É possível haver crianças consumis-
tas, sem que tenham capacidade para se au-
tossustentarem? Quem forma os valores e
interesses de consumo na infância? Como
o consumismo se manifesta na educação in-
fantil? O que pensam os professores sobre a
complexa problemática que atinge a infân-
cia? Quais artefatos culturais que as crian-
ças consomem em casa e na escola? Como a
escola de Educação Infantil pode contribuir
para as ações e as reexões sobre o consumis-
mo infantil?
Essas e outras questões podem ser re-
etidas nesta obra, fruto de uma tese de Dou-
torado em Educação, realizada sob a luz da
perspectiva da Psicologia Genética de Jean
Piaget e estudos de Psicologia Econômica,
investigando as perspectivas de professores
e crianças da Educação Infantil (pré-escola),
além do ambiente escolar, uma triangulação
necessária para a reexão acerca da sociedade
em que vivemos.
Denise Rocha Pereira é formada em Pedago-
gia, Mestrado e Doutorado em Educação
pela Unesp Marília, na linha de pesqui-
sa: Psicologia da Educação: processos edu-
cativos e desenvolvimento humano. Foi
membra do grupo de Pesquisa GEADEC
(UNESP/Marilia). Possui especialização
em Educação Especial Inclusiva e curso do
PROEPE em Educação Infantil (Unicamp).
Já atuou na Educação básica (professora de
Educação Infantil). É professora no curso de
Pedagogia (UNISALESIANO) responsável
por disciplinas voltadas à educação infantil e
Pós-graduação (Psicopedagogia) concilian-
do a função/cargo de supervisora de Ensi-
no na Rede Municipal (no interior de São
Paulo), em que parte de seu trabalho é atuar
como formadora de educadores de Educação
Infantil.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
A sociedade de consumo destrói a saúde planetária, pois além de degradar
cada vez mais o meio ambiente como se houvesse uma fonte inesgotável de
recursos naturais, contribui negativamente para a formação de cidadãos in-
conscientes de suas necessidades reais e já afeta a formação da identidade de
crianças desde a primeira infância, pois elas são provocadas ao ter objetos e
a consumir artefatos culturais sem nenhuma criticidade, em sobreposição ao
ser. O consumismo infantil acarreta vários problemas na infância (ansiedade,
stress familiar, necessidades criadas e desejos reprimidos, obesidade, erotiza-
ção precoce, etc). Considerando que a formação de conhecimentos sociais
tem seu início na infância, a escola de educação infantil tem papel fundamen-
tal para a promoção da reexão acerca do consumismo que afeta negativa-
mente as crianças. Conhecer a visão dos professores, do ambiente escolar e
as crenças das crianças sobre o consumismo infantil, pode trazer importantes
elementos para a reexão de pais, professores, pesquisadores e interessados
nessa temática.
CONSUMISMO NA INFÂNCIA
Denise Rocha Pereira
CONSUMISMO NA INFÂNCIA
Denise Rocha Pereira
um olhar sobre a escola, professores
e crianças da educação infantil
CONSUMISMO NA INFÂNCIA:
um olhar sobre a escola, professores e crianças
da educação infantil
DENISE ROCHA PEREIRA
Denise Rocha Pereira
CONSUMISMO NA INFÂNCIA:
um olhar sobre a escola, professores e crianças
da educação infantil
Ma
rília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2021
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Di
retora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Graziela Zambão Abdian
Patrícia Unger Raphael Bataglia
Pedro Angelo Pagni
Rodrigo Pelloso Gelamo
Maria do Rosário Longo Mortatti
Jáima Pinheiro Oliveira
Eduardo José Manzini
Cláudia Regina Mosca Giroto
Il
ustração da capa: Bernardo Rocha Pereira Simões (6 anos)
A
uxílio Nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Pereira, Denise Rocha.
P436c Consumismo na infância: um olhar sobre a escola, professores e crianças da educação
infantil / Denise Rocha Pereira. Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura
Acadêmica, 2021.
508 p.: il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-206-2 (DIGITAL)
ISBN 978-65-5954-205-5 (IMPRESSO)
1
. Educação de crianças. 2. Consumidores - Educação. 3. Sociedade de educação. 4.
Escolas de ensino fundamental. 5. Ensino fundamental Professores. I. Título.
CDD 372.21
C
opyright © 2021, Faculdade de Filosofia e Ciências
E
ditora afiliada:
C
ultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - c
ampus de Marília
DOI https://doi.org/10.36311/2021.978-65-5954-206-2
A todas as pessoas que se esforçam todos os
dias em tornar as infâncias mais livres do
consumismo e mais humanizadas.
Agradecimentos
A Deus, por estar sempre presente em minha vida e conceder
realizações de sonhos,
Às professoras Eliane Giacheto Saravalli e Maria Belintane, pelo
apoio à pesquisa e a publicação do livro,
À CAPES, que financiou a publicação deste livro,
À UNESP - Campus Marília/SP, pelo comprometimento e apoio
às pesquisas e às produções acadêmico-científicas, em especial ao Programa
de Pós-Graduação em Educação,
A todos os que estiveram envolvidos na pesquisa como voluntários
e que tornaram possível esse trabalho,
A aqueles que tiveram envolvidos na publicação deste livro, que
deram suporte para o fazer do livro, em especial Mariana da Rocha.
Uma criança não precisa da escola para ser criança. Nessa
perspectiva, ser aluno é apenas uma de suas possibilidades e
necessidades. Uma criança também é filho, tem irmãos e amigos,
brinca, vive o cotidiano de sua casa, de sua rua, de sua cultura
ou de sua religião. Elas são a garantia de nosso futuro, quem sabe
para melhor. Assim, se seu presente não for favorável a isso, toda
a humanidade ficará ameaçada. As crianças são nossos ‘pais’.
Todo adulto começou sendo criança. O adulto é uma criança
que sobreviveu, que enfrentou e superou os desafios, as
dificuldades, as doenças, o medo do desconhecido. É claro que
ela contou (contou?) com a ajuda dos adultos, com seus
conhecimentos e recursos, com suas instituições, com seu amor
e com seus cuidados. Uma criança que nasce é a humanidade
que tem nova chance de rever seus valores, suas práticas, suas
formas de vida. Ou, ao contrário, de repetir sua insensatez, seus
interesses mesquinhos, sua desigualdade. (LINO DE
MACEDO, 2005, p.16).
Sumário
Prefácio | Eliane Giachetto Saravali...................................................................15
Pra começo de conversa, de onde nasce o livro... .............................................19
Introdução......................................................................................................25
Capítulo 1.......................................................................................................43
Epistemologia e Psicologia Genéticas: A Criança aos Olhos de Piaget
Sobre a Epistemologia Genética de Jean Piaget
A criança do ponto de vista funcional: como ocorre a construção do conhecimento
Estádios do desenvolvimento cognitivo da criança ao adulto: a criança do ponto
de vista estrutural
Construtivismo de Jean Piaget e a educação da infância
Capítulo 2.......................................................................................................97
Infância e Consumo: O que os Estudos nos Dizem?
Pesquisas internacionais acerca do pensamento econômico: um breve panorama
histórico
Pesquisas piagetianas internacionais acerca do mundo econômico na perspectiva
do conhecimento social
Outras pesquisas internacionais acerca do mundo econômico da criança e
consumo
Pesquisas nacionais desenvolvidas na perspectiva piagetiana
Outras pesquisas nacionais acerca do consumo na infância (Psicologia Econômica,
Publicidade/marketing e alimentação)
Capítulo 3 ....................................................................................................207
Trajetórias da Pesquisa
Observações nas salas de aula
Instrumentos de coleta de dados da observação
Entrevista com o professor
Instrumentos de coleta de dados: entrevista com professor
Entrevista com a criança
Instrumento de coletas de dados aplicado junto a crianças
Análise de dados
Capítulo 4.....................................................................................................225
O consumismo e educação infantil: o olhar dos professores
Perfil dos professores participantes
Análise das entrevistas com os professores
a. Música do ambiente familiar x Músicas na escola
b. Dia do Brinquedo na escola
c. Comemoração de aniversário na escola
d. Projetos na Educação Infantil
e. Desenhos/filmes infantis na escola
f. Decoração na escola
g. Compra de brinquedos pela escola
h. Propaganda x Escola
i. Consumismo e Escola
Capítulo 5 ....................................................................................................321
Consumismo e educação infantil: um olhar sobre o ambiente, relações e o
cotidiano da sala de aula
Os elementos oferecidos pela escola
a. Ambiente e espaços x Publicidade
b. Músicas apresentadas pelo professor
c. Filmes/desenhos apresentados x Publicidade/Consumo
d. Propostas de brincadeiras da escola
e. Dia do Brinquedo x Publicidade/Consumo
f. Projetos/temáticas desenvolvidas na classe
Os elementos trazidos pelos alunos
a. Personagens da mídia presentes nos pertences trazidos pelas crianças
b. Músicas apresentadas pelos alunos
c. Propostas de brincadeiras dos alunos
d. Presença/evocação de personagens midiáticos e conduta do professor
e. Dia do Brinquedo: brinquedos trazidos pelas crianças
Capítulo 6.....................................................................................................373
Consumismo e educação infantil: o olhar das crianças
Desenhos: felicidade e consumo
Entrevista clínica-crítica questões semiestruturadas às crianças
a. Objeto de desejo
b. O Brincar e a necessidade do brinquedo
c. Destino do brinquedo acumulado
d. Brincar x Sair para comprar
e. Personagens midiáticos nos artefatos infantis
f. Apreciação musical da criança e mídia
g. Sentimentos x Brinquedo
h. Publicidade infantil
i. Felicidade x Aparência desejada
Capítulo 7 ....................................................................................................449
Discussões sobre o currículo da infância, valores morais e consumismo
Considerações Finais: O que a comunidade escolar da educação infantil poderia
fazer diante do consumismo?.........................................................................469
Posfácio | Maria Belintane Fermiano...............................................................481
Referências....................................................................................................483
15
Prefácio
Seria possível, nos tempos atuais, pensar o futuro do planeta Terra
e, consequentemente, da humanidade, sem uma mudança radical em
nosso olhar sobre o que e como consumimos diariamente?
Talvez tenhamos alcançado um momento em que a resposta “não”
a essa pergunta seja inadiável. Por essa razão, o porquê e o quando já nos
são conhecidos, mas o como ainda é um grande desafio.
O livro que o leitor começa a desvendar, mostra muitos caminhos
que precisamos conhecer e construir. Neste momento sem volta em que
nos encontramos, a criança é parte essencial de ações envolvendo o
consumo e o consumismo.
Embora muito se saiba sobre a forma como os pequenos interagem
com esses aspectos, a começar pela publicidade (da qual eles precisam ser
protegidos!) e, nesse sentido, a autora nos brinda com muitas
informações o grande presente desta obra é identificar, no contexto da
educação infantil, onde e de que maneira podemos cuidar da formação de
futuros cidadãos consumidores.
Assim é que, ao ler este livro, vamos nos assustar e nos atentar para
as inúmeras ações que um professor pode desenvolver, já na p-escola, que
trazem consigo comportamentos enraizados por nossa postura não
reflexiva para o consumo e impactos, ou inconsciente, do que consumimos
e do que ensinamos (direta ou indiretamente) à criança a consumir. São
inúmeros os momentos em que os mestres podem e devem trabalhar essas
questões com seus alunos, seja nas músicas ouvidas, nos projetos
ht
tps://doi.org/10.36311/2021.978-65-5954-206-2.p15-18
16
desenvolvidos, nos desenhos e decorações valorizados, na forma de se
conduzir as comemorações e eventos na escola, entre outros. Ainda, a voz
das crianças mostra como estão sob a influência disso tudo e a voz dos
mestres sinaliza como é preciso investir na conscientização desse cidadão,
que é professor.
Num momento em que a Ciência é alvo de tantos ataques em
nosso país, é sempre bom lembrar que a presente obra é fruto de uma
ampla pesquisa desenvolvida com muito cuidado e dedicação da autora. E,
de maneira particular, destaco que esses dados são muito importantes para
as investigações desenvolvidas pelo GEADEC - Grupo de Estudos e
Pesquisas em Aprendizagem e Desenvolvimento na Perspectiva
Construtivista, da UNESP. Portanto, estamos diante de dados científicos
que retratam uma realidade particular, mas perfeitamente possível de ser
generalizada para muitas outras de nossas pré-escolas, públicas ou
particulares. Basta realizarmos com cuidado as reflexões que esse rico
material nos provoca.
Poder acompanhar um aluno e ver a continuação de sua trajetória
de sucesso é sempre uma alegria enorme a um docente. É assim que me
sinto hoje ao poder escrever este prefácio, já que Denise foi minha
orientanda quando realizou seu Doutoramento e desenvolveu a
investigação que culminou nesta obra. Aliás, ao recomendar a leitura,
espero que o leitor seja tocado como eu fui ao ler estes dados, e que possa
realizar profundas reflexões a respeito do como e do que consome. Em
especial, aos que estão diretamente envolvidos com crianças, que possam
se conscientizar a respeito da maneira que influenciam e são modelos aos
pequenos, cuidando disso com a intensidade e urgência necessárias.
Quero encerrar dizendo que a pesquisa desenvolvida não se
distancia dos valores e atitudes assumidos pela autora em seu cotidiano.
Denise é uma pessoa que se preocupa verdadeiramente com o consumo e
17
o consumismo. Isso pode ser visto no cuidado que ela tem na formação do
próprio filho, seja pelos brinquedos que ele é ensinado a valorizar, seja pela
sua alimentação, ou nas comemorações do aniversário.
É exatamente isso que a leitura desta obra trará ao leitor, um
caminho sem volta, uma conscientização incômoda sobre nossas ações
irrefletidas e que precisam ser revistas com urgência.
Boa leitura!
Eliane Giachetto Saravali
Docente do PPGE, UNESP/Marília-SP.
19
Para começo de conversa, de onde nasce o livro...
As batalhas travadas a respeito da cultura de consumo infantil também
são batalhas pela natureza da pessoa e pelo escopo da personalidade, no
contexto do alcance cada vez maior do mercado. O envolvimento das
crianças com matérias, veículos, imagens e significados oriundos do
mundo do comércio, a ele referentes e com ele entrelaçados ocupa uma
posição central na construção das pessoas e das posições morais na vida
contemporânea (Daniel Thomas Cook - Universidade de Illinois, p.).
Imersa em um contexto social, a criança desde muito cedo convive
com os acontecimentos históricos, políticos, econômicos, sociais e
fenômenos naturais, formulando hipóteses sobre esses fatos.
A criança, em qualquer contexto ou situação social, possui uma
maneira muito peculiar de organizar as ideias e expressá-las, refletindo a
maneira como é acolhida pelo mundo adulto e de como é vista na condição
de sujeito que pensa e sente.
Dar voz às crianças e ouvir como elas pensam é uma das coisas mais
fascinantes para mim, no trabalho docente com a infância, e que tive a
oportunidade de exercer tão logo me ocorreu a formação no magistério.
Sem a escuta atenta, creio não ser possível construir uma relação positiva
com os alunos, pois a expressão da criança nos traz muitas possibilidades
educativas.
De lá até os dias atuais, o meu contato com a educação infantil
nunca foi interrompido, pois direta ou indiretamente estão presentes em
20
minha vida profissional atual por meio de seus interlocutores, os
educadores da educação infantil, pelo acompanhamento das escolas.
O contato com a teoria piagetiana de forma mais sistemática deu-
se na universidade, no curso de Pedagogia, e fez-me compreender não
somente sobre o comportamento dos meus alunos, como também algumas
lembranças de meus pensamentos da infância que sem o conhecimento da
teoria não poderiam ser interpretados como eu hoje os vejo. Essa teoria
bastante complexa provoca-me a interpretar a realidade e torna-se cada vez
mais significativa para compreender a lógica das crianças.
Afora o campo profissional, duas experiências de vida foram
fundamentais para que me trouxessem o olhar da criança de uma maneira
muito especial. A primeira foi como voluntária de um projeto social que
eu realizava com crianças em situações de risco em um bairro periférico
“Casa do pão”. Lá, eu desenvolvia um trabalho voltado à arte por meio de
vivências de dinâmicas e brincadeiras coletivas como uma forma de
resgatar a autoestima e autoimagem de crianças imersas em tantos
problemas. Inquieta com tais questões, esse trabalho, anos depois, no
mestrado, levou-me a investigar se a escola poderia ser uma porta positiva
para a colaboração da autoestima da criança e como ela poderia se perceber
como capaz e segura caso houvesse um ambiente que lhe proporcionasse
essa construção interna.
A segunda experiência foi a participação, também como voluntária,
durante dez anos, do Fórum Regional e Internacional de Educação
Popular do Oeste Paulista (FREPOP), que se configurava como um espaço
de discussões, expressões de pessoas de diferentes crenças, classes sociais,
tribos, etnias, religiões e profissões. Seus participantes buscavam, por meio
de círculos de cultura, oficinas e debates abordar diferentes temáticas que
envolviam questões dos povos originários da América, da mulher, gênero,
direito à terra, ações afirmativas, saúde popular, sustentabilidade e arte do
21
oprimido, entre outras inúmeras temáticas que puderam desmitificar e
fortalecer posicionamentos e relações entre as pessoas sobre seus papéis
enquanto cidadãos, instrumentalizando ideias, trocando sonhos e
provocando a nossa tomada de consciência e autonomia para modificação
de nossa realidade.
Foi no palco do Frepop e como supervisora e educadora que estuda
e trabalha a educação para a infância que pude propor a criação do
Frepopinho, um espaço que daria voz a crianças e adolescentes que, a
princípio, vinham acompanhadas dos pais para o evento. Com a efetivação
do Frepopinho, muitas crianças e adolescentes frequentadores de projetos
que funcionam nas férias também puderam participar, abrindo então um
espaço dentro do Fórum para que pudessem expressar suas ideias, crenças
e sentimentos, e pudessem interagir por meio de temáticas vividas no
mundo contemporâneo presentes em suas vidas: bullying, sustentabilidade
e consumo, direitos das crianças e adolescentes, questões de gênero, cultura
da infância e criação de brinquedos. A arte pela música e dança, teatro,
linguagem gráfico-plástica, cinema e pelas brincadeiras estava presente nas
discussões adaptadas aos recursos cognitivos e faixa etária.
Somadas às minhas experiências profissionais, essas vivências me
aproximavam cada vez mais da necessidade de compreender o pensamento
infantil, suas opiniões e representações sobre o mundo em que vivem.
Concomitante aos acontecimentos do Frepop, tive a oportunidade
de realizar uma especialização em Educação Inclusiva e, mais uma vez,
busquei me aproximar das vozes das crianças para reconhecer suas
representações acerca de amizade e inclusão.
Anos depois, de volta à academia, pude me encontrar com novos
estudos piagetianos (novos para mim) dentro da “Linha de Pesquisa de
Construção do Conhecimento Social e Construção de Ambientes
22
Pedagógicos Construtivistas”, sob a coordenação da professora Eliane
Saravali, por meio da disciplina ainda como aluna para o doutoramento:
O conhecimento social no enfoque psicogenético: pesquisas, instrumentos
e implicações pedagógicas. Ali, pude conhecer novos teóricos piagetianos
que já estudavam o pensamento das crianças sobre várias situações sociais
e acontecimentos que aguçaram ainda mais minha inquietude sobre como
as crianças pensam essas relações. Foram essenciais também as
contribuições e reflexões advindas por fazer parte do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Aprendizagem e Desenvolvimento na Perspectiva
Construtivista (GEADEC).
Este livro tem em sua origem uma tese de doutorado que teve suas
sementes plantadas desde 2013. O projeto inicial, que apresentei ao me
candidatar ao doutorado, buscava abordar muitas questões sobre o
pensamento infantil e questões de minoria (ser negro, índio, mulher ou
pobre). Nesse processo de construção e reconstrução, o projeto passou por
várias reformulações, delimitando-se a classes sociais e ao consumo. Por
fim, ficou apenas o consumismo na infância e a investigação se o fenômeno
já era algo presente na educação infantil.
Debruçando-se sobre esse complexo problema da sociedade
contemporânea e que atinge tão fortemente a criança, pude perceber ainda
mais sua extensão. Confesso que nem mesmo como educadora e
supervisora da educação infantil, tinha antes a visão que tenho hoje, após
os estudos realizados e por isso me coloco humildemente nessa caminhada
junto aos educadores da infância sem o olhar da acusação ou culpabilização
sobre o que ainda não foi realizado, assim como culpabilizar os familiares
que se encontram também vulneráveis a cultura do consumismo, não é o
caminho. Nós, adultos, mesmo quando dotados (dotados?) com estruturas
cognitivas suficientes temos errado tanto quanto à forma de consumir e
causamos impacto em tantos outros aspectos negativos. Consideramos de
23
extrema importância nos instrumentalizarmos para educar nossa infância,
e somente ouvindo as crianças e conhecendo seus espaços conseguiríamos
pensar tais processos educativos.
Em meio ao processo de estudos, vieram a maternidade e as
questões do consumismo na infância. Assim, as preocupações que já eram
também de certa forma pessoais, profissionais e acadêmicas ganharam
ainda mais reforços no papel de mãe. Desejo que meu filho encontre
sentido na vida, que não seja ele pautado no consumismo, e percebo o
tamanho da responsabilidade da educação familiar, escolar e social neste
processo e desejo que o leitor encontre sentidos e provocações nesse livro,
buscando exercer a reflexão e modificando sua prática diante de uma
criança.
25
Introdução
Qual amigo pode ser mais legal, o que tem um monte de brinquedos
ou outro que tem só um pouquinho? Eu gostaria da MAL (5;11)
porque ela tem um monte de brinquedo. Porque ela tem a Baby Alive
a papinha da Baby Alive ai tem um monte de coisas que eu gosto. Um
amiguinho que tem pouco brinquedo pode ser legal? Não. (MIK, 5;1).
Pensar a criança contemporânea, que tem desejos e consome, com
os pés na educação infantil, nos remete a percorrer alguns caminhos
históricos sobre a condição de pertencer à infância para então
compreendermos como pensam e interpretam as relações da sociedade de
consumo em que vivem.
Crianças sempre existiram e vão existir na humanidade, isso é uma
condição natural e sine qua non, para a continuidade da espécie humana.
Contudo, a condição para a existência da infância em seu sentido pleno
depende de fatores sociais e culturais para que a humanidade cuide de suas
crianças.
Ao longo da história, tivemos desde a invisibilidade da infância
(conceituada como aquele que não fala), em que se importava muito pouco
para suas condições peculiares à elevação de sujeito de direitos e
concomitantemente ao sujeito consumidor. Ariès (1978) assevera que o
sentimento de infância é algo atual, pertencente à sociedade moderna. A
consciência da particularidade infantil, que “[...] distingue essencialmente
a criança do adulto” (ARIÈS, 1978, p. 156) até mesmo pela
26
indeterminação da idade do que é ser criança, existiu fortemente até a idade
média. Até então, o mais comum eram crianças serem vistas como adultos
em miniaturas e não havia separação entre o mundo infantil e o mundo
dos adultos.
Segundo estudos de Ariès (1978), é entre os séculos XVII e XVIII
que nascem os sentimentos de infância. O primeiro nasce no seio familiar
e traz as crianças como bibelôs, paparicados pelos adultos. O segundo
sentimento foi proveniente de homens religiosos, moralistas que tinham
como pensamento dominante a disciplina e a racionalidade dos costumes.
Um terceiro elemento é agregado aos sentimentos de infância: além da
“paparicação” e da disciplina, a família passa a ser preocupar com a saúde
e higiene dos pequenos, algo que também era pouco importante até então.
Para Ariès (1978), dois fatores foram fundamentais para
revolucionar o sentimento de infância iniciado no século XVII, já na idade
moderna. Um deles foi a escolarização de crianças que buscavam a
formação moral, espiritual e educacional, iniciada na Europa, e o outro
fator foi a transformação da família, da vida privada e da valorização do
foro íntimo.
Del Priori (2008) nos convida a pensar que os dois fatores, a
escolarização e a valorização da vida privada, apontados por Ariès (1978),
não representam grande parte da realidade da infância brasileira, que na
sua condição de pobreza, marcada pela relação de colônia, de escravidão e
tardia industrialização, não se solidificou no cenário existente aqui.
Situações como o trabalho infantil e a exploração sexual perseguem a
condição de infância no Brasil desde a sua “descoberta” e aparecem no
contexto contemporâneo. Se pensarmos em realidade histórica brasileira,
a educação pública chega tímida e tardia, principalmente na infância da
população pobre.
27
No séc. XVIII, a alternativa para os filhos dos pobres, não seria a
educação, mas a sua transformação em cidadãos úteis e produtivos na
lavoura, enquanto os filhos de uma pequena elite eram ensinados por
professores particulares (DEL PRIORE, 2008, p. 10).
A educação da infância de 0 (zero) a 6 (seis) anos em diferentes
classes sociais vem acontecer no século XXI, reivindicada por movimentos
sociais. Contudo, até os dias atuais ainda não há a universalização da
educação infantil, que não atende a demanda existente. Segundo
informações oficiais, 90,5% das crianças em idade de 4 (quatro) a 5 (cinco)
anos estão na educação infantil, modalidade pré-escola, e 30,4% estão nas
creches (BRASIL, 2015).
O segundo fator apontado por Ariès (1978), a transformação da
vida privada e valorização do foro íntimo, também foi prejudicado no
cenário brasileiro. Aquilo que a sociedade burguesa viveu na Europa,
impactada pelos valores iluministas, teve uma leitura um tanto diferente
no Brasil. Del Priore (2008) afirma que a precarização da evolução da
intimidade se deu pelas condições que a pobreza, o abandono, a escravidão,
a imigração e a mestiçagem impunham aos espaços de convívio, uma
relação em que crianças e adultos se misturavam e não sobrava muito
espaço para a privacidade de grande parte da população infantil, com
exceção das crianças pertencentes à elite.
Del Priore (2008) nos faz refletir sobre a existência de infâncias: de
um lado, há uma infância assistida pela família, pela escola e por tímidas
políticas de apoio, e de outro lado, existem as crianças excluídas pelo
sistema, abandonadas pelas famílias igualmente marginalizadas, e assim
rotuladas menores de idade.
Tal pensamento corrobora as ideias de Kramer (2007), que aponta
que essa concepção de infância moderna universalizada tem como base
28
crianças pertencentes a classes médias, de cultura europeia urbana e
iluminista, e que é preciso pensar na condição das várias infâncias
existentes.
O próprio conceito menor (de idade) surge no século XIX, atrelado
a um recorte etário e uma condição econômica e social que reforçam ainda
mais a ideia de infâncias de crianças da elite e do outro lado menores de
idade (MOURA; VIANA; LOYOLA, 2013). Nesse cenário, o Estado
torna-se responsável pela proteção da infância em situações de risco pelo
menos no papel.
Em termos de Lei, inicia-se no Século XX uma trajetória que
promove a nova concepção de infância como a criança sujeito de direitos.
É preciso garantir o direito à educação, saúde e moradia, além de cuidados
especiais às crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Paralelo
a isso, no cenário internacional ocorre a Declaração dos Direitos das
Crianças pela Organização das Nações Unidas (ONU)
1
, que vem reforçar
a noção de sujeito de direitos. No Brasil, em termos de direitos civis
humanos e sociais, a Constituição Federal do ano de 1988 (BRASIL,
1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente do ano de 1990 (BRASIL,
1990) fortalecem a condição da infância como especial, legitimando seus
direitos integralmente. No que se trata especificamente da educação, a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação do ano de 1996 (BRASIL, 1996) garante
à criança e ao adolescente o direito à educação básica, reforçando ainda
mais os direitos garantidos pela Constituição.
1
A Declaração Universal dos Direitos das Crianças foi anunciada na Declaração de Genebra de
1924 e na Declaração dos Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral (1959). A Assembleia
Geral das Nações Unidas adotou a Convenção sobre os Direitos da Criança para as crianças de todo
o mundo em 20 de novembro de 1989, e em 1990, o documento foi oficializado como lei
internacional.
29
Diante do exposto e das considerações sobre a condição de
infância, buscamos refletir como a infância da sociedade pós-moderna é
produzida pela cultura do consumo. Como as crianças são afetadas pelos
valores consumistas? O que a criança pensa sobre o consumo? As
diferenças de infâncias são marcadas também nas relações de consumo, no
ponto de aquisição dos objetos, mas e os desejos, são modificados? O que
ela tem aprendido com as relações humanas que temos construído? Em
que momento nós, seres humanos, aprendemos que ter é mais importante
que ser? Como a educação infantil poderia contribuir para a formação de
uma criança imersa em uma sociedade de consumo?
A legislação voltada ao consumo na infância e o papel da escola, a
Resolução 163/2014 (CONANDA, 2014), é a mais atual em vigor e traz
elementos quanto à vulnerabilidade da infância e publicidade
mercadológica à qual estão expostas as crianças, não somente no seio
familiar, mas também nos espaços escolares, como postula a referida
resolução, em seu Art. 2º, parágrafo 2º: “considera-se abusiva a publicidade
e comunicação mercadológica no interior de creches e das instituições
escolares da educação infantil e fundamental, inclusive em seus uniformes
escolares ou materiais didáticos”.
Para entendermos a criança como consumidora e o consumismo
infantil, é preciso compreender um pouco a sociedade de consumo em que
vivemos. Enquanto conceito, consumo pode ser considerado “[...] o modo
como uma sociedade organiza e procura a satisfação das necessidades de
seus membros, e também a expressão de significados e estratificações,
condutas, modelos, estruturas” (CAINZOS, 1998, p. 108), ao passo que
consumismo se caracteriza como o consumo que excede nossas
necessidades reais, movido por desejos, vontades de apropriação e posse de
bens e status, que na maioria das vezes são frutos de necessidades efêmeras
e impulsionadas pela busca de novas satisfações incessantemente.
30
Historicamente, o consumo nasce nas antigas civilizações com o
suprimento das necessidades vitais e o comportamento humano de
subsistência para uma economia de troca agrária, com produções reduzidas
em pequenos ambientes. Com o processo de industrialização nos séculos
XVIII e XIX, ocorre também a comercialização separada do processo de
produção. Vende-se ou compra-se o que os outros produziram. O próximo
passo então passa a ser a produção em massa para o consumo em massa.
É no século XX que aparecem as primeiras manifestações do
consumo em massa, quando países economicamente desenvolvidos em
suas atividades industriais passam a produzir em larga escola, “[...]
institucionaliza-se socialmente e especializa-se setorialmente, convertendo-
se em produção para um mercado ou comércio impessoal e anônimo”
(CAINZOS, 1998, p. 109).
O consumo e a produção em massa trouxeram consequências
sociais e ambientais. Segundo dados do Manual de Educação de Consumo
Sustentável (BRASIL, 2005), a população mundial teve em cinquenta
anos, de 1950 até 2000, um aumento considerável quando saltou de 2,5
bilhões para cerca de 6 bilhões. Isso alterou a forma de consumir, e as
consequências foram catastróficas. Com o processo de industrialização e o
aumento galopante do consumo, o lixo produzido e a poluição cresceram
exorbitantemente, provocando um alerta para que a sociedade moderna
reformulasse seus hábitos de consumo; reformulação esta da qual estamos
longe.
Esse novo modelo de sociedade é a sociedade do consumo, que tem
como característica, além da abundância de produção em série cada vez
mais amparada pela tecnologia aplicada, uma infinidade de possibilidades
de consumo além do estudo e desenvolvimento de mercado consumidor e
do marketing, que colaboram para a dinamização e indução ao consumo.
31
Segundo Cainzos (1998), o consumo pelas necessidades criadas
mantém o sistema de produção em massa. As demandas cada vez maiores
de consumo, que consequentemente exploram de forma irresponsável os
recursos esgotáveis, estão causando situações muitas vezes irreversíveis para
a natureza.
Os impactos ambientais que degradam o meio ambiente são tais
como: o extenuar dos recursos naturais, a contaminação dos recursos
hídricos existentes, a desertificação e a escassez de água em diversas regiões
do mundo, a poluição do solo e do ar, a destruição da biosfera e
desequilíbrios dos ecossistemas, a alteração climática e a intensificação de
doenças vetorizadas por insetos, entre outras ações negativas deixadas pelo
homem como forma de lucrar e consumir desmedidamente. O homem,
quando consome predatoriamente os recursos ambientais, está
consumindo o próprio planeta e provocando um colapso ambiental que
reflete na saúde humana e ambiental
Conforme o Manual de Educação de Consumo Sustentável criado
pelo Ministério da Educação e Cultural, Ministério do Meio Ambiente,
Consumers International e Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC),
temos que avaliar nosso comportamento como consumidores e as
consequências para o meio ambiente, relacionando o consumo a opções de
uso de bens e serviços aos processos de exploração dos recursos naturais. O
desenvolvimento e o crescimento econômico devem estar harmonizados
com o equilíbrio ambiental e com a justiça social (BRASIL, 2005).
Outro aspecto sobre o qual devemos refletir é que em uma
sociedade capitalista e economicamente desigual há diferentes
possibilidades de consumo entre as camadas sociais. Nem sempre as
camadas populares conseguem satisfazer suas necessidades primárias, e
paralelamente existe ainda o desejo reprimindo das necessidades criadas,
32
que trariam aos sujeitos a satisfação de pertencer a um grupo. O
sentimento de frustração existe de forma dupla.
De acordo com Sramová (2014), para garantir o aumento do
consumo, muitos recursos de marketing são utilizados com abordagens
persuasivas que influenciam o comportamento consumidor. Tal fato
contribui para a criação de pessoas endividadas, pois não possuem
condições financeiras que sustente a compulsividade por compras. Esta
compulsividade, em nome da necessidade inexistente de consumo, acaba,
paradoxalmente, gerando impactos negativos na economia.
Quando se trata do consumo infantil, os pais, muitas vezes sem
condições financeiras, endividam-se para satisfazer os desejos dos filhos,
movidos, além da influência publicitária, pelo sentimento de culpa por ter
que atender tais desejos como uma forma de compensar a ausência, ou dar
a eles o que não tiveram na infância. A compensação de ausência e o
presentear ocorrem em todas as camadas sociais por diferentes meios de
aquisição.
Diante do valor simbólico da aquisição de um produto, crianças e
adolescentes passam a se sentir parte de um grupo. Muito mais do que
benefício do produto em si, o que ele representará no grupo social é o que
conta:
Qualquer ser humano precisa ter a sensação de pertencer, mas neste
início de século, pertencer representa muito mais do que uma
característica familiar ou territorial, passando a ser múltiplo e
transnacional, representado pelos bens que consumimos, por nossas
preferências e nossos estilos de vida. Isto é, encontramos nossas
identidades mais como consumidores globais do que como cidadãos
locais (GOIDANICH, 2002, p. 74).
33
Nessa sociedade de consumo, as crianças são reconhecidas como
peças fundamentais pelo mercado econômico, como agentes que
influenciam os gastos familiares, como consumidores assíduos e potenciais
para um futuro.
É fato, portanto, que a criança tem tido grande visibilidade como
consumidora no mercado. De acordo com Gunter e Furnham (2001, p.
256) [...] alcançar consumidores infantis e juvenis pode ser um exercício
altamente especializado”. É preciso compreender o desenvolvimento
infantil e ter conhecimentos de psicologia infantil para se investir em
produtos, alimentando assim as necessidades e desejos das crianças e
adolescentes.
Schor (2009) considera James McNeal o mais importante
avaliador do potencial de mercado em consumo da infância. Partindo das
pesquisas de McNeal, Schor (2009) nos assevera que um crescimento
absurdo de investimentos dirigidos ao público infantil: em 1983 foram
100 milhões para anúncios televisivos infantis, já em 2004 os gastos foram
em torno de 15 bilhões de dólares com estratégias de marketing voltadas
ao público infantil.
Há um modelo publicitário de McNeal (2007) que apresentaremos
ainda na segunda seção da presente pesquisa, e que segundo os estudos de
Gunter e Furnham (2001) serve de apoio às campanhas publicitárias para
influenciar as atitudes e comportamentos das crianças. O conjunto
produto, marca do produto, quem o produz, a forma como o vende e a
publicidade é um elemento que influencia no comportamento da criança.
A influência no comportamento assume três formatos: a) o
comportamento quanto ao produto a criança passa a buscar e comparar
o objeto de desejo com outros produtos; b) o comportamento e a relação
com os pais a criança tenta influenciar os pais para aquisição do produto
34
ou de uma forma para adquiri-lo e por último c) a criança passa a
influenciar os amigos, assim como sofre influência deles.
Sramová (2014) nos assevera que a comunicação comercial para
atrair crianças consumidoras pode ser muito prejudicial ao seu
desenvolvimento, considerando que muitas campanhas publicitárias,
games, cinema direcionado à infância e jornalismo não respeitam o
processo e o desenvolvimento da infância, trazendo elementos que não as
leva a compreender a mensagem, não distinguem ficção da realidade e
criam estereótipos de gêneros. O autor denuncia que os profissionais do
marketing se apropriam de estudos sobre o desenvolvimento infantil,
inclusive aqueles realizados sob a perspectiva piagetiana para criar
mensagens publicitárias mais assertivas para as vendas de produtos.
Para o autor, as crianças aprendem muito com a mídia,
principalmente sobre o comportamento consumidor, e passam a modelizar
suas atitudes de acordo com os valores consumistas. Criam-se estereótipos
e padrões de comportamentos com conteúdos midiáticos, e é pela
estereotipagem que o público entende mensagens que formam mais rápida
e facilmente. Para Sramová (2014), os estereótipos nos conteúdos
publicitários cumprem um papel perverso no comportamento consumidor
que passa a avaliar, conceituar e categorizar o mundo por tais estereótipos
e podem representar uma expressão passiva da realidade e da cultura social.
As crianças recebem uma influência muito grande de estereótipos
midiáticos, percebendo-os, aceitando-os, passando a imitá-los e adotá-los.
Outro recurso utilizado pela mídia é a frequência e a repetição destes
estereótipos durante a programação. Para esse público, em geral, tanto
personagens animados quanto imagens de crianças o utilizados para
convencê-los da compra dos produtos. Quando, por exemplo, uma criança
pede ao pai para que compre um chinelo, não o escolhe por conforto e
necessidade, e sim pelo personagem estampado. Ela compra a imagem do
35
personagem e tudo o mais que ele representa simbolicamente, fazendo uma
leitura muito apreciativa dos objetos ligados aos estereótipos.
Os personagens midiáticos infantis são, em sua maioria, a porta
principal para a publicidade que incentiva o consumo. Ao falar de
consumo em crianças e principalmente de consumismo, fica quase
impossível não abordar a publicidade. Como nos diz La Taille (2008), a
criança é suscetível e, por isso, seduzida pela publicidade para a aquisição
de objetos e serviços.
De acordo com Sramová (2014), os estereótipos são utilizados
como ferramentas que ajudam a manter uma posição ideológica e a
simplificação das imagens de grupos e comunidades individuais, da
distorção e depreciação de problemas culturais reais e sociais. Em meio a
tantos problemas sociais, vemos uma grande parcela da população acrítica,
passiva, obcecadas por celebridades, pela imagem daquele cantor, de um
ator, de um famoso, fortalecendo a construção desses estereótipos que
ditam formas de ser, de ouvir, de se alimentar e de se vestir, entre outras
ações.
Um aspecto também que merece atenção é o que Schor (2009) nos
diz sobre o discurso dos marqueteiros que defendem a cultura do consumo
em crianças: o empoderamento infantil. Os anúncios e produtos
anunciados pelo marketing ajudam a construir a imagem de crianças
poderosas (que, para os críticos, obviamente o é uma forma positiva).
Ou seja, as crianças, quando adquirem produtos, passam a se sentir muito
bem e podem estar no controle sobre o mundo que tais produtos lhes
oferecem. Sabemos que há uma busca da criança em trilhar sua
independência quando está no processo de crescimento e de
desenvolvimento de sua autonomia, e o conhecimento a respeito disso é o
que tem impulsionado também a publicidade voltada à infância, visando
à ampliação das vendas da indústria e do comércio. Schor (2009) aponta
36
como consequências negativas desse empoderamento a ideia de que
crianças podem dominar a relação familiar e também se sobrepor aos
adultos, implantando muitas vezes antiadultismo destrutivo.
De acordo com o Instituto Alana e estudos da TNS/InterScience
em outubro de 2003, as crianças brasileiras chegaram a influenciar 80%
das decisões de compra de uma família: os itens iam de “[...] carros, roupas,
alimentos, eletrodomésticos, com exceção das decisões acerca de planos de
seguro, combustível e produtos de limpeza
2
”. Dados publicados por
Ribeiro (2016) frutos de uma pesquisa realizada pela rede social Facebook
intitulada Meet the Parents, revelaram que 59% dos pais apontam que os
filhos impactam nas decisões para a compra, diferentemente do que eles
tiveram em suas infâncias, e que 69% dos pais compram para casa mais
produtos voltados para o público infantil. A pesquisa mostra ainda que as
próprias crianças são informantes dos produtos que as famílias adquirem
por estarem em contato com a mídia, seja pelo celular, pela TV ou pelo
computador.
A indústria cultural, sendo alvo de críticas acerca da influência
negativa para o estímulo do consumo infantil, defende-se com argumentos
de que as crianças contemporâneas estão cada vez mais espertas,
sofisticadas, e não precisam ser protegidas da publicidade atual por serem
capazes de discernir os elementos de persuasão utilizados para a venda,
desrespeitando, portanto, a capacidade cognitiva e emocional da criança
(SCHOR, 2009). O que se vê é que a indústria e o comércio recorrem a
estudos de psicologia para interpretar o processo psicológico da criança
para o aliciamento às compras, desconsiderando também os estudos que
apontam a necessidade da proteção e compreensão da vulnerabilidade da
infância.
2
Disponível em: criancaeconsumo.org.br. Acesso em: 13 abr. 2018.
37
É preocupante os esforços demandados na cooptação das crianças
como consumidoras, já estabelecendo como consumidoras primárias as
crianças ou futuras compradoras. As empresas reconhecem que sua
existência e sucesso no futuro dependem dos novos consumidores, que se
tornarão seus clientes, e precisam de um fluxo constante de novos clientes.
De acordo com McNeal (2007) as empresas possuem duas fontes
estratégicas para angariar clientes: em curto prazo são clientes provindos
da concorrência, ou em longo prazo, clientes que crescem desde a infância
e já os fidelizam à marca para o futuro, como consumidoras.
Diante desse quadro, Postman (1999) imprime seu pensamento
mais fatalista de que a infância está desaparecendo graças ao acesso à
informação do mundo adulto, à mídia e à Internet. Isso nos leva a refletir
que o acesso das crianças ao universo adultizado retorna a imagem de
criança como adulto em miniatura, a exemplo do que era a criança antes
da idade moderna, quando não se havia o sentimento de infância, quando
não se havia delineado a especificidade entre o ser adulto e o ser criança. A
crítica em relação à indústria cultural atrelada ao poder midiático é
também do desaparecimento da cultura da infância (canções, vestuários,
brinquedos e outros indicadores simbólicos). Muitas crianças se vestem de
forma erotizada, cantam músicas com conteúdos inapropriados para a
idade e têm uma grande quantidade de brinquedos e acessórios de acordo
com os ícones levantados pela indústria cultural.
Num país marcado pela desigualdade social, a publicidade
geralmente cumpre um papel negativo quando instiga a valorização do ter
para pertencer a um grupo social, iludindo e seduzindo as crianças sobre a
condição para a felicidade, assim como a não posse de um objeto, produto
ou serviços faz delas um marginalizado. Provocar essa diferenciação pelo
ato de consumir é altamente prejudicial para a formação da cidadania.
Segundo Barros Filho (2014) essa diferenciação amplia ainda mais o fosso
38
entre pobres e ricos, gera grande frustração e não contribui para a
construção da solidariedade social.
Contudo, temos também que considerar que para essa sociedade
de consumo há uma preocupação do mercado em utilizar diferentes
estratégias para a democratização do consumo a fim de atingir as classes
sociais e suas possibilidades aquisitivas. Desde produtos paralelos a
imitações acessíveis às classes menos abastadas, o que importa é o consumo
de significados que insira o sujeito no grupo desejado, o que
simbolicamente representa a posse de um produto ou compactuar dos
mesmos desejos e sonhos de consumo. “[...] O consumo pode ser
entendido não apenas como consumo de bens materiais, [...] mas também
como o consumo de significados que promovem desejos e processos de
identificação” (MOMO, 2007, p. 224).
Nesse sentido, a problemática do consumo não é somente uma
questão de justiça econômica e abrange não somente adquirir ou não bens
e serviços, mas também poder fazer escolhas conscientes para perceber se
de fato há necessidade para o consumo. Ter ou não uma boa situação
financeira para as compras não é uma condição para a compra consciente.
É nesse ponto que consideramos o quanto é importante o processo
educativo para o consumo e que se faz necessária uma articulação entre
sociedade, o poder público, família e escola para pensar o consumo, o que
pode iniciar na educação infantil.
Sabemos que desde a tenra idade as crianças aprendem hábitos de
consumo e por isso deveria haver, por parte de quem as educa, uma
preocupação com os conhecimentos, valores e comportamentos ensinados
e aprendidos. Seria importante que fossem instigadas a descobrir que cada
uma de suas ações tem impacto no coletivo, e que fossem orientadas para
o consumo necessário. Antes de serem apresentadas ao mundo do
consumo, elas também deveriam aprender valores essenciais à
39
sobrevivência da humanidade tais como a solidariedade, o senso de
responsabilidade com o bem comum, da valorização da essência e
significados das relações, o amor próprio e o respeito ao próximo e ao meio
em que vivemos.
Embora esse percurso de aprendizagem da jornada humana de
aprender ser consumidor antes de ser cidadão, deveria ser hesitado e
recriminado, não é assim que tem acontecido. Um dos maiores desafios da
contemporaneidade é reverter o cenário atual, pois antes de sermos
formados para a cidadania, somos treinados a consumir de forma
desenfreada (BRASIL, 2013).
Para Paiva (2009), dois fatores somados comprometem a
sustentabilidade do planeta: a antecipação ao consumismo pela
precocidade infantil e a elevação de expectativa de vida dos seres humanos,
ou seja, teremos mais pessoas consumindo por muito mais tempo, sem
reflexão. Frente a isso, o autor aponta a sua preocupação pelo
comportamento da sociedade brasileira em se mobilizar e buscar reverter
esse quadro.
A falta da formação e atitudes em relação ao consumo consciente
que leva ao consumismo traz como consequências da valorização do ter
acima do ser e pode atingir a infância com essas consequências: obesidade,
erotização precoce, consumo precoce de tabaco e álcool, estresse familiar,
banalização da agressividade e violência (BRASIL, 2013b). Schor (2009)
acrescenta os problemas de ordem psíquica e emocionais como o aumento
de distúrbios de ansiedade e depressão devido ao estímulo de valores
materialistas nas crianças, o que compromete o seu bem-estar.
Diante da apresentação e considerações supracitadas, o problema
levantando pela investigação que deu origem a esse livro foi: quais aspectos
relacionados ao consumismo podem ser observados na educação infantil?
40
A nossa inquietação: se o consumismo está presente desde a infância, como
ele se revela nos espaços de educação?
O objetivo maior identificar aspectos envolvendo o consumismo
em contextos da educação infantil. Para atingir tal objetivo, foi necessário
também compor os objetivos específicos do estudo:
Conhecer as crenças dos alunos da educação infantil em relação a
questões de consumismo e suas interfaces;
Conhecer as crenças do professor em relação ao consumismo infantil
e à presença do consumismo no espaço e vivências da educação
infantil;
Identificar elementos presentes no ambiente sala de aula e rotina
escolar e interações que indiquem e/ou fortaleçam a ideia do
consumismo.
Uma vez delineados os objetivos, a pesquisa contempla, além desta
Seção, a seguinte estrutura:
Capítulo 1 - Epistemologia e Psicologia Genéticas: a
criança aos olhos de Piaget, como pressuposto teórico para
compreender o pensamento infantil, Piaget e sua epistemologia
genética nos ajudam a compreender as especificidades do
pensamento da criança que diferem estruturalmente do pensamento
adulto. Por isso, compreender as relações de consumo numa
sociedade capitalista como a nossa depende do respeito à
constituição de estruturas do pensamento dessa criança e de uma
educação construtivista que preserve sua condição e a impulsione
para a formação autônoma;
Capítulo 2 “Infância e Consumo: O que os estudos nos dizem?
tratamos do levantamento bibliográfico de pesquisas que buscaram
41
retratar de alguma maneira a infância e o consumo tanto no âmbito
nacional quanto internacional. Buscamos pesquisas do mundo
econômico de cunho piagetiano, sobre à publicidade infantil e
outros estudos que pudessem trazer conhecimentos e parâmetros
para o nosso trabalho;
Capítulo 3 Trajetórias da Pesquisa, que se configurou em um
estudo de caso, tendo como público-alvo 10 professores do segundo
ano da pré-escola (Educação Infantil) e 23 alunos dessa mesma etapa
de escolarização;
Capítulo 4 “Consumismo e educação infantil: o olhar dos
professores”, explicita-se sobre as crenças dos professores que
participaram da pesquisa, trazendo diferentes eixos de consumo, a
criança e a escola;
Capítulo 5 “Consumismo e educação infantil: um olhar sobre o
ambiente, relações e o cotidiano nas salas de aula”, em que explora-
se o olhar para as vivências e situações do cotidiano sobre o que a
escola oferta e ao que a crianças trazem para a escola;
Capítulo 6: Consumismo e educação infantil: o olhar das
crianças”, possibilita ao leitor conhecer as expressões das crianças
por meio do desenho e por entrevistas feitas com o método clínico-
crítico de Piaget.
Nas sessões de discussões sobre os dados, refletimos sobre o
currículo, valores morais e o consumismo. Nas considerações finais,
tecemos apontamentos sobre o papel da escola de educação infantil na
sociedade do consumo.
43
Capítulo 1
Epistemologia e Psicologia Genéticas:
A Criança aos Olhos de Piaget
Sobre a Epistemologia Genética de Jean Piaget
Interessado em investigar a gênese do conhecimento, Jean Piaget
(1896-1980) buscou compreender, por meio de estudos experimentais, os
processos fundamentais do desenvolvimento da inteligência desde o
nascimento da criança até a adolescência. Tão logo iniciou seus estudos
sobre a epistemologia, já era possível concluir que a infância é o período
de origem de todo o conhecimento humano, e que a criança, portanto,
não é um adulto em miniatura, mas possui uma lógica peculiar.
A Epistemologia Genética de Piaget tem como estudo a passagem
dos estados inferiores do conhecimento aos estados mais rigorosos e olha
para a criança de uma forma cuidadosa e respeitosa, considerando o início
das manifestações do pensamento infantil desde o nascimento do bebê, por
meio de suas ações, que tem base seus atos reflexos, para construções de
novos esquemas de conhecimento.
Piaget (1983b), com um amplo campo de interesse investigativo
científico e filosófico, utiliza seus estudos na biologia, sua tese sobre
moluscos de Valois, em 1915 e a proximidade que os processos de
conhecimentos poderiam ter dos mecanismos de equilíbrio orgânico, ao
44
mesmo tempo em que argumenta que as ações externas e os processos de
pensamento possuem uma organização lógica. Assim sendo, busca, na
psicologia, a compreensão da inteligência pela interação e adaptação do
sujeito ao meio.
Partindo de uma lógica dialética que negava tanto as explicações
baseadas nas concepções inatistas quanto as explicações empiristas para a
origem do conhecimento, propõe um caminho intermediário cunhado de
construção e interação, por meio do qual nos é apresentada a explicação
sobre a construção do conhecimento: a relação entre o sujeito e o meio.
Segundo sua perspectiva, “[...] o conhecimento deve ser
considerado como uma relação de interdependência entre o sujeito
conhecedor e o objeto a ser conhecido, e não como a justaposição de duas
entidades dissociáveis” (INHELDER; BOVET; SINCLAIR, 1977, p. 17).
Portanto, para Piaget (1970/2016), as explicações para a origem do
conhecimento eram insuficientes segundo as proposições do inatismo e do
empirismo. Ou seja, não basta que haja fatores inatos tais como a
maturação, assim como não basta a experiência física e social para haver
conhecimento e desenvolvimento. Não basta somar fatores endógenos e
exógenos: é preciso considerar o fator equilibração, que será explicado logo
a seguir.
É nessa perspectiva que Delval (2010) afirma que, para a
concepção empirista, nossa mente é considerada um quadro em branco,
ou a chamada tábula rasa, e que todo o conhecimento está pronto e
acabado fora do sujeito. O conhecimento chega a partir do exterior,
proveniente da realidade externa e dos outros, cabendo ao sujeito, então, a
simples tarefa de copiá-lo. Ao passo que para a concepção inatista, nós,
humanos, dispomos de formas inatas para somente organizar nossas
experiências, pois já temos estruturas prontas que irão aflorar com o
45
tempo. As duas concepções trouxeram, e ainda trazem, implicações
negativas ao processo educacional, que serão discutidas posteriormente.
É também neste prisma que Ramozzi-Chiarottino (1994) conclui,
a partir de estudos de Piaget, que não nascemos prontos, e que esse
processo de interação do sujeito com o meio nos permite construir o
conhecimento, que não é dado pelo meio, nem herdado geneticamente:
[...] Para Piaget, o ser humano nasce com a possibilidade de, em
contato com o meio, construir seus esquemas de ação e coordená-lo em
sistemas. Ao se construírem em nível exógeno, esses esquemas dão
origem a uma transformação em nível endógeno ou neuronal que
permitirá novas recepções de estímulos do meio. A esses, o organismo
responderá construindo outros esquemas de ação, provocando,
concomitantemente, novas transformações, em nível neuronal, que se
constituirão nas estruturas mentais (RAMOZZI-CHIAROTTINO,
1994, p. 67).
Devemos esclarecer que, dentro da perspectiva piagetiana, há 3
(três) tipos de estruturas orgânicas: as programadas no genoma (como, por
exemplo, as estruturas do sistema digestivo), as parcialmente programadas
(como, por exemplo, a estrutura do sistema nervoso) e as não programadas,
que são as estruturas da inteligência. Por isso, Ramozzi-Chiarottino (1994)
usa a expressão possibilidades, pois há estruturas programadas no genoma
e um conjunto de possibilidades que fazem parte da espécie humana. Em
se tratando de estruturas mentais, porém, essas estruturas só se atualizam e
ampliam se o meio for solicitante e o sujeito interagir nesse processo.
É nesse sentido que Piaget diz serem insuficientes as explicações do
apriorismo e do empirismo acerca do nascimento e desenvolvimento do
conhecimento, propondo o olhar para a interação do sujeito e o meio,
46
como nos assevera Becker (2011). Para a teoria de Piaget, não cabe
unidirecionalidade da influência do sujeito sobre o objeto, tampouco o
inverso.
A teoria de Piaget foi capaz de dar vez e voz à criança quando
esclarece que, funcionalmente falando, ela é como um adulto, mas não
quando se incide sobre a questão estrutural. Cabe-nos clarear os
significados entre estrutura e funcionamento.
Para recorrer ao significado de funcionamento, Piaget afirma que
do ponto de vista cognitivo, a inteligência de uma criança não se difere da
de um adulto se pensarmos na definição de inteligência como a busca
intencional de meios para atingir um fim. Ou seja, para se adaptar a uma
nova situação, o ser humano, seja adulto ou criança, busca estratégias para
alcançar um equilíbrio com o meio.
Ainda sobre a questão funcional, Piaget (1964/1969) afirma que
existem funções constantes e comuns a todas as idades, modificadas pelas
motivações que desencadeiam tal funcionamento. Pode ser uma
necessidade fisiológica, afetiva ou intelectual. Ou seja, quando provocado
por um questionamento ou por um problema de seu interesse, de acordo
com seu nível mental, seja um bebê interessado no movimento de um
objeto ou um adulto provocado por uma situação problema do cotidiano,
o ser humano busca a compreensão para alcançar um equilíbrio mais
estável.
Do ponto de vista estrutural, pode-se afirmar que as estruturas
mentais de uma criança são diferentes das de um adulto, e que há variações
também entre idades diferentes. Conforme La Taille (1990), há uma
organização da inteligência nas diferentes idades e, por isso, diferentes
capacidades de compreensão são determinadas, embora a busca dessa
47
compreensão seja uma invariante, o que já diz respeito ao funcionamento.
Vejamos o que diz Piaget:
Assim como as grandes funções do ser vivo são idênticas em todos os
organismos, mas correspondem a órgãos muito diferentes de um grupo
para outro, também entre criança e adulto se assiste a uma construção
contínua de estruturas variadas, se bem que as grandes funções do
pensamento permaneçam constantes (PIAGET, 1932/ 1975, p. 16).
No que tange à organização da inteligência, Piaget (1983a) traz
também a ideia de sistemas de estádios (BECKER, 2012) e subestádios:
períodos cognitivos que contêm uma lógica peculiar e se constituem numa
construção contínua de estruturas por parte daquilo que o sujeito faz ao
longo da vida. Em seus estudos, e de seus seguidores em diferentes países,
Piaget foi capaz de conceituar a existência de um sujeito epistêmico,
observando que há características comuns a todos os indivíduos nesse
processo de desenvolvimento da inteligência que a criança percorre até
atingir a fase adulta, sem perder o olhar para o sujeito individual e social,
que traz também influências de sua cultura e educação.
A criança do ponto de vista funcional:
como ocorre a construção do conhecimento
Conforme Piaget, a ação do sujeito (desde a criança até o adulto)
sobre o meio é fundamental, pois se elaboram as informações e as
reestruturam numa relação dialética permanente. Segundo Becker (2003),
objeto é o meio físico e social; é o mundo dos objetos materiais e das
relações sociais, conceitos, imagens, linguagens, o mundo natural, as
48
manifestações da vida, da sociedade cultural, das artes e das ciências, entre
outras. O sujeito não pode ser enquadrado em um conceito rígido, mas
considerar a plasticidade, a versatilidade e o dinamismo do ser humano
que está inserido em uma cultura e suas produções, em um espaço físico,
um meio geográfico e um tempo histórico.
Nessa perspectiva, Becker (2011) nos mostra que experiência é
uma condição necessária ao desenvolvimento da inteligência, mas não
suficiente, pois pressupõe uma atividade estruturante do sujeito, que é
progressivamente endógena. A interação entre o indivíduo e meio é
essencial à constituição do sujeito:
[...] o conhecimento não procede, em suas origens, nem de um sujeito
consciente de si mesmo nem dos objetos já constituídos (do ponto de
vista do sujeito) que ele se imporia. O conhecimento resultaria de
interações que se produzem a meio caminho entre os dois dependendo,
portanto, dos dois ao mesmo tempo, mas em decorrência de uma
indiferenciação completa e não de intercâmbio entre formas distintas.
De outro lado, e, por conseguinte, se não há no início, nem sujeito, no
sentido epistemológico do termo, nem dos objetos concebidos como
tais, nem, sobretudo, instrumentos invariantes de troca, o problema
inicial do conhecimento será pois o de elaborar tais mediadores
(PIAGET, 1983b, p. 06).
Esse estado de indiferenciação do ser humano quanto ao meio vai
se modificando pelo movimento de assimilação e acomodação, buscando
sempre o equilíbrio do sujeito, promovendo um estado de adaptação e
dando lugar a diferenciações. O processo de assimilação implica, portanto,
“[...] uma integração de elementos novos em estruturas ou esquemas já
existentes” (PIAGET, 1983a, p. 11) e se apresenta de três formas
indissociáveis: funcional ou reprodutora, consistindo em repetir uma ação
49
e em consolidá-la por isso mesmo; recognitiva, consistindo em discriminar
os objetos assimiláveis a um esquema dado, e generalizadora, quando
estende o domínio do esquema (PIAGET, 1983a).
Piaget (1983a, p. 245) apresenta assimilações tais como “[...] toda
reação do organismo consistindo em assimilá-lo às estruturas desse
organismo” e exemplifica a assimilação do mecanismo de funcionamento
utilizando uma metáfora: um coelho não se transforma em couve porque
dela se alimenta, mas que o contrário é que ocorre, a couve se transforma
em coelho. Assim “[...] também em toda ação ou práxis, o sujeito não é
absorvido pelo objeto, mas o objeto é utilizado e compreendido como
relativo às ações do sujeito” (PIAGET, 1983a, p. 245).
O processo de assimilação está também ligado à ideia de
inteligência por Piaget, ou seja, ele considera que todo sujeito é dotado de
inteligência se é capaz de assimilar dados da experiência, incorporando nos
seus quadros de esquemas de funcionamento. Piaget ressalta que, desde
bebês, com nossa inteligência prática, há uma estruturação por
incorporação da realidade exterior a formas devidas à atividade do sujeito
(PIAGET, 1932/1975). Nesses termos, inteligência pode ser definida
como a busca intencional de meios para atingir um fim
(MONTANGERO & MAURICE-NAVILLE, 1998, p. 39).
Para Piaget, a assimilação é fonte dos esquemas que partem dos
nossos reflexos inatos/ hereditários (ex.: sugar, piscar, chorar). Assimilação
é o processo de integração de cujo esquema é resultante. Ao agir, o sujeito,
movido por uma necessidade ou satisfação, obedece afetiva e
cognitivamente a uma ordem e então organiza essa ação. Quando o sujeito
faz coordenações internas dos esquemas, é porque houve assimilações
cumulativas.
50
Como processo de acomodação, a perspectiva piagetiana apresenta
a “[...] modificação dos esquemas de assimilação por influência de
situações exteriores” (PIAGET, 1983b, p. 11 ). Aqui ocorre, portanto,
uma modificação do sujeito em função da nova situação. As estruturas
cognitivas do sujeito se modificam quando confrontadas com um novo
desafio e não é possível assimilá-lo. Dessa maneira, cria-se um novo
esquema ou modifica-se um esquema prévio para que seja possível
assimilar o novo.
Esses dois processos complementares e interdependentes levam a
um processo de adaptação do sujeito por meio de equilibrações
progressivas que modificam os esquemas de ações. Uma assimilação não
pode ser pura, pois quando o sujeito incorpora novos elementos nos
esquemas já existentes, sua inteligência o modifica para buscar o
ajustamento aos novos dados, ao passo que o processo de acomodação só
ocorre em função do processo de assimilação. É nesse prisma que Piaget
nos assevera que “[...] adaptação é um equilíbrio entre assimilação e
acomodação” (PIAGET, 1932/1975, p. 17).
O processo de adaptação consiste nas relações do sujeito com o
meio, de forma que após um desequilíbrio por um novo desafio, ele busca
assimilar a situação e necessita modificar suas estruturas pelo processo de
acomodação. Isso supõe uma segunda função, cujo objetivo é manter a
coesão interna do organismo ou do conhecimento: é a chamada relação
parte e todo (MONTANGERO & MAURICE-NAVILLE, 1998).
Portanto, não é possível dissociar adaptação de organização: “[...]
é adaptando-se que as coisas e pensamentos se organizam, e é organizando-
se que se estruturam as coisas” (PIAGET, 1932/1975, p. 19). Para que
ocorra a organização das relações e adaptação do sujeito ao meio,
submetem-se os objetos a categorias de espaço, tempo, causalidade,
substância, classificação, número, etc., que não se isolam, mas são
51
implicadas umas às outras entre si, e que devem chegar a uma concordância
nessa organização. O que deve ocorrer, conforme afirma Piaget, é “[...]
uma concordância do pensamento com as coisas e a concordância do
pensamento consigo mesmo, pois exprimem uma dupla invariante
funcional da adaptação e da organização” (PIAGET, 1932/1975, p. 19).
O conceito de esquemas de ação, para Piaget (1983b, p. 243),
relaciona-se com a ideia de estrutura: “[...] Chamamos esquemas de uma
ação a estrutura geral dessa ação, se conservando durante suas repetições,
se consolidando pelo exercício e se aplicando a situações que variam em
função da modificação do meio”.
Tais esquemas nascem nos atos reflexos, e a partir deles se
constroem e se transformam, não sendo inatos e nem provenientes da
experiência, mas de uma ação do sujeito que no início relaciona-se pela sua
inteligência prática, até progressivamente atingir uma lógica formal.
Os esquemas têm sua origem no exercício dos reflexos, mas passam a
se constituir quando o organismo encontra a experiência, ou seja, o
mundo no qual o sujeito está inserido, portanto não são dados a priori
e nem inatos. Aquilo que está dado no sujeito ao nascer é o
funcionamento cerebral, (que ele chamou de organização endógena e
que está, em suas palavras: “à l'oeuvre”, quando o indivíduo começa a
agir no mundo a partir de seu nascimento) ainda que vá desenvolver-
se com a experiência vivida de cada um (RAMOZZI-
CHIAROTTINO, 2012, p. 04).
Neste sentido, é preciso reforçar que a existência do esquema é a
condição sine qua non para a troca com o meio e se repete inúmeras vezes
para que ocorra o processo de generalização, que é aquilo generalizável em
uma determinada ação. Os primeiros esquemas derivam dos atos reflexos
52
que, provocados pelo meio, dão origem aos esquemas secundários, ou seja,
novos esquemas, por relações de coordenação, em um sistema de
esquemas.
Embora tenhamos construído nossos esquemas a partir de uma
condição igual a todos os seres humanos porque temos capacidades reflexas
dadas por esquemas inatos (mamar, sugar, pegar, piscar, ver, etc.), o
conhecimento sobre a realidade é uma construção e uma experiência
singular de cada sujeito; é a ação da criança que “[...] estabelece as
propriedades dos objetos e se constrói as categorias do mundo” (DELVAL,
2010, p. 120). Assim sendo, “[...] forma esquemas que lhe permitem agir
sobre a realidade de maneira muito mais complexa do que podia fazer com
seus reflexos iniciais e seu comportamento se enriquece constantemente”
(DELVAL, 2010, p. 120).
Os esquemas assimiladores, quando somos crianças pequenas, são,
certamente, limitados, pois são de natureza sensório-motora, mas, aos
poucos, irão se aperfeiçoando por meio de suas ações, assimilações que
conduzem à sua diferenciação e progressiva coordenação. Em um segundo
período, quando de posse da capacidade simbólica, as estruturas
elementares perceptivas e motoras da primeira fase do desenvolvimento
transformam-se em estruturas representativas e intuitivas.
Portanto, como se vê, a construção de esquemas ocorre desde os
primórdios da assimilação do sujeito, e não há uma maneira de determinar
o que surge primeiro, se os esquemas ou as assimilações, pois há uma
relação de interdependência para o seu funcionamento. “[...] Todo
esquema é produto de assimilações anteriores e toda assimilação é a
incorporação de um objeto num esquema anterior” (BECKER, 2011, p.
55).
53
Sendo assim, as transformações (assimilação e acomodação), como
já dito, são impulsionadas por uma busca de equilíbrio do sujeito para se
adaptar ao meio. Como a ideia de equilíbrio sugere algo estático, Piaget
preferiu cunhar o processo como equilibração, um processo
autorregulatório do sujeito, que coordena as constantes trocas do
organismo com o meio, provocadas por desequilíbrios e reequilíbrios
constantes, elaborando novas estruturas constantemente.
[...] uma criança, ao experienciar um novo estímulo (ou velho, outra
vez), tenta assimilar o estímulo a um esquema existente. Se ela for bem-
sucedida, o equilíbrio, em relação àquela situação estimuladora em
particular, é alcançado no momento. Se a criança não consegue
assimilar o estímulo, ela tenta, então, fazer uma acomodação,
modificando um esquema ou criando um esquema novo. Quando isto
é feito, ocorre a assimilação do estímulo e, nesse momento, o equilíbrio
é alcançado (WADSWORTH, 1997, p. 23).
Esse processo, da passagem de uma situação de menor equilíbrio
para uma de maior equilíbrio, pode ocorrer de três maneiras, conforme
Piaget (1995), e que levam a uma equilibração maior (majorante): a)
quando há assimilação e acomodação dos objetos aos esquemas do sujeito;
b) quando há assimilação recíproca entre esquemas de ação e seus
subsistemas ocorre uma interação entre os esquemas, pois, uma relação
entre combinação de esquemas que representam as partes de um todo,
interações entre dois ou mais esquemas que, juntos, compõem um outro
que os integra e c) quando ocorre a integração entre partes e o todo de
esquemas e subsistemas.
Dentro da teoria de Piaget, a evolução explicativa, a teoria da
equilibração datada de 1967 nos ajudou a compreender a gênese e o
desenvolvimento do conhecimento pelo fator de troca entre sujeito e
54
objeto. Em seus estudos posteriores, Piaget (1977) cunha a expressão
abstração reflexionante (MONTANGERO & MAURICE-NAVILLE,
1998; BECKER, 2001). Nessa teoria, a explicação se estabelece em trocas
simbólicas, sendo, portando, a explicação pela equilibração algo que
subsome a fundamentação pela abstração reflexionante que atinge um
contexto mais amplo. Para Ramozzi-Chiarotino (1994), a equilibração
majorante esclarece as trocas do organismo com o meio, mas não envolvem
nas explicações os conceitos. A explicação pela teoria da abstração reflexiva
explica melhor as reorganizações endógenas envolvidas pelas
representações imagéticas, porém, os processos de desequilíbrios
desempenham a função de solicitação e a busca de re-equilibração que
ultrapassa o estado anterior ao equilíbrio são os mesmos, seja na
equilibração seja na abstração reflexionante.
Conforme Becker (2001), a abstração reflexionante é um conceito
revolucionário e pouco explorado na teoria de Piaget. Para o autor, o que
caracteriza a abstração reflexionante é ser uma ação de segunda potência, e
isso significa que o sujeito age sobre os objetos e retira qualidades na
própria coordenação de ações e não mais de suas ações diretas. A
construção do número é um exemplo de abstração reflexionante.
As duas abstrações ocorrem em todos os “[...] níveis de
desenvolvimento, dos patamares sensório-motores e orgânicos até as
formas mais elevadas do pensamento científico” (PIAGET, 1995, p. 286).
O que é mais peculiar no primeiro nível de desenvolvimento, o sensório-
motor, é que a abstração empírica retira seus dados dos objetos e das
características materiais ou observáveis das ações e a abstração reflexionante
a obtém das coordenações dos esquemas.
Existem duas formas de abstração que se diferem, segundo a teoria
de Piaget (1995): abstração empírica e abstração reflexionante, sendo que
55
a última subsiste em duas outras categorias: abstração pseudoempírica e
abstração refletida.
A abstração empírica tira suas informações das características dos
objetos, ou das ações do sujeito sobre suas características materiais ou
aquilo que se é possível observar, pois, são dados externos, contudo, há um
processo de assimilação do sujeito, pois para ele captar o conteúdo externo,
deve abstrair as propriedades do objeto e assimilá-las aos seus esquemas de
ação.
Na abstração reflexionante, há dois desdobramentos que se
manifestam como abstração pseudoempírica e abstração refletida. O
processo de abstração pseudoempírica, que é quando “[...] o objeto é
modificado pelas ações do sujeito e enriquecido por propriedades tiradas
de suas coordenações” (PIAGET, 1995, p. 274). Um exemplo disso é
quando uma criança ordena e classifica elementos de um conjunto,
seguindo uma característica. Assim, ela está se apoiando sobre uma
propriedade do objeto.
A abstração refletida (réflechie) é o resultado de uma abstração
reflexionante em sua forma consciente, ou seja, a tomada de consciência
do sujeito de sua ação pela reflexão que ocorre. Na abstração reflexionante,
há dois aspectos inseparáveis e complementares: o reflexionamento e a
reflexão. O reflexionamento é uma projeção e age como um refletor que
projeta sobre um patamar superior aquilo que foi tirado do patamar
inferior. Numa projeção, por exemplo, o sujeito age e representa sua ação.
A reflexão é processo de reconstrução e reorganização do patamar superior.
Piaget (1995) assevera que há patamares de reflexionamento nos
mostrando diferentes graus e natureza. No que tange a graus, demonstra
que o primeiro patamar, que ele chama de elementar, é o que conduz as
ações sucessivas à representação, quando, por exemplo, uma criança que
56
manipula um conjunto de fichas nos diz: “[...] Agora, eu coloco a amarela”,
dentro de uma sequência de cores. O segundo patamar é o da
reconstituição da sequência das ações, do início ao término, reunindo as
representações em um todo de forma coordenada. No terceiro patamar
ocorrem as comparações análogas ou diferenciadas, e daí inicia-se um
quarto patamar de reflexionamento, e depois outros virão, trazendo a
característica da reflexão sobre a reflexão que a precede, até chegar à meta-
reflexão ou ao pensamento reflexivo.
[...] Psicologicamente, cada nova reflexão supõe a formação de um
patamar superior de reflexionamento, onde o que permanecia no
patamar inferior, como instrumento a serviço do pensamento em seu
processo, torna-se um objeto de pensamento e é, portanto, tematizado,
em lugar de permanecer no estado instrumental ou de operação. [...]
Novos patamares de reflexionamentos constroem-se, portanto sem
cessar, para permitir as novas reflexões (PIAGET, 1995, pp. 275-276).
No que se refere à natureza dos reflexionamentos, Piaget (1995, p.
276) nos diz que, a princípio, há apenas um “[...] deslocamento de
observáveis em função de sua conceituação progressiva pela tomada de
consciência, isto é, pela interiorização das ações”. Por se tratar da esfera de
formação de conceitos, porém, é necessário compreender dois aspectos
importantes: a forma e o conteúdo.
É possível compreender o conteúdo no sistema de conceito como
aquilo que é observável, dos objetos e ações, e que se revela da abstração
empírica, e a forma dentro de um sistema de conceitos, como a reunião de
objetos como um todo que se apoia em relações de equivalência das
qualidades comuns. “[...] São o estabelecimento de uma ordem de sucessão
ou de relações cada vez mais complexas, cuja generalização permite de novo
57
o reflexionamento dos observáveis precedentes sobre novos patamares” e
que supõe, portanto, a intervenção de uma abstração reflexionante
(PIAGET, 1995, p. 276).
Ademais, pode-se dizer que a equilibração majorante é o fator
fundamental do desenvolvimento do indivíduo entre os quatro fatores que
Piaget elenca em seu livro Problemas de Psicologia Genética(1983a):
hereditariedade/a maturação interna, a experiência física/ação dos objetos,
a transmissão social/fator educativo e a equilibração.
Nessa perspectiva, a construção do conhecimento apoia-se no
processo de abstração do sujeito, que age sobre o mundo e abstrai dele,
captando as propriedades ou atributos necessários num processo reflexivo
para compreender as relações existentes. Antes de se centrar nela mesma, a
abstração apoia-se nas ações.
Não há, dessa forma, qualquer conhecimento novo que não passe
pelo processo de abstração. O sujeito, por meio das coordenações de suas
atividades cognitivas, constrói seus esquemas, coordena as ações mentais e,
a partir daí, tem novas estruturas para resolver novos desafios. As estruturas
de assimilação e acomodação se constroem por meio de abstração
reflexionante.
As experiências de vida de um sujeito são a base para alimentar esse
processo endógeno, e as experiências do conhecimento lógico-matemático
que ocorrem por meio da abstração reflexiva é que permitirão ao sujeito
destacar a forma de suas próprias ações. De acordo com Piaget
(1977/1995), os patamares no processo de conhecimento seguem um
formato espiral em função de uma compreensão progressiva das noções de
classe e série devido à construção das estruturas mentais e à compreensão
das relações receptíveis da natureza, em organização de tempo, espaço e
causalidade.
58
Portanto, a formação de cada patamar leva à realização de novas
reflexões, que reconstrói sobre o novo plano os elementos projetados a
partir do patamar anterior, ocorrendo um processo muito dinâmico de
transformação do conteúdo em forma. Esse processo espiral é assim
representado por Piaget (1977/1995, p. 276-277):
Todo reflexionamento de conteúdos (observáveis) supõe a intervenção
de uma forma (reflexão), e os conteúdos assim transferidos exigem a
construção de novas formas devido a reflexão. Há, assim, pois, alguma
alternância ininterrupta de reflexionamento reflexões
reflexionamentos; e (ou) de conteúdos formas conteúdos
elaborados novas formas, etc., de domínios cada vez mais amplos,
sem fim e sobretudo sem começo absoluto. (PIAGET, 1977/1995, p.
276-277)
Nas palavras de Ramozzi-Chiarotino (1994), o fato de o
conhecimento seguir o processo espiral garante a condução de formas cada
vez mais elaboradas e mais importantes relativas ao conteúdo. Isso só é
possível porque existe no processo ininterrupto de abstração reflexiva uma
construção de maior número de formas do que de conteúdos, sendo,
portanto, essas formas que determinam a elaboração de estruturas do
pensamento formal.
Ainda em se tratando de processos de funcionamento e construção
do conhecimento, os estudos mais recentes de Piaget (1987/1988) vão se
debruçar sobre a lógica operatória, cunhada como lógica de significações,
em que operação central é implicação significante (uma forma de
inferência). Piaget teve como principal colaborador Rolando Garcia
(2002), definindo a implicação significante como uma relação entre duas
significações, sendo que primeira incide sobre a segunda. Podemos
59
caracterizar também a implicação significante como um instrumento da
coordenação entre esquemas, desde os mais primitivos, “[...] que na
medida em que o sujeito compreende as razões, constitui”, alimenta as
relações necessárias. (MONTANGERO & MAURICE-NAVILLE, 1998,
p. 197), assim como podemos afirmar que há uma “[...] interação
inextricável entre atribuição de significados e a geração de implicação entre
ações” (GARCIA, 2002, p. 80).
A tese central de Piaget é de que os níveis mais elementares do
conhecimento possuem uma dimensão inferencial, ou seja, desde bebês
está presente a raiz das relações lógicas que conduzirão a operações e a
composições em estrutura. “[...] Desde as tomadas de consciência
elementares ligadas aos objetivos e resultados das ações até as
conceituações de níveis superiores” (MONTANGERO & MAURICE-
NAVILLE, 1998, p. 203) os estados conscientes, exprimem significações
e as conectam pela implicação significante.
As significações são resultados de uma assimilação de objetos a
partir dos esquemas, e as propriedades extraídas não são frutos de simples
ou puras observações, mas constituem uma interpretação de dados.
Portanto, Garcia (2002) nos diz que a significação de um objeto é o que
se pode fazer com ele, dizer sobre e pensar (classificar, fazer relações) sobre
o objeto. Em se tratando de significação de uma ação, Garcia (2002) nos
diz que:
A significação é uma ação, está ligada às mudanças, às modificações ou
transformações procedentes de seu agir sobre objetos ou situações. Mas
a atribuição de significação a objetos e ações não ocorre isoladamente;
se gera nas múltiplas relações ligadas a coordenação de esquemas
(GARCIA, 2002, p. 78)
60
Garcia (2002), exemplificando a significação de um objeto e de
uma ação, nos traz a ideia do que ocorre inicialmente com o bebê que
reiteradas vezes empurra um objeto e percebe que ele se mexe, constatando
após a sua ação a existência de uma consequência, relacionando por vez a
sua ação ao movimento, por meio da observação. Quando ocorre a
significação de uma ação, o sujeito já estabelece uma relação entre as ações,
sem haver uma observação, é capaz de antecipar, inferir que se ele empurrar
o objeto ele vai se mover.
Piaget e Garcia (1988) destacam que as implicações significantes
envolvem 3 (três) aspectos: a) aspectos de amplificação, que diz respeito ao
estabelecimento das relações de causa e consequência as implicações são
proativas, compreende-se na proposição A ---> B, B é consequência de A;
b) aspectos de condicionamento, referente a condições prévias necessárias
para que ocorra uma implicação significante implicações retroativas, na
proposição A ---> B, A é condição para B, e por fim, c) aspectos de
aprofundamento em que se manifestam e se revelam os motivos das razões
implicações justificantes.
Em suma, existe uma lógica de significações que precede a lógica
formal, e ela está fundamentada sobre implicações entre significados, assim
como implicações entre as ações (PIAGET & GARCIA, 1988).
Piaget e Garcia (1988, p. 150) apresentam 3 (três) níveis quanto
aos tipos de inferência estabelecida pelo sujeito. No primeiro nível, há
antecipações limitadas que permitem ao sujeito realizar as repetições e
constatações sobre a disposição dos objetos e suas modificações
comprovadas empiricamente. No segundo nível, as inferências referem-se
a certas antecipações que os sujeitos constatam e que estão fundamentadas
sobre implicações necessárias, mas não exibem ainda suas razões. Ocorre
neste nível implicações entre as ações geradas por meio das abstrações
reflexivas, que conferem no texto todo e não se limitam a extrair as
61
consequências lógicas das abstrações empíricas. Por fim, no nível III, as
inferências são geradas sobre as razões ou demonstrações possíveis.
Vale destacar que, para Garcia (2002, p. 82), a abstração reflexiva
tem um modo de “funcionamento mais complexo e uma significação
epistemológica mais importante, devido a que o qualificativo reflexiva” e
emprega-se em dois sentidos diferenciados:
a) Como reflexiva, com um dos sentidos de “refletir”, que significa
formar a imagem de algo como superfície, que neste caso é um nível;
b) Como reflexionante, no sentido que o dicionário dá ao verbo
“refletir” (considerar detidamente uma coisa) (GARCIA, 2002, p. 82).
Assim, o que o autor nos diz é que na abstração reflexiva, os
sentidos são intrínsecos, sendo que o que é abstraído de um nível reflete
em outro nível, passando assim “[...] da ação à representação, ou da
representação à conceitualização ou daí à operação em níveis sucessivos”
(GARCIA, 2002, p. 82), possibilitando ao sujeito entrar em um nível
elevado de consciência progressiva a partir do que conseguiu abstrair do
nível inferior,
Compreender que existem níveis de evolução das implicações
significantes significa compreender que o ser humano, em suas interações
com o meio, pode também não atingir as implicações estruturais, não
sendo capaz de fazer relações mais complexas e críticas sobre os fenômenos
vividos, pois depende de um sistema mais amplo de estruturas internas que
não foram construídas. Por exemplo, compreender o alcance da
problemática do consumismo depende de implicações estruturais; caso
contrário, é possível apenas garantir o conhecimento superficial.
62
Paralelamente aos níveis de inferências, Piaget e Garcia (1988) nos
revelam que há uma evolução das implicações significantes, que aparecem
em níveis e graus diferentes:
Nível I - Implicações locais - A significação das ações é determinada
por resultados constatados e se restringem a dados imediatos e
contextos particulares;
Nível II - Implicações sistêmicas As implicações se inserem em um
sistema de relações, mas que consideram apenas os passos sucessivos
entre elementos muito próximos. Tais inferências não são suficientes
para chegar às relações necessárias;
Nível III - Implicações estruturais Diz respeito às implicações das
composições internas de estruturas já construídas. Há neste nível
uma compreensão interna da razão dos fatos gerais observados. Aqui,
as relações gerais no nível anterior se tornam necessárias.
Por fim, concordamos com Fermiano (2010) que a teoria da lógica
das significações é uma forma de compreender como o sujeito do
conhecimento, diante de uma nova situação, pode organizar o objeto de
conhecimento, levantando inferências e buscando razões e relações de
causa e efeito. Para Piaget, para compreender e interpretar os fenômenos
da realidade, depende de relações entre estados de consciência e resultam
em implicações que exprime uma significação (FERMIANO, 2010).
Pensar, portanto, as relações de consumismo desde a infância, a
partir da lógica das significações, implica compreender o quanto é
necessário um processo de educação econômica que possibilite ao sujeito a
reflexão das ações que rompa com o pensamento embasado no senso
comum e na perspectiva individualista de vida; que se comprometa com a
construção de conhecimentos, de sentidos e significados profundos acerca
de seu consumo, que provoque um pensar de forma consciente, solidária e
63
humanitária sobre o consumo e seu impacto no meio, e o
comprometimento dos recursos naturais às futuras gerações, sobre a
compra consciente embasadas na necessidade e não na indução de massas
pela indústria cultural, do marketing voltado ao público infantil e valores
idealizados pela sociedade de consumo.
Estádios do desenvolvimento cognitivo da criança ao adulto: a criança
do ponto de vista estrutural
Considerando que os estádios de desenvolvimento cognitivos
evoluem dentro de uma sequência contínua, devemos pensar que o estádio
cognitivo emerge daquele que o precedeu, sinalizando uma reorganização
do sujeito diferente do anterior. Portanto são 4 (quatro) estádios (sensório-
motor; pré-operatório, operatório e formal) que assevera Piaget, e podemos
dizer que o estádio das operações formais estruturou-se do estádio
operatório, e esse se sucedeu do pré-operatório e que nasce do sensório-
motor, iniciado na primeira infância. Vale destacar que o estádio anterior
é sempre incorporado pelo estágio subsequente.
Piaget (1996) faz uma crítica quanto à noção de estádio e o abuso
dos psicólogos em seu uso, pois não se trata de uma simples sucessão de
comportamentos dentro de uma ordem. Além disso, muitas vezes sua
teoria é confundida com esse único aspecto, geralmente chamado de teoria
dos estádios de Piaget. A explicação do desenvolvimento dos estádios foi
mal interpretada e criticada por configurar idades específicas ao
aparecimento de certas estruturas (PULASKI, 1986). A ideia de etapas,
fases ou estádios, na teoria de Piaget, deve seguir condições de constância
de sucessão de comportamentos; que tenha uma estrutura de conjunto
peculiar e que haja uma integração de estruturas sequentes:
64
[...] Seja constante a sucessão dos comportamentos, independentes das
acelerações ou retardamentos que podem modificar as idades
cronológicas médias em função da experiência adquirida e do meio
social (como das aptidões individuais); 2) seja definida cada fase não
por uma propriedade simplesmente dominante mas por uma estrutura
de conjunto que caracterize todos os comportamentos novos próprios
dessa fase; 3) essas estruturas apresentem um processo de integração tal
que cada uma delas seja preparada, e se integre na seguinte (PIAGET,
1996, p. 27-28).
No que tange à ordem da sucessão das aquisições de forma
constante, Piaget (1983b) privilegia esta ordem de sucessão e não a
cronologia, pois aponta como uma dificuldade a variação da cronologia,
que depende da experiência do sujeito e do meio social e que pode acelerar
ou retardar o aparecimento do estádio, além de tornar impossível que ele
se manifeste. Nesse sentido, a idade considerada é relativa. Contudo, no
estádio cognitivo não há variação na ordem de aparecimento das condutas
dos indivíduos. No que se refere ao caráter integrativo, tudo aquilo que o
sujeito construiu em termos de estruturas numa idade será parte integrativa
da idade posterior, daí a importância daquilo que se constrói no estádio
sensório motor, pois será base para as novas estruturas no estádio
subsequente e assim por diante. Não há, nesse sentido, justaposição de
propriedades, mas sim a formação de uma estrutura de conjunto que,
quando atingida, determina todas as operações que ela recobre, dando ao
sujeito a possibilidade de operar de diferentes maneiras. Cada estádio é,
em si, um nível de preparação e de acabamento de estados de equilíbrio.
Os 4 (quatro) períodos da inteligência operatória seguem a
seguinte sucessão: sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto - e
período das operações formais.
65
O primeiro estádio, o sensório-motor, cujo início é marcado no
nascimento da criança até aproximadamente os 2 (dois) primeiros anos,
também chamado de período de inteligência prática. Nessa fase, há o que
Piaget chama de narcisismo sem noção do eu, pois o bebê, sem diferenciar
o eu e o mundo, vai pouco a pouco, no plano prático, compreendendo sua
existência e o mundo a partir de uma organização dos movimentos e da
percepção, que nasce dos deslocamentos dos atos reflexos inatos,
construindo novas estruturas mentais.
Para Piaget (1964/1969), o período sensório-motor é decisivo para
todo o percurso da evolução psíquica posterior, pois será o alicerce de novas
construções de estruturas. Ainda segundo Piaget, existem quatro processos
fundamentais que caracterizam a chamada revolução copernicana durante
os dois primeiros anos de existência: as construções de categorias do objeto
e do espaço, da causalidade e do tempo, que nesse momento ainda são
categorias de ação prática e não de noções de pensamento. O bebê realiza,
pelas ações práticas, a construção da permanência do objeto, contudo, no
início há uma ausência total de objetos e somente depois apresenta a
conservação do objeto, o que significa que é capaz de garantir a existência
do objeto, mesmo que ele não esteja em seu campo visual, constituindo,
assim, um início de passagem do “[...] egocentrismo integral primitivo para
elaboração final de um universo exterior” (PIAGET, 1964/1969, p. 20).
Na atualidade, fala-se cada vez mais naquilo que Piaget
(1964/1969) apontou há muito tempo: a existência de um extraordinário
desenvolvimento mental nessa idade, como, por exemplo, mostrou o
documentário “O Começo da Vida”, lançado no Brasil no ano de 2016,
pela diretora brasileira Estela Renner. Na obra, foram entrevistados
renomados pesquisadores, economistas, membros do Fundo das Nações
Unidas (UNICEF), profissionais da saúde e da educação e famílias com
crianças de nove países a fim de destacar que há um dinâmico e grande
66
desenvolvimento nos primeiros anos de vida. Trata-se de um alerta sobre
a importância da qualidade das relações que se constroem e no que o meio
pode possibilitar para crianças da primeira infância, determinantes para a
construção integral do ser humano.
No período pré-operatório (crianças de 2 a 7 anos), marcado
fortemente pela função simbólica e interiorização dos esquemas de
representação. Uma vez que o presente trabalho de pesquisa tem como
foco sujeitos da segunda etapa pré-escolar que se encontram nesse estádio,
haverá uma atenção maior às suas características.
Embora seja ao final do período sensório-motor que ocorra a
presença da atividade representativa, é no período pré-operatório que ela
ganha força. Cinco condutas representativas que, são preparadas desde o
anterior, aparecem quase que simultaneamente (PIAGET & INHELDER,
1966/2011; PIAGET, 1956/1972, 1983), mas há uma complexidade
crescente: a) a imitação diferida b) o jogo simbólico, c) o desenho, d) a
imagem mental e e) a linguagem.
A imitação diferida consiste em imitar objetos ou acontecimentos
decorrentes de algo já acontecido quando o modelo da origem da imitação
não está presente. Quando realiza uma imitação diferida, significa que a
criança desenvolveu a capacidade de recordar e de representar
mentalmente o comportamento imitado, mesmo quando há uma distância
temporal entre a ocorrência desse comportamento e a imitação.
Para Piaget (1964/1973) a criança só imita modelos visuais quando
constitui a noção de objeto, algo que deve ocorrer ainda no primeiro
estádio de desenvolvimento. “A imitação assenta numa espécie de
indiferenciação entre o modelo e o corpo do sujeito”. É a partir da
constituição da noção do objeto e objetivação da causalidade, que o outro
se torna uma “realidade comparável, sem ser idêntica ao próprio corpo, daí
67
resultando esse esforço surpreendente de correspondência entre os órgãos
percebidos no modelo e nos órgãos próprios”, o qual culmina numa
representação [...]” Piaget (1964/1973, p. 113).
Vale ressaltar, porém, que a imitação neste período, dos 2 (dois)
aos 7 (sete) anos, não é algo refletido acerca do modelo em que a inspira,
assim como ainda não diferencia de maneira clara entre o que faz parte
dela e o que é o modelo, isso porque está presa ao seu estado egocêntrico e
ao mesmo tempo heterônomo. Tais aspectos são pontos fundamentais para
refletirmos sobre as referências que estamos oferecendo às crianças, quais
que interagem e se tornam também modelos a serem imitados e
propulsores para o consumo, como, por exemplo, os personagens infantis
midiáticos, porta de entrada para o consumismo na infância.
O jogo simbólico ou o jogo de faz de conta possibilita ao sujeito a
capacidade de representar, de criar, de se autoexpressar. Quando a criança
brinca de fazer compras, levando uma sacola nos braços e colocando
sucatas na sacola, está representando algo vivido, além de reelaborar, à sua
maneira, a assimilação dos desejos do eu com aquilo que é real, mas não é
somente “[...] uma assimilação assegurada (o que a reforça) por uma
linguagem simbólica construída pelo eu e modificável à medida das
necessidades” (PIAGET & INHELDER, 1966/ 2011, p. 57). Dessa
forma, para Piaget, o jogo simbólico comporta sempre um elemento de
imitação, funcionando como significante e também como um ato de
criação.
Outra conduta dessa fase é a expressão gráfica, o desenho, que
também passa por níveis de evolução conforme a linha de estudos de
Luquet, em quem Piaget se baseou (IAVELBERG, 2006). As etapas
vividas pela criança são realismo fortuito, realismo fracassado ou gorado,
realismo intelectual e realismo virtual.
68
A primeira forma de desenho pode ser considerada um jogo de
exercício, pois não há no período sensório-motor a ideia da utilização do
desenho como forma de representar, mas sim uma exploração prazerosa
dos movimentos sobre os objetos, as chamadas garatujas (PIAGET &
INHELDER, 1966/2011).
Como não há a intencionalidade de representar. A criança primeiro
garatuja e depois nomeia os traços, sendo possível a qualquer tempo mudar
de opinião acerca da nomeação dos objetos, ou “[...] a garatuja com
significação descoberta em seu desenrolar” (PIAGET & INHELDER,
1966/2011, p. 62). Chamamos essa fase de realismo fortuito, sendo a
primeira etapa da evolução do desenho.
Com a evolução gráfica, a criança passa a repetir um modelo de
memória mesmo que não guarde semelhança ao que queira representar.
Nessa fase, por haver a intencionalidade da representação, pode-se também
afirmar que houve a imitação e a imagem. É quando se tem o realismo
gorado, em que há uma dificuldade em representar os elementos de forma
coordenada entre partes e todo. Ao representar o corpo humano, por
exemplo, a criança traz uma forma mais ou menos circular da cabeça e
puxa traços que representa braços e, às vezes pernas, mas não há a
representação do tronco. Luquet cunhou essa expressão gráfica como
badamecos girinos devido à semelhança com o anfíbio. Não há uma
preocupação com a proporcionalidade dos objetos e do espaço, e é possível
que a criança desenhe, por exemplo, na mesma folha, uma casa para
humanos do tamanho de um cachorro.
Na sequência, temos a etapa do realismo intelectual, em que o
desenho já apresenta uma preocupação com o modelo, mas não com a
perspectiva do ponto de vista visual. Por já ter uma preocupação com a
representação do real, a criança é capaz de desenhar um animal ou pessoa
de perfil, mas com os dois olhos aparecendo. É a chamada visão de raio-X,
69
em que a criança, ao representar, considera tudo o que conhece em um
único objeto, mesmo que não esteja visualizando, dependendo da forma
como desenha. Quando ela desenhar uma mulher grávida, desenha o bebê,
mesmo que protegido pela barriga. Conforme Piaget e Inhelder
(1966/2011) o desenho infantil nesta fase ignora a perspectiva e as relações,
mas considera ligações topológicas: vizinhança, separações, envolvimentos
e fechamentos, entre outros.
Por último, temos a etapa do realismo virtual, fase em que as
representações gráficas representam a superação da visão de raio-X da fase
anterior, e que aquilo que não está visível não será representado. Ademais,
os desenhos ganham proporcionalidades dentro de um plano de conjunto:
para desenhar uma perspectiva de fundo e de distância, a criança altera os
tamanhos entre os objetos.
Na sequência das condutas relativas à função simbólica anunciada,
temos a imagem mental. Como imagem mental, podemos pensar a
imitação interiorizada. Nas contribuições dos estudos de Dongo-Montoya
(2005), vemos a imagem mental como essencial enquanto função
simbólica, que traz as peculiaridades dos objetos ausentes. Não haveria,
conforme o autor, sem a imagem mental, o nascimento, a finalização da
representação conceitual e a inteligência representativa:
O símbolo lúdico implica também diferenciação de um significante
(gesto ou objeto exterior) que representa um significante (objeto
ausente), o qual é reportado por uma imagem. O desenho enquanto
configuração gráfica se reporta a um objeto ausente, mediada pela
imagem que o sujeito constitui desse objeto. A linguagem enquanto
sistema de signos, implica significantes (gestos ou palavras articuladas)
que se reportam a objetos mediados por conceitos ou pré-conceitos, os
quais se apoiam sobretudo nas fases iniciais, nas imagens mentais
(DONGO-MONTOYA, 2011, p. 124).
70
Como explicita Dongo-Montoya (2011, p. 124), o duplo processo
da coordenação dos esquemas sensório-motores e da atividade imitativa é
condição para a constituição simbólica (capacidade de diferenciação entre
significante e significado do sujeito). Os progressos do pensamento
representativo em relação ao sistema dos esquemas sensório-motores são,
na realidade, devidos à função semiótica em conjunto: é ela quem destaca
o pensamento da ação e cria, portanto, a representação.
Finalmente, para completar o grupo de condutas representativas,
temos a linguagem que representa a possibilidade de a criança evocar
verbalmente objetos e acontecimentos não presentes e ainda antecipar
acontecimentos futuros.
A linguagem se inicia no estádio anterior, o sensório-motor, pela
lalação espontânea entre 6 e 10-11 meses. Depois, há uma fase de
diferenciação de fonemas por imitação (entre 11 e 12 meses), passando
para a construção de palavras-frases que exprimem desejos e emoções. Ao
findar do segundo ano de vida (com possíveis alterações de condutas entre
as idades), a criança é capaz de falar frases de duas palavras, sem a
preocupação em conjugar verbos, até chegar a estruturas gramaticais mais
elaboradas (PIAGET & INHELDER, 1966/2011). Há também o que ele
caracterizou como fala egocêntrica, que se define por uma ausência de
comunicação. Mesmo estando entre os pares ou com outras pessoas, não
há por parte da criança a intenção de comunicação. Ocorrem os chamados
monólogos coletivos no início da etapa pré-operatória. Em evolução, a fala
se transforma em socializada quando já ocorre a necessidade de a criança
se comunicar, sendo peculiares os diálogos intencionais.
Para Piaget, a linguagem está a serviço do pensamento. Em uma
perspectiva dialética, porém, não pode haver reducionismos exógenos ou
71
endógenos. Embora não seja a única conduta da função simbólica que
contribui para o desenvolvimento do pensamento, a linguagem tem um
papel importante:
Cumpre, contudo, reconhecer que nesse processo formativo a
linguagem desempenha papel particularmente importante, pois, ao
contrário dos outros instrumentos semióticos (imagem, etc.)
construídos pelo indivíduo à proporção das necessidades, a linguagem
já está toda elaborada socialmente e contém de antemão, para uso dos
indivíduos que a aprendem antes de contribuir para seu
enriquecimento, um conjunto de instrumentos cognitivos (relações,
classificações, etc.) a serviço do pensamento (PIAGET &
INHELDER, 1966/2011, p. 80).
É nesse sentido que Piaget (1964/1969) assevera que, com o
aparecimento da linguagem, há uma modificação do comportamento
afetivo e intelectual. No que tange aos aspectos afetivos, há o
desenvolvimento de sentimentos como simpatia, antipatia e respeito. A
criança se torna capaz de reconstituir o vivido em narrativas, além de
antecipar ações futuras, e tem como ganho implicações fundamentais no
desenvolvimento cognitivo como o início da socialização da ação, havendo
uma ampliação de trocas entres os sujeitos, a interiorização da palavra, que
para o autor significa o aparecimento do pensamento e, por fim, a
interiorização da ação, que na fase anterior dependia da percepção dos
movimentos e agora passa a se constituir mentalmente.
Contudo, ainda permanece no pensamento infantil o
egocentrismo, como um impeditivo que faz com que a criança não tenha
consciência de que o ponto de vista das outras pessoas seja diferente do seu
ponto. Ela acredita que todos tenham os mesmos sentimentos e
pensamentos sobre as coisas, o que nos dá a ideia de certa onipotência
72
mágica da criança para as explicações causais, como se ela pudesse controlar
o mundo. Como ela ainda não difere quem é ela e quem é o outro de forma
clara, torna-se impossível colocar-se no ponto de vista da outras pessoas.
O que ocorre nesse fenômeno característico do pensamento
infantil é que as crianças, nesse período da vida, não distinguem com
clareza o seu ponto de vista e o de outras pessoas porque ainda não
estabelecem uma distinção entre seu mundo interno subjetivo e o mundo
exterior. Marcas características dessa forma de pensar foram distinguidas
como realismo, artificialismo, finalismo e animismo, assim como o
raciocínio transdutivo, quando a criança interpreta o mundo a partir da
relação particular, mostrando-se incapaz de compreender um fenômeno
como um todo e as possíveis relações com outros fenômenos.
Elucidamos o animismo, que como o próprio nome diz, é dar
anima, alma aos objetos e ao mundo, como se fossem conscientes. A
criança projeta nos objetos qualidades particulares de sua própria ação,
assim, uma pedra pode sentir dor e os riachos sentem calor, entre outros
sentimentos e desejos humanos. Nesse momento, a criança acredita que os
objetos são conscientes, mas uma consciência que se apresenta a uma
atividade, seja emanando do próprio objeto ou da influência do exterior
sobre o objeto.
O artificialismo é compreendido como uma projeção que a criança
faz das ações humanas na natureza. Em um linguajar mais coloquial, torna
artificial aquilo que é natural, pois crê que tudo que existe foi pensado ou
feito por alguém. Um exemplo é que chove porque Deus está lavando a
casa dele.
No que tange ao finalismo, como o próprio nome indica, sinaliza
a crença das crianças como se tudo o que existe no mundo busca cumprir
um objetivo, um fim. Assim, o pensamento egocêntrico pode ser visto
73
como uma centralização do próprio ponto de vista. Piaget nos diz que o
pensamento da criança tem aparentemente uma preocupação exclusiva de
realismo, e entende como realismo algo que faz com que a criança ignore
a existência do eu, a partir daí, assume a própria perspectiva como
imediatamente objetiva e absoluta. Para alcançar uma objetividade do
pensar, deve-se passar por uma diferenciação por descentralização.
Além disso, não há no pensamento egocêntrico a capacidade de
reversibilidade. Isso ocorre em função da “[...] ausência inicial da
descentralização e que não conduz às não conservações” (PIAGET,
1964/1969, p. 75). É nessa ótica que se explica porque a lógica da criança
é chamada de pré-lógica, pois ainda não atingiu a logicidade em suas
operações. Para ser operatória, deveria atingir a reversibilidade e ser
coordenada em estruturas de conjunto em suas explicações. Ao contrário
disso, a criança tem como característica uma centralização sobre os estados
finais, não percebendo as transformações do objeto. Assim sendo, o que
ocorre no pensamento da criança é a não conservação dos objetos, dos
conjuntos, da matéria e da quantidade, entre outras. Isso significa que a
criança não é capaz de manter a quantidade de uma matéria quando sofre
mudanças de dimensão. Isso só ocorrerá quando ela puder raciocinar por
meio de operações reversíveis, o que ainda não existe nesse período. É
preciso desenvolver os esquemas de reversibilidade.
Portanto, a criança nesse estágio ainda não opera (agir
mentalmente, na perspectiva piagetiana) e resolve seus problemas práticos
ainda embasando-se em suas percepções. Seu pensamento é intuitivo.
Nesse sentido, as estruturas lógicas de inclusão de classe, seriação e
conservação só vão se constituir operatoriamente no estádio posterior, em
torno dos sete anos (PIAGET; INHELDER, 1966/2011). Todavia,
somente se constituirão se houver um trabalho de interação para que isso
aconteça caso o meio lhe solicite pensar em tais questões. Não se trata
74
simplesmente de uma questão cronológica, e sim de construção de
estruturas operatórias, que a partir de ações interiorizadas, coordenam-se
em sistemas e são reversíveis (MONTAVANI DE ASSIS, 2013) e,
portanto, podem ser chamadas de operações de fato.
A inclusão de classes (ou coleções) é a relação que se estabelece
entre parte e todo, todo e alguns (PIAGET; INHELDER, 1959/1975),
aproximando por semelhanças e diferenças, permitindo que haja
classificações e subclassificações. Como exemplo, podemos dizer que
quando a criança pensa em animais dentro de um universo de outras
coleções de objetos, lugares ou frutas, ela está pensando em classe, e
quando é capaz de identificar aves nesse grupo, consegue compreender a
ideia de subclasse ou subcoleções.
A seriação consiste em “[...] ordenar os elementos segundo
grandezas crescentes ou decrescentes” (PIAGET & INHELDER,
1966/2011, p. 92). É o estabelecimento de relações entre elementos
diferentes organizando uma sucessão de acordo com um critério
estabelecido. A criança que tem consolidada essa estrutura lógica é capaz
de organizar uma fila por ordem crescente e decrescente, entre outros
critérios.
Já o processo de conservação se refere à compreensão pela criança
de que o todo se conserva independente da organização das partes. Ele é
fundamental para o desenvolvimento do conceito de reversibilidade
(MONTOVANI DE ASSIS & CAMARGO DE ASSIS, 2013). No que
tange à compreensão da criança sobre a noção de número, Piaget revela
que ocorre a conservação dos números aproximadamente entre 6 (seis) e 7
(sete) anos, pois é quando a criança descentra-se de suas percepções,
consegue acompanhar as transformações, não mais se centra em alguns
aspectos perceptuais e reverte as operações (WADSWORTH, 1997;
KAMII; HOUSMAN, 2002). Piaget e Inhelder (1966/2011) explicam o
75
número como uma síntese original com os agrupamentos de seriação e
inclusão de classes.
Vários experimentos em diferentes áreas, chamados provas clínicas,
foram realizados por Piaget para conhecer os conceitos de conservação:
substância, área, volume líquido, peso e volume sólidos, alcançados nos
estágios de operações concretas ou formais; estágios que serão explícitos
posteriormente.
Para avaliar a noção de conservação, classificação e seriação, Piaget
desenvolveu vários procedimentos e protocolos, entre eles as provas
clínicas, por meio da utilização de materiais concretos diversos, e o método
clínico-crítico. Com eles, foi possível compreender o pensamento das
crianças relativo a diversos assuntos problematizados e refletir sobre a
forma como agem os objetos, além de explicar livremente as questões
propostas pelo investigador.
O que se pode afirmar até aqui é que a construção de esquemas
que configurarão a conservação de todas as áreas não é simultânea,
entretanto, esses esquemas são importantes e dependentes da próxima
aquisição em termos de conservação. A “[...] a conservação de substância
lá pelos 7-8 anos, do peso, por volta dos 9-10 anos, e do volume, aos 11-
12 anos” (PIAGET, 1966/2011). A primeira conservação atingida é a do
número, e a do volume é a última conservação atingida.
Tais estruturas lógicas de pensamento - a conservação, a inclusão
de classe e a seriação - estão presentes em todo o conhecimento humano.
Mesmo nos atos mais simples do cotidiano, necessitamos de tais estruturas
para organizar o pensamento. A gênese das operações concretas dependerá
do que ocorre no período pré-operatório.
No que tange ao aspecto moral, a criança, nessa fase pré-operatória,
possui também dificuldade de cooperar, de se colocar no lugar no outro,
76
pois ainda é bastante egocêntrica e tem dificuldade de interiorizar as regras
do mundo social, além de considerar que as pessoas existem e funcionam
em torno dela própria, em vez de situar-se entre os outros. O egocentrismo
está presente não apenas nos aspectos cognitivos, mas é um fenômeno
característico do pensamento infantil que se estende às questões de aspecto
afetivo, social ou moral.
Na perspectiva piagetiana, há tendências morais no
desenvolvimento da criança, a heteronomia e a autonomia. Anterior à
heteronomia, há um período cunhado de anomia, em que a criança não
tem consciência das normas sociomorais presentes no mundo na qual está
inserida, pois as regras não fazem sentido a ela, “[...] as regras derivadas da
moral ainda não estão associadas, para a criança, a valores como o bem e o
mal, o certo e o errado. [...] trata de hábitos de conduta: são apenas coisas
que se fazem” (LA TAILLE, 2006, p. 97). Se houver desenvolvimento
moral por meio do processo de assimilação e acomodação que geram
mudanças qualitativas, é que o ser humano pode caminhar da anomia para
a heteronomia até alcançar a autonomia moral.
Na moral heterônoma, a criança acredita na necessidade de uma
referência externa para as regras e para a autoridade que, em geral, é
superior e governa todas as pessoas. A exemplo do desenvolvimento, na
moral da autonomia é possível dizer que as regras ganham legitimidade
porque o sujeito já é capaz de considerar sua função na regulação das
relações, que passam a ser de reciprocidade.
Para que a criança evolua à autonomia moral, serão necessárias
muitas intervenções educativas na perspectiva da cooperação. Mesmo
assim, deve-se também pensar o desenvolvimento moral como uma
construção interna do sujeito, e que o egocentrismo é também um
impeditivo nesse processo de evolução, que vai perdendo força ao longo
do desenvolvimento:
77
Assim, no desenvolvimento moral também há uma construção interna
do sujeito. Este constrói seus esquemas ao interagir com outras pessoas
em seu meio social. O meio é muito importante, contudo, deve se
considerar que pelo egocentrismo, característica principal do
pensamento infantil, que é encontrado no período sensório motor (0-
2 anos), pré-operatório (2 a 7 anos), e até o operatório (porém em
menor força, pois há uma descentração maior) a criança ainda não
possui recursos psicológicos suficientes para compreender a lógica das
regras, há um impedimento natural do processo de desenvolvimento
em que para criança há uma única perspectiva na forma de ver o
mundo, que é a sua forma, devido a sua centração, que não garante que
as crianças se descentrem de suas convicções e crenças (PEREIRA &
MORAES, 2016, p. 111-112).
A qualidade das relações familiares, comunitárias ou escolares (a
educação infantil), das crianças que se encontram na fase pré-operatória
são de suma importância para o desenvolvimento da moral autônoma,
além de determinantes para a redução de sua tendência à moral
heterônoma.
O período das operações concretas (de 7-8 a 11-12 anos) é
marcado pela aquisição de uma lógica das ações mentais, chamada de
operações, que atingem as ações internalizadas e reversíveis, embora ainda
limitadas pelos objetos.
É nesse sentido que Piaget utilizou a expressão de operação
concreta, pois a criança ainda se baseia nos objetos concretos. Ele coloca
esse estádio como transitório “[...] entre a ação e as estruturas lógicas mais
gerais, que implicam uma combinatória e uma estrutura de grupo a
coordenarem as duas formas possíveis de reversibilidade” (PIAGET,
1966/2011, p. 91).
78
Nesse estádio, portanto, a criança se torna capaz de operar dentro
de uma lógica, ou seja, é capaz de classificar, seriar, construir a noção de
conservação física de substância, peso, volume e área, assim como o
conceito de número é mais bem compreendido, ou seja, a criança consegue
estruturar melhor os dados da realidade. Contudo, ela ainda emprega tais
operações na solução de problemas que de conteúdos reais e observáveis
para ela, e quando é necessário aplicar essa lógica a problemas mais
hipotéticos ou puramente abstratos, os sujeitos encontram dificuldades.
Na resolução de um problema específico, eles nem sempre conseguem
generalizar para outras novas situações. Assim, Piaget aponta a ideia da
necessidade de revisão de composição e de sistemas quando houver muitas
variáveis para coordenar, como veremos nas discussões sequentes.
As operações de pensamento nessa fase correspondem à intuição
transformada como uma forma superior de equilíbrio atingido pelo
pensamento. As intuições se transformam em “[...] operações se
constituindo em sistemas de conjuntos, ao mesmo tempo, passíveis de
composição e revisão” (PIAGET, 1964/1969, p. 51). Tal sistema de
conjuntos só se forma em conexão com a reversibilidade precisa das
operações, formando uma estrutura definida e acabada, como no exemplo
abaixo:
[...] um conceito de uma classe lógica (reunião de indivíduos) não se
constrói isoladamente, mas necessariamente no interior de uma
classificação de conjunto, do qual representa uma parte. Uma relação
lógica de família (irmão, tio, etc.) só é compreendida em função de um
conjunto de relações análogas, cuja totalidade constitui um sistema de
parentesco. Os números não aparecem como independentes uns dos
outros (3, 10, 2, 5, etc.) e só são tomados como um elemento de uma
série ordenada 1, 2, 3, etc. Os valores só existem, portanto, em função
de um sistema total ou escala de valores (PIAGET, 1964/1969, p. 51).
79
No período operatório concreto, Piaget (1966/2011) diz que as
formas possíveis de reversibilidade do pensamento são a reciprocidade e
inversão ou negação. Na reversibilidade por inversão, ocorre uma operação
inversa de pensamento que redunda em uma anulação, como no exemplo:
+A-A= 0. A reversibilidade por reciprocidade ou simetria traz a ideia de
equivalência, como no exemplo dado por Piaget (1966/2011, p. 122-123)
(A=A (ou se A < B e B >B então A=B). Sua teoria nos diz que as duas
formas de reversibilidade regem os sistemas de classes e de relações, mas
que não há ainda um sistema de conjunto que permite à criança fazer
deduções entre um agrupamento a outro e dar conta das transformações
de inversão e reciprocidade e, por isso, reafirma que as estruturas de
operações concretas permanecem incompletas e inacabadas.
Dessa forma, vale recordar que o pensamento da criança torna-se
reversível por conta de todos os progressos ocorridos até então. A noção de
permanência do objeto ocorrida no nível sensório-motor é necessária para
a construção da noção de conservação de quantidade, atingida no período
operatório concreto, assim como a aquisição da função simbólica foi
primordial para que se pudesse pensar nos objetos de forma representativa:
Para que ela possa compreender que um objeto é permanente apesar
de seu desaparecimento parcial ou total do campo visual, é suficiente
que a criança seja capaz de recapitular as ações de deslocamentos
efetuadas sobre o objeto. Em compensação para poder compreender
que uma quantidade permanece invariante através de modificações
(tais como transvasamentos, fragmentações, etc.) sobre a forma ou a
disposição de um objeto ou de uma coleção de elementos, a criança
deve ter compreendido que essas modificações resultam de
transformações mentalmente reversíveis (INHELDER et al., 1977, p.
32).
80
Embora haja o ganho da reversibilidade do pensamento, há ainda
a limitação, como já discutido. Essa limitação só será vencida com a
conquista do pensamento formal. A criança do nível operacional concreto
liberta-se de características do período anterior como o egocentrismo, o
domínio da percepção sobre a razão e o ganho da conservação. Contudo,
conforme Wadsworth (1997), embora uma criança operacional concreta
desenvolva operações lógicas, essas são empregadas apenas na solução de
problemas concretos, ditos como observáveis, reais e pertencentes a um
presente imediato. Aos problemas verbais e abstratos, a criança
dificilmente aplica a lógica hipotética.
No campo de desenvolvimento sociomoral, a criança desta idade
torna-se capaz de cooperar porque se torna menos egocêntrica, sendo capaz
de coordenar diferentes pontos de vistas, portanto, não mais confundir seu
próprio ponto de vista com os dos outros (PIAGET, 1964/1969). A
criança caminha para a tendência moral da autonomia em oposição a uma
moral heterônoma presente no estágio anterior: “[...] No que se refere à
lógica, a cooperação, é primeiramente, fonte de crítica: graças ao controle
mútuo, repele simultaneamente a convicção espontânea própria do
egocentrismo e a confiança cega na autoridade adulta” (PIAGET, 1932/
1994, p. 300).
Tanto do ponto de vista social quanto do ponto de vista
intelectual, a criança começa a se liberar de seu egocentrismo e é capaz de
realizar novas coordenações, transformando as relações imediatas em um
sistema coerente de relações.
Ao adentrar o último período de desenvolvimento, o período
operatório-formal (11-12 anos), a criança em transição para a adolescência
atinge o pensamento hipotético-dedutivo e realiza operações formais.
81
O pensamento hipotético-dedutivo é caracterizado como o
raciocínio que permite ao sujeito deduzir conclusões de premissas que são
hipóteses, e suas deduções não se prendem a fatos verificados. Se no
período anterior a criança dependia das percepções do passado e do
presente para a resolução de problemas, no período da lógica formal ela
ganha liberdade para pensar sobre problemas hipotéticos e abstratos.
Outra forma de pensamento existente quando o sujeito atinge a
lógica formal é o raciocínio indutivo. O raciocínio indutivo permite ao
sujeito transpor de conclusões de fatos específicos a conclusões gerais. Por
meio do raciocínio indutivo, há a possibilidade de pensar e coordenar as
possibilidades de um conjunto e suas variáveis, o que Piaget vem a chamar
de capacidade combinatória de raciocínio.
[...] É este poder de formar operações sobre as operações que permite
ao conhecimento ultrapassar o real e que lhe abre via indefinida dos
possíveis por meio da combinatória, libertando-se então das
elaborações por aproximação às quais permanecem submetidas a
operações concretas (PIAGET, 1983, p. 28).
Se no período anterior havia estruturas concretas de agrupamento,
agora com a chegada dessa capacidade combinatória e a utilização de
operações proposicionais, o sujeito raciocina não operando sobre os
possíveis e ultrapassa o real. Conforme Becker (2011), no momento existe
a composição combinatória em que se reúne ou se dissocia os possíveis, há
uma composição não mais de objetos, mas de valores de verdade ou de
falsidade das combinações. Assim sendo, ocorre “[...] a passagem da lógica
das classes ou das relações à das proposições” (BECKER, 2011, p. 232).
Vejamos o exemplo dado por Piaget sobre a transformação da lógica
operatória em logica formal:
82
[...] Edite é mais clara que Susana; Edite é mais escura que Lili, Qual a
mais morena das três? Ora, somente com 12 anos esta pergunta é
solucionada. Antes dessa idade encontramos raciocínios como este:
Edite e Susana são claras; Edite e Lili são morenas; então Lili é mais
morena, Susana a mais clara e Edite entre ambas. Em outras palavras:
O menino de dez anos raciocina no plano concreto, como os quatro-
cinco anos, a propósitos de as reguazinhas a seriar; é somente com doze
anos assimila, em termos formais, o que aos sete anos faz em termos
concretos, a propósito das grandezas: a causa disto resulta,
simplesmente, pelo fato de que as premissas se apresentam como puras
hipóteses verbais e cuja conclusão deve ser encontrada vi formae, sem
recurso às operações concretas (PIAGET, 1956/1972, p. 192).
Como já exposto, no nível operatório concreto as formas de
reversibilidades que existem são: a inversão ou negação e a reciprocidade,
que no nível formal apresentar-se-ão em diferentes formatos e integrar-se-
ão em um sistema único, constituído no nível das operações proposicionais
com o grupo das quatro transformações comutativas (PIAGET,
1964/1969).
O pensamento operatório formal ganha uma flexibilidade do
pensamento e, agora, há quatro transformações, chamadas INRC (I-
identidade, N-negação, R-reciprocidade e C-correlação) que ele lançará
mão para estabelecer suas conclusões.
Abaixo, segue um exemplo simplificado da estrutura do grupo
INRC que representa a estrutura do pensamento formal, analisado por
Pulaski (1986, p. 79):
[...] se um peso for colocado em um dos braços, rompendo assim o
equilíbrio da balança, esse pode ser restaurado simplesmente retirando-
se o peso (negação). Ou pode-se acrescentar um peso idêntico, a igual
83
distância, no braço oposto (reciprocidade). Em terceiro lugar, pode-se
colocar um peso maior próximo ao centro, ou um menor a uma
distância maior (correlação). Por fim, todos os pesos podem ser
retirados, devolvendo a balança a seu equilíbrio original (identidade).
(PULASKI, 1986, p. 79)
Esse exemplo refere-se à prova acerca do equilíbrio físico realizado
por Piaget, em que um adolescente (idade - 13;8), ao manipular uma
balança em que era preciso equilibrar os dois braços, respondeu fazendo
relações e raciocínios de forma inter-relacionada, e que a cada desafio posto
pelo pesquisador o sujeito demonstrou saber operar de forma que realiza
as quatro operações, de forma transitiva e reversível.
No que tange ao desenvolvimento moral, o sujeito com
pensamento formal, em geral, tem a tendência à autonomia, o último
estágio do desenvolvimento da moral. Ser autônomo não significa agir por
si só, mas legitimar as regras e refletir sobre elas. O indivíduo é capaz de
pensar a moral pela ótica da reciprocidade, contudo, as vivências em um
ambiente sociomoral cooperativo são determinantes para o
desenvolvimento da sua autonomia, e não somente ter atingido uma lógica
formal.
Percorrendo de uma forma mais simplificada os períodos da
inteligência, fica mais claro compreender reestruturações que ocorrem a
cada nível de desenvolvimento e seu caráter integrativo. O
desenvolvimento da inteligência operatória formal só ocorre porque houve
um processo contínuo e coerente desde o nascimento do sujeito.
Diante do exposto, é preciso considerar as especificidades da
criança/adolescente na sua maneira de pensar, agir e sentir, respeitando o
tempo de infância e possibilitando vivências, relações, tempos e espaços
que garantam o respeito ao seu pleno desenvolvimento pleno.
84
Construtivismo de Jean Piaget e a educação da infância
A perspectiva da educação construtivista representa, como vimos,
uma posição interposta entre o apriorismo e o empirismo (BECKER,
2001). Como seres humanos, somos capazes de agir sobre o mundo, assim
como temos uma forma de funcionamento que busca se adaptar à
realidade, organizando-a por meio do processo de assimilação,
acomodação e equilibração. Nosso conhecimento não é dado pelo meio e
nem herdado pelo sujeito, mas construído, daí a expressão construtivista.
Para Becker (2001), o construtivismo não é um método de ensino nem
uma forma de aprendizagem, mas sim uma teoria que nos permite
interpretar a escola, o aluno, o ensino e a aprendizagem:
[...] o construtivismo é, portanto, uma ideia; ou melhor, uma teoria,
um modo de ser do conhecimento ou um movimento do pensamento
que emerge do avanço das ciências e da filosofia dos últimos séculos.
Uma teoria que nos permite interpretar o mundo em que vivemos,
além de nos situar como sujeitos neste mundo. No caso de Piaget, o
mundo do conhecimento: sua gênese e seu desenvolvimento
(BECKER, 2001, p. 72).
Muitas ideias difundidas acerca do construtivismo nas escolas
brasileiras são distorções daquilo que preconiza a complexa e profunda
teoria sobre desenvolvimento trazida pela Epistemologia Genética de
Piaget. Tais distorções variam desde acreditar que o papel do professor é
periférico e passivo ao desenvolvimento natural do aluno, em um
movimento laissez-faire em que os alunos sozinhos e desassistidos
chegariam a um conhecimento, até a pura classificação dos alunos de
acordo com sua faixa etária, dentro dos níveis de desenvolvimento
85
apontados por Piaget, desconsiderando totalmente que a ideia de estádio é
a sucessão de estruturas cognitivas construídas e que tais construções
dependem das solicitações do meio e não se resumem a completar a faixa
etária. A própria desvalorização do caráter social das relações com ênfase
no estruturalismo do sujeito também se caracteriza como falácias que
prejudicaram a compreensão do construtivismo na educação e nos espaços
escolares.
Coll e Solé (2001) asseveram que a concepção construtivista não
contrapõe a construção individual à social, pois creem que elas se
constroem. Nessa concepção, o ensino é considerado um processo
compartilhado em que o aluno recebe a ajuda do professor e que
progressivamente torna-se autônomo em suas resoluções de problemas. O
professor age como mediador entre a criança e a cultura, e o aluno aprende
e se desenvolve quando encontra significados nos conteúdos que
configuram o currículo escolar.
No que tange à definição de educação, Piaget (1948/2011a)
reconhece como um direito da humanidade e ressalta o papel indispensável
dos fatores sociais na formação do indivíduo:
[...] caráter ativo da aprendizagem, o que leva a aceitar que esta é fruto
de uma construção pessoal, mas na qual não intervém apenas o sujeito
que prende; os ´outros´ significativos, o agentes culturais, são peças
imprescindíveis para essa construção pessoal, para esse
desenvolvimento ao qual aludimos (COLL & SOLÉ, 2001, p. 19).
Para Piaget (1948/2011), o processo educacional está muito além
do espaço escolar e incide na responsabilidade que a sociedade como um
todo tem com a criança e o quanto a própria sociedade se beneficia com a
educação:
86
Afirmar o direito da pessoa à educação é, pois, assumir uma
responsabilidade muito mais pesada que de assegurar a cada um a
possibilidade da leitura, da escrita e do cálculo: significa, a rigor,
garantir para toda criança o pleno desenvolvimento de suas funções
mentais e aquisição dos conhecimentos, bem como dos valores, até a
adaptação à vida social atual (PIAGET 1948/ 2011, p. 53).
Nesta sociedade contemporânea, pensar na educação da infância e
nessa adaptação à vida social de que fala Piaget (PIAGET, 1948/2011) não
significa adaptar-se passivamente e de forma acrítica à complexidade dos
problemas da vida moderna.
Piaget (1969/1970) critica os métodos tradicionais de educação e
a concepção de criança que os embasa. Para ele, a concepção de educação
adotada nessa ótica parte de uma relação unilateral e a criança recebe
passivelmente e externamente os produtos intelectuais e morais elaborados
pelos adultos. A relação é pautada em submissão entre as partes, em que o
professor exerce muita pressão sobre o aluno a fim de que ele trabalhe sem
apropriação consciente do conhecimento:
A escola tradicional impõe ao aluno a sua tarefa: ela o “faz trabalhar”.
Sem dúvida a criança pode colocar nesse trabalho uma parte maior ou
menor de interesse e de esforço pessoal, e na medida em que o professor
é bom pedagogo a colaboração entre os alunos e ele deixa uma margem
apreciável à atividade verdadeira. Mas, dentro da lógica do sistema, a
atividade intelectual e moral do aluno permanece heterônoma porque
ligada a pressão contínua do professor, suscetível, por usa vez a manter-
se inconsciente, seja de ser aceita de bom grado (PIAGET, 1969/1970,
p. 152).
87
Pensando em políticas educacionais ou mesmo na própria
concepção do professor em sala de aula, deve-se enxergar o projeto de
formação humana e de sociedade que es por trás ou que se almeja
construir. Não há espaço para a neutralidade, pois educação é um ato
político (FREIRE, 1996). As escolhas metodológicas, baseadas em seus
pressupostos teóricos, são determinantes não somente no espaço escolar,
mas na formação da sociedade. Segundo Zabala (2001), a concepção social
sobre ensino e a função dada aos cidadãos no projeto de sociedade desejada
é um referencial-chave para analisar qualquer proposta metodológica. Para
exemplificar isso, Piaget nos explicita o papel da escola tradicional na
formação de uma personalidade submissa ao conformismo social e à
manutenção de uma sociedade:
[...] Pois seria o caso de nos perguntarmos se em uma escola tradicional,
a submissão dos alunos à autoridade moral e intelectual do professor,
bem como a obrigação de registrar a soma de conhecimentos
indispensáveis ao bom êxito nas provas finais não constituem uma
situação funcionalmente bastante próxima dos ritos de iniciação e
voltada para o mesmo objetivo geral: impor às novas gerações o
conjunto das verdades comuns, isto é, das representações coletivas que
já asseguram a coesão das gerações anteriores (PIAGET, 1969/2011,
p. 84).
Dessa forma, Piaget defende uma escola baseada em métodos
ativos que preparem a criança para a vida (PIAGET, 1969/1970), em que
os alunos são sujeitos da construção de seu conhecimento e incentivados a
adotar uma postura criativa e crítica sobre aquilo que lhes é oferecido. São
capazes de inventar e produzir e não apenas repetir, com atitudes baseadas
em princípios de cooperação e respeito mútuo. Piaget cita, como exemplo,
88
o trabalho de Celestin Freinet, baseado no desenvolvimento de interesses
e na formação social da criança.
Nessa perspectiva, se hoje desejarmos a formação de indivíduos
ativos, autônomos, críticos, cooperativos, solidários, não escravizados por
um sistema e que carregam princípios democráticos, não cabe um modelo
tradicional de educação. Em contrapartida, o modelo educacional que
possui uma perspectiva construtivista considera o sujeito capaz de elaborar
seus pensamentos sobre o mundo e construir seus conhecimentos
ativamente no meio em que vive. Essa perspectiva pode ser representada
por escolas em que os alunos participam das tomadas de decisões
transparecendo os princípios democráticos, como salienta Delval (1993, p.
51) que somente “[...] mediante o autogoverno dos escolares é que se pode
conseguir que cheguem a indivíduos adultos e que recebam uma formação
autenticamente democrática”.
Para DeVries et al. (2004, p. 50), a expressão educação
construtivista “[...] demonstra como as crianças interpretam suas
experiências nos mundos sociais e físicos e assim constroem seu próprio
conhecimento, sua inteligência e seu código moral”. As autoras asseveram
que há sete princípios gerais relacionados à educação construtivista: a) crie
uma atmosfera sociomoral cooperativa, b) atraia o interesse das crianças,
c) ensine de acordo como tipo de conhecimento envolvido, d) escolha um
conteúdo que instigue as crianças, e) incentive o raciocínio da criança, f)
ofereça o tempo adequado para a criança investigar e se envolver
profundamente e g) faça conexão entre a documentação utilizada com as
atividades curriculares.
O primeiro princípio propõe a criação de uma atmosfera
sociomoral cooperativa que tem como base o respeito mútuo. A chamada
atmosfera sociomoral é definida como a rede de relações interpessoais que
ocorrem no ambiente escolar que influenciam no desenvolvimento integral
89
da criança (intelectual, social, moral, emocional e da personalidade).
Baseando-se nos estudos sobre a moralidade, Piaget (1932/1994) define
dois tipos de tendências na relação entre crianças e adultos: a moralidade
heterônoma e a autônoma. A tendência heterônoma está fundamentada
em ações de coerção e restrição, e é também conhecida como moralidade
da obediência. Já expusemos neste livro que a criança passa por estágios
também no campo moral. Quando se encontra em sua fase heterônoma,
ela acredita, sem questionamentos críticos, na força das regras externas, sob
uma obediência de um adulto que representa a autoridade. Na segunda
tendência, que deveria em tese representar a evolução moral, temos a
moralidade autônoma, em que o sujeito obedece a regras morais por meio
de autorregulação.
Na perspectiva de um ambiente sociomoral cooperativo, o
professor reduz a autoridade adulta e incentiva a criança a construir regras
de convívio em sala a fim de que seja reflexiva e capaz de tomar decisões,
evoluindo para a perspectiva autônoma. As regras servem para todos e não
somente para os alunos, assim como o respeito. Moral e intelectualmente,
as crianças são incentivadas a pensar em suas ações e nas consequências
lógicas. São encorajadas a considerar o ponto de vista dos outros porque
são respeitadas nas exposições de seu próprio ponto de vista.
O segundo princípio da educação construtivista, de acordo com
DeVries et al. (2004), estabelece a necessidade do despertar o interesse das
crianças, e que o professor tenha um papel problematizador, dando
oportunidades para as tomadas de decisões no universo de possibilidade de
escolhas. Para isso, o professor deve primeiramente ser um bom observador
e conhecer o que as crianças fazem de forma espontânea, identificando seus
interesses. A partir de então, poderá propor situações de ensino e
aprendizagem com um planejamento que instigue as crianças a pensarem
90
acerca das atividades propostas, detectando a manutenção do interesse e
investigando as hipóteses sobre o que já sabem e que desejam aprender.
Ensinar de acordo com o tipo de conhecimento envolvido
caracteriza-se como o terceiro princípio. Como vimos, para Piaget, há 3
(três) tipos de conhecimento: o físico, o lógico-matemático e o social. Os
conhecimentos foram diferenciados por ele sob os critérios de suas fontes
e forma final de estruturação (KAMII & HOUSMAN, 2002;
MONTOVANI DE ASSIS & CAMARGO DE ASSIS, 2013). O
conhecimento físico é o conhecimento de objetos de realidade externa,
como a cor, o peso, a composição do material e a forma de se ensinar
deveria ser possibilitar a criança a agir sobre os objetos, questionando,
observando, tocando, manipulando. O conhecimento lógico-matemático
define-se como as relações mentais que cada indivíduo faz a partir dos
sistemas construídos pelos próprios sujeitos frente a outros conhecimentos,
e para ensiná-los, o professor deve oferecer experiências diversas, materiais
para comparar e situações problematizadoras a fim de que as crianças criem
e organizem seus pensamentos. O conhecimento social é o conhecimento
aprendido pela transmissão social por meio das relações entre os
indivíduos, que vai desde conhecimentos arbitrários, como os nomes dos
objetos, até conceitos, como as regras sociais e aspectos da vida social.
Contudo, essa transmissão não significa a passividade do sujeito: há uma
construção complexa, principalmente quanto a conceitos sociais. Cabem,
no desenvolvimento do conhecimento social, os procedimentos de
vivências, possibilidades de acesso a materiais diversos e provocações para
o estabelecimento de relações. Não se trata de uma apropriação direta da
informação, mas de uma construção.
Como é de interesse maior da presente pesquisa olhar para o que
ocorre nos espaços escolares de educação infantil, é de suma importância
que os professores conheçam as crenças dos seus alunos acerca do
91
consumismo, problema que já se manifesta desde a infância. A criança não
aprenderá conceitos, regras e valores apenas por meio da transmissão de
informações da educadora. Há inúmeras fontes de informações quando se
trata de conhecimento social. Assim como outro conhecimento, ela
precisará agir, refletir, reelaborar a informação recebida, promover o
diálogo e a troca de visões. Outro aspecto essencial assinalado por Saravali
(2012) é que o trabalho com conhecimento social não deve ser
desvinculado de questões morais e tampouco da construção do
conhecimento lógico-matemático.
O avanço no desenvolvimento cognitivo em relação às estruturas
lógico-elementares, tais como a conservação, a classificação e a seriação,
bem como as estruturas espaciais, temporais e causais, muda
radicalmente, as condições de interação dos indivíduos com o meio
ambiente. Isso também vale para o conhecimento social, que necessita
para a sua compreensão, do estabelecimento de relações, da
coordenação das propriedades dos elementos, etc. (SARAVALI, 2012,
p. 450).
O quarto princípio apresentado é o da escolha de um conteúdo
que instigue as crianças. As autoras (DEVRIES et al., 2004) falam da
importância da cultura do questionamento e a necessidade da avaliação do
conteúdo curricular. O professor deve questionar as crianças e provocar o
diálogo aberto, permitindo que elas possam se aprofundar naquilo que foi
escolhido para estudar. Além disso, ele deve possibilitar o acesso a materiais
diversos e apropriados para os diferentes níveis de desenvolvimento, e por
fim, analisar as atividades de acordo com as regularidades e as relações que
as crianças podem construir, trazendo a possibilidade de construção de
relações cada vez mais complexas, ampliando as coordenações de relações.
92
Delval e Kohen (2006) corroboram as ideias de DeVries et al.
(2004) e defendem o papel da escola como espaço de “[...] despertar a
curiosidade nas crianças a partir de seus interesses espontâneos e trabalhar
tornando a atividade interessante” e ajudar os alunos a “encontrar prazer
na atividade de aprender, agir e pensar” (DELVAL & KOHEN, 2006, p.
72).
O quinto princípio consiste no incentivo do raciocínio da criança
e fortalece a necessidade do papel provocador do professor, que deve fazer
intervenções mais assertivas. As autoras sugerem que devam: a) conhecer
como a criança pensa e descobrir as razões que sustentam suas hipóteses.
Logo, exige-se do professor conceber o erro como fonte de virtudes e se
policiar para não direcionar as respostas das crianças sem que elas pensem
sobre o que lhes foi questionado, b) oferecer contraexemplos para provocar
o desequilíbrio no processo de adaptação do sujeito ao meio, c) solicitar as
informações às crianças ao invés de passar a informação, provocando assim
uma qualidade nas interações, d) inspirar as crianças a buscarem seus
próprios objetivos quando estiverem envolvidas em uma atividade, dando
um tempo necessário para que explorem a situação, e) focalizar o
pensamento das crianças, e esse depende do movimento anterior, quando
depois de permitir que as crianças se envolvam com seus próprios
objetivos, o professor possibilita que elas ampliem e focalizem em um
aspecto particular, em um problema específico, f) enriquecer sempre o
esforço das crianças, trazendo novos materiais e ou novas situações para se
debruçarem e, por último, g) modelar uma nível mais alto de raciocínio se
houver a compreensão da criança.
Essas várias sugestões de intervenções somente surtirão efeito se
não estiverem muito aquém ou muito além das possibilidades das crianças,
caso contrário, provocarão o desinteresse e não o desequilíbrio que faz
avançar o conhecimento.
93
O sexto princípio aduz sobre o oferecimento do tempo adequado
para a criança investigar e se envolver profundamente. Isso se traduz no
tempo diário e semanal destinado às investigações. As autoras criticam
organizações rotineiras que não destinam no mínimo uma hora diária para
que as crianças busquem livremente uma atividade com a qual possam se
envolver em profundidade. Creem ser negativa a mudança de tópicos
excessivos na educação infantil. Nesse período, espera-se que as crianças se
envolvam e explorem possibilidades, testem suas ideias e manipulem os
materiais desconhecidos. O professor construtivista tem a compreensão de
que o desenvolvimento leva um longo tempo, e que as crianças precisam
frequentar por mais vezes e por mais tempo as atividades que promovam
seu conhecimento.
E, por último, DeVries et al. (2004) trazem a avaliação necessária
para garantir a verificação do desempenho das crianças e a avaliação do
conteúdo programático. Avaliar o projeto da escola e o programa oferecido
quanto às possibilidades de oferecer construções de regularidades e relações
às crianças deve ser algo conjunto à avaliação do desempenho da criança.
Nessa mesma perspectiva, Castro (1986), em seus esforços de
elaboração de um modelo pedagógico construtivista e interpretativo para
a pré-escola, define proposições que ela cunhou de gerais, intermediárias
(que servem para qualquer modalidade de ensino) e proposições específicas
para a educação pré-escolar:
As proposições gerais dizem respeito ao direito do desenvolvimento
integral e à formação que instrumentalize o ser humano para a adaptação
à vida; o fator social e educacional é uma condição para o desenvolvimento,
e a escola deve ser um ambiente que possibilite ao educando a construção
do sistema lógico e moral. As proposições intermediárias dizem respeito
especificamente ao papel da escola, que: a) deverá conhecer os níveis de
desenvolvimento dos alunos e se adequar, b) constituir-se em um ambiente
94
educativo que possa estimular e desafiar os alunos, c) favorecer o
desenvolvimento da autonomia e da cooperação a partir de vivências
pessoais e sociais e, por último, d) a escola deve organizar seus conteúdos,
materiais, planejamento e principalmente metodologias que contribuam
para a formação da criatividade e ação construtiva dos alunos.
No que tange à educação infantil (pré-escola), interesse maior da
investigação deste livro, Castro (1986) elenca 10 proposições necessárias
para a formação das crianças. A pré-escola, que corresponde ao período
pré-operatório, etapa necessária para a) a reconstrução do período
sensório-motor ao nível de inteligência simbólica, b) preparar a criança
considerando seu nível de desenvolvimento simbólico e intuitivo e c)
transição adequada para a etapa das operações:
Na pré-escola não deve haver antecipações de aquisições do período
operatório;
A pré-escola promoverá experiências diversificadas possibilitando às
crianças informações sobre o mundo, desenvolver-se fisicamente e
estruturar e coordenar suas ações;
A pré-escola constituir-se-á em ambiente social que promova a
autonomia pessoal e cooperação social, e a interação criança-criança
e criança-adulto, de forma que construam estruturas emocionais,
sociais e morais, além das cognitivas;
A pré-escola trabalhará o jogo de forma consciente, reconhecendo
sua função adaptativa e sua integralidade às atividades oferecidas;
A pré-escola promoverá a realização de atividades que desenvolvam
as operações lógico-matemáticas (seriação, classificação e conceito de
número), noções espaço-temporais e operações de coordenações
entre meio-fins;
95
Os materiais oferecidos à criança pré-escolar estarão de acordo com
a atividade proposta e deverão estar à disposição das crianças para
que se expressem ativamente;
A pré-escola suprirá as necessidades de representação verbal ou não,
gráfica, plástica e física, no alcance da imaginação;
A espontaneidade das crianças será apoiada nas atividades artísticas,
promovendo a interação obras de arte.
De acordo com Coll e Solé (2001), a concepção construtivista
possibilita ao professor um referencial para analisar e fundamentar muitas
decisões durante o planejamento e a dinâmica em sala de aula: desde a
escolha de materiais didáticos, a elaboração de instrumentos de avaliação,
situações de ensino, compreensão sobre o que ocorre como aprendizado
do aluno, compreender a não aprendizagem do aluno, entre outras
tomadas de decisões.
Piaget (1969/1970, p. 152) deixa explícito seu olhar sobre a
infância quando assevera a necessidade de que a educação e seus métodos
devem levar em conta cuidadosamente os aspectos “[...] significação da
infância, estrutura do pensamento da criança, leis de desenvolvimento e o
mecanismo da vida social infantil”. Portanto, acreditamos que pensar em
uma escola construtivista não é simplesmente uma questão metodológica,
mas refletir sobre o olhar sobre o que é infância hoje, quais são seus direitos
na condição de criança, como ela pensa e se desenvolve dentro de
pressupostos filosóficos e psicológicos. E por fim, em um contexto social
mais amplo, analisar como a criança tem vivido integralmente a sua
infância e o que cabe a uma escola construtivista fazer frente aos desafios
da educação e levando em conta a complexidade da sociedade
contemporânea.
97
Capítulo 2
Infância e Consumo: que os estudos nos dizem?
De acordo com a publicação do Instituto Alana e Ministério do
Meio Ambiente (BRASIL, 2013b) as crianças estão sendo estimuladas a
consumir sem a reflexão crítica, e os principais impactos são a obesidade
infantil e sobrepeso, a erotização da infância e a adultização precoce, o
aumento de resíduos no ambiente devido ao consumo exacerbado, o
precoce uso e de álcool e tabaco, o estresse familiar pela aquisição ou desejo
de aquisição de produtos que muitas vezes estão fora do orçamento familiar
e por fim a diminuição das brincadeiras criativas com apelo ao próprio
simbolismo da criança, uma vez que há poucos espaços para a construção
com os excessos de brinquedos e brinquedos eletrônicos (BRASIL, 2013b).
A complexidade da relação entre a criança e o consumo no mundo
contemporâneo traz um papel importante para a escola. Essa criança que
chega à educação infantil já iniciou sua trajetória de consumo, e nesse
espaço torna-se cada vez mais primordial dedicar-se às questões que
envolvem o mundo econômico, bem como possibilitar condições para o
aprendizado para consumir de forma consciente considerando a
necessidade e critérios, redimensionando também as concepções e práticas
curriculares que permeiam o cotidiano que venham ao encontro da
sustentabilidade e que possam ser contrários aos valores mercantis
capitalistas e globalizados.
Neste sentido, as pesquisas dedicadas a compreender a relação
entre consumo e infância são de extrema importância no contexto pós-
98
moderno, seja para entender a complexidade dos fenômenos e fatores
relacionados ao consumo infantil ou buscar soluções e apontar maneiras
de amenizar os danos causados à sociedade em seus aspectos morais,
econômicos, sociais e ambientais, como, por exemplo, a própria
sustentabilidade do planeta. Saber como a criança elabora o conhecimento
social sobre o consumo é dar voz aos pequenos; é dar visibilidade a uma
faixa de consumidores que, embora ainda não tenha capacidade financeira
para o sustento e para suas necessidades, tem a capacidade de criar
hipóteses e de construir conhecimentos a partir de suas interações com esse
meio social.
Concordamos com Charlot (2006) que é preciso refletir sobre os
pontos de partida e da memória ao se tratar de ciências humanas e sociais.
Sobre os pontos de partida, o autor diz: “[...] Quando há avanço nessas
ciências, é porque foi proposta outra forma de começar (e porque se prova
que ela produz resultados)” (CHARLOT, 2006, p. 16). Justifica que em
ciências humanas não há acumulação, mas sim memória. Essa memória
por ele defendida trata de conhecer pesquisas de forma que possamos
enxergar o que já foi estabelecido e questionado, quais posições já foram
assumidas e quais resultados já foram alcançados para que se definam
melhor as novas aberturas e as pesquisas que devem ser feitas.
Para esta revisão bibliográfica, as principais bases de dados
utilizadas foram a Biblioteca Digital Brasileira de Tese e Dissertação
(BDTD), Google Acadêmico, periódicos científicos pertencentes a
Scientific Eletronic Library Online (SciElo) e outros artigos acadêmicos de
fonte internacional e nacional.
Assim, esclarecemos que a revisão realizada no presente trabalho
buscou reunir pesquisas que tratassem especificamente sobre o
consumismo e infância. Contudo, sentimos a necessidade de ampliar os
descritores para consumo e infância devido à escassez de pesquisas que
99
estariam voltadas estritamente para o consumismo. Assim, ampliamos
nosso critério de busca para pesquisas dessa temática para o mundo
econômico e suas interfaces envolvendo o consumo na infância.
O tempo delimitado como critério de seleção para as pesquisas teve
como recorte principal os trabalhos realizados nos últimos 20 anos,
abrindo exceção para pesquisas internacionais (KOURILSKY, 1976;
LEISER 1983; DELVAL; ECHETA; 1991) pela relevância dos trabalhos
e a representatividade de pesquisas em diferentes países no mundo.
Das pesquisas selecionadas, a partir desses critérios, tivemos 13
artigos internacionais, 1 (uma) tese internacional, 9 (nove) artigos
nacionais, 17 dissertações e 7 (sete) teses nacionais.
Para apresentação das investigações coletadas, segue-se um padrão
em que o leitor encontrará: os sujeitos participantes, os objetivos, método
e resultados da pesquisa, mapeando também a temática específica que se
relaciona com o tema consumo. Enfim, buscar a memória dos trabalhos já
realizados, seus pontos de partida e o que de fato poderia contribuir para
o presente trabalho foi o que nos levou a considerar a multiplicidade dos
olhares para as diferentes vertentes e contextos que o consumo na infância
abrange, tais como psicologia econômica e o desenvolvimento que trata do
consumo, a relação entre publicidade e consumo na infância e algumas
outras temáticas que abordam a problemática do consumismo tais como a
alimentação e a relação do consumo e o meio ambiente. Destacamos
também que a apresentação das pesquisas nem sempre buscou a linearidade
cronológica, mas a relação de assuntos que as aproximaram.
A nosso ver, consideramos importante trazer as diferentes vertentes
acerca do fenômeno consumismo para daí então compreender a extensão
de um trabalho possível sobre as ideias da criança a respeito da temática
tendo como palco fundamental a educação infantil. Segundo Carvalho e
100
Silva (2014), é de suma importância a realização de um panorama dos
estudos desenvolvidos para trazer novas contribuições à comunidade
interessada.
Partindo dessas considerações, delimitamos a apresentação das
pesquisas dentro do cenário internacional e nacional, bem como um
recorte entre as pesquisas acerca do mundo econômico que foram tratados
pelos piagetianos na perspectiva do conhecimento social, além de outras
pesquisas com abordagens teóricas, mas que trazem a questão do consumo
na infância e seus vieses (publicidade, alimentação, sustentabilidade, de
uma maneira geral).
Pesquisas internacionais acerca do pensamento econômico: um breve
panorama histórico
Antes mesmo de nos debruçarmos nas pesquisas que serão
exploradas neste livro, consideramos importante trazer alguns aspectos
históricos acerca de trabalhos que se dedicaram ao tema.
De acordo com Delval (2013), o surgimento de estudos do
pensamento econômico de crianças ocorre ainda no século XIX com
Kohler, em 1897, que investigou o sentimento de crianças da Califórnia,
EUA, acerca do dinheiro e da concepção de economia. No início do século
XX, na Bélgica, estudos de Decroly apontaram as primeiras ideias
econômicas de uma menina, provavelmente sua sobrinha, dos três aos seis
anos de idade (1932 apud DELVAL, 2013). Segundo Delval (2013), as
observações de Decroly giraram em torno das atividades de compra, troca
em lojas, valor e equivalências das moedas, fabricação e venda dos objetos
e obtenção do dinheiro, entre outros assuntos ligados à economia.
101
Com o intuito de considerar a relevância da temática, constatamos
que Lauer-Leite et al. (2010), Delval (2013), Gunther e Furnham (2001)
e Ortiz (2014) realizaram um levantamento histórico internacional a fim
de resgatar a memória do tema e contemplar as primeiras pesquisas de
estudiosos que se empenharam na realização de investigação do mundo
econômico e crianças desde o século XIX, ou seja, diferentes países em
diferentes tempos históricos deram suas contribuições sobre as noções
econômicas na infância e adolescência, como ilustram as referências que
seguem:
Tabela 1 Caracterização das primeiras pesquisas acerca do mundo econômico em
diferentes países e autores
País
Autor
Ano
Fonte
EUA
Kohler
1897
Delval (2013)
Bélgica
Decroly
1932
Delval (2013)
EUA
Schuessler y
Strauss
1950 Delval (2013)
EUA
Strauss y
Schuessler
1951
Delval (2013) e Lauer-Leite et al.
(2010)
EUA
Strauss 1952
Delval, 2013 e Lauer-Leite et al.
(2010)
EUA
Strauss 1954
Delval (2013) e Lauer-Leite et al.
(2010)
Austrália
Danziger
Stacey
1958
1982
Delval, 2013, Lauer-Leite et al.
(2010) e Gunther e Furnham (2001)
Gunther e Furnham (2001)
Escócia
Jahoda 1979
Delval (2013), Gunther e Furnham
(2001) e Ortiz (2014)
Inglaterra
Hans Furth 1980
Delval (2013), Gunther e Furnham
(2001) e Ortiz (2014)
Furnham e
Thomas
1982
1984
Gunther e Furnham (2001)
Gunther e Furnham (2001)
102
China e Nova
Zelândia;
Sik Hung 1983 Ortiz (2014)
EUA e CHINA
(Hong Kong);
Wong 1989 Ortiz (2014)
Alemanha
Burgard,
Cheyne e
Jahoda
1989
Gunther e Furnham (2001)
Escócia
Emler e
Dickison
1985
Gunther e Furnham (2001)
China (Hong
Kong);
Ng
1983
1985
Gunther e Furnham (2001) e Ortiz
(2014)
Taiwan
Mc Neal e Yea
1990
Ortiz (2014)
Iugoslávia
Zabukovec e
Polic
1990 Ortiz (2014)
Itália
Berti e Bombi
Berti, Bombi e
Beni
1979
1988
1986
Delval (2013), Gunther e Furnham
(2001), Lauer-Leite et al. (2010) e
Ortiz (2014)
Gunther e Furnham (2001)
Chile
Denegri
1995
Denegri (2005b)
Fonte: Elaborado pela autora
Ademais, do século XIX até o XXI, muitas pesquisas foram feitas
com crianças e adolescentes acerca da economia de caráter evolutivo.
Conforme Delval (2013), Gunter e Furnham (2001), Granja (2012),
Leiser (1983) e Lauer-Leite et al. (2010), há muitos estudos realizados que
examinaram as concepções das crianças e que se centraram no
desenvolvimento cognitivo e nas fases de desenvolvimento, dentro de uma
perspectiva piagetiana. No levantamento de pesquisas realizadas sobre o
pensamento econômico nas áreas de psicologia econômica e psicologia do
desenvolvimento, Lauer-Leite et al. (2010) apontam que embora a maioria
103
das investigações tivesse como base teórica as fases do desenvolvimento
cognitivo pautada na teoria de Piaget, houve também pesquisas que se
utilizaram de diferentes abordagens sobre o desenvolvimento baseando-se
em outras teorias psicológicas. Nesses casos, diferenciavam a quantidade
de fases de desenvolvimento, como exemplifica o trabalho de Strauss com
9 (nove) níveis (1952 apud LAUER-LEITE et al., 2010) e Berti e Bombi
com 4 (quatro) níveis (1988 apud LAUER-LEITE et al., 2010). Grande
parte das pesquisas acerca dos níveis de desenvolvimento do conhecimento
econômico que serão apresentados, no presente trabalho, baseia-se nos
estudos de Denegri (2005b) que possuem 3 (três) níveis de conhecimento,
um deles baseado nos estudos de Furth que apresenta 5 (cinco) níveis
(GRANJA, 2012).
Vale destacar que estas pesquisas aqui elencadas, demonstram a
diversidade de estudos, países participantes e tempos distintos de
pesquisas, porém não se esgotam neste quadro a quantidade de trabalhos
existentes e tão pouco de países que se debruçaram sobre o assunto.
Pesquisas piagetianas internacionais acerca do mundo econômico na
perspectiva do conhecimento social
Para Delval (1989), noções econômicas são de grande valia para o
estudo do desenvolvimento psicológico infantil e, portanto, os estudos de
tais noções serviriam como um modelo de compreensão infantil da
realidade social. As pesquisas sobre noções econômicas constituem um eixo
da organização social e se justificam porque desde muito cedo a criança
tem contato com relações comerciais e participa concretamente de
experiências de compras com os familiares, bem como assistem a atividades
reais entre dinheiro versus produtos.
104
Ortiz (2014) define a psicologia da economia como um eixo da
psicologia que se ocupa do comportamento econômico e das variáveis que
influenciam as decisões e a compreensão do mundo econômico, sendo
possível observar fatores psicológicos que envolvem fenômenos
econômicos. Conforme Delval (2013), os conceitos relativos ao consumo
pertencem ao campo da economia, logo, é a ciência econômica que se
ocupa dos processos de produção, trocas, distribuição e consumo de bens
e serviços, assim como dos meios de satisfação das necessidades humanas.
Por vivermos em sociedade e estarmos permanentemente envolvidos em
atividades econômicas, assumimos diferentes papéis sociais: compradores,
vendedores, produtores, usuários de serviço, etc., e simultaneamente
formamos representações sociais, assim como representações do mundo
econômico.
Denegri (1997) assevera que as ações educativas no campo da
economia têm por objetivo possibilitar a construção de noções econômicas
básicas por meio de medidas para a tomada consciente de posicionamentos
diante da sociedade de consumo, de forma responsável. Para a autora, há,
na educação econômica, três linhas de pesquisa: a Alfabetização
Econômica, a Psicologia Econômica e a Socialização Econômica. A
Alfabetização Econômica trata de questões teóricas e práticas que
possibilitam ao sujeito compreender as relações econômicas do dia a dia.
A Psicologia Econômica é também definida como psicologia do consumo.
A Socialização Econômica diz respeito ao processo de aprendizagem, que
é mediado pela família e escola, pela influência da mídia e dos pares na
trama das formas de relacionamento com o mundo econômico.
Fermiano (2010) afirma que os assuntos de educação econômica
estão ligados à Psicologia Econômica, que atua em três áreas de estudo: a
cognitiva, a influência social e a psicologia do consumo. No que tange à
área cognitiva, os temas tratados são relativos à psicogênese do pensamento
105
econômico, à racionalidade econômica e à tomada de decisões. No quesito
influência social, as temáticas tratadas são: socialização econômica, agentes
de socialização, transmissão de valores entre as gerações, estratégias e
práticas econômicas e alfabetização econômica. A psicologia do consumo
trata de pesquisas sobre o comportamento do consumidor, seus hábitos e
atitudes, a impulsão e a compulsão para o consumo e as variáveis de
influência.
Logo, é possível afirmar que os assuntos referentes ao pensamento
econômico perpassam a psicologia do consumo, também chamada por
Denegri (1997) de psicologia econômica, levando em conta a psicologia
cognitiva e a socialização econômica. No que diz respeito à socialização
econômica e seus processos educativos, é possível pensá-la também como
a alfabetização econômica para adultos proposta por Denegri (1997).
Para Gunter e Furnham (2001), o processo de socialização
econômica é aquele por meio do qual as crianças adquirem competências,
conhecimento e atitudes para atuarem como consumidoras. Para os
autores, à medida que as crianças vão crescendo, há um envolvimento
maior sobre as decisões de aquisição de bens e serviços. Elas observam,
pedem e selecionam com a permissão dos responsáveis nos momentos de
compra, porém, a tomada de decisão consciente requer capacidade
necessária para proceder com criticidade nos julgamentos acerca do
consumismo. Conforme os autores supracitados, esse processo é
influenciado por “[...] forças socioculturais, incluindo pais, os colegas, a
escola, as experiências de compra e os meios de comunicação” (GUNTER
& FURNHAM, 2001, p. 25).
Nessa perspectiva, Araújo (2009, p. 8) defende que “[...] a escola
deve promover nas crianças e jovens o desenvolvimento de conhecimentos,
atitudes e comportamentos que permitem sua incorporação eficaz na
sociedade, com liberdade de consumo”. Para a autora, a educação
106
econômica deve fazer parte do currículo escolar, como um conteúdo que
contribui para a formação cidadã. Neste sentido, conhecer as pesquisas
existentes acerca do papel da escola pode trazer um panorama da função
social dessa instituição nesse processo de formação humana.
Feitas essas considerações iniciaremos a apresentação mais
aprofundada desse levantamento pelas pesquisas internacionais, buscando
não somente a organização das sequências cronológicas, mas também as
relações que as aproximam.
Denegri et al. (1999), a fim de conhecer o comportamento
econômico de adolescentes e adultos do Chile, realizaram uma pesquisa
com sujeitos de 15 a 50 anos. Foi aplicado um questionário com escalas
tipo Likert e questões abertas sobre condutas de consumo, hábitos e
atitudes em direção ao endividamento.
Os resultados mostraram que a reflexão sobre o consumo é algo
quase que inexistente, e que os sujeitos pesquisados assumem que gastam
mais do que ganham. Os autores notaram que há diferenças entre os
gêneros, revelando que as pessoas do gênero feminino possuem mais
organização na compra doméstica por meio de práticas como fazer listas
de compras antecipadamente, priorizando certos produtos e
hierarquizando as necessidades. Os sujeitos do sexo masculino revelaram
ser mais organizados nas compras em crédito de produtos de mais valor.
O que chama atenção para essa pesquisa é que na faixa etária entre 15 a 20
anos há uma coexistência de fontes formais de endividamento por meio de
cartões de créditos e comércio, além de fontes informais como amigos e
família, revelando que desde a adolescência está presente a vivência da
dívida.
Para os pesquisadores, o contexto de globalização afeta a vida das
pessoas, sendo que a maior parte delas vive para consumir e não consome
107
para viver, e que, desse modo, as práticas de socialização para o consumo,
os estilos de manejo de dinheiro, as condutas para poupar e para se
endividar e as estratégias para o uso racional de recursos são temáticas
essenciais que devem ser investigadas como forma de colaborar para
intervenção nos problemas que elas podem causar. Denegri et al. (1999)
defendem que a psicologia e a economia são campos de estudos que podem
explicar o comportamento humano frente aos problemas econômicos que
a sociedade pós-moderna enfrenta.
Denegri et al. (2006a) fizeram também um estudo acerca de
intervenção em educação econômica com o objetivo de revisar os aspectos
históricos e desafios que são necessários considerar quando se implanta
uma proposta de educação econômica na escola desde o ensino básico,
contribuindo para a alfabetização econômica das crianças e o impacto em
suas famílias.
Os pesquisadores partiram de três questionamentos, semelhantes
aos da pesquisa de Kourilsky (1976) que será apresentada posteriormente
neste trabalho, sendo o primeiro deles: qual a idade ideal (ótima) para
introduzir a formação econômica no currículo? A pesquisa bibliográfica,
que partiu de outros trabalhos, afirma que se pode iniciar uma formação
econômica na infância, e que os estudantes de educação primária são
capazes de aprender conceitos econômicos que impactam em
desenvolvimento de competências na vida cotidiana. Tais estudos
comprovaram que as crianças da educação do ensino fundamental
identificam, compreendem e aplicam os conhecimentos econômicos aos
problemas reais.
O segundo questionamento buscou refletir sobre a influência que
exerce a família e os meios de comunicação na aquisição de padrões iniciais
de consumo e a relação com o dinheiro na infância. Para Denegri et al.
(2006a), a maioria das investigações acerca de socialização econômica
108
concorda que os pais exercem um papel fundamental, porém ineficiente
na alfabetização econômica de seus filhos. A pesquisa indica que um
modelo de formação econômica deveria considerar a influência dos pais,
pois se, por um lado, as famílias são incapazes de socializar as competências
econômicas eficientes, por outro, o sistema educativo atual oferece a
possibilidade de uma educação econômica sistemática.
O terceiro questionamento buscou saber quais são as variáveis que
devem ser consideradas no ensino e intervenções educativas para a
educação econômica na escola. Para essa reflexão, os autores apontam o
uso de meios de comunicação. Os meios de comunicação são vistos como
agentes no processo enquanto instrumentos educacionais para veicular
informação, ou seja, utilizar-se de vídeos, cinema, televisão, jogos de
videogame, livros eletrônicos e internet para atingir melhores níveis de
aprendizagem em programas de educação mais sistemáticos. Para uma
segunda vertente, são conceituados como objetos e produtos, implicando
em estratégias de ensino que desenvolvam nos indivíduos uma atitude
crítica e seletiva para os meios de comunicação e a sensibilização para a
percepção da influência que exercem sobre as crianças. Entre os meios de
multimídia, os autores destacam o uso de vídeos games e jogos online, que
podem favorecer a aprendizagem de conteúdos curriculares, pois fazem
parte da cultura cotidiana e podem ser um material motivador e acessível.
Outro aspecto importante que Denegri et al. (2006a) abordam
sobre os meios de comunicação é a transmissão de significados e a
necessidade do desenvolvimento de uma criticidade sobre eles, e isso deve
ser levado em conta quando se pensa em intervenção educativa. Percebe-
se, nos meios de comunicação, um forte interesse no desenvolvimento de
características eleitas como ideais presentes no meio social como força,
poder, prestígio, atratividade física, aceitação social, que são utilizados em
indústrias de marketing e anúncios publicitários para indução e
109
identificação dos produtos a serem consumidos. Para os pesquisadores,
essas mesmas características podem ser exploradas pedagogicamente para
provocar processos de reflexão sobre os meios de comunicação e suas
mensagens, colaborando com as crianças na identificação da mensagem
persuasiva. Em suma, os meios de comunicação representam uma dupla
influência para a conduta econômica infantil.
No levantamento realizado por Denegri et. al. (2006a), há estudos
que apontam a efetividade de metodologias específicas para a
aprendizagem de conceitos econômicos: resolução de problemas mediante
as aprendizagens cooperativas, comprovando que são melhores que
metodologias expositivas. Os pesquisadores compreenderam que o uso de
metodologias cooperativas estimula não só maiores níveis de aprendizagem
conceitual, mas também o desenvolvimento de competências sociais e a
negociação necessária à vida cidadã. Asseveram a importância de uma
educação significativa à sociedade, em que estudantes devem se debruçar
em situações e soluções problemáticas a partir de conceitos econômicos.
Quanto ao aspecto de influência do professor para a educação
econômica, os estudos de Denegri et al. (2006a) apontam que os
professores de escolas primárias e secundárias, que corresponderiam no
Brasil ao ensino fundamental e médio, raramente possuem formação e
preparação em temas econômicos que lhes permitam uma eficiente
educação econômica dos alunos, além da falta de formação sistemática do
professor acerca do assunto, os próprios conceitos e a forma como
vivenciam esse mundo econômico de forma acrítica. Conclui-se que na
capacitação dos professores deve-se levar em conta a evolução do nível de
alfabetização econômica, o desenvolvimento de conceitos-chave, a reflexão
de seus próprios comportamentos econômicos e o acompanhamento na
implementação de estratégias de educação econômica. Tais ações podem
ter um grande impacto nos níveis de aprendizagem dos alunos.
110
Nesse sentido, os autores demonstram, por meio de revisão de
literatura, a importância da educação econômica e a sua presença no
currículo, permitindo, assim, que as crianças adquiram conhecimento,
competências e atitudes que lhes preparem para atuar de forma responsável
e eficiente em um sistema econômico e completo.
Nesse mesmo estudo, há a proposta de Denegri et al. (2006a) para
o desenvolvimento de um programa integral de educação econômica
denominado Yo y la Economia, no qual pondera que a idade própria para
a incorporão de uma formação sistemática em economia é a partir dos
10 anos, no 6º ano do ensino básico, na área de Estudos e Compreensão
do Mundo Social, incorporando como conteúdo escolar uma unidade de
Economia Cotidiana.
O objetivo do programa Yo y la Economia é empoderar os
estudantes para construir aprendizagens significativas por meio de uma
conexão gerativa entre os contextos da economia familiar cotidiana e os
conceitos a aprender na escola de tal forma que os alunos compreendam
os conceitos básicos de economia, desenvolvam estratégias de raciocínio
econômico e desenvolvam habilidades como consumidores e atitudes
proativas que sustentem um comportamento empreendedor na vida
pessoal e social. Para tanto, os autores defendem que seria necessário um
trabalho interdisciplinar do programa com as disciplinas de: Estudos e
Compreensão do Meio Social, Matemáticas e Linguagens, orientadas para
o desenvolvimento de conhecimentos e competências econômicas e
ajustadas ao nível de desenvolvimento das crianças. Vale destacar que a
pesquisa foi realizada no Chile e, portanto, a nomenclatura do currículo
no país em questão é diferente das diretrizes curriculares brasileiras.
O programa aborda 7 (sete) conceitos básicos de economia, que
são articuladores de blocos temáticos, estabelecidos na Unidade Economia
e Vida Cotidiana, da subárea do Estudo e Compreensão do Meio, que se
111
vinculam estrategicamente com os conteúdos curriculares de Matemática
e Linguagem.
Cada bloco temático se desenvolve em 4 (quatro) passos sucessivos:
1º) experiência; 2º) questionamento; 3º) reforço mediante reflexão guiada
e 4º) aplicação. No passo experiência, os estudantes vivenciam simulações
de situações econômicas da vida cotidiana e devem determinar como
atuariam frente ao problema. No segundo passo, que pode ser chamado de
Alfabetização Econômica Conceptual, o professor interroga e questiona os
alunos sobre a atuação indicada no passo anterior e clareia os conceitos
vinculados à experiência. Aqui, os estudantes devem compreender os
conceitos vinculados às ações econômicas e serem capazes de reconhecer as
ações mais eficientes frente aos problemas. No terceiro passo, o reforço
mediante a reflexão guiada, o professor aprofunda a reflexão e reforça
conceitos com atividades complementares com meios tecnológicos e da
cultura cotidiana das crianças: videogames; animações; literatura infantil e
programas televisivos. No quarto passo, o programa traz a aplicação e
exercício de competências por meio de um projeto de empreendimento
coletivo, que pode ser de geração de recursos monetários ou de
investimento social em um trabalho com a comunidade, articulado ao
conceito de escassez.
Para a implementação do Programa, são necessárias 4 (quatro)
etapas: a evolução inicial; a capacitação de professores; o acompanhamento
do processo e a avaliação dos resultados. Na evolução inicial é o momento
do conhecimento dos preconceitos e conceitos de alunos e professores.
Para o levantamento do nível de alfabetização econômica, os autores
propõem o uso do Test de Alfabetización Económica para Niños (Teste de
Alfabetização Econômica para Crianças) (TAE-N) (DENEGRI, 2004) e
Test de Alfabetizacion Económica para Adultos (Teste de Alfabetização
Econômica para Adultos) (TAE-A), além do questionário de caracterização
112
do consumidor adulto, que dará o perfil dos participantes quanto ao
reconhecimento das estratégias cotidianas do manejo do dinheiro, práticas
de consumo e atitudes de endividamento.
Na etapa de capacitação de professores, Denegri et al. (2006a,
2006b) indicam que deve ocorrer a revisão dos conceitos econômicos, a
apropriação conceitual desses, a reflexão sobre as suas próprias posturas
frente ao consumo e à economia e a exercitação de diferentes metodologias
de ensino e de aprendizagem junto às estratégias de planificação de
atividades didáticas que incorporem os passos supracitados: experiência,
questionamento e reforço com reflexão guiada. Na etapa de finalização de
capacitação, o professor deve formular um projeto de aula interdisciplinar.
O acompanhamento do processo deve ser constante, até que se
construam no docente as competências necessárias para a reflexão sobre a
prática e a coerência das experiências de aprendizagens em seus alunos e
suas próprias experiências como consumidores. Nessa fase, ocorre a
execução de projetos de aula, com a assessoria de um tutor. Valores como
a aceitação mútua, a cooperação para favorecer boas relações entre os pares,
a coordenação de interesses, a tolerância e superação de problemas, são
aspectos trabalhados no programa.
Na última etapa, há uma avaliação qualitativa e quantitativa dos
resultados do programa e seu impacto de educação econômica com os
estudantes e suas famílias. Aplicam-se novamente os testes de alfabetização
econômica para conhecer o avanço de alfabetização econômica,
apresentando os resultados e os projetos de aula, estabelecendo grupos de
discussão entre professores, estudantes e pais, a fim de conhecer a
percepção e a valorização das aprendizagens desenvolvidas. Por fim, a
unidade educativa orienta-se para articular a educação econômica para o
Projeto Educativo Institucional e Pedagógico.
113
Os autores apontam que a inexistência de uma alfabetização
econômica se converte também na manutenção de brechas de desigualdade
social, ao privar pessoas das camadas sociais mais pobres, e de uma melhor
administração dos recursos econômicos escassos, bem como de buscas de
alternativas de consumo mais eficientes, assim como o desenvolvimento de
estratégias para a resolução de problemas.
Conforme as pesquisadoras, o programa de educação econômica
pode trazer aos alunos um reconhecimento de seu entorno social e
econômico, dos problemas existentes e ajudá-los a construir um senso
crítico em torno de suas próprias condutas frente ao mundo do consumo,
estimulando a educação para a cidadania.
O modelo de Psicogênese do Pensamento Econômico, baseado na
teoria cognitiva-evolutiva de Piaget de Denegri et al. (2004), consiste em
uma prova composta por 22 itens de múltipla escolha, acerca do mundo
econômico, e para cada pergunta há 4 (quatro) alternativas de respostas,
sendo uma correta e as demais possuem diferentes graus de incorreção que
correspondem aos diferentes níveis. A prova foi denominada Test de
Alfabetización Económica para Niños (Teste de Alfabetização Econômica
para Crianças) (TAE-N), traduzida e adaptada no Brasil por Araújo
(2007). O teste em geral é aplicado em crianças de 10 a 14 anos e leva em
conta o nível socioeconômico e de escolaridade.
Para os autores, há um desenvolvimento de conceituação nas
crianças em relação ao mundo econômico que pode ser observado em 3
(três) níveis de pensamento econômico que representam diferentes graus
de estruturação do conhecimento econômico e formas de explicá-lo. O
primeiro nível aparece subdividido em: a) Nível I Pensamento Extra
Econômico e subnível B: Pensamento Econômico primitivo, b) Nível II
Pensamento Econômico Subordinado; e c) Nível III Pensamento
Inferencial Econômico ou Independente.
114
No Nível I, de uma maneira geral, a realidade social e econômica
é subjetiva, vista como algo isolado e, ao mesmo tempo, sincrético:
[...] o dinheiro é visto como um instrumento natural de compras,
livremente, disponível para todos. O desejo predomina acima de
qualquer coisa, não se consideram as restrições sociais ou econômicas.
A realidade social e econômica é representada de forma isolada. Não se
tem compreensão de mudança de forma dinâmica. Há dificuldade de
se separarem as relações pessoais e institucionais próprias do mundo
econômico e separar o mundo das relações pessoais do âmbito social e
institucional. Tendem a aplicar as mesmas regras de reciprocidade nas
explicações dos problemas econômicos e não há uma compreensão
muito clara da noção de lucro, excluindo a ideia econômica de busca
de benefícios. Têm um conceito pessoal de Estado, representado como
uma figura concreta, que atua como pai e protetor de toda a sociedade
(DENEGRI et al., 2004, p. 412).
Neste primeiro Nível I, o Pensamento Extra Econômico e
Primitivo contém o subnível I A, caracterizado pelo acreditar da criança de
que o dinheiro vem de fontes míticas (Deus, por exemplo), ou mesmo da
loteria ou uma mina de dinheiro. O dinheiro é um meio que acompanha
a ação de obter bens. Em geral, a proveniência do dinheiro é de fonte
inesgotável e não tem relação com o trabalho. O dinheiro pode ser sacado
do banco sem nenhuma restrição e/ou comprado em uma “fábrica de
dinheiro”, assim como não existe ideia de como se circula o dinheiro.
O subnível B é caracterizado pelo início da compreensão da relação
entre dinheiro e trabalho, nele desaparecem explicações místicas. O banco
é visto como uma fonte de dinheiro, representando algo concreto e real, e
a criança mostra noções sobre o papel das instituições de fabricação de
dinheiro e o seu valor. Conforme Araújo (2007), a criança relaciona os
115
governantes aos donos das fábricas de dinheiro, que não são remunerados
e trabalham altruisticamente; inicia-se uma compreensão rudimentar da
circulação do dinheiro, que passa a sair das fábricas, ir ao banco e do banco
para os lugares em que as pessoas trabalham, porém os salários ainda vêm
diretamente das fabricas aos trabalhadores. Estabelecem critérios
concretos para a relação de trabalho e remuneração, sem importar-se com
a qualidade do trabalho e/ou a hierarquia ocupacional.
No Nível II, encontrado em grupos de crianças com mais de 10
anos, adolescentes e até adultos que compreendem as contradições e
integração de conceitos econômicos, o lucro é considerado como central
nos assuntos econômicos. Os sujeitos compreendem as restrições da vida
na sociedade e negligenciam o voluntário como forma de explicação,
iniciam a crença de dinheiro fiduciário, têm noções sobre o funcionamento
social tais como a existência de leis e a aplicação pelo Estado e possuem
explicações sobre regras morais para o funcionamento, veem o banco como
agência responsável pela circulação de dinheiro, para depósito e
empréstimo, apresentam interesse sobre poupança e empréstimo e
apresentam pouca compreensão da maneira como são realizados os
financiamentos do Estado.
Como se vê no Nível II, Pensamento Econômico Subordinado, há
conquistas cognitivas de compreensão inexistentes no nível anterior. Nesse
nível, acredita-se no conceito de sociedade como um espaço regido por leis
que organizam seu funcionamento, cabendo ao Estado regular e controlar
o funcionamento social e econômico. Há um esforço para superar as
contradições, e os sujeitos já refletem sobre a realidade social. Há um início
da construção do conceito de lucro, além da compreensão da existência de
privações na realidade social e a associação de regras morais. Todavia, há
ainda limites para esse pensamento, que se caracterizam por dificuldades
116
tais como a falta de clareza sobre as estratégias de financiamento do Estado
e as inter-relações econômicas (BESSA; FERMIANO; DENEGRI, 2014).
No Nível III, encontram-se adolescentes e adultos que apresentam
o pensamento inferencial econômico. Assim, compreendem o mundo
econômico como um sistema multideterminado que fomenta explicações
e julgamentos ideológicos, porém, ainda não compreendem o valor dos
impostos sobre o financiamento estatal e a iniciativa individual e social
para provocar a mudança social.
O grande ganho do Nível III é a conceituação dos processos sociais,
pois são capazes de levantar hipóteses a respeito do mundo econômico e
de estabelecer relações com um olhar sistêmico sobre sistemas e ciclos.
Compreendem melhor o papel do estado e da realidade social, assim como
as mudanças e ciclos existentes.
Para exemplificar os níveis de desenvolvimento do pensamento
econômico do TAE-N, na questão: Quando você compra um chocolate,
você está pagando (o entrevistado deve completar a resposta). A criança
teria 4 (quatro) opções para responder: a) paga o custo de fazer o chocolate
e o lucro da pessoa que o vende, b) porque o dono da loja cobra, c) paga o
que custa para fazer o chocolate na fábrica e d) paga o custo de fazer o
chocolate, os impostos e o lucro (ARAÚJO, 2007), teríamos as seguintes
respostas conforme os níveis: No Nível I A, a criança responderia a
alternativa ‘b’ porque o dono da loja cobra, pois não consegue estabelecer
mais relações além do que lhe é visível. No Nível I B, a criança
responderia a letra ‘c’, pois embora não faça a relação da distribuição e
gastos até que chegue à loja, considera que há um custo para se produzir o
chocolate. No Nível II a criança responderia a alternativa ‘a’, considera
que há um custo para se fazer o chocolate e um lucro da pessoa que vende,
pois inicia uma reflexão sobre a questão do lucro, mas ainda não percebe a
relação entre fabricação e distribuição e todas os aspectos envolvidos. No
117
Nível III, a criança responderia que paga pelo chocolate o custo, os
impostos e o lucro, assinalando a alternativa que comprova uma mudança
na forma de compreender os processos econômicos e sociais, e entende a
relação custo/lucro/impostos.
Vale ressaltar que Denegri (1999, 2005a, 2005b, 2005c, 2006a,
2006b) destaca-se no campo de pesquisas sobre o pensamento econômico
e tem sido referência em muitos estudos acerca do conhecimento social.
No Brasil, alguns estudos utilizaram o TAE A e o TAE-N para crianças
como instrumento de coleta de dados sobre o nível de compreensão do
mundo econômico, adaptando o teste à realidade brasileira (ARAÚJO,
2007; BESSA et al., 2014; CANTELLI, 2009; LELLIS, 2007).
No que tange às investigações sobre concepções econômicas, Leiser
(1983) realizou estudos sobre as ideias de crianças israelenses acerca do
tema. Participaram, como sujeitos colaboradores, 89 crianças com idade
entre sete e dezessete anos, e os instrumentos metodológicos utilizados
foram entrevistas e questionários.
A pesquisa foi realizada em duas etapas, um estudo preliminar com
45 crianças e adolescentes com idades entre 7 (sete) e 17 anos com o
objetivo de sondar as concepções livres e de familiaridade do mundo
econômico. O estudo principal foi realizado de forma mais estruturada,
com 44 sujeitos pertencentes a uma camada mais pobre de Beer Sheva, em
Israel. Suas idades eram as seguintes: grupo S: 8-9 anos (15 indivíduos);
grupo M: 11-12 anos (17 indivíduos) e grupo L: 14-15 anos (12
indivíduos). O questionário foi utilizado para uma entrevista
semiestruturada, que abordou os aspectos preços, salários, greves, dinheiro
e inflação.
Os resultados indicaram que a compreensão econômica evolui e
possui diferentes fases de desenvolvimento e que as crianças pequenas veem
118
a economia de uma perspectiva muito particular, não tendo ainda
consciência de um sistema econômico existente. O pesquisador considera
as visões de crianças de 7 (sete) anos como distorcidas da realidade e
unilaterais. As crianças entre 8 (oito), 9 (nove) e 10 anos apresentam
conceitos conflitivos e percebem, ao longo da entrevista, as contradições
de suas respostas, buscando, de alguma maneira, eliminar os conflitos entre
as suas crenças de cunho mais particular e seu conhecimento acerca do
sistema econômico. A partir dos 11 anos, o sujeito melhora a sua
capacidade de raciocínio e sua metacognição, e isso dá condições aos
sujeitos de compreenderem progressivamente os fenômenos econômicos.
Para Leiser (1983), o desenvolvimento é perceptível a partir de 11
anos de idade, com a construção de modelos teóricos abstratos de
economia. As concepões percebidas foram: a troca justa de compra, a
concepção de tomada de lucro de venda, a contratação de mão de obra por
empresários, o trabalhor ter direito a um salário e armazenar o seu dinheiro
na segurança de um banco. Um exemplo dado pelo autor, para sujeitos
dessa idade, é a compreensão de compra como uma troca de dinheiro por
algo de valor equivalente, combinada à concepção de “venda de bens como
uma forma de ganhar a vida”, deixando de ser contraditória a noção de
lucro.
A questão do lucro era considerada pelo autor como completa se
os sujeitos respondessem a relação de dois fatores: a diminuição do lucro é
uma consequência direta da venda com preços baixos e o aumento do lucro
é o crescimento de volume de vendas. Dos 3 (três) grupos investigados,
apenas o grupo de sujeitos mais velhos consideraram os 2 (dois) fatores. O
segundo fator foi desconsiderado inexistente para os sujeitos mais jovens.
Quanto ao aspecto circulação e distribuição excessiva de dinheiro,
as respostas encontradas foram as de impactos negativos: aumento de
preços, escassez de bens e falta de vontade das pessoas para o trabalho. Tais
119
aspectos foram considerados respostas relevantes quanto a criticidade e
análise econômica dos sujeitos.
O conceito de inflação não foi compreendido por nenhum dos
grupos, julgado por Leiser (1983) como um fenômeno complexo, gerado
pelo comportamento econômico que necessita de uma visão mais
sistêmica.
No quesito salário e proviniência do dinheiro, 25% das crianças
apontaram que o mesmo vem dos bancos, 50% do governo e para 25% o
salário vem do patrão. As crianças mais velhas não se referiram aos bancos,
mas mencionaram o chefe e o governo.
Delval e Echeita (1991) realizaram um estudo sobre a noção de
lucro e intercâmbio econômico (compra e venda), com crianças espanholas
em 2 (dois) momentos. A primeira parte da pesquisa se deu em 1970 e
1971, com 100 crianças na idade de 5 (cinco) a 14 anos, de diferentes
classes sociais. A segunda parte da pesquisa ocorreu de 1982 a 1984, com
188 crianças de 6 (seis) a 14 anos pertencentes às classes média e alta.
Em ambos os estudos, utilizou-se o método clínico-crítico de
Piaget para coleta de dados, com questões específicas de acordo com cada
estudo.
Interessados nas hipóteses das crianças sobre os conhecimentos de
compra e venda, tiveram como objetivos conhecer a ideia das crianças
acerca do que era ser rico e ser pobre, porque temos que levar dinheiro para
a realização de uma compra, a origem do dinheiro, entre outros. No
segundo estudo, além dos objetivos já trabalhados na primeira pesquisa,
acrescentou a investigação sobre a compreensão da noção de lucro.
No primeiro estudo, comprovou-se que 100% dos sujeitos de 5
(cinco) e 6 (seis) anos têm respostas normativas e tautológicas sobre a
função do dinheiro, 29,9 % dos sujeitos de 7 (sete) a 8 (oito) anos apontam
120
razões econômicas para o seu uso, 30% das crianças de 9 (nove) a 10 (dez)
e 11 (onze) anos apontam explicações econômicas, seguido de 60% entre
crianças de 12, 13 e 14 anos. Os dados revelam um crescente de idade
para a compreensão para a função do dinheiro.
A segunda pesquisa, da década de 1990, diz que 100% das crianças
de 6 (seis) anos apresentam respostas normativas, seguido do índice de
89% das crianças de 7 (sete) anos, 75% das crianças de 8 (oito) anos e 43%
com sujeitos de 9 (nove) anos, demostrando que as respostas com carater
normativos foram decrescentes.
Respostas tais como ganhar dinheiro e pagar o trabalho também
apresentaram um crescente de acordo com as idades, não sendo
encontradas respostas dessa natureza com crianças de 6 (seis) anos. Os
motivos com justicativas econômicas apareceram em crianças de 9 (nove)
anos (17%) e 60 (%) com crianças com 10 (dez) anos.
Os estudos relacionados à noção de lucro demostram a grande
dificuldade das crianças em compreender essa relação (venda e lucro).
Delval (2013) elenca 6 (seis) tipos de concepções sobre o lucro que foram
encontradas: 1ª) o lucro não está presente, nas vendas obtêm-se objetos e
-se dinheiro; 2ª) o lucro segue regras precisas e o preço é justo das
mercadorias; 3ª) o lucro é tudo aquilo que o vendedor recebe,
independentemente de quanto tenha pagado pela mercadoria; 4ª) o lucro
aumenta conforme se vende muito. Os sujeitos que possuem essa
concepção creem que quando se vende muito pode-se cobrar o preço
abaixo do preço da compra, não consegue coordenar a necessidade da
diferença de preços entre compra e venda, e 5ª) o lucro é necessário,
entende-se que o lucro é um princípio geral de mercado e 6ª) a última
concepção diz respeito à extensão da ideia de ganância a todos os âmbitos
da atividade econômica. Delval (2013) diz que esses níveis não são
121
necessariamente etapas para a compreensão do lucro, e que pode haver a
coexistência de algumas concepções, assim como uma evolução em salto.
Para Delval (2013), em linhas gerais, as ideias das crianças até os
10 ou 11 anos acerca do lucro é que se compram as mercadorias em uma
fábrica ou outro local e paga-se por elas um preço, vendendo-as pelo
mesmo preço ou até por menos de que lhe tenha custado. Esse dinheiro da
venda será suficiente para o sustento da familia, pagar os empregados e
repor a mercadoria. Segundo os pesquisadores, as crianças possuem
dificuldades morais (exergam relações pessoais no julgamento das relações
econômicas, entre outros apectos) e cognitivas (para coordenar muitas
informações) para compreender tais relações, revelando que necessitam de
interações com o ambiente para construir seus conhecimentos sobre os
fenômenos sociais.
Ainda no âmbito do pensamento econômico, Amar et al. (2003)
realizaram uma investigação acerca do pensamento econômico na região
do Caribe Colombiano. Participaram dessa pesquisa 486 crianças e
adolescentes, com idade entre 6 (seis) a 18 anos. O método utilizado foi
uma entrevista clínica piagetiana, criada a partir de estudos de Denegri,
Enesco Y Delval (1995 apud AMAR et al., 2003).
Nos resultados, os autores descreveram o desenvolvimento do
pensamento econômico a partir das 4 (quatro) categorias quanto aos níveis
e subníveis de desenvolvimento apontados por Denegri: Nível I -
Pensamento Extra Econômico e Primitivo, Nível II Pensamento
Econômico Subordinado e Nível III Pensamento Econômico
Inferencial.
No Nível I (Subnível I A pensamento pré-econômico e Subnível
II B pensamento econômico primitivo), os sujeitos foram caracterizados
pela incapacidade de considerar vários aspectos de uma vez porque se
122
concentraram nos aspectos mais visíveis e chamativos, o que significa que
em uma situação de aumento de preço, os sujeitos teriam como solução
que, enquanto consumidores, deveriam se comunicar com todos os donos
de loja para baixarem os preços, assim como pediriam para o governo
baixarem os precos. Ainda desconhecem as restrições que existem no
mundo econômico e não são capazes de reconhecer as contradições de seu
pensamento, que são evidentes na perscpectiva de um adulto. Para os pré-
escolares, o dinheiro tem uma função ritual, enquanto para os escolares, o
dinheiro é sempre fabricado e só com o avanço da idade incorporam a ideia
de necessidade de permissão para fazê-lo. Não há conhecimento sobre o
ciclo de circulação monetária. Para os autores, a vida social é representada
de forma isolada, com fragmentos desconexos e há dificuldade para
estabelecer relações e compreender processos. Há problemas em separar as
relacões pessoais das relações de âmbito social, o que dificulta a formação
do conceito de lucro.
No Nível II, os dados indicaram que já há um esforço para superar
as contradições e refletir acerca da realidade social, assim como há uma
reelaboração de conceitos em uma estrutura mais integrada. Nos sujeitos
encontrados nesse nível, percebeu-se uma compreensão da existência de
restrições e resistências na realidade social e um abandono progressivo da
vontade própria, como um mecanismo de explicação. Aqui, os sujeitos já
compreendem a noção de lucro e incorporaram valores morais ao
julgamento da sociedade. Entendem o papel do Estado como órgão
responsável em aplicar leis necessárias ao funcionamento. Contudo, ainda
possuem dificuldades para compreender a relação entre emissão e
circulação monetária e processos econômicos, assim como a dificuldade de
compreensão dos meios de financiamentos geridos pelo Estado e a emissão
direta do dinheiro.
123
Ocorre nos sujeitos do Nível II uma maior capacidade de
descentração que permite considerar vários aspectos de uma só vez, sendo
possível estabelecer relações entre os mesmos, embora ainda não
compreendessem a totalidade das relações. No Nível III, os sujeitos já
construíram uma forma de conceituar os processos sociais com o
desenvolvimento e se caracterizam pelo uso do pensamento abstrato, a
lógica formal.
Nesse Nível III, observa-se a capacidade de hipotetizar a realidade
econômica e estabelecer relações complexas entre sistemas diversos, o que
permite uma leitura compreensiva dos processos econômicos. Os sujeitos
compreendem uma multideterminação dos processos econômicos e
sociais, bem como têm uma reflexão avançada acerca da realidade social e
das mudanças, ciclos e políticas econômicas. Compreendem o papel do
Estado e sua função legal.
Para exemplificar os níveis, se perguntássemos para uma
criança/adolescente quem decide a quantidade de dinheiro que deve ser
fabricada, as crianças do Nível I responderiam que é necesário muito papel
na fábrica para fabricar bastante dinheiro, ou que depende dos donos das
fábricas de dinheiro. Para um Nível II, poderiam responder que seria o
governo que determinaria a quantidade de dinheiro que deva circular no
país. Somente no Nível III conseguiriam fazer a relação entre as variáveis
econômica do país e as regulações do Banco Central.
Amar et al. (2003) apontaram que os dados da pesquisa permitem
o reconhecimento da sequência evolutiva do desenvolvimento econômico,
revelando que os sujeitos de maior idade têm mais informação e articulam
explicações mais complexas, contudo, os autores asseveraram que as idades
que aparecem nas pesquisas de Denegri, quanto aos níveis e possíveis
idades, foram diferentes na aquisição do nível apresentados pelos sujeitos
dessa pesquisa. Nas pesquisas apresentadas por Denegri, há uma
124
aproximação padrão de idades entre os níveis encontrados sendo: Nivel I
entre 6 (seis) a 9 (nove) anos, Nível II - maiores de 10 anos e Nível III
adolescentes e adultos. Dos sujeitos participantes classificados como Nível
I A Pensamento Extra Econômico ou Pré-Econômico, 75,5% tinham
idades entre 6 (seis) e 11 anos, 32,4% entre 11 a 14 anos e 10,1% de
sujeitos entre 15 e 18 anos que ainda estavam no Nível I. No Nível I B
Pensamento Econômico Primitivo, encontram-se 24,5% de crianças nas
idades entre 6 (seis) e onze anos, 52,2 % de crianças entre 11 e 14 anos e
47,7% de adolescentes entre 15 e 18 anos. No Nível II Pensamento
Econômico Subordinado, os dados encontrados foram de 14,7% para
crianças entre 11 e 14 anos e 36,2% de crianças de 15 a 18 anos.
Finalmente no Nível III do Pensamento Econômico Inferencial, foram
0,7% de crianças entre 11 e 14 anos e apenas 7% entre adolescentes de 15
e 18 anos.
Os pesquisadores acreditam que essa diferença no estudo ocorreu
devido à origem socioeconômica dos sujeitos, à falta de convívio dos
conceitos econonômicos básicos, à falta de diálogo entre pais e filhos
acerca de seus problemas econômicos ou até ao desconhececimento dos
participantes quanto aos conceitos econômicos ou que recebem poucas
argumentações dos pais. Na escola, também não incluem os conceitos
econômicos como parte de seu currículo e raramente acompanham uma
evolução de um processo de retroalimentação. “[...] Todas las explicaciones
se construyen hasta donde las herramientas intelectuales lo permiten, y
tales herramientas en nuestro contexto también son limitadas”. (AMAR et
al., 2003, p. 11).
Delval e Denegri (2002) também realizaram uma pesquisa sobre a
concepção evolutiva acerca da fabricação do dinheiro. A amostra foi
composta por 110 crianças e adolescentes de 6 (seis) a 16 (dezesseis) anos,
sendo 10 sujeitos por idade de ambos os sexos. A coleta de dados foi
125
realizada em escolas na Espanha. O método utilizado foi a entrevista clínica
piagetiana, com um roteiro de perguntas acerca da função do dinheiro;
lugar e forma de fabricação; normas e regulação da emissão do dinheiro.
Os resultados revelaram que há uma progressão e avanço nas concepções
que vão se tornando mais complexas e com maior número de elementos,
como detalhado a seguir.
Os sujeitos caracterizados no Nível I A, (crianças entre 5-6 até 10-
11 anos) apresentaram respostas nas quais predominaram as explicações
que não são especificamente econômicas, indicando que não
compreendem a função do dinheiro. Nessas respostas, predominaram
crenças que se referem às necessidades dos indivíduos, qualidade dos
produtos, relações pessoais com implicações morais. A grande parte sabe
que se fabrica o dinheiro, embora alguns associam a ação a doação por
Deus, mas não compreendem os mecanismos dessa fabricação, para eles
por exemplo é possível que qualquer pessoa tenha uma fábrica de dinheiro,
a quantidade fabricada é determinada pelo dono da fábrica, assim como
vimos na pesquisa de Amar et al. (2003). Os sujeitos do Nível I B trazem,
conforme os autores, as mesmas ideias, mas diferenciando do nível anterior
quando apontam que para fabricar dinheiro há limitações e restrições,
embora também acreditem que qualquer pessoa possa fabricar dinheiro
desde que possuam a máquina adequada, mas que também é preciso
autorização para se fabricar. A concepção de dinheiro para esse nível se
iguala a um produto qualquer que pode ser fabricado. Faz as primeiras
relações a remuneração e trabalho, mas sem compreender os mecanismos
desse funcionamento. Há um início de percepção de diferenças de relações
hieráquicas, quando se refere a autorização para se fabricar dinheiro que
devam vir de pessoas importantes como rei, políticos, presidentes ao passo
que pessoas comum devam trabalhar para ganhar dinheiro. Há também a
visão de que existe disponibilidade de dinheiro e que na sociedade não há
126
restrição quanto ao acesso. Denegri e Delval (2002, p. 44) exemplificam:
“[...] os pobres são pobres porque não têm dinheiro para comprar dinheiro,
eles não sabem onde estão as fábricas para ir pedir dinheiro”.
Os autores asseveram que uma forte característica desse nível é a
impossibilidade de distinguir o mundo das relações pessoais do mundo
social institucional que caracteriza as relações econômicas. Valem, assim,
as mesmas regras que se aplicam na vida pessoal e social ao mundo
intitucional e econômico.
No Nível II (crianças e adolescentes entre 10-11 a 13-14 anos) há
um avanço na compreensão a respeito do assunto, pois os sujeitos já
concebem que o dinheiro não é mais uma mercadoria. A crença de
fabricação sobre o dinheiro está mais realista, e há o estabelecimento de
relações com outros aspectos da vida econômica tais como o problema da
fabricação em excesso, a falsificação de dinheiro e suas implicações
negativas. Contudo, não entendem os efeitos da fabricação do dinheiro
para a economia global. A fabricação de dinheiro está ligada a uma
instituição, sendo essa uma das características mais fortes desse nível, além
do quesito ser produzido de forma diferente de outras mercadorias.
Conforme os autores, há uma primeira separação entre a relação pessoal e
o dinheiro. O dinheiro cumpre, para os sujeitos desse nível, uma função
econômica em que a atividade comercial busca lucros, compreendendo
essa ideia de lucro.
Os sujeitos do Nível III assinalam um grande progresso e
consideram definitivamente a origem do dinheiro na relação institucional.
Para esses sujeitos, o dinheiro vem do trabalho, do rendimento das
atividades mercantis, da posse dos meios de produção, dos rendimentos do
capital e de atividades especulativas. Há uma casa da Moeda que pertence
ao Banco Central, portanto, existindo uma única fábrica de dinheiro para
todo o país. Em suas crenças, também apontam que as decisões que se
127
tomam na fabricação do dinheiro dependem de outras instâncias
institucionais.
Delval e Denegri (2002) concluem que as crianças avançam em
suas ideias mais gerais acerca da origem e circulação do dinheiro a
chegarem a uma nova concepção que os autores chamam de interação de
sistemas múltiplos. Ocorre a articulação de elementos observados
diretamente no dia a dia delas e inferências de processos mais abstratos,
chegando a uma nova interpretação sobre a origem e circulação do
dinheiro.
A questão do consumismo em pesquisas internacionais também
nos propõe pensar o quanto está na contramão da sustentabilidade do
planeta. Quanto mais se consome, menos recursos naturais teremos e mais
acúmulo de lixo teremos no planeta. Portanto, cada vez mais torna-se
necessário consumir de forma sustentável para também garantir qualidade
de vida e bem estar sem agredir o meio ambiente.
Em busca da compreensão entre a relação econômica e a
sustentabilidade, trouxemos a pesquisa de Rodriguez, Kohen e Delval
(2008) que desenvolveram uma pesquisa sobre como se constituem e se
modificam as ideias acerca do desenvolvimento sustentável desde a infância
até a adolescência, além de investigar como e quando iniciam as explicações
econômicas acerca da sustentabilidade.
Participaram da pesquisa 40 alunos espanhóis com idade entre 9
(nove) e 16 (dezesseis) anos, distribuidos em grupos de 10 alunos e em
igual proporção de meninos e meninas, pertencentes às classes social alta e
média. O procedimento metodológico utilizado baseou-se no método
clínico-crítico piagetiano. O roteiro de perguntas utilizado foi composto
por quatro blocos temáticos: gestão de resíduos (reciclagem), recursos
energéticos e seus usos, escassez de água e problemas ambientais.
128
A partir das respostas sistematizadas, os autores encontraram 3
(três) níveis progressivos de compreensão acerca do desenvolvimento
sustentável. No Nível I, as respostas embasam-se nos aspectos mais
superficiais e evidentes do problema, como viu-se em outros sujeitos do
mesmo nível em outras pesquisas aqui já apresentadas (AMAR et al., 2003;
DELVAL & DENEGRI, 2002) as explicações estabelecem relações diretas
e simples entre dois ou mais eventos visíveis e pelas suas vivências de
impactos locais e imediatos, que podem ser, por exemplo, a morte de uma
planta ou de uma árvore. Quando perguntados quanto à escassez da água,
as respostas foram classificadas com abundância ou escassez expecional,
porque os sujeitos participantes, na realidade em que vivem hoje, não
sofrem diretamente com o problema, uma vez que possuem acesso à água
em casa, portanto, não conseguem compreender que esse problema afeta
outras realidades diferentes da sua. No caso de um rio ser contaminado
com gases, apontam como problemas os peixes que podem aparecerem
mortos, mas não fazem inferências capazes de prever os impactos dos gases
poluentes ao longo do tempo.
No Nível II, cuja maioria dos sujeitos tem idades entre 11 e 14
anos, encontram-se respostas com explicações ligadas às suas próprias
vivências, embora já seja possível realizar inferências para justificar as
relações ambientais. Os sujeitos desse nível compreendem que os recursos
não são abundantes, mas por outro lado não têm explicações de caráter
econômico e por isso os autores classificaram suas respostas em escassez
parcial. No exemplo dado acima acerca da contaminação do rio, os sujeitos
conseguem apontar os impactos progressivos que afetam simultaneamente
diversas partes do mundo, portanto, suas explicações são baseadas em
conhecimentos de tempo e espaço, diferentes dos que apresentavam os
sujeitos do Nível I.
129
No Nível III, encontraram-se nos sujeitos entre 15 e 16 anos
explicações relacionadas ao caráter econômico. Os adolescentes
consideram que os recursos são limitados e escassos em todas as sociedades,
cabendo aos seres humanos controlar o uso dos recursos. Conseguem,
neste nível, estabelecer relações sistêmicas não lineares, diferentes do que
apresentam as crianças do Nível I. No exemplo da contaminação do rio,
conseguem exergar além das relacões que se desencadeiam no plano de
recursos naturais e meio ambiente e ver os impactos econômicos e socias
possíveis.
No aspecto escassez de recursos, impactos da ação humana e
conflito ambiental, os dados apresentaram que as respostas dos
participantes de cada grupo de idade são diferentes. A complexidade das
respostas aumenta à medida em que as idades também avançam, e os
sujeitos investigados formulam explicações que antes não eram capazes de
formular. Os menores deram respostas considerando a abundância de
recursos e que há mais recurso disponível no planeta do que o homem
necessita. No nível intermediário, creem que os recursos não são
abundantes, mas não relacionam o fato a aspectos econômicos. Os maiores
apresentaram respostas mais complexas, revelando que o mundo tem uma
escassez constitutiva e sistêmica e que há uma desigualdade na divisão de
recursos criada pelos homens.
Com referência aos impactos da ação humana, os pesquisadores
também encontraram uma relação direta entre a complexidade da resposta
e as idades dos participantes. No Nível I, encontraram respostas com uma
visão de que a natureza é praticamente inatingível aos danos que podemos
fazer. No segundo nível, os sujeitos já admitiram que os problemas
ambientais afetam o clima de forma global, à medida que os sujeitos do
Nível III foram capazes de dar explicações que incluem os componentes
130
econômicos e as ações humanas, essas últimas podendo afetar e agravar o
meio ambiente.
Na dimensão conflito ambiental, as respostas dadas pelos mais
jovens, classificados como Nível I, admitem que não há nenhum conflito
entre as ações humanas e o desenvolvimento sustentável de nossa
sociedade. Os pré-adolescentes do Nível II apontaram que nosso estilo de
desenvolvimento causa problemas graves à natureza e à saúde. Os mais
velhos citaram, em suas respostas, um conflito econômico-ecológico que
define o desenvolvimento sustentável de nossa sociedade.
Rodriguez, Kohen e Delval (2008) compreendem que o
desenvolvimento sustentável representa um esforço para integrar e
equilibrar 3 (três) pilares: o bem estar social, a prosperidade econômica e a
proteção ao meio ambiente.
Denegri et al. (2005a) realizaram um estudo cujo objetivo era
conhecer as condutas de consumo das crianças e a relação entre a
publicidade e os meios de comunicação. Os sujeitos participantes foram
153 estudantes chilenos que possuíam idades entre 10 e 14 anos,
frequentadores do 5º ao 8º ano de escolaridade e que se encontram na faixa
denominada tweens. Os tweens são caracterizados no Chile como crianças-
adolescentes de idades entre 8 e 13 anos cujas preferências estão muito
mais próximas à adolescência do que à infância, revelando-se precoces em
seus valores. O instrumento utilizado pela autora foi um questionário
estruturado sobre o consumo de programas televisivos e a prática do uso
do dinheiro.
Os resultados encontrados pela pesquisa, em linhas gerais, foram:
a) 71,2% dos estudantes dedicam cerca de uma a três horas por dia para
assistirem televisão; b) os que mais assistem TV se concentraram entre uma
das classes do 5º e do 6º ano, com índices maiores de cinquenta por cento
131
de dedicação a televisão, entretanto, estes índices não foram encontrados
em todas as salas do quinto e sexto ano participantes; c) os comerciais que
os participantes mais se recordam são focalizados em alimentos,
guloseimas, programas e séries de TV, bebidas e supermercados; d) a
relação de gênero e os pedidos do dia da criança comprovaram que as
crianças do sexo feminino tendem a pedir acessórios e roupas, ou não
pedem nada. Já os meninos solicitam jogos e roupas esportivas, e) os artigos
eletrônicos, celulares, computadores e roupas apareceram com percentuais
maiores nas preferências para pedidos de presentes para o dia das crianças;
f) para a escolha dos presentes, 40% das crianças relataram terem visto o
produto na loja e 27% relataram ter visto em publicidade ou na televisão;
g) quanto ao destino do dinheiro e a diferença de gênero, os autores nos
mostram a tendência de que meninas indicam que gastariam com roupas
e meninos indicam que gastariam com jogos e computadores, em virtude
da socialização e experiências vividas entre os gêneros; h) os sujeitos da
pesquisa acreditam que a função da propaganda seja trazer informações
reais sobre produtos e serviços; i) os sujeitos apontaram que recebem
dinheiro de seus pais quando pedem, mas não apontaram quantas vezes na
semana ou no mês. Os pesquisadores indicam isso como um problema,
pois a falta de uma rotina estruturada pode afetar o desempenho dos
sujeitos em relação ao manejo do dinheiro.
Outros dados importantes que o estudo revelou: 70% das crianças
relataram que o maior uso que dão ao seu dinheiro é o poupar, o que pode
indicar que essas crianças não fazem compras por impulso, porém, não foi
perguntado aos sujeitos qual o destino do dinheiro economizado, e 75%
das crianças decidem sozinhas o que fazer com o seu dinheiro.
Denegri et al. (2005a) asseveram que quando o consumo não era
apontado pela influência da televisão, era o contato direto que provocava
o desejo da compra, ou seja, o desejo não ocorre antes do contato do
132
produto, mas passa a existir e a necessitar o produto, após o conhecimento
do produto.
A pesquisa também aponta que há uma necessidade de uma
educação econômica das crianças e de seus familiares para a formação de
um consumidor eficiente e consciente de suas escolhas, na intenção de não
serem alvos de campanhas publicitárias constantes.
Em outra pesquisa, Denegri et al. (2005c) objetivaram investigar
as estratégias de socialização econômica de famílias de classe média, e se
tais estratégias contribuíam para a cidadania ou para o consumismo. O
termo socialização econômica também é utilizado nas pesquisas de
Gunther e Furnham (2001) e Fermiano (2010) e define-se como um
processo de aprendizagem e interação com o mundo econômico mediante
a construção de conhecimentos, estratégias, padrões de comportamento e
de atitudes acerca do uso do dinheiro e a sua valorização na sociedade
(DENEGRI et al., 2005b). Nesse processo de socialização, a família é
destacada como a mais importante, que repercute na educação econômica
dos filhos.
Participaram da pesquisa 132 famílias de classe média da cidade de
Temuco, no Chile. Os instrumentos utilizados nas coletas de dados foram:
um roteiro de entrevista com os pais e o método de avaliação de nível
socioeconômico Esomar, que permite estabelecer o nível socioeconômico
familiar a partir do nível educacional e da ocupação daquele que sustenta
a casa.
Os resultados encontrados apontaram que a família assume que é
necessária a tarefa dos pais de educar os filhos para o uso do dinheiro,
contudo, evidenciou-se que, na prática, não é isso que ocorre. Denegri et
al. (2005c) apontaram que o principal mecanismo socializador econômico
é a conversa:
133
Por ello, los padres utilizan como principal mecanismo socializador las
“conversaciones” sobre el uso del dinero y una suerte de
adoctrinamiento valórico que no se corresponde necesariamente con el
tipo de prácticas económicas cotidianas que realizan con sus hijos
(DENEGRI et al., 2005b, p. 91).
As práticas utilizadas pelos pais apontadas nos discursos foram:
práticas de ensinar a comprar, pagar com seu trabalho e cumprir metas,
ensinar o uso de cartão e de cheques, estabelecer uma mesada e poupar.
Tais medidas se revelaram intuitivas, contraditórias, pouco sistemáticas e
isoladas, que não chegam a se configurar como prática de uma educação
econômica. As pesquisadoras comprovaram que os pais dizem valorizar um
estilo de vida austero, mas que se comportam com os filhos como
consumidores impulsivos que compram sem reflexão. Outro aspecto
trazido pela pesquisa foi a força das gerações familiares no processo de
socialização econômica, revelando que os filhos reproduzem
comportamentos e atitudes relacionadas ao consumo e à economia de seus
pais.
As pesquisas apresentadas até o momento se fundamentaram na
perspectiva psicogenética de Piaget e seus seguidores, como Delval e
Denegri, e têm a preocupação em compreender o pensamento social e
econômico dentro de uma esfera psicológica e por vezes educativa. Na
sequência, passamos a apresentar pesquisas que embora tragam
fundamentações a partir dos estudos piagetianos sobre o desenvolvimento,
são estudos sobre o comportamento consumidor a partir da esfera do
marketing.
Por meio de um levantamento documental bibliográfico, John
(1999) percorre 25 anos de produções de pesquisas de socialização do
134
consumidor, com o objetivo de avaliar os trabalhos sobre o
desenvolvimento infantil como consumidor. Embora não seja uma
pesquisa de campo, consideramos ser de muita relevância para o presente
estudo.
Em sua pesquisa, Jonh (1999) consegue reunir diferentes trabalhos
e fornecer um quadro conceitual da socialização do consumidor com
pontos teóricos sobre aspectos cognitivos e sociais, identificando
características gerais das crianças quanto ao conhecimento e lógica, os
estágios de desenvolvimento e possíveis idades.
Baseando-se também, mas não somente, na perspectiva piagetiana
de evolução de estádios de desenvolvimento, e considerando as diferenças
de habilidades cognitivas e recursos em cada etapa (do sensório motor ao
formal), considera que a socialização do consumidor também deva ser vista
como 3 (três) estágios progressivos do consumidor, assim como nos
estádios de Piaget: pré-operatório; operatório e operatório formal.
Além da perspectiva piagetiana, buscou na abordagem do
Processamento da Informação esclarecimentos sobre como as crianças
processam, adquirem, codificam, organizam e recuperam as informações.
As pesquisas sobre o comportamento consumidor trazidas por Roeder em
1981 consideram também 3 (três) etapas evolutivas à luz da teoria do
Processamento da Informação: Processadores limitados - crianças menores
de 7 (sete) anos; pró-processadores (entre 7 e 11 anos) e processadores
estratégicos (crianças de 12 anos ou mais). As etapas coincidem com os
estádios piagetinanos.
Pela perspectiva Social, John (1999) encontrou o embasamento da
socialização do consumidor em Selman (1980 apud JOHN, 1999), que
investiga o desenvolvimento progressivo das habilidades sociais. As fases
encontradas correspondem a: o primeiro estágio, o egocêntrico com
135
crianças de 3 (três) a 6 (seis) anos; estágio de tomada de consciência de
informações sobre diferentes perspectivas, com crianças de 6 (seis) a 8
(oito) anos; estágio autorreflexivo com crianças de 8 (oito) a 10 (dez) anos,
em que consideram verdadeiramente a posição e perspectivas de outras
pessoas, no quarto estágio (crianças de 10 a 12 anos), constrói-se a
habilidade de interação social, persuasão e negociação e negociação, em
que há uma dupla confrontação de perspectivas. No último estágio
(adolescentes de 12 a 15 anos) há uma habilidade adicional, que é a
capacidade de se relacionar com diferentes grupos pertencentes ou não.
Ancorada nessas 3 (três) perspectivas teóricas, Jonh define 3 (três)
estágios de socialização do consumidor: perceptiva (3 a 7 anos); analítica
(7 a 11 anos) e reflexiva (11 a 16 anos). A autora caracteriza as dimensões
e mudanças no desenvolvimento das habilidades e conhecimentos:
Quadro 1 – Síntese das fases de socialização do consumidor segundo John (1999)
Socialização
Características do comportamento consumidor
Perceptual
(3-7 anos)
Perspectiva egocêntrica de mundo e centra-se em dimensões únicas dos objetos
e eventos, também para negociar os objetos de desejo. O conhecimento do
consumidor é preso a características perceptivas e concretas do produto.
Demonstra familiaridade com marcas de produtos e nomes de lojas comerciais.
Não compreende as informações mais complexas, tem dificuldade em organizá-
las em estruturas de conhecimento, assim como se limita a determinadas
informações, o que incide sobre as decisões de compra, prendendo-se, por
exemplo, a tamanho do objeto no momento de efetuar a escolha. Não
considera a perspectiva do outro e busca atender seu desejo.
136
Analítica
(7 a 11
anos)
Perspectiva socialmente consciente
Mudanças de percepções visíveis para
representações abstratas, tem uma
compreensão mais ampla sobre mercado, marcas e publicidade. Conceitos como
categoria de produtos e preços são pensados de maneira funcional e produtos e
marcas são analisadas e discriminadas. As crianças demonstram reflexão em suas
compras considerando mais do que lhe é perceptível visivelmente. São mais
flexíveis em suas decisões de compra, sendo capaz de analisar a percepção dos seus
pais e amigos.
Reflexiva
(11 a 16
anos).
Apresenta uma conscientização da perspectiva de outras pessoas e tem necessidade
de moldar sua própria identidade e conformidade de suas expectativas. Possui
informações e habilidades cognitivas e sociais. Busca adaptar suas decisões de
consumidor de acordo com a tarefa e situação. Busca também influenciar pais e
amigos para as compras.
Fonte: Adaptado de John (1999)
John (1999), a partir da revisão teórica dos estudos sobre a
socialização do consumidor, elege ainda cinco temáticas acerca do
consumo infantil: publicidade e persuasão; conhecimento de transação
(produto e marca); habilidades de tomada de decisão; aquisição de
estratégias e influências em negociação de compra, e motivo de consumo
e valores, como veremos no Quadro 2.
137
Quadro 2 – Síntese dos resultados da revisão teórica acerca dos estágios de socialização
do consumidor
Temática
Etapa Perceptual
3-7 anos
Etapa Analítica
7-11 anos
Etapa Reflexiva
11-16 anos
1.Conhecimento
Sobre
Publicidade e
Persuasão
-Pode distinguir
anúncios de
propagandas com
base nas
características
perceptivas
-Acredita que os
anúncios são
verdadeiros,
engraçados e
interessantes
- Tem atitudes
positivas em
relação a anúncios
-Pode distinguir
anúncios de
propagandas com
base na intenção
persuasiva
- Acredita que os
anúncios contêm
mentiras e vieses de
decepção, embora
não utilize defesas
cognitivas
- Tem atitudes
negativas sobre os
anúncios
-Entende a
intenção
persuasiva de
anúncios bem
como táticas e
recursos de
anúncios
específicos
- Acredita que os
anúncios contem
mentiras e sabe
como identificar
- Tem atitudes
céticas em
relação aos
anúncios
2.Conhecimento
sobre transação:
produto e marca
- Mostra-se capaz
de reconhecer as
marcas e os
nomes e começa a
associá-las
especialmente a
categorias e
produtos
- Utiliza pistas
perceptuais para
identificar os
produtos
- Começa a
entender os
- Aumenta sua
notoriedade acerca
das marcas que são
significativas
- Utiliza pistas
funcionais para
definir categorias de
produtos
- Aumento da
compreensão do
simbolismo para o
consumo
- Compreende que
as lojas de varejo são
- Reconhece a
marca
substancialmente
dirigida a
adultos
- Utiliza pistas
funcionais para
definir categorias
dos produtos
- Tem
compreensão
sofisticada sobre
o simbolismo do
consumo de
138
aspectos
simbólicos do
consumo
- Tem visão
egocêntrica das
lojas de varejo
como fonte de
produtos
desejados
propriedade para
vendas de produtos
e obter lucro
produtos e
características
perceptivas
- Compreende a
função das lojas
de varejo e
mostra-se
entusiasmado
Conhecimento
sobre compras e
habilidades
-Entende sobre a
sequência dos
eventos dentro de
um roteiro de
compras básica.
-Compreende que
o valor dos
produtos é
baseado em
características
perceptivas
- Entende roteiros
de compras mais
complexas
- Compreende os
preços dos produtos
com base na teoria
do valor
- Entende
roteiros de
compra mais
complexos e
contingentes
- Compreende
os preços dos
produtos com
base em um
raciocínio
abstrato, tais
como variações
de entrada e
preferências do
comprador
3.Conhecimento
sobre tomada de
decisão e
habilidades de busca
de informação
- Possui uma
consciência
limitada de fontes
de informações
- Tem o foco em
atributos
perceptuais
- Tem uma
emergente
capacidade de
adaptação a
- Possui uma maior
consciência pessoal
e fontes de mídias
de massa
- Consegue reunir
informações sobre o
que compra em
aspectos
perceptíveis e sociais
- É capaz de
adaptar-se a
-Faz uso
contingente de
informações de
diferentes fontes,
dependendo do
produto ou
situações
- Consegue
reunir
informações
sobre o
139
situações de
compra e custo
benefício
situações de compra
e custo-benefício
- É capaz de
adaptar-se a
situações de
compra e custo
beneficio
Avaliação do
produto
- Faz uso de
atributos pessoais
e simples para
avaliar
- Foca nos atributos
mais importantes
funcionais e
perceptivos
- Utiliza dois ou
mais atributos
- Foca nos
atributos mais
importantes
como aspectos
funcionais,
perspectivas
funcionais,
perceptivas e
sociais do
produto
- Utiliza vários
atributos
4.Estratégias de
decisão
- Repertório
limitado de
estratégias
- Tem um aumento
de repertório de
estratégias
especialmente as
não compensatórias
- Tem
Repertório
completo de
estratégias
-
Estratégias e
influências em
negociação de
compra
- Utiliza de
estratégias
emergentes para
se adaptar
- Faz uso de
pedidos diretos e
emocionais
- Tem habilidades
limitadas para se
adaptar a pessoas
e situações
- Tem um
repertório
expandido de
estratégias
- É capaz de adaptar
estratégias para
tarefas
-É capaz de se
adaptar a
estratégias de
modo
semelhante a
adultos
- É capaz de se
adaptar em
estratégias
baseadas na
eficácia,
140
percebida por
pessoas ou
situações
5.Motivos de
Valores e Consumo
- Considera valor
de bens com base
em características
superficiais
- Possui uma
emergente
compreensão do
valor de bens com
base no significado
e importância social
- Compreende
plenamente o
valor de bens
com base no
significado
social, a
importância e a
escassez
Fonte: John (1999)
A pesquisa de John (1999) enfatiza que as crianças menores têm
mais dificuldades para compreender as relações de consumo, e na eleição
crítica acerca do objeto a ser consumido, são os que se encontram na etapa
perceptual (3-7 anos), fase em que estão os sujeitos alunos da pré-escola
participantes da presente pesquisa. As fases apresentadas pela autora não
coincidem com os níveis de compreensão apresentados anteriormente por
Denegri, sujeitos do Nível I da compreensão do Pensamento Extra
Econômico e Primitivo. Apesar disso, as características são muito próximas
aos da etapa perceptual (3-7 anos) quanto à socialização consumidora, e
até mesmo do de Delval quanto ao Nível - I de compreensão da realidade
social.
McNeal (2007) vem desenvolvendo pesquisas desde os anos 60
sobre padrões de desenvolvimento de comportamento consumidor
infantil. Reuniu estudos de psicologia e marketing para compreender como
e quando começa o comportamento de compra em crianças. Ele define 5
(cinco) estágios do comportamento consumidor de acordo com a idade da
141
criança, começando desde o nascimento até os 8 (oito) anos e 100 cem
meses, e desenvolvimento motor e psicológico diferenciado.
Quadro 3 Síntese das fases do comportamento consumidor segundo McNeal (2007)
Estágios de
comportamento
consumidor
Idade Características
1
Observação
Aleatória
Observação
Voluntária
0-2 meses
3-5 meses
Comportamentos reflexos para a busca de objetos
que a satisfaça.
Exploração do mundo pelos sentidos, assim como
os objetos do mercado
2
Solicitação e
procura
1º) Subestágio
2º) Subestágio
6 -14
meses
15-24
meses
Buscam os objetos de forma intencional, tocam,
alcançam certos objetos, balbuciam sons e levar a
boca o que desejam. São oferecidos objetos que
causam prazer e o bebê o associa ao local da
compra
Com o desenvolvimento da linguagem e do
caminhar, dando autonomia durante as visitas em
ambiente comercial, assim como nomear os
objetos que desejam e solicitá-los aos responsáveis.
As crianças dessa idade começam a perceber que
os objetos das lojas também são retratados pela
televisão
3
Seleção
24-48
meses
A criança é capaz de pegar das prateleiras
comerciais aquilo que não é dela, inclusive tomar
objetos se necessário, solicitando insistentemente
aos pais que adquiram seus objetos de desejos,
4
Coaquisição
48-72
meses
Descobre a necessidade do dinheiro para que
possa obter o que quer, ou a mãe (responsável)
que lhe fornecerá o dinheiro. É capaz de guardar
um repertório de nomes de loja e produtos, assim
como a maneira como os locais organizam a venda
de seus produtos. Em torno dos 60-66 meses a
142
criança percebe que os objetos de seu quarto
vieram de fontes comerciais e custam dinheiro.
5
Independente
72 a 100
meses
No início ainda, a criança, juntos aos
responsáveis, já realiza diversas compras em lojas
de brinquedos, restaurantes fast food, shoppings,
etc. Logo já realiza as compras sozinha, e embora
dependa financeiramente dos pais, busca a
liberdade para as compras, criando um novo
hábito como um consumidor livre
Fonte: Adaptado de McNeal (2007)
O primeiro estágio denomina-se observação, subdividido em dois
estágios: Estágio da Observação Aleatória (0 a 2 meses) e estágio de
Observação Voluntária (3 a 5 meses). No primeiro estágio, o
comportamento consumidor infantil subordina-se aos movimentos que
inicialmente são reflexos e utiliza o corpo para descobrir em seu meio
objetos que os satisfaça. Pelos sentidos do tato, olfato, paladar, visão e
sensação explora o mundo, e os movimentos involuntários vão se tornando
voluntários direcionados a pessoas, alimentos, brinquedos e objetos para
sua satisfação. Neste estágio, a ligação materna é muito forte, e o seio
materno é o objeto de consumo mais importante. No segundo estágio, os
movimentos de reflexos dão lugar aos voluntários e direcionam-se a objetos
de consumo cada vez mais comerciais. A repetição de alguns movimentos
produzem a satisfação, o que inicia a memória motora. “[...] Assimilação
de experiências de prazer e reconhecimento dos objetos ambientais que lhe
proporcionam a produção de unidades de memória em números
crescentes” (MCNEAL, 2007, p. 28). A criança com aproximadamente 2
(dois) a 3 (três) meses conhece o mercado pela primeira vez e entra em
contato com os produtos presentes ali, vendo, ouvindo, cheirando e
sentindo as caracteristicas dos objetos (MCNEAL, 2007). A experiência,
143
por exemplo, de receber da mãe um doce para experimentar em um local
comercial já faz a criança associar este como um local importante.
Na sequência vem o estágio, denominado estágio da solicitação e
procura, pode-se ser observado em crianças entre 6 a 24 meses e
igualmente dispõem dois subestágios. O primeiro ocorre nos primeiros 6
(seis) a 14 (catorze) meses e é notado em crianças que ainda não
desenvolveram a conversação e o andar. O que os publicitários se atentam,
porém, é que as crianças em torno de seis meses começam a sentar e são
capazes de tocar, alcançar certos objetos, balbuciar e levar os objetos à boca
de forma intencional. Os próprios familiares constantemente entregam
objetos para a exploração das crianças, bem como o fazem em ambientes
comerciais. Novamente são oferecidos objetos que causam prazer, e o bebê
os associa ao local da compra. Ocorre também a procura de objetos pela
criança, mas nesse período sua autonomia motora ainda é um pouco
limitada, assim como a oralidade, e ela geralmente não consegue vocalizar
suas necessidades (MCNEAL, 2007).
O segundo subestágio acompanha o desenvolvimento da
linguagem e do caminhar, permite à criança autonomia durante as visitas
em ambiente comercial. Ela nomeia os objetos que desejam e os solicitam
aos responsáveis. As crianças dessa idade começam a perceber que os
objetos das lojas também são retratados pela televisão, catálogos ou
panfletos aos quais elas têm acesso, e começam a solicitar tais produtos em
casa. Em geral, as crianças frequentam o mercado pelo menos uma vez por
semana (MCNEAL, 2007).
O terceiro estágio do comportamento consumidor ocorre em torno
dos 24 a 48 meses de idade (dois a quatro anos) e é denominado o estágio
da seleção. Com a memória e as habilidades motoras mais desenvolvidas,
a criança é capaz de pegar das prateleiras comerciais aquilo que não é dela,
inclusive tomar objetos se necessário, solicitando insistentemente aos pais
144
que adquiram seus objetos de desejo. Embora muitas vezes receba uma
negativa a esses pedidos, ela visita um local comercial em média de 12 a 15
vezes. Muitas vezes a insistência resulta no comprar. Aos 36 meses a criança
já solicita aos responsáveis para que possa buscar seu próprio cereal,
utilizando-se de habilidades sociais para alcançar seu objetivo, como fazer
gestos, mudar o tom de voz, implorar e negociar o produto que quer levar.
Quando está na escola, começa a receber influência de outras crianças,
assim como de crianças de seu círculo de convívio, sobre os produtos de
desenhos. Reconhece marcas de produto e de lojas associadas a desenhos
infantis e programas aos quais assiste (MCNEAL, 2007).
O quarto estágio, chamado de coaquisição, ocorre
aproximadamente entre 48 a 72 meses (quatro a sete anos). É quando a
criança descobre que é necessário ter dinheiro para que possa obter o que
se quer, ou a mãe (responsável) que lhe fornecerá o dinheiro. Sua memória
em processo de construção é capaz de guardar um repertório de nomes de
loja e produtos, assim como a maneira como os locais organizam a venda
de seus produtos. Dizeres como “eu preciso”, “eu quero” e “eu vou
comprar” são muito comuns. Em torno dos 60-66 meses, a criança percebe
que os objetos de seu quarto vieram de fontes comerciais e custam
dinheiro. Solicita dinheiro aos pais e já sabe os passos para efetuar uma
compra: a) ir até um ambiente comercial, b) encontrar e selecionar o
produto, c) levar o produto até o caixa, d) pagar o produto, e)
desembrulhar e consumir o produto (MCNEAL, 2007).
O quinto estágio, intitulado compra independente, inicia-se com
7 (sete) anos (72 meses até 100 meses). No início ainda, a criança, juntos
aos responsáveis, já realizam diversas compras em lojas de brinquedos,
restaurantes fast food, shoppings, etc. Logo já realiza as compras sozinha, e
embora dependa financeiramente dos pais, busca a liberdade para as
145
compras, criando um novo hábito como um consumidor livre (MCNEAL,
2007).
Em suma, os estudos que McNeal (2007) nos traz é que na visão
dos publicitários, o desenvolvimento do comportamento consumidor es
intrinsicamente ligado ao desenvolvimento motor e cognitivo da criança,
e que há um padrão de comportamento consumidor que segue um ciclo
de desenvolvimento, como a psicologia explica o desenvolvimento infantil.
Assevera que à medida que ocorrem mudanças físicas e psíquicas na
criança, ela vai se adaptando ao meio, que no caso é um meio imbricado
de relações de compra e venda. Os estudos de McNeal (2007) apoiam-se
na teoria de Piaget e de Vigotsky, além de estudos de psiquiatria,
neurologia e fisiologia.
Estudos mais recentes de McNeal (2007) têm buscado investigar o
comportamento de crianças chinesas para analisar a influência dos pais e
dos meios de comunicação como influentes agentes de socialização do
comportamento consumidor. Em um artigo publicado, McNeal e Chan
(2006) tiveram por objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa
realizada em 2001 e 2002, com 1758 crianças entre 6 (seis) e 14 (catorze)
anos e 1655 pais para testar o modelo de desenvolvimento cognitivo e o
modelo de aprendizagem social (dos pais e da mídia). Por meio de um
método verbal, examinaram a compreensão de crianças e pais acerca da
publicidade televisiva utilizando um questionário com escala Likert.
Os resultados mostraram que a televisão tem uma forte influência
no processo de socialização do comportamento consumidor, mais do que
os próprios pais. “[...] Há evidências de que os pais chineses não
desempenham um papel importante em crianças quanto à socialização do
consumidor” (MCNEAL & CHAM, 2005, p. 52). De acordo com os
autores, fatores como a turbulência política e a escassez de material que
ocorreram nos anos de 1960 e 70 impactaram a geração que hoje são pais
146
e consumidores. Aspectos tais como renda familiar, gênero e meio
ambiente explorados pela mídia (televisão) representam grandes impactos
na compreensão das comunicações publicitárias. Meninas e meninos
pertencentes à famílias com maior índice de renda apontaram maior
compreensão sobre o que são propagandas midiáticas, mesmo que assistir
televisão entre essas crianças seja mais comum apenas nos finais de semana.
Outras pesquisas internacionais acerca do mundo econômico
da criança e consumo
Nessa subseção seguem as pesquisas do mundo econômico que não
partiram da perspectiva piagetiana, mas que também trazem contribuições
para o olhar em nossa pesquisa, pelo viés econômico.
No que tange à educação econômica, a pesquisa de Kourilsky
(1976), realizada nos Estados Unidos, é uma das pioneiras, quando foi
inaugurado o letramento econômico na educação infantil. Nessa pesquisa,
participaram 96 crianças de 5 (cinco) anos a 6 (seis) anos e 5 (cinco)
professores treinados em um workshop de 30 horas sobre educação
econômica, durante 30 minutos diários, em 1 (um) semestre. Houve
também o uso do grupo controle, além do grupo experimental que
participou do workshop em um programa cunhado como Kinder-Economy
(Economia para Crianças). Esse programa trabalhou com 9 (nove) áreas de
economia e buscou familiarizar as crianças com conceitos econômicos de
escassez, tomada de decisão, produção, especialização, consumo,
distribuição, oferta/procura, negócios, dinheiro e trocas.
Três tipos de mensuração inicial ocorreram para o conhecimento
dos níveis de alfabetização econômica dos sujeitos. Havia de 3 (três) a 5
(cinco) perguntas por conceito, em que se analisava o nível de
147
compreensão ou o domínio cognitivo acerca da situação posta. Num
segundo momento de mensuração, analisaram-se as características pessoais
das crianças com o objetivo de investigar se tais características eram
preditoras de competências de tomada de decisão econômica. As
características não foram descritas na pesquisa, mas a descrição das
habilidades observadas eram analisadas com pontuação de 1 (um) a 5
(cinco): verbal-não-verbal, alta-baixa, madura-imatura, social-não-social e
alta-baixa. Como terceira medida de mensuração inicial, foi realizada uma
pesquisa sobre atitude dos pais, para detectar se tinham atitudes positivas
em relação ao ensino de economia para seus filhos de 5 (cinco) e 6 (seis)
anos de idade.
Nesta pesquisa, 4 (quatro) problematizações foram levantadas
como parâmetros para a avaliação dos resultados. A primeira delas foi: o
sucesso das crianças na tomada de decisões e na análise econômica está
relacionado com a intervenção instrutiva ou com a maturidade que ocorre
com a passagem do tempo?
Os resultados apontaram que as crianças que participaram do
programa de intervenção tiveram um progresso sinificativo comparado ao
grupo controle, e que o simples processo de maturação não é suficiente
para assegurar a assimilação dos principais princípios de economia. O
programa, com suas várias intervenções instrutivas, pode provocar um
domínio precoce da compreensão econômica.
A segunda questão buscou compreender em que medida, por meio
da intervenção, as crianças são capazes de dominar conceitos que
psicologicamente se considera que os jovens devem aprender. Os
resultados indicaram que o nível-alfabetização econômica das crianças que
passaram pelo programa Kinder-Economy foi 4% mais elevado do que a
manifestada por seus professores, que também passaram pelos workshops
148
de economia, concluindo-se, então, que podem participar e aprender
conceitos econômicos, mesmo com a pouca idade.
A terceira questão buscou investigar os tipos de variáveis referentes
à escola, ao lar e à personalidade que são indicadoras de êxito na tomada
de decisões e na análise econômica. As variáveis: atitude positiva dos pais
quanto à educação econômica e habilidades verbais e maturação aparecem
como principais fatores para as tomadas de decisão quanto às questões
econômicas na infância.
A quarta e última questão refere-se às atitudes dos pais para o
ensino de questões econômicas e princípios analíticos como parte de uma
educação infantil. A pesquisa revelou que 97% dos pais acreditam que
questões econômicas devem ser ensinadas no jardim da infância, e 91,3%
acham que devem continuar no currículo de outras modalidades escolares
sequentes. O estudo apontou que os pais junto com os educadores devem
colaborar para a tomada de decisões acerca do currículo.
De certa forma, os dados dessa pesquisa trouxeram pontos
contraditórios quanto à teoria piagetiana. Embora o pesquisador aponte
que as crianças demonstraram o domínio de termos econômicos, de acordo
com estudos de Gunter e Furnham (1998) não é possível garantir que
conceitos econômicos sejam compreendidos neste momento do
desenvolvimento, uma vez que defendem que as crianças nesta idade
apresentam dificuldades na construção de conceitos abstratos, e considera,
que houve neste experimento um grande reforço e condicionamento das
crianças para as respotas. Estudos de Fox (1978 apud GUNTER &
FURNHAM, 1998) apontam que as crianças podem até aprender termos
econômicos, mas não compreendem as transações comerciais para venda e
compra, questionando, portanto, a real aprendizagem das crianças quanto
a tais conceitos. A autora defende que as crianças já possuem atitudes sobre
situações econômicas, experiências diretas não processadas e capacidade
149
cognitiva de acordo com o seu nível de desenvolvimento, e por isso há a
necessidade do trabalho com situações concretas do cotidiano em sala de
aula para que as crianças ampliem e compreendam o significado do que
vivem de acordo com suas capacidades cognitivas.
Oliveira (2011) objetivou conhecer as práticas e representações de
consumo familiar, a influência das práticas de consumo dos pais sobre os
filhos e como o contexto sócio profissional influencia estas práticas. Os
sujeitos da pesquisa, um estudo de caso, foram treze crianças entre sete e
onze anos de idade, matriculados na catequese e seus respectivos
responsáveis, do distrito de Aveiro, em Portugal. Havia dezenove sujeitos
entre pais e mães.
Como instrumentos metodológicos, utilizou com os adultos um
questionário de natureza sócio demográfica e o preenchimento de listas de
despesas das famílias participantes, durante seis meses, detalhando as suas
receitas e os seus gastos mensais, especificando ainda os gastos específicos
com os filhos e, ao mesmo tempo, aplicaram a técnica do grupo focal com
essas famílias.
Com os filhos, as autoras utilizaram a técnica de grupo focal a
partir de discussões provocadas por: a) anúncios comerciais; b) uma
história; c) questões relativas à influência familiar no consumo; d) tipos de
consumidores que são o que consomem e e) noções sobre a publicidade.
Por último, fez uma entrevista exploratória com questões voltadas ao
consumo e realização de desenhos voltados à compra.
Contrariando as pesquisas existentes acerca do consumismo na
infância, os resultados encontrados apontam que as famílias investigadas
possuem um padrão de consumo controlado, diferente do que mostram as
pesquisas de consumo familiar nacionais de Portugal caracterizando-as
como não consumistas. Um aspecto diferente que trazem outras pesquisas
150
internacionais e nacionais (ARAÚJO, 2007; CANTELLI, 2009;
DENEGRI et al., 2005; SILVA, 2015) foi de que os pais não influenciam
os filhos em sua totalidade para o consumo. As crianças investigadas não
possuem o hábito de comprarem sozinhas e também não influenciam
muito os pais no momento da compra. No que tange a publicidade, o
grupo se mostrou pouco influenciável. As predisposições que encontraram
para o consumo infantil estavam relacionadas a recompensas por passagem
de ano escolar e a datas comemorativas, como aniversário, Natal e Dia das
Crianças. O grupo investigado apontou a preferência pelo brincar em
relação ao comprar. A autora aponta, entretanto, a ausência de diálogos
acerca das decisões sobre os gastos e a falta de noção de gastos, produtos e
bens. Os pais entrevistados não possuem a prática de dar mesadas e, para
as autoras, essa ação poderia contribuir para a educação econômica.
O estudo de caso trazido por Oliveira (2011) chama a atenção por
ser um estudo mais recente e contraditório quanto ao comportamento das
famílias, que não se apresentam consumistas em um universo social tão
requisitado ao consumo.
A autora, em seu trabalho, reconhece ter tido uma amostra
reduzida (treze famílias) e um grupo proveniente de uma atividade
religiosa, a catequese. Oliveira (2011) considera esse grupo de estudos
atípico frente ao universo da população portuguesa comprovadamente
endividada pelos dados da Comissão Europeia que diz que as dívidas das
famílias portuguesas representam 80% do Produto Interno Bruto do país,
apontando que as famílias gastam muito mais do que ganham. A autora
também considera, mesmo frente aos dados trazidos pela pesquisa, ser
muito importante a educação econômica, e indica na pesquisa um plano
de intervenção familiar para a socialização econômica.
Schor (2009) realizou uma pesquisa com 300 (trezentas) crianças
das cidades de Boston, Massachusetts e redondezas, de idades entre 10 e
151
13 (treze) anos, pertencentes a diferentes etnias e classes sociais, estudantes
entre quinto e sexto anos. O objetivo da pesquisa foi identificar relações
entre diferentes variáveis e a posição consumista, e foram utilizadas escalas
de envolvimento consumidor, uso da mídia e escala de atitude parental.
Para cada modelo de escalas, tinham-se variáveis de bem estar (ansiedade,
depressão, autoestima e queixas psicossomáticas) a fim de testar, por
exemplo, o comportamento consumista e a depressão psíquica.
Os instrumentos de pesquisas utilizados foram questionários para
os sujeitos participantes e seus responsáveis, com respostas definidas em
escala Likert. A pesquisa ocorreu em duas fases, sendo a primeira delas
entre 2001e 2002, com 210 crianças de três escolas da região de Boston,
em Doxley, localizada em uma área suburbana, e com uma renda familiar
média das famílias bastante alta. A segunda fase ocorreu em 2002-2003,
com 93 crianças, com perfil cujas características eram pertencer às famílias
de renda baixa, etnias latina e afro-americana. A característica comum
entre as populações da pesquisa é que, em ambos, todos os pais possuíam
ensino superior e atribuíam à educação um valor importante.
Os resultados quanto ao envolvimento consumidor demonstraram
que boa parte das crianças, em ambos os locais, apontaram para uma
tendência consumista: 85% das crianças disseram que sempre têm algo em
mente que querem comprar; 76% afirmaram que gostavam de comprar e
ir a lojas; 92% disseram que queriam muito dinheiro quando crescessem;
52% consideraram importante gostar de ter roupas de marcas, e 85%
preocupavam-se muito com brinquedos. Os níveis mais baixos que
apontam para o menor envolvimento consumidor revelaram: 35%
gostariam que os pais ganhassem mais dinheiro e 71% não se importam
com o carro da família, entre outros dados.
A pesquisa também apontou o envolvimento das crianças em uma
variedade de mídias. 63% das crianças assistem TV diariamente, em uma
152
média de seis a dez horas por semana entre os dois grupos de sujeitos.
Contudo, 17% das crianças de Doxley afirmaram que passavam mais de
quinze horas semanais em frente à TV, comparativamente a 39% das
crianças de Boston. As crianças de Doxley disseram que gastavam mais
tempo jogando no computador, e as crianças de Boston jogavam vídeo
game e eram mais assíduas para assistir filme.
Na relação parental, uma preocupação de Schor (2009) era revelar
também o quanto o marketing infantil afeta a relação familiar e se interpõe
entre pais e filhos. Os dados mostraram que 23% das crianças não
consideravam seus pais “cool” (legais, na gíria americana); 28% não
atendiam as suas necessidades; 62% das crianças de Boston acreditavam
que os pais agiam para que eles se sentissem melhores, ao passo que em
Doxley 47% apenas. A pesquisadora também fez entrevistas com os pais e
pôde comprovar que crianças mais expostas a estratégias de marketing
(antiadultismo) eram empoderadas e relutavam com os pais quanto a
atitudes relativas à cultura do consumismo e que utilizavam punição,
recompensa e privilégios barganhados.
A autora também buscou investigar como a cultura do consumo
afetava o estado psicológico e a condição de bem estar da criança. As
perguntas eram relacionadas ao tempo em que sentiam dores
psicossomáticas tais como dor de cabeça, dor de estômago e mesmo
aborrecimento. Para os estados de depressão e ansiedade, aplicou também
um Inventário de Depressão Infantil. A pesquisa indicou que os
participantes de Boston atingiram 1,3 pontos acima dos estudantes de
Doxley quanto ao nível de depressão. Demostraram que uma grande parte
das crianças participantes afirmou estar feliz, e os dados revelam estar
dentro dos padrões normais comparados à literatura. No entanto, a
frequência quanto aos resultados psicossomáticos de crianças que passam
153
a maior parte do tempo com dores de estômago é de 3,7 %, 11% para
dores de cabeça e 7,7% para aborrecimento permanente.
Schor (2009) teve a preocupação de, além de utilizar uma técnica
de correlação entre os dados, utilizar também a análise da causalidade por
meio de equações estruturais a fim de apurar a hipótese em que crianças
com alto nível de envolvimento com a cultura do consumidor sejam mais
propensas à depressão e ansiedade. Na pesquisa, comprovou-se que
crianças consumistas são fortes candidatas à depressão, ansiedade e baixa
autoestima, ou seja, a pesquisa mostra a relação existente entre o consumo
e a deterioração do bem estar psicológico da criança.
A pesquisa revelou também crianças que gastavam mais tempo
assistindo televisão e usando diferentes mídias (tablets, computadores,
celulares, etc.) estavam mais envolvidas com o consumo. “[...] A televisão
induz a um descontentamento com aquilo que temos, cria uma orientação
para atitudes de posse e para o dinheiro, bem como leva a criança a se
preocupar com as marcas, produtos e valores associados a consumo”
(SCHOR, 2009, p. 178-179). A autora aduz que altos níveis de
envolvimento com o consumo afetam e tornam negativa a relação entre
pais e filhos porque entram em conflitos constantes, e consequentemente,
quando estas relações se deterioram, produz-se mais depressão, ansiedade,
perda de autoestima e queixas psicossomáticas, assim como uma relação
muito positiva com os pais pode se tornar uma espécie de blindagem
contra o consumismo (SCHOR, 2009). A pesquisa de Schor (2009)
ressalta a condição de vulnerabilidade da infância e adolescência quanto ao
consumo e a mídia.
154
Pesquisas nacionais
Dentre as pesquisas nacionais que abordam o consumo na infância,
consideramos importante apresentar as que se encontram na perspectiva
psicogenética embasada em Piaget e que tratam de assuntos econômicos,
ambientais e publicitários, assim como as pesquisas com outras abordagens
que trazem contribuições à questão do consumo na infância quanto à
relação econômica, publicidade e alimentação.
Pesquisas nacionais desenvolvidas na perspectiva piagetiana
Nas pesquisas brasileiras de cunho piagetiano, a compreensão do
mundo econômico é tratada na ótica do conhecimento social. Os
conteúdos trazem a questão da psicologia econômica, com o viés da
educação econômica, apontam para os benefícios da educação nesta área.
Tais pesquisas se debruçaram sobre o consumo na infância e tiveram como
foco a educação econômica. São elas: Araújo (2007), Bessa, Fermiano e
Denegri (2014), Cantelli (2009), Fermiano (2010), Granja (2012), Rocha
(2009) e Silva (2015).
Embora grande parte dos estudos sobre economia parta da
investigação com sujeitos acima de 6 (seis) anos, idade também iniciada
para a aplicação dos testes de alfabetização econômica de Denegri et al.
(2004), Rocha (2009) realizou um estudo com crianças a partir de 4
(quatro) anos. Sua hipótese inicial se constituiu na crença de que as
crianças com essa idade já fazem representações acerca dos recursos
monetários, consumo e relações com dinheiro, realidade social e consumo.
155
Baseando-se em uma perspectiva piagetiana, a pesquisa teve como
objetivo compreender o pensamento infantil sobre o mundo econômico,
analisando e descrevendo as representações, considerando os níveis
cognitivos das crianças. Os sujeitos participantes foram 60 crianças e
adolescentes de 4 (quatro) a 13 anos, representados por 10 sujeitos de cada
faixa etária: 4 (quatro), 6 (seis), 7 (sete), 10, 11 e 13 anos, pertencentes à
escola pública e à classe social menos abastada. A pesquisa teve uma
abordagem qualitativa e a autora utilizou como forma de coleta de dados
o método clínico piagetiano. Pelas entrevistas clínicas é possível analisar
diferentes níveis de conhecimento social dos sujeitos acerca do mundo
econômico. Os dados encontrados foram classificados pelas categorias de
análise: recursos monetários, consumo e relação com dinheiro.
Segundo Rocha (2009), os dados revelaram que os sujeitos que
pertencem ao Nível pré-I possuem o pensamento acerca do dinheiro
representado com notas e moedas. Esse tem utilidade de compra e pode
ser encontrado em lojas. O comportamento revelado é que acompanhavam
os pais nas compras, mas que seus responsáveis não adquirem tudo o que
as crianças solicitam.
Os sujeitos do Nível I acreditam que o dinheiro provém do banco.
Moedas e cédulas são espécies utilizadas para comprar o que se deseja.
Asseveraram que acompanhavam os pais às compras, mas os pais não
compravam tudo o que queriam e consideraram que o motivo é que os
pais não possuem dinheiro o bastante. A utilidade do dinheiro é comprar
e guardar. Os sujeitos do Nível II representam o dinheiro como categoria
maior em que se podem utilizar moedas, as cédulas e os cartões, sendo
também fabricados na fábrica de dinheiro. Apontaram que gostavam de
realizar compras tanto sozinhos quanto com os pais, mas também não
compravam tudo o que desejavam, satisfazendo, primeiramente, a
156
necessidade de produtos alimentícios. A utilidade do dinheiro é comprar,
pagar, emprestar e poupar.
Para os sujeitos do Nível III, o dinheiro é um recurso de troca para
ter produtos, mas é possível utilizar cédulas, moedas, cartões e cheques,
que são feitos na fábrica de dinheiro, do governo federal. Afirmaram fazer
compras sozinhos e com limites, pois possuíam pouco dinheiro e não
podiam contrair dívidas. As utilidades do dinheiro são: trocá-lo por
produtos e serviços e fazer aplicações para o futuro.
Quanto à questão do consumo e da compra, os sujeitos do Nível
Pré I apresentaram desejos de consumir guloseimas, como balas e chicletes,
e o dinheiro é usado com a única função de comprar. Suas ideias são
baseadas na realidade cotidiana, econômica e social e em suas vivências de
compras.
Os sujeitos do Nível I apontaram que procuravam consumir
produtos alimentícios e o dinheiro serviria para comprar e guardar. Suas
explicações são ancoradas nos aspectos visíveis percebidos nos produtos
que são consumidos no cotidiano de suas famílias e na manipulação dos
recursos monetários.
Os do Nível II compreendem que o dinheiro possui as funções de
comprar mercadorias, pagar contas, emprestar às pessoas e poupar. Seus
apontamentos de consumo são produtos alimentícios e do vestuário. Esses
sujeitos são capazes de considerar vários aspectos que envolvem o desejo de
consumir algo que esteja dentro de suas limitações financeiras.
Os sujeitos do Nível III são capazes de pensar sobre as diferentes
possibilidades de consumir produtos adequando à quantidade de dinheiro
que possuem. Compreendem o dinheiro como um meio de troca por
produtos e serviços, que também serve para fazer aplicações para usá-lo
futuramente.
157
No que tange à categoria realidade social, os sujeitos do Nível Pré-
I não apresentaram dados que revelassem o conhecimento de que nem
todas as pessoas possuem dinheiro e possuem o poder de compra.
Conforme a autora, essa dimensão só será atingida no Nível I, embora os
sujeitos não apresentem justificativas coerentes. Os sujeitos do Nível II e
III compreendem que nem todas as pessoas possuem dinheiro para suas
necessidades, pois não possuem trabalho, pedem esmolas e moram nas
ruas.
A autora assevera, pela pesquisa, que o conhecimento sobre
recursos monetários e consumo depende das estruturas cognitivas do
sujeito e da interação e transmissão social. Aponta a evolução dos
conhecimentos e que os sujeitos mais velhos explicam com mais detalhes
o que compreendem do sistema monetário, consumo e relação social,
assim, as representações sofrem alterações progressivas na medida em que
os sujeitos se desenvolvem cognitivamente.
Rocha (2009) aponta que estar na mesma idade ou estádio de
desenvolvimento não assegura que o sujeito esteja no mesmo nível no que
se refere a pensamento econômico. A pesquisadora atribui, enquanto fator
predominante a essa diferença, as informações recebidas pela transmissão
social e a ação do sujeito que se reestrutura cognitivamente.
No que tange às pesquisas com intervenção para educação
econômica de crianças, o trabalho de Araújo (2007) no Brasil, buscou
investigar o desenvolvimento do pensamento econômico em crianças do
ensino fundamental de 3ª e 4ª série, e apresenta um programa de
intervenção.
Participaram da pesquisa 132 crianças entre 9 (nove) e 11 anos de
uma rede particular de ensino. Inspirada pelos trabalhos de Denegri, a
autora traduziu e adaptou o teste de alfabetização criado por Denegri, o
158
TAE-N. Num primeiro momento, aplicou os testes a fim de verificar o
nível de desenvolvimento do pensamento econômico dos sujeitos
participantes. Realizou também uma entrevista clínica com uma amostra
de 30 sujeitos. Na segunda etapa do projeto realizou um programa de
educação econômica foi intitulado de ‘Educando para o Consumo
Consciente’, por meio da metodologia de projetos com uma perspectiva
interdisciplinar, baseando-se em princípios construtivistas. Na etapa final,
reaplica a escala TAE-N para verificação dos efeitos do programa.
O programa foi vivenciado por seis turmas de alunos de 3ª e 4ª
série parte de temas sugeridos pela pesquisadora, mas que foram escolhidos
e desenvolvidos pelos alunos da classe junto à professora, que motivava e
acompanhava os alunos na construção do conhecimento. Após a escolha
dos temas, definiram-se as metas do projeto e as estratégias de investigação
e metodologias que utilizariam para alcançar tais metas. Ao final da
exploração das atividades, houve a culminância do projeto com a
socialização dos resultados para a comunidade. O tempo todo, do início
ao fim, as professoras de turma privaram pela avaliação do projeto,
acompanhando os resultados. Os temas que desenvolveram, segundo a sua
escolha, dentro da proposta do Programa foram: o mundo da Economia,
consumir para bem viver, história do dinheiro, coleção de figurinhas,
artesanato e o mundo da Economia. Vale esclarecer que os professores
foram convidados a participar do Programa pela pesquisadora que realizou
uma reunião para conhecerem os propósitos do projeto, os objetivos, a
fundamentação teórica e uma proposta de desenvolvimento em sala de
aula, porém como já exposto, a construção de cada projeto foi única,
adotando-se a postura construtivista.
De uma maneira geral, Araújo (2007) apresenta que houve um
aumento na média de pontuações de acordo com o teste TAE-N,
correlacionando a experiência interventiva de cada projeto ao crescimento
159
dos alunos na escala de alfabetização econômica: O mundo da Economia,
turma A crescimento de 15,40%; consumir para bem viver, 25%;
história do dinheiro, 7,40%; coleção de figurinhas 13,60%; artesanato,
16% e o mundo da Economia, turma E, 6,50%. A autora atribui os
melhores desempenhos ao maior grau de envolvimento entre alunos e
professores com o projeto, além de atividades mais ativas e interativas que
auxiliaram na assimilação e estruturação dos conhecimentos sobre o tema.
Aponta a atividade extraclasse e o envolvimento com a comunidade como
atitudes que fizeram a diferença no crescimento maior das turmas.
Inspirada nos estudos de Denegri et al. (2005a), Fermiano (2010)
investigou os pré-adolescentes (“tweens”) no Brasil com o objetivo de
coletar dados para descrever as atitudes, os hábitos, o comportamento
econômico, os fatores que os tornam consumidores, seu poder de
persuasão e a influência que recebem da família, da escola, dos amigos, dos
meios de comunicação, das propagandas e do marketing. Os sujeitos
participantes dessa pesquisa foram 423 estudantes do 3º ao 7º ano do
ensino fundamental da rede pública e particular, entre 8 (oito) a 14 anos,
moradores da cidade de Campinas, SP.
Como metodologia, Fermiano (2010) utilizou o método Survey
com caracterização sociodemográfica. A pesquisa foi de natureza
descritiva-correlacional e a autora aplicou um questionário de 93 perguntas
abertas, fechadas e de múltipla escolha. Os dados quantitativos foram
analisados estatisticamente e comparados por meio do teste Qui-quadrado,
e os dados qualitativos foram analisados por meio de análise de conteúdo.
A partir daí, a autora definiu os eixos indicadores: Identidade e Relações
Interpessoais, Cotidiano Econômico e Mídia e Descobertas.
Conforme Fermiano (2010), os resultados revelaram que está
ocorrendo um desrespeito ao ritmo biológico e psicológico dos sujeitos
pesquisados que não conseguem assimilar e acomodar em tempo as
160
informações que recebem, necessitando, então, que haja uma
ressignificação dos comportamentos. A autora sugere que a Educação
Econômica deva estar no currículo e na formação dos professores,
favorecendo, assim, a professores e alunos a formação de um consumidor
mais consciente. Aponta também para o papel da colaboração da
interdisciplinaridade da Psicologia Econômica, da Epistemologia Genética
e da Lógica das Significações, como forma de embasar as reflexões e
colaborar na compreensão da economia diária, a atuação eficiente,
consciente e equilibrada do sujeito em uma sociedade de consumo.
Bessa, Fermiano e Denegri (2014) realizaram um estudo sobre
compreensão econômica de estudantes entre 10 e 15 anos. A investigação
considerou o papel da família no processo de socialização econômica.
A pesquisa teve uma abordagem qualitativa e quantitativa, com a
construção de um desenho descritivo-comparativo e correlacional. As
autoras utilizaram como instrumento metodológico o TAE-N. Os sujeitos
participantes foram 830 alunos de 10 a 15 anos de níveis socioeconômicos
diversos, moradores da cidade de São Paulo.
Os resultados apontaram que não há diferença de níveis de
compreensão econômica entre gêneros masculino e feminino e níveis. No
Nível I - No Pensamento Econômico Primitivo, a margem foi de 15,3%
para o sexo masculino e de 15,01% para o feminino. No Nível II - o
Pensamento Econômico Subordinado houve 42, 1% e 41, 96%; e No
Nível III, o Pensamento Econômico Inferencial 41,46% e 43%,
respectivamente. Porém, no que tange aos níveis socioeconômicos, a
pesquisa apontou diferença significativa entre os níveis de camada social
baixa e outras camadas. As autoras refletem que, embora as crianças do
nível social mais alto já possuam uma experiência com dinheiro, nem
sempre significa que são alfabetizadas economicamente, porém revelou-se
nessa pesquisa que os estudantes de nível social elevado apresentaram o
161
nível de pensamento econômico mais elaborado. Nessa pesquisa, os
estudantes com nível social elevado, 51,8%, apresentaram o Pensamento
Econômico Independente ou Inferencial, Nível III, comparados aos
pertencentes à classe média, que foram 48,3% e 31,1% da classe social
menos abastada. No Nível II, do Pensamento Econômico o Subordinado
foram 47, 77 % pertencentes ao nível social baixo, 39, 9% pertencente à
classe média e 37,77 % à classe alta. No Nível I do Pensamento Primitivo
e classes sociais, foram encontrados os dados: 21,05% baixo, 12, 64%
pertencente ao nível social médio e 11,4% referentes ao alto. Bessa,
Fermiano e Denegri (2014) asseveram que tais diferenças podem ser
explicadas também pela socialização econômica vivida.
A pesquisa revelou que o pensamento primitivo decresce de acordo
com os intervalos de idade: quanto mais novo o sujeito, maior é o
pensamento primitivo. Ao passo que no pensamento econômico
independente, verificaram-se percentuais maiores nos estudantes mais
velhos, sendo aos 10-11, 35,25%; 12 anos, 40,78%; 13 anos, 46,65; e 14-
15 anos, 47,24%. Contudo no Nível de Pensamento Econômico
Subordinado, perceberam-se índices decrescentes de acordo com a idade,
considerando sendo que crianças de 10-11 anos apresentaram os índices
de 45,04%, as de 12 anos 43,9%, 13 anos com índices de 39,07% e 14-
15 anos com 38,64%.
Considerando que a socialização econômica ocorre na socialização
primária, inicialmente, as autoras compreendem que a família não tem
trabalhado as informações necessárias sobre a vida econômica com as
crianças. Embora a pesquisa tenha revelado um melhor desempenho dos
sujeitos pertencentes à classe social mais elevada, explicado pela frequência
da experiência com dinheiro, não houve diferenças nas respostas sobre uma
questão que envolvia uma análise sobre valor e compra de produto. Na
questão do TAE-N: “Quando você compra um chocolate, você está
162
pagando...”, que já explicitamos na página 65, o sujeito deveria completar
a ideia com as alternativas: a) paga o custo de fazer o chocolate e o lucro
da pessoa que vende, b) por que o dono da loja cobra, c) paga o que custa
para fazer o chocolate na fábrica e d) paga o custo de fazer o chocolate, os
impostos e o lucro. A resposta considerada adequada deveria englobar a
questão da produção, do lucro e do imposto que determinam o preço do
produto final. A resposta no nível primitivo relata apenas que o preço está
direcionado ao que o dono do comércio cobra. Nos resultados, não houve
uma relação entre a classe social pertencente e a questão, revelando todas
as respostas no mesmo patamar.
Bessa, Fermiano e Denegri (2014) asseveram que a defasagem de
conhecimentos encontrada nos sujeitos participantes refere-se à origem e
circulação do dinheiro, funcionamento bancário, inflação, taxa de juros,
lucro e processo de produção. Dessa forma, variáveis como escolarização,
gênero e nível socioeconômico podem colaborar na forma que os
adolescentes entendem os fenômenos econômicos e no desenvolvimento
de hábitos de consumo e de atitudes em direção ao endividamento. As
autoras defendem que as estratégias utilizadas para a educação econômica
levem em consideração as características de faixa etária, gênero, cotidiano
e um ambiente rico em informações necessárias para o aprendizado.
Corroborando as pesquisas de consumo e tweens, Silva (2015)
investigou as relações sociais na infância e o consumo de bens por tweens,
período que intermeia a infância (crianças com recorte etário nessa
pesquisa, de sete a doze anos) e a adolescência, considerados consumidores
ávidos.
A autora pontuou como objetivos da pesquisa analisar como as
relações sociais e o contexto influenciam o consumo de bens e marcas,
interferindo nas decisões de consumo. A abordagem metodológica
aplicada à pesquisa foi exploratória e qualitativa. Como instrumento para
163
coleta de dados, utilizou-se de entrevistas com as crianças e suas
responsáveis (mãe ou avó), seguindo dois momentos: primeiramente pela
técnica projetiva com imagens digitais e, em seguida, entrevistas com
roteiro semiestruturado.
Os resultados comprovaram que os tweens são influenciados pelo
contexto do mercado, familiares e pares na escolha de produtos diversos.
A pesquisa revelou que ter os mesmos bens materiais entre os pares
facilitam a interação, porém, a cobrança dos bens materiais pelo grupo
pertencente causa constrangimento àqueles que não o possuem, assim
como afetam o autoconceito e autoestima negativamente, pela visão dos
tweens. Constatou-se também que as mães contribuem mais para a
manutenção do consumo para que os filhos garantam boas relações com
os pares e tenham bens compatíveis aos grupos que frequentam. Isso nos
demonstra o quanto à relação de consumo pode trazer frustrações
psicológicas quando pensamos em estados de pobreza e privação de
consumo e ainda o quanto é deficitário o papel educativo dos pais.
Cantelli (2009) investigou os procedimentos utilizados pelas
famílias na educação econômica de seus filhos. Sua pesquisa traz os
procedimentos utilizados por pais e mães com diferentes configurações
familiares e níveis socioeconômicos para a educação econômica dos filhos.
O embasamento teórico que norteou a pesquisa foram os estudos de
piagetianos e a Psicologia Econômica.
A metodologia utilizada pela autora seguiu o caráter exploratório e
descritivo e teve como instrumento de coleta de dados 1 (um) questionário
estruturado a respeito da estrutura familiar, nível sócio econômico,
comportamento econômico, bem como estratégias para a educação
econômica.
164
Os sujeitos participantes foram 270 famílias de diferentes níveis
socioeconômicos: baixo, médio e alto, com pelo menos 1 (um) filho em
idade entre 3 (três) e dezesseis anos, e configuração familiar monoparental,
biparental e recomposta, pertencentes à cidade de Campinas e região
metropolitana. Os resultados encontrados apontaram que o
comportamento econômico das famílias e os meios utilizados para a
educação econômica dos filhos não são planejados, consequência da falta
de informação dos pais sobre como funciona o processo de construção dos
conhecimentos econômicos. Embora as famílias acreditem que a educação
econômica deva fazer parte da formação das crianças, elas não planejam
uma orientação mais sistemática para construir comportamentos
adequados para o consumo. Os sujeitos revelaram que há uma tendência
em transmitir os conhecimentos e valores trazidos de suas famílias de
origem, o que, para a autora, evidenciou a influência do meio no processo
de socialização econômica.
Frente aos resultados encontrados, Cantelli (2009) orienta para a
necessidade de renovação nas propostas educativas para um trabalho de
alfabetização econômica para todos os familiares, considerando que a
socialização primária para a formação do sujeito é muito importante.
Granja (2012) realizou uma pesquisa com o objetivo de investigar
a compreensão da criança sobre o dinheiro, considerando as peculiaridades
existentes no uso do dinheiro e suas representações.
Os sujeitos participantes tinham entre 6 (seis) e 9 (nove) anos, de
ambos os sexos, matriculados em escolas particulares, divididos em dois
grupos: crianças de 6 (seis) e 7 (sete) anos e crianças de 8 (oito) e 9 (nove)
anos.
A pesquisa se baseou nos estudos evolutivos de Furth, e também
na perspectiva da epistemologia genética, que propõe a análise da
165
compreensão da realidade e propõe a existência de quatro estágios,
delimitados para crianças entre 5 (cinco) e 11 anos: a) Estagio I (crianças
de 5 e 6 anos) as crianças não reconhecem a função do dinheiro e não
sentem a necessidade de explicar as transações que vivenciam no cotidiano.
O dinheiro está disponível a qualquer um, e a origem do dinheiro está
relacionada ao recebimento do troco, b) Estágio II (crianças de 7 e 8 anos)
o dinheiro é um material presente nas relações comerciais; a criança
responde os questionamentos de acordo com suas vivências e
compreendem a ordem social econômica como algo estático, não
compreende o papel do vendedor como alguém que precisa comprar para
vender um produto, c) Estágio III (9 e10 anos), os eventos são explicados
parte a parte sem uma lógica harmônica levando os sujeitos aos conflitos
cognitivos e compreendem o mecanismo de compra e venda e
remuneração pelo trabalho, mas ainda não compreendem a relação de
lucro e d) Estágio IV (11 anos) o dinheiro é visto como importante na
relação de papeis sociais, compreende o lucro mas a compreensão dos
sistemas políticos e governamentais não são compreendidos.
Como procedimento metodológico, a autora realizou 2 (dois)
estudos a partir de entrevistas clínicas. O primeiro estudo contemplou as
noções econômicas sobre o dinheiro, origem, circulação, definição, usos e
funções. O segundo estudo buscou trazer dados sobre a compreensão das
crianças acerca da circulação e formas materializadas do dinheiro tais como
moeda, cédula, cartão e cheque.
Os principais resultados encontrados no estudo de Granja
relevaram que o grupo de crianças com 6 (seis) e 7 (sete) anos apresentaram
respostas convergentes da teoria dos níveis de Furth que embasou a
pesquisa, com exceção dos aspectos citados pela autora relativos aos sujeitos
do grupo I, que já apontavam a associação do dinheiro relacionado ao
trabalho, algo não encontrado nas descrições de Furth (1980 apud
166
GRANJA, 2012), assim como não foi encontrada nenhuma resposta que
o dinheiro está livremente disponível, sendo sempre apontada a origem a
bancos e fábricas. Quanto ao grupo II, com crianças entre 8-9 anos, a
autora encontrou alguns apontamentos acerca do lucro, o que não é
caracterizado na teoria de Furth.
Na análise realizada com os dois grupos, percebeu-se a facilidade
das crianças em explicar o uso do dinheiro por meio de representações
materiais, em moeda e cédula, do que em cheque ou cartão de crédito.
Trazem ideias de que o cartão de crédito deve ser recarregado, semelhante
aos créditos de telefones pré-pagos, e que os cheques servem somente para
anotar os gastos, efetuados pelo cartão de crédito, revelando pouca
apropriação do sistema bancário.
Tal pesquisa corrobora o estudo de Denegri e Delval (2002), em
que há uma semelhança entre os grupos de crianças entre 6 (seis) e 7 (sete)
anos e 8 (oito) e 9 (nove) anos quanto à definição do dinheiro baseada na
função, quanto às explicações da origem e os modos de aquisição pelo
trabalho. A diferença entre os grupos foi a compreensão quanto ao
processo de fabricação e sua circulação.
No campo do comportamento consumidor, na perspectiva da
epistemologia genética e conhecimento social, há ainda pesquisas
relacionadas à questão ambiental que também trazem o conhecimento da
criança acerca das temáticas de tais questões como Braga (2010), Ferreira
(2008) e Santos e Barretos (2014).
Ferreira (2008) realizou uma investigação sobre a concepção de 25
crianças com idade entre de 4 (quatro) a 6 (seis) anos a respeito do
consumo de água por meio de uma abordagem baseada no método clínico-
crítico piagetiano. Buscou estabelecer eixos de acordo com a origem da
água, explicações sobre o uso e destino da água, a água enquanto recurso e
167
por fim sobre o consumo da água, fonte de maior interesse no presente
trabalho.
Os resultados comprovaram a existência de 3 (três) níveis de
compreensão das crianças quanto à temática. No primeiro nível, as
respostas foram classificadas na categoria “meio fantástico”, ou seja, as
crianças se apoiam em meios mágicos para explicar os acontecimentos, não
compreendem a questão da escassez da água e, para elas, esse problema não
existe. No segundo nível, considerado intermediário ou de transição, os
problemas relativos à água começam a ser considerados, mas agora a ação
humana é a única responsável. Tais respostas se caracterizam por um
artificialismo: as crianças pertencentes a esse grupo recorreram à ação
humana para explicar os acontecimentos e não às próprias coisas, que a
autora classificou baseando-se na teoria de Piaget. Quando as repostas dos
sujeitos emprestam às coisas uma atividade humana, caracterizou com
artificialismo mitigado. Por fim, Ferrreira (2008) encontra em um terceiro
nível, as crianças tratam a problemática da água com procedimento
natural, pois já compreendem o fenômeno da natureza - a formação da
chuva - embora com um artificialismo indireto presente, conclui que a
escassez da água é vista como algo possível e visualizam o problema
coordenando diferentes aspectos da realidade social.
A autora apontou que apenas 13% das crianças acreditavam que o
uso excessivo da água tinha alguma relação com o seu próprio consumo.
Como exemplo do que a autora classificou como resposta procedimento
natural, vê-se em Ric (6,6) Quando escova os dentes, você acha que a
torneira deve ficar aberta ou fechada? Fechada depois que molha a escova.
Porque senão acaba a água se deixar aberta o tempo todo. Ou outros 87 %
podemos representar pelo exemplo do excerto: Rap (5,7) Quando escova
os dentes você acha que a torneira deve ficar aberta ou fechada? Aberta
Por quê? Porque sim. Eu deixo aberta.” (FERREIRA, 2008, p. 87).
168
Também na ordem de questões mais ligadas ao meio ambiente,
Santos e Barreto (2014) investigaram sobre a representação, o conceito e a
formação de resíduos sólidos por crianças e adolescentes. Os sujeitos
participantes foram estudantes de 5 (cinco) a 13 anos, classificados em 3
(três) grupos: grupo 1 (estágio pré-operatório), grupo 2 (estágio operatório
concreto) e grupo 3 (alunos do estágio operatório formal), todos de uma
escola particular que desenvolvia um trabalho sobre educação ambiental.
Os autores utilizaram o método clínico piagetiano e coletaram dados por
meio de entrevista clínica. Tratou-se de estudo evolutivo com tratamento
de análise qualitativa. A análise das respostas levou em conta os níveis de
construção do conhecimento social propostos por Delval (2002).
No Nível I encontram 100% das respostas do grupo 1 (pré-
operatórias) e representaram suas ideias a partir de suas vivências. As
crianças do grupo 2 (Estágio Operatório Concreto) a concebem como
resíduos sólidos restos de comida, material que já foi utilizado. Algumas
crianças apontaram resíduos sólidos também como algo inerente e que faz
parte de situações que vão além da vivência cotidiana, a exemplo de
empresas que produzem resíduos. Já as crianças do grupo 3 estão no estágio
operatório formal. Os sujeitos desse grupo veem o resíduo sólido como
material que pode ser reciclado ou reutilizado, e que se formam de acordo
com a conscientização das pessoas, e dependem, portanto, do consumo dos
indivíduos.
Os resultados apontaram que as crianças e adolescentes da pesquisa
que vivenciam práticas de educação ambiental e que tiveram a
oportunidade de trabalhar questões de conceito e de formação dos resíduos
sólidos são possibilitadas a refletir e a buscar alternativas a esses problemas,
e isso nos faz compreender a importância dessa temática no currículo
escolar. Por meio das comparações entre os grupos, observou-se a evolução
do conhecimento social sobre o conceito e formação dos resíduos sólidos.
169
Segundo as autoras, as representações se modificaram continuamente,
partindo das ideias pré-formadas até as mais complexas. As pesquisadoras
apontam para a necessidade do trabalho em educação ambiental, desde a
educação infantil.
Embora não seja um estudo com crianças, mas de extrema
relevância porque trata de professores que educam a infância, Braga (2010)
desenvolveu uma pesquisa cujos objetivos foram investigar se professores
do ensino fundamental conseguiam fazer relações entre o consumo e a
problemática ambiental, e se há uma preocupação dos mesmos com os
impactos ambientais.
Foram 110 sujeitos participantes, provenientes de municípios da
região metropolitana de Campinas-SP. A pesquisa foi de cunho
exploratório e descritivo, com análise quantitativa e qualitativa,
fundamentando-se na Epistemologia Genética de Jean Piaget. A coleta de
dados ocorreu com a utilização de um questionário com seis questões de
múltipla escolha, com a escala Likert e 8 (oito) questões abertas relativas a
fatores de compra e rejeição a um produto, proibição de produção de um
produto, reflexão acerca de escolha e mudanças no mundo, excesso de
automóveis na cidade, produção de biocombustível e consumo muito
frequente de aparelhos eletrônicos.
Os resultados encontrados pela autora apontaram que, apesar do
nível elevado de formação dos sujeitos participantes, educadores, e de suas
vivências em centros urbanos com problemas ambientais, eles não possuem
escolhas conscientes para o consumo. A autora destacou que as falas sobre
a tomada de consciência dos educadores quanto ao meio ambiente e
consumo, não se diferenciou das respostas da massa do senso comum. Os
educadores-consumidores também reproduzem “[...] um discurso
estereotipado, superficial e midiático” (BRAGA, 2010, p. 188). As ações
170
restritivas em prol ao meio ambiente só ocorrem se não afetarem o conforto
e o padrão de vida já estabelecidos individualmente.
Braga (2010) conclui que é preciso que haja um comprometimento
de toda a sociedade, a valorização do conhecimento e o reconhecimento
de uma transformação necessária da realidade planetária e humana.
Quando se investiga o consumo na infância, uma interface muito
importante é a relação publicitária. Encontramos ainda na perspectiva
Piagetiana dois trabalhos que tratam da questão do consumo e publicidade
Baptistella (2001) e Kunsch (2013). A participação de crianças no mundo
publicitário surge em decorrência do reconhecimento da criança como
importante público para o mercado consumidor. Segundo Souza Júnior,
Fortaleza e Maciel (2009) a publicidade tem se tornado uma experiência
muito representativa, pois firma padrões físicos, estéticos e
comportamentais e utilizam com as crianças mecanismos de projeção-
identificação.
Para Sampaio (2009), a questão central nessa relação é a
compreensão pela criança acerca do que se constitui uma peça publicitária
e suas estratégias persuasivas. Conforme a autora, a criança antes dos 8
(oito) anos não tem capacidade de reconhecer o caráter persuasivo da
publicidade. A capacidade crítica irá se fortalecer aos 12 anos, sendo então
possível que a criança perceba os elementos de persuasão presentes em uma
propaganda.
Nesse sentido, os estudos de Baptistella (2001) corroboram com as
ideias de Sampaio (2009). Em sua pesquisa, objetivou conhecer as
representações de crianças, relativas ao conteúdo de um comercial
televisivo e sua compreensão sobre a televisão e suas funções.
Os sujeitos participantes foram 32 crianças de 5 (cinco) a 11 anos,
provenientes de 3 (três) escolas públicas do interior do estado de São Paulo.
171
Como metodologia, a autora se pautou no método clínico-crítico de Jean
Piaget, utilizando a apresentação da propaganda do celular da TELESP,
intitulada ‘Baby o celular inteligente da Telesp’, com questionamentos
voltados para as crianças. Tratou-se de um estudo evolutivo, com
abordagem qualitativa.
Os procedimentos utilizados por Baptistella (2001), em linhas
gerais, foram: a) apresentação individual do vídeo da propaganda ‘Baby
o celular inteligente’ para cada criança, b) realização de uma entrevista com
as crianças dentro dos procedimentos do método clínico-crítico de Jean
Piaget e c) aplicação de provas piagetianas para diagnosticar o nível
cognitivo em que se encontram as crianças participantes: conservação
(líquido), inclusão de classe (flores e frutas) e seriação (bastonetes).
Os resultados encontrados relativos à análise do conteúdo do
comercial, contando com as várias idades e níveis cognitivos, revelaram que
as crianças operatórias e de mais idade compreendem melhor o conteúdo
do comercial. Assim como Sampaio (2009), Baptistella (2001) comprova
que, embora haja uma tentativa de compreensão dos conteúdos de
comerciais por crianças, há uma dificuldade em interpretar a finalidade de
comerciais, principalmente por crianças de 5 (cinco) a 9 (nove) anos. A
autora didaticamente dividiu as repostas em blocos: crianças pequenas, de
nível de desenvolvimento pré-operatório ou em transição para o operatório
não demonstraram serem capazes de fazer relações referentes ao conteúdo
do comercial. As crianças não demonstraram ser capazes de fazer conexões
entre todas as partes do comercial, formando um todo coerente. Percebeu
também que as crianças mais novas encontram dificuldades em
identificarem a mensagem central do comercial.
No âmbito mecanismo de produção do comercial, as crianças
apresentaram respostas extremamente egocêntricas. Quanto ao aspecto
compreensão da finalidade do comercial, comprovou-se que as crianças
172
entre 5 (cinco) a 9 (nove) anos apresentaram poucas respostas que
apontavam a compreensão do comercial, constituídas por argumentos
finalistas, característica própria do pensamento egocêntrico da criança
conforme a teoria de Piaget, que indicam a necessidade de a criança
explicar que tudo tem uma função ou um fim em função dela mesma. Nas
crianças mais velhas, a pesquisadora percebeu maior clareza quanto à
natureza dos comerciais e sabiam distinguir o que era um comercial de
outras programações televisivas, assim como foram capazes de perceber as
várias mensagens de um mesmo comercial baseadas nas características
apresentadas. Observou-se também que a maioria das crianças até os 9
(nove) anos, estando pré-operatórias e em transição, atribui muito valor ao
que assiste, assim como aos estereótipos criados.
Porém, ao contrário do pensamento de que as crianças recebem
passivamente o efeito da televisão em um movimento empirista, Baptistella
(2001) percebeu que há uma tentativa e um esforço das crianças para
compreenderem o conteúdo televisivo, suas funções, construindo suas
ideias e representações, quando foram questionadas acerca deste conteúdo
e incentivadas a refletir acerca.
Ainda que não traga a questão do consumo e da publicidade de
forma direta, mas, a relação dos efeitos do consumo e da agenda infantil,
Kunsch (2013) investigou as relações entre padrões de consumo e de
vivência de tédio em crianças, entrevistando crianças, famílias e educadores
de alto poder aquisitivo, pertencentes à uma escola particular bilíngue de
São Paulo-SP.
A pesquisa teve como foco a rotina extraescolar de crianças entre 5
(cinco) e 6 (seis) anos, com agendas cheias de compromissos, acesso a
inúmeros aparelhos eletrônicos e a forma de atuação dos adultos.
173
O trabalho foi realizado sob a perspectiva piagetiana e, como
procedimento de coleta de dados, a pesquisadora utilizou-se de entrevistas
clínicas-críticas e debruçou-se em 8 (oito) casos nos quais detectou a
presença do sentimento de tédio nas crianças. As entrevistas mostraram
que as crianças estão sendo pressionadas a terem atividades que promovam
o seu desenvolvimento antecipado, pela crença dos pais de que isso
favorecerá um futuro de sucesso. Entretanto, a pesquisadora considera que
isso as leva a um sentimento de competitividade, dificuldade em lidar com
fracasso, necessidade em se mostrar competente, dependência do adulto e
busca por satisfações imediatas. Os resultados ainda apontaram a falta de
autonomia das crianças e a falta de sentido da própria vida, demonstrando
apatia e desinteresse pelas atividades que lhes são apresentadas.
Outras pesquisas nacionais acerca do consumo na infância (Psicologia
Econômica, Publicidade/marketing e alimentação)
Iniciaremos a apresentação de pesquisas que tratam sobre
psicologia econômica e suas interfaces. Embora seja uma das pesquisas
realizadas há mais tempo, Ballvé (2000) contrapõe a tese da presença do
consumismo na infância. Em sua pesquisa etnográfica, seu objetivo
principal foi compreender como as crianças veem o fenômeno do consumo
dentro de suas vidas. Utilizou-se da prática da etnografia, entrevistando
crianças de 3ª e 4ª séries selecionadas de uma escola particular da Zona Sul
do Rio de Janeiro.
Para fins de análise, o discurso foi captado em entrevistas
semiabertas gravadas em áudio ao longo de três semanas, e da observação
participante dos sujeitos, que tiveram como eixos os gastos de dinheiro,
comportamento de lazer, mesada, consumo de mídia e publicidade,
174
decisões de compra da família, percepção dos problemas do país,
preferências de marcas e sentimentos em relação ao consumo, entre outros.
Ballvé (2000) identificou vários subtemas e os agrupou em discursos mais
abrangentes: a) consciência da idade, status etários na sociedade, b)
construção da autoimagem (padrões de estilo de vida, padrões de beleza,
desejos), c) mídia e informação, d) instantaneidade, e) experiência pontual
relacionada à fragmentação da realidade no mundo pós-moderno e f)
consumo e estratégias econômicas.
Os resultados encontrados revelaram que os alunos participantes
possuem uma visão de mundo mais responsável e, paradoxalmente,
possuem o sentimento de serem crianças. Em relação ao consumo,
conforme a autora, os sujeitos estão conscientes de suas implicações na vida
moderna e de suas estratégias econômicas e de negociação, possuem
mesada e consideram a permissão dos pais para a compra de produtos.
Administram seu próprio dinheiro e poupam para eventuais dificuldades
ou para a compra de um objeto de desejo. Revelaram o aprendizado com
os pais, sobre seus comportamentos de consumo, preferências de marcas,
pesquisa de preços, relação entre qualidade e preço alto e doação de objetos
para crianças carentes que não se usa. São muito interessadas em
novidades, porém, a função dos objetos é considerada nas decisões de
compra ou pedido. Compreendem quando os pais passam por dificuldade
financeira e aceitam negociações nas compras. De acordo com Ball
(2000, p. 88), há influências diretas e indiretas das crianças no consumo
sobre a família: “[...] A influência [...] é principalmente indireta caso da
família que adota novos padrões de consumo porque tem crianças ou,
no máximo, influência direta feita timidamente, através de pedidos que
nem sempre são atendidos”.
Os sujeitos foram vistos como crianças bem informadas, que
possuem a televisão como principal fonte de informação, mas também tem
175
o hábito da leitura apontando o gosto pela mesma. Outro aspecto relevante
é que assistem juntos aos pais aos telejornais. Pelo método etnográfico, a
autora diz ser possível compreender de forma mais próxima e peculiar os
gostos de compra das crianças, identificando, por exemplo, o determinado
shopping, a determinada loja de suas preferências. A autora considerou que
as crianças entendem as campanhas de marketing a elas direcionadas.
Apontou que a mídia tem um forte poder, e que as crianças internalizam
o que veem como verdade, tecendo uma única crítica à televisão, como o
lado exacerbado das informações negativas exibidas, e que as crianças se
sentem inseridas no mundo porque acompanham o que está acontecendo
na sociedade por meio da mídia.
Outro fator fundamental destacado pela autora é que a classe social
dos sujeitos investigados não tem uma “[...] preocupação excessiva com os
gastos básicos, o que seria o caso com famílias mais pobres, e nem a
ostentação das classes mais abastadas” (BALLVÉ, 2000, p. 96). Mas isso
não necessariamente faz deles melhores consumidores, nem que os pais
pertencentes a essa classe social são melhores formadores de crianças, como
mostram outros dados das pesquisas de Bessa, Fermiano e Denegri (2014),
pois lhes faltam estratégias mais assertivas quanto à educação econômica.
Lellis (2007) realizou uma pesquisa buscando compreender a
socialização econômica das crianças e as influências parentais e investigou
as crenças e práticas dos pais a respeito da mesada. Seu objetivo foi analisar
e compreender a relação entre contexto cultural, social, comportamento
parental e desenvolvimento infantil por meio do ato da mesada.
Os sujeitos participantes dessa pesquisa foram 32 pais de renda
média e baixa, com filhos entre 6 (seis) e 16 anos. A abordagem
metodológica foi qualitativa e a técnica utilizada para a coleta de dados foi
o grupo focal, a partir de questões problematizadoras que giravam em
torno da conceituação e dos propósitos da mesada. As discussões foram
176
gravadas e transcritas e resultaram em categorias de análises que a autora
organizou em três eixos temáticos: processo de utilização da mesada;
história familiar e orçamento; e componentes da mesada.
Para o eixo processo de utilização da mesada, os pais afirmaram
que se utilizam dessa prática justificando o uso, tanto pela função educativa
em suas perspectivas, por se tratar de instrumento de recompensa, tanto
como instrumento responsável por maus hábitos dos filhos porque
adquirem produtos às vezes não desejados pelos pais.
A pesquisa demonstra que a mesada cumpre função socializadora
aos que a recebem, de integração e de manutenção de status social. No eixo
história familiar e orçamentos, os argumentos trazidos para o uso da
mesada estavam vinculados a uma tradição de geração, conhecimento dos
filhos sobre a renda familiar, negociação de gastos e orçamento na relação
conjugal. No eixo de conceitualização e fatores da mesada, revelaram-se
informações sobre valores, justificativas para a existência e inexistência da
mesada, frequência, regularidades.
Conforme Lellis (2007), a temática mesada é pouco investigada,
principalmente em classes sociais menos abastadas, e as poucas pesquisas
existentes tem como sujeitos uma população proveniente da classe social
média e alta. Para a autora, a prática da mesada pode possibilitar a
compreensão econômica dos filhos, assim como suas crenças sobre a
economia.
Embora não seja um trabalho acadêmico, dados mais recentes de
uma pesquisa encomendada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC)
Brasil de 2015, em 27 capitais brasileiras, revelam que uma a “[...] cada
quatro mães entrevistadas (26,3%) dão mesada /semanada aos filhos
aumentando para 33,4% entre as mães de filhos com idade entre 12 e 18
anos e 32,1% entre as pertencentes à Classe A/B (contra 18% na Classe
177
C/D/E)” (SPC BRASIL, 2015, p. 4). Tais dados levam à inferência sobre
as dificuldades que uma família com menores condições financeiras
enfrenta e a decisão de adotar a prática de estabelecer uma mesada,
dificuldade essa que deve ser considerada relevante, considerando as várias
demandas financeiras familiares e, portanto, estabelecer a mesada para essa
camada social é muito mais do que uma decisão cultural e educativa. Nesse
sentido, aquilo que Lellis (2007) apontou em sua pesquisa de que a
mesada, por ser pouco investigada nas classes sociais menos abastadas,
precisa considerar também a dificuldade econômica em atender suas
necessidades básicas primárias.
No que tange à questão da publicidade/indústria cultural e o
consumo na infância encontramos as pesquisas de Oliveira (2006), Momo
(2007), Esperança e Dias (2008), Leal e Laurindo (2008), Martinelli e
Moina (2009) Lange et al. (2009), Bruck (2011), Cardoso (2011), Angelo
(2013), Bessa, Fermiano e Cantelli (2014), Souza (2014), Monteiro
(2014), Santos (2014), Lira (2015), Momo e Martinez (2017).
O estudo de Oliveira (2006) buscou compreender como as
crianças apreendem a programação televisiva, trazendo questionamentos
sobre o que elas pensam e assistem e como se apropriam dos elementos
culturais que podem vir refletir no consumo, além de revelar as ideologias
contidas nos discursos apropriados pelas crianças.
Os sujeitos participantes foram 10 crianças entre 10 e 11 anos,
entrevistadas com um roteiro semiestruturado, contendo perguntas sobre
a vivência da criança em relação à programação da televisão. Os resultados
apontaram a mídia como muito frequente e cotidiana na vida dos
pequenos, e é como ocupam um espaço livre do seu dia. A criança não tem
essa consciência, e as famílias não percebem essa relação e não questionam
a respeito, tornando-se algo corriqueiro e banal. O chamado tempo livre
da criança é ocupado por cursos e pelas mídias. As produções da indústria
178
fazem parte da cultura da infância. O faz de conta tem sido mais
reproduzido a partir de fantasias exibidas para as crianças do que as criadas
por elas.
De acordo com Oliveira (2006), as famílias não possuem segurança
para refletir junto com os filhos a respeito da influência dos conteúdos da
televisão que os incitam para o consumo. Pelas percepções reveladas das
crianças entrevistadas, raramente é conversado com a criança o conteúdo
do que assistem. O tempo livre dos pais também é gasto vendo-se TV, e
os filhos, em geral, participam dessa programação adulta. Quanto aos
professores, a pesquisa revela que, pela percepção das crianças, os
professores também conversam muito pouco sobre a programação da
televisão.
Oliveira (2006) reforça que as mídias estão presentes fortemente
na vida das crianças e que estas fazem parte de uma massa espectadora,
fortalecendo, assim, um sistema de costumes e formando mais
consumidores. Embora não considere em sua pesquisa que as crianças são
receptoras passivas, pois elas possuem noção de como os fatos que
aparecem na TV são destoantes da vida real e efêmeros, a pesquisadora
aponta que as crianças estão inseridas em um mundo em que as relações
são superficiais e rápidas e se acostumam com essa dinâmica.
Ainda na perspectiva da fabricação cultural de um mundo para
infância, Momo (2007) realizou a pesquisa sobre mídia e consumo na
produção de uma infância pós-moderna que vai à escola. A autora teve
como objetivo dar visibilidade às crianças pobres estudantes do ensino
fundamental I de algumas escolas localizadas na periferia de Porto Alegre,
investigando como vivem esses sujeitos frente às condições culturais pós-
modernas. Para a coleta de dados, buscaram-se a observação e
documentação com fotografias, um inventário de objetos, desenhos e
textos construídos pelos sujeitos, fotografias dos alunos com objetos,
179
roupas e acessórios ligados a personagens midiáticos e anotações em diário
de campo tais como conversas com as crianças e professores.
Assim, foi possível comparar resultados encontrados com o
panorama das condições culturais pós-modernas que acontecem fora da
escola. Momo (2007) aponta que visibilidade, ambivalência, fugacidade,
descartabilidade, individualismo, superficialidade e efemeridade são
características encontradas nos sujeitos escolares, ou seja, há uma
consonância do que ocorre dentro da escola com a cultura do mundo
contemporâneo. Os alunos querem se sentir parte de um sistema
consumidor que a mídia dita e a fim de obter a fruição e o prazer o tempo
todo, são capazes de realizar mudanças físicas constantes para estarem em
harmonia com o mundo no momento. A autora ressalta, ainda, que esses
sujeitos provocam desestabilização das pedagogias, representando um
desafio à educação escolarizada na construção de um projeto que contribua
para uma formação humanizada e profunda.
Para Momo (2007), as crianças de classes menos favorecidas são
consumidoras que, mesmo sem dinheiro, conseguem ser high tech, pois
mesmo sem terem computador em casa experimentam a vida de glamour
de estrelas da mídia como meros telespectadores. A pesquisadora justifica
que a indústria cultural contribui para ampliar o acesso aos materiais
simbólicos nas classes menos favorecidas, em que os produtos de acesso
são, em geral, de versões mais baratas, doações e ou encontrados no lixão,
entre outros. O capital simbólico conferido pela posse de um produto que
é ícone da televisão, do cinema, ou da revista é muito importante,
independentemente da procedência do produto. Barbies doadas pela
patroa ou imitações inferiores, CDs piratas e mochilas de personagens
encontradas no lixão representam, além da cultura da mídia vivida pelas
crianças, a cultura da sociedade do descarte. A autora presenciou também
no vocabulário dos participantes expressões de personagens e novelas, que
180
também passam pela questão da efemeridade, pois constantemente
mudam as formas de falar e de se comportar de acordo com aquilo que está
em destaque na mídia. As crianças acompanham as mudanças que passam
nas telinhas.
Quanto ao aspecto visibilidade, Momo (2007) observou também
nas crianças pobres essa ideia de querer parecer ser ou ter. Muitas crianças
portavam objetos tecnológicos sem funcionamento ou precários, como
celulares, calculadoras e ipods somente pela proporção do prestígio de
quem os carrega e para se sentir parte de uma cultura globalmente
reconhecida. Ela observa que a sociedade de consumo capacita todos para
que sejam consumidores. As crianças desenvolveram uma prontidão para
o consumo e, mesmo sem poder adquirir os bens, sabem tudo sobre os
lançamentos de brinquedos, invenções tecnológicas, filmes e alimentos
devido à vivência que possuem principalmente com a televisão.
Esperança e Dias (2008) desenvolveram uma pesquisa com um
grupo de crianças com o objetivo de investigar as interações que os
telespectadores infantis estabelecem com as produções televisivas.
Participaram do estudo vinte e quatro crianças na faixa etária de 7 (sete) a
9 (nove) anos de uma escola de rede pública do Rio Grande do Sul. Foram
realizadas observações e entrevistas para compreender as preferências
televisivas das crianças e o acesso e uso da televisão na família. As autoras
utilizaram também a estratégia de debate sobre os desenhos animados
coletados, verificados como os mais utilizados.
Os resultados constataram que as concepções das crianças sobre
natureza, gênero, violência e consumo são construídas sob a influência dos
desenhos animados e seriados aos quais elas têm acesso. As autoras
identificaram aproximações entre os pontos de vista expressados pelas
crianças a partir das programações televisivas documentadas e apontam o
181
acesso à propaganda e aos personagens das produções televisivas na relação
de consumo na infância de forma constante e em grande quantidade.
O acesso a esse conjunto de temas, originários dos desenhos animados
e seriados, produz “crianças colecionadoras”, que compartilham e
atualizam saberes acerca de marcas e produtos, e possuem desejos em
comum, materializados em objetos de consumo. A prática de
colecionar objetos, no grupo participante da pesquisa, associava-se às
novidades apresentadas pelo mercado de produtos para a infância,
mudando constantemente a cada novo personagem ou produção
televisiva criados (ESPERANÇA & DIAS, 2008, p. 194).
As autoras evidenciaram também que, embora as infâncias fossem
diferentes em suas histórias, origens e conjunturas, as crianças consomem
os mesmos produtos, que são mundialmente conhecidos por meio da
televisão, desenhos animados e anúncios publicitários.
Leal e Laurindo (2008) analisaram a recepção televisiva e a ideia de
consumir em trinta crianças com 5 (cinco) anos de idade. Eram crianças
que frequentavam a educação infantil de duas escolas consideradas de
classes sociais diferentes (alta e baixa), uma escola particular e a outra
pública.
Entre os objetivos específicos, a investigação buscou revelar: a
verificação de que a criança é capaz de diferenciar a propaganda da
programação infantil, a identificação dos elementos que chamam mais a
atenção das crianças, a análise da retenção de produto (marca e
personagens), avaliação da influência da propaganda na criança como
consumidora e averiguação se há diferença nos comportamentos
respondidos quanto à classe social.
182
O procedimento metodológico utilizado foi o método de discussão
em grupo com a técnica de observação. Também foram utilizadas
filmagem do comportamento das crianças durante a transmissão de
programas infantis com propagandas e representações gráficas por
desenhos a respeito do que assistiram.
Os resultados apontaram que as crianças de 5 (cinco) anos da classe
alta eram os que mais reconheciam a propaganda, diferentemente do grupo
de classe baixa, que apresentou dificuldades na diferenciação entre
propaganda e desenho, citando apenas o produto, sem mencionar o termo
propaganda. De maneira geral, os sujeitos não identificaram que a
mensagem publicitária tinha funções persuasivas. A pesquisa realizada
ainda demonstrou que as crianças de baixa renda valorizam menos
atributos de marca, considerando que têm menos acesso à informação e a
lugares de consumo, mas desejando muito possuir o produto, ao passo que
as de classe alta, que frequentam mais a internet e os centros comerciais,
demonstram maior cultura consumista.
Lange et al. (2009) realizaram uma pesquisa com o objetivo de
compreender a relação entre comunicação e consumo, buscando conhecer
os recursos utilizados pelas propagandas para a persuasão do público e a
receptividade das crianças. Os sujeitos participantes foram trinta crianças
do ensino fundamental de duas escolas particulares de Curitiba. Como
instrumentos metodológicos, os pesquisadores selecionaram dois vídeos
para que as crianças pudessem interpretar o que viram e a entrevista que
foi realizada em grupos. O vídeo selecionado foi “Poupançudos”, da Caixa
Econômica Federal. Os Poupançudos são personagens em forma de
monstrengos para atrair as crianças, também apresentados como bonecos
em formato de cofres oferecidos pelo banco como brinde em algumas
transações bancárias.
183
O objetivo do fator apelativo da propaganda em questão é a
construção de uma marca junto ao público juvenil, e as crianças foram
capazes de reconhecer que o anunciante quer lhes vender, mas ainda não
conseguem questionar a maneira como o anunciante faz. Os resultados
mostraram que elas associaram a figura dos Poupançudos a personagens
do bem, gerando uma simpatia pelo produto, e esse sentimento poderia
ser levado para a vida adulta e correlacionado ao banco Caixa Econômica
Federal. Os autores acrescentam que as crianças foram capazes de
interpretar e questionar a propaganda mesmo que de forma não tão
profunda, pois foram estimuladas a fazer isso. Contudo, como no dia a dia
isso não ocorre, apontam para a necessidade de um letramento para a
mídia, como forma de desenvolverem habilidades de questionamentos e
este seria, então, o papel da educação.
Segundo os pesquisadores, há uma construção ideológica da
relação entre a Caixa Econômica e o público de crianças junto aos pais,
que utilizam a estratégia de projeção e relação de confiança, prometendo a
solução de problemas relacionados às preocupações com o dinheiro e
satisfação das necessidades. Uma criança que cresce recebendo tais
informações é um público possível ao banco quando puderem realizar, de
forma autônoma, suas transações bancárias.
Dois fatores podem ser inferidos quanto às diferenças de resultados
da pesquisa de Lange et al. (2009) e Leal e Laurindo (2008): a questão da
idade, pois os sujeitos participantes da pesquisa de Lange et al. (2009) eram
mais velhos e já frequentavam o ensino fundamental, ao passo que
participantes da pesquisa de Leal e Laurindo (2008) eram matriculados na
educação infantil. Os sujeitos participantes da pesquisa de Lange et al.
(2009) também foram estimulados a interpretar e questionar a propaganda
posta em análise.
184
Bruck (2011) realizou uma pesquisa em continuidade aos
trabalhos iniciados por Leal (2006) e publicados em 2008 (LEAL;
LAURINDO, 2008). Ele resgatou, depois de 4 (quatro) anos, os mesmos
sujeitos que participaram da pesquisa de Leal (2006) na fase em que foram
classificados como segunda infância, agora crianças de 9 (nove) anos
(terceira infância), mantendo a mesma análise em relação à divisão de
classe.
Os objetivos da pesquisa foram: analisar a recepção da publicidade
por crianças de classe alta e baixa utilizando-se da página do Orkut e
verificar o que acontece na passagem da segunda infância, para a terceira
infância, fase em que se consolidam os valores. Para observação no meio
online, realizou-se a análise de conteúdo, verificando as comunidades que
os sujeitos participavam. Nos encontros presenciais, foi utilizada a técnica
de discussão em grupos com perguntas abertas a respeito do Orkut, com a
exposição de propagandas, fotos publicitárias e imagens em geral, em uma
página de uma personagem criada especialmente para a pesquisa.
Os resultados encontrados indicaram que os sujeitos pertencentes
à classe social baixa possuem um grande conhecimento sobre produtos e
marcas, mas com muitos desejos reprimidos. Nas discussões, as crianças
pertencentes à classe baixa demonstraram ficar mais atentas às propagandas
do que as crianças de classe alta. A autora comprovou em sua pesquisa que
na passagem da segunda para a terceira infância, as crianças de classe social
baixa não são mais resistentes ao consumo, como se viu na pesquisa de Leal
(2006) e atribuem valores simbólicos aos bens materiais tais como beleza,
reputação e popularidade vinculados aos produtos.
A pesquisa apontou também que as crianças de classe social alta são
mais críticas em relação à utilização do Orkut, demonstrando preocupação
com os riscos de segurança e a não utilização por recomendação dos pais.
A autora sugere que se leve em conta as diferenças nos hábitos de recepção
185
entre as classes sociais e que haja uma educação midiática, assim como a
autorregulamentação da publicidade infantil.
Martineli e Moina (2009), objetivando conhecer a relação entre
comunicação, consumo e entretenimento de crianças, realizaram uma
pesquisa com pais provenientes de famílias de classe média da cidade do
Rio de Janeiro, com filhos na faixa etária de 7 (sete) a 11 anos, estudantes
de uma escola que se denomina construtivista e que proíbe o uso em seu
ambiente do celular. Os sujeitos foram escolhidos pelo critério de
possuírem celular.
Para a coleta de dados, as autoras realizaram uma entrevista com os
pais, que apresentaram em suas respostas um discurso crítico quanto às
questões de consumo e revelaram que: a) boa parte utiliza-se de datas
comemorativas para limitar a doação de presentes, mas também assume
que atende sempre que possível aos desejos dos filhos por objetos, técnicas
e estéticas que aparecem no momento; b) quanto à utilização de celulares,
os pais responderam que percebem uma utilização secundária, como tirar
fotos, ouvir música, fazer vídeos do que propriamente se comunicar com
outros. Sete entre dez entrevistados não apontam a comunicação em
primeiro plano, podendo, porém, ocorre em circunstâncias necessárias de
comunicação entre pais e filhos, justificados pelos pais que trabalham e
ficam distantes dos filhos; c) 8 (oito) entre dez pais indicaram que as
crianças se utilizam da internet para falar com os amigos, por via de sites
de relacionamento; d) há um uso de celular que é justificado pelos pais,
pelo o desejo dos filhos de quererem fazer parte de um grupo social. Para
as autoras, o fato de ter um celular carrega também uma representação
social, assim como a aquisição de diversos bens de consumo significa
pertencer e se sentir parte de um ambiente.
As autoras consideraram que os celulares são muito requisitados
pelas crianças, muito mais pela função secundária, como um brinquedo do
186
que como um meio de comunicação no sentido tradicional. Apontam
como uma característica da sociedade contemporânea a relação do
brinquedo com a tecnologia. No caso dos celulares, games, reprodutores
avançados de áudio, câmeras e que são objetos de desejos das crianças. O
fator negativo desses desejos é que a tecnologia avança em uma grande
velocidade e rapidamente os produtos se tornam obsoletos, gerando assim
novos e efêmeros desejos de consumos.
Martinelli e Moina (2009) ainda revelaram que os sujeitos, mesmo
convivendo de perto com a tecnologia, desfrutam das brincadeiras
tradicionais (bola, jogos de tabuleiro, brincadeiras de perseguição), não
sendo o mundo tecnológico seu único ponto de interesse.
Cardoso (2011) realizou um estudo que buscou compreender a
influência da indústria cultural na infância, na formação das crianças com
faixa etária entre 7 (sete) e 9 (nove) anos. Seu objetivo foi realizar uma
pesquisa sobre a indústria cultural e a formação da infância, fazendo uma
análise da relação entre as propagandas midiáticas, o consumo e o processo
formativo das crianças.
Como procedimento de coleta de dados, um projeto com 22
sujeitos do 2º ano do ensino fundamental foi realizado no decorrer de um
semestre do ano letivo, envolvendo rodas de conversas e atividades feitas
diretamente com o grupo de alunos. As atividades giravam em torno da
investigação sobre as ações realizadas em casa, os lugares de lazer e as
reações diante dos produtos oferecidos pela mídia, além de um
questionário enviado às famílias para levantamento de dados a respeito de
preferências, costumes e comportamentos.
Os resultados apontaram que há grande influência da indústria
cultural na formação das crianças que se identificam com as pessoas que
possuem os mesmos ícones de consumo, tornando-se referências. As
187
conclusões ainda demonstram que tais influências são trazidas para o
interior da escola, de modo que os objetos tornam-se elementos de exibição
entre as crianças. No espaço escolar, há uma gama de produtos escolares
com personagens de desenhos infantis e produtos tecnológicos como
celulares e tabletes, que são exibidos pela mídia.
Conforme Cardoso (2011), a escola, diante desse quadro, pode
buscar por meio de práticas do diálogo discussões autorreflexivas que
possibilitem ao aluno pensar sobre o consumo e a mercantilização da
infância, além de proporcionar uma educação emancipatória.
Na atualidade, muito se tem falado sobre neuromarketing, uma
técnica de estudos da neurociência associada ao markenting que, através da
neuroimagem e do mapeamento cerebral, capta as reações e atividades
cerebrais dos sujeitos e identifica por meio dessas imagens as áreas cerebrais
que são ativadas quando as pessoas na medida em que as pessoas são
expostas a imagens, marcas, propagandas publicitárias e produtos em si.
Em geral, essas imagens são captadas por Ressonância Magnética
Funcional, a Tomografia por Emissão de Positrons (PET) e a Tomografia
Ótica Funciona Difusa (FDOT) e ajudam a interpretar processos
inconscientes de compra, fatores instintivos, emocionais e intelectuais dos
consumidores (SOARES & ALEXANDRE, 2007). A ideia é que o
mercado econômico acerte cada vez mais na elaboração e venda de um
produto para captar mais consumidores e, portanto, mais lucros.
Atentas a isso, Fermiano, Bessa e Cantelli (2013) realizaram uma
pesquisa acerca da criança, do consumo e do neuromarketing com o
objetivo de levantar informações sobre hábitos de consumo de p-
adolescentes e de adolescentes da cidade de São Paulo - SP, pertencentes
aos níveis socioeconômicos alto, médio e baixo.
188
Buscaram investigar as relações entre a compreensão do mundo
econômico e dos comportamentos de consumo com as descobertas da
neurociência, e a participação da atividade cerebral e dos processos
cognitivos nas decisões de compra. Participaram dessa pesquisa 505
estudantes com idade entre 10 e 16 anos. O instrumento utilizado pelas
autoras foi um questionário desenvolvido por Denegri (2005a), composto
por questões abertas e de múltipla escolha. As autoras não utilizam
nenhum teste para mapeamento cerebral, mas buscaram encontrar os seus
efeitos no comportamento dos jovens. A metodologia de trabalho foi
qualitativa e quantitativa, com análise estatística de dados.
Os resultados encontrados foram organizados em categorias e
demonstraram que, no que se refere ao recebimento de dinheiro, 55,4%
dos estudantes de todos os níveis socioeconômico recebem dinheiro apenas
em situações em que solicitam; os estudantes que mais recebem quantias
altas são pertencentes à classe alta, seguidos dos de nível social baixo, o que
não se revelou nos sujeitos de classe média. As autoras apontam que muitas
vezes o recebimento do dinheiro está atrelado a troca de favores, mas que
nem sempre isso ocorre. Quanto à decisão de como gastar o dinheiro
recebido, 74,4% dos estudantes apontaram decidir sozinhos como gastam
o dinheiro, 19,4% que a decisão é partilhada com os pais, 2,4% informam
que a decisão sobre o que vão gastar é dos pais e 3,4% dizem não receber
dinheiro. Em relação ao que compram com o dinheiro, as autoras apontam
para o gasto com vestimentas, material escolar, alimentos, DVDs,
brinquedos, diversões e acessórios. O item diversão é apontado pelos
estudantes de nível socioeconômico alto; os estudantes de nível
socioeconômico baixo apontam gastos maiores com vestimentas e matéria
escolar, ao passo que o nível socioeconômico médio apresentou baixos
índices de consumo. Nos aspectos publicitários, as pesquisadoras
questionaram a respeito do comercial mais lembrado pelos estudantes de
189
baixo nível socioeconômico, sendo o comercial referente à “bebida” o mais
lembrado. O comercial mais lembrado pelos sujeitos dos níveis
socioeconômico alto e médio está relacionado ao presente que desejam:
telefone e roupas. Revelou-se que, para os sujeitos, os comerciais da TV
servem para informar o consumidor, e não foram capazes de refletir
criticamente sobre os propósitos da publicidade e não percebem os
elementos persuasivos das propagandas. Perguntados se ganham presentes
no aniversário, 9,52% disseram que não ganham o presente que pedem;
19,2% responderam que sim e 71,2%, às vezes. No item “o que desejariam
ganhar de aniversário”, os sujeitos do nível social mais elevado apontaram
roupa, celular e computador; o nível social médio apontou roupa e
acessórios, ao passo que os sujeitos de classe social menos abastada
preferem “computador” e “celular”. As autoras disseram que brinquedos
aparecem no mesmo patamar de preferência aos três grupos. Os
participantes de nível social econômico médio mantiveram os itens quase
iguais em todas as categorias. Quanto à origem das informações sobre os
objetos que desejam comprar, 61,4% apontaram as lojas, 13,7%, os
amigos, 11,5%, informações da Internet, 8,1% via propagandas e 5,3%
pela informação dos pais. Para finalizar, apontaram que o local em que
mais gastam o dinheiro são as lojas próximas de sua casa, com 35,9%;
35,1%, em shopping, 8% na rua, 7,6% em docerias, 5%, em jogos; 4%
em supermercados e 3%, outros, revelando, portanto, que as lojas físicas
ainda são os maiores chamativos para o consumo em sujeitos dessa idade.
A pesquisa mostra que crianças e jovens estão vulneráveis ao
crescente avanço de pesquisas do neuromarketing, que se dedicam a
desvendar o comportamento do consumidor infantil e juvenil e o que
devem fazer para que sejam fiéis às marcas dos produtos. Indicaram que os
sujeitos participantes necessitam de orientação e ressignificação dos hábitos
de consumo.
190
O trabalho de Angelo (2013) trouxe a temática do consumismo
presente no ambiente pré-escolar. Os objetivos da pesquisa foram:
identificar os padrões de consumo presente nas crianças da pré-escola e
investigar as relações e interferência de tais padrões nas brincadeiras que
acontecem na escola.
Os procedimentos para a coleta de dados foram: a realização de 11
entrevistas individuais com crianças entre 4 (quatro) a 6 (seis) anos da pré-
escola e observações na escola durante as brincadeiras livres, atividades em
sala de aula e refeitório, identificando os líderes, conflitos de grupo e
consumo. As perguntas eram referentes a programas de TV preferidos,
hábitos alimentares, brinquedos e brincadeiras, hábitos das crianças na
escola e em casa. Em um segundo momento, realizou-se um grupo focal
com as seis crianças que passaram para a segunda etapa da educação
infantil.
Os resultados apontaram que os padrões de consumo das crianças
pré-escolares correspondem a modismos impostos pela indústria cultural.
No espaço escolar, essa influência fica mais evidente durante as
brincadeiras. Conforme Angelo (2013), durante a maioria das
brincadeiras, os personagens televisivos evocados são os que estão em
formato de produtos licenciados tais como brinquedos, roupas e acessórios,
que trazem a marca de programas televisivos, desenhos, séries e filmes. A
brincadeira, muitas vezes, é condicionada pela aquisição do brinquedo e é
essencial tê-lo. A divisão de gêneros é constante nessas brincadeiras e,
consequentemente, nos produtos industrializados que reforçam a
segregação do mundo azul e rosa. A questão do status também aparece na
educação infantil quando há posse de produtos licenciados.
Com o olhar também na educação infantil e na cultura da mídia,
uma das pesquisas mais recentes que encontramos foi o trabalho de Momo
e Martinez (2017). Momo, que já havia realizado uma pesquisa sobre
191
consumo em escolas periféricas com crianças do ensino fundamental
(MOMO, 2007), traz agora uma pesquisa qualitativa que tem como
fundamentação a Epistemologia Qualitativa de Gonzalez Rey, cujo
objetivo era investigar as ações criativas de ensino e aprendizagem no
trabalho pedagógico pré-escolar frente à cultura midiática que impulsiona
para o consumo.
O trabalho investigativo deu-se em quatro escolas públicas de
Brasília (DF) no ano de 2015. Para a coleta de dados, foram utilizadas
entrevistas com os educadores, registro fotográfico e observações in loco. A
pesquisa trouxe alguns dados descritivos de aspectos considerados criativos,
diante também do que presenciaram quando os assuntos envolviam
consumo e mídia. Um exemplo destacado pelas pesquisadoras do trabalho
foi uma professora que realizou um estudo monetário com moedas que
algumas crianças traziam diariamente para comprar picolés vendidos na
escola, embora a própria educadora afirmasse que não recomendava aos
alunos o consumo de picolé por não considerá-lo saudável. A venda
ocorria dentro da escola para angariar fundos e somente após a denúncia
de um pai é que isso deixou de ocorrer. O objetivo desta pesquisa se
restringiu apenas a focar nas estratégias docentes sobre o consumo na
educação infantil.
Os resultados mostraram que a cultura da mídia está presente nas
práticas escolares e que o trabalho criativo é uma possibilidade necessária
diante da cultura do consumo. As autoras alertam para a urgência de
investimentos financeiros e intelectuais em ações práticas diante da cultura
do consumo que envolvam, além de educadores, todo o sistema de ensino
e a formação de professores na educação tanto inicial quanto continuada.
A alternativa crucial apontada pela pesquisa é lidar com essa cultura de
forma intencional e criativa, de forma que o caminho não seja a
incorporação, a reprodução ou a proibição de uma cultura do consumo
192
que permeie os espaços escolares. Momo e Martinez (2017) denunciam
também que tais temáticas não estão presentes nos trabalhos pedagógicos
e tampouco em documentos norteadores para a Educação Infantil de
forma explícita.
Trazendo a reflexão acerca dos personagens televisivos, Souza
(2014) investigou a mídia e o impacto dos personagens infantis. A autora
teve como principal objetivo analisar personagens infantis no contexto
publicitário midiático e investigar a existência ou não de vínculos entre o
consumo, a violência e os personagens midiáticos-simbólicos propagados
no universo televisivo destinado ao público infantil.
Os sujeitos participantes foram dezesseis crianças na faixa etária de
4 a 7 anos, moradoras da cidade de Brasília e pertencentes a diversas classes
sociais, segundo a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
A metodologia qualitativa teve como instrumento de coleta de
dados a técnica de grupo focal em entrevista do grupo, análise dos materiais
dos sujeitos participantes tais como roupas e brinquedos, reflexão do
discurso das crianças envolvidas, presentes ganhos e entrevistas com os pais
sobre o nível sócio econômico e estado civil.
Os resultados de Souza (2014) mostraram que as crianças do sexo
feminino são mais influenciadas para a prática do consumo do que os
meninos, pois desde a infância, a quantidade de acessórios oferecidos para
o vestuário feminino é bem maior. Evidencia-se a maior presença de
personagens midiáticos nos vestuários femininos, embora também ocorra
no vestuário masculino. Os brinquedos apresentados pelas meninas
também trouxeram um maior número de itens com estampas e
personagens, já que todos os brinquedos trazidos tinham estampas de
personagens. No que se refere à relação da violência e os personagens
193
midiáticos, os meninos revelaram palavras de agressividade em suas
narrativas ao brincar.
A pesquisa apontou também a televisão e as lojas físicas como as
maiores fontes de reconhecimento de personagens pelas meninas. Para os
meninos, aparecem a internet, os jogos eletrônicos e o cinema. A família
(pais, avós e tios) é a maior responsável pela formação consumista e pela
aquisição de produtos pelas crianças.
Fica evidente na pesquisa a transformação da criança de sujeito de
direitos a sujeito de consumo. A submissão aos padrões da indústria
cultural altera o comportamento, a cultura e as brincadeiras da infância. A
autora sugere estudos sobre as ações de educadores que atuam na educação
infantil e que promovam a contraposição à indústria cultural.
Monteiro (2014) realizou uma pesquisa acerca das memórias dos
jovens sobre a publicidade e sua influência nas práticas de consumo na
infância e na vida adulta. O objetivo foi compreender a interpretação de
comerciais e jingles televisivos recebidos na infância e como isso
influenciou os seus hábitos de consumo na época e nos dias atuais, ou seja,
relacionando a publicidade, a memória e o consumo.
Os sujeitos participantes foram jovens da cidade de Fortaleza-CE
nascidos entre os anos de 1980 e 1990, com média de 22 a 32 anos de
idade, período em que a publicidade se voltou fortemente ao público da
infância (MONTEIRO, 2014).
A metodologia foi estruturada com uma pesquisa exploratória
inicial, com questionamentos para o levantamento dos hábitos de
consumo e suas lembranças sobre os jingles. A partir daí, os participantes
foram selecionados para a construção de relatos de vida e memória de
consumo.
194
Os resultados apontaram que a televisão teve forte influência na
infância dos sujeitos pesquisados e que suas memórias foram povoadas de
muitos comerciais devido à grande exposição à TV. Os produtos mais
desejados e/ou consumidos na infância foram brinquedos e produtos
alimentícios, os que mais apareciam em publicidade na época.
Comprovou-se que os jovens consomem hoje o que tinham o hábito de
consumir com frequência na infância, especificamente as guloseimas. Os
dados apontaram também que comerciais e jingles fizeram parte das
memórias da infância, e que o ato de assistir televisão na infância era algo
muito presente, pois se acompanhava toda a programação geral por horas.
Os participantes da pesquisa asseveraram que acompanhavam os
pais nas idas aos supermercados, influenciando a compra dos itens
desejados, e que em geral, a negação da compra do produto desejado pelos
pais alicerçava-se na argumentação da impossibilidade do recurso
financeiro. Embora os sujeitos relatassem a frustração por não poder estar
entre os que conseguiam adquirir o produto desejado no passado, hoje
consideram abusiva a publicidade infantil quando pensam naquela época,
justificando que isso torna o consumo de brinquedos e guloseimas algo
natural e necessário para as crianças. A autora considerou, a partir da
pesquisa, a necessidade da reflexão sobre a publicidade voltada para a
infância.
Lira (2015) investigou como se constroem textualmente as
identidades da criança nos discursos sobre a publicidade infantil por meio
do olhar de mães e pais, identificando as imagens projetadas e os sentidos
ideológicos atribuídos à publicidade infantil em seus discursos. A pesquisa
tinha como intuito a contribuição para a compreensão do consumo e da
publicidade que envolve a infância. Como instrumento metodológico,
foram realizadas vinte entrevistas semiestruturadas com mães e pais de
crianças entre 6 (seis) a 10 anos de quatro escolas de Brasília.
195
Os resultados analisados comprovaram que a publicidade
direcionada à infância altera a dinâmica familiar e causa desarmonia na
relação entre pais e filhos, pois, no intuito de educar, resistir e ou proibir
o consumo dos filhos, reforçam-se os papéis tradicionais da família, como
os únicos responsáveis em educar e zelar pela educação e o cuidado na
infância, não reconhecendo o papel de regulação à publicidade.
Conforme Lira (2015), a publicidade é avaliada de forma variada,
e vai desde práticas antiéticas e abomináveis à ações educativas e de
formação crítica das crianças. Os pais reconhecem que há excessos na
forma como a publicidade é constituída e oferecida a esse público. Ela
possui impactos diretos nos desejos das crianças e na expectativa de terem
suas vontades realizadas, comprovando também que elas estão muito
expostas à televisão e que essa exposição contribui para a constituição de
estilos e processos de identidade. Os pais assumem que é natural a TV
influenciar as crianças, que as despertam para o desejo de comprar e que é
coerente o comportamento das crianças de desejar, de pedir e de perturbar.
Santos (2014) buscou compreender as vivências das crianças que
nasceram na chamada era tecnológica e da cibercultura. Foram realizadas
observações, entrevistas e questionários compostos por questões sobre o
brincar, o consumo e as práticas de cuidados corporais, com crianças de 08
a 11 anos de uma escola da rede privada do município de Aracaju-SE.
Conforme os resultados, a maneira como nos tornarmos humanos
tem sido transformada pela tecnologia, revelando que as crianças
envolvidas na pesquisa viviam intensamente a realidade do ciberespaço e
são incapazes de se imaginarem em um mundo sem Internet. Na categoria
brincar, os resultados apontaram a coexistência de espaços virtuais e
concretos para o modo de diversão. Na categoria formas de consumo,
comprovou-se que, diante dos estímulos da web as crianças aumentaram a
participação na decisão de consumo sobre o que querem para se alimentar,
196
vestir, jogar e comprar e opinam cada vez mais nas compras da família. Na
categoria referente aos cuidados corporais, evidenciou-se cada vez mais a
cultura do consumo para a transformação dos corpos.
No que tange ao consumo e à alimentação, Mazzonetto (2012) fez
um estudo sobre as escolhas alimentares e comportamentos de consumo
com o objetivo de investigar os fatores predominantes de tais escolhas de
alimentos de alto e de baixo valor nutricional, tanto no momento de
ingestão, quanto no momento de compra, bem como que influencia essa
compra.
O instrumento de coleta utilizado foi a técnica de grupos focais,
com auxílio do software Alceste. Foram organizados 16 grupos focais com
71 crianças de 8 (oito ) a dez (10) anos, em 8 (oito) escolas públicas do
ensino fundamental distribuídas na cidade de Florianópolis-SC. A autora
utilizou com os grupos focais um roteiro semiestruturado com questões
sobre hábitos alimentares e comportamento de consumo com enfoque em
2 (dois) grupos de alimentos: frutas, legumes e verduras e alimentos de
baixo valor nutricional. Para auxiliar a discussão, foram utilizadas figuras
dos alimentos investigados como estímulos visuais.
Os resultados encontrados comprovaram que as crianças preferem
os alimentos de baixo valor nutricional, alegando que são mais gostosos.
Provaram saber diferenciar entre alimentos saudáveis e não saudáveis, mas,
o atributo ser saudável não desperta o desejo de consumir. Para o consumo
de alimentos como frutas, verduras e legumes, seria necessário estar com
fome ou que o alimento tivesse sabor agradável e boa aparência, além de
aparecer na TV. Por meio da pesquisa, a autora chama a atenção para que
o governo regulamente a promoção e a publicidade de alimentos para
crianças e desenvolva campanhas de marketing social que sejam capazes de
retomar a comida como afeto, sabor e prazer, forçando, assim, as indústrias
de alimentos a melhorarem a qualidade nutricional do que é vendido.
197
Araújo (2015) realizou uma pesquisa sobre as práticas parentais
alimentares e sua relação com o consumo de alimentos na infância, com o
objetivo de investigar as práticas alimentares maternas e o modo de
influenciar o consumo de alimentos de crianças de 18 meses a 8 (oito)
anos. Para tanto, realizou um estudo para compreender as práticas
parentais de alimentação infantil, bem como relacionar as práticas
alimentares maternas e outros determinantes ao consumo de frutas e
hortaliças.
Foram 844 mães participantes que responderam via internet a um
questionário disponível online que aborda práticas parentais, traduzido e
validado: Comprehensive Feeding Practices Questionnaire (CFPQ) -
Questionário de Compreensão de Práticas Alimentares, sendo parte de um
estudo transversal tipo survey. Os dados foram submetidos à análise fatorial
exploratória.
No segundo momento de estudo, participaram 681 mães, por
meio de um preenchimento de um questionário com questões dos hábitos
alimentares infantis, práticas familiares e alimentos consumidos pela mãe
e a criança.
Os resultados da pesquisa de Araújo (2015) revelaram que o
consumo materno é um forte influenciador do consumo de alimentos
saudáveis pela criança. A frequência de compra de alimentos não saudáveis
e a idade da criança também foram variáveis importantes que podem
determinar a prevenção da obesidade na infância e que, assim como a
prática materna, podem influenciar o consumo de alimentos em crianças
de 18 meses a 8 (oito) anos. O alcance do consumo de alimentos errados
na infância tem agravado o aumento de índices de sobrepeso e obesidade
infantil no Brasil devido à publicidade de alimentos não saudáveis que
estimula o consumo excessivo de produtos industrializados.
198
Considerando o estado da arte que realizamos aqui, podemos
observar alguns aspectos importantes. O primeiro deles é que o consumo
pelas crianças não é uma preocupação de pesquisadores de um único
momento histórico e tampouco de único país.
Consideramos também que a maioria dos trabalhos encontrados é
descritiva, seja dos fenômenos ou das concepções e comportamentos sobre
o mundo econômico (concepções sobre a fabricação de dinheiro,
concepções voltadas à sustentabilidade, ao consumo, à publicidade e à
socialização econômica, entre outros). Vimos que há poucas pesquisas que
objetivaram a realização de intervenção educativa no espaço escolar
(BESSA; DENEGRI; FERMIANO, 2014; DENEGRI, 2006a, 2006c;
FERMIANO, 2010; OLIVEIRA, 2006) mesmo que por indicação de
sugestões de programas educativos para o consumo. Tal fato sugere que
pesquisas de cunho interventivo são necessárias e podem contribuir para
mais reflexões sobre o trabalho com o consumo nas escolas. Apuramos
também que entre as pesquisas apenas duas trouxeram resultados após uma
intervenção educativa (KOURILSKY, 1976; ARAÚJO, 2007).
Destacamos que, embora seja o mais antigo, o trabalho de
Kourilsky (1976) é quase o único que aponta um trabalho de intervenção
com crianças em idade pré-escolar. Kourilsky (1976) defende a
possibilidade de um programa desde essa etapa, mas não faz parte de sua
pesquisa a análise do ambiente escolar, somente as percepções de alunos e
professores. Além disso, não considera as dificuldades cognitivas da criança
de seis anos. O estudo contrasta com o que vimos na Seção 1 deste livro,
que de acordo com os processos psicológicos da criança (Piaget [1926],
1975) ela ainda não é capaz de diferenciar o mundo interior do mundo
exterior, pois, presa ao egocentrismo, possui uma estrutura lógica diferente
dos adultos. Nesse sentido, suas ideias e relações sociais vividas merecem
199
uma investigação cuidadosa, já que revelam o olhar da criança sobre o
consumo e a possibilidade de pensar práticas educativas mais assertivas.
Ao pensarmos processos de intervenção, vimos também na Seção
1 que uma das premissas da perspectiva Piagetiana que sustenta a pesquisa
é que somente pela equilibração ou por uma ressignificação do novo
conhecimento é que o sujeito, com suas estruturas mentais, adapta-se ao
meio por meio da interação. Não há como desconsiderar, porém, a
qualidade que possa ocorrer, pois se o ambiente for empobrecido de um
posicionamento crítico ao consumismo, as trocas com os sujeitos serão
prejudicadas, sobretudo na infância, em que as crianças, em seu estado
egocêntrico, já não lhes permitem olhar o mundo além de sua própria
perspectiva e depende de adultos com boas intervenções. Não há, portanto,
espaços para comportamentos de educadores com concepções inatistas e
empiristas.
Consideramos, portanto, de suma importância as pesquisas aqui
apresentadas e que possuem como suporte teórico o modelo de psicogênese
de Piaget, assim como as que se basearam nos estudos de Delval (1989,
2013) acerca do conhecimento social e de Denegri (2005a, 2005b, 2006c)
sobre o pensamento econômico. Ambas fundamentam a existência de uma
sequência evolutiva, revelando mudanças de padrões conceituais pela
construção progressiva de conhecimentos sociais e econômicos. Na busca
de conhecimentos acerca do consumismo, vimos o quanto é importante
para os educadores compreenderem tais teorias a fim de desenvolver
trabalhos com essa temática. De uma forma geral, há um consenso entre
as pesquisas sobre a necessidade de uma socialização econômica de caráter
educativo acerca das questões que já atingem pré-adolescentes e
adolescentes em diferentes contextos no mundo.
De acordo com tais pesquisas, os sujeitos em idade pré-escolar,
crianças de educação infantil, possivelmente se encontrarão no nível I de
200
compreensão econômica de Denegri (2005a), assim como o nível I de
compreensão da realidade social conforme a psicogênese do pensamento
econômico Delval (2002). Contudo, é preciso explorar, mesmo dentro
desse nível, ideias explicativas acerca do consumo e do consumismo,
perseguindo os conteúdos que podem ser mais bem explorados no processo
educativo e sobretudo na educação infantil.
Na perspectiva psicogenética, evidenciamos os trabalhos de Rocha
(2009) como um dos poucos que deixam claro o que crianças que
pertencem a educação infantil (embora também envolva sujeitos mais
velhos) desejam consumir e a importância de olhar para cada criança de
uma forma singular, pois podemos descobrir algumas diferenças existentes
também em crianças da mesma idade e do mesmo estágio de
desenvolvimento, mas que têm ideias peculiares sobre o mundo
econômico, embora às vezes estejam no mesmo nível de compreensão da
realidade social.
Observamos também que das pesquisas aqui exploradas, apenas 3
(três) se preocupam em trazer a leitura crítica do consumo para o interior
das escolas e promover reflexões sobre como a indústria cultural atinge a
infância nesses espaços educativos (ANGELO, 2013; MOMO &
MARTINEZ, 2017). Contudo, em nossa perspectiva, o olhar do educador
sobre esse processo, o olhar das crianças e a observação do ambiente escolar
e pedagógico não foram explorados de forma a analisar como tais aspectos
dialogam entre si.
Podemos também, a partir da análise dessas pesquisas, afirmar que
a psicologia tem contribuído com frequência nos estudos sobre a
compreensão da criança acerca do consumo, assim como a psicologia tem
contribuído para a venda de produtos, ou seja, quando é colocada a serviço
do marketing, As pesquisas nacionais que trouxeram importantes reflexões
nesse sentido foram as de Oliveira (2006), Esperança e Dias (2008), Lange
201
et.al. (2009), Leal e Laurindo (2008), Bruck (2011), Cardoso (2011),
Fermiano, Bessa e Cantelli (2013), Sousa (2014), Monteiro (2014) e
Momo e Martinez (2017). Tais trabalhos nos ajudam a pensar como fazer
da tecnologia uma aliada do processo educativo, e da publicidade um
material para reflexão com nossas crianças que são cerceadas para consumo,
impulsionadas por personagens infantis e endossadas pelos familiares.
Os estudos aqui apresentados trouxeram variáveis de como a
escolarização, o gênero, a socialização econômica familiar e o nível
socioeconômico podem influenciar na forma que os adolescentes
entendem os fenômenos econômicos e no desenvolvimento de hábitos de
consumo e de atitudes em direção ao endividamento. As pesquisas de
Lellis (2007), Cantelli (2009), SPC Brasil (2015) e Fermiano (2010)
apontam influência da família na socialização econômica, além de uma
fragilidade da educação oferecida pela família quanto ao consumo
consciente e quanto aos comportamentos dos próprios familiares, pois não
há uma organização quantos aos gastos familiares e uma reflexão sobre os
valores que estão sendo formados, indicando-nos ainda mais a importância
da escola neste contexto pós-moderno.
Em todas as pesquisas aqui apresentadas, percebemos que o
público infantil continua a ser o mais vulnerável à exposição publicitária e
o mais incitado ao consumo, e que muitas vezes não há nenhum
responsável para intervir e orientar as crianças sobre as mensagens recebidas
ou provocar a reflexão sobre ao que assistem. Não se trata aqui de ser
radical e conservador, como refletem as considerações de Martinelli e
Moina (2009) sobre a perspectiva condenatória de que a publicidade se
associa à degradação do ser humano, à alienação das vontades individuais
e à manipulação da mídia. Entretanto, é preciso considerar também tais
questões, pois para o mercado, a questão econômica que gera lucros é a
que prevalece quando se trata de vendas de produtos e serviços. A
202
perspectiva histórica nos diz que a publicidade nasceu para informar o
consumidor sobre as qualidades do produto e que hoje sua função é a de
persuadir o consumidor (LANGE, 2009), e fazê-lo de tal forma que as
crianças não compreendam esse elemento de persuasão (BAPTISTELLA,
2001; LANGE, 2009; MCNEAL, 2007).
As duas pesquisas que tratam do consumo de alimentos (ARAÚJO,
2015; MAZZONETTO, 2012) nos chamam a atenção para a seriedade
que se deveria levar a questão da alimentação na infância e seus impactos
sociais. Segundo Silveira (2015, p. 17), “[...] a crescente oferta e o
consumo em alta de alimentos industrializados trazem consequências
como o excesso de gorduras saturadas, gorduras trans, colesterol, açúcares
e sal”. Para a autora, um grande problema é que há uma facilidade em
adquirir esses produtos, e que o acesso a eles não é controlado nem pelos
pais, nem por educadores. Além dos riscos de desenvolvimento que traz, o
consumo inadequado de alimentos por crianças possibilita, em longo
prazo, uma sociedade de pessoas doentes, com males crônicos tais como
diabetes, aterosclerose, obesidade, osteoporose e hipertensão.
Segundo estudos do IBGE (2008-2009) em suas pesquisas de
Antropometria e Estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no
Brasil, houve um salto imenso em 34 anos nos índices de obesos e com
sobrepeso. Crianças entre 5 e 9 anos do sexo masculino apresentaram
índices de obesidade de 2,9 % na década de 1980, e em 2008-2009
apresentaram um crescimento para 16, 6 %. Quanto ao excesso de peso,
os índices eram de 10, 9 % comparados aos dados mais atuais, que
representam 34, 8. %. Entre as crianças do sexo feminino, foram
levantados dados acerca da obesidade nessa faixa etária em 1974 e 1975
(1,8%), e em 2008-2009 o índice foi 11,8%; enquanto o sobrepeso teve
um aumento de 8,6% para 32,0%.
203
Conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação
Infantil Resolução n
º 5/2009, “[...] a saúde e bem-estar das crianças deve
ser uma meta para educadores infantis em parceria com familiares e
profissionais de saúde” (BRASIL, 2009), portanto, deve fazer parte da
reflexão de educadores e toda a comunidade a discussão sobre o consumo
de alimentos na infância. A Nova Base Curricular Comum, regulamentada
pela Resolução CNE/CP nº 2/2017, é ancorada também no que tange à
educação infantil pela Resolução 5/2009 e estrutura os conhecimentos e
saberes que devem ser propiciados às crianças, associados às suas
experiências em os chamados Campos de Experiências. Define como um
dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para crianças de 4
(quatro) a 5 (cinco) anos e 11 meses: “Adotar hábitos de autocuidado,
valorizando atitudes relacionadas à higiene, alimentação, conforto e
cuidado com a aparência” (BRASIL, 2017). Compreendemos, portanto,
que está clara a responsabilidade da escola no que diz respeito a adotar
hábitos saudáveis de alimentação.
Um dado interessante que corrobora esses estudos vem da pesquisa
de Rocha (2009) com crianças a partir de quatro anos, do nível pré-I, em
que os desejos de consumo são predominantemente de guloseimas como
balas e chicletes, e o dinheiro é usado com a única função de comprar
desses produtos. Essas ideias são baseadas na realidade cotidiana,
econômica e social, e em suas vivências de compras. Ou seja, é também já
interesse de consumo das crianças algo que prejudica a sua saúde,
reforçando a cultura em que vivemos o clichê de que crianças gostam de
doce.
A prática do consumo no universo infantil, em inúmeras situações,
já tem atingido um formato inconsequente e prejudicial devido à inserção
precoce da criança na sociedade de consumo, que tem como base a
promessa da satisfação imediata dos desejos humanos. Em se tratando de
204
crianças, os desejos nascem provocados e envolvidos por uma atmosfera
atraente e aparentemente lúdica, mas que tem por trás mecanismos
mercadológicos que pensam essa criança com grande potencial para o
consumo no presente e no futuro.
Nesse sentido, a maioria das crianças aprende não somente a ser
consumidora para satisfazer as suas necessidades reais, mas a ser
consumista, seja pela influência familiar, seja pela provocação por
mecanismos de marketing, ou a ausência de uma alfabetização no assunto,
passando, assim, a criarem necessidades muito além do que é real, em um
movimento constante de busca a novos e diferentes objetos de desejo. As
pesquisas também revelaram a necessidade de um letramento para a mídia
como forma de desenvolver habilidades de questionamentos, e esse deveria
também, em nossa opinião, ser o papel da educação.
A revisão de literatura nos apontou que o consumo na sociedade
transita por questões éticas, morais, econômicas, políticas, culturais, sociais
e ambientais. Considerando que a criança está em processo de formação e
de desenvolvimento, ela deveria ter a possibilidade de participar de um
ambiente educativo e cuidadoso que trouxesse espaço para reflexões sobre
as práticas de consumo e as questões que o envolvem.
Olhando para a escola, Braga (2010) traz um elemento diferencial
entre as pesquisas, que é a falta de formação do próprio educador quando
se trata de consumo. Mesmo com grau de escolaridade elevado, ele
reproduz “[...] discursos estereotipados, superficiais e midiáticos”
(BRAGA, 2010, p. 188). Nesse sentido, construir uma educação crítica
para os alunos só fará sentido se aqueles que os educam também forem
críticos e verdadeiros em suas ações.
Portanto, há possibilidades de encontrar formas de resistência a
comportamentos consumistas tanto na família quanto na escola. Um dos
205
caminhos pode ser a formação do adulto que lida com essa criança, sejam
familiares, sejam os adultos da escola. Outro caminho é a sociedade pensar
em espaços e processos educativos da família.
Assim, a escola pode ser um espaço de contribuição para a
formação da criança como cidadão consciente de suas ações, bem como de
seus impactos sociais e ambientais, mas, para isso, depende da forma de
como se concebe a criança, a infância e suas necessidades. Pelas pesquisas,
reforçou-se a ideia de como a criança, que é um ser em formação, está
muito mais vulnerável que adultos devido a sua condição cognitiva, e por
isso, é preciso pensar de que forma o currículo para a infância deve ser
construído.
As aspirações do professor sobre as possibilidades de trabalho com
o tema, o dia a dia da escola e seu posicionamento quanto à cultura da
criança ainda é algo que precisa ser explorado, assim como dar voz a
crianças em idade pré-escolar, conhecendo o que realmente é consumismo
nesta faixa etária, o que tem valor para elas, o que está por trás do seu
consumo e como isso se manifesta na escola.
Além disso, conhecer de que forma a publicidade e o consumo
entram na escola, de que forma os educadores lidam com tais conteúdos e
qual seria o papel da educação infantil nesse percurso mostrou-se
necessário, bem como pensar formas interventivas que colaborem com esse
processo de conhecimento social que já é alimentado pela sua primeira
socialização: a família.
Considerando-se o exposto é que a presente pesquisa foi delineada,
conforme poderemos ver no capítulo a seguir.
207
Capítulo 3
Trajetórias da Pesquisa
Para que o leitor compreenda a pergunta norteadora que moveu a
pesquisa deste livro e considerando o exposto até aqui e o interesse pelo
assunto, o problema da presente pesquisa foi assim delineado: Quais
aspectos relacionados ao consumismo podem ser observados na Educação
Infantil?
Os objetivos gerais e específicos foram assim definidos,
respectivamente: Identificar aspectos envolvendo o consumismo em
contextos da Educação Infantil e conhecer as crenças dos alunos da
Educação Infantil em relação às questões de consumismo e suas interfaces;
conhecer as crenças do professor em relação ao consumismo infantil e à
presença do consumismo no espaço e nas vivências da Educação Infantil;
identificar elementos presentes no ambiente da sala de aula e na rotina
escolar, bem como as interações que indiquem e/ou fortaleçam a ideia do
consumismo;
Seguiu-se todas exigências éticas de pesquisa, submetendo-se ao
Comitê de Ética e Pesquisa de FFC/UNESP, Campus de Marília-SP e foi
publicado na Plataforma Brasil. Dessa forma, foram entregues Termos de
Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) aos professores participantes e
pais responsáveis, informando-os acerca dos objetivos da pesquisa, do
tempo de duração, e em especial do sigilo e preservação da identidade, bem
como o esclarecimento de que a pesquisa não oferece qualquer dano moral,
intelectual, físico ou psicológico.
208
Para o alcance dos objetivos propostos, valemo-nos de uma
estratégia de pesquisa que se utiliza do método de Estudo de Caso. O
estudo de caso, de acordo com Yin (2001), é indicado para a investigação
de assuntos contemporâneos e é capaz de lidar com uma variedade de
evidências dentro do “[...] contexto da vida real” (YIN, 2001, p. 32), a
exemplo do presente trabalho, que investiga o consumismo, uma
problemática da sociedade pós-moderna no contexto da Educação Infantil.
Embora a pesquisa tenha sido realizada em 3 (três) escolas e 10
professores de diferentes localidades, consideramos um estudo de caso
único integrado (YIN, 2001) porque apesar de haver unidades múltiplas
de análise (professores, alunos e ambientes), os dados foram agrupados
entre as escolas. Todos os levantamentos foram realizados para abordar a
questão da presença do consumismo na educação infantil e, portanto, as
escolas, os professores e os alunos tornaram-se parte uma unidade de
análise maior.
Este estudo se constituiu pela obtenção de dados, tidos pelo
contato direto do pesquisador com o campo de pesquisa e com a situação
investigada, e que trazem a perspectiva dos participantes (LUDKE &
ANDRÉ, 2015).
Ainda de acordo com Ludke e André (2015), estudos de caso
(tanto únicos, quanto múltiplos) devem retratar a realidade de forma
completa e profunda, trazendo a multiplicidade de dimensões presentes e
enfatizando a complexidade natural das situações, bem como a interação
dos sujeitos observados, como utilizar uma variedade de fontes de
informações e considerar os diferentes pontos de vista presentes numa
situação social.
Dessa forma, os dados coletados foram descritivos e exploratórios
a partir das observações dos ambientes de escolas de Educação Infantil e
209
principalmente da sala de aula, considerando várias informações captadas
e seguindo um protocolo de observação para descrição dos ambientes,
eventos, atividades e elementos tais como imagens fotográficas de objetos,
desenhos e registros da observação. Além disso, fez-se uso de entrevistas
semiestruturadas com professores e alunos da Educação Infantil.
A escolha metodológica do estudo de caso para esta pesquisa teve
como intenção contribuir para que educadores da infância ampliassem suas
reflexões acerca da problemática do consumismo, de forma que desvelasse
o olhar de educadores e alunos com pés em uma realidade, mas a
examinando segundo parâmetros que envolvem também a realidade mais
ampla da Educação Infantil.
A pesquisa foi realizada com a participação de 10 professores e 23
alunos da Educação Infantil, pré-escola, sendo 13 meninos e 10 meninas,
pertencentes a 3 (três) escolas da Rede Municipal de Ensino em uma
cidade no interior do estado de São Paulo.
Em termos de observação o total de alunos sujeitos presentes nas
salas durante o período de observação foi uma média entre 181 a 190
crianças.
Observação nas salas de aula
Foram observadas 10 salas de Educação Infantil, segundo ano de
pré-escola, sendo que cada sala de aula foi observada por 20 horas no
período de uma semana, totalizando 220 horas de observação, seguindo
um roteiro que objetivou investigar elementos relacionados ao consumo e
publicidade ofertados pela própria escola e elementos que são trazidos
210
pelos alunos, além das relações que se estabelecem a partir da presença de
tais elementos, entre os alunos e entre os alunos e professores.
O número de salas amostradas foi calculado levando em
consideração o número de classes do segundo ano da Educação Infantil
pertencente à rede municipal em 2016, que era de 35 salas. Destas 35, dez
salas foram as observadas e seus respectivos professores entrevistados. Uma
11ª (décima primeira) sala foi também selecionada para a realização das
entrevistas com as crianças, de tal forma que, o professor desta sala não
tivesse participado do questionário. Todas as salas pertenciam às segundas
etapas da educação pré-escolar, nas 3 (três) escolas participantes, isto é,
com participantes entre 5 (cinco) e 6 (seis) anos, faixa etária que nos
pareceu mais adequada para a realização das entrevistas que elaboramos,
pautadas no método clínico-crítico.
A seleção das escolas participantes buscou critérios de
representações espaciais, sendo uma escola mais periférica, uma central e
uma localizada em um bairro de classe média alta que tem em uma
população heterogênea, cujas crianças que a frequentam no período da
tarde pertencem em parte a uma clientela economicamente menos
favorecida, advindas de um bairro periférico, que precisam ser
transportadas para a escola.
Foram 3 (três) escolas públicas participantes, representada pelas
letras A, B e C. A escola C foi representada por C e C’ em função de possuir
clientelas diferentes quanto ao nível socioeconômico de acordo com o
período vespertino e matutino.
Para a realização do projeto, contamos com a autorização da
Secretaria Municipal de Educação e a recepção das diretoras das escolas e
professoras das salas. Aos professores voluntários, foram explicados os
objetivos da pesquisa e de pronta aceitação receberam o termo de
211
consentimento. Após a assinatura do termo de consentimento, iniciamos
a observação em salas. Somente após a observação em todas as salas é que
prosseguimos para a entrevista com os professores, e por final com as
crianças.
Instrumento de coleta de dados da observação
Para a observação da sala, foi construído um roteiro contemplando
dez aspectos que pudessem nos trazer elementos relacionados ao consumo
e à publicidade voltados à criança no espaço escolar como elementos de
decoração, música, brinquedos, desenhos, brincadeiras, projetos e
materiais impressos, entre outros.
Quadro 4 – Roteiro de observação de sala de aula
ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO DE SALA DE AULA
1. Observação do espaço físico (objetos, cartazes, bonecos, decoração que remetam a
publicidade)
2. Filme ou desenho passado. Quem propôs? Houve algum trabalho antes e após o
filme?
3. Músicas tocadas ou cantadas no ambiente. As músicas estão dentro de um
contexto? Aparecem jingles?
4. Brincadeiras propostas pelo educador ou pelas crianças.
5. Evocação de personagens e/ou conteúdos da mídia pelas crianças durante a aula.
Reação dos professores.
212
6. Personagens da mídia presentes em roupas, acessórios, brinquedos, sapatos dos
alunos e dos professores (a interação se os objetos são percebidos pelo grupo ou
mesmo mostrados).
7. Observação sobre o dia do brinquedo. O que levam, como se organizam, quais
brinquedos são vinculados a personagens.
8. A professora tem alguma proposta contra a cultura da indústria cultural?
9. Projetos e conteúdos desenvolvidos na sala.
10. Circulação de revistas, gibis e outros materiais que dizem respeito à mídia e
personagens destinados à infância.
11. Outras observações:
Fonte: Elaborado pela autora
Entrevista com os professores
De posse do termo de consentimento, realizamos as entrevistas
com 10 professores efetivos ou não (contratados temporariamente). As
entrevistas foram realizadas após todas as observações em sala, para evitar
que a entrevista influenciasse a observação da sala e ocorreram nos períodos
de Hora de Trabalho Pedagógico Dirigido (HTPD) com o consentimento
da direção e da Secretaria da Educação.
A entrevista semiestruturada ocorreu no mês de dezembro de 2016
e durou, em média, de 20 a 30 minutos. As conversas foram gravadas em
aparelho de gravação de voz e posteriormente transcritas.
Seguindo princípios éticos, a identidade dos professores foi
preservada e, portanto, receberam codinomes de acordo com as escolas
213
participantes (A, B, C, C’) sendo representados por P1-A, P2-A, P3-B, P4-
B, P5-B, P6-C, P7-C6, P8-C’, P9-C’ e P10-C’.
Instrumentos de coleta de dados: entrevista com professores
A entrevista foi composta por 13 questões semiestruturadas que
buscaram verificar o posicionamento do professor de Educação Infantil
frente ao consumo voltado à infância por meio de assuntos recorrentes no
espaço escolar como brincadeiras, músicas, Dia do Brinquedo, decoração,
marketing, temas trabalhados na pré-escola, consumo na infância, compra
de brinquedos e dentre outras temáticas, contribuições da escola para a
reflexão sobre o consumismo.
Quadro 5Roteiro para entrevista com o professor da Educação Infantil
ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM O PROFESSOR DA EDUCAÇÃO
INFANTIL
1. Como você costuma agir quando as crianças trazem canções que ouvem em casa
para escola?
2.
Você costuma inseri-las, em algum momento, no seu planejamento?
3. A escola tem Dia do Brinquedo? O que você acha desse momento?
4. Se a prefeitura autorizasse e oferecesse condições financeiras para a realização de
uma festa de aniversário mensal, quando você pudesse comemorar o aniversário das
crianças, como você desejaria que essa festa ocorresse? O que não poderia faltar? Teria
presente?
5. Quais temas/assuntos que não podem faltar em projetos na Educação Infantil?
Quais temas você já trabalhou?
6.
Suponha que você tenha uma sala de aula somente utilizada por você e seus alunos
e tivesse a oportunidade de realizar toda a decoração dela. Como desejaria que fosse
essa decoração?
7. Os personagens de desenhos infantis podem contribuir para o desenvolvimento de
conteúdos na escola? De que maneira?
214
8. Quais desenhos/filmes infantis você utiliza na escola? Quais você gostaria que
fizessem parte do acervo da escola? Por quê?
9. Se a escola pudesse, no Dia das Crianças, comprar um brinquedo para cada criança,
o que acha que deveria ser comprado?
10. Nos EUA, muitas escolas com seus orçamentos apertados recebem ajuda de
empresas; em troca disso, mantêm publicidade em seu interior. Vamos imaginar que
uma empresa como a Coca-Cola se oferecesse para sanar um problema da sua escola,
por exemplo, uma pintura, um conserto ou uma construção necessários e, em troca,
solicitasse que fosse colocada a sua logomarca nos uniformes dos alunos, bolsas e
agendas. O que você acha?
11. Quais assuntos você já desenvolveu em suas turmas que acredita estarem
relacionados com a questão do consumo pelas crianças? Aponte uma situação que já
tenha vivido que envolva a relação do consumo na escola.
12. Você acredita que as crianças estão consumistas? Como percebe isso? Qual a sua
opinião sobre isso?
13. Você acredita que a escola possa contribuir para a reflexão sobre o consumismo
infantil? De que maneira?
Fonte: Elaborado pela autora
Entrevista com as crianças
Participaram desta etapa da pesquisa 23 alunos matriculados no
segundo ano pré-escolar da Educação Infantil de uma das escolas
participantes. As crianças não eram alunas dos professores que também
participaram da pesquisa, sendo provenientes da 11ª sala participante com
já fora explicado. A sala desta escola foi escolhida por pertencer a mesma
modalidade das salas observadas (segundo ano da pré-escola) e fazer parte
de uma escola central, que apresentava uma grande diversidade de público.
Os alunos foram convidados e informados acerca do trabalho, mas
somente após a consulta de seus pais ou responsáveis puderam participar
das entrevistas. Cada aluno levou o Termo de Livre Consentimento e
215
Esclarecido, anexo em que constavam os objetivos da pesquisa e
esclarecimentos quanto aos procedimentos.
Desta forma, observamos que os alunos participantes têm entre
cinco anos completos até cinco anos e onze meses, provenientes de 15
bairros diferentes da cidade, em sua maioria bairros de pessoas menos
abastadas. No que tange a formação escolar dos pais, grande parte possui
ensino fundamental e ensino médio completo, sendo que 15% declararam
a formação em ensino superior, e 10% (dez) não completaram o ensino
fundamental. A renda familiar mensal média dos pais declarantes fica
entre 1 (um) e a 5 (cinco) salários mínimos, sendo que apenas uma família
declara a renda superior a 5 (cinco). Cerca de 60% recebem entre 3 (três)
ou menos salários mínimos. Estas informações foram retiradas da ficha de
anamnese e documentos para a matrícula que as famílias fornecem à escola.
Questionados acerca do hábito da leitura em casa e da presença de
material de leitura, a maioria dos pais aponta ter livros de história e a bíblia
cristã, afirmando que há a prática de leitura destinada às crianças, contudo,
quando perguntados sobre o hábito de leitura da família 25% apontam
que não possuem o comportamento leitor, e 35%, apontam como favoritas
as leituras ligadas à religiosidade. No quesito brincar e a presença dos pais
(pais e mães), 70% apontam que brincam com os filhos, 10% apontam
que não brincam com os filhos, 10% brincam muito pouco e 10% que
somente um dos responsáveis participa da vida lúdica do filho.
As entrevistas duraram aproximadamente 30 minutos. Os dados
foram coletados com auxílio de gravação de áudio, conforme o roteiro
semiestruturado e posteriormente transcritos e analisados pela
pesquisadora. O local onde as crianças foram entrevistadas foi a sala de
apoio pedagógico. A cada entrevista a pesquisadora buscava um sujeito
durante o período de aula e o retornava para sala, sendo possível entrevistar
216
várias crianças durante a aula, respeitando os horários de lanche e
brincadeiras.
A identidade das crianças foi preservada e caracterizada por letras
aleatórias, seguidas por sua idade com ano e mês (DELVAL, 2002).
Quadro 6 – Identificação dos alunos participantes
MIG (5;5)
MIV (5;2)
MIK (5;1)
MIR (5;11)
NIC (5;6)
PED (5;10)
PEH (5;6)
RAF (5;7)
VIC (5;3)
VIH (5;9)
VIT (5;2)
ANA (5;7)
ENB (5;9)
ISA (5;2)
IQE (5;2)
JOQ (5;11)
JED (5;6)
LOR (5;6)
MAL (5;11)
SOF (5;7)
AJA (5;3)
MAT (5;9)
YAS (5;3)
Fonte: Dados da pesquisa
Instrumento de coleta de dados aplicado junto às crianças
A entrevista clínica-crítica foi composta por 13 questões
semiestruturadas pensadas de maneira que os participantes expusessem
suas explicações acerca do consumo, por meio de questionamentos,
situações-problemas, análise de uma propaganda televisiva, e uma imagem
de criança, com o objetivo de revelar opiniões frente a problemática do
consumismo, aos apelos da publicidade, aos desejos de consumo,
sentimentos e gostos buscando investigar a relação entre consumo e a
lógica infantil.
O instrumento foi adaptado para o gênero feminino e masculino e
as figuras selecionadas de acordo com aquilo que a mídia estabelece para o
gênero entre cor, personagens, etc, e entre elas a solicitação da realização
de um desenho que ilustrasse a percepção do discente, uma criança feliz e
outra criança que não é feliz, de forma que expusesse os motivos do
217
sentimento das crianças ilustradas. Para a realização do desenho, a criança
recebeu uma folha sulfite com duas divisões (criança feliz e criança não
feliz) e lápis de cor.
Quadro 7Roteiro de entrevista para crianças (sexo feminino)
ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA CRIANÇAS (SEXO FEMININO)
1. Você pode fazer um desenho para mim? Desse lado, você fará para mim um desenho
de uma criança que é feliz, e de outro uma criança que não é feliz. Você vai pensar bem
como deve fazer esse desenho, de tal forma que quando a gente olhar já vai saber quem
é a criança feliz e porque ela está feliz.
2. Quais brinquedos que gostaria que tivessem aqui na escola e que não tem? Por quê?
E esses brinquedos, você já brincou com eles antes? De onde você os conhece?
3. Uma menina não tem a Baby Alive. Você acha que ela (ele) pode brincar e se divertir
mesmo assim?
4.
Quando você não quer mais um brinquedo, você faz o que com ele?
5.
Você prefere brincar ou sair para comprar no centro da cidade? Por quê?
6. Você tem algum brinquedo em casa de personagens que passam na TV? E roupas?
E sapatos? Outros objetos que tenham personagens que passam na TV? Tem alguma
coisa que passa que você gostaria de ter? Por quê?
7. Uma menina tem uma coleção da Barbie com mais de trinta bonecas, mas ela está
muito triste porque não tem a nova Barbie Fada, e chora todos os dias pedindo para a
mãe dela. Como você resolveria essa situação?
218
8. Você tem mochila? Como é a sua mochila? Eu vou te mostrar algumas mochilas.
Imagine que você precisa comprar uma mochila. Entre essas duas que estou lhe
mostrando, qual você escolheria / não escolheria e por quê?
Figura 1 Mochila Frozen
3
Figura 2 Mochila Rosa
4
9. Você ganha presente no Dia das Crianças? E o que você vai pedir no Dia das
Crianças?
10. Quais músicas você gosta de ouvir em casa? Por quê? E na escola?
11. Eu vou contar uma história e você diz o que acha: Uma menininha estava com
muita vontade de ter uma Baby Alive (ou Bebê Reborn), mas o pai dela não tinha
dinheiro. O pai dela ganhava pouquinho e só dava para comprar a comida de casa. A
menina pediu muitas vezes ao pai, que resolveu então arranjar um trabalho de noite
também para ganhar mais dinheiro. Desse dia em diante, a menininha não viu mais o
pai porque sempre ele estava trabalhando para ganhar mais dinheiro e conseguir
comprar brinquedos para a filha. O que você acha dessa situação?
12. Assistir a uma propaganda curta (Propaganda: Grendene Sapatilha da Frozen
5
).
Conte para mim o que viu. Você gostou? Por quê? O que é isso? Você sabe para que
3
Foto da Mochila Frozen (Figura 1) disponível nas Lojas Aline. Disponível em:
http://lojasaline.com/media/catalog/product/cache/97/thumbnail/9df78eab33525d08d6e5fb8d2
7136e95/m/o/mochila_frozen_com_rodinhas_1.jpg. Acesso em: 23 ago. 2016.
4
Foto da Mochila Rosa (figura 2) disponível na Loja Catmania. Disponível em:
https://www.catmania.com.br/cdn/imagens/produtos/original/mochila_de_rodinhas_capricho_ro
sa_rourado_48598_diagonal.jpg. Acesso em: 23 ago. 2016.
5
Disponível em: https://www.YouTube.com/watch?v=yVEwZuAXwpo. Acesso em: 27 mar. 2017.
219
serve uma propaganda? Você gostaria de ter esse sapato? Por quê? O que você acha que
vai acontecer se comprar essa sapatilha?
13. Qual amigo pode ser mais legal, o que tem um monte de brinquedos ou outro que
não tem brinquedos ou tem só um pouquinho? Por quê?
14. Vamos olhar para essas fotos de duas meninas. Qual delas você acha que é a mais
feliz? Por quê? Se você pudesse escolher, gostaria de se parecer com alguma delas? Por
quê?
Neste momento apresenta-se duas figuras sendo a figura 3 (suprimida para impressão)
uma menina com shorts desfiados, camiseta mostrando a barriga, e um dos ombros,
com estampa de dois batons. Possui : pulseira, relógio, boné, corrente e anel) e na
figura 4 uma menina com vestido, próximo até o joelho, vestido florido rodado e com
mangas, ambas meninas de aproximadamente 8 anos, de cabelos longos e sorriso no
rosto.
Fonte: Elaborado pela autora
220
Quadro 8Roteiro de entrevista para crianças (sexo masculino)
ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA CRIANÇAS (SEXO
MASCULINO)
1. Você pode fazer um desenho para mim? Desse lado você fará para mim um
desenho de uma criança que é feliz e de outro uma criança que não é feliz.
Você vai pensar bem como deve fazer esse desenho, de tal forma que quando
a gente olhar já vai saber quem é a criança feliz e porque ela está feliz.
2. Quais brinquedos que gostaria que tivessem aqui na escola e que não tem?
Por quê? E esses brinquedos você já brincou com eles antes? De onde você os
conhece?
3. Um menino não tem o Boneco do Homem Aranha. Você acha que ele pode
brincar e se divertir mesmo assim?
4. Quando você não quer mais um brinquedo, você faz o que com ele?
5. Você prefere brincar ou sair para comprar no centro da cidade? Por quê?
6.
Você tem algum brinquedo em casa de personagens que passam na TV? E
roupas? E sapatos? Outros objetos que tenham personagens que passam na
TV? Tem alguma coisa que passa que você gostaria de ter? Por quê?
7. Um menino tem uma coleção de carrinhos Hot Wheels com mais de cem
carrinhos, mas ele está muito triste porque não tem o novo lançamento, e chora
todos os dias pedindo para a mãe dele. Como você resolveria essa situação?
221
8.
Você tem mochila? Como é a sua mochila? Eu vou te mostrar algumas
mochilas. Imagine que você precisa comprar uma mochila. Entre essas duas
que estou lhe mostrando qual você escolheria / não escolheria e por quê?
Figura 1 Mochila Minecraft
6
Figura 2 Mochila Azul
7
9. Você ganha presente no Dia das Crianças? E o que você vai pedir no Dia
das Crianças?
10. Quais músicas você gosta de ouvir em casa? Por quê? E na escola?
11. Eu vou contar uma história e você diz o que acha: Um menininho estava
com muita vontade de ter um boneco do Ben 10. Mas o pai dele não tinha
dinheiro. O pai dele ganhava pouquinho e só dava para comprar a comida de
casa. O menino pediu muitas vezes ao pai, que resolveu então arranjar um
trabalho de noite também, para ganhar mais dinheiro. Desse dia em diante a
menininho não viu mais o pai porque sempre ele estava trabalhando para
ganhar mais dinheiro e conseguir comprar brinquedos para o filho. O que você
acha dessa situação?
6
Foto da Mochila Minecraft (Figura 1) disponível na Loja Feito para Mulher. Disponível em:
<http://lojaroupasfemininasonline.com.br/image/cache/catalog/11259/minecraft-mochila-escolar-
infantil-jogo-unissex-varios-modelos-m11259-a35611-800x800.jpg . Acesso em: 23 jul. 2016.
7
Foto da Mochila Azul (Figura 2) disponível na Loja NetShoes. Disponível em:
http://static1.netshoes.net/Produtos/mochila-jansport-superbreak-black-label/62/764-7703-
162/764-7703-162_detalhe1.jpg?resize=254:*. Acesso em: 23 mar. 2016.
222
12.
Assistir a uma propaganda curta (Propaganda: Grendene Ben 10
8
) Conte
para mim o que viu. Você gostou? Por quê? O que é isso? Você sabe para que
serve uma propaganda? Você gostaria de ter essa sandália com o relógio? Por
quê? O que você acha que vai acontecer e comprar essa sandália e o relógio do
Ben 10.
13. Qual amigo pode ser mais legal, o que tem um monte de brinquedos ou
outro que não tem brinquedos ou tem só um pouquinho? Por quê?
14. Vamos olhar para essas fotos de dois meninos. Qual delas você acha que é
o mais feliz? Por quê? Se você pudesse escolher, gostaria de se parecer com
algum deles? Por quê?
Neste momento apresenta-se duas figuras sendo a figura 3 (suprimida para
impressão) um menino com camiseta mostrando e boné. Ele utiliza relógio, boné, e
anéis dourados, um em cada mão. e na figura 4 um menino com camiseta. Ambos
aparentam 10 anos, possuem cabelos curtis e sorriso no rosto.
Fonte: Elaborado pela autora
Análise dos dados
A análise dos dados coletados teve uma abordagem qualitativa e
quantitativa. O caráter qualitativo do presente trabalho dá-se pela tentativa
de capturar e analisar a perspectiva que professores e crianças trazem sobre
a questão do consumismo, no espaço da Educação Infantil, por meio do
contato direto da pesquisadora (LÜDKE & ANDRÉ, 2015). No tocante
à análise quantitativa, a presente pesquisa primou pelo tratamento
estatístico simples dos dados, apoiados em gráficos e tabelas que revelavam
as frequências dos fatos investigados.
8
Disponível em: https://www.YouTube.com/watch?v=VFJ8TjA0dvw. Acesso em: 29 jan. 2017.
223
Os dados apresentados na pesquisa aparecem em torno de 3 (três)
aspectos: professores, ambiente e alunos da Educação Infantil. De posse
dos dados observados no ambiente escolar, buscou-se organizá-los a fim de
estabelecer eixos e categorias, aproximando assuntos de acordo com as
questões afins do protocolo utilizado, bem como pelas entrevistas, em que
foi feita a análise das transcrições e conteúdos trazidos pelas narrativas de
professores/pesquisadora e alunos/pesquisadora. Na sequência da
apresentação dos conteúdos, foram feitas as análises e as considerações.
As entrevistas com as crianças se pautaram no método clínico-
crítico piagetiano, permitindo que elas explicassem o fenômeno
consumismo em suas vidas, de forma indireta e aberta, permitindo
acompanhar o seu pensamento (DELVAL & DENEGRI, 2002). Em
seguida, essas respostas foram apresentadas em forma de categorias, na
intenção de se observar os temas, as crenças, enfim, como as crianças
compreendiam as perguntas feitas.
Com os professores, as entrevistas tornaram possível revelar as
opiniões acerca do consumismo na infância e questões relacionadas à
educação infantil, que também foram organizadas por categorias de
respostas.
225
Capítulo 4
O Consumismo e Educação Infantil:
O Olhar dos Professores
Neste capítulo, o leitor encontrará os dados coletados com os dez
educadores de turmas de pré-escolas por meio das entrevistas
semiestruturadas a partir de um roteiro de entrevista que, conforme
anunciamos no capítulo trajetórias da pesquisa que trata das questões
metodológicas. Foi elaborado com o objetivo de conhecer o pensamento
dos educadores acerca do assunto consumismo na infância.
Perfil dos professores participantes
Com o objetivo de conhecer melhor os professores participantes da
pesquisa, apresentaremos algumas características que traçam o perfil desses
educadores segundo as categorias tempo de atuação na Educação Infantil,
faixa etária, sexo e formação inicial e continuada em nível de pós-
graduação.
Iniciando pela caracterização quanto ao tempo de atuação na
Educação Infantil, temos os seguintes dados:
226
Tabela 2 Tempo de atuação na Educação Infantil
Tempo de atuação
Ocorrências
Percentual (%)
3 a 7 anos
5
50
20 a 22 anos
3
30
27 a 31 anos
2
20
Total
10
100
Fonte: Dados da pesquisa
O tempo de atuação dos professores revela 2 (dois) grupos entre
menor experiência com 50% dos professores com experiências entre três a
sete anos, e maior experiência 50%, somados aos professores que possuem
mais de vinte anos de experiência de sala de aula.
A faixa etária dos sujeitos participantes que atuam na Educação
Infantil pode ser observada na Tabela 3, a seguir:
Tabela 3 Faixa etária dos participantes
Idade
Ocorrências
Percentual (%)
23 a 25 anos
1
10
37 a 39 anos
2
20
44 a 59 anos
6
60
Acima de 60 anos
1
10
Total
10
100
Fonte: Dados da pesquisa
A maior concentração de professores em termos de idade está
presente na faixa etária entre 44 e 59 anos, o que demonstra que há
professores com mais idade, porém, com menos experiência docente
atuando na Educação Infantil. Se comparados aos índices de experiência
227
na profissão aos índices de idade, professores entre 37 a acima de 60 anos,
representam 90%.
Quanto ao sexo, vejamos o que as informações nos apresentam:
Tabela 4 Sexo dos participantes
Sexo
Ocorrências
Percentual (%)
Masculino
0
0
Feminino
10
100
Total
10
100
Fonte: Dados da pesquisa
Como na maioria dos índices encontrados na carreira docente para
a educação na infância, o sexo feminino predomina entre os participantes.
Embora atualmente existam professores do sexo masculino na
profissão, mesmo que em uma proporção muito menor, vemos que ser
professor da Educação Infantil tem ranços históricos. A educação das
crianças pequenas foi entendida como tarefa de responsabilidade da mãe,
daí o nome “maternal”, muito utilizado nessa modalidade nas subetapas
da creche e como tarefa delegada sobretudo às mulheres (OLIVEIRA,
2007).
Na categoria formação inicial, obtivemos os seguintes dados:
228
Tabela 5 Formação inicial
Formação Inicial
Ocorrências
Percentual (%)
Magistério e Pedagogia
4
40
CEFAM e Pedagogia
1
10
Magistério e outra licenciatura
2
20
Magistério e outro bacharelado
1
10
Pedagogia
2
20
Total
10
100
Fonte: Dados da pesquisa
A formação dos participantes desta pesquisa nos mostra a
diversidade de possibilidades de escolaridade para a atuação docente,
marcada por definições legais das Leis de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional 5.692/1971 e 9.394/1996 ao longo dos tempos. Elencam-se a
formação por nível médio como magistério e posteriormente o Centro
Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM), o
que representa 50% da formação que se complementou com Pedagogia;
20% de profissionais que, pela exigência do cargo no ato de contratação,
mantiveram apenas a formação de magistério e fizeram outra licenciatura
e, por fim, aqueles que se formaram nos moldes da legislação mais recente
apenas com Pedagogia, quando também foram extintos os cursos de
formação em nível médio.
Outra informação analisada foi a presença ou não de cursos de
especialização na formação dos participantes:
229
Tabela 6 Formação continuada: Pós-Graduação
Pós-graduação
Ocorrências
Percentual (%)
Com especialização
4
40
Sem especialização
6
60
Total
10
100
Fonte: Dados da pesquisa
Entre as especializações apontadas encontramos Educação
Especial, Alfabetização, Educação Infantil e Psicopedagogia. As
informações mostram que o número de professores que possuem
especialização é menor do que aqueles que não possuem, embora maior do
que os Dados Nacionais do MEC, que é de 30% (BRASIL, 2015). Das
especializações apresentadas, apenas uma é voltada especificamente para a
Educação Infantil, logo, podemos inferir que essa busca de formação está
muito ligada ao plano de valorização do magistério que a rede oferece. É
muito recente a implementação do Estatuto do Magistério (2016) e do
Plano de Carreira (final de 2015) no município em que se fez a pesquisa,
que não são específicos à atuação docente, mas atendem a progressão
acadêmica e não acadêmica do professor enquanto funcionário público.
Análise da entrevista com os professores
Para análise das respostas e como já explicitamos no percurso
metodológico, fizemos agrupamentos por eixos temáticos na intenção de
aproximar ideias afins que compõem cada assunto que versasse sobre o
consumismo na escola, a saber:
Eixo temático 1 Música do ambiente familiar X música na escola;
Eixo temático 2 Dia do Brinquedo na escola;
230
Eixo temático 3 Comemoração de aniversário na escola;
Eixo temático 4Projetos na Educação Infantil;
Eixo temático 5 – Desenhos/filmes infantis na escola;
Eixo temático 6 Decoração na escola;
Eixo temático 7 Compra de brinquedos pela escola;
Eixo temático 8 Propaganda X escola;
Eixo temático 9 Consumismo e escola.
A) Música do ambiente familiar X Músicas na escola
O primeiro eixo temático presente na entrevista tem por objetivo
conhecer questões relacionadas às músicas ouvidas pelas crianças no seio
familiar, a presença destas na escola e de que maneira o professor as recebe
e insere em seu cotidiano.
A música é uma linguagem, um artefato cultural que circula entre
diferentes espaços sociais e tornou-se um produto simbólico da indústria
cultural
9
, consumido também pelas crianças. As duas primeiras questões
da nossa entrevista versaram sobre tal temática: Como você costuma agir
quando as crianças trazem canções que ouvem em casa para a escola? Você
costuma inserir em seu planejamento as canções que eles trazem ou
sugerem?
9
Indústria Cultural termo cunhado por Theodor W. Adorno e Max Horkheimer (1985),
utilizado para denominar uma cultura de dinâmica fabril da produção artística, que esvazia o valor
simbólico da produção da arte e se apresenta como um produto.
231
As respostas dadas à primeira questão revelaram 3 (três) categorias
diferentes: a “indiferença”, a “relativização” e a “inserção”. Vejamos a
frequência de respostas em cada categoria:
Tabela 7 Ação do professor frente às canções trazidas pelas crianças à escola
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
1 Indiferença
2
20
2 Relativização
6
60
3 Inserção
2
20
Total
10
100
Fonte: Dados da pesquisa
A categoria “relativização” foi constituída pela maioria das
ocorrências nas falas dos docentes. As respostas nesta categoria ressaltam
existir critérios de seleção para que a música trazida pela criança seja aceita
pelo professor no ambiente escolar, como argumenta PE2–A.
Costumo dizer assim, que na escola dependendo do palavreado, do que
se trata a música, eu falo “olha essa música nem todo mundo ouve, essa
música é pra ouvir em casa, aqui na escola tem música que não pode,
aqui é o espaço de todo mundo, então essa não é uma música que dá
pra todo mundo cantar na escola, então essa lá em casa o pai a mãe
gosta e deixa então escuta em casa, aqui não pode”. Dependendo do
que fala, do que trata.
Percebemos que os critérios que os professores estabelecem para
que não se cante na sala da aula é se a letra trouxer algo ofensivo, pejorativo
ou pornográfico, sendo citado também por três professores (P6C, P8C’,
P9C’) o gênero funk como algo negativo. A docente P8-C chega a dizer
232
que os próprios alunos reprimem letras de músicas pesadas com o
argumento de que não é de Deus: “Quando é música funk, que tem as
letras mais pesadas, que já conheço de ouvir, eles mesmos já falam um pro
outro: ‘Ô tia! Está cantando música que não é de Deus!’”.
Frente aos critérios para a permissão de socialização de músicas que
os alunos trazem, apenas a fala de uma professora aponta que há uma
tentativa de trabalho reflexivo quanto ao teor das letras, mas de uma forma
pontual.
Quando não é nada que tenha palavrão, alguma coisa mais sugestiva,
“mas o que é isso, o que significa essa palavra”. Já aconteceu. Se for
uma turma mais madura que dá para lidar. Como é isso? Eles cantam
e você faz o quê?
Eles cantam e a gente faz uma reflexão, “o que é isso, o que quer dizer”.
Não vem nada na mente agora para exemplificar. É uma coisa mais
pontual? Isso, na hora que acontece. (P2A).
Fica claro que o crivo para a entrada de músicas que são trazidas de
casa para a escola é ter ou não o palavrão, ou algo que a professora entenda
como sugestivo. No desenrolar da entrevista, a P1A revelou que ficou
muito assustada com uma brincadeira de mãos em que as crianças
cantavam: “Pikachu
10
, pica em cima, pica em baixo”, acreditando ter duplo
sentido:
10
O Pikachu é um personagem pertencente ao jogo eletrônico Pokémon, desenvolvido pela
Nintendo e The Pokémon Company, empresas japonesas, desde 1996 (LINN, 2006). A brincadeira
adoleta é uma brincadeira de mãos.
233
Eu pergunto, que música é essa? Ai eles cantam, foi o que aconteceu
ali. Uma que me chamou atenção, mas eu não tinha ouvido, acho que
eu comentei com você, que é adoleta do Pikachu. E quando eu ouvi:
Pica em cima e pica em baixo. Na hora eu ouvi o pica, ai eu parei.
Como é que é essa brincadeira? Mas sem chamar a atenção. E eles não
perceberam. Se fossem crianças maiores tinha maldade, mas eles são
pequeninos. Então como eles vieram brincar comigo pica em cima e
pica em baixo... Podia ser Pikachu em cima, Pikachu em baixo, mas
para rimar... eles cortaram...Mas que realmente para mim, fica algo
grosseiro, talvez eu seja tradicional, mas não pica em cima e pica em
baixo. Se escuta isso dentro da sua casa, para alguns isso deve ser muito
natural. Eu tenho plena consciência que alunos aqui já ouviram coisa
que eu ainda não ouvi, de tudo, de drogas, de bebidas, de sexo. Por
mais que eu fale que eu já vivi bastante, e tem crianças aqui minhas,
que eu não tenho dúvida... (P1A).
O que vem ocorrendo de uma maneira geral é que o repertório de
músicas que as crianças cantam e têm acesso não fazem parte apenas do
universo infantil. Sabemos que elas não vivem em um mundo à parte, mas
a problemática deve ser encarada como algo mais sério nos espaços
educativos. Apenas para ilustrar, em observação a uma das salas (P3–B),
ouvimos as crianças cantando um trecho da música sertaneja “Cinquenta
Reais” (cantora Naiara Azevedo), que fala sobre traição e sobre uma relação
afetiva mal resolvida, além de incitar à violência e tratar com banalidade a
relação sexual. Por influência da mídia e muitas vezes sem qualquer
criticidade dos adultos familiares, pois em geral os pequenos ouvem junto
com seus entes, as crianças têm um repertório de músicas cujo conteúdo
elas muitas vezes não compreendem. Nesse sentido, consideramos que a
criança exposta a esse tipo de música está consumindo um produto
desnecessário à sua faixa etária e que não agrega nada ao seu crescimento,
além de ser uma influência negativa à sua formação integral. Há músicas
234
que incitam a sexualidade em crianças que não estão suficientes preparadas
para compreender, pois não possuem estruturas cognitivas e emocionais
para tal. Carvalho (2009) alerta sobre o estímulo precoce que a televisão
exerce sobre os jovens, que não estão preparados para uma vida sexual e
muito menos para assumir as consequências. No entanto, pode-se afirmar
que não é somente o adolescente que sofre tal influência, e que também
que há outros meios de comunicação influenciadores tais como o
computador, o rádio e o celular. Vemos crianças de tenra idade que já
cantam músicas que falam de bebidas, de “pegação” e traição com muita
alegria e inocência.
De acordo com Maffioleti (2001, p. 127), cabe ao professor “[...]
legitimar ou não as manifestações populares dentro da escola, criando um
espaço para sua realização ou impedindo que elas aconteçam”.
Mesmo muito pequenas, as crianças conhecem várias músicas,
trazendo para a escola aquilo que aprenderam com seus pais ou
assistiram na televisão. [...] considerando, que se divertir é uma
manifestação cultural povos diferentes riem de coisas diferentes
precisamos compreender o contexto no qual rebolar o bumbum” passa
a ser um divertimento para as crianças pequenas. Muitas vezes ficamos
sem saber o que fazer quando a menina de quatro anos imita a loira do
Tchan
11
. Acredito que a repressão dessa manifestação não seria
compreendida pela criança, pois vê que os adultos se divertem com
isso, porque ela não poderia fazê-lo? [...] Questionar nossos
preconceitos pode ser uma forma de encararmos a situação com mais
segurança, pois os meios de comunicação, estão criando uma outra
forma de sentir e perceber o mundo (MAFIOLETI, 2001, p. 127).
11
Grupo musical dos anos 90 “É o Tchan”, que tocava axé e tinha dançarinas que dançavam e
rebolavam acompanhando a apresentação musical.
235
Os gêneros musicais trazidos pelas crianças e citados nas entrevistas
pelas professoras são funk, hino de futebol e música gospel, como nos
mostra P7C: “Tem umas músicas da igreja que fazem gestos que a Julia
(aluna) sempre traz e quer mostrar para os amiguinhos, na hora da roda a
gente deixa ela ensinar ou na hora de ir embora”.
Considerando que estamos falando de escolas públicas e, portanto,
teoricamente laicas, caberia também uma reflexão do educador acerca da
canção socializada para as crianças. Outra definição de tipo de música que
as crianças trazem, mas que a professora não chega a categorizar como
gênero, são as músicas da mídia (P7C), ditas como música de sucesso,
tocadas com mais frequência na televisão, rádio e internet, entre outros
canais de acesso.
Caberia ao professor um trabalho atento aos momentos em que as
crianças expressam seus conhecimentos musicais a fim de criar situações
didáticas para de fato reconhecer a linguagem musical, constituída de uma
estrutura e com características próprias. O educador deve criar situações
didáticas de produção e apreciação, e também buscar a reflexão e ofertar
possibilidades para que a criança consiga construir alguns critérios e refletir
sobre a qualidade do que ouvem e cantam, ampliando o seu repertório.
Além desse universo erotizado e adultizado trazido por algumas músicas
que fazem parte do repertório das crianças, temos na atualidade um “[...]
comércio de canções cuja letra carece de sentido, sem nenhum atrativo
sonoro e com um andamento sempre igual da primeira até a última
música” (MAFFIOLETI, 2001, p. 128).
Para Maffioleti (2001), há produções feitas apenas para vender,
sem qualidade alguma, que desconsideram a criança como um ser capaz de
pensar e sentir. Brito (1998) também nos alerta que as produções que
entram na escola infantil não podem cair nos extremos: aceitar qualquer
coisa como processo criativo, sem qualquer orientação, e/ou ter a música
236
apenas como um meio de didatizar algum conteúdo, ignorando qualquer
possibilidade criativa.
Portanto, ao ouvir o que as crianças consomem em termos musicais
e trazem para a escola, o segundo passo seria construir com as crianças um
trabalho de desenvolvimento de interpretação, reflexão e ampliação de
conhecimentos musicais.
As demais categorias frente à questão “o que fazem com as músicas
que as crianças trazem para a escola” tiveram ambas duas ocorrências. A
denominada “indiferença” indica que o docente se mostra indiferente às
canções trazidas pelas crianças: “Eu procuro não dar importância” (PE1
A). Por fim, ao contrário da anterior, no que se refere às respostas
enquadradas na categoria “inserção”, o docente entende como importante
a inserção das canções trazidas pelas crianças no ambiente escolar. Por
exemplo:
Não dá para ignorar... não dá para a gente dizer que não está ouvindo...
A gente oferece algo em troca, algo melhor, para que eles façam depois
a melhor escolha. Eu acho que a criança é aquilo que ela vai vivenciar,
o que conhece como realidade, então até que vá ter uma outra
realidade, um outro conhecimento, ela pode até achar que isso é
normal, conhecer que sempre há uma outra proposta começam a
diferenciar. O bom e o belo são as diferenças. (P3B).
Já as respostas dadas à segunda questão deste eixo temático se
divergiram em respostas positivas e negativas, ou seja, professores que
admitem inserir canções trazidas/sugeridas pelas crianças no planejamento
escolar e outros que admitem não inseri-las. Seguem as ocorrências para
cada posicionamento:
237
Tabela 8 Inserção das músicas no planejamento pelo professor
que são trazidas pelas crianças
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
1 Sim
7
70
2 Não
3
30
Total
10
100
Fonte: Dados da pesquisa
Diante da tabela, observa-se que a maioria dos professores admite
inserir no planejamento tais canções, e alguns dos argumentos presentes
foram os seguintes:
Ah, eu deixo elas cantarem, mas depende da música, mas normalmente
eu deixo elas cantarem na roda, mas não faço um trabalho específico,
com a música não. Elas geralmente cantam na roda. Cantam e tem dia
que não acaba, aí eles ficam assim, não vai acabar essa música? Mas eu
sempre deixo. (P5B).
Ou ainda P6B, que diz inseri-las, mas com uma postura mais
determinista sobre processos de aprendizagem acerca da música,
considerando que as crianças não podem vir a aprender a escuta musical:
Sim, oralmente. De momento específico da música, só pra ouvir, para
os outros ouvirem, pois eles não conseguem se concentrar, então por
exemplo num trabalho de arte, eu coloco uma música mais calma para
eles irem ouvindo, mas não só voltado pra música, eles não conseguem
prestar atenção, se concentrar só nisso.
238
Dos 7 (sete) professores que afirmaram inserir a música que as
crianças trazem no planejamento, 5 (cinco) apontam o momento da roda
de conversa inicial e 2 (dois) do término das atividades. Pelas respostas,
vimos que um trabalho mais duradouro e com desdobramentos didáticos
pedagógicos foi realizado por P7
C, que afirma ter construído um projeto
com um hino de futebol da cidade, aprendido e explorado pelos alunos
durante o ano todo:
Hino do (...) trabalhei com o hino do (...) por conta de um aluno que
era apaixonado pelo time de futebol da cidade, queria ouvir o seu hino,
trabalhei com a letra, cantava todo dia o hino do(...) E todos se
apaixonaram pelo time de futebol, aquele ano foi assim, o cartaz ficava
fixado no varal, fiz o cartaz com o hino do (...), com o símbolo do time,
nós cantávamos todo o dia o hino do (...) por conta dessa paixão de
um aluno que virou da sala inteiro.
Por outro lado, 3 (três) docentes disseram não permitir a inserção
destas canções em seus planejamentos, como visto no exemplo que segue:
Eles vão cantando, acho que não dá para proibir, impossível a gente
proibir. Ouvir a gente ouve, agora, trazer para o planejamento isso não.
Até porque a qualidade da música, mas a música vai até animada, mas
a letra não vai. (PE3B).
Percebemos que os educadores que não permitem a inserção
consideram de antemão que a qualidade do que as crianças trazem é ruim.
Em suma, as duas perguntas nos levaram a análise de como os professores
recebem o que as crianças trazem em termos de consumo musical e se há
por parte da escola algum trabalho de orientação para esse consumo. Longe
239
de se estabelecer julgamentos negativos para a criança de algo que faz parte
de seu repertório familiar, é preciso criar formas de ampliar a escuta da
criança para o consumo musical, possibilitando o acesso à diversidade de
gêneros e a produções culturais de boa qualidade.
B) Dia do Brinquedo na escola
O Dia do Brinquedo, atividade muito comum na Educação
Infantil, é nosso segundo eixo temático, cujo objetivo é conhecer a visão
do professor acerca da atividade. As questões que fizeram parte dessa
temática foram: “A escola tem Dia do Brinquedo?” e “O que você acha
desse momento?”
Quanto à opinião acerca das atividades, obtivemos as seguintes
respostas:
Tabela 9 Opinião do professor sobre o Dia do Brinquedo
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
Prazer aos alunos
2
20
Momento de novidade
1
10
Conhecer os alunos
2
20
Compartilhamento
4
40
Interação
1
10
Total
10
100
Fonte: Dados da pesquisa
Podemos observar que, na visão dos docentes, predominam
aspectos positivos em relação à atividade e ao tempo destinado às crianças
para trazer brinquedos de casa, com exceção da opinião do docente P2A,
240
que aponta como único objetivo a novidade e a consequência negativa
disso:
Nem todos trazem brinquedos, né, nem toda criança tem um
brinquedo legal pra trazer, não sei, eu fico... aí acaba pegando o
brinquedo da escola mesmo, que é o de sempre, não tem uma
novidade. Porque o brinquedo seria uma novidade. Seria esse o
objetivo? Sim. (P2A).
Entre todos os professores, apenas P2A citado acima e P8C
revelam a preocupação pela possibilidade de que a criança não tenha um
brinquedo para levar na escola. Embora veja positivamente a atividade, o
docente P8C ressalta o aspecto negativo da impossibilidade de reconhecer
se o educando não tem condições de fato de trazer o brinquedo porque
não o tem ou porque não deseja trazê-lo.
Acho bom, é um momento de descontração, eles brincam sem
compromisso, pega um brinquedo e brinca, pega outro, tem muita
criança que não traz porque diz que não tem, um lado negativo da
gente não saber até que ponto a criança não traz mesmo porque não
tem, porque não quer. Tem criança que traz e deixa na mochila, pega
brinquedo dos colegas, tem criança que leva embora o brinquedo da
escola ou de outro coleguinha. (P8C).
A maioria das ocorrências (P4B, P6C, P7C, P10C) traz o fator
do compartilhamento dos brinquedos como destaque:
241
Acho importante, pela troca, pelo faz-de-conta, pelo trocar com o
outro, pelo emprestar, pelo dividir. Acho importante socializar, porque
geralmente na casa deles eles brincam sozinhos, então não precisam
dividir. E aqui eu me proponho a dividir com meu colega, acho isso
importante. (P7C)
Conhecer o que pensam os professores sobre essa atividade, que
tem se tornando comum em salas de pré-escola, pode oferecer uma
dimensão acerca do Dia do Brinquedo e abrir um caminho para que
surjam diálogos e reflexões junto às crianças acerca do consumo de
brinquedos e das possibilidades da partilha como alternativa para o não
consumo de novos brinquedos, mas a troca entre amigos, organizar feira
de trocas de brinquedos, organizar regras sobre o que é permitido trazer,
fortalecer nas crianças a ideia de que elas também podem criar um
brinquedo ou mesmo trabalhar a ideia de criação de brincadeiras livres do
objeto brinquedo. A preocupação específica sobre o consumo de
brinquedos revelou-se em dois professores, mas em uma perspectiva mais
individual de a criança ter ou não o brinquedo para levar na escola, uma
vez que o Dia do Brinquedo também é o dia de revelar o que se tem como
brinquedo em âmbitos de aprendizagem reflexiva. Os professores fizeram
outros apontamentos sobre a positividade da troca dos brinquedos, porém,
não chegaram a tocar na questão do excesso de brinquedos nem discutiram
sobre os brinquedos que são levados, os que são mais desejados e o que são
produtos de marketing.
O Dia do Brinquedo também pode trazer à tona alguns elementos
de uma infância que é cooptada pelo consumismo, em que as crianças
exibem diferentes brinquedos, coerentes com a sociedade de consumo dos
excessos, ou mesmo revelar a infância traída, como diz Castro (1998): uma
infância pobre que questiona a sociedade dos excessos e que chega apenas
para alguns. Longe de o excesso ser positivo, o que queremos afirmar é que
242
há uma heterogeneidade de mundos sociais e culturais das crianças, além
de um desejo reprimido presente nesta sociedade.
Indagados acerca do direcionamento do Dia do Brinquedo, todos
os educadores responderam que deixam os alunos brincarem livremente.
Dentro da categoria “brincar livre”, identificamos nas falas ações do
professor tais como observação, mediação de conflitos e brincar junto aos
alunos.
Tabela 10 Categorias e ocorrências de respostas dos professores frente ao
direcionamento no Dia Brinquedo
Categorias
Ocorrências
Observação
2
Mediação de conflito
6
Brincar junto
2
Total
10
Fonte: Dados da pesquisa
A intervenção de conflito aparece como a maior ação do professor
no Dia do Brinquedo. Em uma das falas como forma de intervenção, a
professora P8C expõe a divisão de gênero entre o brincar e, de certa
forma, o consumir brinquedos:
Os meninos trazem bastante bola ou carrinho, entre eles ficam
brincando. Ás vezes eu largo na quadra quando eles estão muito
querendo brincar de bola, deixo as meninas no palco e eles jogando
bola. Geralmente com bola tem que interferir, porque um briga, não
quer deixar o outro brincar. Com as meninas elas montam casinha,
então fico ali por perto auxiliando, uma faz comidinha, a outra quer
brincar com a bonequinha, às vezes uma encrenca com a outra de não
243
querer deixar brincar porque uma trouxe a Baby Alive, tenho que
trabalhar esse negócio de emprestar. (P8C).
Embora não seja o objetivo do presente trabalho, faz-se impossível
não relatar a divisão de gêneros que ocorrem entre meninos e meninas e a
relação de consumo de brinquedos. Brougère (2004) nos provoca a pensar
que as culturas lúdicas têm sexo, e embora a variedade de experiências
lúdicas não remeta unicamente à divisão de gêneros masculino e feminino,
o consumo de brinquedos entre meninos e meninas ocorre da seguinte
maneira: enquanto os brinquedos femininos “[...] evocam maciçamente o
universo familiar [...], os brinquedos masculinos são marcados por
temáticas que não pertencem ao lar, desde carro que permite sair de casa
até aos universos profissionais e à aventura [...]” (BROUGÈRE, 2004, p.
294).
A cultura lúdica é sexuada e isso em referência às experiências bem
precoces. Quando a criança aprende a brincar, sem dúvida já investe
diferenças de origem biológicas em termos de tonicidade e de
motricidade e a diferença de cultura vai construir-se, mais ou menos
reforçada pelas pessoas que a cercam e pelos ambientes (BROUGÈRE,
2004, p. 301).
Contudo, ainda conforme Brougère (2004, p. 304), a cultura
lúdica sexuada não é totalmente uma produção da sociedade adulta; ela é
também a “[...] reação da criança ao conjunto de propostas culturais, de
interações que lhe são mais ou menos impostas”. Essa dimensão do sujeito
que pensa, reflete, subverte a ordem e dá sentido deve ser valorizada pelo
educador, assim como compreender que o papel da escola difere ao da
indústria de brinquedos e da publicidade que os acompanha, e até mesmo
244
da família. Difere quando possibilita as inúmeras formas de brincadeiras,
brinquedos e organizações, e de propor às crianças reflexões acerca da
condição de papéis sociais tradicionais e estereotipados, compreendendo
as similitudes entre meninas e meninos, entre as brincadeiras que são
comuns e que os brinquedos não são demarcados em terrenos inflexíveis
entre meninos e meninas.
Além disso, a docente P8C’ faz uma observação sobre mediação
de conflito quando alguma criança traz a requisitada boneca Baby Alive,
vista como pivô de “encrenca” pelo não compartilhar da criança e pelo
grande desejo das meninas em tê-la.
A boneca Baby Alive é de fabricação da empresa americana Hasbro,
a terceira indústria de brinquedo no mundo atrás da Lego e da Mattel. A
Hasbro produz inúmeros brinquedos vinculados ao cinema, desenhos e
publicidade, entre eles Transformers, Star Wars, Disney Princess e Disney
Frozen. A boneca é a “febre” do momento entre as meninas e suas
variedades também aparecem como objeto de desejo, como veremos
adiante. No site oficial da indústria no Brasil, encontramos 44 itens
relacionados à boneca. Na coleção em que a Baby Alive alimenta,
encontram-se as versões “Hora da festa, Hora do passeio, Hora do sono,
Hora do troninho, Hora do chá, Hora de comer, Hora de brincar, Go Bye
Bye e escolinha”, entre outros, e cada uma delas pode ser encontrada na
versão negra, loira e morena. O preço médio de uma boneca como esta
varia de acordo com possibilidades tais como se ela come, fala, faz cocô,
ou se não faz nada, chegando a valores que ultrapassam R$500,00
(quinhentos reais), além do fato de que um acessório como o
kit Super Refil,
com quinze fraldas e quinze unidades de comida para a Boneca Baby Alive,
tem um preço médio de R$100,00 (cem reais).
Numa leitura crítica aos brinquedos demasiadamente sofisticados,
Linn (2010) defende a brincadeira criativa e o estímulo dos brinquedos à
245
imaginação, portanto, bonecas como a Baby Alive, que fazem de tudo
desde falar, comer e evacuar até engatinhar, deixam muito pouco para que
a criança tenha a sua ação criativa “[...] quando se trata do faz de conta,
menos realmente é mais” (LINN, 2010, p. 17).
Outro aspecto relacionado a essa boneca foi a situação relatado pelo
P8C’, em que a criança a trouxe, contudo, não tirou da bolsa no
momento do Dia dia Brinquedo. A professora hipotetiza que as meninas
recebem tantas recomendações para que não estraguem a boneca que elas
acabam não socializando o brinquedo. Nessa perspectiva, o brinquedo
perde totalmente a sua função, afinal, de que vale levar um brinquedo para
a escola se não é possível socializá-lo, se não é possível o brincar? O fato de
levar uma boneca na escola e deixá-la na bolsa pode, no mínino, levar a
inferência de que essa criança quer garantir seu status, valendo-se de que
possui essa boneca tão cobiçada entre as meninas.
É importante declarar também que o brincar livre declarado pelos
professores muitas vezes se confude com uma ação laisse-faire, que se choca
com a visão construtivista em que acreditamos. O fato de proporcionar
liberdade para que as crianças brinquem no Dia do Brinquedo em hipótese
alguma deve fugir da intencionalidade educativa que deve ser imprimida
pela escola. Os professores e a equipe pedagógica podem pensar maneiras
de organizar espaços, tempos, trocas, explorações, criações e até mesmo
discussões e registros a partir do Dia do Brinquedo, além de outras ações
reflexivas acerca do consumo, ja citadas neste eixo.
C) Comemoração de aniversário na escola
Neste eixo, analisamos a resposta à seguinte situação hipotética:
Se a prefeitura autorizasse e oferecesse condições financeiras para a
246
realização de uma festa de aniversário mensal, na qual você pudesse
comemorar o aniversário das crianças, como você desejaria que essa festa
ocorresse?
De maneira geral, os professores gostaram da ideia hipotética da
realização de uma festa, como vemos no relato dos docentes:
É uma ideia interessante, porque tem muitas crianças que não podem
e não fazem a comemoração do aniversário como uma forma de suprir
algo que não ocorre em seu ambiente familiar. (P4B).
Seria legal porque muita criança não tem festa de aniversário. (P8C).
Teria que conversar com eles, ver o que eles esperam de uma festa
porque muita criança não tem essa condição, então conversaria com a
turma, o que eles gostariam que tivesse na festa. (P2A).
Eu faria como se estivesse fazendo para o meu filho. Pelos alunos que
eu tenho aqui, eu sei que é um público carente. (P1A).
O fator financeiro para a realização de festa de aniversário na escola
foi apontado por quatro professores. Outro aspecto que chama a atenção
nos dados descritos é a preocupação do professor em trazer aquilo que as
crianças gostam. É quase unânime entre as falas dos professores quando
elencam os itens, a justificativa, o gosto das crianças como vemos a seguir:
Eu gostaria de trazer o que eles gostam, bolo, bexiga, guaraná (P5B).
O que não poderia faltar é aquilo que eu mais percebo que eles têm
vontade e necessidade, que seriam os salgadinhos, coxinhas que eles
falam o bolo e o brigadeiro. (P4B).
247
Todavia, é preciso pensar que, mesmo que as crianças já tragam
seus desejos e gostos construídos pela primeira socialização familiar, cabe
refletir sobre aquilo que se coloca nos espaços escolares. Quanto aos
aspectos nutricionais dos alimentos consumidos na infância, pesquisas
mostram que nas escolhas alimentares das crianças predominam os
alimentos sem valor nutricional (ARAÚJO, 2015; MAZZONETO,
2012), e que as famílias influenciam de forma negativa no modo em que
as crianças se alimentam.
Nesse sentido, embora se considere muito importante que o
professor conheça os sentimentos, opiniões e desejos de seus alunos e
sinalize uma postura de respeito à infância, cabe ao educador, em um
processo construtivista, considerar a voz da criança para a elaboração de
uma festa, como a questão exemplifica. Entretanto, pode ser uma grande
oportunidade para vários aprendizados acerca da alimentação, consumo
em geral e afetos, entre outros aspectos.
Segue abaixo o quadro sobre as escolhas dos professores do que não
poderia faltar na festa de aniversário:
Tabela 11 Opções dos professores sobre o que não poderia faltar no aniversário
Itens para o aniversário
Percentual (%)
Pula-pula
40
Escorregador
20
Piscina de Bolinhas
10
Bolo
100
Brigadeiro
10
Salgadinhos
30
Suco
20
Refrigerante
20
Bexigas
50
Decoração sem personagem
10
248
Decoração com Personagem
20
Participação dos alunos
20
Brincadeiras cooperativas
10
Brincadeiras
20
Música
20
Amiguinhos
10
Presente
70
Sacolinha surpresa
10
Palhaços
10
Personagens da moda animação
10
Fonte: Dados da pesquisa
-se que os professores consideraram como item principal o bolo,
depois o presente seguido de bexigas e do brinquedo pula-pula, que tem
sido muito utilizado em festas de aniversários em casas e bufês infantis.
Foram 20 itens elencados que os professores trouxeram para a realização
da festa, com 51 ocorrências.
O objetivo dessa investigação foi verificar, sob o olhar do professor,
quais itens devem ter importância e serão consumidos em um aniversário.
Sabemos que, se por um lado a comemoração do aniversário é algo
importante para o bem estar e para o fortalecimento da autoestima daquele
que celebra a vida, e que muitas crianças não têm essa oportunidade junto
aos familiares, por outro lado uma festa pode se tornar um fator
considerável nos gastos de descartáveis, muitas vezes vinculados a
personagens de desenhos infantis midiáticos. A escola pode se tornar, nesse
sentido, uma porta de entrada para a publicidade infantil nesses momentos
se critérios para a realização de tal comemoração não forem estabelecidos.
Em uma perspectiva ambientalista consciente, as festinhas de aniversário
podem inclusive se tornarem um momento de socialização entre os pares
e de aprendizagens importantes, tais como a relação de afetos, reflexões
249
sobre o consumo, alimentação saudável e a necessidade de se estabelecer
critérios junto às crianças sobre o que realmente importa quando
festejamos um aniversário.
Para um trabalho mais efetivo de festas na escola, seria importante
que os professores dialogassem de forma consciente e reflexiva e
estabelecessem regras e protocolos acerca o que é de fato necessário e
saudável para a realização de uma festa. A questão do consumo consciente
na escola necessita de professores que se posicionem como tal, para que
haja uma coerência entre aquilo que a criança vive dentro do espaço escolar
e a mensagem do professor quanto à formação de escolhas e hábitos
sintonizados com uma melhor qualidade de vida.
Dos 10 professores, 3 (três) apontam a decoração e um se preocupa
com a neutralidade do tema, que deve ser desvinculado de personagens
midiáticos, e 2 (dois) vinculam a festa a personagens da mídia, “de
animação que fosse da ‘moda’”, como vemos nos exemplos a seguir:
E ai eu enfeitaria essa sala toda, com música, motivo de festa. Como
seria esse motivo? Olha, eu se fosse meninas eu faria de princesas
mesmo. O que está na moda agora e até de fazer personagens para
fazer uma encenação para eles. Meninos têm super-heróis. (P1A).
Que tipo de decoração? Personagens que eles gostem. Se fosse muito
dinheiro... (P10C) Quais personagens você traria? Os que eles mais
gostam a tal da Baby Alive (que não tem jeito, ontem inclusive fiz
cartinhas para o Papai Noel, e o que saiu de Baby Life foi incrível). Eles
gostam bastante também de Power Rangers, tem bastante criança que
fala. Personagens de desenhos animados, acho que a maioria gosta.
(P10C).
Sem um personagem específico, Barbie, Super-heróis, porque mesmo
que a gente tente separar as meninas também brincam de super-heróis
e os meninos também brincam de bonecas, acho que iria gerar um
250
conflito bem grande. Então sem tema. Cores como um arco-íris,
bexigas coloridas com fundo preto, branco, vermelho, que não puxasse
nem para o rosa ou para o azul. (P6B).
De acordo com o relato de P6-B, o fato da festa não possuir um
tema com personagens específicos está relacionado a uma forma de se a
evitar conflitos entre os alunos, não elegendo somente um personagem, e
não propriamente a uma reflexão sobre o consumo consciente.
Podemos asseverar que as escolhas levantadas pelos professores
sobre o que seria primordial em uma festa de aniversário passam também
pelos estereótipos que eles carregam sobre o que o pertence à infância, o
que consideram como elementos alegres e personagens infantis positivos,
ou o que elegem como fundamental ou periférico.
Cunha (2007, p. 138), em um trabalho de pesquisa na Educação
Infantil sobre imagens presentes na sala de aula, encontrou respostas dos
professores acerca das escolhas de personagens midiáticos na decoração.
Nelas, verificou-se o mesmo argumento de que a criança é quem gosta dos
personagens. Para a autora, o que ocorre é uma transferência de
preferências às crianças que muitas vezes nem são chamadas a falar, sendo
assim, há um direcionamento do “gosto infantil” e uma generalização da
apreciação de umas imagens que se sobrepõem a outras.
As respostas revelaram a dificuldade do professor em pensar sobre
suas concepções e sobre sua liberdade em pensar fora dos moldes
tradicionais, de exercer uma criticidade e pensar em alternativas mais
ousadas e participativas. Nesse processo, é valido um trabalho de formação
que tenha como pauta as reflexões necessárias de um contexto
contemporâneo que contribuam para a desconstrução e reconstrução dos
conhecimentos do professor, para que ele possa ser um agente da pedagogia
251
com métodos ativos (PIAGET, 1970) e participativos (OLIVEIRA-
FORMOSINHO, 2007).
Sabemos que a publicidade se comunica com a criança da forma
que mais as atraem: personagens infantis que estão a serviço da venda de
mais produtos (LA TAILLE, 2008). Por meio de licenciamento (LINN,
2006), várias empresas produzem mercadorias com imagens de
personagens que fazem sucesso entre o público infantil. Os produtos
vendidos vão de brinquedos, adereços, roupas, doces, alimentos, mochilas
e materiais escolares a motivos de festas infantis, encontrados desde a
embalagem do docinho, prato, copo, chapéu, bexiga e painéis de isopor
até a toalha de mesa. Há uma lista infindável de produtos que trazem
estampados personagens da Disney, de desenhos da Nickelodeon e do
Maurício de Sousa. Vale a pena refletir que não é apenas por meio de
licenciamento que esses produtos chegam até as crianças. Há uma gama de
produções por imitação, comprovando, portanto, que a população menos
abastada não adquire o produto devido à marca, e sim pelo ícone cultural,
como no caso de bonecas Barbies. Muitas crianças que fizeram parte da
pesquisa de Momo (2010) possuem as bonecas produzidas não pela Mattel,
mas pelo mercado paralelo, em que realmente importa é que a boneca
tenha alguns atributos da Barbie original e fosse reconhecida entre seus
pares. Nossa reflexão é: até que ponto dentro do espaço escolar devemos
reforçar o que já é forte entre as crianças por interferência cultural externa?
Os argumentos dos dois professores comprovam que trariam personagens
porque as crianças gostam, contudo, seria interessante que eles refletissem
mais a respeito dos motivos dessa escolha e o que ela representa. É sempre
possível, ademais, refletir que a criança pode vir a gostar de algo novo ou
ter uma ideia diferente para o aniversário; algo que lhe seja apresentado e
que construa junto. É uma grande oportunidade para o professor trazer as
crianças para a organização da festa e que elas promovam a decoração com
252
seus próprios desenhos, livres de estereótipos midiáticos, valorizando o
processo criativo da infância.
Linn (2006), em seus longos estudos acerca do consumo na
infância, explica que o grande problema não é o desenho do personagem
em si, mas o faturamento que as grandes corporações possuem ao atrelar
produtos infantis aos personagens. O problema é a valorização dos
produtos atrelados aos personagens. Em um espaço escolar, a forma como
conduzimos esse tipo de comemoração deveria provocar a reflexão sobre o
que valorizamos quando comemoramos nossa vida? O que é fundamental
para tornar uma festa que traga alegria a todos?
Acerca da simplicidade no consumo, tivemos duas professoras que
ressaltam esse aspecto:
No caso de aniversariante de toda a escola, num momento de lanche.
Eu penso mais na escola em geral, então os aniversariantes do mês de
todas as salas, num momento de lanche receberiam esses parabéns, uma
decoração com bexigas, uma decoração unissex e todos os
aniversariantes lá na frente, comeriam bolo, sem a necessidade de
presente, nada disso. Só que todo mês os aniversariantes daquele mês
iriam receber os parabéns e coisa simples. (P6C).
A professora a seguir desconsiderou a necessidade de decoração e
de outros elementos e contemplou o bolo, brinquedos infláveis e fantasias,
ressaltando a importância de que na festa não deveria faltar alegria e
brincadeiras.
Queria uma festa com um monte de brinquedos infláveis,
piscina de bolinhas, de ficar à vontade e um monte de
fantasia, eu queria isso. (P7C).
253
No que tange aos itens de consumo alimentar, chamou em
particular atenção a fala do educador P9
C, que titubeia quanto ao
cardápio composto por bolo e faz uma reflexão sobre o seu próprio
consumo:
Teria bolo de chocolate, se pudesse ter..., comecei a me preocupar
agora, pois tenho uma alimentação correta, mas eu não passei isso para
as minhas filhas, eu tentava dar o correto, mas se fosse desde
pequeninas [...]
Entre os itens elencados, 2 (dois) professores (P8C e P10C)
apontam que na festa não deveria faltar refrigerante, como vemos no
exemplo de P10C, que apesar de apontar o suco, daria refrigerante
porque eles preferem: “o bolo que eles gostam bastante, refrigerante, mas
por mim teria suco, mas eles preferem refrigerante”.
Frente a essas opiniões quanto ao consumo do refrigerante, vamos
às considerações e contrapontos. O refrigerante ainda está presente nas
festas infantis internas (Dia da Criança, festinhas de final de ano e
aniversários organizados pelas famílias) ou abertas à comunidade que
acontecem nas escolas, apesar de inúmeras informações que recebemos
quanto ao caráter prejudicial do seu consumo. Muitas vezes, existe a
comercialização do refrigerante em eventos tais como festas juninas, festas
da família, campanhas de arrecadação das escolas e festa do pastel, entre
outras.
Sabemos que, na tentativa de solucionar seus problemas
financeiros, as escolas buscam a comercialização de alimentos sejam por
cantinas e/ou festas promovidas, mas que essas ações entram em
contradição com o que se busca discutir sobre alimentação saudável nos
254
currículos desde a Educação Infantil. Em nossa investigação, a pergunta
não implicava a comercialização, e sim itens de uma festa, como já
discutimos anteriormente. Contudo, vale lembrar que na Nova Base
Curricular Comum para a Educação Infantil reforça-se o pressuposto da
valorização de atitudes relacionadas à saúde e ao bem-estar individual e
coletivo (BRASIL, 2017), quando traz no campo de experiência corpo,
gesto e movimentos o objetivo de “[...] reconhecer a importância de ações
e situações do cotidiano que contribuem para o cuidado de sua saúde e
manutenção de ambientes saudáveis” (BRASIL, 2017, p. 50).
Atualmente, pesquisas condenam o consumo de refrigerantes em
geral. Aliás, nenhuma publicação ousa defender esse alimento. Sem
radicalismo, encontramos os apontamentos de Silveira (2015), que dizem
que os refrigerantes podem ser oferecidos eventualmente. É sabido que a
embalagem em garrafas pet facilita o manuseio, e por isso o refrigerante se
naturalizou desde a escola infantil. Porém, a reflexão que fazemos aqui é
de que nem mesmo a eventualidade não deva entrar pela porta da escola.
Aquilo que é legitimado pela escola tem um peso muito importante
na vida da criança. Se o aluno recebe refrigerante em dias festivos, muitas
vezes servidos pela própria professora, sem qualquer reflexão anterior ou
posterior, com certeza isso terá uma conotação muito positiva para ele.
Afinal, como a minha professora pode me oferecer algo que não seja bom
para a saúde?
Conforme já visto na pesquisa da Braga (2010), embora os
professores tenham uma formação escolar elevada, nem sempre fazem
escolhas conscientes sobre consumo. Ensinar práticas de consumo
consciente passa pela concepção do educador, que também necessita ser
instrumentalizado para tal.
255
Em complementaridade ao ‘Eixo Temático Escola x Festa de
Aniversário’, quando indagados acerca do tipo de presentes que dariam na
festa de aniversário, obtivemos as seguintes categorias expostas na tabela
abaixo:
Tabela 12 Presentes que seriam dados em festa do aniversariante na escola
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
Objeto de lembrança/ Sacolinha surpresa
2
20
Presente de livre escolha dos alunos
1
10
Presente com limite de escolhas dos alunos
2
20
Brinquedo didático
2
20
Não haveria presente
3
30
Total
10
100
Fonte: Dados da pesquisa
Como visto, 7 (sete) entre dez professores dariam algum tipo de
presente às crianças. Houve a manifestação de 2 (dois) professores quanto
a algumas regras para ser seguida na compra do presente. P2A, por
exemplo, estabelece o critério de que o mimo não seja muito caro:
“qualquer coisa acho que não, o que eles gostassem, mas no limite. O que
é o limite? Ah, de repente um brinquedo muito caro, acho que isso não”.
Em seu posicionamento, o docente P1-A anula a possibilidade de
acessórios eletrônicos, entendidos como parte do desejo dos alunos:
Eu deixaria escolher, mas eu seria bem rígida assim: criança tem que
brincar com brinquedo. Então não ia vir com notebook, celular, que
eu não daria não. Na idade deles é brinquedo, jogo, carrinho, e nem
vou falar de livros, porque é uma questão de cultura. Roupa também
não. O que eu vejo aqui é brinquedo do gênero. O que cada um
pudesse escolher. (P1A).
256
Houve a manifestação de um professor sobre presentear cada
criança de acordo com a sua necessidade e chega a esboçar um
comportamento mais reflexivo sobre consumo, porém, termina sua fala
demonstrando muitas dúvidas e acaba optando por um presente
pedagógico:
Não seria o caso de comprar uma boneca, igual tem criança aqui que
fala que não tem boneca para trazer, no dia do brinquedo. Talvez
pudesse atender isso, se ela não tem boneca, vamos ter que comprar.
Não sei se seria o caso de comprar uma roupa, um chinelo, alguma
coisa de precisão, porque a criança não gosta muito disso, chega com
uma roupa, um chinelo, a criança vai ficar assim de “não é presente”,
parece que a mãe e o pai que tem que dar. Brinquedos para as crianças
que já tem tudo, também é complicado, brinquedo também, é o que
mais alegra, ou um livro, eles gostam bastante, de pintar ou lápis de
cor, alguma coisa diferente. (P8C).
Assim como PC10, traz o aspecto educativo do presente: “alguma
coisa pedagógica (livrinho, jogos, uma lousinha mágica)”.
Comumente, os aniversários que ocorrem em casa oferecem as
chamadas sacolinhas surpresas, e nesse caso a P4B traz para a escola essa
mesma ideia, justificando que é algo muito chamativo para as crianças:a
sacolinha surpresa também é uma coisa que chama bastante atenção, houve
alguns eventos na escola nesse sentido, algum aniversário, quando tem a
gente percebe que chama muito a atenção.” Em geral, as sacolinhas são
compostas por bala, doces e brinquedos em miniaturas.
Boa parte das falas dos professores evidencia em suas escolhas e
apontamentos, também estão arraigados pelos hábitos de consumo sem
muitas reflexões. O consumo irracional motivado pelos desejos, por uma
257
cultura construída que não pensa nas necessidades reais e que elege o ter
como algo importante, não afeta apenas cidadãos comuns, mas aqueles que
têm como profissão propiciar ambientes com atitudes críticas e reflexivas.
A desconstrução de um hábito torna-se mais difícil se não houver processos
de avalição crítica do seu próprio fazer, de nossas práticas diárias,
rompendo com aquilo que parece estar naturalizado. É preciso andar na
contramão do consumismo em nossa vida pessoal para que tenhamos
condições de encontrar verdade e sentido naquilo que ensinaremos para os
alunos como conduta reflexiva sobre hábitos de consumo.
O professor que consome sem criticidade, em geral, no seu
processo de formação como educador ou na sua trajetória como aluno
desde a infância, não teve a construção de conhecimentos que o levasse à
tomada de consciência sobre o consumo reflexivo e atitudes coerentes para
a preservação da qualidade de vida, revelando, portanto, serem necessários
processos de formação inicial e continuada a favor do impacto na formação
dos alunos.
D) Projetos na Educação Infantil
Neste eixo, foram analisadas as seguintes respostas frente às
perguntas: “quais temas/assuntos que não podem faltar em projetos na
Educação Infantil? E quais temas foram trabalhados por você?
258
Quadro 9Temas na Educação Infantil
SUJEITOS
TEMAS QUE NÃO
PODEM FALTAR
TEMAS QUE FORAM
TRABALHADOS
P1–A
Leitura Livro para casa
Bichionário
Alimentação
Leitura, Bichionário, Alimentação
Pequeno Cientista, Meio ambiente
P2–A
O corpo
Músicas
Receitas
O corpo, Músicas, Receitas
Alfabetário, Poesia, Alimentação
Pequeno Cientista Meio Ambiente
P3–B
Convivência com o outro
Autonomia, Respeito
Valores Amizade
Valores Colaboração
Convivência com o outro,
Autonomia
Valores Amizade, Respeito -
Felicidade
Vírus e Bactérias, Temas impostos
(não cita títulos)
P4–B
Família
Meio Ambiente
Valores
Assuntos de interesses deles
Meio ambiente, Dengue
Imigração Japonesa, Meio Ambiente
Outros que não lembra
P5–B
Valores, Respeito
Meio Ambiente
Música e poesia
Vegetais/Frutas, Animais
Meio ambiente, Imigração Japonesa
P6–C
Regras, Projetos de
Curiosidade dos alunos
Família
Nomes
Regras/Combinados, Família
Nomes, Parlendas, Romero Brito
Brincadeiras Tradicionais, Imigração
Japonesa
Trânsito
P7–C
Gêneros Textuais
Brincadeiras
Pinturas
Jogos Infantis
Gêneros Textuais, Pinturas
Jogos Infantis, Poesias, Músicas
Brincadeiras Tradicionais, Água
Economia
Imigração Japonesa, Lins
P8C’
Identidade
Família
Identidade e
Família, Brincadeiras
Tradicionais
259
Água Economia, Imigração
Japonesa
Olimpíadas, Trânsito
P9C’
Comportamentos que seriam
para a vida
Comportamentos que seriam para a
vida
Animais
Formigas, Brincadeiras
Tradicionais
Dengue, Imigração Japonesa
Olimpíadas, Plantas, preservação da
Natureza,
P10-C’
Socialização,
Respeito,
Amizade
Tarsila do Amaral, Brincadeiras
Tradicionais
Dengue, Água, Imigração Japonesa
Olimpíadas, Trânsito
Fonte: Dados da pesquisa
Obtivemos 41 temáticas em 66 ocorrências apontadas pelas falas
dos professores, como vemos na tabela acima, com destaque para os temas
Imigração Japonesa (7), Meio ambiente (6), Trânsito (4), Dengue (3),
Água (3) e Olimpíadas (3). Esses temas são requisitados pela Secretaria de
Educação local, e há também solicitações de outras secretarias e entidades,
por exemplo: dengue (Secretaria da Saúde), trânsito (Secretaria do
Trânsito); água, apoiado nas escolas públicas da cidade pelo Saneamento
Básico de Água e Esgoto do Estado de São Paulo (SABESP), empresa que
na cidade cuida dos serviços de água, e o tema de Imigração Japonesa,
proposto por uma associação nipo-brasileira que anualmente comemora a
imigração na cidade.
Um dos professores expõe sua crítica quando aponta que esses são
temas impostos pela Secretaria da Educação. Os temas advindos da
Secretaria, conforme citados acima, são pontuais e requerem uma
260
especificidade, contudo, o tema somente é solicitado e fica livre a ação
metodológica e criativa do professor.
A questão direcionada sobre os temas trabalhados mostrou que
grande parte dos educadores elenca o tema meio ambiente. A temática está
prevista na Resolução n° 5/2009, que estabelece as Diretrizes Curriculares
na Educação Infantil, estabelecendo que as escolas de Educação Infantil
devessem garantir experiências que: “[...] promovam a interação, o
cuidado, a preservação e o conhecimento da biodiversidade e da
sustentabilidade da vida na Terra, assim como o não desperdício dos
recursos naturais” (BRASIL, 2010, p. 26). Vimos na pesquisa que é
comum que muitos educadores tratem como os assuntos desse tema sua
preservação, a economia da água e reciclagem, porém, o consumismo da
infância em si não é um assunto explorado na Educação Infantil pelos
educadores, embora também tenha relação com a sustentabilidade.
Como já abordado, muito antes as crianças são envolvidas na
relação do consumo e estimuladas ao consumismo, principalmente no que
tange a questões de produtos voltados para a infância. Antes de
aprendermos valores e comportamentos para a cidadania, somos
incentivados a consumir de forma inconsequente e a ter hábitos
materialistas. Educar para o consumo se torna primordial para mudanças
de comportamento e para o desenvolvimento do pensamento sustentável.
O consumismo na infância, infiltrado por programas voltados à infância,
em geral é introduzido por meio da divulgação de personagens
reproduzidos em larga escala de brinquedos, material escolar, vestuários,
alimentos de diversos tipos, produtos de higiene, objetos colecionáveis,
mobiliários e utensílios domésticos (copos, pratos, garrafas), entre outros
possíveis.
Segundo Cainzos (1998), a educação para o consumo deve estar
presente no currículo desde a Educação Infantil, mas poderia ser
261
introduzido como tema transversal e estar organizado concretamente em
torno de um eixo educativo.
Um trabalho de observação sobre os hábitos dos alunos; de escuta
do professor sobre o que as crianças dizem, pensam, têm interesse e
necessitam pode ser fonte de temas importantes a serem discutidos na
Educação Infantil. O professor pode desenvolver junto às crianças o
interesse pela discussão de certos assuntos que parecem ser naturalizados
sem qualquer reflexão. É preciso criar um ambiente propício à curiosidade
e às dúvidas, em que as hipóteses das crianças sejam escutadas e que, a
partir daí, ganhe sentido para professores e alunos a investigação de um
projeto significativo ou mesmo de uma sequência didática, delineando
objetivos e conteúdos com metodologias que façam sentido para as
crianças sobre aquilo que elas consomem, para que reflitam sobre o que
comem, sobre os impactos dos excessos, de seus desejos versus
necessidades, do que realmente as deixa felizes, sobre produtos e hábitos
que são benéficos de fato e estabelecer alguns critérios para o consumo
necessário, positivo e adequado.
E) Desenhos/filmes infantis na escola
O eixo temático Desenhos e Filmes infantis na Escola tem por
objetivo conhecer se os professores consideram que os conteúdos de filmes
e desenhos infantis contribuem para o desenvolvimento de conteúdos na
escola. A primeira questão realizada foi: “quais desenhos/filmes infantis
você acredita que podem contribuir para o desenvolvimento de conteúdos
na escola?”
262
Tabela 13 Categorias e ocorrências de respostas dos professores acerca dos desenhos
e personagens que podem contribuir para conteúdos na escola
Categorias Ocorrências
Percentual
(%)
Desenhos clássicos: Contos/fábulas
2
11,11
Documentários
1
5,55
Canais de internet
1
5,55
Desenhos ou filmes vinculados à
mídia/publicidade
11 61,11
Desenhos ou filmes sem vínculo com
publicidade, considerados pedagógicos
2 11,11
Desconhecimento
1
5,55
Total
18
100
Fonte: Dados da pesquisa
Os 61% dos desenhos ou filmes que os professores consideram que
podem contribuir no desenvolvimento de conteúdos indicam a presença
de desenhos atrelados à mídia tais como, Os Croods, (citado por dois
professores), Frozen e Dora Aventureira (apontadas por dois professores),
Cocoricó, Turma da Mônica, Monstros S.A., Shrek, O Pequeno Urso e
Procurando Nemo’.
A professora entrevistada P2A cita “Frozen” filme da Disney, e
reconhece que a personagem tem sido uma febre entre as crianças na
escola: “da Frozen, que é a febre, então dá pra aproveitar, trabalhar bastante
coisa, dá pra trabalhar com o gelo, a questão da amizade com a irmã,
amizade. Dá pra desenvolver trabalhos com arte também”. A professora
busca citar alguns elementos que selecionaria ao trabalhar com o filme:
amizade, arte e gelo.
263
De maneira geral, os professores elencam desenhos comerciais nos
quais se tentem encontrar aspectos positivos tais como amizade, bondade,
(Caillou, O Pequeno Urso, Dora Aventureira); ensino da língua inglesa
(Dora Aventureira); diferentes tipos de fala (Turma da Mônica, Chico
Bento), fidelidade e amizade (Monstros S.A.) entre outros.
Ao assistirem os personagens dos filmes e desenhos ou os
conhecerem por vias literárias, as crianças criam certa afeição e identidade
com eles. Por sua vez, a indústria utiliza esses personagens em inúmeros
produtos que despertam desejo de consumo, em sua maioria das vezes
desnecessários, viabilizando o consumismo. Acreditamos ser esse o aspecto
mais prejudicial e que influencia as crianças no momento das escolhas de
consumo.
Segundo La Taille (2008), as crianças são vulneráveis aos apelos
publicitários. É mais fácil lhes despertar vontades porque elas ainda não
têm um pensamento autônomo, ou seja, a criança não se “fixou sobre
quereres próprios”:
Logo, a resistência afetiva aos apelos publicitários corre o grande risco
de ser fraca e, logo, de os anunciantes terem êxito em seduzir a criança
a querer algo que, minutos antes de ver o anúncio publicitário, ela nem
sabia que existia e, portanto, não desejava. Tanto é verdade, aliás, que,
não raramente, veem-se crianças, num primeiro momento, encantadas
em receberem o objeto cobiçado desde o momento em que o viram
num anúncio e, num segundo (às vezes poucas horas depois),
desinteressarem-se completamente dele. Diga-se, de passagem, que o
atual mundo do consumo vive dessas ilusões: se as pessoas comprassem
apenas aquilo que correspondesse a necessidades e projetos pessoais,
não haveria tanta gente nos shoppings! Mas os adultos são responsáveis
por aceitarem ser iludidos; as crianças, não! (LA TAILLE, 2008, p.
15).
264
Esse aspecto sobre o desdobramento negativo do consumo não foi
evidenciado pelos professores. Em P9C´, vimos a generalização de que
todos os desenhos são bons. “desenhos direcionados a crianças são bons,
sempre trazem uma mensagem, uma realidade que a criança consegue
enxergar”. Contudo, é preciso pensar que nem todos os desenhos animados
direcionados às crianças são bons e trazem em suas mensagens realidades
que as crianças conseguem enxergar. Estudos de Oliveira e Shimizu (2011)
demonstraram que entre crianças de 6 (seis) e 7 (sete) anos, os desenhos
mais assistidos são Pica-Pau, Ben 10 e Barbie, desenhos que merecem um
olhar mais atento dos adultos. Refletindo sobre o conteúdo desses
desenhos, pode-se pensar: o personagem Pica-Pau não tem muitas virtudes
e sempre tenta se dar bem burlando regras. A Barbie, uma personagem sexy
(LINN, 2006), de cintura fina, protótipo de beleza padrão desejada, pelas
curvas e magreza, exibe diferentes modelos e roupagens. Criada há mais de
60 anos, a personagem foi inspirada em Lilli, personagem para adultos
(BROUGÈRE, 2004), uma boneca adultizada que também reforça
estereótipos. O personagem Ben10, para Oliveira e Shimizu (2011), traz
metas tais como competir, poder e vencer, característica que não estão de
acordo com a realidade em que as crianças deveriam refletir e saber resolver
situações sem recorrer a superpoderes - afora o fator de maior interesse no
presente trabalho: a provocação ao consumo às quais estes desenhos estão
atrelados.
Analisando os bastidores, pode-se concluir que a indústria lucra
muito com filmes direcionados ao público infantil (LINN, 2006). O filme
Monstros S.A. (University Monster), lançado em 2001, mantém após 16
anos o comércio de seus produtos. No site da Disney Store, encontramos
39 itens a serem comercializados entre camisetas, DVDs, brinquedos,
canecas e roupas infantis, entre outros produtos. A boneca “Collection Boo
265
Doll - 16” sai a US$24,96 na loja da Disney, e a mesma boneca encontrada
aqui no Brasil sai a R$248,00 (no site Mercado Livre
12
).
O desenho “Os Croods” foi apontado por 2 (duas) professoras, que
o elegeram pelos motivos de diferença social e respeito às diferenças,
amizade e companheirismo, família e trabalho em grupo:
Um que eu gosto muito é “Os Croods”, acho uma gracinha. Eles falam
bastante de diferença social, eu adoro “Os Croods” e as crianças
também. Eu adoro o “Nemo”, porque ele também fala disso. Eu sou
diferente de você, mas a gente é igual em alguma coisa, eu tenho que
te respeitar, você tem que me respeitar, de amizade, de
companheirismo. O “Shrek” eu gosto, tem um outro que eu não vou
lembrar o nome. De desenhos assim, eu adoro “O Pequeno urso”, que
quase não se assistem, desenhos da cultura. Meus filhos nasceram
muito perto um do outro e era Cultura o dia inteiro. São instrutivos,
desenhos que falam de amizade, de respeito eu costumo gostar. (P10
C).
Desenhos com lição de moral, fábulas, que eu gosto muito, “Os
Croods”, que fala da família, da importância da família, que eles estão
juntos o tempo todo. Pra mim, fala do trabalho em grupo, eles estão
sempre juntos, eu sempre estimulo o trabalho em grupo, a questão da
mesinha é em alguns momentos. (P6C).
Dois professores apontam que a utilização de clássicos traria
contribuição aos conteúdos escolares. Em seu depoimento, P6C
argumenta em defesa de “A Bela e a Fera” e “Os Três Porquinhos”:
12
Disponível em: <https://www.mercadolivre.com.br/>.
266
O conhecimento que a criança está adquirindo é um conhecimento
amplo, de mundo, que caiba em qualquer lugar, que esclareça e deixe
a criança a se situar como pessoa diante da família, diante dos colegas,
diante de uma comunidade, acho isso mais importante ainda. Tem
filmes que trazem essa mensagem, “A Bela e a Fera”, “Os três
porquinhos”, tudo isso traz mensagem.
Dois professores, P1A e P6C, trazem a temática animal por
meios de desenhos que não se vinculam à mídia. O professor P6
C cita
um tema bíblico, mas por se tratar de uma escola laica, deve ser abordado
com muito cuidado, embora, conforme ele justifica, não entraria em
questões religiosas, mas sim questões que exploram os animais:
Quando eu trabalho, por exemplo, natureza e sociedade, Arca de Nóe,
é um desenho muito legal também(...) Tem conotação religiosa? Eu
não percebi isso, então só tem animais na história. É uma amizade
improvável que surgiu, um animal não entende a importância do outro
ou não dava valor e surgiu uma amizade muito forte. De ver a diferença
do outro. (P6C).
Embora os professores justifiquem os desenhos escolhidos,
nenhum utiliza a expressão desenhos educativos, e a maioria aponta
desenhos exibidos em cinemas e filmes que, de alguma maneira, tratariam
algum conteúdo considerado útil.
Apesar de apontado por um único professor, o recurso internet
também é uma forma de captar desenhos que possam “encantar” as
crianças para determinados conteúdos, mas que revela ser um recurso
utilizado por outros profissionais que querem se comunicar com as
crianças em espaços escolares, como os dentistas, que fazem aplicação de
flúor, como vemos em P7C:
267
Há alguns que conseguimos baixar da internet referente ao trânsito,
hoje, por exemplo: os dentistas passaram de saúde bucal, de super-
heróis que iam salvar, quando é coisa de super-heróis, de mistério, de
futuro, eles prestam atenção, eles se encantam.
Ainda no Eixo Desenho animado/filme X Escola, realizamos a
seguinte pergunta: “quais desenhos ou filmes que gostariam que fizessem
parte do acervo da escola? Visualizados em tabela, seguem as categorias de
respostas:
Tabela 14 Desenhos/filmes que gostariam que fizessem parte do acervo escolar
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
Desenhos clássicos
Contos/fábulas/lendas
4
25
Documentários
2
13
Canais de internet
1
6
Desenhos ou filmes vinculados à Mídia
4
25
Desenhos de caráter educativo
1
6
TV por assinatura Discovery Kids
1
6
Didáticos sobre dificuldades dos alunos
1
6
Clips de Música/Coreografias
2
13
Total
16
100
Fonte: Dados da pesquisa
Os dois maiores índices de ocorrência são: a escolha de desenhos
midiáticos e a escolha dos clássicos da literatura, como vemos em P3B,
P5B, P7C, P6C. “Eu gosto dos desenhos Clássicos” (P5B).
268
Houve um apontamento quanto ao uso da internet na escola: a
mesma educadora que alegou desconhecimento de desenhos infantis disse
não ter o hábito de passar desenhos, e que o acervo da escola é antigo:
Acho interessante se a gente tivesse um acervo moderno com acesso à
internet, porque a gente vê que tem muita coisa que se pode aproveitar,
coisas curtas, pequenas, porém aqui a gente não tem acesso. (P4B).
No que tange aos vinculados à mídia, consideramos os desenhos
produzidos pela Disney, “Os Croods” e “Sid, O Cientista”, como vemos nas
falas dos professores abaixo:
Como é um grupo agitado, procuro trazer uns vídeos mais de amizade,
de solidariedade, são os curtinhos da Disney mesmo (...). (P2A).
Quais você gostaria que fizessem parte do acervo da escola? Destes que
eu falei todos têm (Palavra Cantada), os que não tinham eu trouxe, que
nem “Os Croods”, hoje tem. Mas no começo eu quem trouxe. (P10
C).
A P2B aponta os filmes da Disney, mas faz crítica quanto ao tempo
de duração e a impossibilidade de passá-los na escola embora ache os
interessantes, e também fala sobre a compreensão “da moral do filme”:
A gente tem uns filmes da Disney que eu conheço que assisti quando
meu filho era pequeno, acho que são filmes interessantes, mas eu não
sei eles teriam maturidade para entender a moral do filme. Se eu pego
um rei Leão e assistir de novo a gente chora. Mas é um filme extenso.
A gente não tem tempo para assistir filme de uma hora. (P1A).
269
Percebemos pela fala de P2B que há regras quanto ao uso da sala,
assim como a possibilidade de que os alunos possam trazer os filmes para
assistir na escola. Neste caso, o professor explicita a ideia de que, como
educadora, ele deve conhecer o vídeo:
[...] quando eu quero alguma coisa acabo trazendo. Aqui vídeo acaba
não usando, de quinze em quinze dias ou uma vez por mês pode um
vídeo, mas acaba não passando, porque eu tenho que baixar, então eu
baixo e trago. Ou às vezes conforme o combinado a criança traz um.
Aqui nem tanto, mas em outros lugares é pode trazer tal filme? Ai
combina se eu já conheço o vídeo. Fulano vai trazer o filme, quando é
só para assistir.
Ademais, vê-se em P10C uma preocupação em mediar as escolhas
segundo o seu próprio critério, mas faz interferência e ouve o que as
crianças pensam acerca do conteúdo das músicas:
Músicas eles gostam bastante, tem aquele grupo “Palavra Cantada”,
que eu acho uma graça, essas musiquinhas de cantigas de roda eu
também acho bem bonitinho. Você queria ter o vídeo? Depende de
como vem, o formato. Às vezes eu acho que é mais produtivo você
cantar e dançar com a criança do que ficar assistindo. “Galinha
Pintadinha” eu não sou muito fã. Como você acha que eles podem
contribuir? Acho que pelas mensagens que traz. A gente assiste e depois
comenta. Ouve o que as crianças pensam. Vou fazendo interferências.
O canal por assinatura Discovery Kids foi apontado para fazer parte
do acervo da escola por P6C, que inicialmente se refere ao canal como
positivo e comentado pelos alunos, como vemos:
270
As crianças sempre falam da Discovery Kids, se pudesse ter acesso a
isso. É um que as crianças vivem falando disso é um de desenhos de
curiosidade, de animais, ou não sei o nome. O aluno Paulo que me
falou.
Todavia, percebemos que, quando questionada pela
entrevistadora, a educadora disse desconhecer o conteúdo do canal:
O canal Discovery passa a cada desenho vários anúncios de
propagandas. Como você lidaria com isso? Hum, eu não conheço. Tem
algum que não passa? Nossa que complicado. Iam ficar falando o
tempo todo, minha mãe tem, eu quero, que complicado... Daria para
trabalhar isso? O tempo todo acho que não. (P6-C).
Diante do questionamento, a professora alega que não seria
possível trabalhar o consumo e a criticidade da programação do canal o
tempo todo. Na polaridade dos conteúdos que o canal oferece, outra
professora aponta um desenho do canal Discovery Kids e ressalta seu caráter
educativo, “Sid o Cientista”, como enriquecimento do acervo da escola:
Tem pouca coisa ali, tem uns desenhos bem antigos, tem uns que nem
funciona muito, a gente vai pôr a imagem está ruim. Mas eu também
não costumo passar muito filme, tem uns desenhos do Sid Cientista, a
outra professora tem dois e eu passo, às vezes eu passo, acho bem legal,
porque o menininho acorda de manhã com uma dúvida a respeito de
alguma coisa, por exemplo: “por que meu estômago fez barulho antes
de tomar o café da manhã?”, chegando na escola ele pergunta e a
professora ensina tudo sobre digestão, de uma maneira bem infantil,
que dá pra entender, ela explica, mostra, colocando vários pedaços de
alimento dentro de um saco, ela explica que ali tem o suco que diluí a
271
comida, depois no estomago vai passando por tal lugar, depois passa
um filme rapidinho da verdade de humano mesmo. E acho que poderia
existir no acervo. (P8C).
Quanto a esse personagem SID- o cientista, Gonzalez, Jacob e
Messeder (2012) realizaram um estudo em que analisam 3 (três) episódios
do desenho animado com o objetivo de identificar os aspectos químicos
veiculados e se os conteúdos abordados são adequados à faixa etária
indicada. Os critérios buscados foram: refletir acerca da imagem do
cientista e do professor, o enfoque da família e o ambiente da sala de aula,
assim como a imagem da escola e a relevância na utilização dos desenhos
em sala de aula. Os pesquisadores concluíram que o desenho é adequado à
faixa etária de alunos das séries iniciais de escolaridade e que a exploração
do desenho pode ser um ponto de partida para o ensino de química, além
de colaborar, integrado a outras práticas, na construção do espírito
investigativo e do interesse científico da criança.
Estudos como esse nos comprovam que dentro de uma
programação voltada para a faixa infantil é preciso que haja uma seleção
daquilo que oferecemos para as crianças, uma vez que no mesmo canal há
uma programação mista de programas interessantes e não tão interessantes,
além das propagandas. Souza Júnior, Fortaleza e Maciel (2009) afirmam
que crianças e jovens assistem em média 3,5 horas por dia de televisão, e
estimam que pelo menos 40 minutos sejam voltados a propagandas. No
caso do canal Discovery, a propaganda é dirigida exclusivamente à criança
e basicamente protagonizada por crianças como forma de garantir
identidade entre os pares e o produto. Nesse sentido, cabe à escola uma
leitura mais crítica, contribuindo para a instrumentalização das crianças
sobre o que se assiste. Um professor que leva para a sala de aula um
programa que passa na televisão certamente terá o cuidado de não fazer a
272
exposição desavisada de propagandas, contudo, quando a professora P6
C diz que “não dá para trabalhar porque as crianças requereriam os
produtos, ou diriam ‘minha mãe tem isso [...]” ela nos diz que identifica
um problema já existente e que seria melhor não passar essa programação.
F) Decoração na escola
Frente à questão: “suponha que você tenha uma sala de aula
somente utilizada por você e seus alunos e tivesse a oportunidade de realizar
toda a decoração da mesma. Como desejaria que fosse esta decoração?”
A tabela a seguir anuncia os elementos que os professores
consideram pertencente à decoração:
Tabela 15 O que os professores contemplariam na decoração da sala de aula
Categorias
Percentual (%)
Elementos criados por aluno
50
Organização
20
Cartazes pedagógicos
50
Brinquedos e livros
20
Paisagens e animais
20
Cantinhos permanentes com propostas
50
Mobiliário e estrutura adequada
40
Cartazes constrdos coletivamente
20
Fonte: Dados da pesquisa
Os professores apontaram que para a decoração desejam não
somente elementos ligados à questão estética, mas também elementos que
tornariam o ambiente mais funcional ou pedagógico à sua ótica. As
273
categorias mais citadas foram: cartazes pedagógicos (50%) tais como cartaz
de números e de letras, alfabeto, formas, cores, regras, aniversariantes,
poemas e ajudante do dia; cantinhos permanentes (50%); mobiliários e
estrutura adequada (40%), bem como elementos criados pelos alunos
(50%).
Eu acho que não muita coisa. O alfabeto tem que ter, mas tem que
saber como trabalhar, tem que sempre estar modificando o modo de
trabalhar o alfabeto. Tem lá os números de zero a dez, mas acaba
ficando de enfeite. O nome das crianças. Mas confesso que não é muita
coisa. Acho que já fui mais, como agora dividindo com o fundamental
eu acho que dou uma enxugada. Acho legal ter o cartaz do aniversário
(P2A). Você acha necessário ter uma temática para decorar? Eu até
tinha, eu ia trocando ao longo do ano. Eu gosto de ir colocando o
trabalhinho das crianças, no varal. (P2A).
Eu preciso de um armário pra guardar o material básico, mas eu faria
umas prateleiras nos cantos com determinados materiais, um canto de
livros na arara que expõe, eu faria um canto de brinquedos comuns, já
tem o canto dos jogos, dos brinquedos de montar e um canto livre pra
eles poderem deitar, com almofada e um tapete, uma coisa assim mais
relaxante. Paredes bem suaves, sem muita informação, iriam sendo
trocadas de acordo com que está sendo trabalhado, com o básico,
alfabeto e números, o restante pode ser feito pelas próprias crianças. É
que eu não tenho realmente esse espaço na minha sala, é uma sala que
foi readaptada, então realmente não tenho, é tudo janela, porta,
armário e lousa. (P3B).
Para a Educação Infantil as crianças gostam, mas acho que enfeitar
demais também não. Por exemplo: as letras do alfabeto sim, os
numerais sim, mas eu queria deixar espaço para depois a gente colocar
as nossas produções, coisas que eu não tive tempo [...]. As nossas
produções para ficar presa, nós não tivemos espaços. (P2A).
274
A P8C’ exclui qualquer possibilidade de decoração
descompromissada com um fazer pedagógico de outros conteúdos ou
menos pragmático:
Acho que eu colocaria mais coisas pra ler, poemas, poesias, livros ao
alcance deles, porque tem criança que acaba uma atividade e fica
ansiosa porque, “ah, tia, posso pegar um brinquedo”, e se pegar todo
mundo entrega a atividade na hora do jeito que está pra brincar
também, às vezes um livro a criança vai ler ali num cantinho e não tem
tantos, tem uns que eu mando na pasta, fora isso tem elementos da
outra professora, que eu acabo não deixando mexer. E objeto de
decoração? Não.
Com 50% de indicação, os elementos criados por alunos dizem
respeito às produções das crianças em sala de forma individual, de acordo
com os temas, em que produzissem atividades gráficas geralmente expostas
em “varais de atividades”. Diferenciamos a categoria cartazes construídos
coletivamente (20%), porque seriam produções em grupo, mas que
também cumprem objetivos pedagógicos (tabelas, gráficos) e não são
somente uma referência visual estética ou elementos simplesmente
decorativos, embora entendamos que a própria apresentação dos trabalhos
deva ter um cuidado estético e constitui um conteúdo de aprendizagem
em si. Segundo Forneiro (1998), a sala de aula pode estar decorada de tal
modo que eduque a sensibilidade estética. Fazem parte disso as cores
presentes, a apresentação estética das produções infantis e até obras de arte
que eduquem para a cultura artística.
Para 20% dos professores, uma imagem seria necessária para
decoração, mas acompanhada de outros elementos:
275
Já tem as coisas deles ou mostrar que estar organizado, tudo tem
nomes. Tem as pastas, os nomes, pra eles é importante. Eles chegam
na sala e já sabem quem será o ajudante do dia. O espaço se pudesse
ter uma decoração mais rica poderia ser ou lugar tipo uma parede alta
e branca. Gosto muito de animais, paisagens, árvores. (P9C’).
Consideramos muito positiva a ação de valorização da produção
infantil, bem como o investimento no processo de ensino e aprendizagem
na linguagem gráfico-plástica artística em vários aspectos: sentimento de
pertencimento ao grupo e formação da autoestima da criança que se sente
valorizada pelo que faz, entre outros aspectos. Contudo, nem sempre
aquilo que a criança produz é exposto de forma adequada ou mesmo
mereça lugar de destaque.
Em suas falas, muitos educadores revelam a dificuldade em dividir
espaços coletivos para organizar as produções das crianças, além das
dificuldades de adequação dos espaços em termos de mobiliário ou
estruturas tais como janelas e paredes. Nenhum dos 10 professores opinou
sobre a utilização de decoração com personagem midiático, mas, de forma
geral, todos mencionaram a dificuldade em dividir a sala, pois sobra pouco
espaço para organizar o ambiente da maneira como desejam, com alfabeto,
varal, prateleiras com livros, modificação do mobiliário e da infraestrutura
do prédio, introdução de cantinhos, mais espaço para exposição dos
trabalhos dos alunos, entre outros aspectos, mas que não levam em
consideração a introdução de personagens midiáticos.
Consideramos interessante a justificativa da professora P5B, que
revela um avanço histórico de concepção. Tendo em vista que é uma das
professoras com mais tempo de serviço, ela consegue perceber uma
evolução do comportamento dos professores quanto à decoração da sala de
aula:
276
Se a sala fosse só minha, eu teria além dos livrinhos e dos brinquedos
em sala outras coisas, massinha em um lugar, fazendinha..., eu queria
ter cantos fixos. Agora não decoração que a gente fazia antigamente,
que comprava, e todo ano a gente ia atrás das coisas no começo do ano.
Por que a gente fazia essas coisas? Risos... Mas depois a gente cansava
o ano todo com aquele bichinho na parede. É melhor decorar com os
desenhos deles. (P5B).
A fala acima não representa a diversidade de salas de aulas da
infância brasileira quando o assunto é decoração. Cunha (2007) realizou
uma pesquisa sobre o que os professores de Educação Infantil selecionam
como imagens para as crianças e encontrou um grande número de docentes
que adotam imagens da mídia para decoração. O estudo considera que
acolher imagens relacionadas à mídia sob a alegação de que as crianças
gostam reflete falta de posicionamento crítico diante dos acervos
imagéticos, além de redução de acesso a outros repertórios.
G) Compra de brinquedos pela escola
O sétimo eixo temático presente na entrevista tem por objetivo
conhecer as opiniões dos professores frente ao consumo de brinquedos na
data do Dia das Crianças. A questão era: “se a escola pudesse, no Dia das
Crianças, comprar um brinquedo para cada criança, o que acha que deveria
ser comprado? Por quê
277
Tabela 16 Brinquedos comprados pela escola no dia das crianças
Categorias
Ocorrência
Percentual (%)
Livro
3
23,07
Jogos de encaixe
1
7,69
Filmes
1
7,69
Jogos educativos
4
30,76
Passeio
1
7,69
Kit Brinquedo tradicional
2
15,38
Boneca de pano e peão
1
7,69
Total
13
100
Fonte: Dados da pesquisa
A maior frequência de respostas entra na categoria de jogos
educativos, seguido de livros e kit de brinquedo tradicional (bolinha de
sabão, peteca, dominó) que também se aproxima dos itens boneca de pano
e peão.
Outros itens apontados tais como filme, passeio e jogos de encaixe
anunciam uma preocupação dos professores com a relação do ato de
brincar e o caráter educativo:
Acho que eles iam gostar de jogo da memória, quebra-cabeça,
dependendo se a criança não tiver boneca, mas se fosse um presente
geral seria um presente educativo. (P8C’).
Se considerarmos as inúmeras classificações de brinquedos e
brincadeiras existentes, os citados jogo da memória, quebra-cabeça e jogos
de encaixe expressam aquilo que Kishimoto (2010a) traz sobre a dimensão
educativa do brinquedo, que deve atender duas funções: a lúdica, quando
o brinquedo propicia diversão e prazer inspirado por uma motivação
278
interna, e a função educativa, quando o brinquedo ensina alguma coisa e
amplia conhecimento provocado por um fator externo, bem como
provocações de um adulto ou de parceiro. Por essas duas características é
que vemos o brinquedo educativo, ou jogo educativo, sendo tão utilizado
na Educação Infantil. Quando o professor o aponta como uma
possibilidade de compra, pode ser que mesmo inconscientemente haja um
critério para a escolha do consumo.
Brougère (2003) defende que um jogo educativo tem
características educativas não exclusivamente pertencentes à área escolar,
embora se encontrem jogos que apresentam áreas do currículo tais como
linguagem e matemática. Esse jogo “[...] remete a uma abordagem mais
difusa, não estritamente escolar, pela descoberta do meio ambiente ou
prática de operações lógicas ligadas aos princípios lúdicos envolvendo
memória, atenção e raciocínio simples” (BROUGÈRE, 2003, p. 203) O
fato de ser educativo foi o argumento de compra dado pelos adultos que
atuam no campo educacional: trata-se do consumo de jogos em famílias
que dependem não somente do poder aquisitivo do adulto, mas do olhar
para os benefícios que o jogo possa ter e de sua disponibilidade em brincar
com a criança:
Em jogos como esse os adultos são particularmente solicitados: como
compradores e como aqueles que decidem, como jogadores já que os
jogos dificilmente são acessíveis à criança sozinha – como responsáveis
pela aprendizagem o que remete ao fato de o efeito real de tais suportes
dependendo do uso efetivo que se faz deles (BROUGÈRE, 2003, p.
203).
Uma segunda observação sobre as respostas é a incidência de
brinquedos tradicionais, somando 23% dos apontamentos. O resgate pela
279
escola de brinquedos como boneca de pano, peão e peteca traz em si uma
significação importante em uma era tecnológica e midiática como a atual.
Seria um retorno à simplicidade em contraponto aos brinquedos
tecnológicos popularizados entre as crianças e outros aparelhos eletrônicos
que se transformaram em brinquedos tais como tablets e celulares, que
incitam ao consumo de versões cada vez mais sofisticadas.
Os professores citaram peteca, peão, boneca de pano e kit de
brinquedos tradicionais contendo bolinha de sabão e peteca, que fazem
parte da cultura popular e guardam a produção de um povo em certo
período histórico, além de incorporar criações anônimas transmitidas pela
oralidade de geração a geração. A isso, somam-se as brincadeiras
tradicionais de esconde-esconde, amarelinha, entre outras (KISHIMOTO,
2010; ZATZ; ZATZ & HALABAN, 2006). Com a modificação urbana e
tecnológica da sociedade trazida pela modernidade, em que as crianças não
brincam mais na rua e as casas têm cada vez mais quintais cimentados; em
que elas estão cercadas de brinquedos industrializados e são estimuladas
pela mídia a desejarem mais brinquedos, temos visto que a escola tem
buscado resgatar a cultura da infância popular ao incluir brincadeiras
tradicionais em seus projetos, como vimos em P6C, P7C, P8C’, P9
C’ e P10C’, e a construção de brinquedos com sucatas, visto em P8C.
Nesse sentido, é preciso pensar que o papel da escola é de suma
importância para o fortalecimento da infância e de sua cultura, respeitando
a condição cognitiva de criança (LINN, 2010). Conforme Paiva (2016, p.
244), o caminho para o fortalecimento da infância é “[...] possibilitar à
criança experiências culturais mesmo no jogo desigual com os ambientes
impregnados de mensagens publicitárias, vendendo desejos simulados”.
Nesse sentido, a responsabilidade da escola nesse processo de
fortalecimento da infância é grande.
280
Embora a questão direcione para a compra de brinquedo no “Dia
das Crianças”, apenas um professor foge do ato de presentear e aponta que
investiria no passeio como alternativa de atividade. Ademais, aponta que
os brinquedos não precisam ser comprados, e podem ser feitos com as
crianças, como é o caso da boneca e da peteca.
Essa clientela daqui, eles têm tanto brinquedos, acho que deveria
proporcionar um passeio diferente, vivenciar mais, momentos felizes.
Porque eles já têm muito, todos aqui. Dia de Brinquedo, há aquele
desfile de bonecas, de jogos diferentes, de super-heróis que custam uma
fortuna. Acho que se compra brinquedos vive-se menos. Vivenciar
atividades legais, de um zoológico, da cidade da criança em Rio Preto,
porque é isso que fica na memória. O que é da memória da minha
infância lembro quando meu pais levava a gente para ir num riozinho,
num parque em (...). Da escola eu lembro de um passeio no museu.
(P7C).
Também se percebe na fala da professora uma crítica ao que
acontece no Dia do Brinquedo: “dia de Brinquedo, há aquele desfile de
bonecas, de jogos diferentes, de super-heróis que custam uma fortuna”,
algo que não ocorreu quando perguntamos diretamente o que acha do Dia
do Brinquedo. Em sua fala, a P7C denuncia o excesso que as crianças têm
de brinquedos e enfatiza a necessidade de vivenciar experiências diferentes,
muito mais que acumular, algo característico da sociedade do consumo e
que se inicia na infância.
Tradicionalmente, o “Dia das Crianças” é marcado pela compra de
presentes para as crianças. Trata-se de uma data esperada pela indústria e
comércio, que lucram muito em dias como esse. É comum também que
escolas de Educação Infantil promovam festas e deem doces, lembranças e
presentes. O que não é comum é que compartilhem com as crianças que
281
tal data é um marco que ocorreu em 1925 com a Conferência Mundial
para o Bem-Estar da Criança, realizada em Genebra, tornando-se
popularmente o Dia Internacional da Criança o dia 1º de julho. Em 1924,
já acontecia um movimento importante em prol dos direitos da infância,
momento em que a Declaração dos Direitos das Crianças foi decretada.
No Brasil, desde essa década, foi estabelecido em 12 de outubro o “Dia das
Crianças”. Conforme Rodrigues ([201-]), muitos países têm a data de 20
de novembro para tal comemoração, porque foi quando ocorreu a
Assembleia Geral das Nações Unidas em 1954, estabelecendo o Dia
Universal das Crianças. Adota-se em 1959 a Declaração dos Direitos das
Crianças, já estabelecida em Genebra em 1924 com algumas modificações,
que preconiza que cada país deveria garantir uma data para a promoção de
ações que refletissem os direitos e o bem-estar da criança.
No Brasil, desde a década de 1920 já havia sido estabelecido o dia
12 de outubro como o Dia da Criança por um deputado federal do Rio de
Janeiro e promulgado pelo presidente da época, Arthur Bernardes.
Contudo, na década de 1960, a indústria brasileira de brinquedos Estrela
alavancou a data ao lançar uma campanha publicitária juntamente com a
Johnson & Johnson, “a Semana do bebê robusto”, ou o até hoje famoso
“bebê Johnson”, para aquecer o mercado de vendas de seus respectivos
produtos. Assim, popularizou-se a data comemorativa do Dia das Crianças
quase exclusivamente como uma data comercial (RODRIGUES, ([201-]).
Na perspectiva histórica e legal da data, percebe-se que as escolas
poderiam resgatar um importante trabalho de conhecimento social e
discutir os direitos das crianças desde a Educação Infantil e não
unicamente festejar com doces e brincadeiras, até mesmo para que os
professores compreendessem como é o processo de construção da noção de
direitos com as crianças, como vimos nos trabalhos de Saravali (1999) e
Silva (2017).
282
H) Propaganda X Escola
A situação hipotética e as perguntas seguintes compuseram o eixo
8 Nos EUA, muitas escolas, com seus orçamentos apertados, recebem
ajuda de empresas; em troca disso, mantêm publicidade em seu interior.
Vamos imaginar que uma empresa como a Coca-Cola se oferecesse para
sanar um problema da sua escola, por exemplo, uma pintura, um conserto
ou uma construção necessária e, em troca, solicitasse que fosse colocada a
sua logomarca nos uniformes dos alunos, bolsas e agendas. O que você
acha?”
As respostas dadas à primeira questão revelaram quatro categorias,
como pode ser visto na tabela a seguir:
Tabela 17 Categorias e ocorrências de respostas dos professores diante da
possibilidade de aceitação de marketing no interior da escola em troca de benefícios
Categoria
Ocorrências
Percentual (%)
Aceitaria
2
20
Não aceitaria
5
50
Indecisão
2
20
Relativação
1
10
Total
10
100
Fonte: Dados da pesquisa
Embora 50% dos professores negou a possibilidade da publicidade
na escola, entre os professores participantes, 20% aceitariam, empatando
com as respostas de 20% de indecisos e 10% que relativizou e impôs
condições para que houvesse publicidade na escola.
283
Olha, eu acho que eu aceitaria, se desse ajuda mesmo para que a gente
pudesse trabalhar, é a questão da troca, do dinheiro. O duro é o
uniformizinho, né. Tô pensando aqui. Eu botava propaganda aqui no
muro, ou alguma coisa do tipo. Porque do jeito que está eu acho que
não está legal. A educação ainda tem muita coisa ainda para ser feita.
Muita, muita, e acho que ainda está no problema da educação, a gente
ainda está deixando muita coisa passar. Eu não vejo que interfira. Não
mandando a gente fazer lavagem cerebral nas crianças, dizendo que a
gente tem que socar coca cola nela, suco Del vale nela, ou que a carne
tem que ser só Friboi, aí tranquilo. (P1A).
O docente P1A acredita que, quando apenas estampada no muro,
a propaganda não acarretaria problema ou interferência. Aponta não gostar
da ideia de uniforme e nem da possibilidade de se fazer lavagem cerebral
quanto ao consumo do refrigerante, mas não encontra outra possibilidade
para aceitar a troca da ajuda à escola pelo marketing. O docente P8A traz
a dúvida quanto aos aspectos legais do uso do logo do produto, pois parece
não ver a possibilidade da resolução do problema pela prefeitura:
Se é um problema crônico que a prefeitura não consegue resolver, não sei até
que ponto isso seria legal, legal que eu falo de legislação de poder, a gente tá na
prefeitura e vai usar um emblema da coca. Se for pra resolver um problema
que a prefeitura não consegue acho que seria válido. (P8A).
De acordo com a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988),
a Educação Infantil passa a ser responsabilidade dos municípios, que
devem atuar prioritariamente no oferecimento desta modalidade, assim
como na atuação no ensino fundamental, que até então era também
responsabilidade do governo Estadual. Por lei, cabe ao município aplicar
minimamente 25% de sua arrecadação própria na educação, além dos
recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
284
e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), embora nem
sempre cobrem todos os gastos reais. Ademais, sabe-se das dificuldades
financeiras que os municípios possuem em atender a demanda
principalmente em termos de creches (atendimento de 0 a 3 anos). A
universalidade do atendimento da modalidade pré-escola já foi alcançada
no município pesquisado, porém, muitas necessidades das escolas, como
reformas e outras construções necessárias, nem sempre são atendidas pela
administração, ou na velocidade que mereceriam. Nesse sentido,
acreditamos que os professores que optam por aceitar a publicidade
reconheçam essas dificuldades e acreditam serem legítimas para sanar os
problemas de ordem pública.
Esclarecemos que a elaboração da pergunta foi inspirada nos
estudos de Linn (2006) que, por sua vez, foram baseados na realidade das
escolas norte-americanas. Desde o presidente Ronald Reagan, o governo
federal reduz o repasse de verbas públicas, e os estados viram como solução
a parceria com a iniciativa privada. “[...] Hoje em dia, o governo federal é
responsável por somente 6% dos investimentos escolares. Mas os estados e
as comunidades locais sempre seguraram o rojão de pagar pela educação
de suas crianças” (LINN, 2006, p. 109). Nesse cenário, que a autora nos
mostra que os orçamentos apertados abriram as portas para a venda na
escola, legitimando, aos olhos de escolas e empresas, a comercialização de
inúmeros produtos na instituição. Segundo a autora, uma militante contra
a publicidade destinada à infância, os danos da publicidade são imensos e
vão desde problemas nutricionais e o aprisionamento do currículo ao
endossamento de que a instituição apoia o consumo de produtos e serviços.
A lógica é que, quando os produtos e serviços são anunciados pela escola
explícita ou implicitamente, há um apoio da instituição ao produto
anunciado. As expectativas de crianças e pais em relação à escola é que ela
é o lugar em que se aprendem bons conteúdos, e que aquilo que o
285
professor, o diretor e o espaço proporcionam deveria ser, em tese,
educativo.
[...]Não podemos esperar que as crianças separem a mensagem do
mensageiro. Então como uma mãe me contou há pouco tempo,
quando sua filha que frequenta a quinta série recebeu uma amostra de
desodorante durante uma aula sobre saúde, o produto tinha um selo
de aprovação. Quando um professor decorou a parede da sala de aula
com o pôster das estrelas da World Wrestling (estrelas de luta
profissional - grifo nosso), exaltando a alegria de ler, ele estava
apoiando a violência juntamente com a alfabetização. Quando um
refeitório de uma escola de ensino fundamental em Superior,
Wisconsin, mostrou uma foto em tamanho natural da estrela pop
adolescente Britney Spears (que faz a propaganda da Pepsi) como parte
da campanha de promoção “Got Milk?” (Beba leite) acrescida das
informações sobre onde encontrar seu novo CD, a escola
simultaneamente apoiou o leite, a Pepsi a cantora e quaisquer outros
valores que ela promovesse em suas canções (LINN, 2006, p. 101).
Frente a essas considerações, se a criança da Educação Infantil
visualizasse o logomarca da Coca-Cola todos os dias na escola e não
houvesse qualquer intervenção crítica do professor ou da escola, ela não
teria condições de estabelecer qualquer julgamento desfavorável quanto ao
consumo do refrigerante, a não ser que outros adultos de cunho familiar
ou de outras esferas possibilitassem a essa criança momentos para que ela
refletisse a respeito.
Os professores que negam a possibilidade de barganha entre a
escola e a empresa de refrigerante demonstraram diferentes argumentos,
que vão desde a indução ao consumo de refrigerante a imposição de algo
que os alunos não teriam a chance de opinar. Há incoerência entre a defesa
286
da escola sobre alimentação saudável e a publicidade de refrigerante, como
visto nos excertos abaixo:
Por um lado, é legal porque a gente tem acesso a muita coisa, mas por
outro lado não sei se seria uma coisa legal, por conta de eles serem
obrigados a isso, não é uma coisa que eles escolheram, não teria assim
a liberdade de escolha ou talvez a massificação, induzindo-os a fazer
uso do produto. Eu não aceitaria. (P4B).
Eu não gostaria, eu não acho bom. Mas não dependeria de mim né.
Porque só iria, a gente já fala que tem que evitar essas coisas... A gente
não fala isso de alimentação saudável com eles ou aí você vai estimular,
embora eles já tenham, em casa eles consomem, mas a gente fazer o
nosso papel aqui na escola, não seria viável, não seria legal. (P5B).
De certa forma eles não vão ficar mais preso? Porque a gente trabalha
alimentação saudável dentro da escola, com cardápio, com a horta, e
eu vou estar estimulando alguma coisa paralela a que eu deveria
ensinar. Isso faz a instituição mais presa. Tipo tapar o sol com a
peneira. (P6C).
Além do problema do consumo do refrigerante em questão, o
docente P9C’ levanta a ingenuidade da criança em usar uma camiseta
com a logomarca do refrigerante e que não perceberia o desdobramento
disso:
Não acho correto, porque a Coca-Cola não é um produto maravilhoso,
é o poder, não um produto pra ser incentivado. Pode ser que a criança
use uma camiseta sem maldade, sem cobrança, sem perceber o alcance
disso, aí tudo bem, está sendo útil pra ela. (P9C’).
287
O argumento de negação à parceria com a empresa que mais
diverge na argumentação foi o de P7C, que demonstra conhecimento
quanto às responsabilidades da esfera pública sobre a escola pública. Ele
admite que haja parcerias e colaborações com a escola, mas não admite a
publicidade no interior da escola:
Eu sou contra, porque acho que escola pública é responsabilidade do
poder público. Temos muitos parceiros, temos muita ajuda, mas nessa
questão, nessa mídia de propaganda eu sou totalmente contra. (P7C).
A parceria que a professora P7C aponta diz respeito à doações de
produtos para festas escolares e outras necessidades feitas pela comunidade
e por empresários com a empresa Companhia de Saneamento Básico do
Estado de São Paulo (SABESP) (Empresa de fornecimento de água, coleta
e tratamento de esgoto da cidade), nas campanhas de preservação do
ambiente e consumo consciente de água, além da parceria com as
Cooperativas de Trabalho Médico (UNIMED) que desde 2013 trouxe por
meio do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo
(SESCOOP) uma iniciativa para que as escolas trabalhassem e criassem
projetos que envolvessem o cooperativismo na escola.
Mesmo os docentes que ficaram indecisos (P2A e P3B) quanto
à atitude a ser tomada diante da questão argumentam que se trata de uma
decisão complicada, diante da dificuldade real e a possibilidade não correta
de incentivar o consumo de refrigerante:
Se ela vai estar sanando algo muito importante, mas está estimulando
a tomar Coca-Cola também. Difícil né complicado, não saberia que
decisão tomar. (P2A).
288
Se a gente for pensar que a escola vai ter uma qualidade melhor, um
material interessante e que as crianças vão ter acesso...Isso é muito
complicado. Por quê? É complicado porque é uma questão de saúde
né, infelizmente ela pode oferecer não pode te oferecer nada, e ao
mesmo tempo ela pode te oferecer série de problemas. (P3B).
Destacamos a relativização de P10C quanto à possibilidade de
inicialmente aceitar marketing no muro da escola e posteriormente mostrar
um posicionamento contrário à permissão da publicidade de refrigerante,
e por último aceitar a propaganda de outro produto frente à nova
problematização proposta:
Porque infelizmente eles veem isso o tempo todo. A publicidade está
aí o tempo todo, a televisão. Acho errado, mas dependendo do
objetivo, se fosse só o logo lá na frente da escola, se não precisasse
incentivar as crianças tomar Coca-Cola de boa. Agora se precisasse
tomar Coca-Cola eu sou totalmente contra. Dependendo do objetivo
fosse alguma coisa de força maior, se fosse só pra pintar a escola jamais.
Só se fosse uma situação muito deprimente, alguma coisa essencial
mesmo, que não tivesse banheiro, sei lá... colocar o logo só pra escola
ficar mais arrumada, de forma nenhuma. Por que não? Porque eu sou
totalmente contra refrigerante.
Publicidade nem sempre é a divulgação explícita de um produto,
mas que veicula o nome da empresa em longo prazo como algo positivo e
educativo, fidelizando o futuro consumidor.
Como a escola e os professores podem trabalhar projetos
patrocinados que trazem essa incoerência em seu bojo? O que um educador
poderia justificar para as crianças sobre essa ação?
289
I) Consumismo e Escola
Neste eixo temático, o objetivo é retratar o que o professor
considera como um conteúdo que lide com a questão do consumismo e
que já tenha sido desenvolvido em sala de aula. A pergunta desencadeadora
foi: “quais assuntos você já desenvolveu em suas turmas que acredita
estarem relacionados com a questão do consumismo pelas crianças?
Entre os dez educadores, um (P9C’) considera ser um tema difícil
de ser trabalhado; já P10C’ considera inicialmente que nunca trabalhou,
mas aponta o Dia do Brinquedo como situação em que já fez intervenção
acerca do tema. Conforme a tabela a seguir, vê-se que há uma diversidade
de apontamentos:
Tabela 18 Categorias e ocorrências de respostas dos professores sobre assuntos e
situações desenvolvidos em sala relacionados com a questão de consumo
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
Alimentação
2
14,28
Situação específica pis Frozen
1
7,14
Dia do Brinquedo
2
14,28
Videogame e vestuário
1
7,14
Desejo da Baby Alive e outros bonecos
1
7,14
Projetos Brincadeiras
1
7,14
Economia de Material
1
7,14
Água e Lixo
1
7,14
Compra de supermercado
1
7,14
Bonecas caras
1
7,14
Doação do que não te atende mais
1
7,14
Nada específico
1
7,14
Total
14
100
Fonte: Dados da pesquisa
290
O maior número de ocorrências está relacionado ao Dia do
Brinquedo e alimentação. No primeiro excerto apresentado, a docente, a
princípio, não percebe nenhum conteúdo, mas depois relata que as
crianças ficam comparando brinquedos em sala e que ela faz uma
intervenção. Para P10C, vem à tona a lembrança de uma situação do Dia
do Brinquedo em que uma criança deseja o objeto do amigo de sala:
Não me lembro de nenhum relacionado ao consumismo. Nunca
aconteceu nada que precisasse fazer uma intervenção? Aconteceu em
relação à questão do brinquedo, “meu brinquedo é mais bonito que o
seu”, nessa questão, já tive que fazer intervenção. (P2A).
[...] De consumismo, nunca cheguei a trabalhar. A gente fala e comenta
algumas coisas de vez em quando. Exemplo: no dia do brinquedo, um
aluno traz um brinquedo maravilhoso, hoje um aluno levou um navio
enorme e o outro levou um homenzinho daquele de docinho, ele
queria trocar, o menino do navio não queria dar, tive que conversar,
disse que num outro dia ele também traria um brinquedo maior, que
era pra brincar. Eles trocaram e brincaram. (P10C).
A educadora P1A acredita que tenha trabalhado a questão do
consumismo quando falou sobre alimentação em excesso e sobre alimentos
saudáveis e não saudáveis:
Na comida a gente falava muito sobre comida, refrigerante, sorvete. Eu
acho que se foi na alimentação foi nesse sentido de excesso, de comer
muito e não citando nome, a gente trabalhou assim: o que é saudável?
Arroz, feijão, verdura, carne. Hambúrguer, batata frita, refrigerante e
sorvete, bolo já não é tão saudável e que não pode estar comendo
muito. (P1A).
291
Também em relação à alimentação, mas como um trabalho
sistematizado com projetos, o docente P8C’ conta: “já abordei um
assunto de supermercado, o que pode ser comprado, o que deve ser
comprado, eles cortaram figurinhas e colaram no carrinho de
supermercado, o que é bom pra saúde, o que não é” (P8–C).
O educador P9C’ chega a tocar no assunto acerca da alimentação,
mas depois diz que não acredita que o trabalho com alimentação tenha
influência sobre o consumo e justifica a idade como um fator que dificulta
o trabalho:
Se você trabalha alimentação, frutas, verduras, pirâmide, coisa assim,
por mais que trabalhe, não sei se terá muito consumo. Por exemplo, a
criança não gosta de comer carne, quero comer só arroz, você está
falando que a carne é boa, legumes, saladas, é bom pra pele, para os
cabelos. A criança está ali ouvindo, não sei se terá tanta influência no
consumo. Com essa turma pequena é mais difícil, trabalhar essa
questão de alimentação. (P9C).
O docente P8C’ diz ter abordado, além da temática alimentação,
a questão do consumo por mais duas situações: o que é necessário consumir
e o valor das coisas que consumimos, e reflete sobre o não acúmulo e a
importância da doação:
Trabalho em roda de conversa só, em questão de não comprar tudo
que a gente quer, só o que a gente precisa, tem criança aqui que traz
roupa para dar para os amigos que sabe que não tem. Eles mandam de
forma sigilosa, não falam: eu dei essa roupa! Mas na roda de conversa
a gente trabalha isso: Eu quero uma boneca que é cara. Eu trabalho
assim se você tem bastante boneca dá um pouco para quem não tem.
(P8C).
292
A P3B traz em sua fala considerações importantes sobre mídia e
marketing:
Quando eu penso em consumo, eu acho que eu tenho que pensar nas
questões da mídia, na questão de marketing, isso é muito forte, eu acho
que a gente está percebendo e as informações que elas estão trazendo,
são, chega a ser de chorar, né, porque passa pela questão de que não é
preciso ser, é preciso ter.
Quando questionada sobre uma ação prática: “você acredita que
algum tema que trabalhou possa ter alcançado esse assunto? Nós
tentamos. Um exemplo é o lápis da Frozen e outro sem marca, a gente fica
questionando com as crianças, embora a gente saiba que tem uma questão
de marketing” (P3B). A professora afirmou que busca mostrar a
funcionalidade do objeto explicando que ele cumpre sua função sem ser
necessário que ele tenha uma imagem estampada.
Nessa mesma linha de publicidade de produtos infantis, a
educadora P4B aponta a situação do trabalho com empréstimos para
crianças que não têm acesso a produtos:
A gente conversa bastante sobre essa parte de vídeo game e vestuário,
tem bastante família que compra e faz uso dessas roupas que tem
desenhos e personagens. Trabalhei com eles nesse sentido, porque tem
criança que não tem. Há crianças que trazem fantasias de personagens,
eu trabalho direcionando assim, já que o coleguinha não tem, vamos
dividir, vamos emprestar, deixar o outro usar também. (P4B).
O desejo sobre o que elas querem também aparece nas falas das
crianças. A professora recorda ter feito alguma abordagem acerca do
293
consumo, mesmo que de forma indireta, sem ter problematizado a
questão, de forma mais reflexiva:
Não, assim eu sei que eles falam bastante. Da Bebê Alive, dos bonecos
que eles querem. Você nunca tocou nessa questão de consumo? De
consumo não, eles trazem a gente fala algo pontual. Eles trazem e a
gente fala, mas nunca falei sobre o consumo. (P5B).
A professora P6C afirma ter trabalhado a questão do consumo ao
abordar o assunto do projeto sobre brincadeiras e enfatizar a importância
do brincar sem a presença do brinquedo:
No projeto Brincadeiras nós falamos, porque quando a gente começou
a falar, diferenciamos brincadeira e brinquedo. No começo quando a
gente começou a falar qual a brincadeira que você gosta, falavam da
brincadeira da Bebê Alive. Falavam mais do brinquedo do que de uma
brincadeira. Nas rodas do final de semana, - “O que você fez”? “Ah, eu
joguei vídeo game”, “- Mas e brincar? E correr, pular, sem brinquedo
nenhum.” - Não. “Mas você só ficou sentado lá com brinquedo, e não
fez nenhuma brincadeira?”. Acho que nesses momentos eu tento me
policiar quanto a isso. Tia, eu brinquei com meu carrinho, mas eu
brinquei também de bola, de correr. (P6C).
Nessa perspectiva, Linn (2006) declara a importância da
brincadeira criativa, em que a partir da função simbólica, as crianças
mergulham no jogo simbólico (PIAGET, 2011), no faz de conta em que
brincam e dão função aos objetos de forma criativa, sem depender dos
objetos ou brinquedo industrializados, em que a satisfação gerada pela
brincadeira depende muito mais das pessoas do que dos objetos.
294
O item economia de material foi apontado por dois professores
como situações em que já trabalharam a questão do consumismo na escola.
O docente P6C traz em sua fala um resultado de intervenção a partir de
uma reflexão com a criança que iria adquirir um novo material:
Nos momentos da roda, na questão de economia de material, das
bolsas novas que chegam, “comprou uma bolsa nova, mas nem está
cuidando assim da sua bolsa, porque você quer uma bolsa nova, está
daí não está carregando as coisas. - “Minha mãe foi comprar uma bolsa,
eu falei que não queria mais não, que eu fiquei pensando no que você
falou, vou comprar uma ano que vem.” (P6C).
O docente P7C aponta alguns hábitos que podem colaborar com
a sustentabilidade do planeta e que ela trabalha com a criança sobre o
consumismo, e diz que as crianças na contemporaneidade estão mais
conscientes que as crianças de sua geração.
A questão da água, da produção de lixo, do zelo, de fechar a torneira.
Não o consumo de brinquedo, de coisas materiais, mas essa questão de
consumo, as crianças são bem mais conscientes do que eu fui por
exemplo. Quando eu era menina não falava o fim da água, da economia
da água, a economia era pra gastar menos dinheiro. Não por conta de
um recurso natural que está acabando. (P7C).
A docente P7C também traz uma reflexão importante sobre a
economia de materiais e o que movia esse comprometimento no passado e
no presente. A perspectiva atual sobre as questões ambientais traz os
aspectos das fontes não renováveis de materiais e não somente a questão
econômica financeira.
295
De acordo com as respostas dos professores, em sua maioria há
situações pontuais e isoladas que abordam a questão do consumismo na
infância, mas que não chegam a compor um trabalho intencionalmente
planejado para alcançar o consumismo em sua amplitude. O tema de fato
traz uma complexidade que abrange escassez de recurso e necessidade de
economia, de reflexões sobre a publicidade e sedução dos produtos, a
compra consciente, o não acúmulo de produtos, etc. Várias ocorrências do
cotidiano na pré-escola revelam uma provocação que poderia levar a um
trabalho mais sistematizado, mas não encontramos nas falas dos
professores um trabalho que abordasse os temas de forma mais articulada
e que explorasse suas variáveis possíveis. Nos excertos, alguns chegam a
trazer o olhar e a fala da criança para a intervenção sobre o assunto, mas
ainda seria necessária uma proposta de sequência didática ou um projeto
cujo foco fosse a criança consumidora já estimulada a comprar, e que
trouxesse a percepção das crianças e seus pontos de vista para delinear um
trabalho mais assertivo.
Quando perguntados aos professores: “você acredita que as
crianças estão consumistas? Como percebe isso?”. O objetivo era captar o
olhar do professor acerca do tema e como ele percebe esse consumismo.
Obtivemos a seguintes frequências de respostas, conforme a tabela a seguir:
Tabela 19 Categorias e ocorrências de opinião dos professores sobre as crianças
serem consumistas
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
Sim
8
80
Não
1
10
Relativização
1
10
Total
10
100
Fonte: Dados da pesquisa
296
As respostas revelaram que 80% dos professores creem que as
crianças estejam consumistas, ao passo que obtivemos uma opinião
negativa e outra que relativiza a ideia do consumismo na infância.
Na sequência, os professores tinham que justificar essa percepção,
e foi possível compreender os critérios de julgamento dos professores para
a classificação de uma criança como consumista. As respostas estão
caracterizadas na tabela a seguir:
Tabela 20 Justificativas dos professores para classificar as crianças como consumistas
Categorias
Ocorrências
Percentual
(%)
Barganhas dos pais: presente x
comportamento
4
25
Desejos de ter mais coisas e melhores a cada
momento,
4
25
Necessidade da criança em mostrar o que tem
ou ganhará
2
12,5
Posse de aparelho tecnológico
2 12,5
Posse de brinquedos novos constantemente
1
6,25
Posse de brinquedos com personagens da
mídia
3
18,75
Total
16
100
Fonte: Dados da pesquisa
Dos motivos apontados pelos professores que justificam a causa das
crianças estarem consumistas, 3 (três) deles se destacam: a barganha dos
pais condicionando comportamentos com presentes, o desejo de ter mais
e melhores coisas a todo momento e a posse de brinquedos com
personagens da mídia.
297
Os educadores não elencaram um só, mas vários motivos que
revelam a criança consumista, como vemos na resposta do educador P1
A:
Sim, principalmente nas coisas tecnológicas, né celular e troquinhas
que eu escuto aqui, que em casa a mãe prometeu alguma coisa se fizesse
isso e geralmente é um brinquedo, ontem um garoto ele falou: “meu
pai trabalha para comprar brinquedinhos, papai trabalha para comprar
brinquedinhos”, e no caso dele eu sei que é verdade. Toda sexta vem
um brinquedo novo, que é um brinquedo bom e um brinquedo caro.
É uma coisinha que custou um pouquinho mais. E boa parte tem
celular. Tablets dois já falaram que tem. Tem acesso a computador em
casa. (P1A).
O educador P2A elenca a questão da publicidade vinculada a
personagens infantis e o condicionamento do comportamento que é
barganhado por presentes:
É tênis do Homem Aranha, lança um filme e já vem a toalhinha, a
canequinha, a roupa, bolsa. Se eu ficar quieto, me comportar vou
ganhar tal coisa. (P2A).
Além da necessidade de a criança mostrar o que tem e o que
comprou, a P6C alega que a família estimula o consumo como forma de
troca para compensação de ausência:
Sim, é uma competição interna, “a minha mãe comprou isso, meu pai
comprou aquilo, fui passear no shopping, eu comprei não sei o que, eu
comi no McDonald’s, fui passear e fiquei brincando no parquinho,
298
mas eu comprei”. Então eu sinto uma competição entre eles, mesmo
eu falando não vou mudar a cabeça deles e dos pais também. “A meus
pais não vieram semana passada porque estava trabalhando, mas me
trouxe uma boneca que eu pedi e então está tudo resolvido”. Eles estão
sendo estimulados a isso. (P6C).
Ainda nessa categoria, P3B aponta a relação de troca que os pais
estabelecem como causa para a criação de crianças consumistas:
Muito. Se a gente não começar a trabalhar alguns critérios com eles no
sentido que algumas coisas necessárias e que esse ter não é tão
importante. E eu vejo assim não só as crianças, mas os pais né. Do tipo:
“se você vier na escola e se comportar eu te dou tal coisa, A no seu
aniversário...”. Quer dizer eles estão criando para serem consumistas.
(P3B).
Já sabemos que há um grande esforço marqueteiros e publicitários
favoráveis a cultura do consumo que possuem armas poderosas para a
sedução de crianças, além disso, destacamos que os adultos familiares
também foram crianças, adolescentes influenciados para o consumo e que
no processo educativo não são também capazes de promover uma
criticidade porque conviveram com uma relação crítica a esse processo.
Morchis (1985) já realizava na década de 80 pesquisas quanto o papel da
comunicação familiar na socialização do consumidor de crianças e
adolescentes que comprovaram que os pais fazem tentativas limitadas para
ensinar às crianças habilidades de consumo e que muitos comportamentos
consumistas são aprendidos tendo os próprios pais como modelos para seus
filhos. Os pais influenciam o aprendizado de consumo de seus filhos
diretamente e indiretamente. Diretamente pela forma como se comunica
com os filhos, quando intencionalmente utiliza instruções acerca do
299
consumo, ou quando os filhos observam a maneira como os pais
consomem. Há nesse processo de comunicação transmissão de valores e
padrão de consumo, assim como a família pode afetar indiretamente a
interação das crianças e adolescentes sendo acríticas a outras fontes de
influência para o consumo.
O querer mostrar o que se tem é apontado por P5B, assim como
vimos em P6C, e é um fator que define criança consumista para esses
docentes:
Pelas roupas, quando elas vêm sempre querem mostrar aí já falam, que
também vai ganhar, e os meninos também, super-heróis, e a gente
observa também que em casa, não tem nada a ver, mas meu filho, é
consumista, pois só pensa em marcas. (P5B).
Garantir visibilidade entre os pares e ainda o sentimento de
pertencimento ao grupo é conseguido por uma condição de mostrar o que
se tem, uma característica do sujeito da sociedade de consumo apontada
por Bauman (2008), Momo (2007) e Angelo (2013, 2014) e que está
atingindo a infância desde a Educação Infantil:
Porque às vezes quer uma sandália da Frozen que está na moda, quer
uma sandália e já sai outra, já quer a outra, às vezes eles não ganham,
mas às vezes ganham. Não sei se é o fato da mãe poder dar, ou se a
criança merece, ou às vezes até eu com a minha filha, sai uma sandália
nova, nem sempre está precisando, mas está merecendo, e não sendo
tão cara, o que ela pede a gente acaba comprando. (P8C).
A fala dessa professora traz tanto a questão da posse de produtos
por alunos de algo que está na mídia quanto o que impulsiona um
300
consumidor moderno em uma sociedade líquida, que é o comprar sem
necessidade real. Como mostrado por Bauman (2008, 2013), é a sociedade
do descarte, em que eu adquiro os produtos não mais por uma real
necessidade, mas por que está na moda ou porque preciso constantemente
ser premiado, assim como há um movimento constante de comprar e
descartar.
Conforme Paiva (2016, p. 244), “[...] na sociedade do consumo
exacerbado, é a condição de consumidor que, em seu fundo falso, distingue
as pessoas por meio de atos simbólicos disseminados por argumentos de
inserção, visibilidade e ascensão social”. Os personagens infantis, que
provocam a sedução para o consumo, simbolizam a inserção e a visibilidade
das crianças entre os pares para que ela possa se identificar com os
personagens estampados nos brinquedos, vestuários e objetos.
Vimos que é uma preocupação da docente P3B estabelecer
critério com as crianças: “a gente precisa começar a trabalhar alguns
critérios com eles no sentido de que algumas coisas são necessárias, mas
que ter não é tão importante.”
Os aspectos trazidos pelo educador P7
C’ também apontam o
acesso precoce das crianças por jogos digitais da internet, computador,
celular, tablet, e a descartabilidade que a evolução dos aparelhos
tecnológicos lhes impõe, e propõe o caminho para a superação do
consumismo, o retorno ao prazer do ser, o vivenciar situações em que o ter
é menos importante, exemplificado pela fala de um aluno, que parece
acenar para a contramão do consumismo, e a importância de vivências que
não implicam a valorização do consumo:
A questão das roupas, dos brinquedos, dos jogos, da internet, do
computador, do celular. Essa parte digital está muito aflorada. A parte
301
física, motora, do brincar, do vivenciar, está meio esquecida, só fica a
parte do intelecto, mesmo que digital. A todo momento, aos recursos,
a essa overdose de coisas que a gente vê, mudando, evoluindo, cada vez
mais moderno, ter tablet melhor, celular melhor, computador melhor.
E as crianças vão tendo acesso a isso. Acho muito cedo. Essa semana
teve um menino que disse assim pra mim: “Essa noite foi a mais feliz
da minha vida, porque a minha mãe jogou bola comigo na rua, nós
jogamos bola na rua e depois meu pai pediu uma pizza.”. Olha, uma
noite feliz, porque a família jogou bola na rua. É assim, esquece um
pouco o prazer do vivenciar pro ter. Há o acesso fácil e a valorização de
educação de valores, é valorizado o ter do que o ser. É inversão de
valores de algumas famílias. (P7C).
Nesse mesmo olhar, o educador P10C’ vê o consumismo na
infância como algo crescente nos tempos contemporâneos, enquanto o
P7C’ acredita que o valor do ter está em detrimento do ser demonstrado
pela necessidade de constantemente se ter coisas melhores:
Muito mais do que a gente na nossa infância. Hoje em dia as pessoas
dão muito mais valor ao ter que ao ser, e isto está embutido. Se eu
tenho isso melhor, quero cada vez melhor. Não é uma regra, mas acho
que está acontecendo muito mais. (P10C).
A respeito dessa necessidade do consumo apontada por quatro
professores (P7C, P8C’, P9C’ e P10C’), Bauman (2008) analisa a
sociedade de consumo, cuja base é a promessa de satisfazer todos os desejos
humanos, e que essa promessa só permanece sedutora se o desejo continuar
insatisfeito. Dessa forma, freneticamente há um movimento de busca da
plena satisfação superada por novos desejos que, quando resolvidos,
delineiam uma vida fugaz e se movem rumo novos desejos. Assim, segundo
o autor, uma das maneiras para o consumidor enfrentar essa insatisfação
302
constante é o descartar dos objetos que rapidamente se tornam obsoletos,
impróprios e acumulados ao lixo para, assim, consumir novos produtos.
Nessa perspectiva, a ideia da durabilidade é desvalorizada. As
crianças, aos olhos dos professores, são consumistas e cada vez mais
encontram valor no ter do que no ser. Já demonstram desde a tenra idade
a alegria em poder consumir aparelhos tecnológicos, sandálias e
brinquedos da moda adquiridos e constantemente alimentados pelas
famílias.
A educadora PC’
9 traz a responsabilidade da família ao julgar a
condição de consumista da criança e, portanto, crê que a família é uma
fonte da influência. No entanto, ela também cita a presença do
consumismo que aflora na escola, como lugar em que as crianças se
mostram uma para as outras a fim de revelar o que possuem materialmente.
A professora considera que sua turma atual não se comporta dessa maneira,
com exceção de uma aluna que sente necessidade constante de mostrar seus
pertences para os outros alunos. Para ela, a maior característica de uma
criança consumista é o exibicionismo de objetos entre os pares para se
tornar melhor do que os que não têm o objeto, em um comportamento de
afrontamento ao outro.
Depende da família, isso é influência da família. Não diria aqui nessa
escola, mas outras coisas que influenciam. “Eu tenho isso, e você?”. Eu
tenho isso, daqui a pouco todo mundo tem. Como você julgaria que a
criança é consumista? Quando ela utiliza aquilo que tem pra ser melhor
que os outros. Por exemplo, “venho com um laço maravilhoso no meu
cabelo”, e sei que as coleguinhas, não tem nenhum laço. Então eu
utilizo-me daquilo pra me achar melhor que os outros. Com uma
roupa, um tênis, com qualquer coisa. Mas não tenho visto isso na sala
de aula. Eu tenho visto crianças com roupas e tênis bons, mas que não
afrontam o outro, porque o outro não tem, a não ser uma menina, que
303
o que você pergunta tem. Tem tudo... quer comentar que tem. (PC’
9).
A única educadora que traz a opinião contrária quanto ao
consumismo na infância tece um olhar sobre o que se revela na escola,
considerando que as crianças não estão consumistas nesta idade, partindo
do conceito que consumista é “[...] aquela pessoa que tem necessidade de
estar consumindo em qualquer situação, é roupa, material, brinquedo.”
(P4B), e que se há qualquer ação nesse sentido, ela parte da família, e não
da criança:
Acho que ainda não, nessa idade ainda não. Porque eu vejo, os
materiais que eles trazem, nenhum é especialmente direcionado, é o
básico que a gente pede, ninguém traz além, eles não trazem nada na
mochila, além de uma toalha e caneca. Então não vejo não. Você fala
na questão de querer as coisas? Vamos então pensar o que é ser
consumista na sua concepção?
Aquela pessoa que tem necessidade de estar consumindo em qualquer
situação, é roupa, material, brinquedo, eu não vejo isso nos meus
alunos nessa idade. A gente vê mais talvez na família, que quer se
mostrar pra outra, mas nas crianças não. (P4B).
-se nas falas de 90% dos professores a confirmação de que as
crianças estão consumistas, e boa parte das justificativas traz de uma
maneira ou outra a questão da socialização primária. Até mesmo o
professor que não percebe nas crianças um comportamento consumista
atribui à família esse comportamento. Aquilo que submerge na escola,
como o exibicionismo de novos objetos, a posse de brinquedos midiáticos,
as conversas de promessas de premiações e barganhas, a posse de aparelhos
tecnológicos, nas falas dos docentes parecem invadir a escola, que
304
permanece talvez atônita com esse movimento e indica não saber como
lidar com ele. De acordo com Paiva (2016), o caminho é o contato com
um rico repertório cultural:
As crianças confinadas nesse mundo de esbanjamento só criam con-
dições de escapar do campo de força da redoma ideológica que as priva
do tempo da infância se tiverem contato sensível com um repertório
cultural. A beleza pode ser descoberta por todos, nas manifestações da
natureza ou da cultura; o belo está sempre em algo provocando emoção
estética e nos oferecendo razões exploratórias (PAIVA, 2016, p. 244).
Nessa mesma perspectiva, perguntamos aos professores ainda no
eixo temático “consumo e escola”: “você acredita que a escola possa
contribuir para a reflexão sobre o consumismo infantil? De que maneira?
Obtivemos 80% de afirmações positivas quanto ao papel da escola na
reflexão contra o consumismo:
Tabela 21 Opinião do professor sobre a contribuição da escola na reflexão contra o
consumismo
Categoria
Ocorrências
Percentual (%)
Sim
8
80
Não
1
10
Dúvida
1
10
Total
10
100
Fonte: Dados da pesquisa
Entre as maneiras citadas, o maior número de ocorrências nas
respostas trouxe o papel da formação da família, seguido de diálogos nas
rodas de conversa e o Dia do Brinquedo como possibilidades de reflexões.
305
Tabela 22 Maneiras de como a escola pode contribuir para a reflexão contra o
consumismo
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
Contar Histórias
1
4,54
Educação Financeira
1
4,54
Diálogos e Roda de Conversa
3
13,63
Construção de Brinquedos
2
9,09
Formar pais/oficinas
4
18,01
Desenvolver brincadeiras diferentes
2
9,09
Dia do Brinquedo/Reflexões
3
13,63
Ter mochila padrão
1
4,54
Ter uniforme padrão
1
4,54
Cuidado com materiais de uso
1
4,54
Consumo consciente de diferentes fontes
1
4,54
Difícil ter estratégias
2
9,09
Total
22
100
Fonte: Dados da pesquisa
Esse questionamento é um dos mais importantes para a nossa
pesquisa, pois pode revelar a crença do professor em termos de concepção
do papel da escola, do seu próprio papel e das intervenções educativas no
processo educativo sobre o consumismo.
Formar pais em oficinas foi apontado por quatro educadores: P2
A, P4B, P6C e P8C’. A parceria escola e família é essencial, uma vez
que estamos falando de consumo subsidiado por adultos, pois crianças não
possuem poder aquisitivo e só têm acesso aos bens de consumo via
familiares adultos, somado ao processo educativo que ocorre em casa e que
valoriza ou não o ato do consumo consciente. As falas dos professores
ilustram a preocupação em atingir os adultos, pois quando chegam à
escola, as crianças já tiveram a experiência da socialização primária
(família):
306
Sim, mas não só com os alunos, com os pais também. É muito fácil
explicar pra eles e falar das brincadeiras, da importância de cuidar do
que têm, que eu não preciso de tudo o que eu tenho, se o pai não pensa
dessa maneira, se o pai acha que o presente é melhor que a presença,
claro que trabalha e tem toda essa história. Acredito que a escola possa
ajudar sim, não só com as crianças, com os pais também. (P6C).
Creio que sim, acho que com as famílias vale a pena trocar uma ideia,
orientar e mostrar pra eles, principalmente que daqui pra frente como
cada um vai ter o seu material, acho que a questão pega mais por ai.
(P4B).
Eu não sei se a gente ia conseguir, mas eu acho que sim. O que a gente
está precisando é fazer também com que esses pais, acho que temos que
fazer escolas de pais, uma formação de pais. (P2A).
A falta de comprar alguma coisa depende dos pais. Reforçar esse
aprendizado depende dos pais, às vezes não acontece, eles não
compram porque não tem dinheiro, só que também não falam o
porquê não está comprando, então depende muito. O caminho é
principalmente a família. (P8C’).
O educador P8C revela em sua fala que o consumo na família
pode vir ou não acompanhado de uma condição financeira, bem como a
falta de investimento no diálogo entre pais e filhos. Pode-se inferir que o
acesso ao consumo em uma sociedade capitalista pode estar ligado somente
à condição financeira de um sujeito, contudo, o consumo consciente não
é algo que ocorre pela falta de condição financeira para o consumo, assim
como não ocorre pela plena condição financeira. O consumo consciente
depende de processos de reflexão e ações coerentes na vida, como vimos
em alguns estudos de socialização financeira com famílias (CANTELLI,
2009; FERMIANO, 2010; MATTOS, 2010) e publicidade (LIRA,
2015).
307
Vale lembrar que um dos problemas apontados pelo consumismo
na infância é o stress familiar (SCHOR, 2007; BRASIL, 2013b). Em
contraponto, dois professores apontaram justamente a família como um
problema que inviabiliza tratar o consumismo pela escola:
Na questão do consumo, nossa vivencia aqui é uma, lá em casa é outra,
não sei como a criança fica diante disso, meus pais pensam diferente,
aquilo é cômodo pra mim, não sei como fica a cabeça da criança em
relação às coisas. (P9C).
É, nem sempre a gente pode falar, né, porque tá no mundo todo, está
na casa dele, nós também fazemos muita coisa consumista, é difícil, sei
lá... e conversar você vai falar o que, é difícil... é conversar igual o
ambiente, mas aí, se vê né estou destruindo. Quando eu fiz minha
faculdade a gente trabalhava lá e me lembro de um texto que o
trabalhador nunca tinha direito ao seu carro. Ele trabalhava,
trabalhava, mas era muito difícil ele conseguir o bem de consumo que
ele estava produzindo. Mas é difícil viu. (P5B).
A inviabilização do trabalho acerca do consumismo na infância, na
visão dos dois professores, traz pontos interessantes para a presente
reflexão. Quando o docente P9C’ aborda as vivências diferentes entre
escola e família está asseverando que há valores diferentes entre aquilo que
a escola tentará desenvolver e o que contrasta com os valores familiares, e
que isso pode causar conflitos para as crianças. Embora saibamos que o
consumismo é um fenômeno bastante complexo, também acreditamos que
a escola tem um papel fundamental de não acatar aquilo que a massa ou
que o senso comum nos oferece, principalmente se o conhecimento que a
criança traz está na contramão daquilo que cabe à escola colaborar para a
formação integral de uma criança. Não se trata de ignorar o que a criança
da Educação Infantil traz, mas ampliar o seu conhecimento de mundo.
308
Freire (1996) bem nos lembra que a educação é uma forma de intervenção
no mundo, e que educadores não podem assumir uma postura neutra em
razão de uma ideologia que domina socialmente. Antes disso, Piaget
(2011) já versava sobre as obrigações da sociedade e da escola com a
criança:
[...] Educação não é uma simples contribuição, que se viria a
acrescentar aos resultados de um desenvolvimento individual
espontâneo ou efetuado com auxílio da família: do nascimento até o
fim da adolescência a educação é uma só, constitui um dos fatores
fundamentais e necessários à formação intelectual e moral, de forma
que a escola fica com boa parte da responsabilidade no que diz respeito
ao sucesso final ou fracasso do indivíduo, na realização de suas próprias
possibilidades e em sua adaptação à vida social (PIAGET, 2011, p. 54).
O educador P5B aponta a dificuldade em trabalhar esse assunto,
tendo em vista que o comportamento consumista é da família e da
sociedade. Ele próprio se inclui como um consumista. A própria reflexão
deste professor difere dos estudos de Braga (2010), em que professores não
possuem um comportamento considerado consciente, mas um discurso
estereotipado da preservação do ambiente. Outro aspecto trazido em sua
fala que difere dos outros professores é a defesa do acesso ao bem de
consumo, quando cita que em sua formação de licenciatura leu um texto
que dizia “[...] o trabalhador nunca tinha direito ao seu carro. Ele
trabalhava, trabalhava, mas era muito difícil ele conseguir o bem de
consumo que ele estava produzindo.” Sua voz remete a reflexão sobre o
acesso ao consumo e a divisão de classes na sociedade capitalista, que
representa também uma perversidade de um sistema econômico e social
desigual, em que a maioria não tem acesso àquilo que ela mesma ajuda a
construir, principalmente em bens mais caros ou maiores.
309
O consumismo presente na infância infantil também é revelado na
divisão de classes sociais, quando crianças de classes populares,
impossibilitadas de ter produtos com custo elevado, asseguram-se com
objetos de qualidades bem inferiores, mas que garantem o acesso a um
capital simbólico. Momo e Costa (2010, p. 985) afirmam que “[...] a
produção massificada da indústria cultural traz como consequência um
tipo de inclusão”, e em sua pesquisa revelou que crianças da periferia,
quando conseguiam portar objetos considerados ícones do consumo
comprados num mercado paralelo, e em algumas situações até encontrados
no lixo, deixam de ser anormais, de ser diferentes, e, portanto, conseguem
compartilhar dos mesmos sonhos de consumo de crianças de classes sociais
mais abastadas. Logo, há um borramento das fronteiras (MOMO, 2010)
entre classes sociais, em que pobres consomem ou desejam consumir
(mesmo que em condições inferiores) aquilo que a classe social mais
abastada quer.
Três professores apontam a situação do Dia do Brinquedo como
forma de desenvolver um trabalho para atingir o tema consumismo na
Educação Infantil, como vemos nos excertos “[...] estipular brinquedos no
Dia do Brinquedo” (P3
B), em que o educador definiria tipos de
brinquedos a serem trazidos, e em P6C, que proporia uma situação em
que as crianças teriam que pensar na partilha, não no excesso:
No dia do brinquedo, por exemplo, “vamos guardar tais brinquedos
que as crianças trouxeram um pouco e brincar só com esses destas
crianças, mas todo mundo vai ter que brincar só com esses, pra eu
perceber que um só pode fazer a alegria, o divertimento de muitos. A
troca, o cuidado com os brinquedos. (P6C).
310
Na mesma perspectiva, o P9C’ traz a ideia do partilhar e
emprestar o brinquedo:
Talvez o dia do brinquedo, que você traz o brinquedo de casa. Eu quero
melhor, não vou deixar ninguém brincar. Já foi falado e explicado,
mas, por exemplo, outro dia o menino trouxe um tablet infantil e ele
queria brincar só com uma amiga e não queria deixar os outros. Então
eu questionei, se ele achava que estava fazendo certo, como é que é?
Está com medo de quebrar. A escola pode trabalhar isso no dia do
brinquedo, é para trazer um brinquedinho que todo mundo possa
brincar e se divertir junto. Agora trazer um brinquedo que você não
pode compartilhar... (P9C’).
Acreditamos que essa intervenção pode ser um caminho
interessante, contudo, apenas se houver uma solicitação do professor para
que as crianças venham a pensar também diretamente na questão do
consumo. O fato de partilhar não vai necessariamente proporcionar à
criança a reflexão direta sobre o consumismo.
As rodas de conversa foram apontadas por 3 (três) professores,
P10–C, P8C e P3B, como maneira de combater o consumismo infantil
e forma de refletir dialogando. Exemplificamos a fala de um dos
educadores, que sugere o diálogo com a criança, mas desabafa seu
descontentamento quanto à sobrecarga para a escola: “acho
importantíssimo até conversar com as crianças sobre o que elas desejam,
sobre os seus valores, infelizmente acaba sobrando para a escola,
antigamente se aprendia isso em casa” (P3–B).
Embora sabido que a família é o sistema primário de socialização,
o consumismo tem exigido cada vez mais cedo uma postura da escola, pois
atinge a criança que chega a Educação Infantil, e não podemos
311
desconsiderar de forma nenhuma os conhecimentos sociais em construção.
Corroborando esse pensamento, encontramos no posicionamento de
Cainzos (1998, p. 114): “[...] A escola deve proporcionar a meninos e
meninas elementos de conhecimento, procedimentos e atitudes que lhes
permitam situar-se na sociedade de uma maneira consciente, crítica,
responsável e solidária”, e nos apontamentos de Sarmento (2012), que nos
fala sobre a necessidade da Educação Infantil como espaço para atender as
demandas dos mundos complexos em que vivem as crianças.
Como vimos na tabela 22, construir brinquedos traria aos olhos de
2 (dois) professores uma alternativa para criança sobre as escolhas de
brinquedos ao invés de brinquedos determinados e midiáticos:
Pode, quando trabalhamos com brincadeiras diferentes, quando se
constrói brinquedos, podemos dar outro olhar para as crianças, não
precisa só daquele brinquedo. (P7C).
Por exemplo, os brinquedos tradicionais, boneca feito com sabugo de
milho que nossos avós faziam, se a gente apresentar isso e eles
começarem a ter prazer nos brinquedos que eles mesmos fazem, acho
que já começa a melhorar alguma coisa. Porque não fica só
deslumbrado com o que é famoso, com o que é propaganda, acho que
já começa por aí, ter encantamento. (P10C).
A fala do educador P7C revela um elemento muito importante
quando traz à criança a possibilidade de ampliar sua visão acerca do brincar
e da origem do elemento brinquedo, que não precisa ser comprado, mas
que pode ser construído, enquanto P10C valoriza a ação da criança no
ato de construir brinquedos como forma de encantar as crianças por meio
do que ela produziu e não do que a mídia e a publicidade impõem. Nessa
linha de raciocínio, Linn (2010) propõe uma discussão interessante sobre
312
essa relação de prazer e satisfação e o brincar criativo que envolve a criança,
na contramão de brinquedos produzidos pela indústria cultural. Se um
brinquedo for de fato construído pela criança de forma criativa, ela terá
possibilidades de construir recursos internos e, consequentemente,
depender menos de fatores externos para a obtenção de prazer e satisfação.
Para a autora, o prazer é algo restaurador, mas não leva ao crescimento ou
mudança, ao passo que a satisfação é adquirida com a experiência e o
esforço, ou seja, quando superamos desafios adquirindo novas habilidades.
A ação de construção de brinquedos pelo professor traria vários
benefícios. O primeiro deles é que a criança na idade pré-escolar, por estar
em desenvolvimento, não dispõe de condições cognitivas que lhe
permitam analisar as influências da mídia que nela estimula o desejo do
comprar. Em contraponto, ela teria uma boa proposta vinda do professor
que, em tese, é carregada de afeto.
O segundo motivo que se pode apontar como positivo na
construção do brinquedo é desenvolver conhecimentos físicos quando da
exploração dos objetos para selecionar o que a criança vai utilizar na sua
construção, as formas, cores e propriedades dos elementos. Com o
conhecimento lógico matemático, a criança compara, mede, classifica,
encaixa e projeta aquilo que se está construindo. Já com o conhecimento
social, ela pesquisa sobre o brinquedo enquanto aprende que aproveitar
materiais reutilizados sem gastar novos recursos naturais ajuda na
preservação do planeta, além de aprender valores que podem minimizar a
sedução dos brinquedos ofertados pela mídia. Soma-se a isso o
desenvolvimento da autoestima e da autonomia da criança, fatores de
extrema importância a serem valorizados na Educação Infantil.
Alertamos, contudo, que a reutilização de material reciclado só faz
sentido quando não incita o consumo inicial, ou seja, aquilo que foi
utilizado e que está sendo reaproveitado não deve causar mais acúmulo de
313
resíduos ou danos à natureza. Por exemplo, comprar refrigerante para fazer
brinquedos de garrafa perde um pouco o sentido, pois provoca o consumo
inicial.
Quanto à ação de adotar mochilas e uniformes padrões, vimos a
preocupação do educador P6C em reduzir o consumo impulsionado
também pela influência de outras crianças:
Na questão de vestuário, porque vê que é muito padrão. É uniforme, a
roupa de sempre e já foi conversado isso também, sobre a questão das
roupas, porque tem o parque, porque vai sujar, às vezes pode manchar
a roupa. (...) Nas mochilas, a prefeitura dá a mochila, tem que usar a
mochila. No começo do ano deu mochilas para as crianças que não
tinham. As crianças da minha sala receberam as mochilas ano passado.
De pontuar isso, deu uniforme, deu mochila, é para ser usado. Não é
para ser deixado em casa. Porque não terá a necessidade, “ah eu vou
comprar uma bolsa pra minha filha porque a outra amiga comprou”.
Já que deu obrigatório usar, não ser aconselhável. (P6C).
É notório que as crianças se sentem atraídas por desenhos e
imagens. Ciente disso, a Indústria Cultural associa produtos de diversas
categorias tais como brinquedos, mochilas, alimentos e roupas a
personagens infantis de desenhos animados e séries como meio de vender
seus produtos. A criança passa a se identificar com o produto e deseja ter
mais e mais, de acordo com aquilo que é mais visível na mídia, muitas vezes
até incentivadas pelos adultos. As imagens do filme “Frozen”, por exemplo,
estão presentes em todas as salas de Educação Infantil, estampadas em
camiseta, calça, chinelo, sandália, sapatilha, copo, mochila e toalhas de
mão. São imagens televisivas que povoam o imaginário da criança em casa
e também na escola, e além de estampadas em produtos, aparecem nas
brincadeiras e nas vozes das crianças. Principalmente entre as meninas,
314
artefatos com personagens são elementos bastante utilizados no espaço de
Educação Infantil, que além da identificação com o personagem, garantem
a identificação entre os pares, dados também mostrados nos estudos de
Momo (2007) e Angelo (2013).
São corpos-espetáculo circulando no mundo das visibilidades, saturado
de imagens, compondo a cultura de consumo altamente visual e, de
certa forma, levando esse mundo para dentro da escola. São corpos que
parecem experimentar a vida glamourizada das estrelas da TV, corpos
que desfilam espetacularmente pelos espaços da escola, quando cantam
e dançam para o público composto por seus pares (MOMO, 2010, p.
983).
A respeito disso, podemos compreender o que está por trás de
tantas mercadorias com estampas de personagens. Estudos apresentados
pela empresa brasileira Multifocus em 2009, especializada em
compreender o comportamento do consumidor e que realiza pesquisas de
mercado para oferecer produtos e serviços de acordo com os valores,
desejos e necessidades do público especializado, revelam que, em geral,
cerca de 70 a 80% do faturamento de uma empresa está ligado a vendas
de produtos com estampas de personagens, criados ou licenciados. As
estampas variam de personagens infantis midiáticos a celebridades e
representa uma grande estratégia comercial para aumentar os lucros. Em
2017, a Associação Brasileira de Licenciamento (ABRAL) reforça tais
percentuais e anunciou que o “[...] segmento infantil lidera o ranking
brasileiro de itens licenciados”, e ainda que “um produto com a figura de
um personagem conhecido pelas crianças tem 20% a mais de chances de
venda em relação a um item sem a estampa do personagem” (DINO
DIVULGADOR DE NOTÍCIAS, 2017). De acordo com os dados da
315
ABRAL o setor de brinquedos licenciados representa um faturamento de
R$ 17 milhões e que a principal estratégia para atingir este faturamento é
acompanhar o desenvolvimento do consumidor infantil.
A imposição do uniforme, na visão da professora, pode ser um
caminho para que as crianças não desfilem com personagens na escola. A
ausência de roupas e sapatos com estampas de personagens pode a
favorecer a não evocação mais constante, mas sabemos que não é suficiente
para que as crianças reflitam sobre o tema. É preciso provocar a reflexão
por meio da interação com o mundo social contemporâneo, e elevar a
consciência crítica sobre o tema.
Para Delval (2013), desde que nasce a criança está sujeita a
diferentes influências sociais. Por meio dos adultos, recebe cuidados
essenciais, aprende diferentes conhecimentos, mas há também a imposição
de regras, hábitos e costumes em que residem intrinsecamente os valores,
as regras e as normas sociais. Por meio das trocas entre os pares, entre os
adultos e aquilo que vivência, a criança construirá representações que darão
suporte para compreender a realidade social em que vivem. Nesse sentido,
acreditamos que a partir da Educação Infantil podemos levar discussões
para as crianças, e os professores e os adultos da comunidade escolar são
aqueles que vão possibilitar essa ampliação de mundo às crianças.
A professora P4B, embora não veja as crianças como consumistas,
aponta o cuidado com materiais, o não estragar e o manter aquilo que a
gente tem como maneiras possíveis para combater o consumismo: “no
consumo, de uma forma geral, sim. A gente inclusive trabalha com o
consumo da energia, da água, de estar colaborando, o que não deixa de ser
um consumo”.
“Contar histórias” foi uma estratégia metodológica apontada entre
outras por P3B para o trabalho sobre consumismo na Educação Infantil.
316
Embora a literatura em si não deva ter o compromisso de “ensinar
conteúdos” de forma direta, vê-se que há histórias infantis que podem
ajudar a desencadear boas discussões sobre o tema.
A Educação financeira foi citada por apenas uma professora, que
justifica a importância do tema e a possível colaboração da escola para o
processo educativo sobre endividamento:
Acho que deve. Não só pode educação financeira. Acho um absurdo
não ter educação financeira na escola. Deveria ter, começa mesmo na
Educação Infantil, de uma forma lúdica, com um mercadinho e se
estender por todo o caminho. Por que as pessoas são tão endividadas
hoje em dia, porque não sabem lidar com dinheiro. Eu acho que a
escola poderia contribuir muito com isso. (P10C).
Encontramos apenas no trabalho de Kourilsk (1976) a abordagem
da educação econômica como programa educativo voltado para a
Educação Infantil. Contudo, tanto no âmbito internacional, com as
pesquisas de Amar (2003), Denegri (1999), Denegri (2005a; 2005b;
2006c), Denegri (2006a; 2006b) e Oliveira e Cruz (2012) quanto no
âmbito nacional, com as pesquisas de Araújo (2007), Balvé (2000), Bessa,
Fermiano e Denegri (2014), Cantelli (2009), Fermiano (2010), Lellis
(2007), Mattos (2010) e Silva (2015), observamos reflexões sobre a
necessidade da alfabetização no tema.
Os trabalhos de Denegri (1999, 2005a, 2005b) no campo de
comportamento econômico têm se destacado e revelam que a educação
econômica é um tema transversal desenvolvido em outros países tais como
Chile e Colômbia. Porém, a indicação adequada de idade para esse
trabalho é de 10 anos, como já apontamos no levantamento de pesquisas
sobre o tema, assim como já vimos que o tema educação financeira está
317
presente na Nova Base Comum Curricular Brasileira no ensino
fundamental, com crianças na mesma média de idade sugerida por Denegri
(1999, 2005a, 2005b).
Nessa reflexão, questiona-se como o currículo da Educação Infantil
poderia contribuir para tal discussão. O currículo atual proposto por
documentos oficiais contemplam as situações vividas pelas crianças na
contemporaneidade?
A discussão curricular mais atual sobre a Educação Infantil,
posterior a Resolução 5 de 2009, que estabelece as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009), é a Base Nacional
Curricular Comum (BNCC) e compartilha da mesma concepção de
criança que, de acordo com o artigo
, é
Sujeito histórico e de direitos, que interage, brinca, imagina, fantasia,
deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói
sentidos sobre a natureza e sociedade, produzindo cultura (BRASIL,
2009) e, portanto, seres que, em suas ações e interações com os outros
e com o mundo físico, constroem e se apropriam de conhecimentos
(BRASIL, 2017).
Nesse sentido, considera que as crianças constroem significados
pelos conhecimentos que se formarão a partir das relações de interação com
o mundo natural, físico e social e, portanto, nós, educadores, temos que
nos ater de forma mais singular a algo que está invadindo os limites da
infância e que se sobrepõe a valores de um universo adulto, e conclamar a
instituição escolar a assumir seu papel educativo.
Conforme a BNCC (BRASIL, 2017), é necessário e fundamental
imprimir a intencionalidade educativa nas práticas pedagógicas e,
318
portanto, acreditamos que conhecimentos sociais tais como o consumo
e/ou o combate ao consumismo será apenas refletido e pensado pelas
crianças se houver uma solicitação do meio para tal. Conforme Assis e
Montovani de Assis e Camargo de Assis (2013, p. 33):
[...] a intervenção do professor é absolutamente necessária tendo em
vista que suas incitações podem fazer a criança refletir sobre as suas
próprias ações e conseguir explicar os fatos [...] e caminhar em direção
da estruturação do conhecimento.
Sobre o currículo, foi trazido no presente trabalho que tanto os
Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL,
1998) quanto às diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
- Resolução 5/2009 (BRASIL, 2010) e a Base Comum Curricular
Nacional - Educação Infantil (BRASIL, 2017) abordam a questão
ambiental e a necessidade de um ambiente saudável e da sustentabilidade.
No entanto, é preciso ir além de trabalhos apenas de educação ambiental
e tocar de fato naquilo que atinge fortemente a infância pós-moderna. É
preciso que as ações estejam explícitas nas orientações legais e nas propostas
pedagógicas a fim de que o trabalho chegue aos alunos.
O professor, todavia, não pode estar sozinho nesse processo. Para
isso, um trabalho de formação é essencial. Ele não poderá formar
consumidores conscientes se raramente receber formação para isso. Uma
pesquisa conjunta interessante das Universidades: Universidade Federal de
Goiás, Universidade Federal de São Carlos, Projeto “Cala a Boca já
Morreu” em Parceria com o Instituto Alana (2015), sobre criança, mídia,
consumo e formação de professores buscou mapear e analisar como o tema
aparece no espaço da internet quando vinculado a cursos de Pedagogia
responsáveis pela formação de professores e, posteriormente, como aparece
319
em mídias sociais. Os resultados apontam que existem 2008 cursos de
pedagogia no Brasil e que não há uma quantidade significativa do tema em
ementas de disciplinas e conteúdos de aula, nem em projetos político-
pedagógicos de cursos de Pedagogia. Ou seja, o assunto não está presente
no processo de formação dos professores, mas em pesquisas desde trabalhos
de conclusão de cursos a teses, bem como em eventos acadêmicos, embora
não chegam à escola como oportunidade de formação.
Afora quanto à formação inicial, não temos dados aqui sobre
formações continuadas, mas sabemos que não se pode delegar e
responsabilizar apenas o professor, mas toda a comunidade educacional e
seus respectivos órgãos responsáveis, enfim a toda a sociedade que educa,
pois é um assunto de grande impacto na qualidade de vida de todos.
321
Capítulo 5
Consumismo e Educação Infantil:
Um Olhar Sobre o Ambiente, Relações e o Cotidiano
das Salas de Aula
Apresentamos os dados observados em salas de 10 turmas de pré-
escolas, correspondentes aos 10 professores entrevistados, com o objetivo
de observar se no ambiente escolar havia elementos que nos ajudasse a
refletir sobre como as questões do consumo podem estar presentes no
ambiente escolar na educação infantil (pré-escola), sejam tanto as que são
trazidas pelas crianças de sua cultura familiar quanto àquelas estabelecidas
pela sala de aula ou pelo professor. Para tal, foi utilizado um roteiro de
observação (vide metodologia), e os dados foram organizados por eixos
explicitados a seguir.
Ao analisarmos o ambiente e a rotina diária da educação da
infância, remetemo-nos a questões importantes que subjazem às
concepções de infância, de educação, de conhecimento e de currículo
daqueles que os pensam e os organizam, e que ocorrem dentro de um
espaço e de um tempo em que a vida escolar acontece.
Forneiro (1998, p. 232-233) define o termo espaço como espaço
físico, “[...] locais para a atividade caracterizada pelos objetos, pelos
materiais didáticos, pelo mobiliário e pela decoração”. Difere do sentido
de ambiente, que apresenta uma amplitude muito maior e engloba o
aspecto espaço. O termo ambiente caracteriza-se pelas relações que se
estabelecem, sendo: “os afetos, as relações interpessoais entre as crianças,
322
entre crianças e adultos, entre crianças e sociedade em seu conjunto”.
Segundo a autora, há 4 (quatro) dimensões que compõem o ambiente: a
física, que diz respeito ao material do ambiente; a funcional, que se refere
à forma como o espaço é utilizado e o tipo de atividade a que se destina; a
dimensão temporal, acerca da organização do tempo das diferentes
atividades e os espaços em que são realizadas, e, por fim, a dimensão
relacional, que se refere às relações que se estabelecem dentro da sala de
aula, ao acesso aos espaços e à participação do professor nos diferentes
espaços e nas ações junto às crianças.
Nessa perspectiva, Forneiro (1998) nos ajuda a refletir sobre o
espaço e o ambiente como elementos curriculares, que se constituem como
conteúdos de aprendizagem, pois além da não neutralidade que tais
elementos dispõem, podem oferecer uma estrutura de oportunidades ao
sujeito aprendiz. Assim como na posição epistemológica de Piaget, o
ambiente deveria se constituir como um meio solicitador (MANTOVANI
DE ASSIS, 2013).
Ainda para Forneiro (1998), um ambiente só existe quando há
uma inter-relação, uma interação entre todas as dimensões. Nesse sentido,
os aspectos levantados dizem respeito às dimensões do ambiente de uma
forma integrada, mas também às questões peculiares que cada dimensão
nos impõe a pensar e que serão explicitadas com os resultados
apresentados.
A organização dos dados dividir-se-á em 2 (dois) âmbitos: a) os
elementos estabelecidos e/ou ofertados pela escola e b) os elementos
trazidos pelos alunos. A interação que ocorre entre professor e alunos, a
partir desses elementos, é algo fundamental e considerado um dos aspectos
mais importantes dessa investigação.
323
Em relação aos elementos estabelecidos e/ou ofertados pela escola,
em que fica em evidência a categoria “sala de aula e organização do
professor”, estabelecemos os seguintes eixos:
Eixo temático 1 - Ambiente e espaços x Publicidade;
Eixo temático 2 - Músicas apresentadas pelo professor;
Eixo temático 3 - Filmes/desenhos apresentados x Publicidade;
Eixo temático 4 - Propostas de brincadeiras da escola;
Eixo temático 5 - Dia do Brinquedo x Publicidade/Consumo;
Eixo temático 6 - Projetos/temáticas desenvolvidas na classe.
A) Ambiente e espaços x Publicidade
Dentre os ambientes escolares, a sala de aula é muitas vezes o lugar
em que existe uma relação mais próxima entre o professor responsável e a
sua turma, o que pode trazer um número maior de marcas de identidade
aos sujeitos que ali frequentam se comparado aos espaços escolares
coletivos tais como parque, refeitório, pátio, salas de recursos multimídias,
quadra e outros, que são partilhados por todas as turmas da escola e
recebem um grande número de pessoas.
A sala de aula representa um espaço limitado a uma turma ou mais,
de acordo com a gestão de espaços da escola. Isso não significa que os
outros ambientes da escola não tragam elementos de identidade, mas para
a presente pesquisa delimitamos a sala de aula como âmbito maior de
observação para os aspectos a seguir relacionados.
324
Na observação em sala, houve uma preocupação em captar
elementos que a escola ou o professor trouxesse em suas propostas e que
pudessem fazer alusão ao consumo e/ou à publicidade. Não encontramos
nenhum material publicitário de venda explícita de produtos ou serviços.
Contudo, sabendo que o consumo infantil tem como porta de entrada o
apelo publicitário a personagens midiáticos, foram observados elementos
tais como adesivos, brinquedos, cartazes, calendários, itens de decoração e
materiais escritos.
Tabela 23 Salas de aula e materiais presentes pertencentes à escola e/ou docente que
remetam à publicidade e ou personagem midiático
Elementos
Percentual
(%)
Adesivos
20
Brinquedos
60
Calendário
30
Cartazes
10
Decoração
20
Materiais escritos (para consulta ou
recorte)
30
Livros relacionados à mídia
20
Fonte: Dados da pesquisa
O maior número de ocorrências de objetos físicos presentes em sala
é de brinquedos, utilizados em geral no chamado “Dia do Brinquedo”, dia
destinado a brincar em que as crianças trazem seus objetos de casa, mas
também podem utilizar os brinquedos ofertados pela escola.
Catálogos de Natura, Avon, revistas de moda (Claudia) foram
notadas em três salas (P1A, P4B e P6C). Em geral, esse material é posto
para recorte de letras e figuras. Contudo, nos chamou a atenção quando
325
P4B disse trazer esses catálogos para que as crianças se distraiam no
horário de saída, pois alguns alunos demoram mais que outros para irem
embora.
Observado em três salas, o calendário aparece como segundo item
e ilustra personagens midiático tais como Ursinho Pooh, Bob Esponja e
Cascão.
Figura 1 Exemplo 1 de calendário
com menção a personagem midiático
Figura 2 Exemplo 2 de calendário
com menção a personagem midiático
Fonte: Site ‘Ideia Criativa’13
Fonte: Site ‘Ideia Criativa’14
O calendário é ofertado pela professora, que estampa uma área
maior para a criança colorir ou deixa um espaço livre para ela colorir. Há
também figuras de personagens que preenchem os dias inutilizados no
calendário. Uma das professoras inutilizou o desenho maior dos
personagens, deixando uma área livre para que as crianças desenhassem.
Oferecer uma figura para a criança apenas colorir traz a crença de
que ela não é capaz de desenhar livremente. Trazer personagens midiáticos
vinculados a atividades didáticas que não tenham nenhuma provocação
13
Disponível em: http://www.ideiacriativa.org.
14
Disponível em: http://www.ideiacriativa.org.
326
reflexiva pode reforçar o interesse da criança no personagem, algo que não
é papel da escola.
Observamos que a relação também é inversa quando a professora
P7C solicita um desenho livre para ilustrar o calendário do mês e as
crianças desenham personagens muito familiares ao seu convívio, como
podemos observar no material a seguir.
Figura 3 Calendário ilustrado com
o tema “Tartarugas Ninja”
Figura 4 Calendário ilustrado com
o tema “Turma do Pokémon
Fonte: Dados da pesquisa
Fonte: Dados da pesquisa
Na sala observada da docente P7C, a professora chegou a
desabafar sobre não saber como agir a respeito do fanatismo de uma criança
pelos personagens do Pokémon. Dada uma atividade de poema intitulado
“A bola de gude”, a criança desenhou a pokébola e vários personagens do
Pokémon no espaço em que deveria desenhar a interpretação do poema,
como vemos a seguir:
327
Figura 5 Ilustração do poema com Pokémons
Fonte: Dados da pesquisa
Embora em número reduzido, em algumas salas encontramos
adesivos pequenos e muito discretos colados em armários. Entretanto,
houve duas situações peculiares em que o próprio professor, com a melhor
das intenções, crendo estar agradando as crianças, oferece adesivos com
diferentes personagens: Homem Aranha, Batman, Hello Kitty, Princesas,
Bakugan, Minnie, Galinha Pintadinha e Marie, entre outros. Em uma
situação, é como se fosse um presente às crianças e, em outra, é a capa das
produções das crianças expostas no varal.
Figura 6 Adesivos de personagens na sala de aula
Fonte: Dados da pesquisa
328
A decoração da sala pode colaborar para a formação da
sensibilidade estética infantil e demonstra claramente aquilo que o
professor valoriza, seleciona e coloca em destaque nas paredes, no teto, nas
caixas de brinquedos ou nos suportes, em termos de cores, objetos, figuras,
apresentação de trabalhos, quadros e componentes decorativos que
revelam a cultura eleita e o olhar estético de quem organiza. Encontramos,
também, em uma sala compartilhada por duas turmas, a decoração em
isopor da Galinha Pintadinha. É importante notar que os professores, ao
dividirem espaços entre os turnos da manhã e da tarde, ficam com uma
autonomia reduzida e nem sempre podem expor tudo o que desejam, além
de dependerem da arquitetura da sala. Entretanto, aquilo que eles não
desejam certamente não está pendurado ou estampando, pois no caso da
decoração, tudo deve estar de comum acordo.
Cunha (2007) define a expressão pedagogias visuais como o
conjunto de imagens nos ambientes escolares e assevera que as imagens
“[...] instituem experiências estéticas, éticas, modelam a percepção e as
relações com o mundo, contribuem na elaboração do imaginário,
modelam subjetividades e identidades de crianças pequenas” (CUNHA,
2007, p. 135). Para a autora, as imagens que circulam dentro e fora das
escolas constroem um currículo visual e produzem conhecimentos que não
são ensinados explicitamente, mas se fazem presente, são aceitos por
adultos e crianças e fabricam sentidos. “As imagens nas escolas infantis
ultrapassam a finalidade do embelezamento e funcionam como um texto
visual, concorrendo com outros modos de ensinar e produzir saberes sobre
a infância e sobre como ela deve ser educada” (CUNHA, 2007, p. 142).
Portanto, salta-nos aos olhos quando aquilo que deveria ser mais
valorizados nos ambientes são as produções infantis com propostas ricas,
que envolvem a linguagem plástica e deveriam estar em lugar de destaque
na sala, o que viria justamente de encontro com aquilo que muitas vezes é
329
apresentado, tais como referências de ícones da cultura infantil
contemporânea e personagens televisivos.
O cartaz que trazia personagens que prestam serviços publicitários
não tinha cunho para venda, mas apresentavam personagens da Turma da
Mônica e as regras da classe em quadros com imagens disponíveis na
internet para impressão.
Figura 7 Regras coletivas da turma da Mônica
Fonte: Site ‘Dani Educar’
15
15
Disponível em: http://danizinhaeduca.blogspot.com.br.
330
Figura 8 Cartaz na sala
Fonte: Dados da pesquisa
A construção de regras é uma prática positiva (VINHA, 2000), que
deve surgir da discussão coletiva entre professores e alunos e contribui para
a formação sociomoral das crianças. Um cartaz de regras coletivas é um
instrumento que facilita as reflexões entre causa e consequência dos atos
que foram criados pelo próprio grupo e não somente uma regra imposta
pelo adulto da sala. Sugere-se que esteja à altura dos olhos das crianças,
que venha com a escrita em letra bastão e também com a representação por
imagem para crianças que ainda não dominam o código escrito, e fica
ainda mais interessante quando as próprias crianças constroem seus
desenhos.
Se ainda desconsiderássemos o fato de que esses personagens estão
empregados em venda de produtos, não parece incoerente a personagem
Mônica dizendo às crianças que elas não devem agredir os amigos, sendo
esta sua principal característica? Sem dizer que boa parte dos “[...]
personagens são desobedientes” (CORSO; CORSO, 2006, p. 212),
qualidades características dos personagens e que movem as histórias.
331
Porém, não cabe aqui desmerecer o trabalho literário e suas qualidades,
pois o foco em questão é outro.
B) Músicas apresentadas pelo professor
A investigação deste eixo temático versa sobre as músicas que foram
tocadas e/ou cantadas, oportunizadas pelos professores, durante o tempo
de observação.
Tabela 24 sicas tocadas e/ou cantadas na educação infantil
Ocorrências
Percentual (%)
Cancioneiro infantil
10
23,80
Hinos cívicos
10
23,80
Infantil Tradicional
10
23,80
Músicas de outros gêneros
3
7,14
Músicas ligadas à mídia
2
4,72
Religiosas
7
16,66
Total
42
100
Fonte: Dados da pesquisa
Os ambientes revelaram que a maior concentração de canções que
se ouvem nas salas observadas, em situações ofertadas pelo professor, está
em músicas folclóricas tradicionais populares, tais como Alecrim e Peixe-
Vivo, entre outras; músicas do cancioneiro infantil (classificadas como
aquelas criadas para o público infantil): Formiguinha, Músicas do grupo
Palavra Cantada, Dias da Semana, Bom Dia, Como Vai? e Meu
Lanchinho, entre outras, sendo que algumas delas com fins
“pedagogizantes”, como a canção para aprender os dias da semana e, por
332
fim, hinos cívicos, como o nacional e o da cidade, cantados uma vez por
semana. Esses gêneros musicais aparecem em todas as salas, ao passo que
70% das professoras trouxeram uma música com vínculos religiosos
(menção a Deus). O abecedário da Xuxa é a música relacionada à mídia,
também com tom pedagógico, que 20% das professoras apresentam aos
alunos com o objetivo de ensinar o alfabeto. Tal música, entretanto, faz
parte muito mais da infância dos docentes ou da história de suas vidas, pois
foi um fenômeno dos anos 90 voltado ao público infantil, do que para essa
geração de crianças da atualidade.
Em sala de aula, podemos observar que somente uma professora
ofertou, no momento da aula de apreciação musical, a audição de alguns
trechos de músicas (Chuva, Chuvisco, Chuvarada Helio Ziskind e Além
do Arco Íris - Over the Rainbow, tema do filme “O Mágico de Oz”).
Consideramos a ação positiva, embora pudesse ser mais bem explorada por
meio de uma roda de conversa acerca do que ouviram e acerca da origem
das músicas, ou por meio de outras propostas que fizessem a criança
expressar de diferentes maneiras aquilo que ouviu e os elementos da
música, ou ainda promover a valorização do silêncio para que o grupo
pudesse ouvir sem os ruídos que fizeram concomitantemente.
C) Filmes/desenhos apresentados X Publicidade/Consumo
Este eixo temático buscou investigar a presença de filmes ou
desenhos que possuíssem vínculos com a publicidade voltada para a
infância e como se dava o encaminhamento de suas propostas dentro do
espaço escolar.
Das 10 salas pesquisadas, ao longo do período de uma semana, em
cada sala houve duas ocorrências em que apareceu a situação de apreciação
333
de filme/desenho, sendo uma delas compartilhada por duas professoras
que participam da pesquisa.
Em razão da Semana da Criança, as professoras organizaram uma
sessão pipoca com o filme “Angry Birds”. Não percebemos nenhum
trabalho que antecedesse o filme ou sucedesse seu término, como uma
discussão sobre os elementos e a trama do filme. A ideia das professoras era
entretenimento, porém, vimos que algumas crianças não se concentraram
ao longo do filme. Observamos que nem todas as crianças tiveram acesso
prévio ao jogo “Angry Birds” e por isso não estavam tão familiarizados com
os personagens que deram origem ao filme.
Em outra ocasião em que houve a utilização do vídeo, a docente
P6-C realizou a introdução da vida do pintor Romero Britto com um
vídeo, mas também não aplicou nenhum trabalho de levantamento de
conhecimentos prévios. É com o próprio vídeo que a professora introduz
o assunto e, posteriormente, realiza um trabalho de artes visuais com as
crianças, que deveriam desenhar o que mais lhes chamou a atenção e depois
colorir coletivamente um desenho para decorar um vaso da sala.
D) Propostas de brincadeiras da escola
No Eixo Temático 4, organizamos as Propostas de brincadeiras da
escola a fim de conhecer quais tipos de brincadeiras, planejadas pelo
educador, a educação infantil tem oportunizado às crianças.
A partir da observação, buscamos organizar os dados em
modalidades de brincadeiras. Há inúmeras formas de classificar
brincadeiras, contudo, para este trabalho, baseamo-nos no trabalho de
Kishimoto (2010a), com 4 (quatro) categorias: a) brinquedo educativo,
334
em que ocorrem situações lúdicas intencionalmente realizadas pelo adulto
para estimular alguns tipos de aprendizagens, como quebra-cabeça, jogos
de tabuleiro, brinquedos de encaixe e jogo da memória; b) brincadeiras
tradicionais infantis, em que se resgatam a oralidade, o folclore e a cultura
popular e se baseia em regras que também são transmitidas e modificadas,
muitas vezes incorporando novos elementos; c) as brincadeiras de faz de
conta, também chamadas de brincadeiras simbólicas, em que as crianças
representam papéis e situações sociais, eventos reais e imaginários e d)
brincadeiras de construção, em que as atividades são voltadas para o
desenvolvimento de habilidades de encaixar, equilibrar, manipular,
construir. Esta brincadeira também tem uma estreita relação com o faz de
conta, pois, por meio de objetos, as crianças constroem outros de acordo
com a criatividade e a imaginação.
Quadro 10Classificação da diversidade de brincadeiras presentes nas salas
observadas
Categorias
Tipos de brincadeiras
Brinquedo ou
Jogo Educativo
Pula-pula, competição com bolas, parque, circuito motor,
jogo de dados, jogo da memória, quebra-cabeça, jogo de
palito, jogo do carona
Brincadeiras
Tradicionais
Infantis
Corda, passa anel, telefone sem fio, cabra cega, tiro ao alvo,
lenço atrás, boliche, bambolê, pega-
pega, atenção,
coelhinho sai da toca, terremoto, elefantinho de cor, cinco
Marias, cama de gatos, bilboquê, dança das cadeiras e
elástico
Brincadeiras de
Faz de conta
Caixas temáticas com objetos e fantasias (profissões ou
situações), brinquedo livre, só fantasias e Dia do Brinquedo
Brincadeiras de
Construção
Brinquedos de montar, Modelagem, desenho livre com giz
Fonte: Dados da pesquisa
335
Classificamos as ocorrências das brincadeiras presentes durante a
observação da seguinte maneira:
Tabela 25 Modalidades de brincadeiras ofertadas pelo educador
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
Brinquedo ou Jogo Educativo
34
33,66
Brincadeiras Tradicionais Infantis
29
29,71
Brincadeiras de Faz de conta
22
21,78
Brincadeiras de Construção
15
14,85
Total
101
100
Fonte: Dados da pesquisa
Dentro da categoria que mais aparece na educação infantil, vemos
o jogo educativo ou brinquedo com maior número de frequência 34%,
presente em todas as salas, principalmente pelo uso do parque (brinquedo),
o que torna mais evidente essa modalidade, seguido da brincadeira com
circuito motor, em que as crianças devem saltar, encaixar, abaixar, correr,
arremessar, e cuja intenção do educador é potencializar situações de
aprendizagem por meio de um trajeto com desafios motores.
O tempo semanal destinado ao uso do parque em salas do segundo
ano da pré-escola, determinado em todas as escolas observadas, é de 30
minutos, duas vezes na semana. Jogos de construção de mesa tais como
encaixe, memória e pinos ocorrem, em geral, uma vez na semana, com
duração de 30 minutos. Contudo, há uma flexibilidade do professor para
alterar o planejamento conforme o andamento do dia e as necessidades em
prolongar a atividade, quando ele remodela e altera os tempos.
As brincadeiras tradicionais aparecem na sequência, com 29% das
ocorrências. Consideramos positiva a ação dos professores em resgatá-las,
pois dependem das antigas gerações para que as crianças aprendam a jogar
336
e brincar. Essa categoria foi apontada por 50% dos professores
participantes como parte integrante de um projeto maior desenvolvido
pela escola inteira. Essas brincadeiras, em um passado recente, eram
aprendidas na rua, em encontros de família e amigos na transmissão de
geração para geração. Pelas modificações sociais, urbanas e tecnológicas da
era atual, em que os quintais são reduzidos, a rua se tornou perigosa, o
tempo é reduzido e a tecnologia foi incorporada à vida infantil, a escola
passa a ter um papel importante na socialização de tais brincadeiras,
dependendo, e muito, da ação do professor que as seleciona e as traz para
o interior da escola.
Dentro da categoria brincadeiras de faz de conta, incluímos o “Dia
do Brinquedo”, sobre o qual faremos uma observação à parte, e também
as propostas de brincadeiras simbólicas, em que os professores utilizavam
caixas temáticas (caixa temática de cabeleireiro, de oficina, de escola, de
artes, de fantasias de heróis, de praia) com propostas acerca de situações e
profissões em geral. Foram 22% de ocorrências nas 10 salas.
As brincadeiras de construção aparecem em 15% das ocorrências
de brincadeiras, presentes em blocos/pinos de montar, desenho com giz no
chão e modelagem livre. Esclarecemos que inserimos a modelagem e o
desenhar nessa categoria, pois embora não sejam jogos propriamente ditos,
trazem o aspecto lúdico de criação livre e de construção.
Durante a realização de brincadeiras com pinos de encaixe, ou
mesmo na criação com massinha, percebemos que não há intervenções do
professor. Quanto às crianças, somente quando sentem vontade de
socializar suas criações é que elas levam até o educador, que es
organizando o seu material de trabalho, colando bilhetes ou apenas
observando, circulando pela sala e/ou mediando conflitos.
337
Na observação da sala da P3B, no momento da brincadeira com
peças de encaixe, acompanhamos um diálogo entre as crianças sentadas em
suas cadeirinhas, que simbolicamente constroem na mesa com as peças
aparelhos eletrônicos que comprovam o acesso e o desejo de consumo de
objetos tecnológicos entre elas:
Uma aluna que fez o tablet disse para os amigos da mesa: eu adoro
tablet. Você tem? Eu tenho. As outras meninas da mesa também
participaram da conversa: Eu tenho dois, mas um tá quebrado! Eu
tenho um só que só tem um jogo. Eu tenho um, mas está quebrado.
Meu pai falou que quando ele arranjar um emprego ele vai comprar
outro. Ele já foi despedido quatro vezes.
As 4 (quatro) crianças apontaram já terem tablet, sendo que uma
criança apontou ter dois, assim como a menina que iniciou o diálogo expõe
a condição atual do pai, que se encontra desempregado, mas que garante a
promessa da compra do objeto de desejo, justificando que o seu atual está
quebrado. Por esse diálogo, podemos refletir vários aspectos: o primeiro
deles é como a capacidade simbólica da criança nos permite também
identificar os seus desejos, a maneira como pensa, o seu universo cultural
e aquilo que a sociedade tecnológica e do consumo propõe a ela. Nesse
sentido, Moina e Martinelli (2009, p. 63) argumentam que a sociedade
contemporânea, que tem como um dos pressupostos “[...] a transformação
das tecnologias, e que a criança lida com isso de maneira própria, sem
abandonar outros aspectos da infância, ou seja, ela lida com as mudanças
e transformações sociais e culturais sob seu ponto de vista”. Por outro lado,
podemos refletir que a criança pré-escolar tem trazido para o interior da
sala de aula que o brincar tem tomado novas formas, embora ela não use o
tablet na escola em questão, revela-nos que a criança tem interagido com
338
aparelhos tecnológicos do mundo adulto (celulares, tablets) em seus lares,
que se tornaram hoje objetos do brincar, assim como na pesquisa de Moina
e Martinelli vimos telefones celulares sendo objetos de uso das crianças
(2009). O aspecto negativo do consumo deste objeto pelas crianças é que
para muitas delas têm sido permitido o acesso ao tablet e à internet pelos
pais como forma de possibilidade de “ocupar” as crianças, o que tem sido
apontado como algo prejudicial por especialistas da saúde da Sociedade
Brasileira de Pediatria (SBP, 2017), sendo necessária a supervisão do
conteúdo e o tempo máximo de duas horas diárias.
O terceiro ponto sobre o qual podemos refletir nesse diálogo em
que as crianças revelam umas às outras “Eu tenho tablet” é a necessidade
da posse de algo que as identifique. Nessa sociedade de consumo
contemporânea, as crianças se desenvolvem em ambientes em que
consumir é algo muito valorizado; é pertencer ao grupo mesmo que não
tenha condições financeiras para tal: “meu pai falou que quando ele
arranjar um emprego, ele vai comprar outro. Ele já foi despedido quatro
vezes” (fala da criança observada). Percebe-se que há formas paralelas de se
apresentar o consumo do objeto (MOMO, 2010). “Eu tenho, mas está
quebrado”, ou até mesmo anunciar um desejo de consumo reprimido,
como visto nas pesquisas de Bruck (2011). Em suma, o consumir está
presente no seu imaginário cotidiano, e criança interage à sua maneira
particular com aquilo que lhes é apresentado, com as possibilidades e
provocações do consumo.
Por vezes, as modalidades das brincadeiras já eram determinadas
pelas professoras, havendo escolhas apenas nos momentos das caixas
temáticas, que eram alocadas nos diferentes espaços da sala. Houve uma
situação em que a professora sugere que as crianças escolham os nomes das
equipes: os meninos escolheram McQueen (personagem do filme
“Carros”), e as meninas escolheram “Cúmplices de um Resgate” (novela
339
do canal SBT de televisão direcionada para um público infanto-juvenil,
adaptada da telenovela mexicana “Complices al Rescate). Não houve
objeção da professora quanto às escolhas, que revelam a identificação das
crianças, sua vivência e frequência com a mídia, como veremos mais
profundamente no eixo específico.
É entre as lacunas das brincadeiras ofertadas pelo professor,
principalmente nas categorias jogos educativos, parque, jogos simbólicos e
jogos de construção, em que não há um direcionamento constante do
educador para que as crianças proponham outras brincadeiras voltadas
para seus interesses. A exemplo disso, os alunos do sexo masculino da sala
de P5B, durante o parque, corriam entre os brinquedos, se pendurando
tais quais os super-heróis Homem Aranha, Hulk e Falcão. Um dos alunos
dizia ser o Fox, que, segundo informações por ele fornecidas, é um assassino
personagem de um jogo eletrônico, ao passo que as meninas brincavam de
agente secreta Barbie, inclusive em uma situação conflituosa em que a
professora foi chamada a resolver, sem muito sucesso, porque duas crianças
queriam ser a agente secreta. Observamos que essa brincadeira se repetiu
no outro dia de parque, com as mesmas alunas.
Em observação ao momento de parque, também em
acompanhamento da sala de P4B, as meninas brincavam de desfile de
princesas. Havia uma narradora das modelos que, assim que eram
anunciadas, davam uma volta fazendo um pequeno trajeto para seu
público, também formado por princesas: Aurora (Bela Adormecida), Elsa
(Frozen), duas eram Ana (Personagem da Frozen), Branca de Neve e
Larissa Manuela (atriz de “Cúmplices de um Resgate”). O que notamos é
que, embora apenas parte das princesas venha na literatura clássica, todas
elas juntas estão em destaque no cinema por meio dos estúdios Disney, que
as reavivou fazendo um “combo de princesas”. Nesse contexto midiático,
a atriz Larissa Manuela, da novela “Cúmplices de um Resgate”, torna-se
340
também uma princesa entre as crianças, uma vez que mesmo não se
enquadrando no cenário de realeza, trata-se de um ícone entre elas. Nesse
momento, não houve nenhuma aproximação da professora, que circula
pelo parque e atende os que a ela recorrem, seja para amarrar um tênis, seja
para mediar uma situação novamente de conflito.
Resende-Fusari (2010) fala da importância de os educadores
conhecerem mais a mídia presente na vida das crianças, assim como os pais
e professores devem participar de forma “[...] criativa e ética nas
elaborações e desdobramentos que as crianças fazem em suas emoções,
ideias e atitudes lúdicas diante dos programas de TV” (RESENDE-
FUSARI, 2010, p. 180). Caberia aos professores, portanto, propiciar
situações lúdicas e realizar intervenções que modificassem os sentimentos
vivenciados por meio da mídia televisiva.
E) Dia do Brinquedo X Publicidade/Consumo
O objetivo deste eixo temático é observar a interação entre crianças
e seus pares e professores a partir dos brinquedos escolhidos por elas e
trazidos à escola, analisando-se também a relação com o consumo de
brinquedos ligados à mídia.
Todas as salas realizam o Dia do Brinquedo que, em geral, ocorre
na sexta-feira, ou seja, uma vez por semana, com duração média de 30 a
40 minutos. Não há nenhuma regra acerca do brinquedo a ser trazido, a
não ser a preocupação das professoras para que ninguém traga algo que,
como vimos nas entrevistas, não possa ser socializado, que quebre ou incite
à violência, assim como não é obrigatório que tragam o brinquedo de casa.
Quando isso ocorre, os alunos recorrem aos brinquedos do professor ou da
escola.
341
As salas de aulas geralmente mantêm um grande balde ou caixa
plástica com brinquedos de uso coletivo. A caixa de brinquedos é composta
por brinquedos usados vindos de doação da família e dos próprios
professores, uma vez que os investimentos em brinquedos não são
constantes. Quando as crianças não trazem de casa ou querem ampliar seus
elementos de brincadeira, as caixas são consultadas a todo instante nesse
dia.
Os brinquedos aqui listados foram aqueles escolhidos pelas
crianças e utilizados no dia e não houve uma observação de todos os
componentes da caixa, somente os que ficaram em evidência pela seleção
da criança. Observamos que a quantidade de brinquedos sem o vínculo de
personagens midiáticos está em maior número, como vemos nos dados
abaixo:
Tabela 26 Brinquedos oferecidos pela escola no Dia do Brinquedo
Categorias
Ocorrências
Percentual
(%)
Brinquedos vinculados a
personagens
9
36
Brinquedos sem vínculo a
personagens
16
54
Total
25
100
Fonte: Dados da pesquisa
Os brinquedos ofertados pela escola e vinculados a algum
personagem midiático foram: bonecas Barbies (presentes em duas salas),
boneca da Mônica, Princesas, boneco Max Steel, Lanterna Verde, Máscara,
Homem Aranha e Boneco do Pica Pau, e aparecem em número menor que
os brinquedos sem vínculo a personagens: corda, anel, carrinho, objetos
342
temáticos de profissões, teclado de computador velho, panelinhas e
pratinhos (três salas), animais de pelúcia, celular quebrado, jogo cinco
Marias e objetos de casinha (duas salas).
De maneira geral, os professores não fazem intervenções quanto ao
tipo de brinquedo trazido e nas brincadeiras que ocorrem a partir do que
os brinquedos sugerem. Desde que não haja conflitos ou retaliação, as
crianças são livres para se agruparem como quiserem, seja no espaço da sala
de aula, no pátio ou conforme a determinação do docente. As crianças
formam pequenos grupos e por vezes há uma divisão de gêneros entre
meninos e meninas, também marcada pelos brinquedos, sendo que, na
maioria das vezes, as meninas brincam de princesas, de bonecas, de casinha
e de ser mãe, e os meninos travam lutas entre super-heróis. Há os papéis
de papai, assim como há personagens femininos de super-heroínas. O
papel do professor, em grande parte, fica na observação e mediação do
conflito, assim como já apresentamos em outras modalidades. Na
observação de um grupo de meninas encontramos: as fantasias e a boneca
Mônica fornecidas pela escola. Há 3 (três) bonecas Baby Alive (uma no
colo e duas no bebê conforto) e um Meu Bebê, também embalada no colo,
que foram trazidas pelos alunos.
No Dia do Brinquedo, encontramos em apenas uma das salas
meninos que trazem jogos de tabuleiro para brincar e dividem o cenário
com os super-heróis.
Na observação de todas as salas, duas professoras, P7C e P9C,
participaram em algum momento da brincadeira com as crianças. Em uma
situação, as crianças organizaram um teatro com personagens do Pokémon
por meio de imagens coloridas e recortadas por um dos alunos, que apenas
solicitou à professora que colocasse os palitos para que se tornassem
bonecos de vara. A professora faz parte da plateia. Em outra situação, a
professora participou tomando chá com as bonecas.
343
Figura 9 – Personagens do Pokémon no teatro de varas
Fonte: Dados da pesquisa
F) Projetos/temáticas desenvolvidas na classe
No eixo temático 6, procuramos observar se os temas trabalhados
em sala abordavam a questão do consumismo.
Os temas encontrados na semana observada em cada sala foram:
Bichonário, Dia da árvore, meio ambiente (duas salas), horta (três salas),
pequenos cientistas (duas salas), folclore (duas salas), olimpíadas (duas
salas), Romero Britto e brincadeiras folclóricas (quatro salas).
Consideramos que parte das temáticas trabalhadas entra no campo da
educação ambiental e não chega a tocar na questão do consumo, além do
consumo da água, que é mais explorado do que outros itens que a criança
participa mais diretamente.
Como já abordamos aqui neste trabalho, a questão ambiental deve
fazer parte do currículo da educação infantil conforme o que estabelece as
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, em seu artigo 9º
da Resolução 5 de 2009 (BRASIL, 2009), de forma que as práticas
pedagógicas garantam experiências, “[...] promovam a interação, o
cuidado, a preservação e o conhecimento da biodiversidade e da
344
sustentabilidade da vida na Terra, assim como o não desperdício dos
recursos naturais” (BRASIL, 2009, n.p). Abordar a questão dos
desperdícios de recursos entre as crianças poderia, de alguma maneira,
aproximar-se do cotidiano da criança quanto a escolhas de objetos,
brinquedos, hábitos alimentares e suas influências no consumo, o que está
muito próximo de suas vivências.
Durante a observação em sala, as professoras P6–C´, P8 e P9
realizaram a visita à horta e a irrigação das hortaliças com as crianças,
que são atividades relativas à Horta Educativa, um projeto desenvolvido
em todas as escolas da Rede pela Secretaria da Educação.
O tema de meio ambiente explorado por P5-B foi a leitura do livro
“Árvore Generosa”, de Shel Silverstein, Editora Harper, e depois um passeio
pela escola a fim de eleger uma árvore preferida dos alunos. No dia
anterior, foi solicitado aos alunos que fizessem uma atividade de ilustração
sobre rios tristes e rios felizes (poluídos ou não). A P6C tem uma ação
durante a semana que envolve as crianças na pintura de um vaso com
desenhos de Romero Britto, que ela mesma desenhou, também atendendo
a um projeto da escola.
Verificamos, nesse recorte de observação, que embora alguns
professores trabalhem a questão ambiental, que é ampla, não observamos
nenhum trabalho mais sistemático que se voltasse para a questão do
consumismo na infância e sua área de abrangência (alimentação,
publicidade infantil e compra de produtos voltados para a infância),
entretanto, durante a execução dos projetos presenciamos três intervenções
de professores, que consideramos mais críticas quanto ao consumismo,
sendo duas delas durante a abordagem de projetos sobre brincadeiras
tradicionais (P8–C´, P9–C´) e um de educação ambiental (P10-).
345
Durante a exploração do projeto acerca das brincadeiras, a docente
P8–C´ propôs a construção de uma peteca com as crianças, e durante a
apresentação da construção, disse às crianças que poderiam construir seus
próprios brinquedos, sem haver a necessidade de gastar dinheiro. Em outro
momento, houve a presença de uma mãe na escola para a socialização de
brincadeiras tradicionais (pega-corrente, gato e rato e elefantinho da cor).
Antes do momento em que a mãe apresentasse as brincadeiras, estabeleceu-
se uma conversa com as crianças, “que antigamente as pessoas inventavam
brincadeiras e também criavam seus brinquedos sem precisar comprar.
Não havia nessa época celular ou tablet, apenas a imaginação”. Não houve
respostas das crianças quanto ao diálogo, assim como não houve nenhuma
requisição de resposta por parte da professora, contudo, as crianças ficaram
empolgadas em construir suas petecas.
Também na abordagem do tema brincadeiras tradicionais, a
docente P9–C´ igualmente utiliza a metodologia de trazer um familiar para
ensinar brincadeiras infantis (cama de gato e atenção-concentração) e logo
em seguida, após a saída da mãe, a professora apresenta as cinco marias e
bilboquês, continuando as brincadeiras. A professora, antes da
apresentação da mãe, fez uma introdução ao grupo dizendo que “essas
brincadeiras fazem parte de nossa cultura e ajudam as crianças a se
desenvolverem, pois não está tudo pronto, temos que usar a imaginação.
O robô, o carrinho com controle remoto está tudo pronto” (P9–C´).
A terceira intervenção que presenciamos dentro do
desenvolvimento do Projeto Ambiental, feita pela docente P10C, foi
durante a leitura de “O Mundinho Azul”, da autora Ingrid Biesemeyer
Bellinghausen, Editora DCL, Divisão Cultural. O livro infantil chama a
atenção para o lixo que produzimos e a preservação da água para a vida no
planeta. Ela chegou a problematizar para as crianças para onde vai o lixo
que produzimos e o que fazer para ajudar na preservação da água. Algumas
346
crianças falaram sobre jogar o lixo na lata, e um garotinho disse que coloca
para reciclagem. Nem todas as crianças se expressaram. A professora
reforçou em sua fala a importância de se destinar corretamente aquilo que
não queremos mais, além de aquilo que não queremos, ou que temos em
excesso, devemos doar. Mostrou para as crianças que faz o uso da
garrafinha de água para não sujar muito o planeta com copos descartáveis,
durante a leitura da história.
Não ocorreram outras situações em que vimos alguma intervenção
mais explícita acerca do consumismo infantil, mas presenciamos a
professora P3B questionar sobre o significado de uma música que foi
cantada por um coro de meninas enquanto organizavam a roda de
conversa:
Se o nosso amor se acabar, eu de você não quero nada
Pode ficar com a casa inteira e o nosso carro
Por você eu vivo e morro
Mas dessa casa eu só vou levar
Meu violão e o nosso cachorro
Se amanhã a gente se acertar, tudo bem
Mas se a gente não voltar posso beber, posso chorar
E até ficar no soro
Mas dessa casa eu só vou levar
Meu violão e o nosso cachorro
(Sertanejo Simone e Simaria Meu Violão e o Nosso Cachorro)
Três meninas levantaram a mão para explicar, mas apenas uma de
fato o fez: disse que era uma música da dupla musical Simone e Simaria
que falava, em sua interpretação, “de duas mulheres e de um homem que
briga”. Após a explicação, não houve qualquer julgamento da professora,
fosse positiva ou negativa.
347
Em outro contexto, na roda de conversa, no retorno de final de
semana, as crianças na sala P8C socializaram os livros de histórias que
levaram da escola para suas casas. Os livros ficaram expostos no chão e os
meninos reclamaram que não iriam pegar os títulos da Moranguinho e da
Barbie médica. A professora interveio dizendo que Moranguinho não é só
de menina, ou que médica não é só Barbie ou só meninas, e que meninos
também podem ser médicos.
A fala da criança demostra o como a infância é constituída a partir
da mídia com seus personagens e diversos artefatos e produzem sentidos
sobre dever ser e não dever ser. As personagens Moranguinho e Barbie
chegam à literatura destinada à infância e produzem significados sobre o
mundo da infância, que também é definido entre feminino e masculino.
O feminino é rosa, delicado, doce, loiro e esbelto, entre tantos estereótipos
que os personagens também colaboram na construção.
Os elementos trazidos pelos alunos
Para analisar os elementos que compõem o ambiente escolar, mas
são trazidos pelos alunos, organizamos os dados conforme os seguintes
eixos:
Eixo temático 1 - Personagens da mídia presentes nos pertences
trazidos pelas crianças;
Eixo temático 2 - Músicas apresentadas pelos alunos;
Eixo temático 3 - Propostas de brincadeiras dos alunos;
Eixo temático 4 - Presença/Evocação de Personagens Midiáticos e
reação do professor;
348
Eixo temático 5 - “Dia do Brinquedo” - brinquedos trazidos de
casa.
A) Personagens da mídia presentes nos pertences trazidos pelas crianças
Neste eixo, o foco é olhar para as crianças e os objetos escolares
trazidos por elas para o interior da sala de aula e que tivessem algum
personagem estampado. O objeto que recebeu maior destaque nas salas de
aula foi a mochila escolar. Os brinquedos também apareceram em grande
número, mas nos debruçaremos sobre esse item em um eixo específico.
Figura 10Mochilas escolares na escola com estampas de personagens P1A e P9–C
Fonte: Dados da pesquisa
349
Figura 11 – Mochilas escolares com estampas de personagens na escola P7C e P3–B
Fonte: Dados da pesquisa
Tabela 27 dia de alunos presentes com mochilas estampadas com personagens
Categorias
Ocorrências
Percentual
Mochilas sem vínculo de
personagens midiáticos
37
20
Mochilas com vínculo de
personagens midiáticos
144
80
Total
181
100
Fonte: Dados da pesquisa
350
As imagens estampadas nas mochilas representam grande parte das
imagens midiáticas que circulam nos espaços escolares infantis e têm
grande destaque de visibilidade diária pelas crianças: princesas e super-
heróis de diferentes estirpes, constituindo um acervo imagético de tudo o
que é admirado e cultivado pelos adultos e pelas crianças. Em uma reflexão
acerca das imagens na educação infantil, Cunha (2007) fala sobre o papel
modelizador e neutralizador de gostos e preferências que as imagens
carregam, formatando visões e pensamentos:
As imagens acabam constituindo acervos daquilo que deve ser
admirado, preservado, repassado e cultivado pelas crianças. Do mesmo
modo que as produções artísticas do passado formatam, visões de
mundo, mulher, homem, trabalho, ciência, moradia, meio ambiente,
guerra, revolução, feitos heroicos, etc., os artefatos da cultura popular
modulam e naturalizam gostos e preferências, prometendo uma
realidade homogênea, sem conflitos, colorida e sorridente. As
produções culturais, sejam elas quais forem, programam nosso olhar
sobre o mundo, definem e hierarquizam o que é bom, bonito, mal,
feio, e isto implica estabelecer diferenças, territorialidade, forças de
poder, inclusões e exclusões sociais, de quem pertence e quem não faz
parte daquela esfera sociocultural (CUNHA, 2007, p. 141).
Por um momento, em um ano letivo, houve uma tentativa da
Administração Municipal Prefeitura de padronizar o uso de mochilas,
ofertando as mochilas às crianças, mas percebeu-se que as crianças não as
utilizavam e traziam suas mochilas com personagens. Não houve
insistência, deixando livre a escolha de modelos de mochilas e estampas.
Outros objetos também estavam presentes em algumas salas de
aula, mas em um menor número, tais como canecas (P3B, P4B, P5B,
351
P6C, P7C, P8C’, P9C’ e P10C’), almofadas encontradas nas salas de
P4
B, e adesivos colados por familiares nas agendas escolares:
Figura 12Canecas e almofadas com imagens de personagens midiáticos
Fonte: Dados da pesquisa
As escolas A, B e C participantes da pesquisa são públicas e não é
obrigatório o envio de material escolar, somente a título de colaboração,
pois grande parte dos materiais utilizados é fornecida pela administração
pública. Há materiais de uso coletivo, como lápis de cor, giz, cola,
massinha e tesoura. Contudo, na escola C, observamos que os alunos
podem utilizar, nos momentos de atividades, alguns materiais particulares
que retiraram da mochila.
Figura 13Materiais escolares trazidos com imagens de personagens midiáticos e
desenho livre
Fonte: Dados da pesquisa
352
Figura 14 Sandálias e chinelos com personagens midiáticos dos alunos da sala
P10C’
Fonte: Dados da pesquisa
Na figura 14, vemos 3 (três) pares de calçados de meninas sentadas
no chão, todas com estampa da Frozen, personagem mais encontrada entre
os objetos pertencentes às meninas. Logo mais, um grupo de alunos
organiza seus calçados para brincarem descalços, e dos 9 (nove) pares, 5
(cinco) possuíam estampas das personagens Barbie, Capitão América,
Frozen (2) e Jolie. Nos vestuários, a presença de personagens também é
constante entre meninos e meninas. Como já dito, não há, nessas escolas,
a obrigatoriedade de se trajar o uniforme escolar.
Objetos com motivos infantis tais como mochilas, calçados,
roupas, camisetas, borrachas, almofadas e bolsinhas, entre outros, estão
presentes no dia a dia da criança. Os personagens foram “[...] inventados
e aceitos socialmente como território da infância e, de certo modo, recriam
um mundo específico onde múltiplas infâncias se alojam, se constituem,
se moldam, se igualam, se diferenciam e se globalizam” (CUNHA, 2007,
p. 116) e obviamente são legitimados por adultos provedores de tais
objetos que também constroem uma concepção de infância e o que deve
fazer parte dela. “As imagens, das mais variadas procedências culturais, são
353
capturadas e passam a fazer parte da vida das crianças e adultos” (CUNHA,
2007, p. 116).
As escolas de educação infantil poderiam contribuir de forma
reflexiva por meio de um trabalho com a comunidade escolar e dialogar
acerca da importância do consumo de produtos que não necessariamente
tragam imagens midiáticas. Sabemos que muitos objetos escolares tornam-
se bem mais caros devido à presença dos personagens. Caberia portanto,
enxergar a escola como um espaço aberto para discutir com a comunidade
escolar sobre as vantagens e até mesmo desvantagens do uso do uniforme
escolar. Pensando em benefícios podemos inferir sobre a questão da ideia
de pertencimento da criança à escola e a um grupo em que todos partilham
do mesmo ícone o emblema escolar, a questão da segurança da criança
pela identificação da escola e a adequação de roupas confortáveis e que não
chamem a atenção mais do que a própria pessoa que a carrega,
contribuindo também para um consumo mais consciente de roupas, uma
vez que o uso diário de roupas que se repetem não leva à necessidade de
mais gastos. Pensando nas desvantagens podemos inferir acerca de uma
regra usar uniforme, que pode não agradar a diversidade, ou as diferentes
formas de se expressar em suas vestes. O que seria mais profícuo é que fosse
um tratado coletivo, democrático, e uma decisão consciente usar ou não o
uniforme. Ademais, as crianças deveriam participar dessa discussão sobre
do uso de um uniforme. A ideia também pode ser partilhada com
funcionários e professores, desde que haja um comum acordo sobre as
vantagens ou desvantagens do uso.
354
B) Músicas apresentadas pelos alunos
Neste eixo temático, o objetivo é demonstrar as canções trazidas
pelas crianças, observadas durante a sala de aula e outros ambientes. Em
geral, as músicas são aprendidas no ambiente familiar ou outros que os
alunos frequentam. Observam-se, também, as interações entre as crianças
e os professores a partir da música. Aproximamos por categorias as canções
ouvidas, apresentadas na tabela abaixo:
Tabela 28 sicas trazidas pelas crianças durante o período escolar
Tipos de Músicas trazidas
Ocorrências
Percentual (%)
Cancioneiro infantil geral
5
13,51
Jingle
5
13, 51
Infantil tradicional
6
16,21
Gênero popular funk e sertanejo
11
29,72
Músicas de Novelas
6
16,21
Religiosas
1
2,72
Músicas inventadas
3
8,10
Total
37
100
Fonte: Dados da pesquisa
As músicas do cancioneiro infantil eram do grupo ‘Palavra
Cantada’ e outras cantadas no contexto escolar infantil, enquanto as
músicas tradicionais ouvidas foram Alecrim, Borboletinha e Brincadeiras
de mão com música. As canções ligadas a jingles ou programação infantil
que ocorreram nesse período de experiência foram vinhetas do programa
“Tá Combinado”, da TV Cultura, músicas de desenho do Pokémon, da
Ladybug, Tartarugas Ninjas e Frozen. Na categoria músicas inventadas, em
oportunidades dadas por algumas professoras, na roda de conversa, as
crianças criam músicas na hora.
355
O repertório do gênero funk e sertanejo giram em torno daquilo
que se é mais tocado no momento ou algo que foi muito marcante na
mídia. As canções do gênero funk que ouvimos foram: Metralhadora
(Banda Vingadoras), Show das Poderosas (Anita), Malandramente (Mc
Nandinho), Está Tranquilo, Está favorável (MC Bin Laden), enquanto as
músicas sertanejas foram Cinquenta Reais (Naiara Azevedo), Cachorro e o
Violão (Simone e Simaria), e outras do cantor Luan Santana.
Observamos que os gêneros funk e sertanejo são os mais cantados
pelas crianças, seguidos pelas músicas de temas de novelas e músicas
infantis tradicionais. Presenciamos um momento em que as crianças da
sala do docente P1A estavam sentadas em suas cadeiras e começaram a
fazer uma coreografia com braços e mãos, cantando em coro um trecho da
música ‘Malandramente’ de Mc Nandinho e Mc Nego Bam: “Nóis se vê
por aí, nóis se vê por aí”. A professora não interfere e parece não saber muito
o que fazer, pois a classe toda canta empolgada a estrofe. Perguntei quem
cantava, eles não sabiam dizer, e umas das crianças cantou um trecho
maior: “Na hora de ganhar madeirada, a menina meteu o pé para casa, e
mandou o recadinho para mim”. Ao ser indagada pela pesquisadora de onde
ela conhecia a música, ela respondeu que conhecia do YouTube. Na
íntegra, o enredo da música simula uma situação de sedução e relação
sexual (madeirada).
Nessa mesma sala (P1A), durante a espera da distribuição de um
material para iniciar a atividade, os alunos faziam o símbolo do Hang Loose,
dizendo “Está tranquilo, está favorável”. Trata-se de um trecho da música
de Lucas Lucco e Mc Bin Laden, cujo contexto é ostentação, mulheres e
“pegação” (gíria para encontros sexuais), nada adequado à compreensão de
crianças de educação infantil, com valores adultizados.
Do gênero sertanejo, as músicas que fazem sucesso na mídia para
o público adulto são também de agrado das crianças, que as ouvem fora da
356
escola e reproduzem, como presenciamos nas salas P2A, P3B, P9–C’.
Nesse contexto de cultura compartilhada, não há fronteiras entre aquilo
que faz sentido para as crianças ouvirem, e infelizmente a qualidade das
letras que circulam são muitas vezes comprometedoras e remetem a um
universo adultizado e muito além da compreensão da criança.
No ranking das músicas ligadas à mídia trazidas pelas crianças,
aparece em segundo lugar, sendo observada em cinco salas, a música de
“Cúmplices de um Resgate” e uma ocorrência da novela “Chiquitita”, do
canal SBT. Essas novelas são elaboradas com grupos de atores mirins e
crianças, e por isso trazem uma gama de produtos destinados a esse público
(temas de aniversário, cadernos, perfumes, óculos, bonecos dos
personagens principais). Tal informação indica que novelas, embora não
tenham um conteúdo adequado para esta faixa etária, também fazem parte
do repertório televisivo na vida de crianças. E apesar de concebido para
atingir crianças e adolescentes, há uma recomendação do Ministério
Público para que crianças menores de 10 anos não assistam a esse
programa.
A música tema de uma novela coloca em voga não somente a
questão do consumo de um artefato cultural, mas também o teor
inadequado do programa e como a família também precisa refletir sobre a
qualidade do que permitem que as crianças tenham acesso. Em âmbitos
legais, a Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), em seu art. 221, nos diz
que a programação das emissoras de rádio e televisão deve atender a
finalidades educativas, informativas, artísticas e culturais. Já o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/90 (BRASIL, 1990) define
diretrizes para a classificação indicativa da faixa etária adequada, mas isso
não é suficiente para proteger crianças e adolescentes de conteúdos
inapropriados. Não há fiscalização e censura aos meios de comunicação,
que podem a qualquer horário passar a programação inadequada ao
357
público em geral. Portanto, o papel da educação familiar se torna cada vez
mais imprescindível no conhecimento de programações e na orientação
sobre o que e por quanto tempo as crianças podem assistir, mas sem deixar
de considerar que há coisas muito mais importantes e que agregam
conhecimento nessa faixa etária do que assistir televisão.
Quanto à orientação às famílias sobre a programação adequada,
seria interessante um trabalho em rede, envolvendo saúde, educação,
judiciário e sociedade civil, cada qual com sua contribuição para o processo
educativo das famílias e suas crianças.
As músicas cantadas pelas crianças se deram em contextos diversos
de espera de comando de atividade do professor, durante o parque, durante
o lanche no refeitório, enquanto preenchem o calendário, no trajeto entre
os ambientes, na distribuição de materiais escolares, na fila e durante a
brincadeira simbólica na sala. Percebemos que não há nenhuma atitude
dos professores que impeça as crianças de cantarem espontaneamente em
diversos momentos durante os acontecimentos da sala, a não ser que
considerem que estejam atrapalhando a aula ou tenha em seu conteúdo
algo negativo, assim como também não há intervenção acerca do que
cantam.
Na roda de conversa, observamos que os professores dão abertura
para que as crianças cantem e sugiram quais músicas vão cantar, ainda em
formação de roda. Nas salas de P4B e P7C, não foram registradas
músicas solicitadas por iniciativas das crianças. Em contraponto, a
professora P5C dá grande abertura diária para a exposição dos desejos
expressos de cantar músicas que eles mesmos inventam.
358
C) Propostas de brincadeiras dos alunos
Para conhecer como se expressam as crianças dentro de um
contexto escolar, no quesito brincadeiras, nós propusemos, neste eixo, a
registrar as brincadeiras que partem das crianças.
As brincadeiras aqui elencadas foram observadas tanto no campo
da iniciativa livre, quando as crianças criavam algo entre uma atividade e
outra, sem o comando do professor, quanto nas criações a partir do que
era ofertado pelo professor, seja no momento dos jogos de construção, no
parque ou em outras atividades.
Tínhamos também como objetivo perceber as interações entre as
brincadeiras, se eram permeadas por expressões, gestos e imitações que
remetessem, de alguma maneira, à questão do consumo ou a influências
de personagens midiáticos.
Quadro 11Tipos de brincadeiras trazidas pelas crianças
Categorias
Tipos de brincadeiras
Salas
Brincadeiras
tradicionais
Brincadeira de mãos: Pikachu
Popeye, Babalú,
Odonteka
Popeye, Pikachu
P1-A
P2-A
P8-C
P9-C
Braço de Força
P2-A
Rela Congela
P8-C’
Corrida
P10-C
Brincadeiras de Faz de
Conta simbólicas
Perseguição Policial contra bandidos,
Lobisomem e
Super-Heróis (Homem Aranha, Batman,
Homem de Ferro, Super Man)
Fox-
personagem que mata todo
mundo
P2-A,
P3-B
P3-B
P3-B
P5-B
P9-C’
359
Olha o animal
Construções de brincadeiras a partir dos blocos
de construção: Chef de Cozinha (No
refeitório),
Sessão de maquilagem,
Sorveteria e Festa de aniversário
P1-A
P3-B
P3-B
Desfile de moda de princesas
P4-B
Jogo Simbólico - Caracol Turbo
Tartarugas Ninjas
Tempestade no mar
Super-Heróis em ação
Corrida de super-heróis
Caçadores de Borboletas
P4-B
P6-C
P7-C
P7-C
P5-C
P7-C
Construções na areia casinha e bolos
de aniversário
P5-B, P7-
C
P10-C’
Balé
P5-B
Agente secreta Barbie (parque)
P5-B
Carreta da Alegria (Imitando os personagens
Fofão, Homem Aranha e o Máscara)
P6-C
Teatro com fantoches de Pokémons
P7-C
Teatro com fantoches de panos da
escola
P7-C
Imitação de animais
P7-
C,P10-C
Casinha no parque
Casinha
Cozinhar e fazer chá
P7-C,
P8-C’,
P10-C’
Show musical Poderosas
P10-C
Fonte: Dados da pesquisa
Seguindo os mesmos critérios que utilizamos ao apresentar as
brincadeiras planejadas pelos professores, teríamos, de acordo com
Kishimoto (2010), a partir das brincadeiras elencadas, duas grandes
360
categorias: a) as brincadeiras tradicionais com 19% das brincadeiras e b) as
brincadeiras de faz de conta, com 81%, conforme a tabela abaixo:
Tabela 29 Categorias de brincadeiras propostas pelas crianças
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
Brincadeiras Tradicionais
7
19
Brincadeiras de Faz de Conta
30
81
Total
37
100
Fonte: Dados da pesquisa
As brincadeiras de faz de conta aparecem majoritariamente entre
as outras propostas de brincadeiras que presenciamos, categorizadas como
brincadeiras tradicionais. No jogo simbólico, os personagens midiáticos do
convívio das crianças afloraram entre desfiles de princesas, corridas de
super-heróis, teatro com personagens, show musical com funk, imitação
de cenas de episódios de um famoso Caracol Turbo, que corre em uma
velocidade “porque ele toma nitro, um tipo de gasolina e faz ele ficar muito
rápido”. Sobre o personagem Caracol Turbo, poderíamos refletir também
sobre como a sociedade de consumo que prevê a utilização de produtos
químicos para aumentar a performance, assim como sobre a indução ao
consumo de álcool e droga como uma maneira mágica de potencializar a
ação humana, numa perspectiva acrítica e qualquer estruturação interna.
Percebemos também um grande interesse de um grupo de meninos
da sala do docente P6C, que dançavam tanto no parque, quanto na sala,
realizando coreografia que faziam alusão à Carreta da Alegria (caminhão
adaptado em forma de trem que cobra ingressos para passeios na cidade e
tem bailarinos que dançam funk com roupa de personagens como Fofão,
Homem Aranha, Ben 10, entre outros). No parque, subiam no trepa-trepa
(brinquedo com traves de metal horizontal e vertical em que as crianças
361
escalam) e dançavam pendurados, como os personagens. Conversas sobre
a Carreta da Alegria se repetiram em outros contextos, como momentos
da realização do calendário (sala P5B), sobre qual personagem gostavam
mais e quais eles viram dançando. A professora colava bilhetes enquanto
preenchiam o dia no calendário. Uma garotinha se aproximou de mim e
disse: “eu queria ir na Carreta, mas minha mãe não tem dinheiro. Eu já fui
em uma, mas não a que tinha o Máscara”.
Partindo dos blocos de construção presenciados nas salas P1A,
P2A, P3B, P7C’, P8C’, as crianças brincaram de construir elementos
como shopping, castelos, prédios para a princesa, robô do show da Luna,
avião, martelo, armas, diamante, carro, estojo de maquiagem, casa, quebra-
cabeça, celular, bolo, tablets, tobogã, arma de policial, carrinho, armas,
homem, coração, borboleta e bolinho de aniversário. Na proposta de
blocos de montar castelo do Zumbi, homens, bandeira, fogo, espaçonave,
sofá, castelo e Pokémon.
A partir da proposta de modelagem encontrada nas salas P3–B,
P5B, P6C, P8C’, foram construídas esculturas como barba, torta,
pizza, bolo, ninho de cobra, poça, Tartaruga Ninja, comida, sanduíche,
cobra, churrasco, espetinho, bolinha de queijo, bola, menino, futebol,
hambúrguer, baianinha (do Romero Britto), metrô, avião, meteoros,
Ladybug, maçã, nave, máscara, panqueca, pirulito, Pokémon, Pikachu,
carne picada, gangorra, castelo, portão do castelo, sofá, travesseiros,
cobertor enrolado, sanduiche, cupcake, lesma, caracol, carro de polícia,
bombeiro, planta, terra, um bolo do homem aranha e celular.
Portanto, entre as quatro propostas vistas nas quatro salas de
brincadeiras com blocos, assim como as propostas de modelagem
presenciadas, observamos que também surgem elementos da mídia, entre
tantos outros, a exemplo do que acontece nas brincadeiras. As imagens dos
362
personagens de sua vida social povoam o seu imaginário, assim como suas
vivências do cotidiano. A respeito disso, Rezende-Fusari (2010) diz que:
[...] as crianças, as mídias (e seus produtores) das quais elas são assíduas
usuárias e as pessoas de sua convivência mais próxima na infância (pais,
irmãos, parentes, amigos, professores, colegas) compõem um complexo
processo comunicacional e educativo de sentimentos, ideias e atitudes
emancipatórias ou não sobre a vida contemporânea. As crianças atuam
e aprendem, nas relações comunicacionais cotidianas, a conservar ou a
transformar aspectos da realidade e da imaginação sobre a vida e sobre
a sua história, partilhados com múltiplos textos dos meios de
comunicação visuais, sonoros, audiovisuais, verbais (informatizados ou
não) e com pessoas de sua familiaridade, inclusive seus professores
(RESENDE & FUSARI, 2010, p. 181).
Nos momentos de criação, é preciso provocar novos desafios para
que as crianças construam enredos diferentes; esculturas não pensadas que
exijam mais criatividade da criança e que saiam um pouco dos elementos
do cotidiano que são representados.
Ademais, foi possível observar que não houve nenhum momento
em que as crianças socializassem suas criações depois das construções, bem
como não presenciamos o educador questionando as crianças sobre o que
fizeram e com o que brincaram. Oportunizar momentos de recuperação
pela narrativa oral, ou mesmo pela representação gráfica, daria ao professor
mais elementos para conhecer ainda mais o repertório das crianças, de
forma que pudesse incentivar o que deveria ser conservado e transformar
o que poderia ser modificado, o que poderia trazer benefícios cognitivos
para as crianças.
O repertório de brincadeiras que as crianças apresentam pode
também ser ampliado e enriquecido a partir da diversidade de experiências
363
e a reflexão do professor sobre tais experiências para que possa inserir novas
modalidades em que o brincar traga acalento e novos desafios às crianças.
A respeito da produção do lúdico, o conhecimento por parte do professor
acerca dos desenhos animados e realidades que as crianças vivenciam marca
um campo necessário na sociedade pós-moderna, bem como os processos
de formação desse professor para se instrumentalizar, fazendo intervenções
e promovendo o brincar criativo e que traga a diversidade.
D) Presença/evocação de personagens midiáticos e conduta do professor
O objetivo deste eixo temático é buscar os momentos em que os
alunos representaram, cantaram, dançaram, exibiram-se, desenharam ou
brincaram. Nesses momentos aparecem personagens midiáticos ou
relações de consumo em diferentes contextos, e a conduta do professor
diante da situação foi observada. Embora algumas situações já foram
mostradas no corpo do trabalho, neste eixo buscamos focar na ação do
professor.
Tabela 30Reação dos professores e a manifestação sobre personagens ou consumo
pelos alunos
Categoria
Ocorrências
Percentual (%)
Observar e não se manifestar
19
52,77
Concordar
8
22,22
Questionar sem reflexão
10
27,77
Refletir
1
2,77
Total
36
100
Fonte: Dados da pesquisa
364
As duas categorias com maiores índices de ocorrências foram
Observar e Não se manifestar, com 34,5%, e questionar a criança, mas não
dar continuidade a reflexão, com 27, 77%.
As ocorrências pertencentes à categoria Observar e Não se
manifestar podem ser exemplificadas com as seguintes situações:
Situação 1: Em um trajeto de passeio, um trio de meninas vai
cantando músicas de “Cúmplices de um Resgate”, da cantora Anita e do
desenho animado Ladybug. Essas meninas seguem cantando de mãos
dadas, e a professora não faz nenhuma observação (sala da docente P6–C).
A docente se aproxima e diz que uma das alunas tem fixação por essa
personagem.
Na categoria Questionar, elegemos situações em que o educador
lança algum questionamento, mas não gera tempo ou criticidade a partir
da fala da criança, não propõe que elas pensem na situação ou não insiste
em buscar o retorno da criança. Em geral, o professor faz alguma pergunta
ou chama a atenção da criança para algo, como nos exemplos que seguem.
Situação 2: Sentados no chão, no momento em que a professora
P2A vai iniciar uma leitura, um aluno diz que vai passar o desenho dos
Minions, personagens do filme “Meu Malvado Favorito”, e a professora
pergunta em que horário vai passar. O aluno responde que à noite, e a
professora complementa dizendo que a noite não é hora de criança ficar
acordada. O teor do questionamento é sobre o horário e não sobre o
personagem em si.
Situação 3: A professora P6C faz junto com os alunos uma
atividade com exercícios que tem imagens e placas sobre o trânsito. Uma
aluna, que demonstra gostar muito da personagem Ladybug, pinta as placas
de trânsito de vermelho com bolinhas pretas, como a personagem se
apresenta. A professora reclama: “poxa, tudo é Ladybug! A placa de trânsito
365
não é dessa cor”. Em outras situações atividades (atividades gráficas e Dia
do Brinquedo), também observamos a docente preocupada, pois a criança
traz a personagem para qualquer contexto, como ilustra o desenho a
seguir:
Figura 15Personagem
Ladybug
Figura 16Desenho da “Ladybug” da aluna
Proposta livre
Fonte: Site ‘Vignette’
16
Fonte: Dados da pesquisa
Seria importante um trabalho em que a criança tivesse outras
referências para trabalhar a linguagem visual e criar novos personagens,
utilizar novas cores e pensar em novas formas. Cunha (2007) diz que as
imagens de mídia, por insistência, confinam as crianças aos seus modelos,
cabendo ao professor pensar estratégias que provoquem olhares e
mobilizem a criança a fazer outras escolhas, outras experiências estéticas,
construindo um “[...] olhar crítico e sensível ao mundo, às outras imagens
e aos outros” (CUNHA, 2007, p. 143).
16
Disponível em: vignette4.wikia.nocookie.net/p__/images/3/37/Ladybug_Render.png.
366
Entre as ocorrências que classificamos como Concordar,
presenciamos o próprio professor endossando a ideia trazida pela criança
que exibe o objeto, como uma forma de interagir a partir do contexto.
Vejamos os exemplos:
Situação 4: a aluna veio mostrar o sapato dela para mim, exaltando
que era da marca Melissa e que tinha a letra M. Mostra depois para a
professora (P5B), que diz que a acha linda e que sua sobrinha tem uma
sandália assim.
Situação 5: a aluna mostra para professora o seu chinelo novo da
Polly. A professora responde que gostaria de ter um par igual e que iria
comprá-lo.
Situação 6: Na roda de conversa, a professora abre para que as
crianças contem sobre o final de semana. A professora (P6C) diz: “foi
legal o seu final de semana?” Um garotinho diz que ganhou mais Kinder
ovos para a sua coleção. A professora responde: “nossa, então foi muito
legal o seu final de semana!”
O que as crianças demostraram em grande parte dos exemplos
relacionados ao consumo é que sentem a necessidade de expressar para o
adulto e para seus pares aquilo que valorizam e esperam um retorno
positivo. Notamos que às vezes é mais complexo para o professor fazer
intervenções pontuais em um momento em que as crianças trazem
espontaneamente aquilo que querem socializar. Conduzir o processo da
roda de conversa dando oportunidade para que todos se expressem com
diferentes assuntos pode trazer para o professor muitas possibilidades de
trabalhos a serem aprofundados, obviamente passando por um crivo para
as questões necessárias à infância, como nos assevera Warschauer (1997),
que defende a roda de conversa e o registro como eixos importantes de
pesquisas e estudos com as crianças para a construção de conhecimentos.
367
Os diálogos, as observações e os registros em roda de conversa podem
potencializar estudos mais profundos com as crianças, com a postura
atenta do professor sobre o que pode se tornar uma sequência didática e/ou
um projeto a partir de questões que ele problematizar com as crianças.
A conduta docente que consideramos mais reflexiva adveio da P5
B em um diálogo com o aluno que diz ser o personagem Fox e que vai
matar e destruir a todos. A professora informa que se preocupa com a
criança, pois o menino dorme em sala porque acessa jogos até tarde da
noite. Já buscou ajuda com a família, na tentativa de trazer alternativas,
mas não encontrou uma ação efetiva dos responsáveis. A própria criança
diz que joga enquanto a mãe dorme. Presenciamos vários momentos em
que o aluno dorme na sala, assim como diálogos da professora com a
criança.
Na minha situação como pesquisadora, foi possível ainda perceber
outras ocorrências em que o professor envolvido, acolhendo outras
situações, acaba não tendo acesso às falas das crianças. Em uma cena, a
professora P9C distribui folhas para desenho livre e circula pela sala. Ao
receber a folha, um aluno diz: “vou desenhar os super-heróis. Deus criou
o super-herói, pois se ele não tivesse criado não passava na tevê”. Na
perspectiva da criança, aquilo que se vê na televisão é criação de Deus, e
consequentemente o que esteja relacionado ao super-herói é divino.
E) Dia do Brinquedo: brinquedos trazidos pelas crianças
Neste eixo, o objetivo é investigar que tipos de brinquedos e
brincadeiras ocorrem nesse momento, quando as crianças trazem
brinquedos de casa. Ademais, analisa-se se os brinquedos guardam relações
com a publicidade direcionada ao público infantil.
368
Os dados nos revelam que 67% dos brinquedos trazidos guardam
alguma relação com personagens midiáticos presentes em desenhos infantis
e produtos voltados para o consumo infantil, ao passo que 33% não trazem
brinquedos com marcas ou estampas de personagens.
Tabela 31Brinquedos do Dia do Brinquedo vinculados a personagens midiáticos
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
Vinculados a personagens
61
67
Não vinculados a personagens
30
33
Total
91
100
Fonte: Dados da pesquisa
Brinquedos ícones de filmes, desenhos infantis e produtos
alimentares estavam presentes no Dia do Brinquedo. Ao brincarem, as
crianças faziam menções aos personagens, criando novos enredos a partir
do encontro entre os brinquedos.
Figura 17Brinquedos trazidos no Dia do Brinquedo (sala P8C’)
Fonte: Dados da pesquisa
369
Na Figura 14, há brinquedos trazidos por um grupo de alunos,
meninos e meninas da sala do docente P8C’, em que identificamos vários
personagens midiáticos em miniatura ligados ao público infantil: Ronald,
o palhaço da rede de fast-food McDonald’s, a princesa Sofia, o copo da
Minnie, Olaf, personagem do filme Frozen”, Luis, o cachorro buldogue
do filme “Rio”, e a rena Sven, personagem também de “Frozen”.
São características dos brinquedos infantis fabricados pela indústria
atual serem personagem de um filme, brinquedo colecionável e em série e
brinquedos com acessórios para garantir a continuidade da compra.
Na sala P4B, uma aluna trouxe a boneca Polly e vários acessórios
como roupas e bolsas. No canto direito da imagem a seguir, veem-se Olaf
e uma canetinha, ambos de Frozen”. Muitas meninas da sala se
aproximaram para participar da brincadeira com as bonecas.
Figura 18Boneca Polly e seus acessórios no Dia do Brinquedo
Fonte: Dados da pesquisa
Entre as meninas, os personagens da Barbie, princesas e Ana e Elsa
do filme “Frozen” fazem sucesso. Entre os meninos, personagens como
super-heróis e carrinhos também aparecem em maior número no Dia do
370
Brinquedo. Alguns deles: Tartaruga Ninja, Batman, Homem de Ferro e
Carros, conforme podemos observar as Figuras 19 e 20, respectivamente.
Figura 19 Bonecas de Princesa (sala P10C’)
Fonte: Dados da pesquisa
Figura 20Bonecos e Carrinhos (sala P4–B)
Fonte: Dados da pesquisa
371
Figura 21Bonecas Baby Alive no Dia do Brinquedo (sala P2B)
Fonte: Dados da pesquisa
O universo visual midiático trazido pelos brinquedos encontrados
na educação infantil no Dia do Brinquedo é significativamente mais amplo
do que brinquedos anônimos, o que demonstra a relação existente entre a
questão do consumo de brinquedos pensados para o mercado por meio de
um personagem midiático e os brinquedos levados pelas crianças para os
espaços escolares. Muitos brinquedos são vendidos com a premissa de que
são mais que um simples objeto para brincar, mas que são personalidades
e estereótipos de sonhos. Sabemos também que as crianças reinventam
funções, falas e movimentos dos brinquedos, pois ela é capaz de recriar
possibilidades e subverter a ordem e, contudo, é inegável que os
personagens passam a povoar a imaginação infantil nesta fase do
pensamento simbólico. Concordamos com Linn (2010), que afirma que a
criação na brincadeira sofre interferências de acordo com a identidade que
o brinquedo exerce, uma vez que ele já traz muitos significados: “[...]
simples bichinho de pelúcia precisa exercitar a imaginação criando um
personagem determinando sua idade, sexo, personalidade e movimentos,
até sua espécie. Se a criatura usa vestido, elimina a escolha do sexo” (LINN,
2010, p. 60).
372
O Dia do Brinquedo pode ser configurado de variadas formas para
surpreender e mobilizar novos conhecimentos, trazendo também para a
criança a perspectiva da criação, da solidariedade e da inovação de
significados.
373
Capítulo 6
O Consumismo e Educação Infantil:
O Olhar das Crianças
Apresentaremos agora informações sobre o pensamento das
crianças. Conforme descrito na metodologia, participaram dessa etapa 23
crianças, estudantes do segundo ano da Educação Infantil, de uma escola
localizada em um bairro central de um município do interior do estado de
São Paulo. De posse dos Termos de Autorização e Consentimento Livre e
Esclarecido, iniciamos as entrevistas pautadas no método clínico-crítico
(PIAGET, 1926) primeiramente coletando desenhos e na sequência, as
entrevistas.
Os desenhos: felicidade e consumo
Iniciamos o processo de entrevista com as crianças participantes
individualmente, e a primeira atividade foi a realização de um desenho.
Na solicitação do desenho, recebiam uma folha sulfite padrão A4,
subdividida ao meio, e um conjunto de lápis colorido. A proposta era que
desenhassem de um lado uma criança feliz e na outra metade, uma criança
que não é feliz. Logo que terminavam os desenhos, faziam uma narrativa
explicativa do desenho, explicando os motivos de ser ou não feliz.
Como forma de análise dos desenhos, estabelecemos categorias de
respostas buscando classificar os motivos apontados pelos alunos sobre ser
374
feliz e não ser feliz. As categorias apresentadas foram: 1) relação com
consumo; 2) não relação com o consumo vivência do dia a dia e 3)
outros. Vejamos a tabela:
Tabela 32Motivos que as crianças têm para ser feliz
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
Relação com o
consumo
5
21,73
Não relação com o
consumo
17
73,91
Outros
1
4,34
Total
23
100
Fonte: Dados da pesquisa
Os motivos que as crianças alegam relacionados à questão do
consumo são ganhar presentes e brinquedos e se divertir por meio de
objetos (tecnológicos). Os desenhos que não trouxeram relação com o
consumo abordaram a amizade, o brincar, o passear, a presença e a
disponibilidade dos pais em suas vidas, trazendo aspectos de sua vivência
no dia a dia. Apenas um desenho trouxe a ideia de felicidade como
contemplação do belo e entrou na categoria “outro”.
Entre os motivos para uma criança ser feliz e uma criança não ser
feliz, achamos necessário também fazer a análise de motivos que os sujeitos
teriam para apontar o que é uma criança que não é feliz e sua relação com
o consumo, pois nem sempre traziam em suas representações uma díade,
ou seja, um motivo para ser feliz, e necessariamente não previa a sua
negação para não ser feliz. Contudo, os percentuais foram os mesmos da
tabela acima. No exemplo de MIG (5;5), a criança feliz brinca com seu
brinquedo, e a criança que não é feliz apanha e fica de castigo, sem nada
375
para fazer, e a exemplo do que foi visto em PED (5;10), não há relação
entre o que determina o motivo para ser feliz e o motivo para não ser feliz.
Tabela 33 – Motivos que as crianças têm para não ser feliz
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
Relação com o consumo
5
21,73
Não relação com o consumo
17
73,91
Outros
1
4,34
Total
23
100
Fonte: Dados da pesquisa
Os motivos trazidos pelas crianças para não serem felizes
relacionados ao consumo foram ser pobre, não ter ou ganhar coisas e não
ter aparelhos tecnológicos para brincar. Os outros motivos relacionados a
crianças que não são felizes foram não ter amigos/diversão, não se divertir,
não passear e ter uma relação negativa com os pais.
Vejamos a seguir o exemplo de MIV (5;2), que traz a ideia do
ganhar brinquedos e também a tristeza em ser pobre:
376
Figura 27 Desenho de MIV (5;2)
Fonte: Dados da pesquisa
Diálogo estabelecido:
“Esta é feliz porque ela está feliz.” (Aponta o dedo para a boca sorrindo)
“Por que ela está feliz?” “É porque o papai dela compra um montão
de brinquedo pras crianças. Um brinquedo, um ursinho.” (Desenha a
criança e o urso) “E porque esta criança está triste?” “Triste porque o
papai dela é pobre.” (MIV, 5;2).
Pelos desenhos de NIC (5;6), houve a associação da ideia de ser
feliz a brincar no computador, jogar vídeo game ou assistir televisão,
também pertencente à categoria relacionada ao consumo:
377
Figura 28 Desenho de NIC (5;6)
Fonte: Dados da pesquisa
Diálogo estabelecido:
“Esse aqui está feliz porque joga vídeo game, brinca com os amigos e
assiste tevezinha.” (Descreve com detalhes os amigos e ainda desenha
o programa que está passando na tevê Os Jovens Titãs desenho
animado da Cartoon Network)
“E por que essa criança está triste?”
“A criança não tem amigos, nem tevê, nem jogo.” (NIC, 5;6).
Os desenhos que seguem exemplificam as respostas pertencentes à
categoria “Não relação com o consumo” e trouxeram como motivos para
ser feliz amizade e diversão, diversão e brincar, existência e disponibilidade
dos pais:
378
Figura 29 Desenho de MIG (5;5)
Fonte: Dados da pesquisa
Diálogo estabelecido:
“Conta para mim sobre o seu desenho.”
“A criança está feliz porque ela está brincando de bola.E essa aqui não
está feliz porque ela não tem nada para fazer, ficou de castigo, a mãe
bateu, na bunda do filho.” (MIG, 5;5).
379
Figura 30 Desenho de JED (5;6)
Fonte: Dados da pesquisa
Diálogo estabelecido:
“O que você desenhou?”
“A criança feliz é porque ela mora com o pai e com a mãe dela.”
“E a que não é feliz?”
“Ela está chorando. Ela vai ser toda preta”.
“Por quê?”
“Por que quem não é feliz é preto.”
“Como é isso?”
“É porque ela não tem pai, nem mãe, nem casa, nem irmã, não tem ne
m casa, não tem nada, nem comida, só ele.”
“Porque ele é preto?”
“Porque ninguém gosta dele.” (A cor da pele, entretanto, é rosa. O
preto representou a tristeza.) (JED, 5;6).
380
A categoria “outros”, que difere de todas as outras, foi representada
por uma única criança que elege o fato de ver um arco- íris como um
motivo para ser feliz:
Figura 31 Desenho de PED (5;10)
Fonte: Dados da pesquisa
Diálogo estabelecido:
“Conta para mim o que fez.”
“A criança feliz tem uma boquinha pra cima.
“E por que ela está feliz?”
“Ele viu um arco-íris que tem todas as cores que ele gosta e ficou feliz.
(Desenhou um menino dentro da casa)
“Ele está vendo o arco-íris de dentro da casa?
“É porque é um quadro de arco-íris.”
“E a criança que não é feliz?” (Desenhou uma menina)
381
“Machucou o joelho na pedra e a mãe dela não colocou um curativo,
é por isso que ela está triste. É que ela estava brincando de pega-pega
com a amiga dela e tropeçou numa pedra e machucou o joelho.”
(Desenhou a criança e uma pedra) (PED, 5;10).
Dos 73,91 % da categoria dos motivos não relacionados ao
consumo para ser feliz, 26,08% dos entrevistados apontaram morar com
pais, brincam com os pais, recebem abraço da mãe ou está junto aos pais.
Para 21,73%, as crianças felizes têm amigos para brincarem, algo que se
fortalece na frequência da educação infantil, e para 17,39%, a
representação de criança feliz é aquela que brinca com brinquedos e/ou
brincam em parques infantis, mesmo que sozinhas. Já 8,69% apontou o
passeio como forma de ser feliz.
Nos 21,73% dos motivos ligados ao consumo, se pensarmos em
valores materiais ou valores de consumo, 13% apontou a ideia de que para
ser feliz temos que “ter muito brinquedos, e a criança que não é feliz é
porque é pobre” (MIV, 5;2), “ganhar brinquedos (VIC, 5;9), “ganhar
presentes, brinquedos e livros” (JOQ, 5;11).
De acordo com Delval (2002) e Denegri et al. (2005), as
representações de crianças acerca da realidade são compostas por normas,
valores, informações e explicações. Se uma criança opina que, para ser feliz,
a criança deve ganhar coisas, pode-se afirmar que isso faz parte de suas
vivências e que há uma transmissão desse valor, alimentado por adultos
que as cercam.
Nos 8,69% motivos que as crianças alegraram para diversão e
passeio, destacamos também a ideia de duas crianças que apontam como
motivo de felicidade “ir ao shopping para brincar” (ISA, 5;2), e a outra
criança aponta que o fato de ir ao parque e não andar na Carreta da Alegria
é um motivo de infelicidade (ANA, 5;7). Passeios como esses representam
382
o movimento pós-moderno na diversão da infância, bem como os motivos
ligados à diversão e à tecnologia. O aluno IQE (5;5) chega a apontar que
brincar no computador é um motivo de alegria, e um motivo de tristeza é
ter “um computador que não está funcionado”.
Hoje, os shoppings, que representam grandes núcleos de compra,
buscam agradar as crianças com uma área de lazer grande, com vários tipos
de diversão tais como brinquedos infláveis, piscina de bolinhas, pequenos
parques, miniautomóveis eletrônicos e animais motorizados para crianças
e pais pilotarem. Vale lembrar que a cidade em que foi realizada a pesquisa
não provém de um shopping por ser de pequeno porte. Logo, nesta
pesquisa não é possível afirmar que o shopping seja um ambiente
conhecido por todos.
Além de por meio do desenho aqui coletado, já tínhamos
observado em sala o interesse das crianças nas chamadas Carretas da
Alegria, ou Trenzinhos da Alegria, que como já descrevemos, são
caminhões adaptados alegoricamente que circulam pelos bairros e centro
da cidade com um grupo de dançarinos vestidos com personagens como
Homem Aranha, Fofão, Peppa Pig e Ben 10, entre outros, geralmente ao
som de funk com letras que não deveriam ser ouvidas por crianças. Os
personagens fazem passos de danças e acrobacias nos postes e pilares da
cidade, e são cobrados ingressos para o passeio que dura em média 25
minutos. O público para esse tipo entretenimento vem aumentando,
inclusive com seguidores em redes sociais.
O maior número de motivos que as crianças apontam para não ser
feliz (43,47%) é o fato de os pais brigarem, baterem ou não permitirem
que façam algo que queiram, seguido de não terem amigos para poderem
se divertir, com 21,73. Os fatores ligados a consumo (não ter aparelhos
tecnológicos, não ter ou ganhar coisas ou ser pobre) somados, atingem o
percentual de 21,73%.
383
Se comparados os motivos eleitos para uma criança feliz e para não
ser feliz, o peso da relação entre pais e filhos é maior para os fatores de
infelicidade, ao passo que o valor dos amigos há uma semelhança tanto
para ser feliz quanto para a ausência de amigos na categoria de desenho
criança não feliz, mostrando também que já são valores a família e a
amizade.
Vimos que, em geral, as crianças apontaram um único item para
definir o motivo de ser feliz ou não ser feliz, centrando-se em apenas um
único aspecto determinante. Ademais, colocam-se na situação de
julgadores, imprimindo seu pensamento egocêntrico sem levar em conta
as várias subjetividades para a felicidade ou infelicidade, ou mesmo a
complexidade que se pode contemplar o estado psicológico de uma pessoa.
Entrevista clínica-crítica questões semiestruturadas às crianças
Em continuidade à entrevista clínica-crítica, as 23 crianças de uma
classe do segundo ano da Educação Infantil (P11-B) participaram de uma
entrevista semiestruturada com 13 questões, por meio do método clínico-
crítico (PIAGET, 1926), que envolviam diferentes interfaces do
consumo/consumismo infantil, estruturadas por 9 (nove) eixos/categorias
que seguem abaixo:
Eixo temático 1 - Objeto de desejo;
Eixo temático 2 - O Brincar e a necessidade do brinquedo;
Eixo temático 3 - Destino do brinquedo acumulado;
Eixo temático 4 - Brincar X Sair para comprar;
Eixo temático 5 - Personagens midiáticos nos artefatos infantis;
384
Eixo temático 6 - Apreciação musical da criança e mídia;
Eixo temático 7 - Sentimentos X Brinquedo;
Eixo temático 8 - Publicidade infantil;
Eixo temático 9 - Felicidade X Aparência desejada.
As respostas das entrevistas foram analisadas por meio de uma
abordagem quantitativa e qualitativa, de acordo com análise do conteúdo
, e as informações foram categorizadas por eixo a fim de trazer as
contribuições teóricas sob o olhar da epistemologia genética de Jean Piaget,
além de contribuições de outros estudiosos por meio de conexões e relações
que possibilitem as interpretações entre os dados empíricos e reflexões
teóricas (LUDKE; ANDRÉ, 2015).
a) Objeto de desejo
O primeiro eixo temático presente na entrevista tem 2 (dois)
objetivos, sendo o primeiro deles conhecer o desejo de consumo das
crianças quanto aos brinquedos que não estão presentes na escola, e o
segundo, o que desejam ganhar no Dia das Crianças. As questões
relacionadas para este eixo foram: “quais brinquedos que você gostaria que
tivesse aqui na escola e que não tem? Por quê? E esses brinquedos, você já
brincou com eles antes? De onde você os conhece?
Essa primeira questão trouxe à tona não apenas o objeto de desejo
expresso na criança, mas também a sua familiaridade com o objeto, além
da origem de seu conhecimento, pelo meio do qual foi possível
compreender o que influencia a criança a desejar o brinquedo.
385
Tabela 34 – Brinquedos que os alunos gostariam que tivesse na escola
Brinquedos
Ocorrências
Percentual (%)
Boneca Baby Alive
4
10,52
Casinha e acessórios
2
5,26
Barbie e acessórios
3
7,89
Super Heróis diversos
7
18,42
Carrinho e ou avião de controle
5
13,15
Dragão Banguela e Soluço
2
5,26
Carrinho de boneca
2
5,26
Carrinho Hot Wheels
2
5,26
Bichos de pelúcia e ou borracha
2
5,26
Outros
9
23,68
Total
38
100
Fonte: Dados da pesquisa
Entre os 38 itens citados, 26 são ligados a algum personagem de
desenho animado ou brinquedo exposto pela mídia, como a Boneca Baby
Alive, com quatro apontamentos. Entre as meninas, predominam bonecas
e acessórios, e entre os meninos, os brinquedos mais citados são
carrinhos/aviões de controle remoto e bonecos de super-heróis (Ben 10,
Batman, Homem de Ferro, Transformers, Homem Meleca e Super
Choque).
Perguntados os motivos das escolhas, observamos:
“Por que você gostaria que aqui na escola tivesse a Baby Alive?”
“Porque ela faz xixi e cocô.” (VIT, 5;7).
Porque você gostaria que aqui na escola tivesse a Barbie?
“Porque ela é bonita e tem cabelo loiro.” (ISA, 5;2).
386
Entre os meninos, houve um número elevado de ocorrências de
carrinhos/aviões de controle remoto, e uma das respostas nos chamou a
atenção, revelando que o desejo deste brinquedo para a criança é pela
desobrigação de empurrar o objeto:
“Por que você gostaria de ter carrinho de controle remoto?” “Porque
não tem que mexer que nem os outros carrinhos que tem que jogar
para eles irem, o controle é mais fácil. O de rodinha tem que ficar
empurrando.” (JED, 5;6).
Os outros motivos pelo quais as crianças alegaram desejar ter esses
brinquedos na escola variaram entre a função do ato do brincar: “Para eu
brincar com eles” (LOR, 5;6) ou expressavam sua afetividade ou afinidade
pelos brinquedos: “porque é legal” (NIC 5;6) e “porque eu gosto de
brincar” (MIV, 5;2).
Na categoria “outros”, esclarecemos que foram agrupados itens
específicos com apenas uma ocorrência: princesas, Patrulha Canina,
brinquedo eletrônico de shopping, celular de brinquedo, nave espacial,
carrinho de pedal, tambor do Patati, caminhão e fantasia de Chapeuzinho
Vermelho.
Destacamos a resposta seguinte como a única que faz alusão à
origem do personagem pertencente a um filme, que por se tratar de um
brinquedo muito específico, revela explicitamente que o aluno assistiu ao
filme “Como treinar o seu dragão” (Pixar): “por que você gostaria de ter o
Dragão Banguela?” “Porque eu sou fã dele!” (IQE, 5;5).
A maioria dos brinquedos apontados contribui para a brincadeira
simbólica, que estabelece um elo entre a criança e o mundo de faz de conta
e/ou também o mundo real, muito peculiar ao nível de desenvolvimento
387
na fase em que essas crianças se encontram, e a manifestação da função
simbólica. É no jogo simbólico que a “[...] criança transforma o real ao bel-
prazer das necessidades e dos desejos do momento” (DOLLE, 1987, p.
121).
Quando perguntados se já brincaram com os brinquedos que
desejariam ter na escola, 62,5% responderam que sim, e 37,5%
responderam que não. Os dados revelaram que embora a maioria já tenha
brincado com os brinquedos, há ainda um desejo reprimido, não realizado,
e que poderia ser na escola, do ponto de vista da criança, que isso se
concretizasse. Quanto à origem do conhecimento dos brinquedos,
obtivemos as seguintes categorias, conforme a tabela a seguir:
Tabela 35Local de origem do conhecimento dos brinquedos
Locais de origem
Ocorrências
Percentual (%)
Loja
18
50
Mercado
1
2,77
Televisão
9
25
Casa dos amigos
2
5,55
Celular
2
5,55
Circo
1
2,77
Aeroporto
1
2,77
Cinema
1
2,77
Outros
2
5,55
Total
36
100
Fonte: Dados da pesquisa
Pela tabela, percebe-se que a maior frequência apontada (50%) é o
conhecimento pelo contato com lojas de brinquedos, e em segundo lugar
aparece a televisão, com 25%. As respostas também apontaram o uso do
celular como fonte de conhecimento de brinquedos, e que a presença em
388
lojas físicas tem um peso grande para a escolha dos brinquedos. Ademais,
fazer compras já faz parte de seu universo socioeconômico. Ir a um
estabelecimento comercial para efetuar uma compra, de acordo com
Delval (2013) é uma realidade com a qual as crianças de uma sociedade
capitalista têm contato desde muito cedo.
As fontes citadas pelas crianças sobre a origem dos brinquedos
revelam a diversidade de ambientes que despertam o desejo da posse dos
brinquedos: a loja, a casa do amigo, o aeroporto, o circo, o mercado e o
cinema, assim como os veículos de comunicação a televisão e o celular.
Tais dados condizem com os estudos de Gunter e Furnham (2001, p. 23),
que preconizam que a “[...] socialização do consumidor caracteriza-se por
uma série de agentes influentes chave, incluindo pais, os colegas, os vários
meios de comunicação, bem como a experiência direta”.
O segundo questionamento dentro do eixo temático Objeto de
desejo era: 2 Você ganha presente no Dia das Crianças? E o que você
vai pedir no Dia das Crianças? As perguntas tinham como objetivo
investigar se faz parte das vivências das crianças ganhar presentes em datas
comerciais tais como o Dia das Crianças e o que elas desejam receber.
Tabela 36Ganhar presente no Dia das Crianças
Categorias
Ocorrências
Frequência (%)
Sim
18
78,26
Não
3
13,04
Não sabe
2
8,69
Total
23
100
Fonte: Dados da pesquisa
As respostas indicam que 78,26% das crianças ganham presentes
na data do Dia das Crianças. Perguntadas sobre o que desejariam entre os
389
28 itens que citaram, apenas três deles não se encaixariam na categoria
brinquedo (qualquer coisa, acessórios com estampas de personagens
midiáticos, sapatilha de led), como mostra a tabela a seguir:
Tabela 37O que as crianças desejam ganhar no dia das crianças
Itens de desejo
Ocorrências
Percentual (%)
Boneca Barbie, acessórios e suas variações
7
25
Boneca Frozen
3
10,71
Carrinho do
Hot Wells
3
10,71
Capitão Arica
2
8,69
Homem Aranha
2
8,69
Outros
11
39,57
Total
28
100
Fonte: Dados da pesquisa
Os brinquedos mais desejados entre as meninas formam as bonecas
Barbie, com 25%, seguidos das bonecas da Frozen (10,7%), e entre os
meninos houve uma variação de super-heróis (Ben 10, Capitão América,
Homem Aranha, Super Choque) somando 17,85 %, e carrinhos Hot
Wheels, com 10,7%. Grande parte dos brinquedos apontados tem vínculo
com algum personagem midiático ou está presente nas propagandas
direcionadas às crianças.
Na categoria “outros”, apareceram itens como: relógio do Ben 10,
bolsa, lancheira, garrafinha da Frozen, Dragão Banguela, Super Choque,
pista de carro e avião, carrinho grande, sapatilha de led, computador, Bebê
Reborn, Baby Alive e a opção qualquer coisa.
Entre as explicações sobre as escolhas de brinquedos que são
vinculados à mídia, as falas revelam desde a influência das personagens e a
390
precisão de detalhes dos brinquedos até a apropriação simbólica dos
personagens:
Quando for o dia das crianças eu vou pedir a boneca da Barbie e essa
mochila. A Barbie que passa na televisão, ela é branca tem cabelo loiro,
tem filhos tem irmã. (YAS, 5;3).
Uma boneca da Frozen. Por que você vai pedir uma boneca da Frozen?
Eu vou comprar uma boneca da Frozen que ela fala. Ela canta
música.Ela canta? O que ela canta? Lerigol! (Let it go) Lerigol! (Let it
go) Não posso mais te ver chorar!.“Como você vai ficar quando tiver
essa boneca? Eu ia brincar com ela de Frozen com a minha irmã. Eu
ia ser a Elsa e minha irmã ia ser a Ana, porque eu ia derreter porque ela
tem gelo. (ANA, 5;9).
E o que você vai pedir no dia das crianças? Carrinho da Hot Wheels.
Qual é o que você quer? Um roxo pequeno. Por que você quer? Para
completar a coleção dos carrinhos pequenos. (PEH, 5;6).
PEH (5;6), o último exemplo acima citado, traz uma característica
do comportamento da infância, que é fazer coleções (KRAMER, 2007).
Atenta a esse comportamento, a indústria de brinquedos explora
intensamente os itens colecionáveis, como no caso carrinhos da Hot
Wheels. O brincar com coleções no espaço escolar poderia ser mais
instigante e contribuir para o desenvolvimento de noções de lógicas
elementares, incentivando a criança a observar, classificar e ordenar
elementos naturais tais como folhas, pedras, conchas, gravetos e frutos,
entre outros, ou até mesmo pequenos objetos de sucata, possibilitando a
ela pensar em outras escolhas de coleções que não necessariamente seja
comprado, tenha uma marca, ou seja um produto já constituído.
391
B) O Brincar e a necessidade do brinquedo
Faz parte deste eixo questões que busquem tirar das crianças ideias
quanto à necessidade ou não de um brinquedo específico, por meio de
duas questões: 3) Uma menina(o) não tem a Baby Alive (Homem Aranha).
Você acha que ela (ele) pode brincar e se divertir mesmo assim?
Tabela 38Brincar com a existência do brinquedo
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
Sim
14
60,86
Não
8
34,78
Dúvida
1
4,34
Total
23
100
Fonte: Dados da pesquisa
Os dados revelaram que 60,8% das crianças encontrariam
alternativas caso não tivessem o brinquedo específico, como brincar com
outro ou realizar brincadeiras sem a presença do brinquedo, brincar no
parque e até mesmo construir um brinquedo:
Uma menina não tem a Baby Alive. Você acha que ela (ele) pode
brincar e se divertir mesmo assim? Pode. Como? Fazendo uma
bonequinha. Como ela faria essa bonequinha? Às vezes tem mãe que tem
meia velha, aí ela pode pegar uma meia velha pegar uma bolinha de papel
e colocar na meia e daí brinca. (MAL, 5;11).
Um menino não tem o Boneco do Homem Aranha. Você acha que ele
pode brincar e se divertir mesmo assim? Pode. Como? Ele pode brincar
de pega-pega. Com alguém e sem alguém. Ele pode brincar de esconde-
392
esconde com alguém e sem alguém. É? “Também dá pra brincar de pega-
pega sem correr.” (JED, 5:6).
É porque a criança não tem, ela pode brincar com o que ela quiser e que
tem no quarto dela, carrinho, bebezinho. Igual a minha irmã tem a Baby
Alive só ela que tem e ela me dá para mim brincar, ela tem a colher e
perdeu a chupeta. Então vamos pensar, uma menina que não tem a
Baby Alive, você acha que ela pode brincar e se divertir?
Pode. Como ela vai se divertir se ela não tem a Baby Alive? Ela pega
outros brinquedos. (AJA, 5;3).
Segundo Moura, Viana e Loyola (2013, p. 485), as crianças que se
encontram na fase pré-operatória são inseridas no mundo do consumismo
proporcionalmente “[...] à qualidade e às configurações dos
relacionamentos estabelecidos entre pais e filhos, de forma que há atitudes
dos pais que podem estimular o consumo infantil e atitudes que podem
desencorajá-lo”. De acordo com os relatos anteriores, formula-se a hipótese
de que as crianças podem ter tido algumas vivências que teriam as ajudado
a apontar alternativas para a ausência de um brinquedo, seja em sua
socialização primária ou mesmo em outras vivências que não as familiares,
permitindo que elas estruturassem melhor o seu conhecimento e
propusessem alternativas ao serem provocadas pela questão, assim como a
construção de esquemas decorrentes dessa vivência, considerando o nível
socioeconômico. De outra forma, as crianças que apontaram não ser
possível brincar sem a existência do brinquedo “X” demonstraram mais
fortemente uma característica de seu pensamento egocêntrico, pois não
foram capazes de pensar em outras possibilidades, centrando-se em uma
alternativa somente.
393
Entre os 34,7% das crianças que acreditam não ser possível brincar
sem o brinquedo “X”, encontramos explicações ligadas ao sentimento de
tristeza ou à impossibilidade de se divertir com outros brinquedos:
Um menino não tem o boneco do Homem Aranha. Você acha que ele
pode brincar e se divertir mesmo assim? Eu acho que não, porque
quando eu o meu computador não está prestando eu nem consigo nem ser
feliz. Você não consegue ser feliz sem o computador? Porque quando o
meu irmão está no computador eu tenho que ficar sem até a noite. E o
homem aranha, se o menino não tiver esse homem aranha ele pode se
divertir? Eu acho que ele pode, de dragão. E se ele não tiver nem dragão
e nem homem aranha? Ai não sei por quê, isso vai ficar complicado. Vai
ficar complicado? Vai ficar, e não dá para se divertir. (IQE, 5;5).
Um menino não tem o Boneco do Homem Aranha. Você acha que ele
pode brincar e se divertir mesmo assim? Não. Por que não?
Porque sem brinquedo é muito triste. (ENB, 5;9).
A segunda questão proposta dentro do eixo temático Brincar e o
Brinquedo tem como objetivo analisar o pensamento da criança quanto à
posse e ao acúmulo de brinquedos: “um menina (o) tem uma coleção da
Barbie (Hot Wheels) com mais de 30 bonecas, mas ela (e) está muito triste
porque não tem a nova Barbie fada (novo carrinho da coleção), e chora
todos os dias pedindo para a mãe dela. Como você resolveria essa situação?
As respostas que encontramos aparecem nas categorias da tabela a
seguir:
394
Tabela 39Soluções dadas pelas crianças para uma criança que quer mais um
brinquedo para a coleção
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
Comprar o brinquedo
11
47,8
Comprar com uma
condição
8
34,7
Não comprar o
brinquedo
1
4,34
Doar o brinquedo ou
dinheiro
3
13
Total
23
100
Fonte: Dados da pesquisa
As respostas demonstraram que 47,8% das crianças acreditam que
a mãe deva comprar os brinquedos, justificando sentimentos de tristeza da
criança, necessidade de se ter brinquedos e não enjoar dos mesmos
brinquedos, como vemos em alguns exemplos:
[...] mas se a mãe da menina se comprar ela ficava feliz e se ela não
comprasse ela ficava triste. (MIK, 5;1).
Nada legal. Por quê? Porque a menina quer muito essa Barbie Fada.
Como a gente pode resolver essa situação da menina? Às vezes pede
dinheiro para mãe para comprar. Pode comprar mais uma boneca? Pode,
porque aí você brinca bastante e não cansa de brincar todo dia com as
mesmas bonecas. (MAL, 5;11).
“Ruim”. Ruim por quê? Porque ruim é uma coisa que não tem dinheiro.
Legal é uma coisa que tem dinheiro para comprar as coisas que você mais
gosta. Ah é legal quando têm? Sim. Mas o que você acha dessa situação
em que o menino está pedindo todo dia e chora? Ah isto é coisa que
ganha muito brinquedo e ele queria mais brinquedos, é porque ele gostava
de carrinhos e brinquedos, ele queria um lançador de brinquedos, de
395
carrinhos para eles pularem no carro. [...] aí ele está pedindo mais um para
ele brincar bastante e se ele ficar entediado com algum ele brinca com o
novo. (NIC, 5;6).
Entre as crianças que apresentaram alguma condição para o ato de
comprar mais um brinquedo, encontramos fazer as tarefas de casa e
obedecer, observar se a mãe/pai tem dinheiro e quando é dia do
aniversário:
Compra o carrinho para ele se a mãe dele tiver dinheiro. (JOQ, 5;11).
Um dia a mãe compra né. Por que você acha que um dia a mãe compra
para ela? Porque ela estava obedecendo ela. Quando ela obedece então
ela ganha? Sim. (MIR, 5;11).
Espera o papai ter dinheirinho ué. Espera o papai ter dinheirinho? É. E
quando o papai tiver dinheiro o que você acha que vai acontecer? Ai
ele vai comprar e o filho fica feliz. (MIV, 5;2).
Vimos nos estudos de relação econômica de Bessa, Fermiano e
Denegri (2014) que as crianças de tenra idade não levam em conta a
questão da escassez em suas explicações sobre a disponibilidade do
dinheiro, evidenciando que o dinheiro esteja disponível a todos, porém
algumas respostas de crianças tais como MIV (5;2) e JOQ (5;11) revelam
a hipótese de que só é possível comprar se os pais tiverem dinheiro, ou
seja, para algumas crianças, nem sempre o dinheiro está disponível a
qualquer tempo.
YAS (5;3) traz também a condição do trabalho para se ter
dinheiro, mas como se o trabalho já fosse uma fonte suficiente para se ter
muito dinheiro e consequentemente muitas bonecas: “é só falar pra mãe
396
arranjar dinheiro e emprego que ai se ela arranjar emprego ela vai trabalhar
e vai ter um montão de dinheiro pra comprar um montão de boneca pra
menina”.
As respostas das crianças em torno da condição de obediência em
troca da compra do brinquedo aparecem nas respostas de AJA (5;3) e MIR
(5;2) e também revelam o uso da barganha para premiar as crianças que
fazem seus afazeres, reforçando o comportamento da criança que já tem
uma tendência heterônoma.
A única criança que apontou o não comprar como solução diz que
elas devem brincar com o brinquedo que já possuem e esperar o momento
de ganhar a boneca:
Se ela tem um monte de Barbie porque será ela quer mais uma? Então eu
não sei. Brinca com aquelas que ela já tem. Você daria esse conselho?
Ah, eu tenho até a Barbie sereia e a fada, mas é que eu só tenho essas duas
e não choro que eu quero outra. Ela não precisa chorar? Mesmo se tiver
três ou dez sem ser da fada ou da sereia eu não choro. Por que você não
chora? Porque sempre que demora o meu aniversario eu não reclamo tenho
que esperar pra minha mãe comprar. (RAF, 5;7).
As crianças que apontam como solução a doação de seus
brinquedos mostram um sentimento de empatia, retirando parte de seus
brinquedos ou pedindo para seus pais a compra do brinquedo para doar,
como vemos nos exemplos abaixo:
397
Eu pegava um Hot Wheels e dava para ele, do meu saco de brinquedo.
(MAT, 5;9).
O que você acha disso? Eu tenho duas Barbies. Como você resolveria
essa situação? Se a minha mãe comprasse para a minha amiguinha se ela
fosse minha vizinha eu ia trazer para ela. Você ia emprestar para ela? Eu
ia dar para ela. Ela ia ficar com 31 Barbies? É. E você com duas?
Balançou a cabeça afirmando positivamente. Tudo bem? Não tem
problema que ela fica com um monte e você com um pouquinho?
Balançou a cabeça confirmando (SOF, 5;7).
Com exceção da resposta de uma única criança que não aponta
para que seja comprado o brinquedo, vemos que 95% das respostas
apontam para que a criança tenha a posse do brinquedo, seja por imposição
de condição para a compra ou pela doação de outro. Não é nenhum
problema acumular brinquedos, o que é apontado em alguns excertos
como algo necessário para não se entediar e enjoar com os poucos
brinquedos possuídos.
É fundamental o papel das instituições educativas de buscar
elaborar um planejamento para que as crianças possam desenvolver
habilidades para o brincar criativo, menos dependentes de brinquedos
prontos e mais articulados à criação de brincadeiras livres. Em sua maioria,
as crianças entrevistadas não enxergaram alternativas que não a posse do
brinquedo. Torna-se, portanto, um desafio àqueles que educam a infância
promover mais experiências livres da conformidade e da reatividade. Linn
(2010, p. 65) defende que é pelo brincar criativo que construiremos o
pensamento divergente e que desenvolveremos a capacidade de expandir
horizontes, “[...] imaginando ideias e soluções não convencionais para os
problemas. O pensamento divergente é uma ameaça ao totalitarismo”.
398
C) Destino do brinquedo acumulado
O objetivo dessa pergunta é conhecer as ideias que as crianças
tinham acerca do brinquedo que se acumula e o destino que daria a ele:
“quando você não quer mais um brinquedo você faz o que com ele? Entre
as respostas, encontramos as seguintes categorias:
Tabela 40Destino dos brinquedos quando não querem mais
Ações possíveis
Ocorrências
Percentual (%)
Doar
14
60,86
Guardar
3
13
Jogar fora
3
13
Doar ou jogar
1
4,34
Brincar com outro
1
4,34
Não sabe
1
4,34
Total
23
100
Fonte: Dados da pesquisa
Como se vê, 60,86% das respostas aponta para a doação como
alternativa para um brinquedo que não se usa. Representa um número
positivo frente aos acúmulos e excessos que encontramos em uma
sociedade de consumo, contudo, se pensarmos na questão anterior
explicitada sobre a criança que quer mais brinquedos, mesmo já possuindo
muitos, percebe-se que não há muita coerência, pois a criança não faz essa
relação mais complexa entre doar quando se tem muito. Outro fator que
aparece entre as doações é a autorização ou pedido dos pais para que façam
isso, revelando a sua moral heterônoma. Entre as 14 crianças que
responderam que doariam, três responderam posteriormente que nunca
doaram, comprovando que possam estar apenas reproduzindo um discurso
399
do que os pais desejam que elas façam, como vemos no exemplo da
resposta de NIC (5;6):
Quando você não quer mais um brinquedo você faz o que com ele?
Eu doo para outras crianças sem brinquedo, se a minha mãe quiser e se eu
quiser. Você pede para sua mãe para doar, ou ela que fala para você
doar? Ela que fala, só que ela não doa. Ela não doa? (Gesticula que não).
Eu tenho um homem aranha só que ele está quebrado. A perna dele fica
saindo se bater muito forte. Você já doou algum brinquedo? Não, é
porque a minha mãe não quer doar, ela está jogando todos os brinquedos
quebrados no lixo. Ah? Ela está jogando os brinquedos quebrados por
quê? Não dá pra brincar. Mas e se não tivesse quebrado e você não
quisesse mais brincar, o que faria? Doo. Mas você já doou? É que eu
tenho que pensar se eu doo, se não eu doo e depois eu quero tomar de volta.
Quanto aos motivos, as crianças que alegam doar os brinquedos
porque não os querem mais repetem o conteúdo da própria pergunta,
como vemos no exemplo a seguir:
Quando você não quer mais um brinquedo você faz o que com ele?
É eu dou para uma pessoa. Você já doou? Não, lá em casa tem um
pouquinho novinho e um pouquinho quebrado. Você já deu algum
brinquedo? Eu dei um bonequinho do homem aranha que eu não gostava.
Pra quem? Pra minha amiguinha. E por quê? Porque eu não queria mais
o brinquedo. (ENB, 5;9).
Ainda quanto aos motivos, algumas crianças trouxeram em suas
respostas o fato de muitas não possuírem um pai que tenha dinheiro para
comprar o objeto para o filho. Tal pensamento já mostra a percepção das
400
diferenças entre classes sociais e revela a ideia de que ser pobre é não ter
dinheiro (DELVAL & DENEGRI, 2002). Consideram que há pessoas
que não possuem brinquedos porque existe uma diferença social entre
quem tem e quem não tem o brinquedo. Essa relação é diretamente
proporcional à posse do brinquedo, pois quem tem o dinheiro
consequentemente consegue o brinquedo.
Quando você não quer mais um brinquedo você faz o que com ele?
Deixo guardado, é porque se eu precisar dele eu posso usar ele. Vamos
imaginar que você deixou guardado um tempão e não o usou, e que
você nem gosta mais de brincar com esse brinquedo. O que você faz?
Eu já fiz isso uma vez, só que depois eu gostei de saber por quê, sabe, eu
tinha uma bicicleta, quando eu fui viajar eu voltei e fiquei triste, porque
a bicicleta perdeu as rodas. Como ela perdeu as rodas? Sei lá... Quando
eu voltei, meu irmão me fala: Sua bicicleta quebrou!!! Mas vamos
imaginar que você enjoou de um brinquedo. Nem quero imaginar.
Imaginou? O que você faz com ele? Ah Já sei! Dou para outra criança
porque quando eu não usava minha mochila do zoo, sabe o que aconteceu
eu dei para uma criança que não tinha pai, não mas que tinha pai, mas o
pai não tinha dinheiro para comprar mochila para ir para escola. (IQE,
5;5).
Quando você não quer mais um brinquedo você faz o que com ele? Ai
tem que esperar papai ganhar um dinheirinho e aí compra. E quando
você não quer mais já enjoou? Ai quando eu não quero mais que eu já
brinquei com ele ai eu coloco no saco e dou pra outra criança que está
pobre. Você já deu algum? Sim um trator e um carrinho só. Pra quem?
Pra uma criança que o papaizinho está pobre. Mas se o papaizinho estiver
certo ai não pode dar mais brinquedo pra criança, porque o papai está com
dinheiro. Entendi. Você só dá se o papaizinho está pobre? É. (MIV,
5;2).
401
Quando você não quer mais um brinquedo você faz o que com ele? Eu
duo ele para outra pessoa. Você doa? É, quando eu não quero mais os meus
brinquedos que tá velho eu falo para minha mãe doar. É e para quem que
você doa? Ué, porque eu quero que as outras crianças sejam feliz. E aí eu
guardo numa caixa e ai eu faço uma barraquinha de doações. Onde fica
essa barraquinha de doações? Não! Eu faço essa barraquinha perto da
minha casa aí as crianças que querem os outros brinquedos, que eu não
quero mais aí eu dou p’a elas. E como você fica quando você doa? Eu
fico feliz. E as crianças? Elas ficam feliz também. E por que você faz isso?
Por eu sou uma boa pessoa. (PED, 5;10).
As crianças que responderam que jogam fora os brinquedos que
não querem mais alegam que os itens estão velhos, considerando talvez o
tempo do brinquedo como único aspecto na situação. Elas não consideram
a possível funcionalidade do brinquedo ou outras possibilidades que possa
haver para a situação, além de jogar o objeto como uma solução imediata
ao questionamento que lhe foi feito, pela a incapacidade de analisar todas
as possíveis alternativas e variáveis de uma situação e centrar-se em um
único aspecto, devido ao seu pensamento egocêntrico.
Quando você não quer mais um brinquedo você faz o que com ele? Eu
guardo. Mas e aí quando você não quer mais esse brinquedo e ficou lá
guardado, guardado, passou um tempo e você não quer mais ele o que
você faz com ele? Eu jogo fora. Por quê? Porque o que está velho tem que
jogar fora. (PEH, 5;6).
No exemplo a seguir, guarda-se o brinquedo para posteridade, pois
pode ser que a criança venha a gostar novamente e depois verificar se vai
doar:
402
Quando você não quer mais um brinquedo o que faz com ele? Brinco.
Mas e quando você não quer mais ele? Eu já tenho muitos brinquedos.
Mas tem um deles que você não gosta mais dele, você não quer mais,
o que você faz? Eu guardo ele para quando tiver com seis anos. E se
quando você tiver seis anos não quiser mais ele? Se eu tiver com seis anos
dou para meu irmãozinho que já fez três anos. (JOQ, 5;11)
D) Brincar X Sair para comprar
A pergunta do eixo temático Brincar x Sair para comprar (Você
prefere brincar ou sair para comprar no centro da cidade? Por quê?) tem
por objetivo conhecer os desejos infantis e os motivos que alegariam diante
de suas escolhas.
Tabela 41Preferência por brincar ou sair para comprar
Escolhas
Ocorrências
Percentual (%)
Sair para comprar
12
52,17
Brincar
11
47,81
Total
23
100
Fonte: Dados da pesquisa
Vimos que por uma pequena diferença, 52,17% optam por sair
para comprar e apresentam o desejo de brincar em segundo plano -
lembrando que as crianças não possuem poder aquisitivo para compras
nessa idade e tampouco condições para saírem sozinhas a efetuarem suas
compras. Portanto, devemos considerar o papel do adulto nesse
importante processo de formação de hábitos e valores.
As saídas para comprar têm um objetivo para as crianças: comprar
brinquedos novos e guloseimas, como se vê nos exemplos abaixo:
403
Você prefere brincar ou sair para comprar no centro da cidade? Passear.
Passear, como é passear? Andar comprar coisas divertidas e comer
coisinhas gostosas. É? Quais são as coisas divertidas que você gosta de
comprar? Brinquedos. E as coisas gostosas que você gosta de comer?
Churros. (NIC, 5;6).
Você prefere brincar ou sair para comprar no centro da cidade? Por
quê?
Sair. Por que eu gosto de um monte de brinquedo que eu vejo lá na cidade.
Quais você gosta? Do Bumblebee (Transformers), do Otimus Prime
(Transformers), do Pikachu e do Sonic. Onde estão esses brinquedos?
na cidade. Mas na cidade ficam onde esses brinquedos? Numa loja. E
você os compra ou você vai lá e fica olhando para eles. Eu compro eles.
Toda vez que você vai lá na cidade você compra? Não. Às vezes. E por
que você gosta muito de comprar? Por que é legal. (VIC, 5;3).
Me diga, você prefere brincar ou sair para fazer compras? Sair pra fazer
compras. Por que tem aquele Kinder ovo que tem chocolate brinquedinho.
Você gosta mais do chocolate ou do brinquedinho? Dos dois. Quando
você sai sempre compra Kinder ovo? É um Kinder, não tem aquelas
bolinhas de chocolate ai a hora que eu vou com meu pai ele sempre fala
assim você quer uma coisa? Um ioiô? Ai eu falo eu quero um Kinder.
(MIK, 5;1).
Pelo relato de MIK (5;1), percebemos a influência dos personagens
e alimentos associados a brinquedos. Segundo a Resolução 163 do
Conanda de 2014, em seu artigo 2º, é considerada abusiva a prática de
comunicação mercadológica para persuadir ao consumo; quando se
utilizam bonecos para a venda de alimento. O caso aqui é um chocolate,
mas há ainda muitos outros produtos que utilizam de recursos persuasivos
para seduzir a criança ao consumo.
Schor (2009) nos alerta acerca da brinquedorização, a estratégia de
marketing utilizada para atingir o público infantil quando transforma
404
qualquer item de consumo em brinquedos. A brinquedorização implica
desde estampar personagens licenciados a produtos e embalagens (Band-
Aid, comprimidos de vitaminas, maçãs, salgadinhos, canecas, roupas,
calçados, mochila e assim infinitamente) a associar os combos de produtos
propriamente a brinquedos, como no caso do Kinder Ovo.
Ainda de acordo com Schor (2009) temos que nos preocupar com
os excessos da brinquedorização em que todo e qualquer item se torna
brinquedo, causando uma sobrecarga de estímulos excitantes e inibição
sobre o imaginário da criança, desobrigando a criança a de imaginar
possibilidades, imagens e formas de brincar, assim como, influenciadas
pelo excesso de estímulos intensos, impactam a excitação intensa minando
o bem estar e a possibilidade da capacidade própria da criança em admirar
o cotidiano, atrelando-a sempre a necessidade da presença do personagem,
do elemento extraordinário.
Entre as respostas que elegeram como preferência o brincar,
destacamos as que trazem como motivo o ato de brincar como algo muito
divertido. As crianças chegam a utilizar comparações para expressar o grau
da diversão. No diálogo com IQE (5;5), há o fator falta do dinheiro como
algo que define sua opção pelo brincar:
Você prefere brincar ou sair para comprar no centro da cidade? Prefiro
brincar do que (sic) comprar, se eu não tivesse dinheiro eu não conseguia
nem comprar nada. Por que você prefere brincar? Porque brincar é
divertido. Como é ser divertido? É ser legal ué, a brincadeira que estão
fazendo. Quais brincadeiras que você acha divertida? Do dragão. Eu
gosto muito de dragões. Como é mesmo ser divertido? É bom ué, é como
banhar na piscina. (IQE, 5;5).
405
Você prefere brincar ou sair para comprar no centro da cidade? Por
quê? Brincar e comprar os brinquedo legal (sic). Eu tenho um robô que
quebrou. Quebrou? É o braço dele perdeu. Mas olha tem uma coisa que
você deve gostar mais, brincar ou sair para fazer compras no centro da
cidade? Brincar. Por quê? Porque brincar carrega a minha diversão.
Carrega sua diversão, então como é ficar divertido? É como sentir que
você está no céu brincando. (JED, 5;6).
As respostas comprovam que a maioria que aponta a preferência
pelo comprar a passear não leva em conta que é necessário ter dinheiro,
portanto, desconsideraram o fator escassez, com exceção dos diálogos
abaixo:
Você prefere brincar ou sair para comprar no centro da cidade?
Eu compro, mas minha mãe não tem muito dinheiro. Quando minha mãe
não tem mais dinheiro, ai haa eu não sei... depois, quando ela tem, ai a
gente vai na casa da minha avo e compra muitas coisas lá. (VIH, 5;9).
Você prefere brincar ou sair para comprar no centro da cidade? Ué, às
vezes que eu quero sair para comprar as coisas que eu não tenho eu saio,
mas às vezes que eu quero ficar em casa brincando com meus brinquedos
eu fico. E qual você gosta mais? De comprar. Por quê? Porque é legal.
Você vai numa loja tudo o que você querer e sua mãe deixar, a sua mãe
compra, né. Então, um carrinho de controle remoto, um avião, ou um
tambor ou até mesmo um carro de corrida, a sua mãe compra se for
baratinho, mas se for caro não dá. Então a mamãe pode comprar todos os
brinquedos que forem baratinho (sic) e se for caro não dá. Não dá. E por
que não dá? Porque é muito dinheiro, é muito dinheiro e aí não vai sobrar
nada para comprar as coisas do filho, para cortar o cabelo. Agora eu
entendi. Baratinho dá, custa pouco dinheiro. Então pode comprar
muitas coisas se for baratinho? Pode. (PED, 5;10).
406
A resposta de PED (5;10) remete a 2 (dois) elementos
interessantes. O primeiro é o fato da autorização da mãe e o baixo preço
como condição para comprar: “você vai numa loja, tudo o que você querer
e sua mãe deixar, a sua mãe compra, né”, “Baratinho dá, custa pouco
dinheiro
”. O outro elemento é considerar as outras necessidades do filho e
não gastar muito dinheiro com brinquedos: “porque é muito dinheiro, é
muito dinheiro, e aí não vai sobrar nada para comprar as coisas do filho,
para cortar o cabelo”.
La Taille (2008) chama-nos a atenção para o problema que o
consumo gera quando se trata de crianças pobres que muitas vezes são
seduzidas pela publicidade aplicada ao produto de venda. Em análise a uma
legislação Projeto de Lei (PL) 5.921/2001 (BRASIL, 2001), que dispõe
sobre a publicidade de produtos e serviços dirigidos à criança e ao
adolescente e que continua no papel até a atualidade, ele salienta dois
problemas ligados ao consumo na infância: a frustração da criança pelo não
recebimento do brinquedo e a falta de critério dos pais no ato da compra,
que escolhem objetos veiculados pelas propagandas ao invés de gastarem
com coisas mais úteis que podem contribuir para a saúde e o
desenvolvimento dos filhos. O essencial para o consumo na infância (livros
e alimentos saudáveis, por exemplo) é deixado de lado a favor de aparelhos
eletrônicos, brinquedos caros e roupas de grife, entre outros.
No exemplo de PED (5;10), revela-se uma preocupação da criança
quanto aos possíveis gastos familiares. Quanto a esse exemplo, Linn (2006,
p. 56-57) afirma que:
Os pais podem acostumar mal as crianças cedendo a cada pedido, ou
podem prejudicar suas finanças ao comprar mais do que realmente
podem. O conflito a respeito de artigos anunciados para as crianças é
uma das causas de stress familiar.
407
Tal afirmação vai ao encontro da defesa da educação para o
consumo e a socialização econômica defendida por Denegri (2005 a,
2005c).
E) Personagens midiáticos nos artefatos infantis
Neste eixo temático, o objetivo é investigar se personagens de
desenhos animados ou produtos exibidos na TV, estampados em artefatos
infantis como brinquedos e roupas, estão presentes na vida dos sujeitos
participantes da pesquisa e se isso tem um peso no momento das escolhas
de compra. Verifica-se também se a presença do personagem incita o
desejo para que se tenha o produto. As perguntas realizadas para atingir
tais objetivos foram: “você tem algum brinquedo em casa de personagens
que passam na TV? E roupas? E Sapatos? Outros objetos que tenham
personagens que passam na TV? Tem alguma coisa que passa que vo
gostaria de ter? Por quê? Você tem mochila? Como é a sua mochila? Eu
vou te mostrar algumas mochilas. Imagine que você precisa comprar uma
mochila. Entre essas duas que estou lhe mostrando qual você
escolheria/não escolheria e por quê?
As respostas relativas à pergunta sobre os brinquedos que passam
na TV revelaram que 82,60% das crianças possuem brinquedos
midiáticos, conforme apresentado na tabela a seguir:
408
Tabela 42 – Posse de brinquedos com personagens que passam na TV
Categoria
Ocorrências
Frequência (%)
Sim
19
82,60
Não
2
8,69
Outros
2
8,69
Total
23
100
Fonte: Dados da pesquisa
As declarações acerca de possuírem brinquedos com personagens
midiáticos mostraram que predominam entre os meninos bonecos de
super-heróis, e entre as meninas, bonecas/ acessórios ligados a filmes de
princesas e desenhos. Esses dados nos remetem as muitas reflexões, sendo
a primeira delas a questão do gênero e dos brinquedos.
Como já apontamos, de acordo com Brougeré (2004), há uma
cultura lúdica sexuada que se constrói mais ou menos reforçada pelas
pessoas e pelo ambiente que nos cercam. O autor utiliza a expressão “mais
ou menos” porque vê a criança como ser ativo, que não recebe essa cultura
pronta, mas que com ela interage e dela participa:
A cultura lúdica é masculina (feminina) porque a criança é menino
(menina) e quer mostrar que ele (ela) é isso; porque é percebido (a)
como um menino (uma menina) e agem com ele (ela) em consequência
disso; porque ele (ela) recebe objetos destinados aos meninos (meninas)
[...]
Não basta modificar um fator para mudar profundamente a cultura
lúdica. Por exemplo, possuir um brinquedo do outro sexo não leva a
brincar como o outro sexo. É porque se trata de uma complexa
produção cultural ligada a construção da personalidade da criança no
âmbito da socialização, que a experiência lúdica é ao mesmo tempo
arbitrária e suscetível de diferenças e mudanças. Ela é também o lugar
409
de uma distinção forte segundo o sexo, ainda mais forte porque não
resulta de um único fator que bastaria ser modificado para transformar
o caráter sexuado das experiências lúdicas. É uma sucessão complexa
de interações, de interiorizações e de interpretações das experiências
vividas que constrói essa diferença, que a criança não recebe pronta e
de cuja produção ela participa (BROUGÈRE, 2004, p. 301-302).
Quadro 12Brinquedos declarados pelas meninas que possuem personagens
midiáticos
Brinquedos
Ocorrências
Barbie
2
Acessórios da Barbie (carro)
1
Frozen (Ana e Elsa)
1
Caçador e Branca de Neve
1
Monster High
2
Patrick Do Bob Esponja
1
Peppa Pig (família)
1
Acessórios da Peppa Pig
1
Doutora Brinquedos
1
Mika
1
Loro José
1
Polly
1
Acessórios da Poli
1
Boneca Chiquititas
1
Boneca Maria (Carinha de Anjo)
1
Fonte: Dados da pesquisa
410
Quadro 13 – Brinquedos declarados pelos meninos que possuem personagens
midiáticos
Brinquedos
Ocorrências
Tartarugas Ninjas (Rafael, Donatello, Michelangelo
Leonardo)
2
Max Steel
3
Homem Aranha
5
Batman
6
Flash
1
Capitão Arica
2
Woody e Jessie Toy Story
1
Homem Meleca
1
Super Choque
1
Transformes (Optimus Prime, Bumblebee)
2
Zumbi
1
Star Wars
1
Homem de Ferro
3
Smurf
1
Patrulha canina
1
Little Poney
1
O esquilo
1
Sr. Incrível
1
Falcão
1
Fonte: Dados da pesquisa
A segunda questão que os dados nos propõem é que os brinquedos
foram apontados pelas crianças que estão em período de desenvolvimento,
quando se constroem as representações simbólicas e elas encontram eco
nos personagens de filmes infantis, que materializados em bonecos
animados, ganham vida, falas e movimentos. Bonecas, bonecos, animais e
411
robôs se misturam com seu universo real externo e interno, sustentado por
características animistas do pensamento.
Segundo Brougére (2004, p. 324), os fabricantes de brinquedos se
apoiam no “[...] conhecimento das lógicas das brincadeiras e da vida social
das crianças”. Para o autor, as crianças influenciam os fabricantes que as
influenciam, formando uma cadeia de relação.
O terceiro ponto que podemos refletir acerca do conhecimento
social é que a posse ou não dos brinquedos de origem midiática representa
um capital simbólico de um universo compartilhado pelas crianças. Elas
conversam entre si sobre os personagens, trocam informações sobre aquilo
que veem na TV e aquilo que têm, dizendo os nomes dos personagens,
seus pertences e até suas falas. Nesta pesquisa, observou-se que há uma
apropriação de uma cultura midiática.
De acordo com a pergunta referente à escolha das mochilas, as
crianças tinham que optar pelas opções: figura 1 mochila com
personagens infantis (da Frozen ou Minecraft) (ver Quadros 7 e 8) ou figura
2 mochila Rosa ou Azul (ver Quadros 7 e 8), sendo possível assim analisar
o motivo de suas escolhas:
Tabela 43 – Escolha de mochila com ou sem personagem
Mochilas
Ocorrências
Percentual (%)
Com personagem (fig. 1)
20
86
Sem personagem (fig. 2)
3 14
Total
23
100
Fonte: Dados da pesquisa
Os dados revelam que 86% das escolhas das crianças pelas mochilas
são pautadas em personagens e não levam em consideração somente a
412
funcionalidade do objeto. Como já afirmamos na presente tese, de acordo
com Delval (2002), aquilo que é mais visível e aparente se sobressai entre
as crianças pequenas devido ao seu realismo ingênuo, como os personagens
em questão, que lhes saltam aos olhos. Moura, Viana e Loyola (2013), do
mesmo modo, afirmam que o raciocínio da criança dessa faixa etária é
baseado na percepção imediata por pensarem intuitivamente e
considerarem muito mais a aparência do objeto e suas experiências do que
outros conteúdos propriamente ditos.
A escolha de personagens do jogo Minecraft foi justificada pelas
crianças por gostarem dos personagens e já lhes serem familiares por meio
da televisão, celular e canal no YouTube, confirmando o papel da mídia e
da indústria de artefatos direcionados ao público infantil, que interfere nos
desejos e nas compras. Todas as crianças que escolheram a mochila já
tinham informações sobre o Minecraft e deram detalhes sobre ele. Vejamos
os excertos abaixo:
Por que você escolhe essa? Que essa é do Minecraft, só que eu já assisti no
YouTube, que eu gosto. Você assiste onde? No YouTube na minha casa.
Tem desenho? Tem. E essa outra, por que não? Porque não tem desenho
do Minicraft e porque não tem a foto do Minecraft aqui, por isso gosto
dessa. (MIV, 5;2).
Eu escolho do Minecraft, porque eu gosto dele, eu tenho no meu celular
meu amiguinho baixou, eu não sei como abaixou - Você tem um celular?
Tenho ele não é de botão é de dedo e é só meu. Quem te deu? Meu pai
comprou, cada um tem o seu, meu pai o dele, minha a mãe o dela e eu o
meu. E a mochila? Porque é bonita e legal. Por quê? Porque dá pra por
um copo um caderno. E essa também dá pra colocar? Porque eu gostei da
foto dele. (ENB, 5;9).
413
Eu vou escolher desta. Por quê? Tem brinquedo dentro. Como chama
esse brinquedo? Matador de Zumbi, o nome dele é Steve. De onde você
conhece esse? Eu conheço ele e o brinquedinho da televisão. Já brincou
com esse brinquedinho? Eu brinquei com um brinquedinho que eu
brinco, que é matador de Zumbi. (MAT, 5;9).
Para os sujeitos participantes do sexo feminino, as escolhas da
mochila com imagem dos personagens Ana, Elsa, Olaf, Kristtoff de
Frozen”, filme longa metragem da Disney, foram justificadas pela
afetividade aos personagens (“por ser legal, por ser bonitinha”), sinalizando
também intimidade com os personagens via DVD:
Porque a Frozen é mais legal e dá para assistir Frozen também, eu tenho
o DVD. (AJA, 5;3).
Da Frozen. Porque eu nunca tinha a bolsa dela. Porque eu já assisti o
desenho dela duas vezes. A minha mãe comprou o DVD dela aí o meu
irmão jogou fora. Ela é bonitinha. (ANA, 5;7).
Por que ela tem a Ana, o Sven, o Olaf e a Elsa. Porque tem a Elsa e ela
canta a música “a neve branca brilhando no chão” Por que você gosta?
Porque quando ela fica presa ela é muito má, ai quando ela era feliz ela
quer brincar com a Irmã dela e ela congela tuuuudoo que a Irmã dela
grita. (MIK, 5;1).
O relato das crianças (AJA, ANA e MIK) acima, nos remete a
refletir mais uma vez sobre como a indústria da propaganda utiliza-se de
diferentes estratégias para a venda de produtos infantis. De acordo com
dados históricos da pesquisa de Schor (2009), havia um mecanismo no
início dos anos pós-guerra que eram chamados de propaganda modelo do
porteiro, em que para atingir o consumidor infantil, era preciso uma
aliança com os pais, os marqueteiros tinham que convencer os pais sobre
414
os benefícios do produto, para que comprassem os produtos. Hoje, apesar
de em algumas situações os publicitários ainda recorrerem ao modelo
porteiro (gatekeeper model, aquele que vai mediar o acesso do produto entre
as pessoas) ocorre o contrário, são as crianças, influenciadas por
marqueteiros, que convencem os pais a comprarem o produto. Há uma
ação direta da publicidade que atinge as crianças, muitas vezes sem a
presença dos pais, por exemplo, quando assistem televisão, acessam
celulares e computadores, ou mesmo se comunicam com outras crianças já
seduzidas pela cultura do consumo.
Os exemplos de MIR (5;11) e YAS (5;3) a seguir trazem a dúvida
ao escolher o produto a ser consumido, prevalecendo a força da moral
heterônoma na criança, que ressalta o dever sobre o querer:
Essa (apontou a Mochila rosa sem personagem). Por quê? Porque sim
eu gosto e a gente fala para mãe e ela compra. E essa daqui (da Frozen)
por que você não escolhe? Porque eu sou testemunha de Jeová e não posso
assistir televisão. Na sua igreja eles falam que não pode assistir? Não
pode. Se a igreja falasse que você pode comprar (da Frozen) qual dessas
mochilas você escolheria? Aponta a rosa ainda. Hum. Você escolheria a
rosa? Até que eu queria a da Frozen porque a bolsa pode, só o que não
pode é assistir.
Mas eu deveria mais essa. Você deveria mais essa? Ela é bonita também.
Por que você gostou dessa (sem personagem)? A da Frozen é legal, e essa
também é. Porque quando eu falei pra minha mãe comprar a da Frozen
ela era cara e a outra mais barata. (YAS, 5;3).
Por outro lado, se pensarmos em termos de socialização econômica
(DENEGRI et al., 2005), as crianças que tiveram a experiência de escolher
outro produto que cumpre a mesma função de carregar objetos, podem ter
415
a chance de não aderirem aos apelos publicitários pela instrução e
direcionamento dos pais.
Objetos com personagens geralmente são mais caros porque
carregam muito mais que apenas um produto, mas um valor, um símbolo
cultural. Como dizem Momo e Costa (2010), são ícones infantis
mercantilizados que constituem o valor dos artefatos.
A cada novo lançamento de filme, de desenhos na TV ou canal de
Youtube, novos personagens tornam-se portadores para o consumo. De
acordo com Schor (2009), esse processo para a aliança entre o consumo e
programas infantis, nasce na década de 1960, com o advento da televisão
e programas infantis, patrocinados pelas empresas que produziam também
produtos. “[...] A programação das manhãs de sábado, também começou
durante essa época, e a fabricante de alimentos Kellog´s criou seus
personagens clássicos: Tony - O tigre e Trix - O coelho, para vender
cereais” (SCHOR, 2009, p. 34).
A autora nos assevera que as crianças norte-americanas de um ano
de idade já assistem a programação dita especial para elas e experimenta a
comida de seus anunciantes como por exemplo: Burguer King e Mc
Donald´s. Schor (2009) nos diz que com 18 meses a criança é capaz de
reconhecer logotipos e até completar dois anos, solicita os produtos de
desejo e especifica suas marcas. Com 3 anos e meio, as crianças já
manifestam suas crenças sobre as vantagens que as marcas supostamente
lhes trazem e lhes comunicam como por exemplo o valor de ser forte, fazer
sucesso, serem espertas. No que tange ao uso da televisão, em idade pré-
escolar, já é superior a duas horas diárias e aponta que 25% das crianças
possuem televisão no quarto. Os números ainda aumentam quanto mais a
criança cresce: crianças entre 8 (oito) a 13 (treze) anos chegam a assistir
mais de três horas e meia de televisão diária. Aponta também que uma
criança no seu primeiro ano do ensino fundamental (equiparando ao
416
Brasil) já reconhece cerca de duzentas marcas e ganha em torno de 70
brinquedos ao ano, que em geral são brinquedos e objetos vinculados à
mídia.
Infelizmente vemos a hipervunerabilidade da infância sendo cada
vez mais explorada pela publicidade. Ao consumir, a criança não traz a
criticidade em seu bojo e não é capaz de filtrar aquilo que lhe chega pelos
meios midiáticos ou mesmo pelas informações recebidas pelo outro, sendo
assim, a própria construção da representação da realidade ficará
comprometida. Para o ideal de sociedade de consumo, Bauman (2013) nos
diz que as crianças não estão sendo poupadas do dever de desempenhar o
papel de consumidor e são modeladas como indivíduos que devem ter
desejos e vontades de consumir, e não como crianças que devem aprender
o papel de ser um cidadão crítico e reflexivo.
F) Apreciação musical da criança e mídia
A pergunta pertencente a este eixo (“quais músicas você gosta de
ouvir em casa? Por quê? E na escola?”) tem como objetivo conhecer as
apreciações musicais das crianças e se elas são ou não influenciadas pela
mídia, conforme suas declarações. Em geral, as crianças não apontaram um
único gênero ou música. Vejamos a tabela abaixo:
417
Tabela 44Tipos de músicas que as crianças apreciam em casa
Itens
Ocorrências
Percentual (%)
Gênero popular Funk
8
15,38
Gênero popular Sertanejo
3
5,76
Rock
4
7,69
Religiosas
3
5,76
Música de desenho animado
27
51,92
Outros
7
13,44
Total
52
100
Fonte: Dados da pesquisa
As respostas apresentadas pelas crianças revelam a grande
influência dos desenhos animados na formação de seu repertório musical,
com 51,92 % dos apontamentos. Os desenhos citados foram Barbie,
Frozen, Hot Wheels, Ladybug, Monster High, Capitão América, Homem
Aranha, Peppa, Vingadores, Ben 10 e Shrek. Assim, vê-se que os desenhos
animados estão presentes além dos produtos físicos, nas músicas que
acompanham a vida das crianças.
Quais músicas você gosta de ouvir em casa? Do Hot Wheels. Tem mais
algumas outras? Funk. Hum, as que fala (sic) dos robôs humanos. Você
se lembra de mais alguma? Posso cantar a música do Hot Wheels? Pode:
“Hot Wheels eu já comprei, é legal, porque eu brinco toda hora que eu
quiser, a minha mãe deixa eu brincar a hora que eu quiser, ta, ta, ta....
Você inventou essa música? Não. Onde passa? Eu sei, na televisão... Por
que você gosta dessa música? Porque ela carrega a diversão, um pouco ela
carrega não tanto quanto os brinquedos. O que é carregar na diversão? É
divertir. (JED, 5;6).
Quais músicas que você gosta de ouvir em sua casa? Da Barbie. Sim, a
música que minha mãe passa no DVD dela. A Barbie que é voadora que
ela quer cantar a música dela do DVD das crianças. Você ouve música
418
que toca no rádio? Sim. Quais são? Eu vou abrir o meu coração”. Quem
canta? O rádio. Você sabe o cantor? A minha mãe foi lá na minha irmã
e ela não conhece aquela música que eu cantei da igreja. E também do
DVD da Ana da Elsa e do Olaf. Por que você gosta? Porque elas são
demais a Ana é linda a Elsa também. Eu queria ser a Elsa, mas minha
irmã não deixa quando minha irmã não é a Elsa ela fica triste. (AJA, 5;3).
Quais músicas você gosta de ouvir em casa? Do Rock. E como é essa
música? Não sei. Gosta de mais alguma? Eu gosto de música do Homem
Aranha. E como é? Eu não sei também eu não sei as duas. Elas são
diferentes as músicas, e eu não sei como canta. E onde você ouve? Lá na
minha casa. Quando você ouve? Quando eu coloco o desenho e começa a
cantar. E tem dos vingadores também, eu sei cantar as dos vingadores
(cantou um pedaço) Por que você gosta de cantar essas músicas? Porque
são legais é por que eu gosto de assistir filme dos vingadores do Ben 10 e do
Homem Aranha. (MIV, 5;2).
Os dados apresentados nas categorias anteriores mostram que as
crianças brincam, compram e imitam personagens, todavia, as respostas a
essas questões também indicam que elas assistem, dançam e cantam
impulsionadas por eles. As músicas citadas como preferidas e vinculadas a
personagens midiáticos atendem à comunicação de um produto; a uma
forma mais intensa de reforçar o gosto pelos personagens ou pelos
brinquedos envolvidos. Conforme os Referenciais Curriculares Nacionais
(BRASIL, 1998, p. 64), um dos conteúdos do apreciar musical é a “[...]
escuta de obras musicais de diversos gêneros, estilos, épocas e culturas, da
produção musical brasileira e de outros povos e países”. Portanto, as
crianças devem ter oportunidades diversas para formar o seu repertório
musical que, pelos dados aqui apresentados, parecem estar limitados ao
que lhes são oferecidos pela TV. De acordo com a Nova Base Curricular
para a Educação Infantil (BRASIL, 2017), é também objetivo de
aprendizagem dentro do campo de experiência estimular traços, sons, cores
419
e formas, a apreciação musical, a dança e outras manifestações artísticas.
Logo, conhecer a diversidade e a riqueza da musicalidade é um trabalho
importante com a qual a educação infantil pode contribuir.
O gênero popular funk aparece em segundo lugar na preferência
das crianças, com 15,38 %. Vejamos o que dizem as crianças sobre as
músicas:
Quais músicas você gosta de ouvir em casa? Eu ouço Cristiano Araújo e
Mc Pedrinho. Por que você gosta deles? Porque eles são bonitos e legais.
O que falam as músicas? A música? Eles cantam bara, bara e mc
Pedrinho canta uma música de apaixonado. O Mc Pedrinho canta o quê?
Ele canta uma música assim: quero te encontrar, e te beijar assim. (ENB,
5;9).
Por que você gosta dessa música? Porque tem homem. Tem homem? O
que ele faz esse homem? Ele canta. Então canta para mim. Eu tenho
vergonha. Por que tem vergonha? O que diz a música? Ela fala coisa
feia. Ela fala coisa feia? Só na minha casa que eu gosto de cantar. (MIG,
5;5).
O outro gênero mais apreciado entre as crianças foi o rock:
Quais músicas você gosta de ouvir em casa? Do isso. A criança canta em
seguida: Isso que acontece com acontece com gente, sempre acontece com
algum casal, derrubou o muro e invadiu nosso quintal. Quem canta? É
música, mas eu não sei quem canta (Isso - Titãs). Porque você gosta dessa
música Isso? Ah porque fala dessa coisa de muro e quintal que fala. Quais
outras que você gosta? Rock’n’roll. Eu ouço no celular da minha mãe. No
carro do meu pai canta rock. (NIC, 5;6).
420
Na categoria “outros”, encontram-se os itens que tiveram apenas
um apontamento, tais como música do cancioneiro infantil, jingle,
cinema, internacional, música de novela e música de games. Quanto à
música que a criança ouve em casa, entretanto, o que chama a atenção é
que músicas que fazem parte do cancioneiro infantil e canções tradicionais
infantis não fazem parte da vida familiar da criança. Quando questionadas
sobre as músicas que gostam de ouvir na escola, tivemos as seguintes
respostas, de acordo com a tabela abaixo:
Tabela 45Músicas que as crianças apreciam na escola
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
Cancioneiro infantil
17
39,43
Hinos cívicos
4
9,30
Infantil Tradicional
16
37,20
Música de desenho animado
1
2,32
Outros
3
6,97
Não gosta
1
2,32
Não lembra
1
2,32
Total
43
100
Fonte: Dados da pesquisa
Os dados mostram que músicas do cancioneiro infantil (39,43%)
e músicas tradicionais infantis (37,20%) são predominantes no espaço
escolar e fazem parte do repertório que as crianças apreciam somente na
escola.
Os hinos cívicos aparecem com 9,30% e fazem parte da rotina de
planejamento nas classes, quando uma vez por semana deve-se cantar o
hino à cidade e o Hino Nacional. Nas categorias “outros”, as crianças
apontaram as músicas que a professora coloca no momento da dança das
cadeiras sem definir tipo ou gênero.
421
Percebe-se que o repertório que as crianças gostam de ouvir na
escola e o escolhido na vida familiar não se dialogam. O repertório da
escola encontra-se na visão das crianças reduzido basicamente a canções
direcionadas as crianças e hinos cívicos.
Vimos que há uma produção midiática que está atingindo e
ganhando forças sobre a infância, que horas infantiliza as crianças, horas
adultizam a infância e empobrecem seus repertórios, sobrepondo a imagem
do personagem sobre a essência da música. O conhecimento musical das
crianças é fruto das relações sociais até então estabelecidas entre as pessoas
e a música. Porém, a escola representa um espaço privilegiado para a
reflexão e intervenção crítica sobre as diferentes produções culturais
midiáticas. Os dados nos mostraram que há uma diversidade de gêneros
que as crianças têm acesso, mas que é possível ampliar esse repertório e que
o professor tem uma grande tarefa diante disso e precisa se posicionar. O
primeiro passo é o diálogo profundo e aberto, ouvindo as crianças sem que
se estabeleçam relações hierárquicas e preconceituosas, pois isso poderá
afastar as mesmas para a descoberta do novo.
G) Sentimentos X Brinquedo
No eixo temático Sentimentos (desejo da presença paterna e
amizade) x Brinquedo, a intenção era compreender o pensamento da
criança acerca de suas escolhas, primeiramente diante de uma situação-
problema, quando tinham que opinar sobre a decisão entre a presença do
pai ou a posse de um brinquedo, uma vez que não seria possível conciliar
as duas coisas. A questão norteadora era:
422
Eu vou contar uma história e você diz o que acha: Um (a) menininho
(a) estava com muita vontade de ter ou Boneco do Ben 10 ou uma
Baby Alive (ou Bebê Reborn), mas o pai dele não tinha dinheiro. O
pai dele ganhava pouquinho e só dava para comprar a comida de casa.
O (a) menino (a) pediu muitas vezes ao pai, que resolveu então arranjar
um trabalho de noite também, para ganhar mais dinheiro. Deste dia
em diante o (a) menininho (a) não viu mais o pai porque sempre ele
estava trabalhando para ganhar mais dinheiro e conseguir comprar
brinquedos para o filho(a). O que você acha dessa situação?
Tabela 46Decisão das crianças acerca da presença paterna X objeto de desejo
(brinquedo)
Possibilidades
Ocorrências
(%) Percentual
Ter o brinquedo
11
47,82
Ter a presença do pai
4
17,39
Ter o brinquedo e ter a presença do pai
8
34,75
Total
23
100
Fonte: Dados da pesquisa
Os dados acima revelam as soluções tomadas pelas crianças diante
do dilema entre ter o brinquedo ou a presença do pai: 47,82% das crianças
respondem prontamente que preferem o brinquedo, ao passo que 17,39%
delas abrem mão do brinquedo para terem a presença do pai.
Os 34,75% sugerem diferentes estratégias como forma de manter
os brinquedos e a presença do pai: construir um brinquedo, emprestar
dinheiro ao pai, trabalhar somente até conseguir o boneco e até mesmo, de
uma forma mágica, achar o dinheiro até ter o suficiente para poder
comprar o brinquedo.
Na categoria em que as repostas sugerem a compra do brinquedo,
algumas crianças chegam a externar o sentimento de tristeza por não ter a
423
presença do pai, mas depois decidem que ter o brinquedo é mais
interessante. Vamos aos exemplos:
Eu acho legal ganhar mais dinheiro para comprar mais brinquedos. Ai dá
para comprar mais comida gostosa. Mas ele não viu mais o pai porque o
pai trabalhava de manhã, de tarde e à noite. É isso é triste também porque
o pai gosta de jogar vídeo game com os filhos, brincar de lutinhas com os
filhos. E aí como a gente pode resolver essa situação? História do
Pinóquio eu também gosto. Mas vamos resolver essa história aqui
primeiro. A gente pode falar para o pai trabalhar só um pouco e de dia
ele volta. O meu pai também trabalha à noite quando eu vou para a escola.
Ele não assiste muito a tv não porque ele tem que trabalhar. O meu pai
trabalha porque assim dá para ele comprar as coisas que eu mais quero.
Mas você vê seu pai, mas esse menino não viu mais. O que acha? Eu
acho ruim não ver o papai. Mas aí não terá o boneco. Aí isso, é mais ruim
(sic) do que não ver o pai. (NIC, 5;6).
Vamos pensar na história? O menino queria o boneco de quem? Do Ben
10. Lembra? O que você acha? Eu acho triste porque quando o filho não
vê mais pai pensa que ele morreu. Mas o filho sabia que ele estava
trabalhando para comprar brinquedos. Como ele sabia? Ele estava
dando brinquedos ao filho. Como resolvemos? Acho uma boa ideia o
pai trabalhar e dar brinquedos pros filhos, ué. Mesmo que de manhã de
tarde e à noite? Sim. (MIV, 5;2).
Ainda na categoria comprar o brinquedo, muitos que apontaram a
resolução como a ausência do pai também afirmaram a presença da mãe:
Como poderíamos resolver essa situação? Trabalhar. Quem trabalhar?
O pai. Você acha que o pai deve trabalhar? Sim. Por quê? Porque tava
com a mãe. Quem estava com a mãe? O filho. O filho fica com a mãe
e não vê o pai. É. Ele já chegou da loja e volta para casa. Mas o
424
menininho nem via mais o pai, porque o pai trabalha dia e noite,
lembra da história? O que acha? Fica com a mãe. (LOR, 5;6).
Nas respostas que se enquadram na resolução em que se
contemplavam as duas possibilidades (ter o brinquedo e a presença do pai),
há também a realização dos desejos da criança sem levar em consideração
a perspectiva do pai sobre a situação.
Uma das alternativas tem caráter mágico fenomênico, que afirma
ser possível achar dinheiro e juntar até comprar o brinquedo:
O que você acha disso? Nada legal. Nada legal por quê? Tadinha da
menina, ficar sem ver o pai. Se o pai não trabalhar não vai ter a boneca,
o que você acha disso? Muito coitada ela. Por quê? Porque tem duas
coisas que ela queria muito. Ela queria ver o pai de novo e queria ter a
bebê Reborn. E como a gente pode resolver essa situação? O que acha?
O que dá para fazer é que tem gente que deixa cair alguma moeda. E aí
dá para ela pegar. E com essa moeda ela faz o que? Se ela achar mais
uma moeda, ou alguma nota, é só ir juntando. E se ela começar juntar
esse dinheiro o que vai acontecer? Aí vai acabar tendo dinheiro para
comprar o bebê Reborn e nesse caso se ela tiver bastante dinheiro como
o pai fica? Aí ela pode ir ao trabalho falar para o pai que ela conseguiu o
dinheiro. E o pai faz o que? Ela vai para casa com o dinheiro que ele
conseguiu. (MAL, 5;11).
No exemplo abaixo, a criança oferece como solução que o pai
trabalhe até conseguir comprar o brinquedo e depois ele pode sair desse
trabalho, buscando uma alternativa intermediária:
Que o pai deve trabalhar muito. Meu pai trabalha, depois do almoço ele
pode ficar comigo um pouquinho ai dá a hora da van passar ele se arruma
425
porque a cadeia é suja ai ele passa um perfume e toma banho ai ele vai ele
trabalha até a noitão até amanhecer. Esse pai só trabalhou, ele trabalha
dia e noite para comprar os brinquedos para o filho, o que você acha
disso? Ela espera o pai ganhar muito dinheiro e depois volta pro serviço
antigo. Você deu uma solução? Ele compra a Baby que ela quer e volta
pro serviço antigo dele. E se ela pedir mais coisas? Ele trabalha de novo
no mesmo lugar. Ele não vai ver mais a filha? Ele leva celular e fala com
ela. (RAF, 5;7).
Entre as respostas que apontam como solução o não comprar o
brinquedo, ou mesmo ter o brinquedo e a presença do pai,-se a presença
de um componente emocional que influencia no julgamento da criança
sobre a situação Delval (2002). Outra característica é que as respostas
trazem uma única perspectiva da criança: atender ao seu desejo, a sua
necessidade da presença do pai, embora aqui já não seja uma necessidade
material.
Seguem abaixo exemplos de respostas sobre o não comprar o
brinquedo, com destaque para a resposta de JED (5;6), que parece ser o
único a enxergar a perspectiva do sofrimento do pai e não somente a sua
própria perspectiva:
O que você acha? Então vai ter que trabalhar só de dia, dia a dia.
Qualquer dia, de noite não, de noite é para dormir. Então, o pai não vai
comprar o boneco? Não. Vai tem que esperar. O pai vai ter que parar e
dormir. (JED, 5;6).
Eu prefiro comida do que (sic) ficar sem o pai. Por quê? Porque se a minha
mãe for viajar e o meu pai tiver trabalhando, quem vai cuidar de mim? E
também se não tiver uma babá? Quem vai cuidar de mim? Não vai ter
mais ninguém. E meus irmãos e minha irmão, não vai ter, prefiro comida
do que (sic) brinquedo.
426
(...) O que você achou dessa situação? Eu acho bem feia. Eu gosto
quando eu fico com a minha família inteira, mas quando eu não fico eu
fico triste né. (PED, 5;10).
Se ele não ver (sic) mais o pai ele fica triste. Como é que a gente pode
resolver isso? Falando para o pai voltar. E aí o pai volta? Sim. O pai
compra o boneco ou não? Não. (PEH, 5;6).
No que diz respeito ao valor amizade x posse de brinquedo, a
pergunta feita foi: “qual amigo pode ser mais legal, o que tem um monte
de brinquedos ou outro que não tem brinquedos ou tem só um
pouquinho? Por quê?”
Tabela 47Qual amigo pode ser mais legal x posse de brinquedo
Amigos
Ocorrências
Percentual (%)
Que têm um monte de brinquedos
18
78,2
Que têm um pouquinho de
brinquedos
2
8,69
Qualquer um
3
13,4
Total
23
100
Fonte: Dados da pesquisa
Entre as respostas obtidas, 78,2% apontam que o amigo mais legal
é o que possui mais brinquedos, revelando de forma clara aquilo que lhes
é mais aparente, como uma quantidade maior de brinquedos.
Consideraram o fator ter brinquedos quase que um único aspecto e não
consideram outros fatores importantes em uma relação de amizade, como
afeto, identidade e cumplicidade, entre outros aspectos.
Dois outros fatores comuns presentes nas respostas foram: associar
a quantidade de brinquedos à possibilidade do brincar, e a criança nomear
427
amigos da própria sala, separando aqueles que têm e os que não têm
brinquedos. O exemplo abaixo ilustra o pensamento intuitivo e
transdutivo da criança, que analisa a situação de forma particular:
Qual amigo pode ser mais legal, o que tem um monte de brinquedos
ou outro que não tem nada? Eu gosto da MAL porque ela tem um monte
de brinquedo. Porque ela tem a Baby Alive, a papinha da Baby Alive ai
tem um monte de coisas que eu gosto. Um amigo que tem pouco
brinquedo pode ser legal? Não. (MIK, 5;1).
Qual amigo pode ser mais legal, o que tem um monte de brinquedos
ou outro que não tem brinquedos ou tem só pouquinho? Um monte.
Eu acho que a ISA. Por quê? Porque a mãe dela acho que tem dinheiro e
foi o aniversário dela na escola. Ah! Foi o aniversário dela. Então qual
amigo que pode ser mais legal, o que tem muito brinquedo ou o que
tem pouquinho brinquedo? Um pouquinho eu acho que é o JED. (MIR,
5;11).
Para a criança, o fato de ter mais brinquedos está relacionado ao
poder brincar mais e de forma diversificada: “Eu não gosto de brincar com
pouquinho. Não dá pra brincar com pouquinho? Não.” (MIV, 5;2).
Vejamos as explicações abaixo:
Um montão, porque a diferença é carregar a diversão, então quanto
mais brinquedos, mais alegria carrega. Tanto mais brincadeira mais
carrega, mais ainda. Então um menino que tem só um pouquinho de
brinquedos ele não carrega a alegria? E também o que não tem
brinquedo não carrega a diversão. Entendi. Nem o que tem pouquinho
e o que não tem nada pode carregar a diversão. Enjoa ficar com o
mesmo brinquedo. (JED, 5:6).
428
Esses dados corroboram os estudos de Tortella (2012) sobre
amizade e p-escolares, que encontrou três categorias relacionadas à
amizade. Entre as definições, a autora obteve respostas relativas à
proximidade física e definições funcionais ou por conveniência: a criança
define o amigo com quem tem contato frequente para realizar atividades
momentâneas, tais como brincar ou jogar.
As respostas pautadas no argumento de que seria legal brincar com
qualquer uma das crianças, com ou sem brinquedo, expressam elementos
como sentimento de afeto, não brigar e querer estar próximo ao outro,
como encontramos nos excertos:
Qual amigo pode ser mais legal, o que tem um monte de brinquedos
ou outro que não tem brinquedos ou tem só um pouquinho? Qualquer
um porque o importante é a amizade. É? E que é a amizade? Amizade é
quando você encontra alguém e fica amigo. E como é ficar amigo? Amigo
é quando você gosta muito dessa pessoa e ela também gosta de você. Por
que é que você gosta também? Porque é uma pessoa legal. (MAL, 5;11).
Qual amigo pode ser mais legal, o que tem um monte de brinquedos
ou outro que não tem brinquedos ou tem só pouquinho? Eu acho que
a ISA. Por quê? Porque a mãe dela acho que tem dinheiro e foi o
aniversário dela na escola. Ah! Foi o aniversário dela. Então qual amigo
que pode ser mais legal, o que tem muito brinquedo ou o que tem
pouquinho brinquedo? Um pouquinho eu acho que é o JED. Mas se a
gente pensar também outras crianças como a gente pode saber se ele é
legal se ele tem muito brinquedo ou tem poucos brinquedos, como
você acha? A minha prima é muito, mas muito legal e tem muito
brinquedo. E uma criança que tem pouco brinquedo ela pode ser legal?
Tem uma menina que chama Bruna ela é muito legal só que tem pouco
brinquedo. Por que ela é muito legal? Porque ela não briga e a gente é
amiga e não gosta de ficar separada. (MIR, 5;11).
429
Entre as respostas que justificavam que o amigo mais legal era
aquele que tinha um pouquinho de brinquedo, destacamos o diálogo de
IQE (5;5), que traz a preocupação com o excesso de brinquedos e também
com sentimento de vaidade, apontando uma ostentação do sujeito com
muitos brinquedos:
Um pouquinho de brinquedo porque ele vai brincar comigo, do que ter
um montão. Porque um montão de brinquedo é difícil de controlar do que
pouquinho. Como é isso? Explica-me. É porque quando você tiver muito
não vai dar para ver o seu brinquedo, se tiver tudo em cima. Qual mesmo
é amigo mais legal, o que tem um monte de brinquedos ou outro que
não tem brinquedos ou tem só um pouquinho? O que tem um
pouquinho porque se o carinha não conseguir pegar mais brinquedo e vir
qual é o brinquedo mais legal para ele brincar, aí vai ser difícil, eu prefiro
com pouquinho. Porque o menino com um pouquinho de brinquedo é
o mais legal? É por causa que quando tem um monte de brinquedo...,
sabe quando tem pessoas que é melhor que outra pessoa, então, aí fica se
gabando né, se sabe. Como é se gabar? Nhe nhe... ganhei uma coisa... por
isso que eu quero ser um menino com um pouquinho de brinquedo. (IQE,
5;5).
H) Publicidade infantil
Com o objetivo de investigar o pensamento da criança acerca da
publicidade e o consumo que envolve personagens televisivos, as crianças
participaram de uma apreciação de dois comerciais de televisão e YouTube
e na sequência tiveram que responder questões a respeito de seu conteúdo.
A elas foi pedido que dissessem o que haviam assistido, se gostaram ou não
e se sabiam o que era um comercial. Em um segundo momento, as crianças
deveriam dizer se gostariam de ter o produto exposto e por qual motivo. A
430
terceira etapa buscava investigar o que iria acontecer se a criança comprasse
o produto (calçados infantis). A questão era: “assistir a uma propaganda
curta (Propaganda: Grendene Sapatilha da Frozen ou da Sandália do Ben
10). Conte para mim o que viu. Você gostou? Por quê? O que é isso? Você
sabe para que serve uma propaganda? Você gostaria de ter esse sapato? Por
quê? O que você acha que vai acontecer se comprar essa sapatilha?”
Seguem abaixo as descrições das propagandas:
Quadro 14Descrição das propagandas
Propaganda sapatilha Grendene Kids
17
o melhor da infância tempo: 16
segundos Descrição: Ao som de um jingle A dica de moda agora é floquinhos
de neve caindo, com a sapatilha da Frozen e um cetro muito lindo. O cenário
exibe: um palco com imagem de castelo ao fundo, e neve representada por
grânulos de isopor descendo ao chão. Uma menina branca de olhos claros e
cabelos escuros, com floquinhos de neve sobre a cabeça e roupa, sopra-os e faz
passos de dança com o cetro que tem na mão, fazendo também alusão ao filme
em que a personagem Elsa usa um cetro e tudo congela. Usa um vestido
simples em uma trança de lado, que representa a personagem do filme Frozen,
e calça a sapatilha acompanhada de um cetro pequeno e de plástico na mão
que sai uma fita, como na dança de fitas. Uma voz feminina entra ao final da
propaganda, dizendo novamente: “Sapatilha Frozen com cetro é a moda dos
floquinhos de neve.” Aparecem imagens focando a sapatilha em três cores:
prata, lilás e azul e o cetro ao lado.
Propaganda Sandália Ben 10 Grendene Transformix
18
- tempo: 30 segundos.
Descrição: Ao som de um música de rock, que é trilha sonora do desenho, dois
17
Comercial Grendene sapatilha Frozen. Disponível em:
https://www.YouTube.com/watch?v=yVEwZuAXwpo. Acesso em: 27 mar. 2017.
18
Comercial Ben10 Transformix Grendene Kids. Disponível em:
https://www.YouTube.com/watch?v=VFJ8TjA0dvw. Acesso em: 29 jan. 2017.
431
meninos brancos, muito bem trajados com esporte fino, olham para o relógio
de plástico e dialogam: “Hora de salvar o planeta! Hora de virar herói!”, e se
saúdam batendo as mãos. Nesse momento, há uma transformação dos meninos
em figuras de desenhos, mudando também o cenário que passa ser figurativo e
até então era um lindo jardim arborizado de uma casa de classe alta, com duas
bicicletas jogadas ao chão em um canto de uma árvore e uma gangorra. Os
meninos travam uma batalha com um alienígena de olhos puxados e dentes
afiados que solta ruídos e tem mãos de caranguejo. Eles saltam e parecem voar,
até que um dos meninos lança os pés numa espécie de catapulta que atinge a
cabeça do alien, encapuzando-o com o balde, e o outro chuta uma bola que o
lança ao chão. O diálogo entre os meninos neste momento é “Hora da Ação!
Hora do salto!” e por fim “Hora do salto!”, enquanto ocorre a cena de aventura.
No momento em que termina a cena, os meninos se saúdam novamente,
batendo as mãos. Ao fundo, aparece uma voz feminina (talvez representando
uma mãe) que diz: “Vamos, meninos, é hora de fazer a lição!” A imagem real
dos meninos volta e a voz se repete: “Vamos, meninos, tá na hora!” Os meninos
voltam a olhar no relógio e correm em direção da casa. A câmara foca na
sandália, e a voz de um narrador masculino diz: “Sandália Ben10 Omni Time,
com os dois pés na aventura.”
Fonte: Elaborado pela autora
Ao perguntar para as crianças sobre o que viram, buscávamos
compreender se elas identificavam o produto que estava sendo promovido
pelo comercial e se elas gravaram os produtos, os personagens ou as duas
coisas ao mesmo tempo. As respostas foram distribuídas em categorias,
como mostram a tabela:
432
Tabela 48O que viram ao assistir ao comercial com personagem animado
Categorias
Ocorrências
Percentual
(%)
Identifica produtos e a partes da cena sem fazer
referência ao personagem
7
30,43
Identifica produtos associados ao personagem
animado e algum componente da cena e ou
cenário
14
60,86
Se prende à cena e não faz menção aos produtos
1
4,34
Identifica os produtos associados aos
personagens
1
4,34
Total
23
100
Fonte: Dados da pesquisa
Percebemos que não há qualquer referência nas explicações das
crianças sobre o que viram sobre a ideia da venda ou de comercial. Em sua
maioria, apresentaram a associação do produto ao personagem, com 60,86
% das respostas, e muitos se prenderam à cena e descrevem produtos, mas
não fizeram referência aos personagens, que posteriormente aparece nas
explicações.
O que você viu aqui? O sapato e a varinha. E o que mais? E o sapato e
a varinha da Frozen (ISA, 5;2).
Conte- me o que você viu? Sandália do Ben 10 e o relógio do Ben 10. O
que mais você viu? Só a blusa dele e as outras coisas. Quais outras coisas?
A casa, a grama. (JED, 5;6).
Notamos também a dificuldade das crianças em dizer tudo o que
viram, pois embora os comerciais sejam curtos, trazem bastantes detalhes
e efeitos visuais, o que dificulta assimilar tantas informações em tão curto
433
tempo. Durante as entrevistas, perguntamos se as crianças desejariam
assistir novamente para serem questionadas e expressarem sua
compreensão, mas essa reflexão não é algo que ocorre no cotidiano, pois
elas não têm chance de assistir novamente. Em algumas respostas,
percebemos que houve um destaque nas cenas e produtos, exemplificado
por LOR (5;6), e também uma dificuldade de expressar as informações,
como vemos no excerto de AJA (5;3):
Conte-me o que você viu. A sandália e o relógio. E o que mais? O bicho
e jogaram a bola nele. Quem jogou? Os meninos, os dois. (LOR, 5;6).
O que você viu? Eu vi a menina com sapato azul e a outra com sapato
roxo. Quantas meninas tem nesse vídeo? Duas. O que mais tem nesse
vídeo? Caindo umas coisas. Como chama essas coisas? Não sei. É neve.
(AJA, 5;3).
Exatos 100% aponta que gostou do que viu. Quando indagamos
as crianças sobre os porquês, observamos diferentes motivos, conforme as
tabelas abaixo apontam:
Tabela 49Motivo das crianças gostarem das propagandas que associam personagens
a produtos infantis
Categorias
Ocorrência
Percentual
(%)
Afeto pelo personagem
7
30,43
Explicitamente o desejo sobre ter o produto
2
8,69
Aprecia os elementos da cena
4
17,39
Aprecia (ser bonito, ser legal) o produto,
personagem e elementos da cena
7
30,43
Expressa já ter afinidade e ou experiência com
o produto
1
4,34
434
Não sabe
1
4,34
Verbaliza apenas a exisncia do produto
1
4,34
Total
23
100
Fonte: Dados da pesquisa
As respostas encontradas acerca das alegações de que gostaram do
comercial assistido trazem elementos fundamentais para refletir sobre a
forte relação de sedução da publicidade associada a personagens infantis, o
que influencia na opinião e no desejo de compra da criança. Percebemos
que até aqueles que não fizeram referência ao personagem na primeira
questão justificaram que gostaram do que viram devido à presença do
personagem e suas ações mágicas.
As respostas que fazem parte da categoria aprecia o produto,
cena, ou personagem guardam uma relação entre os elementos. Percebe-
se que a criança recorre, em alguns momentos, à explicação mágica-
fenomênica de quem não diferencia o mundo real do mundo imaginário:
Conta para mim sobre o que viu. Eles conseguiram salvar, a primeira
parte que eu gostei é que aquele menino derrubou o balde caiu em cima da
cabeça do monstro. E o que mais você viu? Eu vi aquele outro menino
chutou a bola na cabeça e o monstro caiu. E mais alguma coisa? . Você
gostou do que viu? Sim. Por quê? É que eu adorei o relógio. Ah, você
adorou o relógio? Por quê? Porque o relógio transforma menino de carne
e osso em menino de desenho. O relógio transforma, como é isso? Não sei
como transforma. Você não sabe como transforma? É mais eu gosto mais
daquele Ben 10 que é do meu tamanho, ele bate no relógio quando tem
uma missão para salvar. (JOQ, 5;11)
435
Nas respostas pertencentes à categoria aprecia elementos da cena
, as crianças enfatizam os efeitos da propaganda, como nas partes em que
o desenho animado ou o efeito de neve são utilizados em uma alusão ao
cenário do filme:
Você gostou do que viu? Sim. É porque eu gostei da ação deles. Qual foi
a ação deles? A ação deles é que eles destroem o monstro. O menino que
estava com o primeiro relógio deu um pulo na gangorra e jogou um balde
na cabeça do monstro e o outro que estava com o segundo relógio jogou o
balde e aí ele caiu e aí eu gostei mesmo assim. (PED, 5;10).
Porque sim, o sapato é lindo e a neve. (AJA, 5;3).
As respostas dadas na categoria “afeto pelo personagem” destacam,
em geral, algum atributo do personagem, como pertencer à categoria
Super-heróis, no caso dos meninos, e nas meninas, características que elas
valorizam:
Você gostou do que viu? Sim. Por quê? Porque eu gosto do Ben 10.
Porque gosta do Ben 10? Porque ele tem um relógio que aperta ele e vira
qualquer bicho. Ah, ele tem um relógio que vira qualquer bicho? Vira.
(VIC, 5;3)
Você gostou do que viu? Sim. É porque eu adoro Ben 10, Batman, essas
coisas de super-heróis. (VIH, 5;9).
Você gostou? Hum, Hum. Por quê? Eu gosto na Elsa. O que você gosta
na Elsa? Ela tem uma capa. Tem um vestido e tem um cabelo louro e uma
maquiagem. (SOF, 5;7).
Porque a Elsa é muito linda. (MIK, 5;1).
436
Até mesmo em uma situação particular, em que a criança diz não
assistir TV porque não possui o aparelho em casa, vimos que a criança tem
informações sobre os personagens não apenas pelo filme que o traz, mas
pelos comerciais dos produtos, vistos em outra casa:
Porque é muito linda a sapatilha e a fita. E essa fita e a sapatilha, é de
algum personagem ou não? É da Elsa e Ana. Você os conhece? Sim.
Você já assistiu ao filme? Não. Eu só vejo. Onde você vê? Vejo na
televisão, vejo em qualquer lugar. Você vê na televisão? Mas onde você
assiste? Não só no comercial. Onde você assiste o comercial? Na casa da
minha avó. (MIR, 5;11).
Pelos dados coletados, há duas condições que deixam as crianças
vulneráveis à exposição de comerciais. A primeira é condição heterônoma
em que as crianças de 5 anos em questão estão se iniciando nas regras, nos
valores e nos conhecimentos do mundo em que vive e, para tanto, seguir
“[...] guias torna-se tão natural quanto necessário” (LA TAILLE, 2008, p.
13). A segunda condição para a vulnerabilidade é que as estruturas
cognitivas que as crianças nessa idade possuem não permitem estabelecer
reflexões mais complexas. Segundo o autor, os personagens, por serem
muito prestigiados pelas crianças, representam quase que figuras de
autoridade e agem nas propagandas em benefício do anunciante. “Logo,
existe a tendência de a criança julgar que aquilo que mostram é realmente
como é, e que aquilo que dizem ser sensacional, necessário, de valor,
realmente possui essas qualidades” (LA TAILLE, 2008, p. 14).
As crianças em idade pré-escolar (LINN, 2006; SCHOR, 2009)
têm dificuldades em diferenciar comerciais de programas normais de
televisão, como vimos na pesquisa de Baptistella (2001); Leal e Laurindo
(2008); e Lange et al. (2009) que trouxeram análise de programação
437
televisiva e comprovaram que a criança em seu estado de desenvolvimento,
não possui realmente recursos internos para assimilar sozinha o que a
programação revela.
Corroborando a ideia da vulnerabilidade na infância, Paiva (2013,
p. 84) de uma maneira poética define que a “[...] infância é a fase da vida
na qual naturalmente vemos o mundo amando, e que não sabemos sequer
distinguir um programa de um comercial. A necessidade de respeito a esse
estágio da existência é inerente a todos os povos”. Por isso afirma que países
que respeitam a infância procuram definir políticas de proteção para coibir
a incitação ao consumo, entre outras políticas de proteção. No Brasil, a
Resolução 163 de março de 2014 (CONANDA, 2014) ancorada também
pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), o Estatuto da Criança
e do Adolescente - Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (BRASIL, 1990)
e o Código de Defesa do Consumidor na Lei noº 8.078, de 11 de setembro
de 1990 (BRASIL, 1990), defende princípios gerais que deveriam ser
aplicados à publicidade e a qualquer comunicação mercadológica
destinada a crianças e adolescentes. Destacamos os seguintes princípios:
II - atenção e cuidado especial às características psicológicas do
adolescente e sua condição de pessoa em desenvolvimento.
IX - primar por uma apresentação verdadeira do produto ou serviço
oferecido, esclarecendo sobre suas características e funcionamento,
considerando especialmente as características peculiares do público-
alvo a que se destina.
Embora a Legislação atual torne um pouco mais clara a condição
da criança e sobre a forma como deva ser a apresentação publicitária do
produto, vimos pelas entrevistas que os pequenos continuam sendo
desrespeitados e bastante influenciados pelos mecanismos de sedução
publicitária. Mesmo antes da Resolução 163 de março de 2014
438
(CONANDA, 2014) promulgada pelo Conselho Nacional dos Direitos
das Crianças e dos Adolescentes (CONANDA), Britto (2010) nos alerta
sobre um problema entre a restrição da publicidade dirigida à infância e à
liberdade de imprensa, impasse que não foi solucionado pelo
estabelecimento da referida Resolução. Dentro de uma leitura legal, a
criança até os 12 anos é considerada incapaz civilmente: “a incapacidade
civil absoluta das crianças se apresenta como um obstáculo à difusão de
anúncios publicitários para o público infantil” (BRITTO, 2010, p. 172).
Isso em termos jurídicos significa a base também argumentativa para que
as crianças sejam proibidas de participar de negócios jurídicos, só podendo
contratar e adquirir negócios por meio de responsáveis. Nesse sentido,
também não possuem condições psicológicas para realizar escolhas
conscientes no mercado consumidor, tornam-se, portanto, dependentes de
uma ação consciente e crítica dos adultos.
Britto (2010) aponta que, pelo fato da hipervulnerabilidade das
crianças, a publicidade referente a essa faixa etária deve ser direcionada
apenas aos seus responsáveis. Problemas como dificuldade cognitiva de
reconhecer um anúncio publicitário e os elementos de persuasão, pela
imaturidade para compreensão das verdadeiras intenções dos anunciantes,
assim como desconhecer veracidade das informações, são condições
exploradas pelos marqueteiros que desrespeitam a criança em
desenvolvimento, sua condição como sujeito de direitos com a prerrogativa
de vender seu produto a qualquer custo.
Países como Noruega, Suécia e Grécia já possuem medidas
protetivas da infância, em que a publicidade de produtos infantis é
direcionada para adultos em horários estabelecidos para a audiência adulta
ou canais direcionados a esse público (BRITTO, 2010). Obviamente, essa
medida passa também pela educação e conscientização dos responsáveis,
pois cabe a eles o estabelecimento de regras quanto ao que se vê na televisão
439
ou mesmo estar próximo à criança quando forem exibidos os comerciais
em horários em que assistam a eventos publicitários, refletindo junto com
ela sobre o que se vê. Britto (2010) vê essa uma medida necessária e
adequada quanto à responsabilidade compartilhada sobre o cuidado da
infância entre estado e família.
Desde 2001, há o projeto de Lei 5.921/2001, que está para
apreciação na Câmara dos deputados para a regularização da publicidade
no Brasil de uma forma mais incisiva, porém, em 2014, houve a aprovação
da Resolução 163 do CONANDA (BRASIL, 2014), que parece não ter
tido efeito, tendo em vista a quantidade de publicidade veiculada em canais
direcionados à infância e outras mídias comunicativas. O projeto de lei
trazia em seu bojo a proibição de qualquer tipo de publicidade e de
comunicação mercadológica à criança em qualquer horário e por qualquer
suporte de mídia. A referida Resolução trata como abusiva a publicidade e
comunicação mercadológica, e não proibida, mas que na prática continua
aplicada de forma impune.
O que também pudemos observar é que a redação do Projeto de
Lei 5.921/2001 foi publicada na Resolução 163/2014 quanto aos itens
considerados persuasivos, em seu Artigo 2, e vemos que dos 9 (nove) itens
abaixo relacionados, as propagandas que utilizamos nesta pesquisa
(Sapatilha da Frozen (Grandene) e Sandália do Ben 10 (Grandene)
possuem pelo menos 5 (cinco) itens dos 9 (nove) apresentados pela
Resolução, itens: I, III, V, VI, VII:
I - linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores;
II - trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança;
III - representação de criança;
IV - pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil;
V - personagens ou apresentadores infantis;
VI - desenho animado ou de animação;
440
VII - bonecos ou similares;
VIII - promoção com distribuição de prêmios ou de brindes
colecionáveis ou com apelos ao público infantil; e
IX - promoção com competições ou jogos com apelo ao público
infantil (CONANDA, 2014, não paginado).
Enfim, embora no corpo da Resolução do CONANDA não se
tenha proibido a publicidade e comunicação mercadológica à infância, as
infrações das normas estão previstas no código de Defesa do
Consumidor, assim como foi prevista na Lei 5.921/2001 (que aguarda
17 anos para sua aprovação). Consideramos ainda necessário esclarecer
que apesar de sua grande importância, é preciso que haja uma fiscalização
mais efetiva sobre o seu cumprimento, mas sobretudo um trabalho
educativo acerca do consumo consciente.
Dentro de uma sociedade capitalista, não será difícil que frente a
uma sanção punitiva a uma empresa que fabrica itens para o consumo
infantil, sob pena da Lei, pese a balança entre a multa aplicada e os lucros
possíveis e o não cumprimento da lei, encontrando vantagens em correr
riscos e pagar multas. Contudo, um trabalho educativo para o consumo
em que se envolva a sociedade como um todo, capaz de provocar a
construção de conhecimentos significativos acerca da temática e da
tomada de consciência das necessidades da infância é fundamental para
a proteção de todas as crianças.
I) Felicidade X Aparência desejada
Neste eixo, o intuito é compreender o que as crianças pensam
acerca de felicidade por meio de um apoio visual - uma fotografia, seguido
441
de um questionamento. Em um segundo momento, a criança foi levada a
refletir sobre a aparência que desejaria ter se pudesse escolher entre duas
imagens. Também temos como objetivo conhecer os elementos que
valorizam a aparência. Foram mostradas figuras diferentes para as crianças
do sexo feminino e masculino, mas buscando manter as mesmas
características entre as imagens apresentadas. Para as alunas na primeira
imagem (figura 3 Quadro 6), aparece uma menina com trajes
adultizados, boné (estilo funk), relógio, pulseira e colar. A segunda imagem
(figura 4 Quadro 6) mostra uma menina com trajes mais infantilizados,
sem qualquer adorno. Para os alunos, a primeira imagem (figura 3
Quadro 7) mostra um menino com boné (estilo funk), relógio, anel e colar.
Na segunda imagem (figura 4 Quadro 7), aparece um menino
desprovido de qualquer adorno. Em todas as imagens, há a expressão do
sorriso. As imagens foram ampliadas e mostradas sem legenda para as
crianças, possibilitando que visualizassem de forma nítida os elementos.
As respostas dadas pelas crianças revelaram que elas acham que o
(a) menino (a) mais feliz está representado pelas figuras 4 (quatro), com
65,21% dos apontamentos, evidenciando algo que lhes estava mais
aparente e que pudesse ser relacionado com a felicidade, como vemos na
tabela abaixo:
Tabela 50Quem pode ser mais feliz
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
Menino (a) com adornos
8
34,78
Menino (a) sem adornos
15
65,21
Total
23
100
Fonte: Dados da pesquisa
442
Os motivos que justificaram as escolhas foram diferentes quanto
ao sexo dos participantes. Entre os meninos, predominou-se o sorriso:
Qual deles você acha que é o mais feliz? Esse. Aponta a figura 4 (da
direita). Por quê? Porque esse está sorrindo um monte e esse outro
mais ou menos. (MIV, 5;2).
Vamos olhar para essas fotos de dois meninos. Qual deles você acha
que é o mais feliz? Aponta a Figura 4 Menina 2. Por quê? Esse daqui
está com sorriso. E esse daqui está com sorriso? Está também. Então os
dois estão felizes. E Por que eles são felizes? Porque eles são legais e tem
brinquedos. (NIC, 5;6).
As respostas dadas pelas meninas revelam que os trajes foram
decisivos em suas escolhas. Entre as que apontaram quem seria mais feliz,
o fator decisivo foi estar de vestido e estar preparada para um passeio:
Vamos olhar para essas fotos de duas meninas. Qual delas você acha
que é a mais feliz? A de vestido é a mais feliz. Por quê? Porque ela gosta
de vestido e de roupa. E a outra, o que acha? Que também está feliz. Mas
quem você acha que é a mais feliz? Aponta a Figura 4 Menina 2. Por
que essa é a mais feliz? Porque ela está animada. Por que será que ela
está animada? Por que ela vai sair com os pais dela. E essa aqui? Ela vai
brincar com a amiguinha dela. (SOF, 5;7).
Algumas demostraram escolher a figura com o vestido porque a
outra figura estava com trajes que representam algo proibido e
inapropriado, segundo as regras dos pais. Encontramos, além da conotação
negativa dos trajes, as explicações de azar, ser feio e ainda representar uma
má companhia, como vemos abaixo:
443
Vamos olhar para essas fotos de duas meninas. Qual delas você acha
que é a mais feliz? Eu acho essa (Figura 4 Menina 2). Por que você
acha que é a mais feliz? Porque ela não é funkeira igual a outra. Ser
funkeira não dá para ser feliz? Dá mais é porque a minha mãe já me
explicou que é muito feio dançar funk. Porque é muito feio dançar funk?
Por que você fica mau. Por que fica mau, por que será? Por que tem
azar. O que é azar? Azar é quando alguma coisa dá ruim para você?
Porque você acha que essa (Figura 4 Menina 2) é a mais feliz? Por
que é mais feliz? Porque a vida dela é boa. Como é uma vida boa? Ela
não deve ter muitos brinquedos, mas a vida dela é boa porque ela recicla e
consegue fazer brinquedos para ela. Mas então uma criança se ela recicla
e faz brinquedos ela já tem uma vida boa? É. Precisa de mais alguma
coisa? Comida precisa, então a mãe precisa trabalhar porque a mãe junta
dinheiro para comprar comida. (MAL, 5;11).
Vamos olhar para essas fotos de duas meninas. Qual delas você acha
que é a mais feliz? Apontou a Figura 4 Menina 2. Por quê? Porque
ela está dando risada e não fica se achando. Mas essa daqui também está
dando risada, ela é feliz? Não porque ela fica se achando. E como é que
é ficar se achando? Ela fica se exibindo para as amiga, usa camiseta
curtinha e sai de short curtinho. O que você acha disso? Não é legal. Por
que não é legal? Eu não acho bom isso e eu nunca queria ser isso. Por que
você nunca queria ser isso? Porque o meu pai não deixa e eu sou
testemunha de Jeová. (MIR, 5;11).
Em comparação à análise dos desenhos em que uma marca das
crianças foi a expressividade dos corpos (ter uma expressão facial que
indique isso), as crianças representaram graficamente que ser feliz implica
também falar com o corpo. As respostas dos meninos mantiveram tal
relação, pois para eles o que se mostrou mais evidente foi o sorriso, “os
dentes para fora”, ao passo que para as meninas a roupa foi um indício de
felicidade mais marcante, indicando um componente importante para
444
pensarmos também na relação de consumo na infância, já que ter um
vestido mostrou também ser um valor. Delval (2010) nos diz que os
conhecimentos são produzidos nas trocas sociais e, portanto, não podemos
ignorar que socialmente e principalmente para as mulheres a aparência é
algo mais exaltado desde muito cedo pelas meninas. Logo que nascem, elas
são enfeitadas, e ao longo da vida são recomendadas sobre a maneira de
como devem se portar e agir, além de incentivadas a ter vaidade.
Entre as respostas dadas que elegeram as figuras de meninos e
meninas com adorno, traje muito comum entre os adeptos a uma linha do
funk que defende a ostentação de bens materiais, percebemos que nem
sempre as meninas citaram a origem do funk, mas apontaram os objetos
que lhes agradavam:
Vamos olhar para essas fotos de duas meninas. Qual delas você acha
que é a mais feliz? Apontou a Figura 3 Menina 1. Porque ela tem uma
roupa bonita. O que você gostou? Eu gostei do boné, da pulseira. Tem
mais alguma coisa? Gostei do short. Você acha que ela é mais feliz por
quê? Porque ela é bonita. (ISA, 5;2).
Os meninos que apontaram a Figura 3 Menino 1 , ressaltaram
a questão musical, ligada ao seu traje:
Vamos olhar para essas fotos de dois meninos. Qual deles você acha
que é o mais feliz? Apontou a Figura 3 Menino 1. Por quê? Porque
esse daqui canta música, e eu gosto de cantores. Como você sabe que ele
canta música? Porque os cantores usam anel, e também chapéu e essa
roupa, e o relógio também. E o que é que o deixa muito feliz? As coisas
que ele usa. (JED, 5;6).
445
Na segunda parte do eixo, quando as crianças foram questionadas
com quem gostariam de se parecer, frente às duas fotografias apresentadas
(figuras 3 e 4 dos Quadros 7 e 8) os resultados mostraram um equilíbrio
entre as opções, conforme a tabela:
Tabela 51Com quem eu gostaria de ser parecido
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
Menino (a) com adornos
11
47,82
Menino (a) sem adornos
12
52,17
Total
23
100
Fonte: Dados da pesquisa
Não há uma correspondência total entre as respostas da escolha de
ser mais feliz e quem desejariam ser, pois as crianças nem sempre
escolheram que estar feliz é algo que as atrai.
As categorias detectadas quanto ao desejo da aparência foram:
Tabela 52Justificativas para as escolhas em desejo de se parecer
com um (a) menino (a)
Categorias
Ocorrências
Percentual (%)
Atributos físicos
1
4,34
Posse de adornos e/ou roupa
9
39,13
Atributos físicos mais o adorno
2
8,69
Expressão de felicidade
5
21,73
Identidade com a imagem
3
13,04
Negação da outra opção
2
8,69
Outros
1
4,34
Total
23
100
Fonte: Dados da pesquisa
446
Com 39,13 %, possuir adornos ou roupas é o motivo por
desejarem se parecer com as figuras escolhidas, como vemos nos exemplos
abaixo, em que ressaltam os detalhes das figuras apresentadas:
Se você pudesse escolher, gostaria de se parecer com alguma delas?
Apontou a Figura 3 Menina 1. Por quê? Porque ela tem isso aqui. Ah,
o boné. E o que mais ela tem que você gostou? O colar, e esse short.
(ANA, 5;9).
Então vamos lá, se você pudesse escolher, gostaria de se parecer com
algum deles? Eu gostaria de parecer esse daqui, não eu acho que é melhor
esse. Por quê? É porque ele teria tudo o que ele quiser, boné, anel, sandália,
relógio, camiseta. PED (5;10).
Em segundo lugar, com 21,73%, está o apontamento do desejo de
se parecer com quem era mais feliz, conforme o olhar da criança para as
imagens:
Se você pudesse escolher, gostaria de se parecer com alguma delas?
Aponta a Figura 3 Menina 1. Por quê? Porque ela é mais feliz. SOF
(5;7).
O terceiro motivo mais alegado como desejo de se parecer com a
figura apresentada é que as crianças se identificaram com a imagem por
algum motivo:
Se você tivesse que se parecer com uma delas, com qual você se parecia?
Aponta a Figura 4 Menina 2. Com essa? Por quê? Porque eu gosto de
usar vestido. Ah, você gosta de usar vestido. (VIT, 5;7).
447
Se somados os aspectos atributos físicos, posse de adornos e roupa,
atributos físicos mais o adorno e identidade com a imagem, atingir-se-ia o
total de 52,13% de aspectos mais aparentes ou aquilo que está mais visível
para as crianças.
A negação de uma das imagens impulsionou a escolha. A figura
classificada pela criança como funkeira também foi um motivo para se
escolher a figura com quem ela desejava se parecer. MAL (5;11) já havia
julgado anteriormente que a mesma figura não representava uma criança
feliz:
Se você pudesse escolher, gostaria de se parecer com alguma delas? Com
essa daqui, (Figura 4 Menina 2). É por quê? Porque essa daqui é mais
calminha, a outra é funkeira. Você gosta de pessoas calmas, por quê?
Porque eu não gosto muito de barulho. Como você sabe que essa daqui é
funkeira? Porque ela está usando um short jeans, um colar de ouro, uma
pulseira de ouro, um relógio de ouro e um boné. (MAL, 5;11).
Mediante todos os dados apresentados, verifica-se como são as
representações de valores de consumo na infância, seja nas escolhas de
brinquedos, mochilas, músicas, produtos, e em suas decisões diante das
situações-problema. Para Delval (2013), os fenômenos sociais implicam
objetos físicos e naturalmente pessoas, mas os objetos e pessoas adquirem
um significado distinto porque fazem parte de uma relação social. Nesse
sentido, aquilo que a criança é capaz de compreender com suas estruturas
cognitivas sobre as relações em que produtos e pessoas exercem em uma
sociedade capitalista remete à perspectiva da criança sobre uma sociedade
mergulhada no consumo e marcada por significados e identidades desde a
infância. Quando consumimos determinados produtos, estamos também
produzindo identidades, mas que de uma forma muito veloz são
448
substituídas por outros produtos e marcas e, no caso das crianças, outros
personagens midiáticos, já que esses são a linha de frente para o consumo
infantil.
As crianças buscam compreender a realidade em que vivem
construindo modelos para essa compreensão, composta pelas
representações acerca das pessoas, das interações, das expectativas com o
outro, dos papeis sociais, dos valores de cada cultura e das crenças sobre
aquilo que importa ou não, e, portanto, cabe a nós, adultos, pensar sobre
a qualidade das relações que podemos estabelecer para que as crianças
tenham referenciais positivos e reflitam sobre o ato de consumir.
449
Capítulo 7
Discussões Sobre o Currículo da Infância, Valores
Morais e o Consumismo
O homem vive, toma partido, crê numa multiplicidade de valores,
hierarquiza-os e dá assim sentido à sua existência mediante opções que
ultrapassam incessantemente as fronteiras do seu conhecimento
efetivo. No homem que pensa, esta questão só pode ser raciocinada, no
sentido em que, para fazer a síntese entre aquilo que crê e aquilo que
sabe, ele só pode utilizar uma reflexão, quer prolongando o saber, quer
opondo-se a ele num esforço crítico para determinar as suas fronteiras
atuais e legitimar a hierarquização dos valores que o ultrapassam. Esta
síntese relacionada às crenças, quaisquer que elas sejam, e as condições
do saber constitui aquilo que nós chamamos uma “sabedoria” (...)
(PIAGET, 1983, p. 206).
Diante de todas as informações e descobertas da pesquisa in loco e
publicações que tivemos acesso, ao nos debruçarmos sobre a problemática
do consumismo na infância, faz-se necessário considerar a complexidade
do tema tão atual na sociedade contemporânea e ao mesmo tempo tão
pouco explorado pelas escolas da infância.
Para atingir a questão problematizadora, buscamos alcançar os
objetivos da pesquisa: tanto o geral (quais são os aspectos relacionados ao
consumismo que podem ser observados na educação infantil) quanto os
450
específicos, em que buscamos identificar o consumismo nas crenças de
crianças e professores e no ambiente de sala de aula.
Ao adentrarmos o território da educação infantil, deparamo-nos
com um ambiente em que a cultura da infância é cultivada pela escola por
meio de brincadeiras, brinquedos, músicas, filmes e projetos educativos.
Todavia, consideramos que ainda há brechas para que o consumismo na
infância se manifeste, e que este fenômeno não representa alvo de
intervenções, principalmente quando se pensa na presença de personagens
midiáticos que circulam na educação infantil. Particularmente, aos
elementos midiáticos relacionados a consumo, vimos que o movimento
entre aquilo que é levado pela própria criança para o interior da escola é
muito maior do que aquilo que o professor proporciona a ela, revelando,
portanto, a força da socialização primária.
Pudemos, nesse sentido, reconhecer que a problemática sobre o
consumismo que nasce no seio familiar e está muito presente desde a
primeira infância recai também sobre a educação infantil, sobre a
necessidade da instrumentalização do professor, sobre as reflexões e
encaminhamentos acerca daquilo que possa ampliar a cultura da criança.
Essa seria a alternativa na busca de libertar a criança de uma única
perspectiva tão presente na sociedade em que vivemos, que é a necessidade
de desejar/consumir configurada na infância modelizada pela mídia.
Muitas vezes, nos nossos dados, observamos que os professores revelaram-
se inoperantes diante de situações que parecem estar naturalizadas pela
cultura do consumo nas crianças.
Percebemos que aquilo que é previsto no currículo oficial e
também nas práticas docentes quanto à questão do consumo consciente
está mais presente na educação da infância quando se aborda questões
ambientais relativas aos elementos da natureza (como preservação meio
ambiente e da água), que obviamente são de suma importância, porém,
451
muito menos se aborda sobre o que mais tem envolvido a relação de
consumo nessa faixa etária: consumo de objetos, alimentos e brinquedos
midiáticos, brincadeiras influenciadas pelos personagens, músicas em sua
maioria inapropriadas para essa faixa etária e a construção de valores
consumistas desde a tenra idade.
Conhecer como o consumo entra na escola, de que forma os
educadores da infância lidam com tais conteúdos e contrapor a prática com
as suas convicções, seus desejos e suas aspirações, oralizadas por meio da
entrevista abre-nos um leque de possibilidade de reflexões e considerações.
Percebemos que a própria entrevista com os professores nos revelou ser um
possível disparador de atenção para a temática, algo que presenciamos não
ser muito enfatizado durante o período de observação in loco. Apesar disso,
muitos professores consideraram que é um assunto importante e que a
escola da infância pode contribuir para a formação acerca do consumo
consciente.
O consumismo infantil não está em pauta nos currículos oficiais
para a educação pré-escolar, ou não pelo menos da maneira como
acreditamos ser importante. Considerando a atual realidade brasileira, vê-
se que há algumas iniciativas mais específicas para o desenvolvimento de
um Programa de Educação Econômica, salvo algumas escolas particulares
que já trazem apostilas como programas prontos a serem implementados,
assim como ações isoladas como, por exemplo, o “Projeto Saber
Consumir” do Programa de Proteção e Defesa do Consumidor
(PROCON) - SP (FUNDAÇÃO PROCON SP, 2012) e o Programa
Educação Financeira nas escolas que fazem parte de uma das ações da
Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF) da Associação de
Educação Financeira do Brasil (AEF) - instituição sem fins lucrativos, e do
452
Comitê Nacional de Educação Financeira
19
(CONEF). Não encontramos
pesquisas relacionadas a esses projetos pilotos para verificação e
comprovação dos seus resultados. Os materiais do Programa (livro do
professor e livro do aluno) tanto para o ensino médio quanto para o ensino
fundamental encontram-se disponíveis em uma plataforma aberta a quem
desejar fazer download.
É importante recordar também que em 1998 foram lançados os
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental pelo
Ministério da Educação (MEC) (BRASIL, 1998) e entre eles os
Parâmetros de Temas Transversais, que versam sobre muitos assuntos
diversos, como Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Orientação
Sexual, Saúde e o tema Trabalho e Consumo. O tema Trabalho e
Consumo é destinado para os terceiros e quartos ciclos, também chamado
de ciclo II do ensino fundamental que corresponde do 5º ao 9º ano.
Destacamos que desde então um dos objetivos dentro do tema é a
preocupação com a questão do consumismo, imprimindo na escola sua
posição educativa na formação de um aluno, possibilitando que ele possa:
[...] posicionar-se de maneira crítica em relação ao consumismo, às
mensagens da publicidade e estratégias de vendas, compreendendo seu
papel na produção de novas necessidades, assim como ser capaz de
resolver situações-problema colocadas pelo mercado, tais como o uso
19
O Comitê é uma instância responsável pela direção, supervisão e fomento da ENEF - Decreto
7.397/2010 (BRASIL, 2010). Constitui-se por 8 (oito) órgãos e entidades do Governo e 4 (quatro)
organizações da sociedade civil. Conforme a descrição, o programa busca colaborar para o
desenvolvimento da cultura de planejamento, prevenção, poupança, investimento e consumo
consciente. A intenção do programa é articular-se ao currículo da Educação Básica, organizando
um Grupo de Apoio Pedagógico (GAP) junto ao Ministério de Educação e Cultura (MEC). O
programa produziu o material didático “Orientações para o Ensino Médio” e implementou, no
período de 2010 a 2011, um projeto piloto em 891 escolas públicas de Ensino Médio em 6 (seis)
estados brasileiros.
453
das diversas formas do dinheiro, as vantagens e desvantagens do sistema
de crédito, a organização de orçamentos (BRASIL, 1998, p. 374).
Com a discussão da Nova Base Nacional Curricular Comum
(BRASIL, 2016) em sua segunda versão, a educação financeira como
conteúdo foi introduzida à educação básica, na modalidade Ensino
Fundamental e Médio. Fazia parte dos Temas Especiais ou Integradores
(ou aquilo antes chamado de temas transversais nos Parâmetros
Curriculares Nacionais): Economia, Educação Financeira e
Sustentabilidade. Ainda nesta segunda versão este tema abrangia a toda a
educação básica em diferentes áreas componentes curriculares, como por
exemplo, em Artes para o ensino fundamental o objetivo: “[...] Estabelecer
relações entre os sistemas das artes, a mídia, o mercado e o consumo,
compreendendo, de forma crítica e problematizadora, modos de produção
e de circulação das artes na sociedade” (BRASIL, 2016, p. 196). Cita-se
como uma ação necessária a Estratégia Nacional de Educação Financeira,
estabelecida por meio do Decreto Federal no 7.397/2010, cujo objetivo é
“[...] contribuir para o fortalecimento da cidadania ao fornecer e apoiar
iniciativas que ajudem a população a tomar decisões financeiras mais
autônomas e conscientes” (BRASIL, 2016, p. 49).
Entretanto, na terceira versão aprovada (BRASIL, 2017), vimos
que além de a modalidade de ensino médio ter sido retirada (aguarda por
reformulação), foram retirados os chamados temas especiais (economia,
educação financeira e sustentabilidade), que deveriam percorrer as
diferentes etapas da educação básica. Na 3ª versão (Brasil, 2017a), a
educação financeira restringe-se apenas ao ensino fundamental. No que
tange à educação infantil, para não sermos injustos, dentro daquilo que
chamam de campos de experiências “Espaços, Tempos, Quantidades,
Relações e Transformações” para a educação infantil com crianças de 4
454
(quatro) anos a 5 (cinco) anos e 11 meses, encontramos dois objetivos que
poderiam, com uma reflexão muito atenta, introduzir o assunto acerca do
consumo:
Observar e descrever mudanças em diferentes materiais, resultantes de
ações sobre eles, em experimentos envolvendo fenômenos naturais e
artificiais” e (EI03ET03) identificar e selecionar fontes de informações
para responder as questões sobre a natureza, seus fenômenos e sua
preservação (BRASIL, 2017, p. 49).
Em um olhar mais específico sobre o tema do consumo e currículo
para a educação infantil, retomam-se na Base Nacional as discussões já
postas nas Diretrizes Curriculares Resolução 5/2009 quanto aos
princípios éticos do respeito pelo bem comum e pelo meio ambiente,
também de uma forma apenas genérica. O tema sustentabilidade do
planeta é abordado, contudo, não há indicações para o trabalho com
educação econômica ou educação para o consumo de forma mais direta e
peculiar para crianças da educação infantil, como já consideramos no
presente trabalho.
Feitas essas considerações sobre o currículo oficial mais recente,
salientamos a importância de que a relação entre currículo e consumismo
na infância, aos nossos olhos, só poderá ocorrer a partir da sensibilidade do
educador por meio de uma provocação interna, até que se faça a relação o
tema e a natureza, a preservação e valores humanos, bem como exaltar
outros aspectos da cultura, a estética, a arte, a beleza, de forma que as
crianças não tenham como referência apenas aquilo que é midiático, ou
seja, um caminho para que as crianças tenham outras referências e
recorram à cultura sem exacerbar aquilo que é comprado, pronto,
industrializado.
455
Quando Denegri et al. (2006a) esclarecem seu programa para a
socialização econômica, vemos que buscam uma articulação ao Projeto
Pedagógico Institucional para o desenvolvimento do programa e que há
várias etapas anteriores que buscam ser estabelecidas. No Brasil, isso
ocorrerá de forma inversa, e constar apenas em uma diretriz curricular
pode não garantir um trabalho mais profícuo. Não se questionam a
validade e a importância dos conteúdos de educação econômica trazidos
para a discussão em termos de Diretrizes Curriculares, porém, um trabalho
de formação do docente seria primordial, uma vez que sabemos que na
vivência de um programa de formação como citado por Denegri et al.
(2006a) como uma experiência internacional, busca-se a construção de um
pensamento reflexivo, pois o educador lida com as próprias concepções e
hábitos de consumo incorretos e percorre, durante a participação no
programa, a transformação do pensamento por meio de acompanhamento
constante a fim de metodologias mais adequadas. O professor vivencia o
processo de capacitação e ao final busca construir um projeto
interdisciplinar.
Neste sentido, as pesquisas realizadas e os materiais já existentes,
oferecidos pelo Comitê Nacional de Educação Financeira (CONEF,
2014), podem servir de apoio, porém, não substituem uma formação do
professor, assim como o estabelecimento de conteúdos e objetivos em um
documento curricular não garante a compreensão da importância do tema
e seu desenvolvimento de forma significativa nos espaços escolares. No
que tange as próprias Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação
inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação
pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a
formação continuada a Resolução de 2 de julho de 2015, do Conselho
Nacional de Educação (CNE) não há nenhuma orientação ou indicação a
456
respeito da necessidade para a implantação da educação econômica no
curso.
Nossa pesquisa nos mostrou o quanto crianças da pré-escola e
professores estão vulneráveis aos efeitos da publicidade e à cultura do
consumismo. Mesmo que em alguns momentos os professores apontaram
estar descontentes com comportamentos consumistas das crianças e de suas
famílias, parece-nos ser coerente pensar que educação para o consumo só
é possível se aquele que a provoca possui instrumentos necessários
(conhecimento, metodologia adequada) para que possibilite ocorrer, no
sentido piagetiano, a tomada de consciência quanto aos problemas que o
consumo inadequado e exacerbado pode nos causar. É preciso avançar com
o senso comum e superar a ingenuidade, posicionando-se de forma crítica.
Concordamos com as reflexões de Paiva (2013): há uma pressão
sobre a infância, e vivemos em um mundo marcado pela exaustão da
capacidade de desejar brinquedos, alimentos e roupas, ou, nas palavras de
Bauman (2013) pela exaustão do imediatismo do querer, do consumismo
ou do desejo dele, de forma frenética e volátil. O principal vilão desse
problema da sociedade contemporânea[...] está implícito na sedução, na
persuasão e nos assédios da publicidade sem rédeas que chega às fronteiras
dos maus-tratos simbólicos” (PAIVA, 2013, p. 83). Para Paiva, esse é um
problema de seguridade social porque há um transtorno que envolve pais
e escolas. Há 3 (três) fatores que somados geram condições ideais para que
“as inteligências do marketing” cooptem as crianças para o segmento de
mercado consumidor: a credulidade das crianças, a vulnerabilidade dos
pais (que compensam ausências físicas por bens materiais) e a dificuldade
da escola frente ao “[...] ritmo e características do mundo contemporâneo”
(PAIVA, 2013, p. 81).
Estamos, portanto, diante de um quadro em que todos os sujeitos
fazem parte de um mesmo problema e que sofrem as consequências de uma
457
sociedade do consumo. Tais consequências podem ser minimizadas ou
ampliadas de acordo como nosso comportamento diante do problema.
Como já dissemos anteriormente, a postura de culpabilização do professor
não é o caminho para o avanço, considerando que a vulnerabilidade atinge
crianças e adultos.
Como trouxemos neste livro, crianças e adultos possuem a mesma
trajetória para a construção de conhecimento do ponto de vista funcional.
Alunos e professores da Educação Infantil deverão trilhar um caminho
para a construção do conhecimento sobre consumo consciente, cada qual
com suas estruturas cognitivas, ressignificando também dentro de suas
experiências de vida um novo sentido para o consumo. Não podemos
naturalizar o consumismo infantil, mesmo fazendo parte de uma sociedade
capitalista, se como educadores já compreendemos que é o objetivo da
educação infantil a formação integral da criança, em seus aspectos físicos,
motores, sociais e psicológicos, como nos propõe a Resolução 5 de 2009
(BRASIL, 2009).
No que tange às crenças das crianças pré-escolares quanto ao
consumismo, não dá para ignorar, por exemplo, que uma criança ache
normal ter trinta bonecas, que ela se veja como uma princesa da Disney e
não reconhece sua própria beleza, mas sim os estereótipos de beleza. Ou,
ainda, que o amigo mais legal seja o que tem mais brinquedos, que prefira
ganhar brinquedos a ter a presença do pai, que cante músicas que incitam
a sexualidade porque o consumo musical lhe é muito comum. Conquanto,
a educação da infância ainda não tenha reconhecido que esse possa ser
também um conteúdo a ser explorado, não há outro caminho para o início
da transformação se não for pela construção desse conhecimento social de
forma crítica e menos passiva quanto àquilo que nos é transmitido pela
indústria cultural.
458
Numa sociedade pós-moderna ocidental capitalista, em que a
liquidez, metáfora cunhada por Bauman (2001, 2008), atinge a
individualidade, a construção do tempo e do espaço, a organização do
trabalho e da comunidade, e sobretudo a condição humana e a forma de
se viver, há uma ressignificação dos valores morais e éticos. O
comportamento tendente para o consumismo de uma criança já nos
mostra quais valores as crianças estão construindo e quais elegem para vida
que desejam ter. De acordo com La Taille (2006), é preciso buscar na
dimensão ética e articular a dimensão moral o que é algo bastante
complexo e que depende de muita objetividade. Em um primeiro
momento, poderíamos pensar que os conteúdos que respondem a pergunta
“que vida eu quero viver?”, que marcam a dimensão ética de acordo com
La Taille (2006, p. 36), não possuem fim:
Dinheiro, amor, sexo, sucesso profissional, paixões, glória, poder,
ataraxia, emoções fortes, virtudes, serenidade, vida familiar, aventuras,
reputação, temperança, paz, isolamento, amigos, trabalho, lazer,
autenticidade, autoestima, autossuperação, religião, beatitude, etc.
Encontramos praticamente tudo e seu contrário. (LA TAILLE, 2006,
p. 36)
Os anúncios publicitários utilizam a tática para vender produtos e
serviços. A relação entre a felicidade que promete e uma vida boa atinge
homens, mulheres e crianças, na promessa de satisfação do ego. La Taille
(2006) nos mostra que o materialismo desenfreado, aguçado pela
sociedade do consumo, é um engodo psicológico. O conforto material
deveria liberar a humanidade de algumas tarefas para que se dedicasse a
outras mais significativas, mas esse conforto acaba se tornando um fim em
si mesmo.
459
Quando nos debruçamos a pensar o que uma criança de 5 (cinco)
anos tem nos dito sobre o que precisa para ser feliz, quais são seus desejos
e paralelamente o que a sociedade de consumo nos diz o que uma criança
precisa para ser feliz, inevitavelmente nos remetemos à reflexão axiológica
que atinge a construção da identidade de uma criança.
O que é uma vida boa para a criança em sua perspectiva? Quais
valores as crianças estão construindo que embasam as respostas para essa
pergunta? La Taille (2006) nos ajuda a refletir a respeito da construção da
identidade da criança pelo viés da dimensão ética. De acordo com o autor,
a moral pode ser definida como regras e deveres, e a ética como a vida boa
que vale a pena ser vivida. Moral e ética trazem os respectivos
questionamentos: “como devo agir?” e “que vida eu quero viver?”. La
Taille (2006) nos assevera que há conteúdos diferenciados entre a moral e
a ética. No plano moral, o principal conteúdo é a obrigatoriedade. Embora
se reconheça a pluralidade nos sistemas de morais das diferentes sociedades,
o sentimento de obrigatoriedade do cumprimento é algo comum às
diferentes expressões da moralidade do dever, seja porque o sujeito age pela
perspectiva deontológica (dever de fazer o bem por si só) ou perspectiva
teleológica (dever de fazer o bem pelas consequências que o não fazer
trará). Já no plano ético, em que a pergunta central é: “que vida boa eu
quero viver?”, o conteúdo invariante pertencente a esta dimensão é a busca
de expansão de si próprio. Essa busca de expansão de si próprio, as crianças
inegavelmente têm sido influenciadas pelos valores que nós adultos
estamos possibilitando que elas construam por meio de processos
educativos e vivências do cotidiano.
Para o autor, a busca de expansão de si próprio é um elemento do
plano ético que se articula com outros elementos psicológicos, e que tais
elementos também variam de acordo com os sistemas éticos: a avaliação
subjetiva sobre ideais e metas que cada um elege para a sua vida, a busca
460
pela expansão seguindo o fluxo do tempo da vida, lidando com
acontecimentos da vida e por fim a busca do sentido da vida. A busca de
si próprio e o gozo necessário da felicidade está relacionada à autoimagem
da pessoa, “[...] é ver a si próprio como pessoa de valor capaz de afirmar-se
enquanto tal, de enxergar perspectivas de alcançar um grau satisfatório da
tendência de elevar-se, de se desenvolver” (LA TAILLE, 2006, p.48).
Em suma, para La Taille (2006), os 2 (dois) processos psicológicos,
o sentimento de obrigatoriedade e a expansão de si próprio são
fundamentais para a moral dos deveres e para a ética da felicidade, que
estão interligados. Quando se pensa a relação entre afetividade e cognição
na perspectiva piagetiana sobre a evolução da moralidade, podemos
afirmar que há no plano ético as motivações que explicam as ações morais.
Nesse sentido, crianças e adultos buscam a expansão de si e
possuem autorrepresentações ligadas a valores morais. O ser humano
constrói sua identidade nesse processo de busca de expansão de si, que tem
seu início na infância, e os elementos que os compõem são o julgamento
do outro, o êxito e o fracasso em suas realizações, suas expectativas e
modelos permeados por valores diversos. “[...] Forma-se uma identidade:
um conjunto de representações pelo qual o sujeito se reconhece como ser”
(MARQUES; TAVARES; MENIN, 2017, p. 29).
Para Bauman (2013, p. 83), a máxima que a sociedade de consumo
nos impõe é: “Compro, logo existo”. “[...] A plenitude do prazer de
consumir significa a plenitude da vida. Infelizmente, desde bebês somos
treinados e adestrados a tratar lojas o comércio em geral como farmácias
que nos trarão a cura ou o alívio de aflições e moléstias de nossas vidas.
“[...] Comprar por impulso e livrar-se de pertences não mais atraentes o
bastante a fim de colocar outros, mais interessantes em seu lugar, são nossas
emoções mais instigantes” (BAUMAN, 2013, p. 83). Nessa perspectiva,
os consumidores marginalizados, o não comprar é o “[...] estigma
461
desagradável e pustulento de uma vida sem realizações, de ser uma não
entidade e de não servir para nada” (BAUMAN, 2013, p. 83). Há uma
falta de significado de vida, e não somente há a falta de prazer, mas a falta
de dignidade humana.
Ocorre que no início do desenvolvimento de identidade, desde que
o bebê nasce, há uma diferenciação entre o eu e o mundo, e que
paulatinamente busca no decorrer da vida situar-se entre quem é ele e
quem é o outro. Graças à chegada da função simbólica, há um processo
de tomada de consciência do ser dentro do espaço e do tempo, e a criança
aos poucos se torna capaz de diferenciar quem é ela de quem é o outro, e
ao mesmo tempo constituir-se a partir das imitações, das vivências
culturais e simbólicas, e reconhecer a sua própria imagem pela sua própria
perceptibilidade.
Nesse processo de construção de identidade e tomada de
consciência, ocorre também a construção de sua autoimagem e
autoconceito, constituídos e influenciados pelas relações de afeto
estabelecidas. Podem se tornar tanto positivas quanto negativas,
dependendo da qualidade da relação entre pais e filhos e de outros adultos
significativos, como professores da primeira infância. A forma como os
adultos significativos à criança comunicam-se é muito importante para que
ela se veja como um sujeito de valor, e portanto com uma autoimagem e
autoconceito positivos (PEREIRA, 2002). O conforto material e os bens
de consumo devem existir de uma forma equilibrada, mas nunca
substituirão o afeto na constituição da identidade de uma criança.
O olhar e o julgamento do outro é importante para a formação da
identidade da criança, mas os modelos com os quais as crianças se
identificam são muito fortes, principalmente nas crianças entre 2 (dois) e
6 (seis) anos, em que a imitação pela função simbólica ocorre de maneira
tão intensa. Por isso, aquilo que estamos oferecendo ou deixando de
462
oferecer nos espaços da educação infantil para a reflexão sobre consumo,
os modelos que estamos oferecendo a elas são merecedores de valor e de
admiração, e têm forte influência sobre as crianças. Os adultos, pela sua
forma de viver e de se comportar influenciam diretamente as crianças. Se
valores individualistas, consumistas, de submissão, da vantagem sobre o
outro, ligados à exacerbação da beleza e de bens materiais, ou mesmo
ligados à popularidade e à exibição do ter estão presentes desde a infância
no seio familiar, a escola terá ainda um papel mais importante ao oferecer
outros tipos de referência e valores: a cooperação, o bem estar coletivo, a
postura crítica, a solidariedade, a convivência democrática, a justiça, o
respeito mútuo e a valorização do ser e não do ter.
Piaget (1964/1978) nos comprova que somente as crianças acima
de 6 (seis) anos possuem a consciência do ato de imitar, ou seja, as crianças
em idade para a educação infantil não possuem uma “dissociação nítida do
que provém de fora e o que pertence ao eu” (PIAGET, (1964/1978,
p.102), também pela sua característica egocêntrica. Há um sincretismo na
percepção da criança, e por isso ele nos diz que a imitação de crianças entre
2 (dois) e 7 (sete) anos é uma atividade perceptiva, carente da capacidade
de “análise e comparações, de antecipações e de transposições” (PIAGET,
(1964/1978, p. 102) e por isso caracteriza-se como ação passiva da criança.
Sendo assim, podemos dizer que essa é mais uma condição de
vulnerabilidade das crianças quanto às relações e modelos expostos.
Oliveira e Shimizu (2011), em seus estudos sobre a influência dos
desenhos animados para a moralidade infantil, também corroboram o
pensamento do papel da imitação no consumo, como já observamos no
presente trabalho. Asseveram-nos que os modelos veiculados pela mídia
são suscetíveis de serem imitados pelas crianças e que podem também
influenciar as tendências mais heterônomas, de acordo com as estruturas
cognitivas que possuem. Os personagens de desenhos animados podem
463
servir de referência e modelo no caso de crianças, principalmente as com
tendência heterônoma e presas ao egocentrismo, e denotam também que
os modelos de condutas advindos dos personagens animados com grandes
prestígios entre as crianças podem exercer a manutenção dos
comportamentos entre os pequenos.
Os ícones televisivos, portanto, merecem reflexão porque também
se tornam elementos modelos, em geral personagens infantis de referências
para as crianças. Infelizmente, parte deles traz estereótipos sobre a imagem
do que é ser forte, do que é ser mulher (passiva, sedutora, feminina e
popular, entre outros), do que é ser homem (ousado, trabalhador, forte,
corajoso), do que é ser feliz (tem a posse de poderes, ter objetos mágicos,
domínios sobrenaturais), ser bem sucedido (dar-se bem em todas as
situações da vida) e que são sempre aceitos socialmente. Já afirmamos,
porém, que há também uma volatilidade quanto aos personagens que
mudam constantemente, ofertados pela indústria e comércio, assim como
quanto à gama de produtos que acompanham o personagem para o
consumo das crianças e em vários momentos da vida dela: vestir-se, calçar-
se, brincar, higienizar-se, alimentar-se e estudar, entre outras ações, que
ocorrem tanto no espaço familiar quanto escolar, como nossa pesquisa
revelou.
Para exemplificar, enquanto se tecia esta pesquisa, vimos pelo
trabalho de observação em campo e findar das entrevistas a transformação
de interesses entre as meninas quanto à Baby Alive, bonecas Newborn,
bonecas da Ladybug, os personagens de novelas Cúmplices de um Resgate
e inúmeras Barbies. Poucos meses depois foi possível acrescentar para esse
rol de bonecas a nova febre no Brasil, que é a miniboneca LOL (10
centímetros), que pode chegar a custar em torno de um quinto de salário
mínimo. Infelizmente, as crianças estão desde a tenra idade formando seu
autoconceito e sua autoimagem com um “self insatisfeito”, desejando a
464
todo instante a compra para a satisfação de tais desejos, para alcançarem a
“vida boa”. A promessa de satisfação dos desejos humanos da sociedade de
consumo em que vivemos “[...] só permanece sedutora enquanto o desejo
continua insatisfeito” (BAUMAN, 2008, p. 63).
Estamos diante de uma ascendência dos valores materialistas à
medida que as crianças crescem, pois também se ampliam as experiências
materiais, e recebem por diversos meios a publicidade mercadológica.
Além disso, as crianças pequenas em idade pré-escolar não possuem
estruturas cognitivas para compreenderem a lógica do mercado e a
influência em suas vidas, e à medida que crescerem, se não houver
intervenções adequadas que as possibilitem pensar sobre o caso, esta
ascendência a valores consumistas crescerá ainda mais.
Foi possível confirmar esse pensamento com os dados que a
pesquisa nos trouxe: 40 % (quarenta por cento) das crianças alegam não
ser possível brincar sem o brinquedo midiático, 83% (oitenta e três por
cento) confirmam que possuem objetos e artefatos midiáticos, que em suas
escolhas para o objeto escolar mochila, 86% (oitenta e seis por cento)
preferem os objetos que possuem personagens estampados, e ainda que
52% das crianças preferem sair para comprar a brincar.
Assim, fabricam-se novos desejos, produz-se o sentimento de
ansiedade em crianças pela espera da nova mercadoria, do brinde ou
brinquedo, enfim, grande parte das campanhas publicitárias direcionadas
às crianças enfatiza que, ao adquirir o produto anunciado na mídia, elas
serão mais felizes, bem sucedidas, mais queridas e populares entre os pares,
além de ter temporariamente amenizadas outras ansiedades geradas pela
sociedade contemporânea (como a falta de tempo entre as pessoas). A
mídia também tem a função socializadora de transmitir informações para
adultos e crianças de uma mesma família, garantindo, em um processo de
dupla entrada, que “[...] a mídia ensine às crianças padrões e valores de
465
acordo com o que eles adotam, e moldem as atitudes em relação à realidade
social” (SRAMOVÁ, 2014, p. 256).
Vimos isso em vários momentos, em especial no questionamento
aos alunos, quando mostramos fotografias para que escolhessem com quem
gostariam de se parecer, 47, 82% das respostas, apontaram a imagem em
que o fator presença de adornos e roupa diferenciada predominava, ou
seja, crianças com 5 (cinco) anos já demonstram a valorização de estilos
que se identificam com valores de consumo, como representa a fala de
PED: “é porque ele teria tudo o que ele quiser, boné, anel, sandália,
relógio, camiseta” .
Esta comprova a vulnerabilidade da criança frente às
artimanhas mercadológicas e o quanto é preciso conhecer como se dá a
construção do conhecimento social dos alunos desde a educação infantil,
como vimos nas pesquisa nacionais que investigaram o pensamento ou
comportamento tendo como sujeitos crianças e adolescentes no campo da
psicologia econômica de base piagetiana, revelam Rocha (2009); Cantelli
(2009); Ferminano (2010); Granja (2012); Bessa, Ferminano e Denegri
(2014), e Silva (2015), além das pesquisas internacionais Leiser (1983);
Denegri (1999); Delval e Denegri (2002); Amar et al. (2003), Denegri et
al. (2005a); Denegri et al. (2006a, 2006b), que o conhecimento sobre
recursos monetários e de consumo dependem das estruturas cognitivas dos
sujeitos, da interação e da transmissão social.
A vulnerabilidade das crianças é comprovadamente maior (LA
TAILLE, 2008; GUNTER; FURNHAM, 2001; LINN, 2010) que de
adolescentes e adultos, porque como já afirmamos aqui, elas não possuem
todas as ferramentas cognitivas que permitem compreender o que de fato
está sendo apresentado, e muito menos o que tem por trás de cada anúncio
publicitário ou cada produção de um novo produto lançado no mercado.
466
As armas utilizadas pelo mundo publicitário e pelo mundo do
marketing são em geral carregadas de representações simbólicas e
altamente estimulantes, com um poder de persuasão que quando menos se
espera invadem sua casa e influenciam sua maneira de ser e estar no
mundo.
Parece-nos que quando se trata de interesses mercadológicos, o
sentimento de infância, recorrente antes da modernidade em que era
criança era vista como um adulto em miniatura e, portanto, como alguém
que não pertencia a um universo diferenciado, desconsiderando suas
características peculiares, ainda está presente no mundo contemporâneo,
pois as crianças não são poupadas e nem respeitadas quanto a sua condição
de desenvolvimento. Paradoxalmente, é justamente a sua condição
peculiar que está sendo explorada pelos marqueteiros; há uma excessiva
exploração do consumo com apelo de personagens infantis, ou então as
crianças são submersas em um mundo adulto em que os valores do ter se
sobrepõem ao ser, em que estão sendo adultizadas precocemente, expostas
a ambientes com músicas, trajes, assuntos e referências incompatíveis à
compreensão cognitiva e emocional da criança para julgar, analisar ou
criticar.
Culpabilizar a família, como acreditam alguns professores, não
trará melhorias quanto ao envolvimento da criança na cultura do consumo.
Embora o discurso da culpa seja recorrente na relação escola e família em
meio a tantas outras questões (entre elas disciplina e aprendizado), isso não
é, por conseguinte, uma crença, característica não apenas desse grupo de
professores investigados. A família também se encontra vulnerável às
sedutoras armadilhas do consumo, e isso inevitavelmente reflete na escola
quanto ao comportamento, valores e escolhas das crianças.
Para Schor (2009), a indústria do consumo tem utilizado três
argumentos de defesa às críticas que tem recebido sobre os efeitos negativos
467
do consumo na infância e publicidade diretiva a esse público. Um deles, já
abordado neste livro, é o discurso do empoderamento infantil. O outro
discurso é sobre a saúde econômica das empresas que produzem melhores
produtos e geram emprego, e por último a culpabilidade dos pais. Para os
marqueteiros, a cultura do consumismo é de total responsabilidade dos
pais. “[...] Se as crianças se tornaram materialistas, obesas ou agressivas,
isso se deve à incapacidade dos pais de realizarem seu trabalho” (SCHOR,
2009, p. 194). Acusam a família de não dedicarem o tempo necessário às
crianças, de permitirem que as crianças assistam televisão em demasia, de
serem permissivos e não imporem limites. Obviamente, há uma parcela de
responsabilidade da família na educação e socialização para o consumo,
mas que não é somente da família. Todavia, é preciso pensar na qualidade
das relações e comunicações entre os familiares e o processo de socialização
acerca do consumo. Se em uma relação entre pais e filhos não há a tomada
de consciência primeiramente dos pais acerca do consumo, dificilmente
haverá dos filhos, que viverão exclusivamente em um ambiente
consumista.
Não obstante, se a culpa é dos pais, como a indústria quer que
acreditemos, assim como alguns educadores participantes desta pesquisa
definem a problemática do comportamento do consumismo, precisamos
então pensar quem educará a família. De acordo com Linn, os pais
também são vítimas de um sistema:[...] A indústria do marketing tira
vantagem do desejo inato dos pais de quererem a felicidade dos filhos”
(LINN, 2006, p. 64).
Neste sentido, cremos que seja possível que a escola abrace a sua
parcela nesse processo educacional, mas que não é somente tarefa da escola.
Concordamos com Linn (2006) quando diz que é preciso uma
comunidade inteira para educar uma criança, pois além da família também
necessitar do processo educativo para o consumo, é preciso pensar na teia
468
de relações que uma criança possui e suas experiências além dos familiares,
assim como na fiscalização da publicidade e do consumo voltados para as
crianças.
469
Considerações Finais
O que a Comunidade Escolar da Infância Poderia
Fazer Diante do Consumismo?
Esta pesquisa que deu origem a este livro, não tinha como objetivo
pensar o consumismo em si, mas conhecer as crenças de professores e
alunos além dos ambientes da educação da infância acerca do consumismo
infantil. Cremos, porém, ser de suma importância provocar algumas
reflexões que possam contribuir para que a escola repense sua colaboração
nesse processo de construção de conhecimento social que é o consumo
consciente, que não reproduza a lógica de uma sociedade de
consumo/consumista.
O processo de tomada de consciência para professores e família
constitui-se na compreensão de como ocorre o complexo fenômeno do
consumo e, ao mesmo tempo, para elevar essa compreensão a uma reflexão
mais profunda, é necessário ressignificar conhecimentos acerca do
consumo que ultrapassam a necessidade. Pois como nos diz Bauman
(2008), o consumo parece algo aparentemente banal, trivial, que fazemos
de uma maneira automática, sem planejamento e sem análise de
consequências, mas que não deveríamos pensar e agir dessa maneira. Essa
tomada de consciência se relaciona também com o desenvolvimento de
uma moral autônoma em uma perspectiva piagetiana da cooperação. Agir
autonomamente não significa agir por si só, em suas necessidades e anseios
sem pensar no outro. A tomada de consciência em um ambiente
cooperativo implica pensar também no próximo e no bem comum para as
470
tomadas de decisões sejam coerentes com o seu bem estar, o bem estar do
grupo sem que o meio ambiente seja prejudicado (FERMIANO, 2010).
Fermiano (2010) assevera-nos sobre a importância da troca entre os
indivíduos, do diálogo para a resolução de problemas de maneira que se
estabeleça o equilíbrio entre as relações humanas; entre o homem e a
natureza, entre o homem com ele mesmo.
Nessa perspectiva, não podemos assumir uma postura omissa
enquanto escola, e esta pesquisa nos trouxe as próprias afirmativas dos
professores sobre a necessidade e possibilidade de um trabalho sobre o
consumo na educação infantil. No intuito de contribuir, traçaremos
algumas diretrizes como forma de reflexão para que a comunidade escolar
encontre o melhor caminho para a construção de conhecimentos social
acerca do consumo consciente. Assim levantamos alguns aspectos que
possam ser norteadores para o trabalho contra o consumismo infantil:
I Que a escola seja um espaço para se discutir os problemas
contemporâneos da infância e entre eles o consumismo
A escola é um espaço privilegiado, uma instituição destinada a
ensinar. Embora tantos outros espaços promovam a possibilidade da
produção do conhecimento, é a escola que tem um compromisso com a
construção do conhecimento como instituição autorizada a promover o
currículo junto aos educandos. Este currículo não pode estar alheio aos
acontecimentos e problemas pós-modernos que estão afetando a infância.
Dentro da equipe escolar, cabe a observação e levantamento para aquilo
que está mais frágil e que necessita de transformações. A temática
consumismo pede um olhar especial, e suas consequências como
471
obesidade, adultização precoce, erotização, ansiedade e formação de valores
entre outros temas podem ser debatidos pela escola.
Apenas para exemplificar, o assunto alimentação pode ser um bom
começo, pensando nos altos índices de obesidade e na saúde da infância e
problemas como colesterol e triglicérides, que antes eram considerados
problemas de adultos, hoje já são enfrentados na infância. Embora não
tenhamos abordado diretamente na pesquisa a alimentação diária, mas
apenas em datas festivas, pois as escolas participantes da pesquisa não
possuem cantina e recebem alimento de uma cozinha piloto mantida pela
administração pública local
20
, não podemos desconsiderar a questão da
alimentação errada que ocorre nas escolas de educação infantil,
principalmente escolas particulares em que alimentos como salgadinhos e
refrigerantes entram muitas vezes sem qualquer orientação ou
impedimento.
Esta pesquisa constitui um estudo de caso cujo palco é o setor
público, que embora não tenha apresentado grandes problemas com o
lanche oferecido no cotidiano (com exceção de dias festivos), sabemos que
muitas escolas públicas (ensino fundamental e ensino médio) e
principalmente as particulares (educação infantil, ensino fundamental e
ensino médio) não seguem as orientações sobre cantina saudável previstas
pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria de Atenção à Saúde (BRASIL,
2007; BRASIL, 2010). Esta cartilha aduz orientação e exemplos de
regulamentação e comercialização de alimentos em escolas no Brasil, mas
20
Existem nutricionistas que organizam o cardápio de lanches e refeições oferecidas às crianças,
buscando sempre introduzir, dentro das possibilidades financeiras do município, saladas e frutas
provenientes dos produtores da agricultura familiar, que são parceiros. As unidades escolares da
modalidade creche recebem em espécie alimentos como frutas, verduras, carnes e outros necessários
para a realização dos alimentos no próprio local.
472
não existe uma lei de abrangência nacional que regulamenta isso, ficando
a cargo dos estados e municípios essa função.
A presente pesquisa mostrou que muitos professores trazem a
questão da alimentação saudável como projeto. Tendo em vista a
importância do tema para a saúde das crianças, a escola pode realizar um
trabalho com a comunidade toda, levantando os hábitos alimentares,
fazendo parcerias com órgãos responsáveis e promovendo orientações
permanentes e uma interlocução com a família.
IIQue os órgãos responsáveis por formações iniciais e continuadas
tematizem as questões contemporâneas, como por exemplo o
consumismo
Ao nos embasarmos pela teoria piagetiana, vimos que no que tange
ao conhecimento social, a transmissão de informações apenas não é
suficiente. É preciso que os educadores se sintam mobilizados e provocados
pela questão, além da apropriação de uma teoria que os ajude na superação
do senso-comum, e sobretudo possam estar abertos para conhecerem a
lógica da infância. Essa apropriação poderia estar presente desde a
formação inicial, prevista em matrizes curriculares de cursos de licenciatura
- Pedagogia, assim como cursos de formação continuada, que podem ser
oferecidos não somente para professores, mas para todos os membros da
equipe escolar.
Conhecendo os processos psicológicos da criança, Piaget (1926)
postula que ela ainda não é capaz de diferenciar o mundo interior do
mundo exterior, pois, presa ao egocentrismo, possui uma estrutura lógica
diferente dos adultos. Nesse sentido, suas ideias e relações sociais vividas
merecem uma investigação cuidadosa, já que revelam o olhar da criança
473
sobre o consumo e a possibilidade de pensar práticas educativas mais
assertivas. Por sua vez, o pensamento infantil que está em desenvolvimento
não tem estruturas cognitivas suficientes para relacionar e elaborar
informações, dependendo, portanto, do apoio dos adultos para os
primeiros conceitos acerca do mundo social.
De uma maneira geral, os educadores, e não somente professores
regentes, mas adultos do espaço escolar, precisam de formação acerca das
relações sobre o consumo, sobre o consumismo infantil e outros problemas
que atingem a infância na pós-modernidade. Assim como toda a
complexidade que está por trás deste problema, que os professores tenham
claro o caminho para a construção de conhecimento social, como as
crianças pensam sobre questões sociais e quais são os níveis de
conhecimentos que um sujeito constrói pelas relações de interação que
estabelece.
A educação econômica para o consumo dos adultos é um primeiro
passo que pode trazer elementos positivos para as crianças. Denegri et al.
(2014) e Bessa (2008) defendem a formação dos educadores como forma
de melhorar a sua ação também enquanto cidadãos. É preciso incorporar
nos processos de formação docente inicial a aprendizagem de conceitos
econômicos-chave, integrando a teoria e a autorreflexão sobre o seu
cotidiano, construindo ferramentas que possibilitem a construção do
conhecimento a partir de seu exemplo e de suas próprias práticas, e a
construção de informações que de fato serão necessárias aos alunos,
contribuindo para a formação de cidadãos e não consumidores, orientando
os alunos dentro de uma pedagogia para a cidadania ativa e responsável.
Uma educação econômica que perpasse não somente transformações de
sua vida pessoal, mas que alcance esferas maiores, em que o professor
consiga perceber o impacto “do eu”, das crenças e das ações individuais
sobre “o nós”.
474
Um educador reflexivo trará em seu planejamento suas
preocupações e reconhecerá aquilo que é mais essencial, sem interferências
do que é senso comum, do que já foi cristalizado pela sociedade e pela
escola às vezes sem muita reflexão. Em se tratando de consumismo na
infância, é preciso que os professores estejam atentos ao que fere
essencialmente as crianças pequenas. Que os educadores possam, junto à
comunidade escolar, repensar o significado de suas práticas pedagógicas,
por exemplo, datas comemorativas que envolva o consumo, o dia do
brinquedo, utilização da televisão na escola e filmes que não alimentem
ainda mais a indústria cultural, assuntos tematizados em rodas de conversa
e cuidados com a valorização de falas com valores consumistas, veiculação
de músicas inapropriadas, venda de refrigerante em dias festivos, uso de
uniformes e circulação de materiais com apelos midiáticos, entre outros
aspectos, chegando a um posicionamento crítico ao traçar ações coletivas
entre adultos e crianças que de fato colaborem para amenizar o problema
do consumismo na infância.
IIIQue se promovam espaços para a reflexão entre as crianças acerca
do consumismo
Promover entre as crianças diálogo que ultrapasse a simples
transmissão de informações. As crianças precisam ser observadas e ouvidas
quanto as suas hipóteses e desejos, assim como quanto ao conhecimento
sobre o que consomem.
A criança é um ser ativo e precisa ser respeitada em suas capacidades
e na sua lógica acerca do conhecimento social. A criança deve ser provocada
a expressar suas ideias, sentimentos, hipóteses, opiniões e dúvidas, e que o
professor respeite o nível de conhecimento da criança, construindo
475
projetos a partir das necessidades encontradas e investigação traçada junto
às crianças para que elas percebam que é possível ampliar seus
conhecimentos, trocar ideias com os amigos e participar ativamente das
atividades programadas junto ao professor sobre a temática do consumo.
Além de proteger as crianças dos efeitos nocivos da publicidade, é
preciso ensiná-las a serem consumidoras (LA TAILLE, 2008). Tendo em
vistas o acesso que as crianças têm tido a propagandas e programas
abusivos, há uma necessidade de alfabetização crítica da mídia desde a
educação infantil.
IV Pensar um projeto em longo prazo que envolva toda a comunidade
escolar e construir articulações com as famílias para que compreendam
e reflitam o sentido do consumo, pautado em atitudes responsáveis para
a educação da criança
A necessidade da alfabetização para o consumo não pode ser uma
tarefa só da escola, tendo em vista que o consumismo atinge as crianças.
Antes de entrar nas escolas da infância, já atinge os bebês muito antes de
nascerem. Acreditamos, porém, na força que a escola tem junto à
comunidade escolar. Bauman (2013) utiliza a expressão “do berço ao
túmulo”, mas é possível pensar o quanto as famílias já direcionam suas
compras mesmo antes do nascimento. Poderíamos até pensar em uma
perspectiva uterina, ou seja, antes mesmo do bebê nascer ele já moveu
muito consumo pelos adultos que o esperam. Pela pesquisa, foi possível
pensar o quanto crianças entre 5 e 6 anos têm construído seus valores e
conhecimento de consumo, contudo, não a escola não pode ser a única
responsável pela formação da comunidade. O consumismo infantil é um
problema social que atinge diversas áreas, entre elas a saúde, áreas
476
ambientais, conselhos de direitos das crianças, enfim, todos os envolvidos
em uma teia poderiam pensar em processos educativos.
É possível que a escola trace coletivamente junto à família um
projeto de ação (em curto, médio e longo prazo) para a sensibilização,
discussão e projeção de ações acerca dos problemas do consumismo,
considerando as singularidades de cada comunidade. É preciso que se
estabeleça um projeto que atinja crianças e adultos, vislumbrando que
todos possam construir uma relação mais sustentável com o consumo.
V – Que a escola possa expandir e intensificar a cultura e a arte em suas
expressões de música, dança, teatro e artes visuais para que as crianças
possam ter referências mais enriquecidas, livres da pressão da indústria
cultural
A pesquisa nos trouxe o quanto é presente e forte as referências
midiáticas na vida da criança pré-escolar. Dentro de uma perspectiva
construtivista, cremos que a escola seja um dos espaços mais importantes
para do universo cultural da criança e que oferece possibilidades e desafios
diferentes e enriquecidos para provocá-las a pensar e ter outras referências
para sua vida.
De acordo com as Diretrizes Nacionais Curriculares para a
Educação Infantil, Resolução 5/2009, em seus artigos 3º (terceiro) e 4º
(quarto), articula-se a concepção de currículo como práticas que articulam
saberes das crianças e conhecimentos que fazem parte do patrimônio
cultural, artístico, ambiental e tecnológico que busque o desenvolvimento
integral da criança de 0 (zero) a 5 (cinco) anos, concebida como:
477
[...] sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas
cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva,
brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra,
questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade,
produzindo cultura (BRASIL, 2009, n. p.).
Isso significa que as crianças em âmbito escolar são vistas como
cidadãs que merecem todo o respeito e cuidado ao planejar as relações que
vivenciará na escola. É preciso que o aluno da educação infantil tenha
acesso a um conhecimento que o ajude a construir referências que superem
aquelas dadas pela mídia, enriquecendo seu olhar com a cultura de seu
povo, as histórias, as artes, os personagens folclóricos, a música que
referencia a cultura da infância e também a cultura popular, e que tenha
acesso aos conhecimentos científicos. Construir brinquedos, estudar
nossos personagens folclóricos para rememorar as raízes de nossa cultura,
criar seus próprios super-heróis, realizar saraus literários, pesquisar e dançar
a diversidade de gêneros musicais e pensar sobre as mensagens que as
músicas nos trazem são exemplos de ações positivas para a educação pré-
escolar presentes em projetos e sequências didáticas. Isso não significa que
ela não vá conviver em seu ambiente familiar ou outros ambientes da
sociedade com aquilo que a mídia lhe oferece, mas significa que ela terá
vivências e referências muito positivas que influenciarão suas escolhas, seu
imaginário, seus valores, ou seja, seus conhecimentos sobre o mundo.
Atendendo aos direitos de aprendizagem e desenvolvimento na
educação infantil, estabelecidos pela Nova Base Curricular Comum para
Educação Infantil (BRASIL, 2017), nossas crianças têm o direito de
“conviver” com outras crianças e adultos utilizando várias linguagens, de
“brincar” de diferentes maneiras e cotidianamente ter direito a bens
culturais, de “participar” do planejamento e atividades da escola de forma
ativa, tendo acesso à diversidade de possibilidades, materiais e assuntos; de
478
“explorar” ambientes e espaços por meio de elementos da natureza e da
cultura a fim de ampliar seus conhecimentos; “expressar” suas emoções,
gestos, pensamentos e relacionamentos, apropriando-se de diferentes
linguagens e “conhecer-se”, constituindo sua identidade pessoal, social e
cultural, desenvolvendo uma autoestima positiva de si e do grupo a que
pertence.
Se a escola não provocar e a família não mostrar forças; se a
sociedade e o Estado não se mobilizarem para ações concretas contra o
problema do consumismo que assola a infância e se revela também na
escola, que tipo de criticidade a criança vai desenvolver se ela não consegue
estabelecer relações com as suas próprias representações? A criança ficará
muito suscetível ao que o mercado oferecer. O tipo de sociedade que
queremos está estritamente ligado ao tipo de educação que podemos
oferecer desde a educação da infância.
Investigar como as crianças pré-escolares revelam seus
conhecimentos e valores com postura consumistas e reconhecer o papel da
educação infantil nesse percurso mostrou-se necessário, bem como
conhecer as crenças dos professores sobre as formas interventivas que
colaborem com esse processo de conhecimento social já alimentado pela
sua primeira socialização, que é a família. Esperamos que o presente
trabalho traga colaborações importantes para um início de discussão nas
escolas da infância.
Pais e professores talvez não tiveram a chance de construir
conhecimentos críticos acerca do consumo e por isso reproduzem alguns
comportamentos ou agem de forma acrítica. Mas há que se ter esperanças
na reversão do quadro, na quebra do ciclo. James Heckman, prêmio Nobel
de Economia em 2000, realizou uma pesquisa longitudinal por décadas e
comprovou que o investimento na qualidade de vida da primeira infância
é que trará maiores retornos positivos para a sociedade e para evolução
479
econômica e social. Campos Junior (2018), presidente do Global Pediatric
Education Consortium, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria,
corrobora tal ideia de que dar condições de desenvolvimento para uma
infância saudável “é o único alicerce incorruptível da cidadania”.
É preciso haver uma alfabetização econômica, midiática e política
que caminhem juntas para o enfrentamento dos desafios da globalização
presentes no ambiente familiar e escolar e na sociedade como um todo,
como nos diz Denegri (2013). Lembremos sempre que “uma criança que
nasce é a humanidade que tem nova chance de rever seus valores, suas
práticas, suas formas de vida”, como nos provoca Lino de Macedo (2005),
na epígrafe deste trabalho. Apostamos nisso para a construção desses
conhecimentos necessários para o bem comum e para o desenvolvimento
de valores humanos desde a infância, assim como cremos no processo
educativo em uma perspectiva construtivista para que adultos
redimensionem sua prática pedagógica e sua vida.
481
Posfácio
Eu tive um prazer imenso em ler esta obra sobre professores,
crianças e consumo. Ao ser convidada para colaborar em seu posfácio
fiquei pensando o quão importante foi e será a reverberação das ideias
criteriosamente escritas e articuladas.
Com certeza, a publicação é mérito da autora, Denise Rocha
Pereira e, da orientação ímpar, de sua orientadora Eliane Saravalli.
Muitas pessoas serão beneficiadas e sensibilizadas com as temáticas
e análises dos dados coletados realizadas de forma clara. Quando uma
pesquisa vem a público ela provoca um processo de autoconhecimento,
reflexão, crítica e incentiva que pensemos em propostas para agir em defesa
do fortalecimento de adultos e crianças diante de uma sociedade digital,
tecnológica que demarca desigualdades cada vez mais profundas.
A minha alegria é saber que essa obra belíssima irá nutrir muitas
pessoas com conhecimento essencial para os cidadãos do século XXI.
Maria Belintane Fermiano
h
ttps://doi.org/10.36311/2021.978-65-5954-206-2.p481-482
483
Referências
ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Indústria cultural: o
esclarecimento como mistificação de massas. In: ADORNO, T.;
HORKHEIMER, M. (Orgs.). Dialética do esclarecimento: fragmentos
filosóficos - 1947. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1985. p. 57-89.
Disponível em:
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Pareceristas
Este livro foi submetido ao Edital 001/2021 do Programa de Pós-
graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, câmpus
de Marília e financiado pelo auxílio nº 0798/2018, Processo Nº
23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES. Contamos com o apoio
dos seguintes pareceristas que avaliaram as propostas recomendando a publicação.
Agradecemos a cada um pelo trabalho realizado:
Adriana Pastorello Buim Arena
Alberto Luiz Pereira da Costa
Alexandre Filordi de Carvalho
Américo Grisotto
Ana Claudia Saladini
Ana Maria Klein
Angelica Pall Oriani
Carlos Bauer
Carlota Boto
Celia Regina Rossi
Cinthia Magda Fernandes Ariosi
Claudia Cristina Ferreira
Cristina Maria Carvalho Delou
Daniel Ferraz Chiozzini
Domingos Leite Lima Filho
Erika Porceli Alaniz
Francismara Neves de Oliveira
Genivaldo de Souza dos Santos
Giza Guimarães Pereira Sales
Joana Tolentino
Jose Deribaldo Gomes dos Santos
Lalo Watanabe Minto
Lia Leme Zaia
Luciana Aparecida Nogueira da Cruz
Luciano Mendes de Faria Filho
Márcia Lopes Reis
Maria Cristina da Silveira Galan Fernandes
Maria de Fatima Felix Rosar
Maria José Viana Marinho de Mattos
Maria Lucia Marques
Marta Sueli de Faria Sforni
Mauro Castilho Gonçalves
Nadia Aparecida Bossa
Nilza Sanches Tessaro Leonardo
Ofelia Maria Marcondes
Olga Maria Piazentin Rolim Rodrigues
Rita Melissa Lepre
Sandra Aparecida Pires Franco
Simone Wolff
Sonia Bessa da Costa Nicacio Silva
Virgínia Pereira da Silva de Ávila
Comissão de Publicação de Livros do Edital 001/2021 do
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus de Marília
Graziela Zambão Abdian, Patricia Unger Raphael Bataglia,
Eduardo José Manzini e Rodrigo Pelloso Gelamo
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Normalização
Kamila Gonçalves
Ilustração da capa
Bernardo Rocha Pereira Simões (6 anos)
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
É possível haver crianças consumis-
tas, sem que tenham capacidade para se au-
tossustentarem? Quem forma os valores e
interesses de consumo na infância? Como
o consumismo se manifesta na educação in-
fantil? O que pensam os professores sobre a
complexa problemática que atinge a infân-
cia? Quais artefatos culturais que as crian-
ças consomem em casa e na escola? Como a
escola de Educação Infantil pode contribuir
para as ações e as reexões sobre o consumis-
mo infantil?
Essas e outras questões podem ser re-
etidas nesta obra, fruto de uma tese de Dou-
torado em Educação, realizada sob a luz da
perspectiva da Psicologia Genética de Jean
Piaget e estudos de Psicologia Econômica,
investigando as perspectivas de professores
e crianças da Educação Infantil (pré-escola),
além do ambiente escolar, uma triangulação
necessária para a reexão acerca da sociedade
em que vivemos.
Denise Rocha Pereira é formada em Pedago-
gia, Mestrado e Doutorado em Educação
pela Unesp – Marília, na linha de pesqui-
sa: Psicologia da Educação: processos edu-
cativos e desenvolvimento humano. Foi
membra do grupo de Pesquisa GEADEC
(UNESP/Marilia). Possui especialização
em Educação Especial Inclusiva e curso do
PROEPE em Educação Infantil (Unicamp).
Já atuou na Educação básica (professora de
Educação Infantil). É professora no curso de
Pedagogia (UNISALESIANO) responsável
por disciplinas voltadas à educação infantil e
Pós-graduação (Psicopedagogia) concilian-
do a função/cargo de supervisora de Ensi-
no na Rede Municipal (no interior de São
Paulo), em que parte de seu trabalho é atuar
como formadora de educadores de Educação
Infantil.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
A sociedade de consumo destrói a saúde planetária, pois além de degradar
cada vez mais o meio ambiente como se houvesse uma fonte inesgotável de
recursos naturais, contribui negativamente para a formação de cidadãos in-
conscientes de suas necessidades reais e já afeta a formação da identidade de
crianças desde a primeira infância, pois elas são provocadas ao ter objetos e
a consumir artefatos culturais sem nenhuma criticidade, em sobreposição ao
ser. O consumismo infantil acarreta vários problemas na infância (ansiedade,
stress familiar, necessidades criadas e desejos reprimidos, obesidade, erotiza-
ção precoce, etc). Considerando que a formação de conhecimentos sociais
tem seu início na infância, a escola de educação infantil tem papel fundamen-
tal para a promoção da reexão acerca do consumismo que afeta negativa-
mente as crianças. Conhecer a visão dos professores, do ambiente escolar e
as crenças das crianças sobre o consumismo infantil, pode trazer importantes
elementos para a reexão de pais, professores, pesquisadores e interessados
nessa temática.
CONSUMISMO NA INFÂNCIA
Denise Rocha Pereira
CONSUMISMO NA INFÂNCIA
Denise Rocha Pereira
um olhar sobre a escola, professores
e crianças da educação infantil