria o próprio movimento,
o processo, a mudança. Esse processo é chamado de devir ou vir-a-ser,
que guarda o conflito dos contrários que vivem em alternância entre
si, que permite a existência das coisas e que por essência é da natureza.
E o que governa o devir é o logos, uma razão universal, que faz com
que o devir não fique desordenado e funcione harmoniosamente.
Em oposição a Heráclito, Carvalho (2020) remonta a
Parmênides que nega a possibilidade de movimento, mudança e
propõe a existência de uma única realidade, que seria o ser, e este não
pode ser transformado. Para Parmênides, o devir é apenas a aparência
sensível, ou seja, confundimos o real com o sensível, de modo que a
única mudança possível seria entre o ser e o não-ser, ou seja, o ser e
o nada. Carvalho (2020), portanto, é possível considerar
Parmênides como o primeiro filósofo que reconheceu a Razão como
172
o único meio válido para se obter o verdadeiro conhecimento, à
totalidade absoluta e integral do real.
Com o predomínio da Razão, distanciamo-nos das coisas
sensíveis, pois pensar e ser são a mesma coisa, porque o ser é o pensar,
e sem o ser não há pensamento. Carvalho (2020) prossegue sua
reflexão evidenciando que somos fruto do pensamento parmenídico,
uma vez que a sociedade atual se baseou nas conquistas da razão, na
previsibilidade e evidências proporcionadas por ela. Porém, podemos
ver que outras possibilidades de pensar e ver a vida, como o próprio
devir de Heráclito, por exemplo, e Carvalho (2020) sugere uma
analogia entre o devir de Heráclito e o estar sendo de Kusch.
Como mencionamos anteriormente, Kusch faz críticas à razão
ocidental ao mesmo tempo que busca uma compreensão e caminhos
possíveis de uma cultura latino-americana. Ele objetiva evidenciar que
há aqui na América um pensamento arraigado nas manifestações
culturais, ou seja, esse continente não era, e nunca foi um papel em
branco, no qual pudessem chegar, colonizar, e impor costumes,
cultura, língua, pensamento, etc. Embora colonizada, a América
guarda ainda no seu âmago traços, crenças, pensamentos ancestrais.
Kusch viu na racionalidade ocidental o ser, no ente, ao passo
que a racionalidade indígena estaria embasada no estar, no habitat, no
solo. Para completar suas análises e perspectivas em relação aos
autóctones e campesinos, Kusch adotou os modos de observação
próprios da antropologia e se aventurou a campo para investigar suas
intuições com a intenção de pensar uma filosofia autenticamente
americana. Ao passo que o pensamento racionalista europeu ignorou
completamente o pensamento americano já existente antes da
colonização, resta-nos construir um movimento de resistência, de
autoafirmação, ou melhor, de re-existência
173
O resgate do estar se faz prevalente para compor nossa
autenticidade enquanto latino-americanos. Uma proposta de Kusch
e demais autores, inclusive da própria teoria decolonial, de que
construamos nossa antropologia filosófica, tem caminhado a passos
largos, pois é expressivo o número de trabalhos que abordam a
temática, porém, ainda há muitas reflexões, em muitas esferas da vida
que necessitam ser feitas, aqui destinamos nossas reflexões no campo
educacional. Não possuímos uma técnica de pensar, ou melhor,
filosofar ou ainda educar própria, uma vez que ainda adotamos
perspectivas pedagógicas de além-mar, segundo Carvalho (2020).
É exatamente aqui nesse ponto que fica mais evidente o que é
o estar. Não pensamos em técnicas nossas, latino-americanas, pois não
havia no pensamento popular ameríndio a necessidade de técnicas
que levassem ao desenvolvimento, produção, progresso. Não havia a
necessidade de pensar como as coisas são, e sim captar o sentido
da coisa. Para Kusch, é necessário equilibrar o conteúdo e a forma,
e aqui nós acrescentamos harmonizar o sentir e o pensar, ou seja, é
necessária uma estética da sensibilidade.
O estar, relacionado ao devir, aos antagonismos que regem a
vida, as possibilidades imprevisíveis do vir a ser, envolvem as paixões,
os sentidos e os sentimentos, o medo, o espanto, o sublime, a alegria e
a tristeza, a vida e a morte, tudo isso incontrolável, tão forte e
imprevisível que causa espanto, repulsa a nós que fomos tão
influenciados pela visão do ser.
Os indígenas, povo autóctone, diferentemente de nós, viviam
a dimensão humana do estar enfrentando seus temores, recorrendo à
natureza e à espiritualidade, e compreendendo o ciclo do próprio estar,
da própria existência, de viver consoante ao ciclo da vida, às
intempéries da terra, do clima, das catástrofes naturais com a
compreensão de ser regido pelo ciclo da natureza, como a vida e a
174
morte. Na categoria do ser, isso é assustador, causa repulsa, pois há a
necessidade do controle inclusive dos fenômenos naturais.
O latino-americano é um povo que se constituiu sobre a
polaridade do ser e do estar, somos um amálgama de ambas. Por um
lado, temos o estar provindo dos nossos ancestrais, dos autóctones, dos
indígenas, ameríndios, de outro, temos a cultura imposta sob a qual
nos erigimos enquanto ser. Desse conflito nos resta aborrecimentos,
incertezas, impasses culturais, um afastamento da relação com a terra,
com o solo, com a natureza e ao mesmo tempo uma saudade disso,
saudade de algo que não vivemos, mas que nos soa tão familiar.
A ideia de estar no mundo, apenas estar ou “estar no más”,
estar siendo
10
, nos faz regressar à história da filosofia que, segundo
Carvalho (2020) hipervalorizou a razão esclarecida em detrimento às
outras dimensões humanas como, por exemplo, as paixões. Kusch faz
o convite e aponta a necessidade e a relevância em se resgatar a
geocultura, o solo, e com ele a natureza e seus temores, os sentimentos
e as paixões, para pensar e compreender a singularidade cultural
latino-americana.
Distintamente do “ser” que coloniza as emoções, coloniza os
sentimentos, e a tudo pretende manipular, esquadrinhar, conhecer,
definir, determinar, o “estar” não se dedica em compreender para
dominar a mutabilidade das coisas, o devir, nem tão pouco está
imbricado em classificar, definir e universalizar. Porém, o estar nos
causa estranheza e receio do próprio caos que ele possa significar, um
mundo que é o que é, para ser contemplado e vivido, sem progressos,
desenvolvimento e explicações científicas, um viver preso ao solo, em
sintonia com a natureza, aproveitando-se dela com respeito e como
alimento.
10
“Estar sem mais”, “estar sendo”
175
Tasat (2020, p. 48) demonstra o pensamento do ser/estar
desse modo:
Ser ---------------- Estar
Acontecer
De acordo com Tasat (2020, p. 48):
Desde esta noción la educación, asumiría su estar situado,
aconteciendo con, por y para otros, escuchando y ampliando sus
horizontes de aprendizaje a la incorporación de los saberes negados,
no como astucia de la razón que, en la tolerancia de la diferencia
intercultural, solo antepone la integración, sino como condición para
relacionar la racionalidad moderna con la sabiduría ancestral,
popular, en definitiva, la sabiduría “bárbara” negada. Para ello es
importante conceptualizar no al sujeto, sino a la relación el lazo social
que nos da identidad en la diferencia situada.
11
Busco pensar a partir da América, do nosso solo, com seus
problemas, particularidades e tensões inerentes ao território e a
mundos que constituem a América profunda. A modernidade
11
A partir dessa noção, a educação assumiria estar situada, acontecendo com, pelos e para os
outros, ouvindo e ampliando seus horizontes de aprendizagem à incorporação de saberes
negados, não como uma astúcia da razão que, na tolerância da diferença intercultural, apenas
coloca integração primeiro, mas como condição para relacionar a racionalidade moderna com
a sabedoria ancestral, popular, enfim, a negada sabedoria “bárbara”. Para isso, é importante
conceituar não o sujeito, mas a relação, o vínculo social que nos dá identidade na diferença
situada. A partir dessa noção, a educação assumiria estar situada, acontecendo com, pelos e
para os outros, ouvindo e ampliando seus horizontes de aprendizagem à incorporação de
saberes negados, não como uma astúcia da razão que, na tolerância da diferença intercultural,
apenas coloca integração primeiro, mas como condição para relacionar a racionalidade
moderna com a sabedoria ancestral, popular, enfim, a negada sabedoria “bárbara”. Para isso,
é importante conceituar o o sujeito, mas a relação, o nculo social que nos identidade
na diferença situada.
176
instalou um pensamento sustentado na causa e efeito, todo
pensamento que não dependa de um processo de validação não entra
na lógica ocidental. Tasat (2020) acrescenta que a epistemologia da
certeza é sem dúvidas e estáveis, configurando um sistema
hegemônico no qual o antagonismo inerente aos discursos e
imaginários sociais não é levado em consideração.
Na educação, o legado da modernidade convive com o
cotidiano de ser americano, com suas diferenças incorporadas, às
mestiçagens das culturas invisíveis, que resistiram à espada, à pena, à
palavra e à institucionalidade da fé. Para Tasat (2020), só é possivel
construir uma sociedade onde a vida merece plenamente ser vivida
por todos, em que cada um possa implantar plenamente seu potencial
como pessoa, se nos dedicarmos vigorosamente para descobrir essa
verdade escondida por séculos de dominação, e que se dá na
coexistência de antagonismos, não como uma síntese de superação,
mas como um limiar do espaço habitado coletivamente.
atualmente uma crescente produção de saberes com a
perspectiva decolonial. Acreditamos que a necessidade de nos
reconhecermos como latino-americanos é inadiável. Não somos
apenas descendentes de europeus, africanos, norte-americanos, etc.
Somos da America Latina, e temos uma cultura e um solo que está
em nós antes da colonização, dos costumes que foram impostos, da
cultura que foi outorgada, da espirualidade que foi manipulada. Esses
estudos endossam e dão corpo para a incessante busca da construção e
compreensao de uma antropologia filosófica americana.
5.2 A colonização da
aesthesis
e a educação
As finalidades do processo educativo são a emancipação, a
libertação e a humanização do ser humano. Porém, a educação nas
177
sociedades contemporâneas, neoliberais, tem uma relação intrínseca
com o poder político e, por isso, tem lugar privilegiado para a
imposição da cultura e da ideologia dominantes. No entanto, os
espaços educativos são, também, espaços de resistência e insurgência.
A colonialidade do saber se dá por meio da prescrição do
conhecimento acadêmico ocidental europeu e norte-americano e a
rejeição do saber popular. Afinal, é no âmbito epistemológico que a
colonialidade enaltece sua dominação, reduzindo e selecionando
conhecimentos, validando alguns e excluindo outros,
impossibilitando o emergir de outras perspectivas epistemológicas.
Essas características que foram engendradas e articuladas pelos
colonizadores propiciaram “[...] a dupla modernidade/colonialidade
[que] historicamente funcionou a partir de padrões de poder
fundados na exclusão, negação, subordinação e controle dentro do
sistema/mundo capitalista” (WALSH, 2009, p. 16).
Pensar em como se pode decolonizar um povo, passa,
necessariamente, pela educação dele. Walsh (2013, p. 64) diz que
(...) se puede entender lo pedagógico de lo decolonial, por una parte
(...), como metodologías organizacionales, analíticas y psíquicas que
orientan rupturas, transgresiones, desplazamientos e inversiones de
los conceptos y prácticas impuestas y heredadas. Y por el otro lado,
como el componente céntrico y constitutivo de lo decolonial mismo,
su conductor; lo que da camino y empuje a los procesos de
desenganche y desprendimiento, y lo que conduce a situaciones de
de(s)colonización.
12
12
(...) o pedagógico do descolonial pode ser entendido, por um lado (...), como metodologias
organizacionais, analíticas e psíquicas que orientam rupturas, transgressões, deslocamentos e
investimentos dos conceitos e práticas impostos e herdados. E, por outro lado, como
componente central e constitutivo do próprio decolonial, seu condutor; o que cede e
impulsiona os processos de desengajamento e desapego, e o que leva a situações de des
colonização.
178
Ao menosprezar os saberes que foram subalternizados
consequentemente os seres humanos portadores desses saberes
também foram. Essa subalternização e o aniquilamento representam
uma estratégia colonial para a imposição da cultura europeia-
ocidental, dos seus valores, da sua religião, do seu paradigma
epistemológico.
A colonização não foi apenas um movimento violento de
construção da ordem burguesa através dos recursos monetários (ouro
e prata), recursos naturais (madeira, tabaco, açúcar, café etc.) e força
de trabalho (negros e indígenas). A colonização foi também um
processo subjetivo que edificou a consciência burguesa ao mesmo
tempo que inferiorizou a imagem do Outro. O movimento de
constituição da consciência moderna é um processo subjetivo. A
colonização é em si da origem da subjetividade transcendental, a
forma moderna de relacionamento subjetivo- simbólico, matriz
formal da consciência burguesa.
Eis aqui o ponto central que tange a teoria decolonial e a
estética da sensibilidade. Sendo a estética o próprio processo de
subjetivação, poderíamos dizer que a estética da sensibilidade
representa as subjetivações humanas dos aspectos sensíveis da
alteridade, das paixões, da ética.
Podemos notar que a educação, oriunda do projeto moderno
e colonizador, deixou até os dias atuais o modelo de educação que se
segue até hoje. Porém, não dá mais para acreditar nos marcos
pretensamente emancipatórios da modernidade esclarecida, pois para
conceder liberdade e universalidade ao sujeito foi preciso reprimir e
particularizar, discriminar aqueles que não cabem nesse invólucro
abstrato.
Ao passo que também não é possível desprezar tudo o que foi
introduzido pela modernidade, todos fomos impactados pelo
179
colonialismo (e continuamos sendo afetados pela colonialidade), e é
aqui nesse descompasso que a teoria decolonial entra como uma outra
opção. A teoria decolonial suscita um novo modo de pensar e agir, a
partir do que temos hoje. Não é esquecer o passado, e nem aceitar de
pronto o presente, mas sim, a partir de tudo isso, reinventar,
ressignificar, ser insurgente nas propostas educacionais.
É preciso transformar alguns elementos da educação
moderna, como por exemplo a estética da sensibilidade, numa estética
que seja sensível às lutas dos movimentos sociais, sensíveis às
condições de colonialidade ainda existentes, e que se reinvente numa
nova estética educacional, numa nova modalidade de sentir e pensar
na e para educação.
No Ocidente, como vimos em Baumgarten, Kant e Schiller, a
Estética é a área da Filosofia que pensa a arte, sendo assim, a filosofia
da arte. Tradicionalmente, a estética se relaciona com o belo e com os
fundamentos daquilo que se nomeou “arte”, entretanto, Mignolo nos
lembra em seu artigo Aiesthesis Decolonial” (2010) que a palavra
estética deriva do vocábulo grego antigo aesthesis (αἴσθησις), que
significa sensação. A partir del siglo XVII, el concepto aesthesis se
restringe, y de ahí en adelante pasará a significar “sensación de lo bello”.
Nace así la estética como teoría, y el concepto de arte como práctica”.
13
(MIGNOLO. 2010, p. 13). E os valores de um grupo particular, no
caso, as elites europeias, reivindicam o estatuto de universal.
Esta operación cognitiva constituyó, nada más y nada menos, la
colonización de la aesthesis por la estética; puesto que si aesthesis es
un fenómeno común a todos los organismos vivientes con sistema
nervioso, la estética es una versión o teoría particular de tales
13
A partir do culo XVII, o conceito de aesthesis é restrito e, a partir daí, passará a significar
“sensação de beleza”. Assim nasceu a estética como teoria e o conceito de arte como prática.
180
sensaciones relacionadas con la belleza.
14
(MIGNOLO. 2010, p.
14)
Com o passar do tempo ela adquire uma roupagem
limitadora, atrelando-se ao conceito de belo (padronizado), ditando
normas para a criação artística, selecionando para legitimação o que é
ou não arte de acordo com os juízos elaborados pelas elites. É a esse
fenômeno que Mignolo vai chamar de “colonização da aesthesisque
se origina do propósito da universalização de uma forma padrão de
pensar, da imposição de valores de determinado(s) grupo(s) ao resto
da humanidade.
De acordo com Tlostanova (2011), a ideia de se ter uma
universalidade é uma estratégia colonial para reprimir as subjetivi-
dades locais. A estética europeia colonizou a aesthesis, impondo regras
e padrões sobre o que deve ser considerado belo e o feio, reprimindo
construções culturais. E “(...) la estética occidental hegemónica, que
codificó sus modos de sentir y percibir como los únicos verdaderos y
aceptables”
15
, precisa ser transposta.
A estética decolonial, no cuestiona meramente lo que es lo
sublime y bello, sino también quién es la persona que juzga, cómo y
bajo qué factores su subjetividad y gusto han sido formados y por qué
tiene o no derecho a emitir juicios estéticos universa-
les.”
16
(TLOSTANOVA. 2011, p. 28.)
14
Essa operação cognitiva constituiu, nada mais e nada menos, a colonização da aesthesis pela
estética; visto que, se a estética é um fenômeno comum a todos os organismos vivos com
sistema nervoso, a estética é uma versão ou teoria particular de tais sensações relacionadas à
beleza.
15
(...) a estética ocidental hegemônica, que codificou suas formas de sentir e perceber como
as únicas verdadeiras e aceitáveis
16
Não se questiona apenas o que é sublime e belo, mas também quem é a pessoa que julga,
como e sob quais fatores sua subjetividade e gosto foram moldados e por que eles têm ou não
o direito de fazer julgamentos estéticos universais.
181
Portanto, tem-se na estética decolonial uma insurgência, um
contrapoder, um ato de resistência que visa à formação de
subjetividades decoloniais. E como entendemos que o mundo em que
vivemos é construído pelos próprios sujeitos que o constroem; e
trabalhamos para dias melhores na humanidade onde tenhamos
resguardada nossa igualdade justamente por sermos diferentes
17
,
consideramos a decolonização da estética uma urgência de nosso
tempo, e vê-se nisto o real sentido do que deveria ser a definição e a
função da estética da sensibilidade para uma educação. Porém, como
o que se almeja é uma educação decolonial, a estética da sensibilidade
sai do ostracismo da educação atual para um lugar de protagonismo
na educação colonial e vigente.
A estética da sensibilidade como se vê nos documentos,
trabalhados aqui anteriormente, está implicada em conformação das
subjetividades para atender a demanda da sociedade contemporânea,
uma subjetividade plástica, moldável, adaptável, imaterial, flexível, a
serviço do status quo, a serviço do capital. E o que seria, portanto, a
estética da sensibilidade para uma educação decolonial? Seria uma
insurgência, um contra-poder, um ato de resistência que visa à
formação de subjetividades decoloniais, de sensibilidades decoloniais,
a sensível às mazelas sociais que se vive por causa do colonialismo e
da sua consequente colonialidade; seria formas subjetividades
sensíveis às causas das minorias, conscientes da história de violência e
selvageria do colonialismo; seria a formação de subjetividades sensíveis
às culturas e costumes dos povos que foram marginalizados, excluídos,
e cúmplice de muitos povos que ainda resistem, ainda que
arduamente, a todo o processo de “civilização”.
17
Referência à citação zapatista (movimento mexicano de libertação nacional): “Nós somos
iguais porque somos diferentes.”
182
Aponto a estética da sensibilidade como a protagonista da
educação decolonial, pois ela é responsável pela subjetivação sensível,
que possibilita a percepção do Outro, do colonizado, da situação atual
de colonialidade que se vive e de modo insurgente proporciona a
mudança das mentalidades.
E para desfecho, à resposta da pergunta: há estética da
sensibilidade em uma educação decolonial? A resposta é sim. Não
apenas há, como também a estética da sensibilidade é autentica-
mente decolonial, pois ela é a tradução das subjetividades decoloniais,
a saber, é a harmonização do sentir e o pensar (o sentipensar) e o
corazonar.
A estética da sensibilidade, portanto, pode ser um processo de
formação das subjetividades conscientes, no processo de humanização
e conscientização, como podemos ver em Freire, Fanon, Kusch,
Walsh, dentre outros.
5.3 Aproximões entre a estética da sensibilidade, o sentipensar
e o corazonar
A educação é viva. O processo educativo envolve pessoas, e
evidenciar os sujeitos e perceber suas potencialidades e os seus limites
nos remonta a um primeiro pressuposto do sentipensar intercultural
latino-americano: é preciso pensar o outro na relação estabelecida
comigo mesma, ou seja, no diálogo que se interpõe e na compreensão
que se elabora a partir dessa interação. Posso falar que os solos são o
cenário que promovem as interlocuções entre os atores envolvidos na
educação, e podemos colocar no plural a palavra solo porque cada
sujeito tem seu solo próprio, que não é necessariamente o lugar
geográfico, mas é um horizonte simbólico no qual o pensamento se
instala.
183
Retomando Kusch (2000b, p. 109- 110),
Detrás de toda cultura está siempre un suelo. No se trata del suelo
puesto así como la calle Potosí en Oruro, o Corrientes en Buenos
Aires, o la pampa, o el altiplano, sino que se trata de un lastre en el
sentido de tener los pies en el suelo, a modo de un punto de apoyo
espiritual, pero que nunca logra fotografiarse, porque no se lo ve. [...]
Y ese suelo así enunciado, que no es ni cosa, ni se toca, pero que pesa,
es la única respuesta cuando uno se hace la pregunta por la cultura.
Él simboliza el margen de arraigo que toda cultura debe tener. Es
por eso que uno pertenece a una cultura y recurre a ella en los
momentos críticos para arraigarse y sentir que está con una parte de
su ser prendido al suelo.
18
De modo coerente ao pensamento kuschiano, não caberia
falar de conhecimento como um caminho para um pensar
intercultural, mas sim, caberia falar sobre a compreensão, pois com la
comprensión se supone una certa afinidad con el sujeto, y se tende a
justifcarlo, aun cuando uno no tenga las categorías para decir esto es a toda
su esencialidad(KUSCH, 2000b, p. 323).
A educação, ao envolver sujeitos de vários solos, culturas,
perspectivas, pensamentos,etc., necessita da compreensão como um
dos seus fundamentos, que supere a dicotomia sentir/pensar e
considere os atores envolvidos na educação em sua inteireza. Se a
compreensão supõe uma boa dose de afinidade entre os sujeitos
18
Atrás de cada cultura, há sempre um solo. Não se trata do solo colocado como a rua Potosí
em Oruro, ou Corrientes em Buenos Aires, ou os pampas, ou o altiplano, mas sim um lastro
no sentido de ter os pés no chão, por meio de um ponto de apoio espiritual., mas ele nunca
consegue se fotografar, porque não pode ser visto. [...] E
aquele solo assim enunciado, que não
é coisa nem se toca, mas que pesa, é a única resposta quando se faz a pergunta
sobre a cultura. Ele
simboliza a margem de raízes que toda cultura deve ter. É por isso que alguém pertence a uma
cultura e se volta para ela em momentos críticos para criar raízes e sentir que uma parte de
seu ser está presa ao chão
184
envolvidos, portanto, é no estar-junto e na convivência com o outro
que se dá o processo de interculturalidade e então se torna inviável
pen-la na América com as mesmas categorias e objetividade
científicas vigentes. A objetividade torna-se desnecessária à medida
que notamos que ao sermos objetivos afastamos o objeto de nós, desse
modo a objetividade prevaleceria em detrimento da subjetividade tal
como os moldes tradicionais de herança europeia. Kusch nos diz que
com la objetividade tratamos de tapar lo que no queremos ver
19
(KUSCH, 2000a, p.217).
E o que faria mais sentido em educação que não fosse o sentir
e pensar o mundo junto com o outro, compreender o outro e o outro
a si em ambas direções. Para Kusch, é a partir da com-vivência e
observação do pensamento popular e indígena americano que o
conhecimento é compartilhado, não sendo válido segregá-lo do viver,
do sentir e do pensar. Isso também faz parte do ciclo da vida, numa
gestação orgânica, onde tudo que é vivo nasce, cresce e morre e se
reintegra ao solo para nascer de novo. Nesse ciclo que rege tudo, o
saber, o sentir, e o estar sendo no mundo.
Há um pensamento seminal que, segundo Kusch, consiste na
superação da dualidade antagônica que o pensamento causal instaura,
como uma “unidade conciliadora” na qual os opostos podem se
tornar complementares, isso porque en vez de desplazarse sobre las
afirmaciones, como lo hace el pensar causal, el seminal se concreta a una
negación de todo lo afirmado, sea vida o sea muerte, y requiere en
términos de germinación [...] esa afirmación trascendente
20
(KUSCH,
2000a, p. 482).
19
Com objetividade tentamos encobrir o que não queremos ver.
20
“Em vez de pairar sobre as afirmações, como faz o pensamento causal, o seminal se
especifica na negação de tudo o que é afirmado, seja a vida ou a morte, e requer em termos de
germinação [...] essa afirmação transcendente”
185
Além de Kusch, Fals-Borda também mencionou sobre a
conciliação do sentir/pensar na sociologia latino-americana.
Encontramos em Fals-Borda (2008) uma tradução categorial do
coração como âmago de uma racionalidade própria das epistemo-
logias dos povos da América Latina e do Caribe, e foi nisso que o
sociólogo colombiano situou como sentipensante. Ele recuperou
essa categoria dos povos ribeirinhos momposinos da Costa Atlântica
da Colômbia, ao escutá-la de um pescador, que relatou: “[...] nós
acreditamos, na realidade, que atuamos com o coração, mas também
empregamos a cabeça. E quando combinamos as duas coisas, assim
somos sentipensantes.” (FALS-BORDA, n/d., tradução nossa).
No âmbito da especificidade de um pensamento
antropológico-filosófico latino-americano, Pablo González Casano-
va, Paulo Freire, Orlando Fals-Borda, Kusch dentre outros, foram
pioneiros na apuração de outras epistemologias dos povos regionais,
muito antes de tornar- se temática de interesse nas universidades do
Norte global no início do século XXI. Fals-Borda, um dos precursores
da Sociologia Latino-Americana, incorporou a categoria sentipensante
como elemento fundante na construção de uma ciência situada, em
particular na concepção de uma sociologia latino-americana, uma
sociologia sentipensante. Sentipensantes, portanto, são aqueles que
mesclam coração e corpo, razão e sentimento, na produção de
conhecimento e no intercâmbio de saberes atrelados aos seus modos de
vida e de luta. Ao atribuir ao coração o lugar epistêmico e ontológico,
inaugura-se uma unidade entre corpo-alma-razão-sentimento,
dimensões da existência humana dissociada pela ciência ocidental
moderna.
O pensamento indígena e popular na América do Sul zelava
pela afeição, ritualizando sua afetividade, muito provavelmente pela
valorização da totalidade do homem, sua visão orgânica, sem fazer
186
cisão entre razão e afeto, o racional do irracional, ordem do cérebro e
do coração, até mesmo porque o coração é a fonte de afeto e do
pensar.
O termo corazón como determinante para tomadas de
decisões que seriam racionais não se trata do órgão do corpo humano
puro e simples, também não apenas pela dimensão emocional como
usualmente o consideramos. O corazón, nos relatos registrados de
Kusch, tem o significado de um regulador do juízo individual, como
uma instância objetiva e subjetiva de quem aprecia o mundo (SOUSA,
2017).
El juicio emitido a partir del corazón es a la vez racional e
irracional, por una parte dice lo que ve, o sea que participa del
mundo intelectual de la percepción, y por la otra siente la fe en lo
que se está viendo, casi a manera de un registro profundo, como una
afirmación de toda la psiquis ante la situación objetiva. Se trata de
una especie de coordinación entre sujeto e objeto, con el predomínio de
un sujeto total.
21
(KUSCH, 2000a, p. 304).
Para o autor, a tomada de decisões com o coração é sinônimo
de integração e equilíbrio. É um saber emocional que é capaz de
internalizar e ao mesmo tempo expressar sua realidade e verdade. O
pensamento parece surgir de um pensar sistematizado sobre o saber
indígena, um saber tanto racional como emocional. Parece que o autor
sugere o pensar como categoria própria do pensamento eurocêntrico
acadêmico, ao passo que o saber está embasado nos conhecimentos
indígenas (originários, ameríndios) e em dimensões subjetivas do
21
O julgamento que sai do coração é racional e irracional, por um lado diz o que vê, ou seja,
participa do mundo intelectual da percepção, e por outro sente fé no que está vendo, quase
que imediatamente - forma de um registro profundo, como uma afirmação de todo o
psiquismo diante da situação objetiva. É uma espécie de coordenação entre sujeito e objeto,
com predomínio de um sujeito total.
187
homem interior (o campesino). O coração emana o pensar de uma
razão das entranhas, um pensamento orgânico e completo do ser,
de modo que é o lugar que simultaneamente guarda e projeta o
pensamento seminal, no qual o afeto e a razão funcionam numa
simbiose e conferem sentido à vida.
Podemos falar que a filosofia “nativa” possui um saber do
coração, que foi invisibilizado, menosprezado pela racionalidade que
ainda teima em se impor sobre nós por meio da perpetuação da
colonialidade, mas esse saber do coração ainda existe e resiste.
Arias (2010a) considera que é apenas por meio do saber do
coração que poderemos decolonizar nossa existência no nosso
continente e retomar nossa condição de totalidade. Esse antropólogo
equatoriano utilizou o termo corazonar, termo que ele encontrou em
vivências com povos ameríndios, especificamente, tradições xamânicas
dos povos indígenas equatorianos.
As sabedorias insurgentes têm pleiteado uma visão holística
do ser humano, e
de ahí la necesidad de empezar a corazonar como respuesta espiritual
y política insurgente, puesto que el corazonar reintegra la dimensión
de totalidad de nuestra humanidad al mostrar que somos la
conjunción entre afectividad e inteligencia
22
(ARIAS, 2011, p. 29).
O corazonar é, portanto, uma atitude intelectual, política,
para promover a decolonização do saber, do poder e do ser e
acrescentamos aqui do sentir. A intenção não é inverter as instâncias
do sentir e pensar, sugerindo que o emocional deva ser superior à
razão. É, portanto, de se reconhecer a existência do saber do coração
22
Daí a necessidade de começar a coração como resposta espiritual e política insurgente, que
o coração reintegra a dimensão da totalidade de nossa humanidade ao mostrar que somos a
conjunção entre afetividade e inteligência
188
e a importância dessa para a existência da vida e assim buscar religar
afetividade e racionalidade, de modo que ambas sejam harmônicas.
Los sentimientos, las emociones, las sensibilidades, la ternura, no
podrán ser parte del mundo académico, no serán consideradas como
fuentes otras de conocimiento. Sentir sólo podía darse en aquellos
sujetos que se encontraban en esferas no racionales, como las mujeres,
los locos, los poetas, los artistas y los niños; puesto que la razón
tiene lugar, pues era y sigue siendo euro-gringo-céntrica; tiene color,
pues la razón es blanca; y tiene género, pues es hegemónicamente
masculina. Por consiguiente, no podían poseerla las mujeres, los
niños, y menos aún las culturas y sociedades consideradas primitivas,
como los negros y los indios, a quienes se les negó la posibilidad de
pensar, de sentir, de ser, les fue negada su condición de humanidad,
como la forma más perversa de la colonialidad del ser
23
(ARIAS,
2010a, p. 11).
Seguindo o corazonar e o sentipensante, compreendemos que
não é possível trilharmos um caminho pleno de certezas. Abrir
possibilidade para corazonar é contar com o imprevisível, com
incertezas, algumas vezes com o caos, é compreender que “más
importante que los diagnósticos son los sueños; (ARIAS, 2010b, p.
503). E isso tem muita proximidade com o que podemos conceber
para uma estética da sensibilidade ressignificada.
23
Sentimentos, emoções, sensibilidades, ternura, não podem fazer parte do mundo
acadêmico, não serão considerados como outras fontes de conhecimento. O sentimento
poderia ocorrer naqueles sujeitos que estavam em esferas não racionais, como mulheres,
loucos, poetas, artistas e crianças; já que a razão ocorre, porque foi e continua sendo
eurocêntrica; tem cor, porque o motivo é branco; e tem gênero, visto que é hegemonicamente
masculino. Conseqüentemente, não poderia ser possuída por mulheres, crianças e muito
menos por culturas e sociedades consideradas primitivas, como negros e indígenas, a quem foi
negada a possibilidade de pensar, sentir, ser, sua condição foi negada. forma perversa da
colonialidade do ser
189
A estética da sensibilidade deveria ser compreendida como
catalizadora, ou então a capacidade de harmonizar a razão e o sensível,
como concluímos anteriormente. Isso não seria análoga ao
sentipensar e ao corazonar? Qual seria seus distanciamentos?
Ousamos responder que o distanciamento está na origem dos
termos empregados. A estética da sensibilidade foi conceituada neste
trabalho a partir da filosofia ocidental, e os outros dois termos
sentipensar e corazonar - se originaram numa perspectiva epistêmica
decolonial, ou seja, crítica aos moldes do conhecimento eurocêntrico.
Do que dissemos até agora, a estética da sensibilidade seria ou
poderia ser análoga ao sentipensar e o corazonar. Talvez essa fosse a
sua mais consistente definição e propósito se levarmos em conta a raiz
da palavra estética. A noção estética da sensibilidade, presente numa
educação com legados hegemônicos e coloniais, como parece constar
nos documentos oficiais, não seria capaz de compreender a harmonia
dessas duas instâncias, o que nos leva a concluir e a defender que ela
é possível de ser pensada e praticada numa perspectiva decolonial.
A estética da sensibilidade é viva na lógica cósmica da ancestralidade,
dos nativos, dos originários, dos autóctones, no pensamento popular,
nos campesinos e como vamos ver adiante na prática educacional de
Paulo Freire com os oprimidos, por exemplo.
5.4 Para pensar a (de)colonialidade na e para educação brasileira
Não penso nada sobre o “descobrimento” porque o que houve
foi conquista. E sobre a conquista, meu pensamento em
definitivo é o da recusa. (FREIRE, 2000, p. 83)
Partindo da premissa de que em muitos países com um
passado colonial, como o Brasil, mantem-se um legado colonial na
esfera escolar, isso chama a atenção para a necessidade de teorias e
190
práticas didático-pedagógicas que contestem os resquícios de tal
dominação. Isso implica admitir que a independência econômica e
política significa independência nos modos de pensar e de agir e a
escola é um espaço privilegiado para a manutenção ou para a alteração
dessa lógica colonialista.
Embora os estudos decoloniais tenham sido profundamente
abordados e levantado bastante polêmica, de modo que suas teorias
revelam convergências, porém também, polissemias e discrepâncias, o
objetivo aqui é aplicar/articular contribuições das teorias decoloniais
ao campo da educação, sem a intenção de realizar uma revisão teórica
especificamente sobre as eventuais dissonâncias.
O eurocentrismo na condição de “uma específica racionali-
dade ou perspectiva de conhecimento que se torna mundialmente
hegemônica, colonizando e sobrepondo-se a todas as demais, prévias
ou diferentes, e a seus respectivos saberes concretos”
(QUIJANO,2005. p.126) mostra-se como o principal aspecto que
precisa ser desestabilizado por uma educação decolonial, uma vez que
o eurocentrismo configura, muitas vezes, uma ideologia responsável
por manter o espaço escolar preso a uma “epistemologia mono-
cultural”, denominada por Semprini (1999).
O Brasil ficou sob domínio colonial português, oficialmente,
do século XVI ao início do século XIX. Esse domínio aparece nas
disciplinas escolares e em toda dinâmica da educação brasileira. De Sá
(2019) realizou uma revisão historiográfica sobre as lutas educacionais
dos movimentos negros e indígenas no Brasil e aponta que foi a partir
dessas lutas que foi possível a concretização de algumas leis federais, a
saber, as leis 10.639/03 e 11.645/08, que tornaram obrigatório
o ensino de história, cultura e literatura indígena brasileira, africana e
afro-brasileira em toda a educação básica nacional.
191
A busca pela decolonização epistêmica, debatida nos estudos
decoloniais, se dá a partir da exaltação dos saberes subalternos (ou das
intituladas epistemologias/vozes do Sul, na qual, o Sul representa a
oposição a um norte menos geográfico e mais metafórico, de um
pensamento europeu/ocidental em diversas áreas, como ciência,
política e economia, e incluso também está a educação). Portanto,
implica se pensar sobre a filosofia do conhecimento que orienta a
validação dos saberes escolares.
Mignolo (2004, p.668), fala que:
[...] hoje, a descolonização já não é um projeto de libertação das
colônias, com vista à formação de Estados-nação independentes,
mas sim o processo de descolonização epistêmica e de
socialização do conhecimento. A “diversidade epistêmica” será o
horizonte para o qual convergem o “paradigma da transição” (...),
proposto por Santos, e “um outro paradigma” que está a surgir
da perspectiva de conhecimentos e racionalidades subalternos.
O currículo monocultural de matriz colonial é equivocado
diante da realidade pluricultural que temos em nosso país, e as escolas
deveriam adotar um paradigma de transição, de uma educação de viés
colonial para uma educação decolonial. Isso não significa a
substituição de um repertório escolar por outro. Falar sobre o
eurocentrismo não implica discutir a qualidade e a relevância dos
saberes de origem europeia, porém há de se contestar que os mesmos
tendem a ser universais e superiores.
Sob essa perspectiva, olhar para os conteúdos e para as práticas
pedagógicas de modo decolonial é contestar a suposta neutralidade
epistêmica usualmente associada à esfera escolar e verificar que os
saberes e conhecimentos que não estão nas escolas não estão
propositalmente. A inclusão ou a exclusão de conteúdos escolares
192
envolvem relações sociais e de poder, que podem, inclusive,
hierarquizar os saberes e de condicionar os currículos numa narrativa
que uniformiza numa única história a cultura de um país.
Compreende-se, portanto, que o rol de conhecimentos
escolares não são apenas uma “lista” de saberes, mas é uma parte
constituinte de um complexo sistema de regulação, de modulação.
Silva (2017, p. 194) afirma que
[...] é no currículo que o nexo entre representação e poder se
realiza, se efetiva. As imagens, as narrativas, as estórias, as
concepções, as culturas dos diferentes grupos sociais e sobre
diferentes grupos sociais estão representados no currículo de
acordo com as relações de poder entre esses grupos sociais. (...) As
representações são tanto o efeito, o produto e o resultado de
relações de poder e identidades sociais quanto seus
determinantes.
Santos (2007, p.71) descreve sobre a impossibilidade de
existir ao mesmo tempo o imperial e o colonizado, existe um abismo
metafórico que descreve isso, e que sintetiza pontos fundamentais
para que esse fenômeno seja compreendido:
O pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal (...)
A divisão é tal que “o outro lado da linha” desaparece enquanto
realidade, torna-se inexistente, e é mesmo produzido como
inexistente. Inexistência significa não existir sob qualquer forma
de ser relevante ou compreensível. Tudo aquilo que é produzido
como inexistência é excluído de forma radical.
Santos (2007) explica que as linhas cartográficas “abissais”
que circunscrevia o Velho e o Novo Mundo na época colonial
permanecem estruturalmente no pensamento moderno ocidental e
193
perduram nas relações políticas e culturais excludentes mantidas no
sistema mundial contemporâneo. A injustiça social estaria
estritamente associada à injustiça cognitiva global, de modo que a luta
por justiça social global requer a construção de um pensamento pós-
abissal”.
O pensamento moderno ocidental não é única forma de
pensamento abissal, segundo Santos (2007). Ao contrário, ele aponta
que é muito provável que existam ou tenham existido formas de
pensamento abissal fora do Ocidente. O autor defende apenas que,
abissais ou não, as formas de pensamento não-ocidentais têm sido
tratadas de um modo abissal pelo pensamento moderno ocidental.
O pensamento abissal consiste no consentimento do
monopólio da distinção universal entre o verdadeiro e o falso à
ciência. Esse monopólio está no centro da disputa epistemológica
moderna entre as formas de verdade científicas e não-científicas.
Essas tensões entre a ciência, de um lado, e do outro lado o que
não é dado como ciência, vieram a se tornar altamente visíveis. Sua
visibilidade assenta na invisibilidade de formas de conhecimento que
não se encaixam em nenhuma dessas modalidades. A isso, Santos
(2007, p. 72) se refere aos
“[...]conhecimentos populares, leigos, plebeus, camponeses ou
indígenas do outro lado da linha, que desaparecem como
conhecimentos relevantes ou comensuráveis por se encontrarem
para além do universo do verdadeiro e do falso. É inimaginável
aplicar-lhes não só a distinção científica entre verdadeiro e falso,
mas também as verdades inverificáveis da filosofia e da teologia,
que constituem o outro conhecimento aceitável deste lado da
linha. Do outro lado não conhecimento real; existem crenças,
opiniões, magia, idolatria, entendimentos intuitivos ou
subjetivos, que na melhor das hipóteses podem se tornar objeto
ou matéria-prima de investigações científicas. Assim, a linha
194
visível que separa a ciência de seus “outros” modernos está
assente na linha abissal invisível que separa, de um lado, ciência,
filosofia e teologia e, de outro, conhecimentos tornados
incomensuráveis e incompreensíveis por não obedecerem nem
aos critérios científicos de verdade nem aos critérios dos
conhecimentos reconhecidos como alternativos, da filosofia e da
teologia.”
O outro lado da linha é composto por inúmeras experiências
desperdiçadas, tornadas invisíveis, assim como os sujeitos dessas
experiências, e sem uma localização territorial fixa. Para Santos
(2007), existiu originalmente uma localização territorial, a qual
coincidiu historicamente com um território social específico: a zona
colonial. Tudo o que não pudesse ser categorizado como verdadeiro
ou falso, de legal ou ilegal, estava relativo a zona colonial.
No Brasil, é expressiva a necessidade de impor leis para a
introdução de um repertório representativo da pluralidade cultural no
currículo escolar. Assim, a descolonização do ensino pode também ser
entendida como a análise da “zona colonial” (não mais territorial e
sim metafórica) dos currículos, manuais e documentos da
educacionais.
Mignolo (2007) descreveu sobre a “opressão epistêmica”, e
Quijano (2005) desenvolveu o conceito de colonialidade àquilo que
de colonial permanece mesmo após a descolonização, àquilo que
transcende o colonialismo histórico, sendo a colonialidade o lado da
modernidade que ainda precisa ser melhor estudado e compreendido,
pois é responsável por manter as hierarquias em distintos setores
sociais, para além da hierarquia epistêmica, também uma hierarquia
estética, que “administra os sentidos e molda as sensibilidades ao
estabelecer as normas do belo e do sublime, do que é arte e do que
195
não é, do que será incluído e do que será excluído, do que será
premiado e do que será ignorado” (MIGNOLO, 2017, p.11).
Nesse sentido, a estética da sensibilidade é um enunciado
presente nos documentos da educação como uma forma de
manutenção de uma colonialidade epistêmica, e estética. A estética da
sensibilidade apontada no Parecer 15/98 está voltada para modulação
das subjetividades, ela está presente na educação colonial, num modo
de submeter os alunos aos moldes de conformação de como se portar,
o que gostar ou não, o que ser ou não, o que fazer ou não, como sentir
e o que sentir em determinado momento, ou seja, serve como um
regulador, moderador dos afetos e das paixões humanas não no
sentido de harmonizar o sentir e pensar como deveria ser. Em uma
educação colonizadora, à estética da sensibilidade cabe algo sutil e
muito valioso para a manutenção do status quo que é colonizar os
afetos e dar utilidade aos sentimentos, transformando-os em
competências que atendem o mercado.
Vem aumentando o número de trabalhos que denunciam as
lacunas presentes nos manuais escolares, em relação à falta de
pluralidade cultural em nome de ênfases nos conhecimentos de matriz
europeia, fruto de um modelo de ensino herdado de um passado
colonial que, por muito tempo, manteve assegurada a educação para
os colonos portugueses e seus descendentes. Independente da
independência de 1822, a permanência de uma zona colonial
continuou nas mais diversas esferas da vida.
Uma perspectiva decolonial de educação implica em
movimentos simultâneos de adição e de revisão de conteúdo, e não
meramente, e pouco produtiva, substituição de um referencial
cultural por outro.
Deste modo, considero que a perspectiva de uma educação
decolonial é congruente com alguns aspectos do pensamento de Paulo
196
Freire, embora o pedagogo nunca tenha se classificado como autor
decolonial, mas oosso dizer que uma pedagogia decolonial alinha-se à
concepção de pedagogia crítica de Freire, desenvolvida a partir de
1960. A valorização das memórias coletivas dos movimentos de
resistência e a busca de outras coordenadas epistemológicas são
características presente na perspectiva decolonial e também nos
trabalhos de Freire e também por Orlando Fals Borda. Não está sendo
sugerido aqui equivocadamente uma equivalência entre as teorias
freirianas e as teorias decoloniais. Tomamos essas últimas como
inspiração, levando em consideração que a educação popular, tão
defendida por Freire, chama a atenção para as potencialidades do saber
local e das vivências dos subalternos.
Quando Paulo Freire escreveu Cartas à Guiné-Bissau: Registros
de uma Experiência em Processo (1978), ele marca um trabalho de
construção de modelos e de políticas de alfabetização, principalmente
de adultos, naquele país, após um momento de independência (1976
a 1977). Por isso, que o tema colonização está presente de modo
explícito e muito usado nos textos de Freire. O autor enfatiza o desafio
deixado pela herança colonial no sistema geral do ensino do país, haja
vista o objetivo de “desafricanização” e a educação antidemocrática
que marcaram o regime (FREIRE,1978).
Para a superação dessa situação, Paulo Freire tinha como
proposta promover uma nova prática educativa, visando uma
transformação radical, pois o colonialismo como uma ideologia, não
poderia ser vencido por meio de escolhas “neutras”. Para Freire,
aquele momento histórico o poderia ser superado pelo caminho da
neutralidade, e sim com militantes engajados na construção de uma
outra realidade para o país.
Quando Paulo Freire relatou as ações desenvolvidas no país,
ele referenciou aos pensamentos de Frantz Fanon e Albert Memmi
197
em um ponto, e também menciona Aristides Pereira e Amílcar Cabral
em outro ponto, para reafirmar a necessidade de um movimento de
decolonização do pensamento, de decolonização das mentes (nas
palavras de Pereira) e de africanização das mentalidades (nas palavras
de Cabral) (FREIRE, 1978).
Esses esforços para se estabelecer outra realidade, chamada por
Paulo Freire de “esforço interestrutural” na educação, deve ser
empregue tanto no nível de infraestrutura quanto da ideologia.
Portanto, o questionamento das narrativas únicas é imprescindível.
Sobre isso, Freire (1978, p. 20) diz que:
Neste sentido, a reformulação dos programas de Geografia, de
História e de língua portuguesa, ao lado da substituição dos
textos de leitura, carregados de ideologia colonialista, era um
imperativo. Fazia-se necessário que os estudantes guineenses
estudassem, prioritariamente, sua geografia e não a de Portugal,
que estudassem seus braços de mar, seu clima e não o Rio Tejo.
Era preciso que os estudantes guineenses estudassem,
prioritariamente, sua história, a história de resistência de seu
povo ao invasor, a da luta por sua libertação que lhe devolveu o
direito de fazer sua história, e não a história dos reis de Portugal e
das intrigas da Corte. (FREIRE, 1978. p. 20)
Apesar do contexto ser bastante específico, ao qual Freire se
refere, a persistência de uma ideologia colonial nos currículos
brasileiros permite a reflexão de alguns pontos sobre a educação no
nosso território. É sabido que não se trata mais de uma busca por uma
“reconstrução do nacional”, como Freire mostrou necessário ser feito
em Guiné-Bissau. Porém passados praticamente 220 anos da data
oficial da Independência do Brasil, a narrativa colonial ainda
predomina nas escolas.
198
Além do mais, é possível apontar ainda a questão da
decolonização do pensamento. Ainda que implicitamente, em
Pedagogia do Oprimido (1975), o colonizado recebe o conceito de
oprimido, suscita-se a discussão sobre a invasão cultural, sobretudo a
respeito da composição curricular, indicativos de uma educação
colonizadora. Esse tópico sobre algumas considerações das críticas de
Paulo Freire em relação à educação tem o intuito de assinalar,
brevemente, parte dos contributos dos trabalhos deste autor para a
educação de viés decolonial, assim como ressaltar o caráter político
dessa concepção de ensino e currículo.
Oportunamente, citamos aqui bell hooks
24
(2017) que faz
uma ressalva a respeito dos aspectos de decolonização simbólica e
também a insistência de Freire na ideia de conscientização. Freire
sempre lembra os seus leitores que a conscientização nunca é um fim
em si mesmo, mas é sempre uma medida em que se soma a uma práxis
significativa, ou seja, é necessário saber que mudanças de atitudes, e
aqui evidencia-se mudanças de práticas educativas, configuram-se
num importante estágio inicial de transformação. O começo, e não o
fim, de um processo político decolonizador.
Consido um longo o caminho para se chegar a escolhas e a
práticas didático-pedagógicas que rompam com a hierarquia de
culturas impostas pelo colonialismo e perduram camufladas pela
colonialidade na esfera escolar. Esse caminho decolonial não é linear,
mas é recortado por relações de poder e a escola, o currículo, não estão
alheios a seus respectivos contextos sócios- históricos.
24
A autora prefere seu nome grafado em letras minúsculas. A justificativa é da própria autora
pois ela considera que o mais importante é a substância e não quem ela é. Para ela, nomes,
títulos, nada disso tem tanto valor quanto as ideias.
199
O currículo é o espaço onde se concentram e se desdobram as
lutas em torno dos diferentes significados sobre o social e sobre
o político. É por meio do currículo, concebido como elemento
discursivo da política educacional, que os diferentes grupos
sociais, especialmente os dominantes, expressam sua visão de
mundo, seu projeto social, sua verdade. (SILVA, 2001, p. 11).
Falar sobre opções decoloniais para o contexto escolar está
longe de concordar com uma mínima e insatisfatória concessão de
espaço nos currículos, pois preconizam uma mudança substancial,
que desconstrói o currículo turístico, que é caracterizado pela
associação das minorias a um lugar e papel marginal, estereotipado de
rememoração e esporádico, exemplo disso são as poucas celebrações
pontuais e superficiais do “dia do índio”, sem dar espaço para uma
articulação do saber e da autoria indígena à totalidade do calendário
escolar. Outro exemplo, é que no lugar da hegemonia das narrativas
europeias sobre escravidão houvesse a articulação de histórias de
resistência negra.
É preciso decolonizar a educação brasileira. E quando se fala
em educação, não significa apenas a educação instrumentalizada do
ensino e a transmissão de saberes, dos espaços escolarizados. Como
disse Paulo Freire, a pedagogia é compreendida como uma
metodologia essencial dentro e para as buscas sociais, políticas,
ontológicas e epistêmicas da libertação.
As lutas sociais também são cenários pedagógicos onde os
participantes exercitam suas pedagogias de aprendizagem,
desaprendizagem, reaprendizagem, reflexão e ação. É preciso
reconhecer que as ações dirigidas para mudar a ordem do poder
colonial, muitas vezes começam da identificação e o reconhecimento
de um problema e formar oposição à condição de dominação e
opressão. A organização para a intervenção com o objetivo de
200
suplantar a situação atual de colonialidade é uma educação
decolonial.
Walsh (2013) inicia seu livro Pedagogías decoloniales: prácticas
insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir mostrando a luta para uma
pedagogia decolonial. O interesse da autora é para com as práticas
que abrem outros caminhos e condições de pensamento,
levantando e construindo práticas pedagógicas que fazem questionar
e desafiar o fundamento lógico e único da modernidade ocidental e o
poder colonial ainda presente, com a finalidade de desligar-se dele.
A pedagogia decolonial é composta por pedagogias que
encorajam o pensamento a partir de genealogias, racionalidades,
conhecimento de diferentes práticas e sistemas civilizacionais e vivos.
Pedagogias que encorajam possibilidades de ser, sentir, existir, fazer,
pensar olhar, ouvir, e narrar diferentes formas de conhecer, voltadas
para processos e projetos de caráter, horizonte e intenção decolonial.
Para que essa proposta de educação possa se efetivar é necessária
uma realização coletiva, que levante reflexões e ensinamentos sobre a
própria situação/condição colonial e o projeto inacabado de
descolonização ou decolonização, enquanto chama a atenção para o
político, epistêmico, existencial que luta para transformar os padrões
de poder e princípios sobre os quais o conhecimento, a humanidade
e a própria existência foram circunscritas. Pedagogias, nesse sentido,
são práticas, estratégias e metodologias que estão entrelaçadas e
construídas na resistência, na oposição, na insurgência, e afirmação
de reexistência e re-humanização.
Essa compreensão de pedagogia está aliada com aqueles
entendimentos da chamada pedagogia crítica, iniciada por Freire na
década de 1960 e adotado por diversos educadores populares e
intelectuais-ativistas em todo o mundo até a década de 1990, quando
começou seu declínio antes do surgimento do projeto neoliberal e
201
como consequência disso, na América Latina como um todo, houve
declínio de um agenciamento e projetos de posição política de
esquerda, e cresceu o conservadorismo nas universidades, incluindo as
ciências sociais e humanas, e a prevalência da hegemonia de raíz
europeia e norte-americana na instituição educacional.
O trabalho de Walsh (2013) se propõe a perguntar o que
implica pensar o decolonial pedagogicamente e o pedagógico
decolonialmente, e como – com quais propósitos e perspectivas seu
caminho está sendo traçado.
Zapata, junto con Freire y Fanon y cada uno de su manera, nos dan
pautas para ir tejiendo pedagogías como prácticas accionales y
metodologías imprescindibles para el aprendizaje, desaprendizaje y
reaprendizaje necesarios en encaminar el de(s)colonizar. De esta
manera, hacen desplazar lo pedagógico de los discursos tradicionales
de la educación y los procesos escolarizados, mostrando en su
pensamiento y su propio quehacer cómo las luchas sociales también
son escenarios pedagógicos.
25
(WALSH, 2013, p. 62)
Paulo Freire, provavelmente, mais do que qualquer outro
autor do século XX, deu as bases para se pensar numa pedagogia
política. Para o autor, ler o mundo deveria ser de modo crítico, pois
é um fazer político-pedagógico, que é indissociável do pedagógico-
político, ou seja, as ações políticas envolvendo a organização de grupos
e classes populares que intervenham na reinvenção da sociedade.
25
Zapata, junto com Freire e Fanon e cada um a seu modo, nos dá diretrizes para tecer
gradativamente as pedagogias como práticas de ão e metodologias essenciais para a
aprendizagem, desaprendizagem e reaprendizagem necessárias para direcionar a colonização.
Desse modo, deslocam o pedagógico dos discursos tradicionais dos processos de educação e
escolarização, mostrando em seu pensamento e em seu próprio trabalho como as lutas sociais
são também cenários pedagógicos.
202
O autor pontou que a intervenção é oposta a adaptação,
portanto, acomodar é simplesmente se adaptar a uma realidade sem
questioná-la. A intervenção, por sua vez, implica necessariamente que
se conheça e se assuma o caráter político. Nas palavras de Freire
(2003), é substancialmente político e apenas adjetivamente
pedagógico, portanto, o ato de educar e educar-se são atos políticos.
Não prática social mais política do que a prática educacional. Na
verdade, a educação pode esconder a realidade da dominação e da
alienação, ou pode fazer o contrário, denunciá-los, anunciar outros
caminhos, tornando-se uma ferramenta emancipatória. (FREIRE,
2003).
A preocupação central de Freire era para com as condições
existenciais e vividas pelas classes pobres e excluídas, ou seja, com os
oprimidos e com a ordem injusta que engendra a violência dos
opressores, que desumaniza os oprimidos. Isso implicou na prática
amplamente nos círculos de educação popular concentrando na
análise político-social com os próprios oprimidos sobre suas
condições de vida, como um modo de alcançar a consciência
individual e coletiva, tão cara para a transformação.
Portanto, foi a problemática da opressão, dominação, margi-
nalização e subordinação internalizada e estrutural-institucional
que levou Freire ao desenvolvimento de sua posição crítica a
educação. O projeto de Freire então era: traçar percursos metodoló-
gicos e análises destinadas a reconhecer esta realidade/condição e para
a conscientização, politização, libertação e transformação humana.
Em Pedagogia da Indignação, Freire (2000) escreve sobre os
oprimidos e a consciência da classe oprimida, para a consciência do
homem e da mulher oprimidos, da humanização e da desumanização,
e para a relação opressor-oprimido, colonizador-colonizado,
colonialismo e (não) existência, além disso, Freire também atenção
203
ao problema do projeto neoliberal. Numa autocrítica de Freire, ele
demonstra a práxis crítica, não como algo fixo, identificável e
específico, mas como uma prática contínua e um processo de reflexão,
ação, reflexão.
É interessante salientar aqui que além de Freire, também a
contribuição do pensamento de Fanon à pedagogia ao vincular o
ontológico-existencial do sujeito racializado no âmbito da descoloni-
zação, (des)humanização e revolução social, como veremos a seguir.
Enquanto para Freire o ponto de partida a questão da
emancipação do oprimido por meio do pedagógico, para Fanon foi o
problema da luta anticolonial contra o racismo e a racialização, que
estão interligados. Ambos autores atribuem um significado prático e
concreto às lutas de descolonização, libertação e humanização. A
descolonização simplesmente uma postura política, mas é um processo
gradual no qual (re)aprendemos a ser sujeitos novos, com outra
perspectiva da nossa própria história. Fanon forneceu a espinha dorsal
para pensar pedagogicamente sobre a humanização e de(s)coloniza-
ção
26
como existência-vida. Para Fanon, humanização é o eixo
central do processo de decolonização e de libertação, e a
decolonização é uma forma de (des)aprender a aprendizagem:
desaprender tudo que foi imposto e assumido pela colonização e
desumanização para reaprender a ser sujeitos.
Desse modo, o ativista e o professor, tem a responsabilidade
de assistir e participar ativamente do “despertar”, abrir mentes,
conscientizar as massas. É a partir dos processos de (des)aprendiza-
gem, invenção, interação e ação que é possível traçar na perspectiva e
proposta pedagógica de Fanon, o que Maldonado-Torres (2005)
chama de sua “posição pedagógico socrático”. Para Fanon, mudança
26
Fanon utilizada o termo descolonização
204
ou transformação social, incluindo a restauração da humanidade, tem
que ser trazido pelos próprios colonizados.
Para Wynter (2009), “o princípio sociogênico” introduzido
por Fanon pode ser entendido como uma “nova ciência” que produz
não apenas uma ruptura epistêmica para os fins das ciências naturais e
suas interpretações acerca da identidade humana, mas também um
salto ao introduzir a invenção da existência. Fanon diz: “devo recordar
em todo momento que o verdadeiro salto consiste em introduzir a
invenção na existência” (2009, p. 189). A invenção é compreendida
como criação, sendo a capacidade de criação a parte ativa do ser, parte
da prática da liberdade e de criar, inventar e viver com os outros.
Maldonado-Torres indica que com a sociogenia Fanon tenta
explicitar a conexão entre subjetivo e objetivo, por exemplo: por um
lado, os complexos de inferência dos povos negros e colonizados e, de
outro, a estrutura particularmente opressora da sociedade colonial. A
sociogênese torna-se uma ciência para a humanidade, um tipo de
pedagogia, cuja função não é “educar” da maneira tradicional, mas
para facilitar a autolibertação negra, agindo contra as estruturadas de
opressão e aquelas que negam seu peso ontológico.
Reagindo contra a tendência constitucionalista em psicologia do
fim do século XIX, Freud, através da psicanálise, exigiu que fosse
levado em consideração o fator individual. Ele substituiu a tese
filogenética pela perspectiva ontogenética. Veremos que a
alienação do negro não é uma questão individual. Ao lado da
filogenia e da ontogenia, há a sociogenia. De certo modo, para
responder à exigência de Leconte e Damey, digamos que o que
pretendemos aqui é estabelecer um sociodiagnóstico. (FANON,
2008, p. 28).
Portanto, para se pensar uma educação decolonial ou para
decolonizar a educação, é preciso também estudar tanto as formas de
205
ser humano quanto os processos de humanização, desumanização e
reumanização em contextos coloniais. Ao avançar uma “atitude
decolonizadora” e um “humanismo decolonizador”, Fanon faz da
sociogenia uma espécie de pedagogia decolonial orientada para a
nomeação, visibilidade e compreensão do problema, como realidade-
estrutural e psicoexistencial racial/colonial e para ão transformadora
deste problema- realidade. Aqui, a ligação entre o pedagógico e o
decolonial fica evidenciado.
Para Walsh (2017), a diferença entre Freire e Fanon, não é
por si só comensurável, pois para a autora, eles são reflexo de lugares
distintos, são diferentes enunciações, e as formas de se conceber e
posicionar estrategicamente o saber, como também nas suas formas
de engendrar e realizar a pedagogização. Portanto, ambos autores,
Freire e Fanon, ajudam a entender que não existe uma maneira única
de vincular pedagogia, decolonização e humanização, mas sim várias
formas, estratégicas e práticas como Walsh se s a mostrar.
Walsh(2017) apontou uma questão interessante sobre o
pensamento de Freire se comparado ao de Fanon, ao comentar esse
trecho de Freire (2006, p.33):
Uma das características fundamentais do processo de dominação
colonialista ou de classe, sexo, tudo misturado, é a necessidade
que tem o dominante para invadir culturalmente o dominado
[...] O que na invasão cultural é pretendida, entre outras coisas,
é exatamente a destruição, que felizmente não é alcançada em
termos concretos. É fundamental para o dominador, esmagar a
identidade cultural do dominado.
Freire deu ênfase sobre a dominação colonial na esfera da
identidade cultural, com isso ficou menos evidente em suas obras a
questão ontológica-existencial-racial e, ao mesmo tempo, a forma
206
como a ideia de “raça”, bem como de “gênero”, têm sido instru-
mentos centrais na colonialidade do poder.
Para Walsh (2017), o trabalho a ser feito não é para descons-
truir identidades culturais, ou destruí-las, como se a dominação
colonial pudesse ser resolvida no campo cultural. Mas sim, é atacar as
condições existencial-ontológicas de racialização e gênero, influenciar
e intervir, interromper, transgredir, desencaixotá-los e transformá-los
de forma que supere ou desfaça as categorias identidade colonial e
imposta de fato que foram submetidas à classificação e inferiori-
dade: o “negro” pela epidermização, o “índio” por sua condição
étnico-racial-primitiva- original e a mulher “negra” ou “índia” sofre
pelas mesmas condições, porém duplamente por ser “mulher”.
No ponto de vista da Walsh (2013) o pedagógico e o
decolonial estão associados, passando pela conceituação, construção e
práxis das pedagogias denotadas “críticas” a serem concebidas,
construídas e denominadas mais radicalmente como decolonial.
Como foi muito bem analisado pela autora, há uma diferença entre o
pensamento de Fanon e de Freire sobre a forma como ambos pensam
na opressão e nomeiam o sujeito/objeto desta opressão. Embora o
conceito de Freire pareça se aproximar do damné
27
de Fanon, o lugar
de onde eles pensam os conceitos não são os mesmos.
Este libro parte de esta pugna. Su interés es con las prácticas que
abren caminos y condiciones radicalmente “otros” de pensamiento,
re- e in- surgimiento, levantamiento y edificación, prácticas
entendidas pedagógicamente prácticas como pedagogíasque a la
vez, hacen cuestionar y desafiar la razón única de la modernidad
occidental y el poder colonial aún presente, desenganchándose de ella.
Pedagogías que animan el pensar desde y con genealogías,
27
Termo de Les Damnés de la Terre, (1961), traduzido como “Os Condenados da Terra”
(1979).
207
racionalidades, conocimientos, prácticas y sistemas civilizatorios y de
vivir distintos. Pedagogías que incitan posibilidades de estar, ser,
sentir, existir, hacer, pensar, mirar, escuchar y saber de otro modo,
pedagogías enrumbadas hacia y ancladas en procesos y proyectos de
carácter, horizonte e intento decolonial
28
(WALSH, 2013 p. 28)
A opressão citada por Freire, como a própria condição de
oprimidos são postulados a partir do quadro marxista de dominação.
Colonização externa e interna são parte da dominação, mas não é seu
fundamento ou ponto de parida. Para Fanon, por outro lado, é a
colonização, na verdade a matriz colonial do poder e sua ferida, que
dão especificidade ao contexto e à condição de opressão e danos.
Embora o capitalismo também seja o eixo organizador da
colonização, sua eliminação ou transformação propriamente não
enfatiza ou confronta a racialização nem a generalização, nem
compreende como as ideias de raça e gênero denunciam a existência
da colonialidade do poder, do conhecimento e do ser e da própria
existência.
O multiculturalismo é uma evidência política social, mas que
nas sociedades contemporâneas neoliberais adquirem um caráter
meramente descritivo, legitimador do monoculturalismo, da cultura
e ideologia das classes dominantes, que, por meio da globalização
hegemônica, dissemina, a ideologia capitalista de obtenção de lucro a
28
Este livro começa com essa luta. Interessa-se por práticas que abram radicalmente “outros”
caminhos e condições de pensamento, reemergência e emergência, elevação e edificação,
práticas entendidas pedagogicamente práticas como pedagogiasque, ao mesmo tempo,
questionam e desafiam a razão única. da
modernidade ocidental e do
poder
colonial ainda
presentes, desligando-se dela.
Pedagogias
que estimulam o
pensar
a partir e com genealogias,
racionalidades, saberes, práticas e sistemas civilizatórios e diferentes vivências. Pedagogias que
incitam possibilidades de ser, ser, sentir, existir, fazer, pensar, olhar, ouvir e conhecer de outra
forma, pedagogias voltadas e ancoradas em processos e projetos de caráter, horizonte e
intenção decolonial
208
qualquer custo, o que impede uma visão multicultural emancipatória.
É notável que o termo “multiculturalismo” adquiriu diversas concep-
ções nos meios acadêmicos.
O multiculturalismo aqui defendido é aquele que pressupõe a
igualdade entre os seres humanos, em que nenhuma cultura se
sobrepõe a outra, porém todas devem, apesar dos conflitos, conviver e
manifestar-se nas suas diferenças, garantindo a identidade própria de
cada cultura, sua diversidade cultural e o reconhecimento das
minorias. O multiculturalismo aqui adotado é o crítico, advindo de
movimentos e lutas sociais e de representações de gênero, raça e classe.
Walsh (2007) alerta, com o qual concordamos, que muitas
políticas educacionais fazem uso dos termos multiculturalismo e
interculturalidade de maneira agregadora e submissa ao padrão
epistêmico colonial, mantendo a hegemonia europeia. A autora
propõe o entendimento da interculturalidade crítica como funda-
mento de uma pedagogia decolonial:
A interculturalidade crítica (...) é uma construção de e a partir
das pessoas que sofreram uma experiência histórica de submissão
e subalternização. Uma proposta e um projeto político que
também poderia expandir-se e abarcar uma aliança com pessoas
que também buscam construir alternativas à globalização
neoliberal e à racionalidade ocidental, e que lutam tanto pela
transformação social como pela criação de condições de poder,
saber e ser muito diferentes. Pensada desta maneira, a
interculturalidade crítica não é um processo ou projeto étnico,
nem um projeto da diferença em si (...), é um projeto de
existência, de vida (WALSH, 2007, p. 8).
Portanto, não se pode reduzir o termo interculturalidade ao
modismo que denota o contato entre o ocidente e as demais
civilizações. O termo interculturalidade representa uma concepção
209
contrária à geopolítica hegemônica monorracial e monocultural do
conhecimento, e impele à transformação e ao enfrentamento das
estruturas que praticam e estabelecem em suas relações sociais a lógica
epistêmica eurocêntrica, promovendo, assim, a manutenção da
colonialidade do poder.
É necessário transgredir à matriz colonial do poder e do saber
que estão na base do sistema capitalista para que se solidifique a
interculturalidade crítica. Isso acarreta uma concepção de outras
premissas de saber, poder e ser que abram horizontes para um cenário
de convivência entre as complementaridades das diferenças. Walsh
(2009) aborda que o termo interculturalidade tem sido apropriado e
usado pelos neoliberais como sinônimo de inclusão e de acesso a
direitos, mas que tem por objetivo ocultar seus interesses
hegemônicos. A apropriação do termo por parte do mercado e do
Estado visa manter sob controle os grupos oprimidos e anular suas
insurgências contra o padrão neoliberal e contra a exploração.
Ainda espaços, brechas para resistência e esperança para
transformar essa realidade, e a estética da sensibilidade poderia ser um
dos pontos centrais para isso. Paulo Freire (1996), em Pedagogia da
Autonomia, aponta uma formação ética e estética. Edina Castro de
Oliveira, ao apresentar essa obra de Paulo Freire no prefácio, diz:
[...] impossível não ressaltar a beleza produzida e traduzida nesta
obra. A sensibilidade com que Freire problematiza e toca o
educador aponta para a dimensão estética de sua prática que, por
isso mesmo pode ser movida pelo desejo e vivida com alegria,
sem abrir mão do sonho, do rigor, da seriedade e da simplicidade
inerente ao saber-da-competência. (FREIRE, 1996, prefácio).
210
Freire (1996, p.13) ressalta que a ética e a estética são pilares
de uma educação, como ele mesmo escreve “decência e boniteza de
mãos dadas”.
Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de
um lado, do exercício da criticidade que implica a promoção da
curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica, e do outro,
sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da
afetividade, da intuição ou adivinhação. Conhecer não é, de fato,
adivinhar, mas tem algo que ver, de vez em quando, com
adivinhar, com intuir. O importante, não resta dúvida, é não
pararmos satisfeitos ao nível das intuições, mas submetê-las à
análise metodicamente rigorosa de nossa curiosidade
epistemológica* (FREIRE, 1996, p. 20 destaque do autor)
E o autor acrescenta na nota de roda pé, comentando sobre a
curiosidade epistemológica que “não é possível também formação
docente indiferente à boniteza e à decência que estar no mundo, com
o mundo e com os outros, substantivamente, exige de nós. Não há
prática docente verdadeira que não seja ela mesma um ensaio estético
e ético, permita-se-me a repetição.”.
A estética da qual Paulo Freire se refere é análoga a estética da
sensibilidade da arte de harmonizar o sentir e o pensar. É coerente com
o conceito da Filosofia, relaciona-se também com o sentipensar e com
o corazonar, uma vez que ele entende que a dimensão estética e do
conhecimento são complementares e indissociáveis numa educação
formativa. Para Freire (1996), uma educação que prioriza um
treinamento técnico é amesquinhar o que o caráter formador do
processo educativo.
É por isso que transformar a experiência em puro treinamento
técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano
211
no exercício educativo: o seu caráter formador. Se se respeita a
natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-
se alheio à formação moral do educando. Educar é
substantivamente formar. (FREIRE, 1996, p. 16).
Diante disso, afirmo o quão distante a estética da
sensibilidade definida no Parecer CEB 15/98, está dos pressupostos
filosóficos da estética, e também de uma educação formativa, de fato.
Uma estética da sensibilidade que atue para que o aluno esteja
adaptado às exigências da sociedade, em termos das inovações
tecnológicas, em competências para o mercado de trabalho, sensíveis
às demandas do trabalho, de fato não tem nada a ver com uma estética
de ser/fazer do processo educativo.
Concluo este capítulo pensando nos principais pontos na
educação que precisam ser averiguados para uma educação cada vez
menos colonizadora e gradativamente mais reflexiva e decolonial. As
questões da interculturalidade, racialidade, gênero e outras questões
relevantes para os estudos em educação, porém, neste trabalho
buscamos problematizar a estética da sensibilidade que se apresenta
substancial no processo formativo. Não há o que justifique usar o
conceito de estética da sensibilidade e colocá-lo sob o domínio do
trabalho assalariado, sem reivindicarmos que seja, muito antes disso,
uma estética da educação, ou seja, um educar estético. Freire, Fanon,
Walsh, Fals-Borda, Arias, contribuíram nesse capítulo para guiar
as reflexões do fazer-pensar com o coração, se isso nos foi tirado, se
aprendemos que a razão se sobrepõe ao sentimento, também
entendemos que educar sem sentir é apenas treinar (nas palavras de
Freire). Uma educação desatenta à estética também é uma educação
que prioriza o conteúdo e menospreza a relação humana.
212
Divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a ciência é uma forma
altamente negativa e perigosa de pensar errado. De testemunhar
aos alunos, às vezes com ares de quem possui a verdade, rotundo
desacerto. Pensar certo, pelo contrário, demanda profundidade e
não superficialidade compreensão e na interpretação dos fatos.
Supõe a disponibilidade à revisão dos achados, reconhece não
apenas a possibilidade de mudar de opção, de apreciação, mas o
direito de fazê-la. Mas como não há pensar certo à margem de
princípios éticos, se mudar é uma possibilidade e um direito,
cabe a quem muda exige o pensar certo que assuma a
mudança operada. Do ponto de vista do pensar certo não é
possível mudar e fazer de conta que não mudou. É que todo
pensar certo é radicalmente coerente. (FREIRE, 1996, p.16).
Para nós só há uma saída, para não divinizar ou diabolizar a
ciência, a tecnologia, a racionalidade, é ter a estética da sensibilidade
na educação. E qual estética da sensibilidade? A arte de harmonizar o
sentir e o pensar.
213
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Educação Indígena
Ainda pequeno na aldeia
Na vivência com os irmãos,
Plantar macaxeira, tirar lenha,
Comer peixe com pirão,
É ensino, é educação.
Ir pra beira tomar banho,
Pegar cará e mandí,
Ver o sol se esconder
E esperar a lua se vestir,
Se vem cheia é alegria
Coisa boa vem por aí,
E com sua luz toda aldeia,
Vai cantar, dançar, se divertir.
Aprender a colher o tento na mata,
Fazer cocar de miriti,
A juntar as penas que vem das aves,
Seguindo as orientações de Waimí.
É da floresta que vem
A palha que a Uka vai cobrir,
Tecer nelas nossas memórias
Na folha de urucarí.
Na aldeia é assim a educação
Que desde séculos aprendi,
Conviver com a natureza
Sem agredir, nem exaurir,
214
Se hoje no século XXI
Tens a mata e a biodiversidade,
Nesse verde eu cresci
E conheci sua bondade,
Partilhar água e sombra,
Sem ver nisso tanta maldade.
Mas logo veio o “outro”,
E mostrou-me com sua maldade,
A importância da escrita
E vi nela uma necessidade,
Fui estudar na escola do branco
Para entender sua realidade.
Compreendi que a cultura é um rio
Corre manso para os braços do mar,
Assim não existem fronteiras
Para aprender, lutar e caminhar.
Hoje estamos nas Universidades,
Levamos junto nosso lugar,
A construção do conhecimento é uma teia,
Que liga a tua cidade com minha aldeia.
Sendo que minha identidade se constrói
Nas peculiaridades que em mim permeia,
Minha casa na cidade é também a minha aldeia,
Não perdemos nossa essência,
Somos o fino grão de areia!
Poema de Márcia Wayna Kambeba
29
29
Poema de Márcia Wayna Kambeba (Etnia Omágua Kambeba - Amazônia), disponível
em:
https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/553433/5/Poema%20Educa%C3%A7%C3
%A3o%20Ind%C3%A Dgena.pdf
215
Abordei sobre a estética da sensibilidade, inscrita no Parecer
CNE/CEB 15/98, após a reforma educacional dos anos 1990, e
apontei que esse fundamento educacional não tem uma definição
categórica. À estética da sensibilidade ficou a incumbência de ser leve,
do flexível, que modula as subjetividades para uma vida adaptada ao
contemporâneo: veloz, flexível, qualificado, empreendedor. Foi
possível observar que esse fundamento é mais uma das estratégias para
que a educação se submeta às leis de mercado, e, portanto, se na
obrigação de aprimorar os alunos para um mundo tecnológico e
inovador que incide sob as subjetividades e essas devem ser
compatíveis ao contemporâneo.
Nesse sentido, a estética da sensibilidade se distancia
totalmente das suas raízes etimológica e semântica, a partir da própria
generalização do estético na sociedade de consumo e do capitalismo
estético. Tudo ficou estético, portanto, nada é estético. Retomei os
filósofos Baumgarten, Kant e Schiller que trataram sobre a estética, e
a partir do diálogo das ideias desses pensadores e cheguei a uma
potencial definição, ou seja, uma definição mais coerente do que vem
a ser a estética da sensibilidade. Esse princípio seria, então, a arte de
harmonizar o sentir e o pensar, sendo a estética uma catalizadora
dessas duas instâncias, da razão e do sentir.
Mas onde poderia haver isso numa educação que foi erigida
sob preceitos cartesianos e positivistas, na qual a razão se sobrepõe ao
sensível, a epistemologia está no topo da estética? Deparei-me com a
necessidade de procurar linhas de fuga, rupturas para um pensamento
distinto, para respostas que não aceitem ou não se conformem com a
condição do mundo e da educação atual. A teoria decolonial vem
como bálsamo para as feridas abertas desde o colonialismo, e permite
que se olhe para a realidade atual pelas lentes do passado, para que
216
seja visto todo processo histórico que provocou violência cultural,
física, epistêmica e subjetiva.
Ao analisar uma educação decolonial, percebi que é apenas sob
essa perspectiva filosófica que a estética da sensibilidade seria possível
em sua proximidade etimológica. Na educação decolonial, ou ainda,
na pedagogia decolonial, é basilar a estética da sensibilidade, a
harmonização entre a razão e o sensível, o sentipensar e/ou corazonar.
Kusch apontava que nós, latino-americanos, não somos
europeus e também não somos povos nativos, ficamos nesse entre
meio sem uma identidade. E é nesse sentido que o movimento
decolonial está imbricado, em formar a nossa antropologia-filosófica,
buscar características e valores dos ameríndios, povos autóctones,
aqueles que resistiram e ainda resistem à violenta dominão do saber,
sentir, pensar. No pensamento do campesino, popular, do indígena, e
demais colonizados havia um modo de ser/estar, que não estava
cindido como aprendemos.
O “estar sem mais”, como se reporta Kusch, diz muito acerca
da harmonia do sentir e pensar, é um estar estético (em minhas
palavras) dizer, porque é um estar presente, um estar sentido e
sentindo, no significado de sentir das sensações físicas e emocionais.
Um estar desvinculado do dever do ser. Esse estar, que ousamos dizer
“estar estético”, é a possibilidade de o ser humano lidar com seus
medos diante dos fenômenos naturais, do ciclo da vida, porém ao
mesmo tempo compreender o pensamento seminal: nasce, cresce,
morre, e renasce, e assim num ciclo sem fim. Na aceitação desse ciclo,
desse estar, há também o pensamento, porém de um modo de
completude, há uma racionalidade sensível e um sentipensante.
para nós que temos uma enorme influência do pensamento
ocidental, europeu, herdamos o conflito entre esse sentir e pensar, ao
passo que aprendemos a dominar a natureza não apenas no sentido
217
dos desafios de construir instrumentos para isso como, por exemplo,
o avião, que desafia a gravidade e vai aos céus, nós nos educamos para
driblar também os ciclos. O nascer, viver e morrer está vinculado com
o poder médico, geralmente nascemos em um hospital e morremos lá
também, porque a ciência controla o nascimento e a morte,
aumentando nossa expectativa de vida.
Controlamos a condição climática, com ar condicionados e
depois artefatos que não usam recursos energéticos renováveis,
destruímos as matas, com isso há o aquecimento global num ciclo
retroalimentado. Buscamos controlar tudo, a ciência nos capacitou
para alcançar o inalcançável, e hoje não conseguimos pensar como era
possível viver sem essa previsibilidade, controle, dispositivos.
Esse momento não é para tecermos infindáveis críticas ao
modelo científico, é válido ressaltar que a ciência nos trouxe inúmeros
benefícios, como por exemplo a própria expectativa de vida com os
avanços da medicina, dentre outras inúmeras contribuições. Não se
trata de um duelo entre a ciência e os saberes dos nativos. A questão
principal é que a colonização não permitiu a coexistência e a
interculturalidade. A colonização e, por conseguinte, todo arsenal do
pensamento da modernidade prevaleceu sobre os saberes dos povos
ameríndios.
Os povos que existiam aqui foram em sua maioria
aniquilados, tratados como “sem almas”, desprezados e silenciados,
mas o movimento decolonial, que tem se fortalecido cada vez mais,
vem como resistência a qualquer forma de dominação do poder
hegemônico e colonizador. Uma forma de resistir é aprender com os
que foram e são colonizados, oprimidos, subalternizados por meio da
interculturalidade, uma interculturalidade crítica. A educação, ou
ainda, a pedagogia decolonial se mostra um caminho profícuo para
que as futuras gerações não sofram as interferências de um modelo uni-
218
versal (única versão), padronizante, homogeneizante. A pedagogia
decolonial não almeja se sobrepor aos outros modelos, porém não
aceitamos que haja um modelo único modelo válido de se viver, de
se produzir saberes, ciência, experiências, afetos, etc, e muito menos
um modelo de dominação, de colonização.
Parece-nos que pleitear por uma estética da sensibilidade na
educação atual já seria uma transgressão, pois seria incorporar
elementos das culturas colonizadas para dentro da escola, uma vez que
a estética da sensibilidade é análoga ao sentipensar e ao corazonar.
Talvez essa visão decolonial de harmonizar o pensar e o sentir, a razão
e a emoção, só poderia adentrar os muros da escola por meio do
preparo de uma formação insurgente de professores. Essa é uma das
reflexões que ficará para posteriores trabalhos.
219
SFACIO
Não sei o momento em que você está iniciando a leitura deste
posfácio: se antes de começar a leitura do livro (que não recomendo)
ou depois de já tê-lo apreciado. De todo modo, temos um presente
em mãos. Como tive a oportunidade e o privilégio de caminhar na
construção e no desenvolvimento da pesquisa que gerou a tese, texto
inicial desta publicação, sinto-me desafiado a dizer algo diferente, sem
querer ser inovador e nem repetitivo.
Este livro, como uma semente plantada, bem cultivada e que
gerou um bom fruto, tem lugar garantido no debate a que se propôs
realizar, pois trouxe uma mirada profunda que pode contribuir para
questões que nem sempre são tratadas ou levadas em consideração no
campo da educação. Se você foi obediente e atendeu a minha
recomendação e o leu antes, seja no seu todo ou partes dele, aprendeu
que as bases que constituem a educação contemporânea são
insuficientes para enfrentarmos os desafios e os problemas que eso
presentes no ambiente escolar, preponderantemente na sala aula e,
sobretudo, na aula. Quando enfatizo o momento áulico, é porque ali
vive-se situações que tocam profundamente as vidas dos alunos, das
alunas, dos professores e das professoras.
Se você quiser melhor aproveitar e fazer um bom uso do
conteúdo deste livro, fuja das atitudes costumeiras, que alimentam o
mundo acadêmico, muitas vezes marcadas por repetições do já dito,
com excertos usados aqui e acolá, apenas para dar um caráter erudito
às suas reflexões, escritas e/ou faladas. Como se viu, sua leitura pede
muito mais do que isso.
220
Voltando ao tema da aula, vivência central da ação
pedagógica, sugiro que ampliemos a compreensão do seu significado.
Classicamente, o termo “aula” denomina a lição que cada o professor
ou a professora dá aos seus alunos ou às suas alunas. Tão relacionado
entre nós à “escola”, ele tem, entre as definições dadas em dicionários,
a de “preleção sobre determinada área do conhecimento” (Houaiss),
“lição ou exercício ministrado pelo professor num determinado
espaço de tempo”, “explanação proferida por professor ou por
autoridade competente perante um grupo de alunos” (Aurélio). Esse
sentido, aparentemente tão natural, pode levar-nos ao erro se
pretendemos aplicá-lo à origem da palavra. De fato, “aula”, no
contexto grego que dá origem ao termo, é todo espaço ao ar livre (au,
donde o empréstimo latino aula). Esse sentido original e expandido
carrega a ideia de um lugar em que se pode construir e estabelecer
uma situação de permanência em direção a uma vida comum, a um
bem viver juntos, onde pulsa sentimentos, pensares e emoções, enfim,
uma experiência estética que pode bem dialogar com outras esferas de
ações humanas, como a ética e a epistemologia.
Então, ao ter lido este livro, e principalmente àqueles e àquelas
que estão diretamente envolvidos (pois é disso que se trata, isto é, de
envolvimento) com a educação, em continuidade, a proposta é buscar
o humano e dispor-se a realizar uma viagem, que vai desde a
exterioridade das experiências cotidianas (nas aulas, por exemplo) ao
interior e profundo de nossa participação em uma cultura e nas
relações que estabelecemos com mundo.
Como que dialogando com a antropologia sem ser
antropocêntrica, as ideias que compuseram o texto promovem uma
abertura ao outro e, em um movimento sensível, nos convida a um
diálogo intercultural, sem antes instigar-nos a uma atitude decolonial,
que reconheça a pluralidade e a diversidade que move a vida.
221
A sociedade contemporânea quer ser eficiente, porém não
entende que esta busca pelo eficientismo, muito presente nas políticas
e práticas educacionais, trai as rugosidades simbólicas que compõem
o universo humano e não humano. O desafio está na possibilidade de
replantear o problema do pensamento, mas agora a partir de um
diálogo como o que geralmente é considerado o subsolo mesmo da
nossa sociedade, o mundo sensível. Essa parece ser a tarefa de uma
pedagogia sentipensante, que significa pensar com os que
encontramos e que vivem ao nosso lado. Imagina o educador e a
educadora incluir essa postura em sua prática durante o seu exercício
áulico, segundo os termos redefinidos acima!
Quando somos professores ou professoras em uma
instituição, precisamos atender às diretrizes, geralmente pensadas e
concebidas algures, ou seja, temos que nos reger dentro de um
programa e um marco determinado. Os livros didáticos publicados
anos a ano para as diferentes matérias ou os conteúdos a serem
trabalhados nem sempre condizem com o projeto da realidade
daquela escola ou com a proposta do grupo que a frequenta. Assim,
dar uma aula baseada no que foi escrito em outro contexto, sem levar
em consideração as necessidades e interesses de nossos alunos e nossas
alunas pode ser uma decisão totalmente contra o aprendizado que o
presente livro parece querer construir ou propor. Você que acabou de
-lo, pode nos dizer se o caminho é por aí.
Enfim, o diálogo proposto entre sentir e pensar na educação,
no sentido de gerar uma abordagem mais integradora e superar a
dicotomia entre razão e emoção na prática educacional, não é somente
uma contribuição original, mas a semeadura de um novo olhar a para
vida mesma. É buscar e encontrar uma outra ordem e um outro
equilíbrio que assegure o prazer de estar e de compartilhar um
caminho que se caminha juntos, diante de um mundo que quer
222
resultados garantidos, definitivos e eficazes. É pensar e sentir
simbioticamente e, assim, encontrar múltiplos modos, infinitos
caminhos, ricos em suas diferentes formas e cores.
Creio que esta proposta, de prazer conhecer, de construir em
conjunto, de sentir curiosidade e desfrutar do caminhar, é muito mais
potente do que aquilo que é programado, planejado e, muitas vezes,
imposto, transformando a aula em um momento chato e aborrecedor
para estudantes e educadores. Ambos poderiam ter muitas mais
possibilidades de enriquecer-se e enriquecer o mundo, seu dia a dia,
pois poderiam transformar esta tarefa o de educar e de ser educado
em algo prazeroso e compartilhado.
Para tanto, e o livro nos indicou isto de maneira clara, é
preciso desvendar, fazer-se manifestar a sensibilidade na educação, de
modo que a prática pedagógica, que se dá principalmente durante
uma aula, seja algo situado, constituída por vínculos, aberta ao debate,
à escuta, ao emergente, agudizando nossos sentidos, tornando mais
ricas nossas conexões e ampliando o sentido da vida e o nosso estar
no mundo.
Alonso Bezerra de Carvalho
Unesp
Marília, 23/12/2023.
223
REFERÊNCIAS
ACHINTE, A. A. Patianos allá y acá. Bogotá. El Sol de los Venados.
2000.
ALIMONDA, H (coord.) La naturaleza colonizada. Ecología política
y minería en América Latina. Buenos Aires, CLACSO. 2011.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E
PESQUISA EM EDUCAÇÃO (ANPED). A proposta de BNCC
do ensino médio: alguns pontos para o debate. 2018. Disponível
em:http://www.anped.org.br/sites/default/files/images/anped_contr
a_bncc_em_para_cne_maio
_2018.pdf. Acesso em: 17 fev. 2020.
ARDOINO, J. Abordagem multirreferencial: a epistemologia das
ciências antropossociais. Palestra proferida na Faculdade de Psicologia
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 14 out.
1998.
ARANHA, M. L. Filosofia da educação. 2. ed. São Paulo: Moderna,
1996.
ARIAS, P. G. Corazonar el sentido de las epistemologías
dominantes desde las sabidurías insurgentes, para construir sentidos
otros de la existencia (primera parte). In: Calle14: revista de
investigación en el campo del arte. 4 (Julio-Diciembre). 2010ª.
ARIAS, P. G., Corazonar: uma antropologia comprometida com la
vida. Quito, Ecuador; Abya Yala. 2010b.
ARIAS, P. G. Corazonar la dimensión política de la espiritualidad y
la dimensión espiritual de la política. In: Alteridad 10. Revista de
Ciencias Humanas, Sociales y Educación, nº 10, 2011.
224
BALLESTRIN, L. América Latina e o giro decolonial. Rev. Bras.
Ciênc. Polít. [online]. 2013, n.11, pp.89-117. ISSN 0103-3352.
https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004.
BAUMAN, Z. Modernidade e Ambivalência. Tradução de Marcos
Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
BAUMGARTEN, A. G. Estética: a lógica da arte e do poema. Trad.
Miriam Sutter Medeiros. Rio de Janeiro: Vozes, 1993.
BOLTANSKI, L.; CHIAPELLO, E. Le nouvel esprit du capitalisme.
Paris: Gallimard.1999 BORDA, O, F. La subversión em Colombia:
el cambio social en la historia. 4ed. Bogotá: FICA- CEPA,2008
[1967].
BORDA, O. F Una sociología sentipensante para América Latina.
México, D. F.: Siglo XXI Editores; Buenos Aires: CLACSO, 2015.
BRASIL. Ministério da Educação. Exame Nacional do Ensino
Médio. Documento Básico 2000. Brasília, INEP, 1999.
. Ministério da Educação. Lei 9394/96 Diretrizes e Bases
da Educação Nacional. Brasília, DF: MEC, 1996.
. Conselho Nacional de Educação. Parecer CEB n. 15 de
de junho de 1998a. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio. Relatora: Conselheira Guiomar
Namo de Mello. Disponível em:
<http://www.mec.gov.br/cne/parecer.shtm>.
. Plano Nacional de Educação, Brasília, DF: MEC,
1998b.
225
. Resolução CEB n. 3 de 26 de junho de 1998c. Institui as
Diretrizes curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Relatora:
Conselheira Guiomar Namo de Mello. Disponível em:
<http://www.mec.gov.br/cne/resolucao.shtm>.
. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio: Parte I, Bases
Legais. Coordenadora: Eny Marisa Maia. 1999. Disponível em:
<http://www.mec.gov.br/parametros>. Acesso em 31/03/2021
. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.
Coordenação da Educação Profissional. Referenciais Curriculares
Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico. Brasília: MEC,
2000.
.Emenda Constitucional 95, de 15 de dezembro de
2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências.
Brasília, 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm. Acesso em: 25
jun. de 2021.
. Ministério da Educação. Base Nacional Comum
Curricular: ensino médio. Brasília, 2018. Disponível
em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=85121-bncc-ensino-
medio&category_slug=abril2018- pdf&Itemid=30192. Acesso em:
25 jun. 2018.
CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o Homem: introdução a uma
filosofia da cultura humana. Martins Fontes: São Paulo, 1994.
CARVALHO, A.B. Por uma filosofia da educação latino-americana:
reflexões a partir da noção de estar em Rodolfo Kusch. P 53-67 In:
226
CARVALHO, A.B. et al (org) Pensamento Latino- americano e
Educação: por uma ética situda. Cultura Acadêmica. 2020.
CASANOVA, P. G. Sociología de la explotación. México, Siglo
XXI. 1969.
CASTRO-GÓMEZ, S. La poscolonialidad explicada a los niños.
Bogotá: Editorial Universidad Javeriana, 2005.
CASTRO-GÓMEZ, S; GROSFOGUEL, R. (org.). El giro
decolonial: reflexiones para una deversidad epistémica más allá del
capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre, 2007.
CASTRO-GÓMEZ, S. La hybris del punto cero: ciencia, raza e
Ilustración en la Nueva Granada (1750-1816). Bogotá, Pontificia
Universidad Javeriana. 2007 a.
CASTRO-GÓMEZ, S. Michel Foucault y la colonialidad del poder.
Tabula Rasa, No. 6. pp. 153 a 172. 2007b.
CASTRO-GÓMEZ, S. Tejidos oníricos: movilidad, capitalismo y
biopolítica en Bogotá (1910- 1930). Bogotá, Pontificia Universidad
Javeriana. 2009.
CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2011. CECIM, A. M. Baumgarten, Kant e a
teoria do belo: conhecimento das belas coisas ou belo pensamento?
Revista PARALAXE, v.2, nº1. 2014.
CHAUÍ, M. Convite à filosofia. Ed. Ática. 2000.
CORONIL, F. Más allá del Occidentalismo: Hacia categorías
geohistóricas no imperiales. Casa de las Américas, No. 206, La
Habana. p. 21 a 49. 1999.
227
CORONIL, F. El Estado Mágico: Naturaleza, dinero y
modernidad en Venezuela. Caracás, Universidad Central de
Venezuela / Editorial Nueva Sociedad. 2002.
DEWEY, J. A arte como experiência. Trad. Vera Ribeiro. São Paulo:
Editora Martins, 2010 DUSSEL, E.; MENDIETA, E.;
BOHÓRQUEZ, C. El pensamiento filosófico latinoamerciano del
Caribe y “latino” (1300-2000): historia, corrientes, temas y
filósofos. Mexico/Maracaibo: Siglo XXI, 2008.
DUSSEL, E. El encubrimiento del otro. Hacia el origen del mito
de la modernidad. Quito, AbyaYala. 1994.
DUSSEL, E. Ética de la liberación en la edad de la globalización y
de la exclusión. xico, Universidad Autónoma de Metropolitana -
Editorial Trotta. 1998.
DUSSEL, E. Materiales para una política de la liberación. Madrid,
Universidad Autónoma de Nuevo León - Plaza y Valdés Editores.
2007.
ESCOBAR, A. La invención del Tercer Mundo: Construcción y
deconstrucción del desarrollo. Bogotá, Editorial Norma. 1998.
Escobar, Arturo 1999 “Gender, place and networks: a political
ecology of cyberculture” in Harcourt, Wendy (ed.)
Women@Internet. Creating new Cultures in Cyberspace (Londres:
Zed Books).
ESCOBAR, A. O lugar da natureza e a natureza do lugar:
globalização ou pós-desenvolvimento? En libro: A colonialidade do
saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-
americanas. LANDER, E. (org). Colección Sur Sur, CLACSO,
Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. 2005.
228
ESCOBAR, A. Territories of difference: places, movements, life,
redes. Duke: Duke University Press, 2008.
ESCOBAR, A. Contra el (neo)desarrollismo. In: Impasse: dilemas
politicos del presente. Buenos Aires: Coletivo Situaciones, 2009.
FOUCAULT, M. O sujeito e o poder. ln: DREYFUS, H.;
RABINOW, P. Michel Foucault: uma trajetória filosófica. Rio de
Janeiro: Forense Universitária. 1995.
FREIRE, P. Cartas à Guiné-Bissau: Registro de uma experiência em
processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1975.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à
prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 36-37.
FREIRE, P. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: Unesp, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia
do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: Edufba, 2008.
FANON, F. Los Condenados de la Tierra. Buenos Aires. Ed.
Fondo de Cultura Económica, 2009.
FAORO, R. Os donos do poder: formação do patronato político
brasileiro. 8. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1989.
229
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão.
Trad. Lígia M. Ponde Vassalo. Petrópolis: Vozes, 1987.
FURTADO, C. Teoria e política do desenvolvimento econômico. São
Paulo: Paz e Terra. 10ª ed., 2000.
GALEANO Eduardo Galeano. Os filhos dos dias. 2012.
GAMBOA, S. S. Pesquisa em Educação: métodos e epistemologias.
2. Ed. Chapecó: Argos, 2012.
GIDDENS, A. A transformação da intimidade. São Paulo: Ed.
Unesp, 1994.
GIROUX, H.; SIMON, R. Cultura popular e pedagogia crítica: a
vida cotidiana como base para o conhecimento curricular. In:
MOREIRA, A. F.; SILVA et. al. (Org.). Currículo, cultura e
sociedade. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2008. p. 93- 124.
GROSFOGUEL, R. Colonial subjects: puerto ricans in a global
perspective. Berkeley, University of California Press. 2003.
GROSFOGUEL, R. “La descolonización de la economía política y los
estudios postcoloniales: Transmodernidad, pensamiento fronterizo y
colonialidad global”. Tabula Rasa, No. 4. 2006. p. 17 a 48.
GROSFOGUEL, R (org). El giro Decolonial. Reflexiones para una
diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá,
Pontificia Universidad Javeriana - Siglo del Hombre. p. 25 a 46.
HARDT, M. Um aprendizado em Filosofia. São Paulo: 34. 1996.
HOOKS, B. Ensinando a transgredir: a educação como prática da
liberdade. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2017.
230
HOUAISS, A; AMARAL, R. A Modernidade no Brasil: conciliação
ou ruptura. Ed. Vozes. 1995 KANT, I. Crítica da faculdade do juízo.
2 ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária, 1995. KANT, I.
Crítica da razão pura. 3. ed. Trad. Manuela Pinto dos Santos.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.
KINCHELOE, J. L. Para além do Reducionismo: diferença,
criticalidade e multilogicidade na bricolage e no pós-formalismo. In:
PARASKEVA, João (Org.). Currículo e Multiculturalismo. Tradução
de Helena Raposo e Manuel Alberto Vieira. Mangualde. Portugal:
Edições Pedago, 2006. P. 63-93.
KINCHELOE, J. L. Redefinindo e Interpretando o Objeto de
Estudo. In: KINCHELOE, J. L.; BERRY, K. S. Pesquisa em
Educação: conceituando a bricolagem. Tradução de Roberto Cataldo
Costa. Porto Alegre: Artmed, 2007. P. 101-122.
KINCHELOE, J.L.; BERRY, K. Pesquisa em educação:
conceituando a bricolagem. Porto Alegre: Artmed, 2007.
KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed. São Paulo:
Editora Perspectiva S.A, 1997.
KUSCH, R. América profunda. In: KUSCH, R. Rodolfo Kusch obras
completas. Tomo II. Rosario: Fundacion A. Ross, 2000a, p.1-254.
KUSCH, R. El pensamiento indígena y popular en América. In:
KUSCH, R. Rodolfo Kusch obras completas. Tomo II. Rosario:
Fundacion A. Ross, 2000b, p.255- 546.
LANDER, E. La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias
sociales. Perspectivas latino- americanas. Buenos Aires, CLACSO.
2000.
231
LAPASSADE, G. Grupos, organizações e instituições. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1998 LÉVY, P. A inteligência coletiva: por uma
antropologia do ciberespaço. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2003.
LIBÂNEO, J. C. Organização e Gestão na Escola: teoria e prática.
Goiânia: Alternativa, 2001. LYON, D. Pós-Modernidade. Ed.
Paulus. Coleção: temas de atualidade. 2 ed. 1998 LYOTARD, J.F.
O Pós-moderno explicado às crianças. Trad. de Tereza Coelho. 2.ed.
Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1993.
MACEDO, S. M. Grupo e instituição: Relações de poder na
dialética de um processo grupal de aprendizagem. Estudos de
Psicologia, 15 (2), 45-57.1998.
MAINKA, P. J. A França na época do confessionalismo (1516-
1598): a reforma protestante e as guerras civis religiosas. In:
MAINKA, P. J. (org.). A caminho do mundo moderno: concepções
clássicas da filosofia política no século XVI e o seu contexto
contemporâneo. Maringá: EDUEM, 2007. p. 263-286.
MALDONADO-TORRES, N. “Sobre la colonialidad del ser:
contribuciones al desarrollo de un concepto”. En: CASTRO-
GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (eds.) El giro Decolonial.
Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo
global. Bogotá, Pontificia Universidad Javeriana Siglo del
Hombre. 2007.p. 127 a 167.
MENEZES, M.M; SILVA, N.V.; DORNELES, L.C. Esboço de
uma Antropologia Filosófica Americana. Educação & Realidade,
Porto Alegre, v. 39, n. 4, p. 1251-1257, out./dez. 2014. Disponível
em: http://www.ufrgs.br/edu_realidade
232
MIGNOLO, W. Historias locales / diseños globales: colonialidad,
conocimientos subalternos y pensamiento fronterizo. Madrid, Akal.
2003.
MIGNOLO, W. Cambiando las éticas y las políticas del
conocimiento: lógicas de la colonialidad y poscolonialidad imperial.
Tabula Rasa, No. 3. 2005. p. 47 a 72.
MIGNOLO, W. La idea de América Latina. La herida colonial y la
opción decolonial. Barcelona, Gedisa. 2007b.
MIGNOLO, W. Desobediencia epistémica: retórica de la
modernidad, lógica de la colonialidad y gramática de la
decolonialidad. Buenos Aires, Del Signo. 2010.
MIGNOLO, W. Desprendimiento y apertura. Un manifiesto.
(2007 a) En: CASTRO-MEZ, S; MIGNOLO, W.
Epistemologias do sul, foz do iguaçu/pr, 1(1), p. 12-32, 2017.
MONTEIRO, J. D. D. M. Friedrich schiller em a educação estética
do Homem: entre razão e sensibilidade; entre o ideal e o realizável;
entre Platão e Aristóteles. Dissertação de Mestrado UFSC,
Florianópolis, 1998.
NEIRA, M.G; LIPPI, B. G. Tecendo a colcha de retalhos: a
bricolagem como alternativa para a pesquisa educacional. Educ.
Real. [online]. 2012, vol.37, n.2, pp.607-625. ISSN 2175-
6236. https://doi.org/10.1590/S2175-62362012000200015.
NIETZSCHE, F. Genealogia da moral: uma polêmica. São Paulo:
Cia das Letras, 1998. NKRUMAH, K. El neocolonialismo, última
etapa del imperialismo. México, Siglo XXI.1966 OLIVEN, R. G.
Violência e Cultura no Brasil. Petrópolis, Vozes. 1982.
233
ORTIZ, F. C. Procesos de descolonización del imaginario y del
conocimiento en América Latina. Lima, Universidad Nacional Mayor
de San Marcos. 2004.
ORTIZ, R. Cultura e Modernidade. São Paulo, Ed. Brasiliense,
1991.
PALERMO, Z. Desde la otra orilla: políticas culturales y
pensamiento crítico. Córdoba, Alción.2005.
PEDROSA, M. A problemática da sensibilidade I e II. In Mundo,
Homem, Arte em crise. Org. Aracy Amaral. São Paulo: Perspectiva.
1975.
PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto
Alegre: Artes dicas Sul, 1999.
PORCHER, L. Educação artística: luxo ou necessidade? São Paulo:
Summus, 1982.
PORTO-GONÇALVES, C. W. Entre América e Abya Yala
tensões de territorialidades. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n.
20, p. 25-30, jul./dez. Editora UFPR. 2009.
QUIJANO, A. “Colonialidad del poder, eurocentrismo y América
Latina”. En: LANDER, E. (comp.): La colonialidad del saber:
eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas.
Buenos Aires, CLACSO. 2000. p. 203 a 241.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidad do poder, eurocentrismo e
América Latina. In LANDER, E. (org.). A colonialidade do saber:
eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino- americanas.
Buenos Aires: CLACSO, 2005.
234
QUIJANO, A. Colonialidad del poder. En: CASTRO-GÓMEZ, S;
GROSFOGUEL, R. (eds.): El giro Decolonial. Reflexiones para una
diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá,
Pontificia Universidad Javeriana / Siglo del Hombre. 2007. p. 93 a
126. 21 GESCO Estudios decoloniales: un panorama general.
QUIJANO, A. Colonialidade do Poder e Classificação Social. In:
SANTOS, B.S.; MENESES, A.P. (orgs). Colonialidade do Poder e
Classificação Social, ed. Almedina. 2009.
QUINTERO, P; PETZ, I. Refractando la modernidad desde la
colonialidad. Sobre la configuración de un locus epistémico desde la
geopolítica del conocimiento y la diferencia colonial”. Gazeta de
Antropología. Vol. 25, No. 2. 2009. p. 1 a 12.
QUINTERO, P. Notas sobre la teoría de la colonialidad del poder y la
estructuración de la sociedad en América Latina. Papeles de Trabajo,
No. 19, Rosario. 2010. p. 3 a 18.
QUINTERO, P; FIGUEIRA, P; ELIZALDE, P.C. Uma breve
história dos estudos decoloniais. Masp afterall, 2019. Disponível
em: https://masp.org.br/uploads/temp/temp-
QE1LhobgtE4MbKZhc8Jv.pdf. Último acesso em 06/04/2021.
RODRIGUES, C.S.D; THERRIEN, J; FALCÃO, G.M.B;
GRANGEIRO, M.F. Pesquisa em educação e bricolagem
científica: rigor, multirreferencialidade e interdisciplinaridade. Cad.
Pesquisa. vol.46 no.162 São Paulo Oct./Dec. 2016.
ROMANELLI, O. História da Educação no Brasil. 13. ed. -
Petrópolis: Vozes, 1991.
SÁ, A. P. S de. DESCOLONIZAR A EDUCAÇÃO É PRECISO:
Significados de uma perspectiva pós-colonial de educação a partir do
contexto brasileiro. Rev. Educação Sociedade e Culturas, 2019.
235
SODRÉ, N. W. Capitalismo e revolução burguesa no Brasil. 2. ed.
Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 1997.
SAID, E. Orientalismo. Madrid, Editorial Debate.2002.
SANTOS NETO, A. B. dos. A analítica kantiana do sublime em
Friedrich Schiller. Aufklärung: revista de filosofia, v. 3, p. 151-162,
2016.
SANTOS, M. Técnica, espaço, tempo. São Paulo: Editora
Hucitec.1994. SANTOS, M. Pensando o espaço do homem. São
Paulo: Hucitec.1982.
SANTOS, B. S. Os processos da Globalização, B.S. Santos (org),
Globalização. Fatalidade ou Utopia? Porto: Afrontamento, p. 31-106.
2001.
SANTOS, B. S. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-
modernidade. Cortez, 4. ed. 1997. SCIACCA, M. F. História da
filosofia. 4. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1986.
SCHILLER, F. Textos sobre o belo, o sublime e o trágico. Tradução de
Tereza Rodrigues Cadete. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da
Moeda, 1997.
SCHILLER, F. A educação estética do homem. Trad. Roberto
Schwarz e Márcio Suzuki. São Paulo: Iluminuras, 2002.
SEMPRINI, Andrea. Multiculturalismo. Tradução de Loureano
Pelegrin. São Paulo: Edusc, 1999. 178 p.
SEVERINO, A. J.; MARCONDES, O. M. (org.). Filosofia da
Educação na América Latina: aproximações, diálogos e perspectivas.
São Paulo: Cartago, 2019.
236
SEVERINO, A. J. Pensamento decolonizante, prática intercultural e
emancipação: novas perspectivas para a Filosofia da Educação no
contexto latino-americano. In: CARVALHO, A.B et.al.(org.).
Pensamento Latino-americano e Educação: por uma ética situada.
Cultura Acadêmica. 2020. p.19-33.
SILVA, T. T. O currículo como fetiche: a poética e a política do texto
escolar. Belo Horizonte: Autêntica. 2001.
SILVA, T. T. Currículo e identidade social: Territórios contestados.
In Tomaz T. Silva (Ed.), Alienígenas na sala de aula: Uma
introdução aos estudos culturais na educação. Petrópolis: Editora
Vozes. p. 185-202. 2017.
SILVA, V. P. da. Base Nacional Comum Curricular e Plano Nacional
de Educação: descaminhos, resistências e práxis. In: MENDONÇA,
S.G.DE L.; MIGUEL, J.C.; MILLER, S.; KÖHLE, E. C
(org.) De)formação na escola: desvios e desafios. Base Nacional
Comum Curricular e Plano Nacional de Educação: descaminhos,
resistências e práxis. Ed. Cultura Acadêmica. 2020.
SIMMEL, G. A divisão do trabalho como causa da diferenciação da
cultura subjetiva e objetiva. In: SOUZA, J; OELZE, B. (Org.).
Simmel e a modernidade. Brasília: Editora da UNB, 2005.
SOUSA, B.F. Corazonar o pensar e o fazer pesquisa em educação
como proposta para metodologias outras: esboços germinais. Revista
COCAR, Belém. V.11. N.22, p. 248 a 266 – Jul./Dez. 2017
Programa de s-graduação Educação em Educação da UEPA
http://páginas.uepa.br/seer/index.php/cocar ISSN: 2237-031
STAVENHAGEN, R. Las clases sociales en las sociedades agrarias.
Siglo XXI, México, 1969. TASAT, J.A. El paisaje educativo en la
américa negada. In: CARVALHO, A.B et. al. (org) Pensamento
237
Latino-americano e Educação: por uma ética situada. Cultura
Acadêmica. p.33- 53. 2020.
TODOROV, T. O medo dos bárbaros: para além do choque das
civilizações. Rio de Janeiro, Vozes, 2010.
TORRES, F. R. A estética da sensibilidade nas diretrizes curriculares
nacionais. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. 2011.
TLOSTANOVA, M. La Aesthesis Trans-Moderna en La Zona
Fronteriza Eurasiática y el Anti- Sublime Decolonial. Calle 14.
Revista de Investigación en el campo del Arte. Volume 5, número
6. Jan-Junio de 2011.
TROJAN, R. M. O Trabalho como categoria fundante da necessidade
estética: reconstruindo a função educativa da arte. Curitiba.
Dissertação de mestrado. Setor de Educação da Universidade Federal
do Paraná, 1998.
TROJAN, R.M. Estética da sensibilidade como princípio curricular.
Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 122, p. 425-443, maio/ago. 2004
WALSH, C. Estudios culturales latinoamericanos. Quito, Universidad
Andina Simón Bolívar - Abya-Yala, 2003.
WALSH, C. “¿Son posibles una ciencias sociales/culturales otras?
Reflexiones en torno a las epistemologías decoloniales. Revista
Nómadas, No. 26. 2007. p. 102 a 113.
WALSH, C. Interculturalidad, Estado, sociedad: luchas (de)coloniales
de nuestra época. Quito, Universidad Andina Simón Bolívar, Abya-
Yala. 2009.
238
WALSH, C; SCHIWY, F.; CASTRO-GÓMEZ, S (eds.).
Indisciplinar las ciencias sociales: geopolíticas del conocimiento y
colonialidad del poder. Quito, Universidad Andina Simón Bolívar -
Yala. Decolonização: destruição de todas a hierarquias. 2002.
WALSH, C. Interculturalidad y (de) colonialidad: perspectivas
críticas y políticas. Visão Global, Joaçaba, v. 15, n. 1-2, p. 61-74,
jan./dez. 2012.
WALSH, Catherine (Ed.). Pedagogías decoloniales: prácticas
insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Tomo I. Quito, Ecuador:
Ediciones Abya-Yala, 2013.
WALLERSTEIN, I. A análise dos sistemas-mundo como
movimento do saber. In: VIEIRA, P.A.; VIEIRA, R.L;
FILOMENO, F. A. (org.). O Brasil e o capitalismo histórico:
passado e presente na análise dos sistemas-mundo. São Paulo:
Cultura Acadêmica Ed., p.17-28. 2012 WEBER, Max. Ensaios de
sociologia. 5 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
239
SOBRE A AUTORA
Psicóloga formada pela Unesp-Assis, Mestre e Doutora em Educação
pela Unesp-Marília. membro do Grupo de Estudos e Pesquisa: Ética,
Educação e Sociedade (GEPEES) PPGE Unesp-Marília. Atualmen-
te é Professora de Psicologia da Universidade de Marília (Unimar).
240
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Normalização
Heloisa Brenha Ribeiro
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
Nesta obra a autora nos convida a uma jornada pelos meandros da estética
da sensibilidade, um dos pilares educacionais pós-reforma de 1996 conti-
da nas Diretrizes Curriculares Nacionais, no Brasil. Em um contexto de
redenição educacional, a estética da sensibilidade tornou-se um termo
multifacetado, frequentemente utilizado de maneiras diversas e, por vezes,
vagas.
Ao revisitar reexões losócas, psicológicas, pedagógicas e sociológi-
cas, a autora propõe uma reinterpretação pormenorizada da estética da
sensibilidade, afastando-se de interpretações simplistas. Este livro desaa
a visão convencional, apresentando a estética da sensibilidade não apenas
como um componente emocional ou adaptativo, mas como uma arte, um
método de harmonizar o sentir e o pensar na jornada educacional.
Em um diálogo inspirado pelas leituras decoloniais, a obra se volta para
uma perspectiva de educação emancipatória. Aqui, a estética da sensibili-
dade transcende seu papel convencional, tornando-se um catalisador para
a formação de indivíduos críticos e reexivos.
Ao explorar os conceitos de sentipensar e corazonar e associá-los à estética
da sensibilidade este livro oferece uma visão fresca e relevante sobre a edu-
cação contemporânea. É um convite à reexão sobre como a estética da
sensibilidade pode ser mais do que uma simples ferramenta de adaptação,
mas sim um veículo poderoso para a construção de uma sociedade mais
justa e equitativa. Trata-se de uma narrativa que desaa preconceitos, e
preconceções e adquire incomum interessante para aqueles que buscam
compreender e transformar os fundamentos que moldam a educação do
século XXI.
“Entre Sentir e Pensar: Desvendando a Estéti-
ca da Sensibilidade na Educação” é uma obra
perspicaz e reveladora, onde a autora se de-
bruça sobre a complexa tapeçaria da estética
da sensibilidade na educação. Este trabalho,
emergindo de uma pesquisa de doutorado
meticulosa, revê um princípio educacional
que passou despercebido por grande parte
dos educadores. Datando da reforma edu-
cacional de 1996, o conceito de estética da
sensibilidade foi, infelizmente, diluído em
um operador vazio, sobrecarregado por sig-
nicados conitantes ao longo das décadas.
Com um olhar crítico e renado, a autora
desa a estética da sensibilidade, revisitando
sua etimologia e mergulha em algumas obras
da losoa clássica para resgatar sua essência
verdadeira e ampliada. Desaando interpre-
tações simplistas, ela reivindica a estética da
sensibilidade não como uma ferramenta tri-
vial de preparação emocional para o merca-
do de trabalho, mas como uma forma de arte
a arte de tecer juntos o sentir e o pensar.
Página após página, somos levados a conec-
tar esse conceito com o ‘sentipensar’ e ‘co-
razonar’, termos carregados de signicado
dentro do pensamento decolonial. Com esta
obra, a autora não apenas atende, mas supera
as expectativas, estabelecendo um elo ino-
vador entre a estética da sensibilidade e as
teorias decoloniais, e posicionando-a como
um operador emancipador e humanizador.
Este livro é um convite sedutor para to-
dos nós repensarmos a educação através
de uma lente que valoriza a sensibilida-
de e o pensamento crítico, promovendo
uma sociedade mais engajada com práti-
cas educacionais inquisitivas e decoloniais.
“Entre Sentir e Pensar” é essencial para
aqueles que buscam compreender e trans-
formar a educação em um ato de liberda-
de e expressão autêntica do ser humano.
Marina Coimbra Casadei Barbosa da Sil-
va é psicóloga formada pela UNESP-
Assis, com mestrado e doutorado em
Educação, pela UNESP-Marília. Atua
como psicóloga clínica e professora de
Psicologia. Atualmente é professora
da Universidade de Marília (Unimar)
onde desenvolve o trabalho de docên-
cia, pesquisa e extensão no curso de
Psicologia.
ENTRE SENTIR E PENSAR
MARINA SILVA
ANTONIO CARLOS BARBOSA DA SILVA