Graziela Zambão Abdian é Doutora em
Educação, professora do Departamento
de Administração e Supervisão Escolar
(DASE) e do Programa de Pós-Gradua-
ção em Educação da Faculdade de Filo-
soa e Ciências da Universidade Estadu-
al Paulista (Marília). Líder do Centro de
Estudos e Pesquisas em Administração
Educacional (CEPAE), grupo cadastra-
do no Diretório dos grupos de pesquisas
do CNPq.
Este livro apresenta aos estudiosos e
prossionais da Educação um conjunto de
análises que os proporcione conhecer uma
das leituras possíveis da constituição histó-
rica da Administração Educacional, apon-
tando os limites deste discurso e suas poten-
cialidades. A autora narra sua experiência
discursiva em Administração Educacional,
em uma perspectiva de revezamento teoria e
prática, na qual seu cotidiano como docente
e pesquisadora foi seu lugar privilegiado de
análise. O objetivo principal foi indicar os
limites da produção discursiva, mas também
suas potencialidades para que novos pesqui-
sadores possam construir um vasto conjunto
de problematizações que façam multiplicar e
se diferenciar o conhecimento.
Primeiramente, analisa o processo de
institucionalização da disciplina Administra-
ção Educacional como um dos procedimen-
tos que organizaram a formação discursiva e
a zeram funcionar sob determinada regu-
laridade, proliferada também com a entrada
de autores críticos nesta ordem discursiva os
quais desconstruíram determinadas asserti-
vas, mas não o modo de funcionamento e
proliferação do discurso.
Em seguida, como o leitor encon-
trou a construção do cotidiano escolar como
uma perspectiva apresentada pelos próprios
pesquisadores como potente para o desen-
volvimento do discurso, a autora explicita
três perspectivas teórico-metodológicas de
estudo na escola e com a escola que serviram
de subsídios para a realização de pesquisas
dos integrantes do seu grupo, expondo seus
limites e potencialidades para a diferenciação
do discurso em Administração Educacional.
Entendendo que limites impostos por re-
gras históricas que impedem o discurso de
diferenciar-se por meio da proposição de
novas problematizações e que há potenciali-
dades não exploradas, são desenvolvidas, por
m, categorias que integram uma perspec-
tiva discursiva pós-estruturalista buscando
provocar um diálogo com os pares acadê-
micos ou, talvez, uma adversariedade pró-
pria de uma política acadêmica democrática
(LACLAU; MOUFFE, 2015).
LIMITES E POTENCIALIDADES DO DISCURSO EM ADMINISTRAÇÃO EDUCACIONAL
Para revisitar a História da Administração Educacional, são utilizadas
como ferramentas a Ordem do discurso (FOUCAULT, 2014) e Hege-
monia e Estratégia Socialista (LACLAU; MOUFFE, 2015). Com esses
autores, considera-se que mais importante do que indicar a origem
do discurso em Administração Educacional ou o que ele é conceitual-
mente, é analisar os procedimentos que o organizaram, zeram-no
funcionar e o institucionalizaram, exercendo funções na formação dos
prossionais e pesquisadores em Educação.
As potencialidades do discurso foram compreendidas como a multi-
plicidade de práticas discursivas no sentido da presença de lógicas de
equivalências entre elementos dispersos em um movimento antagôni-
co com um exterior constitutivo que desestabiliza a hegemonia a todo
momento (LACLAU; MOUFFE, 2015); e os limites do discurso foram
reconhecidos como os elementos que se repetiram nas diferentes práti-
cas articulatórias impedindo-as de se diferenciar. Ou seja, os limites
foram tratados como as regularidades e as forças de manutenção do
discurso hegemônico e as potencialidades como os aspectos não ar-
ticulados na prática discursiva e que podem desestabilizar as regras e
constituir novas formas de pensar. A proposta é de existência de uma
política democrática acadêmica que consiga pensar a Administração
Educacional de forma não dual e prescritiva.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio 0039/2022
Processo 23038.001838/2022-11
Graziela Zambão Abdian
Graziela Zambão Abdian
LIMITES E POTENCIALIDADES
DO DISCURSO EM
ADMINISTRAÇÃO EDUCACIONAL
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LIMITES E POTENCIALIDADES DO
DISCURSO EM ADMINISTRÃO
EDUCACIONAL
Graziela Zambão Abdian
Graziela Zambão Abdian
LIMITES E POTENCIALIDADES DO DISCURSO EM
ADMINISTRAÇÃO EDUCACIONAL
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2024
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Edvaldo Soares
Franciele Marques Redigolo
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
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Alonso Bezerra de Carvalho
Ana Clara Bortoleto Nery
Claudia da Mota Daros Parente
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Daniela Nogueira de Moraes Garcia
Pedro Angelo Pagni
Auxílio Nº 0039/2022, Processo Nº 23038.001838/2022-11, Programa PROEX/CAPES
Parecerista: Paulo Henrique Costa Nascimento (Unesp)
Capa: Canva gratuito
Ficha catalográfica
Abdian, Graziela Zambão
A135l Limites e potencialidades do discurso em administração educacional / Graziela
Zambão Abdian. Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica,
2024.
161 p.
FAPESP
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-495-0 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-496-7 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-496-7
1. Educação. 2. Escolas Organização e administração. 3. Planejamento
educacional. I. Título.
CDD 371.2
Catalogação: André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Copyright © 2024, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Dedico este livro aos meus pais, Roberto Abdian
(in memorian) e Cida, que me acompanharam
do início ao fim...que é um outro começo,
Aos meus amados filhos, Enzo e Liz, que
desde suas presenças no meu ventre viveram
o que é Administração Educacional.
AGRADECIMENTOS
Agradeço todos os alunos de graduação e de pós-graduação
que, direta ou indiretamente, ensinaram-se as coisas mais importantes
da vida:
Que a dedicação vale a pena e pode fazer a diferença na vida
de alguém;
Que a insistência também;
Que os diálogos proporcionam encontrarmos alternativas;
Que não tivemos e não teremos o fim da história;
Que podemos recomeçar;
Que é possível termos relação respeitosa, carinhosa e
profissional, mas...
Que isso não é possível com todos;
Que é preciso ser firme quando nem todos temos as mesmas
intenções;
Que existe desrespeito, mesmo tendo como valor principal de
vida o respeito e a empatia;
Que não vale a pena desistir, mesmo que sejam necessárias
pausas na vida!
O presente livro foi possível de ser escrito após um longo
percurso de pesquisa de 20 anos e durante este trajeto, tive o privilégio
de receber auxílio FAPESP (Processo 2009/15537-4), diversas bolsas
de iniciação científica e mestrado da mesma agência, bolsa de Pós-
doutorado Junior do CNPQ e bolsa produtividade em pesquisa do
CNPq, a partir de 2019. Agradeço todas essas agências de fomento
por oportunizarem, com o financiamento, segurança na realização das
pesquisas do CEPAE.
Existem momentos na vida onde a questão de saber
se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e
perceber diferentemente do que se vê, é indispensável
para continuar a olhar ou a refletir.
Michel Foucault
Sumário
Introdução.....................................................................................13
Capítulo 1 | Discurso em Administração Educacional entre os anos
1960 e 2020: alguns aspectos em análise..........................................23
1.1 A institucionalização da Administração Educacional nos anos
1960
1.2 Limites e potencialidades da perspectiva crítica para a prática
discursiva em Administração Educacional
1.3 Aspectos da formação discursiva após gestão democrática na
legislação: limites e potencialidades
Capítulo 2 | Perspectivas de pesquisas no cotidiano escolar: novos
horizontes para o discurso em Administração Educacional ou estamos
diante de seus limites?.....................................................................81
2.1 Sociologia das organizações escolares: a escola como nível meso de
abordagem
2.2 O cotidiano escolar na perspectiva da Pedagogia Histórico-crítica
2.3 Cotidianos escolares como processo em construção
Capítulo 3 | Potencialidades do Discurso em Administração
Educacional no Brasil...................................................................109
3.1 Os rumos da teoria crítica no discurso em Administração
Educacional: em busca de potencialidades
3.2 As relações teoria e prática no discurso em Administração
Educacional: em busca de potencialidades
3.3 Potencialidades da Teoria do Discurso nos sentidos atribuídos à
Administração Educacional
Considerações finais.....................................................................135
Referências...................................................................................145
13
Introdução
Praticamente 20 anos separam a defesa de minha tese de
doutorado da escrita deste livro. Naquele momento, entre os anos
2000 e 2004, integrei uma pesquisa denominada “A evolução do
conhecimento em Administração da Educação no Brasil: suas raízes e
processos de constituição histórica”, coordenada pela professora
Lourdes Marcelino Machado junto ao Centro de Estudos e Pesquisas
em Administração da Educação (CEPAE), cadastrado no diretório
dos grupos de pesquisa do CNPq, analisando as contribuições das
publicações da Associação Nacional de Política e Administração da
Educação (ANPAE) para o pensamento administrativo escolar no
Brasil. O desenvolvimento desta pesquisa integrada expandiu seus
frutos por meio de participações de seus integrantes (LIMA, 2022;
2006; RIBEIRO, 2001; 2006; ARF, 2007) em congressos nacionais
e internacionais, publicações de livros, capítulos e artigos científicos,
principalmente, recuperando as contribuições dos autores clássicos
para o desenvolvimento do conhecimento. Poucos eram os estudos
e ainda são - que contemplavam uma perspectiva conceitual e, por
isso, tive a oportunidade de mergulhar na compreensão do
desenvolvimento das ideias de autores clássicos da área e iniciar um
processo de problematização dos limites e das potencialidades do
discurso em Administração Educacional.
Anteriormente, na pesquisa de mestrado, realizei um estudo
de caso de uma escola mantida por uma empresa e analisei os limites
e possibilidades de a gestão contribuir para um ensino de qualidade
14
(MAIA, 2000). A metodologia do estudo de caso, desenvolvida nos
anos 1997 e 2000, apontou-me diversos problemas, entre eles, talvez
o mais importante foi a fragilidade conceitual da área a qual me
estimulou a integrar aquela pesquisa mais conceitual.
As pesquisas do mestrado e do doutorado me inseriram em
duas frentes amplas de estudos na temática Administração Educa-
cional: uma de viés epistemológico, analisando a área com seus limites
e possibilidades de avanço e proposições; e outra de viés de pesquisa
na escola, a qual denominarei pesquisa empírica, buscando
compreender suas práticas e fazeres cotidianos. Essas duas frentes me
acompanharam ao longo dos anos subsequentes como docente nas
aulas de graduação e pós-graduação e pesquisadora nas orientações de
iniciação científica, mestrado, doutorado e nos projetos de pesquisa
trienais desenvolvidos junto ao Departamento de Administração e
Supervisão Escolar (DASE) e do Programa de Pós-graduação em
Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília
(UNESP/Marília), dos anos 2005 até este momento.
O desenvolvimento das duas frentes de pesquisa me
apresentou, objetivamente, os problemas: quais subsídios teórico-
metodológicos me embasam para analisar o discurso? E para analisar
as escolas e seus cotidianos?
Meu cotidiano como docente e pesquisadora é bastante
dinâmico e permeado por encontros, desencontros, encantos e
desencantos. Levando a forma e a fôrma que aprendi sobre
Administração Educacional e também as problematizações, dúvidas e
angústias, eu iniciei minhas atividades de ensino nas aulas de
graduação, em especial, na disciplina Administração educacional:
teoria e prática e nas aulas de pós-graduação, na disciplina
15
Administração da Educação: clássicos e questões da atualidade
1
. Bem,
mas como se constituiu essa forma do conhecimento a ser ensinado e
por que digo que ela também foi uma fôrma?
A análise do que foi produzido em Administração
Educacional foi realizada com o respaldo da Análise de Conteúdo
(BARDIN,1977) a qual se constituiu como procedimento de
categorização, interpretação e inferência do material de pesquisa. Para
dar conta da análise, recorri ao que havia sido produzido na área e o
conjunto da produção do conhecimento me levou a acompanhar o
movimento de enquadramento dos autores em dois paradigmas
modelares: um que assemelha a atividade administrativa da escola à
atividade administrativa da empresa e outro que busca a
especificidade da Administração Educacional e defende a teoria da
gestão democrática. Por isso, na pesquisa de doutorado, por exemplo,
acompanhando este movimento, constatei que as publicações da
ANPAE contribuíram para o fortalecimento da segunda perspectiva:
da gestão democrática. Neste contexto teórico-metodológico, o
discurso foi compreendido como conjunto de textos a serem
analisados e o pesquisador era aquele que, posicionando-se do lado
certo da história, da gestão democrática, conseguiria ler as entrelinhas
e fazer inferências importantes para a área em estudo, principalmente
direcionadas àqueles que estão no cotidiano escolar, fazendo a
educação e a administração. De forma concomitante, as pesquisas que
foram à escola, inclusive a que desenvolvi no mestrado, também
reproduziam esse modelo dual, concluindo pela necessidade de
avançarmos no sentido do alcance da gestão democrática e da escola
1
Digo inicialmente porque conforme fui caminhando com a produção do conhecimento,
também fui propondo novas disciplinas no Programa de Pós-graduação em Educação, sendo
elas: Escola: perspectivas teórico-metodológicas em análise e Perspectivas de Discurso nas
pesquisas em Educação.
16
idealizada. Essa forma dual e também prescritiva de pensar colocou as
questões sob uma perspectiva inimiga: empresa x escola, capital x
gestão democrática, bem x mal e isso se tornou uma fôrma propagada
em aulas, ouvida e lida em textos de pesquisadores colegas e repetida
em congressos e palestras das quais participei.
Dois acontecimentos despertaram em mim um forte
incômodo que passou a me mobilizar para olhares e ações diferentes.
Um deles foi o trabalho de extensão realizado desde 2007 por meio
do qual pude propor e realizar ações em que as relações da
universidade com a gestão de escolas públicas municipais e estaduais
se fizessem de forma conjunta e construída coletivamente. Nestas
atividades de extensão, deparei-me com minha própria formação e
problematizações sobre minha constituição como sujeito democrático
e também com os limites da área que não respondiam uma série de
questões colocadas pelos integrantes do cotidiano escolar. O outro
acontecimento se deu com os diálogos e questionamentos realizados
durante as aulas os quais foram me permitindo encontros com
discentes interessados nas pesquisas em Administração Educacional
para a proposição de projetos de iniciação científica, mestrado e
doutorado que integrassem os dois vieses epistemológico e
empírico.
Em 2015, elaboramos coletivamente eu e orientandos
projeto de pesquisa com o objetivo de analisar a configuração da área
da Administração Educacional no Brasil após período crítico dos anos
1980, cotejando o desenvolvimento teórico e os desdobramentos
práticos na gestão dos sistemas e unidades escolares, tendo como
referencial teórico-metodológico a busca de novos horizontes nas
teorias pós-críticas, as quais serão explicadas no livro. Nos últimos seis
anos (2018 a 2023), busquei o fortalecimento dessa proposta
trabalhando três temáticas articuladas História da Administração
17
Educacional; Gestão de sistemas e escolas (especificamente currículo
e gestão democrática); Cotidiano escolar integrando-as na
perspectiva de um novo referencial teórico-metodológico que temos
nos estudado e aprofundado, sistematicamente, nestes anos. O
objetivo geral tem sido analisar sentidos de Administração
Educacional a partir do revezamento teoria e prática por meio da
desconstrução e reconstrução da História da Administração
Educacional, recuperando a leitura dos clássicos da área e a forma
como suas obras foram categorizadas para fins didáticos do ensino da
Administração Educacional; da análise das relações saber e poder
presentes na constituição da história da Administração Educacional,
que a partir dos anos 1990 passou a se integrar à Política, tendo sua
denominação alterada para Política e Gestão da Educação e, por fim,
contato, observação, e análise de sistemas e escolas cujas vivências
permitam recuperar os sentidos presentes no cotidiano escolar que
extrapolem aqueles comumente aceitos e divulgados
academicamente.
Ao longo desse processo, uma postura crítica me permitiu o
questionamento da própria construção da qual participei,
principalmente a forma que ela vem tomando e as relações que
estabelece entre teoria e prática. E é com esse percurso que me sinto
confortável para apresentar aos estudiosos e profissionais da Educação
um conjunto de análises que os proporcione conhecer uma das
leituras possíveis da constituição histórica da Administração
Educacional, apontando os limites deste discurso e suas
potencialidades. Pretendo com a escrita deste livro narrar minha
experiência discursiva em Administração Educacional, em uma
perspectiva de revezamento teoria e prática, na qual meu cotidiano
como docente e pesquisadora é/será seu lugar privilegiado. O objetivo
é indicar os limites da produção discursiva, mas também suas
18
potencialidades para que novos pesquisadores possam construir um
vasto conjunto de problematizações que façam multiplicar e se
diferenciar o conhecimento.
Mais importante do que indicar a origem do discurso em
Administração Educacional ou o que ele é, considero ser analisar os
procedimentos que o organizaram, fizeram-no funcionar e o
institucionalizaram, exercendo funções na formação dos profissionais
e pesquisadores em Educação. Sendo assim, o conhecimento é
compreendido neste livro como “formação discursiva” ou como uma
“regularidade em dispersão” cuja constituição se faz por meio de
elementos internos e externos que se articulam e constituem
hegemonicamente o discurso e minha ligação, ou a de qualquer um
de nós, a ele. Metodologicamente, baseio-me em um texto específico
de Foucault (2014) que é uma aula ministrada por ele nos anos 1970
e também na Teoria do Discurso construída pelos autores Ernesto
Laclau e Chantal Mouffe (2015).
Com estes autores, considero o discurso em Administração
Educacional, presente em textos acadêmicos, escolas, salas de aulas de
cursos de licenciatura, legislação e congressos, como histórica e
politicamente situado em uma prática social, a qual exerce poder
sobre aqueles que o formam. Estes autores me permitem compreender
que existem procedimentos internos e externos que exercem controle
classificando, ordenando e distribuindo um determinado discurso,
indefinidamente (FOUCAULT, 2014), assim como concebê-lo
como uma prática social articulatória que não se caracteriza por sua
coerência lógica, mas por uma “regularidade em dispersão”, possível
de ser pensada como “um conjunto de posições diferenciais” as quais
podem ser articuladas em um contexto contingente (LACLAU;
MOUFFE, 2015).
19
O objetivo de trazer esses autores na Introdução é indicar
resumidamente ao leitor alguns aspectos que subsidiaram a
construção do texto: 1. A narrativa analítica feita aqui não separará o
que é escrito/falado do que é vivenciado porque nossa concepção de
discurso considera que todo objeto é objeto do discurso e não existe
separação entre pensamento e realidade, portanto, ao tomar meu
cotidiano profissional como o lugar desta narrativa, tenho ações de
revezamento entre teoria e prática em que ora falo a partir de ideias
escritas e transcritas e outras falo a partir de ações vivenciadas as quais
também foram ações de teoria. O leitor compreenderá essas diferenças
no interior da própria análise, conseguindo atribuir sentidos ou
significar meu discurso em um contexto apresentado de forma
relacional; 2. Ao considerar o discurso em Administração Educacional
como uma das práticas sociais que exercem poder por meio de
controle de procedimentos internos e externos de ligação do sujeito a
essa prática, o foco é mostrar como ele se organizou e funcionou
histórica e politicamente no meu próprio cotidiano profissional e
acadêmico.
Devidamente referenciado no início de cada capítulo, o
material analisado é constituído pelo conjunto de autores clássicos da
Administração Educacional e pesquisas que participei como
coordenadora, pesquisadora principal ou orientadora, as quais
trazem, também, práticas discursivas de integrantes de diferentes
escolas públicas municipais e estaduais.
Minha opção foi por organizar o livro em três capítulos,
seguidos das considerações finais. No primeiro, intitulado “O
Discurso em Administração Educacional entre os anos 1960 e 2020:
alguns aspectos em análise”, analiso o processo de institucionalização
da disciplina Administração Educacional como um dos
procedimentos que organizou a formação discursiva e a fez funcionar
20
sob determinada regularidade, proliferada também com a entrada de
autores críticos nesta ordem discursiva os quais desconstruíram
determinadas assertivas, mas não o modo de funcionamento e
proliferação do discurso. Neste capítulo, incluo, também, a análise
dos aspectos que caracterizaram a formação do discurso após a
publicação da legislação nacional que garantiu a gestão democrática
como princípio do ensino público. Entre os aspectos principais está a
construção da escola como objeto de estudos dos pesquisadores em
Administração Educacional.
Como no capítulo precedente o leitor encontrará o cotidiano
escolar como uma perspectiva apresentada pelos próprios
pesquisadores como potente para o desenvolvimento do discurso, Em
Perspectivas de estudos na escola: novos horizontes para o discurso
em Administração Educacional ou estamos diante de seus limites?,
segundo capítulo, explicito três perspectivas teórico-metodológicas de
estudo na escola e com a escola que serviram de subsídios para a
realização de pesquisas dos integrantes do CEPAE, expondo seus
limites e potencialidades para a diferenciação do discurso em
Administração Educacional.
Entendendo que há limites impostos por regras históricas que
impedem o discurso de diferenciar-se por meio da proposição de
novas problematizações e que há potencialidades não exploradas, no
capítulo três, “Contribuições da Teoria do Discurso para o Discurso
em Administração Educacional no Brasil”, desenvolvo categorias que
integram uma perspectiva discursiva pós-estruturalista buscando
provocar um diálogo com meus pares ou, talvez, uma adversariedade
própria de uma política acadêmica democrática (LACLAU;
MOUFFE, 2015).
Por fim, devo destacar que ao acompanhar a prática discursiva
de Administração Educacional desde os anos 2000, participei,
21
também, de sua mudança terminológica para Gestão Escolar. A
maioria dos autores indica que a mudança é necessária porque vem
consolidar os movimentos sociais presentes nos anos 1980 que
influenciaram diretamente a redação da Constituição Federal
(BRASIL, 1988) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996) que trouxe pela primeira vez a gestão democrática
como princípio educacional do ensino público. Na minha pesquisa
de doutorado, já citada, identifiquei esse movimento nas publicações
da ANPAE e uma concordância quanto a este argumento. Ao
contrário, há autores que destacam a possibilidade de a mudança vir
trazer à Administração Educacional os elementos presentes na gestão
empresarial, já que esta aderiu ao novo termo e o faz de forma
conveniente a seus pressupostos (SILVA JUNIOR, 2002). Há
também autores que dizem não ter “utilidade alguma diferenciá-los”
e os trata como sinônimos, aderindo ao termo gestão na maioria dos
seus textos (PARO, 2020). Concordo com este último autor que a
diferenciação conceitual de forma abstrata e em geral não se faz
necessária, ou seja, definir se um termo é uma coisa e o outro termo
é outra, não é importante, mas por razões diferentes das dele. De
forma geral, a conceituação em abstrato, em geral, não é útil porque
generaliza e universaliza previamente um conceito e, quando ele for
acoplado ou colocado posteriormente em um dado contexto, ele já
traz consigo uma carga teórica que despotencializa a especificidade do
local, em nosso caso, a escola. Sendo assim, não é a diferença de
conceito que é “útil”, mas, sim, a constatação que os termos utilizados
são políticos, históricos e atravessados por relações de poder as quais
são muito importantes em minha perspectiva analítica.
No entanto, a opção por utilizar Administração Educacional
adveio da inserção do livro nesta subárea do conhecimento científico,
divulgada pelas agências de fomento CAPES; CNPq e FAPESP -,
22
pela ANPAE e, também, pelo Departamento de Ensino
(Departamento de Administração e Supervisão Escolar) ao qual
pertenço desde minha contratação na Faculdade de Filosofia e
Ciências, UNESP, Marília, em 2005. As duas primeiras ancias,
vinculadas ao governo federal, apresentam-se em grandes áreas do
conhecimento (Humanas, Exatas, Saúde, etc) as quais se subdividem
em áreas e subáreas. No CNPq, a Educação é uma área e
Administração Educacional uma de suas subáreas (7.08.02.00-9),
sendo que não há uma subárea denominada Gestão Escolar. Na
FAPESP, fundação de amparo do estado de São Paulo, a divisão é
semelhante, sendo a Educação uma área das Ciências Humanas e
Administração Educacional uma de suas subáreas. No livro, utilizarei
o termo Gestão com referências diretas e/ou indiretas aos autores que
o utilizam em suas respectivas produções. Um último esclarecimento
quanto à questão terminológica também é necessário: quando eu
utilizar Administração Educacional estarei me referindo à subárea de
conhecimento da Educação, uma de suas especialidades, e quando me
referir à Administração Escolar, estarei falando a respeito dos aspectos
dessa especialidade em relação à escola e seu cotidiano.
23
Capítulo 1
O Discurso em Administração Educacional entre
os anos 1960 e 2020: alguns aspectos em análise
O objetivo deste capítulo é analisar aspectos que constituíram
o discurso em Administração Educacional entre os anos 1960 e os
primeiros anos da década de 2020, tendo como material de análise
obras de autores considerados clássicos da área e as publicações e
participação da Associação Nacional de Política e Administração da
Educação (ANPAE) nesta prática discursiva.
Em um primeiro momento, trabalharei com a institucio-
nalização, nos anos 1960, da Administração Educacional como
disciplina, estabelecendo seus contornos, modos de funcionamento,
organização e propagação. Em seguida, identifico, no final dos anos
1970, a construção de uma perspectiva crítica no discurso a qual
procurou desafiar o que já estava hegemonizado, problematizando
uma de suas regras de formação. Nosso argumento será o de que,
embora esta perspectiva tenha, do ponto de vista teórico, questionado
os pressupostos da anterior, manteve uma forma de interagir com o
objeto Administração Educacional sendo, também prescritiva,
com perfil universal e totalizante. Por fim, analisamos aspectos
constituintes da criação e participação da ANPAE neste processo por
meio de suas publicações e atuação social.
24
Dois aspectos merecem destaque. O primeiro diz respeito à
retomada do que neste livro estamos compreendendo por discurso ou
prática discursiva e o segundo se refere ao objetivo de realizarmos essa
incursão nas articulações entre os elementos que compuseram a
história e a política do discurso em Administração Educacional no
Brasil.
O discurso é a prática social que articula elementos dispersos
e diferentes em um processo em que há lógicas de equivalências entre
eles, transformando-os em momentos desta prática e construindo
pontos nodais hegemônicos, ou melhor, construindo sentidos e/ou
significações. Esta prática articulatória é constantemente desestabi-
lizada por algo externo e antagônico a ela e que torna possível a
construção hegemônica de sentidos. Essa compreensão nos permite
dizer que a contingência é parte integrante da formação discursiva e
que sempre há elementos deixados de fora dessa prática que poderão
ser articulados em outros contextos (LACLAU; MOUFFE, 2015).
Além de ser uma prática social que articula elementos, o
discurso se apresenta como “regularidade em dispersão”, organi-
zando-se por meio de procedimentos que exercem controle e poder
de proliferação de suas regras. Estes procedimentos podem ser
internos às práticas discursivas, por exemplo, apresentadas nos
sentidos atribuídos e fixados, ou externos a elas, por exemplo,
incorporando rituais, normas e padrões que também permitem sua
manutenção e proliferação (FOUCAULT, 2014).
Mais importante do que me estender na conceituação
presente nestes autores é fazer operar seus conceitos teóricos,
metodologicamente, por meio da análise a qual vai exemplificar e
mostrar sua ação de teoria e ação de prática.
O segundo aspecto é o propósito que temos com a construção
deste capítulo, pois ele não diz respeito apenas a resgatar a
25
Administração Educacional, mas permitir que o leitor acompanhe um
movimento discursivo como algo dinâmico, contingente, permeado
por conflitos e relações de poder, que estabelece pontos de significação
ou atribuição de sentidos por meio da hegemonização, mas logo é
desestabilizado por meio de um movimento antagônico, conflituoso,
o qual direciona novos movimentos de articulação e assim
sucessivamente. Nesta perspectiva de análise, por mais que
busquemos um fim absoluto e totalizante, a história não tem/terá fim,
não encontraremos uma verdade fixa e imutável, por isso, o conflito,
o poder e o antagonismo são inerradicáveis do social e do discurso.
Longe de relativizar tudo, a proposta analítica multiplica
possibilidades e lutas democráticas como suas potencialidades e indica
a fixação de binarismos e a prescrição do certo e do errado como as
principais características de seus limites.
Vamos lá!
1.1.Institucionalização da Administração Educacional
nos anos 1960
Por institucionalização da Administração Educacional
entendo o processo de constituição dessa área de pesquisa de forma
disciplinar o qual teve seus primeiros contornos décadas antes dos
anos 1960.
No final dos anos 1930, há alguns escritos acadêmicos sobre
o tema, mas em sua maioria são relatórios de administradores, sendo,
talvez, o mais importante deles o de Anísio Teixeira na administração
educacional da então capital brasileira, Rio de Janeiro, entre os anos
1931-1935. O relatório, publicado em livro sob o título “Educação
para a Democracia” (TEIXEIRA, 1997) é uma obra clássica para os
pedagogos em formação e pesquisadores em educação. Neste
26
relatório, reeditado em 1997 com riquíssima apresentação de Luís
Antônio Cunha, estão presentes as concepções do educador sobre os
diferentes níveis e modalidades de ensino que se estruturavam naquele
momento de urbanização e industrialização do país e, em seguida, o
relato de suas ações como administrador público para atender às suas
intenções de construir uma escola que preparasse para a democracia.
Para ele, só existiria “democracia no Brasil no dia em que se montar
no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da
escola pública”, pois “[...] a armadura social estava construída sobre
um regime de privilégios de família e de casta” e sua “destruição,
entretanto, só se fará completa por meio da escola pública, que é o
instrumento específico da ideia democrática” (TEIXEIRA, 1997, p.
229).
Além dos relatórios citados, há, também, livro clássico de José
Querino Ribeiro (1938), “Fayolismo na administração das escolas
públicas”. Recentemente, este livro passou a ser disponibilizado online
em uma publicação específica dos clássicos da Administração da
Educação pela biblioteca ANPAE, iniciativa do professor Adolfo
Ignacio Calderón (PUC/Campinas), que somou sua dificuldade à da
pesquisadora Eggers (2016) - que realizou análise das contribuições
da participação mais ampla de Querino Ribeiro para a
institucionalização da disciplina Administração Educacional - de
conseguirem um exemplar da obra e criou o projeto dos “clássicos
com apoio da ANPAE. Hoje, o leitor encontra digitalizado o livro de
1938, sendo necessário realizar busca por seu título diretamente no
site da ANPAE (www.anpae.org.br). Na mesma perspectiva de
Ribeiro (1938), Leão (1938) publica o livro “Introdução à
Administração Educacional”, cujas contribuições foram retomadas e
analisadas por Luz (2004), no âmbito da pesquisa integrada que
participei entre os anos 2000 e 2004.
27
Os aspectos constituintes desses livros são diferentes daqueles
escritos em forma de relatórios de administradores da Educação,
como o de Anísio Teixeira. José Querino Ribeiro, já no final dos anos
1930, percorria caminho em busca de um conhecimento específico
em Administração Educacional para ensinar àqueles que se formavam
para trabalhar nas escolas públicas que se tornavam maiores e mais
complexas em termos da divisão do trabalho, uma grande “empresa
do Estado” (RIBEIRO, 1968, p. 27).
Sander (1982), ao realizar uma revisão histórica do
conhecimento em Administração Educacional no Brasil, indica que
os primeiros escritos importaram receitas de administração de outras
realidades na tentativa de aplicação na nossa realidade,
compreendendo a Administração como “[...] processo universal, um
instrumento neutro, uma tecnologia mecânica para resolver
problemas com pesada carga cultural e política” (SANDER, 1982, p.
8). A revisão deste autor estuda a Administração Educacional no
âmbito do desenvolvimento da Administração Pública, sob quatro
enfoques diferentes: jurídico, organizacional, comportamental e
sociológico. Apesar de constituírem fases distintas, o início de uma
não determina o término da outra, os autores de uma fase podem
apresentar indícios de outra e, muitas vezes, as fases se encontram
superpostas.
Para Sander (1982), o enfoque jurídico marcou os estudos até
a década de 1930 que tiveram como referência a tradição do Direito
Administrativo Romano, além dos valores do cristianismo e dos ideais
do positivismo. Adotou-se o legalismo, uma das características básicas
do Direito Romano, na análise administrativa, que enfatiza o sistema
fechado de conhecimento da Administração, a ordem e “[...] prega a
legislação antecipatória em oposição à legislação baseada na
experimentação. A lei torna-se, então, um ideal a ser atingido em vez
28
de um parâmetro a ser aplicado a circunstâncias concretas”
(SANDER, 1982, p. 12). O autor evidencia a continuidade dos
moldes coloniais, vinculados aos centros internacionais, após a
Independência e a República. O enfoque organizacional, por sua vez,
marcou o período de 1932 a 1960, sendo o ano inicial datado da
publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova do qual
Anísio Teixeira foi um dos seus signatários mais atuantes. A
Administração Educacional baseou-se nos princípios da
Administração clássica e “[...] na predominância dos técnicos que
adotam soluções racionais para resolver problemas administrativos,
em detrimento de seus aspectos humanos e sociopolíticos”
(SANDER, 1982, p. 15). Dessa fase, segundo o autor, surgiram os
trabalhos de autores mais influentes de Administração Educacional
no Brasil, entre os quais, os citados anteriormente.
E é neste contexto dos anos 1950 e 1960 que elementos
dispersos passam a ser articulados em suas demandas em torno da
construção de um ponto nodal hegemônico: a elaboração de uma
teoria da Administração Educacional que fizesse frente à ausência de
um conhecimento específico e organizado “que lhe servisse de base
conceptual, permitindo compreendê-la com nitidez e utilizá-la com
segurança” (RIBEIRO, 1952, p. 7).
Entre os professores de Administração Educacional das
Faculdades de Filosofia e Educação do país circulava, na década de
1950, a ideia de congregar esses profissionais para trocar
conhecimentos e realizações sobre o ensino e a pesquisa na área,
entretanto, cada professor foi mantendo as suas investigações e
reflexões individuais. Em 1955, o Professor Antonio Pithon Pinto,
que na época ocupava a cátedra de Administração Educacional e
Educação Comparada da Faculdade de Filosofia da Universidade
Federal da Bahia, enviou uma carta circular aos professores de
29
Administração Educacional das Faculdades de Filosofia manifestando
o desejo de estudar conjuntamente os problemas do ensino da matéria
e, seis anos mais tarde, foi realizado, na Universidade de São Paulo, o
I Simpósio Brasileiro de Administração Educacional. Para esse
Simpósio, A. Pithon Pinto (1962) escreveu um trabalho intitulado
“Informe sobre a cadeira de Administração Escolar” no qual afirmava
estar convencido da utilidade da criação da Associação de Professores
de Administração Escolar (APAE), que teria como objetivos
principais: assegurar o intercâmbio entre os professores de
Administração Escolar do país e do estrangeiro; promover a realização
de novos simpósios; publicar Boletim Informativo destinado a
divulgar os trabalhos e atividades das cátedras; organizar completa
bibliografia sobre Administração Escolar; estudar a possibilidade de
publicar um compêndio de Administração Escolar; publicar
Cadernos de Administração Escolar; traçar normas para cursos de
verão destinados a diretores, orientadores, supervisores, inspetores e
outros administradores escolares. O Grupo de Trabalho 1 do
Simpósio debateu as sugestões e propôs ao plenário a criação da
Associação Nacional de Professores de Administração Escolar
(ANPAE) com sede em uma das Faculdades de Filosofia do país,
designando como presidente o titular da cadeira de Administração
Escolar. O Grupo estabeleceu também como membros efetivos da
associação todos os professores de Administração Escolar presentes no
I Simpósio, que totalizavam, inicialmente, 33 associados. A ata
histórica da sessão de encerramento do Encontro, datada de 11 de
fevereiro de 1961, aprova o Estatuto da ANPAE e elege, como
primeiro presidente, Antonio Pithon Pinto, e como membros do
Conselho Deliberativo: Anísio Spinola Teixeira; José Querino
Ribeiro; Pe. Theobaldo L. Frantz, S. J., e Edson Moury Fernandes.
30
Dois discursos marcaram a Sessão Inaugural do I Simpósio
Brasileiro de Administração Escolar: o do presidente da comissão
organizadora, José Querino Ribeiro; e o do diretor do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), Anísio
Spinola Teixeira.
Iniciando pela distinção entre Filosofia, Política, Técnica de
trabalho de base e Administração, Ribeiro (1968) manifestou-se a
respeito da Administração Escolar e atribuiu-lhe como atividades
específicas: o planejamento, a organização, a assistência à execução, a
avaliação de resultados e a prestação de contas ou relatórios; e suas
aplicações a todos os aspectos da vida da empresa escolar, resumidos
a quatro grupos: pessoal, material, serviços e financiamento. Para o
autor, o ensino em uma Cadeira de Administração Escolar deveria
partir dessas atividades específicas, na tentativa de “[...] criação de
uma mentalidade propiciadora para os próximos desenvolvimentos”,
porque “[...] os fenômenos da industrialização e da urbanização, com
sua consequência mais desejável a democratização, tendem a criar
certos problemas que só uma Administração racional poderá resolver”
(RIBEIRO, 1968, p. 43).
Anísio Teixeira (1968), por sua vez, constatou inicialmente
que o país não se preocupava, na época, com a preparação de
administradores escolares e define o administrador como “[...] o
homem que dispõe dos meios e dos recursos necessários para obter
alguns resultados. Resultados certos, e isto é um administrador. Logo,
determinados, propositais, estabelecidos pela ação intentada”
(TEIXEIRA, 1968, p. 45). Segundo o diretor do INEP, a necessidade
de se preparar administradores escolares e de se processar estudos na
área adquire fundamental relevância em um contexto marcado pelo
rápido desenvolvimento do ensino que se desdobra na complexidade
da escola que não dispõe, sequer, da estabilidade do magistério.
31
Assim, “[...] o novo administrador terá, pois, de substituir algumas
funções daquele antigo professor, ou melhor fazer o necessário para o
novo professor, tanto quanto possível tenha a mesma eficiência
daquele antigo professor” (TEIXEIRA, 1968, p. 47). Apesar de
atribuir ao administrador a função de substituir algumas atividades
do antigo professor para garantir a “eficiência” do seu trabalho,
Teixeira (1968) distingue dois tipos de administração: a da fábrica,
em que a função de planejar é suprema e a fuão de executar,
mínima; e a administração da escola, na qual o elemento mais
importante é o professor e não o administrador. Assim, para ele, é da
sala de aula que emergem as três especialidades da Administração
Educacional: o administrador, o supervisor e o orientador dos alunos.
Teixeira (1968) defendeu que o administrador precisa de uma
formação inicial de qualidade como professor e de longa experiência
em sala de aula para, posteriormente, em curso de pós-graduação,
especializar-se para as funções especializadas.
Entre as conclusões emitidas pelos diferentes grupos de
trabalho presentes no I Simpósio, ressalto as recomendações
referentes à criação do Instituto de Administração Escolar junto à
cadeira de Administração Escolar e, na sua impossibilidade, a criação
de um Departamento de Administração Escolar; a necessidade de a
cadeira de Administração Escolar constituir uma disciplina autônoma
dos cursos de Pedagogia; o apontamento das seguintes unidades
constituintes para os programas da disciplina Administração Escolar:
Racionalização do trabalho; Administração Geral e Administração
Escolar; Problemas gerais e especiais de Administração Escolar;
Exposição crítica da Administração Escolar brasileira; Introdução à
legislação escolar brasileira e atividades práticas. Essas unidades
estariam subsidiadas pela bibliografia americana, representada
fundamentalmente por Taylor, Fayol, Urwick e Sears, seguida pela
32
coleção de leis e decretos federais e estaduais. O grupo de trabalho
dois também definiu que “[...] A Administração Escolar supõe uma
filosofia e uma política diretoras pré-estabelecidas; consiste no
complexo de processos criadores de condições adequadas às atividades
dos grupos que operam na escola em divisão de trabalho; visa à
unidade e economia da ação bem como o progresso do
empreendimento” (ANPAE, 1962, p. 68). Além disso, ela se
concretizará na aplicação prática, em todos os setores da empresa, das
suas atividades específicas, já expostas por Ribeiro (1968) em seu
discurso, na sessão inaugural.
De acordo com Leonor Tanuri, professora apresentadora da
oitava edição do livro de Lourenço Filho (2007), este não esteve
presente na criação e I Simpósio da ANPAE porque se encontrava
afastado de suas atividades do magistério e de cargos administrativos
da educação, desde o final dos anos 1950, dedicando-se a escrever
livros a partir da organização de alguns de seus escritos e experiências
em diversos cargos e funções ocupadas nos altos escalões do sistema
educacional. O autor publica “Organização e Administração
Educacional: curso básico” em 1963, reeditado oito vezes, sendo a
última pelo INEP, em 2007. Na esteira da perspectiva de
institucionalização da disciplina, o educador segue o propósito de
construção de uma Teoria para Administração Educacional, baseada
na Teoria Geral da Administração, acrescentando aspectos da
Psicologia comportamental para pensar as ações do diretor de escola
no sentido da liderança do trabalho escolar. No meu percurso de
pesquisa na história da Administração Educacional, foi o primeiro
escrito em que identifiquei a liderança de forma fundamentada no
que o educador denominou Teorias Novas (na Administração). É
importante destacar que Ribeiro (1952), Lourenço Filho (2007) e
outros professores presentes na criação da ANPAE que definiram a
33
Administração Escolar como responsável por processos complexos de
planejamento, organização, comando, controle e coordenação na
escola para a execução eficiente e eficaz dos objetivos postos por uma
Política e uma Filosofia da Educação, tinham um foco específico que
era o processo administrativo, mas, quanto aos fins educacionais, é
possível encontrar diferenças significativas traçadas em relação aos
fabris. Uma abordagem clássica ilustrativa dessa diferenciação está
presente no trecho transcrito a seguir, no livro de Lourenço Filho
(2007, p. 48):
Não se torna possível propor as questões de organização e
administração do ensino nos mesmos termos em que o podemos
fazer com relação à produção de uma fábrica, isto é, mediante
tipificação rígida dos resultados e emprego de procedimentos
invariáveis na produção. Educação é vida, reclama espírito
criador. [...] Em qualquer hipótese, os administradores devem
preocupar-se com a formação básica dos mestres e diretores e seu
aperfeiçoamento constante. Isso não só quanto à questão
estritamente pedagógica do trabalho, mas quanto à compreensão
dos objetivos sociais da escola que, na própria didática, vêm a
influir. Nesse sentido, o estreitamento de relações entre cada
escola e a comunidade local torna-se indispensável.
Esses acontecimentos não encerram a totalidade do contexto
dos anos 1960, mas permitem compreendê-lo como momento de
elaboração e consolidação dos princípios teórico-metodológicos que
viriam a servir de base para a institucionalização da disciplina
Administração Educacional presente na formação de professores,
administradores e pesquisadores. Dos educadores referenciados,
destaco que Teixeira (1968; 1997) não ocupou cadeira de
Administração Escolar sendo sua atuação, entre os anos 1920 e 1997,
marcada predominantemente pela ocupação de cargos públicos, na
34
época diretor geral de instrução pública, equivalente hoje ao que
conhecemos como secretário de educação, de importantes capitais do
país. Quando ele se pronunciou sobre Administração Educacional,
ele fez com base em suas experiências como administrador, portanto,
não participou, de forma direta, da proliferação do discurso,
posteriormente à criação da ANPAE, em aulas e/ou livros destinados
aos cursos de Pedagogia.
Já Querino Ribeiro (1952; 1968) e Lourenço Filho (2007)
foram professores catedráticos, o primeiro de Administração
Educacional e Educação Comparada da Faculdade de Educação da
USP e o segundo de Psicologia Educacional na Faculdade Nacional
de Filosofia, por isso, suas falas a respeito da disciplina foram
publicadas em livros, repercutindo de forma direta na formação dos
profissionais da educação e na produção discursiva. Devido às
especificidades das cadeiras ocupadas, Ribeiro (1952) escreve com
base nos princípios da Teoria Geral da Administração e Lourenço
Filho (2007) inclui nesta perspectiva aspectos da psicologia
organizacional, principalmente elementos circunscritos “aos
administradores escolares em ação”, título do capítulo três de sua
obra.
De forma geral, a ideia dos primeiros trabalhos acadêmicos foi
de exportar os princípios teóricos da Teoria Geral da Administração
(TGA) universalidade e neutralidade com a finalidade de se
constituir, assim como a Administração Geral fabril, como
organização científica do trabalho com vistas à otimização do tempo
a fim de alcançar economia de recursos, racionalização do esforço,
eficiência e aumento na produtividade. Portanto, a década de 1960
está marcada pelo esforço coletivo de extrair os conteúdos científicos
e fundamentais da TGA para organizar a Administração Educacional
em função da racionalização e controle das emoções e
35
comportamentos desviantes dos objetivos educacionais e
proporcionar eficiência. A administração é um princípio universal na
medida em que serve para qualquer organização institucional com
objetivos previamente edificados e neutra na medida em que não
interfere no alcance dos objetivos de cada instituição, pois serve como
técnica para racionalizar suas ações.
O conceito de Administração Escolar é formulado a partir
desse contexto no I Simpósio da ANPAE: a Administração Escolar
supõe uma Filosofia e uma Política diretoras pré-estabelecidas;
consiste no complexo de processos criadores de condições adequadas
às atividades dos grupos que operam na escola em divisão de trabalho;
visa a unidade e economia de ação, bem como o progresso do
empreendimento. Em Ribeiro (1952, p. 153), uma década antes,
encontramos Administração Escolar como o “[...] complexo de
processos cientificamente determinados, que, atendendo a certa
filosofia e a certa política de educação, desenvolve-se antes, durante e
depois das atividades escolares para garantir-lhes unidade e
economia”. Ao contrário do que anunciou Teixeira (1968) em seu
pronunciamento, Administração Escolar ganhou contornos da
Administração empresarial, sendo considerada uma “atividade de
bom senso” e “não de brilho”, caracterizada pela execução de uma
Política e uma Filosofia da Educação que se faz fora e acima dela
(RIBEIRO, 1952). O propósito era pensar, organizar e ensinar como
deve ser o processo administrativo para que ela atenda à Política e à
Filosofia de forma eficiente e, por isso, garanta a “prosperidade do
empreendimento.”
Os princípios de neutralidade e universalidade estão
garantidos porque os elementos condicionantes da administração se
mantêm fora e acima dela. Fora, pois a política educacional é o “[...]
‘estilo’ de ação, o ‘modus faciendi’ com que se pretende realizar,
36
através de um sistema educacional, os objetivos propostos pela
filosofia de educação” e, acima, pois a “[...] filosofia estabelece os
ideais a atingir, a administração oferece os meios de ação e a política
determina em que estilo, de que maneira, os meios devem ser
estabelecidos e usados” (RIBEIRO, 1952, p. 47). Ela é universal
também porque aplicável a qualquer escola, independentemente de
suas especificidades e também neutra porque intacta às mudanças dos
objetivos postos pela Filosofia e Política da Educação. Ou seja, os fins
postos por elas podem ser alterados, mas o processo eficiente não terá
seus próprios princípios abalados, portanto, são neutros.
Acompanhando esse discurso hegemônico, Lourenço Filho
(2007) acrescenta aspectos comportamentais e focaliza a importância
da liderança do diretor de escola, tema também presente na obra
clássica da década seguinte (ALONSO, 1976). Esta autora, tendo sido
aluna de Querino Ribeiro nos anos 1950, fez seu mestrado nos
Estados Unidos e defendeu sua tese de doutorado em 1974 com
respaldo teórico na literatura norte-americana, nos anos de ditadura
militar no Brasil, com influências da teoria comportamental,
estruturalismo weberiano e abordagem sistêmica (ARF, 2002). Sua
tese foi publicada em livro dois anos depois de sua defesa e o foco
principal foi analisar o papel do diretor na Administração Escolar (no
processo administrativo), trazendo para o debate aspectos ainda não
elaborados na disciplina, como, por exemplo: as relações entre os
sistemas da educação e escolar, o comportamento do diretor diante
de seus superiores na hierarquia do sistema e também de seus
professores na hierarquia escolar.
A autora indica um papel fundamental para o diretor escolar
no sentido de ser ele o executivo máximo da unidade escolar,
responsável por compreender as diretrizes externas legislação,
políticas adequá-las ao contexto de sua escola e mobilizar seus
37
professores para sua execução eficaz. Sendo assim, trata-se, para
Alonso (1976), de uma atividade dinâmica e permeada por conflitos
de expectativas do Estado, da comunidade e dos professores, porém,
a autoridade do diretor, garantida por sua posição na hierarquia e por
seu conhecimento que se diferencia dos demais integrantes da escola,
coloca-o em uma posição favorável para conduzir as pessoas a
focalizarem a execução eficaz dos fins educacionais em detrimento de
conflitos, desordem ou desorganização.
Retomando os enfoques de Sander (1982), o autor acrescenta
o enfoque comportamental e o enfoque sociológico aos dois primeiros
(jurídico e organizacional). Do exposto, indico que a perspectiva dos
quatro enfoques estão presentes no que denomino institucionalização
da disciplina Administração Educacional, já que, para Sander (1982),
o que caracteriza o enfoque comportamental é ter se desenvolvido
após a II Guerra Mundial, em âmbito internacional, e influenciado
as Teorias da Administração no sentido de trazer a Psicologia e a
Sociologia para pensar as relações no interior da fábrica; e o que
caracteriza o enfoque sociológico é a incorporação da ciência social
nos estudos de Administração, já que “[...] a eficiência da
Administração se determina primordialmente pela atuação de
variáveis políticas, sociológicas e antropológicas e apenas
secundariamente pela atuação de variáveis jurídicas e técnicas”
(SANDER, 1982, p. 21).
O mesmo autor analisou os compromissos da ANPAE com a
Administração Educacional quando a associação completou 25 anos
e eles os compromissos apresentam correspondência com os
elementos que evidenciei como articuladores de um discurso
hegemônico. Em um primeiro momento, o compromisso dos
integrantes estaria com a “eficiência” na organização do trabalho
pedagógico. Sander (1986) destaca que, entre a década de 1960 e
38
1970, houve uma rejeição aos princípios da Administração clássica e
a ênfase no lado humano da organização e no lado psicossociológico
da escola como instituição social. A relação entre o compromisso da
ANPAE e a Administração Educacional no Brasil é um compromisso
com a “eficácia” comportamental para a consecução dos objetivos
educacionais. No último período, a influência das Ciências Sociais
consolida-se na ANPAE com a realização do “IX Simpósio Brasileiro
de Administração da educação”, realizado em 1978, que estudou a
Administração da educação no contexto das Ciências Sociais. No ano
seguinte, realizou-se o “I Congresso Interamericano de Administração
da educação”, tendo como assunto em pauta a relação entre Política
e Administração da educação no contexto da Ciência Social
contemporânea. O novo compromisso da ANPAE com a
Administração da educação é assegurado: “[...] um compromisso com
a efetividade política e a relevância cultural” (SANDER, 1986, p. 19).
A maioria dos professores de Administração Escolar do Brasil,
na década de 1960 e 1970, esteve presente na criação da ANPAE, por
isso, esta associação constitui um dos elementos articulados naquele
contexto que formaram um discurso hegemônico em Administração
Escolar. Posteriormente, ela teve uma ampliação significativa do
número de associados, principalmente quando tem seu nome alterado
para Associação Nacional de Profissionais da Administração da
Educação, incorporando profissionais da Educação de forma geral, e,
em seguida, para Associação Nacional de Política e Administração da
Educação, ampliando o escopo para as questões de Política
Educacional. Embora ela tenha tido alterações significativas de
amplitude e abordagem, manteve a mesma sigla.
Do que foi apresentado, posso dizer que estavam articulados
elementos suficientes na prática discursiva que proporcionaram uma
hegemonização um ponto nodal na institucionalização da
39
disciplina Administração Escolar: as diferentes demandas, com suas
identidades específicas, por meio de equivalências a necessidade
contingente de estabelecer um corpo teórico que desse conta da
formação dos profissionais que trabalhariam nas escolas públicas
urbanas estruturadas de forma complexa construíram ponto nodal
hegemônico, estabilizando o conceito de Administração Escolar como
mediação para se atingir fins educacionais determinados. A
Administração Escolar, com base nos pressupostos teóricos da
Administração empresarial, de forma universal e neutra, é o processo
eficiente de organização do trabalho que se encontra dividido, na
busca da unidade da ação e da prosperidade do “empreendimento
escolar”. Ela é constituída por um conhecimento técnico a ser
organizado e ensinado para cumprimento de seus fins.
No entanto, é preciso destacar que há elementos fora dessa
prática articulatória, os quais não integraram essa formação, por
exemplo, a insistência de Teixeira (1961; 1968) sobre a especificidade
da Administração Escolar frente à Administração de empresas, pois,
para ele, se houvesse alguma semelhança, esta seria com a
Administração hospitalar em que a figura do médico é mais
importante do que a figura do administrador da organização, porque
é quem está na atividade fim. Esses elementos foram excluídos da
prática discursiva, mas, de certa forma, desestabilizam o centro fixado
por aquele coletivo e colocam um problema para a fixação de uma
verdade que pudesse se tornar absoluta (LACLAU; MOUFEE,
2015).
Do ponto de vista da ordem discursiva, a institucionalização
da disciplina, a presença de autores representantes da regularidade
presente no discurso (RIBEIRO, 1952; ALONSO, 1976;
LOURENÇO FILHO, 2007) e também de comentadores, como por
exemplo, os assistentes de cátedra de Querino Ribeiro (BREJÓN,
40
1968; MASCARO, 1968), apresentam-se como procedimentos
internos do discurso que garantem sua proliferação. A regularidade
em dispersão - o discurso apresenta-se e se prolifera por meio de
regras fixadas momentaneamente: a) a tentativa de neutralidade e
universalidade tendo como base a TGA; b) a Administração Escolar
como atividade técnica, de mediação, para a execução de fins
previamente determinados por uma Política e uma Filosofia da
Educação, tendo o diretor de escola um papel de liderança
fundamental neste processo; c) sua proliferação se efetiva por meio de
rituais congressos, simpósios e publicações, que interditam o que
não pode ser dito ou incorporado ao discurso (FOUCAULT, 2014).
No entanto, na perspectiva analítica apresentada neste livro,
os elementos não incorporados desempenham uma função
imprescindível porque provocam a fixação do que fora hegemonizado
e, somando forças com outros elementos, construídos a partir de um
contexto político e social de redemocratização do país, vêm para
desestabilizar o que estava posto, constituindo, externamente à
formação discursiva, uma força antagônica que provocará novas
articulações e um novo processo de hegemonização do discurso. É o
que veremos a seguir.
1.2 Limites e potencialidades da perspectiva crítica para a prática
discursiva em Administração Educacional
A ditadura militar já deixava suas marcas há mais de 10 anos
quando alguns acontecimentos vinculados à organização e à produção
científica iniciam um movimento que vai se fortalecer no início dos
anos 1980. Já no final dos anos 1970, elementos não articulados no
discurso em Administração Educacional passam a encontrar
equivalências com outros elementos presentes na sociedade e na
41
política. Retomando a ideia que discurso é uma prática social que se
faz entre elementos articulados em um contexto específico, estou
compreendendo como elementos um espectro amplo constituído por
trabalhos científicos, criação de uma associação ou sociedade,
fortalecimento de linhas na pós-graduação em educação, falas e
palestras, entre outros. Neste discurso que estou apresentando,
obviamente, excluo alguns elementos e privilegio outros, pois como
nos subsidia Laclau e Mouffe (2015), não há possibilidade de um
discurso se constituir de forma totalitária. Este aspecto é importante
porque indica ao leitor que existem outras possibilidades articulatórias
e discursivas a respeito dos limites e das potencialidades que esboçarei
neste subcapítulo.
Além de a ANPAE integrar as Ciências Sociais às suas
reuniões científicas, no mesmo ano, 1978, no dia 16 de março é criada
a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPEd) que, desde aquela data, vem atuando “de forma decisiva e
comprometida nas principais lutas pela universalização e
desenvolvimento da educação no Brasil”. Tendo como “finalidade o
desenvolvimento da ciência, da educação e da cultura, dentro dos
princípios da participação democrática, da liberdade e da justiça
social”, a ANPEd integrou em sua estrutura os programas de pós-
graduação em Educação (PPGE) do Brasil, os quais tiveram início nos
anos 1965, sendo o primeiro deles o PPGE da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM
EDUCAÇÃO, 2012).
No ano seguinte, importante artigo de Miguel Arroyo (1979)
é publicado na revista Educação & Sociedade e traz às discussões da
Administração Educacional as dimensões políticas que questionam
criticamente os discursos de modernização administrativa como
42
prioridade para a qualidade da educação escolar. Antagonizando com
o discurso anterior que via na “falha de natureza administrativa”
(ALONSO, 1976) um dos fatores principais da ineficiência dos
serviços educacionais, Arroyo (1979) faz críticas às desigualdades
sociais advindas da estrutura da sociedade capitalista e da organização
do Estado e da instituição escolar que vêm atendendo aos modos de
produção vigente. Para este autor, não é mudando a administração
escolar tornando-a mais eficiente e eficaz que daremos conta de a
escola ter qualidade porque é preciso movimento contrário em que os
fins educacionais postos por um Estado que tem favorecido o capital
por meio da manutenção do modelo econômico sejam
problematizados. Sendo assim, a educação escolar que privilegia um
saber vinculado à produção capitalista e ao desenvolvimento
econômico precisa ser problematizada no sentido de exigir outro tipo
de participação estatal.
Duas questões importantes decorrem dessa perspectiva crítica,
sendo elas a formação do administrador escolar e a participação da
sociedade na educação. Em relação à primeira, Arroyo (1979, p. 43)
defende ser “necessário que ele [o administrador] tenha uma atitude
crítica sobre os produtos da escola, sobre a função socioeconômica e
política do saber, da ciência, tecnologia e cultura, em cuja produção
ele coopera” e, em relação à segunda, defende que as decisões do
Estado no estabelecimento dos fins educacionais devem ser
submetidas ao controle público por meio da participação política.
Tanto a criação da ANPEd quanto a publicação deste artigo
de Arroyo (1979) foram acontecimentos no período da ditadura
militar, assim como a existência de uma parte da primeira etapa da
ANPAE que, por iniciativa do presidente, o professor Carlos Correa
Mascaro, teve suas reuniões científicas realizadas em conjunto com as
Reuniões Anuais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
43
(SBPC), um dos principais instrumentos para o processo de abertura
democrática (MENEZES, 1997).
Na virada para a década de 1980, a ANPAE, já denominada
Associação Nacional dos Profissionais da Administração da Educação
lançou, por ocasião dos atos comemorativos do seu vigésimo
aniversário na Universidade de São Paulo (1981), a primeira ideia
rumo à concretização de um novo veículo de comunicação e
intercâmbio para os profissionais da Administração Educacional.
Com a autorização do Conselho Deliberativo, Maria Beatriz Moreira
Luce, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vice-presidente
da ANPAE e posterior editora responsável pelas primeiras publicações
da Revista Brasileira de Administração da Educação (RBAE),
elaborou o projeto que foi aprovado em outubro de 1981, contando
também com a autorização para a presidência se responsabilizar pela
editoração da Revista. Os artigos aprovados pelo Conselho Editorial,
constituído por todos os membros do Conselho Deliberativo da
associação, eram considerados de exclusiva responsabilidade de seus
autores. A RBAE nascia como um periódico semestral da associação
e tinha o compromisso de apresentar e discutir questões teóricas e
práticas da Administração da educação e, dessa forma,
[...] se consolida mais uma iniciativa intelectual destinada a
desempenhar um papel fundamental no aprimoramento do
estudo e do exercício da Administração da educação e áreas
correlatas no Brasil. A Revista está nas mãos dos educadores
como veículo de intercâmbio, de debate, de educação, de
participação no esforço de construção e reconstrução
permanente do conhecimento científico no campo da educação.
(SANDER, 1983, p. 7).
44
Entre os artigos publicados no primeiro número da RBAE,
dois se destacam por somarem àqueles aspectos críticos indicados por
Arroyo em 1979, sendo um do mesmo autor (ARROYO, 1983) e
outro de Sander (1983).
Em “A Administração da educação é um problema político”,
Arroyo (1983) endossa as críticas feitas anteriormente, reitera a ideia
de a administração da escola pública ser um ato político e denuncia
que “os detentores do poder não renunciarão a seu controle em nome
de critério de racionalidade ou de autonomia do sistema escolar”
(ARROYO, 1983, p. 128). Para este autor, a escola só será do povo
quando os trabalhados e os educadores comprometidos com ela
participarem da Administração Escolar.
Sander (1983), por sua vez, contextualiza a presença de dois
modelos de administração respectivos a duas correntes de Pedagogia.
Para o autor, do século XVI em diante, muitos estudiosos de
nacionalidades diferentes podem ser citados como formadores de uma
corrente denominada “Pedagogia do Consenso” que enfatiza a
ordem, o equilíbrio estrutural e a integração funcional, visando a
preservação da democracia liberal. Para os autores da orientação
funcionalista, o sistema educacional é uma das unidades integrantes
da sociedade e pode ser examinada por meio da instrumentação da
teoria dos sistemas. O enfoque identifica as dimensões organizacio-
nais internas e externas ao sistema educacional e, por esta razão,
preocupa-se em situar o sistema educacional no contexto do sistema
social global. Segundo Parsons (1949), um dos estudiosos citados pelo
autor que representa essa orientação, a educação é uma das unidades
da estrutura social denominada “unidade cultural do sistema social”,
tendo como função manter a estrutura da sociedade, a conservação
do status quo, e a aplicação dos padrões institucionalizados de cultura.
O sistema educacional apresenta uma função inovadora e/ou de
45
abertura apenas para ser eficaz na sua adaptação às situações sociais,
ou seja, “[...] a inovação assim concebida converte-se em mais um
instrumento conservador e auto-regulador da situação social
existente” (SANDER, 1983, p. 17). A “Administração da integração”
é uma derivação natural do modelo funcionalista e sua mediação
busca a ordem, o equilíbrio, a harmonia e a integração das dimensões
do sistema educacional em função dos objetivos educacionais da
sociedade. Seguindo a linha do modelo de Getzels; Lipham;
Campbell (1968), o autor aponta três tipos de administração: a de
estilo normativo, próprio do administrador que se orienta das
exigências burocráticas e tem como critério de desempenho a eficácia
na consecução dos objetivos estabelecidos; a de estilo personalista, que
enfatiza as necessidades individuais e tem como critério de
desempenho a eficiência para satisfazer as necessidades e motivações
individuais; e, finalmente, a de estilo transacional, que enfatiza ora os
requerimentos institucionais ora as necessidades individuais, apresen-
tando como critério de desempenho a satisfação organizacional que
resulta da confluência entre as expectativas burocráticas e as
necessidades individuais. A preocupação central da Administração da
integração que caracteriza a Pedagogia do Consenso é a busca da
congruência e da harmonia entre as diferentes dimensões das
realidades organizacionais. Em outras palavras, essa administração
pretende tanto a satisfação individual como o cumprimento das
expectativas institucionais, sem comprometer o alcance dos objetivos
de manutenção e de reprodução do sistema. Sander (1983) identifica
a presença da Administração da integração nos meios educacionais do
nosso país por causa da tradição liberal da sociedade brasileira e
destaca algumas limitações do funcionalismo subjacente à Pedagogia
do Consenso e à Administração da integração: desconsideração pelas
consequências da ação intencional dos participantes da organização;
46
a incapacidade de equacionamento do tema conflito e da mudança
social; e o descuido dos aspectos éticos e substantivos do ser humano.
O contraponto estaria na “Pedagogia do Conflito”,
fundamentada nos conceitos críticos da sociologia do conflito e
enraizada nos princípios filosóficos e políticos de Engels (1888) e
Marx (1966). A primeira preocupação dessa Pedagogia está em tecer
críticas ao pensamento pedagógico liberal por meio da análise do
papel das instituições e sistemas de ensino. O autor cita as
considerações de Bourdieu e Passeron (1975) sobre a função de
reprodução das relações sociais de produção que o sistema
educacional desempenha, e também as considerações de Althusser
(1970) sobre o papel de não neutralidade da escola na sociedade.
Aponta Gramsci (1979) como importante referência para alguns
teóricos da educação preocupados em analisar a política educacional
na sociedade capitalista e em elaborar um conceito emancipatório de
Educação. No Brasil, Sander (1983) cita Paulo Freire como um de
seus principais expoente. A característica mais marcante dessa
tendência pedagógica é a crítica dirigida à teoria educacional
capitalista e a busca da transformação social. Entretanto, o autor
aponta a falta de uma proposta educacional consolidada e aponta que
várias questões ainda estão à espera de respostas.
Nesta análise, nas duas construções teóricas antagônicas estão
presentes a fundamentação em trabalhos da Ciência Social e o papel
mediador atribuído à Administração da educação, ou seja, ela é o elo
entre os elementos que integram o sistema educacional e entre este e
as instituições sociais. A mediação administrativa implica uma
definição filosófica em função da natureza do sistema educacional e
dos objetivos sociais. Assim, a Pedagogia do Consenso adota uma
mediação administrativa que promove a ordem, o equilíbrio e a
unidade consensual; e a mediação administrativa da Pedagogia do
47
Conflito enfatiza o poder e a mudança. Finalizando, Sander (1983)
aponta vários desafios aos educadores sendo o principal a busca de
paradigmas alternativos ao esquema bipolarizado, com base no
princípio da totalidade multidimensional. O autor defende a adoção
de paradigmas mais abrangentes, multidimensionais para estudar e
dimensionar a realidade multipolarizada das instituições educacionais
no contexto amplo da sociedade, porque acredita que a perspectiva
dicotômica não é capaz de abarcar a totalidade dos fenômenos
educacionais e dos atos e fatos administrativos. Para ele, [...] o
princípio da totalidade multidimensional não é incompatível com os
princípios de convergência e de contradição dialética; ao contrário,
ele os incorpora e lança novas luzes sobre suas possibilidades analíticas
e prescritivas” (SANDER, 1983, p. 34). Posteriormente à publicação
deste artigo, o autor elabora uma proposta de paradigma
multidimensional para a Administração Educacional (SANDER,
2007), cujos limites foram analisados por integrante do nosso grupo
em pesquisa realizada recentemente (NASCIMENTO, 2014).
Ainda no início dos anos 1980, na esteira das críticas
acadêmicas e políticas à sociedade capitalista promotora da
desigualdade social e da associação entre escola a serviço do
desenvolvimento econômico (desigual), Dermeval Saviani constitui a
Pedagogia Histórico-Crítica base teórico-metodológica para
inúmeros trabalhos de pesquisa nas diversas subáreas da Educação,
entre elas, a Psicologia e a Didática. No âmbito da caracterização
bipolar de Sander (1983), ela estaria exemplificada na Pedagogia do
Conflito, no entanto, no ano em que este autor procede à
classificação, a primeira edição do livro “Escola e Democracia” ainda
não havia sido publicada. Neste livro, publicado em setembro de
1983, Saviani (1983) traz onze teses sobre Educação e Política,
retoma a cientificidade do método tradicional de ensino para
48
contrapô-lo ao método escolanovista, e propõe os cinco passos do
método de ensino denominado histórico-crítico: prática social inicial;
problematização; instrumentalização; catarse; prática social final.
O objetivo aqui não é trazer uma síntese analítica desta
Pedagogia, mas demonstrar que ela veio se articular aos elementos
presentes no contexto, contribuindo significativamente para uma
formação discursiva crítica. Diversas pesquisas realizadas sob
orientação de Dermeval Saviani proliferaram os pressupostos do
materialismo histórico dialético nas análises da Educação, em suas
diferentes subáreas: Teoria Crítica e Educação (CURY, 1979);
Formação de professores (MELLO, 1982); Psicologia da Educação
que constituiu a Teoria Histórico-Cultural com as explicações da
formação do indivíduo (DUARTE, 2007); uma Didática para a
Pedagogia Histórico-Crítica (GASPARIN, 2005). Os pressupostos
teórico-metodológicos que sustentam esta perspectiva crítica dizem
respeito à análise da sociedade capitalista, das relações trabalho
(perspectiva marxista) e educação e das possibilidades de,
dialeticamente, a escola ser determinada pela sociedade capitalista,
mas potencialmente também influenciar na organização social. Para
tal objetivo se cumprir, a defesa maior é a apropriação, pelos
educados, dos conhecimentos historicamente acumulados pela
humanidade por meio do trabalho educativo, concebido como
[...] o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada
indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da
educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos
culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie
humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e
concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas
para atingir esse objetivo. (SAVIANI, 1995, p. 17).
49
Estavam postas as lógicas de equivalências no contexto de
redemocratização do país as quais produziam antagonismo com um
adversário comum: do ponto de vista político e social, a ditadura
militar com suas ações truculentas de censura política e acadêmica e,
também, de vinculação direta entre escola e formação para o trabalho
em uma sociedade capitalista; do ponto de vista científico, as
pesquisas que contribuíram para a manutenção de uma Pedagogia do
Consenso, podendo seus focos orbitarem em torno dos métodos
tradicional, escolanovista e/ou tecnicista, todos eles contribuindo para
a manutenção do status quo.
Na Administração Educacional, dois livros produzem
equivalências com a teoria crítica e, quando digo isso, quero preservar
suas respectivas identidades que, ao se relacionarem com os autores
ou acontecimentos expostos do período, por si, garantem suas
especificidades. Quero dizer que os autores destes dois livros também
somam ao movimento discursivo de desestabilização do que estava
posto em termos políticos, sociais e científicos, mas apresentam
particularidades que permitem que tenham suas próprias identidades.
Félix (1989) indica que Administração Educacional tem uma
história recente e uma construção teórica que se baseou nas diferentes
escolas de Administração de Empresas, para os teóricos desta última,
existem duas pressuposições para a concretização desse fato: 1) as
estruturas das organizações são similares; 2) a adequação da
organização escolar às condições sociais e o alcance dos seus objetivos
necessitam da assimilação dos métodos e das técnicas de
Administração que garantam sua eficiência. A autora aponta que a
análise da relação entre a Administração Escolar e a Administração de
Empresas não constituiu objeto de investigação crítica dos teóricos da
primeira e as questões políticas da administração do sistema escolar
brasileiro, na maioria das vezes, são reduzidas a questões técnicas e,
50
além disso, a maioria dos estudos orienta a prática da Administração
da educação de acordo com a estrutura da administração burocrática.
Para a autora, o sistema escolar na sociedade capitalista tem
funções definidas pela estrutura econômica, mediatizada pelo Estado
intervencionista. Sendo assim, o aperfeiçoamento burocrático e a
especialização no interior da escola assumem a função de neutralizar
forças antagônicas, ou seja, o controle exercido pela Administração da
educação, de modo geral, e pelo administrador escolar, de modo
específico, “[...] indica um processo de descaracterização da
Educação, tornando-a cada vez mais adequada ao modo de produção
da sociedade capitalista” (FÉLIX, 1989, p. 33). A escola, portanto, é
descaracterizada enquanto atividade humana específica e submetida a
uma avaliação cujo critério é a produtividade no sentido que a
sociedade capitalista lhe atribui. O objetivo de sua pesquisa é tornar
evidentes as relações entre as teorias administrativas e o
desenvolvimento do capitalismo e, sobretudo, a relação entre a
construção teórica da Administração Escolar e a adoção dos
pressupostos teóricos da Administração de empresas. Deste modo, ela
detecta que a generalidade das teorias da Administração de Empresas
não é o resultado do seu desenvolvimento teórico capaz de abarcar
todas as práticas administrativas, mas “a elaboração das teorias da
Administração no bojo do capitalismo que determina a sua aplicação
generalizada na maior parte das organizações, cujos padrões de
eficiência, racionalização, produtividade são determinados, também,
pelo próprio modo de produção capitalista” (FÉLIX, 1989, p. 77).
Por sua vez, Paro (1986) desenvolve tese de doutorado cujas
primeiras intenções estavam voltadas a analisar o papel do diretor nas
escolas de 1º e 2º graus em uma perspectiva de mudança social. Ou
seja, o tema assemelhava-se ao de Alonso (1976) da década anterior,
mas o referencial fundamentou-se em Marx e Gramsci e o foco do
51
autor foi a escola e suas relações com a sociedade capitalista. O ponto
de partida do autor foi a consideração diagnóstica que existem duas
perspectivas de Administração no momento em que escreve o livro,
uma que nega sua necessidade por atribuir a ela o caráter de
dominação e outra que se coloca como conservadora da sociedade por
se fundamentar na Administração de empresas, para dizer que ele não
concorda com nenhuma delas e vai propor uma introdução crítica à
Administração Escolar. Iniciando com o clássico conceito de
Administração em Geral (e não Teoria Geral da Administração), em
abstrato e fora de um contexto social específico, como “utilização
racional de recursos para se atingir fins determinados”, Paro (1986)
adere o conceito à sociedade capitalista e demonstra, com muita
propriedade e subsidiando-se nos conceitos marxistas, como,
historicamente, a Administração vem servindo à reprodução do
capital e à acentuação da desigualdade social por meio da exploração
do trabalho e sua subordinação ao capital. Em seguida, na perspectiva
gramsciana, o autor desenvolve a ideia de possibilidade de a educação
escolar contribuir para a transformação social por meio do que
naquela época ele denominou “assimilação do conhecimento
historicamente acumulado”. Até este momento do seu livro,
muitas semelhanças com a perspectiva teórica da Pedagogia
Histórico-Crítica, principalmente no que tange à análise crítica da
sociedade, à função social da escola para sua reprodução e as
possibilidades de o trabalho educativo contribuir para sua
transformação. Em 2010, o autor faz a 17ª edição do livro ampliada
e comentada e explica minuciosamente suas diferenças com a
Pedagogia de Saviani, entre tantas, destaco aquelas circunscritas à sua
(de Paro) mudança de perspectiva em relação à assimilação de
conhecimentos historicamente acumulados e ao conceito de trabalho
não material. Segundo Paro (2010), ele não mais utiliza o conceito
52
“assimilação” e também “conhecimento acumulado” porque
compreende a escola desenvolvendo o trabalho com a apropriação da
cultura inteira; e diz que não é o trabalho que é não material, mas,
sim, o produto dele, que é a formação do aluno. Obviamente, o autor
apresenta inúmeros outros comentários para dirimir dúvidas de sua
não correspondência com a Pedagogia Histórico-Crítica, mas minha
pretensão foi apenas trazer sua posição em relação a esta associação e
não abarcar a totalidade de suas observações.
Bem, com o que fora exposto, tenho aspectos suficientes para
apresentar potencialidades e limites do discurso em Administração
Educacional do contexto de sua institucionalização como disciplina
até o final dos anos 1980. Antes disso, preciso neste momento
esclarecer ao leitor o que estou entendendo por eles. Como minha
análise se subsidia em referencial que entende o discurso como uma
prática social articulatória que não encontra uma fixação permanente,
pois é dinâmica nos processos de constituição de pontos nodais
hegemônicos, posso dizer que as potencialidades se referem à
multiplicidade de práticas discursivas no sentido da presença de
lógicas de equivalências entre elementos dispersos em um movimento
antagônico com um exterior constitutivo que desestabiliza a
hegemonia a todo momento (LACLAU; MOUFFE, 2015); e os
limites do discurso são os elementos que se repetem nas diferentes
práticas articulatórias impedindo-as de se diferenciar. Ou seja, há
procedimentos discursivos que se repetem, são regulares e mantêm
um ordenamento, impedindo que a força externa antagônica o
diferencie (FOUCAULT, 2014).
Mas como funcionaram esses limites e essas potencialidades
no discurso em Administração Educacional até este momento?
As potencialidades ficaram evidentes nas articulações feitas
para as duas formações discursivas hegemonizadas: uma se fez em
53
torno da constituição disciplinar da Administração Educacional
baseada na eficiência dos sistemas educativos e das escolas para uma
sociedade que se industrializava e uma escola que se tornava
complexa; e outra, articulando diversos elementos do contexto da
década, provocou um antagonismo com a anterior, desestabilizando-
a no sentido de trazer as questões políticas e sociais como
imprescindíveis para se pensar a Administração Educacional.
Há aspectos comuns a ambos os discursos: o primeiro deles é
o conceito de Administração Escolar. Para autores da primeira
perspectiva, Administração Escolar é meio para se alcançar objetivos
postos por uma Política e uma Filosofia da Educação, ou seja, ela é
instrumento a serviço de diretrizes postas fora e acima dela
(RIBEIRO, 1952; ALONSO, 1976). Para autores da segunda,
Administração Escolar é meio para se atingir fins determinados
(PARO, 1986) e é sobre estes que precisam ser destinados todos os
nossos esforços: precisamos, para esses autores, redefinirmos os fins
educacionais no sentido de vincu-los a objetivos transformadores da
sociedade e a Administração Escolar, conhecendo e se apropriando
desses fins, poderá contribuir para seu alcance.
Há a presença de elementos de racionalidade nas abordagens
críticas/marxistas e isso se torna explícito com o conceito de
Administração que, para Paro (1986), pode ser abstraído de qualquer
contexto específico para, posteriormente, ser colado em uma dada
situação ou proposição teórica. Administração Escolar é mediação
para consecução de fins.
Outro elemento evidenciado é a necessidade de se construir
uma teoria da Administração Escolar que fosse generalizada e,
também independentemente do referencial, a alteração se faz nos fins
e não no conceito e exercício da Administração.
54
Trago dois acontecimentos que estiveram presentes durante
meu percurso como docente e pesquisadora e ilustram o que estou
identificando. O primeiro é recorrente em minhas aulas da graduação
na disciplina “Administração educacional: teoria e prática” e o outro
se deu no Congresso que homenageou o centenário de nascimento de
José Querino Ribeiro.
Ao final do desenvolvimento das diferentes propostas de
Administração Escolar apresentadas aos estudantes, realizo uma
atividade na qual transcrevo trechos dos escritos de cada um deles para
que, em grupo, tentem identificar de qual autor ou autora é aquele
trecho e porquê chegaram àquela conclusão. Pois bem, transcrevo um
trecho da obra de Paro (1986) no qual o autor reforça a necessidade
de racionalidade da atividade administrativa em função dos fins
postos e ele é imediatamente direcionado à autoria de Querino
Ribeiro (1952) pelos estudantes. Inclusive, é um dos trechos que eles
dizem: “sobre este, não restam dúvidas professora!” E, sendo assim,
constitui-se em uma prática de muito aprendizado para nós, já que eu
e os estudantes conseguimos identificar a sobreposição conceitual de
Administração Escolar dos autores que, aparentemente, apresentam
propostas divergentes.
Em 2007, momento de comemoração do centenário de
nascimento de José Querino Ribeiro, Vitor Paro é convidado para
analisar as contribuições do autor em uma das mesas organizadas por
João Gualberto de Carvalho Menezes em sua homenagem e,
posteriormente, sua fala é publicada em forma de artigo na Revista
Brasileira de Política e Administração da Educação (PARO, 2007).
No momento de realização desta mesa comemorativa, eu já me
encontrava contratada como docente do DASE e já havia integrado o
percurso de pesquisa da leitura dos clássicos da Administração
Escolar, por isso, causou-me estranhamento o convite feito a Vitor
55
Paro, já que nos anos 1980, quando realizou sua tese de doutorado, o
autor foi contundente em suas críticas às teorias antecessoras,
indicando a necessidade de rompimento com a semelhança entre
administração empresarial e Administração Escolar, sendo uma delas
a de Ribeiro (1952). Por isso, estive presente e bastante curiosa para
compreender os argumentos da homenagem.
Tendo sido aluno do professor Querino Ribeiro no curso de
Pedagogia da USP, Paro (2007) relembrou carinhosamente as
relações pessoais com seu professor e, do ponto de vista científico,
destacou a importância da leitura obrigatória da obra deste autor
clássico para quem ingressa na formação e pesquisa em Administração
Escolar. A tese que Paro (2007) defendeu foi a de que uma das
riquezas das contribuições de Ribeiro (1952) reside na “aparente”
existência de um paradoxo em sua obra. Por um lado, Paro (2007)
indica que Ribeiro está centrado em problemas “da educação” e em
estabelecer como a Administração Escolar pode contribuir para
consecução dos objetivos educacionais, sendo assertivas ilustrativas:
“a administração escolar serve a uma política e a uma filosofia da
educação” ou que ela é “um instrumento para a realização dos
objetivos da educação” (RIBEIRO, 1952, p. 105). E, por outro,
Ribeiro (1952, p. 113) afirma que “a administração escolar é uma das
aplicações da administração geral; naquela como nesta os aspectos,
tipos, processos, meios e objetivos são semelhantes”. Para o autor do
paradoxo, este reside no fato de os objetivos da administração serem
da educação e a mediação ser transposta da empresa, pois para ele,
[...] se o que funda a administração é ser mediação, é ser
instrumento para alcance dos objetivos e, ao mesmo tempo, nós
falamos que a escola uma instituição educativa se pauta nos
princípios da administração geral, é só dar um pulinho em falso
e dizer que a administração da empresa é igual a administração
56
da escola. Portanto, extremamente paradoxal. (PARO, 2007, p.
566).
Os limites do discurso encontram-se em uma “regularidade
em dispersão” (FOUCAULT, 2014) ou, em outras palavras, na
manutenção na forma de significar a Administração abstratamente
como mediação a serviço de algo, retirando potencialidades da vida
escolar, já que a abstração a precedeu. Por mais que eu busque o ato
político na Administração Escolar ou a vincule com fins educacionais
transformadores da sociedade, a necessidade precedente de conceitua-
la de forma abstrata, abstraiu dela o que é sua especificidade: o ato
educativo (que também é político). Mas terei oportunidade de voltar
a essa observação com detalhes maiores.
A grande expectativa em termos de produção acadêmica é a
análise de em que medida toda a efervescência do pensamento crítico
em Administração Educacional da década de 1980 produziu efeitos
potenciais na realidade das escolas brasileiras e também em seu
próprio modo de pensar.
1.3Aspectos da formação discursiva após gestão democrática na
legislação: limites e potencialidades
Como aluna do curso de graduação em Pedagogia (1992-
1995) e, em seguida, do Programa de Pós-Graduação em Educação
(1997-2004) ambos da UNESP/Marília, vivenciei toda a riqueza e
multiplicidade dos acontecimentos sociais, políticos e científicos dos
anos posteriores ao que aqui fora analisado até este momento. Ainda
no curso de graduação, muito me incomodava a “regularidade em
dispersão” porque ela me passou a soar como slogans repetitivos que
não se relacionavam com as práticas de sala de aula do ensino superior
57
ou das escolas que estagiei e trabalhei. Em todas as disciplinas, tive
contato com ideias que se contrapunham entre a Pedagogia do
Consenso e a Pedagogia do Conflito e, certamente, aprendi a
reproduzir um discurso que favoreceu meu vínculo com a
universidade: emancipação, transformação, oprimido, opressor,
burguesia, proletariado, sociedade desigual, participação, ensino de
qualidade, professor reflexivo, entre outras, apresentaram-se como
palavras desse ordenamento discursivo. Essa constatação não está
sendo feita para dizer que a crítica à desigualdade ou mesmo a
participação da sociedade nas decisões políticas e escolares não é
necessária, mas explicitar ao leitor o incômodo de esse discurso não
encontrar relações de revezamento com as ações de prática. Onde
estava o erro: apenas na prática escolar? Ou no Estado Capitalista?
Qual a função da teoria nessa construção, além de dizer que o que
está errado não está certo? Certamente, consigo formular essas
questões hoje após ter percorrido um caminho de atividades de
ensino, pesquisa e extensão, mas, naquele momento, apenas me sentia
incomodada.
As relações teoria e prática estabelecidas em Administração
Educacional são melhores explicitadas após período de redemocra-
tização no Brasil, quando são aprovadas a Constituição Federal
(1988), quase dez anos depois, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (1996) e também há, por parte das propostas de pesquisas,
novos direcionamentos metodológicos. É o que passo a explicar a
seguir.
Como aluna da graduação e da pós-graduação, tive a
oportunidade de vivenciar vários encontros entre professores/
pesquisadores para discutirem artigos da Lei da Educação (LDBEN)
e suas possíveis repercussões para o que era buscado na lógica do
direito à Educação (SILVA JR, 2002). Esta legislação em âmbito
58
nacional apresentou desdobramentos diretos para a Administração
Educacional, aqui, vou destacar aqueles que vão produzir elementos
diferentes em suas identidades mas com potenciais cadeias de
equivalências com outros acontecimentos do período.
Em ambas as Leis, pela primeira vez na história do país,
encontramos a gestão democrática indicada como princípio do ensino
público. Embora o inciso que garanta este princípio na CF e o artigo
que o reitera na LDBEN tenham sofrido inúmeras críticas por não
abarcarem o ensino em estabelecimentos escolares particulares, foram
considerados uma conquista histórica para a educação compreendida
em uma lógica da universalização e da democratização do ensino
público. De forma concomitante a esta conquista, na LDBEN estão
presentes aspectos que conduzem a um processo de descentralização
da Educação no qual todos os entes federados União, Estados e
Municípios passam a ser responsabilizados, cada um deles por níveis
e modalidades específicas, por garantir a oferta e qualidade dos
serviços escolares. Logo em seguida, uma ampla literatura acadêmica
vai dar conta de analisar o processo de descentralização e a entrada
dos municípios em sua responsabilidade de manutenção da educação
infantil e do ensino fundamental (KRAWCZYK, 2008;
MACHADO; FERREIRA, 2002). Para fins da análise aqui realizada,
importa considerar que aqueles aspectos reivindicados no âmbito da
produção teórica crítica referente à ampliação de possibilidades de a
escola contribuir para a mudança social estavam de certo modo
presentes nestas conquistas legais no que se refere à Administração
Educacional, que passa a ser grafada com o substantivo Gestão,
acompanhada não mais do adjetivo Educacional ou Escolar, mas do
adjetivo Democrática.
Outro aspecto a considerar é que não está presente na
LDBEN um modelo de Gestão Democrática porque ela indica que
59
caberá aos entes federados e às escolas o exercício de sua concepção e
vivência. Sendo assim, aos estados e municípios e às escolas públicas
passa a competir a responsabilidade por construir formas de
organização que garantam a participação da comunidade, por meio
de conselhos escolares (ou equivalentes), e dos profissionais da
Educação na elaboração da “proposta pedagógica” de suas respectivas
escolas.
Multiplicaram-se, então, as vivências em Administração
Educacional e a questão é: multiplicaram-se, também, as concepções
e a teoria? Ao final deste subcapítulo, voltarei a essa questão, buscando
responde-la tendo como critério balizador os limites e as
potencialidades do discurso os quais atravessam a construção do livro.
No âmbito internacional, destaco várias pesquisas que
indicam a construção de um novo objeto de estudos da Ciência da
Educação, em especial, da Administração Educacional: a escola. Estes
estudos passam a privilegiar um nível meso de abordagem e identificar
que “[...] apesar de conterem visões parcelares da realidade, é evidente
que tanto as teorias macroscópicas como os estudos microscópicos
produziram um conhecimento útil e pertinente do ponto de vista do
pensamento e da acção pedagógica (NÓVOA, 1995, p. 20). Este
grupo de pesquisadores portugueses que realizaram forte relação de
formação de pesquisadores brasileiros por meio de doutorados
sanduíches, pós-doutorados e Congressos Luso-Brasileiros da
ANPAE, centraram-se na organização escolar, com a preocupação de
analisar, explicar e compreender o que elas fazem em seu cotidiano.
Barroso (1996) organizou um livro que se constitui de
palestras referentes ao Simpósio realizado em Portugal em meados dos
anos 1990 que abordou a construção da escola como objeto de
estudos. Neste material, é possível encontrar referências de diversos
países europeus que compartilham deste movimento metodológico.
60
Sendo um dos autores, Deuroet (1996) explica que houve duas razões
para a construção do novo objeto de estudo: a evolução endógena da
Administração Escolar e a evolução das concepções políticas e
administrativas que, integradas, indicam a importância de
recomposição da área. A que diz respeito ao movimento endógeno
da área, Derouet (1996) indica a influência do movimento anglo-
saxônico que contemplou a temática no sentido dos “efeitos de
escola”, priorizando a questão da eficácia e secundarizando aspectos
de fundo como, por exemplo, o modo como as políticas públicas são
construídas. Por outro lado, segundo o autor, os estudos que
focalizam as organizações escolares como “cidades a construir
marginalizaram a investigação dos primeiros e passaram a abordar a
escola como uma cidade política em dois âmbitos: a) local onde se
concretizam as políticas educativas; b) local onde se arbitram as
exigências contraditórias: adequação entre os princípios e a situação.
Para ele, esses estudos produziram resultados interessantes quanto à
diversidade das lógicas de ação que percorrem as escolas.
No âmbito brasileiro, Mello (1993), em livro polêmico que
discutiu de forma associada cidadania e competitividade, faz uma
revisão bibliográfica internacional interessante sobre a escola como
identidade em construção e expõe de forma clara seu posicionamento
sobre uma questão: “pode a escola fazer a diferença na aprendizagem
dos alunos?” Sua resposta incidirá diretamente na perspectiva
metodológica das pesquisas em Administração Educacional, por isso,
vamos percorrer o caminho que a autora fez.
No final da década de 1960 e início da década de 1970,
segundo Mello (1993), várias pesquisas realizadas em continentes
diferentes indicaram que a passagem pela escola não mudava o destino
das classes sociais (BAUDELOT; ESTABLET, 1971) ou que os
determinantes do sucesso ou do fracasso da escola pareciam ser
61
provenientes de fatores externos a ela (COLEMAN, 1966). Os
estudos não atribuíram influência dos fatores internos, de organização
da escola, ao desempenho dos alunos e, a partir da pergunta lançada
podem as escolas fazer diferença? inúmeros estudos foram feitos
para desvendar a “caixa preta” de seu funcionamento. O novo
enfoque das pesquisas não refutava os resultados anteriores, mas
indicavam novas categorias de análise, entre elas: a estrutura
institucional, a gestão e o processo de tomada de decisão, os processos
de mudanças e a forma de operar na escola, condições que favorecem
ou dificultam os processos de inovações ou de eficácia. Mello (1993)
cita inúmeras pesquisas realizadas sobretudo nos Estados Unidos e
Reino Unido que contribuíram para a construção do conceito de
“novo padrão de gestão” centrado na escola, valorizando ela (escola)
como centro das decisões, recursos e poder alocados no nível dessas
decisões, responsabilidade e prestação de contas pela direção,
mecanismos de controle e avaliação externos, pais e mantenedores que
se preocupam e controlam a qualidade do serviço educacional.
A autora vincula o “novo padrão de gestão” educacional e
escolar ao estabelecimento do “novo padrão de conhecimento”
estabelecido na Conferência Mundial de Educação para Todos
(1990), realizada em Jomtien, na Tailândia. Com foco no vínculo
entre Educação Escolar e desenvolvimento econômico, Mello (1993)
indica que o modelo de gestão deve estabelecer relações diretas entre
o setor público e privado, focar em resultados que combinem
avaliações internas da escola e avaliações externas, em função de metas
postas internacionalmente para a formação competitiva com
equidade e cidadania e responsabilizar a escola por seus resultados,
sendo estes conhecidos e demandados diretamente pela comunidade
escolar.
62
Essa abordagem teórica de Mello (1993) sobre as escolas
eficazes encontra respaldo e, ao mesmo tempo, fundamenta as
diretrizes da política educacional nacional que se insere em um
contexto internacional de aperfeiçoamento do modo de produção
capitalista. Há décadas temos passado por uma profunda
transformação nas formas de organização da provisão social que,
segundo Ball (2006), significa dizer que as estruturas organizacionais,
as formas de administração e de empregos têm sido sujeitas a
mudanças. Na economia, pressupõe alterações na regulação do setor
público que acarreta, entre outros aspectos, a privatização e a
imposição de critérios do mercado no setor estatal. Os discursos que
amparam o processo de reestruturação do setor público são o da “[...]
excelência, efetividade e qualidade e a lógica e cultura do novo
gerencialismo” (BALL, 2006, p.12) e a ênfase é em um modelo de
organização centrado nas pessoas. Neste contexto, as corporações
transnacionais adquirem poder em detrimento dos Estados nacionais,
principalmente mediante a atuação das organizações financeiras e
passam a exercer influência na administração e na regulação social e
política mundial.
No plano educacional e escolar, as reformas são executadas,
principalmente a partir da década de 1990, tendo como base o
pragmatismo na política e o cognitivismo na pedagogia (SILVA JR;
FERRETTI, 2004). Alguns pesquisadores (BARROSO, 2005;
OLIVEIRA, 2005) indicam como característica do processo de
mudança na economia a construção de uma nova regulação das
políticas educativas, que retira o Estado do seu papel executor e
transfere para a sociedade a responsabilidade pela execução dos
projetos. Esses aspectos são concomitantes àquela estrutura do sistema
educacional que traz a gestão democrática e a descentralização nas Leis
nacionais (BRASIL, 1988; 1996).
63
Como desdobramentos, identificam-se, entre outros aspectos,
exatamente aqueles indicados por Mello (1993) nas pesquisas que
caracterizam as escolas eficazes: centralidade à administração escolar,
ao eleger a escola como núcleo da gestão; regularidade e ampliação
dos exames nacionais de avaliação; a avaliação institucional e o
incentivo à participação da comunidade nos processos de gestão, com
a proliferação de conselhos com funções consultivas.
Antes de realizar uma síntese analítica do que aqui fora
apresentado para encaminhar os desdobramentos desses aconteci-
mentos sociais, políticos e científicos na condução e resultados de
pesquisas brasileiras em Administração Educacional, preciso
identificar o contraponto teórico com a perspectiva de escolas eficazes
de Mello (1993), mas que também indica a necessidade de centralizar
os estudos na organização escolar.
O professor Celestino Alves da Silva Junior fez uma palestra
no Congresso Luso-Brasileiro da ANPAE, realizado em 1999 em
Santos/SP, que fora publicado em capítulo de livro organizado por
duas professoras/pesquisadoras, que também estiveram na construção
do evento e publicaram os pronunciamentos dos palestrantes das
mesas de discussão e das conferências (MACHADO; FERREIRA,
2002). Discutindo o espaço da Administração em tempos de Gestão,
Silva Junior (2002) realiza um diagnóstico da história da
Administração Escolar, faz uma crítica contundente à incorporação
do modelo de Administração Empresarial e indica que, para ele, a
mudança de termo, como eu mencionei na Introdução, traz uma
lógica da conveniência, assim como o processo de municipalização,
ambos acontecendo de forma indutiva e sem criticidade para
favorecer o retorno dos princípios e técnicas empresariais. Este
pesquisador indica que a única possibilidade de construirmos um
outro caminho, na lógica do direito à Educação é retornarmos à escola
64
pública, com a metodologia de estudo de caso etnográfico, para a
partir dela construirmos uma teoria que contemple sua especificidade
em relação às organizações empresariais.
Dois anos depois, Russo (2004), ao fazer um diagnóstico da
área da Administração Educacional, no momento em que o Partido
dos Trabalhadores (PT) assumia a presidência da República e trazia
em seu projeto político e social novos ares para conquistas
democráticas, fazendo frente às mudanças econômicas neoliberais da
presidência anterior de Fernando Henrique Cardoso, indica que a
metodologia do estudo de caso, que privilegia a escola como local de
pesquisa em Administração Educacional, é a única possibilidade de
estabelecimento de novas relações teoria e prática para que a primeira
não se reduza à neutralidade e à generalização. Sendo assim, para
ambos, a escola passa a ser o lugar de pesquisa para que os
pesquisadores possam construir uma teoria da gestão democrática que
contribua, efetivamente, para a lógica do direito à Educação e para a
transformação social.
Os elementos explicitados se articulam em uma lógica de
equivalência constituindo novos contornos aos discursos em
Administração Educacional. Resguardando suas especificidades
políticas, sociais e de referencial teórico-metodológico, demonstradas
ao longo da exposição, há o estabelecimento de um ponto nodal
hegemônico: escola é o foco das atenções das ações e do controle
político; da eficácia do desenvolvimento econômico competitivo e
com equidade e/ou possibilidades de construção de uma teoria que dê
conta de sua especificidade e da gestão democrática relacionada,
diretamente, com a democratização da Educação.
2
É preciso analisar
2
Em Luce e Medeiros (2006), é possível encontrar essas relações explicitadas.
Resumidamente, a democratização da Educação é compreendida como acesso, permanência
65
o período posterior, em que os pesquisadores vão à escola, para
responder a questão lançada neste subcapítulo e agora retomada: se
foram multiplicadas as vivências em Administração Educacional por
causa do processo de descentralização e se os pesquisadores vão até
essas escolas em busca da compreensão de suas especificidades,
multiplicaram-se, também, as concepções e a teoria? Quais são os
limites e a potencialidade da formação discursiva que se constitui?
Neste momento, dedico-me a trazer ao leitor um panorama
geral dos aspectos que constituíram as pesquisas que têm a escola
como objeto de estudos, principalmente, aquelas que se caracterizam
por estudos de caso (LUDKE; ANDRÉ, 1986). O levantamento
dessas pesquisas foi realizado ao longo desses anos de orientação de
pesquisas de iniciação científica, mestrado e doutorado e, também,
para a construção de minha tese de livre-docência, defendida em
setembro de 2023.
Inicialmente, em nossas pesquisas do CEPAE, tomamos
como referência a tese de doutorado de Souza (2006) que realizou
levantamento e análise das pesquisas de mestrado e doutorado dos
Programas de Pós-graduação em Educação do país, entre os anos
1987 e 2004, e constatou que o maior problema da produção se
referiu à “[...] ênfase por vezes um tanto normativa de vários trabalhos
sobre gestão escolar” [...] que se “dedicam mais a demonstrar como a
escola deve se organizar para ser democrática e menos a descrever e
analisar como tem se organizado a gestão da escola, democrática ou
não.” As pesquisas sobre gestão democrática são qualitativas, na
maioria das vezes estudos de caso que, apesar de transgredirem com a
forma dos escritos até os anos 1980, não rompem com a prescrição
porque
e qualidade social para todos apenas possível de ser conquistada com e por meio de uma
gestão democrática da Educação, com a participação social nos sistemas e nas escolas.
66
[...] ao irem até a escola para analisar sua gestão, acabam por vezes
mais preocupados em ou relatar experiências (bem) sucedidas de
gestão (o que em si não é um problema) ou, de outro lado,
terminam por apresentar um receituário de como as coisas
deveriam ocorrer para o bom funcionamento (leia-se:
democrático) da instituição escolar. (SOUZA, 2006, p. 122).
O autor diz que a pesquisa na área da Gestão Escolar
caminhou, em uma primeira fase, pela tentativa de sua
profissionalização, com ênfase na Teoria Geral da Administração de
empresas e, posteriormente, perspectivou “[...] um futuro mais
democrático”, no entanto, “[...] esse suposto por-vir parece ainda não
vingado, ao menos na investigação científica”, pois permanece em
“compasso de espera por novas teorias.” (SOUZA, 2006, p. 122).
O desenvolvimento das pesquisas de Carvalho (2017);
Paredes (2017) e Murcia (2015), orientadas por mim, e desenvolvidas
no âmbito dos projetos de pesquisa integrada do CEPAE, foram
norteadas pela constatação de Souza (2006) e Russo (2004) e pelos
questionamentos nossos a respeito dos limites e potencialidades do
discurso em Administração Educacional.
A primeira analisou 11 teses e dissertações (9 dissertações e 2
teses) encontradas na biblioteca do Instituto Brasileiro de Informação
de Ciência e Tecnologia (IBCTI), tendo como palavra-chave de busca
“gestão democrática da escola pública” e a segunda analisou 23 artigos
publicados em periódicos qualificados (entre A1 e B2) tendo feito a
busca com a mesma palavra-chave da pesquisadora anterior.
Carvalho (2017) analisou as dissertações e teses sob o respaldo
teórico de Lopes (2006) que explorou a produção na área do
Currículo a partir das relações dos contextos “macro” e “micro” para
compreender como e se as pesquisas estabelecem relações causais entre
ambos. As constatações de Lopes (2006) no campo do Currículo
67
foram semelhantes às constatações de Carvalho (2017) no campo da
Administração escolar ao indicarem “[...] a presença da dicotomia
macro e micro e as relações causais estabelecidas entre esses níveis.”
Além disso, foi constatado, nas dissertações e teses analisadas, que
“[...] a teoria assume uma posição de exterioridade em relação àquilo
que analisa” e, neste sentido, “[...] nota-se um fechamento sobre si
mesma que leva a práticas que a impedem de ver outros elementos
que escapem aos seus esquemas conceituais” (CARVALHO, 2017, p.
65). A autora indica que sentia uma falta de expectativa quanto ao
que leria nas pesquisas (uma vez que fez a leitura integral na sequência
cronológica) porque a lógica que as sustentava era muito semelhante:
práticas de pesquisa que buscavam analisar a gestão democrática como
definida na lei e com possibilidades ou não de serem implementadas
pelas escolas, ou seja, práticas de pesquisas que “cortam” a realidade
em duas formas, sendo uma invariante (macro, universal, a ser
aplicada, a Lei) e outra variante que comporta particularidades
(contextos locais, identidade da escola) que acabam subsumidas e
adequadas ao esquema maior. A autora finaliza com uma questão
bastante interessante que vem somar às análises anteriores: “Qual
pode ser a função de uma teoria que se questiona da materialização
de um absoluto em diferentes lócus específicos? E mais ainda:
denuncia sentidos errados de uma forma correta?” E responde:
“Talvez reprovações daquilo que não devolve a sua imagem seguida
da validação de si mesma” (CARVALHO, 2017, p. 67).
Paredes (2017), por sua vez, fez o levantamento,
sistematização e análise de 23 artigos publicados em periódicos
classificados entre os estratos A1 e B2 (2005 e 2014). Sob o respaldo
teórico-metodológico de Laclau e Mouffe (2015), a autora constatou
que em todos os artigos está presente a discussão sobre o modo de
produção capitalista e, também, a relação direta entre o trabalho do
68
diretor de escola à precarização do ensino, à falta de participação e a
exclusão dos sujeitos da escola devido ao sistema econômico
excludente. Paredes (2017) identifica a presença de um discurso
hegemonizado constituído pela presença repetida das relações diretas
entre política educacional e implementação pela escola; gestão
democrática e eleição de diretores; gestão democrática e partidos
políticos. Desta forma, “a posição hegemonizada na área e possível de
ser detectada da leitura do material empírico é aquele que associa
gestão democrática à execução da Lei (BRASIL, 1988; BRASIL,
1996), à implantação de conselho de escola e eleição de diretores e à
política democrática específica.” (PAREDES, 2017, p. 72). Cabe
destacar que apenas em 2 artigos não esteve presente a proposição de
uma verdade a ser seguida (implementada pela escola) ou, inclusive,
um receituário a ser seguido para o sucesso da equipe de gestão da
escola, fato comprovado pela autora ao destacar palavras repetidas
presentes nos textos, como: “a escola deve”; “somente se o diretor da
escola fizer”; “é preciso implementar” e/ou “só assim é possível.”
Finalmente, a autora identifica em 10 artigos a associação direta
(causalidade) entre partido político no comando do governo federal,
estadual ou municipal e vivência de uma escola mais autônoma e
democrática.
Bem, o relato dessas duas pesquisas indica que o conjunto de
dissertações, teses e artigos explicita escolas bem sucedidas (em termos
de fins determinados teoricamente) ou indica como devem fazer para
serem bem sucedidas, estabelece uma relação causal entre teoria e
prática, com subordinação da segunda à primeira.
Murcia (2015), por sua vez, realizou o levantamento,
sistematização e análise dos artigos publicados na Revista Brasileira de
Política e Administração da Educação (RBPAE) entre os anos 2000-
2010, tendo como termo de busca Gestão democrática, e referencial
69
teórico-metodológico respaldado em Freire (1991) e Santos (1999).
O pesquisador analisou 21 artigos publicados no período e concluiu,
entre outros aspectos, que houve pouco aprofundamento conceitual
sobre democracia e gestão, sendo que a maioria dos autores utiliza
como subsídio a legislação nacional (BRASIL, 1988; BRASIL, 1996)
e estadual e/ou municipal decorrente da inserção da gestão
democrática do ensino público na Lei Maior; e, também, a
predominância de uma teoria que diz à escola o que ela não faz para
garantir a gestão democrática e a democratização da educação,
entendidas, de forma articuladas, como o acesso, permanência e
qualidade da educação com participação social. Para ele, suas
indagações iniciais, estimuladas por um grande expectativa de
encontrar práticas que se relacionassem com seu referencial teórico
“ficaram frustradas, pois o que a análise dos textos publicados
mostrou foi um distanciamento, uma incompatibilidade entre teoria
e prática. O que aparece como base e fundamento teórico não é
concretizado nas ações e práticas diárias nas unidades escolares”
(MURCIA, 2015, p. 75).
Como mencionei anteriormente, as relações teoria e prática
poderiam ser melhores explicitadas quando me referisse às pesquisas
que têm a escola como objeto de estudos da Administração
Educacional. Aquele incômodo que eu relatei quando ainda era
graduanda no curso de Pedagogia, me perseguiu durante a realização
das pesquisas que coordenei ou orientei e foi exposto quando
constatamos que, apesar de defender uma teoria em que a crítica
direcionada à generalização e à prescrição passa a ser sua base de
sustentação, as pesquisas estabelecem uma relação de prescrição com
a prática, adquirindo contornos totalizantes e de teor também de
generalização, com a intenção de ser válida à sociedade como um
todo.
70
Essas três últimas pesquisas foram realizadas no CEPAE tendo
como subsídios teórico-metodológicos um conjunto de autores do
referencial que o grupo denomina pós-críticos. Nossos questiona-
mentos da relação teoria e prática estabelecida na subárea do
conhecimento, juntamente com a permanência do discurso (a
regularidade em dispersão), foram iniciados com nossas leituras da
obra de Boaventura de Sousa Santos, especialmente, nos livros em que
ele problematiza a Ciência Moderna e as razões da dificuldade de se
construir uma teoria crítica. Dos anos 2012 em diante, portanto,
iniciamos no grupo de pesquisa um processo de desconstrução de
algumas regras do discurso em Administração Educacional,
constatadas em nossas pesquisas. Essa questão será retomada nos
próximos capítulos com mais cuidado, neste momento, apenas
pretendi justificar a presença de autores diferentes na análise de
Murcia (2015); Paredes (2017); Carvalho (2017) os quais integraram
o processo de sistematização e problematização da produção do
conhecimento do CEPAE.
Silva, Farias e Rothen (2015), vinculados a outro grupo de
pesquisa, também realizaram estudo da produção da RBPAE em
período parcialmente coincidente com o de Murcia (2015),
utilizando a análise do discurso foucaultiana. Os autores partem do
histórico da Administração Escolar traçado anteriormente, mas
subdividem a produção em três concepções: administração, gestão
democrática e gerencialismo. A diferença em relação às classificações
anteriores se encontra no acréscimo da terceira como sendo aquela
advinda das reformas do Estado consolidada no governo Fernando
Henrique Cardoso a qual apresenta como características: democra-
tização, mas fortalecimento do controle externo; descentralização e
profissionalização da burocracia por meio da capacitação dos
servidores e foco na realização de concursos públicos. Trabalhando
71
com 38 artigos publicados entre 1995-2004 na RBPAE, os autores
tiveram como objetivo “apresentar aspectos da construção do discurso
sobre administração, gestão democrática e gerencialismo no meio
acadêmico” (SILVA, FARIAS, ROTHEN, 2015, p. 684).
Compreendendo o discurso como o “conjunto dos
enunciados que provém de um mesmo sistema de formação”
(FOUCAULT, 1982, p. 135), eles caracterizaram a regularidade da
formação discursiva e as condições que tornaram possível a circulação
de alguns e a interdição ou desvalorização de outros, reforçando
algumas conclusões já feitas anteriormente sobre a área e, em especial,
sobre a produção da RBPAE. Os dois aspectos mais importantes
destacados pelos autores dizem respeito à ausência de
aprofundamento conceitual e/ou teórico nos artigos em relação a dois
pontos: a alteração terminológica de Administração da Educação/
Escolar para Gestão da Educação/Escolar, mais precisamente no ano
1995 e ao predomínio da teoria da gestão democrática, sendo
utilizada de modo prescritivo (dizendo o que a escola deve fazer), sem
fundamentos teóricos consolidados. Mesmo os artigos que foram
selecionados pelo termo “gerencialismo”, segundo os autores,
discutem-no de forma crítica e acabam por se circunscreverem na
mesma dinâmica discursiva dos anteriores.
Para a escrita da minha tese de livre docência (ABDIAN,
2023), houve a necessidade de abranger os anos mais recentes da
produção, para identificar se houve mudanças teórico-metodológicas,
dessa forma, fiz levantamento dos artigos publicados na RBPAE entre
os anos 2010-2020 os quais constaram com os termos Gestão da
Educação e Gestão Escolar, Administração da Educação ou Escolar,
Organização do trabalho na escola no título, resumo ou palavras-
chave. Dos 117 artigos listados, exclui aqueles que não se referiam
diretamente às escolas de educação infantil, ensino fundamental e
72
médio ou diretamente às temáticas da Administração Educacional,
ficando com um total de 29 artigos e sete Editoriais, os quais foram
organizados de acordo com um critério metodológico que se relaciona
diretamente com o propósito da análise: a); artigos que apresentaram
coleta de dados e material empírico advindos de documentos,
entrevistas e/ou observação em campo (22); b) artigos que se
dedicaram ao aprofundamento conceitual, com material bibliográfico
e/ou revisão de literatura (7). O primeiro grupo foi subdividido por
assunto contemplado, constituindo 3 temáticas: a.1) estudo de caso
(13); a.2) gestão de sistemas (6); a.3) formação dos profissionais da
gestão (3). Quantitativamente, constatei a predominância de pesquisa
com coleta de dados em campo, em especial, estudos de caso em uma
ou mais escolas públicas, consolidando os resultados das pesquisas
anteriores que indicaram que a partir dos anos 1990 há mudança na
área no sentido de os pesquisadores irem à escola em busca de novas
relações teoria e prática (RUSSO, 2004; SOUZA, 2006; SILVA
JUNIOR, 2002).
Em relação ao primeiro grupo, o qual denominarei pesquisas
de campo, os estudos de caso (13) trataram de quatro temáticas:
gestão democrática ou relações escola e democracia (5); percepção dos
profissionais e/ou da comunidade sobre determinado assunto (4);
índice de desenvolvimento da educação ou controle da educação e
qualidade de ensino (3); militarização (1). Os artigos que focalizaram
os sistemas de ensino, tiveram como preocupação as relações entre
políticas ou diretrizes do governo federal e suas apropriações pelos
governos municipais e escolas. A formação dos profissionais da gestão
(3) representou 10% da produção analisada e esteve presente no início
do período analisado (2011), no meio (2015) e no final (2019), fato
também interessante se pensarmos que é uma das razões que fundou
73
a ANPAE (1961), conforme indicado na análise dos Cadernos de
Administração Escolar.
Da análise dos artigos que constituem pesquisas de campo,
destaco quatro aspectos que se apresentam como regularidade. De
forma geral, os autores evidenciam diferenças entre gestão de sistemas
municipais de educação no que tange à organização da legislação
frente às diretrizes do governo federal, por exemplo, a elaboração dos
planos municipais de educação, ou a organização de equipes para
administrar a educação municipal. As diferenças, entretanto, são
tratadas como problemas decorrentes de interferências político-
partidárias dos respectivos municípios e/ou, principalmente, da
polissemia do conceito “democracia” e de sua imprecisão na legislação
nacional. Ou seja, ao mesmo tempo que há a defesa da autonomia,
da participação e da gestão democrática, a busca parece ser por um
modelo ou por uma diretriz mais normativa geral para todos os
sistemas. A diferença não é lida em si, como riqueza, mas como algo
a ser contido para a busca da verdadeira gestão democrática.
Um exemplo significativo é o artigo de Medeiros et al (2014)
que realizaram entrevistas aprofundadas com gestoras de quatro
escolas municipais do estado de São Paulo, escolhidas duas em cada
município com alto e baixo desempenho acadêmico na Prova Brasil,
com o objetivo de analisar a compreensão desses profissionais a
respeito da Educação, da aprendizagem do aluno e do seu cargo. Os
autores fundamentam teórico-metodologicamente sua pesquisa em
Paro (1986) quando conceitua a Administração e indicam, portanto,
a necessidade de os profissionais da gestão conhecerem os fins que
querem alcançar. O mais interessante é que os autores deste artigo não
são especificamente da área da Educação e, ao trazerem o conceito de
Administração de Paro (1986) em uma perspectiva crítica,
assemelham-no ao conceito de Administração de Niskier (1969) cujas
74
bases teóricas se constituíam na Administração empresarial. Ou seja,
aqui reitero a ideia anterior de que há presença forte da racionalidade
nas duas teorias que se colocam como antagônicas, em que são
alterados os referenciais, mas não se altera o conceito. Portanto, o
conceito é esvaziado, neutro, abstrato e materializado, preenchido e
politizado de acordo ou em função do referencial. E mais: em função
de um modelo ou padrão de referencial que se coloca como
verdadeiro.
Neste artigo, em específico, a hipótese, decorrente do
referencial, era a de que quanto mais complexa fosse a compreensão
sobre a Educação (finalidade), maior compromisso das gestoras com
uma aprendizagem mais política e humana e também da importância
de seu cargo e o contrário se faria com uma visão mais estreita de
Educação. E assim os autores concluem confirmando a hipótese:
Aquelas entrevistadas que enxergavam na educação um propósito
maior, de formação e conscientização de cidadãos, também
conseguiram identificar em seus trabalhos maiores diversidade e
complexidade. Já aquelas que concebiam a educação como mera
transmissão de conhecimentos enxergaram seu papel como mais
simples e homogêneo. (MEDEIROS et al, 2014, p. 134).
Um segundo aspecto marcante decorrente da análise é a forma
(e a fôrma) que a escola é apresentada metodologicamente: assim
como anunciado nos anos 1990 pelos autores portugueses (NOVOA,
1995, LIMA, 1998), ela aparece como entre dois lugares: de um lado
a regulação, controle e índices da política neoliberal e, de outro, as
possibilidade de participação e democratização da educação. Com
raras exceções, esse lugar de tensionamento colocado pelos
pesquisadores à escola acaba por expressar (ou consolidar) uma
relação teoria e prática baseada por uma característica prescritiva, os
75
autores indicando, de forma crítica, o que a escola deve fazer para
vivenciar a “verdadeira” ou “efetiva” democracia. Algumas passagens
ilustrativas dessa constatação:
Mais investigações serão necessárias para contribuir com a
efetividade da formação continuada em nível de pós-graduação
dos docentes da educação básica e com a gestão democrática nas
instituições de ensino do país (AGUIAR, 2011, p. 81).
De outro modo, as evidências encontradas informam que a
construção da gestão autônoma é processual e requer, não
apenas, que tais princípios sejam assegurados por lei, mas que
também ocorram mudanças nas práticas dos diferentes atores
envolvidos com o processo de implementação desta política. Isto
é, este novo modus de gestão depende de múltiplos fatores: [lista-
os]. (FISCHER; GUIMARÃES, 2013, p. 112).
[...] em especial, os resultados dessa investigação procuram
contribuir com os gestores dessa escola, para que se efetive a
participação na gestão escolar dos órgãos representativos.
(ROCHA; HAMMES, 2018, p. 649).
Um terceiro aspecto é a constatação da fragilidade conceitual,
principalmente, da ausência de aprofundamento das discussões
teóricas sobre a própria democracia. Por exemplo, ao constatarem o
tensionamento entre “princípios e métodos democráticos”, ou seja,
entre a teoria e a prática, Lagares et al (2020), por exemplo,
evidenciam a necessidade de “aprofundamentos a respeito do
conceito de gestão democrática”.
Essas constatações vão ao encontro das anteriores e também
dos resultados de pesquisa de Nardi e Boiago (2018, p. 769) que, ao
analisarem os contornos das produções acadêmicas sobre gestão
democrática do ensino público em teses e dissertações da área da
76
Educação (1996-2015) constatam que “sobressaem os estudos de
caso” motivados pela vigência de políticas ou programas
governamentais; a “busca pela conexão entre condições contextuais
macro e micro que implicam os fenômenos pesquisados, cujos
esforços empreendidos nessa direção pautam-se, principalmente, por
uma abordagem crítica” e, por fim, “menor incidência de estudos
concentrados em dimensões teórico-conceituais”.
Um artigo foge ao que regularmente foi encontrado. Nele,
Freitas (2018) buscou realizar aprofundamento conceitual na área
assumindo a noção de governamentalidade como ferramenta teórica
na análise das categorias que estruturam as teorias administrativas em
educação na atualidade, com Foucault e Agamben e, também
divergindo das constatações da área que assumem o termo gestão
associado ao adjetivo democrática, conclui que a oposição entre os
termos apresenta uma
[...] contraposição apenas aparente, pois a primeira se
fundamenta na captura da subjetividade do povo como sujeito
detentor do poder instituinte, enquanto a segunda recorre à
glorificação midiática como forma de legitimar seus processos
gestionários de controle da opinião pública. Ambas se conectam
no exercício gerencial do poder, esvaziando o sentido da política,
convertida em mero culto cerimonial que encarna
aporeticamente a nova dimensão litúrgica dos poderes
governamentais instituídos. (FREITAS, 2018, p. 743).
O artigo de Freitas (2018) foi o único que apresentou a
possibilidade de uma desconstrução conceitual da Administração ou
da Gestão por argumentar que ambas estão conectadas ao exercício
do poder, pois esvaziadas de um sentido de política diferente daquele
advindos dos poderes governamentais. Para este autor, independen-
77
temente do termo, seria preciso repensar os conceitos de Política,
Gestão e suas relações, as quais escapariam do que comumente é
aceito: Política é o Estado em Ação e a Gestão sua materialização
(VIEIRA, 2006).
Bom, neste momento, tenho elementos para tentar responder
a questão do capítulo e, também, aquela referente aos limites e das
potencialidades que perpassam a construção do livro. É possível
percebermos com a quantidade de pesquisas relatadas que as práticas
e o campo de pesquisa empírico do pesquisador em Administração
Educacional foram multiplicados, entretanto, alguns aspectos
grandiosos do discurso se tornam regulares, dos quais destacarei dois.
Um deles se refere ao estabelecimento de uma relação teoria e
prática em que a primeira se apresenta em um modelo prescritivo,
indicando à segunda o que ela deve fazer, neste modelo, a teoria da
gestão democrática em uma perspectiva da democracia liberal posta
pelas Leis Nacionais presença de órgãos colegiados representativos
funcionando, participação dos profissionais da educação na
elaboração da proposta pedagógico e, também, no limite, a eleição
para diretores escolares com a participação da comunidade é
balizadora da análise dos pesquisadores que indicam ser ou não a
escola democrática no sentido de caminhar para a democratização da
Educação.
Decorrente desse aspecto, há a fixação de uma outra
regularidade: a binaridade presente desde a institucionalização da
disciplina Administração Educacional, porém, neste momento, ela
passa a abranger outras relações e não apenas aquela circunscrita à
Administração Escolar x Administração Empresarial. A binaridade,
denominada por Sander (1986) também como bipolaridade, se
estende para as relações teoria e prática, fixando procedimentos que
distinguem o verdadeiro do falso e conduz o pesquisador à busca da
78
verdade que é o alcance da gestão democrática. Este aspecto, de certa
forma, fora diagnosticado por Souza (2006) quando ele mencionou
em sua análise um “por-vir não vingado”. Há um incômodo lançado
nos artigos, livros, dissertações e teses analisadas que se refere à
ausência de aprofundamento conceitual, mas, concomitantemente,
foi possível detectar que não há um deslocamento da teoria, no
sentido de buscar a multiplicidade própria da prática que es
analisando.
Retomando os limites e as potencialidades na perspectiva da
Teoria do Discurso, posso dizer que aquelas potencialidades indicadas
nos períodos anteriores não estão presentes neste momento. Quero
dizer com isso que as diferenças não são mais identificadas entre os
elementos que compõem o campo discursivo, sendo assim, há uma
retenção de possibilidades de multiplicação do discurso em que fosse
perceptível o antagonismo desestabilizando o que fora hegemonizado.
Sendo assim, os limites do discurso são maiores no sentido de
manutenção e conservação de uma ordem estabelecida. As regras de
proliferação de um determinado discurso são fortes e suficientes para
impedir sua desestabilização em busca de novas significações ou
sentidos (LACLAU; MOUFFE, 2015; FOUCAULT, 2014).
Explico com os elementos práticos apresentados: a partir dos
anos 1990, no discurso acadêmico em Administração Educacional, há
uma identidade que impede que as diferenças estabeleçam uma lógica
de equivalência em busca de um discurso hegemônico que se coloque
antagonicamente contra algo externo que o ameace. As regras de
formação prescrição, binaridade identificam a produção discursiva
de uma forma que ela se estabiliza em si e prolifera, indefinidamente.
O antagônico neste contexto poderia ser a política educacional
eficientista, baseada nos pressupostos neoliberais, mas ela se apresenta
como um inimigo a ser destruído e não como um elemento a
79
desestabilizar a formação discursiva. Em nossa perspectiva, em uma
política discursiva democrática, as relações são estabelecidas entre
adversários antagônicos e a existência de um grupo não pressupõe a
eliminação do outro. Dessa forma, entendo que o discurso, ao ser
apresentado aos seus limites aqui colocados como suas regras que o
impedem de se repensar é desestabilizado e dilui sua hegemonia. É
este o exercício que estou buscando fazer: apresentar ao discurso em
Administração Educacional os seus limites que o impedem de se
multiplicar tanto quanto as vivências que ele analisou e ainda analisa.
Esses limites foram constatados por meio de um percurso de
pesquisa que experimentou alguns referenciais teórico-metodológicos
para analisar a escola nesses quase 20 anos trabalhando com atividades
de ensino, pesquisa e extensão. No capítulo seguinte, trarei ao leitor
referenciais analíticos da escola como objeto de estudos, apresentando
também seus limites e potencialidades vivenciados em minhas
práticas de pesquisa.
80
81
Capítulo 2
Perspectivas de pesquisas no cotidiano escolar:
novos horizontes para o discurso em
Administração Educacional ou estamos diante de
seus limites?
O objetivo deste capítulo é colocar em análise meu próprio
percurso de pesquisa que focalizou a escola como objeto de estudos,
explicitando alguns possíveis referenciais teórico-metodológicos, seus
desdobramentos nas ações práticas de pesquisas, com seus limites e
potencialidades.
Minha primeira prática de pesquisa foi no mestrado e tive
como tema a gestão da escola mantida pela fábrica Nestlé que, no
início dos anos 1990, para implantar a Gestão de Qualidade Total no
seu modo de produção, decidiu financiar a escolarização do ensino
fundamental de seus trabalhadores, que passaram a ser designados por
colaboradores e ter de interagir com a língua portuguesa escrita e a
interpretar dizeres das novas tecnologias do processo de produção.
Em Marília/SP, onde cursava a graduação em Pedagogia, a escola foi
montada em um prédio de um andar em frente à fábrica e foi lá que
tive meu primeiro trabalho com carteira assinada, sendo estagiária
remunerada. Posteriormente à minha formatura, fiz concurso interno
e assumi como professora de duas turmas. A proposta de mestrado,
decorrente dessa experiência profissional em interação com a
82
formação na Habilitação em Administração Escolar no curso de
graduação, foi analisar as possibilidades ou não de a gestão escolar,
mesmo mantida por uma empresa, contribuir para um ensino de
qualidade.
Conforme demonstrei no capítulo anterior, naquele contexto,
as pesquisas qualitativas ganhavam um terreno fértil na Educação,
principalmente, os estudos de caso. E foi com esta metodologia que
desenvolvi a pesquisa de mestrado com bolsa da Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Fundamentando-me
em Ludke e André (1986), permaneci por um longo período na escola
(apenas como pesquisadora), realizei entrevistas semiestruturadas com
todos os segmentos integrantes da escola e observação com relatórios
específicos. O interessante aqui é eu explicar ao leitor minha vivência
de pesquisa em termos metodológicos, bastante elogiada na banca de
defesa e também pelos pareceristas da agência de fomento.
Como a metodologia dizia respeito às pesquisas em Educação
de uma forma geral e não especificamente àquelas da Administração
Educacional, precisei encontrar em outros autores o respaldo
teórico/conceitual para a análise do material que levantei e organizei.
E, dessa forma, pude sentir uma separação entre o conteúdo/conceitos
e o método/procedimentos. Ao final da pesquisa, foi necessário
realizar aprofundamento teórico conceitual em Administração
Educacional e também compreender melhor o lugar do método na
pesquisa, momento em que decidi realizar pesquisa sobre as
contribuições das publicações da ANPAE para a trajetória do
conhecimento na área.
Decorridos 10 anos entre o início do mestrado e meu ingresso
como docente do DASE na UNESP/Marília, assumindo como
coordenadora do CEPAE e orientadora de pesquisas de iniciação
científica e de mestrado (minha primeira orientação de doutorado foi
83
em 2009), iniciamos coletivamente estudo e aprofundamento sobre a
escola como objeto de estudo: perspectivas existentes, seus limites e
suas contribuições.
Este capítulo está organizado para apresentar três perspectivas
de análise da escola e de seu cotidiano e minhas vivências com a
orientação e realização de pesquisa sob seus subsídios teórico-
metodológicos. A opção foi por trazer as perspectivas ou abordagens
em uma cronologia de estudos do CEPAE.
Imagino que o leitor seja um pesquisador em formação e/ou
um profissional da Educação que vivencia diariamente os cotidianos
escolares, em qualquer um dos casos ou nos dois, penso poder
contribuir para a formação e informação metodológica e também
aprender com uma análise crítica sobre meu próprio processo de
pesquisa.
2.1 Sociologia das organizações escolares: a escola como nível
meso
de abordagem
No primeiro capítulo indiquei a existência de um movimento
internacional, tanto nas questões da política econômica quanto nas
que dizem respeito às científicas, que levou à construção da escola
como objeto de estudos. Em nosso país, o intercâmbio da ANPAE
com o Fórum Português de Administração Educacional (FPAE), por
meio da realização de Congressos Luso-brasileiros, assim como visitas
técnicas, realização de pós-doutorados e doutorados sanduíches entre
pesquisadores brasileiros e portugueses, repercutiu nos estudos em
Administração Educacional com forte influência da literatura
portuguesa.
Naquele congresso realizado em 1999 na cidade de
Santos/SP, citado anteriormente por mim, onde se deu a palestra de
84
Silva Junior (2002), uma das presenças ilustres foi do pesquisador
Licínio Carlos Lima que havia acabado de lançar seu livro: A escola
como organização educativa (LIMA, 1998). Estive lá como aluna
iniciante do mestrado e me recordo da emoção que foi conhecer o
autor do livro que estudávamos no grupo de pesquisa.
Acompanhando aquele movimento internacional dos autores
referenciados no capítulo anterior (DEROUET, 1996; BARROSO,
1996; NOVOA, 1995), o livro deste autor passou a subsidiar muitas
pesquisas brasileiras sobre a Política e Administração Educacional, no
âmbito da Sociologia das organizações escolares. O conjunto dos
escritos reviu alguns pressupostos defendidos pelos teóricos crítico-
reprodutivistas da década de 1970 (BAUDELOT; ESTABLET,
1971) principalmente o de que as instituições educativas são lócus de
reprodução da sociedade.
Lima (1998) focaliza a escola como organização educativa e,
ao traçar os possíveis modelos de análise, procura compreender como
os atores se organizam, reproduzindo e produzindo regras porque
De fato, ao conceptualizar-se a escola como, simultaneamente,
locus de reprodução e locus de produção de políticas, orientações
e regras, introduz-se a necessidade de proceder a análises
multifocalizadas das organizações educativas/escolares, valorizan-
do o estudo quer do plano das orientações para a acção, quer do
plano da acção, nos seus diferentes níveis, e privilegiando uma
sociologia empírica atenta aos sistemas de acção diferentemente
localizados e às diferentes categorias de actores envolvidos.[...] E,
assim, os actores escolares não se limitam ao cumprimento
sistemático e integral das regras hierarquicamente estabelecidas
por outrém, não jogam apenas um jogo com regras dadas a priori,
jogam-no com a capacidade estratégica de aplicarem selectiva-
mente as regras disponíveis e mesmo de inventarem e
85
construírem novas regras. (LIMA, 1998, p.94 destaques do
autor).
Baseando-se em Ellström (1983), ele apresenta quatro
modelos de análise da organização educativa: racional, político, de
sistema social e modelo anárquico (LIMA, 1998).
O modelo político, “chama a atenção para a heterogeneidade
que caracteriza os diversos atores educativos” e que pode gerar
conflitos na organização, devido às margens de liberdade que
permitem a esses atores realizar ações com interesses diferenciados.
Em posição contrária, o modelo de sistema social não acentua a
intencionalidade da ação organizacional, mas sim o caráter adaptativo
dos atores diante de objetivos “dados” que se tornam consensuais e
“privilegia, portanto, o consenso, a adaptação ao ambiente, a
estabilidade” (LIMA, 1998, p.19).
O autor concentra sua atenção nos outros dois modelos
porque os considera opostos. O modelo burocrático “acentua o
consenso e a clareza dos objetivos organizacionais” pressupondo “a
existência de processos e tecnologias claros e transparentes” (LIMA,
1998, p.21). Aplicado ao estudo da escola, ele atribui importâncias às
normas, aos
[...] processos de planeamento e de tomada de decisões, a
consistência dos objetivos e das tecnologias, a estabilidade, o
consenso e o caráter preditivo das acções organizacionais. É, de
resto, o modelo de análise predominante nos estudos sobre a
escola apesar das crescentes críticas que lhe vêm sendo dirigidas,
e de algumas dificuldades na própria aplicação do modelo à
escola. (LIMA, 1998, p. 25).
86
Para contrapor este modelo, o autor destaca o modelo
anárquico ou anarquia organizada, este último termo proveniente de
uma metáfora criada, segundo Lima (1998), pelos autores Cohen,
March e Olsen, em 1972. Trata-se de um modelo de estudo que parte
do princípio de que qualquer organização, e especialmente as
organizações educativas e outras organizações públicas, pode ser
entendida, pelo menos parcialmente, como uma organização cujos
objetivos são insuficientemente definidos, os processos e tecnologias
são pouco claros e compreendidos pelos membros da organização e a
participação é fluida. O fato de romper com as regras externas e
muitas vezes não coerentes com a realidade local não significa, para
os adeptos deste modelo, uma “disfunção” da organização e sim a
possibilidade de ação mais ou menos consciente dos sujeitos
integrantes da organização.
Lima (1998, p. 64) indica que, ao opor-se à conformidade
normativa (normativismo), a ação organizacional pode promover a
infidelidade normativa compreendida enquanto “fidelidade dos
atores aos seus objetivos, interesses e estratégias” por diferentes
motivos: desconhecimento; falta de clareza; erro de interpretação não
intencional ou intencional. O autor também nos fornece algumas
ideias centrais para a análise no que se refere, especificamente, à maior
ou menor centralização e margem de atuação dos atores
organizacionais. A centralização e a formalização permitem um
discurso de oposição por parte dos atores, mas, ao mesmo tempo,
podem servir de “bode expiatório”, no sentido de proteção para a
manutenção das coisas como estão (“desculpabilização”), já a
descentralização, ao permitir a construção de maior autonomia e
poder de decisão para as escolas, expõe os atores no sentido de se
responsabilizarem pelas ações e decisões. Para Lima (1998, p. 67),
quanto maior for a distância entre os superiores e os subordinados
87
(em nosso caso, no Brasil, uma Secretaria de Educação das escolas,
por exemplo), “[..] maior poderá ser o espaço de intervenção social
dos atores, interpretando e reinterpretando regras formais,
promovendo mais ou menos a sua divulgação e informação,
atualizando-as ou não, ou mesmo substituindo-as por regras
alternativas.
Nesta proposta metodológica de estudo da escola, há a ênfase
na necessidade de privilegiar os aspectos referentes às ações dos
sujeitos, o que ele chama de “ação organizada” o cotidiano escolar,
em detrimento do “plano de ação para as organizações” as diretrizes
dos órgãos superiores. Sendo assim, essa abordagem estabelece dois
polos inter-relacionados: o das diretrizes políticas educacionais e o da
organização escolar.
As pesquisas desenvolvidas no Brasil com esse subsídio
teórico-metodológico consideram a escola com esta margem de
autonomia e contemplam a análise utilizando todos os modelos
(RIBEIRO, 2001), ou um ou dois modelos, dependendo dos
objetivos da pesquisa (DOMINGOS, 2017). Em relação às pesquisas
das quais participei como orientadora e pesquisadora, na realização
do primeiro projeto “guarda-chuva” que coordenei com
financiamento da FAPESP, na modalidade auxílio à pesquisa, orientei
um mestrado, também com bolsa da mesma agência, em que a
pesquisadora analisou o processo de reestruturação do curso de
Pedagogia da UNESP/Marília frente às exigências do governo
nacional de extinção da Habilitações e a formação do pedagogo
generalista. A proposta de pesquisa se baseou no referencial de Lima
(1998), considerando a FFC/UNESP/Marília, especialmente o curso
de Pedagogia, como organização escolar a ser analisada.
A pesquisa finalizada em 2012, e com publicações nos anos
subsequentes (OLIVEIRA; ABDIAN, 2014), apresentou muitas
88
potencialidades do ponto de vista analítico, principalmente àqueles
circunscritos à compreensão da dinâmica escolar, seu funcionamento,
o processo de tomada de decisões, relações entre as diretrizes
governamentais e a autonomia local. No entanto, alguns limites
foram-nos apresentados durante o desenvolvimento da análise e
gostaria de apresentar dois deles ao leitor. No período de
levantamento de dados, nos encontros de orientação, sentimos
necessidade de trabalhar com dados históricos do curso para
compreender o que estava se fazendo no presente, como, por
exemplo, estruturas curriculares anteriores, como foram tomadas as
decisões por um caminho ou outro, porque o curso se estruturou com
tantas habilitações, entre outras questões. Para conseguir discutir essas
questões, tivemos que recorrer a outros autores que nos apresentaram
uma perspectiva histórica e política da gestão, em nosso caso,
universitária. Outro aspecto foi que nos encontramos limitadas pelos
modelos teóricos que, por mais que o autor nos apresente como
concomitantes e dinâmicos, apresentam-se ao pesquisador como
“modelares” em seu próprio nome, sendo assim, como um tipo ideal
de análise e também de realidade. Os dois aspectos nos permitem
dizer que a abordagem organizacional oferece elementos interessantes
do ponto de vista da dinâmica da escola, mas limita a pesquisa no que
respeita às questões políticas, contextuais e históricas. Talvez, o
aspecto mais significativo e naquele momento ainda não passível de
compreensão, era a separação entre os planos das orientações e os
planos das ações organizacionais, endossando a binaridade e uma
concepção de ser a Administração Escolar a mediação da organização
escolar e de suas decisões.
89
2.2 O cotidiano escolar na perspectiva da
Pedagogia Histórico-crítica
No Brasil, integrando o movimento acadêmico do estudo da
escola, João dos Reis da Silva Junior e Celso Ferretti publicam um
livro em que o centro das atenções era a produção de categorias que
dessem conta de compreender a escola em seu cotidiano. A publicação
também teve origem no início dos anos 1990 quando, Ferretti
coordenava um grupo de pesquisa na PUC/SP e Silva Junior outro
grupo de pesquisa na Fundação Carlos Chagas e, mediante o
desenvolvimento de pesquisas integradas e participações em
congressos com a temática Educação Superior e/ou Educação
Profissional, os resultados indicavam “a necessidade de foca as
instituições” e de voltar “à escola como locus privilegiado de
investigação” (SILVA JR.; FERRETTI, 2004, p. 18-19).
Neste momento, é interessante situarmos a produção deste
livro nas relações com a perspectiva anterior e também com a
Pedagogia Histórico-Crítica, anunciada no subtítulo.
Na Introdução do livro, Silva Jr e Ferretti (2004, p. 13)
indicam que o texto foi produzido a convite do professor Licínio Lima
da Universidade do Minho para a discussão com os integrantes do
grupo de pesquisa de Sociologia da Educação sob sua liderança. Esse
pedido demonstra o forte intercâmbio com a produção teórica
portuguesa como indiquei no subcapítulo anterior, mas também o
desafio que os autores assumiram por se aproximarem de referencial
teórico crítico, com viés diferente do da Sociologia das organizações
escolares.
A dupla de pesquisadores que assumiu o desafio trabalhava
em seus respectivos estudos individuais ou em rede com uma tradição
crítica marxista, e cunhada na Pedagogia Histórico-Crítica, tanto é
90
que propõem a construção da categoria “prática escolar” a partir de
complexa incursão pelos autores Lukács (1981), que trabalha com a
prática social considerando a ontologia do ser social, e Heller (1977),
que desenvolve a noção de cotidianidade. O mais interessante da
análise dos autores é que contemplam três faces da escola: a
institucional, a organizacional e a cultural e, apesar de atribuírem um
elevado grau à densidade histórica da escola, que acaba por imprimir
as marcas do Estado liberal (agora neoliberal), defendem que a prática
escolar traz em si a potência para a formação do ser social em-si e para-
si, ou seja, “quando tal prática resulta no âmbito em-si, trata-se de
uma prática alienada e alienante. Quando, ao contrário, torna-se
prática orientada pelo para-si, contribui para o desenvolvimento
ulterior do ser humano” (SILVA JR.; FERRETTI, 2004, p. 50). Isto
se dá, segundo os autores, porque
O ordenamento jurídico-burocrático e as políticas produzem as
diretrizes para o modo de existência da escola na condição dos
sistemas e redes escolares, das variadas naturezas escolares
atualmente existentes. No entanto, as diretrizes não se
reproduzem concretamente tal qual são enunciadas e propostas
ou mesmo impostas no plano superestrutural. A organização da
esfera educacional e de cada instituição escolar é única, mesmo
que ela mantenha relações de identidade com outras instituições
da mesma natureza. (SILVA JR; FERRETTI, 2004, p. 58).
Ao trazerem seus autores de base, dialogam com Duarte
(2007), cuja preocupação é diferenciar as esferas da vida cotidiana e
não cotidiana. Na primeira, tem-se a reprodução dos indivíduos
singulares, a necessidade de sobrevivência ou satisfação das
necessidades do homem, características da formação do indivíduo
em-si; na segunda, a reprodução adquire um sentido mais amplo, ao
91
agregar necessidades além da individualidade da vida cotidiana,
referem-se a atividades que visam à reprodução da sociedade, da
realidade produzida historicamente, cuja reprodução está ligada à
formação do indivíduo para-si. Nas palavras de Duarte (2007, p. 58):
Uma prática escolar voltada para a formação da individualidade
para-si não visa fundamentalmente satisfazer as necessidades já
dadas pela vida cotidiana do aluno, mas produzir necessidades de
tipo superior, que não surgem espontaneamente, e sim pela
apropriação dos conteúdos das esferas de objetivação genérica
para-si.
Sem pretender uma separação rígida entre as esferas cotidianas
da reprodução do indivíduo e não cotidianas da reprodução da
sociedade, Duarte (2007, p. 57) enfatiza que a educação deve
objetivar “a reprodução do educando enquanto indivíduo, mas
também visa a atuação desse indivíduo numa prática social, na
construção de um determinado tipo de sociedade”.
Embora haja convergência de subsídios teóricos entre Duarte
(2007) e Silva Jr. e Ferretti (2004), o primeiro realizou prefácio do
livro dos segundos, destacando que os autores assumiram o resgate da
teoria como desafio interessante no sentido de construir subsídios
teóricos para análise empírica das reformas educacionais, mas
assumiram o risco da tentativa de apropriação crítica de trabalhos
pautados em abordagens distintas dos pressupostos marxistas,
deixando-se influenciar pelas perspectivas pós-estruturalista e
multiculturalista em sua produção. Um dos autores que Silva Jr e
Ferretti (2004) trazem para o debate em relação à categoria
“organizacional” é Ball (1989) quando este fez diferentes estudos de
casos para compreender a micropolítica da escola para uma teoria da
organização escolar. Ou seja, o foco na “organização escolar”, como
92
foi realizado por Lima (1998), por exemplo, denota um foco em
aspectos funcionais que não atribuem a devida importância à função
social da escola e/ou valoriza demasiadamente as diferenças entre as
escolas, as particularidades, o que pode, para o prefaciador crítico do
livro, conduzir o pesquisador a uma ausência de foco na totalidade da
sociedade.
De modo geral, Silva Jr. e Ferretti (2004) evidenciam as
marcas históricas da face institucional da escola e apontam como sua
organização, compreendida por nós como a gestão, dispõe-se para o
alcance do objetivo posto historicamente para ela: manutenção do
pacto social burguês. No entanto, eles reconhecem que as diretrizes
políticas não se reproduzem tal qual elas são formuladas e, desta
forma, indicam a possibilidade de a escola se organizar de forma
diferente para o alcance de objetivos emancipatórios. Nesse sentido,
podemos dizer que, também nessa abordagem, as diretrizes políticas
se fazem fora da escola e a gestão, como organização, é a concretização
delas ou de outros fins, neste caso, de não reprodução do status quo
da sociedade.
No CEPAE estudamos por alguns anos a perspectiva teórico-
metodológica de Duarte (2001) e também de Silva Jr e Ferretti
(2004). O primeiro foi orientando de Saviani e defendeu sua tese no
início dos anos 1990, publicada em livro, posteriormente (DUARTE,
1993), tendo como objetivo, partindo dos fundamentos da Pedagogia
Histórico-Crítica, avançar no sentido de construir uma Teoria
Psicológica para ela, que desse conta de explicar e fundamentar a
formação do indivíduo por meio da prática escolar. E assim ele
procedeu construindo os pressupostos da Teoria Histórico-Cultural.
Para este autor, o cotidiano não deve ser confundido com dia-a-dia,
ao contrário, o cotidiano escolar precisa estar marcado pela
“suspensão” das atividades cotidianas e heterogêneas e desenvolver o
93
trabalho com as atividades não-cotidianas, que trazem em seu bojo as
generalidades genéricas para-si, produzidas pela humanidade. Apenas
com o planejamento e a prática escolar voltados para o não-cotidiano
é que o indivíduo para-si poderá se formar em um processo de
homogeneização com a ciência, por si homogênea e o oposto do
cotidiano, marcado pela heterogeneidade.
Tendo Duarte (2001) e Silva Jr e Ferretti (2004) como
horizontes, principalmente o discurso que tinha a crítica “do outro”
(escola, Estado, modo de produção capitalista) desenvolvemos
pesquisas no âmbito do grupo, cujas produções encontraram adesão
na comunidade acadêmica por meio de apresentações em congressos
e publicações de artigos. No entanto, uma das experiências merece
destaque para análise dos limites e das potencialidades propostas no
capítulo.
Com o propósito de desenvolver uma alternativa à formação
continuada de administradores escolares apresentada pelos governos
os quais privilegiam a perspectiva empresarial, realizei, entre os anos
2009 e 2012, em conjunto com a professora Elianeth Hernandes
vinculada também ao DASE, um projeto de extensão junto à
Secretaria de Educação Municipal de Assis/SP e, posteriormente,
junto às comunidades de quatro escolas cujos administradores
participaram da formação. O projeto tinha como objetivo aproximar
a universidade da escola por meio de um trabalho que privilegiasse a
concomitância de duas ações: a problematização das práticas (da
universidade e da escola) e o diálogo. Para isso, utilizamos uma
perspectiva de educação freireana que a concebe como “comunicação,
diálogo, na medida em que não é a transferência de saber, mas um
encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos
significados” (FREIRE, 2010, p. 69). Com essa aproximação, o
segundo objetivo foi o aprendizado mútuo a partir da troca: a nossa
94
prática de ensino e de pesquisa seria problematizada e as práticas das
escolas e de seus administradores seriam problematizadas.
Durante um ano fizemos encontros quinzenais na Secretaria
de Educação convidando todos os diretores que quisessem participar
sem obrigatoriedade e levávamos conosco alunos do curso de
Pedagogia e integrantes do CEPAE. Nesses encontros, fomos nos
aproximando dos problemas relatados pelos profissionais e
construindo, juntos, uma possibilidade de trabalho que culminou
com uma agenda voltada à construção de uma Lei que viabilizasse a
construção e vivência do conselho escolar em todas as escolas,
inclusive, as de educação infantil as quais historicamente estavam
alijadas dos processos de participação na gestão do sistema e das
escolas. Esse processo foi vivenciado e, em seguida, os diretores
apresentaram a Lei ao Conselho Municipal de Educação, sendo
aprovada e publicada. Finalizada essa etapa, algumas diretoras nos
convidaram para fazermos a formação de suas comunidades escolares
e continuamos o trabalho nos reunindo com a equipe de professores
e funcionários e a comunidade de quatro escolas para que os conselhos
fossem compreendidos e montados de acordo com a Lei construída
coletivamente durante o curso.
Para analisar os resultados do projeto, publicamos um artigo
com o título Gestão escolar democrática: concepções e vivências
(ABDIAN; HERNANDES, 2012) o qual é dividido exatamente na
ordem do seu subtítulo: inicialmente, desenvolvemos as concepções
que nortearam a execução do trabalho e, em seguida, analisamos as
vivências e “as reais possibilidades de uma prática escolar
democrática”. Naquele momento, tanto o desenvolvimento do
trabalho junto aos profissionais da educação como a construção do
artigo foram feitos em coautoria com minha colega de departamento,
95
mas, neste momento, a análise é de minha responsabilidade e
exclusiva autoria.
A necessidade de fundamentar uma prática por meio de
concepções norteadoras que antecedessem a vivência se mostrou,
atualmente, um tanto contraditória, mas aceitável do ponto de vista
do funcionamento discursivo da área. Fundamentamos o desenvol-
vimento metodológico do trabalho em Freire (2010) que nos ofereceu
ferramentas sobre processo pedagógico, educação, relação
universidade e escola, democracia, no entanto, no momento de
construção do artigo, posterior ao desenvolvimento da pesquisa,
sentimos necessidade de “rechear” a primeira parte do texto com todo
um discurso sobre educação holística, emancipatória e qualidade
negociada da educação (CURY, 2008; SINGER, 1996; BONDIOLI,
2004). Mais do que isso, repetimos a construção teórica de Paro
(1986) que pretendeu garantir a especificidade do processo pedagó-
gico em detrimento do processo fabril com referencial marxista e
colocamos a Administração Escolar como aquela que vai garantir as
“condições materiais a partir das quais se desenvolve a ação educativa
e, neste sentido, a gestão escolar, no seu sentido clássico, apresenta-se
como a mediação necessária” (ABDIAN, HERNANDES, 2012, p.
150). Em nosso caso, mediação para a emancipação dos sujeitos
envolvidos ou para a formação de indivíduos para-si (DUARTE,
2001).
Como estávamos subsidiadas por princípios dialógicos e
problematizadores de Freire (2010) também pensamos a respeito da
lógica científica e da lógica cotidiana e como elas poderiam conversar
em um trabalho dessa natureza. Sendo assim, em Canário (1996)
encontramos respaldo para a ideia que nos fortalecia, qual seja a que
as “pesquisas acadêmicas precisam reconhecer algumas ideias para que
possam se inserir em um novo paradigma, baseado, sobretudo, no
96
reconhecimento de novas relações entre o pesquisador e o objeto
pesquisado” [...] para isso, os pesquisadores precisam romper com a
“ideia da existência de um one best way” e sinalizar para um
conhecimento que explique o objeto e não diga o que ele deve fazer
(ABDIAN; HERNANDES, 2012, p. 151). Seguindo nossa
fundamentação teórica, já que falamos em cotidiano escolar, o
definimos “não como sinônimo de dia-a-dia ou de prática social dos
indivíduos, mas como o conjunto de atividades que caracterizam a
reprodução dos homens singulares (HELLER, 1977, p. 19) “e que
traz, para a educação escolar, a atividade de ser mediadora entre o
cotidiano e o não cotidiano, isto é, entre a esfera das objetivações
genéricas em-si e a esfera das objetivações genéricas para-si”
(DUARTE, 2007, p. 41).
Após toda essa prática de apresentar as concepções que nos
nortearam, relatamos nossas vivências por meio da análise de
entrevistas com as diretoras e todo o processo de observação e
concluímos destacando inúmeros aspectos que nos conduziram
contra nós mesmas, em um olhar autocrítico. Com Freire (2010)
destacamos que aprendemos democracia pela prática da participação,
mas questionamos se nossa constituição como sujeitos democráticos
era compatível com as demandas do desenho metodológico porque
mesmo as inúmeras vezes que os profissionais nos mostraram que
queriam se centrar nos aspectos relativos às suas práticas cotidianas, o
“desejo de fortalecer as bases teóricas de orientação sobre as prática”
se sobressaia e utilizávamos a mesma lógica no planejamento dos
próximos encontros. Apontamos, por fim, as possibilidades de
“construção de práticas escolares democráticas, que contribuam com
a emancipação social de sujeitos também democráticos” (ABDIAN;
HERNANDES, 2012, p. 159) por meio de formação continuada que
envolva o trabalho integrado entre universidade e escola.
97
Como esse exercício tem sido realizado desde o início do livro,
penso que o leitor já consiga fazer alguma análise dos limites e das
potencialidades desta proposta e que com o exemplo isso tenha fica
ainda mais possível. Bem, a proposta em tela traz a historicidade e
aspectos políticos não presentes na abordagem anterior, de certa
forma, conservam o lugar da escola entre-dois (diretrizes governa-
mentais e processo pedagógico e formação do indivíduo), no entanto,
apresentam o cotidiano exatamente como suspensão do mesmo, ou
seja, a riqueza da multiplicidade (ou heterogeneidade) deve ceder
lugar para o “mono” ou homogeneização com a ciência. A
importância está na ciência como um corpo homogêneo a ser
apreendido para ser usado em busca da transformação do social. E o
que isso tem de incoerente e limitou a pesquisa que relatei?
Exatamente o fato de termos partido do entendimento de cotidiano
como dia-a-dia, da riqueza dos acontecimentos, entre eles, o diálogo
e a problematização e o aprender com o aprender do outro que
também me constitui.
A partir deste momento, precisaríamos de uma
fundamentação que desse conta da multiplicidade, da heterogenei-
dade e do acontecimento como fundamentos dos cotidianos escolares.
E nos parece que a produção em Administração Educacional
explorada no capítulo precedente e as duas perspectivas apresentadas
de estudo da escola/cotidiano dariam conta dessa expectativa.
2.3 Cotidianos escolares como processo em construção
Após vivenciarmos coletivamente a busca pela compreensão
da heterogeneidade que compõe a escola e não encontrando autores
que pudessem, metodologicamente, amparar nossas análises, os
diálogos com alunos que se dedicavam a outras leituras foram
98
imprescindíveis para a mudança de rumo de nossos estudos, pois eles
nos colocavam problemas que se desdobravam em um processo de
desconstrução do que estava até então normalizado.
Paulo Henrique Costa Nascimento que me acompanhou
desde sua iniciação científica, passando pelo mestrado e finalizando o
doutorado em março de 2023, nos provocou com a teoria da
multiplicidade e também com a esquizoanálise (NASCIMENTO,
2014; 2018; 2023), além, é claro, das discussões e elaborações sobre
o discurso; Mônica Gomes de Carvalho cujas pesquisas de iniciação
científica e de mestrado problematizaram a área com subsídios
filosóficos (CARVALHO, 2017; 2020) e Éderson Andrade que,
tendo feito mestrado sanduíche entre Universidade Federal do Mato
Grosso (UFMT) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ),
apresentou-nos a Teoria do Discurso (LACLAU; MOUFFE, 2015),
cujas elaborações se encontravam em harmonia com os autores da
Filosofia, foram pesquisadores em formação com presenças decisivas
nas mudanças que vivenciamos no CEPAE.
Nascimento (2014; 2018; 2023) e Carvalho (2017; 2020)
estão construindo um percurso no CEPAE bastante rico em termos
de participação efetiva na construção do conhecimento por meio de
suas pesquisas individuais e artigos e trabalhos coletivos, frutos de
nossas trajetórias de pesquisa. A contribuição de Andrade (2019) foi
no sentido da apresentação dos autores pós-estruturalistas, já bastante
trabalhados na área do Currículo no Brasil, porque ele teve uma
passagem rápida, coincidente com a realização do seu doutorado e
obtenção do título.
Os autores que integraram nossos estudos neste percurso
inicial foram: Boaventura de Sousa Santos (1999, 1987); Rockwell e
Ezpeleta (2007); Foucault (1982); Bourdieu (2004). Este conjunto
de autores, guardadas suas especificidades de abordagens,
99
possibilitou-nos rever uma série de princípios e pressupostos e nos
conduziram à outra formulação discursiva, cujas contribuições para a
Administração Educacional serão apresentadas no próximo capítulo.
Com Rockwell e Ezpeleta (2007), pudemos sentir exatamente
o processo que estávamos vivenciando. Como autoras reconheci-
damente marxistas no Brasil, com forte entrada na universidade nos
estudos em Educação nos anos 1980, elas escrevem um artigo em que
colocaram em xeque o próprio processo de pesquisa com a escola,
apontando os limites reais das categorias da teoria marxista. O
interessante deste texto é que elas não apresentaram respostas, mas
entregaram ao leitor questões que podem ser respondidas, talvez, com
uma mudança no modo de se pesquisar o cotidiano escolar. Para elas,
a escola é “um processo inacabado em construção” e exige modos
específicos e próprios para encontrar e enxergar o “outro” em seu
cotidiano, aquilo que não é possível captar em documentos e/ou
observações e entrevistas enviesadas por grandes categorias, que dão
conta da apreensão de parte do movimento da história social, política
e econômica, mas não dão conta da heterogeneidade do cotidiano. A
pergunta que Rockwell e Ezpeleta (2007) lançam é muito próxima
daquela que fizemos anteriormente e suas reflexões se equivalem às
nossas no sentido de buscarem, como destaquei na epígrafe do livro,
se é possível pensar diferentemente do que se pensa para conseguir
continuar a pensar e a refletir: como integrar a heterogeneidade do
cotidiano na teoria? Digo que se equivalem a nós porque a pergunta
demonstra que a crítica delas se dirige à teoria que não estava sendo
capaz de abarcar a multiplicidade do cotidiano e não o contrário,
posto pelo autores anteriores, de tentar conter o cotidiano na adesão
às grandes categorias postas por suas teorias.
Santos (1999, p. 204-205) nos apontou questões
epistemológicas importantes sobre a Ciência Moderna, principal-
100
mente circunscritas ao que nos afligia: por que é tão difícil construir
teoria crítica? Com essa pergunta, o autor faz uma crítica à teoria
crítica indicando que “a razão que ela critica não pode ser a mesma
que pensa, constrói e legitima aquilo que é criticável” e, dessa forma,
coloca o suposto “senso comum” em outro patamar nas pesquisas em
humanidades. O autor nos possibilitou consolidar a ideia de que a
função do conhecimento não é colocar “a ordem sobre o caos”, ou
seja, não é dizer o que a escola deve fazer, mas, ao mesmo tempo, não
é se conformar com o que existe porque “há alternativas suscetíveis de
superar o que é criticável no que existe” (SANTOS, 1999, p. 197).
Foucault (1982) e Bourdieu (2004) também no campo da
construção científica, contribuíram para a descentralização do
conceito de crítica presente no discurso em Administração
Educacional. Com o primeiro autor, dois elementos estiveram
presentes: a abertura às multiplicidades, no sentido de compre-
endermos que em um regime discursivo existem saberes
universalizantes e aqueles periféricos e que o registro destes “demarca
a existência de movimentos de resistência frente à totalização e uma
multiplicidade de perspectivas que podem ocorrer em um campo
teórico”; o deslocamento da perspectiva de crítica: para este autor, se
esses conhecimentos periféricos existem, eles estão presos em relações
de poder e ao expor a tendência do pensamento e da vontade em uma
razão totalizadora, prescritiva e hierárquica, “não só a realidade e a
prática cotidiana merecem uma análise crítica, mas, fundamental-
mente, a própria teoria que as antecede”. Bourdieu (2004)
acrescentou um elemento que potencializou os anteriores que foi a
presença do pesquisador (intelectual) o qual, no jogo do campo
científico e suas disputas por troféus, é portador legítimo da crítica,
mas, na maioria das vezes, a conquista desses troféus em nada tem a
ver com a resolução dos problemas do cotidiano escolar, sendo assim,
101
suas colocações nos possibilitou “a crítica tão radical que passou a
valer como autocrítica na medida em que critico o outro” (ABDIAN;
NASCIMENTO; SILVA, 2016, p. 473).
Bem, esse conjunto de autores e escritos nos inseriu na prática
discursiva, mas, ao mesmo tempo, fora dela no sentido de
problematiza-la. Ao fazermos isso, problematizamos nós mesmos em
busca de novos caminhos. O grande problema que se colocou e ainda
se coloca é: tendo constatado os limites do discurso em Administração
Educacional, como prosseguir no sentido de indicar novas
potencialidades para a sua diferenciação? Como dito, para nós (agora
no plural porque inclui o grupo nas análises), as potencialidades
dizem respeito à multiplicação de diferenças para que sejam possíveis
lógicas de equivalências que antagonizem com um adversário em
comum. Por isso, a ideia é proliferar o discurso no sentido de sua
multiplicidade e não continuarmos a reproduzir práticas discursivas
teóricas, já insistentemente endossadas, que não correspondem e não
revezam com a prática discursiva escolar.
Diante desses questionamentos, trilhamos novos estudos que
vieram trazer alguns aspectos que somaram às nossas expectativas, mas
do campo do Currículo e não da Administração Educacional.
Em busca de novos referenciais, que nos permitissem pensar
a escola a partir de elementos ainda não contemplados nas
perspectivas anteriores, deparamo-nos com os estudos de curriculistas
(ALVES, 2001) que desenvolvem também uma compreensão sobre o
cotidiano e os estudos sobre/neles, com base em Certeau (1998).
Para Certeau (1998, p. 41), o cotidiano não é um espaço de
reprodução do discurso hegemônico, mas espaço repleto de práticas
comuns criativas, descobertas, invenções e muitas possibilidades,
lugar sempre passível de transformações, uma história a caminho de
nós mesmos, às vezes, velada. As práticas cotidianas do homem
102
comum “[...] constituem as mil práticas pelas quais usuários se
reapropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção
sóciocultural”. Isso nos remete a considerar os efeitos das maneiras de
fazer dos praticantes do cotidiano como indissociáveis de sua lógica
própria. O autor evidencia a lógica das práticas cotidianas ao analisar
os modos de operação dos usuários e as combinatórias dessas
operações que compõem, também, uma cultura. Os usuários, citados
pelo autor, representam o homem ordinário, ao qual foi garantida a
posição, por muitas vezes ao longo da história e dos estudos sociais,
de dominado, supostamente entregue à passividade e à disciplina.
Assim, seus modos de operação, objeto de análise do autor, são as
maneiras de fazer do homem comum frente às imposições que
surgem, de diversas ordens. Esses modos de operação e as astúcias dos
consumidores compõem a rede de uma antidisciplina, que funciona
de forma a modificar o que é imposto enquanto é assimilado/
consumido, constituindo uma produção secundária, camuflada nos
processos de sua utilização, e que subvertem à sua maneira as
determinações exteriores. A partir da perspectiva da lógica da prática
cotidiana e sobre essas diversas formas, que o homem comum cria, de
usar as situações que lhe aparecem, Certeau (1998) desenvolve os
conceitos de táticas e estratégias. As primeiras são definidas como as
ações que não podem contar com um lugar próprio, dependem do
outro, não são munidas de estratégias e não sustentam uma base pré-
determinada de operações, pelo contrário, elas são baseadas na
improvisação, representam a arte do fraco, mas são capazes de reagir
frente a uma necessidade que surja. A tática “tem que utilizar,
vigilante, as falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na
vigilância do poder proprietário. Aí vai caçar. Cria ali surpresas.
Consegue estar onde ninguém espera. É astúcia” (CERTEAU, 1998,
p. 101). Enquanto as táticas são determinadas pela ausência de poder,
103
as estratégias são organizadas pelo postulado de um poder,
representam ações calculadas e detêm um lugar próprio, significando
um espaço de poder hegemônico. A estratégia é a arte do forte e “[...]
postula um lugar capaz de ser circunscrito como um próprio e,
portanto, capaz de servir de base a uma gestão de suas relações com
uma exterioridade distinta” (CERTEAU, 1998, p. 46). Práticas
cotidianas como ler, conversar, cozinhar são consideradas como
táticas, artes que não são passivas, pelo contrário, servem de suporte
para inúmeras produções, causam pequenas transformações,
resultado de bricolagens dos consumidores. Assim, as táticas
permeiam o cotidiano do homem ordinário, resultam das habilidades
inventivas, aptidões para a criatividade e ocasionam diferentes
maneiras de fazer. São pequenas, quase invisíveis, vitórias do herói
comum. Em linhas gerais, Certeau (1998), em sua análise sobre essas
práticas cotidianas, apresenta uma perspectiva original em relação aos
estudos do cotidiano que enfatizam a passividade dos sujeitos e não
se dedicam a analisar os movimentos de criação destes. Dedicando sua
obra ao homem ordinário e suas práticas multimilenares, Certeau
(1998, p. 93) afirma que este, “sem sair do lugar onde tem que viver
e que lhe impõe uma lei, ele aí instaura pluralidade e criatividade. Por
uma arte de intermediação ele tira daí efeitos imprevistos”.
No Brasil, Alves (2001) parte dos pressupostos teóricos
construídos pelo autor para o desenvolvimento de suas pesquisas
nos/dos/ com os cotidianos, especialmente no campo educacional. A
autora sistematiza alguns conceitos relacionados ao desenvolvimento
das pesquisas e das práticas cotidianas, tendo alguns princípios
norteadores: as maneiras de pensar e pesquisar o cotidiano, as redes
coletivas e a produção dos sentidos. A autora identifica quatro
movimentos que possibilitam decifrar a lógica dos cotidianos e os
104
processos necessários para o desenvolvimento dos estudos nos/dos/
com os cotidianos.
O primeiro movimento, denominado pela autora de o
sentimento do mundo, define a necessidade do diálogo com outras
formas de ver a realidade, que não apenas a dominante, como um
mergulho nos cotidianos com o propósito de ir além do que a
percepção reconhece. A fim de não mais manter o comum
distanciamento entre pesquisador e objeto, mas sim nos atentarmos a
todos os detalhes das astúcias e modos de fazer dos praticantes, de
modo a reafirmar o cotidiano como espaço/ tempo de saber, criação
e grande diversidade. Nesse sentido, vamos percebendo que só é
possível analisar e começar a entender o cotidiano escolar em suas
lógicas, através de um grande mergulho na realidade cotidiana da
escola e nunca exercitando o tal olhar distante e neutro que nos
ensinaram e que aprendemos a usar tão bem (ALVES, 2001, p. 15).
O segundo movimento recebeu o nome de virar de ponta cabeça e
propõe um novo modo de olhar para as teorias, conceitos e noções
que já conhecemos. Estes precisam ser reconhecidos não apenas como
apoio às pesquisas, mas também como seus limites, hipóteses que não
representam verdades absolutas e por isso, não necessariamente vão se
confirmar. As teorias que sustentamos durante a pesquisa podem
tanto guiar nosso caminho quanto limitar nossa percepção quanto à
heterogeneidade do cotidiano. Beber em todas as fontes representa o
terceiro movimento e significa a necessidade da ampliação do
entendimento que temos de fonte. Os estudos não devem se limitar
às produções teóricas do campo, mas também incorporar os diversos
modos de fazer dos praticantes do cotidiano e os registros destes como
fotos, arquivos, memórias, histórias narradas, que devem ser
reconhecidos como fontes alternativas para as pesquisas. A partir de
diversas fontes é que serão possíveis os estudos nos/dos/com os
105
cotidianos. O quarto movimento, denominado narrar a vida e
literaturizar a ciência, indica a necessidade de um novo modo de
registrar a pesquisa, outro tipo de escrita que tenha o intuito de
comunicar novas preocupações, problemáticas. E que, essencialmen-
te, consiga chegar também aos praticantes dos cotidianos e corrobore
a construção e emancipação do conhecimento construído não apenas
pelo autor.
Assumimos, junto com a autora, a impossibilidade de uma ou
várias teorias possibilitarem uma percepção apurada das práticas
cotidianas escolares. Assim, compreendemos a responsabilidade de
realizar um mergulho nessa realidade e em nosso objeto de estudo,
presenciar as práticas desses atores da educação, buscando formas de
problematizá-las e compreendê-las para que, dessa maneira,
consigamos entender o que se passa em seu interior e dar conta de
responder os empecilhos cotidianos. Quanto a essa forma de
desenvolver as pesquisas nos/dos/com os cotidianos, Certeau (1998,
p. 341-342) nos alerta para as dificuldades inerentes a ela:
Conhecemos mal os tipos de operações em jogo nas práticas
ordinárias, seus registros e suas combinações porque nossos
instrumentos de análise, de modelização e de formalização foram
constituídos para outros objetos e com outros objetivos. O
essencial do trabalho de análise que deveria ser feito deverá
inscrever-se na análise combinatória sutil, de tipos de operações
e de registros, que coloca em cena e em ação um fazer-com, aqui
e agora, que é um ato singular ligado a uma situação,
circunstâncias e atores particulares [...]. Nossas categorias de
saber ainda são muito rústicas e nossos modelos de análise por
demais elaborados para permitir-nos imaginar a incrível
abundância inventiva das práticas cotidianas. É lastimável
consta-lo: quanto nos falta ainda compreender dos inúmeros
artifícios dos ‘obscuros heróis’ do efêmero, andarilhos da cidade,
106
moradores dos bairros, leitores e sonhadores, pessoas obscuras
das cozinhas. Como tudo isso é admirável. (CERTEAU, 1998,
p. 341-342).
O autor também critica algumas metodologias utilizadas nas
pesquisas que se propõem a analisar as práticas cotidianas e, assim,
refere-se a alguns pressupostos necessários para o desenvolvimento
dessas pesquisas. Primeiramente, é possível constatar a sua crítica à
relação entre o pesquisador e seu objeto, segundo ele, enquanto
produz o seu estudo, o pesquisador adota práticas de distância e
“neutralização”, nivelando e classificando os dados encontrados e
desconsiderando descontinuidades e operações heterogêneas. O
problema existente na adoção de um distanciamento de seu tema por
parte do pesquisador, o que é comumente valorizado nas pesquisas
cientificas, é que este fica sujeito a não apreensão do objeto de análise
como um todo. Em outras palavras, Certeau defende o mesmo
pressuposto presente no movimento o sentimento de mundo
proposto por Alves (2001) quanto às pesquisas cotidianas da
educação. Nessa perspectiva, o autor deve abandonar a prática de
distanciamento e se inteirar no cotidiano com todos os sentidos, a fim
de compreender o espaço/tempo como parte envolvida nele e,
portanto, também passível às táticas e astúcias.
Outro perigo alertado pelo autor quanto às práticas dos
pesquisadores é tão comum quanto o primeiro e se refere à perspectiva
de que o pesquisador tem a missão de levar o conhecimento
sistematizado das práticas cotidianas para os próprios praticantes do
cotidiano. Esse modo de olhar pressupõe a não apropriação de um
saber oficial entre os usuários, apenas de um conhecimento de certa
forma “inconsciente”, sobre o qual não refletem e que por si só não
são capazes de compreender. Trata-se, portanto, de um “[...] saber
107
não sabido [...] um saber sobre os quais os sujeitos não refletem. Dele
dão testemunho sem poderem apropriar-se dele. São afinal os
locatários e não os proprietários do seu próprio saber-fazer
(CERTEAU, 1998, p. 143). Assim, os pressupostos defendidos para
o desenvolvimento das análises do cotidiano vão ao encontro daqueles
explanados por Alves (2001) no campo educacional. Para ambos os
autores, os estudos devem ser capazes de identificar as
heterogeneidades, a pluralidade de táticas e astúcias e os diversos
movimentos de criação presentes nas práticas cotidianas, por meio do
diálogo entre várias lógicas de pensamento.
Os autores apresentados neste subcapítulo proporcionaram a
legitimação dos limites que fomos constatando nos discursos em
Administração Educacional e, ao mesmo tempo, nos indicaram novos
rumos a seguir. Entretanto, ainda tínhamos (e temos) um caminho a
seguir: a necessidade de sistematização das categorias analíticas para
uma condução metodológica nas pesquisas com as escolas, já que
concordamos com a ideia dos autores sobre os cotidianos se
constituírem potentes nas pesquisas em Educação.
Tendo esse desafio como horizonte, finalizo este capítulo
apontando que o percurso vivenciado de estudos e as experiências de
pesquisa, com seus limites e potencialidades, permite-me construir
um próximo capítulo explicitando as categorias que compõem nossa
compreensão de prática discursiva em Administração Educacional. O
objetivo principal é desestabilizar o que está posto, descontruir
algumas questões cristalizadas e buscar novos horizontes para a
compreensão dos cotidianos escolares e da Administração
Educacional.
108
109
Capítulo 3
Potencialidades do Discurso em
Administração Educacional no Brasil
Nos capítulos antecedentes demonstrei os elementos
articulados em formações discursivas que se tornaram contingen-
cialmente hegemônicas em Administração Educacional no Brasil e
também práticas de pesquisas com referenciais que têm a escola como
instância para estudo na área, indicando, em ambos, limites e
potencialidades. Ao final, o maior problema que detectamos foi que
ao irem às escolas fazer pesquisas com seus cotidianos, tendo como
referencial a teoria da gestão democrática e outras regularidades do
ordenamento discursivo prescrição e dualidade –, os pesquisadores
chegam às mesmas conclusões e o conhecimento não se diferencia na
produção de seus resultados. O discurso hegemônico se prolifera
indefinidamente e as ações de prática e ações de teoria não modificam
e não se modificam, sendo que nossas próprias pesquisas sofreram os
efeitos do que fora aqui constatado, o que, por si, nos incitou a buscar
novos modos ou novas regras, já que sempre seremos governados por
elas (NASCIMENTO, 2023).
Concordo com Canário (1996) quando ele afirma que a ida à
escola foi algo construído e não dado, pois a escola não emergiu ou
foi descoberta como objeto científico, mas, sim, foi construída social
e teoricamente como objeto científico. No entanto, parece-me que a
110
ênfase de uma instância (política) foi colocada em outra instância
(cotidiano) e não abandonamos a prática de pesquisar com duas
instâncias, em que uma seja desvalorizada para a outra se construir
(ABDIAN; NASCIMENTO, 2017).
Desse modo, argumento que os cotidianos escolares não
podem se reduzir a uma instância de pesquisa, mas, potencialmente,
precisam ser perspectivados como princípio de pesquisa.
Com Gallo e Figueiredo (2015, p. 38), entendo que a ênfase
na escola com autonomia relativa diante das diretrizes
governamentais, por exemplo -, se constitui como um modo maior
de fazer pesquisa e funciona “[...] como estado de poder e de
dominação [...]”, pois “[...] luta pra ser modelo e para manter-se
modelo”. Por outro lado, os cotidianos como princípio de pesquisa
estão associados a um modo menor de fazer pesquisa, porque “[...] é
a potência de criação, que se contrapõe a um estabelecido que já não
pode criar” (GALLO; FIGUEIREDO, 2015, p. 39). Os cotidianos
como princípio de pesquisa colocam o problema de o poder resistir
ao modelo e, principalmente, criar novos modos de se fazer pesquisa
e se relacionar com o cotidiano da escola. O maior e o menor não se
distinguem pelo tamanho ou pela importância, eles “[...] não são
proposições contrárias e opostas, mas co-funcionantes, ou seja, cada
um se move em função de suas preocupações diferenciadas que são
realizáveis, no mais das vezes, em consonância transversal” (GALLO;
FIGUEIREDO, 2015, p. 26). Portanto, não é por meio da imposição
de um modelo e desvalorização do outro que se pode pensar com os
cotidianos, mas sim permitindo a convivência de vários modos de
pensar, pois mesmo o modelo que impõe precisa do seu oposto para
impor. No caso dos cotidianos, eles precisam do seu oposto para
resistirem e criarem.
111
Retomando as questões colocadas por Rockwell e Ezpeleta
(2007), e dialogando com as considerações sobre maior e menor de
Gallo e Figueiredo (2015), indico que ao invés de ir à escola dizer o
que ela faz de errado ou o que ela deveria fazer de acordo com um
modelo possível ou uma teoria pronta, podemos buscar nas falas, nos
costumes, nos gestos dos alunos, professores, pais, diretores e
funcionários elementos que mostrem os limites do conhecimento e
suas possíveis falhas. Por sua vez, os cotidianos escolares poderiam
utilizar os resultados de pesquisas para aprimorarem suas práticas e
construírem novas formas de se fazer a educação e entender suas
possíveis falhas e limites. Se os cotidianos escolares forem
considerados como princípio de pesquisa, inúmeros desafios serão
postos aos pesquisadores e poucas respostas e modelos de condutas
serão explicitados. Caminhando nesse sentido, desenvolveremos três
deles como elementos sistematizadores de novos pressupostos para
nós, pesquisadores em Administração Educacional: os rumos da
teoria crítica, a relação teoria e prática e os sentidos da Administração
Educacional nas pesquisas com os cotidianos escolares.
3.1 Os rumos da teoria crítica no discurso em Administração
Educacional: em busca de potencialidades
Quando teve como objetivo discutir os problemas colocados
no final do século XX para as Ciências Sociais, Santos (1999) já
perguntou “Por que é tão difícil construir teoria crítica?”. É de se
concordar quando o autor diz que do final daquele século aos dias
atuais não é tão fácil produzir teoria crítica como antes porque muitos
dos conceitos ou categorias analíticas que a constituíram deixaram de
ter centralidade e, também, a pergunta que servia de base para seu
desenvolvimento teórico de que lado nós estamos (reprodução ou
112
emancipação)? tornou-se “irrespondível” pela “[...] dificuldade,
aparentemente cada vez maior, de identificar as posições alternativas
em relação às quais haveria que tomar partido” (SANTOS, 1999, p.
200). Para o autor, dentre as causas da dificuldade de construir a
teoria crítica está a ausência de autocrítica da própria teoria em
perceber que tanto ela quanto a sociologia funcionalista produziram
um conhecimento totalizante da ordem sobre o caos, guardadas as
especificidades de uma pretender a regulação social e a outra
pretender a ordem da emancipação social. Portanto, concordamos
que “[...] não há um princípio único de transformação social [...]”;
“[...] não há agentes históricos únicos nem uma forma única de
dominação [...]”, pois “[...] são múltiplas as resistências e os agentes
que as protagonizam” (SANTOS, 1999, p. 202).
Assim, ao fazermos uma transposição da questão posta pelo
autor para a área da Educação, especificamente, para a Administração
Educacional, podemos retomar o que a teoria crítica produziu de
potencialidades para subsidiar as pesquisas nos/com os cotidianos
escolares.
Como dissemos no primeiro capítulo, a perspectiva crítica
ganhou força na Educação no momento em que, internacionalmente,
a Nova Sociologia da Educação produzia categorias analíticas que
permitiam desvendar as relações causais entre reprodução da
sociedade capitalista desigual e a função da educação escolar. Sob
diferentes respaldos teóricos, uns mais reprodutivistas dessas relações,
outros mais otimistas de a escola contribuir com a emancipação do
indivíduo e da sociedade, a teoria crítica fez a crítica necessária ao
outro: às teorias que a precederam; ao sistema capitalista de produção;
ao sistema escolar; à hierarquia; ao poder estatal etc. Na Adminis-
tração Educacional, a teoria crítica reproduziu exatamente tais críticas
e anunciou um “por vir” ainda não vingado (SOUZA, 2006).
113
Buscando coerência com a noção de cotidianos escolares
como princípio de pesquisa, podemos encontrar novos horizontes
para a crítica sem que se abdique do lugar já conquistado. Isso porque
os dados de pesquisas indicaram que existem elementos constitutivos
da teoria crítica que a impedem de voltar-se para si, em um processo
autocrítico. Temos trabalhado com a atitude crítica como virtude
em geral” que reconhece o governo e amultiplicação da arte de
governarnão apenas a escola (por parte do Estado), mas também a
produção do conhecimento a verdade por parte de um modo de
funcionamento da produção do conhecimento nas pesquisas. Dessa
forma, a atitude crítica estaria na “[...] arte de não ser governado ou
ainda na arte de não ser governado assim e a esse preço”
(FOUCAULT, 1990, p. 3-4).
Sendo assim, como um dos desafios, entendo que é possível
ter uma perspectiva crítica para analisar os cotidianos, mas ela seria
subsidiada por outros princípios porque conceberia como principal
deles os cotidianos como um modo menor de fazer pesquisa, já que a
“[...] razão que criticao pode ser a mesma que pensa, constrói e
legitima aquilo que é criticável [...]” (SANTOS, 1999, p. 204) e que,
portanto, o próprio discurso precisa sofrer a crítica. Ao pesquisador é
permitido, portanto, não entrar nos cotidianos com categorias
prontas e fixas, mas colocar problemas advindos da multiplicidade ali
presente para os quais ainda não se têm resposta.
Quando dissemos que a potencialidade está no lugar
alcançado é no que respeita ao entendimento do que mantém a
concepção de uma teoria como crítica e, quanto a isso, concordamos
com Santos (1999, p. 197) quando diz que ela não reduz a realidade
ao que existe e que “a realidade, qualquer que seja o modo como é
concebida, é considerada pela teoria crítica como um campo de
possibilidades e a tarefa da teoria consiste precisamente em definir e
114
avaliar a natureza e o âmbito das alternativas que estão no âmbito
empiricamente dado”. Nosso propósito é buscar alternativas ao que
nos foi apresentado com a análise do campo empírico, do ponto de
vista teórico e também das práticas escolares.
3.2 As relações teoria e prática no discurso em Administração
Educacional: em busca de potencialidades
Um segundo desafio que pode potencializar os discursos em
Administração Educacional está em delimitar as relações entre teoria
e prática que têm os cotidianos escolares como princípio de pesquisa,
no sentido de fugir, como diz Canário (2006), da tentação normativa
e prescritiva tão comum na área.
Gallo (2010) identifica que teoria e prática foram trabalhadas
no pensamento ocidental no âmbito da Filosofia da representação,
que delineou três perspectivas: 1. Idealista totalização da teoria sobre
a prática em que a filosofia, por exemplo, fundamentava a educação;
2. Materialista totalização da prática sobre a teoria, cujo pressuposto
é o de que a teoria apenas pode se construir com a vivência prática da
realidade (no caso, escolar); 3. Dialética a qual perspectiva uma
interação específica entre teoria e prática. Apesar de embasamentos
distintos, Gallo (2010, p. 59) destaca que todas estão
[...] delineadas no contexto de uma filosofia da representação,
que toma a teoria como representação do real. O que fazem é
propor distintas maneiras de pensar a relação da teoria com a
prática, isto é, do ideal com o real, mas sem interferir na noção
do ideal como representação do real.
Ao contrário da tradição ocidental, ele se embasa em alguns
autores da Filosofia da diferença (FOUCAULT, 1982; DELEUZE,
115
1998; 2006), que investem na produção de diferenças e se centram,
também, na problemática da multiplicidade; nela, as relações teoria e
prática já não fazem sentido, mas, sim, o “[...] primado da ação: ação
de teoria, ação de prática em relações de revezamento” (DELEUZE,
2006 apud GALLO, 2010, p. 54). Isto porque nesta perspectiva
filosófica as relações teoria e prática são consideradas parciais e
fragmentadas, porque se opõem à concepção de prática como
aplicação da teoria ou daquela como inspiração para esta, pois, ambas,
são totalizadoras.
O papel do intelectual também é revisto uma vez que “[...] já
não se pode separar o intelectual, produtor de teorias, de um lado, e
o militante, o ativista da prática, de outro. Ambos são a mesma pessoa,
revezando-se nas diversas atividades” (GALLO, 2010, p. 57-58).
Nesta perspectiva, o pesquisador é aquele que produz teoria
(“ferramentas”) que podem ou não ser utilizadas e/ou entrar em
revezamento com as práticas e o “[...] o intelectual é aquele que está
usando as ferramentas teóricas que cria, atuando na prática social”
(GALLO, 2010, p. 57-58).
Fundamentando-me nessa perspectiva filosófica, considero os
cotidianos escolares como linhas de fuga, como “educação menor”,
aberto ao acontecimento. Ele não quer se fazer modelo porque vale
para o momento, no acontecimento. Já a “educação maior” apresenta
“protocolos definidos” para ações e relações do cotidiano, “[...] são
totalizações da teoria ou totalizações da prática, mas sempre
totalizações e imposição de modelos. Neste registro, a criança não
pode mesmo ser ouvida, ou sua voz faria ruir o castelo de cartas dos
planejamentos e políticas públicas” (GALLO, 2010, p. 61). A
perspectiva apresentada pode nos possibilitar escapar do
normativismo e da prescrição para a escola, uma vez que “não se tem
uma relação de subordinação, mas ações: ação de teoria, ação de
116
prática em revezamentos que possibilitem a revisão tanto de um,
quanto de outro”, e a interação entre conhecimentos e ações se daria
no sentido de que “ambos sairiam de formas diferentes das que
entraram” (ABDIAN, 2020, p. 9).
Esse sentido construído para os cotidianos escolares não
dispensa políticas públicas para a universalização e democratização da
educação, que consolidem e ampliem os direitos conquistados, mas
potencializa o âmbito dos cotidianos escolares como Política e como
princípio e não instância de pesquisa. Se o primado é da ação, em
todas as práticas sociais ela acontece: nas instâncias governamentais,
nas escolas e outras instituições não é possível a distinção entre a teoria
e a prática e/ou entre ideal e real.
Um outro desafio que pode, se enfrentado, potencializar o
discurso em Administração Educacional, decorrente da (re)signifi-
cação da teoria crítica e de novas possibilidades de relações entre teoria
e prática, seriam os sentidos a serem atribuídos à Administração nas
pesquisas.
Como demonstramos, a Administração foi considerada
mediação nas diferentes formações hegemônicas discursivas, mais
detalhadamente como a “utilização racional dos recursos para a
realização de fins determinados” (PARO, 1986), constituindo-se,
portanto, como a materialização da Política, concebida como o
governo em ação. Essa compreensão acompanha as pesquisas e todo
movimento aqui analisado e foi expressa de forma clara em texto mais
recente em que a autora desenvolve o que denomina “conceitos
simples” de Política e Gestão educacional/escolar (VIEIRA, 2006).
É preciso destacar uma diferença entre as formações
discursivas identificadas neste livro: para as primeiras, a Adminis-
tração Educacional é eficaz quando executa o prescrito pela Política
educacional porque, naquele momento, existia um adversário claro,
117
constituído pela ausência de teoria que desse conta da formação dos
profissionais da Administração que atuariam na edificação de uma
escola moderna. Portanto, o adversário, melhor dizendo, o
antagônico, era a “falha administrativa” que não permitia o alcance
do objetivo e ela era comum aos políticos da Educação e aos teóricos
da Educação. Para as segundas, a Administração precisa executar o
que prescreve a teoria, já que esta apreende a totalidade do real, a
contradição do real, e perspectiva idealmente, como nos disse Gallo
(2010) -, uma totalidade transformada por meio da racionalidade da
Administração (escolar, no caso). Com esses conceitos, o objetivo das
pesquisas está em analisar os discursos proferidos no âmbito das
políticas no sentido de desvendar suas reais intenções e, por isso, suas
conclusões são próximas.
Posso afirmar que a divisão entre Política e Administração
tem limitado a diferenciação teórico-metodológica, pois binariza o
discurso ao pensar os sentidos das políticas como produções
governamentais, de modo a apontar o governo como aquele que não
consegue propor uma forma de gestão democrática para a
transformação social ou a analisar como a organização escolar e os
cotidianos operam com as políticas. A culpa pelo fracasso escolar
desloca-se de um lado a outro: constituição da sociedade e seu modo
de produção capitalista, Estado (governo em ação), práticas históricas
escolares como, por exemplo, a hierarquia e o poder concentrados
no(a) profissional diretor(a).
Caminhando em companhia dos desafios anteriores, indico
que é frágil a compreensão da Administração como um braço da
Política, pois se desconsidera a potencialidade da produção de Política
pela própria escola. Portanto, caminho, a seguir, com proposta que
pretende subsidiar a compreensão dos cotidianos escolares como
Políticas, princípio de pesquisa e menoridade.
118
3.3 Potencialidades da Teoria do Discurso nos sentidos
atribuídos à Administração Educacional
Optei por trabalhar com as categorias da Teoria do Discurso
ao longo das análises realizadas nos capítulos anteriores sem explicitá-
las conceitualmente de modo prévio, justamente para buscar a
coerência com minha compreensão do revezamento teoria e prática.
No entanto, neste momento, é possível trazer uma explicitação das
categorias que compõem esta perspectiva teórico-metodológica como
uma síntese do revezamento teoria e prática realizada ao longo da
construção discursiva que empreendi neste livro.
Ao mobilizar as categorias “articulação”, “discurso”, “hege-
monia”, “diferença”, “equivalência”, entre outras, a Teoria do
Discurso (TD), construída por Laclau e Mouffe (2015) e já utilizada
por autores da Educação, especificamente da Política e Gestão da
Educação (MARQUES, 2006, 2008, 2009), contribui para explicar
a “totalidade discursiva” traçada anteriormente, a qual se caracteriza
por constituir relações de representação teoria e prática.
Para os autores, discurso é a totalidade estruturada por uma
“prática articulatória”, sendo esta o estabelecimento de uma relação
entre “elementos” os quais têm sua identidade modificada pela
“prática articulatória”. As “posições diferenciais” que aparecem
articuladas no interior do discurso são chamadas de “momentos” e
aquelas diferenças que não estão articuladas são denominadas
“elementos”. Laclau e Mouffe (2015) identificam alguns aspectos
importantes que fundamentam a TD:
a) “uma formação discursiva não é unificada pela coerência
lógica de seus elementos”, ou seja, ela se constitui como regularidade
em dispersão, sendo esta última governada por certas regras. Dessa
forma, “[...] numa totalidade discursiva articulada, em que todo
119
elemento ocupa uma posição diferencial em nossa terminologia, em
que todo elemento é reduzido a um momento desta totalidade , toda
identidade é relacional e todas as relações têm um caráter necessário”
(LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 179);
b) ela rejeita a diferença entre práticas discursivas e práticas
não discursivas, pois considera que todo objeto é constituído como
objeto do discurso e não se constitui o objeto fora de uma
condição discursiva. Dessa forma, a TD afirma o caráter material de
toda estrutura discursiva, tendo como consequência principal “[...] o
abandono da oposição pensamento/realidade, e, portanto, um maior
alargamento do campo das categorias que podem dar conta das
relações sociais;
c) a totalidade relacional o discurso apresenta limitação
uma vez que a lógica relacional é incompleta e atravessada por
contingência e, sendo assim, nenhuma identidade pode ser
plenamente constituída e a totalidade discursiva é incompleta e
passível de modificação a partir de novas articulações;
d) o caráter incompleto da totalidade discursiva faz com que
a TD abandone “[...] como terreno de análise, a premissa da sociedade
como uma totalidade suturada e autodefinida. Sociedade não é um
objeto válido de discurso. Não há um princípio singular subjacente
fixando e, portanto, constituindo o campo das diferenças como
um todo.” (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 185);
e) a totalidade discursiva que é parcial tem a tentativa de
dominar o campo da discursividade e de construir um centro,
denominado pela TD como “pontos nodais”, que são os pontos
discursivos privilegiados pela fixação parcial. Vejamos como é
pertinente analisar a “totalidade discursiva” que denominamos de
discurso sobre gestão democrática –, produzida pelo conjunto de
120
autores mobilizados desde o primeiro capítulo, com as ferramentas da
TD.
Os aspectos elencados nos três primeiros itens nos permitem
inferir que a teoria da gestão democrática é produzida pela “totalidade
discursiva” que a constitui, ou seja, a prática articulatória que
identifica elementos e os transforma em momentos de uma totalidade
fixada parcialmente. Este discurso é constituído com regras próprias,
que são a separação entre teoria e prática; a separação entre a legislação
e a escola; a construção de verdades teóricas para a ação nas escolas,
isto, portanto, constitui-se como gestão democrática: o ideal que, um
dia, quem sabe, será vivenciado pelo real (as escolas com todas as suas
especificidades). Como ponto nodal discursivo temos a gestão
democrática ideal estabelecida pela Constituição Federal Cidadã e
pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e também pelas
teorias da área baseadas no marxismo e a gestão da escola pública,
real, que não atinge o delineamento teórico e o posto pela legislação.
Essas regras estão presentes no conjunto do material empírico que
analisamos ao longo de nosso percurso de pesquisa e explicitamos no
segundo capítulo.
Os dois últimos itens nos permitem, com Laclau e Mouffe
(2015), perspectivar novas possibilidades para o discurso que é a
negação da gestão democrática (no caso deles, a sociedade) como
categoria autodefinida e/ou suturada e poderíamos pensar em novas
articulações que não aquelas estabelecidas pela totalidade discursiva
apresentada. Para isto, teríamos que perguntar: o que não está sendo
articulado na prática articulatória que constituiu, até o momento, o
discurso sobre gestão democrática? Neste momento, poderíamos
responder que, talvez, o elemento ainda não transformado em
momento pela prática articulatória dos pesquisadores é o
estabelecimento de novos horizontes de relacionamento entre teoria e
121
prática em que, necessariamente, haverá a subversão da hierarquia
entre ambas. É preciso dizer de forma contundente que ao indicarmos
a “negação da categoria gestão democrática” não estamos sendo
contrários à gestão democrática, isso seria impossível no âmbito de
uma teoria crítica da qual compartilhamos as potencialidades.
Estamos afirmando a negação da categoria como totalidade, como
uma estrutura que governa nossos passos de pesquisa, pois apenas
assim poderemos tentar enxergar a multiplicidade de aspectos que
compõem o social. Entendo que enquanto formos governados por
categorias que fortalecem a ideia de “totalidade suturada”, como é a
de gestão democrática, manteremos as relações prescritivas entre
teoria e prática e continuaremos em busca de um por vir não vingado.
A TD traz também alguns conceitos interessantes que podem
contribuir para essa nova prática teórica: o Político, a Política e a
Democracia radical e plural.
Como mencionei anteriormente, nas formações discursivas
analisadas, são comumente aceitas como explicações conceituais: a
“Política Educacional” como o funcionamento das “políticas
educacionais”, e estas como ações de um determinado governo (que
também e muitas vezes contam com a participação da sociedade civil),
voltadas para as diferentes etapas do ensino. No que se refere à
Administrão”, ela é conceituada como a materialização das
diferentes políticas educacionais, ou seja, a implementação das
políticas (VIEIRA, 2006) e/ou mediação para se alcançar
determinados fins. Os adjetivos somados aos substantivos
(educacional e escolar) apenas indicam a amplitude: educacional
sistema e escolar unidade.
Nessa explicação conceitual encontramos os fundamentos
para a lógica que constitui, também, o discurso que se tornou
hegemônico e cristalizado sobre gestão democrática. Na perspectiva
122
filosófica explorada por nós, ao contrário, identificamos a política
com as diferentes práticas da política convencional, e o político com
a forma em que a sociedade é fundada. Assim, no político está
presente a dimensão do antagonismo que é “[...] constitutiva das
sociedades humanas” e na política está presente “[...] o conjunto de
práticas e instituições por meio das quais uma ordem é criada,
organizando a coexistência humana no contexto conflituoso
produzido pelo político.” (MOUFFE, 2015, p. 8). Ampliamos, dessa
forma, a compreensão da política para além das diretrizes
governamentais e a inserimos como também constituindo as relações
sociais (permeada pelo político) no interior das instituições, como a
escola. Com a autora, reforçamos a ideia de que as questões políticas
envolvem decisões sobre alternativas que são conflitantes, ou seja, elas
são permeadas por antagonismo o qual revela, ao contrário do que
propõem as propostas liberais de democracia modelos agregativo e
deliberativo , o limite de qualquer consenso racional. Ora, na
perspectiva de Mouffe (2015), as identidades (individuais e coletivas)
se constituem a partir de relações com posições diferenciais e,
consequentemente, produzem o “nós” e o “eles”, sendo a tarefa da
política democrática “[...] não a superação da oposição nós/eles, mas
a forma diferente pela qual ela se estabelece.
O que a democracia exige é que formulemos a distinção
nós/eles de um modo que seja compatível com a aceitação do
pluralismo, que é constitutivo da democracia moderna.” (MOUFFE,
2015, p. 13). Caminhando por esse raciocínio, podemos dizer que
compete à política democrática transformar antagonismos em
agonismos que dizem respeito, especificamente,
[...] a uma relação nós/eles em que as partes conflitantes, embora
reconhecendo que não existe nenhuma solução racional para o
123
conflito, ainda assim reconhecem a legitimidade de seus
oponentes [...]. Poderíamos dizer que a tarefa da democracia é
transformar antagonismos em agonismo. (MOUFFE, 2015, p.
19).
As instituições democráticas, como a escola, são locais que
proliferam a constituição do “eu” e “ele” ou do “nós” e “eles” e sua
tarefa é fazer aparecer essas relações antagonísticas, transformando-as
em relações angonísticas. Os antagonismos não desaparecerão... não
haverá consenso... mas este não é o problema. O problema é acharmos
que o consenso é possível! É preciso explicitar posições para que se
possa constituir decisões e novas posições, em dinâmicos e contínuos
processos hegemônicos. Dessa forma, nos aproximaríamos da
perspectiva de democracia radical e plural a qual preza pela
multiplicidade e pluralidade como fundamento de sua existência
(LACLAU; MOUFFE, 2015).
É preciso ressaltar que esta proposta teórico-metodológica
tem o cuidado de não se curvar apenas à crítica do outro,
potencializando a si própria, mas, também, o cuidado de não se
perder no acontecimento, sendo assim, é preciso
Estar atento àquilo que ocorre no cotidiano da escola, a fim de
potencializá-lo criativamente, e não ser tragado, engolido pelo
acontecimento. Perder-se no acontecimento, não conseguindo
produzir, é tão ruim quanto estratificá-lo, fazê-lo perder a
potência, dominando os fluxos e reenquadrando as diferenças na
norma. Resistir e criar. Essas são as possibilidades que nos abre o
cotidiano da escola, quando escolhemos agir no fluxo do
acontecimento. (GALLO, 2007, p. 39).
124
Tendo caminhado no sentido de indicar a regularidade em
dispersão como limite da diferenciação do discurso, ou seja, as suas
regras de prescrever à prática o que ela deve fazer e de dualizar o
pensamento entre Política e Administração, verdadeiro e falso,
gostaria de finalizar este capítulo pensando com o leitor como seria
realizar pesquisa em Administração Educacional sem essas regras de
formação discursiva que nos governam historicamente. Talvez, a
primeira tarefa fosse propormos uma alteração naquilo que
permaneceu imutável ao longo da análise efetuada: o conceito de
Administração Escolar. A permanência do conceito revela o
atravessamento das regras de formação prescrição e dualidade nas
diferentes formações discursivas e pode se constituir um dos grandes
limites para avançarmos, ou melhor, diferenciarmos o discurso.
Quero tentar contribuir para o delineamento de uma
perspectiva de pesquisas em Administração Educacional que não
tenha como suporte a dualidade e, portanto, a distinção entre o
verdadeiro e falso. Para isso, precisarei deslocar o conceito que
sustentou essas regras. Como vimos, esse conceito acompanhou toda
a formação discursiva da subárea, que se diferenciou em termos de
teoria que a fundamentou, mas não articulou outros elementos e,
portanto, não deslocou os pontos nodais, conservando as funções
exercidas discursivamente. Tentarei trazer esses novos elementos
(de certa forma já desenvolvidos no livro), transformando-os em
momentosem minha prática discursiva.
Iniciarei pensando de forma dual para conseguir colocar a
dualidade contra ela mesma no que se refere ao conceito, posterior-
mente e por fim, trarei novos elementos para atribuir outros sentidos
à Administração Educacional e encaminhamentos metodológicos ao
pesquisador.
125
Se para falarmos de Administração Educacional é necessário
pensarmos a que fins ela serve e se “[...] quanto maior a relevância dos
objetivos, maior a importância das mediações para se conseguir
realiza-los” (PARO, 2010, p. 765), tomarei como referência duas
perspectivas teóricas sobre os fins da Educação escolar consideradas
opostas pelos próprios adversários: a Escola Nova e a Pedagogia
Histórico-crítica,
3
ambas utilizadas como ferramentas por
pesquisadores para contemplar a Administração Escolar.
Como dito anteriormente, embora o livro de Paro (1986)
tenha sido classificado como da Pedagogia Histórico-crítica por
Ribeiro e Machado (2001), o autor, nos anos 1990 e 2000, demons-
trou em diversas ocasiões discursivas (participação em congressos,
artigos e reedição do seu livro) sua discordância com tal perspectiva e
assumiu alguns pressupostos teóricos da Escola Nova. Para ele, o
processo pedagógico se efetiva para a formação do sujeito educando
que nesse processo forma a sua personalidade pela apropriação da
cultura (inteira, em sua plenitude), portanto, ele só se educa se quiser
e, para tal, precisa ter as condições adequadas proporcionadas pelo
educador, já que “educar não é apenas explicar a lição ou expor um
conteúdo disciplinar, mas propiciar condições para que o educando
se faça sujeito de seu aprendizado, levando em conta seu processo de
desenvolvimento biopsíquico e social desde o momento em que
nasce. (PARO, 2010, p. 772).
O processo pedagógico deve-se pautar em uma relação
democrática e de colaboração entre professor e aluno em que tenha
vigência a “autoridade democrática”, tanto na sala de aula (professor)
3
Como sabemos, no Brasil, um dos pesquisadores conhecidos da Pedagogia Histórico-
Crítica, Newton Duarte, tem inúmeros escritos em que se contrapõe com a Escola Nova.
Não entraremos nos detalhes desta oposição porque não é o foco de nossa pesquisa, mas para
encontrar elementos desta contraposição, ver: Duarte (2001, 2007).
126
como na administração da escola (diretor). Paro (2010, p. 775)
enfatiza que talvez por isso a escola tradicional conteudista tenha
resistido tanto “ao métodos pedagógicos mais avançados” que, com
apoio da Psicologia e Psicologia da Educação, têm empenhado
esforços para explicar como o aluno pensa e aprende, “desde a Escola
Nova (e mesmo antes)”. São palavras-chave no texto deste autor para
pensar os fins da Educação escolar: cultura, personalidade,
democracia, plenitude (ou plena).
Machado (2000), por sua vez, se propõe a pensar a
Administração Escolar no bojo da Pedagogia Histórico-Crítica que
“toma forma e corpo entre nós” em 1979, com uma fala de Saviani
em que ele se contrapõe à visão crítico-reprodutivista ao apontar que
sua perspectiva é “crítica porque consciente da determinação exercida
pela sociedade sobre a Educação; no entanto, é uma análise crítico-
dialética e não crítico-mecanicista” porque defende que esta
determinação é relativa e “na forma de ação recíproca o que significa
que o determinado também reage sobre o determinante” (SAVIANI,
1992, p. 95). Para seu defensor, a Educação não é a única, mas é
muito importante no processo de transformação da sociedade por
meio da conscientização e emancipação que deverão ser alcançadas
por meio da assimilação dos conhecimentos historicamente acumu-
lados (que são exclusividade da burguesia na sociedade e escola
burguesas). Ainda com o autor, Machado (2000) indica que para a
Pedagogia Histórico-crítica, a Educação é uma produção não
material, pois é uma atividade dirigida a fins não materiais
(emancipação, conscientização), mas que só acontece em condições
materiais condizentes e próprias, ou seja, para garantir sua não
materialidade ela precisa da materialidade. Estão presentes nos
argumentos da autora para defender os fins da Educação escolar:
crítica, sociedade, transformação.
127
Temos, a partir da exposição desta dualidade, perspectivas
diferentes a respeito dos fins da Educação escolar, resta-nos, agora,
explicitar como ambos os autores pensam a Administração Escolar.
Para o primeiro, podemos falar de qualquer Administração,
variando o objeto administrado, como “utilização racional de recursos
para a realização de fins determinados” que envolvem atividades
meio: a racionalização e a coordenação, sendo a primeira voltada aos
aspectos objetivos (economia) e a segunda voltada aos aspectos
subjetivos (esforço humano coletivo). A atividade administrativa é
inerente ao ser humano porque é o único animal que, “para além de
sua situação de mero animal racional, realiza-se, com o trabalho, sua
condição de sujeito, isto é, de condutor de ações regidas por sua
vontade”. Sendo assim, ele pode direcionar sua vontade para fins
nobres ou não, a depender do que está administrando (objeto
administrado). Essas são características comuns a qualquer tipo de
administração.
No entanto, o autor diz que na escola as atividades fins
(processo pedagógico) não podem ser separadas das atividades meio
(administração) porque estas se estendem para a sala de aula quando
o professor administra sua rotina. As atividades pedagógicas e as
atividades administrativas na escola não são excludentes. Em
continuidade à divisão, Paro (2010) retoma Ribeiro (1952) e
diferencia Administração de direção: a primeira é mais técnica e pode
ser delegada; a segunda é mais ampla e contém a primeira, está acima
dela porque carrega um componente de poder. Com esses aspectos, o
autor diz que não se pode culpar a Administração pelos usos indevidos
ou falta de qualidade da escola, pois o problema está nos fins, já que
“a escola tem-se estruturado a partir de um equívoco em seu objetivo
e na forma de busca-lo porque adota uma visão estreita de educação”
e, dessa forma, “se orienta pelos mesmos princípios e métodos
128
adotados pela empresa capitalista, que tem objetivos antagônicos ao
da educação” (PARO, 2010, p. 774).
Oras, para o autor, inicialmente, administração é mediação
independente da natureza da organização e está posta a um fim, como
ela teria princípios e métodos diferentes se sua suposta “essência” é a
mesma? Ou seja: mediação em função de fins, marcada pela
“utilização racional” e pela “coordenação” de pessoas para execução
de fins (externos a ela e às pessoas envolvidas, quer sejam da política,
quer sejam da teoria).
Para a segunda, seguindo Saviani (1992), cabe à
Administração Escolar proporcionar as condições materiais
necessárias para que atividade não material aconteça da melhor
maneira possível (em função dos objetivos postos pela Pedagogia
Histórico-crítica). Para tal, Machado (2000) faz críticas às diversas
formas de participação que reduziram a importância do “clássico” em
Administração de qualquer organização, que são as ações de: planejar,
organizar, coordenar, comandar, controlar. Sendo assim, para ela, a
figura do diretor precisa ser revitalizada porque ele tem uma função
muito importante como “articulador” do projeto político-pedagógico
da escola, em seu exercício de autonomia relativa. Bem, nesta
perspectiva, ao falar sobre a construção do projeto político-
pedagógico e a articulação, a autora parece caminhar em uma direção
que indica uma relação diferente entre meios e fins, no entanto, antes
de falar sobre a Administração, já colocou com clareza as finalidades
a que a escola deve servir. A Administração Escolar, novamente, será
mediação para servir algo externo aos integrantes deste processo de
modo a recuperar ações racionais que disponibilizarão condições
“para o” processo pedagógico.
Pensamos binariamente os fins e chegamos à mesma função
da Administração. Provavelmente, o duelo continuará (ou conti-
129
nuaria) sem que a situação do pesquisador ou da escola mude. A
dualidade não se sustenta se o conceito permaneceu inatingível.
Nosso pressuposto parece se confirmar: a separação entre: teoria e
prática, Política e Administração, meios e fins, práticas discursivas e
não discursivas, materialidade e não materialidade, verdadeiro e falso,
bem e mal, consolida uma suposta binaridade/dualidade que nos faz
rodar em círculos e nos impede de perspectivar outros horizontes na
produção do conhecimento em Administração Escolar.
Certamente, a produção deste livro não dará conta de
construir encaminhamentos metodológicos ao pesquisador em
Administração Educacional que está na escola produzindo
conhecimento. No entanto, tenho a obrigação de apresentar algumas
alternativas que poderão ser mais minuciosamente discutidas e
aperfeiçoadas em pesquisas futuras.
Se a Administração Escolar se constituiu e consolidou como
uma atividade “modesta” (RIBEIRO, 1952) e, por isso, a serviço de
algo externo a ela, sugiro a primeira inversão: trata-se de uma
atividade educacional nada modesta porque parte constituinte do
processo educacional escolar. Se temos educação escolar, temos
Administração Escolar. Portanto, são atividades coexistentes e
inseparáveis. Sendo assim, ela não será posta em função de algo (do
objeto administrado) ela é objeto porque também é sujeito. Ela tem
sua especificidade de início: ela não pode ter um conceito válido para
qualquer organização e variar de acordo com a especificidade desta.
Ela já tem sua especificidade de início: ela é política e educacional.
Trata-se da segunda inversão: não existem práticas discursivas
de um lado e práticas não discursivas de outro lado; não há processo
pedagógico na sala de aula (não materialidade) e atividade
administrativa de outro (materialidade), pois por mais que os
diferentes autores tentem trazer como atividades não excludentes, eles
130
a trazem separadas de início. A Administração Escolar é processo
pedagógico. O que quero dizer com isso? A Administração Escolar
pode ser meio para atingir fins, mas ela TAMBÉM é processo
pedagógico, ela TAMBÉM tem um fim em si mesma. Ela é Política
porque atravessada pelo político, por relações de poder, conflito e
antagonismo, os quais são ordenados hegemonicamente, sob determi-
nadas contingências, por meio de logicas de equivalências que se
fazem com a construção de identidades coletivas (LACLAU;
MOUFFE, 2015). A Administração Escolar é processo pedagógico
porque é constituída por três linhas que coexistem molar, molecular
e de fuga uma interna e forçando a conservação e outra externa
puxando para fora e tentando fugir do Aparelho do Estado, consti-
tuindo-se como Máquina de Guerra (GALLO; FIGUEIREDO,
2015).
O diretor ou a diretora, independente da forma de seu
provimento, é um articulador dos antagonismos, e sua principal
atividade no âmbito escolar é buscar práticas que os transformem em
agonismos, em oposições entre adversários legitimamente
reconhecíveis. A figura do diretor ou da diretora não depende da
forma de seu provimento porque se tirarmos esse profissional (como
profissional) outro terá de assumir a prática articulatória e este,
necessariamente, deverá compreender como se vivencia o processo
pedagógico, filosófica, política e historicamente. A mesma força que
coloquei na Administração Escolar - como Política, articulação,
discurso, hegemonia - retirei do(a) diretor(a) escolar como um
“posto” hierárquico diferenciado no que respeita, inclusive, à sua
forma de provimento. Dessa forma, tenho que defender, retomando
Anísio Teixeira (1961), que a base que sustenta uma política
democrática escolar é a formação inicial, contínua e consistente do
educador e, por essa razão, a universidade e os pesquisadores têm uma
131
função muito mais importante do que continuar denunciando ou
criticando as práticas dos cotidianos escolares, esquecendo que suas
próprias práticas teóricas podem se constituir autoritárias e
impositivas. A relação universidade/pesquisa e escola de educação
básica pode ser de revezamento e não de representação.
Não se trata de pensamento utópico,
4
justamente porque
considera o conflito inerradicável do social escolar e, neste sentido,
não atingiremos uma situação ideal ou plena na escola ou na
sociedade. E isso é democracia.
Por mais que tenhamos avaliações externas que tentam
padronizar resultados de aprendizagem ou governos que tentam
impor currículos e/ou plataformas com controle do processo ensino-
aprendizagem, enquanto estivermos vivenciando uma democracia
(mesmo com alguns pressupostos solapados), tratar-se-ão de UM
aspecto de controle e de conservação que se faz Aparelho de Estado,
maioridade mas que não conseguirá conter o político, atravessado
pelo conflito e pelo poder, inerentes ao social. Bons ou ruins, os
resultados expressam uma parte da escola e não contêm as demandas,
as articulações, as lógicas de equivalência, as linhas de fuga (LACLAU;
MOUFFE, 2015; GALLO; FIGUEIREDO, 2015).
São inúmeras as demandas ao pesquisador em termos de
encaminhamentos metodológicos. Talvez, a primeira delas seria o fim
dos “modismos” nas pesquisas em Política e Administração da
Educação e explicarei do que se tratam. Um olhar atento aos números
dos periódicos da Educação, nos temas circunscritos à Política e
Administração, mostra-nos pesquisas realizadas à mercê das políticas
4
Utilizei o sentido de utopia de qualquer dicionário comum: lugar ou estado ideal, de
completa felicidade e harmonia entre os indivíduos (https://www.dicio.com.br/utopia/;
https://languages.oup.com/google-dictionary-pt/)
132
educacionais direcionadas por diferentes governos federal, estaduais
e/ou municipais. Por exemplo, o ensino fundamental de nove anos,
com Lei Federal datada de 2006, promoveu um conjunto de pesquisas
para analisar como as escolas “implantaram”, “vivenciaram”, “perce-
beram” ou “reagiram” à sua efetivação. Outro exemplo, a elaboração
dos Planos Municipais de Educação promoveu um amplo conjunto
de pesquisas para analisar como as Gestões dos diferentes sistemas se
“apropriaram” ou “reproduziram” ou “reinventaram” as metas e
estratégias do Plano Nacional de Educação. Parece que já conhecemos
os resultados: há indícios de autonomia, há possibilidades de
autonomia relativa, há reinvenções, há, também reproduções e cópias
literais. Se continuarmos, produziremos os mesmos resultados nos
âmbitos dos sistemas e das escolas.
A segunda demanda, decorrente desta primeira, seria
construirmos novos problemas que partissem dos novos conceitos.
Independentemente de partidos e diretrizes da prática discursiva dos
diferentes governos, interessa-nos a prática discursiva da escola: quais
são seus problemas na visão dos diferentes integrantes? Quais são suas
demandas? Como são produzidos os antagonismos? Quais possibili-
dades de serem transformados em agonismos? Como se faz a política
na escola: como são produzidos os ordenamentos de práticas, ou seja,
como são produzidas as hegemonias? O que e como se aprende na
prática da Administração? O que essa prática produz de pedagógico
para os diferentes integrantes? Quais os conflitos na escola? Como são
vivenciados? Como se faz a prática articulatória nas escolas? Enfim,
como seus diferentes integrantes consideram que poderiam ser
estabelecidas as relações entre o cotidiano da universidade e o
cotidiano escolar para a produção de conhecimento que funcionasse
em uma lógica da multiplicidade e não da dualidade? Parece-me que
133
ainda não os ouvi a respeito disso, por mais, também, que já tenha
tentado trabalhar em uma lógica do diálogo e da problematização.
134
135
Considerações finais
Participei dos estudos e das discussões sobre Administração
Educacional desde o final dos anos 1990, inicialmente, como
mestranda e, alguns anos depois, como docente e orientadora/
coordenadora de pesquisas na área. E é esse percurso meu cotidiano
profissional que constituiu meu lugar de fala para a escrita deste
livro cujo objetivo foi apresentar uma das leituras possíveis da
constituição histórica da Administração Educacional, apontando os
limites deste discurso e suas potencialidades para que novos
pesquisadores possam construir um vasto conjunto de problema-
tizações que façam multiplicar e se diferenciar o conhecimento.
Duas obras me permitiram revisitar a História da
Administração Educacional e também meu próprio percurso de
pesquisa, constituindo-se referencial para minha análise: Ordem do
discurso (FOUCAULT, 2014) e Hegemonia e Estratégia Socialista
(LACLAU; MOUFFE, 2015), constando nesta última a Teoria do
Discurso. Com esses autores, entendo que mais importante do que
indicar a origem do discurso em Administração Educacional ou o que
ele é conceitualmente, é analisar os procedimentos que o organizaram,
fizeram-no funcionar e o institucionalizaram, exercendo funções na
formação dos profissionais e pesquisadores em Educação.
Sendo assim, o conhecimento foi compreendido neste livro
como formação discursiva ou como uma regularidade em dispersão
cuja constituição se faz por meio de elementos internos e externos que
se articulam e constituem hegemonicamente o discurso e minha
136
ligação, ou a de qualquer um de nós, a ele. A formação discursiva ou
regularidade em dispersão é fruto de uma prática articulatória de
elementos que se equivalem para estabelecer significados/sentidos em
um contexto contingente. Estes elementos articulados, ao produzirem
sentidos, constituem um ponto nodal, um discurso hegemônico.
Com os autores de referência, pudemos identificar e analisar as
demandas e contingências as quais permitiram a formação discursiva
hegemônica em Administração Educacional, em diferentes contextos
do país, assim como os aspectos que se antagonizaram e permitiram
novas articulações e novas práticas hegemônicas, sucessivamente. Ou
seja, os autores permitiram compreender o discurso como algo
dinâmico que a todo momento pode ser desestabilizado e constituído
por novas práticas.
Entendi como potencialidades a multiplicidade de práticas
discursivas no sentido da presença de lógicas de equivalências entre
elementos dispersos em um movimento antagônico com um exterior
constitutivo que desestabiliza a hegemonia a todo momento
(LACLAU; MOUFFE, 2015); e os limites do discurso são os
elementos que se repetem nas diferentes práticas articulatórias
impedindo-as de se diferenciar. Ou seja, tratamos os limites como as
regularidades e forças de manutenção do discurso hegemônico e as
potencialidades como os aspectos não articulados na prática discursiva
e que podem desestabilizar as regras e constituir novas formas de
pensar.
O primeiro capítulo buscou analisar aspectos que
constituíram o discurso em Administração Educacional entre os anos
1960 e os primeiros anos da década de 2020, tendo como material de
análise obras de autores considerados clássicos da área e as publicações
e participação da Associação Nacional de Política e Administração da
Educação (ANPAE) nesta prática discursiva. Em um primeiro
137
momento, demonstrei a institucionalização, nos anos 1960, da
Administração Educacional como disciplina, estabelecendo seus
contornos, modos de funcionamento, organização e propagação. Em
seguida, identifiquei a construção de uma perspectiva crítica no
discurso a qual procurou desafiar o que já estava hegemonizado,
problematizando uma de suas regras de formação, qual seja o
tratamento equivalente entre organização escolar e organização
empresarial, tomando como referência os pressupostos teóricos da
Teoria Geral da Administração.
Nesse primeiro percurso, constituído entre o final dos anos
1950 e a década de 1980, as potencialidades ficaram evidentes nas
articulações feitas para as duas formações discursivas hegemonizadas:
uma se fez em torno da constituição disciplinar da Administração
Educacional baseada na eficiência dos sistemas educativos e das
escolas para uma sociedade que se industrializava e uma escola que se
tornava complexa; e outra, articulando diversos elementos do
contexto da década, provocou um antagonismo com a anterior,
desestabilizando-a no sentido de trazer as questões políticas e sociais
como imprescindíveis para se pensar a Administração Educacional.
Também foi possível constatar que houve aspectos comuns a
ambos os discursos: o primeiro deles é o conceito de Administração
Escolar. Para autores da primeira perspectiva, Administração Escolar
é meio para se alcançar objetivos postos por uma Política e uma
Filosofia da Educação, ou seja, ela é instrumento a serviço de
diretrizes postas fora e acima dela (RIBEIRO, 1952; ALONSO,
1976). Para autores da segunda, Administração Escolar é meio para
se atingir fins determinados (PARO, 1986) e é sobre estes que
precisam ser destinados todos os nossos esforços: precisamos, para
esses autores, redefinirmos os fins educacionais no sentido de vincu-
los a objetivos transformadores da sociedade e a Administração
138
Escolar, conhecendo e se apropriando desses fins, poderá contribuir
para seu alcance.
Ao final deste capítulo, destaquei a presença de elementos de
racionalidade nas abordagens críticas/marxistas e isso se torna
explícito com o conceito de Administração que, para Paro (1986),
pode ser abstraído de qualquer contexto específico para, posterior-
mente, ser colado em uma dada situação ou proposição teórica.
Administração Escolar é mediação para consecução de fins. Outro
elemento evidenciado foi a necessidade de se construir uma teoria da
Administração Escolar que fosse generalizada e, também indepen-
dentemente do referencial, a alteração se faz nos fins e não no conceito
e exercício da Administração.
Os limites do discurso encontraram-se, portanto, em uma
regularidade em dispersão (FOUCAULT, 2014) ou, em outras
palavras, na manutenção da forma de significar a Administração
abstratamente como mediação a serviço de algo, retirando
potencialidades da vida escolar, já que a abstração a precedeu. Por
mais que eu busque o ato político na Administração Escolar ou a
vincule com fins educacionais de transformação da sociedade, a
necessidade precedente de conceitua-la de forma abstrata, abstraiu
dela o que entendo ser sua especificidade: o ato educativo (que
também é político).
Para finalizar o primeiro capítulo, trouxe elementos do
contexto internacional/nacional político e científico que se
articularam na formação de um novo discurso hegemônico: a gestão
democrática como teoria e a escola como objeto de estudos das
pesquisas em Educação. Um conjunto de pesquisas indicou uma
mudança de método de pesquisa e o foco na escola como local de
trabalho dos pesquisadores, mas, também, a manutenção de uma
regularidade discursiva, identificada como uma relação teoria e
139
prática que estabelece a prescrição como uma ordem do discurso.
Constatei que a dualidade/binaridade presente na constituição
histórica anterior se estendeu para as relações teoria e prática, fixando
procedimentos que passaram a distinguir o verdadeiro do falso e
conduzir o pesquisador à busca da verdade que é o alcance da gestão
democrática. Pude evidenciar também que as potencialidades
indicadas nos períodos anteriores não estão presentes no contexto pós
Constituição Federal de 1988 e Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional de 1996 porque houve uma retenção de possibilidades de
multiplicação do discurso em que fosse perceptível o antagonismo
desestabilizando o que fora hegemonizado.
No segundo capítulo, coloquei em análise meu próprio
percurso de pesquisa que focalizou a escola como objeto de estudos,
explicitando alguns referenciais teórico-metodológicos, seus desdo-
bramentos nas ações práticas de pesquisas, com seus limites e
potencialidades. Os autores apresentados proporcionaram a
legitimação dos limites que constatei nos discursos em Administração
Educacional e, ao mesmo tempo, me indicaram novos rumos a seguir,
com suas potencialidades. Percorrendo inicialmente os pressupostos
teórico-metodológicos da Sociologia das Organizações Escolares
(LIMA, 1998), encontramos limites na apresentação de modelos
teóricos que funcionaram como uma contenção da multiplicidade,
assim como a ausência de abordagem política, que trouxesse à tona
uma perspectiva mais crítica e contextualizada. Por sua vez, a
perspectiva crítica, da instituição escolar (SILVA JR; FERRETI,
2004), embora apresentasse referencial político, nos levou (o grupo
de pesquisa) a uma compreensão de escola e de seu cotidiano como o
oposto daquilo que buscávamos. Ficamos com uma expectativa de
compreensão dos cotidianos, das multiplicidades, das riquezas das
140
heterogeneidades e diante dos limites do conhecimento e de suas
categorias analíticas.
Sendo assim, no final deste capítulo, apresentei algumas
reflexões de autores pós-estruturalistas as quais nos proporcionaram a
problematização do discurso hegemônico e a proposição de três
desafios desenvolvidos no capítulo três: os rumos da teoria crítica; as
relações teoria e prática; e as potencialidades da Teoria do Discurso
para uma ressignificação do conceito de Administração Escolar.
Em relação ao primeiro desafio, compreendo a necessidade de
desestabilizarmos o sentido da crítica: esta poderia deixar de ser
direcionada ao outro, seja este outro a escola (prática) ou outra teoria
e se faria mais potente se direcionada a si mesma: o que a teoria (da
gestão democrática) está conseguindo captar da escola? O que nela
não está funcionando para que as pesquisas proliferem sempre os
mesmos resultados (a teoria é democrática, mas a prática não muda)?
Ou como me ensinou Rockwell e Ezpeleta (2007): como integrar a
heterogeneidade do cotidiano na teoria crítica? A introdução da teoria
crítica na Administração Educacional foi fundamental para que
houvesse a desestabilização do que estava hegemonizado e fez seu
papel de multiplicar o discurso e produzir novos horizontes, mas, daí
em diante, os limites passam a ser evidentes se a reproduzirmos na
infindável crítica à sua não realização pelas escolas públicas. Já temos
dados para constatar que a teoria encontrou seus limites na prática,
portanto, ela precisa ser ressignificada.
O segundo desafio, articulado com o primeiro, é perspec-
tivarmos novas relações teoria e prática, descontinuando o modelo
prescritivo e estabelecendo uma relação de revezamento. Ao escrever
este livro, minha tentativa foi mostrar ao leitor essa possibilidade,
colocando em xeque meu próprio percurso de pesquisa, mostrando e
indicando seus limites.
141
No entanto, também foi necessário encontrar possibilidades,
neste momento do livro, encerrei a presença de Foucault (2014) que
me auxiliou na compreensão do ordenamento discursivo e de sua
proliferação e caminhei com as potencialidades da Teoria do Discurso
e de suas categorias na compreensão do social, em nosso caso, da
escola, como terceiro desafio.
Tendo como base teórica o pós-estruturalismo, os autores
Laclau e Mouffe (2015) não abarcam análises sobre a escola, mas uma
compreensão do social como campo discursivo e prática articulatória,
que nos possibilitou revistar sentidos atribuídos na Administração
educacional. A pretensão deles foi construir uma Teoria do Discurso
com base na não separação binária entre o discursivo e não discursivo
e pensamento e realidade, além, é claro, da impossibilidade de a
sociedade, como totalidade, se constituir uma categoria analítica do
pesquisador. A Teoria do Discurso me permitiu construir um
caminho no capítulo três que argumentou no sentido de estabelecer:
a) a não separação entre Política e Administração: a divisão
historicamente construída fez com que a segunda ficasse subjugada à
primeira, como um saber modesto, dependendo suas ações de
diretrizes da Política. Em nossa perspectiva teórica, o político é
constituidor do social e atravessa ambas (Política e Administração),
não sendo possível retirar da segunda o que ela também tem de
Política;
b) a Administração é racionalização para se atingir fins, mas
ela tem a presença intrínseca dos fins em si mesma, pois sendo o
político inerradicável da ação humana e a atividade administrativa
inerente ao ser humano, é impossível estabelecer a especificidade da
Administração Educacional apenas na “coisa” administrada, ou seja,
é impossível termos inicialmente uma Administração e apenas depois
qualifica-la de Educacional.
142
Sendo assim, para nós, na Educação, Administração em
abstrato não existe. Ela só existe qualificada de Educacional, pois sua
especificidade está nela também. Suas ações são educativas e têm um
fim em si mesmas. Sim, administramos para criarmos condições para
que o aluno aprenda, mas, se temos uma Administração coletiva, ela,
por si, já é, também, a aprendizagem política na escola. Não é
possível, com Laclau e Mouffe (2015), em Educação, separamos
Política de Administração, Planejamento de Execução, Racional do
Emocional, Meios dos Fins, ou seja, eles nos permitem ficarmos
diante daquilo que tentei apontar, ao longo da escrita, como os
principais limites a binaridade e a prescrição que nos impedem de
compreender a multiplicidade como necessariamente constituinte de
uma política democrática, tanto nas ações de teoriaS quanto nas ações
de práticaS.
Em momentos anteriores à escrita deste livro, tivemos
oportunidade de indicar possíveis críticas de nossos pares em relação
à perspectiva epistemológica adotada, entre elas, a despolitização e a
imprecisão (ABDIAN; NASCIMENTO, SILVA, 2016). Com Lopes
(2013), do campo do Currículo, argumentamos que os autores
adotados para análise nos permitem conviver bem com a imprecisão,
já que a clareza pode indicar uma “univocidade” ou “autoridade
inquestionável de sentido” (LOPES, 2013, p. 4). Quanto à
despolitização, podemos dizer que a Teoria do Discurso tem o
Político e a Política como categorias imprescindíveis para a
compreensão do ser social e da estabilização de sentidos que se faz em
contexto específicos, ou seja, o político é inerente ao social e a política
é o ordenamento possível dos conflitos (políticos) em um contexto
contingente e, por isso, ela é hegemonia. O discurso hegemonizado é
política - estabilização de sentidos -, sempre, dinamicamente,
ameaçado pelo político que atravessa as relações sociais. Sendo assim,
143
não tememos a crítica ao referencial teórico-metodológico proposto
como potencialidade do discurso porque consideramos que uma
política acadêmica democrática demanda sua existência, consti-
tuindo-nos como adversários legítimos.
Nosso grupo de pesquisa se encontra, neste momento, com
uma tarefa difícil de pensar como serão os procedimentos
metodológicos advindos de toda essa análise: quais serão os problemas
de pesquisa que esse referencial teórico-metodológico nos proporcio-
nará construir para o avanço do conhecimento na área? Como as
categorias da Teoria do Discurso funcionarão para guiar o
pesquisador na escola em suas observações, entrevistas e registros?
Essas são perguntas que estamos tentando responder ao mesmo
tempo em que construímos novos projetos de pesquisa os quais têm
como expectativa o estabelecimento de novos horizontes para a
relação produção acadêmica e cotidianos escolares.
144
145
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SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro BuenoCRB 8/8211
Normalização
Taciana G. Oliveira
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
Graziela Zambão Abdian é Doutora em
Educação, professora do Departamento
de Administração e Supervisão Escolar
(DASE) e do Programa de Pós-Gradua-
ção em Educação da Faculdade de Filo-
soa e Ciências da Universidade Estadu-
al Paulista (Marília). Líder do Centro de
Estudos e Pesquisas em Administração
Educacional (CEPAE), grupo cadastra-
do no Diretório dos grupos de pesquisas
do CNPq.
Este livro apresenta aos estudiosos e
prossionais da Educação um conjunto de
análises que os proporcione conhecer uma
das leituras possíveis da constituição histó-
rica da Administração Educacional, apon-
tando os limites deste discurso e suas poten-
cialidades. A autora narra sua experiência
discursiva em Administração Educacional,
em uma perspectiva de revezamento teoria e
prática, na qual seu cotidiano como docente
e pesquisadora foi seu lugar privilegiado de
análise. O objetivo principal foi indicar os
limites da produção discursiva, mas também
suas potencialidades para que novos pesqui-
sadores possam construir um vasto conjunto
de problematizações que façam multiplicar e
se diferenciar o conhecimento.
Primeiramente, analisa o processo de
institucionalização da disciplina Administra-
ção Educacional como um dos procedimen-
tos que organizaram a formação discursiva e
a zeram funcionar sob determinada regu-
laridade, proliferada também com a entrada
de autores críticos nesta ordem discursiva os
quais desconstruíram determinadas asserti-
vas, mas não o modo de funcionamento e
proliferação do discurso.
Em seguida, como o leitor encon-
trou a construção do cotidiano escolar como
uma perspectiva apresentada pelos próprios
pesquisadores como potente para o desen-
volvimento do discurso, a autora explicita
três perspectivas teórico-metodológicas de
estudo na escola e com a escola que serviram
de subsídios para a realização de pesquisas
dos integrantes do seu grupo, expondo seus
limites e potencialidades para a diferenciação
do discurso em Administração Educacional.
Entendendo que limites impostos por re-
gras históricas que impedem o discurso de
diferenciar-se por meio da proposição de
novas problematizações e que há potenciali-
dades não exploradas, são desenvolvidas, por
m, categorias que integram uma perspec-
tiva discursiva pós-estruturalista buscando
provocar um diálogo com os pares acadê-
micos ou, talvez, uma adversariedade pró-
pria de uma política acadêmica democrática
(LACLAU; MOUFFE, 2015).
LIMITES E POTENCIALIDADES DO DISCURSO EM ADMINISTRAÇÃO EDUCACIONAL
Para revisitar a História da Administração Educacional, são utilizadas
como ferramentas a Ordem do discurso (FOUCAULT, 2014) e Hege-
monia e Estratégia Socialista (LACLAU; MOUFFE, 2015). Com esses
autores, considera-se que mais importante do que indicar a origem
do discurso em Administração Educacional ou o que ele é conceitual-
mente, é analisar os procedimentos que o organizaram, zeram-no
funcionar e o institucionalizaram, exercendo funções na formação dos
prossionais e pesquisadores em Educação.
As potencialidades do discurso foram compreendidas como a multi-
plicidade de práticas discursivas no sentido da presença de lógicas de
equivalências entre elementos dispersos em um movimento antagôni-
co com um exterior constitutivo que desestabiliza a hegemonia a todo
momento (LACLAU; MOUFFE, 2015); e os limites do discurso foram
reconhecidos como os elementos que se repetiram nas diferentes práti-
cas articulatórias impedindo-as de se diferenciar. Ou seja, os limites
foram tratados como as regularidades e as forças de manutenção do
discurso hegemônico e as potencialidades como os aspectos não ar-
ticulados na prática discursiva e que podem desestabilizar as regras e
constituir novas formas de pensar. A proposta é de existência de uma
política democrática acadêmica que consiga pensar a Administração
Educacional de forma não dual e prescritiva.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio 0039/2022
Processo 23038.001838/2022-11
Graziela Zambão Abdian
Graziela Zambão Abdian
LIMITES E POTENCIALIDADES
DO DISCURSO EM
ADMINISTRAÇÃO EDUCACIONAL
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