Há neste livro-tese trabalho árduo, pesquisa séria e devoção à educação
e ao ensino. O professor Glauco Bastos traz, através de uma imersão
em documentos gastos pelo tempo, um olhar do intelectual - Rosalvo
Florentino de Souza sobre a cultura escolar dos idos anos de 1940 a
1960. Esta obra ratica a relevância da pesquisa documental para que se
compreenda a História da Educação Brasileira e, mais ainda, para que se
preencham lacunas inestimáveis de políticas públicas de ensino em São
Paulo à época estudada. Por meio de um trabalho a Sherlock Holmes,
Glauco Bastos se apropria brilhantemente de matérias escritas pelo ar-
ticulista Rosalvo Florentino no jornal “A Gazeta” para nos presentear
com uma peça extraordinária para o entendimento dos muitos cami-
nhos percorridos pelo magistério nacional até os dias atuais. Enm, a
academia e o público em geral têm neste livro fonte de pesquisa ímpar e
certeza de uma leitura profícua e agradável.
“Armar que Rosalvo Florentino
de Souza é um intelectual a serviço da edu-
cação pode parecer estranho, uma vez que,
mesmo tendo escrito por duas décadas no
jornal A Gazeta, de 1949 a 1968, de acordo
com a coleção de recortes que se encontra-
vam no Instituto de Estudos Educacionais
“Sud Mennucci”, sobre temas relaciona-
dos à educação, mesmo tendo participado
como membro e como fundador de diver-
sas entidades de classe ligadas à educação,
mesmo tendo sido professor secundário,
não se encontra na literatura sobre História
da Educação, seja do Brasil, seja do Esta-
do de São Paulo, qualquer referência a ele.
Foi a partir de um levantamento fei-
to por uma aluna de graduação sobre certos
recortes de jornais deixados por ele no Ins-
tituto de Estudos Educacionais “Sud Men-
nucci”, que, por intermédio da professora
e pesquisadora Rosa Fátima de Souza Cha-
loba, tomei conhecimento do legado dei-
xado por esse baiano nascido em Caetité”.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
ROSALVO FLORENTINO DE SOUZA
um intelectual a serviço do magistério
na imprensa paulista (1949 a 1957)
JEAN CUSTÓDIO DE LIMA
Francisco Glauco Gomes Bastos
ROSALVO FLORENTINO DE SOUZA
Francisco Glauco Gomes Bastos
ROSALVO FLORENTINO DE SOUZA:
um intelectual a serviço do magistério na imprensa
paulista (1949 a 1957)
Francisco Glauco Gomes Bastos
Francisco Glauco Gomes Bastos
ROSALVO FLORENTINO DE SOUZA:
um intelectual a serviço do magistério na imprensa paulista
(1949 a 1957)
Ma
rília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2021
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
D
iretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Graziela Zambão Abdian
Patrícia Unger Raphael Bataglia
Pedro Angelo Pagni
Rodrigo Pelloso Gelamo
Maria do Rosário Longo Mortatti
Jáima Pinheiro Oliveira
Eduardo José Manzini
Cláudia Regina Mosca Giroto
Auxílio Nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
B
astos, Francisco Glauco Gomes.
B327r Rosalvo Florentino de Souza: um intelectual a serviço do magistério na imprensa paulista
(1949 a 1957) / Francisco Glauco Gomes Bastos. Marília : Oficina Universitária ; São Paulo:
Cultura Acadêmica, 2021.
328 p.: il.
Inclui bibliografia
I
SBN 978-65-5954-164-5 (Digital)
ISBN 978-65-5954-163-8 (Impresso)
1
. Educação História 1949-1957. 2. Jornalismo na educação São Paulo (Estado). 3.
Educação e Estado. I. Título.
CDD 370.109
Co
pyright © 2020, Faculdade de Filosofia e Ciências
E
ditora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
DOI https://doi.org/10.36311/2021.978-65-5954-164-5
Ao meu neto, Davi Bastos Moura
Apresentação
Este livro é resultado de minha tese de Doutorado, defendida em
janeiro de 2017, no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
UNESP/campus de Marília. Devo destacar que não se chega à conclusão
de um doutorado, principalmente já em uma idade madura, conseguindo
agradecer nominalmente a todas as pessoas que contribuíram para um
momento assim. A jornada foi longa e iniciada nas primeiras letras, em
minha casa, onde funcionava a Escola Santa Terezinha, na qual me
alfabetizaram minha mãe, Joventina Gomes Bastos, e minha tia, Maria
Aurélia Gomes. Em seguida, o convívio com os padres Félice, Batista,
Albino e Hermínio, do Colégio Padre João Piamarta, localizado no bairro
Montese, em Fortaleza, Cea. Importante tamm a dedicação do seu
corpo docente, do qual destaco as professoras Alba, Salete, Elça, Neide,
Marina; e os professores Tarcísio e Batista, de Tipografia, de quem muito
me lembrei quando olhava os tipos dos recortes de jornais, corpus da
pesquisa que culminou na tese, que ora transformo em livro. Da Escola
Técnica Federal do Ceará, não posso deixar de citar os professores Cajuaz
e Myrson Lima, representando todos os funcionários da instituição de
onde hoje sou professor.
A ausência de um ou outro nome é inevitável. As marcas, porém,
por eles deixadas são indeléveis e, de alguma forma, encontram-se
presentes nesta obra. Tentarei, no entanto, citar alguns:
A Deus, na forma como o concebo.
À minha orientadora Prof.ª Dr.ª Rosa Fátima de Souza Chaloba,
pela indicação do corpus e pela generosidade e paciência.
Aos membros da banca que gentilmente se colocaram à disposição
para avaliar a tese, quando de sua defesa: Prof.ª Dr.ª Rosane Michelli de
Castro, Prof.ª Dr.ª Ana Maria Gonçalves, Prof.ª Dr.ª Virgínia Pereira da
Silva de Ávila e Prof.ª Dr.ª Alessandra Cristina Furtado, bem como aos
que se dispuseram a se colocar como suplentes para a composição da banca:
Profa. Dra. Vera Teresa Valdemarin, Prof. Dr. Macioniro Celeste Filho e
Profa. Dra. Rosa Lydia Teixeira Corrêa.
A todos os professores que fizeram parte deste projeto (DINTER
UNESP-IFCE) por terem participado ativamente de minha formação
durante o doutorado. Em especial, agradeço às professoras Neusa Maria
Dal Ri, Graziella Zambão, Rosane Michelli de Castro, Rosa Fátima de
Souza Chaloba, Tânia Brabo, Ana Clara Nery, Maria do Rosário Mortati
e aos professores Pedro Pagni e Candido Vieitez.
A todos os amigos do Programa de Pós-Graduação em Educação,
em especial, à Iane Sampaio, que nos surpreendeu e entristeceu com a sua
inesperada partida.
Do DINTER, agradeço a todos, mas destaco as parcerias de Jean
Custódio de Lima e Márcia de Negreiros Viana; e a amizade incondicional
de Maria do Socorro Castelo.
A todos os funcionários da Faculdade de Filosofia e Ciências da
UNESP/Marília.
À Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão do IFCE, por ter
proporcionado esse projeto, inicialmente sob a coordenação dos
professores Gilmar Lopes Ribeiro e Elenilce Gomes de Oliveira, depois
muito bem continuado pela equipe do professor Glendo de Freitas
Guimarães.
Aos funcionários do Instituto de Estudos Educacionais “Sud
Mennucci” e do Arquivo Público do Estado de São Paulo, pela gentileza e
atenção a mim dispensadas durante a coleta de dados para a tese.
A todos os colegas de trabalho, de todos os setores, do campus de
Morada Nova do IFCE, representados aqui pela professora Maria Beatriz
Claudino Brandão, a qual me incentivou a concluir o processo seletivo,
mesmo já estando aprovado para o Programa de Pós-Graduação em Letras
da UFPE.
À minha esposa Maria Valéria Damasceno Sampaio Bastos e a toda
a minha família pelo carinho, apoio e paciência nas ausências a mim
dispensados, em especial à minha mãe Joventina Gomes Bastos e às minhas
filhas Janaína, Mariana e Maria Clara.
Aos amigos que me ajudaram e torceram por mim.
Aos companheiros da Irmandade de Alcoólicos Anônimos.
Aos amigos da UNESP de Presidente Prudente.
À Marta Campos de Quadros, um agradecimento muito especial,
por todo o carinho, apoio e parceria.
Quando é que podemos dizer ter
provado algo? Seria útil que a
linguagem nos oferecesse uma escala de
provas algo como prova de força
quatro, cinco –, que pesasse o ônus da
prova. O ônus é de quem suspeita.
Mas nenhuma afirmação histórica
pode ser considerada definitiva: toda
afirmação é verdadeira até que se
prove o contrário
(Carlo Ginzburg)
Sumário
Prefácio | Rosane Michelli de Castro...................................................................15
Introdução......................................................................................................19
Rosalvo Florentino de Souza: Um Intelectual a Serviço da Educação.................45
1.1 O campo intelectual
1.2 Do Intelectual
1.3 As entidades de classe e o engajamento intelectual
A Educação Profissional nas Páginas do Jornal A GAZETA por Rosalvo
Florentino de Souza.........................................................................................81
2.1 Um breve histórico
2.2 A Escola Técnica “Getúlio Vargas”
2.3 O Seminário de Educandas de São Paulo
2.4 O ensino profissional agrícola
2.5 A distribuição das escolas profissionais no Estado de São Paulo
2.6 Mão de obra para a indústria paulista e as Escolas SENAI
O Ensino Secundário nas Páginas do Jornal A GAZETA................................173
3.1 No final da década de 1940
3.2 A década de 1950
3.3 E os professores? Como ficam?
A Seção Magistério: A Consolidação do Professor Como Jornalista.................263
4.1 O estilo jornalístico
4.2 A seção Magistério
4.2.1 A Reforma do Ensino
Considerações Finais.....................................................................................305
Referências Bibliográficas..............................................................................311
Fontes Consultadas.......................................................................................321
14
15
Prefácio
Este livro de Francisco Glauco Gomes Bastos é decorrente de seu
riquíssimo percurso de doutorado, revelador de suas trajetórias e atitudes
“engajadas” de professor a serviço do magistério, em instituições educativas
e em demais instituições da sociedade. Menciono sobre as trajetórias e
atitudes “engajadas” desse professor/educador/ pesquisador/ intelectual
Francisco Glauco Gomes Bastos, na concepção de De Certeau (1982),
porque o seu envolvimento com aspectos da vida e obra do
professor/educador/jornalista/advogado/intelectual Rosalvo Florentino de
Souza, sujeito/objeto da sua pesquisa e deste livro, remetem às suas
motivações particulares.
Rosalvo Florentino de Souza, em suas muitas atuações, engajou-se
em causas do Ensino Secundário, Profissional e de seus professores, tendo
sido Presidente da Associação dos Professores do Ensino Secundário e
Normal Oficial do Estado de São Paulo (APESNOESP), membro da
diretoria da Associação dos Professores de Educação Física e atuou em
redações de jornais, mantendo seções diárias sobre educação e ensino,
como em A Gazeta. Esteve à frente do Centro do Professorado Paulista,
foi fundador, secretário, diretor e colaborador efetivo de várias revistas de
caráter educativo e cultural, destacando-se a Revista do Professor.
Essa trajetória de Rosalvo Florentino de Souza encontrou-se com
as especificidades da vida e trajetória do autor deste livro e, então, o que
ora se apresenta são resultados de diálogos por meio de e sobre
problemáticas e fontes que, por não ser do outro, ainda não exist[iam]”.
https://doi.org/10.36
311/2021.978-65-5954-164-5.p15-18
16
Desse ponto de vista, trata-se de um livro com teorizações inéditas
e reveladoras das buscas do próprio autor por “fazer a si” (ARTIÈRES,
1998, p. 11), pois a delimitação do corpus documental e o recorte temático
das suas investigações alinham-se com sua atuação como
professor/educador/pesquisador/intelectual.
Nessa mesma perspectiva, desde a introdução, este livro é
constituído por resultados de investigações realizadas com total
envolvimento do autor, com rigor teórico e metodológico, em busca de
precisar e de subsidiar as análises, mediante temáticas reveladoras da
construção que, aparentemente, seu sujeito/objeto, Rosalvo Florentino da
Souza, quis “fazer de si”.
Trata-se, portanto, de análises históricas referentes ao Ensino
Profissional, ao Ensino Secundário no Brasil, centralmente no estado de
São Paulo, e ao magistério, entre as décadas de 1940 e 1950, as quais,
mesmo enfocando questões históricas do período de vida e de atuação de
Rosalvo Florentino de Souza, o autor as realizou, retomando,
recorrentemente, elementos históricos do Ensino Secundário e do
Profissional em que ele próprio atua desde 1991, na rede privada e pública
de educação, sendo que, desde 2011, junto ao Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará IFCE. Assim, à semelhança da
atuação de resistência em espaços e tempos específicos de Rosalvo
Florentino de Souza, este livro é resultado do enfrentamento do autor,
frente às questões históricas de desvalorização do magistério e de toda a
categoria professoral, revelando a maturidade das escolhas, como ressaltado
acima, para “fazer a si”, no campo da educação e, porque não dizer, na
História da Educação Brasileira.
Em tempos sócio-políticos, pós eleições presidenciais brasileiras de
2018, marcados por posturas e ações “reacionárias, antimodernas e
antidemocráticas” promotoras de injustiças, este livro pode representar
17
uma motivação à valorização do magistério, porque tudo que nele se
apresenta, indícios da atuação de Rosalvo Florentino de Souza, soa
reveladores de um desejo de “construção de si e de resistência” desse
sujeito/objeto da investigação, do autor deste livro e de toda a categoria
professoral, talvez a única, cuja ação o ensino é capaz da superação da
pequenez do pensamento negacionista que assola o Brasil neste 2021.
Finalmente, destaco o texto primoroso, também do ponto de vista
dos aspectos estruturais-formais, em que este livro se apresenta, com todas
as implicações desses aspectos na produção de sentidos do texto
propriamente dito e do discurso, como era de se esperar de um professor
de Português cuidadoso, como Francisco Glauco Gomes Bastos.
Marília-SP, 03 de junho de 2021
Dra. Rosane Michelli de Castro
19
Introdução
A pesquisa histórica, quase sempre, tem a capacidade de nos
propiciar a sensação de retorno ao passado. Quando se trata de uma
pesquisa documental, isso se torna mais veemente, visto que o contato com
arquivos amarelados ou até mesmo embolorados nos coloca no centro dos
eventos ali abordados. É comum uma resistência inicial, decorrente do
receio de querer observar com os olhos de agora os fatos de outrora. O
mergulho, porém, em tais documentos nos deixa absortos e, quando
menos esperamos, somos também atores, ainda que coadjuvantes, das
cenas ali registradas. Quando se trata de pesquisa com jornais essa sensação
se intensifica.
Foi exatamente isso que senti quando me deparei com a coleção de
recortes de jornais
1
supostamente
2
organizada por Rosalvo Florentino de
Souza sobre seus escritos no jornal paulista A Gazeta, referentes aos anos
de 1949 a 1968. No primeiro momento, à medida que fotografávamos
3
1
Neste texto usarei o termo RECORTES para o material deixado por Rosalvo Florentino de Souza;
e o termo RECORTE para me referir ao enfoque espacial, temático ou temporal eleito para a
pesquisa.
2
Como não se encontraram, durante a pesquisa, informações precisas sobre quem de fato
colecionou os recortes, corpus da tese que culminou nesta obra, utilizei o termo supostamente, uma
vez que os indícios levam a crer que foi o próprio Rosalvo Florentino quem selecionou a maioria
deles. No restante da obra, não utilizarei mais o termo supostamente, quando me referir à coleção
de recortes, corpus da tese que inspirou esta obra.
3
O verbo se encontra na primeira pessoa do plural, porque as fotografias foram tiradas por mim e
pela professora e jornalista Marta Campos de Quadros. Além disso, neste livro, utilizarei também a
primeira pessoa do plural quando quiser dar um caráter mais impessoal à pesquisa. Considero,
20
tais recortes, as manchetes me chamavam a atenção. Ali mesmo buscava
um nexo entre o que se colocava à minha frente e a situação política do
país, no afã de uma contextualização. Tratava-se de um olhar distante, de
um pesquisador do século XXI que não sabia ao certo o que buscava.
Tratava-se também de um olhar cearense sobre uma produção que tinha
como lugar privilegiado de referência a sociedade e a cultura escolar
paulista. O olhar ansioso por um objeto de pesquisa, por um recorte
temático e temporal, fazia uma varredura superficial nas sete pastas que o
Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”, mantido pelo Centro
do Professorado Paulista (CPP), me colocava à disposição. Tornava-se
necessário aliar intelectual, discurso, imprensa e educação. Mas como fazê-
lo?
Em primeiro lugar, torna-se necessário, a partir da seleção dos
recortes de jornais realizada por Rosalvo Florentino, identificar os indícios
que permitam definir o lugar de onde ele fala. Aqui também é preciso
estabelecer o lugar de onde, enquanto pesquisador, falo. Posso dizer que
falo do lugar de um pesquisador recém-chegado ao campo da História da
Educação. Do lugar de um professor que defende uma educação pública e
gratuita de qualidade, priorizando as classes menos favorecidas de nosso
país. Ainda que tenha iniciado minha profissão docente em escolas
privadas, minha experiência profissional se consolida na Rede Pública de
Educação.
porém, necessário, utilizar em certos momentos a primeira pessoa do singular, em situações em que
não posso me eximir como elemento participante da pesquisa.
21
É essa experiência no magistério secundário
4
que me trouxe a esta
pesquisa. Chamou-me a atenção principalmente, quando realizava o
primeiro estágio doutoral na UNESP/Marília, o fato de a função de
Diretor das Escolas Públicas do Estado de São Paulo ser um cargo efetivo,
diferente, por exemplo, do Estado do Ceará, onde o processo de escolha
de Diretores de Escolas Estaduais se dá por meio de um processo seletivo
que consta de provas, cursos e culmina com uma eleição direta com a
participação dos quatro segmentos da Comunidade Escolar (pais, alunos,
professores e funcionários), o que permite uma rotatividade do Núcleo
Gestor das escolas.
Inicialmente propunha investigar as contribuições do escritor
alagoano Graciliano Ramos à Educação, mais especificamente no Estado
de Alagoas, onde foi prefeito do município de Palmeira dos Índios e
Diretor de Instrução Pública do Estado. Graciliano Ramos foi ainda
Inspetor Federal de Ensino. Apesar dos esforços empreendidos nesse
projeto, com visita à Casa Museu Graciliano Ramos, ao Arquivo Público
e ao Diário Oficial de Alagoas, o material ali recolhido não foi suficiente
para se tornar fonte para uma tese de doutorado.
Nesse sentido, foi mudada a direção da pesquisa, buscando
investigar a atuação de um intelectual ligado à Educação na imprensa
paulista. Ora, uma investigação dessa ordem, feita por um nordestino,
cearense, sobre um período em que o Estado do Ceará apontava um dos
piores índices educacionais do país, em contraposição ao Estado de São
Paulo, que alavancava o seu processo de industrialização, é, no mínimo,
instigante.
4
Entenda-se Magistério Secundário de acordo com a lei 5.692/71, ou seja, da quinta série ginasial
ao terceiro ano científico, o que, de acordo com a LDB 9.394/96 e a Lei nº 11.274/06, tornou-se
Ensino Fundamental II (do 6º ao 9º anos); e Ensino Médio (do 1º ao 3º anos).
22
Mais interessante se tornou o desafio quando soube que Rosalvo
Florentino de Souza, ainda que tenha passado a viver, ainda jovem, no
Estado de São Paulo, é natural da Bahia. Isso me fez atentar para o fato de
que a contribuição nordestina ao desenvolvimento do Estado de São Paulo
não se restringiu ao trabalho braçal da construção civil.
De acordo com uma breve biografia, disponibilizada no Instituto
de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”, Rosalvo Florentino de Souza,
filho de José Florentino de Souza e Adelina Neves de Souza, nasceu em
Caetité (BA), em 1911, e faleceu em São Paulo, em 1996. Foi professor,
jornalista e advogado. Licenciou-se em Educação Física pela Escola
Superior de Educação Física da Universidade de São Paulo, em 1939; e em
Geografia e História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
em 1949. Bacharelou-se em Jornalismo pela Faculdade de Jornalismo
Cásper Líbero, em São Paulo, em 1951.
Como professor do ensino de grau médio, ministrou as disciplinas
de História Geral e do Brasil dos Colégios Estaduais de Dois Córregos, em
1951; de Brotas, em 1952; do Colégio Estadual Padre Manoel da Nóbrega,
em 1953; do Instituto de Educação Caetano de Campos, a partir de 1953,
onde estudou sua filha Célia Regina. Lecionou, ainda, Educação Física nas
Escolas Industriais de Rio Claro e Pinhal.
No ensino superior, lecionou as cadeiras de História Antiga e
Medieval, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, em Taubaté; de
História Contemporânea, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, de
Sorocaba; de Geografia e História Contemporânea, da Faculdade de
23
Jornalismo da Fundação Cásper Líbero. Em 1975, tornou-se professor da
Escola de Comunicação e Arte da USP
5
.
Rosalvo Florentino de Souza foi, ainda, conselheiro do Centro do
Professorado Paulista (CPP) e diretor do Departamento de Ensino
Secundário dessa entidade. Sua atuação político-sindical esteve marcada
também por ter exercido o cargo de presidente da Associação dos
Professores do Ensino Secundário e Normal Oficial do Estado de São
Paulo (APESNOESP); participou também da diretoria da Associação dos
Professores de Educação Física.
Foi membro da Ordem dos Velhos Jornalistas do Estado de São
Paulo (OVJ), da Associação Paulista de Imprensa (API), da Academia
Paulista de História, da Academia Paulista de Educação, da Academia
Paulista de Jornalismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Estado de
São Paulo. Está inscrito na Ordem dos Advogados de São Paulo sob o nº
8.325.
Como jornalista, foi correspondente dos jornais Folha da Manhã e
Diário de São Paulo, em Braúna. Foi Redator dos seguintes jornais: Jornal
da Manhã, Jornal Trabalhista, A Época, A Noite, Jornal de São Paulo e A
Gazeta. Na maioria desses jornais, principalmente em A Gazeta, manteve
seções diárias sobre educação e ensino. Rosalvo Florentino foi, também,
fundador, diretor e colaborador efetivo de várias revistas de caráter
educativo e cultural, destacando-se, entre elas, a Revista do Professor,
publicação do Centro do Professorado Paulista, da qual foi secretário.
5
Informação adquirida do Arquivo Público Mineiro, disponível no site
http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops_docs/photo.php?numero=5311&imagem=1
380, acesso em 27 de dezembro de 2016.
24
Deve-se ressaltar que na coleção de recortes de jornais, corpus da já
citada tese, há comprovação de que Rosalvo Florentino, além de escrever
no jornal A Gazeta, contribuíra, no ano de 1951, com o Jornal de Notícias.
Identificar o lugar de fala de Rosalvo Florentino torna-se, pois,
imperativo, a partir de uma análise criteriosa. Os recortes de jornais, por
ele deixados, são indícios desse lugar. A Hemeroteca do Arquivo Público
do Estado de São Paulo converteu-se em espaço de verificação das fontes e
de confronto com as informações constantes na coleção de recortes
6
que se
encontravam no Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”.
No intuito de investigar o pensamento desse professor, jornalista e
advogado, que publicava em jornais paulistas sobre educação, bem como
entender como ele participara na produção, divulgação e circulação de
ideias e representações sobre a educação, busquei analisar o pensamento
educacional de Rosalvo Florentino de Souza, por meio de seus escritos
jornalísticos, em relação ao ensino secundário e ao ensino profissional, com
vistas a compreender como professores vinculados ao movimento docente
se posicionaram sobre os problemas e as políticas educacionais em âmbito
nacional e regional.
Outrossim, procurei atribuir a Rosalvo Florentino de Souza o
status de intelectual, apoiando-me nos pressupostos da História dos
Intelectuais, à luz de Sirinelli; tracei um perfil do ensino profissionalizante,
no Brasil e no Estado de São Paulo, a partir da série de reportagens de
Rosalvo Florentino de Souza sobre essa modalidade de ensino, publicadas
no ano de 1952, quando a promulgação da Lei Orgânica do Ensino
Industrial completara dez anos; tive a intenção de apresentar e analisar qual
6
Atualmente essa coleção de recortes se encontra sob a guarda do Centro de Memória e Pesquisa
Histórica da Universidade Federal de São Paulo-UNIFESP, em Guarulhos-SP.
25
o posicionamento de Rosalvo Florentino de Souza e de alguns de seus
entrevistados, no jornal A Gazeta, no período de 1949 a 1957, sobre o
ensino secundário, no Brasil e no Estado de São Paulo; e, por fim,
destaquei, por meio da seção Magistério, a posição do professor Rosalvo
Florentino como jornalista que tem a educação como temática.
Ressalto que, em buscas realizadas tanto no Banco de Teses e
Dissertações da CAPES como no site de buscas Google, não foram
encontrados à época da realização da pesquisa, trabalhos acadêmicos sobre
Rosalvo Florentino de Souza, com exceção de uma comunicação
apresentada por mim em parceria com Marta Campos de Quadros, no III
Congresso Nacional de Formação de Professores (CNFP) e XIII
Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores (CEPFE):
“Profissão de Professor: cenários, tensões e perspectivas”, realizado pela
Pró-Reitoria de Graduação - Reitoria da UNESP; e o resumo de um pôster
também apresentado por mim pesquisador no X Encontro Ibero-
Americano de Educação (EIDE), realizado em novembro de 2015, na
UNESP de Araraquara, o que tornou a já citada tese um trabalho fundante
sobre esse intelectual.
O primeiro contato pessoal com o corpus da pesquisa se deu em
setembro de 2015, quando, em visita ao Instituto de Estudos Educacionais
“Sud Mennucci”, fotografamos todas as páginas das sete pastas deixadas
por Rosalvo Florentino de Souza. Nessas pastas, além de um sumário,
encontrei também alguns poemas de Sólon Borges dos Reis Deputado
Estadual em São Paulo na década de 1950 e Presidente do Centro do
Professorado Paulista (CPP), de 1957 a 1997 além de recortes de diversos
jornais, tendo, em sua grande maioria, os recortes do jornal A Gazeta. Os
dados biográficos de Rosalvo Florentino de Souza, por exemplo, que se
encontravam datilografados em duas laudas no Instituto de Estudos
Educacionais “Sud Mennucci. Também se encontravam alguns dados a
26
respeito de Rosalvo Florentino de Souza em um recorte do Jornal dos
Professores, do Centro do Professorado Paulista (CPP), de outubro de
1996, o qual noticiava o falecimento do “Professor Rosalvo Florentino de
Souza, ocorrido no dia 12 desse mesmo mês.
De início é preciso esclarecer, para reforçar o que já foi colocado
na nota de rodapé nº 02, que o termo supostamente, que utilizo ao me
referir à coleção de recortes de jornais que serviu de corpus para a pesquisa,
se justifica pelo fato de não haver informação precisa sobre quem,
realmente, selecionou e organizou esses recortes de jornais. Nossa hipótese
é de que, pelo menos a seleção da maioria desses recortes de jornais,
principalmente da produção no jornal A Gazeta, coube ao próprio Rosalvo
Florentino, pois como afirmara Artières (1998, p. 10-11), arquivamos
nossas vidas
[...] Para responder a uma injunção social. Temos assim que manter
nossas vidas bem organizadas, pôr o preto no branco, sem mentir, sem
pular páginas nem deixar lacunas. O anormal é o sem-papéis. O
indivíduo perigoso é o homem que escapa ao controle gráfico.
Arquivamos portanto nossas vidas, primeiro, em resposta ao
mandamento "arquivarás tua vida" e o farás por meio de práticas
múltiplas: manterás cuidadosamente e cotidianamente o teu diário,
onde toda noite examinarás o teu dia; conservarás preciosamente
alguns papéis colocando-os de lado numa pasta, numa gaveta, num
cofre: esses papéis são a tua identidade; enfim, redigirás a tua
autobiografia, passarás a tua vida a limpo, dirás a verdade.
Mas não arquivamos nossas vidas, não pomos nossas vidas em conserva
de qualquer maneira; não guardamos todas as maçãs da nossa cesta
pessoal; fazemos um acordo com a realidade, manipulamos a
existência: omitimos, rasuramos, riscamos, sublinhamos, damos
destaque a certas passagens.
27
A prioridade dada aos recortes do jornal A Gazeta nos remete à
afirmação do destaque a algumas passagens a que Artières se referiu. As sete
pastas que se encontravam no Instituto de Estudos Educacionais “Sud
Mennucci” apresentam-se da seguinte forma:
Pasta nº 01
7
contém 91 recortes de jornais do período de 1949 a
1956;
Pasta nº 02 contém 90 recortes de jornais do período de fevereiro
a junho de 1957;
Pasta nº 03 contém 110 recortes de jornais do período de julho
a dezembro de 1957;
Pasta nº 04 contém 176 recortes de jornais referentes ao ano de
1958;
Pasta nº 05 contém 125 recortes de jornais referentes ao ano de
1959;
Pasta nº 06 contém 131 recortes de jornais referentes aos anos
de 1960 e 1961;
Pasta nº 07 contém 84 recortes de jornais referentes ao período
de 1962 a 1968; e 01 recorte datado de 28 de maio de 1956.
Do ponto de vista temático, esses recortes de jornais abordam os
mais diversos assuntos ligados ao magistério. É importante, porém,
destacar que, apesar da imensa disponibilidade e cortesia do pessoal do
Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”, não havia
informações mais precisas sobre o objeto de estudo, nem mesmo sobre
7
Entre os recortes dessa pasta encontram-se quatro que estão relacionados aos anos de 1966 e 1967
e não são do jornal A Gazeta.
28
quem, de fato, organizou o material em pastas. Além disso, ao iniciar a
pesquisa, não havia trabalho acadêmico, em nível de pós-graduação, sobre
esse professor-jornalista, o qual também escrevera sobre A educação e a
cultura nas Constituições brasileiras, além de, como citado, ter sido
correspondente em vários outros jornais paulistas, cujas matérias não se
encontram nessas pastas.
Neste livro, serão abordadas algumas reportagens de Rosalvo
Florentino de Souza sobre o ensino profissional e o ensino secundário,
dedicando um capítulo a cada um desses temas, visto que representavam a
modalidade dual de ensino que ainda se mantinha no Brasil durante a
Reforma Capanema, de 1942, a qual ainda se encontrava em vigor na
década de 1950, período em que se encontra a maioria dos recortes de
jornais deixados por Rosalvo Florentino de Souza.
Em razão da grande quantidade de recortes de jornais que
compunham o corpus da pesquisa, optei por trabalhar com aqueles que se
encontravam nas três primeiras pastas, visto que a primeira pasta apresenta
os primeiros escritos desse professor-jornalista em A Gazeta; e a segunda e
a terceira pastas referem-se ao ano de 1957, no qual Rosalvo Florentino
passara a assinar, no jornal A Gazeta, a seção Magistério. Essas três pastas
juntas contêm 291 recortes de jornais dos mais de 800 deixados por
Rosalvo Florentino.
Ressalta-se que, depois de fotografados, cada um dos recortes foi
catalogado por mim, com as seguintes informações: Nº de controle (criado
por mim, em conformidade com a ordem em que aparecem nas pastas);
Data dos recortes; Número do jornal (quando disponível nos recortes);
Página do jornal (quando disponível nos recortes); Título; Notas; Sobre o
conteúdo e Número das fotos (número gerado pela máquina fotográfica).
29
Além disso, consideramos que esses recortes de jornais, em seu
todo, por estarem diretamente ligados a uma prática de guardar papéis,
denotam, numa visão Foulcaultiana, uma preocupação com o eu, já que,
de acordo com Artières (1998, p. 11), “Arquivar a própria vida é se pôr no
espelho, é contrapor à imagem social a imagem íntima de si próprio, e
nesse sentido o arquivamento do eu é uma prática de construção de si
mesmo e de resistência”.
Nesse sentido, senti a necessidade de verificar como esses recortes
se encontravam no corpo do jornal A Gazeta, uma vez que alguns deles
davam indícios de conterem informações equivocadas, como, por
exemplo, o recorte da matéria Policiamento nos colégios noturnos, da seção
Magistério, datada nas pastas como do dia 02 de março de 1957, ou seja,
doze dias antes da matéria Primeiro Comentário, a qual inicia a seção
Magistério. Fiz, pois, uma primeira imersão nesses documentos, ao visitar
o Arquivo Público do Estado de São Paulo, a fim de pesquisar o jornal A
Gazeta. Elegi o ano de 1957 por ser o ano em que surge a seção Magistério
e pude perceber que, na verdade, havia um equívoco, pois a data correta
era 02 de abril de 1957. Além disso, esse ano é também o que concentra o
maior número de recortes de jornais deixados por Rosalvo Florentino,
ocupando duas das sete pastas que se encontravam no Instituto de Estudos
Educacionais “Sud Mennucci, totalizando 200 recortes.
Ao observar os jornais referentes aos meses de janeiro e fevereiro de
1957, constatei que, no mês de janeiro, havia algumas notas sobre
formaturas, colação de grau, entrevista com professores, além de matérias
sobre escolas adventistas. Ressalta-se que não há, no jornal, um espaço
específico para a Educação, sequer o expediente do jornal é apresentado.
Todas as notas sobre Educação encontram-se diluídas nas páginas do
jornal, as quais neste ano variavam, em sua maioria, entre 28 e 32 páginas.
30
Chamou-me a atenção uma matéria do dia 10 de janeiro de 1957,
que tratava da instauração de exames vestibulares para as Escolas Normais
a partir de 1957. Nessa imersão no arquivo, não foi localizada, no mês de
janeiro de 1957, referência alguma a Rosalvo Florentino de Souza. Esse
fato não me surpreendeu, visto que os recortes de jornais deixados no
Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”, referentes ao ano de
1957, só traziam matérias a partir de fevereiro de 1957.
Nessa visita, busquei não apenas visualizar no todo as páginas dos
quais os recortes de jornais deixados por Rosalvo Florentino foram
extraídos, mas identificar os assuntos a que o jornal dava destaque nesses
dias que viessem a se relacionar de maneira direta, ou não, com os assuntos
tratados por ele. Além disso, pude perceber o grau de tensão em que se
encontrava a conjuntura internacional. A denominada “Guerra Friavivia
o seu auge e a primeira página do Jornal A Gazeta dava destaque às questões
internacionais: a crise na Coreia, o conflito entre árabes e judeus, a
iminente chegada de Fidel Castro com 25 mil homens a Havana, além de
prisões de suspeitos de espionagem ligados tanto aos Estados Unidos da
América quanto à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Nesse sentido, torna-se necessário enfatizar que o jornal deve ser
visto, conforme afirmou Cavalcante (2002, p. 2), como uma fonte capaz
de reconstrução cotidiana do passado. Mais ainda, segundo Cavalcante
(2002, p. 2),
o século que conheceu a expansão tecnológica da imprensa poderia ser
revisto por qualquer pensador interessado em conhecer o presente
através de um evolver pleno de sinais de continuidade e
descontinuidade, que tão bem caracterizam o movimento da história,
a marcar o que permanece e o que se esvai.
31
Essa assertiva de Cavalcante tão bem se evidencia quando se trata
de História da Educação. Algumas das questões colocadas hoje no campo
da Educação já eram postas desde o século passado. Nessa direção, à guisa
de metodologia, faz-se necessário observar do presente o passado,
respeitando suas luzes e trevas, tentando captar os subentendidos, as
entrelinhas, os não-ditos e os interditos que falam mais que o que se vê nas
páginas do jornal, uma vez que
O jornal é também um registro da história, no seu dia a dia. Mas uma
“história truncada, um mundo caótico”, como observa Nicolau
Sevcenko. Isto, entretanto, leva o aluno a adquirir a competência
necessária para compreender e ordenar esse caos aparente. Para tanto,
ele aprenderá a relacionar o passado com o presente, buscando a origem
dos fatos e a refletir sobre as consequências daquilo que ocorre dia após
dia, numa projeção da história para o futuro (FARIA, 2013, p. 12,
grifo da autora).
O que Faria (2013) diz a respeito do aluno pode ser estendido ao
pesquisador. Nesse sentido, ainda do ponto de vista metodológico, é
importante que se compreenda que a opção por obedecer à linearidade
cronológica não me leva a entender o passado como uma soma de fatos
miúdos. A minha intenção é captar a duração de tais fatos bem como sua
relevância. Torna-se necessário que seja realizado, pois, um recorte
temporal. Nesta obra, esse recorte se concentra, prioritariamente, nas
páginas do Jornal A Gazeta, vespertino paulista, no período que vai de
1949 a 1957.
Trata-se, em sua grande maioria, de textos escritos por Rosalvo
Florentino de Souza, já que se pode encontrar no corpus capturado no
Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci” uma ou outra matéria
32
escrita por outros jornalistas, mas que traziam algo sobre Rosalvo
Florentino ou algum assunto de interesse da Educação.
Nas páginas do Jornal A Gazeta, mesmo naquelas em que
prevalecem como temática a Educação,matérias que se referem a um
ordenamento material e simbólico não apenas da cidade de São Paulo, mas
também de outros lugares, ainda que com menor frequência.
A partir desse material, podemos inferir as questões relativas à
Educação mais evidentes no período. Vale ressaltar que a coleção de
recortes de jornais deixada por Rosalvo Florentino traz, por vezes, a
situação educacional do Estado de São Paulo como um todo. É comum
ainda a presença de matérias que abordam o modelo ou a situação em que
se encontra a Educação em um ou outro Estado ou Território da
Federação. A cobertura de eventos educacionais de cunho internacional,
realizados dentro ou fora do país, também aparece com certa frequência.
O espaço dado a educadores estrangeiros é também observado amiúde nas
páginas de A Gazeta, mediante entrevistas, concedidas, em sua maioria na
própria redação do vespertino paulista, aproveitando a presença desses
educadores no Brasil, seja a passeio, seja a trabalho, seja para participação
em eventos de cunho educacional. É importante ainda destacar que as
unidades menores não são negligenciadas por esse professor-jornalista,
uma vez que há espaço em sua página para a divulgação de eventos ou
processos seletivos, realizados por alguma escola paulista.
Esse recorte, onde se inscrevem pequenos e grandes
acontecimentos, dando à seção não somente um caráter local, mas também
universal, no sentido de captar não apenas sua duração, mas, como exposto
antes, sua relevância, remete-nos ao que Braudel (1992, p. 45-46) chama
de um tempo curto, quando afirma que
33
o tempo curto, à medida dos indivíduos, da vida cotidiana, de nossas
ilusões, de nossas rápidas tomadas de consciência o tempo, por
excelência, do cronista, do jornalista. Ora, notemo-lo, crônica ou
jornal fornecem, ao lado dos grandes acontecimentos, ditos históricos,
os medíocres acidentes da vida ordinária: um incêndio, uma catástrofe
ferroviária, o preço do trigo, um crime, uma representação "teatral,
uma inundação. Assim, cada um compreenderá que haja um tempo
curto de todas as formas da vida, econômica, social, literária,
institucional, religiosa e mesmo geográfica (uma ventania, uma
tempestade) assim como política.
Devemos considerar que a opção pelos escritos de Rosalvo
Florentino se torna uma necessidade primordial por parte deste
pesquisador, uma vez que o ato de noticiar em um jornal adquire um
caráter universal e enciclopédico. Além disso,
Nos dizeres de Robert Darnton e Daniel Roche, a imprensa tanto
constitui memórias de um tempo, as quais apresentando visões
distintas de um mesmo fato servem como fundamentos para pensar e
repensar a História, quanto desponta como agente histórico que
intervém nos processos e episódios e não mais como um simples
elemento do acontecimento (VIEIRA, 2013, p. 2).
Dentro desse corpus, o qual representa um recorte temático a
Educação (um dos campos intelectuais em que atuou esse professor-
jornalista)é necessário ainda que se elejam as temáticas e situações mais
recorrentes e relevantes, a fim de que confrontemos as particularidades
com o universo global, pois
34
É claro que há a interpretação do pesquisador, de
conformidade com o método de abordagem que adote, mas
ele não pode contrariar ou desmentir as fontes, muito
menos inventá-las. O trabalho historiográfico exige
tirocínio para buscar em arquivos documentos que possam
servir para contar o ocorrido, o mais próximo possível do
acontecido (ALVES; GUARNIERI, 2012, p. 4-5).
Em razão disso, torna-se imprescindível a observação do corpus de
maneira mais abrangente, visto que as matérias jornalísticas propiciam o
confronto do passado com o presente, instituindo, assim, além do resgate
político e ideológico, o seu caráter educativo. É necessário que se vá além
dos recortes. É fundamental para a pesquisa que se recorra a outros
arquivos, a fim de verificar a fonte no sentido mais estrito do termo. É
preciso que se observem os escritos deixados por Rosalvo Florentino não
destacados, eleitos por ele. O estado latente desses recortes nas páginas do
Jornal A Gazeta, vistos no corpo inteiro do jornal, foi o que possibilitou a
identificação de indícios que podem, ou não, vir a elevar esse professor-
jornalista à condição de intelectual que contribuiu para o debate sobre
educação, no período de 1949 a 1957.
No que diz respeito, ainda, à visita ao Arquivo Público de São
Paulo, pude constatar que, no mês de fevereiro de 1957, aparece, mais
precisamente no dia 05, uma 3999seção intitulada Educação, mas não
escrita por Rosalvo Florentino de Souza. Nesse mesmo dia, há uma
reportagem feita por ele, o que me levou a rever todo o mês de fevereiro
de 1957, escanear alguns assuntos referentes à Educação e algumas
primeiras páginas do jornal, bem como algumas seções. Segundo
Cavalcante (2002, p. 3),
35
Um outro aspecto a considerar sobre o procedimento da leitura de
jornal, do ponto de vista de sua estrutura gráfica, exige que o leitor
reconheça o modo de classificação temática e espacial das notícias, a
qual sofre variações ao longo do tempo, em função do volume de
notícias, leitores, capacidade tecnológica e financeira do período ou
época considerada.
De modo geral, a primeira página tem tido sempre uma importância
primordial por oferecer, de um lado, um apanhado das principais
notícias, que aparecem em letras garrafais e cheias das manchetes,
segundo o critério de julgamento editorial e social em voga naquela
data específica e, por outro, adquire um caráter cartográfico de
mapeamento do conjunto de conteúdos oferecidos pelo próprio jornal;
nela, o leitor encontrará sempre as notícias de maior efeito social, seja
como reação provável ou esperada, no interior de uma cadeia de
acontecimentos em curso, seja no sentido de uma intenção deliberada
do jornal em formar opinião, em função de sua inserção no jogo
político e ideológico vigente.
A busca por estabelecer essa relação entre o que noticiava com mais
ênfase o jornal A Gazeta e aquilo que Rosalvo Florentino decidiu selecionar
e recortar nos indica o posicionamento político e ideológico não só do
jornal, mas de seu redator. A identificação dos assuntos destacados pela
equipe editorial do jornal também nos permite mensurar o grau de
importância que as notícias sobre Educação recebem dessa equipe e, por
conseguinte, o do próprio professor-jornalista Rosalvo Florentino.
Nesse sentido, não me furto de reconhecer o valor dos jornais de
época como fonte de pesquisa historiográfica, ainda que muitos aleguem
que exista, no ato de noticiar, a interferência ideológica. Ora, é exatamente
a busca por essa linha ideológica que me faz mergulhar nesse tipo de fonte.
O recorte temporal eleito por mim vai de 1949 a 1957. A década de 1950
foi marcada por grandes mudanças na situação política e econômica do
36
país. A Educação não passou ao largo desse processo. Pelo contrário, foi
utilizada para dar suporte a essas transformações. Por outro lado, inúmeros
grupos se levantavam a favor das políticas educacionais propostas pelo
governo em todas as suas esferas, ou contra elas.
Não é sensato considerar que, ainda que por essa época os jornais
estejam priorizando mais a notícia do que a opinião, no intuito de serem
vistos como modernos e imparciais, não haja a predominância de um ou
outro discurso ideológico. Essa pretensa imparcialidade se esvai de maneira
rápida e contundente, já que, como afirma Cavalcante (2002, p. 4),
Com o passar do tempo, as intenções políticas e partidárias desenhadas
pelos proprietários ou conselhos editoriais dos jornais são cada vez mais
claramente reveladas pelo movimento da história que pretendem
registrar, perfilar, ocultar ou mesmo, determinar. Além disso, não
podemos esquecer que na origem social e histórica de todo e qualquer
jornal repousa implícita a existência de um conflito ou disputa política;
assim, ainda quando for único numa cidade, ele jamais deixará de
espelhar as pelejas latentes ou explícitas que nela ocorrem, o que será
ainda mais notado, quando as mesmas alimentarem o surgimento de
outros periódicos. O cuidado metodológico a ser tomado pelo
pesquisador é no sentido de uma tomada de consciência acerca da
presença inevitável das ideologias no interior de qualquer jornal.
Fazendo isso, ele poderá, inclusive, melhor entender certas
contradições que freqüentemente encontrará no tratamento dado pelo
jornal a um mesmo acontecimento.
Nas páginas do Jornal A Gazeta, percebe-se essa diferença de
tratamento quando encontramos, por exemplo, matérias que valorizam
uma aproximação do Brasil com os Estados Unidos da América, mas
também não deixam de dar importância às nossas relações comerciais com
a China Comunista.
37
O jornalista, por sua vez, como afirma Cavalcante (2002, p. 4), é
um intelectual, principalmente se localizado no passado, “pois quanto mais
recuamos no tempo, mais próximos estaremos de um jornalismo feito por
humanistas e literatos, diferentemente do que ocorre hoje, com a exigência
profissional de formação técnica e especializada na área”.
Do jornalista de outrora se exigia que fosse “culto”, ou seja, que
possuísse uma faculdade interpretativa, que possuísse certa “erudição”,
capaz de lhe fazer detentor de um amplo conjunto de informações gerais.É
certo que, se considerarmos os termos erudição e cultura como gêneros do
Saber, apoiando-nos em Kwjawski (1999, p. 23-24), essas duas qualidades
intelectuais se diferenciam. Esta, a cultura, diz respeito a saber reflexivo,
compreensivo e hermenêutico; já aquela, a erudição, refere-se a saber
memorizado, extensivo e positivo.
É nesse tipo de jornalista que se enquadravam Rosalvo Florentino
de Souza, Gerson Rodrigues, Elisiário Rodrigues de Souza, Ernesto de
Souza Campos, Laerte Ramos de Carvalho e outros. São jornalistas que,
ao escrever sobre os acontecimentos sociais, dispunham de uma visão
enciclopédica, ou, no caso deles, especializada do acontecimento ou
assunto, de um domínio gramatical e/ou literário da língua, de um
posicionamento político definido, de uma ética comprometida com o
esclarecimento público, a fim de que se oferecesse uma educação política
aos leitores no intuito de fazê-los se sentir cidadãos.
É importante destacar que há uma pluralidade inerente às
reportagens no que concerne a seu arco de cobertura de acontecimentos e
de interesses variados.
Considerando-se, pois, que narrativa alguma pode ser
simplesmente factual, é importante destacar que o ato de noticiar, apoiado
de alguma forma nas ciências humanas e sociais, exige do narrador uma
38
capacidade de explicação ou poder de interpretação dos acontecimentos, o
que faz do jornal uma fonte de pesquisa potencial, ao mesmo tempo
empírica e teórica.
Nesse sentido, é importante que uma pesquisa que tenha como
corpus o jornal, a fim de transformá-lo em fonte, seja pautada por dois
procedimentos: a transcrição literal da matéria, no intuito de se manter o
seu valor documental; e, a fim de ligar acontecimentos de maior relevância
no interior da pesquisa, o resumo analítico das reportagens selecionadas
para se tornarem fontes.
Neste livro, utilizo, pois, em certos momentos, a transcrição literal
dos textos jornalísticos, inclusive com a ortografia que se encontra nos
recortes, ou mesmo a disponibilizo em forma de imagem, quando legível,
a fim de que se possa evidenciar empiricamente aquilo que pretendo
recuperar da História da Educação. Em outros momentos, apresento
apenas o resumo analítico de algumas reportagens elencadas para a
pesquisa. Como já afirmei, o recorte temporal se dá entre 1949 e 1957.
Esse período, porém, obteve uma atenção maior de minha parte, enquanto
pesquisador, por razões já expostas. A opção por esse recorte temporal não
exclui a necessidade de uma contextualização anterior ou posterior a ele,
uma vez que os acontecimentos históricos não se dão de forma estanque.
Há sempre uma relação de causa e efeito que, muitas vezes, exige um
tempo maior para se efetivar. De maneira mais explícita: um fenômeno
histórico que se manifesta hoje pode ser o efeito de uma causa latente há
muitos anos.
A partir dos recortes de jornais deixados por Rosalvo Florentino,
portanto, busquei localizar esse mundo político que de maneira mais ou
menos explícita certamente se encontra em seus conteúdos. Ainda que as
figuras e os acontecimentos mais importantes nem sempre sejam aqueles
que ocupem algum cargo ou lugar efetivo de poder, ou mesmo que tenham
39
uma notoriedade na vida social real, não posso deixar de considerar que,
na coleção deixada por Rosalvo Florentino, alguns acontecimentos e
personagens são mais recorrentes e evidentes que outros. É o caso, por
exemplo, da importância dada por Rosalvo Florentino ao professor,
deputado e poeta Sólon Borges dos Reis. Ou ainda, a variedade de recortes
que se referem ao ensino secundário e, de maneira mais específica, ao
ensino normal.
É evidente que a ênfase dada não só ao político como à modalidade
de ensino não ocorre de maneira fortuita. É necessário considerar que
lon Borges dos Reis foi membro do Centro do Professorado Paulista, do
qual Rosalvo Florentino também foi diretor. Quanto ao ensino normal,
Rosalvo Florentino foi um dos fundadores da Associação dos Professores
do Ensino Secundário e Normal Oficial do Estado de São Paulo
(APESNOESP).
Buscar a tessitura de um enredo possível, de modo que as matérias
presentes na coleção de recortes de jornais deixada por Rosalvo Florentino
viessem a ser articuladas de uma maneira significativa, tornou-se o desafio
para este pesquisador. Ainda que a busca por esse enredo possa de alguma
forma se assemelhar ao trabalho de um literato, é necessário destacar que,
enquanto pesquisador social, na área de História da Educação, torno-me
dependente das reportagens que se me apresentam como um conjunto de
elementos empíricos. É nesse aspecto que se diferencia a pesquisa histórica
da ficção. A matéria-prima de onde parto, no intuito de tecer as redes
possíveis de interpretação, é a própria empiria das matérias, representada
pelos recortes de jornais deixados por Rosalvo Florentino. Cabe-me primar
pela fidelidade ao conteúdo encontrado na consulta a esses arquivos, uma
vez que, de acordo com Cavalcante (2002, p. 7),
40
Descoberto o enredo possível para o encadeamento das notícias
colecionadas, tratará o pesquisador de demonstrar a pertinência do
mesmo, articulando-o em texto claro e convincente, em que a
interpretação ensaiada precisa ser comprovada a todo momento. É
nesse momento que as notícias registradas vão ser usadas de modo a
despertar interesse e aprovação de seu público leitor, que sendo
especializado, será muito exigente em relação aos conteúdos e
afirmações apresentados pelo intérprete dos acontecimentos. Nesse
sentido, por fazer parte de uma comunidade de conhecedores
especializados, o rastreador de histórias em jornais nunca se sentirá
totalmente livre para criar arbitrariamente o sentido de uma cadeia de
fatos. Ele sabe que não estará nunca sozinho, podendo ser facilmente
desmentido por um testemunho ou interlocutor qualquer, até porque,
ao indicar as páginas de onde retirou as notícias que alimentam,
empiricamente, a sua análise, estará também abrindo-as para outras
pessoas e pesquisadores interessados naquele assunto ou a eles
relacionados. Assim, a própria fonte eleita como primordial terá o
papel involuntário de garantir e, simultaneamente, fiscalizar os excessos
que a interpretação feita pelo pesquisador venha a cometer.
É nessa perspectiva que, reconhecendo a impossibilidade de uma
orientação metodológica bastante para elucidar os diversos
questionamentos e dúvidas que surgem no cerne de uma pesquisa com
jornais, busquei um equilíbrio entre o suporte teórico que orienta o meu
olhar e o valor empírico que no texto jornalístico.
Nesse sentido, mantive como tese que Rosalvo Florentino de
Souza, no período de 1949 a 1957, foi um intelectual que, por meio dos
seus escritos no jornal A Gazeta, contribuiu para o debate em torno do
ensino secundário e profissional, no Estado de São Paulo e no Brasil. O
espaço de que Rosalvo Florentino de Souza dispõe no jornal A Gazeta é a
representação material desse papel de intelectual por ele desempenhado. O
próprio Rosalvo Florentino ressalta esse papel social do jornal A Gazeta em
41
uma matéria, da seção Debates Pedagógicos
8
, do dia 17 de fevereiro de 1950,
intitulada Pode-se falar em decadência do ensino secundário? (Responde-nos o
professor Roberto Lucko), conforme se vê no excerto abaixo:
No trabalho construtivo que nos impusemos de discutir livremente
problemas de educação fazendo de A GAZETA uma tribuna onde
todas as vozes se façam ouvir educadores, pais, e mesmo alunos por
isso que o conhecimento de problemas de ensino não é privilegio de
ninguem nem tão pouco de alguns “mandarins” que se julgam donos
da verdade indiscutivel em questões educacionais, procuramos ouvir
um estudioso de tais assuntos, o professor Roberto Lucke, sobre a
falada decadencia do ensino secundario. Disse-nos s. s.: ANARQUIA
NO ENSINO SECUNDARIO (SOUZA, 17 fev. 1950).
Nesta edição da seção Debates Pedagógicos, o próprio Rosalvo
destacava este espaço de imprensa como lugar de expressão das várias vozes
sociais da época Uma tribuna onde todas as vozes se façam ouvir.
Reafirmava o trabalho construtivo que se impôs de discutir livremente
problemas da educação.
Nessa entrevista, o professor Roberto Lucko reporta-se a dois
trabalhos que havia lido em A Gazeta sobre “coisas do nosso ensino” ou
“coisas do ensino”. O professor afirmou que a decadência do ensino
secundário não se dava em razão dos professores, mas sim em razão de
técnicos de educação que já iniciavam a carreira em altos cargos, sem que
possuíssem tirocínio escolar algum, conforme se observa no seguinte
fragmento:
8
Nos fragmentos extraídos do corpus utilizados para tese, que gerou este livro, manteve-se, sempre
que possível, a grafia de origem.
42
[...] A decadencia do ensino secundario não se deve aos educadores
nem deles são os abusos que se cometem. Os raros casos, mais ou
menos censuraveis, anulam-se no seio dessa pleiade de sacerdotes que
pensam, trabalham e realizam. A decadencia do ensino secundario
deve-se antes de tudo, de acordo com estatisticas já elaboradas, a
técnicos de educação sem nenhum tirocinio escolar, geralmente
improvisados, [...] (SOUZA, 17 fev. 1950).
Dentre os fatos causadores da decadência do ensino secundário, o
professor Roberto Lucko, de acordo com Souza (17 fev. 1950), elencou os
seguintes: conservação de professores reprovados em concurso em
detrimento dos que foram aprovados e sobraram na escolha de cadeiras;
nomeação de orientadores educacionais sem tirocínio e sem concurso;
nomeação arbitrária e ilegal de diretores de ginásios, colégios e de normais,
sem tirocínio escolar nem técnica de administração.
Essa discussão foi, de certa forma, retomada, na mesma seção
Debates Pedagógicos, em outra entrevista, que tratava da Diretoria de
Ensino, porém publicada em abril de 1951. Nessa edição do jornal A
Gazeta, havia uma matéria intitulada A direção do ensino secundário. Nessa
matéria, Rosalvo Florentino destacara que o então atual governo do Estado
possuía os melhores propósitos, no sentido de solucionar os diversos
problemas educacionais que tinham sobrecarregado a administração
pública. Nesse sentido, caberia ao jornal A Gazeta ventilar esses assuntos,
a fim de colaborar com as autoridades de ensino, divulgando as críticas e
sugestões de professores que militavam nos diferentes setores.
Essas duas entrevistas podem comprovar a preocupação de Rosalvo
Florentino em trazer para a sociedade questões sérias no que diz respeito à
Educação. É interessante observar que a preocupação com a qualidade do
ensino secundário oferecido era comum nos dois textos. Os problemas
43
seriam complexos, uma vez que envolviam fatores relacionados à expansão
indiscriminada dos ginásios e colégios, à gestão do ensino secundário, ao
favorecimento político e, principalmente, à formação de professores.
Para fundamentar este estudo, foram utilizados livros, artigos de
periódico, trabalhos acadêmicos, sites de órgãos governamentais, de
universidades, de entidades da sociedade civil, dentre outros. O tratamento
das fontes requereu um diálogo, principalmente, com os seguintes autores:
Pierre Bourdieu, Jean François Sirinelli, Simon Schwartzman, Helena
Maria Bousquet Bomeny, Vanda Maria Ribeiro Costa, Otaíza de Oliveira
Romanelli, Rosa tima de Souza Chaloba, Maria Luisa Santos Ribeiro,
Bruno Bomtempi Junior, dentre outros.
Nesse sentido, reafirmando a intenção de analisar o pensamento
educacional de Rosalvo Florentino de Souza, por meio de seus escritos
jornalísticos, em relação ao ensino secundário e ao ensino profissional, com
vistas a compreender como professores vinculados ao movimento docente
se posicionaram sobre os problemas e as políticas educacionais, em âmbito
nacional e regional, estruturamos esta obra, além da introdução e das
considerações finais, em quatro capítulos.
No primeiro capítulo, intitulado Rosalvo Florentino: um intelectual
a serviço da educação, serão discutidos os conceitos de campo, à luz de
Bourdieu; e de intelectual, à luz da História dos Intelectuais, tendo como
pressupostos teóricos as ideias de Sirinelli.
No segundo capítulo, intitulado A educação profissional nas páginas
do jornal A Gazeta por Rosalvo Florentino de Souza, em razão de marcar os
dez anos da promulgação da Lei Orgânica do Ensino Industrial, a qual
compunha o conjunto de leis que formavam a Reforma Capanema,
apresentaremos a série de reportagens sobre o ensino industrial que
44
Rosalvo Florentino de Souza publicara no ano de 1952, a fim de traçar um
perfil histórico dessa modalidade de ensino.
No terceiro capítulo, intitulado O ensino secundário nas páginas do
jornal A Gazeta, apresentar-seo posicionamento de Rosalvo Florentino
de Souza e de alguns de seus entrevistados, no jornal A Gazeta, no período
de 1949 a 1957, sobre o ensino secundário, no Brasil e no Estado de São
Paulo.
Por fim, no quarto capítulo, intitulado A seção Magistério: a
consolidação do professor como jornalista, apresentaremos algumas
considerações sobre o estilo jornalístico e, em seguida, algumas reportagens
da seção Magistério, no intuito de confirmar a consolidação do professor
Rosalvo Florentino de Souza no campo jornalístico.
45
Rosalvo Florentino de Souza:
Um Intelectual a Serviço da Educação.
1.1 O campo intelectual
Afirmar que Rosalvo Florentino de Souza é um intelectual a serviço
da educação pode parecer estranho, uma vez que, mesmo tendo escrito por
duas décadas no jornal A Gazeta, de 1949 a 1968, de acordo com a coleção
de recortes que se encontra no Instituto de Estudos Educacionais “Sud
Mennucci”, sobre temas relacionados à educação, mesmo tendo
participado como membro e como fundador de diversas entidades de classe
ligadas à educação, mesmo tendo sido professor secundário, não se
encontra na literatura sobre História da Educação, seja do Brasil, seja do
Estado de São Paulo, qualquer referência a ele.
Foi a partir de um levantamento feito por uma aluna de graduação
sobre certos recortes de jornais deixados por ele no Instituto de Estudos
Educacionais “Sud Mennucci”, que, por intermédio da professora e
pesquisadora Rosa Fátima de Souza Chaloba, tomei conhecimento do
legado deixado por esse baiano nascido em Caetité.
O jornal A Gazeta, onde Rosalvo Florentino trabalhou, é
considerado a célula-mãe da atual Fundação Cásper Líbero. O jornal, que
circulou pela primeira vez em 16 de maio de 1906, foi fundado por Adolfo
Campos de Araújo (1873-1915). O vespertino surgiu com o espírito
republicano e seguiu os moldes dos jornais do século XIX, ou seja, utilizava
poucas imagens e muito texto. O jornal dedicava-se a defender, entre
46
outras coisas, um posicionamento político, além de versar sobre literatura,
cultura e economia.
O jornalista Cásper Líbero comprou o jornal A Gazeta em 14 de
julho de 1918, três anos após a morte de seu fundador. O vespertino que
passara por crises financeiras durante seus primeiros anos atinge seu
período áureo nas décadas de 1920 a 1950, tornando-se, de acordo com o
site da própria Fundação Cásper Líbero, o mais moderno jornal da América
Latina. Os avanços tecnológicos que marcaram o início do século XX
passaram a ter fundamental importância no cotidiano das publicações.
Como afirma Barbosa (2007), as novas máquinas capazes de proporcionar
uma grande tiragem aliadas ao telégrafo, o qual permitia a atualização
constante e com rapidez das notícias recebidas de última hora, faziam com
que o jornalismo não se ativesse somente a anunciar o que se passava no
mundo. Importava informar com rapidez, e os jornais passaram a construir
um tempo cada vez mais comprimido.
A década de 1910 a 1920 foi marcada pela construção, de forma
gradual, da imagem do jornalismo como capaz de conformar a realidade e
a atualidade. Segundo Barbosa (2007, p. 24), “[...] A opinião é, assim,
gradativamente separada de uma ideia de informação isenta [...]”. Em
razão disso, as múltiplas significações que o presente ou o passado
adquirem se dão em função da qualificação a qual lhe atribuímos. Nesse
sentido, o jornalismo assumiu como missão essencial ser os olhos e ouvidos
da sociedade. Rosalvo Florentino, na condição de professor e jornalista,
tornou-se um dos responsáveis pelos assuntos ligados à educação e ao
ensino no jornal A Gazeta.
A seção Magistério, redigida por Rosalvo Florentino em A Gazeta
e da qual falaremos em outro capítulo desta tese, surgiu no dia 14 de março
de 1957. O último dos recortes de jornais deixados por Rosalvo Florentino
no Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci” referente a essa
47
seção data de 1964, ainda que não se possa afirmar que a seção só fora
redigida até esse ano. A seção Magistério ocupava, em geral, boa parte de
uma página do vespertino. Há que se destacar que a forma como ela se
apresentava, ainda que nas décadas de 1950 e 1960, possuía um caráter de
objetividade que remontava ao início do século XX. A respeito disso,
Barbosa (2007, p. 40) afirma que
[...] as bases para a construção do ideal de objetividade do jornalismo,
que seriam aprofundadas com as reformas por que passariam os jornais
cinquenta anos mais tarde, estão lançadas na virada do século XIX para
o XX. A rigor, o mito da objetividade deve ser percebido na longa
duração, como um simbolismo construído pelas próprias empresas
jornalísticas e pelos jornalistas para assim cunhar uma distinção, no
sentido que confere a esta palavra Bourdieu (1989), ou um lugar
autorizado de fala.
É a esse lugar de fala que nos referimos. É investigando a trajetória
de Rosalvo Florentino, a fim de se detectar os movimentos por ele
realizados na busca de ocupar determinado campo, no sentido que
Bourdieu o define, que poderemos afirmar, ou não, que se trata de um
intelectual. Mais ainda, que se trata de um intelectual a serviço da educação
ou se preferirmos, do magistério na imprensa paulista. Não se pretende
aqui já considerá-lo a priori um intelectual, uma vez que
[...] a aplicação do atributo de intelectual requer a reflexão acerca das
funções que determinados educadores desempenharam em suas
trajetórias profissionais. Requer, ainda, a observação dos lugares
institucionais, sociais, políticos e culturais que eles ocuparam, além de
demandar a análise da contribuição e das repercussões de seus esforços
(XAVIER, 2016, p. 473).
48
Nesse sentido, no que diz respeito ao conceito de campo proposto
por Bourdieu, ainda que os escritos de Rosalvo Florentino não possuam
caráter ficcional, recorremos a Bastos (2014, p. 57) quando afirma que
[...] Longe de ser uma mera representação da realidade, ou ainda, uma
simples extensão do ego do escritor, a produção literária, dentro de
uma sociologia dos campos, é o resultado de um trabalho burilado que
não descarta a técnica, mas que não se torna escravo dela. [...].
As palavras de Bastos (2014) procuram nos aproximar do que
Bourdieu define como campo. Para o sociólogo francês, segundo Bastos
(2014, p. 58), “[...] não se pode compreender campo como um espaço
geográfico e estático, mas sim como as movimentações dentro do meio
social que levam o artista a se posicionar diante do mister da criação. [...]”.
Ainda que estejamos nos referindo a um jornalista, cujos textos presentes
no corpus desta tese se apresentam numa linguagem mais denotativa,
sabemos que todo discurso possui uma conotação ideológica que conduz
o seu locutor a se inserir em determinado campo. O que Bourdieu nos fala
a respeito do campo literário pode ser estendido a outros campos, uma vez
que ele mesmo assim se coloca:
[...] Se se sabe que cada campo [...] tem sua história autônoma, que
determina suas regras e suas apostas específicas, vê-se que a
interpretação por referência à história própria do campo (ou da
disciplina) é a condição prévia de interpretação com relação ao
contexto contemporâneo, quer se trate dos outros campos de produção
cultural, quer do campo político e econômico. A questão fundamental
torna-se, então, saber se os efeitos sociais da contemporaneidade
cronológica, ou mesmo a unidade espacial, como o fato de partilhar os
mesmos lugares de encontro específicos, cafés literários, revistas,
49
associações culturais, salões etc., ou de estar expostos às mesmas
mensagens culturais, obras de referência comum, questões obrigatórias,
acontecimentos marcantes etc., são suficientemente poderosos para
determinar, para além da autonomia dos diferentes campos, uma
problemática comum, entendida não como um Zeitgeist, uma
comunidade de espírito ou de estilo de vida, mas como um espaço dos
possíveis, sistema de tomadas de posição diferentes com relação ao qual
cada um deve definir-se (BOURDIEU, 1996, p. 227-228).
Nesse sentido, se considerarmos os movimentos realizados por
Rosalvo Florentino dentro da educação e da imprensa paulista, seja como
correspondente e redator de jornais, seja como professor e militante da
educação, é notório que ele chegou a ocupar um campo intelectual vasto.
Esse campo intelectual do jornalismo fez com que, no que concerne ao
campo da educação, a partir dos lugares autorizados de fala que ele ocupou,
mediante o espaço que ele dispunha e disponibilizava no jornal A Gazeta,
muitas vozes se manifestassem.
Essas vozes representavam também, em parte, o capital social
acumulado por Rosalvo Florentino de Souza. Segundo Bourdieu (2007, p.
67),
O capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão
ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos
institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento
ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de
agentes que não somente são dotados de propriedades comuns
(passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles
mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis.
[...].
50
Nesse sentido, pode afirmar que o papel de Rosalvo Florentino de
Souza na imprensa paulista, como professor que se manifestava a partir
desse meio de comunicação, contribuiu para que esse professor-jornalista
viesse a ser reconhecido por seus pares como um homem atento às
discussões sobre a educação brasileira e paulista contemporâneas a ele. O
reconhecimento entre seus pares, o que o levou, por exemplo, a representar
o Brasil na Confederação Sulamericana das Associações de Professores de
Educação Física. Como afirma Bourdieu (2007, p. 67),
[...] O volume do capital social que um agente individual possui
depende então da extensão da rede de relações que ele pode
efetivamente mobilizar e do volume do capital (econômico, cultural ou
simbólico) que é posse exclusiva de cada um daqueles a quem está
ligado. [...].
Deve-se destacar, porém, que a existência de uma rede de relações
é fruto de um trabalho de fundação e conservação, o qual se torna
necessário à produção e à reprodução de relações duráveis e úteis, capazes
de proporcionar lucros materiais e simbólicos. É a partir desse pressuposto
que, segundo Bourdieu (2007, p. 69),
[...] os grupos instituídos delegam seu capital social a todos os seus
membros, mas em graus muito desiguais (do simples leigo ao papa ou
do militante de base ao secretário-geral), podendo todo o capital
coletivo ser individualizado num agente singular que o concentra e que,
embora tenha todo seu poder oriundo do grupo, pode exercer sobre o
grupo (e em certa medida contra o grupo) o poder que o grupo lhe
permite concentrar. [...].
51
Ainda que o espaço ocupado no jornal A Gazeta por Rosalvo
Florentino lhe tenha competido por méritos próprios, suas redes de
ligações permitiram que ele se fixasse no campo intelectual do jornalismo,
sem se afastar do campo da educação. Muito pelo contrário, a atuação
simultânea nos dois campos intelectuais é que permitiu que uma rede de
relações subsidiasse a outra, através de uma rede de ligações, ou seja, do
que Bourdieu define como
[...] o produto de estratégias de investimento social consciente ou
inconscientemente orientadas para a instituição ou a reprodução de
relações sociais diretamente utilizáveis a curto ou longo prazo, isto é,
orientadas para a transformação de relações contingentes, como as
relações de vizinhança, de trabalho ou mesmo de parentesco, em
relações, ao mesmo tempo, necessárias e eletivas, que implicam
obrigações duráveis subjetivamente sentidas (sentimentos de
reconhecimento, de respeito, de amizade, etc.) ou institucionalmente
garantidas (direitos) (BORDIEU, 2007, p. 68).
Já que a troca é capaz de transformar as coisas trocadas em signos
de reconhecimento, é a atuação de Rosalvo Florentino como professor
ativo não apenas em suas atividades docentes, ao ensinar em vários colégios
e diversas modalidades de ensino e disciplinas concomitantemente, mas
também como professor ativista, ao militar em várias entidades de classe,
que faz com que esse professor seja mais um a estabelecer uma ponte entre
a imprensa e o magistério paulista nas décadas de 1950 e 1960. Seu
reconhecimento, no campo jornalístico, ou melhor, sua fixação, ocorre em
1957, quando passa a assinar uma seção diária no jornal A Gazeta: a seção
Magistério.
Se a noção de capital social é imposta como meio único apto a
designar o fundamento dos efeitos sociais, os quais não são redutíveis ao
52
conjunto de propriedades individuais possuídas por um agente
determinado, ainda que estes (os efeitos sociais) venham a ser, de forma,
clara, compreendidos no nível dos agentes singulares, não podemos deixar
de considerar que o capital cultural acumulado por cada agente singular
contribui para o seu pertencimento a determinado grupo, o que culmina
na ocupação de determinado campo intelectual. De acordo com Boudieu
(2007, p. 74),
O capital cultural pode existir sob três formas: no estado incorporado,
ou seja, sob a forma de disposições duráveis do organismo; no estado
objetivado, sob a forma de bens culturais quadros, livros, dicionários,
instrumentos, máquinas, que constituem incios ou a realização de
teorias ou de críticas dessas teorias, de problemáticas, etc.; e, enfim, no
estado institucionalizado, forma de objetivação que é preciso colocar à
parte porque, como se observa em relação ao certificado escolar, ela
confere ao capital cultural de que é, supostamente, a garantia
propriedades inteiramente originais.
No que diz respeito ao estado incorporado, pode dizer que o capital
cultural, em seu estado fundamental, tem ligação com o corpo,
pressupondo, assim, sua incorporação. Para que um capital cultural seja
acumulado, é necessária uma incorporação a qual, enquanto pressupõe um
trabalho de inculcação e de assimilação, exige tempo que deve ser investido
pessoalmente pelo investidor. Nesse sentido, por ser pessoal, o trabalho de
aquisição é um trabalho do “sujeito” sobre ele próprio. Para Bourdieu
(2007, p. 74-75),
[...] O capital cultural é um ter que se tornou ser, uma propriedade que
se fez corpo e tornou-se parte integrante da “pessoa”, um habitus.
Aquele que o possui “pagou com sua própria pessoa” e com aquilo que
53
tem de mais pessoal, seu tempo. Esse capital “pessoal” não pode ser
transmitido instantaneamente (diferentemente do dinheiro, do título
de propriedade ou mesmo do título de nobreza) por doação ou
transmissão hereditária, por compra ou troca. Pode ser adquirido, no
essencial, de maneira totalmente dissimulada e inconsciente, e
permanece marcado por suas condições primitivas de aquisição. Não
pode ser acumulado para além das capacidades de apropriação de um
agente singular; depaupera e morre com seu portador (com suas
capacidades biológicas, sua memória, etc.). [...].
Como o capital cultural, em seu estado incorporado, é acrescentado
pelo próprio indivíduo ao seu patrimônio hereditário, acumulando, assim,
os prestígios da propriedade inata e os méritos da aquisição, por
consequência, é capaz de apresentar um grau de dissimulação mais elevado
do que o capital econômico, o que o torna mais propenso a funcionar
como capital simbólico. É esse capital simbólico que permite a um agente
singular, como Rosalvo Florentino de Souza, a transformar esse capital
cultural, em seu estado incorporado, em estado objetivado, quando se utiliza
do espaço de que dispõe no jornal A Gazeta para transmitir os anseios, as
lutas e as notícias do magistério paulista. Os diversos diplomas adquiridos
por Rosalvo Florentino são um exemplo de como ele conseguiu
materializar seu capital cultural, através do estado institucionalizado.
Como citamos anteriormente, Rosalvo Florentino transitou por
diversos campos intelectuais, mas principalmente pelos da educação e do
jornalismo. Trata-se de campos distintos, que exigem do intelectual
movimentos específicos na tentativa de se fixar em cada um deles, bem
como utilizações específicas de seu capital cultural. Rosalvo Florentino
conseguiu, ao se fixar no jornalismo, escrevendo para diversos jornais,
simultaneamente se fixar na educação, por meio desses mesmos jornais
54
como intelectual que dedicou seu espaço de imprensa às questões do
magistério, sua principal ocupação.
1.2 Do Intelectual
Peter Burke (2003), ao se referir aos principais descobridores,
produtores e disseminadores de conhecimento nos primórdios da Europa
moderna, afirma que eles muitas vezes são chamados de “intelectuais”,
aqueles que foram descritos por Karl Mannheim como os grupos sociais
que têm, em qualquer sociedade, a tarefa ímpar de formular uma
interpretação do mundo para essa sociedade. Burke (2003) afirma que
Mannheim (1936) os teria chamado de “intelligentsia flutuante”, de um
“estrato sem âncoras, relativamente sem classe”.
Burke (2003) prossegue com uma afirmação de que
frequentemente é dito que os intelectuais só surgiram na Rússia, em
meados do século XIX, no momento em que a palavra “intelligentsia” foi
cunhada no intuito de designar os homens de letras que, na burocracia,
não desejavam ou não alcançavam posições. Há quem afirme que a
ascensão do grupo se deu no fim do século XIX, durante o debate que
ocorrera na França em torno do caso Dreifuss
9
, com o Manifesto dos
intelectuais que defendiam o oficial acusado de espionagem. Bauman
(2014), por sua vez, nos diz que o termo “intelectual” fora criado, pelo que
é dito, por Georges Clemenceau, a fim de “denotar o resíduo dos “homens
de saber” que mantêm sua paixão, enquanto muitos de seus companheiros
9
Mantivemos aqui a grafia que se encontra na obra de Peter Burke; há, em outras obras, a grafia
Dreyfus para se referir ao mesmo oficial. Esta é a mais comum.
55
de armas optaram por receber bons salários na academia, na política, no
jornalismo etc”.
Burke (2003) lembra, ainda, que outros historiadores, como
Jacques Le Goff, chegam a falar de intelectuais na Idade Média, pelo
menos no que diz respeito às universidades. Há, porém, quem considere
anacronismo o uso do termo “intelectual” para se referir à Idade Média.
Vale destacar, no entanto, que, como salienta Burke (2003, p. 25), “esses
desacordos são em parte questões de definição, mas também revelam uma
importante diferença de opinião sobre o peso relativo da mudança e da
continuidade na história cultural da Europa”. Poderíamos aqui estender a
advertência de Burke para a história cultural como um todo, pelo menos
no Ocidente, uma vez que
Uma visão comum sobre os intelectuais de hoje é que eles são
descendentes da intelligentsia radical do século XIX, que são
descendentes dos philosophes do Iluminismo, que são uma versão
secular do clero protestante, ou descendentes dos humanistas do
Renascimento. Tal visão é excessivamente “voltada para o presente”,
no sentido de perscrutar o passado em busca de pessoas mais ou menos
semelhantes a nós mesmos (BURKE, 2003, p. 26).
O estudo, pois, dos intelectuais, ou melhor, de sua história, deve
ser visto como algo científico. Como afirma de maneira incisiva Sirinelli
(2003, p. 231), “É chegada, afinal, [...] a hora da História, com esta
maiúscula que convém a toda atividade de pesquisa que possui status
científico reconhecido. [...]”. É preciso compreender que atualmente a
história dos intelectuais já conseguiu se tornar, de acordo com Sirinelli
(2003, p. 232), “[...] um campo histórico autônomo que, longe de se
56
fechar sobre si mesmo, é um campo aberto, situado no cruzamento das
histórias política, social e cultural”.
É partindo dessa premissa que poderemos compreender os
deslocamentos de Rosalvo Florentino de Souza. Só assim, sem conceitos a
priori, sem rótulos maniqueístas é que poderão vir a serem evidenciados os
fatores que levaram a um professor secundário, jornalista, advogado e
sindicalista a eleger a educação como tema de seus escritos em diversos
jornais paulistas, principalmente no jornal A Gazeta, no qual atuou no
mesmo período em que tramitava no Congresso Nacional a primeira Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
É claro que, seja para enfocarmos um sujeito em particular, seja
para analisá-los em grupo, torna-se imprescindível considerar os
cruzamentos históricos que Sirinelli nos propõe. Deve-se ficar ainda
evidente que, segundo Sirinelli (2003, p. 234), “[...] os intelectuais
constituem um grupo social de contornos vagos que durante muito tempo
foi pouco significativo em termos de tamanho [...]”. Deve-se lembrar,
ainda, que
[...] a historiografia recente experimentou um entusiasmo pelas
“massas”, às quais os intelectuais não podiam pretender pertencer
devido a seu número reduzido, mas também pelo fato de pertencerem
às “elites”, por muito tempo confinadas, em reação contra a história
“positivista”, ao purgatório dos subobjetos da história (SIRINELLI,
2003, p. 235).
É preciso, pois, extrapolar os limites do ideológico propostos pela
história política. É necessário compreender o conceito de intelectual a
partir de uma reflexão, sem definição prévia alguma, relativizando-o,
metaforizando-o. É importante compreendê-lo como um conceito aberto
57
e que ele o intelectual é capaz de pensar além de sua classe de origem,
o que o torna universalista, flutuante e capaz de aderir a outra classe.
Sirinelli (2003) nos lembra de que o caráter polissêmico da noção
de intelectual que foi amiúde destacado bem como o aspecto polimorfo do
meio dos intelectuais levou a uma imprecisão de estabelecimentos de
critérios de definição da palavra. Segundo ele, é necessário que se defenda
uma definição de geometria variável, ainda que baseada em invariantes.
Propõe, então, duas acepções de intelectual:
[...] uma ampla e sociocultural, englobando os criadores e os
“mediadores” culturais, a outra mais estreita, baseada na noção de
engajamento. No primeiro caso, estão abrangidos tanto o jornalista
como o escritor, o professor secundário como o erudito (SIRINELLI,
2003, p. 242).
Ainda no que diz respeito à segunda definição, Sirinelli (2003, p.
243), enfatiza o caráter intrínseco que há entre as duas acepções, uma vez
que
[...] Uma tal acepção não é, no fundo, autônoma da anterior, já que
são dois elementos de natureza sociocultural, sua notoriedade eventual
ou sua “especialização” reconhecida pela sociedade em que ele vive -
especialização esta que legitima e mesmo privilegia sua intervenção no
debate da cidade , que o intelectual põe a serviço da causa que
defende. [...].
Rosalvo Florentino de Souza poderia ser incluído na primeira
acepção do termo. Como jornalista seria não apenas criador, mas também
mediador, uma vez que se utilizava do espaço de impressa para divulgar
58
ideias que circulavam no campo da educação. Ainda como mediador,
levava essas ideias aos alunos como professor secundário. Mas e a segunda
acepção? Seria descartada? É óbvio que sua participação em entidades de
classe o coloca de imediato na condição de engajamento.
Esse engajamento, porém, deve ser relativizado, uma vez que, nem
sempre, as atividades mais cotidianas são colocadas em evidência dentro de
uma determinada causa, ainda que sejam de fundamental importância.
Normalmente esse engajamento não é o que Sirinelli defende só é
considerado a partir de contribuições que ganham visibilidade, ou mesmo,
notoriedade. Mas será que aqueles que agem no anonimato, cuja
consciência de seu papel intelectual já se tornara rotina, devem mesmo ser
alijados da condição de engajados? Será que o fato de os entrevistados por
Rosalvo Florentino, ou citados em suas reportagens, conforme
levantamento do período de 1949 a 1956, equivalente à pasta número um
da coleção de recortes deixada por ele no Instituto de Estudos Educacionais
“Sud Mennucci”, não aparecerem subscrevendo o Manifesto dos
Educadores: Mais uma Vez Convocados, de 1959, é o suficiente para
mensurar o engajamento, ou não, de certo intelectual?
Por que será que esses intelectuais, que ocuparam lugar de destaque
nas páginas do jornal A Gazeta, estiveram ao largo desse manifesto? Por
que será que nomes como o de Sólon Borges dos Reis
10
educador e poeta
atuante tão considerado por Rosalvo Florentino não subscreveu o
Manifesto de 1959? Seria por razões políticas ou ideológicas, já que Sólon
Borges dos Reis, quando da publicação do Manifesto de 1959, estava
prestes a assumir uma cadeira na Assembleia Legislativa de São Paulo pelo
10
Na coleção de recortes deixada por Rosalvo Florentino de Souza, no Instituto de Estudos
Educacionais “Sud Mennucci”, encontramos algumas entrevistas com Sólon Borges dos Reis, bem
como algumas de suas poesias datilografadas e anexadas ao arquivo.
59
Partido Democrata Cristão (PDC)? Essa seria uma hipótese difícil de
sustentar, uma vez que o Manifesto dos Educadores: Mais uma Vez
Convocados trazia assinaturas que iam de Júlio de Mesquita Filho e
Fernando de Azevedo a Darci Ribeiro e Florestan Fernandes. Tal hipótese
só poderia ser considerada à luz de Sirinelli (2003, p. 248), quando afirma
que
O meio intelectual constitui, ao menos para seu núcleo central, um
“pequeno mundo estreito”, onde os laços se atam, por exemplo, em
torno da redação de uma revista ou do conselho editorial de uma
editora. A linguagem comum homologou o termo “redes” para definir
tais estruturas. Elas são mais difíceis de perceber do que parece.
No que se refere ao Manifesto dos Educadores: Mais uma Vez
Convocados (Janeiro de 1959), ainda que tenha sido subscrito por mais de
uma centena de intelectuais, pode-se dizer que esse núcleo central a que se
refere Sirinelli está relacionado ao grupo que também assinou o Manifesto
dos Pioneiros da Educação Nova (1932) e aos intelectuais que se
organizavam em torno da Universidade de São Paulo (USP). Os
intelectuais que se encontravam no meio em que circulava Rosalvo
Florentino estavam mais ligados ao ensino primário e médio (em todas as
modalidades: secundário, normal, profissional...), bem como, do ponto de
vista político, como no caso de Sólon Borges dos Reis, em torno do Partido
Democrata Cristão (PDC). Seria redundante descrever a oposição que os
grupos católicos faziam às ideias escolanovistas.
Essas estruturas de sociabilidade, porém, não são estanques. Elas
sofrem variações em decorrência das épocas e dos subgrupos intelectuais
estudados. O posicionamento de determinado intelectual também varia,
de acordo com a posição móvel que no momento ocupa: criador ou
60
mediador. Em algumas matérias de Rosalvo Florentino pode-se perceber,
seja mediante os entrevistados, seja por meio de sua coluna na seção
Magistério, aproximações e distanciamentos ao pensamento escolanovista.
Esse caráter, aparentemente paradoxal, se dá por diversas razões que,
muitas vezes, estão além do debate intelectual em si. Como afirma Sirinelli
(2003, p. 250),
A atração e a amizade e, a contrário, a hostilidade e a rivalidade, a
ruptura, a briga e o rancor desempenham igualmente um papel às vezes
decisivo. Isto, alguns poderão objetar, se aplica a toda microssociedade.
Mas, de um lado, esse peso da afetividade adquire uma significação
específica, num meio teoricamente colocado sob o signo da
clarividência, e cuja garantia, aos olhos do resto da sociedade, é saber
jugular (sic) suas paixões, a serviço exclusivo da Razão. De outro lado,
a imbricação das tensões devidas aos debates de idéias e desses fatores
afetivos desemboca talvez, em alguns casos, numa patologia do
intelectual. [...].
O meio intelectual, ou melhor, o campo intelectual por onde
Rosalvo Florentino transitava era marcado principalmente pelo caráter
personalista. O valor dado à pessoa sobre a causa aparentava ser bem maior.
Tomemos como exemplo o Centro do Professorado Paulista (CPP).
Fundado em 1930, o Centro do Professorado Paulista é considerado uma
das associações mais tradicionais (não necessariamente conservadora) do
magistério brasileiro, ao congregar, principalmente, professores primários.
Rosalvo Florentino mediou, com a sua participação no jornal A
Gazeta, os debates em torno das reivindicações do magistério, durante a
gestão de Lucas Nogueira Garcez. Na pasta um da coleção de recortes de
jornais deixada por Rosalvo Florentino, há diversas matérias que tratam da
necessidade de uma valorização da profissão, bem como de uma melhor
61
remuneração para o magistério. Na reportagem datada de 1º de novembro
de 1951 e intitulada Reajustamento de vencimentos de professores, essa
preocupação fora evidenciada:
Causou certa estranhesa, no seio do professorado paulista, a
apresentação de emendas aos projetos de lei em curso na Assembléia
Legislativa do Estado, que tratam de reajustamento de vencimentos dos
quadros do magistério, isto porque, esboçou-se um movimento das
entidades de classe no sentido de que não fossem apresentadas emendas
aqueles projetos, afim de se evitar que os mesmos fossem obstruídos.
Por isto mesmo procuramos um lider da classe que nos desse
informações precisas a respeito, esclarecendo o sentido das emendas
propostas. E ninguem mais autorizado a falar sobre o assunto do que o
prof. Arnaldo Laurindo, presidente do Centro do Professorado Paulista
e diretor do Departamento do Ensino Profissional (SOUZA, 1º nov.
1951).
Ainda que o professorado paulista, por meio de suas entidades,
tenha deliberado no sentido de não haver propostas de emendas aos
projetos de reajustamento dos vencimentos da classe, o descumprimento
de suas deliberações por parte da administração pública estadual, por meio
de um líder classista que possuía cargo na estrutura da Secretaria da
Educação, não causou revolta, muito pelo contrário, segundo o professor-
jornalista, o sentimento foi de estranheza. Rosalvo Florentino fortalece seu
discurso, afirmando que o professor Arnaldo Laurindo seria a pessoa mais
autorizada a falar do assunto. Nas palavras do entrevistado,
62
Efetivamente, como Suplente de Deputado Estadual, tomei a iniciativa
de solicitar ao meu ilustre amigo deputado Narciso Pieroni a
apresentação de duas emendas aos projetos de reajustamento de
vencimentos do magistério. [...] (SOUZA, 1º nov. 1951).
Figura 1 - Rosalvo Florentino e o professor Arnaldo Laurindo
Fonte
11
: Recorte do Jornal A Gazeta, de 1º de novembro de 1951, retirado do
acervo do Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”.
A mediação de Rosalvo Florentino, na condição de jornalista que,
ao mesmo tempo é professor e representante classista, comprova a assertiva
de Vicentini e Lugli (2009, p. 107) de que
[...] Os agentes que tomaram a iniciativa de criar tais entidades foram
desenvolvendo estratégias para se legitimarem na qualidade de
representantes da categoria (ou de um de seus segmentos). Tais
11
O próprio pesquisador recortou, de seus arquivos pessoais, as fotografias presentes neste texto,
capturadas, em 2015, por ele e por Marta Campos de Quadros, nos recortes de jornais deixados
por Rosalvo Florentino de Souza, no Instituto de Estudos educacionais “Sud Mennucci”.
63
estratégias eram reveladoras do conhecimento que esses agentes
dispunham da lógica de funcionamento do campo educacional e do
sistema de valores com base nos quais os professores estruturavam as
suas ações e que, evidentemente, estavam (e estão) sujeitos às
transformações pelas quais têm passado esse espaço e a própria
categoria docente. Além disso, a posição ocupada por esses agentes no
campo educacional (e fora dele) também era determinante para a
obtenção de apoio para esse tipo de empreendimento que, de modo
geral, precisava ser divulgado em veículos especializados e na grande
imprensa e dependia, ainda, de um mínimo de estrutura para o início
de seu funcionamento.
Durante o governo de Lucas Nogueira Garcez, muitas foram as
reportagens sobre os vencimentos e as condições do professorado realizadas
por Rosalvo Florentino. Mais ainda, essas reportagens tinham certa
relevância para o professor-jornalista, uma vez que as encontramos com
facilidade na coleção de recortes de jornais utilizada como corpus desta tese.
Ainda na pasta um, podemos elencar alguns títulos e/ou entretítulos que
tratam do assunto, como por exemplo, o da matéria do dia 11 de fevereiro
de 1952, intitulada Um dos fatores do baixo nível do ensino secundário.
Nessa reportagem, Rosalvo Florentino afirmou que os inspetores
federais de ensino secundário pretendiam realizar um movimento que
tinha como objetivos elevar o nível do ensino secundário e reivindicar uma
situação econômica mais adequada para os membros da classe. Ouviram-
se, então, as palavras do dr. Júlio de Revoredo, o qual realizava há mais de
vinte anos as funções de inspetor federal.
Segundo Júlio de Revoredo, a parca remuneração dos inspetores
federais seria um dos fatores que tornavam baixo o nível do ensino
secundário no Brasil. Em suas palavras, não seria lícita a exigência de
devotamento ao trabalho e entusiasmo pela função daqueles que
64
percebiam irrisórios vencimentos, os quais se encontravam em desacordo
com as responsabilidades e com a importância da missão que lhes cabia na
sociedade. Haveria, portanto, para o dr. Júlio Revoredo, uma íntima
ligação entre os vencimentos dos inspetores federais e a elevação do nível
do ensino secundário.
Não podemos deixar de registrar que o espaço do jornal A Gazeta
não se restringira apenas ao professorado, mas estendia-se ao magistério
como um todo, o que provavelmente tenha levado Rosalvo Florentino a
nomear sua seção, a partir de 1957, no jornal A Gazeta, como Magistério.
Outra referência que não pode deixar de se mostrar era a disputa entre os
professores e os demais atores do campo da educação, visto que aqueles,
não raras vezes, prejudicaram-se em suas demandas em razão das
reivindicações dos demais membros do magistério.
No corpus da pesquisa, encontramos, ainda, durante o governo de
Lucas Nogueira Garcez, reportagens em que as entidades de classe do
magistério secundário se colocavam a favor de um reajuste de vencimentos
inferior ao que a classe exigia, na condição de que houvesse uma vinculação
entre o reajustamento dos professores secundários e universitários, fato
que, na verdade, não se concretizou, como se pôde perceber em matéria da
seção Magistério, do dia 15 de março de 1957, intitulada Situação
econômica do professor, já durante o período do governo de Jânio da Silva
Quadros, por quem Lucas Nogueira Garcez foi sucedido.
1.3 As entidades de classe e o engajamento intelectual
O campo educacional, não diferente, de outros campos intelectuais
caracteriza-se por sua heterogeneidade, ainda que sejam comuns
reivindicações relativas à valorização e à melhor remuneração dos
65
profissionais da educação professores ou não , a maneira de conduzir
tais demandas é que os distingue. Segundo Vicentini e Lugli (2009, p.
102),
[...] a história das associações em torno das quais os docentes se
reuniram permite entender como diferentes grupos dividiram-se,
enfrentaram questões específicas da profissão e representaram o
próprio ofício. Cada entidade assumiu, ao longo de sua existência, uma
configuração específica e situou-se, muitas vezes, em posições
divergentes com relação a outras associações. Trata-se de uma história
marcada, portanto, por antagonismos e diferenças constitutivas da
categoria dos professores.
Dos membros do próprio Centro do Professorado Paulista (CPP),
por exemplo, saíram aqueles que fundaram a Associação dos Professores
do Ensino Secundário e Normal Oficial do Estado de São Paulo
(APESNOESP). Fundada em 1945, a APESNOESP tinha por objetivo
suprir a deficiência do CPP em relação às demandas do magistério
secundário, uma vez que a atuação deste se voltava primordialmente à
defesa dos interesses do professorado primário. Nesse sentido, ainda que
Rosalvo Florentino tenha participado de ambas as entidades, é necessário
perceber que
[...] assinalar a heterogeneidade do magistério é tarefa fundamental na
compreensão dos movimentos da categoria. Os professores dividiram-
se em associações diferentes e, no interior de determinadas entidades,
também surgiram grupos com posições diversas. Foram notáveis as
dificuldades de articulação do magistério em torno de ideias e
propostas comuns ou mesmo a concordância nas formas de conceber e
exercer a profissão. Enquanto o magistério primário constituiu-se
66
predominantemente com uma formação oferecida em nível médio, o
magistério secundário exigia a realização de estudos em níveis mais
elevados do sistema escolar. A remuneração também variou de acordo
com o nível de ensino, sendo que os professores secundários geralmente
ganhavam mais e podiam receber por hora-aula. As diferenças entre os
dois grupos referiam-se também às suas identidades e às culturas
desenvolvidas por cada um no exercício de seu trabalho. [...] Por fim,
não se pode deixar de considerar a existência de docentes com estatutos
profissionais diversos e cujos interesses muitas vezes eram conflitantes
(VICENTINI; LUGLI, 2009, p. 102-3).
Torna-se, portanto, evidente que, em razão da heterogeneidade da
categoria, bem como das divisões internas, distintas foram as
representações constituídas sobre a profissão e o movimento docente. Se
os professores secundários exigiam, por um lado, remuneração melhor que
a dos professores primários, colocando-se em nível acima destes; por outro
lado, almejavam o mesmo tratamento dado aos professores universitários,
ou seja, o mesmo tratamento que recebiam aqueles que os preparavam para
o exercício de seu ofício. Ainda que o movimento docente necessitasse do
número de profissionais ligados a determinados grupos, bem como da
capacidade de mobilização desses membros e da obtenção de apoio dos
demais segmentos da sociedade para que se articulassem, havia certa
presunção de “elitização” da profissão docente em detrimento daquelas de
caráter menos intelectual, o que fez com que
[...] foi se constituindo no âmbito do movimento docente um modelo
associativo que, até o final dos anos 1970, foi predominante. Em linhas
gerais, esse modelo caracteriza-se pelo objetivo de melhorar as
condições de vida e trabalho dos professores mediante a sua
arregimentação em torno de associações profissionais que, além de
encaminharem propostas para solucionar os problemas que afetavam a
67
categoria, também tomavam para si essa incumbência, mediante a
constituição de uma rede de serviços aos associados para amenizar as
suas dificuldades cotidianas. Quer seja fazendo apelo ao caráter
sacerdotal da docência, quer seja procurando representá-la como uma
atividade profissional, tais associações buscavam, de diferentes formas,
tornar o trabalho realizado pelos professores mais valorizado e, assim,
obter maior reconhecimento social que deveria se traduzir também em
uma melhor remuneração. Tais objetivos, entretanto, não poderiam
comprometer a preocupação em manter o respeito quanto às
autoridades constituídas, nem o suposto ideal de neutralidade política,
presente inclusive nos sindicatos organizados por professores da rede
particular. Mesmo quando as associações constituídas nesses moldes
passaram a utilizar práticas reivindicatórias mais agressivas passeatas
e greves , insistia-se no caráter diferenciado dessas iniciativas, que
eram descritas como “ordeiras”, com vistas a preservar a distância do
operariado (VICENTINI; LUGLI, 2009, p. 105).
Percebe-se, na coleção de recortes de jornais deixada por Rosalvo
Florentino, a intenção de valorizar os movimentos que as entidades de
classe nas quais teve participação lideraram, bem como evidenciar as
bandeiras defendidas pelo magistério como um todo. Apesar das
divergências dentro da categoria, sempre houve, por parte dessas entidades,
a defesa de uma união da classe sempre prevalecia, como afirmam Vicentini
e Lugli (2009, p. 110),
[...] No caso do CPP, além de sua falta ser apontada como o principal
empecilho para que o magistério fizesse valer os seus direitos, as
divergências existentes no interior da associação eram contornadas em
nome da necessidade de se manter a união do professorado. Quando o
movimento docente paulista passou a contar com diversas associações
representativas do magistério, qualquer tipo de oposição ao Centro era
68
considerada um fator que comprometia a união da classe e obstruía o
processo reivindicatório do magistério. [...].
Apesar de haver uma união forçada, não se pode dizer que ela fosse
de todo negativa, uma vez que fazia a categoria trazer para si a
responsabilidade pelas iniciativas reivindicatórias e buscava meios para
isso. Ainda que, por exemplo, o CPP defendesse explicitamente a
aproximação entre a categoria e os poderes constituídos,
[...] Essas entidades tinham em comum, por exemplo, a resistência ao
posicionamento político explícito não por acaso na quase totalidade
dos estatutos consta a expressão “alheio às disputas político-partidárias
pelo fato de considerarem que, como organizações de professores,
deveriam procurar manter-se politicamente neutras para escapar às
injunções políticas que afetavam o campo educacional. A única
participação política vista como aceitável era a tentativa de eleição de
um “representante da classe”, cujo partido político geralmente ficava
em último plano ou desaparecia na promoção que as entidades faziam
junto aos professores a escolha do partido era de exclusiva
responsabilidade do candidato. À “neutralidade política” aliava-se uma
forma característica de reivindicar melhores salários e condições de
trabalho, que buscava o afastamento de modos que o magistério
primário considerava próprios ao operariado, ou seja, de caráter
sindical (VICENTINI; LUGLI, 2009, p. 140).
O apoio do CPP à eleição de Lucas Nogueira Garcez e a eleição de
Sólon Borges dos Reis são emblemáticos, no sentido de colocar em
questionamento esse caráter apartidário que as entidades procuravam
exibir. Lucas Nogueira Garcez foi uma escolha extrapartidária que
Adhemar de Barros fizera para conseguir o apoio dos getulistas. Lucas
Nogueira Garcez, porém, rompeu com Adhemar de Barros e não o apoiou
69
nas eleições seguintes, quando Adhemar de Barros se candidatara com o
intuito de voltar ao governo de São Paulo. Esse posicionamento de Lucas
Nogueira Garcez facilitou a eleição de Jânio Quadros, pelo Partido
Democrata Cristão (PDC), o mesmo partido pelo qual Sólon Borges dos
Reis fora eleito.
A relação entre o CPP e os católicos era bastante amistosa, por isso
nem tanto apartidária. A Liga do Professorado Católico (LPC-SP) havia
sido fundada em 1919 pela Cúria Metropolitana e foi até 1930, quando
da fundação do CPP. Por ter sido formada apenas por professoras, em sua
fundação, manteve a tradição de ter na presidência mulheres. Sua atuação
sempre foi de cunho assistencialista e conservador. Entre outras atividades,
[...] a Liga participou, juntamente com outras associações, de
iniciativas comandadas pelo CPP, tais como a Liga Eleitoral do
Professorado que, em 1950, lançou aproximadamente quarenta
candidaturas de professores à Assembleia Legislativa, em sua maioria,
ligadas ao Partido Democrata Cristão (PDC) e da campanha salarial
realizada em 1958 e que ficou conhecida pelo slogan “Mais prédios para
as escolas, melhores vencimentos para os professores”. [...]
(VICENTINI; LUGLI, p. 120).
A coleção de recortes de jornais deixada por Rosalvo Florentino,
corpus desta tese, traz, entre abril e maio de 1958, na pasta número quatro,
três reportagens em defesa da campanha. Essas reportagens são mais uma
comprovação da contribuição de Rosalvo Florentino ao debate
educacional. A primeira, datada de 9 de abril de 1958, encontra-se na seção
Magistério. É uma matéria que ocupa quase toda a página do jornal A
Gazeta e traz como título, Mais prédios para as escolas, melhores vencimentos
para os professores, ou seja, o próprio nome da Campanha. Ele iniciou a
70
matéria, procurando expor o sentido da campanha que o professorado
paulista lançara, ou seja, conseguir maior valorização da educação e dos
educadores. Apresentou o calendário de reuniões, bem como a demanda
de 50% de aumento nos vencimentos para todo o pessoal de ensino,
inclusive os serventes de grupos escolares
12
.
Dentre as ações de divulgação da campanha, as entidades
decidiram intensificar a propaganda junto às escolas de todos os graus, bem
como agir no sentido de esclarecimento do público. Para isso, publicaram
um boletim informativo sobre a campanha. No que diz respeito ao
professorado paulista, foi-lhe expedida uma carta-circular, assinada pelo
então presidente do CPP Sólon Borges dos Reis, e publicada, na íntegra,
no jornal A Gazeta, por Rosalvo Florentino, a qual transcrevemos abaixo:
Professor. Nossa classe numerosa que é (cerca de 50.000 professores
abrangendo o ensino elementar e medio) não pode continuar a ser
considerada desunida. O numero só tem sido para nós fator de
dificuldade, quando pleiteamos vantagens. Mas não tem adiantado
para impor respeito e prestigio, devido à propalada desunião da classe.
Vamos acabar com o tabu da desunião. Para tanto, será realizada a 5
de maio próximo, segunda feira, às 20 horas, no Teatro Municipal em
São Paulo, uma grande concentração do professorado destinada a
mostrar ao povo e ao governo que os professores são capazes de unir-se
organizar-se, que estão unidos e estão decididos a lutar pela causa da
educação e do ensino na defesa dos seus direitos e legitimos interesses.
Do exito maior ou menor dessa concentração, inedita na historia
12
A inclusão de funcionários de atividades de apoio, como serventes, vigias, carpinteiros etc., no rol
do pessoal do ensino foi um dos fatores que mais trouxe polêmica entre a categoria e os burocratas
da administração pública. Para estes, tais atividades seriam atividade meio e não fim dentro do
Sistema Educacional.
71
gremial do professorado paulista, depende a afirmação do prestigio dos
professores como classe.
Para essa concentração, serão convidados todos os partidos políticos,
sem distinção.
A fim de que a campanha alcance o exito que pode e deve ter, é
indispensavel o apoio de todo e qualquer professor, sem distinção
alguma: professores de escolas isoladas e grupos escolares, substitutos
efetivos, diretores de grupo, inspetores, delegados, chefes de serviço,
tecnicos de ensino primario, professores, secretarios, vice-diretores,
diretores, tecnicos de educação, bibliotecarios preparadores,
professores-inspetores e escriturarios, do ensino secundario, normal e
industrial.
Pela presente, pedimos expressamente o seu apoio, não só pessoal, mas
tambem junto a todos que trabalham sob sua jurisdição ou em sua
companhia.
Esse apoio deve ser moral e pratico. Pode ser efetivado das seguintes
formas:
1) conseguir memorial de solidariedade à campanha e encaminha-lo à
direção do movimento em São Paulo;
2) dar publicidade da campanha na imprensa ou no radio local;
3) organizar comitê de apoio à campanha em seu bairro ou localidade;
4) comparecer pessoalmente à concentração do professorado paulista, dia
5 de maio, segunda-feira, às 20 horas, no Teatro Municipal. Das
cidades do Interior, espera-se que se organize um movimento local, a
fim de reunir recursos para mandar representantes à reunião do dia 5;
5) oferecer à direção central da campanha seus serviços, a fim de integrar
as diversas comissões que estão sendo organizadas: propaganda, fundos,
hospedagem, transporte, etc.;
6) obter de instituições culturais, sindicais, recreativas, educacionais e
outras, manifestações de solidariedade e apoio à campanha pró
valorização da educação e dos educadores;
72
7) pleitear de instituições ou pessoas, contribuição financeira para a
confecção de cartazes e mais material de propaganda da campanha da
classe;
8) oferecer sugestões ao melhor desenvolvimento da campanha, tendo em
vista o exito maior e mais rapido;
9) comunicar à direção central em S. Paulo, o que houver a esse respeito
na sua escola, na sua região, no seu bairro ou na sua cidade (SOUZA,
9 abr. 1958).
A carta assinada por Sólon Borges dos Reis reforça as palavras de
Vicentini e Lugli (2009) acerca da defesa da união incondicional da classe.
Também reforça as palavras das autoras quando se referem à importância
dada por essas entidades aos órgãos informativos, uma vez que,
independente de qualquer campanha específica,
[...] essas entidades sempre que havia recursos disponíveis
empenhavam-se em lançar o seu órgão informativo cuja função
primordial era contribuir para reforçar os vínculos com os associados,
aos quais quase sempre era distribuído gratuitamente. Tratava-se não
só do veículo que expressava a visão “oficial” da entidade e divulgava
as suas ações, mas também da instância em que ocorria uma espécie de
negociação quanto aos valores próprios da profissão e que eram
reconhecidos como legítimos pelos seus associados na medida em que
diziam respeito às representações partilhadas, evidenciando os temas
tidos como mais relevantes pelo grupo (VICENTINI; LUGLI, 2009,
p. 108).
Os recortes de jornais que se encontram no Instituto de Estudos
Educacionais “Sud Mennucci”, corpus desta tese, comprovam que a relação
de Rosalvo Florentino de Souza com as entidades de classe ligadas à
73
educação não estava resumida ao espaço que ele oferecera nos periódicos
em que trabalhou para divulgar as demandas e as atividades delas. Há
matérias, na coleção de recortes de jornais, em que ele fazia parte do
assunto da reportagem e não o seu autor, o que comprova que ele circulou
pelo campo da educação, na condição de intelectual que se engajara
diretamente nessas entidades. É o caso, por exemplo, da reportagem
intitulada Plano sulamericano de educação fisica.
Essa reportagem encontra-se na pasta número um da coleção de
recortes de jornais que se encontra no Instituto de Estudos Educacionais
“Sud Mennucci”. Numerada como 23, não existe nela indicação alguma
do jornal da qual foi extraída. A data também não está clara, pois existem
duas indicações a caneta de cores distintas: uma indica o dia 28 de abril de
1952; a outra, o dia 18 desse mesmo mês. Esse fato, porém, não anula a
importância da reportagem, a qual assim se inicia:
Realizou-se em 1950, em Buenos Aires, a primeira reunião de
Associações de Professores de Educação Fisica, da America do Sul.
Estiveram presentes delegados da Associação de Professores de
Educação Fisica, da Argentina, Colombia, Chile, Uruguai e Brasil, este
representado pela Federação Brasileira de Associações de Professores de
Educação Fisica, e Associação de Professores de Educação Fisica, de
São Paulo. Nessa reunião foi fundada a Confederação Sulamericana de
Associações de Professores de Educação Fisica, cuja presidencia coube
por dois anos à Argentina (A GAZETA, 1952).
O lead dessa reportagem tinha por finalidade mostrar a
importância desse evento realizado havia dois anos. Devemos ressaltar que
participara desse evento a Associação de Professores de Educação Fisica, de
São Paulo, entidade da qual Rosalvo Florentino participara. No entretítulo
74
No Brasil a sede da Confederação Sulamericana, o engajamento de Rosalvo
Florentino, em âmbito internacional, tornou-se mais evidente:
De acordo com resolução aprovada naquela reunião a presidencia da
CSAPEF caberia, pela ordem alfabetica, aos demais países
confederados. Recentemente, realizou-se em Buenos Aires, onde tem
sede o Comitê Permanente, uma reunião de delegados e nessa ocasião
foi transferida a presidencia da entidade ao Brasil, recaindo a escolha
no prof. Mario Nunes de Souza, catedratico da Escola de Educação
Fisica de São Paulo. Para secretario o prof. Mario Nunes indicou o
nosso colega de imprensa, prof. Rosalvo Florentino de Souza, nome
que igualmente foi aprovado pelo Comitê Permanente (A GAZETA,
1952, grifos nossos).
Duas observações merecem destaque: a primeira é a de que existem
fortes indícios de que essa reportagem fora pertencente ao jornal A Gazeta,
uma vez que o clichê da reportagem apresentava um estilo comum desse
periódico o redator acompanhado dos entrevistados. Outro indício é o
fato de que o jornalista que aparece no clichê pode ser visto em outros
clichês de reportagens do vespertino paulista. Seu nome, porém, não
tivemos como identificar, pois, geralmente, nesses clichês, costumavam
aparecer apenas a denominação Redator; a segunda observação que exige
uma atenção é o fato de, na Reforma Capanema, a disciplina de educação
física ser obrigatória e se encontrar dentro de um projeto nacionalista de
homem integral. Essa preocupação fora evidenciada no subtítulo Plano
sulamericano de educação fisica, conforme se vê em seguida:
75
Figura 2 - Página 23 da pasta nº 01, da coleção de recortes de jornais deixada por
Rosalvo Florentino; e detalhe do clichê da reportagem (Rosalvo Florentino é o
primeiro da esquerda para a direita).
Fonte: Recorte do Jornal A Gazeta, de 18 ou 28 de abril de 1952, retirado do acervo do
Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”.
Dentre as mais importantes resoluções tomadas pela primeira reunião
de associações de professores sulamericanos destacamos a que se refere
a um “plano sulamericano de educação fisica”. Sobre o assunto
ouvimos o prof. Mario Nunes de Souza que nos informou o seguinte:
“A finalidade do plano sulamericano de educação física é contribuir
para o melhor conhecimento dos povos, colaborando na tarefa de
formação da consciencia americana. Aperfeiçoar a educação,
alcançando um justo equilibrio entre as atividades físicas e intelectuais
e realizando o homem integral de nosso momento historico, portador,
76
por sua vez de espirito nacional e do vigoroso espirito da America.
Acrescentar o progresso da educação fisica utilizando os resultados da
experiencia já realizada e tratando de que a educação fisica exerça uma
ação intensa e suficiente, capaz de cumprir seus objetivos” (A
GAZETA, 1952).
Na coleção de recortes de jornais, corpus desta tese, pôde-se
encontrar, ainda, algumas reportagens de julho de 1953, sobre o IX
Congresso do Ensino Secundário. Em uma delas, encontramos, a caneta,
a indicação de se tratar de uma reportagem do dia 14 de julho de 1953, do
jornal Folha da Manhã. Todas elas, porém, trazem Rosalvo Florentino não
como criador da reportagem, mas como objeto, evidenciando sua ativa
participação nos movimentos docentes.
Um dos recortes apresenta, datada a caneta, uma reportagem do
dia 20 de julho de 1953. Não há, no recorte do jornal, indicação a qual
periódico pertence, entretanto, da mesma forma que as matérias do jornal
A Gazeta, ela apresenta, em caixa alta e negrito, antes da manchete, como
se referisse a uma seção, o termo Congresso de professores. Logo abaixo, em
letras garrafais, o título Discutidas e aprovadas importantes resoluções,
seguido dos seguintes entretítulos: A sessão de encerramento do certame
promovido pela APESNOESP; Pleiteada a criação do Departamento do
Ensino Secundário e Normal; Concurso para Tecnicos de Educação; A criação
da carreira de Orientadores Educacionais; Reivindicações econômicas da classe;
Entrega de bandeiras e flamulas. Abaixo do clichê da reportagem, aparecia o
seguinte texto:
Flagrantes da sessão de encerramento do 9º Congresso da
APESNOESP vendo-se o prof. Rosalvo Florentino, presidente do
certame, quando pronunciava o seu discurso em que fez um balanço
77
dos trabalhos realizados, ladeado pelo prof. Thales de Andrade, diretor
do Departamento de Educação e d. Maria Cintra, Inspetora Regional
do Ensino Secundario em São Paulo. Ao lado, um aspecto da
assistencia (DISCUTIDAS, 20 jul. 1953).
A matéria apresentava, em seu primeiro parágrafo, as informações
mais gerais referentes à sessão de encerramento do 9º Congresso dos
Professores do Ensino Secundário e Normal Oficial de São Paulo, os quais
haviam se reunido sob o patrocínio de sua entidade de classe, a
APESNOESP. O evento ocorrera durante uma semana e reuniu
professores da Capital e do Interior do Estado de São Paulo. Na
continuidade da matéria, apresentava-se o subtítulo “Desajustamento
social”, composto do seguinte texto:
Da volumosa pauta de trabalhos, a maioria dos itens foi abordada e
muitas sugestões apresentadas. Fazendo um balanço das resoluções do
congresso, o prof. Rosalvo Florentino discursou dizendo, entre outras
coisas o seguinte: “A multiplicidade dos temas debatidos reflete, muito
bem, a complexidade dos fenomenos sociais que enfrentamos e que se
traduzem em numerosos problemas, abrangendo todas as classes.
Vivemos sob a pesada carga destes problemas, criando, no campo
educacional, para particularizar, sérios desajustamentos:
desajustamento administrativo; desajustamento funcional;
desajustamento cultural, tecnico e pedagogico; desajustamento
economico; desajustamento quantitativo e qualitativo
DESAJUSTAMENTO SOCIAL No sentido de contribuir para um
melhor reajustamento educacional foi que aprovamos estas resoluções
(DISCUTIDAS, 20 jul. 1953).
As Resoluções aprovadas foram apresentadas por Rosalvo Florentino
de Souza e se referiam a aspectos que englobavam a educação e o professor
78
como um todo. Houve resoluções ligadas à extinção de cargos de professor;
à organização dos cursos de férias; ao aumento de carga horária da
disciplina de Português; ao limite de alunos em cada classe, dentre outras.
Essas resoluções mostravam que a preocupação do professorado não se
resumia à questão salarial. Dava-se uma importância a ela, mas não se
desconsiderava a situação do magistério em seu todo. Além disso, a busca
por melhores vencimentos sempre estava aliada a uma tentativa de
melhoria da qualidade do ensino. No intertítulo Reivindicações economicas
da classe, isso ficou melhor evidenciado:
No final da 5.a e ultima sessão plenaria, foi apresentada e aprovada
uma proposta reivindicando melhores vencimentos para a classe, em
virtude do acentuado desnível de sua situação economica, não só em
relação às demais categorias funcionais como tambem, e
principalmente, pela sua posição social que reclama do professor
numerosos cargos. Argumentam os professores que o atual “padrão” de
vencimentos do magisterio secundario e normal não condiz com o
“padrão” a que são obrigados a manter perante a sociedade. Desejam,
portanto, aumento de vencimentos nas seguintes bases: Cr$ 9.000,00
mensais; gratificação de magisterio, por quinquênio, de Cr$ 1.000,00;
acrescimo de 30% sobre remuneração das aulas dadas no periodo
noturno; Cr$ 100,00 pelas aulas extraordinarias (DISCUTIDAS, 20
jul. 1953).
A participação de Rosalvo Florentino nesse evento revelava a sua
atuação nas entidades de classe do campo da educação. Como professor-
jornalista, mostrava-se um intelectual que criava e mediava, mas também
que se engajava nos movimentos de sua categoria profissional no campo
da educação. No campo do jornalismo, também buscava contribuir para
os debates em torno da educação, em todos os seus graus e modalidades.
79
Nesse sentido, fosse participando da Revista do Professor, periódico
do CPP, da qual foi, de acordo com a biografia disponível no Instituto de
Estudos Educacionais “Sud Mennucci”, fundador, secretário e colaborador
efetivo, fosse atuando na redação de A Gazeta, a trajetória de Rosalvo
Florentino de Souza nos remete às palavras de Gomes e Hansen (2016, p.
9), quando afirmam que
[...] as práticas de mediação cultural podem ser exercidas por um
conjunto diversificado de atores, cuja presença e importância nas várias
sociedades e culturas têm grande relevância, porém, nem sempre
reconhecimento. [...] Tais mediadores, de enorme relevância na
construção de identidades culturais de indivíduos e comunidades,
geralmente não são identificados e não se identificam pela categoria de
intelectual.
A coleção de recortes de jornais deixada por Rosalvo Florentino de
Souza denota que sua preocupação não era a busca de uma notoriedade
pessoal, mas a valorização das lutas travadas em defesa do magistério, o que
o coloca também na condição de intelectual engajado.
Nos dois capítulos seguintes, serão apresentadas matérias que
procurarão evidenciar que Rosalvo Florentino não se furtou de participar
dos debates em torno do ensino profissional e do ensino secundário, áreas
em que atuou também como professor. Ainda que não se discuta de
maneira explícita, nestes capítulos, o conceito de campo proposto por
Bourdieu, acreditamos que a contribuição de Rosalvo Florentino de Souza
aos debates em torno dessas modalidades de ensino nos fornecerá indícios
de por quais campos intelectuais Rosalvo Florentino circulara e se situou.
80
81
A Educação Profissional nas Páginas do Jornal
A GAZETA por Rosalvo Florentino de Souza
2.1 Um breve histórico
Na edição do jornal A Gazeta, do dia 23 de agosto de 1952, em
uma seção intitulada Notícias e Telegramas, a qual costumava se localizar
na última página do vespertino paulista, havia uma matéria que trazia ao
topo, à esquerda, em caixa alta, o termo escolas industriais, logo abaixo, em
letras garrafais e negrito, o título Cresce o número de alunos matriculados,
seguido, em letras menores, dos intertítulos: Importância do ensino técnico
industrial; O exemplo de São Paulo; Bases da organização do ensino
industrial; Escolas em funcionamento; Alunos matriculados e diplomados;
Outras notas. Tratava-se de uma reportagem realizada por Rosalvo
Florentino, como explicitava a própria matéria.
Esta era a primeira matéria que aparece na coleção de recortes
deixada por Rosalvo Florentino que tratava do ensino profissional. A
reportagem trazia um gráfico comparativo, elaborado pelo Serviço de
Estatística e Divulgação do Departamento do Ensino Profissional, sobre o
movimento de matrículas no ensino oficial industrial e agrícola, no Estado
de São Paulo, no período de 1948 a 1952, por sexo. Servindo como lead,
uma vez que a própria disposição abaixo do gráfico assim o sugere, havia o
seguinte parágrafo iniciando a matéria:
82
Não é preciso ressaltar a importância que tem, para o Brasil, o ensino
tecnico industrial. Embora o grau de desenvolvimento atingido nestes
ultimos anos, este ramo de ensino especializado ainda não atingiu o
indice que é de se desejar para um pais cuja industrialização se firma
cada ano e requer mão de obra especializada, sendo mesmo maior a
procura do que a oferta, no mercado de trabalho. Acreditamos que isso
se deve, sem duvida, aos preconceitos ainda existentes em nossa
sociedade contra o ensino tecnico profissional, acentuando-se as
preferencias pelas profissões liberais de tal modo que sendo o Brasil
“um pais essencialmente agricola”, por exemplo, não temos tecnicos
capazes, em numero suficiente, para cuidar de sua agricultura, o
mesmo acontecendo no terreno industrial. Ora, dada essa carencia de
tecnicos habilitados para a nossa industria e o excesso de professores e
bachareis, existentes no pais, seria mais logico e muito mais proveitoso
que as nossas assembleias legislativas criassem mais escolas profissionais
e industriais e menos escolas normais, ginasios e colegios
13
(SOUZA,
23 ago. 1952).
Consegue-se, inferir, pelo fragmento acima, que havia, nos escritos
de Rosalvo Florentino de Souza, uma tendência a apoiar uma proposta
político-pedagógica que fosse capaz de eliminar o sistema dual de ensino,
vigente no Brasil desde o século XIX e mais acentuado nas Reformas
Francisco Campos, de 1931, e Capanema de 1942. Vivia-se o segundo
governo de Getúlio Vargas e, em São Paulo, o gestor era o professor e
engenheiro Lucas Nogueira Garcez. O projeto desenvolvimentista do
Brasil exigia uma mão de obra especializada que atendesse a indústria
nacional. São Paulo, por ser o Estado em que esse processo se instalou com
13
Os parágrafos que se seguiam logo após o clichê e que serviam de lead costumavam vir em fonte
do tipo itálico. Para tentar reproduzir da forma mais fiel possível os recortes, utilizaremos, sempre
que possível, o mesmo tipo de fonte do recorte, bem como a mesma ortografia.
83
mais propriedade, demandava um número maior de mão de obra
especializada, ao mesmo tempo em que atraía um número considerável de
migrantes, vindos das mais diversas regiões do país.
Nesse sentido, necessitava-se de uma política educacional voltada
para o ensino profissional mais incisiva. No subtítulo O exemplo de São
Paulo, Rosalvo Florentino assim prosseguiu a reportagem:
O certo é que o ensino profissional vem adquirindo cada dia maior
importancia, mercê do desenvolvimento industrial do país e
particularmente, de São Paulo. Uma rêde de escolas industriais e cursos
praticos de ensino profissional se estende, hoje, por todo o Estado,
graças a uma politica de compreensão de nossas realidades e orientada
no sentido de formar pessoal habilitado nos diferentes ramos da
industria. Nem todos conhecem, entretanto, a expansão que vem
tendo o ensino profissional em São Paulo e por isso resolvemos, numa
série de reportagens, mostrar aos nossos leitores o que existe neste
importante setor do ensino paulista, não somente indicando o numero
de unidades escolares existentes, com dados estatisticos proprios, mas
indicando, tambem, aos nossos jovens estudantes, as grandes
possibilidades que oferecem as escolas tecnicas, profissionais e
industriais (SOUZA, 23 ago. 1952).
Deve-se ressaltar, do ponto de vista histórico, que a formação
profissional no Brasil, em seus primórdios, fora marcada por um caráter
assistencialista, uma vez que se arrimava em decisões circunstanciais,
voltadas ao amparo de órfãos e daqueles considerados desvalidos da sorte,
o que justifica o preconceito por essa modalidade de ensino citado por
Rosalvo Florentino. Pode-se dizer, portanto, que
84
A primeira notícia de um esforço governamental em direção à
profissionalização data de 1809, quando um Decreto do Príncipe
Regente, futuro D. João VI, criou o “Colégio das Fábricas”, logo após
a suspensão da proibição de funcionamento de indústrias
manufatureiras em terras brasileiras. Posteriormente, em 1816, era
proposta a criação de uma “Escola de Belas Artes”, com o propósito de
articular o ensino das ciências e do desenho para os ofícios mecânicos.
Bem depois, em 1861, foi organizado, por Decreto Real, o “Instituto
Comercial do Rio de Janeiro”, cujos diplomados tinham preferência
no preenchimento de cargos públicos das Secretarias de Estado
(BRASIL, 1999, p. 568-569).
Outros esforços foram empreendidos durante o Império para
atender a essas crianças abandonadas, ensinando-lhes as primeiras letras e
conduzindo-as para oficinas públicas e particulares, sob contratos
fiscalizados pelo Juizado de Órfãos. Na segunda metade do século XIX,
essas crianças órfãs e abandonadas, por intermédio de várias sociedades
civis, receberam instrução teórica e prática e foram iniciadas no ensino
industrial. As mais importantes dessas sociedades foram os Liceus de Artes
e Ofícios, instalados em cidades como Rio de Janeiro, Salvador, Recife, São
Paulo, Maceió e Ouro Preto.
Ainda que no início do século XX o ensino profissional mantivesse
seu caráter assistencialista, houve uma inovação no sentido de existir um
esforço público numa tentativa de organização da formação profissional.
A preocupação principal passou a ser, então, a preparação de operários para
o exercício profissional. Nilo Peçanha, enquanto Presidente do Estado do
Rio de Janeiro, iniciou, em 1906, no Brasil, o ensino técnico, por meio do
Decreto n° 787, de 11 de setembro de 1906. Foram criadas quatro escolas
profissionais em Paraíba do Sul, Niterói, Campos e Petrópolis, sendo a
primeira destinada à aprendizagem agrícola e as demais ao ensino de
85
ofícios, o que fez com que o ano de 1906 fosse marcado pela consolidação
do ensino técnico-industrial no Brasil.
Quanto à criação da Rede Federal de Educação Profissional e
Tecnológica, pode-se dizer que,
Com o falecimento de Afonso Pena, em julho de 1909, Nilo Peçanha
assume a Presidência do Brasil e assina, em 23 de setembro de 1909,
o Decreto nº 7.566, criando, inicialmente em diferentes unidades
federativas, sob a jurisdição do Ministério dos Negócios da Agricultura,
Indústria e Comércio, dezenove “Escolas de Aprendizes Artífices”,
destinadas ao ensino profissional, primário e gratuito (BRASIL, 2009,
p. 2, grifos do autor).
Não podemos deixar de destacar que autores como Celso Suckow
da Fonseca, por exemplo, defendiam que, mesmo antes da chegada da
Família Real ao Brasil, já havia ensino voltado para a profissionalização,
nas minas de Ouro Preto e nos Arsenais da Marinha, por exemplo. Deve-
se ressaltar que Afonso Pena, a aproximadamente um mês de sua posse
como Presidente da República, a qual ocorrera no dia 15 de novembro de
1906, afirmara em seu manifesto que “A criação e multiplicação de
institutos de ensino técnico e profissional muito podem contribuir
também para o progresso das indústrias, proporcionando-lhes mestres e
operários instruídos e hábeis” (CIAVATTA; SILVEIRA, 2010, p. 88). De
acordo com Ciavatta e Silveira (2010), tratava-se de palavras sem muito
entusiasmo, mas que representavam a evolução dos dirigentes do Brasil, já
que, pela primeira vez, o assunto era referido na plataforma de governo de
um presidente da República.
Essa preocupação se dava em razão do surto de empreendedorismo
que ocorrera na Primeira República, uma vez que da Proclamação da
86
República, em 1889, até o ano de 1909, os estabelecimentos industriais
passaram do número de 636 para 3.998. O número de operários nessas
indústrias passara, no mesmo período, de 24.369 para 34.362. Nilo
Peçanha, portanto, ao assumir a Presidência da República, em 1909, já
vinha de espírito preparado para enfrentar o problema da
profissionalização, uma vez que
a indústria não aumentara apenas em quantidade; suas necessidades
passaram a ser muito mais complexas; as tarefas a executar estavam a
exigir homens com conhecimentos especializados, capazes de realizar
seus serviços usando técnicas próprias. O desenvolvimento da indústria
indicava a necessidade do estabelecimento do ensino profissional.
Urgia ao Governo, tomar providências (CIAVATTA; SILVEIRA,
2010, p. 90).
As Escolas de Aprendizes Artífices criadas por Nilo Peçanha, apesar
de marcarem uma nova era na aprendizagem de ofícios no Brasil, além de
trazer, no texto do Decreto Nº 7.566, de 23 de setembro de 1909, a marca
do preconceito, por serem voltadas aos desafortunados e desvalidos, não
conseguiram a eficiência almejada, em razão de fatores como a falta de
professores e mestres especializados. Os professores não tinham a menor
ideia do que lecionar no ensino profissional, uma vez que eram oriundos
dos quadros do ensino primário; os mestres, por sua vez, tinham apenas a
capacidade de transmitir aos alunos os seus conhecimentos empíricos,
que, por virem das fábricas e das oficinas, não possuíam a base teórica
necessária; os alunos, por se apresentarem às escolas com nível cultural tão
baixo, inviabilizaram a formação de contramestres, a qual se encontrava no
plano inicial de Nilo Peçanha.
87
Em 15 de novembro de 1910, Nilo Peçanha entregou a faixa
presidencial ao Marechal Hermes da Fonseca, deixando como legado
1.248 alunos matriculados nas Escolas de Aprendizes Artífices. Em 25 de
outubro de 1911, o Marechal Hermes da Fonseca assinou o Decreto nº
9.070, o qual, em seu artigo 28
14
, previa, por parte dos diretores, a
organização de associações cooperativas e de mutualidade entre os
aprendizes. Em seus parágrafos, esse artigo previa:
§ 1º Os alumnos do 1º e 2º annos perceberão, respectivamente, as
diarias de 100 e 200 réis, destinadas exclusivamente á sua contribuição
á Caixa de Mutualidade.
§ 2º Os do 3º e 4º annos perceberão, respectivamente, as diarias de
600 e 800 réis, sendo-lhes facultado contribuir ou não para a Caixa de
Mutualidade.
§ 3º Os que não concorrerem ou deixarem de o fazer nos prazos e com
as quantias que forem estipuladas nas instrucções perderão seus direitos
em favor da mesma caixa (BRASIL, 1911)
15
.
Os recursos destinados à Caixa de Mutualidade serviam para
facilitar a produção das oficinas, com a compra de material, para melhorar
os trabalhos executados, bem como para prestar socorro aos sócios em caso
de acidentes ou moléstias.
14
Em Ciavatta e Silveira (2010), encontramos referência ao artigo 27; no texto original do Decreto,
porém, há a ausência do artigo 27, apresentando o texto o artigo 26, seguido do artigo 28, o qual
resolvemos utilizar para adequação ao texto original do Decreto 9.070/1911.
15
Sempre que possível, manteremos nesta obra a grafia original nas citações, principalmente quando
se tratar de texto jurídico reproduzido em seu original.
88
Em razão das dificuldades de importação oriundas dos efeitos da
Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o Brasil passou por um surto de
industrialização, o qual levou o Congresso a autorizar o Governo a rever a
situação do ensino profissional no país, mediante a Lei nº 3.454, de 6 de
janeiro de 1918. O então ministro da Agricultura, João Gonçalves Pereira
Lima, apresentou ao presidente Wenceslau Brás o projeto do novo
regulamento das Escolas de Aprendizes Artífices, que recebeu aprovação
por meio do Decreto nº 13.064, de 12 de junho de 1918, a partir do qual,
de forma inovadora, se passou a exigir que os diretores fizessem concurso
de títulos e os professores se submetessem a provas práticas para efeito de
nomeação.
A industrialização no ensino profissional, porém, só veio
finalmente a ser introduzida em 13 de novembro de 1926, mediante
portaria baixada pelo então ministro da Agricultura Miguel Calmon du
Pin e Almeida, a qual autorizava os diretores a aceitarem encomendas, na
condição de que as partes, além de oferecer a matéria-prima, pagassem a
mão de obra e as despesas adicionais. Os alunos receberiam a quantidade
de horas de trabalho e os mestres e contramestres receberiam, em forma de
abono, uma porcentagem a título de remuneração fora das horas
regulamentares.
Em 10 de outubro de 1922, o Deputado Federal Fidélis Reis
apresentou à Câmara dos Deputados um projeto que tornava o ensino
profissional obrigatório no país. Tal projeto fora considerado o mais
radical, até então, sobre o ensino profissional, apresentado àquela Casa,
pois
[...] Nunca se havia ido tão longe; pugnava-se pela ideia, combatia-se
pela implantação de mais escolas daquele gênero, mostrava-se a
necessidade da formação de um operariado consciente de sua profissão,
89
porém, destinava-se, sempre, qualquer tentativa às classes pobres, aos
desafortunados, aos deserdados da sorte. O projeto Fidélis Reis,
entretanto, tornava aquele ramo de ensino extensivo a todos, pobres ou
ricos, desfavorecidos da fortuna ou representantes das classes abastadas.
[...] (CIAVATTA; SILVEIRA, 2010, p. 100).
Os protestos que se deram ao projeto ecoaram, por intermédio da
voz do deputado Gilberto Amado. Em uma sociedade que via como
humilhante o aprendizado de um ofício, bem como inferiores os que
exerciam o trabalho manual, a reação seria de se esperar. Fidélis Reis, por
sua vez, buscou argumentos de autoridade para defender suas ideias,
fazendo uso de uma entrevista de Einstein, reproduzida em O Jornal por
João Ribeiro:
Na minha opinião, disse Einstein, o verdadeiro meio de estabelecer um
contato entre a vida pública e a escola é instituir, compulsoriamente, o
aprendizado de um ofício. Todos os rapazes devem saber um ofício;
qualquer que seja a escolha, devem alcançar qualquer habilitação
técnica, de carpinteiro, ou marceneiro, encanador, serralheiro etc. O
aprendizado técnico preenche dois grandes propósitos: a formação do
ser ético e a solidariedade com as grandes massas do povo. A escola não
pode ser uma fonte de jurisprudentes, literatos e advogados, nem
meramente a fábrica de máquinas mentais. Prometeu, segundo o mito,
não começou a ensinar aos homens a astronomia, mas principiou pelo
fogo e suas propriedades e usos práticos... [...] (CIAVATTA;
SILVEIRA, 2010, p. 100).
Somente cinco anos depois de muita discussão no Congresso
Nacional é que o projeto Fidélis Reis fora sancionado pelo presidente
Washington Luís, em 22 de agosto de 1927, com substitutivo e emenda.
Não se pode deixar de ressaltar que Fidélis Reis, a fim de aprovar seu
90
projeto e percebendo a vocação do povo brasileiro para o serviço público,
incluiu um artigo que previa a preferência àqueles que portassem
certificado de habilitação profissional para o exercício de quaisquer funções
públicas.
A Lei Fidélis Reis, porém, jamais fora executada sob a alegação de
o Tesouro não poder arcar com a despesa que se encontrava orçada, para
completa aplicação da lei, em 400 mil contos de réis.
Em outubro de 1930, o presidente Washington Luís fora deposto
por um movimento armado iniciado no sul do Brasil, com repercussões
em diversos pontos do território brasileiro, o qual ficou conhecido como
Revolução de 1930. Para Romanelli (1997, p. 47),
[...] Na verdade, o que se convencionou chamar Revolução de 1930 foi
o ponto alto de uma série de revoluções e movimentos armados que,
durante o período compreendido entre 1920 e 1964, se empenharam
em promover vários rompimentos políticos e econômicos com a velha
ordem social oligárquica. Foram esses movimentos que, em seu
conjunto e pelos objetivos afins que possuíam, iriam caracterizar a
Revolução Brasileira, cuja meta maior tem sido a implantação
definitiva do capitalismo no Brasil. Através desses movimentos e,
sobretudo, através da Revolução de 1930, o que se procurou foi um
reajustamento constante dos setores novos da sociedade com o setor
tradicional, do ponto de vista interno, e, destes dois, com o setor
internacional, do ponto de vista externo.
Uma das primeiras medidas da Revolução de 1930 foi a criação,
pelo Governo Provisório, de novos Ministérios, dentre eles o da Educação
e Saúde Pública, o qual tinha como uma de suas características o
agrupamento, sob sua direção, dos estabelecimentos escolares federais
existentes no Brasil. As Escolas de Aprendizes Artífices saíram da alçada do
91
Ministério da Agricultura e subordinaram-se à nova pasta, cujo Ministro
era o mineiro Francisco Campos, o qual realizou uma Reforma no Ensino,
por meio de uma série de decretos.
Conhecida como Reforma Francisco Campos, os seis decretos
publicados em 1931 e 1932 não chegaram a tratar especificamente do
ensino profissional técnico, entretanto a transferência das escolas
profissionais sob a tutela federal para o Ministério da Educação e Saúde
Pública abria a possibilidade de que maiores recursos financeiros fossem
destinados a elas, propiciando melhoria geral dos prédios e das instalações
de oficinas.
O engenheiro Francisco Montojos assumiu, desde sua criação, a
chefia da Inspetoria do Ensino Profissional Técnico. O Decreto nº 24.558,
de 3 de julho de 1934, transformou a Inspetoria do Ensino Profissional
Técnico em Superintendência do Ensino Profissional, a qual era
subordinada diretamente ao ministro da Educação e Saúde Pública.
Francisco Montojos continuou à frente do órgão. Em seu preâmbulo, o
Decreto nº 24.558/1934 já apresentava sua intenção em atender às
exigências que a evolução das indústrias no país impunha:
O Chefe do Govêrno Provisório da República dos Estados Unidos do
Brasil, usando da atribuição contida no artigo 1º do decreto n. 19.398,
de 11 de novembro de 1930, e
Considerando que a evolução das indústrias nacionais impõe a
adaptação do ensino indispensável á formação dos operários ás
exigências da técnica moderna:
Considerando que atualmente êste ramo educativo está restricto, nos
estabelecimentos oficiais, a uma organização que apenas atende á
formação de artífices para as profissões elementares;
92
Considerando que a falta de operários graduados e de contramestres é,
além da manifesta, penosamente sentida nas fábricas e nas oficinas;
Considerando que as indústrias nacionais já exigem um operariado
com conhecimentos especializados e de nível superior ao do ensino
primário;
Considerando que convém traçar normas educativas atinentes ao
preparo de contramestres - para orientar a iniciativa privada neste
particular;
Considerando ainda que a regulamentação das profissões industriais
exige a prévia instituição do padrão de conhecimentos práticos que
deva possuir um contramestre;
Considerando finalmente a conveniência de atribuir ao mesmo órgão
técnico-administrativo a. que estão atualmente subordinadas as escolas
federais de ensino profissional técnico, a orientação dos programas
didáticos e a fiscalização dos estabelecimentos de ensino industrial que
pretendam gozar das prerrogativas do reconhecimento oficial
(BRASIL, 1934).
Esse decreto previa, ainda, que houvesse uma expansão gradativa
do ensino industrial, de forma que fossem anexadas às escolas já existentes
seções de especialização que atendessem às necessidades das indústrias
regionais, bem como a possibilidade de instalação de novas escolas
industriais para o mesmo fim. Essa prerrogativa de ampliação não se
restringia às escolas federais, uma vez que
Ficava, ainda, estabelecido que as instituições congêneres, estaduais,
municipais e particulares, que adotassem a organização e o regime
escolar das escolas federais, poderiam requerer as prerrogativas de
reconhecimento oficial, desde que satisfizessem as exigências
instituídas para aquele fim e se submetessem à fiscalização da
Superintendência do Ensino Profissional.
93
Lançava-se, assim, a base do reconhecimento de qualquer escola
profissional por parte do Ministério da Educação e, com isso, tendia-
se à unidade do ensino industrial em todo o país, uma vez que era
exigida a mesma organização didática e o mesmo regime escolar das
escolas federais em todas as que desejassem obter o reconhecimento.
[...] (CIAVATTA; SILVEIRA, 2010, p. 103).
A Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937, alterou o nome do
Ministério da Educação e Saúde Pública para apenas Ministério da
Educação e Saúde, suprimindo o termo pública. Essa mesma lei alterou a
designação que caracterizava as escolas em que os ofícios eram ensinados:
Art. 37. A Escola Normal de Artes e Officios Wencesláo Braz e as
escolas de aprendizes artífices, mantidas pela União, serão
transformadas em lyceus, destinados ao ensino profissional, de todos
os ramos e gráos.
Paragrapho unico. Novos lyceus serão instituidos, para propagação do
ensino profissional, dos varios ramos e gráos, por todo o territorio do
Paiz (BRASIL, 1937b).
A fim de viabilizar o que regia o parágrafo único do artigo acima
transcrito, a Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937, previu, ainda, em suas
Disposições Transitórias, que o Poder Executivo ficasse autorizado a alienar
os imóveis ocupados pelas escolas de aprendizes artífices e a elas
inadequados, de forma que o produto da alienação fosse aplicado nas obras
de edificação e na instalação de novas escolas profissionais. Além de uma
dotação de oito mil contos de réis para obras de remodelação das escolas
profissionais; e cinco mil contos de réis para a construção de novas escolas,
essa lei trazia, ainda, o seguinte texto:
94
Art. 106. Fica o Poder Executivo autorizado a adquirir, por compra ou
desapropriação por utilidade publica, para serviços de educação, os
immoveis, situados no Districto Federal á rua General Canabarro ns.
280, 280-A, 306 e 308, correndo as despesas necessarias por conta da
dotação de réis 86.803:193$400. constante da parte. III (Serviços e
encargos diversas), verba 23, sub-consignação nº 2, do orçamento do
Ministerio da Educação e Saude, para 1937 (BRASIL, 1937b).
Essa autorização tinha por finalidade tornar possível o plano do
então ministro Gustavo Capanema de colocar abaixo os prédios da Escola
Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Braz e, com as desapropriações em
seu entorno, aumentar o terreno para a construção de um grande
estabelecimento: o Liceu Nacional, denominado posteriormente de Escola
Técnica Nacional.
É certo que esse projeto de Gustavo Capanema mantinha ainda o
caráter dual de educação, o qual viria a se materializar na Reforma do
Ensino de 1942, à luz do texto constitucional do Estado Novo que trazia
o seguinte artigo:
Art 129 - A infância e à juventude, a que faltarem os recursos
necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação,
dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições
públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber
uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências
vocacionais.
O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos
favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de Estado.
Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino
profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios
e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais.
95
É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera da
sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus
operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse
dever e os poderes que caberão ao Estado, sobre essas escolas, bem
como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo
Poder Público (BRASIL, 1937a, grifos nossos).
O ensino industrial foi, portanto, desde os seus primórdios até o
Estado Novo, tido, como afirmam Schwartzman, Bomeny e Costa (2000,
p. 248), “[...] essencialmente como uma forma de educação caritativa,
destinada a tirar os pobres da ociosidade, mas sem maior significação do
ponto de vista econômico e social mais amplo [...]”.
A década de 1930 marcou o aprofundamento das discussões que se
iniciaram com a Lei Fidélis Reis. Outras concepções em torno do ensino
industrial começaram a se fortalecer, gerando uma contenda entre o
Ministério da Educação e Saúde e o Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, este sendo orientado pela Federação Nacional da Indústria e a
Federação das Indústrias de São Paulo. Aquele, por sua vez, sentia falta do
apoio dos setores mais militantes da Igreja Católica, uma vez que
[...] Preocupada com o ensino universitário, levantando a bandeira da
formação clínica e humanística em nível secundário, defendendo a
escola privada e o ensino religioso, a Igreja como que não percebe a
importância deste aspecto do sistema educacional que estava sendo
gestado e que teria como meta atingir a grande maioria da população
do país (SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 249).
Coube a Rodolfo Fuchs, que tinha ligações profissionais com o
ensino industrial, além de participar ativamente nas várias comissões,
96
grupos de trabalho e assessoria ao ministério sobre o ensino industrial, a
defesa mais radical do ensino industrial, apoiado em sua maioria por
Gustavo Capanema. Fuchs havia elaborado um documento, ainda em
1935, no qual defendia que
[...] o ensino industrial deveria ser obrigatório para todos, de forma tal
que fosse eliminada, de vez, a “idiossincrasia do trabalho manual,
industrial e agrícola” que lhe parecia ser um traço cultural brasileiro
responsável pelas dificuldades do país. O sistema proposto é tão
abrangente que o autor precisa afirmar, a certa altura, que “não
pensamos em destruir a escola primária, mas criar, ao seu lado, a Escola
Profissional Elementar”. Além desta, seriam criadas escolas
profissionais de nível médio e normal (para a formação de professores
e mestres) e tudo culminaria com a Universidade do Trabalho. Todo
este sistema de ensino deveria estar vinculado à exigência de diplomas
para o exercício do trabalho profissional em todos os níveis, de forma
tal que a passagem pelo ensino industrial se tornasse inevitável e
obrigatória (SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 249).
Ainda que já existisse no papel, por meio do Decreto nº 24.735,
de 14 de julho de 1934, com a proposta de reunir as escolas Politécnica do
Rio de Janeiro, de Minas e Metalurgia de Ouro Preto e Nacional de
Química do Rio de Janeiro, a Universidade Técnica Federal jamais se
concretizara. Além disso, havia uma distinção entre a Universidade do
Trabalho e a Universidade Técnica, uma vez que
[...] Segundo Capanema, em Exposição de Motivos ao presidente
escrita em 1934, enquanto a universidade técnica “visa a preparar
engenheiros, das várias denominações, aquela tem por objetivo
preparar operários, desde os simples artífices para as profissões
elementares até os operários graduados e contramestres para o serviço
97
da grande indústria moderna”. [...] (SCHWARTZMAN; BOMENY;
COSTA, 2000, p. 250).
É certo que a Constituição de 1937, ao estabelecer o Estado Novo,
arrefeceu as lutas ideológicas a respeito dos problemas educacionais. O que
era considerado dever do Estado na Constituição de 1934 torna-se, na
Carta Magna de 1937, uma ação meramente supletiva. O movimento
escolanovista, que se propunha a renovar a educação, entrou numa fase de
hibernação no que diz respeito à movimentação das ideias, uma vez que,
no âmbito da ação pessoal, muitos dos membros continuaram a agir. Entre
os signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932,
houve, inclusive, quem defendesse o texto da Constituição de 1937. Sendo
um dos maiores representantes do movimento renovador da educação,
Fernando Azevedo elogiou largamente a preocupação que a
Constituição de 1937 tivera com o ensino profissional, declarando ser
ela a mais democrática das Constituições em matéria de ensino. Não
atentou, porém, o mestre para esse pormenor, de suma importância
para compreensão da evolução do sistema do ensino no Brasil,
sobretudo do ensino profissional. Não observou, por exemplo, que,
oficializando o ensino profissional, como ensino destinado aos pobres,
estava o Estado cometendo um ato lesivo aos princípios democráticos;
estava o Estado instituindo oficialmente a discriminação social, através
da escola. E fazendo isso, estava orientando a escolha da demanda social
de educação. [...] (ROMANELLI, 1997, p. 153).
O esforço de Gustavo Capanema em elaborar um plano nacional
do ensino industrial ia de encontro à linha que defendia, de forma mais
pragmática, com objetivos limitados, a implantação de um sistema de
aprendizagem industrial ligado de forma direta à indústria e às suas
98
necessidades práticas. A experiência de São Paulo, tendo como modelo a
Escola Profissional Mecânica do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e
do Serviço de Ensino e Seleção Profissional da Estrada de Ferro
Sorocabana, da qual se originou o Centro Ferroviário de Ensino de Seleção
Profissional do Estado, era colocada, por essa linha, como aquela a ser
generalizada para o restante do país, com o apoio da Federação das
Indústrias de São Paulo. O conflito de ideias e de competência entre as
duas pastas Educação e Trabalho chegou ao ápice, conforme afirmam
Schwartzman, Bomeny e Costa, (2000, p. 251), “[...] em julho de 1940
[quando] chegam às mãos do presidente da República dois projetos de
regulamentação do ensino profissional, um oriundo do Ministério da
Educação e outro da área do Trabalho. [...]”.
A contenda chegou a ser detalhada por Valdemar Falcão, então
ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, em ofício dirigido ao
presidente Getúlio Vargas, no qual fazia um histórico das atividades
desenvolvidas pela comissão interministerial que tinha por função elaborar
um projeto de regulamentação do ensino profissional. Tal comissão
entregou um projeto final em novembro de 1939. Gustavo Capanema
considerou se tratar de maria essencialmente ligada a sua pasta e chamou
para si o assunto, elaborando um projeto de decreto-lei sete meses depois.
De acordo com Schwartzman, Bomeny e Costa, (2000, p. 252), esse
projeto
[...] é objeto de “dois longos encontros pessoais” do ministro do
Trabalho com o presidente nos quais, segundo diz o ministro em estilo
diplomático “tive a ocasião de verificar a alta compreensão que S.
Excia. tem do problema do ensino profissional e da maneira
perfeitamente lógica e sistemática por que pretende solucioná-lo”.
Todavia, diz ainda, é necessário dar uma solução urgente ao problema,
[...].
99
Nesses encontros, Valdemar Falcão questionou, por meio de carta:
Será conveniente realizar, com as devidas fases de implantação e
organização iniciais, a concretização do ensino profissional, nos meios
industriais, dentro dos moldes amplos e grandiosos por que o concebe
o bem elaborado projeto de decreto-lei do Sr. Ministro da Educação e
Saúde, com os conseqüentes gastos orçamentários que passará a exigir,
ou tratar de regulamentar no atual momento, em fórmula mais singela,
o dispositivo do Decreto-lei nº 1.238, criando-se os cursos de
aperfeiçoamento profissional junto às fábricas e centros de trabalho,
mantidos à custa dos próprios empregadores e destinados
principalmente aos filhos e irmãos de seus operários, o que não trará
ônus financeiro para a União? Resolverá V. Excia. Sr. Presidente, com
o alto senso patriótico que dirige seus atos, qual a diretriz a seguir
imediatamente. (Carta de Valdemar Falcão a Vargas, 3 de julho de
1940. GC 38.04.30, série g, anexo documento IIa 1 apud
SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 252).
A decisão de Getúlio Vargas em favor do Ministério do Trabalho
provocou protestos por parte de Gustavo Capanema que, em carta ao
presidente, datada de 25 de julho, recorreu ao artigo 125 da Constituição
de 1937, o qual fixava como princípio que a educação é dever dos pais e
do Estado e que seria o primeiro dever do Estado, no artigo 129, a
educação profissional. Capanema afirmou que cabia ao Estado a
participação do ônus do ensino profissional, bem como o seu controle e
supervisão. Para Capanema, por ser o Estado o interessado maior na
educação popular, seria lógico admitir que o ônus da educação profissional
não fosse apenas dos empregadores, os quais tinham parcial interesse nela,
mas também do Estado, visto que o aprendiz não deveria estar vinculado
ao empregador, mas deveria ser livre para escolher o seu rumo ao final da
100
aprendizagem. Afirmam, entretanto, Schwartzman, Bomeny e Costa,
(2000, p. 252-253) que,
[...] Na realidade, o que o Ministério da Educação defende não é a livre
circulação da mão-de-obra, mas que seu controle fique nas mãos de um
Estado ordenador e orientado para fins supostamente mais nobres, e
não à mercê dos interesses mais imediatistas dos industriais.
A indústria, porém, permanecia firme no propósito de manter o
controle sobre o sistema. O então presidente da Federação das Indústrias
de São Paulo, Roberto Simonsen, apresentara, em carta a Capanema,
emendas que tinham como objetivo o aumento da representação e da
responsabilidade dos empregadores na organização do ensino profissional.
Na carta, Roberto Simonsen argumentava que a eficiência do sistema
dependeria do entrosamento perfeito entre os Centros de Formação
Profissional e as fábricas, o que levaria os empregadores a assumirem os
maiores ônus. Argumentava, ainda, que a indústria paulista não
apresentava objeção alguma à lei, ainda que, para ele, esse tipo de lei só
existisse em países em que havia um conjunto de disposições defensivas da
indústria. Simonsen salientou, em sua carta, que a sobrecarga a que a
indústria de São Paulo se propunha a receber não seria uma forma de
mostrar os sacrifícios que faz a indústria nem para esperar vantagens
compensatórias, mas para que o ministro pudesse avaliar a capacidade da
indústria paulista sempre que se tratasse dos verdadeiros interesses
nacionais, conforme era o caso do aperfeiçoamento de mão-de-obra.
Na verdade, a proposta da Federação das Indústrias de São Paulo
evidenciava que, como afirmam Schwartzman, Bomeny e Costa, (2000, p.
253), “[...] a indústria paulista põe de lado sua ideologia liberal, aceita
101
(ainda que de mau grado) as disposições defensivas e está disposta a
assumir os custos, mas sob seu controle”.
O parecer de Francisco Negrão de Lima para o Ministério da
Justiça, datado de 17 de fevereiro de 1941, é que foi capaz de tornar claras
as diferenças de posição existentes nos projetos de ensino industrial do
Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho:
Colocados lado a lado, os dois projetos revelam que, enquanto o
decreto assinado previa que apenas estabelecimentos com mais de 500
empregados ficavam obrigados ao ensino profissional, no projeto do
Ministério da Educação eram incluídos todos os estabelecimentos
industriais, empresas de serviço público, de mineração, estaleiros,
empresas de transporte etc., qualquer que fosse o número de
empregados. Por outro lado, no entanto, o Ministério da Educação
restringia este ensino a aprendizes entre 14 e 18 anos, e obrigava a
indústria a contratar parte deles; o projeto do Ministério do Trabalho
ampliava os participantes a todos os empregados, filhos, irmãos etc.,
mas sem obrigação de contrato posterior. Na previsão do Ministério
do Trabalho os cursos seriam isolados, sujeitos somente a instruções
gerais a cargo do Ministério da Educação, e a cargo das próprias
indústrias; Capanema defendia a criação de um órgão burocrático
federal para administrar o sistema de ensino industrial em todo o país,
e uma participação significativa do governo em seus custos
(SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 253-254).
Para Francisco Negrão de Lima seria dispendiosa a organização que
o Ministério da Educação propunha. Ainda que tenha aceitado a tese de
Capanema de que era obrigação do Estado o ensino profissional, propôs
que houvesse uma diluição dessa participação do Estado, mediante
facilidades e auxílios indiretos tais quais isenções, redução de ônus gerais,
relevação de penalidades, entre outras.
102
Capanema não se satisfez com o parecer e enviou um ofício ao
presidente, em 19 de maio de 1941, abordando a organização do ensino
industrial:
[...] para que os estabelecimentos oficiais do país passem a dar ensino
a seus operários e aprendizes, não um ensino de mera transmissão de
processos técnicos rotineiros e inidôneos, mas de real elevação de sua
qualidade profissional, força é que sejam obrigados a uma conveniente
disciplina pedagógica e recebam orientação técnica de apurado estilo.
E isto exige evidentemente um aparelho próprio de direção, por mais
simples que seja. Onde, pois, o exagero? (SCHWARTZMAN;
BOMENY; COSTA, 2000, p. 254).
Os esforços de Capanema, de certa forma, foram em vão, uma vez
que o Decreto nº 6.029, de julho de 1940, não fora modificado. Em 1942,
porém, dois outros decretos o substituíram: o Decreto-lei nº 4.048, de 22
de janeiro de 1942, que criava o Serviço Nacional de Aprendizagem dos
Industriários (SENAI); e o Decreto-lei nº 4.073, de 30 de janeiro de 1942,
que definia a Lei Orgânica do Ensino Industrial, a qual trazia as ideias e os
propósitos da área da Educação.
Com esses dois decretos, tentou-se uma conciliação entre as duas
propostas. Nesse sentido, ficaria a formação profissional dos aprendizes a
critério do SENAI, mas ele seria apenas parte, sob a responsabilidade da
Federação Nacional das Indústrias
16
, de um modelo maior de ensino
profissional que a lei orgânica estabeleceu. De acordo com Schwartzman,
Bomeny e Costa, (2000, p. 255), “[...] Essencialmente, a Lei Orgânica do
16
Na bibliografia pesquisada fala-se em Federação Nacional das Indústrias; no texto da Lei e em
reportagens de Rosalvo Florentino, encontramos o termo Confederação Nacional das Indústrias.
103
Ensino Industrial é uma grande declaração de intenções, acompanhada de
um amplo painel de organização à qual o ensino industrial se deveria
ajustar [...]”.
Em suas Disposições Preliminares, o texto jurídico afirmava que a
Lei Orgânica do Ensino Industrial estabelecia as bases de organização e de
regime do ensino industrial, entendido como o ramo de ensino do segundo
grau, que se destinava à preparação profissional dos trabalhadores da
indústria e das atividades artesanais, além dos trabalhadores dos
transportes, das comunicações e da pesca. O artigo segundo da Lei
Orgânica do Ensino Industrial se referia à terminologia utilizada no texto
legislativo, de forma que o substantivo indústria e o adjetivo industrial
possuíam sentido amplo e se referiam a todos os trabalhadores citados no
artigo primeiro da lei. Os adjetivos técnico, industrial e artesanal possuíam,
além de seu sentido amplo, sentido restrito com a finalidade de designar
as três modalidades de cursos e de escolas de ensino industrial. Buscava,
portanto, o Ministério da Educação, uma uniformidade dessa modalidade
de ensino em todo o território nacional.
No Título II Das bases de organização do ensino industrial
Capítulo I Dos conceitos fundamentais do ensino industrial, ficava evidente
a intenção da lei de atender aos interesses do trabalhador, das empresas e
da nação, de forma que, realizasse a preparação profissional e a formação
humana do trabalhador; nutrisse as empresas de mão-de-obra suficiente e
adequada, em conformidade com as suas necessidades; e promovesse de
maneira contínua a mobilização de eficientes construtores da economia e
da cultura da nação.
Em seus princípios fundamentais, a Lei Orgânica do Ensino
Industrial se colocava contra a especialização excessiva e prematura e
tentava aliar o ensino técnico com disciplinas de cultura geral, além de
oferecer um tratamento igualitário entre homens e mulheres, desde que as
104
atividades não oferecessem risco à saúde da mulher. Em seu artigo 24, a lei
estabelecia que os cursos industriais, os cursos de mestria e os cursos
técnicos seriam constituídos por duas ordens de disciplinas: disciplinas de
cultura geral e disciplinas de cultura técnica. O artigo 25 previa que os
cursos pedagógicos fossem constituídos de disciplinas de cultura
pedagógica. Materializava-se, assim, a tentativa de eliminação do
preconceito histórico de que o ensino industrial deveria ser destinado
apenas aos pobres, principalmente porque passava a permitir o acesso a
cursos superiores, como se podia observar no Capítulo IV Da articulação
no ensino industrial e deste com outras modalidades de ensino, em seu
Art. 18. A articulação dos cursos no ensino industrial, e de cursos deste
ensino com outros cursos, far-se-á nos termos seguintes:
[...]
III. É assegurada aos portadores de diploma conferido em virtude de
conclusão de curso técnico a possibilidade de ingresso em
estabelecimento de ensino superior, para matrícula em curso
diretamente relacionado com o curso técnico concluido, verificada a
satisfação das condições de preparo, determinadas pela legislação
competente (BRASIL, 1942b, grifos nossos).
Gustavo Capanema defendia que a educação industrial fosse além
da preparação do lado técnico do trabalhador e procurasse preparar
também o seu lado espiritual, moral, cívico e patriótico. Nesse sentido,
para ele, o principal critério da formação do trabalhador deveria alcançar
simultaneamente sua preparação técnica e sua formação humana. Para se
chegar a esse texto, deve-se lembrar de que,
105
Durante muito tempo, o ministro Gustavo Capanema estudara,
juntamente com uma comissão de experimentados educadores, a
melhor organização a dar ao nosso ensino industrial, de maneira a
facilitar o extraordinário incremento que a indústria tomara. A
Comissão, da qual faziam parte Horácio da Silveira, Lourenço Filho,
Leon Renault, Francisco Montojos e Rodolfo Fuchs, convocava
constantemente Roberto Monge (sic), assim como representantes do
Exército, da Marinha e da Aeronáutica eram chamados também para
emitirem o pensamento relativo às necessidades militares no campo do
ensino industrial. A Comissão, sempre presidida pelo ministro
Capanema, comparara todas as organizações existentes nos mais
adiantados países industriais, apresentando, por fim, um trabalho que
honrava o nosso país. Ao ministro da Educação daquela ocasião,
Gustavo Capanema, cabem, entretanto, os maiores louros pela obra
executada. Sua inteligência, sua cultura e sua tenacidade deram ao
Brasil uma legislação talvez ímpar no mundo, no momento em que foi
feita (CIAVATTA; SILVEIRA, 2010, p. 106).
Resguardadas as devidas proporções aos elogios dados a Capanema
por Ciavata e Silveira, não se pode negar que, como afirmara Romanelli
(1997), a preocupação do Governo de engajar as indústrias na qualificação
de seu pessoal, bem como o fato de obrigá-las a colaborar com a sociedade
na educação de seus membros é um aspecto marcante da história do ensino
profissional.
Apesar de ser benéfico o dispositivo que permitia ao egresso do
ensino profissional acesso ao ensino superior, duas observações devem ser
feitas: a meritocracia defendida por Capanema e a manutenção do acesso
ao ensino superior ao ramo profissional correspondente. Em conferência
proferida durante a solenidade de abertura do SENAI, disse Gustavo
Capanema que
106
[...] a orientação vocacional será aquele veículo em virtude do qual os
mais capazes, os mais inteligentes, os mais cheios de vocação cultural
possam realizar uma carreira cultural e atingir os mais altos postos
universitários, políticos ou culturais, e em que os trabalhadores de
vocação técnica possam realizar sua carreira em termos da mais alta
envergadura (Gustavo Capanema, conferência proferida perante a
Confederação Nacional da Indústria na solenidade de abertura do
SENAI. GC/Capanema, G. 42.08.00, série pi. 20. apud
SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 257).
A seletividade que a Lei Orgânica do Ensino Industrial trazia em
seu texto não se resumia somente ao acesso ao ensino superior. Tal
seletividade se oficializava também nos exames de admissão para o
primeiro ciclo. Como afirmara Romanelli (1997, p. 156),
[...] Esse pormenor, num país que praticamente não possuía mão-de-
obra qualificada, denunciava uma contradição. Mais, no entanto, do
que uma contradição, a legislação denunciava efetivamente a
sobrevivência da velha mentalidade aristocrática que estava aplicando
ao ensino profissional, que deveria ser o mais democrático dos ramos
do ensino, os mesmos princípios adotados na educação das elites. E
denunciava, enfim, a continuidade do jogo de forças antagônicas que
caracterizava a liderança política responsável pela legislação do ensino.
Schwartzman, Bomeny e Costa (2000, p. 258), por sua vez,
chamam-nos a atenção para a contradição presente no discurso
meritocrático de Capanema, quando da abertura do SENAI, uma vez que
Na realidade, este ideal se chocava com a divisão estanque que o
próprio Ministério da Educação manteria entre a educação secundária
107
e os demais ramos do ensino médio, no que se refere às possibilidades
de acesso aos níveis superiores da educação. Só a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, aprovada em 1961, é que permitiria,
finalmente, que se estabelecesse a equivalência dos diplomas de nível
secundário e médio, abrindo a todos os caminhos do ensino superior.
[...].
Coube, então, ao Decreto-lei nº 4.127, de 25 de fevereiro de 1942,
estabelecer as bases de organização da rede federal de estabelecimentos de
ensino industrial, transformando as Escolas de Aprendizes e Artífices em
Escolas Industriais e Técnicas, as quais passaram a oferecer a formação
profissional em nível equivalente ao do secundário e autorizando os alunos
formados em cursos técnicos a ingressarem, em área equivalente à de sua
formação, no ensino superior.
2.2 A Escola Técnica “Getúlio Vargas”
É sob a vigência da Reforma Capanema que, em 1952, Rosalvo
Florentino passou a escrever a série de reportagens sobre o ensino
profissional no jornal A Gazeta, conforme vimos no início deste capítulo.
Ao voltarmos à primeira reportagem Cresce o número de alunos
matriculados percebemos que a estrutura didática do ensino profissional,
na reportagem do dia 23 de agosto de 1952, é a mesma de quando
sancionada a Lei Orgânica do Ensino Industrial, dez anos antes, como se
pode comprovar no intertítulo Bases da organização do ensino industrial:
Antes de mais nada, convem conhecermos as bases da organização do
ensino industrial que se divide em dois ciclos, de cursos ordinarios e
ainda cursos extraordinarios e avulsos. Temos como cursos ordinarios
108
do primeiro ciclo: o industrial cuja finalidade é o ensino completo de
um oficio que requeira mais longa formação profissional, com a
duração de 4 anos; o de mestria, visa dar aos diplomandos em curso
industrial a formação profissional necessária ao exercicio da função de
mestre, com a duração de 2 anos; o artesanal, com a duração de dois
anos para o ensino de um oficio em periodo reduzido e o de
aprendizagem, a cargo do SENAI, com a finalidade de ensinar,
metodicamente, aos aprendizes dos estabelecimentos industriais, os
seus oficios, tem a duração de 1 a 3 anos. Os cursos extraordinarios
podem ser de iniciação, continuação e complementar, com a duração
de 1 ano e têm por finalidade iniciar ou desenvolver os conhecimentos
profissionais. Os cursos avulsos, de ilustração profissional, têm por
finalidade proporcionar o conhecimento de atualidades tecnicas.
Os cursos do segundo ciclo são tecnicos ou pedagogicos. Aqueles com
a finalidade de ensinar tecnicas proprias ao exercicio de funções de
carater especifico na industria, com a duração de 3 a 4 anos e estes para
a formação de pessoal docente e administrativo do ensino industrial
com a duração de 1 ano, os quais, isto é, os pedagogicos, entretanto,
ainda não estão em funcionamento.
Todos esses cursos estão sob regime federal, subordinados, portanto, à
Lei Organica do Ensino Industrial. Sob regime estadual mantem o
Estado de S. Paulo, ainda, os cursos agricolas industriais, com a
duração de 3 a 4 anos, cuja finalidade é a preparação de operarios,
mestres de cultura, capatazes, administradores agricolas e a formação
de donas de casa. Há entendimentos entre os governos do Estado e da
Republica para a oficialização desses cursos; os cursos praticos de
ensino profissional para ensinar menores e adultos uma habilidade
profissional, com a duração de 2 anos. Muitos desses cursos foram
recentemente criados e instalados em cidades do interior paulista
(SOUZA, 23 ago. 1952).
A série de reportagens de Rosalvo Florentino vinha de encontro às
que ele redigira em relação ao ensino secundário, no final da década de
109
1940 e início da década de 1950. Enquanto criticava a construção
desordenada de ginásios para o ensino secundário, defendia o inverso em
relação à criação de ginásios para o ensino profissional. Alinhava-se,
portanto, à visão desenvolvimentista que estabelecia a relação entre
economia e educação. Nessa reportagem, Rosalvo Florentino listou, ainda,
as escolas profissionais que se encontravam em pleno funcionamento no
Estado de São Paulo:
Quadro 1 - Escolas Profissionais em funcionamento no Estado de São Paulo em 1952
Quantidade
de escolas
Tipo de escola
Cursos
Localização
1
Escola Técnica
Técnicos de
mestria e
industriais
Capital.
11
Escolas Industriais
com curso de
mestria
Mestria
Capital, Botucatu, Campinas,
Franca, Jaú, Jundiaí, Lins, Ribeirão
Preto, Santos, São Carlos e Sorocaba.
9
Escolas Industriais
(não citados)
Capital, Amparo, Araraquara, Casa
Branca, Jaboticabal, Moóca,
Piracicaba, Rio Claro e Tatuí.
3
Escolas Profissionais
Agrícolas
(não citados)
Jacareí, Pinhal e S. Manoel.
15
Cursos Práticos de
Ensino Profissional
(não citados)
Assis, Bananal, Batatais, Bragança
Paulista, Caçapava, Catanduva,
Guaratinguetá, Ibitinga, Igarapava,
Itatiba, Orlandia, Ourinhos, Pirajuí,
Porto Ferreira e Salto.
9
Cursos Ferroviários
em colaboração com
a Comissão
Orientadora do
Ensino Ferroviário
no Estado
(não citados)
Capital, Sorocaba, Itapetininga,
Itaici, Botucatu, Assis, Araraquara,
Pindamonhangaba e Bento Quirino.
Fonte: Recorte do Jornal A Gazeta, de 23 de agosto de 1952, retirado do acervo do Instituto de
Estudos Educacionais “Sud Mennucci”.
110
O entretítulo trazia, ainda, a informação de que se encontravam,
em fase de instalação, cinco escolas em Barretos, Marília, Araçatuba,
Promissão e Iguape. Noventa outros cursos já haviam sido criados, os quais
seriam instalados gradativamente. A matéria fora finalizada com dados
sobre o número de alunos matriculados e diplomados.
Além dessa reportagem de agosto de 1952, mais seis outras, nos
meses de setembro e outubro, entre os recortes de jornais deixados por
Rosalvo Florentino, deram continuidade à série de reportagens sobre o
ensino profissional, sendo que uma delas tratava do ensino agrícola; as
demais do ensino industrial.
Na edição do jornal A Gazeta, do dia 3 de setembro de 1952, na
página 13, sem que haja especificação da seção em que se encontrava, havia
uma matéria que trazia ao topo, à esquerda, em caixa alta, o termo escolas
industriais, logo abaixo, em letras garrafais e negrito, o título
Estabelecimento padrão a Escola Tecnica “Getulio Vargas”, seguido, em letras
menores, dos subtítulos: “Deficit” de tecnicos especializados para a indústria;
São Paulo comportaria, pelo menos, mais oito escolas tecnias! (sic); Vencendo
a rotina e o empirismo; Racionalização dos metodos e processos de trabalho;
Equipamentos das escolas. Tratava-se de uma reportagem realizada por
Rosalvo Florentino, como explicitava a própria matéria, e que ocupava
quase todo o espaço da página do jornal A Gazeta.
Há, no recorte, uma série de fotos agrupadas em forma de clichê,
onde se veem a fachada da escola, alunos e professores em atividade, um
busto do professor Aprígio Gonzaga, fundador da escola, e uma foto em
que aparece Rosalvo Florentino entrevistando o professor Alfredo de
Barros, então diretor da Escola Técnica “Getúlio Vargas”, conforme se
observa na figura 3, mostrada mais abaixo. Há, após o clichê, o seguinte
texto:
111
Quem vê o exterior da Escola Técnica “Getulio Vargas”, como apresentamos
neste clichê, em cima à esquerda, não poderá avaliar ou compreender o intenso
trabalho que vai pelo seu interior, com o seu maquinário moderno e os seus
alunos recebendo ensino especializado eficiente, como nos mostram as duas
fotografias seguintes, com alunos do curso técnico, em plena atividade, sob a
vigilancia dos seus mestres. E’ preciso que se penetre, portanto, o interior do
vetusto casarão para se ficar entusiasmado com o alto grau a que atingiu, em
São Paulo, o ensino técnico industrial. Dentro de poucos meses, aliás, a Escola
Técnica “Getúlio Vargas” ostentará nova fachada. Já está sendo feito o
revestimento do novo edificio, oculto sob o tapume que vemos mais á
esquerda. Uma reforma geral adaptará o velho prédio ao novo conjunto
arquitetônico, aumentando, também, a sua capacidade. No centro, o prof.
Alfredo Barros, diretor do estabelecimento, em palestra com o nosso redator.
A última fotografia mostra uma “Radial”, máquina perfuratriz, inteiramente
construida na mesma escola. No medalhão o prof. Aprigio Gonzaga, fundador
do ensino profissional em São Paulo, cujo busto se encontra no saguão do
edificio como preito de homenagem e como exemplo do muito que fez por
esse ramo de ensino especializado. O professor Aprigio Gonzaga dirigiu o
referido estabelecimento durante muitos anos sendo, hoje, professor
aposentado, justa compensação ao seu operoso e inteligente labor (SOUZA, 3
de set. de 1952).
Figura 3 - Clichê da reportagem do dia 3 de setembro de 1952
Fonte: Recorte do Jornal A Gazeta, de 3 de setembro de 1952, retirado do acervo do
Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”.
112
Rosalvo Florentino prosseguiu a reportagem, oferendo um
pequeno histórico da Escola Técnica “Getúlio Vargas”:
Fundada em 1911 pelo prof. Aprigio Gonzaga, sob o nome Escola Profissional
Masculina, a atual Escola Tecnica “Getulio Vargas” ocupa hoje um conjunto
de três grandes edificios na rua Piratininga, bem no coração do centro
industrial da cidade. Começou com 70 alunos, hoje abriga, em todos os seus
cursos, 1907, já tendo alcançado o maximo de 2.500 matriculas. Continuam
em ritmo acelerado, agora, as obras do edificio central, com cinco andares,
iniciadas há 10 anos e que estiveram paradas cerca de 4 anos! Com a conclusão
dessas obras, ampliação e reforma do velho edificio casarão que torna anti-
estetico o conjunto arquitetônico, tal como está (?) poderá a referida escola
ministrar ensino eficiente a 2.500 alunos. E’ inestimavel o concurso que esta
casa de ensino verdadeira escola-padrão vem prestando à solução do
problema da formação profissional de nossa juventude. Em 40 anos de
funcionamento já passaram pelas suas oficinas para mais de 30.000 alunos que
hoje se encontram espalhados por todos os setores das nossas industrias
(SOUZA, 3 de set. de 1952).
Ao prosseguir a reportagem, Rosalvo Florentino destacou que o
professor Alfredo de Barros dirigia a escola desde 1934, o qual informara
ao redator de A Gazeta que, naquele momento, estava se realizando o
completo equipamento da escola, a fim de atender às necessidades do
ensino. As oficinas já estariam dotadas do mais moderno maquinário,
faltando, ainda, mas já em andamento, o equipamento dos laboratórios. A
substituição das máquinas da Escola Técnica “Getúlio Vargas” por outras
que atendessem aos mais modernos processos industriais permitiu ao
Departamento do Ensino Profissional o remanejamento das máquinas,
que se encontravam ainda em perfeitas condições de uso na Escola Técnica
“Getúlio Vargas”, para as escolas do Interior do Estado de São Paulo.
113
No subtítulo “Deficit” de tecnicos especializados, Rosalvo Florentino
lembrou que já havia informado aos leitores, na primeira reportagem sobre
o ensino industrial em São Paulo, que algumas escolas industriais do
Interior do Estado haviam sido transformadas em escolas técnicas, como
as localizadas em Campinas, Sorocaba, Lins e Jaú. Nesse intertítulo ficaram
explícitos os objetivos dessa transformação das escolas industriais em
escolas técnicas, conforme se observa nas palavras do professor Alfredo de
Barros, em resposta a Rosalvo Florentino sobre a oportunidade dessa
transformação:
E’ certo que há um grande “déficit” de operarios qualificados e
tecnicos especializados para a indústria, em todo o Estado. Mas
precisamos, antes de mais nada, verificar em que cidades esse “déficit”
é maior. E’ o que acontece, por exemplo, com a Capital, onde seriam
necessarias, para atender aos reclamos do seu crescente parque
industrial, pelo menos mais 8 escolas como a “Getulio Vargas”.
Enquanto isto não se faz, por motivos fáceis de compreender, para
resolver a crise de crescimento da população seria conveniente a divisão
da cidade em zonas, com escolas artesanais locais, onde seriam
ministrados os dois primeiros anos de ensino, dando ao seu aluno
conhecimento exato de determinada profissão, aliviando, desse modo,
a Escola Tecnica que ministraria ensino correspondente às 3ª e 4ª séries
do ciclo industrial e o ensino tecnico. E’ este, aliás, em suas linhas
gerais, o plano que pretende executar o prof. Arnaldo Laurindo, diretor
do Departamento do Ensino Profissional. O funcionamento dos
cursos tecnicos, nas escolas do Interior, deve atender às mesmas
circunstancias, isto é, suprir de mão de obra especializada as industrias
locais(SOUZA, 3 de set. de 1952).
Não podemos deixar de evidenciar que a reforma do prédio da
Escola Técnica “Getúlio Vargas”, como afirmara a própria reportagem,
114
houvera iniciado exatamente no ano em que foi sancionada a Lei Orgânica
do Ensino Industrial. A preocupação com uma qualificação de mão-de-
obra que, de fato, atendesse às necessidades da indústria paulista estabelecia
uma relação de interdependência entre escola e mercado de trabalho. Essa
relação ficou explícita no entretítulo Vencendo a rotina e o empirismo:
Através da mão de obra qualificada dos jovens egressos de suas oficinas
exerce a escola salutar influencia no parque industrial paulista,
contribuindo para vencer a rotina e o empirismo que caracterizam as
massas obreiras, não dotadas de uma formação profissional
metodicamente conduzida. Para os alunos residentes no Interior e
desprovidos de recursos, a escola mantem um internato com a
capacidade de 120 lugares. Um refeitorio modelo distribue cerca de
800 refeições diarias. As novas instalações possibilitarão a ampliação do
anfiteatro, para 500 pessoas, museu tecnologico, “ginasium” coberto,
para as práticas esportivas, biblioteca especializada, etc. (SOUZA, 3 de
set. de 1952).
Os detalhes que a reportagem de Rosalvo Florentino trazia
procuravam mostrar o esforço de adequação da escola industrial mais
tradicional de São Paulo às exigências não apenas do mercado de trabalho,
mas também ao que preconizava a Lei Orgânica do Ensino Industrial, a
qual, como já citamos, defendia uma educação integral ao aluno dos cursos
profissionalizantes, com disciplinas que lhes garantissem também uma
formação humana em detrimento de uma especialização precoce. Nesse
sentido, as palavras do professor Alfredo de Barros são emblemáticas ao
reconhecer que ainda existiam falhas no modelo educacional que a escola
oferecia. No intertítulo Racionalização dos metodos e processos de trabalho
essa preocupação se tornou clara:
115
Na organização da Escola ainda se nota uma falha a ausencia de
um curso pedagogico destinado á preparação de docentes para o ensino
industrial declara-nos o pro. (sic) Alfredo de Barros, e acrescenta:
Felizmente se encontra em estudos na Assembléia Legislativa do
Estado um projeto de lei criando esse curso, que será a cupola da
organização do nosso ensino industrial e que, provavelmente será
instalado ainda este ano’.
E continua:
A racionalização dos metodos e processos de trabalho, embora não
seja praticada na escola de maneira metodica e cientifica, é abordada
em consequencia direta dos modernos processos de ensino de que ela
lança mão. Dentre outros, são estes os processos de que se vale a escola
para dar aos seus alunos precisas noções do trabalho racionalizado: a)
emprego de seriações de trabalhos em que as operações se entrosam de
forma metodica sendo escolhidas com criterio rigorosamente
cientifico; b) meticuloso emprego de medidas de precisão e de tempo
na feitura dos trabalhos mediante o emprego de folhas de avalização
adequadas; c) uso de maquinas e ferramentas de alta precisão para as
turmas de alunos das séries mais adiantadas; d) aulas especiais de
tecnologia dadas com os recursos de um museu especialmente
organizado com os mais modernos padrões de ferramentas e com
variadissima coleção de materiais(SOUZA, 3 de set. de 1952).
No fragmento acima, o reconhecimento à existência de falhas,
tanto no que diz respeito à ausência do curso pedagógico quanto à falta de
método e de cientificidade na racionalização dos métodos e processos de
trabalho, remete-nos ao artigo 10 da Lei Orgânica do Ensino Industrial,
no qual se previa que, no segundo ciclo, o ensino industrial deveria
compreender cursos técnicos e cursos pedagógicos, enquanto modalidades
116
de cursos ordinários, sendo que estes deveriam ser destinados à formação
de pessoal docente e administrativo peculiares ao ensino industrial;
aqueles, os cursos técnicos, destinados ao ensino de técnicas, próprias ao
exercício de funções de caráter específico na indústria. Os cursos
pedagógicos, de acordo com a lei, deveriam compreender duas
modalidades de ensino: didática do ensino industrial e administração do
ensino industrial.
No entretítulo Cursos e articulação com os demais graus de ensino, o
qual encerrava a reportagem, percebia-se também a preocupação de
adaptação da escola às exigências do Decreto-Lei Nº 4.073, de 30 de
Janeiro de 1942, o qual procurava trazer como inovação a articulação entre
o ensino industrial e os demais graus do ensino. O texto da reportagem
praticamente reproduzia o artigo 18 da Lei Orgânica do Ensino Industrial,
como podemos perceber abaixo:
O ensino industrial, considerado de grau médio, é ministrado em dois
ciclos abrangendo as seguintes ordens de ensino: 1º ciclo ensino
industrial basico, ensino de mestria, ensino artesanal e aprendizagem;
2º ciclo ensino tecnico e ensino pedagogico. Somente as escolas
tecnicas mantêm os dois ciclos, enquanto as industrias apenas os cursos
do 1º ciclo. [...].
Basta uma rapida analise dos cursos enumerados para se verificar, desde
logo, como essas escolas procuram atender às exigencias da industria.
Os cursos do ensino industrial se articulam com os demais graus de
ensino da seguinte maneira: o ensino primario com os Cursos de
Formação Profissional (Industrial basico); o Curso Tecnico com o
ensino secundario, primeiro ciclo. O diploma de Curso Tecnico dá ao
seu portador a possibilidade de ingresso no ensino superior. Desse
modo o ensino técnico industrial constitue um grau de ensino médio
bastante flexivel, conveniente à formação profissional dos nossos jovens
(SOUZA, 3 de set. de 1952).
117
Em visita ao site da atual ETEC “Getúlio Vargas”, pudemos
constatar que a centenária instituição de ensino ainda tem como
modalidade principal o ensino técnico. Na página Quem Somos”, há a
informação de que a escola iniciara suas atividades no dia 28 de setembro
de 1911, na rua Muller, no bairro do Brás. Albuquerque Lins governava o
Estado de São Paulo. De acordo com o site, entre os anos de 1915 e 1930,
a escola qualificou profissionais em sua maioria para o ramo metal-
mecânica, a fim de atender às necessidades oriundas do desenvolvimento
urbano e industrial.
No ano de 1917, a escola fora transferida para a rua Piratininga,
nº 105, no bairro do Brás. Em razão de uma epidemia de gripe, a escola
paralisou, por certo período, suas atividades educacionais, transformando-
se em um hospital. Não podemos aqui afirmar se essa epidemia era a da
gripe espanhola que assolara o Estado de São Paulo no ano de 1918,
embora os indícios nos levem a crer que sim.
Selecionados entre os melhores alunos, no ano de 1931, foram
criados os cursos especializados para a formação de mestres. Em 1932, fora
realizada a primeira Exposição Anual, a qual ainda se mantém. Em sua
história, pudemos perceber que a escola participou de alguns eventos de
destaque, como, por exemplo, a construção do primeiro automóvel
brasileiro, conhecido como “A baratinha” em 1917, bem como da
Revolução Constitucionalista de 1932, ao fornecer caldeirões e granadas,
que depois recebiam carga explosiva no Departamento de Química da
Escola Politécnica.
Visitada pelo presidente Getúlio Vargas, nos anos de 1940 e 1941,
teve, neste último, para homenageá-lo o nome mudado para Escola
Técnica “Getúlio Vargas”. De acordo com o site da instituição,
118
Acompanhando as variações normativas na organização do ensino
profissional do ano em que foi criada até 1965 a instituição mudou de
nome diversas vezes:
· 1931 Escola Profissional Masculina
· 1932 Instituto Profissional Masculino
· 1940 Escola Técnica de São Paulo
· 1941 Escola Técnica Getúlio Vargas
· 1965 Colégio Industrial Estadual Getúlio Vargas (ETEC
“GETÚLIO VARGAS”, 2016).
Na informação postada no site e reproduzida acima, há, para nós,
um possível equívoco no que diz respeito ao ano de 1931, o qual para nós
deve ser 1911. Essa dúvida foi enviada para a ETEC “Getúlio Vargas”, da
qual esperamos resposta. A escola possuiu ainda outras denominações,
sempre no sentido de acompanhar as transformações do sistema
educacional. No ano de 1977, sob protesto dos estudantes, foi transferida
para o atual endereço: rua Moreira e Costa, 243 Ipiranga São Paulo
SP.
Na página “GV 105 anos Histórico”, encontramos links que nos
direcionam ao histórico propriamente dito; a uma galeria com ex-alunos
que se destacaram tais qual o economista Paul Singer; a uma página
intitulada “Curiosidades Centenárias, na qual há a informação de que o
símbolo do Sport Club Corinthians Paulista saíra de suas pranchetas, por
intermédio do pintor e escultor Francisco Rebolo, entre outras
curiosidades como, por exemplo, a predileção do professor Clemente
Segundo Pinho (que já fora entrevistado por Rosalvo Florentino) pelas
arguições; o hábito do professor Guido Gonçalves Cavalcanti de
Albuquerque de atribuir aos alunos notas negativas; ou, ainda, o hilário e
constrangedor evento no qual um aluno que deveria acionar o apito de
uma máquina quando da passagem do presidente Getúlio Vargas, em sua
119
primeira visita à escola, ter-se confundido e acionado o vapor sobre o então
presidente da República. Nesta página há, ainda, uma galeria de fotos,
conforme se pode perceber na figura 4, abaixo:
A ETEC Getúlio Vargas tem se preocupado em manter a história
da instituição. Para isso, conforme se observa na homepage da instituição,
[...] memória pressupõe resgate e preservação do patrimônio e da
cultura, visando a formação da identidade cultural e a melhoria da
qualidade de vida. Baseando-se nesse pressuposto, criou-se o Centro de
Memória da Etec“Getúlio Vargas”. Consideramos que o direito à
Memória é um direito de todo cidadão e implica no acesso aos bens
materiais e imateriais que representam seu passado, sua tradição, sua
120
história. É com a recuperação de sua história, incluindo a apropriação
do momento presente, que se constrói a identidade cultural, o sentido
dos acervos documentais organizados, banco de dados informati-zados,
espaço para exposição de fotos e de objetos museológicos, sala de
trabalho, consulta e pesquisa de acesso público em geral, e de
pesquisadores, em particular, aos seus documentos textuais,
iconográficos, museológicos e de história oral. Possuímos uma sala
destinada à guarda e pesquisa do material documental, referente ao
período de 1911 a 1950, imagens e objetos que recebe o nome de
“Espaço Aprígio Gonzaga” - homenagem ao primeiro diretor e
fundador do Instituto Profissional Masculino da Capital (primeira
denominação da Etec GV); arquivos correntes, com documentação da
Secretaria Acadêmica e de Departamento de Pessoal, ambos em
processo de reorganização e uma Sala de Higienização Documental
chamada “Oficina Prof. Zancheta”.
O Centro de Memória da Etec Getúlio Vargas postula-se como um
espaço para a nossa comunidade, bem como de pesquisadores de
Universidades, Instituições Culturais, de Apoio à Pesquisa, de
Organismos relacionados ao Trabalho, entre outros. Foi de grande
importância o trabalho realizado pelo Projeto Institucional que
organizou nosso Centro de Memória. Tivemos a oportunidade de
resgatar e repensar a história da nossa escola desde sua fundação em
1911, até os dias de hoje. Este levantamento, que está disponibilizado
à pesquisa, nos fez refletir sobre diversas e importantes questões a cerca
do papel desta escola no processo de desenvolvimento da Educação
Profissional no Estado de São Paulo e no Brasil. Procurar reconstruir,
analisar e principalmente entender esta história é a imensa tarefa em
que está colocada, em especial para aqueles que ainda permanecem no
chão das oficinas e nas salas de aulas das escolas técnicas. Pensamos que
atuando em nosso cotidiano, enfrentando e resistindo a todos os
percalços, poderemos traçar novos caminhos, que venham atender as
reais necessidades de um novo tempo e de uma nova escola (ETEC
“GETÚLIO VARGAS”, 2016).
121
Destinar parte deste capítulo à atual ETEC “Getúlio Vargas” é, na
verdade, uma maneira de recuperar parte da história do ensino profissional
no Estado de São Paulo. Mais ainda, é compreender as diferenças de
propostas que houve entre o Ministério do Trabalho e o Ministério da
Educação durante o primeiro governo de Getúlio Vargas acerca do ensino
industrial no Brasil. Como se pôde perceber na reportagem de Rosalvo
Florentino, ainda que houvesse o interesse explícito de atender às
demandas da crescente industrialização do país e, de maneira mais
específica, do Estado de São Paulo, as escolas que ficaram sob a
responsabilidade direta da indústria detiveram-se principalmente a
oferecer o primeiro ciclo do ensino industrial; enquanto escolas como a
Escola Técnica “Getúlio Vargas” procuravam atender aos propósitos
propugnados por Gustavo Capanema de uma formação mais completa.
2.3 O Seminário de Educandas de São Paulo
A coeducação, tão cara aos signatários do Manifesto dos Pioneiros
da Educação Nova, de 1932, que pôde ser percebida no texto da Lei
Orgânica do Ensino Industrial, foi também objeto de reportagem de
Rosalvo Florentino. Enquanto o texto do Decreto-Lei nº 4.073, de 30 de
janeiro de 1942, em seu artigo 5º, inciso 5, explicitava que “O direito de
ingressar nos cursos industriais é igual para homens e mulheres. A estas,
porém, não se permitirá, nos estabelecimentos de ensino industrial,
trabalho que sob o ponto de vista da saúde, não lhes seja adequado”, o
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, já defendia que
122
A escola unificada não permite ainda, entre alunos de um e outro sexo
outras separações que não sejam as que aconselham as suas aptidões
psicológicas e profissionais, estabelecendo em todas as instituições "a
educação em comum" ou coeducação, que, pondo-os no mesmo pé de
igualdade e envolvendo todo o processo educacional, torna mais
econômica a organização da obra escolar e mais fácil a sua graduação
(AZEVEDO et al., 2010, p. 45).
Ainda que se perceba uma estreita ligação entre os pressupostos dos
Pioneiros e as diretrizes que se encontram na Lei Orgânica do Ensino
Industrial, não podemos deixar de ressaltar a aproximação existente entre
as ideias de Gustavo Capanema e a Igreja Católica. A divisão social do
trabalho para homens e mulheres na sociedade era manifesta, inclusive nos
cursos propostos para as mulheres no corpo da lei, como se pode observar
no artigo 26, parágrafo único, onde se dizia que a educação doméstica
deveria ser ministrada às mulheres, “essencialmente sobre o ensino dos
misteres de administração do lar”; ou, ainda, no artigo 72, no qual se
afirmava que, na medida conveniente, os poderes públicos
providenciariam “[...] a instituição de estabelecimentos de ensino
industrial para frequência exclusivamente feminina, e destinados à
preparação para profissões a que se dediquem principalmente as
mulheres”.
O caráter assistencialista do ensino profissional ainda se manteve
não apenas no corpo da lei, mas também na direção das instituições
destinadas às mulheres. Esses aspectos ficaram evidentes na reportagem de
123
Rosalvo Florentino de Souza, do dia 23 de setembro de 1952, intitulada
Em novas instalações o Seminario de Educandas
17
.
Da mesma forma que as outras reportagens da série sobre o ensino
industrial, na edição do jornal A Gazeta, do dia 23 de setembro de 1952,
na página 13, sem que houvesse especificação da seção em que se
encontrava, existia uma matéria que trazia ao topo, à esquerda, em caixa
alta, o termo escolas industriais, logo abaixo, em letras garrafais e negrito, o
título Em novas instalações o Seminario de Educandas, seguido, em letras
menores, dos subtítulos: Roteiro do tradicional estabelecimento de ensino;
Uma das mais antigas obras sociais do Estado; Numero de alunas
matriculadas; Necessaria a ampliação de suas instalações; “A felicidade está
nas mãos da mulher. Tratava-se de mais uma reportagem realizada por
Rosalvo Florentino, como explicitava a própria matéria, e que, também,
ocupava quase todo o espaço da página do jornal A Gazeta. Do mesmo
modo que a reportagem sobre a Escola Técnica “Getúlio Vargas”, há, no
recorte, uma série de fotos agrupadas em forma de clichê, conforme se pode
observar na figura 5, mais abaixo, seguida do seguinte texto:
Durante a nossa visita ao Seminario de Educandas a objetiva de A
GAZETA fixou os aspectos que reproduzimos no clichê acima. No
alto, da esquerda para a direita: uma vista das duas novas alas recém-
construidas pelo governo do Estado; a diretora do estabelecimento
Madre Albertina da Santissima Trindade e o capelão, padre Benedito
Ulhôa Vieira, em palestra com o nosso redator. Em baixo, na mesma
ordem: alunas numa sala de aula, momentos antes da saida e a fachada
17
Rosalvo Florentino utiliza, na sua reportagem a terminologia Seminário de Educandas; Hilsdorf,
para se referir à mesma instituição, utiliza Seminário das Educandas. Utilizaremos as duas
terminologias quando se tratar de referências feitas por um ou outro.
124
do predio da avenida Nazaré. (Reportagem de ROSALVO
FLORENTINO) (SOUZA, 23 set. 1952).
Fonte: Recorte do Jornal A Gazeta, de 23 de setembro de 1952, retirado do acervo do
Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”.
A construção das novas alas pelo governo do Estado nos chamou a
atenção para os conflitos de interesses e as contradições que havia entre o
que se propunha o projeto de Capanema e as verdadeiras condições e
relações sociais. A laicidade do ensino defendida pelos Pioneiros da
Educação Nova chocava-se com a influência que a Igreja Católica mantinha
nas diversas modalidades de ensino, ainda que esta não tenha atentado com
maior intensidade para a importância do ensino profissional na construção
125
do novo modelo social e cultural do país. A reforma das alas do Seminário
de Educandas feita pelo Estado manifestava a confusão entre público e
privado que sempre pautou a nossa administração pública, ou seja, uma
instituição pública, como era o Seminário de Educandas, sob a direção da
Igreja Católica. Outro fator que nos chamou a atenção é que instituições
de ensino destinadas exclusivamente às mulheres desvirtuavam, em parte,
o conceito de coeducação defendido pelos Pioneiros da Educação Nova.
Rosalvo Florentino iniciara, pois, a reportagem, afirmando que
Não desejariamos antecipar conclusões a proposito do ensino tecnico
profissional em São Paulo, mas quem vem acompanhando a série de
reportagens que vimos publicando sobre o assunto poderá concluir,
diante dos dados positivos que temos divulgado, que não temos escolas
em numero suficiente, nesta Capital, e as que existem estão
superlotadas, reclamando necessarias ampliações afim de melhor
atender ao sempre crescente numero de alunos que pedem inscrições
nessas escolas. O diretor da Escola Técnica “Getulio Vargas” nos
afirmou que São Paulo comporta, pelo menos, mais oito escolas desse
genero. No setor feminino dispomos, apenas, da Escola “Carlos de
Campos”, cuja capacidade de matricula já se encontra esgotada e o
Seminario de Educandas, que atingiu, tambem, o maximo de sua
capacidade. Isto nos sugere, de pronto, a necessidade da criação de
escolas industriais na Capital, para ambos os sexos. Ampliar apenas as
existentes, não é a melhor solução. Impõe-se, por circunstancias varias,
a descentralização das escolas desse tipo que devem atingir outros
bairros. A mudança do Seminario de Educandas, da cidade para o
bairro do Ipiranga, poderá servir de um argumento forte. A luta que a
sua direção vem mantendo, agora, para a acomodação de um maior
numero de alunas, é, sem duvida, problema novo. A colaboração das
irmãs de São José, com os poderes constituídos, é, tambem, um grande
exemplo de conjugação de esforços no sentido de melhorar as
condições educacionais de nosso povo (SOUZA, 23 set. 1952, grifos
do autor).
126
O entretítulo Ligeiro Historico mostrava o caráter assistencialista do
Seminário de Educandas, então ainda presente no ensino profissional
brasileiro. De acordo com a reportagem,
O Seminario de Educandas é uma, das mais antigas obras sociais do
governo de São Paulo. Destinado a abrigar orfãs, filhas de militares ou
funcionarios públicos, data a sua fundação de 8 de janeiro de 1825,
pelo então presidente da Provincia, o Visconde de Congonhas do
Campo, Lucas Antonio Monteiro de Barros. Começou a funcionar na
Chacara da Gloria, no bairro do Ipiranga, sendo depois transferido
para a rua do Seminario. Unindo estes dois princípios denominaram-
lhe, então, Seminario da Gloria. Em 1870, o presidente Antonio
Candido da Rocha firmou contrato com a Superiora Provincial,
Reverenda Madre Maria Teodora Voiron, passando a direção do
Colegio às Irmãs de São José. Foi sua primeira diretora, Madre Ana
Felicité. Depois de varias mudanças de predio, o Seminario passou para
a Chacara da Consolação. Em 1899, a Superiora, Irmã Luiza A. Janin,
depois de muitos esforços e com o valioso apoio da esposa do
presidente do Estado, dr. Jorge Tibiriçá, conseguiu que o governo
adquirisse a chacara de propriedade de d. Verediana Prado, sita na rua
da Consolação, para o fim exclusivo de nela funcionar o Seminario, de
onde recentemente mudou-se para a avenida Nazaré, em consequencia
das transformações por que passou o local que exigiram a demolição
do predio. O progresso da paulicéia não permitia mais a permanencia
da antiga casa colonial no centro de São Paulo. Assim, em 1941 foi
desapropriado pela Prefeitura, obrigando a diretoria do Seminario
procurar local para a continuação do orfanato. Após inuteis pesquisas
a Divina Providencia veio em socorro de suas filhas. No dia 10 de
outubro de 1944, D. Maria Angelina Vicente de Azevedo Franceschini
pediu a diretora do Colegio que trabalhasse junto às autoridades
competentes afim de requisitar o predio da avenida Nazaré, 795, para
o Seminario. Tratava-se de um Juvenato de Padres Salesianos, e estava
fechado ha alguns anos, quando em 1944 o governo o requisitou para
uma Escola de Cadetes. Valendo-se da amizade da excelentissima
127
esposa do gen. Gaudie Ley, então comandante da Força Publica de São
Paulo, foram entaboladas as transações, durante o governo do dr.
Fernando Costa. Muitas peripecies assinalaram a mudança definitiva.
Só em 1947, porém, quando interventor federal o dr. José Carlos de
Macedo Soares, se fez a desapropriação do predio da avenida Nazaré.
A mudança, afinal, realizou-se a 21 de janeiro de 1951, quando a
prefeitura, a seguir, demoliu o predio da rua da Consolação (SOUZA,
23 set. 1952).
No intertítulo Numero de alunas matriculadas, Rosalvo Florentino
afirmara que muitas gerações de alunas das mais diversas classes sociais
passaram pelos bancos escolares do Seminário. Segundo ele, no início, o
educandário fora constituído por uma escola primária e cursos
preparatórios e comercial. De acordo com a reportagem, somente em 1935
oficializou-se como Escola Profissional Feminina. A reestruturação do
ensino industrial levou o Seminário, em 1943, a ser considerado Escola
Industrial, oferecendo 4 anos de ensino básico e, portanto, equiparando-
se às escolas industriais e subordinando-se ao Departamento do Ensino
Profissional. A transferência para o Ipiranga, então bairro operário por
excelência, permitiu o aumento progressivo das matrículas no seu
externato, chegando, no momento da reportagem, ao número de 457
alunas, assim distribuído: 169 matrículas no curso primário; 288 no curso
industrial. Apesar de ter havido um decréscimo de matrículas nos anos de
1943 e 1945, o ano de 1952 marcou, até então, o máximo de matrículas.
No subtítulo Cursos e disciplinas, Rosalvo Florentino assim se
reportou:
Conforme já dissemos destina-se o Seminario de Educandas a ministrar
a educação industrial e domestica, unidas a uma solida instrução
religiosa e moral a meninas de 11 a 17 anos. São admitidas no externato
128
alunas que tenham completado o 3º ou 4º ano do curso primario, que
devem apresentar, no ato de admissão, os seguintes documentos:
certidão de nascimento e atestado de saude e vacina. O ensino técnico
industrial ministrado no Seminario, se distribue por dois cursos de
quatro anos: um propedeutico, destinado ao desenvolvimento da
cultura geral e outro de trabalhos praticos para a formação industrial.
O curso geral compreende as seguintes materias: linguas: português e
francês; matematica: aritmetica, algebra e geometria; ciencias fisicas e
naturais; geografia e historia do Brasil; desenho e musica; higiene e
puericultura. O curso técnico industrial compreende o curso de
ocupações domesticas, destinado ao ensino de artes tecnicas;
confecções e corte; roupas brancas; flores, chapéus e artes aplicadas;
copa e cosinha. Todos os serviços domesticos: arranjos caseiros,
auxiliares de rouparia, de copa e cosinha, são confiados às proprias
alunas que se revesam em turmas. Os trabalhos executados no curso
industrial são vendidos, e 50% do lucro é registrado para formar o
peculio da aluna que fez o trabalho. Esse peculio lhe será conferido
integralmente, ao terminar o curso. A aluna que não concluir o curso
perde direito ao mesmo.
À aluna que concluir quaisquer dos cursos industriais basicos será
conferido o diploma de artifice, com a menção da especie do curso
concluído. Após o curso de quatro anos, a aluna poderá ingressar no
Curso de Mestria, de dois anos. Na 4ª série do curso industrial é
ministrado o ensino de datilografia (SOUZA, 23 set. 1952, grifos do
autor).
Para finalizar a reportagem, Rosalvo Florentino alertara, no
entretítulo Um novo problema, para a falta de condições de atendimento à
demanda que se originou em razão da mudança de endereço do Seminário
para a avenida Nazaré. Segundo ele, quando o Seminário se situava na rua
da Consolação, a matrícula se encontrava mais ou menos estacionária. No
novo local, em razão do grande número de alunas oriundas da classe
operária, o número de matrículas aumentara sempre de maneira tal que
129
sobrecarregava tanto o curso industrial quanto o curso primário. Esses
dados apresentados por Rosalvo Florentino, na verdade, serviam para
fortalecer o argumento de que
[...] Fazia-se mister, portanto, a ampliação das instalações do instituto
o que foi feito pelo governo do Estado que mandou construir duas alas
novas para o internato. Colaborando com a direção do Seminario a
Prefeitura da Capital cedeu, temporariamente, o edificio construido
pelo Convenio Escolar, destinado ao Grupo São Martim e que ainda
não estava em funcionamento. Acontece, porém, que tendo
necessidade do referido edificio, para a instalação de uma escola de
musica, que deverá ser apresentada por ocasião do IV Centenario, a
Prefeitura pediu à direção do Seminario que desocupe as suas
instalações. Diante disto, nova dificuldade surgiu para o Seminario de
Educandas, pois que ali recebiam aulas 270 alunas externas. Para onde
ir agora? Entendimentos estão sendo realizados entre a direção do
Seminario, o Departamento do Ensino Profissional e o Convenio
Escolar, no sentido de que sejam construidos galpões apropriados,
junto ao estabelecimento, em terreno que será desapropriado pelo
Estado. Tudo faz crer que esta solução, bastante razoavel, resolva o
aflitivo problema do Seminario de Educandas, em luta para
acomodação de suas alunas às quais além de formação moral e cultural
adquirem conhecimentos de arte, ordem e economia, em curso
noturno de artes domesticas para as moças que desejarem aperfeiçoar-
se na formação do lar, tendo em mira a sua alta missão: A felicidade
da familia está nas mãos da mulher(SOUZA, 23 set. 1952).
Não podemos deixar de registrar que o crescimento dessa demanda
por matrículas não se dava somente em razão da mudança de endereço,
como afirmara Rosalvo Florentino. Havia, no Estado de São Paulo, uma
elevação do número de matrículas no ensino médio como um todo.
Segundo Beisiegel (1964), apoiando-se em dados do Ministério da
130
Educação e Saúde e do Anuário Estatístico do Estado de São Paulo, 1960,
a evolução do número de matrículas no ensino médio se dera da seguinte
forma:
Quadro 2 - Distribuição dos alunos do ensino médio
DATAS/MATCULAS/PERCENTUAL
1940
1950
1960
52.849
67,7%
113.506
68,5%
242.302
68,8%
18.884
24,2%
28.565
17,2%
77.723
22,1%
1.854
2,4%
7.839
4,7%
11.594
3,3%
646
0,8%
752
0,5%
968
0,3%
3.819
4,9%
15.023
9,1%
19.368
5,5%
Fonte: Beisiegel (1964, p. 118).
Como se pode perceber pelos dados expostos acima, apesar de o
ensino industrial ter tido, na década de 1950 em relação à década de 1940,
o maior índice de crescimento 423% comparado às outras modalidades
de ensino médio, ainda havia uma preferência pelas modalidades de ensino
que se distanciavam do trabalho braçal, como o ensino secundário, o
comercial e o normal. Outro dado relevante que corrobora com essa
afirmação é o fato de que, apesar do crescimento em números brutos,
percentualmente o número de matrículas no ensino agrícola decrescera,
confirmando, assim, o interesse do Poder Público em investir nas
modalidades de ensino que servissem de suporte à industrialização e,
consequentemente, à urbanização do país.
131
O Seminário de Educandas, por sua vez, apesar, de ser uma
instituição do Governo do Estado de São Paulo, como pôde ser visto, era
dirigido pela Igreja Católica, gerando, como já citamos, conflitos de
interesses e ideológicos. Enquanto o processo de urbanização vinha
acompanhado de uma busca da mulher para ocupar espaço na sociedade,
a educação que lhe era oferecida ainda tentava restringi-la ao espaço
doméstico, repousando apenas nela, como colocou Rosalvo Florentino, “a
felicidade da família”. O Seminário de Educandas mantinha, portanto, o
modelo oriundo de sua fundação, no século XIX, na contramão do que
ocorrera ao longo Império e nos primeiros anos da República, com a
escola, que procurara constituir sua representação de local destinado, de
maneira específica, ao cuidado da infância e da adolescência, no intuito de
afastar-se de instituições como a Igreja e a família.
É certo que, quando da fundação do Seminário de Educandas, em
1825, vivia o Brasil, um período em que
[...] o tempo da Independência foi o tempo da “modernidade liberal”
marcada pelo critério absoluto da lei, pelo anticatolicismo
tradicional, pelo laissez-faire econômico e pela educação popular e
considerar o educativo e o escolar como práticas da mentalidade
ilustrada e liberal, de fundo racional e/ou religioso. [...] (HILSDORF,
2001, p. 70)
Encontra-se aqui a relação ainda existente entre o poder público e
a Igreja, uma vez que, mesmo esta perdendo a exclusividade no que diz
respeito à educação, conseguiu manter sua influência. Como afirma
Hilsdorf (2001, p. 70),
132
[...] Ao que parece, estamos ainda começando a conhecer os traços
mentais dos nossos ilustrados e liberais ao redor dos anos de 1820 e de
1830, para além do período pombalino, mas alguns deles já podem ser
apontados com Falcon: tolerância, humanitarismo, filantropia e
benemerência para com os pobres, doentes e infelizes. Compondo a
face pragmática do Iluminismo, esses traços são responsáveis por um
movimento racionalista em direção às massas, com duas características
ser uma responsabilidade pública, em vez de atribuição exclusiva das
Igrejas, e ser ativo, no sentido de ir ao encontro dos pobres e infelizes
para assisti-los e educá-los. Lembra ainda esse autor que o lado oculto
dessas iniciativas ditadas pelo sentimento filantrópico consciente é,
desde os trabalhos pioneiros de Foucault, seu objetivo de controle,
ordem, disciplina e formação do trabalhador [...].
A Igreja Católica, no Brasil, principalmente, no caso de São Paulo,
a hierarquia eclesiástica da capital da província procurava exibir a
mentalidade liberal de fundo ilustrado e regalista que se podia perceber
como dominante na administração pública, com o intuito de, compondo
um “clero iluminista”, não apenas se envolver com os movimentos de
assistência, educação e ensino, mas pautar-se numa ética jansenista,
rigorista, de forma que, difundindo uma ideia de constituição de uma
igreja regalista e nacional, fosse ela, a Igreja Católica, a responsável pela
modernidade, prescindindo, portanto, do protestantismo, como se deu em
outros países das Américas.
No que diz respeito à educação feminina, chamou-nos a atenção a
afirmação sobre o papel da mulher para com a felicidade da família que
Rosalvo Florentino destacara, uma vez que, no século XIX, algumas
mestras já se recusavam, como nos lembra Hilsdorf (2001, p. 75-76), nas
décadas de 1830 e 1840, a ministrar para suas alunas as “prendas
domésticas”, as quais, em conjunto com as práticas devocionais, eram
consideradas pelos pais e pelas autoridades públicas os principais saberes
133
responsáveis por ensinar as meninas a conhecerem o seu lugar na
sociedade, ou seja, o de “fiéis súditas do Império e boas mães de família”.
Hilsdorf (2001) nos chama ainda a atenção para o fato de que a
imagem da mulher doméstica/domesticada não fora construída com tanta
passividade como vinha mostrando a literatura sobre a História da
Educação no Brasil, no século XIX. Muito pelo contrário, segundo a
autora, documentos disponíveis no Arquivo do Estado de São Paulo
comprovam que houve, durante vários anos, resistências que se
manifestaram dentro da própria instituição que deveria servir para modelar
e uniformizar um certo feminino. De acordo com Hilsdorf (2001, p. 77),
[...] Diferentemente do que se diz acerca das mulheres nos inícios do
Império, a escolarização feminina aparece sempre como um problema,
nunca como uma solução: ao insuspeitado encaminhamento dado
pelas primeiras professoras públicas da província, extrapolando as
expectativas de seus defensores quanto à função da escola na vida de
suas alunas, outra agência de formação e instrução feminina do
período, o Seminário das Educandas de São Paulo, acrescentou um
outro, tão rebelde e peculiar na sua rejeição ao modelo escolar pensado
pelos seus instituidores, que merece ser visto com mais vagar.
O histórico que Rosalvo Florentino apresentou na reportagem
sobre o Seminário de Educandas procurava, de certo modo, corroborar
com as intenções de seus fundadores, uma vez que
Criada, em meados de 1825, para abrigo e formação de filhas de
militares que tinham servido à pátria nas guerras da Independência e
morrido na indigência, seus organizadores cuidaram em primeiro para
que essa instituição não se transformasse em convento e abrigasse uma
congregação religiosa como talvez fosse o desejo do catolicismo
134
popular e determinaram nos Estatutos que as meninas “tomassem
estado” pelo casamento e pela vida profissional. As lideranças liberais e
ilustradas tentaram evitar que se repetisse a situação de outras
instituições de assistência e guarda do período, como a Casa de
Educandas de Itu, a qual, embora se apresentasse como um
educandário, estava de fato organizada como um “conventinho”, e
procuraram impor seu controle por meio de medidas que lhes
reservavam a escolha da diretora e das mestras de primeiras letras e
impediam a permanência das crianças que atingissem a idade dezoito
anos (HILSDORF, 2001, p. 77).
Como se pôde perceber na reportagem de Rosalvo Florentino, o
Seminário continuava a atender jovens somente até os dezessete anos.
Outra característica marcante era o do atendimento às crianças e
adolescentes em condições sociais desfavoráveis, ainda que, durante sua
história, o Seminário de Educandas tivesse recebido alunas oriundas das
mais diversas classes sociais, entretanto não podemos nos esquecer de que
O Seminário das Educandas de São Paulo pode ter tido, como
inspiração mais próxima, a obra do liberal Napoleão Bonaparte.
Segundo R. Rogers, ao reorganizar os serviços educacionais no período
pós-revolucionário, ele negligenciou a educação feminina pública, com
exceção das escolas que criou para as filhas dos seus oficiais perecidos
em batalhas, com o objetivo de dar-lhes formação moral para serem
boas esposas e mães de família. O Seminário de São Paulo também foi
uma iniciativa anterior ao estabelecimento das escolas elementares
públicas para mulheres, que datam de 1827, e como as Escolas da
Legião de Honra francesas, também tinha em vista órfãs de militares.
A clientela visada pelo Seminário das Educandas é, certamente, o
mundo militar da alta oficialidade: pela documentação do AESP,
muitas das recolhidas têm pais ou responsáveis com patentes e inseridos
na hierarquia. Podemos dizer com W. R. Borges, que essa instituição
135
conseguiu, assim, alguma abertura para a realidade social, restrição
compreensível se considerarmos aproveitando uma colocação de
Peter Gay sobre outro liberal, Macaulay que, afinal, Lucas Monteiro
de Barros, seu principal criador, é um ilustrado, um reformador liberal
infatigável um liberal, sim, mas, uma vez que a sua fé na multidão
era limitada, não um democrata(HILSDORF, 2001, p. 77-78).
Podemos afirmar, porém, que as semelhanças entre as instituições
francesas e a brasileira se detiveram, em parte, no que foi exposto acima,
uma vez que, na França, ainda que dirigidas por congregações religiosas,
essas escolas chegaram a oferecer, de acordo com Rogers, “sérios estudos
intelectuais”. A formação profissionalizante, nas escolas francesas, só
chegou a ser oferecida quando a clientela se tornou oriunda da baixa
oficialidade, logo não burguesa, a fim de que as moças pudessem ter um
meio de vida. O modelo de escolarização feminina francês, portanto, era
dual: uma educação elementar, profissionalizante; outra secundária, de
altos estudos, subordinado às diferenças de classe.
No Brasil, puderam-se detectar, ainda, mais algumas semelhanças
em relação ao modelo francês. Durante o século XIX, por exemplo, a
origem social das meninas também se deslocou para a baixa oficialidade.
Mais ainda, chegou a atender outros grupos sociais, ao incluir a guarda das
expostas na Roda da Santa Casa, em 1845. Houve, ainda, uma proposta
de que as educandas fossem dirigidas para a vida ativa, de início, como
criadas domésticas; em seguida, como professoras. Ainda que, de acordo
com Hilsdorf (2001, p. 78), W. R. Borges tenha localizado 46 educandas,
entre os anos de 1852 e 1870, que ingressaram no magistério profissional
ou que estavam sendo encaminhadas para ele, a formação recebida no
Seminário de São Paulo sequer atingira o nível e a forma de uma
escolarização elementar. Como afirmara Hilsdorf (2001, p. 78-79),
136
Certamente os seus criadores esperavam mais do Seminário. Segundo o desejo
institucional dos seus criadores, a identidade feminina dessas meninas far-se-
ia a partir da maternidade e dos lavores feminis, e não apenas eles colocaram
explicitamente nos Estatutos as funções instrucionais do Seminário ao
recomendar que a diretora fosse “pessoa temente a Deus, de vida exemplar,
com os conhecimentos necessários para ensinar a ler, escrever e fiar, coser e
tudo o mais que deve saber uma perfeita mãe de família”, como fizeram uma
recorrente pressão para que elas fossem cumpridas pelas regentes e diretoras.
[...].
Os pressupostos que pautavam a organização do Seminário, tanto
do ponto de vista institucional quanto didático-pedagógico, de certa
forma, se mantiveram. É certo que as relações entre os administradores do
Seminário e a alta esfera de poder nem sempre se deram harmonicamente.
A necessidade de ampliação das instalações que Rosalvo Florentino
destacara para atender à demanda de matrículas também se observava no
século XIX, quando, muitas vezes, ainda que a direção declarasse que as
condições de indigência das meninas, cujos responsáveis requeriam
matrícula ao presidente da Província, não procediam, ele, como autoridade
maior, autorizava. Sobre essas constantes discordâncias, devemos destacar
que
[...] Não sabemos qual o critério que filtrava essas escolhas. O que se evidencia
na documentação consultada são os movimentos de amparo e proteção das
altas autoridades e de negação dos administradores mais diretos. Para o
presidente da província, que dava a palavra final, os estabelecimentos eram
obra da caridade racionalista e iluminista; nessa perspectiva, sua ação devia ser
permanentemente protetora; já os diretores e síndicos estavam envolvidos com
a sobrevivência cotidiana da instituição. Deve ser destacada, entretanto, a
permeabilidade do governo à influência dos familiares e responsáveis, muitos
dos quais partilhavam com ele a mesma condição social (HILSDORF, 2001,
p. 79).
137
Outro fator que mantém relação entre o período de fundação do
Seminário, no século XIX e o da reportagem de Rosalvo Florentino é o
caráter produtivo da instituição. Da mesma forma que as alunas do século
XX executavam trabalhos que eram vendidos, no século XIX, o Seminário
dispunha de diversas fontes de rendimentos, como, por exemplo, o
fornecimento de lenha para a cidade, além de pastos e plantações. Havia,
também, um rancho que era usado pelas tropas que utilizavam o Caminho
do Mar. Do governo, havia uma dotação que garantia a manutenção anual
de doze órfãs. Havia, enfim, muitas fontes de renda e os trabalhos eram
realizados por profissionais contratados ou escravos. As educandas,
portanto, concentravam-se praticamente nas atividades ligadas
diretamente ao objetivo didático da instituição.
Como se pôde perceber, enquanto no século XIX, o Seminário de
Educandas, de fato, atendia a meninas oriundas das mais diversas classes
sociais, durante a vigência da Lei Orgânica do Ensino Industrial, a alta
demanda por matrículas na instituição só se dera em razão da transferência
do prédio para um bairro operário. A escolha desse bairro não se dera por
acaso, visto que
A baixa demanda do ensino profissional, especialmente, industrial e
agrícola, cujas escolas não utilizavam toda sua capacidade de matrícula,
enquanto a procura do ensino secundário estimulava o constante
crescimento da rede escolar, era considerada uma distorção onerosa
para o desenvolvimento do país. A necessidade de corrigi-la foi
reiteradamente proclamada por administradores e educadores, e
inspirou algumas das alterações da estrutura do ensino médio feitas ou
propostas sob a vigência das leis orgânicas e consubstanciadas depois
pela Lei de Diretrizes. De modo geral, tais alterações e propostas
obedeciam ao propósito de melhorar o prestígio e, consequentemente,
a demanda do ensino profissional e técnico. Elas não envolveram,
entretanto, um equacionamento orgânico do problema da educação
138
média, fundamentado em análise completa e adequada das condições
que serviam de suporte à sua expansão. Em especial, não levaram
suficientemente em conta os fatores histórico-sociais e pedagógicos que
condicionam o ensino profissional e sua possibilidade e eficácia, de
modo geral, e em nosso país em particular. [...] (SILVA, 1969, p. 339).
É notório que a série de reportagens de Rosalvo Florentino sobre o
ensino industrial, uma década depois de sancionada a Lei Orgânica do
Ensino Industrial, representava o esforço de valorização dessa modalidade
de ensino por meio da imprensa. Não fora à toa que Rosalvo Florentino
dedicou parte dessas reportagens às mais tradicionais escolas profissionais
do país, para cada um dos gêneros: a Escola Técnica “Getúlio Vargas” e o
Seminário de Educandas.
2.4 O ensino profissional agrícola
Além das três reportagens que já apresentamos neste capítulo,
outras quatro, respectivamente dos dias 7, 14, 22 e 25 de outubro de 1952,
completaram, de acordo com os recortes encontrados na coleção deixada
no Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”, a série de
reportagens que Rosalvo Florentino fizera sobre o ensino industrial
naquele ano.
A reportagem do dia 7 de outubro de 1952, na verdade, dizia
respeito mais diretamente ao ensino agrícola. Da mesma forma que as
outras reportagens da série sobre o ensino industrial, nesta edição do jornal
A Gazeta, na página 14, sem que houvesse especificação da seção em que
se encontrava, existia uma matéria que trazia ao topo, à esquerda, em caixa
alta, o termo ensino agricola, logo abaixo, em letras garrafais e negrito, o
139
título Escolas Profissionais de Pinhal, Jacareí e S. Manoel, seguido, em letras
menores, dos entretítulos: Suas atividades; Reconhecimento pela União;
Legislação sobre ensino agrícola; Estrutura dos cursos em funcionamento;
Necessidade de mecanização da lavoura; Ainda escasso o material humano;
Número de alunos matriculados.. Tratava-se de mais uma reportagem
realizada por Rosalvo Florentino, como explicitava a própria matéria, e
que, também, ocupava quase todo o espaço da página do jornal A Gazeta.
Do mesmo modo que as reportagens anteriores, há, no recorte, uma série
de fotos agrupadas em forma de clic, seguida do seguinte texto:
O ensino agricola, de grau medio, em São Paulo, como no Brasil, não
alcançou ainda a expansão que é de se desejar. Temos, no Estado, fora
as escolas praticas de agricultura, poucas aliás, apenas mais três escolas
agricolas subordinadas à Secretaria da Educação, quando deveríamos
ter muito maior numero espalhadas por todo o interior. As fotografias
que publicamos mostram algumas das importantes atividades dessas
escolas. Em cima, da esquerda para a direita: cultura em curvas de nivel,
e modernos tratores da Escola de Pinhal. Em baixo, na mesma ordem:
aluno em trabalho, na secção de apicultura, na escola de Jacareí; no
centro, uma vista da fachada interna da mesma escola. A ultima
fotografia nos mostra um aluno dirigindo maquina apropriada,
cortando centeio, na Escola de São Manoel. (Reportagem de Rosalvo
Florentino) (SOUZA, 7 out. 1952).
De um modo geral, a reportagem tratava de um apelo para que
fosse dada mais atenção ao ensino agrícola por parte das autoridades.
Rosalvo Florentino procurava evidenciar a importância para o país dessa
modalidade de ensino, como se pôde perceber no início da reportagem:
140
O “slogan” de que “o Brasil é um país essencialmente agrícola” seria
confirmado si, de fato, não tivessemos a lamentar a carencia de
produtos agro-pecuarios, em consequencia dos nossos desorganizados
meios de cultura da terra. A tão decantada mecanização da lavoura
constitue coisa tão remota como a propalada mudança da Capital do
país para o planalto goiano. Enquanto não possuirmos recursos
economicos e o material humano necessarios, não poderemos leva-la a
efeito. O material humano ainda é bem escasso. São 11 as escolas
superiores de agricultura, existentes no país, em oito Estados. O
numero de alunos matriculados nessas escolas não é muito lisonjeiro,
não atingindo 1.000. As escolas que possuem maior numero de alunos
são as de Piracicaba, a Nacional, do Rio, e a do Paraná, com mais de
100 alunos matriculados. As demais não alcançam essa matricula. A
situação do ensino médio de agricultura, tambem, não atende às
exigencias do país. Na reforma agraria que se projeta, esse importante
aspecto da questão deve ser levado em conta, facultando-se aos
diplomados por escolas agricolas a possibilidade de exercerem, no
campo, as suas atividades, em terras que seriam desapropriadas
proximas aos centros populosos, necessarias às culturas indispensaveis
ao abastecimento das cidades (SOUZA, 7 out. 1952).
Ao dar prosseguimento a reportagem, no intertítulo
Reconhecimento federal, Rosalvo Florentino lembrava que a Lei Orgânica
do Ensino Agrícola fixava normas para o funcionamento das escolas
agrícolas. As três escolas paulistas, subordinadas ao Departamento do
Ensino Profissional, ainda que satisfizessem todas as exigências legais, não
haviam ainda sido reconhecidas pelo governo da União. De acordo com a
reportagem, tanto o superintendente do Ensino Agrícola, do Ministério da
Agricultura, quanto o diretor do Departamento do Ensino Profissional, de
São Paulo, prof. Arnaldo Laurindo, afirmaram que já se encontravam as
formalidades em fase final para ao reconhecimento das escolas. Rosalvo
Florentino finalizou este subtítulo, afirmando que
141
[...] E’ necessario ampliar-se a rede de escolas agricolas, pois só é
possivel pensarmos nos meios de produção e mecanização da lavoura
contando com o elemento humano formado e preparado para esse
mister. Não só formando tecnicos, mas possibilitando que esses rapazes
atinjam níveis mais altos de ensino, dada a articulação entre os diversos
cursos, inclusive com escolas superiores (SOUZA, 7 out. 1952).
Apesar de sancionada, em 1946, já sob o governo de Eurico Gaspar
Dutra, a Lei Orgânica do Ensino Agrícola fazia parte do conjunto de leis
que compunham a chamada Reforma Capanema. A preocupação com a
formação humana e o combate à especialização precoce que se podia
perceber na Lei Orgânica do Ensino Industrial também eram encontrados
no Capítulo II Dos princípios gerais do ensino agrícola , como se pode
comprovar no
Art. 5º Presidirão ao ensino agrícola os seguintes princípios gerais:
1. Evita-se-á, nos cursos de formação de trabalhadores agrícolas, a
especialização prematura ou excessiva, de modo que fique
salvaguardada a adaptabilidade profissional futura dos operários,
mestres e técnicos.
2. Nos cursos de que trata o número anterior, iucluir-se-ão, juntamente
com o ensino técnico, estudos de cultura geral e práticas educativas que
concorrem para acentuar e elevar o valor humano do trabalhador
agrícola.
3. As técnicas e os ofícios deverão ser ensinados com os processos de
sua exata execução prática e também com os conhecimentos teóricos
que lhes sejam relativos. Ensino prático e ensino teórico apoiar-se-ão
sempre um no outro.
4. A informação científica exigir-se-á em todos os casos, mesmo no
ensino dos cursos destinados a dar rápida e sumária preparação para os
comuns trabalhos da vida rural, por forma que o ensino agrícola, com
142
tornar conhecidos os processos racionais de trabalho, concorra para
eliminar da agricultura as soluções empíricas inadequadas (BRASIL,
1946).
A Lei Orgânica do Ensino Agrícola, na verdade, era uma
compilação da Lei Orgânica do Ensino Industrial, com as devidas
adaptações ao meio rural. Enquanto esta visava atender aos interesses do
trabalhador, das empresas e da Nação; aquela mantinha os mesmos
interesses, alterando-se apenas o termo “empresas” por “propriedades”. O
acesso ao ensino superior também era permitido, com as mesmas ressalvas
do ensino técnico industrial. Quanto às disciplinas e aos cursos, havia
disciplinas de cultura geral e disciplinas de cultura técnica. Havia, também,
no corpo da lei, a existência de cursos agrícolas pedagógicos, no segundo
ciclo, destinados à “[...] formação de pessoal docente para o ensino de
disciplinas peculiares ao ensino agrícola ou de pessoal administrativo do
ensino agrícola”. A obrigatoriedade das disciplinas de educação física e
canto orfeônico também se encontrava nos textos de ambas as leis.
Ao dar prosseguimento à reportagem, Rosalvo Florentino, nos
entretítulos Legislação sobre ensino agricola e Ensino profissional agricola,
apresentou um histórico sobre essa modalidade de ensino. Segundo o
Redator de A Gazeta,
A primeira manifestação dos poderes publicos no que diz respeito ao
ensino agrícola é a lei n. 26, de 11 de maio de 1892, que criava uma
Escola Superior de Agricultura e dez estações agronomicas e seus
respectivos campos de experiencia. O referido diploma legal foi
inspirado pelo dr. Luis de Queiroz, patrono da atual Escola Superior
de Agronomia de Piracicaba, a qual será objeto de uma reportagem
especial, a cargo do nosso colega Erwin Teodor.
143
Em 1910 surge a primeira advertencia oficial sobre a necessidade de
novas diretrizes para o ensino primario na zona rural, mediante a
introdução do ensino agricola no curriculo das escolas de primeiro
grau. O então diretor geral da instrução publica, dr. Oscar Thompson,
em seu relatorio ao secretario do Interior, acentuou a necessidade de
dar nova feição às escola publicas paulistas, que deveria ser
“essencialmente agricola”. No ano seguinte, 1911, realizava-se em São
Paulo o Primeiro Congresso de Ensino Agricola, por iniciativa da
Secretaria da Agricultura, ocupada pelo dr. Padua Sales. No quatrienio
1920-24 aumentou consideravelmente o numero de escolas rurais. O
Estado chegou a possuir, no ultimo desses anos, 352 estabelecimentos
desse tipo quando, em 1921, possuia apenas 51 (SOUZA, 7 out.
1952).
Rosalvo Florentino, no subtítulo seguinte, tratou mais
especificamente do ensino profissional agrícola, em São Paulo:
O ensino profissional agricola inicia-se propriamente em 1935
quando, pelo decreto 7.073, de 6 de abril daquele ano, foi criada a
Escola Profissional Agricola Industrial Mista Regional de Espirito
Santo do Pinhal. No mesmo ano, pelo decreto n. 7.319, de 5 de julho,
foi criada a Escola Profissional Agricola Mista Regional em Jacareí, nos
moldes da escola de Pinhal. E em 1939, pelo decreto 10.210, de 22 de
maio, foi criada a Escola Profissional Mista de São Manoel e
introduzidas modificações nas escolas de Pinhal e Jacareí. A ultima das
escolas criadas a de São Manoel passou por varias modificações. O
curso complementar e a secção feminina foram suprimidos do texto
legal antes mesmo que começassem a funcionar e só foram
restabelecidos em 1950. A escola de Jacareí foi transformada em abrigo
de menores e subordinada à Secretaria da Justiça, removendo-se para
as escolas de Pinhal e São Manoel os alunos que então frequentavam a
referida escola. Posteriormente voltou a sua primitiva situação.
144
A antiga Escola Profissional, anexa ao Educandario “D. Duarte” foi,
em 1941, transformada em aprendizado agricola e industrial e sua
organização obedece a normas especiais, não se enquadrando nos
moldes dos cursos primarios profissionais agricolas ou curso
complementar. Podemos resumir, dizendo que o ensino agricola no
Estado de São Paulo é ministrado, atualmente, através dos seguintes
estabelecimentos: Escola Superior de Agricultura “Luis de Queroz” (da
Universidade de São Paulo); Escolas Profissionais Agricolas e
Industriais (da Secretaria da Educação); Escolas Praticas de Agricultura
(da Secretaria da Agricultura, sobre as quais, tambem, escreveremos
oportunamente); Grupos Escolares e Escolas Tipicas Rurais (SOUZA,
7 out. 1952).
Como se pôde perceber pelos dados expostos por Rosalvo
Florentino, apesar de aumento populacional no Estado de São Paulo, o
qual exigiria uma oferta maior de alimentos, o ensino profissional agrícola
se apresentava defasado em relação às necessidades que a crescente
urbanização do país exigia das atividades primárias da zona rural. Ainda
que de dimensões continentais e considerado vocacionado para a
agricultura, o Brasil mantinha uma produção agrícola bastante primitiva.
Isso sem entrar em questões mais específicas como a monocultura e o
latifúndio que impediam uma política mais adequada às novas situações
que o desenvolvimentismo da década de 1950 impunha ao país.
Assim como vimos na reportagem de Rosalvo Florentino sobre o
ensino técnico industrial, aqui também ele praticamente reproduziu o
texto da Lei Orgânica do Ensino Agrícola, no entretítulo Estrutura dos
cursos:
As escolas profissionais agricolas recebem alunos diplomados por grupo
escolar. O ensino é ministrado em dois cursos: um primario, de três
145
anos, destinado à formação de operarios agrícolas e donas de casa,
outro complementar, de um ano, para especialização e
aperfeiçoamento dos candidatos a mestres de cultura, capatazes e
administradores.
Esses cursos compreendem duas partes: uma propedeutica ou geral e
outra de preparação tecnico-profissional. A parte propedeutica no
curso primario consta das seguintes disciplinas: Português,
Matematica, Geografia Economica e Historia do Brasil, Ciencias
Fisicas e Naturais, Desenho Tecnico, Educação Fisica, Higiene,
Economia Rural (noções de contabilidade, administração e legislação
rural) e Puericultura (para as alunas). No curso complementar:
Ciencias Fisicas e Naturais e Economia Rural. A parte tecnico-
industrial se divide, por sua vez, em duas secções: agricola e industrial.
A secção agricola, para os alunos do curso primario, consta de estudos
teoricos e praticos de: agricultura geral, agricultura especializada,
noções de zootecnia e veterinaria, maquinas agrarias, noções de
quimica agrícola, noções de agrimessura, nivelamento, irrigação e
drenagem. As aulas têm estudos teoricos e praticos de: criação,
lacticinios, horticultura e jardinagem. A secção industrial, para os
alunos do curso primario, consta do seguinte: habilitação para as
atividades rurais em trabalhos de metal, madeira, tijolos, pedra,
cimento, couro; mecanica agricola e tecnologia de industrias rurais. As
alunas desta secção recebem aulas de costura, economia e artes
domesticas. A parte tecnico profissional do curso complementar
compreende a pratica intensiva de trabalhos agricolas e criação
(SOUZA, 7 out. 1952).
Rosalvo Florentino, ao expor as disciplinas ministradas nas escolas
agrícolas do Estado de São Paulo procurava demonstrar não apenas sua
adequação à legislação vigente, mas principalmente oferecer um panorama
de adequação dessas escolas às necessidades que a sociedade de então
impunha. No intertítulo Numero de alunos matriculados, Rosalvo
Florentino ratificou essa intencionalidade, ao afirmar que essas escolas
146
estavam fundamentadas em moldes novos e possuíam instalações
apropriadas, o que as tornavam verdadeiras fazendas-modelo. Ainda que a
de Jacareí possuísse a menor área, para Rosalvo Florentino, por intermédio
dessas escolas, novos rumos seriam abertos ao ensino técnico-agrícola-
industrial. Segundo o Redator do jornal A Gazeta,
[...] Nos moldes em que estão calcadas, são uma verdadeira
conclamação aos moços para a vida do campo, suavizada pela moderna
tecnica de trabalho e pelos habitos de higiene, para a exploração dos
grandes tesouros de nossa privilegiada terra (SOUZA, 7 out. 1952).
O quadro com o número de alunos matriculados no período de
1948 a 1952, que Rosalvo Florentino disponibilizara ao final da
reportagem, porém, não revelava que houvesse, por parte desses jovens,
interesse por se fixarem no campo. Muito pelo contrário, nessas escolas o
número de matrículas não cresceu consideravelmente nesse período,
havendo, inclusive, decréscimo do número de matrículas em uma delas,
como podemos constatar abaixo:
Quadro 3 - Matrículas nas Escolas Profissionais Agrícolas
Anos Jacareí Pinhal S. Manoel Total
1948
202 127 142 471
1949
172 127 151 450
1950
181 99 603 322
1951
149 89 356 594
1952
173 149 275 597
Fonte: Recorte do Jornal A Gazeta, de 7 de outubro de 1952, retirado do acervo do Instituto de
Estudos Educacionais “Sud Mennucci” e do Arquivo Público de São Paulo.
147
Os dados que Rosalvo Florentino nos apresentou, em sua
reportagem sobre o ensino profissional agrícola, portanto, revelam que essa
modalidade de ensino profissional representava um percentual bastante
modesto de matrícula em relação às demais modalidades do ensino médio.
Como afirmara Silva (1969, p. 349),
[...] Estas características de sua situação estatística indicam o reduzido
grau em que as condições técnicas e econômicas da agricultura
brasileira comportam o emprego de mão-de-obra qualificada e de
pessoal técnico de nível médio. Em face dessas condições, o
oferecimento de oportunidades de ensino agrícola tem de decorrer
sobretudo do desvelo do poder público, e da benemerência da pequena
parcela da iniciativa privada, no sentido de proporcionar alguma
educação específica de preparação para as atividades rurais. [...].
De todas as modalidades de ensino profissional no Brasil, o ensino
agrícola pode ser considerado o que menos se adequou à política
desenvolvimentista implantada no país após a Segunda Guerra Mundial.
Utilizando-nos da avaliação de Silva (1969), podemos afirmar com ele que
os efeitos a que a intenção benemérita se propôs a produzir foram ínfimos,
no sentido de se ter conseguido formar uma força de trabalho treinada
adequadamente e, de fato, integrada na estrutura da produção agrícola.
Para Silva (1969), isso se dera porque não havia oportunidades abundantes
de emprego de mão-de-obra assalariada com formação técnica. Além disso,
a demanda dos alunos de camadas humildes dos meios rurais e urbanos
pelas escolas agrícolas de primeiro ciclo no ensino público se dava mais em
razão da alimentação e do alojamento que ofereciam do que pelo preparo
profissional.
148
A política educacional destinada ao ensino agrícola, no Brasil, até
o final da década de 1960, de fato, ainda que de maneira implícita, tinha
por objetivo a preparação de pessoal assalariado, no intuito de suprir com
mão-de-obra relativamente qualificada as necessidades das grandes e
médias empresas agrícolas e agroindustriais, bem como formar pessoal
técnico auxiliar para os serviços oficiais de fomento agropecuário. A
formação de agricultores independentes, segundo afirmara Silva (1969),
ocupou lugar bastante modesto na política educacional das escolas
agrícolas, ainda que esses homens do campo tivessem a agricultura como
algo que ia além de uma ocupação. Para eles, essa atividade era um modo
de existência que exigia todo um processo educativo e não simplesmente a
transmissão de informações e o ensino de técnicas.
2.5 A distribuição das escolas profissionais no Estado de São Paulo
A reportagem realizada por Rosalvo Florentino e publicada no dia
14 de outubro de 1952 seria, em suas palavras, a última da série sobre o
ensino técnico industrial e profissional agrícola, para que daí passasse a
apresentar reportagens, em outra série, sobre o ensino secundário. Deve-se
ressaltar, porém, que, nos dias 22 e 25 de outubro de 1952, Rosalvo
Florentino ainda apresentara duas outras reportagens sobre o ensino
técnico industrial, como veremos mais adiante.
Da mesma forma que as outras reportagens da série sobre o ensino
industrial, nesta edição do jornal A Gazeta, na página 8, sem que houvesse
especificação da seção em que se encontrava, havia uma matéria que trazia
ao topo, à esquerda, em caixa alta, o termo escolas industriais, logo abaixo,
em letras garrafais e negrito, o título Distribuição equitativa de
estabelecimentos de ensino no Estado, seguido, em letras menores, dos
149
subtítulos: Necessidade de planificação para se atender a dispositivo
constitucional; A introdução oficial do ensino tecnico-profissional em São
Paulo; Ensino particular; Custo unitario do “aluno-hora” nos estabelecimentos
oficiais; Numero de alunos matriculados nas escolas do Interior. Tratava-se de
mais uma reportagem realizada por Rosalvo Florentino, como explicitava
a própria matéria, e que, também, ocupava quase todo o espaço da página
do jornal A Gazeta. Do mesmo modo que as reportagens anteriores, há,
no recorte, uma série de fotos agrupadas em forma de clichê, seguida do
seguinte texto:
Nas fotografias acima focalizamos algumas atividades das escolas
industriais no interior do Estado, vendo-se, da esquerda para a direita,
em cima: alunas em aula de educação fisica e crianças matriculadas nos
centros de puericultura mantidos pelas escolas, concorrentes a
concurso de robustez infantil. No centro, alunas preparando
“mamadeiras”. Em baixo, na mesma ordem, demonstração coletiva de
ginastica, moderno dormitorio construido por alunos e taça disputada
nas primeiras olimpiadas esportivas do ensino profissional. como se vê
as atividades profissionais das referidas escolas marcham, paralelamente
com a educação moral e fisica dos educandos, dentro do salutar
preceito da educação integral. (Reportagem de Rosalvo Florentino)
(SOUZA, 14 out. 1952).
150
Figura 6: Clichê da reportagem do dia 14 de outubro de 1952
Fonte: Recorte do Jornal A Gazeta, de 14 de outubro de 1952, retirado do acervo do
Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”.
A descrição do clichê que Rosalvo Florentino apresentara no início
da reportagem evidenciava não apenas o tipo de educação que se pretendia
oferecer, mas também o papel social destinado aos gêneros. Enquanto no
clichê as alunas eram apresentadas preparando “mamadeiras” e em
atividades de educação física e demonstração de ginástica, apenas o fruto
do trabalho de marcenaria dos alunos fora exibido. Essa atenção ao
feminino nessa reportagem, na verdade, era uma maneira de fomentar o
ideário de mulher voltada ao lar e às atividades maternais. O tratamento
dado à criança também é sintomático desse modelo patriarcal de sociedade,
visto que as escolas mantinham centros de puericultura e participavam de
concursos de “robustez infantil”. Essa distinção se encontrava evidenciada
no Capítulo VI Das práticas educativas, da Lei Orgânica do Ensino
Industrial:
151
Art. 26. Os alunos regulares dos diversos cursos mantidos no primeiro
ciclo do ensino industrial serão obrigados às práticas educativas
seguintes: (Redação dada pela Lei nº 28, de 1947)
a) educação física, obrigatória até a idade de vinte e um anos,
ministrada de acôrdo com as condições de idade, sexo e trabalho de
cada aluno; (Redação dada pela Lei nº 28, de 1947)
b) educação musical, obrigatória até a idade de dezoito anos, ensinada
por meio de aulas e exercícios de canto orfeônico. (Redação dada pela
Lei nº 28, de 1947)
Parágrafo único. Às mulheres será também lecionada educação
doméstica, essencialmente sôbre o ensino dos misteres de
administração do lar. (Incluído pela Lei nº 28, de 1947) (BRASIL,
1942b, grifo nosso).
Rosalvo Florentino, entretanto, nesta reportagem, procurava
apresentar um painel do ensino técnico industrial em todo o Estado de São
Paulo, valendo-se, principalmente, do texto da Constituição Estadual,
conforme se observa no primeiro intertítulo:
Reza a Constituição paulista, art. 121: “O Estado distribuirá
equitativamente pelo seu territorio escolas secundarias, profissionais e
agricolas, podendo faze-lo em colaboração com os municipios
diretamente interessados.” Não faz referencia, o dispositivo citado, à
rede escolar primaria e às escolas normais, que, talvez, estejam
enquadradas, estas ultimas, nas escolas “secundarias” ou
“profissionais”. Ora, para que esta distribuição seja feita
equitativamente há necessidade de um plano organizado, o que ainda
não foi feito. A corrida para a criação de ginasios, desordenadamente,
na ultima legislatura, veio demonstrar ainda mais a necessidade desse
plano. Acrescentamos que no setor do ensino tecnico industrial e
profissional agricola muita coisa ainda nos resta a fazer, não obstante o
que já se fez, do que demos uma visão geral nas reportagens que
152
publicamos nas edições de 23 de agosto, 3, 13
18
e 23 de setembro, 7
de outubro e esta de hoje, com a qual pretendemos encerrar a série para
passarmos a outro importante setor, qual seja o do ensino secundario.
Antes, porem, publicaremos mais uma reportagem sobre o Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial, que mantem escolas de acordo
com a Lei Organica do Ensino Industrial (SOUZA, 14 out. 1952, grifo
do autor).
Rosalvo Florentino, nesse parágrafo, nos deu indícios do
posicionamento de parte dos intelectuais da educação, na década de 1950.
Inicialmente, utilizou-se do texto da Constituição paulista para justificar a
necessidade de distribuição do ensino profissional por todo o Estado. Não
poupou, porém, críticas à legislatura anterior por não ter um plano
definido para isso. Aproveitou, ainda, para criticar a criação desordenada
de Ginásios, que já fora objeto de reportagem sua, na qual colocava nos
deputados o interesse meramente eleitoral para a criação desses
estabelecimentos de ensino.
Nessas críticas, percebe-se também um duplo movimento, do
ponto de vista político: primeiro, procurava repousar a fragilidade do
sistema de educação profissional no legislativo, poupando o governador
anterior, Adhemar de Barros, o qual apoiara o atual Lucas Nogueira
18
A reportagem do dia 13 de setembro de 1952 não se encontra na coleção de recortes deixada por
Rosalvo Florentino. Trata-se da reportagem intitulada Esgotada a capacidade de matricula da Escola
“Carlos de Campos”. Esta escola fora criada por decreto de 28 de setembro de 1911, com a
designação de Escola Profissional Feminina, durante o governo do dr. Manoel Joaquim de
Albuquerque Lins. Em 1927, no governo do dr. Júlio Prestes, passou a denominar-se Escola
Profissional Feminina “Carlos de Campos”. A escola foi ainda denominada Escola Normal
Feminina de Artes e Ofícios (1931) e Instituto Profissional Feminino (1933). Em 1945, recebera
a denominação Escola Industrial “Carlos de Campos”, a qual se mantinha à época da reportagem
de Rosalvo Florentino de Souza.
153
Garcez, que tinha a simpatia e o apoio do Centro do Professorado Paulista
(CPP); segundo, ainda que poupasse críticas ao anterior chefe do executivo
paulista, já denotava o alinhamento de Lucas Nogueira Garcez com os
interesses da indústria, bem como o iminente rompimento com seu
padrinho político Adhemar de Barros, uma vez que enquanto este se
preocupara em difundir o ensino secundário (o qual dava acesso ao ensino
superior e às profissões liberais); aquele deteve o avanço desses ginásios e
procurou incentivar a criação de escolas profissionalizantes.
O entretítulo Introdução oficial do ensino tecnico-profissional em São
Paulo apresentava um histórico dessa modalidade de ensino no Estado de
São Paulo. Reproduzi-lo, porém, seria uma redundância, visto que esse
histórico já fora, em parte, apresentado em reportagens anteriores
apresentadas neste capítulo. A novidade nesta reportagem dizia respeito ao
Ensino profissional particular, visto que, até então, as reportagens deram
destaque às escolas oficiais. Nesse intertítulo, Rosalvo Florentino afirmara
que
Grande, tambem, é o numero de escolas e cursos profissionais
particulares que funcionam no Estado, nos quais se encontram
matriculados 46.623 alunos, conforme resumo que damos abaixo.
Todas essas escolas e cursos estão devidamente registradas no
Departamento do Ensino Profissional, mantendo algumas delas
elevado padrão de ensino, tais como a Escola Profissional Feminina
“D. Pedro II”, e a escola da Associação Civica Feminina, desta capital.
Os professores para esses cursos submetem-se a provas de habilitação,
para o competente registro no Departamento, onde encontram-se
atualmente registrados, 1679, sendo 1077 nesta capital e 602 no
interior. No ultimo exame de habilitação realizado inscreveram-se 748
candidatos e foram aprovados 333. Os numeros que abaixo publicamos
dão bem ideia do desenvolvimento do ensino profissional particular
em São Paulo: (SOUZA, 14 out. 1952).
154
Os números apresentados por Rosalvo Florentino eram também
sintomáticos, dado o grande de escolas particulares que se voltavam para o
ensino profissional. Números que excediam em muito o de escolas
profissionais oficiais e que demonstravam uma migração do ensino privado
do ensino secundário para o profissional. Esses dados, os quais
apresentaremos abaixo, contribuíram também para a mudança de foco nos
debates que se travaram, na década de 1950, sobre a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. Ainda que a transformação do embate
centralização x descentralização em público x privado só tenha se
consolidado no final da década de 1950, percebiam-se nessa reportagem
de Rosalvo Florentino os movimentos que viriam a estabelecer uma nova
correlação de forças. Aproveitando-se do discurso dos Pioneiros da
Educação Nova, no que diz respeito a uma educação mais adequada às
realidades, os privatistas procuraram incluir na Lei de Diretrizes e Bases,
de forma mais incisiva, a educação profissional, visto que eles já estavam
adaptados e dominando esse mercado educacional.
155
Quadro 4 - Ensino profissional particular em São Paulo, em 1952
Escolas em funcionamento
Masc.
Fem.
Mistas
Total
Capital
38
506
136
680
Interior
7
388
145
540
Cursos em funcionamento
Masc.
Fem.
Mistas
Total
Capital
91
551
173
815
Interior
27
434
139
600
Alunos matriculados
Masc.
Fem.
Total
Capital
7.983
5.320
13.303
Interior
18.836
14.484
33.320
Totais
26.819
19.804
46.623
Fonte: Recorte do Jornal A Gazeta, de 14 de outubro de 1952, retirado do acervo do Instituto de
Estudos Educacionais “Sud Mennucci”.
Rosalvo Florentino encerrou essa reportagem, apresentando o
valor do custo unitário do aluno-hora, no ensino profissional, no Estado
de São Paulo, no ano de 1951. Para se chegar aos resultados, utilizou-se o
valor dos orçamentos do ano de 1951 e o número de alunos matriculados
nas escolas técnicas e industriais, profissionais e cursos práticos. De acordo
com os estudos do Serviço de Estatística do Departamento do Ensino
Profissional, nas escolas técnicas e industriais, nos cursos práticos e nos
cursos agrícolas, o custo do “aluno-hora” foi, respectivamente, de Cr$
6,008, Cr$ 7,34 e Cr$ 15,08. As despesas de administração foram
acrescidas ao cálculo, elevando a Cr$ 3,42, o que gerou uma média do
custo de “aluno-hora” de Cr$ 10,18. É interessante destacar, nos dados
apresentados, que, quanto menor a demanda pela modalidade de ensino,
maior se tornava o seu custo, como se podia perceber nos cursos agrícolas,
cujo custo se encontrava 50% acima da média geral.
156
2.6 Mão de obra para a indústria paulista e as Escolas SENAI
Para finalizar a série de reportagens sobre o ensino industrial, em
São Paulo, Rosalvo Florentino, realizou duas reportagens que traziam antes
do título, em caixa alta, as expressões Mão de obra para a industria paulista
(I) e Mão de obra para a industria paulista (II), respectivamente, dos dias
22 e 25 de outubro de 1952. Essas duas reportagens, conforme, ele mesmo
frisara na reportagem anterior, diziam respeito às escolas mantidas pelo
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).
Conforme já citamos, a criação do SENAI fora uma tentativa de
conciliação entre o que pretendia o Ministério do Trabalho, apoiado pela
Federação das Indústrias de São Paulo e pela Federação Nacional da
Indústria, e o Ministério da Educação. De acordo com Schwartzman,
Bomeny e Costa (2000, p. 254-255),
[...] Na fórmula encontrada pelo ministro, o SENAI se encarregaria da
“formação profissional dos aprendizes”, e seria tão somente uma peça,
delegada à Federação Nacional das Indústrias, do amplo painel de
ensino profissional estabelecido pela lei orgânica. Todavia, não deixa
de ser sintomático que o projeto do SENAI, que só merece oito linhas
na longa exposição de motivos de 5 de janeiro de 1942 com a qual
Capanema encaminha a Lei Orgânica, termine sendo assinado em
primeiro lugar.
O fato a que Schwartzman, Bomeny e Costa (2000) se referiram
dizia respeito ao Decreto-Lei nº 4.048, de 22 de janeiro de 1942, que criou
o Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários (SENAI), o qual
foi assinado oito dias antes de sancionada a Lei Orgânica do Ensino
Industrial.
157
Na reportagem do dia 22 de outubro de 1952, Rosalvo Florentino
enfatizou a Escola Roberto Simonsen, do SENAI. Da mesma forma que
as outras reportagens da série sobre o ensino industrial, nesta edição do
jornal A Gazeta, na página 14, sem que houvesse especificação da seção em
que se encontrava, havia uma matéria que trazia ao topo, à esquerda, em
caixa alta, o termo Mão de obra para a industria paulista (I), logo abaixo,
em letras garrafais e negrito, o título Necessaria a criação do Instituto de
Orientação e Seleção Profissional, seguido, em letras menores, dos
subtítulos: O trabalho que vem sendo realizado pelo SENAI; Formação de
uma nova geração de trabalhadores; Número de alunos matriculados na 6.a
Região; Escola Roberto Simonsen; Instalação de uma nova unidade na Vila
Mariana; Declarações feitas à nossa reportagem pelo engenheiro Roberto
Mange. Tratava-se de mais uma reportagem realizada por Rosalvo
Florentino, entretanto não havia uma indicação explícita, como nas outras
reportagens, de que a matéria fora feita por ele. Existiam, na verdade,
indícios que não nos deixam dúvidas de que cabem a ele os créditos, visto
que ele citara em reportagem anterior que trataria desse assunto antes de
passar para o tema do ensino secundário. Além disso, da mesma forma que
as outras reportagens sobre o ensino industrial, essa matéria ocupava quase
todo o espaço da página do jornal A Gazeta e apresentava uma série de
fotos agrupadas em forma de clichê, no qual Rosalvo Florentino aparecia
com os entrevistados, seguida do seguinte texto:
A Escola Roberto Simonsen, do Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial, conta com uma das mais moderna instalações e está
aparelhada para ministrar os ensinamentos técnicos indispensaveis à
formação de inumeros e valiosos auxiliares de nossa industria.
Abrigando 1.288 alunos que se distribuem pelos cursos noturnos
Rapido e de Aperfeiçoamento, Curso Vocacional, donde saem para
estagios nas oficinas da Escola de Engenharia e Arquitetura, além de
158
outras, conta com amplo auditorio para 300 pessoas. Mantem
restaurante interno, sala de projeções e está instalada de forma a
satisfazer às necessidades do ensino a que se dedica. Ao alto, um aluno
recebendo certificado, vendo-se o diagrama demonstrativo das “Cartas
de Oficio” e “Cursos Noturnos”, fornecidos até 1951. Em baixo, o
prof. Roberto Mange e o prof. Nush falando à reportagem, e ao lado
as instalações da Escola (SOUZA, 22 out. 1952).
Figura 7: Clichê da reportagem do dia 22 de outubro de 1952
Fonte: Recorte do Jornal A Gazeta, de 22 de outubro de 1952, retirado do acervo do
Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”.
Esta reportagem de Rosalvo Florentino aludia aos dez anos de
criação do SENAI. Da mesma forma que Celso Suckow da Fonseca,
Roberto Mange integrou uma geração de engenheiros e educadores, dentre
os quais se destacavam Francisco Montojos, João Lüderitz e Ítalo Bologna.
Roberto Mange, por sua vez, participara de diversas comissões responsáveis
pela elaboração de uma lei que atendesse especificamente ao ensino
industrial. De acordo com Fonseca (1961, vol. 2, p. 284-287),
159
O ministro Gustavo Capanema incumbira, em 1941, o Engo Roberto
Mange, então diretor do Centro Ferroviário de Ensino e Seleção
Profissional de São Paulo, de ir à Europa e aos Estados Unidos
selecionar um grupo de técnicos especializados, a fim de ensinar nas
várias escolas federais. Em novembro de 1941, eram assinados os
contratos dos suíços em Berna, e, em 1942, chegava a missão suíça
composta de 29 elementos, os quais ficaram inicialmente concentrados
na Escola Técnica Nacional, com o intuito de se familiarizarem com o
idioma nacional, os hábitos e os costumes brasileiros, assim como com
a nossa organização do ensino.
A missão que Capanema entregara a Roberto Mange é apenas um
exemplo de sua influência junto ao poder público. Roberto Mange fora,
no entanto, aproveitado pelo SENAI, como se pode perceber no parágrafo
inicial da reportagem de Rosalvo Florentino:
O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) comemorou
este ano o seu décimo aniversario de proveitosas atividades no setor
educativo, cumprindo integralmente o programa que lhe foi traçado,
o que bem demonstra a capacidade dos seus diretores e responsaveis e
põe em evidencia a importancia da colaboração particular com os
poderes publicos, no sentido de resolver os magnos problemas da
Nação. A Diretoria Regional de São Paulo (6.a Região) está entregue à
competencia dos engenheiros Roberto Mange e Italo Bologna,
respectivamente diretor e sub-diretor, que contam com um corpo de
escolhidos e dedicados auxiliares. Conforme tinhamos programado,
visitamos a Escola “Roberto Simonsen”, do SENAI, instalada no
edificio-sede da rua Monsenhor Andrade, 298, colhendo dados para
esta reportagem. E’ com dificuldade que tentamos resumir tudo
quanto vimos e observamos. E por isso mesmo somos obrigados a
desdobrar esta reportagem. A Escola “Roberto Simonsen” é um
atestado eloquente da grandeza de São Paulo, que se reflete em todas
as suas multiplas atividades e serve, tambem, e principalmente, como
160
indice da valorização do homem que trabalho (sic) (SOUZA, 22 out.
1952).
Rosalvo Florentino destacou, ainda, nesta reportagem, que, de
acordo com as palavras do engenheiro Roberto Mange, o SENAI tinha a
pretensão e estava formando uma nova geração de trabalhadores, os quais
viessem a serem homens capazes de cumprir à risca o seu dever. Ainda que
tal dever não tenha sido explicitado no texto, Rosalvo Florentino destacou
que a execução desse programa do SENAI apoiava-se na ação e no
exemplo, dentro de um meio ambiente que dignificava o homem. O
entretítulo uma nova geração de trabalhadores fora finalizado com a
informação de que Roberto Mange realizara uma “excursão geográfica” por
alguns países, dos quais destacara a Nova Zelândia como o que mais o
impressionou, por ser, nas palavras do engenheiro, um país sem problemas,
de estrutura social e econômica firme e de elevada formação moral. As
palavras de Roberto Mange reforçavam as ideias que a Reforma Capanema
trazia em seu cerne, ou seja, todas as Leis Orgânicas que compunham a
Reforma rezavam que a educação deveria se preocupar com a formação
integral do homem.
Os intertítulos Instituto de Orientação e Seleção Profissional e Escola
“Roberto Simonsen finalizavam essa primeira reportagem. O primeiro
expunha a necessidade de um órgão dessa natureza bem como de um
Instituto de Readaptação Profissional. Ainda que algumas entidades
mantivessem serviços autônomos com esses objetivos, a falta de verbas não
permitiu a criação do Instituto de Orientação e Seleção Profissional. A
Secretaria do Trabalho havia, porém, criado o Serviço de Mão de Obra e
Colocação Profissional, o que abria uma possibilidade de esse órgão vir a
ser o núcleo do Instituto. O texto permite-nos inferir que o tão desejado
instituto deveria, na verdade, ser criado e mantido pelo poder público. Isso
161
se comprova, principalmente, no subtítulo que finaliza a matéria, no qual
Rosalvo Florentino destacou a imponência das instalações e da capacidade
de matrículas da Escola “Roberto Simonsen”, mantida pelo SENAI.
Segundo Rosalvo Florentino,
O edificio sede do SENAI construido em terreno de 7.223 metros
quadrados, dista apenas alguns minutos do centro da cidade.
Nele o Departamento Regional instalou a sua séde central, junto à
então Escola SENAI do Braz (hoje “Roberto Simonsen”), passando
assim a dispor de acomodações por ele mesmo projetadas e, em
consequência, mais consentaneas com a natureza especifica dos seus
serviços. Essa séde dispõe de eficientes instalações, inclusive
restaurante para os empregados e um auditorio com capacidade para
cerca de 300 pessoas, dotado de um sistema de renovação mecanica do
ar, iluminação fluorescente e completas instalações para projeções.
A Escola “Roberto Simonsen” ocupa mais de dois andares do edificio-
séde, sendo hoje um dos maiores estabelecimentos de ensino
profissional do pais. Pode comportar cerca de 2.000 aprendizes.
Estão matriculados 1.288 alunos, assim distribuidos: 967 nos Cursos
de Aprendizes de Oficio; 249 nos Cursos Noturnos (Rapidos e de
Aperfeiçoamento); 72 no Curso Vocacional. Além disso, ha estagios de
pratica nas oficinas da Escola de alunos de engenharia e arquitetura.
Esses alunos são em numero de 360.
As salas de aula são em numero de 14 e funcionam em 3 períodos
(SOUZA, 22 out. 1952).
A descrição da escola mantida pelo SENAI aparenta que, mesmo
não se tratando de uma escola técnica, como as mantidas pelo poder
público, suas instalações pareciam estar em melhores condições do que as
das escolas oficiais, apesar dos investimentos que a União e o próprio
162
governo do Estado de São Paulo vinham realizando nesse ramo de ensino.
A indústria parecia, de fato, vir arcando com o ônus do ensino de seus
aprendizes, entretanto sem abrir mão do controle para o poder público,
ainda que submetida às diretrizes que a Lei Orgânica do Ensino Industrial
propugnava.
A reportagem do dia 25 de outubro de 1952 procurava dar
sequência à do dia 22. Da mesma forma que a anterior, nesta edição do
jornal A Gazeta, na página 3, sem que houvesse especificação da seção em
que se encontrava, a matéria trazia ao topo, à esquerda, em caixa alta, o
termo Mão de obra para a industria paulista (II), logo abaixo, em letras
garrafais e negrito, o título Distribuição das unidades escolares do SENAI na
6.a Região, seguido, em letras menores, dos entretítulos: Escolas SENAI na
Capital e no Interior; Em Mato Grosso, Goiaz e Territorio Federal do
Guaporé; Cursos em funcionamento; Resultados obtidos em 10 anos de
existencia; Valorização total do operario.
Figura 8: Clichê da reportagem do dia 25 de outubro de 1952
Fonte: Recorte do Jornal A Gazeta, de 25 de outubro de 1952, retirado do acervo
do Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”.
163
Tratava-se de mais uma reportagem realizada por Rosalvo
Florentino, conforme indicada de maneira explícita no texto que se
encontrava abaixo da série de fotos agrupadas em forma de clichê, a qual
ocupara grande parte da página do jornal A Gazeta. Abaixo do clichê, lia-
se:
As fotografias que ilustram esta reportagem mostram algumas das
multiplas atividades em que se desdobram os alunos na Escola
“Roberto Simonsen”, vendo-se da esquerda para a direita, em cima:
alunos do Curso Vocacional, em atividades proprias desse curso;
fachada do edificio-séde do SENAI onde funciona a Escola “Roberto
Simonsen”; alunos na Oficina Complementar que constitue o ultimo
estagio de aprendizagem naquela escola, quando os jovens educandos
entram em contacto com os mais modernos e diferentes tipos de
maquinas encontradas no equipamento da Industria paulista. Em
baixo, na mesma ordem: alunos em secção do curso de Joalheria e
Cinzelação; partida de voleibol disputada durante as sessões de
educação fisica e poderosa maquina perfuradora. (Reportagem de
Rosalvo Florentino) (SOUZA, 25 out. 1952).
Rosalvo Florentino iniciou, pois, a reportagem expondo que
O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) é uma
entidade autonoma, organizada e dirigida pela industria. Tem por
finalidade cuidar do preparo e do aperfeiçoamento tecnico dos
industriarios, principalmente dos menores de 14 a 18 anos. Os recursos
financeiros com que conta para a sua manutenção saem exclusivamente
dos industriais, sob a forma de contribuições compulsorias.
O SENAI mantem uma administração nacional de planejamento,
coordenação e controle, compreendendo um Conselho para um
Departamento, com sede no Distrito Federal, e ainda administrações
164
regionais de execução direta. A presidencia do Conselho Nacional cabe
ao presidente da Confederação Nacional da Industria, e a dos
Conselhos Regionais aos presidentes das respectivas Federações das
Industrias.
O plano do SENAI prevê a distribuição de unidades escolares por
todos os Estados da União, distribuidos em 13 regiões. Em 1950 esse
plano abrangia 103 escolas, das quais 79 estavam em funcionamento,
com 19.353 alunos matriculados. Nesse mesmo ano os dados
estatisticos indicam a existencia de 1.757.860 operarios no país, dos
quais 372.842 são qualificados, cabendo ao SENAI matricular 42.452
aprendizes em suas escolas. Daquele numero total de operarios,
672.869 se encontram em São Paulo, distribuidos por diversas
especializações, o que encarece a importancia dos cursos profissionais
aqui instalados.
São Paulo integra a 6.a Região, juntamente com Goiaz, Mato Grosso
e o Territorio do Guaporé. O Departamento Regional da 6.a Região
tem sede nesta Capital e a sua jurisdição se estende por uma enorme
área territorial. E’ a que possue maior numero de escolas e,
consequentemente, o maior numero de alunos matriculados (SOUZA,
25 out. 1952).
As informações prestadas por Rosalvo Florentino reproduziam, em
parte, o texto do Decreto-Lei Nº 4.048, de 22 de Janeiro de 1942, que
criou o Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários (SENAI). Na
verdade, de acordo com o artigo segundo da lei, ao SENAI competia a
organização e a administração das escolas de aprendizagem para
industriários, em todo o país. O artigo terceiro do Decreto-Lei Nº 4.048
estabelecia que o SENAI fosse organizado e dirigido pela Confederação
Nacional da Indústria, conforme afirmara Rosalvo Florentino. A
contribuição compulsória a que Rosalvo Florentino se referira encontrava-
se no
165
Art. 4º Serão os estabelecimentos industriais das modalidades de
indústrias enquadradas na Confederação Nacional da Indústria
obrigados ao pagamento de uma contribuição mensal para montagem
e custeio das escolas de aprendizagem. (Vide DecretoLei 4.936, de
1942)
§ 1º A contribuição referida neste artigo será de dois mil réis, por
operário e por mês.
§ 2º A arrecadação da contribuição de que trata este artigo será feita
pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários, sendo o
produto posto à disposição do Serviço Nacional de Aprendizagem dos
Industriários.
§ 3º O produto da arrecadação feita em cada região do pais, deduzida
a quota necessária às despesas de caráter geral, será na mesma região
aplicado (BRASIL, 1942a).
O dispositivo legal acima estabelecia não somente o valor das
contribuições, mas também quem seria o responsável pela arrecadação e
onde esses recursos deveriam ser aplicados. O que a reportagem de Rosalvo
Florentino desconsiderou, principalmente ao usar o termo
“exclusivamente”, ao se referir a manutenção dessas escolas, foi o fato de
que, de acordo com o Decreto-Lei Nº 4.048, ainda que o artigo sexto
previsse que houvesse um acréscimo de vinte por cento nas contribuições
para os estabelecimentos que possuíssem mais de quinhentos operários, os
artigos quinto e sétimo previam isenções, respectivamente, das
contribuições aos estabelecimentos que, por sua própria conta,
mantivessem aprendizagem, considerada, pelo SENAI, adequada aos seus
fins, sob o ponto de vista da montagem, da constituição do corpo docente
e do regime escolar; e isenções de impostos das três esferas administrativas,
o que caracterizava uma aplicação de recursos do erário nessas instituições.
166
De acordo com a reportagem de Rosalvo Florentino, no ano de
1952, o SENAI matinha em funcionamento, na Capital, a Escola
“Roberto Simonsen”, no Braz; e escolas de Artes Gráficas, no Cambuci, na
Mooca, na Barra Funda, no Ipiranga e na Lapa. No Interior, havia 12
escolas em Campinas, Jundiaí, Piracicaba, São Carlos, Taubaté (Escola
“Félix Guisard”, em regime de internato), Itu, Bauru, Mogi das Cruzes,
Ribeirão Preto, Santo André, São Caetano e Marília (entrara em
funcionamento em agosto de 1952).
Em regime de isenção, de acordo com o artigo quinto da lei que
criara o SENAI, funcionavam seis escolas, assim distribuídas: uma em São
Miguel Paulista (da Companhia Nitro Química Brasileira); duas em
Sorocaba (uma da Companhia Nacional de Estamparia; outra, da
Sociedade Anônima Indústrias Votorantim); uma em Jundiaí (da
Companhia Paulista de Estradas de Ferro); uma em Rio Claro (da
Companhia Paulista de Estradas de Ferro); e uma em Campinas (da
Companhia Mogiana de Estradas de Ferro). Somente ao se referir a essas
escolas é que Rosalvo Florentino veio explicitar o que significava, nesses
casos, “isenção”. Além disso, o Redator de A Gazeta informou que
As três escolas ferroviarias referidas acima, obedecem, em seus cursos
de aprendizagem, a uma organização toda especial, pois esses cursos
diferem dos que o SENAI mantem para a industria. O regime escolar
é de tempo integral. Os cursos estão divididos em três ou quatro séries,
cada uma das quais corresponde a um ano letivo. Assim, há uma só
matricula anual, recebendo os aprendizes diarias progressivas e
proporcionais ao aproveitamento demonstrado. A aprendizagem se faz
em oficina especial, com exceção, sempre que possível, de trabalhos de
utilidade para as estradas de ferro.
As escolas ferroviarias estão subordinadas ao Serviço das Escolas
Ferroviarias e de Isenção do SENAI, orgão especializado incumbido de
167
orientar os estudos e as aplicações à seleção profissional nas referidas
empresas (SOUZA, 25 out. 1952).
No que concerne aos outros Estados e território que faziam parte
da 6ª Região, os números de Escolas SENAI eram mais modestos, em
1952. Em Campo Grande, no Mato Grosso, funcionava uma escola com
internato anexo, desde 1949. De acordo com a reportagem de Rosalvo
Florentino, como a arrecadação do SENAI de Mato Grosso era
insuficiente, o governo do Estado e a Prefeitura de Campo Grande,
contribuiriam, durante dez anos, com uma quota anual de Cr$ 100.000,00
e Cr$ 80.000,00, respectivamente, para ajudar na manutenção da escola.
À época, o internato dispunha de 40 lugares, totalmente preenchidos por
alunos oriundos de Cuiabá, Corumbá, Miranda, Bela Vista, Ponta Porã,
entre outras cidades mato-grossenses.
No que diz respeito às escolas SENAI no estado de Goiás, chamou-
nos a atenção não apenas o socorro dado pelos poderes públicos, mas
também a participação da Igreja Católica, como se pode comprovar no
seguinte excerto:
Em Goiaz, a Escola, tambem com internato anexo, já está funcionando
desde o ano passado. Tem capacidade para 160 alunos, sendo 40
internos. A criação das duas citadas unidades SENAI em Anapolis
tornou-se uma possibilidade, graças sobretudo à boa vontade
positivada pelos poderes publicos (municipais e estaduais) e pelo
arcebispado de Goiaz. A inauguração oficial da Escola deu-se a 9 de
março do corrente ano (SOUZA, 25 out. 1952).
O Território de Guaporé, atual Estado de Rondônia, ainda não
possuía, em 1952, nenhuma Escola SENAI. A reportagem de Rosalvo
168
Florentino apenas informava que futuramente o SENAI teria uma escola
em Porto Velho.
Ainda que as escolas mantidas pelo SENAI fossem destinadas
prioritariamente aos industriários, havia, de acordo com a reportagem de
Rosalvo Florentino e confirmada na legislação então vigente, diversas
modalidades de cursos e de público. No intertítulo Cursos em
funcionamento, Rosalvo Florentino nos informou que
Nas unidades escolares da 6.a Região funcionam 167 cursos para
menores, jovens e adultos, sendo 8 vocacionais, 133 ordinarios e 1 de
especialização.
Os cursos vocacionais se destinam exclusivamente a menores de 12 a
14 anos, filhos ou parentes de industriarios. Têm a duração de um ano,
e, por objetivo, o ensino e o adestramento manual básicos, assim como
a orientação profissional. neles se completam e melhoram os
conhecimentos primários e se procura desenvolver o interesse por
operações manuais. Eles ainda proporcionam a aquisição de técnicas
elementares de trabalho.
Os cursos de aprendizes de oficios têm por finalidade a formação de
Aprendizes que se destinam a exercer um oficio, isto é, uma atividade
qualificada que requeira formação profissional sistemática e
relativamente longa. Visam, pois, através do ensino metódico em
oficinas de aprendizagem, à formação de futuros operarios
qualificados.
Têm normalmente a duração de dois ou três anos.
O preparo cultural e profissional dos menores é compulsório, pois os
estabelecimentos industriais são obrigados a matricular, nos cursos de
aprendizagem, um certo numero de alunos equivalentes às respectivas
porcentagens fixadas por lei. Por este motivo, o aprendiz das Escolas
SENAI trabalha e estuda ao mesmo tempo, percebendo o respectivo
salário durante o período em que frequenta as aulas.
169
Atualmente, 43 oficios são ensinados nas Escolas SENAI, abrangendo
os seguintes industriais: mecanica, marcenaria, artes graficas,
carpintaria, mecanica de radio, macanica de automovel, eletricidade,
fiação e tecelagem, calçado, ceramica, vidro, construção civil,
cinzelação de metais, joalheria e confecção de roupas.
Os chamados Cursos Extraordinarios, dividem-se eles em dois grandes
grupos: o dos Cursos Rapidos (CR), destinados a qualquer pessoa que
deseje aprender trabalhos simples de uma certa especialidade, isto é,
para todos os que queiram iniciar-se numa profissão; e os dos Cursos
de Aperfeiçoamento (CA), destinados somente a operarios que já
trabalham na industria e que desejam melhorar seus conhecimentos
técnicos.
Visam eles principalmente atender às necessidades imediatas da
industria, tendo em geral a duração de cinco a dez meses (SOUZA, 25
out. 1952).
Rosalvo Florentino prosseguiu a reportagem, procurando mostrar
os resultados obtidos pelo SENAI, em seus dez anos de existência,
enfatizando que, na 6ª Região, as matrículas atingiram o número de
74.005 alunos. De acordo com Rosalvo Florentino, levando-se em
consideração o número de certificados de habilitação que o SENAI já havia
entregado, podia-se detectar a elevação, aproximadamente de 11.000, do
contingente de mão de obra tecnicamente preparada, em maior ou menor
grau, para as necessidades industriais da 6ª Região. Nesse subtítulo
Resultados obtidos em 10 anos de existencia, Rosalvo Florentino destacou,
ainda, o caráter assistencialista da instituição, com consultórios médicos e
dentários para os alunos. Esses serviços para-escolares eram destinados à
formação social do aprendiz e incluíam um setor recreativo. Havia, ainda,
as Caixas Sociais com um feitio mutualista e de sentido educativo, cuja
arrecadação se destinava a beneficiar os alunos reconhecidamente pobres.
170
Mantinha-se, portanto, o caráter assistencialista que marcou a educação
profissional, no Brasil, desde os seus primórdios.
Por fim, no entretítulo A valorização total do operario, Rosalvo
Florentino assim se reportou:
O problema da aprendizagem dos industriarios não se limita ao aspecto
pedagógico, mas reclama, para sua solução, a valorização total do
operario, considerado como criatura humana, cidadão e trabalhador.
O que importa não é apenas prepará-lo em sua especialidade
profissional, sinão tambem levantar-lhe o moral, instrui-lo e educá-lo.
Através do SENAI a industria vai assim atendendo, de um modo
satisfatorio, ao programa social-educativo que se propôs, com o
objetivo de trabalhar pela nossa emancipação economica e elevar o
índice de vida do trabalhador (SOUZA, 25 out. 1952).
A série de reportagens sobre o ensino industrial, no ano de 1952,
finalizara-se com essa matéria sobre as Escolas SENAI; outras reportagens,
porém, sobre o assunto, podem ser encontradas na coleção de recortes
deixada por Rosalvo Florentino no Instituto de Estudos Educacionais “Sud
Mennucci”.
Pelo levantamento que fizemos durante a pesquisa, pudemos
constatar que existem, entre os anos de 1954 e 1968, quase cinquenta
recortes de jornais deixados por Rosalvo Florentino que tratam
especificamente do ensino profissionalizante. A opção que fizemos, para
este capítulo, apenas pelos recortes do ano de 1952 se justificou em razão
de ser este o ano em que a Reforma Capanema completara uma década,
além do fato de Rosalvo Florentino ter escrito uma série de reportagens
sobre o ensino profissional.
171
As análises, portanto, não se esgotam aqui. Há uma gama de
reportagens que oferecem ao pesquisador, que vier a se interessar por esse
professor, advogado e jornalista, um corpus ímpar, porém aberto às mais
diversas abordagens: temática, temporal, por seção do jornal, entre outras.
173
O Ensino Secundário nas Páginas do Jornal
A GAZETA
3.1 No final da década de 1940
Os primeiros escritos de ou sobre Rosalvo Florentino de Souza no
jornal A Gazeta datam de 16 de dezembro de 1949. Essa data se refere aos
recortes que se encontram no Instituto de Estudos Educacionais “Sud
Mennucci”, do Centro do Professorado Paulista (CPP). Nesse dia, havia
uma matéria intitulada “Reprovação em massa!”, cujo número de página
não se pôde perceber no recorte; e outra, localizada na página 14 do
periódico, com o título Chocadeira” de ginásios.
Deve-se ressaltar, porém, que, na coleção de recortes deixada por
Rosalvo Florentino e que serve de corpus para esta tese, o primeiro artigo
que vimos datava de 17 de fevereiro de 1950, em uma seção chamada
Debates Pedagógicos, com o título “Pode-se falar em decadência do ensino
secundário?”, o qual trazia uma entrevista com o professor Roberto Lucko.
O título desses três artigos nos remeteu a uma das áreas de maior
interesse que Rosalvo Florentino dedicou nos espaços que ocupara no
jornal A Gazeta. Digo espaços, não aleatoriamente, mas em razão de ele ter
escrito por aproximadamente duas décadas neste periódico, em diversas
seções. A primeira pasta das sete que compõem a coleção de recortes
deixada por ele e que se encontram sob a guarda do Instituto de Estudos
Educacionais “Sud Mennucci” apresenta noventa e um recortes de jornais,
174
do período de 1949 a 1956. Apenas uma minoria não faz parte do jornal
A Gazeta. A segunda e a terceira pastas se referem ao ano de 1957.
Dedicarei neste capítulo uma atenção à primeira pasta, em razão
de ser ela onde se encontram os primeiros escritos desse professor-jornalista
sobre o ensino secundário. Procurarei analisar a contribuição de Rosalvo
Florentino para os debates que se travaram em torno dessa modalidade de
ensino. Para isso, selecionei 12 reportagens, de 1949 a 1954, no intuito de
mostrar que Rosalvo Florentino procurou explorar todos os aspectos
pertinentes ao ensino secundário, conforme se observa no quadro abaixo:
Quadro 5 - Reportagens elencadas de Rosalvo Florentino sobre o ensino secundário
Título
Data
Seção/Série
Assunto
"Chocadeira" de ginásios.
16 dez.
1949.
Expansão desordenada
dos ginásios.
Reprovação em massa!
16 dez.
1949.
Qualidade do ensino
secundário
Reprovação em massa!
19 dez.
1949.
Qualidade do ensino
secundário
Pode-se falar em decadência
do ensino secundário?:
(Responde-nos o professor
Roberto Lucko).
17 fev.
1950.
Debates
Pedagógicos
Qualidade do ensino
secundário
Estudam as mulheres mais
do que os homens?
28
mar.
1950.
Coeducação
Seleção de professores para o
magistério secundário.
22 jan.
1951.
Debates
Pedagógicos
Qualidade do ensino
secundário
A direção do ensino
secundário.
4 abr.
1951.
Debates
Pedagógicos
Administração do ensino
secundário
Um professor secundário
ganha tanto quanto um
motorista da Assembléia.
30 abr.
1951.
Debates
Pedagógicos
Valorização do professor
secundário
175
Direitos e deveres do
Magistério.
22
maio
1951.
Debates
Pedagógicos
Administração do ensino
secundário/ Valorização
do professor secundário
Direção e controle do ensino
secundário.
15
mar.
1952.
Debates
Pedagógicos
Administração do ensino
secundário
Constante crescimento da
rede escolar em S. Paulo.
31 out.
1952.
Ensino
Secundário
Expansão desordenada
dos ginásios.
"Não haverá ensino eficiente
com professor mal
remunerado": Memorial do
Professorado.
13 ago.
1954.
Valorização do professor
secundário
Fonte: Do autor.
Torna-se, pois, necessário, esclarecer o que se chamava ensino
secundário nesse período. Não para falar “o mais do mesmo”, mas para
que, com essa conceituação, possamos compreender o momento histórico
que o jornal A Gazeta registrou sem que corramos o risco de cair em
anacronismo.
O Brasil, no ano de 1949, já se encontrava sob a orientação da
Carta Magna de 1946. Essa Constituição fora considerada a mais
democrática que o país teve antes da Constituição Cidadã de 1988. Na
verdade o foi em parte por vários motivos. O principal foi ter sido
elaborada no pós-guerra quando o retorno da Força Expedicionária
Brasileira (FEB) da Europa forçou o fim do governo Vargas, que se
mantinha no poder desde a Revolução de 1930, e a realização de eleições.
O Brasil se unira aos aliados e, após a Segunda Guerra, era preciso romper
com qualquer marca de totalitarismo e implantar uma democracia no país.
É claro que o jogo de interesses e o poder assimilador das elites de novas
situações não deixaram de se manifestar, ou seja,
176
[...] não as lideranças políticas do país não se alteraram
substancialmente no após-guerra, como muitas das instituições por elas
citadas se manteriam inalteradas pelos anos vindouros, dando ao
Estado brasileiro uma série de características que se contrapunham ao
liberalismo revigorado e recém-implantado pela Constituinte de 1946
(SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 33).
Nesse sentido, enquanto parte da sociedade buscava uma
democracia mais participativa, o que prevaleceu foi a mera democracia
representativa, apoiada pelo poder econômico e pelos “currais eleitorais”.
O populismo getulista de certa forma se manteve.
Deve-se ressaltar, conforme nos lembra Ribeiro (2007, p. 131),
que
No final do período, como resultado do encaminhamento do conflito
mundial, que vai deixando de ser uma luta entre trustes internacionais
e se transformando em guerra dos povos pela liberdade contra os
regimes que a colocavam em perigo, campanhas populares em favor da
anistia e dos preceitos democráticos vão ganhando força internacional.
No Brasil, essa tendência também se manifestou, levando Getúlio
Vargas, ao perceber o potencial dos grupos de pressão, a decretar a anistia
e conceder a legalidade ao Partido Comunista do Brasil (PCB), o qual
chegou ao fim do ano de 1945 com aproximadamente cinquenta mil
filiados. Essas concessões de Vargas nada mais eram do que uma manobra
no sentido de liderar a redemocratização, mas mantendo ao máximo a
estrutura do Estado Novo. A tentativa de Getúlio Vargas de tomar dos
liberais a bandeira da redemocratização não obteve sucesso principalmente
em razão de existir uma antipatia mútua entre o político de São Borja e os
177
Estados Unidos da América. Além disso, Getúlio Vargas tentou se
aproximar da classe operária, o que provocou uma reação dos setores mais
conservadores da nação. Os chefes militares e candidatos presidenciais,
Eduardo Gomes e Eurico Dutra, respectivamente pela União Democrática
Nacional (UDN) e pelo Partido Social Democrático (PSD), este fundado
no mesmo ano de 1945 sob os auspícios de Getúlio Vargas, uniram-se no
momento de barrar a aproximação de Vargas aos setores populares, bem
como as medidas democratizantes adotadas pelo seu governo.
Segundo o Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil (2015),
No dia 25 de outubro, Getúlio nomeou seu irmão Benjamim Vargas
chefe de Polícia do Distrito Federal. Circulavam rumores de que, ao
assumir o cargo, Benjamim prenderia todos os generais que estivessem
conspirando contra o regime. Essa nomeação funcionou como uma
espécie de gota d'água. No dia 29 de outubro, Getúlio Vargas foi
deposto pelo Alto Comando do Exército e, declarando publicamente
que concordava com a deposição, retirou-se para São Borja, sua cidade
natal. No dia seguinte, José Linhares, presidente do Supremo Tribunal
Federal, assumiu a presidência da República, para transmiti-la, em
janeiro de 1946, ao candidato vitorioso nas eleições, Eurico Dutra.
As eleições se deram em dezembro de 1945. O candidato do PSD,
apoiado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), venceu com maioria
esmagadora, entretanto,
Como lembra Leôncio Basbaum, não foi a derrubada da ditadura por
amor à liberdade. Nem um nem outro dos grupos liderados por
Getúlio ou por Dutra estava objetivamente a serviço dela em benefício
de toda a população.
178
Dutra, que teve sua candidatura lançada pelo PSD, representava a
oportunidade dos “novos-ricos da política”, que ocupavam postos-
chaves na administração federal, estadual e municipal e eram aliados
aos tradicionais grupos agrários, continuarem no poder sem Getúlio,
que tomara certas medidas populares.
É sob este prisma que o governo Dutra representa uma reação, um
recuo (RIBEIRO, 2007, p. 132).
Na educação isso não foi diferente. A Reforma Capanema, de
1942, era ainda a norteadora do nosso sistema educacional, e assim
permaneceu até o ano de 1961, quando foi promulgada a primeira Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A esse respeito vale destacar que
[...] a educação pública que até os anos 1930 praticamente não existia,
começou a ganhar forma nos tempos de Capanema, e cresceu desde
então de forma lenta e precária. A Constituição de 1946 previa a
votação de uma “Lei de Diretrizes e Bases da Educação” que deveria
dar um novo sentido e formato à educação do país. O Brasil não
conhecera, no entanto, outra maneira de lidar com a educação além da
que fora criada no governo Vargas, e a presença de Gustavo Capanema
no Congresso, depois de longa permanência no Ministério da
Educação, inibiu as discussões que tomavam como ponto de partida o
projeto elaborado sob sua gestão no período de 1934 a 1945. Em pauta
desde 1948, por iniciativa de Clemente Mariani, ministro da Educação
de Dutra, a lei só seria votada em 1961, em meio a um debate que
reproduzia, até mesmo nos personagens, as disputas de 30 anos antes.
A principal diferença era que, nos anos 30, católicos e leigos
disputavam o controle da educação pública; nos anos 1960, a disputa
aparecia como um confronto entre a educação pública, que se
pretendia universal e gratuita, a proporcionada pelo Estado, e a
educação privada, defendida como um direito das famílias, às quais o
setor público deveria apoiar. [...] (SCHWARTZMAN; BOMENY;
COSTA, 2000, p. 19-20).
179
Prevaleceu, portanto, entre outros, até a promulgação da Lei
4.024/1961 (a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), o Decreto-
lei nº 4.244/1942 que tratava especificamente do ensino secundário, era a
Lei Orgânica do Ensino Secundário (LOES). É importante destacar que a
Constituição de 1946 só trazia uma vez, em seu texto, o termo ensino
secundário e, mesmo assim, para se referir à contratação de professores;
a Constituição outorgada de 1937, sob a qual se encontrava o país durante
a implantação da Reforma Capanema, sequer apresentava o termo.
O que nos chama a atenção é que o ensino secundário era
considerado pelo próprio Gustavo Capanema como aquele que iria
preparar as elites intelectuais condutoras do país. Devemos, portanto,
considerar aqui o termo ensino secundário de acordo com o que a Lei
Orgânica do Ensino Secundário (LOES) se referia, ou seja,
Art. 2º O ensino secundário será ministrado em dois ciclos. O
primeiro compreenderá um só curso: o curso ginasial. O
segundo compreenderá dois cursos paralelos: o curso clássico e o
curso científico.
Art. 3º O curso ginasial, que terá a duração de quatro anos,
destinar-se-á a dar aos adolescentes os elementos fundamentais
do ensino secundário.
Art. 4º O curso clássico e o curso científico, cada qual com a
duração de três anos, terão por objetivo consolidar a educação
ministrada no curso ginasial e bem assim desenvol-la e
aprofun-la. No curso clássico, concorrerá para a formação
intelectual, além de um maior conhecimento de filosofia, um
acentuado estudo das letras antigas; no curso científico, essa
formação será marcada por um estudo maior de ciências
(BRASIL, 1942c).
180
A LOES apresentava, de forma evidente, o caráter propedêutico do
ensino secundário e, mais ainda, a proposição de formação moral daqueles
que deveriam conduzir os destinos da nação, conforme se explicitava em
suas finalidades:
Art. 1º O ensino secundário tem as seguintes finalidades:
1. Formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário,
a personalidade integral dos adolescentes.
2. Acentuar e elevar, na formação espiritual dos adolescentes, a
consciência patriótica e a consciência humanística.
3. Dar preparação intelectual geral que possa servir de base a estudos
mais elevados de formação especial (BRASIL, 1942c).
O que se tornou, de certa forma, um empecilho a essa proposta foi
o fato de que o modelo dual de educação a que se propunha o nosso sistema
educacional começava a enfrentar resistências. Fosse a Reforma Francisco
Campos, de 1931, fosse a Reforma Capanema, de 1942, ambas tinham o
objetivo de oferecer duas frentes de ensino: uma destinada às elites; outra
destinada às camadas populares. O Brasil precisava investir no ensino
primário para se modernizar, nesse aspecto era preciso erradicar o
analfabetismo. Por outro lado, a urbanização exigia uma mão-de-obra
minimamente qualificada. Surgiam, então, as escolas profissionalizantes
para não só atender às demandas dos grandes centros urbanos, como
também para levar o progresso ao interior do país. O que o sistema não
esperava era que a classe média passasse a conceber o ensino secundário
como uma forma de ascensão social, uma vez que era o único capaz de
conduzir ao ensino superior, e começasse a exigir uma oferta maior dessa
modalidade de ensino. A segunda metade da década de 1940 foi marcada
181
pela acentuada construção de ginásios e colégios. O poder público passou
a investir nesse nicho para combater o crescimento de ginásios e colégios
particulares e também por pressão das camadas médias da população.
É nesse contexto que se enquadram os primeiros recortes de jornais
que aparecem no corpus desta tese. O primeiro recorte trazia, além de uma
entrevista com o professor Roberto Lucko, uma observação do próprio
Rosalvo Florentino na qual destacava este espaço de imprensa a seção
Debates Pedagógicos como lugar de expressão das várias vozes sociais da
época, ou seja, “Uma tribuna onde todas as vozes se façam ouvir”. O
professor-jornalista reafirmava o “trabalho construtivo que se impôs de
discutir livremente problemas da educação”.
Nesta entrevista
19
, o professor Roberto Lucko reportou-se a dois
trabalhos que havia lido em A Gazeta sobre “coisas do nosso ensino” ou
“coisas do ensino”. O professor afirmara que a decadência do ensino
secundário não se dava em razão dos professores, mas sim em razão de
técnicos de educação que já iniciavam a carreira em altos cargos, sem que
possuíssem tirocínio escolar algum. Nas palavras do professor Roberto
Lucko,
[...] A decadência do ensino secundário não se deve aos educadores
nem deles são os abusos que se cometem. Os raros casos, mais ou
menos censuráveis, anulam-se no seio dessa plêiade de sacerdotes que
pensam, trabalham e realizam. A decadência do ensino secundário
deve-se antes de tudo, de acordo com estatísticas já elaboradas a
técnicos de educação sem nenhum tirocínio escolar, geralmente
improvisados [...] (SOUZA, 17 fev. 1950).
19
SOUZA, Rosalvo Florentino de. Pode-se falar em decadência do ensino secundário? (Responde-
nos o professor Roberto Lucko). A Gazeta, São Paulo, 17 fev. 1950. Debates Pedagógicos.
182
Ora, pelo que se pôde perceber, nas palavras do professor Roberto
Lucko, havia uma nítida polarização entre professores de ensino
secundário e técnicos de educação. Essa discussão desembocava em outra
que dizia respeito a professores de nível médio dirigindo as escolas
secundárias. Os professores secundários consideravam um acinte serem
eles, de formação em Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, dirigidos
por pessoas aptas apenas a dirigir o ensino primário.
Além disso, dentre os fatos causadores da decadência do ensino
secundário, o professor Roberto Lucko elencara os seguintes: conservação
de professores reprovados em concurso em detrimento dos que foram
aprovados e sobraram na escolha de cadeiras; nomeação de orientadores
educacionais sem tirocínio e sem concurso; nomeação arbitrária e ilegal de
diretores de ginásios, colégios e de normais, sem tirocínio escolar nem
técnica de administração.
A interferência política passara a ser a forma mais comum de
contratação de professores, diretores e técnicos de educação o que causava
de fato um prejuízo à qualidade do ensino. Deve-se considerar, porém, que
o ensino secundário em si já trazia suas formas de estrangulamento do
sistema. Não era interessante ao governo ter milhares de jovens com o
ensino secundário sem que houvesse faculdades suficientes que os
absorvessem, nem mesmo mercado de trabalho. Em razão disso, o aluno
sofria dois graves momentos de mensuração, cujo objetivo era selecionar
apenas uma minoria: os exames de admissão ao ginásio e os exames
vestibulares às universidades.
Os artigos dos dias 16 e 19 de dezembro de 1949 traziam o mesmo
título: Reprovação em massa! Ambos se referiam a esses pontos de
estrangulamento do sistema educacional brasileiro no que concernia ao
ensino secundário.
183
Na matéria do dia 16 de dezembro de 1949, da seção Notícias e
Telegramas, a qual costumava se localizar na última página do jornal A
Gazeta, o próprio Rosalvo destacou a necessidade de se melhorar a
qualidade do ensino secundário no Estado de São Paulo, informando que
75% dos jovens que tentavam ingressar nas universidades eram reprovados
nos exames de habilitação. No que dizia respeito aos exames de admissão
aos ginásios oficiais da Capital, esse número era mais alarmante: 90% das
crianças foram reprovadas no exame de admissão. Para Rosalvo, não se
deveria utilizar a reprovação como arma para se tentar elevar o nível do
ensino secundário. Segundo ele,
[...] a elevação do nível do nosso ensino médio só se fará por um
trabalho lento de seleção de professores, de renovação de métodos e de
técnicas pedagógicas e, nunca, por medidas drásticas que atinjam
diretamente a quem nada tem que ver com o caos em que se debate
nosso ensino: pobres meninos e meninas de 11 anos (SOUZA, 16 dez.
1949).
Nesta mesma matéria, no intertítulo Ensino para uma elite
privilegiada ou ensino para todos?, Rosalvo Florentino afirmara utilizando
a primeira pessoa do plural não ver mal algum em o Departamento de
Educação ter uniformizado as provas, adotando, assim, um critério único
para toda a Capital. Segundo ele, isso proporcionaria a existência de
questões idênticas, as quais seriam resolvidas por todas as crianças que se
candidatassem ao curso ginasial, além de uma igualdade de normas para
julgamento, ou seja, o mesmo número de pontos para cada questão. O
professor-jornalista ressaltou, porém, que esse procedimento deveria ser
adotado somente depois que o Departamento de Educação realizasse um
cuidadoso trabalho de pesquisa baseado em milhares de questões que
184
tivessem seu conhecimento considerado essencial por professores das
diversas matérias para o ingresso no ensino ginasial. Nesse sentido, além
da opinião dos professores, deveriam ser consideradas também as de
especialistas na metodologia da matéria, inspetores e delegados do ensino
primário e professores de educação constituiriam uma comissão cujo
objetivo seria ponderar de maneira cuidadosa as exigências do exame de
admissão, a saber: o preparo médio com que saem os alunos do quarto ano
do grupo escolar; as condições emocionais em que essas provas se
realizavam, além de outros fatores. Rosalvo Florentino prosseguiu o
subtítulo com um apelo de cunho social:
[...] Dizer, em tese, o que deve ser exigido dos garotos que se destinam
ao ginásio é muito fácil. Mas é preciso compreender que essas crianças
saem do seio de famílias ricas e pobres: a maioria delas é subalimentada,
não lhes puderam dar a assistencia doente ou enfraquecida. Seus pais
não lhes puderam dar a assistencia necessária quando da preparação
para os exames, ou por falta de tempo ou por falta de conhecimentos
proprios. Si se tratasse de selecionar uma “elite”, ainda bem. Mas, não
se trata disso: trata-se de extender o ensino secundario a todas as
crianças, quer pertençam a famílias abastadas ou não; moradoras do
Jardim America e da Casa Verde: excepcionalmente dotadas de
inteligência e apenas normais e, ainda mesmo, de inteligência abaixo
do normal, dos mais diversos graus de escolaridade, embora todas
tenham concluído o quarto ano primario. [...] (SOUZA, 16 dez.
1949).
Para Rosalvo Florentino, apenas a partir de um “grupo de amostra”
dessas crianças, oriundas de todos os bairros da Capital paulista e
analisando suas possibilidades diante do que se exigia no programa de
admissão é que se poderia chegar à formulação de questões ao alcance das
185
personalidades e da mentalidade das crianças paulistanas, de modo que se
mantivesse o nível reclamado pelas disposições legais em vigor.
No entretítulo Questões abstratas e tolas, Rosalvo Florentino
questionava se o Departamento de Educação levara os dados acima em
conta e ele mesmo respondeu que parecia que não. De acordo com o
professor-jornalista, o desejo de uniformizar critérios restringiu-se a reunir
professores das mais diversas matérias e solicitar-lhes a formulação das
questões, sem que os mestres fossem orientados sobre esses pontos de
extrema importância, o que teve como consequência um resultado
catastrófico.
Rosalvo Florentino expôs, ainda, como exemplificação, problemas
de aritmética difíceis de serem resolvidos pelas crianças, uma vez que
seriam extremamente abstratos, sem raízes na experiência infantil, o que
contrariava o pensamento de Thorndike ou de qualquer moderno
tratadista da metodologia da aritmética. Finaliza o intertítulo afirmando
não saber por onde andam os técnicos de educação do Departamento de
Educação, os quais, para ele, esqueceram-se totalmente de que os
problemas de aritmética devem sempre se referir a fatos, coisas e objetos
do mundo da criança. Segundo Rosalvo Florentino, os problemas
deveriam ser postos, de acordo com Dewey, em termos de uma situação
real de vida e de experiência da criança.
Rosalvo continuou a matéria com o entretítulo Machado de Assis
para Crianças, onde tecia críticas aos exames de admissão por ter sido
escolhido para o ditado um texto extraído do romance Quincas Borba.
Rosalvo questionou a escolha por um escritor para adultos, quando havia
muitos escritores que possuíam obras que poderiam ser compreendidas e
sentidas pelas crianças. A exigência de uma composição também foi
criticada por ele, uma vez que, se para os jovens era difícil diferenciar
186
narração, descrição e composição, imagine para crianças a dificuldade de
se estabelecer tal distinção.
Para Rosalvo Florentino, esses exames foram Um infeliz presente de
Natal. Finalizou, então, a matéria, afirmando que
De tudo que expusemos acima, conclue-se o seguinte: louvavel a
iniciativa do Departamento de Educação, em seu desejo de disciplinar
os exames de admissão, com o objetivo de se permitir a entrada no
ginasio daqueles que tenham base para acompanhar o curso e, com
êxito, si o desejarem, bater às portas da Universidade ou, pelo menos,
saírem com solidos conhecimentos. Não podemos, entretanto,
concordar com os metodos empregados para tal. Não é construindo
uma barreira intransponível com questões que atentam contra as
normas da pedagogia, que isto poderá ser conseguido. A elevação do
nivel do ensino secundario em nossa cidade poderá ser iniciada através
de uma reorganização do ensino primario da capital de maneira a
disporem as crianças de maior tempo dentro da escola primaria; pela
renovação dos metodos e processos de ensino (que são os mesmos
empregados ha 400 anos atrás); por uma mais energica fiscalização e
orientação do ensino; pela organização de questões adequadas ao
desenvolvimento mental e ao grau de escolaridade da criança e que não
atentem, de maneira tão flagrante, contra os modernos princípios de
educação.
Milhares de crianças não podem, absolutamente, receber do nosso
Departamento de Ensino, este infeliz presente de Natal: reprovação em
massa! Volte o Departamento atrás invalidando as provas realizadas.
Não só os interessados compreenderão esse gesto. Todo o povo de São
Paulo, que se orgulha de seu sistema de educação, estará pronto para
aplaudi-lo, sincera e lealmente (SOUZA, 16 dez. 1949).
Na edição do dia 19 de dezembro de 1949, Rosalvo Florentino
trouxe à baila novamente o problema da reprovação em massa. Desta vez,
187
porém, apresentou um argumento de autoridade, a partir de uma
entrevista realizada com o professor Levy Chequer.
Nesta matéria, Rosalvo Florentino destacou que apenas 10% das
crianças que se submeteram aos exames de admissão aos ginásios oficiais
da Capital conseguiram aprovação. Para discorrer sobre esse fenômeno, A
Gazeta procurou ouvir o professor secundário e diretor de um curso
preparatório aos exames de admissão Levy Chequer.
Para o professor Levy Chequer, de acordo com Souza (19 dez.
1949), a causa para esse elevado número de reprovações seria “a dificuldade
imposta para a solução dos problemas de aritmética dos referidos exames, e que
constituíram a prova eliminatória”. Referencia o professor Levy Chequer a
Comissão escolhida nos Ginásios para a elaboração das questões dos
exames de admissão. Segundo ele, os exames ocorreram dentro da ordem.
Quanto às questões das provas, segundo ele, as de História e de Geografia
não deveriam receber a menor crítica, entretanto sobre a maneira pela qual
os problemas de matemática foram elaborados recaía a responsabilidade
pelas reprovações.
O professor Levy Chequer expôs os números de inscritos, os de
aprovação e de reprovação em alguns Ginásios da Capital paulista, para
justificar a afirmação de que “o nível de raciocínio exigido para a solução dos
problemas de aritmética não é aquele que, normalmente, há de possuir um
recém-diplomado pelo Grupo Escolar”. O professor Levy Chequer fez alusão
a uma afirmação de um órgão de imprensa de que os problemas de
aritmética eram mais propícios a alunos da segunda série ginasial. Segundo
ele, não se poderia atribuir o fenômeno dessa reprovação em massa ao mau
preparo dos candidatos, primeiro em razão de se tratar de um fenômeno
geral; depois por não se poder admitir que não existisse sequer um
professor de aritmética que fosse bom em todo o Estado de São Paulo.
188
Além disso, essa crítica terminaria por se estender injustamente ao ensino
primário paulista.
Ao rebater os argumentos de outro periódico, ainda que sem citar
o nome, percebe-se que havia uma divergência com o pensamento do
jornal A Gazeta. Enquanto este considerava que esse alto índice de
reprovação nos exames de admissão aos ginásios estaria ligado a uma
política de elitização do ensino, cobrando, inclusive, conteúdos que
estavam além da capacidade cognitiva das crianças de 11 anos; aquele
apontava como causas desse resultado a incapacidade dos professores e a
péssima qualidade de ensino oferecido pelas escolas primárias. Ora,
devemos, no entanto, considerar que muitos dos alunos reprovados, além
de frequentarem as escolas primárias estudavam também em cursos
preparatórios como o dirigido pelo professor Levy Chequer, sendo, ainda
assim, reprovados nos exames de admissão aos ginásios.
Essas matérias colocavam em discussão a qualidade do ensino
secundário. Se havia ou não decadência dessa modalidade de ensino é algo
questionável. Será mesmo que esse grande número de reprovações, fosse
aos exames de admissão ao ginásio, fosse aos exames vestibulares às
universidades, representavam, de fato, uma decadência do ensino
secundário ou, pelo contrário, representava o sucesso do modelo
educacional escolhido para o país? Sim! Um modelo educacional
excludente, que tinha por finalidade selecionar apenas uma restrita minoria
que viria a ser a condutora das massas. É certo que os fatores apontados
nas referidas matérias o podem ser desconsiderados. Podiam, sim,
influenciar no alto índice de reprovações. O que fica implícito, porém, é
que, apesar das conquistas que se encontravam na Reforma Francisco
Campos, a função dos professores era vista ainda como um sacerdócio, o
que desconsiderava o caráter profissional da função, comprometendo a
189
qualidade do ensino. Além disso, as matérias não colocavam em destaque
a que clientela específica se referiam.
Percebemos que os argumentos apontados para justificar as
reprovações restringiam-se a questões de ordem pedagógica e
administrativa, uma vez que não se evidenciou, em momento algum, a que
classe social pertenciam essas crianças e jovens reprovados. O tema da
reprovação, porém, não saíra de pauta durante a década seguinte de 1950
muito pelo contrário, no ano de 1956, em Belo Horizonte, durante
solenidade de formatura de professoras primárias, o então presidente da
República, Juscelino Kubitschek, proferiu um discurso intitulado
“Reforma do ensino primário com base no sistema de promoção
automática
20
.
Nesse discurso, Juscelino Kubitschek defendia a ideia de que a
educação teria um importante papel na modernização e no avanço da
sociedade, mas esse papel de relevância da educação só poderia ser
alcançado mediante a promoção automática, experiência já exitosa em
outros países. Nesse sentido, segundo Freitas e Biccas (2009, p. 191),
Seu argumento defendia uma escola menos seletiva, como um direito
de todos e na qual as diferenças individuais pudessem ser
contempladas. Considerava que a partir da implantação da promoção
automática, as crianças poderiam deixar de ser estigmatizadas com o
rótulo de repetentes e, num futuro próximo, poderiam desenvolver
atividades profissionais compatíveis com suas aptidões.
20
A íntegra do discurso encontra-se na REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS
PEDAGÓGICOS volume XXVII Janeiro-Março, 1957 nº 65 páginas 141-145. Disponível
em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me001665.pdf.
190
O sistema educativo brasileiro, a essa época, encontrava-se
atravancado pela repetência e pela evasão escolar. Os debates sobre
reprovação que o jornal A Gazeta trouxera, ao final da década de 1940,
viriam fazer parte das discussões sobre o sistema educacional brasileiro na
década seguinte, mas esse não era um problema local, Freitas e Biccas
(2009, p. 191-192) afirmam que
No cenário internacional, o tema da promoção e da reprovação na
escola primária ganham destaque desde 1956, na Conferência Regional
Latino Americana, realizada em Lima, no Peru, promovida pela
UNESCO em parceria com a Organização dos Estados Americanos
(OEA), sobre a temática Educação Primária Gratuita e Obrigatória.
É certo que essas discussões giravam em torno do ensino primário
e que ainda vigiam as Leis Orgânicas que, reunidas, formavam a chamada
Reforma Capanema. O projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional encontrava-se, nesse momento, travado nas Comissões da
Câmara dos Deputados. Retornemos, pois, às matérias de Rosalvo
Florentino, ao final da década de 1940.
Além das três matérias já citadas, havia duas outras que nos
chamaram a atenção e que se encontram na coleção de recortes deixada por
Rosalvo Florentino, publicadas, respectivamente, nos dias 16 de dezembro
de 1949 e 28 de março de 1950: “Chocadeira” de ginásios e Estudam as
mulheres mais do que os homens? Ambas já remetem de pronto a dois temas
caros aos estudos sobre a História da Educação no Brasil: o acesso à
educação e a coeducação.
A primeira matéria trazia uma crítica contundente ao caráter
eleitoreiro que a expansão do ensino vinha tomando nas cidades do interior
paulista. Nessa matéria, Rosalvo Florentino destacou que a separação, em
191
suas palavras muito natural, de alguns municípios paulistas, no que se
referia a possuírem o seu próprio Ginásio do Estado vinha servindo de
instrumento político para alguns demagogos, os quais tentavam, à custa da
educação da juventude paulista, forjar seu prestígio político.
Para Rosalvo Florentino, essa questão deveria se situar apenas no
âmbito da política educacional. Na sua opinião, o Departamento de
Educação, órgão controlador e orientador do ensino em São Paulo, é quem
melhor poderia dizer se havia ou não conveniência de instalação de
estabelecimentos de ensino secundário em um ou outro município.
Segundo o professor-jornalista de A Gazeta,
Negar ao Departamento de Educação voz autorizada na localização de
ginásios é negar a sua autoridade e melhor fôra
21
extingui-lo. A ele
deveria caber, de posse da grande soma de informações de que dispõe,
o principal papel no que tange à criação de ginásios (SOUZA; 16 dez.
1949, p. 14).
Rosalvo Florentino ressaltou que, porém, não era isso o que
ocorria. Nas sessões da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo,
havia, quase sempre, algum deputado propondo a criação de um ginásio
em algum município paulista com o interesse meramente eleitoral. Para
Rosalvo Florentino, existiam municípios que sequer comportariam um
grupo escolar. Houve tentativa, por parte da Comissão de Educação do
Palácio 9 de Julho, de por fim nas palavras de Rosalvo Florentino nessa
orgia. O que aconteceu, porém, é que, segundo Rosalvo Florentino,
21
Procuramos manter a grafia original do texto, por se tratar de uma citação direta.
192
[...] já há prenúncios de que o dique de bom senso, levantado por
referida comissão, tende a ceder ao ímpeto das correntes demagógicas
que avassalam tudo quanto de bom poderia ser levado a efeito pela
nossa Assembleia Legislativa (SOUZA; 16 dez. 1949, p. 14).
Rosalvo Florentino justificara seu argumento ao citar como prova
a recente criação de 37 ginásios.
No intertulo O magistério um deserto, o professor-jornalista
afirmou que não se poderia esquecer que a verba do orçamento estadual
dedicada à educação era relativamente exígua, o que exigia racionalidade
em sua distribuição, a fim de que fosse bem aproveitada. Para Rosalvo
Florentino o Estado não estava em condições de esbanjamentos
econômicos e condenáveis do ponto de vista pedagógico. Para ele seria
esbanjamento a manutenção de um colégio para 100 ou 200 alunos
quando se poderiam matricular, em outro município, 500 ou 600 jovens.
Nesse sentido, Rosalvo Florentino se utilizou de outro argumento
para chamar a atenção dos legisladores. Segundo ele, acentuava-se
cotidianamente o desinteresse de jovens professores e professoras pelo
exercício do magistério secundário, em razão principalmente do fato de
que existia a necessidade de uma grande preparação cultural para quem
pretendesse se tornar professor secundário. Tal preparação se dava a partir
de vários anos de penosos estudos na Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras ou em cursos equivalentes. A formação universitária do professor
equiparava-se à do médico, do advogado e do engenheiro. O domínio de
dois a três idiomas era fundamental para que os professores conhecessem a
matéria em que pretendiam se especializar, uma vez que era em inglês e
francês, na maioria dos casos, que se encontravam as melhores obras sobre
o assunto.
193
Para Rosalvo Florentino, ao fim do curso, o professor secundário
tornava-se detentor de uma grande soma de conhecimentos, o que lhe
permitia ter uma visão geral das coisas, o que o fazia um produto cobiçado
pelas grandes organizações comerciais, industriais ou autarquias federais. E
continuava Rosalvo Florentino,
[...] quem duvide procure observar o número de rapazes e moças que,
passando pela Faculdade de Filosofia, foram atraídos por essas
organizações ou mesmo por outras posições no funcionalismo do
Estado. Qual a razão da tendência de muitos desses jovens em não
resistir a essa atração? A resposta é uma só: os insignificantes
vencimentos de 2.000 cruzeiros, que é quanto lhe paga o Estado, pois
melhor remuneração lhe oferecem aquelas organizações. [...] (SOUZA;
16 dez. 1949, p. 14).
Para o professor-jornalista, em razão do exposto, não bastaria criar
ginásios. Seria preciso considerar se existiam recursos humanos, com as
elevadas qualificações exigidas para o exercício do cargo de professor
secundário, suficientes para atender à demanda desses ginásios.
Nos subtítulos Quanto custa um Ginásio e Preço de cada aluno,
Rosalvo Florentino tentou mostrar, por meio de dados estatísticos
econômicos, a inviabilidade da criação desordenada de ginásios. De acordo
com os estudos realizados pelo Instituto de Administração, os custos
médios anuais dos variados tipos de estabelecimentos secundário e normal
ficavam em torno de um milhão e duzentos mil cruzeiros. Na opinião de
Rosalvo Florentino, com o acréscimo de dois a cinco milhões de cruzeiros
de prédio e instalações, não era difícil concluir que a localização de ginásios
deveria merecer cuidados e estudos especiais, para que se evitasse atender,
de forma antidemocrática, a uma minoria em detrimento de populações
194
maiores, as quais muitas vezes se encontravam sediadas em regiões em que
as dificuldades de condução ou outros fatores impediam os pais de
enviarem seus filhos para estudar em estabelecimentos de ensino
secundário mais próximos.
Bem elevado era também o custo médio anual de cada aluno nos
estabelecimentos de ensino secundário e normal do Estado. Para Rosalvo
Florentino, isso se devia, em parte, à falta de planejamento com que os
ginásios foram criados. Ainda que muitas cidades onde foram criados
ginásios realmente deles necessitassem, houve casos de criação de ginásios
em cidades de população escolar reduzida em detrimento de muitas outras
de população maior. Rosalvo Florentino advertira ainda para o fato de que
algumas cidades, mesmo possuindo uma boa população escolar, poderiam
aguardar a sua vez na criação de ginásios, já que, em razão da facilidade de
transporte, poderiam dispor de estabelecimentos de ensino secundário em
cidades próximas.
Ainda no que concernia ao custo médio de cada aluno, Rosalvo
Florentino expôs a relação de alguns estabelecimentos da Capital e do
Interior, bem como a data de criação de cada um deles, sempre levando
em consideração o tipo de escola (Ginásio, Colégio Estadual, Colégio
Estadual e Escola Normal; Ginásio Estadual e Escola Normal), a
localização e os índices mínimo e máximo referentes a esses
estabelecimentos. O professor-jornalista concluiu que entre os índices
máximo e mínimo de cada aluno havia uma distância e variação enormes.
Para ele, seria necessário um cuidadoso estudo da questão para que se
fizesse uma retificação no quadro dos estabelecimentos de ensino
secundário do Estado, de forma que fossem reajustados os
estabelecimentos já existentes e disciplinada a criação de outras unidades.
Os dados apontavam que o custo médio anual de um aluno em
estabelecimento de ensino secundário e normal do Estado de São Paulo
195
variava de Cr$ 1.016,00, no Ginásio de Pinheiros, a Cr$ 9.636,00, no
Ginásio de Tambaú. Para Rosalvo Florentino, em ambos os casos algo
precisaria ser feito para que se reduzisse o custo médio de cada aluno. Para
ele, somente dessa maneira é que se poderia atingir o ideal democrático de
oferta de escola gratuita para a maioria dos jovens paulistas, na
impossibilidade de atender a toda a juventude do Estado.
O entretítulo Verbas para a educação do povo finalizava a matéria.
Nele Rosalvo Florentino ressaltou a necessidade de uma destinação cada
vez maior de verbas para a educação em São Paulo. Para ele, não seria
disseminando ginásios, fazendo do Palácio 9 de Julho uma incubadora
deles que os deputados poderiam contribuir com a educação paulista. Bons
serviços poderiam ser prestados pelos parlamentares à educação se levassem
em consideração que era importante disciplinar a localização dos
estabelecimentos de ensino secundário, de acordo com as modernas
técnicas de administração escolar; remunerar melhor o professor
secundário para que se retivessem os melhores elementos e se atraíssem
novos valores; votar sempre maiores verbas para o ensino, no intuito de
assegurar a obra educacional, considerada a alavanca do progresso de São
Paulo desde os primórdios da colonização do planalto até então.
A reportagem trazia ainda uma foto conforme se vê na figura 9
com jovens de ambos os sexos em grupos distintos. Embaixo a seguinte
legenda: “Esta é a juventude: fé e esperança da nação. Para ela há necessidade
de um robusto ensino secundário e não da demagogia barata com que se
pretende envolver coisa tão séria, qual seja a educação do povo de São Paulo”
(SOUZA; 16 dez. 1949, p. 14).
196
Figura 9 - Foto de jovens estudantes secundaristas
Fonte: Recorte do Jornal A Gazeta, de 16 dez. 1949, p. 14, retirado do acervo do
Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”.
O título da reportagem e a crítica feita por Rosalvo Florentino aos
deputados paulistas nos pareceu, de início, uma defesa da elitização do
ensino, uma vez que criticara a proliferação de Ginásios no interior
paulista. Ao aprofundar a leitura da reportagem, porém, percebemos de
maneira explícita a defesa de uma educação destinada à maioria da
juventude paulista, o que exigiria uma gestão melhor dos recursos
destinados à educação. Outro aspecto relevante nessa reportagem dizia
respeito à formação de professores secundários. A formação adquirida
pelos professores nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras
proporcionava-lhes uma cultura geral exigida pelo ensino secundário. A
criação indiscriminada de Ginásios punha em xeque a qualidade do ensino
a ser oferecido, uma vez que não haveria mão-de-obra qualificada
suficiente para atender à demanda dessas instituições.
197
As discussões, portanto, que se travaram ao final da década de
1940, quando Clemente Mariani, em 1948, mandou para a Câmara dos
Deputados o anteprojeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, se deram em torno do tema centralização x descentralização.
Os Estados reivindicavam certa autonomia. Os municípios
também. Em Chocadeirade ginásios, Rosalvo Florentino deixou clara sua
postura, de certa forma centralizadora, quando defendeu que caberia
exclusivamente à Diretoria de Educação a decisão de onde deveriam ser
construídos ginásios. Seu argumento zelava pela preservação da autonomia
do órgão, desconsiderou, porém, apesar de criticar o aspecto demagógico
de deputados e políticos do interior paulista, que decisões dessa ordem
sofrem dentro dos órgãos públicos ingerências políticas, nem sempre de
natureza ilibada.
É evidente, porém, que o redator de A Gazeta trazia, em sua
reportagem, uma defesa à valorização do professor secundário e,
consequentemente, da qualidade do ensino. Os fatos por ele apresentados
falavam por si sós. Uma política de valorização dos professores passaria
necessariamente por sua formação. E a política de formação do professor
secundário que se mantinha era ainda a que foi estabelecida pelas Reformas
Francisco Campos (1931) e Capanema (1942). A primeira exigia que os
estabelecimentos de ensino oferecessem uma remuneração adequada aos
professores. Como se pôde perceber na matéria de Rosalvo Florentino, em
São Paulo isso não se deu, uma vez que muitos formados pelas Faculdades
de Filosofia, Ciências e Letras foram cooptados por outras ofertas do
mercado. O que ocorrera em São Paulo pode ser estendido aos demais
estados da federação. O que se pode dizer, ao certo, é que enquanto se
discutiam aspectos relacionados à centralização e descentralização, as
questões relativas à valorização do professor já antecipavam o debate entre
ensino público e privado, uma vez que
198
Nas relações desiguais entre capital e trabalho, a complexidade da
questão da remuneração, central na definição da condição econômica
do professor, atravessou os anos de 1930 e 1940, e perdurou nos anos
de 1950. Na correlação de forças que configurava o Estado, aconteceu
que, ainda que os docentes tenham obtido êxito em impor aos patrões
a regulamentação dos contratos de trabalho e o registro na carteira
profissional o que, em tese, os colocaria sob a proteção da legislação
trabalhista e dos direitos sociais eles não conseguiram fazer prevalecer
suas perspectivas na definição da remuneração. As relações entre setores
do governo e donos de estabelecimentos de ensino favoreceram o
estabelecimento da remuneração de forma a não comprometer os
lucros dos donos de estabelecimentos de ensino (DIAS; ALVES, 2014,
p. 40).
O que se deu no tocante à remuneração dos professores
secundários em relação aos estabelecimentos de ensino particulares se
estendeu aos oficiais. O ano de 1951 fora marcado por movimento grevista
dos professores da rede privada de São Paulo. Formação e remuneração
passaram a ser bandeiras de luta dos sindicatos de professores, entre os
quais se destacavam o Centro do Professorado Paulista (CPP) e a
Associação dos Professores do Ensino Secundário e Normal Oficial do
Estado de São Paulo (APESNOESP), de cujas diretorias Rosalvo
Florentino fizera parte.
Não podemos, porém, deixar de destacar que, à época da
publicação dessas matérias de Rosalvo Florentino, governava o Estado de
São Paulo Adhemar Pereira de Barros, que fora eleito em 19 de janeiro de
1947, por uma coligação entre o Partido Social Progressista (PSP) e o
Partido Comunista do Brasil (PCB), a qual causou protestos entre
membros da Igreja Católica Paulista. Essa contextualização nos remete aos
debates travados durante a década de 1930 entre membros da Igreja
Católica e os Pioneiros da Educação Nova.
199
Apesar de ter havido concessões aos católicos na Constituição de
1946, não se pode negar que havia uma aproximação entre as reportagens
de Rosalvo Florentino e as ideias defendidas no Manifesto dos Pioneiros, de
1932. Buscava-se a educação como um direito e os movimentos dos
professores tiveram apoio do Partido Comunista do Brasil (PCB) não
somente dentro deste breve período de legalidade, mas também quando se
encontrava na clandestinidade.
Com o lema “São Paulo não pode parar”, Adhemar de Barros
deixara marcas indeléveis de sua administração em todos os setores. Na
área de infraestrutura, construiu rodovias, estradas de ferro e deu início à
construção do aeroporto de Viracopos, entre outras; na educação, além dos
Ginásios, levou a Universidade de São Paulo (USP) para o interior do
Estado, por intermédio da criação da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto e da Escola de Engenharia de São Carlos. Pode-se dizer que Adhemar
de Barros não só trazia um ânimo modernizante, mas também progressista,
no sentido político do termo, uma vez que, em 1947, nomeou para a
prefeitura de São Paulo, Paulo Lauro, o primeiro negro a ocupar o cargo
de prefeito da capital paulista.
Adhemar de Barros não apenas faria, ainda, de um engenheiro e
professor o seu sucessor, mas também contribuiria fortemente para o
retorno de Getúlio Vargas à Presidência da República pelos “braços do
povo”, em 1951.
Os “anos dourados” estavam prestes a chegar e a mulher vinha cada
vez mais tentando ocupar na sociedade um espaço que antes era destinado
somente aos homens. Rosalvo Florentino não passou ao largo dessa
discussão e já em 1950 questionou: Estudam as mulheres mais do que os
homens?, em uma matéria de página inteira.
200
A matéria de página inteira que tinha como título “Estudam as
mulheres mais do que os homens?” trazia, logo abaixo, os seguintes
intertítulos: Os estabelecimentos de ensino exclusivamente feminino ampliam-
se cada vez mais e fornecem gerações de moças cultas e aptas para a vida
científica, literária e para o magistério; Interessantes dados estatísticos. Logo
abaixo dos entretítulos, havia a seguinte informação: (Rosalvo Florentino,
Copyright da “New Press”. Direitos de publicação exclusivos em todo o Estado).
A matéria trazia, ainda, como se pode observar abaixo, duas fotografias:
uma de um grupo de moças; outra do hall de entrada da Faculdade de
Filosofia.
Figura 10 - Grupo de moças e hall de entrada da Faculdade de Filosofia
Fonte: Recorte do Jornal A Gazeta, de 28 mar. 1950, retirado do acervo do
Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”.
201
Rosalvo Florentino iniciou o texto da matéria afirmando que, em
razão do progresso da ciência em todos os ramos, o mundo moderno tinha
oferecido novas perspectivas para o homem. Em seguida, o redator se
reportou à mulher, afirmando que ela sabia muito bem que a causa de seu
cativeiro era o fato de ter sido privada, na antiguidade, dos conhecimentos
humanistas. Em razão disso, a mulher procurava não se deixar abater e
vinha concorrendo com o homem nos seus afazeres na sociedade bem
como nos estudos, já que neste não havia preponderância de sexo forte.
Para o professor-jornalista a prova disso seria os exames vestibulares de
1949, nos quais houve uma porcentagem de aprovação das mulheres maior
que dos homens.
No subtítulo Vocação para o magistério, Rosalvo Florentino fez uma
afirmão questionável: a de que todas as classes sociais tinham acesso à
escola primária. Essa afirmação sustentava a ideia do professor-jornalista
de que seria na escola primária que “a mulher inicia o seu primeiro passo na
senda do saber”. Em seguida, Rosalvo Florentino informou que a mulher
continuava, na escola secundária, os preparatórios para ingresso nas escolas
superiores. Havia doutoras em medicina, direito, engenharia, mas, para
ele, o magistério seria a verdadeira vocação feminina. Segundo ele, 90%
das professoras da escola primária eram do sexo feminino; quanto ao
ensino secundário, havia um aumento do percentual de professoras. A
criação das Faculdades de Filosofia, algumas das quais destinadas apenas a
mulheres, facilitou esse acesso por parte das mulheres. O autor citou,
ainda, que a primeira Faculdade de Filosofia do Brasil foi a Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras do Instituto Sedes Sapientiae, fundada pelas
Cônegas Regulares de Santo Agostinho, em 1932, na cidade de São Paulo.
A matéria continuava com o entretítulo Ambiente para o corpo e
para o espírito, no qual o Redator informava que o edifício da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras do Instituto Sedes Sapientiae havia sido
202
tecnicamente construído para esta finalidade. O edifício se encontrava
dentro de uma área ajardinada de três hectares e meio, apresentando uma
área construída de oito mil metros quadrados. Em seguida, Rosalvo
Florentino descreveu o edifício como espaçoso e simples, apresentando as
condições primordiais para um estabelecimento de ensino, ou seja, uma
distribuição abundante do ar e da luz. Vale destacar que, nos primeiros
anos da instituição, 647 alunas haviam se matriculado nas suas diversas
seções. Neste ano de 1950, já havia mais de 300 matriculadas. O instituto
possuía a capacidade de cerca de 800 alunos e já tinha licenciado mais de
500 alunas.
No intertulo Contacto com a arte e o mundo, Rosalvo Florentino
informou que ao lado do regime universitário outras atividades sociais,
artísticas, culturais e esportivas eram desenvolvidas. Um contrato com a
Sociedade Bach de São Paulo permitia a realização mensal de concertos
para adultos e jovens, no intuito de contribuir para a formação artística da
juventude. Viagens de intercâmbio cultural e excursões eram feitas
anualmente a países estrangeiros pelas alunas da Faculdade. No ano de
1950, uma delegação de estudantes se dirigiu a Roma, a fim de
participarem da peregrinação do Ano Santo. Rosalvo Florentino destacou
que, em companhia da madre diretora, percorreu diversas dependências do
estabelecimento de ensino tais quais laboratórios especializados de física,
psicologia; amplo auditório; biblioteca especializada e uma ambulante,
com 12.000 volumes. Visitou, ainda, salas de aula, jardins de inverno e
quadras de tênis.
No subtítulo O exemplo que frutificou, Rosalvo Florentino afirmou
que, apesar de ter sido a “Sedes Sapientiae a primeira Faculdade de
Filosofia reconhecida pelo governo brasileiro, havia outras faculdades
similares em funcionamento no país, ou seja, destinadas especialmente a
moças. Todas elas eram mantidas por ordens religiosas. A do Rio de
203
Janeiro pelas Irmãs Ursulinas; a de Recife pelas Irmãs Doroteas (sic); a de
Belo Horizonte foi incorporada à Universidade Católica; ainda em Minas
Gerais, a de Uberaba se encontrava em última fase de instalação. As duas
faculdades mineiras eram mantidas pelas Irmãs Dominicanas. Para o
Redator, seria nesta e noutras faculdades superiores que as mulheres do
Brasil vinham se preparando para a grandeza da pátria. A cada título
conquistado pelas mulheres se constituía em uma poderosa arma contra a
“tirania” masculina.
No entretítulo Dados estatísticos, Rosalvo Florentino, citando
apenas um Estado da Federação, procurava mostrar com números as
conquistas da mulher no terreno educacional. No ano de 1949, havia
15.380 alunas matriculadas no 1º ciclo e 1.364 no 2º ciclo dos colégios
oficiais do Estado de São Paulo; no curso pré-Normal, havia 4.041 alunas
matriculadas; no curso Normal, incluindo as escolas normais livres e as
municipais, havia 7.069 alunas matriculadas, segundo dados do
Departamento de Educação. 4.038 alunas estavam matriculadas nos cursos
industriais oficiais do Estado; nos cursos profissionais particulares,
registrados na Superintendência do Ensino profissional, havia 26.893
alunas matriculadas. Esses dados acrescidos aos números de alunas
matriculadas nos ginásios particulares comprovavam o grande número de
moças estudantes. O professor-jornalista ainda afirmou que, nos
estabelecimentos de ensino superior, tinha aumentado sempre o número
de alunas matriculadas. Segundo dados da Reitoria da Universidade de São
Paulo, de 1908 a 1948, 635 mulheres passaram pelos seus diferentes
institutos. Desse número, 436 passaram pela Faculdade de Filosofia, na
qual, no ano de 1938, matricularam-se 149 alunos do sexo masculino e 93
do sexo feminino. Dez anos depois os dados se inverteram: matricularam-
se 343 moças e 237 rapazes. Em 1949, na Universidade Católica, havia 90
alunas matriculadas em Filosofia e 26 em Direito.
204
A matéria foi finalizada com um quadro ilustrativo, por sexo, do
número de inscritos e de aprovados nas diversas Faculdades da
Universidade de São Paulo, conforme mostrado abaixo:
Quadro 6 - Quadro demonstrativo dos resultados dos exames de habilitação de 1949
EXAMES DE HABILITAÇÃO DE 1949
Faculdades
Masculino
Feminino
Inscr.
Aprov.
Inscr.
Aprov.
Faculdade de Direito
334
112
43
27
Escola Politécnica
640
164
4
1
Faculdade de Medicina
376
84
85
24
Faculdade de Filosofia
177
53
172
104
Farmácia e Odontologia
194
62
54
20
Ciências Econômicas
23
13
3
2
Arquitetura e Urbanismo
85
27
3
1
Fonte: Recorte do Jornal A Gazeta, de 28 mar. 1950, retirado do acervo do Instituto de
Estudos Educacionais “Sud Mennucci.
Essa matéria sobre a educação feminina que Rosalvo Florentino
publicou trazia em seu bojo alguns pontos que precisam ser elucidados. O
autor citava a participação feminina no ensino superior, tomando como
exemplo uma Faculdade mantida pela Igreja Católica. Tratou de aspectos
relacionados à arquitetura dessa instituição, apresentou dados sobre a
matrícula de mulheres em todo o período escolar, bem como seu
rendimento em exames vestibulares.
Apesar do espaço oferecido à mulher nessa reportagem, alguns
aspectos precisam ser colocados. O primeiro diz respeito à questão de
gênero em si; o segundo, ao caráter de classe da matéria.
No que diz respeito ao ensino secundário, vale ressaltar que
205
A Reforma Capanema também se apropriou da doutrina católica,
fundamentada na Encíclica Divini Illius Magistri publicada por Pio
XI em 31 de dezembro de 1929 , que condenava a coeducação,
particularmente durante a adolescência, pois recomendava a educação
das adolescentes mulheres em colégios de “exclusiva frequência
feminina” e, nos estabelecimentos de ensino misto, a criação de “classes
exclusivamente femininas” (Brasil, 2009, p.6). A segregação de gênero
colocava-se também na definão das “disciplinas-saber”; o item 3 do
artigo 25 da Lei Orgânica do Ensino determinava: “incluir-se-á, na
terceira e quarta série do curso ginasial e em todas as séries dos cursos
clássico e científico, a disciplina de economia doméstica” (Brasil, 2009,
p.6), que tinha o intuito de formar a mulher para atuar na vida privada
como esposa, nora e mãe. De outra parte, naquela época somente os
alunos homens do ensino secundário eram obrigados a fazer “instrução
militar”. Enfim, tanto a revalorização das humanidades quanto a
segregação de gênero inscritas na Lei Orgânica do Ensino Secundário
haviam sido combatidas pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova. (DALLABRIDA; ROSA SOUZA
22
, 2014, p. 17-18).
Ora, apesar de ter existido, durante a Reforma Capanema, uma
legislação específica para o ensino superior, a mentalidade presente na Lei
Orgânica do Ensino Secundário estendia-se ao nível superior. Além das
formas cognitivas de exclusão já citadas neste texto: exames de admissão e
exames vestibulares, as mulheres ainda sofriam mais duas outras formas,
de caráter social: uma dizia respeito ao papel da mulher na sociedade, ou
seja, deveria ser educada para o lar; a outra dizia respeito ao poder
econômico, que garantia o acesso ao ensino secundário, o qual levava ao
ensino superior, somente às mulheres de classe social mais privilegiada. Os
22
Por questões de clareza do texto, nesta obra, será utilizada a referência SOUZA, quando se tratar
de citações referentes a Rosalvo Florentino de Souza; e ROSA SOUZA, quando se tratar de Rosa
Fátima de Souza.
206
dados colocados por Rosalvo Florentino no corpo da reportagem
mostravam que a maioria de mulheres matriculadas no ensino médio
encontrava-se no ensino profissional. O que nos chama a atenção é que em
sua maioria eram estabelecimentos de ensino particulares. Na Rede Oficial,
a maioria das mulheres estava matriculada no curso Normal. Mais uma vez
destacava-se a orientação de gênero no que dizia respeito à formação
profissional da mulher. Não era toda jovem que tinha condições de acesso
e permanência na escola, ainda que apresentasse bom desempenho
cognitivo. Apesar de já se estar caminhando para a segunda metade do
século XX,
As formas de controle exercidas sobre a mulher no início do século XX
permitem-nos compreender a relação existente entre as intenções
pessoais femininas e as imposições sociais, formando assim um jogo
dual entre as intenções individuais e sociais. Essa dualidade é percebida
através da aceitação passiva tida como natural. A companheira do
homem desempenharia, ao seu lado, um papel com capacidade de
decisão, inteligência, força e racionalidade, mas a educação que recebia
procurava inculcar-lhe os valores sociais vigentes, aos quais, na prática,
a mulher situava-se secundariamente, valorizando-se sua submissão
(INÁCIO FILHO, 2002, p. 55).
Apesar de apresentar um discurso aparentemente progressista,
defendendo a ocupação de certos espaços sociais pela mulher,
paradoxalmente Rosalvo Florentino, ao citar a vocação feminina para o
magistério, acabou por deixar transparecer uma afinidade com o
pensamento patriarcal e machista, no qual
207
O senso comum afirma tal dualidade caracterizando a mulher como
um ser frágil, sensitivo, intuitivo, feito para as doçuras do lar e da
maternidade e que, por isso, foi destinado à vida doméstica, aos
cuidados do marido e da família. Estabelecidas essas condições sociais,
era preciso persuadir as mulheres de que seu lugar e sua função não
provinham do modo de organização social, mas da natureza, e eram
excelentes e desejáveis para todos, inclusive para elas próprias. Ou seja,
o papel secundário ocupado pelas mulheres teria caráter natural e não
histórico-social. [...] (INÁCIO FILHO, 2002, p. 56).
A isso se deve acrescentar que o ensino particular prevalecera até o
final da década de 1940, o que inviabilizava o acesso à educação pelas
mulheres de classe social menos privilegiada. Vale ressaltar que, de maneira
geral,
[...] o colégio feminino podia utilizar-se do recurso de determinar às
“bolsistas” que realizassem o trabalho pesado de limpeza do colégio
(pátios, corredores, banheiros, refeitórios) em troca da educação
formal, o que não ocorria nos colégios destinados à educação
masculina, posto que tais serviços eram próprios de mulheres e, dessa
forma, os padres contratavam mão-de-obra na cidade.
Frequentar tais escolas era muito caro. Além de o valor das
mensalidades ser alto, os enxovais fartos e dispendiosos atestavam a sua
destinação, ou seja, às famílias de posse. [...] (INÁCIO FILHO, 2002,
p. 59).
A escolha de alguns pais em matricularem os filhos nas escolas
confessionais católicas se dava mais em razão do status que tais colégios
conferiam a seus alunos do que propriamente pela qualidade de ensino
208
ofertada. Nessas escolas havia não apenas o regime de internato, mas
oferecia-se também a modalidade de externato. É certo que
[...] as alunas internas permaneciam mais tempo sob a vigilância das
mestras que as externas, entretanto, ao entrarem para o colégio, as
externas submetiam-se às normas do estabelecimento, as quais
pretendiam que o mundo exterior ao colégio deixasse de influenciar a
vida das alunas. Dessa forma, as normas acabavam por se estender aos
seus lares, ao espaço do convício com a família, realçando a obediência,
a disciplina e o controle da sexualidade, segundo a ideologia, a doutrina
e a moralidade católicas (INÁCIO FILHO, 2002, p. 59).
Não foi à toa que a Reforma Capanema, ainda que com forte
influência do Manifesto dos Pioneiros, tenha sido tão condescendente com
os apoiadores da Igreja Católica. A elite que deveria ser a condutora das
massas precisava estar preparada em todos os sentidos e, para isso, as escolas
confessionais possuíam um papel de extrema relevância. Além disso,
[...] O predomínio do ensino privado, principalmente de orientação
religiosa, desde a origem das primeiras escolas [...] até os anos de 1940,
caracteriza um certo descaso do Estado com relação aos assuntos
educacionais, que só mereceram melhor atenção a partir desse período
(INÁCIO FILHO, 2002, p. 40).
Toda essa estrutura que se via no ensino secundário, de certa
maneira, se reproduzia no ensino superior. Exemplo disso pôde ser
observado na reportagem de Rosalvo Florentino, ao se referir não somente
à arquitetura do prédio da faculdade, mas principalmente às viagens que
as alunas realizavam sob a supervisão das freiras. Efetivamente o ensino
209
secundário que se apresentava, pelo menos até o final da década de 1940,
era aquele de cunho elitista defendido por Gustavo Capanema. E essa elite
deveria ser formada por jovens de ambos os sexos preparada dentro de uma
cultura humanística, considerada, por muitos dos signatários do Manifesto
dos Pioneiros, aristocrática.
Um novo ensino secundário começava a ser reivindicado. A
economia passou a exercer uma influência mais decisiva no planejamento
educacional do país. O discurso da modernidade se fortalecia. Os debates
se aprofundavam. Chegara a década dos “anos dourados”, e Rosalvo
Florentino abriu seu espaço no jornal A Gazeta para aprofundar o debate
em torno do ensino secundário.
3.2 A década de 1950
A segunda metade do século XX fora iniciada. No Brasil, prevalecia
o discurso da modernidade. Era inaceitável um país com dimensões
continentais permanecer entre os que formavam o chamado Terceiro
Mundo, ou seja, o bloco dos países subdesenvolvidos. Sobre esse contexto,
vale transcrever as palavras de Freitas e Biccas (2009, p. 23):
O período imediatamente após 1945, um dos marcos cronológicos
fortes deste livro, tem a marca complexa do embate entre ruptura e
continuidade. Enseja-se um novo ciclo, causa e efeito de uma nova
geografia política, a da “guerra fria”, que no bojo de inúmeros debates
intelectuais era concebido ou imaginado como se fosse um ciclo
favorável à “troca de fase histórica”, o que metaforicamente queria dizer
deixar o passado para trás.
Especialmente nos países pobres do ocidente, no transcorrer das
décadas de 1950 e 1960, trocar de fase histórica passou a significar a
210
busca por coordenadas analíticas e políticas destinadas a retirar esses
países da condição de subdesenvolvimento, o que muitas vezes foi
interpretado como opção por um dos polos da dicotomia
Washington/Moscou.
O conceito de subdesenvolvimento, na forma como foi elaborado na
Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), a partir de
1948, constitui-se grande novidade teórica à medida que proporcionou
aos intelectuais dos países com baixo índice de industrialização uma
nova “economia política” com a qual se explicitava a necessidade de se
utilizar conceitos próprios para a análise histórica das realidades
consideradas singulares.
Os conceitos subdesenvolvimento e desenvolvimento suscitavam junto
a muitos economistas, sociólogos, antropólogos e educadores a
organização de repertórios analíticos que se difundiam como
pensamento social e às vezes como pensamento pedagógico, circulando
como se fossem diagnósticos dos “males da nação” e acompanhados de
prognósticos para superá-los.
Apesar de ter, em seu primeiro governo, implantado um Estado
autoritário, as reformas trabalhistas que fizera, bem como as reformas
educacionais que pretendiam tirar o país do atraso, rompendo com o
modelo agrário que imperava na República Velha fizeram com que, no ano
de 1951, Getúlio Vargas e sua política populista e trabalhista voltassem ao
poder. Desta vez Getúlio buscava dar um tom democrático ao seu governo,
sob a égide da Constituição de 1946. Procurou, ainda, desenvolver uma
política voltada ao nacionalismo econômico, mas sem romper com o
capital estrangeiro, tentando associá-los. Estimulou a industrialização por
meio de uma política cambial que privilegiava a importação de matérias-
primas em detrimento das de bens de consumo. A aliança entre os dois
capitais que Vargas tentou realizar já se podia considerar uma “morte
anunciada”. As tensões entre essas duas correntes de interesse econômico
211
digladiavam-se no Congresso Nacional, levando o Brasil ao enredo de uma
crise que teve como um primeiro clímax o suicídio de Vargas em 1954.
Enquanto isso, em São Paulo, para o período de 31 de janeiro de 1951 a
31 de janeiro de 1955, Lucas Nogueira Garcez, engenheiro e professor,
assumiu o governo do Estado.
A imprensa era também um espaço em que esses interesses se
manifestavam. E não se restringiam apenas a matérias de caráter
econômico e político. Em outras seções dos jornais, essa luta era notória.
Nas páginas sobre educação do jornal A Gazeta, Rosalvo Florentino, como
já citamos, trazia à tona as discussões que envolviam o ensino secundário e
a valorização do professor. Não raras eram as matérias que tratavam
exclusivamente do ensino secundário e normal. Dos dezessete recortes de
jornais deixados por Rosalvo Florentino, da coleção que faz parte do corpus
desta tese, referentes ao ano de 1951, a maioria diz respeito ao ensino
secundário, seja no que concerne aos aspectos pedagógicos, seja no que
concerne aos administrativos. O que chamou a atenção, porém, foi um
elevado número de matérias voltado para a situação do professor
secundarista, o que mostra, longe de se estabelecer um rótulo, uma
aproximação do pensamento de Rosalvo Florentino com o liberalismo.
O primeiro recorte do ano de 1951 data de nove de janeiro e traz
novamente em pauta o problema da reprovação nos exames às
Universidades e o bom desempenho feminino nesses exames em relação
aos jovens do sexo masculino.
Nesta matéria, intitulada “Elevada taxa de reprovação nos
vestibulares à Universidade”, Rosalvo Florentino destacou que, no período
compreendido entre 1947 e 1950, em razão do apoio prestado pelo
governo do Estado de São Paulo, o ensino superior tivera um grande
impulso. Segundo ele, a Universidade de São Paulo (USP), então desligada
da Secretaria de Educação, da qual fizera parte desde sua criação em 1934,
212
tivera um grande desenvolvimento durante esse período. Rosalvo
Florentino afirmou que esse fato permitiu maior eficiência em todos os
setores da Universidade, permitindo que o desenvolvimento científico e
cultural acompanhasse o ritmo do desenvolvimento do Estado. A criação
de novos departamentos ampliara o campo de ação da Universidade. Não
menos importante foi a criação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
que viera a preencher uma lacuna da qual ressentia o ensino superior no
Estado de São Paulo. Também foram criados cursos noturnos que
propiciaram aos estudantes que exerciam funções particulares seguirem um
curso superior.
No intertítulo Instalações e aparelhamentos, Rosalvo Florentino
destacou os benefícios que Universidade obtivera. A Reitoria adquirira um
prédio próprio. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras passou a
funcionar em instalações que foram adquiridas especialmente com a
finalidade de aglutinar as suas seções que funcionavam desmembradas. A
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, seu mais recente instituto, pudera
ser devidamente instalada em edifício que lhe fora destinado pela família
Penteado. Continuaram-se as obras da então futura Cidade Universitária.
Além disso, pavilhões especiais foram construídos para o Instituto de
Pesquisas Tecnológicas. No campo da física nuclear, podia-se dizer que a
Universidade de São Paulo acompanhava o desenvolvimento científico
mundial, uma vez que fora construído um bétraton com seu respectivo
pavilhão e já tomava providências para a aquisição de um cíclotron com a
subsequente construção de seu pavilhão especial.
No entretítulo Departamento de Cultura e Ação Social, Rosalvo
Florentino afirmou que a elevação do nível cultural do povo tinha sido
objeto da atividade desse departamento, o qual vinha realizando
conferências e cursos de extensão universitária em todo o Estado, além de
exercer suas funções de auxílio ao corpo docente e discente da
213
Universidade. Ao Departamento de Cultura e Ação Social coube, em sua
tarefa de difusão cultural, a introdução do Rádio, bem como a Biblioteca
Central da Universidade. As Divisões de Ação Social e Documentação
beneficiaram alunos e professores não só por meio de assistência médica,
jurídica, hospitalar e dentária, mas também pela produção de dispositivos
didáticos, microfilmes e filmes educativos.
Rosalvo Florentino de Souza ressaltou, ainda, que as atividades dos
vários institutos, na condição de órgãos técnicos de pesquisa, vieram a
beneficiar a iniciativa particular.
No subtítulo Os concursos de habilitação de 1950, Rosalvo
Florentino se referiu ao quadro com a matrícula geral e os resultados do
concurso de habilitação nos vários institutos da Universidade de São Paulo,
exposto ao final da reportagem, o qual, segundo ele, representava o
progressivo aumento do número de estudantes. O número de reprovações,
porém, principalmente nas Faculdades mais procuradas, como a Escola
Politécnica, a Faculdade de Medicina e a Faculdade de Direito, era
considerável. Para o professor-jornalista, esses dados justificavam em parte
as críticas feitas ao ensino secundário, no sentido de ser necessária uma
preparação para o ingresso nos cursos superiores, o que levava os estudantes
a recorrerem aos “cursinhos” nas vésperas dos vestibulares. Esse entretítulo
fora finalizado com uma chamada aos estudantes para os exames
vestibulares que se realizariam no mês de fevereiro. Apesar das críticas feitas
ao ensino secundário, Rosalvo Florentino finalizou o intertítulo chamando
os alunos à responsabilidade de sua preparão.
No subtítulo Cada vez mais se firma a mulher no magistério
secundário, Rosalvo Florentino destacou a preferência das mulheres pelos
cursos superiores, principalmente pelos mantidos pela Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras, onde a presença feminina superava bastante o
número de estudantes do sexo masculino. Para ele, esse dado comprovava
214
uma afirmação sua anterior de que depois de dominar o ensino primário,
em breve futuro, a mulher dominaria também o setor do ensino
secundário. Os concursos de ingresso ao magistério secundário já
apresentavam um grande número de candidatas do sexo feminino, o que,
segundo Rosalvo Florentino, evidenciaria a vocação feminina para o
magistério.
Quadro 7 - Quadro com os resultados dos concursos de habilitação aos Institutos
Universitários em 1950
Institutos
universitário
s
Vaga
s
Inscriçõe
s
Aprovado
s
Reprovado
s
Matrícul
a no 1º
ano
Matrícul
a
geral
Faculdade de
Direito
200
607
301
297
339
1650
Faculdade de
Medicina
Veterinária
35
26
17
8
26
65
Faculdade de
Arquitetura e
Urbanismo
30
92
26
66
23
92
Faculdade de
Filosofia
405
388
210
178
210
348
Faculdade de
Ciências
Econômicas
40
44
18
24
50
35
Faculdade de
Medicina
80
595
135
460
80
524
Faculdade de
Higiene
134
174
111
54
105
108
Faculdade de
Farmácia e
Odontologia
230
323
173
150
166
352
Escola
Politécnica
180
656
194
439
214
398
215
Escola de
Enfermagem
_
_
_
_
88
135
Escola
Superior de
Agricultura
“Luiz de
Queiroz”
98
77
50
24
53
181
TOTAIS 1432 2981 1235 1700 1328 4926
Fonte: Recorte do Jornal A Gazeta, de 9 jan. 1951, retirado do acervo do Instituto de
Estudos Educacionais “Sud Mennucci.
Note-se, pela data da reportagem, que era ainda Adhemar de
Barros quem governava o Estado de São Paulo e o governador que já se
encontrava eleito para sua sucessão tivera seu apoio, ainda que este viesse a
romper com seu padrinho político em meados da década de 1950. A
matéria de Rosalvo Florentino era uma espécie de resumo das obras que
Adhemar fizera no que concernia à educação, em especial, à educação
superior. Fica notório o alinhamento de setores da imprensa paulista com
o governo estadual, principalmente se levarmos em consideração que a
Universidade de São Paulo (USP) teve sua fundação saída do grupo que
comandava o jornal O Estado de São Paulo. Não se pode deixar de ressaltar
que, como afirmam Freitas e Biccas (2009, p. 86), “em alguns casos, até o
ativismo político das elites resultou em transformações substantivas no
campo educacional, cujos efeitos tornaram-se perceptíveis em instituições
novas que ganharam vida e adquiriram grande visibilidade social”.
O discurso de Rosalvo Florentino trazia em seu bojo o caráter
desenvolvimentista de quem adotou como lema para seu mandato “São
Paulo não pode parar”. A iminente posse de Getúlio Vargas à Presidência
da República leva-nos, porém, à necessidade de estabelecer a distinção de
sentidos da palavra desenvolvimento durante o seu primeiro governo e
216
neste que se propunha a assumir. De acordo com Freitas e Biccas (2009,
p. 63),
[...] na virada da década de 1920 para a de 1930 a palavra
desenvolvimento não se apresentava com o mesmo sentido que
adquiriu após a Segunda Guerra Mundial; portanto, a relação direta
entre educação e desenvolvimento nos anos Vargas precisa ser vista
com reservas. Mesmo assim, não há dúvidas que as ações
predominantes na normatização da estrutura educacional brasileira
traziam, a partir de então, características que seriam essenciais para o
tipo particular de relações que se consolidaram nas décadas seguintes.
[...].
Foi no após-guerra, porém, que o Brasil passou a se ver de maneira
mais evidente como parte do mundo. O vocabulário da economia tomara
lugar de destaque nas análises sociais. A partir do par conceitual
“subdesenvolvimento-desenvolvimento” surgiu uma premência de
mudanças que pudessem levar o Brasil a se desenvolver. Foi nesse contexto
que
O conceito de desenvolvimento foi apropriado e usado com tal
multiplicidade de sentidos que, em pouco tempo, tornou-se um
conceito “areia movediça”, dragando para dentro de si a educação e as
representações de cultura nacional que, na fala dos mais variados atores
políticos, tornavam-se reféns da adaptação “necessária” de tudo e todos
para que o país pudesse alcançar o desenvolvimento (FREITAS;
BICCAS, 2009, p. 129).
É sempre bom enfatizar que a legislação de ensino que
predominava nesse início da década de 1950 era ainda aquela do primeiro
217
governo de Vargas, mesmo as Leis Orgânicas que foram promulgadas após
o seu governo tiveram sua origem dentro de seus ministérios. As reformas
que Getúlio realizou no campo da educação levaram os pesquisadores a
dividir opiniões, uma vez que
A “revolução de 1930” tornou-se uma referência cronológica para
indicar uma espécie de “ponto de arranque” da educação brasileira em
direção ao tema desenvolvimento. De fato, consideramos mais
adequado pensar que esse “arranque” ocorreu no após Segunda Guerra,
mas muitos autores frisaram que aquele período iniciou uma nova
vinculação entre educação, economia e problemas sociais (FREITAS;
BICCAS, 2009, p. 62).
No que diz respeito ao posicionamento de Rosalvo Florentino, é
importante destacar que, mesmo com esse alinhamento com o governo
estadual e, consequentemente, com sua visão desenvolvimentista, ele não
deixou de colocar em pauta, no ano de 1951, as questões que afligiam o
professorado paulista, fosse da rede particular, fosse da rede oficial.
Ainda no mês de janeiro de 1951, Rosalvo Florentino trouxe uma
reportagem intitulada “Seleção de professores para o magistério secundário”.
Nesta matéria, Rosalvo Florentino informou que a Fundação “Getúlio
Vargas” criou e instalou um colégio modelo, em Nova Friburgo, a fim de
que fossem aplicadas todas as conquistas da pedagogia moderna. Segundo
o professor-jornalista, o colégio modelo teria ainda a finalidade de se tornar
elemento de verificação prática de aplicabilidade, dentro de nosso meio
social, dos métodos e processos usados em outros países. Caberia ao colégio
modelo também tornar-se um centro de novas observações e pesquisas.
Segundo Rosalvo Florentino, as finalidades do colégio podiam ser
218
evidenciadas nas suas instalações, nos processos de seleção dos discentes e
do corpo docente, no regime de trabalho etc.
Para discorrer sobre o processo de seleção de professores da
Fundação “Getúlio Vargas”, A Gazeta, por intermédio de Rosalvo
Florentino, ouviu o professor Rosalvo Madeira, aprovado em primeiro
lugar no concurso para a cadeira de Português. Ele afirmou que para o
preenchimento das cátedras foi aberto um concurso público, para o qual
foram convidados professores de todo o Brasil, mediante prospectos e
anúncios pela imprensa. O concurso constou de três partes distintas: o
concurso de títulos, o concurso de provas técnicas e as provas de
personalidade. O concurso atribuiu na prova de títulos 25 pontos para
licenciados por Faculdade de Filosofia, na seção correspondente à matéria;
e 5 pontos a quem apresentasse diploma de professor primário fornecido
por Escola Normal. Para Rosalvo Madeira, esse ajuizadíssimo (palavras
suas) critério de valorização dos títulos evitou a presença de aventureiros
nas demais provas. Os não licenciados precisariam, portanto, para atingir
a pontuação mínima necessária para a participação em outras provas,
apresentar um antecedente profissional de indubitável valor no magistério,
representado por certificados de exercício eficiente, aprovação em
concursos, designação para comissões examinadoras, publicações,
doutorado com defesa de tese, cursos superiores e de aperfeiçoamento, de
forma que a quantidade e as modalidades das comprovações evidenciassem
a capacidade do candidato.
No que diz respeito às provas técnicas, o professor Rosalvo Madeira
informou que a primeira prova constava de um Plano de Curso da matéria
a ser ministrado durante um ano, em série sorteada com 48 horas de
antecedência. No Plano de Curso foram observados os objetivos do curso,
a discriminação dos temas fundamentais de cada unidade, os objetivos das
unidades e a distribuição do tempo disponível, a previsão das atividades
219
docentes e discentes de cada unidade, a previsão do material didático e as
indicações bibliográficas para cada unidade.
A segunda prova técnica constou da defesa do Plano de Curso
perante a banca examinadora, a qual, diferente dos concursos realizados
em São Paulo, arguiu os candidatos; a terceira prova constou de uma aula,
da qual se deveria apresentar um plano à banca; a quarta prova tratava da
orientação de um estudo dirigido, o qual, segundo o professor Rosalvo
Madeira, era um capítulo de suma importância da pedagogia científica, o
qual se encontrava esquecido nas páginas dos manuais.
Acreditamos que o termo pedagogia científica, utilizado pelo
professor Rosalvo Madeira não se refere exatamente àquele utilizado por
Maria Montessori, na obra A descoberta da criança. Defendemos que o que
Rosalvo Madeira chamou de científico, quando se referiu aos estudos
dirigidos, estaria mais relacionado ao termo moderno, na perspectiva de
que
Em todos os programas das disciplinas expedidos entre 1942 e 1946,
observam-se orientações metodológicas congruentes com o
pensamento pedagógico renovador. Encarecem as instruções para que
os professores empreguem os processos ativos, adotem o sistema de
projetos, deem prioridade à compreensão mais do que à memorização,
que utilizem técnicas de ensino variadas e interessantes, que invistam
em exercícios práticos, utilizando laboratórios e realizando
experimentações (ROSA SOUZA, 2008, p. 185).
Essa reportagem de Rosalvo Florentino chama a atenção para o fato
de haver uma necessidade de se selecionar melhor os professores ao ensino
secundário, percebe-se, porém, que o espaço do professor secundário
começava a ser ocupado não somente por seus pares formados em Escola
220
Normal, mas muitas categorias distintas passaram a ministrar aulas, ainda
que não tivessem formação em licenciatura. A experiência comprovada
seria um dos critérios, de certa forma o suficiente, para permitir que tais
profissionais adentrassem a sala de aula como mestres. O que estarrece essa
permissividade é o fato de isso se tornar critério de seleção de professores
para uma instituição que se autodenomina “colégio modelo”.
Essa “invasão” de profissionais de outras áreas no ensino
secundáriotinha sido abordada na imprensa paulista por Laerte Ramos
de Carvalho, em 1946, no jornal O Estado de São Paulo, em artigo
intitulado “Do professor secundário”:
Para Ramos de Carvalho, o ensino particular [...] contribuía também
para a degradação da profissão docente. Por ter sempre em vista a
otimização dos lucros, o empreendedor particular pagava os ordenados
pelo regime “salário-aula”, obrigando assim o professor a se
sobrecarregar para a sua subsistência, sacrificando a qualidade do
ensino ministrado. Ramos de Carvalho explica que a proliferação desse
regime impedia que os quase novecentos bacharéis e licenciados até
então formados da Faculdade de Filosofia abraçassem a carreira
docente, e com isso permitia que está passasse a ser “complemento de
outras profissões” e “campo de ensaio” de recém-formados da escola
superior, sem maiores pretensões no campo do ensino. [...]
(BOMTEMPI JUNIOR, 2014, p. 263).
Ainda que o professor Rosalvo Madeira colocasse que essa
criteriosa seleção para os professores do Colégio Modelo tivesse o intuito
de evitar aventureiros na profissão, percebe-se que havia uma imensa
lacuna capaz de ser ocupada pelos indesejados aventureiros. O espaço
aberto por Rosalvo Florentino no jornal A Gazeta para essa reportagem
não deixou de mostrar de alguma forma uma preocupação com os rumos
221
que vinham tomando o ensino secundário no país, principalmente nos
aspectos pedagógicos, uma vez que
A própria organização dos programas obedecia a princípios modernos,
estruturando os conceitos em unidades (e não mais em lições) e
explicitando as finalidades, as instruções metodológicas e as técnicas de
ensino. Tal aprimoramento era resultado de uma pedagogização
crescente do secundário. Não obstante, prevalecia a pretensão de tudo
ensinar. Para cada disciplina os conteúdos selecionados incluíam um
vasto campo de saberes desdobrados em conceitos, noções, fatos,
informações, minúcias, aprofundamentos. O cumprimento dos
programas tornava-se impraticável. Além disso, o rígido sistema de
avaliação reiterava processos de ensino mais tradicionais inviabilizando,
juntamente com outros fatores, o emprego de metodologias mais
progressistas. Consequentemente a revisão dos programas tornou-se
imprescindível (ROSA SOUZA, 2008, p. 185).
Em primeiro de abril de 1951, Rosalvo Florentino denotou certa
expectativa positiva com o novo governo federal em relação ao ensino, por
meio de uma matéria no Jornal de Notícias, intitulada Reforma de Base”
para o ensino no Brasil, a qual não se sabe exatamente pelo recorte a que
coluna pertencia. A matéria, porém, fora assinada por Rosalvo Florentino.
Nesta matéria, Rosalvo Florentino se posicionou de maneira
esperançosa no que diz respeito aos novos rumos que, por certo, seriam
dados à política educacional brasileira, em razão da posse do novo
Presidente da República. Destaca-se que, em momento algum do texto, o
nome do Presidente da República (Getúlio Vargas) apareceu. Chamou-nos
a atenção o fato de que Rosalvo Florentino considerava benéfica a
separação do Ministério da Educação e Saúde, criado com a Revolução de
1930. Rosalvo defendia a ideia de que passados os vinte anos do
222
surgimento do Ministério da Educação e Saúde, com o natural
desenvolvimento que tivera neste período, a sua reestruturação constaria
do aproveitamento das experiências, de forma que o Ministério pudesse se
adaptar às exigências do momento. Deve-se salientar que Getúlio Vargas
foi o presidente que criou o Ministério da Educação e Saúde e seria ele
próprio, em seu retorno nos “braços do povo”, que deveria desmembrar o
Ministério em dois. A omissão de seu nome na matéria, sendo tratado
apenas como Presidente da República, colocou-nos diante de duas
hipóteses: a omissão se deu em razão de Rosalvo Florentino acreditar que
se trataria de uma informação redundante no jornal, já que se presumia
que todos sabiam quem era o novo Presidente da República; ou se deu por
razões ideológicas e de linha editorial, visto que, em 1932, São Paulo
liderou a Revolução Constitucionalista que se opusera ao governo de
Getúlio Vargas. O apoio de Adhemar de Barros a Getúlio Vargas, porém,
fez-nos optar pela primeira hipótese.
A matéria prosseguia com o entretítulo Problema central da
educação brasileira. Nesta seção, Rosalvo Florentino se referiu a um escrito
de Joaquim Ribeiro, técnico da Educação, o qual afirmara que nove
milhões dos quarenta e um milhões de habitantes do país se dedicavam a
atividades de pecuária, agricultura e silvicultura. Um milhão apenas da
população se dedicava à atividade industrial, sendo que grande parte das
indústrias se encontrava no meio rural. Para o senhor Joaquim Ribeiro a
educação rural seria o problema central da educação brasileira. Para ele o
Ministério da Educação e Saúde não cogitara nem estava cogitando sobre
a educação rural. Para Joaquim Ribeiro os nossos legisladores não
possuíam consciência técnica dos problemas educacionais, em razão da
capitulação moral e doutrinária dos técnicos que eram chamados para
colaborar com os políticos. Para ele, os técnicos que deveriam esclarecer os
políticos rendiam-se aos pontos de vista dos detentores do poder. Para
223
ratificar seu ponto de vista, Joaquim Ribeiro lembrou que de 1930 a 1951
duas reformas educacionais foram efetivadas e uma terceira se encontraria
em fase de efetivação. Segundo ele, todas as três reformas eram antagônicas
e contraditórias nas suas ideias substanciais. O que chamava a atenção,
porém, era o fato de que elas terem sido elaboradas pela mesma equipe.
Isso representaria um paradoxo atordoante, ou seja, o de se viver em um
país fundamentalmente ruralista, com uma legislação urbana de fachada.
No entretítulo Reforma de base, foi defendida a ideia de que era
necessária uma reforma de base na nossa política educacional, mediante
uma política de renovação, conforme prometido pelo novo presidente
eleito. Nas palavras de Souza (1º abr. de 1951),
Impõe-se, portanto, uma reforma de base na nossa politica
educacional, politica de renovação como promete o novo presidente
eleito. A solução do problema se torna ainda mais premente com a
alfabetização em massa levada a efeito pela Campanha de Alfabetização
de Adultos que abre aos neo-alfabetizados novas perspectivas de
trabalho.
No intertítulo Desenvolvimento do ensino secundário, era defendida
a ideia de que o ensino secundário teria progredido anualmente, no que
concernia ao número de unidades escolares, alunos e professores. Em
1941, por exemplo, havia 868 escolas, 12.733 professores e 183.869
alunos. Em 1942, os números, respectivamente, eram os seguintes: 893,
13.371 e 197.130. Neste mesmo ano, havia 526 escolas normais, com
4.638 professores e 31.470 alunos, em oposição ao ano de 1941 quando
havia apenas 28.250 alunos. Havia, ainda, no ano de 1942, 631 escolas de
ensino comercial com 57.120 alunos, 5.000 a mais em relação ao ano de
1941.
224
No subtítulo Os professores, Rosalvo Florentino assim se reportou:
A formação de professores destinados especialmente ao ensino
secundario foi instituido pelo dec. 19.852 de 11-4-31 ao criar a
Faculdade de Ciencias e Letras, e isto, influiu decisivamente na
evolução do ensino. As escolas para ministrarem o referido ensino
passaram a ser instaladas a partir de 1934. Dez anos depois, entre os
148 estabelecimentos de ensino superior instalados no país contavam-
se 16 faculdades de filosofia (SOUZA, 1º abr. 1951).
Em As escolas, Rosalvo Florentino afirmou que não houve uma
distribuição racional dos estabelecimentos de ensino secundário pelas
diversas zonas demográficas do país. A maior parte das escolas secundárias
concentrava-se nas capitais e nas grandes cidades. A carência de ginásios
oficiais fazia com que quase toda a educação secundária ficasse a cargo da
iniciativa privada, o que dificultava o acesso ao ensino de grau médio a
grande parte de seus interessados, já que o ensino privado era oneroso.
No fragmento Situação do ensino secundário em 1950, Rosalvo
Florentino dissera que
Não temos dados estatisticos que nos mostrem a situação do ensino
secundario do ano de 1950. Em São Paulo, em Julho desse ano, a
situação era a seguinte: 148 estabelecimentos oficiais em
funcionamento, com 52.074 alunos matriculados; Outras 22 unidades
escolares estão sendo instaladas e recentemente mais de 50 ginasios
foram criados pela Assembléia Legislativa do Estad, (sic) muitos dos
quais passarão a funcionar a partir deste ano. Existiam em 1947, 199
ginasios particulares. Do mesmo modo que o de oficiais, tem
aumentado sensivelmente o numero de escolas secundarias
particulares.
225
Em 1935 o numero de escolas secundarias no país (oficiais e
particulares) era de 520, com 7.496 professores e 93.820 alunos
matriculados. No ano de 1945 a situação era a seguinte: 1.282 escolas,
19.105 professores e 256.467 alunos. Os ultimos dados oficiais que
temos referem-se a 1947 e dão os seguintes algarismos: 1.060 escolas
com 305.877 alunos. (Encontramos uma flagrante contradição ao
compararmos estes dados, pois uma das publicações que consultamos
nos dá, para o ano de 1946, 1.344 unidades escolares com 279.508
alunos e 19.756 professores.) (News Press) (SOUZA, 1º abr. 1951).
A reportagem do Jornal de Notícias trazia, pois, uma retrospectiva
da situação do ensino no país desde o primeiro governo de Getúlio Vargas.
Joaquim Ribeiro procurava com números mostrar que se fazia imperativa
uma renovação do ensino no país. Ao citar o grande número de jovens da
população rural desassistidos, o técnico de educação dava a tônica do
discurso que viria a ser bastante reproduzido pelos intelectuais da época,
uma vez que
Em meados do século XX, a situação do ensino secundário no Brasil
havia se alterado significativamente. A expansão expressiva, quando
comparada às décadas anteriores, se ainda não propiciara uma
democratização efetiva, caminhava a passos resolutos para essa direção
à medida que se intensificava a demanda das camadas médias e de
setores das classes populares e crescia a rede de escolas estaduais e
particulares. Os dados surpreendentes deixavam atônitos os educadores
que prognosticavam a derrocada irreversível da escola secundária
aristocrática, tal como vinha ocorrendo em todo o ocidente (ROSA
SOUZA, 2008, p. 203).
Na segunda metade do século XX, a busca por modernização do
país apresentava ainda este grave paradoxo: grande parte de sua população
226
encontrava-se na zona rural e, mais ainda, sua educação ainda mantinha o
cunho aristocrático rural, o mesmo pensamento que representava o atraso
e que fora denunciado no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Rosa
Souza (2008, p. 203) nos lembra, no entanto, que essa não era uma
tendência singular nossa. Segundo ela, todo o ocidente encontrava-se com
o mesmo problema. Diversos congressos foram realizados para discutir a
educação de base. Chamou-nos a atenção um a que Rosalvo Florentino
cedeu bastante espaço nas páginas do jornal A Gazeta: o Congresso
Interamericano de Educação de Base.
No que diz respeito à expansão expressiva do ensino secundário,
Rosalvo Florentino não se deteve apenas na matéria que criticava os
excessos dos deputados estaduais quanto à construção indiscriminada de
ginásios. No dia 31 de outubro de 1952, publicou uma reportagem sobre
o crescimento da rede escolar em São Paulo, intitulada “Constante
crescimento da rede escolar em S. Paulo”.
Nessa matéria, antes do título, havia em letras garrafais e caixa alta
o termo ensino secundário, o que denotou ser o nome de uma seção do
jornal. Chegamos a essa conclusão em razão de Rosalvo Florentino
informar, logo no primeiro parágrafo, que neste dia seria iniciada uma série
de reportagens acerca do ensino secundário em São Paulo, as quais
desejaria publicar. Além disso, no capítulo anterior, essa intenção já fora
manifestada por Rosalvo Florentino, quando afirmou que, após concluir a
série de reportagens sobre o ensino industrial, iniciaria outra, com o ensino
secundário.
Nesse sentido, sua primeira entrevista se deu com o professor
Adronico de Melo, então responsável por esse setor de ensino e que, de
maneira gentil, fornecera dados estatísticos atualizados que constavam do
último relatório que enviara ao titular da pasta da Educação.
227
A reportagem fora ilustrada por um gráfico comparativo que
mostrava o ritmo de crescimento do ensino secundário em São Paulo, no
período de 1941 a 1951, o qual, segundo Rosalvo Florentino criou um
sério problema para as autoridades educacionais. De acordo com a
reportagem, o Serviço do Ensino Secundário e Normal, com atribuições
técnicas e administrativas, fora instalado em junho de 1934, como órgão
integrante da então Diretoria de Ensino, que posteriormente passou a ser
chamada de Departamento de Educação. Ao Serviço do Ensino
Secundário e Normal competia, ainda, o trabalho integral de inspeção dos
estabelecimentos de ensino secundário e normal e dos cursos de formação
profissional do professor das escolas normais livres. Os chefes de serviço,
segundo a reportagem, passaram a exercer posteriormente também a
função consultiva, ainda que, em razão do constante crescimento da rede
de escolas secundárias e normais, a Chefia do Serviço do Ensino
Secundário e Normal tivesse função administrativa e técnica.
Rosalvo Florentino prosseguiu a reportagem, informando que
[...] O quadro do seu pessoal, que em 1936 era de apenas 14
funcionarios, está hoje com 34. Em 1936, estavam matriculados nos
32 estabelecimentos oficiais, 9.363 alunos. Em 1950, nos 170 ginasios
e colegios, encontravam-se matriculados 54.109 alunos. Hoje, em 181
estabelecimentos: 58.778 alunos. Estes dados globais nos dão muito
bem uma idéia do exagerado crescimento do ensino secudario em São
Paulo, com as vantagens e agravantes daí decorrentes e que teremos a
oportunidade de abordar em outras reportagens (SOUZA, 31 out.
1952).
O entretítulo Ontem e hoje causas do desenvolvimento do ensino
secundário foi iniciado com a afirmação do professor Adronico de Melo de
que “o desenvolvimento no plano horizontal do ensino secundário, após 1930,
228
foi geral no Brasil e que, principalmente nos primeiros anos, houvera uma
predominância da iniciativa particular nessa expansão, refletindo, de certo
modo, as esperanças que a crise política da época viera a acender entre o
povo. Para o professor Adronico de Melo,
Em São Paulo, onde o desafogo econômico foi gradualmente se
acentuando e como natural consequência de 40 anos de dissiminação
de escolas primarias criadas pelo governo, o surto de criação de ginásios
mantidos por particulares foi intenso, quer na Capital, quer no
Interior. Na esfera oficial medidas equivalentes se adotaram para a
incrementação do ensino secundario. Ao iniciar-se 1931 os
estabelecimentos de ensino secundario, com prerrogativas federais, que
o Estado de São Paulo mantinha, eram o ginásio da Capital, Campinas
e de Ribeirão Preto. Em 1934, novos estabelecimentos de ensino o
criados no Interior. Aí começa o extenso desenvolvimento do ensino
secundário oficial em São Paulo. [...] (SOUZA, 31 out. 1952).
O professor Adronico de Melo afirmou, ainda, que o período entre
1934 e 1938 fora marcado, de forma geral, por uma normalidade do
trabalho, o que levou a que o aumento da rede estadual do ensino
secundário e normal no Estado de São Paulo ocorresse moderadamente.
A deflagração da Segunda Guerra, segundo o professor Adronico
de Melo, trouxe como consequência a intensificação do trabalho em
centros urbanos, o que provocou uma nova fase de aceleração do ensino
secundário e normal. Ao fim da guerra, o crescimento econômico fora
mantido e a demanda por mercado de trabalho permaneceu. Os centros
urbanos passaram a receber mais gente e mais estabelecimentos de ensino
foram criados e instalados. O professor reconhecera que esse estado de
coisas deu vazão a enganos, criando-se e instalando-se estabelecimentos,
cujos resultados compensadores só poderiam ser alcançados em futuro
229
mais ou menos remoto. Ele afirmou, ainda, que, no movimento de
ascensão das escolas, caso fossem melhoradas as condições materiais, muito
poderia ser esperado da iniciativa particular, ainda que a melhor escola não
fosse aquela que possuía apenas melhores instalações, mobiliário mais
bonito ou prédio suntuoso.
Na continuidade da reportagem, em Recrutamento de professores, o
professor Adronico de Melo afirmou que era de conhecimento de todos o
quanto podia para o desenvolvimento de São Paulo o mestre-escola. Para
ele, também os professores do ensino secundário serviam a São Paulo,
tanto no que dizia respeito ao presente, quanto no que dizia respeito ao
futuro. Como o idealismo desses mestres não seria menor, a seleção de
professores secundários era um dos problemas que caracterizavam a crise
de crescimento por que estaria passando o ensino secundário oficial de São
Paulo. Para o professor Adronico de Melo o desenvolvimento do ensino
secundário e normal no Estado de São Paulo teria sido, nos últimos vinte
anos, proporcional ao crescimento de sua população. Essa
proporcionalidade, porém, não fora concomitante. Fora, sim, recuperativa
e relativa às necessidades exigidas por um mundo de mais técnica e de
relações sociais mais complexas, a fim de que os indivíduos pudessem viver
mais seguros, exigentes dos seus direitos e corretos nos seus deveres. O
responsável pelo ensino secundário e normal paulista finalizou esse
intertítulo com uma projeção otimista de que
Dentro de alguns lustros como projeção das atividades dos 181
ginásios, colégios e escolas normais oficiais e das 87 escolas normais
livres ora existentes, será S. Paulo, numa plenitude de harmonioso
progresso espiritual e material, um dos mais altos índices de civilização
do mundo (SOUZA, 31 out. 1952).
230
No excerto Situação dos estabelecimentos do ensino secundário e
normal em 1951, o professor Adronico de Melo mostrou que, ao início do
ano de 1951, o quadro de estabelecimentos do ensino secundário e normal,
no Estado de São Paulo, apresentava-se da seguinte forma:
Quadro 8 - Quadro de estabelecimentos do ensino secundário e normal, no Estado de
São Paulo, no início do ano de 1951
Capital Interior Total
Colégios e escolas normais
1 58 59
Escolas normais e ginásios
2 16 18
Colégios estaduais
7 16 23
Ginásios estaduais
2 70 72
Escolas normais livres
18 63 81
Escolas normais municipais
-- 4 4
Fonte: Recorte do Jornal A Gazeta, de 31 de outubro de 1952, retirado do acervo do
Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”.
Ao final do mesmo ano de 1951, houve uma mudança no quadro
acima, em razão de alterações advindas de leis que criavam
estabelecimentos de ensino e de decretos que autorizavam o
funcionamento de escolas normais livres, o que resultou na seguinte
configuração, considerando-se entre parênteses o número daqueles que
funcionavam com pelo menos um curso:
231
Quadro 9 - Quadro de estabelecimentos do ensino secundário e normal, no Estado de
São Paulo, no final do ano de 1951
Capital Interior Total
Institutos de Educação
-- 1 (1) 1 (1)
Escolas normais e ginásios
2 (2) 14 (14) 16 (16)
Colégios e escolas normais
2 (2) 61 (61) 63 (63)
Colégios estaduais
6 (6) 14 (13) 20 (19)
Ginásios estaduais
4 (1) 70 (61) 74 (62)
Escolas normais livres
19 (17) 67 (66) 86 (83)
Escolas normais municipais
-- 4 (4) 4 (4)
Fonte: Recorte do Jornal A Gazeta, de 31 de outubro de 1952, retirado do acervo do
Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”.
Os dados indicavam ainda que 14 ginásios dos criados em 1951
não foram instalados. Vários cursos também não vieram a funcionar nos
que foram instalados. Chegaram a funcionar as seguintes classes: 1187 no
curso ginasial; 309 do curso colegial; 205 do pré-normal; 345 do normal.
Vale destacar que os três Institutos de Educação da Capital não figuram
no quadro acima, em razão de não serem subordinados à Chefia do Ensino
Secundário.
A reportagem fora encerrada com o fragmento Concurso de ingresso
de diretores e professores, no qual eram apresentados dados relativos aos
certames do ano de 1951. Segundo o chefe do Setor do Ensino Secundário,
nesse ano houve seis concursos de ingressos de diretores de
estabelecimentos de ensino secundário e normal. Os dados indicam que
houve 498 inscritos disputando 68 vagas para diretor; 237 candidatos
concorreram as 37 vagas para vice-diretor. Nos concursos de remoção, 185
candidatos disputaram as 89 vagas de diretor; outros 42 candidatos
232
concorreram as 37 vagas de vice-diretor. Houve, ainda, durante o ano de
1951, a realização de vinte concursos, correspondentes às diferentes
disciplinas do currículo, para ingresso no magistério secundário e normal.
Nesses concursos foram inscritos 1.230 candidatos, dos quais 289 não se
apresentaram às provas. Dos 484 que foram habilitados, 405 foram
nomeados. As 478 vagas remanescentes foram colocadas em concurso no
ano de 1952.
Enquanto a reportagem com o professor Adronico de Melo se
restringia a mostrar, por meio de gráficos, o crescimento do ensino
secundário no Estado de São Paulo, durante uma década; outra, intitulada
Direção e controle do ensino secundário, do dia 15 de março de 1952, e
localizada na seção Debates Pedagógicos, trazia, a partir de uma entrevista
com o professor Haddock Lobo, à tona, a discussão que vinha se travando
desde que Clemente Mariani mandara o projeto de Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, em 1948, para a mara dos Deputados, ou
seja, a dicotomia centralização x descentralização do ensino no Brasil.
Dividida em seis entretítulos, a reportagem, em forma de entrevista
expunha o posicionamento do professor Haddock Lobo, claramente a
favor da descentralização do ensino secundário. Os dois primeiros
entretítulos, porém, não puderam ser lidos em seu todo, em razão de parte
da reportagem estar dobrada e, infelizmente, no momento de capturar sua
imagem, no Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci” não foi
percebida essa situação por este pesquisador. Os demais entretítulos,
porém, conseguiram oferecer-nos parte dos argumentos que sustentavam
o posicionamento do professor.
Um dos primeiros argumentos que conseguimos identificar em
parte do segundo intertítulo Influência psicológica do ambiente socialse
fundamenta em comparações entre o Rio de Janeiro e São Paulo, as quais
o professor Haddock Lobo advertira que poderiam parecer excessivas para
233
alguns. Convidou-nos a examinar de perto o assunto referente à influência
psicológica do ambiente social, argumentando que o ambiente local
paulista, por exemplo, não era bem compreendido pela maioria da
população do Rio de Janeiro. Da mesma maneira que os magistrados
lisboetas do século XVIII tinham pouco conhecimento da realidade
brasileira, os cariocas não dominavam certas facetas da mentalidade
paulista, bem como seus problemas específicos. Defendia o professor que
essa mesma relação se dava de forma inversa, ou seja, dos paulistas em
relação aos cariocas, bem como dos gaúchos em relação aos nortistas.
O professor reforçou seu argumento mostrando que, apesar dos
aeroportos e das rodovias modernas, havia distâncias que, de variados
pontos de vista, separavam os brasileiros das diversas partes do país.
Exemplo notório desse fator era a inexistência de um único jornal diário
de âmbito verdadeiramente nacional. O professor Haddock Lobo
continuou indagando se havia alguém que contradissesse sua afirmação e
fazia questão de ressaltar que não era um regionalista. Ponderou que se
limitava apenas a afirmar algo existente e incontestável. Algo que de
maneira alguma poderia ser ignorado, principalmente quando se tratasse
de educar, de formar inteligências e mentalidades. Segundo ele, uma tarefa
na qual seria impossível desconsiderar a influência do ambiente social
concreto.
No subtítulo A desejável unidade, o professor Haddock Lobo deu
continuidade a sua linha de raciocínio:
Perguntar-nos-ão: Não devemos pugnar por mais perfeita unidade
de sentir e de pensar de todos os brasileiros? E’ do que precisamos sem
a menor duvida. Mas a esse fim nunca se chegará através de uma
unidade artificial, burocratica e forçada. E não é licito, aliás, confundir
“unidade” e “uniformidade”. Sem descer a debatidos problemas
234
filosoficos, julgamos conveniente lembrar que a unidade pode ser a
resultante, a sintese de coisas ou forças as mais diferentes ou
contraditorias. No Brasil, por exemplo, precisariamos fazer ver aos
jovens que a nossa cultura, nos seus aspectos intelectuais, artísticos ou
materiais, será tanto mais rica e eficiente quanto mais diversos forem
os elementos que a compõem. A preocupação educacional de unidade,
a meu ver, deve consistir em acentuar os aspectos positivos e fecundos
das diversidades existentes, e incutir nos educandos a consciencia de
como essas diversidades precisam se conjugar no sentido da
manutenção e enriquecimento do nosso patrimonio econômico e
cultural. Uma rígida e tiranica uniformidade administrativa,
entretanto, somente pode ter efeitos contraproducentes e esterilizantes
(SOUZA, 15 mar. 1952).
No entretítulo Aspectos práticos do problema, Haddock Lobo
ponderou que poderia ter dado a impressão de ter fugido do assunto. O
seu objetivo, de fato, era mostrar a fragilidade dos argumentos daqueles
que, utilizando-se da expressão “unidade nacional”, procuravam justificar
um estado de coisas oposto aos interesses legítimos da educação no Brasil.
No que concerne aos aspectos práticos da questão, o professor Haddock
Lobo reconhecia que a própria “unidade”, a que se referira de maneira
pejorativa, seria necessária, ou no mínimo desejável, em vários pontos.
Defendia que os currículos e programas dos cursos secundários deveriam
ser os mesmos para todo o país. Em sua opinião, as divergências poderiam
criar dificuldades para os alunos em geral, principalmente quando se
tratasse daqueles que se transferissem de um estado para outro. A
diversidade de materiais e diretrizes poderia ainda abalar de maneira
sensível a produção de obras didáticas de valor. Além disso, o preparo dos
candidatos aos cursos superiores poderia se tornar mais precário, ainda,
caso sobreviesse essa diversidade.
235
Nesse sentido, seria importante manter os currículos e programas
comuns. O professor Haddock Lobo advertiu, ainda, que, caso o
Ministério viesse a modificá-los, agisse com consciência do que estaria
fazendo. O órgão não deveria expedir portarias antes de verificar se elas
atendiam a algo de sensato e exequível. Na opinião do professor, o
prejudicial açambarcamento de responsabilidades e iniciativas então
existentes não poderia ser justificado pela desejável uniformidade nas
diretrizes gerais. De forma mais incisiva, o professor defendia que era
extremamente ridícula a afirmação de que pessoas, que viviam e
trabalhavam no Rio de Janeiro e que eram alheias à realidade paulista,
tivessem mais condições de orientar e fiscalizar o ensino local do que os
funcionários que se encontravam reunidos em organizações instaladas no
Estado de São Paulo. O professor questionava se, onde ele considerava o
Estado líder, não existiam elementos com capacidade para cuidar da
formação mental e moral da sua juventude. O professor estendeu a
indagação a outros Estados e concluiu a entrevista afirmando que era
tempo de cumprir fielmente a Constituição.
Não podemos deixar de destacar que as colocações do professor
Haddock Lobo se encontravam bem no cerne das discussões sobre o
projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, enviado à
Câmara Federal, por Clemente Mariani, em 1948, o qual, de acordo com
Romanelli (1997, p. 171), “jamais, na história da educação brasileira, um
projeto de lei foi tão debatido e sofreu tantos reveses como este”.
Interpretações contraditórias do texto constitucional de 1946 davam a
tônica dos impasses.
O professor Haddock Lobo visivelmente encontrava-se envolvido
com o primeiro momento da discussão em torno do Projeto de Lei de
Diretrizes e Bases para a Educação Nacional. Defendia certa unidade
quanto aos aspectos pedagógicos, o que nos levou a inferir que sua ideia de
236
descentralização ia ao encontro dos impasses causados pelas interpretações
antagônicas da Carta Magna de 1946, no que se referia à Educação,
principalmente, em seu ponto nevrálgico: a organização dos sistemas de
ensino. Para se ter uma ideia do debate, basta lembrar que
[...] O projeto primitivo propunha, embora sem muita veemência, a
descentralização. O deputado Capanema, em parecer baseado numa
interpretação bastante parcial do texto constitucional, opusera-se a essa
descentralização, porque entendia que a competência da União para
traçar as diretrizes e bases não se restringia tão-somente ao campo das
ideias, mas também ao campo da administração. “Sistema”, segundo o
relator, era sistema administrativo, sobretudo, o que implicava forçosa
centralização de controle do ensino pelo Governo Federal. Acontece
que o deputado Capanema falava muito mais como ex-Ministro da
Educação do Estado Novo e autor de várias Leis Orgânicas do que
como deputado do novo regime (ROMANELLI, 1997, p. 172-173).
É certo que os meios políticos nacionais viviam um período de
transição entre os quinze anos de regime centralizador varguista e a
descentralizada proposta pela redemocratização do país. Pensar em um
sistema educacional desprovido do controle rígido do Governo Federal era
algo inconcebível para considerável parcela de políticos. Quando o
professor Haddock Lobo evocava o cumprimento do texto constitucional
era tão somente em razão de
O primeiro projeto elaborado pelo grupo constituído pelo Ministro
Clemente Mariani havia suscitado a questão da centralização ou
descentralização. Acontecia que esse anteprojeto estava bem dentro do
espírito da Constituição. Na parte referente aos direitos à educação, ele
nada mais fez do que repetir o texto constitucional e regulamentá-lo.
[...]. Quanto aos fins, reforçando o dispositivo constitucional, o
237
anteprojeto ia mais longe, estipulando as condições que a escola deveria
criar para que os princípios de liberdade e os ideais de solidariedade
humana tivessem vigência. Aqui, a inovação consistia na
fundamentação do sistema educacional em princípios democráticos de
vida, claramente expressos (ROMANELLI, 1997, p. 173).
Pode-se dizer que o anteprojeto procurou, não apenas nos aspectos
pedagógicos, mas também administrativos coadunar-se com o espírito da
Constituição de 1946, refletindo as mudanças pelas quais a sociedade
brasileira passava.
3.3 E os professores? Como ficam?
Como membro de diversas entidades representativas dos
professores, Rosalvo Florentino de Souza não poderia se furtar de tornar o
espaço que ocupava no jornal A Gazeta uma tribuna onde a mobilização
do professorado pudesse se manifestar para a sociedade. Na coleção de
recortes deixada por ele, além da crítica aos vencimentos dos professores já
expressa nesta tese, encontramos algumas reportagens que trataram de
maneira específica da situação do professorado, principalmente no que
dizia respeito a sua remuneração.
A primeira reportagem que se dedicara a abordar os vencimentos
dos professores já dava uma ideia da desvalorização da profissão docente,
uma vez que fazia um comparativo entre a remuneração dos professores e
a de um motorista da Assembleia Legislativa de São Paulo.
Nesta edição do jornal A Gazeta, do dia 30 de abril de 1951, na
matéria intitulada “Um professor secundário ganha tanto quanto um
motorista da Assembléia”, Rosalvo Florentino destacou que se encontrava
238
em foco a questão do reajustamento dos vencimentos dos professores do
Estado. Para discorrer sobre essa questão, o jornal A Gazeta deu a palavra
ao professor Osvaldo Sangiorgi, então catedrático da Escola Normal e
Ginásio Estadual Padre Anchieta e secretário da Associação dos Professores
do Ensino Secundário e Normal Oficial do Estado de São Paulo
(APESNOESP), o qual disse que vinha acompanhando com interesse a
seção de Debates Pedagógicos, mantida pelo jornal A Gazeta, por costumar
tratar de assuntos relativos ao magistério.
Nesse sentido, o professor Sangiorgi fez alusão à última entrevista
concedida à seção pelo professor José Ribeiro de Araújo, catedrático do
Colégio Estadual de S. Vicente
23
, o qual frisara a atual desvalorização do
professorado secundário, em razão do obsoleto modo pelo qual vinha
sendo tratado nos concursos de remoção, por seus órgãos dirigentes e pela
crítica situação econômica que os professores atravessavam. Para o
professor Sangiorgi era digna de aplauso a atitude do governador do Estado
de São Paulo, professor Lucas Nogueira Garcez, e de seu Secretário de
Educação, professor Juvenal Lino de Matos, de terem convidado os
professores paulistas de todos os graus para que trouxessem ao Governo do
Estado um espelho fiel da situação do magistério paulista, considerado a
“viga mestre do estado líder do país”.
No intertítulo Sem vencimentos compatíveis, o professor Sangiorgi
afirmou que a APESNOESP, presidida pelo professor Mário Marques de
Oliveira, seria a portadora das conclusões finais dos estudos realizados com
o professorado secundário, no intuito de apontar medidas que fizessem
com que o magistério secundário retornasse a sua situação social e
econômica de outrora. Para o professor Sangiorgi não havia como o Estado
23
Ver Souza (4 abr. 1951, p. 12).
239
manter um ensino eficiente sem que os professores recebessem
vencimentos compatíveis com o atual custo de vida. Nesse sentido, o
professor Sangiorgi afirmou que o futuro do ensino secundário estaria nas
mãos das atuais administrações, da mesma maneira que sua situação atual
era consequência de administrações anteriores.
No subtítulo A carreira de professor não atrai, o professor Sangiorgi
ponderou que a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, a qual
ensejou a fundação da Universidade de São Paulo no governo Armando de
Sales Oliveira, ofereceu ao ensino secundário o seu maior amparo
espiritual, por intermédio de professores de preparo superior especializado,
cujo currículo universitário dava-lhes condições de pleitearem, mediante
concursos, ingresso no magistério secundário e superior, além de se
adaptarem a reformas nos programas de ensino. O professor Sangiorgi,
porém, lembrou que, se não houvesse perspectivas melhores para os
profissionais do magistério, o trabalho desenvolvido pelas Faculdades de
Filosofia seria inócuo. Segundo o professor, esse assunto fora tratado nas
reuniões do professorado secundário convocadas pela APESNOESP, nos
dias 14 e 15 de abril, no Colégio Paulistano e no Colégio Estadual Júlio
Prestes, localizados respectivamente na Capital e na cidade de Sorocaba.
Em ambas as reuniões foi aprovada por unanimidade a seguinte preliminar
apresentada pela Congregação do Colégio Estadual de Jundiaí: “Todo
estudo sobre reivindicação econômica do magistério secundário do Estado
deve ser fundamentada na exigência legal de formação universitária
especializada do professor secundário” (SOUZA, 30 abr. 1951).
No intertítulo Tanto quanto um chofer..., o professor Sangiorgi
apresentou o argumento de que a posição social e econômica do professor
secundário, na época dos provectos catedráticos dos Ginásios do Estado da
Capital, de Campinas e de Ribeirão Preto, já fora das mais invejáveis.
Segundo ele, por volta de 1895, um professor do Ginásio do Estado
240
percebia vencimentos “iguais aos subsídios dos senadores e que eram o dobro
do que percebiam os deputados estaduais”. A posição social e a consideração
que os professores recebiam se manifestavam na mesma proporção dos seus
vencimentos, o que fazia com que o cargo de professor fosse bastante
disputado por cidadãos que se destacavam pelo seu saber.
A valorização de outras carreiras dentro do quadro do
funcionalismo estadual bem como os pequenos aumentos que os
professores vinham recebendo com o passar dos anos fizeram com que a
categoria de “professor secundário” fosse colocada no padrão “H”,
percebendo Cr$ 3.600,00, ou seja, os mesmos vencimentos recebidos pelos
choferes da Assembleia Legislativa. Nas palavras do professor Sangiorgi,
essa era uma “Triste e dolorosa situação daqueles que têm um curso superior
especializado e que são obrigados, para ingressar na docência de um
estabelecimento oficial de ensino, a concursos de provas e títulos”.
Era digna de aplauso sincero, segundo o professor Sangiorgi, a
iniciativa dos últimos governos de selecionar, mediante rigorosos
concursos de provas e títulos, os professores secundários. Seria necessário,
porém, que houvesse um amparo econômico por parte do governo aos
professores de formação superior especializada, com a finalidade de que o
magistério secundário conseguisse manter esses profissionais, sem perdê-
los para outras profissões liberais.
Em O professor secundário em outros estados, o professor Sangiorgi
afirmou que, no Paraná e no Rio de Janeiro, o professor secundário
encontrava-se mais bem situado economicamente. O professor Sangiorgi
concluiu a entrevista de maneira esperançosa em relação ao futuro do
professorado secundário, por contarem com o apoio do Governador do
Estado, o também professor Lucas Nogueira Garcez.
241
O tom que o professor Sangiorgi utilizou, ao se referir ao
posicionamento do Governo Estadual, denotava certa afinidade entre o
Executivo Estadual e a entidade classista que ele representava. É certo que
estamos falando do início do governo de Lucas Nogueira Garcez. Pela
reportagem também se podia perceber uma ideia de que o Governo do
Estado estaria propenso ao diálogo. É claro que matérias dessa natureza,
mesmo em uma seção voltada para educação, mas que trazem somente a
visão dos líderes sindicais, não nos garantia serem, de fato, o eco da voz da
categoria, mesmo em se tratando de reajustes nos vencimentos.
O Brasil passava por graves mudanças e as correlações de forças
nem sempre eram equânimes. Inegável, porém, era a importância que
Rosalvo Florentino dava a essa questão da remuneração na seção do jornal
A Gazeta sob sua responsabilidade. As reportagens de abril de 1951 que
abordavam a temática eram como um preâmbulo para a que seguiu no mês
de maio de 1951. Os professores responderam à solicitação do Governo
do Estado e, logo no mês de maio, enviaram um memorial com suas
reivindicações, envolvendo inquietações não apenas do ensino secundário,
mas do ensino de grau médio como um todo.
Na edição do jornal A Gazeta, do dia 22 de maio de 1951, havia
uma matéria intitulada “Direitos e deveres do Magistério”. Nessa matéria,
Rosalvo Florentino informara que seria entregue ao Secretário da
Educação o memorial dos professores paulistas, o qual continha as
reivindicações da classe concernentes a vencimentos, na esperança de que
o Executivo enviasse mensagem à Assembleia Legislativa sobre o assunto.
Rosalvo Florentino, então, entrevistou o professor Clemente Segundo
Pinho, Presidente da Associação dos Docentes do Ensino Industrial e
Agrícola (ADEIA) e membro da comissão de estudos das bases dos
vencimentos.
242
Figura 11 - Rosalvo Florentino e o professor Clemente Segundo Pinho na Redação do
jornal A Gazeta
Fonte: A Gazeta (22 mai. 1951).
No subtítulo Conselhos Municipais de Educação e Cultura, o
professor Clemente Segundo Pinho afirmou que o momento não era
apenas de tomada de posição em relação a reajustamento de padrões e
vencimentos, mas também de tomada de consciência dos deveres e direitos
do magistério. Citou o professor Segundo Pinho que, desde setembro de
1950, no que dizia respeito ao setor do ensino industrial, diversas reuniões
se realizaram na Capital do Estado e nas cidades de Campinas e Rio Claro,
culminando no Congresso de Santos, em que se definiram as diretrizes de
ação para a atual diretoria da ADEIA. No dia 15 de abril de 1951, em
Sorocaba, além de terem sido discutidas as questões mais urgentes em
243
relação ao reajustamento dos professores, surgiu uma unânime
manifestação relacionada à necessidade de organização dos conselhos
municipais de educação e cultura. Falou-se ainda da importância da
fundação de associações municipais de professores.
Desejava o professor Segundo Pinho que, após a luta pelo
reajustamento dos vencimentos, pudesse se realizar um fórum de debates
capaz de congregar os intelectuais paulistas, com a finalidade de discutirem
os problemas que afligiam o ensino além de outros que angustiavam o
magistério como classe e que lhe negavam o conforto social e moral. O
professor Clemente Segundo Pinho chamou a atenção ao fato de a reunião
em Sorocaba ter congregado mais de trezentos professores do ensino
médio, o que fez com que se pudessem vislumbrar melhores dias para a
classe, principalmente em razão da harmonia de opiniões e da serenidade
em que se deu o referido conclave. Para ele, diversos atos governamentais
tinham revelado o cuidado e a atenção que ultimamente o governo do
Estado vinha dedicando ao ensino industrial e agrícola. O professor
Segundo Pinho citou como exemplo o convênio escolar que, por ato do
prefeito municipal, colocava cinco milhões de cruzeiros à disposição do
serviço de obras da Escola Técnica “Getúlio Vargas” para a conclusão das
obras que haviam sido sustadas há cinco anos, sob a alegação de economia.
Nesse sentido, o término da velha concepção de economia do Estado, ao
poupar com a educação, não era anseio apenas dos professores, a formação
de técnicos para a indústria e lavoura tinham também exigido uma maior
atenção do governo.
No intertítulo Formação de técnicos para a indústria e para a
lavoura, o professor Clemente Segundo Pinho utilizou-se de uma frase
enfática ao afirmar que “o que existe entre nós é de uma miséria tal que clama
aos céus”. Para ele a mera multiplicação das escolas para efeitos
demagógicos era insuficiente. Seria necessário que elas fossem dotadas de
244
máquinas, laboratórios, material de trabalho nas oficinas, além de mestres
cada vez mais capazes. Seria, portanto, importante que se desenvolvesse um
estudo minucioso acerca desse problema, o qual além de complexo era
capaz de provocar sérios danos sociais e econômicos.
Não menos importante seria a criação de oportunidades para que
os velhos mestres conseguissem renovar os seus conhecimentos técnicos, a
sua perícia industrial, ao entrarem em contato com a indústria e com os
setores de pesquisas dos países que se encontravam a nossa frente. O
professor Segundo Pinho ainda afirmou que, em relação à capacidade de
organização de São Paulo, o que existia, do ponto de vista da orientação
educacional ou mesmo vocacional, além de pouco era também reduzido.
Ele acreditava que a única escola técnica oficial do Estado tinha a
possibilidade de se tornar brevemente a primeira universidade técnica da
América Latina. E acrescentou: “Os nossos políticos alheios à necessidade de
formação de uma elite industrial e agrícola procuram sobreviver num mundo
em que a técnica é a razão da própria política, condiciona-a, condu-la”.
Segundo ele, os legisladores ignoravam tanto o problema que poucos eram
os que conheciam a organização do ensino industrial e agrícola do Estado,
ou ainda que tivessem visitado alguma das escolas. Para ele ainda era
vigente no Brasil o antigo preconceito escravista de desprezo às operações
técnicas e manuais, diferente de outros países que se preocupavam com o
ensino primário, industrial e agrícola, o ensino médio e superior dentro da
mesma corrente.
Diferenciava-se, ainda, o Brasil por, segundo ele, ainda se
encontrar na fase de auto conquista e colonização, ter como discussão
maior o ensino do latim. Finalizando este entretítulo, Clemente Segundo
Pinho afirmou que “os suplementos dos jornais da República e do Estado
falam mais dos escritores decadentes do velho mundo do que dos paladinos da
educação dos processos sadios de vida educacional”.
245
Dando prosseguimento a sua fala, no subtítulo O estrangeiro
compreende melhor a importância do ensino técnico, Clemente Segundo
Pinho desejava que o Plano Quadrienal do governador atendesse ao
preparo técnico da juventude e que fosse compreendido e apoiado pelos
legisladores. Ressaltou o professor que, além de novos prédios, seria
importante que houvesse dotação para a aquisição máquinas novas, a fim
de substituírem o material arcaico e ineficiente. A instalação de cursos
pedagógicos na Escola Técnica da Capital seria fundamental para a
preparação dos docentes. Seria também importante que os mestres fossem
contemplados com bolsas de estudo, a fim de estagiarem nos centros
industriais do Brasil e de outros países. Seria também, para ele, necessário
renovar as técnicas didáticas e oficinais bem como as práticas agrícolas.
Nesse sentido, a rotina seria o maior fator de prejuízo ao ensino,
principalmente ao do setor técnico. Além disso, a mecanização e a
eletrificação, que eram a base de qualquer programa político moderno e
atual, necessitavam para sua efetivação de um oficialato médio de técnicos,
os quais mesmo que viessem saindo de forma intermitente de nossas escolas
industriais eram ainda em número reduzido. O maior número de
frequentadores da Escola Técnica seria de descendentes japoneses e
europeus.
Ao concluir sua entrevista, o professor Segundo Pinho ressaltou
que o estrangeiro tinha compreensão do valor de uma Escola Técnica,
diferente dos pais brasileiros que tinham preferência por direcionar
os seus filhos para as bitolas deformadoras e de curta visão de um
bacharelismo crônico e pernicioso, desintegrando econômica e
afetivamente o jovem da terra, obrigando-o a procurar os grandes
centros em busca de um emprego público constituindo essa legião de
juventude inexperta e bisonha tormento dos deputados que se obrigam
246
a deixar os trabalhos parlamentares para descobrir cargos e funções
quando não dando trabalho as suas inteligências para imaginar novos
institutos, diretorias, departamentos a fim de dar pábulo à ignorância
coroada aos filhos de uma burguesia pouco apetrechada para a direção
dos próprios negócios e da coisa pública (SOUZA, 22 mai. 1951).
As duas entrevistas acima traziam não somente questões
relacionadas à remuneração do professorado. Tratavam também de
valorização da profissão docente. O discurso comparativo entre a
remuneração docente e a de membros dos Poderes Legislativo e Judiciário,
que perpassou todo o século XX nos meios educacionais, já era evocado
pelo professor Sangiorgi, no início da década de 1950. Por outro lado, do
ponto de vista econômico, o Brasil houvera entrado, desde o final da
Segunda Guerra, na fase dos bens duráveis. O processo de industrialização
se intensificara. A exigência de mão-de-obra especializada também. O
magistério precisava responder a essa demanda. O discurso de educação
ligada ao desenvolvimento se fortaleceu e, por consequência, a explosão
demográfica urbana aumentava as desigualdades sociais. A educação
tornou-se um instrumento de diminuição dessas desigualdades, oferecendo
uma perspectiva de mobilidade social. Paradoxalmente esse fator
contribuiu para a desvalorização da profissão docente, uma vez que
[...] quando uma profissão está direcionada para o atendimento da
população de baixa renda, o sistema capitalista consegue fazer com que
esta acabe por perder sua qualificação profissional e seu poder
aquisitivo. As profissões voltadas para as elites e para o sistema
produtivo e tecnológico sempre se mostram plenamente qualificadas,
prestigiadas e bem remuneradas. [...] (ALMEIDA, 2006, p. 135).
247
Há que se considerar também que a alusão feita pelo professor
Sangiorgi em relação à remuneração dos professores, logo no início do
período republicano, remete-nos a uma época em que o espaço da profissão
docente era majoritariamente ocupado por homens. Fato que se repetia,
nas décadas de 1940 e 1950, em relação ao ensino secundário. A
feminização do magistério primário que ocorrera, ao final do século XIX,
de certo modo se repetia em meados do século XX, no que dizia respeito
ao magistério secundário.
Ainda que Rosalvo Florentino tenha de certa forma reproduzido o
discurso do final do século XIX, como já visto em reportagem sua nesta
tese ao comparar o desempenho de homens e mulheres nos exames
vestibulares às universidades, de que a profissão docente estaria mais
adequada às mulheres, por ter um caráter de domesticidade e maternidade,
não se pode conceber, como muitos defendiam, que a desvalorização da
profissão docente fora fruto de sua feminilização, uma vez que reproduzia
um modelo patriarcal de sociedade, no qual a mulher sempre ocupara
papel submisso. Aceitar essa hipótese seria desconsiderar que
[...] a categoria nunca foi realmente valorizada e bem remunerada. As
razões estão ancoradas mais propriamente na esfera cultural,
sociológica e econômica do que na diferenciação sexual. O baixo
estatuto da carreira docente no ensino primário e na escola pública tem
suas raízes mais na divisão classista da sociedade do que, propriamente,
na sua feminização. É fato notório no sistema urbano, industrial e
capitalista que as profissões ligadas às populações de baixa renda têm
sucumbido rapidamente à perda de seu poder aquisitivo, do prestígio
e do poder político. [...] (ALMEIDA, 2006, p. 147).
Outro fator que contribuía para o quadro de desvalorização da
profissão docente era o discurso corrente à época que concebia, utilizando
248
as palavras de Bastos (2002, p. 165), “o magistério como sacerdócio, no
qual o professor era (ou deveria ser) imune às péssimas condições salariais
e às dificuldades nas condições de trabalho”.
Embora não se desconsiderem os esforços das entidades de classe
que, na década de 1950, tinham caráter deliberativo e promoveram
diversas assembleias da categoria no Estado de São Paulo, seja elaborando
memoriais para serem entregues aos poderes públicos, seja ocupando os
espaços de imprensa, por intermédio de professores responsáveis por seções
ligadas à educação como Rosalvo Florentino de Souza, Elisiário Rodrigues
de Souza e Ernesto de Souza Campos,no Jornal A Gazeta, Laerte Ramos
de Carvalho, em O Estado de São Paulo, não raro era
Um discurso recorrente na imprensa sobre ser docente é um dever ser,
isto é, admite exclusivamente uma atitude doadora que preserva,
preocupa-se, assume responsabilidades, negando uma atitude desejante
que pede, reivindica. Nessa perspectiva, predomina o exercício da
ingenuidade, da idealização, do idealismo dependente e impotente,
que procura emascular os fortes, os desejantes, os capazes. Seria algo
aproximado do falso self, para designar a personalidade submissa,
passiva e dependente, não criativa, presa a um papel social que a obriga
a reproduzir um comportamento pré-traçado (BOGOMOLETZ,
1991, p. 132). [...]. (BASTOS, 2002, p. 170).
Construiu-se, portanto, ainda que se usasse com frequência o
termo reivindicar e seus derivados nas reportagens de A Gazeta, uma
imagem do professor dotado de dignidade e respeito, enquanto autoridade
moral. Sob o controle dos pares, o professor deveria se adequar a tais
imagens, o que tornava o seu exercício de cidadania restrito à condição da
alienação política. Tal observação pode até parecer contraditória, se
levarmos em conta o grande número de assembleias e de congressos
249
realizados pela classe na década de 1950, mas não se pode deixar de
ressaltar que essa visão sacerdotal da profissão só veio a sucumbir a partir
da década de 1980, o que nos leva a concluir que
[...] o discurso sobre e de ser docente resulta, em parte, na reificação do
sujeito pela mistificação do conhecimento e pela mitificação daqueles
que conhecem, produzindo uma maneira de pensar generalizável que
aliena o sujeito de si e de seus valores próprios, intransferíveis, ao
mesmo tempo que a confirma e a legitima pela perpetuação do próprio
discurso (BASTOS, 2002, p. 171).
O discurso de valorização do professor, da relação entre
remuneração e qualidade de ensino, mas sem deixar de dar uma aura
sacerdotal à profissão era utilizado pelas autoridades dos poderes públicos,
principalmente quando pretendiam convencer os professores da
impossibilidade de reajustamento de seus vencimentos.
Se as duas reportagens anteriores trataram da mobilização dos
professores no início do governo de Lucas Nogueira Garcez no Estado de
São Paulo, as duas seguintes vão se referir ao ano final de seu governo, o
que nos parece não ter havido mudança substancial na situação do
professor.
Na edição do jornal A Gazeta, do dia 26 de junho de 1954, havia
uma reportagem assinada por Nelson Azevedo e não por Rosalvo
Florentino de Souza, ainda que pertença à coleção de recortes deixada por
ele, corpus desta tese. Intitulada “A eficiência dos professores depende dos
salários que lhe sejam pagos, a matéria trazia uma entrevista com o então
Secretário da Educação do Estado de São Paulo, José de Moura Rezende.
250
Na abertura da reportagem, o sr. Moura Rezende afirmou que tudo
que lhe fora permitido fazer em benefício da instrução pública foi resultado
do prestígio que nunca lhe faltou junto ao Governador do Estado Lucas
Nogueira Garcez. Em seguida, falando na primeira pessoa do plural,
afirmou que tinham trabalhado bastante e que, no que diz respeito à
criação de novas unidades escolares, muito ainda poderia ser feito,
respeitando-se os limites da situação financeira. A mudança do tratamento
para a primeira pessoa do plural não nos ficou clara se estava se referindo
a ele e ao Governador ou se se tratava de um plural de modéstia. Como no
período seguinte, ele volta a utilizar a primeira pessoa do singular, ficou-
nos evidente que, quando utilizava a primeira pessoa do plural, estava se
referindo à gestão do Governador Lucas Garcez, na qual ele se incluía.
Moura Rezende deu continuidade à entrevista, afirmando que
assumira a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, no dia 9 de
setembro de 1953, para, em seguida, apresentar os números de Grupos
Escolares e unidades escolares criados nesse espaço de tempo. No segundo
parágrafo da reportagem, o Secretário da Educação apresentou, em
números, uma comparação entre os estabelecimentos de ensino existentes
antes da gestão de Lucas Nogueira Garcez e o momento atual. Os dados
que apontavam grande crescimento de estabelecimento de ensino, segundo
Moura Rezende, denotavam o esforço do Governo do Estado no intuito
de atender às necessidades da população paulista, fosse na Capital, fosse no
Interior, no que dizia respeito ao ensino médio secundário, normal e
industrial.
Como a reportagem tinha por objetivo tratar dos problemas da
Pasta da educação, o intertítulo Inquéritos trazia um relato dos processos
de diversas naturezas que se encontravam na Secretária de Educação, fosse
no que dizia respeito ao encaixe de pessoas estranhas ao quadro de pessoal
extranumerário do órgão lotadas em alguns estabelecimentos de ensino,
251
fosse no que dizia respeito à compra de material. Segundo o titular da Pasta
de Educação, a lei que regulava o andamento dos processos administrativos
além de permitir contemporizações por parte dos indicados nos processos,
permitia ainda a dilação de prazos, o que, consequentemente, trazia uma
morosidade ao andamento dos inquéritos. Raríssimos eram os casos de
inquéritos tramitarem em qualquer Secretaria de Estado em menos de um
ano.
O sr. Moura Rezende informou, ainda, que alguns processos
iniciados em sua gestão e outros que classificavam como corruptos alguns
funcionários da Secretária de Educação levaram-lhe a optar por destacar
um funcionário alheio a sua Pasta e pertencente ao quadro de advogados
do Estado, o dr. José de Oliveira Figueiredo, para colher as declarações dos
signatários do memorial. Afirmando, ainda, que não tinha o hábito nem a
curiosidade de acompanhar de perto o que se aparava no andamento do
processo. E assim o fazia, a fim de que tal curiosidade não viesse a ser mal
interpretada e admitida como intervenção sua nos trabalhos da comissão.
Disse que ignorava o que fora apurado, mas estava informado de que as
declarações dos signatários estavam sendo tomadas, a fim de que no futuro
se tomassem providências. Em sua opinião, as acusações de corrupção nos
quadros da secretaria de Educação eram muito graves, especialmente por
serem abonadas por professores de ensino secundário que certamente
tinham noção de sua responsabilidade.
No intertítulo Organização da Secretaria, o sr. Moura Rezende
afirmou que algo tinha sido feito conforme previa o Plano Quadrienal para
a Secretaria da Educação, porém a situação financeira por que atravessa o
Estado de São Paulo não permitia que tudo fosse feito. Segundo ele,
algumas medidas foram adotadas no sentido de coordenar melhor os
diversos órgãos administrativos, a partir de uma política de reativação da
eficiência escolar, colocando a diretoria de ensino no devido lugar. A
252
reforma interna da Secretaria, há muito exigida, fora consubstanciada no
projeto de lei 1.144, supostamente de 1954, em trâmite na Assembleia
Legislativa. Nas palavras do Secretário da Educação, a reforma
indubitavelmente aparelharia a Secretaria para que se realizasse um
trabalho mais rápido e eficiente em benefício do ensino.
É no entretítulo Vencimentos do professorado que o Secretário da
Educação afirmou ter o conhecimento de que os professores públicos do
Estado de São Paulo estavam se movimentando com o intuito de
pleitearem junto ao Governo e aos poderes públicos a melhoria de seus
vencimentos. Moura Rezende se posicionou, afirmando que
Este desejo é justo, porque só quem desconhece as agruras por que
passa o funcionalismo público diante da situação de crise que
atravessamos é que pode discordar desse movimento que merece, que
deve merecer dos poderes públicos, a melhor simpatia e acolhida
(AZEVEDO, 26 jun. 1954).
O Secretário da Educação, porém, disse não poder opinar em
relação aos novos níveis salariais. Afirmou que era de opinião favorável à
iniciativa e ao movimento que se dava no meio do magistério, sob a
liderança do Centro do Professorado Paulista (CPP). Ressalvou, porém, o
sr. Moura Rezende, que o assunto em torno dos níveis salariais dependia
de uma consulta às condições financeiras do Estado. Falando em seu nome
e no do Governador Lucas Nogueira Garcez, disse entender que o Poder
Público deveria estudar a melhoria dos vencimentos do professorado com
carinho e interesse. Segundo ele,
253
[...] Não é possível obter eficiência e produção razoável daqueles que
vão para o seu trabalho com a preocupação dominante da situação
angustiosa que deixam em seu próprio lar, pela deficiência daquilo que
ganham para enfrentar as dificuldades da vida atual (AZEVEDO, 26
jun. 1954).
O subtítulo Tabelas de vencimentos reivindicadas pelo magistério
trazia as reivindicações do professorado do ensino secundário e industrial,
deliberadas pela Comissão Central de Reajustamento de Vencimentos.
Essa Comissão era formada por representantes de todas as entidades da
classe. De acordo com a reportagem, os professores do ensino secundário,
normal e industrial pleiteavam reajustamentos, considerando como base
mínima as diferenças de padrões entre a carreira de professor secundário e
o padrão inicial das carreiras universitárias, o que asseguraria a estabilidade
dos reajustamentos, uma vez que sempre que houvesse elevação do padrão
inicial da carreira universitária os professores do ensino secundário e
normal se beneficiariam.
Usando como argumento a situação de então, os professores do
curso secundário e normal, mantida a condição de que a elevação
concomitante das diferenças futuras fosse satisfeita, pleiteavam um
mínimo de sete mil cruzeiros. Sua pauta de reinvindicações trazia ainda o
pleito de que o escalonamento e as gratificações deveriam obedecer ao
mesmo critério. No que dizia respeito ao ensino industrial, defendiam a
paridade com o ensino secundário, de forma que os três padrões de
vencimentos existentes para os docentes dessa modalidade de ensino
fossem equivalentes a apenas aquele de vencimentos mais altos. As
demandas levadas pela Associação dos Docentes do Ensino Industrial e
Agrícola (ADEIA) e pela Associação dos Professores do Ensino Secundário
e Normal Oficial do Estado de São Paulo (APESNOESP), na verdade,
representavam mais a busca por uma situação permanente do professorado
254
do que propriamente uma tabela de vencimentos, a qual rapidamente se
tornaria inexpressiva, conforme costumava acontecer.
O final da reportagem trazia uma nota da redação apresentando a
segunda tabela sugerida por Joaquim Silvério Gomes dos Reis, então
presidente do Centro do Professorado Paulista (CPP), para os novos níveis
de vencimentos:
Quadro 10 - Segunda tabela de vencimentos proposta pelo Centro do Professorado
Paulista (CPP), em 1954.
Cargo ou função Vencimentos
Chefe de Serviço
Cr$ 15.000,00
Delegados de Ensino
Cr$ 14.000,00
Inspetores Escolares
Cr$ 12.000,00
Diretores de Grupo;
Técnicos de ensino
primário
Cr$ 9.000,00 + duas gratificações quinquenais,
totalizando Cr$ 10.000,00
Professores primários
Cr$ 6.000,00 + gratificações quinquenais na base de Cr$
600,00
Substitutos efetivos
Cr$ 120,00 por dia de trabalho realizado
Substituto sem regência
de classe
Cr$ 1.000,00 como ajuda de custo
Fonte: A Gazeta (26 jun. 1954).
Os argumentos e as propostas apresentadas na reportagem de
Nelson Azevedo, em junho de 1954, foram ratificados por outra de
Rosalvo Florentino, no mês de agosto do mesmo ano, no jornal A Gazeta,
intitulada o haverá ensino eficiente com professor mal remunerado
.
255
Acima da manchete, em letras garrafais, aparecia a inscrição: Memorial do
Professorado
.
Nessa matéria, Rosalvo Florentino destacou que, após uma
demorada consulta à classe e várias reuniões de estudo, o professorado
paulista redigira um memorial contendo suas reinvindicações, o qual já
havia sido entregue ao governador do Estado Lucas Nogueira Garcez. Para
Rosalvo Florentino, esse documento seria um valioso subsídio para que o
governador viesse a complementar sua mensagem, a ser enviada para a
Assembleia Legislativa, tratando dos vencimentos da classe.
Segundo o professor-jornalista, a argumentação do memorial era
convincente, uma vez que o crescente aumento do custo de vida tornava
incontestável a necessidade de um aumento de vencimentos que lhe
correspondesse. Para Rosalvo Florentino o ideal seria evitar a ascensão
vertiginosa dos preços das utilidades. Em seguida, Rosalvo Florentino fez
alusão a uma recente entrevista com o dr. José de Moura Rezende, titular
da Pasta de Educação, na qual afirmara não haver ensino eficiente com
professor mal remunerado, aspecto, aliás, também colocado em evidência
pelo memorial dos professores.
No intertítulo As reinvindicações da classe, Rosalvo Florentino
afirmou que o memorial dos professores que fora subscrito por todas as
entidades não continha tabelas explicativas. Os professores resolveram
deixar essa parte a cargo dos técnicos e especializados dos órgãos
competentes da administração pública. O memorial dos professores tinha
como base mínima a diferença entre o padrão do cargo de professor
secundário e a classe inicial das carreiras universitárias. O mesmo
tratamento era pleiteado para os docentes do ensino industrial e agrícola.
Quanto às gratificações, o memorial dos professores propunha que a
gratificação de magistério além de ser extensiva a todos os cargos isolados
do magistério público estadual não se tornasse inferior ao escalonamento
256
das classes das carreiras universitárias, por um período de cinco anos de
exercício. Propôs-se, então, que os vencimentos mínimos do professor
secundário fossem de Cr$ 7.000,00 mensais e gratificação quinquenal de
Cr$ 1.000,00.
Rosalvo Florentino justificou que conforme as pretensões mais
altas da classe em torno de dez e doze mil cruzeiros esse valor poderia
parecer irrisório, entretanto, caso a demanda dos professores fosse aceita
nos termos em que foram colocados, os mestres brevemente chegariam a
uma situação de desafogo, além de terem definitivamente resolvido o seu
periódico problema de aumento de vencimentos. O intertítulo fora
finalizado com a ratificação de que sempre subiria na mesma proporção da
carreira universitária o professorado do magistério secundário, industrial,
agrícola e primário.
No subtítulo Situação dos substitutos efetivos, Rosalvo Florentino
referiu-se a uma inovação incluída no corpo do memorial, proposta pelo
professor Joaquim Silvério Gomes dos Reis, então presidente do Centro
do Professorado Paulista (CPP), a qual, na opinião do Redator de A
Gazeta, poderia vir a subverter o atual sistema:
Aos professores substitutos efetivos, em efetivo exercício, é reconhecida
a necessidade de ser proporcionada uma ajuda de custo mensal, sempre
que não estiverem em atividade remunerada na regência da classe,
escola ou aulas (SOUZA, 13 ago. 1954).
O intertítulo foi finalizado com a afirmação de que, mesmo com a
alegação de contagem de pontos para ingresso dos substitutos no
magistério primário, a situação dos substitutos deveria ser considerada
pelos poderes públicos.
257
O subtítulo Acumulação de cargos de magistério trazia a informação
de que o diretor geral do Departamento de Educação, por ordem do
secretário da Educação, enviara um ofício ao presidente da Comissão de
Concurso de Ingresso no Magistério Primário, autorizando-o a exigir do
professor, que já fosse titular de outro cargo, exoneração deste na ocasião
da escolha de vaga. Rosalvo Florentino ressaltou que o direito de
acumulação de dois cargos de magistério era preceito constitucional e que,
há pouco tempo, o governo federal publicara a regulamentação das
acumulações, sem apresentar restrições a esse aspecto particular. O
professor-jornalista afirmou que, aproveitando o contato com o professor
Reis, buscou conhecer o posicionamento do Centro do Professorado
Paulista (CPP) a esse respeito, obtendo a seguinte resposta do presidente
da entidade classista:
Nem a Constituição Federal, nem a Estadual faz restrições para a
acumulação de cargos no ensino primário, como não faz para outros
graus de ensino. Achamos, portanto, que ao professor primário
também é permitido acumular cargos. Temos sido procurado por
vários professores que não se conformam com essa medida, os quais
recorrerão para instância superior caso sejam prejudicados. Posso
adiantar que o Centro emprestará aos seus associados toda a assistência
jurídica de que necessitam para isto (SOUZA, 13 ago. 1954).
O entretítulo Representação do CPP ao governador do Estado trazia
a afirmação, por parte de Rosalvo Florentino, de que o professor Reis o
havia mostrado a cópia de um ofício representação do Centro do
Professorado Paulista (CPP) ao governador do estado, no qual várias
medidas de caráter urgente para atender às reclamações do magistério
primário eram solicitadas.
258
Na mesma página onde se encontra o recorte desta matéria na
coleção deixada por Rosalvo Florentino de Souza, há outro recorte
intitulado Associação dos Professores do Ensino Secundário e Normal, onde o
professor-jornalista afirmara ter recebido da APESNOESP o comunicado
de que o Memorial havia sido entregue ao governador do Estado. No
recorte, procurou-se chamar a atenção dos associados e do professorado em
geral para o teor do memorial, o qual continha as reinvindicações da classe
e fora assinado por todas as entidades do magistério paulista. Chama a
atenção para o fato de que, no memorial, não havia a defesa de tabelas de
vencimentos, mas sim a reinvindicação de uma situação permanente que
garantisse ao professor a obtenção de um aumento de vencimentos,
quando este fosse feito por outras carreiras funcionais. Havia, ainda, a
demanda por uma solução definitiva para o problema das aulas
extraordinárias
24
.
O recorte trazia, ainda, a informação de que o professor Clemente
Segundo Pinho não pudera assinar o memorial por se encontrar licenciado
da presidência, mas que participara ativamente da elaboração do
documento. Finalizou-se o recorte com informações sobre a reunião da
diretoria da entidade, a concentração de professores de Campinas e a
Campanha Cívica do Voto.
As duas reportagens acima são sintomáticas, no sentido de
apresentar certo alinhamento entre as direções das entidades de classe e os
Poderes Públicos. Tanto o discurso do Secretário da Educação quanto o
dos dirigentes sindicais reforçavam a relação entre remuneração do
professorado e qualidade de ensino. Chamou-nos a atenção, porém, a
24
As aulas extraordinárias eram aquelas ministradas pelo professor substituto, uma vez que eles
percebiam uma remuneração fixa para ficar à disposição na escola.
259
observação de Rosalvo Florentino de que a proposta de vencimentos que
se encontrava no Memorial do Professorado estava abaixo do que muitos
professores defendiam em assembleias. Para Rosalvo Florentino essa
concessão se justificava em razão da busca por uma situação permanente
para a remuneração dos professores.
Ora, ainda que não se queira desconsiderar a legitimidade dessas
entidades de classe, bem como de seu empenho na defesa dos direitos dos
professores, não deixa de ser sintomático o nome de Joaquim Silvério
(Gomes) dos Reis, na presidência de uma entidade classista que se
encontrava ainda no período em que
[...] Getúlio Vargas decide reiniciar a política de “aproximação com as
massas”, interrompida em 1945, e, para tanto, entrega o Ministério do
Trabalho a João Goulart, que se liga aos líderes sindicais, inaugurando
a política conhecida como peleguismo (RIBEIRO, 2007, p. 134).
A referência ao nome do presidente do CPP e ao termo peleguismo
não tem, de maneira alguma, a intenção de acusá-lo de ligações com o
governo mediante suborno. Muito pelo contrário, o que pretendemos aqui
é mostrar que havia um diálogo amistoso até demais entre aqueles que se
encontravam, pelo menos em tese, em flancos opostos.
Apesar de reconhecer o valor da profissão docente e de considerar
justas as reivindicações do professorado, o então Secretário da Educação
utilizou-se da mesma evasiva comum a quem ocupa tal posição: a de que é
preciso aliar as necessidades do professorado às condições financeiras da
Administração Pública, apelando para a situação de crise por que passava
o Estado de São Paulo.
260
Ora, é necessário relativizar essa crise. O Brasil vivia um período
que a economia chamava de bens duráveis. A industrialização e o apelo ao
consumo eram fortes. O salário mínimo fora reajustado. A inflação,
porém, já se encontrava na casa dos dois dígitos. Getúlio Vargas, ao ser
deposto em 1945, deixara no país uma inflação de 9% ao ano. Em 1950,
último ano do governo de Dutra, esse número se repetia. Em 1951, porém,
primeiro ano do segundo governo Vargas, chegou a 18,1%, seguida pelos
índices de 9,6%, em 1952; e 13,9%, em 1953, de acordo com Reis (2006,
p. 538). Ainda segundo o mesmo autor, em 1954, esse índice inflacionário
chegou 27,2% ao ano.
Os dados acima são suficientes para mostrar que a crise política que
levara ao suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, seria inevitável. Seria muito
natural, portanto, dentro desse quadro econômico, haver certas concessões
por parte das entidades de classe, no intuito de garantir, pelo menos em
parte, a retomada de seu poder aquisitivo. Do ponto de vista histórico,
pode-se afirmar que
O primeiro reajuste do salário mínimo ocorreu em 1943, seguindo-se
um longo período de congelamento do valor nominal que vai até o
final de 1951 com o retorno de Getúlio Vargas à Presidência. Durante
os anos de 1950, houve uma expressiva recuperação do salário mínimo,
fruto de reajustes mais freqüentes e da intensa recuperação da
economia. Os anos de 1957 e de 1959 são marcados pelo fato do salário
mínimo ter atingido seu pico, em termos reais. O número de níveis
distintos de salário mínimo também aumentou em relação à década de
1940 (de 23 a 38 níveis) (GONZAGA; MACHADO, 2006, p. 484).
Eis mais um dado que nos leva a relativizar essa crise falada por
Moura Rezende. Por um lado, havia uma elevação do salário mínimo
261
jamais vista; por outro, o país atingia um nível de inflação jamais visto a
então, nem mesmo durante os períodos em que houve conflitos mundiais.
Apesar dos esforços de valorização da profissão docente, na década
de 1950, prevalecia, de certa forma ainda, para justificar tais esforços,
aquele discurso de exaltação do magistério que
[...] impregnava as mentalidades acerca da profissão de professor e
professora, pois havia realmente uma grande procura pela escola
normal por parte dos dois sexos, tanto que sua matrícula dependia de
o candidato ser aprovado em exame de suficiência perante uma banca
de examinadores pertencentes ao corpo docente da escola. [...]
(ALMEIDA, 2006, p. 196).
O que se deu ao final do século XIX, em relação aos formados pela
escola normal, respeitadas as proporções, repetia-se, no século XX, em
relação aos egressos das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras. A visão
que se tinha da profissão, porém, apesar da má remuneração, era ainda
elitista. O professor se via como um profissional da educação sem se
colocar em pé de igualdade com outras categorias profissionais. Somente a
partir da década de 1980 é que o professorado, de acordo com Bastos
(2002, p. 166), “passa a identificar sua luta unida à dos demais
trabalhadores brasileiros, ou seja, de profissional da educação passa a
perceber-se como um trabalhador da educação, que luta por uma sociedade
mais justa e igualitária”.
263
A São Magistério:
A Consolidação do Professor Como Jornalista
4.1 O estilo jornalístico
O fixar-se no jornalismo atende a regras próprias do campo que se
vêm construindo desde o início do século XX. A objetividade citada por
Barbosa (2007) que só tomou de fato corpo no jornalismo a partir de
meados do século XX vai ao encontro de Rosalvo Florentino, que escrevera
principalmente, nas décadas de 1950 e 1960. Seus escritos apresentavam,
do ponto de vista jornalístico, o que se chama de linha de apoio, ou mais
especificamente, o chamado estilo entrecortado que remontava ao início
do século XX. Esse estilo, na verdade, surgiu a partir do jornalismo
sensacionalista de cunho policial. Sobre esse estilo, Barbosa (2007, p. 43)
afirma que
[...] o noticiário policial invade em manchetes, inicialmente em corpo
18, mas já nos anos seguintes em até corpo 48, as suas primeiras
páginas. Logo abaixo da manchete o resumo da noticia, em pequenos
títulos entrecortados, anuncia o novo estilo do jornalismo
sensacionalista. “Desmoronamento Duas vítimas Quadro Terrível
Os mortos As Providências Encontrados corpos No Necrotério
Notas Diversas Um dia aziago O prédio em que se deu o desastre
Antes de demolida a parede principal.” O estilo entrecortado do texto
faz supor um leitor titubeante seguindo as letras impressas das notícias
de crimes e tragédias do cotidiano que se espalham por todo o jornal.
264
Ao observarmos a forma como se apresentavam as matérias de
Rosalvo Florentino, percebemos esse mesmo estilo entrecortado em
matérias menos rotineiras da seção Magistério. A título de exemplificação
podemos citar o que se encontrava nessa seção, na edição do dia 15 de
outubro de 1957, quando se comemorou o Dia do Professor. Além de uma
fotografia de Anchieta, ocupando grande espaço ao centro da página do
jornal, havia a seguinte distribuição do texto: ao alto da página, no canto
esquerdo, o nome da seção Magistério; em seguida, em letras maiores, a
manchete Comemora-se hoje o Dia do Professor; logo após, tínhamos o
resumo da notícia em pequenos títulos entrecortados Discurso
pronunciado ontem na Assembleia Legislativa pelo deputado Gomes dos Reis
Declarações do prof. Antônio D’Ávila sobre o exercício do magistério
Festividades programadas pela Colmeia Na Liga do Professorado Católico
Inauguração da sede do Centro do Professorado Paulista Na APESNOESP
rias. Observa-se que os pequenos títulos procuravam resumir os
assuntos abordados na seção e, da mesma maneira que os jornais
sensacionalistas do início do século XX, deixava espaço para outras
notícias.
No que diz respeito à ilustração, Barbosa (2007) afirma que a
ilustração passou a fazer parte da própria notícia. Nas notícias policiais, as
fotografias publicadas tinham a função de reproduzir o momento da
tragédia, por meio de retratos do assassino e da vítima, além da cena do
crime. Barbosa (2007, p. 43) adverte, porém, que “[...] não são apenas as
notas policiais que merecem o destaque e a sensação de veracidade da
fotografia: os grandes homens, os grandes feitos, o desenvolvimento e o
progresso dos nossos navios são reafirmados pela imagem fotográfica”.
É nesse sentido que, em muitas matérias escritas por Rosalvo
Florentino, podia-se constatar esse estilo jornalístico que chegou a seu
ápice justamente na década em que ele ocupava um amplo espaço sobre
265
educação em A Gazeta. É certo que amiúde a seção Magistério se restringia
ao texto, porém o estilo jornalístico de títulos entrecortados e a presença
da imagem, na perspectiva apresentada por Barbosa, surgiam sempre em
seus escritos, quando havia um evento, uma manifestação ou uma
entrevista com algum vulto da educação. Nessas entrevistas era comum
que o próprio Rosalvo Florentino aparecesse, na condição de Redator, na
fotografia junto com o entrevistado.
Essa estrutura jornalística era uma forma de buscar a construção de
textos documentos. Havia neles a intenção de criar certa intimidade com
o público. Essa intimidade tornava-se necessária, uma vez que existia um
interlocutor reconhecido e identificado nesse contexto comunicativo. Era
por meio da experiência do texto que se evocava a interação discursiva
constante entre o veículo de comunicação e o seu público. Nesta tese, este
está representado pela própria classe
25
profissional do magistério; aquele,
personalizado por Rosalvo Florentino.
Nesse sentido, os escritos de Rosalvo Florentino procuravam
obedecer a uma forma estabelecida pelo campo jornalístico, ao mesmo
tempo em que procurava não somente dialogar com seus pares da
educação, mas também se manifestar diante das questões que se colocavam
e que exigiam, por parte do intelectual, um posicionamento.
É certo que, do ponto de vista discursivo, e mesmo da pesquisa, há
que se tomar cuidado para não ser absorvido pela “armadilha” do
anacronismo. O contexto histórico da época da produção de Rosalvo
25
Utilizarei, nesta obra, o termo classe, e não categoria, quando me referir às áreas profissionais para
me adequar à terminologia usada por Rosalvo Florentino, a não ser em casos de citação direta que
opte pelo termo categoria.
266
Florentino precisa ser considerado; as movimentações dentro de cada
campo por que ele transitou também, uma vez que
[...] para o leitor de hoje, esses textos possuem significações peculiares
geradas pela distância temporal. A não existência de situações comuns;
as ausências das marcas externas da voz, da face, do corpo do escritor
como construtor daquele tempo e daqueles lugares a rua e a redação
do jornal , e a autonomia semântica do texto, que o separa do escritor
e o coloca no âmbito de leitores inteiramente desconhecidos do futuro,
tudo isso altera a significação do texto.
Recuperando o tempo e o espaço da descrição contidos na narrativa é
possível introduzir marcas distintivas, apreendendo a sua referência
ostensiva, inserindo o leitor na trama, como se dela partilhasse, graças
a procedimentos de identificação singular. A pluralidade de
significações, construída na rede espacial e temporal, faz com que
possam pertencer ao escritor e ao leitor de ontem ou ao de hoje. A
escrita liberta o texto do próprio autor, recolocando-o no lugar de sua
significação. O que importa agora não é mais o que o autor quis dizer,
mas a significação explícita no seu dizer.
É mais uma vez Paul Ricoeur que trabalha com essa noção de
“autonomia semântica”. A inscrição do texto num código, segundo ele,
sinônimo de autonomia semântica, resultando numa desconexão da
intenção mental do autor em relação ao significado verbal, ou seja, do
que o autor quis dizer ao que o texto significa. A significação no
momento de apreensão do texto interessa mais do que o que o autor
quis dizer quando o escreveu (BARBOSA, 2007, p. 52).
É nessa perspectiva que nos propomos, nesta tese, a utilizar o corpus
disponível no Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”,
composto pelos escritos de Rosalvo Florentino.
267
Embora os textos de Rosalvo Florentino possuíssem um caráter
nada ficcional, esses recortes fazem com que se tenha uma noção de
amplitude temática dentro de uma mesma página, de uma mesma seção.
São tópicos que procuravam valorizar cada ação educativa. Era a busca do
registro jornalístico, documental. Há, no corpus, desde a anotação da
inclusão ou exclusão de determinada disciplina no currículo a fatos que
marcaram a educação brasileira nas décadas de 1950 e 1960, tais quais
congressos, manifestações de profissionais do magistério, construção de
escolas, lutas sindicais, discussão de reformas no ensino, entre outros.
4.2 A seção Magistério
As pastas de números 02 e 03, que se encontram no Instituto de
Estudos Educacionais “Sud Mennucci” e que compõem a coleção de
recortes deixada por Rosalvo Florentino, corpus desta tese, referem-se,
respectivamente, ao primeiro e ao segundo semestres do ano de 1957. As
duas juntas apresentam 200 recortes de jornais, o que revela que, no ano
de 1957, a presença de Rosalvo Florentino de Souza nas páginas do jornal
A Gazeta foi muito ativa.
Na coleção deixada por Rosalvo Florentino, há recortes de jornais,
referentes à seção Magistério, datados de até 1964. A opção, nesta tese,
pelas pastas referentes ao ano de 1957, fora motivada pelo fato de ser esse
o ano em que esse professor-jornalista passou a assinar diariamente uma
seção no jornal A Gazeta. Priorizamos, então, a seleção dos primeiros
recortes, além de outros que pudessem mostrar a diversidade de assuntos
explorados na seção Magistério. Escolhemos também alguns que tratavam
das discussões em torno da reforma do ensino.
268
Os primeiros recortes, relativos à produção daquele ano de 1957,
datam do mês fevereiro e, juntamente com duas reportagens escritas no
mês de março uma que trata do retorno às aulas; outra, uma entrevista
com o ministro da Educação Clóvis Salgado não fazem parte da seção
Magistério. Dos seis recortes relativos ao mês de fevereiro de 1957, cinco
eram destinados a entrevistas com educadores dos Estados Unidos, da
Guatemala, de Porto Rico, do Equador e do Uruguai, os quais haviam
participado do VI Congresso Americano de Educadores, do qual Rosalvo
Florentino participara como enviado especial do jornal A Gazeta. Esse
evento havia sido realizado em janeiro de 1957, na capital do Uruguai,
Montevidéu, e fora o último, uma vez que a partir dele criou-se um
organismo permanente a Confederação de Educadores Americanos
(CEA) que tem por finalidade agrupar as organizações nacionais de
trabalhadores da educação do continente americano.
Alguns outros recortes de jornais encontrados nas pastas 02 e 03
da coleção deixada por Rosalvo Florentino, referentes ao ano de 1957,
também não faziam parte da seção Magistério. Trata-se, porém, de uma
minoria, uma vez que esse era o ano de criação da referida seção destinada
ao ensino.
Diferente de outras seções que Rosalvo Florentino escrevera, como
a seção Debates Pedagógicos, por exemplo, a seção Magistério não se
restringia a um assunto. Apresentava sempre um texto maior sem uma
rígida uniformidade de gênero textual. Alguns textos tinham características
de artigo de opinião a maioria outros, porém, aproximavam-se mais da
notícia. Abaixo e ao lado desse texto maior eram distribuídas pequenas
notas e notícias. O espaço ocupado na página do jornal também não
possuía uma uniformidade. Sua disposição variava de um quarto de página
a página inteira. Sempre havia algum anúncio publicitário sem necessária
relação com a educação. Houve, por exemplo, páginas do jornal A Gazeta
269
em que assuntos ligados à educação e ao ensino localizavam-se em página
na qual figuravam obituários e registro policial, denotando uma
característica da imprensa brasileira da época: os anúncios não eram
segmentados de acordo com o perfil do leitor a ser interpelado, mas
ocupavam espaços dos jornais que ‘sobravam’ entre as matérias.
O primeiro recorte que se refere à seção Magistério traz a data
02/03/1957, escrita à mão, provavelmente pelo próprio Rosalvo
Florentino. Intitulado “Policiamento para os colégios noturnos”
26
, tem a
forma de artigo de opinião e faz referência a um fato que ocorrera no
sábado anterior, à noite, na sede do Ginásio Estadual do Itaim, quando o
diretor do estabelecimento de ensino fora obrigado a realizar disparos com
uma arma de fogo em defesa de alunas que, durante o recreio, estavam
sendo incomodadas com pesados gracejos por parte de alguns indivíduos,
nas palavras de Rosalvo Florentino, desclassificados. Esse recorte traz uma
exposição de motivos que levaram Rosalvo Florentino a exigir das
autoridades mais segurança para os colégios noturnos, fossem particulares
ou públicos. A seção apresentava, em seguida, algumas notas específicas
relativas a correspondências recebidas pela Redação; ao Concurso de
ingresso no magistério secundário e normal em nível estadual; ao Curso de
formação de professores primários; à Administração de Almoxarifado na
cidade de Santos e aos Vencimentos de funcionários administrativos do
ensino. Esse era o modelo que guiava o formato da seção Magistério: um
tópico principal tratado de forma mais extensa e várias notas menores de
temas diversos.
26
Após uma visita ao Arquivo de Público de São Paulo, no sentido checar a suspeita de que havia
um equívoco na datação do recorte, percebemos que a data do artigo é 02 de abril de 1957, e não
02 de março de 1957 como se encontra nos arquivos do Instituto de Estudos Educacionais “Sud
Mennucci”, o que confirmou nossa suspeita.
270
Na nota relativa às correspondências, havia uma alusão ao fato de
Rosalvo Florentino, na Redação, ter recebido manifestações de colegas,
amigos e professores de todos os graus de ensino, encorajando-o sobre o
aparecimento da seção Magistério. O Centro do Professorado Paulista
(CPP) houvera enviado ofício congratulando-se com o jornal A Gazeta
diante da excelente iniciativa de instituir em caráter permanente uma seção
diária dedicada aos assuntos do magistério, o que haveria de prestar a São
Paulo, como tradicionalmente o jornal já fazia em relação à terra e à gente
paulista, inestimáveis serviços ao servir à causa da educação e do
professorado.
Essa nota do primeiro recorte que se apresenta como da seção
Magistério, na coleção deixada por Rosalvo Florentino, junto ao segundo
recorte, chamou-nos a atenção por haver, para nós, uma incoerência, já
que este é datado a mão como de 14 de março de 1957 e traz como título
“Primeiro comentário”, o qual reproduzimos na íntegra:
Abrimos, hoje, esta secção dedicada ao magistério paulista como
contribuição deste jornal à educação e ao ensino em São Paulo. Aqui
será feito o registro sumário de todos os problemas educacionais do
Estado, das atividades do professorado primário, secundario, normal
e industrial das sugestões apresentadas para solucionar aqueles
problemas. Sempre que fôr oportuno, abordaremos assuntos que,
embora de orbita nacional, interessem ao nosso Estado. Desejamos
fazer, desta secção, um “espelho” diario da situação do ensino, através
de farto noticiario e informações, inclusive de carater administrativo.
Estas colunas estarão abertas a todos quantos militem no setor do
ensino e tenham a responsabilidade da educação da juventude de nossa
terra. O registro que faremos nesta secção poderá servir de indice para
trabalhos mais desenvolvidos, o que faremos através de reportagens e
amplo noticiário em outras paginas de A GAZETA, que abre, assim,
maiores oportunidades de informações e debates no setor educacional.
271
Todos os nossos leitores poderão encaminhar para esta secção,
portanto, o noticiario que desejarem seja divulgado através de A
GAZETA, e as sugestões que julgarem convenientes para a solução dos
muitos problemas que afligem a administração publica paulista, no
setor do ensino. Esta secção se abre no momento em que se inicia,
praticamente, um novo ano letivo, com um volume sempre crescente
de matriculas no curso primário e nos diferentes cursos de grau medio.
Terminaram os vestibulares ao curso normal, com resultados pouco
lisonjeiros e muitos são os alunos que estão terminando os exames
vestibulares para ingresso nos cursos superiores. Em cada setor
problemas especificos provocam reações diversas, alegrias e
descontentamentos, tudo isto refletindo a grandeza de São Paulo,
sempre acompanhada de perto por este vespertino. Rosalvo
Florentino
27
(SOUZA, 14 mar. 1957).
Após o artigo seguiam, na mesma página, pequenas notas relativas
ao concurso de ingresso no magistério secundário e normal; à abertura de
matrícula em cursos promovidos pela União Cultural Brasil-Estados
Unidos e Aliança Francesa; ao recebimento pela Redação de publicações
editadas pela UNESCO; a informações da APESNOESP e, por último,
uma nota referente a uma declaração do então ministro da Educação,
Clóvis Salgado, ao passar por São Paulo. De acordo com essa nota o
ministro afirmara que o governo da República iria encaminhar ao
parlamento um projeto de reforma do ensino secundário. A nota citava,
ainda, que o ministro defendia a inclusão de dectilografia (sic) e taquigrafia
no currículo do curso secundário.
27
Manteremos a grafia original, ou seja, da maneira em que se encontra no recorte da página do
jornal A Gazeta, em todos os aspectos, nos artigos da seção Magistério, assinados por Rosalvo
Florentino de Souza, que forem reproduzidos na íntegra, neste capítulo.
272
Não podemos deixar de considerar o momento histórico dessa
inserção diária de Rosalvo Florentino no jornal A Gazeta, muito menos as
palavras do ministro da Educação acerca de uma reforma no ensino. Como
afirmam Freitas e Biccas (2009, p. 137), “nunca fomos tão criativos em
termos educacionais como fomos no transcorrer da década de 1950 e nos
primeiros anos da década de 1960”. Os espaços de imprensa servirão para
evidenciar todo esse clima de mudança que empolgava a sociedade
brasileira na década de 1950 e início dos anos de 1960.
É verdade que muitos congressos se realizaram para discutir a
educação, tanto de caráter nacional como internacional, o projeto de Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, porém, encontrava-se
paralisado nas comissões da Câmara Federal.
Do ponto de vista da conjuntura política nacional, pode-se dizer
que a década de 1950, apesar da política desenvolvimentista que a nação
passara a adotar, não fora imune a crises. Como já citamos no capítulo
anterior sobre o ensino secundário, em 1954, a inflação chegara a um
índice não visto nem no período dos conflitos mundiais. Esse fator, de
cunho econômico, aliado à aproximação de Getúlio Vargas com as massas
e ao evento que agravou a crise política no país o atentado da rua
Tonelero contra o deputado Carlos Lacerda e que atingira o Major Vaz,
da Força Aérea Brasileira (FAB) levou Vargas ao suicídio. As forças
udenistas se fortaleceram, aproveitando-se dessas circunstâncias, ocupando
quase todos os ministérios, ao assumir a Presidência da República João
Café Filho.
Conforme nos lembra Ribeiro (2007), o clima político, porém,
não encontrava, ainda, calmaria. A União Democrática Nacional (UDN)
tentara, sem sucesso, adiar as eleições. Apresentando um programa para
fazer o Brasil progredir “50 anos em 5”, Juscelino Kubitschek de Oliveira
fora eleito, tendo como vice João Goulart, com o apoio da burguesia
273
industrial, da burguesia agrária, do operariado sindicalizado e das forças
nacionalistas. A posse, porém, só viera a acontecer no dia 31 de janeiro de
1956, quando depois de diversas tentativas de impedimento, o general Lott
liderou, em novembro de 1955, um golpe que destituiu Carlos Luz, por
quem Café Filho havia sido substituído. O “estado de sítio” fora decretado
e o então presidente do Senado, Nereu Ramos, assumiu até o dia da posse
dos eleitos.
O caráter democrático que Rosalvo Florentino procurava dar à
seção Magistério não ocorria por acaso. Quando a seção fora criada no
jornal A Gazeta, Juscelino Kubitschek estava no segundo ano de seu
governo e, como nos lembra Ribeiro (2007, p. 152-153),
Após um ano de governo agitado pelo inconformismo das forças
derrotadas, diante da intenção de executar seu programa de governo,
Juscelino, contando com o apoio de significativos setores da sociedade
brasileira, estabelece uma real liberdade política (não houve presos
políticos no período) que, juntamente com as promessas de melhoria
de condições de vida, resultante da execução do programa, obtém um
clima de paz social que oferece condições de ação. Procurou, por outro
lado, infundir um otimismo ilimitado, uma confiança nas
possibilidades do país e do povo que (...) era uma negação frontal do
complexo de inferioridade colonial em relação particularmente aos
povos de origem anglo-saxã, que então grassava no Brasil” e rodeou-se
“(...) de uma equipe de técnicos, particularmente economistas que
viera surgindo no Brasil a partir da Segunda Guerra Mundial (...)
(Pereira, 1968: 46), o que fez com que pela primeira vez o governo
federal se transformasse em um instrumento deliberado e efetivo do
desenvolvimento brasileiro.
A visão cultural começava, de certa maneira, a mudar. O Brasil
precisava afirmar-se como Nação. O programa desenvolvimentista de
274
Juscelino contribuíra para isso, com a intensificação da entrada de capitais
estrangeiros, a qual frente às resistências às mudanças na estrutura interna,
fora considerada necessária. Essa foi uma atitude, a nosso ver, acertada de
Juscelino Kubitschek, já que, como afirma Ortiz (2001, p. 13), “[...]. Não
é por acaso que a questão da identidade se encontra intimamente ligada ao
problema da cultura popular e do Estado; em última instância, falar em
cultura brasileira é discutir os destinos políticos de um país. [...]”.
A própria diferença do formato editorial da seção Magistério, em
relação a outros espaços ocupados por Rosalvo Florentino nas páginas de
A Gazeta, já nos remete ao fato de que, caso consideremos os anos 40 como
o início de uma “sociedade de massa” no Brasil, consolida-se o que os
sociólogos chamam de sociedade urbano-industrial. Isso ficou evidente no
artigo de Rosalvo Florentino, transcrito acima, quando se refere à grandeza
de São Paulo e à necessidade de se acompanhar e expor tal grandeza. Sem
dúvida alguma, foi entre os anos de 1956 a 1961 que o Brasil esteve no
período “áureo” de seu desenvolvimento econômico, com significativo
aumento das possibilidades de emprego, ainda que os lucros fossem
concentrados em setores minoritários internos e externos. Era nessa
perspectiva que
[...] A velha sociologia do desenvolvimento costumava descrever essas
mudanças sublinhando fenômenos como o crescimento da
industrialização e da urbanização, a transformação do sistema de
estratificação social com a expansão da classe operária e das camadas
médias, o advento da burocracia e das novas formas de controle
gerencial, o aumento populacional, o desenvolvimento do setor
terciário em detrimento do setor agrário. É dentro desse contexto mais
amplo que são redefinidos os antigos meios (imprensa, rádio e cinema)
e direcionadas as técnicas como a televisão e o marketing. Sabemos que
é nas grandes cidades que floresce esse mundo moderno; [...] (ORTIZ,
2001, p. 38-39).
275
O “Primeiro comentário” de Rosalvo Florentino não se furtava de
procurar se enquadrar nesse novo modelo cultural. O professor-jornalista
admitira que a seção Magistério seria um espaço de registro de todos os
problemas da educação paulista, bem como das sugestões para a resolução
desses problemas. Afirmou, ainda, que a seção estaria disponível para tratar
de questões nacionais também. O caráter de crônica política da seção
também se manifestava quando se propunha a fazer um registro diário da
situação do ensino, trazendo informações inclusive de cunho
administrativo. À grandeza de São Paulo Rosalvo Florentino se referiu
como se fosse reflexo das variadas reações, seja de alegria seja de
descontentamento, provocadas pelos problemas específicos de cada setor.
Essa alusão de Rosalvo Florentino não se restringia aos vários setores da
educação. Estendia-se a outros setores da economia, uma vez que o
discurso que aliava educação e desenvolvimento era o que dava a tônica
dos debates na área durante a década de 1950. Só para se ter uma ideia
dessa relação,
[...] no transcorrer do governo de Juscelino, há a tentativa de conciliar
o modelo político nacional-desenvolvimentista com o modelo
econômico substituição de importações em sua segunda fase, agora
contando basicamente com a participação do capital estrangeiro. Com
isso o modelo político transforma-se apenas num aparato, isto é, em
aparência sem conteúdo correspondente, para ser ostentada em atos
públicos (RIBEIRO, 2007, p. 153).
Se a educação era vista, por alguns, como instrumento capaz de dar
suporte a esse desenvolvimento, não era de se esperar que os rumos
tomados por ela seguissem a mesma rota que os ventos políticos indicavam.
Melhor expondo: as discussões em torno do projeto de Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, no momento de sua apresentação à Câmara
276
Federal, em 1948, fundamentavam-se em torno da dicotomia
centralização x descentralização, ou seja, uma discussão de caráter
fortemente político. Após um período de hibernação nas comissões da
Câmara dos Deputados, o projeto encontrava-se prestes a voltar à pauta
do dia, o que se daria de forma mais incisiva no ano de 1958. O centro do
debate, porém, tomou um viés de ordem acentuadamente econômica: a
polarização entre a educação pública e a privada.
Essa polarização, na verdade, representava a correlação de forças
entre setores conservadores, indignados com o acesso à educação que as
camadas menos favorecidas vinham alcançando com o novo modelo
econômico do país, e os setores mais progressistas, que defendiam uma
educação pública e gratuita. As mesmas vozes que se opuseram no início
da década de 1930, quando da publicação do Manifesto dos Pioneiros da
Escola Nova, ecoavam ao final da década de 1950. Nesse sentido, a luta das
correntes privatistas era sustentada por fatores que
[...] Além dos interesses puramente comerciais em jogo, que afetavam
igualmente os dois setores envolvidos nessas correntes, ou seja, o leigo
e o católico, existia, ainda, por parte deste último, o interesse de ordem
doutrinária, vale dizer, ideológico. Urgia aproveitar a oportunidade
para, através da cobertura dada “pelos direitos da família”, recuperar a
influência antes exercida em todo o sistema educacional e por que
não? na vida mesma da Nação. Para tanto a Igreja contava com a
tradição católica da sociedade brasileira (ROMANELLI, 1997, p.
178).
Como esperar, então, outra postura naquele momento da Igreja se
ela sempre sustentara um compromisso com um sistema de educação dual
aristocrático? Os privatistas leigos se aproveitaram da força da Igreja e a
277
deixaram liderar o debate, já que ela representava as forças que temiam a
democratização do país, ou seja, as forças conservadoras. Vale ressaltar que
[...] O ensino público, com o ser obrigatório e gratuito, era
democrático e possibilitava, de um lado, às camadas populares uma via
de acesso à participação na vida econômica, de forma menos
discriminante, mais justa; de outro lado, acenava com a possibilidade
de participação política mais consciente e de bases mais amplas, o que
vinha a minar pela base, o sustentáculo político das velhas elites. Era
por isso que estas temiam a democratização do ensino. [...]
(ROMANELLI, 1997, p. 178).
A imprensa não passou ao largo dessa discussão. Especialistas em
educação como Rosalvo Florentino de Souza, Gerson Rodrigues, Elisiário
Rodrigues de Souza, Ernesto de Souza Campos, Laerte Ramos de Carvalho
e outros não se furtaram de oferecer o espaço que tinham nos periódicos
paulistas para esse debate. Ainda em março de 1957, a seção Magistério
apresentou o seguinte artigo de Rosalvo Florentino, intitulado “Ensino
gratuito obrigatório”, o qual transcrevemos a seguir:
Preceitua a Constituição da Republica que o ensino primario é
obrigatorio e gratuito e de atribuição do governo, seja o estadual ou
federal e assim vem sendo, realmente, embora o numero de escolas
primarias, no Brasil, seja inferior às suas necessidades. Segundo dados
oficiais, existem em todo o territorio nacional cerca de quatro milhões
de crianças em idade escolar, de 7 a 12 anos, que não frequentam
escolas. A cifra é bem elevada e deve impressionar sobretudo àqueles
que cuidam mais dos cargos de representação do que da instrução do
povo. Esse caudal enorme de crianças sem escolas vai engrossar as
fileiras dos “adultos analfabetos” e não basta a intensa campanha de
alfabetização de adultos, com todos os seus resultados, para exterminar
278
o analfabetismo no Brasil. Si é certo que “é mais fácil ensinar adultos
do que crianças”, não devemos esperar que estas cresçam para serem
educadas. A base da educação é, principalmente, a escola primária. Mas
si esta é em número bem reduzido, em relação ao numero de
matriculandos, é fácil compreender que a “obrigatoriedade” do ensino
é muito relativa. Não devemos, também, esperar que o governo faça
tudo e que fiquemos com os braços cruzados. A cooperação particular
neste setor, é muito vantajosa e felizmente os professores não faltam
com a sua ajuda, quando preciso. E si o governo não pode prover tudo,
e si os particulares, pessoas físicas, não dispõem de recursos para isso,
muito poderiam fazer as pessoas juridicas, grandes empresas comerciais
ou industriais que mantêm ao seu serviço numerosos operarios.
Sabemos da existencia de escolas primarias mantidas por industriais,
mas os exemplos precisam de ser multiplicados. Cada industria deveria
manter, desde que as suas condições economicas o permitam além de
escolas primarias, créches para os filhos dos seus operarios. E com isto
estariam contribuindo, em primeiro lugar, para o progresso da sua
própria industria e, depois, para a grandeza do Brasil. Quando
“descobrirem” esta verdade, é provável que se disponham a cooperar
com os poderes constituidos na criação de escolas primarias, elevando
assim o nível cultural do Brasil (SOUZA, 26 mar. 1957).
Diferente das seções anteriores que Rosalvo Florentino redigira, as
quais se apresentavam mais em forma de entrevistas, consequentemente
com opiniões outras, a seção Magistério recebia sua assinatura. O que se
apresentava nela, portanto, era o ponto de vista do articulista. Nesse
sentido, vale, a partir desse artigo, avaliar o posicionamento de Rosalvo
Florentino acerca da obrigatoriedade e gratuidade do ensino no Brasil.
O título do artigo chama a atenção do leitor, dando-lhe a
impressão de uma defesa do ensino gratuito e obrigatório. Essa impressão
se fortaleceu logo no primeiro período, quando o preceito constitucional
da gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário foi evocado pelo
279
articulista. O segundo, o terceiro e o quarto períodos do texto
apresentavam dados que mostravam que o governo, em suas diversas
esferas, vinha agindo para cumprir a Constituição Federal, mas Rosalvo
Florentino já dava indícios, ao criticar os ocupantes de cargos de
representação, que seu discurso não era tão a favor da gratuidade do ensino
como sugeria o título do artigo.
Partindo de uma premissa contraditória, “Si é certo que “é mais
fácil ensinar adultos do que crianças”, não devemos esperar que estas cresçam
para serem educadas”Rosalvo Florentino afirma a importância da escola
primária como base da educação. Como a premissa em si é contraditória,
é de se esperar que a partir de então o discurso do articulista restrinja-se a
uma falácia. Não se trata aqui de querer desconsiderar as ponderações feitas
por Rosalvo Florentino ou de um posicionamento ideológico intolerante
de nossa parte, no entanto,
A falácia num argumento se deve antes a um erro do argumentador do
que do próprio argumento; entretanto, nem sempre a falta é tampouco
do argumentador, mas somente quando passa despercebida a este: pois
não raro admitimos pelos seus próprios méritos, de preferência a
muitos outros que são verdadeiros, um argumento que demole alguma
proposição verdadeira, quando o faz partindo de premissas que sejam
o mais geralmente aceitas possível. Pois um argumento dessa espécie
efetivamente demonstra outras coisas que são verdadeiras, já que uma
das premissas formuladas está completamente fora de lugar ali, e é essa
a que será demonstrada. Se, contudo, uma conclusão verdadeira é
alcançada através de premissas falsas e absolutamente infantis, o
argumento é pior do que muitos outros que conduzem a uma
conclusão falsa, embora alguns destes também possam ser do mesmo
tipo. Evidentemente, pois, a primeira coisa que se deve perguntar com
respeito ao argumento em si mesmo é: ele tem uma conclusão?"; a
segunda: "a conclusão é verdadeira ou falsa?; e a terceira: de que
espécie de premissas consta?’. Porque, se estas últimas, embora falsas,
280
são geralmente aceitas, o argumento é dialético; e, por outro lado, se,
embora verdadeiras, são geralmente rejeitadas, é um mau argumento;
e, se são falsas e, ao mesmo tempo, inteiramente contrárias à opinião
geral, evidentemente o argumento é mau, quer de todo, quer em
relação ao tema particular que se está discutindo (ARISTÓTELES,
1987, p. 222).
Foi nesse sentido que consideramos falacioso pontualmente esse
argumento de Rosalvo Florentino. É certo que ele se utilizou de dados que
podiam trazer um caráter de veracidade a seu argumento. A sua saída,
porém, parte de uma argumentação também precária, pois relativiza a
obrigatoriedade do ensino. Para justificar essa relativização da
obrigatoriedade do ensino se apoiou no argumento de que a incapacidade
do governo de prover todo o ensino deveria fazer com que a sociedade se
mobilizasse e se permitisse a cooperação particular. Indo mais longe,
Rosalvo Florentino apelava para o apoio de pessoas jurídicas, quando as
pessoas físicas não pudessem arcar com o ônus de sua educação. Para
justificar essa argumentação citou como exemplo o ensino que algumas
indústrias vinham provendo.
A alusão que Rosalvo Florentino fez em relação à participação da
indústria na educação, além de fortalecer o discurso questionável de que
educação e desenvolvimento caminham juntos, nada mais era do que o que
já previa a então vigente Lei Orgânica do Ensino Industrial, em seu Título
V, Das providências para o desenvolvimento do ensino industrial,
Art. 71. Aos poderes públicos em geral incumbe: (Renumerado pelo
Decreto Lei nº 8.680, de 1946)
281
I. Adotar, nos estabelecimentos oficiais de ensino industrial, o sistema
da gratuidade, pelo menos para os alunos privados de meios financeiros
suficientes.
II. Instituir, com a cooperação dos meios interessados, e em benefício
dos que não possuam recursos suficientes, assistência escolar que
possibilite a formação profissional dos candidatos de vocação, e o
aperfeiçoamento ou especialização profissional dos mais bem dotados
(BRASIL, 30 jan. 1942d).
O posicionamento de Rosalvo Florentino, apesar de ter o seu
espaço no jornal A Gazeta destinado às questões do magistério como um
todo e sensível à situação do professorado, ia, de certo modo, de encontro
ao que buscava a sociedade, ou pelo menos parte dela, ao final da década
de 1950. No que diz respeito ao debate sobre a educação,
[...] se em um primeiro momento salta aos olhos que o Executivo
prefere fixar sua atenção na economia, deixando nas mãos do
Congresso e da sociedade o debate em torno da educação que, bastante
acirrado, discutia questões relativas ao ensino religioso e à escola
pública para todos (Schwartzman et al, 2000), em outro momento se
dá conta de que o desenvolvimento econômico via industrialização
exige que fomente alguns institutos que viabilizem a formação de
quadros para ocupar as novas funções dominantes da divisão social do
trabalho (CHAVES, 2014, p. 165).
A defesa que Rosalvo Florentino fazia do ensino apoiado pelas
pessoas jurídicas, portanto, não era fortuita. Havia uma motivação que se
devia também ao discurso de modernização do país e às manobras políticas
que o governo precisava realizar para tornar viável seu projeto
desenvolvimentista, uma vez que
282
[...] a ligação entre estado e capital privado, principalmente aquela
empreendida por JK, acaba por afetar a própria educação, que se vê
diante do aumento do número dos estabelecimentos de ensino
secundários privados que, sob a chancela do poder público, recebem a
autorização para seu funcionamento. A população, principalmente
urbana, ávida por se inserir nas novas oportunidades de trabalho,
começa a reivindicar, de maneira variada, maiores condições de
escolaridade para seus filhos, tornando a universidade o foco principal
de um conjunto cada vez mais amplo de frações de classe. As camadas
médias, por exemplo, aspirariam a maiores chances no ensino
secundário, para assim serem capazes de concorrer com as elites em
maior igualdade de condições às tão sonhadas vagas para os cursos
superiores (CHAVES, 2014, p. 165-166).
Essa aspiração da sociedade passou a exercer sobre o governo
pressão das mais variadas formas. Em reportagem do dia 25/03/1957, não
inclusa na seção Magistério, o jornal A Gazeta trazia uma entrevista com o
então ministro da Educação, Clóvis Salgado, intitulada “O Ministério da
Educação e as anuidades escolares”. A reportagem fora iniciada com a
afirmação do ministro de que já havia sido procurado por duas vezes pelos
estudantes secundaristas de Belo Horizonte, os quais se encontravam em
greve, reivindicando o congelamento das anuidades escolares. O ministro
afirmou ter ouvido os estudantes por mais de uma hora, prestando-lhes
todas as informações solicitadas e o posicionamento do Ministério da
Educação sobre o assunto.
De acordo com o ministro, em 1956, a Comissão Federal de
Abastecimento e Preços (COFAP) mandara congelar as anuidades
escolares; a justiça, porém, decidiu que essa entidade não teria competência
para tabelar o custo do ensino e tornou o ato sem efeito. Por outro lado, a
Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados não acolheu o projeto
Rogê Ferreira do mesmo teor. Para o ministro da Educação a solução que
283
se apresentava era a que se apoiava no preceito regulamentar, da alçada do
Ministério da Educação, que declarava que as anuidades escolares deveriam
ser módicas. Clóvis Salgado ponderou, no entanto, que modicidade não se
definira e que as sanções aplicáveis à infração da regra não foram
estipuladas, o que levou o Ministério da Educação, ao sentir-se desarmado,
a buscar uma solução indireta, mediante a regulamentação da lei do Fundo
Nacional do Ensino Médio.
De acordo com Clóvis Salgado, os colégios poderiam receber
auxílios pelo Fundo Nacional do Ensino Médio, desde que atendessem a
algumas condições: “1º) que gastassem com o professorado, pelo menos
40% da renda teórica (abstraída a evasão); 2º) que pagassem ao professor
a remuneração condigna, estabelecida em portarias ministeriais; 3º) que
não auferissem mais de 8% de renda líquida”. Atendidas essas condições,
os recursos do Fundo seriam aplicados na manutenção dos colégios, o que
proporcionaria a estes uma fonte de receita outra que não somente as
anuidades escolares. De acordo com o ministro da Educação, seria essa
uma maneira de manter as anuidades escolares em nível mais baixo do que
se a escola tivesse que sustentar sozinha as despesas da escola. Esse seria o
princípio do Fundo Nacional do Ensino Médio, no momento de sua
criação em 1955.
O ministro prosseguiu a entrevista afirmando que os colégios
poderiam passar a anuidade, no curso ginasial, de 4.000 para 5.250
cruzeiros, desde que os professores permanecessem com salário-aula de 70
cruzeiros. Se o salário do professor fosse elevado ao patamar de 90
cruzeiros, a anuidade deveria elevar-se a 7.400 cruzeiros, o que, de acordo
com o ministro, pelo então regulamento do Fundo Nacional do Ensino
Médio, seria ainda considerada módica. O gestor da Pasta da Educação
não deixou de aproveitar a oportunidade para retirar do governo a
responsabilidade pela contenda. Segundo o ministro, o governo só havia
284
obrigado a elevação do salário a 63 cruzeiros. O que se ofereceu a maior
desse valor foi fruto de uma negociação entre o Colégio e o professor. O
ministro afirmou que, em sã consciência, fazia-se necessário reconhecer
que não seria condigno do professor um salário de 63 cruzeiros e comparou
à remuneração das aulas extraordinárias do Colégio Estadual que seria de
117 cruzeiros.
Nas palavras de Clóvis Salgado, as reclamações dos estudantes não
ocorriam em razão do valor absoluto da anuidade, mas sim do sacrifício
que lhes importava pagá-lo. E acrescentou o ministro da Educação:
[...] De fato, nossa população permanece pobre, incapaz de suportar,
em geral, ensino secundário desse preço. Por outro lado, a educação
tornou-se indispensável para ganhar a vida, e a própria Constituição
preceitua que é um direito de todos. Assim sendo, os interessados
dirigem-se ao governo pedindo providências para conjurar a crise.
Querem que o Ministério da Educação compila os colégios a cobrar
menos. Examinei detidamente o problema e cheguei à conclusão de
que, dentro da legislação atual, as únicas armas de que dispõe o
Ministério são as sanções indiretas do regulamento do Fundo Nacional
do Ensino Médio. Não receberá auxílio o colégio que cobrar anuidade
considerada excessiva. Solicitei à Câmara definição legal da
modicidade, calculando-se a anuidade módica pelo dobro do salário
mínimo regional (DEP. A GAZETA, 1957).
O ministro Clóvis Salgado finalizou a entrevista, afirmando que a
tendência do Ministério da Educação era buscar alargar cada vez mais o
auxílio direto ao aluno, por meio de bolsas supletivas, ou seja, na medida
das suas necessidades. Nesse sentido, de maneira indireta, os colégios
particulares seriam também beneficiados, uma vez que muitos deles
suportavam uma clientela não pagante. O ministro afirmou, ainda, ter
285
consciência de estar sendo acusado de ter sido omisso frente à excessiva
elevação das anuidades em Minas Gerais. Considerou, porém, sua
exposição um relato do que o Ministério da Educação poderia fazer,
conforme as realidades financeiras do país e a legislação em vigor. O
ministro reconheceu que muito mais deveria ser feito como, por exemplo,
estender a rede escolar pública, distribuir mais bolsas e melhorar o ensino,
entre outras medidas. Clóvis Salgado ponderou, no entanto, que essas
medidas não dependiam apenas de sua vontade, uma vez que, como
simples servidor público, possuía competência limitada.
Salgado afirmou que vinha procurando impor a prioridade dos
gastos com a educação, tinha encontrado, porém, dificuldades em razão de
isso ainda não se encontrar bem definido na consciência brasileira, basta
lembrar que a educação ainda continuava com menos de 10% da receita
tributária, mínimo exigido pela Constituição Federal.
Ficou notória nessa entrevista do ministro da Educação a pressão
que as forças privatistas exerciam sobre o governo, no sentido de obter
subsídios e de terem prioridade no que dizia respeito às verbas da educação.
A própria criação do Fundo Nacional do Ensino Médio era uma concessão
a essas forças não apenas do ponto de vista econômico. Do ponto de vista
político, o ônus da responsabilidade pelo aumento das anuidades escolares
recaía exatamente no elo mais fraco da relação capital x trabalho, ou seja,
o professor.
O que se apresentava como condição para que os colégios
particulares recebessem auxílios pode a princípio até parecer uma forma de
valorização do professor. Observando mais atentamente, porém, percebe-
se que é exatamente o inverso. A remuneração do professor, passando a ser
o parâmetro para o aumento do valor das anuidades escolares, fazia com
que os estudantes e os pais se colocassem a favor de um reajuste módico da
remuneração dos professores, a fim de que pudessem ter valores menores
286
em suas anuidades. O congelamento das anuidades pleiteado pelos
estudantes mineiros representava, na verdade, um congelamento salarial
para o professorado da rede particular e, consequentemente, o
fortalecimento da política de desvalorização do profissional de educação.
O governo se excluiu dessa responsabilidade, ao sugerir uma remuneração
menor do que a que foi acordada entre colégios e professores.
Deve-se ressaltar que na coleção de recortes de jornais deixada por
Rosalvo Florentino há, na pasta nº 01, algumas matérias que tratam do
movimento grevista dos professores da rede particular. O que chamou a
atenção, porém, é que, sendo o jornal O Estado de São Paulo considerado
um dos mais conservadores do país, paradoxalmente foi nele que Laerte
Ramos de Carvalho, seu Redator especializado em ensino, procedera a um
ataque a essa comercialização do ensino e, por consequência, uma defesa
do ensino público e gratuito.
Para Ramos de Carvalho, o ensino particular e isto já é tema do artigo
“Do professor secundário” contribui também para a degradação da
profissão docente. Por ter sempre em vista a otimização dos lucros, o
empreendedor particular pagava os ordenados pelo regime “salário-
aula”, obrigando assim o professor a se sobrecarregar para a sua
subsistência, sacrificando a qualidade do ensino ministrado. [...]
(BOMTEMPI JUNIOR, 2014, p. 263).
Se a situação do professor da rede particular não era confortável,
não melhor encontrava-se a do professor da rede pública. Em artigo do dia
15 de março de 1957, da seção Magistério, Rosalvo Florentino abordou a
“Situação economica do professor”:
287
Em 1939, ao deflagrar a guerra mundial, os vencimentos mensais de
um catedratico do ensino secundario eram de um mil cruzeiros e o
preço de cada aula extraordinaria era de dez cruzeiros. Naquela ocasião
a circulação monetaria nacional era de cinco biliões de cruzeiros.
Atualmente a circulação monetaria nacional, devido à politica
inflacionista dos ultimos governos, é superior a cinquenta biliões de
cruzeiros, de sorte que nossa moeda desvalorizou-se de dez vezes, e,
consequentemente, os preços dos artigos de consumo, alugueis de casa,
medicamentos, etc., subiram, em média, dez vezes mais. Ora, para que
um professor catedratico perceba hoje os mesmos vencimentos que
percebia naquela ocasião, necessario seria que seus vencimentos fossem
iguais a dez vezes mais os vencimentos vigorantes naquela época. Não
é o que acontece presentemente. Depois de uma renhida luta em que
reivindicavam melhores vencimentos, durante dois anos seguidos, sem
nenhuma majoração de vencimentos, o Legislativo aprovou a
mensagem do Executivo propondo o reajustamento geral do
funcionalismo, inclusive do professorado. No caso do professor
secundario, passou do padrão “L”, Cr$ 6.900,00, para o padrão “M”,
Cr$ 9.400,00, apresentando-se, portanto, ainda, um “déficit” de Cr$
600,00 para a subsistencia do mestre, considerando-se o milagre de que
o mesmo não seja obrigado a gastos extraordinarios, com molestias sua
e de sua família, pois não se pode falar noutros extraordinarios que
escapam ao poder aquisitivo do professor. E note-se que o professor
vinha sofrendo, desde muitos anos, a pressão do custo de vida sem
reajustamento de seus vencimentos, levando, portanto, vida de
sacrificios, com reflexos na sua vida funcional, na sua formação
profissional ou aperfeiçoamento, vale dizer com profundos reflexos no
ensino (SOUZA, 15 mar. 1957).
Não podemos aqui deixar de lembrar que anos antes houvera, no
Estado de São Paulo, uma negociação dos professores, mediante um
memorial redigido e assinado pelas diversas entidades sindicais, propondo
a remuneração de sete mil cruzeiros para o professor. Parte da classe
considerava, já em 1954, irrisório esse valor e as entidades sindicais
288
justificavam a proposta em razão de se procurar a garantia de reajustes
futuros, a partir da equiparação entre professores secundários e
universitários.
Para o governo, então, favorecer a expansão da rede particular seria
benéfico. Transferia, dessa forma, grande parte de sua responsabilidade
com a gratuidade do ensino para a iniciativa privada e, por consequência,
saía da linha de frente dos embates entre a sociedade e os anseios dos
professores. Além disso,
[...] O ensino secundário tornara-se para os empresários, o ramo mais
interessante de investimentos, não só por ser considerado o mais eficaz
agente de promoção social, mas por ser menos custoso do que os
ensinos industrial e agrícola (Nunes, 2000, p. 45). O crescimento da
demanda, que começava a ser rapidamente capitalizada pela ágil
iniciativa particular, era um dos fenômenos que minava a possibilidade
de o Ministério da Educação [...] controlar o sistema e garantir que os
modos e funções estabelecidos na Lei Orgânica (1942) fossem
realmente cumpridos (BOMTEMPI JUNIOR, 2014, p. 261).
A pressão social sobre o governo em busca de acesso e gratuidade
do ensino, bem como o caráter obsoleto que tomava a Reforma Capanema
exigiam uma reforma no ensino, a qual o governo JK tentou realizar.
4.2.1 A Reforma do Ensino
O ano de 1957 foi marcado também por uma tentativa de
alinhamento das políticas educacionais com a realidade que se impunha,
principalmente a partir do modelo desenvolvimentista que o governo JK
procurava realizar. As páginas do jornal A Gazeta apresentaram as
289
discussões em torno de uma reforma no sistema de ensino durante todo o
ano em matérias pertencentes ou não à seção Magistério.
O primeiro recorte deixado por Rosalvo Florentino que trata desse
assunto, no ano de 1957, é datado a lápis como do dia 19 de março e traz
o seguinte título: “Nova Política Educacional”. Trata-se de uma matéria
assinada por Rosalvo Florentino que se encontrava na seção Magistério e
que trazia uma característica textual que se aproximava mais da crônica
política, em tom de notícia, do que de um artigo de opinião, como se
costumava encontrar na seção assinada por ele. Eis a íntegra do texto:
Em mensagem ao congresso nacional o sr. Presidente da Republica
delineia novos rumos para a politica educacional do governo,
anunciando reformas em andamento para os diferentes setores do
ensino, desde o primário ao superior. Cursos complementares ao
primário deverão ser criados, para a orientação profissional dos
escolares; escolas vocacionais, portanto. Referindo-se ao ensino de grau
médio diz que o ensino secundário, reservando largo espaço às
disciplinas humanísticas, se mostra parcimonioso no que toca às de
carater técnico ou cientifico. Adianta que é preciso se converta em
realidade a ligação horizontal entre os varios cursos de grau médio.
“facultando aos alunos pronta adaptação ao ramo profissional de sua
escolha”. Deseja, assim, tornar mais flexiveis os diferentes cursos de
grau médio. Sobre o ensino superior: “tambem está a exigir reformas”,
sendo necessário incrementar a preparação de tecnicos, agronomos,
veterinários, quimicos, engenheiros. Para poder por em prática as
medidas sugeridas em que sua mensagem o presidente Juscelino
Kubitschek aprovou a exposição de motivos do ministro da Educação
e designou uma comissão especial, destinada a colaborar com o
Conselho do Desenvolvimento, apreciando e estudando aspectos da
educação ligados de forma direta ao problema do desenvolvimento
nacional. O presidente da República, fixando o prazo de 60 dias para
a apresentação dos estudos a serem realizados, demonstra o seu
interesse pelo importante problema que de há muito vem reclamando
290
a atenção dos nossos governantes. Que Deus ilumine os membros da
comissão composta, aliás, de nomes expressivos nos meios
educacionais brasileiros para que possam desincumbir-se, com a
urgencia requerida e com eficiência da dificil tarefa. E que o
parlamento se manifeste tambem, no momento oportuno, com a
mesma urgencia, para que não esperemos tanto quanto estamos
esperando pelas Diretrizes e Bases da Educação Nacional (SOUZA, 19
mar. 1957).
A mensagem a que Rosalvo Florentino se referiu tratava-se da que
o Presidente da República havia remetido para o Congresso Nacional na
sessão de abertura do ano legislativo, que se dera no dia 15 de março de
1957.
Na parte quinta, Desenvolvimento social e cultural, capítulo I,
Educação, Ciência e Cultura, Juscelino Kubitschek iniciara falando sobre
os Problemas da Cultura Brasileira. Para o presidente, os problemas
culturais que defrontamos eram oriundos de desigualdades no ritmo de
desenvolvimento nas diversas regiões brasileiras e em suas esferas distintas
de atividade produtiva, o que, segundo o chefe do Poder Executivo,
redundava na coexistência de modos de fazer, de pensar e de sentir,
distanciados, entre si, de séculos.
A concentração populacional e de recursos nas regiões litorâneas
em contraste com o interior do país, além da contemporaneidade de
centros urbanos dos mais progressistas do mundo com regiões fortemente
marcadas por estilos retrógrados de vida seria um dos traços característicos
do Brasil. De acordo com JK, esses contrastes no plano cultural se
tornavam evidentes na pequena participação do povo no progresso
tecnológico e na falta de uniformidade e integração no desenvolvimento
das diferentes esferas de atividade.
291
No que concerne à educação, o Presidente da República afirmara
que
até recentemente, prevalecia completa desvinculação entre o nosso
sistema de ensino, voltado em todos os graus para a formação
acadêmica, e os problemas práticos que o povo brasileiro tem de
enfrentar. As escolas formavam uma elite que nem sempre considerava
como tarefa sua o aprimoramento das técnicas de exploração dos
recursos naturais (BRASIL, 1957, p. 419).
O que se pode inferir dessas palavras de JK é que a reforma que
começava a ser estudada teria como meta eliminar, ou pelo menos
diminuir, a distância entre o ensino secundário, de cunho humanista e
voltado para os cursos superiores, e o ensino profissional, em suas diversas
modalidades. Para o Presidente da República,
[...] o crescente desenvolvimento da estrutura econômica do País,
criando novas condições sociais, impunha a adoção de outros processos
educativos e a remodelação dos atualmente em vigor. Eis o principal
objetivo que se impõe à educação nacional (BRASIL, 1957, p. 429).
É fato que o processo de industrialização por que passava o país
levava como consequência, segundo Juscelino Kubitschek, a uma mudança
gradativa na distribuição da força de trabalho nas diversas atividades. A
demanda por novos tipos de ocupação nas zonas urbanas levava a uma
diminuição da população rural ao mesmo tempo em que se precisava
aumentar a produção de alimentos, o que levava à necessidade de uma
mecanização da lavoura. Esse processo exigiria uma adequação do modelo
292
educacional ao modelo de desenvolvimento da Nação. Nesse sentido, nas
palavras de JK,
A escola é o instrumento social capaz de realizar essa tarefa. A isso não
se presta, porém, a escola tradicional, com a sua formação puramente
intelectualista. É mister enfrentar o problema, em suas bases,
ministrando às populações campesinas, desde a escola primária,
educação apropriada àquele fim. Mas há também que atender à
situação do jovem que deixa o campo e procura trabalho nas cidades,
oferecendo apenas um esforço braçal que não lhe assegura nível de vida
adequado (BRASIL, 1957, p. 430).
O Presidente da República defendia, ainda, que era preciso
reconhecer que a submissão dos indivíduos a um só tipo de ensino,
quaisquer que fossem seus objetivos, seria um erro elementar. Nesse
sentido seria necessário organizar ou reorganizar as escolas de diferentes
tipos, de modo que, em conformidade com a conjuntura social, econômica
e cultural, pudessem receber os jovens, conforme suas tendências
vocacionais. Para Juscelino Kubitschek,
O atual curso secundário não está em condições de preparar o jovem
para o trabalho. Constitui um estágio intermediário entre o ensino
primário e o superior, cabendo a este formar os profissionais que,
predominantemente, se destinam às carreiras liberais. Logo, um curso
secundário interrompido, ou mesmo concluído, não favorece o
encaminhamento conveniente do jovem para as tarefas da vida prática.
Urge tornar realidade a ligação horizontal, já estabelecida em lei, entre
os vários cursos de grau médio, de modo que permita aos alunos que
interrompem um desses cursos pronto encaminhamento a qualquer
dos outros, desde que aferidas suas aptidões para ele. Com relação aos
alunos de vocação manifesta, é mister, ainda, efetuar a concentração do
293
estudo, especialmente nas últimas séries, mediante um currículo
central reduzido, de duas ou três disciplinas no máximo, completado
por um número variável de outras livremente escolhidas pelo
estudante, segundo suas inclinações (BRASIL, 1957, p. 430-431).
A mensagem presidencial lançava, portanto, as bases do ensino de
cunho tecnicista que iria se fortalecer na década de 1960, principalmente,
em razão das políticas econômica e educacional adotadas pelos militares.
Na mensagem do ano seguinte, de 1958, o Presidente da República
chegou a reconhecer que 70% da demanda de educação de grau médio,
estavam destinados ao ensino secundário, por ser aquele capaz de conduzir
às universidades. O governo, por sua vez, propunha horizontalizar o ensino
de grau de médio, a fim de que a educação se voltasse mais para a vida
prática.
Esse esforço do governo estava ligado a uma ideia de disseminação
de um modelo educacional que tinha como referência o modelo norte-
americano, o qual procurava também dar um “apoio” para a implantação
dos sistemas educacionais sulamericanos. No nosso caso, devemos salientar
que, naquele momento,
a educação para o trabalho vista como parte da educação geral
impactava profundamente a concepção do ensino secundário
prevalecente no Brasil, desde o século XIX, e a disseminação dessa ideia
entre intelectuais, educadores e políticos no final dos anos 50 e início
dos anos 60 no campo educacional deve-se, em grande parte, à
ideologia nacional-desenvolvimentalista. O Instituto Superior de
Estudos Brasileiros ISEB, criado pelo governo federal em 1955, foi
um dos grandes responsáveis pela constituição e propagação desse
corpo doutrinário no país. Em que pesem as divergências internas entre
os vários intelectuais filiados a essa instituição, a reflexão teórica do
294
ISEB postulava que a ideologia do desenvolvimento expressava o
sentido das transformações econômicas e sociais vividas pelo país,
representando, assim, as aspirações de todas as classes sociais, pois a
superação do subdesenvolvimento, mediante o esforço
desenvolvimentista interessava a toda a população brasileira. [...]
(ROSA SOUZA, 2008, p. 255).
A doutrina propagada pelo ISEB não estava desvinculada do
contexto político social, ainda que muitos intelectuais aceitassem com
reservas essa relação estreita entre o sistema educacional e o
desenvolvimento econômico. Conforme afirma Rosa Souza (2008, p. 255-
256), para alguns educadores a educação seria vista não apenas como índice
de progresso, mas também um instrumento indispensável do
desenvolvimento econômico, o que fazia com que a relação educação e
desenvolvimento se tornasse uma educação destinada à mudança social.
Essa questão de mudança social, porém, é a que deve receber uma
conotação ideológica, em razão de ser observada sob concepções diversas,
uma vez que
À medida que o ensino secundário atendia cada vez mais as camadas
populares disseminando-se na sociedade brasileira, era imprescindível
que ele contemplasse a educação para o trabalho contribuindo, assim,
com a promoção do desenvolvimento social. Mas a questão era
controversa. Para muitos educadores e intelectuais não se tratava
apenas de atender às injunções do desenvolvimento; a educação para o
trabalho articulava-se também com projetos de emancipação das
camadas populares (ROSA SOUZA, 2008, p. 256).
O próprio Juscelino Kubitschek aproveitou-se desse discurso, em
sua mensagem de 1957, para afirmar que seria necessário seguir diretrizes
295
democráticas na reestruturação do ensino secundário, de maneira que seus
benefícios se estendessem a todas as classes sociais. Para ele, o
desenvolvimento econômico impunha radicais mudanças de métodos,
exigindo medidas que, de maneira profunda, viessem a transformar nosso
comportamento diante da conjuntura brasileira. Nesse sentido, seria
urgente uma reforma de base capaz de transferir o estudo sistemático e
profundo das disciplinas de teor humanístico para as faculdades de
filosofia, bem como fosse capaz de promover a transição dos cursos
secundários para a área de ampla utilização funcional.
O ano de 1957 foi marcado, então, pela discussão, no âmbito
legislativo, sobre essa pretendida reforma na educação de base proposta
pelo Poder Executivo. Vários artigos trataram do assunto na seção
Magistério. Um desses artigos, intitulado Acadêmicos de Filosofia contra a
Reforma do Ensino” e assinado por Rosalvo Florentino, datava de
30/08/1957, quando alguns substitutivos já haviam sido apresentados no
Senado Federal e a eles se opunham não somente profissionais ligados à
educação como estudantes universitários, como se pode perceber no texto
abaixo:
Reuniões sucessivas vêm sendo realizadas nesta Capital, nos meios
associativos, para discussão da projetada reforma do ensino secundário,
em curso no Senado Federal. Inicialmente, as entidades de classe do
magisterio secundario e o sindicato dos diretores de estabelecimentos
de ensino redigiram memorial que foi enviado ao presidente do Senado
e ao ministro da Educação e Cultura, propondo alterações no
substitutivo apresentado. O problema foi discutido, depois, pela
APESNOESP, em assembleia geral. Anteontem, os academicos dos
diferentes cursos da Faculdade de Filosofia, Ciencias e Letras, da
Universidade de São Paulo, reuniram-se por convocação do seu centro
acadêmico, quando, então, foi feita uma analise do projeto chegando
os estudantes a uma conclusão aprovada por unanimidade: rejeição
296
integral do texto do substitutivo apresentado no Senado Federal,
propondo a reforma do ensino secundario e pleitear junto aos poderes
competentes para que essa rejeição se efetive. Para isso estão dispostos
os academicos a encetar um movimento de ambito nacional.
fizemos, aqui, alguns comentarios sobre a projetada reforma e si a
mesma apresenta algumas inovações aceitaveis achamos, tambem, que
condiciona muita teoria, sem viabilidade pratica. E quando os varios
setores do ensino se manifestam contrariamente a muitos dos itens
propostos é porque realmente eles não atendem os interesses da
educação e do ensino. Para se corrigir a insuficiencia do ensino
primario, como formação basica de preparação, para que o aluno que
ingressa no curso secundario esteja em condições de acompanha-lo
satisfatoriamente, faz-se mister que se estenda o periodo de estudos no
curso primario, quer no numero de anos de estudos, quer no tempo
destino às aulas que lhe são pertinentes, no decurso de cada dia. Não
se poderá, entretanto, resolver o problema inerente ao ensino primario,
como se quer, mercê de um truncamento do curso secundario, o que
viria tor-lo inoperante na realização de sua finalidade, desvirtuada
nos seus propositos fundamentais. Ha que se considerar, também, o
problema da formação do pessoal especializado, prerrogativa das
Faculdades de Filosofia, como tem sido definido em leis. Razões,
portanto, assistem aos academicos de filosofia, em se levantarem contra
um projeto de lei que, se aprovado, tal como se encontra, vem limitar
as possibilidades do exercício das suas funções, atribuidas a leigos no
assunto. R. F. (SOUZA, 30 ago. 1957).
O artigo de Rosalvo Florentino é sintomático no sentido de que
havia um anseio por mudanças no ensino secundário. A forma que se
propunha é que era questionada. A participação dos diretores de escolas
particulares em um memorial que, de certo modo, se opunha à
horizontalização do ensino secundário era compreensível, visto que esse
ramo de ensino era o mais lucrativo para o ensino particular. Os
acadêmicos de Filosofia, por sua vez, temiam que a transferência das
297
disciplinas de caráter fortemente humanista para as Faculdades de
Filosofia, Ciências e Letras, além de trazer um prejuízo à qualidade do
ensino, privando o aluno secundário de uma cultura geral, dessa forma
robotizando-o, tornando-o mero elo de uma cadeia fordista de produção,
em razão da especialização proposta na reforma, ainda restringia as
possibilidades de mercado para os formandos nas Faculdades de Filosofia,
Ciências e Letras.
Vale ressaltar que importantes educadores vinham já buscando
uma forma de ligação entre o ensino primário e o ensino secundário que
eliminasse o truncamento citado por Rosalvo Florentino, representado
principalmente pelos exames de admissão.
De acordo com Dallabrida (2014, p. 409), o Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos (INEP), em 1955, sob a direção e liderança de Anísio
Teixeira buscava, junto com a Diretoria do Ensino Secundário do
Ministério (DESE) do Ministério da Educação e Cultura, estabelecer
parcerias que viabilizassem uma verdadeira reforma na educação nacional.
Dessa forma, em 1955, conseguira estabelecer uma parceria com a
UNESCO, da qual resultou a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais (CBPE), cuja prioridade de estudos se concentrava no ensino
primário e na formação de pessoal docente, ainda que o ensino secundário
lhe tenha também sido alvo de investigações. O CBPE tinha como objetivo
a democratização e modernização do ensino no Brasil. A DESE, por sua
vez, tinha como prioridade a renovação da configuração do ensino
secundário, a qual ainda se apresentava, ainda, de acordo com a Lei
Orgânica do Ensino Secundário dos tempos de Capanema. Com esse
objetivo, a DESE passou a implantar classes secundárias experimentais. De
acordo com Rosa Souza (2008, p. 253),
298
As classes secundárias “experimentais” começaram a funcionar no final
da década de 1950. Tendo como inspiração as classes nouvelles
francesas, a proposta centrava-se nos métodos de ensino “[...] dando-
se maior atenção ao aluno que à matéria, com a estrutura do curso de
estudos a bem dizer inatingida, com a realização de estudos sobre o
meio, natural e humano, com orientação educacional, conselho de
professores, sociedades de pais e professores” (ABREU, 1960, p. 15).
Mas essa experiência foi muito limitada no aspecto quantitativo,
atingindo somente 25 estabelecimentos em 1959.
Ainda que não houvesse, no artigo de Rosalvo Florentino, uma
referência explícita a qual substitutivo se referia, não temos dúvida de que
se tratava do substitutivo ao Projeto 4.132 C., o qual apresentava novo
texto à Lei Orgânica do Ensino Secundário, de autoria de Nestor Jost. O
próprio Ministério da Educação e Cultura a ele se opusera, já que, ainda
no mesmo mês de agosto de 1957, Jayme Abreu, técnico do INEP bastante
próximo de Anísio Teixeira, propusera, por meio de artigo publicado no
“Boletim do CBPE”, um substitutivo ao Projeto 4.132 C., no qual
explicitava o posicionamento do Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais sobre o ensino secundário na década de 1950.
De acordo com Dallabrida (2014, p. 412), Abreu criticara o
encaminhamento jurídico proposto no projeto de Nestor Jost, o qual
mantinha o modelo de legislar parcial e fragmentário, mantendo o que
havia feito a Reforma Capanema. Para Abreu esse procedimento ia de
encontro ao planejamento global do problema educacional brasileiro, o
qual já havia sido proposto pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, na década de 1930. Abreu defendia, portanto, o posicionamento do
CBPE de um sistema de ensino nacional, orgânico e articulado, um sistema
que fosse contínuo e acessível a todas as classes. A descentralização do
ensino também foi defendida por Abreu e, na mensagem de Juscelino
299
Kubitschek, de 1958, ela também fora citada, inclusive, como algo já em
vigor. Seria, pois, uma relativa descentralização, visto que os fins se
manteriam centralizados, enquanto os meios seriam descentralizados.
Dessa forma, caberia ao governo federal definir as estratégias, a partir de
seus cérebros; aos governos estaduais competiria sua execução.
Dallabrida (2014, p. 413-414) afirma, ainda, que o texto de Jayme
Abreu apoiava-se na proposta de Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional e apresentava o conceito de “educação de nível médio”. Esse
conceito compreendia a integração entre o ensino secundário e os cursos
profissionalizantes, de maneira que se estabelecesse uma equivalência
formal e completa entre os vários ramos do ensino pós-primário. Jayme
Abreu defendia, ainda, em seu substitutivo, uma democratização
quantitativa do ensino médio.
Foi nesse aspecto que nos chamou a atenção o alinhamento entre
os estudantes de Filosofia e os diretores de colégios particulares quando se
colocaram contra o substitutivo que tramitava no Senado Federal. De certo
modo, o substitutivo de Nestor Jost mantinha inatingíveis esses grupos que
estariam mais ameaçados caso o substitutivo de Jayme de Abreu
prevalecesse, uma vez que, como afirma Dallabrida (2014, p. 414), “[...]
Na década de 1950, o ensino secundário, dominado por colégios privados,
ainda era muito elitizado e o CBPE fazia uma aberta defesa da sua
universalização”. Esse foi mais um evento que antecipou o debate que se
travaria a partir do ano seguinte, de 1958, entre os defensores do ensino
privado e os que defendiam uma escola pública e gratuita.
O posicionamento, porém, dos estudantes da Faculdade de
Filosofia e das entidades de classe dos professores fica mais explícito
quando se lê um artigo anterior, escrito por Rosalvo Florentino e publicado
pouco antes, em 27/08/1957. Intitulado “Outros aspectos da Reforma do
Ensino”, nele Rosalvo Florentino fazia referência a um memorial preparado
300
pelas entidades representativas do ensino de grau médio, com sede em São
Paulo, após discussão acerca do substitutivo ao projeto de reforma do
ensino secundário, em tramitação no Senado Federal.
Embora não se referindo exatamente a qual substitutivo, percebe-
se que se referia ao de Nestor Jost, visto que, na justificativa do memorial,
os educadores paulistas argumentavam que o problema inerente ao curso
primário não poderia ser resolvido a partir de um truncamento do ensino
secundário, o que o tornaria inoperante quanto à realização de suas
finalidades e desvirtuado de seus propósitos fundamentais.
Os educadores paulistas consideravam também que a bifurcação de
classes já no primeiro ciclo do ensino secundário poderia levar o educando
a procurar sempre o que para ele se apresentasse como mais fácil e de
resultado prático mais imediato, em razão de não ter ele ainda a sua própria
vocação suficientemente definida. Os educadores paulistas acreditavam
que esse mesmo fator se daria em relação a um eventual desdobramento
do curso clássico, o qual levaria o educando a evitar o estudo do Latim e
da Filosofia e segundo o memorial em razão da deficiência de preparo e
da lei natural do mínimo esforço a convergir para o estudo de Letras
Modernas, o qual, em sendo intermediário, apresentava-se inexpressivo e
impreciso na consecução de seus objetivos.
Pelo substitutivo que tramitava no Senado, havia a faculdade de
professoras primárias poderem lecionar nas duas séries primeiras do curso
secundário. Era aqui que se encontrava a razão do movimento dos
acadêmicos de Filosofia. O memorial das entidades de classe paulistas
considerava isso um demérito aos licenciados pelas faculdades de filosofia,
as quais tinham como finalidade específica a formação do magistério
secundário. Justificava o memorial que isso traria sérias dificuldades
materiais àqueles que não dispusessem de especialização adequada.
301
O memorial defendia que uma reforma de grande alcance como a
proposta no substitutivo, por ter projeção na educação da mocidade e no
futuro da pátria, deveria ser o resultado de uma evolução, de acordo com
a atual legislação, que se pautasse principalmente na observação direta e
técnico-pedagógica, o que os levou a sugerir a supressão de vários artigos
do substitutivo.
Pode-se afirmar que, na verdade, apesar de a proposta de reforma
do ensino tramitar no Congresso Nacional, o Ministério da Educação e
Cultura já vinha intervindo e promovendo mudanças no sistema
educacional brasileiro por meio de portarias. No artigo “Inovações no ensino
secundário”, de Rosalvo Florentino, na seção Magistério, de 03/04/1957,
essa postura do ministro da Educação já era explicitada.
Segundo o articulista, o ministro da Educação estaria a baixar
portaria, atendendo a sugestões de diretores, professores e inspetores do
ensino secundário, transferindo a realização dos exames que normalmente
se efetuavam no mês de janeiro, para o mês de fevereiro, ficando aquele
livre de trabalhos escolares.
Os exames de admissão que marcavam a transição entre o ensino
primário e o ensino secundário vigoravam desde a Reforma Francisco
Campos, de 1931, e ocorriam em dois momentos: um primeiro, ao final
do ano letivo. Caso o aluno não obtivesse sucesso, poderia se submeter
novamente ao exame após as férias escolares de janeiro, entretanto era
necessário que, durante esse período, realizasse alguns trabalhos escolares.
O artigo de Rosalvo Florentino, de 03/04/1957, trazia ainda a
afirmação de que o ministro da Educação iria promover outras inovações
em momento oportuno. Nesse sentido, a partir do ano de 1958, critérios
mais elásticos seriam adotados na aplicação dos métodos educacionais,
tanto no que se referia a programas quanto a instalações de escolas, de
302
forma que as diferentes injunções das diferentes regiões do Brasil viessem
a ser atendidas. O argumento que sustentava essa elasticidade de critérios
era o de que havia distintos e numerosos problemas de uma região para
outra, os quais variavam desde os recursos econômicos de cada Estado ao
seu clima, o que inviabilizava a exigência de um critério uniforme de
funcionamento de escolas. Segundo Rosalvo Florentino, tratava-se de uma
realidade há muito reconhecida por todos aqueles que militavam em cada
um dos Estados da Federação, a qual deveria ser considerada no momento
de elaborão de qualquer esquema.
Para o Redator de A Gazeta, o ministro da Educação, mediante
portarias, estaria encarando o problema reclamado por todos os educadores
brasileiros, sem que se fizesse necessária uma “reforma” do ensino
secundário ou novas leis sobre o assunto. Nesse sentido, haveria uma
diminuição de exigências em relação à vistoria dos prédios, em
conformidade com os lugares em que se achassem instalados. As exigências
em relação ao registro de professores para determinadas regiões também
seriam diminuídas. Em sentido oposto, os prazos para o funcionamento
condicional de novos colégios seriam aumentados.
Outra inovação citada por Rosalvo Florentino, a qual já
mencionamos aqui e considerada por ele como grande inovação, seria a
instituição de classes experimentais, com liberdade aos diretores de
estabelecimentos para organização dos programas e aplicação de novos
métodos pedagógicos. Para Rosalvo Florentino as inovações que se
anunciavam para breve poderiam constituir, realmente, uma verdadeira
revolução no sistema educacional brasileiro.
Não se pode negar que as propostas do ministro da Educação iam
ao encontro do pensamento de grande parte dos educadores brasileiros. De
acordo com Rosa Souza (2008, p. 252), “[...] A nova escola dia
debatida incansavelmente pelos educadores brasileiros deveria configurar-
303
se como uma escola democrática, adequada às características de sua
clientela e configurada como elemento propulsionador do
desenvolvimento nacional”.
A democratização do ensino secundário por um lado permitia o
acesso a um número maior de jovens à escola; por outro lado, essa
universalização comprometia a qualidade do ensino, principalmente em
razão de professores com formação limitada poderem ministrar aulas. O
discurso que sustentava a reforma proposta pelo governo JK era o de aliar
educação e desenvolvimento, o que, na realidade, exigia uma maior
participação das camadas populares no sistema educacional. Segundo
Freitas e Biccas (2009, p. 140),
Estava em andamento um processo de expansão crescente do acesso à
escolarização. A “razão desenvolvimentista”, porém, impregnava a
maioria das análises em circulação e estas se esforçavam em demonstrar
que sem outros números educacionais sequer capitalismo teríamos em
lugar tão atrasado, ou melhor, em lugar subdesenvolvido.
Estava consolidada, portanto, a finalidade econômica da educação.
O crescimento econômico passou a ser confundido com modernização
(FREITAS; BICCAS, 2009). Há de se considerar, no entanto, que
[...] narrar os muitos acontecimentos relacionados à educação brasileira
no período que vai do após-Guerra em 1945 até o golpe de Estado em
1964, como um processo concatenado de “adaptação” da educação às
exigências da indústria que “exigia” mão-de-obra barata e mais
qualificada, é uma operação analítica no mínimo vulnerável
(FREITAS; BICCAS, 2009, p. 141).
304
Vale, então, destacar a alusão que Freitas e Biccas (2009, p.141) fazem
a Fonseca (1961, p. 503), o qual denunciara, logo no início da década de
1960, que o processo de industrialização, o qual se encontrava em franca
aceleração, exigia da maioria das pessoas empregadas apenas formação
“monotécnica”, o que prescindia de maiores contrapartidas para o aparato
escolar como um todo, visto que o incremento de informação que o próprio
processo de trabalho industrial oferecia lhe seria suficiente.
Ocorre, porém, que, como afirmam Freitas e Biccas (2009, p. 141),
“A vinculação entre educação escolar, aspiração ocupacional e taxas de
crescimento será uma constante desde então, ainda que os vínculos entre o
que a produção quer e o que a escola oferece sejam débeis. Mas tal debilidade
veio para ficar”.
Desde então, as leis que regem o ensino no país têm mantido uma
orientação econômica, no sentido de que a escola deve atender às necessidades
do mercado de trabalho. A Constituição Federal de 1988, por exemplo, reza,
em seu artigo 205, que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). O texto
constitucional, porém, não deixa claro, em momento algum, o que quer dizer
com “exercício da cidadania”. A falta de esclarecimento do termo em questão
oferece múltiplas interpretações do que, de fato, venha a ser cidadania. Apesar
de considerar a educação um direito de todos e um dever do Estado e da
família, o modelo educacional brasileiro ainda mantém o dualismo iluminista
de uma educação para as classes privilegiadas e outra para as camadas menos
favorecidas, as quais recebem uma educação “racionada”, suficiente apenas
para atender às necessidades do mercado de trabalho sob a orientação de
organismos econômicos como a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico (OCDE) e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID).
305
Considerações Finais
Foi em março de 2015, dois anos depois de ter visitado o agreste e
o litoral alagoanos, ainda no intuito de desenvolver uma pesquisa sobre a
contribuição de Graciliano Ramos para a educação, que fui apresentado ao
também nordestino Rosalvo Florentino de Souza pela professora Rosa
Fátima de Souza Chaloba. Em 2013, os dados recolhidos sobre a atuação
do escritor alagoano para a educação foram tão escassos que lembraram a
aridez do sertão nordestino, levando-me, como meus conterrâneos faziam
para buscar a sobrevivência, a migrar para um estudo sobre a contribuição
para os debates em torno da educação desse professor-jornalista, radicado
em São Paulo.
As semelhanças que pude encontrar, de imediato, entre Graciliano
Ramos e Rosalvo Florentino de Souza não se restringiam às suas origens.
Percebi, de pronto, que ambos percorreram os campos intelectuais da
educação e do jornalismo, constatação que me trouxe alegria, razão pela
qual agradeço à minha orientadora.
Iniciei, pois, esta investigação com o objetivo de analisar o
pensamento educacional do professor-jornalista Rosalvo Florentino de
Souza, por meio de seus escritos jornalísticos, em relação ao ensino
secundário e ao ensino profissional, com vistas a compreender como
professores vinculados ao movimento docente se posicionaram sobre os
problemas e as políticas educacionais em âmbito nacional e regional, no
período de 1949 a 1957.
306
Para tal, o primeiro e mais incisivo movimento que realizei em
direção a tese da qual se originou esta obra, se deu em setembro de 2015,
quando, em visita ao Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”,
recolhi, por meio de fotografias, todo o corpus sobre Rosalvo Florentino,
disponível nessa unidade do Centro do Professorado Paulista (CPP). Em
seguida, comecei um trabalho de catalogação de cada recorte de jornal, a
fim de identificar as temáticas mais recorrentes, visto que elas me dariam
a noção das contribuições desse professor-jornalista para os debates em
torno da educação do qual fora contemporâneo. Ainda em 2015,
apresentei, em forma de pôster, um trabalho no X EIDE, a fim de me
apropriar cada vez mais do objeto de estudo.
O ano de 2016 foi marcado por visitas ao Arquivo Público de São
Paulo, a fim de observar como esses recortes se encontravam dispostos no
corpo do jornal A Gazeta. Ainda neste ano apresentei e submeti trabalhos
sobre Rosalvo Florentino em diversos eventos, tanto de cunho nacional
quanto internacional.
Sob a orientação da professora Rosa Fátima de Souza Chaloba,
busquei apropriar-me da bibliografia pertinente à pesquisa histórica. Nesse
sentido, realizei uma leve imersão na noção de campo, proposta por
Bourdieu, já que trabalhara com ela na minha dissertação de mestrado;
além de tentar elevar Rosalvo Florentino de Souza ao status de intelectual,
à luz da História dos Intelectuais, que tem como um de seus representantes
Jean-François Sirinelli.
Desse modo, primeiro, em caráter de conclusão, devo registrar que
a referida tese, advogada neste trabalho de pesquisa histórica, parece
confirmar-se pelas matérias de Rosalvo Florentino de Souza exploradas
nesta investigação.
307
Assim sendo, retomo aqui, as principais contribuições do
professor-jornalista Rosalvo Florentino de Souza para os debates sobre os
problemas e as políticas educacionais em âmbito nacional e regional, no
período de 1949 a 1957.
No primeiro capítulo, além de discutir os conceitos de campo e de
intelectual, procurei mostrar a atuação de Rosalvo Florentino não apenas
como intelectual criador e mediador, mas também como intelectual
engajado nas lutas em defesa dos profissionais do magistério, como se pode
perceber nas matérias: Reajustamento de vencimentos de professores; Um dos
fatores do baixo nível do ensino secundário; Mais prédios para as escolas,
melhores vencimentos para os professores; Plano sulamericano de educação
fisica; e Discutidas e aprovadas importantes resoluções.
Nesse sentido, seria inoportuno considerar Rosalvo Florentino de
Souza apenas um intelectual mediador. Tal consideração seria simplista e,
de certa forma, injusta e aquém das verdadeiras contribuições que esse
professor-jornalista ofereceu ao debate em torno das questões
educacionais, no jornal A Gazeta, no período de 1949 a 1957.
No segundo capítulo, por ser uma das áreas de atuação de Rosalvo
Florentino de Souza como professor, bem como pelo fato de se tratar de
uma das modalidades do sistema dual de ensino que, de certa forma, ainda
prevaleceu no Brasil até a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, em 1961, procurei apresentar, mediante uma série de
reportagens sobre o ensino industrial que Rosalvo Florentino realizara, no
ano de 1952, que a contribuição desse professor-jornalista para o debate
em torno dessa modalidade de ensino, não se restringiu à divulgação que
ele fez das escolas que ofereciam o ensino profissionalizante, visto que essas
reportagens apresentavam também dados históricos, bem como
evidenciavam o aspecto legal que o norteava. Nesse capítulo constam as
contribuições de Rosalvo Florentino, a partir das seguintes reportagens:
308
Cresce o número de alunos matriculados; Estabelecimento padrão a Escola
Tecnica “Getulio Vargas”; Em novas instalações o Seminario de Educandas;
Escolas Profissionais de Pinhal, Jacareí e S. Manoel; Distribuição equitativa
de estabelecimentos de ensino no Estado; Necessaria a criação do Instituto de
Orientação e Seleção Profissional; e Distribuição das unidades escolares do
SENAI na 6.a Região.
No terceiro capítulo, tratei do ensino secundário, visto que Rosalvo
Florentino de Souza também atuou como professor nessa modalidade de
ensino. Procurei trazer à tona os debates em torno dessa modalidade de
ensino, por meio das reportagens "Chocadeira" de ginásios; Reprovação em
massa!; Reprovação em massa!; Pode-se falar em decadência do ensino
secundário?: (Responde-nos o professor Roberto Lucko); Estudam as mulheres
mais do que os homens?; Seleção de professores para o magistério secundário; A
direção do ensino secundário; Um professor secundário ganha tanto quanto um
motorista da Assembléia; Direitos e deveres do Magistério; Direção e controle
do ensino secundário; Constante crescimento da rede escolar em S. Paulo; e
"Não haverá ensino eficiente com professor mal remunerado": Memorial do
Professorado, mostrando como se apresentava o ensino secundário ao final
da década de 1940 e na década de 1950, sem desconsiderar as discussões
que se travaram em torno da valorização do professor secundário, a quem
Rosalvo Florentino representara nas associações de classe da qual fizera
parte.
No quarto capítulo, procurei apresentar o estilo jornalístico de
Rosalvo Florentino de Souza, bem como a sua consolidação no campo
jornalístico, ao passar a assinar uma seção diária: Magistério, no jornal A
Gazeta. Os assuntos explorados por Rosalvo Florentino nessa seção, além
de mostrar a sintonia desse professor-jornalista com o debate educacional
de sua época, ainda conseguiram evidenciar os campos intelectuais em que
ele se inseriu: educação e jornalismo.
309
Por ser professor que atuou em diversas escolas e faculdades do
Estado de São Paulo, lecionando as mais diversas disciplinas, Rosalvo
Florentino privilegiou a Educação como temática primordial na sua
atuação como jornalista.
Na verdade, o que se pôde comprovar, ao término da pesquisa, foi
que esse professor-jornalista se tornou um intelectual que, ao contribuir de
forma ativa para os debates educacionais de sua época nos espaços que
ocupara no jornal A Gazeta, colocou-se a serviço do magistério paulista,
no período de 1949 a 1957.
A partir da catalogação das sete pastas que se encontram no
Instituto de Estudos Educacionais “Sud Mennucci”, pude perceber a
presença de uma pluralidade de assuntos. Por ser Rosalvo Florentino de
Souza um homem alinhado com o seu tempo, sua participação, na
condição de professor-jornalista, na imprensa paulista, não poderia
prescindir de colocar em evidência assuntos caros ao debate educacional
que se dera na década de 1950, mais ainda, o corpus, em sua totalidade,
demarca o período de 1949 a 1968.
Aos pesquisadores de História da Educação, Rosalvo Florentino de
Souza legou um corpus que permite pesquisas específicas sobre as diversas
modalidades de ensino secundário, normal, profissionalizante etc. –;
sobre a formação de professores, em seus diversos níveis primário,
secundário e superior; sobre os movimentos de valorização da profissão
docente; sobre as reformas no ensino.
Enfim, espero que esta obra inspire outros trabalhos, na área da
História da Educação, que venham a evidenciar outras contribuições de
Rosalvo Florentino de Souza, visto que há muito ainda o que se desvendar
da atuação desse intelectual.
311
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_____. Direitos e deveres do Magistério. A Gazeta, São Paulo, 22 maio
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_____. Em novas instalações o Seminario de Educandas: ESCOLAS
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_____. Escolas Profissionais de Pinhal, Jacareí e S. Manoel: ENSINO
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_____. Estabelecimento padrão a Escola Tecnica “Getulio Vargas”:
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_____. Estudam as mulheres mais do que os homens?. A Gazeta, São
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_____. INOVAÇÕES NO ENSINO SECUNDARIO. A Gazeta, São
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pública: Em Porto Rico. A Gazeta, São Paulo, 9 fev. 1957.
_____. Necessaria a criação do Instituto de Orientação e Seleção
Profissional: MÃO DE OBRA PARA A INDUSTRIA PAULISTA (I). A
Gazeta, São Paulo, p. 14-14, 22 out. 1952.
_____. Nova Política Educacional. A Gazeta, São Paulo, 19 mar. 1957.
_____. Número e formação dos professores para os quatro níveis do
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_____. Odisséia de uma professora guatemalteca: Exilada. A Gazeta, São
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_____. Princípios fundamentais da instrução pública: No Uruguai. A
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_____. Reprovação em massa! A Gazeta, São Paulo, 19 dez. 1949.
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_____. Um dos fatores do baixo nível do ensino secundário. A
Gazeta, São Paulo,11 fev. 1952.
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Assembléia. A Gazeta, São Paulo, 30 abr. 1951.
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Resolução nº 1841, de 7 de
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registro do Partido Comunista do Brasil. Rio de Janeiro, DF, 1947.
Disponível em: http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-resolucao-
1841-cancelamento-do-registro-do-pcb. Acesso em: 04 jun. 2021.
Pareceristas
Este livro foi submetido ao Edital 001/2021 do Programa de Pós-graduação em
Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, câmpus de Marília e
financiado pelo auxílio nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa
PROEX/CAPES. Contamos com o apoio dos seguintes pareceristas que avaliaram as
propostas recomendando a publicação. Agradecemos a cada um pelo trabalho realizado:
Adriana Pastorello Buim Arena
Alberto Luiz Pereira da Costa
Alexandre Filordi de Carvalho
Américo Grisotto
Ana Claudia Saladini
Ana Maria Klein
Angelica Pall Oriani
Carlos Bauer
Carlota Boto
Celia Regina Rossi
Cinthia Magda Fernandes Ariosi
Claudia Cristina Ferreira
Cristina Maria Carvalho Delou
Daniel Ferraz Chiozzini
Domingos Leite Lima Filho
Erika Porceli Alaniz
Francismara Neves de Oliveira
Genivaldo de Souza dos Santos
Giza Guimarães Pereira Sales
Joana Tolentino
Jose Deribaldo Gomes dos Santos
Lalo Watanabe Minto
Lia Leme Zaia
Luciana Aparecida Nogueira da Cruz
Luciano Mendes de Faria Filho
Márcia Lopes Reis
Maria Cristina da Silveira Galan Fernandes
Maria de Fatima Felix Rosar
Maria José Viana Marinho de Mattos
Maria Lucia Marques
Marta Sueli de Faria Sforni
Mauro Castilho Gonçalves
Nadia Aparecida Bossa
Nilza Sanches Tessaro Leonardo
Ofelia Maria Marcondes
Olga Maria Piazentin Rolim Rodrigues
Rita Melissa Lepre
Sandra Aparecida Pires Franco
Simone Wolff
Sonia Bessa da Costa Nicacio Silva
Virgínia Pereira da Silva de Ávila
Comissão de Publicação de Livros do Edital 001/2021 do
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus de Marília
Graziela Zambão Abdian, Patricia Unger Raphael Bataglia,
Eduardo José Manzini e Rodrigo Pelloso Gelamo
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Normalização
Lívia Pereira Mendes
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
Há neste livro-tese trabalho árduo, pesquisa séria e devoção à educação
e ao ensino. O professor Glauco Bastos traz, através de uma imersão
em documentos gastos pelo tempo, um olhar do intelectual - Rosalvo
Florentino de Souza – sobre a cultura escolar dos idos anos de 1940 a
1960. Esta obra ratica a relevância da pesquisa documental para que se
compreenda a História da Educação Brasileira e, mais ainda, para que se
preencham lacunas inestimáveis de políticas públicas de ensino em São
Paulo à época estudada. Por meio de um trabalho a Sherlock Holmes,
Glauco Bastos se apropria brilhantemente de matérias escritas pelo ar-
ticulista Rosalvo Florentino no jornal “A Gazeta” para nos presentear
com uma peça extraordinária para o entendimento dos muitos cami-
nhos percorridos pelo magistério nacional até os dias atuais. Enm, a
academia e o público em geral têm neste livro fonte de pesquisa ímpar e
certeza de uma leitura profícua e agradável.
“Armar que Rosalvo Florentino
de Souza é um intelectual a serviço da edu-
cação pode parecer estranho, uma vez que,
mesmo tendo escrito por duas décadas no
jornal A Gazeta, de 1949 a 1968, de acordo
com a coleção de recortes que se encontra-
vam no Instituto de Estudos Educacionais
“Sud Mennucci”, sobre temas relaciona-
dos à educação, mesmo tendo participado
como membro e como fundador de diver-
sas entidades de classe ligadas à educação,
mesmo tendo sido professor secundário,
não se encontra na literatura sobre História
da Educação, seja do Brasil, seja do Esta-
do de São Paulo, qualquer referência a ele.
Foi a partir de um levantamento fei-
to por uma aluna de graduação sobre certos
recortes de jornais deixados por ele no Ins-
tituto de Estudos Educacionais “Sud Men-
nucci”, que, por intermédio da professora
e pesquisadora Rosa Fátima de Souza Cha-
loba, tomei conhecimento do legado dei-
xado por esse baiano nascido em Caetité”.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
ROSALVO FLORENTINO DE SOUZA
um intelectual a serviço do magistério
na imprensa paulista (1949 a 1957)
JEAN CUSTÓDIO DE LIMA
Francisco Glauco Gomes Bastos
ROSALVO FLORENTINO DE SOUZA
Francisco Glauco Gomes Bastos