NEGOCIAÇÕES
COMERCIAIS
INTERNACIONAIS
E DEMOCRACIA
o Brasil nos contenciosos
da OMC na era FHC
(1995-2002)
Marcelo Fernandes
de Oliveira

 !
Marcelo Fernandes de Oliveira
“NEGOCIAÇÕES COMERCIAIS INTERNACIONAIS E DEMOCRACIA” aborda um
tema de elevada relevância para as Relações Internacionais do Brasil, mas também
para os setores de formulação legislativa e de execução de políticas públicas.
Partindo de uma questão clássica da Política Externa Brasileira – a tese do
insulamento burocrático do Ministério das Relações Exteriores -, o prof. Marcelo F.
de Oliveira se debruça sobre as novas condições sob as quais as negociações
comerciais internacionais do País passam a ocorrer nos governos liderados pelo
PSDB (1995-2002). Para executar essa tarefa, o autor dialoga com teorias liberais
das Relações Internacionais e encontra, no modelo do Jogo de Dois Níveis, a base
teórica para interpretar os movimentos de barganha, táticos e estratégicos,
realizados pelo Brasil e seus interlocutores.
Nos governos de Fernando Henrique Cardoso, as negociações foram travadas
em contexto que trazia novidades: a redemocratização e o impulso da globalização.
Nesta nova era, por um lado, a participação do Congresso Brasileiro deveria se tornar
mais relevante para as Relações Internacionais do Brasil, já que boa parte da
credibilidade acerca da internalização dos compromissos internacionais passa a ser
decidida pelo Legislativo. Por outro lado, o autor analisa que não são todos os temas
de comércio ou negociação internacionais que despertam o interesse dos
parlamentares, e avalia como isso impacta a capacidade da Presidência e do
Itamaraty de encaminhar as negociações, mesmo aquelas que ocorrem em
ambientes mais institucionalizados, como no Órgão de Solução de Controvérsias da
Organização Mundial do Comércio (OMC).
Estas reflexões estão lastreadas no estudo detalhado de três contenciosos –
patentes farmacêuticas, algodão e açúcar – travados no âmbito da OMC, sendo os
dois primeiros contra os Estados Unidos e o terceiro contra a União Europeia. Os
casos, para além de fomentar a reflexão teórica, trazem importantes registros
empíricos destas negociações paradigmáticas para o Brasil e para a literatura
internacional.
Em suma, ‘Negociações Comerciais Internacionais e Democracia” é uma obra
fundamental para a compreensão da capacidade negociadora do País em um
contexto democrático e de globalização. O livro ilumina processos de formulação e
dinâmicas de decisão complexos que os negociadores estrangeiros devem
considerar em suas relações com o Brasil e que, portanto, os próprios negociadores
brasileiros não podem ignorar.
Thiago Lima
Professor Associado do Departamento de Relações Internacionais e do Programa
de Pós-Graduação em Gestão Pública e Cooperação Internacional da UFPB.
Marcelo Fernandes de Oliveira é
Professor Livre Docente da UNESP –
Campus de Marília – no
Departamento de Ciências Políticas e
Econômicas. Atua no Programa de
Pós-Graduação em Ciência da
Informação, na linha de pesquisa
Gestão, Mediação e Uso da
Informação. É líder do grupo de
pesquisa IGEPRI – Instituto de
Gestão Pública e Relações
Internacionais – certificado no CNPQ
e pesquisador do IPPMar – Instituto
de Políticas Públicas de Marília. É
editor-chefe do periódico científico
Brazilian Journal of International
Relations. Mantêm coluna de opinião
em jornais e revistas e atua como
publisher do Observatório da Gestão
Pública. É assessor e consultor de
agências de fomento à ciência, entre
elas FAPESP, CNPQ e CAPES. Possui
experiência administrativa na gestão
pública e assessoramento em
negociações internacionais.





Negociações comerciais
iNterNacioNais e democracia:
o Brasil nos contenciosos da OMC na
era FHC (1995-2002)
Marília/Ocina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2022
M F  O
Negociações comerciais
iNterNacioNais e democracia:
o Brasil nos contenciosos da OMC na
era FHC (1995-2002)
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS - FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Cláudia Vieira Cardoso
Editora aliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Ocina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Copyright © 2022, Faculdade de Filosoa e Ciências
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Parecerista:
Prof. Dr. iago Lima da Silva
Professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Ficha catalográca
Oliveira, Marcelo Fernandes de.
O48n Negociações comerciais internacionais e democracia: o Brasil nos contenciosos da OMC
na era FHC (1995-2002) / Marcelo Fernandes de Oliveira. – Marília : Ocina Universitária ;
São Paulo : Cultura Acadêmica, 2022.
204 p. : il.
Inclui bibliograa
ISBN 978-65-5954-272-7 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-273-4 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-273-4
1. Brasil Presidente (1995-1998 : Fernando Henrique Cardoso) . 2. Brasil Presidente
(1999-2002 : Fernando Henrique Cardoso). 3. Organização Mundial do Comércio. 4.
Comércio internacional. 5. Liberalismo. I. Título.
CDD 382.9
Andre Sávio Craveiro Bueno – Bibliotecário – CRB 8/8211
Imagem capa: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Fotos_produzidas_pelo_Senado_(31039155571).
jpg?uselang=pt-br. Acesso em 31/08/2022. Autor Senado Federal.
| 5
Para Rafaela, Arthur, Manuela, Matheus e Nice:
NOSSA GRANDE FAMÍLIA!
6 |
L  F
Figura 1 – Caráter paradigmático da teoria liberal de Relações Internacionais
Figura 2 –Teoria do Jogo de Dois Níveis
Figura 3 – Presidencialismo de Coalizão
Figura 4 - Pharmaceuticals/Health Products Top Contributors
Figura 5 - “Caixa preta” norte-americana da formulação de respostas ao contencioso do
algodão
Figura 6 – União Européia – Estrutura de Exportação de Açúcar
| 7
L  Q
Quadro 1 - Rodadas de negociações do GATT
Quadro 2 – Premissas Liberais
Quadro 3 - Simulação de um resultado eleitoral no sistema partidário-eleitoral brasileiro
(1995-2002)
Quadro 4 - Campanha do setor farmacêutico para a Criação do TRIPS
Quadro 5 - Campanha para Acesso a Medicamentos liderada pelo Brasil
Quadro 6 – Preços Internacionais Selecionados do Ciprooxacin
8 |
L  A  S
ABRAPA - Associação Brasileira dos Produtores de Algodão
ACI - Aliança Cooperativa Internacional
ACP (África, Caribe e Pacíco)
AIDS/HIV – Acquired immunodeciency syndrome
ALCA – Área de Livre Comércio das Américas
APAC - Agricultural Policy Advisory Committee
APAC - Agricultural Policy Advisory Committee
APEC – Asia-Pacic Economic Cooperation
ATAC - Agricultural Technical Advisory Committee for Trade
ATAC – Agricultural Technical Advisory Committee for Trade
BIRD - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
CABISCO - Association of Chocolate, Biscuit and Confectionery Industries
CAE – Comissão de Assuntos Econômicos
CAMEX - Câmara de Comércio Exterior
CCJC – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
CCM – Comissão Conjunta do MERCOSUL
CEAL - Conselho de Empresários da América Latina
CEB - Coalizão Empresarial Brasileira
CEBRI - Centro Brasileiro de Relações Internacionais
CEDEC – Centro de Cultura Contemporânea
CEFS - Committee of European Sugar Manufacturers
CEPI – Conselho Empresarial Permanente do Itamaraty
CGC – Coordenação-Geral de Contenciosos
CMC – Conselho do Mercado Comum
CNA - Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária
CNI - Confederação Nacional da Indústria
CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientíco e Tecnológico
COG - Congressional Oversight Group
CPC – Comissão Parlamentar Conjunta
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
CRE – Comissão de Relações Exteriores
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DPR/MRE - Departamento de Promoção Comercial e Investimentos
EUA – Estados Unidos da América
EWG - Environmental Working Group
FAIR Act de 1996 – Federal Agriculture Improvement and Reform Act of 1996
FAO - Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
Farm Bill 2002 – e Farm Security and Rural Investment Act of 2002
FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FCES – Foro Consultivo Econômico e Social do Mercosul
FCES – Fórum Consultivo Econômico e Social
FDA - Food and Drug Administration
FHC - Fernando Henrique Cardoso
FMI – Fundo Monetário Internacional
FÓRUM - Fórum Permanente de Negociações Agrícolas Internacionais
GATT – General Agreement on Taris and Trade
GECEX - Comitê Executivo de Gestão
GICI - Grupo Interministerial de Trabalho sobre Comércio Internacional de
Mercadorias
GMC – Grupo Mercado Comum
10 |
GSP – Generalized System of Preferences
HR – House of Representative
IAPE – Oce of Intergovernmental Aairs and Public Engagement
IATC - Institute for Agriculture and Trade Policy
IBGE - Instituto brasileiro de Geograa e Estatística
IBSA - Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul
ICAC - International Cotton Advisory Committee
ICONE - Instituto de Estudos do Comércio e das Negociações Internacionais
IIPC - International Interfaith Peace Corps
INESC – Instituto de Estudos Sócio-Econômicos
INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial
ITAC – Industry Trade Advisory Committees
ITC - International Trade Comission
JDN - Jogo de Dois Níveis
MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MDIC - Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
MERCOSUL - Mercado Comum do Sul
MP’s – Medidas Provisórias
MRE - Ministério das Relações Exteriores
NAFTA – North American Free Trade Agreement
NCC - National Cotton Council
OECD - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OIC – Organização Internacional de Comércio
OMC - Organização Mundial do Comércio
OMPI – Organização Mundial de Propriedade Intelectual
OMS – Organização Mundial da Saúde
ONG – Organizações Não-Governamentais
ONU - Organização das Nações Unidas
OSC – Órgão de Solução de Controvérsia
P&D – Pesquisa e Desenvolvimento
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 11
PDC - Proposta de Plebiscito de participação do Brasil na ALCA
PDL – Projeto de Decreto Legislativo
PEC – Projetos de Emenda Constitucional
PFL – Partido da Frente Liberal
PGR – Procuradoria Geral da República
PhRMA - Pharmaceutical Research and Manufacturers of America
PIB – Produto Interno Bruto
PL – Projeto de Lei
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PPB – Partido Progressista Brasileiro
PROER - Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema
Financeiro Nacional
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
SAM – Secretaria Administrativa do Mercosul
SECEX - Secretaria de Comércio Exterior
SENALCA – Seção Nacional de Coordenação dos Assuntos Relativos à ALCA
SENEUROPA – Seção Nacional para as Negociações MERCOSUL - União Europeia
SNM – Seção Nacional do MERCOSUL
SRB - Sociedade Ruralista Brasileira
STF - Supremo Tribunal Federal
TPA - Trade Promotion Authority
TPSC – Trade Policy Sta Committee
TRIPS – Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights
TSE – Tribunal Superior Eleitoral
UDOP - Usinas e Destilarias do Oeste Paulista
UE – União Européia
UNAIDS - e Joint United Nations Programme on HIV/AIDS
12 |
UNCTAD – United Nations Conference on Trade of Development
UNICA - União da Agroindústria Canavieira de São Paulo
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
USDA - Departamento de Agricultura dos Estados Unidos
USTR – United States Trade Representative
ZPE – Zonas de Processamento de Exportação
| 13
sumário
Apresentação ------------------------------------------------------------------------- 17
Parte i
asPectos históricos e teóricos das Negociações comerciais iNterNacioNais
caPítulo 1
Negociações comerciais internacionais em perspectiva histórica ------------- 29
1.1 - O Pós-Segunda Guerra Mundial ------------------------------------------- 29
1.2 - A crise dos anos 70 e a reordenação da sociedade internacional nos
anos 80 e 90 ------------------------------------------------------------------------- 38
1.3 - O multilateralismo como opção estratégica e histórica à reinserção do
Brasil no sistema internacional globalizado -------------------------------------- 44
caPítulo 2
Negociações internacionais e política doméstica: questões teóricas. ---------- 49
Introdução --------------------------------------------------------------------------- 49
2.1 - Premissas liberais e Relações Internacionais ------------------------------- 50
2.2 - A teoria liberal de relações internacionais tem caráter paradigmático? - 58
2.3 - O Jogo De Dois Níveis de Putnam ---------------------------------------- 67
2.4 - Estabilidade interna e credibilidade externa: interesses, instituições e
informações -------------------------------------------------------------------------- 76
14 |
Parte ii
iNstituições democráticas e Política exterNa No Brasil coNtemPorâNeo
caPítulo 3
Instituições políticas democráticas brasileiras: a experiência da delegação -- 91
Introdução --------------------------------------------------------------------------- 91
3.1 - Os sistemas eleitoral e partidário no Brasil -------------------------------- 93
3.2 - O papel da arena governamental sobre as instituições democráticas
brasileiras ----------------------------------------------------------------------------- 97
3.3 - A delegação na democracia brasileira -------------------------------------- 103
caPítulo4
A política externa brasileira no congresso: o desao de gerar credibilidade
internacional ------------------------------------------------------------------------- 115
Introdução --------------------------------------------------------------------------- 115
4.1 - Constituição, Congresso e Política Externa ------------------------------ 116
4.2 – Custos da abdicação: a diculdade em gerar credibilidade
internacional ------------------------------------------------------------------------- 122
4.3 – Em busca de solução à situação --------------------------------------------- 125
4.4 -O exemplo norte-americano como guia ao Brasil ------------------------- 133
Parte iii
Negociações iNterNacioNais Na omc
caPítulo 5
O contencioso Brasil x EUA das patentes nas negociações da OMC -------- 141
5.1 - Estrutura doméstica e posição negociadora dos Estados Unidos ------- 142
5.2 - Estrutura doméstica e posição negociadora defensiva do Brasil -------- 150
5.3 - A solução do contencioso: a retirada da queixa e a criação do
mecanismo consultivo bilateral ---------------------------------------------------- 154
5.4 - A Mudança do Cenário no Pós 11 de Setembro ------------------------- 156
| 15
caPítulo 6
A disputa dos subsídios agrícolas: o contencioso do algodão contra os EUA
e do açúcar contra a UE ----------------------------------------------------------- 163
6.1 - O caso do algodão contra os EUA ----------------------------------------- 164
6.1.2 - Estratégia, estrutura doméstica e posição negociadora ofensiva do
Brasil ---------------------------------------------------------------------------------- 165
6.1.3 - Estratégia, estrutura doméstica e posição negociadora defensiva
estadunidense ------------------------------------------------------------------------ 169
6.2 - A questão do açúcar contra a UE ------------------------------------------- 174
6.2.1 - Estrutura doméstica e demanda brasileira no contencioso do açúcar
na OMC ----------------------------------------------------------------------------- 176
6.2.2 - O Funcionamento do Regime Açucareiro Europeu ------------------- 178
6.2.3 – A decisão da OMC favorável às demandas brasileira ----------------- 182
6.3 - O Impacto da Vitória Brasileira no Comércio Agrícola ----------------- 184
coNsiderações fiNais -------------------------------------------------------------- 189
referêNcias -------------------------------------------------------------------------- 195
16 |
| 17
aPreseNtação
A interdependência econômica alterou a dinâmica dos processos
de tomada de decisão no tocante à política externa comercial. Os atores
domésticos, antes relegados a um segundo plano, agora recebem novos
incentivos e constrangimentos para se mobilizarem diante de questões
comerciais internacionais. Isso vem ocorrendo porque houve um aumento
sem precedentes da interação entre a política doméstica e as relações
internacionais.
Crescentemente, desde os anos 1970, tem cado mais nítido que
as questões internacionais têm produzido custos e benefícios assimétricos
para as sociedades. Isto tem conduzido, em muitas ocasiões, à mobilização
dos atores domésticos - sobretudo daqueles negativamente afetados – para
a defesa dos seus interesses durante a negociação de acordos comerciais.
Desloca-se para a esfera pública a discussão da política externa que,
tradicionalmente no Brasil, foi considerada prerrogativa do poder Executivo
e de sua burocracia especializada.
O Ministério das Relações Exteriores (MRE) é o responsável pela
formulação de política externa e pelas negociações internacionais do país.
Historicamente, o MRE manteve-se distante da sociedade, concentrando
dentro do seu corpo burocrático as decisões que representariam o interesse
nacional. O MRE relaciona-se com outros ministérios e com a Presidência
da República, mas a interação com a sociedade e seus grupos de interesse
Marcelo Fernandes de Oliveira
18 |
foi bastante baixa. É nesse sentido que se aponta que o MRE sofre de
insulamento burocrático.
Durante longo período histórico esse padrão de relacionamento
trouxe bons resultados. O papel central desempenhado pelo MRE era o de
defender posições doutrinárias do país na sociedade internacional, que lhe
permitissem galgar o desenvolvimento nacional por meio do modelo de
substituição de importações.
O reconhecimento e o prestígio do MRE como uma burocracia
especializada na condução das relações exteriores no Brasil, além do seu
reconhecido expertise, deriva desse momento histórico no qual a defesa
do interesse nacional, tal como percebido pelo governo, coincidia com
os interesses privados dos grupos econômicos e sociais brasileiros. Havia
“na” sintonia entre interesse nacional e interesses particulares.
Entretanto, transformações profundas nas sociedades internacional –
globalização - e doméstica – democratização – acabaram, paulatinamente,
eliminando essa “na” sintonia. Isso porque, o MRE teve que passar a
defender interesses setoriais durante negociações comerciais internacionais.
Ou seja, sua posição negociadora passou a gerar ganhos e/ou custos
distributivos para diversos setores.
Além disso, simultaneamente, os grupos econômicos e sociais
brasileiros atingidos pela liberalização econômica, em um contexto
democrático, passaram a pressionar por maior participação na formulação
da política de comércio internacional do Brasil como uma maneira de
evitar maiores perdas.
Como resposta, mais recentemente, o MRE passou a intensicar
suas relações com a sociedade, promovendo consultas e seminários com
empresários, intelectuais, associações de classe e demais grupos de interesse
nas questões internacionais do país. Contudo, esses grupos participam
apenas de forma opinativa, não regular e sem participação direta no
processo de formulação da política exterior a ser adotada nos foros de
negociações.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 19
Dessa maneira, as pressões para inuenciar o posicionamento
do MRE no cenário internacional ocorriam de modo informal e não
institucionalizado. Pode-se privilegiar alguns grupos e mesmo vetar certos
interesses que, não necessariamente, representariam parcelas signicativas
da sociedade brasileira.
O fato é que, com o adensamento da globalização e da democratização,
os âmbitos internacional e doméstico estão cada vez mais interdependentes
e é necessário que as estruturas governamentais estejam aptas para lidar
com essa dinâmica. Surge a necessidade da existência de uma interligação
entre os policymakers, o poder Legislativo e os atores da sociedade civil,
em busca da maximização de oportunidades capazes de satisfazer as
necessidades do país. Ou seja, estabelecer canais de comunicação abertos e
institucionalizados entre os formuladores e os atores domésticos em busca
de sintonia à defesa dos interesses privados no mundo, sem prejudicar o
interesse nacional.
Nesta direção, faz-se necessário criar mecanismos institucionais
domésticos capazes de evitar riscos, tais como aqueles que poderiam
prejudicar projetos de longo prazo do país por questões conjunturais,
derivadas de interesses particulares e eleitorais.
O insulamento burocrático, considerado como fundamental
para a boa condução da política externa no passado, não pode evitar a
apropriação do Estado pelos grupos de interesses mais poderosos, nem
evitar que a sociedade se torne refém do “ditador benevolente” que,
supostamente, conhece os interesses nacionais a serem representados na
sociedade internacional. Já o relacionamento mais próximo entre sociedade
e policymakers produziria um mapeamento mais acurado dos interesses
e capacidades nacionais que o MRE deveria representar na sociedade
internacional. Paralelamente, a transparência do processo poderia inibir
desvios egoístas e ser ecaz na compatibilização de interesses particulares
com o interesse nacional sem grandes prejuízos de um ou outro.
Isso posto, a questão a ser equacionada nesse livro é a seguinte: qual
o contexto mais adequado para a elaboração de política externa brasileira?
O democrático? Ou o insulamento burocrático?
Marcelo Fernandes de Oliveira
20 |
Na nossa opinião, nem um nem outro contexto em suas formas
puras, mas sim um modelo a ser construído que estabeleça novos padrões
de relacionamentos entre as estruturas burocráticas do Estado, o poder
Legislativo e grupos de interesse empresariais, intelectuais, sociais, etc.
Seria necessário o aprofundamento e a criação de novas instituições
domésticas democráticas, além das já existentes, tais como fóruns de
debates, com participação aberta aos atores nacionais interessados em
questões internacionais.
O intuito seria promover a interação entre policy-nakers, legisladores
e grupos de interesses, imprimindo elevado grau de transparência
ao processo de formulação de política externa, sem romper com a
prerrogativa do poder Executivo na condução das relações internacionais
do Estado via MRE.
Em outras palavras, manteria-se a capacidade do poder Executivo
em determinar a agenda e desenvolver negociações, mas com o devido
debate com a sociedade e com o Legislativo. Reconhecemos que questões
ligadas à segurança merecem tratamento mais sigiloso. Porém, as questões
comerciais e de cooperação técnica, que ocupam maior espaço na agenda
de política externa brasileira, deveriam ser tratadas de forma a garantir que
os interesses da sociedade não fossem colocados apenas de forma opinativa.
Isso indica a necessidade da elaboração de mecanismos institucionais
e instrumentos por parte do poder Legislativo que tenham como função
retomar seu papel, de freios e contrapesos ao Executivo, desde que
devidamente assessorado por grupos especializados e capazes de elucidar
as questões internacionais em jogo. Isso permitiria acompanhamento e
discussão ex-ante pelos atores relevantes no sistema político brasileiro da
política exterior brasileira, sem prejudicar o poder Executivo na realização
das negociações internacionais.
Mais que isso, poderia até mesmo dar respaldo a posição negociadora
brasileira, ampliando seu poder de barganha. Paralelamente, o MRE
deveria contar com mecanismos para absorver as demandas de grupos de
interesses domésticos.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 21
Ainda que não tenhamos um desenho institucional altamente
desenvolvido, acreditamos que esse debate interessa à sociedade brasileira.
Acreditamos também que o tema deve ser levado adiante e disseminado
em universidades, centros de pesquisa, associações de classe, representações
de interesses privados, governos, enm, para todos aqueles interessados nos
impactos que questões internacionais podem ter domesticamente.
Nesta perspectiva, buscaremos compreender neste livro os
desdobramentos dessa dinâmica por meio da problematização da temática
da democracia e do processo de formulação da política externa do Brasil
a partir de três experiências concretas na OMC durante a Era FHC
(1994-2002): a) o contencioso entre Estados Unidos e Brasil em torno das
patentes dos medicamentos para o tratamento de HIV, b) o contencioso
do algodão contra os EUA e c) o contencioso do açúcar contra a União
Européia (UE).
A partir dessas três análises empíricas, sugeriremos que uma maior
abertura e institucionalização do relacionamento entre policy-makers e
atores das organizações da sociedade civil podem possibilitar um melhor
atendimento às demandas da sociedade brasileira, melhorar a qualidade
técnica da negociação e contribuir para a democratização da construção do
interesse nacional a ser defendido no exterior pela diplomacia brasileira.
Poderia ainda gerar maior credibilidade e legitimidade internacional para
as ações do país no exterior, assim como servir para o aperfeiçoamento das
instituições democráticas brasileiras no tocante a política externa.
Além disso, as três experiências são ilustrativas para nos indicar
padrões de relacionamento entre policy-makers e sociedade civil e, a partir
deles, podermos reetir sobre como iniciar a elaboração de instituições
democráticas para a formulação de uma política externa que potencialize
os interesses brasileiros com maior credibilidade e legitimidade no mundo.
Essas questões estão desenvolvidas em 6 capítulos.
No primeiro capítulo produzimos uma reconstrução histórica das
negociações comerciais internacionais do pós-Segunda Guerra Mundial
até os anos 1970 do século XX, enfatizando a emergência e a elaboração
de regras multilaterais para a regulamentação do comércio internacional.
Marcelo Fernandes de Oliveira
22 |
Demonstramos ainda que esse processo histórico sofre um revés na década
de 1970 devido à crise econômica e política mundial. Entretanto, na
década de 1980 demonstramos que houve um movimento de reorganização
da sociedade internacional em torno das idéias do neoliberalismo, da
globalização nanceira, da reestruturação produtiva, da retomada da
Guerra Fria, dos direitos universais (direitos humanos e democracia), dos
novos atores e do fenômeno do regionalismo. Esse movimento resultou
em uma realidade global mais transnacionalizada, na qual as questões
internacionais e domésticas passaram a se interpenetrarem, tornando as
negociações comerciais internacionais tema de grande relevância para as
sociedades domésticas.
É nesse período, na década de 1980, que emergem novas teorias
para a análise das relações internacionais, que levem em consideração a
inuência da política doméstica na política internacional e vice-versa no
bojo das teorias liberais. Assim sendo, apresentamos a origem losóca-
política das premissas do liberalismo, bem como demonstramos os
motivos para se considerar a teoria liberal das Relações Internacionais
como paradigmática
1
. Em seguida, entre as principais vertentes da
teoria liberal cremos que aquela que mais avança no entendimento da
inuência doméstica na política internacional é o Jogo de Dois Níveis
de Robert Putnam.
De acordo com essa teoria existe uma articulação entre os níveis
doméstico e internacional durante as negociações desenvolvidas entre
Estados. Nesta perspectiva, pode-se dizer que existem profundas relações
entre a escolha pela negociação internacional e os interesses domésticos que
os governos representam. Ou seja, o processo de negociação pode avançar
ou reuir dependendo da capacidade de poder de veto ou de apoio dos
atores domésticos identicados com a questão em negociação.
Em outras palavras, a negociação internacional depende, em
grande medida, da estrutura de ganhos domésticos (win set) dos Estados
envolvidos, a qual será determinante no momento de raticação interna do
As seções 2.1 e 2.2 do capítulo 2 foram aproveitadas para publicar o artigo: OLIVEIRA, M. F.; GERALDELLO,
C. S. A Construção da Paz Perpétua como Teoria Liberal da Política Internacional. Brazilian Journal of
International Relations, Marília, v. 5, p. 696, 2016.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 23
acordo internacional – por isso a importância do papel dos atores políticos
e do nível de pressão que estes sofrem dos grupos de interesses econômicos
e sociais que os apóiam. Portanto, no capítulo 2 demonstramos como
Putnam (1993) e os estudiosos do JDN operam esse modelo analítico
e sugerimos a possibilidade da sua aplicabilidade para o caso brasileiro
durante a Era FHC.
Uma das vertentes que discute o JDN enfatiza que as instituições
políticas domésticas são fundamentais para a projeção da política externa
dos Estados democráticos, portanto, faz-se necessário o estudo delas para a
nítida compreensão da política externa. Nessa direção, na Parte II do livro,
elaboramos o capítulo 3 e 4.
No capítulo 3 apresentamos o funcionamento do sistema político
brasileiro. Enfatizamos que o poder Executivo possui uma série de
prerrogativas para inuenciar o processo Legislativo e, por m, a agenda
política no país vis-à-vis o papel do poder Legislativo que, na maioria das
ocasiões, está disposto a delegar poder desde que ele mantenha mecanismos
de accountability horizontal. Essa lógica de ação dos atores políticos acaba
ocorrendo na formulação e implementação de diversas políticas públicas,
mas, isso não ocorre no caso da política externa.
O que há nesse caso é uma ausência acentuada de mecanismos
e instrumentos institucionais ecazes para a responsabilização dos
formuladores da política externa brasileira, ou, quando existem, são ex-post.
Isso signica que a política externa no Brasil não é resultado da construção
de consensos prévios sobre as matérias em discussão. A delegação de
poder realizada pelo Legislativo brasileiro em favor do Executivo deixa
de ser efetiva na medida em que o mesmo não desenvolveu formas de
acompanhamento e responsabilização da política externa formulada e
implementada com exclusividade pelo poder Executivo e suas agências
burocráticas. Ao invés de delegação, o que há é abdicação.
No capítulo 4 apresentamos as conseqüências dessa realidade à
formulação da política externa do Brasil. Enfatizamos que a tendência
à abdicação por parte do Legislativo em prol do Executivo e de suas
agências burocráticas tem como conseqüência imediata o insulamento
Marcelo Fernandes de Oliveira
24 |
burocrático e a concentração quase absoluta de poder na formulação da
política externa brasileira.
As conseqüências dessa realidade - devido ao desenho institucional de
delegação de poder em matéria de política externa no Brasil com ausência
de instrumentos e mecanismos de controle e responsabilização vertical
e/ou horizontal sobre os atuais tomadores de decisões – é, no mínimo,
duvidosa ao conjunto da sociedade brasileira. Por um lado, concretiza
a tendência de esvaziamento do poder Legislativo tanto como pólo de
geração e de discussão de políticas públicas que atendam as demandas dos
grupos de interesses presentes na sociedade civil, quanto em ser fonte de
equilíbrio por meio do sistema de checks and balances ao Executivo nas
questões internacionais.
Como os tomadores de decisões sobre assuntos internacionais estão
localizados no Executivo, os grupos de interesses atingidos negativamente
por suas políticas irão se organizar gerando sólida mobilização para, de
alguma maneira, buscar alterar os efeitos negativos de políticas adotadas.
Para tanto, exercerão pressão direta sobre as agências burocráticas do
Executivo que, graças à ausência de instrumentos e mecanismos de
responsabilização vertical e/ou horizontal, são mais suscetíveis a atender
essas demandas com custos mínimos para si mesma vis-à-vis os legisladores
e a sociedade brasileira.
Na Parte III teremos dois capítulos. Cada um deles com estudos de
caso que visam demonstrar nossa argumentação teórica. No capítulo 5
2
tratamos do contencioso de grande relevância social, além de econômica,
no qual o Brasil obteve saldo nitidamente favorável: a disputa entre o
governo brasileiro e as grandes empresas farmacêuticas, especialmente
norte-americanas, onde o governo exigia o reconhecimento do direito de
quebra de patentes de remédios para o tratamento da AIDS, por tratar-se
de necessidade de grande relevância internacional e nacional, com fortes
impactos às populações.
Uma versão bastante modicada da pesquisa empírica deste capítulo foi publicada no artigo: OLIVEIRA, M.
F. Negociações comerciais internacionais e democracia: o contencioso Brasil x EUA das patentes farmacêuticas
na OMC. Dados, Rio de Janeiro, v. 50, p. 189-220, 2007.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 25
Utilizando o argumento de que o bem público deve prevalecer sobre
o lucro, o país legitimou sua demanda e obteve simpatia da maioria dos
outros países, da ONU, particularmente da OMS, e de ONGs envolvidas
com os temas de saúde pública e direitos humanos. Os Estados Unidos
aceitaram o acordo, admitindo a possibilidade de quebra de patentes em
questões de saúde pública de países em desenvolvimento.
Segundo autoridades do ministério da Saúde no governo FHC,
a elaboração e a execução da estratégia vencedora foi claramente
levada adiante por agências estatais envolvidas na questão e setores da
sociedade civil. A questão política eleitoral conexa foi fundamental para
essa negociação, visto ser o ministro da Saúde, José Serra, candidato à
presidência nas eleições de 2002, o que demonstra o papel que possui a
articulação entre as agências internas na formulação e implementação de
aspectos da política exterior do país.
No capítulo 6
3
, analisaremos a questão dos subsídios agrícolas,
especicamente, o caso do algodão contra os Estados Unidos e a disputa
em torno da questão do açúcar contra a UE na OMC. Em ambos os casos,
vericamos que o Brasil saiu do panel vitorioso já que a OMC considerou
ilegal os subsídios oferecidos aos produtores de algodão dos Estados Unidos
e de açúcar na UE.
Sugerimos que ambos triunfos do Brasil poderiam marcar o início da
exibilização do protecionismo agrícola norte-americano e de outros países
desenvolvidos. Seu signicado simbólico foi demonstrar que os países ricos
não podem “mais continuar cando na negativa absoluta nas negociações
agrícolas” (FOLHA DE S. PAULO, 2004) em detrimento dos países em
desenvolvimento. Na prática, estas “vitórias” consolidariam jurisprudência
na OMC em favor dos países em desenvolvimento, podendo ser expandida
para produtos semelhantes, como o arroz, a soja e o trigo.
Como resultado, os produtores de bens agrícolas nos países em
desenvolvimento e não desenvolvidos ganhariam maior competitividade
internacional. Esta pode se traduzir em aumento das exportações,
A seção 6.1 do capítulo 6 foi aproveitada, em partes, para a publicação do artigo: OLIVEIRA, M. F.;
GERALDELLO, C. S. A política de comércio internacional agrícola de Brasil e Estados Unidos no contencioso
do algodão na OMC (2002-2005). Brazilian Journal of International Relations, Marília, v. 7, p. 37-65, 2018.
Marcelo Fernandes de Oliveira
26 |
diminuição do desemprego e de suas conseqüências, dentre outros prováveis
benefícios, os quais permitiriam a países como Benin, Chade e Mali, que
têm boa parte de sua economia dependente da exportação de algodão,
recursos sucientes para o enfrentamento de graves problemas sociais.
Simultaneamente, poderia trazer ganhos concretos para
interesses particulares no Brasil, além de servir como experiência para
o aperfeiçoamento das instituições democráticas brasileiras no tocante
ao processo de formulação da política externa, por meio da elaboração
e da ampliação de canais institucionais que facilitem a interação entre
policy-makers e atores das organizações da sociedade civil, melhorando o
atendimento das demandas dos grupos de interesse, bem como ampliando
a qualidade técnica da diplomacia brasileira durante as negociações
comerciais internacionais.
Esse aperfeiçoamento pode gerar ainda maior credibilidade e
legitimidade internacional para as ações do Brasil na OMC, inclusive,
possibilitando ao país moldar regimes internacionais de comércio favoráveis
aos seus interesses nacionais, tornando-o um ator global relevante, tal como
acabou ocorrendo na era Lula da Silva (2003-2010).
Parte i
A   
  

| 29
caPítulo 1
N  
  
1.1 – o Pós-seguNda guerra muNdial
No período pós-Segunda Guerra Mundial desenvolvem-se intensas
negociações internacionais sobre qual deveria ser o novo modelo de
desenvolvimento a ser adotado para a efetiva reconstrução da economia
capitalista. Entre as propostas que ganharam relevância no debate
predominou, no âmbito interno dos países, aquela que visava consolidar
um ciclo virtuoso de crescimento econômico baseado no fordismo como
modo de Wprodução e na intervenção do Estado na economia, tanto como
gerador de infra-estrutura básica, quanto de provedor direto e indireto de
capitais a baixos custos.
O Estado seria também responsável pela criação e sustentação de uma
ampla rede de benefícios sociais à sua população, que viabilizaria aquele
círculo virtuoso, tendo como pressuposto a continuidade do consumo.
O objetivo desta estratégia era gerar desenvolvimento tendo
como base a manutenção constante de demanda, ou seja, a procura por
novos produtos incentivaria as empresas a investirem crescentemente na
produção, seja para o aumento de escala, seja para a renovação tecnológica.
Marcelo Fernandes de Oliveira
30 |
A inventividade associada à produção de novos produtos para
o mercado traria retorno em termos de remuneração do capital através
da ampliação do mercado associado à emergência de consumidores, os
quais viveriam num contexto de pleno emprego e com benefícios sociais
relativamente garantidos pelo Estado.
Pelo menos até a metade dos anos 1960 foi possível a retroalimentação
desse ciclo, o que levou Hobsbawm (1995) a considerar esta fase como a
“Era de Ouro do Capitalismo”; para outros, ela foi denominada “os vinte
e cinco gloriosos”. É verdade que, no mesmo período, a prevalência dos
Estados Unidos no plano político foi contestada em diferentes terrenos,
mas a força econômica do sistema revelou-se efetiva e não pareceu ameaçada
pela diminuição relativa do peso do país.
O ressurgimento europeu ocidental e japonês, ainda nos anos 1950,
apenas serviu para mostrar o vigor da economia mista, ou do embedded
capitalism, o capitalismo regulado. Os instrumentos com que passou a
contar a economia no pós-Segunda Guerra Mundial, sob a liderança dos
Estados Unidos, devem também ser parcialmente atribuídos à elaboração
intelectual que surge na esteira das conseqüências da crise iniciada em
1929. Alguns dos pressupostos são anteriores, como sugere a obra de
Keynes (2002), As conseqüências econômicas da paz, publicada em 1919.
A partir daí, o New Deal e novas formulações econômicas, várias
delas contidas na obra mais conhecida de Keynes (1988), A Teoria geral
do juro, da moeda e do emprego, publicada em 1936, vão pavimentando
o caminho pós-1945. Como lembra Moraes (2001), “segundo a teoria
keynesiana, o Estado deveria manejar grandezas macroeconômicas sobre
as quais era possível acumular conhecimento e controle prático. O poder
público, desse modo, regularia as oscilações de emprego e investimento,
moderando as crises econômicas e sociais ... Esse era o chamado ‘consenso
keynesiano’, que se tornaria avassalador no pós-guerra”, como resultado
das negociações internacionais (MORAES, 2001, p. 29-30).
O vigor desse ciclo virtuoso esteve vinculado à possibilidade de
manutenção do equilíbrio macroeconômico internacional e das regras
de comércio e de relações econômicas internacionais que lhe garantissem
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 31
uidez. Os Acordos de Bretton Woods, de julho de 1944, previram a
necessidade de se aumentar a cooperação entre os países capitalistas na
economia mundial, visando tanto a ampliação do comércio internacional
quanto a criação dos instrumentos institucionais para um modelo de
desenvolvimento que evitasse os erros da desordem econômica, do
protecionismo, da não conversibilidade e do comércio administrado
1
.
Para atingir estes objetivos, foram discutidas em Bretton Woods
as diretrizes para a criação de três grandes instituições internacionais: o
Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BIRD) e a
Organização Internacional do Comércio (OIC) que deveriam cumprir a
função de espaços institucionais adequados para as grandes negociações
comerciais internacionais.
De fato, no Acordo de julho de 1944, estabeleceram-se os princípios
de funcionamento do FMI. Seu papel seria manter a estabilidade das
taxas de câmbio e auxiliar, através de empréstimos nanceiros especiais,
os países com diculdades em seu balanço de pagamentos. O objetivo
seria evitar que esses países, ao entrarem em situação de crise nanceira
devido a desequilíbrios em suas contas internas ou externas, restringissem
o comércio lançando mão de desvalorizações cambiais na tentativa de
equilibrar suas contas.
O BIRD teria como funções tanto garantir recursos sucientes para
a reconstrução dos países atingidos pela guerra, quanto promover e apoiar
projetos de desenvolvimento dos países que a ele recorressem. Nos dois
casos, é importante notar que o regime decisório instituído vincula-se
diretamente às cotas de capital que cada país detinha e detém na instituição.
Desse modo, o papel dos Estados Unidos ganha relevância, condicionando
o próprio funcionamento dessas instituições, cujas sedes se estabelecem
em Washington, como conseqüência inclusive da cota-parte de capital
detida pelo país. O papel exercido pelas organizações internacionais no
estabelecimento da agenda e seu uso funcional por parte dos atores públicos
e privados mais inuentes tem sido amplamente discutido (MURPHY,
1994; VELASCO E CRUZ, 2000).
Ou seja, podem ser considerados marcos históricos e institucionais do adensamento das negociações
internacionais comerciais a partir do pós-Segunda Guerra Mundial.
Marcelo Fernandes de Oliveira
32 |
A Organização Internacional do Comércio (OIC) teria a tarefa de
estabelecer e fazer funcionar um novo regime para o comércio internacional
baseado nos princípios da democracia, do liberalismo e do multilateralismo.
Da mesma forma que a Organização das Nações Unidas, o FMI
e o BIRD foram criados e iniciaram o seu efetivo funcionamento logo
após o término da guerra. Formalmente, esses órgãos têm vínculos com
a ONU, ainda que frágeis; eles constituem Instituições Especiais do
Conselho Econômico e Social daquela Organização. O BIRD foi criado
em dezembro de 1945.
A história da OIC é muito diferente. A conferência internacional
para a sua criação realizou-se em Cuba, de novembro de 1947 a março
de 1948, quando foram negociados os termos para sua implantação e
funcionamento, e que resultaram na Carta de Havana. Este documento
nunca foi raticado pelo Congresso dos Estados Unidos visto que a grande
maioria dos congressistas receava que ele restringisse a soberania do país no
tocante ao comércio internacional.
Acrescente-se o fato de que o Congresso é constitucionalmente
detentor dos poderes em relação ao comércio internacional e não parecia
disposto a delegá-los à Administração e ao Presidente. Ressalte-se que a não
abdicação de qualquer espécie de poder de soberania era questão essencial
para o Congresso, tendo sido objeto de discussão no nal de 1944 no
tocante às Nações Unidas.
O sistema de veto no Conselho de Segurança, que assegura aos
membros detentores deste poder a inexistência de qualquer risco para
a própria soberania nacional, acabou por permitir a superação das
diculdades de raticação pelo Congresso norte-americano do acordo da
Conferência de São Francisco que aprovou a carta das Nações Unidas, em
junho de 1945. O voto por cotas no FMI e no BIRD também garantia a
segurança considerada necessária pelos Estados Unidos.
A resolução do impasse resultante da não raticação pelo Congresso
dos Estados Unidos da Carta de Havana ocorreu em 1948, por meio de
um Acordo Provisório entre 23 países, dentre os quais os Estados Unidos.
Por este Acordo, cou estabelecida a adoção de um único segmento da
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 33
Carta de Havana – o de Política Comercial (Capitulo IV) –, relativo às
negociações de tarifas e regras sobre o comércio internacional; mais tarde,
ele passou a ser denominado Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
(General Agreement on Taris and Trade - GATT). Este Acordo Provisório
foi possível pelo fato de o Congresso ter autorizado o poder Executivo a
assinar acordos dessa natureza.
Depois de 1947, segundo Abreu (2001), o GATT tornou-se
efetivamente, pelo direito consuetudinário, embora não legalmente, um
órgão internacional. Com sede em Genebra, forneceu sistematicamente a
base institucional para a consolidação de diversas rodadas de negociações
multilaterais sobre comércio internacional, zelando por seu efetivo
cumprimento até o nal da Rodada Uruguai, concluída com a criação da
Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1995.
Tanto o GATT quanto a OMC tiveram e têm o objetivo de
liberalizar o comércio entre os países-membros. As prescrições básicas do
GATT incluíam a abolição do uso de quotas, assim como de restrições
quantitativas ou quaisquer outras barreiras ao comércio internacional,
sendo as tarifas aduaneiras o único instrumento permitido, com a condição
de serem paulatinamente reduzidas.
Como apontamos, a adoção da Cláusula de Nação Mais Favorecida
(GATT, 1986, art. I), que imprime caráter multilateral ao GATT e proíbe
a discriminação entre suas partes contratantes – qualquer vantagem, favor,
privilégio ou imunidade às tarifas aduaneiras de um produto proporcionados
a um país-membro devem ser instantânea e incondicionalmente estendidos
a qualquer outro participante –, acabou sendo sua marca fundamental.
Ao mesmo tempo, desde a criação do GATT, foi decidida a redução
progressiva de tarifas alfandegárias com base na negociação de uma
Lista de Concessões recíprocas a serem acordadas em rodadas sucessivas
de negociações comerciais multilaterais. No quadro desta negociação,
determinou-se a lista dos produtos e das tarifas máximas que devem
vigorar no comércio internacional; esta lista é levada em consideração
para estabelecer o padrão mínimo de benefícios a serem mutuamente
Marcelo Fernandes de Oliveira
34 |
oferecidos pelas partes contratantes, podendo ser alterada através de
maiores concessões aos interessados (GATT, 1986, art. II).
Sem dúvida, as regras do GATT corresponderam à aceitação
internacional dos critérios liberais defendidos pelos Estados Unidos no
período nal da Segunda Guerra Mundial e nos anos subseqüentes. Poder-
se-ia armar então que esses critérios resultam de uma aplicação da teoria
clássica do comércio internacional, de Ricardo, aplicada no quadro da
visão keynesiana da economia política.
Paulatinamente, foram sendo introduzidos nas relações econômicas
internacionais os mecanismos que a legislação norte-americana vinha
construindo desde o início do século XX: os instrumentos legais de
aplicação do antidumping, o sistema de quotas e as medidas de caráter
retaliatório, que permitia aos Estados Unidos modelar o sistema à sua
lógica de atuação e torná-lo funcional às suas competências.
Segundo orstensen (2001), para atender a interesses especícos
das partes contratantes; para evitar que o sistema fosse burlado por meio
da utilização de outros instrumentos que não os permitidos pelo acordo; e
para garantir um processo de transição equilibrado, foi necessário admitir
algumas exceções a essas regras, que foram incorporadas pelo GATT sob
a forma de Exceções Gerais (GATT, 1986, art. XX); de Salvaguardas ao
Balanço de Pagamentos (GATT, 1986, art. XII); de Salvaguardas ou Ações
de Emergência sobre Importações (GATT, 1986, art. XIX); assim como
de exceções nos casos das Uniões Aduaneiras e Zonas de Livre Comércio
(GATT, 1986, art. XXIV) e nos casos denominados como Comércio e
Desenvolvimento (GATT, 1986, Parte IV).
Essa institucionalidade básica no GATT permitiu o aperfeiçoamento
desse sistema de regras de comércio internacional, viabilizando também
a realização das rodadas de negociações comerciais multilaterais. As seis
primeiras – Genebra, 1947; Annency, 1949; Torquay, 1951; Genebra,
1956; Dillon Round, 1960 a 1961; Kennedy Round, 1964 a 1967 – tiveram
como objetivo principal a negociação de concessões tarifárias recíprocas; as
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 35
duas últimas foram mais amplas: Tóquio Round, 1973 a 1979; e Uruguai
Round, 1986 a 1994
2
.
Parece haver signicativo consenso no reconhecimento de que, entre
1947 e 1967, sobretudo no tocante à troca de concessões, as negociações
multilaterais monitoradas pelo GATT foram efetivas, principalmente
nas relações entre os países desenvolvidos, enquanto os países em
desenvolvimento, por disporem de menor capacidade de inuência,
participavam delas visando alguns benefícios marginais, dentro da lógica
de free-riders.
Neste período, muitos consideravam o GATT um clube de países
ricos, interessados no seu próprio desenvolvimento. Como vimos, esse
processo era centrado numa capacidade de reprodução ampliada, em todos
os campos, e já incluía toda a Europa Ocidental e o Japão desde o início
dos anos 1950.
As seis primeiras rodadas trataram, sobretudo da diminuição dos
direitos alfandegários de produtos industrializados por meio da negociação
de concessões tarifárias recíprocas, o que aparentemente pouco interessava
aos países subdesenvolvidos. Seus resultados foram promissores para os
países centrais, já que levaram a um substancial aumento do comércio
internacional nesse período.
Contudo, de maneira sintética, assinala-se que a partir dos anos
1960 o ciclo virtuoso do modelo de desenvolvimento utilizado no pós-
45 começou a apresentar limites, passando a gerar ininterruptamente
uma sobrecapacidade e supercapacidade industrial (BRENNER, 1998).
Isso resultou de diferentes motivos, mas principalmente do signicativo
investimento em tecnologia, visando economias de escala que gerou um
ininterrupto aumento da capacidade produtiva sem contrapartida a escalada
positiva da demanda interna dos países alinhados aos Estados Unidos.
Portanto, crescentemente, o mercado interno era incapaz de absorver a
produção, gerando assim, elevados prejuízos no setor empresarial.
Está em curso uma nova rodada, chamada do Milênio ou de Doha, iniciada em reunião de ministros de
Comércio Exterior dos países membros da OMC realizada em novembro de 2001. Esta Rodada, prevista para
concluir-se em 2005, também tem como objetivo ser abrangente, mas, até o momento, não foi concluída.
Marcelo Fernandes de Oliveira
36 |
Como seria de se esperar, o comércio internacional passa a ganhar
novas dimensões nas discussões, apresentando-se como possível solução
para o impasse. Em um primeiro momento na direção de aumentar os
mercados. Porém, mais tarde, seria percebido que não se tratava mais
disso, como nos debates clássicos, mas sim de se criar um novo padrão
na economia mundial, que passaria a se reetir em novas formas de
estruturação das empresas.
É nesse contexto que se realiza, em 1964, a Kennedy Round, ainda
fortemente voltada para rebaixamentos tarifários por meio de concessões
recíprocas. A novidade dessa rodada foi a preocupação em incorporar ao
GATT novos membros, sobretudo de países em desenvolvimento. Este
objetivo foi alcançado, tendo o número de participantes, que até aquele
momento era de 26, aumentado para 62. Sem restringir-se a este aspecto, o
salto no número de Estados participantes do GATT resultou também em
forte ampliação no valor do comércio objeto de negociações, como mostra
o Quadro 1.
Quadro 1 - Rodadas de negociações do GATT
Data Local da rodada N. de países Comércio em US$
1947
1949
Genebra (Suiça)
Annecy (França)
23
13
10,0 bilhões
n.d.
1951
1956
Torquay (Reino Unido)
Genebra (Suiça)
28
26
n.d.
2,5 bilhões
1960-1961
1964-1967
Rodada Dilon
Rodada Kennedy
26
62
4,9 bilhões
40,0 bilhões
1973-1979
1986-1994
Rodada Tóquio
Rodada Uruguai
102
123
155,0 bilhões
3,7 trilhões
Fonte: orstensen (2001, p.31).
Além da sinergia entre os mercados dos países centrais –
principal objetivo a ser alcançado –, buscava-se incorporar os países em
desenvolvimento visando à ampliação do mercado. Essa incorporação
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 37
não tinha como objetivo uma signicativa expansão do consumo, tendo
em vista a capacidade de compra relativamente reduzida desses países;
no entanto, a agregação de pequenos percentuais de mercado é bastante
signicativa na estratégia empresarial das grandes empresas
3
.
Mesmo sendo levados a aderirem mais intensamente às regras
internacionais de comércio através de sua inclusão no GATT, nos anos
1960 e 1970, muitos desses países, buscavam implantar projetos de
desenvolvimento baseados na intervenção do Estado na economia e na
ampliação de seus parques produtivos nos moldes do modelo fordista.
Ainda que com diferentes ritmos e, sobretudo com políticas de
desenvolvimento, de adequação competitiva e de comércio exterior
distintas, eles buscavam substituir importações protegendo seus mercados
com altas tarifas alfandegárias e, em certos casos, com controles rígidos
sobre o mercado de capitais.
Em alguns países, os instrumentos utilizados não eram as tarifas ou
o controle dos uxos de capital, mas outros instrumentos públicos que
foram inicialmente permitidos pelo GATT durante um período transitório
visando a adequação deles ao sistema multilateral. Entre estes instrumentos,
um muito importante, foi o princípio da infant industry.
A intensicação das diculdades de compatibilização entre a inserção
e o desenvolvimento acabou por se reetir nas organizações internacionais.
A criação, em 1964, da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento (UNCTAD) comprova esses reexos.
A regra do Tratamento Especial e Diferenciado do GATT (Parte IV)
visou incorporar parte das pressões. Na década de 1970, mas, sobretudo na
de 1980, a lógica subjacente à idéia de tratamento especial foi considerada
– particularmente pelos Estados Unidos – prejudicial às exportações dos
países ricos, uma vez que tanto no mercado nacional como internacional
eles passaram cada vez mais a sofrer a competição alemã e japonesa, além
daquela dos próprios países em desenvolvimento.
Para sanar a crise em que estavam inseridas como resultado do esgotamento do modelo de desenvolvimento
adotado imediatamente no pós-Segunda Guerra Mundial.
Marcelo Fernandes de Oliveira
38 |
Portanto, podemos armar que, entre meados da década de 1960 e
o início dos anos 1970, o ciclo virtuoso do modelo de desenvolvimento do
pós-45, que havia sido ecaz tanto à reconstrução das economias destruídas
pela Segunda Guerra Mundial quanto à consolidação da prevalência dos
Estados Unidos entre os países capitalistas e para a relação com a União
Soviética, alcançava seu limite, levando ao surgimento de fatores que iriam
contribuir para a crise do modelo, tornando as negociações comerciais
internacionais como elemento primordial na estratégia de abertura de
novos mercados para a solução da crise.
Isto, mais tarde, na década de 1970, viria a ser comprovado como
inadequado, impulsionando na direção de transformações que alterariam
a natureza da sociedade internacional no nal do século XX e início do
século XXI imprimindo uma nova importância às negociações comerciais
internacionais, como veremos adiante.
1.2 - a crise dos aNos 1970 e a reordeNação da sociedade
iNterNacioNal em 1980 e 1990
O ciclo virtuoso do modelo de desenvolvimento gerado pelo
consenso keynesiano/fordista nos “anos dourados” do pós-45 começou a
apresentar limites já nos anos 1960, passando a gerar ininterruptamente
uma sobrecapacidade e supercapacidade industrial (BRENNER, 1998)
que, combinadas à crescente concorrência internacional dos produtos
alemães e japoneses e o relativo aumento de poder econômico e político
de alguns países da periferia, contribuíram à crise estrutural na economia
mundial nos anos 1970.
Como vimos, a natureza dessa crise estrutural resultou de diferentes
motivos, mas principalmente do signicativo investimento em tecnologia,
visando economias de escala, o que gerou um ininterrupto aumento da
capacidade produtiva sem contrapartida da demanda interna e/ou externa
dos países do bloco ocidental. Portanto, crescentemente, o mercado
interno e o mundial eram incapazes de absorver a produção, gerando
assim, elevados prejuízos no setor empresarial e constante perda nas taxas
de lucratividade da indústria.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 39
Essa situação contribuiu à redução de novos investimentos na
produção industrial. Crescentemente, o setor empresarial passou a buscar
opções alternativas para seus investimentos. Encontrou-as no setor
nanceiro, principalmente, em um primeiro momento, na expansão
do mercado de eurodólares. Criaram-se, assim, canais de transmissão
da riqueza gerada no setor produtivo para o mercado nanceiro, o qual
passou a elaborar, devido à nova demanda, instrumentos e mecanismos de
valorização do capital exclusivamente na esfera nanceira.
A diminuição de investimentos no setor produtivo, por um lado,
passou a gerar desemprego alterando a situação de pleno emprego, base
de sustentação da demanda efetiva do consenso keynesiano/fordista.
O aumento na queda da demanda como resultado do aumento das
taxas de desemprego ampliava as perdas do setor empresarial devido à
diminuição no consumo. Por conseguinte, incentivava suas transferências
de investimentos para o setor nanceiro que, cada vez mais, se reforçava
e emergia como alternativa de manutenção e locus de ampliação e geração
de riquezas.
Por outro lado, menos produção, mais desemprego, menos consumo
e menos investimentos em produção traduziam-se para o estado em menor
arrecadação e aumento de procura por proteção social da sua população. E,
portanto, ampliação com gastos de bem estar social.
A cada avanço desse ciclo, a pressão sobre o Estado tendia a aumentar
e com a mesma o décit; e por extensão o desequilíbrio no balanço de
pagamentos. Para fazer frente a essa realidade de dívidas crescentes, a grande
maioria dos Estados passou a emitir moeda, o que incidia diretamente no
aumento da inação, levando ao aumento da dívida pública.
De um modo geral, o resultado foi menos investimento na produção,
mais transferência de recursos para o setor nanceiro, taxas de crescimento
reais medíocres, aumento do desemprego, procura de proteção sobre o
guarda-chuva do estado de bem estar social, aumento de despesas públicas,
desequilíbrios nos balanços de pagamento, emissão de moeda e surto
inacionário que, por sua vez, gera aumento da dívida pública que leva
Marcelo Fernandes de Oliveira
40 |
a um ciclo decrescente na economia caracterizado pela combinação de
estagnação e inação: o fenômeno da “estagação”.
Como fator complicador os Estados Unidos estavam inseridos na
Guerra do Vietnã, que combinada à primeira crise do petróleo em 1973,
contribuiu decisivamente para o aumento do desequilíbrio do seu balanço
de pagamentos. Paralelamente, a expansão da força da URSS e da China
após o desencadeamento da política de détente no governo Nixon soava
como ameaçadora ao mundo ocidental.
Enm, nesse período, cou nítida a ausência de uma estrutura
capaz de fundar e manter uma sociedade internacional. Esta situação, para
Gilpin (1987, p. 88) e conrmada pela experiência histórica, tornaria a
cooperação econômica internacional extremamente difícil de ser alcançada
ou mantida, tornando o conito a norma internacional. Assim, a crise
da década de 1970 tornou imprescindível o desencadeamento de novas
estruturas tanto na economia como na política para a manutenção de uma
ordem mundial cooperativa.
Portanto, as rodadas Dillon (1960-61), Kennedy (1964-67), e mais
tarde, Tóquio (1973-79) de negociações comerciais internacionais do
GATT, apesar de terem alcançado seu objetivo central de abrir e incorporar
novos mercados para gerar novas demandas por produtos industrializados
no mercado mundial, não foram sucientes para garantir a retomada do
desenvolvimento na mesma proporção dos “anos dourados” do pós-45.
Mediante esse cenário, teve início a elaboração de uma ampla
estratégia. Seu ponto de partida foi o m da conversibilidade dólar-ouro,
a liberalização dos movimentos de capitais e a instabilidade das taxas de
câmbio utuantes no período de 1971-73, que além de orquestrar o m dos
acordos de Bretton Woods, podem ser caracterizadas também como marco
importante para o lançamento dos fundamentos essenciais para a solução
dessa crise ao indicar novas possibilidades de estruturação econômica e
política em nível mundial que viabilizasse a retomada do desenvolvimento.
O fundamento ideológico dessa mudança, que viria ocupar o
espaço do “consenso keynesiano”, emergiu em torno do ideário neoliberal.
Segundo os autores identicados com essa corrente de pensamento, a
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 41
raiz de todos os males encontrava-se no intervencionismo estatal do pós-
45 e nos excessos da democracia representativa. E a solução estaria na
substituição dos Estados pelos mercados como agentes organizadores da
vida social em nível mundial.
O argumento central do consenso neoliberal consistia na exaltação
da eciência do mercado em contraposição à do estado. O lema neoliberal
era “mais mercado e menos estado” por meio da liberalização em todos
os sentidos dos movimentos de capitais que, por si mesma, resolveria
naturalmente todos os problemas estruturais da sociedade internacional.
No tocante aos Estados, o m dos acordos de Bretton Woods garantia
a permissividade da emissão de moeda sem o lastro em ouro, ampliando
suas respectivas capacidades de endividamento para fazer frente às suas
obrigações.
E, simultaneamente, devido a liberalização dos movimentos
de capitais em nível internacional proposta pelo consenso neoliberal,
efetivamente abria uma nova fronteira via globalização nanceira para a
captação de novos recursos para cobrir seus décits exorbitantes em conta
corrente.
Para o setor empresarial abriam-se ainda mais novas oportunidades
à transferência de investimentos do setor produtivo para o nanceiro, no
qual, havia a possibilidade de retomada das taxas de lucratividade, assim
como também se abria a oportunidade de gerar novos recursos que, mais
tarde, seriam reinvestidos em um processo de reestruturação produtiva
rumo a consolidação de um novo modelo produtivo caracterizado
pela “acumulação exível” (HARVEY, 1999), ou “sociedade em rede
(CASTELLS, 1996).
É sob a combinação do consenso neoliberal, da globalização
nanceira e da reestruturação produtiva que ocorrerão a emergência das
novas estruturas econômicas e políticas internacionais que alteraram a
natureza da sociedade internacional em direção a diluição da rigidez da
fronteira externo e interno nas relações internacionais contemporâneas que
modicaram a abrangência e a importância das negociações internacionais
sobre a política doméstica dos Estados e vice-versa.
Marcelo Fernandes de Oliveira
42 |
Dessa maneira, nossa hipótese é a de que a combinação das medidas
neoliberais, da globalização nanceira e da reestruturação produtiva das
grandes corporações empresariais congurou uma nova realidade com
aspectos e espaços crescentemente transnacionais.
A rigidez entre as dimensões internas do Estado nacional e as
externas, elaborada pelo modelo realista para a interpretação das relações
internacionais, diluiu-se. Isso porque essa nova realidade tornou as
questões internacionais vetores condicionantes do cotidiano das sociedades
nacionais, ampliando o papel das negociações comerciais internacionais
- integração regional, acordos bilaterais e acordos multilaterais, como
a OMC e ONU, etc. -, na defesa dos interesses dessas sociedades em
contextos de democracia.
Simultaneamente, essa nova realidade proporcionou o aumento
do espaço para as atividades de novos atores, que já vinham ascendendo
mundialmente, que atuam em direção à busca da constituição e ampliação
de uma sociedade internacional transnacionalizada (NYE JR., 2002).
Este aumento relativo de importância das relações transnacionais
provocou alterações no estabelecimento dessa nova sociedade internacional:
o poder decisório já não poderia mais se centrar somente no Estado, devido
ao fato de se ter proporcionado àqueles atores uma ampla capacidade para
que inuenciassem nos assuntos internacionais. A ponto de, muitas vezes,
imporem a países de menor poder e às organizações internacionais seus
anseios, vontades e necessidades. Porém, vale ressaltar, sem deslocar o Estado
como ator preponderante de jure e de facto nas relações internacionais.
Em outras palavras, as transformações na natureza e no
funcionamento da sociedade internacional contemporânea resultante da
globalização multidimensional colocaram amplos desaos a todos os atores
nela inseridos, principalmente aos Estados nacionais, tornando o sucesso
dos mesmos nas negociações comerciais internacionais fundamental para a
garantia dos seus interesses nacionais, assim como a abertura à participação
da sua sociedade doméstica para a legitimação, via democracia, das suas
ações externas.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 43
Portanto, a atuação dos Estados nacionais, graças às alterações que
ocorreram na sociedade internacional desencadeadas pela globalização
multidimensional tende a ser crescentemente também determinadas
pela atuação de novos atores, tais como os atores não-estatais, como as
ONGs bem como as corporações transnacionais, atores políticos e grupos
de interesses nacionais, regionais, internacionais e transnacionais que
adquiriram crescente relevância nos assuntos internacionais, pela facilidade
encontrada para suas participações e intervenções no cenário mundial, nos
obrigando a repensar o paradigma vestfaliano dominante nos últimas três
séculos nas relações internacionais.
Esta realidade tende a tornar o processo tradicional de formulação
da política externa anacrônico. Porque as opções, escolhas, decisões e
negociações internacionais de um país atualmente tende a causar impactos
distributivos domésticos sobre a sociedade com ganhos e perdas setoriais.
Logo, a política externa não representa somente interesses
coletivos de um país no plano mundial, mas também passou a negociar
internacionalmente interesses setoriais. Os grupos afetados negativamente
nessas negociações geralmente tendem a se mobilizarem em oposição às
mesmas (ROGOWSKI, 1990), desencadeando assim um processo sui
generis de politização da política externa, deslocando à esfera pública a
discussão da política internacional em países democráticos que antes era
prerrogativa exclusiva do poder Executivo e suas agências burocráticas
(SOARES DE LIMA, 2000, p. 276).
Isso signica que as soluções para os problemas internos de cada
país devem ser formuladas levando-se em consideração as possibilidades
externas. Portanto, a arte do bom governo tem relação com a capacidade
do Estado em moldar instituições domésticas que sejam capazes de lidar
com essa lógica complexa da sociedade internacional contemporânea. Ou
seja, simultaneamente, ser capaz de canalizar interesses nacionais por meio
do desenvolvimento de micro estruturas institucionais no nível doméstico
capazes de articular políticas públicas que transcendam as fronteiras
nacionais e possibilite aos atores domésticos tanto usufruirem das
oportunidades internacionais abertas pela globalização quanto absorverem
seus custos.
Marcelo Fernandes de Oliveira
44 |
Paralelamente, deve ainda ser ecaz na defesa desses interesses frente
ao contexto internacional multicêntrico. E essa ecácia passa a depender
da capacidade que as micro estruturas domésticas possuem em servir como
correias de transmissão dos interesses que representam para as estruturas
internacionais de poder, ou seja, organizações internacionais e/ou regimes
internacionais, tais como OMC, FMI, Banco Mundial, ONU, etc,
os quais, a partir de então poderão ser utilizados como instrumento da
concretização desses interesses.
Coube ao governo brasileiro na era FHC (1995-2002) reinterpretar
o modelo de inserção internacional do país. Neste processo, como veremos
na próxima seção, a adesão ao multilateralismo foi considerada como
estratégica central à defesa dos interesses nacionais no sistema internacional.
1.3 - o multilateralismo como oPção estratégica e histórica à
reiNserção do Brasil No sistema iNterNacioNal gloBalizado
A diplomacia brasileira alcançou legitimidade internacional
graças ao seu legado histórico-diplomático. O Itamaraty sempre buscou
engendrar consensos na agenda internacional a partir de uma atuação e
inserção pautadas no pacismo, no respeito ao direito internacional, na
defesa dos princípios de auto-determinação e não-intervenção e, por m,
no pragmatismo como instrumentos necessários e ecazes à legitimação
dos interesses do país no mundo (OLIVEIRA, A. J. N. S, 2003).
Na época da Guerra Fria, na interpretação de Araújo Castro
(1982), esse legado traduziu-se em uma política decididamente resistente
à consolidação de instituições e regimes, considerados engessadores da
hierarquia de poder existente. Logo, o exercício da autonomia do Brasil
deveria ocorrer pela distância pragmática aos grandes pólos de poder. A
execução dos interesses nacionais dependia de ampla margem de manobra
vis-à-vis o meio internacional.
Durante os anos 90, na era FHC (1995-2002), operacionalizou-se
uma reinterpretação desse legado. Passou-se a considerar que a ação do
Brasil no mundo deveria pautar-se por uma nova agenda internacional pró-
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 45
ativa, determinada pela lógica da autonomia pela integração (VIGEVANI;
OLIVEIRA, 2003, p. 32). “De acordo com essa perspectiva, o país deveria
ampliar o poder de controle sobre o seu destino, sendo a resolução de
seus problemas melhor viabilizada pela participação ativa na elaboração
das normas e das pautas de conduta da ordem mundial” (FONSECA JR.,
1998, p. 363-374).
Houve uma alteração na interpretação do legado histórico-
diplomático do Brasil. A base losóca manteve-se. Entretanto, a prática
alterou-se. Porque a participação ativa na organização e na regulamentação
das relações internacionais passou a ser considerada como essencial para
o estabelecimento de um environment de convívio favorável à realização
do principal objetivo do país, ou seja, garantir o seu desenvolvimento
econômico. O comércio internacional é uma das áreas prioritárias.
A partir de então, a execução dos interesses nacionais dependia da
capacidade do país em ajustá-los as tendências do mundo contemporâneo,
da modernidade, num entorno onde prevaleciam concepções liberais.
Assim, o interesse nacional é o de captar as tendências profundas, buscando
ajustar-se às dinâmicas da ordem mundial globalizada que podem ser úteis
à legitimação e à concretização dos próprios objetivos.
Nesta perspectiva, para Lafer (2000), a operacionalização da política
externa brasileira “se traduz em obter no eixo assimétrico das relações
internacionais do Brasil um papel na elaboração e aplicação das normas
e das pautas de conduta que regem os grandes problemas mundiais, que
tradicionalmente as grandes potências buscam avocar e, na medida do
possível, exercer com exclusividade” (LAFER, 2000, p. 263).
No caso brasileiro, ao longo da história, as questões relacionadas
ao desenvolvimento econômico tornaram-se o foco central da ação
internacional. Portanto, o país deveria participar da elaboração de bens
públicos globais (COX, 1981) que lhe garantisse a oportunidade de galgar
desenvolvimento econômico para solucionar seus problemas domésticos.
Logo, a defesa do multilateralismo, encarnado pela OMC no
pós-1990, enquadra-se na mesma perspectiva de atuação propositiva, de
elaboração de bens públicos globais, de aceitação do jogo, dentro dele
Marcelo Fernandes de Oliveira
46 |
buscando formas de legitimar suas próprias posições. É por isso que Lafer
sugere que o Brasil deve considerar a OMC
[...] o melhor tabuleiro para gerar poder pela ação conjunta,
permitindo ao país exercitar a sua competência na defesa dos
interesses nacionais. É neste tipo de tabuleiro que reside o melhor
do nosso potencial para atuar na elaboração das normas e pautas de
conduta da gestão do espaço da globalização no campo econômico,
no qual reside o nosso maior desao. (LAFER, 2000, p. 265).
É a partir dessa perspectiva que nos anos 1990, principalmente na
Era FHC, prevaleceu a política pela qual considerou-se como melhor opção
para os interesses do país atuar simultaneamente nos três tabuleiros das
negociações comerciais multilaterais nas quais o país estava envolvido: OMC,
Mercosul-União Européia e ALCA. Contudo, houve uma clara opção no
sentido de “dar prioridade às negociações multilaterais sobre as bilaterais,
por considerar aquelas as que ofereciam maiores possibilidades de êxitos para
uma nação com as características do Brasil” (SILVA, 2002, p. 325).
Portanto, dentre as negociações, as desenvolvidas no quadro da
OMC foram consideradas “o foro por excelência, e o que melhor atende a
nossos interesses, no que tange à formulação de regras de regulamentação,
no plano internacional, das atividades econômicas” (LAFER, 2001, p. 56).
Em miúdos, o uso do multilateralismo ensejado pela OMC, por meio da
construção de regras de conduta econômica global em consonância com
os interesses nacionais, tornou-se uma das principais opções estratégicas
do Brasil.
Esta preferência justica-se porque a OMC
[...] enseja coligações de geometria variável, em função da variedade
dos temas tratados; por isso, no multilateralismo comercial não
prevalecem ‘alinhamentos automáticos’. Na OMC, na formação
destas coligações, não só os Estados Unidos têm peso. [Todos países
têm e] possuem poder de iniciativa pela força da ação conjunta e
nalmente, a regra e a prática do consenso no processo decisório
tem um componente de democratização que permeia a vida da
organização. (LAFER, 1998, p. 14 - 15).
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 47
Por isso, trata-se de um objetivo do Brasil injetar vigor renovado na
OMC (LAFER, 2002). Essas possibilidades não são automáticas, devem
ser compreendidas, analisadas e canalizadas pelo Estado e pela sociedade
brasileira em prol dos seus interesses. Isso exige esforço e recursos adequados
em um contexto de duplo desao: doméstico - principalmente de
formulação de política externa em contexto democrático – e internacional
– aprofundamento de aspectos negativos da globalização.
Enm, a OMC foi considerada a melhor opção para os interesses
brasileiros nas questões econômicas, já que “protegeria contra abusos e
lhe ofereceria recursos adequados para a resolução razoavelmente justa de
conitos que, de outra forma, seriam resolvidos pela lei do mais forte
(SILVA, 2002, p. 325). O principal recurso da entidade seria o mecanismo
de solução de controvérsias, utilizado pelo governo e pelas empresas
nos contenciosos comerciais em que todos procedimentos diplomáticos
usuais foram utilizados de forma “vitoriosa” para os interesses do país,
especicamente, os contenciosos das patentes farmacêuticas com os Estados
Unidos, os subsídios agrícolas norte-americanos à cultura do algodão e
os subsídios europeus contra o açúcar brasileiro na União Européia. A
dinâmica desses contenciosos na OMC envolvendo o Brasil será analisada,
respectivamente, nos capítulos 5 e 6 deste livro.
A aposta do governo FHC na época era de que a OMC era uma
organização internacional de tipo novo. Nela havia a possibilidade de países
menos poderosos prevalecer sobre os mais poderosos em contenciosos
internacionais. Inclusive, em assuntos de importância crucial para países
em desenvolvimento, como, por exemplo, a liberalização do comércio
de bens agrícolas. Além disso, poderia-se abrir caminho para uma maior
utilização dos mecanismos de solução de controvérsias da OMC por outros
países, minando a argumentação jurídica e moral dos países desenvolvidos
na prática de garantir subsídios aos seus produtos agrícolas, enquanto
pressionam os menos desenvolvidos para assinarem acordos de proteção
para patentes, que podem impedir a formulação de políticas públicas em
prol do bem estar de sociedades mais necessitadas.
Essa premissa internacional levava em conta a possibilidade
de alianças estratégicas de geometria variável na OMC, que também
Marcelo Fernandes de Oliveira
48 |
exigiam níveis consideráveis de democratização à canalização do apoio da
sociedade civil doméstica e internacional, para a garantia de legitimidade e
credibilidade à nova política externa brasileira.
Em suma, na medida em que, cada vez mais, as questões
internacionais estão atreladas à lógica da dinâmica doméstica e dos
mecanismos institucionais que existem em sua sociedade para transferir
e representar os interesses nacionais junto às estruturas internacionais de
poder e vice-versa, torna-se necessário compreender no nível teórico e
prático seus desdobramentos e suas conseqüências.
Nesta perspectiva, nosso objetivo no próximo capítulo será explorar,
do ponto de vista teórico, a interação entre a esfera doméstica e internacional
e o nexo causal entre democracia e política externa.
| 49
caPítulo 2
N  
:  
A globalização, no sentido amplo de internacionalização da economia
e de diversos fenômenos sociais, fomenta a superação da fronteira
interno/externo e, consequentemente, a internacionalização da
agenda doméstica, com a incorporação à esfera da decisão legislativa
de questões de política externa, questões que previamente estavam
restritas ao Executivo. (SOARES DE LIMA, 2000, p. 287).
iNtrodução
Na primeira seção deste capítulo buscaremos argumentos que
demonstrem e garantam sustentabilidade à hipótese da existência de uma
teoria liberal das relações internacionais. A seguir analisaremos, na segunda
seção, o modelo teórico Jogo de Dois Níveis, visto que o mesmo pretende
analisar como os atores domésticos vêm participando crescentemente dos
assuntos de política internacional na atualidade, impondo seus interesses
nos momentos em que as questões internacionais são debatidas em
sociedades democráticas pluralistas. Agregaremos ainda, na terceira seção,
as contribuições teóricas de Milner (1997) e Martin (2000) aos nossos
objetivos, na medida em que ambas sugerem que as instituições domésticas
são fundamentais para as negociações internacionais, sobretudo para
Marcelo Fernandes de Oliveira
50 |
garantir credibilidade às ações dos Estados na sociedade internacional
contemporânea.
2.1 – Premissas liBerais e relações iNterNacioNais
Pode-se armar que as premissas liberais tiveram sua emergência
histórica relacionada aos incentivos concedidos pelos Estados absolutistas,
os quais, à época, desenvolviam uma política econômica mercantilista.
Esta, em grande medida, teria contribuído à geração de incentivos para
a criação de um mercado mundial. Paralelamente, fora celebrado o
Tratado de Westfália que se tornou base jurídica de sustentação do sistema
internacional interestatal (OLIVEIRA, M. F., 2001).
A revolução comercial ocorrida entre 1500 e 1700 teve como fonte
de incentivo e controle o Estado absolutista que, concomitantemente,
garantiu suporte tanto ao desenvolvimento tecnológico quanto comercial
por meio do intervencionismo estatal na economia, sobretudo via a criação
das Companhias privilegiadas de comércio. A combinação desses dois
fatores possibilitou o advento da expansão marítima e como conseqüência
a ampliação das atividades econômicas para o âmbito mundial.
A necessidade de ampliação e manutenção desse modelo econômico
como fonte de geração de riqueza, por meio da espoliação de povos não
civilizados na América, Ásia e África, bem como da exploração do rentável
comércio de novos produtos, especialmente as especiarias, por parte das
monarquias absolutistas como estratégia para se fazer frente as ameaças a sua
segurança representadas por outras unidades políticas, levou os monarcas
a se endividarem junto aos seus súditos e a abrirem possibilidades para
muitos deles aproveitarem das benesses do comércio internacional.
Como resultado emergiu uma burguesia comercial com amplos
poderes econômicos que passou a demandar crescentemente maior
liberdade e igualdade de oportunidades junto ao Estado absolutista para
suas atividades econômicas (OLIVEIRA, M. F., 2001).
Ao encontro desse movimento histórico, estava em marcha uma série
de transformações que iriam alterar as bases materiais do desenvolvimento
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 51
econômico na política internacional: o deslocamento do comércio como
única fonte de geração de novas riquezas à indústria. A burguesia comercial,
depois da acumulação primitiva de capital no mercado mundial, passou a
investir na indústria como fonte de geração, concentração e centralização de
capital, desencadeando a Revolução Industrial, em um primeiro momento
na Inglaterra, que depois se expandiu para outros Estados europeus.
No bojo da Revolução Industrial germinou a teoria econômica e
política do Liberalismo que tinha como propósito fundamental ampliar
vis-à-vis o Estado absolutista a liberdade de ação racional do indivíduo que,
por meio do fruto do seu trabalho poderia, legitimamente, a partir de então,
apropriar parcelas da natureza como sua propriedade privada. Reivindicava-
se ainda a igualdade jurídica a todos os indivíduos proprietários para o
desempenho de atividades econômicas nessa perspectiva.
Para tanto, o controle das atividades econômicas pelo Estado
absolutista deveria ser banido. Em seu lugar, deveria se estabelecer
um Estado liberal forte, que teria como função primordial criar climas
econômicos favoráveis ao crescimento do investimento privado constante,
regular as trocas de propriedade e atuar como árbitro à solução dos conitos
entre particulares e entre esses com o próprio Estado (SMITH, 1996).
A dimensão política dessa constituency econômica tem sua representação
exata no governo representativo, na sociedade política, no Estado civil -
entidade política ausente na lei natural, mas que deve ser construída pelos
homens e deve emergir como fruto de um Contrato Social.
Essa necessidade existe porque os homens no “Estado de natureza
coexistem de acordo com as regras da razão, sem uma autoridade mundana
que julgue suas disputas. Ou seja, o homem possui livre autoridade e
livre disposição sobre sua vida e seus bens. A razão prevalece no “Estado
de natureza”. E determina que, sendo os homens iguais, não devem se
prejudicar mutuamente em sua vida, sua liberdade e suas propriedades.
Pois, devem obedecer e jamais renunciar ao Direito Natural que lhes
possibilita o Direito à vida, à liberdade e aos bens.
Em suma, o direito natural e a lei natural fruto da razão, torna o
homem um indivíduo racional, que busca seu auto-interesse, compreendido
Marcelo Fernandes de Oliveira
52 |
como qualidade humana que torna-os laboriosos, sociáveis e capazes de
sobreviver em sociedade. Isso porque o homem é bom por natureza e tende
a ser cooperativo. Desvios de moral resultam da vida em sociedade, não são
inatos ao ser humano.
Mas, quando há escassez de bens naturais, a serem apropriados
pelo trabalho e transformados em propriedade, parte dos indivíduos
pode renunciar à lei e ao direito natural, tornando-se parciais e avessos
à verdadeira razão. É quando aparecem as diferenças e os conitos entre
particulares com uso da violência.
O problema é que a lei e o direito natural possibilitam ao indivíduo
o direito à “legítima defesa” e à punição como forma de retratação do
custo que lhe foi imposto por pares. Isso pode gerar excessos e desaguar em
conitos freqüentes. O antídoto para evitar uma escalada da violência é a
sociedade política, o estabelecimento do Estado civil.
Nessa entidade política, a função de legislar deve ser exercida pelo
Parlamento, no qual estão os representantes eleitos de todos os cidadãos.
Portanto, o Parlamento é a instituição soberana do Estado alijando a
monarquia dessa função, garantindo assim a igualdade formal e a liberdade
regulada por lei a todos os membros proprietários da comunidade sócio-
política, para fazer riquezas e usufruir das propriedades advindas delas em
paz e segurança junto a sua família (LOCKE, 1994), em substituição a lei
e o direito natural próprio ao “Estado de natureza”.
Montesquieu (1997) complementa o argumento ao ensaiar a
teoria de separação dos poderes, estabelecendo que o poder Legislativo
fosse bicameral e totalmente separado do Executivo, sendo a tarefa de
ambos frear um ao outro. Já o poder de julgar, apesar de estabelecido pelo
Executivo, não deve por ele ser utilizado, mas sim pelos cidadãos comuns,
pares entre si, que por meio de convocações são escolhidos para dirimir
disputas ou punir algum infrator das regras econômicas, políticas e sociais.
A partir de então, o poder político do Estado seria dividido entre
três poderes, o Executivo, o Legislativo e o judiciário, que devem ser
livres e iguais para que um regule o outro, para se alcançar o bem comum
da sociedade.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 53
O mesmo bem comum deve prevalecer na política internacional,
sobretudo entre os Estados civilizados, os quais deveriam criar laços
duradouros pelo aumento dos uxos de comércio – o doux commerce.
Este, por sua vez, demandaria novas regras de convivência que conduziria
à elaboração de um novo direito. Ou seja, comércio e direito se tornariam
convergentes e complementares para a construção da paz mundial.
O abade de Saint-Pierre (2002) propôs que, da mesma maneira
que o Estado solucionou o uso da violência no âmbito doméstico, para
se obter paz duradoura entre as nações, era preciso criar um modelo de
governo federativo internacional. Sua necessidade deriva das ameaças
externas comuns enfrentadas pelos príncipes europeus, sobretudo dos
bárbaros. Estes, para serem ecazmente enfrentados, demandariam uma
confederação dos príncipes europeus em substituição à política de tratados
prevalecente à época, que nada mais eram do que tréguas passageiras, sábias
no papel, porém inviáveis na prática.
Uma confederação permitiria relações mais cooperativas, as quais
poderiam se desenvolver por meio da arte do comércio, a qual possui a
virtude de despertar a “sabedoria decorrente da lógica dos interesses de
todos” e, por extensão, a paz..
Para Rousseau (2002), ao Saint-Pierre concentrar sua análise mais
na esfera internacional, não percebeu que as relações entre os Estados
dependem sempre da forma como o poder é exercido dentro de cada
Estado. Logo, a existência da guerra é conseqüência dos males de um
Estado forte e centralizado que visará expandir sua força externa na medida
em que é mais absoluta sua dominação interna.
Portanto, evitar a guerra requer o exercício da soberania interna pelo
parlamento, o qual cumprirá o papel de expressar a vontade geral através
da elaboração de leis convergentes aos interesses da coletividade. Ou seja,
ser livre, como dizia Rousseau, é obedecer “à la loi qu’on s’est prescrite” - o
que é possível somente em Estados minúsculos.
Nessa perspectiva, a paz na política internacional só ocorreria se
fosse pactuada uma federação de pequenos Estados plenamente soberanos,
isolados e capazes de gerar riquezas sucientes para suprir as necessidades
Marcelo Fernandes de Oliveira
54 |
do seu povo, mas, em conjuntos bem armados para a defesa contra qualquer
agressão externa.
Em outras palavras, Rousseau defende a combinação da virtude da
política de um pequeno Estado com a capacidade de defesa externa de uma
grande nação. Dessa maneira, a vontade geral de cada pequeno Estado
que permite o alcance do bem comum da sociedade se transformaria
em vontade universal pela proteção coletiva necessária à perpetuação da
situação interna. Isso possibilitaria, na política internacional, a passagem
do conito à cooperação, da contingência à lei, da barbárie ao Direito.
Kant (1984) buscou organizar as discussões dos pensadores liberais
nas relações internacionais. Para tanto, negou Rousseau e recolocou sobre
outros termos a questão da “arte do comércio” sugerida por Saint-Pierre e
Montesquieu; propôs a criação de uma Liga Mundial de Nações, ou seja,
um governo mundial, o qual, na sua visão, seria um imperativo moral para
a paz perpétua.
Esta poderia ser alcançada com a incorporação e aceitação de
todos Estados da sociedade internacional de três artigos denitivos: a) a
constituição civil do Estado deve ser republicana; b) o estabelecimento
de uma federação ou união pacíca entre eles à garantia de liberdade e
segurança com manutenção de direitos particulares; e por m, c) o
estabelecimento de um direito cosmopolita operando em conjunção com
a união pacíca.
Conclui-se, dessa maneira, que quanto mais estados republicanos
(democracias) houver no mundo, menor a probabilidade de guerra e
maior a possibilidade da paz, fundando assim a teoria da paz perpétua
democrática na política internacional.
Essa idéia de Kant desmistica, ainda no século XVIII, o consenso
disseminado, sobretudo pela corrente teórica realista das relações
internacionais, de que questões de política internacional, por não estarem
associadas diretamente ao cotidiano doméstico, são exclusivamente
prerrogativas do Estado e da sua burocracia especializada, devendo então
estar totalmente dissociadas dos interesses dos cidadãos, da opinião pública
e bem distante da prática democrática.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 55
Ao contrário, Kant estabeleceu claramente uma conexão causal entre
política doméstica e internacional, transformando a última em matéria de
apreciação pública pelos componentes da comunidade política nacional.
Em outras palavras, não são somente os governantes dos Estados que
devem participar da política internacional, mas todos aqueles que possuem
interesses em seus resultados. Desprende-se desse raciocínio que os atores
não estatais possuem também importância na política internacional.
O Estado democrático não pode ser considerado um ator unitário
porque é composto por diversos atores presentes em sua sociedade civil.
Logo, qualquer decisão sobre política pública é tomada a partir de uma
lógica racional e conituosa entre esses atores, inclusive as decisões
de política internacional, que estarão sujeitas ao resultado do jogo de
barganha que envolve burocracias, atores sub-nacionais, grupos de interesse
nacionais, internacionais e transnacionais, políticos em geral, lobby, etc.,
enquanto o aparelho estatal desempenha a função de árbitro com pretensa
neutralidade.
Nesta perspectiva, é afastada a possibilidade da política doméstica
não inuenciar a política internacional porque uma torna-se extensão
da outra. Logo, o Estado jamais pode ser considerado um ator unitário
porque sofre inuência constante de atores presentes na sociedade civil que
demandam proteção aos seus interesses na política internacional.
A interação entre Estados e sociedades civis tende a ampliar
crescentemente o interesse e as demandas desses atores em política
internacional. Como resultado, a agenda internacional se torna mais
complexa e extensa, assim como passa a abranger e se moldar em torno
de interesses mais diversicados, tais como o econômico, o social, o
meio ambiente, os direitos humanos, o terrorismo, entre muitos outros
(KEOHANE; NYE, 1989).
O Quadro 2 sumariza as premissas liberais discutidas até aqui.
Marcelo Fernandes de Oliveira
56 |
Quadro 2 – Premissas Liberais
PREMISSAS LIBERAIS
Unidade de Análise Atores estatais e não estatais são importantes.
Atores O Estado é subdividido em partes, algumas das quais atuando de
forma transnacional.
Dinâmica
Comportamental
A construção das políticas externas e dos processos transnacionais
envolve conitos, barganhas, alianças e compromissos os quais não
resultam necessariamente em plena satisfação dos interesses em jogo.
Agenda Principal A agenda é múltipla, sendo questões sócio-econômicas e de bem estar
social tão importantes, ou mais importantes, do que as questões de
segurança nacional.
Todas essas questões rompem a esfera nacional e pressionam no
sentido do alargamento de espaços transnacionais. É, principalmente,
nesses espaços que os atores não estatais buscam atuar. Os Estados, por sua
vez, ao invés de atuar na lógica conituosa, tendem, para alcançar soluções
para seus problemas, a cooperarem.
Esta cooperação pode conduzir a integração política e econômica,
tais como UE e Mercosul (KEOHANE; NYE, 1989). Podem ainda levar
a formas variadas de regimes internacionais por meio dos quais os próprios
Estados estipulam regras, instituições e procedimentos que irão seguir e
para garantir previsibilidade a suas ações e a dos seus parceiros, em um jogo
de soma positiva no qual gera-se uma percepção generalizada de ganhos
mútuos. A repetição desse jogo produz relações internacionais pacícas,
pois quando existem conitos eles são solucionados diplomaticamente via
cooperação, como ocorre nos contenciosos na OMC.
A expansão da importância do mercado na política internacional,
com base nas premissas liberais, contribuiu para ampliar os custos da
guerra. Isso porque, a partir de então, as relações internacionais tenderam
a se congurar como uma teia de aranha, na qual todos os elementos estão
interligados e podem afetar os demais.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 57
Dito de outro modo, a movimentação na sociedade internacional é
fruto da combinação da ação dos Estados, dos indivíduos e dos atores não
estatais. Portanto, a sociedade internacional em forma de teia de aranha,
devido ao aumento da interdependência, é resultado da política externa
dos Estados, formulada a partir de um prisma democrático, bem como da
ação de atores não estatais (KEOHANE; NYE, 1989).
É por isso que há uma tendência de mudança na dinâmica da
sociedade internacional, da conituosidade permanente no eixo do
Estado à cooperação e interligação interativa entre a esfera doméstica e
internacional. Essa última tende crescentemente a inuenciar os assuntos
domésticos de todos os Estados e sociedades civis. Muitos autores armam
que devido a esse fator, sobretudo no pós-45 e nas últimas décadas do século
XX, podemos vericar uma transferência de parcelas da soberania nacional
para Organizações Internacionais, que passam a adquirir características
supranacionais.
Rosenau (1990) vai além e aponta que o Estado deixou de ser agente
internacional exclusivo, passando a dividir espaço com inuentes atores,
situados abaixo e acima da sua jurisdição nacional. Esta nova dinâmica, fruto
das profundas e contínuas transformações abordadas no capítulo anterior,
mas também da maior difusão da informação em função da tecnologia, do
aumento da capacidade analítica e de organização da sociedade civil, criaria
uma “incoerência estrutural”, pois permite a coexistência e a sobreposição
de múltiplos atores no jogo político internacional.
Nessa direção, muitos Estados buscaram descentralizar suas tarefas
tanto para níveis micros – locais - de poder quanto para níveis macros -
regionais e internacionais -, visando compartilhar com outros atores suas
responsabilidades.
Admitindo a formulação de Rosenau (1990), ca evidente a
importância de se analisar as negociações internacionais por um paradigma
que considere nexos causais entre os âmbitos interno e externo, entre
regime político e política internacional. Em suma, a discussão teórica
do liberalismo cotejada a episódios empíricos do cenário internacional,
permite-nos armar que existem elementos sucientes para a elaboração
Marcelo Fernandes de Oliveira
58 |
de um modelo teórico paradigmático liberal das relações internacionais.
Longe de realizar essa tarefa, na próxima seção esboçaremos alguns
argumentos que podem sustentar a armação.
2.2 – a teoria liBeral de relações iNterNacioNais tem caráter
Paradigmático?
Uma teoria alcança status paradigmático quando suas premissas
básicas são ecazes para desenvolver argumentos, realizar previsões e
sustentar explicações, de modo que ela seja considerada instrumento de
pesquisa e de análise empírica para uma comunidade cientíca.
No campo das relações internacionais é comum o reconhecimento
do status paradigmático da teoria realista e, mais recentemente, admitir
avanços nessa direção às teorias institucionalistas. A teoria liberal, porém,
é desqualicada ao ser considerada como uma utopia e/ou ideologia, de
caráter apenas normativo. Os realistas elencam possíveis aspectos negativos
dos liberais para armar sua proeminência e os institucionalistas partem
das reexões liberais para elaborar suas teorias.
Entretanto, como vimos acima, as premissas clássicas do liberalismo
podem vir a ser úteis na construção de um modelo teórico liberal ecaz
para desenvolver argumentos, realizar previsões e sustentar explicações
sobre como a dinâmica sociedade-Estado pode inuenciar as preferências
estatais e ter impacto nas relações internacionais. Podemos armar que
essas premissas clássicas se agrupam em torno de três temáticas básicas: a)
primazia de atores sociais; b) representação e preferências do Estado; e c)
interdependência e sociedade internacional.
No tocante à primazia dos atores sociais, os liberais consideram
que a política é fruto dos interesses dos atores socialmente relevantes,
que se organizam “de baixo para cima” para atingir seus objetivos tendo
como instrumento o aparelho do Estado. Dessa maneira, quanto maior a
multiplicidade e a relevância dos interesses em jogo, maior será o estímulo
para mobilização dos atores, superando o problema da ação coletiva e da
aversão aos riscos.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 59
Essa dinâmica comportamental dos atores sociais na sociedade
pode se desdobrar em três situações sociais que podem desencadear a
cooperação ou o conito. São elas: divergência em crenças fundamentais;
escassez de bens materiais; e desigualdades no poder político. Quanto
mais divergirem em crenças fundamentais a respeito de fronteiras, bens
públicos, instituições políticas, etc., maior a possibilidade de conito,
sendo o inverso verdadeiro. Extrema escassez de bens materiais tende a
levar os indivíduos a correrem maiores riscos para brigar por eles. Já a
abundância relativa de bens materiais tende a fazer com que o interesse
em conitos para obtenção desses bens diminua. Por m, quando o
poder político é distribuído de maneira mais eqüitativa tende a haver
maior espaço para a cooperação, enquanto uma maior assimetria de poder
favorece o conito (MORAVCSIK, 1997, p. 516). Em suma, a denição
da composição das posições dos atores sociais no âmbito doméstico irá
determinar a preferência estatal na esfera internacional.
Sobre a representação e preferências do Estado, a teoria liberal
assume que o Estado é um instrumento passível de ser inuenciado e
manipulado em prol dos interesses dos atores que o compõem. Suas
instituições são correias de transmissão dos interesses sociais para a política
do Estado. Logo, um governo é resultado de estímulos e constrangimentos
que sofre de atores sociais que buscam, por meio de instituições, serem
representados e terem suas preferências reetidas no Estado. Logo, certas
instituições, formais e informais, podem privilegiar certos indivíduos e
grupos. “Portanto, a natureza das instituições estatais, juntamente com
interesses sociais, é um determinante-chave do que os Estados fazem
internacionalmente” (MORAVCSIK, 1997, p. 518). É parte fundamental
da formulação das preferências de um Estado.
Na realidade, as instituições podem afetar a maneira como um
Estado age. Ele pode agir de maneira unitária, quando uma questão de
política externa é tratada de maneira coesa e extremamente coordenada
entre os ociais do governo. Pode agir também de maneira desagregada,
quando o tratamento de determinada questão é dividido ou compartilhado
Marcelo Fernandes de Oliveira
60 |
por ociais e instituições que não agem de maneira coordenada e possuem
preferências divergentes.
As temáticas 1 e 2 permitem concluir que os Estados buscam, na
realidade, tipos particulares de segurança, prosperidade e autonomia
denidos pelas coalizões sociais dominantes em seu âmbito. “Na visão
liberal, trade-os entre tais objetivos, assim como diferentes denições
entre as nações, são inevitáveis, altamente variados e conseqüentemente
causais” (MORAVCSIK, 1997, p. 520).
Por m, ao tratar a questão de interdependência e sociedade
internacional, os liberais entendem que a concepção de preferências de
cada Estado é constrangida pelas preferências de outros Estados. Dada a
interdependência política, isto é, custos e benefícios que resultam da busca
de um Estado por seus objetivos a outros Estados, a interdependência de
preferências é um constrangimento à liberdade plena de ação (KEOHANE;
NYE, 1989).
A interdependência política pode ser classicada em três tipos:
1) preferências compatíveis ou harmoniosas, que resultam em poucos
conitos, pois causam baixas externalidades; 2) preferências de soma-zero,
quando grupos sociais dominantes em um Estado julgam uma ação estatal
necessária para suas preferências e essa ação causa altos custos para grupos
dominantes de outro Estado. Nesse caso, há grande potencial para conitos
graves; 3) preferências complementares, que oferecem a oportunidade de
maximização de objetivos por meio da cooperação e coordenação, levando
à negociação. Nesse caso, a intensidade das preferências tem de superar o
problema da ação coletiva.
Essas temáticas – ou premissas - permitem considerar que há na
teoria liberal um viés sistêmico
1
interpretativo das relações internacionais.
Pelo menos, por duas razões. Primeiro, ela considera que as preferências do
Estado mudam conforme os contextos sociais doméstico e internacional,
O foco de análise da teoria liberal gera críticas de realistas e institucionalistas. Eles armam que a teoria liberal
é reducionista e não sistêmica, pois se fundamenta no doméstico, na unidade como nível de análise. Assim,
para estudar as relações internacionais, deveria se utilizar primeiro teorias de cunho sistêmico, como a realista
e a institucionalista, recorrendo a liberal apenas quando o nível sistêmico não fosse suciente para construir
explicações sólidas. A teoria liberal é considerada como parcial.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 61
diluindo a ilusória e rígida linha entre interno-externo estabelecida pela
teoria realista. Conseqüentemente, a análise deve ser multicausal, ou seja,
tanto os aspectos domésticos quanto internacionais e transnacionais devem
ser integrados nas explicações das relações internacionais.
Segundo, o comportamento dos Estados é o reexo de suas
preferências em contraste à conguração de preferências de outros Estados.
Desse modo, como sugere a denição de teoria sistêmica de Waltz (1987),
a interação entre os Estados tem a ver com a maneira com a qual uns se
posicionam em relação aos outros conforme a sua dinâmica interna.
Dessa maneira, ca evidente que a teoria liberal explica não somente
a política externa de Estados, mas também suas implicações sistêmicas. É o
caso, por exemplo, da teoria da paz democrática que vimos na seção anterior.
Em um sistema marcado pela interdependência de preferências, a
concepção de poder é outra. As capabilities dos Estados como determinantes
do seu poder cede espaço à intensidade de suas preferências. Prova disso,
é que “Mesmo nos casos ‘menos prováveis’, onde interdependência
política e integridade territorial estão em jogo e meios militares são
utilizados, as capabilities relativas nem sempre determinam resultados
(MORAVCSIK, 1997, p. 524). Dois exemplos ilustram o argumento: a
guerra do Vietnã e a ocupação do Iraque. No primeiro caso, as preferências
estatais norte-americanas se alteraram porque a sociedade deixou de
apoiar a guerra quando houve aumento no custo de vidas. No segundo,
coalizões domésticas iraquianas contra a ocupação criaram obstáculos
a concretização dos objetivos norte-americanos. Em ambos os casos, as
capabilities estadunidenses são muito maiores.
Como no realismo e no institucionalismo, as premissas da teoria
liberal são abstratas e pouco precisas. Contudo, sustentam três variantes
da teoria liberal: o liberalismo ideacional, o liberalismo comercial e o
liberalismo republicano. “Cada uma se apóia em especicações distintas
dos elementos centrais da teoria liberal: demandas sociais, mecanismos
causais pelos quais demandas sociais são transformadas em preferências
Marcelo Fernandes de Oliveira
62 |
do Estado, e os padrões resultantes das preferências nacionais na política
mundial” (MORAVCSIK, 1997, p. 524).
Os adeptos do liberalismo ideacional consideram a conguração da
identidade social
2
e dos valores como determinantes das preferências do
Estado e, portanto, das possibilidades de conito ou cooperação nas relações
internacionais. Três fontes principais alimentam a identidade social: a
nacionalidade, as instituições políticas e a regulação socioeconômica.
A questão da nacionalidade está ligada às fronteiras e a noção de
cidadania. Serve como medida da superposição entre território e valores
de cidadania dos grupos sociais poderosos do Estado sem contestação
importante de outros grupos sociais de outros países.
Nesse sentido, a legitimidade com que indivíduos e grupos vêem
instituições políticas próprias e dos parceiros é outra fonte de alimentação
da identidade nacional. O liberalismo ideacional entende que as percepções
de legitimidade das instituições políticas domésticas se transformam em
padrões de ação para o Estado. Assim, quando instituições políticas de
um Estado causam externalidades em outros diferentes, tende a haver
conito. Quando as instituições se reforçam, aumenta a possibilidade
de cooperação. Por exemplo, a constituição do Mercosul teve como um
objetivo ancorar a redemocratização de Brasil e Argentina (VIGEVANI;
MARIANO; OLIVEIRA, 2001).
A última fonte é a regulação socioeconômica. O liberalismo ideacional
considera que é legítimo regular aspectos socioeconômicos a partir de
identidades sociais. Ocorre, porém, que a maneira como um Estado prefere
regular assuntos como migração, moeda, liberdade religiosa, etc., pode
causar externalidades às preferências de outros Estados. A conguração
dessas preferências no sistema internacional pode levar ao conito ou a
cooperação, de acordo com a lógica da interdependência internacional de
preferências. Um exemplo é o grau exacerbado de conitos entre parcelas
do mundo ocidental com o fundamentalismo islâmico na atualidade.
Identidade social é “[...] um conjunto de preferências compartilhadas por indivíduos a respeito do escopo e da
natureza do fornecimento de bens públicos, que por sua vez especicam a natureza da ordem social legítima aos
estipular quais atores sociais pertencem à polity e a que tem direito.” (MORAVCSIK, 1997, p. 525).
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 63
Já os adeptos do liberalismo comercial explicam o comportamento
dos Estados a partir dos estímulos e constrangimentos que a estrutura
da economia doméstica e internacional exercem sobre atores domésticos
e transnacionais. Por exemplo, no tocante à liberalização comercial,
quanto maior os benefícios econômicos para atores privados relevantes,
maior o incentivo para os governos facilitarem as transações. Quanto mais
custoso o ajuste imposto pelas trocas comerciais, mais oposição surgirá à
liberalização (ROSENAU, 1990). Não se pressupõe que o mercado leva
eminentemente à cooperação.
A teoria liberal se concentra na estrutura do mercado como variável
que leva à abertura ou fechamento de barreiras à transações. Dito de
outro modo, o liberalismo comercial busca analisar a política econômica
internacional a partir de conitos distributivos domésticos e internacionais.
Dependendo de como são distribuídos custos e benefícios econômicos,
entre atores domésticos e entre os Estados, a política econômica tende a
ser formatada.
Os adeptos do liberalismo republicano buscam explicar como
a representação política doméstica determina quais atores sociais são
privilegiados na formulação e na implementação da política externa do
Estado. Em alguns casos, grupos políticos “capturam” o Estado, dominando
instituições e transferindo custos e riscos de ações internacionais para outros
atores, fazendo parecer que seus interesses particulares são os genuínos
interesses nacionais.
Um caso extremo e que exemplica bem o alvo do liberalismo
republicano é o da guerra. Argumenta-se que Estados cujas instituições
concentram mais poder, como o caso dos Estados totalitários e autoritários,
tendem a serem mais agressivos, pois os custos e riscos da guerra são
transferidos para a população. Os governantes normalmente não arcam
com tais custos. Inversamente, “instituições democráticas liberais tendem
a não provocar tais guerras porque a inuência é colocada nas mãos
daqueles que devem gastar sangue, recursos e daqueles que escolhem
líderes” (MORAVCSIK, 1997, p. 531). Isso não quer dizer que o contrário
possa ocorrer. Mas esse é um dos argumentos que sustenta a teoria da paz
Marcelo Fernandes de Oliveira
64 |
democrática, provavelmente, a formulação que mais se aproxime de uma
lei geral no campo das relações internacionais.
Isso posto, cabe-nos, nesse momento, demonstrar se a teoria liberal
das relações internacionais atende, segundo Lakatos (1998), quatro
critérios: coerência como teoria geral, limites bem denidos, acurácia
empírica e consistência multicausal. Eles caracterizam se uma teoria possui
ou não caráter paradigmático.
A teoria liberal conecta hipóteses, com coerência lógica, que antes
não se relacionavam e que não eram explicadas pelas teorias existentes.
As três variantes liberais podem ser utilizadas em conjunto, criando
um poderoso arsenal explicativo, uma teoria geral coerente, a partir das
preferências dos Estados e das relações sociais domésticas e transnacionais
que a constituem.
Dessa maneira, é possível explicar conitos nacionalistas, suas
implicações econômicas e o modo como as instituições políticas
representativas inuenciam a opção pelo conito. Ou vice-versa no caso
de cooperação.
O liberalismo vai além do realismo e do institucionalismo em três
grandes fenômenos das relações internacionais: 1) explica porque a política
externa dos países muda ao longo do tempo e porque muitas vezes atua de
modo incoerente. Isso porque o liberalismo não toma as preferências do
Estado como dadas, mas estuda como elas se formam e se alteram, captando
assim a essência das razões das alterações; 2) explica mudanças históricas na
sociedade internacional ligando mudanças econômicas, políticas e sociais
com o comportamento do Estado; e 3) oferece explicação para a política
internacional contemporânea mais cooperativa no Ocidente, a qual emerge
devido a um ambiente de interdependência complexa que é resultado de
anidades institucionais prévias.
A especicidade da análise liberal encontra-se no fato dela considerar
a possibilidade da política externa de um Estado se alterar mesmo que
as variáveis poder (capabilities) e informações sejam mantidas constantes,
buscando explicações para tanto no contexto social e em conitos
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 65
domésticos. Seus limites são bem denidos ao ponto do liberalismo
contribuir para o estudo dos regimes, mais do que a teoria institucionalista.
Isso ocorre de duas maneiras: a) a teoria liberal permite identicar quando
a preferência de um Estado por regime internacional surge e como ela
afeta-o, e b) explica a estabilidade do regime pelos ajustes pelos quais as
sociedades passam, de modo a tornar custoso sua quebra ou mudança.
Na maioria dos casos, os analistas de relações internacionais, ao não
levarem em consideração as premissas liberais, acabam incorrendo em erros,
realizando análises incompletas e, pior, anulando a validade empírica das
suas teorias. Por exemplo, para Waltz (1987, p. 185) “o jogo a ser vencido
é denido pela estrutura e ela determina o tipo de jogador que tem mais
probabilidade de vencer”. Ou seja, a estrutura internacional pode selecionar
o país hegemônico. Logo, aqueles Estados “que se conformam às práticas
mais difundidas e coroadas de sucesso chegam mais freqüentemente ao
topo e têm probabilidade de nele permanecer” (WALTZ, 1987, p. 185).
Mas, quais atores denem as práticas de sucesso a serem seguidas
difundidas pelas estruturas internacionais? Isso Waltz não foi capaz de
demonstrar. Porque ao ater-se às premissas realistas não percebeu o papel
da dinâmica doméstica na denição da preferência do Estado norte-
americano, muito menos o desenvolvimento de instituições políticas
domésticas capazes de servir como correias de transmissão dos interesses
da sociedade estadunidense às estruturas internacionais, como ocorre com
o USTR na questão do comércio. Nesta perspectiva, evitaria-se a ausência
de acurácia empírica. Ou seja, defender hipóteses no plano teórico sem
lastro na realidade.
A teoria liberal, quando bem operacionalizada, dicilmente conduz
o pesquisador a esse erro. Assim, deve ser considerada um paradigma, deve
ser sempre um ponto de partida para a análise das Relações Internacionais.
A peculiaridade de enfatizar a prioridade das preferências
3
na
denição da ação internacional, bem como para explicar o elo entre os
Segundo Moravcsik (1997, p. 542) “Preferências determinam a natureza e a intensidade do jogo que
Estados estão jogando e são um determinante primário de qual teoria sistêmica é apropriada e como ela deve
ser especicada. Variações nas preferências estatais geralmente inuenciam a maneira como Estados calculam
Marcelo Fernandes de Oliveira
66 |
meios disponíveis e a opção por conito ou cooperação dos Estados,
permite-nos armar que, em sua gênese, a teoria liberal possui consistência
analítica multicausal. Portanto, deve ter prevalência como teoria sistêmica.
Nessa direção, Moravcsik (1997) sugere um modelo de “dois-estágios” para
análise das Relações Internacionais. Nos casos em que as preferências dos
Estados determinam de primeira mão sua ação estratégica, o liberalismo
pode ser utilizado de maneira pura. Porém, quando as preferências dos
Estados não forem sucientes para explicar os fenômenos, isto é, quando
considerações a respeito do poder relativo ou da assimetria de informação se
zerem necessários, então deve-se utilizar o realismo ou o institucionalismo
como complementos.
Um exemplo histórico que demonstra a viabilidade da proposta foi a
estratégia de contenção. Kennan, seu precursor, analisou fundamentalmente
questões domésticas da URSS para sugerir uma estratégia para os EUA:
impedir o avanço comunista e esperar pela sua implosão. Posterior a
essa análise preliminar, o realismo e o institucionalismo são utilizados
como forma de manter um equilíbrio de poder favorável e de manter a
coordenação entre aliados.
O realismo e o institucionalismo não foram capazes de explicar o
m abrupto da Guerra Fria, mas o liberalismo explicaria pelas mudanças
domésticas que minaram a capacidade da URSS manter-se no conito. O
liberalismo perceberia que o baixo crescimento econômico soviético seria
insuciente para sustentar a expansão militar demandada pelo lançamento
do projeto “Guerra nas Estrelas” do governo Reagan. Seu m ocorreria
pelo chamado Imperial Overstretch (KENNEDY, 1989).
Enm, como buscamos demonstrar, consideramos que a teoria
liberal de Relações Internacionais possui caráter paradigmático, tanto
quanto o realismo.
estrategicamente o ambiente, enquanto o contrário – situações estratégicas levam a variações nas preferências
do Estado – é inconsistente com a premissa da racionalidade compartilhada pelas teorias [de relações
internacionais].” (MORAVCSIK, 1997, p. 542).
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 67
Figura 1 – Caráter paradigmático da teoria liberal de Relações
Internacionais
Na próxima seção, buscaremos demonstrar como Putnam (1993)
utiliza-se dessas premissas liberais para propor uma análise sosticada das
negociações internacionais na contemporaneidade. Simultaneamente,
vericaremos sua viabilidade analítica para a interpretação da ação brasileira
na OMC.
2.3 – o Jogo de dois Níveis de PutNam
4
Após vericarmos a viabilidade de um paradigma liberal para
análise das relações internacionais, que leve em conta a identicação
das preferências de atores domésticos relevantes e os meios de disputa e
canalização dessas preferências para a formulação da política externa,
podemos abordar adequadamente esforços teóricos voltados para as
negociações internacionais. Concentrar-nos-emos na proposta analítica de
Putnam (1993) e na contribuição de outros autores que desenvolveram
seus trabalhos a partir dessa proposta.
Cabe apontar que esses esforços ascendem em meados da década
de 1980, quando formava-se o consenso neoliberal, adensava-se a
 Daqui em diante para Jogo de Dois Níveis utilizaremos a expressão JDN.
Marcelo Fernandes de Oliveira
68 |
globalização nanceira e cristalizava-se a reestruturação produtiva em
bases transnacionais. Essas transformações, como apontamos no capítulo
1, resultaram na globalização multidimensional que contribuem à
dissolução da barreira entre os âmbitos interno e externo, dando maior
importância a atores não estatais, ao aspecto setorial das negociações
internacionais e, nalmente, à interlocução entre sociedade e governo em
países democráticos.
Putnam (1993) arma que existem profundas relações entre a
escolha pela cooperação realizada pelos governos no plano internacional e
os interesses domésticos que eles representam. Ou seja, a cooperação pode
avançar e/ou sofrer limites ou mesmo reuir dependendo da capacidade de
poder de veto ou apoio dos atores domésticos identicados com a questão
em negociação.
O governante ou negociador internacional (statesman) sofre pressões
dos grupos de interesse domésticos, que têm preferências diferenciadas;
sendo assim, o “interesse nacional” não é denido de maneira exclusiva
pelo poder central (Executivo), mas também advém do debate interno
entre os diversos poderes (Legislativo, Executivo e judiciário), grupos de
interesse e a opinião pública, etc. Nessa lógica, o Estado não é um ator
unitário, como pressupõem os realistas, e as decisões são tomadas em uma
ambiente poliárquico.
Em um ambiente internacional marcado por alto grau de
interdependência entre o nacional e o internacional, a solução dos problemas
locais deve ocorrer por meio da centralização de poder no nível global,
via negociações objetivando a cooperação internacional, obviamente em
complementaridade com a ação doméstica setorial local e descentralizada
(ROSENAU, 1990).
Portanto, pode-se armar que a interligação virtuosa entre policy-
makers no âmbito do Estado e os grupos de interesses na sociedade civil, do
ponto de vista teórico, são fatores indispensáveis que podem tanto garantir
maior poder de barganha ao negociador internacional (poder Executivo)
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 69
quanto ser um elemento de sua debilidade no momento da negociação
internacional
5
.
Logo, para Putnam (1993), a negociação internacional visando à
cooperação entre Estados na sociedade internacional depende tanto da
estrutura de ganhos domésticas (win-set) de cada Estado quanto do seu
parceiro, que serão determinantes no momento de raticação interna
do acordo internacional. Ou seja, a cooperação entre Estados ocorre em
dois níveis: internacional e doméstico. Neles, os governos responsáveis
pelas políticas externas dos Estados considerados como negociadores
internacionais, atuam simultaneamente junto aos seus interlocutores
domésticos, com os quais negociam a raticação e a entrada em vigor dos
acordos. Daí a importância do papel dos atores políticos e do nível de
pressão que esses sofrem dos grupos de interesses econômicos e sociais que
os apóiam e no plano internacional, no qual jogam (negociam) em busca
da cooperação internacional com outros Estados.
A cooperação, portanto, será mais ou menos provável dependendo
do quão atraente uma certa política seja para os grupos de interesse. A
razão para isso é que o interesse destes em uma especíca política afetará a
maneira como os políticos enxergam a questão e se serão favoráveis (dovish)
ou contrários (hawkish) à sua raticação. “ose who stand to lose should
block or try to alter any international agreement, whereas those who may
prot from it should push for its ratication
6
(MILNER, 1997, p. 63).
Logo, é a dinâmica interna que denirá as possibilidades e as opções
da ação internacional do Estado. E ela é determinada pela formulação e
pela acomodação das preferências domésticas em coalizões políticas que
podem ou não ser favoráveis à raticação e implementação do acordo
internacional.
At the national level, domestic groups pursue their interests
by pressuring the government to adopt favorable policies, and
politicians seek power by constructing coalitions among those
Putnam fala em cooperação internacional. O termo negociação internacional foi uma adaptação nossa ao
objeto do livro.
6
Aqueles que perdem devem bloquear ou tentar alterar qualquer acordo internacional, enquanto aqueles que
podem se beneciar dele devem pressionar para sua raticação.” (Tradução nossa)
Marcelo Fernandes de Oliveira
70 |
groups. At the international level, national governments seek to
maximize their own ability to satisfy domestic pressures, while
minimizing the adverse consequences of foreign developments.
Neither of the two games can be ignored by central decision-
makers, so long as their countries remain interdependent, yet
sovereign
7
. (PUTNAM, 1993, p. 436).
Dessa maneira, Putnam (1993) argumenta que um governo dividido,
em que não há consenso amplo entre os interlocutores domésticos em
relação a pauta internacional em questão, pode obter maior sucesso
nas negociações internacionais do que aquele governo que incorpora e
representa um consenso doméstico mais amplo.
Em outras palavras, as dissensões internas em relação à questão
internacional em voga são benécas ao governo na função de negociador
internacional no momento da negociação internacional ao tornarem
evidentes ao seu parceiro durante a realização dos acordos que caso
estes não forem ao encontro do seu win-set ele não será raticado no
Parlamento. Vale ressaltar aqui que no JDN há dois momentos especícos:
1. a negociação internacional e 2. a raticação do acordo internacional no
plano doméstico.
Putnam (1993) considera o win-set como uma “estrutura de ganhos
esperada pelos interlocutores domésticos durante o processo de negociação
do acordo internacional. Caso o acordo for ao encontro de seus interesses
aumenta-se a possibilidade dele ser raticado no Parlamento e, portanto,
estabelecido, sendo o contrário também verdadeiro. Geralmente, o win-set
é estabelecido pelas ONG’s, movimentos sociais, lobbies, partidos políticos,
parlamentares, governos sub-nacionais, etc.
Portanto, quanto menor o win-set - ou seja, mais posições difusas no
nível doméstico - mais força terá o governo na negociação internacional
“No nível nacional grupos domésticos buscam atingir seus interesses pressionando o governo a dotar políticas
favoráveis e políticos procuram poder construindo coalizões entre tais grupos. No nível internacional, governos
nacionais tentam maximizar sua própria habilidade de satisfazer pressões domésticas, ao mesmo tempo em
que minimizam as conseqüências adversas de desenvolvimentos externos. Nenhum dos dois jogos podem ser
ignorados pelos tomadores de decisão, desde que seus países permaneçam interdependentes, porém soberanos.
(Tradução nossa).
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 71
(nível internacional). E quanto maior o win-set – mais posições coesas
no nível doméstico - é mais provável se alcançar um acordo, mas,
concomitantemente, diminui a capacidade de barganha do governo vis-à-
vis outros negociadores.
Isto signica que a negociação internacional para ser estabelecida
favoravelmente a um determinado Estado não exige que sua unidade
doméstica esteja solidamente consolidada, como pressupõem as teorias
convencionais de relações internacionais, mas sim o oposto. Pois, na medida
em que haja mobilização doméstica em torno de assuntos de política
externa, ao invés do Estado enfraquecer-se ele torna-se mais poderoso no
processo de negociação, visto que de antemão está claro que caso o acordo
internacional seja contrário aos interesses de grupos econômicos e sociais
poderosos no âmbito interno ele não será raticado no Parlamento, não
podendo fazer parte da ordem constitucional do país.
A gura 2 ilustra a negociação internacional, levando em consideração
o JDN. No Estado 1 podemos notar que a sociedade (ONGs, grupos de
interesse, etc) encaminha demandas ao Legislativo, que as recebe e as
responde inuenciando o seu negociador internacional de acordo com
essas demandas.
Já no Estado 2, semelhando ao Brasil, o Legislativo é pouco responsivo
à sociedade. Além disso, encontra uma barreira entre suas preferências e
as da burocracia especializada em formulação de política externa. Assim,
o negociador internacional tende a representar as preferências ltradas
pelo MRE a partir do insulamento burocrático. Como é possível notar na
gura, além da dinâmica doméstica e internacional, o processo de tomada
de decisões em política externa pode ser também inuenciado pelo win-set
dos parceiros internacionais por meio de pressão direta sobre a burocracia
do Estado e/ou pela inuência de grupos de interesses poderosos na
sociedade, os quais podem assumir as demandas de grupos de interesses
domésticos de outros Estados como se fossem suas.
Marcelo Fernandes de Oliveira
72 |
Figura 2 –Teoria do Jogo de Dois Níveis
Para que a análise das negociações internacionais com o modelo
de Putnam (1993) seja válida, é necessária a existência de mobilização
da sociedade civil e do parlamento no tocante a questões internacionais
em países democráticos. Além disso, como lembram Cortell e Davis
(1996) ao investigarem o recurso de grupos domésticos a normas
internacionais para potencializarem suas posições, é preciso que a
estrutura da política doméstica permita que as preferências desses
grupos inuenciem a política internacional dos governos. Isto é, é
preciso haver interlocução e/ou pontos de pressão entre grupos sociais
organizados e os policymakers para que seja possível identicar a política
no âmbito doméstico como uma variável de relevância para se entender
a política externa e as negociações internacionais.
No caso dos Estados Unidos, especicamente na questão do
comércio internacional, essas condições são atendidas, validando o JDN
(Estado 1). No caso brasileiro, entretanto, como veremos na parte II,
de um modo geral, a ausência de mobilização da sociedade civil e de
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 73
mecanismos institucionais que limitem a livre ação do Executivo vis-
à-vis o Legislativo na formulação da política externa tende a limitar a
validade do JDN (Estado 2). Outro ponto crítico é a falta de canais de
interlocução e mecanismos de pressão entre sociedade e governo devido
ao insulamento burocrático.
Apenas em ocasiões muito particulares o poder Executivo
deliberadamente permite a existência do dissenso doméstico para
utilizá-lo como fator de barganha em negociações internacionais.
A questão da liberalização do açúcar no Mercosul, quando uma lei
nacional Argentina se sobrepôs a um Tratado Internacional que já
havia sido previamente acordado e raticado no Mercosul, mas depois
revogado por motivos eleitoreiros, nos demonstra muito bem esta
situação (OLIVEIRA, M. F., 2003).
Outro exemplo, ocorreu em torno da questão do acordo com os
Estados Unidos para a cessão de direitos de soberania nacional a uma base
militar norte-americana em Alcântara. O dissenso doméstico contra a
proposta levou o Executivo a renegociar o acordo devido à alta possibilidade
da sua rejeição pelo Legislativo. Durante a renegociação questões polêmicas
foram evitadas e novas cláusulas foram inseridas, tais como aquela que
permite que haja a cessão exclusivamente para uso comercial por empresas
norte-americanas, as quais deverão somente lançar satélites com uso
exclusivamente pacícos.
Os estudos de caso selecionados nesse livro representam ocasiões
particulares em que há mobilização da sociedade civil e interlocução com
o governo, validando a análise com o modelo JDN. No caso estudado das
patentes farmacêuticas, ceder à pressão dos Estados Unidos na OMC para
eliminar da legislação brasileira (Lei 9279/96) o artigo 68 que permite, de
acordo com o TRIPS, a licença compulsória de patentes de medicamentos
em caso de emergência pública, traria sérias conseqüências ao programa
brasileiro de combate a AIDS, reconhecido internacionalmente como de
alta ecácia (BRASIL, 1996).
Essas conseqüências, temia-se, reetir-se-iam em altos custos econômico
e principalmente político para o governo Cardoso. Isso porque, por um
Marcelo Fernandes de Oliveira
74 |
lado, a desvalorização do real após 1999 tornou inviável a sustentabilidade
econômica do programa pelos altos custos dos medicamentos. Por outro lado,
no âmbito político, municiaria a oposição com argumentos desfavoráveis ao
governo durante o pleito eleitoral de 2002.
O negociador brasileiro, em um primeiro momento, utilizou o
dissenso doméstico contra a proposta norte-americana de reforma à
lei brasileira, tornando-a mais restritiva do que o próprio TRIPS e, em
seguida, canalizou o consenso doméstico e internacional favorável à sua
posição para modicar o regime internacional de patentes, de forma que
se tornasse mais favorável aos interesses brasileiros e de países aliados.
É interessante notar que uma negociação internacional amplamente
discutida com a sociedade, caso venha a ser aprovada pela mesma, terá
legitimidade democrática e, portanto, dicilmente será alterada. Em outras
palavras, a discussão democrática da política externa com a sociedade
garante a mesma previsibilidade e credibilidade. A diculdade em alcançar
o acordo durante a negociação será da mesma intensidade para mudá-lo
mais tarde (MARTIN, 2000). Para que haja mudança numa determinada
política do governo é preciso superar os pontos de veto criados pelas
instituições. O mesmo ocorre em questões de política internacional onde
o sistema decisório é fragmentado (MANSFIELD; HENISZ, 2004).
Devido a isso, não há mais sentido à prática plena do insulamento
burocrático dos formuladores de política externa na atualidade, em
particular, no caso brasileiro. Esta situação tende a ser prejudicial, visto
que os negociadores brasileiros perdem o argumento de defesa dos grupos
de interesses que compõem os interesses nacionais do país, como utilizam
freqüentemente os norte-americanos na questão do aço na ALCA ou os
franceses na questão agrícola na União Européia. E depois de concretizado
um acordo, o governo perde credibilidade por não possuir um processo
de política externa que contenha pontos de veto bem desenhados, cujo
intuito seja o cumprimento dos compromissos internacionais.
Porém, pode-se armar que o uso desse argumento eleva o risco de que
a negociação internacional não ocorra caso o win-set do outro negociador
também não permita avanços, ampliando a possibilidade de defecção. Ou
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 75
seja, governos com menor win-set – mais dissensões - provavelmente têm
poucas possibilidades de cooperarem.
Segundo Putnam (1993), a defecção ocorre quando o acordo
internacional não é raticado, deixando de ser cumprido. Ela pode ser uma
defecção voluntária, que ocorre quando deliberadamente o negociador
deixa de cumprir acordos internacionais. Ou pode ser uma defecção
involuntária, que ocorre quando o negociador torna-se incapacitado
de cumprir os acordos internacionais por motivos que extrapolam sua
capacidade de controle.
Em outras palavras, os governos que sofrem pressão interna de grupos
de interesses identicados com assuntos de política externa dicilmente
poderão estabelecer acordos internacionais que não sejam benécos a esses
grupos, o que é correto e deve prevalecer em sociedades democráticas, nas
quais as dissensões domésticas são possíveis e benécas até o ponto em que
visem o bem estar coletivo.
Em negociações internacionais as dissensões domésticas são
benécas e necessárias justamente no momento da denição do que são
os interesses nacionais do país e, por conseguinte, a busca do bem estar
coletivo. Porém, em países em que elas – as dissensões domésticas - não
ocorrem ou são bloqueadas por meio de insulamento burocrático, é mais
simples durante a negociação internacional um recuo nas suas posições, o
qual poderá favorecer o negociador dividido que acaba utilizando “[...] a
negociação internacional para consolidar sua posição política doméstica e,
ao mesmo tempo, utilizar sua debilidade doméstica para extrair benefícios
dos outros negociadores” (VEIGA, 1999, p. 38). Ou seja, o país em que
as dissensões domésticas ocorrem mais freqüentemente dentro de um
marco institucional propício poderá ter vantagem sobre aqueles que não
permitam o mesmo.
O Brasil faz parte desse segundo bloco de países, onde os grupos de
interesses não podem expressar claramente suas dissensões domésticas no
tocante à política externa por falta de mecanismos institucionais adequados.
Isso faz com que o país perca várias disputas comerciais pelo fato do
menor win-set – ou seja, um número elevado de dissensões domésticas
Marcelo Fernandes de Oliveira
76 |
- presente na sociedade muitas vezes não estar claro, graças, em grande
medida, à centralização e ao insulamento burocrático para a formulação
da política externa no Ministério das Relações Exteriores, e também pela
falta de canais institucionais apropriados para sua manifestação e evasão,
impossibilitando a comunicação com a sociedade civil e outras esferas do
governo, facilitando assim, sempre que exigido pelos parceiros, um recuo
do Brasil de suas posições em negociações internacionais. Como veremos,
os casos de vitória brasileira ocorreram exatamente quando o MRE
deliberadamente permite a emergência de amplas dissensões domésticas
sobre a questão internacional.
Paralelamente, como já sugerimos, a sociedade internacional
contemporânea favorece “[...] o aumento do componente distributivo
da política externa”, o que tende crescentemente a politizá-la, “[...]
inserindo-a diretamente no conito distributivo que nas poliarquias é
resolvido por meio dos mecanismos de representação e voto no espaço
público” (SOARES DE LIMA, 2000, p. 296).
Logo, quando a política externa e, por extensão, os processos de
negociação internacional, tornam-se assuntos de domínio público, sem
mecanismos institucionais apropriados para o seu tratamento, como ocorre
no Brasil, há uma tendência a gerar profundas controvérsias na sociedade
civil, possibilitando que ela seja inuenciada por uma ampla gama de atores
econômicos, políticos e sociais de modo anacrônico, que muitas vezes nem
mesmo possuem interesses diretamente afetados pela questão em pauta.
Isso pode tanto levar ao estabelecimento de menor win-set, reforçando o
poder do negociador internacional, como aumentar o win-set, diminuindo
o mesmo em momentos indesejáveis. Ou seja, quando o win-set deveria ser
menor ele torna-se maior e vice-versa.
2.4 – estaBilidade iNterNa e crediBilidade exterNa: iNteresses,
iNstituições e iNformações
Nessa mesma linha de argumentação, Milner (1997) busca
demonstrar, complementar e renar o argumento teórico de como a
política doméstica inuência decisivamente as negociações internacionais.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 77
Milner (1997) enfatiza a conexão causal entre condições políticas
domésticas e negociações internacionais, armando que a chave à
compreensão dessas últimas se encontra no âmbito interno dos Estados.
Isto porque os negociadores internacionais devem conseguir a aprovação
das negociações que conduzem junto aos legisladores e aos grupos de
interesses. Portanto, além de não possuírem controle sobre a raticação
da negociação, visto que ela depende dos atores políticos domésticos, os
negociadores internacionais enfrentam no jogo democrático, sobretudo
em países presidencialistas, governos divididos, a falta de apoio dos grupos
de interesse – ou até mesmo mobilização contrária - e a possibilidade de
alteração do regulamento interno de raticação dos acordos.
Como armam Martin (2000) e Neves (2003), quando os interesses
do Legislativo são diferentes do Executivo há claras tendências por parte
dos legisladores de efetuar alterações no regulamento interno no sentido da
retomada das suas prerrogativas constitucionais no processo de formulação
da política exterior. Assim, ambos corroboram com Milner (1997) de que
as condições domésticas são preponderantes às negociações e os acordos
internacionais. Porém, como veremos, para Milner (1997) elas chegam
a atrapalhar, enquanto para Martin (2000) e Neves (2003) são fontes de
estabilidade e credibilidade internacional.
Nesta perspectiva, Milner (1997) arma que há três variáveis que
condicionam as negociações internacionais a partir do nível doméstico: 1)
estrutura de preferências domésticas; 2) instituições políticas domésticas; e
3) distribuição doméstica da informação.
Segundo Milner (1997), a política doméstica é importante nas
negociações internacionais porque o Estado não é um ator unitário,
existindo em seu âmbito preferências domésticas conitantes na gura dos
atores políticos e grupos econômicos e sociais que estão interagindo no
nível II para garantir seus interesses. Sem sombra de dúvidas essa dinâmica
conituosa inuencia a negociação internacional e seu conteúdo.
A estrutura de preferências domésticas emerge da interação das relações
entre os atores Executivo, Legislativo e grupos de interesse que denem suas
posições tendo em vista seus interesses e cálculo de sobrevivência política
Marcelo Fernandes de Oliveira
78 |
estratégico. Como vimos, a dimensão externa tende a ter um papel crescente
nas questões do cotidiano das sociedades nacionais, portanto, passa a ocupar
uma posição relevante na denição dos interesses desses atores domésticos
que, por sua vez, passam a incluir no seu cálculo questões de política
internacional, conduzindo os formuladores a crescentemente considerá-los
para a concretização da política externa do Estado.
É por isso que para Milner (1997), o nível doméstico, sobretudo
o poder Legislativo e as demandas que canalizam, pode se constituir
em um obstáculo às negociações internacionais. Isso se torna mais
provável caso não haja mecanismos institucionais adequados para que
a participação dos atores políticos e grupos de interesses ocorra sem
prejuízos para a comunidade.
Devido a essa questão que Milner (1997) concluí que a inuência
do nível doméstico nas negociações internacionais será afetada pelo papel
das instituições políticas democráticas de cada Estado e pelos mecanismos
que distribuem o poder durante a formulação e o processo de tomada
de decisões da política externa. “Domestic political institutions determine
how [power] over decision making is allocated among national actors
(MILNER, 1997, p. 99).
Logo, compreender as relações institucionais, principalmente entre
Executivo e Legislativo em democracias, é preponderante à compreensão
das negociações internacionais a partir do nível doméstico. “Variations
or changes in this institutional relationship inuence the probability and
terms of internationnal cooperation” (MILNER, 1997, p. 99).
A autora identica cinco poderes institucionais mais comuns que
podem inuenciar as negociações internacionais. Determinação da agenda
(Agenda setting) é o primeiro poder. Refere-se à competência de um ator
colocar temas na agenda do Executivo ou do Legislativo; de modo inverso,
mas igualmente importante, esta é a competência de manter temas fora da
agenda. O segundo poder é o de propor e introduzir emendas. Possuir essa
competência pode minar o poder de determinação de agenda na medida em
que se pode alterar o escopo inicial do propositor. O terceiro poder é o de
raticação ou veto. Consiste na competência para determinar a incorporação
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 79
ou a refutação de um texto à legislação nacional. Promover referendos é o
quarto poder. Sua utilização pode ter como nalidade aprovar um acordo
internacional que, se levado ao Legislativo, provavelmente não seria raticado.
Portanto, a competência de propor referendos pode minar a de raticar ou
vetar. O quinto e último poder trabalhado por Milner (1997) é o de barganha
(Side Payments). Consiste na capacidade de obter um comportamento de um
ator que seja favorável às suas preferências, oferecendo-lhe algo de valor em
troca, ou via ameaça. É importante ter em conta que a seqüência de utilização
dos poderes pode enfraquecer ou fortalecer certos atores. No caso brasileiro,
como vericaremos, a capacidade do Executivo de determinar agenda e
de oferecer side payments ao Legislativo, na lógica do presidencialismo de
coalizão, enfraquecem o Legislativo.
De especial interesse para nossa análise é o conjunto de instituições
que tratam das relações entre o Legislativo e a sociedade brasileira, isto é, o
processo político-eleitoral. Como veremos nos capítulos 3 e 4, os partidos
são de suma importância para o presidencialismo brasileiro, portanto as
regras partidárias devem ser compreendidas. Além disso, é fundamental
entender regras eleitorais.
Como sabemos, Brasil e Estados Unidos são países democráticos e
adotam sistemas de governo presidencialistas, nos quais as decisões não se
encontram concentradas, mas sim divididas entre os poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário. Além disso, ambos possuem poder Legislativo
bicameral, ou seja, o Parlamento se divide entre Senado e Câmara dos
Deputados, que têm o poder de vetar (veto players) políticas externas
previamente acordadas pelo Executivo.
No entanto, como veremos no capítulo 3 sobre as particularidades
do sistema presidencialista, é interessante frisar que no Brasil o Executivo
possui também prerrogativa de legislar, via “Medida Provisória”, uma
possibilidade inexistente nos Estados Unidos, com exceção de casos muito
raros e extremamente urgentes. Isso confere ao poder Executivo brasileiro
um poder extra para agir unilateralmente, criando legislação temporária,
sem o consentimento do poder Legislativo. Nesses termos, é possível
armar que, comparativamente, o poder se encontra mais concentrado
sob o poder Executivo no Brasil do que nos Estados Unidos.
Marcelo Fernandes de Oliveira
80 |
Muitos autores concordam ao armar que em países da América
Latina, incluindo o Brasil, o Estado tende a ser “forte
8
” e as sociedades
são normalmente “fracas”. Uma das explicações para isso é o fato de que
o Estado teve que tomar para si a responsabilidade de fazer a economia
se industrializar. Países que chegaram mais tarde à industrialização
necessitavam que os Estados fossem fortes e quanto mais tarde iniciassem
o processo de esforço de desenvolvimento, mais poder eles deveriam
concentrar (ROGOWSKI, 1990).
A idéia é que estes países chamados de “atrasados” (late comers) se
encontravam atrás de países que já haviam se industrializado há mais tempo
e para suprir essa deciência, como ocorreu na América Latina, o Estado
se tornou “forte”, desempenhando papel da iniciativa privada, algumas
vezes até suprimindo a sociedade, que tende a ser passiva e aguardar que as
decisões sejam tomadas para ela. Este raciocínio poderia explicar porque
as sociedades de Estados com esta característica não são tão envolvidas
ativamente na política, especicamente em política externa.
Nos Estados Unidos o oposto pode ser observado, uma vez
que a sociedade é considerada “forte” e o Estado “fraco”. A estrutura
é descentralizada e o poder é dividido entre agências e escritórios, que
algumas vezes se sobrepõem uns aos outros. “He [Katzenstein] considered
the United States, in contrast, to have a weak state and a strong society,
where politics was characterized by social pluralism
9
(EVANGELISTA,
1997, p. 205). Segundo Rissen-Kappen (1990), os Estados mais “fracos
têm instituições políticas fragmentadas e estão mais abertos à pressão de
grupos de interesse presentes na sociedade e partidos políticos (RISSEN-
Para efeitos teóricos, neste livro a classicação dos Estados como “fortes” e “fracos” ocorrerá de acordo com as
idéias desenvolvidas por Evangelista (1997), Risse-Kappen (1990) e Rogowski (1990). Conforme sintetizado
na seguinte passagem: “A primeira focaliza as instituições do Estado e encontrou a expressão mais proeminente
no conceito de Estados “fortes” e “fracos”. Ela enfatiza o grau de centralização das instituições do Estado e da
habilidade dos sistemas políticos de controlar a sociedade e de transpor a resistência doméstica. Estados fracos
têm instituições políticas fragmentadas e estão abertos a pressões de grupos de interesse da sociedade e de
partidos políticos. Sua habilidade de impor políticas à sociedade e de extrair recursos da mesma é razoavelmente
limitada. Estados fortes, em contraste, consistem de instituições políticas centralizadas com burocracias fortes;
eles são capazes de resistir a demandas públicas e de preservar um alto grau de autonomia vis-à-vis a sociedade.
(RISSE-KAPPEN, 1990, p. 484, tradução nossa).
“Ele [Katzenstein] considerava que os Estados Unidos, em contraste, tinham um Estado fraco e uma sociedade
forte, onde a política era caracterizada pelo pluralismo social.” (Tradução nossa) .
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 81
KAPPEN, 1990, p. 484). Portanto, é mais factível o uso do dissenso
doméstico como fonte de barganha durante negociações internacionais.
Porém, é necessário chamar a atenção para o fato de que a situação no
Brasil tem mudado com a consolidação da democracia. Grupos domésticos
estão paulatinamente se tornando mais ativos e mais envolvidos nas
negociações internacionais, tendo um papel cada vez mais importante no
auxílio da elaboração da política externa brasileira, mas, como veremos, essa
mudança não vem ocorrendo no mesmo ritmo em relação às instituições.
Ainda nesse sentido, a necessidade de raticação interna dos acordos
assinados pelo Estado reforça a idéia de que se o mesmo não estiver
alinhado à preferência doméstica, ele não será validado, ressaltando-se que
o veto ou raticação, decididos pelo Parlamento, estão sujeitos à pressão
interna exercida pelos lobbies que trabalham para persuadi-lo. Alguns
grupos de interesse têm maior capacidade de inuenciar as decisões do
Estado e, portanto, obtém maior sucesso atingindo seu objetivo e tendo
as negociações internacionais conduzidas em termos que lhes são mais
favoráveis “Powerful groups within a country may be able to prevent the
adoption of policies they dislike in a unilateral setting, even when political
leaders favor them
10
(MILNER, 1997, p. 73).
Em ambos os países estudados o Executivo normalmente tem o poder
para denir a agenda (agenda-setter), mas ainda depende do Legislativo
(veto player) para traduzir seu “interesse” em políticas.
e executive branch has the power to initiate policies vis-à-vis
other countries; the executive can set the agenda in foreign aairs
to a considerable extent. To negotiate agreements with foreign
countries and to implement foreign policies, however, the executive
often needs a vote of condence from the legislative branch
11
(MILNER, 1997, p. 73).
10
“Grupos poderosos dentro de um país podem ser capazes de prevenir a adoção de políticas que eles não gostem
em um cenário unilateral, mesmo quando líderes políticos são favoráveis a elas.” (Tradução nossa).
11
“O Poder Executivo tem o poder de iniciar políticas vis-à-vis outros países; o Executivo pode denir a agenda
em política externa até uma certa extensão. Para negociar acordos com países estrangeiros e implementar
políticas externas, no entanto, o Executivo geralmente precisa de um voto de conança do Poder Legislativo.
(Tradução nossa).
Marcelo Fernandes de Oliveira
82 |
Os Poderes Executivo e Legislativo, porém, são compostos por
políticos, que desejam obter ou manter cargos públicos e, como resultado
disso, promovem políticas que possam incrementar suas chances de eleição
ou reeleição. Por isso, outro conjunto de instituições interessantes para
se entender as relações entre o Executivo, o Legislativo e a sociedade é o
sistema eleitoral partidário. Dependendo das regras para ascensão ao poder
e do grau de responsividade que os políticos precisam ter para ganhar
eleições, varia a força da sociedade em pressionar o governo, como veremos
no capítulo 3.
Como veremos no capítulo 5, as políticas relacionadas ao tratamento
do HIV/AIDS no Brasil visavam ao eleitor médio (median voter), uma vez
que as políticas propostas eram divulgadas como benécas à população
em geral, enquanto nos Estados Unidos a indústria farmacêutica foi o alvo
a ser favorecido pelas políticas públicas empregadas. No caso brasileiro,
José Serra, Ministro da Saúde à época, era candidato à presidência da
República, enquanto George W. Bush havia sido nanciado pelas
indústrias farmacêuticas.
Por ora, cabe lembrar que no caso de países de democratização
recente como o Brasil estão presentes na cena política nacional elementos
que podem conduzir a constantes mudanças institucionais. E, como
arma Milner (1997, p. 101), elas afetam negativamente a negociação
internacional. Por exemplo, para evitar avanços nas negociações da ALCA,
entre 2001 e 2004, foi realizada uma série de propostas de mudanças
institucionais, entre elas, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC)
345/01, de autoria do então deputado Aloísio Mercadante (PT/SP), a
PEC 052/01 do então senador Roberto Requião (PMDB/PR) ou ainda o
Projeto de Lei 189/2003 do então senador Eduardo Suplicy (PT/SP).
Devido ao fato, como apontamos acima, de o Legislativo ser um
ambiente politizado e ter como uma de suas principais funções catalisar,
representar e atender as demandas dos interesses domésticos dos eleitores,
a partir do instante em que tiver maior poder de intervenção e autonomia
sobre a política comercial internacional, existe a tendência de reforço do
viés protecionista da economia brasileira, pois os parlamentares serão
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 83
diretamente conduzidos à defesa das demandas particulares das suas
bases eleitorais.
Portanto, a proposta de descentralização desses parlamentares
em política externa contém pontos negativos e positivos. Ao ampliar os
constrangimentos institucionais ao Executivo o resultado pode ser tanto
o aumento do grau de transparência e democracia, quanto a diminuição
da exibilidade e da liberdade de ação do Executivo durante negociações
internacionais em temas de impacto para o país.
Por outro lado, simultaneamente, caso tivessem sido aprovadas,
as demandas da sociedade seriam levadas mais em consideração do que
era e haveria a instauração de uma co-responsabilidade (accoutability)
do Legislativo na formulação da política externa, aumentando o grau
de legitimidade do Executivo brasileiro nos tabuleiros de negociações
internacionais. No caso de recuo a um acordo internacional indesejável, o
negociador poderia transferir o ônus à possibilidade de veto exercida pelo
Parlamento, advinda das restrições institucionais imposta pelas mudanças
provocadas pelas medidas dos parlamentares citados acima. Assim, a
mudança institucional durante o processo de negociação da ALCA poderá
levar os atores domésticos vetarem o acordo internacional, o que afetará a
credibilidade do país
12
.
Entretanto, raticado um acordo internacional seu cumprimento
estaria garantido, já que esse resultado provém de discussão e negociação
no plano doméstico, elevando os ganhos de estabilidade aos parceiros. As
instituições desempenham função primordial à raticação e à manutenção
das negociações e acordos internacionais através de vetos que podem
impor. Esta situação, até hoje, encontra-se aberta no Brasil.
Portanto, se a democracia pode dicultar as negociações ao impor
constrangimentos domésticos aos acordos internacionais por meio de veto
players (MILNER, 1997), ela praticamente anula, a partir dos mesmos
veto players domésticos, a possibilidade de mudança abrupta do novo status
quo, resultado da aprovação do acordo negociado e raticado. “[...] Assim,
12
Nada disso ocorreu, visto que as propostas foram enterradas após a vitória de Lula da Silva (2003-2010) com
o encerramento das negociações para a implementação da ALCA.
Marcelo Fernandes de Oliveira
84 |
espera-se que governos democráticos possam aderir e abandonar acordos
no mínimo com a mesma diculdade por que os constrangimentos
institucionais pesam tanto numa quanto noutra situação. No caso de
movimentos de saída, os constrangimentos geralmente são ainda maiores
devido ao encapsulamento institucional (lock in) ao qual os países cam
sujeitos ao longo do tempo” (COUTINHO, 2002, p. 15).
Contudo, para que isso venha a ocorrer no Brasil deverá haver mudança
nas instituições políticas. E, como vimos acima, elas são observadas pelos
atores domésticos do país em que ocorrem e por aqueles que são parceiros
em uma negociação internacional como um momento de instabilidade
política doméstica que afetará preferências e, possivelmente, a política
externa do Estado em que elas estão ocorrendo. Anal, a negociação e o
acordo possuem elementos de risco elevados que podem gerar altos custos
para os parceiros, diminuindo assim a possibilidade de cooperação.
Caso fosse aprovada qualquer uma das iniciativas de legislação, o
desao no Brasil seria a instauração de uma dinâmica virtuosa em suas
relações institucionais, sobretudo entre Congresso e Executivo, para que
interajam da melhor maneira possível a m de evitar os efeitos negativos
e multiplicar os positivos no processo de formulação da política externa
brasileira, visando o amadurecimento e a consolidação da mesma.
Ao mesmo tempo, deve-se evitar a instabilidade política doméstica e,
portanto, conquistar mais credibilidade internacional durante os acordos
rmados pelo país.
Para tanto, o Congresso teria o papel de fornecer informações precisas
e de qualidade para o Executivo e para a população, além de intermediar
interesses junto à sociedade, auxiliar no processo de negociação e celebração
de acordo internacional e, principalmente, se tornar um formulador
de políticas públicas relacionadas a questões internacionais. Teria uma
postura oposta à meramente reativa, como de praxe (OLIVEIRA, M. F.,
2003). Pode-se concluir assim que seria necessário adensar a massa crítica
do Legislativo brasileiro sobre temas internacionais
13
.
13
Como salientamos acima, nada disso ocorreu, na medida em que a vitória de Lula nas eleições de 2003
retiraram da pauta da política externa brasileira a negociação da ALCA e, conseqüentemente, as propostas de
avanço institucional, visto que seus proponentes eram alinhados ao novo presidente.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 85
Como suscitado acima, o papel da informação surge como
preponderante para as negociações internacionais, sobretudo, em contextos
de transformações institucionais. A falta de informação sobre o país que
está sofrendo transformações institucionais gera desconança e precaução
por parte de seus parceiros internacionais. Isso porque é contraproducente
realizar acordo ou negociações com um Estado instável institucionalmente
e que restringe informações. Logo, o comportamento esperado dos
Legislativos dos parceiros internacionais é a não raticação das negociações
e acordos que por ventura ocorrerem com Estados sob essas condições,
atendendo as demandas dos grupos de interesses domésticos por maior
proteção (MILNER, 1997).
Em suma, é por isso que para Milner (1997) a conexão causal entre
democracia e política internacional é máxima. Os atores capazes de se
apropriarem dos recursos de poder das instituições políticas distribuirão
somente informações domésticas e internacionais favoráveis às suas
preferências na negociação internacional.
Portanto, incorporar o jogo político doméstico para a análise
da cooperação internacional, de um ponto de vista liberal, gera uma
perspectiva mais negativa para um desfecho positivo de uma negociação
internacional do que análises que partem do modelo do Estado unitário
e racional. “[...] Domestic politics reduces the possibility of cooperation,
even below the level that Realists expect. It also means understanding that
international agreement will reect each countrys domestic situations in
addition to its international inuence” (MILNER, 1997, p. 98). Iremos
vericar a veracidade dessas armações na parte III desse livro quando
realizaremos os estudos de casos.
Martin (2000) complementa o raciocínio ao sugerir que a estabilidade
política institucional é essencial para as negociações internacionais porque
tendem a gerar credibilidade externa. Isso porque quanto mais democrático
e desenvolvido o país – quanto mais estabilidade doméstica ele tiver - menos
externalidades negativas ele tenderá a gerar para seus parceiros, assim como
terá melhores condições de cumprir os acordos.
Marcelo Fernandes de Oliveira
86 |
Segundo Martin (2000), “Institutionalized legislative participation
provides executive and other states with better information about legislative
and societal preferences, reducing the chances of reneging. It also creates
institutional obstacles to changing policy, enhancing the stability of
policies” (MARTIN, 2000, p. 13).
Portanto, para Martin (2000) credibilidade externa e estabilidade
domésticas são condições inseparáveis, são faces da mesma moeda. A
estabilidade doméstica é fonte da credibilidade externa porque permite
aos parceiros internacionais tanto acompanharem o desenvolvimento
das políticas dos seus parceiros podendo construir expectativas e crenças
positivas em relação a ele, quanto permite aos atores fazerem o que se espera
que eles façam dentro do acordo internacional. Isso porque a transparência
da democracia, ao aumentar o uxo de informações disponíveis dos
países, reduz a desconança internacional e dá oportunidade aos atores
domésticos de seus parceiros fazerem seus cálculos estratégicos sobre
bases mais conáveis. Embora ainda não seja factível antecipar todos os
resultados e comportamentos dos outros atores, isso permitirá a geração de
um processo de conança mútua no sentido da cooperação.
Além disso, comportamentos repetidos no cotidiano da democracia
são consolidados, minimizando a possibilidade de atitudes unilaterais de
ambos os lados, tornando ainda os atores familiares e, por conseguinte,
uma maior previsibilidade das escolhas e dos resultados domésticos que
afetarão as negociações e os acordos internacionais. Permitem também
a possibilidade de interpenetração de agendas domésticas, que, por sua
vez, tende a criar constrangimentos externos que acabam por conduzir
ao adensamento da cooperação política doméstica e internacional.
Amenizando, a possibilidade dos compromissos externos serem alterados
por políticas unilaterais.
Vale ressaltar que no caso do Brasil, devido sua peculiaridade como
um país de democracia de massa recente e ainda em desenvolvimento, as
crises político-institucionais e econômicas são mais freqüentes, portanto,
sua vulnerabilidade tende a ser mais elevada. Esta situação tende a dicultar
a cooperação política doméstica e, por conseguinte, as negociações
internacionais, que poderão estar permanentemente expostas a mudanças
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 87
inesperadas que levam os atores a modicarem suas estratégias e ações com
conseqüências negativas sobre as bases da cooperação.
A seguir, na parte II, demonstraremos o funcionamento das
instituições políticas democráticas brasileiras e sua adesão à lógica teórica
proposta. Vamos apresentar as peculiaridades da esfera doméstica do país e
vericar se ela produz estabilidade interna e como isso afeta a credibilidade
externa brasileira. Sugeriremos ainda que a credibilidade externa pode
ser alcançada por meio de interação adequada dos interesses presentes na
sociedade civil, das instituições que regulam, processam e canalizam as
demandas que serão absorvidas e representadas pelo Estado, e do nível
de informações, da transparência que isso tende a gerar, sobretudo no
sentido da possibilidade de previsibilidade de seus resultados durante as
negociações internacionais que o Brasil participa.
88 |
Parte ii
I  
  
| 91
caPítulo 3
I  
:    
[...] o presidente organiza sua base de sustentação através da
distribuição de postos na estrutura do Executivo e verbas
orçamentárias aos grandes partidos, e estes garantem os votos
necessários à aprovação do programa de governo. A Constituição de
1988 dotou o presidente de inúmeros instrumentos de intervenção
nos trabalhos Legislativos, ao passo que no âmbito interno do
Legislativo, os líderes partidários tornaram-se capazes de disciplinar
o comportamento de seus membros no plenário. (SANTOS, 2003,
p. 191-92).
iNtrodução
Buscaremos demonstrar nesse capítulo o funcionamento das
instituições políticas democráticas brasileiras à luz da lógica teórica exposta
no capítulo 2. E a seguir, vericar qual o papel que cumprem na geração
ou não de credibilidade externa do país e os pontos de veto e os veto player
que cria durante as negociações comerciais internacionais.
Para tanto, enfatizaremos as peculiaridades da esfera doméstica
do Brasil no tocante à conexão causal entre estabilidade política interna
e credibilidade externa. Argumentaremos que, geralmente, essa conexão
pode ser alcançada quando a canalização e a absorção dos interesses
Marcelo Fernandes de Oliveira
92 |
e das demandas presentes na sociedade civil, representadas pelo Estado
brasileiro nas negociações internacionais, ocorrem por intermédio das
instituições políticas democráticas do país em um contexto informacional
de ampla transparência. Essas características são necessárias para garantir
a previsibilidade institucional de resultados do jogo político doméstico, o
que será determinante para os parceiros durante o processo de barganha
das negociações internacionais.
Nesta perspectiva, buscaremos demonstrar que se, por um lado, os
partidos brasileiros são débeis na sua função de agregar interesses políticos
e sociais presentes na arena eleitoral devido, sobretudo, à combinação de
legislação eleitoral, de presidencialismo e sistema proporcional de lista
aberta, diminuindo, portanto seu papel na democracia brasileira; por
outro lado, no âmbito do Parlamento, graças ao Regulamento Interno do
Congresso Nacional, os líderes das bancadas partidárias possuem garantias
regimentais que lhes servem para aglutinar os parlamentares de seus
partidos, acumulando força e coesão política para cumprir seu papel de
veto players frente ao poder Executivo.
Entretanto, as prerrogativas exclusivas do Poder Executivo na
organização do presidencialismo de coalizão (SANTOS, 2003), que
ampliam sua capacidade legislativa, tendem a limitar o papel do Parlamento.
Essa situação pode ser observada tanto como medidas de estabilização para
a formulação de políticas públicas na esfera doméstica diante de um corpo
Legislativo dividido, quanto como possibilidades de mudança unilateral
das mesmas na esfera internacional, tornando a estabilidade dos acordos
rmados pelo país dependentes exclusivamente da vontade política de
burocracias que lidam com essas questões no Executivo.
Grupos de interesse que têm acesso direto, sem intermediação
parlamentar, às esferas burocráticas ligadas à política externa, devido
ao insulamento burocrático, como dissemos, podem exercer pressões
para inuenciar a vontade e ação concreta dessas esferas. Tudo isso
pode ser compreendido pelos parceiros internacionais como falta de
transparência e colocar dúvidas sobre o cumprimento, por parte do
Brasil, das suas negociações, diminuindo a credibilidade externa do
país. Concomitantemente, essa dinâmica limita a possibilidade do uso
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 93
do dissenso doméstico como argumento para aumentar a barganha
internacional do país.
Conforme tratamos no capítulo anterior, a seqüência de utilização
dos poderes institucionais enfraquecem o Legislativo vis-a-vis o Executivo.
Adicionalmente, o sistema eleitoral brasileiro cria baixa responsividade
dos legisladores aos seus eleitores, o que os distanciam ainda mais de
questões comerciais internacionais. Começamos este capítulo abordando
características dos sistemas eleitoral e partidário.
3.1 – os sistemas eleitoral e Partidário (1995-2002)
1
A reexão sobre as características próprias da organização do
sistema partidário brasileiro, no nosso entender, deve ser realizada a partir
das relações entre os partidos políticos, o sistema eleitoral
2
e o Estado
(CAMPELLO DE SOUZA, 1990).
A Constituição brasileira de 1988 exige a vinculação partidária como
requisito básico de elegibilidade, admitindo ser o partido político o único
canal de acesso a cargos eletivos, atribuindo-lhe, portanto, o monopólio da
representação política no país. Por outro lado, a Constituição estabelece
também que a representação no Congresso Nacional seja parlamentar e
não partidária, garantindo, ainda, a possibilidade do funcionamento de
bancadas partidárias e blocos parlamentares (LIMA JÚNIOR, 1993), mas
não de partidos.
A legislação eleitoral adota a combinação de representação
proporcional e sistema de lista aberta. No tocante ao sistema de lista
aberta, o eleitor vota em um deputado, sendo o seu voto intransferível a
outros. As cadeiras são distribuídas aos partidos conforme o número de
votos conquistados pelo conjunto de seus candidatos e, logo após, em cada
partido, de acordo com o número de votos de cada candidato.
É importante ressaltar que o estudo do sistema eleitoral e partidário aqui reete as regras do período histórico
relacionado a Era FHC. Desde então, houve diversas mudanças nas regras para o aprimoramento institucional
da representação legislativa no Brasil.
 Entendido como normas e regras que disciplinam a conduta dos candidatos e partidos em pleitos eleitorais.
Marcelo Fernandes de Oliveira
94 |
Pode-se observar que esse sistema incentiva o individualismo nas
campanhas, pois o prestígio e o poder de um candidato estão relacionados
com a capacidade de obter votos em grandes proporções (MAINWARING,
1991). No quadro abaixo buscamos construir um exemplo para podermos
analisar mais facilmente essa questão:
Quadro 3 - Simulação de um resultado eleitoral no sistema partidário-
eleitoral brasileiro (1995-2002)
Partidos
Candidatos
A B C
1 80.000 50.000 19.500
2 75.000 40.000 16.000
3 60.000 38.000 11.000
4 40.000 33.000 9.000
5 32.000 28.000 7.000
6 20.000 23.000 6.500
Total de voto Partido 307.000 159.000 69.000
Sobras 17.000 24.000 11.000
Cadeiras Conquistadas 5 2 1
Quociente 58.000
Levando em consideração que o quociente
3
de votos necessários para
o partido ter direito a um representante no Parlamento no nosso exemplo
é de 58.000 votos, torna-se fácil notar, pelo quadro, que o partido A com
307.000 votos teria direito a 5 cadeiras, sobrando ainda 17.000 votos. O
partido B, com um total de 159.000 votos, teria direito a duas cadeiras
com uma sobra de 24.000 votos. Já o partido C teria direito a uma cadeira,
restando-lhe 1.100 votos.
O quociente eleitoral no período do nosso estudo era estabelecido do seguinte modo: divide-se o número
total de votos válidos (nominais e em legendas) pelo número de vagas na Câmara dos Deputados. Se, por
exemplo, o número total de votos válidos em uma eleição com 10 deputados for 11.400, o quociente eleitoral
será 11.400/10, ou seja 1.140. Depois de determinado o quociente eleitoral, calcula-se o quociente partidário.
Com o quociente partidário, sabe-se quantas vagas cada partido vai ter na Câmara. Se, por exemplo, a eleição
tem dois partidos, Pa, e Pb, o cálculo é feito, para cada partido, da seguinte forma: divide-se o número de votos
válidos (que o partido obteve, nominal ou em legenda) pelo quociente eleitoral. Assim, se Pa obteve 6.400 votos,
o seu quociente partidário equivalerá a 6.840/1.140, ou seja, 6. O Pa, portanto, terá 6 vagas na Câmara dos
Deputados. Considerando, então, que o Pb obteve 4.560 votos, o seu coeciente partidário será 4.560/1.140,
ou seja, 4. Serão eleitos deputados, dessa forma, os 6 candidatos mais votados do Pa e os 4 mais votados do
Pb. Mesmo que o sexto mais votado do Pa tenha menos votos que o quinto mais votado do Pb, será eleito o
candidato do Pa, pois seu partido obteve mais cadeiras na Câmara dos Deputados.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 95
Cruzando os resultados dos três partidos teremos que o candidato 6
do partido A com 20.000 votos não se elegeu, porém o primeiro candidato
do partido C, com 19.500 votos, conseguiu sua eleição. A situação torna-
se ainda mais destacada quando comparamos o candidato n.º 4 do partido
B, com 33.000 votos, não eleito, com o primeiro do C, com 19.500 votos
e eleito.
A legislação não previa no período do estudo nenhuma regra a
respeito da troca de partido pelo parlamentar, sendo-lhe permitido fazer
quantas trocas desejasse, não havendo necessidade nenhuma de vínculo
entre o parlamentar e o programa do partido político pelo qual venha a se
eleger. Paradoxalmente, o partido político era apresentado ao eleitorado
como uma entidade que representa seus interesses. A liação partidária faz
parte dessa lógica. Mas, naquele período, a delidade partidária deixava de
ser parte do compromisso do representante depois de eleito.
Esse sistema de relações nos leva a concluir que, pelo menos
formalmente, o representante tem um enorme grau de autonomia frente
ao partido e ao seu eleitorado, pois “... criou-se uma situação que, de forma
crua, assim se congura: para fora do Legislativo, é claro, vale o partido,
que se organiza e se regula como quiser; porém, dentro do Legislativo o
que conta é o parlamentar” (LIMA JÚNIOR, 1993, p. 95)
4
.
Para os partidos esta lógica eleitoral e de representação se traduzia
em disputas intra-partidárias entre seus candidatos. Estes são levados a
conquistar um grande número de votos para garantirem suas eleições. As
disputas que deveriam ocorrer entre os partidos ocorrem no interior dos
mesmos. Muitas vezes, quando essas disputas são acirradas, um candidato
de um partido pode ser extremamente bem votado e não se eleger pelo
fato do número de votos alcançados pelo conjunto dos candidatos não
ter alcançado o quociente necessário para a garantia de mais uma cadeira,
a qual, na ordem de classicação nal dos candidatos do partido caberia
a ele. No nosso exemplo, é justamente o que ocorre com o candidato 6
Lima Jr. volta a rearmar essa máxima em outra publicação ao concluir que “[...], a Carta Magna alterou
signicativamente o estatuto do partido político, que deixou de ser regulado pelo direito público e perdeu
o monopólio da representação no Legislativo, uma vez que essa é detida, de fato, pelo congressista. As novas
regras permitem, inclusive, que os legisladores se organizem em blocos para atuarem no interior dos corpos
legislativos” (LIMA JR., 1997, p. 125).
Marcelo Fernandes de Oliveira
96 |
do partido A e com o candidato 4 do partido B, os quais com um maior
número de votos do que o candidato eleito do C, não se elegeram.
Logo, o fortalecimento do partido cava para segundo plano, pois
os estímulos dados à ausência de compromisso, solidariedade e disciplina
entre os candidatos contribuíam para dicultar cada vez mais o processo de
coesão partidária. Além disso, os partidos acabavam sendo ignorados pelos
eleitores que identicavam no candidato sua via de representação política
junto ao Poder Executivo.
Isto levou Mainwaring (1991, p. 21) a armar que em
[...] several aspects of Brazils electoral legislation have either no
parallel or few parallels in the world and that no other democracy
grants politicians so much autonomy vis-à-vis their parties. is
electoral legislation reinforces the individualists behavior of
politicians and has contributed to undermining eorts to build
more eective political parties. e extremely low degrees of party
loyalty and discipline found in the major parties (excepting several
parties on the left) are tolerated and encouraged by this legislation.
In turn, limited party discipline and loyalty have contributed to the
singular underdevelopmente of Brasil’s political parties.
Na mesma direção, Sartori (1993) radicalizava o argumento ainda
mais que Mainwaring (1991) ao armar que
No mundo de hoje [1995-2002], é difícil encontrar um país que
seja tão anti-partido quanto o Brasil, tanto na teoria quanto na
prática. Os políticos referem-se aos partidos como partidos de
aluguel. Mudam de partido livre e freqüentemente, votam em
desacordo com sua orientação e recusam-se a aceitar qualquer
tipo de disciplina partidária, sob a alegação de que não se pode
interferir na sua liberdade de representar os seus eleitores.
(SARTORI, 1993, p. 11).
Para os eleitores, sua representação política cava decitária, pois
estava condicionada às ações atomizadas de parlamentares no Congresso
Nacional. Como a maioria dos parlamentares tem o objetivo de se
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 97
reelegerem e, para isso, necessitam do apoio político e nanceiro das suas
bases eleitorais, sua atuação no Congresso Nacional em muitos casos volta-
se para a representação dos interesses de uma elite regional. Samuels (1997,
p. 501) arma então que
Os candidatos que podem levantar contribuições de campanha
a partir de uma rede de apoio e que muitas vezes são ligados ao
governo..., estão bem situados na disputa pelo voto pessoal. Esses
candidatos, provavelmente, procurarão constituir ou ingressar em
partidos mais liberais em relação às campanhas personalistas e que
enfatizem menos a legenda.
Abordamos brevemente os sistemas eleitoral e partidário, mas de forma
a capacitar a discussão sobre a importância dos partidos no presidencialismo
brasileiro de coalizão durante o governo FHC (1995-2002).
3.2 – o PaPel da areNa goverNameNtal Nas iNstituições
democráticas Brasileiras
Carey e Shugart (1992, 1998) sugerem que, nas últimas décadas do
século XX, houve mudanças no funcionamento das democracias partidárias.
Entre elas, provavelmente a mais importante, é que as experiências
ininterruptas e cotidianas de governos democráticos por longos anos estão
deslocando para a arena governamental (o aparelho estatal), o locus de
legitimação e sustentação do sistema político.
A principal conseqüência desta realidade seria a ampliação das bases
de desenvolvimento das organizações partidárias
5
e dos grupos de interesses
antes limitados aos vínculos sociais tradicionais presentes na sociedade
civil, como, por exemplo, o movimento dos trabalhadores.
Nesta perspectiva, Meneguello (1998, p. 27) armou que o declínio
dos partidos no campo da representação, caracterizado pela incapacidade
crescente de criar vínculos sociais estreitos para canalizar demandas da
sociedade e representá-las junto à comunidade política, é recompensada
Estas novas bases para o desenvolvimento partidário seria a arena congressual (o parlamento) e a arena
governamental (burocracia estatal), além da clássica área partidária e eleitoral vinculada à sociedade civil.
Marcelo Fernandes de Oliveira
98 |
pelas relações entre partidos e Estados que tendem tanto a se tornarem locus
de sustentação e legitimação dessas organizações, quanto são indutores de
alterações de pers e, portanto, conduzem à redenição e à priorização das
suas funções. Segundo Meneguelo,
[...] O Estado adquiriu um papel crescente como elemento
regulador da vida e do funcionamento dos partidos e as experiências
de governo vêm ampliando as bases de seu desenvolvimento
organizacional através dos recursos políticos ali produzidos.
(MENEGUELLO, 1998, p. 27).
Meneguello (1998, p. 36) completa seu raciocínio armando que
Em linhas gerais, a participação de partidos na arena governamental
dene-se basicamente por uma dinâmica segundo a qual, através
da obtenção de cargos (ministérios), os partidos e os políticos
viabilizam a realização de suas políticas, entendidas como interesses
e necessidades de grupos organizados.
Geralmente, esses cargos cam com aqueles partidos com sustentação
eleitoral, que detém a maioria no Congresso Nacional, ocupando uma
posição de destaque no estabelecimento das bases prioritárias para a relação
entre os poderes Executivo e Legislativo (MENEGUELLO, 1998, p. 26).
No caso brasileiro, ainda segundo Meneguello (1998), esta situação
viria se caracterizando desde a abertura democrática, quando o PFL e o
PMDB e, mais tarde, o PSDB, o PTB e o PPB, passaram a conquistar
a maioria dos votos populares, o que os qualicavam para fazerem parte
do governo que, dirigido pelo poder Executivo, procurava distribuir
ministérios e cargos de segundo escalão entre os partidos aliados na coalizão
eleitoral vencedora, os quais, nesta posição possuíam maiores possibilidades
de terem seus projetos aprovados, impossibilitando assim, na maioria das
vezes, a ascensão de uma oposição efetiva no país.
Não cumprir tais regras custava caro ao poder Executivo.
Acarretava perda de sua sustentabilidade, podendo até mesmo chegar à
ingovernabilidade, como ocorreu com Fernando Collor de Mello, o único
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 99
e primeiro, até então, presidente brasileiro após a abertura democrática que
não soube compor sua base distribuindo cargos no governo.
Meneguello (1998) sustenta que todos os outros governos,
souberam construir suas bases a partir da distribuição de cargos conforme a
sustentação eleitoral de cada partido político. Portanto, Meneguello (1998,
p. 20), conclui que, ao invés de partidos fracos e débeis, como sustentam
Lima Jr. (1980) (1993) (1997), Sartori (1993) e Mainwaring (1991), entre
outros, os partidos brasileiros guram como agentes centrais do processo
democrático, são elementos necessários à organização e ao funcionamento
dos governos e retiram da dinâmica governamental recursos para o seu
desenvolvimento” em oposição as formas tradicionais.
Em outras palavras, os partidos políticos brasileiros até podem
ser débeis na articulação de interesses por meio dos vínculos sociais
tradicionais, mas nas outras arenas, como a governamental e a congressual,
eles são bastante ativos e articulados. Portanto, são peças fundamentais do
sistema e das instituições políticas democráticas brasileiras.
Figueiredo e Limongi (1995, 1999), ao tratarem da nova ordem
constitucional brasileira, sugerem que há uma continuidade legal entre o
regime autoritário e o regime democrático no país. Isto porque, segundo
eles, os poderes Legislativos obtidos pelo poder Executivo ao longo do
regime autoritário não foram revogados. Logo,
[...] o poder Executivo, em razão dos poderes Legislativos que
possui, comanda o processo Legislativo e, dessa forma, mina o
próprio fortalecimento do congresso como poder autônomo. O
resultado é a atroa do próprio Legislativo e a predominância do
Executivo, principal legislador de jure e de fato. (FIGUEIREDO;
LIMONGI, 1995, p. 175).
Além disso, “[...], o Congresso se revela disposto a facilitar a
tramitação das matérias presidenciais e, sobretudo, a remover possíveis
obstáculos à ação presidencial” (FIGUEIREDO; LIMONGI, 1995,
p. 176), o que culminava em um círculo vicioso pelo qual o Executivo
tornava-se capaz de ditar o conteúdo, o tempo e o ritmo dos trabalhos no
Marcelo Fernandes de Oliveira
100 |
âmbito do Legislativo, que rejeitava muito mais suas próprias matérias do
que as do Executivo.
Esta situação decorria, em grande medida, graças à garantia
constitucional que o poder Executivo possuía de editar e reeditar decretos-
leis - as Medidas Provisórias
6
-, que lhe garantia independência do “...
Legislativo para que atos legislativos de sua autoria entrem em vigor
(FIGUEIREDO; LIMONGI, 1995, p. 178), bem como da organização
interna dos trabalhos legislativos, dominada pela mesa diretora da casa
e do Colégio de Líderes. Além disso, em áreas especícas, era garantida
a exclusividade ao Poder Executivo para legislar
7
, como, por exemplo, a
questão do orçamento
8
.
Retomando a questão dos poderes institucionais abordada por
Milner (1997), sobre a necessidade de se entender os meios pelos quais
Executivo e Legislativo se relacionam, no caso brasileiro, cabe destacar o
poder da Medida Provisória possuído pelo Executivo. Esse poder permite
legislar e determinar agenda.
No tocante à organização interna dos trabalhos legislativos, o
regimento interno da Câmara dos Deputados conferia ao Colégio de
Líderes o papel de auxiliar a mesa diretora. Nesta função, este colegiado,
e o presidente da mesa, elaboravam a agenda com a previsão das matérias
a serem apreciadas. E era de acordo com essa agenda que o presidente
designava a ordem do dia (BRASIL, 2000, artigo 17).
Isto ocorria porque as manifestações dos líderes dos partidos no
Colégio de Líderes eram consideradas como manifestações da sua bancada,
o que proporcionava a eles posição privilegiada para inuenciar a direção
dos trabalhos Legislativos. O que faziam efetivamente por meio do recurso
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com
força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado
extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.
Parágrafo único. As medidas provisórias perderão ecácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no
prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas
delas decorrentes” (BRASIL, 1988, art. 62).
 Artigo 61 e artigo 84, inciso III e XXVI.
Sem dúvida alguma, além desses citados, há muitos outros fatores que potencializa esta situação. Porém, na
nossa opinião estes são os principais.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 101
de urgência e “urgência urgentíssima”, que alterava o uxo ordinário das
matérias. “Em termos práticos, a aprovação da solicitação de urgência
signica que a matéria é retirada da comissão e incluída na ordem do dia
para apreciação do plenário” (FIGUEIREDO; LIMONGI, 1995, p. 179).
Dessa maneira, “Através de um recurso excepcional, o Colégio de
Líderes deve cuidar para que as demandas administrativas dos poderes
Executivo e Judiciário sejam atendidas” (FIGUEIREDO; LIMONGI,
1997, p. 196). Pode-se dizer que ele cumpria devidamente esta função.
Como conseqüência,
[...] o Executivo dene a agenda do Legislativo e determina o
conteúdo da produção legal. O Congresso mostra-se incapaz de
levar adiante sua própria agenda. A agenda do Executivo segue
uma rota excepcional e passa em tramitação urgente, enquanto
a agenda do Legislativo segue a via das comissões e do poder
terminativo. Grande parte dela encontra a resistência do Senado.
(FIGUEIREDO; LIMONGI, 1997, p. 196).
Logo,
A iniciativa legislativa e a capacidade de controlar a agenda decisória
se concentram inteiramente nas mãos do Executivo e do Colégio
de Líderes. O grosso do trabalho Legislativo efetivo passa a largo
da contribuição da maioria dos parlamentares. Não há, portanto,
incentivo para que participem. Tampouco se desenvolvem e se
institucionalizam as instâncias decisórias em que essa participação
poderia a vir ser mais efetiva, as Comissões. O círculo se fecha.
As expectativas se realizam e justicam a necessidade da
centralização e da delegação dos poderes Legislativos à presidência.
(FIGUEIREDO; LIMONGI, 1997, p. 200).
O poder de determinar agenda destacado por Milner (1997),
efetivamente concentrava-se no Executivo no caso brasileiro, outra
peculiaridade. Segundo Figueiredo e Limongi (1999), a forte e marcante
preponderância do Executivo sobre o Congresso era acompanhada da
disposição para cooperar deste último, que, geralmente, votava de maneira
Marcelo Fernandes de Oliveira
102 |
disciplinada, de acordo com a indicação e o encaminhamento das votações
por parte de seus líderes no Colégio de Líderes.
Esta última prerrogativa regimental era uma oportunidade assegurada
para que os líderes informassem publicamente como seus partidos deveriam
votar. “[...] Trata-se, a um só tempo, de um posicionamento ocial do
partido e uma orientação à bancada” (LIMONGI; FIGUEIREDO, 1995,
p. 501), que, em geral, seguiam as indicações da liderança.
Devido a isso, Figueiredo e Limongi (1999, p. 115) consideram que
existia uma clara interdependência entre a preponderância legislativa do
Executivo, o padrão centralizado de trabalhos legislativos e a disciplina
partidária, pela qual:
O Executivo domina o processo Legislativo porque tem poder de
agenda e esta agenda é processada e votada por um Poder Legislativo
organizado de forma altamente centralizada em torno de regras
que distribuem direitos parlamentares de acordo com princípios
partidários. No interior deste quadro institucional, o presidente
conta com os meios para induzir os parlamentares à cooperação.
Da mesma forma, parlamentares não encontram o arcabouço
institucional próprio para perseguir interesses particularistas. Ao
contrário, a melhor estratégia para a obtenção de recursos visando
retornos eleitorais é votar disciplinadamente.
Nesse sentido, armam que:
[...] o princípio adotado para a distribuição de direitos parlamentares
é partidário. Líderes, em questões de procedimento, representam
suas bancadas. A distribuição interna do poder em ambas as casas
é feita de acordo com princípios de proporcionalidade partidária,
como é o caso do centro de poder no interior do Legislativo: a Mesa
Diretora, cujos cargos são distribuídos pelos partidos de acordo com
a força de suas bancadas. A Presidência da Mesa cabe ao partido
majoritário. O Presidente da Mesa, como se sabe, dirige os trabalhos
do plenário e conta com amplos poderes para decidir questões
controversas. Da mesma forma, a composição das comissões técnicas
obedece ao princípio da proporcionalidade partidária e a distribuição
dos parlamentares pelas comissões é feita pelos líderes partidários.
(FIGUEIREDO; LIMONGI, 1997, p. 91).
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 103
Para completar, “A limitação à apresentação de emendas e seu
controle pelos líderes partidários tolhem a ação dos deputados, retirando-
lhes a possibilidade de perseguir com sucesso os interesses especícos de
seu eleitorado a partir de uma estratégia individual” (FIGUEIREDO;
LIMONGI, 1997, p. 93).
Enm, alinhados a Meneguello (1998), Figueiredo e Limongi (1995,
1997, 1999) concluem que os deputados comportavam-se no Congresso
de acordo com a posição adotada pelos seus partidos, os quais, em suas
atuações em plenário seguiam, um padrão ideológico bastante denido,
tornando claro suas identidades.
Ou seja, os partidos políticos brasileiros “apresentam uma faceta
parlamentar mais estruturada do que supõe a literatura” (FIGUEIREDO;
LIMONGI, 1997, p. 499). Apesar da legislação eleitoral e partidária
alimentar estratégias individualistas e antipartidárias, no Congresso não há
solo fértil para seus desenvolvimentos.
Portanto, os partidos políticos brasileiros podem parecer frágeis e
débeis na arena eleitoral, naquele período, mas na arena governamental
e congressual eram extremamente bem estruturados e possuíam força
política muito mais que se imaginava, sendo peças fundamentais da
democracia brasileira. Tudo isto proporcionado pelo conjunto do sistema
político democrático brasileiro, no qual, como vimos, apesar da legislação
partidária ser permissiva quanto ao comportamento dos parlamentares, a
legislação que regula a relação entre Executivo e Legislativo os obriga a
buscarem nos partidos suas sustentações.
3.3 – a delegação Na democracia Brasileira
Segundo Santos (2003, p. 191-92), na era FHC (1995-2002),
podia-se se resumir o sistema político democrático brasileiro como sendo
um presidencialismo de coalizão racionalizado, pelo qual
[...] o presidente organiza sua base de sustentação através da
distribuição de postos na estrutura do Executivo e verbas
orçamentárias aos grandes partidos, e estes garantem os votos
necessários à aprovação do programa de governo. A Constituição
Marcelo Fernandes de Oliveira
104 |
de 1988 dotou o presidente de inúmeros instrumentos de
intervenção nos trabalhos Legislativos, ao passo que no âmbito
interno do Legislativo, os líderes partidários tornaram-se capazes
de disciplinar o comportamento de seus membros no plenário.
Isto é, se o governo está disposto a negociar cargos e verbas em
troca de votos no parlamento por cargos e verbas, o presidente
sabe que tal pacto funcionará de forma aproximada ao estabelecido
inicialmente, vale dizer, o montante de cadeiras dos partidos aliados
será aproximadamente o montante de votos recebidos em favor das
propostas do seu interesse. (SANTOS, 2003, p. 191-92).
A gura 3 representa o presidencialismo de coalizão. A sociedade
vota tendo em perspectiva a agenda dos candidatos à presidência. Um
vez eleito, o presidente distribui cargos aos partidos políticos e os líderes
partidários, na medida em que estejam satisfeitos com a distribuição de
cargos e recursos, garantem a disciplina dos partidos para a concretização da
agenda do Executivo. Além disso, como vimos acima, o Executivo contava
com prerrogativas institucionais para conduzir a agenda legislativa do país.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 105
Pela sua importância na trajetória política do país, é importante
detalhar um pouco mais o presidencialismo de coalizão. O parlamentar
mediano optava por aglutinar-se aos seus pares de agremiação partidária e
votar disciplinadamente, contribuindo com a agenda do poder Executivo.
Em troca, esperava que seus líderes recebessem cargos e posições
privilegiadas no governo para angariarem recursos e distribuí-los para
sua base. Esperavam também receber como prêmio pela sua delidade a
aprovação dos seus projetos no orçamento da União para, obviamente,
estarem bem colocados junto ao eleitorado no momento da reeleição e
serem beneciados com cargos para seus apadrinhados no próprio governo.
Paralelamente, a concentração do processo de formulação e tomada
de decisões dos grandes problemas nacionais no Executivo protegia o
parlamentar mediano da obrigação de formular e decidir sobre medidas
impopulares. Portanto, era uma opção interessante para o legislador
mediano, pois atribuía ao Executivo o ônus da tomada de decisão.
[...] Do ponto de vista de senadores e deputados, a adoção de
políticas impopulares pela edição de medidas provisórias é a melhor
maneira de protegê-los dos humores da opinião pública. De fato,
a edição e subseqüente reedição de medidas provisórias livra os
congressistas de adotar medidas impopulares, mas essenciais para
as metas de ajuste scais do governo. (SANTOS, 2003, p. 19).
Enquanto o status quo permanecesse favorável, ou seja, as políticas
públicas coordenadas pelo governo, mesmo que seja via tramitação
legislativa alheia a sua capacidade de inuência, gerassem benefício difuso
para seus eleitores, o legislador mediano manteria seu apoio, servindo de
base para a agenda do Executivo e esperava sua recompensa pela disciplina
tanto em forma de liberação de recursos do orçamento para seus projetos e
em cargos no governo para seus apadrinhados. Porém,
[...] a maioria parlamentar (ou parte da mesma) considerará
'abusivo' o dispositivo de reedição de MPs [...] quando houver
diferenças signicativas de conteúdo nas políticas, entre os rumos
escolhidos pela Presidência e as preferências de toda ou parte da
base partidária, e/ou quando o Executivo se mostrar recalcitrante
em relação a demandas provenientes do Congresso para que
Marcelo Fernandes de Oliveira
106 |
sejam alterados os conteúdos de determinadas políticas. Quando
os componentes da coalizão têm uma orientação programática
comum - como no caso das privatizações no Congresso - o caminho
está desobstruído. (PALERMO, 2000, p. 25).
Quando não houvesse orientação programática comum, o oposto
também era verdadeiro: os legisladores obstruíam a agenda do Executivo.
Para tanto, mantinham sobre seu alcance na esfera do poder Legislativo
instrumentos institucionais que podiam ser ecazes no controle e na
vigilância das ações do poder Executivo e de sua burocracia para os casos
em que ele não cumprisse o prometido ou ainda estabelecesse políticas
públicas intoleráveis do ponto de vista da base de sustentação eleitoral
do parlamentar.
Neste último caso, a mesma disciplina partidária que garantia
a aprovação da agenda do Executivo tornava-se uma arma na mão dos
parlamentares que, dessa maneira, tinham capacidade efetiva de impor
perdas ao governo. Portanto, “[...] o comportamento coeso em uma
legenda comum é do interesse de cada deputado como forma de conferir
credibilidade a uma ameaça que, do contrário, não chegará a importunar
ator político tão poderoso quanto o presidente brasileiro” (SANTOS,
2003, p. 91).
No tocante ao acompanhamento das atividades do Executivo,
sobretudo para vericar se ele cumpre o desejo do corpo Legislativo que
delega seu poder ao mesmo por meio da permissão da concentração quase
plena da tramitação, produção e aprovação legislativa, havia na Constituição
Brasileira previsão de instrumentos institucionais, ainda pouco utilizados
na época, mas que podiam ser ecazes no sentido de garantir capacidade de
resposta, de controle, de vigilância e, principalmente, de responsabilização
(accountability), visando manter a representatividade das ações do poder
Executivo e da sua burocracia perante os legisladores e a população
que representam no atendimento das suas demandas, suas preferências,
mantendo, assim, intacto o espírito da delegação ao afastar a possibilidade
da abdicação.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 107
Vale ressaltar: a abdicação somente pode ser afastada e a delegação
mantida quando há interesse efetivo dos legisladores na construção de
mecanismos e instrumentos institucionais que vigiem, controlem e
regulem a ação do poder Executivo e sua burocracia na implementação das
políticas públicas.
Vamos demonstrar no capítulo seguinte que no caso da política
externa brasileira há claras tendências rumo à abdicação pela falta de
interesse Legislativo no tocante às negociações internacionais. Isso tende a
limitar o papel do poder Legislativo e da sociedade civil tal como sugerido
pelos teóricos do JDN, como vimos no capítulo anterior.
Um exemplo interessante da implementação desses instrumentos
institucionais é o estudo da prestação de contas do Banco Central do Brasil
ao Legislativo no tocante à questão da moeda, sobretudo após a dinâmica
da condução e os resultados da Comissão Parlamentar de Inquérito do
Sistema Financeiro ou CPI dos Bancos, como cou conhecida.
Segundo Santos e Patrício (2002), a motivação da instalação da
CPI dos Bancos foram as ssuras e tensões na base de sustentação do
segundo governo FHC, principalmente as disputas entre PFL e PMDB
e o descontentamento desse último com o tratamento dispensado pelo
presidente tanto na nomeação de nomes de partidos para cargos no
governo quanto com o corte de orçamento no Ministério dos Transportes.
“[...] Vale dizer, a CPI revelou tensões na base de sustentação do governo,
ao mesmo tempo em que foi organizada para não fugir ao controle desta
mesma base” (SANTOS, 2003, p. 199).
Isso ocorreu porque a Presidência da República não cumpriu o
prometido com o PMDB. A CPI emergiu então como instrumento
institucional de pressão dos legisladores descontentes sobre o presidente
em questão de delicado tratamento e fortes indícios de corrupção ativa da
burocracia do governo ligada à gestão monetária em benefício de alguns
bancos que compraram dólar do Banco Central antes da desvalorização no
início de 1999.
Além disso, tinha objetivo claro de contrapor a ideia de independência
do Banco Central que naquele período emergia como fundamental no
Marcelo Fernandes de Oliveira
108 |
núcleo duro do governo FHC para garantir credibilidade externa ao país
vis-à-vis os investidores internacionais. Pode-se armar então que, para além
dos interesses do PMDB, com a CPI dos Bancos, o Legislativo esperava
estabelecer mecanismos, marcos e instrumentos institucionais regulatórios
com o intuito de controlar a ação independente do poder Executivo
em matéria de moeda, até então conduzida por meio do insulamento
burocrático do Banco Central.
Nessa perspectiva, podemos considerar que os resultados da CPI
dos Bancos acabaram sendo positivos para ambos os poderes Executivo
e Legislativo. Por um lado, foi reconhecida a necessidade da delegação de
poderes ao Banco Central para o tratamento e condução macroeconômica
do país, principalmente em relação à moeda, visto sua agilidade e vantagem
informacional nessa questão. E, por outro, além da CAE (Comissão
de Assuntos Econômicos), que tem o papel permanente de scalizar o
Banco Central, os legisladores utilizaram uma forma alternativa para isso:
a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). O relator indicou ainda a
falta de provas de venda de informação privilegiada do Banco Central
aos bancos Marka e Fontecindan, mas apontou irregularidades no Proer,
solicitou auditoria no banco no caso da Encol e pediu enquadramento
civil e criminal de Francisco Lopes, ex-presidente do Banco Central no
episódio, de Salvatore Cacciola e controladores do Fontecindan.
Em certas ocasiões, a CPI, de um mecanismo de controle,
pode transformar-se em um mecanismo de vingança do Legislativo,
principalmente da oposição, contra um Executivo que descumprir
suas promessas de distribuição de cargos e recursos. No caso do Banco
Central, o objetivo da CPI comandada pelo PMDB foi mais impor perdas
ao Executivo do que a busca pelo bem público do país. Caso o PMDB
estivesse satisfeito, as irregularidades não teriam vindo à tona.
Apesar disso, o resultado mais signicativo da CPI foi o
reconhecimento da falta de transparência do Banco Central, acentuada
pela sua lentidão em repassar informações e na “[...] responsabilização nal
dos envolvidos com atos ilícitos” (SANTOS, 2003, p. 202). Nessa direção,
a solução negociada permitiu ao Executivo manter
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 109
[...] a autonomia do Banco Central e da decisão sobre os objetivos
da política monetária, em troca de mais procedimentos formais de
prestação de contas [...]. Enm, o governo continuou com apoio
para denir a política monetária, invariavelmente voltada para a
estabilidade da moeda e os legisladores criaram mais alternativas
para promoverem o re alarm. (SANTOS, 2003, p. 2002).
O re alarm é uma das maneiras de scalização utilizada pelo corpo
Legislativo sobre as agências do Executivo. Ao invés de manter a vigilância
sistemática sobre a burocracia (police patrol), os legisladores se esforçam
somente quando é demandado pelos grupos de interesses e eleitores que
se sentem ameaçados pelas políticas públicas do governo, por meio de
ações semelhantes ao acionar de um alarme de incêndio (MCCUBBINS;
SCHWARTZ, 1984).
Em outras palavras, o resultado da CPI dos Bancos levou à
ampliação de mecanismos e instrumentos institucionais à vigilância e, por
conseguinte, a responsabilização (accountability) dos atos do governo via
Banco Central nas questões macroeconômicas, especicamente no tocante
a moeda no Brasil, disponíveis nas mãos do poder Legislativo que, por
isto, teve mais opções, tais como o acompanhamento das atividades do
Banco Central pela página de internet criada por esse, visando aumentar
o grau de transparência da sua política, a ampliação tanto do número
de audiências públicas nas diversas comissões do Congresso, nas quais o
diretor do Banco Central é obrigado a dar explicações sobre a condução da
política monetária, quanto das consultas do Executivo sobre as preferências
do Legislativo nessa matéria, além de outras.
Portanto, pode-se concluir que os legisladores passaram a ter melhores
condições para scalizar e vigiar o governo. Para ampliar o controle da
prestação de contas do Banco Central do Brasil no presidencialismo de
coalização racionalizado, ex-ante e ex-post. Visto o alto interesse de grupos
de interesses e eleitores nestas matérias graças ao fato da moeda e da
inação gerar custos distributivos negativos. Além disso, conforme o grau
de pressão dos grupos de interesses e dos eleitores não deve ser descartada
a possibilidade de haver no Congresso, paralelamente à CAE, o aumento
Marcelo Fernandes de Oliveira
110 |
do controle de tipo police patrol com a consolidação de mecanismos
e instrumentos institucionais permanentes nessa questão. No caso da
política externa brasileira esses mecanismos são inexistentes. É sobre isso
que trataremos no próximo capítulo.
Em síntese, como pudemos observar na visão de Meneguello (1998),
Figueiredo e Limongi (1995, 1997, 1999) e Santos (2003), os partidos
políticos podiam parecer frágeis e débeis, mas na realidade são bem
estruturados e possuem força política muito maior do que se imagina. Além
disso, “[...] guram como agentes centrais do processo democrático, [e] são
elementos necessários à organização e ao funcionamento dos governos e
retiram da dinâmica governamental recursos para o seu desenvolvimento
(MENEGUELLO, 1998).
De fato, por um lado, os partidos políticos são frágeis e débeis, pois
cumprem mal sua função democrática de agregar interesses da sociedade,
não se sentem responsáveis perante o eleitorado nem são capazes de tomar
iniciativa de propor políticas necessárias ao reordenamento socieconômico
do país” (CASTRO SANTOS, 1997, p. 340). Isto implica em coligações
partidárias de suporte governamental voláteis. Entretanto, por outro lado,
as lideranças partidárias são fundamentais para que o Executivo tivesse
o domínio do processo Legislativo, determinasse a agenda do Congresso
e detivesse a iniciativa dos projetos relevantes para o reordenamento
socioeconômico do país.
Isso ocorria devido ao seu poder de agenda que cumpria papel
decisivo ao diminuir o tempo de tramitação das propostas com pedido de
urgência, para evitar a entrada no processo Legislativo de projetos de lei
inaceitáveis, para redenir onde os projetos seriam analisados via criação
de comissões especiais, para garantir prerrogativa exclusiva de iniciativa
do Executivo na área orçamentária e scal e, nalmente, para evitar que
o Congresso lidasse com questões difíceis através da edição de Medidas
Provisórias.
Conforme abordou Milner (1997), em sua discussão sobre os cinco
poderes institucionais que mediam as relações entre Executivo e Legislativo,
os poderes que esses atores possuem, bem como sua força e sua seqüência
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 111
institucional de utilização, são importantes variáveis a serem observadas.
No próximo capítulo analisaremos a importância desses poderes para as
relações internacionais do país, principalmente em negociações comerciais
internacionais.
Mas, para tanto, o poder Executivo contava ainda com o auxílio
do Colégio de Líderes que, entre outros, possuia regimentalmente o
papel de conduzir os trabalhos Legislativos junto com a Mesa Diretora
da Câmara dos Deputados, bem como orientava as bancadas partidárias
no momento das votações. São estas prerrogativas do Colégio de Líderes
que proporcionavam às lideranças no âmbito do Congresso Nacional um
meio ecaz para impor aos parlamentares tanto a linha ideológica quanto
a forma de atuação de suas respectivas bancadas partidárias. Por meio
dessas prerrogativas, a liderança controlava e decidia quais projetos eram
examinados na Câmara.
Assim, atuar em desacordo com a liderança da bancada partidária
signicava que o parlamentar nunca teria a possibilidade de ver um projeto
seu apreciado pelo Congresso e muito menos seria agraciado com cargo no
governo. Logo, não teria condições nenhuma de representar seus eleitores
e estaria mal posicionado durante a busca pela reeleição.
Isto porque, como vimos, o Congresso trabalhava muito mais na
aprovação dos projetos propostos pelo poder Executivo, sobrando-lhe
muito pouco tempo para apreciar seus próprios projetos. E quando isto
ocorre, geralmente, se examinam os projetos dos parlamentares que fazem
parte da liderança e daqueles que compunham a cúpula da bancada e que
concentravam um poder maior de inuência e/ou que já conheciam o
processo de encaminhamento de projetos na burocracia interna.
No caso da maioria dos parlamentares – o baixo clero - eles tendiam
a seguir majoritariamente a indicação de seus líderes, votando de acordo
com sua bancada na esperança de que isso viesse a beneciá-los mais tarde
com uma possível aprovação de algum projeto seu ou algum convite para
a ocupação de algum cargo no governo.
Portanto, pode-se armar que enquanto as políticas públicas
conduzidas pelo governo gerarem benefício aos eleitores do legislador
Marcelo Fernandes de Oliveira
112 |
mediano, ele manteria apoio, servindo de base à agenda do Executivo.
Contudo, caso o Executivo não cumprisse os acordos, a mesma disciplina
para a aprovação da sua agenda poderia se voltar contra ele.
Isso desencadeava, como vimos no exemplo do Banco Central, uma
série de novas articulações no âmbito do poder Legislativo, que tinham como
princípio central ampliar os pontos de vetos sobre as políticas conduzidas
pelo governo, dicultando a agenda de aprovação de projetos do Executivo
e criando mecanismos e instrumentos institucionais alternativos ex-ante e
ex-post para o controle, a vigilância e, principalmente, a responsabilização
(accountability) das ações do poder Executivo e da sua burocracia perante
os legisladores e a população que representam, recuperando, dessa maneira,
o espírito da delegação de poderes.
Dessa maneira, o Congresso passava a ter ao seu alcance por meio das
instituições políticas democráticas, mesmo delegando poder, a possibilidade
ampliada de inuenciar a agenda do governo em favor da estrutura de
preferência domésticas do país, ou seja, dos interesses da sociedade, em um
contexto informacional ampliado, no qual a mídia exercia ampla cobertura
das matérias em discussão.
O resultado dessa dinâmica, pela qual o Legislativo criava
mecanismos institucionais para controlar e responsabilizar as ações do
Executivo, poderia dar sinal verde à implementação da agenda do próprio
Executivo e, simultaneamente, se traduzir em maior transparência das
políticas públicas a serem adotadas no país. De modo que os parceiros
internacionais pudessem acompanhar o desenvolvimento das mesmas e
avaliar as condições e as possibilidades de negociar acordos internacionais
com o Brasil. O desencadeamento constante dessa lógica na sociedade
brasileira tenderia a ter efeitos benécos ao gerar credibilidade externa a
partir de um contexto de estabilidade democrática interno.
Contudo, no caso da política externa brasileira, a estrutura
de preferências doméstica, geralmente, não é canalizada pelos atores
políticos relevantes e, muito menos processadas pelas instituições políticas
democráticas em um contexto informacional ampliado. Isso ocorre devido,
simultaneamente, ao baixo apelo eleitoral das questões internacionais
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 113
e ao insulamento burocrático da sua formulação nas agências do poder
Executivo, principalmente, o Ministério das Relações Exteriores, da
Fazenda, Banco Central e Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior.
Como resultado, há uma ausência acentuada de mecanismos e
instrumentos institucionais ecazes de responsabilização; e quando existem,
são ex-post, como veremos no próximo capítulo. Isso signica que a política
externa no Brasil não é resultado da construção de consensos prévios sobre
as matérias em discussão. “[...] Com isto os formuladores e operadores
da política externa brasileira se favorecem de um conjunto de fatores
que, ao m e ao cabo, lhe concedem o atributo da representatividade sem,
entretanto, tornarem-se objeto de efetiva responsabilização por intermédio
do Congresso” (PINHEIRO, 2002, p. 5).
No próximo capítulo trataremos dessa problemática visando
entender quais as conseqüências delas à estabilidade interna e à credibilidade
internacional da política externa brasileira durante as negociações
comerciais internacionais que o país tem participado.
114 |
| 115
caPítulo 4
A     : 
    
O Congresso Nacional, através de suas Comissões competentes e
de missões especialmente designadas para esse m, acompanhará
de perto o andamento das negociações comerciais e, de acordo com
os dispositivos regimentais, avaliará seus resultados parciais e nais,
inclusive através da convocação de membros do Poder Executivo e de
Audiências com especialistas e representantes de setores da economia
diretamente interessados nas negociações, de modo a facilitar a
tomada da decisão no art. 2º retro. A avaliação aqui estipulada far-
se-á obrigatoriamente antes da rma de quaisquer acordos, ainda que
setoriais, que nalizem negociações. (BRASIL, 2003).
iNtrodução
Diversos estudiosos indicam que há uma ausência acentuada de
mecanismos e instrumentos institucionais ecazes para a responsabilização
dos formuladores da política externa brasileira, ou, quando existem, são
ex-post. Isso signica que a política externa no Brasil não é resultado da
construção de consensos prévios sobre as matérias em discussão. Ou seja,
a delegação de poder realizada pelo Legislativo brasileiro em favor do
Executivo deixa de ser efetiva na medida em que não se desenvolveu formas
de acompanhamento e responsabilização da política externa formulada e
Marcelo Fernandes de Oliveira
116 |
implementada com exclusividade pelo poder Executivo e suas agências
burocráticas.
Neste capítulo, trataremos dessa problemática visando entender quais
as suas conseqüências à estabilidade interna e credibilidade internacional da
política externa brasileira durante as negociações comerciais internacionais
na era FHC (1995-2002).
4.1 – coNstituição, coNgresso e Política exterNa
O Congresso brasileiro historicamente é comedido nas discussões
de negociações comerciais internacionais e na formulação da política
externa brasileira, limitando-se, na maioria das vezes, apenas a aprovar e,
muito esporadicamente em rejeitar tratados e atos internacionais. Durante
os fóruns das grandes negociações comerciais internacionais “a presença
de parlamentares se resume, quase sempre, à condição de observadores
(GAZETA MERCANTIL, 2003, p. A3), apesar da Constituição de 1988
assegurar um equilíbrio nas atribuições do Congresso Nacional e do poder
Executivo nas questões relacionadas às relações internacionais do país.
Nesta direção, o artigo 84 da Constituição Brasileira estabelece que
compete privativamente ao Executivo, na “manter relações com Estados
estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos” (inciso VII) e
celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo
do Congresso Nacional” (inciso VIII). Cabe ainda celebrar a paz, declarar
a guerra e autorizar que forças estrangeiras permaneçam ou transitem
pelo território brasileiro com a autorização do Legislativo (incisos XIX,
XX e XXII). Já o artigo 49, inciso I, atribui competência exclusiva ao
Congresso para “resolver denitivamente sobre tratados, acordos ou atos
internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional” (BRASIL, 1988).
O poder Executivo exerce sua função constitucional em política
externa atribuindo ao Ministério das Relações Exteriores (MRE), órgão da
administração direta à responsabilidade e competência pela condução de
todas as questões internacionais do país, tais como política internacional;
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 117
relações diplomáticas e serviços consulares; participação nas negociações
comerciais, econômicas, técnicas e culturais com governos e entidades
estrangeiras; programas de cooperação internacional e de promoção
comercial; e apoio a delegações, comitivas e representações brasileiras em
agências e organismos internacionais e multilaterais.
O papel do MRE é “[...] auxiliar o Presidente da República na
formulação da política exterior do Brasil, assegurar sua execução e manter
relações com Estados estrangeiros, organismos e organizações internacionais
(BRASIL, 2003)”.
O processo de tomada de decisões em política externa no Brasil
concentra-se no MRE, ao qual cabe “[...] a denição do problema, a
identicação das alternativas, decisão e implementação, cando nas mãos
do Congresso apenas a deliberação sobre a decisão e a adesão (ou não
adesão) (PINHEIRO, 2002, p. 5)”, ou seja, a prerrogativa inalienável da
raticação ou do veto ex post.
Rezek (2003) demonstra esse processo de interação Executivo-
Legislativo no tocante a formulação da política externa brasileira,
salientando o papel central desempenhado pelo MRE. Segundo o Ministro:
A remessa de todo tratado ao Congresso Nacional, para que
o examine e, se assim julgar conveniente, aprove, faz-se por
mensagem do Presidente da República, acompanhada do inteiro
teor do projetado compromisso, e da exposição de motivos que a
ele, Presidente, terá endereçado o Ministro das Relações Exteriores.
Esta mensagem é capeada por um aviso do ministro chefe do
Gabinete Civil ao primeiro secretário da Câmara dos Deputados
— visto que, tal como nos projetos de lei de iniciativa do governo,
ali, e não no Senado, tem curso inicial o procedimento relativo aos
tratados internacionais.
A matéria é discutida e votada, separadamente, primeiro na
Câmara, depois no Senado. A aprovação do Congresso implica,
nesse contexto, a aprovação de uma e outra das suas duas casas [...].
Tanto a Câmara quanto o Senado possuem comissões especializadas
ratione materiae, cujos estudos e pareceres precedem a votação em
plenário. O exame do tratado internacional costuma envolver,
numa e noutra casa, pelo menos duas das respectivas comissões:
Marcelo Fernandes de Oliveira
118 |
a de Relações Exteriores e a de Constituição e Justiça. O tema
convencional determinará, em cada caso, o parecer de comissões
outras, como as de nanças, economia, indústria e comércio,
segurança nacional, minas e energia. A votação em plenário requer
o quorum comum de presenças — a maioria absoluta do número
total de deputados, ou de senadores —, devendo manifestar-se
em favor do tratado a maioria absoluta dos presentes. [...]. Os
regimentos internos da Câmara e do Senado se referem, em normas
diversas, à tramitação interior dos compromissos internacionais,
disciplinando seu trânsito pelo Congresso Nacional.
O êxito na Câmara e, em seguida, no Senado, signica que o
compromisso foi aprovado pelo Congresso Nacional. Incumbe
formalizar essa decisão do parlamento, e sua forma, no Brasil
contemporâneo, é a de um decreto Legislativo, promulgado pelo
presidente do Senado Federal, que o faz publicar no Diário Ocial
da União.
O decreto Legislativo exprime unicamente a aprovação. Não se
promulga esse diploma quando o Congresso rejeita o tratado,
caso em que cabe apenas a comunicação, mediante mensagem, ao
Presidente da República. (REZEK, 2003, p. 34).
No processo de tramitação, trânsito e aprovação nal dos
compromissos internacionais no Congresso Nacional, muitas vezes, é
utilizado o recurso do poder terminativo ou conclusivo das comissões, ou
seja, muito raramente o projeto do Executivo vai a plenário. E quando vai,
praticamente, toda a votação é realizada pela via simbólica, sem grandes
discussões a seu respeito.
O poder terminativo ou conclusivo é o poder que as comissões da
Câmara e do Senado têm de, em certas matérias, atuar em substituição
ao plenário da Casa a que pertencem (art. 58 par. 2o., I, da CF). Nos
casos previstos no Regimento Interno, o projeto de lei pode ser votado e
aprovado pela comissão sem necessidade de ir para votação em plenário. Na
Câmara, essa prerrogativa é chamada poder conclusivo, e no Senado, poder
terminativo. Contudo, se houver recurso de um décimo dos membros da
Casa, inexoravelmente a matéria terá de ser remetida para plenário.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 119
Vale acrescentar que “[...]. Exemplos de desaprovação repontam com
extrema raridade na história constitucional do Brasil [...]” e, em particular,
Rezek não se lembra de rejeição de acordo internacional rmado pelo
Executivo por parte do Legislativo após a Constituição de 88 (REZEK,
2003, p. 34). Além disso, acrescenta que após todo o processo Legislativo e
aprovação do Congresso Nacional o Executivo possui ainda a prerrogativa
nal de veto ou sanção da nova lei.
Além disso, o Executivo possui os amplos poderes de agenda, como
vimos no capítulo 3, que lhe permite, deliberar sobre o assunto de forma
autônoma em parceria com suas agências burocráticas, caracterizando uma
situação na qual
[...]. O Congresso deixou de ser o locus decisório e de debates,
dando lugar a negociações entre líderes governistas e ministros
e técnicos da alta burocracia governamental. Com isto perdeu a
capacidade deliberativa, estreitando o espaço de debate público,
reduzindo a visibilidade das decisões políticas e o acesso dos
cidadãos a informações sobre políticas públicas. (FIGUEIREDO;
LIMONGI; VALENTE, 2000, p. 51).
Em política externa, Pinheiro (2002, p. 7) arma que essa dinâmica
é mais saliente, pois “[...] o poder Executivo [...] ca garantido [tanto]
pelos instrumentos institucionais que lhe garantem o controle de agenda
e do processo Legislativo” quanto pelo consenso de que a política externa
demandaria concentração de poder para o alcance de uma política pública
equilibrada e el aos interesses nacionais, como veremos adiante.
Para Lúcio Alcântara (2001), esse papel de mero raticador ex-post
desempenhado pelo Congresso Nacional em assuntos internacionais –
apesar dos poderes que lhe foram outorgados pelos artigos da Constituição
citados, acima, – deve-se a “óbvias razões de ordem prática”, pois “não seria
possível a um país aprovar emendas a um tratado internacional negociado
em âmbito multilateral”. Porque “tal prática, se adotada por todos os
Estados contratantes, haveria de gerar um completo caos na convivência
internacional, tornando impossível, do ponto de vista prático, qualquer
previsibilidade quanto à raticação ou modicação de textos acordados
Marcelo Fernandes de Oliveira
120 |
ao longo de inúmeras reuniões e muitas vezes difíceis negociações
(ALCÂNTARA, 2001, p. 14).
Desprende-se do raciocínio acima que a melhor opção política
para o Congresso Nacional em matéria de assuntos internacionais é
aprovar, sem mais delongas, a agenda externa do poder Executivo,
proporcionando-lhe ampla liberdade de ação abdicando, inclusive, de
mecanismos e instrumentos institucionais que se adotados poderiam
servir tanto como sinalizadores dos interesses de grupos sócio-econômicos
brasileiros quanto como mandato legitimado democraticamente para a
ação internacional do Estado.
Nesta conguração, o Legislativo deve ser apêndice do Executivo
em assuntos internacionais. A delegação de poder aproxima-se da
abdicação, gerando graves prejuízos à sociedade brasileira (SOARES DE
LIMA; SANTOS, 2001). A justicativa para aceitar este status quo é a tão
propalada peculiaridade da política externa, que exigiria o insulamento
burocrático para: a) solução e “[...] freio aos excessos distributivistas
de corporações e localidades”; b) criação de níveis elevados de expertise
devido as vantagens informacionais do agente do Executivo para tratar
do assunto ausentes no legislador mediano, gerando, como decorrência
c) estabilidade de decisões que não haveria caso parlamentares pudessem
usar a legislação interna contra a comunidade internacional em favor
das suas bases eleitorais, desencadeando, dessa maneira, retaliação dos
parceiros internacionais (SOARES DE LIMA; SANTOS, 2001, p. 121-
22; SANTOS, 2003, p. 143-44).
Portanto, como vimos em Alcântara (2001), é preferível que o
Legislativo não exerça seu papel de representação de grupos de interesses
que constituem sua base eleitoral nem sua função de checks and balance
junto ao Executivo em política externa para evitar comprometimentos das
posições adotadas pelo país na arena internacional.
Neste arranjo político-institucional, o uso do argumento do dissenso
doméstico como poder de barganha internacional, como vimos no capítulo
2, é totalmente inviabilizado no caso brasileiro.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 121
Isto quer dizer que as posições do presidente, de iniciador da
política, e a do Congresso, de mero raticar ex post facto, geram
um equilíbrio em que o legislador mediano é obrigado a acatar
as políticas negociadas pelo Executivo em fóruns internacionais,
a despeito de estarem para além da sua curva de indiferença.
Acreditamos que desta forma ca claro o motivo pelo qual a atual
conguração institucional do processo decisório da política [...]
exterior caracteriza uma situação mais próxima da abdicação do
que da delegação de autoridade. (SOARES DE LIMA; SANTOS,
2001, p. 132-33; SANTOS, 2003, p. 154-55).
Paralelamente a essa tendência à abdicação é notório que, graças aos
custos distributivos gerados pelo aumento da diluição entre a dimensão
doméstica e internacional, como vimos na Parte I desse livro, grupos de
interesse prejudicados pela abertura e que constituem parte da base eleitoral
de muitos congressistas passaram, crescentemente, a gerar demandas de
proteção dos seus interesses. Como efeito, segundo Alcântara (2001), isso
ampliou na era FHC (1995-2002)
A presença de parlamentares nos foros negociadores, como
observadores, e a atuação das Comissões de Relações Exteriores
de ambas as Casas do Congresso Nacional de forma pró-ativa no
que tange às conferências agendadas pelas Nações Unidas e outros
órgãos internacionais [elevando, desse modo a] [...] visibilidade
[...] [do] processo decisório internacional. [...], caberia, a partir de
agora, uma ativa participação do Parlamento brasileiro, por meio
da realização de debates e audiências públicas. Isso deveria ser
feito com a presença de representantes do MRE, das universidades
e da sociedade civil, no sentido de melhor explorar os meios
mais oportunos. Dessas reuniões, que possibilitariam o exame
e a discussão do tema em pauta, poderiam resultar propostas e
recomendações ao Itamaraty, com vistas a subsidiar a posição
brasileira nas negociações [internacionais] [...]. (ALCÂNTARA,
2001, p. 20).
Em uma perspectiva mais analítica, Alcântara (2001) está
reproduzindo na práxis do seu cotidiano como parlamentar questão
Marcelo Fernandes de Oliveira
122 |
apontada por Soares de Lima (2000, p. 297) no Brasil: como alcançar
equilíbrio entre os recursos de autoridade e de representação necessários
para que se obtenha credibilidade junto aos parceiros internacionais do
Brasil e quais mecanismos e instrumentos institucionais seriam mais
adequados à modernização das instituições decisórias da política externa
brasileira?
Uma solução razoável, que não levaria a geração de custos pela
anulação ou modicação de acordos internacionais já negociados, seria o
controle das negociações ex-ante, como veremos adiante.
4.2 – custos da aBdicação: a dificuldade em gerar
crediBilidade iNterNacioNal
A tendência à abdicação do Legislativo em prol do Executivo e suas
agências burocráticas tem como conseqüência imediata o insulamento
burocrático e a concentração quase absoluta de poder na formulação
da política externa brasileira. Esta situação gera esvaziamento do poder
Legislativo como pólo de geração e discussão de políticas públicas que
atendam as demandas da sociedade civil brasileira e debilita a função de
ser fonte de equilíbrio via sistema de checks and balances ao Executivo em
assuntos internacionais.
Neste quadro, resta aos grupos de interesses atingidos negativamente
pelas negociações internacionais a organização e a mobilização para, de
alguma maneira, buscar alterar os efeitos negativos da política externa
comercial adotada (MORAVCSIK, 1994). Sem intermediação legislativa, a
pressão é exercida diretamente sobre as agências burocráticas do Executivo,
que graças à ausência de instrumentos e mecanismos de responsabilização
vertical e/ou horizontal, acabam sendo mais suscetíveis a atender essas
demandas com custos mínimos para si mesma vis-à-vis os legisladores.
Os policy outcomes esperados desse processo são: “[...] a) uma política
distante do ponto ideal do legislador mediano; b) instabilidade das decisões
ditadas pelo jogo de pressões intraburocráticas; [...] c) favorecimento a
grupos e setores especícos sem qualquer forma de controle horizontal ou
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 123
vertical” (SOARES DE LIMA; SANTOS, 2001, p. 164-65; SANTOS,
2003, p. 155-56) e d) a falta de transparência no processo democrático.
O poder de agenda e de iniciação de qualquer política na arena
internacional do Executivo brasileiro na era FHC garantia-lhe, em relação
ao legislador mediano, ampla margem de manobra, pois acabava afastando
o Congresso Nacional das grandes decisões. E quando o Congresso buscava
participar, o ônus era insuportável porque sua participação se traduzia em
rompimento de acordos internacionais com conseqüências, sobretudo
retaliações externas, prejudiciais para o conjunto do país.
Este dilema é auto-explicativo de como o Executivo adotava
política externa distante do ponto ideal do legislador mediano sem
sofrer nenhum constrangimento. Um caso que ilustra essa realidade foi
a ameaça do Congresso Nacional de vetar a cessão por parte do governo
FHC de uma base em Alcântara para os Estados Unidos. Imediatamente,
o governo norte-americano acenou com a possibilidade de retaliações na
agenda comercial. Isso foi suciente para que o Legislativo recuasse da sua
posição e aderisse ao acordo internacional. Para que as perdas não fossem
desmoralizantes, houve uma mudança na posição do Executivo brasileiro
e do governo norte-americano: a cessão da base cou condicionada ao uso
especicamente civil, para lançamento de satélites sem ns militares.
Enm, ao encapsular a distribuição doméstica e internacional da
informação, ou seja, diminuir a transparência do processo democrático
de tomada de decisões em política externa, gerava-se quase que
automaticamente uma elevação da desconança internacional e diminuía
a possibilidade de atores domésticos de seus parceiros fazerem seus cálculos
estratégicos sobre bases mais conáveis.
Embora não seja factível antecipar todos os resultados e
comportamentos dos outros atores em uma democracia, a transparência na
formulação da política externa, como vimos no capítulo 2, tende a permitir
a geração de um processo de conança mútua no sentido da cooperação e a
falta da conança o oposto, depondo contra a credibilidade internacional
do Estado devido sua instabilidade política-institucional doméstica.
Marcelo Fernandes de Oliveira
124 |
Além disso, a falta de transparência permite a possibilidade de que
haja favorecimentos a grupos e setores especícos em assuntos de política
externa que sem qualquer forma de controle horizontal e/ou vertical podem
se traduzir em prejuízos contínuos para a sociedade brasileira, como, por
exemplo, níveis mais elevados de preços internos pelo bloqueio, via tarifa
de importação, de produtos de maior qualidade e menor preço existentes
na comunidade internacional.
Na conguração institucional da era FHC isso ocorria dependendo
apenas da capacidade de inuência dos grupos e setores especícos
sobre as agências burocráticas. O exemplo das relações entre burocracia
federal e o ICONE (Instituto de Estudos do Comércio e das Negociações
Internacionais), como veremos no capítulo 6, ilustra essa questão. O
ICONE representava o setor agrícola brasileiro nas negociações comerciais
internacionais e auxiliou e elaborou ativamente o posicionamento do
MRE nos contenciosos da OMC contra os Estados Unidos e a União
Européia. Segundo Jank (2004), presidente da instituição: “a gente
participou de todo o processo de preparação do posicionamento que
depois foi o posicionamento do chamado ‘G20’, o grupo dos países em
desenvolvimento”.
Essa capacidade de inuenciar as agências burocráticas por parte dos
atores domésticos combinada à ausência de instrumentos e mecanismos
institucionais que garantissem a existência de freios e contrapesos entre
Executivo e Legislativo, bem como a responsabilização das agências
burocráticas na democracia brasileira, tendia a gerar uma lógica de mudanças
em questões de política externa que tinha como resultado negativo a
“instabilidade de decisões ditada pelo jogo de pressões intraburocráticas
e de grupos de interesse com maior capacidade de mobilização (SOARES
DE LIMA; SANTOS, 2001, p. 164; SANTOS, 2003, p. 155). Em outras
palavras, era alto o custo do desenho institucional da delegação que acabava
gerando a abdicação em questões de política externa no Brasil.
Conseqüentemente, por um lado, era dicultada a possibilidade
de geração de credibilidade internacional do Brasil que estava à mercê da
burocracia do poder Executivo vulnerável, como vimos, a todo tipo de
pressão de grupos de interesses com acesso aos corredores do Palácio do
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 125
Planalto, onde a existência de freios e contrapesos é praticamente ausente.
Isso indicava a necessidade da elaboração de mecanismos e instrumentos
institucionais por parte do poder Legislativo que tenham como função
retomar seu papel de freios e contrapesos ao Executivo, aperfeiçoando
o presidencialismo brasileiro, assim como serviria de fonte geradora de
credibilidade internacional ao país.
Por outro lado, essa peculiaridade era interpretada por outros
parceiros internacionais como uma possibilidade de extrair ganhos
superiores junto aos negociadores internacionais brasileiros, já que eles não
sofriam quase nenhum constrangimento institucional para a aprovação de
acordos internacionais ou mudar suas posições originais.
Esta situação prevalece ainda hoje, 20 anos depois do m da era FHC.
No governo Bolsonaro, os equívocos na formulação e na implementação
da política externa brasileira deixou ainda mais evidente as consequências
malécas deste quadro institucional.
4.3 – em Busca de soluções à situação
Nos últimos anos da era FHC, o MRE buscou ampliar a credibilidade
internacional do processo de formulação da política externa do Brasil com
a entrada de Celso Lafer na função de ministro. Em seu discurso de posse,
Lafer (2001) adiantou que teria em sua gestão a tarefa de aprofundar
[...] os canais de interação entre o Itamaraty e os diversos atores
da vida nacional – Legislativo, os partidos políticos, a mídia, os
estados que integram a federação, os sindicatos, os empresários
e suas associações, as universidades e o mundo intelectual, as
organizações não-governamentais […]. (LAFER, 2001).
Este seria o ponto de partida à tradução das necessidades internas
em possibilidades externas por meio do estabelecimento de mecanismos
permanentes de consultas com os atores domésticos, tornando a política
externa brasileira mais legítima perante a sociedade civil e os parceiros
internacionais, ampliando assim a credibilidade internacional do país.
Marcelo Fernandes de Oliveira
126 |
O discurso de Lafer expressava a preocupação do Itamaraty em
legitimar suas ações e corroborava com o aumento da demanda por
participação de grupos de interesses e setoriais que, por sua vez, tendiam
a acionar seus representantes no Parlamento para que os mesmos
interviessem em seu benefício na formulação da política externa brasileira.
O texto de Alcântara expressava o aumento do interesse dos parlamentares
em participar das discussões em torno das questões internacionais.
Além disso, naquele período histórico, observamos as seguintes
propostas de alterações legislativas: a Proposta de Plebiscito de participação
do Brasil na ALCA (PDC 852/01 do deputado Henrique Fontana – PT; o
PDL 071/01 do senador Saturnino Brito – PSB; das Propostas de Emenda
à Constituição que alteram as atribuições do poder Legislativo em política
de comércio internacional (PEC 345/01 do deputado Aloísio Mercadante
– PT – e PEC 052/01 do senador Roberto Requião – PMDB); e, por m,
o Projeto de Lei 189/03 do senador Eduardo Suplicy – PT que tinha como
proposta criar um TPA à brasileira como o existente nos Estados Unidos.
Todas essas propostas de alteração legislativa em tramitação, à época,
tinham como objetivo central ampliar a participação do poder Legislativos
na formulação e implementação da política externa brasileira vis-à-vis o
quadro de abdicação ao Executivo. Cabe salientar que as propostas vinham
da oposição ao governo FHC e tinham como pretensão evitar negociações
internacionais indesejáveis, principalmente o avanço das tratativas em
relação a implementação da ALCA – Área de Livre Comércio das Américas.
A resposta do Itamaraty a esse aumento de interesse da sociedade
civil e, por conseqüência, dos legisladores em assuntos externos ocorreu
por meio da criação tanto de espaços de discussão no âmbito da sua
estrutura burocrática, como, por exemplo, SENALCA (Seção Nacional
de Coordenação dos Assuntos Relativos à ALCA), CEPI (Conselho
Empresarial Permanente do Itamaraty), SENEUROPA (Seção Nacional
para as Negociações MERCOSUL - União Européia), GICI (Grupo
Interministerial de Trabalho sobre Comércio Internacional de Mercadorias
e de Serviços), e na SNM (Seção Nacional do MERCOSUL), etc., quanto
à abertura de unidades descentralizadas denominadas Escritórios Regionais
de Representação nas regiões mais importantes do país que conta com a
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 127
Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares, assim como
também o aumento da interação entre a diplomacia e as ONG’s.
Estas iniciativas representaram um grande avanço no sentido da
elaboração de mecanismos e instrumentos institucionais capazes de criar
responsabilização sobre o Itamaraty no tocante à formulação da política
exterior do Brasil. Entretanto, eram limitadas. Por exemplo, o SENALCA
era composto por representantes de vários setores da sociedade civil
brasileira
1
escolhidos para participarem como interlocutores pelo próprio
Itamaraty nos temas relacionados a ALCA. Não havia “[...] critérios claros
ou explícitos para denir esta participação; o convite para as reuniões resulta
de avaliações subjetivas, por parte do Ministério das Relações Exteriores,
sobre quais ONGs estariam mais envolvidas no processo” (MELLO, 2000,
p. 12). O mesmo ocorria no CEPI, na SENEUROPA e na SNM. No caso
do GICI havia uma atuação conjunta do Itamaraty com outras agências
burocráticas do governo, indicando a necessidade de relacionamento
estatal intra-burocrático para calibrar a posição brasileira nas negociações
internacionais do período, principalmente as comerciais..
Sobre os Escritórios Regionais e a Assessoria Especial de Assuntos
Federativos e Parlamentares, a maior preocupação era, em primeiro
lugar, acompanhar a ação internacional de estados e municípios, zelando
para que ocorram no marco constitucional estabelecido, sem romper
com o monopólio do Itamaraty. Inclusive se enfatizava que esses atores
subnacionais têm legitimidade para formular e implementar ações de
paradiplomacia” diferente da diplomacia tradicional. Subsidiariamente,
competia ainda a Assessoria Especial
I - promover a articulação entre o Ministério e o Congresso Nacional
e providenciar o atendimento às consultas e aos requerimentos
formulados; II - promover a articulação entre o Ministério e os
Governos estaduais e municipais, e as Assembléias estaduais e
municipais, com o objetivo de assessorá-los em suas iniciativas
externas e providenciar o atendimento às consultas formuladas;
e III - realizar outras atividades determinadas pelo Ministro de
Estado. (BRASIL, 2003, Art. 5).
1
Entre eles, o empresariado (sobretudo dos setores industrial e do agribusiness), agências burocráticas do Poder
Executivo, pouquíssimos parlamentares, e menos ainda pesquisadores e setores acadêmicos, além da CUT,
FASE, INESC, CEDEC, CNI, FIESP, etc.
Marcelo Fernandes de Oliveira
128 |
Na mesma lógica sugerida acima, a Assessoria Especial cumpria a
função de responder às demandas dos parlamentares e do Congresso a
respeito dos temas da agenda internacional e como, crescentemente, normas
internas repercutiam no relacionamento externo do País e vice-versa,
cabendo “[...] ainda ao Itamaraty a tarefa de subsidiar constantemente o
trabalho da Câmara e Senado, enquadrando discussões tópicas no contexto
de nossa inserção internacional” (BARROS, 1999, p. 8).
Em outras palavras, o Itamaraty estava ainda inuenciando o
trabalho da Câmara e do Senado indicando o que poderia ou não ser alvo
de alteração legislativa diante dos compromissos internacionais do Brasil.
E respondia também “[...] a solicitações pontuais, feitas por parlamentares
com base em comunicações recebidas de eleitores, associações prossionais
e outros núcleos de organização comunitária” (BARROS, 1999, p. 9). Isto
porque a transparência em seu diálogo com a sociedade devia incorporar o
relacionamento com os representantes legítimos da população.
Vale notar que esse “avanço” institucional do Itamaraty em relação aos
novos temas da agenda internacional ocorreu para propiciar a interlocução
com os atores da sociedade civil internacional, sobretudo ONG’s, a
partir de um caráter estratégico e permanente que “[...] deve privilegiar
o relacionamento com os programas nacionais cujo desenho e execução
representam uma convergência de esforços de Governo e sociedade em
torno de uma agenda comum de iniciativas internas que dão cumprimento
a compromissos assumidos no plano internacional” (OLIVEIRA, M. D.,
1999, p. 134).
Ou seja, enquanto não houvesse diferenças entre Governo e
sociedade civil no Brasil, o Itamaraty deveria estabelecer e aprofundar “[...]
parcerias substantivas e pontuais com ONG’s [...], caso a caso, em função
de sua reconhecida competência temática e capacidade operacional
(OLIVEIRA, M. D., 1999, p. 135), utilizando-se da sua contribuição
técnica e substantiva durante o processo de discussão e formulação das
posições brasileiras nos fóruns internacionais, em áreas que na maioria das
vezes o Itamaraty não possui quadros qualicados. Entretanto, “[...] não
aparece oportuna, neste momento, a estruturação de instâncias mais formais
e permanentes de representação da sociedade civil junto ao Ministério das
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 129
Relações Exteriores. [...]. Não é preciso trazer as ONGs ‘para dentro’ do
Itamaraty para se trabalhar com elas [...]” (OLIVEIRA, 1999, p. 139).
O diálogo com as ONG’s era produtivo na medida em que elas
contribuíssem com informações especializadas e qualicadas para o
processo de elaboração de consenso em casos especícos, como, por
exemplo, veremos no capítulo 5, sobre a questão da quebra de patentes
na OMC e tomada de posições do país a serem defendidas nos fóruns
internacionais, informações muitas vezes ausentes no Itamaraty.
Porém, as ONGs não possuíam o acesso a canais institucionais
efetivos para sua representatividade e possibilidade de vigilância e cobrança
em uma lógica de aprofundamento de responsabilização da diplomacia
brasileira na formulação e na implementação da política externa. A mesma
lógica era estendida à participação parlamentas nas questões internacionais
do país.
Como veremos, no capítulo 5, no caso das patentes, isso ocorreu no
bojo do Ministério da Saúde, o qual, no jogo intra-burocrático conduziu
o MRE a defender suas posições na OMC. No caso das negociações do
Mercosul a questão foi mais grave ainda, pois o Itamaraty dominou quase
todas as esferas de tomada de decisões. Em resumo:
[...] as decisões no Mercosul tendem a ocorrer por meio da
interação entre os três órgãos institucionais com capacidade
decisória: o CMC, o GMC e a CCM. Em última instância quem
decide é o CMC. Para isso ele recebe as informações necessárias do
GMC, que é o órgão Executivo do Mercosul criado para conduzir
o cotidiano da integração regional. Nesta função é auxiliado
pela CCM, que cuida das questões comerciais, principalmente
da TEC (Tarifa Externa Comum), a qual é imprescindível
para se alcançar um mercado comum. A CPC possui um papel
propositivo no Mercosul, exercido através de Recomendações, que
são encaminhadas por intermédio do GMC ao CMC, as quais
nos últimos anos tem crescido bastante. O FCES desempenha
a função de dar representatividade à sociedade civil dos países-
membros do Mercosul e manifesta-se mediante Recomendações ao
GMC e a SAM, enquanto burocracia, oferece o apoio operacional
necessário para o funcionamento do Mercosul, responsabilizando-
Marcelo Fernandes de Oliveira
130 |
se pela prestação de serviços aos seus demais órgãos. Nesta lógica
de tomada de decisões, os rumos do processo integracionista são
estabelecidos exclusivamente pelos poderes Executivos e suas
respectivas burocracias nacionais de cada país membro. Não há
efetivamente a possibilidade institucional de participação e atuação
dos atores políticos nem da sociedade civil na integração regional,
os quais também não tem se mobilizado nesse sentido, excetuando
o caso daqueles setores afetados negativamente. (OLIVEIRA, M.
F., 2003, p. 109-110).
A maioria das decisões tomadas no Mercosul a partir da concentração
do processo decisório nas mãos dos Executivos nacionais e, no Brasil,
sobretudo do Itamaraty são “[...] internalizadas por via de portarias
ministeriais, de tal forma que o centro de decisões é transferido, por vezes,
para um foro intergovernamental, com prejuízo da competência legislativa
do Congresso Nacional, que sequer tem a possibilidade de acompanhar
todos estes processos decisórios que se desenrolam nos múltiplos foros
negociadores deste acordo” (ALCÂNTARA, 2001, p. 16).
Em resumo, o Itamaraty, de maneira bastante sosticada, até
conseguiu responder aos auspícios de representatividade de parte das
demandas da sociedade civil brasileira e do Congresso Nacional naquele
momento histórico, como podemos observar nas experiências relatadas
acima. Entretanto, manteve intacta sua autonomia na formulação, na
condução e na implementação da política externa brasileira graças a falta
de instrumentos e mecanismos institucionais mais efetivos que garantam
sua responsabilização.
As instituições, como demonstramos no capítulo 2, ao analisarmos
o paradigma liberal, atuam como variáveis intervenientes. Favorecem as
preferências de parte concentrada do Executivo, preterindo em muitos
casos aquilo que deveria ser a fonte da política externa: as preferências da
sociedade brasileira. Sociedade essa que se diz ser democrática, mas que
não possui vetores adequados de representatividade e responsabilização em
matéria de negociações comerciais internacionais no Parlamento.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 131
Em outras palavras, o desenvolvimento das práticas citadas acima
possibilitava, por um lado, um certo grau de abertura e representatividade
às demandas da sociedade civil e do parlamento, ensejando o início de
um processo de descentralização da formulação da política externa. Porém,
por outro lado, essas mesmas práticas se caracterizaram por um excesso
de controle exercido pelo Itamaraty sobre elas que tendeu a selecionar os
atores que irão fazer parte do diálogo, bem como da agenda a ser tratada
em busca do alcance de um suposto consenso sobre as posições a serem
adotadas pelo país nas negociações comerciais internacionais.
Além disso, há representantes da sociedade civil que armavam
que nessas reuniões iam muito mais para ouvir do que efetivamente
contribuir. Por exemplo, Camargo Neto, empresário do agrobusiness e um
dos principais artíces dos contenciosos do algodão e do açúcar, um ator já
privilegiado pelo MRE na interlocução com a sociedade civil, demonstrou,
na época, insatisfação com o padrão de relacionamento ao armar em
seminário realizado na Fiesp que as reuniões com o setor privado, sequer
possuíam ata.
Aparentemente, a representatividade parecia ser ampliada, até mesmo
forjada por essas iniciativas. Entretanto, na medida em que mantinha-
se a ausência de instrumentos e mecanismos institucionais formais de
responsabilização (accountability) sob controle do poder Legislativo, que
teria a função de checks and balances, e da sociedade civil brasileira, o poder
Executivo, na gura do Itamaraty, continuava exercendo com bastante
autonomia a formulação e a execução da política exterior brasileira
(PINHEIRO, 2002, p. 11).
Como vimos até aqui, os custos desta conguração institucional
geraram resultados políticos inecientes para o conjunto da sociedade
brasileira. A combinação do insulamento burocrático e da ausência de
mecanismos de responsabilização permitiu aos agentes tomadores de
decisões responderem positivamente às demandas dos grupos de interesse e
setoriais sem sofrerem altos custos. Por exemplo, no contencioso do algodão
na OMC, a sociedade civil deu apoio ao Itamaraty, inclusive nanceiro.
O país obteve resultado positivo, entretanto, a diplomacia recuou no
Marcelo Fernandes de Oliveira
132 |
posicionamento original sendo contrária aos interesses da sociedade e da
bancada ruralista no Congresso.
A ausência de instituições políticas no país que disciplinasse a ação
externa da diplomacia no caso da vitória no contencioso do algodão
desmobilizou a sociedade e a bancada ruralista, fragilizando assim o dissenso
e a estabilidade interna tão necessária à credibilidade internacional do país
durante as negociações comerciais internacionais. E, principalmente, a
força do poder Executivo na defesa dos interesses do país.
A participação ex-ante da sociedade e do parlamento pode até elevar
o tempo das negociações, mas certamente proporciona ampla estabilidade
interna após a tomada de decisões que dicilmente será alterada em função
dos pontos de veto criados por sistemas fragmentados e democráticos
(MANSFIELD; HENISZ, 2004).
Este padrão institucional proporciona maior legitimidade à ação
do Executivo na arena internacional, que poderá realizar as negociações
diminuindo signicativamente a possibilidade de veto ex post, na ocasião
do processo de raticação pelo Congresso, pois a própria sociedade
participando da formulação de demandas e limites das concessões a serem
representadas pelo negociador.
Ao mudar o posicionamento internacional no contencioso do
algodão na OMC, a diplomacia da era FHC poderia ter sofrido uma
derrota na raticação do acordo, minando sua credibilidade internacional.
Esta situação só não se concretizou porque o governo FHC estava no m
e a emergência do PT no governo federal alterou a dinâmica estratégica
das negociações comerciais internacionais do país diante do novo cenário
internacional.
O desarranjo institucional ex post que deixou insatisfeito a sociedade
civil e a bancada ruralista no âmbito doméstico poderia também ter gerado
um descrédito internacional à diplomacia brasileira. Simultaneamente,
o MRE perdeu a possibilidade do uso das dissensões internas como
capacidade institucional de veto para usar em favor do país durante o
processo negociador. Ou seja, as dissensões domésticas deixaram de ampliar
o poder de barganha do país nos contenciosos agrícolas
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 133
Em resumo, o poder Executivo usou na era FHC a sociedade civil
e o parlamento instrumentalmente nas negociações comerciais na OMC.
O Itamaraty acenava que a voz da sociedade civil brasileira e dos seus
representantes legislativos se expressavam por meios democráticos para
não deixar negociações internacionais avançarem. Mas, quando o próprio
Executivo achava que estrategicamente era razoável ferir esses interesses,
fez isto sem cerimônias e receios de vetos ex post, visto o amplo poder de
agenda legislativa que possui no sistema político brasileiro.
A democratização do processo de formulação da política externa
brasileira só interessava quando era meio para beneciar a própria estratégia
do poder Executivo nas negociações comerciais internacionais. Quando,
na verdade, deveria ter como m o aperfeiçoamento da democracia
brasileira e a tradução dos interesses domésticos nas relações internacionais
intermediado pelo poder Legislativo.
O modelo de delegação do Legislativo ao Executivo em questões
de negociações comerciais internacionais dos Estados Unidos é uma fonte
de análise para reetirmos e propormos algo similar no Brasil. Visto que,
mesmo depois de duas décadas, a engenhosidade institucional brasileira
continua igual.
4.4 – o exemPlo Norte-americaNo como guia ao Brasil
Nos Estados Unidos, as questões de comércio internacional têm
importância decisiva desde a independência, ou mesmo antes, quando
os Federalistas perceberam sua importância, tendo Hamilton, em 1787,
discutido seu signicado, relacionando–o à importância da criação de um
grande Estado nacional. Seu artigo intitulado A utilidade da União no
tocante ao comércio e à Marinha (HAMILTON, 1993) demonstra como o
comércio internacional poderia tornar–se instrumento de poder na busca
do espaço mundial que, naquela fase, apenas os europeus detinham.
Para os norte–americanos, a perseguição desse objetivo foi e tem
sido uma constante na sua história com respaldo da sua sociedade civil
por meio de seus representantes no Parlamento. Por isso, o papel relevante
Marcelo Fernandes de Oliveira
134 |
desempenhado por ele garantido pela Constituição por meio do artigo I,
Seção VIII, cláusula 3, no qual se lê que a função do Capitólio é regular
o comércio com as nações estrangeiras...” e, portanto, acompanhar as
negociações comerciais internacionais que os Estados Unidos participam
(VIGEVANI; OLIVEIRA; LIMA; MENDONÇA, 2005).
Entretanto, membros do Executivo e do Legislativo consideraram
que seria impossível que os Estados Unidos possuíssem credibilidade
internacional se o seu representante nas negociações internacionais fosse
o Congresso, uma instituição com interesses difusos e suscetível ao
paroquialismo político. Assim, formou-se consenso entre os dois poderes
de que o Executivo deveria negociar e o Congresso raticar.
Todavia, a formulação da posição negociadora e o andamento das
negociações deveriam conter a participação da sociedade civil organizada
e de congressistas. Quando as barreiras não-tarifárias emergiram como
grande tema das negociações comerciais multilaterais na década de 1970,
envolvendo, portanto questões de política doméstica como compras
governamentais e subsídios, pela delicadeza da matéria e sua relação com
as questões de poder, foi criado o fast track (via rápida), denominado Trade
Promotion Authority (TPA) em 2002.
Criou-se, dessa maneira, um mecanismo institucional pelo qual o
Capitólio permite ao Poder Executivo, por um período limitado, poderes
determinados para negociar acordos comerciais, com o compromisso
do Legislativo de aprová-los ou rejeitá-los sem direito a fazer emendas
(EMBAIXADA DO BRASIL EM WASHINGTON, 2002; VIGEVANI;
OLIVEIRA; LIMA; MENDONÇA, 2005).
Na verdade, a TPA é um mandato negociador no qual o Legislativo
declara os interesses a serem concretizados pelo poder Executivo em
um contexto informacional caracterizado por grande transparência
democrática e, simultaneamente, delimita o que pode ou não ser
negociado. Isso proporciona legitimidade ao poder Executivo, maior
segurança de aprovação do acordo comercial pelo Congresso aos parceiros,
evitando, dessa maneira a imprevisibilidade de decisões, ampliando,
portanto, a estabilidade institucional doméstica geradora de credibilidade
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 135
internacional e maior poder de barganha para os Estados Unidos durante
as negociações comerciais internacionais (EMBAIXADA DO BRASIL
EM WASHINGTON, 2002). Tudo aquilo que falta à realidade brasileira.
Segundo o “Guia sobre a TPA” da Câmara de Comércio Americana
no Brasil, a
TPA é necessária porque permite que os países que negociam com
os Estados Unidos tenham conança de que um acordo alcançado
com a administração não será modicado pelo Congresso. Portanto,
a maioria dos países se recusa negociar acordos de comércio com os
EUA sem a garantia que a TPA provê. Isto signica que a aprovação
da TPA é essencial para assegurar progressos nas negociações da
Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e na Organização
Mundial de Comércio (OMC). (BRAZIL-U.S. BUSINESS
COUNCIL, 2002, p. 4).
Ao analisar a TPA percebemos que ela cumpria exatamente sua função
de delegar poder ao Executivo para a defesa dos interesses do país e de
maneira rigorosa possibilita ao Legislativo cumprir sua função de checks and
balances no presidencialismo estadunidense, criando amplos mecanismos e
instrumentos institucionais de responsabilização
2
mediante novas exigências
de consultas e relatórios antes, durante e depois das negociações e durante
a implementação interna dos acordos internacionais que cumprem o papel
de monitorar e conduzir os negociadores a obedecerem os limites impostos
pelo Capitólio. A TPA impede ainda acordos que alterem a legislação
antidumping dos Estados Unidos. Negociações relacionadas a inúmeros
produtos sensíveis” (inclusive agrícolas) também são proibidas.
No Brasil, o comércio internacional ganhou novas dimensões e
tornou-se essencial na política externa da era FHC para o desenvolvimento
econômico e social do país. Em determinando momento do seu governo
Fernando Henrique Cardoso armou que a opção brasileira era “exportar
Os mecanismos e instrumentos institucionais de responsabilização na TPA foram divididos da seguinte
maneira: “[...] (a) regulares com todos os Comitês do Senado e da Câmara com jurisdição sobre matérias em
negociação (assessores e congressistas); (b) especiais para produtos sensíveis; (c) para produtos agrícolas; (d) para
produtos têxteis; (e) para produtos de pesca (f) sobre defesa comercial; e (g) com o Grupo de Monitoramento
Parlamentar (Congressional Oversight Group- COG).” (EMBAIXADA BRASILEIRA EM WASHINGTON,
2002, p. 15-18).
Marcelo Fernandes de Oliveira
136 |
ou morrer”. Nesta situação, o estabelecimento de acordos internacionais
que abram novos mercados era primordial à concretização dos interesses
brasileiros. E o Congresso deveria ter papel ativo na escolha do que seria
melhor para o país, mas não tinha e ainda não tem.
Como nos Estados Unidos, deveria ser imperativo que o Congresso
dispusesse de mecanismos e instrumentos institucionais que lhe permitisse
tanto legitimar por meio de estabilidade institucional doméstica o
governo em negociações comerciais internacionais, quanto cumprir seu
papel de checks and balances no presidencialismo brasileiro, garantindo a
possibilidade de responsabilização dos agentes burocráticos do Executivo
na formulação da política exterior do país.
Em outras palavras, o papel do Congresso deve ser alterado e o
mesmo deveria exercer o que lhe confere o Artigo 84, inciso VIII, da
Constituição, de referendar, ou não, os acordos celebrados. Ou seja, os
legisladores brasileiros deveriam criar um TPA à brasileira para legitimar o
governo nas negociações comerciais internacionais, protegendo assim tanto
os negociadores internacionais de constrangimentos e pressões indevidas na
mesa negociadora, quanto à sociedade civil e o poder Legislativo brasileiro.
A miríade de propostas de criação de um TPA à brasileira por parte
da oposição política no governo FHC tinha este objetivo. E todas elas
estavam no caminho correto, mesmo que na caminhada legislativa tivessem
sido sepultadas na era Lula (2002-2010).
Isso porque, caso fosse aprovada, essa legislação preterida,
simultaneamente, proporcionaria ao Parlamento cumprir sua função
em matéria de política externa, exercendo o papel de freio e contrapeso,
aprimorando o presidencialismo brasileiro e tornado-o junto com suas
burocracias mais representativo e responsivo na formulação da política
externa. De certo modo, isso já ocorre em outras políticas públicas, como,
por exemplo, no caso do Banco Central.
O TPA à brasileira também funcionaria como fonte legitimadora do
negociador brasileiro vis-à-vis seus parceiros internacionais ao demonstrar
que as decisões e os interesses em jogo durante os acordos emergem à luz
do dia, longe do jogo intra-burocrático que gera instabilidade institucional,
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 137
em um contexto informacional de plena transparência, caracterizado pela
estabilidade doméstica geradora de credibilidade internacional ao garantir
segurança ao mundo de que o que vier a ser acordo será rigorosamente
cumprido pelo país.
Na Parte III buscaremos demonstrar a discussão realizada até
aqui por meio da sua demonstração empírica em três estudos de caso:
o contencioso das patentes dos remédios, do algodão e do açúcar nas
negociações da OMC.
138 |
Parte iii
O B  
  OMC
  FHC
| 141
caPítulo 5
O  B  E U
     OMC
A disputa acerca das patentes entre Brasil e Estados Unidos foi uma
questão de grande relevância social e econômica. O governo brasileiro se
opôs à indústria farmacêutica, sobretudo aos laboratórios estadunidenses,
quando demandou o direito de “passar por cima” (override) da exclusividade
de comercialização e/ou produção de medicamentos produzidos por esses
laboratórios, usados no tratamento de AIDS.
Utilizando-se do argumento de que o bem-estar público deveria
prevalecer sobre o lucro, o Brasil defendeu sua posição. A disputa teve
início quando os Estados Unidos alegaram que o Brasil desrespeitava o
TRIPS devido ao artigo 68 da Lei 9279/96, que previa a possibilidade do
uso de licença compulsória em casos de emergência a saúde pública.
Em 2000, o Brasil foi inserido na Special 301 Watch List, acusado
de ser “desrespeitador de patentes” (patent-miscreant). Em 30 de maio
de 2000, os Estados Unidos entraram com pedido de consultas junto ao
governo brasileiro na OMC. Não satisfeitos com a resposta brasileira, em
9 de Janeiro de 2001, entraram com pedido de estabelecimento de um
panel no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, apresentando a
mesma queixa e armando que as consultas não trouxeram os resultados
esperados, tampouco a solução para o conito.
Marcelo Fernandes de Oliveira
142 |
Em junho de 2001, após diversas reuniões, negociações e consultas,
os países chegaram a um acordo que foi considerado uma “vitória” pela
diplomacia brasileira. Os Estados Unidos admitiram a possibilidade
de quebra de patentes em questões de saúde pública de países em
desenvolvimento.
Por que o Brasil sagrou-se vitorioso na OMC nesse contencioso das
patentes contra os Estados Unidos?
5.1 - estrutura doméstica e Posição Negociadora dos estados
uNidos
A ameaça brasileira de permitir que laboratórios nacionais
produzissem medicamentos genéricos patenteados por laboratórios
estadunidenses a preços mais baixos foi percebida pelas indústrias
farmacêuticas internacionais como uma prática que poderia reduzir seus
lucros no Brasil.
Além disso, essas indústrias temiam que esta prática se espalhasse
pelo mundo em desenvolvimento, colocando em risco o que se chama
de “super prots
1
”. Para proteger seus interesses, a indústria farmacêutica
estadunidense usou sua inuência junto ao governo, que foi demandado a
neutralizar, por meio de ação formal na OMC, a ameaça de congelamento
de preços e a competição por meio de cópias mais baratas de seus remédios
pelos genéricos brasileiros.
Em grande medida, devido aos recursos nanceiros doados por esta
indústria às campanhas políticas do Partido Republicano, os parlamentares
e os indivíduos ligados ao poder Executivo puseram-se favoráveis às
políticas condizentes com os interesses da indústria farmacêutica.
First they serve as pressure groups who, through their ability to
contribute campaign funds and mobilize voters, directly shape
the preferences of the executive and the legislature; that is, the
preferences of interest groups often have a signicant bearing on
political actors’ policy preferences. (MILNER, 1997, p. 60).
BORGER (2001) arma que a indústria farmacêutica é a mais lucrativa dos Estados Unidos, com uma taxa de
retorno de investimento maior que 2 vezes a média norte-americana. Sendo, portanto, com grande margem de
vantagem, a mais lucrativa grande indústria dos Estados Unidos.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 143
O win-set ou “estrutura de ganhos” reivindicava aos negociadores
estadunidenses que as leis de patente fossem mantidas e que não fosse
permitido ao Brasil produzir medicamentos sob o mecanismo da licença
compulsória. Embora existissem alguns grupos (ONGs ligadas a direitos
humanos e saúde pública, bem como governos de outros Estados) que
clamavam pela prevalência das necessidades das populações em detrimento
do lucro, estes não tinham a capacidade de transformar suas demandas em
política pública.
A força da indústria farmacêutica dos Estados Unidos em inuenciar
o governo deriva da sua contribuição substantiva para o Produto Interno
Bruto (PIB), mas também porque este setor industrial doou mais de US$
26 milhões para a campanha presidencial do Partido Republicano no ano
2000.
O Partido Republicano recebeu 69% de todas as doações a
campanhas políticas realizadas por esta indústria e elegeu, à época, o então
candidato George W. Bush (CENTER FOR RESPONSIVE POLITICS,
2000). Esta era a principal razão da indústria farmacêutica ser capaz de
persuadir o governo e ver suas demandas traduzidas em políticas.
Figura 4 - Pharmaceuticals/Health Products Top Contributors
Election cycle: 2000
Total contributions: $26,707,861
Fonte:
CENTER FOR RESPONSIVE POLITICS (2000).
Marcelo Fernandes de Oliveira
144 |
Although ultimately voters elect political leaders (directly or
indirectly), special interests can be an enormous help to leaders. ey
can produce contributions, votes, campaign organization, media
attention, and so on, all of which may make the dierence between a
winning and a losing campaign. (MILNER, 1997, p. 35).
A pressão exercida pela indústria farmacêutica teve resultados
concretos quando a OMC estabeleceu um panel, informando as
autoridades brasileiras sobre a queixa dos Estados Unidos. Esta queixa
ocorreu no mesmo dia em que foi decretado pelo Ministério da Saúde do
Brasil o congelamento dos preços dos medicamentos para o tratamento
de HIV/AIDS. A medida do governo brasileiro visava forçar as indústrias
detentoras de patentes a diminuir os seus preços. Do contrário, o artifício
da licença compulsória previsto no artigo 68 da Lei 9279/96 seria colocado
em prática.
Segundo os negociadores estadunidenses isso seria incompatível com
as obrigações impostas pelo TRIPS. Isso porque o artigo teria sido criado
para obrigar que os detentores de patentes fabricassem suas invenções
em território brasileiro (OFFICE OF THE UNITED STATES TRADE
REPRESENTATIVE, 2001a).
Logo, o Brasil estava discriminando produtos estadunidenses por
meio de sua lei de propriedade intelectual e isso signicava violação do
TRIPS. Conseqüentemente, os Estados Unidos se sentiram compelidos a
apresentar queixa formal na OMC, requisitando o estabelecimento de um
panel pelo Órgão de Solução de Controvérsias
2
(OSC).
Em comunicado ocial do USTR, os Estados Unidos salientaram
que as situações sob as quais as patentes podem ser compulsoriamente
licenciadas não estava sendo questionadas e o motivo de crise de saúde
pública era tido como legítimo. A inconsistência com o TRIPS residia no
“On 30 May 2000, the United States requested consultations with the Government of Brazil pursuant to
Article 4 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU) and
Article 64 of the TRIPS Agreement [...] regarding the above measure (WT/DS199/1). e United States
and Brazil then held consultations in Geneva on June 29 2000 and on December 2000 but failed to reach a
mutually satisfactory resolution of the dispute. Accordingly, the United States respectfully requests that a panel
be established pursuant to Article 6 of the DSU and Article 64 of the TRIPS Agreement.” (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DO COMÉRCIO, 2001a).
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 145
fato de haver um “requerimento de produção local” (local manufacturing
requirement), armando ainda que a lei de patentes do Brasil foi formulada
para obrigar os detentores de patentes a produzir suas invenções no país
(OFFICE OF THE UNITED STATES TRADE REPRESENTATIVE,
2001a).
Em episódio anterior relacionado, quando houve uma tentativa do
Poder Executivo dos Estados Unidos de proteger os interesses da indústria
farmacêutica no Brasil, o país foi incluído na Super 301 Watch List em
1996. A Super 301 Watch List é uma medida unilateral autorizada pela
Legislação dos Estados Unidos que permite o USTR investigar países
suspeitos de violar interesses estadunidenses relacionados a patentes.
Caso um país seja considerado um violador ele pode ser colocado
na Super 301 Watch List, ou, mais severamente, o USTR pode recomendar
que o país seja retaliado. As retaliações ocorrem sob a forma de restrições
às importações advindas do país alvo, por meio de aumento de impostos,
barreiras tarifárias e não tarifárias e até a suspensão de benefícios do Sistema
Geral de Preferências (SGP).
Outro exemplo de canais de comunicação entre a sociedade e o
governo estadunidense é o fato de que cidadãos ou empresas privadas
podem solicitar juntamente ao USTR o início de uma investigação 301.
Nos Estados Unidos, há um canal institucionalizado através do qual a
sociedade civil pode solicitar que o governo atue no nível internacional
para preservar os interesses de atores domésticos. Além disso, o fato de
que as indústrias podem interagir diretamente com o governo aumenta as
chances de um resultado satisfatório aos grupos de interesse. Como vimos,
no capítulo 4, isto não ocorre no Brasil.
É preciso lembrar que a burocracia nunca é neutra. É, em muitos
casos, suscetível a pressões de políticos, de outras burocracias e do setor
privado. Nos EUA, por exemplo, Drope e Hansen (2004) encontram
evidências de grupos de interesses que contribuem com mais recursos para
campanhas têm maiores possibilidades de terem demandas atendidas.
O USTR é parte do Poder Executivo norte-americano. Concentra-
se nas políticas referentes ao comércio internacional e busca garantir os
Marcelo Fernandes de Oliveira
146 |
interesses comerciais estadunidenses ao redor do globo. Seus mecanismos
são complexos e muitos fatores inuenciam suas decisões. O USTR tem
sido bem sucedido em disputas comerciais e é parte do motivo pelo qual
os Estados Unidos são considerados um negociador internacional muito
forte. A possibilidade de impor retaliações e sanções contra outros países,
em adição ao enorme poder econômico dos Estados Unidos, garante
sucesso na maioria das disputas comerciais nas quais o país se envolve.
Além disso, algumas medidas são tomadas unilateralmente pelos
Estados Unidos durante negociações bilaterais. Em se negociando
bilateralmente com os Estados Unidos, sem a “proteção” das regras
multilaterais da OMC, a maioria dos Estados não têm chance de atingir
resultados ótimos por causa do desequilíbrio do poder de barganha
(BHALA, 2001). A aposta brasileira no multilateralismo na era FHC
responde exatamente a esta realidade.
Este tipo de agência governamental especializada em comércio
internacional não existe no Brasil. Portanto, torna-se mais difícil que os
interesses das coalizões domésticas sejam defendidos pelo Estado no plano
internacional. A iniciativa privada brasileira não conta com mecanismo
tão eciente e efetivo como o USTR. A cada novo contencioso, seja como
demandante ou demandado, o Estado brasileiro vê-se obrigado a elaborar
e sustentar estratégias singulares, sem continuidade com o que já foi
realizado no passado.
A presidência dos Estados Unidos é quem, em última instância,
decide como lidar com problemas relativos ao comércio internacional, mas
é tarefa do USTR, da Comissão de Comércio Internacional (International
Trade Comission), dos Departamentos do Comércio, da Agricultura
e do Trabalho identicar e investigar possíveis ameaças aos interesses
comerciais dos Estados Unidos no mundo. A presidência normalmente
recebe relatórios formulados pelos grupos supramencionados a respeito de
ameaças aos interesses comerciais estadunidenses, países que estão violando
acordos comerciais ou adotando práticas comerciais injustas. Após receber
estes relatórios a presidência decide se e como os Estados Unidos irão agir
em cada caso (BHALA, 2001).
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 147
Nesse sentido, é necessário ressaltar que o chamado “interesse
(comercial) dos Estados Unidos” será denido pelos jogos que ocorrem
domesticamente, ligando, portanto, os níveis internacional e doméstico,
pois a presidência se baseia nas informações fornecidas por essas agências e
pelo Congresso para formular sua política externa comercial.
É nesse momento que os grupos de interesse têm a chance de
pressionar o governo, sobretudo por meio de lobbies, para promover políticas
que lhes sejam favoráveis. Conseqüentemente, países podem ser sujeitados
a retaliações caso estejam empregando políticas que não satisfaçam uma
determinada indústria estadunidense, que age domesticamente para
inuenciar o Estado a agir na sociedade internacional.
Isso ocorre, como armamos antes, devido ao fato das indústrias
nanciarem as campanhas políticas. A retirada de apoio de uma delas a um
determinado político signica que diminuirá as doações para sua próxima
campanha, o que pode vir a frustrar as aspirações do mesmo à eleição/
reeleição. Políticos tendem a escolher políticas que lhe garantirão apoio
e votos e as indústrias esperam políticas favoráveis em troca de seu apoio.
“Executives will thus try to choose policies that optimize both the state of
the national economy and the interests of their interest group supporters
(MILNER, 1997, p. 35).
Políticos algumas vezes são praticamente “forçados” a defender
uma preferência diferente de sua própria devido aos altos custos de optar
por uma política contrária àquela escolhida por seus apoiadores, o que
pode pôr em risco seu cargo. Exemplo disso foi observado quando Bill
Clinton, após deixar a presidência, sem os constrangimentos eleitorais que
poderiam ser impostos pela perda de apoiadores, armou que os países em
desenvolvimento deveriam ter o direito de fornecer medicamentos à sua
população, ainda que através da licença compulsória.
A partir do momento em que Bill Clinton estava à frente da ONG
Clinton Foundation, engajada na luta contra HIV/AIDS, ele passou a
defender uma posição contrária àquela mantida durante seus dois mandatos
presidenciais (THE HENRY J. KAISER FAMILY FOUNDATION,
Marcelo Fernandes de Oliveira
148 |
2002, 2003)
3
. Seu posicionamento diferenciado pode ser notado em
discurso proferido em 12 de julho de 2002 em Barcelona, na ocasião da
Action Against Aids: For the Global Good”:
For the developing nations, it means concluding negotiations with
the drug companies in a prompt way with options to get generic
substitutes from India and Brazil or elsewhere. It means developing
plans for care and prevention based on what is working in other
countries. And then when that is done, developing countries have
to determine how much they can pay and send the rest of us the
bill for the dierence. (CLINTON, 2002).
Fica evidente, portanto, que algumas vezes o custo político de
defender uma certa opção é mais alto do que alguns políticos estão dispostos
a pagar. Certamente, o governo Clinton foi constrangido por essa dinâmica
se considerarmos o posicionamento do ex-presidente Clinton à frente da
ONG Clinton Foundation.
Enm, sob a ótica estadunidense o TRIPS apresenta muitas
deciências, como não garantir os direitos de detentores de patentes
em todos os países signatários – permitindo que milhões de dólares em
royalties que deveriam ser pagos a empresas estadunidenses sejam perdidos
e permitir um período muito longo para os países menos desenvolvidos
adequarem suas leis ao acordo (BHALA, 2001). Assuntos relacionados à
Propriedade Intelectual estão no topo da lista de prioridades da diplomacia
estadunidense, portanto, a essas questões será dada muita atenção e esforços
do governo serão feitos para garantir os direitos dos detentores de patentes
em todas as partes do mundo (BHALA, 2001). O Quadro 4 demonstra os
esforços do setor farmacêutico para a concretização dessa prioridade.
Em ocasiões variadas o ex-presidente Bill Clinton demonstrou que sua opinião atualmente é diferente daquela
que sustentava durante seus mandatos, em consonância com a lógica do dilema do governante. Exemplo disso
pode ser observado na viagem à Índia, quando visitou o laboratório Ranbaxy em Gurgaon. A visita, em Novembro
de 2003, teve o propósito de demonstrar o apoio às companhias que fabricam anti-retorvirais genéricos a custos
mais baixos utilizados no tratamento de HIV/AIDS na Índia, 4 países da África e 12 países caribenhos o Clinton
declarou: “[e initiative] cuts costs of HIV/AIDS drugs by two-thirds, making it aordable for a maximum
number of people, considering the staggering dimension of this problem”(THE HENRY J. KAISER FAMILY
FOUNDATION, 2003a). Em outra ocasião, falando sobre a Clinton Foundation em 17 de junho de 2003,
Nova York, Bill Clinton armou: “We didnt do enough [about HIV/AIDS] during my second term” (THE
HENRY J. KAISER FAMILY FOUNDATION, 2003b).
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 149
Quadro 4 - Campanha do setor farmacêutico para a Criação do TRIPS
1. Período de Crise Política Meados da década de 80 até metade da década
de 90.
2. Denição do Problema A tecnologia torna mais fácil a apropriação dos
DPIs.
DPIs = competitividade.
DPIs = livre comércio e investimento =
crescimento econômico.
3. Solução Política Preferida Novo regime para a proteção à propriedade
intelectual.
O USTR deveria se opor ao licenciamento
compulsório.
4. Moldura Normativa das Redes Patentes = lucro = pesquisa = cura.
5. Interesses Materiais das Redes DPIs rígidos signicam aumento dos lucros.
6. Oportunidades Políticas-Chave Altos décits comerciais; os EUA conavam
nas opiniões da indústria farmacêutica sobre
os DPIs.
7. Moldura Estratégica A proteção aos DPIs é uma questão
competitiva.
Os DPIs são apropriados por “piratas”.
8. Atores-Chave Indústrias: farmacêuticas, informática,
entretenimento etc.
Associações Industriais: IIPC, PhRMA etc.
Regimes Internacionais: OMPI, TRIPS etc.
9. Indivíduos-Chave Alan Homer (USTR e PhRMA), Edmund
Pratt (PhRMA) etc.
10. Mudanças Normativas Os DPIs são reconhecidos como uma parte do
regime de comércio internacional.
11. Alterações Substantivas DPIs para produtos e processos.
A conexão entre o acesso a medicamentos e o
comércio no mercado norte-americano tornou-
se uma “alavanca” (efeito boomerang) para a
criação do TRIPS.
12. “Vencedores Empresários farmacêuticos.
Países desenvolvidos (especialmente os Estados
Unidos).
Adaptado de: CEPALUNI (2004).
Marcelo Fernandes de Oliveira
150 |
Como podemos observar, o processamento doméstico das demandas
dos grupos de interesse na política de comércio internacional estadunidense,
com reexos na OMC no tocante às patentes farmacêuticas e o TRIPS,
reete, em grande medida, na prática, a lógica histórica e teórica que
expusemos nos capítulos 1 e 2 deste livro.
5.2 - estrutura doméstica e Posição Negociadora defeNsiva do
Brasil
O sucesso brasileiro nesse contencioso deveu-se à combinação de
diversos fatores.
Em primeiro lugar, os negociadores do país na OMC utilizaram
a premissa humanitária de que o bem público deve prevalecer sobre o
lucro. Assim, legitimou a estratégia de defesa brasileira e obteve simpatia
internacional da maioria dos outros países. Entre eles, África do Sul (país
que sofre com epidemia de HIV/AIDS e, como o Brasil, não possui
recursos nanceiros para garantir tratamento gratuito adequado a todos
que necessitam), Índia (país com tecnologia avançada na produção
de genéricos e medicamentos em geral, ocupando papel importante
no comércio internacional de medicamentos, interessada em vender
genéricos), Quênia, Moçambique, Zimbábue, Ruanda e outros países em
desenvolvimento (interessados em transferência de tecnologia e cooperação
técnica internacional para o tratamento dos seus doentes de AIDS).
A opinião pública internacional e as comunidades epistêmicas
4
(HAAS, 1992) também foram essenciais para a “vitória” porque
defenderam o direito do Brasil e dos países em desenvolvimento ao acesso a
medicamentos. Entre os atores principais, estavam ONG´s como Médecins
Sans Frontièrs, Health GAP, Oxfam e até mesmo a ONU (UNAIDS), a
OMS, etc., envolvidas com os temas de saúde pública e direitos humanos,
além de parcelas consideráveis da sociedade civil estadunidense. Essas
comunidades estavam convencidas de que o Brasil deveria ter o direito de
Comunidades epistêmicas podem ser consideradas como “...canais através dos quais novas idéias circulam
de sociedades a governos, bem como de país para país.” (HAAS, 1992, p. 27) Ou então, “...uma rede de
prossionais com perícia reconhecida e competência em um domínio especíco e com pretensão ocial de
conhecimentos relevantes à políticas dentro daquele domínio ou área.” (HAAS, 1992, p. 3, tradução nossa).
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 151
fornecer medicamentos à sua população a despeito da redução dos lucros
da indústria farmacêutica.
O legado histórico-diplomático brasileiro traduzido no conceito de
autonomia pela integração” (VIGEVANI; OLIVEIRA, 2004) em prol do
multilateralismo, como vimos na seção 3 do capítulo 1, foi fundamental
para a obtenção de volumoso apoio internacional, visto que a solicitação
dos Estados Unidos desrespeitava tanto o direito internacional previsto pela
OMC – cláusulas do TRIPS que permitia a licença compulsória em casos
de emergência, também presentes na legislação norte-americana – bem
como os princípios de auto-determinação e não-intervenção dos povos,
ambos introjetados na ação internacional do Brasil. Além disso, tratava-se
de uma disputa entre Davi (Brasil) e Golias (EUA), na qual a simpatia recai
normalmente sobre Davi.
No plano doméstico houve mobilização à causa brasileira pelo
governo e parte da sua burocracia: o Presidente da República, os Ministros
da Saúde, da Fazenda e das Relações Exteriores. Em seguida, parlamentares
aliados ao PSDB e a aliança governista, a indústria farmacêutica nacional
que produz genéricos, a população soropositiva (que geralmente se
encontra organizada sob ONGs, como o Grupo Pela Vidda, Fundação
Viva Cazuza, dentre outras, as quais, geralmente atuavam como parceiras
domésticas de ONG´s globais), assim como também a opinião pública em
geral (eleitor médio).
Em relação às diferentes esferas do governo, podemos armar que
cada qual teve seu interesse na questão. Contudo, evidências empíricas
nos permitem eleger um o condutor: as ações do Poder Executivo na
promoção da licença compulsória aparentavam ser, em grande medida,
entre outros motivos, de natureza político-eleitoral.
O Ministro da Saúde, José Serra, era presidenciável na eleição de
2002, sendo conrmado, posteriormente, como candidato do PSDB com
apoio do Presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Boa parte
da sua campanha baseou-se nos genéricos e na promessa de que, se eleito, se
Marcelo Fernandes de Oliveira
152 |
empenharia em “quebrar as patentes” (licença compulsória) para fornecer
tratamento de HIV/AIDS a um número maior de doentes
5
.
O barateamento do tratamento aos doentes de HIV/AIDS foi
benéco também ao Ministro da Fazenda, pois as despesas com o “coquetel”
foram reduzidas, tornando as verbas destinadas à saúde pública sucientes
para tratar mais pacientes com ecácia. De um modo geral, essa política
teve impactos positivos na melhora das nanças públicas.
Contudo, o fator determinante da vitória brasileira estava
conectado a posição do Ministério das Relações Exteriores. A elaboração
e a execução da estratégia vencedora em parceria com agências estatais
envolvidas na questão, assim como com parceiros internacionais e
nacionais, sobretudo, da sociedade civil, certamente, foi uma experiência
inédita conduzida pelo MRE.
Este episódio desvendou e demonstrou o potencial que possuía
a articulação entre as agências públicas e atores privados na formulação
e na implementação de aspectos da política exterior do país na era
da globalização. Serviu também para amenizar as críticas feitas sobre a
instituição de insulamento burocrático, ampliando sua credibilidade
nacional, junto à sociedade brasileira, e internacional, na medida em que
sua ação externa estava fundamentada em legitimidade democrática. Além
disso, serviu como aprendizado de como utilizar as estruturas globais de
poder em prol dos interesses brasileiros e auxiliar na construção de bens
públicos globais, como a OMC, a serem utilizados por outros países menos
favorecidos contra as práticas comerciais desleais, sobretudo, dos países
desenvolvidos na lógica do multilateralismo.
Dessa maneira, podemos armar que a partir da questão das
patentes, José Serra conseguiu mobilizar em seu apoio atores domésticos e
internacionais, tais como, a indústria farmacêutica nacional, os laboratórios
nacionais, as organizações da sociedade civil no Brasil e no exterior que
auxiliam doentes de AIDS, parte da população sensível ao tema da saúde,
apoio parlamentar, de organizações internacionais, de parte da sociedade
Durante a disputa eleitoral pela prefeitura de São Paulo em 2004 José Serra utilizou novamente esse episódio
como base de seu marketing político.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 153
civil estadunidense, de organizações internacionais, de vários países, etc.
Obviamente com claras pretensões eleitorais.
Entretanto, além da elaboração de uma excelente política pública de
saúde, reverenciada em todo mundo, mais importante, foi demonstrar a
ecácia, a credibilidade e a legitimidade auferida por estratégias de política
externa que contemplem o apoio doméstico e internacional à ação do
Estado brasileiro na OMC. O resultado nal foi bastante positivo, pois
conduziu os negociadores dos Estados Unidos a optarem por retirar a
queixa, recuando na sua posição intransigente de defesa de direitos de
propriedade intelectual da indústria farmacêutica norte-americana, e a
negociar bilateralmente com o Brasil uma solução para o problema. O
Quadro 5 demonstra a campanha liderada pelo Brasil.
Quadro 5 - Campanha para Acesso a Medicamentos liderada pelo Brasil
1. Período de Crise Política Meados da década de 90 até os dias atuais.
2. Denição do Problema DPIs = alto custo das drogas = mortes
desnecessárias
3. Solução Política Preferida Licenciamento compulsório, aumento da
disponibilidade de drogas genéricas.
4. Moldura Normativa das Redes Cópia = vida.
5. Interesses Materiais das Redes Diminuição dos preços dos medicamentos de
AIDS.
Ambições políticas de Ralph Nader.
6. Oportunidades Políticas-Chave Aumento da crise de AIDS.
Campanha presidencial dos EUA.
Antraz e bioterrorismo.
7. Moldura Estratégica A ganância da PhRMA mata.
O licenciamento compulsório é essencial para
conter uma tragédia humana.
A P& D de muitas drogas é nanciado com
dinheiro do governo.
Marcelo Fernandes de Oliveira
154 |
8. Atores-Chave ONGs: CPT (EUA), Oxfam (GB), Médicos sem
Fronteiras (França), Grupo de Incentivo à Vida
(Brasil) etc.
Empresas Farmacêuticas: Far-Manguinhos, Cipla
(Índia), Bayer (Alemanha), Merck (EUA), Roche
(Suíça), Pzer (EUA) etc.
Regimes Internacionais: OMS, TRIPS, ONU etc.
9. Indivíduos-Chave James Love, Ralph Nader, José Serra etc.
10. Mudanças Normativas O reconhecimento da saúde pública traz
implicações para os DPIs, para a Declaração
de Doha e para a seção especial da ONU sobre
HIV/AIDS.
11. Alterações Substantivas O USTR retirou a ameaça de sanções contra o
Brasil.
Houve uma forte queda dos preços dos
medicamentos para o HIV/AIDS.
Alteração do regime de TRIPS em Doha.
12. “Vencedores ONGs de direitos humanos e AIDS.
Países em desenvolvimento (África do Sul, Índia,
Brasil etc.).
Fonte: CEPALUNI (2004)
Como podemos observar, o processamento doméstico das demandas
dos grupos de interesse na política de comércio internacional brasileira,
com reexos na OMC, aproximou-se do modelo teórico que adotamos
porque o Estado brasileiro tinha interesses próprios e, no momento do
contencioso, permitiu que a dissensão doméstica ocorresse para ser utilizada
como instrumento de poder internacional contra os Estados Unidos.
5.3 - solução da disPuta: retirada da queixa e o mecaNismo
coNsultivo Bilateral
A solução do conito entre Estados Unidos e Brasil não percorreu
todo o caminho da solução de controvérsias da OMC. Ao invés disso,
os países chegaram a um acordo e os Estados Unidos retiraram a queixa
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 155
contra o Brasil. Esta solução foi possível devido à criação de um Sistema de
Consultas estabelecido entre os dois países.
Em seguida, Estados Unidos e Brasil enviaram comunicado
conjunto à OMC, no qual noticaram o OSC sobre o alcance de uma
solução satisfatória do problema. Ainda no mesmo comunicado, ambos
informaram que foi criado um “Mecanismo Consultivo Bilateral”. Porém,
suas regras de funcionamento não foram explicitadas por nenhuma das
partes. Anexa ao documento foi publicada a troca de correspondência entre
os governos brasileiro e estadunidense, na qual o Brasil propõe a criação do
Mecanismo Consultivo Bilateral e solicita que a queixa junto à OMC fosse
retirada. Em troca, o Brasil se comprometeria a consultar os Estados Unidos
caso fosse necessário utilizar o artigo 68 e compulsoriamente licenciar
alguma patente detida por empresa ou cidadão daquele país. Em resposta,
os Estados Unidos concordaram em retirar a queixa, mas solicitaram que
o Brasil se comprometesse a não procurar a OMC com respeito às seções
204 e 209 da lei de patentes dos Estados Unidos (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DO COMÉRCIO, 2001b).
Esta solicitação dos Estados Unidos nos permite inferir que as seções
em questão realmente se assemelhavam aos artigos 68 e 71 da lei brasileira
e, portanto, inviabilizavam o argumento estadunidense. Logo, o país foi
compelido a retirar a queixa antes que a demanda fosse julgada a favor do
Brasil e fosse congurada sua derrota que abriria precedentes para outros
países também imporem retaliações aos Estados Unidos.
Ou seja, uma derrota na OMC signicaria abrir grandes brechas
no TRIPS prejudiciais para outros setores da economia norte-americana.
Além disso, segundo o USTR, o mecanismo criado conjuntamente
entre Brasil e Estados Unidos seria mais efetivo e permitiria discussões
mais amplas na tentativa comum de solucionar a problemática do HIV/
AIDS (OFFICE OF THE UNITED STATES REPRESENTATIVE
TRADE, 2001b).
Marcelo Fernandes de Oliveira
156 |
5.4 - a mudaNça do ceNário No Pós 11 de setemBro
As discussões acerca da saúde pública, da necessidade de se rever o
TRIPS e a maneira de lidar com a propriedade intelectual, porém, não
cessaram. Apesar de ter sido retirada a queixa contra o Brasil, não foi
encontrada uma solução para os problemas relacionados ao HIV/AIDS
enfrentados pelos países em desenvolvimento.
Por isso continuaram ocorrendo reuniões em vários fóruns
multilaterais como a ONU, na tentativa de estabelecer parâmetros a
serem respeitados tanto por Estados que necessitarem recorrer à licença
compulsória ou à importação paralela quanto por aqueles que se sentirem
afetados por estas medidas. Ainda nesse sentido, ocorreu entre 9 e 14 de
novembro de 2001 a Conferência Ministerial da OMC, em Doha no Qatar,
que, dentre outros objetivos, procurava debater e esclarecer alguns pontos
do TRIPS que causavam discórdia. Durante esta reunião se produziu o
documento Declaration on the TRIPS Agreement and Public Health que
trata sobre os aspectos mais controversos do acordo.
Esta declaração reconheceu os problemas de saúde pública enfrentados
pelos países em desenvolvimento, sobretudo, em epidemias como HIV/
AIDS, tuberculose e malária. Reconheceu também que a assinatura do
TRIPS não deveria impedir um país de promover políticas para garantir o
acesso de sua população a medicamentos. Ficou garantido ainda o direito
de cada membro determinar o que vem a ser uma situação de “emergência
e quais as situações em que a licença compulsória seria declarada, desde
que mantido o respeito ao TRIPS. Apesar de armar a importância
da saúde pública, a declaração enfatizou a importância da proteção à
propriedade intelectual ao desenvolvimento de novos medicamentos
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO, 2001).
Este argumento, no entanto, sofria de deciências, pois o custo
divulgado para o desenvolvimento de um medicamento nem sempre
correspondia à realidade, já que neste cômputo são incluídos todos os
gastos, do início das pesquisas ao lançamento do medicamento. Porém,
ao longo das pesquisas, são descobertos outros medicamentos que podem
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 157
ser comercializados e trazerem lucros aos laboratórios, chamados de
desdobramentos secundários”.
Isto é, muitos dos remédios novos que são descobertos têm sua base
em inovações prévias, não podendo então ser contabilizados para cada
novo avanço todo o custo do investimento anterior como era feito. Além
disso, muitas vezes recursos públicos são empregados nas pesquisas, o que
reduzia o dispêndio de capital por parte dos laboratórios privados (ROFFE,
2004). Ainda nesse sentido, os gastos com pesquisa e desenvolvimento
(P&D) são bastante reduzidos se comparados aos recursos utilizados para
o marketing de novos medicamentos, assim como aqueles empregados
em lobbies e doações a campanhas eleitorais. Em adição a isso, os países
em desenvolvimento não representavam fatia signicativa no consumo
mundial de medicamentos, segundo Roe (2004)
6
.
O recuo de posição dos Estados Unidos quanto à proteção das
patentes dos medicamentos decorreu, em grande medida, do fato daquele
país ter experimentado a necessidade de negociar a utilização do mecanismo
da licença compulsória para reduzir o preço do antibiótico Ciprooxacin,
conhecido como Cipro, usado no tratamento do antraz.
Após os atentados terroristas de 11 de setembro foi encontrado
antraz em Nova York, Flórida e Washington D.C. (OFFICE OF THE
UNITED STATES TRADE REPRESENTATIVE, 2001b). Fato que
gerou uma escalada na demanda pelo antibiótico e por isso o governo dos
Estados Unidos julgou que deveria ter um grande estoque de Cipro para o
caso de uma epidemia. Nos Estados Unidos, a patente deste medicamento
era detida pela Bayer e o preço por pílula de 500mg, em outubro de 2001,
para o governo federal dos Estados Unidos era de US$ 1,83, enquanto a
versão genérica do laboratório FDC, à venda na Índia custava 0,06 dólares
(SINGH, 2002).
“Por, exemplo, em 2002, a África respondia por apenas 1,3% dos lucros mundiais da indústria farmacêutica,
enquanto que o sudeste asiático, a China e o subcontinente indiano juntos perfaziam meros 6,7%. Os mercados
dos países em desenvolvimento, de modo geral, quase não produzem impacto sobre as receitas da indústria
farmacêutica” (ROFFE, 2004, p. 58).
Marcelo Fernandes de Oliveira
158 |
Quadro 6 – Preços Internacionais Selecionados do Ciprooxacin
Preços Internacionais Selecionados do Ciprooxacin
(Preços por pílula de 500 mg em dólares americanos, Outubro 2001)
País Companhia Preço
EUA Bayer atacado 4.67
EUA Bayer governo federal 1.83
Canadá Bayer governo 1.58
Canadá Apotex genérico/governo 0.95
Nova Zelândia
Bayer varejo
1.29
África do Sul Bayer governo 2.10
Polônia Bayer 1.51
Polônia Polfa Grodzisk genérico 0.29
Índia Bayer varejo 0.13
Índia Blue Cross genérico/varejo 0.10
Índia FDC genérico/varejo 0.06
As negociações entre o governo estadunidense e a Bayer caram a
cargo de Tommy ompson, Secretário de Saúde e Serviços Humanos da
administração Bush. A licença compulsória nunca chegou a ser decretada,
pois o laboratório alemão concordou em reduzir os preços de maneira
satisfatória, mas poderia ser realizada por meio do emprego da Section
204 e 209 do U.S. Code. Severas críticas de diversos atores internacionais
e do governo brasileiro recaíram sobre o governo estadunidense, pois ao
invés de procurar abastecer seu mercado com medicamentos importados
da Índia, ou mesmo autorizar laboratórios estadunidenses a produzi-los,
ele optou por negociar junto a Bayer uma redução de preços, evitando ao
máximo ter que declarar licença compulsória (SING
, 2002).
Segundo o USTR, se a licença compulsória fosse empregada, uma
compensação nanceira deveria ser paga ao detentor da patente, conforme
reza o TRIPS e a Section 1498. Ainda no mesmo comunicado, o USTR
armou que o antraz encontrado em território americano poderia ser
caracterizado como uma crise ou emergência, permitindo que os Estados
Unidos, de acordo com o TRIPS, utilizasse a “quebra” da patente. Ao
detentor da patente caberia procurar suas compensações nanceiras devido
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 159
ao uso governamental não-comercial da mesma. Finalizando o comunicado,
o USTR ressaltou que estas exibilidades não são exclusivas aos Estados
Unidos e que todos os membros da OMC podem recorrer a elas (OFFICE
OF THE UNITED STATES TRADE REPRESENTATIVE, 2001).
Apesar de nunca terem sido “quebradas” as patentes, as palavras
do USTR abriram uma espécie de precedente: após os próprios Estados
Unidos terem cogitado a utilização da licença compulsória, como poderiam
reprimir os demais Estados que viessem a utilizá-la?
Com efeito, na Conferência Ministerial de Doha, os Estados
Unidos tiveram que defender uma maior liberalização quanto à produção
de medicamentos compulsoriamente licenciados. No entanto, a questão
da importação paralela, utilizada por países que não têm capacidade de
produção, foi deixada para ser discutida em reunião futura do Conselho
do TRIPS (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO, 2001), a
qual nunca ocorreu.
Podemos perceber assim que a mudança no discurso e na
prática estadunidenses podem ser compreendidas na lógica do JDN.
Primeiramente, porque os ataques terroristas de 11/09 tornou a questão da
quebra das patentes” interesse da população estadunidense, a qual estava
exposta a uma eventual epidemia de antraz.
Em segundo lugar, é importante frisar que, apesar de representar a
abertura de uma espécie de “precedente”, a patente que seria “quebrada
pertencia a um laboratório alemão, o que não implicaria necessariamente
em redução nos lucros dos laboratórios estadunidenses. Faz-se necessário
ressaltar também que os interesses da indústria farmacêutica, ainda assim,
foram preservados pelo governo, pois caso a primeira opção do governo
estadunidense tivesse sido a licença compulsória, esta decisão provavelmente
acarretaria conseqüências aos laboratórios estrangeiros.
Em terceiro lugar, aos representantes políticos interessavam promover
políticas que agradassem aos eleitores, haja visto que o momento era
bastante propício, levando-se em consideração a movimentação política
que se seguiu ao 11 de Setembro.
Marcelo Fernandes de Oliveira
160 |
Os Estados Unidos tiveram que modicar seu discurso e atitudes
nos fóruns multilaterais para acomodar sua situação. Com efeito, durante
negociações internacionais que tratavam sobre uma maior elasticidade
quanto às patentes de medicamentos, ao invés de procurar bloquear
qualquer situação na qual a licença compulsória fosse entendida como
legítima, o país preferiu adotar uma posição menos rígida.
Apesar de não agradar a indústria farmacêutica estadunidense, a
estratégia serviu também a outro propósito para o Estado, pois através de
uma aparente maior liberalização no quesito propriedade intelectual, os
Estados Unidos poderiam obter benefícios nas negociações de outros setores
do comércio internacional. Isto é, durante negociações internacionais
que se seguiriam, sobretudo referentes à Área de Livre Comércio das
Américas (ALCA) e às questões agrícolas no âmbito da OMC, os Estados
Unidos poderiam se aproveitar de sua nova postura quanto ao TRIPS,
colocando que houve um recuo e, portanto, uma concessão aos países em
desenvolvimento que, por sua vez, deveriam adotar posturas mais exíveis
durante as negociações supracitadas. A estratégia de barganha cruzada
também poderia ser empregada em negociações bilaterais.
Para o Brasil, o recuo de posição estadunidense também foi de
grande importância estratégica. Em negociações futuras o país poderia
agregar o precedente aberto pelos Estados Unidos ao seu argumento, no
sentido de demonstrar a importância e a validade da “quebra” das patentes,
conseguindo uma exibilização ainda maior, ou ainda para extrair
benefícios em negociações de outros setores.
USTR Robert Zoellick similarly abandoned the U.S. pharmaceutical
industry with little consultation in agreeing to the Declaration on
the TRIPS Agreement and Public Health at Doha. e Bush
administration did so in the context of post-September 11 domestic
politics, where the administration was undercut on compulsory
licensing issues following the anthrax scare, and felt an intensied
need to compromise on intellectual property matters in order to
launch a new trade round. In short, when the TRIPS issues become
politicized domestically within the United States and Europe,
developing countries retain a greater leeway to develop intellectual
property policies to t their own needs. (SHAFFER, 2004, p. 29).
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 161
A dinâmica estabelecida nos Estados Unidos no pós 11/09 exigiu
da administração Bush um esforço conciliatório, já que o governo tentava
equilibrar os interesses da indústria farmacêutica e da sociedade civil. Isso
porque, ao mesmo tempo em que os decision makers se preocupavam em
solucionar um problema enfrentado pela população (garantia de acesso
ao Cipro), buscavam fazê-lo sem prejudicar os interesses da indústria
farmacêutica.
A preocupação de cunho político-eleitoral pôde ser percebida,
uma vez que garantindo à população o acesso ao Cipro, votos nas
próximas eleições poderiam ser angariados do median-voter beneciado.
Concomitantemente, mantido o respeito às patentes, o governo garantiu o
apoio da indústria farmacêutica, que era responsável por grande parte dos
fundos doados à campanha eleitoral do Partido Republicano.
Por m, vale enfatizar que a estratégia vitoriosa do Brasil no
contencioso das patentes causou alterações signicativas no TRIPS
favoráveis aos interesses dos países em desenvolvimento. Foi ecaz ao
utilizar as estruturas institucionais, especicamente a OMC, para alcançar
resultados substantivos para si e países de menor poder relativo contra as
principais potências internacionais. Segundo Keohane (1992, p. 179),
Isso quer dizer que para o parceiro mais fraco, que a estratégia faz
diferença. Políticos hábeis do país mais fraco podem ser capazes de
encontrar aliados na sociedade e no governo dos Estados Unidos.
[Nesse sentido,] [...] muitos governos têm sido ativos em articular
lobbies nos Estados Unidos para inuenciar a política comercial
norte-americana.
Na interdependência assimétrica, coube ao Brasil perceber
contradições e fraquezas estadunidenses e construir alianças amplas
com atores transnacionais, coalizões de geometria variável com nações
de interesses semelhantes e apostar na resolução de conitos em
regimes internacionais, buscando alterá-los à seu favor. Exatamente em
conformidade com a tese central do conceito da autonomia pela integração.
Marcelo Fernandes de Oliveira
162 |
Por m, cabe salientar que a formulação das posições internacionais
nos Estados Unidos e no Brasil na OMC ocorreram de maneira diferenciada,
devido às diferenças encontradas em suas instituições políticas e suas
sociedades. Mesmo assim, pudemos perceber como a relação entre atores
políticos e os grupos de interesse domésticos de cada país mostrou-se
determinante no comportamento internacional dos respectivos Estados.
Nesse estudo de caso, cou nítido que a relação entre a indústria
farmacêutica estadunidense e o governo federal baseada na doação de
fundos para campanhas eleitorais é capaz de fazer com que o Estado aja no
nível internacional para preservar o interesse comercial doméstico. O papel
do USTR se mostrou determinante no comportamento internacional dos
Estados Unidos, podendo ser considerado este o órgão governamental
onde as prioridades externas comerciais são estabelecidas.
No caso do Brasil, pudemos observar também que interesses
essencialmente domésticos moveram o Estado a tomar decisões que
culminaram em contencioso comercial na OMC. Principalmente, os
interesses eleitorais de José Serra (PSDB), a redução dos custos dos
remédios e, consequentemente, o equilíbrio scal, o interesse do MRE,
os interesses da população soropositiva e seu entorno, e ONGs envolvidas
com saúde pública.
Enm, conforme indicamos no capítulo 2, os níveis doméstico
e internacional estão conectados e sua interação afeta a dinâmica das
relações internacionais. Vericamos que o cenário doméstico cumpre papel
fundamental na determinação da forma como o Estado interagirá com
seus parceiros e como o mesmo sofre constrangimentos internacionais.
| 163
caPítulo 6
A    :  
      OMC
O objetivo deste capítulo é demonstrar como os interesses privados
dos cotonicultores e sucroalcooleiros no Brasil, nos Estados Unidos e
na União Européia se organizaram e manipularam estrategicamente um
conjunto de informações visando inuenciar os anéis burocráticos e
institucionais públicos de formulação da política de comércio internacional
dos seus respectivos países e integração regional na defesa de suas demandas
durante os contenciosos do algodão e do açúcar na OMC na era FHC.
Este procedimento analítico possibilitou demonstrarmos que uma
maior abertura e institucionalização mais profunda do relacionamento
entre policy-makers e sociedade civil na construção da política de comércio
internacional agrícola, como ocorre nos Estados Unidos e na União
Européia, pode possibilitar um melhor atendimento às demandas dos
grupos de interesses da sociedade brasileira.
Paralelamente, pode também aperfeiçoar a qualidade técnica da
negociação e contribuir à construção coletiva, mais democrática do
interesse comercial agrícola a ser defendido no exterior pela diplomacia
brasileira, amenizando o viés marcadamente político de condução do
comércio internacional brasileiro ontem e, ainda hoje.
Marcelo Fernandes de Oliveira
164 |
Para alcançarmos nossos objetivos vamos, na seção 6.1, apresentar
o contencioso do algodão contra os Estados Unidos na OMC, enquanto,
na seção 6.2, vamos apresentar o contencioso do açúcar contra a União
Européia também na OMC.
6.1 - o caso do algodão coNtra os eua
O Brasil solicitou a instauração de um panel na OMC questionando
a legalidade dos subsídios oferecidos aos produtores de algodão dos Estados
Unidos ainda na era FHC e foi atendido em 18 de março de 2003. Além
disso, a OMC atendeu ao pedido de reserva de direitos de outros países
1
no processo de arbitragem.
De acordo com o MRE, atendendo demanda de produtores
brasileiros, a Lei Agrícola (Farm Bill) norte-americana distorce o mercado
internacional de algodão, baixando os preços da commodity em cerca de
15%, estimulando o “desvio de comércio”. Desta maneira, os produtores
norte-americanos vendem o produto a preços menores, conquistando
fatias expressivas do mercado que poderiam ter como beneciários o Brasil
e outros países, como Benin, Chade e Mali. As perdas brasileiras foram
estimadas em US$ 600 milhões somente em 2001 (OMC, 2002). No
mercado internacional, os subsídios causaram queda de 12,6% no preço
do produto entre 1999 e 2002 (SOBRAL, 2004).
Para comprovar essa ilegalidade, o governo brasileiro apresentou aos
juízes da OMC, auxiliados pelo setor privado e ONG’s, inclusive de outros
países, dados demonstrativos de que os Estados Unidos concederam aos
seus produtores de algodão, em quatro anos, subsídios estimados em torno
de US$ 12,9 bilhões. Muito além, dos US$ 8 bilhões permitidos conforme
compromissos assumidos durante a Rodada Uruguai. Este fato, portanto,
conguraria que os Estados Unidos romperam a “Cláusula de Paz” do
Acordo Agrícola, devendo ser condenados. Devido a esses argumentos, em
5 de setembro de 2003, o panel da OMC deliberou que a questão deveria
ser averiguada.
Entre eles, Argentina, Austrália, Benin, Canadá, China, Comunidade Européia, Índia, Nova Zelândia,
Paquistão, Paraguai, Taiwan e Venezuela.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 165
Em 26 de abril de 2004, após várias consultas às partes, a OMC
anunciou uma decisão preliminar favorável ao Brasil. A mesma foi
conrmada em 18 de junho, armando a ilegalidade e a necessidade
de redução dos subsídios norte-americanos aos produtores de algodão
(NEW YORK TIMES, 2004; SOBRAL, 2004) por terem causado “sérios
prejuízos” aos interesses brasileiros. O caso foi encerrado em 3 de março
de 2005 após parecer do Órgão de Apelação com resultados, em geral,
positivos para o Brasil (LIMA, 2005). Assim, cabe indagar sobre os motivos
de mais um “sucesso” e, depois, indicar possíveis cenários desse resultado.
6.1.2 – estratégia, estrutura doméstica e Posição Negociadora
ofeNsiva do Brasil
Novamente, o sucesso relativo da empreitada brasileira na OMC está
relacionado tanto com a escolha estratégica do multilateralismo como base
da ação externa do país durante a era FHC quanto com a capacidade do
governo articular as agências públicas coordenadas pelo MRE, bem como
parceiros internacionais e nacionais, sobretudo, da sociedade civil, para a
formulação e implementação da política comercial exterior do Brasil.
No caso especíco do contencioso do algodão, a formulação
da estratégia brasileira teve início na sociedade civil, especicamente, a
partir das reclamações dos produtores que se queixavam de que quando
começavam a ter lucros com a exportação, eram prejudicados pelos baixos
preços das commodities norte-americanas amplamente subsidiadas. Pedro
de Camargo Neto, membro importante da Sociedade Ruralista Brasileira
(SRB) resolveu dedicar-se à solução do problema. Seu sucesso foi tanto que
Scott D. Andersen, o advogado que representa o Brasil no escritório em
Genebra da Sidley Austin Brown & Wood, classica-o como “[...] o chefão, o
visionário dos casos relativos ao algodão e ao açúcar.” (THE NEW YORK
TIMES, 2004).
Segundo Camargo Neto, sua empreitada não foi fácil. Ele enfrentou
todo tipo de obstáculo político do governo brasileiro, principalmente do
MRE. Em suas palavras,
Marcelo Fernandes de Oliveira
166 |
[...] alguns funcionários do Ministério das Relações Exteriores
não desejavam enfrentar a superpotência mundial no terreno das
questões agrícolas. Eu levei até eles um estudo sobre a contestação
dos subsídios e eles disseram, ‘Traga-me outro’. A seguir, eu levei
dois e eles me pediram outros quatro. Certas pessoas zeram de
tudo para me atrapalhar. (THE NEW YORK TIMES, 2004).
Mas, quando Camargo Neto foi convidado para fazer parte do
governo, como vice-Ministro da Agricultura na era FHC, não teve
dúvidas: mobilizou o ministério e a sociedade civil em torno da questão.
Vale ressaltar, como no caso do Ministério da Saúde, o Ministério da
Agricultura é mais permeável às demandas dos grupos de interesse
presentes na sociedade civil brasileira.
Isso posto, segundo Camargo Neto, o primeiro passo da estratégia
brasileira baseado na sua estrutura de interesses doméstica foi acumular
força política para a empreitada e coordenar as diferentes esferas do
governo e do setor privado envolvidas com o contencioso a partir do
Ministério da Agricultura, que à época era ocupado por Marcus Vinícius
Pratini de Moraes.
Nesse sentido, Camargo obteve apoio da SRB, da Associação
Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), dos maiores produtores do
país, como Adilton Sachetti do Mato Grosso, enm, do setor privado que
nanciou boa parte dos custos da disputa comercial. Somou-se a essa ampla
coalizão, a bancada ruralista no Congresso Brasileiro e vários governadores
e prefeitos de regiões produtivas de algodão, inclusive, trabalhadores rurais
e seus sindicatos.
O segundo passo foi convencer o restante do governo, principalmente
o MRE, a levar a demanda doméstica à OMC. Isso signicava enfrentar
os Estados Unidos em uma arena na qual a experiência demonstrava
que eles prevaleciam. Além disso, estaria sendo rompido um bom
padrão de relacionamento alcançado entre os países durante os anos 90,
especicamente com a coincidência e empatia nos governos de FHC no
Brasil e de Clinton nos Estados Unidos.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 167
A diplomacia brasileira, como armou Camargo Neto, encontrava-
se cética e reticente em iniciar o contencioso, devido à grande possibilidade
de derrota e ao impacto negativo que a ação poderia ter sobre a boa relação
entre os países, e, muito provavelmente, afetar outros setores nos quais o
Brasil estava conquistando vantagens econômicas. Além disso, os Estados
Unidos ainda não haviam absorvido integralmente a derrota no contencioso
das patentes, amplamente favorável ao Brasil, como vimos no capítulo 5.
Duas mudanças alteraram esse quadro. Primeiro, nos Estados Unidos,
a troca de governo em janeiro de 2001, quando G. W. Bush, republicano,
substituiu Bill Clinton, democrata. O novo governo alterou à condução
da política externa norte-americana. De preponderância multilateral ela
passou a ser majoritariamente unilateral. A agenda de segurança tendeu
a prevalecer sobre a agenda comercial (VIGEVANI; OLIVEIRA, 2001).
Em síntese, a ausência de empatia entre os governos de FHC e G.W. Bush,
combinada à agenda desfavorável aos interesses brasileiros, serviu para
arrefecer a posição do MRE.
A segunda mudança foi doméstica. O presidente Cardoso promoveu
uma reforma ministerial pela qual Celso Lafer emergiu como Ministro das
Relações Exteriores. Em seu discurso de posse, Lafer armou que voltava
ao Itamaraty para
[...] traduzir criativamente necessidades internas em possibilidades
externas. Esta tradução exige, numa democracia, mecanismos
permanentes de consulta com a sociedade civil. Em minha gestão
aprofundarei os canais de interação entre o Itamaraty e os diversos
atores da vida nacional – Legislativo, os partidos políticos, a mídia,
os estados que integram a federação, os sindicatos, os empresários
e suas associações, as universidades e o mundo intelectual, as
organizações não-governamentais. (LAFER, 2001b).
Ou seja, Lafer assumiu o cargo declaradamente suscetível e disposto
a atender as sensibilidades e as demandas da sociedade civil brasileira. As
diferenças entre o Ministério da Agricultura, na gura de Camargo Neto,
e o MRE desaparecem. Instalou-se no governo uma ampla convergência
sobre o assunto. Isso possibilitou o aumento da cooperação entre policy-
Marcelo Fernandes de Oliveira
168 |
makers de diferentes burocracias governamentais brasileiras, inclusive
o MRE, com o setor agrário, os quais, unidos, formularam a estratégia
brasileira na OMC.
Nessa direção, foi dado o terceiro passo. O Ministério da Agricultura
mapeou os principais estudos internacionais sobre subsídios norte-americanos
em busca de argumentos para a demanda brasileira. Obteve auxílio nessa
tarefa da Oxfam, que realizou um amplo estudo sobre subsídios ao algodão
fornecido pelos Estados Unidos e seus efeitos nefastos sobre os pobres
agricultores africanos; da Environmental Working Group que reforçou o
trabalho da Oxfam e demonstrou que o mesmo ocorre com outros produtos,
tais como, trigo, arroz, açúcar, etc.; o Institute for Agriculture and Trade Policy,
de Minneapolis, o qual apontou “[...] os desastrosos resultados da política
agrícola dos EUA, que derruba preços das commodities e assegura as diferenças
com subsídios” (VALOR ECONÔMICO, 2004a); do International Cotton
Advisory Committee (ICAC) que, apesar do ceticismo, apoiou a iniciativa
brasileira; da Action Aid, que se dedica ao estudo do comércio internacional
e repassou o dado de que mais de 9 milhões de pessoas da África ocidental
dependem da renda da cotonicultura; e, por m, o auxílio providencial
do economista norte-americano Daniel Sumner, professor e pesquisador da
Universidade da Califórnia e ex-secretário assistente no Departamento de
Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Ele adaptou modelo econométrico
utilizado pelo Congresso dos Estados Unidos para avaliar produção, preço
e comércio afetados pela política agrícola norte-americana e organizou o
relatório com os dados utilizados para dar credibilidade ao argumento e
a demanda brasileira. Cabe ressaltar que a área agrícola é uma das únicas
nas quais os países em desenvolvimento encontram amplo apoio interno
nos países desenvolvidos, liderado por organizações não governamentais e
mesmo parte das entidades de agricultores.
Em seguida, o papel do Ministério das Relações Exteriores foi
formular o argumento conforme a demanda do setor agrário brasileiro,
adaptá-lo as premissas básicas da política externa do país e apresentá-lo
para a OMC. Como vimos também, muitos países entraram como partes
interessadas. Principalmente, os países africanos que após o anúncio do
resultado comemoraram a “vitória brasileira”. O Secretário-Geral do
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 169
Ministério do Comércio do Chade, Atidiani Nourene armou que “Essa
decisão é fundamental para milhares de produtores africanos para quem
a cultura do algodão é uma questão capital”. Já o embaixador do Benin,
Samuel Amehou saldou o parecer da OMC constatando que “Os países
africanos são competitivos, mas os subsídios americanos sufocam nossos
produtores. Isso pode começar a mudar a partir de agora” (FOLHA DE
SÃO PAULO, 2004).
Enquanto isso, o setor agrário brasileiro representado, principalmente
pela SRB e a Abrapa, em plena simbiose com o governo brasileiro, teve
o papel de auxiliar nanceiramente a elaboração da estratégia brasileira
vitoriosa que custou, incluindo alguns custos de implementação, cerca
de US$ 2,5 milhão. O montante foi arrecadado por meio de uma rifa
organizada pelos produtores de algodão (ROSSI, 2004).
Outro fator importante para a “vitória” da estratégia brasileira foi o
apoio obtido de organizações internacionais importantes, tais como ONU
via PNUD, Banco Mundial, FMI, OCDE, etc., as quais, salientavam
que países em desenvolvimento como o Brasil e os africanos teriam mais
condições de dar suporte para a sua população, diminuindo a condição
de pobreza, por meio do livre comércio dos bens agrícolas, no qual são
competitivos e não por meio de programas transitórios de ajuda nanceira.
Segundo essas organizações internacionais, o resultado do panel poderia
trazer benefícios nesse sentido.
6.1.3 – estratégia, estrutura doméstica e Posição Negociadora
defeNsiva estaduNideNse
A posição negociadora ofensiva brasileira foi ecaz ao contestar a
legalidade do programa de subsídios agrícola norte-americano ao algodão
na OMC e, conseqüentemente, colocar em xeque a política agrícola e os
interesses comerciais dos EUA.
Entretanto, desde 1974, quando foi instituída uma estrutura
legislativa abrangente capaz de abarcar diversos temas, mesmo que apenas
sensivelmente ligados à agricultura, a política agrícola dos EUA se tornou
Marcelo Fernandes de Oliveira
170 |
um jogo de soma-positiva. Quase todos os congressistas conseguem
vislumbrar uma oportunidade de trabalhar ativamente na Farm Bill,
incluindo alguma demanda cara a seu eleitorado, urbano ou rural, e com
isso ganhar popularidade, apoio político e eleições (LIMA, 2005).
Isso ocorre porque a política agrícola é elaborada em dois estágios.
Primeiro, trata-se de questões core para os Comitês de Agricultura da Câmara
e do Senado, como programas de suporte à renda e a preços, contando
com o apoio político de parlamentares não diretamente interessados nessas
questões. É nesse estágio que há a ação intensa dos lobbies agrícolas mais
poderosos demandando auxílios de diferentes tipos e graus, muitos dos
quais considerados como subsídios pela OMC. É aqui que são denidos os
programas centrais, a coluna vertebral da Farm Bill.
No segundo estágio, os parlamentares com interesses marginais nesses
programas, como aqueles oriundos de distritos mais “urbanos”, exigem ,
como barganha para apoiarem os elementos centrais dessa lei, apoio de
parlamentares interessados diretamente na questão agrícola, eleitos por
distritos mais “rurais”, para suas propostas “não-rurais” (nonfarm), como
proteção a animais e uso de energia, por exemplo. “Collectively, those features
bias the agricultural policy process in favor of making a successful deal by
giving each member of the eventual winning majority opportunities in the Bill
that they otherwise lack. Farm bills are not designed to fail” (BROWNE,
1995, p. 27). Isso signica que os políticos criam regras que beneciam sua
base social em troca e recursos para campanha e votos, estabelecendo um
círculo vicioso (Browne, 1995). No que toca aos recursos, é importante
notar que “parte das doações dos grupos de interesse acabam sendo os
próprios recursos dos programas federais” (LIMA, 2005, p. 50).
Em outras palavras, a dinâmica processual na construção da Farm
Bill, combinada ao framework institucional de tomada de decisões do
Estado norte-americano, bem como ao sistema eleitoral distrital e a pressão
dos grupos de interesse, especicamente, no caso do algodão, a NCC
2
Além de dialogar com políticos, visando sensibilizá-los, inuenciá-los e informá-los em assuntos relacionados
à indústria do algodão, o NCC possui a tarefa de divulgar o comportamento dos políticos norte-americanos,
especialmente daqueles ligados à cotonicultura. Desse modo, busca-se informar os eleitores interessados nessa
indústria criando, paralelamente pressão sobre os políticos para que ajam no interesse desses eleitores” (LIMA,
2005, p. 42).
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 171
(National Cotton Council), se traduz em injunções políticas domésticas
poderosas amplamente favoráveis aos subsídios e que são praticamente
impermeáveis à ação das instituições internacionais.
Muitos congressistas reconhecem que “muito dos apoios [subsídios]
propostos iriam de encontro aos compromissos feitos pelos EUA na
OMC” (HART; BABCOCK, 2002, p. 20). Contudo, aqueles com base
eleitoral rural temem pelo seu destino eleitoral, enquanto aqueles de base
eleitoral urbana aproveitam-se da situação para obter respaldo em políticas
dos seus interesses. Ao m e ao cabo, em busca da sobrevivência política,
esses legisladores acabam agindo de maneira a fazer prevalecer “[...] o
interesse doméstico, do estado subnacional ou distrito eleitoral, sobre o
internacional” (LIMA, 2005, p. 50).
Prova disso, foi o não cumprimento do resultado do panel da
OMC no prazo estipulado (julho de 2005), abrindo-se a possibilidade de
retaliação. Além disso, a diplomacia brasileira permitiu que, no âmbito
doméstico, patentes de remédios fossem quebradas pela primeira vez desde
o contencioso na OMC para o tratamento de doentes de AIDS. Isso serviu
como estratégia de articulação de contra-lobbies a partir da ameaça de perdas
de segmentos econômicos – a indústria farmacêutica - mais poderosos nos
Estados Unidos para inuenciar a política comercial norte-americana do
que o segmento agrícola.
O desrespeito às regras internacionais acabou contradizendo o papel
dos Estados Unidos, desde pelo menos o pós-II Guerra, como vimos no
capítulo 1, de promotor de instituições internacionais para a regulação
e a liberalização do comércio mundial. Esta situação colocou os Estados
Unidos em uma posição ambivalente: simultaneamente, promovem a
construção da OMC, mas, devido a sua dinâmica doméstica, tendem a
não cumprir os veredictos que a instituição delibera contra si.
Ou seja, interesses setoriais inuenciam negativamente a posição
negociadora do Estado norte-americano. Isso pode levar ao rompimento
com a idéia da construção de uma sociedade internacional multilateral
onde haja a prevalência de regras internacionais legitimas, minando assim
o soft power norte-americano, abrindo a possibilidade para outros países
Marcelo Fernandes de Oliveira
172 |
se comportarem nas relações internacionais a partir da lógica da razão de
Estado, maximizando o uso do hard power.
Em suma, a elaboração e a execução da Farm Bill ameaçaram a
legitimidade norte-americana em praticar o discurso do livre-comércio,
bem como utilizar instrumentos de defesa comercial contra o comércio
desleal que foram fundamentais para o exercício e a manutenção da sua
hegemonia. Inclusive, a legitimidade e a credibilidade da OMC na sua
área de atuação foi minada, ocasionando a paralisação das negociações
comerciais internacionais nas duas últimas décadas (2002-2022).
Atento ao problema, o governo Bush enviou um projeto ao
parlamento com cortes orçamentários de US$ 587 milhões nos programas
na estratégia de ajuste scal de 2006. Em 2007, encaminhou ao Legislativo
o orçamento da Farm Bill para o período de 2008-2014, com recursos mais
magros à subsídios do que antes (2002-2008). O objetivo foi adequar-se
sem grandes embates políticos domésticos às determinação da OMC.
Como vimos no capítulo 5 no contencioso das patentes, o USTR,
agência responsável pelas negociações em comércio internacional, buscou
defender as demandas dos interesses especícos da sociedade norte-
americana sem prejudicar a posição negociadora global do país na sociedade
internacional. Nessa perspectiva, o USTR trabalhou intensamente com o
Congresso, o Departamento de Agricultura e os grupos de interesse ligados
ao algodão para defender o programa de subsídios agrícolas junto à OMC,
em consonância com os compromissos internacionais do país.
Nesta direção, em parceria com o Departamento de Agricultura, o
Congresso e o National Cotton Council (NCC), representante da indústria
do algodão nos Estados Unidos, o USTR elaborou quatro argumentos
centrais para se defender das queixas brasileiras (LIMA, 2005). Primeiro,
os programas de apoio e subsídios teriam sido formatados de maneira
condizente com obrigações do país na OMC. Segundo, os métodos e
alguns dados do governo brasileiro estariam equivocados. Terceiro, os
subsídios norte-americanos não causariam a queda no preço mundial do
produto. Quarto, as vendas norte-americanas se mantiveram estáveis nos
últimos 30 anos. Apesar disso, não obtiveram sucesso.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 173
Lima (2005, p. 52) aponta que “a literatura disponível não possibilita
entender os trâmites institucionais e as sequências do processo de formulação
de respostas norte-americana. O que se pode armar é que realmente essas
instituições trabalharam em conjunto, sob coordenação do USTR, comitês
de agricultura do Congresso, Departamento de Agricultura e grupos de
interesse, como o NCC, como demonstra a gura 5”. Entretanto, aponta
ainda que, embora não seja possível identicar claramente a fonte dos
dois primeiros contra-argumentos norte-americanos, o terceiro e o quarto
parecem ter surgido de estudos e análises do NCC, o que demonstra a
importância da participação do setor privado no municiamento de
informação ao negociador norte-americano. O documento Major factors
aecting world price behavior, elaborado em 2003 pelo NCC (2003) para
responder às queixas brasileiras, “foi utilizado pelo USTR como apêndice
da contra-argumentação norte-americana enviada ao OSC em 30 de
setembro de 2003” (LIMA, 2005, p. 54).
Isso permite inferir que a existência de instituições democráticas
em um contexto informacional de total transparência no tocante ao
processo de formulação – seja no ataque, seja na defesa da política de
comércio internacional por meio da elaboração e da ampliação de canais
institucionais que facilitem a interação entre policy-makers e atores das
organizações da sociedade civil – pode melhorar o atendimento das
demandas dos grupos de interesse, bem como ampliar a qualidade técnica
dos agentes diplomáticos do país durante as negociações comerciais
internacionais, mesmo que o resultado nal não seja ótimo. Isso porque,
no mínimo, garante um espaço institucional à defesa democrática dos
grupos de interesse da sociedade na esfera internacional. No sistema
brasileiro isso não ocorre, como vimos, exceto em momentos especícos.
Mas, é a lógica nos Estados Unidos e a origem do sucesso dos instrumentos
e mecanismos de ataque e defesa comerciais.
Marcelo Fernandes de Oliveira
174 |
Figura 5 - “Caixa preta” norte-americana da formulação de respostas ao
contencioso do algodão
Fonte: Lima (2005)
6.2 – a questão do açúcar coNtra a ue
O Brasil era o maior produtor e exportador de açúcar do mundo em
2002. O açúcar foi o quarto produto mais exportado pelo Brasil (UNICA,
2003). O país embava, em média, 13 milhões de toneladas de açúcar por
ano (LANDIM, 2004). Portanto, o açúcar tinha importante papel na
pauta de exportações brasileiras na era FHC.
O país enfrentou problemas idênticos no Mercosul, pois a Argentina
adotou uma política considerada protecionista, como por exemplo, ao
impor alíquota de 20% ad-valorem à importação do açúcar de procedência
brasileira (OLIVEIRA, M. F., 2003), além da cobrança do derecho movil,
que é variável, mas em dezembro de 2003 chegou a US$ 79 por tonelada
(LANDIM, 2004). Em outras palavras, o Estado argentino protege o
produtor nacional contra a concorrência do açúcar brasileiro, que, devido
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 175
a vantagens comparativas, teria condições de atingir o mercado argentino
com preços mais competitivos.
A questão do açúcar não pôde ser resolvida no âmbito do Mercosul
e, por isso, não fazia parte da União Aduaneira. Para o Brasil este impasse
é de extrema importância, pois, a exclusão do açúcar do Mercosul poderia
excluí-lo também de futuras negociações Mercosul-União Européia (UE).
Ou seja, o interesse comercial brasileiro poderia estar ameaçado em
importantes negociações internacionais. Apesar desta “crise”, o açúcar foi
incluído nas negociações de um acordo de livre comércio entre o Mercosul
e a UE.
Porém, o principal problema referente a esta commodity enfrentado
pelo Brasil à época era o “regime do açúcar” adotado pela UE. Os
produtores de cana-de-açúcar brasileiros armam que o açúcar produzido
para consumo interno e para exportação pela UE é subsidiado, o que
contribui à distorção dos preços no mercado internacional. Embora a UE
não representasse um mercado potencial ao açúcar brasileiro, sua política de
subsídios prejudicava o acesso a outros mercados. Além disso, os produtores
brasileiros apontavam que o acordo entre a UE e os países da ACP (África,
Caribe e Pacíco), pelo qual o açúcar era comercializado livre de qualquer
taxa, também servia para distorcer os preços no mercado internacional,
já que, muitas vezes, o açúcar ACP acabava sendo reexportado devido ao
excesso de oferta no mercado interno europeu.
Nessa conjuntura, os produtores de cana-de-açúcar, representados
principalmente pela União da Agroindústria Canavieira de São Paulo
(UNICA) e pelas Usinas e Destilarias do Oeste Paulista (UDOP),
demandaram a defesa do seu interesse comercial ao solicitarem, com o
auxílio do Ministério da Agricultura, que a diplomacia brasileira acionasse
o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC contra à União Européia
por conta de seu “regime do açúcar”. O acionamento ocorreu em 27 de
setembro de 2002. A Tailândia e a Austrália participaram do contencioso
como interessados por serem países importantes no comércio internacional
do açúcar, posicionando-se, respectivamente, como terceiro e quarto
maiores exportadores da commodity (atrás apenas do Brasil e da UE)
(UNICA, 2003).
Marcelo Fernandes de Oliveira
176 |
As consultas não foram sucientes para solucionar o problema e, em
9 de julho de 2003, Brasil, Tailândia e Austrália solicitaram ao Órgão de
Solução de Controvérsias (OSC) da OMC o estabelecimento de um panel
(WT/DS266/21) referente ao açúcar.
Em 3 agosto de 2004, a OMC determinou que a UE revisse suas
práticas e que o “regime do açúcar” fosse modicado, congurando uma
vitória” do Brasil. A UE interpôs recurso. Entretanto, o Órgão de Apelação
da OMC conrmou o resultado positivo em abril de 2005. Esta “vitória
foi considerada como um marco histórico, que, juntamente ao caso do
algodão, representou o início de uma mudança no regime internacional do
comércio agrícola favorável aos interesses dos países em desenvolvimento
e menos desenvolvidos. Para o então ministro da Agricultura Roberto
Rodrigues, a vitória brasileira “Cria um novo padrão em comércio agrícola
e abre espaço para novas negociações”.
6.2.1 – estrutura doméstica e demaNda Brasileira No
coNteNcioso do açúcar Na omc
A solicitação brasileira para o estabelecimento de um panel, protocolada
em 9 de julho de 2003 junto à OMC, tem como parâmetros que:
As medidas especícas em questão nesta disputa são os
subsídios concedidos e mantidos pela UE, em excesso do nível
do comprometimento de redução da UE para o açúcar, sob
Regulamentação do Conselho (UE) No. 1260/2001 de 19 de junho
de 2001 na organização comum dos mercados no setor açucareiro
da União Européia, e de acordo com todas as outras legislações,
regulamentações, políticas administrativas e outros instrumentos
relacionados ao regime do açúcar da UE, incluindo as regras
adotadas de acordo com o procedimento referido no Artigo 42(2)
da Regulamentação do Conselho (UE) No. 1260/2001 de 19 de
junho de 2001 e quaisquer outras provisões relacionadas. Tais são
referidos por ‘regime açucareiro da EU’. Os produtos em questão
são aqueles listados no Artigo 1 da Regulamentação, incluindo
açúcar de cana ou beterraba e sucrose quimicamente pura na
forma sólida, melaços resultantes da extração ou renamento de
açúcar, isoglucose e xarope de inulina. Tais produtos são chamados,
coletivamente, de ‘açúcar’. (OMC, 2003).
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 177
A demanda brasileira questionava dois aspectos do regime açucareiro
europeu: a) a exportação subsidiada de excedentes de produção que alcança
a cifra de 1,6 milhão de tonelada além dos compromissos na OMC e
b) a reexportação subsidiada de açúcar proveniente da ACP e da Índia.
Além do Brasil, como vimos, Tailândia e Austrália também protocolaram
solicitação, apresentando as mesmas queixas, para estabelecimento de
panel. A Índia, mesmo como beneciada, alinhou-se a demanda brasileira.
Outros países solicitaram o direito de participar do panel como
terceiras partes: Barbados, Belize, Canadá, China, Colômbia, Costa do
Marm, Cuba, Fiji, Guiana, Índia, Jamaica, Madagascar, Malaui, Ilhas
Maurício, Nova Zelândia, Paraguai, Quênia, São Cristóvão e Névis,
Suazilândia, Tanzânia, Trinidad e Tobago e Estados Unidos.
Um ponto que deve ser esclarecido à compreensão das demandas de
Brasil, Tailândia e Austrália é o fato de que a UE havia se comprometido a
reduzir os níveis de exportação de açúcar subsidiado, especicados na Seção
II da Parte IV de seu calendário de Concessões (Schedule CXL-European
Communities) (OMC, 2003). Assim, os três países reclamavam que no
marketing year de 2001-2002 a UE exportou 4.097 milhões de toneladas
de açúcar, quantidade três vezes maior do que deveria ter sido exportada,
de acordo com o calendário de reduções. Apontaram ainda que em todos
os anos, desde 1995, a UE havia exportado açúcar em quantidades três
ou quatro vezes maiores do que as estipuladas em seu compromisso de
redução (OMC, 2004).
O Brasil fez questão de ressaltar que a queixa se referia exclusivamente
aos fatos de a UE exceder o limite permitido de subsídios à produção, que
devido ao excesso de oferta de açúcar no mercado europeu, se tornavam, na
prática, subsídios à exportação pelo açúcar importado dos países da ACP
e da Índia, sem a adição de qualquer taxa, ser reexportado como açúcar
europeu. Medidas tais que contribuíam à redução do preço do açúcar no
mercado internacional. Para o Brasil, o acordo entre a UE e os países da
ACP e Índia não estavam sendo questionado, mas sim suas conseqüências
ao preço do açúcar, já que
Marcelo Fernandes de Oliveira
178 |
[...] os europeus estavam pagando a ajuda que estavam dando
aos países mais pobres com o prejuízo das exportações brasileiras.
Com uma superprodução interna alimentada por subsídios, a
Europa não consegue consumir o que importa dos países pobres
e acaba reexportando o produto com subsídios, deslocando
o produto brasileiro de terceiros mercados. (TRIBUNA DA
IMPRENSA, 2004).
6.2.2 - o fuNcioNameNto do regime açucareiro euroPeu
Para compreender a queixa brasileira à OMC foi necessário explicitar
o funcionamento do regime açucareiro europeu. Ele faz parte da Política
Agrícola Comum (PAC), que manteve o setor açucareiro insulado de
quaisquer reformas (OXFAM, 2004).
Apesar da UE ser um produtor de açúcar com custos de produção
muito elevados, ela gerava um excedente de aproximadamente 5 milhões
de toneladas (OXFAM, 2004). Esse excedente era comercializado no
mercado internacional a preços competitivos graças aos subsídios diretos
e indiretos concedidos aos produtores de beterraba e aos processadores de
açúcar europeus (OXFAM, 2004).
Segundo estudos como o da Oxfam, a UE gastava 3.30 Euros em
subsídios para exportar açúcar ao valor de 1 Euro no mercado internacional
(OXFAM, 2004).
Resumidamente, o sistema funcionava baseado em três mecanismos,
que serviam para proteger os produtores europeus da concorrência do
açúcar no mercado internacional: a política de preços garantidos à compra
do açúcar dos tipos A e B; subsídio às exportações; e as restrições à
importação.
Com relação ao primeiro e ao segundo mecanismos, a UE estabelecia
duas categorias de cotas de produção: uma cota para o açúcar A e uma
cota ao B. Entende-se por cota a quantidade máxima que receberá preços
garantidos para consumo interno e subsídios diretos à exportação (tais
subsídios eram chamados de “reembolsos” na terminologia da UE). É
importante ressaltar que o sistema de cotas não limitava a quantidade de
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 179
açúcar que poderia ser produzido ou exportado pela EU. No entanto, o
açúcar produzido além das cotas A e B é chamado de açúcar C, que era
obrigatoriamente exportado (OMC, 2004).
Segundo as acusações de Brasil, Tailândia e Austrália, nessa
situação, os produtores dos açúcares A e B tinham uma margem de
lucro muito elevada, uma vez que vendiam o açúcar internamente a
preços articialmente elevados, garantidos pelo regime açucareiro e, ao
exportarem recebiam subsídios diretos. Os lucros provenientes da venda
de açúcares A e B eram sucientes para cobrir os custos de produção do
C, indiretamente subsidiado pelos açúcares A e B numa espécie de spill-
over (OXFAM, 2004). Esta dinâmica era também caracterizada como
promoção de dumping, haja vista que o preço de exportação era menor que
o custo de produção na União Européia.
A UE impossibilitava ainda a importação de açúcar proveniente de
outros países, exceto da ACP e Índia. O acordo permitia que o açúcar
transacionado entre eles fosse exportado sem a adição de qualquer taxa,
enquanto o açúcar proveniente de outros países tinha restrições no mercado
europeu graças aos impostos de importação, que alcançavam tarifas de
até 324% (OXFAM, 2004). Embora os preços praticados no mercado
internacional fossem inferiores aos praticados na UE, não era possível a
produtores fora do bloco ou do acordo com a ACP e a Índia, o acesso ao
mercado europeu, já que havia uma salvaguarda que aumentava à medida
que os preços internacionais caíam (OXFAM, 2004).
A UE era bastante criticada por causa de seu regime açucareiro, pois
privilegiava os países da ACP e Índia, mas não permitia o acesso ao seu
mercado e a terceiros mercados a países em desenvolvimento que também
tem no açúcar importante item de suas pautas de exportações. Também era
criticada por obrigar seus contribuintes a pagar maiores impostos e preços
mais altos no açúcar do que se abrisse seu mercado ao açúcar internacional.
Mas se o regime açucareiro europeu afetava negativamente seus
contribuintes e países em desenvolvimento, por que a UE continuava
promovendo-o?
Marcelo Fernandes de Oliveira
180 |
A resposta estava nas relações mantidas entre o Conselho Europeu, a
indústria açucareira e os governos dos Estados onde elas estavam inseridas.
A indústria açucareira europeia está organizada sob o Comitê
dos Manufatores de Açúcar Europeu (Committee of European Sugar
Manufacturers) (CEFS), que reúne os principais produtores de açúcar
de todos os Estados europeus. Os principais Estados produtores de
açúcar são a França, que é responsável pela produção de mais da metade
do açúcar europeu, seguida pela Alemanha e pelo Reino Unido. Não
coincidentemente, as regiões agrícolas mais prósperas da Europa são o leste
da Inglaterra (Anglia - Norfolk e Lincolnshire), a bacia de Paris e o norte
Alemão (Baixa Saxônia e Renânia), regiões onde é plantada a beterraba e
produzido o açúcar.
Segundo a Oxfam, estes também são os países que mais lucram
com os subsídios concedidos ao açúcar (OXFAM, 2004). A lavoura de
beterraba de açúcar é a mais lucrativa do norte europeu e os produtores de
açúcar ganham, em média, o dobro do que agricultores de outras lavouras
nas mesmas regiões (OXFAM, 2004).
Na era FHC, dentre os produtores de açúcar europeus podemos
citar como os mais importantes e que mais se beneciam com o regime
de cotas e com os subsídios a companhia francesa Beghin Say, a alemã
Sudzucker e a britânica Tate and Lyle (OXFAM, 2004). Portanto, é seguro
armar que essas companhias são as responsáveis pelo lobby que trabalhava
intensamente para que o regime açucareiro europeu não fosse modicado.
Os lobbies que clamam pela manutenção do regime açucareiro
europeu ganharam bastante visibilidade ao apelar junto à opinião pública
com campanhas como a “Save Our Sugar”, levada adiante pela British
Sugar e pela National Farmers Union no Reino Unido.
O Reino Unido tinha o lobby mais vigoroso no sentido de
manter o regime açucareiro europeu (OXFAM, 2004). O Reino Unido,
porém, representava um caso à parte, pois produzia açúcar de beterraba
subsidiado, mas devido a preferência de mercado consumidor, também
importava açúcar de cana. Apesar do Reino Unido ter produção de açúcar
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 181
menor do que seu consumo, ainda era o terceiro maior exportador na UE
(OXFAM, 2004).
Os produtores e os processadores de açúcar europeus desfrutavam
de grande prestígio nos governos nacionais, e por extensão no Conselho
Europeu, visto representarem uma indústria tradicional, com raízes
comerciais seculares (metrópoles e colônias), que desfrutava de poderio
político e econômico na Europa. Graças a isso, esses produtores tinham
voz ativa nas negociações do açúcar e os governos dos países membros
são sensíveis às demandas desses grandes fazendeiros e processadores
(OXFAM, 2004).
Além da capacidade de imposição de demandas junto aos governos
nacionais, os produtores de açúcar europeus utilizavam a opinião pública
para inuenciar os governos a optarem por políticas favoráveis a eles. A
ideia que se propagou pela Europa é a de que muitas famílias de cultivadores
de beterraba e de produtores de açúcar dependiam do regime açucareiro
europeu para sobreviver. Essa é a justicativa que se usava para explicar
a manutenção do preço elevado. Em adição, campanhas com slogans de
apelo nacionalista e regionalista, como a “Save Our Sugar” serviam para
angariar o apoio de eleitores que dão preferência a políticas favoráveis à
manutenção do regime açucareiro.
Além do poder de persuasão desta indústria devido ao seu prestígio
nos governos nacionais, ocorria uma mobilização em torno do assunto
que contribuía à eleição de políticos favoráveis à manutenção do regime.
Os representantes políticos da França, da Alemanha e do Reino Unido
trilhavam este caminho no âmbito doméstico.
Consequentemente, essa mesma linha de raciocínio era transferida
na estrutura política da União Europeia, reforçando à manutenção do
regime açucareiro europeu. Logo, aqueles que são favoráveis à manutenção
do regime têm maior capacidade de impor uma demanda essencialmente
doméstica em uma negociação internacional como a PAC.
O Committee of European Sugar Manufacturers, que representa
Sudzucker, British Sugar e Beghin Say, promovia intenso lobby na França,
na Alemanha, no Reino Unido e junto ao Conselho Europeu e pregava
Marcelo Fernandes de Oliveira
182 |
que era necessário manter o sistema de cotas, pois dele dependia a
sobrevivência de muitas famílias de fazendeiros. Porém, o argumento de
que a subsistência de famílias de agricultores dependia da manutenção do
regime não é verdadeiro. Os incentivos, como a garantia de preços e a cessão
de subsídios, eram concedidos a um número reduzido de companhias e as
cotas eram concentradas em poucas companhias, como uma espécie de
cartel. Somente a indústria de processamento e grandes fazendeiros são
beneciados pelo regime açucareiro europeu (OXFAM, 2004).
Não fosse pelo regime açucareiro europeu, a UE seria um dos maiores
importadores de açúcar do mundo. Paradoxalmente, a UE é um dos
maiores exportadores mundiais de açúcar e o segundo maior importador
(OXFAM, 2004).
É claro que existem indústrias que se opõem ao regime açucareiro
europeu, como a Association of Chocolate, Biscuit and Confectionery
Industries (CABISCO), pois, por utilizarem na fabricação de seus
produtos uma quantidade elevada de açúcar, não conseguiam obter
preços competitivos o suciente para exportar quando concorrem
com produtos que tem em sua composição açúcar com custo menor
do que o europeu. Para solucionar este problema, a PAC permitia que
exportadores de produtos que continham açúcar processado solicitassem
subsídios à exportação de até 200 milhões de Euros por ano (OXFAM,
2004). Porém, por não conseguirem mobilizar eleitores em torno de suas
demandas, esta indústria não conseguia modicar o regime açucareiro
europeu, não se caracterizando como uma força de contra-lobby a ser
potencializada pelo Brasil.
6.2.3 – a decisão da omc favorável às demaNdas Brasileiras
Em resposta a queixa brasileira, após uma análise do funcionamento
do regime açucareiro europeu, a OMC, em outubro de 2004, acatou a
argumentação do Brasil, da Indonésia e da Austrália, condenando a política
européia para os produtores de açúcar. Segundo o relatório nal do panel
na OMC, a UE concedia subsídios ilegais às exportações de 1,6 milhão de
tonelada de açúcar. Esses subsídios domésticos aplicados para a produção
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 183
de açúcar das quotas A e B geraram um excedente exportado com subsídio
(açúcar C). Portanto, simultaneamente, a UE garantia preços mínimos
internos ao seu açúcar, os quais são, pelo menos, quatro vezes superior
ao cobrado no mercado mundial. E, conduzia uma política restritiva
de importações por meio de sobretaxas ao açúcar produzido em outras
regiões, exceto dos países da ACP e da Índia. Isso gerava um excedente
subsidiado exportável de açúcar acima dos limites estabelecidos na Rodada
Uruguai do GATT incorporado às regras da OMC. Essa situação anulava
a competição, elevando a oferta de açúcar, depreciando o preço do produto
no mercado mundial.
A UE apelou da decisão em 15 de janeiro de 2005. Entretanto,
o Órgão de Apelações da OMC conrmou a condenação em abril de
2005 e estabeleceu o prazo de seis meses para que o bloco cumprisse seus
compromissos, limitando suas exportações subsidiadas de açúcar, bem
como reduzisse suas despesas anuais para essa ajuda a 499 milhões de
Marcelo Fernandes de Oliveira
184 |
euros. A OMC deixou claro que a UE não podia subsidiar a exportação
de seus excedentes de produção, muito menos subvencionar exportações
para compensar suas importações decorrentes de regime preferencial que
mantém com os países da ACP.
Em resposta, a Comissão Européia apresentou em junho de
2005 uma proposta de redução dos subsídios que incluía: a) corte de
39% no preço do açúcar branco; b) compensação de 60% do corte
aos agricultores prejudicados; c) criação e apoio a um regime de
reestruturação voluntário para estimular a competitividade e/ou saída
do setor de produtores menos competitivos; d) abolição da intervenção;
e) manutenção do acesso preferencial ao mercado europeu de açúcar
para os países da ACP; entre outras medidas. Essa proposta afetou
produtores irlandeses, gregos, italianos e portugueses e, em menor
medida, dinamarqueses, nlandeses e espanhóis. Os menos prejudicados
foram ingleses, franceses e alemães, devido aos seus respectivos setores
açucareiros serem mais ecientes. Apesar das manifestações em julho
de 2005 organizadas pelos segmentos prejudicados e dos altos custos
políticos que poderão emergir daí, essa proposta buscou a adequação
da UE às regras da OMC para, inclusive, reforça-la nas discussões
da Rodada Doha em outras questões, tais como, liberalização da
indústria, serviços e compras governamentais. Paralelamente, reforçou
o compromisso europeu com regras de comércio multilaterais.
A diplomacia brasileira celebrou a importância da vitória e da
proposta da UE na OMC, reconhecendo que o triunfo foi resultado da
estratégia do governo de unir-se aos empresários do país para lutar nos
organismos multilaterais contra os subsídios nas nações ricas. Em nota
à imprensa divulgada pelo MRE em abril de 2005, o governo brasileiro
sustentou que “As conclusões da disputa sobre o açúcar constituem
um passo importante rumo ao m das distorções no comércio agrícola
mundial e destacam a importância de garantir a integração da agricultura
às determinações da OMC” (FINANCEONE, 2005).
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 185
6.3 - o imPacto da “vitória” Brasileira No comércio agrícola
As “vitórias” brasileiras nos contenciosos do algodão contra os
Estados Unidos e do açúcar contra a UE geraram, há época, um clima
otimista em torno da liberalização do comércio internacional agrícola.
Acreditou-se que os triunfos brasileiros marcariam o início da
exibilização do protecionismo agrícola dos países desenvolvidos. Os
signicados simbólicos deles foi demonstrar que os países ricos não
podiam “mais continuar cando na negativa absoluta nas negociações
agrícolas” (FOLHA DE S. PAULO, 2004b) em detrimento dos países em
desenvolvimento. Na prática, estas “vitórias” consolidariam jurisprudência
na OMC em favor dos países em desenvolvimento (FINANCIAL TIMES,
2004), podendo ser expandida para produtos semelhantes, como o arroz e
o trigo (LEO, 2004).
Como resultado, os produtores de bens agrícolas nos países em
desenvolvimento e não desenvolvidos viriam a ganhar maior competitividade
internacional. Esta traduziria-se em aumento das exportações, diminuição
do desemprego e de suas conseqüências, dentre outros prováveis benefícios,
os quais permitiriam aos países pobres como Benin, Chade, Mali (LIMA,
2005) e da ACP que têm boa parte de sua economia dependente da
exportação de algodão e açúcar, recursos sucientes para o enfrentamento
de graves problemas sociais.
Entretanto, nada disso ocorreu. Estados Unidos e UE apelaram na
OMC e ganharam fôlego na defesa dos subsídios agrícolas. O efeito foi
dissuadir governos e produtores dos países em desenvolvimento e não
desenvolvidos a moverem esse tipo de processo na OMC, tendo em vista
seus elevados custos políticos e nanceiros (LIMA, 2005). Além disso,
esta atitude deslegitimou o papel da OMC no sistema internacional
(RICUPERO, 2004).
Corroborou à época essa interpretação, a armação de Robert
Zoellick, então chefe do USTR, que chegou a debochar do resultado ao
armar que “Uma coisa é ganhar o caso, outra é conseguir os resultados
desejados” (VALOR ECONÔMICO, 2004b). Zoellick alertou ainda que
o contencioso do algodão poderia prejudicar as negociações da ALCA, e
Marcelo Fernandes de Oliveira
186 |
que se outras ações como essa fossem movidas na OMC, a Rodada de
Doha poderia ser debilitada (FOLHA DE S. PAULO, 2004a). O que, de
fato, acabou ocorrendo para as duas negociações comerciais internacionais
no pós-2005.
A entrada da China na OMC, com apoio do Brasil, completou
este quadro, principalmente porque a alta demanda chinesa por produtos
agrícolas nos anos 2000 serviu para encobrir os efeitos danosos dos
subsídios agrícolas dos países desenvolvidos sobre os produtores no mundo
todo. O mercado chinês aquecido pelas commodities agrícolas, no curto
prazo, serviu para amenizar as disputas sobre o tema. Mas, no médio prazo,
sobretudo depois da crise de 2008 no capitalismo global, foi determinante
na erosão do processo de liberalização comercial global, incluindo as
questões agrícolas.
A UE até agiu rapidamente para adequar sua realidade ao resultado
do contencioso na OMC. Contudo, os Estados Unidos alongaram essas
medidas até 2007 quando venceu a Farm Bill (Lei Agrícola dos EUA). O
resultado foi atrasar ainda mais a liberalização comercial agrícola. Realidade
que interessava tanto à União Européia quanto ao Japão.
A resposta brasileira, já na era Lula da Silva, foi à formação do
G-20 agrícola, a partir do qual esta nova coalizão de poder geométrico na
OMC recusou discutir novas ondas de liberalização comercial de setores
que interessavam aos países desenvolvidos, tais como, serviços, compras
governamentais, propriedade intelectual, etc.
O resultado de soma zero foi gerar um completo impasse nas
discussões sobre liberalização comercial global e nos acordos regionais,
como ocorreu em Cancún, no bojo da Rodada Doha, no nal de 2003, que
tem já uma longa duração. Todos estão perdendo, principalmente, os países
africanos, menos favorecidos, em seguida, os países em desenvolvimento,
reunidos em torno do G-20 agrícola e, por m, os países desenvolvidos.
O custo político internacional, sobretudo moral, está sendo bastante
elevado, gerando impactos para os Estados Unidos e o sistema internacional.
A erosão das instituições e jurisprudência internacional, construídas em
um movimento contínuo desde 1945, poderá conduzir a uma nova era
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 187
na qual a lei da selva tende a prevalecer, o que pode ser dramático para a
comunidade internacional, sobretudo para o Brasil que apostou suas chas
no pós-1990 no multilateralismo como base da sua inserção internacional.
Em resumo, as “vitórias” brasileiras na OMC abriram o caminho
à liberalização do comércio internacional agrícola. Entretanto, como
efeito colateral, a aproximação com a China e com os países do G-20
agrícola, se teve um papel no incremento da liderança brasileira nas
discussões agrícolas, contribuiu para travar o avanço da liberalização
do comércio internacional, auxiliando no desmantelamento de bens
públicos globais essenciais à defesa dos interesses da sociedade brasileira
na lógica do multilateralismo.
188 |
| 189
coNsiderações fiNais
Como vimos, observar e compreender a interação dos atores
que contribuíram para o estabelecimento da estrutura de preferência
doméstica durante o processo de formulação das estratégias e das posições
a serem adotadas pela diplomacia brasileira nas negociações comerciais
internacionais na OMC, nos contenciosos das patentes, do algodão e do
açúcar, foi essencial para o país. Há dois motivos principais para isso.
Primeiro, os estudos de caso forneceram subsídios importantes
para reetirmos sobre o desenho institucional mais adequado para o
Estado brasileiro, para que ele tenha ampla capacidade de transformar
as necessidades da sua sociedade civil em oportunidades internacionais.
Os contenciosos do algodão e do açúcar demonstraram como os grupos
econômicos do agro-negócio foram capazes em realizar estudos técnicos
de alta qualidade ecazes para a transmissão com credibilidade dos seus
interesses setoriais à diplomacia brasileira. Subsidiando-a durante as
negociações comerciais na OMC com informações precisas à defesa
setorial frente aos subsídios agrícolas dos países desenvolvidos. Igualmente,
o contencioso das patentes revelou a potencialidade das interações entre
ONG´s e estruturas burocráticas para a defesa de políticas públicas
nacionais fundamentais para o tratamento de doentes de AIDS no Brasil.
O legado histórico-diplomático da diplomacia brasileira pela
ampliação da democracia e do multilateralismo no mundo nestes
contenciosos também precisa traduzir-se na construção de instituições
Marcelo Fernandes de Oliveira
190 |
políticas democráticas à canalização das demandas dos grupos econômicos
e sociais que têm interesses nas negociações comerciais internacionais.
Em outras palavras, as experiências de interação entre policy-makers
e atores domésticos e internacionais acumuladas tanto pelo Estado
brasileiro na gura da sua diplomacia, quanto pela sociedade civil nesses
contenciosos na OMC na era FHC e no início da era Lula da Silva, permite
armar ser necessário a elaboração de instituições democráticas ex-ante e
ex-post, horizontais e verticais, para a formulação da política comercial e
externa do Brasil. Cabe ao MRE papel relevante, mas não exclusivo na
função de formulá-la. Um ponto de partida razoável é a experiência, a
ser aperfeiçoada, da relação entre a CEB (Coalizão Empresarial Brasileira)
e o MRE. Outros pontos de partida igualmente interessantes seriam as
experiências mais informais entre a sociedade civil envolvida na saúde
pública, especicamente a questão do tratamento da AIDS, com o
Ministério da Saúde, e as experiências mais formais do segmento agrícola,
suas entidades representativas e seus institutos de pesquisa em parceira
com o Ministério da Agricultura.
Nesta perspectiva, Roberto Teixeira da Costa
1
corrobora com a
ideia ao armar que “Sem um diálogo totalmente transparente entre setor
público e privado, dicilmente haverá progresso nas negociações e não
se conseguirá atingir objetivos que realmente atendam às necessidades do
País”. Ele reconhece que “[...] o papel dos negociadores não é fácil, pois
sua capacidade de dialogar tem que ser mantida em duas frentes: a interna,
na busca de um mínimo consenso, e a externa, obtendo os melhores
termos para o nosso país. Mas defende a manutenção de um canal amplo
nessas conversações” (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2004a). Segundo
Lohbauer
2
(2004), o governo Lula, apesar de ter colhido os frutos das
vitórias na OMC na questão agrícola, paradoxalmente, tem retirado da
agenda do MRE a iniciativa de Celso Lafer de tornar mais transparente
Entre 1998 e 2000, Roberto Teixeira da Costa foi o Presidente Internacional do CEAL - Conselho de
Empresários da América Latina. Foi vice-presidente do Conselho de Administração do Banco Sul América e
da Sul América Investimentos e Vice Presidente do CEBRI - Centro Brasileiro de Relações Internacionais. Foi
membro do Conselho de Administração e consultor de diversas empresas como: Banco Itaú, BUNGE, Pão de
Açúcar e do Conselho Consultivo do Estado de São Paulo, Brasmotor e Pirelli.
 Ex-Gerente de Relações Internacionais da FIESP.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 191
e democrática a formulação da política externa. Para ele “Esse governo
consulta menos, leva menos em consideração”.
Segundo Jank (2004), a relação entre sociedade civil e governo
ainda era muito falha, precisava ser aperfeiçoada, inclusive porque não
há como denir uma posição nacional a portas fechadas. Ele destacou
a necessidade de um órgão governamental para reunir e deliberar sobre
a política comercial externa do país com consulta à sociedade. Até
porque a sociedade faz sua parte. Inclusive, o poder público utilizou no
contencioso do algodão contra os Estados Unidos e do açúcar contra
a UE serviços produzidos na iniciativa privada, especicamente no
ICONE
3
(JANK, 2004).
O que faltou na era FHC e, depois, na era Lula da Silva, foi criar e
consolidar mecanismos rígidos de consulta interministerial e aos interesses
sociais com accountable junto ao Congresso, mediante audiências regulares.
Para evitar que o governo sentisse-se livre, leve e solto para celebrar
negociações comerciais internacionais na base da política externa clássica,
dando pouca atenção ao comércio internacional.
Muitas alternativas para o equacionamento dessa questão podem
ser encontradas na experiência de outros países e podem servir como
modelo para o Brasil construir suas instituições democráticas para
o tratamento da política externa e comercial, especicamente, das
negociações comerciais internacionais.
O exemplo paradigmático é o USTR nos Estados Unidos, onde as
interações entre grupos de interesse, Legislativo e Executivo são perceptíveis
e dotadas de institucionalidade (VIGEVANI, 1995). Isso porque o USTR,
agência do Executivo para o comércio internacional, possui a participação
formal de representantes de empresas e associações privadas, além de
O ICONE é uma organização independente criada com recursos de oito associações de interesse privado no
Brasil e que desenvolve estudos e investigações aplicadas que servem de base para as negociações internacionais
na área do agronegócio. É formado por uma equipe xa de pesquisadores com formação multidisciplinar e
uma rede de colaboradores nas universidades, nos centros de investigação, etc. O instituto mantém projetos
em comum com organismos internacionais, órgãos governamentais e empresas privadas. Seus produtos são
estudos técnicos, relatórios de pesquisas, documentos estratégicos, informações e análises sobre as agendas
das negociações e a avaliação de seus impactos nas políticas comerciais agrícolas do Brasil e de outros países.
Produz também base de dados e análises quantitativas que permitem melhorar o posicionamento brasileiro nas
negociações internacionais (ICONE BRASIL, 2005).
Marcelo Fernandes de Oliveira
192 |
legisladores, no seu processo de formulação de políticas. As ações do USTR
são acompanhadas de perto, quando não delimitadas, pelo Legislativo,
o que ca evidente ao se analisar a TPA (Trade Promotion Authority) de
2002 (EMBAIXADA BRASILEIRA EM WASHINGTON, 2002). Como
vimos no capítulo 4, houve um esforço legislativo para criar instrumentos
e mecanismo institucionais semelhantes no Brasil, entretanto, na era Lula
da Silva não houve evolução.
No caso dos Estados Unidos, cou evidente que as relações domésticas
entre grupos de interesse, parlamentares e membros do Executivo,
equalizadas por estruturas e instituições domésticas, como USTR e a TPA,
funcionaram como correias de transmissão dos interesses domésticos norte-
americanos para a sociedade internacional. Tendo em conta o poder dos
Estados Unidos e sua relevância para a formação dos regimes internacionais,
o USTR teve grande capacidade de internacionalizar e legitimar as suas
preferências domésticas no regime internacional de comércio, cristalizando-
as, por exemplo, na OMC. Como observamos no contencioso do algodão
e do açúcar, a diplomacia brasileira tentou trilhar este caminho no tocante à
liberalização do comércio agrícola. No caso das patentes, o recuo dos Estados
Unidos permitiu a exibilização do TRIPS para atender as demandas e as
necessidades dos países em e menos desenvolvidos.
O segundo motivo que tornou essencial observar e compreender
a interação entre atores domésticos durante negociações comerciais
internacionais relaciona-se ao “sucesso relativo” do Brasil na OMC nos
estudos de caso analisados. Tal sucesso foi possível devido a três elementos
principais: escolha do multilateralismo na OMC no bojo da “autonomia
como integração” como estratégia de ação internacional; a busca por
demandas de forte apelo moral; e, por m, a interação democrática com
atores domésticos e internacionais.
A interconexão entre esses três elementos proporcionou credibilidade
e legitimidade à estratégia de política externa e comercial brasileira durante
as arbitragens nos panels e as negociações comerciais internacionais na
OMC. Além disso, essa dinâmica interativa possibilitou a emergência
de novas alianças e coalizões de poder na política internacional entre os
países em desenvolvimento e menos desenvolvidos que cou conhecida
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 193
como IBSA – no contencioso das patentes – e G-20 – nos contenciosos do
algodão e do açúcar.
O contencioso das patentes permitiu ao Brasil e aos aliados no
IBSA exibilizar o TRIPS em prol das suas necessidades de saúde pública,
enquanto os contenciosos do algodão e do açúcar apoiados pela coalizão do
G-20, mais abrangentes, signicaram um novo elemento na conguração
do regime de comércio agrícola internacional. Além disso, tiveram impacto
na conguração do ambiente internacional nas décadas seguintes, inclusive
contribuindo à erosão do sistema multilateral de comércio internacional.
Por m, a credibilidade e a legitimidade da estratégia brasileira para
tanto só foi possível devido à interação democrática entre policy-makers e
sociedade civil nacional e internacional em vários fóruns, sobretudo na
OMC, como vimos. Contudo, a falta de sua institucionalização relegou
essas experiências à memória nacional.
Este livro também teve como objetivo demonstrar as vantagens
de um modelo mais democrático de formulação e execução de política
externa e comercial para o país. Para chamar a atenção sobre a necessidade
de reformas institucionais nesta área no país.
A experimentação neste caso bem sucedida e totalmente controlada
pelo governo federal e a burocracia especializada do MRE na era FHC
indicou que reformas institucionais que garantissem maior participação do
poder legislativo e da sociedade brasileira em assuntos externos seria bem
vinda, visando ampliar ganhos ao país no cenário internacional marcado
pela globalização multidimensional.
194 |
| 195
referêNcias
ABREU, M. P. O Brasil, o GATT e a OMC. Política Externa, São Paulo, v. 9, n. 4, p.
89-119, 2001.
ALCÂNTARA, L. Os parlamentos e as relações internacionais. Revista Brasileira de
Política Internacional, Brasília, v. 44, n. 1, 2001, p. 14.
ARAÚJO CASTRO, J. A. Araújo Castro. Brasília: Editora UnB, 1982.
BARROS, S. R. A execução da política externa brasileira: um balanço dos últimos 4
anos. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 42, n. 2, p. 18-28, 1998.
BHALA, R. International Trade Law: theory and practice. New York: Lexis Publishing,
2001.
BORGER, J. USA: Pharmaceutical Industry Stalks the Corridors of Power. e
Guardian Unlimited. 2001. Disponível em: http://www.CorpWatch.org. Acesso em: 26
set. 2003.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: DF, 1988.
BRASIL. Decreto 4759/2003. Presidência da República. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4759.htm. Acesso em: 23 out. 2003.
BRASIL. Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à
propriedade industrial. Disponível em: http://www.mct.gov.br/legis/leis/9279_96.htm.
Acesso em: 15 dez. 2003.
BRASIL. Projeto de Lei 189/2003. Disponível em: http://www1.senado.gov.br/
eduardosuplicy/frm_vidaparlamentar.htm. Acesso em: 21 nov. 2004.
BRASIL. Regulamento interno da câmara dos deputados. Brasília: DF, 2000.
BRAZIL-U.S. Business Council. Insiders Guide to Trade Promotion Authority. São
Paulo, abr. 2002.
Marcelo Fernandes de Oliveira
196 |
BRENNER, R. e economic of global turbulence. New Left Review, London, v.
228, 1998.
BROWNE, W. P. Cultivating Congress: constituents, issues, and interest in agricultural
policymaking. Kansas: University Press of Kansas, 1995.
CAMPELLO DE SOUZA, M. C. Estado e partido político no Brasil. São Paulo: Alfa-
Ômega, 1990.
CAREY, J.; SHUGART, M. Presidents and assemblies: constitucional design and electoral
dynamics. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.
CAREY, J.; SHUGART, M. Poder Executivo de decreto: chamando os tanques ou
usando a caneta?. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 13, n. 37, 1998.
CASTELLS, M. e Rise of the Network Society - e Information Age: economy, society
and culture. Oxford: Blackwell Publishers, 1996.
CASTRO SANTOS, M. H. Governabilidade, governança e democracia: criação da
capacidade governativa e relações Executivo-Legislativo no Brasil pós-constituinte.
Dados, Rio de Janeiro, v. 40, n. 3, p. 335-376, 1997.
CENTER FOR RESPONSIVE POLITICS. Inuence Inc 2000: top industries:
pharmaceuticals/health products. 2000. Disponível em: http://www.opensecrets.org/
pubs/lobby00/topind01.asp. Acesso em: 26 set. 2003.
CENTER FOR RESPONSIVE POLITICS. Top Contributors: pharmaceutical/
health products. 2000. Disponível em: http://www.opensecrets.org/industries/contrib.
asp?Ind=H04&Cycle=2000. Acesso em: 26 set. 2003.
CEPALUNI, G. O contencioso Brasil X Estados Unidos no setor farmacêutico e a licença
compulsória para medicamentos contra o HIV/AIDS: regimes internacionais, atores
transnacionais e política doméstica. 2004. Dissertação (Mestrado acadêmico em
Relações Internacionais) - Programa San Tiago Dantas - Unesp, Unicamp e PUC/SP,
São Paulo, 2004.
CLINTON, W. J. Remarks as Delivered “Action For the Global Good”. Barcelona, 12.
jul. 2002. Disponível em: http://www.clintonpresidentialcenter.com/barcelona_speech.
html. Acesso em: 01 maio 2004.
CORTELL, A. P.; DAVIS, J. W. How do international institutions matter? Domestic
impact of international rules and norms. International Studies Quarterly, Cary, v. 40, n.
4, 1996.
COUTINHO, M. J. V. Democracia, desenvolvimento e regionalismo. In:
ENCONTRO NACIONAL DA ABCP - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
CIÊNCIA POLÍTICA ÁREA RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 3., Painel (4)
Regimes Internacionais, Instituições e Política Externa, 28 - 31 jul. 2002, UFF, Niterói.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 197
COX, R. W. Social forces, states, and world orders: beyond international relations
theory. Millennium: Journal of International Studies, London, v. 10, p. 126-55, 1981.
DROPE, J. M.; HANSEN, W. L. Purchasing protection: the eect of political
spending on U.S. trade policy. Political Research Quarterly, ousand Oaks, v. 57, n.
1, Mar. 2004.
EMBAIXADA DO BRASIL EM WASHINGTON. A Lei Comercial Americana de 2002
e a “Trade Promotion Authority: o que é e como impacta as negociações comerciais.
Mimeo, 2002.
EVANGELISTA, M. Domestic Structure and International Change. In: DOYLE, M.
W.; IKENBERRY, J. G. New inking in International Relations eory. Boulder, CO:
Westview Press, 1997.
FIGUEIREDO, A. C.; LIMONGI, F.; VALENTE, A. L. Governabilidade e
Concentração de Poder Institucional. O governo FHC. Revista Tempo Social, São Paulo,
v. 11, p. 49-62, 2000.
FIGUEIREDO, A. C.; LIMONGI, F. O Congresso e as medidas provisórias: abdicação
ou delegação?. Novos Estudos Cebrap, Itajaí, v. 47, p. 127-154, 1997.
FIGUEIREDO, A. C.; LIMONGI, F. Executivo e Legislativo na nova ordem
constitucional. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 1999.
FIGUEIREDO, A. C.; LIMONGI, F. Partidos políticos na Câmara dos Deputados:
1989-1994. Dados, Rio de Janeiro, v. 38, n. 3, p. 497-525, 1995.
FINANCEONE. Brasil comemora abertura de mercado ao açúcar. 29 abr. 2005.
Disponível em: http://www.nanceone.com.br/noticia.php?lang=br&nid=13565.
Acesso em: 30 abr. 2005.
FINANCIAL TIMES. Editorial. OMC concorda que subsídios para algodão são um
escândalo. Financial Times, 28 abr. 2004. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/
midiaglobal/ntimes/ult579u1109.jhtm. Acesso em: 28 abr. 2004.
FOLHA DE S. PAULO. Redação. Bush arma contra-ataque à vitória do Brasil. Folha de
S. Paulo, São Paulo, 29 abr. 2004a. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/
dinheiro/2904200436.htm. Acesso em: 29 abr. 2004.
FOLHA DE S. PAULO. Vitória do país é comemorada pelos africanos. Folha de S.
Paulo, São Paulo, 19 jun. 2004b. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/
dinheiro/1906200436.htm. Acesso em: 19 jun. 2004.
FONSECA Jr., G. A legitimidade e outras questões internacionais. São Paulo: Paz e
Terra, 1998.
GATT. e General Agreement on Taris and Trade. Geneva: GATT, 1986.
GAZETA MERCANTIL. Diretrizes para as negociações externas. 11 ago. 2003, p. A-3.
Marcelo Fernandes de Oliveira
198 |
GILPIN, R. e political economy of international relations. Princeton: Princeton
University Press, 1987.
HAAS, P. M. Introduction: epistemic communities and international policy
coordination. International Organization, Cambridge, v. 46, p. 1-37, 1992.
HAMILTON, A. A utilidade da União no tocante ao comércio e à Marinha. In:
MADISON, J.; HAMILTON, A.; JAY, J. Os artigos federalistas (1787-1788). Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
HART, C. E.; BABCOCK, B. A. U.S. farm policy and the World Trade Organization:
how do they match up? Iowa: Iowa State University; Center for Agricultural and Rural
Development, 2002.
HARVEY, D. Condição Pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1999.
HOBSBAWM, E. Breve século XX. São Paulo: Paz e Terra, 1995.
ICONE BRASIL. Quem somos. 2005. Disponível em: http://www.iconebrasil.org.br/
portugues/conteudo.asp?idCategoria=2. Acesso em: 20 jun. 2005.
JANK, M. S. Entrevista. São Paulo, 23 mar. 2004.
KANT, I. Projet de paix perpétuelle. Paris: Vrin, 1984.
KENNEDY, P. Ascensão e queda das grandes potências. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
KEOHANE, R. O.; NYE, J. S. Power and interdependence. Boston: Scott, Foresman and
Company, 1989.
KEOHANE, R. Soberania estatal e instituições multilaterais: respostas à
interdependência assimétrica. In: MOISÉS, J. A. (org.). O futuro do Brasil: a América
Latina e o m da Guerra Fria. São Paulo: Paz e Terra/Política internacional e comparada
– USP, 1992. p. 165 - 191.
KEOHANE, R.; NYE, Jr. Transnational Relations and World Politics: an introduction.
In: KEOHANE, R.; NYE, Jr. (ed.). Transnational Relations and World Politics.
Cambridge: Harvard University Press, 1989. p. 329-349.
KEYNES, J. M. A Teoria geral do juro, da moeda e do emprego. São Paulo: Abril
Cultural, 1988.
LAFER, C. A OMC e a regulação do comércio internacional: uma visão brasileira. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1998.
LAFER, C. Brasil: dilemas e desaos da política externa. Estudos Avançados, São Paulo,
v. 14, n. 38, 2000.
LAFER, C. Discurso pronunciado em sua posse como Ministro de Relações Exteriores
brasileiro. Brasília, 2001a.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 199
LAFER, C. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira: passado,
presente e futuro. São Paulo: Perspectiva, 2001b.
LAKATOS, I. História da Ciência e suas Reconstruções Racionais. Lisboa: Edições
70, 1998.
LANDIM, R. UE amplia para US$ 2,9 bi a oferta agrícola ao Mercosul. Valor
Econômico, São Paulo, 06 maio 2004.
LEO, S.; LANDIM, R. Decisão da OMC não encerra caso do algodão. Valor
Econômico, São Paulo, 15 jun. 2004. Brasil, p. A5.
LIMA Jr., O. B. A reforma das instituições políticas: a experiência brasileira e o
aperfeiçoamento democrático. Dados, Rio de Janeiro, v. 36, n. 1, p. 89-117, 1993.
LIMA Jr., O. B. Instituições políticas democráticas: o segredo da legitimidade. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
LIMA, T. As relações entre Executivo, Legislativo e grupos de interesse norte-americanos
no contencioso do algodão. Cadernos CEDEC, São Paulo, n. 73, 2005.
LOCKE, J. Segundo Tratado sobre o Governo Civil – e outros escritos (Ensaio sobre a
origem, os limites e os ns verdadeiros do governo civil). Petrópolis: Vozes, 1994.
LOHBAUER, C. Entrevista. São Paulo. 17 fev. 2004.
MAINWARING, S. Politicians, parties, and electoral systems: Brazil in comparative
perspective. Comparative Politics, New York, v. 24, n. 1, 1991.
MANSFIELD, E. D.; HENISZ, W. J. Votes and vetoes: the political determinants of
commercial openness. Philadelphia: University of Pennsylvania, 2004. Working Paper.
Disponível em: http://www-management.wharton.upenn.edu/henisz/papers/vv.pdf.
Acesso em: 15 out. 2004.
MARTIN, L. Democratic commitments: legislature and international cooperation.
Princeton: Princeton University, 2000.
MCCUBBINS, M.D.; SCHWARTZ, T. Congressional oversight overlooked: police
patrol versus re alarm. American Journal of Political Science, Hoboken, v. 28, n. 165-
179, 1984.
MELLO, F. C. Regionalismo e inserção internacional: continuidade e transformação da
política externa brasileira nos anos 90. 2000. Tese (Doutorado) - Departamento de
Ciência Política da Faculdade de Filosoa, Letras e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2000.
MENEGUELO, R. Partidos e governos no Brasil contemporâneo (de 1985 a 1997). São
Paulo: Paz e Terra, 1998.
MILNER, H. V. Interests, institutions and information: domestic politics and
international relations. New Jersey: Princeton University Press, 1997.
Marcelo Fernandes de Oliveira
200 |
MONTESQUIEU, B. S. Do Espírito das Leis. São Paulo: Nova Cultural, 1997. (Os
Pensadores).
MORAES, R. Neoliberalismo: de onde vem, para onde vai? São Paulo: Editora
SENAC, 2001.
MORAVCSIK, A. Preferences and power in the European Community: a liberal
intergovernmentalist approach. In: BULMER, S.; ANDREW, S. Economic and
political integration in Europe: internal dynamics and global context. Oxford: Blackwell
Publishers, 1994. p. 29-85.
MORAVCSIK, A. Taking preferences seriously: a liberal theory of international politics.
International Organization, Cambridge, v. 4, n 51, 1997.
MURPHY, C. N. International organization and industrial change: global governance
since 1850. Cambridge: Polity Press, 1994.
NEVES, J. A. C. O papel do Legislativo nas negociações do Mercosul e da ALCA.
Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, 2003.
NYE Jr., J. O paradoxo do poder americano. São Paulo: Unesp, 2002.
O ESTADO DE SÃO PAULO. Comunicação truncada. O Estado de S. Paulo,
São Paulo, 4 jul. 2004a. Disponível em: http://www.estadao.com.br/ecolunistas/
sonia/04/07/sonia040705.htm. Acesso em: 27 jul. 2004.
O ESTADO DE SÃO PAULO. Limites da OMC beneciam países ricos. O Estado
de S. Paulo, São Paulo, 3 maio 2004b. Disponível em: http://www.mre.gov.br/
portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe.asp?ID_RESENHA=46621. Acesso
em: 12 maio 2004.
OFFICE OF THE UNITED STATES TRADE REPRESENTATIVE. Brazil – Patent
Protection (WT/DS199). 2001a. Disponível em: http://www.ustr.gov/html.itds.html.
Acesso em: 12 jan. 2004.
OFFICE OF THE UNITED STATES TRADE REPRESENTATIVE.
TRIPS and Health Emergencies. 2001b. Disponível em: http://www.ustr.gov/
releases/2001/11/01-97.htm. Acesso em: 20 abr. 2004.
OFFICE OF THE UNITED STATES TRADE REPRESENTATIVE. United States
and Brazil agree to use newly created Consultative Mechanism to promote cooperation on
HIV/AIDS and address WTO patent dispute. Washington D.C.: Jun. 2001. Disponível
em: http://www.ita.doc.gov/td/icp/PRs/WTO/WTOBrazil/AIDS010625.html. Acesso
em: 12 jan. 2004.
OLIVEIRA, A. J. N. S. Legislativo e política externa: das (in)conveniências da
abdicação. Caeni, São Paulo, Working Papers, n. 3, 2003. Disponível em: http://www.
caeni.com.br/read/publicacoes/working3.pdf. Acesso em: 20 dez. 2003.
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 201
OLIVEIRA, M. D. Cidadania e Globalização: a política externa brasileira e as ONG’s.
Brasilia: FUNAG/Instituto Rio Branco, 1999.
OLIVEIRA, M. F. Mercosul: atores políticos e grupos de interesse brasileiros. São Paulo:
Unesp, 2003.
OLIVEIRA, M. F. Leviatã: ensaios de teoria política. Londrina: Práxis, 2001.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC). Brazil – measures
aecting patent protection: request for the establishment of a panel by the United States
(WT/DS/199/3). Genebra: Janeiro 2001a. Disponível em: http://docsonline.wto.org/
DDFDocuments/t/WT/DS/199-3.doc. Acesso em: 15 jan. 2004.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC). Brazil – measures aecting
patent protection: notication of mutually agreed solution (WT/DS199/4 G/L/454
IP/D/23/Add.1). Genebra: Jul. 2001b. Disponível em: http://docsonline.wto.org/
DDFDocuments/t/IP/d/23A1.doc. Acesso em: 15 jan. 2004.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC). Declaration on the
TRIPS Agreement and Public Health. Doha: Novembro 2001c. Disponível em:
http://docsonline.wto.org/DDFDocuments/t/WT/min01/DEC2.doc. Acesso em:
15 jan. 2004.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC). DS267. 2002.
Disponível em: http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/dispu_subjects_index_e.
htm#bkmk33. Acesso em: 04 maio 2004.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC). United States prole.
2004. Disponível em: http://stat.wto.org/CountryProles/US_e.htm. Acesso em: 21
nov. 2004.
OXFAM. Fidindg the moral ber. Why reform is urgently needed for a fair cotton
trade. Oxfam brieng paper, n. 69, out. 2004.
OXFAM. GB. Drug Companies vs. Brazil: the threat to public health. Oxford, Maio
2001. Disponível em: http://www.oxfam.org.uk/what_we_do/issues/health/drugcomp_
brazil.htm. Acesso em: 26 set. 2003.
PALERMO, Vicente. Como se governa o Brasil? O debate sobre instituições políticas e
gestão de governo. Dados, Rio de Janeiro, v. 43, n.3, p.521-557, 2000.
PINHEIRO, L. Os véus da transparência: política externa e democracia no Brasil. IRI
Textos, Rio de Janeiro, n.25, p.1-18, 2002.
PUTNAM, R. Diplomacy and domestics politics: e logic of Two Level Games.
In: EVANS, P.; JACOBSON, H. K.; PUTNAM, R. Double-Edged Diplomacy:
international bargaining and domestics politics. Los Angeles: University of California
Press, 1993. p. 69-83.
Marcelo Fernandes de Oliveira
202 |
REZEK, J. F. Parlamento e Tratados Internacionais. 2003. Disponível em: http://www.
usp.br/sibi/produtos/mcn/tomo05/index.html. Acesso em: 23 out. 2003.
RICUPERO, R. O prêmio da coragem. Folha de S. Paulo, São Paulo, 2 maio 2004.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/0205200403.htm. Acesso
em: 02 maio 2004.
RISSE-KAPPEN, T. Public Opinion, Domestic Structure, and Foreign Policy in Liberal
Democracies. World Politics, Cambridge, v. 43, n. 4, p. 479-512, Jul. 1990.
ROFFE, P. Nota sobre direitos de propriedade intelectual e saúde pública. Política
Externa, São Paulo, v. 12, n. 3, 2004.
ROGOWSKI, R. Commerce and coalitions how trade aects domestic political alignments.
Princeton: Princeton University Press, 1990.
ROSENAU, J. N. Public Opinion and Foreign Policy. New York: Random House, 1990.
ROSSI, C. Rifa nancia vitória do Brasil contra os EUA. Folha de S. Paulo, São
Paulo, 28 abr. 2004. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/
2804200436.htm. Acesso em: 28 abr. 2004.
ROUSSEAU, J. J. Rousseau e as Relações Internacionais. Brasília: Funag/IPRI, EdunB;
São Paulo: Imprensa Ocial do Estado, 2002.
SAINT-PIERRE, A. Projeto para tornar perpétua a paz na Europa. Brasília: Funag/IPRI,
EdunB; São Paulo: Imprensa Ocial do Estado, 2002.
SANTOS, F. O Poder Legislativo no Presidencialismo de Coalizão. Belo Horizonte:
Editora da UFMG, 2003.
SANTOS, F.; PATRÍCIO, I. Moeda e poder Legislativo no Brasil: prestação de contas
nos bancos centrais no presidencialismo de coalizão. Revista Brasileira de Ciências Sociais,
São Paulo, v. 17, n. 49, jun. 2002.
SARTORI, G. Nem Presidencialismo, nem Parlamentarismo. Novos Estudos Cebrap, São
Paulo, n. 35, 1993.
SHAFFER, G. Recognizing Public Goods in WTO Dispute Settlement: Who Participates?
Who decides? e Case of TRIPS and Pharmaceutical Patent Protection. Mimeo, 2004.
SILVA, C. E. L. Política e comércio exterior. In: LAMOUNIER, B.; FIGUEIREDO,
R. A Era FHC: um balanço. São Paulo: Cultura, 2002. p. 295-330.
SINGH, K. Anthrax, Drug Transnationals, and TRIPS. Foreign Policy In Focus. 2002.
Disponível em: http://www.fpip.org/outside/commentary/2002/0204trips_body.html .
Acesso em: 20 abr. 2004.
SMITH, A. A Riqueza das Nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. São
Paulo: Nova Cultural, 1996. (Coleção Os Economistas).
Negociações comerciais internacionais e democracia
| 203
SOARES DE LIMA, M. R. Instituições democráticas e política exterior. Contexto
Internacional, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, 2000.
SOARES DE LIMA, M. R.; SANTOS, F. O congresso brasileiro e a política de
comércio exterior. Lua Nova, São Paulo, n. 53, 2001.
SOBRAL, I. Brasil vence disputa do algodão contra os Estados Unidos. O Estado
de São Paulo, São Paulo, 19 de jun. 2004. Disponível em: www.mre.gov.br/
portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe.asp?ID_RESENHA=57545. Acesso
em: 19 abr. 2004.
THE HENRY J. KAISER FAMILY FOUNDATION. Clinton Foundation Plans To
Treat 700,000 AIDS Patients in Africa, Caribbean Over Next Five Years. Kaiser Daily
HIV/AIDS Report, 17. jun. 2003a. Disponível em: http://www.kaisernetwork.org/daily_
reports/rep_index.cfm?hint=1&DR_ID=18300. Acesso em: 20 abr. 2004.
THE HENRY J. KAISER FAMILY FOUNDATION. Clinton Urges Nations to
Develop Plans to Halt HIV/AIDS, Says He Regrets Opposing Needle Exchange
Programs While President. Kaiser Daily HIV/AIDS Report, 12. jul. 2002. Disponível
em: http://www.kaisernetwork.org/daily_reports/rep_index.cfm?DR_ID=12289. Acesso
em: 20 abr. 2004.
THE HENRY J. KAISER FAMILY FOUNDATION. Former President Clinton
Visits Generic Drug Maker Ranbaxy in India, Shows Support for Lower-Cost
AIDS Drugs. Kaiser Daily HIV/AIDS Report, 21. nov. 2003b. Disponível em:
http://www.kaisernetwork.org/daily_reports/rep_index.cfm?DR_ID=20986.
Acesso em: 20 abr. 2004.
THE NEW YORK TIMES. Lobby ruralista determinou vitória do Brasil na OMC. 2004.
Disponível em: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/ult574u3967.jhtm.
Acesso em: 04 maio 2004.
THORSTENSEN, V. OMC: as regras do comércio internacional e a nova rodada de
negociações multilaterais. São Paulo: Aduaneiras, 2001.
TRIBUNA DA IMPRENSA. Brasil vence mais uma disputa na OMC, desta vez contra a
UE. 05 ago. 2004. Disponível em: http://www.tribuna.inf.br. Acesso em: 12 dez. 2004.
UNICA. Safra do Centro-Sul é maior e mais alcooleira. 2003. Disponível em: http://
www.unica.com.br/pages/coletivas_2003_11_12.asp. Acesso em: 12 dez. 2004.
VALOR ECONÔMICO. EUA insinuam que podem manter ajuda ao algodão. São
Paulo, A-5, 15 jun. 2004b.
VALOR ECONÔMICO. EUA podem levar anos para reduzir subsídios condenados. São
Paulo, A-5, 28 abr. 2004a.
VEIGA, J. P. C. As políticas domésticas e a negociação internacional: o caso da indústria
automobilística no Mercosul. 1999. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Faculdade
de Filosoa, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
Marcelo Fernandes de Oliveira
204 |
VELASCO E CRUZ, S. C. Um outro olhar: sobre a análise gramsciana das
organizações internacionais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 15, n. 42,
fev. 2000.
VIGEVANI, T.; MARIANO, K. L. P.; OLIVEIRA, M. F. Mercosur: democracy
and political actors. In: PREVOST, G.; OLIVA, C. (org.). Neo-liberalism and Neo-
Bolivarism- e View from Latin America. New York: St. Martins Press, 2001. p.
239-277.
VIGEVANI, T. O contencioso Brasil X Estados Unidos da informática: uma análise sobre
formulação da política exterior. São Paulo: Alfa-Omega/Edusp, 1995.
VIGEVANI, T.; OLIVEIRA, M. F. A política externa brasileira na era FHC: um
exercício de autonomia pela integração. In: ENCONTRO NACIONAL DA ABCP -
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIÊNCIA POLÍTICA, 4., Rio de Janeiro/RJ, 2004.
VIGEVANI, T.; OLIVEIRA, M. F. A política externa norte-americana em transição: de
Clinton a G. W. Bush. Política Externa, São Paulo, v. 10, n. 2, 2001.
VIGEVANI, T.; OLIVEIRA, M. F.; LIMA, T.; MENDONÇA, F. Estados Unidos:
política comercial e órgãos de execução. Relatório cientíco parcial enviado à FAPESP.
Ago. 2005.
VIGEVANI, T; OLIVEIRA, M. F. Política externa no governo FHC: a busca de
autonomia pela integração. Tempo Social, São Paulo, v. 15, n. 2, 2003.
WALTZ, K. N. Teoria della politica internazionale. Bologna: Il Mulino, 1987.
catalogação
Andre Sávio Craveiro Bueno
CRB 8/8211
Normalização
Maria Elisa Valentim Pickler Nicolino
CRB - 8/8292
caPa e diagramação
Gláucio Rogério de Morais
Produção gráfica
Giancarlo Malheiro Silva
Gláucio Rogério de Morais
assessoria técNica
Renato Geraldi
oficiNa uNiversitária
Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
formato
16 x 23cm
tiPologia
Adobe Garamond Pro
PaPel
Polén soft 70g/m2 (miolo)
Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
tiragem
100
imPressão e acaBameNto
2022
soBre o livro
NEGOCIAÇÕES
COMERCIAIS
INTERNACIONAIS
E DEMOCRACIA
o Brasil nos contenciosos
da OMC na era FHC
(1995-2002)
Marcelo Fernandes
de Oliveira

 !
Marcelo Fernandes de Oliveira
“NEGOCIAÇÕES COMERCIAIS INTERNACIONAIS E DEMOCRACIA” aborda um
tema de elevada relevância para as Relações Internacionais do Brasil, mas também
para os setores de formulação legislativa e de execução de políticas públicas.
Partindo de uma questão clássica da Política Externa Brasileira – a tese do
insulamento burocrático do Ministério das Relações Exteriores -, o prof. Marcelo F.
de Oliveira se debruça sobre as novas condições sob as quais as negociações
comerciais internacionais do País passam a ocorrer nos governos liderados pelo
PSDB (1995-2002). Para executar essa tarefa, o autor dialoga com teorias liberais
das Relações Internacionais e encontra, no modelo do Jogo de Dois Níveis, a base
teórica para interpretar os movimentos de barganha, táticos e estratégicos,
realizados pelo Brasil e seus interlocutores.
Nos governos de Fernando Henrique Cardoso, as negociações foram travadas
em contexto que trazia novidades: a redemocratização e o impulso da globalização.
Nesta nova era, por um lado, a participação do Congresso Brasileiro deveria se tornar
mais relevante para as Relações Internacionais do Brasil, já que boa parte da
credibilidade acerca da internalização dos compromissos internacionais passa a ser
decidida pelo Legislativo. Por outro lado, o autor analisa que não são todos os temas
de comércio ou negociação internacionais que despertam o interesse dos
parlamentares, e avalia como isso impacta a capacidade da Presidência e do
Itamaraty de encaminhar as negociações, mesmo aquelas que ocorrem em
ambientes mais institucionalizados, como no Órgão de Solução de Controvérsias da
Organização Mundial do Comércio (OMC).
Estas reflexões estão lastreadas no estudo detalhado de três contenciosos –
patentes farmacêuticas, algodão e açúcar – travados no âmbito da OMC, sendo os
dois primeiros contra os Estados Unidos e o terceiro contra a União Europeia. Os
casos, para além de fomentar a reflexão teórica, trazem importantes registros
empíricos destas negociações paradigmáticas para o Brasil e para a literatura
internacional.
Em suma, ‘Negociações Comerciais Internacionais e Democracia” é uma obra
fundamental para a compreensão da capacidade negociadora do País em um
contexto democrático e de globalização. O livro ilumina processos de formulação e
dinâmicas de decisão complexos que os negociadores estrangeiros devem
considerar em suas relações com o Brasil e que, portanto, os próprios negociadores
brasileiros não podem ignorar.
Thiago Lima
Professor Associado do Departamento de Relações Internacionais e do Programa
de Pós-Graduação em Gestão Pública e Cooperação Internacional da UFPB.
Marcelo Fernandes de Oliveira é
Professor Livre Docente da UNESP –
Campus de Marília – no
Departamento de Ciências Políticas e
Econômicas. Atua no Programa de
Pós-Graduação em Ciência da
Informação, na linha de pesquisa
Gestão, Mediação e Uso da
Informação. É líder do grupo de
pesquisa IGEPRI – Instituto de
Gestão Pública e Relações
Internacionais – certificado no CNPQ
e pesquisador do IPPMar – Instituto
de Políticas Públicas de Marília. É
editor-chefe do periódico científico
Brazilian Journal of International
Relations. Mantêm coluna de opinião
em jornais e revistas e atua como
publisher do Observatório da Gestão
Pública. É assessor e consultor de
agências de fomento à ciência, entre
elas FAPESP, CNPQ e CAPES. Possui
experiência administrativa na gestão
pública e assessoramento em
negociações internacionais.




