Mulheres em tempos de pandemia
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
Mariângela Spotti Lopes Fujita
(organizadoras)
Mulheres Mulheres
em tempos em tempos
de pandemiade pandemia
A Rede Mulheres Vivas (RMV) tem por missão prevenir e
intervir na violência sobre as mulheres, como posicionamento
político e ideológico. Tendo em vista a natureza da Rede Mulheres
Vivas e sua ideologia, pesquisadoras de vários países e
instituições discutiram as bases e funcionamento da Rede
consubstanciado em texto intitulado “Manifesto da Rede” (em
anexo). Nesta perspectiva tem promovido os Seminários da Rede
Mulheres vivas, com o objetivo de contribuir para a redução da
violência contra as mulheres e dar visibilidade a este grave
problema vivenciado ainda nos nossos dias por muitas mulheres.
Em 2021, o II Seminário da Rede Mulheres Vivas abriu a
possibilidade de outros pesquisadores e pesquisadoras
apresentarem trabalhos derivados de pesquisas em andamento
ou finalizadas e, nesse sentido, os convidou a participarem do
presente livro com suas pesquisas em formato de capítulos. O
tema do II Seminário foi “Mulheres em tempos de pandemia” com
o objetivo de refletir sobre os problemas vivenciados pelas
mulheres considerando a diversidade de gênero, raça/etnia e
classe neste grave momento de pandemia, considerado um
problema global de saúde pública.
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Mulheres
em tempos
de pandemia
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2023
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Mulheres
em tempos
de pandemia
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Copyright © 2023, Faculdade de Filosofia e Ciências
Ficha catalográfica
M956 Mulheres em tempos de pandemia / Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo, Mariângela Spotti Lopes
Fujita (organizadoras). – Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2023.
290 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-348-9 (Digital)
ISBN 978-65-5954-347-2 (Impresso)
DOI: https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-348-9
1. Mulheres – Condições sociais. 2. Violência contra mulheres. 3. Feminismo. 4. Direitos das
mulheres. 5. Mulheres do campo. I. Brabo, Tânia Suely Antonelli Marcelino. II. Fujita, Mariângela Spotti
Lopes.
CDD 305.42
Telma Jaqueline Dias Silveira –Bibliotecária – CRB 8/7867
Imagem capa: https://stock.adobe.com/br - Arquivo nº403969307. Acesso em 20/01/2023
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-
NoDerivatives 4.0 International License.
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
"JÚLIO DE MESQUITA FILHO"
Campus de Marília
Diretora
Profa. Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Profa. Dra. Ana Cláudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente), Célia Maria
Giacheti, Claudia Regina Mosca Giroto, Edvaldo Soares,
Marcelo Fernandes de Oliveira, Marcos Antonio Alves,
Neusa Maria Dal Ri, Renato Geraldi (Assessor Técnico) e
Rosane Michelli de Castro
Comissão Avaliadora do Livro:
Prof.ª Dr. ª Neusa Maria Dal Ri
Professora Associada do Departamento de Administração e Supervisão
Escolar da Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP - campus de Marília.
Prof.ª Dr.ª Marta Lígia Pomim Valentim
Professora Associada do Departamento de Ciência da Informação da
Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP - campus de Marília.
Prof.ª Dr.ª Marcia Cristina de Carvalho Pazin Vitoriano
Professora Associada do Departamento de Ciência da Informação
da Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP - campus de Marília.
Conselho do IPPMAR:
Supervisora:
Profa. Dra. Marta Lígia Pomim Valentim
Vice-Supervisora:
Profa. Dra. Marcia Cristina de Carvalho Pazin Vitoriano
Conselho Deliberativo:
Profa. Dra. Mariângela Spotti Lopes Fujita, Prof. Dr. Jair
Pinheiro, Profa. Dra. Rosane Michelli de Castro, Prof. Dr.
Marcelo Fernandes de Oliveira
Secretárias:
Vera Lúcia Monteiro Marega e Aline de Almeida Carneiro
Edital Nº 01/2021 - Publicação de livros resultantes de
pesquisas acadêmico-científicas/cultural-artísticas desenvolvidas
no âmbito do IPPMAR"
S
ApresentAção
“O feminismo e as mulheres em tempos de pandemia
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
Mariângela Spotti Lopes Fujita ----------------------------------------- 11
rede Mulheres ViVAs
Manifesto
Eunice Macedo; Paola Melchiori; Nilma Renildes da Silva;
Monica Riutort; Tereza Cristina Albieri Baraldi;
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo;
Mariângela Spotti Lopes Fujita ------------------------------------------ 17
pArte i – FeMinisMo: Aspectos teóricos e legAis
A teoria da Ética do Cuidado de Carol Gilligan e suas
potencialidades e fragilidades enquanto teoria feminista
Matheus Estevão Ferreira da Silva e Leonardo Lemos de Souza ------ 25
A necessidade da criação de um tipo-penal autônomo para o
crime de feminicídio: a violência contra a mulher no contexto
pandêmico e a ADPF 779
Paulo César Corrêa Borges, Jordana Martins Perussi
Lívia Marinho Goto ------------------------------------------------------ 49
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
6 |
pArte ii – FeMinisMo e juVentude
Feminismos e infâncias: como a luta das mulheres contribui para
pensar o protagonismo das crianças
Ana Laura Bonini Rodrigues de Souza,
Rosane Michelli de Castro e Flávio Santiago --------------------------- 73
Si Piazzolla viviera diría: “prepárense”. La ESI está sonando…
Gabriela A. Ramos ------------------------------------------------------- 93
pArte iii – ViolênciA sobre As Mulheres
Violência social sobre as mulheres, em tempo de pandemia:
Contributos de estudantes universitários, na quarta vaga
Eunice Macedo ----------------------------------------------------------- 119
A Global Perspective on Femicide
Monica Riutort e Andrew Raya ----------------------------------------- 147
O assédio sexual no âmbito das mulheres de Angola: Um estudo
na província de Luanda.
Niembo Maria Daniel, Marta Ligia Pomim Valentim,
Filomena Filho, Madalena Fundo Daniel e
Josefina Kuingo Daniel -------------------------------------------------- 175
Critérios adotados por observatórios ibero-americanos na
identificação de violência contra as mulheres em propagandas
Luana Maia Woida ------------------------------------------------------ 205
Mulheres em tempos de pandemia
| 7
pArte iV – A lutA dAs Mulheres no cAMpo
Ciranda Infantil do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST)
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Aline Lucas Ribeiro ------ 237
Feminismo Camponês Popular e violência doméstica no
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Iara Milreu Lavratti ----------------------------------------------------- 253
sobre os Autores ----------------------------------------------------- 277
8 |
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| 11
O     
  
A Rede Mulheres Vivas (RMV), que tem por missão prevenir e intervir
na violência sobre as mulheres, como posicionamento político e ideológico,
tem desenvolvido pesquisas e momentos de reflexão, pretendendo, como
exposto em seu Plano de Ação: “Como contribuir para a redução da
violência contra as mulheres? Que metodologias utilizar para abordar e
intervir na problemática? Quais os problemas “micro”, meso e macro que
enraizam a violência contra as mulheres? Qual a efetiva visibilidade do
problema da violência contra as mulheres?”
Tendo em vista a natureza da Rede Mulheres Vivas e sua ideologia,
pesquisadores de vários países e instituições discutiram as bases e
funcionamento da Rede consubstanciado em texto intitulado “Manifesto
da Rede” (em anexo).
Nesta perspectiva tem promovido os Seminários da Rede Mulheres
Vivas, com o objetivo de contribuir para a redução da violência contra
as mulheres e dar visibilidade a este grave problema vivenciado ainda
nos nossos dias por muitas mulheres. Em 2020 realizou o I Seminário
da Rede Mulheres Vivas para apresentação da Rede e seus propósitos e
ainda promoveu mesa de discussão sobre o tema “Lideranças femininas na
política e na Universidade: depoimentos e percepções” com a participação
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-348-9.p11-14
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
12 |
de mulheres ativistas que exerceram lideranças nos contextos políticos e
universitários.
Em 2021, o II Seminário da Rede Mulheres Vivas abriu a possibilidade
de outros pesquisadores e pesquisadoras apresentarem trabalhos derivados
de pesquisas em andamento ou finalizadas e, nesse sentido, os(as)
convidou a participarem do presente livro com suas pesquisas em formato
de capítulos. O tema do II Seminário foi “Mulheres em tempos de
pandemia” com o objetivo de refletir sobre os problemas vivenciados pelas
mulheres considerando a diversidade de gênero, raça/etnia e classe neste
grave momento de pandemia, considerado um problema global de saúde
pública.
No período da pandemia, dentre outros problemas, a violência foi
agravada levando ao aumento, inclusive, de casos de feminicídio. Devido à
persistência deste problema, elegemos a organização desta obra, que conta
com a participação importante de pesquisadoras e pesquisadores que têm
se dedicado aos estudos de gênero. Temos como objetivo colaborar para
o aprofundamento do conhecimento e para outras pesquisas, além de
desvelar este grave problema que é um aviltamento ao direito das mulheres
reafirmando a importância da educação em todos os níveis de ensino e
áreas do conhecimento para a desconstrução da visão androcêntrica de
mundo e para a igualdade de gênero.
O livro está organizado em quatro partes, considerados eixos do
grande tema das “Mulheres em tempos de pandemia”: Feminismo: aspectos
teóricos e legais (Parte I), que inclui dois textos sobre a teoria da ética do
cuidado e outro sobre a criação de um tipo-penal autônomo para o crime
de feminicídio; Feminismo e juventude (Parte II) que inclui mais dois
textos sobre feminismo e infância; Violência sobre as mulheres (Parte III)
que inclui quatro textos sobre diferentes perspectivas em outros países; e,
A luta das mulheres no campo (Parte IV) com mais dois textos sobre o
feminismo camponês no âmbito do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra.
Mulheres em tempos de pandemia
| 13
No primeiro texto, intitulado A teoria da Ética do Cuidado de Carol
Gilligan e suas potencialidades e fragilidades enquanto teoria feminista, os
autores analisam a teoria da Ética do Cuidado de Carol Gilligan mostrando
a necessidade de se revisar algumas das proposições da autora no sentido de
corresponder às demandas feministas contemporâneas.
No segundo texto, os autores refletem sobre A necessidade da criação
de um tipo-penal autônomo para o crime de feminicídio: a violência contra a
mulher no contexto pandêmico e a ADPF 779, apontando que, dentre outras
políticas, é imprescindível políticas de educação sobre o assunto visando a
prevenção da violência feminicida.
No terceiro texto, as autoras discorrem sobre Feminismos e infâncias:
como a luta das mulheres contribui para pensar o protagonismo das crianças
abordando as reflexões iniciais sobre as lutas dos direitos das mulheres e
das crianças, apontando a importância do trabalho docente voltado a esta
temática através de diálogos interseccionais e descoloniais.
Em Si Piazzolla viviera diría: “prepárense”. La ESI está sonando…,
a autora compartilha conosco as primeiras análises de um importante
processo de construção de cidadania promovido no âmbito do espaço
curricular de Educação Sexual Integral em um Conservatório Público de
Buenos Aires, na Argentina.
O texto Violência social sobre as mulheres, em tempo de pandemia:
contributos de estudantes universitários, na quarta vaga traz compreensão
acerca da violência social sobre as mulheres em tempos de pandemia em
consulta a grupo de estudantes de mestrado em Ciências da Educação de
Portugal, através de um questionário aberto sobre o tema.
No sexto texto, Uma perspectiva global sobre o feminicidio, a autora
discorre sobre o feminicídio, apresentando tanto dados globais quanto do
Canadá, trazendo recomendações para o público e os(as) formuladores(as)
de políticas para uma melhor compreensão e maior visibilidade acerca
deste grave problema. Ressalta, ademais, que há falta de coleta de dados
sistematizada e que tal violência fora agravada globalmente com a pandemia.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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Em O assédio sexual no âmbito das mulheres de Angola: um estudo na
província de Luanda, os autores apresentam o panorama do assédio sexual
em Angola, em especial em Luanda ressaltando que há necessidade de leis
específicas no Código Penal de Angola e de maior assistência para mulheres
vítimas de violência.
No sétimo texto, intitulado Critérios adotados por observatórios ibero-
americanos na identificação de violência contra as mulheres em propagandas,
a autora ressalta a necessidade de produção de legislação sobre propaganda
não sexista no Brasil bem como a criação de observatórios que elaborem
manuais e guias, visando esclarecer a população e as empresas.
No oitavo texto, Ciranda Infantil do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra(MST), as autoras apresentam este setor, que é um
segmento do Setor de Educação do MST. Ressaltam, ainda, que este faz
crítica à ordem vigente evidenciando as desigualdades sociais e o massacre
do povo do campo entendendo que as crianças fazem parte do Movimento
e são sujeitos de sua própria história.
Em Feminismo Camponês Popular e violência doméstica no Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a autora discorre sobre as transformações
nas linhas políticas de gênero, especialmente nos Cadernos de Formação do
Setor de Gênero, apresentando a produção de conhecimento das mulheres
camponesas que se organizam no MST, as Mulheres Sem Terra.
Ao finalizar as importantes reflexões aqui apresentadas pelas autoras
e autores, às(aos) quais agradecemos muito, pretendemos ressaltar avanços
e desafios a serem enfrentados para a garantia dos direitos das mulheres,
do respeito às diversidades bem como a importância de políticas efetivas
com destaque para a educação para a igualdade de gênero. Continuamos
o debate e esperamos que esta obra contribua para uma sociedade mais
humana e justa. Boa leitura!!!
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
Mariângela Spotti Lopes Fujita
R M V
| 17
R M V:
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Eunice Macedo
Paola Melchiori
Nilma Renildes da Silva
Monica Riutort
Tereza Cristina Albieri Baraldi
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
Mariângela Spotti Lopes Fujita
1. introdução
A violência contra a mulher é um problema individual e social
preocupante que atinge a vida de mulheres e homens em todo o mundo
e não podemos cruzar os braços diante da miséria mundial, como lembra
Paulo Freire (1996).
Considerando o problema acima e inspirados pela possibilidade de
mudar essa realidade dramática, pesquisadores iniciaram a criação de uma
rede de pesquisa sobre “violência contra as mulheres” durante o evento
Global Violence Prevention Symposium, realizado de 22 a 24 de junho de
2016 em Ontário, Canadá.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-348-9.p17-22
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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Monica Riutort, Instituto Peel de Prevenção da Violência, e Paola
Melchiori, Presidente da Rede Feminista Internacional de Universidades
em conjunto com os Professores Doutores Tânia Suely Antonelli
Marcelino Brabo, Mariângela Spotti Lopes Fujita, Nilma Renildes da
Silva, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP)
são os pesquisadores.
Posteriormente, por ocasião da XIII SEMANA DA MULHER
- Mulheres e gênero: olhares para educação, mídia, saúde e violência,
realizada de 28 a 30 de março de 2017 em Marília, Estado de São Paulo,
Brasil, pesquisadores de diversos países e instituições discutiu as bases
e o funcionamento de uma rede de pesquisa consubstanciada no texto
intitulado “Manifesto em Rede”.
O texto do Manifesto tem como base os relatos de Tereza Cristina
Albieri Baraldi do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania de Marília
(NUDHUC) e os slides de apresentação de Eunice Macedo do CIIE-
FPCE Universidade do Porto e do Instituto Paulo Freire de Portugal.
O documento, “Manifesto”, discutido em diversas reuniões via
Skype ao longo de 2017, que culminou na elaboração do Regulamento
que instituiu a “REDE MULHERES VIVAS”, apreciado e aprovado
em reunião do Instituto de Políticas Públicas de Marília - IPPMar em
novembro 23, 2018, com a qual a Rede se vinculou institucionalmente.
A ALIVE WOMEN NETWORKING considera, portanto, que
a educação em todos os níveis profissionais e um bom funcionamento
do trabalho interprofissional em torno do mesmo objetivo, incluindo a
burocracia pública, bem como o trabalho da academia com as comunidades
e políticas públicas são condições fundamentais para reduzir a violência
contra as mulheres e a mercantilização da violência.
2. ideiA do MAniFesto
A ideia de dominação masculina e a consciência das formas graduais
de violência impostas às mulheres pelo patriarcado, aparecem hoje como
Mulheres em tempos de pandemia
| 19
verdades inegáveis. Assassinatos, estupros, tráfico de mulheres e o abuso
físico e psicológico de mulheres são amplamente documentados hoje por
relatórios internacionais discutidos nos jornais diários.
Em instituições especializadas, muitos programas organizam
intervenções de apoio para mulheres vítimas de violência e até mesmo para
homens perpetradores de violência. Por mais úteis que essas intervenções
sejam, a construção de uma categoria de violência como um problema
específico e de “homens violentos” tende a esconder o problema que
reside mais na cultura e nas estruturas sociais compartilhadas “normais” e
dominantes de onde se origina a violência e legitimado.
O que fica difícil de ver é que a presença dessa violência “é” toda
uma cultura, um sistema institucionalizado, funcionando junto, às vezes
de forma naturalizada. Ela permeia toda a vida cotidiana e faz parte
da “normalidade” de muitas culturas, de muitas famílias. Permanece
inquestionável até que, quando se torna extremo, é visível e então
classificado como “surpreendente”, “imprevisível”, o efeito de “tempestades
repentinas” apresentadas como “fora de contexto”.
O que permanece difícil de aceitar é justamente o fato de que matar,
violar, humilhar e degradar as mulheres é feito principalmente por maridos,
filhos, pais e amantes, que o lugar onde os homens procuram a relação
mais segura e de proteção é o mesmo que esconde formas extremas de
violência. Esta forma de dominação, a mais antiga e profunda da história, é
difícil não só de lutar, mas até de identificar, pois se caracteriza por formas
específicas de submissão que envolvem formas de cumplicidade da própria
vítima. Além disso, que se conjugam com a socialização da mulher para
calar, a falta de voz e o desconhecimento das instituições sociais ainda
em contextos muito diversos. Precisamos permanecer constantemente
nós que na sociedade patriarcal as mulheres foram educadas para agradar
e perdoar, um sistema que é fortemente apoiado pela religião e outras
instituições sociais. Por outro lado, os homens são educados para resistir
ao desconhecido e contra-atacar novas expectativas e foram socializados
dentro de uma forma de masculinidade legitimada pela dominação e pelo
desrespeito às mulheres.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
20 |
A família, o amor, todas essas relações íntimas ainda “preservam
a dominação mais longa e enigmática já conhecida na história: a guerra
não declarada que leva os homens a garantirem sua identidade” sobre “o
corpo e a pessoa femininos”, alternativamente exaltada ou vilipendiada. É
esse corpo que eles sentem que têm permissão para matar, quando ele não
responde imediatamente às suas necessidades físicas e psicológicas. Além
disso, isso acontece tanto nas “sociedades menos desenvolvidas” quanto
nas sociedades modernas, onde a igualdade e a emancipação das mulheres
são as “mais desenvolvidas” do mundo, bem como entre as classes altas, ao
contrário das crenças convencionais. Mesmo as formas mais extremas de
exploração do corpo das mulheres que alimentam os impérios econômicos
atuais em torno da sexualidade, prostituição e tráfico sexual, tiram força
dessas necessidades, são consideradas totalmente naturais e normais. A
obra da civilização parece parar no limiar dos espaços privados, das casas.
As mulheres são objeto de um duplo processo de violência: sobre elas e
sobre seus filhos, que são objetos de violência por procuração e sofrem suas
consequências ao longo de suas vidas.
Nos anos em que se iniciou o movimento feminista, as feministas
pensaram que o crescimento da liberdade e da autonomia feminina
poderia se tornar um recurso que poderia proporcionar aos homens uma
experiência diferente de si e de seus próprios corpos, abrindo, portanto,
uma saída para a violência. As feministas achavam que uma análise mais
profunda da relação dos homens com seu corpo, sua sexualidade, seu
desejo e as representações que eles dão à sua identidade poderia ajudá-los a
se entender e encontrar outras formas de viver sua própria masculinidade.
Isso não aconteceu conforme o esperado.
Ainda assim, o que é definido como bom senso indica que muitos
homens ainda consideram as mulheres como sua propriedade privada e
muitas vezes um homem dirá “Eu a matei porque ela é minha”. Como
Eduardo Galeano (ARAÚJO, 2015), uma vez disse ‘matei-a por medo’.
Porque a violência do homem é o espelho do medo do homem por uma
mulher destemida.
Mulheres em tempos de pandemia
| 21
Em todo o mundo, os homens têm revelado uma forte “resistência
totalmente inesperada à mudança e à análise da identidade masculina de
uma forma que permita que a mudança aconteça.
A emancipação das mulheres “marcou a visibilidade deste problema,
mas não o resolveu. Revelou os limites da emancipação feminina, pois a
emancipação leva as mulheres para o espaço público sem questionar as
características que as afastavam: seus corpos, sua sexualidade, maternidade
e o fato de as estruturas públicas terem sido construídas sob o paradigma
masculino e não mudaram para receber mulheres. A igualdade das
mulheres gerou uma ameaça. De certa forma, exacerbou essa forma de
violência. O que começou como um caminho de igualdade de direitos, de
acesso à cidadania plena, está se tornando “uma guerra”, pois as mulheres
ousam dizer que seu valor social, econômico e simbólico nem sempre está
naturalmente disponível”. Com a saída das mulheres dos lugares em que
estavam posicionadas, até a localização dos homens começou a perder suas
fronteiras definidas e indiscutíveis.
Estamos em um momento difícil de transição. Hoje as mulheres
têm que se libertar da escravidão e da cumplicidade para manter certos
cargos, enquanto os homens têm que perder seu poder, sua autoimagem
e seus privilégios “naturais”. Além disso, neste momento da história
a combinação entre o encolhimento das bases materiais da vida e o
questionamento dos equilíbrios ancestrais torna o caminho mais difícil,
para homens e mulheres. A reestruturação das economias globais exige
uma disponibilidade e flexibilidade ainda mais completas das mulheres
em seu papel oculto de reprodução da vida diária emocional e material.
As mulheres são solicitadas a aumentar sua disponibilidade, seu trabalho
material e mental, bem como sua função de “absorção de choque” nos
níveis pessoal, social e simbólico. Portanto, à medida que os mecanismos
tradicionais de absorção de choque (ocultos e desvalorizados, mas sempre
disponíveis) se tornam visíveis e questionados, seu afastamento por
iniciativa própria autônoma do papel que lhes foi atribuído desde os
séculos passados é visto como ameaçador e inaceitável.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
22 |
Não basta apelar para penas mais severas para os agressores ou
focar nas vítimas. Nenhuma intervenção específica sobre a violência
contra as mulheres pode ter sucesso se toda a cultura “normal”, onde
os homens têm direitos “naturais” e óbvios, não for questionada,
confrontada e comparada na forma que assume em diferentes culturas
e regiões do mundo. Tampouco mudará se um novo paradigma de
participação democrática - que implica paridade - não for colocado em
prática. A análise sobre o que é comum, o que é diferente e semelhante
nas condições das mulheres em todas as culturas e estruturas sociais é
necessária para identificar respostas gerais e específicas.
Mulheres e homens têm que quebrar aquele muro que mantém
os homens, suas instituições, suas consciências longe de qualquer
mudança, longe de: examinar sua cumplicidade na aceitação de seus
papéis historicamente determinados, longe de questionar as conexões da
construção de sua identidade com o funcionamento de o domínio público,
longe de enfrentar o fato de que através da imagem que os homens
forjaram do outro sexo ocorre um conflito que está inteiramente dentro da
construção de sua identidade masculina.
reFerênciAs
ARAÚJO, W. L. Galeano, aquele que nos ajuda a olhar a vida. Bem blogado, 13 abr.
2015. Disponível em: https://bemblogado.com.br/site/galeano-aquele-que-nos-ajuda-a-
olhar-a-vida/. Acesso em: 30 dez. 2019.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996. Disponível em:
http://forumeja.org.br/files/Autonomia.pdf. Acesso em: 30 dez. 2019.
pArte i
F:
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| 25
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Matheus Estevão Ferreira da Silva
Leonardo Lemos de Souza
resuMo: O objetivo deste texto é analisar a teoria da Ética do Cuidado de Carol Gilligan
em dois sentidos: tanto do ponto de vista de suas potencialidades como de suas fragilidades
enquanto uma teoria feminista crítica. Ressalta-se que a teoria de Gilligan foi recebida no
período de Segunda Onda do Feminismo, em finais da década de 1970 e início da década
de 1980, cuja repercussão tornou-a referência mundial nos Estudos Feministas, assim
como na Psicologia do Desenvolvimento Moral. Gilligan teceu fortes críticas às principais
teorias psicológicas do desenvolvimento de sua época, não só a um nível empírico
como também epistemológico. Em âmbito global, sua teoria foi igualmente aclamada
como criticada. Desvelam-se as potencialidades dessa teoria desde o vanguardismo que
suas críticas e propostas tiveram. Porém, pontua-se a necessidade, da qual emergem as
fragilidades dessa teoria, de se revisar algumas de suas proposições para contemplar as
demandas feministas contemporâneas.
pAlAVrAs-chAVe: Carol Gilligan. Feminismo. Ética do Cuidado. Gênero.
Uma versão ampliada deste texto, que incluiu outros objetivos e proposições, foi publicada como artigo
científico (SILVA; LEMOS DE SOUZA, 2022) no Dossiê “40 anos de ‘Uma voz diferente’: contribuições,
desdobramentos e o legado das ideias de Carol Gilligan (1936-)”, Dossiê organizado pelo primeiro
autor deste texto e que compôs a edição especial da Revista Schème – Revista Eletrônica de Psicologia e
Epistemologia Genéticas – de 2022.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-348-9.p25-48
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
26 |
AbstrAct: e aim of this text is to analyze Carol Gilligans theory of Ethics of Care in
two ways: both from the point of view of its potentialities and its weaknesses as a critical
feminist theory. It is noteworthy that Gilligans theory was received in the period of the
Second Wave of Feminism, in the late 1970s and early 1980s, whose repercussion made
it a world reference in Feminist Studies, as well as in Psychology of Moral Development.
Gilligan made strong criticisms of the main psychological theories of development of his
time, not only on an empirical but also on an epistemological level. Globally, her theory
has been equally hailed as criticized. e potential of this theory is revealed from the
avant-garde that its criticisms and proposals have had. However, the need, from which
the weaknesses of this theory emerge, to review some of its propositions to contemplate
contemporary feminist demands is highlighted.
Keywords: Carol Gilligan. Feminism. Ethics of Care. Gender.
introdução
Neste ano de 2022, o livro da psicóloga estadunidense Carol
Gilligan (1936-), Uma voz diferente: psicologia da diferença entre homens
e mulheres da infância à idade adulta, publicado originalmente em 1982
e com sua primeira edição no Brasil no mesmo ano
2
, completa seus 40
anos. Quatro décadas se passaram e, como Susan Hekman (1995, p. 01,
tradução nossa) ressaltou no final da década de 1990, “as ramificações
morais, epistemológicas e metodológicas de seu trabalho ainda estão sendo
exploradas”. Hoje, no início da segunda década do século XXI, Uma voz
diferente não se esgotou, continua sendo uma obra seminal nos vários
sentidos em que as ideias nele contidas foram desenvolvidas e exploradas,
logo, frequentemente redescoberto em diferentes áreas do conhecimento,
principalmente no contexto internacional.
Foi a partir disso que o Dossiê “40 anos de ‘Uma voz diferente’:
contribuições, desdobramentos e o legado das ideias de Carol Gilligan
(1936-)” foi proposto: primeiro, para celebrar os 40 anos do livro de
Gilligan (1982); e segundo, de preencher uma lacuna que até hoje existe
na pesquisa brasileira sobre moralidade, que é a não-abordagem ou a
abordagem ínfima, parcial e/ou equivocada das ideias de Gilligan, como
A Editora Vozes relançou este livro em 2021, após 39 anos de sua primeira e única publicação no Brasil pela
Editora Rosa dos Tempos que não o relançou desde então, com um novo título que traduziram do original
em inglês como: “Uma voz diferente: teoria psicológica e o desenvolvimento feminino”.
Mulheres em tempos de pandemia
| 27
constatamos em pesquisa anterior (SILVA, 2020, 2021). Esse Dossiê
foi publicado na Revista Schème – Revista Eletrônica de Psicologia e
Epistemologia Genéticas –, sendo idealizado pelo primeiro autor deste
texto e organizado por ele junto à Patrícia Unger Raphael Bataglia, da
Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Marília.
Em nossa contribuição para este Dossiê (SILVA; LEMOS
DE SOUZA, 2022), produzimos o artigo Perspectivas feministas
contemporâneas em “Uma voz diferente” de Carol Gilligan: reconhecimentos,
críticas e necessidade de expansão da proposta gilliginiana, que teve como
objetivo buscar diálogos e problematizações, a partir de perspectivas
feministas e críticas contemporâneas, com o trabalho de Gilligan em
torno do desenvolvimento moral lançado em seu livro de 1982. Dessa
forma, para a produção do presente texto, subsidiamo-nos em parte desse
texto anterior, resgatando as considerações que fizemos sobretudo no que
tange aos reconhecimentos e críticas que a teoria de Gilligan, a teoria do
cuidado ou teoria da Ética do Cuidado, proveniente desse seu trabalho
de pesquisa, recebeu.
Assim, ao mesmo tempo em que são reconhecidos e aclamados
por uns, Uma voz diferente e suas ideias são criticados e descartados por
outros. Como também pontua Hekman (1995, p. 01, tradução nossa)
sobre esse reconhecimento, os críticos e defensores de Gilligan a elegeram,
respectivamente, como a vilã ou salvadora do debate intelectual em
andamento nos anos 1980 e 1990”. Por seus(suas) defensores(as), “o trabalho
de Gilligan foi aclamado como prenúncio de uma nova teoria moral” e,
por seus(suas) críticos(as), “[...] foi condenado como metodologicamente
incorreto, teoricamente confuso e até antifeminista” (p. 01).
No âmbito da Psicologia do Desenvolvimento Moral, campo
de estudos e conhecimento da Psicologia no qual partiremos em nossa
apresentação inicial da teoria de Gilligan, Uma voz diferente teve uma
reverberação mais direta, uma vez que se trata do lugar em que a autora
originalmente se encontrava e pelo qual suas ideias foram geradas.
Ainda assim, é importante ressaltar que as ideias lançadas nesse livro se
reverberaram para outras áreas do conhecimento, como Filosofia, Direito,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
28 |
Educação, Enfermagem, etc., assim como para outros campos da própria
Psicologia, como ressaltam Sharpe (1992) e Silva (2020, 2021).
Outro importante campo que também foi impactado pelo trabalho
de Gilligan, e nesse caso um campo multidisciplinar, é o dos Estudos
Feministas. Em seu livro, Gilligan (1982) teceu fortes críticas à teoria
moral do psicólogo estadunidense Lawrence Kohlberg (1927-1987) e a
outras das principais teorias psicológicas do desenvolvimento de sua época.
Parte dessas suas críticas se trataram de críticas feministas aos modos de
produção do conhecimento científico e da Ciência psicológica. Em suas
críticas, em suma, a autora acusou essas teorias de serem androcêntricas e
sexistas
3
, ao mesmo tempo em que, centradas em um modelo racionalista
de moralidade e extraído empiricamente somente da experiência
masculina, que ela chamou de Ética da Justiça, subjugavam um outro tipo
de moralidade, que chamou de Ética do Cuidado, mais representativo à
perspectiva feminina de ver e responder a problemas morais.
Na pesquisa em Psicologia do Desenvolvimento Moral, pelo
menos em âmbito nacional conforme constatamos em pesquisa anterior
(SILVA, 2020, 2021), as ideias de Gilligan, embora referenciadas, são mais
descartadas do que reconhecidas com alguma validade aos aportes teóricos
desse campo
4
. Já no campo dos Estudos Feministas, a recepção de suas
ideias dividiu-se, encontrando tanto apoio como resistência. Entretanto,
como Hekman (1995) salienta, no caso das(os) autoras(es) feministas que
resistiram, parte delas(es) nos fornece não o descarte dessas suas ideias,
mas sim a sua revisão e aprofundamento, principalmente de suas críticas à
De acordo com Ribeiro e Pátaro (2015), o sexismo é a discriminação baseada nas diferenças entre os
gêneros, nomeadamente de homens e mulheres, enquanto o androcentrismo, por sua vez, reside na base
do sexismo, é um pensamento que “[...] consiste em considerar o homem como centro do universo, único
apto a governar, a determinar leis e a estabelecer justiça” (p. 158) e que leva, portanto, ao sexismo e outras
formas de discriminação.
Essa referência à Gilligan, no entanto, é cercada de problemáticas, como o uso abusivo de fontes
secundárias e recorrentes equívocos de interpretação (SILVA, 2020, 2021). Além disso, essa tendência em
mais descartar do que reconhecer a validade de seu trabalho nos foi recebida com muita curiosidade, pois
outro importante insight contido em seu livro é o movimento teórico de se considerar os vários aspectos
envolvidos no desenvolvimento moral. Esse movimento representa o atual paradigma da Psicologia do
Desenvolvimento Moral, que procura considerar a complexidade dos processos psicológicos. Porém, o
trabalho seminal de Gilligan nesse sentido é pouco reconhecido e citado como tal, ocasionando em não
referenciá-la como uma dos(as) vanguardistas desse atual movimento no campo.
Mulheres em tempos de pandemia
| 29
produção do conhecimento e ao modelo epistemológico de Ciência que a
Psicologia do Desenvolvimento Moral se subsidia.
Partindo principalmente da corrente de pensamento feminista pós-
estruturalista, elas(es) apontam alguns problemas ao trabalho de Gilligan,
como os de essencialismo identitário, de compactuar com binarismos e de
ainda buscar por um modelo de desenvolvimento racional e generalizável.
Fazemos parte desse grupo de autoras(es), reconhecemos a importância de
Gilligan e o vanguardismo de suas críticas e propostas, mas procuramos
ressaltar a necessidade de se revisar algumas de suas proposições, então
questionadas pelas demandas do debate feminista e de gênero nas ciências
e no campo dos direitos das mulheres, de modo que torna-se necessário o
aprofundamento e expansão de suas críticas à produção do conhecimento.
Dessa forma, neste texto, temos como objetivo analisar a teoria da
Ética do Cuidado de Carol Gilligan em dois sentidos: tanto do ponto de
vista de suas potencialidades como de suas fragilidades enquanto uma
teoria feminista crítica, partindo das ideias contidas no seu livro Uma voz
diferente e em publicações seguintes.
A teoriA dA ÉticA do cuidAdo de cArol gilligAn
Carol Gilligan é uma psicóloga estadunidense, hoje professora da
Universidade de Nova Iorque (2002-atualmente) e professora aposentada
Universidade de Harvard (1969-1997). O trabalho pelo qual Gilligan
tornou-se mundialmente conhecida, com a publicação de seu livro
supracitado em 1982, foi antecedido por sua atuação junto a Lawrence
Kohlberg, colaborando como Pesquisadora Assistente nas pesquisas que ele
desenvolveu durante a década de 1970 (GILLIGAN; KOHLBERG, 1978;
KOHLBERG; GILLIGAN, 1971).
Kohlberg (1992) é o autor de uma das principais teorias psicológicas
sobre o desenvolvimento moral, teoria que busca compreender como se dá
o respeito às regras pelas pessoas e sua evolução ao longo da vida. Ela foi
extraída de sua pesquisa de doutorado, defendida em 1958, e foi revisada
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
30 |
e validada em estudos seguintes, inclusive em diferentes culturas, que
desenvolveu até o ano de sua morte. A teoria kohlberguiana fundamenta-
se no trabalho do epistemólogo suíço Jean Piaget (1896-1980) nos campos
cognitivo e moral, ao mesmo tempo em que compartilha das raízes
epistemológicas do autor suíço, sobretudo o paradigma racionalista da
Filosofia Moral kantiana. Outra importante referência é a teoria da justiça
do filósofo estadunidense John Rawls (1921-2002).
Em sua teoria, Kohlberg propõe um modelo de desenvolvimento
universal, que todas as pessoas perpassam, e que se apresenta em três níveis
(pré-convencional, convencional e pós-convencional) e seis estágios, sendo
dois estágios correspondentes a cada nível. Esses estágios são respectivos à
qualidade do raciocínio que as pessoas têm diante de problemas morais,
sendo hierárquicos e ausentes de retrocessos. Kohlberg (1992) ressalta que
esses raciocínios respectivos aos seus estágios são raciocínios de justiça, e os
quais evoluem qualitativamente em direção a um ideal de justiça.
No período dessa colaboração com Kohlberg, em que Gilligan
começou a atuar como docente em Harvard, ela trabalhou com dilemas
morais reais
5
em suas próprias pesquisas. A princípio baseando-se na teoria
de Kohlberg, em 1977 Gilligan publicou os primeiros resultados de suas
pesquisas (GILLIGAN, 1977), em que ela utilizou de dilemas com o tema
do aborto e os aplicou com mulheres grávidas em clínicas de aborto. Gilligan
(1977, p. 492) encontrou a progressão da moral pré-convencional à pós-
convencional nas respostas das mulheres aos dilemas, porém, percebeu que
o dilema do aborto revela “uma linguagem moral distinta cuja evolução
informa a sequência do desenvolvimento das mulheres. Essa linguagem
[...] define o problema moral como uma obrigação de exercer cuidado e
evitar danos [e que] diferencia as mulheres dos homens”.
Essa constatação levou Gilligan a questionar os resultados dos estudos
de Kohlberg (1992) que buscaram a validação de sua teoria, os quais
Dilemas são situações difíceis, que podem ser hipotéticos, quando mais abstratos e difíceis de ocorrerem,
ou reais, quando encontrados mais facilmente no cotidiano da vida real. As críticas de Gilligan, quanto à
metodologia kohlberguiana, também se voltaram ao uso de dilemas hipotéticos em detrimento dos reais,
pois, como ressalta Walker (1989, p. 158, tradução nossa), os hipotéticos “[...] por causa de sua natureza
abstrata, tenderão a suscitar considerações sobre direitos, enquanto dilemas da vida real, por causa de sua
natureza contextualizada, suscitarão considerações sobre responsabilidade”.
Mulheres em tempos de pandemia
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indicavam que as mulheres atingiam somente até o estágio três, enquanto
nos mesmos estudos os homens as transpassavam. Para Gilligan (1977),
esses resultados dar-se-iam pela orientação moral diferente das mulheres
ao responderem os dilemas morais, que não pelo modelo de justiça traçado
por Kohlberg.
Em 1982, a autora publicou seu livro Uma voz diferente (GILLIGAN,
1982), best-seller nos Estados Unidos e no mundo. No livro, trata de três
das pesquisas que realizou, a primeira sobre identidade e desenvolvimento
moral, a segunda com mulheres grávidas sobre a decisão do aborto e a
terceira sobre direitos e responsabilidades, cujos resultados reiteraram suas
constatações anteriores (GILLIGAN, 1977) sobre o desenvolvimento moral
das mulheres diferir dos homens. Gilligan utilizou o método de entrevista
de Kohlberg, mas procedeu deixando-as mais abertas, possibilitando às
mulheres expressar livremente seus pensamentos e experiências quanto aos
dilemas que lhes eram apresentados.
Para ela (1982), as mulheres não tinham seu desenvolvimento
representado pela teoria de Kohlberg e nem por outras teorias do
desenvolvimento, como de Piaget, Sigmund Freud (1856-1939) e outros,
e percebeu que elas compartilham da ideia de que as mulheres apresentam
uma atrofia no seu desenvolvimento. São dois principais problemas nessas
teorias que Gilligan constata: o primeiro, de metodologia, com a elaboração
dessas teorias baseada apenas na experiência masculina (androcentrismo),
e o segundo problema, consequentemente de teoria, em que qualquer
diferença que aparece entre as mulheres e os homens no modelo de
desenvolvimento que traçam é “em geral considerada como significando
um problema no desenvolvimento das mulheres” (sexismo) (GILLIGAN,
1982, p. 11).
Gilligan (1982) conclui que a teoria de Kohlberg não estaria adequada
para avaliação das mulheres, pois, quando confrontadas a dilemas morais,
seus raciocínios partem de uma estrutura que prioriza o cuidado e bem-
estar do outro, a Ética do Cuidado, enquanto os homens partem de uma
estrutura de justiça, que a teoria de Kohlberg estaria voltada.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
32 |
Kohlberg (1992), ainda em vida, respondeu às críticas de Gilligan
(1982) e, a partir disso, ambos protagonizaram um debate, ainda inacabado
por parte dos(as) apoiadores(as) de cada lado, que tomou grandes
proporções em torno dessa questão (JORGENSEN, 2006; SILVA, 2021).
Porém, embora tenha reconhecido que a moralidade não se restringe ao
campo da justiça, Kohlberg rejeitou até o fim a hipótese de haver um outro
modelo de desenvolvimento moral.
É importante esclarecer que o objetivo de Gilligan (1982, p. 12) em
Uma voz diferente, foi o de contrastardois modos de pensar e focalizar
um problema de interpretação mais do que representar uma generalização
sobre ambos os sexos”, isto é, de contestar a universalidade da teoria
kohlberguiana que excluía as mulheres e de enfatizar uma outra forma de
se responder a problemas morais (pelo cuidado). Quando escutou as vozes
das mulheres, percebeu que elas expressavam uma forma diferente de a
moralidade se basear que não pela justiça. E a Ética do Cuidado apareceu
empiricamente vinculada às mulheres.
Como esclarece Zirbel (2016, p. 43), Gilligan usou a estratégia do
contraste em seu livro: “o contraste é, pois, estratégico e não representa
uma verdade generalizada sobre os sexos. Para demonstrar a existência
de falhas nas teorias sobre o desenvolvimento moral [...], o contraste
permitiria deixar claro que se tratava de algo distinto do que era
apresentado pelas teorias”.
Ao contrário do que equivocadamente muitos trabalhos da literatura
apontam, conforme ressalta Silva (2020, 2021), não é a intenção de
Gilligan (1982) propor em seu livro de 1982 uma teoria moral e um
modelo de desenvolvimento subjacente
6
. Todavia, admite-se que o livro
é seminal também nesse sentido e que fornece as bases para essa teoria
e modelo, então retomados e consolidados em pesquisa por suas(seus)
Como a própria Gilligan (2015, p. 19, tradução nossa, grifos da autora) pontua: “[...] quando ouço
In a different voice descrito como um livro sobre o desenvolvimento moral de meninas ou sobre o
desenvolvimento moral de crianças, aprecio a ressonância que as pessoas encontram em meu trabalho
com meninas e em minhas observações sobre crianças, mas não é sobre isso que o livro trata”. No entanto,
sendo esse entendimento ambíguo por seus(as) leitores(as), ambiguidade que a própria Gilligan reconheceu
posteriormente, a leitura mais correta é a de que seu livro fornece as bases para uma teoria moral do cuidado,
embora não tenha sido a intenção original da autora propô-la.
Mulheres em tempos de pandemia
| 33
continuadoras(es) pouco depois. Sem abandonar a perspectiva estruturalista
de Kohlberg, desde seu livro Gilligan (1982) deixou anunciado níveis de
desenvolvimento moral do cuidado.
Esse modelo de desenvolvimento moral alternativo proposto por
Gilligan, que se aplicaria melhor à perspectiva feminina, divide-se em
três níveis (o primeiro, sobrevivência individual, o segundo, bondade como
auto-sacrifício e, o terceiro, responsabilidade pelas consequências da escolha)
e cinco estágios respectivos, sendo dois estágios transicionais. Um conflito
entre o Eu (self) e os Outros é resolvido para a transição em cada nível,
um conflito entre a responsabilidade consigo mesmo e a responsabilidade
com os outros. A definição mais recente dos níveis e estágios do modelo
gilliginiano foi proporcionada com a elaboração da Ethics of Care Interview
(ECI) pela norueguesa Eva Skoe (1993).
Após Uma voz diferente, as pesquisas de Gilligan se voltaram para a
avaliação do constructo de orientação moral, constructo que ela mesma deu
origem ao constatar que a moralidade poderia se orientar tanto pela justiça
como pelo cuidado, e não para a avaliação dos níveis e estágios da Ética do
Cuidado que ela esboçou em seu livro. E, como também ressalta Hekman
(1995), ao mesmo tempo em que se distanciou gradativamente de algumas
das discussões iniciadas em seu livro, em publicações seguintes Gilligan
revisou alguns de seus posicionamentos lançados em Uma voz diferente.
A seguir, visitaremos a recepção das ideias contidas em “Uma voz
diferente” no que tange às implicações desse trabalho inicial de Gilligan
em dois dos campos em que suas ideias se reverberaram, a Psicologia do
Desenvolvimento Moral e os Estudos Feministas, embora sejam as ideias
que reverberaram no segundo campo o foco deste texto.
potenciAlidAdes: contribuições e reconheciMentos dA teoriA de
gilligAn
Como salienta Fleming (2006, p. 16, tradução nossa), o trabalho de
Gilligan vai além de “críticas a preconceitos sexistas”, pois “ela desenvolveu
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
34 |
ideias teóricas próprias, principalmente quanto a mulheres e homens
diferirem em suas concepções de moralidade”. Após a publicação de seu
livro supracitado, Gilligan continuou a defender suas ideias, porém, com
o tempo, afastou-se aos poucos do debate acalorado que iniciou com
Kohlberg, bem como de algumas das discussões acendidas em seu livro
(SILVA, 2021).
Ainda assim, diversas publicações suas subsequentes (GILLIGAN,
1986, 2014, 2015; GILLIGAN; ATTANUCCI, 1988) puderam dar
continuidade às suas ideias, retomando e aprofundando-as, muitas vezes
fazendo isso indiretamente, mas sempre coerente com seu projeto inicial,
como demonstra Hekman (1995) em análise detalhada dessas publicações.
E continuadas não só por Gilligan, mas também, e principalmente, por
suas(seus) colaboradoras(es) e outras(es) pesquisadoras(es) que, no âmbito
da Psicologia do Desenvolvimento Moral, viram na Ética do Cuidado
uma possibilidade atraente para o estudo da moralidade, e, no âmbito dos
Estudos Feministas, para a denúncia de desigualdades de gênero e para a
crítica epistemológica feminista à produção do conhecimento.
Desdobrada dessa continuidade, a teoria do cuidado, ou teoria da
Ética do Cuidado, foi erigida por Gilligan e autoras(es) como a citada
Skoe (1993) e as filósofas estadunidenses Joan Tronto, Nel Noddings,
Virginia Held, entre outras(os), ainda que algumas dessas(es) autoras(es)
tenham dado à Ética do Cuidado novas roupagens, diferentes da proposta
original gilliginiana.
No que se refere ao campo da Psicologia do Desenvolvimento
Moral, Gilligan é creditada por uma série de questões. Por não ser o nosso
foco neste artigo os reconhecimentos de Gilligan nesse campo, mas sim no
campo dos Estudos Feministas, cabe aqui somente citá-los: ela considera
a complexidade envolvida no desenvolvimento moral, que inclui outras
variáveis envolvidas, como o papel da afetividade; também inova ao eleger
o Eu (self) como objeto da moral, uma vez que a moral estaria além de
deveres, obrigações e regras, e agregaria aspectos do Eu nas ações e nos
juízos, sendo a Ética do Cuidado relacionada a um Eu interconectado e
interdependente; serviu de referência para a proposição das teorias pós-
Mulheres em tempos de pandemia
| 35
kohlberguianas, que procuraram contemplar uma visão mais ampla da
moralidade subsidiando-se na crítica e no trabalho pioneiro de Gilligan
(1982); e a inclusão de outras virtudes, para além da justiça, como centrais
ao desenvolvimento moral, especificamente a virtude do cuidado.
Também como contribuição ao campo, e nesse caso à própria
Psicologia, Gilligan inseriu-se em uma literatura, como também se tornou
referência nela, que denuncia a resistência da Psicologia para “um inevitável
compromisso ético-político que [... historicamente] sempre se recusou a
fazer” (OLIVEIRA, 2017, p. 9). Essa literatura iminentemente feminista
e que Gilligan faz parte, denuncia que a Psicologia, construída a partir
de referenciais e metodologias positivistas e experimentalistas, por muito
tempo recusou a assunção de qualquer compromisso político, tal como
o feminista, o que permitiu a geração de interpretações androcêntricas e
sexistas sobre o desenvolvimento humano, como ocorre nas teorias morais
de Piaget e Kohlberg. A partir de Gilligan e outras autoras dessa literatura,
provocaram-se revisões e deslocamentos aos modos de se conceber e fazer
a ciência psicológica (LEMOS DE SOUZA, 2017), o que leva ao segundo
campo de estudos que muito se beneficiou das contribuições da autora.
Assim, cabe nos aprofundar nas implicações de seu trabalho em
relação ao campo dos Estudos Feministas.
Como ressalta Brabo (2015, p. 111), surgido desde o final do
século XIX, mas autoproclamado no início do século XX, o Feminismo
é tanto “[...] um movimento social, com uma ideologia de libertação das
mulheres, quanto uma teoria crítica do sexismo (discriminação de sexo
baseada na ideologia da inferioridade da mulher), da visão androcêntrica
de mundo e da dominação masculina”. O livro de Gilligan é, portanto,
recebido pela academia universitária no final da década de 1970 e início
da década de 1980, período histórico em que as teorizações decorrentes
desse Movimento institucionalizavam-se nas Universidades, primeiro nos
Estados Unidos e depois a nível global, com a constituição formal de um
campo de conhecimento multidisciplinar autointitulado Feminist Studies,
os Estudos Feministas.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
36 |
Lemos de Souza (2017, p. 22) ressalta que a crítica feminista vem
sinalizando diversos equívocos no modo de condução das pesquisas que
implicam também o questionamento de seus fundamentos, e “dentre elas,
destacam-se duas críticas: a) a da condução dos resultados em função das
hipóteses formuladas previamente pelos cientistas; b) as teorias científicas
serviam a determinadas posições androcêntricas ou estruturas de poder”.
As críticas de Gilligan (1982) em Uma voz diferente envolvem
essas duas críticas da literatura feminista sinalizadas pelo autor (2017).
Na primeira crítica, a) ao empregar, de maneira inovadora, o uso das
narrativas de mulheres sobre a decisão em fazer ou não aborto, Gilligan
não as incita a raciocinarem pela Ética de Justiça e deixa suas respostas
aparecerem livremente, sob o entendimento de que “[...] precisamos alterar
nossa estrutura interpretativa para ouvir suas histórias como histórias
morais” (HEKMAN, 1995, p. 07, tradução nossa). Na segunda crítica, b)
constatando a presença nula, ou quase nula, das mulheres nas amostras que
as teorias psicológicas tiveram sua elaboração baseada, salienta que elas não
podem representar as mulheres, pois não contemplam suas experiências,
sendo o resultado de que as mulheres apresentam um desenvolvimento
deficitário um reflexo disso e da tendência de, ao se perceber diferenças
entre homens e mulheres, de atribuir essa diferença como um problema de
desenvolvimento das mulheres, então as desviantes.
Zirbel (2016, p. 64) chama atenção a outros aspectos de seu trabalho
reconhecidos na literatura feminista, ao ressaltar que Gilligan fez:
[...] contribuições importantes para a Ética e para as discussões
feministas. Seus trabalhos direcionaram a atenção para aspectos
da vida humana que possuem inegável valor e que foram
negligenciados ou desqualificadas pelas principais correntes
teóricas (a vulnerabilidade e a natureza dependente e relacional dos
seres humanos, a característica não voluntária de muitas relações
de cuidado etc.).
É imperativo salientar que, com tais reconhecimentos, Gilligan não
só ficou conhecida no campo dos Estudos Feministas nesse período como
Mulheres em tempos de pandemia
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também ditou os seus rumos (BENHABIB, 1987). Apesar de não haver
consenso na literatura, Brabo (2015) e Nogueira (2017) ressaltam que, para
sua apreensão histórica, o Feminismo pode ser dividido temporalmente em
Ondas sucessivas: a Primeira Onda, situada no final do século XIX até os
anos de 1960; a Segunda Onda, até meados dos anos de 1980; e a Terceira
Onda, a partir da década de 1990, onda que se encontra atualmente em
curso e, por vezes, referenciada como pós-feminismo.
Assim, recebido no período de Segunda Onda do Feminismo, em
finais da década de 1970 e início da década de 1980, nos Estados Unidos,
o trabalho de Gilligan teve fortes implicações em relação ao pensamento
feminista de sua época, em um momento autocrítico no qual o Movimento
Feminista revisava, do ponto de vista teórico, suas pautas quanto às questões
de gênero. Tais implicações foram tamanhas a ponto de ajudar na emersão
de uma corrente intelectual feminista, o chamado Feminismo da Diferença.
Se antes o Feminismo reivindicava o direito à igualdade, a partir
daquele momento autocrítico, algumas feministas passaram a reivindicar
o direito à diferença, dando origem ao Feminismo da Diferença que
personifica essa revisão, o qual “[...] defende a existência de diferenças
entre homens e mulheres, mas assume que as características feministas são
de valor (inclusive valor societal) superior” (NOGUEIRA, 2017, p. 34).
Nesse sentido, uma das bases teóricas para emersão dessa vertente, senão
a principal, foi o trabalho de Gilligan, surgido oportunamente naquele
contexto. Essa emersão se dá junto a trabalhos de outras autoras feministas,
como a socióloga e psicanalista estadunidense Nancy Chodorow (1944-),
que é uma das referências de Gilligan em Uma voz diferente.
De forma simplificada, poderíamos dizer que [o Feminismo da
Diferença] enfatiza as diferenças psicológicas entre homens e
mulheres, tomando cada grupo como homogêneo internamente e
valorizando os aspectos da personalidade das mulheres relacionados
à maternidade. [...] No âmbito do ‘feminismo da diferença’,
entretanto, o que prevalece é a polaridade homem-mulher, uma
premissa apoiada num segundo pressuposto: a universalidade
dessas categorias (homem, mulher, a oposição binária entre eles)
(CARVALHO, 1999, p. 20).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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Apesar desses reconhecimentos, e de Uma voz diferente ser
considerado unanimemente um livro seminal para muitas dessas ideias
que despertou, diversas críticas também foram tecidas à Gilligan e seu
trabalho de pesquisa. Dessas várias críticas, debruçar-nos-emos a seguir
naquelas provindas do campo dos Estudos Feministas, assim como tecer-
nos-emos algumas considerações sobre aquelas do campo da Psicologia do
Desenvolvimento Moral.
FrAgilidAdes: críticAs à teoriA de gilligAn
No âmbito dos Estudos Feministas, talvez a principal crítica ao
trabalho de Gilligan se refira ao essencialismo identitário que suas ideias
sugerem: de que existe uma essência masculina e feminina, ou seja, de um
modo primário, natural, universal ou imutável de ser homem e ser mulher.
Acerca disso, Zirbel (2016, p. 59) ressalta que “ainda que tenha
feito uso do contraste entre as duas vozes como estratégia e tenha deixado
claro que a voz diferente não resultava de um determinismo biológico, a
explicação gilliginiana [...] deu margem a outro tipo de determinismo: o
psicológico”. Para explicar por que homens e mulheres apresentam um
caminho diferente no desenvolvimento moral, o porquê da associação das
duas orientações morais com o gênero, Gilligan (1982) subsidiou-se na
releitura de Chodorow (1991) da Psicanálise freudiana.
Zirbel (2016) elenca quatro problemas interligados provenientes
desse essencialismo sugerido em suas ideias: 1) a ausência de pluralidade na
descrição das experiências humanas, visto que não pontou a multiplicidade
das experiências e formas de ser tanto de homens quanto de mulheres; 2)
o binarismo resultante desta ausência de pluralidade; 3) a uniformização
dos processos de desenvolvimento moral, que permite a associação das
mulheres à moralidade do cuidado e dos homens à moralidade da justiça;
e 4) o reforço de estereótipos que sustentam o sistema sexo/gênero, pois deu
margem à interpretação de que há papéis sociais que são próprios de homens
e mulheres. Isso, portanto, levou-a ao determinismo psíquico da Psicanálise,
que toma o lugar de aspectos culturais também envolvidos na formação da
Mulheres em tempos de pandemia
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identidade de gênero, e ao binarismo de gênero, gerando generalizações
sobre os gêneros e reforçando estereótipos consequentemente.
Nesse sentido, sendo o trabalho de Gilligan subsidiário do pensamento
do Feminismo da Diferença, que nas palavras de Amâncio (2001, p. 14)
promove “um discurso de exaltação da diferença”, essa corrente intelectual
foi rechaçada pelas demais vertentes teóricas feministas, principalmente
pelas mais atuais que estão fundamentadas no pós-estruturalismo e aliadas
a perspectivas interseccionais (NOGUEIRA, 2017). Devido a sua assunção
de um conhecimento universal e generalizável ao grupo “mulher” e,
portanto, que é essencialista, essas outras vertentes entendem o Feminismo
da Diferença como mais prejudicial do que emancipatório às mulheres.
Apesar de no contexto de Gilligan, o debate da essencialidade sobre
cisgeneridade (BAGAGLI, 2015) ainda não estar presente, cabe ampliar
o debate do “grupo mulheres” para perspectivas da transgeneridade. As
perspectivas feministas historicamente são dominadas por uma leitura
cisgênera, na qual o sexo biológico é a base material para definir o grupo
mulheres e cujas leituras flertam com os essencialismos sobre o feminino,
mesmo as que se aliam a leituras culturalistas. Do mesmo modo, os
feminismos negros, que naquele momento já estavam bem desenvolvidos
no contexto norte-americano (CRENSHAW, [1981]1989; DAVIS,
[1981] 2016), são negligenciados quando se insere cor e classe enquanto
abordagem sobre os processos de opressão sobre determinados grupos de
mulheres na sociedade, resultando em singularidades nos modos de existir
e de estar na sociedade, inclusive do âmbito das expressões éticas.
Outra importante crítica compartilhada nesse campo (HEKMAN,
1995; MONTENEGRO, 2003; ZIRBEL, 2016), sobretudo por essas
vertentes teóricas feministas fundamentadas no pós-estruturalismo e
interseccionais, e que se estende ao campo da Psicologia do Desenvolvimento
Moral (ARANTES, 2000; CAMPBELL; CHRISTOPHER, 1996), é a de
que Gilligan (1982) não rompe totalmente com as concepções kantianas, nem
com alguns dos princípios do modernismo (o racionalismo, estruturalismo
e universalismo), que fundamentam a teoria moral moderna.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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Enquanto Piaget ([1932]1994) reconhece a justiça como a mais
racional de todas as virtudes, e que por isso foi sobre ela que seu trabalho
de pesquisa sobre o desenvolvimento moral se voltou, Kohlberg (1992)
reconhece que “é a justiça que fornece os subsídios necessários para a
fundamentação racional da escolha em dilemas morais” (MONTENEGRO,
2003, p. 499). A moralidade de justiça que Kohlberg (1992) ressalta
que seus estágios se referem, assim como a direção do desenvolvimento
a um ideal de justiça, são, portanto, racionalistas, reforçando a oposição
kantiana entre razão e subjetividade, que superestima a razão e menospreza
a dimensão afetiva.
Campbell e Christopher (1996) criticam tanto o uso da razão como
único regulador moral e a unicidade da moralidade como justiça, que
também é uma crítica de Gilligan às teorias de Piaget e Kohlberg. Porém,
também apontam para a necessidade de se romper com polarização do
campo da moralidade entre a justiça e cuidado, que foi difundida a partir de
Gilligan. Assim, embora Campbell e Christopher (1996) reconheçam que
Gilligan (1982) critique o racionalismo da teoria de Kohlberg, eles ressaltam
que a autora não rompeu completamente “com as bases epistemológicas da
psicologia do desenvolvimento, deixando de questionar os fundamentos
que levaram os autores por ela mesma criticados a uma limitação do campo
da moralidade” (MONTENEGRO, 2003, p. 499). Como resultado
disso, tem-se a perpetuação de uma série de binarismos: como razão
versus emoção, justiça versus cuidado, Eu conectado versus Eu separado,
principialismo versus contextualismo, autonomia versus dependência, “
que agora valorizando o cuidado em benefício das mulheres. A dicotomia
não foi alterada porque não houve questionamento de seus fundamentos
(MONTENEGRO, 2003, p. 500).
Além disso, Gilligan (1982) desenvolve seu trabalho dentro de outro
princípio que sustenta esse paradigma modernista que, controversamente,
ela critica: o estruturalismo. Como ressalta Arantes (2000, p. 140), “apesar
de questionar o formalismo e impersonalismo da teoria de Kohlberg,
bem como o princípio da ‘ética da justiça’, Gilligan não questionou a
interpretação estruturalista do desenvolvimento moral por estágios”. Como
também já mencionado, em Uma voz diferente estão esboçados níveis e
Mulheres em tempos de pandemia
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estágios de um modelo de desenvolvimento da Ética do Cuidado, como
alternativa ao modelo de Ética da Justiça de Kohlberg (1992), mostrando,
também, certo vínculo com o princípio de universalismo, já que busca por
um modelo generalizável.
Contudo, Hekman (1995, p. 32, tradução nossa) nos fornece uma
outra visão sobre essa crítica ao trabalho de Gilligan: ela admite que, em vários
momentos, “em seus primeiros trabalhos Gilligan parece estar continuando
a busca por uma teoria moral verdadeira” e que “Gilligan frequentemente
recua de uma rejeição total da teoria moral contemporânea; ela afirma
que quer reformar em vez de reconstituí-la (p. 09, tradução nossa).
No entanto, Hekman (1995, p. 09, tradução nossa) contra-argumenta
que “seus [de Gilligan] conceitos de domínio moral e sujeito moral são
incompatíveis com a definição de moralidade encontrada na teoria moral
modernista; portanto, ela não pode adicionar a voz diferente a essa teoria”.
E que, em publicações seguintes e mais recentes, Gilligan abandona esse
objetivo que anuncia em 1982, revisando seus posicionamentos.
Segundo Hekman (1995), Gilligan não define seu projeto em termos
de uma desconstrução do racionalismo e universalismo da teoria moral
modernista (com o sujeito moral autolegislador de Kant como seu principal
representante), mas que seu trabalho contribui significativamente para essa
desconstrução, em direção a concepções que enfatizam a particularidade
e a concretude: “suas descobertas levaram-na a uma compreensão do
desenvolvimento de vozes morais que solapam os próprios fundamentos
da teoria moral modernista” (HEKMAN, 1995, p. 3, tradução minha).
Assim, Hekman (1995) advoga sobre duas formas diferentes de se ler
(e interpretar) o trabalho de Gilligan. A primeira leitura, que se pode extrair
de seus primeiros trabalhos, é inovadora, mas não se afasta de suas raízes
modernistas: “ela parece estar propondo uma correção à visão incompleta,
errônea e tendenciosa do self proposta pelos teóricos masculinistas [Kant,
Piaget, Kohlberg, etc.]” (HEKMAN, 1995, p. 06, tradução minha).
A segunda leitura, no entanto, é mais radical. Ao contrário do que diz
a primeira leitura, de que as Ética da Justiça e Ética do Cuidado são
complementares, essa segunda leitura, que é a que Hekman (1995, p. 25,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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tradução nossa) realiza, compreende a abordagem de Gilligan (1982) para
o estudo do desenvolvimento moral como incompatível com a perspectiva
que critica.
posicionAMentos seguintes de gilligAn e necessidAde de reVisão
nA teoriA
Dado o exposto, cabe ressaltar os posicionamentos seguintes de
Gilligan a tais críticas tecidas ao seu trabalho de pesquisa, que deu origem
à teoria da Ética do Cuidado, e as revisões que fez em relação às suas ideias
iniciais.
Quanto às suas ideias sugerirem um essencialismo identitário, desde
seu livro de 1982, Gilligan (1982) deixou anunciado logo na introdução
que a orientação moral ao cuidado que encontra é identificada não por
gênero, mas por tema. A Ética do Cuidado representa apenas uma maneira
diferente de se responder a problemas morais e sua associação às mulheres
é uma constatação empírica, “não é absoluta, e os contrastes entre as vozes
femininas e masculinas são apresentados [...] para aclarar uma distinção
entre dois modos de pensar e focalizar um problema de interpretação mais
do que representar uma generalização sobre ambos os sexos” (GILLIGAN,
1982, p. 12).
A manifestação mais recente de Gilligan sobre essa crítica pode ser
vista na entrevista que nos concedeu por ocasião do Dossiê “40 anos de
‘Uma voz diferente’ [...]”, então já mencionado, em que ela diz:
[...] em parte sou responsável pela confusão que surgiu ao juntar
a palavra ‘diferente’ com a palavra ‘mulher’ no título do meu livro
de 1982 [...] e do artigo de 1977 que o precedeu. Isso fomentou
a suposição de que a voz diferente era a voz de uma mulher. [...]
na época em que escrevi, era difícil não a ouvir como tal porque
a ‘voz diferente’ era uma voz que conectava o pensamento com a
emoção e o self com os relacionamentos, e tanto as emoções como
os relacionamentos eram considerados ‘femininos’ e pensados para
comprometer as qualidades ‘masculinas’ da razão e do self (SILVA;
GILLIGAN, 2022, p. 15).
Mulheres em tempos de pandemia
| 43
Em trabalho seguinte a Uma voz diferente, Gilligan e Attanucci
(1988) colocam em xeque as relações entre as orientações morais (cuidado
e justiça) e o gênero, reforçando as teses de que: a) o cuidado e a justiça são
dimensões da moral tanto no mundo público quanto no mundo privado;
b) homens e mulheres usam as duas orientações, no entanto homens
orientam-se mais pela justiça e mulheres mais pelo cuidado.
Ainda nessa entrevista, quando questionamos sobre seu fundamento
na leitura da Psicanálise de Chodorow (1991), Gilligan diz que “apresento
seu [de Chodorow] trabalho como uma tentativa de explicar [...] ‘a
reprodução, dentro de cada geração, de certas diferenças gerais e quase
universais que caracterizam a personalidade e os papéis masculinos
e femininos’” (SILVA; GILLIGAN, 2022, p. 17). Assim, para ela, essa
fundamentação não a leva ao determinismo psicológico, mas que enfatiza
que o cuidado é atribuído histórica e culturalmente às mulheres e que essa
atribuição deixa resquícios psicológicos em sua identidade: “Isso me parece
o oposto de um argumento essencialista” (p. 17).
Na entrevista, também a questionamos sobre não ter rompido com
o estruturalismo da teoria de Kohlberg e qual seu posicionamento quanto
ao estruturalismo naquela época e hoje: “no livro Uma voz diferente você
descreveu estágios de desenvolvimento. Porém, [...] hoje parece que este
assunto ficou para trás, como uma possível continuação de Uma voz
diferente e que não teve continuidade”, no que nos respondeu:
É verdade: quando escrevi I a Different Voice, ainda estava
pensando em termos da teoria do estágio estrutural de Piaget e
Kohlberg [...]. Isso foi antes de eu perceber que a própria teoria
do desenvolvimento estava enquadrada em um conjunto particular
de suposições culturais. A chave para a mudança a que você se
refere veio dos estudos sobre o desenvolvimento de meninas que
iniciei seguindo In a Different Voice (a pesquisa do “10 year Harvard
Project on Womens Psychology and Girls’ Development”. (SILVA;
GILLIGAN, 2022, p. 15, grifos nossos).
Portanto, para o pensamento feminista contemporâneo, representado
pelas vertentes teóricas feministas fundamentadas no pós-estruturalismo e
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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interseccionais
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, a teoria da Ética do Cuidado é frágil no sentido de não
romper completamente, a um nível epistemológico, com o modernismo.
No entanto, Hekman (1995), que é uma autora feminista de
orientação teórica pós-moderna, argumenta, assim como outras autoras de
mesma orientação teórica também argumentam, que apesar dessa crítica
de que Gilligan não rompe com o modernismo como deveria, as suas ideias
não devem ser descartadas, sendo muito potenciais para basear um projeto
emancipatório feminista, desde que revisadas e aprofundadas. Assim,
embora Gilligan não seja uma autora feminista pós-moderna, Hekman
(1995) a interpreta no sentido de que suas ideias dão condições para tal,
expandindo-as nessa direção, logo, “minha tese é que todo o teor da obra de
Gilligan leva à conclusão de que devemos parar de tentar ‘acertar’ na teoria
moral e, em vez disso, explorar a constituição e a interação de múltiplas
vozes morais” (p. 32, tradução minha).
E, não obstante, como a própria Gilligan menciona em publicações
recentes, ela pareceu abandonar de vez esse paradigma moderno, levando-a
a uma compreensão mais pós-estruturalista do que estruturalista.
Considerando as duas leituras possíveis do trabalho de Gilligan descritas
por Hekman (1995), a primeira que busca apenas corrigir e a segunda que
buscar romper, de fato, com a teoria moral modernista, compartilhamos
da tese de Hekman de que a Gilligan de hoje está mais perto da segunda
leitura do que a Gilligan de 1982 esteve. Essa segunda leitura, portanto,
coloca-a próxima ao que diz a revisão feminista pós-estruturalista e
interseccional de sua teoria.
considerAções FinAis
Neste texto, analisamos as potencialidades e fragilidades que
a teoria da Ética do Cuidado de Carol Gilligan dispõe enquanto uma
Argumentamos que essas vertentes feministas, surgindo temporalmente depois ao Feminismo da Diferença
e outras vertentes de Segundo Onda, sobrepõem-se às anteriores em termos de adesão e demanda social.
Temos ciência de que não há consenso em dizer que essas vertentes se sobrepuseram às anteriores, nem
que representam o pensamento feminista contemporâneo, uma vez que os Feminismos coexistem
(NOGUEIRA, 2017), mas é inegável a posição emergente em que se encontram atualmente.
Mulheres em tempos de pandemia
| 45
teoria feminista crítica, considerando os reconhecimentos e críticas que
recebeu diante do contexto histórico em que foi erigida e das demandas
feministas contemporâneas.
Dentre suas principais potencialidades feministas, ressaltaram-se,
primeiramente, o movimento teórico de não conduzir a investigação em
função de hipóteses formuladas previamente, mas da Ética do Cuidado erigir
espontaneamente, sendo calcada em conceitos extraídos da realidade e não
em conceitos abstratos, como é a Ética da Justiça defendida por Kohlberg
(1992) (ex.: Filosofia kantiana); e de denunciar o viés de gênero que as
teorias psicológicas conservavam, adotando a experiência masculina como
regra (androcentrismo) sem representar as mulheres e consequentemente
gerando compreensões sexistas sobre o desenvolvimento humano. Em
seguida, ressaltaram-se o impacto da teoria de Gilligan ao pensamento
feminista de sua época, que culminou na formação do Feminismo da
Diferença, e sua iniciativa de trazer para os Feminismos contemporâneos o
substrato para suas próprias revisões a respeito do sujeito do Feminismo e os
modos de produção do conhecimento científico e da Ciência psicológica.
Nesse sentido, no que se refere às fragilidades dessa teoria,
pontuaram-se o essencialismo identitário que suas ideias sugerem, do qual
decorrem as seguintes problemáticas: ausência de pluralidade na descrição
das experiências humanas; do binarismo resultante desta ausência de
pluralidade; uniformização dos processos de desenvolvimento moral, que
associa as mulheres à moralidade do cuidado e os homens à moralidade da
justiça; e reforço de estereótipos, dando margem à interpretação de que há
papéis próprios de homens e mulheres.
A partir disso, ressaltou-se a necessidade de se revisar algumas de suas
proposições frente às demandas feministas contemporâneas. Assim, apesar
do debate da essencialidade sobre cisgeneridade ainda não estar presente
no contexto do trabalho de Gilligan, contemporaneamente cabe ampliar o
debate do “grupo mulheres” para a perspectiva da transgeneridade.
Não obstante, embora Gilligan tenha ensaiado ensaia um rompi-
mento com as bases epistemológicas da Psicologia do Desenvolvimento
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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Moral, ainda assim ela se vinculou a algumas delas, e consequentemente
sua teoria esteve vinculada, desde seu livro de 1982. As vertentes teóricas
feministas mais contemporâneas, fundamentadas no pós-estruturalismo e
interseccionais, denunciam as limitações disso, mostrando que Gilligan
deixou de questionar os fundamentos que levaram os autores por ela mes-
ma criticados a uma limitação do campo da moralidade.
Ainda assim, em um último momento no texto, ressaltou-se que
algumas autoras(es) feministas de orientação pós-estruturalista propõem
não o descarte dessas suas ideias, mas sim a sua revisão e aprofundamento,
como é o caso de Hekman (1995), ao reconhecerem que mesmo
inicialmente apresentando um rompimento incompleto, é potencial
para a desconstrução da teoria moral modernista. Mais recentemente, a
própria Gilligan respondeu a esse questionamento, demonstrando que
seu posicionamento hoje na teoria da Ética do Cuidado aproxima-se dessa
revisão e aprofundamento feminista pós-estruturalista e interseccional.
Fazemos parte desse grupo de autoras(es), reconhecemos a
importância de Gilligan e o vanguardismo de suas críticas e propostas, mas
procuramos ressaltar essa necessidade de se revisar suas proposições, então
questionadas pelas demandas do debate feminista e de gênero nas Ciências
e no campo dos direitos das mulheres. Hoje, no 40º aniversário de seu livro
de 1982, endossamos o dizer de Hekman (1995) de que as ramificações
morais, epistemológicas e metodológicas de seu trabalho ainda estão, e
completamos que por muitos anos ainda estarão, sendo exploradas.
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A     
-   
  :  
    
   ADPF 779
Prof. Dr. Paulo César Corrêa Borges
Jordana Martins Perussi
Lívia Marinho Goto
resuMo: O presente trabalho almeja, sob uma perspectiva crítico-reflexiva, analisar os
principais desafios atuais na aplicabilidade da Lei nº 13.104/2015 (Lei do Feminicídio),
no que toca, especialmente, as discussões envolvendo a ADPF 779 e a possibilidade de
criação de um tipo-penal autônomo para o crime. Quanto à metodologia empregada,
realizou-se um levantamento bibliográfico sobre o tema, além de uma análise da ADPF
779, a fim de compreender a evolução da tese da legítima defesa na honra no ordenamento
jurídico brasileiro. Ao final da pesquisa realizada, foi possível concluir que, não obstante a
importância normativa da Lei do Feminicídio e os avanços conferidos pelo novo diploma,
o enfrentamento da violência contra a mulher necessita de uma abordagem multisetorial.
Isso significa que a violência de gênero, como um problema complexo de antecedentes
históricos, políticos e culturais, demanda respostas institucionais eficientes, sendo
imprescindível políticas de educação sobre o assunto e prevenção da violência feminicida.
pAlAVrAs-chAVe: Feminicídio. ADPF 779. Delito Autônomo. Pandemia.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-348-9.p49-70
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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AbstrAct: e present work aims, from a critical-reflexive perspective, to analyze the main
current challenges in the applicability of Law 13.104/2015 (Feminicide Law), in what
concerns, especially, the discussions involving ADPF 779 and the possibility of creating
an autonomous criminal type for the crime. As for the methodology used, a bibliographic
survey was carried out on the subject, in addition to an analysis of ADPF 779, to
understand the evolution of the thesis of legitimate defense in honor in the Brazilian legal
system. At the end of the research carried out, it was possible to conclude that, despite
the normative importance of the Feminicide Law and the advances conferred by the new
law, the fight against violence against women requires a multisectoral approach. is
means that gender violence, as a complex problem with historical, political, and cultural
backgrounds, demands efficient institutional responses, and education policies on the
subject and prevention of femicide violence are essential.
Keywords: Femicide. ADPF 779. Autonomous Offense. Pandemic.
1. introdução
Como elucida Campos (2015, p. 109), a violência feminicida
apresenta tanto um caráter interpessoal como um aspecto institucional, de
modo que a responsabilidade pela persistência da violência contra a mulher
recai em seus agressores, os quais exploram as vulnerabilidades femininas
antes da prática da violência letal, e também nos agentes do Estado. Isso
significa que o feminicídio não deixa de ser um crime estatal, na medida
em que a estrutura social e política vigente possibilita a manutenção dos
valores patriarcais e misóginos, legitimando, assim, a ocorrência da violência
doméstica e do feminicídio hodiernamente (NOGUEIRA; VERONESE,
2020, p. 229).
Nesse contexto, observa-se que “As circunstâncias previstas na
lei para a ocorrência da violência feminicida (doméstica ou familiar) e
menosprezo ou discriminação à condição de mulher é uma realidade na
vida das mulheres brasileiras” (CAMPOS, 2015, p. 109). A criminalização
do feminicídio no Brasil, assim, seguiu a tendência normativa de outros
países na América Latina desde o final do século XX e, com a Lei nº
13.104/2015, o instituto foi finalmente inserido no Código Penal do país
(CAMPOS, 2015, p. 105).
Mulheres em tempos de pandemia
| 51
Houve, pois, o reconhecimento de que o homicídio cujas vítimas
fossem mulheres em razão de relações de afeto ou conjugalidade é um
crime com nome próprio, o que empoderou, ainda mais, a denúncia da
violência patriarcal cometida contra as mulheres e internalizada em na
sociedade, nas palavras de Diniz e Gumieri (2018, p. 197).
Segundo inteligência de Campos (2015, p. 109), então, o feminicídio
pode ser compreendido como a cadeia de atos misóginos responsável por
tirar a vida da mulher, sob uma perspectiva extrema da violência baseada
no gênero. Logo, considera-se que a violência contra as mulheres é fruto
das referidas relações sociais estruturadas no gênero e que hierarquizam
homens e mulheres em performaces de dominação e subalternidade,
respectivamente (AMANCIO; BOMFIM, 2020, p. 50).
Por conseguinte, embora não se possa desconsiderar a importância da
Lei nº 11.340/2006 e da Lei nº 13.104/2015 no enfrentamento da violência
contra a mulher no Brasil, a realidade prática têm demonstrado que a tutela
penal, isoladamente, não é suficiente para coibir esse fenômeno. A título
de exemplo, a Nota Técnica emitida pelo Fórum Brasileiro de Segurança
Pública (FBSP) acerca da violência doméstica durante a pandemia causada
pelo Coronavírus constatou uma redução significativa dos crimes contra as
mulheres em diversos Estados, com exceção da violência letal expressa nos
casos de feminicídios e homicídios, a qual apresentou um crescimento no
importe de 2,2% (FBSP, 2020, p. 02).
Não raramente, a violência fatal que ceifa a vida de dezenas de
mulheres é o lamentoso desfecho do ciclo de violência doméstica no qual
a vítima estava inserida. Desse modo, supõe-se a existência de uma cifra
oculta de violência doméstica, resultante da subnotificação das agressões
sofridas por mulheres no contexto pandêmico, à luz desse entendimento e
tendo em vista que os casos de feminicídio aumentaram no ano de 2020,
mas não foram acompanhados pelo igual crescimento das denúncias.
Logo, conclui-se que o aumento dos casos de violência doméstica e
de feminicídio durante o regime de isolamento social forçado revelaram
novos desafios no que toca à aplicabilidade da Lei nº 13.104/2015
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atualmente. Outra discussão recente levantada na jurisprudência, ademais,
é o emprego da tese da legítima defesa da honra que, por muito tempo,
acabou por inocentar feminicidas, mas foi afastada pelo Supremo Tribunal
Federal no julgamento recente da ADPF 779, conforme se verá a seguir.
Há de se ressaltar, conforme alertam Nogueira e Veronese (2020,
p. 222), que a tese da legítima defesa da honra não comporta mais
acolhimento, posto que o feminicídio não é um crime de natureza passional,
afetiva, ocasional ou pessoal. Em verdade, o referido delito está angariado
em profundas raízes de desigualdade, as quais desequilibram as relações de
poder estabelecidas entre homens e mulheres sob uma perspectiva violenta
em razão do gênero. Em síntese, “As reações de raiva e ódio produzidas pela
misoginia são contra a autonomia conquistada pelas mulheres no uso de
seu corpo ou quando acessam posições de autoridade, poder econômico e/
ou político” (NOGUEIRA; VERONESE, 2020, p. 232).
Além disso, outro debate levantado recentemente, o qual também
será abordado na presente pesquisa, é a possibilidade de criação de um
tipo-penal autônomo para o crime de feminicídio. Para alguns juristas e
doutrinadores, não obstante a Lei nº 13.104/2015 tenha sido essencial para
dar visibilidade às situações de opressão, violência e discriminação sofridas
por mulheres (NOGUEIRA; VERONESE, 2020, p. 226), atualmente
existe uma maior demanda para tornar o feminicídio um delito autônomo.
Defende-se que, a partir da desvinculação desse instituto ao crime de
homicídio, haverá um aprimoramento na coleta de dados referentes aos
casos de violência contra a mulher, baseados no gênero.
O presente trabalho, assim, presta-se a estudar os principais desafios
e discussões acerca da aplicabilidade da Lei do Feminicídio no contexto
atual. Para tanto, foi realizado um extenso levantamento bibliográfico sobre
o tema, aliado a uma pesquisa jurisprudencial qualitativa (ADPF 779) e
empírica, com o intuito de colher dados recentes sobre a violência contra
a mulher. As informações obtidas foram analisadas sob uma perspectiva
crítico-reflexiva, levando-se em conta a persistência da violência de gênero
manifesta socialmente e a patente necessidade de tutelar os direitos
femininos além do âmbito criminal.
Mulheres em tempos de pandemia
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2. A tipiFicAção do FeMinicídio coMo uM delito AutônoMo nA
lei penAl
De acordo com Nogueira e Veronese (2020, p. 229), além de um
delito de caráter individual, o feminicídio pode ser compreendido como
um crime de Estado. Isso acontece porque, em diversas ocorrências
no que toca à violência contra a mulher, o aparato estatal viabiliza a
violência de gênero que leva à morte feminina, sendo conivente com
a manutenção de valores patriarcais e androcêntricos em um contexto
sexista desfavorável às mulheres.
Dessa forma, o feminicídio pode ser entendido como “[...] a
expressão mais severa de uma complexa rede de opressões sofridas pelas
mulheres, consequência do machismo e da misoginia” (BRENER;
RAMOS; SOMBERG, 2018, p. 211). A violência contra a mulher, pois, é
naturalizada e institucionalizada em sua vida social tanto no espaço privado
como nos domínios públicos.
Nesse contexto, enquanto parte de um fenômeno histórico e
cultural, compreende-se que os debates envolvendo o feminicídio e seus
desdobramentos somente adquiriram destaque na América Latina após a
condenação mexicana pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
em 2009, conforme alertam Nogueira e Veronese (2020, p. 223). No
caso do Brasil, o feminicídio foi tipificado alguns anos depois por meio
da Lei nº 13.104/2015, a qual alterou o Art. 121 do Código Penal, a fim
de incluir uma nova qualificadora no crime de homicídio. Por sua vez,
a Lei nº 8.072/1990 incluiu o feminicídio no rol dos crimes hediondos
(ANGOTTI; VIEIRA, 2020, p. 2020).
Nesse sentido, o Código Penal atual determina que o homicídio será
qualificado quando ocorrer “contra a mulher por razões da condição de
sexo feminino”, nos termos do Art. 121, §2°, inciso VI. O §2°-A, por sua
vez, elucida que serão consideradas razões de condição de sexo feminino
quando o crime envolver contexto de violência doméstica e familiar e
menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Por fim, o §7º do
referido dispositivo determina quatro causas de aumento de pena, quais
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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sejam: se o feminicídio ocorrer durante a gestação ou nos três meses
posteriores ao parto; contra vítima vulnerável, menor de 14 anos, maior
de 60 anos, portadora de deficiência ou doença degenerativa grave; na
presença de descendente ou ascendente da vítima e em descumprimento
das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha
(BRASIL, 1940).
Cabe mencionar que a descrição do crime de feminicídio pela
Lei Penal revela que, na prática, o delito em questão apresenta certas
peculiaridades, as quais devem ser observadas para sua caracterização. À
título de exemplo, segundo demonstrou o estudo realizado pelo Núcleo
de Gênero do MPSP (2018, p. 24-25), o agressor é usualmente alguém
do convívio íntimo da mulher que, por razões de ciúme, não aceitação do
término do relacionamento ou até discussões banais, termina ceifando-lhe
a vida. Além disso, o crime geralmente é consumado por armas brancas
empregadas de maneira cruel, seguida por asfixia.
Desafortunadamente, as condições de vulnerabilidade em que se
encontravam as vítimas de violência doméstica, as quais, não raramente,
terminam assassinadas por seus agressores, foram potencializadas durante
a pandemia do Sars-CoV-2. Com a decretação do estado de quarentena,
assim, a ocupação exclusiva do espaço privado também contribuiu para
o isolamento social das vítimas que, apartadas do convívio com amigos,
familiares, colegas de trabalho e com a comunidade de modo geral, ficaram
mais suscetíveis à prática de violência e com menores possibilidades de se
reconhecer e enfrentar essa situação. A pandemia do COVID-19 também
impôs obstáculos ao acesso às redes de proteção e canais de denúncia, o
que contribuiu para intensificação das violências intrafamiliares que já
ocorriam anteriormente (FORNARI et al., 2021, p. 02).
Quanto aos casos de feminicídio registrados, observou-se um elevado
crescimento durante a pandemia, em comparação aos anos anteriores
(SUNDE et al, 2021, p. 70). Em consonância com o Fórum Brasileiro
de Segurança Pública (2021, p. 91), em 2020, houveram 1.350 vítimas
de feminicídio em comparação aos 1.330 casos que ocorreram em 2019.
Todavia, vale ressaltar que, ao todo, o Brasil registrou 3.913 homicídios
Mulheres em tempos de pandemia
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femininos em 2020, sendo que apenas 34,5% destes foram considerados
feminicídios. A análise do contexto de violência contra meninas e mulheres,
por óbvio, perpassa por todos os homicídios femininos, na medida em que
seu registro como “feminicídio” varia conforme o treinamento oferecido
aos órgãos policiais de cada Estado, os quais nem sempre estão qualificados
para identificar e tipificar casos de violência de gênero adequadamente
(BUENO; BOHNENBERGER; SOBRAL, 2021, p. 94-95).
Logo, em razão do aumento do assassinato de mulheres e da violência
doméstica durante o período pandêmico, a Associação dos Magistrados
Brasileiros (2021, p. 10-11) prescreveu a necessidade de se tipificar o
feminicídio como um delito autônomo com características particulares
no Código Penal, uma vez que a vinculação desse crime ao homicídio
aparenta ser inepta a satisfazer as demandas nesse sentido, considerando o
grande número de sua ocorrências e a urgência em se refinar e uniformizar
os dados sobre a violência contra a mulher. Como visto, essa reivindicação
torna-se ainda mais relevante em tempos de pandemia, momento em
que existe uma dificuldade de se apurar estatísticas quanto aos casos de
violência doméstica e feminicida e uma certa discrepância nos registros
levantados por diversos órgãos da segurança nacional.
É importante mencionar, ademais, que muitas vezes existe um certa
dificuldade, dentro das próprias instituições do Estado (como nas Delegacias)
em se diferenciar o homicídio feminino do feminicídio propriamente dito.
Isso acontece porque, no segundo caso, estão presentes relevantes marcadores
de gêneros que podem passar despercebidos pela autoridade policial quando
da apreciação do crime, o que gera uma subnotificação em massa. A
tipificação específica do feminicídio como um delito penal autônomo, dessa
forma, poderia impulsionar esse processo de aprendizado pelas autoridades
em questão e garantir uma maior constância nos registros e nos protocolos
de investigação desse crime (AMB, 2021, p. 12).
Nas palavras de Nogueira e Veronese (2020, p. 232-233) ainda
existem importantes deficiências na atuação policial e judicial quando
do trato dos casos que envolvem violência contra a mulher. Dentre essas
irregularidades, as quais prejudicam o acesso à justiça e a devida coleta de
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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dados nas investigações, é possível mencionar: emprego de estereótipos
de gênero; perda de informações relevantes; participação de autoridades
incompetentes e parciais; excessiva burocracia que dificulta o início das
investigações, colheita e análise de provas e a pouca credibilidade conferida
às declarações da vítima e seus familiares.
No mais, faz-se imprescindível considerar os efeitos simbólicos da
eventual distinção do feminicídio do homicídio que, enquanto ápice da
violência de gênero, deve receber destaque no ordenamento jurídico penal
e maior reprovabilidade social, segundo a Associação (AMB, 2021, p. 12).
Como lembram Nogueira e Veronese (2020, p. 222), a violência fatal que
ceifa a vida feminina evidencia as desigualdades de poder manifestas e
existentes entre homens e mulheres. Portanto, os esquemas de dominação
e submissão ditados pelo gênero, os quais sustentam a ordem política e
social no convívio coletivo, são transportados para as relações íntimas, de
maneira que a violência contra a mulher é legitimada nesse micro universo.
Ademais, com a previsão específica do feminicídio no Código Penal
brasileiro, haveria possibilidade de se aplicar qualificadoras específicas a
esse crime. Em suma, compreende-se que “[...] a iniciativa de tornar o
feminicídio como crime autônomo surge como meio apto a prestigiar
a razão de ser da norma e permitir pena mais elevada aos indivíduos
que praticarem o feminicídio em conjunto com as qualificadoras do
homicídio” (AMB, 2021, p. 13). Considera-se, outrossim, que a tipificação
do feminicídio como um delito autônomo representaria um marco legal,
reconhecendo-se que a violência contra a mulher é um problema social
grave, crescente em toda América Latina (NIÑO, 2016, p. 08).
Na contramão, aqueles contrários à criminalização do feminicídio
como um tipo-penal próprio sustentam que a mera criação e reprodução
de normas no âmbito penal é ineficaz para solucionar o problema da
violência contra mulheres (GEBRIM; BORGES, 2014, p. 69). Interessante
notar que o sistema penal também é responsável por delinear seu próprio
microcosmo de violência e poder, segundo elucida Vera Andrade (1999, p.
115), de modo que a crença em uma Política Criminal capaz de solucionar
as discriminações de gênero trata-se de uma utopia que desvia os esforços
Mulheres em tempos de pandemia
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feministas em estudar propostas mais inovadoras, eficientes e definitivas.
Paradoxalmente, as demandas feministas instrumentalizam, justamente, a
matriz patriarcal e jurídica que tanto criticam, reproduzindo a opressão
masculina na manutenção de um sistema classista e misógino (ANDRADE,
1999, p. 115).
A ilustre Andrade (1999, p. 116-117), nesse contexto, alerta para a
míngua de propostas no sentido de desconstruir a imagem social da mulher
como vítima, o que gera uma perpetuação da violência institucional pelo
Estado, através do sistema criminal. Frequentemente, observa-se um “[...]
processo de vitimização secundária, aquele provocado pelas instâncias
formais do poder público” (BELLOQUE, 2011, p. 309). O devido
enfrentamento à violência de gênero, portanto, somente será possível
quando superada a “[...] crença no Direito Positivo estatal como fator
político decisivo, quando não exclusivo, para a solução dos problemas e a
transformação das relações sociais” (ANDRADE, 1999, p. 116).
Sem discrepância, Gebrim e Borges (2014, p. 70) elucidam que a
tutela penal para proteção dos direitos femininos deve ser inserida em uma
política que contemple prevenção da violência contra a mulher aliada a
campanhas de sensibilização e capacitação dos agentes públicos, além de
investimentos na educação da sociedade civil sobre o tema. Desse modo,
verifica-se que “As soluções para a violência devem ser procuradas a partir
de uma perspectiva abrangente, voltadas para a diminuição dos efeitos
da desigualdade e da exclusão e, sobretudo, para o empoderamento das
mulheres” (GEBRIM; BORGES, 2014, p. 74).
Diante do supracitado, conclui-se que, além da tipificação do
feminicídio como um delito autônomo, faz-se necessário um aprimoramento
e fortalecimento da rede protetiva que atende mulheres vítimas de violência,
em uma perspectiva pré-violatória de direitos. Em síntese, há de se ressaltar
que o feminicídio é um fenômeno evitável com o emprego de efetivas
estratégias de prevenção e proteção. Pode-se citar, como exemplo, a criação
de programas multidisciplinares com a capacitação de agentes em diversos
setores para que esses possam, em conjunto com a justiça criminal, avaliar
a situação de risco em que se encontra a vítima de violência, notificando
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as autoridades competentes e tomando as medidas adequadas para auxiliá-
la no rompimento do ciclo de agressões, especialmente no momento
pandêmico (NOGUEIRA; VERONESE, 2020, p. 238-239).
3. A origeM dA legítiMA deFesA dA honrA
Devemos apontar como gênese do instituto, a situação descrita no
Livro V, Título XXXVIII das Ordenações Filipinas, intitulado “do que
matou sua mulher, por a achar em adultério”. In verbis:
Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente
poderá matar assim a ella, como o adultero, salvo se o marido for
peão, e o adultero Fidalgo, ou nosso Dezembargador, ou pessoa de
maior qualidade. Porém, quando matasse alguma das sobreditadas
pessoas, achando-a com sua mulher em adulterio, não morrerá
por isso mas será degradado para Africa com pregão na audiencia
pelo tempo que aos Julgadores bem parecer, segundo a pessoa que
matar, não passando de trez anos.
1.E não somente poderá o marido matar sua mulher e o adultero,
que achar com ella em adulterio, mas ainda os pode licitamente
matar, sendo certo que lhe cometerão adulterio; e entendendo assi
provar, e provando depois o adulterior per prova licita e bastante
conforme a Direito será livre, sem pena alguma, salvo nos casos
sobreditos, onde serão punidos segundo acima dito he
(...)
5.E declaramos, que no caso em que o marido pôde matar sua
mulher, ou o adultero, como acima dissemos, poderá levar comsigo
as pessoas, que quizer, para o ajudarem, comtanto que não sejão
inimigos da adultera, ou do adultero por outra causa afora a do
adulterio
E estes, que comsigo levar, se poderão livrar, como se livraria o
marido, provando o Matrimônio e adulterio. Porém, sendo
inimigos, serão punidos segundo direito, postoque o marido se
livre. (CASTRO, [2022]).
Mulheres em tempos de pandemia
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Nota-se, portanto, através do excerto legislativo supramencionado,
a total legitimidade conferida ao marido pelo Estado para assassinar sua
mulher, nas hipóteses em que a mesma cometesse adultério. Somado a
isso, Margarita Danielle Ramos (2012), em sua obra “Reflexões sobre o
processo histórico-discursivo do uso da legítima defesa da honra no Brasil
e a construção das mulheres”, aponta que à mulher acusada de ser adúltera
eram negados quaisquer direitos relacionados à sua defesa contra os fatos
a ela imputados. Além disso, mera suposição de seu companheiro era
suficiente para ensejar a licitude do assassinato.
Ramos (2012), ressalta que tal previsão legislativa encontra-se
relacionada com a necessidade de manter o “status social” e a reputação
do homem na sociedade, posto que, o adultério, por parte da esposa,
levaria a um questionamento da masculinidade do marido. Portanto, tal
situação seria de uma ofensa tão grande à honra e à imagem do esposo, que
justificaria o homicídio da mulher. Surgindo, assim, as raízes do instituto
da legítima defesa da honra.
Com o advento do primeiro Código Penal brasileiro, em 1830,
retirou-se a previsão do Título XXXVIII do Ordenamento Jurídico
Brasileiro. Contudo, em 1890 houve uma nova inovação legislativa
trazendo em seu artigo 27 a seguinte disposição:
Art. 27. Não são criminosos: §4º Os que se acharem em estado de
completa privação de sentidos e de intelligencia no acto de commetter
o crime”.
Dessa maneira, apesar da legítima defesa da honra não estar
legitimada de maneira expressa no ordenamento jurídico, a possibilidade
do §4º de tratar aqueles movidos por violenta emoção no momento de
suas ações, como inimputáveis, abre espaço para uma interpretação
extensiva do dispositivo, possibilitando que o instituto fosse aplicado
como recurso argumentativo diversas vezes em tribunais do júri, levando
a absolvição de namorados, cônjuges ou companheiros, que cometeram
feminicídios, acreditando estarem sendo traídos, ou em desacordo com
alguns comportamentos de suas companheiras.
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3.1 A AplicAção dA legítiMA deFesA dA honrA segundo A
jurisprudênciA
É notável que durante a elaboração do Código Penal de 1940,
houve uma atenção canalizada a evitar a aplicação de institutos como a
legítima defesa da honra e similares. Para tanto, o legislador, consagrou
expressamente em seu artigo 28 que a emoção ou a paixão não devem ser
considerados excludentes da imputabilidade penal. (BRASIL, 1940).
Todavia, uma análise fática aponta que a legítima defesa pela honra
continuou sendo usada por muito tempo nos tribunais, especialmente
na categoria de recurso argumentativo, tendo em vista que muitos dos
casos eram decididos através da modalidade de Tribunal de Júri e eram
convencidos pela narrativa criada pela defesa do réu. Nesse sentido
foram reunidas algumas amostras jurisprudenciais de tribunais superiores
corroborando esse entendimento.
O primeiro exemplo exposto é considerado extremamente
emblemático, por tratar-se de um marco histórico do feminismo no país,
trata-se do caso que ficou conhecido como “Doca Street”. Raul Fernando
do Amaral Street, conhecido pelo apelido Doca Street previamente
mencionado, assassinou sua companheira, a socialite Ângela Maria
Fernandes Diniz no ano de 1976.
O caso foi alvo de diversas críticas que culminaram em protestos
feministas no país, os quais questionavam a impunidade do assassino, posto
que havia sido originalmente condenado a uma pena mínima de dois anos
com sursis, e posto imediatamente em liberdade, apesar da materialidade
do crime ser comprovada e a autoria confessada pelo réu. Nesse sentido
temos a análise de Miriam Pillar Grossi (1993) sobre o caso:
Os assassinatos de mulheres por seus maridos, namorados, amantes
ou companheiros marcaram a história do feminismo no Brasil. Foi
em outubro de 1979, no julgamento de Doca Street pelo assassinato
de sua companheira milionária Angela Diniz, ocorrido em 1976,
que surgiram pela primeira vez manifestações feministas contra a
impunidade em casos de assassinato de mulheres por homens. Na
época, os argumentos utilizados pela defesa permitiram ao assassino
Mulheres em tempos de pandemia
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receber uma pena mínima de dois anos com sursis. De vítima,
Ângela Diniz passou a ser acusada de “denegrir os bons costumes”,
ter vida desregrada”, ser “mulher de vida fácil” etc. Na verdade,
era como se o assassino tivesse livrado a sociedade brasileira de um
indivíduo que punha em risco a moral da “família brasileira”. O
resultado do julgamento de Doca Street provou a eficácia desta
lógica junto à Justiça.
O assassinato de Angela Diniz seria apenas o primeiro de uma
série, levando as feministas para às ruas para protestar com o slogan
“Quem ama não mata”. (GROSSI, 1993).
Como resultado das manifestações populares acerca da decisão
proferida pelo Tribunal do Júri, foi possível a realização de novo julgamento,
através do qual Doca Street foi condenado a 15 anos de reclusão pelo
crime. Contudo, apesar da conquista, será exposto que, anos depois, a
narrativa da Defesa com argumentos relacionados à legítima defesa da
honra continuaram a ser aceitos nos tribunais brasileiros.
O próximo caso, versa acerca do homicídio perpetrado com o uso de
arma de fogo por Jefferson Correia dos Santos contra a sua esposa. O caso
foi levado ao tribunal do Júri, momento em que o réu foi completamente
absolvido dos fatos a ele imputados. A razão que levou o júri popular a
tomar tal decisão em favor do acusado foi justamente a alegação da Defesa
de que o réu estaria agindo em legítima defesa da honra. (T.J.M.G, 2010).
Em inconformismo com a decisão, o Ministério Público do Estado de
Minas Gerais interpôs ação de apelação, solicitando um novo julgamento,
alegando que a decisão apresentada encontra-se em completo desacordo
com os fatos narrados. O Tribunal de Justiça acolheu inteiramente o
recurso interposto pelo órgão ministerial (T.J.M.G, 2010). Em relação a
tese da legítima defesa da honra, tece a desembargadora:
A alegada excludente da legítima defesa da honra também não
ampara o réu. Apesar de este haver afirmado que matou a vítima
porque ela lhe xingou e humilhou, além de ter-lhe revelado que o
traía com vários homens, a excludente em apreço, de modo algum,
se encontra caracterizada.
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Segundo entendimento hoje uniforme na doutrina e na
jurisprudência, a honra é atributo personalíssimo, não se
deslocando da pessoa de seu titular para a de quem, de forma
regular ou não, vive em sua companhia. Assim, a mulher que trai
não está desonrando o marido ou o amásio, mas a si própria. Por
isso mesmo, nosso ordenamento jurídico não autoriza pena de
morte executa por cônjuge que se diz traído, ainda que o infiel seja
surpreendido no momento da traição. (T.J.M.G, 2010).
É notável através da jurisprudência apresentada, que apesar do
ordenamento jurídico brasileiro não mais respaldar expressamente o
instituto da legítima defesa da honra, tal possibilidade ainda era utilizada,
logrando êxito, como recurso argumentativo, especialmente tendo em
vista que muitas vezes tais crimes enquadravam-se como concernentes ao
Tribunal do Júri.
O juiz togado, precisa sustentar sua sentença no livre convencimento
motivado, apresentando e fundamentando as provas que o conduziram a
determinada decisão. Situação diferente ocorre no Tribunal do Júri, posto
que os jurados, conforme interpretação do artigo 5º, inciso XXXVIII,
alínea “b” da Constituição Federal (BRASIL, 1988), são regidos pelo
sistema da íntima convicção, permitindo, portanto, que tomem suas
decisões baseando-se em suas concepções pessoais.
Tendo em vista que os jurados que compõem o júri popular são
leigos, não seria adequado requisitar a fundamentação de suas decisões em
normas jurídicas desconhecidas aos mesmos. Dessa forma, faz-se necessário
atuar mediante o sistema da íntima convicção, todavia, tal instituto não
apresenta-se isento de falhas, posto que, permite indiretamente, a influência
de opiniões e preconceitos individuais no momento da decisão, ensejando
situações como o caso concreto apresentado em tela.
Por fim, versaremos acerca do Habeas Corpus 178.177. Em recente
decisão, no dia 29 de setembro de 2020, a 1ª Turma reconheceu a soberania
dos veredictos do Tribunal do Júri, conforme disposto na Constituição
Federal, decidindo não ser possível que o Ministério Público recorresse à
decisão de absolvição.
Mulheres em tempos de pandemia
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O caso concreto tratava-se de um homicídio perpetrado pelo esposo
à companheira, pois, a mesma estava saindo para um culto, e o marido,
erroneamente, interpretou que ela o estivesse traindo. Ato contínuo,
desferiu-lhe golpes com uma faca, levando-a à morte. O acusado fora
absolvido pelo tribunal do Júri. (CONJUR, 2020).
Foram vencidos os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de
Moraes, este último proferindo as palavras: “Até décadas atrás no Brasil,
a legítima defesa da honra era o argumento que mais absolvia os homens
violentos que mataram suas namoradas e esposas, o que fez o país campeão
de feminicídio”. (CONJUR, 2020).
Dessa forma, foi possível visualizarmos que, na história do judiciário
brasileiro, a questão envolvendo o uso da legítima defesa da honra como
argumento absolutório para o réu, é permeada de momentos de avanços e
retrocessos. A conquista em um caso de grande repercussão como Ângela
Diniz, não proporcionou o fim desse recurso argumentativo em tribunais
do júri, como foi possível constatar através da jurisprudência do Tribunal
de Justiça de Minas Gerais.
Da mesma maneira, apesar de ser reconhecido, neste caso concreto,
a necessidade da realização de um segundo julgamento, em razão da
decisão em completo desacordo com os fatos narrados, é possível notarmos
exemplos em que a soberania dos veredictos permanece no momento da
sopesação de valores.
3.2 A AdpF 779
Em março de 2021, o Supremo Tribunal Federal, com o relator
Ministro Dias Toffoli manifestou-se de maneira a pacificar o entendimento
do uso da legítima defesa da honra através da Medida Cautelar na Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental 779- Distrito Federal
(ADPF 779). A medida foi parcialmente deferida, no sentido de acolher
como inconstitucional o instituto supracitado, nesse sentido, o acórdão
(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2021):
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do
Supremo Tribunal Federal, em sessão virtual do Plenário de 5 a
12/3/21, na conformidade da ata do julgamento, por unanimidade,
em referendar a concessão parcial da medida cautelar para: (i)
firmar o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra
é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da
dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à
vida e da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da CF); (ii) conferir
interpretação conforme à Constituição aos arts. 23, inciso II e 25,
caput e parágrafo único, do Código Penal e ao art. 65 do Código
de Processo Penal, de modo a excluir a legítima defesa da honra
do âmbito do instituto da legítima defesa e, por consequência,
(iii) obstar à defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo
que utilizem, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da
honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-
processual ou processual penais, bem como durante julgamento
perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do
julgamento, nos termos do voto do Relator, Ministro Dias Toffoli.
Os ministros Edson Fachin, Luiz Fux (Presidente) e Roberto
Barroso acompanharam o Relator com ressalvas. A ressalva do
Ministro Gilmar Mendes foi acolhida pelo Relator.
Brasília, 15 de março de 2021
Ministro Dias Toffoli
É possível constatar que, apesar da legítima defesa da honra ter sido
apontada como inconstitucional pelo Supremo Tribunal de Justiça, os ideais
que permearam a sua formação ainda encontram-se presentes na sociedade
atual. De tal modo que, não obstante, o instituto não seja aplicado de
maneira expressa, é possível notar o acolhimento de atenuantes incoerentes
sustentadas através da narrativa da Defesa, de modo a enquadrar o réu nas
causas presentes no §1º do artigo 121 do Código Penal.
Nesse sentido temos uma apelação criminal interposta pelo
Ministério Público do Estado de São Paulo em face de Paulo Rogério Araújo
da Silva, na qual os jurados acolheram que o acusado teria agido mediante
Mulheres em tempos de pandemia
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domínio de violenta emoção, após injusta provocação da vítima. Trata-se
de um homicídio qualificado levado ao Tribunal do Júri, no qual o réu foi
condenado à pena de 8 anos de reclusão, em regime inicial fechado. Apesar
da sentença ser favorável à condenação do acusado, o órgão ministerial
recorre da decisão em virtude do reconhecimento de causa de redução
do homicídio privilegiado, sustentado se tratar de decisão manifestamente
contrária à prova dos autos (T.J.S.P, 2021).
A decisão do Tribunal foi de acolher as razões apontadas pelo
Ministério Público em seu recurso, de forma a submeter o réu a novo
julgamento perante o Tribunal do Júri. Os fatos narrados apontam que
após um dia de serviço, Paulo Rogério havia chegado em sua residência
e deitado. Ato contínuo, a vítima, sua esposa, Sara, estava se preparando
para sair de casa, momento em que o réu acordou com o barulho e inicia
uma discussão com a mesma.
Sara, em razão do histórico violento do marido, teria fugido para o
banheiro para se proteger. Contudo, o réu, teria batido sua cabeça contra a
pia e contra a borda do vaso sanitário, causando-lhe a morte. Em seguida,
Paulo limpou todo o sangue do local e danificou a caixa da descarga do
vaso, visando criar uma narrativa de queda acidental. Além disso, trancou
o cômodo por dentro, saindo pela janela do mesmo, e acionando o resgate.
Do conjunto probatório carreado aos autos, portanto, denota-se
que não houve qualquer menção a provocação da vítima, a não
ser o simples fato de que ela iria sair de casa, de modo a autorizar
o entendimento de que o acusado teria agido imbuído de violenta
emoção, configurando o privilégio. (T.J.S.P, 2021).
E ainda:
Ao examinar a tese argumentativa apresentada pela defesa,
depreende-se que, imputar à vítima de um feminicídio a culpa
pelo crime perpetrado por seu assassino-atitude esta aparentemente
aplaudida e aceita pelo nobre causídico- não passa de conduta vil,
misógina e machista.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
66 |
A defesa ainda vai além, afirma que o crime foi precipitado ou
programado pela própria vítima do homicídio, em razão da vida
“inadmissível para um mulher casa” (fls. 740), ipsis litteris, frase
que pode ser compreendida por “sair de sua residência sem pedir
permissão a seu marido e futuro assassino”.
Diante das argumentações trazidas pela defesa, insta consignar
que a atual sociedade do século XXI- erigida sobre ideais do pós-
positivismo, prevalência dos direitos humanos e pautada na criação
de um Estado Democrático de Direito que assegure dignidade
humana a todos e a todas, não comporta mais justificativas e
alegações repletas de cunho preconceituoso e misógino, como foi o
apresentado pela defesa da parte apelante. (T.J.S.P, 2021).
Tendo em vista a narrativa dos fatos, o Tribunal de Justiça considerou
que a decisão de enquadrar as ações do réu como homicídio privilegiado não
merece prosperar, por apresentar-se em desacordo com os fatos narrados.
4. conclusão
Diante da exposição realizada, foi possível destacarmos alguns
aspectos permeando os obstáculos envolvendo a aplicação da Lei 13.104/15.
Em um primeiro momento, passa-se a análise ao contexto da pandemia da
COVID-19, a qual indiscutivelmente gerou um aumento dos casos de
violência doméstica, além de arquitetar a subnotificação dos delitos no
âmbito do isolamento social.
Destaca-se que durante esse período, de acordo com a pesquisa
realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), intitulada
“Violência doméstica durante a pandemia do Covid-19”, o Brasil
registrou 648 casos de feminicídio apenas no primeiro semestre do ano
2020, representando um aumento de 1,9% em relação ao mesmo período
em 2019.
Em contrapartida, o relatório demonstra a diminuição de registros de
boletins de ocorrência, em discrepância com o aumento de atendimentos
Mulheres em tempos de pandemia
| 67
policiais pelo 190 em razão de violência doméstica. Apenas no Estado de
São Paulo, houve um aumento de 44,9% em comparação com o período
de março do ano de 2019 (FBSP, 2020).
Foi registrado um aumento de 431% de relatos virtuais de brigas
ocorridas entre os vizinhos no ambiente doméstico. Destes, haveriam 52
mil menções a algum tipo de desentendimento entre casais, especialmente
durante o final de semana e no período entre 20 horas da noite e 3 horas
da madrugada.
Nesse sentido, é perceptível que a pandemia do novo coronavírus,
escancara a realidade brasileira, através dos desafios enfrentados
no combate à violência doméstica e ao feminicídio nesse período,
demonstrando a carência de medidas públicas realmente efetivas contra
a violência de gênero.
Soma-se a isso, as informações apresentadas envolvendo a normalização
do instituto da “legítima defesa da honra”, ainda que o mesmo não esteja
devidamente legalizado em nosso ordenamento jurídico. Foram apresentadas
pesquisas jurisprudências evidenciando seu uso como recurso argumentativo,
especialmente envolvendo as modalidades de Tribunal do Júri.
Além disso, foi possível constatar, que mesmo diante da
impossibilidade de utilizar tal recurso de maneira expressa, o mesmo
apresentava-se de maneira indireta, mascarado em outros institutos
jurídicos como a “violenta emoção”, ou “injusta provocação da vítima”.
Portanto, fica-se evidenciado a importância da criação de um tipo-
penal autônomo para o crime do feminicídio, posto que tal medida,
segundo inteligência de Gebrim e Borges (2014, p. 69), “obrigaria o
Estado a tomar providências para evitar a morte de mulheres, por meio
de políticas públicas adequadas à prevenção e à erradicação da violência
contra elas; e, caso não evitado o crime, a atuar de forma eficaz na
persecução penal do agressor”.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
68 |
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pArte ii
F  
| 73
F  : 
    
   
 
Ana Laura Bonini Rodrigues de Souza
Rosane Michelli de Castro
Flávio Santiago
resuMo: O presente artigo traz reflexões, a partir de análises metodológicas bibliográficas,
acerca de como a luta das mulheres contribuiu para se pensar as opressões para com
as crianças e o processo de construção da infância em nossa sociedade, trazendo uma
interlocução entre esses dois diferentes campos, mas que carregam em si elementos
que dialogam. O processo de hierarquização marca tanto as mulheres como as crianças
em nossa sociedade, criando destinos pré-estabelecidos e lugares de não fala para estes
sujeitos. Assim, o objetivo do presente artigo é abordar reflexões iniciais acerca da
necessária caminhada conjunta das lutas dos direitos das mulheres e das crianças,
enfatizando o exercício docente em seus anos iniciais, com a pretensão de visibilidade e
compreensão das especificidades determinantes de cada grupo, em suas aproximações. E
como resultado, considera-se que as lutas das mulheres e a infância se aproximam, e os
feminismos permitem possibilidades para diálogos interseccionais e descolonais para com
a temática envolvente de infância, mulheres e docência.
pAlAVrAs chAVe: educação; história da educação; culturas infantis; docência.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-348-9.p73-92
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
74 |
AbstrAct:is article brings reflections, based on bibliographic methodological analyses,
about how the struggle of women contributed to thinking about oppression towards
children and the process of construction of childhood in our society, bringing a dialogue
between these two different fields, but that carry within themselves elements that
dialogue. e hierarchization process marks both women and children in our society,
creating pre-established destinations and non-speech places for these subjects. erefore,
the objective of this article is to address initial reflections on the necessary joint journey
of the struggles for the rights of women and children, emphasizing the teaching exercise
in its early years, with the pretension of visibility and understanding of the determining
specificities of each group, in their approximations. And as a result, it is considered that
the struggles of women and childhood are approaching and feminisms allow possibilities
for intersectional and decolonial dialogues with the surrounding theme of childhood,
women and teaching.
Keywords: education; Hhstory of education; childrens cultures; teaching.
1. introdução
O cotidiano brasileiro em que vivemos construiu-se nos processos
históricos culturais e coloniais impostos aos povos desta terra desde
1500, com a invasão portuguesa, processos estes que se desdobram nas
desigualdades culturais presentes nas diferentes classes sociais, raças/etnias
e nas relações dos gêneros. Essas intersecções sobrepõem-se e interferem nas
posições e não posições sociais, culturais e políticas das pessoas ocupadas
na sociedade, conforme Burke (2005), Quijano (2014), Gonzalez (1988)
e Akotirene (2019).
O conceito de gênero é abordado por Quijano (2014) como uma
das formas coloniais de opressão, assim como enfatiza raça/etnia como
uma categoria de segregação. Scott (1995) traz a compreensão do
aludido conceito de gênero como a construção cultural dos sexos, e, dessa
forma, entendendo mulheres e suas relações sociais em uma perspectiva
de construção histórica cultural brasileira, na qual foram impostas e
reproduzidas a colonização europeia. É possível frisar que povos originários
do Brasil e africanos sofreram tentativas de apagamento de suas culturas,
em outras palavras, suas relações de gêneros e de modos de vida, foram
impedidas de continuarem vivas.
Mulheres em tempos de pandemia
| 75
Com relação às mulheres, a opressão de gênero desdobrou-se
também na desvalorização da infância e do trabalho docente nos anos
iniciais da Educação Básica, sendo que tudo que se aproxima do feminino
e de seus cuidados é inviabilizado socialmente, conforme Falquet (2008).
Dessa forma, propõe-se neste artigo a discussão de gênero em âmbito
interseccional, enfatizando a “[...] articulação do gênero à classe social,
raça, etnia, diferentes culturas, meio rural, meio urbano, geração, religiões.
(ZAGO; PAIXÃO, 2013, p. 449-450).
Conforme Souza (2021, p. 25):
Carvalho, entrevistada pelas autoras Zago e Paixão (ZAGO;
PAIXÃO, 2013) relata, também, as vivências de gênero sobre a
distinção de homens e mulheres atuantes na docência, mencionando
características escolares, nas creches e Educação Infantil, as quais
são socialmente construídas e pensadas como femininas, mesmo
que realizadas por homens, sendo decrescente a presença do
feminino na docência em relação à progressão dos anos iniciais da
Educação Básica.
Dada a relação existente entre feminino, infância e docência,
também importa salientar Souza (2021), que enfatiza o privilégio
da brancura para estar na docência; com a feminização do magistério
brasileiro, no século XIX, as mulheres que encontraram possibilidades
de vidas públicas fora de seus lares na docência eram brancas, e, em
sua maioria, da elite brasileira, conforme Demartini e Antunes (1993),
Hilsdorf (2003) e Gonzalez (1988).
Importa salientar que, enquanto mulheres brancas e da elite,
encontravam as mencionadas liberdades, mesmo que controladas; no
âmbito da docência, mulheres negras e indígenas já possuíam vidas públicas
e até posições em chefias de suas famílias desde a abolição da escravatura
no Brasil, em 1888, conforme Gonzalez (1988).
Desta forma, quando as relações de gêneros são trazidas a lume, a
interseccionalidade e a descolonialidade se fazem presentes. Crenshaw
(2012), afroestadunidense, jurista e professora da teoria crítica de raça,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
76 |
cunhou o termo interseccionalidade, e disserta sua experiência no primeiro
ano da faculdade de Direito, quando combina com o colega, também negro,
de que caso sofressem qualquer tipo de preconceito racial na agremiação
dos estudantes de Havard, iriam embora. Porém, para a surpresa da autora,
foram coagidos a entrar pela porta dos fundos, pelo motivo de ela ser
mulher, nesta ocasião a questão de gênero se sobrepondo à de raça/etnia,
não havendo solidariedade por parte do amigo negro, aceitando a situação
como normal.
A descolonialidade
1
busca o rompimento colonial, enfatizando ainda
a presença de reproduções coloniais contemporâneas:
[...] questionamento das ideias de centro e periferia ou de norte
e sul direcionando o olhar para a complexidade do mundo, a
diversidade cultural, simbólica, linguística e política das reações
anticoloniais que questionam velhos modelos imperialistas.
Nesse sentido, marcamos o nosso posicionamento pela adoção
da terminologia “descolonial” e “descolonialidade” justamente
para assinalar o caminho de luta contínua pela identificação e
visibilização das mulheres, em particular das latino-americanas e
negras que ocupam “lugares” de exterioridade e vêm tensionando
construções alternativas. (BAMBIRRA; NOTHAFT; LISBOA;
2019, p. 152).
A respeito das intersecções e descolonialidades presentes na vida das
mulheres da América, Brah e Phoenix (2017) ressaltam a fala de Soujourner
Truth, em 1851, quando questiona se realmente era considerada uma
mulher entre as mulheres brancas que estavam presentes na Convenção
dos Direitos das Mulheres em Akron, Ohio. Ela, que nasceu escrava,
lutou contra a escravidão e pelos Direitos das mulheres, porém, naquele
momento, como em tantos prováveis outros, a raça se fez presente, fazendo
indagar a sua existência feminina, demonstrando a necessária compreensão
da interseccionalidade quando se fala em gênero.
As autoras ressaltam que “[...] os termos descolonial ou descolonialidade são preferidos por autoras latino-
americanas, como Rita Laura Segato (2011), María Lugones (2004), Yuderkis Espinosa Miñoso (2014),
Ochy Curiel, dentre outras [...]” (BAMBIRRA; NOTHAFT; LISBOA, 2019, p. 152).
Mulheres em tempos de pandemia
| 77
Brandão et al. (2017, p. 49) enfatizam que:
[...] É respeito ao direito do Outro de se autonomear e de construir
suas próprias representações; é admitir que os locais da alteridade
são intercambiáveis e que os lugares de enunciação são sempre
múltiplos e interconectados, que as fronteiras não são fixas e que
as identidades não são redutíveis a rótulos; é ampliar o foco para
incluir olhares, não do Outro, mas, simplesmente, outros”.
Em meados da década de 1980/1990, século XX, tivemos a chamada
3ª onda do feminismo, a qual, neste artigo, é considerada como uma
demarcação teórica, sem propor apagamentos de mulheres e suas lutas
antes desse marco temporal. Nesse momento histórico brasileiro, novos
olhares surgiram para com as mulheres em suas especificidades, ou seja, as
denominadas minorias de direitos, enfatizando as invisibilidades culturais
e de poder para com as mulheres negras e indígenas, analisando as questões
de gênero em âmbito interseccional, o que “[...] torna visíveis às interações
múltiplas e simultâneas de diferentes sistemas de poder, opressão e
discriminação, tanto em nível da identidade, quanto da formação social.
(BRANDÃO et al., 2017, p. 49).
Essas ondas feministas possuem a subjetividade das marés, que vão
e vêm, sempre se renovando, pode-se afirmar que se complementam,
aproximam-se e distanciam-se de acordo com os progressos e regressos
de direitos das mulheres, sendo demarcações teóricas que facilitam a
compreensão destes estudos. A primeira onda do feminismo teve seu início
no século XIX, e tinha sua luta voltada para assuntos ligados ao direito ao
voto das mulheres e suas respectivas vidas públicas (sufrágio feminino e o
trabalho sem a necessidade de autorização do marido). A segunda onde se
deu por volta de 1972, em um momento de crise democrática, a mulher
também lutou contra a ditadura; nesse período, foi ressaltado também
como uma continuação da luta pela valorização das mulheres, o direito
ao prazer, com a possibilidade do uso da pílula anticoncepcional, a luta
contra a violência sexual e a valorização do trabalho realizado pela mulher,
conforme salienta Teles (1993).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
78 |
A terceira onda veio como uma abertura de olhares para com a
categoria feminina, com o entendimento de que as mulheres são específicas
em suas pluralidades, e que, dessa forma, são oprimidas de diferentes
maneiras, necessitando da abordagem do gênero para serem visíveis às
condições de cada mulher, em suas respectivas etnias, raças e classes sociais.
As autoras Brandão et al. (2017, p. 54) afirmam gênero dentro
da abordagem descolonial, demonstrando “[...] a continuidade das
relações coloniais de poder através das categorias de gênero, raça/etnia
e classe.”. Assim, podemos refletir que, perante o gênero, não cabem
estudos pós-coloniais, já que as mulheres carregam a colonização de seu
sexo até os dias atuais, representado em seu gênero feminino, o qual
necessita ser descolonizado.
“[...] O silêncio é imposto a sujeitos que foram colonizados.
(RIBEIRO, 2019, p. 72). Dessa forma, pensando a necessidade de docentes
com consciência de suas trajetórias históricas culturais como mulheres e
professoras, já que se compreende a docência conforme Nörnberg (2020,
p. 2), como uma ação humana construída “[...], na e em relação com
o outro em torno de conhecimentos e de práticas científico-culturais.”.
Assim como uma Educação Infantil com base na formação feminista,
para iniciar reflexões para a promoção de quebra de padrões sexistas,
eurocêntricos, autoritários e heteronomativos, os quais não são condizentes
com a realidade plural brasileira. Em outras palavras, a realidade brasileira
engloba culturas variadas e outras relações de raça/etnia e gêneros advindas
dos povos indígenas e africanos, que sofrem tentativas de apagamento de
suas heranças culturais todos os dias.
Objetiva-se, com o presente artigo, abordar reflexões iniciais acerca
da necessária caminhada conjunta das lutas pelos direitos das mulheres e
das crianças, enfatizando o exercício docente em seus anos iniciais, com a
pretensão de visibilidade e compreensão das especificidades determinantes
de cada grupo, em suas aproximações.
Mulheres em tempos de pandemia
| 79
2. interrelAções: direito dAs Mulheres e o reconheciMento do
protAgonisMo inFAntil no exercício docente
A valoração da construção de práticas pedagógicas que procurem a
construção de relações de gêneros de modo equânime visa a uma pedagogia
emancipadora, que desde a Educação Infantil se faz necessária, diante de
um histórico patriarcal em que é alicerçada a cultura ocidental branca que
foi imposta no Brasil.
Compreende-se patriarcado com Souza (2021), que ressalta a
formação familiar e social na presença soberana de um patriarca e a
propriedade privada no Império Romano. Assim como o aludido patriarca
possuía poderes sem limites estatais sobre o grupo familiar, o Estado lhe
autorizava o poder patriarcal: “[...] No patriarcado as relações de violência
que dele emergem e são legitimadas nas relações de gênero[s] dominantes,
se efetivam no seio da família e legitimado pelo Estado [...]” (SOUZA,
2021, p. 61), e, para o autor (SOUZA, 2021), essas relações de gêneros são
trans-históricas, modificando-se e adaptando-se a cada sociedade.
Neste ínterim, o patriarcado objetifica mulheres e tudo ligado
a elas, como as crianças, pessoas escravizadas e animais; o patriarcado,
apesar de ter se encerrado com o Império Romano, para Souza (2021),
se transformou durante a história para manter-se vivo em lócus dos planos
macro para o micro, ressaltando que a vitória do gênero masculino se deu
com o posto de divindade/religião oficial do Ocidente com o cristianismo,
em 380, ocasionando “a morte das deusas” e imperando o monoteísmo
que reforçou a dominação de corpos e mentes de mulheres.
Assim, encontra-se o patriarcalismo que perdurou “[...] na sociedade
mediterrânea medieval até o século XIX-XX, em múltiplas cores e formas
de influenciar e determinar identidades [...] e representações sociais [...]”,
o que é ser homem, mulher e quais espaços determinados para cada um
(SOUZA, 2021, p. 66). Os desdobramentos e as transformações do
patriarcado perpassam o patriarcalismo tropical, o qual é exemplificado
pelo autor (SOUZA, 2021), no período do Brasil Colônia, em que a
burguesia masculina ditava as regras para suas mulheres, crianças e pessoas
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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escravizadas. Porém, tendo já diminuído o poder estatal, frisando mais
o plano micro, a esfera familiar, e, por fim, o neopatriarcalismo, que é
caracterizado “[...] pela permanência de usos, costumes e práticas, todavia,
já não contam mais com a cumplicidade explícita do Estado.” (SOUZA,
2021, p. 72).
Souza (2021, p. 73) enfatiza que as primeiras conquistas Estatais
formais de mulheres no século XX podem ser consideradas o marco do
neopatriarcalismo, exemplificando com “[...] a vitória das sufragistas nos
EUA, em agosto de 1920, na Inglaterra a conquista se deu em 1928, e, no
Brasil, em 1932 [...]”.
As lutas das mulheres são árduas, e, ainda em tempos hodiernos, as
formalidades superam as realidades de conquistas legais, porém, referidas
conquistas construídas pela história demonstram as forças de (re)existências
e sobrevivência das mulheres.
É crível mencionar que apenas na Conferência Mundial de Direitos
Humanos, que ocorreu em Viena, em 1993, que foram reconhecidos os
direitos humanos das mulheres, “[...] praticamente 200 anos depois da
condenação e execução de Olympe de Gouges
2
, conforme menciona Teles
(2007, p. 34).
Com o olhar delicado perante as desumanidades históricas patriarcais
para com a categoria feminina e afins, em uma abordagem com o
entrecruzamento de classe e raça/etnia, o feminismo negro, interseccional e
descolonial nos mostra a importância de se colocar no lugar das outras. Em
outras palavras, mulheres não brancas do Brasil podem ser observadas com
a compreensão histórica de suas ancestralidades e processos de escravização
a que foram submetidas, as quais carregam consigo pesos culturais e até
mesmo “raivas” compreensíveis, conforme Akotirene (2019), de não
presença negra em lugares em que só mulheres brancas puderam estar,
sendo um exemplo de não lugar a docência, desde o início da feminização
Propulsora da Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, em 1791 na França, Marie Gouze (1748
-1793), a qual se nomeava e assinava como Olympe de Gouges, foi guilhotinada, porque propôs aludida
declaração, já que na Declaração de Direitos do homem e do cidadão de 1789, mulheres não eram citadas,
ou seja, não possuíam a condição de cidadãs/ seres humanos (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2018).
Mulheres em tempos de pandemia
| 81
do magistério (DEMARTINI; ANTUNES, 1993; GONZALEZ, 1988;
HILSDORF, 2003).
Gênero em suas perspectivas de análise e feministas negras,
descoloniais e interseccionais, nos oportuniza enxergar as sobreposições,
“[...] a interseccionalidade descarta análises aritiméticas ou competitivas
sobre quem sofreu primeiro [...] pode ajudar a enxergarmos as opressões,
combatê-las, reconhecendo que algumas são mais dolorosas que outras
[...]” (AKOTIRENE, 2019, p. 97). O reconhecimento interseccional
identifica as opressões e seus entrecruzamentos, não descartando dores,
mas reconhecendo-as, rompendo um processo de apagamento das vozes
culturalmente não ouvidas.
Compreendendo a pluralidade como crucial para a abertura de olhares
e caminhos, a pedagogia feminista proporciona maior relação da criança
com a sua identidade histórica, envolvendo o processo de aprendizagem
em uma perspectiva histórico-cultural, retirando visões enrijecidas de um
passado contado sob o viés de histórias tradicionais, ou seja, dos poderosos.
Conforme Burke (2005), abordam apenas os lugares de maior poder, sem
enfoque de diversidade nos planos micros de pontos de vista.
bell hooks
3
(2013, p. 60-61) enfatiza que “[...] há dor no abandono
das velhas formas de pensar e saber [...]”, ressaltando que docentes são
responsáveis pela abertura de caminhos, oportunizando aos alunos
conhecerem suas vivências e experiências como pessoas em processos
históricos. Tal pressuposto permite a compreensão de que mulheres
professoras conscientes de suas trajetórias históricas podem proporcionar
aos seus alunos, desde os anos iniciais da Educação Básica, “[...] uma
educação que cure [...] a pedagogia engajada necessariamente valoriza a
expressão do aluno [e da docente] [...]” (HOOKS, 2013, p. 34).
Dessa forma, nessas linhas, mulheres, crianças e seus direitos são
refletidos em conjunto, com a compreensão de que uma Educação feminista
proporciona o encontro com a realidade histórico-cultural brasileira,
3
bell hooks, contrariava a norma vigente da ABNT, frisando seu referenciamento em letras minúsculas com
o intuito de valorar mais a sua escrita do que a própria autora. Leia mais em: https://www.geledes.org.br/
bell-hooks-e-as-miudezas-que-importam/. Acesso em: 11 jan. 2022.
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ampliando olhares e fatos que existiram, mas que foram silenciados por
nossos colonizadores e reproduzidos nas Américas do Norte e Latina,
enfatizando, especificamente, o Brasil.
Com relação aos direitos humanos, possuem em seu histórico a
promulgação das declarações formais referentes a tentativas de enfatizar
culturalmente a necessidade desses direitos no final do século XVIII. Como
menciona Teles (2007), a Declaração Americana de Virgínia de 1776 e a
Declaração Francesa de 1789, assim como, no século XX, é retomado o
ideário dos direitos humanos, pós-segunda guerra, devido ao massacre do
holocausto (TELES, 2007), sendo reafirmados conforme a Declaração dos
Direitos humanos de 1948.
Os direitos se constroem e se somam ao longo da história, e se
adaptam de acordo com a sociedade existente nos determinados momentos
históricos; com a desvalorização das mulheres, também construída
historicamente, compreende-se a necessária valoração legislativa a respeito
de suas humanidades, porém, com ênfase no trabalho social e implementação
de políticas públicas aliadas às formalidades, para a efetivação dos direitos
humanos das mulheres na sociedade brasileira.
As mulheres possuem seus direitos formalizados em leis à custa
da morte e luta de muitas. A propulsora foi em 1791, a Declaração dos
direitos da mulher e da cidadã (USP, 2018); Marie Gouze (1748-1793),
que assinava como Olympe de Gouges, foi guilhotinada, condenada como
mulher “desnaturada”, que caminhava contra as virtudes de seu sexo.
Olympe propôs mencionado documento devido à não menção para com
os direitos das mulheres na Declaração de Direitos do homem e do cidadão,
de 1789, colocando as mulheres como propriedades dos homens, indignas
de direitos, ou seja, sem a consideração e a qualificação de ser humano.
De acordo com Teles (2007), os direitos humanos confirmam a
dignidade da pessoa humana perante o Estado, salientando a importância
de uma proteção internacional, exemplificando com o massacre ocorrido
na Alemanha nazista: “Os direitos humanos são inerentes à pessoa,
independentemente de seu reconhecimento pelo Estado, cultura,
Mulheres em tempos de pandemia
| 83
nacionalidade, sexo, orientação sexual, cor, raça/etnia, classe social, faixa
etária.” (TELES, 2007, p. 32). Ou seja, os direitos humanos precisam ser
interiorizados pelas pessoas, para que, assim, se apropriem efetivamente
destes. Para Teles (2007), no tocante ao não igualitarismo presente desde o
nascimento dos seres humanos, afirmando a necessária articulação humana
para o entendimento e a efetivação dos direitos humanos nas sociedades:
“Significam um esforço coletivo da humanidade, uma conquista histórica e
política, uma invenção exige o acordo e o consenso entre os seres humanos.
(TELES, 2007, p. 21).
Como mencionado, a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão (1789), quando criada, ignorou a igualdade entre os sexos, um
demonstrativo de uma história cultural marcada por resistência e luta das
mulheres, não podendo ser regredida e sucumbida pelo patriarcado. Para
Saffioti (2015, p. 51), na sociedade capitalista existente, o patriarcado não
se resume a uma ideologia machista, mas a um vasto sistema exploratório,
sendo as mulheres os objetos de exploração dos homens: “fica patente a
dupla dimensão do patriarcado: a dominação e a exploração”. É notável
a ampla dimensão do patriarcado, o qual percorre as classes sociais, com
caráter interseccional, caminhando pelas culturas presentes na sociedade
brasileira, transformando-se e (re)adaptando para sobreviver culturalmente
na presença do neopatriarcalismo, conforme salientado por Souza (2021).
A Constituição Federal do Brasil de 1988 (CF/88), não permitindo
formalmente a diferenciação por raça/etnia e sexo, em conjunto com a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB n. 9394/96) enfatizam
a formação de cidadãos e cidadãs com conhecimentos de seus Direitos
Humanos, colaborando para uma Educação favorável à formação de
crianças que abranjam questões de gênero, raça/etnia e classe (BRASIL,
1988; BRASIL, 1996).
Fazendo jus à mencionada Constituição Federal Brasileira (BRASIL,
1988) que declara a igualdade entre homens e mulheres, e a LDB n.
9394/1996, que protege a vinculação da educação com a prática social,
a liberdade, igualdade de acesso e permanência na escola, pensar uma
Educação feminista é propor também uma educação embasada nas leis
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brasileiras, ou seja, legislações elaboradas com consciência histórica, que
instruem a formação dentro das realidades sociais, caminhando ao encontro
da Nova História Cultural (BURKE, 2005), a qual permite a visualização
do micro, dando voz às que foram silenciadas, por vezes, majoritariamente,
sobrepostas aos preconceitos envolventes não somente de gênero, mas de
classe e raça/etnia.
Salienta-se uma diversidade de sobreposições de subalternação
das mulheres, e é crível frisar que muitas leis existem apenas nos planos
formais, sem efetividade no plano social, necessitando de políticas públicas
governamentais para sua efetivação. E salienta-se também a sociedade
brasileira colonizada pelo norte do globo terrestre, perante uma cultura
patriarcal, sexista e machista, ou seja, com valores morais que permitem a
desvalorização da categoria feminina e afins.
2.1 FeMinisMo e A AberturA pArA o olhAr pArA A inFânciAs
Considerando feminismos como um movimento político diverso
e plural com articulações conectadas na luta em âmbito internacional,
Facchini (2018) menciona ter sido beneficiada com as lutas pioneiras das
mulheres por creche, podendo, assim, articular a sua vida profissional com
a maternidade, permitindo refletir acerca da caminhada conjunta das lutas
dos direitos das mulheres e das crianças.
No contexto histórico ocidental, durante muito tempo, assim
como as mulheres, as crianças sofreram um processo de apagamento de
suas vivências culturais, sendo perpassada a ideia de que a criança fosse
somente um “vir a ser”. Assim como o feminismo questionou as ciências
em relação às suas políticas sexuais e de gênero, a sociologia da infância
tem questionado o local do adultismo/adultocentrismo
4
dentro do saber
científico (ALANEN, 2001). Como aponta Nascimento (2018), as crianças
são seres históricos, sociais, que estabelecem relações com seus pares e com
A ciência ocidental apresenta uma postura adultocêntrica, em que aquele que é considerado o mais forte
em sociedades competitivas olha para a infância como se procurasse um outro adulto, o adulto que a
criança será. A biologização e naturalização da criança e do bebê, com os padrões adultos e de maturidade
permeando a compreensão do desenvolvimento, retiram da infância a sua historicidade e seu potencial
transformador. (ROSEMBERG, 1976, p. 1467-1468).
Mulheres em tempos de pandemia
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adultos, como pessoas que participam da sociedade, e são influenciadas
por eventos políticos, econômicos, culturais, tecnológicos, dentre outros.
O olhar das feministas contribui para percebermos as infâncias
inseridas em um contexto mais amplo, no qual os marcadores sociais
como gênero, classe social e raça estão diretamente correlacionados
(SANTIAGO; FARIA, 2021). As feministas também destacam que
as generalizações que “[...] não levem em consideração as estruturas
interligadas de posicionamento e opressão de um grupo dentro de uma
economia são simplesmente abrangentes.” (COLLINS, 2016, p. 120) e
abstratas, pois não pontuam as especificidades da desigualdade dentro de
um contexto macroestruturante.
No entanto, é fundamental destacarmos que as crianças não são
apenas produzidas pelas culturas (SANTIAGO, 2019), mas também são
produtoras de cultura; as diferenças entre os meninos e as meninas, e entre
eles/as e os/as adultos/as, não são quantitativas, mas qualitativas; podemos
assim perceber “[...] as crianças como atores competentes na sociedade e
perceber a infância em termos estruturais.” (QVORTRUP, 2010, p. 634).
A infância deve conter os marcadores de classe social, gênero e etnia/
raça, interseccionalizadas com a idade, demonstrando a necessidade de
pensar a infância dentro das intersecções, permitindo a compreensão das
tensões para a categoria infantil, desdobradas pelo patriarcado gerador
de desigualdades de gênero, raça/etnia, assim como das hierarquias
adultocêntricas.
Prado (1999, p.111) ressalta que:
Assim, as crianças não são “sujeitos desligados” dos emaranhados
de diferenciação, identificação e estratificação social, constituindo-
se enquanto meninas, meninos, negras, brancas, filhas/os de
trabalhadoras ou herdeiras/os de grandes impérios do capital. Esse
movimento permite aguçar nossos sentidos para perceber as crianças
pequenininhas como agentes de transformação social, de modo a
não reduzir a capacidade de expressão das crianças somente à fala,
mas de se estar atento aos gestos, movimentos, emoções, sorrisos,
choros, silêncios, olhares, linguagens sonoras e outras linguagens”.
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Desta forma, compreende-se que as crianças são transformadoras da
sociedade, assim como as mulheres, sendo possível a proposta de diálogo
e parceria de (re) existências! Frisa-se que os espaços são compostos por
diferentes subculturas, que concorrem a todo tempo em suas multiplicidades
e conflitos, e o reconhecimento da cultura infantil.
Para a sociedade centrada no adulto, a criança não é. Ela é um
vir a ser. Sua individualidade deixa de existir. “Ela é potencialmente a
promessa” (ROSEMBERG, 1976, p. 1467). Há uma relação correlata
entre as mulheres, que são caladas inúmeras vezes pelo poder patriarcal, e
as crianças, que são silenciadas pelo adultocentrismo presente na sociedade.
A partir desse quadro, as crianças passam a ser as menos reconhecidas
como participantes da produção da história e da cultura, como ressalta
Rosemberg (2015, p. 212). A desvalorização da criança “[...] decorre de
ideologia de gênero e de idade que valorizam o padrão adulto e masculino
associado à produção e à administração da riqueza e não à produção e à
administração da vida.”.
A infância é invenção dos adultos. Adultos pensam nas crianças;
adultos pensam pelas crianças; adultos dizem às crianças o que é ser
criança (GALLO, 2018). As crianças pequenininhas, com base nessa
premissa, são privadas, a partir de uma concepção de proteção e
aprendizagem, de “experienciar” diferentes relações, objetos e tempos.
Assim, reproduz-se e multiplica-se a condição de inferioridade da
criança no interior da sociedade.
A infância vai perdendo seus cheiros. Vai se tornando adulta com
a prerrogativa da legitimação de um projeto de sociedade. O agora
se torna inexpressivo frente às demandas e quereres almejados por
aqueles que nunca vivenciaram aquilo que desejam, pois as escolhas
que fazem não são para si, mas sim para um futuro indivíduo,
para uma futura sociedade, apenas para o futuro. (SANTOS;
SANTIAGO; FARIA, 2016, p. 195).
Tal pressuposto organiza os sistemas saber/poder a respeito das
crianças, concebendo-as enquanto “as Outras”: aquelas que necessitam
Mulheres em tempos de pandemia
| 87
receber orientações constantes para se tornarem sujeitos dentro da lógica
unificadora do discurso colonial.
A chave desta forma de construção do outro é a deslegitimação da
humanidade das crianças, que passa a concebê-la “como subalternas”, e
não como sujeitos que constroem histórias e são protagonistas de suas
próprias vidas.
O adultocentrismo não reconhece as crianças como atrizes e atores
sociais, pois parte do referencial de sujeito adulto, o que ocasiona um
desconforto diante da potencialidade e intempestividade infantil. Para
ajudar a pensar essa conjuntura, apresentam-se algumas questões levantadas
por Butler (2015, p. 61): “Que ordem política implícita produz e regula a
semelhança nesses casos?”
As crianças não são sujeitos desligados dos emaranhados de
diferenciação, identificação e estratificação social; constituem-se meninas,
meninos, negras, brancas, filhas/os de trabalhadoras ou herdeiras/os de
grandes impérios do capital. Em concordância com Santiago (2019), a
partir desses pressupostos, podemos afirmar que as crianças possuem
experiências únicas, assim como as mulheres que foram apagadas da
história, conforme a sua localização na esfera social. O universo infantil
é extremamente complexo e pode ser lido por diferentes perspectivas,
que devem ser interrogadas por não serem pré-determinadas; as nossas
lentes formativas nos ajudam a construir pontos de vista para perceber
determinados elementos e faces das infâncias.
3. considerAções FinAis
As leis para a proteção e igualdade das mulheres existem formalmente,
mas as heranças culturais negativas para com as relações de gêneros e tantas
possíveis intersecções ainda prevalecem na sociedade brasileira, e crianças
também são afetadas. O patriarcado imposto fragiliza vidas de mulheres,
crianças e todos que se ligam de alguma forma ao que foi determinado
culturalmente feminino.
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Porém, as culturas são diversas, e professoras e alunos podem
ser atores da mudança. Com a proteção constitucional para com os
direitos das mulheres, além das leis específicas existentes no Brasil, a
luta deve ocorrer intensamente contra a possível regressão de direitos
conquistados, caminhando contra a maré machista e patriarcal,
retrógrada, para os dias atuais.
Os feminismos proporcionaram o reconhecimento de privilégios,
desigualdades e hierarquias da branquitude, classes, gênero e idade,
englobando a conscientização da diversidade sociopolítica-econômica, e
a visão de que a democracia em que vivemos foi construída com bases
patriarcais e capitalistas, sistema no qual não cabe a equidade. Assim como
compreende-se que os problemas de gênero e infância permeiam as classes
sociais e as raças/etnias, caminhando para além desse sistema.
Importa para as crianças e docentes o contato com as diferenças
culturais cotidianas, para a riqueza de sua formação humana e exercício
integral das práticas pedagógicas. E essas práticas devem ter por base a
consciência da dimensão histórica e cultural de mulheres professoras e suas
atuações nos espaços educacionais.
Enfatiza-se que as feministas abriram espaço para o tensionamento
de outras opressões na sociedade, dentre elas o apagamento do
protagonismo das crianças no processo de construção da história, e o
reconhecimento da criança enquanto um sujeito completo, não um vir a
ser, mas sim aquele que é.
Notamos que mulheres e crianças carregam em seus processos
históricos socioculturais as invisibilidades, interseccionando suas
subjetividades identitárias culturais.
A construção de uma sociedade equânime depende de fatores
múltiplos, mas insistimos que a superação da desigualdade de gênero
passa também pela educação, desde a primeiríssima infância, em espaços
coletivos na esfera pública, a partir da convivência com as diferenças,
processo que exige reflexão constante das docentes e da comunidade que
compõe a unidade escolar. Já há um percurso de pesquisas cientificas e de
Mulheres em tempos de pandemia
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lutas feministas, mas ainda temos uma longa jornada a percorrer, para que
possamos vivenciar relações mais horizontais em nossa sociedade.
Assim, retomando o objetivo deste artigo, em abordar reflexões
iniciais acerca da necessária caminhada conjunta das lutas dos direitos
das mulheres e das crianças, enfatizando o exercício docente em seus anos
iniciais, com a pretensão de visibilidade e compreensão das especificidades
determinantes de cada grupo, em suas aproximações, considera-se que as
lutas das mulheres e a infância se aproximam. E sem a pretensão de findar
reflexões, frisa-se que os feminismos permitem possibilidades para diálogos
interseccionais, os quais enfatizam outros modos de discriminações
e opressões a tudo que se aproxima do feminino, permitindo maior
visibilidade e valoração das lutas das mulheres em conjunto com a infância.
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| 93
S P
 :

.
L ESI
 …
Gabriela A. Ramos
resuMen: En esta comunicación quiero compartir los primeros análisis de un proceso de
construcción de ciudadanía promovido desde el espacio curricular de educación sexual
integral en un Conservatorio Público de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires-Argentina.
Resulta interesante destacar el proceso de trabajo realizado que, partiendo de una situación
puntal de violación de una alumna, la violencia se transforma en contenido de enseñanza
y estos aprendizajes terminan construyendo ciudadanía sobre el propio cuerpo para cada
unx de lxs participantes de esta experiencia. En paralelo, conforma grupos de estudiantes
movilizadxs en el reclamo por sus derechos y equipos docente interdisciplinarios que
trabajando en forma conjunta logran crear las áreas de género de la institución. Quiero
destacar el potencial transformador de la pedagogía emancipatoria cuando está centrada
en el deseo de lxs estudiantes, cuando se anima a tomar los emergentes institucionales
para visibilizarlos y darle resolución y cuando se encuentran docentes comprometidos con
la trasformación social.
pAlAbrAs clAVes: Educación sexual integral. Educación musical. Violencia contra las
mujeres. Construcción de ciudadanía
Hace referencia al bandoneonista argentino Astor Piazzolla, compositor que le da el nombre al Conservatorio
Municipal de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires.
“Prepárense” es uno de los primeros tangos con los que Piazzolla comienza en los 50’ lentamente su
revolución musical, de mucha originalidad y de inigualada inspiración. Pude disfrutarse en https://www.
youtube.com/watch?v=G8lsSvVw-z0
ESI, sigla que refiere a Educación Sexual Integral.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-348-9.p93-116
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
94 |
tocAndo lA esi
En esta comunicación quiero compartir con lxs lectorxs
4
los primeros
análisis, cargados de pasión, de un proceso de construcción de ciudadanía
promovido desde el espacio curricular de ESI en un Conservatorio Público
de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires-Argentina. El Conservatorio
Municipal es una institución educativa que depende de la Dirección
General de Enseñanza Artística del Ministerio de Cultura de la Ciudad
de Buenos Aires. Cuenta con nivel pre-inicial donde se ingresa cursando
5to grado de la escuela primaria, nivel inicial cuyos requisitos de ingreso
son estar cursando 7mo grado, nivel medio cuyas condiciones son haber
aprobado el segundo año del ciclo Inicial, o un examen de ingreso que
consta de dos asignaturas: instrumento y audioperceptiva. Para cursar el
1er año del Nivel Medio el-x aspirante debe estar cursando como mínimo
el 2do año de la escuela secundaria. Por último, el nivel Superior para
lo cual se debe haber aprobado todas las asignaturas del Ciclo Medio
-Trayecto Artístico Profesional- o un examen de ingreso que acredite
sus conocimientos musicales. Este examen comprenderá como mínimo:
Instrumento y Teoría y Práctica de la Música y presentar el título
secundario o certificado de título en trámite. Se reciben estudiantes que
provengan de otras instituciones educativas y se efectúan equivalencias
de planes y programas. El Conservatorio reconoce que su “principal
objetivo es la formación de docentes y músicos profesionales y creativos
que posean una visión integral y reflexiva sobre el campo de la música en
su totalidad, conforme a los procesos de transformación del lenguaje y
desarrollo tecnológico.” Otorga certificados en los niveles Inicial y Medio
y títulos de nivel superior no universitarios que van desde Tecnicaturas con
orientación en Instrumentos e Informática Musical hasta profesorados con
orientación en Instrumento, Música de Cámara e Informática Musical.
Esto implica que, lxs musicxs que deseen ejercer la docencia, deberán cursar
Pedagogía, Historia de la educación, Didáctica de la música y prácticas por
niveles, entre otras asignaturas. A partir de la última reforma de los planes
de estudio del Nivel Superior y de la sanción de la Ley N° 26150/06, en
los profesorados de todas las especialidades, se incorpora un Seminario
Haré uso del lenguaje inclusivo a partir de la incorporación de la “x” en la redacción.
Mulheres em tempos de pandemia
| 95
cuatrimestral obligatorio para el abordaje de la ESI. En este marco se ancla
esta experiencia desarrollada desde el año 2013 hasta la fecha.
La experiencia del Seminario que voy a analizar recibe estudiantes
que se encuentran transitando el Nivel Superior, al inicio o avanzado el
ciclo. Las edades son muy variadas, jóvenes y adultos de mediana edad, en
su mayoría. Lxs jóvenes están iniciando el Nivel Superior y lxs adultxs están
completando las materias que se agregaron con los sucesivos cambios de
planes, por lo cual las trayectorias educativas son muy disímiles. En muchos
casos, ya cuentan con experiencia docente lo cual favorece la apropiación
y el acceso a los materiales de lectura de las materias pedagógicas y el
desarrollo del rol del educadorx en sexualidad. Es muy habitual escuchar
comentarios en torno a la escasez de tiempo para practicar la ejecución
del instrumento y el exceso de bibliografía obligatoria para las materias
teóricas. El Seminario de ESI puede cursarse en cualquier etapa de la
carrera pues no tiene correlatividades y se ha transformado en un espacio de
debate interesante con contenidos que no sólo sirven para la tarea docente
sino, al decir de lxs cursantes “sobre todo para replantearse la propia vida
(sexuada)”.
La ESI ingresa en la institución educativa con la apertura de tres
puertas estratégicas:
1. La reflexión sobre nosotros/as mismos/as
2. La enseñanza de la ESI propiamente dicha: el desarrollo curricular,
la organización de la vida institucional cotidiana y los episodios que
irrumpen en la vida escolar
3. La escuela, las familias y la comunidad
Desde el Seminario de ESI se abren varias de estas puertas
planteándose como un espacio de formación donde se intenta establecer
un inestable equilibrio entre el desarrollo del marco teórico y el
atravesamiento subjetivo de cada temática. Si bien existe un programa
oficial” pre- establecido aprobado por las autoridades, se va modificando
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
96 |
de acuerdo con el interés de lxs participantes y a la lectura crítica de la
realidad. Es un curriculum abierto y flexible, entendiendo por tal “…aquel
que mantiene los mismos objetivos generales para todos los estudiantes,
pero da diferentes oportunidades de acceder a ellos: es decir, organiza su
enseñanza desde la diversidad social, cultural de estilos de aprendizaje
de sus alumnos, tratando de dar a todos la oportunidad de aprender…”
y sobre todo transformándolos en hacedores de su propio recorrido de
aprendizaje. La peculiaridad es que quien arma el recorrido es el grupo y
no cada sujeto en particular.
Los objetivos generales son:
Ofrecer recursos didácticos para abordar la temática de la
educación sexual en la escuela
Reconocer la interdisciplinariedad como modalidad pedagógica
de abordaje de la educación sexual integral
Experimentar la posibilidad de armar redes de aprendizaje
colaborativo para enfrentar los interrogantes que la temática
demande
Los contenidos básicos son seleccionados del Diseño Curricular
para la Formación Docente, ellos son:
Sexualidad desde la perspectiva del cuidado de la salud, de los
derechos humanos y de género. Leyes de Educación Sexual
Integral Nº 2110/06-26150 /06 y otros marcos legales vigentes.
Cuerpos y sexualidades en la escuela. Estereotipos de género
Temas de actualidad que irrumpen en el escenario escolar:
violencia de género, aborto, embarazo en la adolescencia, abuso
sexual infantil, diversidades sexuales y bulling homo-lesbofóbico,
entre otros.
Mulheres em tempos de pandemia
| 97
Diseños Curriculares en Educación Sexual Integral de acuerdo a
cada nivel de desempeño docente.
Responsabilidad de la escuela en el abordaje de la Educación
Sexual Integral.
Planificación de Proyectos Institucionales Interdisciplinarios.
Incorporación de la educación musical en el Proyecto de ESI.
Actividades y recursos didácticos.
Se dicta con modalidad cuatrimestral, en turno mañana y vespertino,
con frecuencia semanal, de 3 hs cátedra y desde allí se despliegan varias
propuestas con diferentes niveles de impacto institucional. Desde este
espacio curricular, que dicta contenidos no específicos en un Conservatorio
de Música, se ha podido: articular con otras cátedras (Piscología, Pedagogía,
Enseñanza para la Diversidad y Dirección de Orquestas) , con Prácticas
de la Enseñanza de la Música en Nivel Superior (ofreciendo un espacio
elegido para hacer las prácticas pedagógicas en el Nivel Superior) , con
la especialización Superior en Enseñanza de la Música para la Educación
Especial, con el Centro de Estudiantes y con diferentes organizaciones de
la sociedad civil para el planteo de distintos temas que hacen a la currícula,
que fueron emergentes en la realidad institucional y construyen ciudadanía
empoderando a lxs estudiantes, a lxs docentes y la comunidad educativa
en general.
En este momento de la planificación, llegan las preguntas ásperas
que confrontan modelos pedagógicos diversos. El Seminario de ESI: ¿se
evalúa? ¿Qué es evaluar en ESI? ¿Qué se evalúa? ¿Qué se mide? ¿Para qué?
¿Quién-es lo hacen? El Seminario de ESI: ¿se aprueba, se re-prueba, se
des-aprueba?
Al planificar por proyectos y hacerlo con el grupo, reformulo la
instancia de evaluación como un proceso colectivo que permite avanzar
en el conocimiento y la comprensión de diferentes aspectos de la tarea
pedagógica cotidiana. Entiendo y propongo que sea un momento para
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
98 |
generar insumos de información válida y confiable que alimenten el
proceso de aprendizaje.
Propongo una evaluación de proceso en la cual se tiene en cuenta la
participación activa y el análisis de lectura bibliográfica para ir ajustando
los tiempos y las necesidades de cada integrante del grupo. Se pide a lxs
participantes una autoevaluación al cierre del cuatrimestre en función de
los propios objetivos fijados al inicio del trabajo conjunto.
El seminario se aprueba con calificación 7 (siete) y no tiene
acceso a mesa de examen final, es considerado de promoción directa
obligatoriamente, por eso la exigencia de aprobar es alta. Aunque los
grupos suelen ser numerosos, hasta 30 estudiantes, el acompañamiento
docente es personalizado promoviendo el aprendizaje colaborativo a través
de diferentes recursos virtuales. El desgranamiento a lo largo de la cursada
es mínimo.
En estos años, se han implementado diferentes formatos de evaluación.
En varias ocasiones, se propuso la presentación de una planificación áulica
que desde el área de música introdujese la ESI ya sea planteando talleres ad-
hoc o como participantes de un proyecto institucional, interdisciplinario.
Reforzando en muchos casos los ítems básicos de la planificación de
aula para quienes aún no han cursado la didáctica. En otras ocasiones,
se solicitó la elaboración un trabajo monográfico de investigación sobre
temas de actualidad a partir de la presentación de un “caso” de estudio de
la realidad, por ejemplo, violencia de género a partir de la Movilización
del “Ni una menos”. El año pasado, a raíz de la Marea Verde y los debates
en el Congreso de la Nación sobre el Proyecto de legalización del aborto,
se profundizó el tema aborto, interrupción legal del embarazo-ILE- y se
analizaron los discursos de lxs diferentes participantes que asistieron a la
Cámara de Diputados y Senadores, para descubrir las falacias que en ellos
se escondían, hicimos lecturas críticas de diferentes medios periodísticos
en torno al tema y nos preparamos con técnicas psicodramáticas para
responder adecuadamente a las posibles interpelaciones de familias
pertenecientes a grupos antiderechos (#Con mis hijos no te metas) que
pudieran acercarse a la escuela (tal como sucedió en distintas localidades).
Mulheres em tempos de pandemia
| 99
La evaluación siempre se plantea en contexto, aprender para dar respuesta
a un interrogante personal en torno a una problemática social.
En otra oportunidad, hubo propuestas de análisis y deconstrucción del
cancionero musical infantil y juvenil, nuevas propuestas de un cancionero
de ESI, no sexista, inclusivo y no binario. Con variaciones dependiendo
de los cursos: tomando las mismas letras y modificando los finales o
los personajes, conservando la música y modificando la letra, tomando
diferentes géneros y trabajándolos desde la ESI: ópera, rock, melódico/
romántico, tango, folclore latinoamericano, cumbia y reggaetón, rondas
tradicionales, armando propuestas originales y creativas con composiciones
propias tomando los temas de la ESI. Los contenidos más utilizados para
realizar canciones fueron: nuevas estructuras familiares, amor romántico,
disidencias sexuales, inclusión de las diferencias, diversidad funcional,
estereotipos de géneros, la amistad, los amores, la identidad, convivencia
y discriminación, violencia de género, juegos y juguetes no sexistas, entre
otros temas.
Es una modalidad instalada la organización de mesas redondas con la
exposición de los trabajos de investigación desarrollados por lxs estudiantes,
una jornada abierta con invitación a otros cursos y docentes de distintas
asignaturas para el cierre del cuatrimestre. Pensando en qué implica ESI en
un Conservatorio de Música y en qué conserva el conservatorio, surgió la
idea de realizar un análisis crítico de la formación de lxs músicos desde la
perspectiva de la ESI. El objetivo principal fue revisar las prácticas docentes
sexistas del Conservatorio evidenciadas tanto en tratos discriminatorios
hacia alumnas por parte de docentes por el sólo hecho de ser mujeres como
por ciertas “verdades” instaladas que constituyen reproducciones de patrones
sexistas, por ejemplo, sostener que existen en la música “finales femeninos/
blandos o masculinos/ duros” en los modos de ejecutar las composiciones,
“instrumentos masculinos o femeninos” e intentar desnaturalizar para
deconstruir su sentido. Otros ejes planteados fueron: las dificultades de
acceso a roles de gestión en mujeres de dos Conservatorios renombrados de
la CABA, la conformación del plantel docente en varios Conservatorios de
la CABA para comparar cantidad de mujeres y varones que dictan diferentes
asignaturas, la elección del repertorio y el lugar de las compositoras en la
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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selección de las obras de estudio, el aporte de la musicología feminista,
el análisis del repertorio que se presenta a lxs niñxs en nivel inicial para
descubrir reproducción de estereotipos de género y plantear propuestas
alternativas, el lugar de la homosexualidad en los compositores de música
académica y prácticas mutilantes como los castrati, el lugar de las mujeres
en las bandas de rock nacional, las relaciones de dominación devenidas
en violencia sexual entre algunos referentes del rock y sus seguidoras (
grupis) , entre otros. Todos los elementos señalados constituyen prácticas
pedagógicas que encierran violencia simbólica y permanecen naturalizadas
y, por lo tanto, pasan despercibidas entre quienes integran la comunidad
educativa. Esta asignatura se constituyó como un primer intento de
aplicar la teoría a la realidad más próxima: su propia casa de estudios con
el firme propósito de transformarla en una institución más democrática.
Una educación sexual integral que pretenda ser integral deberá plantearse
necesariamente desde un enfoque de derechos humanos, desde un enfoque
biomédico y desde un enfoque de género. Se propone una educación sexual
no heterosexista, anticapitalista y antipatriarcal, pues sólo así podremos
pensar en una educación sexual emancipatoria que incluya a todas las
identidades y permita garantizar el derecho a la educación libre de todo
tipo de violencias.
eMergentes que conMueVen: oportunidAdes pArA lA
pArticipAción.
Otra puerta de entrada de la ESI son los episodios que irrumpen
en la vida institucional. A partir de una clase de ESI, una estudiante pudo
reconocer que había sido víctima de violación en el marco de una relación
de pareja con un estudiante del Conservatorio. A partir de este emergente,
se acompañó a la estudiante en:
a) El reconocimiento de la situación de violación dentro de las
relaciones amorosas
b) Fortalecimiento de la autoestima para el reconocimiento de
derechos y el procedimiento para garantizarlos
Mulheres em tempos de pandemia
| 101
c) El reconocimiento de las responsabilidades de la institución
educativa frente a la “violencia de género
d) La garantía de continuidad educativa para ambos estudiantes.
Con la participación del Centro de Estudiantes se organizaron
Jornadas y talleres en ambos turnos con invitadxs especiales para informar
sobre la temática, dar a difusión la Ley Nº 26485/09 para Prevenir,
erradicar y sancionar toda forma de violencia contra las mujeres en todos
los ámbitos donde desarrollen sus relaciones interpersonales y compartir los
recursos de los que dispone el Estado. Se convoca al Área de Capacitación
del Consejo Nacional de la Mujer tanto para asesorar al equipo directivo
que presentaba cierto desconocimiento sobre su actuación como para dar
charlas a estudiantes, quedando vacante la formación docente.
A partir de aquí comienza a ser relevante la formación del Área de
género del centro de Estudiantes. En el Centro de Estudiantes, recién
formado, se evidencia la necesidad de tomar la perspectiva de género
tanto como vector de estudio y profundización teórica como para prestar
atenta escucha a las situaciones conflictivas que comenzaban a mostrarse al
interior de la institución.
La Ley Nacional N°26877/13 obliga en su art 1 a las instituciones
educativas públicas de nivel secundario, los institutos de educación superior
e instituciones de modalidad de adultos incluyendo formación profesional
de gestión estatal y privada, gestión cooperativa y gestión social a reconocer
a los centros de estudiantes como órganos democráticos de representación
estudiantil. En su art 2 insta a las instituciones a promover la participación
y a garantizar las condiciones institucionales para el funcionamiento de los
centros de estudiantes ya sea dando a conocer la normativa como brindando
apoyo para que las actividades se puedan realizar en el espacio físico de
la institución asignándoles un tiempo determinado. Esta ley habilita a la
participación a todxs lxs estudiantes de la institución, sin ningún tipo de
requisitos y sostiene como principios generales:
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
102 |
a) Fomentar la formación de lxs estudiantes en los principios y
prácticas democráticas, republicanas y federales, así como en el
conocimiento y la defensa de los derechos humanos;
b) Afianzar el derecho de todos los estudiantes a la libre expresión
de sus ideas dentro del pluralismo que garantizan la Constitución
Nacional y las leyes;
c) Defender y asegurar el cumplimiento y pleno ejercicio de los
derechos estudiantiles;
d) Contribuir al cumplimiento de las garantías vinculadas al derecho
de aprender y al reconocimiento de la educación como bien
público y derecho social;
e) Colaborar con la inserción de los estudiantes en su ámbito social
orientada al desarrollo de acciones en beneficio del conjunto de
la comunidad;
f) Contribuir al mejoramiento de la calidad de la educación y al
logro de un clima institucional democrático que permita el mejor
desarrollo de las actividades educativas.
g) Promover la participación activa y responsable del alumnado en la
problemática educativa;
h) Gestionar ante las autoridades las demandas y necesidades de sus
representados;
i) Proponer y gestionar actividades tendientes a favorecer el ingreso,
la permanencia y el egreso de sus representados.
El Centro de estudiantes activa fuertemente la comunicación a
través de las redes sociales, entre ellas en fb donde hacen una convocatoria
a participar del área de géneros; allí también comparten videos y fotos de
todas las acciones realizadas. Como toda red social invita a la participación
espontánea y a veces camuflada de sus miembrxs. Camuflada en un nick,
Mulheres em tempos de pandemia
| 103
que muchas veces puede encubrir a un troll y otras veces mostrar aspectos
reaccionarios de quienes se oponen a la implementación efectiva de la ESI.
Pero sin duda, se consolidó como una plataforma de discusión interesante
de analizar. El Centro decide incorporar placas informativas sobre
derechos sexuales reproductivos y no reproductivos en sus comunicaciones
habituales.
Vivimos tiempos en los que, tal como sucede en el ámbito social
ampliado, se reiteran las situaciones de compañeras que denuncian
violencia de género y el Centro de Estudiantes junto a la Cátedra de ESI,
se fortalecen acompañando a estas jóvenas. Ante la multiplicación de
situaciones se visibiliza la necesidad de comenzar a elaborar un Protocolo
de actuación frente a estos casos. Para elaborarlo nos contactamos con
especialistas en el tema que están en ejercicio de Programas del Estado y
con representantes de distintos centros de estudiantes de otros profesorados
para ver cómo lo habían implementado teniendo en cuenta la especificidad
de cada casa de estudio.
El “Ni una menos” y el Paro internacional de Mujeres nos encuentra
en las calles marchando para decir presente y esto se traduce en la
participación en el Boletín de la comunidad del Conservatorio denominada
“Lo que vendrá” con letra y fotografías propias del lxs estudiantxs. En esa
nota, redactada en conjunto, se da cuenta de la importancia del 8 M, se
historiza explicando su génesis y se destaca la relevancia para lxs futurxs
docentes como contenido de la ESI. “Violencia de género” no es el único
tema que abordamos en forma colaborativa entre la cátedra y el centro de
estudiantes.
Acompañando al desarrollo de los contenidos del Seminario en torno
al aborto, durante el año 2018, participamos del fenómeno de la “Marea
Verde”. Comprendiendo que era necesario poner el debate que se estaba
llevando a cabo en el Congreso entre pentagramas y sonatas, se organiza
un ciclo de charlas para aportar información a la comunidad educativa.
Se convoca a integrantes de la Campaña por el Derecho al aborto legal,
seguro y gratuito, a integrantes de Socorristas en Red y a docentes de ESI
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
104 |
por el derecho al aborto. La participación de estudiantes es importante y la
cantidad de docentes es mínima.
A medida que este espacio de participación ciudadana se va
consolidando, se amplía la agenda educativa y dando lugar al calendario
ESI, para el 17 de mayo “día de lucha contra la homo-lesbo-trans-
bi-fobia” el Conservatorio cumplió con el proyecto promovido por
la Comunidad Homosexual Argentina y aprobado por la Cámara de
Diputados el 21/11/2012 que incorpora esta fecha al calendario escolar
a nivel nacional. Una fecha en la que todas las instituciones educativas
debieran comprometerse a seguir trabajando para garantizar los derechos
y, especialmente, por la visibilidad de la comunidad GLTTBI Q+
impulsando medidas que garanticen la plena inclusión educativa. A través
de un estudiante, se convoca a la “Asociación Civil Putos Peronistas” para
organizar un encuentro de cine- debate abierto a la comunidad. Se proyecta
“Cumbia del sentimiento” el documental que da cuenta de su historia, para
plantear la reivindicación de derechos a partir de la Ley Nº 26.743/ 12 o
Ley de Identidad de Género, la Ley de Matrimonio Civil ampliada, la Ley
Nº 26618 y su decreto 1054/10 y el análisis de la Reglamentación de la Ley
Nº 14.783 de Cupo Laboral Trans para el empleo público en la Prov de Bs
As. Recibimos a compañerxs trabajadorxs de la Cooperativa “La Paquito
Diseños
5
” para debatir sobre avances y retrocesos para la comunidad trans
en estos años democráticos. Con esta actividad nos planteamos que el
Conservatorio, en calidad de institución educativa y en su rol de formadora
de docentes se posicione frente a esta temática de interés social como agente
de transformación frente a la no discriminación por orientación sexual
e identidad de género. Y como objetivos generales que lxs participantes
conozcan el marco legal, conozcan su responsabilidad en tanto agentes
o futuros agentes educativos, desnaturalicen la discriminación como
modo posible de relación interpersonal y se comprometan a participar
activamente para garantizar la efectiva inclusión de personas GTLBIQ+
en todos los ámbitos que competen a su desarrollo especialmente, en la
institución educativa.
Para conocerlxs: https://www.facebook.com/lapaquito/.
Mulheres em tempos de pandemia
| 105
A partir de otorgar visibilidad al tema de las disidencias sexuales
y cuestionarnos la heteronormatividad sostenida por el Conservatorio,
comenzamos a contactarnos con situaciones de compañerxs trans a
quienes se les presentaron dificultades administrativas; al tiempo que lxs
estudiantes se acercan al Centro, lxs preceptorxs consultan a la docente del
Seminario sobre cuestiones reglamentarias. Algo empezaba a agitarse en la
casa conservadora del binarismo heteropatriarcal.
Lentamente, más estudiantes comienzan a presentarse con su
orientación sexual y su identidad de género asumida como bandera política
y a compartir experiencias educativas discriminadoras. Redoblamos la
apuesta y organizamos en forma conjunta entre el Centro de Estudiantes
y la cátedra de ESI un Ciclo denominado “Les musiques”. Este ciclo
consistió en la presentación de libros y musicxs en vivo relacionadxs con
la temática de las disidencias sexuales. En la primera fecha se presentó el
libro “Cuerpxs en fuga. La práctica de la insumisión” que compila Sasa
Testa con la presencia de Claudio Bidegain quien diserta sobre su tesis
acerca del artivismo de Susy Shock, la coplera trans tucumana. En esa
ocasión se presentaron los integrantes de Opera Queer
6
, un dúo formado
por los cantantes líricos Luis y Fernando Gyldenfeldt, estudiantes del
Conservatorio. Ellos son barítonos que interpretan diferentes óperas
proponiéndoles modificaciones a lxs personajes, a los vestuarios, generando
un juego conciente, provocador, liberador, lleno de humor. En la fecha
siguiente, se presenta el libro “Escuchar la diversidad. Músicas, educación
y políticas para una ciudadanía intercultural” escrito por Susana Carabetta
y Darío Duarte Núñez (2018) de Editorial Maipue con participación de
sus autorxs. Un libro que trata de escuchar “al otro” generando un diálogo
pedagógico atento a las lógicas de producción, recepción e interacción de los
diferentes mundos sonoros. Fue de mucho interés y utilidad para quienes
están ejerciendo la docencia, se generó un debate muy enriquecedor. En
esa ocasión asiste BIFE
7
con música en vivo. Ellxs se presentan a sí mismxs
como “un power dúo que hace canciones que con simpatía y acidez
critican todo tipo de prejuicios, como por ejemplo qué y cómo debe ser
Para conocerlxs: https://www.facebook.com/sopadegemelas/.
Para conocerlxs: https://www.facebook.com/SOMOSBIFE/.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
106 |
el amor. Tangos no misóginos, cumbias no machistas, pop antiromántico,
chacareras poliamorosas y boleros no hétero son apenas algunas de las
licencias que se toma esta banda que durante el 2018 presentó su tercer
trabajo discográfico: “Adentro”. BIFE son Ivi Colonna Olsen y Javiera
Diego Fantin, una des-pareja que elije cantar como respuesta a todo mal.
Este ciclo se propuso abierto a la comunidad educativa: todxs lxs
estudiantes, docentes y no docentes de la institución. Fueron muy pocx lxs
docentes que asistieron, pero hubo mucha concurrencia juvenil de adentro
y fuera del Conservatorio. El tema de la no discriminación a las disidencias
sexuales se está instalando. El uso del lenguaje inclusivo es habitual en las
clases no sólo del Seminario de ESI y las resistencias a su uso fueron muy
explícitas por parte de un sector de estudiantes que llegó hasta la regencia
para plantear su disconformidad. La ESI sigue haciendo ruido…Tanto
que algún docente de mucha trayectoria y reconocimiento institucional
se ha acercado a pedir asesoramiento sobre “el modo correcto” de referirse
a lxs estudiantes para “evitar ser malinterpretado”, comentando a su vez
que en la Orquesta donde trabaja habían pensado la posibilidad de contar
con alguna charla informativa para actualizarse sobre el tema. Terminamos
todxs sonando: allegro tangabile
8
, como diría el maestro Astor.
percutiendo re-percusiones: Abriendo lAs puertAs pArA que
entre y sAlgA lA esi.
Hasta aquí, hemos compartido el recorrido que la ESI realizó entre
las aulas, lxs estudiantes y docentes del Conservatorio. Como decíamos
más arriba, es nuestra intención que cada agente educativo, se transforme
en protagonista de la ESI, se comprometa con su implementación desde
el lugar y con la modalidad que a cada unx le quede cómoda. La primera
posibilidad de realizar transferencia de lo aprendido se vio plasmada en la
organización de un taller de tres encuentros para trabajar distintas temáticas
de la ESI en un bachillerato popular donde da clases una estudiante de
violín. Tres encuentros para compartir distintos enfoques y preocupaciones
Puede disfrutarse en: https://www.youtube.com/watch?v=H1VsmJOcHfE.
Mulheres em tempos de pandemia
| 107
sobre la sexualidad. La posibilidad de conocer otros espacios, de escuchar
dudas e inquietudes de jóvenes y adultxs de Villa Soldati (barrio que cuenta
con población con vulneración de derechos) enriqueció el espacio ESI del
Conservatorio (ubicado en un barrio del centro geográfico de la ciudad) y
lo ayudó a extender sus fronteras de impacto.
Hacia fin de año, surgió la propuesta – a través de una estudianta- de
organizar una jornada para trabajar el tema “Violencia de género” con lxs
participantes de la Orquesta Juvenil de San Telmo. Ese día, se suspendieron
las actividades habituales y nos reunimos en tres grupos, con propuestas
diferentes para cada edad y sector: niñxs, adolescentes y adultos (familiares
y docentes) abordamos el tema con muy buena recepción y asombro de lxs
participantes.
Caminando lentamente se fue instalando la ESI en el Conservatorio
y logramos sumar nuevxs actorxs de la institución comprometidxs con la
lectura crítica de la realidad y su posibilidad de transformación. De este
modo, se incorpora al proyecto una fotógrafa que se desempeña como
empleada administrativa, en la organización de una muestra para el 25
de noviembre: “día de lucha contra la violencia hacia las mujeres”. La
muestra se estrena en el hall del Conservatorio, sitio de tránsito obligatorio
para todas las personas que ingresen allí: familias, docentes, personal no
docente, estudiantes: niñxs, adolescentes y adultxs. “… La participación se
convierte de este modo, en una condición fundamental, en un componente
básico de la acción que, basado en una concepción de igualdad equitativa,
permite la transformación del ambiente y de las personas. Esta noción de
participación crítica debe diferenciarse de la simple participación, la cual
no trasciende la mera formalidad y no produce ningún cambio real, ni
para el propio sujeto ni para su comunidad… la institución escolar ha de
transformarse en un espacio de participación genuina, donde los distintos
actores intervengan en forma activa, voluntaria y equitativa en los asuntos
que les interesan y les preocupan…” (ORAISÓN; PÉREZ, 2006, p.20).
A través de una cantante lirica que se desempeña como preceptora
en el Conservatorio, llega la invitación a la Cátedra para participar de un
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
108 |
Ciclo de Compositoras femeninas que organiza el Grupo Opera Tyet
9
. El
objetivo es visibilizar compositoras mujeres de los distintos periodos, con
la presencia de diferentes intérpretes. El encuentro cuenta con expositoras
que desarrollan el tema teóricamente desde la perspectiva de género,
contextualizando históricamente el devenir de estas artistas.
Un horizonte hacia la que nos conducimos en el Conservatorio,
por reconocerlo una necesidad, es la construcción de un espacio de
investigación. Un espacio donde se pueda pensar, hacer y producir saberes
sobre la música. No es un área de pleno desarrollo, en general, en los
institutos terciarios, se reconoce como un espacio más propio del ámbito
universitario. Desde la cátedra se promueve, con insistencia, la producción
académica. La escritura con las pautas propias de las presentaciones
académicas. Se insiste mucho con los modos correctos de fichaje
bibliográfico y la expresión coherente y creativa de las ideas personales con
fundamentación teórica. Se realiza un espacio de tutoría y seguimiento para
la presentación de los trabajos escritos, promoviendo e invitando a quienes
lo deseen a participar de jornadas, congresos y encuentros pedagógicos.
En este último año, hemos logrado que cada participación en eventos
académicos sea reconocida con puntaje para la carrera, es validado para
lxs estudiantes como horas de ateneo que deben realizar obligatoriamente.
Se gestó, en la institución, la posibilidad que desde el Seminario se
acompañe la escritura de la tesis final de lxs estudiantes. Esto dio lugar
a que pudieran abrirse nuevas oportunidades para que ellxs se presenten
en eventos académicos y realizaran diferentes publicaciones. Entre ellas,
la participación en el Boletín “Lo que vendrá” para dar a conocer un
interesante trabajo donde se aborda la sobrevaloración de lo académico en
la formación profesional de lxs musicxs. Si bien es la más reciente, no es
la única publicación. En otras ocasiones, una estudiante ha participado
de la publicación de un libro sobre ESI en la educación inicial con un
proyecto original que articula educación física con educación musical.
Algunxs otrxs han participado de publicaciones conjuntas sobre temas
tan polémicos como danzas sin estereotipos o cómo acompañar a niñxs
trans desde el jardín de infantes. Varios estudiantes han sido expositorxs en
Para conocer el Proyecto: https://www.facebook.com/TyetProducciones/.
Mulheres em tempos de pandemia
| 109
encuentros pedagógicos en mesas o talleres relacionados con ESI y música.
Las composiciones señaladas más arriba como trabajos de evaluación final
han sido presentadas a las autoridades para su difusión. Con muy buenas
repercusiones, se ha transformado en un Proyecto que fue elevado a la
Dirección General de Enseñanza Artística para ser publicado como aporte
del Conservatorio a la interdisciplinariedad que propone la ESI destacando
la importancia de la Educación Musical en su implementación.
Los espacios de reflexión sobre las prácticas pedagógicas comienzan
a instalarse. Queda por delante la formación docente continua, muy
necesaria. Lxs musicxs que ofician de docentes no siempre han cursado las
materias pedagógicas, son eximixs musicxs, reconocidxs por su trayectoria
como instrumentistas, pero eso no siempre garantiza habilidades en la
enseñanza. Ya sabemos desde el constructivismo social de Piaget que la
enseñanza, debe proveer las oportunidades y los recursos materiales para
que lxs aprendientes lo hagan activamente, descubran y formen sus propias
concepciones del mundo que les rodea, usando sus propios instrumentos
de asimilación de la realidad que provienen de la actividad constructiva
de la inteligencia. En numerosas ocasiones descubrimos modelos de
enseñanza más cercanos al conductismo que a lo propuesto por Piaget. Si,
además, consideramos necesario encontrar la Zona de Desarrollo Próximo,
como aquello que el aprendiente puede hacer con ayuda, focalizándonos
en conductas o conocimientos en proceso de cambio, volvemos sobre
la necesidad de repensar los modelos docentes vigentes. Sabemos que es
fundamental descubrir esta Zona pues indica las habilidades, competencias
que se pueden activar mediante el apoyo de mediadores para interiorizarlas
y reconstruirlas por sí mismo. En cuanto a la ESI, la necesidad de revisar
los estereotipos de género es urgente, tal como expresaron los trabajos de
campo desarrollados por lxs estudiantes. La formación docente continua
no se plantea sólo para revisar las prácticas pedagógicas en la enseñanza
de la música también como un necesario espacio donde debatir temas de
actualidad entre pares y que afectan el ejercicio profesional docente: aborto,
violencia de género, trata de personas, acoso sexual, son temas candentes
y de actualidad. Hay un pedido expreso de las autoridades para que se
instale este espacio de sensibilización, reflexión y formación, pero hay que
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
110 |
construirlo dado que no existen jornadas establecidas por calendario escolar
como en el sistema educativo dependiente del Ministerio de Educación.
Nada de esto hubiese sido posible sin el firme compromiso del
equipo directivo que autoriza, habilita y avala estas acciones que son
leídas como “novedosas”, disruptivas y enriquecedoras. Con el cambio
de gestión, actualmente estamos asistiendo a un nuevo período, se abre
un momento histórico sin precedentes en el Conservatorio. Ha ganado
por concurso de antecedentes y oposición con presentación y defensa de
Proyecto Institucional, una directora la conducción del establecimiento.
La primera vez en la historia de esta casa de estudios en que una mujer,
profesora y música está a cargo de la conducción. Tal como se relata en “Lo
que vendrá” … “este concurso fue en sí mismo una prueba fehaciente que
se viene construyendo una democracia cada vez más participativa y de que
la institución goza de fuerte autonomía...
construyendo ciudAdAníA A pArtir de lA sexuAlidAd: “lo
personAl es político”.
En esta experiencia, decíamos antes, que la evaluación está diseñada
como una instancia que, más allá de cumplir con los requisitos formales de la
promoción, pueda estimular a cada estudiante a sentirse promotorx-difusorx
de los aprendizajes obtenidos. Se intenta propender a la transferencia de
saberes en todos los ámbitos ya sea privado o público, entendiendo por
público tanto el espacio laboral (la escuela, la orquesta) como asumiendo el
compromiso militante de la participación ciudadana. Se entiende por ámbito
privado la modificación de las prácticas personales en torno a la sexualidad
tal como lo espera la Ley N°26150/06 en su Art. 3º - Los objetivos del
Programa Nacional de Educación Sexual Integral son:
a) Incorporar la educación sexual integral dentro de las propuestas
educativas orientadas a la formación armónica, equilibrada y
permanente de las personas;
Mulheres em tempos de pandemia
| 111
b) Asegurar la transmisión de conocimientos pertinentes, precisos,
confiables y actualizados sobre los distintos aspectos involucrados
en la educación sexual integral;
c) Promover actitudes responsables ante la sexualidad;
d) Prevenir los problemas relacionados con la salud en general y la
salud sexual y reproductiva en particular;
e) Procurar igualdad de trato y oportunidades para varones y mujeres.
Ha habido innumerables situaciones donde se pudo observar la
apropiación de los contenidos de parte de lxs estudiantes: cuando fue
necesario decidir una interrupción legal del embarazo, en casos de optar por
un parto domiciliario, cuando se visibilizaron situaciones de violencia de
género y se dieron a conocer los procedimientos para realizar la denuncia,
en el acompañamiento a unx niñx transgénero desde el rol docente. Todos
estos “acontecimientos” en el sentido deleuzeano del término, convierten
al seminario de ESI en un espacio potenciador de transformaciones.
Entiendo al “acontecimiento” como una irrupción novedosa que emerge
como un estallido diferencial de fuerzas manifestándose en un estado de
cosas que pareciera estable. “…Tal manifestación subvierte el estado de
cosas imperante haciendo necesario redefinir a partir de ella tanto el statu
quo actual, como el pasado y el futuro, pues pasado y futuro se resignifican a
partir de la encarnación material del acontecimiento efectuado. En términos
deleuzeanos, un acontecimiento es un movimiento no- histórico, una línea
de fuga por el medio, una línea que desterritorializa para reterritorializar
nuevamente. El acontecimiento, pues, desestabiliza y destruye la fijeza de
las estructuras conocidas como mundo… el acontecimiento “destruye al
sentido común como asignación de identidades fijas” (DELEUZE, 1989).
El acontecimiento es dador de sentido, de nuevos sentidos y es en esta
línea en la que el Seminario de ESI de transforma en una herramienta
para la propia vida y la propia vida se transforma en la apropiación de los
contenidos de la ESI. Si el objetivo de la ESI no es sólo ser emancipatoria
sino decolonial, deberá contribuir a des-territorializar los cuerpos y
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
112 |
territorializar la lucha. Esto es partir de reconocer las propias cadenas de
vasallaje para ir hacia la abolición de la esclavitud en su conjunto. A esto
denomino construir ciudadanía desde el propio cuerpo.
La formación ciudadana en la escuela cobra cada vez más importancia
pues favorece la participación de lxs estudiantes en iniciativas democráticas,
promueve que conozcan sus derechos y deberes, así como el desarrollo de
competencias ciudadanas que les permitan tomar decisiones, desarrollar un
pensamiento analítico, de síntesis y principalmente un pensamiento crítico
para ejercer y defender los valores y principios de una democracia crítica,
participativa y propositiva. Pero ¿qué es enseñar ciudadanía a partir de la
ESI? Tomo las palabras de Isabelino Siede y reitero: “…enseñar ciudadanía
implica, entre otras cosas, animarse a formular preguntas y pensar en el aula,
sin tener todas las respuestas. Se trata de recortar situaciones del mundo
que nos permitan pensar desde los cuatro componentes mencionados:
¿qué ocurre?, ¿qué sería justo que ocurriera?, ¿qué herramientas legales
tenemos?, ¿cómo construimos poder para intervenir? Es desde el análisis
de las situaciones y de los problemas de la realidad que podemos pensar
alternativas de superación. En el enfoque didáctico que proponemos,
este tipo de preguntas invitan a problematizar cada situación y construir
argumentativamente algunas respuestas posibles. Se trata de entender
la enseñanza como un espacio de provocación cultural… Frente a una
enseñanza moralizante que suele consistir en dar conclusiones predigeridas
y evitar que los estudiantes enuncien sus apreciaciones, se trata de afrontar
el desafío de dar a valorar, generando un espacio para construir juicios de
valor. Enseñar en y para la ciudadanía significa habilitar al sujeto político
que cada estudiante ya es para que tome posición frente al mundo y
proyecte los modos de transformarlo y transformarse en él. Una educación
ciudadana de carácter emancipatorio incluye la crítica y el cuestionamiento,
la construcción argumentativa de horizontes hacia los cuales avanzar y el
ensayo de criterios y mecanismos para la marcha…” (LARRAMENDY;
SIEDE, 2013).
“…Nos hemos planteado formar desde el aula y en el aula; formar
desde las instituciones y en las instituciones educativas…dar importancia
a los conocimientos y saberes que se construyen en y desde las aulas y las
Mulheres em tempos de pandemia
| 113
escuelas por docentes que hubieran reflexionado y teorizado sobre su
propio hacer…” (SASLAVSKY, 2016). El Proyecto propone prácticas
de participación, de debate, de decisión colectiva; las cuales permitiesen
mejorar la convivencia al interior de la institución educativa generando
aprendizajes genuinos más allá del ámbito de los contenidos cognoscitivos
y posibilitando que estas casas de estudio se conformaran en espacios
coformativos.
Dentro del campo de las prácticas docentes, nos preguntamos si
las prácticas a desarrollar por lxs estudiantes tenían que ser solo áulicas…
intentando generar propuestas colaborativas, saliendo de las paredes del
aula e incluyendo otras actividades institucionales. Desde la Institución
Formadora nos interesó concebir a la formación docente como una tarea
colectiva, donde cada actividad formara parte de un todo. Es por eso que nos
preocupamos por posibilitar la vivencia de la comunicación horizontal, la
participación, la toma de decisiones conjuntas, el debate, la responsabilidad
compartida, entre otras cuestiones...” Espacios de formación para lxs
alumnxs, dieron la oportunidad para que tomaran la palabra y explicaran
al resto lxs musicxs sus investigaciones, sus planificaciones, explicitaran
sus decisiones, relataran sus sentimientos, se escucharan entre sí …fue
realmente emocionante oír a lxs estudiantes, muchxs de lxs cuales ejercen
la docencia, a quienes por lo tanto definimos como colegas, hablando con
seguridad y fundamento acerca de sus propuestas pedagógicas, explicando
por qué habían tomado alguna decisión, compartiendo sus miedos o
valorando las tareas de sus compañerxs…
Nos propusimos potenciar una forma de circulación del saber
y construcción de conocimientos conocimiento donde lxs “alumnxs
fueran lxs protagonistas y aprendieran del intercambio entre pares, con la
confianza y el buen clima de trabajo que se respiraban en esos encuentros
dieron muestra de que ese objetivo había sido felizmente superado por
la realidad…Formamos dentro del sistema educativo y para el sistema
educativo, compartiendo sus virtudes y sus defectos…existen miles de
factores que generan que la tarea docente sea percibida como un trabajo
aislado, haciendo primar una perspectiva individualista a la hora de mirar lo
escolar ( la del músico, muchísimo más pues “el solista” está preparado para
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
114 |
destacarse y brillar por sobre el resto). Por eso la metáfora que utilizaremos
es la de musicalizar la sexualidad para cámara y orquesta, no sólo para
formar solistas eximixs en la ejecución de su instrumento. Rescatando el
carácter colectivo de la tarea de educar, intentando generar condiciones
para que lxs futurxs docentes lo vivencien y analicen, y lo puedan llevar a
la práctica no sólo del aula, de la vida cotidiana.
Este breve pero profundo trayecto recorrido ha constituido un
proceso pedagógico emancipatorio. “Creemos que su carácter emancipador
reside principalmente en su potencial para desajenar o liberar tanto a
docentes como a estudiantes de lo que muchos especialistas han definido
como burocratización de la enseñanza y el aprendizaje…nos referimos con
este concepto a la ausencia …de control sobre dichos procesos por parte
de sus verdaderos protagonistas-educadores y educandos-en nombre de
los lineamientos de las políticas educativas, los diseños curriculares, los
manuales de enseñanza, los dictámenes de expertos que jamás ejercieron la
docencia… etc”. (CAPUANO, 2016).
Esto es posible, cuando nos planteamos modificar la mirada
institucional para transformar determinados obstáculos y limitaciones en
desafíos pedagógicos, es un ejercicio intelectual complejo. La ESI es un
campo fértil para poder logarlo… “sólo tenemos que animarnos a concebir
una escuela no como un espacio neutro sino como una institución destinada
a asumir la praxis pedagógica como una praxis política, constituyéndose
así en un ámbito privilegiado de deliberación pública, construcción de
ciudadanía y generación de transformaciones sociales…”
Con la firme convicción que el carácter emancipador de este tipo
de prácticas pedagógicas reside en su potencial para generar condiciones
que favorezcan la visibilización y el análisis crítico del complejo entramado
económico, político, social y cultural en el que se sostiene una sociedad
de clases y de género seguimos disfrutando del desafío de componer un
Concierto para quinteto
10
. Si Piazzolla viviera volvería a tocar Prepárense,
porque la ESI está sonando…
10
Puede disfrutarse en: https://www.youtube.com/watch?v=rdptCicZZkI.
Mulheres em tempos de pandemia
| 115
bibliogrAFíA
CAPUANO, L. et al. Las pedagogías emancipatorias se construyen en las aulas. In:
SAMAR, Enrique (coord.). Encuentros: historias de luchas, desvelos y preguntas en la
escuela pública. Buenos Aires: Ediciones CABA, 2016.
CARABETTA, S.; DUARTE NÚÑEZ, D. Escuchar la diversidad: músicas, educación y
políticas para una ciudadanía intercultural. Buenos Aires: Ed. Maipue, 2018.
DELEUZE, G. Lógica del sentido. Barcelona: Paidós,1989.
ESPERÓN, J.P. Acontecimiento, efectuación y sentido en la filosofía de Gilles Deleuze.
Universitas Philosophica, Pontificia Universidad Javeriana, Bogotá, Colombia, v. 35, n.
70, 2018.
LARRAMENDY, A.; SIEDE, I. ¿Cómo se construye ciudadanía en la escuela?. Le
monde diplomatique, n. 167, Mayo 2013.
ORAISÓN, M.; PÉREZ, A. M. Escuela y participación: el difícil camino de la
construcción de ciudadanía. OEI - Revista Iberoamericana de Educación, n. 42, 2006.
SASLAVSKY, G. Algo más sobre el trabajo docente. In: SAMAR, Enrique (coord.).
Encuentros: historias de luchas, desvelos y preguntas en la escuela pública. Ediciones
CABA, 2016.
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2013.
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Trans para el empleo público en la Provincia de Buenos Aires. 2015.
CIUDAD AUTÓNOMA DE BUENOS AIRES (CABA). Ley 2.110. Ley de Educación
Sexual Integral. 2006.
CIUDAD AUTÓNOMA DE BUENOS AIRES (CABA). Ley 26.743. De Identidad de
Género. 2012.
116 |
pArte iii
V   
| 119
V   
,   
: C 
 , 
 
Eunice Macedo
A violência contra as mulheres é talvez a mais vergonhosa violação
dos direitos humanos. Não conhece fronteiras geográficas, culturais
ou de riqueza. Enquanto se mantiver não poderemos afirmar
que fizemos verdadeiros progressos em direcção à igualdade,
desenvolvimento e à paz. (KOFI ANNAN, Ex-Secretário Geral das
Nações Unidas, 2015, p. 2).
1
Neste capítulo, busco trazer uma compreensão acerca da violência
social sobre as mulheres em tempos de pandemia. Para isso, foi consultado
um grupo de estudantes de mestrado em Ciências da Educação, através
Epígrafe introdutória da Lei Maria da Penha https://www.amb.com.br/wp-content/uploads/2015/10/Lei-
Maria-da-Penha.pdf
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-348-9.p119-146
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
120 |
de um questionário aberto sobre o tema. Faço um enquadramento da
problemática nos feminismos da quarta vaga, razão pela qual começo
por explicitar os feminismos e as suas agendas. Passo a situar e a situar-
me face à violência para, em seguida, clarificar a construção teórico-
metodológica dos argumentos e refletir sobre perspetivas e olhares de
pessoas universitárias na sua relação com a violência. Identifica-se
como grandes manifestações de violência social, a objetificação do corpo
feminino e do ser no seu interior; bem como a subordinação das mulheres no
contexto de trabalho, como cadinho para a repercussão da violência social
no espaço familiar, em tempo de pandemia.
O(s) feminismo(s), enquanto movimento múltiplo e plural, têm-se
afirmado em correntes diversas e ao longo de diferentes vagas
2
, em que se
identificam focos particulares
3
. Estes feminismos convivem – e às vezes
conflituam – no nosso tempo, repensando-se e atualizando-se face aos
desafios sociopolíticos e culturais que vão emergindo. Dando cabimento
ao debate que apresento em seguida, podem identificar-se, na quarta vaga,
grandes eixos e focos de preocupação/ reclamação de direitos. A questão da
violência contra as mulheres, que está em foco neste texto, continua a ter
prevalência, corporizando um desses eixos.
Para uma compreensão mais aprofundada, faz sentido apresentar
uma síntese muito breve das diferentes vagas, numa visão a partir do
mundo ocidental
4
. A primeira vaga associa-se ao século XIX e início do
século XX, dando corpo ao feminismo da igualdade. O seu grande foco
está na busca de igualdade de direitos entre homens e mulheres, incluindo
Enquanto em Portugal se utiliza o termo ‘vaga’, no Brasil, é comum o uso do termo ‘onda’. No artigo “As
quatro ondas do feminismo: Lutas e conquistas” Andrade da Silva, Moura do Carmo e Rossini Ramos
(2021) faz uma apresentação interessante destas vagas.
Para um aprofundamento sobre ‘feminismos’ consulte-se a obra coordenada por Marques, Nogueira,
Magalhães e Marques da Silva (2003). Para uma discussão breve acerca da “insuficiência teórica e a falta de
debate” sobre as correntes do feminismo, em Portugal, consulte-se Tavares (2003, p. 66).
4
Para evidenciar a importância do nosso lugar de fala, é importante referir que, enquanto no mundo
ocidental, se tem associado a emersão do feminismo negro, aos anos 1970, nos EUA, como reação e não
identificação com o feminismo branco, num outro posto de observação, pode identificar-se o enraizamento
do feminismo negro no século XVII a par da escravidão dos povos africanos nos EUA, ligado à história
social e literária das mulheres, à autobiografia, ficção, teoria… (MACEDO, 2003). Dellia de Dios Vallejo
(2015) faz também uma análise interessante do feminismo, examinando a sua evolução no contexto
mexicano. Para uma compreensão de “Os movimentos feministas brasileiros na luta pelos direitos das
mulheres” consulte-se Nogueira Diógenes, Rocha e Brabo (2015).
Mulheres em tempos de pandemia
| 121
igualdade contratual, igual acesso às propriedades, direito ao voto – com
destaque para as sufragistas –, recusa dos casamentos predefinidos que
ignoravam as escolhas femininas, sendo que, nos EUA, se centra também
no fim da escravatura.
A segunda vaga, cujo surgimento remete para os anos 1960 e 1970,
identifica-se também como feminismo da igualdade, sendo a agenda
política de género renovada. As mulheres prosseguem a busca de igualdade
de direitos, reclamando valorização no trabalho, fim da discriminação,
direito ao prazer e ao próprio corpo, libertação das amarras, da violência
sexual e da mística feminina, que afirma a fragilidade das mulheres, sendo
que a pílula anticoncecional vem abrir espaço à mudança do papel das
mulheres na sociedade.
Já na terceira vaga, nos anos 1990, se afirma um feminismo
da diferença, como corrente múltipla. É a afirmação da diversidade
das mulheres que está aqui em causa, assumindo-se que a diversidade das
limitações sociais, impostas às mulheres, implica também necessidades,
lutas e reivindicações distintas. Pondo em perspetiva as vagas anteriores,
a nova agenda política de género tenta colmatar o vazio deixado por estas
em algumas matérias. O conforto económico proporcionado por maior
independência
5
financeira, possibilita novas reivindicações que vão além
da liberdade sexual, para incluírem o combate ao racismo, ao classismo,
ao sistema patriarcal, à discriminação. Redefinem-se temas como o da
maternidade e os papéis da mulher na relação. A luta contra a violência
é reconfigurada. Reafirmando-se a alocação das mulheres ao papel de
vítimas, um reconhecimento que procura assegurar o seu direito à proteção
na justiça e na sociedade, a luta contra a violência afirma-se com histórias
de sobrevivência, dando visibilidade à força e ao poder das mulheres.
Quanto à quarta vaga, não é consensual a identificação do seu
surgimento, admitindo-se que tenha tido início na primeira década deste
século, configurando-se enquanto feminismo inclusivo, muito associado
ao espaço digital. Tira-se partido da tomada de consciência de que as
5
De notar que Lister (1997a) identificava já a independência económica como condição para a cidadania das
mulheres. Para aprofundamento, consulte-se também Lister (1997b, 1999).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
122 |
teorias de poder para as mulheres se podem alargar a outros grupos, todos
os géneros, todos os sexos, todas as identidades. Há assim um conjunto de
especificidades que podem alicerçar a agenda política de género na nova vaga
feminista, em torno de reivindicações amplas. Apesar dos muitos esforços,
ações e reivindicações, a prevalência da violência sobre as mulheres, muitas
vezes de forma subtil, não permite o abandono desta questão na atual
agenda política de género, na quarta vaga, em que se acentua também a
necessidade de trabalhar com os perpetradores para avançar de forma mais
segura nesta luta. No que diz respeito à opressão sobre o corpo, afirma-
se o direito à liberdade, incluindo o abandono de normas de fisicalidade
hegemónica. Ou seja, afirma-se o adeus às formas, aos padrões e tamanhos
corporais e aos ideais de beleza pré-estabelecidos como adequados pela
sociedade. A reivindicação do reconhecimento e inclusão absoluta e
inequívoca das pessoas LGBTQIA+, implica a recusa de qualquer forma
de violência sobre as pessoas destes grupos, e surge a par do combate à
misoginia e à misandria, com tolerância zero, e a par da reivindicação de
igualdade de representação em todos os setores. Neste capítulo, foca-se a
violência sobre as mulheres.
AindA A ViolênciA como problema social e político
6
!
As abordagens feministas, considerando a violência familiar um
acto social e não um problema médico e pessoal (Hoff, 1990), cujas
vítimas principais são as mulheres, [afirmam que] essa violência é o
resultado e a expressão de uma assimetria (desigualdade) de poder
entre os sexos. (MONTEIRO, 2003, p. 90).
Em trabalhos anteriores (MACEDO, 2015a, 2015b, 2015c)
7
também discuti a violência social sobre as mulheres enquanto construção
humana naturalizada que tem servido de cadinho à manutenção de relações
de poder desigual, num quadro de subordinação do sujeito feminino, tanto
em contextos vistos como pertencentes à vida pública, como o local de
Monteiro (2003).
No mesmo ano, uma estudante universitária, Aline Ugalde Reséndiz, publica no México “El ciclo
autosustentable de la violência de género en México, que vale a pena ler.
Mulheres em tempos de pandemia
| 123
trabalho, como em contexto vistos como pertencentes ao mundo privado,
como o espaço familiar.
Neste capítulo, para trazer uma compreensão acerca da violência
social sobre as mulheres em tempos de pandemia, acentuo 3 pressupostos.
Primeiro, há que ter em conta que, em termos mais globais, e nas suas
diversas formas, a violência sobre as mulheres põe em causa a cidadania e a
vivência de uma democracia mais autêntica. Ou seja, não é só cada mulher
que sai limitada nos seus direitos de cidadania, mas são também as mulheres,
enquanto grupo social, e a restante sociedade, que perdem a possibilidade
de usufruir da realização e dos contributos das mulheres, num quadro de
exercício democrático. O segundo pressuposto reporta-se à afirmação de
que a violência social pode assumir diversas formas no espaço público e
no espaço familiar – havendo múltipla interpelação, interpenetração entre
esses espaços – em que se observa, frequentemente, uma replicabilidade
das relações de poder que lhes são inerentes e que advém de localizações
estruturais de poder das pessoas que os habitam, como o género. O terceiro
pressuposto jaz na asserção de que a violência social é exercida não apenas
contra, mas sobre as mulheres, situando-nos em posições de subordinação,
desvalorização e falta de reconhecimento.
Face a estes pressupostos fez sentido trazer 2 esclarecimentos, que
parecendo óbvios, efetivamente, não o são. A expressão “violência social”
é utilizada para referir a diversidade de modalidades e formas de violência
no espaço social mais amplo, enquanto a expressão “violência no espaço
familiar” se refere à, frequentemente (mal) designada, violência doméstica.
Procurando uma melhor explicitação do que está em jogo, refiro
ainda um conjunto de manifestações da violência social que, muitas vezes
se entrecruzam e mutuamente se reforçam, dando à violência social um
enquadramento intersecional (BYERLY, 2017)
8
. Isto permite enfatizar
que, afetando as mulheres enquanto grupo social, a violência social afeta
de modos distintos mulheres distintas, sendo as suas dimensões tanto mais
Para uma compreensão aprofundada deste conceito, consulte Cerqueira e Magalhães (2017), aqui utilizado
enquanto “[...] terminologia simples para nomear uma complexa e compreensiva abordagem identitária
que considera, simultaneamente e com o mesmo grau de centralidade, vários posicionamentos dos quais os
indivíduos são reféns devido às suas diferentes pertenças sociais.” (CERQUEIRA; MAGALHÃES, 2017, p. 11).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
124 |
graves quanto mais grave a situação de fragilização dessas mulheres, e os
diálogos e conflitos entre os seus lugares de pertença, enquanto espaços de
falta de poder”
9
(LISTER, 1997a). Dimensões de raça e etnia, deficiência,
cultura, recursos… podem cruzar-se gerando formas de violência social
em que se combina racismo, desvalorização pelas capacidades e pela
cultura, a par de discriminação pela pertença de grupo social em termos
de estatuto socioeconómico. Por outro lado, é importante reconhecer,
ainda, que a pertença das mulheres a grupos dominantes, por exemplo,
em termos de estatuto social, não constitui em si um fator de proteção
contra a violência a qual pode, por exemplo, derivar da subordinação
de género, uma situação que tem sido evidenciada na desconstrução de
velhas crenças de que só as mulheres de estatuto socioeconómico baixo
eram vítimas de violência. Perigosamente, “[...] muitas destas formas de
violência estão profundamente naturalizadas não sendo sequer objeto de
discussão política.” (MACEDO, 2015b, p. 19).
Sendo de reconhecer, numa nota positiva, que vários movimentos,
incluindo de jovens, mais marcadamente desde finais do século passado,
têm assumido a busca da mudança social, nestes domínios, é possível ainda
hoje mapear um conjunto de manifestações/ formas de violência social,
como tenho referido. A relação com o trabalho assume uma dimensão
crucial, ao permitir mostrar como as reclamações da primeira, segunda e
terceira vaga do feminismo estão ainda aquém de realizadas. Dou destaque
i) à participação das mulheres num mundo do trabalho – traçado por e
para homens, em que se reproduz um modelo masculino e sem que o
mundo do trabalho busque ajustar-se à entrada das mulheres (MACEDO;
SANTOS, 2009, 2013); ii) à tentativa de acantonamento das mulheres ao
espaço privado da família, com regresso “forçado” ao trabalho reprodutivo;
iii) a expetativa social da acumulação e conciliação do trabalho produtivo
De notar que autores como Baker, Lynch, Cantillon e Walsh (2004, p. 34) reclamam igualdade de condição
para a cidadania das mulheres, definindo um conjunto de condições que nos parecem cruciais enquanto
fatores de proteção contra a violência. Destaco na sua proposta o poder para influenciar as decisões que
afetam as suas vidas, respeito e reconhecimento para viver a própria vida sem o peso da desaprovação e da
hostilidade da cultura dominante; recursos que deem acesso a um conjunto de opções dependentes-dos-
recursos de valor similar ao de outras pessoas; afeto, cuidado e solidariedade, dando acesso a possibilidades
amplas de formação de ligações humanas válidas e trabalhar e aprender permitindo uma escolha efetiva
entre ocupações que considerem satisfatórias e compensadoras.
Mulheres em tempos de pandemia
| 125
(pago) e reprodutivo (não pago) pelas mulheres, que têm estado no centro
do debate académico mas também da discussão política. Questões como a
tentativa de regulação exógena dos direitos reprodutivos e sobre o próprio
corpo (PENICHE, 2007), e a hipersexualização social a par da repressão e
silenciamento dos afetos e da sexualidade das raparigas, no quadro de uma
cidadania sexual recatada (FONSECA, 2009), bem como a prevalência
do assédio obrigam-nos a pensar que ainda muito há para resolver. Outra
questão crucial, que tenho referido, é a construção da heteronormatividade
como “modelo de vida” adequado, questão que une como objetos de
violência homens, mulheres e outros grupos, cujas identidades e diversidade
afetivo sexual não normativa são deslegitimadas, colocando-as em posições
de desvalorização e risco. Esta preocupação, não estando em foco neste
capítulo, dá sentido à necessidade de manutenção deste debate na agenda
política de género da quarta vaga.
AproxiMAção MetodológicA
Dando continuidade a uma pesquisa mais ampla acerca da violência
sobre as mulheres, a corrente pesquisa propôs-se compreender perspetivas
de estudantes universitários sobre a violência sobre as mulheres em tempo de
pandemia. Nesta secção, refere-se o enquadramento teórico-metodológico,
e a consulta a estudantes, explicita-se o instrumento de recolha de dados
e os procedimentos de análise, para apresentar e discutir as perspetivas e
olhares lançados pelo grupo sobre a problemática.
Em termos metodológicos assumiu-se o caráter qualitativo
interpretativista da pesquisa, em que se cruzam subjetividades e se assume
a interferência nos dados de participantes e da investigadora, cujos
olhares são informados pelas suas vozes, enquanto história, experiência
representações e expectativas de mundo (MACEDO, 2018), os seus lugares
de fala. Não há qualquer intenção de generalização. Procura-se antes uma
visão localizada, limitada a um grupo social específico, que se enquadra,
relaciona e contribui para interpretar um mundo social mais amplo.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
126 |
Para discutir o tema em debate, em abril de 2022, foram consultados
estudantes de duas turmas da Unidade Curricular “Cidadanias e Diversidade”
do Mestrado em Ciências da Educação, que leciono, na Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Trata-se de
pessoas adultas de nacionalidade brasileira e portuguesa, havendo também
uma pessoa espanhola, com idades entre os 25 e os 40 anos.
Inserindo-se nos debates sobre cidadanias e diversidade, o tema da
violência social sobre as mulheres começou por ser apresentado, na sala de
aula, tendo sido assumidos 3 pressupostos, prestados 2 esclarecimentos e
mapeadas manifestações de violência, tal como referido acima. O grupo
foi desafiado a responder a um questionário online. Sendo o questionário
realizado como atividade da aula, o corpo estudantil foi informado do
potencial uso dos resultados, para efeitos de investigação e publicação deste
trabalho, tendo o total das pessoas respondentes autorizado a utilização das
suas respostas. Ao longo da realização do questionário, foram prestados
esclarecimentos, sempre que solicitados, no cumprimento dos princípios
de rigor ético que devemos, sempre, associar à nossa pesquisa. Os dados
foram analisados fazendo recurso a categorias inclusivas, que incorporam
todos os textos partilhados (MACEDO, 2018).
Foram aplicadas duas versões do questionário, com perguntas
abertas, e intencionalmente mal definidas, para abrir espaço à reflexão
individual sobre o tema “violência social sobre as mulheres”. Visões que
aqui se procura contrastar. Uma das versões do questionário foi dirigida
a participantes que se autoidentificam como homens ou outras pessoas
(H/O). Tendo havido apenas 5 respondentes, as questões abordadas foram:
1.1. Alguma vez esteve envolvido em violência social sobre as mulheres?
Assinale as opções que se aplicam.
1.2. Caso tenha estado envolvido na situação de violência, explique
como foi configurada.
2.1. Durante os períodos de confinamento, na pandemia, as pessoas
foram impedidas de circular livremente. Por favor, descreva os
aspetos que supõe mais difíceis para as mulheres na experiência
de ‘ficar em casa’.
Mulheres em tempos de pandemia
| 127
2.2. Explique de que forma/s ‘ficar em casa’ pode ter constituído
violência social.
A outra versão do questionário foi dirigida a participantes que se
autoidentificam como mulheres. As questões abordadas foram:
1.1. Alguma vez se sentiu objeto de violência social?
1.2. Em caso de resposta afirmativa à questão 1.1., explique como foi
configurada essa violência
2.1. Durante os períodos de confinamento, na pandemia, foi impedida
de circular livremente. Por favor, descreva os aspetos mais difíceis
da experiência de ‘ficar em casa’.
2.2. Explique de que forma/s ‘ficar em casa’ constituiu violência social.
que perspetiVAs e olhAres? que relAção coM A ViolênciA?
Apenas 5 homens ou outras pessoas (H/O) responderam à versão
dirigida a esses grupos e 17 mulheres, responderam à sua versão do
questionário.
Gráfico 1 - Violência social sobre as mulheres: Perspetivas olhares,
relações – Homens/Outras pessoas
Fonte: Elaborado pela autora.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
128 |
Duas pessoas (H/O) afirmaram nunca ter estado envolvidas
em violência social, uma refere ter presenciado, outra ter presenciado
e procurado intervir, e outra admite ter sido autora. Na pergunta
correspondente, no questionário dirigido às mulheres (M), a maioria das
mulheres (88%) afirmaram ter-se sentido objeto de violência, enquanto
cerca de 12% não reconheceram ter estado nesse papel.
Gráfico 2- Consciência da violência social - Mulheres
Fonte: Elaborado pela autora.
Na interpretação destes dados, numa visão esperançosa, parece
poder assumir-se que o reconhecimento pela maioria das mulheres da
sua localização enquanto objeto de violência social, as poderá apetrechar
com saberes e instrumentos que lhes permitam assumir o seu poder como
autoras da sua história e da sua cidadania, como sujeitos femininos de
pleno direito. Aplicando a mesma visão esperançosa às respostas que
negam a exposição a violência, poderíamos pensar que existe uma redução
dos processos de violência social sobre as mulheres. No entanto, pode
também admitir-se a prevalência da naturalização da violência social. Para
essas mulheres que não se sentiram objeto de violência social, parece que,
estando esta incorporada como natural, não é reconhecida. Seria relevante
o desenvolvimento de processos de tomada de consciência que permitam
um olhar mais informado acerca destas realidades? Talvez as respostas
subsequentes dos grupos ajudem a clarificar esta questão.
Mulheres em tempos de pandemia
| 129
No que concerne à identificação de manifestações de violência
social, patente na questão 1.2. é também interessante contrastar os olhares
presentes nas duas versões do questionário.
No primeiro, dirigido a homens ou outras pessoas, é acentuado o
abuso de linguagem’ (Respondente 1 – R1) sendo, noutro caso, explicitada
a utilização de ‘discursos machistas’ que põem em causa a competência das
mulheres,
Reprodução de discursos machistas como o questionamento da
capacidade reflexiva das mulheres e também de questionar sobre a
capacidade das mulheres de sentirem prazer sexual (R2)
Outra pessoa refere também a violência da linguagem, agora sob a
forma de silenciamento e outras formas de violência que não explicita
Já presenciei violências de linguagem, de silenciamento e várias
outras não físicas. (R3)
E ainda outra pessoa relata um caso explícito do que aparenta ser
coação física em que conseguiu intervir,
Um homem estava insistindo para uma mulher com quem tinha
uma relação que ela ficasse com ele e estava fisicamente próximo dela
enquanto ela chorava e dizia que não. Eu observei e intervim e ele
foi embora. (R4)
Na versão do questionário, respondida por mulheres, várias acentuam
a presença da violência social, de forma generalizada, no mundo da vida
A violência social contra mulheres acontece diariamente e são
incontáveis. (Respondente Mulher 3 – RM3)
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
130 |
E algumas associam-na a aspetos particulares, reportando-
se diretamente, mas sem explicitação, a “ h o m o g e n e i z a ç ã o ,
hipersexualização, sexismo na linguagem” (RM17) ou, de forma mais clara,
a discriminação associada à nacionalidade “Por ser brasileira também, a
violência social é muito aliada com a xenofobia.” (RM1)
Duas grandes categorias emergem da análise das narrativas, mais
ou menos detalhadas, das respondentes mulheres: A objetificação do
corpo feminino e do ser no seu interior e a subordinação das mulheres no
contexto de trabalho, que deriva da anterior.
a objetificação do corpo feminino e do ser no seu interior
Enquanto a respondente mulher 14 (RM14) refere o assédio como
manifestação de violência social, as respondentes RM2 e RM4 associam
assédio e sexismo, sem clarificar a que se referem, e RM13 reporta-se ao
sexismo” na linguagem. Por sua vez RM17 explicita o assédio enquanto
Assédio sexual e moral”.
Já RM1 acentua a violência do olhar e da falta de respeito pelo seu
corpo, enquanto espaço privado, referindo
Olhares no metrô, já fui apalpada em transportes públicos (RM1)
Esta reflexão é desenvolvida por RM8 que refere o desrespeito do olhar
masculino, ao longo da sua vida, articulando-o com a hipersexualização, o
racismo e o silenciamento,
Desde criança sinto o abuso no olhar masculino com a
hipersexualização dos corpos das mulheres e meninas. E sei que
isso não é algo isolado a um grupo específico de mulheres (embora
mulheres negras vivam isso de forma ainda mais evidente), mas
a todas as mulheres de forma estrutural. Além disso, percebo a
violência social no cotidiano tendo que brigar pelo espaço de fala
com homens. (RM8).
Mulheres em tempos de pandemia
| 131
A objetificação do corpo e do ser feminino é também referida por
outras mulheres. No caso que se segue o que está em causa é o corpo
feminino transformado em estimulante da sexualidade masculina,
independentemente da vontade da mulher, uma situação em que esta é
localizada em desumanização
10
,
Foram várias [situações de violência social], mas a que mais me
marca atualmente foi uma vez em que estava voltando para casa a
noite sozinha, e quando eu quase estava virando a esquina para a
minha rua, um homem parou e começou a se masturbar “para mim”,
apontando para a genitália dele e depois saiu correndo. (RM7)
Essa objetificação é também muito evidenciada na narrativa sentida
de RM12, parecendo inserir-se num historial de subordinação e violência
continuada.
Eu namorava um rapaz que pertencia a uma família bastante
machista, onde havia uma maioria masculina muito forte. Um dia,
num evento público, estava eu sentada a assistir uma palestra, onde
o avô do meu namorado estava presente na plateia. Foi então, que
ele, o avô, veio em minha direção, e disse que minha roupa estava
inapropriada. Eu estava de calça jeans e uma camiseta regata. Olhei
surpresa para ele. Ele estava a me repreender pela minha vestimenta.
Olhei pra minha roupa, tentando perceber o que poderia haver
de errado. Não encontrei, não havia e mesmo se houvesse. Sou eu
quem digo sobre as roupas que devo ou não usar, com as quais me
sinto bem. Foi então que voltei o meu olhar para a palestra e ignorei
aquele senhor, avô de meu namorado. e assim, indignada, retornei a
exata posição em que estava anteriormente.
Dia seguinte, era festa de aniversário desse avô. Ele estava rodeado
por diversos de seus amigos, numa roda mesmo. Quando o
10
Toma-se de Paulo Freire (1968/2018) o conceito de desumanização, que o autor utiliza para referia a
localização enquanto objeto, por parte dos grupos dominantes. O conceito oposto ‘humanização’, que
se conquista através do diálogo, em processos de conscientização, permite a emersão enquanto sujeitos
críticos, capazes de transformar o seu mundo.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
132 |
cumprimentei, ele tornou a me repreender: ontem, hein? Aquela
roupa.
Disse então, que era eu quem escolhia a minha roupa e que se
houvesse algum problema com a minha vestimenta, e não havia, não
seria ele a me dizer.
Ele ficou furioso, como é que uma jovem rapariga me enfrenta assim,
em frente a tantos outros “machos”. Passei uns tempos a não ser bem
vista, nem bem quista por esses homens todos da família.
É interessante acentuar nesta narrativa, a passagem de uma posição
de falta de poder, em que a mulher, face à crítica masculina, começa por se
interrogar quanto à adequação do seu vestuário, para passar a uma posição
de força e afirmação de si enquanto sujeito feminino, autora da sua história
e dona do seu corpo.
a subordinação das mulheres no contexto de trabalho
A subordinação das mulheres no contexto do trabalho não é alheia
à categoria anterior, sendo uma expressão da objetificação e desvalorização
das mulheres. A questão do assédio no trabalho é objeto de reflexão mais
ampla pela RM5, em que não só se regista o assédio como a cumplicidade
institucional nesse assédio, num contexto de trabalho dominantemente
masculino, a qual advém do não endereçamento da questão, nesse contexto,
apesar da intervenção de um companheiro masculino,
Vários momentos de violência social, mas um dos exemplos que posso
dar é estar no meu local de trabalho, num clube de futebol, onde
não há mais público feminino a trabalhar. Estou constantemente
a ser alvo de comentários sobre o meu corpo e a receber constantes
mensagens e pedidos de mensagem por ser rapariga, apesar de não
demonstrar o mínimo interesse. Também já foi lançado um boato
sobre um dos jogadores seniores ter tido relações sexuais comigo,
quando não o conheço.
Mulheres em tempos de pandemia
| 133
Mais grave no meu contexto de trabalho ainda foi quando o meu
coordenador me agarrou, ficou gravado em câmaras de vigilância,
mas mesmo assim e mesmo depois de uma queixa ao presidente
(tanto da minha parte, como da parte de um colega lá dentro que
também assistiu ao sucedido) nada foi feito. Felizmente, consegui
sair daquela situação no momento, porque o meu colega apareceu,
mas não sei como seria se não tivesse acontecido e custa-me encarar
esta passividade das pessoas perante uma situação tão grave. (RM5)
Outra mulher refere como violência social
Tratamento desigual, e de desconsideração, pelo facto de ser mulher,
em serviços tradicionalmente geridos por homens. (RM17)
Os contributos de duas mulheres permitem também enfatizar a
prevalência de desigualdades de escuta e reconhecimento no mundo
público do trabalho remunerado, intersecionando dimensões de género e
de idade,
(…), lembro-me que algumas vezes no meu antigo local de trabalho,
as minhas colocações e posições eram desvalidadas pelo fato de ser
jovem e mulher, sendo necessário em alguns casos, recorrer a uma
figura masculina para que se resolvesse a situação, mesmo que esta
figura repetisse exatamente aquilo que eu já havia dito. (RM3)
O facto de, em consulta médica e em análise de risco, ser considerada
velha” para ter filhos. (RM9)
Parecendo referir-se à questão laboral, outra mulher (RM11)
acentua como violência social, numa sociedade que não se organizou para
acomodar os direitos das mulheres no mundo do trabalho,
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Condicionamento da liberdade de escolha e tomada de decisão em
prol da organização familiar. (RM11)
Enquanto outra nos permite refletir sobre a importância da
independência económica, referindo,
Sinto que minha vida na cidade do Porto está limitada devido ao
mercado de trabalho (subemprego)
Ainda outra reflete como a socialização das mulheres para aceitarem
a subordinação se articula com a experiência familiar
Realização de trabalhos domésticos diferenciados entre irmãos e
irmãs. (RM6)
É interessante acentuar, para finalizar esta secção, os modos como as
experiências individuais se inserem, e de certa forma ilustram, o que nos
dizem as estatísticas e os muitos estudos realizados em torno destes temas.
aspetos mais difíceis para as mulheres, na experiência deficar
em casa’, durante os períodos de confinamento, na pandemia
A partir das respostas dos 5 homens ou outras pessoas (H/O) à primeira
versão do questionário, foi possível identificar algumas preocupações.
Estas reportam-se em particular ao trabalho doméstico, à gestão da relação
(incluindo violência), e à relação com o trabalho remunerado.
R1 acentua a “Pressão sobre o trabalho doméstico.” sofrida pelas
mulheres. R3 relaciona trabalho doméstico (incluindo gestão da família)
com potenciais consequências, para as mulheres, face ao trabalho
remunerado “Assumir mais trabalho doméstico e com os filhos e ter
menos tempo para trabalhar ou ter perdido o emprego”. E R1 expande a
Mulheres em tempos de pandemia
| 135
preocupação, referindo “Dificuldade para “voltar” ao mercado de trabalho
possivelmente”.
3 dos 5 respondentes mostram como preocupação a gestão da
violência, referindo a maior suscetibilidade das mulheres à violência, em
tempo de ficar em casa,
Ter que lidar com problemas domésticos todos os dias, como por
exemplo a violência de um parceiro. (R1)
Também, no caso se mulheres que vivem com parceiros violentos,
estão mais suscetíveis à violência. (R4)
A chance de violência em situação familiar aumenta. Também para
as mulheres caem mais as funções domiciliares. (R2)
Não se referindo, especificamente a violência, R5 refere as
consequências do confinamento, acentuando
Uma das situações mais difíceis é o convívio permanente com outros
elementos da “família”, muitas vezes em espaços reduzidos. (R5)
De forma relevante, estas preocupações vão na linha dos dados sobre
violência (EIGE 2020, 2021) acentuaram o crescendo de violência sobre
as mulheres, na Europa, em tempo de pandemia.
No que concerne à mesma questão, as reflexões das mulheres
não referem diretamente ‘violência’, mas acentuam-se sentimentos de
mau estar, insegurança e falta de espaço pessoal, associados a acúmulo
de trabalho doméstico, gestão da família e trabalho remunerado, que
organizei em 3 categorias.
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ansiedade, falta de liberdade e outras formas de mau estar
3 mulheres referem-se, em particular à ansiedade. A primeira
referindo-a como a maior dificuldade; a segunda associando-a a outros
sintomas; e a terceira remetendo-a para a gestão de si e de uma relação de
intimidade, afetada pelo confinamento,
Acho que principalmente lidar com a ansiedade. (RM1)
Na cidade em que residia houve o lockdown, logo, só se podendo
sair quando essencial. Por estar em uma posição de segurança
financeira, acredito que a principal dificuldade foi vencer a
ansiedade, o tédio e a monotonia. Manter a saúde mental em dia,
foi um grande desafio. (RM3)
Acho que lidar com a ansiedade, de lidar comigo própria e também
de passar pelo termino de um namoro com a minha ex namorada.
Morar com ela também foi complicado. (RM5)
Para duas das mulheres é a falta de liberdade que está em causa,
embora por questões um pouco diversas. Para a primeira, no sentido do
limite à interação; para a segunda, configurando a falta de espaço para a
tomada de decisão a diversos níveis.
A perda da liberdade individual e social; o isolamento; a falta das
interações pessoais e sociais; ver condicionada as possibilidades de
circulação. (RM9)
Limitação da liberdade de tomada de decisão pessoais e familiares.
(RM11)
Mulheres em tempos de pandemia
| 137
isolamento social, excesso de computador e a falta de contacto
humano
O “Isolamento social” (RM15) é configurado como dificuldade,
sobe diversas formas, num período em que as relações sociais são definidas
de forma exógena, por questões de saúde,
O isolamento social foi mau porque senti falta de estar e falar cara a
cara com as pessoas e poder dar um abraço quando me sentia mais
em baixo, por exemplo. (RM5)
Não poder sair com os meus amigos, não poder sair para estar
sozinha. (RM14)
O mais difícil foi o estar impedido de contacto físico com os outros e
as rotinas de circulação e convívio social terem sido alteradas. (R16)
Algumas mulheres relacionam a falta de relação humana com o
excesso de tempo ao computador, parecendo que o último seria uma pobre
substituição do contacto humano presencial,
Não ver gente; sair na rua e ser mandada para casa, nunca sair do
ambiente de trabalho. (R17)
Estar no computador durante muito tempo e pouco convívio
presencial (RM2)
Passar horas no computador e ausência de contacto físico/social
(RM4)
Apenas uma mulher refere a existência de “Ambiente não seguro
para comunicação.” (RM6) e outra os limites de “não poder respirar ar
puro” (RM13)
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trAbAlho, trAbAlho eMAis trAbAlho!
Particularmente os contributos de 3 mulheres, mais detalhados,
permitem compreender a interseção de um conjunto de dificuldades,
na combinação cumulativa e na conciliação forçada entre trabalho
remunerado, gestão da casa, e dos filhos e do seu trabalho escolar
Ter de ficar em casa a trabalhar de forma digital, numa escola
de educação infantil, tateando um terreno tão novo, somado às
urgências da rotina da casa foi muito difícil. Conciliar trabalho,
filhos e o trabalho a avançar muitas e muitas horas dentro de casa foi
um desafio imenso. (RM12)
Assumir acúmulo de tarefas como cuidar da minha sobrinha, casa
da minha mãe, estudar para prova de reconhecimento do grau
acadêmico estrangeiro, fazer o processo de visto e organização da
mudança. Trabalhei aos fins de semana no restaurante da minha
irmã para ajudá-la e durante a semana na secretaria académica da
faculdade da cidade onde morava. (RM10)
As mulheres foram sobrecarregas com o trabalho e mais o trabalho
doméstico e ainda o trabalho de ensinar aos filhos todos os assuntos
escolares. (RM8)
Dando possibilidade de compreender especificidades individuais,
as reflexões destas estudantes vão também no sentido das dificuldades
apresentadas pela EIGE (2020, 2021).
coMoFicAr eM cAsApode ter constituído ViolênciA sociAl
De forma curiosa, as respostas de homens ou outras pessoas à
questão anterior tinham já endereçado aspetos da violência social sobre
as mulheres, em foco neste trabalho, contrariamente às mulheres que
se focaram mais nos seus sintomas ou abordaram a violência de forma
implícita. De certa forma, nesta questão homens e outras pessoas vem
Mulheres em tempos de pandemia
| 139
explicitar e detalhar contornos da violência social sobre as mulheres, que
já tinham identificado. “A falta de fuga!” (R1), maior vulnerabilidade e
tensão nas relações, acumulação de tarefas e privação do contacto são
claramente identificadas,
Expor o sujeito à uma situação de vulnerabilidade (se a casa for um
local inseguro para o indivíduo), privando a pessoa de buscar ajuda
em outras instâncias. (R2)
É nos momentos de relacionamento contínuo, muitas vezes com
dificuldades económicas e emocionais que surgem momentos de
tensão e mesmo conflito. (R5)
Sobre as mulheres caem mais funções, então ficar em casa oferece
várias formas de violência social, como: cuidar dos filhos, cuidar da
casa, cozinhar, limpar, etc. (R3)
Privar as mulheres do convívio social e profissional. (R4)
Relativamente a explicitar como ‘ficar em casa’ pode ter constituído
violência social para as mulheres, 2 reportaram-se à sua experiência pessoal
para referir que “Não se aplica” (RM2; RM4), uma delas afirma que não
sabe responder (R5) e outra limita a relação entre ficar em casa e violência
social, assumindo “Talvez por assédio na internet. Mas fora isso, acho que
ficar em casa não constituiu VS.” (RM17).
Os restantes contributos permitem-nos compreender o impacto das
relações na experiência de confinamento, sendo que serão as relações de
poder mais desigual aquelas que conduzem a impactos mais profundos.
Enfatiza-se também a acumulação de tarefas como violência social, exercida,
agora, na interpenetração do espaço familiar. A restrição de liberdade, pela
obrigação de ficar em casa, está também no cerne do problema para 3 das
respondentes.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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poder diferencial das relações, assunção de tarefas e a emersão
da violência no contexto familiar
Os contributos que se seguem mostram a interpenetração (e, num
caso, confusão) entre violência social e violência no contexto familiar,
conceitos que procurei explicitar na sessão de trabalho e no início deste
texto. Uma interpenetração que se tornou ainda mais marcada quando
o mundo do trabalho remunerado invadiu o espaço da família, pela via
digital,
As mulheres precisaram assumir diversas tarefas dentro de suas casas,
ocupando-se de seus filhos e trabalhos, numa sociedade onde os
homens pouco fazem dentro das casas. Não havia outra maneira, foi
preciso ficar em casa para conter a pandemia, mas os diversos papéis
que a mulher desempenha são muitos. Estávamos exaustas! (RM12)
Ao passo que não há divisão igualitária das tarefas domésticas, a fim
de compreender o espaço vivenciado coletivamente como de todxs,
logo todos devem colaborar igualmente. (RM10)
Se o ambiente familiar não é seguro, passar mais tempo em casa
significa maior exposição à violência. (RM6)
Referindo-se à violência no espaço familiar, uma respondente dilui
completamente as fronteiras entre violência social e violência no espaço
familiar, referindo,
Acho que quando você convive com alguém, e essa pessoa te reprime
e oprime em vários aspectos, isso pode caracterizar uma violência
social. (RM7)
Mulheres em tempos de pandemia
| 141
de novo a acumulação de tarefas o remuneradas e
remuneradas, dentro e, às vezes, fora de casa
A acumulação de tarefas traz para o espaço da família, de forma mais
marcante, os impactos da violência social sobre as mulheres; a violência é
particularmente marcante para aquelas cujas profissões não permitem o
teletrabalho, e que são mais confrontadas com o risco,
Muitas pessoas não tinham segurança financeira nenhuma para se
manterem em suas casas sem trabalhar. Várias profissões não são
possíveis de ser realizadas de casa, nesse sentido, expondo diversas
pessoas a situação de risco. Há diversos países em que as mulheres
são as principais provedoras dos seus lares, a pandemia agravou
inúmeras vulnerabilidades para este grupo social. (RM3)
Os excessos de trabalho e responsabilidade da mulher colocada na
posição de mantenedora do lar. (RM8)
Junção obrigatória da vida profissional e vida familiar sem horários
definidos já que as solicitações profissionais surgiram a toda a hora.
(RM11)
restrição da liberdade
A violência social de ‘estar em casa’ surge também “Enquanto
privação do direito à liberdade de circulação e de expressão de
necessidade” (RM16), agindo “contra a liberdade” (RM13), “Porque
ficar fora de casa é também um direito” (RM15). ‘Ficar em casa
constitui assim, violência social,
Na medida em que as diferentes liberdades pessoais, familiares e
sociais foram restringidas. (RM9)
[Por] Não ter a possibilidade de socializar, de fomentar os nossos
núcleos sociais e criar outros, acho que são os principais aspetos.
(RM1)
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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No sentido em que me senti privada de realizar as minhas próprias
vontades. (RM14)
linhAs conclusiVAs
Como se referiu, este estudo de natureza qualitativa interpretativista,
não teve, nem poderia ter, qualquer objetivo de generalização. No entanto,
é interessante compreender como as experiências e reflexões individuais
neste grupo particular, constituído por estudantes universitários, de
alguma forma replica, contextualizando os achados de estudos em
grande escala, sobre a problemática da violência, que têm sido realizados
em tempos mais recentes, trazendo sentidos mais profundos aos dados
recolhidos por esses estudos.
Para além do diálogo que fui desenvolvendo com estes contributos
narrativos, parece relevante acentuar, a partir deles, a noção de que os
direitos de cidadania, tendo sido adquiridos, não são imutáveis, podendo
ser objeto de retrocesso. Neste caso, foi perdido o direito à liberdade de
circulação e de estar com as outras pessoas, que muitas e muitos de nós,
provavelmente, reconhecíamos como direito garantido.
Parecem ter-se agudizado, também, condições facilitadoras da
violência sobre as mulheres e terem ficado mais fragilizadas as condições
da sua proteção. Também num enquadramento mais amplo, o estudo
mostra a prevalência de violência social sobre as mulheres, em diversas
manifestações, justificando-se, como é sabido, a prevalência da violência
enquanto preocupação crucial na agenda política de género, na quarta
vaga, apesar dos avanços legislativos e em alguns modos de vida.
A objetificação do corpo feminino e do ser no seu interior e a
subordinação das mulheres no contexto de trabalho, são manifestações de
violência social sobre as mulheres que a pandemia empurrou para o espaço
familiar, como aspetos dos mais difíceis, para as mulheres, na experiência
de ‘ficar em casa’, durante os períodos de confinamento, na pandemia.
Mulheres em tempos de pandemia
| 143
Numa nota positiva, homens e outras pessoas reconhecem e parecem
posicionar-se de forma solidária face aos desafios de discriminação e
subordinação das mulheres, nos diferentes contextos e situações de vida,
assumindo, mesmo, uma dessas pessoas, o seu papel como perpetrador,
na reprodução de discursos machistas que objetificam as mulheres. A
desocultação e verbalização desses problemas mostra, neste caso, que
algum caminho tem sido traçado, também pelos homens e outras pessoas
no caminho de construção de uma democracia mais autêntica.
Por sua vez, também numa nota positiva, a grande maioria das
mulheres respondentes souberam reconhecer as manifestações de violência
social de que têm sido objeto, assumindo-se, algumas delas, enquanto
sujeitos femininos de direitos, com poder para agir sobre as próprias vidas,
resistindo e sobrevivendo ao acantonamento em localizações estruturais de
poder que as desqualificam e as violentam. No entanto, esse esforço, feito
à custa das mulheres, resulta também em situações de mau estar e maior
exposição à violência, em tempos de confinamento, que põem em causa
os seus direitos mais básicos. Há que investir em estruturas e ações de
proteção que efetivamente erradiquem a violência, como um dos grandes
desafios que continuamos a ter que enfrentar na quarta vaga.
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146 |
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U    

A GlobAl PersPective on
Femicide
If we are to fight discrimination and injustice against women we must
start from the home for if a woman cannot be safe in her own house
then she cannot be expected to feel safe anywhere.Aysha Taryam
Monica Riutort
1
Andrew Raya
resuMo: Uma em cada três mulheres é submetida a alguma forma de violência pelo
menos uma vez na vida (OMS, 2021). O feminicídio, o assassinato de mulheres e meninas
por causa de seu gênero, é a forma mais sombria e extrema de tal violência. Embora as
mulheres representem apenas 18% de todos os casos de homicídio em todo o mundo,
elas representam 64% dos assassinatos perpetrados por um parceiro íntimo ou membro
da família, sugerindo que esses assassinatos são planejados, motivados e “enraizados
em relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres”. (UNODC,
2019). De forma preocupante, o número de feminicídios cometidos globalmente está
1
Manager, Peel Institute on Violence Prevention, Toronto, Canada.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-348-9.p147-174
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
148 |
aumentando, com os impactos agravantes do Covid-19 ampliando ainda mais a crise.
Este segmento busca entender o feminicídio tanto no cenário global quanto em suas
nuances particulares no Canadá. Esboça os desafios enfrentados pela falta de coleta
de dados sistematizada e considera a diferença entre feminicídio e feminicídio, com o
último enfatizando o papel do Estado em não enfrentar a crise. Ele conclui com uma
série de recomendações para o público e os formuladores de políticas para melhorar a
compreensão e a visibilidade do feminicídio.
AbstrAct: One in three women are subjected to a form of violence at least once in their
lifetime (WHO, 2021). Femicide, the killing of women and girls because of their gender, is
the darkest and most extreme form of such violence. Although women only make up 18%
of all homicide cases globally, they represent 64% of murders perpetrated by an intimate
partner or family member, thus suggesting that these killings are planned, motivated and
rooted in historically unequal power relations between men and women” (UNODC,
2019). Concerningly, the number of femicides committed globally is on the rise, with the
compounding impacts of Covid-19 further amplifying the crisis. is segment seeks to
understand femicide on both the global stage and its particular nuances within Canada.
It outlines the challenges faced by the lack of systemized data collection and considers
the difference between femicide and feminicide, with the latter emphasizing the role of
the state in failing to address the crisis. It concludes with a number of recommendations
for the public and policymakers to improve the understanding and visibility of femicide.
introduction
“Y la culpa no era mía, ni dónde estaba,ni cómo vestía” (“and the fault
wasnt mine, not where I was, not how I dressed”) can be heard echoing
through not only the streets in Latin America but across the world. It is
sung by blindfolded women as a protest to patriarchal violence against
women and the subsequent victim shaming. e Chilean feminist song,
written and popularised in 2019, became the anthem for revolution,
empowering women to speak up about the constant violence they face
each day from harassment on the street to murder.
While femicide is not new, recent uproar over recent cases of femicide have
reinvigorated a renewed awareness of the issue. In 2020, under the slogan
#WomenSupportingWomen, women in Brazil started sharing black and
Mulheres em tempos de pandemia
| 149
white photos on social media to raise awareness about femicide. e black
and white color reference the fact that the images of murdered women
usually ended up in newsprint, a nod towards the often-sensationalized
accounts of femicide and harmful gender stereotypes. After the murder of
a 27-year-old Turkish woman, the hashtag spread to Turkey and flooded
social media sites. It then began trending in the USA, after Alexandria
Ocasio-Cortez spoke out about harassment in the workplace, before
infiltrating to India. Now 14.7 million women from all around the world
have posted a photo under the hashtag on Instagram.
Relatively new is the concept feminicide, which is the English translation to
the originally coined term ‘feminicidio’. With its origins in Latin American
literature, feminicide has yet to garner mainstream public attention in the
America in the same way femicide has. e prominence of feminicide
in scholarly Latin American works is reflective in statistics that show the
relevance of feminicide in these countries. According to Alvazzi del Frate
(2011), Honduras ranks third in feminicide rates, Guatemala ranks second,
and El Salvador ranks first in the world. e prevalence of feminicide in
this region is exacerbated through the normalization of violence that is
systemically embedded within patriarchal law/policies and social order
that work to diminish womens rights (MENJIVAR; WALSH, 2017). e
emersion and frequent exposure of anti-women notions in everyday life
simultaneously work to “justify” this violence. is criticism is not unique to
Latin America with feminicide garnering a social urgency that has attracted
the attention of international organizations and national governments. e
exploration of feminicides transcendence of borders (particularly within a
Canadian context) will be explored further on in the chapter.
As these examples show, femicide is a global issue and one that has been
inscribed within international law as a violation of human rights. As a
result, states are obliged to address and prevent such violence, yet, this
chapter argues that femicide continues to be sidelined by governments. It
starts by exploring how various legal and academic definitions of femicide
have evolved over time, noting how the lack of a singular definition makes
it more challenging to compare global or regional data. en it considers
the rise of femicide in the world before delving into how the gendered
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
150 |
data gap and the shortcomings of current data collection techniques have
resulted in a failure to prevent femicide and sexual violence more broadly.
Following the critical analysis of Paulina García-Del Moral, the differences
between femicide and feminicide are then explored in the context of
Canada. e chapter concludes with a series of recommendations for the
public and policymakers on how to increase and improve the visibility and
understanding of femicide both locally and globally.
deFinition oF FeMicide And FeMinicide
According to the World Health Organization, “violence against women
comprised of a wide range of acts – from verbal harassment and other
forms of emotional abuse, to daily physical or sexual abuse. At the far
end of the spectrum is femicide: the murder of a woman” (WHO, 2012).
e term femicide was first introduced as a political concept in 1976 by
feminist expert and activist Diana Russell at the International Tribunal of
Crimes Against Women in Belgium. While the word had pre-existed in
the Anglo-Saxon language, Russell later refined the concept as ‘misogynist
killing of women by men’ (GRZYB; NAUDI; MARCUELLO-SERVÓS,
2018) .With the passage of time, a number of definitions have emerged
out of the literature and activist work that have cemented the essential
idea of femicide as a form of gendered sexual violence. For example, the
murder of women by men motivated by hatred, contempt, pleasure,
or a sense of ownership of women” (CAPUTI; RUSSELL, 1990 as
cited by CFOJA, 2020). However, this definition fails to include state
responsibility for circumventing the murder of women. Indeed, without
an acknowledgement of the specific problem, in this case, how femicide
stems from systemic violence towards women and the state’s consistent
neglect of the issue, there cannot be a robust and convincing solution.
Due to increased academic interest on violence towards women,
scholars worry that the use of the term femicide in literature and politics
has become increasingly diluted and vague. Deliberation as to whether
Mulheres em tempos de pandemia
| 151
or not the word femicide accurately describes the complex nature of this
system of criminal behaviors and the perpetrators’ motives remains active
within Canadian discourse on the subject (GARCÍA-DEL MORAL,
2018; CFOJA, 2020). To combat this issue, Marcela Lagarde, a Mexican
academic and activist, developed the similar concept of feminicide,
which stems from the traditional ‘femicide’, to address the underlying
conditions femicide was not equipped to handle on its own. Specifically,
Lagarde describes feminicide as, a “genocide against women, and it
occurs when the historical conditions generate social practices that allow
for violent attempts against the integrity, health, liberties, and lives of
girls and women” (2020). However, Lagarde takes this a step further by
noting that, “feminicide is able to occur because the authorities who are
omissive, negligent, or acting in collusion with the assailants perpetrate
institutional violence against women by blocking their access to justice
and thereby contributing to impunity” (2020). is definition places
focus on the states complicity with maintaining the status quo in regard
to gender-based violence. Such a definition allows us to properly question
the motivations of the state that allow such violence to continue without
adequate repercussions. is outlook calls for the recognition of the role
of state actors and state institutions have in the prevention, maintenance,
and reproduction of social constructionist principles. By uncovering the
agendas of societal elites, feminists and activists alike can target the root
causes that place women and girls in detrimental positions.
e emergence of feminicide from feminist theory on femicide often leaves
the impression that the terms are mutually exclusive. However, as can be
seen by the difference in meaning above, these terms should not be viewed
as interchangeable. e separation of this terminology is necessary to avoid
deflecting from and devaluing the interpretation and contexts in which
use of this language is appropriate. Despite their theoretical lack of mutual
exclusivity, in relevant Canadian literature there is a noticeable degree
of variation in perspectives on the usage of these two terms; particularly
which one is more appropriate when describing this horrific phenomenon
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
152 |
(GARCÍA-DEL MORAL, 2018). erefore, their separation in this
segment is consciously intended to avoid semantic conflation.
the iMpAct oF FeMicide on our liVes
e universal conceptualisation that many activists have widely accepted is
that femicide occurs in all societies throughout the world and is perpetrated
by a wide range of individuals and groups, including those known to the
victims (current and former intimate partners, family members, friends,
and acquaintances) and those unknown. Moreover, femicide takes unique
forms, including murders associated with interpersonal violence, dowry
practices, honor crimes, sexual violence, political violence, gang activity,
and female infanticide (STRENGTHENING UNDERSTANDING OF
FEMICIDE, 2008).
Female homicide (femicide) is one of the leading causes of death for
adolescent and young adult (AYA) women in the U.S (COYNE-BEASLEY
et al., 2003). e United Nations (UN) describes how pubertal changes
increase attention to sexuality and gender roles, heightening adolescent
girls’ vulnerability to sexual violence, child marriage, and others. (COYNE-
BEASLEY et al., 2003).
In addition, the use of categories such as “crime of passion” to classify
murders of women reflects a common practice of finding mitigating factors,
usually referring to victims’ actions, to excuse violence against women.
Media reports which endorse this misleading language are destructive
as they sensationalize the grim reality for victims of femicide and their
families. However, the vast majority of femicides are not identified as
such; their victims remain uncounted, and perpetrators remain free, with
impunity for their crimes many times hidden by police and victims’ relatives
to conceal the nature of how the women died. (STRENGTHENING
UNDERSTANDING OF FEMICIDE, 2008).
Mulheres em tempos de pandemia
| 153
e horror stories that are impacted by femicide and feminicide make the
everyday lived experience for women and girls around the word feel like one
of danger. Using feminicide as an analytical lens, the state has manipulated
conditions that make it impossible for women to “experience their
personhood outside the social construction of their gender” (CARBADO,
2005). e inherent fear of gender-based violence has concrete consequences
such as not walking at night, home seclusion, watching tone of voice/
attitude, and dressing “appropriately” to avoid harassment. is act of self-
monitoring acts as a fail-safe for women. In addition, the increased risk of
femicide results in higher levels of depression amongst women, as well as,
higher levels of alcohol and tobacco consumption. In saying this, femicide
and feminicide operate as a tool of patriarchal oppression that make these
experiences common amongst women across the globe. e uniqueness
of these experiences function in relation to other accompanying factors
such as racism, colonialism, and classicism. In viewing this phenomenon
from an intersectional stance, feminicide becomes a tool to describe the
underlying context in which femicide occurs.
2016 statement from the UN - “Beyond the appalling personal cost, it
reveals deep and damaging failures of society that ultimately have a high
price in lost progress for each country.” (UNWOMEN, 2016).
FeMicide in the world
With the rise in social media and technology, many have taken their
message to online platforms. For instance, the rises of the #MeToo social
media hashtag was used to give a platform for the topic and disclosure of
sexual assault worldwide and brought to light many allegations. Sparked
by the #MeToo movement came the Purple Campaign, a worldwide
organization whose main mission was “to address workplace harassment
by implementing stronger corporate policies, establishing better laws and
empowering people to create lasting change within their workplaces and
communities”. (THE PURPLE CAMPAIGN, 2014). eir main advocacy
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
154 |
was reporting and developing accurate statistics about the violence women
face at work and in everyday society.
In Mexico, which averages 10 femicides per day, a group of women
have taken their step toward change through embroidery as an act of
resistance and resilience. (EMBROIDERING MEXICO’S MURDERED
WOMEN, 2019). Every day, these women stand in front of the city hall
building in Nezahualcóyotl, putting up the embroidered kerchiefs that
share the story in the first person of the women whose lives were taken
away by gendered violence. eir resistance takes a critical position against
the politicians and officials who have failed to put an end to this senseless
violence. Many of the women who are part of the embroidery initiative
face harassment and some have even been beaten by men their towns for
sharing the uncomfortable truth.
Around the world, the systemic embedment and normalization of gender-
based violence often results in femicide and gender-based violence in
general as being taboo subjects. Some countries even consider femicide as
a warranted act due to the victims’ actions and nature, thus excusing the
perpetrator. In Turkey, the media and culture tend to portray the victim
as morally reprehensible or troublesome, “while promoting sympathy
and excusing responsibility for the perpetrator. e implicit and explicit
ageism and sexism in Turkish news have deflected from the social injustice
of femicide, normalizing violence against ageing women.” (BASDOGAN;
OZDOGAN; HUBER, 2021). However, many who oppose femicide are
met with violence and even death.
Turkish sociologist Cetin Ozturk (2015) argues that these killings indicate
a conflict between modern womens independent status and traditional
patriarchal values, which promote mens sense of ownership and possession
over women. Cetin proposes the term revolt killing to refer to femicides in
Mulheres em tempos de pandemia
| 155
Turkey (CETIN, 2015). Femicide is “a result of her objection, of coming
up against the ongoing [patriarchal] system, rejection of the man and a
statement of her will” (CETIN, 2015).
Stories like these have sadly become a common theme in many parts of the
world. In the next 24 hours, 137 women will be killed by a member of their
family. It is estimated that of the 87,000 women who were intentionally
killed in 2017 globally, more than half (50,000) were killed by intimate
partners or family members. (UNWOMEN, 2021).
how the gendered dAtA gAp hAs creAted A FAilure oF sexuAl
Violence preVention
Humanity is male and man defines woman not in herself, but as
relative to him; she is not regarded as an autonomous being. [. . .]
He is the Subject, he is the Absolute – she is the Other.
- Simone de Beauvoir, 1949
In her book Invisible Women, author Caroline Criado Perez describes that
it is not just the shortage of reporting sexual violence incidents that affect
women but also the gendered based data reporting itself that creates a
distorted preceptive for many elements that contribute to the increased
possibility of violence against women. is has become a bigger issue in
recent years due to our increased reliance on data. As best stated by Caroline
Criado Perez “e world increasingly reliant on and in thrall to data... Big
Data, which in turn is planned for Big Truths by Big Algorithms, using
Big Computers. But when your big data is corrupted by big silences, the
truths you get are half-truths, at best. And often, for women, they arent
true at all” (CRIADO PEREZ, 2019). For example, the lack of female-
based data in urban planning can negatively impact the decision-making
process, increasing a womans risk of being sexually assaulted. is is, as
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
156 |
Criado Perez puts it, “a clear violation of a womans equal right to public
spaces” (CRIADO PEREZ, 2019).
is data gap statement was further proved as most official data in countries
show that men are more likely to be victims of a crime in public spaces
including public transport. Anastasia Loukaitou-Sideris, Associate Dean
of the UCLA Luskin School of Public Affairs, and Distinguished Professor
of Urban Planning came to the conclusion that gender-biased data creates
the image that womens fears of crime are irrational and more of a problem
than the crime itself (DING; LOUKAITOU-SIDERIS; AGRAWAL,
2020).
e reporting and collection of accurate crime data has become increasingly
challenging for any country, even first-world countries such as the United
States of America. More challenging is the reporting of femicide. Police and
medical data-collection systems that document cases of homicide often do
not have the necessary information, do not report the victim-perpetrator
relationship, or the motives for the homicide, let alone gender-related
motivations for murder (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2012).
is lack of accurate data, as previously stated, creates a false sense of
reality that can misalign the tackling of femicide. Many may ask the
question, ‘why do women not just report directly?’, and the answer most
would receive is ‘where do we report?’ and ‘to whom?’. In most countries,
there are no specific systems or structures in place for women to report
gender-based violence, harassment and abuse. To prevent the escalation
to femicide, countries need to create open forums and guidelines of
what is considered gender-based violence to allow women to properly
disclose their experiences and be supported. In Nottingham, England, for
example, police have begun to record misogynistic behavior (everything
from indecent exposure to groping to upskirting) as a hate crime (if their
Mulheres em tempos de pandemia
| 157
behavior was not strictly criminal, hate incidents). ey have found that
the reports of such behavior shot up, not because men had suddenly
become much worse, but because women felt that they would be taken
seriously (CRIADO PEREZ, 2019).
Furthermore, many women do not report acts of violence due to a number
of external factors such as stigma, shame, or a concern they’ll be blamed.
Familial obligation and the repercussions they may face from their
community also effects a womans ability to report. Additionally, women
are most at risk of being murdered by someone they know: a family member
or intimate partner. is conclusion is supported by studies conducted, for
example, in South Africa (MATHEWS, et al., 2009); Jamaica (LEMARD;
HEMENWAY, 2006); and the United States (CAMPBELL, 2007). e
data are in stark contrast to male murder victims, who are most likely to
have been killed by strangers, in random acts of violence (ACADEMIC
COUNCIL ON THE UNITED NATIONS SYSTEM - ACUNS, 2017).
According to a UN study, the largest number (20,000) of all women killed
worldwide by intimate partners or other family members in 2017 was in
Asia, followed by Africa (19,000), the Americas (8,000), Europe (3,000),
and Oceania (300) (UNODC, 2019).
current bArriers towArd AccurAte dAtA collection
Weaknesses in information systems and quality of data present major
barriers in investigating femicides, developing meaningful prevention
strategies, and advocating for improved policies. One of the main issues
with current studies is that while many are conducted in well-resourced
environments and produce somewhat accurate data, the specificity to
certain areas poses challenges for researchers and activists attempting
to extrapolate femicide data. In addition, often data collected from
official sources such as the police, the justice system, and hospitals, is
not consistent as there may not be a specific framework and definition
for reporting. Many femicide cases are often hidden in the catchall box
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
158 |
other.” (STRENGTHENING UNDERSTANDING OF FEMICIDE,
2008). As a result, the fragmentary nature of available data limits efforts to
fully understand femicide.
recoMMendAtions towArd AccurAte dAtA collection And
AnAlysis on FeMicide
1. stAndArdizAtion oF deFinition oF Femicide And rePortinG
Guidelines
Currently, in the Canadian legal system, there is no recognized
definition of femicide as a term or a crime. According to several
studies of the legal systems around the world, not all homicides
of women are eligible to be classified as femicides (ACUNS,
2017). According to the Latin American Model Protocol for the
Investigation of Gender-Related Killings of Women (here in after
Latin American Model Protocol), femicide exists when the killing of
a woman (the death of a woman) is related to her gender. In other
words, there must be specific signs that the motive of the killing, or
the context of the killing is related to gender-based violence or/and
discrimination (UNWOMEN, 2015).
Without a standard protocol when it comes to reporting femicide,
the chance for a non-reported case to slip through the system is
heightened. e development of compulsory protocols in regards to
femicide cases would allow for: a) identification of gaps in institutional
protection (if the case was reported before the murder); b) contribute
to the prevention of femicide in the future c); the documentation of
victim-perpetrator relationships and information regarding history
of violence or threats of violence in those relationships to allow for
proper evidence to be used in court (ACUNS, 2017).
2. creAtion oF sPeciAlized units within the Police And leGAl
system
Mulheres em tempos de pandemia
| 159
Some countries have established special units with specialized
expertise within the police to deal with: domestic violence (Bosnia
and Herzegovina); hate crime (Canada); violence and victim
protection (Italy); and violence against women and children (Japan
and the State of Palestine) (UNODC, 2018). Specialized units allow
for cases of femicide to be handled by professionals who are able to
look for and investigate certain characteristics of the crime that can
lead to persecution (ACUNS, 2017).
3. creAtion oF nAtionAl-level dAtA, nAtionAl reGistries, or
dedicAted sections on Femicide is needed in existinG homicide
dAtAbAses.
e creation of these national level registries would allow for more
concise data from a range of sources such as police, mortuaries,
courts, medical examiners, and other services in a position to
identify cases of femicide and the circumstances surrounding them
to be collated in one place. Not only will allow for researchers to
have access to more data, but also allow them to further determine
the current gap in data collection and thus work to improve these
records with each investigation.
For many, femicide is an uncomfortable truth, a smudge in a
country’s pride and culture. However, crucially it is the constant reality for
many women and girls in todays society. e senseless deaths are evidence
of a broken system, a system which has broken its promise to protect
women and give them an equal chance. As researchers and activists, we
owe it to not only those women who came before us in the fight but to the
future generation. While generally, the definition remains relatively ‘stable’
worldwide, femicide and feminicide take on a variety of manifestations and
patterns depending on the places where they are perpetrated (GARCÍA-
DEL MORAL, 2011; GARCÍA-DEL MORAL, 2018).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
160 |
FeMicide And FeMinicide in A cAnAdiAn context
e number of historical perpetrations of femicide and feminicide that
have taken place on Canadian soil is concerning. Some of the most
prevalent examples have included:
e 1989 mass femicide at the École Polytechnique where a lone
white male murdered 14 women (injuring a further 10 women
and 4 men) with misogynistic and anti-feminist intent
e 2018 ‘Toronto Van Attack’ where a self-proclaimed
“involuntary celibate” or “incel” killed 8 women (injuring 16
other people)
e 2018 ‘Danforth shootings” in Toronto where another so-
called “incel” attempted a mass femicide which resulted in the
deaths of a woman and female child
e 2020 mass shooting at Portapique, Nova Scotia where a
sole white male impersonating a police officer (in uniform and
vehicle) murdered 13 women and 9 men, with misogynistic
motives
is list is by no means exhaustive or representative of all femicides and
feminicides which have been perpetrated in Canada. Attempting to do
so would exceed the space allotted to this segment and would still fail to
document the multitude of cases which remain unknown and/or unreported
to the public. However, one of the most drastic and devastating cases of
under reported/documented femicides and feminicides in the nation is the
ongoing murders and disappearances of Canadian Indigenous women and
girls (CFOJA, 2020; DAWSON, 2021; GARCÍA-DEL MORAL, 2018;
TAYLOR, 2021). It has been estimated by the Native Womens Association
of Canada (NWAC) that 662 Indigenous women were murdered or went
missing between 1960 and 2013 (GARCÍA-DEL MORAL, 2018).
Mulheres em tempos de pandemia
| 161
Furthermore, research findings have shown that in 2020, 1 in 5 women
who were murdered in Canada were Indigenous (Martens, 2021). What
makes this increasingly concerning is that there still exists a deep lack of
precision and accuracy in Canadas statistical systems for reporting the
actual number of missing and murdered Indigenous women and girls
(GARCÍA-DEL MORAL, 2018). It is precisely this ongoing atrocity
which has given rise to critical dialogue on the usage of the terms ‘femicide
and ‘feminicide’ (GARCÍA-DEL MORAL, 2018; CFOJA, 2020).
According to Paulina García-Del Moral, a professor of Sociology
and Anthropology at the University of Guelph, the word ‘femicide
fails to accurately and adequately describe the intersectional issues that
exist at the core of the Canadian ‘missing and murdered Indigenous
women and girls crisis (GARCÍA-DEL MORAL, 2018). Her position
emerges from a critique of the “radical feminist” conceptualization of
the phenomenon as being solely a result of systematic oppression in the
form of patriarchalism and misogyny. Informed by Kimberle Crenshaws
theories on “intersectionality” and the work of Indigenous feminist
activists, García Del-Moral acknowledges the role of other interlocking
forms of oppression in perpetuating the problem. For indigenous women,
these intersections include gender, race, and colonialism.
Additionally, García-Del Moral posits that this oversight could very well
be a result of “colonial thinking” itself and the tendency to “[structure]…
perceptual-cognitive experience [through] categorical hegemony”. As
a result of this erasure, the true complexity behind the crisis remains
unaddressed, and the interconnected machinery behind femicide and
feminicide is divided into supposedly exclusive categories such as “racist
femicide”, “stranger femicide”, “homophobic femicide”, “prostituted
femicide”, and so forth.
In order to counteract this, García-Del Moral calls upon the term
feminicide”; originally coined as “feminicidio” by feminist scholars
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
162 |
Marcela Lagarde and Julia Monárrez when analyzing the “murders of
hundreds of women and the impunity of their killers” in a city named
Ciudad Juarez in Chihuahua, Mexico. ey posit that the usage of
feminicide”, over “femicide”, has the potential to promote a “decolonial
intersectional” reconceptualization of the concept whereby “gender [is] a
necessary but not definitive analytical category”. is figuratively creates
room for the consideration of interlocking forms of oppression as a causal
factor in feminicide (GARCÍA-DEL MORAL, 2018).
Femicide and feminicide, in the Canadian context, can vary intra-
nationally depending on a multitude of factors such as geographical region
and demographics. According to an analysis of the social distribution of
femicide and feminicide in Canada between the years 1921 to 1988,
twice as many…femicides occurred in Toronto” than in Vancouver,
thereby revealing variations in the perpetration of femicide and feminicide
between urban and rural settings (GARTNER; MCCARTHY, 1991).
Furthermore, in Toronto “the majority of victims were killed by their
intimate partner” in their home, “whereas in Vancouver, the victims were
killed by less intimate acquaintances, strangers, or unidentified assailants”.
us, the presence of femicides and feminicides in Canada is in no way
homogenous on a national scale.
In addition, there are other demographic factors (outside of
Indigenous background, as previously mentioned) associated with higher
vulnerability to victimhood of femicide and feminicide; these include
identifying as a trans woman and being a senior/older woman (65+).
Between the years 2016 and 2020, there were two reported killings of
transgender women; these “transphobic homicides” are viewed as a form of
femicide’ in trans-feminist lenses (CFOJA, 2020). Furthermore, currently
one third of the victims of femicide and feminicide in Canada can be
categorized as “older women”, who experience violence at the intersections
of ageism and gender fueled by misogyny (Dawson, 2021). As femicide
Mulheres em tempos de pandemia
| 163
is undoubtedly context dependent, the sheer complexity of the issue in
Canada is unveiled.
It is also crucial to note that the responses of the Canadian judicial
system to the killing of women has seriously impacted the ways in which
femicide and feminicide are conceptualized and punished in the nation
(DAWSON, 2016). Dawson argues that the presence of various patriarchal
biases and heuristics among court actors, such as “chivalry/paternalism”,
and the “female victim effect” result in “crimes involving female victims
being punished more harshly than crimes with male victims”. However,
this imbalance merely serves to perpetuate the disempowerment and
objectification of women, a factor in driving perpetrators to commit
femicide and feminicide (ibid: page). is is further supported by the fact
that in Canada, so-called “stranger femicide is treated as a more serious
crime… compared to intimate and familial femicide”, thereby reflecting
the notion that “women killed by male partners are still seen as property
and, as such, these femicides are not treated seriously as [others]” in the
legal system (DAWSON, 2016). is dangerous alteration to the workings
of the judicial system is a result of the very societal forces, cognitions and
behaviours that contribute to the perpetration of femicide and feminicide.
Nevertheless, the Canadian legal system is not the only organizational body
that contributes to the problem at hand. ese concerning contributors
to femicide and feminicide have been posited to be endemic to the very
systems that are utilized to report their incidences, which segues into the
following section.
strAtegies For reporting on FeMicides And FeMinicides in
cAnAdA
e most common way in which femicides and feminicides are
reported in Canada is through mainstream news articles and specials
produced by the likes of City TV News (CTV) and the Canadian
Broadcasting Centre (CBC). A simple search of relevant online news
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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articles from the year 2021 reveals a variety of pieces written on the topic
which elaborate on various statistical findings (i.e. “1 in 5 women killed in
Canada in 2020 were Indigenous”, or “one woman or girl is killed every
2.5 days in Canada”) and concerning trends (i.e. “violent deaths of women
in Canada increased in 2020”, or “More women and girls were killed
during the pandemic - mostly by men”) (CBC, 2021; MARTENS, 2021;
MILLER, 2021; TAYLOR, 2021). While these texts shed light on the issue
of femicide and feminicide for the Canadian public, the “representation
of the individuals who have died at the hands of perpetrators of femicide
and feminicide (especially Indigenous women and girls), is liable to cause
violence in and of itself, hence putting vulnerable women at even greater
risk (GARCÍA-DEL MORAL, 2011).
Furthermore, García-Del Moral states that “power is at the core of the
construction of what is newsworthy and, when it comes to the representation
of violence against women, newsworthiness is invariably linked to the
discursive production of “worthy” and “unworthy” victims”. In saying
this, violence must be recognized as violence in order to be taken seriously
(JIWANI, 2006). e continuous reproduction of imagery representing
the “ideal victim” subsequently contributes the loss of creditability
for women who do not meet the societal standard of worthiness. is
normative referent for women often appears as a middle-class, white,
heterosexual, cisgender and able-bodied. Deviation from this norm often
leaves victims susceptible to stigmatizations that work to “justify” the
perpetrators actions.
One of the most clear examples of the way this violence has been carried out
involves the news coverage of the ‘Robert Pickton’ murders, where sources
sensationalized the fact that Pickton may have fed his victims bodies to
pigs; thereby further “objectifying” the Indigenous women who died by
his heinous actions through destructive representation (ibid). While this
problematic strategy for reporting on femicides and feminicides is liable to
Mulheres em tempos de pandemia
| 165
cause further harm, it also appears to be one of the largest sources of data
utilized by organizations attempting to bring light to this issue.
As there is “no official national data on femicide in Canada”, the
responsibility of reporting analyzing trends falls into the figurative hands
of small organizations such as the Ontario Association of Interval &
Transition Houses (OAITH) and the Canadian Femicide Observatory for
Justice and Accountability (CFOJA) (APPIA, 2021; DAWSON, 2016;
MILLER, 2021). Lauren Hancock, thepolicy and research coordinator for
OAITH, is responsible for the production of a variety of reports pertaining
to rates of “femicide in Ontario” from January 2020 to as recent as May
2021; all of which “[rely] on media reporting” and include coverage on
collateral victims (i.e. children of victims) and “gender diverse individuals
who are killed by men” (APPIA, 2021; HANCOCK, 2021). e reports
produced by Hancock through OAITH have revealed:
An observable increase in femicides when comparing the January to
March periods of both years 2020 and 2021; with 7 occurring in
the 2020 period, and 10 in the 2021 period (HANCOCK, 2021a)
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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A total of three confirmed femicide cases occurred between
March 1 and March 31 of 2021 (HANCOCK, 2021b)
A total of four confirmed femicide cases occurred between
April 1 and April 30 of 2021 (HANCOCK, 2021c)
Mulheres em tempos de pandemia
| 167
A total of three confirmed femicide cases occurred between
May 1 and May 31 of 2021; refer to the second last row of the
chart (HANCOCK, 2021d)
is data reveals an alarming increase in perpetrated femicide and
feminicide during the COVID-19 pandemic. Indeed, the public health
restrictions (i.e. stay at home orders) have heightened the risk of violence
against women (MILLER, 2021). is strengthens the argument that
femicide and feminicide are a pandemic of their own, which has existed
long before these unprecedented times and continues to rise in severity
(CBC, 2021). Starting from May of 2021, OAITH, in alliance with
Building a Bigger Wave (BBW), initiated a provincial initiative (a monthly
alarm) to increase awareness of every incident of femicide and feminicide
in Ontario. As of June 2021, a campaign to name the initiative was held.
Another immense effort to bring attention to femicide and feminicide
in Canada takes on the form of the “#CallItFemicide: Understanding
sex/gender-related killings of women and girls in Canada, 2020”
report released by the Canadian Femicide Observatory for Justice and
Accountability (CFOJA) (CFOJA, 2020). is landmark text, produced
by the “sole Canadian initiative responding to the United Nations call
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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to establish femicide watches/observatories to more comprehensively and
accurately document sex/gender-related killings of women and girls”, takes
on the growing challenge of collecting/reporting on the often inaccessible
and hidden data pertaining to femicide in the nation\. One of the most
concerning pieces of information released by the document is a statistical
estimate that 160 women were killed by violence in Canada, in 2020
alone. e estimation of such numbers arise from the inability and failure
of certain data collection/report systems such as “Statistics Canada” to
differentiate between homicides and femicides/feminicides. e report
elucidates “patterns in women & girls killed by violence in Canada”,
compares the “killing of female & male victims in Canada”, outlines “sex/
gender-related motives or indicators (SGRMIs) for feticide”, touches on
current and emerging research priorities”, reveals “data gaps & priorities
on the subject, and provides a memorial list of the Canadian “Women and
Girls Killed by Violence in 2020”. In addition to its power as a document
and overall endeavour, this particular text has been cited by a number
of news outlets as a primary source of data when reporting on femicide
and feminicide in Canada (APPIA, 2021; MARTENS, 2021; MILLER,
2021; TAYLOR, 2021). However, despite the efforts of the CFOJA and
OAITH (and other unlisted organizations), Canada (as a nation) has yet to
adequately analyze, address and take measures to prevent the perpetration
of femicide and feminicide within its own borders.
conclusion
Femicide and feminicide in Canada has been, currently remains,
and is projected to be an issue of deep concern. Its original radical feminist
conceptualization as a dangerous trend emerging from patriarchal and
misogynistic forms of thought among male perpetrators is now expanding
and revealing itself to be a product of systematic and vastly interlocking
forms of oppression (i.e. racism, colonialism, cis-hetero-sexism, etc); all
of which are far from being mutually exclusive of each other (GARCÍA-
DEL MORAL, 2018). e nations current strategies for data collection,
including annual/monthly reports and news articles, are insufficient for
Mulheres em tempos de pandemia
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a strong campaign to be established against the perpetration of femicide
and feminicide. is is made especially evident by the observable dearth
in research literature in a Canadian context. More efforts are required on
micro (our individual selves), meso (communities) and macro (societal/
organizational) systemic levels to truly begin working towards the
elimination of this malevolent phenomenon which is endemic to Canada.
Based on the data that continues to unfold in the midst of the ongoing
COVID-19 pandemic, the perpetration of femicide and feminicide in this
nation will only increase in incidence if the necessary actions fail to be
taken by us all.
recoMMendAtions
A non-exhaustive list of recommendations emerges from the
resources cited in this segment on femicide and feminicide in the Canadian
context. ese include:
To shift the dialogue on what Canadian men and boys can do
to be accountable and responsible for others and themselves
in the perpetuation of violence against women and gender-
diverse individuals; this includes educational outreach and
encouragement to seek mental health help (CBC, 2021)
To further the investment of funds on the part of the federal and
provincial governments into “programs led by violence-against-
women organizations” which remain to be “stretched thin
(MILLER, 2021)
To ignite greater discussion in Canadian society on the need
for more prevention and punishment against femicide and
feminicide (DAWSON, 2016)
To add to the research literature which reveals and pertains
to “[risks and protective] factors at community and societal
levels” of femicide and feminicide, whilst increasing resources/
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
170 |
services that protect and empower women (DAWSON, 2021;
GARTNER; MCCARTHY, 1991).
To expand the discourse on the intersectional nuances of
this issue and refining data collection and analysis methods,
particularly in relation to Indigenous women (APPIA, 2021;
GARCÍA DEL-MORAL, 2018).
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| 175
O    
   A: U
    L.
sexuAl hArAssment AmonG women
in AnGolA: A study in the
Province oF luAndA.
Niembo Maria Daniel
Marta Ligia Pomim Valentim
Filomena Filho
Madalena Fundo Daniel
Josefina Kuingo Daniel
resuMo: O panorama do assédio sexual em Angola carece de leis e discussões, para a
proteção da integridade moral e física da mulher de forma especial. Objetivou-se analisar
o assédio sexual no âmbito das mulheres de Angola com foco na província de Luanda.
A metodologia é descritiva e exploratória com abordagem qualiquantitativa. Os dados
foram coletados por meio de um questionário baseado em questões fechadas, pelo que,
tiveram um tratamento estatístico. Participaram 50 mulheres residentes na cidade de
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-348-9.p175-204
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
176 |
Luanda, com idades compreendidas entre 25 anos a 60 anos. Identificou-se a existência
de poucas leis específicas ao assédio sexual, no código penal de Angola. Verificou-se que
87% das mulheres, já sofreram assédio sexual; 48,6% não concordam na falta de leis
que defendam as vítimas de assédio sexual contra 31%; e 40% delas afirmam que há
morosidade na assistência em mulheres vítimas.
pAlAVrAs-chAVe: Assédio Sexual; Mulheres de Angola; Leis.
AbstrAct: e scenario of sexual harassment in Angola lacks laws and discussions to
protect the moral and physical integrity of women in a special way. e objective was
to analyze sexual harassment within the scope of women in Angola with a focus on the
province of Luanda. e methodology is descriptive and exploratory with a qualitative
and quantitative approach. e data were collected through a questionnaire based on
closed questions, therefore, they had a statistical treatment. 50 women living in the city of
Luanda participated, aged between 25 years to 60 years old. A few specific laws on sexual
harassment were identified in Angolas penal code. It was found that 87% of women have
already suffered sexual harassment; 48.6% disagree with the lack of laws that protect
victims of sexual harassment against 31%; and 40% of them say that there is a delay in
  .
Keywords: Sexual Harassment; Angolan Women; Laws.
1. introdução
A mulher africana em particular a angolana vem de uma realidade
marcada por escravatura fruto da colonização, onde mulheres vivenciavam
diariamente assédio sexual, sendo vítimas de abuso não apenas físico,
mas principalmente sexual, atos bárbaros que as obrigava a consentirem
e a sofrerem caladas. O panorama do assédio no país, não difere muito
do passado, pelo que, entendemos existir aqui uma carência de leis que
salvaguardam os direitos da dignidade e integridade moral e física da mulher
de forma especial. Entendemos existir de igual modo, pouco investimento
em discussões nas academias, igrejas, serviços públicos, instituições
direcionadas as mulheres de qualquer extrato social, nível acadêmico,
idade, estado civil, etc. Conforme afirma Pamplona Filho (2009) que
de fato, pode o assédio sexual se dar em várias outras formas de relação
social, sendo exemplos didáticos o meio acadêmico (entre professores,
alunos e servidores), o hospitalar (entre médicos, auxiliares e pacientes) e
Mulheres em tempos de pandemia
| 177
religioso (entre sacerdotes e fiéis). Assim, caso não se crie essas políticas,
continuaremos a assistir muitas vítimas que não partem para denúncias
ou acabam consentindo, por falta de informação, por medo, instabilidade
financeira, entre outros.
Importa salientar que o assédio sexual se verifica em qualquer gênero,
contudo com predominância feminina, principalmente nos países em via
de desenvolvimento resultado do processo colonial onde o homem sempre
teve o papel dominante. Deste modo, a luz da literatura, afirma-se que
a dominação masculina está suficientemente assegurada para precisar de
justificação em práticas e discursos, ou seja, a visão dominante da divisão
sexual exprime-se nos discursos (BOURDIEU, 1995). No âmbito da
legislação angolana desde a Constituição da República de Angola, bem
como o Código Civil, pouco se aborda sobre assédio no geral e quase nada
em relação ao assédio sexual nas mulheres, porém há garantia da proteção
da integridade moral, física e intelectual (ANGOLA, 2021). Deste modo,
entendemos que é primordial que se fale dessa temática em todos ambientes
e idades, a fim de resultar em políticas públicas que desincentivem este
procedimento que tem afetado muitas mulheres de Angola. Com isso, o
objetivo geral deste capítulo, é de analisar o assédio sexual no âmbito das
mulheres de Angola com foco na província de Luanda. Para tal, foram
construídos os seguintes objetivos específicos:
1. Coletar dados por meio de questionário às mulheres sobre
questões reativos à assédio sexual na cidade de Luanda;
2. Entender elementos que retratam da situação econômica de
Angola;
3. Identificar no âmbito da lesgilação de Angola sobre o assédio
sexual em mulheres;
4. Caraterizar os tipos de assédio que afetam o dia-dia das mulheres.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
178 |
O estudo está estruturado em cinco partes: introdução; fundamentação
teórica; procedimentos metodológicos; análise dos dados coletados por meio
de questionários; Considerações finais, Referências anexos.
2. FundAMentAção teóricA
2.1 deFinição, cAusAs e consequênciAs de AssÉdio de sexuAl
A questão do assédio em Angola é uma prática que se constata desde a
era colonial até aos dias de hoje ainda é muito frequente, independentemente
da idade, nível acadêmico, posição social, e econômica, onde a principal
vítima é a mulher como acima referenciamos. A palavra ‘’assédio’ remete-
nos quase de forma imediata a duas associações: a um conteúdo sexual e ao
movimento politicamente correto norte-americano. Foi apenas em 1996
que surgiu um primeiro estudo sobre o assunto, desenvolvido pelo sueco
Heinz Leymam, pesquisador em Psicologia do trabalho. Atualmente, o
tema tem merecido atenção em diversos países em qualquer área.
Freitas (2001) afirma que, conforme aumenta a participação da
mulher no mercado de trabalho, cresce também a sua exposição ao risco.
Hoje em dia a mulher tem sabido merecer o respeito e admiração de
seus chefes e colegas, pois muitos reconhecem que a presença crescente
da mulher nos locais de trabalho modificou as feições das organizações
e sacudiu o universo masculino de diversas formas, pois a mulher tem a
preocupação de estar sempre aprendendo, além de precisar provar ser mais
competente que um homem, mesmo quando ocupam cargos semelhantes.
A dominação masculina pode ser imposta e vivenciada, o exemplo por
excelência desta submissão paradoxal, resultante daquilo que o Bourdieu
(2002) chama de violência simbólica, violência suave, insensível, invisível às
suas próprias vítimas, que podem ser exercidas muito pelas vias puramente
simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente,
do desconhecimento, do reconhecimento, ou em última instância, do
sentimento. O assédio sexual, por se constituir em uma violação do
princípio de livre disposição do próprio corpo, esta conduta estabelece uma
Mulheres em tempos de pandemia
| 179
situação de profundo constrangimento e, quando praticada no âmbito das
relações de trabalho, pode gerar consequências, ainda mais danosas. Isto
se verifica entre gêneros desiguais, não pela questão de gênero masculino
versus feminino, mas porque um dos elementos da relação dispõe de formas
de penalizar o outro lado (FREITAS, 2001). Em relação a denominação
hoje consagrada, Pamplona Filho (2009) ressalta que ela corresponde ao
termo inglês ‘sexual harassment’, que vai trazer, em si, a ideia de insistência
nas propostas ou convites para prática de ato de conotação sexual (ainda
que haja resistência expressa a eles).
Por outra, o assédio sexual pode se verificar quando deparamos com
pessoas que se aproveita de uma posição superior, por exemplo, superiores
hierárquicos (chefe), sobre um subordinado, para obter dele favores sexuais
por meio de condutas reprováveis, indesejáveis e rejeitáveis, com o uso
do poder que detém como forma de ameaça e condição de continuidade
no emprego (BRASÍLIA, 2009). Esse ato bárbaro e considerado um
desrespeito a mulher, propicia diversas consequências dentre elas as
destaca-se as consequências mais comuns:
Quadro 1 - Consequências do assédio sexual
Consequências do assédio sexual
Estresse emocional
Sentimento de culpa
Perda do poder de concentração
Transtornos de adaptação
Ansiedade
Insegurança
Baixa autoestima
Perda de produtividade
Falta de motivação
Fonte: Elaborado pelas autoras baseado em Brasília (2009).
Seguimos com o tema abordado mais especificamente do âmbito
angolano.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
180 |
2.2 questões relAcionAdAs coM A reAlidAde AngolAnA sobre
AssÉdio sexuAl
Embora grande parte da doutrina considere o assédio como um
problema já antigo, o certo é que o assédio foi assumido como questão
social somente nos finais da década setenta, adquirindo relevância enquanto
objeto de estudo e suscitando iniciativa legislativa nos Estados Unidos
de América, posteriormente na Europa e em várias partes do mundo.
Desde então, tem-se arrogado como um fenômeno polêmico, incômodo,
constrangedor, hostil e humilhante, levando o ferimento da dignidade do
ser humano, reserva da intimidade da vida privada e familiar, a integridade
física e moral, ao desenvolvimento personalidade.
2.2.1 situAção econóMicA e sociAl de AngolA coM o Foco As
Mulheres
Na atual conjuntura mundial, falar da mulher é ainda, infelizmente,
falar da exclusão social. Paradoxalmente fatores como a globalização e
o reajustamento estrutural têm contribuído não só para a destruição da
capacidade das sociedades agirem por si e sobre si próprias, mas também
e sobretudo para enfatizar a feminização da pobreza com consequências
tão trágicas como a falta de cidadania, o insucesso escolar, o desemprego, a
prostituição, e a decomposição social das famílias entre outras. “A situação
das mulheres é particularmente interessante, pois, embora se trate de um
grupo internamente muito diverso, continua a verificar-se no geral uma
distância significativa entre a igualdade plasmada na norma e o efetivo
acesso diferencial aos direitos.” (NASCIMENTO, 2014, p. 4).
Aliada a esta situação, a instabilidade macroeconômica do
país, marcada por elevadas taxas de inflação; a economia baseada
fundamentalmente no sector petrolífero, o qual, emprega apenas 1%
da população economicamente ativa e a fragilidade da capacidade de
resposta dos órgãos do Estado para fazer face aos inúmeros problemas
que a população em geral e as mulheres em particular enfrentam, têm
contribuído para fragilizar ainda mais a posição da mulher angolana no que
Mulheres em tempos de pandemia
| 181
concerne sobretudo às desigualdades do gênero. O fraco desenvolvimento
econômico tem contribuído no aumento de alguns dos muitos problemas
sociais que passaram a ser tratados pela Sociologia sob a ótica de gênero,
tornando visíveis as implicações sociais, políticas e econômicas da
dominação masculina, situações que podem ser a violência doméstica,
sexual, familiar, pouca presença das mulheres nos espaços públicos de
poder institucional, a imposição da responsabilidade feminina pelo espaço
privado, o machismo manifesto e o dissimulado, e o assédio sexual e moral
no trabalho (SCAVONE 2008 APUD NASCIMENTO, 2014, p. [1]
173).
Tal como refere o Relatório sobre o Desenvolvimento Humano em
Angola (PNUD,1997) a pobreza é o resultado de uma combinação de fatores
históricos, políticos, guerra, ecológicos, demográficos, administrativos e
socioeconômicos, aliás ela é também um atentado à democracia. Estima-
se, atualmente, que a pobreza atinja entre 64,5% e 70% da população do
país, da qual 78% em áreas rurais e 40% em áreas urbanas (conforme dados
do Instituto Nacional de Estatística (INE), 2020). Assim, considerando
que a caracterização da pobreza costuma ser feita em torno dos seguintes
indicadores, no caso de Angola temos:
1. População adulta analfabeta
Os últimos dados disponíveis Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD, 1997), apontam para 75% a taxa
de analfabetismo das mulheres contra 24% dos homens, porém, dados
referentes a 1996 (Inquérito de Indicadores Múltiplos, INE), dão conta
que o spread existente entre a taxa de analfabetismo das mulheres rurais e
urbanas, se situava em 21% em desfavor, obviamente, das primeiras. Se a
este facto juntarmos a relação existente entre o progresso da educação da
mulher e as baixas taxas de fertilidade, na África Subsaariana, as mulheres
com o ensino secundário têm entre 1,9 a 3,1 menos filhos que as mulheres
que não completaram o ensino primário.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
182 |
Por outro lado, o resultado de estudos e pesquisas sobre a pobreza
mostra que quanto maior forem os agregados familiares, maiores serão as
probabilidades dos mesmos viverem em condições de pobreza extrema, daí
que se depreendam os desafios que se colocam à mulher angolana neste
domínio.
2. População sem acesso à água potável;
Pela atribuição de responsabilidades assentes na divisão social do
trabalho, cabe à mulher a responsabilidade de confeccionar os alimentos
e recolher a lenha; cabe à mulher a responsabilidade de cuidar e educar
os filhos; cabe à mulher a responsabilidade de procurar a água e lavar a
roupa, pelo que se pode avaliar a sobrecarga que este indicador representa
para a mulher. .
3. População sem acesso a saneamento básico;
4. População sem acesso a serviços primários de saúde;
Entre as causas apontadas para este tão elevado indicador destacam-
se a inexistência de infraestruturas de atendimento, outros por falta de
recursos financeiros para o acesso aos mesmos. A dificuldade de acesso aos
cuidados primários de saúde em geral e dos cuidados pré-natais e pós-parto
em particular, tem prejudicado consideravelmente o desenvolvimento do
capital humano feminino. A taxa de mortalidade materna é estimada em
1.500 por 100.000 nados vivos.
Reportando ainda outros indicadores, usualmente utilizados para
medir a pobreza e relacionados ao gênero, nomeadamente, os partos não
assistidos por técnicos de saúde, os agregados familiares liderados por
mulheres. Esta última se deve a vários fatores dos quais se destaca: a elevada
taxa de divórcio e separação, a elevada mortalidade masculina, a ausência
Mulheres em tempos de pandemia
| 183
prolongada dos maridos devido à prática da poligamia, à incorporação no
exército ou à migração para as cidades, entre outras.
5. Percentagem da população com rendimento diário inferior a
$1 usd
A guerra traduziu-se num fator de palpebração total da população,
que perdeu todos os seus haveres incluindo as terras para o cultivo e
consequentemente o seu meio de subsistência, provocando milhares de
mortos, de deslocados, refugiados e mutilados, desarticulando famílias,
onde, principalmente mulheres e crianças sem qualquer perspectiva de
vida, que na luta pela sobrevivência se acercaram das zonas periféricas
das cidades, provocando uma forte precariedade das condições de vida já
debilitadas e uma não menos forte pressão sobre o mercado de trabalho.
Contudo, uma das mais interessantes conclusões do Inquérito Prioritário
das Condições de Vida da População, elaborado pelo (INE, 2020) em
Benguela, Cabinda, Lobito, Luanda, Lubango e Luena é de que 44,8%
dos agregados familiares chefiados por mulheres vivem acima da linha de
pobreza contra 37,2% dos agregados chefiados por homens, prevalecendo
no entanto, uma proporção ligeiramente superior de agregados familiares
chefiados por mulheres (12,7%) em relação a agregados familiares chefiados
por homens (11,3%) em pobreza extrema. Esta constatação provocou
alguma surpresa na medida em que um outro inquérito realizado em 1990,
ou seja, cinco anos antes indicava exatamente o contrário.
Entretanto, outros dados retirados do inquérito, de 1995, atribuíram
esta mudança por um lado ao aumento do envolvimento das mulheres das
áreas urbanas no sector informal e por outro ao colapso dos salários no
sector formal, auferidos principalmente por homens.
No domínio econômico, a escassez de dados impõe-se como uma das
dificuldades maiores para uma análise mais circunstanciada e fundamentada
dos problemas que afetam as mulheres, pelo que sustentaremos as nossas
teses mais na base de constatações, e observações atentas sobre a situação.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
184 |
2.2.2 questões relAcionAdAs coM A legislAção AngolAnA sobre
AssÉdio sexuAl
Em nível da legislação angolana pouco se fala sobre esta temática,
pois não encontramos de forma específica um normativo que retrate sobre
o assédio como um procedimento ilícito, ou seja, um capítulo que aborda
o assédio de forma generalizada, contudo, identificamos um capítulo sobre
os crimes sexuais onde retrata temas como: assédio sexual, abuso sexual
para pessoas incapazes ou inconscientes entre outros temas. Mas ainda
assim, o legislador angolano não deixa de punir tal comportamento por
este violar os direitos de outrem, pois no que tange a Constituição da
República de Angola, capitulo II sobre os Direitos, Liberdades e Garantias
Fundamentais no seu Artigo 31º, relativamente ao Direito à integridade
pessoal, salienta que:
1. A integridade moral, intelectual e física das pessoas é inviolável;
2. “O Estado respeita e protege a pessoa e a dignidade humana
(ANGOLA, 2021, p. 6487).
Deste modo, de acordo o artigo 186 do mesmo capítulo define
apenas o assédio sexual como:
1. Quem abusado de autoridade resultante de uma relação de
domínio ou dependência hierárquica ou trabalho, procurar
constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar atos sexual, com
agente ou com outrem, por meio de ordem, ameaça, coerção
ou fraude, é punido com pena de prisão até três anos com a de
multa ate 360 dias.
2. Se a vitima for menor, a pena é de 1 a 4 anos de prisão.
(ANGOLA, 2020, p. 5398).
Em relação ao Código Penal, no capítulo IV sobre os Crimes
sexuais, considera o assédio apenas se existir um envolvimento sexual, o
que difere da lei universal, onde assédio no âmbito geral pode ser vista e
Mulheres em tempos de pandemia
| 185
configurado como uma conduta abusiva exaltada por meio de palavras,
comportamentos, atos, gestos que podem trazer danos à personalidade,
dignidade e ou integridade física ou psíquica de uma pessoa humana
(ANGOLA, 2020).
3. procediMentos Metodológicos
O presente estudo pode ser caracterizado como descritivo e
exploratório, e quanto a sua abordagem é qualiquantitativa. A pesquisa
exploratória visa proporcionar familiaridade com o campo de estudo e é
muito utilizada em pesquisas cujo tema foi pouco explorado, podendo
ser aplicada em estudos iniciais para se obter uma visão geral acerca de
determinados fatos (GIL, 2002). No âmbito quantitativo, os dados foram
coletados por meio de um questionário com questões fechadas, pelo que,
tiveram um tratamento estatístico.
A amostra usada de cinquenta (50) mulheres residentes na capital de
Angola, Luanda com idades compreendidas entre 25 a 60 anos. Salienta-
se de igual modo, que são mulheres de extratos sociais distintos e que
foram selecionadas de forma aleatória para responderem o questionário,
baseada em perguntas fechadas que compõe três (3) subtemas. O envio do
questionário foi de forma física e on-line (redes sociais). Quanto a inserção
dos dados, bem como a sua análise, foram feitas no Software Statistical
Package for the Social Sciences “SPSS” (programa de estatística).
4 Análise dos dAdos coletAdos
Neste ponto, analisamos os dados obtidos do questionário aplicado
às mulheres residentes em Luanda com os seguintes pontos: Dados gerais;
Assédio sexual nas mulheres e por fim, a realidade angolana sobre assédio
sexual. Ilustramos em primeiro momento, os dados gerais que caracterizam
os participantes da pesquisa (TABELA 1).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
186 |
Tabela 1 - Caraterização dos dados da pesquisa
Estado civil Ocupação Instituição que
trabalha
Idade
N
Valid 49 50 27 50
Missing 1 0 23 0
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Gráfico 1 - Estado civil das participantes da pesquisa
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Como podemos verificar, foram no geral 50 participantes onde 49
responderam o estado civil, todas responderam a variável ocupação e idade
e apenas 27 indicaram o tipo de instituição que trabalham. Seguimos
com o estado civil de forma detalhada (GRÁFICO 1), onde uma grande
percentagem recai para mulheres solteiras com 78% de participação,
mulheres casadas com 16%. Notamos em termos de idade, a predominância
é a faixa etária entre os 25 a 30 anos com 58% e de 31 a 35 com 16% e
outras maiores idades ficando com menos percentagem (GRÁFICO 3).
Mulheres em tempos de pandemia
| 187
Gráfico 2 - Ocupação das participantes da pesquisa
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Verifica-se que 44% das mulheres inquiridas são estudantes, sendo
42% empregadas na maior parte no setor privado com 63%, ou seja,
dezessete (17) mulheres contra dez que perfazem 37%. Com menor
percentagem representando 14%, foram as mulheres que não se enquadram
em nenhum setor profissional.
Gráfico 3 - Idades das participantes da pesquisa
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
188 |
4.2 questões sobre AssÉdio sexuAl nAs Mulheres
Neste ponto, abordamos as opiniões das participantes sobre o assédio
e procuramos entender se alguma vez já passaram por situações de assédio,
com que frequência, por quem e qual foi à reação.
Tabela 2 - Pergunta 1- Considera o assédio sexual um
procedimento impróprio contra o ser humano?
Frequency Percent Valid Percent Cumulative
Percent
Valid
Sim 49 98,0 98,0 98,0
o 1 2,0 2,0 100,0
Total 50 100,0 100,0
Fonte: Elaborada pelas autoras.
A tabela indica apenas uma pessoa que não considera o assédio sexual
um procedimento negativo contra a pessoa e 98% afirmam ser impróprio.
Destas mulheres, 46 responderam sobre ter ou não passado por tentativas
de beijo ou abraços. Onde 45,7% afirmam já sofrer por este procedimento,
porém poucas vezes, 26% nunca passaram e 21% já passaram com muita
frequência. No geral, a variável com maior frequência foi Receber elogios
quanto ao atributo físico ou forma de vestir com 46%, seguido da variável
“Receber convites repetidas vezes para sair ou ter relações sexuais” com
31,7%. As questões que mereceram menor percentagem foram “Receber
ameaças ou ser chantageadas com intuito de ter relações sexuais” e “Oferecer
propostas em troca de favores sexuais” com 83% e 52 % respectivamente
(TABELAS 3, 4, 5 e 6).
Mulheres em tempos de pandemia
| 189
Tabela 3 - Tentativas de beijos, abraços, tocar
Frequency Percent Valid Percent Cumulative
Percent
Valid
Nunca 12 24,0 26,1 26,1
Raramente 21 42,0 45,7 71,7
Frequentemente 10 20,0 21,7 93,5
Sempre 3 6,0 6,5 100,0
Total 46 92,0 100,0
Missing System 4 8,0
Total 50 100,0
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Tabela 4- Receber ligações/mensagens e imagens de natureza sexual
Frequency Percent Valid Percent Cumulative
Percent
Valid
Nunca 11 22,0 26,8 26,8
Raramente 22 44,0 53,7 80,5
Frequentemente 7 14,0 17,1 97,6
Sempre 1 2,0 2,4 100,0
Total 41 82,0 100,0
Missing System 9 18,0
Total 50 100,0
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
190 |
Tabela 5 - Receber elogios quanto ao atributo físico ou forma de vestir
Frequency Percent Valid Percent Cumulative
Percent
Valid
Nunca 9 18,0 22,0 22,0
Raramente 5 10,0 12,2 34,1
Frequentemente 19 38,0 46,3 80,5
Sempre 8 16,0 19,5 100,0
Total 41 82,0 100,0
Missing System 9 18,0
Total 50 100,0
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Tabela 6 - Receber convites repetidas vezes para sair ou ter relações sexuais
Frequency Percent Valid Percent Cumulative
Percent
Valid
Nunca 12 24,0 29,3 29,3
Raramente 12 24,0 29,3 58,5
Frequentemente 13 26,0 31,7 90,2
Sempre 4 8,0 9,8 100,0
Total 41 82,0 100,0
Missing System 9 18,0
Total 50 100,0
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Mulheres em tempos de pandemia
| 191
Tabela 7 - Receber ameaças ou ser chantagiada com intuito de ter
relações sexuais
Frequency Percent Valid Percent Cumulative
Percent
Valid
Nunca 34 68,0 82,9 82,9
Raramente 4 8,0 9,8 92,7
Frequentemente 3 6,0 7,3 100,0
Total 41 82,0 100,0
Missing System 9 18,0
Total 50 100,0
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Tabela 8 - Oferecer propostas em troca de favores sexuais
Frequency Percent Valid Percent Cumulative
Percent
Valid
Nunca 21 42,0 51,2 51,2
Raramente 11 22,0 26,8 78,0
Frequentemente 8 16,0 19,5 97,6
Sempre 1 2,0 2,4 100,0
Total 41 82,0 100,0
Missing System 9 18,0
Total 50 100,0
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Em um universo de 50 mulheres, 87% já sofreram algum tipo de
assédio sexual, porém 10% nunca tinham sido assediadas sexualmente,
onde com 51,2% tem sido com frequência e 18,6% passam sempre por
situações de assédio sexual. E esta situação é muito frequente nos serviços
públicos com quase 47% das mulheres, seguida do local de trabalho com
45% e finalmente em áreas acadêmicas com 39% de participantes que
passam com muita frequência o assédio sexual. Por outro lado, procuramos
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
192 |
saber quais eram as pessoas que as assediavam 50% responderam ser o
funcionário do serviço público e 43% afirma serem assediadas por colegas
de trabalho ou da universidade.
Tabela 9 - Caso sim, quantas vezes?
Frequency Percent Valid Percent Cumulative
Percent
Valid
Uma vez 7 14,0 16,3 16,3
Duas vezes 6 12,0 14,0 30,2
Frequentemente 22 44,0 51,2 81,4
Sempre 8 16,0 18,6 100,0
Total 43 86,0 100,0
Missing System 7 14,0
Total 50 100,0
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Tabela 10 - No trabalho
Frequency Percent Valid Percent Cumulative
Percent
Valid
Nunca 9 18,0 27,3 27,3
Raramente 4 8,0 12,1 39,4
Frequentemente 15 30,0 45,5 84,8
Sempre 5 10,0 15,2 100,0
Total 33 66,0 100,0
Missing System 17 34,0
Total 50 100,0
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Mulheres em tempos de pandemia
| 193
Tabela 11 - Na escola/ Universidade
Frequency Percent Valid Percent Cumulative
Percent
Valid
Nunca 11 22,0 39,3 39,3
Raramente 4 8,0 14,3 53,6
Frequentemente 11 22,0 39,3 92,9
Sempre 2 4,0 7,1 100,0
Total 28 56,0 100,0
Missing System 22 44,0
Total 50 100,0
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Tabela 12 - Serviços públicos
Frequency Percent Valid Percent Cumulative
Percent
Valid
Nunca 6 12,0 20,0 20,0
Raramente 6 12,0 20,0 40,0
Frequentemente 14 28,0 46,7 86,7
Sempre 4 8,0 13,3 100,0
Total 30 60,0 100,0
Missing System 20 40,0
Total 50 100,0
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
194 |
Tabela 13 - Chefe/Patrão
Frequency Percent Valid Percent Cumulative
Percent
Valid
Nunca 11 22,0 44,0 44,0
Raramente 6 12,0 24,0 68,0
Frequentemente 7 14,0 28,0 96,0
Sempre 1 2,0 4,0 100,0
Total 25 50,0 100,0
Missing System 25 50,0
Total 50 100,0
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Tabela 14 - Colega trabalho/Escola
Frequency Percent Valid Percent Cumulative
Percent
Valid
Nunca 7 14,0 23,3 23,3
Raramente 8 16,0 26,7 50,0
Frequentemente 13 26,0 43,3 93,3
Sempre 2 4,0 6,7 100,0
Total 30 60,0 100,0
Missing System 20 40,0
Total 50 100,0
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Mulheres em tempos de pandemia
| 195
Tabela 15 - Funcionário/Atendente dos serviços públicos
Frequency Percent Valid Percent Cumulative
Percent
Valid
Nunca 6 12,0 21,4 21,4
Raramente 7 14,0 25,0 46,4
Frequentemente 14 28,0 50,0 96,4
Sempre 1 2,0 3,6 100,0
Total 28 56,0 100,0
Missing System 22 44,0
Total 50 100,0
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Tabela 16 - Reação após o assédio
De medo Frustração ou
raiva
Denúncia Outro. Qual?
N
Valid 25 34 18 13
Missing 25 16 32 37
Fonte: Elaborada pelas autoras.
No que concerne a reação das mulheres questionadas diante
de uma situação de assédio sexual, a menor percentagem recai as
variáveis denúncia, medo e frustração ou raiva com 16%, 36% e 46%
respectivamente (TABELA 16). O que significa que as maiorias das
vítimas, não denunciam por medo ou ausência de leis que as defendam,
ou falta de informação de que tal ato pode incorrer a crime susceptível de
pena, conforme consta no Código penal, Capítulo IV, artigo 186º. A lei
não retrata sobre obrigatoriedade por parte das instituições de trabalho
ou ensino, em partilharem informações sobre assédio sexual, bem como
punir quem lesa. Neste caso, as participantes responderam que em suas
instituições não há normativos sobre questões de assédio em mulheres; não
é comum darem palestras sobre esse tema e; muitos menos punir quem
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
196 |
comete tal ato. Portanto, estas variáveis corresponderam a 60%, 59,5% e
41,7% respectivamente.
4.3 questões relAcionAdAs coM A reAlidAde de AngolA sobre
AssÉdio sexuAl
Seguimos com a legislação angolana sobre o tema em estudo, para
perceber o nível de informação que as mulheres partipantes da pesquisa,
têm acerca do mesmo.
Gráfico 4 - Inexistência de locais de apoio à mulheres vítimas de
assédio sexual
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Mulheres em tempos de pandemia
| 197
Gráfico 5 - Morosidade na assistência de mulheres vítimas de
assédio sexual
Fonte: Elaborada pelas autoras.
A primeira variável sobre a falta de leis que defendam as vítimas de
assédio sexual, a maioria com 48,6% não concorda, ou seja, concorda que
estas leis existem e 31%, afirma que não existem. Por outra, a maioria das
inqueridas considera que as leis que existem, consideram o assédio sexual
um ato contra os direitos humanos com 54%. Quanto à assistência às
mulheres vítimas de assédio sexual, 40% concorda e quase 38% concorda
muito que são lentos em dar respostas às vítimas (GRÁFICOS 4 e 5).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
198 |
Gráfico 6 - Inexistência de leis que defendam mulheres vítimas de
assédio sexual
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Gráfico 7 - Pouco apoio e atenção no país em questões que
envolvem mulheres
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Mulheres em tempos de pandemia
| 199
Gráfico 8 - A sociedade tem pouca informação sobre assédio sexual
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Como podemos constatar, os gráficos demonstram que 48,6% não
corroboram com falta de leis que defendam mulheres, porém concordam
que há pouco apoio e atenção em questões que envolvem mulheres dentro
do âmbito nacional, representado por 44% e 37% concordam muito com
esta variável. Do outro lado, metade das mulheres concorda que a sociedade
angolana tem pouca informação sobre questões voltadas ao assédio sexual
em mulheres e, quase 24% concordam muito, sendo que os restantes com
13,2% não concordam (GRÁFICOS 6, 7 e 8).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
200 |
Gráfico 9 - Poucas organizações femininas que defendam mulheres
vítimas de assédio sexual
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Gráfico 10 - Pouca empatia entre as mulheres com relação a
questões de assédio sexual
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Mulheres em tempos de pandemia
| 201
Finalmente, procuramos saber das participantes a sua percepção
sobre as dificuldades encaradas em questões que envolvem o gênero
feminino, quanto ao assédio sexual (GRÁFICOS 9 e 10). Entretanto, 47,
5% das mulheres estão de acordo relativamente a carência das organizações
femininas que defendam mulheres vítimas de assédio sexual, 30%
concordam muito e 7% não corroboram com a mesma opinião. Um outro
aspeto que mereceu a opinião das participantes é a falta de apoio entre
as mulheres angolanas quando deparadas com outras, vítimas de assédio
sexual. Notamos que, a opinião impressionou, onde em primeiro lugar
com quase 37%, as mulheres de Luanda, concordam plenamente com
escassez de empatia entre elas, 31,6% concordam, 15% concordam pouco
e 7,5% não concordam.
5. considerAções FinAis
Este estudo teve como objetivo geral de analisar o assédio sexual no
âmbito das mulheres de Angola com foco na província de Luanda. Para
tal, foram construídos os seguintes objetivos específicos: Coletar dados
por meio de questionário às mulheres sobre questões relativos ao assédio
sexual na cidade de Luanda; Entender elementos que retratam da situação
econômica de Angola; Identificar no âmbito da legislação de angolana
sobre o assédio sexual em mulheres; e Caraterizar os tipos de assédio que
afetam o dia a dia das mulheres.
A metodologia foi descritiva e exploratória, com uma abordagem
qualiquantitativa. No âmbito quantitativo, os dados foram coletados por
meio de um questionário baseada em questões fechadas, pelo que, tiveram
um tratamento estatístico. Foram num total de cinquenta (50) participantes,
residentes na capital de Angola, Luanda, com idades compreendidas entre
25 a 60 anos, onde responderam um questionário, baseada em perguntas
fechadas compondo 3 subtemas com distintas questões. Quanto a inserção
dos dados, bem como a sua análise, foram feitas no Software Statistical
Package for the Social Sciences “SPSS” (programa de estatística).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
202 |
Em termos de resultados, Seguimos com o estado civil de forma
detalhada (Gráfico 1), onde uma grande percentagem recai para mulheres
solteiras com 78% de participação, mulheres casadas com 16%. Notamos
em termos de idade, a predominância é a faixa etária entre os 25 a 30 anos
com 58% e de 31 a 35 com 16% e outras maiores idades ficando com
menos percentagem (GRÁFICO 3). Verifica-se que 44% das mulheres
inquiridas são estudantes, sendo 42% empregadas na maior parte no
setor privado com 63%, ou seja, dezessete (17) mulheres contra dez que
perfazem 37%. Com menor percentagem representando 14%, foram as
mulheres que não se enquadram em nenhum setor profissional.
O assédio foi considerado impróprio por 98%, onde 45,7% afirmam
já sofrer por este procedimento, porém a variável com maior frequência foi
o recebimento de elogios quanto ao atributo físico ou forma de vestir com
46%, seguido da variável “Receber convites repetidas vezes para sair ou ter
relações sexuais” com 31,7%.
Em um universo de 50 mulheres, 87% já sofreram algum tipo de
assédio sexual, porém esta situação é muito frequente nos serviços públicos
com quase 47% das mulheres, onde procuramos saber quais eram as pessoas
que as assediavam 50% responderam ser o funcionário do serviço público
e 43% afirma serem assediadas por colegas de trabalho ou da universidade.
No que concerne a reação das mulheres questionadas diante de
uma situação de assédio sexual, a maior percentagem recai as variáveis
frustração ou raiva com 46% (Tabela 16) . O que significa que a maioria
das vítimas, não denúncia por medo ou ausência de leis que a defendam,
ou falta de informação de que tal ato pode incorrer a crime susceptível de
pena, conforme consta no Código penal, Capítulo IV, artigo 186º.
A primeira variável, sobre a falta de leis que defendam as vítimas
de assédio sexual, a maioria das inquiridas, representando 48,6% não
concorda, ou seja, concorda que estas leis existem e 31%, afirma que
não existem. Por outra, a maioria das inqueridas com 54%, considera
o assédio sexual como um ato contra os direitos humanos. Quanto a
assistência às mulheres vítimas de assédio sexual, 40% concorda e quase
Mulheres em tempos de pandemia
| 203
38% concorda muito, que há certa morosidade nas respostas às vítimas.
(GRÁFICOS 4 e 5).
Com base nos gráficos ilustrados constatou-se que, 48,6% não
corroboram com escassez de leis que defendam mulheres vítimas de assédio
sexual, porém 44% corroboram que há pouco apoio e atenção em questões
que envolvem mulheres dentro do âmbito nacional, e 37% concordam
muito com esta variável. Do outro lado, 62,8% das mulheres concordam
que a sociedade angolana tem pouca informação sobre questões voltadas
ao assédio sexual em mulheres e, quase 24% concordam muito, sendo que
os restantes com 13,2% não concordam (GRÁFICOS 6, 7 e 8).
Conforme verificado ao longo do estudo, especificamente na realidade
angolana foi notável a carência de políticas públicas mais específicas, claras e
rígidas no sentido de garantir segurança às vítimas de assédio sexual e punir
o infrator. É importante aclarar que das leis existentes em Angola sobre
o assédio, sente-se na prática que não são suficientemente sustentáveis,
justamente porque é comum a sociedade banalizar este fenômeno ou até
atribuir a responsabilidade à vítima do que ao infrator. Em um intervalo de
40% a 80% a nível mundial, as mulheres já foram assediadas e muitas delas
se isolam por simples facto de não houver algo que garanta a sua defesa
(OMARTIAN, 2014).
Esperamos que esta pesquisa ajude à sociedade angolana a perceber
sobre os perigos que assédio sexual pode representar à ela e a partir disso,
semear a cultura de denúncia, pois assim, é possível desincentivar os
presumíveis autores (as).
reFerênciAs
ANGOLA. Código Penal Angolano. Lei nº 38/20 de 11 de novembro, 2020, I serie, n.
179. Angola, 2020.
ANGOLA. Lei da revisão Constitucional. Lei n. 18/21 de 16 de agosto, 2021, I serie, n.
154. Angola, 2021.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
204 |
BOURDIEU. P. A dominação masculina. Educação & realidade, Porto Alegre, v. 20, n.
2, p.133-184, jul./dez. 1995. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/
article/viewFile/71724/40670. Acesso em: 29 jan. 2022.
BOURDIEU. P. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2002.
BRASIL. Ministério da saúde. Assédio: violência e sofrimento no ambiente de trabalho:
Assédio sexual. Brasília, DF: Editora MS, 2009.
FREITAS. M. E. Assédio moral e assédio sexual: faces do poder perverso nas
organizações. RAE: Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 41, n. 2, p.
8-19, abr./jun. 2001.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2002. 176p.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA (INE). Relatório de Pobreza para
Angola. Luanda, 2020. Disponível em: https://www.ine.gov.ao. Acesso em: 15 fev.
2022.
NASCIMENTO, A. Obstáculos aos direitos humanos das mulheres deslocadas
internamente: o caso angolano. Revista Angolana de Sociologia, Luanda, v. 13, p. 49-66,
mês. 2014. Disponível em: http://journals.openedition.org/ras/981. DOI: https://doi.
org/10.4000/ras.981. Acesso em: 30 jan. 2022.
OMARTIAN, Stormie. Guerreira de oração. São Paulo: Mundo cristão, 2014.
PAMPLONA FILHO. R. Assédio sexual: Questões conceituais. Revista do CEPEJ,
Salvador, n. 10, p. 23-45, 2009. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/
CEPEJ/article/view/37530. Acesso em: 31 jan. 2022.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD).
Relatório sobre o desenvolvimento humano, Angola, 1997. Disponível em: https://
digitallibrary.un.org/record/267726. Acesso em: 25 jan. 2022.
| 205
C  
 -
   
   

Luana Maia Woida
resuMo: O objetivo do capítulo foi identificar fatores considerados sexistas ou violentos
por observatórios de publicidade, imagem e informação não sexista. Tais observatórios
analisam a violência simbólica em propagandas, bem como elaboram e disponibilizam
guias ou manuais, para fomentar mudanças de mentalidade e de comportamento junto à
população para que criem uma percepção crítica sobre o tema. Classificou-se a pesquisa
como exploratória, bem como adotou-se a análise de conteúdo para avaliar os guias dos
observatórios. Adotaram-se trechos como unidades de recorte, que demonstravam a ideia
de violência na percepção de cinco observatórios. Os resultados indicam 12 categorias
que demonstram as abordagens de violência usadas em propagandas. Por fim, considera-
se urgente a produção e aprovação de legislação sobre propaganda não sexista no Brasil
e a criação de observatórios que produzam manuais ou guias necessários para educar a
população e as empresas sobre propaganda não sexista, impulsionando o país a ser mais
igualitário e justo.
pAlAVrAs-chAVe: Observatório; Propaganda; Violência; Manuais.
O presente capítulo é resultado parcial do Projeto ‘Desenvolvimento de um observatório da imagem e
da informação da mulher: proposta de guia para evitar e combater a propaganda sexista.’ processo nº
407055/2021-5, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –
CNPq, Chamada CNPq/MCTI/FNDCT Nº 18/2021 - Faixa A - Grupos Emergentes.
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-348-9.p205-234
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
206 |
AbstrAct: e objective of this chapter was to identify factors considered sexist or violent
by observatories of non-sexist advertising, image and information. Such observatories
analyze symbolic violence in advertisements, as well as develop and make available guides
or manuals, to encourage changes in mentality and behavior among the population
so that they create a critical perception on the subject. e research was classified as
exploratory, as well as content analysis was adopted to evaluate the observatory guides.
Excerpts were adopted, in which was demonstrated the idea of violence in the perception
of five observatories. e results indicate 12 categories that demonstrate the approaches
to violence used in advertisements. Finally, the production and approval of legislation on
non-sexist propaganda in Brazil and the creation of observatories that produce manuals or
guides necessary to educate the population and companies about non-sexist propaganda,
encouraging the country to be more egalitarian and fair.
Key-words: Observatory; Advertising; Violence; Guides.
1. introdução
Os observatórios são espaços ou organizações nas quais se desenvolvem
atividades voltadas à observação de um fenômeno, conduzindo estudos
e produzindo indicadores estatísticos capazes de ajudar a descrever,
compreender e traçar cenários à respeito de determinada situação.
Vinculados ou não a governos, são fundamentais do ponto de vista social,
na medida que quantificam e fornecem subsídios para a interpretação
dos fenômenos, incluindo os sociais, tal como a situação das mulheres
em diferentes perspectivas, como a econômica, a política, a comercial, a
laboral, a familiar, a de saúde, a educacional, a de segurança, a tecnológica,
a informacional, considerando que em todas essas, há a possibilidade de
sofrer com violência.
De modo específico, considera-se que o pano de fundo em
comum para os problemas das mulheres está na cultura baseada em
valores que prezam e insistem em tratar as mulheres com violência,
condenando-as à humilhação, à negligência e desprezo, à dominação e
à morte. Nesse contexto, as propagandas difundem e reiteram valores
que impedem as mulheres de acessar direitos e oportunidades. Sobre
isso, considera-se que
Mulheres em tempos de pandemia
| 207
A publicidade não pode, nem deve, permanecer à margem das
mudanças sociais, porque o discurso publicitário não só reflete a
sociedade como também a determina e, neste sentido, pode não
só acompanhar como também impulsionar os avanços para um
novo pacto social entre gêneros (OBSERVATORIO ANDALUZ
…, 2022).
Assim, o objetivo do presente capítulo visa identificar fatores
considerados sexistas ou violentos por observatórios de violência e imagem
das mulheres, cujos estudos se voltam para peças publicitárias e, em
muitos deles, para a comunicação e linguagem sexista. Desse modo, o foco
dado no presente capítulo se dá sobre os observatórios voltados para as
peças publicitárias, os quais se observam e analisam a violência simbólica
e fomentam mudanças de mentalidade e de comportamento sobre a
construção e divulgação de propagandas.
Nesse sentido, é considerada uma violência simbólica, aquela usada
em peças publicitárias, tal como a declarada na Lei de Proteção Integral as
Mulheres na Argentina (OBSERVATORIO DE LA DISCRIMINACIÓN
EN RADIO Y TV, 2020, tradução nossa), que a compreende como sendo
[...] aquela publicação ou difusão de mensagens e imagens
estereotipadas através de qualquer meio massivo de comunicação,
que de maneira direta ou indireta promove a exploração de
mulheres ou suas imagens, comete injúrias, difama, discrimina,
desonra, humilha ou atenta contra a dignidade das mulheres […].
Uma imagem, principalmente quando de sua exposição e uso em
peças publicitárias, leva consigo informação. Depende da percepção e
conhecimento do receptor para interpretá-la e pode ser útil no processo de
construção, extinção ou reforço de determinada ideia. Por isso, é bastante
útil em peças publicitárias, isto é ajudam a construir uma percepção e fazem
com que o consumidor chegue a uma conclusão. Nesse sentido, ultrapassa
a utilidade, sendo fundamental para produzir comparações, aguçar desejos
e criar expectativas no público-alvo.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
208 |
Investigar imagens e seus usos no universo da propaganda também
ganha relevância, quando se percebe que esse reforço ou propagação de
ideias não fica restrito apenas à tentativa de influenciar a aceitação de um
produto ou serviço, levando consigo significados de conotação negativa ou
prejudicial, como é o caso do uso da imagem das mulheres em muitas peças
publicitárias denunciadas e avaliadas por observatórios da imagem e violência
contra as mulheres. O próprio Código Brasileiro de Autorregulamentação
Publicitária prevê o impacto da influência cultural de um anúncio no
Art.7º, “De vez que a publicidade exerce forte influência de ordem cultural
sobre grandes massas da população.” (CÓDIGO BRASILEIRO DE
AUTORREGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA, 2017).
Uma dúvida que se levanta sobre o uso da imagem em propagandas é
sobre qual o objetivo da exposição de determinada imagem? Por qual razão,
é escolhida e exposta?; quais critérios (legais, éticos, culturais) as agências de
publicidade e propaganda adotam para a escolha da imagem? Tais perguntas
conduzem à compreensão de que as imagens não são escolhas aleatórias,
ingênuas, ou desconectadas de um propósito, cuja intenção pode e deve ser
questionada e criticada, na medida que pode ser danosa.
Assim, a relevância da discussão proposta no presente capítulo
também se deposita em compreender que tais imagens reforçam esteriótipos
de gênero, bem como a tolerância à violência direcionada as mulheres nas
informações veiculadas em peças publicitárias. A violência contra a mulher
precisa ser evidenciada e combatida, sendo esse, um papel exercido pelos
observatórios.
Recorre-se à definição dada no Guía de Violencia Simbólica y
Midiática (OBSERVATORIO DE LA DISCRIMINACIÓN EN RADIO
Y TV, 2020, tradução nossa) à noção de estereotipação:
[...] alude à transmissão e reprodução de categorias (produzidas e
reproduzidas no seio de uma sociedade patriarcal e heteronormativa)
que estabelece determinados mandatos, padrões, sobre as
qualidades que devem ter as pessoas, de acordo com sua identidade
de gênero feminina ou masculina. Esta prática sociodiscursiva leva
à simplificação da realidade onde o esteriótipo de feminilidade ou
masculinidade constitui “a norma” e se limita a possibilidade de
diversidade de escolhas e expressões.
Mulheres em tempos de pandemia
| 209
De acordo com a Associação dos Profissionais de Propaganda (2014)
do Brasil,
A publicidade deve ser livre de toda forma de discriminação, seja
de gênero, opção sexual, cor, raça ou condição econômica, devendo
ser compromisso do publicitário atuar de forma a não constranger
ou humilhar aos seus semelhantes com o produto do seu trabalho
ou com atitudes individuais ou corporativas das quais participe.
Do mesmo modo, uma busca foi realizada no texto do Código
Brasileiro de Auto-regulamentação publicitária (2022), usando as palavras
gênero, mulher e mulheres, não obtendo a recuperação de trechos ou
palavras mencionadas. Além dessa busca, optou-se por realizar uma segunda
com a palavra violência, aparecendo duas vezes, sendo uma delas na Seção
4, art. 26 destinada a explicar que “Os anúncios não devem conter nada
que possa conduzir à violência.”. A segunda localização se deu na Seção 1,
nos seguintes artigos:
Artigo 19: Toda atividade publicitária deve caracterizar-se
pelo respeito à dignidade da pessoa humana, à intimidade, ao
interesse social, às instituições e símbolos nacionais, às autoridades
constituídas e ao núcleo familiar. Artigo 20: Nenhum anúncio deve
favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa ou discriminação
de qualquer natureza.
A seção 9, no artigo 34, sugere que as peças publicitárias não revelem
desrespeito à dignidade da pessoa humana e à instituição da família”.
Por fim, encontra-se no Código Brasileiro de Autorregulamentação
Publicitária (CONAR, 2021) uma nota técnica baseada no Projeto de Lei Nº
4.349/2019, que estabelece a obrigatoriedade de aviso de saúde que especifica
em fotos de modelos que forem manipuladas digitalmente, a informação de que
as imagens manipuladas podem gerar uma distorção da percepção da realidade
sobre a aparência física das pessoas, buscando melhorar a informação que chega
ao público feminino. Além disso, os artigos 1º e 5º da Constituição Federal
estipulam que os cidadãos brasileiros tenham garantidos a dignidade da pessoa
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
210 |
humana e a igualdade de direitos e obrigações. Ainda que tais leis e artigos
determinem proteção e não violência, nota-se a ausência de algo específico e
declarado com relação ao tema mulheres. O que também abre para um
questionamento: quais as consequências de não especificar a violência de
gênero em leis brasileiras? Quais lacunas essa ausência pode provocar?
No Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (2022),
buscaram-se as seguintes palavras juntas: mulher e violência, obtendo-se
um total de zero palavras. O que conduz a questionar: o que isso significa
ou representa? E, qual o impacto dessa ausência nas propagandas brasileiras?
Assim, essa falta de palavras que prevejam coibir a realidade e a violência
direcionada às mulheres, pode ser sugestiva. Caminhos mais concretos e
fundamentados em leis, artigos, regulamentos precisam, com urgência, ser
construídos para diminuir essa invisibilidade.
Desse modo, este capítulo é fruto de um trabalho que está em fase
inicial, cuja proposta prevê a instalação em 2024 de um observatório de
propagandas para o interior paulista, uma parceria entre pesquisadoras da
Faculdade de Tecnologia de Garça, Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho, com colaboração de pesquisadora da Universidad Carlos III
de Madrid e do Observatorio de la Imagen de las Mujeres (Espanha). Nas
próximas seções, discute-se sobre observatórios e sobre a propaganda; para
em seguida, explicar a metodologia, os resultados e considerações finais.
2. quAdro teórico
A presente seção aborda sobre os observatórios e sobre a propaganda,
levando o leitor a compreender o papel do observatório e a função da
propaganda, incluindo a menção à uma nova abordagem de proganda que
vem sendo adotada, conhecida como femvertising. Mesmo com essa nova
abordagem, considera-se necessário que a propaganda receba limitadores
legais e fiscalizadores.
Mulheres em tempos de pandemia
| 211
2.1 obserVAtórios
Praticar a observação é uma ação adotada em diferentes áreas:
Antropologia, Biologia, Astronomia, Física, Administração, Economia,
Marketing, etc. Algumas das mais famosas leis da física surgiram da
observação e identificação de fenômenos. Para algumas áreas, há maior
possibilidade de isolar determinados fenômenos para melhor estudá-
los, enquanto outras precisam estudar um fenômeno em interação com
outros. A palavra, que tem origem no Latim, obserãtiõ, ganha um sentido
de notar, ter atenção e cuidado (DICIONÁRIO…, [19--], p. 665). Além
do que, é considerado um “[...] método sociológico fundamental que
consiste em ir direta ou indiretamente ao fenômeno social. O ponto de
partida da sociologia, escreve Leclercq, é a observação. […] o social é
um fato e, como tal, pode ser observado como qualquer fato natural.
(PANSANI, 2011, p.81).
O termo observatório foi cunhado em 1962 por Robert C. Wood,
no contexto de discussão das políticas públicas, que deveriam receber um
tratamento científico (FRAUSTO MARTÍNEZ; THOMAS IHL, 2008).
Desde então, os objetivos dos observatórios urbanos não apresentam
mudanças significativas, as quais são para Dimock (1972) e López (2005)
(apud FRAUSTO MARTÍNEZ; THOMAS IHL, 2008, tradução nossa):
Facilitar e tornar acessível aos tomadores de decisões locais,
a informação científica e tecnológica desenvolvida nas
universidades para resolver problemas específicos das cidades
ou áreas metropolitanas;
Gerar e coordenar um programa de investigação contínua
sobre temas urbanos fundamentado na experiência prática e
aplicada, relevante para o ambiente urbano e os problemas
urbanos, além do mais, focados e diferenciados dentro da
cidade e para os diferentes cidadãos (homens, mulheres,
crianças, idosos);
Incrementar as capacidades das universidades para relacionar
e desenvolver atividades de treinamento mais efetivas em
temas concernentes aos problemas urbanos e condições de
vida nas cidades.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
212 |
Para Angulo Marcial (2009, p. 12, tradução nossa),
O observatório é um catalizador da inteligência coletiva que abre
a participação a um maior número de agentes, e que requer um
ambiente propício para dar valor agregado a dados e informação e
conhecimento a fim de ativar o potencial humano das organizações.
Trata-se de uma estratégia colaborativa, e sua prática implica
incrementar e estimular o fluxo de informação […].
De acordo com Miller (2017, p.489), “Um observatório combina
perspectiva, tecnologia e organização para criar uma visão privilegiada
e persistente de um fenômeno, facilitando a descoberta, construção
e compartilhamento de conhecimento que de outra forma passaria
despercebido.
Nesse sentido, o papel da observação se expande quando aplicado
aos observatórios, incluindo noções de produção de dados, informação
e conhecimento, bem como de compartilhamento, constituindo-se
basicamente em um espaço físico ou em ambiente virtual no qual essa
produção possa receber a contribuição de diferentes profissionais que
analisam um fenômeno do ponto de vista quantitativo e qualitativo.
Portanto, privilegiando um recorte de dada realidade, como é o caso da
violência sofrida pelas mulheres em peças publicitárias.
As ações dos observatórios são limitadas e, muitas vezes, seguem
um sentido educativo, como é o caso dos observatórios da propaganda
não sexista Ibero-americanos. São classificados como educativos por
promoverem junto à população, informações que visam mudança na forma
de pensar e fornecem a recepção de denúncias. Assim, promovem o debate
junto à população, mas também junto às empresas, dando oportunidade
para que estas se adequem e ajustem seus comportamentos no que concerne
a novos padrões sociais. Além do que, esperam receber contribuições da
população no formato de denúncias às propagandas que violem os critérios
estipulados para classificá-la como livre de violência.
No entanto, os limites de atuação dos observatórios de propaganda
não sexista se destacam no fato de não poderem exercer punições contra os
Mulheres em tempos de pandemia
| 213
que infringem leis, regras e decretos. Nesse sentido, precisam lançar mão do
diálogo com as organizações e insistir em processos que esclareçam os erros
nas peças publicitárias, e demandem uma mudança de comportamento na
produção de futuras propagandas.
Por exemplo, o Observatorio de la Publicidad e Información no
Sexista (2019) do Instituto Asturiano de la Mujer e o Observatorio de la
Imagen de la Mujer (Madri), definem que suas competências incluem:
Recolhimento de queixas dos cidadãos e encaminhamento aos
órgãos competentes para sua comprovação;
Acompanhamento de conteúdos considerados sexistas
denunciados;
Análise e classificação dos conteúdos;
Atuação junto aos emissores das mensagens sexistas, junto a
isso, solicitação de mudança ou de retirada das campanhas
denunciadas;
Difusão de informação para fomentar que o tratamento
discriminatório seja reconhecido e rechaçado pela população;
Participar de atividades que visem formação e sencibilização
quanto à influência e o tratamento discriminatório recebido
pelas mulheres nos meios de comunicação e nas propagandas.
O Observatorio Andaluz de la Publicidad no Sexista (2022) destaca
como objetivos em sua atuação: “Gerar uma atitude crítica frente o
sexismo na publicidade; Construir um novo discurso publicitário que,
atento as mudanças sociais, não limite as possibilidades das pessoas em
razão de seu sexo nem impeça sua plena integração social”.
Se sustentam em legislação específica para evitar a publicidade
machista: o México, a Costa Rica, a Argentina, a Espanha, o Uruguai.
Outros países, como o Brasil, possuem legislação que não aborda de
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
214 |
maneira direta o uso da imagem e de informações sobre as mulheres.
Nesse sentido, a baixa presença de observatórios voltados aos problemas
das mulheres em muitos dos países da América Latina e em Portugal,
revela a ausência de um outro elemento: presença de legislação que forneça
apoio. Além disso, são nítidos retrocessos marcados pela extinção de
observatórios que visavam promover a igualdade de gênero, como ocorreu
no Brasil, com o Observatório Brasil de Igualdade de Gênero, no mandato
do governo federal que se iniciou em 2019. Com essa decisão, diminui-
se a capacidade de produzir dados pelo governo e cria-se dependência
com relação à informação advinda de observatórios internacionais. Nesse
sentido, quaisquer políticas destinadas ao tema, passam a ser pautadas pelo
viés dado nas informações produzidas por instituições internacionais, cujo
problema está em ser a fonte principal, e não uma fonte para comparação
dos dados produzidos. Juntamente a essa consideração, infere-se que a
mencionada extinção também representa a ausência de interesse pelo tema,
demonstrando a gravidade do problema para o Brasil, para as brasileiras e
para a democracia. Não se trata de garantir mais direitos às mulheres ou de
erradicar a violência, mas sim, fomentar ações que conduzam o país para
uma democracia forte, na medida que a população poderia se munir de
informação para se tornar mais consciente sobre o que é discriminação e
violência, e poderiam repensar e se reorganizar entorno de temas e práticas
mais igualitários.
Essa perda pode ser percebida em um dado econômico divulgado
pela Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2017), na qual explicam
que se se reduzisse em 25% as diferenças de participação no mercado de
trabalho entre homens e mulheres, isso refletiria em nível global e “teria o
potencial de adicionar US$ 5,8 trilhões à economia global, além de gerar
grandes receitas fiscais em potencial”.
Assim, destaca-se que os observatórios atuantes em outros países se
mostram como uma referência, tanto para acessar informação, produzida
e difundida em cartilhas e manuais, mas também como uma fonte para
denúncias, como pode ser encontrado no Observatorio de la Publicidad
e Información no Sexista de Asturias (2019), que disponibiliza uma lista
com as propagandas denunciadas de fácil acesso no site. Algumas das
Mulheres em tempos de pandemia
| 215
denúncias são expostas nos observatórios, o que por si já se converte em
material pedagógico, ilustrando o que não se deve incluir nas imagens e
informações declaradas ou sugeridas, pois se constitui de fácil interpretação
e adesão em determinada cultura.
2.2 propAgAndA, uso de iMAgens e femvertising
A imagem das mulheres foi usada por décadas para chamar a atenção
de diferentes públicos consumidores, constituindo uma das primeiras
ações que qualquer propaganda precisa conseguir do público-alvo, sendo
um veículo propagador e estimulador de esteriótipos contra as mulheres. A
propaganda é uma das ferramentas promocionais do marketing e passou a
ser observada nas últimas décadas por institutos, observatórios e secretarias
de governo ou organizações sem fins lucrativos visando identificar
mensagens ofensivas contra as mulheres e que infringem seus direitos.
Nessa perspectiva, para compreender a propaganda é necessário
contextualizar o Marketing e a promoção, bem como a aproximação da
propaganda com o feminismo, pois sem este, a violência continuaria a ser
invisível e aceitável em diferentes sociedades.
O Marketing tem como cerne a ideia de satisfazer necessidades de
um determinado público-alvo, produzindo e entregando produtos que
tenham valor. Para isso, conta com diversas ferramentas, usadas conforme
os objetivos de marketing da organização, iniciando com a criação do
produto e finalizando no momento em que o consumidor o adquire,
consome e/ou descarta.
Uma peça publicitária, quando exposta a um público, também pode
provocar reflexões, discussões sobre determinados esteriótipos, mudar ou
reforçar ideias arraigadas nas crenças de um grupo a partir das informações
que ela dissemina.
Lordes (2012) narra algumas de suas experiências com a produção
de peças publicitárias, entre as quais a produção para a marca Chronos
da Natura, na qual, usou a estratégia de empoderar mulheres mais velhas,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
216 |
sem esconder suas rugas. Fez alusão direta em uma das peças, ao fato de
outras marcas usarem mulheres jovens junto aos cosméticos destinados a
melhorar as rugas, sendo esse fato, um completo absurdo já que mulheres
jovens não possuem rugas. Na peça publicitária, usaram apenas duas
frases colocadas no formato de tarja preta sobre os olhos de uma jovem
modelo: “Anúncios com meninas de 20 anos. Isso devia ser proibido
para cosméticos anti-idade”. Essa foi uma das peças publicitárias que
permitiu abrir discussão no contexto brasileiro sobre a representação e o
empoderamento das mulheres na propaganda, da valorização de sua idade
e de sua experiência de vida. Além disso, fica claro que a propaganda se fez
valer de informações que tinham significado para o público-alvo escolhido,
sendo nesse caso, mais do que a divulgação de um produto, passando para
a ideia de empoderamento a partir das informações que propaga. A criação
dessa propaganda considerou que os padrões estéticos precisam ser mais
inclusivos, realistas e representativos, como sugerem os manuais e guias
dos observatórios da propaganda não sexista.
Algumas peças são, inclusive, projetadas para gerar discussão,
enquanto outras, se esquivam de um papel mais provocador, justamente
porque isso pode significar perda de mercado pela desaprovação que pode
despertar em um público específico. Nesse caso, os ruídos são evitados com
base em pesquisas que visam verificar a percepção das possíveis receptoras
da mensagem. Logo, as peças publicitárias não devem ser percebidas apenas
como itens que precisam ser preservados para registro de crenças, valores e
comportamentos de um período e lugar, e sim, devem ser inseridas como
veículos de comunicação que informam e estimulam determinadas ideias
ao público.
Para Piedras (2016, p. 54) a publicidade, entendida por muitos
autores como propaganda, tem uma dimensão social que “[…] constrói
representações sociais e atualiza o imaginário contemporâneo, além de
contribuir para criar ou reafirmar práticas”, o que sugere ser um veículo
bastante útil, perigoso ou mesmo promissor quando se trata de provocar
mudanças de pensamento em um grupo.
Mulheres em tempos de pandemia
| 217
As propagandas são a representação do contexto histórico de sua
produção, criam relação entre representações identitárias e memórias
(FERNANDES, 2018), por isso, devem ser estudadas e observadas tanto
para compreender o passado, como para compreender a produção de
informações no contexto dos receptores dessa publicidade.
O marketing se aproxima da necessidade de conhecer determinado
contexto, de compreender a dinâmica cultural de um grupo prospectando
informações para cumprir essa tarefa. O ambiente de marketing é formado
por diferentes ambientes, constituindo-se de: políticas, cultura, tecnologia,
economia, sociedade, recursos naturais, e mais a informação. Assim,
a observação do que ocorre no ambiente é uma característica de ambas
áreas e necessária para desenvolver produtos, serviços e propor soluções
para problemas vinculados à satisfação dos públicos que atendem. Os
movimentos culturais presentes no ambiente acabam sinalizando novas
necessidades para as práticas do Marketing.
Entre os movimentos culturais da atualidade de maior impacto
para o Marketing está o feminismo
2
, fato constatado pelo surgimento das
propagandas que visam empoderar as mulheres a partir da segunda década
do século XXI, e que Menéndez-Menéndez (2019, p. 89) sugere que tem
como marco a metade da década de 1990, momento em que aparece a
publicidade vinculada ao feminismo, dentro do contexto do commodity
feminism, traduzido pela autora como feminismo comercial, feminismo de
mercado, entre outras expressões que representam a aplicação ou associação
do feminismo com o contexto comercial. Essa versão do feminismo,
utilizada pelo marketing para se dirigir a um público desatendido, vem
ganhando repercussão não apenas no que diz respeito ao faturamento das
empresas, mas também nas críticas que recebe e que sugerem se tratar de
uma estratégia oportunista e ambivalente (MENÉNDEZ-MENÉNDEZ,
2019), uma vez que parece dedicado a chamar a atenção de feministas
influenciando-as em sua decisão de compra. O femvertising, trata-se de
Feminismo é um movimento social que surgiu da necessidade de lutar por direitos e por reivindicar mais
espaço e poder para as mulheres. Woida (2020, p. 10) define explica se “Trata-se de lutar contra a opressão
de homens direcionada para mulheres, que em geral assumem a forma de políticas e de valores culturais que
designam a elas um papel marginal e subalterno em todo e qualquer campo de atuação”.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
218 |
“[…] um tipo de publicidade baseada em uma proposta de emancipação
feminina concebida como ‘empoderamento’.” (HAMLIN; PETERS,
2018), destinado à figura das mulheres, marginalizadas e objetificadas
na história da propaganda, sendo essa culpada por reforçar esteriótipos
com características negativas, ofensivas e que disseminam uma imagem
subalterna das mulheres. Diferentes estratégias podem ser aplicadas à
propaganda, sendo a mais atual quando se trata de conquistar as mulheres
empoderando-as.
O femvertising é a comunicação direcionada ao público que se
identifica com a ideia de empoderamento feminino. Tem, entre muitas
funções, a de levar informação para viabilizar a desconstrução dos papéis
e esteriótipos de gênero amplamente difundidos em propagandas durante
décadas. Mulheres e meninas em diferentes contextos e países, podem se
sentir mais bem representadas em propagandas que exaltem, por meio da
propagação de informação, sua inteligência, profissionalismo, experiência,
formação e força, no lugar da tradicional imagem da mulher objeto. É
sobre esse mote que o femvertising vem crescendo, conseguindo com que
muitas organizações se adaptem às exigências de um público cansado de
ver as mulheres como subalternas, sofrendo com a violência. Há uma
pressão exercida pelo movimento feminista por décadas que agora começa
a repercutir nas propagandas, claro, somando-se isso ao fato de que as
empresas perceberam quão lucrativa é a ideia de inclusão por meio de um
tratamento mais equilibrado da imagem das mulheres.
Além das iniciativas do femvertising, surgem demandas por novas leis,
fiscalização e educação para corrigir a imagem estereotipada das mulheres
comumente admitida nas propagandas. Entre as organizações, constam
os observatórios e institutos. A agenda 2030 da Organização das Nações
Unidas (ONU) reforça ainda mais essa demanda, e coloca em evidência
em seu quinto objetivo de desenvolvimento sustentável a necessidade de
alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas
(ONU BRASIL, 2016).
A ONU Mulheres do Brasil (2017, p. 18) estabelece como
quinto princípio de empoderamento das mulheres “Implementar o
Mulheres em tempos de pandemia
| 219
desenvolvimento empresarial e as práticas da cadeia de suprimentos e de
marketing que empoderem as mulheres”, destacando-se entre as medidas
para sua aplicação:
A capacitação dos profissionais de marketing e negócios em
igualdade de gênero a fim de que a dignidade das mulheres seja
respeitada em todas as ações de comunicação, propagandas e nos
demais materiais da empresa;
Em relação às práticas de marketing, estabelecer alguns critérios para
suas ações de comunicação, como: inserir no processo de criação o
questionamento sobre como o material produzido projeta os papéis
sociais e se está reproduzindo estereótipos ou contribuindo para
uma visão igualitária entre homens e mulheres;
Criar um canal para registrar reclamações sobre a representação
de mulheres e meninas no marketing e outros materiais públicos
da empresa e atuar de forma proativa para corrigir possíveis más
práticas e garantir que não se repita.
No que diz respeito à legislação europeia, destaca-se a Resolução do
Parlamento Europeu, de 17 de abril de 2018, sobre igualdade de gênero
nos meios de comunicação, na qual se recomenda aos estados membros
que assumam o papel de incentivar e criar mecanismos para garantir a
igualdade de gênero nos meios de comunicação
3
.
Embora já existam incentivos e parâmetros como os fornecidos pela
ONU, a cultura sexista, misógina e que enfatiza esteriótipos associados
ao gênero, ainda permanece nas propagandas, demandando a constante
fiscalização e recepção de denúncias. Isso demanda instrumentos e meios
eletrônicos para garantir que sejam registradas e passem a ser usadas pelos
observatórios e institutos para produzir estatísticas, informes e recomendar
boas práticas, entre outras tarefas voltadas à educação da população para
torná-la atenta aos anúncios.
Assim, uma propaganda “[…] consiste em qualquer anúncio ou
comunicação persuasiva veiculada nos meios de comunicação de massa
https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-8-2018-0101_ES.html
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
220 |
em tempo ou espaço pago ou doado por um indivíduo ou organização.
(LIMA et al., 2008, p. 77). Nesse sentido, é a comunicação realizada junto
a diferentes públicos e que pode ter objetivos de informar o consumidor
sobre o produto ou serviço, quanto, como e onde comprá-lo. Desse
modo, é gerenciada, iniciando na identificação de qual mensagem será
enviada, avaliando como essa mensagem poderá ser recebida, construindo
a mensagem para que não haja ruídos, escolhendo o melhor canal
para facilitar o alcance ao receptor e definindo a linguagem e símbolos
que possam ser decodificados. Assim, qualquer que seja a ferramenta
promocional pretendida, precisa-se aplicar o gerenciamento a ela, um
processo que demanda pesquisa, identificação de informação para sua
aplicação. Existem muitas estratégias sendo aplicadas nos últimos anos,
entre as quais storytellyng, marketing de conteúdo e femvertising.
De acordo com Nascimento e Dantas (2015, p. 2), o Femvertising
passou a chamar a atenção em 2014 na Advertising Week, “Em um painel
mediado por Samantha Skey, Diretora Executiva da SheKnows, plataforma
de mídia americana que gera conteúdo direcionado ao público feminino”,
momento em que discutiram o papel da propaganda na propagação de
esteriótipos de gênero e de mensagens de empoderamento feminino.
Sobre o uso do termo ‘empoderamento das mulheres’, Nascimento
e Dantas (2015) explicam não haver consenso quanto aos conceitos,
consequências e fatores de legitimação, contudo, essa recente ênfase dada
ao empoderamento pode estar ancorada no fato de que as mulheres são
protagonistas nas decisões de compra e na grande presença que possuem
no ativismo digital. As autoras ainda sustentam que “Marcas que não
contemplam o real significado da causa estão sujeitas à rejeição ainda
maiores por parte do público.” (NASCIMENTO; DANTAS, 2015, p.
4). Assim, o trabalho realizado sobre o femvertising na propaganda precisa
conseguir construir uma mensagem de empoderamento que represente
algo que a empresa realmente apoie, não sendo possível usar falácias, uma
vez que se trata de um público cansado do uso indevido de sua imagem e
de sofrer violência.
Mulheres em tempos de pandemia
| 221
Para Menéndez-Menéndez (2019, p. 89), a origem do termo não
está clara, sendo uma tradução aproximada para o espanhol a expressão
publicidad feminista. Além disso, a autora explica que essa estratégia tem
produzido resultados para as empresas e a explica como sendo um
[…] neologismo com o que se define aquela publicidade
que, além de evitar mensagens especialmente lesivas sobre as
mulheres (esteriótipos de gênero, vexação da imagem feminina,
ridicularização das mulheres), se esforça por oferecer um discurso
potencialmente emancipador, pelo que estaria mais próximo da
primeira proposta que da segunda (tradução nossa).
Assim, torna-se necessário compreender de que maneira o marketing
pode colaborar para sua disseminação, pois se trata de um poderoso
instrumento de propagação de informação para um público ansioso
por representação, influenciando em maior atenção e nas denúncias
direcionadas para as propagandas que insistem em permanecer usando
esteriótipos de gênero e sexismo para representar as mulheres.
A tendência de comunicação que faz uso do femvertising demanda
investigar o ambiente, as crenças e valores que mostram o empoderamento
das mulheres. Essa tendência precisa ser assinalada no presente capítulo,
considerando que em alguns contextos, como o brasileiro, a tendência
de empoderamento e de tomar determinados cuidados com imagens
e informações sobre as mulheres na propaganda, pode antecipar uma
tendência mundial e suavizar e dificultar a identificação da violência, já
que esta apresenta-se mais amigável e camuflada de “empoderamento”.
Assim, o femvertising se mostra como uma prática adotada por organizações
que antecipam as críticas que poderiam ser lançadas para suas peças
publicitárias, inclusive, advindas de organizações que as observam.
3. procediMentos Metodológicos
Considerando a discussão proposta no capítulo, que era identificar
quais são os elementos contidos nas peças publicitárias que devem ser
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
222 |
percebidos e considerados violentos e por isso adotados como critérios pelos
observatórios para classificar as propagandas e para orientar a população,
classifica-se a pesquisa como exploratória. Assim, aplicou-se a análise de
conteúdo determinando as categorias à posteriori, visando identificar quais
são as categorias usadas, se são comuns a todos os guias observados, e o que
isso significa, chegando-se à construção das inferências. Assim, as unidades
de registro foram as abordagens usadas para definir os diferentes tipos de
violência, constituindo-se, como contexto maior, a violência sofrida pelas
mulheres. Para isso, a codificação adotada foi a presença ou ausência de
conteúdos mencionados nos guias à respeito de determinada categoria.
Dessa forma, a leitura do Quadro 1 indica que nas células vazias, não foi
identificada menção de conteúdo nos guias para as respectivas categorias,
o que também pode gerar inferências.
A análise de conteúdo é definida por Bardin (2011, p. 48) como:
[...] conjunto de técnicas de análise das comunicações visando
obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que
permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.
Desse modo, os passos sugeridos para aplicação da análise de
conteúdo categorial são: seleção de um córpus teórico, seguido pela leitura
flutuante; definição das unidades de recorte, as quais podem ser: palavras,
frases, parágrafos ou trechos inteiros, desde que sejam significativas, ainda
que recortadas do texto. Para o uso dado no presente capítulo, adotaram-
se trechos, que demonstrem a ideia de violência na percepção de cinco
observatórios e seus respectivos manuais, guias ou decálogos: GUIA 1 -
o Observatorio Andaluz de la Publicidad No Sexista (Espanhol), em seu
Decálogo para identificar la Publicidad Sexista; GUIA 2 - Observatorio
de la Imagen de las Mujeres en la Puclicidad (Costa Rica), em seu Guía
para identificar el sexismo contra las mujeres en la publicidad; GUIA 3 -
Observatorio de la Publicidad e Información no Sexista (Espanhol), em
seu Guía de intervención en publicidad y comunicación sexista; GUIA 4 -
Emakunde – Emakumearen Euskal Erakunde Instituto Vasco de La Mujer,
Mulheres em tempos de pandemia
| 223
em seu Código Deontológico y de Autorregulación para la Publicidad y la
Comunicación no sexistas; GUIA 5 - Observatorio de la discriminación en
rádio y TV (Argentina), em seu Guía de Violencia Simbólica y Mediática.
Tais observatórios foram selecionados por apresentarem materiais contendo
critérios explícitos e disponíveis para a consulta pública, muitos dos quais,
acompanhados das leis que os fundamentam.
Após essa fase, realizou-se a leitura e a identificação de quais trechos
deveriam ser destacados, compondo recortes. Assim, após a leitura,
optou-se por colocá-los em categorias que tipificassem a violência, escolha
motivada também pela ausência de detalhamento sobre o tema violência
associado à mulher na regulamentação da propaganda brasileira. Na
sequência, realizaram-se as inferências.
A escolha dessa técnica se justifica por permitir se tratar de uma
técnica que auxilia na sistematização, levando à inferências consistentes
sobre os resultados.
A seleção dos observatórios foi feita realizando inicialmente
uma busca no google.com.br, em janeiro de 2022, usando as palavras-
chave: observatorio, publicidad, mujer e violencia. A partir dessa busca,
também foi localizada uma lista de observatórios voltados à propaganda
no Observatorio de la Imagen de las Mujeres en la Publicidad da Costa
Rica
4
. Assim, optou-se por fazer a busca em espanhol considerando que em
português, os resultados foram insuficientes, à exemplo da localização do
Observatório da Mulher do Distrito Federal, que trata do tema violência,
contudo, não inclui o âmbito da propaganda.
Na busca usando os termos em espanhol, os resultados obtidos
incluíram vários tipos de observatórios voltados às mulheres, muitos
dos quais, não tratavam da questão das peças publicitárias e do uso de
informações e imagens que se referiam às mulheres, mas se referiam ao tipo
de informação exposta nos meios de comunicação, especialmente jornais
e revistas. Sobre isso, algumas conclusões também podem ser obtidas, as
quais são discutidas nas considerações finais do capítulo.
http://oimp.ciem.ucr.ac.cr/enlaces-de-interes
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
224 |
4. resultAdos e Análise
A organização dos materiais escolhidos para análise mostra as
informações dispostas nos guias de maneira distinta, ora destacando as leis,
levando à necessidade da população ser hábil em compreender a redação
de uma lei, ora exposta de maneira didática, com separações curtas, para
que o leitor acompanhe os itens ou critérios necessários para avaliar se
há ou não algum tipo de violência na propaganda. Compreende-se que
essas separações são fundamentais para facilitar ao leitor a apropriação dos
grupos de ideias, dos tipos de violência, em especial. Assim, cumprindo
seu papel de ser um guia ou manual orientador para todos. Considerando
que os conceitos classificados e exemplificados nos materiais estão, muitas
vezes, internalizados pela população como não violentos, a disposição do
conteúdo e o linguajar mais acessível precisam ser usados. Nesse sentido,
exceto pelo Guia de intervención en publicidad y comunicación sexista
do Observatorio de la Publicidad e Información no Sexista de Asturias
(Espanha), os demais mostraram-se mais acessíveis. Contudo, o Guía de
Violencia Simbólica y Midiática do Observatorio de la Discriminación
em radio y TV (Argentina), também apresenta barreiras, pois não detalha
como os demais e ao mesmo tempo, une o que deve ser observado na
mídia em geral e nas propagandas. Isso dificulta ao leitor compreender
quando se trata do tema mídia e quando se trata de propaganda.
Assim, e sabendo da lacuna na legislação brasileira, bem como
visando cumprir com o objetivo traçado para a discussão do capítulo,
propõe-se os critérios no quadro 1.
Mulheres em tempos de pandemia
| 225
Quadro 1: Categorização dos critérios mencionados nos guias
Unidades de Recorte - trechos presentes nos Guias
Categoria: abordagem
observada sobre a
violência
Guia 1 Guia 2 Guia 3 Guia 4 Guia 5
1 Não justificar
ou banalizar a
violência.
Justifica ou
banaliza qualquer
tipo de violência
contra as mulheres
e as meninas,
atenta contra
sua dignidade e
torna vulnerável
os direitos
reconhecidos.
Apresenta como
natural, normal ou
gracioso qualquer
manifestação de
violência contra as
mulheres;
Reproduzir
condições de dupla
discriminação e
desigualdade contra
as mulheres.
Atentar contra a
dignidade da pessoa
ou vulnerabilizar
os valores e direitos
reconhecidos na
constituição;
Recusar
argumentos,
expressões ou
imagens que
impliquem algum
tipo de violência
contra as mulheres.
2 Não usar modelos
ou padrões pessoais
e profissionais que
tradicionalmente
são destinados a
homens e mulheres.
Fomenta
modelos que
consolidam pautas
tradicionalmente
fixadas para
mulheres e homens.
Fomenta
esteriótipos ou
falsas crenças
sobre o papel das
mulheres no lar;
Mantém
esteriótipos sobre
os trabalhos e
contribuições das
mulheres no espaço
público;
Representar as
mulheres de forma
vexatória ou
discriminatória;
… na comunicação
institucional…
a transmissão de
uma imagem não
estereotipada,
igualitária e plural
de mulheres e
homens.
Apresentar as
mulheres e
homens em toda
sua diversidade,
desenvolvendo
diferentes papéis
e com pautas de
comportamentos
diversos evitando
a identificação de
profissões, atitudes,
hobbies ou desejos
como exclusivos
de mulheres ou
homens;
Evitar o uso
de esteriótipos
sexistas assim
como de modelos
teoricamente
igualitários
porém que, em
realidade, ocultam
o machismo
encuberto;
Evitar incorrer
em mensagens
que impliquem à
estereotipação e à
estigmatização das
mulheres através
da atribuição de
padrões, papéis
e/ou certas
características
físicas;
evitar roteiros
onde as mulheres
são estereotipadas
discriminadamente
com respeito aos
homens e manter
a perspectiva de
gênero como um
objetivo e não
como um clichê
para captar a
audiência.
3 Evitar usar posição
de inferioridade e
dependência.
Mostra as mulheres
e as meninas em
uma posição de
inferioridade e
dependência,
sem liberdade e
nem capacidade
de resposta e de
escolha.
Coloca as mulheres
em uma posição de
subordinação no
que diz respeito aos
homens.
Velará para
que as imagens
de mulheres e
homens através das
publicidade seja
igualitária, plural e
não estereotipada.
Mostrar mulheres
e homens em toda
sua diversidade, nas
mesmas profissões,
trabalhos
e posições,
equiparando seu
grau de autoridade,
relevância social e
poder.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
226 |
4 Evitar a ideia de
que não possuem
os próprios desejos
e vontades.
Invisibilidade dos
desejos e vontades
das mulheres e das
meninas.
Mostrar mulheres
e homens em toda
sua diversidade,
em posição
de igualdade,
como pessoas
independentes e
autônomas, ou seja,
evitar anúncios
que mostram
como “natural”
sua adequação aos
desejos e vontades
dos demais, ...
5 Evitar a ideia
de que são
emocionalmente
instáveis e devem
demonstrar
sentimentos mais
afetuosos.
Identifica às
mulheres com
comportamentos
e emoções como
a instabilidade
emocional, a
sensibilidade,
o carinho, a
abnegação, a
dependência, a
submissão, a inveja
e a falta de juízo
em suas reações.
Reforça esteriótipos
sobre as
características das
mulheres.
Mostraras
mulheres como
pessoas capazes
de controlar suas
emoções e reações
proporcionalmente
e mostrar
homens capazes
de exteriorizar
emoções.
6 Evitar padrões
de beleza
inalcançáveis,
necessários para
obter êxito.
Fixa padrões de
beleza inalcançáveis
para as mulheres,
associando-os
ao êxito pessoal,
profissional e/ou
social.
Associar a mulheres
e homens em todo
a sua diversidade,
com distintos
padrões de beleza,
sem vincular-los à
realização do êxito
social e econômico;
Fomentar modelos
de beleza diversos.
Impulsionar a
realização de
publicidades
que promovam
as diversidades
corpóreas e de
gênero, e que
rompam com
os esteriótipos
heteropatriarcais.
7 Evitar a ideia de
que o corpo é
imperfeito e precisa
ser melhorado,
é um problema
que precisa ser
corrigido.
Apresenta o corpo
das mulheres
como um espaço
de imperfeições:
mostra o corpo
e as mudanças
experimentadas
como problemas
a ocultar e/ou
corrigir.
Estabelece
esteriótipos
de beleza para
as mulheres,
pressionando-as a
consumir produtos
ou serviços para
corrigir seus corpos
ou ajustar-se a eles.
Apresentar
os processos
vinculados com
o corpo das
mulheres (como
menstruação ou
menopausa) como
processos naturais
e saudáveis.Não
apresentar as
mulheres como
as principais
destinatárias
dos produtos
farmaceuticos
e alimentares
relacionados com
a saúde.
Trabalhar a
consciência para
evitar conteúdos
que vinculem
a beleza física/
magreza com o
êxito e a felicidade.
Mulheres em tempos de pandemia
| 227
8 Evitar a ideia de
que o corpo é um
objeto;
Sexualização
(precoce).
Apresenta o corpo
das mulheres
como mero objeto
vinculando-o
ao produto ou
serviço sem mediar
a relação que o
justifique, como
meio de sugestão
ao consumo
(coisificação);
Promove
mensagens e/
ou imagens que
contribuem à
sexualização
precoce das
meninas.
Utiliza as mulheres,
seus corpos ou
sexualidade como
coisas, ornamento
ou prêmio.
… usando
particularmente
e diretamente seu
corpo ou partes
do mesmo, como
mero objeto.
Mostrar o corpo
de mulheres e
homens em toda
sua diversidade,
evitando sua
representação como
objeto decorativo,
substituível,
estético ou sexual
passivo e a serviço
da sexualidade e os
desejos do homem.
a representação das
mulheres através
de seu corpo ou
suas características
físicas e sua
consequente
coisificação.;
Deve-se omitir
conteúdos que
impliquem na
coisificação das
mulheres.
9 Evitar o uso
de linguagem
e imagens que
discriminam as
mulheres.
Utiliza uma
linguagem e
imagens que
excluem as
mulheres e as
meninas, dificulta
sua identificação,
as discrimina ou
as associa a valores
pejorativos.
Emprega
linguagem sexista
(não inclusiva).
A necessidade
de fazer na
comunicação
institucional, um
uso não sexista da
linguagem.
Realizar um uso
não androcêntrico
e não sexista das
linguagens.
10 Evitar a não
valorização da
diversidade dos
corpos.
Fomentar uma
comunicação
inclusiva que
reconheça as
diversidades
corpóreas e
as distintas
identidades de
gênero, e promover
diferentes modelos
de mulheres e
homens, já que
não existe uma
única forma de ser
mulher e homem;
Adotar a
modalidade de
body positive, …
romper com os
esteriótipos de
beleza associados
à magreza com
a finalidade de
prevenir potenciais
transtornos
alimentícios
e fomentar a
aceitação do
próprio corpo.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
228 |
11 Evitar a ideia de
que a igualde
de gênero é
desnecessária.
Promove a ideia
de que a igualdade
de gênero é uma
ameaça, exagero ou
incômodo.
12 Incluir diversidade
sexual, de gênero e
familiar.
Utilizar mensagens
que reflitam
as diversas
sexualidades
existentes;
Apresentar a
diversidade sexual,
de gênero e
familiar em todo
tipo de mensagens
publicitárias,
assim como evitar
qualquer atitude
discriminatória.
Fonte: Informações coletadas junto aos guias. Elaborado pela autora.
O quadro 1 propõe a organização dos trechos recortados em
categorias, as quais permitem visualizar o que é considerado significativo e
mais relevante para os observatórios. Foram 12 as categorias encontradas,
com algumas reunindo mais trechos, enquanto outras, aparecem isoladas.
Nesse sentido, uma primeira inferência sobre isso pode ser considerar que
existem abordagens sobre a violência que são mais comuns e por isso, há
maior frequência sobre elas nos trechos dos guias. Por outro lado, essa
insistência tanto na quantidade de trechos por guia, como por categoria,
indica se tratar de abordagens de violência mais antigas ou mais facilmente
reconhecidas e praticadas pela população. Ou também, que se trata de
uma abordagem há mais tempo incluída nas pautas de reivindicação
das mulheres. Observando o uso dado na propaganda, trata-se de tema
sustentado na cultura e nos padrões socialmente aceitos, o que não o torna
Mulheres em tempos de pandemia
| 229
menos violento, daí a necessidade de chamar a atenção incluindo-o no
guia, fomentando um olhar mais crítico sobre ele.
Na divulgação de uma propaganda, espera-se a capacidade de
interpretação por parte das pessoas, para que consigam interpretar e
acionar em suas memórias outros significados, complementando o que lhes
é mostrado. Lembrando que a definição de propaganda trazida no quadro
teórico remetia à noção de persuasão. Assim, para persuadir, utilizam-se
várias estratégias, trabalhadas de maneira específica nas abordagens de
violência destacadas nas categorias: para ser bem sucedida, para ser aceita
em um trabalho ou por um par romântico, é necessário atender aos
padrões estéticos; mas além disso, é fundamental também possuir outras
características, como ser dócil, aceitar colocar as próprias necessidades em
segundo lugar. Além disso, as características biológicas e de envelhecimento
são rechaçadas, devendo ser corrigidas ou diminuídas, como as rugas; ou
mesmo tratar a menstruação como algo anormal.
As propagandas são um instrumento de reforço, sendo por
isso, necessário que recusem difundir um contexto de insegurança, de
intolerância, de discriminação, de crueldade e de desigualdade para as
mulheres. Os observatórios, tal como definidos no quadro teórico, ajudam
a mapear e a produzir dados, mas no caso das direcionadas às propagandas,
são fundamentais para convocar a população e as empresas para atuarem,
aprenderem e praticarem juntos novos valores culturais, construindo
padrões igualitários.
Os itens dez, onze e doze trazem critérios cuja discussão é mais
recente, cuja inserção é mais difícil, principalmente em lugares que ainda
não explicitaram leis específicas sobre eles, locais em que a sociedade talvez
ainda sinta receio em abordá-los ou os trate como tabus. Alguns países
não incluíram pautas como a diversidade sexual e de família, constituindo
um tabu que passa longe de ser tema legislativo, dominado por padrões
heteronormativos. No Brasil, por exemplo, têm-se o caso do próprio
governo federal (2019-2022) ter proibido uma propaganda do Banco do
Brasil em 2019. O motivo para tal foi a abordagem de diversidade na
propaganda. Um incômodo e decisão classificados como ilegais em outros
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
230 |
países, já que a propaganda previa a diversidade, mostrando mulheres e
homens desse ponto de vista.
O primeiro elemento essencial para um guia brasileiro é possuir um
respaldo legal. Em segundo, considerar os manuais e práticas já adotados
em contextos com cultura semelhante para criar uma manual que se mostre
aderente aos avanços conquistados em outros países.
Ademais, as categorias 2 e 8 foram as que conseguiram reunir mais
trechos em todos os guias, indicando que esses são temas unânimes nos
diferentes contextos e que precisam ser abordados. Isto é, as propagandas,
consideradas também um meio de impulsionar e difundir determinadas
mensagens, precisam destacar para a população que o corpo da mulher não
pode ser coisificado e sexualizado, inclusive precocemente, assim como,
não se pode usar imagens e informações que insistam em tratar a mulher
de um ponto de vista discriminatório e estereotipado, em que lhe atribuem
algumas tarefas, papéis e sentimentos, enquanto aos homens, lhe cabem
outros. Essa limitação é uma violência e uma injustiça contra a mulher,
especificada em leis em muitos países.
4. considerAções FinAis
A impunidade e a falta de proteção às mulheres pode ser percebida
em diferentes situações, práticas e padrões sociais, os quais aparecem, por
exemplo em propagandas. As categorias destacadas dos guias revelam que
12 critérios ou itens podem ser usados para identificar uma propaganda
sexista e violenta contra a mulher. Algumas delas sugerem reconstruir
padrões arraigados, como é o caso de esteriótipos que precisam ser
repensados sobre a atuação profissional da mulher e suas escolhas e vontades
particulares, enquanto em outras, são introduzidos novos elementos como
amar a aceitar o seu funcionamento e características biológicas do próprio
corpo feminino.
Assim, os elementos contidos nas peças publicitárias que devem ser
percebidos e considerados violentos e por isso adotados como critérios
Mulheres em tempos de pandemia
| 231
pelos observatórios para classificar as propagandas e para orientar a
população: usar ou justificar a violência em propagandas; usar padrões e
esteriótipos sobre as mulheres e os homens; usar elementos que atribuam
inferioridade e dependência à mulher; sugerir dependência de qualquer
natureza; sugerir que são emocionalmente instáveis; sugerir que não
possuem desejos próprios, devendo se submeter às vontades de terceiros;
sugerir padrões de beleza inalcançáveis e que signifiquem sucesso; usar
padrões de beleza únicos, omitindo a diversidade de pessoas; coisificar o
corpo da mulher; usar linguajar e imagens que discriminem a mulher por
qualquer condição; sexualizar a imagem da mulher; sexualizar a imagem de
meninas; deve-se aderir e sugerir abordagem que inclua diversidade sexual,
de gênero e familiar.
A ausência de manuais e guias brasileiros sobre o tema pode ser
justificada tanto pelo contexto político atual, como por um contexto
de retorno a padrões que enaltecem um tipo de família específico, bem
como com um crescente poder religioso que vem se aproximando da
política e do poder legislativo, como é o caso da indicação de um juiz
terrivelmente evangélico” para ocupar um lugar no Superior Tribunal
Federal (NOGUEIRA; SILVA JUNIOR, 2021). Tudo isso, corrobora para
não florescer legislação específica, que mude os padrões de discriminação,
bem como para que potenciais observatórios não consigam se estabelecer
como ponto de produção e de difusão de informação sobre o tema. Os
resultados disso são a continuidade da violência.
Lembrando que a ONU Mulheres do Brasil (2017, p.18), em seu
quinto objetivo sugere ser necessário incluir as questões de gênero, e
esforços sobre as propagandas e ações de comunicação, visando respeitar
a dignidade das mulheres, bem como assinala que se tornou necessário
produzir critérios que norteiem as práticas de comunicação; bem como,
produzir canais que possam receber denúncias.
Entre as limitações da pesquisa, pode-se citar dificuldades para
executar a análise de conteúdo, em virtude de que as categorias abordavam
sobre tipos de violência, sendo trabalhosa a separação delas por estarem
imbricadas, o que claramente precisa ser revisitado, considerando
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
232 |
necessária a validade dessas categorias junto à profissionais que atuam nos
observatórios estrangeiros.
Assim, pesquisas futuras podem e devem adotar mais palavras-chave
na busca por observatórios, bem como na forma como percebem e abordam
a violência contra as mulheres. Além disso, é necessário identificar como
os projetos de lei e suas respectivas votações estão progredindo sobre o
tema, na medida que são as leis que podem dar respaldo para a atuação dos
observatórios.
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pArte iV
A     
| 237
C I 
M T
R S T (MST)
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
Aline Lucas Ribeiro
resuMo: Este artigo tem como objetivo apresentar uma análise descritiva sobre a Ciranda
Infantil do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que é um segmento
dentro do Setor de Educação do Movimento. Esse é o maior movimento social brasileiro
de luta pela terra. Utilizamos como metodologia a pesquisa de natureza bibliográfica e
análise documental, investigamos o surgimento do MST e a história da Ciranda Infantil.
Nessa análise encontramos elementos de luta das mulheres e reivindicações femininas em
prol de sua emancipação e dos cuidados pedagógicos para com seus filhos, fato coerente
com as propostas que são defendidas pelo Movimento. Vale ressaltar que o mesmo faz
crítica a da ordem vigente e busca evidenciar as desigualdades sociais e o massacre do
povo do campo. Dentro do MST existem crianças e elas fazem parte do Movimento, são
sujeitos de sua própria história, que acontece dentro do Coletivo. Assim como os demais
sujeitos que o compõe, as crianças fazem parte da construção.
pAlAVrAs-chAVe: Educação; Ciranda Infantil; MST; Mulheres em Movimento.
AbstrAct: is article aims to present a descriptive analysis of the Childrens Ciranda of
the Landless Rural Workers Movement (MST), which is a segment within the Movement’s
Education Sector. is is the largest Brazilian social movement fighting for land. We used
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-348-9.p237-252
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
238 |
as methodology the bibliographic research and documental analysis, we investigated the
emergence of the MST and the history of Ciranda Infantil. In this analysis, we find
elements of womens struggle and womens claims in favor of their emancipation and
pedagogical care for their children, a fact that is consistent with the proposals that are
defended by the Movement. It is worth mentioning that it criticizes the current order
and seeks to highlight social inequalities and the massacre of the rural people. ere
are children within the MST and they are part of the Movement, they are subjects of
their own history, which takes place within the Collective. Like the other subjects that
compose it, the children are part of the construction.
Keywords: Education; Childrens Ciranda; MST; Women in Motion.
considerAções preliMinAres
O presente artigo é parte da pesquisa que estamos realizando na
temática da Educação Infantil e dos movimentos sociais, apresentado
enquanto o Trabalho de Conclusão de Curso da primeira autora na
graduação em Pedagogia da Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP –
Campus de Marília.
O objeto desse artigo é analisar a Ciranda Infantil, do MST. Luedke
(2013, p. 29-30) define a Ciranda Infantil como:
[...] um espaço educativo, intencionalmente planejado, organizado
pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
com objetivo de trabalhar as várias dimensões de ser criança Sem
Terrinha. Atualmente, o MST vem realizando ações sistematizadas
das práticas educativas na Ciranda Infantil, cujo objetivo está na
relação entre adultos e crianças em um espaço organizado que
possibilite a formação humana além da dimensão da educação
formal ou escolar, ou institucionalizada. Além do MST, participam
da Ciranda outros Movimentos Sociais do Campo, como, por
exemplo: Movimento das Mulheres Camponesas (MMC),
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos
Pequenos Agricultores (MPA), entre outros.
Deste modo, pretendemos fazer uma análise descritiva sobre a
Ciranda Infantil e a concepção de Educação do MST, que está respaldada
dentro das políticas e diretrizes pedagógicas da Educação Infantil do
Mulheres em tempos de pandemia
| 239
próprio Movimento Social. No presente trabalho descreveremos a história
do surgimento das Cirandas Infantis e suas particularidades. A perspectiva
metodológica deste trabalho é de natureza bibliográfica e documental.
Utilizamos a pesquisa de natureza bibliográfica como aporte teórico,
que fundamentou nosso objeto de estudo. Quanto à pesquisa documental
restringimo-nos ao Caderno de Educação n° 14, de Junho de 2017,
Educação no MST Memória. Segundo o documento,
Entendemos que esta coletânea de documentos reflete o movimento
das discussões e das definições políticas de atuação do Setor de
Educação na relação com o conjunto das instâncias organizativas do
MST. É importante ter presente que nem todas as nossas discussões
e definições políticas chegam a ser transformadas em documentos.
Há muitos outros registros em relatórios de reuniões, em cadernos
pessoais de anotação e em arquivos eletrônicos à garimpar. E há muitos
elementos de memória oral a recuperar, também da construção do
trabalho de educação em cada estado, algumas delas já registradas
em entrevistas para escritos da história do MST. O movimento da
realidade é certamente mais rico do que os documentos conseguem
revelar, mas os textos aqui compilados conseguem nos dar uma ideia
de nosso percurso até aqui. (MST, 2017, p. 7).
Vale ressaltar que o Movimento construiu uma proposta pedagógica
própria para dar suporte e legitimar toda sua trajetória política e
posicionamento sócio-político. Deste modo, o que o Movimento pretende
é uma mudança estrutural da sociedade, e para isso se faz necessário uma
nova forma de educação, que seja uma educação popular, com vistas a
buscar uma sociedade democrática e justa, com elementos do socialismo e
contra o avanço do capitalismo:
[...] são propostas concretas que refletem o nosso desejo de
construir uma educação classista, que resgate a história verdadeira
– abafada pela escola tradicional -, que questione a realidade,
comprometendo-se com sua transformação, que eduque para a
libertação e não para manter o sistema, que leve o trabalhador
a reagir à dominação e a construir sua própria história. (MST,
2017, p. 12).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
240 |
Para tanto, o MST se empenha e investe na educação e formação dos
sujeitos que constituem seus quadros políticos e sociais, onde, dentro dessa
proposta de educação encontramos a Ciranda Infantil.
contexto histórico: o surgiMento do Mst e dA cirAndA
inFAntil
“Minha ciranda não é minha só
Ela é de todos nós
A melodia principal quem
Guia é a primeira voz. Pra se dançar ciranda
Juntamos mão com mão
Formando uma roda
Cantando uma canção.”
(Lia de Itamaracá)
A forma de ocupação e exploração das terras brasileiras pelos
Portugueses deu início à desigualdade social que existe no Brasil até os dias
de hoje. Já se somam mais de cinco séculos em que o latifúndio expropria,
mata e dita as regras de toda uma sociedade. Porém, durante toda essa
história de exploração também foram travadas inúmeras lutas e resistências
populares e camponesas. Como exemplo de nossa resistência, podemos
citar aqui, os Índios Guarani, os povos Quilombos, as Ligas Camponesas,
Canudos, e o mais recente, Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST). Todos esses, dentre muitos outros, lutaram contra a mercantilização
e exploração da terra e do próprio ser humano.
Um movimento que virou símbolo de luta em nosso país foi o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – o MST, fundado em
1984.
Gestado entre 1979 e 1984, e criado oficialmente em 1984,
fruto da impossibilidade dos trabalhadores do campo em se
Mulheres em tempos de pandemia
| 241
manter fora da luta devido às situações históricas (do latifúndio
brasileiro) e objetivas (expulsão dos trabalhadores do campo
em nome de uma mecanização nas lavouras). Somadas essas
situações e percebida a necessidade de uma maior articulação
para a luta, pois a história revelou que manifestações isoladas
acabavam sendo esmagadas e morrendo rapidamente, as
condições e articulação das primeiras lideranças deram vida ao
MST. (BARCELLOS, TORRES, 2019, p. 59).
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra cresceu se
tornando um expoente de luta social pela Terra, pela reforma agrária e
pela valorização da cultura e modo de produção campesino, de modo
que, com toda essa demanda política do movimento, surgiu também
a preocupação com o tipo de educação que seria fornecida a esses
sujeitos. Ou seja, o Movimento se consolidou e a educação exerceu papel
fundamental nesse processo.
Entretanto, vale ressaltar que a preocupação com a educação é
intrínseca ao Movimento, na qual, desde o início de sua formação, foi
pauta de suas reivindicações, pois, no interior de sua luta, em sua prática,
fez-se necessário uma nova consciência política e social, visto que o
Movimento tem como motor a luta contra o avanço do capitalismo, um
novo sujeito, coletivo e modernizador “[...] a educação do MST estrutura-
se enquanto uma pedagogia da luta social, isto é, a luta engendrada pelo
Movimento educa as pessoas, e suas diretrizes pedagógicas orientam suas
ações políticas.” (PALUDETO, 2018, p. 37).
Assim, devemos compreender a Ciranda Infantil como uma vertente
dentro do setor de Educação do Movimento.
As primeiras experiências de atendimento organizado para com as
crianças do Movimento nasceram de duas necessidades, foram elas que
deram origem às suas primeiras Cirandas.
A primeira delas foi a preocupação das mães e mulheres do MST
com a situação de seus filhos. Segundo Paludeto (2018, p. 54),
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
242 |
[...] A principal motivação da luta pela escola dentro dos
acampamentos adveio da necessidade concreta de ocupar as
crianças ociosas com atividades e explicar as agitações pelas quais
estavam passando. Por isso, grupos de mães passam a orientar as
brincadeiras do grupo de crianças e a explicar, pelo menos um
pouco, o que está acontecendo em suas vidas, integrando-as nas
várias atividades do Acampamento.
Segundo a autora, os grupos de mães passaram a orientar e
direcionar atividades de maneira politizada para os grupos de crianças
dos acampamentos e assentamentos. Essa preocupação do MST com
suas crianças, foi e ainda está na contramão do que temos observado em
nossa sociedade capitalista e adultocêntrica, em que as crianças e mulheres
sempre foram tratadas como acompanhantes.
A história do Movimento nos mostra que essa preocupação com
a infância foi legitimada juntamente com os processos de consolidação
do Movimento, enxergando os componentes da luta, todos, em suas
peculiaridades, sem excluir nenhum dos seus integrantes.
O MST que durante muito tempo considerou as crianças somente
como testemunhas e membros das famílias que participavam das
ocupações de terras. Fora necessário muito choro, birra, gritos,
brincadeiras e mobilizações, para que o próprio Movimento
enxergasse essas crianças como sujeitos da luta pela terra. São elas
também que ocupam a terra, que reivindicam direitos pela sua
infância que deveriam ser garantidos pelo Estado. (BARCELLOS;
TORRE, 2019, p. 63).
A segunda necessidade do Movimento em organizar o atendimento
às crianças se deu novamente a partir de necessidades das mulheres, pois
elas precisavam ajudar na produção, na militância, no crescimento do
Movimento, nas articulações e organizações. “[...] a participação das mulheres
na produção, através das cooperativas e associações, do trabalho coletivo e,
no conjunto do MST, a participação das mulheres na militância, nos cursos
e encontros de formação, nas reuniões, nas lutas.” (MST, 2017, p. 91).
Mulheres em tempos de pandemia
| 243
Para isso, se fez necessário a construção de uma dinâmica coletiva
que conseguisse atender essas crianças de 0 a 6 anos, que na maioria das
vezes são negligenciadas pelo Estado, que se diz obrigado a fornecer a
educação infantil apenas a partir dos 4 anos de idade.
De acordo como Ângelo Diogo Mazin, assentado no assentamento
Luiz Beltrame, localizado na região de Garça – SP, a prefeitura da cidade
vizinha ao assentamento (Ubirajara – SP), argumenta que não tem
transporte público adequado para atender essa faixa etária. Abandonando
assim, essas crianças sem respaldo educacional público nos assentamentos
rurais da região. No caso desse assentamento, a situação se torna ainda
mais grave, pois o assentamento tem apenas 5 anos de existência, não
está consolidado estruturalmente e vem sofrendo com um processo de
reintegração de posse, o que torna a situação de todos ainda mais difícil,
sobretudo para as crianças que ficam a mercê de uma lei interpretada
erroneamente” pelo poder público. (Entrevista realizada com Ângelo Diogo
Mazin da coordenação estadual do MST-SP e assentado no assentamento
Luiz Beltrame em Gália-SP, dia cinco de novembro de 2019).
Sabemos que essa é uma realidade do campo que sofreu e ainda sofre com
o êxodo rural, com a falta de investimento, e como a falta de cuidado e respeito
com sua cultura, seu modo de vida, e sua gente. A precariedade e a falta de
investimentos no campo, ainda hoje, têm feito famílias inteiras abandonarem
suas terras, dirigindo-se a cidade em busca de melhores condições de vida e
acesso a serviços públicos básicos, como os de saúde e educação.
A partir da década de 1950, considerado o período ‘desenvolvimentista’,
principalmente pela conjuntura de industrialização do Brasil, a
ideia de progresso enfatizava uma cultura de supervalorização do
mundo urbano, em detrimento do mundo rural. Tal contexto de
predomínio da cultura urbana fortaleceu a percepção social das
pessoas do meio rural por meio de estereótipos negativos, tais como
tabaréu’ ‘capiau, ‘caipira’, ‘atrasado’, ‘matuto’, dentre outros. Em
função dessa percepção, o campesino, além de representar entrave
ao desenvolvimento por sua suposta ‘ignorância’ e ‘ingenuidade’,
era considerado ‘presa fácil’ para a subversão. Assim, era necessário
controle estatal sobre essa população para combater ‘o comunismo
e garantir o desenvolvimento/progresso da sociedade brasileira.
(SANTOS, 2018, p. 5).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
244 |
No caso das crianças do MST, essa exclusão é ainda mais latente devido
à criminalização do Movimento, oriundo dos meios de telecomunicação,
respaldando grandes latifundiários capitalistas, Governos, e a própria mídia.
Isto posto, foi a partir dessas duas necessidades que nasceu o embrião
da Ciranda Infantil. Inspirada na experiência cubana de Círculos Infantis,
as primeiras manifestações de organização com as crianças do Movimento
levavam este nome e aconteceram no MST-CE.
Dessas primeiras experiências de Círculos Infantis, aconteceram as
primeiras discussões acerca da Educação Infantil do Movimento no Setor
Nacional de Educação na cidade de Santos/SP em 1996.
Posteriormente, a educação infantil virou pauta de discussão,
debates, oficinas e cursos de formação de professores e educadores infantis
dentro do Movimento. Com o passar do tempo e aprimoramento dessa
experiência, os Círculos Infantis passaram a se chamar Cirandas Infantis,
fazendo referência à nossa cultura popular brasileira, às brincadeiras de
roda das crianças, nossas danças e também “[...] à cooperação, à força
simbólica do círculo, ao coletivo e ao ser criança.” (MST, 2017, p. 91).
Assim, foi decidido coletivamente os principais desafios da educação
infantil no MST:
Ampliar a discussão sobre a educação familiar, a necessidade das
famílias compartilharem a educação das crianças de 0 a 6 anos
com a comunidade, o coletivo, a escola infantil, em nosso caso,
as cirandas infantis; Lutar por políticas públicas para a Educação
Infantil do Campo, uma educação infantil que respeite a diversidade
dos sujeitos que formam e transformam o campo brasileiro;
Lutar contra a exploração do trabalho infantil, trazendo como
contraponto a participação amena das crianças em tarefas ao lado
das família, o aprendizado do trabalho do campo, o aprendizado da
terra, de ser um homem, uma mulher da terra. (MST, 2017, p. 92).
A primeira Ciranda Infantil aconteceu em 1997 no I Encontro
Nacional dos/as Educadores da Reforma Agrária (Enera), na cidade de
Brasília e daí por diante a Ciranda Infantil se tornou parte fundamental
Mulheres em tempos de pandemia
| 245
dos encontros do Movimento. Sendo organizado com intencionalidade
pedagógica e em duas modalidades que explicaremos a seguir; a Ciranda
Infantil Permanente e a Ciranda Infantil itinerante.
cirAndA perMAnente – A pArticipAção dAs Mulheres no trAbAlho
coletiVo
As Cirandas Infantis foram concebidas no Movimento para atender
a demanda das crianças com idade inferior a seis anos de idade.
No entanto, é importante frisar que, num primeiro momento,
as Cirandas foram pensadas porque as mulheres, principalmente
aquelas que eram mães, queriam participar ativamente das
discussões, organizações, embates, ações e lutas do Movimento,
mas não tinham onde deixar as crianças. Por esse motivo foram
criadas as primeiras experiências de atendimento organizado para
as crianças pequenas. (BARCELLOS; TORRES apud PELOSO,
2013, p. 10).
A Ciranda permanente, como já mencionado anteriormente, é uma
alternativa ao abandono estatal com a educação infantil e principalmente
com a educação no campo. Nos grandes centros já sabemos que as filas de
espera das creches são enormes. [...] “Começamos a atuar na perspectiva
da Educação do Campo quando, alguns anos depois de estar fazendo a luta
por escolas públicas nos assentamentos, nos demos conta de que os Sem
Terra não são os únicos excluídos da escola.” (MST, 2017. p. 86).
No que se refere à educação no campo, ela simplesmente não existe,
apesar de ser mencionada nos documentos oficiais “Cirandas infantis
são experiências importantes, pois esta tem uma possibilidade de ser
uma referência nas discussões e implementação das políticas públicas de
educação infantil no campo.” (ROSSETTO, 2019, p. 83).
As Cirandas Infantis permanentes foram inicialmente propostas pelo
setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST pois as mulheres
mães precisavam participar dessa produção e são as mais afetadas pela falta
de políticas públicas para a infância no campo, além claro, das próprias
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
246 |
crianças, mas são as mães que se alienam de si mesmas para os cuidados
e bem estar de seus filhos. Sendo assim, esse olhar emancipador para as
mulheres mães e seus filhos, dentro do Movimento, ganhou legitimidade e
força, implicando ainda no surgimento de outra demanda de discussão de
extrema relevância, o Setor de gênero:
Assim, com a saída para o trabalho nas cooperativas e com
processo de luta pela terra, as mulheres sem terra organizaram-
se internamente no Movimento e para realizar o enfrentamento
contra o capital. Em 2000, no Encontro Nacional do MST, foi
aprovada a criação do Setor de Gênero. Na atualidade, as mulheres
do MST vêm travando várias lutas com as grandes empresas
multinacionais. Estas lutas ficam mais visíveis para a sociedade
no dia 08 de março, data em que as mulheres fazem várias ações,
denunciando o modelo agrícola que grandes empresas como
Monsanto, Vale do Rio Doce, Aracruz, etc., vêm desenvolvendo
no campo brasileiro. Analisando esta experiência, podemos
ressaltar que ela possibilitou às mulheres e crianças saírem do
seu espaço privado, ou seja, sair de casa, e conquistar seu espaço
público no MST. (ROSSETTO, 2009. p. 100).
A necessidade de criação Setor de gênero está na busca pela
transformação da sociedade, que não é possível de se alcançar sem a
superação das desigualdades nas relações de gênero (PESSOA, 2018).
Dessa forma, como o próprio movimento prevê:
O setor de Gênero do MST compreende que discutir e buscar
construir novas relações de gênero não está descolado da luta
de classes. Ao contrário, entende que essas lutas não podem
acontecer separadamente. O setor luta exatamente para garantir
que as mulheres participem do processo de luta pela transformação
social como sujeitas da história. Por isso procura garantir que elas
tenham iguais oportunidades de militar e dirigir o movimento.
Afinal aprendemos na experiência destes 20 anos do MST que é
participando que se eleva o nível de consciência. É no processo de
formação permanente, com teoria e prática, que vamos deixando
de ser objeto para nos transformarmos em sujeitos (as) sociais.
(MST, 2003, p. 22).
Mulheres em tempos de pandemia
| 247
Hoje, as instâncias do MST são compostas por 50% de mulheres e
50% por homens. Vale destacar que nesse processo existem muitos homens
também contribuindo na construção das Cirandas, principalmente
das Cirandas Itinerantes, assim como, muitos casais trabalhando com a
Pedagogia do Movimento no interior da Ciranda.
Nesta direção, o MST tem buscado construir uma ação pedagógica
e atuar como sujeito educativo para os (as) sem-terra e também
para o conjunto da sociedade, de modo a contribuir de alguma
maneira para reorientar as possibilidades de formação e vivências
que induzam a práticas mais democráticas e solidárias nas relações
de gênero. (SABIA; BRABO, 2016, p. 183).
As Cirandas Infantis permanentes atendem as crianças nos
assentamentos e cooperativas, fazendo o papel que o Estado não faz
e durante todo o período de trabalho de suas famílias na produção
do assentamento. Elas têm sua proposta pedagógica definida pelo
Movimento e um investimento na formação de professores específicos
para a educação infantil.
cirAndA itinerAnte – Mulheres eM MoViMento, Mulheres do
MoViMento
Organizada por um coletivo de educadores, o espaço tem como
objetivo realizar atividades pedagógicas com os Sem Terrinha
durante o encontro, possibilitando a participação efetiva dos pais,
especialmente as mulheres. Na ciranda, as crianças aprendem
sobre a sua história e identidade camponesa, quando diversos
temas são abordados, inclusive a luta pela Reforma Agrária, por
meio do teatro, músicas, filmes, desenhos e pinturas. Os elementos
lúdicos, a arte, o estudo e a brincadeira se misturam neste espaço
de aprendizado onde os Sem Terrinha constroem conhecimento.
(MST, 2015, p. 1).
Uma das principais características do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra é sua peregrinação militante, seus acampamentos de
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
248 |
lona, confrontos com policias e com grandes latifundiários armados e
respaldados pelo senso comum coletivo de criminalização do Movimento,
independente de estarem atirando contra famílias inteiras que carregam
crianças em suas buscas pelo direito de plantar, colher e erguerem suas casas
na terra cultivada, fruto do seu trabalho, produtivo, diga-se de passagem.
Para tanto, a Ciranda Infantil Itinerante garante a segurança, na medida
do possível, das manifestações e articulações do Movimento e/ou também,
garantem o espaço lúdico e educativo durante reuniões, oficinas e estudos
de suas mães e pais. Atendendo especialmente a ocupação, por parte das
mulheres mães das estâncias de luta e do Saber.
Assim, com a saída para o trabalho nas cooperativas e com processo
de luta pela terra, as mulheres sem terra organizaram-se internamente
no Movimento e para realizar o enfrentamento contra o capital. Em
2000, no Encontro Nacional do MST, foi aprovada a criação do
Setor de Gênero. Na atualidade, as mulheres do MST vêm travando
várias lutas com as grandes empresas multinacionais. Estas lutas
ficam mais visíveis para a sociedade no dia 08 de março data em que
as mulheres fazem várias ações, denunciando o modelo agrícola que
grandes empresas como Monsanto, Vale do Rio Doce, Aracruz, etc.,
vêm desenvolvendo no campo brasileiro. Analisando esta experiência,
podemos ressaltar que ela possibilitou às mulheres e crianças saírem
do seu espaço privado, ou seja, sair de casa, e conquistar seu espaço
público no MST. (ROSSETTO, 2009, p. 100).
conclusão
Podemos comparar a Ciranda Infantil do MST com o nosso
modelo de ‘creches’ e parquinhos infantis? Não. A Ciranda está para
além, desde sua formação, no embrião do Movimento, pois ele se
constitui por famílias, em sua grande maioria, são crianças e mulheres,
que impulsionaram este galho que pertence a uma árvore frutífera que é
o Setor de Educação do Movimento.
Com o crescimento do MST e a implementação das Cooperativas,
os assentados e acampados do Movimento saíram do modo de produção
individual, em que cada um trabalhava o seu lote, para adentrarem no
Mulheres em tempos de pandemia
| 249
trabalho coletivo. Fez-se necessário o pensamento coletivo sobre o que
plantar, o que colher, onde vender, e o que fazer com as crianças. Por meio
do trabalho modificaram suas estruturas de pensamento. A Ciranda faz juz
à essa mudança de paradigmas:
Por isso, para o MST se faz necessário vincular as Cirandas Infantis
às ações concretas que apontem às crianças o caminho do trabalho
coletivo. Como também não podemos desvincular a ciranda dos
seus educadores e educadoras para que estes/as tenham, no seu
horizonte, uma prática educativa na perspectiva de uma educação
emancipadora. (ROSSETO, 2009, p. 100).
Ainda para além, sua finalidade é valorizar e trabalhar a identidade
de seus atores, com sua realidade: a realidade do sujeito do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que têm em sua história, o cheiro de
Terra. Não abordamos neste artigo sobre os Sem Terrinha, onde se legitima
a identidade das crianças Sem Terra pois, nosso intuito aqui, é descrever a
Ciranda infantil e suas nuances de surgimento e proposta revolucionárias
pois, para além de emancipar mulheres mães, proporcionando que saiam
tranquilas do âmbito doméstico, o qual foi destinado na cultura patriarcal,
às mulheres, a Ciranda também, trabalha pedagogicamente no sentido de
politizar a infância do Movimento, os fazendo reconhecer-se como sujeitos
históricos, dotados de vontades e direitos. São crianças de 0 a 6 anos na
Ciranda Permanente que estariam debaixo de sol, em papelotes, sem água
e alimentos, esperando o fim do dia, quando se encerra a colheita. Crianças
que não se reconheceriam como seres políticos e sofreriam ainda mais as
maldades do universo urbano que os repudia, legitimados pelo Estado.
Vale dizer também que elementos da Mística são muito utilizados
na Educação Infantil, pois, esta traz teatro e músicas para expressar sua
história e realidade.
[...] o eixo central acerca das primeiras escolas conquistadas pelo
MST, não é a conquista em si da escola, mas sim o universo
que permeia as motivações em se ter escolas nos assentamentos/
acampamentos; os por quês e como as escolas são organizadas e
dirigidas, os conteúdos trabalhados e como são selecionados,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
250 |
quem são os professores e professoras, quais os fundamentos e
os objetivos da educação, para que possamos compreender seu
programa político-educacional geral. (PALUDETO, 2018. p. 55).
Sobretudo se analisarmos a política educacional das escolas
tradicionais, voltadas para atender a estrutura capitalista, adestrando as
crianças numa educação limitada e submissa, como afirma Krupskaya em
seu texto ‘A mulher e a educação das crianças’ datado de 1899, nas escolas
é proibido dizer a verdade, as únicas verdades absolutas são as de Deus e do
Mercado. Emancipação humana amedronta os donos do poder.
A Ciranda é o semear do carvalho educacional do sujeito do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. É essa semente (a
criança) que construindo sua identidade dentro do Movimento, através
dessa luta e dessa proposta pedagógica dotada de subversão, que pode ser a
força motriz revolucionária que o Movimento propõe. Afinal, são poucos
os donos da Terra e dos meios de produção. Já os Sem-Terra são muitos.
reFerênciAs
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Mulheres em tempos de pandemia
| 251
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252 |
| 253
F C P
   
M T
R S T
PeAsAnt PoPulAr Feminism And
domestic violence in the lAndless
rurAl workers movement
Iara Milreu Lavratti
resuMo: As mulheres e LGBTs organizadas em Movimentos Sociais do Campo têm
construído, internacionalmente, o Feminismo Camponês Popular a partir de suas
próprias lutas e bandeiras. Esta pesquisa discorre acerca deste processo no Movimento de
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), apresentando as transformações em suas linhas
políticas de gênero, identificadas nos cadernos de formação do Setor de Gênero dos anos
de 1999 e 2017, expressas no I Congresso Nacional das Mulheres Sem Terra em 2020
e na Rede de combate à violência doméstica do estado de São Paulo. Assim, objetiva-
se discutir alguns dos reflexos sociais, teóricos e políticos do Feminismo Camponês
Popular, explorando a produção de conhecimento das próprias mulheres camponesas
que se organizam no MST, conhecidas como ‘Mulheres Sem Terra’. Faz uso da pesquisa
https://doi.org/10.36311/2023.978-65-5954-348-9.p253-276
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
254 |
bibliográfica, recuperação e análise de materiais internos (fontes primárias) e de entrevista
realizada com dirigente estadual da organização.
pAlAVrAs-chAVe: Gênero; Feminismos; Mulheres Sem Terra; Linhas Políticas;
AbstrAct: Women and LGBTs from rural social movements have builded, internationally,
Peasant Popular Feminism based on their own struggles and banners. is research
discusses this process in the Movement of Landless Rural Workers (MST), presenting
the transformations in its gender political lines, identified in the training notebooks of
the Gender Sector of the years 1999 and 2017, expressed in the I National Congress
of Landless Women in 2020 and in the Network to combat domestic violence in the
state of São Paulo. us, it aims to discuss some of the social, theoretical and political
reflexes of Popular Peasant Feminism, exploring the knowledge production of the peasant
women themselves who organize in the MST, known as ‘Landless Women’. It makes use
of bibliographical research, recovery and analysis of internal materials (primary sources)
and an interview with a state leader of the organization.
Key-words: Gender; Feminisms; Landless Women; political guidelines;
1. introdução
A violência contra as mulheres se expressa de múltiplas maneiras
na sociedade brasileira e é possível identificá-la em diferentes âmbitos da
vida social. Ela pode, por exemplo, se manifestar na violência doméstica,
que tem se estabelecido enquanto expressão da dominação patriarcal
capitalista nos espaços privados (SAFFIOTI, 2015). A partir de um recorte
de gênero, percebe-se que este é um tipo de violência que, apesar de se
destinar também às crianças, jovens e idosos, acomete recorrentemente as
mulheres
1
e LGBTs
2
.
Quando pensamos no seu enfrentamento, observa-se que apesar
dos avanços em políticas públicas de combate à violência doméstica nas
cidades, no meio rural há poucas ações que promovam a segurança dos
múltiplos sujeitos, tanto em seus espaços públicos quanto privados. Nesse
sentido, este artigo discorre sobre como tem sido a resposta à violência em
Mulheres cisgênero (que se identifica com o sexo biológico com o qual nasceu) bem como
transgênero (pessoa que nasce com determinado sexo biológico, e não se identifica com o tal).
A sigla é a representação de Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Travestis, e hoje
abrange também pessoas Queers, Intersexuais, Assexuados; e muitas outras (LGBTQIAP+)
Mulheres em tempos de pandemia
| 255
seus territórios, por meio da atuação do Setor de Gênero do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Este combate tem perpassado pela elaboração de um Feminismo
camponês popular, de caráter internacional e interseccional
3
nos diversos
movimentos sociais do Brasil como o MST, Movimento de Mulheres
Camponesas (MMC), o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB);
a Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas
(CONAQ) e o Movimento Nacional pela Soberania Popular frente à
Mineração (MAM) e da América Latina
4
. Assim, apoiando-se na análise
descritiva das linhas políticas de gênero do MST e suas transformações -
que podem ser observadas nos cadernos do Setor de Gênero (1999; 2017)
e expressas na programação do I Congresso Nacional das Mulheres Sem
Terra realizado em Brasília no ano de 2020 e em diretrizes que fomentam
a construção de Redes de Combate à Violências nos territórios, busca-se
investigar como os sujeitos Sem Terra têm abordado e enfrentado o tema
da violência doméstica contra as mulheres.
Objetiva-se neste artigo apresentar os reflexos sociais, teóricos e
políticos do Feminismo Camponês Popular, explorando a produção
de conhecimento das próprias mulheres camponesas que se organizam
no MST, conhecidas como ‘Mulheres Sem Terra’. Dessa forma, por
meio de pesquisa bibliográfica, da recuperação e análise de materiais e
de uma entrevista produzida com dirigente do Movimento, procura-
se compreender essa construção popular e as incidências nas vidas das
mulheres trabalhadoras rurais sem terra.
Para tanto, é preciso refletir que o Feminismo Camponês Popular
parte da constante construção de uma perspectiva feminista que surge no
interior dos movimentos sociais camponeses, em que os sujeitos femininos
elaboram, a partir de suas demandas, direções para a emancipação
da mulher e LGBTs na sociedade patriarcal, capitalista e racista no
interior dos Movimentos Sociais. Estes movimentos estão inseridos na
Compreende os sujeitos e as relações sociais expressas em suas especificidades de raça, gênero e
classe econômica, política e social.
Composta por países em continentes como Caribe, América Central, América do Sul e América
do Norte.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
256 |
Coordinadora Latinoamericana de organizaciones del campo (CLOC)
e Via Campesina, a qual, de forma articulada nos cinco continentes,
tem unificado a luta feminista interseccional
5
dos povos do campo e
da floresta, dentro da luta pela Reforma Agrária, bem. Percebe-se que
essa construção ocorre por meio de trocas com diversos movimentos e
organizações que constroem a partir de suas necessidades, experiências e
visões de mundo um feminismo interseccional que abrange as discussões
e expressões de raça, classe e gênero.
Este trabalho está dividido em três partes: na primeira, apresenta o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, enquanto na segunda,
discute o acúmulo teórico e político do feminismo camponês. Na terceira
parte analisa a construção desta perspectiva feminista dentro do MST e
comenta sobre o I Congresso Nacional das Mulheres Sem Terra, realizado
em 2020 como resultado de uma formação política e de gênero na base,
militância e direção do Movimento, bem como a criação da Rede de
Combate à Violência Doméstica, com articulações estadual e regional,
como expressões dessa organização feminista dentro do movimento.
Algumas das autoras utilizadas neste artigo são Heleieth Saffioti (1976,
2015), Marta Farah (2002), Isis Taboas (2020), Angela Davis (1981),
Patrícia Collins (1990) e Simonetti (2012).
2. breVe histórico do MoViMento dos trAbAlhAdores rurAis
seM terrA
O MST surge mediante a organização autônoma de trabalhadores
e trabalhadoras rurais em meados de 1984, a partir das lutas e ocupações
6
Interdependência das relações de poder de raça, sexo e classe. Segundo Hirata (2014), o uso
do termo passa a ser mais frequente a partir de 2000, pode-se dizer que sua origem remonta
ao movimento do final dos anos de 1970 conhecido como Feminismo negro (DAVIS, 1981;
COLLINS, 1990), criticando o feminismo branco, de classe média, heteronormativo. A
problemática da “interseccionalidade” foi desenvolvida nos países anglo-saxônicos a partir
da herança do Black Feminism, desde o início dos anos de 1990, dentro de um quadro
interdisciplinar, por Kimberlé Crenshaw e outras pesquisadoras inglesas, norte-americanas,
canadenses e alemãs.
Termo utilizado pelo MST para definir uma manifestação política dos trabalhadores em que
se ocupa terras que não cumprem sua função social para pressionar o governo a desapropriar
Mulheres em tempos de pandemia
| 257
de terras, por direitos sociais e melhores condições de trabalho no campo.
Tendo a Reforma Agrária Popular
7
como objetivo principal, são reunidas
centenas de milhares de pessoas que atuam na organicidade do Movimento,
entre direção, militância, base e massa. O MST é gerido em níveis regionais,
estaduais e nacional, através de diversos setores, como: Frente de Massas;
Formação; Educação; Produção; Comunicação; Projetos; Gênero; Direitos
Humanos; Saúde; Finanças; Relações Internacionais; Ocupação de terras;
Acampamentos; Marchas; Jejuns e greves de fome; Ocupação de prédios
públicos; entre outros. Cada setor articula demandas específicas dos grupos
que fazem a luta pela justa divisão de terras agricultáveis.
Este é um movimento de vanguarda que tem como projeto político e
social a criação de um modelo de sociedade baseado na divisão igualitária de
terras. Com seu amadurecimento, passam também a lutar pela superação
do sistema capitalista e patriarcal, criando novas táticas e estratégias, para
ampliar a comunicação direta com a sociedade brasileira e internacional.
O MST possui objetivos específicos, como lutar pela terra, pela
reforma agrária e por mudanças sociais no país. Com o fim da Ditadura
Civil-Militar (1964-1985) despontam, com mais intensidade, novos focos
de lutas e resistências, e as ocupações de terra se tornam instrumentos de
expressão camponesa e de contestação do autoritarismo (sendo este último
defendido pelas elites patriarcais). Assim, mulheres, homens e famílias
inteiras compostas por posseiros, arrendatários, assalariados, meeiros,
atingidos por barragens, agricultores sem terras, entre muitos outros
sujeitos, passam a se organizar nesta e em outras organizações.
Com o intercâmbio de outros movimentos que também lutavam
pela justa divisão das terras brasileiras, os trabalhadores rurais, homens e
mulheres que protagonizavam as lutas pela democratização da terra e da
sociedade brasileira, reúnem-se no 1° Encontro Nacional, em Cascavel,
a área e assentar famílias sem terras, sendo o proprietário indenizado. (MORISSAWA, 2001)
Enquanto isso, a mídia brasileira utiliza de forma pejorativa o termo invasão.
7
No livro Experiências históricas de Reforma Agrária no mundo, João Pedro Stedile (2020) identifica diferentes
tipos de Reforma Agrária que aconteceram no mundo: clássica, reformista, popular, radical, anticolonial,
parcial ou moderada, socialista e de libertação nacional. O MST defende o caráter popular na divisão das
terras brasileiras, uma distribuição massiva para quem deseja plantar alimentos.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
258 |
no Paraná. Neste momento, decidem coeltivamente pela fundação de um
movimento camponês nacional, com a proposta de uma Reforma Agrária
Popular, visando a redistribuição de terras no país e a transformação da
lógica do sistema capitalista de produção de alimentos, em um momento
em que o aumento do desemprego, trabalho infantil, do retorno do trabalho
análogo ao escravo, se tornavam cada vez mais visíveis e frequentes.
Faz-se necessário compreender que as bandeiras defendidas pelo MST
extrapolam a Questão Agrária e a divisão de terras, sendo a defesa pela vida
e o fim das opressões, demandas bem definidas pelo Movimento. Somado
a isso, o MST tem discutido de forma abrangente e séria diversas questões
e apresentado algumas propostas e soluções relacionadas à violência contra
as mulheres e comunidade LGBT.
Dessa forma, a partir dos acúmulos adquiridos, hoje existem pautas
e diretrizes muito mais elaboradas e de maior alcance social, tais como: a
proteção do meio ambiente (negando as técnicas de produção conservadoras
e mudando as orientações de plantio, definindo a Agroecologia como
modelo de produção), além do fim da Violência de Gênero com a criação
de coletivos LGBT e de mulheres, que culmina no 1º Encontro nacional
das mulheres sem terra e na criação de Redes de Combate à Violência
Doméstica nos territórios do MST - assentamentos, acampamentos,
escolas, marchas e cursos. Também visam uma transformação das relações
sociais e de produção, considerando o aspecto da divisão sexual do trabalho
no campo, muito recorrente na vida cotidiana de homens e mulheres, o
MST, com sua metodologia de conscientização, busca a transformação das
relações sociais, de gênero, de trabalho e com o meio ambiente. Nesta
perspectiva, as mudanças seriam, segundo Poker (1999, p. 13) objetivas
e localizadas, tendo como foco a construção de uma sociedade baseada
em um novo homem e de uma nova mulher no contexto dos territórios
organizados. Esses novos sujeitos surgiriam a partir da conquista de uma
emancipação da classe trabalhadora.
Enquanto nos primeiros anos do movimento a classe definia as
estratégias de luta, nos anos seguintes, outros debates, estudos e conflitos
apontaram para a necessidade da interseção de outras questões na luta
Mulheres em tempos de pandemia
| 259
pela Reforma Agrária. Com o acúmulo teórico-político e social obtido
pelo MST, os militantes, principalmente as mulheres e LGBTs, vão se
aprofundando em elementos que interferem na luta pela Terra e geram
mais violência.
A preocupação em realizar recortes de classe, gênero e raça em suas
formulações e ações têm sido importante para o avanço em alguns debates
internos e externos, a partir da vivência e dos estudos de autores e autoras
clássicas e modernas. O debate sobre gênero possibilitou a inserção de
novos elementos como o da diversidade sexual, que passa a ser representada
nas linhas políticas e organizativas do movimento, como veremos a seguir.
2.1 considerAções AcercA dAs Mulheres seM terrA e o
enFrentAMento à ViolênciA
O I Congresso Nacional das Mulheres Sem Terra, que ocorreu em
março de 2020, expressa as mudanças nas linhas políticas de gênero do
MST e o amadurecimento dos debates feministas dentro dos territórios
de acampamento e assentamento do Movimento, bem como a resistência
e luta das mulheres e LGBTs, sendo em sua maioria trabalhadoras rurais
e camponesas. Essas mudanças foram sistematizadas no Caderno de
formação de gênero, intitulado A conspiração dos gêneros: elementos para o
trabalho de base (MST, 2017), que traça linhas políticas mais elaboradas e
inclusivas a partir de novos acúmulos de elementos, leituras e vivências.
Para compreender a problemática proposta neste artigo, é necessário
resgatar alguns momentos marcantes, que são frutos de acumulação
teórica, política e de experiências sociais intensas, que demonstram a
evolução do pensamento e da luta feminista dentro do movimento como
a formação do setor de gênero em 1999; a criação do coletivo LGBT em
2015; a transformação nas linhas políticas do Setor de Gênero em 2017;
o I Congresso Nacional das Mulheres Sem Terra em 2020 e, a criação de
redes de combate à violência doméstica estaduais em 2020 no contexto de
avanço do isolamento social como medida de prevenção da Covid-19.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
260 |
O enfrentamento às violências tem sido uma das bandeiras do MST
desde a sua construção. Assim, a partir de um acúmulo social, político e
teórico, passa-se a produzir conteúdos, materiais, manuais informativos e
preventivos, cadernos e folhetos voltados à temática da violência contra
a mulher, doméstica, gênero e familiar. Ademais, segundo a entrevista
dirigente do setor de Gênero que contribui com a coordenação estadual
de São Paulo, Rose Assunção, “O movimento vem pautando a questão
da violência há bastante tempo, organizando cartilhas, seminários,
conferências, cursos de formação política, trazendo para os círculos de
debates e lutas essa temática.” (ASSUNÇÃO, 2020). Importante resgatar
que no folheto Mulheres conscientes na luta permanente (MST, 2015),
por exemplo, produzido pelo Setor de Gênero nacional do MST, busca-se
esclarecer sobre o tema da violência em suas diversas expressões e afirma-se
que o machismo e o patriarcado, bem como a pobreza, a fome, os conflitos
por terra e as mídias e suas publicidades, são alguns dos produtores de
violência contra as mulheres. Segundo o MST (2015, p. 2), o documento
faz um esclarecimento sobre o que é a violência doméstica e quais são
as dificuldades encontradas por muitas mulheres ao tentarem sair de um
quadro de violência: medo de denunciar, não ter para onde ir, dependência
financeira e emocional, entre outras.
O Setor também aponta alguns caminhos coletivos para o
enfrentamento da violência contra mulheres, por exemplo 1) trazer essa
questão para o regimento interno de cada acampamento e assentamento;
2) criar formas para inibir as agressões (apitaço, por exemplo) e levar a
pauta para as assembleias; 3) discutir o tema nas escolas com as crianças e
adolescentes; 4) acionar a polícia e registrar boletim de ocorrência (MST,
2015, p. 2).
Em 2020, de forma articulada com os setores e profissionais da
área do Direito e Psicologia, criam-se as Redes de combate à violência
doméstica nos territórios do MST, com coordenação estadual e regional.
A rede é “[…] uma potente ferramenta de apoio às mulheres vítimas
de violências familiares e não familiares.” (ASSUNÇÃO, 2020). Além
disso, é um instrumento que promove a articulação entre as mulheres,
Mulheres em tempos de pandemia
| 261
juventude, homens, lgbtq+, profissionais psicólogos, advogados, médicos,
e a militância do MST.
A seguir, será apresentado o Feminismo Camponês Popular com
foco na América Latina a fim de se apresentar a atuação da CLOC e La
Via Campesina.
3. FeMinisMo cAMponês populAr nA AMÉricA lAtinA: cloc e lA
ViA cAMpesinA
Este tópico aborda a construção do feminismo camponês popular
nos movimentos sociais do Brasil e a atuação da Cloc e Via Campesina no
intercâmbio de experiências feministas na luta pela terra. Este feminismo
se volta para as mulheres do campo, das águas e das florestas que possuem
uma condição diferente dos sujeitos das cidades: vivem e trabalham no
campo, boa parte sendo trabalhadoras rurais que produzem alimentos e
sofrem diversas violências enquanto mulheres camponesas, endossadas
pelo Sistema patriarcal capitalista e avanço do agronegócio.
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no relatório
Violência no Campo 2020, foram registrados pelo menos 2.054 conflitos
8
diversos no meio rural em 2020, envolvendo cerca de 914.144 pessoas.
Estes números representam um aumento de 8% em relação a 2019,
sendo o primeiro ano de Pandemia de Covid-19 no Brasil, com as
maiores violências registradas desde 1985. Os casos têm sido permeados
pelas disputas de terras entre grandes latifundiários que tentam tomar os
territórios de povos tradicionais - quilombolas, indígenas, Sem terras e
se expressam em intimidações, prisões, estupros e assassinatos cruéis de
mulheres. Esse aumento nos casos de violência também é perceptível em
âmbito doméstico, mesmo sendo velado, sendo este domínio estendido
também às relações familiares e comunitárias.
Entre os casos registrados estão a detenção e intimidação de mais de 400 mulheres do campo pela Polícia
Militar em uma única ação; Trans sem terra degolada por dois desconhecidos; Trinta estupros contra
crianças e adolescentes de uma mesma comunidade quilombola Kalunga em Goiás, vítimas de fazendeiros
e políticos influentes. Disponível em: https://www.cptnacional.org.br/downlods?task=download.
send&id=14242&catid=41&m=0
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
262 |
Nesse sentido, segundo Taboas (2020), o Feminismo Camponês
Popular começa a adquirir forma a partir de 2010 com a realização da
IV Assembleia de Mulheres da Coordinadora Latinoamericana de
organizaciones del campo (CLOC) no Equador, sendo um marco no
feminismo interseccional - como já introduzido, aquele que compreende
os sujeitos e as relações sociais expressas em suas especificidades de raça,
gênero e classe econômica, política e social.
Faz-se então necessário, compreendermos que a Via Campesina
9
é
um movimento internacional que reúne organizações locais e nacionais em
73 países da África, Ásia, Europa e das Américas. Esta é uma articulação
autônoma, pluralista e multicultural, sem qualquer vinculação política e
econômica (LA VIA CAMPESINA, 2016). Enquanto isso, na América
Latina, os Movimentos sociais do campo se organizam desde 1993, na
CLOC
10
, compondo assim a Via Campesina internacional. Enquanto isso,
a CLOC, que reúne dezenas de organizações de camponeses, sem-terras,
pequenos e médios agricultores, trabalhadores rurais, indígenas de quase
todos os países da América Latina e do Caribe
11
.
É necessário lembrar que existem diferenças na construção do
Feminismo Camponês Popular no Movimento Sem Terra, de outros
feminismos
12
, que buscam ir além das experiências e demandas de mulheres
A Via Campesina Brasil é composta pelos movimentos: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), Movimento de Mulheres Camponesas (MMC),
Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Articulação
dos Povos Indígenas (APIB), Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB), Associação dos
Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Coordenação Nacional
das Comunidades Quilombolas (CONAQ), Associação de Assalariados Rurais (ADERE), Movimento dos
Atingidos pela Mineração (MAM), o Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP).
10
O primeiro congresso foi realizado no Peru em 1994. Contudo, em 1989 já havia acontecido o I encontro
na Colômbia (debate sobre os 500 anos de “Descobrimento da América” e as violências contra os povos
originários.
11
Segundo Simonetti (2012), a CLOC foi o pilar organizador da Via Campesina, espaço de articulação
internacional de organizações e movimentos sociais rurais da América, Ásia e Europa. Sob o lema
globalizemos a luta, globalizemos a esperança”, a CLOC e a Via Campesina protagonizaram, promoveram
e participaram das diferentes experiências de coordenação internacional do movimento “altermundialista
(Fórum Social Mundial – FSM –, campanhas contra o livre-comércio etc.) e da luta contra a mundialização
neoliberal. Mais informações: http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/c/cloc. Acesso em 11 dez. 2021.
12
Algumas autoras identificam o surgimento de pelo menos quatro ondas do feminismo no Brasil, cada um
com caráter diferente, que toma corpo na década de 1960 questionando o caráter político-ideológico da
dominação patriarcal e a dicotomia entre público e privado, com o slogan “o pessoal é político”.
Mulheres em tempos de pandemia
| 263
brancas e urbanas. Dessa forma, também se faz necessário delimitar que os
sujeitos do campo são diversos: homens, mulheres, negros, pardos, brancos,
indígenas, de variadas orientações sexuais inseridos em muitos territórios,
e possuem diferentes demandas
13
em relação aos sujeitos territorializados
nas cidades.
Quando pensamos nas mulheres camponesas, observa-se que, a partir
de Farah (2002; 2004) o acúmulo do trabalho doméstico e do trabalho nas
roças, quase nunca são opcionais, mas uma necessidade da família que se
reproduz no sistema patriarcal capitalista. Essas mulheres, além do trabalho
considerado reprodutivo e dos cuidados para a manutenção econômica,
social e psicológica de suas famílias, precisam assumir múltiplas tarefas
tanto no âmbito privado quanto no público. Porém, na maioria dos casos,
ainda não desempenham posição de liderança familiar ou comunitária,
ficando relegadas a permanecerem submissas em suas casas, comunidades
e roçados, sendo essa uma prática defendida e exercida pelo machismo
estrutural e patriarcal.
Apontam-se alguns desafios, como a construção de uma unidade e
aliança a partir dos movimentos sociais de níveis locais e internacionais
e a formação política de base, com vias de ampliar o debate sobre a
fundamentação da proposta de uma sociedade socialista, com maior
consciência de gênero (VIA CAMPESINA, 2019).
No Brasil, o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) é quem
traz primeiramente este debate sistematizado, sendo seguido posteriormente
pelo MST. O MMC surge da luta pelos direitos das mulheres do campo e
pela transformação das relações de gênero na sociedade brasileira. Mesmo
sem se identificar enquanto um movimento feminista, Seibert (2018)
afirma que a partir da práxis política as mulheres camponesas passam a
perceber que suas ações e pensamento político expressavam sua perspectiva
feminista. Para a autora:
[…] compreendendo a existência de uma multiplicidade de
feminismos e de formas de organização e de ação dos movimentos
feministas e a particularidade da prática feminista das mulheres
13
Voltadas ao trabalho agrícola, doméstico, acesso aos direitos sociais (saúde, educação, infraestrutura).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
264 |
do MMC, com identidade camponesa e inseridas nas lutas de
transformação estruturais da sociedade, houve a necessidade da
demarcação político-teórica de uma construção feminista própria
das camponesas, o feminismo camponês popular (SEIBERT,
2018, p. 6).
Essa construção tem acontecido no interior de diversos movimentos
sociais camponeses e apresenta resultados que ultrapassam, segundo Taboas
(2018, p. 20), “[...] a própria fronteira dos direitos das mulheres, para
incidir de modo estrutural na reformulação de toda a teoria do direito e
dos direitos humanos, através da atividade social e científica protagonizada
por mulheres negras, latinas, camponesas, lésbicas e outras mais.
Dessa forma, trabalhadoras rurais, sem terras, camponesas,
pescadoras, artesãs, boias-frias e muitas outras mulheres e LGBTs que
vivem e trabalham no campo sentem a necessidade de se organizar para
resistir às constantes violações de direitos. Cisne (2015, p.116) explica
que é a partir da militância política que surgem condições concretas para
a conscientização e a resistência ativa das mulheres do campo, que se
descobrem sujeitos políticos do processo de emancipação humana frente
às violências do patriarcado.
Cunha (2014, p. 154) pontua que “[...] o patriarcado é, por
conseguinte, uma especificidade das relações de gênero, estabelecendo, a
partir delas, um processo de dominação-subordinação.” Ele se configura
enquanto relação social que pressupõe a presença de pelo menos dois
sujeitos: dominador(es) e dominado(s).
Indo mais a fundo, a partir da segunda onda do movimento
feminista
14
, atribui-se o
seguinte significado ao termo, de acordo com Delphy (2009, p.
174): “[...] uma formação social em que os homens detêm o poder.” Nesse
sentido, Taboas (2018) identifica no processo de transformação social
14
Movimento da década de 1960 questiona o caráter político-ideológico da dominação patriarcal e a
dicotomia entre público e privado, com o slogan “o pessoal é político”.
Mulheres em tempos de pandemia
| 265
brasileira que as práticas de organização feminista decolonial
15
, se abrem
para as trocas coletivas e interculturais, com diálogos horizontais que
constroem uma rede de solidariedade e de práticas coerentes de respeito
às vivências coletivas diversas. É interessante refletir que as perspectivas do
MST também vão nessa lógica, buscando a partir de uma formação que
não se restringe apenas a mulher, mas a todos os sujeitos sociais que vivem
a luta pela terra, almejando a transformação de todos os sujeitos do campo,
libertando-os de serem oprimidos e opressores.
Taboas (2018) identifica, a partir dos autores e das autoras
decoloniais, a simbiose patriarcado racismo-capitalismo que segundo
ela, asfixia a vida no interior do sistema, para designar as situações que
reproduzem as violências e as condições de reconhecimento e de ativismo
real aptos a modificar essa realidade, na direção emancipatória. Segundo
ela, é essencial criar novas formas de organização, de mobilização e luta
feminista, popular e camponesa que seriam capazes de fomentar a definição
de direitos humanos e no plano comunitário, extinguir a violência
doméstica e familiar (TABOAS, 2018).
3.1 FeMinisMo no MoViMento dos trAbAlhAdores rurAis seM
terrA
O MST, enquanto movimento de massas, tem reivindicado um
feminismo que seja camponês popular, que abarque as especificidades
destes sujeitos que também são diversos. Na cartilha A questão da mulher no
MST (1996) já fica evidente a necessidade identificada pelas mulheres de
se organizarem para garantir que seus direitos sejam respeitados, inclusive
dentro do Movimento: “[…] não queremos apenas ser vistas como mães
e esposas ou simplesmente estar presentes nas ações, queremos ocupar
espaços de decisões em todos os níveis na nossa organização e na sociedade
que almejamos construir.” (MST, 1996, p. 11).
15
Decolonialismo refere-se à libertação dos povos subalternos, reconhecendo sua autenticidade cultural,
política, econômica e ideológica.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
266 |
A partir da percepção de que as relações sociais que oprimem as
mulheres
16
e sujeitos LGBTs as afastam da vida pública e dos espaços
organizativos e decisórios dos Movimentos Sociais, Saffioti (1987, p. 11)
analisa que “Quando se afirma que é natural que a mulher se ocupa do
espaço doméstico, deixando livre para o homem o espaço público, está-se,
rigorosamente, naturalizando um resultado da história.
Contrapondo-se a essa naturalização, desde a formação do
setor de Gênero
17
, formalmente em 1999, os documentos e cartilhas
produzidas pelo MST buscaram evidenciar a aproximação inerente
ao capitalismo e ao patriarcado e as desigualdades historicamente e
socialmente naturalizadas. Estão presentes temas como: alimentação,
saúde, sexualidade, responsabilidade pelas tarefas de cuidado, reprodução
da família, divisão sexual do trabalho no campo. Importante salientar que
desde o início busca-se desmistificar a dicotomia entre tarefas femininas e
tarefas masculinas, que sempre sobrecarregam e dificultam a participação
das mulheres em outras esferas, que não a familiar, além da superação da
organização patriarcal nos espaços dos acampamentos e assentamentos e
em outras instâncias organizativas.
Segundo Assunção (2020), o movimento incentiva seus militantes
a “[…] se prepararem academicamente em diversas áreas, que possam
contribuir estrategicamente com a luta e as demandas.’ Nesse sentido, se
formaram e estão em formação acadêmica muitos militantes em diversas
áreas: Agroecologia, Pedagogia, Psicologia, Direito, Serviço Social,
Medicina, entre outros.
As mulheres Sem Terra compreendem que o patriarcado é um
sistema fundamentado na divisão sexual do trabalho e na propriedade
privada e que, no modo de produção capitalista, o patriarcado e o racismo
são a sustentação da ordem do capital. Isso se refletiria principalmente
16
Dados do Censo Agropecuário 2019 apontam que essas mulheres, através da Agricultura Familiar são
responsáveis - junto de seus familiares – por 70% da produção de alimentos no Brasil. Além disso, 77%
dos estabelecimentos foram classificados como de Agricultura Familiar, o que demonstra a importância da
distribuição de terras a agricultores e agricultoras que produzem alimentos para todo o país.
17
O setor de gênero do MST se aproxima da concepção do feminismo socialista de que a sociedade é que
nos constrói como homens e mulheres. Pressiona-se o Movimento para que contribua com o processo de
construção de novas relações de gênero.
Mulheres em tempos de pandemia
| 267
na exploração do trabalho e da vida das mulheres. Assim, construir um
Feminismo a partir da classe trabalhadora, tem sido um desafio aos
trabalhadores organizados:
O Feminismo foi forjado a partir do legado de resistência e
enfrentamento das mulheres na perspectiva de transformação
radical da sociedade e das relações de poder. Muitos feminismos
surgiram nas disputas da luta de classes, mas afirmar um
Feminismo vinculado organicamente com a classe trabalhadora,
tem sido o desafio da luta popular. No campo, nos embates com
o agronegócio e a mineração, surge o Feminismo Camponês e
Popular, demarcando a realidade desta luta. (MST, 2017).
Em entrevista realizada no ano de 2020, Rosimeire Assunção, que
compõe a coordenação estadual do MST e o Setor de Gênero, afirma que
o feminismo camponês popular está sendo construído pelas mulheres
camponesas em diversas frentes “[…] cumprindo o papel de fortalecer
o protagonismo na construção de propostas, nas tomadas de decisões,
nas lutas concretas contra a opressão, dominação que esse modelo
capitalista patriarcal exerce sobre as mulheres e sujeitos e sujeitas lgbtqia+.
(ASSUNÇÃO, 2020).
Segundo Assunção (2020), isso “[..] nasce também da relação
profunda que as mulheres têm com a terra, a produção de alimentos
saudáveis em sintonia com a natureza e toda sua biodiversidade. Além de
exaltar os cuidados relacionados à saúde mental e física.”. A construção
deste feminismo teria a capacidade de envolver as mulheres em todos os
processos de construção da luta de classes, “[...] através da formação política,
trazendo à luz, os elementos de dominação, exploração e violências que
esse sistema capitalista, patriarcal e racista lança sobre todas as mulheres,
sobretudo as mulheres pobres e negras. (ASSUNÇÃO, 2020).
Assim, percebe-se que na construção da Reforma Agrária Popular,
“[…] a luta socialista e feminista é uma só e deve estar articulada em todas
as ações de nossa Organização.” (MST, 2017, p. 20). Essas linhas políticas
serão apresentadas no tópico a seguir.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
268 |
3.2 linhAs políticAs do setor de gênero (1999 e 2017)
Para ampliar a participação das mulheres no Movimento e cobrar
do MST condições que garantam essa atuação, as mulheres inseridas no
Setor de Gênero criaram suas linhas políticas, onze no total, aprovadas
pela coordenação nacional do Movimento em 1999. Estas reivindicações
foram importantes às trabalhadoras do Movimento, pois denunciavam
as desigualdades de gênero e passavam a assegurar, em certa medida, a
participação nos diferentes setores, instâncias e espaços de decisão, além do
planejamento e produção nos próprios lotes.
Também houve o estabelecimento de critérios de representatividade,
exigindo sempre um percentual de 50% de homens e 50% de mulheres nas
ações, coordenações e direções, para garantir os interesses de todos e todas.
Além disso, o combate às violências doméstica e familiar já estava sendo
pautado, bem como a cooperação nos trabalhos domésticos, propondo a
construção de refeitórios e lavanderias comunitárias. Porém, a pauta de
maior influência na vida dessas mulheres tem sido a garantia da posse da
terra também pela mulher, o que lhe dá autonomia sobre seu lote, os bancos
e seus companheiros afetivos. Essa conquista jurídica contribui ainda mais
para sua representação, como aborda Abramovay (2000, p. 350), acerca da
importância da titularidade:
[...] A posse da terra no caso das mulheres é um dos elementos
cruciais, não só pelo sentido clássico, como os antes referidos dados
a terra, mas também por sentidos que se entrelaçam a assimetrias nas
relações sociais de gênero e como as mulheres seriam discriminadas
por instituições oficiais quando do reconhecimento de seus direitos
de propriedade.
A Ciranda Infantil, espaço destinado à formação e ao cuidado dos
filhos e filhas de militantes, também é uma importante conquista para as
mulheres, pois nota-se que os cuidados com as crianças ainda recaem em
suas matriarcas, apesar de observarmos avanços nessa lógica. A criação de
espaços específicos para os sem terrinhas – demonstra a preocupação do
Mulheres em tempos de pandemia
| 269
movimento social com a educação infantil e a garantia de participação das
mulheres nas diferentes ações e instâncias organizativas.
A partir de um novo momento histórico, as linhas políticas se
tornam mais amplas e definidas, resultando nas novas orientações que
estão inseridas no caderno de formação A conspiração dos gêneros: elementos
para o trabalho de base(MST, 2017). Estas pautas foram delimitadas após
um maior acúmulo teórico e político tanto sobre o feminismo quanto
o capitalismo, racismo e patriarcado. Isso vem demonstrar também a
interseccionalidade das lutas no interior do MST, propondo reflexões mais
incisivas sobre a mulher na sociedade de classes e das especificidades da
mulher camponesa e negra. Este caderno traz elementos artísticos, culturais
e literários como poemas, contos, crônicas e diálogos para sensibilizar os
leitores em formação de gênero sobre as temáticas abordadas e delinear as
pautas construídas coletivamente.
Assunção (2020) afirma que “É notório ao conjunto do MST que
não há condições de derrotar a opressão e todas as desigualdades de gênero,
raça e classe se as mulheres não estiverem atuando conjuntamente.”.
Pensando nisso, as mulheres do Movimento elaboraram pautas
especificando as dimensões políticas organizativas, cultural, econômica e
subjetiva das linhas que devem seguir, buscando a emancipação de todos
os sujeitos do campo:
Por isso é consenso que o feminismo abarque todas as dimensões,
sejam elas política, assegurando a participação das mulheres em
todas as instâncias; cultural ao combater todas as formas de opressão
e dominação; econômica, garantindo que as mulheres estejam
também à frente dos planejamentos e administração dos processos
produtivos, bem como garantir e valorizar as subjetividades das
mulheres, de ter o direito sobre seus corpos, como se comportam,
enfim sua liberdade individual (ASSUNÇÃO, 2020).
Entre as dimensões políticas organizativas elaboradas recentemente,
estão todas as citadas anteriormente (participação igualitária entre mulheres
e homens, ciranda infantil), desenvolvidas em 1999, com o acréscimo do
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
270 |
Fortalecimento da participação dos sujeitos LGBTs em todos os setores e
instâncias do MST, além de:
Estimular a auto-organização das mulheres e LGBT, de acordo
com os princípios organizativos do MST, como espaços de
fortalecimento, apropriação, construção coletiva e projeção da
participação e da tomada de decisões na organicidade geral do
MST. Organizar assembleias de mulheres e de diversidade sexual,
desafiando que os homens também se organizem para estudar sobre
o patriarcado e o feminismo, refletindo e enfrentando o machismo
e as condições privilegiadas construídas historicamente. (MST,
2017, p. 21).
A partir da estipulação dessas diretrizes, ampliam-se também as
linhas voltadas à dimensão cultural, como: o combate às expressões do
patriarcado e do racismo, a garantia de atividades de formação sobre os
temas de gênero, raça, diversidade sexual e luta de classes nos espaços de
formação, escolas, setores e instâncias e a compreensão da liberdade sexual
como “[…] elemento constitutivo do ser humano que pretendemos que
se forje num processo revolucionário.” (MST, 2017, p. 21). Na dimensão
econômica, destacam-se ainda a concessão de uso no nome da mulher ou
do casal (inclusive homoafetivos), a garantia do nome social de sujeitos
trans tanto nos espaços sociais quanto nos documentos e a participação da
juventude na produção. Além do protagonismo das mulheres na produção
agroecológica garantindo que os sujeitos femininos “[...] participem da
condução política de cooperativas e associações, nas agroindústrias, cadeias
produtivas e nos processos de comercialização, feiras livres, com igualdade
na remuneração das horas trabalhadas.” (MST, 2017, p. 22).
Enquanto isso, na subjetiva, delimita-se o combate a todas as formas
de violência, nas suas várias expressões, “[…] particularmente contra as
mulheres, negras, indígenas, crianças, jovens, idosas e LGBT que são as
maiores vítimas de violência no capitalismo.” (MST, 2017, p. 23), bem
como a garantia do “[…] direito inalienável das mulheres de decidirem
sobre seu próprio corpo, no que se refere a sua vestimenta, com quem
e como se relacionar e sobre sua vida reprodutiva.” (MST, 2017, p. 23)
Mulheres em tempos de pandemia
| 271
propondo a reflexão sobre a descriminalização do aborto com a base. A
seguir, será apresentado o I Congresso Nacional das Mulheres Sem Terra
do MST e os temas discutidos neste importante espaço.
3.3 congresso nAcionAl dAs Mulheres seM terrA
A realização do I Congresso Nacional das Mulheres Sem Terra foi
antecedida por essas construções, estudos e sistematizações apresentadas
anteriormente, em níveis regionais e estaduais. Esse encontro só foi possível a
partir da articulação do setor de gênero com os outros setores e pelo acúmulo
político e feminista no interior do Movimento. O evento aconteceu em
Brasília, e contou com a presença de 3.000 mulheres Sem Terra
18
vindas de
24 estados do Brasil, com representação em todas as regionais e aliados de
outros movimentos sociais. Nas orientações e programações divulgadas, todos
os debates, análises e espaços culturais durante o Encontro se deram a partir
da estratégia da Resistência Ativa, que o MST tem adotado politicamente,
expressas nesses importantes elementos:
a) Lutar contra a violência do capital sobre nossos corpos e territórios;
b) Lutar contra o agronegócio (sementes transgênicas, agrotóxicos,
monocultivo predador, exportador de commodities, destruidor da
natureza, etc.); c) Compreender, aprofundar e consolidar o debate
de Feminismo e Reforma Agrária Popular; d) Nos colocarmos
em movimento para a construção e consolidação da Jornada
Nacional do Trabalho de Base por meio da formação política da
militância, da confraternização e do intercâmbio cultural entre as
diferentes regiões do país; e) Avançar na compreensão e elaboração
do patriarcado e do racismo como elementos estruturantes do
capitalismo; f) Durante todo o Encontro, vamos reafirmar a
importância da juventude, da participação das mulheres, negras
e negros, LGBT na construção da Reforma Agrária Popular e na
cultura de enfrentamento a toda forma de violência; g) Manter vivo
o princípio do companheirismo e solidariedade entre nós. (MST,
2020, p. 3).
18
Havia mulheres cis e transsexuais, com diferentes orientações sexuais. Além disso, também tinham alguns
homens da organização presentes, que contribuíram em tarefas estruturais, bem como do cuidado das
crianças - os Sem Terrinhas.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
272 |
O Congresso, partindo da formação política e científica contou
com quatro Mesas, em formato de palestra, que abordaram a ‘Ofensiva do
Capital e as Mulheres’, o ‘Capitalismo, Patriarcado, Racismo e Violência’, o
‘Feminismo Camponês Popular e Reforma Agrária Popular’ e as ‘Mulheres
construindo a Resistência Ativa’. Durante o Congresso foi debatido a
questão da violência de gênero e doméstica, tanto nas mesas quanto nas
místicas, marchas e Grupos de Trabalhos. Durante o congresso aconteceu
também a marcha do Dia 08 de março, unindo forças com diferentes
movimentos sociais, além de uma ocupação e intervenção no Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
considerAções FinAis
Neste artigo, buscou-se apresentar alguns dos acúmulos sociais,
teóricos e políticos do Feminismo Camponês Popular, explorando a
produção de conhecimento das Mulheres Sem Terra acerca da violência
doméstica. Dessa forma, por meio de pesquisa bibliográfica, do resgate
de materiais e de uma entrevista produzida com uma dirigenta do
Movimento Sem Terra, procurou-se compreender essa construção popular
e as incidências nas vidas destas mulheres trabalhadoras rurais sem terra.
Assim, examinando a elaboração feminista dentro do MST, bem
como as transformações de suas linhas políticas de gênero e como estas se
manifestam dentro da organização, buscou-se também identificar como o
tema da violência contra as mulheres está sendo trabalhado nos materiais e
pautas do maior movimento de massas do país.
Conclui-se que a luta feminista dentro da organicidade dos
movimentos sociais é necessária inclusive para o avanço dos próprios debates
das organizações. Assim, compreender as condições e singularidades dos
sujeitos femininos sem terra é essencial ao movimento e à toda a sociedade.
Dessa forma, entende-se que as linhas políticas e as ações do MST têm
demonstrado a construção de novos caminhos, paradigmas e categorias
analíticas, tanto para os movimentos feministas quanto para os próprios
movimentos camponeses e para a sociedade como um todo.
Mulheres em tempos de pandemia
| 273
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Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
276 |
A
entreVistA FeMinisMo cAMponês populAr e A rede de coMbAte à
ViolênciA doMÉsticA do Mst sp
Nome:
Regional:
Assentamento/Acampamento:
Setor:
Profissão:
Formação:
Perguntas:
1. O que é feminismo camponês popular ?
2. Qual a inserção do feminismo camponês popular no MST?
3. Quais as resistências da luta feminista dentro do movimento?
4. Qual o papel da via campesina e dos movimentos sociais na construção
do FCP? 5. O que é a Rede de combate á violência doméstica?
6. Como funciona em São Paulo?
7. Porque surgiu?
8. A construção é anterior à pandemia de covid-19?
9. Quais os acúmulos do movimento para realizar esse combate?
10. Como era esse combate á Violência Doméstica antes da rede e como é
agora? 11. Essas redes espalhadas pelas regionais pode ser considerada um
resultado da construção do FCP nos territórios do MST?
Obs: A presente entrevista não foi publicada em nenhuma fonte de
informação ainda.
sobre os Autores
| 279
Aline lucAs ribeiro
Possui formação em Pedagogia pela Universidade
Estadual Professor Júlio de Mesquita Filho – Unesp
(2019). Mestranda em História e Filosofia da
Educação, com orientação do Professor Alonso de
Bezerra Carvalho. Membro do grupo de Estudo
e Pesquisa em Educação, Ética e Sociedade –
GEPEES. Seminarista Waldorf no Instituto
Intamorés.
E-mail: aline.l.ribeiro@unesp.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5221008626169312
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7560-5819
AnA lAurA bonini rodrigues de souzA
Mestra em Educação pelo no programa de Pós-
Graduação em Educação na Faculdade de Filosofia
e Ciências, da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), campus de Marília - SP (2021), onde
também é graduanda do curso de Licenciatura em
Pedagogia. É Bacharela em Direito pelo Centro
Universitário Eurípedes de Marília (UNIVEM,
2017), Tem como interesse de pesquisa os seguintes
temas: Educação, História da Educação, Gênero,
Direitos Humanos das mulheres, representações
culturais de professoras. Faz parte do corpo editorial
da Revista do Instituto de Políticas Públicas
de Marília - IPPMar e Educação em Revista.
É integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas
HiDEA-Brasil-História das disciplinas escolares e
acadêmicas no Brasil (Saberes, práticas e culturas
escolares e acadêmicas), do NUDISE - Núcleo de
gênero e diversidade sexual na Educação, e, LIEG
- Laboratório Interdisciplinar de Cultura e Gênero,
todos na Unesp/campus de Marília.
E-mail: ana.bonini@unesp.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6304386549072537
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2668-5891
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
280 |
eunice MAcedo
Eunice Macedo is Assistant Professor at the
Psychology and Education Sciences of the
University of Porto (FPCEUP) and a full member
of CIIE - Centre for Research and Intervention
in Education of the University of Porto. She has a
Ph.D (master and degree) in Educational Sciences
form FPCEUP. She underwent her initial training
as teacher of elementary education at the Escola
do Magistério Primário do Porto. She worked as
a teacher for several years at various educational
levels and contexts, including adult education and
the education of people with learning difficulties.
As a researcher of CIIE, she integrated the team of
the EU-funded research project “Reducing Early
School Leaving in Europe” (RESL.eu), in which
she developed her Post-Doc, as well as the teams
of other international projects “Commitment
to Democracy through Increasing Womens
Participation” (CODE_IWP) and “Learning in
a New Key: Engaging vulnerable young people
in school education” (LINK) that nationally she
coordinated. For more than ten years, she has been
a guest speaker at FPCEUP in the various cycles
and she is the vice-president of the board of Paulo
Freire Institute of Portugal. Author of several works,
her research on education, citizenship and gender,
particularly with young people in schools, supports
her intervention with communities, in search of
ways of education and life linked to happiness and
personal fulfillment, and mediated by the world.
E-mail: eunice@fpce.up.pt
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6729683808060553
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1200-6621
Mulheres em tempos de pandemia
| 281
FiloMenA Filho
Graduada em Engenharia Informática na
Universidade técnica de Angola, Pós-graduada
em Sistemas de Informação e Mestre em Sistema
de informação Organizacional pelo Instituto
Politécnico de Setúbal, Portugal. Atualmente,
Docente universitária em Angola no Instituto
Superior de tecnologia de Informação.
E-mail:filofilho@hotmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2322112495206805
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5876-0657
FVio sAntiAgo
Doutor em Educação (2019) pela Universidade
Estadual de Campinas com estágio na Università
degli Studi di Milano Bicocca, Itália - com bolsa
FAPESP, mestrado em educação também pela
UNICAMP - com bolsa CAPES, especialista em
Administração Escolar, Supervisão e Orientação
pela UNIMAIS (2021), pedagogo pela Universidade
Federal de São Carlos UFSCAR (2011).
Atualmente realiza pós-doutorado na Universidade
de São Paulo (USP), junto ao Departamento de
Metodologia do Ensino e Educação Comparada
da Faculdade de Educação USP, e é pesquisador no
Grupo de Estudos e Pesquisa Sociologia da Infância
e Educação Infantil (GEPSI/ USP).
E-mail: santiagoflavio2206@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2223834801342440
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7019-2042
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
282 |
gAbrielA A. rAMos
Licenciada en Ciencias de la Educación- Universidad
de Buenos Aires- Argentina. Especialista en géneros,
sexualidades, educación- Especialista en resolución
pacífica de disputas-Facultad de Psicología- UBA.
Diplomada en Violencia de Género- Universidad
Nacional de Córdoba. Diplomada Superior en
Diversidad Sexual y DDHH. CLACSO.
Investigadora en el área de educación y géneros en el
Centro Cultural de la Cooperación Floreal Gorini
de la CABA. Coordinadora del equipo ESI del
Departamento de Géneros y Educación. Integrante
del Equipo Transversal de estudios de géneros del
Centro Cultural de la Cooperación Floreal Gorini.
Coordinadora Pedagógica del Centro Tantosha,
especializado en EDUCACION SEXUAL
INTEGRAL. Docente universitaria en carreras de
posgrados sobre género, sexualidades y educación
en la Universidad de Ciencias Empresariales y
Sociales, en la Universidad Nacional de Luján y en
la Universidad Abierta Interamericana.
Organizadora y expositora en Congresos nacionales
e internacionales. Colaboradora en medios
gráficos y radiales en columnas sobre géneros,
sexualidades y educación. Cuenta con más de 40
publicaciones sobre el tema. Operadora en eutonía
y psicodramatista. Estudiante de Arteterapia en la
Universidad Nacional de las Artes-Argentina.
E-mail: ramosgabrielaa@gmail.com
Andrew rAyA
[ey/em/He/Him] is a graduate student with an
Honours Bachelor of Science (BSc psychology) and is
currently finishing their Master of Social Work (MSW)
degree from the University of Toronto, Canada.
eir research interests include inquiries into gender-
based violence, LGBTQ2S+ mental health, and the
incorporation of philosophical/social justice outlooks for
the development and modification of psychotherapeutic
modalities. ey will be commencing doctoral studies
in Social Work in September 2022 at York University in
Toronto, Ontario.
E-mail: andrewraya97@gmail.com
Mulheres em tempos de pandemia
| 283
iArA Milreu lAVrAtti
Doutoranda pelo Programa de Pós Graduação
em Ciências Sociais (Unesp Marília), Mestra em
Sociologia (Programa de Mestrado Profissional
de Sociologia em rede nacional - ProfSocio/
Unesp Marília), bacharel e licenciada em Ciências
Sociais (Unesp Marília). É técnica em Meio
Ambiente pelo SENAC e conselheira no Conselho
Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional
Sustentável (CONSEA/SP). Atua como Cuidadora
Social na Secretaria Municipal de Assistência
e Desenvolvimento Social de Marília SP, onde
desenvolve projeto de Horta Agroecológica
Comunitária. Pesquisa atualmente o Feminismo
Camponês Popular e o combate à Violência
Doméstica no campo, no interior do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no
qual compõe o Setor de Comunicação de SP, como
Dirigente Regional (Promissão/SP).
E-mail: iara.lavratti@unesp.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0937906505577830
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9690-4017
jordAnA MArtins perussi
Graduanda em Direito pela Universidade Estadual
Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências Humanas
e Sociais, Franca. Bolsista CNPq com a pesquisa “A
violência armada contra a mulher segundo o T. J.
SP” e membro do NETPDH.
E-mail: jordana.martins@unesp.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4321421883828600
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8413-5057
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
284 |
joseFinA Kuingo dAniel
Graduada pelo Instituto Superior de Ciências
da Educação no curso de Física, Huambo, 2015-
Angola. Atualmente docente de Física do Ensino
Médio, Liceu Afonso Mbinda no Namibe, Angola.
E-mail: josefinakuingo@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5255458409378924
leonArdo leMos de souzA
É Livre-docente em Psicologia do Desenvolvimento
pela Universidade Estadual Paulista (UNESP).
Realizou estágio pós-doutoral na Universitat de
Barcelona. Atualmente é Professor Associado junto
ao Departamento de Psicologia Social e Educacional
(DPSE) e ao Programa de Pós-Graduação em
Psicologia (PPGP) da Faculdade de Ciências e Letras
(FCL), UNESP, Campus de Assis, e ao Programa de
Pós-graduação em Educação (PPGE) da Faculdade
de Filosofia e Ciências (FFC), UNESP, Campus
de Marília. É Vice-Líder do Grupo de Estudos e
Pesquisas PsiCUqueer – Coletivos, Psicologias e
Culturas Queer, e Membro do LIESS – Laboratório
Iberoamericano para el Estudio Sociohistórico de las
Sexualidades.
E-mail: leonardo.lemos@unesp.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6444203522447403
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3331-1847
Mulheres em tempos de pandemia
| 285
luAnA MAiA woidA
Pós-doutora em Documentação pela Universidad
Carlos III de Madrid (Espanha). Doutora e mestre em
Ciência da Informação pela Universidade Estadual
Paulista (UNESP). Graduada em Administração
pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Professora na Faculdade de Tecnologia de Garça
(FATEC). Docente Colaboradora no Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Informação (Unesp/
Marília). Docente Permanente no Programa de Pós-
Graduação em Administração (UEL/Londrina).
Pesquisadora em cultura informacional, cultura
organizacional, cultura de inovação, comportamento
organizacional, marketing, diversidade, feminismo,
ciberfeminismo e femvertising.
E-mail: luanamwoida@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6452895202161120
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3621-9154
líViA MArinho goto
Graduanda em Direito pela Universidade Estadual
Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências Humanas
e Sociais, Franca. Bolsista CNPq com a pesquisa
“O tratamento jurídico-criminal dispensado ao
feminicídio de travestis e transexuais no ano de
2020” e membro do NETPDH.
E-mail: livia.goto@unesp.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1116455876655866
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
286 |
MAdAlenA Fundo dAniel
Graduada em Ciências da Educação no curso
de Química, 2021. Atualmente é Mestranda no
Programa de pós-graduação de Educação na linha
de História e filosofia da Educação - Faculdade
de Filosofia da Universidade Estadual Paulista,
Câmpus Marília.
E-mail: madalena.daniel@unesp.br
MAriângelA spotti lopes FujitA
Bacharel em Biblioteconomia pela Fundação
Municipal de São Carlos. Mestre e Doutora em
Ciências da Comunicação pela Universidade de São
Paulo, Livre Docente em Análise Documentária e
Linguagens Documentárias Alfabéticas, Professora
Titular da UNESP. Docente Permanente Programa
de Pós-Graduação em Ciência da Informação
da Universidade Estadual Paulista – UNESP de
Marília. Líder do Grupo de Pesquisa “Representação
Temática da Informação”. Professora aposentada da
UNESP de Marília.
E-mail: mariangela.fujita@unesp.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6530346906709462
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8239-7114
Mulheres em tempos de pandemia
| 287
MArtA lígiA poMiM VAlentiM
Professora Titular da Universidade Estadual Paulista
(UNESP). Pós-Doutorado pela Universidade de
Salamanca (USAL), Espanha, 2012. Livre-Docente
em Informação, Conhecimento e Inteligência
Organizacional pela UNESP. Doutora em Ciências
da Comunicação pela Universidade de são Paulo
(USP), 2001. Mestre pela Pontitícia Universodade
Católica de Capminas (PUC/Campinas), 1995. Bolsita
Produtividade em Pesquisa (PQ-1D) do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) na área de intelogência informacional desde
2002. Líder do grupo de pesquisa Informação,
Conhecimento e Inteligência Organizacional.
E-mail: marta.valentim@unesp.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1484808558396980
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4248-5934
MAtheus esteVão FerreirA dA silVA
É Pedagogo pela Faculdade de Filosofia e Ciências
(FFC), Universidade Estadual Paulista (UNESP),
Campus de Marília, Mestrando em Educação pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE)
da mesma instituição e graduando em Psicologia
pela Faculdade de Ciências e Letras (FCL), UNESP,
Campus de Assis. Na graduação em Pedagogia,
foi bolsista de extensão do Núcleo de Ensino (04
meses), PROEX (04 meses), de Iniciação Científica
PIBIC/CNPq (14 meses) e FAPESP (20 meses). Na
graduação em Psicologia, foi bolsista de Iniciação
Científica FAPESP (07 meses). Foi bolsista de
Mestrado do CNPq (08 meses) e atualmente é bolsista
de Mestrado da FAPESP (previsão de 16 meses).
Atuou como 1.º Secretário do Núcleo de Direitos
Humanos e Cidadania de Marília (NUDHUC) nas
gestões de 2016-2018 e de 2019-2021.
E-mail: matheus.estevao2@hotmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1278661168384546
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2059-6361
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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MonicA riutort bsc, b.A. M.A.
She has a Bachelor of Science from the University
of Chile and a Master of Arts in Adult Education
and Counseling Psychology at the University of
Toronto and a Bachelor of Arts in Sociology at
York University. Along with her schooling, she has
extensive experience working with organizations and
agencies leading training, research, and programs
that address equity, inclusion, and trauma.
She is passionate about working collaboratively to
promote social integration and respect for human
dignity. She is currently serving as Manager for
Family Services at the Peel Institute on Violence
Prevention (PIVP) where she leads and builds
human, social, and community capacity. In this
role, I have had the opportunity to provide sound
strategic advice to senior management and staff
and develop innovative programs that address
equity from a framework of anti-oppression and
anti-racism. She is a founding member of the
International Society for Equity in Health as well
as established the Americas, Balkan, and Middle
Eastern Chapters for this organization. She
managed a network of over 250 equity researchers
globally as well as recently completed a publication
entitled New Roads to Anti-Racism Oppression and
Equity for the International Diversity Journal. Her
career also includes teaching primary health care,
trauma screening, and trauma-specific in academic
and community settings and developing strategic
community coalitions with a strong focus on equity,
human sex trafficking, violence against women, and
womens reproductive health.
E-mail: mriutort@fspeel.org
Mulheres em tempos de pandemia
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nieMbo MAriA dAniel
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em
Ciencia da Informação, Faculdade de Filosofia da
Unversidade Estadual Paulista, Câmpus Marília
desde 2019. Mestre em Contabilidade e Finanças,
no Instituto Politécnico de Setúbal, Portugal,
2015. Graduada em Contabilidade e Gestão, na
Unversidade de Belas, Luanda-Angola, 2012.
Bolsista no âmbito do doutorado pelo convênio do
Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia
e Inovação de Angola e a UNESP. Membro do
grupo de pesquisa Informação, Conhecimento e
Inteligência Organizacional desde 2019.
E-mail: niembo.daniel@unesp.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7272728031057919
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6253-6204
nilMA renildes dA silVA
Professora de Psicologia Social e Supervisora de
Estágio em Psicologia Social e Comunitária da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho - Bauru/SP. Possui graduação em Licenciatura
em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (1992), graduação em
Formação de Psicólogo pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (1992), graduação
em Bacharel em Psicologia pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1992),
mestrado em Psicologia (Psicologia Social) pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(1998), Especialização em Violência sexual contra
Crianças e Adolescentes pelo USP/SP (2000) e
doutorado em Educação (Psicologia da Educação)
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(2006). Professora de Psicologia Social e Supervisora
de Estágio em Psicologia Social e Comunitária da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho - Bauru/SP. Desenvolve pesquisa e extensão
na área de Violência Doméstica contra crianças
e adolescentes. Violência contra as mulheres e
Violência nas escolas, visando a garantia de direitos
humanos e a coibição do uso da violência nas
relações sociais.
E-mail: nilma.renildes@unesp.br
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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pAolA Melchiori
Paola Melchiori é teórica feminista, ativista e
escritora, autora de livros/vídeos/artigos sobre
questões feministas. Tem criado, a nível nacional e
internacional, espaços livres de pensamento crítico,
baseados no modelo das Universidades Livres. A
sua ideia principal é desenvolver e tornar visíveis
novos paradigmas de conhecimento baseados nas
formas de pensar e saber das mulheres, trabalhando
de forma interdisciplinar entre culturas, classes
e especializações. Ela é fundadora e ex-presidente
da Universidade Livre das Mulheres de Milão, da
Crinali, uma associação de pesquisa e educação
intercultural em Milão, da Rede Internacional de
Universidades Feministas, um grupo de reflexão
internacional para o pensamento crítico e a educação
das mulheres. Desde meados dos anos oitenta
tem trabalhado em diferentes países africanos e
latino-americanos na educação das mulheres, na
investigação participativa e na educação popular
com uma perspectiva freiriana e feminista. Durante
os anos das Conferências da ONU dos anos 90,
ela formou uma sólida rede internacional de
feministas que trabalham juntas nestas questões. O
seu principal interesse é a colaboração intercultural
entre feministas de diferentes culturas e disciplinas.
É autora de vários ensaios sobre teoria feminista, de
quatro livros e de vários vídeos.
E-mail: pmelchiori@gmail.com
Mulheres em tempos de pandemia
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pAulo cÉsAr corrêA borges
Graduação em Direito pela Universidade Estadual
Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências Humanas
e Sociais, Franca (1990); Mestrado em Direito pela
Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade
de Ciências Humanas e Sociais, Franca (1998);
Doutorado em Direito pela Universidade Estadual
Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências Humanas
e Sociais, Franca (2003); Pós- Doutorado pela
Universidade de Sevilla (Departamento de Filosofia
del Derecho) - Espanha (2012); Pós- Doutorado
pela Universidade de Granada (Departamento de
Derecho Penal). Professor Assistente-doutor de
Direito Penal do Departamento de Direito Público
da UNESP e Promotor de Justiça do Estado de São
Paulo.
E-mail: paulo.cc.borges@unesp.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2719410547680064
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5170-7271
rosAne Michelli de cAstro
Atua como professora assistente na Faculdade de
Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho e como professora permanente
junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação
da FFC - Unesp/Marília. Mestrado e Doutorado em
Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (2000), e Pós-Doutorado pela
Fundação Carlos Chagas (2010). É membro integrante
na qualidade de pesquisadora nas linhas de pesquisa:
Didática, Currículo e Fundamentos da Educação,
A pesquisa e a formação do educador, História da
formação de professores no Brasil, do Grupo de Estudos
e Pesquisa GP FORME? Formação do Educador, do
qual também foi líder de 2009 a 2015, cadastrado no
CNPq. Atualmente, é Líder e pesquisadora do grupo de
pesquisa também cadastrado no CNPq, desde abril de
2016, HiDEA-Brasil História das disciplinas escolares e
acadêmicas no Brasil.
E-mail: r.castro@unesp.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8973177509376264
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7383-4810
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo e Mariângela Spotti Lopes Fujita (org.)
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tâniA suely Antonelli MArcelino brAbo
Mestrado em Educação pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1997),
doutorado em Sociologia pela Universidade de
São Paulo (2003) e pós-doutorado em Educação
pela Universidade do Minho-Braga-Portugal
(2007). Investigadora visitante no Instituto de
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (2007).
Atualmente é professora assistente doutora efetiva
da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho. Tem experiência na área de Educação, com
ênfase em Administração de Unidades Educativas
e Políticas Educacionais, atuando principalmente
nos seguintes temas: gestão democrática, direitos
humanos, gênero, cidadania e educação.
E-mail: tania.brabo@unesp.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2632812623662636
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9833-0635
terezA cristinA Albieri bArAldi
Possui graduação em Direito pela Fundação
de Ensino Eurípedes Soares da Rocha (1985),
mestrado em Educação pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (2001), mestrado
em Direito pela Fundação de Ensino Eurípedes
Soares da Rocha (2006) e doutorado em Educação
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (2012). Atualmente é membro
fundadora e pesquisadora - Núcleo de Direito
Humanos e Cidadania de Marília/SP, advogada.
Professor temporário da Academia de Polícia Civil
de São Paulo (desde 1994). Tem experiência na área
de Educação, lecionando metodologia da pesquisa,
docência superior, atuando principalmente nos
seguintes temas: direitos humanos (violência
doméstica e de gênero, feminicídio, racismo entre
outros). Avaliadora da Revista do Instituto de
Polícias Públicas (IPPMAR) da Unesp/Marília e
Revista Técnico-Científica da Academia de Polícia
de São Paulo. Mentora Acadêmica.
E-mail: tecabar@terra.com.br
cAtAlogAção nA publicAção (cip)
Telma Jaqueline Dias Silveira
CRB 8/7867
norMAlizAção
Maria Elisa Valentim Pickler Nicolino
CRB - 8/8292
Amanda Andrade Vilela da Silva
cApA e diAgrAMAção
Gláucio Rogério de Morais
produção gráFicA
Giancarlo Malheiro Silva
Gláucio Rogério de Morais
AssessoriA tÉcnicA
Renato Geraldi
oFicinA uniVersitáriA
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