O livro de Antonio Paulino de Oliveira
Junior traz como tema central a análise
do emprego de Tecnologia Assistiva para
pessoas com deciência visual na Educação
de Jovens e Adultos, abordando temas re-
lacionados à história da Educação Especial
e sua intersecção com a EJA, a concepção
de deciência na Teoria Histórico-cultu-
ral, a aprendizagem conceitual, a função da
Tecnologia Assistiva ao longo do processo
de ensino e aprendizagem, bem como o
relato de experiência de vida, que permite
ao leitor conhecer as a trajetória singular
de cada sujeito e as condições objetivas que
delinearam o seu processo de formação es-
colar. Os recursos e serviços de Tecnolo-
gia Assistiva podem produzir signicativos
resultados na efetivação da inclusão esco-
lar, possibilitando a pessoa com deciência
maior autonomia e independência, fatores
aos quais lhes proporciona maior participa-
ção e interação social durante as atividades
de ensino. Nesse sentido, o autor buscou
evidenciar ao longo da obra como e quais
recursos poderão fazer parte do cotidiano
da escola e como e em quais momentos eles
são cruciais para a aprendizagem concei-
tual por parte dos alunos com deciência
visual. Toda pessoa com deciência é ca-
paz de aprender e se desenvolver, para isso
é necessário um ambiente com condições
favoráveis para o enfrentamento das bar-
reiras e limitações postas na estrutura das
relações sociais e espaços físicos, que em
muitos casos, estigmatizam a pessoa com
deciência e reproduzem a desigualdade e
exclusão das diferenças.
Antonio Paulino de Oliveira Junior é uma
pessoa com Baixa Visão, que iniciou seus
estudos primários em 1994, justamente no
ano do marco legal da Declaração de Sala-
manca e, ao longo de toda a sua vida, este-
ve ligado a área da Educação Especial, seja
como aluno, prossional ou pesquisador.
Embora, seja preciso uma implementação
mais efetiva das políticas públicas, as ações
inclusivas que se tornaram presentes na es-
colarização de Antonio, lhe proporciona-
ram a oportunidade de cursar a Graduação
de Pedagogia pela Faculdade Estadual de
Ciências e Letras de Campo Mourão FE-
CILCAM (2007-2010), Mestrado em Edu-
cação pela Universidade Estadual de Ma-
ringá UEM (2012-2014) e doutorado em
Educação pela Universidade Estadual Pau-
lista “Júlio de Mesquita Filho” UNESP,
Campus de Marília (2017-2020). Atual-
mente é Pedagogo efetivo da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR/
Câmpus Campo Mourão).
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio 0798/2018
Processo 23038.000985/2018-89
ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA VISUAL
NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
o emprego de tecnologia assistiva para a
aprendizagem conceitual
Antonio Paulino de Oliveira Junior
ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA VISUAL NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
ESTUDANTES COM DEFICNCIA VISUAL NA
EDUCÃO DE JOVENS E ADULTOS:
o emprego de tecnologia assistiva
para a aprendizagem conceitual
Antonio Paulino de Oliveira Junior
Antonio Paulino de Oliveira Junior
ESTUDANTES COM DEFICNCIA VISUAL NA
EDUCÃO DE JOVENS E ADULTOS:
o emprego de tecnologia assistiva
para a aprendizagem conceitual
Ma
rília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2021
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
D
iretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
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Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
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Patrícia Unger Raphael Bataglia
Pedro Angelo Pagni
Rodrigo Pelloso Gelamo
Maria do Rosário Longo Mortatti
Jáima Pinheiro Oliveira
Eduardo José Manzini
Cláudia Regina Mosca Giroto
Au
xílio Nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES
F
icha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Oliveira Júnior, Antônio Paulino de.
O48e Estudantes com deficiência visual na educação de jovens e adultos: o emprego de
tecnologia assistiva para a aprendizagem conceitual / Antônio Paulino de Oliveira Júnior.
Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2021.
379 p.: il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-181-2 (Digital)
ISBN 978-65-5954-180-5 (Impresso)
1. Educação especial. 2. Educação de adultos. 3. Deficiência visual. 4. Tecnologia assistiva.
I. Título.
CDD 371.9
Copyright © 2021, Faculdade de Filosofia e Ciências
E
ditora afiliada:
C
ultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Lista de Abreviaturas e Siglas
ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas
ADA - American with Disabilities Act
AEE - Atendimento Educacional Especializado
APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
ARENA - Aliança Renovadora Nacional
BOA - Base Orientadora da Ação
CAT - Comitê de Ajudas Técnicas
CEAA - Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos
CEEBJA - Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos
CENESP - Centro Nacional de Educação Especial
CEPLAR - Campanha de Educação Popular
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNE – Conselho Nacional de Educação
COES - Coordenação de Ensino Supletivo
CONADE - Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
CONFINTEA - Conferência Internacional sobre Educação de Adultos
CORDE - Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência
CPCs - Centros Populares de Cultura
DESE - Departamento de Educação Supletiva e Especial
EJA - Educação de Jovens e Adultos
EUA - Estados Unidos da América
FMI - Fundo Monetário Internacional
FNE Fórum Nacional de Educação
FNEP - Fundo Nacional do Ensino Primário
FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LBA - Legião da Boa Vontade
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LIBRAS Língua Brasileira de Sinais
LOA Lei Orçamentária Anual
MCP - Movimento de Cultura Popular
MDB - Movimento Democrático Brasileiro
MEB - Movimento de Educação de Base
MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetização
MP Medida Provisória
NVDA - NonVisual Desktop Access
ONG - Organizações Não-Governamentais
ONU - Organização das Nações Unidas
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PNE - Plano Nacional de Educação
PPP - Projeto Político Pedagógico
SEA - Serviço de Educação de Adultos
SECADI - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão
SENEB - Secretaria Nacional de Ensino Básico
SEPS - Secretaria de Ensino de 1º e 2º graus
SESPE - Secretaria de Educação Especial
SINE - Sistema Nacional de Empregos
STF Supremo Tribunal Federal
TA - Tecnologia Assistiva
UNE - União Nacional dos Estudantes
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância
URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
Sumário
Prefácio........................................................................................................11
Introdução .................................................................................................... 23
Capítulo1
O Percurso Histórico da Promoção da Educação Especial e Suas Articulações
à Educação de Jovens e Adultos ..................................................................... 35
1.1 O período do Brasil Imperial e as primeiras ações em prol da Educação
Especial e de Jovens e Adultos ....................................................................... 36
1.2 Primeira República: a Educação Especial e de Jovens e Adultos no
contexto do surgimento da escolablica ..................................................... 45
1.3 O período da expansão do atendimento público e o nacionalismo
brasileiro ....................................................................................................... 51
1.4 As políticas educacionais das pessoas com deficiência e de Jovens e Adultos
após o golpe militar de 1964 ......................................................................... 68
1.5 A Educação Especial para Jovens e Adultos na Constituição Federal de
1988 .............................................................................................................. 85
1.6 Educação Inclusiva para alunos Jovens e Adultos com deficiência: uma
análise das políticas neoliberais ..................................................................... 87
1.7 A Educação de Jovens e Adultos com deficiência no âmbito das políticas
nacionais de inclusão ..................................................................................... 99
1.8 A Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva .................... 111
1.9 O processo de construção da Base Nacional Comum Curricular e as
perspectivas futuras para a educação das pessoas com deficiência ................ 124
1.10 Algumas considerações ........................................................................ 143
Capítulo 2
A Importância da Tecnologia Assistiva para a Educação dos Alunos com
Deficiência Visual ....................................................................................... 147
2.1 Marco legal e conceitual da Tecnologia Assistiva .................................. 149
2.2 Tecnologia Assistiva e o processo de Educação das pessoas com deficiência
Visual .......................................................................................................... 158
2.3 Algumas Considerações sobre as políticas de desenvolvimento e de acesso
à TA no Brasil ............................................................................................. 182
Capítulo 3
O Desenvolvimento Psíquico das Pessoas com Deficiência Visiual e as
Contribuições da Teoria Histórico-Cultural ............................................... 185
3.1 A defectologia na Teoria Histórico-Cultural ......................................... 186
3.2 O desenvolvimento dos conceitos na idade escolar................................ 198
3.3 A atividade humana e suas implicações para o desenvolvimento da pessoa
com deficiência ............................................................................................ 210
3.4 O emprego de Tecnologia Assistiva no processo de internalização dos
conceitos científicos .................................................................................... 231
3.4.1 A formação de conceitos científicos com base na formação de ações
mentais por etapa ......................................................................................... 243
3.5Algumas Considerações .......................................................................... 254
Capítulo 4
O Emprego de Tecnologia Assistiva na Educação de Alunos Jovens e Adultos
com Deficiência Visual ................................................................................ 257
4.1 Percurso do método e as categorias de análise ....................................... 258
4.1.1 Sujeitos da pesquisa............................................................................. 268
4.2 Análise e discussão acerca do emprego de Tecnologia Assistiva na
Educação de Jovens e Adultos com deficiência visual .................................. 273
4.2.1 Lúcia ................................................................................................... 273
4.2.2 Bernardo ............................................................................................. 284
4.2.3 Fernando ............................................................................................ 298
4.2.4 Fábio .................................................................................................. 316
4.2.5 Daniele ............................................................................................... 327
4.3 Algumas considerações acerca do emprego de Tecnologia Assistiva na
educação de Jovens e Adultos com deficiência visual ................................... 340
Considerações Finais ................................................................................... 345
Referências .................................................................................................. 352
9
Prefácio
Sempre é motivo de alegria escrever o prefácio de um livro. Neste
caso, o prazer é maior por se tratar de obra produzida por jovem
pesquisador a cuja capacidade de elaboração conceitual se acresce aguçado
senso de compromisso social e político, além de sensibilidade e empatia
com o outro. Trata-se, sem parcimônia, do fazer educativo como processo
de inclusão, voltado efetivamente à consolidação da humanização.
O encaminhamento dado pelo autor ao objeto de investigação
contribui sobremaneira para avanço da discussão sobre a educação de
jovens e adultos, contribuindo para situá-la ainda mais como um vasto
campo de reflexões teóricas, dada a relevância acadêmica, social e política
da temática pesquisada. Não bastasse isso, elege como ambiente de
pesquisa o entorno de uma cidade, sede de uma universidade pública
situada no contexto de expansão e interiorização do ensino superior,
levadas a termo na primeira década do século, esforço a ser reconhecido,
valorizado e cuja continuidade deve ser defendida com galhardia.
Universidade pública pode e deve ser para todos. Ao menos, àqueles que
assim o desejarem.
De início, cumpre destacar a clarividência da percepção de que as
pessoas aprendem em comunhão, como diria Paulo Freire, o que se alia à
irrefutabilidade da tese histórico-cultural segundo a qual é a aprendizagem
que orienta o desenvolvimento humano. Para sustentar a riqueza da análise
de dados levantados, o Prof. Antonio Paulino de Oliveira Junior lança mão
de ampla pesquisa bibliográfica, análise documental e pesquisa de campo.
10
De fato, tem sido profícuo o debate, nas últimas décadas, sobre a
relação entre as transformações sociais e políticas ocorridas e o processo de
democratização do ensino, a influenciar sobejamente a educação de jovens
e adultos, EJA, na realidade brasileira desse período. Tal processo não pode
sofrer descontinuidade; no entanto, a julgar pelos indicadores, se não é
possível afirmar taxativamente a ampliação das taxas de analfabetismo,
bem como a redução da taxa de escolarização média da população
brasileira, é seguro sustentar que houve estagnação desses índices nos
últimos quatro anos.
Se por um lado é possível considerar que progressivamente a EJA
vem consolidando a sua identidade, seja no âmbito institucional do
Estado, seja em iniciativas vinculadas aos movimentos sociais e populares,
se constituindo como um vasto campo de debate e reflexões teóricas,
também é fato que se convive no Brasil com um vasto contingente de
pessoas que não tem acesso à escolarização. O direito ainda não se
consolidou como efetivo para todos, destacando-se também a baixa taxa
de escolarização básica de amplo segmento da população.
A história é profícua no registro de processos de negação e de
exclusão que atingem esses sujeitos, revelando a conspurcação de direitos
desde a infância, negada como tempo escolar e como tempo de ser criança
a milhões de brasileiros. Paralelamente à negação do direito à educação a
partir da infância constata-se a negação de outros direitos humanos
fundamentais tais como o direito à sobrevivência digna, ao respeito por sua
condição, à moradia e às condições de atenção à saúde física e mental. Tais
problemas se agravam quando se analisa a oferta da modalidade EJA para
pessoas com deficiência.
Ainda que se possa afirmar que a educação de jovens e adultos
ocupou espaço de destaque no âmbito das políticas públicas de educação
na realidade brasileira da virada do milênio, não se constituindo como
11
temática nova nesse cenário, é inquestionável a inovação ao abordar-se tal
temática com a preocupação de inserção de pessoas jovens e adultas com
deficiências no contexto do sistema regular de ensino, algo relevante e
absolutamente necessário, porquanto se reveste de prerrogativas atinentes
aos anseios de equidade no oferecimento de oportunidades educacionais,
em cenário de desenvolvimento de instituições escolares inclusivas.
Nos processos históricos de luta e conquista da igualdade entre os
seres humanos a garantia do direito de acesso à educação e o ideal de
consolidação do processo democrático constituem anseios sociais e
políticos intrinsecamente articulados. Inegavelmente, pessoas jovens e
adultas com deficiência configuram na sociedade brasileira contemporânea
amplo segmento dos excluídos do direito à apropriação significativa dos
processos de leitura e escrita.
Assim, o presente livro tem por escopo discutir os fundamentos da
educação de jovens e adultos no contexto de direito e possibilidade de
reinvenção da vida, no amplo sentido de Educação Para Todos ao Longo
da Vida, tendo em vista o atendimento educacional especializado a pessoas
com deficiência, em contexto de Tecnologia Assistiva, em devida conta, a
uma clientela posta na invisibilidade no contexto da escola e de vários
espaços sociais.
Destacamos, desde logo, que a ideia de Educação Para Todos ao
Longo da Vida é polêmica, com possibilidade de interpretações
dicotômicas, mas temos como aceitável o que se estabelece na legislação
brasileira de educação, ou seja, o sentido de garantia de formação
continuada para todos durante toda a vida.
A legislação brasileira, em especial a Constituição Federal e a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/1996, a LDBEN,
12
consagram a educação como direito humano fundamental, uma instância
de direito público subjetivo.
Afirmar que a educação de jovens e adultos é uma instância de
Direito Público Subjetivo significa que sua oferta é dever do Estado que
administra o excedente econômico e constitui direito personalíssimo dos
cidadãos, sem desconsiderar a herança legada pelas experiências de
educação popular e de educação de jovens e adultos situadas no amplo
espectro dos movimentos sociais e populares.
Estabelece, ainda, a LDBEN 9394/96 e legislação complementar,
que essas oportunidades educacionais deverão se efetivar por meio de
cursos e exames de certificação de competências que compreendem a base
nacional comum do currículo. Quanto aos exames de certificação de
competências em educação de jovens e adultos a legislação estabelece que
eles se destinem aos educandos com conhecimentos e habilidades
adquiridos por meios informais, aferidos e reconhecidos para conclusão do
ensino fundamental pelos sujeitos maiores de 15 anos e para conclusão do
ensino médio para os maiores de 18 anos.
O Parecer do Conselho Nacional de Educação nº 11, assumido
pela Câmara de Educação Básica, em 10 de maio de 2000, esclarece
aspectos da LDBEN 9394/96 e amplia o sentido da EJA, com base na
Declaração de Hamburgo e Agenda para o Futuro (1997), assumindo a
concepção de educação continuada, que se faz ao longo da vida, e
contempla novos significados para a EJA ao definir suas funções
reparadora, equalizadora e qualificadora. Nesse sentido, já havia se
estabelecido no contexto da Declaração de Salamanca, UNESCO, 1994,
o movimento internacional por efetivação de políticas públicas destinadas
a garantir o direito à educação de grupos sociais excluídos, a destacar os
afrodescendentes, as pessoas com deficiências, os moradores de zona rural
e locais de difícil acesso, entre outros agrupamentos étnicos.
13
Os jovens e adultos portadores de deficiência são, por vezes,
privados do direito de aprendizagem formal e pleno desenvolvimento
humano. Antonio Paulino de Oliveira Junior confirma esses invariantes
do sistema educacional e estabelece que o reconhecimento dos direitos de
pessoas com deficiências à educação ainda se revela grande desafio para a
sociedade brasileira, embora seja pertinente destacar o conjunto de
orientações legais e políticas no país com vistas ao reconhecimento e
efetivação da política de inclusão com abrangência social.
O ideário de Educação Para Todos ao Longo da Vida resulta de
deliberação da V Conferência Internacional sobre Educação de Adultos, a
V CONFINTEA, realizada em Hamburgo, Alemanha, 1997, e
contemplada na Declaração de Hamburgo e Agenda para o Futuro. Em
síntese, esses documentos reafirmam que apenas o desenvolvimento
centrado no ser humano e a existência de uma sociedade participativa,
baseada no respeito integral aos direitos humanos, poderão constituir bases
sólidas para um desenvolvimento social, justo e sustentável. Nesses termos
é que se definem as funções da EJA expressas nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a EJA (DCNEJA).
Para validação da função reparadora se impõe o reconhecimento
da igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano de ter acesso ao
direito fundamental de acesso à educação e à cultura. Não se trata, no rigor
da lei, apenas de suprimento ou de restauração de um direito a ele negado.
Impõe-se um modelo educacional capaz de criar situações didáticas
satisfatórias para atender às necessidades de aprendizagens específicas de
alunos jovens e adultos, em particular, no caso das pessoas com
deficiências. Sua consolidação exige a superação da incompreensão do
significado da deficiência no sentido da abordagem de amplas formas de
manifestações, limitações e possibilidades.
14
Pelo princípio da equidade, nos termos da legislação educacional
em vigor, se vislumbra a distribuição específica dos componentes
curriculares da EJA nos diferentes níveis de ensino, nos 1º e 2º segmentos
do ensino fundamental e ensino médio, a fim de propiciar um patamar
igualitário de formação. Dessa compreensão resulta que a distribuição dos
componentes curriculares na EJA englobe os mesmos conhecimentos da
educação básica regular, com vistas ao restabelecimento da igualdade de
direitos e oportunidades educativas. Daí compreende-se que se os
conteúdos devem ser similares aos da educação regular, a abordagem
metodológica não pode ser a mesma sob pena de infantilização do jovem
e do adulto. E que, no caso das pessoas portadoras de deficiências, se
viabilize atendimento educacional especializado; no caso em discussão, a
Tecnologia Assistiva.
Por seu turno, com vistas a concretizar a função equalizadora da
EJA, a legislação brasileira refere-se à igualdade de oportunidades, à forma
pela qual os bens sociais e culturais devem ser distribuídos a todos, dentro
de situações específicas, oferecendo aos cidadãos conhecimentos com vistas
ao incremento da inserção social e o acesso a novas formas de trabalho e
cultura. Sem embargo, pessoas com deficiências são diferentes entre si, mas
são seres humanos capazes de aprender, ainda que em modos ou estilos
diferentes de aprendizagem. Portar uma deficiência não deve pressupor,
com base no preconceito, a sustentação da suposta incapacidade cognitiva
ou intelectual.
Pela deficiência, tomada como norma de exclusão institucio-
nalizada, o educando jovem ou adulto é destituído de sua individualidade,
impossibilitando tra-lo como sujeito de direito, em universo de
possibilidades e limites tais quais os inerentes a qualquer ser humano.
Legitima-se, desta forma, o universo da invisibilidade social e da exclusão
15
educacional, impondo à pessoa com deficiência a responsabilidade da sua
própria marginalização.
A depender do contexto socioeconômico, político, educativo e
cultural no qual se coloca determinado grupo hegemônico no poder, a
pessoa jovem ou adulta com deficiência pode se ver escondida no próprio
ambiente familiar. Ou em uma sala de aula especial segregada, ainda que
convivendo com outras pessoas com o mesmo tipo de deficiência. Em
qualquer dessas circunstâncias, ela é excluída de uma gama variada de
estímulos e experiências ricas em significação, quase sempre proporcionada
pela vida em comunidade. Por isso o livro discute com propriedade os
limites e possibilidades de uso de instrumentos voltados a contribuir para
a sua melhor inserção na realidade escolar. Isso se refere à função
qualificadora; diz respeito à educação permanente, com base no caráter
inconcluso do ser humano, cujo potencial de desenvolvimento e de
adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não escolares. Trata-
se do próprio sentido da EJA, com foco na atualização de conhecimentos
não somente escolares, mas também relacionados às novas tecnologias e ao
mundo do trabalho. A obra mostra como os recursos instrumentais podem
contribuir em tão árdua tarefa de validação de um modelo pedagógico
diferenciado que atenda às especificidades dessa modalidade de ensino em
termos de faixas etárias, perfis e situações de vida dos educandos.
Por isso o estabelecimento do princípio da diferença que pressupõe
a identificação e o reconhecimento da alteridade própria dos jovens e
adultos em seu processo formativo, proporcionando a valorização do
mérito de cada um e do desenvolvimento de seus conhecimentos e
vivências. Isso significa que os conhecimentos científicos devem ser
ensinados considerando-se as diferentes formas de aprender dos diferentes
educandos, buscando-se metodologias alternativas que possam contemplar
16
o currículo oculto, as particularidades como sujeitos de conhecimento e as
diferentes faixas etárias dos jovens, adultos e idosos.
Importante destacar, então, que o legado histórico da concepção
de formação humana omnilateral perseguida pela concepção de educação
presente nas experiências populares de EJA que se constituem, seja no
contexto público institucional, seja no âmbito de movimentos sociais e
populares não pode se desconfigurar pelo conceito estreito de ensino
fundamental ou médio, desde sempre pensado como ensino para crianças
e adolescentes. Garantir a EJA como direito não deve significar meramente
a sua institucionalização como modalidade da educação básica, mas como
uma especificidade enquanto educação, com um olhar sobre os educandos
e sua trajetória histórica, em especial, se se tratam de pessoas com
deficiências.
Assim, tais funções da EJA visam compreender o espaço escolar
como um ambiente de trocas de experiências e saberes com vistas a
contribuir para a melhoria da condição de vida dos educandos e para a
atuação como agentes de desenvolvimento social, sustentável e voltados
para uma cultura de paz. Não é possível pensar a paz se aos humanos, em
sua totalidade, não se garantem condições socioculturais necessárias à
dignificação da condição humana.
A preocupação com a disposição e alocação adequadas dos
componentes curriculares face à educação de jovens e adultos configura o
princípio da proporcionalidade. Pressupõe o desenvolvimento de espaços
e tempos nos quais as práticas pedagógicas assegurem aos educandos
identidade formativa comum aos demais sujeitos da escolarização básica.
Em consequência, para garantir o cumprimento do princípio da
proporcionalidade na oferta dos componentes curriculares, a flexibilização
do currículo da EJA deve assegurar o cumprimento mínimo da carga
17
horária estabelecida para a duração dos cursos e, ao mesmo tempo,
possibilitar que os educandos possam conciliar os estudos com a dinâmica
própria de suas vidas, com o mundo do trabalho, com as responsabilidades
familiares, com cuidado e atenção especiais aos tempos e aos espaços onde
a escolarização se efetivará.
Nesse contexto, o movimento exige políticas educacionais que
garantam os direitos das pessoas à escolarização ou educação formal,
incluindo as situações informais de aprendizagem presentes nas situações
contemporâneas, marcadas pela forte presença da escrita, dos meios de
informação e comunicação.
A possibilidade de reinvenção da vida se coloca no contexto dessas
formulações; se situa no limite de algumas condições necessárias para
responder a demandas postas pelo processo de urbanização, de
industrialização e pela transformação dos processos de produção via
tecnologias de todos os matizes. As condições de sobrevivência e a
concorrência no mercado de trabalho acirraram a necessidade de
ampliação do estudo formal por parte de jovens e adultos, em especial, das
pessoas com deficiências. E os sujeitos da EJA acreditam na educação como
perspectiva de melhorar a sua condição de vida. Vislumbram a educação
como instrumento para adquirir conhecimentos que possam lhes garantir
condição de competir em condições de igualdade para entrar no mercado
de trabalho formal ou para melhorar a sua condição de atuação no mercado
da economia informal.
Não podemos desconsiderar, também, os anseios da confeiteira
que se inscreve na EJA pelo simples prazer de aprender a ler e a escrever
para socializar a receita dos quitutes que faz como ninguém; ou o a
aposentado que quer aprender para ensinar o neto; ou a pessoa que pensa
o ingresso na sala de aula para ter o prazer de ler um trecho do evangelho
na missa ou no culto. Isto é inclusão.
18
Pensar a educação como ato político e de humanização não pode
prescindir dessas prerrogativas. Pensar a EJA como possibilidade de
reinvenção da vida supõe olhar primeiro para os educandos, para sua
condição humana. No movimento que nos trouxe ao reconhecimento
relativamente recente desse direito pelo Estado, a educação popular e a EJA
enfatizaram em sua trajetória histórica uma visão totalizante do jovem, do
adulto e do idoso como ser humano, com direito a se formar como ser
pleno, social, cultural, cognitivo, ético, estético, de memória, enfim, na
plenitude de suas potencialidades.
Trata-se de pensar a EJA como instrumento para desenvolver a
autonomia e o sentido de responsabilidade das pessoas e comunidades para
o enfrentamento das rápidas transformações socioeconômicas e culturais
por que passa o mundo atual com vistas à coexistência tolerante, ao
respeito às diferenças, ao desenvolvimento sustentável e à participação
criativa, em um ambiente de cultura de paz e de consolidação da cidadania
e da democracia.
Da leitura da obra é possível ler nas linhas e nas entrelinhas o
quanto a perspectiva de direitos constitui demandas, estabelecendo novas
relações com o poder instituído e evidenciando a participação democrática
como fundamental nas negociações em defesa de novos direitos, de forma
a tensionar os poderes e os movimentos constituídos. A EJA se insere na
perspectiva de inclusão em sociedades democráticas, nos limites da luta
pela conquista de direitos, de modo que direito e democracia se revelam
como conceitos fundantes nesse movimento.
Foram os sonhos de uma sociedade brasileira livre, desenvolvida,
soberana, independente e democrática que possibilitaram o reconhe-
cimento de direitos e avanços que tivemos no campo da educação popular,
da educação de jovens e adultos e da educação especial, a despeito dos
19
limites de seus alcances que ainda precisam ser ampliados para a
consolidação.
Após o advento da Declaração de Hamburgo e Agenda para o
Futuro (1997) duas vertentes marcaram a educação de jovens e adultos. A
escolarização visando assegurar o direito à educação básica para todos,
tratando a educação como direito humano fundamental e educação
continuada como exigência do aprender por toda a vida, independente da
educação formal e do nível de escolaridade, o que inclui ações educativas
nos contextos de atendimento especializado a portadores de deficiências,
de gênero, de etnia, de profissionalização, de educação ambiental, etc.,
bem como a formação continuada de educadores, também jovens e adultos
em processos de aprendizagem.
A vertente da educação continuada, verdadeiro sentido da EJA,
ressignifica processos de ensino e de aprendizagem pelos quais os sujeitos
se produzem e se humanizam, ao longo de toda a vida, não se restringindo,
portanto, à questão da escolarização, ou da alfabetização. No sentido de
educação permanente, se reconceitualiza como necessidade de pensar
desenvolvimento e educação, cidadania e produção da existência pelo
trabalho, mas também pelo conhecimento e pela cultura, inclusive e
principalmente das pessoas com deficiências.
Assim, a educação de jovens e adultos precisa ser valorizada
também por sua contribuição à promoção da igualdade entre homens e
mulheres, à formação para o trabalho, à preservação do meio ambiente e
da saúde, à solução dos conflitos globais, ao combate à pobreza, à
preservação do meio ambiente e à redução da violência.
Por outro lado, prevista na Declaração de Hamburgo e na Agenda
para o Futuro, em suas conexões, o ideário de Educação Para Todos ao
Longo da Vida coloca como fundamental o desenvolvimento de práticas
20
de ensino e de aprendizagem relacionadas ao contexto sociocultural,
princípio inerente aos processos de transformação dos indivíduos e das
coletividades, particularmente quando vinculada a outros domínios da
vida como a saúde, a justiça, e o desenvolvimento humano e social.
Esse é o principal desafio para o sistema educacional brasileiro
como um todo, mas especialmente para a educação de jovens e adultos
quando se propõe à inclusão das pessoas com deficiência no processo de
escolarização formal.
Se avançamos no pensamento sobre a alfabetização em processos
de multiletramentos, ainda convivemos com a visão de educação
compensatória como predominante entre os gestores da educação que
atribuem à EJA a mera função de reposição de escolaridade não realizada
na idade apropriada. Nesse modo de pensar, o problema do analfabetismo
e da baixa taxa de escolarização de enorme contingente humano se resolve
pela inserção das crianças, cada vez mais precoce, na escola. E o que se
reserva aos adultos e idosos não escolarizados? E aos que necessitam de
atendimento educacional especializado?
Se superamos, ainda que formalmente, a ideia de suplência,
fortalece a via da certificação como solução para um problema que é
anacrônico. Apesar da influência sociocultural e do grande alcance
territorial das mídias sociais, do rádio e da televisão há pouca utilização
para ampliação dos ambientes e processos formativos extraescolares com
adultos.
Por fim, se a inclusão da EJA no Fundo de Desenvolvimento da
Educação Básica e Valorização do Magistério, FUNDEB, melhorou o
mecanismo de financiamento desse segmento de ensino, ainda estamos
distantes de garantir o investimento em EJA de modo a favorecer a
formação humana omnilateral, além de fechamento de salas e redução de
21
vagas, de forma deliberada. Mas também pela precariedade do
atendimento escolar às pessoas portadoras de deficiências.
Trata-se de pensar na EJA uma ação problematizadora que permita
possibilitar a compreensão da realidade como instrumental básico para
firmar a perspectiva de humanização. O homem se faz homem pela
educação.
Em cenário repleto de dúvidas e incertezas do momento histórico
brasileiro, mas não admitindo, nem de longe, a desesperança, desejo uma
boa leitura a todos.
José Carlos Miguel
Livre-Docente em Educação Matemática, vinculado ao Departamento de Didática e ao
Programa de Pós-graduação em Educação da UNESP, câmpus de Marília.
Coordenador Local do Programa UNESP de Educação de Jovens e Adultos, PEJA.
23
Introdução
A partir da crescente movimentação em prol da educação para
todos nos anos de 1990, sobretudo comungada e difundida pela
Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a política nacional de
inclusão de sujeitos que sempre estiveram à margem do processo de
educação formal se intensificou em todos os níveis e modalidades de
ensino, procurando assegurar a todos o direito fundamental de acesso e
permanência na escola.
Nesse contexto do direito adquirido à educação, muitos sujeitos
que anteriormente não tiveram oportunidade de frequentar a escola, seja
por motivos socioeconômicos ou limitações proporcionadas por diferentes
deficiências, voltaram os olhos para o processo de escolarização como uma
possibilidade de superação da condição de exclusão e marginalidade social.
Dentre esse público estão as pessoas jovens e adultas com
deficiência visual que, ao longo de um processo histórico árduo de luta
pelo direito do acesso à educação, estiveram ausentes e segregados de
qualquer espaço formal de educação.
Estigmatizadas ao longo da história por um viés assistencialista e
compensatório, a Educação Especial e a Educação de Jovens e Adultos
(EJA) apresentam ao longo do desenvolvimento histórico das políticas
públicas brasileiras, alguns importantes pontos de intersecção, com os
quais é possível compreender a precariedade atual em que esses sujeitos se
inserem no âmbito do sistema público de ensino. Por um lado, ambas as
24
modalidades de ensino carregam em seus ombros a carga da exclusão social
e da difícil condição de vida e de aprendizagem, seja pela deficiência ou
pelo estado de vulnerabilidade socioeconômica em que se vive. Por outro
lado, há a omissão do Estado brasileiro em prover as condições adequadas
de ensino e aprendizagem para que as pessoas jovens e adultas com
deficiência possam superar as situações de marginalização e segregação
social.
A promoção do acesso e da permanência das pessoas com
deficiência à educação tem sido uma grande bandeira de luta por diferentes
segmentos da sociedade e, de fato, é uma grande conquista social e
devemos reivindicar esse direito. Por outro lado, devemos levar em conta
que a presença de um aluno com deficiência visual ou outra, em uma sala
de aula, requer condições diferenciadas para sua aprendizagem do
conteúdo escolar. Garantir o acesso ao espaço físico e social da escola, não
é suficiente para promover a aprendizagem e o desenvolvimento.
Por essa razão, consideramos como um dos pontos fundamentais
para o processo inclusivo desses sujeitos, o uso de tecnologias para
viabilização da aprendizagem e acesso ao conteúdo escolar, que no caso da
deficiência visual, muitas vezes os conteúdos são dispostos de forma
inacessível, seja por material impressos ou atividades de ensino que
necessitam do aporte visual.
Quando o uso de determinada tecnologia é empregada para prover
as condições necessárias para a participação da pessoa com deficiência em
qualquer atividade de sua vida, tem-se empregado no Brasil para esses
recursos a denominação de Tecnologia Assistiva (TA), a qual ganha a cada
ano maior destaque com relação à educação, que em diversas condições,
possibilita o acesso ao conteúdo escolar previsto no currículo.
25
Por se tratar de uma gama de recursos, a TA tem possibilitado aos
profissionais da Educação, opções de adaptações pedagógicas capazes de
favorecer as pessoas com deficiência o acesso e a participação funcional em
atividades de ensino e aprendizagem.
No caso da deficiência visual, temos à disposição um vasto número
de aparatos e materiais adaptáveis, capazes de possibilitar aos alunos uma
ampliação na capacidade de interação com a sociedade, seja por meio de
lupas e aumento do aporte visual para aqueles que possuem baixa visão,
seja por intermédio de dispositivos táteis e sintetizadores de voz para
aqueles com cegueira, o que garante maior percepção dos fenômenos que
estão circundantes no meio ambiente.
Por outro lado, acreditamos que o recurso por si só não é capaz de
proporcionar ao aluno com deficiência a aprendizagem e desenvolvimento
a patamares mais elevados. O modo como as tecnologias são empregadas
no âmbito educacional pode levar a diferentes resultados qualitativos.
Com base nos pressupostos teóricos da Teoria Histórico-cultural
reconhecemos que o professor tem um papel decisivo no desenvolvimento
dos alunos, visto que a forma como os conteúdos são organizados e
trabalhados em sala de aula, pode levar à efetiva aprendizagem que resulta
em desenvolvimento. Nesse sentido, não basta dispor dos melhores
recursos tecnológicos se eles não forem utilizados na direção da
aprendizagem e do desenvolvimento psíquico. Vigotsky (2009)
1
salienta
que o bom ensino é aquele que garante e promove o desenvolvimento aos
patamares mais elevados do psiquismo humano.
1
A grafia do nome do autor apresenta-se ao longo deste livro em diferentes variações, tais como Vygotski,
Vygotsky, Vigotski e Vigotsky. Isso ocorre pela diferentes traduções e idiomas das fontes consultadas.
Dessa forma, a grafia na presente obra seguirá sempre a forma pela qual está escrita nas referências citadas.
26
Dessa forma, por meio do presente livro, apresentamos os
resultados de uma pesquisa de caráter qualitativo, em que colocamos em
análise a utilização dos recursos de TA na Educação de Jovens e Adultos,
buscando investigar como os recursos são utilizados e de que forma podem
contribuir para a aprendizagem conceitual e o desenvolvimento psíquico
dos alunos com cegueira ou baixa visão.
Uma das maiores dificuldades que temos observado durante o
processo de escolarização desses alunos, se encontra na aprendizagem de
conceitos científicos, que por exigir determinados graus de abstração e
generalização, se torna inviabilizada caso o ensino esteja pautado somente
em fatores sensoriais e imediatos a realidade concreta.
Em um de nossos estudos anteriores (OLIVEIRA JUNIOR,
2014), identificamos que na prática os professores m se esforçado para
suprir as necessidades dos alunos com deficiência visual, procurando tornar
concretos ou manipuláveis os objetos ou fenômenos de estudo, sob a ótica
de que a deficiência seja apenas ocasionada pela ausência visual, sem levar
em conta as conjecturas sociais presentes na relação da insuficiência
orgânica com a estrutura da sociedade e das relações sociais.
Essa prática está presente no cotidiano das classes regulares, em que
o professor, como forma de adaptação, busca incessantemente tornar
"visível" aquilo que o cego não pode enxergar. Por essa razão, são
confeccionadas maquetes, planetários físicos, materiais concretos
alternativos, é usado material dourado, cola em alto-relevo e etc.
Todos esses recursos têm papel fundamental para o processo de
aprendizagem da pessoa com deficiência, por se tratar inicialmente de seu
contato sensorial com o objeto de estudo. Porém, conforme o modo como
eles são utilizados, visando apenas compensar sensorialmente a ausência da
visão, não possibilita o desenvolvimento psíquico das pessoas com baixa
27
visão ou com cegueira, o que impactará negativamente na ampliação de
sua participação social.
Com relação aos estudos acerca do desenvolvimento das pessoas
com deficiência, elencamos a obra de Vygotski (1997), a qual dispõe de
uma rica contribuição para o entendimento da educação das pessoas com
deficiência e, sobretudo, da psicologia e do desenvolvimento dos sujeitos
com cegueira. Esses estudos do autor foram elaborados em suas pesquisas
sobre a Defectologia, que se constitui no ramo científico responsável por
estudar as variedades qualitativas do desenvolvimento das crianças com
deficiência, e sobre essa diversidade se configuram os principais objetivos
teóricos e práticos a serem investigados por essa ciência.
O foco central da investigação de Vygotski (1997) situou-se nas
variações qualitativas no decurso do processo de desenvolvimento das
pessoas com deficiência. De acordo com o autor, a limitação sensorial não
impede o desenvolvimento psíquico e a aprendizagem conceitual das
pessoas com deficiência visual, mas exige dos professores a identificação de
outros caminhos ao longo desse percurso, capazes de enfrentar e superar
contraversões presentes na estrutura da sociedade e nos espaços sociais.
Para garantir que haja aprendizagem de conceitos científicos por
alunos com deficiência visual, é necessário que se tenha uma organização
de ensino diferenciada ou apoiada em recursos que possibilite um maior
acesso aos conteúdos e às atividades cotidianas de uma sala de aula. Apenas
possibilitar o contato concreto e sensorial ao objeto de estudo como o
objetivo final do processo educativo, não é suficiente para elevar o
desenvolvimento do pensamento abstrato e teórico aos patamares mais
elevados.
Os materiais adaptados e demais recursos tecnológicos empregados
no âmbito da educação devem possibilitar ao aluno a realização de ações
28
mentais com o conhecimento prático e social, objetivado e materializado,
sejam em objetos, signos, linguagem matemática ou fenômenos da
natureza.
Dessa forma, ao pensarmos na educação dos alunos com
deficiência visual, matriculados na Educação de Jovens e Adultos,
levantamos os seguintes questionamentos: Como a educação para esses
sujeitos tem sido desenvolvida ao longo da história das políticas públicas
brasileiras? De que modo os recursos de Tecnologia Assistiva podem
contribuir para a aprendizagem conceitual dos alunos com cegueira ou
baixa visão? E como a escola tem utilizado esses recursos? Qual diferença
esses recursos causam no processo de inclusão?
Na direção desses questionamentos, buscamos analisar o emprego
de Tecnologia Assistiva no processo da aprendizagem de conceitos
científicos por alunos com deficiência visual, bem como o modo que esses
recursos são dispostos e utilizados pela escola e pelos alunos. De uma
maneira mais específica, nos voltamos ao atendimento dos seguintes
objetivos:
Compreender a conjuntura histórica do cenário econômico,
político e social para a promoção da educação dos alunos jovens e
adultos com deficiência;
Realizar um levantamento documental acerca das políticas públicas
de acesso e promoção ao desenvolvimento de Tecnologia Assistiva
no Brasil;
Identificar a importância dos recursos de Tecnologia Assistiva para
a aprendizagem conceitual dos alunos com deficiência visual;
Analisar as dimensões históricas, sociais e econômicas da vida dos
estudantes participantes da pesquisa;
29
Avaliar o emprego de Tecnologia Assistiva nas escolas de Educação
de Jovens e Adultos;
Averiguar quais são os recursos disponíveis e como são utilizados
pelos alunos com deficiência visual.
Com base na concepção de ser humano e de sociedade intrínseca
ao método de abordagem teórica do Materialismo Histórico e Dialético,
nossa pesquisa prima por conceber “[...] os fenômenos em análise como
sendo históricos, dotados de materialidade e movidos pela contradição:
afirmação-negação-nova afirmação” (MEKSENAS, 2002, p. 88).
Procuramos analisar os dados coletados com base em sua essência,
refletida na sua síntese de múltiplas determinações sociais, econômicas,
políticas e culturais. Por meio do mapeamento documental e bibliográfico,
bem como da pesquisa de campo, buscamos revelar no bojo da contradição
do modo de produção capitalista, a essência subjacente ao acesso e ao
emprego de Tecnologia Assistiva para alunos com deficiência visual na
modalidade de jovens e adultos.
A perspectiva materialista e dialética considera a história como um
processo movido pelas contradições presentes na sociedade, na qual o
homem em um movimento dialético, modifica as relações de produção e
de subsistência. Isto quer dizer, que não apenas levantamos dados para
explicar como está o emprego da Tecnologia Assistiva no âmbito escolar,
mas nossa intenção é a de que, ao produzirmos conhecimentos sobre esse
fenômeno, possam ser criadas as condições para que futuras intervenções
políticas e pedagógicas ocorram com vistas a propiciar as condições
necessárias à aprendizagem e desenvolvimento desses sujeitos. “O
materialismo histórico diferencia-se das diversas ‘filosofias da história’ no
fato de não limitar-se a ‘explicar’ a história, mas também de intervir nela,
30
fazendo consciente a sua tendência inconsciente” (COGGIOLA, 1995, p.
8-9).
Considerando a necessidade de analisar as múltiplas determinações
do fenômeno, não centrando apenas na ação docente, buscamos coletar
dados acerca das condições econômicas, sociais e políticas envolvidas no
emprego de tais tecnologias no âmbito educacional.
Mediante essa abordagem metodológica, realizamos uma
observação sistemática, em que de acordo com Marconi e Lakatos (2007),
pode ser definida conforme os meios utilizados, a participação do
observador, o número de observadores e o lugar onde serealizada.
Dessa forma, realizamos a observação sistemática, não-
participante, individual e efetuada na realidade, que ocorreu em dois
estabelecimentos de ensino da Educação Básica que contam com alunos
adultos com deficiência visual, nos municípios de Campo Mourão e
Maringá, ambos situados no estado do Paraná.
Esses municípios estão separados aproximadamente por cem
quilômetros e têm entre seu corpo discente, adultos com deficiência visual.
As duas escolas fazem parte da rede estadual de ensino e, portanto, são
regidas pelas mesmas políticas públicas de inclusão implementada pelo
estado.
A opção pela realização da pesquisa de campo em dois municípios
se deu pela necessidade de ampliação da quantidade de alunos
participantes. Tendo em vista a especificidade da população pesquisada,
somada às situações de vulnerabilidade socioeconômica em que vivem boa
parte desses sujeitos, são poucos os alunos que frequentam a escola
regularmente e desenvolvem todas as atividades escolares em conformidade
com os cronogramas das disciplinas da matriz curricular.
31
A população da pesquisa é composta por alunos com cegueira ou
baixa visão, os quais estão matriculados na Educação Básica, na
modalidade da Educação de Jovens e Adultos da rede estadual do Paraná.
Identificamos um total de seis alunos, com idade igual ou superior a
dezoito anos, distribuídos entre os municípios de Maringá e Campo
Mourão. Contudo, conseguimos realizar as entrevistas com cinco deles,
visto que tivemos um que desistiu da escola e não o encontramos para a
realização da pesquisa.
Os professores especialistas que acompanham e auxiliam os
processos educativos nas instituições investigadas, também participaram
da pesquisa e contribuíram para o melhor entendimento acerca da
realidade e as especificidades do cotidiano escolar e sua relação com as
políticas públicas e o emprego das tecnologias na promoção da
aprendizagem.
A pesquisa de campo teve como técnicas para coleta de dados a
observação da instituição como um todo, sobretudo com relação aos
recursos de tecnologia disponíveis e o seu emprego em processos
educativos. Inclui também, a entrevista semiestruturada e gravada com
professores especialistas e alunos adultos com deficiência visual, buscando
a averiguação das condições do emprego e utilização da Tecnologia
Assistiva durante as aulas e fora delas.
Os dados coletados por meio desses instrumentos nos permitem
identificar se o emprego da Tecnologia Assistiva está em uma perspectiva
que impulsiona a aprendizagem de conceitos científicos por parte dos
alunos com cegueira ou baixa visão, uma vez que a forma predominante
de ocorrer o desenvolvimento dos sujeitos é por meio da apropriação desse
tipo de conceitos, como afirma Vigotsky (2009). De acordo com essa
perspectiva teórica esses são os elementos culturais cuja apropriação leva ao
desenvolvimento de funções psíquicas eminentemente humanas.
32
Compreensão também apresentada por Saviani (2003, p. 13), ao afirmar
que o desenvolvimento humano se dá por meio do “trabalho educativo
com a cultura produzida pelos seres humanos ao longo da história. O
trabalho educativo se expressa no:
[...] ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo
singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um
lado,
à
identificação dos elementos culturais que precisam ser
assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem
humanos e, de outro lado e concomitantemente,
à
descoberta das
formas mais adequadas para atingir esse objetivo. (SAVIANI, 2003, p.
13).
Com esses princípios, enfatizamos que a Educação de Jovens e
Adultos não deve abrir mão do conhecimento científico, produzido
historicamente pelos homens, conteúdos históricos e clássicos
indispensáveis para a humanização dos alunos. Por outro lado, este
conteúdo deve ser sistematizado e adaptado por meio das tecnologias, de
forma a tornar-se um conteúdo de aprendizagem acessível ao aluno com
deficiência visual. Para isso, é fundamental a mediação e o trabalho de
organização do ensino por parte do professor.
Essa mediação deve levar em conta as formas alternativas com que
os sujeitos interagem com o objeto do conhecimento. No caso da cegueira
ou baixa visão, significa buscar formas alternativas de disponibilizar o
conteúdo escolar de forma que não seja dependente do aporte visual.
Em nosso primeiro capítulo apresentamos um mapeamento
bibliográfico acerca da história do desenvolvimento da Educação Especial
e da Educação de Jovens e Adultos, buscando identificar seus principais
33
marcos legais e seus pontos de intersecção na promoção das políticas
públicas destinadas ao atendimento educacional a população jovem e
adulta com deficiência.
Em seguida, destacamos os marcos conceituais e legais com relação
à Tecnologia Assistiva, bem como do seu emprego no âmbito da educação,
verificando os documentos oficiais norteadores acerca da promoção de
políticas que favoreçam o desenvolvimento, distribuição e acesso de
recursos tecnológicos por parte das pessoas com deficiência visual.
No terceiro capítulo tratamos das contribuições da teoria histórico-
cultural, bem como da teoria da atividade para compreendermos o
processo de aprendizagem de conceitos científicos e do desenvolvimento
das pessoas com deficiência visual. Por se tratar de um estudo bibliográfico
aprofundado, buscaremos evidenciar os principais fundamentos teóricos
que tem por finalidade embasar a nossa coleta de dados, assim como o
modo que iremos confrontar os resultados qualitativos e interpretá-los à
luz do método marxiano de investigação científica.
Por fim, em nosso último capítulo apresentamos os dados
empíricos, expressos na transcrição e discussão acerca das entrevistas, que
trazem a história de vida e a modo como os sujeitos participantes interagem
com os recursos e serviços de Tecnologia Assistiva, de tal forma que
pudéssemos evidenciar o seu percurso educacional, bem como o seu
contexto histórico e social.
35
Capítulo 1
O Percurso Histórico da Promão da Educação Especial e
suas Articulações à Educação de Jovens e Adultos
A educação das pessoas com deficiência, ao longo da história, tem
lentamente ganhado maior atenção das políticas públicas com relação aos
dispositivos legais que asseguram o direito a frequentar espaços educativos
e, em decorrência, garantir maior desenvolvimento e acesso a espaço de
convívio social e de trabalho.
Decorrente de um déficit histórico na escolarização desses sujeitos,
somados a uma ampliação significativa com relação ao acesso a uma
educação mais especializada, ocorrida nas últimas duas décadas, a
Educação de Jovens e Adultos passou a receber parte dessa população, que
por não ter anteriormente condições de frequentar à escola, seja por
questões sociais, econômicas ou, até mesmo, da deficiência e de
prerrogativas legais que assegurassem o direito, passam a ocupar esse espaço
educativo.
Dessa forma, para termos uma visão de totalidade com relação à
educação das pessoas jovens e adultas com deficiência visual, precisamos
buscar elementos no desenvolvimento histórico das duas modalidades de
ensino, com vistas a encontrar nesse histórico pontos de intersecção que
revelem o movimento, sintonias e contradições nas propostas de formação
educacional desses alunos.
36
Para analisarmos as condições do emprego de tecnologias assistivas
para estudantes adultos com deficiência visual, é importante elucidarmos
os principais determinantes históricos e legais perpassados no Brasil, para
que, então, possamos transcender ao pseudoconcreto e obtermos a essência
com relação aos dados coletados em nossa pesquisa de campo e nossas
análises em nível de abstração e interpretação da realidade.
Nesse sentido, abordaremos nesse mapeamento bibliográfico os
principais marcos históricos na promoção da educação especial e da EJA,
delimitando do período imperial até a construção e publicação da Base
Nacional Comum Curricular, em 2018, bem como a conjuntura atual e
perspectivas futuras para a educação brasileira.
A opção por esse período histórico se deu, sobretudo para
demarcarmos o início das primeiras ações em prol dos alunos com
deficiência, perpassando pela construção de um sistema público e gratuito
de ensino para todos, até o relato das últimas implementações e ações que
antecederam a realização da nossa pesquisa de campo, realizada entre os
anos de 2018 e 2019.
1.1 O período do Brasil Imperial e as primeiras ações em prol da
Educação Especial e de Jovens e Adultos
A educação ao longo da história do Brasil colonial e imperial se
manteve como um direito de poucos e restrita a atividade de catequização
e de desenvolvimento da elite, hegemonicamente branca. Nesse grupo
privilegiado certamente, não se encontrava a maioria desfavorecida
economicamente, escravos e pessoas com deficiência.
No século XIX foram dados os primeiros passos que foram cruciais
para uma progressiva institucionalização da escola e a educação enquanto
37
um direito: "[...] aos poucos, foram-se definindo, com uma maior precisão,
os tempos, os espaços, os saberes, os materiais escolares a formação e a
profissionalização do professor” (GALVÃO; SOARES, 2004, p. 30).
A chegada da família real portuguesa em 1808 foi o grande marco
para a modificação da realidade educacional do Brasil. O atendimento das
necessidades da aristocracia portuguesa, sejam elas administrativas técnico-
burocráticas ou educacionais, corroborou para a criação dos
[...] cursos de caráter marcadamente utilitário, em nível superior, como
o de Medicina, Agricultura, Economia Política, Química e Botânica,
além das Academias Militares; para favorecer a vida cultural criaram-se
as Academias de Ensino Artístico, o Museu Real, a Biblioteca Pública,
a Imprensa Régia, entre outras iniciativas. Entretanto, em relação à
educação elementar não houve grande progresso; as elites a recebiam
em suas casas, como ensino privado (PAIVA, 2003, p. 70).
O mesmo panorama se configurou a partir da independência, em
1922, obtida pelo Brasil com relação a Portugal. Apesar da nova ordem
política, mantiveram-se as mesmas desigualdades e privilégios para uma
minoria pertencente à elite detentora do poder econômico e político.
Na Constituição de 1824, a primeira do país, redigida e outorgada
pelo Imperador Dom Pedro I, embora a instrução primária aparecesse
citada em dois artigos como um direito de "todos", foi destinada apenas
para aqueles que eram considerados aptos a exercerem os direitos civis e
políticos. Isto, por sua vez, não incluía os incapacitados fisicamente
(JANNUZZI, 2004) e a boa parte da população que era economicamente
desfavorecida, como os "[...] negros, indígenas e grande parte das
mulheres" (HADDAD & DI PIERRO, 2000, p. 109).
38
Embora a educação popular tenha sido proclamada em discussões
entre deputados das diferentes províncias, durante as Assembleias da
Constituinte de 1923, o máximo concedido "[...] foi a decretação da lei de
15 de outubro de 1827, que perdurou até 1946, quando surgiu a Lei
Orgânica do Ensino Primário, uma das últimas a serem legisladas no
conjunto de reformas da educação” (JANNUZZI, 2012, p. 07).
A lei de 15 de outubro de 1827 ficou caracterizada por estabelecer
a presença de uma escola de instrução primária em todas as cidades, vilas
e regiões mais populosas (PAIVA, 2003). No entanto, a dificuldade de
encontrar professores capacitados para ministrar aulas das diferentes
disciplinas, contribuiu para a falta de sucesso na efetivação do ensino às
camadas populares da sociedade.
Independente do fracasso com relação aos objetivos da lei, de
acordo com Paiva (2003, p. 62), "[...] foi graças a ela que algumas escolas
foram fundadas nas províncias, determinando um pequeno progresso
imediato do nosso ensino elementar, se levamos em consideração a
situação anterior desse nível de ensino”.
É importante destacarmos a invisibilidade e exclusão das pessoas
com deficiência na Constituição Imperial de 1824 e na lei da educação de
1927, em que não há menção ao atendimento educacional dessa população
e garantia de direitos civis e políticos. As primeiras ações mais
contundentes, efetivadas em torno desse tipo de educação, surgiram apenas
no segundo reinado, de Dom Pedro II, com vistas a preparar esse público
para contribuir com o setor produtivo, uma vez que vislumbravam um
corte de gastos, nos cofres públicos, com a manutenção dessas pessoas, por
toda a vida, depositadas em asilos e manicômios (FREITAS, 2010).
Outro fator que marcou o início das ações em prol da Educação
Especial foram os favores atendidos a pessoas próximas ao governo
39
imperial, o que resultou na criação do Imperial Instituto dos Meninos
Cegos em 1854 (atual, Instituto Benjamin Constant) e do Instituto dos
Surdos-Mudos em 1857 (hoje, Instituto Nacional de Educação de
Surdos), ambos na cidade do Rio de Janeiro. De acordo com Bueno
(1993), a criação desses institutos não ocorreu com o intuito de suprir a
demanda das necessidades existentes. Por essa razão, pouco tempo depois,
eles foram degradados, seja pela falta de recursos financeiros ou a falta de
uma política que viabilizasse, após a conclusão dos cursos pelos estudantes,
uma incorporação das pessoas com deficiência na sociedade e nas
atividades produtivas.
A falta de interesse com relação à Educação Especial e preparação
dos sujeitos para o trabalho, nesse contexto histórico, diferentemente de
países mais desenvolvidos, se deu pela
[...] pouca necessidade de utilização desse tipo de mão-de-obra, na
medida em que uma economia baseada na monocultura para
exportação não exigia a utilização dessa população pelo incipiente
mercado de trabalho. Por outro lado, espelha também o caráter
assistencialista que irá perpassar toda a história da educação especial em
nosso País. O fato de, através de uma política de "favor", terem sido
criadas instituições que, pelo menos, ofereciam abrigo e proteção a essa
parcela da população, cumpria a função de auxílio aos desvalidos, isto
é, àqueles que não possuíam condições pessoais para exercerem sua
cidadania. Além disso, na medida em que se prenderam a iniciativas
isoladas, deixaram de fora a maior parte dos surdos e cegos, ao mesmo
tempo em que, como internato, retiraram do convívio social
indivíduos que não necessitavam ser isolados pelo incipiente processo
produtivo (BUENO, 1993, p. 86).
40
Apesar dos postulados na legislação de 1824 e 1827, tanto a
educação das pessoas com deficiência, como da educação popular, tiveram
avanço restrito e limitado. Enquanto as elites utilizavam da prática de
estudo individual, em suas próprias casas, a "[...] a educação do povo não
era sentida como uma necessidade social e econômica muito forte
(PAIVA, 2003, p. 63).
A disseminação do ideário liberal intrínseco ao pensamento do
Império e da Constituição de 1824, era refletido no modo como o governo
administrava a educação. Com o Ato Adicional de 1834, a oferta e
manutenção das escolas para a população foi descentralizada como uma
obrigação a cargo das províncias, demonstrando a falta de interesse do
governo central, tanto por não assumir a responsabilidade, como delegar a
instâncias mais empobrecidas a obrigação de prover a educação das
camadas populares e menos favorecidas.
A partir desse Ato Adicional, a desigualdade entre as províncias,
regiões e locais economicamente mais desenvolvidos tornou-se mais
evidente no âmbito da educação. De acordo com Paiva (2003), o
deslocamento do eixo econômico do Norte-Nordeste para o Centro-Sul,
no final do século XVIII, corroborou para o fortalecimento dos sistemas
educacionais dessa região.
Para Paiva (2003), com a decadência da mineração no final do
século XVIII, contamos com o renascimento da agricultura, a qual se
favoreceu com a emancipação política e a abertura dos portos.
Inicialmente, a região Norte-Nordeste se beneficiou com o cultivo da cana
de açúcar e a produção de tabaco. Contudo, ao perder espaço no mercado
internacional para o algodão norte-americano e oriental, bem como o fim
do tráfico de africanos escravizados, o que desestimulou a produção do
tabaco, a agricultura centrou-se no plantio do café e deslocou-se para o Rio
de Janeiro, São Paulo, Sul de Minas Gerais e Espírito Santo. A cafeicultura
41
iniciou-se em meados do século XIX e desempenhou um papel
fundamental na economia de exportação do país, o qual se estendeu por
todo o período imperial e boa parte da primeira república.
Em decorrência do avanço do movimento abolicionista, mesmo
com a mão-de-obra escrava migrada do Nordeste, ficou claro a necessidade
de um número maior de trabalhadores, que pudessem suprir a demanda
produtiva. Dessa forma, em 1871 se fortaleceu mais um ciclo de imigração,
trazendo milhares de europeus, que em São Paulo se tornaram assalariados
e na região Sul, tiveram a incumbência de contribuir na colonização do
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Para Paiva (2003, p. 75)
Se, por um lado, o deslocamento do eixo econômico para o Centro-
Sul explica o maior desenvolvimento dos sistemas de ensino observado
nesta região, também a imigração contribuiu para isto. Trabalhando
em núcleos coloniais no sul do país como pequenos proprietários, os
imigrantes se preocuparam com a instrução de seus filhos e
desenvolveram seus próprios sistemas de ensino. Oriundos de países
onde a instrução elementar universalizada era um objetivo e onde a
educação escolar desempenhava um importante papel para a ascensão
social, o imigrante criava um clima de maiores exigências com respeito
à instrução. Mesmo em São Paulo, onde ele é assalariado e não colono,
sua presença atua como pressão no sentido do desenvolvimento da
instrução popular. (PAIVA, 2003, p. 75).
Esse novo panorama educacional no Brasil não ficou marcado
apenas pelo desenvolvimento da agricultura, mas em partes, pelo
investimento industrial e comercial, oriundos do lucro do café e do capital
estrangeiro. Por meio de empréstimos públicos, foram feitos investimentos
em infraestrutura ferroviária, rodoviária e aquaviária, fortalecendo a
arrecadação pública com o aumento das taxas de importações, o que
42
fomentou a produção interna e a ampliação do tamanho da máquina
estatal. "Desenvolve-se a indústria têxtil, multiplicam-se os
estabelecimentos industriais de modo geral, criando nos centros urbanos -
novas necessidades de ampliação dos sistemas de ensino elementar"
(PAIVA, 2003, p. 66).
Esse quadro econômico que se desenhava no final do governo
imperial e se expandiria durante as primeiras décadas da república,
determinou a centralização de recursos e investimentos nas regiões sul e
sudeste, desenvolvendo uma desigualdade, no que tange a instrução
elementar, entre as diferentes regiões.
Em 1872, quando o primeiro senso de analfabetismo foi realizado,
constatou-se uma situação precária generalizada, em que 82,3 % da
população, com cinco anos ou mais de idade, se encontrava em situação
de analfabetismo (FERRARO & KREIDLOW, 2004). Nesse momento,
não se percebia grandes diferenças entre as regiões. Essa situação se
manteve inalterada até 1890, em que um novo senso, revelou uma taxa de
82,6 %. Com o início da República, "Tais taxas valeram ao Brasil, na
época, a pecha de campeão mundial do analfabetismo" (Ibidem, p. 184).
Diante desse quadro generalizado de analfabetismo, a difusão da
instrução elementar e profissional passou a ser uma preocupação para o
país, uma vez que se acreditava, assim como nos países mais desenvolvidos,
que a educação era um fator indispensável para o progresso, bem como
para colocar o Brasil entre as tidas nações "cultas". No entanto, os números
de acesso as escolas mantidas pelo império e as províncias, não
ultrapassavam os 10 % (PAIVA, 2003), fator esse que desagradava parte
da elite, sobretudo as associações dos intelectuais e a população de
imigrantes que estava acostumada ao pensamento liberal e de educação
obrigatória e gratuita.
43
Dessa forma, em muitas províncias foram desenvolvidas ações
isoladas de alfabetização, geralmente promovidas por intelectuais, homens
brancos e maçons, com o sentimento de "regenerar" as camadas populares,
fossem elas compostas por pobres brancos, negros, livres ou libertos, ou até
escravos. Eles acreditavam que "[...] era preciso 'iluminar' as mentes que
viviam nas trevas da ignorância para que houvesse progresso" (GALVÃO
& SOARES, 2004, p. 35). Esse fator, por sua vez, colocou a alfabetização
de adultos "[...] sob a égide da filantropia, da caridade, da solidariedade e
não do direito" (Ibidem).
Esse sentimento de inferioridade, ignorância e de incapacidade,
posta a condição de analfabetismo da maioria da população brasileira,
frente a um crescimento do setor manufatureiro e das condições materiais,
resultou no crescimento do preconceito ao analfabeto, o qual se confirmou
nas discussões e na aprovação da reforma eleitoral de 1881, que ficou
conhecida como a Lei Saraiva e restringiu o direito ao voto às pessoas não
alfabetizadas. Até esse momento, a restrição ao voto era definida por fatores
econômicos e sociais, porém nunca se havia questionado a capacidade de
saber ler ou escrever. "O saber ler não afetava o bom senso, a dignidade, o
conhecimento, a perspicácia, a inteligência do indivíduo; não o impedia
de ganhar dinheiro, ser chefe de família, exercer o pátrio poder, ser tutor"
(RODRIGUES, 1965, p. 144 apud GALVÃO & SOARES, 2004, p. 36).
Toda essa discussão em torno da instrução elementar da população
foi apresentada na Assembleia Geral, na comissão de estudo acerca da
Reforma Leôncio de Carvalho, na qual Rui Barbosa, por meio de seu
Parecer-projeto de 1882, traz o primeiro diagnóstico detalhado da
realidade educacional do Brasil, defendendo a tese de que há uma relação
direta entre o nível de instrução da população com a riqueza do país. Ele
também expõe "[...] problemas da obrigatoriedade escolar, da liberdade de
ensino, da organização pedagógica, da formação de professores, das
44
construções escolares, das despesas com o ensino público, ele formula suas
proposições” (PAIVA, 2003, p. 76).
Ao longo de todo o governo imperial, diversas discussões foram
travadas nas províncias quanto ao rumo da instrução elementar para a
população pertencente às camadas inferiores da sociedade. No entanto,
poucos resultados foram obtidos, visto que, embora o país tivesse dado os
primeiros passos em direção à industrialização, a economia estava
centralizada na agricultura e sob o poder da aristocracia oligárquica, que
pouco se importava com a instrução das pessoas que trabalhavam em suas
lavouras (JANNUZZI, 2012).
Ao término do Império, por um lado, muitos problemas com
relação à instrução elementar e as altas taxas de analfabetismo persistiram
e não foram superados. Por outro, é importante destacar, que foi nesse
período que se deu o surgimento da educação popular e os primeiros
encaminhamentos em direção a uma política de combate ao analfabetismo.
No entanto, quando nos deparamos com a educação das pessoas
com deficiência, nesse período, percebemos um silêncio quanto às suas
demandas e necessidades, que pouco foram levadas às discussões nas
assembleias das províncias. O atendimento educacional para esse público,
assistencialista e de cunho clínico, se restringiu aos precários institutos
imperiais e a asilos e manicômios. De acordo com Jannuzzi (2012, p. 20),
os poucos educandos que foram atendidos nesses estabelecimentos, "eram
provavelmente os mais lesados os que se distinguiam, se distanciavam, os
que incomodavam, ou pelo aspecto global, ou pelo comportamento
altamente divergente". Quanto àqueles que conseguiam, mesmo com
limitações, desempenhar algum tipo de atividade, eram inseridos em
tarefas simples de uma sociedade rural e não escolarizada.
45
1.2 Primeira República: a Educação Especial e de Jovens e Adultos no
contexto do surgimento da escola pública
O período referente ao final do governo imperial e os primeiros
anos após a Proclamação da República, em 1889, ficou marcado, não
somente por crises no âmbito da política e sua organização administrativa,
mas também foram levantadas e debatidas questões sobre a instrução
pública, a proibição do voto do analfabeto, a abolição da escravatura, o
início da modernização da produção industrial, o incentivo a imigração,
bem como o fortalecimento da cafeicultura e consolidação de oligarquias
regionais.
De acordo com Saviani (2006), a linha geral dos debates estava
direcionada à construção de um sistema nacional de educação pública, que
seguisse a tendência dos países europeus, nos quais o governo central era o
responsável por prover as escolas em todas as regiões do país. Entendia-se
que as escolas poderiam ser a chave para a redenção de todos os problemas
da humanidade.
Nesse clima parecia que, efetivada a Abolição da escravatura em 1888
e proclamada a República em 1889, a organização do sistema nacional
de ensino, em que o governo central assumiria a tarefa de instalar e
manter escolas em todos os povoados, seria uma consequência lógica.
Mas não foi isso o que aconteceu. Seja pelo argumento de que, se no
Império, que era um regime político centralizado, a instrução estava
descentralizada, a fortiori na República Federativa, um regime político
descentralizado, a instrução popular deveria permanecer descentrali-
zada; seja pela influência do modelo norte-americano, seja
principalmente pelo peso econômico do setor cafeeiro que desejava a
diminuição do poder central em favor do mando local, o certo é que o
novo regime não assumiu a instrução pública como uma questão de
46
responsabilidade do governo central, o que foi legitimado na primeira
Constituição republicana (Ibidem, p. 22).
A primeira constituição republicana, promulgada em 1891,
reafirmou as políticas educacionais estabelecidas no Ato Adicional de
1834, mantendo o sistema educacional descentralizado e sob a
responsabilidade de legislar e prover a cargo dos estados e municípios. Ao
manter a descentralização em detrimento de um sistema nacional
unificado, o dispositivo legal ratificou o dualismo sistêmico na educação
entre a União e os Estados Federativos, uma vez que a manutenção e
criação de instituições de Ensino Superior, em todo território nacional,
tornou-se incumbência do governo central, enquanto a criação e
manutenção das escolas primárias e profissionalizantes ficou a cargo dos
estados (ROMANELLI, 2013).
Dessa forma, a União passou a prover a educação destinada à
formação e desenvolvimento das elites, enquanto os estados, autarquias
menos favorecidas, passou a ofertar o ensino primário de forma
fragmentada e dissonante ao redor do país.
A dualidade do sistema educacional brasileiro, se, de um lado,
representava a dualidade da própria sociedade escravocrata, de onde
acabara de sair a República, de outro, representava ainda, no fundo, a
continuação dos antagonismos em torno da centralização e
descentralização do poder. A vitória dos princípios federalistas que
consagrou a autonomia dos poderes estaduais fez com que o Governo
Federal, reservando-se uma parte da tarefa de proporcionar educação à
nação, não interferisse de modo algum nos direitos de autonomia
reservados aos Estados, na construção de seu sistema de ensino. Como
um não interferia na jurisdição do outro, as ações eram completamente
independentes e, o que era natural, díspares, em muitos casos. Isso
47
acabou gerando uma desorganização completa na construção do
sistema educacional, ou melhor, dos sistemas educacionais brasileiros
(ROMANELLI, 2013, p. 43).
Em decorrência dessa desobrigação da União quanto ao
provimento da instrução pública primária, propiciou um ambiente
favorável para a fragmentação da institucionalização do atendimento as
pessoas com deficiência, a qual se deu predominantemente no âmbito
privado e assistencialista (BUENO, 1993).
As instituições que passaram a ser criadas eram, em primazia,
especializadas no atendimento ao público com deficiência intelectual, que
fundamentadas por uma vertente dico-pedagógica enfrentavam os
problemas relacionados à deficiência como uma questão de doença, o que
ocasionava a segregação e retirada desses sujeitos da vida social
(JANNUZZI, 2012). Cabe ressaltar que, em uma sociedade
desescolarizada, muitas pessoas com deficiências leves ou moderadas, de tal
forma que não destoassem da maioria, passavam despercebidas e
incorporadas a tarefas sociais simples. "Apenas aquelas que apresentavam
características que as diferenciassem a ponto de causar 'estranhamento' e
'incômodo' eram encaminhadas para locais onde pudessem tornar-se
invisíveis para a sociedade" (FREITAS, 2010, p. 42).
A falta de interesse das autoridades em propiciar a educação para
as pessoas com deficiência se dava pelo mesmo motivo que a alfabetização
dos jovens e adultos não fazia parte do interesse dos grandes produtores de
café, que por ocasião da descentralização política, tiveram consolidado o
seu domínio político local e, por sua vez, projetaram
48
[...] no sistema escolar a mesma mentalidade que havia caracterizado o
período colonial e se estendido durante a Monarquia. Para uma
economia agrícola, a educação básica da população realmente não era
considerada como um fator necessário, pois a maioria se concentrava
na zona rural, onde as técnicas de cultivo não exigiam nenhuma
preparação, nem mesmo a alfabetização (CARVALHO, 2012a, p.
121).
Com essa falta de interesse por parte das pequenas oligarquias, a
expansão da instrução pública se deu mais efetivamente nos centros
urbanos e, sobretudo, na região centro-sul, onde se tinha um maior
desenvolvimento econômico e industrial.
Dentre as experiências educacionais implementadas pelos estados,
de acordo com Saviani (2006, p. 18), foi a tentativa de São Paulo a mais
avançada e próxima daquilo que se assemelha a uma organização e
padronização dos serviços educacionais em um sistema orgânico:
a) Organização administrativa e pedagógica do sistema como um todo,
o que implicava a criação de órgãos centrais e intermediários de
formulação das diretrizes e normas pedagógicas bem como de inspeção,
controle e coordenação das atividades educativas;
b) Construção ou aquisição de prédios específicos para funcionar como
escolas;
c) dotação e manutenção nesses prédios de toda a infraestrutura
necessária para o adequado funcionamento do ensino;
d) Instituição de um corpo de agentes, com destaque para os
professores, definindo-se as exigências de formação, os critérios de
admissão e a especificação das funções a serem desempenhadas;
49
e) Definição das diretrizes pedagógicas, dos componentes curriculares,
das normas disciplinares e dos mecanismos de avaliação das unidades e
do sistema de ensino em seu conjunto. (SAVIANI, 2006, p. 18).
Na acepção de Carvalho (2012a), o que propiciou a São Paulo o
cenário adequado para a organização de um sistema educacional com bases
mais sólidas e largas foi em decorrência de lá ter se tornado o centro da
vida econômica do país, o qual foi estimulado pelo crescimento do
desenvolvimento da lavoura cafeeira, maior concentração de imigrantes,
maior desenvolvimento industrial, bem como um controle maior sobre a
política nacional.
Dessa forma, a escola primária paulista tornou-se um parâmetro
para as escolas públicas dos demais estados, exportando, sobretudo, a
organização administrativa, e a difusão da ideia de "grupo escolar", o qual,
de acordo com Souza (2006), envolvia certa infraestrutura física e
administrativa, como a construção de prédios adequados para a prática
educativa, agrupamentos e seriação gradual de alunos conforme o seu nível
de conhecimento, organização do tempo e espaços, o emprego de métodos
pedagógicos e hierarquização dos profissionais, dispondo de um professor
para cada classe.
A expansão desse modelo de estruturação das escolas contribuiu
para a implantação de sistemas semelhantes em vários estados durante a
Primeira República:
[...] Rio de Janeiro, em 1897; Maranhão e Paraná, em 1903; Minas
Gerais, em 1906; Bahia, Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Santa
Catarina, em 1908; Mato Grosso, em 1910; Sergipe, em 1911; Paraíba
em 1916, Goiás, 1921 e Piauí, em 1922 (SCHUELER; MAGALDI,
2009, p. 44).
50
Pelo fato da total omissão da União quanto à promoção da
educação primária e da descentralização do sistema educacional e político,
tendo responsabilizado os estados na implantação da instrução primária, o
quadro da educação, nos primeiros 30 anos do governo republicano,
continuou precário e insuficiente, apresentando uma realidade muito
pouco modificada com relação à enfrentada no final do governo imperial,
uma vez que a taxa de analfabetismo teve uma ligeira queda dos 82,6 %,
no ano de 1890, para 71,2 % em 1920, caracterizando uma queda de 11
pontos percentuais no período (FERRARO & KLEIDLOW, 2004).
Até esse período, não tivemos muitas ações em prol da educação
popular e um efetivo combate ao analfabetismo (PAIVA, 2003). Com
exceção dos grandes centros urbanos, em que havia uma reivindicação e
apelo da população pela oferta da instrução pública, as zonas rurais, onde
estava localizada a maioria da população, ligada a laços paternalistas de
uma oligarquia regional, não sentiam necessidade de instrução, nem
tampouco exerciam preso sobre os seus governadores, que em meio a
fraudes eleitorais, mantiveram a dominação política até a revolução de
1930, a qual levou Getúlio Vargas ao poder.
De acordo com Haddad e Di Pierro (2000, p. 110), a preocupação
com a educação de jovens e adultos, na Primeira República, "[...]
praticamente não se distinguia como fonte de um pensamento pedagógico
ou de políticas educacionais específicas. Isso só viria a ocorrer em meados
da década de 1940". A preocupação que se tinha, a priori, era com a
instrução pública das camadas populares, mas que, em geral, se refletia na
instrução das crianças.
51
1.3 O período da expansão do atendimento público
e o nacionalismo brasileiro
Nos anos que seguiram a 1ª Guerra Mundial (1914-1918), o
movimento dos emergentes profissionais da educação e da população para
que houvesse melhoria nos investimentos da instrução pública, começaram
a pressionar as autoridades na direção para a formulação de uma política
pública nacional para a Educação de Jovens e Adultos. Diante os altos
índices de analfabetismo que assolavam o país, ainda mais em comparação
com outros países da América Latina e Europa, somados a uma crescente
industrialização e urbanização, fornecia os ingredientes iniciais para que o
governo central passasse a assumir a oferta da instrução pública e
proporcionasse condições mais homogêneas e efetivas.
Tivemos durante esse período que antecedeu a revolução de 1930,
um período que ficou marcado por um descontentamento de vários setores
ligados predominantemente a classe média, mas que envolveu desde o
operariado, formado por imigrantes e pessoas recém chegadas aos centros
urbanos, até a burguesia industrial, que buscava maior participação política
e desenvolvimento industrial.
Durante o transcurso dos anos 1920, vemos, portanto, irromperem as
revoltas armadas que definiram o tenentismo, a criação do Partido
Comunista e a Semana de Arte Moderna, os quais tinham em comum
a contestação e a oposição à velha ordem oligárquica latifundiária. De
todos, o que mais profundamente marcou a luta pela mudança do
processo político e saiu vitorioso com o movimento de 1930 foi o
tenentismo. Sem uma ideologia definida, capaz de sustentá-lo como
movimento duradouro e coerente, o tenentismo se resumiu numa série
de reivindicações que oscilaram entre a necessidade de se implantar
uma ordem social e econômica de caráter capitalista e a moralização
52
das eleições, até a implantação de mudanças radicais, só passíveis de
realização pela imposição de um governo forte, coeso e nacionalista
(ROMANELLI, 2013, p. 51).
Em outubro de 1930, liderado pelos estados do Rio Grande do
Sul, Minas Gerais e Paraíba, deu-se início o movimento armado que
envolveu parte do setor de cafeicultores descontentes com a política
econômica e de incentivo ao café, aglutinando-se aos diferentes setores da
sociedade contra a hegemonia política, sobretudo dos produtores de café
paulistas que, por meio de fraudes eleitorais, pretendiam manter o seu
poder político e econômico, cujas bases estavam no modelo agrário de
exportações.
Com o rompimento dessa hegemonia político-econômica, que
culminou na ascensão de Getúlio Vargas ao posto de Presidente da
República, deu-se início, mesmo em meio aos diversos conflitos de
interesses, "[...] a ideologia política o nacional-desenvolvimentismo e
o modelo econômico compatível a substituição de importações"
(RIBEIRO, 2003, p. 103).
O governo de Getúlio Vargas passou por três fases importantes:
Governo Provisório (1930-1934); Governo Constitucional (1934-1937);
Estado Novo (1937-1945). Durante todo esse período, a política nacional
estimulou o desenvolvimento da produção interna, buscando diminuir a
necessidade por importações. Diferentemente da Primeira República,
ficou marcado por uma forte intervenção estatal na economia, na vida
social, centralizando o poder político e um aumento gradual do
autoritarismo. Esse período, que ficou conhecido como "Era Vargas", de
acordo com Paiva (2003, p. 122), subdividiu-se em dois momentos
políticos distintos: "[...] o da Segunda República, caracterizado pelos ideais
democrático-liberais e pela tentativa de dinamização da vida política; e o
53
do Estado Novo, marcado pelo regime de autoridade, antiliberal e anti-
democrático".
No cenário educacional, em decorrência das diversas
transformações políticas, o período de 1930 a 1945, ficou marcado por
distintas transições. No governo provisório, com vistas a colocar em curso
a "Reconstrução Nacional", Vargas intensificou a difusão do ensino
elementar, sobretudo o de caráter técnico-profissional, implantando
reformas no sistema educacional comercial e industrial. "Na Segunda
República os educadores são ouvidos em seus pareceres; as discussões
educacionais, através das Conferências Nacionais de Educação, referem-se
à formulação de uma política nacional de Educação" (PAIVA, 2003, p.
124). Contudo, no Estado Novo, em decorrência do autoritarismo, não
houve espaço para discussões em torno dos grandes problemas intrínsecos
a educação. Enquanto o primeiro período tratava das questões com relação
às grandes diretrizes para uma educação nacional, o segundo, em uma
direção quantitativa, tratava dos problemas relacionados à Educação Física
e os valores cívicos e morais.
A dicotomia entre os dois períodos é refletida na promulgação da
Constituição de 1934 e 1937, na qual a primeira, influenciada pelo
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
2
em 1932, apresentava
perspectivas renovadoras para uma educação laica, mantida pelo poder
público e por diretrizes nacionais (SAVIANI, 2006). Essa, por sua vez, foi
a primeira Carta Magna que estabeleceu como incumbência da União, a
fixação de diretrizes nacionais para a educação nacional. Na alínea "a", do
artigo 150 estabeleceu-se que compete a União "fixar o plano nacional de
educação, comprehensivo do ensino de todos os graos e ramos, comuns e
2
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, de acordo com Saviani (2006, p. 35), foi “[...]
um importante legado que nos é deixado pelo século XX. É um marco de referência que inspirou as
gerações seguintes, tendo influenciado, a partir de seu lançamento, a teoria da educação, a política
educacional, assim como a prática pedagógica em todo o país”.
54
especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o territorio
do paiz" (POLETTI, 2012, p. 138).
No que tange a carta de 1937, manteve-se a exigência quanto à
implementação das diretrizes e bases nacionais para a educação, no
entanto,
[...] com outra formulação e com outro espírito, na Constituição do
Estado Novo, promulgada em 10 de novembro de 1937, que, no art.
15, inciso IX, estabelece como competência privativa da União "fixar
as bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as
diretrizes a que deve obedecer a formação física, intelectual e moral da
infância e da juventude". Com essa referência explícita à infância e
juventude, fica claro o propósito de colocar, além da educação
secundária e superior, também a educação primária sob a
responsabilidade do governo central (SAVIANI, 2006, p. 35-6, aspas
do autor).
Embora tivessem nesses anos do governo Vargas uma ascensão na
direção da formulação das políticas públicas em prol da educação,
acreditamos que a legislação pouco contribuiu para a educação das pessoas
com deficiência. De acordo com Jannuzzi (2012), as reformas educacionais
foram realizadas com o intuito de atender as necessidades comuns, levando
em conta parâmetros de excelência determinado por profissionais e
especialistas idôneos. Nesse período não houve sequer menção ou
conceituação que direcionasse quaisquer ações na direção da promoção da
educação desse público.
Decorrente da omissão, por parte do governo central em definir
diretrizes para a promoção da educação das pessoas com deficiência, nas
diferentes regiões do país, por intermédio da organização civil e
55
comunitária, realizou-se as mais importantes ações no acolhimento e
assistência às necessidades desse público. Eis, desse modo, o surgimento de
um forte laço entre a educação especial e a iniciativa privada, de cunho
filantrópico e assistencialista.
Entre as décadas de 1920 e 1950 houve uma grande expansão de
instituições regulares e especializadas no atendimento às pessoas com
deficiência, sobretudo na área da deficiência intelectual, visual e auditiva.
De acordo com Mazzotta (1996, p. 31)
Na primeira metade do século XX, portanto, até 1950, havia quarenta
estabelecimentos de ensino regular mantidos pelo poder público, sendo
um federal e os demais estaduais, que prestavam algum tipo de
atendimento escolar especial a deficientes mentais. Ainda, catorze
estabelecimentos de ensino regular, dos quais um federal, nove
estaduais e quatro particulares, atendiam também alunos com outras
deficiências. No mesmo período, três instituições especializadas (uma
estadual e duas particulares) atendiam deficientes mentais e outras oito
(três estaduais e cinco particulares) dedicavam-se à educação de outros
deficientes. (MAZZOTTA, 1996, p. 31).
Dentre essas instituições, realizamos um levantamento baseado em
estudos acerca da história da Educação Especial, com vistas a identificá-las
e organizá-las no Quadro 1, evidenciando o ano de sua fundação, o
atendimento especializado, município e dependência administrativa.
As instituições identificadas ofereciam atendimento aos estudantes
com Deficiência Intelectual (DI), Deficiência Visual (DV), Deficiência
Auditiva (DA) e Deficiência Física (DF).
56
QUADRO 1 - PRINCIPAIS INSTITUÕES DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS
COM DEFICIÊNCIA SURGIDAS ATÉ 1950
Instituição
Ano
Município
UF
Área
Colégio dos Santos Anjos
1909
Joinville
SC
DI
Instituto Benjamim Constant 1854
Rio de
Janeiro
RJ Federal DV
Instituto Nacional de Educação
de Surdos
1857
Rio de
Janeiro
RJ Federal DA
Escola Rodrigues Alves 1905
Rio de
Janeiro
RJ Estadual DF/DV
Sodalício da Sacra família 1920
Rio de
Janeiro
RJ Privada DV
União dos Cegos no Brasil 1924
Rio de
Janeiro
RJ Privada DV
União Auxiliadora dos Cegos do
Brasil
1943
Rio de
Janeiro
RJ Privada DV
Sociedade Pestalozzi do Brasil 1945
Rio de
Janeiro
RJ Privada DI
Associação Pestalozzi de Niterói
1948
Niterói
RJ
DI
Escolinha de Arte do Brasil 1948
Rio de
Janeiro
RJ Privada DI
Escola Estadual São Rafael 1925
Belo
Horizonte
MG Estadual DV
Escola Estadual Instituto
Pestalozzi
1935
Belo
Horizonte
MG Estadual DA/DI
Complexo Educacional Fazenda
do Rosário
1940 Ibirité MG Privada DI
Institutos de Cegos do Brasil
Central
1942 Uberaba MG Privada DV
Instituto Santa Inês 1947
Belo
Horizonte
MG Privada DA
Instituto de Cegos da Bahia
1936
Salvador
Bahia
DV
Instituto de Cegos de Recife
1935
Recife
PE
DV
Escola Especial Ulisses
Pernambucano
1941 Recife PE Estadual DI
Escola Alfredo Freire
1942
Recife
PE
Instituto dos Cegos
1943
Fortaleza
CE
DV
Instituto dos Cegos Adalgisa
Cunha (Ensino Especializado)
1944 João Pessoa PA Privada DV
57
Instituto Pestalozzi
1926
Canoas
RS
DI
Grupo Escolar Paula Soares
1927
Porto Alegre
RS
DI
Instituto Santa Luzia
1941
Porto Alegre
RS
DV
Escola Professor Alfredo Duarte
1948
Pelotas
RS
DA
Instituto Paranaense de Cegos
1944
Curitiba
PR
DV
Escola Epheta
1950
Curitiba
PR
DA
Instituto São Rafael
1940
Taubaté
SP
DV
Associação Linense para Cegos
1948
Lins
SP
DV
Instituto Estadual de Educação
Padre Anchieta
1913 São Paulo SP Estadual DA
Instituto de Cegos Padre Chico
1928
São Paulo
SP
DV
Instituto Santa Terezinha
1929
São Paulo
SP
DA
Pavilhão Fernandinho Simonsen -
Santa casa da Misericórdia
1932 São Paulo SP Privada DF
Fundação Dona Paulina de Souza
Queiroz
1936 São Paulo SP Privada DI
Associação PróBiblioteca e
Alfabetização para Cegos
1942 São Paulo SP Privada DV
Lar-Escola São Francisco
1943
São Paulo
SP
DF
Fundação para o Livro do Cego
no Brasil
1946 São Paulo SP Privada DV
Instituição Beneficente Nosso Lar
1946
São Paulo
SP
DI
Escola Nossa Senhora de Lourdes
1949
Santos
SP
DF
Grupo Escolar Miss Browne
1950
São Paulo
SP
DI
Grupo Escolar Visconde de
Itaúna
1950 São Paulo SP Estadual DI
Fonte: Dados extraídos e adaptados de Mazzotta (1996), Bueno (1993), Jannuzzi (2012),
O percurso histórico da Educação Especial, dentro do contexto das
reformas educacionais na década de 1930 e 1940, se desenvolveu
fortemente alinhado a concepções assistencialistas e médico-pedagógico,
porém com uma forte presença de uma vertente psicopedagógica, atrelada
ao movimento escolanovista brasileiro, a qual por meio de testes de
inteligência, definiam o padrão de normalidade e organizavam as classes
conforme os parâmetros diagnosticados.
58
Dessa forma, com vistas ao atendimento dos alunos considerados
anormais, as entidades privadas de cunho filantrópico proliferaram, ao
lado do aumento do público atendido pela rede pública, bem como o
incentivo a criação de federações estaduais e nacionais de deficientes, como
também os primeiros serviços especializados e campanhas de educação das
pessoas com deficiência promovidas pelas Secretarias Estaduais e o
Ministério da Educação e Cultura (BUENO, 1993).
Esse panorama pedagógico e de gestão do atendimento às pessoas
com deficiência permeou ao longo de todo o regime militar, que refletiu
em um aumento significativo dessas instituições nas décadas de 1960 e
1970, com destaque para as Sociedades Pestalozzi, unificadas em 1971
como a Federação Nacional das Sociedades Pestalozzi do Brasil; e a
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), que foi fundada
em 1954, no Rio de Janeiro, e expandiu-se por todo território nacional,
disponibilizando mais de duzentas instituições no início da década de
1980.
Em decorrência da omissão por parte do estado com relação à
promoção da educação das pessoas com deficiência, houve, sobretudo nos
centros urbanos, um movimento da sociedade civil organizada em garantir
determinadas ações em prol do acolhimento e da instrução para esse
público. Por outro lado, de acordo com Freitas (2010, p. 47), o mesmo
não ocorreu com a Educação de Jovens e Adultos, sendo queEm 1939,
foram criadas duas subcomissões no Departamento de Difusão Cultural
da Secretaria da Educação e Cultura a fim de elaborar um plano para os
cursos elementares de educação de adultos e outro para os de continuação”.
Em seguida, tivemos as publicações das Leis Orgânicas da Educação
Industrial e comercial, respectivamente nos anos de 1942 e 1943, as quais
foram encabeçadas pelo ministro da Educação, Gustavo Capanema, com
vistas a contribuir no processo de difusão do ensino elementar,
59
fortalecendo a intervenção e o controle estatal sobre a promoção da
educação.
As iniciativas em favor da nacionalização da educação elementar
durante o governo do Estado Novo foi um rompimento com a velha
política, visto no governo imperial e da Primeira República, uma vez que,
pela primeira vez o governo central iniciou a formulação de políticas
nacionais que possibilitassem além de um alcance territorial maior do
acesso a educação, um maior controle e centralização das informações e a
organização das ações educativas.
Em 1938 era criada uma Comissão Nacional do Ensino Primário para
estudar e propor as bases da política a seguir em matéria de ensino primário
e também estabelecer um plano de combate ao analfabetismo. Nesse mesmo
ano o governo central (que desde 1931 havia suspenso o auxilio aos Estados
com grandes contingentes de imigrantes, estabelecidos desde a I Guerra, com
a finalidade de nacionalizar o ensino elementar) volta a colaborar
financeiramente com os Estados onde se fazia necessário um esforço
nacíonalízador, na fundação e manutenção de escolas elementares. Com tais
recursos foram fechadas 774 escolas particulares 59esnacionalizantes” e
abertas 885 escolas públicas subvencionadas pela União nos Estados do Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Espírito Santo entre 1938
e 1941. Ainda em 1938 foi criado o Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos (INEP) através do decreto n. 580 do mês de janeiro, com o
objetivo de promover estudos e centralizar informações acerca da educação
nacional. O interesse do governo manifestara-se também na Conferência
Nacional dos Interventores, onde foi discutido o problema do ensino
solicitando o governo central aos Estados a aplicação de maior porcentagem
de recursos na educação elementar (PAIVA, 2003, p. 148).
Esse movimento em direção da nacionalização da educação
elementar corroborou para que, em 14 de novembro de 1942, por meio
60
do Decreto nº 4.958. instituísse o Fundo Nacional do Ensino Primário
(FNEP), oriundo de tributos federais. De acordo com Paiva (2003), o
ministro da educação Gustavo Capanema, defendeu que era o momento
da intervenção federal na educação elementar, não somente com a
definição de diretrizes, como estava previsto na Constituição de 1937, mas
também que a união colaborasse com as ações concretas, indicando ao
Ministério da Fazenda um estudo da viabilidade da destinação de tributos.
Para a autora, a efetivação do FNEP foi o ponto de partida para a
autonomia da Educação de Jovens e adultos com relação à educação
elementar geral, destinada à população em idade escolar, uma vez que passa
a dispor de recursos financeiros próprios. Dessa forma, a discussão em
torno do objeto específico da educação de adultos se desvincula dos
problemas relacionados à difusão do ensino elementar, recebendo
financiamento público próprio e diretrizes nacionais específicas.
De acordo com Haddad e Di Pierro (2000), esse fundo foi criado
com o intuito de promover um programa, que de modo progressivo,
possibilitasse a ampliação da educação primária no Brasil, incluindo o
Ensino Supletivo destinado aos jovens e adultos. O FNEP, desse modo,
tornou-se regulamentado em 1945, estabelecendo que 25% do montante
repassado do governo federal aos estados deveriam ser alocados em
investimentos destinados à educação de adolescentes e adultos analfabetos.
Esse movimento se fortaleceu, ainda mais, com o fim da II Guerra
Mundial e a criação da UNESCO
3
(Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura) em 1945 e a seguida derrubada do
Estado Novo no Brasil. Dessa forma,
3
A UNESCO, como uma agência da Organização das Nações Unidas (ONU), foi criada em novembro
de 1945, subseqüente ao fim da 2ª Guerra Mundial, denunciando “[...] ao mundo as profundas
desigualdades entre os países e alertava para o papel que deveria desempenhar a educação, em especial a
educação de adultos, no processo de desenvolvimento das nações categorizadas como atrasadas”
(HADDAD & DI PIERRO, 2000, p. 111).
61
[...] a alfabetização e educação da população adulta passaram a ser
percebidas como um instrumento da redemocratização, como um
problema que merecia tratamento especial e que polarizava as atenções
pela possibilidade de utilização da educação em função de novos
objetivos políticos (PAIVA, 2003, p. 151).
As reivindicações pelos direitos sociais de cidadania e melhores
condições de vida da população mais vulnerável, a qual foi bandeira de luta
da população urbanizada e que fazia parte das propostas liberais, de acordo
com Haddad e Di Pierro (2000, p. 111), foram concretizadas “[...] em
políticas públicas, até como estratégia de incorporação dessas massas
urbanas em mecanismos de sustentação política dos governos nacionais”.
Além da política de financiamento e difusão do ensino elementar,
o governo implementou em 1947 o Serviço de Educação de Adultos
(SEA), ligado ao Departamento Nacional de Educação do Ministério da
Educação e Saúde, com a finalidade de orientar e coordenar os trabalhos e
os planos anuais relacionados ao ensino supletivo. “O SEA se desdobrava
em quatro setores: Administração, Planejamento e Controle, Orientação
Pedagógica e Relações com o público” (SILVA, 2015, p. 28).
O desdobramento do SEA contribuiu para a expansão e difusão do
ensino supletivo, bem como a implementação das campanhas nacionais de
erradicação do analfabetismo, as quais perduraram até o final da década de
1950. Em 1947 iniciou-se a Campanha de Educação de Adolescentes e
Adultos (CEAA), que de acordo com Haddad e Di Pierro (2000),
influenciou significativamente na criação de infraestrutura nos estados e
municípios, exclusivamente para atender adolescentes e adultos, o que por
sua vez, se manteve preservada pelas administrações seguintes. Nesse
período, ainda foram criadas outras duas campanhas: Campanha Nacional
de Educação Rural, em 1952 e a Campanha Nacional de Erradicação do
62
analfabetismo, em 1958. No entanto, não foram alcançados os mesmos
resultados que a CEAA.
Os esforços empreendidos durante as décadas de 1940 e 1950 fizeram
cair os índices de analfabetismo das pessoas acima de cinco anos de
idade para 46,7% no ano de 1960. Os níveis de escolarização da
população brasileira permaneciam, no entanto, em patamares
reduzidos quando comparadas à média dos países do primeiro mundo
e mesmo de vários dos vizinhos latino-americanos. (HADDAD & DI
PIERRO, 2000, p. 111).
Se, por um lado, os problemas com relação à Educação de Jovens
e Adultos tornaram-se independentes da educação elementar comum, haja
vista a criação do FINEP e o seu financiamento, por outro, não deixam de
estar diretamente relacionados à insuficiente expansão e à baixa qualidade
do ensino elementar, que em decorrência da situação precária, contribuiu
para os altos índices de analfabetismo seja pelas crianças que se mantiveram
fora da escola, ou pela omissão de políticas que viabilizassem a
permanência e a aprendizagem delas na instituição escolar.
O declínio dessas campanhas de alfabetização, bem como todo o
seu entusiasmo pedagógico, demonstrou-se irreversível na segunda metade
da década de 1950. De acordo com Paiva (2003), em 1958, diante do II
Congresso Nacional de Educação de Adultos, reconhecia-se seu fracasso
pelo ponto de vista educativo e pedagógico. De um lado, o CEAA cumpriu
sua finalidade política, a de formar um contingente eleitoral, o que de certa
forma contribuiu para a melhoria nos índices de analfabetismo. Contudo,
por outro, com ínfima exceção, careceu de aprofundamento, reduzindo-o
a mera alfabetização, o que a caracterizou como uma “fábrica de eleitores”.
63
Ao passar uma década de atuação das campanhas de alfabetização,
seja por deficiências estruturais ou de financiamento, não conseguiam
suprir a necessidade pela formação de trabalhadores industriais ao qual
demandava o contexto de grande desenvolvimento econômico e industrial
brasileiro, impulsionado pelo ideário do nacionalismo-desenvolvimentista.
O apogeu desse período se deu durante o governo de Juscelino Kubitschek
(1956-1961), o qual ficou marcado pelo seu plano de metas ambicioso de
impulsionar cinquenta anos de desenvolvimento em apenas cinco. Dessa
forma, privilegiaram-se investimentos na indústria nacional, na produção
de energia, na infraestrutura rodoviária, alimentação e educação. Contudo,
ao final, deixou o governo com um alto nível de endividamento e inflação.
Foi dentro desse contexto que uma revolução no âmbito da
Educação de Jovens e Adultos se mostrava aparente mediante a
importância dada aos trabalhos com adultos, sobretudo substanciado por
aspectos ideológicos ligados ao nacional-desenvolvimentismo, do
pensamento renovador cristão e do Partido Comunista.
Elevada agora à condição de educação política, através da prática
educativa de refletir o social, a educação de adultos ia além das
preocupações existentes com os aspectos pedagógicos do processo
ensino-aprendizagem. Ao mesmo tempo, e de forma contraditória, no
contexto da ação de legitimação de propostas políticas junto aos setores
populares, criaram-se as condições para o desenvolvimento e o
fortalecimento de alternativas autônomas e próprias desses setores ao
provocar a necessidade permanente da explicitação dos seus interesses,
bem como das condições favoráveis à sua organização, mobilização e
conscientização (HADDAD & DI PIERRO, 2000, p. 113).
Esse paradigma na mudança do pensamento pedagógico se deu
sobre os trabalhos e supervisão do professor Paulo Freire, que mediante as
64
condições precárias das camadas mais empobrecidas da sociedade
brasileira, enfrentou o analfabetismo, não como apenas um problema
pedagógico, mas, sobretudo de cunho social, visando viabilizar a libertação
das classes oprimidas da dominação hegemônica das classes mais
privilegiadas.
O seu trabalho pedagógico priorizava o desenvolvimento de
sujeitos críticos e reflexivos, que por meio da palavra e da sua leitura de
mundo, pudessem recuperar o sentido da humanidade e transformar a
realidade e o meio social. Dessa forma, sua pedagogia se distanciava dos
métodos empregados nas campanhas de alfabetização do FNEP, por
carregar junto ao processo de alfabetização o desenvolvimento de um
pensamento crítico e libertador, possibilitando ao educando enxergar o
contexto social ao qual está inserido, articulando mecanismos de ascensão
e de luta contra o sistema de dominação e exploração.
Em suas palavras, para que uma pedagogia transcenda a mera
atividade de ensinar a ler e escrever e se aproxime da realidade social e
política do trabalhador, oprimido dentro do modo de produção capitalista,
é necessário que ela seja
[...] forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta
incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia que faça da
opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de que
resultará o seu engajamento necessário da luta por sua libertação, em
que esta pedagogia se fará e refará (FREIRE, 1987, p. 17).
A alfabetização de jovens e adultos, nessa perspectiva, não se
restringe apenas em transmitir o código alfabético, mas também
desenvolver uma consciência crítica que seja capaz de fazer os alunos
65
compreenderem a sua participação no mundo e, consequentemente,
possam passar a intervir na realidade.
Com esse viés ideológico, inúmeras ações educativas surgiram
paralelamente às ações governamentais. No período entre 1958 e 1963,
ganharam destaque: o Movimento de Educação de Base (MEB),
organizado e implementado pela Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB); o Movimento de Cultura Popular (MCP), pertencente à
Prefeitura de Recife; os Centros Populares de Cultura (CPCs), ligada à
União Nacional dos Estudantes (UNE); a Campanha de Educação
Popular (CEPLAR) e o De Pé no Chão Também se Aprende a Ler,
realizado em Natal, no Rio Grande do Norte.
Esses movimentos emergiram em diversos locais do País, mas foi no
Nordeste que se concentraram em maior número e em expressividade.
Naquele período marcado pelo populismo, pelo nacional-
desenvolvimentismo e pelas reformas de base, a educação de adultos é
vista como forte instrumento de ação política: afinal, mais de 50% da
população brasileira era excluída da vida política nacional, por ser
analfabeta. Os movimentos surgem da organização da sociedade civil
visando a alterar esse quadro socioeconômico e político.
Conscientização, participação e transformação social foram conceitos
elaborados a partir das ações desses movimentos. O analfabetismo é
visto não como causa da situação de pobreza, mas como efeito de uma
sociedade injusta e não-igualitária. Por isso, a alfabetização de adultos
deveria contribuir para a transformação da realidade social (GALVÃO
& SOARES, 2004, p. 44).
Nesse período, a Educação de Jovens e Adultos, no bojo da
Educação Popular, passou a ser reconhecida e, como objeto de uma
reformulação pedagógica e de materiais didáticos, buscou-se a valorização
66
da cultura e do saber popular, visando maior participação na vida política
do país.
Com relação à educação das pessoas com deficiência, algumas ações
isoladas foram realizadas por parte do governo, no entanto, muito aquém
do protagonismo exercido pela Educação Popular e de Jovens e Adultos.
Dentre elas, ganharam destaque: a Campanha de Educação do
Surdo Brasileiro, implementada pelo Decreto n.º 42.728, de 03 de
dezembro de 1957; a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação dos
Deficientes Visuais, mediante o Decreto n.º 44.236, de 01 de agosto de
1958; e a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes
Mentais, por meio do Decreto n.º 48.961, de 22 de setembro de 1960
(FREITAS, 2010).
De acordo com Jannuzzi (2004), as duas primeiras campanhas
realizadas foram destinadas ao atendimento de surdos e cegos,
provavelmente por serem duas áreas que, desde o século XIX, já recebiam
ações e atenção das autoridades. Quanto à terceira campanha, voltada para
o atendimento da deficiência intelectual, segundo Freitas (2010, p. 54),
ainda mantiveram a visão de segregação, isolando as pessoas em internatos,
classes especiais e fundações. Segundo o autor, “Além disso, os adultos com
deficiência intelectual continuavam recebendo atendimento infantilizado,
não lhes sendo assegurada a educação recomendada para a sua faixa etária”.
Em 1961 foi aprovada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), Lei n.º 4.024, de 20 de dezembro de 1961, a
qual estava em debate no congresso desde a década de 1940. Embora ela
trouxesse delineamentos genéricos para a educação nacional, apresentou
67
pela primeira vez na história alguns dispositivos que versavam sobre a
educação dos “excepcionais
4
”.
Em seu Título X, a legislação dispôs de dois artigos:
Art. 88 - A educação de excepcionais deve, no que for possível,
enquadrar- se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na
comunidade.
Art. 89 - Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos
estaduais de educação, e relativa à educação dos excepcionais, receberá
dos poderes públicos tratamento especial mediante bolsas de estudos,
empréstimos e subvenções (BRASIL, 1961, n.p).
Dessa forma, de maneira vaga, os dispositivos asseguram a oferta
do atendimento às pessoas com deficiência, de forma integrada à
sociedade, porém, com incentivos às instituições privadas e de cunho
filantrópico. O primeiro artigo não deixou claro como se daria a integração
desses alunos ao sistema de ensino. Quanto ao segundo, não especificou
como se determinará um serviço “eficiente”, podendo assim, qualquer tipo
de serviço ser financiado pelo poder público.
A LDB, bem como os demais dispositivos legais desse período
também foram omissos quanto a Educação de Jovens e Adultos com
deficiência, que diante da crescente movimentação em prol da
alfabetização em massa da população, manteve-se à deriva das ações, tanto
governamentais, quanto as ações ofertadas pela sociedade civil.
4
Excepcionais foi uma nomenclatura utilizada para a denominação das pessoas com deficiência em textos
legais e normativas ao longo da década de 1950 à 1970. Esse termo refere-se, sobretudo às pessoas com
deficiência intelectual, mas no que tange à legislação, também era possível assoc-lo às demais
deficiências, especialmente como forma eufêmica ao estigma social causado pelos termos pejorativos
empregados anteriormente. Para maior aprofundamento, sugerimos a leitura da tese de doutorado
“Dicionário terminológico da inclusão das pessoas com deficiência” (MAMUS, 2017).
68
A atuação dos movimentos de alfabetização, os quais estavam
alinhados às ideias pedagógicas de Paulo Freire, foram todos interrompidos
no ano de 1964 em decorrência do golpe militar e da grande repressão dos
direitos civil e sociais da população.
Ao assumir a coordenação do Plano Nacional de Alfabetização em
1964, ainda no governo de João Goulart, Paulo Freire organizava ações de
alfabetização em massa que pretendiam erradicar o analfabetismo do país.
Contudo, mediante o golpe militar ocorrido em 31 de março daquele ano,
o seu trabalho foi considerado “subversivo”, assim como o seu material
didático foi interditado em todo o território nacional. Em seguida, os
idealizadores e dirigentes dos movimentos de alfabetização foram
perseguidos e tiveram de deixar o país.
Embora esses programas e movimentos de alfabetização em massa
tenham durado pouco tempo em um período de avanços e conquistas no
âmbito da Educação Popular, eles deixaram um legado pedagógico
inestimável, tanto pelos materiais didáticos produzidos, quanto pela
instrumentalização política e seus pressupostos teóricos de crítica ao
capitalismo e à desigualdade social.
1.4 As políticas educacionais das pessoas com deficiência e de Jovens e
Adultos após o golpe militar de 1964
No período entre os anos de 1930 a 1964, a política econômica do
Brasil ficou caracterizada por um equilíbrio entre um modelo político
getulista, de cunho populista, e uma economia de expansão industrial, a
qual foi incentivada e subsidiada pelo Estado, seja pelo investimento na
indústria de base ou na disponibilização de infraestrutura. “É por esse
motivo que o empresariado não só se apoiou no poder público, como
69
também o apoiou, inclusive apoiou ou tolerou o nacionalismo, como
ideologia do governo, em determinadas épocas” (ROMANELLI, 2013, p.
200).
A manutenção desse modelo político populista, ao longo desses
anos, se deu pela contrapartida do Estado com relação ao desenvolvimento
da indústria e seu modelo de acumulação monopolista, fator que manteve
o apoio por parte dos militares e do empresariado aos governos de Getúlio
Vargas e seus sucessores.
De acordo com Romanelli (2013), esse equilíbrio se manteve até a
intensificação da penetração do capital internacional na economia
brasileira. Fator que se agravou durante o governo de Kubitscheck, que ao
impulsionar o desenvolvimento da industrialização nacional e o
atendimento a infraestrutura, concomitantemente a uma política populista
e de investimentos na área social, agravou o déficit orçamentário e contraiu
empréstimos junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
Em torno de 1960 o conflito entre o capital nacional e
multinacional se agravou e, de acordo com Carvalho (2012a, p. 114), os
motivos foram:
a) as políticas de favorecimento às empresas multinacionais faziam-se
em detrimento das empresas de capital nacional; b) o setor produtivo
estatal, responsável pela produção da infraestrutura e dos insumos
básicos necessários à expansão industrial, não conseguia crescer em
escala compatível com a demanda do setor de bens duráveis, o que
levou o Estado a recorrer às importações de produtos e capitais,
aumentando a dívida externa brasileira; c) a participação política da
sociedade civil tornou-se mais ativa, cresceram as mobilizações
populares urbanas e rurais em favor das "reformas de base", ou seja, de
reformas políticas e instrucionais de cunho social, cujo fim era
70
promover uma melhor distribuição da renda. (CARVALHO, 2012a,
p. 114).
Essas contradições, na acepção de Romanelli (2013, p. 200), tem
o seu apogeu no acirramento dos embates entre direita e esquerda, que de
um lado se tinha um movimento que tendia a uma revolução social e
econômica pró-esquerda; e de outro, uma orientação política e econômica
que viesse a eliminar “[...] os obstáculos que se interpunham à sua inserção
definitiva na esfera de controle do capital internacional. Foi esta última a
opção feita e levada a cabo pelas lideranças do golpe de 1964”.
Nesse sentido, Carvalho (2012a, p. 175), afirma que
[...] a intervenção das Forças Armadas em 1964 foi um mecanismo
para controlar a máquina estatal e preservar as relações fundamentais
do sistema capitalista implantado no Brasil. Representou uma
reconstrução das instituições políticas e administrativas, uma tentativa
de restaurar a ordem, de reestruturar política e economicamente o país,
racionalizar e ordenar a economia, favorecendo o processo de
acumulação e centralização do capital em um novo patamar.
(CARVALHO, 2012a, p. 175).
Esse movimento que culminou no golpe militar se fortaleceu,
sobretudo, mediante ao contexto global da Guerra Fria, entre os Estados
Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS). Com a América Latina em disputa por território, capitalista ou
socialista, esse período foi permeado a uma disputa ideológica, na qual a
esquerda enxergava na revolução cubana uma possibilidade viável para o
Brasil; e por outro, dado ao alinhamento com os EUA, pretendia
71
restabelecer a “ordem” e reprimir qualquer tipo de manifestação e
movimentos sociais.
Dessa forma, todos os movimentos de alfabetização em massa no
Brasil foram interrompidos, dado o seu embasamento teórico
“subversivo”, alinhado ao pensamento de esquerda e de crítica à ordem
capitalista.
A repressão foi a resposta do Estado autoritário à atuação daqueles
programas de educação de adultos cujas ações de natureza política
contrariavam os interesses impostos pelo golpe militar. A ruptura
política ocorrida com o movimento de 64 tentou acabar com as
práticas educativas que auxiliavam na explicitação dos interesses
populares. O Estado exercia sua função de coerção, com fins de
garantir a “normalização” das relações sociais (HADDAD & DI
PIERRO, 2000, p.113, aspas dos autores).
A censura e a perda dos direitos individuais da população brasileira,
juntamente com a perseguição aos movimentos sociais e partidos políticos
opositores ao regime permeou um dos momentos mais obscuros da política
nacional. Como forma de institucionalizar o regime, em 1967 foi aprovada
uma nova Constituição Federal, suspendendo as eleições diretas para o
cargo de Presidente da República e governadores; “[...] os partidos políticos
foram extintos e, em seu lugar, por decreto, foi criado o bipartidarismo:
Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e Movimento Democrático
Brasileiro (MDB)” (CARVALHO, 2012a, p. 177).
Em decorrência do apelo e apreço da população pela manutenção
dos programas de escolarização de adultos, somados aos baixos níveis de
alfabetização do Brasil diante dos países mais desenvolvidos, o governo
militar implementou em 1968, por meio do decreto n.º 62.455, o
72
Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), que embora
mantivesse uma técnica de alfabetização semelhante ao método de Paulo
Freire, não convergiram com relação à mesma visão ideológica de mundo
e de formação humana
5
(JANNUZZI, 1979). Em 1971 foi aprovada a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.º 5.692, que além de dispor
de uma reformulação nas diretrizes do ensino de 1º e 2º graus, instituiu o
Ensino Supletivo.
Com a organização e expansão do MOBRAL em 1970,
diferentemente das campanhas de 1947, recebeu um grande volume de
investimento que, autonomamente ao MEC e secretarias estaduais de
educação, se instalou em diversas regiões pelo Brasil.
O Mobral instalou comissões municipais por todo o país,
responsabilizando-as pela execução das atividades, enquanto
controlava rígida e centralizada-mente a orientação, supervisão
pedagógica e produção de materiais didáticos. Sendo concebido como
ação que se extinguiria depois de resolvido o problema do
analfabetismo, o Mobral tinha baixa articulação com o sistema de
ensino básico. Em virtude de sua presença maciça no país e sua
capilaridade, contribuiu para legitimar a nova ordem política
implantada em 1964. Além da legitimação interna, esta iniciativa
governamental também visava responder a orientações emanadas de
agências internacionais ligadas à Organização das Nações Unidas, em
especial a UNESCO, que desde o final da Segunda Guerra vinham
propugnando o valor do combate ao analfabetismo e da universalização
de uma educação elementar comum como estratégia de
desenvolvimento socioeconômico e manutenção da paz (DI PIERRO
et al., 2001, p. 61).
5
Para o aprofundamento em relação a confrontação dos dois métodos de alfabetização, sugerimos a leitura
da obra “Confronto Pedagógico: Paulo Freire e MOBRAL”. (JANNUZZI, 1979).
73
Ao longo da década de 1970, o MOBRAL tornou-se muito mais
um instrumento de manutenção da ordem e do sistema político vigente do
que um movimento educativo e de desenvolvimento dos alunos jovens e
adultos. Com o seu objetivo de erradicar o analfabetismo em dez anos,
conseguiu, com uma série de programas envolvidos, um sistema tecnicista
voltado a atender a demanda por mão de obra qualificada para contribuir
com a crescente indústria e urbanização.
Dessa forma, o MOBRAL se manteve até o final do regime militar,
porém com um legado duvidoso quanto aos indicadores de analfabetismo
apresentados e a capacidade rudimentar de leitura e escrita promovida
nesse período. “Desacreditado nos meios políticos e educacionais, o
Mobral foi extinto em 1985, quando o processo de abertura política já
estava relativamente avançado” (DI PIERRO et al., 2001, p. 61).
O regime militar também ficou marcado, na década de 1970, com
a Lei n.º 5.692/71, a qual reformulou as normativas para o sistema
educacional e estendeu a educação obrigatória de quatro para oito anos,
referente ao ensino de 1º grau. Concomitantemente, instituiu-se o ensino
supletivo para esse mesmo grau, dispondo regras e dispositivos que
contemplassem a continuidade dos estudos para jovens e adultos, que
estiveram à margem da escolarização formal. De acordo com Di Pierro,
Ribeiro e Joia (2001, p. 62),
pela primeira vez, a educação voltada a esse segmento mereceu um
capítulo específico na legislação educacional, que distinguiu as várias
funções: a suplência relativa à reposição de escolaridade , o
suprimento relativa ao aperfeiçoamento ou atualização , a
aprendizagem e a qualificação referentes à formação para o trabalho
e profissionalização. (DI PIERRO et al., 2001, p. 62).
74
Os autores também destacam que
um dos componentes mais significativos do atendimento educativo
preconizado pela Lei 5692/71 àqueles que não haviam realizado ou
completado na idade própria a escolaridade obrigatória foi a
flexibilidade. Prevista na letra da lei, ela se concretizou na possibilidade
de organização do ensino em várias modalidades: cursos supletivos,
centros de estudo e ensino a distância, entre outras. Nos cursos,
frequentemente vigoram a seriação, a presença obrigatória e a avaliação
no processo; sua característica diferencial é a aceleração, pois o tempo
estipulado para a conclusão de um grau de ensino é, no mínimo, a
metade do previsto para o sistema regular. Os centros de estudo
oferecem aos alunos adultos material didático em módulos e sessões de
estudos para as quais a frequência é livre. A avaliação é feita
periodicamente, por disciplina e módulo. As iniciativas de educação a
distância dominantes são as que se realizam por televisão, em regime
de livre recepção ou (muito raramente) recepção organizada, em
telepostos que combinam reprodução de programas em vídeo, uso de
materiais didáticos impressos e acompanhamento de monitor. Além
dessas modalidades, a Lei 5692 manteve os exames supletivos, como
mecanismo de certificação, atualizando exames de madureza já
existentes há longa data. Os candidatos, aqueles preparados por meio
do ensino a distância ou cursos livres ou ainda aqueles sem preparação
específica que desejam atestar seus conhecimentos, se submetem
periodicamente duas vezes ao ano como regra geral a exames
finais organizados pelos estados, por disciplina e sem nenhuma
exigência de matrícula ou frequência à sala de aula (Ibidem, p. 62-63).
Essas prerrogativas trazidas pela legislação, por um lado,
demonstrou um avanço no que tange ao marco legal da história da
educação de jovens e adultos; porém, por outro, diante da pressão das
instituições internacionais e o grande déficit educacional do país, mostrou-
75
se uma forma quantitativa de melhoria nos índices de escolaridade. Para
Carvalho (2012a), a meta traçada era de ampliar o acesso a rede física,
aumentando o número de vagas. No entanto, com controle de gastos,
ofereceu uma infraestrutura incipiente e pouca eficácia, desfavorecendo o
trabalho dos professores e a qualidade do ensino.
Outro dispositivo inédito no âmbito dessa legislação foi o artigo
9º, que versa sobre a inclusão de alunos jovens e adultos com deficiência:
Art. 9º Os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os
que se encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de
matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de
acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de
Educação (BRASIL, 1971, n.p).
É importante salientar que esse foi o primeiro dispositivo legal que
ofereceu garantias e tratamento especial a alunos com deficiência em atraso
quanto à idade regular de matrícula.
Para Jannuzzi (2004), ao longo da década de 1970, houve diversos
eventos que deixou a educação das pessoas com deficiência em evidência.
Pela primeira vez, por meio do Decreto n.º 72.425, de 03 julho de 1973,
determinou-se a criação de um órgão autônomo, o Centro Nacional de
Educação Especial (CENESP), o qual ficou submetido à Secretaria Geral
do Ministério da Educação e Cultura. Sua finalidade predominante era
definir as metas governamentais específicas para a área, o que poderia
realizar uma ação política mais efetiva, oficializando as práticas que
estavam em curso no âmbito da educação, formação para o trabalho,
reabilitação e integração à sociedade.
76
Com a criação desse órgão, podemos dizer que tivemos o
nascimento da Educação Especial, bem como o entendimento do Estado,
como políticas públicas, que a, então integração das pessoas com
deficiência, deveria estar diretamente ligada à área da educação, embora
não se tenha visto plenamente desvinculada do Ministério da Saúde e da
Assistência Social.
De acordo com Bueno (1993), se a institucionalização da
Educação Especial em todo o território nacional, por um lado, possibilitou
a incorporação da pessoa com deficiência no sistema escolar; por outro, em
seu processo de implementação, carregou em si todo o assistencialismo
embutido nas políticas sociais. Em meio ao “milagre econômico”
decorrente da política econômica de contenção de gastos e austeridade
fiscal do governo militar, a precariedade dos serviços de educação e saúde
para a classe trabalhadora, não se fez diferente no âmbito da Educação
Especial.
Por de trás da propalada democratização do acesso da pessoa com
deficiência ao sistema escolar no governo militar, Bueno (1993, p. 98-99),
revelou as contradições subjacentes às prerrogativas legais:
A análise ora efetuada procurou desvendar outros determinantes,
tentando demonstrar que ao lado da democratização do acesso à escola
em relação às crianças deficientes, o percurso histórico da educação
especial respondeu a uma série de interesses que podem ser assim
sintetizados: crescente privatização, quer seja do ponto de vista do
número de atendimentos oferecidos, quer pela influência que essas
instituições têm exercido; legitimação da escola regular no que tange a
imputação do fracasso escolar às características pessoais da criança ou
ao seu meio próximo, contribuindo para a manutenção de política
educacional que dificulta o acesso ao conhecimento pelos membros das
classes subalternas; incorporação de concepções sobre conhecimento
77
científico que se pretendem universais e transcendentes à própria
construção sócio-histórica e que trazem, no âmbito da educação
especial, consequências nefastas, na medida em que analisam as
possibilidades dos deficientes ou excepcionais somente pela via de suas
dificuldades específicas; por fim, a educação especial que nasce sob a
bandeira da ampliação de oportunidades educacionais aos que fogem
da normalidade, na medida em que não desvela os determinantes
sócio-econômico-culturais que subjazem às dificuldades de integração
do aluno diferente, na escola e na sociedade, serve de instrumento para
a legitimação de sua segregação. (BUENO, 1993, p. 98-99).
A implementação das políticas estabelecidas diante de um governo
que privilegiou a concentração de renda nas mãos de poucos, reflete toda
a desigualdade social engendrada nos serviços de educação destinados aos
menos favorecidos. A situação precária, tanto nas condições de vida das
pessoas em vulnerabilidade social, quanto à fragilidade orçamentária dos
programas e ações governamentais, traduz um fracasso educacional que,
pela ótica do Estado e da sociedade capitalista, recai sobre a
responsabilidade do indivíduo.
Diante dessa omissão por parte do poder público em prover as
condições adequadas para a integração da pessoa com deficiência, a
sociedade civil começou a se organizar para lutar pelos direitos das pessoas
com deficiência. As associações e instituições filantrópicas passaram a se
unir em federações, fortalecendo a união e o conjunto identitário das
pessoas com deficiência. Desde a criação da Federação Nacional das
APAEs em 1963, em seguida vieram a criar a Federação Nacional da
Sociedade Pestalozzi, em 1971, a Federação Brasileira de Instituição dos
Excepcionais, em 1974 e, ao longo da década de 1980, foram instituídas a
Federação Nacional de Educação de Surdos, a Federação Brasileira de
78
Entidades dos Cegos e a Organização Nacional de Entidades de
Deficientes Físicos (FREITAS, 2010).
Da mesma forma, ao final da década de 1970, o governo militar,
desgastado e em meio a uma forte crise econômica e o esgotamento do
“milagre econômico”, teve que enfrentar uma forte oposição, organizada
pela sociedade civil, que passou a lutar pela redemocratização do país e pela
abertura política.
Após anos de repressão e perseguição aos movimentos sociais, os
últimos anos de ditadura militar ficaram marcados por governos mais
brandos, que de certo modo, acenava para uma redemocratização lenta e
gradual. No entanto, a insatisfação da sociedade, diante da crise
econômica, agravada após a crise mundial relacionada ao petróleo
6
, refletiu
em parcelas significativa da burguesia, que
[...] começaram a se distanciar de seus parceiros tecnocratas civis e
militares, apostando na possibilidade de exercer diretamente o controle
da sociedade política num regime mais democrático. O processo de
abertura política tornou-se irreversível, uma vez que esses movimentos
culminavam no isolamento do governo (CARVALHO, 2012a, p.
195).
6
O agravamento da crise do petróleo na década de 1970 se deu, de acordo com Carvalho (2012a), pela
suspensão da exportação de petróleo pelos países árabes, membros da OPEP (Organização dos Países
Exportadores de Petróleo), os quais são responsáveis pela maior parte da produção mundial. Essa ação foi
uma represália contra os países do Ocidente que apoiaram Israel na Guerra do Oriente Médio. “A medida
provocou a elevação dos preços mundiais do petróleo, os quais, em pouco tempo, triplicaram. O
encarecimento do petróleo beneficiou os Estados Unidos, sede de cinco das sete empresas multinacionais
que monopolizaram sua extração e comercialização, e prejudicou países não produtores, como a
Alemanha e o Japão, e, sobretudo, os países menos desenvolvidos, dependentes do petróleo importado, a
exemplo do Brasil” (HABERT, 1994, p. 40-41 apud Ibidem p. 195).
79
Sem o apoio do empresariado, não restavam mais possibilidades
para a sustentação desse governo, que ao ceder, em 1984, diante do
movimento cívico pelas “diretas já”, foi substituído no ano seguinte por
José Sarney, eleito vice-presidente na chapa de Tancredo de Almeida Neves
e que assumiu o cargo em seu lugar em 15 de março de 1985, vindo a
ocorrer, oficialmente, o falecimento do Presidente eleito em 21 de abril de
1985.
Dessa forma, Sarney deu início à “Nova República”, em que
suspendeu a legislação autoritária e instituiu as eleições diretas para
presidente, democratizando o direito ao voto para todos os brasileiros,
incluindo as pessoas não alfabetizadas ou com deficiência. Por outro lado,
o seu governo ficou marcado por uma forte instabilidade econômica e altos
índices de inflação.
As primeiras ações em prol da Educação na Nova República foi em
junho de 1985, quando o então Ministro da Educação, Marco Maciel
lançou para a discussão o Programa “Educação para Todos: Um caminho
para mudança”, cujo documento, de acordo com Di Pierro (2000) fazia
um diagnóstico genérico e crítico da situação precária do ensino básico no
Brasil, assinalando a incipiente consciência social acerca da importância da
educação, a baixa produtividade do ensino, o rebaixamento da carreira dos
professores, o insuficiente fluxo financeiro e a inadequada distribuição
espacial de vagas escolares.
Frente a essas problemáticas, o Programa apresentou um conjunto
de ações imediatas, com as quais se priorizava a
[...] valorização do magistério, ampliação do acesso à escola de 1º grau
e fornecimento de livro, material didático e merenda aos alunos
"carentes". Não propunha nenhuma medida destinada à escolarização
80
da população jovem e adulta e sequer mencionava o MOBRAL ou o
ensino supletivo (DI PIERRO, 2000, p. 53).
Durante o todo o período de transição e de instauração da Nova
República, o governo Sarney deixou claro que a educação e alfabetização
de jovens e adultos não era uma prioridade, tanto que a partir da reforma
administrativa de 1986, a Subsecretaria do Ensino Supletivo, órgão que
desempenhava um importante trabalho no âmbito da Secretaria de Ensino
de 1º e 2º graus (SEPS), foi desativada e, ao longo dos três anos seguintes,
não houve nenhuma coordenação que tratasse especificamente dessa área.
De acordo com Di Pierro (2000, p. 53),
somente em 1989, após a promulgação da nova Constituição, o ensino
supletivo retornaria ao organograma do MEC, como uma instância
hierarquicamente inferior, a Coordenação de Ensino Supletivo
(COES), cujo funcionamento foi limitado por condições bastante
adversas: o setor não dispunha de espaço físico nem autonomia
financeira, os arquivos do passado haviam se perdido, a equipe era
reduzida e a chefia não recebia o adicional usualmente atribuído ao
exercício de função dessa natureza. (DI PIERRO, 2000, p. 53).
Em meio a esse período de omissão com relação às políticas
educacionais voltadas para a Educação de Jovens e Adultos, as principais
ações que foram desenvolvidas ocorreram por meio da Fundação Nacional
para a Educação de Jovens e Adultos (FUNDAÇÃO EDUCAR), principal
programa de alfabetização, o qual marcou a ruptura entre o novo governo
e as políticas do regime militar, juntamente à extinção do MOBRAL, que
foi substituído mediante a publicação do Decreto n.º 91.980 de 25 de
novembro de 1985.
81
Embora mantivesse uma estrutura semelhante ao MOBRAL, no
que tange a estruturas burocráticas, funcionários e perspectivas
pedagógicas, a Fundação Educar, atuando como órgão nacional de
articulação e fomento das políticas e diretrizes da Educação de Jovens e
Adultos, dispôs de ideias inovadoras e de uma gestão que viabilizava maior
autonomia e descentralização das ações diretas nos estados e municípios.
Se em muitos sentidos a Fundação Educar representou a continuidade
do MOBRAL, devem-se computar como mudanças significativas a sua
subordinação à estrutura do MEC e a transformação em órgão de
fomento e apoio técnico, em vez de instituição de execução direta.
Houve uma relativa descentralização das suas atividades e a Fundação
apoiou técnica e financeiramente algumas iniciativas inovadoras de
educação básica de jovens e adultos conduzidas por prefeituras
municipais ou instituições da sociedade civil (HADDAD & DI
PIERRO, 2000, p. 120).
O caráter descentralizador da Fundação Educar contribuiu para o
fortalecimento das ações regionais, religiosas e comunitárias de
alfabetização, municipalizando a responsabilidade, o que de certo modo,
preparou as autoridades locais para o gerenciamento das ações educativas,
sendo que após a sua extinção em 1990, a Educação de Jovens e Adultos
não possuiu mais nenhum órgão regulador central, cabendo aos
municípios a organização e execução dos programas de alfabetização.
No que se refere à Educação Especial, ainda alheia aos programas
e ações no campo da Educação de Jovens e Adultos, mas com uma maior
organização e mobilização da sociedade civil, passou a reivindicar o direito
à educação e universalização do acesso a escolarização. Esse período de
transição política, também marcou, no campo da Educação Especial, o
82
início dos movimentos em prol da inclusão e ocupação dos diferentes
espaços pela pessoa com deficiência.
Nesse período, cabe também destacar a extinção do CENESP, em
1986, e imediata criação, por meio do Decreto n.º 93.613, de 21 de
novembro, da Secretaria de Educação Especial (SESPE), “[...] órgão
central de direção superior, do Ministério da Educação” (MAZZOTTA,
1996, p. 76).
De acordo com Jannuzzi (2012), a criação dessa secretaria
possibilitou maior mobilidade institucional com relação às fontes de
decisão do Poder Executivo, das unidades federativas e demais órgãos
públicos e privados, fortalecendo o laço entre o Ministério da Educação e
as políticas públicas voltadas para a Educação Especial.
Essa estrutura administrativa, no entanto, perdura até 1990,
quando foi extinta e a Educação Especial passou a pertencer, como uma
Coordenação de Educação Especial, à Secretaria Nacional de Ensino
Básico (SENEB), no âmbito do Departamento de Educação Supletiva e
Especial (DESE) (MAZZOTTA, 1996).
Em seguida, no ano de 1992, após o impeachment de Fernando
Collor de Mello na Presidência da República, a Secretaria da Educação
Especial, retorna com uma nova estrutura, novos propósitos e nova sigla
(JANNUZZI, 2012), permanecendo como órgão superior, diretamente
ligado ao MEC, até o ano de 2011.
Em 1986, com o objetivo de promover políticas públicas mais
abrangentes que o CENSPE e SEESPE foi instituída, pelo Decreto n°
93.481, de 29 de outubro, a Coordenadoria Nacional para a Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), que transitou por diversos
ministérios, até se fixar no Ministério da Justiça.
83
Como resultado do trabalho dessa coordenadoria, somados a
participação da população com deficiência e seus entes representativos, foi
publicado a Lei n.º 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispondo “[...] sobre
o apoio e integração social das pessoas com deficiência, instituindo a tutela
jurisdicional de interesses coletivos e difusos, assim como sobre a atuação
do Ministério Público neste sentido” (FREITAS, 2010, p. 73).
Esse importante marco legal nos direitos das pessoas com
deficiência, de modo geral, em seu artigo 2º, determina ao Poder Público
e seus órgãos, a
[...] assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de
seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao
trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à
maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis,
propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico (BRASIL, 1989,
n.p).
No campo educacional, referente ao Parágrafo Único do artigo
citado, a lei determina que seja garantido o atendimento prioritário e
adequado nas seguintes situações:
a) a inclusão, no sistema educacional, da Educação Especial como
modalidade educativa que abranja a educação precoce, a pré-escolar, as
de 1º e 2º graus, a supletiva, a habilitação e reabilitação profissionais,
com currículos, etapas e exigências de diplomação próprios; b) a
inserção, no referido sistema educacional, das escolas especiais,
privadas e públicas; c) a oferta, obrigatória e gratuita, da Educação
Especial em estabelecimento público de ensino; d) o oferecimento
obrigatório de programas de Educação Especial a nível pré-escolar, em
unidades hospitalares e congêneres nas quais estejam internados, por
84
prazo igual ou superior a 1 (um) ano, educandos portadores de
deficiência; e) o acesso de alunos portadores de deficiência aos
benefícios conferidos aos demais educandos, inclusive material escolar,
merenda escolar e bolsas de estudo; f) a matrícula compulsória em
cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares de pessoas
portadoras de deficiência capazes de se integrarem no sistema regular
de ensino (BRASIL, 1989, n.p).
Dessa forma, a Lei 7.853/1989 traz para o cenário educacional a
inserção do termo inclusão, com o qual pretende-se garantir dispositivos
legais que assegurem o acesso das pessoas com deficiência ao sistema
educacional, viabilizando a garantia de direitos que possibilitam a sua
inserção na rede regular de ensino de escolas públicas e privadas, em
diversos níveis e modalidades.
Junto a essa nova terminologia que passa a incorporar a legislação
brasileira, busca-se trazer consigo uma ressignificação do entendimento
acerca da deficiência, de modo a deslocar o foco que costumava a centrar-
se no sujeito com a deficiência, para o ambiente, considerando as restrições
e barreiras que limitam a participação social.
Sobre essa mudança acerca da concepção de deficiência, Omote
(1999, p. 09) sustenta que
Uma mudança na concepção de deficiênciao se promove,
certamente, a partir de decisões tomadas em assembleias nem por meio
de leis. Implica uma nova visão de mundo e de homem, um novo
paradigma capaz de valorizar e respeitar efetivamente a diversidade, de
tal maneira que quaisquer pessoas com as mais variadas diferenças, em
relação à média da população ou a padrões de normalidade
estabelecidos por outros critérios, em termos das condições anátomo-
fisiológicas, psicossociais, sócio-econômicas e etno-culturais,
85
encontrem oportunidade de uma vida digna e a mais plena possível,
dentro das fronteiras impostas pela realidade da limitação
eventualmente determinada por tais condições ou a elas inerente
(OMOTE, 1999, p. 09).
Para que uma legislação seja implementada plenamente em uma
sociedade historicamente desigual, é necessário que a sociedade seja
mobilizada, de tal modo que possa se apropriar dessa nova concepção,
passando a reconhecer as pessoas com deficiência como uma parte de si,
independentemente das suas restrições e limitações.
Por fim, em meio ao período de transição para a redemocratização
do país, a Educação Especial, assim como a Educação de Jovens e Adultos,
deram passos importantes para uma nova sociedade, livre politicamente,
que dissociada do aparato ideológico difundido na ditadura militar,
começaram a dar os primeiros passos na direção de uma luta pela inclusão
da pessoa com deficiência e o seu direito a todos os níveis e modalidades
da educação, incluindo a Educação de Jovens e Adultos, que ao longo dos
anos teve seu percurso histórico desenrolado separadamente da Educação
Especial, mas que a partir da década de 1990, passam a apresentar pontos
de intersecção, os quais serão abordados nas próximas seções deste
capítulo.
1.5 A Educação Especial para Jovens e Adultos na
Constituição Federal de 1988
O grande marco para essa nova era no panorama histórico da
educação brasileira foi a promulgação da Constituição Federal de 1988,
que ao contrário de Constituições anteriores, contou em sua elaboração
86
com maior participação da sociedade civil, com a qual inúmeras entidades,
organizações, lideranças políticas e movimentos sociais reivindicaram a
liberdade de livre iniciativa e a criminalização de qualquer tipo de opressão
ou discriminação, seja contra qualquer cidadão ou manifestação política,
religiosa e ideológica.
No campo da educação, a Carta Magna dispõe de 09 (nove)
artigos, situados na Seção I, do capítulo III, contido no Título VIII.
Dentre esses dispositivos está o direito de todos a educação pública, sendo
obrigatório ao Estado prover a universalização de forma gratuita ao Ensino
Fundamental, inclusive para todos aqueles que não tiveram acesso na idade
escolar (BRASIL, 1988).
Em relação às pessoas com deficiência, há uma menção no inciso
II do artigo 208, que visa à garantia do atendimento especializado,
preferencialmente no ensino regular (BRASIL, 1989, n.p).
Essas prerrogativas legais, que garantem a obrigatoriedade e
gratuidade do ensino até o Ensino Fundamental foram decorrentes de um
processo de luta histórica e embates, que tiveram na Constituição Federal
de 1988, a consolidação de seus direitos à escola pública e gratuita, na
medida em que se reconheceu a necessidade de ampliação da Educação
Básica, como Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio
(OLIVEIRA, 1999).
Dessa forma, com a ampliação do acesso à Educação Básica,
mesmo que obrigatoriamente estivesse assegurado até o Ensino
Fundamental, a educação de jovens e adultos com deficiência passou a ter
um dispositivo legal que viabilizasse o acesso a educação formal e regular,
com possibilidade de expansão até o Ensino Médio.
87
1.6 Educação Inclusiva para alunos Jovens e Adultos com deficiência:
uma análise das políticas neoliberais
A partir dos anos de 1990 com a movimentação do direito de todos
a educação, principalmente comungado e difundido pela ONU e
UNESCO, a política nacional de inclusão de sujeitos que sempre esteve à
margem do processo de educação formal se intensificou em todos os níveis
e modalidades de ensino, procurando assegurar o direito fundamental de
acesso e permanência.
Nesse contexto do direito adquirido à educação, muitos sujeitos
que, anteriormente não tiveram oportunidade de frequentar a escola, seja
por motivos socioeconômicos ou limitações proporcionadas por diferentes
deficiências, voltaram os olhos para o processo de escolarização como uma
possibilidade de superação da condição de exclusão e marginalidade social.
Dentre esse público, estão as pessoas adultas com deficiência que,
por não se enquadrarem nos parâmetros da educação regular e
reproduzirem o fracasso escolar muito presente nos estudantes em situação
de vulnerabilidade social, passaram a ocupar espaços da Educação de
Jovens e Adultos como uma alternativa de inclusão e de inserção social.
Marcados historicamente por um viés assistencialista e
compensatório, a educação das pessoas com deficiência e a educação de
jovens e adultos apresentam diversos pontos de intersecção no âmbito do
desenvolvimento das políticas educacionais brasileiras. De um lado, ambas
as modalidades de ensino carregam consigo o estigma da exclusão social e
da condição de vida e de aprendizagem diferenciada. Por outro, há a
omissão do poder público em prover políticas que efetivamente assegurem
o direito à educação desses sujeitos.
88
Na sociedade moderna capitalista, dividida em classes sociais, a
maioria das pessoas com deficiência, segundo Bueno (1993) fazem parte
da "terceira classe". A primeira é composta por aqueles que possuem todos
os direitos fundamentais adquiridos e acesso a bens materiais e culturais.
da segunda, faz parte pessoas das camadas populares e que compõem a
força de trabalho no setor produtivo, são aqueles subordinados a uma elite
que os impede de ascender socialmente e limita suas condições de vida
material e cultural. Quanto a uma parte significativa das pessoas com
deficiência, além de compor a classe subalterna, também carregam o
estigma da diferença e de todo preconceito e discriminação que a ela se
atribui.
Para disfarçar ou acobertar essa desigualdade social e contradições
contidas no capitalismo, o Estado tem se utilizado de medidas
assistencialistas,
[...] que desloca a problemática da saúde, da educação, da habitação,
do lazer etc., dos direitos de cidadania para a benevolência do Estado.
Ocorre que, com relação aos deficientes, parece haver uma razão maior,
já que estes são caracterizados pela ausência de determinadas
características da espécie, o que favorece a disseminação da visão de
auxílio aos desvalidos que perpassa não só a forma como a população
em geral encara o problema do deficiente e as ações das chamadas
entidades assistenciais, como a própria prática profissional de boa parte
dos que militam na área. É dentro dessa perspectiva que surgem os
centros de diagnóstico para pessoas deficientes (por que não serviços
de diagnóstico para a população em geral, entre ela, as pessoas
deficientes?), as competições esportivas entre deficientes, as mostras de
arte de pessoas deficientes (BUENO, 1993, p. 139).
89
Da mesma forma, a trajetória do desenvolvimento das políticas
voltadas para a EJA também tem apresentado uma precariedade quanto a
políticas mais efetivas, que por sua vez manteve-se atrelada a projetos
assistencialistas, de cunho compensatório e imediatista, sob ações de
política de governo, tornando-se "[...] insuficiente para dar conta da
demanda de jovens e adultos que a procuram ou que dela necessitam
(DANTAS, 2012, p. 70).
Na década de 1990, enquanto havia um agravamento das políticas
liberais e diminuição do Estado como provedor das políticas públicas, a
consolidação do direito à educação se dava por meio de movimentos pró
"Educação Para Todos", conforme havia sido aprovado na Constituição
Federal de 1988, na qual em seu art. 205, colocava a educação como um
direito de todos e como dever do Estado e da Família em prover e garantir
esse direito (BRASIL, 1988).
Desse movimento, em nível mundial, tivemos a Declaração
Universal de Educação para Todos, cuja conferência foi realizada em
Jomtien, na Tailândia, com o compromisso firmado pelo Brasil e demais
países emergentes, com relação ao objetivo de erradicar o analfabetismo e
melhorar os índices de inclusão e melhorias na educação (UNESCO,
1990). Em 1994, na perspectiva da Educação Especial, foi realizada na
Espanha, em Salamanca, a Conferência Mundial que resultou na
Declaração de Salamanca Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das
Necessidades Educativas Especiais, reafirmando o compromisso dos países
signatários em prover a garantia do acesso das pessoas com deficiência à
educação (UNESCO, 1994). Em 1997, em Hamburgo, na Alemanha,
aconteceu a V Conferência Internacional sobre Educação de Adultos
(CONFINTEA), a qual reuniu representantes de diversos países em
desenvolvimento para discutir e firmar compromissos em prol do direito à
educação, à cidadania e ao respeito às diferenças (UNESCO, 1997).
90
Esses documentos e compromissos firmados pelo Brasil diante dos
organismos internacionais como a UNESCO, Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF) e o Banco Mundial, foram cruciais para a
reforma educacional dos anos de 1990, de forma que contribuíssem para
a constituição de uma economia que fosse ao mesmo tempo liberal,
pautada no modelo produtivo da acumulação flexível, mas que mantivesse
certo controle sobre a pobreza de forma contraditória e disfarçada.
O neoliberalismo e a reestruturação produtiva da era da acumulação
flexível, dotadas de forte caráter destrutivo, têm acarretado, entre
tantos aspectos nefastos, um monumental desemprego, uma enorme
precarização do trabalho e uma degradação crescente, na relação
metabólica entre homem e natureza, conduzida pela lógica societal
voltada prioritariamente para a produção de mercadorias, que destrói
o meio ambiente em escala globalizada (ANTUNES, 2000, p. 36).
No bojo dessa contradição, encontra-se a educação e a
escolarização destinada aos menos favorecidos economicamente e àqueles
que perpassaram maior parte de suas vidas à margem de qualquer processo
formal de educação. Essa demanda se deu pelo fato da própria exigência
do mercado produtivo de garantir à sua disposição uma mão de obra cada
vez mais capaz de se adaptar às novas transformações e ter condições de
autogestão no trabalho. A acumulação flexível é um modelo produtivo que
se
[...] apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de
trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo
surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras
de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo,
91
taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e
organizacional (HARVEY, 2007 p. 140).
Dessa forma, o trabalhador que antes era empregado para uma
determinada função específica, que em muitos casos não necessitava ser
escolarizado, passa a ocupar um espaço completamente diferente no
modelo de acumulação flexível, no qual deve, no mínimo, ter uma noção
básica de escrita e cálculo para ter a capacidade de fazer a autogestão de sua
atividade e tomar decisões para diferentes resoluções de problemas.
Nessa forma de organização fundamentada na flexibilidade, tanto dos
processos de trabalho envolvidos na produção como dos produtos e
padrões de consumo, os trabalhadores não mais se fixam numa única
tarefa, necessitando buscar soluções para múltiplos problemas cuja
solução antes cabia apenas a dirigentes. [...] Para manter-se empregado
na produção em bases toyotistas, marcada pela multifuncionalização
da mão de obra, os sujeitos precisam apresentar capacidades para tomar
decisões e trabalhar em equipe, devem ter conhecimentos de
informática, dominar mais de uma língua, dentre outras. São
capacidades que os tornam empregáveis num mundo em que a
informatização do processo produtivo fez do emprego algo cada vez
mais raro (GALUCH & SFORNI, 2011, p. 58).
Em um mundo ainda mais competitivo e com maior exigência com
relação a capacitação da força de trabalho, a conquista por um espaço
frente ao mundo do trabalho se tornou ainda mais difícil e excludente,
sobretudo para aqueles que estiveram à margem de qualquer processo de
educação formal. Para enfrentar esses problemas ocasionados pelas novas
exigências do novo modelo de produção flexível, a reformulação do sistema
educacional foi posta em evidência e, por conseguinte, buscou-se a
renovação das antigas metodologias e conteúdos, com vistas a promover o
92
desenvolvimento de competências e habilidades pertinentes às demandas
do mercado.
No entanto, o desenvolvimento de tais “competências” e
“habilidades” alinhadas a necessidade do mundo de trabalho, não são
iguais para todos, uma vez que para os postos mais elevados de trabalho
exige-se maior grau de conhecimento, quanto a maioria da população,
destinada a ocupar cargos operacionais, cabe uma instrução que seja capaz
de garantir o mínimo que satisfaça as necessidades básicas do mercado.
Por essa razão, o princípio de inclusão e de educação para todos se
torna prioritário nas convenções e políticas difundidas pela UNESCO,
uma vez que quanto maior o número de crianças e adultos matriculados
na escola, "satisfazendo as necessidades básicas" de leitura, de escrita e de
cálculo, bem como as habilidades e competências necessárias para enfrentar
a vida e suas transformações, maior é a possibilidade de consolidação desse
sistema.
Os principais objetivos comuns às Declarações de 1990, 1994 e
1997 estão alicerçados em postulados que são convergentes ao indivíduo
que se espera para o terceiro milênio, dentre esses podemos destacar a
universalização do acesso a educação pelas crianças, jovens e adultos, bem
como aos grupos historicamente excluídos, como as pessoas com
deficiência, os pobres, os moradores de rua, os povos indígenas, as minorias
étnica e racial, os moradores das periferias urbanas e rurais, trabalhadores
imigrantes e refugiados de guerra (UNESCO, 1990).
O alicerce ideológico que sustenta os principais fundamentos para
a difusão da educação em conformidade com as novas exigências do
mercado, encontra-se no relatório encomendado pela UNESCO à
Comissão Internacional de Educação para o culo XXI, na qual os
trabalhos foram presididos pelo economista e político francês Jacques
93
Delors e contou com a participação de outras quatorze pessoas
pertencentes a diferentes regiões do mundo. O documento, por sua vez, é
conhecido no Brasil como “Relatório Delors”, o qual deu origem ao livro
denominado de “Educação: Um Tesouro a Descobrir”.
A publicação mundial desse documento se deu com o objetivo de
orientar ideologicamente a reformulação das políticas educacionais dos
países em desenvolvimento, com o foco na formação dos sujeitos que
poderão ingressar no mundo do trabalho, ao mesmo tempo em que
contempla a formação para aqueles que ficarão à margem de qualquer tipo
de emprego formal. Isto é, esse seria o grande desafio da educação, garantir
a formação de trabalhadores e cidadãos (GALUCH & SFORNI, 2011).
Para isso, Jacques Delors e sua equipe definiram os quatro pilares
aos quais a educação, ao longo de toda a vida, deveria se apoiar e fixar seus
objetivos e organização didática e pedagógica: aprender a conhecer;
aprender a fazer; aprender a viver juntos; aprender a ser.
De acordo com o relatório:
Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve
organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao
longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os
pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os
instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre
o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e
cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente
aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes (DELORS,
1996, p. 89-90, grifos do autor).
A formação para o trabalho e a cidadania encontra-se alicerçadas
nos quatro pilares para a educação: seja na instrumentalização para o
94
ingresso ao trabalho por meio dos pilares aprender a conhecer e aprender
a fazer; ou na formação de sensibilidades, sentimentos, solidariedades e
coesão social por intermédio dos pilares aprender a viver juntos e aprender
a ser. O entrelaçamento e influência desse referencial teórico com a
formação dos sujeitos para o século XXI encontra-se no seguinte trecho de
Galuch e Sforni (2011, p. 60):
Se o desenvolvimento das forças produtivas exige um trabalhador
flexível, é preciso que a escola o ensine a aprender a conhecer e
continuar aprendendo ao longo de toda a vida. Se a produção flexível
exige capacidades e habilidades para resolver problemas e trabalhar em
grupo, a escola deve incluir entre as suas aprendizagens não a formação
profissional em si, mas o “aprender a fazer”, de modo que os estudantes
estejam aptos a qualquer tipo de trabalho. Se o mundo do trabalho não
resolve ou até acentua as “rupturas dos laços sociais”, é necessário que
na escola se aprenda a viver juntos, de modo a serem minimizados os
conflitos sociais. Se é necessário que os sujeitos tenham mais
autonomia e se responsabilizem por si mesmos, a escola deve
influenciar no desenvolvimento da personalidade dos sujeitos, de
modo que eles aprendam a ser sujeitos autônomos e responsáveis e,
sobretudo, que acreditem nessa possibilidade (GALUCH & SFORNI,
2011, p. 60).
O projeto de hegemonia do modelo neoliberal da sociedade
encontra-se não somente no modo de organização do trabalho e nos seus
modelos de produção, mas em todas as formas de relações sociais,
sobretudo na educação e suas diretrizes políticas que, além de promover o
desenvolvimento de competências e habilidades alinhadas às necessidades
desse sistema, promove o fortalecimento de valores e atitudes que
corroboram para manutenção da ordem social, minimizando as rupturas e
os colapsos sociais ocasionados pelo agravamento das desigualdades sociais.
95
Dessa forma, o discurso da UNESCO acerca da inclusão encontra-
se situado em um contexto de manutenção da ordem social capitalista e
neoliberal, que de um lado prepara parte da população para o ingresso no
mercado de trabalho e, por outro, mantém a coesão social por meio da
promoção de uma educação pautada no desenvolvimento de habilidades
que vão ao encontro da aprendizagem de “viver juntos” e da aceitação das
condições de desigualdades existentes.
Outro fator de intersecção entre os documentos emitidos pela
UNESCO está na orientação para que a educação seja centrada no
estudante, que de forma geral, se opõe ao modelo tradicional de educação,
o qual tinha como centro no processo educativo o conteúdo e o
conhecimento científico. Para a concepção de educação contida nas
declarações mundiais e no relatório Delors, o importante é privilegiar os
conhecimentos práticos e operacionais, com vistas a desenvolver nos
alunos habilidades necessárias para a vida, bem como valores e atitudes que
contribuem para um melhor convívio social.
Nessa perspectiva, a escola se caracterizará como lugar de ações
socioeducativas mais amplas, visando ao atendimento das diferenças
individuais e sociais e à integração social. Com apoio em premissas
pedagógicas humanitárias, concebeu-se uma escola que primasse, antes
de tudo, pela consideração das diferenças psicológicas de ritmo de
aprendizagem e das diferenças sociais e culturais, pela flexibilização das
práticas de avaliação escolar e pelo clima de convivência tudo em
nome da intitulada educação inclusiva (LIBANEO, 2012, p. 17).
De acordo com a Declaração de Educação para Todos, podemos
observar que, de um lado, a educação deve prover a "satisfação das
necessidades básicas" acerca de conhecimentos mínimos para a capacidade
96
de leitura, escrita e cálculo (LIBANEO, 2012); por outro lado, a educação
deve garantir a aprendizagem de conteúdos relacionados ao
desenvolvimento de valores e atitudes, que possam contribuir para o
combate à violência e à degradação do meio ambiente, tornando a
sociedade um espaço mais tolerante e solidário.
Na Declaração de Hamburgo, assim como na Declaração de
Salamanca, há uma ênfase exacerbada em relação ao respeito às diferenças
e a diversidade, como se ambas fossem algo natural ao ser humano, sem
levar em conta os condicionantes históricos, sociais e econômicos. Ao
priorizar uma política de aceitação, tolerância e respeito às diferenças, os
organismos internacionais não pretendem superar as condições de
desigualdade as quais a maioria da população mundial se encontra, mas
corroborar para o controle e administração da pobreza e sobrevivência,
Observa-se também que as políticas para a diversidade são construídas
com base no ideal apaziguamento das relações sociais e dos conflitos.
Portanto, silenciando sobre as relações de poder e sobre a necessidade
de combate aos privilégios e à desigualdade econômica e social, tais
propostas apelam apenas para o compromisso e a responsabilidade dos
indivíduos que integram a sociedade (CARVALHO, 2012b, p. 97).
Com essas políticas, há um deslocamento no foco da problemática
real que se assenta na desigualdade social, passando de um olhar universal
da produção e reprodução da exploração capitalista para um foco nos
grupos de maior vulnerabilidade da população. Ao direcionar os
problemas estruturais, ocasionados por uma sociedade capitalista, no
processo de inclusão/exclusão social, significa simplificar o entendimento
global da dinâmica social. "O aparente radicalismo esconde o retorno a
97
uma visão mais retrógada do social como remédio para as consequências
mais escandalosas do econômico” (CAMPOS, 2003, p. 184).
Nesse sentido, com o intuito de conter os danos sociais causados
por uma economia neoliberal e o modelo de automação flexível na
sociedade, os organismos internacionais, bem como as políticas públicas
desenvolvidas no Brasil, passaram a incorporar um discurso em favor da
inclusão social, universalização do acesso à educação e ao combate à
discriminação contra pessoas com deficiência e demais grupos
marginalizados, sem, no entanto, garantir o financiamento necessário.
Na lógica da reforma neoliberal, adotada pelo Brasil, a intervenção
do Estado, se dá de forma dialética: "[...] isto é, a exigência de um 'Estado
mínimo, porém forte', ou seja, um mínimo de intervenção e uma forte
atuação reguladora com a formulação de arranjos institucionais [...] que
corroborassem com uma nova intensidade do mercado" (LEME, 2010, p.
130).
De um lado o Estado é omisso quanto ao financiamento da
educação pública e dos programas sociais e, por outro, se torna o principal
agente na propagação de regulamentações e políticas que convergem aos
interesses de grandes corporações e de grupos privilegiados. As políticas e
programas sociais são mantidos pelo Estado de maneira precária e sempre
empregada com o cunho compensatório e assistencialista, exigindo o
compromisso da sociedade civil em colaborar com a manutenção desses
programas.
As intersecções entre as políticas assistenciais voltadas para os
segmentos mais pobres e as políticas educacionais por definição
universalistas e abertas a todos são indicadores dessa convivência
pouco clara entre as diferentes lógicas dos diversos setores sociais:
tradicionalmente, as pontas do sistema educacional são territórios
98
relegados pelos órgãos educacionais e assumidos pela assistência social
através de programas focalizados nos segmentos mais pobres da
população. Assim, tanto a alfabetização de adultos como as creches
sempre foram administradas de forma paralela ao sistema educacional:
secretarias de bem-estar social, Legião da Boa Vontade (LBA),
Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), Programa
Alfabetização Solidária vêm responsabilizando-se por esses
atendimentos, na maior parte das vezes através da terceirização dos
serviços por meio de convênios. Mesmo quando atendem faixas etárias
correspondentes à obrigatoriedade escolar, os programas correm
paralelos às redes escolares, como por exemplo, o atendimento a
meninos de rua ou os programas de atividades fora do período escolar
(CAMPOS, 2003, p. 186).
A participação do terceiro setor na promoção de ações em prol da
educação dos sujeitos em vulnerabilidade social é constantemente presente
em toda história da educação brasileira, sobretudo na educação das pessoas
com deficiências, que por estarem sempre à margem da sociedade,
frequentavam espaços proporcionados por igrejas, associações que os
recebiam e os acolhiam. Foi da iniciativa privada e filantrópica os mais
importantes institutos de educação das pessoas com deficiência intelectual,
como o Instituto Pestalozzi e a Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais (APAE), os quais ainda, nos dias atuais, desenvolvem
atividades com ajuda do governo e da sociedade civil.
A partir do momento em que as Organizações Não-
Governamentais (ONG), entidades filantrópicas e demais setores
organizados pela sociedade civil começam a se movimentar para
proporcionar serviços, aos quais deveriam ser de extrema responsabilidade
do Estado, identificamos uma total omissão e descumprimento, por parte
do Estado, de suas próprias regulamentações. Isto é, não perde a sua
99
essência de ser mínimo, deixando que a própria sociedade se organize para
oferecer os serviços.
Dessa forma, mediante a uma educação precária para as pessoas
com deficiência e pessoas jovens e adultas, o Estado neoliberal, por meio
das políticas nacionais e multilaterais, pretendem não a superação da
exclusão social, mas, de modo geral, a sua administração, por meio de
medidas assistencialistas e compensatórias, proporcionadas por um
mínimo necessário para a sobrevivência na sociedade. É nesse contexto,
que temos a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, assim
como o desenvolvimento de valores, atitudes, sentimentos e tolerância às
diferenças, que procuram promover a manutenção e a ordem do sistema e,
ao mesmo tempo, controlar e administrar os problemas nefastos causados
pela desigualdade e centralização de renda e poder político.
1.7 A Educação de Jovens e Adultos com deficiência no
âmbito das políticas nacionais de inclusão
Na ótica da reforma neoliberal do estado brasileiro, a educação de
jovens e adultos com deficiência foi contemplada nos mais importantes
dispositivos legais, dispondo como um direito de todos ao acesso a
educação e instrução para o trabalho e a formação de mão-de-obra para
uma economia pautada na flexibilização dos serviços e no desenvolvimento
de sujeitos adaptativos a diferentes realidades.
Como uma resposta aos compromissos firmados pelo Brasil junto
às declarações universais da UNESCO, a aprovação da LDB, lei n.º 9.394
de 20 de dezembro de 1996 e o Plano Nacional de Educação, lei n.º
10.172 de 09 de janeiro 2001, não abordaram o assunto diretamente,
100
contudo, ao analisarmos a EJA e a Educação Especial separadamente,
pudemos constatar alguns pontos de intersecção entre ambas.
A LDB aprovada em fins do ano de 1996 teve como relator o
senador Darcy Ribeiro que, por sua vez, não manteve a mesma base do
texto, que fora apresentado e discutido ao longo de oito anos de tramitação
do projeto, ignorando acordos, consensos e avanços firmados com relação
à educação pública.
Como resultado e incorporações de direitos em dispositivos legais
relacionados à Educação Especial, a legislação dispõe no Capítulo V, do
título V, três artigos, com os quais há uma definição da área como uma
modalidade de ensino que é oferecida preferencialmente nas classes
comuns da rede regular para alunos com necessidades especiais. De modo
geral, asseguraram-se serviços e atendimentos especializados no âmbito do
ensino regular, como também a possibilidade de garantir esses serviços em
instituições e classes especializadas para alunos que, decorrente de suas
necessidades, não for possível a sua integração em classes comuns
(BRASIL, 1996).
Com relação à seção que trata da educação de jovens e adultos,
com a disposição de dois artigos, se mostrou pouco inovadora, uma vez
que reafirmou o direito da pessoa jovem e adulta trabalhadora à Educação
Básica dentro de suas condições e possibilidades, bem como o dever do
Estado em prover a oferta de vagas gratuitamente mediante cursos e exames
supletivos. O único fator que apresentou uma novidade foi com relação à
ampliação do público alvo da EJA, que passou a permitir a alunos a partir
de quinze anos a realização de exames supletivos referentes ao Ensino
Fundamental e com 18 anos para o Ensino Médio.
De acordo com Haddad e Di Pierro (2001, p. 122),
101
A verdadeira ruptura introduzida pela nova LDB com relação à
legislação anterior reside na abolição da distinção entre os subsistemas
de ensino regular e supletivo, integrando organicamente a educação de
jovens e adultos ao ensino básico comum. A flexibilidade de
organização do ensino e a possibilidade de aceleração dos estudos
deixaram de ser atributos exclusivos da educação de jovens e adultos e
foram estendidas ao ensino básico em seu conjunto. Maior integração
aos sistemas de ensino, de um lado, certa indeterminação do público-
alvo e diluição das especificidades psicopedagógicas, de outro, parecem
ser os resultados contraditórios da nova LDB sobre a configuração
recente da educação básica de jovens e adultos (HADDAD & DI
PIERRO, 2001, p. 122).
A educação de jovens e adultos, assim como a educação especial
tornaram-se, a partir de 1996, uma modalidade de ensino que está
organicamente mais ligada à educação básica. No caso da educação
especial, inicia-se na Educação Infantil e perpassa por todos os níveis de
educação, quanto a EJA, está somente relacionada ao Ensino Fundamental
e Médio.
No ano de 1997, em decorrência das disposições transitórias da
LDB, assim como consta na Constituição Federal, a União deu início a
consultas públicas para a formulação de um Plano Nacional de Educação
(PNE), de modo a estabelecer metas e ações pelo prazo de dez anos. Dessa
forma, a lei n.º 10.172 de 9 de janeiro de 2001 foi sancionada pelo
Presidente Fernando Henrique Cardoso e apresentou um total de 28 metas
e 26 objetivos para a Educação Especial e a Educação de Jovens e Adultos.
Antes de apresentar as metas e os direcionamentos da educação em
cada área de atuação, tem-se a apresentação de um diagnóstico que, no
caso da EJA, enfatizou o déficit histórico do atendimento escolar,
sobretudo nas regiões mais empobrecidas do país, destacando a
102
importância de diminuir o número expressivo de 16 milhões de
analfabetos acima de 15 anos. Este anseio reflete-se, sobretudo nas metas
1, 2 e 3, as quais estabelece o objetivo de “[...] alfabetizar 10 milhões de
jovens e adultos, em cinco anos e, até o final da década, erradicar o
analfabetismo” (BRASIL, 2001, p. 41), ampliando o acesso desse público
ao ensino equivalente às quatro primeiras séries do Ensino Fundamental.
Quanto à educação especial, há a preocupação de ampliar o acesso
das pessoas com deficiência em classes comuns da rede regular de ensino,
buscando assegurar melhor formação aos professores. No entanto, não há
menção no PNE à situação da educação das pessoas jovens e adultas com
deficiência, as quais o duplamente desfavorecidas, seja por um lado, pelo
mencionado déficit de atendimento escolar, seja por outro, relacionado à
falta de atendimento especializado e precárias condições de acesso e
permanência no sistema regular de ensino.
Um dos principais pontos do referido plano (Lei 10.172) se referia ao
orçamento da educação, no qual o papel da União diminuía
enormemente, seguindo a tendência de descentralização do sistema,
com o objetivo de “otimizar” os recursos orçamentários, humanos e
físicos já existentes nos municípios e estados. Na visão de Ferreira e
Glat (2003), esse pressuposto não foi ao encontro das demandas
enfrentadas pelos sistemas para tornar a escola inclusiva, como
priorizava o próprio documento, pois a política de inclusão exige
investimentos (PLETSCH, 2011, p. 42).
Para a implementação dessa política inclusiva no sistema nacional
de educação, é necessário que haja um investimento mais efetivo em
recursos para o atendimento especializado, assim como em contratação de
profissionais especializados, como no caso de intérpretes de LIBRAS e
103
alfabetizadores em Braille, demandando uma oneração maior parte do
poder público e, contraditoriamente, isso opõe-se as políticas neoliberais
de diminuição do estado.
Até esse momento do desenvolvimento das políticas públicas para
a educação, não foram sequer apresentados diagnósticos, estratégias ou
metas que pudessem relacionar a situação das pessoas com deficiência que
ficaram à margem do sistema educacional. O que temos, de fato, é uma
priorização na ampliação do acesso às classes comuns do ensino regular,
bem como a oferta de estimulação precoce de modo a assegurar melhores
condições de atendimento na Educação Infantil.
As políticas públicas nacionais buscaram, de modo geral, manter-
se alinhada aos objetivos e metas multilaterais firmadas junto a UNESCO
e sua agenda neoliberal de contenção da pobreza e manutenção da ordem
social capitalista, buscando ofertar o mínimo necessário de serviços
públicos para a população mais vulnerável, priorizando ações que vão ao
encontro da promoção de valores e atitudes solidárias. Desse modo, a
educação das pessoas com deficiência e de jovens e adultos que, ao longo
de todo século passado, estiveram alicerçadas em aspectos assistencialistas,
estão contempladas na agenda do desenvolvimento de medidas providas
pelo estado, porém sem romper definitivamente com os traços mais
essenciais de sua concepção de exclusão e marginalização.
Nesse contexto contraditório, o termo “inclusão” passa a ganhar
força, sobretudo com o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Dada sua articulação com movimentos de cunho popular, esperava-se que
a educação fosse priorizada e, por sua vez, a exclusão e a marginalização
fossem extintas. Contudo, pelo fato da educação produzida no âmbito do
capitalismo e do modelo de acumulação flexível ter se apropriado de
agendas e concepções que, até então, estiveram relacionadas a pedagogias
socialistas, levou a população a imaginar, de uma maneira ambígua, que as
104
políticas poderiam contemplar os desejos e anseios dos grupos
historicamente marginalizados (KUENZER, 2005).
As políticas macroeconômicas neoliberais praticadas ao longo do
governo de Fernando Henrique Cardoso e mantidas por Lula, de acordo
com Morais e Saad-Filho (2011, p. 508) “[...] eram fundadas no famoso
tripé composto por uma política monetária determinada pelas metas de
inflação, câmbio flutuante e uma política fiscal visando manter um
superávit primário que compensasse o déficit nominal das contas públicas
[...]”.
O impacto popular desse tipo de medida nas classes mais
desfavorecidas tem sido consolidado, de acordo com Boito Junior (2003,
p. 32), desde a eleição de Fernando Collor em 1989, apoiando-se em “[...]
novas e variadas divisões produzidas no seio das classes trabalhadoras. Não
apenas divisões provocadas no plano econômico, como ocorre com
desemprego e a terceirização, mas, também, divisões políticas e ideológicas
introduzidas pela burguesia”.
Na intenção de angariar o apoio da camada mais empobrecida da
sociedade, sem combater de fato os privilégios do setor bancário da
burguesia interna ou o setor financeiro do grande imperialismo,
ideologicamente esse tipo de política produziu, como sugere Boito Junior
(2003), um confronto dos miseráveis contra os pobres e, da mesma forma,
os pobres contra os remediados. Dessa forma, sob a égide de um
populismo negativo, o Estado promoveu um ajuste fiscal, abertura
comercial, privatizações, pagamento da dívida, com vistas a assegurar certa
“equidade” social por meio do aumento do superávit primário e
manutenção do saldo positivo na balança comercial.
105
Nessa perspectiva, muitos direitos sociais passaram a ser propalados
como se fossem privilégios, ao mesmo tempo em que programas precários
de assistência social foram desenvolvidos para a minimização da pobreza.
De uma forma ainda mais competente que os seus antecessores, o
governo Lula procurou ampliar o impacto popular do neoliberalismo, por
meio de uma política baseada no “novo populismo conservador”, o qual
“[…] explora eleitoralmente a população pobre desorganizada lançando
mão, para tanto, das políticas compensatórias e do discurso ideológico
neoliberal que estigmatiza os direitos sociais como privilégios” (BOITO
JUNIOR, 2006, p. 239).
Com base nesse contexto de forte ação populista e assistencialista
que se intensificou no governo Lula, é possível encontrar um forte aceno
do Estado com relação à promoção da “inclusão” das minorias
historicamente excluídas e marginalizadas.
Diante das metas apresentadas no PNE, que visavam
prioritariamente o aumento do atendimento, seja aos adultos que ainda
não tiveram acesso a uma escolarização formal, seja pelas pessoas com
deficiência, que por muitos anos estiveram à margem da educação e, até
mesmo, do convívio social, podemos identificar no Quadro 2 a progressão
do aumento das matrículas de 1997 a 2010.
106
QUADRO 2 - NÚMERO DE MATCULAS NA EDUCAÇÃO ESPECIAL E NA
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL ENTRE OS ANOS DE
1997 E 2010
Ano
Educação Especial Educação de Jovens e Adultos
Matrículas Taxa de Crescimento Matrículas
Taxa de Crescimento
1997
334.507
2.881.770
1998
337.326
0,84%
2.881.231
-0,02%
1999
374.699
11,08%
3.071.906
6,62%
2000
382.215
2,01%
3.410.830
11,03%
2001
404.743
5,89%
3.777.989
10,76%
2002
448.601
10,84%
3.779.593
0,04%
2003
504.239
12,40%
4.403.436
16,51%
2004
566.753
12,40%
4.577.268
3,95%
2005
640.317
12,98%
4.619.409
0,92%
2006
700.624
9,42%
4.861.390
5,24%
2007
646.663
-7,70%
4.940.165
1,62%
2008
690.090
6,72%
4.902.374
-0,76%
2009
639.718
-7,30%
4.661.332
-4,92%
2010
702.603
9,83%
4.325.587
-7,20%
Total
110,04%
50,10%
Fonte: Dados extraídos e adaptados de: INEP, Sinopses estatísticas do Censo Escolar de
1997 a 2010.
Em um contexto de expansão do atendimento ao público da
Educação Especial e da EJA podemos verificar que, apesar das políticas
macroeconômicas estarem voltadas para o desfacelamento do Estado e dos
direitos sociais, tivemos, ao longo dos 14 anos apresentados, um aumento
significativo em ambas as áreas, sobretudo na Educação Especial com um
aumento de 110,04%, impulsionado em sua grande maioria, após o início
do governo Lula em 2003.
107
Se focarmos na oferta de vagas para alunos jovens e adultos com
deficiência, notamos um aumento muito superior, conforme demonstrado
no Quadro 3 e no Gráfico 1.
QUADRO 3 - NÚMERO DE MATCULAS DE ALUNOS NA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL ENTRE 1998 E 2006
Ano
Total
Geral
Taxa de
Crescimento
geral
Classes
Especiais e/ou
Instituições
Especializadas
Classes Comuns
com
Atendimento
Pedagógico
Especializado
Classes Comuns
sem
Atendimento
Pedagógico
Especializado
1998
8.665
7.258
496
911
1999
11.336
30,83%
9.178
652
1.506
2000
30.938
172,92%
27.282
988
2.668
2001
17.298
-44,09%
12.913
1.312
3.073
2002
21.881
26,49%
16.667
1.839
3.375
2003
26.557
21,37%
18.821
2.536
5.200
2004
41.504
56,28%
31.307
4.738
5.459
2005
50.369
21,36%
34.373
5.877
10.119
2006
58.420
15,98%
36.953
6.861
14.606
Total
574,21%
Fonte: Dados extraídos e adaptados de: INEP, Sinopses estatísticas do Censo Escolar de
1998 a 2006.
108
GFICO 1 - AUMENTO DO NÚMERO DE MATRÍCULAS DE ALUNOS DA
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL
ENTRE 1998 E 2006
-
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Fonte: Dados extraídos e adaptados de: INEP, Sinopses estatísticas do Censo Escolar de
1998 a 2006.
Entre os anos de 1998 e 2006, de acordo com o Censo Escolar
produzido pelo INEP, é possível constatarmos um crescimento de
574,21% no número de matrícula de pessoas com deficiência na Educação
de Jovens e Adultos. Da mesma forma que os dados apresentados
anteriormente, é possível perceber um aumento mais expressivo após o ano
de 2003.
Um dado importante também identificado por meio deste estudo
foram as matrículas em classes comuns do ensino regular, as quais são a
minoria, sobretudo aquelas com atendimento pedagógico especializado em
salas de recursos. De acordo com o Censo de 2006, identificamos o
número de 6.861 matrículas em salas comuns com atendimento
pedagógico especializado, contra 14.606 em classes comuns sem
atendimento pedagógico. Esses dados, os quais deixaram de ser produzidos
pela união a partir de 2007, consistem em uma fonte importante para
demonstrar o quão precário se constitui o processo de inclusão no país,
109
sobretudo no sucateamento do atendimento especializado ao longo dos
governos petistas.
Embora o número de matrículas de alunos com deficiência tenha
quintuplicado na Educação de Jovens e Adultos ao longo desse período,
verificamos que a demanda por esse serviço ainda carecia por oferta de
vagas, uma vez que muitos jovens e adultos se encontravam matriculados
em instituições especializadas ou em classes comuns não pertencentes à
EJA. O Gráfico 2 apresenta um número significativo de pessoas com mais
de 15 ou 17 anos que frequentam classes especiais e comum na Educação
Especial.
GFICO 2 - MERO DE ALUNOS MATRICULADOS EM 2007 NA
EDUCAÇÃO ESPECIAL POR FAIXA-ETÁRIA
Fonte: Dados extraídos e adaptados de: INEP, Sinopses estatísticas do Censo Escolar de 2007
Como podemos observar no Gráfico 2, há uma concentração
significativa de estudantes com quinze anos ou mais matriculados na
Educação Especial, os quais se encontram fora da EJA, descumprindo,
110
inclusive a LDB, que confere, a partir de 15 anos, frequentar turmas com
jovens e adultos.
Ao analisar dados semelhantes, Freitas (2010) aponta que o Censo
Escolar evidenciou que o número de alunos na Educação de Jovens e
Adultos com deficiência é muito baixo,
[...] inferindo-se que os mesmos não estão tendo o direito de conviver
com os seus pares, estando, possivelmente, matriculados em cursos
voltados a crianças e adolescentes. Além disso, é importante destacar
que a matrícula em um nível de ensino distante do considerado ideal
para a faixa etária pode implicar em inadequação de conteúdos,
materiais, abordagem e convívio social destinados a jovens e adultos
com deficiência, além de facilitar a infantilização destas pessoas
(FREITAS, 2010, p. 105).
Essa hegemonia de matrículas nas classes especiais ou instituições
especializadas da Educação Especial, a partir de 2007 deram início a um
forte processo de supressão decorrente do rumo das políticas públicas
adotadas ao longo do governo Lula, que por estarem de acordo com as
agendas e acordos multilaterais com a ONU, UNESCO e Banco Mundial,
passou a priorizar a inclusão de pessoas com deficiência em classes comuns
da rede regular de ensino. Em decorrência desse movimento pró-inclusão,
a Educação Especial entrou em uma nova fase de sua história, que podemos
caracterizar como a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva.
111
1.8 A Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva
A Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva tornou-
se uma política nacional com o objetivo principal de combater e eliminar
qualquer tipo de discriminação contra as pessoas com deficiência ou
demais grupos minoritários e estigmatizados socialmente. O movimento
pela defesa da educação inclusiva, que iniciou nos anos de 1990 com a
Declaração Mundial de Educação Para Todos e a Declaração de
Salamanca, ampliou a compreensão acerca do atendimento às necessidades
educativas especiais, envolvendo as dimensões pedagógicas, sociais,
culturais e políticas, visando garantir o acesso pleno dos grupos
historicamente excluídos à educação e ao direito de conviver e aprender
juntos.
Dessa forma, a partir desse entendimento, o atendimento às
pessoas com transtornos globais de desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação se tornou alvo da Educação Especial. De acordo
com o grupo de trabalho criado pela Portaria Ministerial n.° 555, de 05 de
junho de 2007, responsável para realizar um estudo acerca do
desenvolvimento da Educação Especial no país, destaca a Educação
Especial na perspectiva da educação inclusiva como um mecanismo que
[...] passa a integrar a proposta pedagógica da escola regular,
promovendo o atendimento aos estudantes com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação. Nestes casos e em outros, como os transtornos
funcionais específicos, a educação especial atua de forma articulada
com o ensino comum, orientando para o atendimento desses
estudantes (BRASIL, 2007a, n.p).
112
Essa política nacional que passou a priorizar o ensino das pessoas
com deficiência em classes comuns foi iniciada no Brasil como uma
resposta à Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência,
organizada pela ONU no dia 30 de março de 2007, em Nova Iorque.
Nessa ocasião, o Brasil assinou o protocolo facultativo à Convenção,
garantindo o monitoramento e o cumprimento à promoção e à proteção
dos direitos humanos equitativos das pessoas com deficiência (BRASIL,
2007b).
Dessa forma, com base na assinatura desse protocolo e os resultados
do grupo de trabalho supracitado, o governo publicou o Decreto
Presidencial n 6.571/2008 (BRASIL, 2008) que dispôs sobre o
Atendimento Educacional Especializado (AEE), bem como o
financiamento por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica (FUNDEB), do apoio técnico e financeiro a Educação
Especial nas classes comuns do ensino regular.
De acordo com esse decreto, o investimento na Educação Especial
só se dará mediante a dupla matrícula do aluno com necessidades
educacionais especiais no ensino regular e no AEE, ofertado em salas de
recursos multifuncionais no contraturno.
Entende-se por Atendimento Educacional Especializado “[...] o
conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos
organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou
suplementar à formação dos alunos no ensino regular” (BRASIL, 2008,
n.p).
Pretende-se, com esse decreto viabilizar financeiramente o AEE
para todos os alunos com deficiência no sistema educacional, priorizando
a dupla matrícula no ensino regular, com a qual o aluno passa a frequentar
a classe comum, com o direito ao atendimento especializado no
113
contraturno, o que proporcionará a escola o recebimento de recursos
equivalente a duas matrículas. Com esse dispositivo, as políticas de governo
passam a diminuir o caráter substitutivo da Educação Especial em instituições
especializadas.
O ponto central dessa discussão que têm se tornado polêmica ao longo
dos últimos anos no campo da Educação Especial, é assegurar o direito de
todo e qualquer aluno, independente das condições da deficiência, a dupla
matrícula no ensino regular, possibilitando, desse modo, um esvaziamento,
tanto de estudantes, quanto de investimento em instituições especializadas,
que em sua maioria, são mantidas por entidades filantrópicas e privadas.
De acordo com Garcia (2008), esse tipo de radicalização de inclusão
tem movimentado contrariamente os representantes de instituições
especializadas, como as APAEs, que ao se opor ao posicionamento das
políticas públicas quanto à inclusão, tem dividido profissionais e professores
da Educação Especial em duas frentes de embates: de um lado aqueles que
defendem a inclusão sem restrições; e de outro, aqueles que defendem um
processo de inclusão gradual, levando em conta uma preparação em
instituições especializadas.
Ao analisarmos o progresso das matrículas na área da Educação
Especial, Gráfico 3, percebemos a inversão na direção da tendência do
crescimento do acesso a educação entre as matrículas nas classes comuns do
ensino regular e classes especiais ou instituições especializadas.
114
GRÁFICO 3 - PROGRESSÃO DO AUMENTO DE MATRÍCULAS NA EDUCAÇÃO
ESPECIAL EM CLASSES ESPECIAIS E/OU INSTITUIÇÕES ESPECIALIZADAS E
CLASSES COMUNS DO ENSINO REGULAR ENTRE 1998 E 2018
Fonte: Dados extraídos e adaptados de: INEP, Sinopses estatísticas do Censo Escolar de 1998 a 2018
Desde a promulgação da Constituição Federal e aprovação da LDB,
a Educação Especial tem ofertado vagas “preferencialmente” na rede regular
de ensino. Desse modo, é possível verificarmos que o crescimento desse tipo
de matrícula tem aumentado de maneira contínua ao longo dos anos. Por
outro lado, podemos observar que, até 2006, as matrículas em instituições
especializadas apresentaram crescimento constante. No entanto, com o
desenvolvimento de políticas que incentivaram a inclusão em classes comuns,
as matrículas começaram a diminuir, alcançando o menor patamar, em 20
anos da série histórica de coleta de dados do INEP.
Como podemos observar no Quadro 4, a seguir, as matrículas em
classes comuns aumentaram de 43.923 matrículas, em 1998, para 1.014.661,
em 2018, apontando um aumento de 2.210,09% no período. De outro
modo, as matrículas em classes especiais ou instituições
especializadas
-
200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1.400.000
Classes Especiais e/ou Instituições
Especial izada s
Classes comuns do Ensino Regular
e/ou Educação de Jovens e Adultos
Total G e ra l
115
diminuíram de 293.403, em 1998, para 166.615, em 2018, apresentando
uma redução de 43,21%.
QUADRO 4 - NÚMERO DE MATRÍCULAS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL EM CLASSES ESPECIAIS
E/OU INSTITUIÇÕES ESPECIALIZADAS E CLASSES COMUNS DO ENSINO REGULAR
Ano
Classes Especiais
e/ou Instituições
Especializadas
Taxa de
Crescimento
Classes comuns
do Ensino
Regular e/ou
Educação de
Jovens e Adultos
Taxa de
Crescimento
Total
Geral
Taxa de
crescimento
geral
1998 293.403 43.923 337.326
1999 311.354 6,12% 63.345 44,22% 374.699 11,08%
2000 300.520 -3,48% 81.695 28,97% 382.215 2,01%
2001 323.399 7,61% 81.344 -0,43% 404.743 5,89%
2002 337.897 4,48% 110.704 36,09% 448.601 10,84%
2003 358.898 6,22% 145.341 31,29% 504.239 12,40%
2004 371.383 3,48% 195.370 34,42% 566.753 12,40%
2005 378.074 1,80% 262.243 34,23% 640.317 12,98%
2006 375.488 -0,68% 325.136 23,98% 700.624 9,42%
2007 341.781 -8,98% 304.882 -6,23% 646.663 -7,70%
2008 315.553 -7,67% 374.537 22,85% 690.090 6,72%
2009 252.687 -19,92% 387.031 3,34% 639.718 -7,30%
2010 218.271 -13,62% 484.332 25,14% 702.603 9,83%
2011
193.882
-11,17%
558.423
15,30% 752.305 7,07%
2012
199.656
2,98% 620.777 11,17% 820.433 9,06%
2013
194.421
-2,62%
648.921
4,53% 843.342 2,79%
2014
188.047
-3,28%
698.768
7,68% 886.815 5,15%
2015
179.700
-4,44%
750.983
7,47% 930.683 4,95%
2016
174.886
-2,68%
796.486
6,06% 971.372 4,37%
2017
169.637
-3,00%
896.809
12,60% 1.066.446 9,79%
2018 166.615 -1,78% 1.014.661 13,14% 1.181.276 10,77%
Total -43,21% 2210,09% 250,19%
Fonte: Dados extraídos e adaptados de: INEP, Sinopses estatísticas do Censo Escolar de 1998 a 2018
116
Essa mudança no direcionamento das políticas públicas, com
inclinações para uma inclusão total do público-alvo da Educação Especial
é um tema controverso entre pesquisadores, professores e demais
profissionais, sobretudo, ao levarmos em consideração as condições
precárias de investimentos existentes nas escolas públicas brasileiras.
Essa preocupação pode ser conferida em Pletsch (2011, p. 47),
quando afirma:
acreditamos que esse dispositivo acarretará mudanças significativas no
processo de escolarização das pessoas com necessidades educacionais
especiais, sobretudo nos sistemas municipais de ensino, responsáveis
pela maioria dessas matrículas. Por isso, a qualidade e a extensão da sua
implementação devem ser acompanhadas e avaliadas, em particular
porque, como meio de acesso a recursos adicionais, a inclusão total
pode ser realizada com oferecimento de atendimentos educacionais
especializados
escassos, precários e descontínuos (PLETSCH, 2009, p.
47).
Na mesma perspectiva, Kassar (2011), sustenta que a análise dessa
transformação no cenário da Educação Especial no Brasil deve ser analisada
no âmbito de uma conjuntura abrangente. Dentro do modo de produção
capitalista, ao longo da história, as legislações estabeleceram relações
importantes entre o poder público, a iniciativa privada e a rede de ensino,
caracterizando as instituições especializadas, como as APAEs e Sociedades
Pestalozzi, sem a sobreposição de serviços, responsáveis pelo atendimento
dos casos mais severos de deficiência, conferindo-lhes posição de destaque
no âmbito da Educão Especial. Contudo, a partir da política inclusiva
mais intensificada no governo Lula, bem como a regulamentação do AEE,
mediante o Decreto 6.571, a realidade educacional se modificou e as
117
orientações e diretrizes direcionavam a maior parte dos alunos com
deficiência para o ensino regular, conforme podemos verificar na
Resolução n.º 4, de 2009, a qual instituía as Diretrizes Operacionais para
o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica:
Art. 1º Para a implementação do Decreto nº 6.571/2008, os sistemas
de ensino devem matricular os alunos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas
classes comuns do ensino regular e no Atendimento Educacional
Especializado (AEE), ofertado em salas de recursos multifuncionais ou
em centros de Atendimento Educacional Especializado da rede pública
ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins
lucrativos (BRASIL, 2009a, n.p).
De acordo com essa resolução, aprovada na Câmara da Educação
Básica, as orientações estavam direcionadas para a inclusão de todos os
alunos em classes comuns do ensino regular, incumbindo às classes
especiais e instituições especializadas, a oferta do AEE, limitando o caráter
substitutivo da educação especializada.
Dessa forma, com essas diretrizes, a rede regular de ensino deve
absorver toda a demanda da educação especial, ampliando a oferta de vagas
e adequando os espaços físicos e formação pedagógica necessária para
atender à diversidade e às necessidades educacionais dos alunos com
deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação.
De acordo com Mendes (2006), esses ambientes educacionais,
quando não oferecem as condições adequadas para as necessidades das
pessoas com deficiências mais severas, podem se tornar espaços muito mais
de segregação do que inclusão, uma vez que nem todos os professores da
118
rede de ensino estão dispostos ou são capazes de oferecer as melhores
condições de ensino e aprendizagem para esse público.
No caso da deficiência visual, em uma pesquisa de campo que
realizamos em 2013 (OLIVEIRA JUNIOR & SFORNI, 2018);
(OLIVEIRA JUNIOR, 2014), analisamos as condições de aprendizagem
desse público em salas comuns do ensino regular, constatando uma
educação mais voltada para o acolhimento social do que a aprendizagem e
desenvolvimento, explicitando a carência de recursos e atendimento
especializado no contraturno, sobretudo para os alunos dos anos iniciais
do Ensino Fundamental, que em nossa amostragem, não apresentavam
domínio do código e escrita Braille.
Kassar (2011) também apresentou relatos do processo de inclusão
de um aluno cego na rede regular de ensino. Nesse caso, em especial,
muitos fatores favoreciam uma inclusão bem sucedida: o aluno apresentava
bom relacionamento com a turma; era bastante esforçado e interessado;
frequentava sala de recurso multifuncional no contraturno; além de tudo,
a professora regente da turma tinha uma experiência de 15 anos na
docência, curso superior em Pedagogia e Especialização em Educação
Inclusiva. Contudo, sua investigação apresentou que, durante as aulas
havia escassez de adaptações de materiais e de recursos de Tecnologia
Assistiva, dificultando a participação plena do aluno nas atividades
cotidianas.
Este caso faz-nos perceber que os desafios da implantação de uma
política nacional de “educação inclusiva” são muitos. Estes desafios
tornam-se evidentes mesmo quando estão cumpridas as exigências que
os programas e projetos explicitam: salas reduzidas, acompanhamento
em salas de recursos, adequação do espaço escolar, formação de
professores, acolhimento da escola etc. (KASSAR, 2011, p. 75).
119
Essa preocupação quanto a qualidade da educação para alunos com
deficiência é ainda maior, quando se trata daqueles, cujo comprometimento
requer uma atenção maior dos professores e da comunidade escolar que,
diante de uma infraestrutura incipiente, podem favorecer para uma segregação
ainda maior do que as que ocorriam em instituições especializadas.
Ainda sobre a colocação de crianças muito comprometidas em turmas
comuns, sem atentar para a gravidade dos quadros de deficiência,
segundo Ribeiro (2006), pode colocar em risco “o desenvolvimento e
a segurança” das mesmas (p. 27). Além disso, esses sujeitos demandam
atendimentos pedagógicos individualizados com recursos específicos,
como a comunicação alternativa, ensino do tadoma, entre outros, para
desenvolver sua comunicação, linguagem e conceitos científicos
necessários para a vida autônoma. É razoável supor que oferecer
atendimentos especializados duas ou três vezes por semana não supre
essas demandas. Nem tampouco matriculá-los em turmas comuns com
grande número de alunos por sala de aula, falta de estrutura para
individualizar o currículo, precárias condições de acessibilidade física,
que é a realidade da maioria das escolas brasileiras, entre tantos outros
problemas enfrentados pelos professores cotidianamente. Ou então
contratar estagiários, sem a devida formação ou acompanhamento,
para “tomar conta” do aluno especial incluído, como vem acontecendo
em muitas redes de ensino. Estas são algumas das contradições que se
fazem presentes na operacionalização das políticas de inclusão e do
atendimento educacional especializado (PLETSCH, 2011, p. 51).
Essa discussão com relação a obrigatoriedade de as pessoas com
deficiência estarem matriculadas nas classes comuns do ensino regular,
emergiu em decorrência de anos de políticas que produziam segregação e
exclusão desses sujeitos, os quais viviam isolados em suas residências ou em
instituições especializadas, de cunho assistencialista e médico-pedagógica. No
120
entanto, devemos estabelecer critérios para a implementação de uma inclusão
irrestrita, ainda mais em um contexto de grandes desigualdades sociais.
Evidentemente, a possibilidade de inclusão de alunos deficientes em
classes de ensino comum precisa ser estudada com muito critério. Não
é qualquer aluno deficiente que tem possibilidade de frequentar a classe
de ensino comum. A escola, por sua vez, não pode introduzir
alterações tão radicais, para poder incluir qualquer deficiente, que
possam distorcer a sua finalidade e comprometer a sua eficácia. Os
benefícios da inclusão precisam ser para todos: os alunos deficientes e
os alunos não deficientes. Uma decisão precipitada e descuidada pode
ser desastrosa; pode resultar em uma maior segregação para os alunos
deficientes, que precisam competir com seus pares não deficientes em
condições de extrema desigualdade e podem desenvolver baixa auto-
estima e tornarem-se desajustados socialmente; pode prejudicar o
rendimento da classe toda, acabando por nivelar por baixo o
desempenho dos alunos deficientes e não deficientes (OMOTE, 1999,
p. 10).
Apesar de todas essas contraversões no processo de inclusão, em
defesa dessas políticas de inclusão irrestrita na rede regular de ensino,
Mantoan (2001) acredita que a inclusão tem sido um processo bastante
polemizado e distorcido pelos diferentes seguimentos educacionais e
sociais e que, a inserção de estudantes com déficit de toda ordem e graus
mais severos de comprometimento no ensino regular é um direito
constitucional.
Nossa obrigação é fazer valer o direito de todos à educação e não
precisamos ser corajosos para defender a inclusão, porque estamos
certos de que não corremos nenhum risco ao propor que alunos com e
sem deficiência deixem de frequentar ambientes educacionais à parte,
121
que segregam, discriminam, diferenciam pela deficiência, excluem -
como é próprio das escolas especiais.
O que falta às escolas especiais, como substitutas das comuns, é muito
mais do que a soma das carências das escolas comuns. Falta-lhes o
primordial das escolas, isto é, o ambiente apropriado de formação do
cidadão (MANTOAN, 2006, p. 27).
Esse posicionamento da autora com relação à inclusão, destacando
como primordial o direito da formação à cidadania, por meio da
convivência em espaços comuns, de certo modo, encontra-se alinhado com
os objetivos da agenda das reformas educacionais da década de 1990 e os
interesses multilaterais da UNESCO e da ONU. Elas defendem uma
escola inclusiva à diversidade, priorizando os pilares educacionais da
solidariedade, acolhimento social e do “aprender a viver juntos”.
Ao abordar a formação de professores na área da Educação Especial
na perspectiva da educação inclusiva, Garcia (2013) sustenta que as
políticas têm definido a Educação Especial como um serviço, no qual o
professor deve ter uma formação eclética e multifuncional, da mesma
forma que se refere às salas do AEE, equipado e adaptado a atender todas
e quaisquer necessidades dos alunos, independente da deficiência. Essa
perspectiva de formação docente para o atendimento da diversidade, por
sua vez, assenta-se na formação de sujeitos capazes de autogestão, que em
conformidade com a lógica do modelo de produção da acumulação
flexível, visa profissionais multifacetados, generalistas que, em muitos
casos, não se aprofundam nas peculiaridades das áreas que as deficiências
necessitam.
122
A nosso ver, a política de educação especial na perspectiva inclusiva e a
formação de professores a ela relacionada, tal como aqui demonstrado,
estão articuladas às reformas sociais em curso na América Latina desde
os anos de 1990. Tem sido possível acompanhar seu desenvolvimento
e aperfeiçoamento na direção da manutenção da base e dos valores da
sociedade capitalista. Ao contrário do que os discursos inclusivos têm
contribuído para disseminar, não percebemos nesse modelo
educacional elementos que permitam vislumbrar uma ruptura com a
reprodução do modelo de sociedade. Nessa direção, afirmamos a
funcionalidade de tais políticas e suas trágicas consequências para a
educação básica e seus professores (GARCIA, 2013, p. 116-117).
O delineamento das políticas públicas em torno do tema da
inclusão no Brasil, apesar de apresentar uma narrativa antisegregação e de
ruptura com o sistema de exclusão e marginalização da educação como tem
ocorrido ao longo da história, não apresenta dispositivos capazes de romper
com os valores capitalistas, os quais massificaram o assistencialismo por
décadas no âmbito da Educação Especial. O acolhimento social e mudança
atitudinal no âmbito da rede regular de ensino não são suficientes para
garantir o atendimento às “necessidades especiais” dos alunos com
deficiência em classes comuns.
Em decorrência do embate e falta de consenso entre os defensores
da inclusão irrestrita e grupos ligados às instituições especializadas, a
presidente Dilma Rousseff, em seu primeiro ato em prol da Educação
Especial, revogou o decreto n.º 6.571/2008, substituindo-o pelo decreto
n.º 6.711/2011.
Da mesma forma que o decreto 6.571/2008, o decreto 6.711/11
foi assinado com vistas a consolidar a Política Nacional da Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, regulamentando o AEE
como um mecanismo de apoio especializado à pessoa com deficiência, com
123
o objetivo de complementar ou suplementar o ensino regular. No entanto,
o novo decreto não apresenta a “obrigatoriedade” de todos os alunos com
deficiência matricular-se em classes comuns da rede regular de ensino.
De acordo com o Art. 1º, inciso VII do Decreto 7.611/2011, a
educação especial será ofertada "[...] preferencialmente na rede regular de
ensino [...]" (BRASIL, 2011a, n.p). A inclusão do termo
“preferencialmente” no texto do decreto, assim como consta na
Constituição Federal e na LDB, significa um aceno do governo quanto às
reivindicações das instituições especializadas privadas, confessionais e/ou
filantrópicas que, por meio desse dispositivo, estão amparadas a ofertar um
ensino substitutivo ao ensino regular em classes comuns.
O decreto também dispõe no inciso VIII do artigo 1° o "[...] apoio
técnico e financeiro pelo Poder Público às instituições privadas sem fins
lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial"
(BRASIL, 2011a, n.p).
Nesse sentido, as instituições especializadas não só estão aptas a
ofertar matrículas exclusivas para alunos com deficiência, como também
ser financiada pelo FUNDEB quanto às matrículas da Educação Especial
na Educação Básica. De acordo com o documento, “são consideradas, para
a educação especial, as matrículas na rede regular de ensino, em classes
comuns ou em classes especiais de escolas regulares, e em escolas especiais
ou especializadas (BRASIL, 2011a, n.p).
Apesar da assinatura do Decreto 6.711/2011 ter sido favorável às
instituições especializadas contrárias a medida de “inclusão total”, o
embate político entre as duas frentes defensoras da educação inclusiva
persistiu até o último momento da aprovação do Plano Nacional de
Educação dos próximos 10 (dez) anos.
124
O primeiro texto aprovado, na Conferência Nacional de Educação
de 2010, foi encaminhado para tramitação na Câmara dos Deputados com
o texto da meta 4 (quatro), contemplando a proposta de obrigatoriedade
da matrícula das pessoas com deficiência em classes regulares. No entanto,
no decorrer de mais de três anos de tramitação do projeto, o texto foi
alterado e aprovado, prevendo que a matrícula das pessoas com deficiência
fosse “preferencialmente” na rede regular de ensino (BRASIL, 2014).
Podemos observar, que a política nacional para a educação das
pessoas com deficiência tem feito um esforço no sentido de garantir a
universalização do acesso ao ensino regular. Para tanto, não há uma
preocupação enfática quanto ao espaço mais adequado para a
aprendizagem do conteúdo escolar pelo aluno com deficiência.
Acreditamos, evidentemente, que o acesso ao ensino regular é de extrema
importância para o desenvolvimento da pessoa com deficiência, porém a
escola deve estar em condições adequadas para propiciar a aprendizagem
do estudante com deficiência e não apenas a sua inserção em um meio
social.
1.9 O processo de construção da Base Nacional Comum Curricular e as
perspectivas futuras para a educação das pessoas com deficiência
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento
que busca nortear e orientar a construção dos currículos de todos os
sistemas estaduais e municipais da educação básica, definindo consensos
acerca de direitos e objetivos de aprendizagem, de modo que se tenha o
delineamento de conhecimentos e competências mínimas a serem
ensinadas em todo o território nacional. A principal justificativa e
necessidade para se construir uma política nacional curricular, de acordo
125
com o documento, é minimizar as desigualdades de aprendizagem e tornar
a escola um espaço mais democrático, ético e justo (BRASIL, 2018).
A elaboração e implementação da BNCC estava prevista no artigo
210 da Constituição Federal, no que concerne a obrigação do Estado na
fixação de contdos mínimos para o Ensino Fundamental (BRASIL,
1988), na LDB, Lei n.º 9.394/96. Ambos os referenciais legais deram
sustentação a construção das referências para o currículo brasileiro como:
Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil de 1995; os
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 1997;
os Referenciais Curriculares para o Ensino Médio de 1998 e as Diretrizes
Curriculares da Educação Básica de 2011.
Todos esses documentos oficiais ordenaram a base curricular comum
para que ela fosse implementada por estados e municípios no território
nacional. Todavia, isso não aconteceu de forma sistemática no
território nacional, seja porque os referenciais e diretrizes não são
documentos oficiais mandatórios, seja porque não houve por parte do
governo federal ações de apoio, monitoramento e avaliação dos
desdobramentos dos conteúdos mínimos (FERREIRA, 2015, p. 372).
Mediante a omissão da União em articular, orientar e implementar
uma política efetiva de construção de uma base curricular para todo o
território nacional, os Estados e Municípios passaram a delinear e
implementar suas próprias diretrizes, com características, objetivos e
especificidades distintas.
Na ocasião da aprovação do Plano Nacional (BRASIL, 2014), a
discussão acerca da construção de uma base nacional curricular passa a
ganhar força, sobretudo em decorrência da definição das estratégias para a
melhoria da qualidade do ensino para a Educação sica. Para Micarello
126
(2016, p. 64), as estratégias 2.1, 2.2, 3.2 e 3.3, que buscam atingir as metas
2 e 3 para a universalização do acesso dos alunos em idade escolar à
Educação Básica, avançam no sentido de um delineamento daquilo que
deve compor uma base nacional comum para os currículos, bem como a
definição da forma de participação dos entes federativos nesse processo.
Essas estratégias, que versam diretamente acerca da qualidade do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio, definem “[...] que a Base Nacional
Comum Curricular deve ser elaborada a partir da definição de direitos e
objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, com base em ampla
consulta à sociedade e num processo de pactuação com estados e
municípios”.
Tendo-se como pressuposto um processo democtico de
formulação do documento referente à base comum curricular, os direitos
e objetivos de aprendizagem devem ser definidos a partir dos consensos
construídos com a participação e as especificidades de todos os estados e
municípios brasileiros. A dificuldade da coesão entre diferentes
perspectivas de entendimento acerca do que seja um currículo, perpassa
desde o conteúdo a ser ensinado em sala, até a forma e os processos
educativos que leva em consideração diferentes realidades ao longo do país.
De acordo com Micarello (2016), o debate em torno da construção
ou não de uma base nacional comum curricular permeou, inclusive, a
definição das metas do Plano Nacional de Educação (2014-2024), o qual
definiu o prazo de dois anos para o poder executivo entregar uma proposta
para esse documento.
Os argumentos contrários à existência de uma base comum para os
currículos se constroem, em geral, em torno da afirmação dessas
diferenças como constitutivas do próprio cenário educacional e da
compreensão do currículo como acontecimento, como permanente
127
processo de construção, que se faz pelo protagonismo dos atores do
contexto escolar. Em contraposição a essa perspectiva, os argumentos
em favor da existência de uma base comum para os currículos se
ancoram na concepção de que sua definição seria um meio importante
para a efetivação do direito à educação como direito de acesso aos
conhecimentos básicos aos quais todos os brasileiros e todas as
brasileiras devam ter acesso, como condição para o exercício pleno da
cidadania. Em face dessa perspectiva, as diferenças podem ser
interpretadas, também, como diferentes possibilidades de acesso aos
conhecimentos que fazem parte do patrimônio comum de nossa
sociedade e, nesse sentido, podem ser compreendidas como reflexos, e
também causas, de profundas desigualdades que, historicamente,
marcam a sociedade brasileira (MICARELLO, 2016, p. 65).
Aprovado pelo Conselho Nacional de Educação e homologado
pelo MEC em dezembro de 2017, para o Ensino Fundamental, e em junho
de 2018, para o Ensino Médio, o documento da BNCC, foi alvo de
inúmeras discussões entre os anos de 2015 e 2018, direcionando para a
intenção de construir um documento que possa apoiar os sistemas na
elaboração dos currículos, respeitando as especificidades de cada
localidade. Na acepção dos autores Neira, Alviano Júnior e Almeida (2016,
p. 32-33), a proposta de uma BNCC
não se tratava de uma relação de conteúdos a serem ensinados
obrigatoriamente em todas as escolas. Na sua concepção inicial, a ideia
era que o texto se tornasse um material de apoio para a elaboração de
propostas estaduais, municipais, da rede privada e de cada unidade
escolar. Ela poderia inspirar professores e professoras a pensarem em
objetivos que se coadunam com as intenções educativas da escola,
definidas coletivamente e com a participação da comunidade. Afinal,
o que se ensina, o como se ensina e o que e como se avalia tem que ser
128
uma decisão de cada instituição e explicitada no seu projeto pedagógico
(NEIRA et al., 2016, p. 32-33).
No ano de 2015, o MEC convidou 120 profissionais da educação,
dentre eles professores do magistério superior e da rede pública da
Educação Básica, com vistas a elaborar um documento que caracterizaria
a primeira versão da BNCC. Dentre os meses de setembro daquele ano e
março de 2016, foi disponibilizado no “portal da base”, via internet, um
canal para a consulta pública, na qual profissionais, escolas, pesquisadores
e especialistas da educação elaboraram pareceres, sugestões, contribuições,
modificações e opiniões que puderam ser incrementados à prévia do
documento. De acordo com os dados do MEC, foram recolhidas cerca de
12 milhões de contribuições para as diferentes áreas do conhecimento, as
quais foram sistematizadas e compiladas em uma segunda versão por
profissionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-
RJ) e da Universidade de Brasília (UNB) (AGUIAR, 2018).
A partir da publicação da segunda versão do documento em maio
de 2016, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
(UNDIME) e o Conselho Nacional de Secretários de Educação
(CONSED), organizaram a realização, até o mês de agosto, de seminários
em todo o país, submetendo o documento em discussões em salas
específicas, separadas por áreas de estudo e componentes curriculares. Sob
a coordenação de moderadores que, em grande parte, “[...] apresentavam
slides com objetivos e conteúdos e os participantes optavam por uma das
seguintes alternativas: concordo, discordo totalmente ou discordo
parcialmente e indicavam propostas de alteração, se fosse o caso”
(AGUIAR, 2018, p. 11).
Dessa forma, com base nos resultados das discussões nos
seminários, o CONSED e a UNDIME encaminharam um relatório ao
129
Comitê Gestor do MEC, o qual se encarregou de definir as diretrizes que
orientaram a revisão da segunda versão. Em abril de 2017, o comitê
encaminhou ao CNE a terceira versão do documento da BNCC,
focalizando na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, sem a devida
justificativa acerca da exclusão do Ensino Médio. Em dezembro desse
mesmo ano, a versão final do documento foi aprovada pelo CNE,
garantindo para o próximo ano a implementação da BNCC para a
Educação Infantil e o Ensino Fundamental, descumprindo o que estava
disposto no PNE, o qual previa a elaboração desse documento para toda a
Educação Básica.
Apesar do documento mencionar em sua apresentação que a
construção da BNCC se deu por meio de amplos debates com a sociedade
e os profissionais da educação (BRASIL, 2018), para Girotto 2017) e
Aguiar (2018), a forma e a metodologia adotada pelo MEC para a
participação dos agentes da educação foram insuficientes, caracterizando
em um processo antidemocrático. Primeiramente, o prazo adotado de 6
meses para ouvir toda a sociedade, seguido de um prazo menor para a
análise e sistematização das contribuições, levaram-nos a refletir sobre qual
seria o motivo dessa pressa em aprovar um documento que poderia afetar
a vida de mais de 50 milhões de alunos. Há também, dúvidas quanto ao
marco de referência utilizados pelos profissionais convidados pelo MEC,
da PUC-RJ e da UNB, na escolha das contribuições que seriam
incorporadas à Segunda versão do documento.
Antunes (2019, p. 52), também aponta aspectos antidemocráticos
no processo de elaboração do documento quando afirma:
Do ponto de vista metodológico não fica evidente como foram tratadas
as mais de 12 milhões de contribuições feitas no Portal. Qual o critério
utilizado para a manutenção, exclusão ou modificação? Questionamos
130
também o tempo para a análise das contribuições e consequente
assimilação ou não pela equipe de redação do documento. O Portal foi
aberto para as contribuições em setembro de 2015, segundo o MEC.
As contribuições feitas até dezembro de 2015 foram disponibilizadas
em fevereiro de 2016, mas o Portal permaneceu aberto até março e em
maio de 2016 foi disponibilizada a edição da segunda versão
(ANTUNES, 2019, p. 52).
Da mesma forma, a metodologia utilizada para a discussão acerca
da segunda versão da BNCC, nesse momento sob a coordenação da
UNDIME e do CONSED, também atenuou a validação da participação
dos agentes ao longo do processo de revisão, uma vez que a participação se
deu em grupos específicos por componentes curriculares, na qual a pessoa
tinha opção de concordar ou discordar do que estava presente no
documento.
O caráter centralizador ao longo da elaboração da BNCC foi
mantido pelo MEC em todas as etapas até a sua aprovação. Primeiramente,
pela elaboração da primeira versão por 120 profissionais convidados, em
seguida pela falta de critério na inclusão e exclusão das contribuições
recolhidas pelo portal e, por último, na redação final a cargo do Comitê
Gestor, restrito a poucos profissionais. Até a aprovação no CNE da
Resolução CNE/CP N.º 2, de 22 de dezembro de 2017, que instituiu a
implantação da BNCC, pela maioria dos votos à favor e três contrários,
teve-se a abertura para recolher as contribuições da sociedade, porém não
tivemos a clareza, ao longo desse processo, se a versão final do documento
reflete a realidade, as necessidades e os anseios da maioria dos profissionais
da educação.
Sobre esse processo de elaboração do documento, bem como a sua
discussão e aprovação nos colegiados do CNE, não deixamos de levar em
131
consideração a análise feita pelo professor e membro do CNE, entre os
anos de 2012 e 2016, Erasto Fortes Mendonça, acerca dos três votos
contrários à aprovação da BNCC:
Nesse sentido, o processo de elaboração e aprovação da BNCC está
longe de ser um exemplo de gestão democrática na formulação de
política pública educacional tão importante para o desenvolvimento da
educação em nosso país. Talvez não tenha sido por outra razão que o
documento encaminhado ao CNE pelo MEC não contemple nem
sequer uma vez a expressão “gestão democrática”, recuperada duas
vezes no parecer que aprovou a BNCC naquele colegiado. Certamente
por isso o referido parecer não foi aprovado por unanimidade,
merecendo três votos contrários com respectivas declarações de voto,
num deles, dentre outras razões por entender que a BNCC aprovada
por maioria “afronta o princípio da gestão democrática das escolas
públicas” (MENDONÇA, 2018, p. 36).
No decorrer do processo de construção do documento da BNCC,
é importante salientarmos que o seu caráter antidemocrático está
alicerçado em um forte avanço social do pensamento liberal, conservador
e autoritário, que diante de uma grave crise política, econômica e ética,
tivemos a deposição da presidente eleita Dilma Rousseff, em 31 de agosto
de 2016, e uma série de ataques às políticas públicas de seguridade social,
educação, programas sociais e atendimentos à população em
vulnerabilidade econômica e social.
O agravamento da crise econômica em 2015, somados ao avanço
do pensamento conservador e liberal nos debates políticos, capitaneados
por uma insatisfação da população com relação a diminuição do poder de
compra do trabalhador e as denúncias de corrupção ligadas ao governo do
Partido dos Trabalhadores, corroboraram para o impedimento da
132
presidente e sua substituição pelo Vice Presidente Michel Temer, que ao
longo de seu governo, procurou satisfazer os anseios de grupos
econômicos, dos empresários e do mercado financeiro.
Acerca desse turbulento contexto, Oliveira (2018, p. 55) sustenta
que
estamos vivendo no Brasil um momento político de ruptura com o
período anterior, dos governos populares, com importantes
reverberações na política educacional e no andamento da implantação
do Plano Nacional de Educação. A desconfiguração do Fórum
Nacional de Educação, com a retirada de importantes entidades da área
e abertura para a participação de diferentes representações da iniciativa
privada, foi uma das medidas recentes e originou a criação do Fórum
Nacional Popular de Educação, que imediatamente passou a
protagonizar o movimento de resistência ao desmonte da educação
pública do país posto em prática pelo governo golpista (OLIVEIRA,
2018, p. 55).
Além do desmonte das bases democráticas no acompanhamento e
implementação das políticas educacionais, houve uma forte incorporação
do ideário privatista e de interesse do mercado financeiro que, ao longo da
elaboração da BNCC, foi defendido por grupos econômicos ligados a duas
importantes entidades representativas do empresariado brasileiro, são elas:
a) o movimento “Todos Pela Educação”, vinculado aos Grupos Gerdau,
Itaú e Fundação Roberto Marinho; b) a “Fundação Lehman”, pertencente
ao empresário brasileiro Jorge Paulo Lehman.
O que une estes dois grupos é a difusão de uma concepção empresarial
de educação, pautada no discurso do capital humano e na relação
simplista entre desenvolvimento da educação e crescimento
133
econômico. O que mais chama atenção é que nas equipes de técnicos
que compõem estes dois grupos a ausência de professores da educação
básica é evidente. Destacam-se profissionais da gestão econômica, com
experiências no setor privado e em organismos internacionais, entre
eles o Banco Mundial (GIROTTO, 2017, p. 435).
Mediante ao apoio desses grupos econômicos, em 2016, deu-se
início a uma forte ão do governo federal em suprimir garantias e direitos
fundamentais da população, buscando atender a seus interesses quanto ao
controle dos investimentos públicos, ajuste fiscal e diminuição do déficit
primário. Para isso, com o aval de um Congresso Nacional reacionário,
foram aprovados projetos de lei e de Emenda Constitucional (EC), que
buscaram o desmonte do Estado e dos serviços públicos, como o
congelamento dos gastos públicos pelo prazo de vinte anos EC n.º 95,
de 15 de dezembro de 2016 (BRASIL, 2016) —, reforma trabalhista, que
modificou direitos e garantias dos trabalhadores, o que tornou ainda mais
precária as condições de trabalho e legalizou o trabalho informal e
terceirizado Lei n 13.429, de 31 de março de 2017 (BRASIL,
2017a); Lei n.º 13.467, de 13 de julho de 2017 (BRASIL, 2017b) .
Outra emenda à Constituição que estava nos objetivos desse governo era a
“Reforma da Previdência”, que foi votada e aprovada no primeiro ano do
governo de Jair Bolsonaro, em 2019, sob a EC n.º 103, de 12 de novembro
de 2019 (BRASIL, 2019a), definindo a idade mínima de 62 anos para
mulheres e 65 anos para homens, além de endurecer a regra do cálculo e
dificultar o acesso ao benefício.
Esses retrocessos nas políticas sociais, alinhados às novas práticas e
ações do governo federal, passaram a ignorar a participação da sociedade
civil, centralizando o poder e a tomada de decisões acerca de políticas
públicas importantes para a sociedade. Além das reformas estruturais, que
134
impactam significativamente nas políticas sociais, o governo federal
realizou algumas medidas que desencadearam na
[...] extinção, revisão ou diminuição de programas sociais ou do campo
da educação, por meio de cortes na Lei Orçamentária Anual (LOA),
bem como ações de cunho mais autoritário, a exemplo da revogação da
nomeação do Conselho Nacional de Educação (CNE), em 2016, além
da intervenção na composição do Fórum Nacional de Educação (FNE)
e na realização da CONAE 2018 [...] (DOURADO & OLIVEIRA,
2018, p. 38).
Nesse contexto, tivemos também a imposição da “Reforma do
Ensino Médio”, que em um ato de arbitrariedade, sem qualquer abertura
para debates e discussões, o governo federal redigiu em forma de Medida
Provisória (MP) n.º 746, de 2016, disposições e prerrogativas que
alterariam a LDB e o funcionamento do Ensino Médio. Sob fortes
pressões, manifestações e resistências contrárias por parte dos entes
educacionais do país, a MP foi aprovada pela Câmara e pelo Senado,
convertendo-se na Lei n.º 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (BRASIL,
2017c), o que veio a impactar e modificar o processo e o documento da
BNCC, alinhando a estrutura de funcionamento do Ensino Médio aos
interesses dos grandes grupos econômicos e empresarial com o tipo de
formação que esperam para o jovem na sociedade capitalista.
Dessa forma, ao longo do período de 2015 a 2018, os debates em
torno da BNCC acentuaram-se em torno dos confrontos entre uma ala
mais progressista, que defendia o direito a uma educação pública de
qualidade para todos e, por outra, os interesses de grupos econômicos e
empresariais, que buscavam a adoção do ideário privatista, tecnicista,
gerencial e empresarial para a base curricular. Além do confronto entre
135
essas duas frentes de interesse social, tivemos a organização de grupos
conservadores, em grande parte formados por fundamentalistas religiosos
e líderes evangélicos que, em oposição às pautas progressistas, adotaram
forte pressão contrária às políticas de educação, de gênero e de diversidade
nas escolas.
Como resultados desse embate por diferentes expectativas, o MEC
e o Conselho Nacional de Educação, reorganizados por Temer com vistas
a alinhar aos interesses dos grupos que apoiaram o impeachment de sua
antecessora, privilegiou os interesses dos grupos econômicos e da frente
conservadora, fortalecendo os princípios tecnicistas para formação de uma
mão de obra adaptativa ao mercado, por meio do desenvolvimento de
competências, valores e atitudes, bem como a relativização e precarização
do direito à educação dos grupos minoritários e público alvo das políticas
de diversidade, como as diferenças de gênero e as pessoas com deficiência.
Dessa forma, os espaços destinados a realização de debates e
apresentação de propostas para a elaboração do documento da BNCC
foram ocupados massivamente pelas frentes privatistas e conservadoras,
silenciando importantes vozes ligadas a grupos minoritários e
economicamente desfavorecidos.
Nessa perspectiva, o documento da BNCC, em sua versão final,
menciona em poucos trechos o direito a inclusão das pessoas com
deficiência e a valorização da diversidade, uma vez que o define medidas
e objetivos que levam em conta as especificidades de cada grupo; há uma
generalização que, propositalmente, leva uma precarização das políticas
públicas.
A supressão das políticas de atendimento às pessoas com
deficiência no texto da BNCC é facilmente percebida por uma busca
simples ao longo das 600 páginas no documento pela palavra “Educação
136
Especial”, que na contramão de outros documentos oficiais acerca do
currículo, aparece apenas duas vezes, sem qualquer orientação ou diretrizes
para o ensino desse público.
Os encaminhamentos e as diretrizes para a Educação Especial,
dessa forma, não serão contempladas diretamente no documento da
BNCC, apenas há o reconhecimento do direito à educação e aos direitos e
objetivos de aprendizagens comuns a toda a população escolar, porém as
especificidades de cada área ou atendimento educacional especializado,
ficará a cargo da implementação da BNCC pelos estados e municípios e as
instituições de ensino.
Como resultado dessa ausência dos encaminhamentos do acesso ao
currículo por parte do público alvo da Educação Especial, o AEE passa a
ser a única ação voltada para a garantia do acesso ao currículo por parte das
pessoas com deficiência, restringindo a Educação Especial a esse
atendimento, desconsiderando outros importantes serviços que podem
compor a rede de apoio a inclusão escolar.
A consequência dessa restrição está tanto no ato de desconsiderar as
diferentes necessidades educacionais dos estudantes atendidos pela
Educação Especial, quanto na formação e atuação de um professor
“multiespecializado” capacitado para a provisão de ensino de
estratégias e uso dos recursos e materiais pedagógicos e de
acessibilidades disponibilizados nas SEM (MERCADO & FUME,
2017, p. 10).
É importante salientarmos, que após o Brasil se tornar signatário
da Declaração de Salamanca, este é o primeiro documento oficial de
abrangência nacional que, de modo geral, ignora totalmente as
especificidades do público alvo da Educação Especial. Por se tratar de um
137
documento norteador acerca da implementação dos currículos nas redes
de ensino, seria extremamente importante garantir a exigência de ações e
serviços específicos que asseguram a aprendizagem dos componentes
curriculares por parte dos alunos com deficiência.
No final da década de 1990 e ao longo de toda a década de 2000,
com vistas a garantir o acesso dos alunos com deficiência ao currículo,
tivemos alguns importantes marcos para a Educação Especial. Dentre
esses, podemos destacar os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) que,
em 1998, publicou a “Adaptação Curricular” como uma das estratégias
para os alunos com necessidades educativas especiais ter acesso aos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1998). Nos anos
2000, o material acerca das adaptações curriculares foi publicado em oito
módulos referentes ao programa governamental “Adaptações Curriculares
em Ação”, contemplando orientações específicas para o atendimento de
alunos com altas habilidades/superdotação, deficiência física neuromotora,
deficiência visual e deficiência auditiva. Nele são reforçadas as ações de
reorganizão dos componentes curriculares como condição
imprescindível à inclusão dos estudantes do público alvo da Educação
Especial” (MERCADO & FUMES, 2017, p. 03).
Com essas publicações posteriores a definição dos PCN, era
possível verificar, por parte do governo federal, ações que buscavam
orientar os professores quanto às especificidades da aprendizagem dos
alunos com deficiência. No entanto, o principal dispositivo criado foi a
adaptação curricular, que pela falta de critérios e forma para a supressão e
exclusão de conteúdos e objetivos (OLIVEIRA JUNIOR & SFORNI,
2018) e por se manter centralizado nas ações do professor, de certo modo
o acabava por responsabilizá-lo pelo fracasso ou sucesso dos alunos
(MERCADO & FUMES, 2017).
138
No campo da Educação Especial, o próprio tema do currículo levanta
dúvidas e gera polêmicas, sobretudo tendo em vista que, para muitos,
prevalece uma concepção de currículo diferenciado e com uma
sequência de atividades de vida diária e social ou a redução de conteúdo
disciplinares que marginalizam as diferenças. Para Franco (2000), a
principal crítica diz respeito à almejada neutralidade na concepção de
currículo, propondo estratégias de adequação de conteúdos,
metodologias e avaliação para os estudantes com deficiências. Os
critérios de seriação e hierarquização desses conhecimentos
permanecem inalterados e as “concessões” curriculares feitas aos
estudantes com deficiências passam pela banalização de conceitos, o
esvaziamento de conteúdo epistemológico e a baixa expectativa na
avaliação da aprendizagem, invertendo-se a perspectiva inclusiva e
criando-se a exclusão velada (MERCADO & FUMES, 2017, p. 04).
Diante desses problemas apresentados pelos autores quanto às
políticas de acesso ao currículo para as pessoas com deficiência, a BNCC
não apresenta nenhum dispositivo que assegure a discussão, melhorias e
avanços sobre o assunto, deixando subentendido que as ações de inclusão
desse público serão discutidas e definidas pelas redes de ensino e no Projeto
Político Pedagógico (PPP) das escolas.
Dessa forma, a BNCC, fruto de um processo questionável quanto
ao seu caráter democrático, que teve atendida em primazia as propostas
apresentadas pelos grandes grupos econômicos, de viés privatistas, trata a
Educação Especial como um subsetor da educação, desmerecendo a sua
importância no cenário educacional brasileiro.
Da mesma forma, essa precarização das políticas públicas e o
silenciamento de entidades ligadas a grupos historicamente marginalizados
na definição do documento, pode ser observada na Educação de Jovens e
Adultos, que dada a suas peculiaridades, não é tratada com a devida
importância no âmbito da BNCC. Por se tratar de uma importante
139
referência que deveria fazer parte de qualquer formulação ou revisão
curricular, a EJA merecia ter sido contemplada pelo documento. No
entanto, sequer foi incluída para análises ou discussões nas primeira e
segunda versões do documento (FERREIRA, 2019).
As modalidades de ensino, como a EJA e a Educação Especial, por
estarem integradas às diferentes etapas da Educação Básica, deveriam ser
contempladas na BNCC, assegurando ao longo de sua implementação,
abordagens teóricas e metodológicas pertinentes ao atendimento das
especificidades de cada área. Ao silenciar as vozes que explicitam as
necessidades e a realidade dos alunos jovens e adultos e pessoas com
deficiência, as políticas curriculares que buscam um “avanço”, no que
concerne na definição de componentes curriculares mínimos para todos, é
revestida de retrocessos.
Sendo assim, o apagamento das discussões específicas da EJA como
uma modalidade que por natureza expressa a diversidade na
diversidade, pressupõe que estamos diante de uma base curricular que
torna unitária e homogênea todas as etapas, segmentos e modalidades
de educação e ensino. No caso, desconsiderando as especificidades e
diferenciadas condições curriculares, formativas, metodológicas,
avaliativas da EJA, cabendo [pelo discurso oficial] aos sistemas de
ensino e instituições escolares "adaptarem" o documento às suas
diversas realidades (FERREIRA, 2019, p. 11).
Por se tratar de um documento que define os direitos e objetivos
de aprendizagem para toda a população brasileira, não houve de fato uma
contemplação a contento das especificidades da educação especial, nem
tampouco da Educação de Jovens e Adultos, que mais uma vez se
comprova ser um subsetor no sistema da educação brasileira.
140
A publicação da BNCC, bem como a reforma do Ensino Médio e
demais dispositivos legais que vieram a caracterizar perdas de direitos e
garantias sociais a população brasileira, são medidas que marcam um
período de retrocesso social para o Brasil, no qual o Estado, diante de um
sistema educacional fragilizado por faltas de investimentos, se exime mais
da obrigação de oferecer uma educação gratuita e de qualidade.
Na medida em que o Estado se torna omisso quanto a proteção das
pessoas em situação de maior vulnerabilidade,
[...] revelam-se as organizações da sociedade civil que conduzem novas
formas de atuação nas brechas ou lacunas deixadas pelas políticas
blicas, no caso, de educação. O que não será diferente encontrarmos
casos de estudantes que evadem do ensino regular e encontram nas
instituições da sociedade civil, novas formas de organização que
suprem as fragilidades em suas capacidades diversas, sobretudo, na
preparação para o exame nacional, por exemplo (FERREIRA, 2019, p.
21).
Esse fenômeno crescente das instituições ligadas ao terceiro setor
da economia, não ocorre somente na EJA, mas sobretudo na Educação
Especial, que ao longo de toda a sua história, esteve atrelada às ações
assistencialistas e filantrópicas, que proporcionavam cuidados básicos e a
segregação total do convívio social.
A supressão da Educação Especial da BNCC foi somente o começo
das medidas que buscam fortalecer o setor privado no âmbito da educação.
Esteve em discussão no MEC por um período de dois anos, medidas que
vão ao encontro dos interesses das instituições privadas, de cunho
confessional e filantrópicos, com vistas a “atualizar” a política nacional da
educação especial na perspectiva da educação inclusiva, flexibilizando a
141
matrícula de alunos com deficiência, exclusivamente em classes especiais
ou instituições especializadas.
O início das discussões acerca da flexibilização das matrículas dos
alunos com deficiência se deu ainda no governo de Michel Temer, por
meio da extinta Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (SECADI)
7
, sendo retomada no início do mandato
de Jair Bolsonaro, prevendo a publicação de um decreto em 2020.
Em entrevista à Agência Brasil, em dezembro de 2019, a diretora
de Acessibilidade, Mobilidade, Inclusão e Apoio a Pessoas com Deficiência
do MEC, Nídia Regina Limeira de Sá, classificou as mudanças e essa nova
política como sendo uma flexibilidade para os sistemas educacionais.
[...] o entendemos que a educação para pessoas com deficiência ou
TEA deva passar única e exclusivamente pelas escolas inclusivas
comuns. Essa política oferece a flexibilidade no sentido de os sistemas
se organizarem para poderem oferecer também, como alternativas,
escolas especiais, classes especiais, escolas bilíngues [com aulas em
língua portuguesa e Língua Brasileira de Sinais (Libras)], classes
bilíngues [...]. Você pode conseguir melhores resultados para o público
da educação especial em classes especiais ou escolas especiais. O foco
dessa política estará na singularidade das pessoas, e não no grupo como
um todo [...] (AGÊNCIA BRASIL, 2019, n.p).
A inclinação de uma política educacional voltada para os interesses
das instituições privadas pode levar a Educação Especial para um novo
7
A SECADI foi uma secretaria criada pelo governo Lula, em 2004, sob o objetivo de dar maior atenção
a grupos historicamente excluídos. No entanto, foi desativada um dia após a posse do Presidente Jair
Bolsonaro, destinando as atividades da Educação Especial e da EJA para uma nova subpasta, denominada
de “Modalidades Especializadas”.
142
período de segregação e isolamento social das pessoas com deficiência,
retrocedendo mais de trinta anos de melhorias e avanços na área.
Além da tentativa de modificação na política nacional da Educação
Especial, o governo federal, em um ato de autoritarismo, assinou o decreto
n.º 9.759, em 11 de abril de 2019 (BRASIL, 2019b), com o qual extinguiu
as instâncias colegiadas de participação social junto à Administração
Pública Federal, restringindo a participação democrática da população,
seja na execução, implementação, definição ou avaliação das políticas
públicas. Dentre elas, estava o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa
com Deficiência (CONADE), que mediante uma forte pressão das
entidades representativas das pessoas com deficiência, o tema foi parar no
Supremo Tribunal Federal (STF) que, em junho, votou pela suspensão
parcial desse decreto, obrigando ao governo restituir os conselhos que
foram criados por leis, como é o caso do CONADE (SCHERMA, 2019).
No entanto, os conselhos que foram instituídos por decretos, portarias e
dispositivos “mais frágeis”, permanecem destituídos (G1, 2019).
Ainda em 2019, o Ministério da Economia enviou para o
Congresso Nacional com pedido de tramitação de urgência, o Projeto de
Lei 6.159/2019 (BRASIL, 2019c), o qual dispõe acerca de mudanças na
lei do Auxílio Inclusão e na lei de cotas para as pessoas com deficiência. O
projeto, em termos gerais, busca a aprovação de medidas que vão dificultar
o acesso ao auxílio, bem como ao mercado de trabalho, impactando
negativamente na vida das pessoas com deficiência.
A perversidade desta proposta caracteriza um período obscuro para
a sociedade brasileira que, para atender às demandas e os interesses do
empresariado e do capital financeiro, cortando custos com a força de
trabalho, pode inviabilizar o direito à vida das pessoas com deficiência que,
nos últimos anos, vem sofrendo forte retrocesso em direitos e garantias
duramente conquistados ao longo da história.
143
Nesse sentido, a construção do documento da BNCC marcou o
início do desmonte das políticas públicas, sobretudo na área da educação
que, por travar a décadas um campo de disputa entre o setor privado e
público, vem sendo ocupada cada vez mais por grupos privatistas que,
longe de defender uma escola que assegure o desenvolvimento humano dos
alunos, buscam perpetuar um sistema que os privilegia na manutenção de
seu poder econômico, social e político.
1.10 Algumas considerões
Ao tentarmos elucidar o processo histórico de desenvolvimento das
duas áreas de ensino, a Educação Especial e a Educação de Jovens e
Adultos, pudemos identificar que, apesar de terem seguido por percursos
distintos, carregam consigo traços semelhantes no que concerne nas
reivindicações do direito à educação, bem como em sua implementação e
sua relação de dependência junto ao setor privado, confessional,
comunitário e filantropo.
Trata-se de duas áreas historicamente marginalizadas pelos
sistemas de educação que, em algum momento de sua história, teve maior
ou menor atenção por pare do poder público, mas sem conseguir romper
com o estigma da exclusão, marginalização e assistencialismo.
Foi inegável o avanço que vivenciamos nas últimas duas décadas
com relação a educação das pessoas com deficiência. Ainda mais que, em
nenhum outro momento da história, houve uma mobilização tão intensa,
capaz de envolver todos os níveis e modalidades de ensino para garantir o
direito e o acesso desses alunos à educação formal.
144
Toda essa mobilização, iniciada após o processo de
redemocratização do país, perpassados por longos vinte anos de estagnação
e retrocessos na ditadura militar, marcou um ciclo de fortalecimento do
direito de todos à educação formal, proporcionando às pessoas com
deficiência o direito à matrícula escolar, preferencialmente na rede regular
de ensino.
Ao longo dos anos que seguiram a década de 1990, muitas pessoas
com deficiência, que estiveram à margem das redes de ensino, sejam
isoladas socialmente em suas casas ou em instituições de cunho
filantrópico, religioso e assistencialistas, passaram a ter a oportunidade de
frequentar escolas e espaços educativos para jovens e adultos que, como
vimos nos dados do censo escolar, foi uma expansão de matrícula jamais
observada anteriormente pelo sistema educacional.
No entanto, as políticas públicas que foram implementadas em
prol da inclusão da pessoa com deficiência, as quais foram embasadas nas
diretrizes da ONU, UNESCO e do Banco Mundial, tinham como
objetivo central a manutenção da ordem capitalista neoliberal e do modelo
de produção de acumulação flexível que, apesar de apresentar pautas e
objetivos progressistas, buscavam focar nos grupos marginalizados e
minoritários, políticas com vistas a minimizar o impacto da pobreza e da
desigualdade social e econômica.
Como a Educação Especial, a Educação de Jovens e Adultos e a
educação das demais minorias historicamente excluídas estavam há anos à
margem das políticas educacionais brasileiras, quaisquer que fossem as
medidas que visassem à implementação de direitos e garantias seria um
marco significativo na história da luta por direitos sociais. O nosso estudo
demonstrou que apenas rompemos com as barreiras que impediam o
acesso e o direito à matrícula nas instituições de ensino regular, sem dispor
145
de dispositivos legais que obrigassem o estado a prover as condições
adequadas para a aprendizagem e o desenvolvimento desses sujeitos.
A falta e a carência de investimentos e implementações de políticas
públicas efetivas na melhoria da infraestrutura das instituições, assim como
no Atendimento Educacional Especializado para as pessoas referentes ao
público alvo da Educação Especial, reforça o sentido neoliberal de Estado
mínimo, tornando o serviço público e gratuito precário, para que possa
justificar a crescente privatização em curso na educação brasileira.
Desse modo, diante de uma política nacional inclusiva de baixo
custo, o estado proporciona aos alunos com deficiência, apenas o direito à
convivência junto aos demais, sem que isso seja o suficiente para garantir
a sua plena participação nas atividades de ensino e a aprendizagem do
conteúdo escolar.
As condições precárias às quais esses alunos são submetidos ao
processo de escolarização em escolas regulares, de modo geral, reproduzem
o assistencialismo há décadas aplicados à Educação Especial, com o qual a
escola se torna um espaço preponderantemente de acolhimento social e de
socialização. É necessário, por outro lado, que a escola priorize o ensino e
a aprendizagem do conteúdo escolar, para que as pessoas com deficiência
possam ser incluídas na sociedade em pé de igualdade às demais.
Certamente, dada a condição de vulnerabilidade socioeconômica
de boa parte dos alunos com deficiência, a escola vai sempre ser um espaço
fundamental para a inclusão social, a reabilitação e de suporte assistencial
para esses alunos, mas devemos requerer a garantia do ensino e
aprendizagem como o objetivo principal de qualquer processo de
escolarização.
Devido a omissão do estado em prover as garantias fundamentais
para a uma vida digna para as pessoas com deficiência, a escola pública se
146
torna o principal serviço disponível e de acolhimento para esse público,
provendo em muitas vezes cuidados primordiais para a vida desses sujeitos,
o que dificulta o trabalho pedagógico e a melhoria nas condições de
aprendizagem e de desenvolvimento.
Diante de todos essas contraversões e percalços da escola pública
inclusiva, acreditamos que o primeiro passo em direção do que seja
fundamental para a educação das pessoas com deficiência foi dado e, por
essa razão, devemos lutar pela manutenção do direito do acesso à educação
formal e, ainda mais, pela melhoria das condições de aprendizagem, seja
na Educação de Jovens e Adultos ou na educação daqueles em idade
escolar.
Estamos adentrando em um momento obscuro da nossa história,
marcados pelo agravamento da crise do capital e do aumento do
autoritarismo, que poderão apontar essas fragilidades da escola pública e
gratuita como fruto da incompetência estatal, justificando a privatização e
perdas de direitos e garantias tão duramente conquistadas. Como
demonstramos anteriormente, existem algumas reformas em curso que
poderão retroceder os direitos e garantias fundamentais para as pessoas
com deficiência, dificultando o seu acesso à educação, ao trabalho e à vida
em sociedade.
147
Capítulo 2
A Importância da Tecnologia Assistiva Para a Educão dos
Alunos com Deficiência Visual
A Tecnologia Assistiva tem ganhado a cada ano maior destaque
com relação à sua utilização na educação das pessoas com deficiência que,
em diversas situações, possibilita ao aluno maior funcionalidade e
autonomia, garantindo maior acesso à participação de atividades em sala
de aula, bem como o favorecimento da aprendizagem do conteúdo escolar.
Por se tratar de uma gama de recursos e serviços, a TA tem
possibilitado aos profissionais da Educação, maiores opções de adaptações
pedagógicas e diversificação da organização do ensino ao público alvo da
Educação Especial. A inserção de TA no âmbito da escola amplia as
capacidades funcionais da pessoa com deficiência, possibilitando a ela
maior autonomia e independência quanto ao cotidiano da escola e a sua
participação social.
Em se tratando da deficiência visual, podemos encontrar um vasto
número de recursos e materiais que possibilitam desde a ampliação da
capacidade visual por meio de lupas e vídeo ampliadores até a
diversificação do acesso a objetos estritamente visuais, seja por sintetizador
de voz ou diferentes materiais táteis.
Em muitos espaços sociais e situações de educação oportunizadas
por professores de diferentes áreas do conhecimento, utilizam-se do aporte
148
visual para amparar e sustentar suas atividades, práticas e informações
relevantes. Isso, sem dúvidas, provoca a desigualdade e a exclusão daqueles
que pouco ou nada enxergam. Para evitar essas práticas, faz-se necessário
recorrer a diferentes adaptações no meio físico e na estrutura das atividades
de ensino.
O emprego de TA nesse contexto, possibilita aos profissionais da
educação uma gama maior de adaptação, que oportuniza as pessoas com
deficiência visual maior participação e mais igualdade de condições em
garantir sua aprendizagem e participação social.
Diante desse cenário de potencial educacional disposto nos
recursos de Tecnologia Assistiva, procuraremos investigar como o Estado
brasileiro tem tratado esse tema em seus dispositivos legais, bem como
analisar qual a importância da Tecnologia Assistiva para a educação das
pessoas com deficiência visual e o seu papel na promoção de condições
adequadas de aprendizagem no cotidiano de uma sala de aula.
Para contextualizar o processo de inserção da Tecnologia Assistiva
no âmbito escolar, realizamos, em um primeiro momento, uma pesquisa
em documentos oficiais e bibliografia específica com relação ao marco legal
e conceitual da Tecnologia Assistiva, consultando produções acadêmicas
no Brasil e exterior, bem como a legislação que ampara e regulamenta a
promoção do acesso a recursos e serviços por parte das pessoas com
deficiência.
Em um segundo momento, abordamos a possibilidade do emprego
da TA no âmbito da Educação Especial e a disponibilidade de recursos e
dispositivos que possam favorecer a participação, independência e
autonomia dos estudantes com deficiência em sala de aula.
149
2.1 Marco legal e conceitual da Tecnologia Assistiva
O termo Tecnologia Assistiva tem sido empregado para a
designação daqueles recursos e serviços que potencializam a capacidade de
autonomia, independência e funcionalidade das pessoas com deficiência.
No entanto, ao longo do desenvolvimento de seu marco conceitual,
diferentes terminologias e entendimentos semânticos foram atribuídos aos
dispositivos que auxiliam no processo de inserção social daqueles que
apresentam qualquer tipo de transtorno no desenvolvimento físico,
sensorial ou intelectual.
A primeira vez que o termo Tecnologia Assistiva foi utilizado, de
acordo com Bersch (2017), foi nos Estados Unidos da América (EUA),
mediante a Public Law100-407 de 1988, que dispõe sobre os recursos
tecnológicos relacionados à assistência das pessoas com deficiência. Esta
legislação compõe, juntamente com outras, o American with Disabilities
Act (ADA), a qual regulamenta os direitos das pessoas com deficiência e o
investimento público do governo dos EUA em promoção do acesso e
desenvolvimento de recursos tecnológicos.
Nessa perspectiva, o documento traz em sua terceira seção, a
definição dos termos: 1) Assistive Technology Device (Recursos de
Tecnologia Assistiva), que se refere a qualquer item, peça de equipamento
ou produto e sistema, adquirido comercialmente, modificado ou
personalizado, que podem ser utilizados para aumentar, manter ou
melhorar as capacidades funcionais de indivíduos com deficiência; 2)
Assistive Technology Service (Serviços de Tecnologia Assistiva) o qual
significa qualquer serviço que auxilia diretamente um indivíduo com
deficiência na seleção, aquisição ou uso de um dispositivo de Tecnologia
Assistiva (EUA, 1988).
150
Dessa forma, a terminologia e o conceito de Tecnologia Assistiva
aparecem para referenciar recursos que possam garantir às pessoas com
deficiência maior controle sobre suas vidas e, consequentemente, maior
participação nas atividades de lazer, estudo e trabalho, possibilitando um
relacionamento em igualdade de condições e oportunidade com as demais
pessoas.
Embora essa terminologia seja remetida ao final dos anos de 1980,
os recursos tecnológicos são utilizados para a assistência das pessoas com
deficiência há centenas de anos. Segundo Galvão Filho (2009) pelo
emprego do termo Tecnologia Assistiva, também podemos reconhecer os
recursos que foram utilizados por nossos ancestrais, como por exemplo, a
improvisação de um pedaço de pau como auxílio para mobilidade.
Da mesma forma, Manzini (2005) destaca que as TA estão muito
próximas do dia-a-dia das pessoas. Segundo o autor, "Ora eles nos causam
impacto devido à tecnologia que apresentam, ora passam quase
despercebidos" (MANZINI, 2005, p. 82). Os recursos que podem ser
classificados como de TA se caracterizam desde um simples objeto comum
do cotidiano das pessoas, como lupas óticas, cadeiras de roda, andadores
até mesmo recursos extremamente tecnológicos como computadores,
lupas eletrônicas e softwares de diversas naturezas para acessibilidade de
pessoas com deficiência.
Embora, o termo Tecnologia Assistiva tenha surgido primeiro nos
EUA, o Brasil já se referia a esses recursos e serviços como Ajudas Técnicas,
Tecnologia de apoio, Tecnologia adaptativa e Adaptações, que segundo
Bersch e Shirmer (2005), podem ser entendidos como sinônimos ao termo
apresentado nas legislações dos EUA.
151
Por Ajuda Técnica, o termo mais utilizado na legislação brasileira,
pode ser compreendido, de acordo com o Decreto n.º 3298 de 20 de
novembro de 1999, como
[...] os elementos que permitem compensar uma ou mais limitações
funcionais motoras, sensoriais ou mentais da pessoa portadora de
deficiência, com o objetivo de permitir-lhe superar as barreiras da
comunicação e da mobilidade e de possibilitar sua plena inclusão social
(BRASIL, 1999, n.p).
Como parte da política nacional de integração da pessoa com
deficiência, esse decreto classifica como recursos de ajudas técnicas:
I - próteses auditivas, visuais e físicas;
II - órteses que favoreçam a adequação funcional;
III - equipamentos e elementos necessários à terapia e reabilitação da
pessoa portadora de deficiência;
IV - equipamentos, maquinarias e utensílios de trabalho especialmente
desenhados ou adaptados para uso por pessoa portadora de deficiência;
V - elementos de mobilidade, cuidado e higiene pessoal necessários
para facilitar a autonomia e a segurança da pessoa portadora de
deficiência;
VI - elementos especiais para facilitar a comunicação, a informação e a
sinalização para pessoa portadora de deficiência;
VII - equipamentos e material pedagógico especial para educação,
capacitação e recreação da pessoa portadora de deficiência;
VIII - adaptações ambientais e outras que garantam o acesso, a
melhoria funcional e a autonomia pessoal; e
IX - bolsas coletoras para os portadores de ostomia (BRASIL, 1999,
n.p).
152
O conceito de Ajudas Técnicas foi inserido no contexto das
políticas públicas brasileiras como um referencial para os recursos e serviços
destinados à promoção da inclusão social das pessoas com deficiência,
visando em compensar ou superar as barreiras impostas pelo meio
ambiente e social. De certo modo, há uma aproximação ao conceito de TA
contido na legislação dos EUA, tanto que podemos identificar no Decreto
N.º 5.296 de 02 de Dezembro de 2004, em seu 61º artigo, uma adequação
do conceito de Ajudas Técnicas, em que há uma ênfase mais
especificamente dada aos recursos e às adaptações tecnológicas. Segundo o
documento, Ajudas Técnicas são
[...] os produtos, instrumentos, equipamentos ou tecnologia
adaptados ou especialmente projetados para melhorar a
funcionalidade da pessoa portadora de deficiência ou com
mobilidade reduzida, favorecendo a autonomia pessoal, total ou
assistida (BRASIL, 2004, n.p).
Ainda no ano de 2004, pela primeira vez o termo Tecnologia
Assistiva foi empregado em um documento oficial no Brasil. Trata-se da
publicação da Norma Brasileira - NBR 9050 da Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT), que dispõe sobre a acessibilidade a edificações,
mobiliário, espaços e equipamentos urbanos.
Nesse documento, a definição de TA é apresentada como o
"Conjunto de técnicas, aparelhos, instrumentos, produtos e
procedimentos que visam auxiliar a mobilidade, percepção e utilização do
meio ambiente e dos elementos por pessoas com deficiência" (ABNT,
2004, p. 4).
153
Em 2006 a Secretaria Especial de Direitos Humanos da
Presidência da República instituiu, por meio da Portaria 142, o Comitê de
Ajudas Técnicas (CAT) como uma ação em prol da acessibilidade,
equiparação de oportunidades e inclusão das pessoas com deficiência.
Esse comitê teve como principais responsabilidades a elaboração de
um plano de ação, a proposição de políticas governamentais e parcerias
entre a sociedade civil e órgãos públicos referentes à área, a estruturação
das diretrizes da área de conhecimento e a identificação dos centros de
referências e recursos humanos que atuam na área, fomentando a formação
de pessoal e o desenvolvimento de estudos e pesquisas relacionados com o
tema (BRASIL, 2006).
Durante dois anos de trabalho e efetivo estudo e pesquisa em
relação ao tema, o CAT, em reunião no mês de agosto de 2007, aprovou
a utilização do termo Tecnologia Assistiva como o mais adequado para
referenciar o conceito acerca do tema. Mediante uma pesquisa realizada
com documentos nacionais e internacionais, concluíram que os termos
Ajudas Técnicas e Tecnologias de Apoio, no idioma português, podem dar
outro sentido ao conceito em questão, mas que Tecnologia Assistiva é um
termo único empregado para essa finalidade (BRASIL, 2009b).
Dessa forma, no dia 14 de Dezembro de 2007, o CAT aprovou o
seguinte conceito:
Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica
interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias,
estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a
funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com
deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua
autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social
(CORDE/SEDH, 2007 apud BRASIL, 2009b, p. 26).
154
Nesse sentido, o conceito de TA adotado pelo CAT passa a ser
referência, tanto para os trabalhos internos do próprio comitê, como para
os instrumentos legais e as produções acadêmicas referentes à área.
Também podemos observar nesse conceito apresentado, uma
abrangência maior em relação às definições dispostas na legislação
brasileira, que entendia essa área do conhecimento como os recursos e os
serviços potencialmente favoráveis a compensação da deficiência e a
redução de barreiras impostas pelo meio, com o objetivo de ampliar a
participação social da pessoa com deficiência e mobilidade reduzida.
Com a adequação do conceito, podemos compreender que a TA
pode ser considerada uma área do conhecimento, que é interdisciplinar e
pode englobar produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e
serviços que contribuem para a funcionalidade da pessoa com deficiência
ou mobilidade reduzida, promovendo maior autonomia, independência e
qualidade de vida.
A partir da definição desse conceito, a legislação brasileira, tanto
passou a adotar a terminologia Tecnologia Assistiva em todos os seus
documentos legais, como também a definição conceitual proposta pelo
CAT. Isso pode ser verificado no Decreto N.º 6.949 de 25 de Agosto de
2009, no Decreto N.º 7.612 de 17 de Novembro de 2011 e na Lei N.º
13.146 de 06 de Julho de 2015, a qual instituiu o Estatuto da Pessoa com
Deficiência.
O Decreto N.º 6.949/2009, referente à promulgação do texto da
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e
seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de
2007, estabelece o acesso e o incentivo à produção de novas TA,
"Facilitando às pessoas com deficiência o acesso a tecnologias assistivas,
dispositivos e ajudas técnicas de qualidade, e formas de assistência humana
155
ou animal e de mediadores, inclusive tornando-os disponíveis a custo
acessível" (BRASIL, 2009b, s/p)
Da mesma forma, o Decreto N.º 7.612/2011, que instituiu o
Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Plano Viver sem
Limite), procura reafirmar o direito da pessoa com deficiência ao acesso e
a aquisição de TA. Esse Decreto também instituiu o Comitê
Interministerial de Tecnologia Assistiva, que teve como objetivo a
formulação, a articulação e a implementação de "[...] políticas, programas
e ações para o fomento ao acesso, desenvolvimento e inovação em
Tecnologia Assistiva" (BRASIL, 2011b, n.p).
Mediante a concepção interdisciplinar da TA, esse comitê
interministerial, coordenado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação, conta também com a participação da Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República, Ministério da Fazenda, Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior, Ministério da Educação e Ministério da
Saúde.
Todo esse movimento crescente que ocorreu em torno das políticas
públicas em prol da TA, contribuiu inestimavelmente para o avanço dessa
área no Brasil, que passou a ocupar um espaço significativo no que tange
ao tema da Inclusão social e, sobretudo, nas possibilidades de Educação
Inclusiva.
Como decorrência das atividades desse comitê interministerial,
assim como do Comitê de Ajudas Técnicas, corroboraram para o
desenvolvimento de políticas públicas de acesso e produção de TA, tanto
que na Lei Brasileira de Inclusão, o tema ganhou um capítulo do qual
podemos destacar o artigo 74, que garante “[...] à pessoa com deficiência
acesso a produtos, recursos, estratégias, práticas, processos, métodos e
156
serviços de Tecnologia Assistiva que maximizem sua autonomia,
mobilidade pessoal e qualidade de vida” (BRASIL, 2015 s/p).
De acordo com esse dispositivo legal, fica garantido o acesso da
pessoa com deficiência a TA. No entanto, a legislação não obriga o poder
público à disponibilização de TA a todas as pessoas com deficiência.
O papel do Estado na promoção do acesso a TA, se configura nos
incisos do artigo 75, que define a incumbência de produzir um plano de
medidas que deve ser renovado a cada 04 (quatro) anos, com o objetivo
de:
I - facilitar o acesso a crédito especializado, inclusive com oferta de
linhas de crédito subsidiadas, específicas para aquisição de Tecnologia
Assistiva;
II - agilizar, simplificar e priorizar procedimentos de importação de
Tecnologia Assistiva, especialmente as questões atinentes a
procedimentos alfandegários e sanitários;
III - criar mecanismos de fomento à pesquisa e à produção nacional de
Tecnologia Assistiva, inclusive por meio de concessão de linhas de
crédito subsidiado e de parcerias com institutos de pesquisa oficiais;
IV - eliminar ou reduzir a tributação da cadeia produtiva e de
importação de Tecnologia Assistiva;
V - facilitar e agilizar o processo de inclusão de novos recursos de
Tecnologia Assistiva no rol de produtos distribuídos no âmbito do SUS
e por outros órgãos governamentais (BRASIL, 2015, n.p).
Com a exceção do inciso V, contido nesse artigo, os demais
impõem o papel do poder público como um facilitador do acesso da pessoa
com deficiência a TA, providenciando linha de crédito e isenções fiscais na
aquisição desses recursos, o que exclui ou dificulta parte da população que
157
não tem condições financeiras de arcar com os custos de produtos ou
serviços essenciais para o processo de inclusão e participação social.
Diante desse cenário de políticas públicas referentes à promoção da
Tecnologia Assistiva, podemos considerar um avanço significativo em
relação aos delineamentos das diretrizes conceituais da área, bem como de
sua incorporação na legislação e documentos oficiais. Também há uma
preocupação do Estado quanto ao incentivo às produções nacionais de TA,
que evidentemente amplia as possibilidades de acesso por parte das pessoas
com deficiência.
De fato, é preciso considerar que
O uso da TA passa por metamorfoses nas esferas cultural e pedagógica,
pautadas nas novas formas de lidar com as debilidades sociais e com o
conhecimento, produzido em escala geométrica. Isso conduz a uma
mudança da própria natureza da instrumentalidade, reconstruída sob
o ponto de vista da arte, do respeito e do direito à convivência
comunitária. Nessa esteira, temos presenciado uma reconfiguração do
caráter compensatório da TA contida no início do século XX para
potencializador de vínculos sociais dos sujeitos com impedimentos de
exercitar plenamente seu direito a dignidade, respeito, liberdade de
expressão, educação, convívio social (CONTE et al., 2017, p. 11).
Diante do grande avanço científico e tecnológico das últimas
décadas, os recursos de Tecnologia Assistiva têm se tornado imprescindível
para a vida das pessoas com deficiência, sobretudo para o desenvolvimento
de atividades como a educação, o trabalho e a sua participação ativa na
sociedade. Devemos pensar nesses recursos não somente como um
mecanismo de auxílio ou de compensação para algum tipo de limitação,
mas como uma forma de potencializar a capacidade da pessoa de aprender,
158
desenvolver-se e tornar-se uma pessoa ativa na estrutura das relações
sociais.
2.2 Tecnologia Assistiva e o processo de Educão das pessoas com
deficiência Visual
A Tecnologia Assistiva, por se tratar de uma área interdisciplinar
do conhecimento, detém um papel fundamental no âmbito da Educação
Especial, justamente por possibilitar a participação das pessoas com
deficiência em diferentes atividades e espaços de ensino e, sobretudo, ao
longo do processo de aprendizagem do conteúdo escolar.
A Tecnologia Assistiva constitui-se por recursos e serviços que estão
inseridos em todas as atividades da vida da pessoa com deficiência e, por
isso, não são desenvolvidos exclusivamente para o apoio educacional.
Muitas vezes, o recurso contribui em diferentes atividades da vida social
das pessoas com deficiência, sobretudo, com o objetivo de promover maior
funcionalidade, independência e autonomia.
Esses recursos tecnológicos facilitadores da aprendizagem, de
acordo com Alves (2017), têm cada vez mais chamado a atenção dos alunos
e de toda a sociedade, uma vez que
Estamos inseridos numa sociedade em que uma parcela da população
participa ativamente da globalização, assim como de toda integração e
inovação que a mesma proporciona. As instituições escolares e os
sujeitos que nela atuam devêm envolver os recursos tecnológicos nos
seus cotidianos. Essas ferramentas propiciam a inclusão daqueles que
por algum motivo não conseguem acompanhar certas atividades ou as
fazem com dificuldades (Ibidem, p. 99).
159
As tecnologias educacionais empregadas pelos professores em sala
de aula com vistas a potencializar a aprendizagem dos alunos, em sua
essência, não se configuram em Tecnologia Assistiva por somente estarem
presente no âmbito escolar.
Para Bersch (2007, p. 31, grifos do autor) "O serviço de
Tecnologia Assistiva na escola é aquele que buscará resolver os problemas
funcionais do aluno, no espaço da escola, encontrando alternativas para
que ele participe e atue positivamente nas várias atividades neste contexto".
Nessa perspectiva, a TA tem uma função que se diferencia de
outras tecnologias empregadas no âmbito da Educação. Enquanto o
objetivo da tecnologia educacional está centrado na organização didática
de uma aula ou no favorecimento da aprendizagem, a TA, por sua vez,
destinada ao aluno com deficiência, busca
[...] romper barreiras sensoriais, motoras ou cognitivas que
limitam/impedem seu acesso às informações ou limitam/impedem o
registro e expressão sobre os conhecimentos adquiridos por ele; quando
favorecem seu acesso e participação ativa e autônoma em projetos
pedagógicos; quando possibilitam a manipulação de objetos de
estudos; quando percebemos que sem este recurso tecnológico a
participação ativa do aluno no desafio de aprendizagem seria restrito
ou inexistente (BERSCH, 2017, p. 12).
Galvão Filho (2013, p. 40) também sustenta que
A relação entre TA e educação pode ser inferida pela maior capacidade
e predisposição para o aprendizado que os recursos de acessibilidade da
TA conferem ao estudante com deficiência, na medida em que a TA
lhe possibilita ou facilita interagir, relacionar-se e atuar em seu meio
160
com recursos mais poderosos, proporcionados pelas adaptações de
acessibilidade de que dispõe. Por meio dos recursos de TA esse
estudante poderá, então, dar passos maiores em direção à eliminação
das barreiras (motoras, visuais, auditivas e/ou de comunicação) para
esse aprendizado e a eliminação dos preconceitos, como consequência
do respeito conquistado com a convivência, aumentando sua
autoestima, porque passa a poder explicitar melhor seu potencial e seus
pensamentos (GALVÃO FILHO, 2013, p. 40).
Nesse sentido, a utilização da TA no âmbito da educação, não é
apenas um recurso que auxilia no processo de ensino e aprendizagem, mas
aquilo que torna possível a aprendizagem do aluno com deficiência.
Dentre esses recursos de TA podemos classificá-los como de baixa
tecnologia, como por exemplo, a bengala, a reglete, as lupas ópticas, o
sorobã e dentre outros materiais adaptados com recursos de baixo custo; e
como de alta tecnologia, como sintetizadores de voz, softwares de
acessibilidade ao computador, Vídeo Ampliadores, Impressora Braille e
dentre outros aparatos eletrônicos (BRUMMEL-SMITH &
DANGIOLO, 2009).
As TA de baixa tecnologia é o que compõe a maior parte dos
recursos disponíveis nas salas de recursos multifuncionais para alunos com
deficiência visual na escola (BRASIL, 2010), uma vez que são
desenvolvidas para diversas situações particulares e específicas de ensino.
No caso das disciplinas de Ciências e Matemática, existem muitos recursos
e adaptações que podem contribuir com a aprendizagem dos alunos.
A seguir destacamos alguns recursos que foram desenvolvidos com
baixa tecnologia e, por sua vez, são de baixo custo:
161
QUADRO 5 - RECURSOS DE BAIXA TECNOLOGIA
Recursos de baixa tecnologia
Recurso
Definição
Finalidade
Figura 1 – Reglete e Punção
Fonte: Civiam, 2019.
É uma prancha para a
escrita Braille em
diversos modelos e
formatos, que
geralmente é feita de
alumínio ou plástico
(TILLMANN;
POTTMEIER, 2014).
Foi criada por Louis
Braille no século
XVIII e substituem o
lápis e o papel para a
escrita Braille pela
pessoa cega
(KARNAL, 2010).
Figura 2 – Sorobã
Fonte: Instituto Paranaense de
cegos, 2019.
É um ábaco japonês
trazido ao Brasil no
século XX e passou a
ser adotado na
educação das pessoas
com cegueira
(BERNARDO, 2015)
É utilizado pelos cegos
para o registro de
cálculos e organização
do raciocínio e
operações matemáticas
(BERNARDO, 2015).
Figura 3 – Lupas Ópticas
Fonte: Ampla visão, 2019.
É um auxílio óptico de
curta distância, que
dispõe de diversos
formatos como a lupa
manual, de régua, de
apoio e etc.
É utilizado pelos
alunos com baixa visão
para a leitura e
visualização de textos,
imagens e objetos, seja
no formato impresso
ou registrados no
caderno.
162
Figura 4 – Telelupa ou Luneta
Fonte: Dados do Pesquisador
É um auxílio óptico de
longa distância, que
podem ser monocular
ou binocular.
É utilizado na escola
para possibilitar o
aluno com baixa visão
a ler o quadro e
visualizar recursos de
mídia como aparelho
de televisão, projetor e
outros.
Fonte: Dados do Pesquisador
Boa parte desses recursos, disponibilizados pelas salas de recursos
multifuncionais, são frequentemente encontrados em salas de aula, visto
que podem ser empregados em diversas atividades. Mas, podemos ainda
acrescentar a essa lista incontáveis recursos concretos adaptados para o
ensino de diversos conteúdos de diferentes disciplinas.
No caso da matemática, por exemplo, o professor Rubens
Ferronato desenvolveu em sua pesquisa de mestrado o recurso
denominado de multiplano, composto por “[...] uma placa perfurada de
linhas e colunas perpendiculares, onde os furos são equidistantes"
(FERRONATO, 2002, p. 58), que por meio de pinos e elástico possibilita
aos estudantes com cegueira melhor percepção concreta da matemática,
seja em cálculos simples até a representação gráfica de equações e funções
complexas.
163
FIGURA 5 - MULTIPLANO
Fonte: Multiplano, 2019.
Estudos como o de Camargo (2012) também dispõem de uma
ampla gama de materiais concretos e maquetes para a viabilização da
aprendizagem de Física pelo aluno com deficiência visual. Em suas
pesquisas, o autor desenvolveu atividades de ensino que envolviam o
conteúdo de física e alunos com deficiência visual, procurando identificar
as necessidades de aprendizagem e o conjunto de saberes docentes
necessário para um melhor processo de inclusão desses sujeitos. Dentre as
suas contribuições, encontram-se a confecção de maquetes
tridimensionais, tátil-visual e tátil-auditiva, como forma de ilustrações de
conceitos e conteúdos dessa área do conhecimento.
164
Fonte: Camargo, 2012.
Esses recursos são classificados como de baixa tecnologia de acordo
com Galvão Filho (2009). Embora em seu processo de produção não se
tenha grandes sofisticações e sistemas informatizados, podem, em grande
medida, contribuir na vida diária das pessoas com deficiência. Muitas
soluções para as dificuldades e necessidades apresentadas por alunos, em
sala de aula, podem ser supridas por soluções simples e, consequentemente,
de baixo-custo.
A inserção desses recursos no cotidiano da escola, de acordo com o
Decreto Presidencial n.º 7.612/2011, se dá por meio da sala de recurso
multifuncional, que por meio do Atendimento Educacional Especializado,
o aluno com deficiência visual passa a ter contato, tanto com recursos de
baixa tecnologia, como de alta tecnologia. Este espaço é importante para o
aluno, uma vez que se trata, em muitos casos, do primeiro contato com
esse tipo de recurso e serviço (ALVES, 2017).
De acordo com o Manual de Orientação do Programa de
Implantação de Sala de Recursos Multifuncionais, há um mínimo
necessário de Tecnologia Assistiva e mobiliário para se constituir uma sala
FIGURA 6 - MAQUETETIL-VISUAL DE REPRESENTAÇÃO DE CARGAS
ELÉTRICAS POSITIVA E NEGATIVA E A INTERAÇÃO ENTRE SUAS LINHAS
DE FOA.
165
desse tipo, bem como a oferta do AEE no contraturno da classe comum
da rede regular.
Com base na Política Nacional da Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva, o Programa de Implantação da sala de
recursos multifuncionais, autorizado pela Portaria Ministerial
MEC/SEESP n° 13/2007, apresenta os seguintes objetivos:
• Apoiar a organização da educação especial na perspectiva da educação
inclusiva;
• Assegurar o pleno acesso dos alunos público alvo da educação especial
no ensino regular em igualdade de condições com os demais alunos;
• Disponibilizar recursos pedagógicos e de acessibilidade às escolas
regulares da rede pública de ensino;
• Promover o desenvolvimento profissional e a participação da
comunidade escolar (BRASIL, 2010, p. 09).
Como tentativa de garantir as mesmas condições de aprendizagem
para todos os alunos público-alvo da Educação Especial em classes comuns
da rede regular, o programa das salas de recursos, aparece como um suporte
material para subsidiar as atividades de ensino e a melhor participação do
estudante com deficiência em seu processo de aprendizagem.
Porém, não são todas as escolas que apresentam esse tipo de
atendimento, uma vez que há uma série de critérios a serem cumpridos e
definidos pelas secretarias de educação. Para a efetiva implantação de uma
sala de recursos multifuncionais é necessário que:
166
• A secretaria de educação a qual se vincula a escola deve ter elaborado
o Plano de Ações Articuladas - PAR, registrando as demandas do
sistema de ensino com base no diagnóstico da realidade educacional;
• A escola indicada deve ser da rede pública de ensino regular,
conforme registro no Censo Escolar MEC/INEP (escola comum);
• A escola de ensino regular deve ter matrícula de aluno(s) público alvo
da educação especial em classe comum, registrado(s) no Censo
Escolar/INEP, para a implantação da sala Tipo I;
• A escola de ensino regular deve ter matrícula de aluno(s) cego(s) em
classe comum, registrado(s) no Censo Escolar/INEP, para a
implantação da sala de Tipo II;
• A escola deve ter disponibilidade de espaço físico para o
funcionamento da sala e professor para atuação no AEE (BRASIL,
2010, p. 10).
Conforme as demandas de cada secretaria da educação, as salas de
recursos apresentam duas configurações diferentes: a sala de tipo I e de tipo
II. Para a instalação da sala de tipo I, é requisito a existência na escola da
matrícula de alunos com deficiência, transtornos globais de
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Com relação à sala de
tipo II, equipada com recursos para alunos com deficiência visual, requer
a matrícula de alunos com cegueira. No quadro a seguir apresentaremos os
equipamentos, mobiliários e materiais didáticos pedagógicos mínimos em
salas de recursos multifuncionais.
167
QUADRO 6 - ESPECIFICAÇÃO DOS ITENS DA SALA TIPO I
Equipamentos
Materiais Didático/Pedagógico
02 Microcomputadores
01 Material Dourado
01 Laptop
01 Esquema Corporal
01 Estabilizador
01 Bandinha Rítmica
01 Scanner
01 Memória de Numerais l
01 Impressora laser
01 Tapete Alfabético Encaixado
01 Teclado com colmeia
01 Software Comunicação Alternativa
01 Acionador de pressão
01 Sacolão Criativo Monta Tudo
01 Mouse com entrada para acionador
01 Quebra Cabeças - sequência lógica
01 Lupa eletrônica
01 Dominó de Associação de Idéias
Mobiliários
01 Dominó de Frases
01 Mesa redonda
01 Dominó de Animais em Libras
04 Cadeiras
01 Dominó de Frutas em Libras
01 Mesa para impressora
01 Dominó tátil
01 Armário
01 Alfabeto Braille
01 Quadro branco
01 Kit de lupas manuais
02 Mesas para computador
01 Plano inclinado - suporte para leitura
02 Cadeiras
01 Memória Tátil
Fonte: BRASIL, 2010.
Com relação à sala de tipo II, somam-se todos os recursos da sala
de tipo I e mais os itens para alunos com deficiência visual elencados no
quadro 7.
QUADRO 7 - ESPECIFICAÇÃO DOS ITENS DA SALA TIPO II
Equipamentos e Matérias Didático/Pedagógico
01 Impressora Braille - pequeno porte
01 Máquina de datilografia Braille
01 Reglete de Mesa
01 Punção
01 Sorobã
01 Guia de Assinatura
01 Kit de Desenho Geométrico
01 Calculadora Sonora
Fonte: BRASIL, 2010.
168
Para que a educação inclusiva possa ser efetivada no âmbito da rede
regular de ensino, conforme está disposto no Decreto n.º 7.611/2011, a
união tem a obrigação de apoiar técnica e financeiramente a rede regular
de ensino dispondo de:
I - aprimoramento do atendimento educacional especializado já
ofertado; II - implantação de salas de recursos multifuncionais; III -
formação continuada de professores, inclusive para o desenvolvimento
da educação bilíngue para estudantes surdos ou com deficiência
auditiva e do ensino do Braile para estudantes cegos ou com baixa
visão; IV - formação de gestores, educadores e demais profissionais da
escola para a educação na perspectiva da educação inclusiva,
particularmente na aprendizagem, na participação e na criação de
nculos interpessoais; V - adequação arquitetônica de prédios escolares
para acessibilidade; VI - elaboração, produção e distribuição de
recursos educacionais para a acessibilidade; e VII - estruturação de
núcleos de acessibilidade nas instituições federais de educação superior
(BRASIL, 2011a, n.p).
Diante do excerto retirado da legislação que embasa o Plano
Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, bem
como a estruturação e diretrizes da implantação das salas de recursos
multifuncionais nas escolas públicas, é possível vislumbrar uma educação
que, em certa medida, favoreça a inclusão e a aprendizagem dos alunos
com deficiência visual. No entanto, conforme já expomos no capítulo
anterior, sobretudo nos trabalhos de Kassar (2011) e Oliveira Junior
(2014), na prática o AEE se mostra incapaz de garantir uma igualdade nas
condições de aprendizagem das pessoas com deficiência visual, uma vez
que a falta de recursos, profissionais e tempo de atendimento não são
suficientes.
169
Diante das diretrizes para a implantação da sala de recursos
multifuncionais, são poucas as escolas que são aptas a receber os recursos
de TA para fornecer apoio técnico aos alunos com deficiência visual. Com
o aumento crescente de matrículas de alunos com deficiência na rede
regular de ensino, aumenta-se a demanda e espera-se que o poder público
seja o principal fornecedor das tecnologias, sobretudo aquela de alto custo,
inacessível a maioria dos alunos.
Com o desenvolvimento acelerado da informatização, os
equipamentos tecnológicos voltados a atender às necessidades das pessoas
com deficiência visual têm se tornado cada vez mais sofisticados e, caso
sejam empregados no âmbito educacional, podem potencializar
significativamente a aprendizagem.
Esses tipos de recursos, os quais podemos classificar como de alta
tecnologia, apresentam um alto custo financeiro de aquisição e, portanto,
não são facilmente acessíveis a todas as pessoas com deficiência. Conforme
ilustramos no quadro 7 alguns desses recursos estão presentes na sala de
recurso de tipo II, mas quando realizamos o levantamento da
disponibilidade de novos recursos no mercado, constatamos que os
investimentos em recursos tecnológicos para o AEE ainda são muito
incipientes.
Para compreendermos a dimensão dessa precariedade, elencamos a
seguir (quadro 8) os recursos de alta tecnologia que encontramos
disponíveis nas principais lojas virtuais de tecnologia assistiva para pessoas
com deficiência.
170
QUADRO 8 - RECURSOS DE ALTA TECNOLOGIA
RECURSOS DE ALTA TECNOLOGIA
RECURSOS
DEFINÃO
Figura 7 – Máquina de Datilografia Braille
Fonte: Instituto Paranaense de cegos,
2019.
É um dispositivo mecânico que
possibilita a escrita em Braille em uma
velocidade maior que a reglete,
possibilitando ao aluno maior
capacidade de registro em Braille em
uma sala de aula. Conforme o manual
para instalações das classes de recurso
multifuncionais (BRASIL, 2010), a
máquina Braille faz parte dos recursos
da sala de tipo II. O custo de aquisição
desse equipamento para pessoas físicas
varia aproximadamente entre 3 e 6
salários mínimos nacionais
(LARATEC, 2019), (CIVIAM, 2019).
Figura 8 – Máquina Braille Elétrica
Fonte: Civiam, 2019
Essa máquina Braille fornece o retorno
áudio e visual, possibilitando a
autonomia da pessoa com cegueira ou
que esteja perdendo a visão a aprender
o Braille. Com esse recurso, pessoas que
não dominam a escrita Braille, seja os
professores da sala de aula comum,
colegas e os pais do estudante podem
auxiliá-lo com as suas atividades de
estudos. A aquisição desse recurso para
pessoas físicas custa aproximadamente
12 salários mínimos nacionais
(CIVIAM, 2019).
171
Figura 9 – Impressora Braille
Fonte: Laratec, 2019
É um dispositivo que possibilita a
impressão de material em Braille e,
sobretudo, a conversão de textos
digitalizados ou digitados em caracteres
do Braille, ampliando o acesso das
pessoas com deficiência visual à leitura.
Esse recurso, que pode ser encontrado
em salas de recursos multifuncionais de
tipo II, também pode ser utilizado por
professores para converter e imprimir
atividades em Braille, tornando a
aprendizagem mais acessível. O seu
custo de aquisição para pessoas físicas
varia entre 13 a 99 salários mínimos
nacional, variando de pequeno a grande
porte e com diferentes funcionalidades
(LARATEC, 2019).
Figura 10 - Scanner comum com Reconhecimento Óptico de Caracteres (OCR)
Fonte: HP develpmentcompany, 2019.
Faz a digitalização de textos impressos
ou escritos em qualquer tipo de
plataforma, o que possibilita a leitura
por intermédio de sintetizadores de
vozes, seja em computadores, Tablets,
smartphones ou outros dispositivos
eletrônicos. Esse tipo de dispositivo faz
parte dos recursos mínimos para uma
sala de recurso multifuncional de tipo I.
O custo de sua aquisição inicia em
torno de 4 salários mínimos
172
Figura 11 - Impressora térmica/fusora
Fonte: Ampla visão, 2019.
Possibilita a impressão de materiais em
alto-relevo, produzindo materiais táteis
aos quais podem ampliar a capacidade
de aprendizagem das pessoas com
deficiência visual. Basta criar ou
imprimir qualquer diagrama, formas
geométricas e mapas, que
automaticamente se tornam acessíveis a
pessoa com cegueira. A ausência desse
tipo de dispositivo em escolas e salas de
recursos multifuncionais exige muito
mais tempo e esforço da equipe
pedagógica em adaptar materiais em
alto-relevo. O custo de aquisição desse
recurso para pessoas físicas está em
torno de 8 salários mínimos nacionais
(LARATEC, 2019), (AMPLA VISÃO,
2019).
Figura 12 - Impressoras 3D e softwares de modelagem 3D
Fonte: Makerbot Store, 2019.
É um recurso, quando empregado na
educação, possibilita a produção de
materiais didáticos táteis, facilitando o
trabalho do professor na adaptação de
materiais ou criação de TA, como
também proporciona aos próprios
estudantes o desenvolvimento de
produtos e objetos tridimensionais. A
implicação disso na Educação Especial
pode ser conferida no trabalho de
Buehler et al. (2016), em que além de
contribuir com a deficiência visual pode
também favorecer a aprendizagem de
alunos com deficiência física e/ou
intelectual, por meio do engajamento
173
na criação de produtos 3D
personalizados e de baixo custo.
Infelizmente esse recurso é pouco
explorado pelos profissionais da
Educação Especial no Brasil, carecendo
inclusive de pesquisas e implicações em
processos educativos. O custo de
aquisição desse recurso, ao
considerarmos o equipamento ilustrado
na figura 4, aproxima-se a 18 salários
mínimos nacionais. No entanto, soma-
se a esse valor o alto custo dos materiais
para a criação dos modelos
tridimensionais (MAKERBOT, 2019).
Figura 13 -
Logotipo do software NVDA
Sintetizadores de voz, leitores e
ampliadores de tela virtual
Fonte: Imagens do Google, 2019.
São ferramentas indispensáveis para a
inclusão digital e acesso à informação e,
em diversas situações, contribuir para a
participação e a aprendizagem dos
alunos em sala de aula. Presente nas
salas de recurso multifuncionais de tipo
I, esses softwares podem auxiliar a
utilização de computadores, tablets e
smartphones que comumente são
utilizados em processos educativos.
Dentre os leitores de tela mais
populares no Brasil estão o NonVisual
Desktop Access (NVDA)
8
e o
8
NVDA é um software de open source (código aberto) criado em 2006 por Michael Curran, com
contribuições de James Teh met, com o objetivo de viabilizar o acesso a computadores por pessoas cegas
e com deficiência visual ao redor do mundo. Diante do fato dos softwares leitores de tela custarem mais
caro que os computadores, os jovens cegos australianos e programadores fundaram a NV Access,
organização sem fins lucrativos, que mediante doações e contribuições de inúmeras regiões do planeta,
conseguiram desenvolver e disponibilizar gratuitamente um excelente software em 43 idiomas e utilizado
em mais de 120 países (NV ACCESS, 2019).
174
DOSVOX
9
, os quais estão disponíveis
gratuitamente para baixar na internet.
Quanto aos dispositivos móveis,
destacam-se o Talkback, disponível pelo
sistema Android, e o VoiceOver,
aplicativo exclusivo do sistema iOS da
empresa Apple.
Figura 14 - Imagens de Tecnologias da Informação e Comunicação
Computadores, Tablets, smartphones e
demais Tecnologias da Informação e
Comunicação
Fonte: AINTEC/UEL, 2019.
São recursos tecnológicos que
comumente são utilizados na escola
com fins didáticos e favorecedores do
ensino, mas a depender da forma que
são utilizados pelo aluno com
deficiência visual em sala de aula,
podem ser classificados como recursos
de TA, sobretudo no favorecimento da
funcionalidade e na capacidade de
possibilitar o acesso a participão e ao
currículo e conteúdo escolar.
Figura 15 - Lupa eletrônica/vídeo Ampliador
São equipamentos portáteis ou fixos de
mesa, geralmente conectados a um
monitor próprio, de TV ou de
computador, possibilitando as pessoas
com baixa visão a ampliação próxima
e/ou a distância (a depender do
equipamento). Devido ao custo alto de
aquisição desse recurso no Brasil, é
pouco comum encontrá-los disponíveis
nas casas dos alunos ou em classes
comuns da Educação Básica. Esses
recursos podem auxiliar os alunos com
9
DOSVOX foi criado em 1993 pelo Núcleo de Computação Eletrônico da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ) e, de forma gratuita, atende uma grande quantidade de cegos com suporte e
disponibilização do software que permite acessibilidade ao computador e navegação na internet.
175
o registro a caneta, a leitura da lousa, de
textos impressos, de livros, de gráficos,
de tabelas, bem como a visualização de
imagens, paisagens e qualquer que seja
o objeto próximo ou a distância,
ampliando a sua capacidade visual e
acesso aos diversos fenômenos sensíveis
a visão. O seu custo de aquisição, para
pessoas físicas, varia entre 10 a 15
salários mínimos nacional (LARATEC,
2019); (AMPLA VISÃO, 2019).
Figura 16 - Lupa eletrônica do tipo mouse
Fonte: Laratec, 2019.
É o tipo de lupa eletrônica mais
encontrada em salas de recursos
multifuncionais de tipo I, a qual pode ser
conectada a um aparelho de TV ou
computador, capaz de ampliar
significativamente o tamanho de letras em
papeis impresso, possibilitando a leitura
por pessoas com baixa visão. Esse é o
equipamento mais popular relacionado às
lupas eletrônicas e vídeos ampliadores,
uma vez que seu custo, para pessoas
físicas, está em torno de meio salário
mínimo nacional (LARATEC, 2019).
Figura 17 - Lupa eletrônica Portátil
Fonte: Laratec, 2019.
Este é um recurso portátil, do tamanho
de um smartphone, que permite a pessoa
com deficiência visual levá-lo consigo a
todo e qualquer lugar, seja para a
visualização de objetos próximos ou a
distância, bem como escrever e ler textos
impressos. Decorrente da variedade de
modelos e funcionalidades, o seu custo de
aquisição varia entre 1 (um) à 9 salários
mínimos nacional (LARATEC, 2019).
176
Figura 18 - Leitores de Livros digitais
Fonte: Laratec, 2019.
Esse é um recurso que possibilita, por
meio de sintetizador de voz, a leitura de
livros digitais de extensões como Daisy,
txt, PDF, Docx e entre outros. Seu
custo, para pessoas físicas varia entre 1
(um) e 2 (dois) salários mínimos
nacionais (LARATEC, 2019).
Figura 19 - Digitalizador e leitor autônomo
Fonte: Laratec, 2019.
Esse dispositivo possibilita e facilita a
digitalização e leitura instantânea de
textos impressos. Ao colocar o livro
diante da câmera do leitor, o recurso faz
a digitalização e inicia a leitura
instantaneamente. Quando conectado
ao computador, é possível utilizá-lo
como vídeo ampliador e visualizar a
leitura do documento pelo sintetizador
de voz. O custo de aquisição desse tipo
de recurso varia entre 5 (cinco) e 13
salários mínimos nacionais
(LARATEC, 2019).
Figura 20 - Digitalizador, ampliador e leitor autônomo portátil
Fonte: Tecassistiva, 2019.
Este recurso possibilita a leitura de
material impresso, tanto pelo vídeo
ampliador, como pelo sistema OCR,
que ao capturar a imagem do texto,
converte em caracteres editáveis e, desse
modo, permite a leitura pelo
sintetizador de voz instantaneamente.
Com esse dispositivo eletrônico, a
pessoa baixa visão conseguirá digitalizar
e ler letras brilhosas de revista, letras
177
minúsculas de bula, frascos e garrafas
redondas e embalagem de produtos. O
custo para aquisição desse recurso no
Brasil está em torno de 10 salários
mínimos nacionais (AMPLA VISÃO,
2019).
Figura 21 - Display Braille/Linha Braille
Fonte: Laratec, 2019.
Esse é um recurso essencial para a
pessoa com surdo-cegueira acessar o
computador. Conectado a saída de um
dispositivo da computação, o
dispositivo traduz em múltiplas celas
Braille todos os caracteres de texto da
tela, permitindo acesso e maior controle
sobre a ortografia e a leitura de textos
digitais. Quando conectado a um leitor
autônomo, como o exemplo ilustrado
na figura 12, é possível, em sincronia ao
sintetizador de voz, a exibição em
Braille de livros, textos, revistas e
jornais impressos à tinta. O custo de
aquisição para pessoas físicas desse
dispositivo varia entre 9 a 34 salários
mínimos a depender da quantidade de
celas Braille e outras funcionalidades
(LARATEC, 2019).
178
Figura 22Mesa tátil
Fonte: Tecassistiva, 2019.
A mesa tátil é uma das ferramentas
pedagógicas essenciais para o estudante
com deficiência visual aprender formas
e gráficos. Ela permite a identificação e
reconhecimento de diagramas por
intermédio do tato, áudio e da visão.
Essa mesa tátil de elevada precisão,
sensível ao toque para o
reconhecimento e identificação de
formas em relevo possibilita o estudante
obter retorno em áudio, bem como
pelo zoom do texto e formas na tela. O
custo de aquisição desse produto para
pessoas físicas está em torno de 8
salários mínimos nacionais (MUNDO
DA LUPA, 2019).
Figura 23Dispositivo OrCam
Fonte: Mais Autonomia, 2019.
OrCam My eyes é um dispositivo
inovador que, por meio de uma câmera
inteligente e intuitiva acoplada a uma
armação de óculos, fotografa textos
impressos, placas de rua, dinheiro e
qualquer outro objeto com letras,
transformando imediatamente em
áudio nos idiomas Português, Inglês e
Espanhol. Há a possibilidade também
deste recurso ser utilizado para o
reconhecimento facial de pessoas, cores
e rótulos de produtos com código de
barras. Dessa forma, dada a facilidade
de utilização e comodidade, este
dispositivo pode auxiliar as atividades
de pessoas cegas ou com baixa visão,
179
lhes dando maior autonomia em seu
cotidiano. Nos últimos anos a
Prefeitura de São Paulo e Salvador
BA têm buscado implementar esse
dispositivo em bibliotecas públicas,
ampliando o acesso das pessoas com
deficiência visual a leitura. O custo de
aquisição desse recurso, considerando
suas versões 1.0 e 2.0, variam de 9 a 17
salários mínimos nacional (MAIS
AUTONOMIA, 2019).
Fonte: Dados do Autor
Quando uma pessoa com deficiência visual tem acesso a esses
equipamentos de Tecnologia Assistiva, suas capacidades de autonomia,
funcionalidade e independência ampliam significativamente, uma vez que
são recursos que tem o potencial de minimizar ou até remover barreiras
impostas pelos padrões de “normalidade” da organização social.
No entanto, podemos identificar uma barreira ainda maior no
acesso a esse tipo de recurso que, por serem de alto custo, não são
facilmente encontrados nas casas das pessoas com deficiência e nas
instituições de atendimento especializado.
As políticas educacionais brasileiras que, nos últimos anos têm
propalado uma educação inclusiva e de condições iguais para todos, pouco
tem investido na aquisição desses recursos, muito menos implementado
alternativas viáveis de fornecer e distribuir equipamentos de alta tecnologia
para as pessoas com deficiência. Quando a legislação dispõe de
prerrogativas na direção do acesso a TA, conforme os recursos da sala de
recursos multifuncionais, é possível verificar que, na maioria, são recursos
180
de baixa tecnologia e de baixo custo, eximindo o poder público de prover
as melhores condições para o processo inclusivo.
Apesar da lei brasileira de inclusão das pessoas com deficiência
(BRASIL, 2015) apresentar prerrogativas que asseguram o acesso das
pessoas com deficiência a produtos e recursos de TA, conforme
apresentamos anteriormente, não há nenhum programa de implementação
dessas políticas, impedindo as pessoas economicamente desfavorecidas de
adquirirem recursos que contribuiriam na diminuição da segregação social.
A única medida implementada pelo poder público com relação a
aquisição desses recursos de alto custo foi a Lei nº 12.613
10
, sancionada
pela presidente Dilma Rousseff em 18 de abril de 2012, que concede
subvenção a instituições financeiras, com vistas a subsidiar os juros de
financiamentos de produtos de Tecnologia Assistiva a pessoas com
deficiência, cuja renda não ultrapasse dez salários mínimos (BRASIL,
2012).
Esse tipo de política econômica, alinhada ao neoliberalismo, busca
incentivar o consumo, subsidiando créditos para que as pessoas de “baixa
renda” possam consumir produtos aos quais não teriam condições
financeiras. Ao invés do governo criar políticas de distribuições de recursos
ou eliminação da carga tributária
11
para as pessoas com deficiência, as
10
Com base na Lei n.º 12.613/2012 foi publicado em 24 de outubro de 2012 a Portaria interministerial
n.º 362, reafirmando as diretrizes para a subvenção de créditos às instituições financeiras, bem como o
rol de bens e serviços de Tecnologia Assistiva qualificados aos tomadores de créditos. Ao verificarmos a
lista disposta com os recursos de Tecnologia Assistiva aptos para o financiamento, notamos a ausência
das TIC convencionais como o computador, o notebook, o tablet e smartphone, aos quais, a depender do
modo que a pessoa com deficiência as utiliza, acreditamos serem produtos de Tecnologia Assistiva.
11
Uma proposta que concede isenção tributária do imposto sobre importações e o Imposto Sobre
Produtos Industrializados (IPI) sobre os recursos de Tecnologia Assistiva foi submetido à Câmara, em
2018, pelo Deputado Federal Lindomar Garçon (PRB/RO
), obtendo a aprovação em 05/12/2018 na
Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CPD). No entanto, esse foi arquivado em
31/01/2019, interrompendo a tramitação sem perspectiva de previsão de retorno às discussões no
plenário.
181
prerrogativas dessa lei visam transferir dinheiro público para a manutenção
dos altos juros cobrados pelas instituições financeiras.
O incentivo e as formas de “assegurar” o acesso das pessoas com
deficiência à Tecnologia Assistiva, não ocorre pela disponibilização de
recursos e nem pela diminuição da carga tributária, que somados aos
impostos incididos ao comércio desses recursos, ainda há o tributo de
importação que, diante do poder de compra do salário mínimo brasileiro,
se torna inacessível.
Desse modo, a pessoa com deficiência, que tem nesse tipo de
tecnologia a possibilidade de poder estudar, trabalhar e se desenvolver, se
depara na situação de ter que pagar muito caro pelos produtos, enquanto
a lógica perversa da lucratividade das instituições financeiras se vê
privilegiada e favorecida pelo incentivo financeiro concedido pelo estado.
São nessas contradições que podemos identificar a lógica nefasta
do modelo econômico neoliberal, que ao ofertar uma educação inclusiva
para todos, não se responsabiliza quanto ao provimento das condições
adequadas de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes.
Como pudemos conferir nos documentos multilaterais da
UNESCO e da ONU, seja em prol da educação ou dos direitos das pessoas
com deficiência, há uma incorporação de idéias progressista e de
atendimento aos anseios dos grupos minoritários. No entanto, conforme
os estudos de Kuenzer (2005), há uma contradição direta com a lógica do
modo de produção capitalista, sobretudo quando nos deparamos com a
convergência de interesses entre o poder público e o mercado financeiro,
com a qual os direitos sociais deverão estar submetidos.
Nesse sentido, dentro do modo de produção capitalista, não é
estranho que diante de um alto desenvolvimento tecnológico, com o qual
se pode melhorar significativamente a qualidade de vida e de educação das
182
pessoas com deficiência, as pessoas estejam alheias a esses tipos de
equipamentos tão importantes para o cotidiano de suas vidas.
2.3 Algumas Considerações sobre as políticas de desenvolvimento e de
acesso à TA no Brasil
O emprego de Tecnologia Assistiva no contexto da educação,
embora já aconteça há anos, ainda demanda muitos estudos e pesquisas
com relação ao desenvolvimento e produção de novos recursos, como
também da exploração e implicações de novas tecnologias no âmbito da
sala de aula, com as quais torna possível a aprendizagem de estudantes com
deficiência.
Em relação às políticas públicas de desenvolvimento e de acesso à
TA no Brasil, constatamos por um lado, um avanço no que tange a
legislação e a preocupação do poder público com a definição conceitual e
a importância do tema na vida e na educação das pessoas com deficiência.
Existem alguns dispositivos legais que estimulam o desenvolvimento de
tecnologia na área, como também facilitam o acesso a linhas de créditos e
importações de produtos. Em contrapartida, por outro lado, as políticas de
acesso a TA mostram-se incipientes quanto ao papel do poder público de
suprir a demanda de TA por meio de financiamento público e verbas para
recursos no âmbito educacional.
A partir desse avanço da TA, por meio de políticas públicas no
Brasil, a escola passa a ter alternativas de ampliar suas condições para o
atendimento às pessoas com deficiência visual, que necessariamente
dependem de adaptações nos materiais didáticos e pedagógicos.
183
Existem inúmeras alternativas de recursos de baixa e de alta
tecnologia, que em grande medida podem contribuir para diminuir as
dificuldades dos estudantes com deficiência visual em sala de aula. Para
isso, demanda-se de grandes investimentos do poder público e muitos
estudos que vão ao encontro da implicação e do emprego dos recursos de
TA no âmbito da educação. Quanto maior o acesso e a utilização adequada
de Tecnologia Assistiva, maior a capacidade funcional, de autonomia e de
independência o aluno terá para conduzir o seu processo de aprendizagem
e desenvolvimento.
Assim, consideramos que os recursos de Tecnologia Assistiva, no
caso da deficiência visual, são elementos fundamentais para a garantia do
acesso a educação e ao conteúdo escolar. Por conseguinte, a tecnologia
posta a serviço da melhoria da condição de vida de toda a sociedade deve
estar presente em todos os espaços de atuação da pessoa com deficiência,
até mesmo como um princípio de igualdade de condições e oportunidades,
uma vez que permite condições favoráveis para o advento de novas
perspectivas sociais de interação mediante processos de sensibilização,
inclusão e reconhecimento social.
No próximo capítulo desse trabalho, buscaremos compreender o
conceito de deficiência visual, no âmbito da Teoria Histórico-cultural,
perspectiva com a qual procuraremos estabelecer posteriormente uma
relação entre o emprego da Tecnologia Assistiva e o processo de
desenvolvimento e aprendizagem conceitual das pessoas com cegueira ou
com baixa visão.
185
Capítulo 3
O Desenvolvimento Psíquico das Pessoas com Deficiência
Visual e as Contribuições da Teoria Histórico-Cultural
Nos últimos anos, cada vez mais as pessoas com deficiência têm
buscado o seu espaço e participação social, independentemente de suas
condições físicas, sensoriais, psicológicas e cognitivas. No campo
científico, muitos paradigmas quanto à conceituação das pessoas com
deficiência foram superados no que tange à suas capacidades de
desenvolvimento e superação das barreiras impostas pela sociedade.
Para compreendermos esse processo de superação e
desenvolvimento da pessoa com deficiência, é necessário respaldarmos
nossa fundamentação teórica na perspectiva da Teoria Histórico-cultural,
sobretudo nos estudos e pesquisas realizadas por Vigotski e Leontiev acerca
do desenvolvimento humano, os quais diferentemente de outros
referenciais teóricos, embasaram seus estudos no Materialismo Histórico e
Dialético, cujas premissas embasam a formação e constituição humana não
pela determinação biológica ou natural, mas predominantemente pelas
condições sociais, históricas e materiais.
Neste capítulo, realizaremos uma discussão e reflexão teórica acerca
da concepção e conceituação de deficiência na teoria histórico-cultural,
enfatizando os estudos sobre cegueira e defectologia realizados por
Vigotski, procurando estabelecer uma relação entre o processo de
186
compensação social da pessoa com deficiência e o desenvolvimento do
psiquismo humano com base na teoria da atividade encontrada nos estudos
de Leontiev.
Procuraremos também identificar a importância dos recursos de
Tecnologia Assistiva no processo de ensino e aprendizagem de conceitos
científicos, buscando elementos teóricos nas pesquisas de Davidov e
Galperin, para que possamos elucidar a contribuições do emprego de TA
ao longo desse processo.
Acreditamos que, boa parte do que tem sido discutido sobre o
desenvolvimento e o processo de superação das pessoas com deficiência
visual na atualidade, está em convergência aos pressupostos da Teoria
Histórico-cultural. É importante destacarmos que, ao estabelecer as forças
motrizes do desenvolvimento humano, esse referencial teórico abre todo
um campo investigativo para traçar maneiras e formas de assegurar o
desenvolvimento e a aprendizagem das pessoas com deficiência visual.
3.1 A defectologia na Teoria Histórico-Cultural
Os primeiros estudos de Vigotski quanto ao tema da defectologia
e o processo de desenvolvimento das pessoas com deficiência foram
influenciados diretamente pelo complexo cenário revolucionário entre o
período de 1917 até o final da década de 1920.
Nessa ocasião, a Rússia despontou como um país capaz de
capitanear o ideal revolucionário do proletariado, combinando os
interesses antagônicos entre uma classe operária emergente e um
campesinato recém emancipado e interessado na consolidação da
propriedade privada.
187
Para Tuleski (2008, p. 74),
A Rússia do final do século XIX se explica pelo anacronismo de suas
instituições e classes sociais. O grito de ordem da Internacional
Comunista de unir o operariado em um movimento comum não
deixou de ser ouvido pelo incipiente e pouco organizado movimento
operário russo dos centros marcadamente industriais. No entanto, a
necessidade de se buscarem melhores condições de existência era
sentida com muita intensidade pela população campesina que, liberta
dos laços servis, era expropriada de forma violenta pelos latifundiários.
Esta combinação de descontentamentos acabou por conduzir à
Revolução de 1917, sob a liderança do proletariado enquanto classe
politicamente organizada (TULESKI, 2008, p. 74).
A combinação de interesses divergentes refletia de um lado, o
operariado que buscava a socialização dos meios de produção e da
propriedade privada, ao mesmo tempo em que os camponeses,
expropriados fortemente pelos latifundiários, buscavam o direito à posse
de propriedades privadas.
Dessa forma, com a revolução de 1917, começam a desencadear os
problemas que nortearam os estudos de Vigotski que, além da pobreza e
inúmeras problemáticas sociais herdadas das guerras civis, o embate
ideológico e a luta de classe entre grupos antagônicos, “[...] não desaparece
com a abolição da propriedade privada dos meios de produção, ela
metamorfoseia-se em cada etapa da construção do socialismo russo”
(TULESKI, 2008, p. 77).
O período pós-revolução da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS) foi marcado por uma sociedade que estava em
reconstrução, que diante das sequelas deixadas pela guerra imperialista e a
188
guerra civil, apresentava um sério problema econômico, taxas altas de
analfabetismo e milhares de crianças em estado de vulnerabilidade e com
deficiência (BARROCO, 2007).
Diante dessa situação precária, somado a necessidade de preparar
uma formação educacional para um novo “homem” em uma sociedade
comunista, Vigotski desenvolveu sua teoria e concepções para uma nova
psicologia marxista, procurando investigar o desenvolvimento humano
com base no contexto educacional e nas diferentes deficiências presentes
naquele momento histórico. Desde o início de suas pesquisas
experimentais, o campo da Defectologia
12
foi um importante laboratório
para o desenvolvimento dos principais conceitos relacionados à teoria
histórico-cultural (BARROCO, 2007).
Para Gindis (1995), o envolvimento de Vigotski com o estudo da
Defectologia foi crucial para que ele se interessasse pela psicologia e as
investigações acerca do desenvolvimento humano. O autor ainda enfatiza,
que a Defectologia foi o principal objeto empírico que possibilitou a
Vigotski obter os dados que deram suporte aos conceitos teóricos, uma vez
que “[...] considerou a Defectologia como um enorme laboratório natural,
onde as leis psicológicas gerais eram descobertas com base em várias
anomalias” (GINDIS, 1995, n.p, tradução nossa).
A Defectologia, de acordo com Vygotski (1997) é um ramo da
ciência que busca investigar a variação qualitativa do desenvolvimento das
pessoas com deficiência, definindo os objetivos teóricos e práticos a serem
enfrentados pela área do conhecimento e as escolas especializadas.
12
O termo Defectologia conforme foi traduzido do Russo дефектология (defektologuia) remete ao
início do século XX e será mantido no decorrer desse texto pelo fato de estar relacionado à obra de
Vigotski e suas produções científicas. No entanto, entendemos a equivalência desse termo com “Educação
Especial”. Da mesma forma, os termos: “anormal”, “anomalia”, “defeito” e outros associados às
deficiências nesse período, estarão no texto em citações.
189
No processo de delimitação da área do conhecimento e de
investigação da defectologia, Vigotski mantém uma insistência em superar
a perspectiva da “velha defectologia” que, baseadas em concepções
quantitativas do desenvolvimento, apontam as causas da deficiência
sensorial ou física, como uma decorrência biológica e naturalista.
Para Tuleski (2008, p. 81), ao longo da produção científica de
Vigotski é possível notar sua contundência e insistência em superar os
referenciais teóricos da “velha psicologia”,
[...] postulando uma “nova psicologia” que fosse capaz de eliminar a
dicotomia entre corpo e mente e realizar a síntese. Esta dicotomia foi
historicamente o pomo da discórdia entre as teorias psicológicas,
justificando sua classificação entre idealistas e materialistas. Vygotski
parece perseguir o objetivo de superá-la, trazendo para a Psicologia o
método proposto por Marx e Engels e construindo a ponte que
eliminaria a cisão entre a matéria e o espírito (TULESKI, 2008, p. 81).
Da mesma forma, no campo da defectologia, Vygotski (1997)
confronta a noção de que a deficiência é uma limitação puramente
quantitativa do desenvolvimento, criticando “[...] os métodos
paidológicos
13
de estudo das crianças em geral e com deficiência, que
acabavam participando de um esquema único pautado na idéia de “mais e
menos”, sem a descrição qualitativa do desenvolvimento” (BARROCO,
2007, p. 217).
13
De acordo com Barroco (2007), o termo paidologia se originou do grego: paido (criança) e logos
(ciência) e refere-se ao estudo do desenvolvimento infantil. No final do século XIX e início do século XX,
seus preceitos teóricos tornaram-se uma tendência no contexto da pedagogia burguesa ocidental,
sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra.
190
Vygotski (1997) destaca que essa visão aritmética da deficiência é
um traço típico da “velha defectologia” e que a “nova defectologia” deve
romper com essas ideias quantitativas associadas à teoria do preformismo
paidológico, “[...] segundo a qual, o desenvolvimento intrauterino se reduz
a um crescimento e aumento quantitativo das funções orgânicas e
psicológicas (Ibidem, p. 12, tradução nossa).
O autor ainda destaca que
A defectologia está realizando agora um trabalho similar ao qual a
Pedagogia e a psicologia infantil realizaram em sua época, quando
ambas defenderam a tese: a criança não é um adulto pequeno. A
defectologia está lutando agora pela tese básica, cuja defesa é a única
garantia de sua existência enquanto ciência, precisamente a tese que
diz: a criança cujo desenvolvimento está complicado pelo defeito não
é simplesmente uma criança menos desenvolvida que seus coetâneos
normais, mas desenvolvidos de outra maneira (Ibidem, p. 12, tradução
nossa).
Dessa forma, as concepções quantitativas de deficiência, que
embasavam os testes de inteligência de nível de desenvolvimento, calcados
por avaliações médicas e de caráter puramente biológicas, passaram a ser
confrontadas, abrindo um novo campo investigativo para a defectologia, o
qual tem na educação, seu principal sítio investigativo.
Nessa perspectiva, os preceitos teóricos de Vigotski passam a
desempenhar um importante caminho em defesa da educação especial,
uma vez que desloca o enfoque epistemológico da defectologia da
deficiência ou insuficiência orgânica e passa para o campo social e da
educação.
191
Com base nessa nova abordagem metodológica de pesquisa, a qual
priorizava a diversidade qualitativa do desenvolvimento e sua implicação
no meio social, Vygotski (1997) passou a defender possibilidades de
aprendizagem e desenvolvimento onde somente se via o defeito e a
limitação ocasionada pela insuficiência orgânica.
O ponto crucial para essa mudança na perspectiva do
entendimento da educação das pessoas com deficiência se deu no
rompimento do aprisionamento biológico da psicologia, na qual se
consolidou a ideia de uma psicologia histórica e humana, na qual o social
e o cultural, mediada pelos signos, passaram a sustentar a teoria do
desenvolvimento humano de Vigotski.
Para Vigotski (2011, p. 864),
A cultura também é produto da vida em sociedade e da atividade social
do homem e, por isso, a própria colocação do problema do
desenvolvimento cultural já nos introduz diretamente no plano social
do desenvolvimento. Além disso, seria possível apontar para o fato de
que o signo localizado fora do organismo, assim como o instrumento,
está separado do indivíduo e consiste, em essência, num órgão da
sociedade ou num meio social. Ademais, poderíamos dizer que todas
as funções superiores formaram-se não na biologia nem na história da
filogênese pura - esse mecanismo, que se encontra na base das funções
psíquicas superiores, tem sua matriz no social. Poderíamos indicar o
resultado fundamental a que nos conduz a história do desenvolvimento
cultural da criança como a sociogênese das formas superiores de
comportamento (VYGOSKY, 2011, p. 864).
A tese central da investigação de Vygotski (2000), com relação ao
desenvolvimento das funções psicológicas superiores, encontra-se na
capacidade humana de tornar aquilo que é social em individual e, por sua
192
vez, aquilo que é interpsíquico em intrapsíquico. Eis, então, a importância
do signo e dos instrumentos construídos socialmente e historicamente para
o desenvolvimento das faculdades humanas.
Ao colocar em destaque a gênese social das funções superiores, Vigotski
(1995) conduziu sua análise em direção ao conceito de interiorização,
isto é, ao processo que transmuta formações externas em internas e, no
centro desse processo, destacou o emprego dos signos. Com essa
proposição, o autor rompeu decisivamente com as concepções
naturalizantes acerca do desenvolvimento psíquico (MARTINS &
RABATINI, 2011).
Essa concepção social do desenvolvimento possibilitou o
delineamento de um novo rumo para a psicologia, pedagogia e educação
das pessoas com deficiência, uma vez que o rompimento do caráter natural
do desenvolvimento, o signo, principal mediador da linguagem,
constituiu-se na base para o estudo do desenvolvimento de todas as
especificidades e capacidades humanas.
De acordo com Vigotski (2011), quando uma pessoa apresenta um
agravante ocasionado por uma deficiência na organização psicofisiológica,
de imediato surge uma discrepância entre as linhas de desenvolvimento
natural e cultural. Na ótica do desenvolvimento natural, uma pessoa com
cegueira jamais poderá dominar a escrita, assim como uma pessoa com
surdez jamais poderá falar. Contudo, a educação proporciona, pela ótica
do desenvolvimento cultural, criar técnicas artificiais e culturais, baseadas
em um sistema adaptado com signos e símbolos especiais, de modo a
atender as peculiaridades de determinada organização psicofisiológica.
Dessa forma, podemos elencar o desenvolvimento do sistema
Braille que permite a utilização do tato para a realização da leitura e da
193
escrita pela pessoa com cegueira, bem como o desenvolvimento de
alfabetos manuais que permitem a pessoa com surdez se comunicar.
Esses caminhos alternativos especialmente construídos para o
desenvolvimento cultural da criança cega e da surda-muda, a língua
escrita e falada especialmente criada para elas são extremamente
importantes na história do desenvolvimento cultural em dois aspectos.
Os cegos e os surdos-mudos são como um experimento natural que
demonstra que o desenvolvimento cultural do comportamento não se
relaciona, necessariamente, com essa ou aquela função orgânica. A fala
não está obrigatoriamente ligada ao aparelho fonador; ela pode ser
realizada em outro sistema de signos, assim como a escrita pode ser
transferida do caminho visual para o tátil (VIGOTSKI, 2011, p. 868).
Essa discrepância entre as duas linhas de desenvolvimento na
pessoa com deficiência se torna mais nítida, uma vez que, privada das vias
diretas para a percepção do mundo, a única maneira se dá por caminhos
indiretos, colaterais e criados por meio de adaptações que sejam acessíveis
a diferentes organizações psicofisiológicas.
Por essa razão, podemos situar os postulados sobre defectologia de
Vigotski como uma teoria em defesa do atendimento especializado às
pessoas com deficiência, uma vez que desloca da deficiência para a
sociedade a carga negativa da complicação no decurso do desenvolvimento.
É necessário que se combata e se enfrente o modo como a sociedade e a
estrutura das relações sociais se organizam, de modo a atender as
necessidades e variações qualitativas do desenvolvimento, com vistas a
viabilizar a inclusão e a participação social.
Nesse sentido, é preciso que haja um entendimento por parte das
políticas públicas e educacionais de que a pessoa com deficiência não pode
194
ser considerada menos desenvolvida ou impedida de se desenvolver com
alegações voltadas para a sua complicação biológica ou insuficiência
orgânica. Ela, por outro lado, possui todas as condições de se desenvolver
como todos os seus pares sem deficiência. Contudo, isso se dará de
maneiras e formas diferenciadas.
Os fatores que são determinantes para o desenvolvimento dos seres
humanos não se encontram em sua determinação biológica, mas nas
relações sociais mediadas pelos signos construídos socialmente e
historicamente.
Nesse sentido, os parâmetros negativos da deficiência, relacionados
a insuficiência orgânica e valorizados pela velha defectologia, de acordo
com Vygotski (1997), não impossibilitam uma pessoa com deficiência de
alcançar o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, uma vez
que a chave para se chegar ao desenvolvimento encontra-se na cultura
material e nos signos, os quais foram produzidos socialmente ao longo da
história humana. Por essa razão, os postulados da defectologia vigotskiana
sustentam-se em parâmetros qualitativos do desenvolvimento,
consolidando um caráter positivo, teórico e prático com relação às
complicações ocasionadas pela deficiência.
Por um lado, há uma concepção mais positiva da deficiência, visto
que, no âmbito científico, é possível criar maneiras diversificadas para a
promoção do desenvolvimento da pessoa com deficiência. Por outro, há
uma elucidação teórica e prática quanto ao objeto a ser estudado pela
defectologia, o qual não se encontra na deficiência ou insuficiência
orgânica.
O objeto central da defectologia, de acordo com Vygotski (1997),
não pode centrar-se na deficiência, nos enfermos ou nas limitações
causadas pela insuficiência orgânica, como a ausência visual para a pessoa
195
com cegueira ou a incapacidade de ouvir para a pessoa surda e dentre
outras. A limitação seja ela manifestada sensorialmente, fisicamente ou
intelectualmente, é considerada um fator biológico posto, o qual deve ser
objeto de estudo da medicina ou das ciências biológicas que, por sua vez,
investigam as complicações do organismo.
O foco central da defectologia Vigotskiana deve estar centrada nos
fatores sociais que, em decorrência da deficiência, apresentam
complicações para o desenvolvimento das pessoas. Desse modo, é
importante destacarmos que há um deslocamento do olhar investigativo,
que a priori se encontrava no sujeito e na deficiência, mas a partir dos
preceitos teóricos de Vigotski, foi direcionado para a sociedade e para as
barreiras que dificultam o acesso pelas pessoas com deficiência ao convívio,
participação e interação social.
Vygotski (1997, p. 73) apresenta uma breve síntese com relação às
complicações sociais da deficiência quando diz que:
Qualquer insuficiência física - seja a cegueira, a surdez ou a deficiência
mental congênita - não só modifica a relação do homem com o mundo,
mas, sobretudo, se manifesta nas relações com as pessoas. O defeito
orgânico se realiza como anormalidade social da conduta. Inclusive no
seio da família, a criança cega e a surda são, sobretudo, uma criança
especial, surge para eles uma atitude excepcional, inabitual, que não é
a mesma que para os outros filhos. Sua complicação muda, em
primeiro lugar, a posição social no lar. E isto se manifesta, não só nas
famílias onde olham para essa criança como uma carga pesada e um
castigo, mas também naquelas onde rodeiam o filho cego de um
carinho redobrado, de uma prestação e uma ternura descomplicada
(VYGOTSKY, 1997, p. 73, tradução nossa).
196
As complicações no processo de desenvolvimento das pessoas com
deficiência estão relacionadas diretamente com o meio social, uma vez que
a limitação biológica ocasiona modificações peculiares na forma como a
pessoa se relaciona com o mundo que a cerca. Essas são as particularidades
psicofisiológicas das pessoas com deficiência, as quais são as premissas
científicas básicas do novo sistema investigativo para a defectologia.
Para a criança cega ou surda, a cegueira ou a surdez é um estado de
normalidade, e essa deficiência é sentida só indiretamente,
secundariamente como resultado de sua experiência social refletida em
si mesma. [...] É preciso assimilar a ideia de que a cegueira e a surdez
não implicam nada mais que a falta de uma das vias para a formação
dos vínculos condicionados com o meio ambiente. Esses órgãos, quer
dizer, os olhos e os ouvidos, chamados em fisiologia de receptores ou
de analisadores, e em psicologia de órgãos de percepção ou de sentidos
externos, percebem e analisam os elementos externos do meio,
decompondo a realidade em suas partes singulares, em estimulações
separadas com as quais se vinculam nossas reações úteis. Tudo isso
serve para a adaptação, quanto o possível, precisa e sutil do organismo
ao ambiente (VYGOTSKI, 1997, p. 116, tradução nossa).
Quando acontece a ausência de qualquer órgão receptor do mundo
sensível, há um desequilíbrio na organização social da pessoa com
deficiência, uma vez que tal fator biológico ocasiona complicações que
impedem a inserção, pelas vias sensoriais, na estrutura das relações sociais.
O lugar ocupado pelas pessoas com deficiência na estrutura das
relações sociais, bem como sua dificuldade em conquistar determinados
status sociais, tem sido os principais motivos que complicam o processo de
desenvolvimento das pessoas com deficiência. Pelo fato da sociedade ser
organizada com base em um padrão de “normalidade”, seja ela visual,
197
auditiva, física ou intelectual, a pessoa com deficiência encontra-se em uma
situação de menos valia e de desigualdade com relação às demais,
sobretudo em uma sociedade competitiva e de valorização de competências
e habilidades pragmáticas de adaptações em diversos espaços e
configurações de trabalho e de educação.
Vygotski (1997, p. 118), ao analisar o processo de educação das
crianças com surdez, constatou que:
É preciso planejar e entender o problema da deficiência infantil na
psicologia e na pedagogia como um problema social, uma vez que seu
aspecto social, que anteriormente não se sustentava e costumava a ser
considerado secundário e derivativo, na verdade, resulta em ser
primário e fundamental. [...] Se psicologicamente uma insuficiência
orgânica implica um deslocamento social, pedagogicamente educar a
essa criança equivale a inseri-la na vida [...] (VYGOTSKY, 1997, p.
118, tradução nossa).
Dessa forma, a defectologia é o ramo da ciência responsável pela
investigação das implicações sociais ocasionadas pela deficiência no
processo de desenvolvimento psíquico. A ação fundamental, a qual cabe a
educação, é a dedicação em enfrentar as barreiras e fatores sociais que
dificultam a inserção social da pessoa com deficiência, bem como aquilo
que compromete a sua participação social e o seu desenvolvimento,
mediante a sua relação com o mundo.
É importante salientarmos, com base no que foi exposto até o
momento, que a forma como a educação especial tem se organizado no
Brasil para atender as necessidades das pessoas com deficiência, apesar de
ter avançado quanto a percepção médico-pedagógica, ainda não rompeu
com o estigma biológico do enfermo provocado pela insuficiência
198
orgânica. Há por um lado, um grande avanço na garantia de direitos de
acesso a educação, trabalho e outros espaços e serviços públicos, porém não
há políticas que estejam comprometidas para assegurar o melhor ensino e
aprendizagem para esse público.
Nas últimas três décadas houve uma forte campanha na mudança
atitudinal quanto ao reconhecimento das diferenças e da aceitação à
diversidade, com uma pedagogia centrada nas necessidades especiais dos
alunos, proporcionando um acolhimento social, que diferentemente da
perspectiva vigotskiana, não há uma inserção ativa na sociedade, nem
tampouco uma inserção na história do desenvolvimento social e cultural
da humanidade.
Para melhor compreendermos o ponto de vista de Vigotski quanto
ao combate das barreiras impostas pela sociedade ao desenvolvimento
psíquico das pessoas com deficiência, abordaremos a seguir os seus
postulados acerca do desenvolvimento dos conceitos científico e
espontâneos.
3.2 O desenvolvimento dos conceitos na idade escolar
Mediante as considerações de Vigotski quanto ao desenvolvimento
psicofisiológico das pessoas com deficiência e a importância do signo e da
cultura nesse processo, traremos um pequeno esboço sobre a aprendizagem
de conceitos, com vistas a elucidar a importância do meio social e dos
conhecimentos produzidos historicamente, como signos fundamentais no
processo de desenvolvimento psíquico.
A investigação sobre o desenvolvimento dos conceitos na idade
escolar fez parte das pesquisas de inúmeros autores que buscavam
199
compreender de que forma os conceitos são formados na criança e que
mudanças isso poderia ocasionar em seu desenvolvimento. Dentre os
principais estudos, encontra-se o estudo comparativo entre os conceitos
científicos e espontâneos de Vigotski que, como principais objetivos,
procurou nortear sua investigação com vistas a esclarecer duas questões
centrais: 1) Como os conceitos científicos se desenvolvem na mente de um
aluno em um processo de aprendizagem? 2) Qual é a relação entre os
processos de ensino e aprendizagem e os processos de desenvolvimento dos
conceitos científicos na consciência de um aluno?
Sob foco dessas questões, Vigotsky (2009), contrapõe-se a autores
contemporâneos às suas pesquisas, os quais desenvolveram investigações
acerca do mesmo objeto, porém ausentes de uma devida análise
experimental e científica quanto às peculiaridades e especificidades dos
conceitos científicos, uma vez que se acreditava que o processo de
aprendizagem pelos alunos destes, não se diferenciava do processo de
aprendizagem dos conceitos espontâneos.
Dessa forma,
A literatura científica dedicou larga atenção às questões relacionadas à
formação dos conceitos espontâneos que, sem uma base científica
maior, estendeu suas conclusões à formação conceitual científica. Entre
os pesquisadores que abordaram estas questões de maneira mais
aprofundada, Vygotsky reserva atenção especial para os estudos de
Piaget, que acreditava ser um investigador dos mais perspicazes
(SCHROEDER, 2007, p. 304).
De acordo com Vigotsky (2009), Piaget acertou em distinguir as
vias do desenvolvimento dos conceitos espontâneos, aqueles adquiridos a
partir das noções infantis da realidade, dos conceitos não espontâneos, os
200
quais são assimilados mediante a influência do conhecimento dos adultos.
No entanto, Vigotsky (2009) apresenta três equívocos importantes no
raciocínio do autor suíço.
De acordo com Vigotsky (2009, p. 254-255),
Primeiro: paralelamente ao reconhecimento da possibilidade de estudo
independente dos conceitos infantis não espontâneos, paralelamente à
afirmação de que esses conceitos têm profundas raízes no pensamento
infantil, ainda assim Piaget tende a uma afirmação oposta, segundo a
qual só os conceitos espontâneos da criança e as suas representações
espontâneas podem servir como fonte de conhecimento imediato da
originalidade qualitativa do pensamento infantil. Os conceitos não
espontâneos da criança, que se formaram sob a influência dos adultos
que a rodeiam, refletem não tanto as peculiaridades do pensamento
infantil quanto o grau e o caráter de assimilação das idéias dos adultos.
Aqui Piaget entra em contradição com sua própria idéia correta de que
a criança, ao assimilar um conceito, reelabora-o, e nesse processo de
reelaboração imprime nos conceitos as peculiaridades específicas do seu
próprio pensamento. Entretanto, ele tende a vincular essa tese apenas
aos conceitos espontâneos, negando-se a reconhecer que ela pode ser
aplicada também aos conceitos não-espontâneos. Nessa conclusão
absolutamente infundada reside o primeiro momento equivocado da
teoria de Piaget. (VYGOTSKY, 2009, p. 254-255)
Com relação a esse primeiro equívoco, Vigotsky (2009) destaca
que a teoria de Piaget estabelece somente os conceitos espontâneos como
capazes de refletir as mais profundas raízes e originalidade do pensamento
infantil, atribuindo os conceitos científicos apenas à influência e às
particularidades do pensamento adulto. Contrariamente a esse ponto de
vista, Vigotsky (2009) sustenta que em seu entendimento, os conceitos não
espontâneos, ou seja, os conceitos científicos revelam todas as
201
peculiaridades qualitativas básicas do próprio pensamento infantil em
determinado estágio de desenvolvimento.
Em síntese, suas conclusões chegaram a apontar que
Os conceitos científicos não são assimilados nem decorados pela
criança, não são memorizados, mas surgem e se constituem por meio
de uma imensa tensão de toda a atividade do seu próprio pensamento.
Daí a inevitabilidade implacável de que o desenvolvimento dos
conceitos científicos deva revelar em toda a plenitude as peculiaridades
dessa natureza ativa do pensamento infantil (VIGOTSKY, 2009, p.
260).
O segundo equívoco de Piaget, segundo Vigotsky (2009) é uma
consequência do primeiro, uma vez que ao considerar as premissas de que
os conceitos não espontâneos não refletem as peculiaridades do
pensamento infantil, manifestando-se apenas mediante o emprego dos
conceitos espontâneos. Vigotsky (2009, p. 255) identifica que, diante
desse referencial, não há o entendimento da existência de uma relação
mútua entre ambas as vias de desenvolvimento conceitual. Há apenas uma
delimitação dos conceitos espontâneos e não espontâneos, no entanto,
“[...] sem perceber o que os une em um sistema único de conceitos que se
forma no curso do desenvolvimento intelectual da criança”.
Contrariamente a essa forma de dividir e isolar o desenvolvimento
dos conceitos espontâneos e dos conceitos científicos, Vigotsky (2009),
acredita que ambos os processos estão intimamente interligados e que
exercem influência um sobre o outro.
202
[...] o desenvolvimento dos conceitos científicos deve apoiar-se
forçosamente em um determinado nível de maturação dos conceitos
espontâneos, que não podem ser indiferentes à formação de conceitos
científicos simplesmente porque a experiência imediata nos ensina que
o desenvolvimento dos conceitos científicos só se torna possível depois
que os conceitos espontâneos da criança atingiram um nível próprio
do início da idade escolar. Por outro lado, cabe supor que o surgimento
de conceitos de tipo superior, como o são os conceitos científicos, não
pode deixar de influenciar o nível dos conceitos espontâneos
anteriormente constituídos, pelo simples fato de que não estão
encapsulados na consciência da criança, não estão separados uns dos
outros por uma muralha intransponível, não fluem por canais isolados
mas estão em processo de uma interação constante, que deve redundar,
inevitavelmente, em que as generalizações estruturalmente superiores e
inerentes aos conceitos científicos não resultem em mudança das
estruturas dos conceitos científicos. Lançamos essa hipótese com base
no seguinte: independentemente de falarmos do desenvolvimento dos
conceitos espontâneos ou científicos, trata-se do desenvolvimento de
um processo único de formação de conceitos, que se realiza sob
diferentes condições internas e externas mas continua indiviso por sua
natureza e não se constitui da luta, do conflito e do antagonismo entre
duas formas de pensamento que desde o início se excluem
(VIGOTSKY, 2009, p. 261).
Como resultado desses dois equívocos, Vigotsky (2009) destaca a
que ele considera como a terceira tese errônea de Piaget, a de que, por não
atribuir os conceitos não espontâneos às peculiaridades do pensamento
infantil, bem como não compreender ambas as vias de desenvolvimento
como sendo um único sistema, o autor acredita que o surgimento dos
conceitos científicos se dá por uma progressiva socialização da criança, em
que há uma supressão do pensamento infantil pelo pensamento adulto.
“De acordo com Piaget, o desenvolvimento dos conceitos infantis acontece
mediante a ocorrência de conflitos entre o pensamento infantil e o dos
203
adultos, o que deve modificar sistematicamente o pensamento da criança
(SCHROEDER, 2007, p. 305).
Na contraposição apresentada por Vigotsky (2009), há a
consideração da influência do processo de aprendizagem e
desenvolvimento na formação de conceitos científicos, uma vez que a
elaboração conceitual não se origina nos conflitos entre duas formas
diferentes de pensamento, mas em relações muito mais complexas e
positivas.
Nessa perspectiva, a aprendizagem deve ser investigada como uma
das principais fontes de desenvolvimento dos conceitos infantis e como
uma poderosa força orientadora ao longo desse processo. Configurando-se
como um movimento decisivo em todo o destino do desenvolvimento
intelectual de uma criança em idade escolar. De acordo com Vigotsky
(2009, p. 262) essas premissas baseiam-se no fato de que “[...] os conceitos
científicos de tipo superior não podem surgir na cabeça da criança senão a
partir de tipos de generalização elementares e inferiores preexistentes,
nunca podendo inserir-se de fora na consciência da criança”.
O posicionamento contrário de Vigotsky (2009) a essa concepção
piagetiana, tem fundamentos em sua base teórica referente à concepção de
desenvolvimento humano. Enquanto, Piaget considera que o
desenvolvimento do organismo é fator que precede e é fundamental para
a aprendizagem, Vigotski, por outro lado, acredita que a aprendizagem
pode ser um fator impulsionador do desenvolvimento.
A aprendizagem pode produzir mais no desenvolvimento que aquilo
que contém em seus resultados imediatos. Aplicada a um ponto no
campo do pensamento infantil, ela se modifica e refaz muitos outros
pontos. No desenvolvimento ela pode surtir efeitos de longo alcance e
não só aqueles de alcance imediato. Consequentemente, a
204
aprendizagem pode ir não só atrás do desenvolvimento, não só passo a
passo com ele, mas pode superá-lo, projetando-o para a frente e
suscitando nele novas formações. Isto tem uma importância e um valor
infinitos (VIGOTSKY, 2009, p. 304).
Dessa forma, a aprendizagem não pode ser edificada sobre o
desenvolvimento das funções inatas, nem tampouco determina
completamente o desenvolvimento. Ambos os processos para o autor se
encontram interligados e são codependentes. Contudo, a aprendizagem
pode se adiantar ao desenvolvimento e acelerá-lo.
O processo de aprendizagem, bem como a tomada de consciência
por uma criança de um conceito científico ou de um sistema de conceitos,
exige que haja o emprego de funções psicológicas superiores, como a
memória lógica, a atenção arbitrária, abstração, comparação,
discriminação e toda uma série de processos psicológicos complexos, que
não surgem de maneira inata ou meramente em decorrência do
desenvolvimento filogenético da espécie humana.
Ao estudar a gênese do desenvolvimento dos conceitos espontâneos
e científicos na criança, Vigotsky (2009) pôde estabelecer as duas vias de
desenvolvimento e, com o foco investigativo no campo da aprendizagem,
conseguiu elucidar as suas diferenças e vinculações ao longo do processo
de desenvolvimento psíquico das crianças em idade escolar.
Ao decorrer de suas pesquisas experimentais, Vigotsky (2009) pôde
apurar resultados com base na aplicação dos conceitos espontâneos e
científicos em diversas situações, obtendo resultados que apontam o
desenvolvimento de ambos os conceitos por vias diferentes.
Com base nesse estudo, o autor destaca que os conceitos
espontâneos são mais fortes do que os científicos, quando aplicados no
205
campo da vida cotidiana. Isto é, o conceito científico é mais fraco em
situações em que envolve a experiência da criança e sua vivência com dado
objeto.
De outra forma, os conceitos espontâneos, em situações voltadas
para o campo científico, apresentam uma condição contrária a anterior.
Os conceitos espontâneos são mais fracos que os científicos, pelo fato de
necessitar da operação mental dentro de um sistema de conceitos de
diferentes graus de generalização.
Isso acontece, pelo fato da via do desenvolvimento desses conceitos
se darem por caminhos opostos. A aprendizagem do conceito científico na
criança acontece com base no próprio conceito, nas suas propriedades
abstratas e científicas, seguindo em direção a vivência e a experiência, num
movimento de cima para baixo. Ao contrário, o conceito espontâneo parte
da vivência e do cotidiano da criança, de suas propriedades empíricas em
direção a abstração e a generalização, num movimento oposto de baixo
para cima.
Embora as duas vias de desenvolvimento encontrem-se em direções
opostas, mediante os seus diferentes graus de generalização, ambas não se
encontram isoladas e instransponíveis como sugerem as teses de Piaget,
mas conectadas e estreitamente interligadas, uma vez que o conceito
científico só poderá ser apropriado pela criança, caso o conceito
espontâneo tenha atingido um determinado patamar em seu
desenvolvimento.
O conceito esponneo, que passou de baixo para cima por uma longa
história em seu desenvolvimento, abriu caminho para que o conceito
científico continuasse a crescer de cima para baixo, uma vez que criou
uma série de estruturas indispensáveis ao surgimento de propriedades
inferiores e elementares do conceito. De igual maneira, o conceito
206
científico, que percorreu certo trecho do seu caminho de cima para
baixo, abriu caminho para o desenvolvimento dos conceitos
espontâneos, preparando de antemão uma série de formações
estruturais indispensáveis à apreensão das propriedades superiores do
conceito. Os conceitos científicos crescem de cima para baixo através
dos esponneos. Estes abrem caminho para cima através dos
científicos. [...] o conceito espontâneo deve atingir certo nível de seu
desenvolvimento espontâneo para que seja possível descobrir a
supremacia do conceito científico sobre ele; [...] Mas os conceitos
espontâneos percorrem rapidamente o trecho superior do seu caminho
aberto pelos conceitos científicos, transformando-se em conformidade
com as estruturas preparadas pelos conceitos científicos (VIGOTSKY,
2009, p. 349-350).
Há uma reciprocidade entre o desenvolvimento de ambos os
conceitos, independentemente dos caminhos opostos. Ao passo que o
conceito científico é aprendido na escola, ao mesmo tempo, potencializa o
desenvolvimento dos conceitos espontâneos no cotidiano. Dessa forma, o
caminho oposto da via do desenvolvimento, também caracteriza a própria
relação existente entre ambos os conceitos.
Ao considerarmos que os conceitos espontâneos têm seu papel
importante na apropriação dos conceitos científicos, por que Vigotski
associa a aprendizagem dos conceitos científicos ao desenvolvimento das
funções psicológicas superiores? E por que a escola deve ser o espaço
legítimo para assegurar essa aprendizagem?
A propriedade particular dos conceitos científicos, que o diferencia
qualitativamente dos conceitos espontâneos, é a sua sistematização e
generalização. Os conceitos científicos estão postos em um sistema, no qual
estabelece relações de generalidade com outros conceitos, mais gerais ou
particulares.
207
Vigotsky (2009), por exemplo, acredita que os primeiros conceitos
adquiridos pelas crianças são aqueles mais genéricos, como a palavra flor,
a qual ela utiliza para denominar rosa, orquídea, girassol e etc. Isto é, a
palavra flor (mais geral) é apropriada antes que a palavra rosa (mais
particular). Esse fenômeno também pode acontecer com a própria palavra
rosa, que pode ser generalizada e utilizada para denominar às demais flores.
A tomada de consciência sobre o conceito e sua apropriação só
acontece com a criança, a partir do momento em que ela passa a estabelecer
uma relação de generalidade entre os conceitos. Isto quer dizer, quando ela
compreende que a palavra flor é um termo mais genérico para se referir a
todas as outras espécies de flores. Ela passa a colocar os conceitos em um
sistema de hierarquia, estabelecendo relações entre o geral e o particular.
A essa hierarquização dos conceitos, Vigotsky (2009) explica que
se podem colocar os conceitos dentro de um plano horizontal (rosa,
girassol, orquídea) e vertical (rosa, flor, planta), de forma que o
pensamento possa "movimentar" em ambos os sentidos, estabelecendo
relações de generalidades, o que possibilita explicar ou compreender dado
fenômeno da natureza de diferentes formas.
Luria (1994, p. 36) explica que a palavra traz consigo um sistema
de relações semânticas capaz de permitir
[...] ao pensamento movimentar-se em muitos sentidos, que são
determinados pela "amplitude" e a "profundidade" desse sistema de
relações. Por isto a palavra que forma conceito pode ser considerada,
com todo fundamento, o mais importante mecanismo que serve de
base ao movimento do pensamento.
Deste modo, ao mencionar determinada palavra, o homem não apenas
reproduz certo conceito direto, mas suscita praticamente todo um
sistema de ligações que vão muito além dos limites de uma situação
208
imediatamente perceptível e têm caráter de matriz complexa de
significados, situados num sistema lógico (LURIA, 1994, p. 36).
Essa é a lei geral do desenvolvimento, na qual se pode encontrar a
relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores (atenção arbitrária, memória voluntária, pensamento lógico e
etc.).
Há uma relação interdependente entre o desenvolvimento do
pensamento e a aprendizagem conceitual. Quando há uma modificação da
estrutura de generalidade, ou seja, a pessoa passa a operar com conceitos
mais complexos e abstratos, também há uma mudança na estrutura do
pensamento. Isso modifica a relação da pessoa com os fenômenos da
natureza, na qual sua relação com eles passa a ser mediada pelos conceitos
científicos. Isso significa que, diante de um determinado fenômeno, ela
poderá compreendê-lo ou explicá-lo por diferentes conceitos concatenados
dentro de um sistema hierárquico, em um movimento do pensamento que
parte do abstrato para o concreto, do mais geral para o particular.
O vínculo existente entre os conceitos, dentro de um sistema
hierárquico, é o fator mais determinante para distinguir os conceitos
científicos em relação aos espontâneos e, por isso, tem na escola um espaço
adequado para a apropriação pelas pessoas. Enquanto no cotidiano e na
vivência empírica, a pessoa, por meio de sua ação, estabelece uma relação
direta com a materialidade dos fenômenos, na escola, por intermédio dos
conceitos científicos, ela estabelecerá uma relação de abstração e
generalização entre os fenômenos.
Dessa forma, a aprendizagem de conceitos científicos deveria estar
entre os principais objetivos da educação inclusiva, sobretudo para garantir
209
e potencializar o desenvolvimento das funções psicológicas superiores,
imprescindíveis para a inserção ativa desse público na sociedade.
Com base no que expomos acerca do desenvolvimento dos
conceitos, podemos considerar que as políticas da educação inclusiva no
Brasil, conforme abordamos no primeiro capítulo, não atende as
necessidades de aprendizagem das pessoas com deficiência. Há uma grande
ênfase no direito do acesso às escolas, sendo este um espaço de convívio e
de acolhimento em detrimento de um espaço adequado para a
aprendizagem e a potencialização do desenvolvimento.
Ao priorizar o convívio e o desenvolvimento de atitudes de
tolerância e aceitação à diversidade, bem como a satisfação das necessidades
básicas de cálculo e escritas, destinadas a formação da força de trabalho da
maioria economicamente desfavorecida, o objetivo da educação encontra-
se, por um lado, atender às exigências do modelo produtivo de automação
flexível e, por outro, proporcionar o apaziguamento social para aqueles que
ficam alheios ao mundo do trabalho, que em muitos casos, são as pessoas
com deficiência.
Nesse sentido, a escola perde de vistas o caráter educativo do
conhecimento e da propagação dos conceitos científicos, para tornar-se um
espaço que compartilha conhecimentos práticos e espontâneos, que apesar
de terem a sua importância ao longo do processo de desenvolvimento das
pessoas,o potencializam o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores.
210
3.3 A atividade humana e suas implicações para o desenvolvimento da
pessoa com deficiência
Após o entendimento Vigotskiano acerca da formação dos
conceitos e sua relação com o desenvolvimento psíquico, passamos agora
para a nossa análise quanto à estrutura das relações sociais e a função da
atividade humana no processo de desenvolvimento das pessoas com
deficiência visual.
Com base no referencial teórico que já abordamos anteriormente,
toda e qualquer pessoa com deficiência tem as mesmas condições de
desenvolvimento de seus pares sem deficiência. A diferença, em que
devemos nos concentrar, é no modo como a deficiência poderá incidir
sobre a relação da pessoa com o mundo e o meio social.
Essas premissas teóricas, acerca da deficiência, desenvolvidas por
Vigotski estão estreitamente ligadas às bases epistemológicas fundamentais
da Teoria Histórico-cultural para o desenvolvimento humano. Da mesma
forma que Vigotski, destacamos a importante contribuição de Leontiev
(2004), sobretudo em seus estudos acerca da Teoria da Atividade, na qual
é considerada a formação humana como um produto da interação dos seres
humanos com o meio social, na qual ocorre o processo de apropriação e
subjetivação da cultura humana por intermédio dos instrumentos físicos e
simbólicos.
Dessa forma, abordaremos essa perspectiva teórica com vistas a
contrapor o nosso posicionamento teórico quanto a outros dois
referenciais teóricos, os quais explicam o processo de desenvolvimento
humano: 1) que o desenvolvimento ocorre naturalmente como resultado
de uma determinação biológica, no qual a aprendizagem e o
desenvolvimento respeitam determinados níveis e estágio hierárquicos de
211
amadurecimento orgânico; 2) que o desenvolvimento é apenas um
produto do meio em que se vive, no qual a personalidade e toda a conduta
humana é formada por fatores externos sem considerar a herança biológica
e características peculiares ao amadurecimento orgânico.
É possível encontrarmos inúmeras referências em estudos de
Vigotski e Leontiev quanto à superação teórica dessas duas concepções de
desenvolvimento, contudo, primeiramente iremos centrar nas pesquisas
vigotskianas quanto ao desenvolvimento psíquico das crianças com
cegueira, com vistas a elucidar o seu conceito e aprofundar o entendimento
acerca do caráter social e cultural no processo de desenvolvimento.
Para Vygotski (1997), a concepção de cegueira, desde a
antiguidade, tem passado por transformações, as quais podem ser divididas
em três estágios distintos: o período místico, o período biológico ingênuo
e o período científico.
O período místico inicia na era da antiguidade, passa por toda a
idade média e persiste até boa parte da Idade Moderna, momento esse que,
contraditoriamente, atribuiu à cegueira um entendimento de ser uma
“desgraça” divina, ao mesmo tempo em que se atribuía a pessoa com
cegueira um dom espiritual e filosófico, que lhe dava capacidade de
enxergar o mundo com uma visão superior, capaz de “ver” além daqueles
que percebiam o mundo sensível pela ótica visual (VYGOTSKI, 1997).
Essa perspectiva sobre o entendimento de cegueira e de deficiência
centra-se em uma visão metafísica, a qual tem na essência humana o ser
que esteja mais próximo da imagem e semelhança de Deus. Dessa forma,
a concepção de educação e de desenvolvimento das pessoas com cegueira
se sustenta em bases contemplativas e no desenvolvimento de funções
inatas.
212
O período biológico ingênuo, recorrente do Iluminismo no século
XVIII, teve o seu surgimento em meio a um grande avanço e
desenvolvimento da ciência. As transformações sociais e econômicas,
impulsionadas por uma burguesia em ascensão, possibilitaram novas
descobertas e avanços científicos, os quais colocam o homem no centro do
mundo, como dono do tempo e de uma razão natural, rompendo com as
concepções heliocêntricas, divinas e místicas acerca dos fenômenos da
natureza.
Caiado (2006, p. 24), parafraseando as análises de Suchodolski
(2000), faz a seguinte síntese desse período histórico:
Assim, o pensamento filosófico recupera as tradições laicas e
racionalistas do mundo antigo e considera o homem ser pensante cuja
natureza é racional. Duas fortes correntes filosóficas marcam o
racionalismo desse período: o inatismo e o empirismo. O inatismo, ou
racionalismo idealista, afirma que o conhecimento verdadeiro se dá no
ato reflexivo, e que o homem traz, na razão, princípios e idéias inatas.
O empirismo, ou racionalismo empirista, afirma que o único
conhecimento possível e válido é aquele que se tem por intermédio de
idéias formadas com base nas impressões sensíveis. (CAIADO, 2006,
p. 24)
Essas duas vertentes filosóficas tiveram um papel extremamente
importante na ruptura da ciência com relação ao misticismo, uma vez que
estabeleceram a racionalidade humana, que de um lado apresentava uma
visão idealista da razão e, por outro, uma concepção empírica.
René Descartes (1596-1650), representante do racionalismo
idealista, acreditava que o nosso espírito possui três tipos de ideias: a) ideias
adventícias, as quais se originam a partir das sensações, percepções e
213
lembranças, tais como as advindas da nossa experiência com o mundo
sensível; b) ideias fictícias, que são aquelas oriundas da nossa imaginação,
fantasia e criação, que compõe a nossa memória, como as fadas, os
duendes, cavalo alado e etc.; c) ideias inatas, por sua vez, são inteiramente
racionais, não empíricas, e somente existem, pelo fato de já nascermos com
elas.
Por exemplo, a idéia do infinito (pois o temos qualquer experiência
do infinito), as idéias matemáticas (a matemática pode trabalhar com
a idéia de uma figura de mil lados, o quiliógono, e, no entanto, jamais
tivemos e jamais teremos a percepção de uma figura de mil lados). Essas
idéias, diz Descartes, são “a assinatura do Criador” no espírito das
criaturas racionais, e a razão é a luz natural inata que nos permite
conhecer a verdade. Como as idéias inatas são colocadas em nosso
espírito por Deus, serão sempre verdadeiras, isto é, sempre
corresponderão integralmente às coisas a que se referem, e, graças a
elas, podemos julgar quando uma idéia adventícia é verdadeira ou falsa
e saber que as idéias fictícias são sempre falsas (não correspondem a
nada fora de nós) (CHAUÍ, 2000, p. 87).
Na contraposição dessa perspectiva filosófica, o racionalismo
empírico defende que as ideias, a razão e a verdade, necessariamente, são
adquiridas pela percepção e pela experiência. Acredita-se que, previamente
à experiência, a nossa razão é como uma folha em branco, em que nada foi
escrito, como se fosse uma tábula rasa, onde nada foi gravado.
Para Chauí (2000), o empirismo é representado, sobretudo, por
filósofos ingleses como: Francis Bacon (1561-1626), John Locke (1632-
1704), George Berkeley (1685-1753), os quais acreditam que nossos
conhecimentos são iniciados com a experiência dos sentidos, que, por meio
da percepção e da sensação, é possível o ser humano associar as experiências
214
como se fossem ideias e, por esse caminho, poderemos alcançar a verdade
e o conhecimento sobre o mundo.
Dessa forma, a ciência começou a dar os primeiros passos na
direção da educação das pessoas com deficiência uma vez que, ao
considerar os sentidos como fonte principal para o desenvolvimento
humano, passou a considerar as pessoas com deficiência como capazes de
aprender e de se desenvolver, bastasse substituir ou compensar um sentido
por outro.
De acordo com Caiado (2006, p. 24-25),
na educação especial, um estudioso português, Jacob Pereira (1715-
1780), cria uma metodologia para ensinar linguagem a surdos. Jean
Marc Itard (1774-1838), médico francês, desenvolve um trabalho
pioneiro com o menino selvagem de Aveyron, o Victor, que
apresentava sério atraso de desenvolvimento, atribuído por ltard ao
longo período em que viveu sozinho na floresta, sem experiências de
exercício intelectual. Valentin Hauy (1745-1822), pedagogo francês,
organizou a instrução do deficiente visual em instituições especiais na
França e na Rússia; na instituição francesa, Louis Braille (1809-1852)
foi aluno e depois professor. Ponto comum entre esses três educadores,
além de acreditarem na capacidade de aprendizado da pessoa
deficiente, é que acreditam também que essa aprendizagem se dá com
o auxilio e a estimulação dos sentidos remanescentes. Assim, Jacob
Pereira vai ensinar os surdos com base na sensação tátil-visual; seu
discípulo, o abade Deschamps, registra um curso intitulado "Como
substituir o ouvido pela visão". Itard desenvolve um intenso programa
de estimulação sensorial para compensar a insensibilidade demonstrada
por Victor (PESSOTTI, 1984). Valentin Hauy inventou as letras em
relevo para instrução dos cegos, a partir do que Louis Braille
desenvolveu seus caracteres. Assim, a educação pelos sentidos marcou
os primeiros relatos da educação especial (CAIADO, p. 24-25).
215
Esse período é caracterizado como biológico ingênuo, de acordo
com Vygotski (1997), pelo fato dos principais estudiosos da educação das
pessoas com deficiência acreditarem que a própria reorganização do
organismo seja suficiente na promoção do desenvolvimento. Nessa
perspectiva, o importante é que os fenômenos do mundo sensível sejam de
alguma forma, perceptível pelas vias sensoriais remanescentes.
Desse modo, é colocado em evidência a possibilidade de
substituição dos órgãos sensoriais comprometidos, por outros
remanescentes, de tal forma que o próprio organismo pudesse compensar
a deficiência e fornecer as pessoas condições para enfrentar a vida e as
restrições e limitações impostas.
Em um nível teórico, esta nova compreensão foi expressa na doutrina
da "vicariança" (substituição) de órgãos sensórios. De acordo com esta
visão, a falha de uma das funções de percepção, carência de um órgão,
é compensado por um aumento no funcionamento e desenvolvimento
de outros órgãos. Somente como neste caso de ausência ou doença de
um dos órgãos formados - por exemplo, o pulmão ou o fígado - o outro
órgão saudável desenvolve-se de modo compensatório; o
funcionamento final é aumentado e assume o controle da doença,
assumindo parte de sua função. De modo similar, um prejuízo visual
causa um desenvolvimento aguçado no sentido da audição. As lendas
têm sido criadas em torno das capacidades visuais superiores no
deficiente. Estas lendas falam sobre uma natureza benevolente, que
com umao tira e com a outra dá tudo o que foi tomado, e que cuida
de suas criações. Acreditava-se que graças a este fato, cada cego se torna
um músico, uma pessoa que é presenteada com um aumento
excepcional no sentido da audição. Um sexto sentido, inimaginável no
vidente, foi descoberto no cego (VYGOTSKI, 1997, p. 101, tradução
nossa).
216
Decorrente desses inúmeros avanços no campo da ciência e da
filosofia, novas teorias e estudos foram desenvolvidos com relação à
educação das pessoas com deficiência. Nesse campo científico, Vygotski
(1997) chama atenção para uma nova concepção de deficiência, a qual tem
como base a educação sistematizada como um fator favorecedor do
desenvolvimento psíquico.
Nessa perspectiva teórica, o desenvolvimento das pessoas com
deficiência está relacionado às possibilidades de aprendizagem, por meio
da educação escolar, que estão diretamente ligadas às relações sociais que o
sujeito estabelece. Todo o conhecimento acumulado ao longo da história,
de maneira social e cultural foram produzidos e transmitidos por gerações
em um processo educativo por intermédio das relações dos seres humanos
entre si e com a natureza.
Decorrente dessas novas perspectivas, que surgiram a partir da
segunda metade do século XIX até o primeiro terço do século XX, Vygotski
(1997), com base na filosofia marxista, define e caracteriza esse momento
como o “período científico”, que refuta a compensação sensorial e
supervalorização dos sentidos remanescentes, com vistas a consolidar uma
nova visão e concepção de deficiência.
Em contraposição às outras duas concepções de desenvolvimento
para as pessoas com deficiência presentes no período místico e biológico
ingênuo, Leontiev (2004), semelhantemente à perspectiva vigotskiana,
defende que o desenvolvimento não se dá espontaneamente por um
inatismo e determinismo biológico, nem tampouco pela inteira
determinação externa e do meio ambiente empírico. De acordo com suas
investigações científicas, o homem se forma a partir de uma atividade, a
qual tenha a capacidade de reproduzir a essência de uma interação entre as
características biológicas do ser humano e as especificidades do meio social.
217
[...] as aptidões e funções especificamente humanas se formam no
processo de apropriação pelo indivíduo do mundo dos objetos e
fenômenos humanos e que o seu substrato material é constituído por
sistemas de reflexos sensíveis formados pela vida (LEONTIEV, 2004,
p. 273).
Nessa perspectiva, as aptidões e faculdades inerentes a formação
dos seres humanos, a memória lógica, a atenção arbitrária, o pensamento
abstrato e o raciocínio lógico, não se formam em decorrência de um
determinismo biológico ou do reflexo imediato da interação do sujeito
com o meio ambiente. Para contribuir com a consolidação de uma nova
visão acerca da Psicologia e do desenvolvimento humano, Leontiev (2004)
procurou investigar quais são as forças motoras para o desenvolvimento do
psiquismo humano.
A partir dessa problemática, Leontiev (2004) leva em consideração
as duas linhas gerais do desenvolvimento humano: a filogênese e a
ontogênese. A filogênese, de acordo com o autor, é o processo histórico da
herança genética do desenvolvimento da espécie humana, o qual
analogamente pode ser referenciado como o “hominização”, o que
corresponde às transformações físicas que ocorreram na constituição e
formação do homo sapiens. A ontogênese, por outro lado, refere-se ao
processo de desenvolvimento da história social da humanidade, também
denominado como “humanização”, que corresponde ao progresso das
civilizações, da linguagem, da cultura, da ciência, da tecnologia e etc.
O ponto central nas investigações de Leontiev (2004) é a
elucidação com relação às forças motrizes que possibilitam a transformação
do homo sapiens em ser humano, o ser hominizado em humanizado. Ele
procurou averiguar como o desenvolvimento ontogenético possibilitou a
218
formação do psiquismo humano, que qualitativamente, se diferencia das
outras espécies de animais.
Desde o surgimento da espécie homo sapiens, as particularidades
biológicas se mantiveram inalteradas, com pequenas variações, que não
tiveram alcances no desenvolvimento social. Para Leontiev (2004, p. 181),
as modificações que ocorrem no decurso do desenvolvimento biológico
não podem determinar o desenvolvimento sócio-histórico da humanidade,
que por sua vez, é promovido por outras forças que não estão relacionadas
com as leis da hereditariedade biológica. “A hominização, enquanto
mudanças essenciais na organização física do homem, termina com o
surgimento da história social da humanidade”.
Nesse sentido, emerge-se a questão: como se produziu e continua
a se reproduzir a evolução da humanidade? Para esse questionamento,
Leontiev (2004) parte do princípio de que a humanização do ser humano
é produto do processo interdependente de objetivação e de apropriação da
cultura material e intelectual.
Diferentemente de outros animais que agem movidos por leis
biológicas transmitidas hereditariamente e por adaptação ao meio para
sobreviverem, o homem, em determinado momento de sua evolução
biológica, passa a não apenas adaptar-se à natureza, mas intervir nela
com vistas a garantir sua sobrevivência, ou seja, o homem passa a
produzir instrumentos que facilitam a sua ação sobre a natureza
(SFORNI & OLIVEIRA JUNIOR, 2018, p. 175).
Ao longo de toda a história, a atividade do ser humano, voltada
para a produção e reprodução de sua subsistência, é o fator que determina
a interação entre si e com a natureza.
219
Qualitativamente diferente dos animais, os quais têm em suas
ações a determinação por leis biológicas e hereditárias, bem como uma
adaptação passiva ao meio para a sua sobrevivência; o homem, por outro
lado, ao alcançar determinada etapa de sua evolução biológica, não se
adapta passivamente à natureza, mas de maneira ativa, passa a intervir nela
com o intuito de produzir instrumentos e utensílios capazes de favorecer a
sua subsistência. Ao construir tais aparatos tecnológicos, a humanidade
passa a ganhar o recurso material (cultura material), como também o
conhecimento e a sua representação simbólica subjacente à matéria, seja
em seu processo construtivo ou em sua função social (cultura intelectual).
Como exemplo desse processo, podemos elencar a criação de um
utensílio como a faca, que ao extrair a matéria da natureza, o homem
transforma em uma lâmina cortante, capaz de ser empunhado, cuja função
social passou por inúmeras significações, seja na utilização de uma arma,
ferramenta ou talher. A criação desse tipo de utensílio proporcionou a
humanidade o conhecimento do processo de sua criação, bem como o
conhecimento empregado na forma de utilização.
Para Leontiev (2004), a humanidade produziu a cultura material,
que se refere às propriedades físicas do utensílio, as quais se sofisticam ao
passar dos anos e, por conseguinte, produziu a cultura intelectual, a qual
compõe os processos e técnicas de produção e utilização do utensílio.
O instrumento é produto da cultura material que leva em si, da
maneira mais evidente e mais material, os traços característicos da
criação humana. Não é apenas um objeto de forma determinada,
possuindo determinadas propriedades.
O instrumento é ao mesmo tempo um objeto social na qual estão
incorporadas e fixadas as operações de trabalho historicamente
elaboradas (LEONTIEV, 2004, p. 287).
220
Nessas premissas teóricas estão contidas as bases científicas que
distinguem o desenvolvimento ontogenético humano dos animais, uma
vez que o processo de humanização do homem acontece mediante a sua
capacidade de fixar e cristalizar as atividades e o conhecimento em objetos
físicos (cultura material) e na linguagem (cultural intelectual),
possibilitando a apropriação de todo o patrimônio cultural pelas gerações
futuras. Isto é, o fator que garante o desenvolvimento da humanidade a
patamares inimagináveis para os animais, é o processo de objetivação e
apropriação da cultura humana.
Para Leontiev (2004), a objetivação é o processo que compreende
toda atividade prática e intelectual do homem fixada e fossilizada nos
instrumentos físicos e simbólicos, preservando e acumulando todo o
conhecimento produzido pela humanidade ao longo de sua história.
No decurso da atividade dos homens, as suas aptidões, os seus
conhecimentos e o seu saber-fazer cristalizam-se de certa maneira nos
seus produtos (materiais, intelectuais, ideais). Razão por que todo o
progresso no aperfeiçoamento, por exemplo, dos instrumentos de
trabalho pode considerar-se, deste ponto de vista, como marcando um
novo grau do desenvolvimento histórico nas aptidões motoras do
homem; também a complexidade da fonética das línguas encarna os
progressos realizados na articulação dos sons e do ouvido verbal, os
progressos das obras de arte, um desenvolvimento estético etc.
(LEONTIEV, 2004, p. 283-284).
Como exemplo de um processo de objetivação, podemos elencar o
objeto (instrumento físico) e a palavra (instrumento simbólico) "martelo",
que para uma criança que ainda não o conhece, não representa para ela
nenhum sentido ou significado. Tanto o objeto, quanto a linguagem
(palavra) em suas propriedades físicas e simbólicas, não apresenta sentido
221
ou significado algum para quem não os conhece. Uma criança só tomará
consciência do que seja um martelo quando observar ou representar um
adulto em uma atividade de trabalho com as operações inerentes a essa
ferramenta. Desse modo, o significado e a construção do sentido não se
encontram no objeto e nem na linguagem ou símbolos, mas na atividade
do homem que dá sentido a determinado objeto ou representação
simbólica.
Nesse sentido, a atividade humana, que se encontra enraizada em
dado objeto ou sistema de signos, decorre do processo de objetivação da
cultura material e intelectual realizada pelo homem na produção e
reprodução de suas necessidades de sobrevivência.
Para Duarte (2004, p. 49-50),
Por meio desse processo de objetivação, atividade física ou mental dos
seres humanos transfere-se para os produtos dessa atividade. Aquilo
que antes eram faculdades dos seres humanos se torna, depois do
processo de objetivação, características por assim dizer “corporificadas”
no produto dessa atividade, o qual, por sua vez, passa a ter uma função
específica no interior da prática social. Um objeto cultural, seja ele um
objeto material, como por exemplo um utensílio doméstico, seja ele
um objeto não- material, como uma palavra, tem uma função social,
tem um significado socialmente estabelecido, ou seja, deve ser
empregado de uma determinada maneira (o fato de que o objeto
cultural tenha, muitas vezes, mais de uma função não altera a regra de
que sua existência está necessariamente ligada à prática social). O
processo de objetivação é, portanto, o processo de produção e
reprodução da cultura humana (cultura material e não-material),
produção e reprodução da vida em sociedade (DUARTE, 2004, p. 49-
50).
222
Com relação ao processo de apropriação, indissociável da
objetivação, se constitui para Leontiev (2004), na capacidade do homem
de tomar para si as atividades e operações cristalizadas nos instrumentos
físicos e simbólicos. Em decorrência desse processo, o ser humano
consegue superar a sua própria condição biológica e alcançar os patamares
mais elevados no desenvolvimento psíquico. Ao passo que o sujeito se
apropria da cultura e do patrimônio da humanidade, ele passa também a
incorporar as aptidões e os traços mais essenciais do gênero humano.
Dessa forma, a produção cultural e social da humanidade, fixada
nos instrumentos físicos e na linguagem (objetivação), são as
especificidades humanas indispensáveis para a apropriação pelas gerações
futuras, uma vez que é esse patrimônio histórico e social ao qual possibilita
o desenvolvimento da humanidade.
A dinâmica apropriação-objetivação ocorre sempre em condições que
são históricas, e, dessa forma, para que os indivíduos se objetivem como
seres humanos, é preciso que se insiram na história. Esta inserção dá-
se pela apropriação das objetivações resultantes das atividades das
gerações passadas, e por este processo o homem constrói sua
genericidade de tal forma que a vida individual e a vida genérica
encontram-se sempre imbricadas uma na outra. O gênero humano
expressa-se, portanto, como resultado da história social posta sob a
forma de objetivações genéricas (MARTINS, 2012, p. 49).
Com base nessa perspectiva de desenvolvimento humano, é
possível ampliar a compreensão acerca do estudo vigotskiano da
defectologia e o desenvolvimento psíquico, uma vez que o processo
decorrente para uma pessoa com deficiência apropriar-se das faculdades e
aptidões inerentes ao gênero humano e, por conseguinte, atingir os
223
patamares mais elevados de desenvolvimento, envolve a sua inserção, por
meio da atividade social, na história humana
Podemos dizer que o desenvolvimento da pessoa com deficiência segue
as linhas gerais de desenvolvimento daquelas sem deficiência, com a
apropriação pela criança do já objetivado entre os homens e a ela
disponibilizado, na direção de “fora para dentro”, mas com o
estabelecimento de uma relação dialética de apropriação e objetivação.
É por esse processo que se constitui o psiquismo humano, a consciência
(BARROCO & LEONARDO, 2016, p. 327).
O processo de objetivação do gênero humano é a chave principal
que possibilita a abertura das portas que dão acesso ao desenvolvimento
das pessoas com deficiência. No entanto, é importante destacarmos que
não é qualquer tipo de relação ou interação social que garante esse tipo
diferenciado de desenvolvimento.
Longe de afirmar que a ontogênese repete a filogênese, a filosofia
marxista evidencia a historicidade do processo de superação do ser
hominizado em direção ao ser humanizado, processo que, para se
efetivar, demanda a inserção de cada indivíduo particular na história
do gênero humano. Porém, para que essa inserção ocorra, não é
suficiente nascer e viver em sociedade, não basta o contato imediato
com as objetivações humanas. Para que os indivíduos se insiram na
história, humanizando-se, eles precisam de educação, da transmissão
da cultura material e simbólica por parte de outros indivíduos. No ato
educativo, condicionado pelo trabalho social, reside a protoforma do
ser social, isto é, de um ser cujo desenvolvimento é condicionado pela
qualidade das apropriações que realiza (MARTINS, 2011, p. 15).
224
O conhecimento acumulado historicamente pela humanidade,
como já explicitamoso se encontra nos instrumentos físicos e
simbólicos, mas na atividade que os dá significado e sentido. A apropriação
desse conhecimento, por sua vez, ocorre mediante a relação social, em que
uma pessoa de maneira ativa, cria e recria a atividade fundante em seus
traços mais essenciais.
Esse processo, considerado por Leontiev (2004), como educação,
ocorre qualitativamente de acordo com as atividades realizadas, as quais
dependem diretamente do lugar ocupado pela pessoa na estrutura das
relações sociais. Esse lugar ocupado, ao longo do processo de
desenvolvimento, se modifica e possibilita atividades cada vez mais
complexas e abstratas.
Uma pessoa com deficiência, quando não ocupa o espaço
adequado para o seu estágio de desenvolvimento, pode ocasionar
complicações e dificuldades para atingir os níveis mais elevados do
desenvolvimento das funções psíquicas superiores.
Para Leontiev (2001, p. 63)
A mudança do lugar ocupado pela criança no sistema das relações
sociais é a primeira coisa que precisa ser notada quando se tenta
encontrar uma resposta ao problema das forças condutoras do
desenvolvimento de sua psique. Todavia, esse lugar, em si mesmo, não
determina o desenvolvimento: ele simplesmente caracteriza o estágio
existente já alcançado. O que determina diretamente o
desenvolvimento da psique de uma criança é sua própria vida e o
desenvolvimento dos processos reais desta vida - em outras palavras: o
desenvolvimento da atividade da criança, quer a atividade aparente,
quer a atividade interna. Mas seu desenvolvimento, por sua vez,
depende de suas condições reais de vida. (LEONTIEV, 2001, p. 63)
225
O lugar ocupado pela criança ou pessoa com deficiência não
determina o desenvolvimento psíquico, mas caracteriza o estágio em que
se encontra no decurso do processo de desenvolvimento. Na medida em
que uma criança cresce e passa de um estágio para outro (idade pré-escolar
para a idade escolar), suas relações sociais se ampliam e se tornam cada vez
mais complexas, modificando o lugar ocupado e, consequentemente,
forçando uma reorganização psicológica.
Leontiev (2004) sustenta que o fator determinante para
caracterizar o estágio no desenvolvimento psíquico, bem como o lugar
ocupado pela pessoa na estrutura das relações sociais, é a atividade
dominante, a qual exerce o papel fundamental nas forças motoras para o
desenvolvimento. Em cada estágio do desenvolvimento, o autor acredita
que determinado conjunto de atividades desempenha um papel mais
importante e outras menos.
A atividade dominante, de acordo com Leontiev (2004) não pode
ser reduzida a parâmetros quantitativos, referindo-se às atividades as quais
ocupam a maior parte do tempo de uma pessoa. Para ser considerada uma
atividade como dominante, é necessário levar em conta três características:
1) Se caracteriza por ser a atividade com a qual é possível, em seu interior,
surgir outros tipos de atividades diferenciadas, como o ensino e a instrução,
que indiretamente estão presentes na atividade dominante da idade pré-
escolar, que é o jogo e a brincadeira; 2) a atividade dominante é aquela
capaz de promover a reorganização de processos psicológicos particulares,
como a imaginação, a abstração e generalizações, que se formam, o
somente pela atividade dominante, mas indiretamente por atividades
geneticamente ligadas a ela, por exemplo, a abstração de cores surge na
idade pré-escolar por meio da atividade de pintura e aplicação das cores,
porém tais atividades mantêm relações lúdicas com o objeto de estudo; 3)
a atividade dominante é aquela capaz de impulsionar mudanças
226
psicológicas na personalidade da criança, que mediante o jogo e a
brincadeira, ela passa a se aproximar e incorporar funções sociais e normas
de comportamentos, as quais são fundamentais para a constituição de sua
personalidade. “A atividade dominante é, portanto, aquela cujo
desenvolvimento condiciona as principais mudanças nos processos
psíquicos da criança e as particularidades psicológicas da sua personalidade
num dado estágio do seu desenvolvimento” (LEONTIEV, 2004, p. 312).
O fator que impulsiona a modificação do lugar ocupado pela
criança, bem como a atividade dominante para o seu desenvolvimento, são
as condições da vida social que, de acordo com Leontiev (2004) marcam
as crises mais importantes na vida das pessoas: a crise dos três anos de idade
(marcada pela inserção da criança na educação infantil); a crise dos sete
anos (caracterizada pelo início da vida escolar); e a crise da adolescência
(marcada pela introdução na vida social adulta e nas primeiras relações de
trabalho).
Nos primeiros anos de vida, a criança realiza atividades que a
ajudam a conhecer e explorar o mundo que a circunda, identificando
fenômenos e objetos existentes. Na idade escolar, a criança realiza
atividades voltadas para o estudo e o emprego arbitrário do pensamento,
tomando uma nova postura com relação à escola e as tarefas de estudo. Na
adolescência, como preparação para a vida adulta, ela passa a empregar um
pensamento cada vez mais teórico e se envolver em atividades de trabalho
cada vez mais complexas, preocupando-se com vida social e política as
quais não lhe interessavam no estágio anterior.
A cada mudança nessa estrutura da relação social, de acordo com
Leontiev (2004), a pessoa enfrenta uma crise que envolve de um lado a
sociedade que exige dela uma nova postura diante das relações sociais e, de
outro, a sua estrutura orgânica em amadurecimento. A crise ocorre, por
sua vez, quando a pessoa já se encontra em idade escolar, por exemplo, mas
227
ainda não rompeu definitivamente com as características, atividades e o
espaço ocupado pertencentes ao estágio pré-escolar.
Essa complicação no decurso do desenvolvimento das pessoas com
deficiência pode ocorrer por fatores ligados às políticas públicas, às
incipientes condições de inclusão e aprendizagem, falta de recursos de
Tecnologia Assistiva e carência de formação adequada para professores e
profissionais, que por não garantirem as condições necessárias para a plena
participação dos alunos nas atividades e tarefas de estudo, marginalizam e
limitam o processo de aprendizagem à mera socialização e acolhimento
social, com o objetivo de proporcionar a convivência, respeito e tolerância
à diversidade.
Em estudos realizados nos primeiros anos do Ensino Fundamental
(OLIVEIRA JUNIOR & SFORNI, 2018) e (OLIVEIRA JUNIOR,
2014), bem como o estudo de Kassar (2011), mencionados no primeiro
capítulo, apresentam resultados de pesquisa de campo que mostraram
crianças com deficiência visual, matriculadas em classes comuns da rede
regular de ensino, mas devido à falta de recursos e condições melhores para
o atendimento de suas necessidades, ficavam alheias às atividades e ao
conteúdo do currículo escolar. Em síntese, priorizava-se a socialização
como o principal lugar ocupado pelos alunos com deficiência, limitando a
sua participação como ouvinte e uma participação reduzida nas atividades
de estudo.
No entanto, a atividade de estudo nesse período da vida escolar é a
atividade dominante, que de acordo com Leontiev (2004, p. 312) é
compreendida como "[...] aquela cujo desenvolvimento condiciona as
principais mudanças nos processos psíquicos da criança e as
particularidades psicológicas da sua personalidade num dado estágio do
seu desenvolvimento".
228
O lugar ocupado na estrutura das relações sociais pela pessoa com
deficiência é determinado pela atividade dominante, que ao se modificar,
transforma toda a estrutura do desenvolvimento da criança e o seu espaço
social. Dessa forma, uma escola que não oferece condições que viabilizem
a plena participação das pessoas com deficiência nas atividades e tarefas
escolares, se torna em um espaço dificultoso para a aprendizagem e o
desenvolvimento.
Combater os preconceitos e a discriminação às diferenças,
promovendo uma mudança na atitude da população e da comunidade
escolar é um fator importante para o processo de inclusão, porém não é
suficiente para garantir o desenvolvimento das pessoas com deficiência a
patamares mais elevados. É necessário, por sua vez, garantir a mesmas
condições de participação e acesso ao conteúdo escolar para todos. A
deficiência, enquanto fator biológico, não pode diminuir a capacidade de
subjetivação do gênero humano às pessoas com deficiência.
As causas da exclusão e subtração da pessoa com deficiência deve
ser identificada na sociedade e nas estruturas sociais, que por estarem
organizadas segundo um “padrão” de normalidade para a visão, audição e
condições físicas, limitam a participação e a acessibilidade. A depender do
modo como os espaços e as atividades são organizadas, evidenciam a
deficiência e a insuficiência orgânica como um desvio no desenvolvimento,
como um fator de empecilho na participação social. Por essa razão, os
espaços físicos e sociais destinados às pessoas com deficiência estão sempre
restritos e limitados, quanto maior o comprometimento da deficiência,
maior a complicação para a sua inserção social.
Vygotski (1997) defende que no processo de educação da pessoa
com deficiência devem-se combater os fatores sociais que a impedem de
ascender socialmente e ocupar posições e determinados status dentro da
estrutura das relações sociais. É preciso remover as barreiras impostas pelos
229
espaços físicos e sociais, possibilitando que, mesmo por vias diferenciadas,
ela se desenvolva e supere as dificuldades e complicações ocasionadas pela
limitação orgânica.
A esse processo de superação com relação à complicação no decurso
do desenvolvimento, Vygotski (1997) chama a atenção para a importância
do entendimento de compensação e supercompensação da deficiência.
Diferentemente das concepções de deficiência mística e biológico ingênuo,
a compensação vigotskiana não se pauta em uma compensação inata e
divina, nem tampouco pela mera substituição de uma via sensorial por
outra. A verdadeira compensação encontra-se na reorganização do
organismo com vistas a superar e romper com as barreiras imposta pela
sociedade e pela estrutura das relações sociais.
O fato fundamental que encontramos no desenvolvimento agravado
pelo defeito, é o duplo papel que desempenha a insuficiência orgânica
no processo desse desenvolvimento e da formação da personalidade da
criança. Por um lado, o defeito é o menos, a limitação, a debilidade, a
diminuição do desenvolvimento; por outro; precisamente porque cria
dificuldades, estimula um avanço elevado e intensificado. [...] todo
defeito cria os estímulos para elaborar una compensação (VYGOTSKI,
1997, p. 14, tradução nossa).
O processo de compensação, nessa perspectiva, ocorre no âmbito
da própria deficiência, que de forma dialética põem em movimento a
menos valia oriunda da insuficiência orgânica, e uma reação positiva do
próprio organismo, que em decorrência da vida e do percurso do
desenvolvimento da personalidade da pessoa com deficiência, promove
uma reestruturação capaz de forçar uma superação das limitações e das
barreiras colocadas pela sociedade.
230
Para Vygotski (1997) a compensação e o fator positivo relacionado
a menos valia da deficiência, são imprescindíveis para a educação da pessoa
com deficiência visual, visto que o professor e demais profissionais da
educação devem reconhecer as peculiaridades do desenvolvimento desses
sujeitos, contribuindo por meio da mediação, as condições necessárias para
o desenvolvimento e a aprendizagem do conteúdo e o conhecimento
acumulado historicamente pela humanidade.
Por meio das mediações, que produzem e reproduzem os traços
essenciais do gênero humano, a pessoa com deficiência visual consegue
reestruturar o seu organismo de tal forma que a deficiência, como uma
debilidade orgânica, não possa afetar o seu desenvolvimento psíquico e
social.
Consideramos que o comprometimento do desenvolvimento não se dá
pela deficiência em si, mas pela ausência de mediações que permitam
compensar a função ou o órgão afetado. Essa compensação [...] não se
dá natural e espontaneamente, mas decorre do estabelecimento de
estratégias culturais. (BARRROCO & LEONARDO, 2016, p. 327).
Nesse sentido, os pressupostos teóricos ligados à Teoria Histórico-
cultural, têm contribuído para o entendimento de que a “deficiência” não
se encontra no organismo da pessoa, mas no modo como a sociedade está
organizada, de forma a dificultar ou impedir as mediações que asseguram
às pessoas com deficiência visual, conquistar as aptidões e especificidades
do gênero humano.
Lutar pela inclusão e a garantia do desenvolvimento para as pessoas
com deficiência visual, significa também criar “estratégias culturais” que
permitam o acesso da pessoa com deficiência visual ao conhecimento
231
científico, a reorganização de seu organismo e, consequentemente, a
compensação social de sua limitação sensorial.
3.4 O emprego de Tecnologia Assistiva no processo de internalização
dos conceitos científicos
O emprego de Tecnologia Assistiva na escola, como já foi
mencionado ao longo deste trabalho, pode ser uma gama de recursos e
serviços indispensáveis para a participação da pessoa com deficiência nas
diferentes atividades de ensino propostas pelo professor e pela escola, nas
quais, mediante o emprego desses recursos, possibilitam maior autonomia,
funcionalidade e independência.
No entanto, com base nos pressupostos teóricos da Teoria
Histórico-cultural, esses recursos, por eles mesmos, não são capazes de
assegurar a aprendizagem de conceitos científicos e o desenvolvimento das
pessoas com deficiência visual. Para que se promova o desenvolvimento
desses sujeitos e, consequentemente consigam uma compensação social da
deficiência, é necessário que tomem para si as especificidades e aptidões do
gênero humano, o que requer transformar o social em individual e o
interpsicológico em intrapsicológico. Na concepção de Leontiev (2004),
esse processo se dá por meio da atividade externa transformada em
atividade interna.
Dessa forma, qual seria a função que podemos atribuir aos recursos
de Tecnologia Assistiva ao longo desse processo de humanização?
Ao averiguarmos os tipos de recursos de TA desenvolvidos para
atender às necessidades das pessoas com deficiência visual, como
apresentado no capítulo 2, podemos perceber a tentativa de uma
232
compensação biológica da deficiência, seja na promoção da ampliação da
capacidade visual, por meio de lupas para pessoas com baixa visão, ou a
utilização dos sentidos remanescentes, como sintetizadores de voz ou
recursos hápticos, para pessoas com cegueira.
A utilização desse tipo de recurso para a vida diária e cotidiana das
pessoas com deficiência é fundamental, sobretudo para lhes ajudar a
perceber o mundo que os cercam, contribuindo na ampliação de sua
capacidade autônoma e independente de se relacionar com o mundo
objetivo.
Por meio desses recursos, a pessoa com cegueira tem a possibilidade
de acessar espaços físicos, conteúdos e informações contidas em livros e
ambientes virtuais, de forma a amenizar o impacto social ocasionado pela
deficiência sensorial.
Como a sociedade se organiza e se relaciona de modo a atender às
necessidades de um “padrão de normalidade visual”, as pessoas com baixa
visão ou cegueira, em muitos casos, ficam excluídas ou à margem dessa
organização social, seja na publicação de um livro somente impresso; ou
no tamanho das letras em placas informativas em logradouros, espaços
públicos e privados; ou no sistema público de transporte. Isto é, são muitas
as barreiras que dificultam o curso da vida das pessoas com deficiência
visual, inclusive no âmbito escolar, onde muitos sistemas de ensino,
metodologias de aprendizagem e recursos didáticos, os quais são
inacessíveis.
Nessa perspectiva, os recursos de TA surgem como uma forma de
minimizar essa desigualdade biológica e natural da pessoa com deficiência
visual, a qual, mediante a utilização desses recursos, tem suas capacidades
sensoriais ampliadas ou adequadas dentro do “padrão de normalidade” da
nossa sociedade.
233
Para identificarmos o papel que os recursos de TA exercem no
processo de aprendizagem e desenvolvimento das pessoas com deficiência
visual, devemos compreender a relação que a percepção sensorial exerce
sobre a aprendizagem de conceitos científicos.
Como já vimos em Vygotski (2009), a aprendizagem e a tomada
de consciência acerca dos conceitos científicos exige o desenvolvimento de
um pensamento superior, capaz de compreender generalizações que
partem das propriedades abstratas ao concreto de dado fenômeno do
mundo objetivo.
Por outro lado, a percepção do mundo, somente pelas vias
sensoriais, leva o sujeito a um desenvolvimento espontâneo de conceitos,
os quais têm como base as experiências e a vida cotidiana.
Para compreendermos o processo de desenvolvimento das pessoas
com deficiência, é necessário levarmos em consideração a relação dialética
existente entre ambas as vias de desenvolvimento dos conceitos científicos
e espontâneos, bem como a força em que um exerce sobre o outro, ambos
não se anulam, mas se complementam dentro de um todo.
Por essa razão, acreditar que os recursos de tecnologia, quando
empregados na educação, são suficientes para o desenvolvimento de um
pensamento abstrato, é puramente uma consideração ingênua, sobretudo
quando compreendemos os recursos como uma forma de ampliação
sensorial do mundo objetivo.
Os recursos de TA, em seu próprio propósito, visa a melhorar as
condições da vida empírica e prática das pessoas com deficiência, uma vez
que buscam uma melhor condição e funcionalidade no trabalho, nas
atividades diárias e no processo educativo. Desse modo, é importante
compreendermos a importância dessas atividades práticas para a formação
do pensamento e desenvolvimento.
234
A atividade prática, de acordo com Davidov (1982), é a base de
todo o conhecimento e do pensamento humano. Ao entrar em contato
com os objetos naturais presentes na natureza, as pessoas os transformam
com vistas a satisfazer as suas necessidades. Por meio desta atividade,
reconhecida pelo autor como trabalho, é o que permite a superação da
imediatez dos objetos postos.
Para Davidov (1982, p. 280-281),
A transformação do que dá a natureza é um ato de superação de sua
imediatez. Por si mesmos os objetos naturais não adquiririam a forma
que lhes dá conforme as necessidades do homem social. Além disso, as
pessoas devem levar em consideração, de antemão, que as propriedades
dos objetos que permitem produzir as metamorfoses correspondentes,
tanto à finalidade formulada, como à natureza dos objetos mesmos.
Em consequência, no processo de trabalho, o homem deve considerar
não só as propriedades externas dos objetos, mas também as conexões
internas que permitem mudar suas propriedades e fazê-los passar de
um estado a outro. Não se podem pôr em evidência estas relações
enquanto não se realize a transformação prática dos objetos nem sem
ela, já que só neste processo ditas relações se põem em evidência
(DAVIDOV, 1982, p. 280-281).
No processo de transformação, por meio da atividade prática, o
objeto é introduzido em um sistema com outros objetos e, em decorrência
dessa interação, as pessoas colocam o objeto em uma determinada forma
de movimento. Somente por essa interação, proporcionada pela atividade
prática, são postas em evidência as conexões internas dos objetos.
A reprodução e criação dos objetos postos pela natureza, bem como
a superação de sua imediatez e o estabelecimento de conexões internas no
âmbito de um sistema foram determinantes para o desenvolvimento da
235
consciência humana, que ao longo de sua história fixou e cristalizou
conhecimentos, seja por meio de representações ideais ou nas propriedades
físicas.
Por essa razão, dizer que a atividade prática é a base do
pensamento humano, significa que o pensamento é o movimento de
formas de atividades humanas, devidamente apropriadas pelo homem e
historicamente constituídas em suas relações com a natureza e o meio
social (DAVIDOV, 1982).
Nessa perspectiva, Davidov (1982), acredita que o pensamento,
como uma das atividades espirituais do homem, está entrelaçado com a
vida prática da sociedade, apresentando-se na forma de seu reflexo ideal,
que se manifesta na formulação de imagens internas acerca dos objetos
presentes no mundo objetivo.
A atividade do pensamento, com base no exposto pelo autor, é a
representação idealizada da realidade objetiva que se manifesta nas formas
subjetivas da atividade humana e social. Ao incorporar a forma de um dado
fenômeno externo ao processo de trabalho, o homem reproduz esse
fenômeno externo na forma de sua atividade subjetiva, refletindo-o
idealmente por meio da expressão verbal.
As formas de um objeto material se revelam para o homem por
meio de suas ações práticas e, somente depois por meio delas, se
transformam em representação ideal.
Para Kopnin (1978), durante esse processo, intrínseco ao
pensamento, o sujeito não modifica em termos práticos o objeto, mas
somente o reflete com vistas a conhecer as suas leis. Dessa forma, a relação
teórica do objeto com relação ao sujeito se manifesta na base da relação
prática, que como resultado, surge o conhecimento deste objeto e não a
sua modificação.
236
Assim, o pensamento não pode ser outra coisa senão uma imagem
subjetiva do mundo objetivo. Ele não pode ultrapassar os limites da
subjetividade no sentido de que pertence sempre ao sujeito, ao homem
social e cria apenas a imagem e não a própria coisa objetiva, com todas
as suas propriedades. Ao mesmo tempo, o pensamento é objetivo
porquanto se desenvolve pela via da criação de uma imagem ideal que
reflete o objeto com plenitude e precisão; por conteúdo, procura ser
adequado à coisa objetiva, descobrir as propriedades do objeto tais
como elas existem independentes do pensamento (KOPNIN, 1978, p.
127).
O ideal (pensamento) está relacionado com o material (objeto),
mas não são a mesma coisa. O ideal é o reflexo do objeto e, por
conseguinte, é o material trasladado para a cabeça do homem e lá
transformado em imagem representativa.
Os fenômenos externos, presentes no mundo objetivo
independentemente do pensamento, são descobertos pelo homem por
intermédio de suas ações práticas e sociais (trabalho) e, posteriormente, são
trasladados ao plano idealizado, formando uma representação interna. As
representações internas de ações práticas do homem, que ocorre no âmbito
da atividade objetiva e subjetiva, são os fatores que garantem
fundamentalmente o desenvolvimento humano.
O primeiro contato do homem com o mundo objetivo se dá por
intermédio de seus órgãos sensoriais, que proporcionam as sensações e
percepções necessárias para o processo de atividade prática e laboral. Todo
o conhecimento da humanidade provém inicialmente dos sentidos, visto
que estes são a única fonte de contato dos seres humanos com o mundo
exterior.
237
Nesse sentido [...] pode-se dizer que o sensorial antecede
temporalmente não só ao racional, mas a todo conhecimento humano.
Quando se resolve não a questão das fases de desenvolvimento do
conhecimento, mas da sua fonte, não pode haver qualquer dúvida de
que o reflexo sensorial da realidade antecede ao pensamento enquanto
forma de conhecimento humano. Por isto a questão do caráter das
nossas sensações é de importância essencial para a teoria do
conhecimento em geral, pois se trata, segundo Lênin, “... da confiança
do homem nos registros dos seus órgãos dos sentidos”, da “questão da
fonte do nosso conhecimento ...” 22. As sensações e percepções do
homem constituem o fundamento de todos os nossos conhecimentos
do mundo exterior. Não reconhecer o caráter objetivo do conteúdo das
sensações implica em negar a possibilidade do conhecimento do
mundo, em caminhar para o agnosticismo (KOPNIN, 1978, p. 151).
Toda atividade laboral humana traz consigo a mediação da cultura
material e intelectual da humanidade, que exige da pessoa a reprodução
dessa atividade em seus traços mais essenciais e fundantes. Para isso, a
sensibilidade e a percepção podem se tornar indispensáveis para formação
de sentidos e significados acerca de dado objeto.
Os resultados da experiência sensorial do homem se manifestam
por intermédio da atividade complexa do pensamento, que de acordo com
Davidov (1982) e Kopnin (1978), apresentam em dois níveis distintos:
empírico e teórico, os quais diferenciam-se “[...] um do outro pela maneira
e pelo aspecto em que neles é dado o objeto, pelo modo como é conseguido
o conteúdo básico do conhecimento, o que serve como forma lógica de
expressão deste e, por último, pela sua importância prática e teórica
(KOPNIN, 1978, p. 152).
O pensamento empírico, de acordo com Davidov (1982), expressa
a imediatez dos objetos e, como resultado direto da experiência sensorial
238
humana, apresenta a representação direta das propriedades materiais e
físicas do objeto.
Assim, a formação das representações gerais, diretamente enlaçadas
com a atividade prática, cria as condições indispensáveis para realizar a
complexa atividade espiritual que habitualmente se chama
pensamento. Para este são características a formação e utilização das
palavras-denominações que permitem dar à experiência sensorial a
forma de universalidade abstrata. Graças a essa forma se pode
generalizar a experiência nos juízos, utilizá-la nos raciocínios. Tal
universalidade, baseada no princípio da repetibilidade abstrata,
constitui uma das particularidades do pensamento empírico. Este se
constitui como forma transformada e expressada verbalmente da
atividade dos órgãos dos sentidos, enlaçada com a vida real; é o
derivado direto da atividade objetal-sensorial das pessoas.
(DAVIDOV, 1982 p. 296-297, tradução nossa).
De modo geral, o pensamento empírico se realiza mediante a
percepção da realidade objetiva, por meio do conhecimento imediato
externo e pela apropriação de aspectos da existência presente do objeto.
Porém, não podemos limitar o pensamento empírico a uma mera
representação verbal perceptiva pelas vias sensoriais. Esse tipo de
conhecimento exige um pensamento racional, com possibilidades
cognoscitivas amplas no âmbito da discriminação, da designação das
propriedades dos objetos.
Embora, o procedimento empregado pelas pessoas, detentoras de
linguagem, para obter os dados sensoriais tenha sido referido por Davidov
(1982) como parte do pensamento empírico, é importante termos em
mente que o pensamento é um conhecimento racional e, por sua vez,
239
[...] na análise da atividade cognoscitiva do homem social não se pode,
em geral, utilizar a categoria "conhecimento sensorial" como elo
isolado e peculiar, predecessor do "conhecimento racional". O
conhecimento da humanidade socializada tem, desde o começo
mesmo, forma racional. Na atualidade muitos filósofos soviéticos
sustentam este ponto de vista. Aqui é necessário sublinhar que o
fundamento e a fonte de todos os conhecimentos do homem sobre a
realidade são as sensações e as percepções, os dados sensoriais. Mas os
resultados da atividade dos órgãos dos sentidos do homem são
expressos por este em forma verbal, a que acumula a experiência de
outras pessoas (DAVIDOV, 1982, p. 298-299).
No pensamento empírico, para Kopnin (1978), o objeto é
representado nas relações e manifestações internas, sensorialmente
percebidas na realidade concreta, na qual a forma gica é formada pelo
juízo tomado isoladamente e capaz de constatar o sistema de fatos que
descrevem os fenômenos. Desse modo, a aplicação prática desse nível de
pensamento é restrita, a qual pode ser o ponto de partida para a elaboração
de uma teoria. Entretanto, o pensamento empírico não pode ser
confundindo como um conhecimento sensorial, uma vez que, por meio
dele “[...] obtém-se da experiência imediata o conteúdo fundamental do
pensamento; são racionais antes de tudo a forma de conhecimento e os
conceitos implícitos na linguagem, em que são expressos os resultados do
conhecimento empírico (KOPNIN, 1978, p. 152).
No que concerne ao conhecimento teórico, o pensamento, por
outro lado, se desenvolve por meio da formação de conceitos e ações
mentais. Para Davidov (1982, p. 299-300, tradução nossa), o pensamento
teórico
240
[...] constitui uma idealização do aspecto fundamental da atividade
prática-objetiva, a saber, da reprodução nelas das formas gerais das
coisas, de sua medida e de suas leis. Essa reprodução tem lugar na
atividade laboral como em um singular experimento sensório-objetivo.
Logo, esse experimento vai adquirindo cada vez mais um caráter
cognoscitivo, permitindo que o homem passe com o tempo a
experimentos mentais, atribua mentalmente aos objetos uma ou outra
interação e determinada forma de movimento (DAVIDOV, 1982, p.
299-300, tradução nossa).
O pensamento teórico é de um tipo particular, com capacidades
mentais superiores, que apresenta características e especificidades que são
desenvolvidas, exclusivamente na escola.
As particularidades do pensamento teórico, distinguem-se das do
pensamento empírico, uma vez que já não opera mais somente com
representações, mas com conceitos concatenados em um sistema científico.
De acordo com Davidov (1982, p. 300),
O conceito aparece aqui como a forma de atividade mental por meio
da qual se reproduz o objeto idealizado e o sistema de suas relações,
que em sua unidade refletem a universalidade ou a essência do
movimento do objeto material. O conceito atua, simultaneamente,
como forma de reflexo do objeto material e como meio de sua
reprodução mental, de sua estruturação, isto é, como ação mental
especial (DAVIDOV, 1982, p. 300).
Obter o conceito de um objeto, pressupõe conseguir reproduzir
mentalmente o seu conteúdo, desvelando todos os movimentos do objeto,
bem como suas relações universal, particular e singular. Isto é, revelar a sua
essência e todas as suas conexões internas.
241
Com base no exposto até o momento, podemos considerar que,
embora o conhecimento teórico tenha certo distanciamento da
dependência da experiência sensorial humana, devemos reconhecer a
importância dos sentidos na formação de ambos os níveis de pensamento,
seja o empírico ou o teórico. Ao longo do processo de desenvolvimento do
pensamento, há uma importante participação das vias sensoriais,
sobretudo nas formas da atividade prática, uma vez que a fonte para todo
o conhecimento produzido pela humanidade, encontra-se nas sensações e
percepções dos seres humanos.
Dessa forma, os recursos de Tecnologia Assistiva, inseridos no
âmbito das ações práticas humanas, ganham maior importância ao longo
do processo de desenvolvimento das pessoas com deficiência visual. No
entanto, ainda temos que averiguar em que momentos desse processo as
TA são cruciais e, por conseguinte, em quais momentos elas ficam em
segundo plano.
Já podemos compreender que, quanto maior a necessidade de a
pessoa com deficiência ter que lidar com objetos concretos, em nível de
um pensamento empírico, mais necessidade das vias sensoriais e das TA
ela terá. Contudo, ao passo que, o concreto e os objetos presentes ao seu
redor, estiverem incorporados em sua atividade espiritual e ideal, regidas
por ações mentais de um pensamento em nível teórico, a necessidade da
percepção concreta da realidade diminui.
Para esclarecermos essa problemática teórica, buscaremos na
produção de Galperin (2011), na qual ele explica a formação de ações
mentais por etapa, no processo de apropriação de conceitos científicos. De
acordo com suas análises, a formação do conceito se dá como imagem
abstrata e generalizada dos fenômenos. A imagem reflete os elementos
essenciais da experiência social, que está cristalizada nos conceitos
científicos.
242
Em seu conteúdo, por trás de cada imagem (incluindo o conceito), se
oculta una ação mental generalizada, abreviada e automatizada. O
esclarecimento dessa ação significa a elucidação do mecanismo
psicológico da imagem e, em particular, da explicação psicológica do
conceito (GALPERIN, 2011, p. 75, tradução nossa).
Todo conceito e imagem generalizada se derivam de um processo
dinâmico, constituído de ações mentais que propiciam o desenvolvimento
do pensamento teórico. "As ações mentais, [...] se constituem na
habilidade de realizar na mente as formas e conteúdos do objeto
transformado em pensamento" (LONGAREZI, 2014 p. 164).
A ação mental, nos pressupostos da teoria de Galperin, se
caracteriza como a última etapa do processo de internalização da atividade
externa ou da assimilação do objeto do conhecimento. A essência de sua
teoria
[...] consiste em, primeiro, encontrar a forma adequada da ação;
segundo, encontrar a forma material de representação da ação e,
terceiro, transformar essa ação externa em interna. Nessa
transformação, que passa por esses três momentos, são produzidas
mudanças na forma da ação, pois, segundo a teoria, o conteúdo
permanece o mesmo. Quando se estrutura uma ação completamente
nova, sua forma é primeiro material, em seguida, verbal e, por último,
mental, possibilitando que as funções mentais superiores se
desenvolvam. Dessa forma, prestam-se as ajudas necessárias ao aluno
durante o processo de formação dos conceitos. O processo de
aprendizagem, como processo de assimilação dos conteúdos, avança do
geral para o concreto, por meio da atividade conjunta e por
mecanismos de simbolização do conteúdo, usando a linguagem como
meio de formulação linguística de relações e de conscientização do
aluno (NÚÑEZ, 2009, p. 94-95).
243
O processo em que se dá a internalização da experiência social
tipicamente humana é, também, a condição necessária para possibilitar o
desenvolvimento do pensamento teórico e das funções psicológicas
superiores, seja de uma pessoa com deficiência ou não.
3.4.1 A formação de conceitos científicos com base na formação de
ações mentais por etapa
A formação de conceitos científicos ocorre, de acordo com
Vygotski (2009), dentro do âmbito da escola, desde que se tenha um
ensino promotor do desenvolvimento e capaz conduzir o pensamento dos
alunos aos patamares mais elevados de abstração e generalização.
O processo de aprendizagem e formação de conceitos para alunos
com deficiência visual tem sido uma situação de dificuldade, tanto para o
professor quanto para o aluno. De um lado se tem as peculiaridades no
decurso do desenvolvimento psíquico das pessoas com deficiência visual e,
por outro, uma organização de ensino que não pressupõe a formação de
conceitos científicos e o pensamento teórico (OLIVEIRA JUNIOR,
2014); (OLIVEIRA JUNIOR & SFORNI, 2018).
Para a orientação de um ensino capaz de promover o
desenvolvimento é necessário levar em conta o processo descrito por
Galperin, que inicia o ensino sob a base material do conceito, passando
pela etapa verbal e, posteriormente, para a atividade mental.
Esse processo de internalização dos conceitos científicos, no que
concerne aos processos psíquicos, ocorre da mesma maneira nas pessoas
com ou sem deficiência, porém quando consideramos o meio social e as
barreiras impostas às pessoas com deficiência visual, é necessário considerar
244
determinadas peculiaridades nesse percurso, as quais deverão estar
atreladas à promoção da compensação social da ausência ou limitação da
visão.
De acordo com Vygotski (1997), a depender de como o meio
social e os espaços físicos estão organizados, a insuficiência orgânica
ocasionada pela deficiência pode se agravar e complicar o desenvolvimento
das funções psíquicas superiores.
A apropriação da atividade externa, como substrato da
generecidade humana, de acordo com Leontiev (2004) é o processo que
define a formação do psiquismo humano e garante ao sujeito a aquisição
das aptidões e especificidades humanas, as quais acreditamos fazer parte do
processo de desenvolvimento das pessoas com deficiência visual, se
configurando no objetivo principal da compensação social e do mecanismo
necessário para se atingir os patamares mais elevados do desenvolvimento.
Galperin, de acordo com Núñez (2009), explica que esse processo
de internalização da atividade externa em atividade interna ocorre por
meio das seguintes etapas: 1) Motivacional; 2) Base Orientadora da Ação
(BOA); 3) Formação da ação no plano material ou materialização; 4)
Formação da ação na linguagem externa - interna; 5) Formação da ação no
plano mental.
Esse processo foi definido por Galperin como a Teoria de
Formação das ações mentais por etapas, a qual é caracterizada como uma
teoria do ensino. Para Talízina (1988, p. 137, tradução nossa), é o
referencial que subsidia a formação ontogênica da atividade psíquica. É o
processo de assimilação da experiência humana, "[...] que sempre se realiza
com a ajuda, em uma ou em outra medida, de outras pessoas - ou seja,
como ensino e educação [...].
245
Ao longo desse processo de internalização da experiência social
humana, a autora ainda salienta que,
O processo de formação da atividade se analisa como o processo de
transmissão da experiência social. Não obstante, a transmissão não se
realiza somente mediante a comunicação da pessoa que ensina, como
conservadora da experiência social, com o aluno, mas por meio da
exteriorização da atividade requerida, sua modelação em forma externa,
material (materializada) e a transformação paulatina em atividade
interna, psíquica (TALÍZINA, 1988, p. 137, tradução nossa).
O ensino, com base nesses pressupostos, em conformidade com
Talizina (2000), deve iniciar pela etapa "motivacional", que tem como
objetivo preparar o aluno para a assimilação de novos conhecimentos.
Nesse momento, delineado pela autora como a etapa zero, o professor deve
criar motivos nos estudantes para a realização da atividade de ensino
(PINHEIRO, 2016).
A motivação é um elemento indispensável no processo de
aprendizagem de qualquer criança em idade escolar e, no caso das pessoas
com deficiência não é diferente. De acordo com Núñez (2009), uma das
tarefas do professor é criar motivações nos alunos que direcionam o seu
interesse para a aprendizagem, seja por meio de situações problemas ou o
estabelecimento de relações práticas do dia a dia.
Talizina (2000) sustenta que, o desenvolvimento dos motivos de
aprendizagem ocorre mediante duas vias: “[...] 1) por meio da assimilação
do sentido social da aprendizagem; e 2) por meio da mesma atividade do
aluno, a qual deve ser interessante para ele por uma ou outra razão
(TALÍZINA, 2000, p. 238, tradução nossa).
246
O sentido social da aprendizagem deve ser levado a consciência dos
alunos como um objetivo básico para o professor. De acordo com Talizina
(2000), primeiramente deve-se criar motivos que movam os alunos a
desejarem ocupar um espaço social, buscando níveis mais altos de
qualificação. Desse modo, ao longo desse processo, é importante levar à
sua consciência, a relação existente entre o alto nível de qualificação com a
assimilação dos conhecimentos e habilidades, fatores estes que impactam
positivamente no desenvolvimento psíquico.
Por outro enfoque, Talizina (2000) chama a atenção para
incrementação dos motivos que os alunos julgam importantes para eles.
Embora, em muitos casos, esses motivos não coincidem diretamente com
a aprendizagem do conteúdo escolar, são muito importantes para dar início
ao processo de ensino e aprendizagem, uma vez que essa via de
desenvolvimento de motivação escolar “[...] se relaciona com a organização
imediata do processo de aprendizagem” (TALÍZINA, 2000, p. 238,
tradução nossa)
A aprendizagem só ocorre mediante o interesse de aprender por
parte do aluno. É necessário que o aluno esteja motivado para dar início
ao processo da atividade de estudo. Há de ter uma relação inicial entre o
interesse cognitivo do aluno e o objeto de estudo, mesmo que esse, a priori,
não seja o motivo de aprender o conceito científico.
Na concepção de Nuñez (2009), as duas vias de desenvolvimento
de motivos podem caracterizar a criação de motivos internos ou externos,
de modo que cada um tem um tipo particular de relação entre o interesse
do aluno e o conhecimento empregado na atividade de estudo.
Com relação à própria atividade de estudo, os motivos da atividade
podem ser internos e externos. Os motivos externos são aqueles que
247
não estão vinculados aos conhecimentos e tampouco à atividade de
estudo; este último serve como meio para a obtenção de outros fins.
Na motivação interna, os motivos são propriamente de interesse
cognoscitivo, de busca de conhecimentos. A psicologia tem
demostrado que a maior efetividade da assimilação acontece na
atividade de estudo que é impulsionada por motivações internas. Por
isso, uma das tarefas dos professores é criar nos alunos motivações
internas para a atividade de aprendizagem (NUÑEZ, 2009, p. 99).
No que tange a criação de motivos nos alunos, os estudos de
Talizina (2000) mostraram que os interesses cognoscitivos dos alunos
mantem uma relação de dependência com a forma como o material de
estudo é descoberto por eles. Primeiramente, o material de estudo é
percebido pelo aluno como uma sequência de fenômenos particulares,
desconexos e fragmentados. Quando não há um direcionamento para os
meios devidos de descoberta, não resta outra opção para o aluno que não
seja a memorização e a aprendizagem caótica. Desse modo, cabe ao
professor direcionar os interesses deles para o estudo do conteúdo escolar
por meio do descobrimento de sua essência, que se encontra sob a base de
todos os fenômenos particulares, de tal forma que eles se apoiem nessa
essência e sejam capazes de participar ativamente do processo de
aprendizagem. Dessa forma, “a atividade escolar adquire um caráter
criativo para eles, assim se produz o interesse por uma disciplina”
(TALIZINA, 2000, p. 239, tradução nossa).
O papel que o motivo cognoscitivo desempenha no processo de
internalização da atividade social humana é de fundamental importância
para o desenvolvimento, não somente da pessoa em particular, mas da
humanidade em toda a sua generecidade.
Leontiev (2004) explica que para a atividade se tornar um fator
motriz no processo de desenvolvimento, é necessário que o objeto de
248
estudo (conteúdo escolar) esteja vinculado diretamente com o objetivo e o
motivo que move o aluno.
Designamos pelo termo de atividade os processos que são
psicologicamente determinados pelo fato de aquilo para que tendem
no seu conjunto (o seu objeto) coincidir sempre com o elemento
objetivo que incita o paciente a uma dada atividade, isto é, com o
motivo (LEONTIEV, 2004, p. 315).
A criação de motivos nos alunos que vão ao encontro do conteúdo
escolar e movimentam os estudantes em direção a atividade de estudo é
um fator primordial para o professor introduzir um novo conteúdo em sala
de aula.
Para que o motivo que incita a atividade esteja diretamente
relacionado com o aprender o conteúdo escolar, é necessário que a criança
ocupe um lugar ativo na estrutura da atividade de estudo. De acordo com
Leontiev (2004), o lugar ocupado pela criança caracteriza a atividade
dominante que incide diretamente nas forças motoras do seu
desenvolvimento.
Dessa forma, o aluno com deficiência que não esteja em condições
de ocupar um espaço ativo no âmbito da estrutura da atividade, não poderá
criar um motivo que coincida diretamente com o objeto de estudo.
Sem as condições necessárias para a aprendizagem, o aluno com
deficiência pode ocupar um espaço, no que tange à sala de aula, limitado
e, por sua vez, a motivação para o estudo não ocorre e todo o processo de
aprendizagem e desenvolvimento fica comprometido. Cabe, desse modo,
ao professor e a instituição de ensino viabilizar os recursos e os
249
atendimentos especializados que garantam a participação da pessoa com
deficiência visual nas mesmas condições que as demais.
Nesse momento do processo de aprendizagem, a utilização dos
recursos de Tecnologia Assistiva é imprescindível, uma vez que podem
contribuir para colocar o aluno em uma condição mais ativa dentro da sala
de aula e possibilitar seu maior interesse no conteúdo escolar.
Em consequência da ausência de recursos tecnológicos na sala de
aula, como um notebook, uma máquina de datilografia Braille, lupas
eletrônicas e materiais didáticos acessíveis, o aluno com deficiência visual
pode ficar isolado de qualquer mediação ou atividade de ensino proposta
pelo professor e, consequentemente, o seu interesse pelo conteúdo pode
diminuir e a criação de motivos pode ser comprometida.
Na próxima etapa, o professor deve estabelecer a Base Orientadora
da Ação, que corresponde ao "[...] sistema de condições, no qual realmente
se apoia o sujeito durante a realização da ação(TALÍZINA, 2000, p. 137,
tradução nossa). Nessa etapa é necessário criar um modelo de ação a ser
executada e dispor de todos os seus componentes, possibilitando ao aluno
identificar os limites da atividade.
De acordo com Núñez (2009), a Base Orientadora da Ação é o
momento de constituir o modelo da atividade, que reflita todas as partes
estruturais e funcionais, como a orientação, execução e controle,
permitindo ao sujeito construir o sistema de conhecimento, bem como
estabelecer os modelos de ação a serem executadas no decurso da
aprendizagem.
É nesse momento em que o professor, juntamente com o aluno faz
a negociação do sentido e do significado dos conceitos científicos, traçando
as condições para que a apropriação e internalização do conceito ocorram.
250
Essa etapa deve ser estabelecida num processo de elaboração do
conhecimento de tal modo que os alunos possam construir, junto com
o professor, num processo de elaboração conjunta, o modelo da
atividade que realizarão (a habilidade em formação). O aluno deve
dispor de todos os conhecimentos necessários sobre o objeto da ação,
as condições que compreendem a atividade a ser realizada, os meios de
controle, e deve conhecer, nessa etapa, os limites de aplicação de tal
atividade (NÚÑEZ, 2009, p. 101).
A compreensão do processo de constituição da atividade e de seus
modelos de ação permite ao aluno, sobretudo aquele com deficiência, estar
em uma condição ativa no processo de aprendizagem dos conceitos
científicos. A definição de como se dará a orientação, execução e o controle
da atividade é fundamental para uma organização de ensino que seja capaz
de incluir e promover o desenvolvimento nas pessoas com deficiência
visual.
Na terceira etapa, que consiste na formação da ação no plano
material ou materializada, o aluno age diretamente com o objeto (ação
material) ou com sua forma representativa (materializada), de forma a
explorar, por meio de sua percepção sensorial, as características físicas e
externas do objeto (NÚÑEZ, 2009).
Nesse momento, o aluno ainda não tem condições de operar
verbalmente ou mentalmente com o conceito a ser estudado. É necessário
que ele se aproprie das propriedades essenciais de maneira objetal. Isso
ocorre mediante a manipulação do próprio objeto a ser estudado ou de sua
representação, seja por imagens, maquetes ou esquemas lógicos que
ajudam a compreensão do que é nuclear em dado objeto de estudo.
Acreditamos que nesse momento da aprendizagem, que exige dos
órgãos sensoriais a percepção e a sensação imediata do objeto de estudo, o
251
professor deve levar em consideração às especificidades e condições dos
alunos definidos na etapa da Base Orientadora da Ação. No caso da
deficiência visual, há a possibilidade de adaptar materiais e recursos para
subsidiar sua aprendizagem, seja pelo apoio de profissionais especializados,
seja por auxílio de recursos de Tecnologia Assistiva.
Cada conceito científico deve desenvolver um modo de ação
diferente, a depender da necessidade apresentada pelo aluno. No caso da
matemática, por exemplo, as figuras geométricas poderão ser
confeccionadas em modelos tridimensionais, poderão ser impressas em
alto-relevo. Na disciplina de Geografia, há a possibilidade de empregar
mapas táteis ou maquetes representativas.
A compreensão da representação material ou materializada do
objeto de estudo é uma etapa fundamental para a pessoa com deficiência
visual, visto que pelo comprometimento da visão, o acesso às diversas
formas de representação se torna inacessível. Esse momento no processo
de aprendizagem, para qualquer aluno, de acordo com Núñez (2009) é
primordial para a passagem do conceito, da via material para a via verbal,
na qual o aluno não dependerá mais da forma material ou materializada
para operar com o conceito.
Acreditamos que nesse momento da apropriação das propriedades
materiais dos conceitos seja o ponto crucial para a utilização dos recursos
de TA ao longo do processo de ensino e aprendizagem, uma vez que a
percepção sensorial é a via principal para que o aluno explore o objeto de
estudo, seja em sua manipulação direta ou em sua forma materializada.
Pelo fato de o aluno ainda não conseguir operar mentalmente e
abstratamente com o objeto de estudo, os recursos de TA podem fornecer
alternativas para que o aluno com deficiência visual tenha acesso à
representação material de dado conteúdo. Essa etapa da aprendizagem
252
deve ser organizada pelo professor, de modo a levar em conta as
especificidades e necessidades do estudante, uma vez que aqui se
encontram as maiores barreiras no processo de formação de conceitos
científicos para os alunos com deficiência sensorial.
Após o aluno se apropriar da forma material ou materializada do
objeto, suas ações, paulatinamente, se transformam em ações no plano da
linguagem externa e, em seguida, da linguagem interna.
Nessa etapa, os elementos da ação são representados de forma verbal
(oral ou escrita). O aluno não tem acesso aos objetos reais nem a suas
representações, e sim aos sistemas simbólicos que os representam. Os
apoios externos, materializados para a realização da atividade, não são
mais necessários. O aluno deve resolver a tarefa oralmente ou
utilizando a linguagem escrita. Nesse processo, a ação se converte em
uma ação teórica, baseada em palavras e conceitos verbais. Os alunos
podem redefinir sua compreensão dos conceitos e procedimentos em
diferentes domínios, articulando seus pensamentos enquanto resolvem
um problema ou assumindo o papel de crítico ou de monitor na
atividade em grupo (NÚÑEZ, 2009, p. 112).
A ação no plano verbal, cada vez mais se torna desprendida de
apoio externo, iniciando sem a consideração de algumas operações típicas
de etapas anteriores. A partir do momento, em que o aluno começa a
operar com a linguagem interna, a ação passa a se transformar até atingir a
lógica dos conceitos e a capacidade de generalização, possibilitando a
passagem da ação no plano verbal para mental.
Na última etapa, que caracteriza as ações no plano mental, as
operações com os conceitos tornam-se reflexivas, na forma de uma
linguagem interna. Para Núñez (2009), essa ação inicia em uma forma
253
verbal abreviada, em um processo de reflexão. A comunicação é substituída
pela fala "para si", que não se configura em uma transmissão de
pensamento, mas em um processo de análise do objeto.
Dessa forma, a linguagem se constitui não apenas como uma
ferramenta de comunicação entre os sujeitos, mas em uma função mental
capaz de proporcionar às pessoas novos meios para o pensamento.
A etapa da ação mental é o estágio final do processo de
internalização dos objetos externos e, de certa forma, mantém relações com
os objetos materiais, mas dessa vez, como um reflexo ideal, como um
pensamento abstrato. Com as ações mentais, o concreto é transladado para
o plano mental e o pensamento se torna cada vez mais lógico e teórico.
Mediante a compreensão desse processo de internalização da
atividade externa proposto por Galperin, com base na formação das ações
mentais por etapa, é possível delinear ações de ensino que além de garantir
a apropriação de conceitos científicos às pessoas sem deficiência, pode
colaborar definitivamente para uma organização de ensino que contemple
o desenvolvimento e a aprendizagem das pessoas com deficiência visual,
uma vez que as etapas de formação das ações mentais proporcionam um
processo dialético de generalização do conceito que parte do concreto ao
abstrato e do abstrato ao concreto, viabilizando a compreensão dos
conceitos no plano material (sensorial), no plano verbal (linguagem) e, por
último, no plano mental (pensamento).
A partir desse percurso é possível delinearmos alguns princípios
gerais que poderão ser levados em consideração quanto à organização do
ensino para alunos com deficiência visual, que de maneira ativa, participa
de todas as etapas de assimilação dos conceitos científicos e,
consequentemente, impulsiona o seu desenvolvimento psíquico a
patamares mais elevados.
254
É importante caracterizarmos que o emprego de recursos de
Tecnologia Assistiva permeia todas as etapas de aprendizagem dos
conceitos científicos, porém, acreditamos que nas primeiras etapas,
momento em que o aluno ainda não opera mentalmente e teoricamente
com o objeto de estudo, a utilização de tais recursos se torna imprescindível
para a garantia de que o aluno com deficiência se aproprie dos conceitos e
utilize de ações mentais para interagir com o conteúdo presente no mundo
objetivo.
3.5 Algumas Considerações
Encaminhamos a conclusão desse estudo teórica acerca do
desenvolvimento psíquico das pessoas com deficiência na perspectiva da
Teoria Histórico-cultural, refirmando que, independentemente do
comprometimento orgânico, todas possui plenas condições de alcançar os
patamares mais elevados de desenvolvimento, desde que ocorra por vias
diferenciadas e alternativas.
Embora, a produção de Leontiev, Davidov e Galperin não tenha
tratado especificamente da deficiência e das suas diversas formas de
desenvolvimento, podemos colocá-la como um complemento aos estudos
de Vigotski sobre defectologia, visto que suas pesquisas com pessoas com
deficiência, têm o crédito de ter contribuído para a formulação dos
principais conceitos fundamentais da Teoria Histórico-cultural.
Por meio da atividade realizada pela pessoa com deficiência,
podemos observar qual é o lugar que ela ocupa na estrutura das relações
sociais e, por essa perspectiva, podemos verificar o quanto a ela são dadas
as condições para se apropriar das objetivações do gênero humano.
255
A superação das limitações impostas pela sociedade para a pessoa
com deficiência pode acontecer mediante a esse processo de apropriação e
objetivação que se dá por meio da atividade que o sujeito exerce sob o meio
em que vive. A esse processo de superação, Vigotski o denominou de
compensação, que é justamente quando uma pessoa com deficiência
consegue se inserir na vida social e ser sujeito ativo na sociedade.
Portanto, tanto a compensação quanto o desenvolvimento
psíquico das pessoas com deficiência têm como forças motoras a
apropriação e objetivação das especificidades do gênero humano, que
possibilita as pessoas com deficiência a inserção na história do
desenvolvimento humano.
Dessa forma, para que um estudante com deficiência visual consiga
essa compensação social, por meio da apropriação das faculdades e
especificidades do gênero humano, é imprescindível que ele passe por um
processo de escolarização que possibilite o desenvolvimento de seu
pensamento teórico e, consequentemente, que a falta da visão não seja um
empecilho ou um fator dificultoso em sua interação e inserção social.
É necessariamente ao longo desse processo que a utilização de
recursos de Tecnologia Assistiva se torna indispensáveis, haja visto que o
estudante ainda depende das vias sensoriais para perceber o mundo e
interagir com ele. Diante de uma sociedade que não atende às necessidades
desse público, é fundamental buscar a minimização das dificuldades
ocasionadas pela visão e proporcionar as melhores condições possíveis para
tornar o aluno mais ativo em seu processo de aprendizagem.
Quanto mais teórico e abstrato for o pensamento e as ações mentais
da pessoa com relação ao mundo objetivo, menos ela necessitará da via
sensorial para operar com os conceitos e interagir-se com o meio
circundante. Esse fator não extingue a necessidade da utilização de TA,
256
que certamente deve se configurar em uma forma de extensão “orgânica
da pessoa em seu cotidiano, mas possibilita uma compensação social da
deficiência, impulsionando os sujeitos com deficiência aos patamares mais
elevados de desenvolvimento psíquico, ao qual a ausência de visão deixa de
ser um empecilho na sua vida e no seu relacionamento com a sociedade e
as demais pessoas.
257
Capítulo 4
O Emprego de Tecnologia Assistiva na Educação de Alunos
Jovens e Adultos com Deficiência Visual
A vida e o processo histórico da escolarização de cada pessoa com
deficiência é, dada a sua singularidade, uma forma de estar diretamente em
contato com a história e o processo de desenvolvimento da educação e das
políticas públicas no Brasil. Cada sujeito inserido no sistema nacional da
educação de jovens e adultos traz em suas experiências, os sucessos e
insucessos ao longo das últimas décadas de avanços e retrocessos de
políticas de inclusão e de reconhecimento das pessoas com deficiência
como seres capazes de aprender e de se desenvolver.
Por meio de entrevistas semiestruturadas e observações, pudemos
estar em contato com a realidade educacional e de vida de alguns sujeitos
com diferentes limitações, trajetórias de vidas, perspectivas de mundo e de
educação. Buscamos compreender as suas bases empíricas, dimensionando
a realidade concreta do nosso objeto de pesquisa, sem com isso, perder de
vistas a totalidade histórica e suas relações universais com o modo de
produção capitalista e o papel desempenhado pelas políticas educacionais
na hegemonização das desigualdades sociais.
Inserir-se na escola, com vistas a capitanear os traços mais
significativos da realidade e de seu cotidiano é uma etapa imprescindível
para compreendermos a essência acerca do papel das Tecnologias Assistivas
258
no processo de aprendizagem e desenvolvimento das pessoas com
deficiência visual. É necessário, primeiramente, termos o maior
entendimento possível da realidade empírica, para que a partir disso,
possamos estabelecer as relações mais profundas do objeto de estudo com
suas manifestações singulares, particulares e universais.
A Tecnologia Assistiva, como já a conceituamos no segundo
capítulo, são todos os recursos e serviços que buscam ampliar a
funcionalidade, autonomia e a independência das pessoas com deficiência
e, desse modo, está presente em todos os momentos e etapas da vida,
sobretudo na escolarização e no processo de desenvolvimento.
Para que possamos compreender as contribuições da TA no
processo de aprendizagem e de desenvolvimento das pessoas com
deficiência visual, precisamos conhecer os sujeitos dessa pesquisa,
incluindo um pouco da sua história de vida e seu percurso educacional,
verificando o quanto esses alunos dependem das tecnologias para
desenvolver as suas atividades diárias.
4.1 Percurso do método e as categorias de análise
Para uma análise acerca do emprego de Tecnologia Assistiva para
os fins de contribuir com a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos
com deficiência visual na Educação de Jovens e Adultos, é importante no
âmbito do método do materialismo histórico e dialético, levarmos em
conta as categorias a serem analisadas, sobretudo no que tange às
dimensões históricas, sociais, culturais, econômicas e concretas acerca da
realidade investigada.
259
O método Materialista Histórico e dialético aplicado a educação
busca revelar, por trás do objeto concreto aparente no cotidiano da vida
escolar, a essência e toda a sua totalidade, manifestada em sua
concreticidade real, trazendo consigo todo um sistema de relações entre
aquilo que é singular, particular e universal (PASQUALINI &
MARTINS, 2015).
Para Kosik (1976), o conjunto dos fenômenos que estão presentes
na vida cotidiana, por si só não traduz a sua essência de forma imediata,
trata-se apenas de um pseudoconcreto que, apesar de trazer consigo uma
essência subjacente, não a revela de maneira direta e imediata.
Pertence a pseudoconcreticidade, de acordo com o autor: 1) O
mundo dos fenômenos externos, que são desenvolvidos de forma
superficial com relação à sua verdadeira essência; 2) o mundo das
representações comuns, que compõe as projeções dos fenômenos externos
na consciência dos seres humanos, como resultado de uma práxis
ideológica e fetichizada; 3) o mundo dos objetos fixados, que por estarem
presentes no mundo objetivo, são compreendidos como algo natural e
dissociado da prática social humana.
O mundo da pseudoconcreticidade é um claro-escuro de verdade e
engano. O seu elemento próprio é o duplo sentido. O fenômeno indica
a essência e, ao mesmo tempo, a esconde. A essência se manifesta no
fenômeno, mas só de modo inadequado, parcial, ou apenas sob certos
ângulos e aspectos. O fenômeno indica algo que não é ele mesmo e
vive apenas graças ao seu contrário. A essência não se dá
imediatamente; é mediata ao fenômeno e, portanto, se manifesta em
algo diferente daquilo que é. A essência se manifesta no fenômeno. O
fato de se manifestar no fenômeno revela seu movimento e demonstra
que a essência não é inerte nem passiva. Justamente por isso o
260
fenômeno revela a essência. A manifestação da essência é precisamente
a atividade do fenômeno (KOSIK, 1976, p. 15).
Dessa forma, para chegarmos à essência dos fenômenos
investigados, consideraremos algumas importantes categorias do método
materialista dialético, as quais nos revelarão a realidade do concreto real,
da totalidade (complexo todo, de relações de todas as partes) e da
historicidade.
Buscamos com a presente pesquisa, revelar o que há de essencial e
nuclear no emprego de recursos de Tecnologia Assistiva em processos
educativos, olhando para esse objeto de investigação teórica, como uma
síntese de múltiplas determinações, assegurando como categorias de análise
a totalidade, a historicidade e a concreticidade de dado fenômeno.
A concreticidade de dado objeto do conhecimento, a priori, pode
referir-se a uma relação empírica do ser humano com os fenômenos
externos do mundo objetivo. No entanto, Kosik (1976) sustenta que o
processo investigativo não se mantém nas bases físicas e materiais do
objeto, mas que, ao considerar a existência de uma atividade humana e
social subjacente aos fenômenos externos, o ser humano passa a reproduzir
o conhecimento em suas propriedades abstratas e exclusivas do
pensamento e da atividade espiritual do homem.
Na perspectiva do método materialista dialético do conhecimento,
de acordo com Davidov (1982), é possível perceber uma relação entre o
material e o pensamento, na qual a formação do pensamento se constitui
por um processo objetivo da atividade humana, desenvolvida
historicamente nas relações do homem com a natureza, e o meio social.
261
O pensamento, como uma atividade espiritual do homem, está
entrelaçado com a prática e a vida social, aparecendo como uma
representação ideal da relação humana com os objetos externos.
O ideal é o reflexo da realidade objetiva nas formas da atividade
subjetiva do homem social (em suas imagens internas, motivos e
metas), que reproduz esse mundo objetivo. Isso se revela no
consequente processo formativo do objeto necessário, realizado na
atividade (DAVIDOV, 1982, p. 286, tradução nossa).
Os objetos nas suas formas materializadas estão presentes no
mundo e podem ser descobertos pelo homem por meio de suas ações
práticas e sociais e, somente depois, são capazes de formar uma
representação ideal de determinado objeto. A formação dessas
representações, que se originam da atividade prática e social, possibilita as
condições necessárias para o desenvolvimento de uma das atividades
espirituais do homem, que é o pensamento.
Em um processo investigativo, Kosik (1976) salienta que o ponto
de partida da descoberta de um novo conhecimento deve ser o mesmo do
ponto de chegada. Inicia-se o processo investigativo a partir de um
pseudoconcreto, com base em uma compreensão caótica acerca do objeto,
retornando ao mesmo, mas com um novo entendimento teórico, abstrato
e sintético. Em um movimento dialético, o processo de constituição de um
pensamento teórico parte do concreto, passa pela abstração, revelando toda
a sua dinâmica e complexa relação sistêmica, para então, retornar ao
concreto, mas agora com um conteúdo distinto do início.
262
Destarte, a análise que objetiva superar o pseudoconcreto em direção
ao concreto demanda apreender as leis gerais que determinam e
regulam sua existência no mundo objetivo. Em outras palavras, superar
a aparência do fenômeno implica revelar as relações dinâmico-causais
a ele subjacentes, captando as múltiplas mediações que o determinam
e constituem (PASQUALINI & MARTINS, 2015, p. 364).
A unidade entre o abstrato e concreto no pensamento teórico e
científico, de acordo com Kopnin (1978), ocupa um lugar especial no
âmbito da lógica dialética, visto que nela constitui-se toda a construção do
sistema que dá sustentação a este método investigativo, uma vez que
[...] o desenvolvimento dos juízos, conceitos, deduções, teorias
científicas e hipóteses não é senão um processo de ascensão do abstrato
ao concreto. O movimento do pensamento do abstrato para o concreto
é um meio de obtenção da autêntica objetividade no conhecimento
(KOPNIN, 1978, p. 85).
O princípio da ascensão do abstrato ao concreto na teoria marxiana
reflete o fenômeno investigativo em suas propriedades mais essenciais,
revelando a totalidade do sistema teórico e científico do pensamento,
envolvendo um “todo” complexo de relações entre o singular, particular e
universal.
A noção de totalidade concreta e o movimento dialético presente
na ascensão do abstrato ao concreto é mais bem explicitado no seguinte
trecho de Kopnin (1978, p. 162-163)
O movimento do conhecimento do sensorial-concreto através do
abstrato ao concreto, que reproduz o objeto no conjunto de
263
abstrações é uma manifestação da lei da negação da negação. O abstrato
é a negação do sensorial-concreto. O concreto no pensamento é a
negação do abstrato, mas o concreto mental não é a retomada do
concreto inicial sensorial, mas o resultado da ascensão a um concreto
novo, mais substancial. Na ascensão do abstrato ao concreto verifica-
se não simplesmente um processo de totalização, de urdidura de uma
abstração após outra, mas uma síntese de abstrações que corresponde
às relações internas, às relações no objeto (KOPNIN, 1978, p. 162-
163).
As relações internas do objeto que revelam, no bojo da transição
do concreto abstrato concreto pensado, a dialética da totalidade
concreta de um objeto de estudo, de acordo com Kosik (1976), não
pretende, ingenuamente, desvelar todos os aspectos da realidade,
oferecendo um quadro total das infinitas propriedades de um
conhecimento teórico e científico. A totalidade concreta não é um método
para identificar e descrever todas as propriedades, características, relações
e processos da realidade investigativa.
A dialética da totalidade, para o autor, é a teoria da realidade como
totalidade concreta, a qual possui sua própria estrutura, em que se
desenvolvem e se criam conhecimento de fatos ou de conjuntos de fatos.
Diferentemente do racionalismo e do empirismo, os quais partem de
princípios fixados em um processo sistemático de inclusão e adição linear
de fatos novos, o pensamento dialético, por sua vez, se utiliza da premissa
de que o pensamento humano ocorre em um movimento espiral, em que
cada começo é caótico e relativo. O conhecimento da realidade, nessa
perspectiva teórica, se dá em um processo dialético de concretização, que
movimenta o pensamento do todo para as partes e das partes para o todo,
ou seja, da essência ao fenômeno e do fenômeno para a essência, em que
264
todos os conceitos, em um processo de correlação em espiral, relacionam-
se reciprocamente, retornando ao concreto real.
O percurso de investigação e de compreensão da essência e da
realidade possibilita a reprodução no pensamento, das propriedades e
características intrínsecas às múltiplas relações dos fenômenos do mundo
objetivo, que relacionada à prática social humana, remete à práxis histórica,
a qual delineou todo o desenvolvimento ontológico da humanidade.
Kosik (1976) evidencia a prática social humana, bem como seu
caráter ontológico da formação humana, como uma categoria capaz de
revelar o potencial humano de um ser ontocriador, agente de criação da
realidade, que indissociável do pensamento teórico, determinam a
existência humana e a transformação da realidade.
A praxis é ativa, é atividade que se produz historicamente quer dizer,
que se renova continuamente e se constitui praticamente , unidade
do homem e do mundo, da matéria e do espírito, de sujeito e objeto,
do produto e da produtividade, Como a realidade humano-social é
criada pela praxis, a história se apresenta como um processo prático no
curso do qual o humano se distingue do não-humano: o que é humano
e o que não é humano não são já predeterminados; são determinados
na história mediante uma diferenciação prática (KOSIK, 1976, p.
222).
Ao considerarmos a atividade como o fator fundamental da
existência e da essência humana, pode-se atribuir a esta, em sua estrutura,
a capacidade de criação objetiva e subjetiva humana com relação aos
fenômenos presentes na natureza. De acordo com Leontiev (2004), o
homem possui a capacidade de criar instrumentos físicos e fixar neles todo
um sistema de conhecimento teórico, fator este, que permite às gerações
265
futuras se apropriarem, tomarem para si esse conhecimento, perpetuando
ao longo da história as principais características e aptidões do gênero
humano.
Dessa forma, o método materialista histórico e dialético nos
possibilita analisar os dados empíricos coletados, levando em conta a sua
concreticidade, totalidade e historicidade, considerando a prática humana
como um processo ativo e dialético, com o qual nos é possível compreender
a essência dos fenômenos do mundo objetivo e nos aproximar da verdade
e, sobretudo, de respostas que vão ao encontro dos problemas levantados
nesta pesquisa com relação ao emprego de Tecnologia Assistiva para
adultos com deficiência visual.
Essas categorias de análises esboçadas no âmbito do método
investigativo marxiano nortearão toda a forma de pensamento dessa
pesquisa, incluindo a coleta e a análise de dados nas instituições de ensino
com classes para jovens e adultos com deficiência visual.
Para Kopnin (1978, p. 105), as categorias do método e da lógica
dialética são
[...] formas de pensamento, e como tais devem ser incorporadas aos
conceitos. As categorias, assim como outros conceitos, são reflexo do
mundo objetivo, uma generalização dos fenômenos, processos que
existem independentemente da nossa consciência. As categorias são
produto da atividade da matéria de certo modo organizada o
cérebro, que permite ao homem representar adequadamente a
realidade. É correto, ainda, que as categorias são reduções nas quais se
abrange, em consonância com as propriedades gerais, a multiplicidade
de diversos objetivos, fenômenos e processos sensorialmente
perceptíveis (KOPNIN, 1978, p. 105).
266
Dessa forma, as categorias de análise possibilitam ao pesquisador
desvelar, por meio de uma determinada forma de pensamento, o fenômeno
em sua essência, uma vez que é um mecanismo que é capaz de possibilitar
conhecer aquilo que seja desconhecido. Em síntese, “[...] as categorias do
materialismo dialético refletem as leis mais gerais do desenvolvimento do
mundo objetivo” (KOPNIN, 1978, p. 106).
É imprescindível para a nossa análise, uma lógica que oriente a
nossa forma de pensar e buscar soluções para novos problemas que
envolvem o cenário educacional das pessoas adultas com deficiência visual.
As observações e entrevistas realizadas com alunos adultos com
deficiência não são utilizadas como mecanismos que descrevem a realidade
e as dificuldades encontradas pelos agentes investigados, mas são assumidas
como o nosso ponto de partida e de chegada, em um processo dialético,
revelando a essência dos fenômenos acerca do emprego das tecnologias no
processo de ensino e aprendizagem dos alunos adultos com deficiência
visual.
Realizamos ao longo do primeiro semestre de 2019 a coleta de
dados
14
, que se deu por meio de entrevista semiestruturada com alunos e
professores especialistas, assim como a observação sistemática da realidade
escolar, em que buscamos fazer um levantamento empírico acerca do
modo como os recursos e serviços de TA são empregados na vida e nas
instituições de ensino.
A entrevista com os alunos buscou abordar aspectos relacionados a
sua situação socioeconômica, o processo histórico de sua escolarização, a
14
Para a realização da coleta de dados, tivemos a autorização do Núcleo Regional de Educação das cidades
de Campo Mourão e Maringá, bem como do comitê de ética em pesquisas com seres humanos da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Marília.
267
sua relação com as novas tecnologias, suas principais necessidades e como
os recursos de TA têm ou não atendido as suas expectativas em sala de aula.
Com relação à entrevista com os professores, buscamos averiguar
como o seu trabalho é desempenhado no âmbito da escola, bem como a
sua formação e experiência na área da Educação Emo special, pontuando
situações de ensino e aprendizagem, o empego de TA nesse processo, assim
como a disposição dos recursos e formas de utilização em sala de aula e
durante o Atendimento Educacional Especializado.
No que tange à observação sistemática, que realizamos ao longo de
60 minutos, pretendemos avaliar aspectos relativos aos recursos de TA
disponíveis na escola e suas condições para o uso, quais desses pertencem
aos alunos e como eles os utilizam fora e dentro da sala de aula.
Dessa forma, mediante o levantamento desses dados empíricos,
buscaremos elucidar as relações dinâmicas entre a realidade particular do
emprego de TA para alunos jovens e adultos com deficiência visual com a
singularidade de cada sujeito investigado, estabelecendo relações com o
processo histórico, econômico e social das políticas educacionais e da
desigualdade intrínseca ao modo de produção capitalista.
Iniciamos a análise do concreto-sensorial, com o qual relatamos os
discursos, impressões e expressões dos alunos e professoras participantes,
para que pudéssemos realizar abstrações teóricas, buscando revelar as
conexões internas subjacentes às práticas e relações humanas, de modo a
retomar o concreto-pensado, com um novo entendimento e compreensão
da realidade investigada.
Nesse sentido, a concreticidade, a totalidade e a historicidade dos
fenômenos identificados na pesquisa, serviram de base para o nosso
entendimento acerca do emprego de TA na educação das pessoas jovens e
adultas com deficiência visual, uma vez que esse objeto investigativo não
268
encontra-se isolado no meio social, mas imbricado com uma série de
outros fenômeno e objetos presentes no mundo objetivo.
4.1.1 Sujeitos da pesquisa
No momento em que iniciamos a pesquisa de campo, realizamos
um levantamento de quais eram os alunos com deficiência visual
matriculados na Educação de Jovens e Adultos, na rede estadual de ensino
do Paraná, nos municípios de Maringá e Campo Mourão, com os quais
obtivemos um total de seis alunos matriculados, mas foram cinco
estudantes entrevistados, os quais, de acordo com a escola, são mais
assíduos e frequentam regularmente as aulas.
No quadro a seguir (Quadro 9), destacamos os alunos,
participantes da pesquisa, por nome, idade, condição visual, nível de
ensino que cursa no momento da pesquisa, município em que moram,
condição da moradia, número de membros familiares e a renda per capita
em salários mínimos nacionais. No decorrer deste capítulo, não
utilizaremos os nomes reais das pessoas entrevistadas e observadas, com
vistas a preservar as suas identidades. Desse modo, empregaremos nomes
fictícios para facilitar a compreensão da leitura do texto.
269
QUADRO 9 - ALUNOS PARTICIPANTES DA PESQUISA
Fonte: Dados do Pesquisador
Todos esses estudantes estão matriculados na rede estadual de
ensino, na modalidade da Educação de Jovens e Adultos, compreendidos
entre os níveis do Ensino Fundamental II e Ensino Médio.
Além desses alunos, participaram da pesquisa as seguintes
professoras com nomes fictícios:
270
QUADRO 10 - PROFESSORAS PARTICIPANTES DA PESQUISA
Nome
Experiência na
Educação
Especial
Curso de
Graduação
Pós-graduação
Cursos na área
de TA
Cleide 31 anos
Licenciatura
em Geografia
Especialização em
Deficiência Visual
Cursos de
Atualização e
Formação
continuada
Tereza 34 anos
Graduação
em Pedagogia
Especialização em
Deficiência
intelectual e
múltiplas
deficiências
Cursos de
Atualização e
Formação
Continuada
Fonte: Dados do Pesquisador
As instituições de ensino que são credenciadas a ofertar a
modalidade de ensino da EJA no estado do Paraná são denominadas de
Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos (CEEBJA) e
disponibilizam uma formação em nível de Ensino Fundamental Fase II
e Ensino Médio, recebendo alunos jovens e adultos com diferentes
especificidades e necessidades, inclusive pessoas com diferentes
deficiências.
O funcionamento dessa modalidade de ensino no estado do Paraná
é regulamentado e organizado pela Deliberação n.º 5, aprovada no
Conselho Estadual de Educação do Estado do Paraná em 03 de dezembro
de 2010, e em conformidade a LDB/1996, destina-se “[...] àqueles que não
tiveram acesso ao ensino fundamental e médio na idade própria ou não
tiveram a possibilidade de continuar esses estudos” (PARANÁ, 2010, p.
1).
Esse dispositivo legal também define a organização do
funcionamento dos cursos de EJA em momentos coletivos e individuais,
271
definindo uma carga horária presencial de 1.600 horas, com duração
mínima de dois anos para o Ensino Fundamental Fase II (6º ano ao 9º
ano) e de 1.200 horas, com duração mínima de um ano e seis meses para
o Ensino Médio.
Mediante essas disposições legais, o estudante da EJA perpassa por
todos os anos da Educação Básica de forma aligeirada em 50% do tempo
que os alunos em idade própria cumprem as disciplinas e componentes
curriculares.
De acordo com a Instrução Normativa n.º 013/2014 da Secretaria
da Educação do Estado do Paraná (PARANÁ, 2014), a organização
curricular é de responsabilidade de cada unidade de ensino e deve respeitar
a carga horária máxima de quatro disciplinas semanais por aluno.
O início e término dos cursos, dadas as especificidades e
necessidades dos alunos jovens e adultos, independem do ano civil,
possibilitando um fluxo de matrículas contínuo e maior flexibilização na
escolha das disciplinas a serem cursadas e melhor adequação dos horários
das aulas às necessidades do público alvo dessa modalidade de ensino.
Para obter a certificação de conclusão dos cursos ofertados no
CEEBJA é necessário que os alunos cumpram todos os componentes
curriculares concernentes ao Ensino Fundamental Fase II e todas as áreas
de conhecimento referentes ao Ensino Médio. Conforme a instituição
oferta as disciplinas, o aluno se matricula e vai cumprindo paulatinamente
a matriz curricular (Ver Quadros 10 e 11), até que se finda todas as áreas
de conhecimento, sem que se tenha uma ordem definida previamente. No
caso das pessoas com deficiência, esse funcionamento e organização
pedagógica da escola permitem flexibilizar e adequar as disciplinas ao ritmo
e necessidade do aluno, uma vez que não há a obrigatoriedade de
matricular-se simultaneamente em várias disciplinas.
272
QUADRO 11 - - MATRIZ CURRICULAR DO ENSINO FUNDAMENTAL II
DA EJA
DISCIPLINAS Total de horas
Total de horas/aula
Língua Portuguesa 280
336
Arte
94
112
Língua Estrangeira
Moderna
213
256
Educação Física 94
112
Matemática 280
336
Ciências Naturais 213
256
História 213
256
Geografia
213
256
Ensino Religioso* 10
12
Total
1600/1610
1920/1932
*Total de Carga Horária do Curso 1600h/1920h/a
*ENSINO RELIGIOSO OFERTA FACULTATIVA PARA O
ALUNO.
Fonte: Projeto Político Pedagógico da Escola, 2011.
QUADRO 12 - MATRIZ CURRICULAR DO ENSINO MÉDIO DA EJA
DISCIPLINAS Total de horas Total de horas/aula
Língua Portuguesa e Literatura
174
208
Língua Estrangeira Moderna
106
128
Arte
54
64
Filosofia
54
64
Sociologia
54
64
Educação Física 54 64
Matemática
174
208
273
Química
106
128
Física
106
128
Biologia
106
128
História
106
128
Geografia
106
128
Total
1200
1440
Fonte: Projeto Político e Pedagógico da Escola, 2011.
Dessa forma, a matrícula na EJA se dá por disciplina e cabe ao
estudante, dentro de sua disponibilidade e condições, organizar o melhor
horário e rotinas para a sua participação e estudos presenciais na escola. As
disciplinas são ofertadas de acordo com a demanda e os horários são
organizados nos turnos matutino, vespertino e noturno.
A seguir, procuraremos ilustrar um pouco da história de vida dos
sujeitos participantes da pesquisa, bem como o modo como eles utilizam
os recursos e serviços de Tecnologia Assistiva para enfrentar esse processo
educacional da Educação de Jovens e Adultos.
4.2 Análise e discussão acerca do emprego de Tecnologia Assistiva na
Educação de Jovens e Adultos com deficiência visual
4.2.1 Lúcia
Nascida em Maringá, Lúcia tem 63 anos e, assim como uma boa
parte dos alunos participantes da Educação de Jovens e Adultos, teve
dificuldades para ter acesso a educação em idade escolar e, após a sua
aposentadoria, resolveu retomar os estudos. No entanto, uma das
particularidades de Lúcia, é a sua deficiência visual ocasionada pelo
274
albinismo, que desde a sua nascença, tem acompanhado a sua vida e
influenciado o modo como ela interage com o meio social.
Com uma baixa visão acentuada, Lúcia sempre teve muitas
dificuldades para enxergar, sobretudo para realizar leituras e participar de
atividades relacionadas a educação, mas isso não a impediu de ter uma vida
ativa e participativa em diferentes segmentos da sociedade.
Lúcia vive hoje com a sua irmã, também aposentada e com
deficiência visual, acometida pela mesma patologia. Elas sempre viveram
juntas, compartilhando das mesmas dificuldades e atividades laborais e
religiosas.
O trabalho como zeladora de uma empresa de Maringá foi a
atividade remunerada que ambas as irmãs desenvolveram juntas por 15
anos, até atingirem o direito de solicitar a aposentadoria e, a partir desse
momento, passarem a dedicar o tempo para promover turismo religioso,
vinculado a uma instituição religiosa, bem como na preparação e venda de
doces e produtos de confeitaria.
A trajetória educacional de Lúcia teve início na década de 1960,
coincidindo com o período da ditadura militar que, ao longo de mais de
20 anos, manteve as políticas públicas para um atendimento especializado
às pessoas com deficiência estagnadas, fator ao qual inviabilizou a
escolarização majoritária das pessoas com deficiência.
Diante desse cenário, Lúcia estudou até os seus 13 anos de idade,
abandonando a escola primária em seu último ano (5ª série), com vistas a
trabalhar e se mudar para uma propriedade rural, a qual ficava distante de
qualquer instituição de ensino que pudesse ofertar a continuidade de seus
estudos.
Durante esses anos iniciais de sua escolarização, Lúcia contou que
tinha muita dificuldade e não obteve um rendimento muito satisfatório,
275
uma vez que ela não gostava de frequentar a escola. Quando perguntamos
quais foram os motivos que a levou a não ter interesse na escola, ela
respondeu:
Foi a visão, sempre foi! Porque eu tive uma infância muito difícil, eu não
conseguia ler no quadro. A professora tinha que passar no caderno e aí,
através do coleguinha, porque a gente sentava naquelas carteiras grandes,
os dois juntos, aí então eles copiavam rapidamente para mim. E passava
tudo no meu caderno. Aí, eu só lia o que estava escrito para fazer a resposta.
Assim, eu prestava atenção, porque de pertinho eu conseguia, mas foi muito
difícil a minha infância para estudar, porque não era como hoje em dia.
Por se tratar de um relato, que remete há 50 anos, as instituições
de ensino do primário, não estavam acessíveis nem para a maioria da
população brasileira em idade escolar, quanto mais para aquelas com
algum tipo de deficiência. Por conta dessa conjuntura, era realmente muito
difícil para estudar em uma classe de ensino regular, considerando as
limitações de uma pessoa com deficiência visual.
De acordo com o relato de Lúcia, não havia a sua disposição
nenhum recurso de TA, nem tampouco os serviços de atendimento
especializados. Era somente ela e a boa vontade de seus colegas de classe.
Havia nesse período da história, uma concepção de integração da pessoa
com deficiência, forçando-a a se adaptar às exigências e modo de
organização da sociedade (JANNUZZI (2012).
Desse modo, as atividades de ensino propostas em sala de aula, não
eram organizadas com vistas a atender qualquer necessidade dos alunos
com deficiência. Tornando-se, assim, um espaço totalmente hostil e
excludente, limitando as ações do aluno a participar passivamente de seu
processo de escolarização, o que agrava a deficiência e impõe uma
276
complicação no decurso do desenvolvimento psíquico. Para Leontiev
(2004), o ser humano não se apropria das faculdades e aptidões específicas
do gênero humano, somente por intermédio da adaptação passiva ao meio
ambiente, é necessário que haja uma atividade prática, que possibilite ao
sujeito uma intervenção ativa na natureza, de forma a reproduzir e
produzir a cultura material e intelectual.
Com o abandono da escola aos 13 anos, por um longo período,
Lúcia não pensou em retornar à escola, uma vez que já se encontrava
empregada, com registro em carteira, fator que não a motivava a buscar
um outro tipo de ocupação em sua vida. Porém, ela afirmou ter
frequentado cursos de capacitação profissional no Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (SENAC), pretendendo se qualificar na área da
gastronomia e confeitaria. Ela contou que a vida dividida, entre o trabalho
e os cursos, era “normal, porque a gente era jovem, com 27 ou 26 anos,
trabalhava das 07 horas às 10 horas da noite, mas era normal, a gente não
sentia cansaço”.
Com a chegada de sua aposentadoria, Lúcia passou a desfrutar de
um tempo maior para a realização de outras atividades e, por sua vez, o
estigma de uma escolarização excludente, fez com que ela tivesse guardado
consigo o desejo de finalizar um ciclo que havia sido interrompido em sua
vida. Sobre a sua decisão de retomar os estudos, Lúcia afirma:
Eu comecei muito tarde aqui no CEEBJA, porque sei lá! Resolvi retomar!
Fiquei parada, né? Também tinha a minha mãe doente e tive que cuidar
dela. Aí, eu resolvi retomar e terminar de estudar, porque era meu sonho,
era terminar, era estudar. Aí, eu vim! Porque eu estava aposentada e ficar
em casa à toa não compensa. Aí, resolvi voltar a estudar porque faz bem
para mente de manhã.
277
O retorno de Lúcia a escola fez com que ela percebesse que
inúmeros fatores foram modificados ao longo do tempo. Agora, com a
implementação de políticas públicas mais efetivas do que havia há 50 anos,
ela ficou muito mais animada para frequentar às aulas e participar mais
ativamente de seu processo de escolarização.
Além da lupa, os materiais são ampliados. Se fosse assim quando eu fiz o
primário, teria sido uma benção. Acho que eu não teria desanimado,
porque eu esperei esse tempão para voltar foi mais porque eu fiquei
desanimada na infância. Aí, eu não tive vontade de estudar, fiquei
depressiva porque eu não conseguia enxergar. Assim, porque eu iria voltar
para escola? Né? O CEEBJA faz muito tempo que começou e eu não vinha.
Os professores vinham lá chamar eu, mas eu não, ah! não, não vou estudar
não!
Dessa vez, ela pode contar com o material didático todo adaptado,
bem como o atendimento especializado da professora Cleide, que lhe
auxilia ao longo de seu processo de escolarização e orienta os professores
com relação à organização das atividades de ensino e aprendizagem.
Os recursos mais utilizados pela aluna durante as aulas é o material
ampliado, o qual é fornecido pela escola e corresponde bem às suas
necessidades. Outro importante recurso, é a lupa manual óptica, de
formato circular, com a qual ela acessa textos com letras menores. Há
também o emprego de adaptações feitas com canetas de ponta grossa, seja
na marcação das linhas do caderno, ou na representação de imagens como
os gráficos, mapas e demais ilustrações.
Todos esses recursos são utilizados para a aluna ter um ambiente
mais favorável para a sua participação e aprendizagem, mas é importante
destacarmos que os alunos com deficiência visual na escola de Lúcia e
278
Daniele, são acompanhados por um profissional da Educação Especial
dentro da sala de aula, de modo a fornecer todo o suporte pedagógico que,
em algumas situações, o professor regente da classe não consegue oferecer.
De acordo com a professora Cleide, como as classes são da EJA,
com um número reduzido de alunos, é possível fornecer, dentro do
possível, um acompanhamento e apoio ao lado do aluno.
Aqui eu estou atendendo dentro do horário deles, mas só que eu estou
atendendo em consonância com o professor, eu estou apoiando ali, no tempo
real, a gente está ali e o professor está, às vezes, não é na mesma sala, às
vezes, estou em outra, numa salinha ali, mas aqui é tudo muito perto e,
então, eu digo: “olha o aluno escom dificuldade nisso aqui”, e o que eu
posso ajudar nisso?
Sobre esse atendimento diferenciado em sala de aula, perguntamos
a professora Cleide se esse atendimento estava regulamentado por alguma
diretriz do governo estadual e ela respondeu:
Não! É a própria escola, o nosso trabalho é estar junto e dar apoio ali, em
tudo o que é necessário. Temos que fazer a ponte entre o regular e o ensino
da atividade do aluno. O professor do regular, ele não é preparado, ele não
é um professor de educação especial. Então, é difícil para ele. Então, esses
alunos que não enxergam, eles precisam ter alguém do lado deles. Às vezes,
a gente tem três, quatro, cinco ou mais alunos ali, cada um fazendo uma
atividade e a gente se desdobra e faz aquele apoio, o apoio escolar.
Esse acompanhamento muito próximo, de certo modo, pode
contribuir para um relaxamento do aluno, quanto às dificuldades que irá
enfrentar na escola. Acreditamos que as orientações pedagógicas e os
279
serviços de atendimento especializado e de TA, devem possibilitar formas
para que o aluno consiga atingir um estágio no seu desenvolvimento, cujo
apoio em sala de aula por esse tipo de profissional seja paulatinamente
diminuído.
Como já tínhamos abordado no segundo capítulo, os recursos e
serviços de TA, de acordo com as políticas públicas brasileiras, devem
proporcionar a ampliação da autonomia, independência e funcionalidade
da pessoa com deficiência, fator esse que pode possibilitar às pessoas com
deficiência visual, o acompanhamento das aulas sob a sua própria conduta
e forma de conduzir o seu ritmo de aprendizagem.
Dentre os fatores que podemos identificar como causa que levaram
a escola a adotar essa forma de atendimento especial, foi a carência de
recursos tecnológicos e, sobretudo, a falta de formação dos alunos para
lidar com as novas tecnologias e suas possibilidades para tornar o ambiente
escolar mais acessível, sem que com isso o aluno perca a sua autonomia e
independência.
A escola possui alguns notebooks e lupa eletrônica, tipo mouse,
para serem utilizadas em sala de aula pelos alunos. Porém, os recursos que
verificamos sob a posse de Lúcia e Daniele, se restringem ao material
ampliado, lupas ópticas, Braille, Sorobã e máquina de escrever em Braille.
De acordo com a professora Cleide, os recursos de alta tecnologia são
utilizados por outros alunos com deficiências múltiplas que, diante da
dificuldade de atender a todos os alunos, alguns com mais complicação são
priorizados no momento que há a necessidade do emprego dos recursos.
Essa carência acerca dos recursos é expressa pela professora no
seguinte diálogo:
280
Pesquisador: Você já recebeu, por parte do Estado, alguma formação
ou capacitação para lidar com o emprego de Tecnologia ou Tecnologia
Assistiva na Educação?
Professora Cleide: Teve sim! Não fiquei fazendo um curso de longa
duração, mas curso curto de 20 horas ou 16 horas, isso a gente teve, de vez
em quando a gente tem. Assim, não é frequente todo ano.
Pesquisador: Como foi a formação que vocês receberam acerca das TA?
Professora Cleide: Foram mostrados os recursos e, em seguida, veio a
parte que foi de orientação e treinamento. Mas, quando a gente não tem
uma formação sobre determinado recurso, nós temos aqui também o CAP
(Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento às Pessoas com Deficiência
Visual), que é aquele centro. Quando a gente tem dúvida, por exemplo, se
eu receber um aluno aqui usando uma lupa eletrônica e eu estou com
dificuldade de trabalhar e se o técnico da escola não tem essa condição, eu
recorro a eles, eu vou até lá e eles me passam. Agora, o que falta para nós e
todas as escolas que eu tenho passado, que já trabalhei em várias escolas, é
que não tem os recursos tecnológicos para todos. Por exemplo, aqueles que
não tem como e eles tem que usar mesmo, que não dá para trabalhar de
outra forma com eles, então, esses têm. Agora, não tem para todos, o tem
lupa eletrônica sobrando para eu trabalhar com fulano, fulano e fulano,
não são muitos, então, a gente tem que fazer um jogo, ver quem precisa
mais e quem não. Mas, a gente disponibiliza para eles conhecerem pelo
menos os recursos que eles podem ter.
Pesquisador:Tem algum lugar aqui na cidade, com exceção da escola,
que tem esses recursos para eles conhecerem e utilizarem?
Professora Cleide: Não! O material que veio, teve um ano aí, acho
três ou quatro anos atrás que vinha quando abríamos a sala, quando
tínhamos aluno. A gente mandava, fazia o pedido e vinha algum material
nesse sentido. Por exemplo, aquelas telas que ampliam, vieram direto do
MEC. Assim, do estado é mais assim, a gente tem notebook, mas não tem
um para cada. A gente tem quatro alunos trabalhando e eu não tenho 4
laptops. Então, é assim, tem! Mas, não chega a atender a todos no mesmo
momento. Se você tem alunos no mesmo horário que precisaria estar
fazendo uma pesquisa, precisaria estar buscando um complemento. Então,
281
a gente vai fazendo assim, conforme a gente pode, quando a Lúcia falou
assim, que ela queria uma lupa só para ela, uma lupa eletrônica, mas a
gente não tem disponibilidade disso aí, porque tem outro aluno usando,
que é mais complicado que ela e precisa usar nesse horário, entendeu?
Então, tem esse tipo de coisa.
Com base nesse depoimento e em nossa observação acerca do
espaço físico e dos recursos existentes na escola, verificamos que a escola
possui alguns recursos de tecnologia, tais como aqueles referentes a uma
sala de recurso multifuncional do tipo I e tipo II, conforme elencamos no
capítulo 2 nos quadros 6 e 7. No entanto, a escola não possui um número
de recursos suficientes para atender simultaneamente os alunos que deles
necessitam.
O emprego de recursos de Tecnologias para ampliar a capacidade
de participação do aluno da EJA nas atividades de ensino, requer antes de
tudo, uma aceitação dele aos recursos e, sobretudo, familiaridade para lidar
e explorar toda a funcionalidade dos aparelhos. É necessário, por sua vez,
que ele tenha conhecimentos prévios de informática e de utilização de
Tecnologias de Informação e Comunicação, caso contrário, os
equipamentos de computação não agregarão melhorias no processo de
inclusão escolar.
Lúcia, por exemplo, demonstra ter interesse em aprender a utilizar
computadores para a busca de informações e utilização em sala de aula.
Porém, ela nunca teve acesso a esse tipo de dispositivo e nem qualquer tipo
de formação para lidar com a informática. O seu acesso a internet se dá
por meio de um smartphone, pelo qual ela acessa os aplicativos do
WhatsApp e Facebook para contactar outras pessoas e estabelecer outras
atividades em redes sociais. No entanto, o aparelho não é utilizado durante
282
as atividades de ensino e nem como um meio de pesquisa na web por
informações, vídeos e discussões em fóruns ou sites de seu interesse.
Quando questionamos Lúcia sobre as atividades em que ela
gostaria de participar, mas não a faz por conta das limitações ocasionadas
pela falta da visão, ela respondeu rapidamente que:
Lúcia: Olha, é o computador, eu gostaria de aprender com um curso de
computador.
Pesquisador: A escola tem oferecido cursos nessa área?
Lúcia:Tem sim, mas não aqui, tem em outro lugar, mas como eu estou
estudando aqui eu não posso. Tem lá na outra escola, mas como eu estou
matriculada aqui, eu não posso estudar lá.
Com relação a essa necessidade da aluna de ter conhecimentos
sobre a informática, a professora Cleide afirmou que: “Aqui tem uma
associação dos cegos, onde as pessoas com deficiência visual podem começar a
pressionar eles para dar esses cursos. Ela (Lúcia) não pega no computador ainda
porque ela consegue ler e não depende do computador para ler, ela apenas lê
no papel ampliado”.
Nos excertos acima retirados da fala da professora, remete a uma
perspectiva de que a escola, que se propõe a ser uma escola inclusiva, não
deve assumir para si a função de preparar os alunos para a utilização das
tecnologias que, quando bem utilizadas, podem propiciar um acesso maior
ao conteúdo escolar e a aprendizagem de conceitos científicos por parte do
aluno. Compreendemos, por um lado, como a professora havia
mencionado, que os recursos são escassos e, desse modo, a utilização é uma
prioridade para aqueles que não conseguem aprender de outro modo. No
entanto, não podemos eximir o poder público de garantir uma escola
283
equipada e preparada para atender todos os alunos com deficiência. A
utilização de um computador em sala de aula vai muito além de viabilizar
a leitura pelo aluno, ele pode possibilitar mais independência, autonomia
e funcionalidade, ampliando a sua percepção acerca do mundo e,
consequentemente, criando vias alternativas para o desenvolvimento e
aprendizagem conceitual.
Ao perguntarmos sobre o cotidiano de Lúcia e como o seu dia se
configura, percebemos pouca atividade com relação às tecnologias. O
único recurso que ela utiliza para ampliar a sua capacidade visual são os
óculos, que pouco melhoram, como uma lupa óptica, que em sua
utilização, percebemos que amplia muito pouco diante de sua necessidade.
Apesar das limitações, ela consegue realizar inúmeras atividades e
demonstra muita segurança quanto a mobilidade e execução de tarefas
cotidianas, mesmo sem o apoio de TA. No seguinte depoimento, a aluna
descreve as suas atividades cotidianas:
Levanto ás 5 horas da manhã, faço meu cafezinho e tomo. Aí, depois tenho
um momento de oração, né? Depois me preparo para vir para a escola e
tomo o ônibus e venho e fico até ás 11 horas da manhã e volto para casa
de novo para almoçar. Aí, vou à tarde, duas vezes na semana, para a
piscina, para uma aula de hidro. Porque tenho que fazer, porque estive
pegando um botijão de gás e deu um problema, que o médico me
recomendou a hidro para poder voltar ao normal. Eu participo da igreja
também e tenho momentos de oração de manhã e a noite. Vendo também
produtos de cosméticos para ajudar na renda, porque o salário é muito
pouco para a gente manter uma casa.
Por meio desse relato de Lúcia, podemos perceber que ela tem
bastante autonomia e independência, apesar da deficiência visual. Sempre
284
que possível, ela realiza as atividades sozinha, somente quando há a
necessidade de enxergar algo inacessível, ela solicita a ajuda de alguém.
Com relação a utilização de tecnologias, ela apresenta muita
dificuldade, até mesmo porque são recursos que pouco fizeram parte de
sua vida e pouco contribuíram para o seu desenvolvimento ao longo dos
anos.
Lúcia pretende concluir o Ensino Médio no ano de 2020 e, com o
incentivo da professora, talvez prosseguir em um curso no Ensino
Superior. Ela é um exemplo de persistência, que no decorrer de muitos
anos, sempre procurou manter uma vida ativa e batalhadora para prover as
suas necessidades e de seus familiares.
4.2.2 Bernardo
Com deficiência visual desde a sua tenra infância, Bernardo traz
em sua história de luta e de sobrevivência, marcas e estigmas carregados
por boa parte de sua vida repleta de exclusão e marginalização. Com 48
anos de idade, na ocasião da realização da nossa pesquisa, ele passou a
metade de sua vida apenas matriculado na APAE ou em isolamento social
em sua casa.
Quando criança, somente frequentou uma classe comum da rede
regular de ensino, na Educação Infantil, em uma escola particular. Logo
após, no momento de ingressar no Ensino Fundamental, sua mãe e as
professoras, perceberam que ele realizava as tarefas e atividades de ensino
com mais lentidão que os demais, fator que foi utilizado como justificativa
para encaminhá-lo para a APAE. Suas necessidades, além da baixa visão,
eram por decorrência de uma alta carga de remédios que, segundo ele, eram
285
receitadas por um psiquiatra ao qual ele era paciente por apresentar um
déficit intelectual.
Essa trajetória educacional de Bernardo é possível de ser
compreendida em seu seguinte relato:
Quando eu era pequeno, eu estudei o pré, eu fiz o pré quando eu tinha uns
5 anos de idade. Depois saí do pré porque não acompanhava os alunos
direito por causa do problema meu, né? Que era problema de cabeça,
porque a visão eu tinha boa. Depois, entrei na APAE em 1979, logo
quando inaugurou a APAE, na época aqui em Campo Mourão em 1979
que, na época era até o prefeito Augustinho Vecchi, eu me lembro até da
inauguração. Aí, entrei na APAE em 79, 80 e estudei 1 ano. Depois de 79
e 80, fui embora para Maringá e estudei na APAE em Maringá, três anos
e meio, de 80 a 83. Aí, fui embora para Paranavaí, fiquei três meses em
Paranavaí e, daquela época, saí da APAE de novo, em 84 a 86 e fiquei
parado. Depois, abriu a sala em 86, ouvi a notícia no rádio, lembro até
hoje que abriu uma sala especial. Então, teve uma reunião na faculdade e
eu fui com minha mãe e minha irmã, foi a professora Elza
15
que abriu a
sala em 86 no Colégio Estadual. Aí, ficamos de 86, 87 e 88 no Estadual e
de 88 para 89 parei daí. Nessa época, eu parei daí.
Conforme pode ser verificado, Bernardo frequentou a APAE em
todo o período de sua idade escolar e, ao percebermos a sua notável
capacidade de memorização com datas e eventos, sobretudo a organização
do pensamento com relação a estrutura de seu discurso, fizemos as
seguintes questões:
15
A Professora Elza (nome fictício) foi responsável por acompanhar os alunos com deficiência visual na
EJA por muitos anos, mas no ano de 2018, ela se aposentou e, por essa razão, ela não pôde participar das
entrevistas semiestruturadas dessa pesquisa. Porém, sua importante participação no processo de
escolarização dos sujeitos dessa pesquisa, está presente em diversos depoimentos e relatos de experiência.
286
Pesquisador: Por que você acredita que te encaminharam para a
APAE?
Bernardo: Por causa do problema meu de não acompanhar os alunos
na época, no pré eu tinha problema de visão e problema de cabeça. Eu
enxergava bem, mas só que minha mãe me colocou na APAE, o médico me
encaminhou para APAE.
Pesquisador: Mas, você foi diagnosticado com alguma deficiência
intelectual?
Bernardo: Que eu tinha problema de cabeça, eu tomava calmante
gardenal e minha mãe falava que eu era meio retardadão (risos). Eu tinha
problema de cabeça, mas, por isso que eu tomei muitos remédios, que o
médico ainda falou que, com o tempo, eu vou perder a visão por causa dos
medicamentos que tomei e isso prejudicou minha visão [...].
No período em que Bernardo perpassou pela sua infância e
adolescência, as políticas públicas com relação à integração das pessoas com
deficiência eram incipientes e, desse modo, muitas crianças eram rejeitadas
pela escola, caso demonstrassem dificuldades acentuadas com relação aos
demais. Até mesmo o uso de termos pejorativos era empregado pela
sociedade para designar o estado físico, intelectual ou sensorial de uma
pessoa com deficiência.
Bernardo era um caso particular dentre muitas outras pessoas que
ficaram à margem da educação formal e do direito de frequentar às aulas
em classes comuns do Ensino Regular. A exclusão das pessoas com
deficiência perdurou por um longo período da história da educação
brasileira. Passamos por mais de um século para compreendermos a
importância de políticas que viabilizassem o acesso desses sujeitos ao
sistema nacional de ensino.
Em 1986, no mesmo ano em que a SESPE foi criada, importante
órgão ligado diretamente ao MEC para o desenvolvimento de ações em
287
prol da educação especial, foi atendida a necessidade da criação de uma
sala de classe especial para o atendimento das pessoas com deficiência
visual. Antes desse primeiro contato com processos educativos, Bernardo
foi contemplado apenas com o assistencialismo da APAE e o isolamento
do convívio com colegas em uma instituição pública de ensino.
No entanto, sem conseguir um resultado satisfatório e a situação
financeira da família complicada por conta da crise econômica e dos altos
índices de inflação, ele permaneceu matriculado até 1989, quando voltou
a se isolar e ficar recluso em sua residência, sem qualquer forma de
atividade laboral ou de educação.
Eu desisti da escola porque não aproveitava nada, minha mãe era sozinha
na época e meu irmão sustentava a casa. Circular
16
naquela época? Era o
tempo do Sarney, não é? Você ia no mercado hoje e era um preço, aman
já era outro. Circular só subia e o gás de cozinha também. Aí, de 89 até
99, parei mesmo, um bom tempo, fiquei só em casa.
Durante esse período de reclusão de Bernardo, a sua condição
visual se agravou e, em decorrência de um descolamento de retina, ficou
cego totalmente, distanciando ainda mais as possibilidades de participação
social. Perguntamos a ele se ele não havia trabalhado formalmente em
algum período de sua vida, sobretudo quando ainda restava-lhe um pouco
de visão. Então, ele respondeu: Não! Quando eu enxergava, eu não
trabalhava porque eu não tinha visão das coisas, não tinha estudos, eu era
analfabeto de tudo”.
16
Circular é um termo utilizado no Paraná, sobretudo nas regiões norte e noroeste, para designar o ônibus
de transporte coletivo e urbano.
288
Embora, Bernardo tenha frequentado a escola e uma classe especial
por alguns anos, não lhe possibilitou um desenvolvimento que fosse capaz
de lhe assegurar uma compensação da deficiência, tal como Vygotski
(1997) preconiza em seus estudos. Esse tipo de situação particular
enfrentada pelo aluno, evidencia a nossa síntese teórica apresentada no
terceiro capítulo desse trabalho, cuja compensação social da deficiência só
é possível mediante a aprendizagem de conceitos científicos e o
desenvolvimento psíquico decorrente desse processo.
Quanto mais científico e teórico for o pensamento e as ações
mentais do aluno com deficiência visual, menor será o impacto negativo
ocasionado pela deficiência ou insuficiência orgânica. Ao realizar as suas
ações mediante um pensamento lógico, abstrato e teórico, a pessoa não
necessita da percepção imediata do mundo objetivo, uma vez que os
fenômenos são processados em suas representações mentais ou verbais, de
modo a diminuir a interferência de um órgão complicado pela deficiência.
Quando nos deparamos com a história de Bernardo, vislumbramos
uma deficiência que se acentuou e se agravou ao longo de sua vida. De
acordo com Vygotski (1997), a deficiência se torna um elemento de
dificuldade para a pessoa, somente quando há a complicação no decurso
do desenvolvimento psíquico. Como a escola e a educação formal
fecharam as portas para Bernardo, impossibilitou que a sua vida tomasse
um rumo na direção de seu desenvolvimento, isto é, dificultou o processo
de sua aprendizagem, inclusive da alfabetização e dos conhecimentos
básicos de cálculo.
A professora Tereza, especialista em Educação Especial, a qual
acompanha Bernardo na EJA, possui experiência de mais de 30 anos como
profissional da APAE e, de acordo com suas convicções, Bernardo não
deveria ter frequentado essa instituição que, apesar de ele apresentar
dificuldades com relação a aprendizagem do conteúdo escolar, ele necessita
289
de um acompanhamento especializado e presente em seu processo de
escolarização.
Professora Tereza: O que eu vejo do Bernardo, assim, ele tem uma
boa compreensão de mundo, né? Mas, tem dificuldade na área acadêmica.
Ele deve ter alguma deficiência associada, alguma coisa, porque ele tem
muita dificuldade. Você está explicando alguma coisa aqui para ele, ou
você está lendo alguma coisa que, em seguida, ele vai ter que responder e
ele diz: “vai demorar muito para acabar? O que eu respondo?” Ele não
consegue assimilar.
Pesquisador: Ele apresentou para a escola algum diagnóstico ou uma
avaliação multiprofissional que atestasse uma Deficiência Intelectual?
Professora Tereza: Aqui para mim não chegou! Vosabe que antes,
para entrar na APAE, era preciso apresentar um ticket ou alguma coisa
muito visível. Hoje não! Você tem que ter um laudo, o médico precisa
atestar, passa por uma equipe de avaliação, mas antes não.
Pesquisador: Você acredita que o Bernardo deveria ter estudado em
classe comum do ensino regular?
Professora Tereza: Eu acho que o Bernardo é para sala de recurso,
para ter esse suporte. Eu acho que na APAE não, acho que no ensino
regular com acompanhamento.
Em decorrência da rejeição da escola regular pela matrícula de
Bernardo, juntamente com a ausência de uma instituição de atendimento
especializado na deficiência visual no município de Campo Mourão, a
APAE foi a instituição que lhe acolheu, mas sem conseguir atender as suas
necessidades de aprendizagem, que deveria ter sido a função da escola ao
longo dos anos de sua infância e adolescência.
Até o ano de 1999, Bernardo não havia sido escolarizado, não tinha
conhecimentos mínimos de cálculo e escrita, bem como conhecimento
290
sobre o emprego de Tecnologia Assistiva específica para pessoas com
cegueira. Sua vida estava reclusa a apenas a sua residência, sem qualquer
forma de convívio social alheia à sua família.
Com a abertura de uma classe especializada para pessoas com
deficiência visual, em uma escola municipal próxima a sua residência,
Bernardo pôde, após muitos anos, ter acesso ao Braille e demais recursos
necessários para a vida de uma pessoa com cegueira.
Eu entrei na escola, digo para você, eu perdi a visão em 96, fiquei de 96
até 99 em casa, não saía do portão para fora para nada. Aí, um dia, a
mãe pegou e falou que iria me colocar na escola. Então, entrei na escola e
comecei a fazer esse método Braille com a professora Marisa
17
e aprendi
com ela o uso da bengala e do sorobã e tudo. Fiquei seis anos lá.
Antes disso eu não sabia nem o que era bengala, não sabia nem o que era
Braille. Ai, lá que eu entrei e fiquei seis anos. Fiquei com a Marisa. Aí,
depois saí e, naquela época, ainda em 2005 eram duas coisas que tive de
enfrentar, que foi aqui (CEEBJA) e a classe especial. Aí, eu falei, isso aqui
não era vida. Eu fui frequentando dois colégios. Levantava umas 5 horas
da manhã, ônibus me pegava às 06:30, na frente de casa. Era a classe
especial de manhã, almoçava e de lá vinha bater no CEEBJA. Chegava
em casa às 18:30, praticamente o dia inteiro na escola, só tinha um dia de
folga. Aí, eu falei: não senhor!” Eu quero uma professora especial na sala
de DV (Deficientes Visuais) do CEEBJA. Aí, eu olhei e falei, isso não é
vida para mim não. Aí, foi dito e feito! Deus colocou a Professora Elza no
meu caminho e foi ela que me tirou da classe especial. O maior orgulho da
minha vida foi essa menina, vichi! A Elza para mim é tudo!
17
A Professora Marisa, nome fictício, é uma professora aposentada da rede municipal de ensino. Ela
atuava como professora especialista de uma classe especial de contraturno para o atendimento dos alunos
com deficiência visual. Juntamente com a Professora Elza, foi uma das pioneiras no atendimento
especializado às pessoas com deficiência visual no município de Campo Mourão.
291
A gratidão de Bernardo com o trabalho das professoras com a sua
escolarização, reflete o quanto o processo educativo se faz importante para
a vida de uma pessoa com deficiência. Primeiramente, em seu processo de
alfabetização por meio do alfabeto Braille, juntamente com as aulas de
orientação e mobilidade, ele pôde passar a ter mais autonomia e
independência em sua vida, tornando-se uma pessoa mais ativa na
sociedade. Em seguida, com o ingresso no CEEBJA, ele começou a cursar
o Ensino Fundamental II e, a partir desse momento, frequentar classes
comuns, com colegas jovens e adultos sem deficiência, contribuindo para
a sua socialização e rompimento com o estigma da inclusão e do
isolamento social.
Nos dias atuais, o tempo de Bernardo é ocupado pela escola, onde
ele frequenta o Ensino Médio para jovens e adultos, como também na
atividade de vendedor de torrone, com a qual ele visita empresas e
escritórios próximo a sua casa. Quando perguntamos sobre essa atividade
laboral, ele fez o seguinte relato:
Eu faço! Nas horas que eu tenho de sair, de vender de manhã. Que nem
hoje, eu saí para vender e voltei. Cheguei em casa, tomei banho e fiquei
daí, até dar a hora do almoço. Depois, saí e vim para (CEEBJA). Agora
daqui, volto em casa, atendo agora outros lugares que tenho que vender.
Vou nos escritórios, nos comércios perto de casa.
Para a realização dessas atividades, Bernardo utiliza a bengala para
auxiliá-lo nos trajetos. Porém, a sua mobilidade se reduz às ruas próximas
de sua casa e o espaço físico da escola. Ele caminha sozinho até o ponto de
ônibus para ir à escola, com o qual ele recebe auxílio do motorista que o
ajuda a embarcar no ônibus e desembarcar em frente a sua escola. Esse
292
ônibus faz apenas o transporte escolar, desse modo, o motorista já o
conhece e sabe de suas necessidades.
Quanto a mobilidade por outros espaços físicos, Bernardo
necessita da ajuda de uma outra pessoa para guiá-lo. No começo de sua
reabilitação, ele conta que teve muita resistência para a utilização da
bengala, mas que hoje, ele reconhece a importância desse recurso para a
sua vida.
Pesquisador: Quais são os recursos mais utilizados por você no dia a
dia?
Bernardo: A bengala! É mais a bengala! Tanto que a Professora
Marisa, quando eu entrei na escola, eu não queria usar nem isso aí. Eu
briguei com ela. Ela queria que eu pegasse a bengala e andasse sozinho na
cidade, igual ao Pedro
18
. O Pedro saía lá do Guarujá e andava Campo
Mourão inteiro. Ele e o Fernando. Já falei para eles que, na hora que um
carro pegar e atropelar vocês, o cemitério é perto de casa. Não! Não! Não!
Eu, não arrisco a vida. Tanto que, a Professora Marisa, eu quase briguei
com ela por causa dessa bengala.
Pesquisador: Mas, hoje você ainda resiste para utilizá-la?
Bernardo: Uso só aqui! Tem uma que eu uso na rua para andar lá.
Essa aqui (mostrou a bengala ao seu lado), uso só pra vir aqui (CEEBJA).
Pesquisador: — Você tem alguma mobilidade fora do bairro de sua casa?
Bernardo: Não! Não! Na cidade, no centro, eu não ando.
Pesquisador: Então, como você faz para frequentar outros lugares?
Quando o ônibus me deixa na porta, tudo bem! Mas, agora, se for para eu
vir sozinho, não! Tem que vir com alguém mesmo.
18
Nome fictício para um colega cego de Bernardo, ex-aluno do CEEBJA.
293
A preocupação de Bernardo quanto a sua segurança, assim como a
sua dificuldade de orientação e mobilidade pela cidade, reflete a carência
por melhorias na área da acessibilidade para a cidade. Por exemplo, são
poucas as calçadas com piso tátil, não há condições acessíveis para o
cruzamento das vias, o transporte público não é adaptado e dentre outros
problemas comuns às cidades brasileiras.
Outro importante recurso mencionado por Bernardo, o qual ele
utiliza cotidianamente, é a máquina de escrever em Braille. Esse dispositivo
é oferecido pela escola e tem o ajudado desde o início de sua alfabetização.
A importância desse recurso para a vida de Bernardo é conferida no
seguinte depoimento:
Tem uma máquina que veio pra mim de São Paulo, que foi uma moça
quem trouxe para mim. Fui pegar a máquina para usar, funcionou um
dia aí e enroscou. Pequei e trouxe aí para a Professora Elza. Ela foi mexer,
mas a máquina enroscou e não teve jeito, vou ter que arrumar outra. Sabe
quando? Nunca! Um amigo meu, que é cego, pediu para a sua menina
digitar no Mercado Livre, se tem a máquina de escrever em Braille. Tinha
uma dessa que eu uso aqui, de 1600 a 11000 novinha, zerada de ferro ou
de metal. Estou esperando a Professora Tereza ganhar na Megasena para
arrumar uma para mim (risos). Com uma máquina dessas, escrevo até o
nome de Jesus Cristo e do salvador da Pátria. Essa máquina para mim é
uma mão na roda. Prefiro mil vezes ela, do que a reglete, porque para
escrever o R, você tem que tirar a folha, dá mais trabalho para usar a reglete
do que a folha na máquina. É incrível! Eu fiz o curso disso tudo na classe
especial, foi com a Professora Marisa que eu aprendi a usar a máquina.
Bernardo demonstra muita facilidade para lidar com a máquina de
escrever em Braille, uma vez que realiza todas as suas atividades e avaliações
com o Braille e a escrita por intermédio desse equipamento. A máquina é
294
o caderno de Bernardo em sala de aula, é por onde ele faz as suas anotações
e copia textos escritos na Lousa. Quando há a necessidade dele escrever
algum texto escrito pela professora na lousa, a Professora Tereza fotografa
o texto e dita para ele escrever, em outro momento reservado. Esse
dispositivo se configura no principal recurso utilizado por Bernardo para
ter acesso a linguagem escrita e, por sua vez, reflete a grande importância
em que as TA exercem ao longo do processo de aprendizagem conceitual.
Diferentemente, da Instituição de ensino da Professora Cleide, a
professora especialista não acompanha o aluno em sala de aula. Esse
atendimento ocorre somente na sala de recurso multifuncional, em um
momento a parte do horário da aula. Todo o trabalho pedagógico
especializado, sobretudo o apoio na realização de tarefas, trabalhos e
exercícios das disciplinas, são realizados em um atendimento exclusivo ao
aluno.
Dessa forma, o recurso utilizado por Bernardo para possibilitar o
seu acompanhamento das aulas, é somente a máquina de escrever em
Braille. Quando perguntamos sobre a utilização de recursos relacionados a
informática, ele demonstrou aversão, sobretudo por não saber como lidar
com as novas tecnologias.
Tem um outro cego, amigo meu, que arrebenta de mexer em computador
e essas coisas, Mas, eu já não consigo, isso parece um dom. Eu sei que o meu
negócio é a máquina, é a máquina. Esse notebook aqui mesmo (referindo-
se aos notebooks na sala de recursos), eu não sei nem mexer, nem ligar isso
aí. Eu não tenho muita paciência de ficar em frente a um computador.
Outra coisa, no nosso tempo não existia esse negócio de computador,
notebook nada. Quando entrei na APAE, em Maringá e aqui, nunca
tinha ouvido falar, nenhuma empresa tinha computador. Computador
antigamente era coisa de rico, igual telefone. Telefone antigamente, esse
aqui (mostrou seu celular), quando saiu na época em 90, era aqueles
295
tijolões absurdos que não era nem de crédito, era de conta, pagava quem
fazia ligação.
É, computador é uma coisa que, quando começou a sair, primeiro foram
as empresas e hoje você vê dentro das casas aí. Tem milhões de pessoas que
tem computador dentro das casas, dentro da escola. A Professora Marisa
mesmo falou que vai chegar um dia mesmo, que vai ter computador
pequenininho, que vai carregar até dentro do bolso, se é que já não
inventaram ainda.
Apesar da escola contar com uma pequena estrutura de
informática, como notebooks exclusivos para a utilização dos alunos com
deficiência visual, como um laboratório compacto com computadores de
mesa, disponíveis para todos os alunos, percebemos que ela não está
preparada para oferecer esses serviços aos alunos com cegueira. Há a
necessidade de promover cursos básicos de informática para a promoção
da inclusão digital desses sujeitos, uma vez que eles não sabem como lidar
com as novas tecnologias.
Alguns computadores do laboratório de informática, assim como
todos os notebooks estão acessíveis às pessoas com deficiência visual,
sobretudo por intermédio do software NVDA, disponível gratuitamente
na internet. Além desses equipamentos, a escola conta com uma
impressora Braille, que de acordo com a Professora Tereza, não é utilizada
por não estar em condições de funcionamento, ela afirmou que, “a
impressora fica lá na sala de recursos, onde os alunos ficavam antigamente, eu
nunca usei, parece que estava para passar por uma reforma, o técnico ficou de
vir. Então, eu não sei se ela foi arrumada, mas eu acredito que não.
Dentre outros recursos que Bernardo utiliza em seu dia a dia, está
o seu aparelho celular, com o qual ele apenas consulta a hora e faz ligações,
digitando os números no teclado físico de seu aparelho. É notável a sua
296
capacidade em decorar números de telefone e nomes completos de seus
contatos, uma vez que ele não utiliza o celular para gravar os números,
apenas faz a digitação quando tem a necessidade de ligar. Em posse de um
celular da década de 2000, capaz de informar a hora com voz sintetizada,
não oferece recursos avançados de acessibilidade à navegação como nos
celulares de geração atual.
Ao perguntarmos com relação a adaptação de seu aparelho celular,
Bernardo respondeu:
Bernardo: Adaptação não! A única coisa que ele tem, como que fala?
Ele tem um sistema de voz, alguma coisa assim. Ele não tem, porque é o
Nokia 1600, porque se eu trocar o aparelho e comprar um aparelho desses
grandes, vai entrar o WhatsApp nele e a internet. Esse aqui (mostrou o seu
aparelho celular) é dos antigos, comprei outro desse de um amigo meu que
é cego de tudo. Esse aqui, meu amigo comprou pela internet, ele comprou
da internet no Mercado Livre, porque é o único lugar que tem para vender
desse. Nas lojas não acha. Eu procurei até nas lojas da TIM, da Claro e
em tudo quanto foi loja aí. Esse meu aqui, tem até o marcador no “5”, né?
Tem o marcador no “5”! Tem tudo, por isso, que eu não troco! o venha
me falar, que isso aí é coisa do ET (Extra Terrestre), que é coisa velha. O
que é velho para você e é de ET para você, mas para mim está servindo
muito. E tem outra, ele fala a hora.
Pesquisador:Ele fala o contato de quem te liga? Fala a agenda?
Bernardo: Não! nesse aqui não é próprio para isso.
Pesquisador:Mas, como você faz para encontrar um contato?
Bernardo:Não! Eu não uso a agenda dele. Então, tem vários números
que eu mando apagar, excluir tudo. Na agenda dele, eu nem uso a agenda
dele, porque eu não enxergo e como é que eu vou usar a agenda dele?
Pesquisador:Então, vousa somente para discar o número?
Bernardo: Sim! Nem mensagem eu não mando aqui.
297
Como podemos observar, Bernardo apresenta resistência quanto a
utilização de novas tecnologias, tanto em sua vida cotidiana, quanto para
a realização de atividades escolares. Dentre os motivos que identificamos,
a falta de formação na área da informática é o mais contundente, visto que,
por ele não conhecer ou saber como lidar, há uma negação com relação aos
ganhos em que ele poderia ter em sua vida ao utilizar esses recursos.
Com a limitação de Bernardo quanto à utilização das tecnologias
da informação e comunicação, o seu acesso à informação se dá por meio
do rádio e da televisão. Ele passa boa parte de seu tempo livre, ouvindo
rádio, sobretudo notícias, assim como em assistir televisão, elencando o
Programa Silvio Santos como o seu preferido.
Apesar, de Bernardo conhecer vários colegas cegos que utilizam a
internet e os recursos mais avançados de tecnologia para contribuir a
enfrentar as barreiras impostas pela sociedade, ele prefere a utilização de
dispositivos mais antigos, aos quais ele tem mais familiaridade e capacidade
de explorar.
A Tecnologia Assistiva, para que possa contribuir durante o
processo de escolarização dos alunos com deficiência, é necessário que ela
seja aceita pela pessoa e, quanto mais automático e simplificado se torna o
emprego dela no cotidiano, mais ela se tornará intrínseca ao organismo
humano.
Dessa forma, a bengala e a máquina de escrever em Braille, são os
principais recursos de TA que são utilizados por Bernardo e, embora não
possibilitem a sua inclusão digital, contribuíram para colocá-lo na direção
do desenvolvimento, uma vez que esses recursos têm proporcionado o
rompimento de barreiras na escola e o acesso ao conteúdo escolar.
A progressão de Bernardo se dá de maneira lenta, mas contundente
e gradual. Desde que iniciou a sua alfabetização em 2000, conseguiu
298
superar, pouco a pouco, as dificuldades e suas limitações. A cada semestre,
Bernardo conclui duas disciplinas na direção de sua formatura no Ensino
Médio que, em breve, poderá galgar níveis de escolarização maiores.
É importante salientarmos que o contato que Bernardo teve com
o Braille no início dos anos 2000 foi o fator mais significativo para colocá-
lo na direção do desenvolvimento psíquico, uma vez que os dispositivos
relacionados a essa escrita, possibilitaram a ele ter acesso a conceitos
científicos que puderam modificar a forma como ele interagia com o
mundo antes de iniciar seus estudos na classe especial específica na área da
deficiência visual.
A superação das limitações sensoriais, de acordo com a perspectiva
de Vygotski (1997), é a compensação da deficiência pela aprendizagem e
o desenvolvimento psíquico. A cada conteúdo que Bernardo consegue
aprender e superar as dificuldades, é mais um degrau que ele sobe com
relação ao seu desenvolvimento.
Nesse sentido, a deficiência, por mais grave que ela possa ser, ela
não pode ser o fator que impossibilitará o desenvolvimento, é necessário
que a aprendizagem e a apropriação das faculdades e aptidões do gênero
humano seja proporcionada pela escola, não importa a forma e o meio em
que aconteça.
4.2.3 Fernando
Nascido na região de Maringá, no Paraná, Fernando tem 27 anos
e perdeu totalmente a sua visão há quatro anos e ainda encontra-se em um
processo de readaptação a sua nova condição de pessoa com deficiência.
299
Filho de mãe solteira e empregada doméstica, Fernando teve pouco
contato com o seu pai ao longo de sua vida, o qual sempre esteve ausente
e pouco fez para contribuir para a sua criação e sua formação, ficando a
cargo de sua mãe toda a responsabilidade de prover sozinha a manutenção
do lar e todas as suas necessidades.
Embora ele tenha perdido a visão aos 23 anos de idade, desde a
tenra infância tem enfrentado problemas relacionados à sua condição
visual. Primeiramente com um forte grau de miopia em ambos os olhos, o
que segundo ele lhe proporcionou um descolamento de retina aos 9 anos
de idade e perda da visão em um dos olhos.
Aos nove anos de idade levei uma bolada brincando, jogando bola na rua.
Na época, quebrou os meus óculos, mas não fez nada com os olhos, nem
furou, nem doeu e nem aconteceu nada. Foi pela bolada! Eu acredito que,
pelo fato de eu ser criança ainda, com o corpo em desenvolvimento e com a
miopia muito forte, aí aconteceu! Depois de uns 15 dias foi escurecendo e
eu estava com os óculos antigo, porque o médico que eu ia na época, era em
Maringá e eu morava em Campina da Lagoa. Então, eu tinha ido ao
médico não fazia nem três semanas, tinha trocado de óculos. Era novinho!
Naquela época lá, os óculos eram de vidro, então, a lente acabou
quebrando e eu tive que ficar com os óculos antigo. Aí, foi acontecendo de
eu começar a perder a visão, começar a embaçar e eu não perceber, pelo
fato de eu ser criança e pelo fato de os óculos serem um grau menor do que
eu tinha que usar. A gente não imaginava que isso poderia acontecer, o
médico nunca alertou a gente com relação as brincadeiras de contato e a
tomar cuidado com relação a pancadas nos olhos.
Decorrente desse evento, Fernando passou a ter uma visão
monocular com a qual teve de enfrentar todo o seu processo de
escolarização em classes comuns da rede regular de ensino, sem qualquer
atendimento educacional especializado. Sua condição visual, apesar da
300
cegueira de um olho, lhe possibilitava a realização de muitas atividades,
desde que utilizasse óculos extremamente fortes para corrigir a miopia.
O processo de escolarização de Fernando esteve entrelaçado ao
contexto de implementação das principais políticas da educação inclusiva
na educação brasileira, perpassada por toda a década de 2000. Nesse
cenário, tivemos um aumento expressivo do acesso das pessoas com
deficiência à educação formal, sobretudo nas classes comuns do ensino
regular. Desse modo, diferentemente de Lúcia e Bernardo, Fernando
frequentou as classes comuns do ensino regular até completar os seus 17
anos de idade.
Ao longo desses anos de escolarização no Ensino Fundamental, ele
contou que não obteve êxito em seu rendimento escolar, ficando retido
por dois anos por conta de reprovação, nas quais ele atribuiu como
consequência a sua imaturidade e indisciplina, porém enfatizou que sofria
“bullying” das demais crianças por conta do tamanho de seus óculos.
Apontar a indisciplina e a imaturidade como causa do fracasso
escolar, de certo modo, expressa uma reflexão pessoal de Fernando acerca
de sua vida e do quanto ele amadureceu com relação aquele momento. No
entanto, por trás dessa imaturidade e indisciplina, podemos identificar a
omissão da escola quanto ao atendimento especializado que Fernando não
teve, o que dificultou o seu processo de aprendizagem e o seu rendimento
escolar. Essa tendência de as pessoas colocarem o fracasso escolar sobre os
ombros do próprio aluno, advém do aparelhamento das instituições de
ensino ao ideário neoliberal, com vistas a mascarar a realidade e aceitar
passivamente as condições desiguais da sociedade capitalista.
É necessário que a escola ofereça condições suficientes para
garantir a inclusão do aluno com deficiência visual, oferecendo serviços e
recursos de Tecnologia Assistiva, com vistas a viabilizar o seu acesso ao
301
conhecimento científico e, consequentemente, garantir o desenvolvimento
das funções psicológicas superiores como a atenção voluntária, a memória,
percepção e o pensamento lógico e abstrato (VIGOTSKY, 2009).
Com a ausência desse atendimento, somados a precária situação
familiar, social e econômica, bem como a falta de interesse e de crença na
escola como um meio de transformação da sua vida, Fernando evadiu-se
da escola durante o 1º ano do Ensino Médio e passou a buscar um emprego
que pudesse lhe garantir algum dinheiro para ajudar a sua mãe com as
despesas do lar.
Alguns excertos da fala de Fernando, expressa bem a sua opção pela
evasão da escola:
[...] Cheguei a estudar e trabalhar durante um mês. Foi então, que decidi
sair da escola e ficar somente trabalhando.
[...] Acho que foi assim! O fato de ter reprovado bastante e, com uma faixa
etária mais elevada, estava desencaixado ali, precisava trabalhar para
ganhar o dinheiro da gente. Então, acabei por essa opção.
[...] A gente sempre morou de aluguel e sempre foi somente eu e ela (mãe
de Fernando), então, eu percebi que precisava trabalhar e precisava ter o
meu dinheiro. Já estava maior, ela não tinha a obrigação de me dar
dinheiro.
A partir desse momento de sua vida, ele resolveu priorizar o
trabalho em detrimento de seu processo de escolarização em que se
manteve distante até a perda total da visão. Durante um período de cinco
anos, passou pela função de garçom em churrascarias e auxiliar
administrativo. Ele conta, que por conta da visão monocular, que lhe
proporcionava o benefício da reserva de vagas para pessoas com deficiência,
302
sempre conseguiu boas vagas de emprego por intermédio do SINE
(Sistema Nacional de Emprego).
Até os 23 anos de idade, a sua vida resumia-se ao trabalho e a ajudar
a sua mãe com as despesas do lar, bem como as demais atividades
relacionadas à vida de um jovem adulto que, apesar das dificuldades
ocasionadas pela visão monocular e o forte grau de miopia, ainda conseguia
exercer uma relação de autonomia e independência com sua forma de
interagir com os espaços físicos e o meio social.
Com base no que já expomos até o momento, podemos perceber
que, mesmo que as limitações de Fernando não tenham sido tão severas,
há uma modificação na forma como ele interage com o meio social. De
acordo com Vygotski (1997), qualquer que seja a deficiência, vai ocasionar
um desequilíbrio entre o organismo do sujeito e o meio social que o
circunda, uma vez que o modo como a sociedade está organizada, não
favorece a participação social daqueles que tem um organismo agravado
pela deficiência.
Esse fator é perceptível no decorrer da vida de Fernando, que a
partir do momento em que começou a perder a visão com nove anos de
idade, a sua vida e modo como ele se relaciona com o meio social se tornou
complicado, levando-o a reprovação no Ensino Fundamental II e,
posteriormente, a desistência no início do Ensino Médio.
Até os seus 23 anos de idade, quando começou a perder o restante
da visão em seu olho que ainda enxergava, por decorrência de outro
descolamento de retina, ele não tinha qualquer informação sobre o
emprego de Tecnologia Assistiva, ou o direito de frequentar a escola com
atendimento especializado.
Quando a falta da visão passou a interferir em sua vida social, sendo
extremamente afetada, ele se viu em uma situação delicada com relação a
303
sua independência e capacidade de manter a sua vida laboral e de
participação em espaços físicos e sociais. Esses fatores agravados pela
deficiência, fizeram com que ele deixasse o emprego e, por cinco meses,
vivesse do seguro desemprego e, posteriormente, ser obrigado a acionar o
auxílio para a reabilitação profissional.
[...] eu tive que passar por outras experiências, tive que começar os
tratamentos, tive que começar outra vida.
[...] os dois primeiros anos, que comecei a fazer o tratamento, ele foi,
digamos assim, eficaz. Ele ia dando resultado, mas lá na frente desandava
e tinha que mexer no olho de novo. Então, nos dois primeiros anos, eu
ainda pude enxergar, mexer no celular e andar na rua.
Aos 23 anos foi quando eu comecei a perder a visão, a minha liberdade, a
minha vida natural começou a mudar. Então, começo a contar desde dessa
época.
Antes disso, com a ajuda da correção dos óculos, eu conseguia sair, ter uma
vida normal. Eu tinha uma visão um pouco limitada, 14 graus de miopia,
bem forte.
A ausência da visão, como Vygotski (1997) traz em suas sínteses,
não modifica somente o organismo da pessoa, mas modifica toda a sua
forma de relacionar-se com o mundo e o meio social. A perda da visão faz
com que a pessoa necessite de uma reorganização na sua forma de viver e
de se relacionar com o meio circundante.
Para Fernando, esse processo de reorganização foi um tanto quanto
turbulenta. Quando, aos 23 anos, começou a perceber que estava ficando
com cegueira, passou a se revoltar e se indignar com a vida, seguida de um
estado de depressão que, até os dias de hoje, ainda tem incomodado e
dificultado a sua reabilitação. Sem trabalhar, estudar e uma situação
304
financeira complicada, para ele seria inevitável o adoecimento emocional e
a falta de perspectivas futuras.
Um pouco dessa frustração e dificuldades pode ser verificado em
seu seguinte relato:
Até a forma que as pessoas conversam com a gente muda. Se você falar para
certas pessoas que você é cego, elas vão achar e ouvir isso como um
coitadismo. Acha que a gente se faz de coitado e que sou eu que estou me
afastando, que estou colocando dificuldades para interagir. Mas não é isso!
As pessoas mudam o jeito de conversar com a gente, eles colocam a gente em
um status inferior a elas. Eu percebi isso, percebi isso nos quatro anos.
A pessoa mesmo que eu estava junto, inclusive está se formando em
Psicologia, ela falou que tinha dificuldades, porque se ela chegasse em um
ambiente e tivesse uma pessoa com limitações, ela tinha dificuldades de se
aproximar e interagir com aquela pessoa.
Hoje em dia é difícil você estar em um ponto de ônibus e as pessoas se
aproximarem de você, tentarem interagir com você, só pelo fato de você ser
um ser humano igual a elas. Elas se aproximam de você para matar a
curiosidade, que elas não conseguem segurar. Tipo: Como é que você
ficou cego? O que aconteceu? Essas são as primeiras perguntas que fazem.
Então, elas não se aproximam de você porque você seja bacana.
Nesse relato de Fernando, fica evidenciado uma concepção que a
sociedade ainda tem da pessoa com deficiência, com a qual lhe atribui um
status de inferioridade por conta da limitação orgânica. Essa percepção das
pessoas com deficiência ainda se faz presente e dificulta a ascensão social,
uma vez que intensifica a exclusão por meio do julgamento de
incapacidade para a realização de determinadas tarefas ou o receio de
aproximar-se e estabelecer contato, como se a pessoa com deficiência fosse
alguém radicalmente diferente e complicada de se relacionar.
305
De acordo com Vygotski (1997), a maior dificuldade enfrentada
pela pessoa com deficiência não se encontra na insuficiência ou limitação
do organismo, como no caso de uma doença que limita a capacidade visual
de uma pessoa, mas nas barreiras que são encontradas no decurso do
desenvolvimento psíquico. A perda da visão para Fernando é
extremamente intensificada, a partir do momento em que ele necessita
estabelecer uma relação social, mas que em decorrência de sua condição de
cegueira, a sociedade e as demais pessoas criam uma série de barreiras que
dificultam o seu acesso ao meio social.
Diante dessa situação de desamparo e de necessidade de
reabilitação e de novas perspectivas para o enfrentamento da vida como
uma pessoa cega, Fernando foi orientado por pessoas ligadas a uma
associação de pessoas com deficiência visual, que lhe conduziu a se
matricular na Educação de Jovens e Adultos, onde ele poderia ter um
acompanhamento especializado e orientações para favorecer a sua
reabilitação.
A partir dessa nova perspectiva, a vida de Fernando tem melhorado
significativamente, não somente pela ocupação em si própria, mas pelo
desenvolvimento e o grande apoio que tem recebido das professoras ao
longo do seu processo de reabilitação e reorganização de sua vida.
Quando perguntamos os motivos que o fizeram retomar os
estudos, ele respondeu:
Foi pelo fato de eu ter perdido a visão. Eu achava que aqui, se eu voltasse
para a escola poderia me dar oportunidades melhores no futuro, porque
para uma pessoa que enxerga é difícil conseguir uma boa profissão e, para
a pessoa que não enxerga, é muito mais difícil. Então, decidi voltar por esse
motivo e para ocupar a cabeça com outras coisas. Achei que isso poderia
306
me ajudar a me reabilitar. E isso ajudou. Foi por conta disso que aprendi
a andar sozinho.
Uma escola de Educação de Jovens e Adultos, que atende ao
publico com deficiência, além de prover as condições suficientes para a
aprendizagem e o desenvolvimento desses alunos, também absorve a
responsabilidade, para o caso de alunos que retomam os estudos por terem
adquiridos uma deficiência, como um espaço de reabilitação para a vida.
Portanto, os serviços de Tecnologia Assistiva se tornam ainda mais
importantes, uma vez que é nesse espaço em que a pessoa com deficiência
visual tem os primeiros contatos com recursos que poderão contribuir
diretamente para a sua inclusão e reorganização social.
Nos excertos a seguir, Fernando descreve o processo em que
possibilitou a sua capacidade de mobilidade de maneira autônoma e
independente, demonstrando a participação de sua professora ao longo
desse percurso:
Os primeiros passos foram no quarteirão de casa, sozinho, sem o auxílio de
ninguém. Mas, quando eu entrei na escola, eu tive o auxílio da professora
Elza. O primeiro trajeto que ela me ensinou foi da minha casa até o ponto
de ônibus, onde eu tinha que atravessar quatro ruas para chegar ao ponto
de ônibus. Depois, eu pedi para ela me ensinar a ir para o centro, onde eu
queria aprender a pegar um ônibus e desembarcar no terminal e ir, por
exemplo, a uma loja que eu gostava de fazer compras, no banco e demais
locais. Ela fez esses trajetos comigo.
Ela disse que eu era muito corajoso. Com um dia só de treinamento ali no
centro, ela já falou que eu estava pronto para andar sozinho. Mas, eu acho
assim, que o quê me ajudou foi fazer, foi tomar essa decisão muito rápido.
Eu não deixei o tempo passar, se estender muito, porque se o tempo se
estende mais, eu iria acabar me desanimando e me acomodando. Então,
307
eu acho que usei aquela memória visual, que até hoje ainda é fresca e,
naquela época ainda estava mais.
Fernando demonstra muita desenvoltura para se mover entre os
espaços na escola, isso acontece da mesma forma nas ruas e nos
estabelecimentos comerciais que ele frequenta. Para isso, a utilização da
bengala é imprescindível e, desde suas primeiras aulas de mobilidade, não
se separa dela nem por um instante. A bengala já se tornou uma extensão
de seu corpo, que apesar do pouco tempo que a utiliza, já a domina e se
desloca naturalmente pelos espaços físicos. De acordo com suas palavras:
A bengala é primordial, a única coisa que substitui a bengala é um cão
guia, nada mais substitui a bengala para o cego. Eu, para falar a verdade
para você, não me sinto à vontade, não me sinto livre quando alguém está
me guiando, não me sinto natural no meu estado de naturalidade.
A bengala foi o primeiro recurso a ser introduzido na vida de
Fernando, o que lhe possibilitou, além de frequentar e acessar os espaços
da escola com mais independência, a participar de outras atividades como
a aulas de violão no conservatório municipal, bem como academias e aulas
de Judô.
No entanto, essas atividades não relacionadas a escola, foram aos
poucos inviabilizadas, sobretudo pela falta de acessibilidade no transporte
público e nos espaços físicos. De acordo com Fernando, as aulas de música
ficavam em um lugar muito longe de sua residência, no qual o acesso pelo
transporte público era limitado e incipiente. Outro fator levantado por ele
foi a falta de dispositivos que viabilizam a utilização dos ônibus urbanos
na cidade de Campo Mourão.
308
Eu acho que o transporte público deveria mudar bastante, eu mesmo que
fiz tratamento lá em Curitiba, o transporte de lá tem aviso sonoro, aviso
das portas, aviso de próxima parada, próxima estação e isso ajuda bastante.
Agora, a gente que está aqui, tem que ficar pensando em quebra-molas,
tem que ficar prestando atenção de quando a porta abre e quando a porta
fecha. Lá em Curitiba é tudo falado certinho, mas muita coisa tem que
melhorar mesmo.
A adaptação e implantação de recursos tecnológicos para a
melhoria da mobilidade urbana, bem como a utilização de transporte
público por pessoas com deficiência visual, ainda não se faz presente em
cidades do interior, apenas em poucas capitais e grandes centros
metropolitanos. A falta desse tipo de acessibilidade inviabiliza a utilização
desse serviço pelas pessoas com deficiência visual e, desse modo, deveria ser
uma questão de políticas públicas que obrigassem as empresas a
proporcionar sistemas ou aplicativos com essa finalidade.
As limitações impostas a Fernando não se restringem apenas a
mobilidade urbana, mas também aos espaços físicos e atividades que, em
muitos casos, não oferecem suporte para o atendimento de suas
necessidades. Para ele:
Na verdade, são muitas coisas que a gente tem vontade de fazer e a questão
da visão não limita a gente, mas no ponto de vista das pessoas limita.
Porque a gente pode fazer coisas e se não for possível enxergar, a gente usa
referência visual e apoio da pessoa do lado para poder descrever. Eu queria
fazer academia, mas não era possível porque eu não podia ficar sozinho
andando lá dentro. Então, exigia um personal, um gasto a mais, que no
caso de uma pessoa que enxerga não precisaria pagar.
Também já lutei judô, mas por conta de ser um lugar, digamos afastado,
foi a questão de transporte coletivo. Eu tive que sair também, porque a
aula começava às 7:30 e acabava quase 9:00, onde era um local deserto.
309
Então, para eu ficar ali sozinho essas horas da noite, era inviável. Ali até
que passa circular, mas não dá para ficar sozinho a noite.
Mas existem muitas coisas, tem cursos também que eu tenho vontade de
fazer, como os cursos do SENAC, que inclusive o INSS (Instituto Nacional
do Seguro Social) falou que pagaria os cursos para mim, mas quando olhei
no SENAC os cursos presenciais, eles eram todos de saúde e gastronomia,
coisas que não seriam interessantes para mim. Quanto aos demais cursos,
como eu posso dizer, de mais relevância para mim, eu não posso fazer, como
os cursos à distância, que eles falam que não é acessível porque a plataforma
não é acessível, não existia acessibilidade nas plataformas e eu não
conseguia navegar sozinho. Então, são muitas coisas que eu queria fazer,
mas não tem como.
Por meio desse discurso de Fernando, podemos identificar que as
dificuldades e limitações não estão presentes em seu próprio organismo,
mas no modo como a sociedade se organiza, de modo a atender um
determinado padrão de “normalidade” visual, que em muitos casos, exclui
e impossibilita a participação de uma pessoa com deficiência visual. Caso
os ônibus oferecessem um sistema sonoro e de identificação acessível, as
academias propiciassem equipamentos acessíveis e profissionais capazes de
compreender as necessidades de um cliente com cegueira, bem como os
cursos a distância fossem preparados para receber esse público, as
limitações seriam consideravelmente minimizadas, possibilitando uma
inclusão mais efetiva e digna às pessoas com deficiência.
São essas as adaptações e perspectiva que a escola deve buscar para
as pessoas com deficiência, não basta concordar com o acesso, é necessário
propiciar as condições adequadas para uma participação ativa dos alunos,
sobretudo no que concerne a aprendizagem e ao desenvolvimento.
Dessa forma, quando desprendemos o nosso foco investigativo
para os recursos de tecnologia que possam contribuir para o
310
desenvolvimento das pessoas com deficiência visual, não devemos apenas
levar em consideração o quanto tal recurso pode ampliar a capacidade
visual de uma pessoa, mas o quanto ele pode ajudar a enfrentar os fatores
de complicação social, ocasionados por uma sociedade desigual e
excludente.
No âmbito da escola, os recursos de TA são inseridos no cotidiano
da sala de aula e, dentre esses, Fernando já utilizou a máquina Braille, a
reglete e o sorobã. Contudo, diferentemente dos demais alunos com
cegueira, participantes da pesquisa, o seu principal meio para a escrita,
leitura e o cálculo é o notebook, com o qual ele sempre teve familiaridade,
até mesmo ates de ser acometido pela cegueira.
Pelo fato dele não ter sido alfabetizado em Braille, sua dificuldade
com esse sistema de escrita é bastante evidente, ainda mais para ter que
acompanhar as atividades em sala de aula. Desse modo, os recursos ligados
a computação, como o notebook e o smartphone foram fundamentais para
o enfrentamento de seu processo de escolarização.
Durante as aulas, é possível perceber que Fernando faz uso somente
do notebook, tanto para escrever textos, anotações acerca da explicação da
professora, bem como realizar a leitura do material didático e etc. Embora
tenha recebido do governo todos os livros didáticos impressos em Braille,
Fernando prefere a utilização do notebook, que por intermédio do leitor
de tela NVDA, realiza toda a leitura e anotações necessárias. Até mesmo
para a realização de cálculos e exercícios de matemática, ele prefere a
utilização do Excel como ferramenta para calcular e organizar a estrutura
dos cálculos matemáticos, uma vez que para ele é mais habitual e fácil para
lidar.
De acordo com o seu discurso:
311
Na escola, se eu não tivesse ali a facilidade de utilizar o notebook para
acompanhar as aulas, simultaneamente, eu me atrasaria nas matérias que
eu faço. Assim, eu não me atraso em nada, acompanho normamente.
Enquanto os alunos vão copiando do quadro, eu vou escutando a
explicação da professora e eu vou escrevendo o que ela está falando. Antes
dela escrever no quadro, eu já estou escrevendo no notebook. Então, isso aí
ajuda bastante.
Para o cego que precisa do ensino didático, o notebook ajuda a gente. É
que tem cego que é preguiçoso, né? Tem cego que sabe andar, tem cego que
não sabe, tem cego que sabe mexer em computador e tem cego que não,
prefere o Braille. Então, cada um tem um limite e uma necessidade, mas o
motivo é que foi imprescindível, porque senão eu iria atrasar as aulas só
com o Braille, até mesmo porque eu não fui alfabetizado no Braille. Então,
até eu pegar uma naturalidade no Braille, iria demorar muitos anos e
muita prática. Então, isso ajuda bastante.
Com o foninho de ouvido ali na sala, porque a sala é sempre barulhenta e
se você coloca um foninho de ouvido ali, caso precise fazer algum cálculo,
você pode abrir uma planilha no Excel. Então, tem o sorobã também que
é para cego, que é muito bom também, mas hoje em dia, existem muitas
coisas que a gente pode substituir, como o Braille pelo notebook, o sorobã
por uma calculadora auditiva ou pelo próprio notebook.
No decorrer das aulas, Fernando apoia-se no notebook como um
meio mais prático de adaptação ao meio ambiente de aprendizagem ao
qual ele está submetido. Com a utilização desse recurso, ele consegue
ampliar as suas condições de participação durante as aulas, passar a ter uma
intervenção mais ativa e romper algumas barreiras desse espaço físico,
como a lousa e a agilidade com o registro e organização do pensamento
durante a explicação da professora.
Com a utilização dos recursos de TA, Fernando passa a ter uma
maior percepção dos eventos que acontecem ao seu redor, o que facilita o
início de sua aprendizagem a um determinado conceito científico.
312
Para que o aluno passe a operar mentalmente com um
determinado conceito, é necessário que ele estabeleça com o fenômeno de
estudo uma relação prática, material e sensorial, uma vez que de acordo
com Davidov (1982), a atividade prática do ser humano é a base de todo
o conhecimento, uma vez que o primeiro contato da humanidade com
qualquer objeto presente na natureza, desde os primórdios, se deu
mediante o contato sensorial. Para Kopnin (1978), a percepção sensorial
antecede qualquer forma de pensamento.
Como já expomos anteriormente, na acepção de Galperin (2011),
a base material de um conceito é uma etapa fundamental para a
aprendizagem de qualquer conceito científico, visto que o contato direto
com o objeto de estudo, possibilita, em um primeiro momento, o
conhecimento de suas propriedades físicas, seja por meio da operação com
sua materialidade ou uma representação materializada.
Desse modo, o computador para Fernando possibilita acessar
informações e representações com as quais seriam muito mais difíceis de
ser alcançadas por uma pessoa com deficiência visual que não faça uso desse
tipo de recurso tecnológico. A possibilidade de registrar e representar a
estrutura de seu pensamento, seja em textos no Word ou em fórmulas no
Excel, contribui para ampliar a seu entendimento e percepção dos
conteúdos ensinados em sala de aula.
O emprego desse tipo de recurso, inclusive possibilita que o aluno
passa a apresentar um interesse maior pelo conteúdo escolar. É
imprescindível para o desenvolvimento de motivações internas, aquela
capaz de mover o sujeito em direção da aprendizagem, que o aluno exerça
e reproduza uma atividade prática com relação ao objeto de estudo. Por
mais abstrato que um conceito possa ser, sempre vai ter uma base material.
313
Ao descrever um momento particular em sua trajetória pela EJA,
Fernando destacou a importante função que o professor desempenha na
apresentação ou exposição de um conteúdo. Mesmo sem a utilização de
um recurso que fosse acessível, como um projetor multimídia comum, a
professora teve o cuidado de incluí-lo no decorrer da atividade.
Teve uma matéria muito interessante, que era a matéria de Biologia que
eu fiz, onde a professora usou um data show, mas ela ia fazendo as
explicações das imagens e do que tinha nas imagens dos animais. E, ao
mesmo tempo, um outro professor ia manuseando o notebook. Então, ali
foi uma aula bem rica de informações. Por ser uma aula totalmente visual
ali, né? De referência, né? Então foi bacana que ela ia descrevendo tudo.
Essa percepção de Fernando com relação às representações dos
animais, bem como a descrição da professora das propriedades externas do
objeto de estudo, não é uma atividade que proporcionará a ele o
desenvolvimento de um pensamento teórico e, nem tampouco,
compreender todo o sistema conceitual e suas concatenações. No entanto,
acreditamos ser uma das etapas que, além de aproximar o conteúdo da
percepção sensorial do aluno, pode inci-lo a começar a se interessar pelo
conceito.
Dessa forma, é nesse momento que consideramos fundamental o
emprego de Tecnologias Assistivas no âmbito da sala de aula. Como
pudemos observar, Fernando estava muito confiante com o seu processo
de escolarização, motivado inclusive para buscar o ingresso em uma
universidade para prosseguir os estudos no Ensino Superior. Esse foi o
início de um processo bem sucedido de utilização de um recurso que
potencializou o desejo pela busca de novos conhecimentos e
aprendizagens.
314
Como apresentamos no segundo capítulo, as escolas ainda estão
desprovidas de inúmeros recursos tecnológicos que podem contribuir
durante um processo de escolarização. Acreditamos que o potencial de
outros recursos, que muitas vezes são inviabilizados pela condição
econômica dos alunos e as condições precárias da escola, poderiam oferecer
inúmeras situações favoráveis de inclusão e remoção de barreiras no âmbito
da sala de aula.
Diante de um sistema educacional, conforme demonstramos ao
longo desse trabalho, que não valoriza a aprendizagem de conceitos
científicos e nem prioriza o desenvolvimento psíquico dos alunos,
podemos considerar que a experiência de Fernando na Educação de Jovens
e Adultos, embora não esteja fundamentada em uma educação para o
desenvolvimento, é uma exceção dentre os alunos com deficiência visual.
O seu conhecimento, anterior a perda da visão, sobre a informática e os
recursos de Tecnologia da Informação e Comunicação, bem como a
aquisição de um notebook, o qual ele ganhou de presente de uma tia,
foram fundamentais para que, dessa vez, obtivesse sucesso em sua trajetória
escolar.
Ainda mais importante que o emprego da TA ao longo desse
processo, foi o trabalho da professora Elza, a qual participou na orientação
dos professores e no acompanhamento de Fernando, desde o início de sua
reabilitação. Tanto que essa experiência proporcionou a ele o
reconhecimento de que, antes de qualquer recurso tecnológico, vem o
papel a ser desempenhado pelo professor. Esse aspecto pode ser verificado
em seu seguinte discurso crítico:
Hoje em dia não adianta você ter uma ferramenta que dá possibilidades
de você fazer “x” coisas e a professora não saber te ensinar, não tiver aquela
naturalidade de te explicar, porque tipo assim, os professores eles vêem a
315
gente cego e eles acham que tem que ensinar, eles acham que eles tem que
fazer de uma forma totalmente fora do eixo para a gente. Mas, não é assim,
isso deveria ser uma coisa normal, as vezes a gente precisa de uma
explicação diferente. Igual a matemática, é uma matéria que você faz
porque você precisa ter ali uma estrutura daquela equação na sua cabeça
e, às vezes uma pessoa que te explica de uma forma diferente ela vai te
deixar em uma situação um pouco mais difícil de você aprender. Então, eu
acho que a dificuldade está mesmo no despreparo da educação do que nas
ferramentas. As ferramentas não dão conta de garantir seu aprendizado
por conta própria. Existem coisas que não tem como. A ferramenta ali dá
a questão da prática de você estar mexendo ali, vai te dar facilidade, mas
não vai te dar respostas das coisas.
Esse trecho da fala de Fernando expressa com clareza boa parte das
dificuldades enfrentadas pela pessoa com deficiência em sala de aula. Caso
o professor não organize um ensino que possa considerar as suas
necessidades, o conteúdo escolar não fará sentido para a forma como ele
interage e percebe o mundo objetivo. De acordo com Vygotski (1997),
todas as pessoas com deficiência são capazes de se desenvolverem, porém,
esse processo se dá por vias e caminhos diferentes das demais pessoas e, por
essa razão, a Educação Especial, o Atendimento Educacional Especializado
e o atendimento das condições necessárias, são fatores que deveriam
proporcionar alternativas para os professores e as instituições de ensino
promoverem o desenvolvimento psíquico para esses sujeitos.
Já em fase final do curso de Ensino Médio, Fernando divide seu
tempo entre estudar, tocar violão, cuidar de seu cachorro e, como
entretenimento, utiliza-se de seu acesso a internet para buscar diferentes
atividades e conteúdos.
Empolgado com a guinada que a sua vida deu com relação aos
estudos, Fernando pretende, após a conclusão do Ensino Médio, ingressar
316
no Ensino Superior. Sua principal escolha é pelo curso de Direito, com o
qual ele pretende lutar pelos direitos das pessoas com deficiência e, ao
mesmo tempo, conseguir o seu espaço no mercado de trabalho.
Portanto, a Educação de Jovens e Adultos é um instrumento que
transforma a vida de muitas pessoas que a frequentam, sobretudo no caso
das pessoas com deficiência como Fernando que, mediante o agravamento
de suas limitações, buscou na escola uma possibilidade de superar as
barreiras impostas pela sociedade, vislumbrando um futuro ainda melhor,
ao qual tinha sob perspectiva antes da cegueira.
4.2.4 Fábio
Fábio é um jovem de 22 anos que, a pouco tempo, retornou à
escola para buscar alternativas para a sua vida, bem como um futuro que
lhe assegure uma possibilidade de trabalhar e participar mais efetivamente
da vida em sociedade. Com baixa visão e visão monocular, ele estudou, em
classes comuns da rede regular, até o 8º ano do Ensino Fundamental que,
na ocasião do agravamento de sua acuidade visual, ele desistiu da escola
aos 17 anos de idade.
Ao longo de sua infância e parte da adolescência, Fábio não
imaginava que a sua vida adulta poderia ser impactada por uma baixa visão.
Aos 14 anos de idade, por decorrência de um descolamento da retina, ele
perdeu totalmente a visão em um de seus olhos, passando a depender da
acuidade visual do outro, o qual veio a degenerar-se nos anos seguintes.
Quando eu tinha 14 pra 15 anos, eu perdi totalmente a visão de um olho.
Aí, quando eu fiz 18 anos, começou a diminuir na outra vista. Aí, eu
procurei um oftalmologista, o laudo que ele passou, falou que eu enxergava
317
20% da vista, do olho esquerdo. Foi tudo muito rápido, uma hora eu
estava na minha infância e, na outra, eu já estava cego.
Essa situação que, semelhantemente ocorreu com Fernando,
impõe a Fábio, a necessidade de uma reabilitação e orientação quanto a
reorganização biológica e social de sua vida. Até um determinado período
de sua vida, a utilização do aporte visual para a realização de atividades
cotidianas, era uma de suas principais vias de percepção do mundo
objetivo. Quando foi acometido de uma perda substancial de sua
capacidade visual, o modo como ele passou a interagir com o meio social
teve que ser totalmente modificado e, por essa razão, é causado um
desequilíbrio entre o seu organismo e o modo como a sociedade está
organizada.
Nesse sentido, muitas das atividades em que ele era acostumado a
desempenhar, tiveram que ser interrompidas ou adaptadas a sua nova
realidade. Além da escola, que ele desistiu, logo após o agravamento da sua
acuidade visual, outras atividades foram interrompidas. Eu gostava
muito de jogar pingue-pongue em hora de lazer. Eu gostava de jogar bola, jogos
em computador, videogame. Tudo isso, tive que parar. Quase uns 90 % de
tudo que eu fazia antigamente. Eu tive que cortar tudo”.
Durante o período em que Fábio esteve ausente da escola, entre os
seus 17 e 22 anos, ele não buscou por emprego, não desenvolveu nenhuma
atividade remuneratória. Apenas se manteve em sua casa, ajudando sua
mãe e seus irmãos com os trabalhos domésticos. Filho de um proprietário
de uma oficina de refrigeração, ele conta que tentou trabalhar na empresa
de seu pai, porém a baixa acuidade visual não possibilitou o exercício da
atividade laboral.
318
Como Fábio deixou de frequentar a escola durante o momento
mais delicado de sua reabilitação, ele não recebeu orientações e nem
encaminhamentos para um atendimento especializado, que pudesse
oferecer serviços e recursos de Tecnologia Assistiva. Ao longo dos últimos
cinco anos de sua vida, ele apenas se conformou com a nova condição
visual e, tomado por uma descrença nas instituições públicas de educação
e de saúde, não buscou por vias alternativas para poder enfrentar as
barreiras encontradas pelo seu caminho.
A partir dos seus 14 anos de idade, quando ele perdeu a visão de
um olho e, ao mesmo tempo, iniciou uma gradativa perda visual do outro
remanescente, Fábio pensou que a escola não poderia lhe ajudar e, que a
sua nova condição, era uma responsabilidade particular pela qual a
instituição de ensino não tinha a obrigação de oferecer condições
adequadas para a continuidade de seus estudos.
No trecho transcrito da entrevista semiestruturada, podemos
identificar o seu relato acerca das razões pelas quais decidiu desistir da
escola:
Pesquisador: Quais foram os motivos que levaram você a parar de
estudar?
Fábio: A deficiência!
Pesquisador: Essa decisão partiu de você ou da escola?
Fábio: Não tinha como eu estudar, eu estudava em uma escola
estadual. Porque lá, eles não tinham como auxiliar, o colégio não tinha
como auxiliar. Já aqui na EJA tem auxílio.
Pesquisador: Quando você perdeu a visão, você foi conversar com a
escola sobre suas dificuldades e limitações?
319
Fábio: Não, eu já peguei e desisti sem conversar com ninguém. Eu
tentava, eu me sentava na primeira fileira para ver se conseguia enxergar
o quadro.
Pesquisador: Os professores não percebiam a sua necessidade? Não
reportavam a sua necessidade para a coordenação pedagógica?
Fábio: Não! Eu peguei e tive que parar de estudar. Quando parei, eu
estava com 17 anos e ia fazer 18. Pelo meu ponto, eu não sabia de nenhum
direito naquela época. Para mim, ou era tentar ou não tentar. Aí, eu
escolhi não tentar.
Pesquisador: Você sofria algum tipo de discriminação nessa escola?
Fábio: Ah! Tinha alguns colegas que zoavam, mas nunca fui de ouvir,
fingia que nem ouvia.
Pesquisador: Mas, o que determinou o seu abandono?
Fábio: Foi a falta de ver o quadro e a falta de apoio da escola.
Pelo fato de Fábio não ter recebido um atendimento adequado às
suas necessidades, a escola se tornou um ambiente de exclusão e
marginalização que, diante das necessidades explicitadas pelo aluno, não
foi feito nenhum atendimento diferenciado ou algum encaminhamento
para orientação e reabilitação por intermédio de serviços e recursos de
Tecnologia Assistiva.
Com base na legislação vigente em 2015, ano em que o aluno
desistiu de frequentar a escola, o Atendimento Educacional Especializado
deveria ter sido ofertado pela rede de ensino, no contraturno, de modo a
assegurar o seu acompanhamento às aulas e atividades das classes comuns
do ensino regular. No entanto, a escola não identificou as suas
necessidades, nem reportou a sua desistência às autoridades, tendo em vista
que ele estava prestes a completar 18 anos de idade.
320
A invisibilidade da deficiência de Fábio permaneceu, até que ele
regressasse à escola, para continuar os estudos na EJA. Durante os oito anos
em que teve que lidar com a deficiência visual, ele não teve contato com
nenhuma pessoa com cegueira ou baixa visão, nem tampouco a
profissionais nas áreas da educação, assistência social ou de reabilitação
ocupacional. O seu contato mais próximo, contudo, se deu apenas com o
oftalmologista, que diante da gravidade de sua condição visual, pouco
contribuiu para a reorganização de sua vida e de suas atividades cotidianas.
Lidar apenas com os fatores biológicos da deficiência, de acordo
com Vygotski (1997), não possibilita identificar e enfrentar as dificuldades
e barreiras às quais a pessoa com deficiência é submetida.
A deficiência, como uma limitação sensorial ou de percepção
imediata do meio circundante, ocasiona uma complicação no decurso do
desenvolvimento psíquico, uma vez que a via de acesso direto ao meio
social está impedida ou é dificultosa. A chave para a superação das
contraversões enfrentadas pela pessoa com deficiência não se encontra na
deficiência, nem na aceitação e conformação da condição biológica
desfavorável, mas no combate e enfrentamento do modo como a sociedade
e a estrutura das relações sociais estão organizadas.
No caso de Fábio, em que a melhora da acuidade visual é
irreversível, o combate apenas à insuficiência orgânica, bem como a
sujeição e conformação às limitações, não lhe ajudarão a enfrentar as suas
dificuldades ao longo de sua vida. É necessário, por outro lado, lutar para
que os espaços físicos e sociais estejam em condições que lhe permitam a
acessibilidade e a interagibilidade, sem que a deficiência seja um fator
impeditivo para a sua percepção e apropriação da cultura e das
especificidades do gênero humano.
321
A escola, nessa perspectiva, deve ser um espaço que favoreça o
desenvolvimento psíquico de todos os alunos e, por conseguinte, seja
acessível e capaz de oferecer condições suficientes para eliminar e suprimir
os efeitos negativos ocasionados pela deficiência. É necessário que os alunos
com deficiência tenham consciência sobre os seus direitos e, acima de tudo,
compreender que a sua limitação sensorial, física ou intelectual, não pode
ser considerado um empecilho em seu processo de desenvolvimento,
aprendizagem e de participação ativa na sociedade.
Para Fábio, antes de reingressar na escola, a sua concepção era de
que a deficiência visual era um fator que lhe impedia de desenvolver
atividades comuns a vida de um jovem adulto, como o trabalho, a
educação formal, lazer e esporte. A sua esperança em ter uma vida mais
ativa socialmente, foi retomada de uma forma inesperada, conforme pode
ser identificado em seu depoimento:
Pelo meu problema, eu não iria terminar os estudos, mas, eu vim no colégio
com o meu irmão, que ele iria estudar aqui. Aí, eu conheci a Professora
Elza, que era a orientadora aqui. Aí, ela falou assim, que tinha uma
assistência para deficiente visual aqui no colégio e pediu para eu vir
conhecer. Aí, eu peguei e falei: ah! Não custa nada, ? , eu vim e estou
até hoje.
A possibilidade de receber um atendimento especializado durante
o seu processo de escolarização fez com que Fábio voltasse a ter interesse
na escola e em continuar os seus estudos. Com poucos meses matriculado,
ele estava empolgado com a possibilidade de concluir o Ensino
Fundamental e o Ensino Médio, vislumbrando até prosseguir os estudos
no Ensino Superior.
322
Fábio: O meu maior motivo para voltar a estudar é terminar o Ensino
Fundamental e o Médio. Mais para frente, vou ver quais são as opções que
eu vou ter.
Pesquisador: Você tem interesse em ingressar no Ensino Superior?
Fábio: Tenho!
Com o seu retorno à escola, Fábio passa a ocupar um espaço mais
adequado para o seu desenvolvimento e, a partir dessa nova configuração
de seu meio social, os motivos que passam a mover a suas ações estão cada
vez mais entrelaçados com a atividade de estudo e o desejo de alcançar os
níveis mais elevados de escolarização. Desse modo, a sua vida e atividades
que ficavam restritas a sua reclusão domiciliar, passa a ser socialmente mais
intensa e favorecedora para o estabelecimento de novas relações e
perspectivas para o desenvolvimento.
O contato de Fábio com profissionais da Educação Especial, bem
como outros alunos com deficiência visual, abriu para ele uma nova
perspectiva de vida e de ascensão social que, por meio do uso de recursos
adaptados e de TA, o desenvolvimento de suas atividades diárias e de
educação poderiam se tornar mais acessíveis.
Para a melhoria das condições de aprendizagem, a escola
disponibiliza para Fábio todo o material ampliado na fonte 36, para que
ele possa ter acesso aos textos, exercícios e avaliações em sala de aula.
No decorrer das aulas, a professora faz o possível para lhe garantir
acesso ao conteúdo transcrito na lousa. Toda palavra escrita na lousa é
ditada pela professora para que ele possa realizar as suas anotações em um
caderno simples.
No caso da disciplina de Matemática, tendo em vista um número
reduzido de alunos em sala de aula, a professora presta atendimento
323
exclusivo a Fábio. Com a utilização de material ampliado, ela busca auxiliá-
lo com as resoluções dos exercícios e tarefas de ensino.
Durante o período em que observamos e realizamos a entrevista
semiestruturada com Fábio percebemos que o único recurso de alta
tecnologia que ele utiliza é o seu smartphone, configurado com o sistema
iOs, com o qual ele faz uso de um aplicativo de lupa, para que possa
ampliar letras pequenas.
Com relação a computadores, ele não costuma utilizar, uma vez
que recebeu orientações do oftalmologista para evitar o uso excessivo,
como uma forma paliativa de contenção do avanço da perda de sua
acuidade visual.
Fábio: O médico recomendou não mexer muito em computador e essas
coisas, porque força muito a vista e pode piorar, aí eu parei de jogar
videogame.
Pesquisador: Você corre riscos de perder a visão do outro olho?
Fábio: É, eu tinha medo de perder totalmente, mas, desde que começou
a pegar e dar os problemas, passaram já 4 anos que aconteceu e não mudou
nada. Não é que o médico proibiu de usar computador, mas, recomendou
para não ficar muito em computador e televisão. Ele falou que iria forçar
muito a vista e, nesse de forçar muito a vista, era perigoso.
Uma concepção diferente do problema por parte do médico e de
sua escola antecessora, em encaminhar Fábio para um profissional que
pudesse lhe orientar com a utilização de recursos de TA, poderia ter lhe
ajudado a ter mais autonomia, independência e funcionalidade ao longo
dos quatro anos em que esteve marginalizado socialmente.
324
Apesar de ter computador em sua casa, Fábio não o utiliza em seu
dia a dia. Primeiramente, com receios de que a sua visão volte a diminuir
e, por conseguinte, pelo fato de não ter acessibilidade e conhecimentos
básicos de informática.
Quando a luminosidade do monitor é um problema para a saúde
da pessoa com deficiência há a possibilidade de utilização de softwares,
leitores virtuais que podem contribuir para viabilizar o acesso ao
computador e todas as suas funcionalidades. Por desconhecer esse tipo de
recurso, Fábio não tem feito uso de computadores para auxiliar em seu
processo de escolarização.
O smartphone, por outro lado, é o recurso que Fábio mais utiliza
para auxiliar em atividades em que a ampliação é necessária. Por esse
aparelho, ele consegue ampliar as letras impressas em tamanho pequeno,
bem como acessar a internet e conteúdos de site, mídias sociais e demais
meios de informação e comunicação.
Pesquisador: Que tipo de recursos você utiliza para tornar a sua vida
mais fácil?
Fábio: Para melhorar a minha vida, de vez em quando eu uso a lupa.
Lupa no celular para dar um zoom.
Pesquisador: Então, você tem um smartphone?
Fábio: Eu tenho um iOs. Porque, eu fiquei sabendo que ele tinha um
recurso já para deficiente visual. Aí, eu peguei e optei por pegar ele. Daí,
por falta de opções, eu tive que comprar.
Pesquisador: Você utiliza o ampliador de telas ou o sintetizador de
voz?
Fábio: Uso ele somente ampliado para ler. Eu uso, de vez em quando,
quando o texto é muito grande. Aí, eu pressiono a tela e ele aparece: “falar”.
325
Aí, eu escuto o texto. O celular está, tipo 24 horas ativado, os recursos estão
todos na mão.
Pesquisador: Você utiliza esses recursos de lupa para perto ou pra
longe?
Fábio: Mais para perto, para ler papel.
Pesquisador: Você tem algum recurso a mais, além do celular?
Fábio: Não!
Pesquisador: O médico já te encaminhou para a prescrição de lupas
ópticas?
Fábio: o! Eu uso a câmera digital, eu pego e tiro foto e amplio no
celular mesmo.
Pesquisador: Como você ficou sabendo sobre os recursos de
acessibilidade do iPhone?
Fábio: Foi um amigo meu que conhecia e me falou. Aí, eu peguei e
pesquisei um pouco e achei que pra mim foi útil. Pelo tanto que uso, para
mim, eu precisaria de duas baterias de celular.
Pesquisador: O que você acredita que as tecnologias poderiam te
ajudar ainda mais?
Fábio: Eu preciso mais para a leitura, seria alguma coisa que ajudasse
nisso.
Pesquisador: Você conhece recursos específicos para pessoas com
deficiência visual?
Fábio: Não! Pesquisei muito pouco sobre isso.
Pesquisador: Teve alguma situação em que as tecnologias do celular te
ajudaram? Especifique?
Fábio: Me ajuda bastante a lupa, quando eu preciso ir em algum lugar,
porque eu amplio as coisas. Utilizo também o GPS Heele, que uso como
um mapa offline. Você baixa o mapa e utiliza sem internet.
326
O aparelho de smartphone é um recurso que apresenta inúmeras
possibilidades de contribuição para o enfrentamento das barreiras por uma
pessoa com deficiência visual. A grande variedade de aplicativos, bem
como a facilidade do uso e operacionalização, torna esse dispositivo uma
ferramenta capaz de aumentar a capacidade visual de uma pessoa com
baixa visão, como também na minimização dos efeitos de exclusão e de
falta de acessibilidade em nossa sociedade.
Dentre os recursos mais utilizados por Fábio em sala de aula
podemos destacar o material ampliado e o smartphone, que de acordo com
o seu julgamento, são fundamentais para a sua acessibilidade em sala de
aula. Ele também faz questão de reconhecer o trabalho pedagógico da
Professora Tereza e das demais, que sempre quando há qualquer barreira
ou necessidades, elas estão disponíveis para fornecer para ele o melhor
serviço possível.
Dessa forma, apesar de Fábio estar a pouco tempo matriculado na
EJA, as suas perspectivas para um bom aproveitamento das atividades e
dos processos educativos na escola, são positivas, visto que poucas são as
barreiras que vão lhe impedir de alcançar o seu objetivo de conclusão da
Educação Básica nos próximos anos.
A importância dos recursos de TA, bem como o serviço
especializado oferecido pela escola, são os fatores que realmente fizeram a
diferença para que ele pudesse se sentir mais incluído dentro do processo
de escolarização. Esperamos que, daqui em diante, ele possa cada vez mais
acreditar em seu potencial de desenvolvimento e possa conquistar o seu
espaço na estrutura das relações humanas, em que a deficiência e a
sociedade não o impeçam de alcançar as suas realizações pessoais.
327
4.2.5 Daniele
Nascida em Maringá, no ano de 1999, juntamente com uma irmã
gêmea que apresenta deficiência auditiva, Daniele é uma pessoa com
cegueira que, apesar de todas as suas dificuldades, continua a frequentar a
escola e buscar por um futuro melhor para a sua vida e de sua família.
Com 20 anos de idade, Daniele está matriculada no Ensino
Fundamental, mas já está por um bom tempo inserida na rede de ensino
que, por ela manter um ritmo mais lento com relação a aprendizagem e a
progressão de seu processo de escolarização, o prazo para conclusão da
Educação Básica ainda é indefinido.
No começo de sua vida escolar, em decorrência de suas dificuldades
visuais, agravadas por um déficit cognitivo leve, Daniele frequentou a
APAE por alguns anos. Porém, diferentemente do período em que
Bernardo vivia, ela logo foi reconduzida para uma classe comum do ensino
regular.
A partir do ano de 2008, as políticas públicas passaram a
implementar medidas na direção da Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva, em que muitos alunos que frequentavam instituições
especializadas, como é o caso da APAE, foram reconduzidos para as classes
comuns da rede regular de ensino.
Por essa razão, diferentemente de Bernardo, Daniele começou a ser
alfabetizada em Braille no ensino regular, juntamente com o atendimento
do AEE no contraturno, onde as especificidades da alfabetização em Braille
eram trabalhadas.
Quando Daniele tinha 14 anos de idade, estudante do terceiro ano
do Ensino Fundamental, tivemos a oportunidade de analisar as suas
328
condições de aprendizagem nesse espaço escolar. Era uma pesquisa de
campo, que envolveu a entrevista semiestruturada e observação em sala de
aula, a qual foi realizada no ano de 2013 (OLIVEIRA JUNIOR, 2014)
19
.
Nessa ocasião, apesar de frequentar essa classe, ela não dominava a escrita
Braille e, desse modo, não participava das atividades de ensino em
condições iguais aos demais.
Naquele contexto, ela frequentava a escola sem o conhecimento do
Braille, com vistas a assegurar o seu processo de socialização, somente
ouvindo as aulas e participando de uma forma incipiente para o seu
desenvolvimento.
Esse período de escolarização no Ensino Fundamental I, perdurou
por mais dois anos, quando ela concluiu o quinto ano com 16 anos de
idade e, em seguida, ingressou na EJA para continuar os estudos no Ensino
Fundamental II, permanecendo nesse nível até a ocasião da presente
pesquisa, com seus 20 anos de idade.
Diante da entrevista que realizamos com a aluna, percebemos
muita dificuldade para ela compreender o conteúdo das questões, as quais,
em muitas vezes, não atingiram o propósito para a coleta de dados.
Por outro lado, a entrevista com a Professora Cleide revelou
aspectos importantes da vida social, econômica e escolar da aluna:
Pesquisador: A Daniele apresenta somente a deficiência visual ou
alguma outra associada?
Professora Cleide: Não! Ela tem o cognitivo ligeiramente complicado
também.
Pesquisador: Isso foi constatado por uma avaliação multiprofissional?
19
Ao longo do texto que expõe os resultados desse estudo, a aluna recebeu a denominação de “Aluna A”,
com vistas a preservar a sua identidade.
329
Professora Cleide: Ah, não! Ela não foi diagnosticada, porque a mãe
não aceita. O palpite não é só meu, mas dos professores que já passaram
com ela. Assim, você conversando com ela, fala assim: mas poxa, será? E
depois, você vai aprofundar mais a conversa e você vê que tem alguma
coisa. Assim, ela não retém muito, assim, com facilidade, tem que
trabalhar muito, voltar atrás várias vezes, estar sempre voltando atrás e
isso é característico de quem tem um certo limite cognitivo.
Pesquisador: Mas, a mãe não aceita, não procurou investigar?
Professora Cleide: Não! Ela não aceita nem falar que ela precisa de
uma fisioterapia para ela pegar as coisas, andar melhor e tal.
Pesquisador: Voacredita que ela também tem dificuldades motoras?
Professora Cleide: Leve, né? Não é total, que impeça ela de andar. A
mobilidade dela é meio complicada, é meio que devagar até para andar.
Então, eu faço a orientação e mobilidade com ela aqui dentro da escola,
até ali na frente, mas ela não é independente, ela não anda, ela entra em
nico se deixar ela sozinha em um lugar, sabe? Ela sempre tem que ter
alguém perto, porque ela pega a bengala perto de mim, perto dos professores
dela. Mas, longe ela não pega. A mãe guarda na bolsa e pronto! Pega no
braço dela e vai embora.
Professora Cleide: E ela fala que faz isso, que faz aquilo dentro da
casa dela, mas eu já fui várias vezes na casa dela, conheço a casa. Então, é
assim, é uma carência de tudo, entendeu? Então, , não sei se isso
influencia. Ela tem uma irmã que é gêmea com ela e, assim, eu não sei,
mas o que atrapalha é o mimo. A família não acreditar que ela tem
potencial, entendeu? Vem para escola tudo, mas é dentro daquilo ali, não
muda, não se esforça para mudar que, eu acho que poderia render mais, se
tivesse esse encorajamento, por parte do outro lado. A gente tenta encorajar
aqui direto, a gente faz encorajar: você pode, você consegue, vamos pegar
a bengala, vamos até o recreio”. Aí, ela vem de boa acompanhando, mas
ela fala: você está aí?E segura, sabe? Então, isso é coisa que não sei, ela
tem, assim, como se o corpo dela fosse uma continuidade da mãe. Então,
ela depende muito de uma outra pessoa para estar assim, nem que ela vá
com a bengalinha dela, mas ela está sempre assim: “ai! Eu estou sozinha?
(A professora aumenta a tonalidade da voz para referenciar a aluna) Não!
330
você não está sozinha” (completa a professora com a sua voz no tom
normal).
Professora Cleide: Mas isso é o quê? É porque, desde pequenininha,
todo mundo fez tudo para ela. Escovar os dentes, por exemplo, ela tem 20
anos, a mãe escovava até outro dia aí. Agora, ela fala que não, mas eu não
sei, tenho minhas dúvidas. Não pode! Isso não pode! Porque, se ela sabe
pegar na colher para comer, ela sabe pegar na escova e escovar também.
Não é? Olha, é difícil, você veja como que o trabalho da gente é. A gente
tem que trabalhar a família também. A família não é fácil, porque você
não pode, porque se eles embirrarem, eles falam assim: “Então, não vou
mais levar na escola. E isso é pior.
O cenário de vulnerabilidade enfrentada pela aluna tem, em sua
condição de deficiência, um agravamento severo no decurso de seu
processo de aprendizagem e desenvolvimento. A sua carência, que inicia
pela falta explícita de melhores condições materiais, moradia e de
acessibilidade a recursos e serviços de Tecnologia Assistiva, reflete de uma
maneira significativa em seu aproveitamento escolar, bem como a forma
como ela interage com o meio social.
A condicionalidade para o desenvolvimento de uma pessoa com
deficiência, de acordo com Vygotski (1997), requer a aprendizagem,
mediante vias alternativas, de conceitos científicos e conhecimentos
elaborados historicamente pela humanidade. É necessário que, no âmbito
das relações sociais, sejam identificadas formas de conduzir a mediação dos
instrumentos físicos e simbólicos para a formação da generecidade humana
e o desenvolvimento psíquico.
A pessoa com deficiência visual, desse modo, necessita muito mais
do que o acesso à escola e o direito à matrícula. É preciso que a escola seja
forte em conteúdo científico, assim como em disposição de recursos e
331
serviços de TA que possam viabilizar alternativas diferenciadas para a
aprendizagem e o desenvolvimento.
Nos anos em que Daniele esteve matriculada na APAE e,
subsequentemente, inserida nos anos iniciais do Ensino Fundamental, em
classes comuns, ela não teve um atendimento especializado suficiente para
as suas necessidades. Por um lado, porque a APAE não é uma instituição
especializada na cegueira e, por outro, porque o AEE que lhe foi fornecido
durante a sua escolarização nas classes comuns da rede regular, era
incipiente e precário de recursos. Conforme verificamos em Oliveira
Junior (2014), o processo de alfabetização da aluna em Braille era limitado
a duas horas semanais, enquanto ela passava todas as tardes na classe
comum, apenas para a socialização e participação como ouvinte durante as
aulas.
Naquele período, a utilização do Braille nas classes comuns, era
condicionado a presença de uma professora de apoio em sala, fator muito
semelhante ao atendimento prestado pela Professora Cleide que, durante
as aulas na EJA, manteve-se a todo tempo ao lado da aluna para lhe ajudar
com o registro em Braille e realização das atividades de ensino.
A limitação acerca da participação de Daniele em sala de aula, bem
como a sua pouca independência e autonomia ao longo desse processo,
reflete a contradição existente entre as políticas da educação inclusiva e o
modo de produção capitalista. Por um lado, a legislação assegura o direito
da aluna à matrícula, juntamente com a obrigação do poder público em
oferecer apoio técnico e financeiro às redes de ensino por meio do AEE
(BRASIL, 2011a). Por outro, as condições precárias desse atendimento
especializado, agravado pela carência de recursos de TA, não foram capazes
de oferecer os serviços necessários para o seu processo de aprendizagem.
332
Na tentativa de implementar uma política de inclusão, ou vindo as
vozes historicamente excluídas para a criação de dispositivos legais, que
asseguram direitos importantes para a educação da pessoa com deficiência,
o Estado manteve-se omisso quanto ao provimento de uma infraestrutura
física e profissional, ofertando uma Educação Especial precária e
incipiente, de modo a priorizar o convívio social, em detrimento do ensino
e aprendizagem de conceitos científicos.
Dessa forma, o AEE e todos os sistemas educacionais, diante da
situação precária em investimentos, apenas acolhem socialmente os alunos
com deficiência, ofertando o mínimo para a socialização, sem com isso,
conseguir desenvolver todas as potencialidades daqueles que, por conta da
deficiência, necessitam de um modo diferenciado de aprendizagem.
Essa carência de recursos para o atendimento especializado dos
alunos com deficiência visual é uma realidade nas duas instituições de
ensino em que realizamos a pesquisa de campo. Os recursos que
geralmente são oferecidos são de baixa tecnologia ou baixo custo, como a
reglete, sorobã, bengalas, caneta de ponta grossa, máquina Braille e
material impresso em tamanho das letras ampliadas. Quanto a notebooks,
impressora Braille e lupa eletrônica, estão presentes na escola, porém não
atendem de forma satisfatória a todos os alunos.
Com relação ao atendimento do Estado acerca das demandas da
escola, a Professora Cleide, faz o seguinte depoimento:
O Estado é como a gente sabe, não dá, não tem essa disponibilização de
atender toda a demanda do que a gente necessita. Então, a gente até pede,
mas eles falam que não está fácil, eles não dizem não, mas também não
mandam.
Materiais assim como lápis, borracha, reglete e essas coisas, a gente tem
disponível lá no CAP, que é ligado ao MEC, mas às vezes, a gente tem que
333
comprar. As bengalas, todas as bengalas, a gente pega quando o aluno quer
aquela nossa bengala, porque quando o aluno quer uma bengala diferente,
, ele tem que comprar, mas aquela bengala que é convencional, aquela
mais simples, essa que eles usam aqui, que a Daniele usa e os outros alunos,
essa vem do CAP, a gente pega e não tem custo nenhum. Mas, reglete, acho
que o MEC não manda e eles m que comprar e eles compram bastante
por aí.
Agora, a máquina, a gente tem que pedir direto com o MEC e é bem mais
complicado. É uma forma diferente de pedir porque eles não atendem
assim. Tem lá, você tem que provar que o aluno precisa e não sei o quê,
demora um tempão. Ultimamente, tem vindo umas maquininhas muito
ruins. Tem umas coisinhas muito ruins que eles têm vendido aí para o
governo federal, cheio de defeitos e depois você não sabe o que fazer com
elas. Não aconteceu comigo, que as minhas máquinas, que eu uso são
antigas, são aquelas de metal puro. Agora, estão vindo umas que, meio de
plástico, não sei, uns negócios meio esquisitos. O pessoal fala que é levinha
de carregar, mas é levinha, mas também é fácil de enguiçar e de dar
problemas.
Apesar de a legislação assegurar o apoio técnico e financeiro às
escolas que atendem os alunos com deficiência, o investimento em recursos
e materiais de uso são incipientes, o que obriga as instituições a se
mobilizarem para suprir essa demanda, seja na compra de materiais
ausentes, seja na recomendação para o aluno arcar com as custas e
manutenção de recursos.
Há um notório esforço das instituições em dar prosseguimento no
ensino e aprendizagem dos alunos, mas apenas a mobilização dos agentes
educacionais não proporciona à escola recursos de tecnologia de ponta e
capazes de aumentar a independência e a autonomia dos alunos com
deficiência visual.
334
Quando perguntamos à Professora Cleide se todos os recursos que
a escola tem disponíveis são utilizados, ela emitiu a seguinte resposta:
Sim! Tudo o que nós temos aqui, nós utilizamos. Não tem nada parado.
Tem muita coisa que a escola compra também. Por exemplo, a Lúcia usa
uma caneta mais grossa, sabe? Tem que ter a ponta mais grossa, aquela que
tem a escrita mais forte. Os cadernos também, aqui a escola tem gráfica
que disponibiliza os materiais de acordo, já faz o caderno para o Braille
e os cadernos com linhas reforçadas e mais espaçosas. Ela também faz
ampliação, mas a gente tem essa sorte de ter, não são todas as escolas que
m.
Diante da situação precária de recursos para o atendimento dos
alunos com deficiência visual a escola busca, de todas as maneiras, oferecer
o melhor acompanhamento possível durante as atividades de ensino. No
entanto, a ausência do emprego de TA de alta tecnologia, proporciona a
Daniele maior dependência do auxílio da Professora Cleide, o que não
contribui para o desenvolvimento de sua autonomia e independência ao
longo do processo de escolarização.
Em conformidade com Leontiev (2004), acreditamos que a aluna
deva participar ativamente das atividades em sala de aula, de modo a
ocupar o mesmo lugar, dentro da estrutura das relações sociais e de
mediação do conhecimento, que os demais alunos. Isso implica que ela
possa envolver-se afetivamente, efetivamente e ativamente em seu processo
de ensino e aprendizagem. É necessário que a aluna seja inserida, não de
forma passiva, na estrutura das relações sociais, podendo assimilar todo o
conhecimento compartilhado, seja de forma espontânea ou científica.
De acordo com Vigotsky (2009), a escola deve ser um espaço para
o ensino do conhecimento científico, de tal forma, que essa aprendizagem
335
seja capaz de impulsionar o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores. Nesse sentido, quando a aluna com cegueira não é inserida de
maneira autônoma nas atividades de ensino, sua potencialidade de
desenvolvimento e apropriação do conteúdo escolar, se torna limitada e
dificultosa.
A dependência da aluna com relação ao apoio da Professora Cleide
em sala de aula, bem como as adaptações que são feitas no conteúdo,
podem ser verificadas no seguinte diálogo:
Pesquisador: Você pode me exemplificar o tipo de adaptações que vocês
fazem para a Daniele?
Professora Cleide: Por exemplo, se tem um conteúdo que é muito
extenso, às vezes o livro tem, o livro que é usado lá na sala [...] tem um
conteúdo que é muito longo, então, a gente chega lá, assim, e fala o que dá
para a gente dar uma resumida aqui, vamos ver o que é mais interessante
para o aluno. Aí, ele sempre vê, enxuga mais ou menos o conteúdo, não
que vá tirar o essencial, mas não deixa tão extenso. Isso a gente faz para o
aluno em comum com o professor da disciplina, não sou eu sozinha que
faço. Eu chego lá e falo: vamos sentar? Geralmente a gente tem uns
momentos assim, que a gente tem os dias de planejamento que a gente se
senta com os professores para ver o planejamento da disciplina, sabe? Que
eles estão fazendo para lá e o que eles podem fazer. Nós temos material que
já vem de vários anos, que a gente vai sempre só modificando, sentando, às
vezes aquele já não está tão legal e, , a gente modifica, mas não só eu,
mas juntos com o professor daquela disciplina. Em todas as disciplinas a
gente faz isso.
Pesquisador: — E na adaptação com relação aos recursos materiais?
Professora Cleide: Olha, o cego é o Braille mesmo que ele usa. Vem o
livro em Braille, mas aquele que tem dificuldade, a gente tem que se virar
e dar conta do aluno. Por exemplo, a Daniele, se eu deixar ela lendo, lendo
lá e eu não ficar do lado dela, aí, não sai nada, a gente fica uma semana e
não sai de uma página, entendeu? Então, eu tenho que estar ali, junto com
336
ela lendo. Eu ofereço que: aqui oh! Está escrito assim, assim, assim”. Eu
tenho o meu aqui a tinta que eu vou lendo também, não que eu não saiba
ler em Braille, mas eu transcrevo as coisas deles. D, eu falo: é assim,
assim, assim. Aí, vem os exercícios, por exemplo, agora no português, que
ela passou para português agora, [...] aí, eu falo: “oh! Leia o texto”. Em
seguida, discuto com ela, vejo a opinião dela e: agora: vamos passar no
papel?, ela pega a máquina e vai escrever de acordo com os outros lá
que estão escrevendo e respondendo, sabe? Lá, o contexto do estudo, ela
também vai fazer, entendeu? Então, a gente estava trabalhando nesse
sentido, de dar o apoio assim. Nem sempre ela lê, pega o livro e lê todo,
mas eu ofereço o livro para ela para que, mas eu tenho ali, na tinta que eu
vou sempre fazendo a leitura para ir mais rápido, entendeu?
A passividade da aluna diante das atividades de ensino, agravada
pela supressão dos textos e conteúdo dos livros didáticos, com base apenas
no que ela consegue realizar em sala de aula, não é uma prática pedagógica
que promoverá o seu desenvolvimento potencial, uma vez que há o
nivelamento do conteúdo ao seu estágio atual de desenvolvimento, assim
como a adaptação da aluna ao ritmo de realização das tarefas pelo outros
alunos.
De acordo com a Professora Cleide, Daniele chegou do Ensino
Fundamental I totalmente alfabetizada, mas como pudemos perceber
durante as aulas, bem como em seu depoimento anterior, a aluna não
apresenta uma leitura e escrita ágil o suficiente para acompanhar os demais
alunos em sala de aula. Por essa razão, a professora, em diversas ocasiões,
faz a leitura dos textos e ajuda a ela a registrar os conteúdos em Braille.
Apesar de Daniele utilizar alguns recursos de Tecnologia Assistiva,
sobretudo a máquina Braille em sala de aula, assim como a bengala em seu
dia a dia, esses não a fazem uma pessoa mais independente, autônoma e
337
funcional. Os recursos são empregados somente quando há a presença de
outra pessoa para lhe apoiar e lhe auxiliar em suas atividades.
Pela ótica da concepção vigotskiana de deficiência, a complicação
no processo de desenvolvimento de Daniele não advém da sua cegueira,
mas na forma como ela se relaciona com o meio social. Por mais severas
que possam ser as suas limitações físicas e sensoriais, o problema da questão
encontra-se nas relações sociais e, sobretudo, na inacessibilidade pela aluna
às mais complexas especificidades e aptidões humanas.
Para Vygotski (1997), o defeito biológico, a debilidade e a
diminuição do desenvolvimento, por justamente causarem limitações às
pessoas com deficiência, contraditoriamente, podem criar diferentes
estímulos para o desenvolvimento. Toda deficiência pode criar uma
compensação ou uma via alternativa, que poderá impulsionar o
desenvolvimento aos patamares mais elevados.
O desenvolvimento de uma pessoa com deficiência, nessa
perspectiva, é duplamente condicionado pelo meio social, uma vez que
diante da limitação biológica, que posta diante das relações sociais, provoca
um sentimento de inferioridade, por outro lado, pode criar uma tendência
de compensação, com a qual pode-se criar alternativas para que a pessoa
com deficiência possa se apropriar da cultura material e intelectual da
humanidade.
Dessa forma, para que a aluna com deficiência, apesar de todas as
suas dificuldades, consiga superar as limitações biológicas e o seu nível de
desenvolvimento, é necessário que a escola, sobretudo o atendimento
especializado, seja prioritariamente voltado para a educação e o ensino do
conhecimento sistematizado.
No entanto, no caso de Daniele, o assistencialismo e a prática
excessiva do “cuidar” e do “proteger” do enfrentamento das suas
338
limitações, agravadas por um histórico de uma escolarização precária e
fragilizada, não proporciona a ela os estímulos necessários para a
compensação social da deficiência.
A vida totalmente dependente que a aluna apresenta, tanto da
família, quanto da escola, não lhe coloca em um lugar social que lhe
possibilite criar motivos internos que sejam capazes de impulsionar o seu
desenvolvimento. Para qualquer atividade, seja escolar ou cotidiana,
Daniele necessita da presença e apoio de uma outra pessoa, mesmo com a
utilização da bengala, máquina de escrever em Braille ou outros recursos
de Tecnologia Assistiva de baixo custo.
Para a ampliação do acesso a recursos de Tecnologia Assistiva, bem
como a melhoria das condições de aprendizagem e desenvolvimento para
Daniele, a escola e o AEE, deveria assegurar a sua inserção nos meios
digitais e informatizados. No entanto, pela carência apresentada pela
instituição de ensino e o sistema educacional com relação aos recursos de
alta tecnologia, esse processo inicial de inclusão digital ainda não começou,
conforme podemos observar no seguinte diálogo com Daniele:
Pesquisador: Você tem algum recurso de tecnologia para lhe ajudar,
como computadores e celulares?
Daniele: Computador não tenho e nem celular. Computador é difícil
e celular também é um pouco difícil. Assisto só televisão.
Pesquisador: Você gostaria de ter algum desses recursos?
Daniele: Talvez um celular, mas teria que ser um celular que fala.
Pesquisador: Você tem acesso à internet?
Daniele: Não! Eu não gosto dessas coisas. Geralmente na internet tem
bastante coisas sem noção.
339
Com uma situação semelhante aos demais alunos participantes da
pesquisa, em que o sistema educacional não fornece o acesso dos alunos
esses recursos, nem tampouco a instruções e cursos que possam abordar
conhecimentos básicos de informática, Daniele não utiliza computadores,
smartphones, tablets e outros dispositivos das TIC em seu processo de
escolarização e em sua rotina diária, fator que implica em suas limitações
quanto à sua independência e autonomia em sua vida cotidiana.
Dessa forma, Daniele não tem acesso a recursos, que
potencialmente poderiam lhe ajudar a enfrentar as barreiras impostas pelo
meio social, bem como ampliar as vias pelas quais ela poderia ter um acesso
facilitado à informação e conhecimentos científicos que, como já
abordamos em Vigotsky (2009), são indispensáveis para o
desenvolvimento de seu psiquismo aos patamares mais elevados.
Para que Daniele possa participar mais ativamente de seu processo
de escolarização e possa acelerar o desenvolvimento de seu estágio atual
para um nível mais elevado, os recursos de alta tecnologia podem viabilizar
caminhos diferenciados para a melhoria das condições de sua
aprendizagem.
Após Daniele ter dominado a leitura e a escrita, por meio do
emprego do alfabeto Braille e dos recursos que a ele estão vinculados, a
possibilidade de ela conseguir ter um bom aproveitamento dos recursos da
informática, ampliam-se consideravelmente. No entanto, é necessário que
as instituições de ensino estejam equipadas com recursos dessa natureza e
recebam apoio técnico de profissionais com conhecimento e formação na
área de Tecnologia Assistiva.
Mesmo com todas essas contraversões e incipiências do sistema de
ensino, Daniele tem insistido em frequentar a escola e buscar por
340
conhecimentos e enfretamento das barreiras que lhe tem sido atribuídas ao
longo de seu processo de escolarização.
Embora o seu desenvolvimento esteja, vagarosamente em
progresso, não deixou de apresentar resultados qualitativos favoráveis com
relação aos apresentados em nosso estudo anterior, no Ensino
Fundamental I. Isso demonstra a importância que a escolarização formal
pode oferecer para a vida de uma pessoa com deficiência.
Naquele período, apesar de frequentar o terceiro ano, a aluna não
apresentava conhecimentos básicos acerca da leitura e da escrita, assim
como o funcionamento e manuseio da máquina Braille (OLIVEIRA
JUNIOR, 2014). Contudo, mesmo com a precariedade na oferta de seu
atendimento especializado, conseguiu vencer as suas limitações e dominar
os códigos alfabéticos, a escrita Braille e o emprego da máquina em seu
processo de escolarização.
4.3 Algumas considerações acerca do emprego de Tecnologia Assistiva
na educação de Jovens e Adultos com deficiência visual
O emprego das Tecnologias Assistivas no contexto da educação foi
o objeto central de nossa pesquisa de campo em que os alunos jovens e
adultos com deficiência visual demonstraram como esses recursos e
serviços são fundamentais para uma participação mais efetiva e ativa em
sala de aula, contribuindo para o enfrentamento das barreiras impostas
pelo meio social, de modo a viabilizar alternativas e adaptações que podem
vir a colocar a pessoa com deficiência na direção do desenvolvimento
psíquico e da compensação social da deficiência.
341
Durante o levantamento em que realizamos dos recursos de TA
existentes para o atendimento das pessoas com deficiência visual, em sua
maioria, o foco dos desenvolvedores encontra-se predominantemente nas
limitações sensoriais da pessoa, como se os dispositivos pudessem
compensar e ampliar a capacidade visual ou de outros sentidos
remanescentes.
De alguma forma, essa “compensação” biológica conseguida com
os recursos de TA podem contribuir para o desenvolvimento das pessoas
com deficiência, visto que há uma ampliação em sua capacidade sensorial.
No entanto, os fatores mais significativos da exclusão e de marginalização
estão vinculados com o modo em que a sociedade está organizada e o quão
esse meio social encontra-se inacessível para esses sujeitos.
Nessa perspectiva, a função a ser desempenhada por esses
dispositivos deve estar relacionada, ao mesmo tempo, à ampliação da
capacidade sensorial e ao enfrentamento das barreiras que impedem as
pessoas com deficiência visual a ocupar os mesmos espaços que os demais
na estrutura das relações sociais.
Devemos levar em consideração, o quanto o emprego desses
recursos pode adequar o espaço social às necessidades da pessoa com
deficiência visual, de modo a assegurar-lhe uma participação efetiva e ativa
nas relações sociais, uma vez que acreditamos que a atividade prática
humana é o meio por onde a pessoa inicia o seu processo de
desenvolvimento e apropriação dos instrumentos culturais indispensáveis
para o seu desenvolvimento psíquico.
Para a adequação dos espaços sociais, acreditamos que os recursos
de alta tecnologia, vinculados às Tecnologias da Informação e
Comunicação, são aqueles que podem oferecer maiores possibilidades para
342
os alunos se inserirem ativamente no processo de ensino e aprendizagem
conceitual.
Os computadores, por exemplo, são os mais comuns desses
recursos presentes na escola, com os quais o aluno pode ter acesso à leitura
e à escrita, seja por meio de ampliadores de tela ou sintetizadores de voz.
É possível para uma pessoa com cegueira escrever ou ler um texto escrito
em alfabeto latino, armazenados em meio digital, sem a necessidade de
conversão para o alfabeto Braille.
Anteriormente à popularização dos computadores, qualquer texto
impresso com tinta em jornais, revistas e livros era inviável para uma pessoa
com cegueira ter acesso com independência ao conteúdo desses ou outros
meios convencionais de divulgação de informações e conhecimentos. Os
padrões de letras e textos impressos por essas vias levavam em consideração
um determinado grau de acuidade visual da população em geral, excluindo
e marginalizando parte da população que não conseguia enxergar.
Por meio desse tipo de recurso, as escolas disponibilizam materiais
ampliados para os alunos com baixa visão, bem como a conversão e
impressão de textos e provas em Braille para os alunos com cegueira. Para
isso, é necessário a utilização das impressoras a tinta e a Braille, que
viabilizam esse tipo de adequação no material e livros didáticos.
Muitos desses recursos relacionados à informática estão distantes
do alcance dos alunos com deficiência visual, seja pelo fato de que as escolas
carecem de investimentos para a aquisição desse tipo de recurso, os quais
requerem um alto custo; ou devido à situação socioeconômica precária a
qual o aluno adulto com deficiência enfrenta em sua vida.
Dentre os alunos participantes da pesquisa, somente Fernando
demonstrou ter conhecimentos básicos de informática e utilizar
efetivamente os recursos da computação para lhe apoiar em seu processo
343
de escolarização. Por meio de um notebook e um smartphone, ele realiza
tarefas e acessa informações e conteúdos com muita facilidade.
Com relação aos demais alunos, não há a inserção direta desse tipo
de recurso em sala de aula. Os computadores, bem como o acesso à internet
ficam disponibilizados em laboratórios, pouco frequentados pelos alunos,
visto que eles não apresentaram ter conhecimentos básicos de informática.
Nesse sentido, os alunos utilizam frequentemente os recursos de
baixa tecnologia, como as lupas ópticas, a máquina de escrever em Braille,
sorobã e reglete, os quais são levados à sala de aula e contribui para a sua
participação nas atividades de ensino. Porém, no decorrer das atividades,
percebemos que os dispositivos não oferecem uma total independência e
uma participação ativa dos sujeitos, há a necessidade do apoio da professora
especialista para conduzir o processo de ensino e aprendizagem.
Consideramos, diante dos dados empíricos apresentados ao longo
desse trabalho, que o emprego das Tecnologias Assistivas na educação, vai
muito além de seu propósito em viabilizar maior independência,
autonomia e funcionalidade. Esses dispositivos oferecem inúmeras
alternativas de adaptações didáticas e pedagógicas que podem colocar o
aluno com deficiência visual na direção da aprendizagem conceitual e do
desenvolvimento psíquico.
Por meio desses recursos é possível o aluno ter acesso a linguagem
científica, a representação e a materialização concreta de um conhecimento
sistematizado, de tal forma que a aprendizagem possa levar o aluno a níveis
pensamento cada vez mais abstratos e, consequentemente, minimizar os
impactos negativos ocasionados pela insuficiência orgânica.
Muito mais que ampliar a capacidade sensorial das pessoas com
deficiência, esse tipo de tecnologia, quando utilizada na direção de romper
as barreiras sociais que impedem as possibilidades de desenvolvimento, são
344
capazes de fornecer experiências de ensino que conduzem o sujeito para a
aprendizagem dos conceitos, mesmo que de maneira empírica, mas
extremamente importantes, como vimos em nosso referencial teórico, para
que possa desvelar as conexões internas e mais complexas subjacente a um
dado sistema conceitual.
Embora, as instituições de ensino participantes da pesquisa estejam
pouco supridas de recursos de Tecnologia Assistiva, há um grande esforço
em adequar os espaços sociais para a participação das pessoas com
deficiência visual, que sob o emprego de poucos recursos, esforçam-se para
participar das aulas e aprender o conteúdo escolar.
Dessa forma, o emprego das Tecnologias Assistivas em sala de aula
pode contribuir na adaptação do espaço físico, do meio social e das
metodologias de ensino, para que o aluno com deficiência visual possa
participar ativamente das atividades de aprendizagem conceitual. De
forma autônoma e independente ele possa ser inserido nas relações sociais
e passar a ter maior percepção dos fenômenos que o cerca, de modo a
adquirir experiências afetivas e cognitivas com os objetos e os outros seres
humanos.
345
Considerações Finais
Após um período de mais de duas décadas de avanços e conquistas
significativas para a área da educação das pessoas com deficiência, com a
implementação de dispositivos legais que garantem o acesso e o direito a
matrícula nos diferentes níveis de ensino, a classe de Educação para Jovens
e Adultos é um instrumento que tem atendido aqueles alunos que, em
idade escolar, não receberam um atendimento especializado e adequado às
suas necessidades educativas.
Com salas de aulas com um número mais reduzido de alunos, o
atendimento especializado às pessoas com deficiência visual na EJA tem
ocorrido de uma forma mais individualizada, o que permite a eles obter
um rendimento escolar mais favorável e em seu ritmo de aprendizagem.
Verificamos ao longo da história, antecessora às políticas
educacionais dos anos de 1990, que a Educação Especial se manteve
distanciada da Educação de Jovens e Adultos, com poucos registros de
ações e práticas que oferecessem um atendimento diferenciado para esse
público no decorrer das campanhas de alfabetização e programas nacionais
como destacamos no primeiro capítulo.
Ambas as áreas da educação estiveram pautadas por uma conceão
assistencialista, em que no caso da Educação Especial, os alunos ficavam
segregados em instituições de cunho confessional e filantrópico, com
poucas ofertas educacionais providas pelo poder público.
Embora na década de 1990, tenha dado icio ao movimento de
educação para todos, em nível mundial, de forma a buscar mitigar a
346
desigualdade historicamente manifestada com relação aos grupos
minoritários e as pessoas com deficiência, o ideário neoliberal, pautado por
um modelo de produção de acumulação flexível, impôs aos sistemas
educacionais uma lógica gerencial em que, ante as amarras de um Estado
mínimo, fosse ofertada uma educação que garantisse a satisfação das
necessidades básicas de cálculo e escrita, bem como o desenvolvimento de
valores e atitudes, com vistas ao apaziguamento social e contenção da
pobreza para a manutenção da ordem capitalista.
Nesse sentido, o Programa Nacional da Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva, em curso no Brasil desde 2008,
expressa uma contradição do modo de produção capitalista, em que por
um lado, existem dispositivos legais que asseguram o direito do aluno com
deficiência a matrícula e ao Atendimento Educacional Especializado, ao
qual o poder público tem a obrigação de prover financeiramente e
tecnicamente. Contudo, por outro lado, há um projeto neoliberal,
encabeçado por grandes grupos econômicos e financeiros, cujo objetivo é
a diminuição da intervenção estatal e a privatização dos direitos e serviços
públicos que estão diretamente relacionados ao atendimento social de
grupos minoritários e historicamente marginalizados.
Com isso, as diretrizes da Declaração de Salamanca e da
Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e
seu Protocolo Facultativo, ambas consideradas em legislações brasileiras,
não são cumpridas e respeitadas na sociedade e nas instituições de ensino,
conforme verificamos na realidade das escolas.
A precariedade em investimentos não garante condições suficientes
para o atendimento especializado dos alunos com deficiência visual, nem
tampouco a disponibilização de recursos de Tecnologia Assistiva, tão
importantes para a adequação dos espaços e adaptações ao longo do
processo de educação desse público.
347
Como verificamos, as escolas que participaram da pesquisa de
campo são equipadas com poucos recursos de informática, o que não
atende a todos os alunos que destes necessitam. Há uma carência explicita
de materiais e recursos de alta tecnologia, o que dificulta o acesso dos
alunos ao conteúdo escolar.
A maioria dos recursos elencados no capítulo 2 não estão presentes
na escola, sobretudo aqueles que implicam um alto custo de investimento,
o que evidencia a fragilidade do sistema educacional e da implementação
das políticas públicas e direitos assegurados em lei.
Todos esses aspectos que tornam a escola precária e incipiente para
cumprir o seu papel de assegurar a aprendizagem e o desenvolvimento são
postos sobre os ombros da responsabilidade dos sujeitos e das instituições
de ensino, que sofrem forte pressão dos grupos econômicos e privatistas,
mas lutam para a manutenção e melhorias na qualidade do ensino.
Desde o ano de 2013, estamos vivenciando uma escalada
autoritária no Brasil, que culminou no impeachment da Presidente Dilma
Rousseff e em uma série de medidas que acarretaram perdas de direitos e
garantias sociais da classe trabalhadora, grupos minoritários e
marginalizados.
Com o agravamento da crise econômica, extrapolada por um
aumento na desigualdade social e na grande concentração de renda nas
mãos de poucas famílias, o governo brasileiro, de uma forma truculenta e
autoritária, tem cedido paulatinamente aos interesses de grandes grupos
econômicos e privatistas, que estão constantemente pautando projetos de
lei que diminuem direitos e fragilizam ainda mais as condições das escolas
e de inclusão dos grupos em situação de vulnerabilidade social, como
acontece com a maior parte dos alunos jovens e adultos com deficiência
visual.
348
Nesse contexto, ao investigarmos a realidade escolar, sob a ótica da
Teoria Histórico-Cultural, procuramos avaliar o modo como os alunos
com deficiência visual tem empregado os recursos e serviços de Tecnologia
Assistiva no âmbito da escola e como esses dispositivos podem contribuir
para o processo de ensino e aprendizagem.
Com base em nosso estudo acerca dos postulados da Teoria
Histórico-Cultural, que envolveu obras de Vigotski, Leontiev, Davidov e
Galperin, chegamos a resultados que evidenciam a necessidade de
empregar recursos de Tecnologia Assistiva nas primeiras etapas do processo
de ensino e aprendizagem dos alunos com deficiência.
Conforme a própria teoria do conhecimento concernente ao
Materialismo Histórico e Dialético preconiza, as abstrações teóricas, antes
de tudo, advêm de uma relação prática do sujeito com o objeto de estudo.
É necessário conhecer as propriedades físicas ou representativas de um
fenômeno para que se possa revelar suas conexões internas e revelar a sua
essência.
Dessa forma, a percepção sensorial se torna a via direta para a
promoção da experiência prática e reconhecimento das propriedades físicas
de um dado fenômeno da natureza. Para isso, o emprego de Tecnologia
Assistiva se torna imprescindível para que a pessoa com deficiência visual
possa ter acesso direto a determinados objetos e representações, que em
uma sala de aula, podem ser ilustradas por imagens, esquemas lógicos e
representações visuais, que dificultam o acesso e a compreensão.
Acreditamos que, ao longo de um processo de educação de uma
pessoa com deficiência visual, é necessário que o professor organize um
ensino com base nos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, de modo
a levar em consideração as suas especificidades e as suas necessidades, bem
349
como dispor de tecnologias que possam adequar os espaços físicos e sociais,
favorecendo a relação direta do aluno com o objeto do conhecimento.
No entanto, o presente trabalho não pôde averiguar o emprego de
Tecnologia Assistiva em um contexto de uma educação orientada pelos
pressupostos teóricos da Teoria Histórico-Cultural, visto que utilizamos
de entrevista semiestruturada e observação para a coleta de dados, sem
qualquer tipo de intervenção ou direcionamento nas atividades de ensino.
Cabe a realização de estudos futuros que possam vir a reforçar essa síntese
teórica.
Utilizamos desse referencial teórico para avaliar o modo como os
recursos de Tecnologia Assistiva têm sido empregados no âmbito da
educação de jovens e adultos com deficiência visual, delineando um
percurso metodológico que evidenciasse os momentos em que esses são
utilizados e de que forma contribuem com o processo de escolarização.
Constatamos com a pesquisa de campo que os recursos de
Tecnologia Assistiva podem contribuir para a inserção social do aluno com
deficiência visual, bem como favorecer uma participação mais ativa em seu
processo de escolarização, uma vez que, ao olharmos para o dispositivo
tecnológico como uma forma de enfretamento das barreiras impostas pelo
meio, podemos criar estratégias e formas que minimizem o impacto da
limitação sensorial e das dificuldades que provocam o agravamento do
desenvolvimento.
Como pudemos verificar nos estudos vigotskianos acerca da
defectologia, o problema ocasionado no decurso do desenvolvimento de
uma pessoa com cegueira, não advêm da deficiência como um fator de
diminuição orgânica ou biológica, mas da dificuldade encontrada por esse
sujeito de inserir-se nas relações sociais e passar a ocupar espaços que
possam impulsionar o seu desenvolvimento. Toda pessoa, independente
350
do grau de deficiência, pode atingir os patamares mais elevados do
desenvolvimento, porém, esse processo ocorre por vias colaterais e
diferenciadas.
Nas sínteses teóricas de Vigotsky (2009), podemos encontrar que
há uma unidade entre o ensino e o desenvolvimento, em que o ensino
assume a função de dirigente do desenvolvimento psíquico e, por sua vez,
isso é reconhecido por ele como um aspecto muito importante para a
educação das pessoas com deficiência (VYGOTSKI, 1997). Desse modo,
o espaço de educação para as pessoas com deficiência visual deve ser
exclusivamente para o ensino e o desenvolvimento, não apenas para o
acolhimento social e a socialização.
É necessário que o ensino provoque os estímulos compensatórios
para a deficiência, proporcionando uma superação das limitações e
impulsionando o desenvolvimento aos patamares mais elevados. Nessa
perspectiva, a formação humana deveria ser o objetivo do processo de
educação, o que poderia garantir a apropriação pelos alunos com
deficiência visual aos instrumentos psicológicos necessários para a sua
inserção na estrutura das relações sociais.
A inclusão de recursos de Tecnologia Assistiva ao longo desse
processo, pode contribuir para a criação de estímulos compensatórios,
visando o rompimento de barreiras impostas pelo meio social, uma vez que
esses dispositivos podem adequar espaços físicos, adaptar metodologias de
ensino e tornar o conteúdo escolar mais acessível aos alunos com
deficiência visual, proporcionando ao sujeito uma participação mais ativa
e, consequentemente, motivada para a aprendizagem e o desenvolvimento.
Nesse sentido, devemos olhar para esses recursos de tecnologia
como uma forma de enfrentar os fatores sociais que impedem a
acessibilidade das pessoas com deficiência aos instrumentos culturais e as
351
mais complexas elaborações humanas. É preciso, com o apoio desses
dispositivos, inseri-las ativamente na atividade prática humana, de modo a
garantir a sua apropriação das faculdades e especificidades do gênero
humano.
Enfim, o que causa o agravamento do desenvolvimento de uma
pessoa com deficiência visual, é a falta de acessibilidade às elaborações
humanas e, por conseguinte, qualquer que seja o dispositivo que contribui
com a eliminação dessas barreiras, pode ser de extrema importância para a
sua vida e sua participação em sociedade.
353
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superiores. In: VYGOTSKI, L. S. Obras escogidas. 2ª. ed. Madrid:
Visor, v. 3, 2000.
Pareceristas
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________
Este livro foi submetido ao Edital 001/2021 do Programa de Pós-
graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, câmpus
de Marília e financiado pelo auxílio nº 0798/2018, Processo Nº
23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES. Contamos com o apoio
dos seguintes pareceristas que avaliaram as propostas recomendando a publicação.
Agradecemos a cada um pelo trabalho realizado:
Adriana Pastorello Buim Arena
Alberto Luiz Pereira da Costa
Alexandre Filordi de Carvalho
Américo Grisotto
Ana Claudia Saladini
Ana Maria Klein
Angelica Pall Oriani
Carlos Bauer
Carlota Boto
Celia Regina Rossi
Cinthia Magda Fernandes Ariosi
Claudia Cristina Ferreira
Cristina Maria Carvalho Delou
Daniel Ferraz Chiozzini
Domingos Leite Lima Filho
Erika Porceli Alaniz
Francismara Neves de Oliveira
Genivaldo de Souza dos Santos
Giza Guimarães Pereira Sales
Joana Tolentino
Jose Deribaldo Gomes dos Santos
Lalo Watanabe Minto
Lia Leme Zaia
Luciana Aparecida Nogueira da Cruz
Luciano Mendes de Faria Filho
rcia Lopes Reis
Maria Cristina da Silveira Galan Fernandes
Maria de Fatima Felix Rosar
Maria José Viana Marinho de Mattos
Maria Lucia Marques
Marta Sueli de Faria Sforni
Mauro Castilho Gonçalves
Nadia Aparecida Bossa
Nilza Sanches Tessaro Leonardo
Ofelia Maria Marcondes
Olga Maria Piazentin Rolim Rodrigues
Rita Melissa Lepre
Sandra Aparecida Pires Franco
Simone Wolff
Sonia Bessa da Costa Nicacio Silva
Virgínia Pereira da Silva de Ávila
Comissão de Publicação de Livros do Edital 001/2021 do
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus de Marília
Graziela Zambão Abdian, Patricia Unger Raphael Bataglia,
Eduardo José Manzini e Rodrigo Pelloso Gelamo
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno – CRB 8/8211
Normalização
Kamila Gonçalves
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
O livro de Antonio Paulino de Oliveira
Junior traz como tema central a análise
do emprego de Tecnologia Assistiva para
pessoas com deciência visual na Educação
de Jovens e Adultos, abordando temas re-
lacionados à história da Educação Especial
e sua intersecção com a EJA, a concepção
de deciência na Teoria Histórico-cultu-
ral, a aprendizagem conceitual, a função da
Tecnologia Assistiva ao longo do processo
de ensino e aprendizagem, bem como o
relato de experiência de vida, que permite
ao leitor conhecer as a trajetória singular
de cada sujeito e as condições objetivas que
delinearam o seu processo de formação es-
colar. Os recursos e serviços de Tecnolo-
gia Assistiva podem produzir signicativos
resultados na efetivação da inclusão esco-
lar, possibilitando a pessoa com deciência
maior autonomia e independência, fatores
aos quais lhes proporciona maior participa-
ção e interação social durante as atividades
de ensino. Nesse sentido, o autor buscou
evidenciar ao longo da obra como e quais
recursos poderão fazer parte do cotidiano
da escola e como e em quais momentos eles
são cruciais para a aprendizagem concei-
tual por parte dos alunos com deciência
visual. Toda pessoa com deciência é ca-
paz de aprender e se desenvolver, para isso
é necessário um ambiente com condições
favoráveis para o enfrentamento das bar-
reiras e limitações postas na estrutura das
relações sociais e espaços físicos, que em
muitos casos, estigmatizam a pessoa com
deciência e reproduzem a desigualdade e
exclusão das diferenças.
Antonio Paulino de Oliveira Junior é uma
pessoa com Baixa Visão, que iniciou seus
estudos primários em 1994, justamente no
ano do marco legal da Declaração de Sala-
manca e, ao longo de toda a sua vida, este-
ve ligado a área da Educação Especial, seja
como aluno, prossional ou pesquisador.
Embora, seja preciso uma implementação
mais efetiva das políticas públicas, as ações
inclusivas que se tornaram presentes na es-
colarização de Antonio, lhe proporciona-
ram a oportunidade de cursar a Graduação
de Pedagogia pela Faculdade Estadual de
Ciências e Letras de Campo Mourão – FE-
CILCAM (2007-2010), Mestrado em Edu-
cação pela Universidade Estadual de Ma-
ringá UEM (2012-2014) e doutorado em
Educação pela Universidade Estadual Pau-
lista “Júlio de Mesquita Filho” UNESP,
Campus de Marília (2017-2020). Atual-
mente é Pedagogo efetivo da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR/
Câmpus Campo Mourão).
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA VISUAL
NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
o emprego de tecnologia assistiva para a
aprendizagem conceitual
Antonio Paulino de Oliveira Junior
ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA VISUAL NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS