Esta obra é oriunda de uma pesquisa cientíca que, ao ser transformada
em livro, “aumenta a possibilidade de contribuir na formação continu-
ada de prossionais da Educação, Psicologia e Psicopedagogia, além de
indicar aos desenvolvedores de jogos eletrônicos, a necessidade de adap-
tá-los às características especícas dos processos educativos e psicopeda-
gógicos, ampliando as possibilidades de ações a serem executadas pelo
jogador e, assim, aumentando sua inuência sobre o desenvolvimento
cognitivo, a aprendizagem ativa e a conquista da autonomia em crianças
e adolescentes”.
LIA LEME ZAIA
DOS JOGOS CONCRETOS
AOS JOGOS ELETRÔNICOS
intervenções pedagógicas e
construção das relações espaciais
Érica de Cássia Gonçalves
Eliane Giachetto Saravali
Eliane Giachetto Saravali é Pedagoga,
Mestre e Doutora em Educação pela
UNICAMP. Foi professora na educação
infantil e atua, desde 2004, em cursos de
formação inicial e continuada de profes-
sores. Tem formação em Psicopedagogia
Clínica e Institucional e trabalhou em di-
ferentes cursos de Especialização da área
no estado de São Paulo. Tem Pós-Dou-
torado em Educação pela UEL e obteve
nanciamentos para diferentes pesquisas
junto ao CNPq. Atualmente é docente
na UNESP, campus de Marília-SP, atu-
ando no curso de Pedagogia e junto ao
Programa de Pós-Graduação em Educa-
ção. É líder do GEADEC Grupo de
Estudos e Pesquisas em Aprendizagem e
Desenvolvimento na Perspectiva Cons-
trutivista. @geadec.unesp
E-mail: eliane.g.saravali@unesp.br
https://orcid.org/0000-0003-1259-6027
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio 0798/2018
Processo 23038.000985/2018-89
Érica de Cássia Gonçalves é licenciada
em Pedagogia pelo Centro Universitá-
rio da Fundação Educacional Guaxupé
- UNIFEG, pós-graduada em Psico-
pedagogia Institucional pela Faculda-
de Calaori, Mestre e Doutoranda em
Educação pela UNESP, Campus Marí-
lia/SP. Também possui como formação
complementar, a extensão universitária
em PROEPRE: Fundamentos Teóricos
e Prática Pedagógica para a Educação
Infantil e Ensino Fundamental na pers-
pectiva construtivista, pela UNICAMP.
Tem experiência como professora na
educação infantil, anos iniciais do ensino
fundamental I e como docente no ensi-
no superior. Desde 2014, trabalha como
especialista da educação na rede públi-
ca do município de Guaxupé/MG, res-
ponsável principalmente, pela formação
continuada de professores. Atualmente
é coordenadora do ensino fundamental
da Secretaria de Educação de Guaxupé/
MG. É membro do GEADEC Grupo
de Estudos e Pesquisas em Aprendiza-
gem e Desenvolvimento na Perspecti-
va Construtivista. Desenvolve estudos
e pesquisas principalmente sobre os se-
guintes temas: jogo; intervenção peda-
gógica; estruturas cognitivas; tempos e
espaços para o brincar; jogos eletrônicos
e concepções de professores.
E-mail: erica.goncalves@unesp.br
https://orcid.org/0000-0002-2511-53
DOS JOGOS CONCRETOS AOS JOGOS ELETRÔNICOS
Érica Gonçalves e Eliane Saravali
DOS JOGOS CONCRETOS AOS JOGOS
ELETNICOS:
INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS E CONSTRUÇÃO
DAS RELAÇÕES ESPACIAIS
Érica de Cássia Gonçalves
Eliane Giachetto Saravali
DOS JOGOS CONCRETOS AOS JOGOS
ELETNICOS:
INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS E CONSTRUÇÃO DAS
RELAÇÕES ESPACIAIS
Érica de Cássia Gonçalves
Eliane Giachetto Saravali
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2021
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
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Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
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Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
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Cláudia Regina Mosca Giroto
Auxílio Nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Gonçalves, Érica de Cássia.
G635d Dos jogos concretos aos jogos eletrônicos: intervenções pedagógicas e construção das
relações espaciais / Érica de Cássia Gonçalves, Eliane Giachetto Saravali. Marília : Oficina
Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2021.
178 p.: il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-160-7 (Digital)
ISBN 978-65-5954-159-1 (Impresso)
1. Escolas Exercícios e jogos. 2. Jogos. 3. Jogos eletrônicos. 4. Educação. 5.
Desenvolvimento infantil. I. Saravali, Eliane Giachetto. II. Título.
CDD 371.397
Copyright © 2020, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Para meus pais, Zélia e José Carlos.
Aos meus irmãos, Leandro e Edilaine.
Ao meu noivo, Reginaldo (Dim), que me ajudou
muito a construir e reconstruir muitas das ideias
que se seguem nas páginas deste livro.
Às crianças que participaram deste estudo.
A todos os profissionais que desejam romper com
os paradigmas de uma educação tradicional e
fazem a diferença, buscando novos horizontes,
em especial, meus colegas de trabalho da Rede
Municipal de Educação de Guaxupé-MG.
Érica
Para Marcelo e os nossos filhos André e Daniel
A todas as crianças que nos permitem conhecê-las
e renovar nossos votos por uma educação melhor
Eliane
Agradecimentos
Muitas pessoas participam direta ou indiretamente da construção
das ideias de um livro, ele não é feito somente pelo seu(s) autor(es). Nesse
caso, uma tarefa difícil, para não dizer impossível, seria nomear todas elas.
No entanto, queremos fazer um agradecimento especial:
À querida professora Lia Leme Zaia, pela análise minuciosa e
construtiva desta obra, auxiliando-nos a reconstruir as ideias apresentadas
e gentilmente aceitando o convite para fazer o prefácio.
À CAPES, que financiou a publicação deste livro.
À UNESP - Campus Marília/SP, pelo comprometimento e apoio
às pesquisas e às produções acadêmico-científicas, em especial ao Programa
de Pós-Graduação em Educação.
As autoras
Quem não é capaz de lembrar-se como brincou durante
sua infância e depois -, como ele e o seu meio ambiente
falaram sobre aquilo, a esta pessoa é inacessível qualquer
compreensão do significado humano do fenômeno que
estamos acostumados a chamar de “jogo”.
(BUYTENDIJK, 1977, p. 65)
Sumário
Prefácio | Lia Leme Zaia .......................................................................... 13
Apresentação ............................................................................................ 17
Capítulo 1- Sobre o jogo e sobre o jogo em Piaget .................................. 23
1.1 Sobre o jogo no contexto educacional
1.2 O universo dos jogos digitais: uma nova era
Capítulo 2- Das intervenções com jogos concretos e eletrônicos ............. 43
2.1 As intervenções com o jogo Cilada
2.2 As intervenções com o jogo Lig-4
2.3 As intervenções com o jogo Velha em 3D
Capítulo 3- A construção das noções espaciais a partir de jogos concretos e
eletrônicos .............................................................................................. 105
3.1 A construção do espaço sensório-motor
3.2 O espaço representativo
3.3 As relações espaciais em jogos concretos e eletrônicos: os resultados da
pesquisa
Prova 1: Desenho das Formas Geométricas – Espaço Topológico
Prova 2: Construção da Reta Projetiva Espaço Projetivo
Prova 3: Coordenadas Horizontal e Vertical – Espaço Euclidiano
O sistema de coordenadas horizontal
O sistema de coordenadas vertical
Da palavra final: A intervenção do professor no abre-alas ...................... 161
Referências ............................................................................................ 167
13
Prefácio
Nasce um livro... livro que testemunha um belo trabalho
desenvolvido numa relação cooperativa de orientação acadêmica, cuja
leitura nos empolgou desde sua primeira forma, a dissertação, pois parecia
fluir sem esforço, embora com o rigor necessário apresentasse as bases
teóricas que sustentaram a pesquisa original, descrevesse cuidadosamente
a metodologia, os instrumentos utilizados jogos de regras em sua forma
concreta e virtual, além dos protocolos das partidas realizadas.
Transformada em livro, aumenta a possibilidade de contribuir na
formação continuada de profissionais da Educação, Psicologia e
Psicopedagogia, além de indicar aos desenvolvedores de jogos eletrônicos,
a necessidade de adaptá-los às características específicas dos processos
educativos e psicopedagógicos, ampliando as possibilidades de ações a
serem executadas pelo jogador e, assim, aumentando sua influência sobre
o desenvolvimento cognitivo, a aprendizagem ativa e a conquista da
autonomia em crianças e adolescentes.
Contribuição esta importante e desejada, em função do maior
poder atrativo exercido pelos jogos virtuais sobre crianças e adolescentes,
se comparado ao poder dos mesmos jogos em sua forma concreta. Neste
momento, em que a necessidade de isolamento social impede a
aproximação física de crianças e adolescentes com seus pares, torna-se
ainda mais necessária a divulgação de pesquisas comparativas entre os
efeitos do jogar virtual e do jogar com tabuleiros, peças e cartas concretos,
14
sobre os processos de construção das estruturas mentais, dos processos de
aprendizagem e a conquista da autonomia
Sem descuidar da revisão bibliográfica criteriosa sobre o jogo em
diferentes perspectivas teóricas, as autoras, detendo-se na Epistemologia
Genética, descrevem contribuições de Piaget e de autores piagetianos em
estudos sobre as características, estruturas sucessivas do jogo na criança e
sua relação com os diferentes processos mentais. Da mesma forma
realizaram a revisão bibliográfica sobre os jogos eletrônicos, encontrando
um número muito menor de pesquisas, especialmente na perspectiva
teórica piagetiana.
Tendo delimitado os objetivos da pesquisa à comparação entre os
efeitos exercidos sobre a construção das noções espaciais pelos jogos digitais
e os efeitos exercidos pelos jogos concretos, após revisão teórica sobre a
construção dessas estruturas, seguiram, em ambos os casos, as mesmas
quatro etapas indicadas por Macedo et al (2.000) para a intervenção com
jogos.
Assim, no capítulo sobre a intervenção com jogos eletrônicos e
concretos, o professor, o psicopedagogo ou o acadêmico interessado na
replicação da pesquisa, encontrará a descrição detalhada dos jogos Cilada,
LIG 4 e Velha 3D e dos processos aplicados em cada etapa, adaptados às
características específicas de cada jogo da categoria digital e da concreta,
além de análises das situações observadas durante as partidas.
No capítulo seguinte “A construção das noções espaciais a partir
dos jogos concretos e eletrônicos”, a análise dos resultados da pesquisa, isto
é, a análise comparativa dos efeitos dos jogos digitais e dos concretos sobre
a construção das estruturas espaciais, é precedida pela revisão teórica e
bibliográfica sobre a construção do espaço representativo e pela
metodologia utilizada na avaliação, com descrição cuidadosa das provas
15
utilizadas: “Cópia das Figuras Geométricas”, “Construção da Reta
Projetiva” e “Construção das Coordenadas: vertical e horizontal”, além de
sua aplicação e avaliação dos níveis que poderiam ser atingidos.
Sentindo o valor desta obra, parabenizo as autoras pela sua
contribuição aos diversos campos de estudo, pesquisa, trabalho docente e
psicopedagógico.
Lia Leme Zaia
17
Apresentação
O Universo é gigantesco e abriga milhões de galáxias. Uma delas é
a Via Láctea onde está o planeta Terra. De acordo com os geólogos,
cientistas que estudam as transformações da Terra desde sua formação
inicial até os dias atuais, o planeta existe há cerca de 4,6 bilhões de anos,
diferenciando-se dos demais devido à existência da vida humana (ao menos
é até aqui que a Ciência nos informa). Por outro lado, a antropologia
estuda a origem e a evolução da espécie humana na Terra, cujo ponto
inicial na linha do tempo se deu há 6 milhões de anos com os
Australopithecos (animais parecidos com os chimpanzés) e várias outras
espécies que evoluíram até a chegada do então Homo Sapiens (homem
moderno).
Gomes (2009) ressalta que pesquisas relacionadas à antropologia
biológica calculam que os homens modernos existem há cerca de 200 mil
anos na Terra, sendo que toda linhagem e evolução se deram na África,
embora haja divergência diante de novas descobertas, como por exemplo,
em 1992, quando foram encontrados dois crânios humanos na China com
mais de 300 mil anos, com características intermediárias entre o Homo
Sapiens e o Homo Erectus Asiático (FINURAS, 2015).
A partir do surgimento da espécie humana, o homem é visto para
a antropologia biológica como um ser na natureza que evoluiu fisicamente
até chegar, cerca de 80 mil anos, à sua condição atual, sem mudanças
essenciais.
Mas, afinal, o que fez o homem mudar? Como isso aconteceu?
18
Segundo Finuras (2015), a espécie humana sobreviveu por ter
desenvolvido algo mais complexo: a possibilidade de pensar sobre o
passado, presente e futuro, ou seja, a capacidade de representação, algo que
não ocorreu com as outras espécies que se extinguiram.
No entanto, ao se concordar com Finuras (2015), não seria
suficiente olhar apenas para as mudanças relacionadas aos aspectos físicos,
e que são perceptíveis; precisaríamos compreender a evolução qualitativa
da espécie humana, ou seja, a evolução mental, e, para isso, será necessário
recorrer às ciências biológicas e psicológicas as quais buscam responder a
seguinte questão: como o ser humano foi capaz de se desenvolver e
aprender?
A ciências biológicas respondem a esta pergunta a partir de duas
correntes de pensamento antagônicas: Lamarckista e Darwinista. A
primeira corrente foi difundida pelo biólogo francês Jean Baptista Lamarck
(1744 – 1829), e defendia uma mudança contínua no organismo, em que
fatores externos são responsáveis por mudanças estruturais e genéticas nos
seres vivos. Já a segunda corrente, liderada pelo biólogo britânico Charles
Darwin, em 1800, explica a evolução da espécie humana atribuindo um
papel essencial aos fatores endógenos, de modo que para ocorrer mudanças
evolutivas é necessário haver mutações no conjunto de genes, ou seja, “
são hereditárias as variações de origem interna (mutações) que se produzem
no quadro de genótipos, por seu lado invariantes, e o meio não intervém
senão a posteriori para fazer a seleção das variações assim produzidas”
(PIAGET, 2003 [1967], p. 132).
Quando se trata de explicar o desenvolvimento humano, a partir
de teorias da área psicológica, destaca-se a teoria interacionista e
construtivista do epistemólogo e biólogo suíço Jean Piaget (1886-1980),
que constatou que o desenvolvimento da inteligência acontece por um
processo qualitativo por meio do qual estruturas específicas vão se
19
construindo progressivamente, a partir da ação do sujeito sobre o objeto
de conhecimento e das interações com o meio físico e social (PIAGET,
1978).
Nessa perspectiva, ao se pensar sobre toda a evolução dos nossos
ancestrais até chegarmos ao homem do século XXI, percebe-se que houve
mudanças e transformações na maneira de agir do ser humano sobre o
mundo, desencadeadas pelas necessidades surgidas ao longo do tempo,
provocando a ação sobre os objetos de cada geração, para assimilar
informações do mundo exterior, modificá-las e modificar-se para adaptar-
se ao meio. Uma dessas mudanças que influencia e desafia o ser humano,
cotidianamente, é a tecnologia.
Nos últimos anos assiste-se a um processo de aceleração,
principalmente das tecnologias de comunicação que, por sua vez, têm
influenciado mudanças de paradigmas na maneira de pensar a sociedade e
suas instituições, trazendo impactos e modificações na vida social e
cultural. Por essa razão, é natural que se fomentem discussões e reflexões a
respeito dos impactos de tais mudanças na sociedade como um todo.
Dentre essas reflexões, destaca-se o impacto dessas tecnologias no
desenvolvimento como um todo, a cognição, a motricidade, a socialização,
entre outros. Em específico, tem-se a grande necessidade de análise sobre
o desenvolvimento de nossas crianças, a partir e mediante o uso e a
exposição a tantos recursos tecnológicos.
Pensando nisso, a Sociedade Brasileira de Pediatria-SBP (2016)
criou um manual para pais, médicos, educadores, crianças e adolescentes,
pautados em estudos acerca dos principais problemas ligados ao uso
excessivo das tecnologias, entre eles, o aumento da ansiedade, a dificuldade
em estabelecer relações sociais, os transtornos do sono, da alimentação, da
linguagem, o baixo rendimento escolar, entre outros.
20
As primeiras orientações do manual estão voltadas ao
estabelecimento do limite de tempo de exposição às telas: “o tempo de uso
diário ou duração total/dia do uso da tecnologia seja limitado e
proporcional às idades e às etapas do desenvolvimento cerebral-mental-
cognitivo-psicossocial das crianças e adolescentes (SOCIEDADE
BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2016. p. 3). Assim, os pediatras
recomendam que, antes dos 2 anos, deve-se evitar ou até mesmo proibir o
uso das tecnologias pelos bebês. Entre 2 e 5 anos, o tempo de utilização
deve ser limitado no máximo a 1 hora por dia, justificando ainda que, até
os seis anos de idade, a orientação é para que as crianças sejam protegidas
da violência virtual, pois não conseguem separar a fantasia da realidade”
(SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2016, p. 3).
Compartilhando da mesma ideia, no que se refere à questão de
limites entre fantasia e realidade, Zaia (2008), ao abordar sobre a função
dos jogos e brincadeiras na construção do real, faz um alerta importante:
Crianças constantemente submetidas a longas horas diante da
televisão, dos filmes, dos desenhos, em detrimento da exploração de
objetos e brincadeiras, isto é, as crianças muito estimuladas para o
conhecimento figurativo, poderão construir uma representação do
mundo sem apoio em suas próprias ações, confundindo significado e
significante, realidade e representação e não entendendo os limites
entre realidade e fantasia (ZAIA, 2008, p. 77).
A autora ressalta a importância da experiência e de se criar
condições físicas com estímulos a partir de materiais diversos, da interação
com o meio e de jogos variados, de modo a colaborar para a criança
organizar-se no tempo, espaço e assim compreender as transformações do
mundo físico. De qualquer forma, sempre cabe a reflexão sobre aquilo que
21
seria realmente causado pela tecnologia, destacando seus possíveis aspectos
negativos. E, claro, qual seria o reflexo para o desenvolvimento infantil.
Seriam diferentes as ações quando as crianças jogam um jogo de
tabuleiro concreto e um jogo no celular, no tablet ou no computador?
Poderíamos abandonar a ideia de jogos concretos ou físicos e passar a
utilizá-los de forma eletrônica ou virtual, uma vez que muitos já possuem
essa nova versão, facilmente acessada? Quais implicações teriam uma ou
outra forma de agir para o desenvolvimento da criança? Em quais aspectos?
Essa nova maneira de agir, oriunda do advento da tecnologia, provoca
mudanças psicológicas no sujeito? Pode influenciar a construção do real,
compreendido na perspectiva da teoria piagetiana?
Essa obra permite ao leitor a construção de reflexões fundamentais
sobre as questões pontuadas anteriormente. Em específico, trazemos o
resultado de uma pesquisa que comparou os efeitos da utilização de jogos
concretos e jogos eletrônicos na construção das relações espaciais.
Sobretudo, queremos, simultaneamente, apresentar as possibilidades
necessárias de intervenções que somente o professor, um psicopedagogo ou
um adulto conseguem organizar; intervenções que não podem ser
executadas pelas máquinas e que provocam a construção de estruturas
essenciais ao desenvolvimento da criança.
Boas construções!
As autoras
23
Capítulo 1
Sobre o jogo e sobre o jogo em Piaget
O jogo se faz presente no desenvolvimento da civilização humana
desde seus primórdios, evidenciando que o homem joga independente de
seu tempo-espaço, a ponto do historiador e linguista holandês Huizinga
(1872-1945), em sua obra clássica Homo Ludens- publicada em 1938,
definir o ser humano ao mesmo nível de Homo Sapiens, atribuindo-lhe
uma outra característica: Homo Ludens, colocando o jogo em um papel de
destaque na sociedade e como princípio vital de toda a civilização.
Nesse sentido, é incontestável que há tempos o jogo vem
despertando o interesse como objeto de estudo em diversas áreas do
conhecimento: filosofia, antropologia, sociologia, psicologia, educação.
Diante disso, inúmeras explicações e caracterizações surgiram acerca desse
fenômeno, trazendo, portanto, diferentes interpretações entre os autores
que se debruçaram a compreendê-lo. Tais interpretações e conceituações
podem ser complementares ou antagônicas, a depender do que se privilegia
na análise.
Em nosso caso, vamos pensar o jogo no campo educacional,
definindo-o a partir das contribuições da teoria interacionista e
construtivista do biólogo e epistemólogo suíço Jean Piaget (1896-1980).
A epistemologia genética piagetiana constitui-se num arcabouço
teórico e metodológico, sustentado por inúmeras e criteriosas pesquisas
24
que fundamentam diferentes estudos em várias áreas, entre elas a psicologia
do desenvolvimento. Ainda que o autor não tenha criado diretamente uma
teoria ou proposta metodológicas para a educação, inúmeras são as
contribuições para esse campo. Concordamos com Becker (2012) ao dizer
que a epistemologia genética de Jean Piaget é capaz de realizar a necessária
crítica a outras correntes epistemológicas (empirista e inatista) e apontar
novos caminhos pedagógicos e didáticos, a partir dos notáveis avanços que
ela produziu nas concepções de desenvolvimento e aprendizagem
humanos.
No que diz respeito ao jogo, podemos destacar duas obras em que
ele é amplamente explorado, Juízo Moral na Criança (1932) e A Formação
do Símbolo na Criança (1945) e, ainda, muitos outros estudos em que
Piaget e seus colaboradores estruturavam situações experimentais a partir
de jogos, como no caso da Torre de Hanói (1974) e o MasterMind (1981)
ou conduziam entrevistas em situações cujo princípios compõem jogos
hoje amplamente conhecidos, como é o caso do Jogo Descubra o Animal
(1980) cuja forma se observa no clássico Cara a Cara.
Contudo, antes de trazer definições e conceituações sobre o que é
jogo nesta perspectiva teórica, consideramos que seja necessário
compreender, ainda que de maneira breve, como alguns autores clássicos
o caracterizaram sob diferentes óticas, para assim contextualizar o
momento histórico em que Piaget leu e debateu com eles a sua concepção
sobre jogo.
Dito isso, vejamos como alguns autores caracterizaram e/ou
interpretaram o jogo, no quadro 1, a seguir:
25
Quadro 1 - Caracterizações e Interpretações sobre o Jogo em diferentes áreas e
perspectivas teóricas
Autor
Área
Caracterizações e Interpretações sobre o jogo
Johan
Huizinga
(1872-1945)
Sociologia
O autor resume em sua obra Homo Ludens (1938) as
características formais do jogo, como uma atividade livre,
conscientemente tomada como "não-séria" e exterior à vida
habitual, isto é, há uma separação espacial da vida cotidiana,
mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira
intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer
interesse material, com a qual não se pode obter qualquer
lucro, realizada dentro de certos tempos e espaços, pressupõe
regras que só são válidas dentro de um espaço delimitado
fisicamente ou imageticamente.
Rogger
Caillois
(1913-1978)
Sociologia
O escritor, sociólogo e ensaísta francês Caillois, também criou
uma teoria particular sobre o jogo, numa linha semelhante à
de Huizinga e ampliando a visão de jogo na perspectiva
cultural. Na obra “Os jogos e os homens”, originalmente, Les
Jeux et lês hommes, de 1958, o autor diz que o jogo é livre; com
tempos e espaços delimitados antecipadamente; incerto, pois
os resultados não são previsíveis; improdutivo, isto é, não visa
um resultado final, interessa apenas o ato de brincar; regrado
há leis que permitem o jogo e por fim, fictício, ou seja, faz-
de-c
onta acompanhado da consciência de uma segunda
realidade, contrária à vida real. Além disso, criou tipos de
jogos, a saber: Agon jogos de competição -, Alea jogos de
azar -, Mimicry jogos de simulacro -, Ilinx jogos de
vertigem.
Karl Gross
(1861-1946)
Psicologia
O filósofo e psicólogo alemão, propôs uma teoria evolutiva do
jogo na década de 30 e defendeu seu papel funcional,
mostrando que ele é condição necessária ao desenvolvimento
da criança, de modo que para ele a infância é a idade do jogo,
há uma infância para jogar e o jogo prepara a criança para a
vida adulta, daí a importância do jogo para Gross. Disso,
resulta duas ideias centrais de sua teoria: a de pré-exercício
em que o jogo servirá para exercer atividades não-lúdicas mais
tarde, pelo adulto; explicação do simbolismo pelo pré-
exercício no momento em que a criança brinca, joga, ela
pré-exerce atividades que não pode fazer seriamente. Ex: Ao
brincar de boneca, prepara seu instinto maternal.
26
Édouard
Claparède
(1873-1940)
Psicologia
Claparède, neurologista, psicólogo e pedagogo genebrino,
defensor da teoria de Gross, interpreta-a de maneira mais
ampla, dizendo que o pré-exercício influi sobre as funções
mentais em geral exercitadas pelo jogo. Mas procura mostrar,
sobretudo, que o jogo é também funcional sob o aspecto
transversal, isto é, com relação às necessidades da criança,
porque lhe dá uma satisfação atual e imediata, sendo,
portanto, um elemento fundamental para seu equilíbrio
emocional. Ao satisfazer tais necessidades no tempo presente,
o jogo prepara o futuro. Nesse sentido, Claparède entende
que a partir do momento em que o fenômeno jogo é uma
necessidade constante da criança, o educador que souber
servir-se dele, terá um auxiliar precioso.
F.J.J.
Buytendijk
(1887-1974)
Antropologia/
Psicologia
Buytendijk foi um antropólogo, biólogo e psicólogo holandês
que também trouxe grandes contribuições para entender as
relações entre jogo e infância. Em sua obra Wesen und Sinn
des Spiels (1933), o autor diz que a essência do jogo não se
compreende senão partindo da essência do juvenil, havendo
uma conexão entre elas. Assim, na visão dele, a infância
explica o jogo; brinca-se, joga-
se porque há infância. O
jogo/jogar está presente na infância, mas também é possível
encontrá-lo em qualquer idade, desde que haja marcos de
jovialidade. Dentre as características principais na teoria de
Buytendijk, para definir o jogo, citam-se: o caráter prático,
livre, ambivalente, impulsividade, sem finalidades ou
intenções.
Fonte: Adaptado de Huizinga (2019 [1938]); Caillois (2017 [1958]); Hameline et al.
(2010); Grillo et al. (2020); Piaget (2014 [1953]).
Piaget (2014 [1953]) diz que o jogo é uma das condutas
fundamentais da criança e, por muito tempo, o jogo da criança foi
comparado ao jogo do adulto, sendo o adulto-morfismo o maior mal à
psicologia infantil. Para o epistemólogo, o jogo não é absolutamente na
criança o que ele é ou o que ele poderia ser no adulto, muito pelo contrário,
o jogo da criança “apresenta um significado funcional, do ponto de vista
27
do desenvolvimento inteiro, tanto mental quanto físico” (PIAGET, (2014
[1953]), p. 294), atribuindo o mérito à Gross, que propôs uma teoria
instrumentalista e evolucionária do jogo, como foi descrita no quadro 1.
Sobre isso, o autor ressalta que é relativamente fácil distinguir o
jogo do adulto daquilo que não é jogo, do que é trabalho, do que é
obrigação de qualquer gênero. Entretanto, na criança essa distinção é
muito mais complexa e delicada. Nesse sentido, Piaget (2014 [1953])
descreve quatro critérios de delimitação do jogo sintetizados no quadro 2,
a seguir, que se aproximam de algumas caracterizações definidas por
Huizinga (2019 [1938]) e Caillois (2017 [1958]).
Quadro 2 - Critérios de Delimitação dos Jogos segundo Piaget (2014 [1953])
Critério
Características
1. Atividade
Autotélica
Critério clássico, pelo qual entende-se o jogo como uma atividade
desinteressada, que tem seu fim em si mesmo. Para ele, a criança
que corre, corre por correr, não existe outra finalidade senão a do
exercício dessa atividade. Contrário a isso, se ela corre para
encontrar alguém, procurar alguma coisa, não se trata mais de jogo.
2. Atividade
Espontânea
Corresponde a uma atividade livre em oposição às limitações e
imposições. Contudo, esse critério é válido de maneira mais geral
e não funciona do mesmo modo para os primeiros anos de vida,
pois seria exagerado considerar como um jogo todo o
desenvolvimento da inteligência sensório-motora, como se fosse
uma atividade espontânea do começo ao fim, ainda que não
comporte nenhuma imposição.
3. Princípio do
Prazer
O jogo é uma atividade que persegue o prazer, um prazer particular
que é funcional como descreve Buhler e Freud. Nesse caso, o
epistemólogo ressalta que não há apenas prazer no jogo, pois
jogos que reproduzem elementos dolorosos, emocionantes e que
não constituem um prazer propriamente dito. Exemplo disso é
quando a criança reproduz no jogo uma cena familiar em que ela
passou por um sofrimento. Nesse caso, não se pode dizer que há
28
uma busca pelo prazer, nem uma compensação, mas sim uma
espécie de ab-reação, isto é, a criança que sofreu uma emoção do
ponto de vista afetivo e tem interesse do ponto de vista cognitivo,
“revive a coisa pelo jogo, já que não há meio de revivê-la de outra
forma. Tratando-se, portanto, de uma assimilação afetiva que é
feita ao reviver a cena.
4. Realização
imediata das
necessidades
O quarto critério, relaciona-se com o aspecto funcional do jogo em
termos de realização imediata das necessidades,
apontado por
Claparède. No jogo, há uma realização momentânea para satisfazer
as necessidades de quem o joga e Piaget diz que ela é imediata
porque ela é simbólica. Novamente, o epistemólogo alerta que esse
critério é válido a partir de certos níveis, pois nas primeiras formas
de reações circulares, ainda no sensório-motor ou em nível de
primeiras representações, há uma solução imediata dos problemas
sem passar por uma coordenão dos meios e fins, o que na visão
do autor, não se trata necessariamente de jogos.
Fonte: Piaget (2014 [1953]).
Piaget (2014 [1953]) destacou a teoria de Buytendijk como a única
que procurou explicar o jogo da criança por aspectos estruturais e não
exclusivamente funcionais, dizendo que ela se opõe inteiramente à teoria
de Gross quando esse diz que há uma infância para jogar, enquanto
Buytendijk afirma que há um jogo porque há infância. Nos dizeres do
epistemólogo:
[...] o jogo é a expressão da estrutura mental da criança, mais
precisamente, é a manifestação exterior do que Buytendijk chama
dinâmica infantil ou dinâmica juvenil em geral, quer dizer, uma
estrutura e um funcionamento a uma só vez, que são distintos na
criança e no adulto (PIAGET, 2014 [1953], p. 341).
29
Essa ideia central foi explicitada por Piaget (2015 [1945]) ao
constatar uma ligação muito próxima entre o jogo e o desenvolvimento
cognitivo, tanto que para o epistemólogo o jogo permite ao sujeito
compreender e explicar sua realidade, por meio de três grandes estruturas:
o exercício, o símbolo e a regra.
Nessa perspectiva, o “jogo de exercício” é, portanto, o primeiro a
se constituir e predomina durante o desenvolvimento sensório-motor. A
atividade característica dessa estrutura de jogo traduz-se pelo prazer da
ação, na qual opera por uma assimilação funcional, ou seja, pede repetição.
Esse ato de repetir consiste, a partir de então, uma fonte de satisfação ou
prazer, de tal modo que, quando isso não ocorre reside em dor, ameaça a
sua sobrevivência. Assim, os jogos de exercícios são formas de repetir por
prazer, uma sequência motora e por isso formar um hábito, que para Piaget
(1982 [1936]) representa a principal forma de aprendizagem no primeiro
ano de vida e compõe a base para as futuras operações mentais.
Antes de nos referirmos às outras estruturas (simbólico e regras), é
preciso dizer que, de modo algum, essa forma inicial de jogo se limita
especificamente aos dois primeiros anos de vida; ao contrário, reaparecem
durante toda a infância e até mesmo na fase adulta, uma vez que o
desenvolvimento é um processo de integração e reelaboração constante,
portanto, encontram-se elementos sensórios motores também nas outras
estruturas de jogos.
Considerando o processo de desenvolvimento, posterior ao jogo de
exercício, tem-se a constituição do jogo simbólico, trazendo como
novidade a representação, ou melhor, a capacidade do sujeito evocar o
símbolo de um objeto ausente, avançando, portanto, em relação ao jogo
de exercício que não supõe pensamento nem estrutura representativa,
ampliando assim sua estrutura enquanto jogo.
30
Piaget (2015 [1945]) diz que os jogos simbólicos configuram a
assimilação deformante, isso porque a criança assimila o mundo exterior
como ela pode ou deseja, por meio de analogias, isto é, uma representação
fictícia que perpassa por uma comparação entre um elemento dado e um
elemento imaginado. É possível observar esse tipo de jogo quando a
criança, por exemplo, puxa uma caixa de papelão, imaginando ser um
automóvel. Macedo (1995) ressalta que as construções possibilitadas pelo
jogo simbólico, permitem à criança compreender as coisas, sejam elas
afetivas ou cognitivas, de acordo com seus limites intelectuais e favorecem
a integração dela ao mundo social, cada vez mais complexo.
A terceira estrutura, “jogo de regras”, se sobrepõe às anteriores,
conservando dessas duas características fundamentais: a regularidade do
jogo de exercício e a convenção do jogo simbólico. No entanto, há algo
que se integra a essa nova estrutura, permitindo ampliá-la e reelaborá-la,
tornando-a mais complexa: o seu caráter coletivo. Isso quer dizer que a
regra supõe, necessariamente, relações sociais ou interindividuais, ou como
Macedo (1995, p. 8) diz: “nessa estrutura só se pode jogar em função da
jogada do outro”, envolvendo uma assimilação recíproca pelo sentido da
coletividade, regularidade e convenção das regras. Portanto, a importância
estrutural do jogo de regras consiste em seu valor operatório, pois para se
ganhar é preciso a coordenação de diferentes pontos de vista, a antecipação,
a recorrência, enfim, condição para o desenvolvimento do raciocínio
operatório, na epistemologia genética.
Embora haja esta classificação, é preciso dizer que nem sempre ao
propor às crianças um jogo, ele se dará conforme a estrutura que o adulto
tem a intenção de explorar, pois a assimilação do jogo pela criança es
subordinada ao desenvolvimento dela, portanto, como afirma Brenelli
(1996), a criança poderá estar numa atividade com jogos de regras e
compreendê-los como uma estrutura de jogo simbólico. Um exemplo disso
31
é você oferecer um dominó para as crianças, mas observar que elas
empilham as peças construindo um castelo, ou criam um caminho para
“transportar carrinhos”.
Desse modo, são essas três categorias sucessivas que caracterizam as
grandes classes de jogos, relacionados à estruturação mental.
Sobre o jogo no contexto educacional
Piaget (2017 [1969]) reconhece o valor do jogo no contexto
educacional quando constituído do seu significado funcional. Para ele, é
muito comum que o jogo seja negligenciado na escola tradicional por ser
visto apenas como um descanso ou para gastar energia, o que faz com que
essa pedagogia corrente tenha uma visão simplista e reducionista do jogo,
a tal ponto de desconsiderar a importância que as crianças atribuem a ele
e até mesmo não o conceber como uma necessidade humana.
A esse respeito, Freire (2005), ao propor uma reflexão sobre o jogo
e tudo que se pode aprender e ensinar por intermédio dele, destaca que
não é só a escola que se assusta com a atividade lúdica das crianças, muitas
vezes os pais se descontrolam diante da compulsão por brincar de seus
filhos. “No caso da criança então, ela é absorvida em quase todo o seu
tempo pelo faz-de-conta, que não é outra coisa senão a construção de um
mundo interior” (FREIRE, 2005, p. 87). Para o autor, é justamente esse
caráter lúdico, que representa liberdade de expressão, envolvendo
espontaneamente o sujeito, um dos fatores que contribuem para que a
escola, em sua estrutura atual, não conceba com boa vontade a ideia de
acolher o jogo.
Levando em conta as possibilidades educacionais por meio do ato
de jogar, Piaget (2014 [1953]) destaca na teoria de Gross, a ideia de que a
32
criança que joga desenvolve suas percepções, sua inteligência, suas
experimentações e instintos sociais. Nesse sentido, afirma que:
É pelo fato do jogo ser um meio tão poderoso para a aprendizagem das
crianças que, em todo lugar onde se consegue transformar em jogo a
iniciação à leitura, ao cálculo ou à ortografia observa-se que as crianças
se apaixonam por essas ocupações comumente tidas como maçantes
(PIAGET, 2017 [1969], p. 140).
Sobre isso, Macedo (1995), um dos principais estudiosos acerca do
jogo na perspectiva piagetiana no Brasil, faz os seguintes questionamentos:
Como precisar a importância do jogo na escola? Como pensar o jogo na
construção do conhecimento na escola? Nesse sentido, o autor diz que
frequentamos a escola para aprender a ler, fazer contas, porque as profissões
adultas necessitam desses conhecimentos. No entanto, essa função da
escola é muito abstrata e com um sentido adulto, não trazendo um
significado para a criança. Por outro lado, o conhecimento tratado como
jogo pode fazer muito mais sentido para ela. Entretanto, ressalta que:
Não se trata de ministrar os conteúdos escolares em forma de jogo. Isso
pode ser interessante, mas nesse momento não é o que se está
defendendo. O uso do jogo dessa maneira, anula o sentido, o valor
lúdico, o prazer funcional que ele pode oferecer. Trata-se de analisar as
relações pedagógicas como um jogo, em que os jogadores não têm
consciência de que estão jogando, de que fazem, muitas vezes, um mau
jogo, o jogo contra o conhecimento. A escola propõe exercícios, mas
lhes tira o sentido, o valor lúdico, o prazer funcional. Ensina
convenções, símbolos, matemáticas, línguas, etc. mas não ensina as
crianças a “ganharem” dentro dessas convenções (MACEDO, 1995, p.
10).
33
Portanto, o autor propõe que a escola adote uma postura menos
rígida para recuperar o sentido do jogo nesse ambiente e até para vida. Em
nossa visão, isso só será possível se rompermos com os paradigmas oriundos
de concepções epistemológicas tradicionais, que reforçam um sujeito
passivo, heterônomo, um ensino técnico e mecanicista, oposto ao que
propõe o construtivismo.
Sob essa mesma perspectiva teórica, Kamii e Devries (2009 [1980])
também desenvolveram significativos trabalhos evidenciando a
importância dos jogos em grupo para o desenvolvimento cognitivo e social
da criança e ressaltaram que para que um jogo seja útil no processo
educacional ele precisa atender a três critérios: propor algo interessante e
desafiador para quem joga, permitir uma autoavaliação quanto ao seu
desempenho durante as jogadas e garantir que os jogadores participem
ativamente, do começo ao fim do jogo. Nos parece que esse último critério
é tudo que a escola tradicional não almeja!
No contexto educacional, a matemática é uma área que tem se
beneficiado das contribuições de estudos acerca do jogo, como importante
recurso pedagógico para o trabalho com conceitos específicos e
desenvolvimento de estruturas cognitivas. Nesse sentido, Kamii (2012
[1982]) destaca o papel dos jogos de regras como situações propícias para
a construção da ideia de número pela criança.
Brenelli (1996) ressalta que os jogos de regras merecem atenção
especial por serem considerados meios de compreender e intervir nos
processos cognitivos das crianças. Nesta direção, uma série de jogos foram
analisadas sob essa ótica e são utilizados em contextos clínicos, escolares e
de pesquisas. Dentre eles, citam-se estes: Kalah, O Quarto, Lig 4, Cilada,
Ta-Te-Ti, Tangram, Dominó, entre outros. Tais jogos foram explicitados
nos trabalhos de Brenelli (1996), Zaia (1996), Silva (2008), Ortega;
Santos; Queiroz (2009), Macedo et al. (2000; 2005; 2009) e evidenciaram
34
que o uso de jogos em uma perspectiva construtivista, com intervenções
adequadas, levando em consideração os estádios de desenvolvimento,
segundo a teoria piagetiana, favoreceram a construção de estruturas
cognitivas.
No entanto, vivenciamos hoje uma nova era marcada pelo universo
dos jogos digitais, virtuais ou eletrônicos, trazendo novas aberturas e
necessidades de investigações para o fenômeno. Vejamos um pouco a
respeito, adiante.
O Universo dos Jogos Digitais: uma nova era
Muito se fala, na atualidade, sobre o movimento da revolução
“4.0”, referindo-se à quarta revolução industrial com a imersão em larga
proporção de tecnologias e dispositivos de inteligência artificial.
Vivenciamos, cotidianamente, a transformação da nossa sociedade, cada
vez mais acelerada, e que caracteriza a sociedade do século XXI, definida
por Bauman (2001) como uma “modernidade líquida”, já que as relações
e mudanças que acontecem são voláteis. A esse respeito, Veraszto et al.
(2008) dizem que:
temos ainda que considerar que a tecnologia é concebida em função de
novas demandas e exigências sociais e acabam modificando todo um
conjunto de costumes e valores e, por fim, agrega-se à cultura
(VERASZTO et al., 2008, p. 77).
Vejamos, por exemplo, algumas mudanças ocorridas nos últimos
tempos influenciadas pela tecnologia:
35
Você os vê em toda parte. A garota adolescente com iPod, sentada à
sua frente no metrô, digitando freneticamente mensagens em seu
telefone celular. [...] A garota de 8 anos consegue vencer você em
qualquer videogame e também digita muito mais rápido que você.
Até sua sobrinha recém-nascida, que você ainda não conheceu, mas a
quem já está ligada devido à série de fotos digitais que chegam toda
semana. Todos eles são Nativos Digitais. [...] (PALFREY; GASSER,
2011, p. 11).
Não é difícil perceber que uma das mudanças que ocorreu nos
últimos tempos é a maneira como as crianças atualmente brincam e
interagem umas com as outras, pois desde a primeira infância o contato
com dispositivos móveis e portáteis fazem parte do passatempo delas,
substituindo muitas vezes tempos de brincadeiras ao ar livre, interação
social, utilização e exploração de jogos concretos, entre outros, por jogos
na tela.
Arruda (2011) define os jogos digitais como artefato cultural
contemporâneo, baseado em tecnologias da microinformática. Por se tratar
de um campo teórico novo, o autor afirma que conceituá-lo ainda é algo
muito complexo. Em concordância, Gallo (2007) destaca que por ser um
tema que se estende desde o campo das ciências computacionais,
perpassando pela sociologia, comunicação, arte, design, psicologia, etc., a
definição de jogos digitais para um profissional da área da computação
provavelmente será diferente daquela atribuída por um psicólogo.
Algumas características dos jogos digitais são definidas por Salen e
Zimmerman (2012 apud EVANGELISTA; LEPRE, 2018): a)
interatividade imediata, mas restrita, ou seja, é possibilitado ao jogador a
jogabilidade em tempo real, na qual o jogo pode sofrer alterações, de
acordo com as decisões do jogador; b) manipulação das informações: a
mídia digital tem a capacidade de armazenar e manipular informações, o
36
que não é possível nos jogos físicos. Alguns exemplos de manipulação são:
textos, vídeos, áudios e animações. Outra diferença é que as regras no jogo
digital são aprendidas enquanto ele está sendo jogado, enquanto no físico,
na visão dos autores, os jogadores precisam aprender as regras, antes de
iniciar o jogo; c) sistemas complexos e automatizados: uma das
características predominantes dos jogos digitais; o programa criado tem a
capacidade de automatizar diversos procedimentos sem a participação de
um jogador; d) rede de comunicação: a maior parte dos jogos digitais
possui a capacidade de estabelecer comunicação entre os jogadores de
diferentes maneiras, como por exemplo, por mensagens de textos, vídeo
em tempo real, áudios, e tudo isso podendo ser feito até mesmo por longas
distâncias.
Considerando as características e essa nova modalidade de jogo que
cada vez mais ganha destaque em nossa sociedade, permitindo à indústria
e ao comércio de entretenimento ocupar o mercado com diversas
novidades, surge, simultaneamente, dúvidas sobre a importância e efeitos
desses jogos no que diz respeito ao intelecto (e outros aspectos do
desenvolvimento) para as gerações que têm feito uso deles. “Em síntese: há
uma preocupação a respeito desse fenômeno na formação das novas
gerações, por causa dos seus pretensos aspectos negativos e massificadores”
(ARRUDA, 2011, p. 26).
Albuquerque e Kern (2019), ao tecerem reflexões sobre os jogos
digitais na perspectiva da sociologia da infância, afirmam que o brincar é
atividade fundamental na inserção e internalização da criança no universo
cultural e simbólico e que, em ambos os casos, seja o brincar digital ou no
analógico, a criança aprende, experimenta e recria, e complementam
dizendo que seria ingenuidade ignorar que as ferramentas digitais
apresentam novas variações para a brincadeira e o jogo infantil. Entretanto,
ressaltam que os jogos digitais trazem um formato mais rígido para as
37
possibilidades de aprendizagem do brincar, devido à quantidade de
detalhes mais estabelecidos a priori se comparados ao jogo físico:
Nos jogos digitais, as possibilidades da criança estão mais limitadas ao
que foi pré-programado. Pode-se ilustrar esse ponto, usando [...] o
xadrez. Quando analógico, a criança pode negociar com o oponente
para que as peças comecem em locais alternativos, ou que a dama deva
poder mover-se saltando por cima de outras peças, como faz o cavalo.
Na versão digital do mesmo jogo, isso não é possível. A criança fica
presa às regras tradicionais, como uma moldura que amalgama ou
engessa suas possibilidades de atuação (ALBUQUERQUE; KERN,
2019, p. 667).
Por outro lado, os autores dizem que não se pode generalizar,
exemplificando jogos como Minecraft
1
, projetados para construir e
convidarem os jogadores a criarem suas próprias formas, explorando,
portanto, a imaginação.
Macedo e Bressan (2016) dizem que graças à capacidade
simuladora dos aparelhos tecnológicos, temos hoje brinquedos muito mais
sofisticados, por exemplo, um adolescente pode simular força e potência
de personagens em jogo de RPG, mas para o autor existe uma diferença
entre brincar, brincadeira, brinquedo e brincalhão:
Brincar é ação, atividade física, simbólica ou imaginativa. É atividade
lúdica, enfim. Posso brincar como uma bola, ou no computador por
meio de um programa. Já o brinquedo é objeto. Uma bola é um
brinquedo; com ela faço brincadeiras. A bola possibilita várias
brincadeiras, dependendo de como ela é apropriada por cada cultura.
1
Disponível em: https://www.minecraft.net/pt-pt/.
38
Bola não é só futebol. Então tenho o brinquedo e as brincadeiras que
faço com ele. O baralho é outro exemplo. Um conjunto de cartas
permite uma porção de jogos diferentes usando o mesmo brinquedo,
o mesmo objeto. E o brincalhão é a pessoa que brinca. Explico isso,
porque o problema da brincadeira na máquina é que ela é, ao mesmo
tempo, brinquedo e brincadeira. O aplicativo é um brinquedo
tecnológico, digital. Mas é um brinquedo que propõe brincadeiras. A
bola não propõe brincadeiras [...] (MACEDO; BRESSAN, 2016, p.
64).
O que os autores querem dizer com isso é que assim como a bola,
outros brinquedos clássicos, como a boneca, o carrinho não propõem
brincadeiras; é a criança e seus amigos que inventam, criam, recriam,
simulam e propõem o que e como brincar. Para eles, o problema é quando
o objeto é que faz isso, fazendo com que a criança fique passiva, pois se
antes era ela que inventava as brincadeiras, agora ela apenas reage a elas.
Além disso, chutar uma bola e apertar um botão para mover o pé, na visão
de Macedo e Bressan (2016), são ações bem diferentes. Nesse sentido,
questionam qual é o preço para o cérebro no que diz respeito às diferenças
entre o ato motor de jogar ou mover uma peça e fazer isso no teclado ou
com o mouse? Qual o preço que a criança paga em relação ao seu
desenvolvimento?
Battro (1997) também traz reflexões acerca da versatilidade digital,
dizendo que ela já provoca transformações profundas na sociedade, desde
o fim do século XX, quando se iniciou uma revolução irreversível para a
educação, principalmente pelo paradigma existente de que o
conhecimento só é possível dentro dos muros da escola; a tecnologia
possibilita ampliar o acesso a ele fora da escola.
Dentre as diversas questões levantadas pelo autor nessa mesma
obra, uma é de grande interesse: o uso dos jogos eletrônicos. Battro (1997)
39
problematiza o tempo que as crianças passam entretidas com simples
“joguinhos”. Por outro lado, diz que nem todos os jogos eletrônicos são
descartáveis, uma vez que existem muitos jogos interessantes no mercado,
como os de aventura para descobrir um tesouro, jogos de grupos
interativos, etc. Por essa razão, o autor afirma que:
[...] la escuela deberá encarar ese problema de frente y recomendar a
los padres los mejores juegos electrónicos computacionales. De esta
manera, en lugar de mantenerse a distancia de los juegos electrónicos,
la escuela podría convertirse en el mejor asesor en el tema. Para ello se
necesitaría crear un equipo de educadores interesados en estudiar el
tema (BATTRO, 1997, p. 87).
As pesquisas realizadas a respeito do uso de tecnologias apresentam
controvérsias, pois os resultados apontam efeitos positivos e negativos que,
na maioria das vezes, diferem pela maneira como os jogos são utilizados,
os conteúdos e o tempo de exposição, entre outros. Por exemplo,
Dongdong et al. (2012) e Aguilar et al. (2015) realizaram pesquisas em
Cingapura e no Chile, respectivamente, sendo que as duas pesquisas
encontraram efeitos negativos em crianças e adolescentes com relação ao
uso de jogos eletrônicos e desenvolvimento cognitivo.
A primeira pesquisa foi realizada em escolas de Cingapura e teve
como objetivo avaliar se as mudanças na quantidade de tempo destinadas
a jogos eletrônicos, por crianças e adolescentes, teriam relação com o
desempenho escolar e a quantidade de sintomas patológicos como
irritabilidade, cansaço, ansiedade, etc. O estudo foi longitudinal, por um
período de 2 anos. A amostra da pesquisa teve 2.998 crianças e adolescentes
e a média de idade variou entre 11 e 13 anos. O método utilizado na
pesquisa contou com 5 instrumentos de medidas, cada um com um
40
objetivo, como avaliação do desempenho acadêmico, hábitos de jogo, uso
do jogo patológico
2
, crenças
3
normativas sobre a escala de agressão e
questionário de atitudes empáticas.
Os resultados desta pesquisa mostraram relação positiva em todas
as variáveis de estudo, pois os jogadores com maior tempo de jogo foram
os que apresentaram o menor desempenho escolar, maior quantidade de
sintomas patológicas, menor número de atitudes empáticas e mais
aceitação da violência.
A segunda pesquisa teve como objetivo investigar as relações entre
a forma física corporal e o sucesso escolar, bem como verificar qual a
influência do tempo de tela nessas variáveis. O método utilizado foi um
estudo transversal que ocorreu por um período de 3 meses (março-junho),
em 2014, com 395 crianças com idade escolar de 7 anos, no Chile. A idade
média foi de 12,1 anos e os participantes frequentavam a 7ª série. Os
instrumentos utilizados foram questionário para avaliar o tempo de tela e
de atividade física, a partir de autorrelato dos participantes. Para avaliar as
diferenças no sucesso escolar, de acordo com as categorias de forma física
e o tempo de tela (< que 2 horas/dia e > que 2 horas/dia) recorreu-se a uma
análise de variância.
Os resultados mostraram que os níveis de aptidões físicas puderam
ser associados ao sucesso escolar e a maiores notas. No entanto, ao ajustar
o tempo de tela, as relações desapareceram tanto para o uso de menos que
2 horas diárias quanto para mais que 2 horas diárias. Os autores
2
O uso do jogo patológico diz respeito ao “vício de jogar”. Para avaliar o nível de jogo patológico
foi utilizada uma escala com 10 itens modificada com os critérios do Manual de Diagnóstico e
Estatística dos Transtornos Mentais - Quarta Edição (DSM-IV).
3
As crenças normativas são definidas como um tipo de crença autorreguladora de comportamentos
adequados socialmente. A escala de agressão criada por Huesmann e Guerra (1997) foi utilizada
para medir a percepção dos alunos de comportamento agressivo aceitável, sob condição geral ou de
acordo com diferentes tipos de provocações.
41
concluíram que o sucesso acadêmico está relacionado a hábitos saudáveis e
sugeriram minimizar os efeitos negativos do tempo de tela, porém os
resultados dos dados podem corroborar os benefícios cognitivos quanto à
necessidade de limitar o tempo de tela a menos que 2 horas diárias, e a
utilização de programas que orientem os pais sobre como estabelecer tais
limites.
De um modo geral, tratando especificamente do uso de jogos
eletrônicos, há poucos estudos na perspectiva teórica piagetiana e que
priorizam a intervenção pedagógica, realizada de modo intencional e
planejado, bem como a construção de estruturas cognitivas. Essa é uma
lacuna que pretendemos auxiliar a preencher com a pesquisa que
passaremos a apresentar nos capítulos seguintes. Nos dedicamos a
compreender como essa modalidade de jogo pode ou não influenciar no
desenvolvimento da criança, ou na construção de estruturas cognitivas e
compará-la com a modalidade de jogos mais conhecida, isto é, os jogos
concretos.
42
43
Capítulo 2
Das intervenções com jogos concretos e eletnicos
Um dos pontos fundamentais da epistemologia genética de Jean
Piaget (1896-1980) consiste na explicação sobre como se constroem novas
estruturas cognitivas, cujo princípio fundamental é a ação e interação do
sujeito com aquilo que se torna um objeto de conhecimento. Nesse caso,
quatro fatores indispensáveis que influenciarão esse processo (PIAGET,
1978): a maturação; a experiência física e lógico-matemática; a transmissão
e a interação social; a equilibração. Embora todos os fatores certamente
tenham sua influência, Piaget atribui ao último um papel essencial, pois é
responsável pelo equilíbrio dos outros três, tratando-se de um mecanismo
interno da estruturação do próprio sujeito. Piaget (1976 [1975]) evidencia
que os processos cognitivos, e o seu funcionamento, baseiam-se em dois
processos fundamentais que constituem os componentes de todo o
equilíbrio cognitivo: a assimilação e a acomodação.
A assimilação tem como função retirar informações do mundo
físico e social, que é exterior ao sujeito, para que se possa incorporar novos
elementos aos próprios esquemas em função da experiência. Todavia, na
epistemologia genética, deve se entender que “a experiência não é recepção,
mas ação e construção progressivas” (PIAGET, 1982 [1936], p. 342),
portanto, uma ideia diferente da experiência empirista. Ainda, ressaltamos
que a experiência, nos termos piagetianos, pode ser de natureza física ou
lógico-matemática. Na primeira, o sujeito age sobre os objetos e retira deles
44
suas propriedades, como cor, forma, texturas etc., dito de outro modo,
todas as características observáveis. A segunda corresponde às coordenações
mentais, ou seja, relações que o sujeito estabelece entre as ações, por
exemplo, agrupar, separar, classificar, ordenar, etc. portanto, “coordenação
que é endógena e, por isso mesmo, não observável.” (BECKER, 2012, p.
148).
Vale destacar que, para Piaget (2003 [1967], p. 15), “conhecer não
consiste, com efeito, em copiar o real, mas agir sobre ele e transformá-lo”,
logo, a função assimiladora pressupõe que ocorra um ajustamento
constituindo, então, a função acomodadora, por isso a acomodação é
responsável pela transformação das estruturas em função das resistências
que o meio nos oferece ao ser assimilado. Essas transformações ocorridas
constantemente vão se organizando e se combinando e conduzem a um
processo maior, denominado por Piaget de Equilibração Majorante e
constituído por compensações internas dos desequilíbrios ocasionados
nas/pelas interações, buscando a reequilibração do sistema cognitivo
(PIAGET, 2015 [1964]).
Tais aspectos teóricos que se referem a como conhecemos, como
nos desenvolvemos e aprendemos estão presentes no ato de jogar, de tal
forma que é possível estabelecer uma relação estreita entre o ato de
conhecer e o de jogar, como apontam Macedo, Petty e Passos (2000, p.
23): “se para conhecer é preciso agir, para jogar também é. O jogo, como
qualquer ação, envolve regulação”. Assim, ao jogar colocamos em ação
processos e mecanismos centrais do nosso desenvolvimento cognitivo,
afetivo, social e psicomotor; da mesma forma, quando propomos um jogo
a uma criança podemos ser mais ou menos competentes para mobilizar
questões centrais do seu desenvolvimento.
Portanto, na perspectiva teórica construtivista, entende-se que o
ato de jogar propicia um sujeito mais ativo em seu processo de construção
45
do conhecimento, além de possibilitar a compreensão e a intervenção junto
aos processos cognitivos. Sob essa ótica, qual seria então o papel da
intervenção pedagógica em um trabalho com jogos?
Antes de mais nada, é importante definir o conceito de
“intervenção”. Vinh-Bang (1991) define tal conceito como uma tomada
de posição e destaca o papel ativo não somente do psicopedagogo, mas
também do professor ou pedagogo, diante das insuficiências que se
manifestam no processo pedagógico, de modo a detectar o problema e
remediá-lo. Para ele, a intervenção pode ocorrer em três níveis: individual
do aluno, coletivo da classe ou coletivo da escola.
Quando propusemos um estudo sobre jogos concretos e
eletrônicos, tínhamos como objetivo avaliar se é possível construir
estruturas cognitivas a partir de intervenções pedagógicas utilizando jogos
eletrônicos. Ainda, procuramos investigar quais seriam as diferenças entre
a estruturação cognitiva de sujeitos que participam de um contexto de
intervenção pedagógica com jogos concretos e um contexto em que os
mesmos jogos, na versão eletrônica, são utilizados. Esses dados serão mais
explorados no capítulo 3.
Em razão disso, nossas intervenções foram em nível individual
pois, nessa situação, visa-se a um efeito corretivo, de preenchimento de
lacunas ou recuperação de um atraso, levando em consideração o nível de
desenvolvimento de cada estudante (VINH-BANG, 1991). Os demais
níveis, abordados pelo autor, tratam de intervenções que objetivam
reajustar a prática pedagógica, bem como realizar adaptações curriculares
ao nível de sala de aula ou da escola como um todo.
Definido o tipo de intervenção, é importante destacar os diversos
estudos envolvendo as relações entre jogo e intervenção pedagógica que
também foram nossas referências: Brenelli (1986; 1993), Zaia (1996),
46
Piantavini (1999), Macedo; Petty; Passos (2000; 2005), Camargo (2002);
Carvalho (2020); Gonçalves (2020). Seja no contexto educacional ou
psicopedagógico, trazendo importantes contribuições para construir uma
nova perspectiva do que seja jogar e aprender do ponto de vista da
epistemologia genética piagetiana.
Tais estudos trazem em comum o enfoque à importância dos jogos
de regras relacionados a processos psicogenéticos, como a abstração
reflexionante, o possível e o necessário, o fazer e o compreender, o erro no
processo de aquisição do conhecimento, o desenvolvimento das estruturas
operatórias, entre outros. Além disso, reconhecem o importante papel da
intervenção pedagógica na medida em que o sujeito é provocado a pensar,
refletir, antecipar, explicar e reconstituir suas ações ao jogar.
Sobre isso, Macedo; Petty e Passos (2000) defendem que jogar
favorece o processo de desenvolvimento e aprendizagem, e destacam que
um trabalho de intervenção pedagógica com jogos, na perspectiva
construtivista, pressupõe um profissional que atue para modificar a
qualidade da participação do sujeito, por meio de procedimentos de
intervenção coordenados e intencionais, como por exemplo:
acompanhando as partidas, propondo desafios, análises, instigando
reflexões, antecipações, relações, entre outros.
Concordamos com os autores que sem a presença intencional do
adulto, o jogar fica limitado ao senso comum, ou a uma experiência física
sem grandes alcances, o que já acontece espontaneamente entre as crianças.
Do contrário, bastaria prover as escolas e salas de aulas de materiais e, no
caso, muitos jogos. Aliás, cabe ressaltar que é o que muitas vezes ocorre,
um “utilitarismo” do jogo no contexto escolar, como se isso fosse suficiente
para garantir o processo de desenvolvimento e aprendizagem dos alunos.
47
Portanto, entendemos que um jogo por si só é insuficiente para
garantir os processos cognitivos, tão pouco a presença do adulto não nos
dirá muito se esse não tiver clareza do objetivo que se pretende atingir ao
sistematizar os procedimentos de intervenção a serem propostos para as
crianças.
Para ilustrar, tomemos como exemplo um dos objetivos de nosso
estudo, o qual consistia em organizar e desenvolver intervenções
pedagógicas por meio da utilização de jogos concretos e eletrônicos para a
construção de estruturas infralógicas de espaço. A partir disso, foi
necessário pensar sobre a seguinte questão: quais perguntas poderiam ser
desencadeadas a partir de um determinado jogo que solicitariam, do
sujeito, estabelecer relações de direção, posicionamento, perspectivas,
ângulos ou medidas?
Importante dizer que o profissional poderá e deverá criar
intervenções e situações-problema com diferentes enfoques a partir de um
mesmo jogo. Portanto, o que modificará é a sua intencionalidade
pedagógica a partir das possibilidades que jogo e jogador permitirem.
Desse modo, a seleção dos jogos levou em conta a estrutura de
pensamento cuja construção gostaríamos de avaliar, ou seja, buscou
identificar se a lógica do jogo escolhido favoreceria a criação de situações
que solicitassem o estabelecimento de determinadas relações espaciais.
Assim, foram selecionados os seguintes jogos: Cilada, LIG 4 e Velha 3D.
Definidos os jogos, a organização e a estruturação das intervenções
foram elaboradas fundamentadas nos princípios construtivistas, e para
alguns jogos pautou-se em estudos anteriores (Brenelli (1986; 1996),
Ortega; Santos; Queiroz (2009), Oliveira (2012)); bem como sugestões de
intervenção para favorecer a construção das noções estudadas, sugeridas
por Mantovani de Assis e Camargo de Assis (2010).
48
Para cada jogo, foi assegurado também as quatro etapas sugeridas
por Macedo; Petty e Passos (2000) ao propor um trabalho com jogos em
uma perspectiva construtivista: 1) Exploração dos materiais e
aprendizagem das regras do jogo; 2) Prática do jogo e construção de
estratégias; 3) Situações-problemas a partir das jogadas; 4) Registro do
jogo.
O Quadro, a seguir, apresenta detalhadamente qual finalidade de
cada etapa:
Quadro 3 - Etapas para estruturar a intervenção pedagógica por meio de jogos,
segundo Macedo; Petty e Passos (2000)
Etapa
Finalidade
Exploração dos
materiais e
aprendizagem das
regras do jogo
As intervenções são direcionadas para uma exploração abrangente de
todos os objetos que constituem o jogo (peças, tabuleiro, etc.), tendo
como finalidade conhecer as propriedades físicas dos materiais
(conhecimento físico), se jogos semelhantes são conhecidos pela criança,
enfim, atividades exploratórias que permitem ao jogador apropriar-se
dos materiais que irá utilizar no decorrer de uma partida, bem como a
aprendizagem das regras, condição necessária para o jogo acontecer.
Prática do jogo e
construção de
estratégias
A segunda etapa corresponde ao jogar propriamente dito e visa propiciar
ao sujeito meios para exercitar suas habilidades mentais e buscar
melhores resultados para vencer, isto é, analisar diferentes possibilidades
a cada jogada e tomar decisões que possibilitem construir estratégias para
vencer o jogo. Nessa perspectiva, o adulto desempenha um papel de
observador, na intenção de obter informações sobre o conjunto de ações
que caracterizam a conduta do jogador, incentivando a criança a jogá-lo
bem.
Situações-
problemas a partir
das jogadas
As situações-problema apresentam especial relevância pois permitem
investigar o pensamento infantil, num contexto de intervenção, tendo
em vista a modificação da relação com o conhecimento. O principal
objetivo dessa terceira etapa é promover situações desafiadoras a partir
das próprias jogadas e permitir que os sujeitos analisem, questionem,
enfim, tomem consciência sobre a ação de jogar, diminuindo o fator
sorte e as jogadas por ensaio-e-erro.
49
Fonte: Macedo; Petty; Passos (2000).
Passaremos então a análise das formas de intervenção em contextos
reais e virtuais, quando do trabalho com os jogos anteriormente
mencionados. Objetivamos apresentar de que forma pudemos realizar
intervenções que desafiassem as crianças e que pudessem constituir-se em
momentos de desenvolvimento e construção de estruturas cognitivas. Em
especial, a construção da noção de espaço foi aspecto bastante observado
por nós, tendo em vista possíveis diferenças ao se jogar com esses dois tipos
de jogos.
Exibimos aqui, de uma maneira geral, o que observamos em
diferentes situações de jogo com crianças entre 7 a 10 anos de idade e que
puderam jogar a partir da organização de intervenções sistemáticas que
descrevemos. No capítulo seguinte, analisaremos a diferença que as
intervenções propostas geraram na construção da noção de espaço.
Registro do jogo
Consiste em análises do jogar por meio de situações-problemas
tematizadas sobre suas próprias experiências, analisando o jogo sob um
outro ponto de vista. Nesse caso, o que se propõe é que o profissional
observe a compreensão que as crianças tiveram do jogo, seja em relação
às regras ou situações-problemas relacionados a ele, por meio de registros
das partidas, situações-
hipotéticas, desenhos etc. que possibilitem
desencadear re
flexões e questionamentos que visem a tomada de
consciência sobre os aspectos que podem ser aprimorados por parte dos
jogadores.
50
2.1. As interveões com o Jogo Cilada
Fonte: Do autor.
O jogo Cilada foi lançado pela Estrela (fábrica de brinquedos
brasileira), em 1985. É composto por um tabuleiro com 28 figuras (9
quadrados, 10 círculos e 9 cruzes) e 24 peças a serem encaixadas no
tabuleiro, as quais podem ter combinações de duas ou três figuras
geométricas. Para cada uma delas, é designada uma letra de A a N. Por
exemplo, há 4 peças denominada como “A”, compostas por círculo e cruz,
2 peças denominada como “E”, constituídas por dois quadrados e as peças
com três figuras não se repetem, sendo 8 no total. A figura 1 mostra o
tabuleiro do jogo Cilada na versão concreta.
51
Fonte: Ifcat Brinquedos
4
.
Para montar o quebra-cabeças, há 50 combinações descritas no
tabuleiro a partir das 24 peças. Apenas um jogador joga e este deve escolher
um dos quebra-cabeças numerados de 1 a 50, separar as peças que variam
entre 11 e 14, e encaixá-las sobre as formas equivalentes, na ordem que
preferir. No entanto, para vencer o desafio, é necessário encaixar todas as
peças até que não sobre espaços no tabuleiro, caso contrário, o jogador “cai
em cilada”.
Em 2012, levando em conta a era digital, alguns dos jogos
comercializados pela fábrica de brinquedos Estrela ganharam uma nova
plataforma, a Estrela Digital, em que foram lançadas versões digitais de
jogos que fizeram sucesso na versão concreta, entre eles o Cilada. Na versão
digital, os 50 quebra-cabeças são disponibilizados conforme o jogador
resolve os desafios e muda de nível, como mostra a figura 3. Já a figura 2,
mostra o tabuleiro do Cilada na versão eletrônica, bem como as peças a
serem encaixadas para resolver o desafio número 1.
4
Disponível em: https://ifcat.com.br/loja/idades/5-a-6-anos/jogo-cilada-estrela/.
52
Brenelli (1993), ao fazer uso desse jogo, encontrou diversas
possibilidades de explorá-lo, dentre elas situações para classificar as peças,
essenciais para a construção de noções de classificação e multiplicação
lógicas. Além disso, a autora observou que o jogo também permite a
construção de possíveis e necessários ao se propor aos jogadores que
inventem/construam novos quebra-cabeças e matrizes, indo além dos 50
quebra-cabeças sugeridos no tabuleiro.
Em nossas intervenções, procuramos considerar, também, a
possibilidade de explorar a noção de espaço, visto que, ao encaixar as peças,
a criança precisa levar em conta ângulos, posições diferentes e movimentos
para uma mesma peça. Deste modo, as intervenções foram estruturadas
levando em conta tanto o estudo realizado por Brenelli (1993) como
intervenções que solicitam as relações espaciais. Ao total, foram quatro
sessões com esse jogo, as crianças jogavam individualmente. Vejamos as
descrições, a seguir.
53
Quadro 4 - Intervenções com o jogo Cilada Etapa 1
Fonte: Do autor.
Concreto Eletrônico
1) Exploração livre do tabuleiro e peças
do jogo.
2) Perguntar à criança se ela tem alguma
ideia de como se joga e se conhece esse
jogo.
3) Apresentar as regras do jogo.
4) Levantar
questões que possibilitem
conhecer as peças do jogo. Como:
a) Quantas peças há no jogo?
b) Fale-me como é esta figura que vo
tem nas mãos. Explorar o conhecimento
das formas geométricas e solicitar que
estabeleçam relações com objetos que se
parecem com a figura.
c) Há alguma peça exatamente igual à
outra?
d) Coloque junto as peças que são
parecidas. Classificação livre - Registrar
por meio de desenho como as peças foram
organizadas.
e) Em qual lugar no tabuleiro que esta
peça pode se encaixar? Por quê?
Observar como realizam as primeiras
jogadas e a quantidade de peças que
sobram no fim do jogo.
1) Exploração livre do tabuleiro e peças
do jogo no tablet.
2) Perguntar se tem alguma ideia de como
se joga e se conhece esse jogo.
3) Apresentar a
s regras do jogo e os
movimentos possíveis para que haja o
encaixe da peça no tablet.
4)
Levantar questões que possibilitem
conhecer as peças do jogo. Como:
a) Quantas peças há no jogo?
b) Fale-me como são as figuras que você
vê no tablet. Explorar o conhecimento
das formas geométricas e solicitar que
estabeleçam relações com objetos que se
parecem com a figura.
c) Há alguma peça exatamente igual à
outra?
d) Teria como colocar junto as peças que
são parecidas? Registre por meio de
desenho como você pensou.
e) Em qual lugar no tabuleiro que esta
peça pode se encaixar? Por quê?
Observar como realizam as primeiras
jogadas e a quantidade de peças que
sobram no fim do jogo.
54
O desafio desse quebra-cabeça propiciou às crianças pensarem em
diferentes possibilidades de encaixe, favorecendo as relações espaciais e, ao
identificar semelhanças e diferenças entre as peças, realizar classificações. A
fotos 1 e 2 mostram a exploração do jogo Cilada pelas crianças.
Fonte: Do autor Fonte: Do autor
Durante as sessões com o jogo Cilada, nas duas versões
relacionadas a essa 1ª etapa, as principais semelhanças e/ou diferenças
observadas foram:
Quanto à exploração do material, no jogo concreto foi possível
explorar o tabuleiro e todas as peças do jogo, as semelhanças e
diferenças das formas, a quantidade de cada peça. Na versão
digital, isso se deu pela tela do tablet, explorando visualmente as
peças que seriam necessárias para montar o primeiro desafio, pois
não são disponibilizadas para visualização todas as 24 peças que
compõem o jogo, dificultando estabelecer as relações entre parte e
todo.
55
Todos os jogadores, na versão concreta, puderam realizar
classificações livres das peças, agrupando-as por critérios diferentes
e justificando como as tinham organizado, por exemplo: “Esse é o
grupo das peças duplas e esse o grupo das peças triplas”.
Os jogadores, na versão digital, conseguiram estabelecer relações
de igualdade entre as peças, mas não conseguiram realizar
agrupamentos coordenando-os, somente em pensamento.
Quadro 5 - Intervenções com o jogo Cilada Etapa 2
Fonte: Do autor.
Concreto
Eletrônico
1) Montar o quebra-cabeça nº 1 proposto
no jogo. Propor que observem as letras
nas peças e organizem as que serão
utilizadas. Observar as estratégias
utilizadas.
2) Questões a pensar sobre a inclusão de
classes no jogo:
a) Há mais peças ou mais peças duplas?
b)
Há mais círculos ou formas
geométricas?
1) Montar o quebra-cabeça nº 1 (nível 1)
proposto no jogo eletrônico. Observar as
estratégias utilizadas.
2) Questões a pensar sobre a inclusão de
classes no jogo:
a) Há mais peças ou mais peças duplas?
b)
Há mais círculos ou formas
geométricas?
56
Na segunda etapa, as diferenças e/ou semelhanças destacadas entre
os dois tipos de jogos foram:
A rotação das peças para encontrar mais possibilidades de encaixes foi
favorecida pelo jogo concreto, visto que, ao manipular as crianças
faziam diversas tentativas por ensaio-e-erro no tabuleiro. No
eletrônico, há a possibilidade de rotacionar as peças; entretanto,
dependendo da posição, a peça fica sobreposta à outra, dificultando o
encaixe e a visualização.
Houve dificuldade dos jogadores da versão eletrônica em conseguir
encaixar, movimentar e rotacionar as peças.
Os jogadores, na versão eletrônica, começaram a manifestar
desinteresse pelo jogo, visto que não conseguiam resolver o desafio e
mudar de nível.
57
Quadro 6 - Intervenções com o jogo Cilada Etapa 3
Concreto Eletrônico
1) Escolher uma sequência para montar.
2) Intervenções para explorar as noções
espaciais:
a) Observe esta peça. Teria como encaixá-
la no tabuleiro? De que maneira? Teria
outro jeito?
Caso a criança responda que não, contra-
argumentar, dizendo que outra criança
falou que se ela virasse à esquerda, direita,
desse duas voltas, etc., poderia encaixar.
b) Em quantos lugares é possível encaixar
essa peça no tabuleiro?
c) Propor que iniciem a montagem pelas
peças triplas e depois as duplas. Depois,
propor que iniciem pelas peças duplas e
depois as triplas.
d) Comparar se houve diferença começar
pelas peças triplas ou duplas.
1) Tentar montar o quebra-cabeça
proposto na fase 1 ou, se a criança
conseguiu abrir mais fases, escolher uma
delas.
2) Intervenções para explorar noções
espaciais:
a) Observe esta peça. Teria como encaixá-
la no tabuleiro? De que maneira? Teria
outro jeito?
Caso a criança responda que não, contra-
argumentar
, dizendo que outra criança
falou que se ela virasse à esquerda, direita,
desse duas voltas, etc., poderia encaixar.
b) Em quantos lugares é possível encaixar
essa peça no tabuleiro?
c) Propor que iniciem a montagem pelas
peças triplas e depois as duplas. Depois,
propor que iniciem pelas peças duplas e
depois as triplas.
d) Comparar se houve diferença começar
pelas peças triplas ou duplas.
Fonte: Do autor.
58
Nessa terceira etapa, tanto no jogo concreto quanto no jogo
eletrônico, os jogadores foram solicitados a montar o quebra-cabeças
iniciando pelas peças duplas e depois pelas triplas, na intenção de
realizarem uma comparação.
Observamos que a facilidade de manuseio das peças no jogo
concreto, favoreceu uma tomada de consciência mais rápida sobre o tipo
de peça a se utilizar no início do jogo. Isso pode ser observado pois, no
jogo concreto, as crianças conseguiam resolver os desafios e avançavam
para os seguintes, o que não ocorreu para muitos que jogaram a versão
eletrônica.
Quadro 7 - Intervenções com o jogo Cilada Etapa 4
Concreto Eletrônico
Registro do Jogo
a)
Marina ganhou de presente de
aniversário o jogo Cilada. Ela tentou
várias vezes montar o quebra-cabeça,
mas sempre sobravam peças e ela caiu em
“cilada”. Se você
pudesse dar algumas
dicas para a Marina não cair em “Cilada”
e conseguir montar o quebra-cabeça sem
sobrar peças, o que você falaria para ela?
Registre suas ideias no espaço a seguir.
b)
Marina disse que só há 2 jeitos
diferentes de encaixar a peça, a seguir, no
tabuleiro. O que você pensa sobre isso?
Você pode utilizar palavras, desenhos
para explicar como pensou.
Registro do Jogo
a)
Marina ganhou de presente de
aniversário um tablet que veio com o jogo
Cilada. Ela tentou várias vezes montar o
quebra-
cabeça, mas sempre sobravam
peças e ela caiu em “cilada”. Se vo
pudesse dar algumas dicas para a Marina
não cair em “Cilada” e conseguir montar o
quebra-
cabeça sem sobrar peças, o que
você falaria para ela? Registre suas ideias no
espaço a seguir.
b
) Marina disse que só há 2 jeitos
diferentes de encaixar a peça, a seguir, no
tabuleiro. O que você pensa sobre isso?
Você pode utilizar palavras, desenhos para
explicar como pensou.
59
Fonte: Do autor.
Na etapa 4, foram propostas duas situações-problemas que
permitiriam analisar o nível de compreensão do jogo nas duas
modalidades. Na primeira situação, o jogador precisava dar algumas dicas
para a personagem Marina não cair em cilada.
Percebemos que a dificuldade na construção de um esquema para
movimentar as peças, no jogo eletrônico, interferiu também na resolução
da primeira situação. As crianças tinham mais dificuldades em encontrar
mais de uma possibilidade de encaixe para as peças, sobretudo as triplas.
Um exemplo foi MIC (7;3), que realizou diversas tentativas de começar o
jogo pelas peças triplas, sem obter êxito; MIC disse que era mais fácil
encaixar as duplas, assim, sempre ficava em cilada, o que gerou desinteresse
pelo jogo. Na figura 4, encontra-se a resposta de MIC.
c)
Agora que você já conhece o jogo
Cilada, registre abaixo por meio de
desenhos e palavras como foi brincar
com este jogo. Use a sua criatividade!
c)
Agora que você já conhece o jogo
Cilada, registre abaixo por meio de
desenhos e palavras como foi brincar com
este jogo. Use a sua criatividade!
60
Figura 1 - Registro Situação-Problema 1 - Cilada
Já os jogadores da versão concreta, e que obtiveram êxito na
montagem do quebra-cabeça, deram dicas para se começar pelas peças
triplas e rotacionar as peças, como pode ser visto nas figuras 5, 6 e 7.
61
62
A segunda situação-problema, com registro, consistiu em propor
às crianças pensar de quantos jeitos uma determinada peça poderia ser
encaixada no tabuleiro. Para resolver a questão, uma das estratégias mais
utilizadas pelos sujeitos, e que usaram os dois tipos de jogos, foi o desenho.
A peça escolhida foi uma dupla, com cruz e círculo. Há quatro maneiras
de encaixar as peças duplas; para isso, é necessário pensar nas possibilidades
de rotação, alterando a posição das figuras, necessitando, portanto,
considerar as possibilidades espaciais. Essa situação criou um conflito
cognitivo para as crianças. As crianças que jogaram Cilada na versão
concreta conseguiram variar mais as possibilidades do que as crianças que
jogaram a versão eletrônica. Vejamos o exemplo a seguir:
63
Por fim, as crianças tiveram um momento livre para registrar, por
meio de desenhos e palavras, como foi brincar com esse jogo. Foi possível
observar coerência dos relatos com a motivação e interesse entre os
jogadores da versão concreta e os jogadores da versão eletrônica. Na figura
9, pode-se observar como foi para JOL (9;4) jogar o Cilada na versão
eletrônica.
64
De acordo com a resposta de JOL (9;4), é possível inferir que a
maior dificuldade foi conseguir fazer o encaixe das peças na versão
eletrônica. Já ELO (10;4), embora tenha gostado e achado legal, relatou
que o jogo a deixou nervosa. [Ver figura 10]. Esse sentimento foi observado
em mais jogadores da versão eletrônica, pois diante de várias tentativas sem
sucesso para resolver o quebra-cabeça, demonstravam irritabilidade e
desinteresse pelo jogo.
65
Embora os jogadores da versão concreta tenham obtido mais
sucesso nas montagens dos quebra-cabeças, as respostas também
evidenciaram que foi um jogo difícil. Como, por exemplo, a resposta de
CAU (10;2) que diz: “Achei um pouco difícil, mas consegui montar e foi
legal”. [Ver figura 11]
66
Para RAI (10;8), o jogo a ajudou a “pensar e prestar atenção”,
como é possível observar na figura 12.
67
Em síntese, algumas questões realçam as diferenças observadas na
utilização das duas versões, e é sempre importante que aquele que usa o
jogo como instrumento de intervenção, professor ou psicopedagogo, esteja
atento a elas.
A primeira se refere ao fato de que poder manipular as peças, testar
seus encaixes e analisar os sucessos e fracassos foi tarefa mais acessível e,
portanto, mais desafiadora na versão concreta. Os esquemas motores
necessários à rotação na versão eletrônica geravam certa impaciência nas
crianças. Além disso, o não encaixe da peça nem sempre era compreendido
pelo jogador, como de fato se observava na versão concreta. Como o
programa eletrônico gerava o feedback rápido, indicando a impossibilidade
de encaixe na direção que a criança tentara, notamos que nem sempre os
jogadores compreendiam o que havia ocorrido. Necessário, pois, pensar
nas intervenções do educador, em ambas as situações de jogo, que
permitam ao sujeito pensar sobre o que não deu certo na sua jogada, ou o
que o levou ao fracasso.
Ainda, quando se tem todas as peças disponíveis, como no caso do
jogo na versão concreta, muitas ações são possíveis, como classificações,
organização das sequências de peças para montagem, manipulação física
das peças etc.; ações que são necessárias e fundamentais para a construção
do conhecimento. A versão eletrônica gera uma passividade e
impossibilidade em relação a essas ações.
68
2.2 As intervenções com o jogo LIG 4
De acordo com Ortega; Santos; Queiroz (2009), o jogo LIG 4
pode ser classificado como um jogo de tabuleiro e, como subcategoria, um
jogo de alinhamento, tal como o jogo da Velha, Ta -Te - Ti, Quarto, entre
outros. Isso porque o princípio do jogo consiste em alinhar três ou quatro
fichas em uma mesma direção, seja na vertical, horizontal ou diagonal. O
jogo industrializado foi lançado e comercializado no Brasil pela Estrela em
1976, e é composto por um tabuleiro com 42 orifícios, sendo 6 colunas na
vertical e 7 na horizontal e 42 fichas, 21 azuis e 21 amarelas. Na figura 13,
é possível observar o tabuleiro e as peças que compõem o jogo na versão
concreta.
69
Fonte: Bumerang Brinquedos
5
.
Para jogar, são necessários dois jogadores que se alternam para
colocar as fichas nas colunas. Vence o jogo quem fizer primeiro um
alinhamento com quatro fichas na horizontal, vertical ou diagonal.
Na versão digital também é possível encontrar o jogo com
diferentes nomes, mas seguindo o mesmo princípio de alinhamento, sendo
possível jogar contra a máquina ou com outro jogador. A versão eletrônica
utilizada no nosso estudo foi o jogo “4 em linha”, como mostra a figura
14.
5
Disponível em: https://www.bumerangbrinquedos.com.br/jogo-lig-4-estrela-unica-01-
160700001301/p.
70
Oliveira (2012) desenvolveu um estudo, fundamentado na teoria
piagetiana, que teve como objetivo avaliar o funcionamento cognitivo de
crianças por meio de jogos de regras, utilizando o LIG-4. Para a autora, a
estrutura do jogo promove a construção da noção de espaço e tempo, bem
como a noção de reversibilidade, pois o jogador precisa considerar os
deslocamentos a partir dos movimentos de suas jogadas. Desse modo,
levando em conta os objetivos que tínhamos em relação às noções espaciais,
consideramos o LIG-4 um jogo propício e as intervenções foram
planejadas levando em conta os estudos de Ortega; Santos; Queiroz (2009)
e Oliveira (2012). Quatro sessões foram realizadas para esse jogo e as
crianças sempre jogavam em duplas.
71
Quadro 8 - Intervenções com o jogo LIG 4 Etapa 1
Fonte: Do autor.
Ao apresentar o material às crianças, em um primeiro momento,
buscamos levantar os conhecimentos prévios a respeito do que sabiam
sobre o jogo. Também foram exploradas as regras básicas, posições em que
poderiam fazer alinhamentos e, por fim, exploração livre do jogo. Alguns
desses momentos encontram-se registrados nas fotos 3 e 4, a seguir:
Concreto
Eletrônico
1) Exploração livre do tabuleiro e peças
do jogo.
2) Perguntar se tem alguma ideia de como
se joga e se conhecem esse jogo. Explorar
as regras do jogo.
3) Explorar a ideia de alinhamento:
O que é alinhamento? O que precisa
ser feito para vencer o jogo? De que
modo pode-
se fazer alinhamentos?
Você conhece ou
tro jogo de
alinhamento?
Quantos alinhamentos são possíveis
fazer em uma posição horizontal? Por
quê? E na vertical? E na diagonal?
4) Como decidir quem começa o jogo?
5) Realizar algumas partidas e observar
como jogam. (Onde colocam a primeira
ficha, coo
rdenação de pontos de vista,
estratégias, regras).
1) Exploração livre do tabuleiro e peças
do jogo.
2) Perguntar se tem alguma ideia de como
se joga e se conhecem esse jogo. Explorar
as regras do jogo.
3) Explorar a ideia de alinhamento:
O que é alinhamento? O que precisa
ser feito para vencer o jogo? De que
modo pode-
se fazer alinhamentos?
Você conhece outro jogo de
alinhamento?
Quantos alinhamentos são possíveis
fazer em uma posição horizontal? Por
quê? E na vertical? E na diagonal?
4) Como decidir quem começa o jogo?
5) Realizar algumas partidas e observar
como jogam. (Onde colocam a primeira
ficha, coordenação de pontos de vista,
estratégias, regras).
72
73
As observações realizadas sobre os limites e alcances entre as duas
formas de jogar o LIG 4, durante a primeira etapa, foram as seguintes:
Em relação à exploração do tabuleiro, tanto na versão concreta
quanto na versão eletrônica, os jogadores puderam verificar a
quantidade de colunas na vertical e horizontal.
A exploração das fichas só foi possível na versão concreta. Os
sujeitos manusearam, identificaram as cores, quantificaram e
fizeram estimativas sobre quantas fichas seriam necessárias para
que cada jogador ficasse com o mesmo número de fichas.
As regras do jogo são semelhantes nas duas versões e os jogadores
não demonstraram dificuldade em compreendê-las. Entretanto, na
versão concreta, é possível jogar até que todas as fichas sejam
colocadas nos orifícios, enquanto na versão eletrônica, o jogo
automaticamente termina quando um dos jogadores faz o primeiro
alinhamento.
74
Quadro 9 - Intervenções com o jogo LIG 4 Etapa 2
Fonte: Do autor.
Nessa segunda etapa, foi possível observar durante a prática do jogo
e construção de estratégias, que as crianças por volta dos 7 anos,
apresentam um jogo mais egocêntrico, colocando as fichas sempre em uma
Concreto Eletrônico
1) Relembrar as regras do jogo, realizar
algumas partidas livres e observar as
estratégias adotadas.
2) Situações-problemas do jogo:
a) Quem começa o jogo tem vantagem?
b) Você é o jogador que iniciará a partida.
Existe algum lugar em que é melhor para
iniciar o jogo? Se sim, por quê? Perguntar
para o adversário se ele concorda.
c) Existe alguma possibilidade de alguém
fazer um alinhamento na próxima
rodada? Em qual posição?
d) O que você deverá fazer para que seu
adversário não faça pontos na próxima
rodada?
e) É a sua vez de jogar. Qual é a melhor
jogada a se fazer nesse momento? Por quê?
Você acha que essa foi uma boa jogada?
Teria alguma outra?
f) Quando é ne
cessário bloquear o
adversário?
g) Quem venceu o jogo? Quantos
alinhamentos você conseguiu fazer? E o
outro jogador?
1) Relembrar as regras do jogo, realizar
algumas partidas livres e observar as
estratégias adotadas.
2) Situações-problemas do jogo:
a) Quem começa o jogo tem vantagem?
b) Você é o jogador que iniciará a partida.
Existe algum lugar em que é melhor para
iniciar o jogo? Se sim, por quê? Perguntar
para o adversário se ele concorda.
c) Existe alguma possibilidade de alguém
fazer um alinhamento n
a próxima
rodada? Em qual posição?
d) O que você deverá fazer para que seu
adversário não faça pontos na próxima
rodada?
e) É a sua vez de jogar. Qual é a melhor
jogada a se fazer nesse momento? Por quê?
Você acha que essa foi uma boa jogada?
Teria alguma outra?
f) Quando é necessário bloquear o
adversário?
g) Quem venceu o jogo? Quantos
alinhamentos você conseguiu fazer? E o
outro jogador?
75
mesma direção e na mesma coluna, sem estratégias para coordenar suas
ações com as jogadas do adversário.
Na versão concreta, ao final da partida, os sujeitos precisavam
identificar seus alinhamentos. Os pontos realizados na horizontal e vertical
eram facilmente identificados pelos sujeitos, enquanto os pontos feitos na
diagonal (sem indícios de planejamento) passavam despercebidos. Na
versão eletrônica, quando um jogador fazia um alinhamento,
automaticamente, era indicado na tela e o jogo era encerrado.
Quadro 10 - Intervenções com o jogo LIG 4 Etapa 3
Fonte: Do autor.
Concreto Eletrônico
Situações-problemas durante as jogadas
1) Quando o jogador oferece risco para
seu adversário?
2) Após colocar algumas fichas no
tabuleiro, perguntar: qual(is) as possibili-
dades de o jogador (A) alinhar 4 fichas e
marcar pontos? E o jogador B? Teria
alguma coisa que o jogador A poderia
fazer para impedir o B de marcar pontos?
E o jogador B, tem como impedir o
jogador A?
3) Quando a partida estiver quase
finalizando, explorar: qu
em está com
mais chance de vencer? Por quê? E se fosse
a vez do jogador “B”, isso aconteceria? Por
quê?
Situações-problemas durante as jogadas
1) Quando o jogador oferece risco para
seu adversário?
2) Após colocar algumas fichas no
tabuleiro, perguntar: qual(is) as possibili-
dades de o jogador (A) alinhar 4 fichas e
marcar pontos? E o jogador B? Teria
alguma coisa que o jogador A poderia
fazer para impedir o B de marcar pontos?
E o jogador B, tem como impedir o
jogador A?
3) Quando a partida e
stiver quase
finalizando, explorar: quem está com
mais chance de vencer? Por quê? E se fosse
a vez do jogador “B”, isso aconteceria? Por
quê?
76
Alguns aspectos identificados no que diz respeito às semelhanças
e/ou diferenças das intervenções nos dois formatos do LIG 4, na etapa 3,
foram:
Na versão concreta, os jogadores tiveram mais possibilidades de
fazer antecipações sobre as jogadas durante as intervenções, visto
que não precisavam encerrar o jogo no primeiro alinhamento.
Algumas duplas de jogadores com 7/8 anos continuaram a jogar,
coordenando apenas situações em que precisavam bloquear o
adversário e identificar possibilidades de alinhamento apenas na
vertical ou na horizontal, enquanto algumas duplas de jogadores
com 9/10 anos, demonstravam antecipações das suas jogadas e do
adversário, bem como iniciaram estratégias para fazer pontos na
diagonal, dizendo que era mais difícil o adversário perceber e
bloquear. Tais condutas foram observadas nos jogadores que
jogaram os dois tipos de jogos.
Com relação à motivação e interesse pelo jogo, houve diferença na
conduta entre os jogadores menores e os maiores, pois enquanto
os menores demonstravam interesse em colocar as peças
aleatoriamente no tabuleiro (ou clicar aleatoriamente sobre os
espaços da versão eletrônica), os maiores se preocupavam em criar
estratégias para fazer alinhamentos.
77
Quadro 11 - Intervenções com o jogo LIG 4 Etapa 4
Fonte: Do autor.
Concreto Eletrônico
Registro do jogo
a) Imagine que você e seu amigo irão jogar
uma partida de Lig 4. Ao tirar par ou
ímpar, você venceu e será o jogador que
iniciará a partida. Observe o tabuleiro
abaixo e marque qual seria um bom lugar
para começar o jogo. Por que considera o
lugar que marcou para iniciar o jogo, o
melhor?
b)
Na situação abaixo, se você fosse o
jogador das fichas amarelas, quais as
possibilidades de fazer um alinhamento
de 4 fichas?
c) Se fosse sua vez de jogar, e as suas fichas
fossem as amarelas, qual seria a melhor
jogada a se fazer nesse momento? Por quê?
d) Agora que você já aprendeu a jogar o
LIG 4, que tal registrar no espaço abaixo
como foi para você brincar com este jogo?
Registro do jogo
a) Imagine que você e seu amigo irão jogar
uma partida de Lig 4. Ao tirar par ou
ímpar, você venceu e será o jogador que
iniciará a partida. Observe o tabuleiro
abaixo e marque qual seria um bom lugar
para começar o jogo. Por que considera o
lugar que marcou para iniciar o jogo, o
melhor?
b) Na situação abaixo, se você fosse o
jogador das fichas amarelas, quais as
possibilidades de fazer um alinhamento
de 4 fichas?
c) Se fosse sua vez de jogar, e as suas fichas
fossem as amarelas, qual seria a melhor
jogada a se fazer nesse momento? Por quê?
d) Agora que você já aprendeu a jogar o
LIG 4, que tal registrar no espaço abaixo
como foi para você brincar com este jogo?
78
As situações-problemas com registro, a partir do próprio contexto
do jogo, permitiram evidenciar que, nas duas modalidades de jogos, alguns
sujeitos conseguiram explicar por que é mais vantajoso iniciar as jogadas
pelo meio, conforme as respostas de CAU (10;2) e JOL (9;4), nas figuras
15 e 16.
79
Todavia, observamos que mais jogadores da versão concreta
conseguiram compreender essa questão. As crianças que foram submetidas
a intervenções na versão eletrônica, tiveram mais dificuldade e forneceram
interpretações “mágicas” ou que evidenciavam a consideração somente do
ponto de vista próprio. É o caso de VIT (6;7) e KEL (7;0):
80
O segundo problema, com registro, solicitava à criança identificar
quais seriam as possibilidades de fazer alinhamentos, a partir de uma
situação hipotética do jogo. Para identificar as melhores jogadas a serem
feitas, as crianças precisavam assinalar no tabuleiro qual era o lugar em que
colocariam suas fichas; entretanto observamos que algumas crianças, nos
dois tipos de jogos, assinalaram espaços vazios, ou seja, os aspectos
figurativos sobressaíram-se aos operativos, pois no jogo físico ou no
tabuleiro, uma ficha só pode ficar na segunda linha horizontal, se houver
outra ficha na primeira linha, respeitando a lei da gravidade, envolvendo,
portanto, um conhecimento físico. (A figura 19 representa tal situação).
Algumas crianças, como PED (9;0) e JOL (9;4), não levaram em
consideração a realidade, uma vez que pintaram espaços vazios, sinalizando
jogadas impossíveis se não houver fichas abaixo que deem sustentação. As
figuras 19 e 20 ilustram esse exemplo. A solicitação foi a seguinte: “Na
81
situação abaixo, se você fosse o jogador das fichas amarelas, quais as
possibilidades de fazer um alinhamento de 4 fichas?” As respostas de PED
(9;0) e JOL (9;4):
No caso de PED (9;0), ele identificou corretamente uma
possibilidade de alinhamento na diagonal ao pintar uma ficha na 6ª
coluna, da esquerda para a direita, 4ª linha de baixo para cima, mas na
outra opção não percebeu que a peça não poderia permanecer ali. JOL
(9;4), que jogou a modalidade eletrônica, também apresentou conduta
semelhante à de PED. Conseguiu identificar corretamente duas
possibilidades de pontos na horizontal e vertical, mas considerou uma
possibilidade de alinhamento equivocada ao pintar um orifício na 2ª
coluna, da esquerda para a direita, 3ª linha de baixo para cima, como
mostra a figura 20.
82
De modo geral, todas as crianças conseguiram identificar ao menos
uma possibilidade de alinhamento, entretanto 50% dos jogadores que
jogaram a versão concreta do jogo identificaram as três possibilidades,
sendo uma na vertical, uma na horizontal e outra na diagonal. Dentre os
jogadores da versão eletrônica, apenas JON (9;0) obteve êxito, o que é
ilustrado na figura 21. Outro fato que chamou a atenção na diferenciação
a partir dos dois tipos de jogos foi que os demais jogadores que constataram
uma ou duas possibilidades, limitaram-se a alinhamentos na vertical ou
horizontal, evidenciando uma dificuldade de observar pontos na diagonal.
83
A terceira situação-problema envolvendo o jogo Lig-4 objetivou
analisar qual seria a melhor jogada a ser realizada na seguinte hipótese: “Se
fosse sua vez de jogar e as suas fichas fossem as amarelas, qual seria a melhor
jogada a se fazer nesse momento? Por quê?” o observamos diferenças
significativas dentre os participantes, conforme a modalidade do jogo que
jogaram. Assim, como pode ser visto em GUH (8;4), pareceu fácil
identificar a necessidade de bloqueio quando isso era evidente.
84
Todavia, quando se tratava de um alinhamento imediato, foi
possível observar maior limitação em coordenar as jogadas do adversário e
fazer antecipações; os jogadores faziam opções como as de BRU a seguir,
que indicam a dificuldade da criança em pensar além da própria ação.
85
Situações como essa são bastante interessantes e devem ser
aproveitadas pelos adultos como oportunidades de aprendizado. É
importante incentivar a criança a construir a mesma jogada do registro e
realizar o movimento que pensou. No caso de fracasso ou de sucesso, tem-
se momento riquíssimo para a construção de explicações e para que a
tomada de consciência possa ocorrer.
Macedo, Petty e Passos (2000, p. 77) também nos esclarecem:
Durante todo o jogo, portanto, é necessário coordenar ataques e defesas
simultaneamente, sem perder de vista a configuração geral do
tabuleiro. Em outras palavras, ser capaz de considerar todos os aspectos
envolvidos numa partida e antecipar boas jogadas é um trabalho de
86
observação constante e isso é adquirido com a prática do jogo. [...] No
entanto, isso não é uma conquista fácil e nem sempre acontece de
maneira espontânea, principalmente em se tratando de crianças
menores ou crianças cuja dificuldade relaciona-se com as exigências
desse jogo.
Finalmente, assim como nos demais jogos, as crianças tiveram a
oportunidade de registrar como foi aprender a jogar o Lig 4. As respostas,
de modo geral, foram positivas; as crianças ressaltaram que foi um jogo
legal e divertido, como aponta PED (9;0) na figura 25, a seguir.
87
Pedir à criança que reconstitua uma ação seja pela linguagem oral,
escrita ou pelo desenho, é uma intervenção muito importante para o
processo de tomada de consciência e a passagem do plano do fazer à
compreensão. À medida que necessita reorganizar os acontecimentos, a
criança também estabelece relações temporais e causais. Assim, a explicação
apresentada pode sempre ser confrontada com algo diferente que tenha
ocorrido, mas não tenha sido observado/relatado pelo sujeito.
Nesse jogo de alinhamento, observamos que na versão concreta
podemos criar diferentes oportunidades de manipulação, quantificação,
divisão das peças que, na versão eletrônica não são possíveis.
O fato de o jogo eletrônico acusar quando um alinhamento era
formado e já apresentar uma nova partida gerava dois problemas. O
primeiro era uma motivação muito restrita pelo jogo; as crianças jogavam
algumas vezes e perdiam o interesse rapidamente. O segundo é que
somente na versão concreta era possível esperar que os próprios jogadores
identificassem os alinhamentos, o que poderia não ocorrer, gerando assim
interessantes oportunidades de debates ao final da partida. Ainda,
continuar jogando para depois “conferir” quantos alinhamentos foram
feitos, exige do sujeito a coordenação dos vários espaços do jogo:
horizontal, vertical e diagonal, simultaneamente, o que envolve diferentes
conflitos cognitivos e desequilíbrios.
No jogo concreto, as crianças conseguiam também realizar melhor
as antecipações das jogadas, muitas vezes colocando com os dedos a peça
onde elas pretendiam jogar e avaliar visualmente o que ocorreria.
88
2.3 As intervenções com o Jogo Velha 3D
De acordo com alguns estudiosos, o jogo da velha tradicional teve
sua origem na Inglaterra no século XIX, quando nessa época, aos fins de
tarde, as mulheres mais idosas se reuniam para fazer bordados e conversar.
No entanto, algumas com problemas de visão, não conseguiam realizar tal
atividade e começaram a jogar esse jogo como passatempo, por isso,
quando chegou ao Brasil, se popularizou como “Jogo da Velha”.
Entretanto, há controvérsias sobre sua origem, pois outros achados
arqueológicos dão conta de que o jogo da velha e outros passatempos
semelhantes foram desenvolvidos nas mais diversas regiões do planeta,
independentemente, como aponta Medeiros et al. (2013):
89
[...] achados arqueológicos em diferentes regiões do mundo, China e
América pré-colombiana, mostram que civilizações antigas praticavam
o que conhecemos por Jogo da Velha. Contudo, a referência mais
antiga está nas escavações ao templo de Kurna (apogeu por volta do
século XIV antes de Cristo), no Egito (MEDEIROS et al., 2013, p.
19).
O jogo da velha tradicional é considerado um jogo de regras
simples e conhecido no mundo todo, composto por um tabuleiro
quadrado de três colunas e três linhas e peças no formato das letras “X” e
“O”. Joga-se em duplas e o objetivo do jogo é fazer um alinhamento com
três peças iguais na vertical, horizontal ou diagonal. O primeiro a fazer tal
alinhamento é o vencedor.
Um outro jogo foi desenvolvido baseado no jogo da velha
tradicional, porém, traz um desafio maior: o jogo é tridimensional, ou seja,
um “Jogo da Velha 3D”. O princípio do jogo da velha se mantém, isto é,
o objetivo é fazer um alinhamento, mas os alinhamentos não se limitam a
horizontal, vertical e diagonal em um só plano como no jogo comum.
Agora, é possível utilizar os três planos para fazer os alinhamentos, exigindo
mais coordenações dos jogadores.
A versão tridimensional consiste em um tabuleiro dividido em três
andares, como mostra a figura 25, em cada andar há 9 casas para colocar
as peças, totalizando 27. As peças do jogo são compostas por 36 pedras,
sendo 14 vermelhas, 14 azuis e 9 amarelas. Assim, nessa versão, o jogo pode
ser disputado por até três pessoas. Quando o jogo for disputado em duplas,
são distribuídas 14 peças para cada um. Já, quando o jogo ocorrer com três
jogadores, serão necessárias 9 peças para cada um.
90
Fonte: MJ Saldanha Jogos e Materiais pedagógicos
6
.
O objetivo do jogo é fazer o maior número de alinhamentos
possíveis na horizontal, vertical ou diagonal, nas três dimensões. O jogo
termina quando todas as casas forem ocupadas. É importante lembrar que
ao considerar todos os andares, uma mesma peça pode ser utilizada para
compor mais de um alinhamento simultaneamente.
Na versão eletrônica, é possível encontrar tanto o jogo da velha
tradicional quanto o tridimensional. Ressaltamos que ambas as versões
(física e eletrônica) podem ter mais andares, ou seja, além de tabuleiros
3x3x3, também é possível tabuleiros 4x4x4. Vejamos a seguir, na figura
26, a versão tridimensional do jogo eletrônico:
6
Disponível em:
https://www.facebook.com/mjs.psicoped/photos/a.1002280506500584/18887383211
88127/?type=3
91
O jogo foi escolhido para fazer parte de nossas intervenções com o
objetivo de explorar relações espaciais, principalmente o espaço projetivo
e euclidiano, pois ao fazer os alinhamentos a criança deverá coordenar a
localização de pontos e retas no plano e no espaço em três dimensões, bem
como coordenar diferentes pontos de vista. A esse respeito, Costa e Silva
(2015) ao proporem reflexões sobre o uso de jogos no ensino da
Matemática discutem, especificamente, o jogo da velha 3D:
Com a ajuda do jogo da velha 3D o aluno pode desenvolver a
visualização de jogadas e essa percepção pode ser aplicada no estudo de
outras figuras espaciais, posteriormente. As possíveis jogadas devem ser
identificadas mentalmente pelos jogadores, em sua jogada,
selecionando a que acredita ser mais vantajosa naquele momento.
92
Através do jogo é possível trabalhar conteúdos de Geometria Plana
como retas, pontos e planos e para estabelecer relações entre Geometria
Plana e Espacial é interessante que o jogo da velha 3D seja inicialmente
trabalhado em um modelo concreto e só depois ser explorado em
modelo representado no plano, em papel. [...] (COSTA; SILVA, 2015,
p. 30).
Levando em consideração esses pressupostos, as intervenções com
o jogo da velha 3D foram estruturadas para serem desenvolvidas em três
sessões. A razão de utilizarmos somente três sessões nesse jogo, se refere ao
fato de que as regras do jogo da velha se mostraram amplamente
conhecidas pelos jogadores. As sessões foram realizadas somente em duplas
para o jogo eletrônico e, na versão física, em duplas ou trios. Os quadros a
seguir descrevem as propostas de intervenções distribuídas em três sessões,
vejamos a primeira:
Quadro 12 - Intervenções com o jogo da Velha 3D Etapa 1
Concreto Eletrônico
1) Exploração livre do tabuleiro e peças
do jogo.
2) Perguntar se têm alguma ideia de como
se joga e se conhecem esse jogo. Perguntar
se conhecem o jogo da velha
(bidimensional) e perguntar:
a) Por que esse se chama jogo da Velha em
3D?
b) O que será que ele tem de parecido e o
que tem de diferente do jogo da “velha
normal”?
1) Exploração livre do tabuleiro e peças
do jogo.
2) Perguntar se têm alguma ideia de como
se joga e se conhecem esse jogo. Perguntar
se c
onhecem o jogo da velha
(bidimensional) e perguntar:
a) Por que esse se chama jogo da Velha em
3D?
b) O que será que ele tem de parecido e o
que tem de diferente do jogo da “velha
normal”?
93
Fonte: Do autor.
Assim como o jogo LIG-4, o Jogo da Velha 3D também faz parte
dos jogos de alinhamentos, porém ao permitir fazer pontuações, em três
dimensões, oferece uma complexidade maior em relação aos outros jogos
e, por essa razão, foi o último a ser proposto para as crianças. Esse jogo é
favorável para estabelecer relações espaciais ao solicitar que o sujeito
coordene alinhamentos em diferentes perspectivas, entretanto, pode-se
observar diferenças na versão eletrônica e concreta, que serão analisadas
posteriormente. As fotos 5 e 6 retratam algumas partidas com o jogo:
c) De que jeito é possível fazer pontos
nesse jogo?
d) Até quantas pessoas podem jogar?
e) Como decidir quem começa o jogo?
f) Quando as peças terminarem, como se
pode saber quem venceu? (Contar os
pontos).
3) Realizar algumas partidas e observar
como jogam e, principalmente, se
identificam todos os pontos que fizeram,
considerando as três dimensões.
c) De que jeito é possível fazer pontos
nesse jogo?
d) Até quantas pessoas podem jogar?
e) Como decidir quem começa o jogo?
f) Quando o primeiro jogador fizer um
alinhamento, o jogo termina. Como se
pode saber qual foi a posição em que ele
fez?
3) Realizar algumas partidas e observar
como jogam e, principalmente, se
identificam todos os pontos que fizeram,
considerando as três dimensões.
94
95
Na primeira etapa, as principais diferenças observadas entre as
duas modalidades de jogo foram:
No que se refere à exploração das peças e tabuleiro, na versão
concreta, as crianças tiveram a oportunidade de quantificar os
espaços do tabuleiro, as peças e distribuir a mesma quantidade
entre os jogadores. Na versão eletrônica, só foi possível quantificar
os espaços do tabuleiro.
Todas as crianças já conheciam as regras do jogo da velha
tradicional; assim não foi notada nos jogadores dificuldade de
compreensão. Entretanto, as regras da versão eletrônica
apresentaram diferença, pois no jogo concreto há a possibilidade
de jogar até três pessoas, enquanto no eletrônico, somente duas.
Outra diferença identificada em relação às regras pode ser
observada quando o primeiro jogador realizava um alinhamento.
No jogo eletrônico, o software encerrava automaticamente a
partida e indicava o local onde a pontuação foi obtida. Na versão
concreta, há a possibilidade de continuar o jogo, até que todas as
peças sejam colocadas no tabuleiro e as próprias crianças é que
precisam identificar onde fizeram os alinhamentos.
96
Quadro 13 - Intervenções com o jogo da Velha 3D Etapa 2
Fonte: Do autor.
Concreto Eletrônico
1) Relembrar as regras do jogo, realizar
algumas partidas livres e observar as
estratégias adotadas.
2) Situações-problemas do jogo:
a) Quem começa o jogo tem vantagem?
b) Você é o jogador que iniciará a partida.
Quando você jogou o jogo da velha
(bidimensi
onal), você se lembrou se
existia algum lugar em que era melhor
iniciar o jogo? Por quê?
c) Agora no jogo da Velha em 3D, é o
mesmo lugar? Por quê?
d) Se você colocar a sua peça aqui (no
meio), de quantos jeitos você conseguirá
fazer pontos?
e) Existe alguma possibilidade de alguém
fazer um alinhamento, na próxima
rodada? Em qual posição?
f) O que você deverá fazer para que seu
adversário não faça pontos, na próxima
rodada?
g) Quando é necessário bloquear o
adversário?
h) Quem venceu o jogo? Quantos
alinhamentos você conseguiu fazer? E o
outro jogador?
i) Perguntar ao adversário se ele concorda
com o total de alinhamentos realizados,
incentivando-o a identificar também os
pontos dos colegas.
1) Relembrar as regras do jogo, realizar
algumas pa
rtidas livres e observar as
estratégias adotadas.
2) Situações-problemas do jogo:
a) Quem começa o jogo tem vantagem?
b) Você é o jogador que iniciará a partida.
Quando você jogou o jogo da velha
(bidimensional), você se lembrou se
existia algum lugar em que era melhor
iniciar o jogo? Por quê?
c) Agora no jogo da Velha em 3D, é o
mesmo lugar? Por quê?
d) Se você colocar a sua peça aqui (no
meio), de quantos jeitos você conseguirá
fazer pontos?
e) Existe alguma possibilidade de alguém
fazer um alinhamento,
na próxima
rodada? Em qual posição?
f) O que você deverá fazer para que seu
adversário não faça pontos, na próxima
rodada?
g) Quando é necessário bloquear o
adversário?
h) Quem venceu o jogo? Por quê?
i) Teria alguma jogada que você poderia
ter feito difer
ente para que ele não
vencesse?
97
Quanto à prática e construção de estratégias, foi observado que,
nas primeiras partidas, a maioria dos jogadores utilizou estratégias apoiadas
no jogo da velha tradicional, desconsiderando a possibilidade de fazer
pontuações em três dimensões. Desse modo, na versão concreta, os
jogadores completavam primeiramente todos os espaços da primeira base,
depois da base do meio e, por fim, da última base. Na versão eletrônica, a
conduta entre os jogadores foi semelhante.
Além disso, observou-se mais interação e motivação entre os
jogadores da versão física, pois como precisavam identificar as pontuações
para saber quem tinha vencido a partida, um auxiliava o outro para
verificar os lugares onde haviam feito pontos ou, até mesmo, durante o
jogo já sinalizavam quando faziam alinhamentos. As ações de analisar
alinhamentos em diferentes posições favoreceram a construção de
estratégias para realizar pontuações em 3D, o que foi pouco observado nos
jogadores da versão eletrônica. Isso pode ser explicado pelo fato de o
software apontar os alinhamentos e, por essa razão, impossibilitar aos
sujeitos tomar consciência da sua ação.
Outro aspecto negativo percebido, na versão eletrônica, é que foi
mais difícil para os jogadores identificar possibilidades e, até mesmo,
alinhamentos em três dimensões. Embora o jogo fosse em 3D, a sua
visualização não favoreceu tal compreensão, como no jogo concreto, e a
imagem distorcia a realidade. Isso pôde ser notado em diversas situações,
como aquelas em que os jogadores poderiam pontuar ou precisariam
bloquear o adversário e deixavam passar a chance. Foi visto também que a
maior parte dos alinhamentos em 3D ocorreu, aleatoriamente, sem
indícios de planejamento, uma vez que as crianças manifestavam reações
surpresas com o término do jogo e não sabiam explicar como tal
alinhamento tinha sido construído.
98
Quadro 14 - Intervenções com o jogo da Velha 3D Etapa 3
Fonte: Do autor.
Concreto Eletrônico
1) Jogar algumas partidas, depois
perguntar às crianças:
a) Tem algum jeito em que você faz
ponto e dificulta seu adversário ver?
(provocá-
los a pensar na vertical e
diagonal 3D)
b) Em qual lugar você poderia colocar
esta peça para conseguir fazer pontos em
3D?
Registro do jogo:
Marina e Téo estavam jogando uma
partida do jogo da Velha em 3D. Téo
escolheu as peças vermelhas e Marina, as
azuis. Observe como está a partida, neste
momento:
a) Até esse momento do jogo, alguém já
conseguiu fazer pontos? Se sim, quem e
em qual lugar?
b) Teve algum jogador que fez mais
pontos que o outro?
c) É a vez de Marina jogar, teria
possibilidade dela fazer pontos? Se sim,
em qual (is) lugares?
d) O que você achou de brincar com o
jogo da Velha em 3D? Registre com
palavras e desenhos.
1)
Jogar algumas partidas, depois
perguntar às crianças:
a) Tem algum jeito em que você faz ponto
e dificulta seu adversário ver? (provo-los
a pensar na vertical e diagonal 3D)
b) Em qual lugar você poderia colocar esta
peça para conseguir fazer pontos em 3D?
Registro do jogo:
Marina e Téo estavam jogando uma
partida do jogo da Velha em 3D, no tablet.
Téo escolheu as peças vermelhas e Marina,
as azuis. Observe como está a partida, neste
momento:
a) Até esse momento do jogo, alguém já
conseguiu fazer pontos? Se sim, quem e em
qual lugar?
b) É a vez de Marina jogar; teria
possibilidade dela fazer pontos? Se sim, em
qual (is) lugares?
c) O que você achou de brincar com o jogo
da Velha em 3D? Registre com palavras e
desenhos.
99
Nessa última etapa, observou-se semelhança na conduta
apresentada pelos jogadores durante as partidas, e em como resolveram as
situações propostas de registro do jogo. Tal semelhança evidenciou uma
dificuldade no planejamento e reconhecimento dos alinhamentos na
diagonal. Isso ficou evidente na resolução de problemas com o registro,
pois apenas um jogador da versão concreta identificou o alinhamento na
diagonal em 3D. O mesmo aconteceu com os jogadores da versão
eletrônica, dado que, além de não identificarem o alinhamento na vertical
3D, nenhum sujeito conseguiu encontrar pontos e nem possibilidades de
realizá-los, na diagonal, em três dimensões.
Algumas respostas obtidas nas situações-problemas, com registro,
podem ser visualizadas nas figuras 27 e 28, a seguir.
100
Para resolver a primeira situação, JOS (7;5) utilizou como
estratégia ligar os pontos para verificar os alinhamentos realizados por
Marina e Téo e conseguiu observar que os dois já haviam feito pontos.
Entretanto, dois alinhamentos na diagonal em 3D não foram
identificados. Além disso, a criança equivocou-se ao ligar na vertical em
3D um alinhamento de Téo, porém logo percebeu o erro e disse que tal
ponto não valia e, por isso, Marina estava ganhando (situação b). Quanto
à terceira situação, JOS conseguiu identificar apenas um local para fazer
pontos (assinalou com um X), mas havia mais duas possibilidades, ambas
na diagonal em 3D. As demais respostas apresentaram semelhanças com as
de JOS. Os jogadores da versão eletrônica apresentaram conduta
semelhante, como mostra a figura 29, a seguir:
101
Na situação de jogo, apresentada na figura 29, o jogador das peças
azuis (Marina) já havia ganhado o jogo porque há um alinhamento na
diagonal em 3D no centro do tabuleiro, porém, assim como REN, os
demais responderam que nenhum jogador havia feito pontos,
corroborando as respostas dos jogadores da versão concreta, quando se
tratou de identificar alinhamentos na diagonal em 3D. O fato de na versão
eletrônica o jogo encerrar quando é feito o primeiro ponto, não permite
fazer comparações se há jogadores que fez mais alinhamentos que o outro;
por isso, a situação foi proposta apenas aos jogadores da versão concreta.
102
No que diz respeito à terceira situação, REN conseguiu apontar
apenas as possibilidades de alinhamento na horizontal, mas havia mais três;
dessas, uma era na diagonal em 3D e outra na vertical em 3D, e tanto ele
como as demais crianças não conseguiram identificar.
Por fim, as crianças registraram suas impressões acerca do jogo,
algumas das respostas podem ser vistas nas figuras 29 e 30, a seguir:
103
Alguns aspectos observados nas intervenções com o Jogo da Velha
em 3D foram semelhantes ao jogo LIG4. Assim, observamos mais
possibilidades de ações nas manipulações das peças reais, bem como nas
construções dos alinhamentos. De igual modo, observamos que as crianças
perdiam o interesse rapidamente pelo jogo eletrônico e, muitas vezes, se
surpreendiam com o resultado, o que indica que a ação não fora planejada.
A finalização do jogo no primeiro alinhamento construído também
extinguia a possibilidade de comparação e localização de todos os outros
alinhamentos feitos, o que era possível na versão concreta.
Ainda, uma questão importante sobre a qual é sempre necessário
se debruçar quando trabalhamos com um jogo na modalidade eletrônica,
se refere àquilo que de fato ocorre quando a tela é aberta e o jogador
começa a interação no ambiente virtual. O espaço do jogo fica muito
semelhante a um espaço bidimensional. No caso específico do jogo da
Velha em 3D, pareceu-nos que na versão eletrônica o contexto de
profundidade foi distorcido e não ofereceu aos jogadores o mesmo desafio
que o jogo concreto oferecia.
Considerando que a percepção dos alinhamentos na diagonal era
mais difícil às crianças, o jogo, na versão concreta, em que várias dimensões
precisavam ser observadas simultaneamente, ofereceu mais oportunidades
de intervenções e mais desequilíbrios aos jogadores.
No próximo capítulo, buscamos analisar os efeitos destas
intervenções na construção de noções espaciais.
105
Capítulo 3
A construção das noções espaciais a partir
de jogos concretos e jogos eletrônicos
Considerando a apresentação das intervenções, passaremos a
analisar a diferença na construção da noção de espaço observada em
crianças que jogaram os jogos concretos e crianças que jogaram os jogos
eletrônicos. Antes, porém, é importante compreendermos aspectos
essenciais da construção das relações espaciais na obra piagetiana.
Piaget (1979 [1937]) em seus estudos sobre o espaço, durante o
estádio sensório- motor, identificou uma psicogênese dessa noção que se
inicia com o espaço prático, prolongando-se em um espaço subjetivo que,
por fim, se torna objetivo, antes de atingir a representação. Em outros
dizeres, do espaço vivido ao percebido e deste ao representativo. Tais
estudos foram apresentados em dois momentos: Piaget (1979 [1937]) e
Piaget e Inhelder (1993 [1948]).
As características do espaço perceptivo são retratadas na primeira
obra e refere-se ao espaço vivenciado por meio da ação, que é
essencialmente prático, cujo desenvolvimento ocorre durante o estádio
sensório-motor até o momento da consolidação simultânea da linguagem
e das outras formas de representação. Trata-se de relações entre sujeito e
objeto subordinados ao presente. Em contrapartida, na segunda obra,
Piaget e Inhelder (1993 [1948]) descrevem como ocorre o desenvol-
106
vimento do espaço representativo, isto é, quando o sujeito se torna capaz
de evocar o objeto em sua ausência, mediante a função simbólica.
A construção do espaço sensório-motor
De acordo com Piaget (1979 [1937]), a construção da noção de
objeto é correlativa à construção da noção de espaço, pois no começo o
objeto não existe uma vez que não há um espaço em continuidade; o que
existe é uma série de espaços diferentes uns aos outros, centrados sobre o
próprio corpo da criança, ou seja, um espaço egocêntrico, uma propriedade
da ação. São necessários aproximadamente 18 meses para a criança ter a
noção de espaço geral que torna possível a compreensão de que os objetos
são sólidos e permanentes, inclusive o seu próprio corpo.
Portanto, o que acontece é uma passagem de um espaço prático e
egocêntrico para um espaço representado que compreende o próprio
sujeito, tendo em vista que a noção de espaço só é possível compreender
em função dos objetos, pois somente o grau de objetivação que a criança
atribui às coisas é que explica o grau da exterioridade que confere ao
espaço, como será citado na descrição dos comportamentos das seis fases
de construção que ocorrem no sensório-motor.
Até os 3-6 meses, as atividades principais que a criança dedica em
relação ao espaço são as de analisar o conteúdo dos quadros sensoriais,
como formas de conjunto ou figuras, posições e deslocamentos; a essas
duas primeiras fases Piaget (1979 [1937]) denominou-as “Grupos práticos
e heterogêneos”, aos quais corresponde um estado inicial em que cada
comportamento resulta na constituição de uma categoria particular de
feixes perceptivos e de espaços diferentes, como por exemplo, o espaço
bucal, visual, auditivo, tátil, postural, cinestésico, etc. Tais espaços podem
107
estar mais ou menos interligados entre si, segundo o grau de coordenação
dos esquemas sensório-motores, porém, permanecem heterogêneos porque
ainda não constituem um espaço único.
Desse modo, os deslocamentos das coisas só são concebidos como
prolongamentos da sua própria atividade; se existem “grupos”, estes são
apenas práticos, pois, como o sujeito não tem consciência do espaço é a
ação que o cria, mas ainda não se situa nele.
Do ponto de vista da inteligência das relações espaciais, dois
aspectos principais que caracterizam essas duas primeiras fases são: “o
caráter puramente prático dos grupos em presença e a heterogeneidade
relativa dos diferentes espaços” (PIAGET, 1979 [1937], p. 107).
Na terceira fase, denominada como “A coordenação dos grupos
práticos e a constituição dos grupos subjetivos”, a novidade é que se inicia
uma coordenação do espaço bucal, visual, tático, cinestésico, etc., devido
ao progresso da preensão, pois “graças à intervenção da preensão, a criança
torna-se capaz agora de deslocar os objetos no campo visual e de fazê-los
descrever, assim, trajetórias que retornem periodicamente ao ponto de
partida” (PIAGET, 1979 [1937], p. 196).
A preensão, portanto, permite duas aquisições essenciais: a
primeira delas é a reação circular secundária e a segunda é a constituição
do grupo subjetivo. No que diz respeito à primeira, a reação circular é
importante do ponto de vista do espaço, na medida em que a criança
aprende a agir com as mãos sobre as coisas, começa a utilizar relações entre
as coisas, provocando no sujeito o interesse pelas relações espaciais que
unem entre si os objetos percebidos. A partir dessa ação, a criança começa
a agir sobre os objetos e percebe suas mãos, braços, o contato das mãos ao
pegar um objeto, podendo relacionar certos movimentos próprios com os
108
do meio que a cerca, resultando em novas reproduções da preensão sobre
os grupos de deslocamentos.
Durante a terceira fase, portanto, o grupo subjetivo sobrepõe-se ao
grupo prático na medida em que a criança descobre que sua ação pode
introduzir ou reproduzir uma repetição nos quadros percebidos, como:
revirar o objeto, submetê-lo a reações circulares, reencontrar o objeto em
planos diferentes de profundidade. No entanto, se colarmos um objeto
diante da criança desse estádio, como por exemplo, uma mamadeira com
seu bico invertido, ela será incapaz de rotacio-la e levá-la à boca,
portanto, ainda que o objeto comece a mostrar-se no espaço, este continua
limitado ao campo da percepção, pois a criança age como se “o bico fosse
reabsorvido no objeto e como se deixasse de existir espacialmente”
(PIAGET, 1979 [1937], p. 123).
Na quarta fase, ocorre um progresso essencial na noção de grupo,
pois agora a criança torna-se capaz de esconder e reencontrar um objeto
mesmo quando este não esteja em seu campo visual, caracterizando “A
passagem dos grupos subjetivos aos grupos objetivos e descoberta das
operações reversíveis”. O tipo de comportamento que se manifesta na
quarta fase caracteriza-se quando, diante de novos problemas, a criança
procurar utilizar os esquemas já adquiridos, ajustando-os de acordo com a
situação ou coordenando-os reciprocamente num ato complexo. Tem-se
início uma intencionalidade e uma preocupação com os deslocamentos dos
objetos.
Desse modo, em vez da criança agir sem compreender como,
reproduzindo simplesmente as ações em que tinha êxito, ela passa a ter
uma preocupação com os contatos e a combinar, entre estes, os
deslocamentos dos objetos. Um exemplo disso é quando a criança utiliza a
mão de outra pessoa para agir sobre as coisas ou quando afasta obstáculos
materiais que estão inseridos entre ela e o objeto; dessa forma “coordena
109
não só as inter-relações dos esquemas até então isolados, mas também as
dos próprios objetos, abrindo assim caminho à elaboração de grupos muito
mais precisos do que anteriormente” (PIAGET, 1979 [1937], p. 143).
Piaget diz que é esse início de relação entre os objetos que explica
as principais características do espaço da quarta fase: a descoberta das
operações reversíveis, sendo capaz de esconder um objeto sob um anteparo
e tirá-lo novamente. No entanto, a lei desses deslocamentos conserva algo
subjetivo, uma vez que se o objeto que escondeu é deslocado, a criança
procura somente na primeira posição.
Uma segunda característica é a constância das formas e dimensões.
Piaget (1979 [1937]) explica que a criança estuda por exploração, depois
por reação circular terciária o fato essencial de que um objeto varia de
forma e de tamanho, quando se aproxima e se distancia do rosto dela, mas
suas dimensões táteis são invariáveis.
Além disso, a criança dessa fase também descobre as perspectivas
ou mudanças de forma como resultado das diferentes posições da cabeça.
Aqui, vale ressaltar que tal descoberta consiste, simplesmente, em observar
que os deslocamentos da sua cabeça e não de todo o seu corpo
correspondem a mudanças na forma e posição dos objetos. Na fase
anterior, o movimento que a criança faz com a cabeça é rápido e ela não
diferencia o que parte dela e o que depende dos deslocamentos dos objetos
exteriores; já na presente fase, os deslocamentos com a cabeça são
sistemáticos e lentos, como se a criança tivesse uma intencionalidade em
analisar o efeito dos seus próprios movimentos em relação à forma das
coisas.
Embora, na quarta fase, o espaço tenha conquistado um grande
progresso sobre o estádio anterior, com acesso ao grupo das operações
reversíveis, objetivo, o sujeito dessa fase continua geometricamente
110
egocêntrico, pois não concebe ainda as posições e deslocamentos em suas
inter-relações, mas unicamente relativos a ele próprio; consequentemente,
não situa todo o seu corpo num espaço imóvel que compreende tanto os
outros corpos como o seu, mas situa corretamente tudo em relação ao eu,
sem colocá-lo num espaço comum.
A quinta fase (“Os grupos objetivos”) é marcada por um progresso
essencial na construção da noção espacial: a criança adquire a noção de
deslocamento dos objetos, em suas relações com os outros, isto é, ela
elabora grupos objetivos de deslocamentos dentro de um meio
homogêneo. O critério do aparecimento dessa fase, segundo Piaget (1979
[1937]), corresponde ao momento em que a criança consegue de fato levar
em conta os deslocamentos sucessivos do objeto que procura; assim,
quando um objeto é lançado para fora do seu campo visual, a criança pode
reencontrá-lo por um caminho diferente daquele que foi seguido para
escondê-lo. Portanto, não se trata de uma simples reversibilidade de
movimentos, mas de movimentos complementares que se ligam entre si.
O comportamento mais característico e importante nessa fase
consiste no estudo experimental que a criança faz dos deslocamentos
visíveis, como transferir objetos de um lugar para outro, distanciá-los e
aproximá-los, jogá-los no chão para pegá-los de novo e recomeçar, fazer
rolar os objetos num plano inclinado, sobrepor potes, colocar um ao lado
dos outros, tentar equilibrar cubos, caixas, etc., demonstrando interesse
pelas relações de posicionamento e deslocamento dos objetos entre si,
sendo essa uma das novidades principais desse estádio.
No entanto, tal descoberta ainda continua limitada aos
deslocamentos perceptíveis, isto é, a criança não tem condição de
represen-lo, como Piaget explica a seguir:
111
Embora sabendo combinar entre si os deslocamentos sucessivos dos
objetos que percebe, ainda não consegue prever as inter-relações
espaciais desses objetos (salvo quando essa previsão decorre de ações
habituais), nem reconstituir os deslocamentos invisíveis; em resumo,
percebe o espaço sem lograr ainda represen-lo (PIAGET, 1979
[1937], p. 184).
Desse modo, a criança dessa fase já tem consciência dos
deslocamentos tanto das coisas percebidas, quanto do seu próprio corpo,
mas permanece ainda incapaz de evocar, por simples representação, os
movimentos que ora se efetuam fora do campo visual, ora os seus próprios
movimentos.
É somente na sexta e última fase (“Os grupos representativos”) que
a criança se torna capaz de reencontrar, depois de vários deslocamentos
sucessivos, um objeto escondido, mesmo que este esteja fora do campo
visual, havendo, portanto, uma representação de movimentos. Piaget
(1979 [1937]) ressalta que, a princípio, tal novidade parece não acrescentar
nada de significante à construção das relações espaciais, porém, a
representação do espaço é necessária por duas razões:
I- Sem a representação dos deslocamentos invisíveis, o
universo da percepção permanece incoerente ou incompreensível;
II- Para situar-se no espaço e atingir a relatividade constitutiva
de espaço homogêneo, o próprio sujeito tem a necessidade de
representar-se a si mesmo e de imaginar os seus próprios
deslocamentos como se os visse do exterior.
Assim, se o sujeito não tiver a capacidade de representação, poderá
apenas perceber os movimentos que realiza, sem os considerar de fora para
dentro, num espaço que é comum aos objetos e a ele próprio, resultando
112
em um egocentrismo espacial, tendendo a desaparecer se o sujeito se situar
no espaço como tal, em vez de percebê-lo em função dele próprio.
Em síntese, graças “à representação espacial e à capacidade de
elaborar grupos representativos, o espaço é constituído pela primeira vez a
título de meio imóvel, em que o próprio sujeito se situa” (PIAGET, 1979
[1937], p. 193).
3.2 O espaço representativo
Piaget e Inhelder (1993 [1948]) explicam que as relações espaciais
construídas em nível sensório-motor serão reconstruídas no espaço
representativo, mas fazem uma importante observação: “a representação é,
em consequência, obrigada a reconstruir o espaço, a partir das intuições
mais elementares” (PIAGET; INHELDER, 1993 [1948], p. 18).
Portanto, assim como no sensório-motor, antes de qualquer
organização projetiva e euclidiana do espaço, a criança inicia uma
construção pelas relações topológicas; o espaço representativo também
segue esse mesmo credo, iniciando por um espaço topológico em direção
a um espaço simultaneamente projetivo e euclidiano. Tal evolução pode
ser representada da seguinte maneira:
113
Considerando a ordem sucessiva e evolutiva das noções espaciais,
entre 2 e 7 anos predomina o espaço topológico. Por volta dos 7 anos é
que se constituem solidária e paralelamente o espaço projetivo e
euclidiano.
No caso do espaço topológico, Piaget e Inhelder (1993 [1948])
explicam que são as relações que se estabelecem em um espaço próximo,
utilizando referências elementares de vizinhança, de separação, de ordem,
de envolvimento e de continuidade.
As relações de vizinhança correspondem ao nível mais elementar
de percepção da organização espacial e referem-se à proximidade dos
elementos percebidos no mesmo plano como, por exemplo, quando a
criança situa os objetos um ao lado do outro: o carrinho ao lado da bola, o
copo ao lado do prato, o quarto ao lado da sala, etc. Ao considerar a
vizinhança, a criança percebe que os objetos vizinhos são separados, ou
seja, não estão unidos.
Assim, a segunda relação espacial mais elementar é a de separação.
“Dois objetos vizinhos podem, com efeito, interpenetrarem-se e
confundirem-se, em parte” (PIAGET; INHELDER, 1993 [1948], p. 21).
Uma relação de separação consiste, portanto, em dissociar, diferenciar.
Quando a criança começa a se dar conta de que os objetos próximos em
um mesmo plano estão separados, como, por exemplo, a porta e a janela
do quarto podem estar juntas na mesma parede, porém são separadas, se
caracteriza como uma evolução, porém não se pode compreender que
“separação” e “vizinhança” sejam divergentes, como se as relações de
separação fossem aumentando e as de vizinhança diminuindo com a idade,
como se fossem menos importantes, ao contrário:
114
[...] da mesma forma que os progressos de análise levam a criança a
estabelecer “separações” cada vez mais numerosas entre os elementos
inicialmente indiferenciados, eles também a levam à construção de
figuras percebidas, a ter em conta “vizinhanças” em graus diversos, e
segundo zonas cada vez maiores (PIAGET; INHELDER, 1993
[1948], p. 22).
Quanto à relação de ordem ou sucessão, implica a ideia anterior
que esse estabelece entre elementos ao mesmo tempo vizinhos e separados,
quando dispostos em sequência. Ela intervém, por exemplo, quando os
elementos estão distribuídos um em sequência do outro, no caso do campo
perceptivo. Uma relação essencial é a de simetria, sendo a mais simples,
“pode ser simbolizada pela dupla ordem CBA/ABC” (PIAGET;
INHELDER, 1993 [1948], p. 22). A simetria tem papel importante na
construção das boas formas, como por exemplo, um rosto.
A quarta relação espacial elementar é a de envolvimento. Na
medida em que a percepção de cada elemento e sua ligação com os demais
leva à relação de envolvimento, ela pode ser percebida em uma, duas ou
três dimensões. Assim, a uma dimensão, a relação de envolvimento pode
ser percebida em uma sequência ordenada ABC, na qual o elemento B é
percebido como estando “entre” A e C. Sobre uma superfície, os elementos
podem ser percebidos rodeados pelos outros. Por exemplo, a boca
envolvida pelo resto do rosto ou, como no exemplo citado anteriormente,
a porta e a janela estão enquadradas na mesma parede, são exemplos de
envolvimento de duas dimensões. Quanto a envolvimentos de terceira
dimensão, a relação de envolvimento é dada quando por uma ligação de
interioridade; podem-se citar, como exemplos, os objetos e móveis que
estão dentro de um quarto, o objeto dentro de uma caixa fechada.
115
Por fim, a relação de continuidade implica a ideia de um espaço
contínuo, ou seja, nãoausência de espaço, portanto é possível conceber
que o espaço forma um todo e por isso sintetizam-se todas as noções
topológicas elementares, descritas anteriormente, sendo sua construção
mais tardia, terminando por completá-las.
Como dito anteriormente, as noções topológicas caracterizam a
compreensão do espaço no estádio pré-operatório; durante o operatório
concreto o espaço projetivo e euclidiano prevalece, pois nesse estádio
ocorre uma mudança qualitativa no que se refere à estruturação espacial
devido a uma das principais conquistas do momento: o pensamento
reversível.
Com isso, a criança começa a pensar o espaço projetando-se nele e
percebendo que os objetos apresentam lados e partes que servem como
referenciais, os objetos e as figuras já não são considerados mais isolados
entre si, mas relacionados sob um determinado ponto de vista. A esse
respeito, Piaget e Inhelder (1993 [1948]) dizem que o espaço projetivo:
[...] inicia-se psicologicamente, quando o objeto ou sua figura cessam
de ser considerados simplesmente em si mesmos como é o caso no
terreno das puras relações topológicas para serem consideradas
relativamente a um “ponto de vista”: ponto de vista do sujeito como
tal, caso que intervém uma relação de perspectiva ou ponto de vista de
outros objetos sobre os quais se encontra projetado (PIAGET;
INHELDER, 1993 [1948], p. 168).
Assim, o aparecimento da perspectiva provoca uma mudança
qualitativa na concepção de espaço da criança, pois ela é capaz de conservar
a posição dos objetos e modificar o ponto de vista. Sobre isso, Almeida e
Passini (2010) relatam um exemplo bem interessante:
116
Uma criança pequena, que costuma subir uma rua e passa primeiro
pelo açougue, depois pela farmácia e em seguida pela quitanda, ao vir
no sentido contrário, descendo a rua, perceberá que os pontos
comerciais estarão na mesma ordem, ou que o açougue ficou mais
longe e a quitanda mais perto. Na verdade, eles continuam no mesmo
lugar, o que mudou foi sua perspectiva, ou a direção de quem observa
(ALMEIDA; PASSINI, 2010, p. 38)
Piaget e Inhelder (1993 [1948], p. 169) destacam que uma das
mais simples manifestações de uma organização de conjunto que liga
objetos espaciais entre si, segundo sistemas, tanto no que se refere a pontos
de vista projetivos ou coordenados, é a descoberta da reta projetiva, pois
“uma coisa é percebê-la; outra é representá-la, isto é, construí-la ou
reconstruí-la”.
Por fim, o espaço euclidiano se baseia essencialmente em medidas,
distâncias e ângulos. Piaget e Inhelder (1993 [1948]) estudaram a
passagem do espaço projetivo para o espaço euclidiano, observando que
isso ocorre com o surgimento da noção de coordenadas que situam objetos
uns em relação aos outros e englobam o lugar do objeto e seu deslocamento
em uma mesma estrutura. Assim:
As coordenadas do espaço euclidiano não são nada mais, em seu ponto
de partida, do que uma vasta rede estendida a todos os objetos e
consistem em relações de ordem aplicadas às três dimensões ao mesmo
tempo: cada objeto situado nessa rede é, pois, coordenado em relação
aos outros, segundo as três espécies de relações simultâneas: esquerda x
direita; acima x abaixo e frente x atrás, ao longo das linhas retas
paralelas entre si, quanto a uma dessas dimensões e cruzando-se em
ângulo reto com as orientadas, segundo as duas outras (PIAGET;
INHELDER, 1993 [1948], p. 394).
117
A partir dos experimentos e pesquisas realizados, Piaget e Inhelder
(1993 [1948]) verificaram que o espaço projetivo e euclidiano pode ser
construído de maneira independente, a partir do espaço topológico e entre
eles há uma série de passagens que são constituídas pelas suas similaridades.
Entretanto, o espaço euclidiano supõe uma conservação das distâncias,
bem como a elaboração da noção de deslocamentos e termina com a
construção dos sistemas de referências.
Ressalta-se que no plano da representação, a elaboração de tais
noções espaciais requer um maior tempo para que sejam consolidadas
quando comparadas com o estádio sensório-motor. Outro ponto a destacar
é que tais estruturas não são inatas e nem construídas a priori, o que torna
necessário a consideração dos fatores do desenvolvimento explicados por
Piaget em sua elaboração, como por exemplo, a solicitação do meio, pois
estudos como o de Pereira (2009); Motta Júnior (2011); Meneghel (2016);
Pereira (2020), evidenciaram um atraso na construção de tais noções
quando comparados com a média de idade encontrada nas pesquisas de
Piaget e Inhelder (1993 [1948]).
Quando ocorrem atrasos na elaboração de tais noções espaciais, há
implicações no desenvolvimento da criança e ela poderá encontrar
dificuldades para aprender alguns conteúdos escolares, como por exemplo,
o processo de alfabetização, requer compreender sobre a direcionalidade
da leitura e escrita (lê-se da esquerda para a direita) conforme
convencionado em nossa língua; ao escrever, as palavras precisam ser
segmentadas, ou ainda, para grafar números e letras é necessário levar em
conta os seus diversos deslocamentos. Sobre isso, Pereira (2020)
exemplifica que ao fazer uma rotação de 180º a letra “M” se transforma
em “W”, ou no caso da letra “p” ao rotacioná-la no sentido horário, se
transformará em “d”, ou ainda, se o fechamento modificar a posição,
fazendo-a mais abaixo, resultará na letra b. Todas essas relações envolvem
118
principalmente as noções espaciais topológicas, que não decorrem
simplesmente de pura percepção e habilidades motrizes, mas sim de uma
representação espacial.
Para a compreensão de outros conteúdos como Geografia,
Matemática, Ciências, Educação Física também são imprescindíveis
noções espaciais mais elaboradas, como por exemplo, ao interpretar e se
direcionar em um espaço por mapas, aprender sobre formas geométricas,
ângulos e medidas, bem como os movimentos de translação e rotação da
Terra, ou ainda, ao participar de brincadeiras em que seu corpo precisa
situar-se e movimentar-se em um determinado espaço. Portanto, é
fundamental que o professor conheça a evolução de tais noções para
planejar e propor situações desafiadoras que solicitem das crianças a
construção do espaço.
3.3 As relações espaciais em jogos concretos e eletrônicos:
os resultados da pesquisa
Como anunciamos no capítulo anterior e considerando a
importância e a forma como as relações espaciais são construídas ao longo
do desenvolvimento, realizamos uma pesquisa com a finalidade de
comparar o efeito das duas formas de intervenção relatadas anteriormente,
ou seja, com jogos eletrônicos e jogos concretos.
Foram estudadas 38 crianças, com faixa etária de sete a dez anos de
idade, de ambos os sexos, regularmente matriculadas em duas escolas
municipais de Ensino Fundamental I, localizadas no interior de Minas
Gerais
7
.
7
O leitor interessado em acessar o trabalho na íntegra pode buscar por Gonçalves (2020).
Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/193405.
119
Para compor a amostra, as crianças foram avaliadas quanto a
presença ou não das estruturas infralógicas de espaço, de modo que foram
selecionadas as primeiras crianças que atendiam aos critérios de inclusão
na pesquisa, isto é, ter idade entre 7 e 10 anos, e não ter construído as
estruturas em questão, bem como não apresentar laudo de deficiência
intelectual.
Deste modo, o estudo contou com três grupos, sendo dois
experimentais e um grupo controle. Foi realizado um sorteio para definir
quais alunos participariam do experimento com jogos eletrônicos e quais
seriam submetidos ao experimento com jogos concretos. Assim, o GE
1
foi
composto por 13 alunos, sendo 4 meninas e 9 meninos. O GE
2
também
contou com a participação de 13 alunos, destes, 5 são meninas e 8 são
meninos. Por fim, do GC participaram 12 crianças, 3 meninas e 9
meninos.
Portanto, no caso deste estudo, houve dois tipos de tratamentos:
GE
1
(intervenção
com jogos eletrônicos) e GE
2
(intervenção com jogos
concretos). O grupo controle não foi submetido a nenhum tipo de
tratamento, no entanto, ao estabelecer uma comparação, ele nos permitiu
apurar os efeitos principais que vieram a afetar os dois grupos
experimentais. Todos os grupos foram submetidos a pré e pós-testes, em
que utilizamos provas específicas para avaliar as estruturas infralógicas de
espaço, segundo os protocolos propostos por Piaget e Inhelder (1948).
Passamos a apresentar estas provas operatórias específicas que permitiram
avaliar o nível de construção das estruturas infralógicas de espaço dos
sujeitos participantes da pesquisa, observando o efeito da intervenção
pedagógica levando em conta as análises dos resultados obtidos no pré e
pós-testes nos três grupos estudados.
As estruturas infralógicas de espaço foram avaliadas a partir de três
provas: cópia das figuras geométricas (espaço topológico), reta projetiva
120
(espaço projetivo) e coordenadas horizontal e vertical (espaço euclidiano)
adaptados por Zaia (2011), a partir de Piaget e Inhelder (1993 [1948]).
Tais provas foram aplicadas em sessões individuais com os 38
sujeitos que compuseram a amostra da pesquisa, pautando-se no método
clínico de Piaget (2015 [1926]), que consiste numa conversa aberta em
que o investigador tenta compreender a estrutura de pensamento da
criança quando submetida a situações problemas verbais ou concretos, ou
ainda, como explica Delval (2002, p. 67):
Partimos do suposto que o método clínico é um procedimento para
investigar como as crianças pensam, percebem, agem e sentem, que
procura descobrir o que não é evidente no que os sujeitos fazem ou
dizem, o que está por trás da aparência de sua conduta, seja em ações
ou palavras.
Assim, mediante a aplicação destas provas, pudemos observar as
diferentes condutas e argumentos das crianças diante dos problemas
suscitados, permitindo-nos identificar o nível de elaboração de cada noção
espacial avaliada, segundo os critérios estabelecidos por Piaget e Inhelder
(1993 [1948]). Todas as aplicações foram registradas por meio de vídeos e
fotos, permitindo assim melhor análise das respostas das crianças.
Os resultados estão apresentados aqui considerando a comparação
entre pré e pós-testes para cada uma das provas de espaço estudadas e nos
três grupos pesquisados.
121
________________Prova 1________________
Desenho das Formas Geométricas Espaço Topológico
Esta prova permite analisar a construção de algumas formas
geométricas simples, como o círculo, o quadrado, o triângulo, o losango,
por meio das quais, segundo Piaget e Inhelder (1993 [1948]), têm-se dados
importantes para a teoria psicológica do espaço representativo, pois mesmo
a criança conhecendo bem as figuras pela percepção visual, são os aspectos
topológicos de vizinhança, fechamento, envolvimento, etc. que se
sobressaem na representação, isto é, a criança desenha não o que , mas
sim a imagem que consegue construir da figura percebida.
A técnica utilizada consiste primeiramente em solicitar que a
criança faça um desenho de memória, de um homem, permitindo
identificar o nível de desenho espontâneo da criança. Depois,
apresentamos 21 figuras, que apresentam relações topológicas e/ou com
formas euclidianas e, por fim, um grupo de figuras que combinam as duas
relações, como se pode observar na figura 31, a seguir:
122
Para avaliar o nível do desenho espontâneo, Piaget e Inhelder
(1993 [1948]) consideram os estudos realizados por Luquet (1876-1965)
a respeito do desenvolvimento do desenho infantil. Para os autores,
quando a criança ultrapassa o nível mais simples da garatuja, podem ser
encontradas três grandes fases, denominadas como: incapacidade sintética,
realismo intelectual e realismo visual. É a partir delas que Piaget e Inhelder
interpretam, do ponto de vista da representação espacial, o desenho
infantil, cujas principais características podem ser vistas no quadro 16:
123
Quadro 15 - Níveis de Desenhos, segundo Luquet
Fase Características
Incapacidade
Sintética
A criança desenha a figura humana sob a forma de uma grande
cabeça, de onde saem duas linhas representando os braços; outras
duas representando as pernas e um pequeno tronco sem relação com
os membros (badameco-girino).
Realismo
Intelectual
A criança desenha não o que o sujeito vê do objeto, mas tudo que
está nele. Representa a figura humana corretamente, de modo que os
braços e as pernas são ligados ao tronco, os olhos à cabeça e um olho
ao lado do outro. No entanto, pela necessidade de se colocar tudo o
que existe no objeto a ser representado, aparecem as construções
específicas como as transparências, o rebatimento, etc.
Realismo
Visual
Nesse nível, há uma preocupação em representar simultaneamente as
perspectivas, proporções e medidas ou distâncias.
Fonte: Piaget; Inhelder (1993 [1948]).
Considerando as características descritas anteriormente, foram
constatados os seguintes resultados:
Tabela 1 - Comparação entre Pré e Pós Teste Desenho Espontâneo
(Espaço Topológico)
Grupo
Experimental 1
Grupo
Experimental 2
Grupo
Controle
NÍVEL
Pré
Pós
Pré
Pós
Pré
Pós
Incapacidade
Sintética
---
---
---
---
---
---
Realismo
Intelectual
100%
100%
100%
100%
100%
100%
Realismo Visual
---
---
----
---
---
----
Fonte: Do autor.
124
Não foram observadas diferenças significativas entre os grupos, em
relação aos desenhos espontâneos, pois apresentaram as mesmas
características identificadas no pré-teste e pós-testes em todos os grupos,
ou seja, não houve sujeitos que apresentassem desenhos com características
do primeiro nível, típico da “incapacidade sintética”. Portanto, todos os
sujeitos da pesquisa, exibiram desenhos com características do nível II
realismo intelectual. Serão apresentados alguns deles nas figuras 32, 33 e
34:
125
126
Nos desenhos que se caracterizam como nível II (realismo
intelectual), há alguns progressos em relação ao primeiro nível em que as
relações topológicas elementares são respeitadas em todas as situações,
como por exemplo:
1. As relações de vizinhas se apresentam corretamente, como se pode
observar nos três desenhos, nos quais a figura humana é
representada com braços e pernas ligadas ao tronco; olhos à cabeça
e situados um ao lado do outro;
2. As relações de separação aparecem na medida em que os elementos
desenhados são distinguidos uns dos outros como, por exemplo,
no desenho de JOL (9;4) que desenha a bola, o gol, o goleiro e o
jogador de futebol;
3. Há uma ordem de sucessão que constitui a composição das relações
de vizinhança e separação nos desenhos (paisagem, casa, etc.),
como, por exemplo, no desenho de GER (8;0) que desenha uma
paisagem considerando as posições “acima”, “embaixo” dos
elementos como sol, nuvem e céu, figura humana;
4. Por fim, as relações elementares de continuidade e descontinuidade
passam a ser consideradas, ao invés de representá-los por uma
simples justaposição dos elementos.
Portanto, no realismo intelectual, o sujeito desenha o que ele sabe
que existe no objeto e não o que é possível de ser visto (realismo visual).
Assim, a criança desenha tudo que pode conter ou estar contido no objeto.
Além disso, Piaget e Inhelder (1993 [1948]) explicam que as relações
projetivas e euclidianas começam a ser construídas durante essa fase, porém
não há, ainda, uma estruturação em relação às perspectivas ou distâncias,
ou seja, ainda não existe uma coordenação de pontos de vista, nem espacial
127
em geral, desconsiderando, por exemplo, as proporções na representação
gráfica.
Por volta de 8/9 anos, em média, Piaget e Inhelder (1993 [1948])
encontraram sujeitos com a representação gráfica demonstrando
preocupação com perspectivas, proporções e medidas ou distâncias.
Porém, não foram encontrados desenhos espontâneos dos sujeitos nesta
pesquisa que apresentassem essas características; ao contrário, existem
desenhos de crianças com idades entre 8 e 10 anos que não superaram o
realismo intelectual, ou seja, ainda estão sem coordenação de perspectivas
e sem compreensão das proporções. Portanto, constatou-se um atraso em
relação à população estudada por nós.
Em relação a segunda parte da prova (desenho das figuras
geométricas), foi possível encontrar três níveis gerais, que se subdividem
em outros subníveis, totalizando seis. Observemos o que caracteriza cada
um deles no quadro 17:
Quadro 16 - Critérios para Diagnóstico da Noção de Espaço Topológico - Desenho
das Formas Geométricas
Nível
Características
I A
Pré-
Operatório
Inicial
Primeiras diferenciações entre formas abertas e fechadas e desenho do
círculo e da cruz. A criança faz garatujas diferentes entre si, mas sem
conseguir realmente copiar as figuras (até 3,6 ou 3,10 anos).
1 B
Pré-
Operatório
Inicial
Início do desenho das formas fechadas. O círculo é representado
como uma curva fechada, sem re
gularidade métrica, mas os
quadrados, triângulos, etc., também são representados da mesma
forma, algumas vezes com riscos para representar os ângulos (em
média 3,6 4 anos).
128
I B/ II A
Transição
A criança começa a diferenciar as figuras retilíneas das curvilíneas, mas
entre as retilíneas não há diferenciação. A criança marca os ângulos,
mas não considera o seu número. Geralmente, o retângulo assume a
configuração exata.
II A
Pré-
Operatório
em
Equilíbrio
Diferencia as formas retilíneas e curvilíneas, a cruz e o X e representa
as figuras interseccionadas pela diagonal -
as formas vão se
diferenciando progressivamente no que diz respeito aos ângulos e às
dimensões (diferenciam quadrado, retângulo e triângulo, além de
diferenciar
em o círculo e a elipse). Os quadrados e losangos com
diagonais são bem representados, mas não o losango simples.
Diferencia as cruzes (x e +), reproduz os círculos contíguos, reproduz
as figuras encaixadas, mas não observa corretamente seus pontos de
contato (a partir dos 4 anos, em média).
II B
Pré-
Operatório
em
Equilíbrio
Desenha corretamente o losango e, aos poucos, começa a reproduzir
corretamente as figuras encaixadas, compondo-as cada vez melhor.
III
Operatório
Concreto
A criança torna-se capaz de operar, representando corretamente todas
as figuras.
Fonte: Zaia (2011).
A tabela 2, a seguir, apresenta os resultados referentes à cópia das
figuras geométricas:
129
Tabela 2 - Comparação entre Pré e Pós Teste Cópia das Figuras Geométricas
(Espaço Topológico)
Grupo Experimental 1
Grupo Experimental 2
Grupo Controle
NÍVEL
Pré
Pós
Pré
Pós
Pré
Pós
IA
---
---
---
---
---
---
IB
---
---
---
---
---
---
IB/IIA
38%
17%
23%
---
25%
17%
IIA
54%
58%
62%
25%
58%
58%
IIB
8%
25%
15%
75%
17%
25%
III
-----
-----
----
----
----
----
Fonte: Do autor.
Os resultados no pré-teste revelaram que na amostra da pesquisa
não houve sujeito que apresentasse desenhos de níveis iniciais I A e/ou I B,
ou seja do estádio pré-operatório inicial para a noção de espaço topológico.
Foram encontradas respostas a partir do nível de transição até o penúltimo
nível (IIB). A seguir, as figuras 35 e 36 ilustram exemplos de alguns
desenhos que caracterizam o nível de transição:
130
131
Pode-se observar que em ambos os desenhos as crianças já
conseguem diferenciar as formas curvilíneas das retilíneas. No caso de
GER (7;8), desenha bem o quadrado, mas o retângulo ainda contém
pequenas curvas. Nas figuras inscritas, o triângulo na maioria das vezes foi
representado mostrando um ou mais ângulos curvilíneos. No caso do
losango, não obteve êxito (última linha, segundo e terceiro desenhos, na
horizontal).
Quanto à MIC (7;3), quase tem sucesso no quadrado, pois um dos
ângulos ainda se apresenta curvilíneo. Quando precisou representar um
quadrado com uma diagonal (quarta linha, último desenho na horizontal),
seu desenho não foi bem-sucedido. O mesmo aconteceu com os losangos
(quarta coluna, segundo e terceiro desenhos, na vertical), em que, no
segundo, em vez de representar um losango com uma diagonal, dividindo-
o em dois triângulos equiláteros, transformou-o em um triângulo com uma
reta traçada ao meio.
A dificuldade de a criança representar o losango corrobora os
estudos realizados por Piaget e Inhelder (1993 [1948]), pois a transição é
marcada pelo sucesso da cópia de um quadrado ou retângulo, mas com o
losango acontece mais tardiamente. Outra característica nesse nível é a
diferenciação dos círculos e das figuras retas, mas sem distinção clara dos
quadrados e triângulos. Isso acontece porque o desenho de retas isoladas é
muito mais difícil de regular do que a abstração do ângulo, como explicam
os autores:
Dada uma reta, trata-se, com efeito, para reuni-la a outras, segundo
certos ângulos, de levar em conta ao mesmo tempo, inclinações e
paralelismos, do número de elementos, dos pontos de junção e das
distâncias, e compreende-se, de imediato, que a regulação desse
conjunto é bem mais complicada do que a das simples relações
132
topológicas do estádio I [...] Mas é também por isso que se veem tantas
formas incompletas, sendo os ângulos desenhados pela criança
simplesmente fechados por linhas encurvadas, sem serem coordenados
a outras linhas (PIAGET; INHELDER, 1993 [1948], p. 87).
Por essa razão, o retângulo frequentemente se torna mais fácil de
desenhar do que o quadrado, pois a desigualdade e o paralelismo dos
grandes lados facilitam a decomposição e a reconstrução (PIAGET;
INHELDER, 1993 [1948]).
Somente no nível IIA, é que tais coordenações se tornam possíveis
devido a uma série de regulações apoiadas principalmente nas dimensões e
inclinações da linha, o que possibilita a diferenciação do quadrado, do
triângulo e do retângulo entre si, do círculo e da elipse. O desenho a seguir
(figura 37), caracteriza o nível IIA, no qual a maior parte dos sujeitos da
pesquisa se encontrava, por ocasião do pré-teste.
133
A evolução que se tem nesse nível em relação ao desenho é que a
criança consegue representar bem os quadrados e losangos com diagonais,
mas não o losango simples, como é possível perceber no desenho anterior
(última linha, segundo desenho na horizontal). Somente no nível IIB é que
a criança consegue desenhar corretamente o losango. Seguem as razões:
Em que consistem, pois, as dificuldades do losango? Consistem no
fechamento da figura e no caráter retilíneo dos seus lados, em regular
suas inclinações segundo certos ângulos agudos e obtusos; mas,
sobretudo, (e é esse o caráter que parece o mais difícil de obter),
consiste em obter uma simetria entre os dois triângulos de que o
losango é composto, isto é, uma inversão da ordem entre partes
situadas dos dois lados dos eixos (PIAGET; INHELDER, 1993
[1948], p. 91).
134
Assim, o que falta para o losango ser bem-sucedido é a simetria
enquanto inversão da ordem; por isso o losango com eixo horizontal é bem
desenhado pela maior parte dos sujeitos nesse nível, porque facilita a
intuição da ordem inversa, enquanto o losango simples ainda não é
atingido pelas mesmas crianças.
Somente no nível IIB é que finalmente as crianças conseguem
obter êxito na representação do losango. Além disso, no nível IIA há a
dificuldade em marcar os contatos dos triângulos inscritos, como pode ser
observado nos desenhos de VIT (10;6) figura 12 representados na
quarta linha (horizontal). No nível IIB, ela começa a reproduzir
corretamente as figuras encaixadas, compondo-as cada vez melhor, como
o exemplo a seguir demonstra (figura 38).
135
No nível IIA e IIB há um esforço de composição, a partir dos
elementos diferenciados, mas tal composição, segundo Piaget e Inhelder
(1993 [1948]), não procede de operações reversíveis, o que só é possível
no nível III; porém não encontramos nenhum sujeito que pudesse
representar todas as figuras corretamente.
Piaget e Inhelder (1993 [1948], p. 73) afirmam que “a partir de
6,6 ou 7 anos todas as provas são bem-sucedidas, inclusive as figuras
compostas, como a 16 (com o círculo ultrapassando o triângulo em três
lugares)”. Comparando-se com os resultados obtidos no pré e pós-testes,
pode-se observar um atraso de até três anos em relação à construção do
espaço topológico nos sujeitos que compuseram este estudo, uma vez que
foram observadas crianças, com dez anos (21%) que ainda não atingiram
o nível III.
É importante ressaltar ainda que embora possa parecer simples
realizar a cópia dos desenhos das figuras geométricas, essa prova evidenciou
que perceber não é o mesmo que representar. Para a representação é
necessária uma abstração da forma em geral, que requer uma reconstrução,
a partir das próprias ações, determinada pelas coordenações dessas ações.
(PIAGET; INHELDER, 1993 [1948]).
Não observamos diferenças significativas no desenho espontâneo
entre pré e pós teste em todos os grupos. No entanto, no que se refere aos
resultados obtidos na cópia das figuras geométricas, notou-se um progresso
mais significativo no desempenho dos sujeitos do GE
2
(concreto),
referentes ao pós-teste se comparados com o GE
1
(eletrônico) e com o
grupo controle.
Com isso, vale lembrar que um dos jogos selecionados, com o
propósito de desenvolver o espaço topológico, foi o Cilada e os elementos
apontados, no capítulo anterior, evidenciaram que os sujeitos que o
136
jogaram na versão eletrônica apresentaram mais dificuldade em resolver o
quebra-cabeça em relação aos que jogaram a versão concreta. Assim, tais
aspectos oriundos das construções que as intervenções oportunizavam,
podem indicar uma possível relação com os resultados encontrados nessa
prova operatória.
________________Prova 2________________
Construção da Reta Projetiva Espaço Projetivo
Para análise do espaço projetivo, a criança deve construir uma linha
bem reta colocando postes entre duas casas, primeiro em uma superfície
quadrada, depois, em uma redonda. As fotos 7 e 8 mostram momentos de
aplicação da prova.
137
É possível encontrar cinco níveis em relação à construção da reta
projetiva, conforme os critérios descritos no quadro 18.
Quadro 17 - Critérios para Diagnóstico da Prova da Reta Projetiva
Nível
Características
Nível I
Até os
4 anos em
média
A criança reconhece uma reta, mas não a representa. Mesmo para
construir uma reta paralela à mesa, coloca os palitos muito
próximos, formando diversas curvas.
Nível II A
os 6 anos em
média
Consegue construir uma linha bem reta, paralela a um dos lados
da mesa, por alinhamentos aproximativos, sem fazer a mirada. Não
consegue construir a reta na diagonal ou sobre o círculo.
Geralmente segue o contorno quadrado da mesa ou o redondo do
círculo.
Nível III-
Transição A
partir dos 6
anos
Para construir a reta na diagonal, segue primeiro a configuração
perceptiva dada pela mesa; depois consegue ter êxito. Também
pode alinhar os postes em função da direção do olhar, ou mantém
os palitos entre as duas mãos “alisando” a linha.
Nível IV A
partir dos 7
anos
A criança constrói a reta em qualquer situação, utilizando a mirada
ao construir ou para verificar.
Nível V
Consegue justificar que ela está bem reta, referindo-se à mirada,
isto é, mostrando ou explicando qual o melhor lugar para mirar.
Fonte: Zaia (2011).
No que se refere ao espaço projetivo, os resultados encontrados
podem ser observados na tabela 3:
138
Tabela 3 - Comparação entre Pré e Pós Teste Reta Projetiva (Espaço Projetivo)
Grupo Experimental 1
Grupo Experimental 2
Grupo Controle
NÍVEL
Pré
Pós
Pré
Pós
Pré
Pós
I
---
---
---
---
---
---
II
39%
25%
39%
17%
42%
42%
III
46%
50%
61%
50%
50%
42%
IV
15%
25%
---
33%
8%
16%
V
-----
-----
----
---
----
----
Fonte: Do autor.
Os resultados apontaram que a maioria dos sujeitos da pesquisa
consegue construir a reta em qualquer superfície (quadrada ou redonda),
porém ainda não fazem a mirada para conferir se a mesma está reta ou não,
o que caracteriza o nível III. Apenas três sujeitos tiveram essa conduta no
pré-teste, sendo um no grupo controle e dois no grupo experimental 1.
Não foram identificados sujeitos que não conseguiram representar
a reta, entretanto um total de 15 crianças (39% da amostra da pesquisa)
ainda manifestaram reações com características do nível II, isto é,
conseguem construir a reta paralela, mas não a realizam na diagonal ou no
círculo. As fotos 9 e 10 ilustram esse nível.
139
A esse respeito, Piaget e Inhelder (1993 [1948]) dizem que no
campo perceptivo, cada um desses sujeitos sabe muito bem reconhecer
uma reta e diferenciá-la de uma curva ou de uma linha quebrada, mas no
momento em que se pede à criança para construir em pensamento é que
as dificuldades começam, mas há situações em que elas desaparecem, por
exemplo:
140
Quando a representação pode apoiar-se em uma percepção, isto é, num
modelo dado, tratando-se somente de segui-la passo a passo para
orientar a construção. Tal é a situação quando a reta a ser construída é
paralela à borda de uma mesa quadrada ou retangular: os sujeitos desse
nível conseguem então construi-la, mas, naturalmente, não podemos
falar de pura representação, pois esta não consiste senão em uma
espécie de imitação guiada por uma percepção (PIAGET;
INHELDER, 1993 [1948], p. 177).
Os progressos observados foram significativos nos grupos
experimentais, em que os resultados gerais mostraram que os sujeitos do
GE
1(eletrônico)
e do GE
2(concreto),
apresentaram conduta mais elaborada na
construção da reta projetiva, pois muitos no pós-teste conseguiram fazer a
reta em qualquer situação e utilizar a mirada para construir e verificar se
estava bem alinhada, o que não havia acontecido na ocasião do pré-teste.
Entre os sujeitos do grupo controle, apenas uma criança apresentou
conduta diferente no pós-teste, utilizando a mirada para construir a reta,
mas sem tomar consciência do papel dessa ação.
As fotos 11 e 12 ilustram a conduta da maior parte dos sujeitos dos
grupos experimentais, no pós-teste.
141
A diferença que pode ser constatada entre os grupos experimentais,
mostrando novamente um crescimento maior entre os sujeitos do GE
2
(concreto),
se confrontados com os GE
1(eletrônico),
recai novamente sobre as
possibilidades de intervenção. Nos jogos eletrônicos, as situações que
poderiam ser favoráveis para a própria criança realizar ações como, por
exemplo, identificar alinhamentos, era realizada automaticamente pelo
software, enquanto, nos jogos concretos isso era feito pela própria criança.
Essa construção importante que a intervenção solicitava pode ter sido a
razão das diferenças entre os grupos que jogaram os jogos.
Quanto ao nível V, não foram detectados sujeitos que construíssem
a reta por uma operação projetiva, apoiada na ação de “mirar” ou
euclidiana, com base no deslocamento. Foi possível observar, ainda, que
os níveis mais elaborados na construção da reta projetiva foram
encontrados em sujeitos com idade entre 9 e 10 anos.
142
________________Prova 3________________
Coordenadas Horizontal e Vertical - Espaço Euclidiano
Dentre os experimentos realizados por Piaget e Inhelder (1993
[1948]) para verificar os níveis de construção espacial euclidiano, há o
estudo dos sistemas de coordenadas horizontal e vertical, em que é preciso
verificar como a criança descobre as verdadeiras leis físicas durante a leitura
de fatos experimentais, e analisar como é feito o registro daquilo que
percebe. Essa última etapa consiste no sistema de referência ou de
coordenadas.
O procedimento utilizado na pesquisa foi dividido em duas etapas:
primeiro, o estudo da horizontal; depois, o da vertical, conforme podemos
ver a seguir.
O sistema de coordenadas horizontal
O estudo da horizontalidade consiste em apresentar à criança duas
garrafas, sendo uma vazia e outra contendo um pouco de líquido colorido
azul, representando a água. Em seguida, pede-se a ela para prever e indicar
como a água ficará em relação à garrafa quando inclinada em diferentes
posições. São oferecidos desenhos com traçados das garrafas em diferentes
ângulos de inclinações e pede-se à criança para desenhar a maneira como a
água ficará nas diferentes posições, antes de ver os resultados da
experiência. Após o término do desenho antecipador, confronta-se com a
experiência, dando oportunidade à criança de mudar alguma coisa no
desenho ou até mesmo refazê-lo. A foto 13 ilustra o momento da prova.
143
O sistema de coordenadas vertical
Quanto à etapa que avalia a construção da vertical, é apresentada à
criança uma montanha de massa de modelar e três objetos: uma casa, uma
bandeira e uma árvore. Em seguida, solicita-se a ela que coloque no topo
da montanha, a bandeira; na ladeira da montanha, a casa e, por fim, nas
encostas da montanha, a árvore. Depois, cobre-se a montanha que es
com os objetos posicionados pela criança, para que ela represente
graficamente a bandeira, a casa e a árvore. Por fim, a criança tem a
oportunidade de confrontar seu desenho com o modelo real e, ao perceber
algo errado, corrigi-lo, como mostra a foto 14.
144
A partir dessas duas técnicas combinadas, é possível identificar os
seguintes níveis gerais, apresentados no quadro 19.
Quadro 18 - Níveis do Sistema de Coordenadas Horizontal e Vertical
Nível Coordenada Características
I
Horizontal
A criança não consegue abstrair o nível do líquido como
uma superfície plana e não utiliza nenhum referencial
para representar a superfície da água. Desenha a água
como garatujas que podem ultrapassar os limites da
garrafa, ou, no máximo, representa a água como uma
bola ou uma mancha no interior da garrafa.
Vertical
Representa a árvore, o boneco e a bandeira colados na
montanha, como se estivessem caídos sobre ela, ou então
em qualquer lugar da mesma. Quando se usa postinhos,
faz da mesma forma
145
II A
Horizontal
Já há abstração das superfícies e das linhas, mas a direção do
líquido é determinada em relação à própria garrafa e não em
função de um sistema exterior à ela. A criança chega a fazer
uma linha para representar o nível, mas, quando se move a
garrafa, continua a representá-
lo paralelo ao fundo da
garrafa, mas mais baixa, como se diminuísse, ou mais alta,
como se aumentasse. Quando observa a garrafa cheia, é
incapaz de corrigir o desenho.
Vertical
Desenha os elementos perpendiculares à encosta (linha
inclinada da montanha).
II B
Horizontal
A criança consegue mostrar no vidro a direção que a água vai
se deslocar quando o recipiente cheio for inclinado, mas
continua desenhando o nível paralelo ao fundo da garrafa.
Vertical
Coloca corretamente os elementos na montanha, mas no
desenho ainda ficam perpendiculares aos seus flancos.
IIB/IIIA
Horizontal
Descobre a horizontal com a garrafa deitada (giro de 90º),
em que o nível fica paralelo à tampa da mesa e não está ligado
a nenhum canto; na garrafa invertida (giro de 180º) continua
desenhando o nível horizontal. Desta forma, a criança
continua presa aos referenciais internos ao vidro.
Vertical Descobre a vertical em apenas algumas situações.
III A
Horizontal
e
Vertical
Após múltiplos tateios, que produzem erros semelhantes aos
do estádio II, chega a prever a horizontalidade do líquido
quando a garrafa está inclinada e chega a desenhar a
horizontalidade ou a corrigir o seu desenho após observar a
garrafa cheia.
III B
Horizontal
e
Vertical
As noções de horizontal e vertical são generalizadas
aplicadas sistemática e logicamente a todas as situações a
criança antecipa o nível da água e a posição dos elementos da
montanha, em qualquer situação, guiando-
se sempre pelo
sistema de conjunto das coordenadas.
Fonte: Zaia (2011).
146
Durante o primeiro nível, a criança não consegue abstrair a
superfície da água, demonstrando que ainda não tem a noção de um plano
horizontal, bem como a noção do próprio plano e, por essa razão, desenha
a água sob formas de garatujas que ultrapassam os limites da garrafa (figura
39), ou, quando supera as dificuldades motrizes que levam a essa reação
inicial, desenha a água como se fosse uma pequena bola no interior da
garrafa, sem abstrair a linha reta e nem situar a colocação da água em
relação à garrafa (figura 40) (PIAGET; INHELDER, 1993 [1948]).
147
No que diz respeito à noção de verticalidade, nesse mesmo nível,
as árvores e as casas são desenhadas ou na borda da montanha ou figuradas
arbitrariamente contra a montanha, como mostram os desenhos de JOV
(7;0) e ALY (7;0), respectivamente (figura 41):
No caso de JOV, ele representa a árvore e a casa na montanha
como se estivessem caídos sobre ela, e ALY não considera a posição dos
objetos na montanha, desenhando-os em qualquer lugar, justapostos. A
respeito dessas reações do nível I, Piaget e Inhelder (1993 [1948]) dizem
que:
Em suma, as reações desse primeiro estádio mostram de maneira clara
que a ausência de coordenadas estruturadas segundo a vertical e a
horizontal prende-se, no início, não somente uma indiferença geral no
que se refere à orientação dos objetos, por ausência de toda relação
estabelecida no espaço vazio, mas também uma dificuldade de
abstração das formas e dos planos [...] (PIAGET; INHELDER, 1993
[1948], p. 405).
148
Portanto, a abstração é condição prévia das possibilidades de
orientação dos objetos, e isso é que falta para as crianças que apresentaram
desenhos de nível I, tanto no que se refere à horizontalidade, quanto à
verticalidade e que, no curso do nível II, ainda permanecerá elementar,
conforme mostram as figuras 42 e 43.
149
De acordo com Piaget e Inhelder (1993 [1948]), no nível IIA, as
direções de espaço são determinadas em função da configuração
imaginada, mas não há ainda um sistema de referência anterior a ela; por
essa razão, não há a descoberta da horizontal nem da vertical. As figuras 42
e 43 representam características do nível IIA; o que ocorre é que há
abstração das superfícies e das linhas de nível, mas quando a garrafa é
inclinada a criança representa o deslocamento desse nível; por isso ela
desenha a água dilatando ou contraindo, aumentando ou diminuindo a
quantidade, aproximando ou distanciando do gargalo (figura 42), ou
ainda, com um espaço vazio entre a base e a água, ficando suspensa no ar,
mas sua parte inferior continua paralela à base da garrafa, como mostra o
desenho de NIC (6;9) - figura 43.
Um dos progressos que ocorre nesse nível é que as crianças passam
a representar a água sob a forma de um ou vários planos, mas ainda são
incapazes de considerar tal plano como permanecendo horizontal. A
explicação para essa conduta pode ter duas causas: física ou geométrica. A
esse respeito, Piaget e Inhelder (1993 [1948]) dizem que:
Do ponto de vista físico, esses sujeitos ignoram o fato essencial da
constância da inclinação (nula) do nível da água. Eles sabem que no
caso em que o vidro e lados retangulares é colocado em situação normal
(vertical), a água está “deitada”, isto é, apresenta um nível horizontal,
paralelo à base e perpendicular aos lados. [...] O segundo fato a notar
(de ordem ao mesmo tempo física e geométrica) é a impermeabilidade
à experiência, testemunhada por espíritos orientados pelo falso
absoluto da permanência em direção da superfície da água, considerada
como sempre paralela à base do vidro. Com efeito, não somente esses
sujeitos nada viram no que se refere à constância da horizontalidade na
observação cotidiana das garrafas inclinadas, mas ainda, o que é bem
mais curioso, não conseguem ler o resultado da experiência quando
desenrolada sob seus olhos, tratando-se simplesmente de confrontar os
150
dados percebidos com sua hipótese prévia (PIAGET; INHELDER,
1993 [1948], p. 407-408).
Para que a criança consiga realizar uma leitura do resultado da
experiência, supõe-se que ela seja capaz de relacionar o nível da água
observado com um sistema de referência determinado. Se tal
relacionamento não aconteceu é porque o sujeito ainda não compreendeu
que a inclinação da garrafa produz um deslocamento do nível da água e,
para isso, é preciso reunir elementos móveis (superfície do líquido) a um
sistema imóvel (mesa), pois é esse relacionamento que constitui as
operações geométricas; exatamente o que falta para os sujeitos desse nível.
Outro progresso é que já relacionam o emprego das retas e dos
planos, em algumas condições de referência, a elementos que lhes são
paralelos e o relacionamento que fazem entre a superfície da água e a base
do vidro, demonstrando um início de intuição do paralelismo e, por mais
simples que sejam, representam o início da conquista do espaço vazio, ou
seja, a coordenação entre objetos separados por certas distâncias (PIAGET;
INHELDER, 1993 [1948]).
Essa conquista do espaço vazio é ainda mais perceptível no
domínio da vertical, pois os objetos na montanha passam a ser desenhados
não em posição vertical, mas de modo perpendicular às encostas da
montanha (figuras 44 e 45), “vindo, assim, a intuição do ângulo reto
completar as do plano e do paralelismo em figuras retangulares” (PIAGET;
INHELDER, 1993 [1948], p. 410).
151
Nos desenhos de PED e LUI, pode-se observar que ao desenhar a
casa, ambos a representam de forma perpendicular à linha inclinada da
montanha. Essas representações de interesse geométrico demonstram que
a noção de ângulo reto, bem como as de plano, paralelas, etc., necessárias
à construção de um sistema de coordenadas, são adquiridas bem antes
desse sistema construído, mas as crianças desse nível encontram limitações
152
ao representar tais objetos, verticalmente ou horizontalmente (no caso da
garrafa inclinada), porque os ângulos retos ou perpendiculares e o
paralelismo de que os sujeitos desse nível dispõem, permanecem interiores
a um único objeto ou a um complexo de objetos vizinhos, mas isolados em
sua configuração total. A horizontal e a vertical supõem um
relacionamento mais amplo, tanto entre objetos distantes quanto
próximos, além de prolongar o espaço vazio em pensamento, o que ainda
não ocorre nesse nível.
Entre as reações precedentes e a descoberta progressiva da
horizontalidade e da verticalidade, há um estádio intermediário, ao qual
denominamos nível IIB. Ao todo, 50% dos sujeitos desta pesquisa
apresentaram no pré-teste características semelhantes a esse nível. Uma das
reações características é que a criança consegue indicar a direção para onde
a água se deslocará quando a garrafa for inclinada, porém, ao representar o
nível da água, seus desenhos permanecem como nível IIA (figura 46). No
caso das verticais, colocam corretamente os elementos na montanha, mas
os desenhos ainda permanecem perpendiculares, qualquer que seja sua
inclinação. A seguir, um exemplo:
JOP (9;2) Grupo Controle: - JOP, e se eu fizer assim com a garrafa
(deitada com o gargalo para direita) como você acha que a água ficará? -
Ela vai ficar assim [aponta o sentido correto da água]. - Entendi. Você pode
desenhar a água na garrafa, como me mostrou? [Escolhe corretamente o
esquema da garrafa, porém faz o desenho representando o nível da água
verticalmente, como se a água subisse e a base da garrafa ficasse vazia]
Então, vamos ver como ficará? [Realizamos a experiência] E aí, JOP, vo
acha que precisa mudar alguma coisa em seu desenho? [Acena que sim e
logo já escolhe outra garrafa para refazer seu desenho e corrige-o, pintando
a água no sentido horizontal, porém se limita a corrigir apenas este, os
demais (inclinados 45°) os considera corretos.]
153
No exemplo de JOP e dos demais sujeitos de nível IIB, o progresso
que ocorre é que na previsão consideram que a água se deslocará em direção
à inclinação, mas essa descoberta, de caráter apenas físico, ainda não é
acompanhada de um relacionamento com o sistema de referência exterior
ao vidro, como a mesa ou suporte horizontal: “a criança sabe simplesmente
que a água se desloca para o lado do gargalo, sem coordenar, de modo
geométrico, tal deslocamento com os objetos imóveis” (PIAGET;
INHELDER, 1993 [1948], p. 413). Por essa razão, a representação por
meio do desenho é semelhante à do nível IIA.
Quanto à noção vertical, evidencia um progresso análogo ao das
previsões do nível da água, isto é, coloca verticalmente os objetos na
montanha, mas o desenho permanece na posição perpendicular às encostas
ou intermediário entre a perpendicular e a vertical, como é possível
observar na foto 15, em que JOL colocou a casa na posição vertical na
montanha, porém, ao representá-la, continuou perpendicular (figura 47).
154
155
Após esse nível, surge um comportamento intermediário entre os
níveis IIB e IIIA (transição IIB/IIIA), em que ocorre a descoberta da
horizontal, quando a garrafa é deitada a 90º, e a descoberta parcial da
vertical (figura 48).
O desenho de MAI representa características do nível de transição
IIB/IIIA, pois ela prevê a horizontalidade da água, quando a garrafa está
invertida ou deitada sobre a mesa, e ao representá-la obtém êxito nessas
mesmas posições. No entanto, isso não acontece com as posições oblíquas
ocorrendo, então, nesse nível, a descoberta parcial da horizontalidade para
essas inclinações, não estendida a outros casos. Os demais sujeitos
identificados nesse nível também apresentaram desenhos semelhantes ao
de MAI. Isso acontece porque é necessária uma estruturação geométrica
que ultrapasse a experiência física, ou seja, não basta o sujeito constatar, é
preciso interpretar, e isto pressupõe um sistema dedutivo suscetível a uma
assimilação intelectual da experiência, como explica Piaget e Inhelder
(1993 [1948]):
156
Em outras palavras, não é suficiente exercer certas ações especiais sobre
certos setores particulares do real para retirar um conhecimento
preciso, mas, por outro lado, é preciso coordenar essas ações
(simultâneas e sucessivas) entre si. Ora, essa coordenação das ações não
é, precisamente, mais alçada da experiência física, mas caracteriza, ao
contrário, o mecanismo da inteligência como tal e encontra-se, em
consequência, no ponto de partida das operações lógicas e
matemáticas, inclusive as operações geométricas (PIAGET;
INHELDER, 1993 [1948], p. 423).
Portanto, a descoberta da horizontalidade não se trata de uma
simples experiência empírica dos resultados; pressupõe uma coordenação
das ações exercidas sobre os objetos, considerados como exteriores a ele.
No que diz respeito à vertical, o processo é o mesmo, começa com
uma mistura de vertical e perpendicular, que se corrige gradualmente, até
representar somente elementos verticais. [Ver figura 49].
157
É somente no estádio III que ocorre a descoberta da
horizontalidade e da verticalidade, sendo marcado pela conquista
progressiva do sistema de referências exteriores, ou seja, a construção de
eixos de coordenadas generalizadas ao conjunto espacial. Nesse estádio,
aparecem dois conjuntos de reações e, por essa razão, foi dividido em IIIA
e IIIB. Durante o primeiro nível (IIIA) ocorre uma generalização
progressiva das conquistas na construção das horizontais e verticais, a
abranger todas as posições, característica própria do segundo nível (IIIB)
observada na antecipação operatória imediata da horizontalidade e da
verticalidade, em qualquer situação.
Assim, no nível IIIA, acontece a descoberta da horizontalidade,
generalizada em todas as posições do vidro, e da verticalidade no mesmo
contexto, graças à consolidação das operações concretas. O que diferencia
o nível IIIA do IIIB é a consideração da coordenação de conjunto de
ângulos e das paralelas do campo inteiro, e que torna possível a descoberta
da constante física do nível horizontal da água e da direção vertical, não
precisando mais de constatações experimentais. No pré-teste, não foi
encontrado nenhum sujeito que apresentasse respostas características desse
nível, conforme pode ser visto nas tabelas 4 e 5:
Os resultados obtidos no pré e pós-testes referentes à noção de
horizontalidade e verticalidade podem ser verificados nas tabelas 4 e 5,
respectivamente:
158
Tabela 4 - Comparação entre Pré e Pós Teste Coordenada Horizontal (Espaço
Euclidiano)
Grupo Experimental 1
Grupo Experimental 2
Grupo Controle
NÍVEL
Pré
Pós
Pré
Pós
Pré
Pós
I
8%
---
8%
---
8%
8%
IIA
23%
17%
15%
17%
33%
25%
IIB
54%
25%
62%
8%
33%
33%
II/IIIA
15%
33%
15%
33%
25%
25%
IIIA
-----
25%
----
42%
----
8%
IIIB
-----
-----
----
----
----
----
Fonte: Do autor.
Tabela 5 - Comparação entre Pré e Pós Teste Coordenada Vertical (Espaço
Euclidiano)
Grupo Experimental 1
Grupo Experimental 2
Grupo Controle
NÍVEL
Pré
Pós
Pré
Pós
Pré
Pós
I
8%
---
---
---
17%
8%
IIA
15%
8%
8%
---
17%
17%
IIB
69%
33%
76%
42%
58%
50%
II/IIIA
8%
58%
16%
50%
8%
17%
IIIA
-----
---
----
8%
----
8%
IIIB
-----
-----
----
----
----
----
Fonte: Do autor.
Podemos observar um avanço considerável nas coordenadas
horizontal e vertical após nossas intervenções, no pós-teste, e assim como
nos resultados anteriores, essa diferença ocorreu em maior número entre
159
os sujeitos dos grupos experimentais. Além disso, foi possível verificar que
alguns sujeitos conseguiram atingir os níveis mais elaborados na
horizontalidade, se comparados com os resultados das coordenadas
verticais, entretanto não ainda em nível operatório.
Ressalta-se que ao comparar o desempenho dos sujeitos da amostra
desta pesquisa, avaliando individualmente a conduta entre pré e pós-testes,
verificou-se que 67% dos sujeitos do GE
1 (eletrônico),
83% do GE
2(concreto)
e 17%
do grupo controle, demonstraram mudanças progressivas nas respostas
referentes às coordenadas horizontais se comparados pré e pós-testes.
Embora saibamos que a idade não é algo rígido dentro da teoria e
que o fator maturacional, apesar de ser um fator do desenvolvimento, se
relaciona com mais outros três, observa-se que em todas as estruturas
avaliadas (espaço topológico, espaço projetivo e espaço euclidiano) há uma
diferença no momento em que as construções ocorrem se comparado com
os estudos piagetianos originais, indicando um atraso em nossos
participantes.
Ao término da intervenção pedagógica e da aplicação do pós-teste,
o que se pôde observar dos resultados referentes ao espaço, foi que os
grupos experimentais se sobressaíram em todas as provas infralógicas de
espaço, se confrontados ao grupo controle. Tal fato por si só já nos permite
valorizar a utilização de jogos em contextos de intervenções, em espaços
pedagógicos e psicopedagógicos, como importante recurso para solicitação
e construção de estruturas cognitivas.
Porém, nossos dados nos permitem ainda mais uma ressalva. Ao se
comparar o desempenho dos participantes dos grupos experimentais,
verificou-se uma diferença entre eles em todas as provas infralógicas de
espaço, isto é, o GE
2(concreto)
apresentou um desempenho superior ao
GE
1(eletrônico)
.
160
161
Da palavra final:
A intervenção do professor no abre-alas
O estudo sobre a temática referente a jogos e brincadeiras no
âmbito educacional não é novidade, diversas pesquisas já comprovaram os
seus inúmeros benefícios no desenvolvimento integral do sujeito.
Contudo, o século XXI tem sido marcado pelo crescente uso das
tecnologias digitais, que por sua vez têm ocupado lugar de destaque no
cotidiano infantil (e não somente). Neste contexto, há de se considerar o
interesse das crianças pelos jogos eletrônicos, trazendo uma nova vertente
a ser investigada, uma vez que os impactos que estes podem provocar no
desenvolvimento infantil ainda nos são desconhecidos.
Considerando a relevância destas questões, apresentamos nesta
obra os efeitos de uma intervenção pedagógica, fundamentada na teoria
construtivista piagetiana, utilizando jogos de tabuleiros e a mesma versão
destes jogos no contexto virtual, para a construção de estruturas cognitivas.
Um dos objetivos foi avaliar os alcances e os limites da intervenção
pedagógica por meio da utilização de jogos eletrônicos e jogos concretos.
E, o que se pode afirmar a partir dos resultados obtidos, é que alguns
princípios construtivistas não puderam ser assegurados na intervenção com
jogos eletrônicos como, por exemplo, Piaget e Inhelder (2013 [1966])
atribuem um papel fundamental ao exercício e experiência realizados sobre
os objetos na formação das estruturas lógico-matemáticas. A esse respeito,
os autores diferenciam a experiência física da lógico-matemática, do
seguinte modo:
162
a) a experiência física consiste em agir sobre os objetos para deles
abstrair as propriedades (por exemplo, comparar dois pesos
independentemente dos volumes); a experiência lógico-matemática,
que age sobre os objetos, mas para conhecer o resultado da coordenação
das ações [...] (PIAGET; INHELDER, 2013 [1966], p. 137).
Nesse caso, há de se reconhecer que houve limitações na
intervenção com o uso dos jogos eletrônicos, uma vez que a ação sobre o
objeto para descobrir suas propriedades físicas limitaram-se aos aspectos
perceptíveis, sendo possível identificar apenas cor, forma e inferir
tamanhos enquanto, no concreto, tais descobertas puderam se estender a
texturas, peso, consistências, etc.
Quanto à experiência lógico-matemática, em diversas ocasiões os
próprios softwares processavam automaticamente ações que poderiam ser
feitas pelo próprio sujeito como, por exemplo, identificar alinhamentos em
diferentes perspectivas nos jogos Lig 4 e Velha em 3D.
Outra limitação observada na intervenção pedagógica com jogos
eletrônicos e que feriu os princípios construtivistas, refere-se às relações
interdependentes entre desenvolvimento e aprendizagem, de modo que “a
aprendizagem depende do desenvolvimento e não o contrário.”
(MANTOVANI DE ASSIS, 2002, p. 20). Isso quer dizer que um mesmo
jogo pode não ser bom para todas as idades, se for proposto da mesma
maneira, sem considerar os interesses, especificidades e estruturas
cognitivas de cada sujeito.
Nessa perspectiva, os softwares utilizados trazem os jogos já com
todas as regras, básicas e especiais, de modo que não há como alterá-las,
aumentar ou diminuir a complexidade do jogo. A esse respeito, Macedo;
Petty e Passos (2000) destacam o papel indispensável do educador no
163
trabalho com os jogos, pois é ele quem deve propor facilitadores e
introduzir novos desafios gradativamente:
Quando o jogo tem muitas regras, um procedimento bastante
adequado é apresentá-las separadamente. Para tanto, jogam-se algumas
partidas com apenas uma das regras e quando as crianças demonstram
ter domínio sobre ela, pode-se apresentar uma segunda (que deve ser
acrescentada e incorporada numa outra partida, junto à anterior),
depois uma terceira e assim por diante, até que todas as regras possam
ser adotadas simultaneamente (MACEDO; PETTY; PASSOS, 2000,
p. 19-20).
Desse modo, verificou-se que tal possibilidade não existia na
modalidade com jogos eletrônicos, tal como o software estava programado,
limitando a intervenção pedagógica, uma vez que não há como adequar ou
realizar modificações na estrutura do jogo para que de fato considere-se o
estádio de desenvolvimento do sujeito e seja provocado um desequilíbrio
cognitivo.
Vale ressaltar outro princípio essencial extraído da teoria
piagetiana: a importância das interações sociais entre pares para o
desenvolvimento moral, social e intelectual das crianças. Portanto, o
trabalho com jogos é propício para provocar a descentração do pensamento
e a coordenação de diferentes pontos de vista, como já apontou Kamii e
Devries (2009 [1980]).
Embora não tenha sido o objetivo desta investigação, verificou-se
que na versão concreta, dos três jogos propostos, dois supõem jogar com
um ou mais parceiros, enquanto na versão eletrônica há a opção de jogar
sozinho (contra a máquina) ou online. Quando se joga contra a máquina,
dificilmente o sujeito consegue vencê-la, sendo um aspecto negativo ao se
164
levar em conta a motivação e interesse em resolver o problema proposto
pelo jogo. Entretanto, o modo como a intervenção foi estruturada neste
estudo, assegurou que houvesse interação entre pares também nas partidas
envolvendo os jogos eletrônicos, um aspecto positivo a ser levado em conta
nas experiências posteriores com essa modalidade.
Sobre isso, Macedo e Bressan (2016) acrescentam que é muito
diferente competir com o computador no lugar de outro ser humano, pois
a pessoa joga contra um programa que foi desenvolvido por alguém, mas
na hora do jogo ele não está presente. Com certeza, esse programador
previu níveis de jogo e um programa que sempre ganha, assim, os jogos
online podem ser interessantes se não abrirem mão da interação entre as
crianças.
Portanto, para que houvesse mudança, seria necessário criar
aplicativos de jogos específicos que levassem em consideração tais
apontamentos, como ampliar o papel do jogador? Como criar novos
desafios? A compreensão de como o desenvolvimento da criança se
processa é uma questão a se considerar na criação de um jogo como recurso
pedagógico.
Contudo, este estudo trouxe a novidade de que é possível
desenvolver um trabalho também com jogos eletrônicos mesmo com as
limitações identificadas, pois a utilização das duas modalidades de jogo,
com intervenção pedagógica e pautadas nos princípios construtivistas,
favoreceu a construção de estruturas cognitivas quando comparados pré e
pós testes com o grupo controle. Ou seja, houve diferença entre jogar e
não jogar, independente do jogo ser ou não eletrônico.
Tal fato nos impele a, novamente, ressalvar em dois aspectos
essenciais as ações envolvendo os jogos: 1) é a qualidade das intervenções
do professor, e não o jogo por si, que faz a diferença para o
165
desenvolvimento da criança; 2) o jogo não pode ser considerado como uma
atividade secundária ou oposta a atividades tidas como mais importantes
pela escola, como exercícios em apostilas, folhas, aulas expositivas etc. É
preciso compreender e realmente considerar o jogo como um poderoso
recurso pedagógico.
Dessa forma, a analogia ao carro abre-alas não foi feita num sentido
fantasioso, mas de percurso e existência. O carro costuma trazer o símbolo
da escola, a identidade e sem ele não se apresenta o que vem depois.
É possível haver jogo sem o professor?
Jogar é inerente à criança, pode de fato ocorrer sem o mestre, sem
o adulto. Não podemos perder o caráter lúdico do jogo.
Mas, são suas indagações que desequilibram os pequenos, que
provocam uma ação que não seria executada sem sua intervenção, que
questionam sobre o estabelecimento de relações que a criança ainda está
construindo e aprendendo a coordenar. Aliás, nada melhor do que saber
aproveitar essas oportunidades. É preciso que o professor acredite no
potencial do jogo e saiba utilizá-lo.
Entretanto, em específico, a respeito dos impactos e das
possibilidades que a tecnologia pode nos trazer, no caso dos jogos
eletrônicos, houve diferença para um aspecto importante da construção do
real, qual seja, a noção de espaço. Ao se comparar os efeitos dos dois modos
de intervenção nos grupos experimentais, constatou-se que os sujeitos
participantes do GE
2 (concreto)
apresentaram desempenho superior aos do
GE
1 (eletrônico)
, em todas as provas que avaliaram as estruturas infralógicas de
espaço
.
Finalmente, acreditamos que este estudo trouxe importantes
reflexões que precisam ser destacadas, entre elas: 1) o trabalho com jogos
requer intervenção de um profissional que desempenhe o papel de instigar
166
problemas e provocar situações que propiciem ao sujeito tomar consciência
de suas ações durante o jogo; 2) os jogos eletrônicos, embora possam ser
ferramentas úteis em um contexto pedagógico, não substituem os jogos
concretos em vários aspectos, principalmente os relacionados ao
conhecimento físico e à construção do real; e 3) os jogos eletrônicos não
prescindem de intervenção e, assim como em um trabalho com jogos
concretos, o papel do educador continua sendo essencial.
Professores, aos jogos!
167
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_____. Provas para Avaliação da Construção do Real. (Jean Piaget)
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_____. Jogar para desenvolver e construir conhecimento: jogar para
desenvolver o prazer de aprender matemática. In: MANTOVANI DE
ASSIS et al. Jogar e Aprender Matemática. São Paulo: LP-Books, 2012.
Pareceristas
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________
Este livro foi submetido ao Edital 001/2021 do Programa de Pós-
graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, câmpus
de Marília e financiado pelo auxílio nº 0798/2018, Processo Nº
23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES. Contamos com o apoio
dos seguintes pareceristas que avaliaram as propostas recomendando a publicação.
Agradecemos a cada um pelo trabalho realizado:
Adriana Pastorello Buim Arena
Alberto Luiz Pereira da Costa
Alexandre Filordi de Carvalho
Américo Grisotto
Ana Claudia Saladini
Ana Maria Klein
Angelica Pall Oriani
Carlos Bauer
Carlota Boto
Celia Regina Rossi
Cinthia Magda Fernandes Ariosi
Claudia Cristina Ferreira
Cristina Maria Carvalho Delou
Daniel Ferraz Chiozzini
Domingos Leite Lima Filho
Erika Porceli Alaniz
Francismara Neves de Oliveira
Genivaldo de Souza dos Santos
Giza Guimarães Pereira Sales
Joana Tolentino
Jose Deribaldo Gomes dos Santos
Lalo Watanabe Minto
Lia Leme Zaia
Luciana Aparecida Nogueira da Cruz
Luciano Mendes de Faria Filho
rcia Lopes Reis
Maria Cristina da Silveira Galan Fernandes
Maria de Fatima Felix Rosar
Maria José Viana Marinho de Mattos
Maria Lucia Marques
Marta Sueli de Faria Sforni
Mauro Castilho Gonçalves
Nadia Aparecida Bossa
Nilza Sanches Tessaro Leonardo
Ofelia Maria Marcondes
Olga Maria Piazentin Rolim Rodrigues
Rita Melissa Lepre
Sandra Aparecida Pires Franco
Simone Wolff
Sonia Bessa da Costa Nicacio Silva
Virgínia Pereira da Silva de Ávila
Comissão de Publicação de Livros do Edital 001/2021 do
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus de Marília
Graziela Zambão Abdian, Patricia Unger Raphael Bataglia,
Eduardo José Manzini e Rodrigo Pelloso Gelamo
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno – CRB 8/8211
Normalização
Lívia Pereira Mendes
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
Esta obra é oriunda de uma pesquisa cientíca que, ao ser transformada
em livro, “aumenta a possibilidade de contribuir na formação continu-
ada de prossionais da Educação, Psicologia e Psicopedagogia, além de
indicar aos desenvolvedores de jogos eletrônicos, a necessidade de adap-
tá-los às características especícas dos processos educativos e psicopeda-
gógicos, ampliando as possibilidades de ações a serem executadas pelo
jogador e, assim, aumentando sua inuência sobre o desenvolvimento
cognitivo, a aprendizagem ativa e a conquista da autonomia em crianças
e adolescentes”.
LIA LEME ZAIA
DOS JOGOS CONCRETOS
AOS JOGOS ELETRÔNICOS
intervenções pedagógicas e
construção das relações espaciais
Érica de Cássia Gonçalves
Eliane Giachetto Saravali
Eliane Giachetto Saravali é Pedagoga,
Mestre e Doutora em Educação pela
UNICAMP. Foi professora na educação
infantil e atua, desde 2004, em cursos de
formação inicial e continuada de profes-
sores. Tem formação em Psicopedagogia
Clínica e Institucional e trabalhou em di-
ferentes cursos de Especialização da área
no estado de São Paulo. Tem Pós-Dou-
torado em Educação pela UEL e obteve
nanciamentos para diferentes pesquisas
junto ao CNPq. Atualmente é docente
na UNESP, campus de Marília-SP, atu-
ando no curso de Pedagogia e junto ao
Programa de Pós-Graduação em Educa-
ção. É líder do GEADEC Grupo de
Estudos e Pesquisas em Aprendizagem e
Desenvolvimento na Perspectiva Cons-
trutivista. @geadec.unesp
E-mail: eliane.g.saravali@unesp.br
https://orcid.org/0000-0003-1259-6027
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
Érica de Cássia Gonçalves é licenciada
em Pedagogia pelo Centro Universitá-
rio da Fundação Educacional Guaxupé
- UNIFEG, pós-graduada em Psico-
pedagogia Institucional pela Faculda-
de Calaori, Mestre e Doutoranda em
Educação pela UNESP, Campus Marí-
lia/SP. Também possui como formação
complementar, a extensão universitária
em PROEPRE: Fundamentos Teóricos
e Prática Pedagógica para a Educação
Infantil e Ensino Fundamental na pers-
pectiva construtivista, pela UNICAMP.
Tem experiência como professora na
educação infantil, anos iniciais do ensino
fundamental I e como docente no ensi-
no superior. Desde 2014, trabalha como
especialista da educação na rede públi-
ca do município de Guaxupé/MG, res-
ponsável principalmente, pela formação
continuada de professores. Atualmente
é coordenadora do ensino fundamental
da Secretaria de Educação de Guaxupé/
MG. É membro do GEADEC Grupo
de Estudos e Pesquisas em Aprendiza-
gem e Desenvolvimento na Perspecti-
va Construtivista. Desenvolve estudos
e pesquisas principalmente sobre os se-
guintes temas: jogo; intervenção peda-
gógica; estruturas cognitivas; tempos e
espaços para o brincar; jogos eletrônicos
e concepções de professores.
E-mail: erica.goncalves@unesp.br
https://orcid.org/0000-0002-2511-53
DOS JOGOS CONCRETOS AOS JOGOS ELETRÔNICOS
Érica Gonçalves e Eliane Saravali