HELEN DE CASTRO SILVA CASARIN
(
ORGANIZADORA
)
O conteúdo do livro pode
ser de interesse de bibliotecários,
arquivistas e museólogos, bem como
de graduandos destes cursos, que
tenham interesse em complementar
a sua formação, no que diz respeito
a diferentes grupos de indivíduos
que fazem parte das comunidades
atendidas pelas unidades de
informação. Conhecer o perfi l destes
diferentes grupos poderá auxiliá-los
(ou pelo menos sensibilizá-los) no
planejamento, ou aprimoramento
do espaço, do atendimento e dos
serviços de bebetecas, bibliotecas,
centros de documentação, arquivos
ou museus para estes diferentes
públicos
ORGANIZADORA
Helen de Castro Silva Casarin
Bibliotecária, formada pela
Unesp de Marília com mestrado
em Educação e doutorado em
Letras. Foi professora do curso
de Biblioteconomia na UEL e
na UFSCar e, desde 1998, é
professora do Departamento de
Ciência da Informação da Unesp,
de Marília. Tem se dedicado ao
ensino e à pesquisa sobre usuários
da informação, particularmente
aqueles do contexto acadêmico
e educacional. Coordenou
diversos projetos de pesquisa e
extensão sobre o tema, e é autora
do livro “Estudo do usuário da
informação e de diversos artigos
cientí cos que tem como foco o
usuário e a forma como este lida
com o universo informacional.
email: helen.castro@unesp.br
Seguindo a temática do livro anterior “Estudos de Usuários
da Informação”, publicado em 2014, a presente obra reúne textos de
especialistas de diferentes áreas do conhecimento que apresentam
as principais características e informações sobre pessoas com perfi s
variados. Entretanto, diferentemente da obra anterior, que trazia
informações sobre grupos de usuários mais recorrentes na literatura,
neste livro optou-se por uma abordagem mais inclusiva e plural,
incluindo capítulos sobre grupos pouco abordados em obras sobre o
tema, tais como bebês, defi cientes, indivíduos com altas habilidades,
pessoas do grupo LGBTQIA+, usuários de arquivos e de museus.
O intuito é proporcionar informações básicas, porém
fundamentais para que os profi ssionais da informação possam
compreender as principais características e necessidades destes
grupos, dirimindo pré-conceitos e estigmas que possam comprometer
o trabalho de bibliotecários, arquivistas e museólogos no atendimento
destes indivíduos. A postura inadequada ou equivocada destes
profi ssionais, muitas vezes devido ao desconhecimento acerca das
especifi cidades destes indivíduos pode, involuntariamente, resultar
em experiências negativas ao usuário que, por sua vez, fi cará com
uma imagem distorcida do papel dos profi ssionais e das Unidades
de Informação, afastando-o ou difi cultando o uso das unidades de
informação. Além disto, estes grupos muitas vezes são invisíveis ao
trabalho dos profi ssionais que estão à frente de unidades de informação,
permanecendo na categoria de usuários potenciais ou mesmo de não
usuários, visto que eles próprios muitas vezes não se reconhecem
como tal e porque muitas vezes as unidades de informação não estão
devidamente preparadas para atendê-los.
USUÁRIOS DA INFORMAÇÃO
E
DIVERSIDADE
Processo CAPES
Nº 23038.007497/2017-11
Programa de Pós-graduação em
Ciência da Informação
CONVÊNIO AUXPE/PROEX
565/2017
CHAMADA Nº 02/2021
PUBLICAÇÃO DE LIVROS
RESULTANTES DE PESQUISAS
ACADÊMICO-CIENTÍFICAS
Organizadora
Helen de Castro Silva Casarin
USUÁRIOS DA INFORMAÇÃO
E DIVERSIDADE
UsUários da informação
e
diversidade
Organizadora
Helen de Castro Silva Casarin
Marília/Ofi cina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2021
UsUários da informação
e
diversidade
Organizadora
Helen de Castro Silva Casarin
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Ficha Catalográfica
Lucinéia da Silva Batista
Bibliotecária CRB SP 010373/O
Editora afiliada:
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS - FFC
UNESP - Campus de Marília
Diretora
Profa. Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Prafa. Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Copyright © 2021, Faculdade de Filosofia e Ciências
Processo CAPES Nº 23038.007497/2017-11. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação
Convênio AUXPE/PROEX Nº 565/2017, no âmbito da Chamada nº 02/2021
PUBLICAÇÃO DE LIVROS RESULTANTES DE PESQUISAS ACADÊMICO-CIENTÍFICAS
Usuários da Informação e Diversidade
U88 Usuários da Informação e Diversidade / Helen de Castro Silva Casarin (orga-
nizadora) – 1. ed. – Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmi-
ca, 2021.
250 p. ; il. ; 23 cm
Inclui Bibliografia.
ISBN 978-65-5954-148-5 (Digital)
ISBN 978-65-5954-147-8 (Impresso)
1. Ciência da Informação. 2. Usuários da Informação. 3. Estudo de Usuário. 4.
Unidade de Informação. 5. Serviços de Informação. I. Título. II. Casarin,
Helen de Castro Silva
CDD 020
DOI: https://doi.org/10.36311/2021.978-65-5954-148-5
Sumário
Prefácio..................................................................................................................5
Profa. Dra. Ariadne Chloe Furnival
Apresentação.........................................................................................................9
Helen de Castro Silva Casarin
Capítulo 1..............................................................................................................13
Bebeteca: bem-vindos pequenos leitores!!!
Juliane Francischeti Martins | Renata Junqueira de Souza | Aline Priscila Daura
Capítulo 2.............................................................................................................51
In-forma-ação: crianças com autismo e com psicose e o uso da informação
Cleide Vitor Mussini Batista
Capítulo 3............................................................................................................77
Usuários da informação com altas habilidades/superotação: uma
comunidade discursiva convergente e divergente
André Luís Onório Coneglian
Capítulo 4...........................................................................................................113
Os usuários da informação cegos, surdos e surdocegos nas bibliotecas
André Luís Onório Coneglian | Ana Paula Pereira | Layara Feifer Calixto Seco | Adriana
Rosecler Alcará | Sueli Bortolin
Capítulo 5..........................................................................................................147
Práticas informacionais de travestis, transexuais e transgêneros: uma revisão
de literatura
Marcela Aguiar da Silva Nascimento | Marta Leandro da Mata
Capítulo 6..........................................................................................................169
Usuários da informação em saúde: das necessidades aos produtos e serviços
informacionais
Maria Cristiane Barbosa Galvão
Capítulo 7...........................................................................................................195
Perfis de usuários em arquivos: categorias, comportamento e serviços de
informação
Marcia Cristina de Carvalho Pazin Vitoriano
Capítulo 8..........................................................................................................219
O usuário, o visitante, o público do museu: quem são e por que estudá-los?
Silvia Maria do Espírito Santo | Cláudia Leonor G. A. Oliveira
Sobre os autores...............................................................................................243
5
Os oito capítulos que compõem esta obra foram desenvolvidos no
contexto dos desafios hodiernos que a pandemia do Covid-19 nos trouxe.
Embora esta tenha nos imposto o distanciamento social, não tirou de nós
as esperanças e expectativas de estarmos de volta em espaços físicos,
sensoriais, de bibliotecas, museus, arquivos, onde a fome pelo conhecimento
é fomentada e estimulada. Enfim, todos nós somos usuários ou visitantes
– ou potenciais usuários e visitantes – desses espaços em algum momento
ou determinada(s) fase(s) da vida, e assim sendo, todos nos pertencemos a
um ou mais grupo de usuários deles, e esta obra traz à tona esta realidade.
A ideia de nos “segmentar” em grupos, com características
específicas, peculiares, pode nos aparentar, em certos momentos, como algo
desarmonioso, até preconceituoso: afinal de contas, somos todas e todos
seres humanos não é mesmo? Mas esta posição ontológica universalista
seria reducionista, destrutiva, contra produtiva e minimamente ingênua
ao homogeneizar as dimensões de experiências, percepções, histórias,
atitudes, sensibilidades, discriminações inclusive, dimensões essas que
frequentemente se materializam em buscas por informação e desembocam
em necessidades e práticas informacionais muito específicos. Nessa linha,
e tomados no seu conjunto, os capítulos deste livro delineiam e consolidam
a natureza intrinsecamente interdisciplinar do campo de estudos de
usuários na Biblioteconomia e Ciência da Informação, cobrindo grupos
de usuários e espaços que abrangem desde bebês e bebetecas; crianças
com autismo e psicose em bibliotecas escolares; adultos superdotados
em bibliotecas universitárias; usuários cegos, surdos e surdo cegos em
bibliotecas universitárias e públicas; as práticas informacionais de usuárias/
os travestis, transexuais e transgêneros; necessidades informacionais e
ambientes de informação em saúde; visitantes a museus e usuários de
Prefácio
Profa. Dra. Ariadne Chloe Furnival
6
Prefácio
arquivos. Os textos são pautados em informações e análises das teorias que
teoricamente embasam a caracterização de cada grupo de usuário, sendo
que os olhares afiados das autoras e autores primam pela sensibilidade em
construir – ponderada e reflexivamente – seus sujeitos de pesquisa a partir
da multiplicidade conceitual desses respectivos campos de conhecimento
relativos ao grupo abordado em cada capítulo. Dessa forma, mesmo
trabalhando na intersecção com o campo de estudos de usuários, estes
capítulos conseguem escapar ao enquadramento normativo habitual dos
textos mais usuais do campo. E claro: é esta diversidade englobada pelo
conteúdo desta obra que a torna uma leitura fascinante, rica e evidentemente
tão oportuno neste início do século XXI, momento em que os intelectuais
ainda têm um trabalho à frente para desconstruir discursos dominantes
que até agora silenciam e perdem de vista, ou fossilizam e reforçam em
estereótipos, certos grupos na sociedade, relegando-os às margens
do conhecimento produzido na academia. Este livro indubitavelmente
consiste numa contribuição inestimável a essa desconstrução dentro de
nosso campo de Biblioteconomia e Ciência da Informação.
Mas os capítulos vão além de meramente tornar este espectro
de grupos de usuária/os de informação, em agrupamentos de sujeitos
concretos com suas respectivas especificidades. Porque também reavaliam
– à luz das revisões e análises da literatura meticulosamente elaboradas, ou
dos casos reais delicadamente apresentados pelos autores – o papel do
bibliotecário na mediação das experiências e práticas informacionais desses
grupos na variedade de contextos apresentados. Este traço do livro não é
trivial, pois no subcampo de “estudos de usuários” na área acadêmica de
Biblioteconomia e Ciência da Informação, tem havido uma longa história
de focar primeiramente na avaliação do uso de espaços e seus recursos,
coleções e itens, ou, a partir dos anos 1970s (e em grande medida, corrigindo
o enfoque anterior), nos usuários nas suas “viagens informacionais”, e as
suas correspondentes comportamentos e competências nestas. O ensino-
aprendizagem nas grades curriculares sobre a atuação do profissional de
informação relacionado diretamente ao usuário tende a ficar relegado às
disciplinas que abordam estudos de serviço de referência ou mediação de
leitura, mas a maioria dos capítulos aqui procuram vislumbrar ou descrever
(sem necessariamente prescrever), de forma relacional, a atuação do
7
Ariadne Chloe Furnival
profissional de informação diante das especificidades dos grupos de
usuários descritos, informando substantivamente, então, tal atuação. As
transformações do espaço físico e virtual – das bibliotecas, arquivos, museus
– podiam ter sido impulsionadas pela contínua introdução e atualização das
tecnologias digitais de informação e comunicação, mas estas permanecem
fenômenos inertes e sem razão de existir sem essa interação relacional
usuário-bibliotecário: as experiências e apreensões dos serviços e produtos
oferecidos nelas são mediadas por profissionais de informação. Assim,
um fio condutor nos capítulos deste livro é quão fundamental seja esta/e
profissional e nesse sentido, o livro pode também servir como um guia
prático para o bibliotecário, arquivista, museólogo praticante validar sua
práxis com estes grupos específicos de usuários.
Cabe aqui ressaltar o mérito e visão da Professora Dra. Helen da
Silva Casarin em ter fomentado e nutrido a ideia de produzir este livro, uma
criação muito feliz e enriquecedora para a área. A Profa. Helen nos traz
neste livro escrito em prosa elegante, clara e nada pretenciosa, os resultados
de estudos construídos e fincados temática, teórica e socialmente na área
de estudos de usuários, resultados esses que reforçam a pluralidade e
multidisciplinaridade desse campo fascinante. Por fim, este livro instiga
o prosseguimento de pesquisas neste campo que produzam, num futuro
não muito distante, resultados e análises igualmente ricas como estas da
presente obra.
9
Esta obra foi redigida a muitas mãos ao longo do ano de 2020,
em plena pandemia do Covid-19. Seu conteúdo complementa o de
um livro anterior, “Estudos de usuários da Informação
1
, que incluía
capítulos dedicados a diferentes grupos de usuários. O foco é o mesmo
do livro anterior, reunir escritos de especialistas de diferentes áreas do
conhecimento que permitam conhecer as características e as necessidades
de indivíduos que formam comunidades discursivas (HJØRLAND, 2017)
2
,
em que os indivíduos possuem características comuns, tais como linguagem,
pensamento e estruturas de conhecimento. Em geral, a ênfase dos cursos
de graduação e mesmo de pós-graduação das subáreas da Ciência da
Informação, entre elas a Arquivologia, a Biblioteconomia e a Museologia,
está sobre os padrões, processos e tecnologias utilizadas para organização,
gestão, disseminação e preservação da informação e seus registros. Tais
conteúdos são fundamentais e caracterizam o trabalho do profissional da
informação. O espaço dedicado ao estudo sobre os usuários da informação,
no entanto, que é o propósito do trabalho deste profissional é bastante
reduzido nos cursos, principalmente considerando contextos diferentes de
unidades de informação. Os manuais sobre o tema, em geral, priorizam a
descrição dos métodos e técnicas para a realização do estudo dos usuários,
o que sem dúvida é imprescindível para a formação dos alunos e servem
como referência aos profissionais e pesquisadores quando precisam “por a
mão na massa” para conhecer seus usuários. No entanto, considero que a
falta de conhecimentos básicos por parte dos profissionais da informação
1
CASARIN, H. C. S. (org.). Estudos de usuário da informação. Brasília: Thesaurus,
2014.
2
HJØRLAND, Birger. Domain analysis. Knowledge Organization, v. 44, n. 6, p.
436-464, 2017.
Apresentação
Helen de Castro Silva Casarin
10
Apresentação
a respeito de diferentes grupos pode causar um viés na conduta deste
profissional e não contribui para o avanço da área e da profissão.
A proposta desta obra não é trazer os resultados mais recentes de
pesquisa sobre os diferentes grupos de usuários, mas apresentar conteúdos
básicos, porém essenciais e em uma linguagem acessível, para que os
profissionais da informação conheçam e entendam melhor cada grupo
aqui contemplado, no que diz respeito às suas principais características,
necessidades e eventuais dificuldades, bem como desmistificando
inclusive grupos minoritários, considerando que uma postura inadequada
ou equivocada do profissional pelo desconhecimento a respeito destes
indivíduos pode afetar negativamente a busca e o uso da informação pelos
mesmos. O objetivo da obra então é preparar o profissional da informação
(bibliotecários e arquivistas e museólogos) e graduandos destes cursos para
melhor atender esses indivíduos em diferentes unidades de informação,
tais como bebetecas, bibliotecas, centros de documentação, arquivos e
museus.
Os capítulos foram elaborados por especialistas em diferentes
áreas do conhecimento e foram agrupados a partir de três categorias:
características demográficas (bebês, crianças com autismo e psicose,
surdo-cegos, indivíduos com altas habilidades), papel social (travestis,
transexuais e transgêneros) e ocupação (profissionais da saúde) (CASE;
GIVEN, 2016)
3
. Traz também dois capítulos voltados a usuários de
arquivos e de museus, contemplando também outros profissionais além do
bibliotecário, privilegiado nos capítulos anteriores.
Cada capítulo procurou responder às seguintes questões:
- Como os indivíduos do grupo abordado se caracterizam em seus aspectos
físicos, intelectuais, psicológicos, entre outros?
- O que o profissional da informação precisa saber sobre o grupo para que
possa atendê-lo adequadamente?
- O que as unidades e os serviços de informação devem levar em consideração
para satisfazer de um modo geral as necessidades deste grupo?
Longe de esgotar o tema, seja pela abrangência dos grupos
contemplados, seja pela profundidade em que os assuntos foram tratados,
3
CASE, D. O.; GIVEN, L. Looking for information: a survey of research on infor-
mation seeking, needs and behavior. 4. ed. Emerald, 2016.
11
Helen de Castro Silva Casarin
esperamos que a obra seja útil e contribua para despertar o interesse
dos profissionais da informação em saber mais a respeito dos usuários da
informação em contextos variados e para que esses indivíduos possam ser
atendidos de forma digna e adequada em suas necessidades informacionais.
Por fim, gostaria de agradecer a todos colegas e amigos que fizeram parte
deste projeto.
13
Capítulo 1
Juliane Francischeti Martins
Renata Junqueira de Souza
Aline Priscila Daura
BEBETECA: BEM-VINDOS PEQUENOS
LEITORES!!!
1 INTRODUÇÃO
Quando um leitor, seja ele acadêmico, proficiente, ou em formação,
chega a uma livraria, o balconista formulará uma expectativa quanto ao
seu gosto de leitura e às temáticas que poderiam atraí-lo, como também
inferirá certos modismos que este indivíduo apresentaria. Se não houver, a
título de exemplo, essa prévia seleção do que o agrada, é possível dialogar e
descobrir os gostos do leitor para ofertar um bom livro.
Agora imagine um bebê de meses adentrando ao espaço da
biblioteca ou da livraria no colo de um familiar para adquirir e ler um livro,
neste caso, muitas questões podem surgir: a quem deve ser oferecido o
livro: ao adulto ou a criança? No caso de atender diretamente a criança, o
que oferecer para o bebê? Como descobrir se aquela leitura realmente o
agrada? De que modo é possível estabelecer um diálogo com essa criança
e descobrir o que ela quer? Um ser humano tão pequeno é capaz de ler
alguma coisa?
O que se observa ao analisar a ementa de cursos das grandes
universidades é que não há uma formação profissional que oriente a
recepção de bebês ou mesmo crianças muito pequenas. Possivelmente
essa lacuna acadêmica acerca da primeiríssima infância decorre da cultura
brasileira de não haver nas bibliotecas um espaço para os bebês, afinal,
são poucas as cidades que contam com bebetecas públicas ou escolares.
Diante disso, neste capítulo nos baseamos nas discussões desenvolvidas
na tese Bebeteca: Engatinhando entre livros (MOTOYAMA, 2020), para
14
Bebeteca: bem-vindos pequenos leitores!!!
discutirmos as singularidades do bebê leitor e apresentarmos formas para
o atendimento desse público tão específico.
A primeira parte desse texto apresenta o usuário bebê, assim
como procura explicar as principais características e curiosidades sobre
os aspectos físicos, intelectuais e psicológicos desse ser, dando dicas de
como isso pode ser considerado no momento de organização do espaço,
atendimento e aquisição de acervos para crianças de 0 a 3 anos.
No que concerne à segunda parte da discussão, o profissional da
informação e os aspectos que devem ser levados em relação às fontes e
aos serviços de informação, como, por exemplo, a leitura e a cultura, são
elencados para analisar a primeiríssima infância.
2 CARACTERIZANDO O USUÁRIO BEBÊ E O ESPAÇO DA
BEBETECA
Ao olhar para um bebê já é possível observar que ele é diferente dos
adultos em diversos aspectos, como, por exemplo, a sua constituição física
e seu desenvolvimento linguístico. Com efeito, a discussão gira em torno
de como essas singularidades interfere no atendimento deste usuário na
biblioteca. Antes, porém, traremos de uma breve explicação do que seriam
essas bibliotecas que atendem bebês e recebem o nome de bebetecas.
A bebeteca é uma biblioteca especializa no atendimento dos bebês
e dos adultos que são cuidadores/educadores desses pequeninos, por isso,
caracteriza-se como um espaço de leitura que abriga crianças, de 0 a 3 anos
de idade, mas que, em alguns contextos como escolas de educação infantil
atendem usuários até os 6 anos de idade. Esse espaço também deve acolher
os adultos que acompanham essas crianças ou buscam informações sobre
esse público específico, sejam eles cuidadores ou professores. A função
desse espaço é de aproximar os pequeninos das práticas sociais de leitura
e escrita, bem como da função social e das normas cabíveis à biblioteca
enquanto instituição social.
Buscando a origem da palavra bebeteca, deparamo-nos com um
texto de Mercê Escardó de 1999 intitulado de “B: bebetecas”. A autora
menciona que ouviu esse termo, em francês Bebètheque, pela primeira vez
em uma palestra de Georges Curie na V Conferencia Europea de Lectura
15
Juliane Francischeti Martins | Renata Junqueira de Souza | Aline Priscila Daura
realizada na Fundação Germán Sánchez Ruiperez na cidade de Salamanca
em julho de 1987. A partir daí Escardó denominou o termo como “mágico
e deu início ao trabalho de pesquisa para construção de uma bebeteca na
biblioteca pública de CanButjosa na Espanha. No entanto, os princípios
desse espaço idealizado por ela eram diferentes da Bebètheque que a
espanhola havia conhecido anos antes na conferência já que a original
atendia crianças de berçário e a de Salamanca foi instalada junto à biblioteca
pública.
Escardó (1999) explica que, após abrir a bebeteca em Salamanca,
o desafio foi aprender a trabalhar com os bebês, já que, enquanto buscava
e lia pesquisas a respeito, achava que tudo já havia sido pesquisado e, na
prática, as situações surgiam e necessitavam de intervenções que ela,
muitas vezes, não se sentia segura para realizar. Foi neste movimento que a
bebeteca começou a abarcar famílias e psicólogos para que pensassem nas
relações que se estabeleciam entre livros, brinquedos e bebês. O objetivo
desse movimento foi o fortalecimento dos laços entre crianças e adultos a
partir do livro e das histórias.
A bebeteca é, portanto, um espaço em que se estreitam vínculos
entre crianças, livros e adultos, por meio de uma leitura afetiva e sensorial.
Nesse ambiente, o bebê deve ter a possibilidade de sentir “o prazer de
brincar e conviver com a linguagem escrita através dos jogos de linguagem
e da criação de uma zona de desenvolvimento proximal em atividades
plenas de significação” (FACCHINI, 2002, p. 158).
Considerando essa definição, a bebeteca não pode ser considerada
apenas um espaço com obras lúdicas e/ou literárias destinadas ao
atendimento de bebês. Desse modo, este espaço necessita de um
planejamento significativo, orientado por equipe técnica da Biblioteconomia
e da Pedagogia, a fim de organizar o acervo, catalogá-lo e categorizá-lo
com o objetivo de obedecer a uma padronização bibliográfica e dar mais
sentido a própria função de uma biblioteca infantil.
Essa organização técnica é importante para que os profissionais
e outros adultos encontrem as obras quando for necessário, mas em
uma disposição que também facilite o acesso das crianças. Além disso,
é importante preparar um ambiente de construção de relações sociais
entre sujeitos, livros e um local de formação de futuros leitores, usuários
16
Bebeteca: bem-vindos pequenos leitores!!!
de bibliotecas, o que favorece a experiência de leitura, as contações de
histórias, entre outras.
Para essas atividades, temos que considerar o desenvolvimento
psíquico dos sujeitos desde o seu nascimento. Nossa opção teórica são
os pressupostos da Psicologia Histórico Cultural (PHC) elaborados
nas obras de Vigotski, Leontiev, reorganizados por Daniel B. Elkonin
(1987) e sistematizados em um diagrama por Angelo Antonio Abrantes
(PASQUALINI; EIDT, 2016). O diagrama representa os conceitos da
periodização histórico-dialética do desenvolvimento e está separado
em: época, período, atividade dominante e crise. Neste texto, para
apresentarmos o trabalho do profissional da educação na bebeteca,
enfocamos o período da primeira infância que também é definida por
outros autores como primeiríssima infância, relativo a crianças de 0 a 3
anos de idade (GIROTTO, 2016).
Ao observarmos a figura 1, vemos que o desenvolvimento está
dividido em três épocas (primeira infância, infância e adolescência),
cada uma delas, possui dois períodos (primeira infância: “primeiro ano
e “primeira infância”; Infância: “idade pré-escolar” e “idade escolar”;
adolescência: “adolescência inicial” e “adolescência”). Cada um desses
períodos possui uma atividade dominante (comunicação emocional direta
com o adulto; atividade objetal manipulatória; jogo de papéis; atividade de
estudo; comunicação íntima pessoal e atividade profissional /de estudo).
17
Juliane Francischeti Martins | Renata Junqueira de Souza | Aline Priscila Daura
Figura 1: Periodização do Desenvolvimento Psíquico
Fonte: Pasqualini e Eidt (2016, p. 107)
Na base da figura 1, estão as esferas do desenvolvimento humano
(esfera afetivo-emocional e a esfera intelectual-cognitiva) que atuam
em cada época e período. Elkonin (1987) explica que a esfera afetivo-
emocional se configura a partir da afinidade da criança com o adulto e o
meio social. É nessa esfera que se destaca o início de cada época, pois ela
gera as necessidades e motivos para que os pequenos desenvolvam relações
com as pessoas. Já a esfera intelectual-cognitiva está ligada a relação da
criança com o objeto social, pois é quando os pequenos se apropriam de
procedimentos sociais elaborados a partir da ação com os objetos. Assim,
durante o desenvolvimento, as crianças alternam entre uma esfera e outra
sempre desenvolvendo cada vez mais sua atividade e consciência.
Outro conceito que verificamos na figura 1 é o de crise que é
fundamental para a alteração de período. Há momentos que se consideram
estáveis e outros que são críticos. Nos primeiros, o desenvolvimento
ocorre a partir de mudanças na personalidade infantil que são consideradas
“microscópicas” com o passar do tempo e o acúmulo delas, há uma nova
formação qualitativa que se manifesta. A crise é marcada por mudanças
18
Bebeteca: bem-vindos pequenos leitores!!!
abruptas e em um curto período de tempo que são do mesmo modo
importantes para o desenvolvimento dos sujeitos.O momento da crise
para a criança é tenso, já que ela sente que pode ir além de suas atividades.
Pasqualini e Eidt (2016) comentam que, nesse momento, a tendência é
os adultos tentarem, de modo inconsciente, manter as crianças no mesmo
lugar o que agrava a crise.
Logo, a dialética manifesta-se no desenvolvimento infantil à medida
que a mudança de período das crianças não se dá devido à evolução natural,
mas sim a uma revolução interior. Sobre isso Vygotski (1996) explica que
a crise tem como essência a vivência dos sujeitos, quando eles passam pela
reestruturação do que já viveram, ela é gerada e ocasiona uma mudança de
postura e de necessidades que, consequentemente, abre um novo período.
No decorrer desta progressão psíquica, a criança vivencia
simultaneamente um desenvolvimento físico, assim, ambos precisam ser
conhecidos e considerados no momento de atender esse usuário. Segundo
Martins (2013) e Pasqualine e Eidt (2016), o bebê é submetido, logo no
primeiro ano de vida, por uma sequência complexa de transformações
cognitivas e sociais sobre a qual o trabalho de socialização da criança
desde o seu nascimento é necessário. No que diz respeito ao aspecto
sensorial, os pequeninos começaram a explorar o mundo ao seu redor a
partir dos sentidos e isso se torna a principal fonte de conhecimento com
a qual contarão. Assim, o corpo da criança e sua relação com o mundo
influenciam também no desenvolvimento psíquico e se houver um espaço
como a bebetecas, esse desenvolvimento pode ser potencializado.
Desde o nascimento, o bebê conhece o mundo através dos sentidos
(SILVERTHORN, 2016). Caminha (2008) explica que há mais de uma
modalidade sensorial existente e todas são importantes nesse momento
de desenvolvimento. Por isso, a autora apresenta os sentidos separando-os
em ambientais: visão, audição, olfato e paladar; já os sentidos corporais:
tato, vestibular e propriocepção. Esses sentidos utilizam órgãos sensoriais
para captar estímulos e transmitir ao cérebro onde são processados,
organizados e interpretados, conforme pode ser observado na figura 2.
Cada modalidade sensorial tem uma função específica no desenvolvimento
dos sujeitos e, nos primeiros anos de vida, os bebês leem apoiados nesses
receptores sensoriais.
19
Juliane Francischeti Martins | Renata Junqueira de Souza | Aline Priscila Daura
Figura 2: Os sentidos ambientais e corporais
Fonte: elaborada pelas autoras
A visão dos bebês funciona no útero materno tornando-os capazes
de diferenciar a luz do escuro, mas no momento do nascimento, devido à
escuridão da vida intrauterina, os olhos dos pequeninos ainda não estão
acostumados com a vida externa e estão imaturos para lidar com as luzes
do mundo exterior. Nos primeiros meses a visão ainda é embaçada como
pode ser observado na figura 3.
Figura 3: Etapas do desenvolvimento visual dos seres humanos
Fonte: Fotografia de Nicolas Slade, tratada e apresentada por Zin (2015, p. 24)
20
Bebeteca: bem-vindos pequenos leitores!!!
Segundo Graziano e Leone (2005), nos três primeiros meses
de vida das crianças, os olhos melhoram rapidamente e a visão só ficará
perfeitamente formada entre 3 e 4 anos de vida. Essa informação
nos é cara principalmente no momento da organização das ações que
desenvolveremos com os bebês, pois a escolha do livro, ou dos modos de
apresentação da história, precisa estar adequada a visão dos pequenos se
quisermos que eles interajam. É preciso que o profissional, que vai lidar com
essa criança, compreenda que as primeiras cores que os bebês enxergam
são o preto e o branco; posteriormente, o vermelho. Dessa maneira, essas
são as cores ideais para serem utilizadas nas ilustrações de livros das quais
serão apresentados a eles, principalmente, nos três primeiros meses; no
entanto, isso não quer dizer que as demais cores devem ser excluídas. O
importante é não sair completamente do conhecido e ir gradativamente
ampliando a paleta de cores conforme sabemos que a visão infantil está
amadurecendo.
21
Juliane Francischeti Martins | Renata Junqueira de Souza | Aline Priscila Daura
Figura 4: Simulação da página do livro: “MyDreams” original e a versão
vista por um bebê
Fonte: Motoyama (2020, p. 158)
Como podemos observar na Figura 4, quanto menos detalhes no
traçado e maior o contraste entre as cores, maior pode ser o alcance da visão
infantil que ainda está se desenvolvendo. O texto escrito até é visualizado
pela criança nesse momento da vida, mas quase não faz diferença já que os
pequenos ainda não conseguem discernir as letras e veem apenas manchas,
por isso, livros de imagem, com cores em contraste, sem muitos detalhes e
com histórias curtas são uma boa opção para o trabalho com os bebês.
Outro recurso que o profissional deve explorar é a audição dos
pequenos, pois, a partir do terceiro mês de gestação, a criança já é capaz
de ouvir no útero materno diferentes sons como o coração materno
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Bebeteca: bem-vindos pequenos leitores!!!
e outras interferências externas como a voz da mãe ao ler ou a música
que ela ouve. A linguagem e as demais habilidades auditivas dos bebês se
desenvolvem durante os primeiros dois anos de vida. A maior parte desse
desenvolvimento ocorre nos seis meses iniciais, sendo que, por volta dos
quatro meses eles já conseguem reconhecer a voz da mãe e virar-se para
procurá-la enquanto ela conversa e, a partir daí emitir sons para buscar
estabelecer uma comunicação.
Caminha (2008) explica ainda que como a visão ainda está
em formação nos bebês, eles preferem estímulos visuais simples e os
auditivos mais sofisticados como músicas e falas em entonação alta e isso
é fundamental quando pensamos sobre os livros que vamos oferecer: eles
precisam ter ilustrações mais simples e grandes e a entonação do leitor
deve ser modulada e trabalhada para proferir a história. Além disso, a visão
aparece mais tarde; contudo, seu desenvolvimento é rápido. Já a audição
aparece cedo, mas tem um desenvolvimento gradual que acompanha
a evolução da linguagem da criança. O ato da leitura, o contato com as
histórias e cantigas além de colocar a criança em contato com os sons
da língua e auxiliá-los a formar uma estrutura interna de linguagem, irá
influenciar diretamente no desenvolvimento cognitivo e emocional dos
bebês.
O sistema tátil e proprioceptivo relaciona-se com o processo
das sensações que começa com a pele e os receptores captando o que
lhes é oferecido; em seguida, a propriocepção recolhe informações da
pele, dos músculos e das articulações e informa ao cérebro onde o toque
está localizado e como os membros estão posicionados. Logo, ao tocar o
livro, antes mesmo de abri-lo ou observar suas imagens, a criança já vive
uma “explosão sensorial” e gera sua primeira experiência de leitura que
envolve toda sua pele em contato com as texturas e materiais que compõe
o livro. Caminha (2008) explica que, devido à riqueza deste processo,
a estimulação tátil no bebê é importante para o desenvolvimento da
sensibilidade ao toque, mas também do sistema cognitivo. A autora explica
que os bebês desde recém-nascidos (quando estão com a visão muito
rudimentar) utilizam movimentos da boca e da língua para identificar,
por exemplo, diferentes tipos de bicos. De posse dessas informações, o
profissional da informação tem que sempre pensar em quais materialidades
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Juliane Francischeti Martins | Renata Junqueira de Souza | Aline Priscila Daura
pode oferecer ao bebê e que tipo de experiência elas poderão oferecer.
Durante o primeiro ano de vida do bebê é comum que levem
tudo a boca. Nesta fase, esse órgão é extremamente sensível e o paladar
ou sistema gustativo torna-se aporta de entrada para a descoberta do
mundo através de sabores, texturas e sensações que os diferentes objetos
provocam. É importante lembrar que o maior prazer do bebê nesses
primeiros meses de vida é a amamentação, é o momento em que ele se
conecta com a mãe. Portanto, a boca é um órgão de satisfação também.
Quando a visão ainda não está clara, os lábios, a língua e a gengiva são os
principais órgãos de exploração dos bebês para que se conheçam texturas,
sabores, consistências e possam avaliar as diferentes matérias existentes
no universo que os rodeia.
Justamente por essa sensibilidade concentrada na região labial,
o profissional da informação, antes de realizar as compras ou oferecer o
material para a criança deve considerar que os livros devem ser seguros
para serem “devorados” pelos pequenos (material resistente, bordas
arredondadas, peças fixas que não se soltem com facilidade). Como a
sensibilidade do tato está aflorada nesses meses, cada vez que o bebê tocar
o material com uma parte distinta do corpo, ela produzirá uma sensação,
uma experiência nova. Sendo assim, é importante que se ofereça variedade
de materiais para os bebês manipularem corporalmente através dos
sentidos.
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Bebeteca: bem-vindos pequenos leitores!!!
Figura 5: Estímulo ao sistema vestibular com o bebê
Fonte: elaborada pelas autoras
Já o sistema vestibular, de acordo com Silverthorn (2016) é
constituído por um órgão pequeno que está situado dentro da orelha interna
e é o responsável pelo equilíbrio, visão estável e os primeiros movimentos
da cabeça dos pequenos. O sistema vestíbulo-ocular e o vestíbulo espinhal,
que coordena os reflexos labirínticos, fazem parte do sistema vestibular
e auxiliam com o tônus e a aquisição motora do bebê. Esse sistema é o
responsável pelas primeiras interações da criança com o meio, já que, no
momento de passividade, o bebê (nos primeiros 45 dias de vida) comunica-
se principalmente pela postura que é gerada por seu tônus muscular. Esse
sistema pode ser exercitado com a criança recebendo um local para se
aconchegar e manusear o livro sozinho. O estímulo a esse sistema melhora
a posição do olho infantil; portanto, a oferta de livros para os bebês, desde
os primeiros dias após o período de passividade, vai se configurando como
um trabalho de ler com a criança e direcionar o olhar; o folhear aprimora
os movimentos motores. Desse modo, para além de uma experiência social
e literária, o livro torna-se uma experiência também motora.
O olfato, ou sistema olfatório, é formado desde o útero e, durante
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Juliane Francischeti Martins | Renata Junqueira de Souza | Aline Priscila Daura
toda a vida, pode ser um aliado para diversas situações como não consumir
alimentos estragados, mas, para além da prevenção aos riscos, ele também
atua em um sistema de sedução a partir do chamado sistema límbico. É
possível que os seres humanos se apaixonem pelo cheiro de algo e sintam até
atração sexual uns pelos outros devido a determinados odores afrodisíacos.
Em relação aos livros e os odores não há muita variedade desse tipo no
mercado; no entanto, é possível encontrar materiais, como, por exemplo,
aromatizantes de ambientes que criam cheiros que são capazes de criar
memórias olfativas nas crianças. Assim, as histórias que serão proferidas
ou contadas
1
na bebeteca podem ficar muito mais significantes quando
permeadas pelos odores de lugares onde foram lidas e de elementos que
estavam presentes nelas.
O profissional pode desenvolver o trabalho com o olfato na
formação do bebê leitor a partir de duas possibilidades: para os bem
pequeninos pode começar com os livros que possuem odores e, quando eles
crescem um pouco mais, incluir os livros que descrevem odores. Tanto um
como o outro são importantes, sendo o primeiro um modo de enriquecer o
conhecimento infantil sobre cheiros e o segundo um modo de resgate dos
cheiros conhecidos através da memória.
Diante dessas considerações, vemos que as bebetecas são
importantes para esses pequenos desde o nascimento, pois, de acordo
com Zorzetto (2011), os primeiros mil dias dos bebês (os 270 da gestação
mais os 730 dos dois primeiros anos de vida) valem por uma vida devido à
quantidade de aprendizagem que a criança vai vivenciar e internalizar no
período. Neste momento, o crescimento é intenso e o cérebro está ativo
absorvendo tudo que ocorre ao seu redor.
1
A contação de histórias da liberdade para que o contador atue com e sobre o tex-
to, sempre memorizado. Já a proferição é popularmente chamada de leitura em voz
alta. Elie Bajard (2014) explica que proferir é dizer um texto com todas as palavras
escritas e o recurso do livro impresso nas mãos do mediador, mas sem minimizar a
importância de preparar, entoar ludicamente cada palavra, expressar o sentimento,
literalmente atribuído, assim como deve ser feito na contação.
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Bebeteca: bem-vindos pequenos leitores!!!
3 O PROFISSIONAL DA INFORMAÇÃO NA BEBETECAS:
QUESTÕES PRÁTICAS
Diante das considerações em torno dos aspectos singulares do bebê
e das crianças apresentadas acima, neste tópico, vamos considerar o que
o profissional da informação precisa avaliar ao atendimento a esse público.
Inicialmente, pensamos em como deve ser a organização do espaço da
bebetecas, já que os usuários possuem características próprias que requer
recursos bibliográficos específicos e uma organização lúdica para atender a
essas necessidades (BUENO; STEINDEL, 2006).
Consideramos que é importante que o bibliotecário tenha clareza
de que as regras que ele aprendeu na universidade são importantes, mas
elas não podem ser o único direcionamento de todo seu trabalho. É preciso
que esse profissional, ao escolher trabalhar com bebês, ou crianças muito
pequenas, tenha um perfil mais dinâmico, como também seja leitor de
literatura infantil, conheça livros para a primeiríssima infância, disponha-
se à contação de histórias e se disponibilize na organização das mobílias
especificas para atendimento aos pequeninos.
Pensando por esse prisma, muitos leitores podem considerar que,
para atender aos bebês, a organização desses espaços seja consolidada a
partir de móveis baixos, a fim de que os livros estejam à disposição deles.
Esse é o início do processo; entretanto, para gerenciar uma biblioteca
nos moldes adequados para os bebês, ou crianças muito pequenas, não é
preciso deixar de lado as regras organizacionais; e sim adequá-las ao novo
perfil de usuário.
Existe um conjunto de códigos para classificar e organizar o
material na biblioteca e isso foi criado justamente para favorecer a busca
dos usuários; no entanto, quando se trata de bebês, essas normas precisam
ser adaptadas para que crianças e adultos possam ser atendidos no espaço
de modo eficiente. O profissional pode, a título de exemplo, classificar
os livros de acordo com a CDD, PHA, etc., afinal a biblioteca necessita
estar organizada de modo que os materiais possam ser encontrados e livros
para bebês não sejam apenas de literatura infantil, que seriam inseridos
na categoria 028.5. Existem outros tipos de materiais como: livros de
conceitos que se classificam em generalidades 000, livros bilíngues para
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Juliane Francischeti Martins | Renata Junqueira de Souza | Aline Priscila Daura
ensinar palavras e expressões que facilmente se encaixariam na classe 400.
Assim, considerando a gama de materiais que podem ser
encontrados para a formação do bebê leitor e como eles podem ser
classificados, é preciso também que o profissional conte com um sistema
de registro para que possa encontrá-los e cuidar, mas, assim como na
classificação neste registro, é necessário considerar algumas singularidades
do acervo. Isso por que, quando o profissional se depara com um livro
de literatura infantil, como, por exemplo, “Peter Pan”, é sugerível que o
bibliotecário tenha consciência das diferentes versões, bem como diversas
editoras que fomentam adaptações do mesmo texto literário para as
crianças. Neste caso, pressupõe-se que a CDD e a PHA já dariam conta
de diferenciá-los no momento do registro e organização para um público
maior ou mais familiarizado com a biblioteca. Todavia, quando pensamos
no usuário bebê, a editora e o autor são informações secundárias. Sendo
assim, considerando a relevância do sensorial para o desenvolvimento da
leitura desse usuário, as informações sobre materialidades lhes são caras.
Figura 6: Peter Pan com abas (ap book) Figura 7: Peter Pan em pop up
Fonte: Américo (2020) Fonte: Sabuda (2009)
Se analisarmos a Figura 6, o livro é cartonado, possui cantos
arredondados e abas que podem ser manuseadas pelos pequenos. Já na
Figura 7, temos um livro com figuras que saltam para o leitor, que são
chamadas pop-ups; no entanto, são de papel de gramatura simples e
frágeis. Neste caso, ambos são livros intitulados como “Peter Pan”, mas
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Bebeteca: bem-vindos pequenos leitores!!!
evidentemente apenas um é seguro e pode ser manuseado pelo bebê. Se
seguirmos a CDD, ambos poderiam ser classificados como 028.5. Neste
caso, para diferenciá-los, a fim de que o adulto os localize e entenda o que
é para o bebê e o que é para a criança maior, é preciso que o profissional da
informação pense sobre como criar marcadores.
Na rede municipal de Presidente Prudente, foram criadas algumas
recomendações, tais como: as extensões b (bebê), i (infantil) e j (juvenil)
para a CDD. Dentro desse contexto, a primeira categorização do acervo
contribui para a localização dos livros, o que oferecer um suporte maior
aos pequeninos. Esses marcadores são apenas para os adultos e não fazem
diferença para o usuário pequeno.
Figura 8: Categorização de livro para bebê
Fonte: elaborada pelas autoras
A partir desse viés, a categorização, que mostramos na figura 8,
não é o suficiente para atender as necessidades sensoriais dos pequenos.
Essa é apenas a primeira forma de separar o material. No entanto, é
preciso ainda registrar os tipos e materialidades de livros através dos
seguintes questionamentos: ele é cartonado? Apresenta textura? Que tipo
de interação lúdica ele oferece? Como pode ser observado no Quadro 1,
existem muitas as possibilidades de livros para os pequeninos.
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Juliane Francischeti Martins | Renata Junqueira de Souza | Aline Priscila Daura
Tipo Definição
Livro cartonado Livro construído com papel de gramatura resistente,
uma espécie de cartão que é rígido. O livro pode ser
todo cartonado ou ser parcialmente. Há obras que
produzem capas cartonadas e o interior com folha
mais simples e outras que são cartonadas, mas no
centro trazem um fantoche, dentre outras formas.
Livro de pano “Há uma grande variedade de tecidos disponíveis.
A maioria, no entanto, é derivada decinco tipos de
base: seda, algodão, linho, lã e lã penteada. Tecidos
macios e agradáveis ao toquesão os mais utilizados
na feitura de livros infantis. O tecido tem a positiva
característica depoder ser lavado, é resistente e se
adapta bem à impressão. Tecidos sintéticos também
são usados” (PAIVA, 2013, p. 154). Este tipo de livro
pode possuir uma narrativa, ser apenas com imagens
ou ser de conceitos.
Livro de plástico
ou livro de banho
“Temos hoje no mercado editorial livros
confeccionados em material plástico, atóxico, inodoro
e lavável – sobretudo em poliéster e vinil. Os produtos
são resistentes e de bom apelo visual” (PAIVA, 2013,
p. 153). Este tipo de livro pode possuir uma narrativa,
ser apenas com imagens ou ser de conceitos.
Livro de imagem Livro que possui apenas o texto imagético, as
ilustrações, sem contar com o texto verbal.
Geralmente, as imagens se articulam para que, a
partir delas, o leitor construa uma narrativa, mas não
é uma obrigatoriedade. Embora o livro de imagem não
seja uma materialidade, consideramos importante
deixar esses livros classificados, pois muitas crianças
e adultos os procuram.
Quadro 1: Exemplos de materialidades e interações dos livros para bebês
MATERIALIDADE
(continua)
30
Bebeteca: bem-vindos pequenos leitores!!!
Tipo Definição
Livro pop up ou
livro 3D
Livro tridimensional em que as ilustrações “saltam
para os leitores a cada movimento de virada de
página. “O livro-brinquedo pop up é, assim, um tipo
de origami arquitetônico, uma variação doorigami
tradicional – arte e habilidade de dobrar papel (quase
sempre) sem o auxílio de cola,costuras e grampos.
no origami arquitetônico há uma busca por formas
tridimensionais feitas apartir de cortes e dobras
programadas entre planos de um papel, as quais
surgem como imagensinusitadas a surpreender o
receptor. A ideia básica é gratificar quem abre o
livro em aproveitamento de efeitos visuais dos planos
espaciais multiplicados, inesperados, fantásticos”
(PAIVA, 2013, p. 81).
Livro flap book
ou livro com
janelinhas
Livro com as janelinhas ou abas que a criança levanta
e/ou empurra para descobrir algo por trás delas.
Esse formato de livro geralmente é construído no
cartonado (papel firme), mas é possível encontra-lo
em pano e plástico também.
Livro brinquedo Tem a “função de entreter, alegrar, levar à ação,
valorização da plasticidade editorial artística, a
performance, a tecnologia gráfica, lugares de passeios
sensoriais”. [...] O livro-brinquedo tem uma força
comunicativa em sua apresentação formal-visual-tátil
(SOUZA; BORTOLANZA, 2012, p. 14). Qualquer
materialidade de livro pode ser brinquedo quando o
literário e o lúdico se fundem.
Livro fantoche Livro que vem com bonecos, sejam eles acoplados
em suas estruturas sendo o livro cartonado, com um
espaço no centro de onde surge o fantoche ou um
livro de qualquer materialidade que tem um fantoche
como auxiliar para a leitura, ou uma luva que o leitor
veste, cada dedo traz um personagem e, na palma da
mão, há o livro.
INTERAÇÃO
(continuação)
31
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Tipo Definição
Livro cineminha
ou flip book
“Flip book, filho adotivo do cinema, cria a ilusão óptica
do cineminha quando folheado, através da velocidade
e projeção do pertencimento das cenas” (PAIVA,
2013, p. 107). Outra forma de apresentação desse
tipo de obra é quando o livro vem com uma espécie
de tela de papel branco, moldes dos personagens da
história e com uma lanterna de modo que a criança
ou um adulto possa manusear as figuras e projetá-las
na parede.
Livro móbile “Livros-móbile também atraem por sua suspensão e
movimento, usados em berços, carrinhos de bebê e
similares” (PAIVA, 2013, p. 107). Esse tipo de livro
pode ser de diferentes materialidades e pode trazer
uma narrativa ou ser apenas um livro de conceitos.
Livro folder ou
livro sanfonado
São livros construídos, geralmente, com o papel
cartonado e que possuem vincos que os deixam
maleáveis para ser manuseado pelo leitor. Essa obra
é interessante, pois a criança pode, inclusive, criar
formas com o livro.
Livro maletinha São livros com formatos de bolsas e maletas que a
criança pode transportar como se fosse o objeto mala,
mas em seu interior tem uma história. Existem livros
em que as páginas estão unidas a maletinha e outros
com fichas que são retiradas da maleta e manuseadas.
Livro sensorial Livros que trabalham com o “prazer sensorial, vontades
primárias (ver, olhar, tocar, sentir)” (PAIVA, 2013,
p. 99). Eles podem ter cheiros e texturas diferentes
e serem produzidos com diferentes materiais como
cartonado, tecido, plástico, etc.
Livro transmídia Livros que oferecem a oportunidade de a mesma
história ser usufruída de modos diferentes como o
papel e a tela. Esse consumo pode, inclusive, ocorrer
de maneira simultânea, já que as projeções da tela e
do papel se coordenem para formar um só texto.
Fonte: elaborado pelas autoras
INTERAÇÃO
(conclusão)
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Bebeteca: bem-vindos pequenos leitores!!!
Diante dessa infinidade de materiais que existem para bebês e
crianças muito pequenas, essas informações sobre materialidades e formas
de interação nos são caras quando lidamos com leitores sensoriais. Neste
caso, podemos pensar em uma “subclassificação” ou novos marcadores
coloridos, como, por exemplo, livros de plástico recebem a cor laranja em
uma etiqueta ou um traço na etiqueta branca com essa cor.
Na biblioteca infantil do Centro de Formação Permanente dos
Profissionais da Educação de Presidente Prudente (CEFORPPE), não
atendemos bebês, mas recorremos a essa técnica de “subclassificação
e criamos marcadores de acordo com os assuntos mais sondados pelos
professores e os classificamos em diferentes cores. Para a criança que
manuseia o material, é apenas um risco colorido na etiqueta e poucas
questionam o significado, mas para o adulto é um recurso visual significativo
de busca como podemos observar nas imagens 9 e 10. Que faz grande
diferença, sobretudo quando aplicada em bibliotecas escolares que não
contam com um sistema de gerenciamento de bibliotecas ainda.
Figura 9: Exemplo de marcadores de cores
Fonte: elaborada pelas autoras
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Figura 10: Exemplo de etiquetas com cores
Fonte: elaborada pelas autoras
Como pode ser observada na imagem 10, a classificação principal
do material é a CDD com a extensão que lhe convém (b, i ou j) e a PHA,
mas, juntamente com elas, há uma orientação por cores para adaptar os
sistemas de classificação para, também, atender aos usuários maiores
e focar nos assuntos. No caso de uma biblioteca que atenda bebês, essa
mesma lógica poderia ser aplicada e esses marcadores coloridos poderiam
tomar outras denominações como podemos ver um exemplo no Quadro 2.
Quadro 2: Sugestões de marcadores para livros de bebês
Cor Materialidade
Amarelo escuro Livro de imagem
Bege Livro de pano
Laranja Livro de plástico
Rosa claro Livro pop up
Pink Livro flap book
Vermelho Livro brinquedo
Cor Materialidade
Vinho Livro fantoche
Roxo Livro cineminha
Azul escuro Livro móbile
Azul claro Livro maletinha
Azul claro Livro sensorial
Cinza Livro transmídia
Fonte: elaborado pelas autoras
(continua) (conclusão)
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Feita essa opção por um tipo de classificação, o profissional da
informação necessita pensar em como organizar os materiais no espaço
de modo que os adultos e crianças possam usufruir dos acervos e tomá-
los emprestados. A princípio, observando as escolas que atendemos
em Presidente Prudente – SP, muitos optam por deixar os livros em
estantes, expositores ou caixas baixas que as crianças possam manusear
sem a preocupação de organizar sistematicamente o acervo. A pergunta
é: se o acervo está apenas catalogado e disposto sem sistematização em
caixas ou estantes, como encontrar uma obra específica que o cientista
da informação acha que pode agradar a um determinado bebê ou que um
professor veio solicitar empréstimo?
Pensando nisso e na necessidade dos bebês de diferentes estímulos
na bebeteca, é preciso que se organize e sistematize o acervo. Além disso,
o profissional da informação tem que saber do que ele dispõe para oferecer
aos usuários e o que necessita ser reposto conforme vai sendo danificado
pelo uso, se não por outra obra idêntica, por uma que ofereça os mesmos
estímulos da anterior e, somente com organização isso é possível.
Motoyama (2020) pensou na parte da organização dos móveis para
o espaço da bebeteca e sugeriu dois tipos de estantes (figura 11 e 12) para
o atendimento de crianças de 0 a 3 anos (podendo ser estendido até os 6
anos se necessário com adaptações) e um expositor (figura 13).
Figura 11: Book boxes browser com três repartimentos
Fonte: Motoyama (2020, p. 207)
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Figura 12: Book boxes browser com três repartimentos
Fonte: Motoyama (2020, p. 207)
Esses móveis consideram as necessidades sensoriais dos pequeninos
de ter acesso e manusear livremente os livros, por isso, as obras não vão mais
ficar expostas lateralmente como na biblioteca convencional. As crianças
necessitam ver suas capas. Diante disso e da probabilidade de os livros para
os pequenos serem mais finos que os livros para jovens leitores, a etiqueta
de lombada pode ir para a parte frontal da obra (figura 13) assim, todos que
procurarem os livros passando de um para o outro poderá encontrar o que
busca.
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Bebeteca: bem-vindos pequenos leitores!!!
Figura 13: Etiqueta de lombada na capa
Fonte: elaborada pelas autoras
Além disso, os expositores (Figura 14) também podem ser uma boa
alternativa para deixar as obras recém-chegadas ou as “queridinhas” dos
bebês em evidência, seguindo, por exemplo, o modelo de uma biblioteca
adulta. Inclusive, a cada seis meses ou um ano o ideal é que o profissional
da informação faça um balanço das obras que estão muito deterioradas e
adquira novos livros com materialidades similares ou iguais para que nunca
faltem obras com apelos diversos para os bebês. Nesse processo de análise
de material, descobrem-se os favoritos dos usuários, pois geralmente serão
os mais danificados por uso.
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Figura 14: Expositor de livros
Fonte: elaborada pelas autoras
Para organizar o acervo nesses Book boxes browser e expositores, a su-
gestão é que se siga uma sistematização em que os livros possam ser encon-
trados como, por exemplo, cada espaço do Book boxes browser compreende-
ria a uma letra do alfabeto e os livros seriam organizados pelo sobrenome do
autor, assim, sempre que o bibliotecário for questionado sobre determinada
obra, ele busca no sistema e se a possuir, pega no espaço que contempla o
sobrenome daquele autor (Figura 15).
Figura 15: Exemplo de organização de Book boxes browser com três
repartimentos
Fonte: Montoya (2020)
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Bebeteca: bem-vindos pequenos leitores!!!
Essa organização necessita ser mantida, mesmo sabendo que os
bebês não vão respeitá-la, pois ela é apenas para que os adultos encontrem
o que procuram no espaço, assim como as etiquetas e suas marcações
coloridas. Por isso, ao final de cada dia, é preciso que o bibliotecário tire
um tempo para reorganizar os livros e deixá-los de modo que possam ser
encontrados. Nesse processo de reorganização, ele também já vai avaliando
o estado de conservação de cada obra e realizando os reparos necessários.
Por fim, pensar na qualidade do acervo que será exposto e oferecido
aos pequenos também é uma etapa muito importante. Conforme
apresentado no Quadro 1, são muitas as materialidades que o mercado
editorial produz. Desse modo, é preciso considerar alguns aspectos antes
de comprar a obra: o primeiro deles é quem a assina? Muitos livros infantis
são escritos só pela editora e é preciso considerar que as obras de qualidade
têm autores, como também ilustradores a quem precisam ser apresentados
não apenas para os bebês, mas para os pais que serão também usuários do
espaço e que poderão comprar outros materiais dessas pessoas. A lógica
desse critério é: se o produto é bom, tem alguém que se responsabiliza por
ele, caso o livro não tenha uma autoria? Como saber quem o fez e quais os
parâmetros que foram usados em sua constituição?
Para além da leitura da capa em busca de autoria, Feba e Valente
(2016) apontam para três dimensões que precisam ser consideradas em
uma obra de literatura infantil antes de ofertá-la as crianças: dimensão
material, dimensão verbal e dimensão não verbal.
Quadro 3: Elementos a se considerar na escolha do livro para bebês ou
crianças
Dimensão Definição O que observar
Material “A dimensão material diz respeito ao
livro como suporte, objeto, feito de
determinados materiais, como formato
específico, capas, orelhas, lombada,
folha de rosto, folhas de guarda,
encartes” (FEBA; VALENTE, 2016,
p. 134)
• Formato;
• Capas;
•Dobraduras;
• Interatividade.
(continua)
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Dimensão Definição O que observar
Verbal “[...] uma narrativa interessante
à criança leitora não tem de dizer
“tudo”. Conforme Ferreira (2012 apud
FEBA; VALENTE, 2016, p. 140), a
obra literária, “por meio de lacunas,
solicita que o leitor interaja com o
texto em busca do sentido do que
não é enunciado, mas pressuposto” o
que, conclui a autora, leva a um prazer
decorrente dessa estrutura lacunada,
mobilizando a imaginação e a dedução
• Ler o texto e os
paratextos;
• Identificar se é
narrativa ou poesia
e buscar elementos
de trabalho artístico
com a linguagem.
“[...] a poesia tem sua força justamente
na captação do instante, do momento,
do sentimento diante de si, do mundo,
do outro, por meio de uma voz poética,
de um “eu lírico”, que não pretende
narrar algo, antes apela-se a dimensões
do ouvir (a musicalidade, o ritmo), do
visualizar (as imagens ou impressões)
e do pensar (os sentidos) do texto em
relação ao leitor” (FEBA; VALENTE,
2016, p. 141).
De acordo com os autores, a boa poesia
age em três níveis de compreensão
infantil:
“[...] no sonoro, por meio da
musicalidade dos versos; no visual, por
meio dos indícios da cena; no reflexivo,
ativando a razão para compreender o
sentido do poema. Essas três dimensões
interagem, pois, de modo sinestésico
e, concomitantemente, reflexivo,
criando conexões pertinentes entre
a sensibilidade do leitor, as possíveis
experiências de mundo que tem ou virá
a ter e a consciência sobre o potencial
semântico das palavras” (FEBA;
VALENTE, 2016, p. 142).
(continuação)
40
Bebeteca: bem-vindos pequenos leitores!!!
Dimensão Definição O que observar
Não verbal A ilustração dá conta do não verbal no
texto e ela precisa ser artística, pluris-
significativa e atuar nos silêncios das
palavras ampliando as possibilidades de
leitura da criança para além do verbal.
• O que o texto traz
é uma ilustração
com característica
de arte ou apenas
um desenho sim-
ples?
Fonte: adaptado de Feba e Valente (2016)
Com efeito, entendemos que é necessário que o profissional da
informação conheça e tenha dominância do usuário, assim como do acervo
para poder orientar quem leva a criança não apenas dizer que determinada
obra “é boa”, mas com base na idade do bebê, no conhecimento técnico
sobre livros que possui no acervo e no conhecimento sobre a própria criança
(se esta for um usuário frequente) oferecer o certo para aquela criança.
4 O PROFISSIONAL DA INFORMAÇÃO E A MEDIAÇÃO NA
BEBETECAS: GESTOS EMBRIONÁRIOS DE LEITURA
A partir da compreensão de que as crianças necessitam ser
humanizadas e, para entrarem em atividade precisam de estímulos,
alguns autores como Modesto-Silva (2019), Girotto (2016), Girotto e
Souza (2015) e Marcolino (2013), que estudam a PHC discutem ações
pedagógicas que apoiam o desenvolvimento das capacidades leitoras dos
bebês. Neste último tópico, após explicarmos como é o usuário bebê e como
deve ser o espaço organizado para ele, vamos apresentar possibilidades de
mediação desenvolvida com ele através dos gestos embrionários de leitura
(Figura 16).
Girotto e Souza (2015), com base em Marcolino (2013), criam esse
esquema da figura 16 para explicar que o ler com e para os bebês é algo além
da alfabetização e pressupõe uma experiência sensorial, em que os sentidos
estão a serviço da aquisição da cultura humana. As autoras orientam que
as ações devem ser desenvolvidas para a formação das capacidades leitoras
nas crianças desde bebê, considerando os objetos e o meio do qual eles
fazem parte sem ignorar o papel do mediador que irá intervir diretamente
(conclusão)
41
Juliane Francischeti Martins | Renata Junqueira de Souza | Aline Priscila Daura
na zona de desenvolvimento iminente de cada um de modo individual.
Assim, a organização dos espaços de leitura, de modo geral refletirá na
formação pessoal de cada sujeito.
Figura 16: Dimensões dos gestos embrionários do ato de ler
Fonte: Girotto e Souza (2015)
42
Bebeteca: bem-vindos pequenos leitores!!!
Girotto (2015), durante uma exposição realizada no IV Congresso
Internacional de Literatura Infantil e Juvenil, chamou atenção dos presentes
para uma singularidade da primeira infância: não é possível ensinar crianças
tão pequenas a lerem no sentido convencional da palavra (alfabetização),
mas já podemos criar nelas a necessidade do ato de ler ao ensiná-las as
capacidades de leitura ou os gestos culturais de tal ato como, por exemplo,
usar uma biblioteca. Dessa maneira, não se enfoca a alfabetização nesta
época da vida infantil, mas sim o aprimoramento da ação na zona de
desenvolvimento iminente para, a partir da mediação, prepará-las para o
futuro tomando o caminho da arte como parte do processo humanizador.
Essa ênfase no desenvolvimento adequado de cada período é
fundamental para a vida futura das crianças conforme defendeu Vénguer
e Vénguer (1993) ao explicarem que cada conquista auxilia na formação
de novas propriedades e capacidades psíquicas que vão se aprimorando e
servindo de base para novas conquistas como uma cadeia permanente em
que para desenvolver um nível é preciso que tenha uma base inicial que se
formou na etapa anterior.
Modesto-Silva (2019) estudou e analisou profundamente cada um
dos gestos embrionário de leitura, e propôs algumas ações que podem ser
realizadas pelos mediadores para levar o texto ao bebê e formá-lo para
o universo da leitura apresentando os modos de trabalho que podem ser
desenvolvidos a partir de cada um deles. A sistematização desenvolvida
pela pesquisadora está apresentada no Quadro 4:
43
Juliane Francischeti Martins | Renata Junqueira de Souza | Aline Priscila Daura
Quadro 4: Dimensões dos gestos embrionários do ato de ler
Dimensão dos gestos embrionários Considerar nas intervenções
Espaço-temporal
 Onde se lê
 Prevê o arranjo do lugar
onde seria dita ou contada a
história
 Prepara a atividade em um
tempo específico
 Onde será dita/contada a
narrativa
 Disposição do espaço
 Uso de cenário, decoração
específica
 Que nível de autonomia
e liberdade haverá para os
pequenos
 Como as crianças serão
agrupadas (grande
grupo, pequenos grupos,
individualmente)
 Quando se lê
 Frequência e duração de
leitura
 Quando ocorrerá a
intervenção
 Quanto tempo durará
 Que momentos serão
utilizados (livres,
direcionados, duração)
 Quantas vezes por dia/
semana
Objetal
 Livros oferecidos e
disponibilizados
 Acesso a livros de diferentes
materialidades e gêneros
 Outros objetos que
complementam a interação
com o livro
 Critérios de seleção dos
livros a serem apresentados e
oferecidos
 Apresentação de novos livros
aos já conhecidos e preferidos
 Utilização de objetos
diversos para promover a
compreensão da narrativa e a
interação
(continua)
44
Bebeteca: bem-vindos pequenos leitores!!!
Dimensão dos gestos embrionários Considerar nas intervenções
Modal
 Como se partilha o texto
(verbal ou não verbal) do
livro
 Modos de ler
 Recursos e técnicas
utilizadas
 Posturas e conduta durante
a mediação da leitura
 Interação entre a criança e o
livro, a criança e o mediador,
a criança e os colegas
 Escolha por dizer, contar ou
dramatizar
 Emprego de música ou
instrumentos musicais
 Narrativa com o livro,
simples narrativa, fantoches,
dedoches, luva, caixa de
contação, gravuras (principais
ilustrações ampliadas),
tapete, avental, bonecos de
vara, cineminha, flanelógrafo,
ilustrações, interferência
dos ouvintes, teatro de
sombras, desenhos, objetos e
instrumentos
 Criança no colo, ao lado, face
a face
 Utilização das estratégias
de leitura que estimulam
o diálogo (completar a
frase, recordar o lido,
perguntas abertas, questões
gerais, distanciamento do
livro), além de outras que
possibilitam a avaliação, a
expansão e a repetição do
texto (conhecimento prévio,
conexão, visualização, síntese,
inferência, sumarização e
questionamento)
Relacional
 Com quem se partilha o
texto do livro
 Com quem se conversa a
respeito do dito ou contado
 Relação estabelecida entre
o leitor e o livro, o leitor e o
espaço
 Vínculo construído entre
criança e a voz que narra
 Com a mediadora
 Com a voz narradora
 Com as demais crianças
 Consigo mesmo
 Com o espaço
 Com o livro
 Com a narrativa
Fonte: Modesto e Silva (2019, p. 124)
(conclusão)
45
Juliane Francischeti Martins | Renata Junqueira de Souza | Aline Priscila Daura
Nesse Quadro 4, vemos uma organização dinâmica que pode ser
utilizada no planejamento do trabalho do bibliotecário para que ele se
aparelhe não apenas para oferecer o livro aos bebês, mas também crie
um ambiente adequado para o desenvolvimento da prática de leitura e
contação de histórias, uma interação pessoal e íntima entre os adultos e os
pequenos, assim como uma escolha de materiais que para além das letras
tragam materialidades para serem sentidas, saboreadas e ouvidas.
Com base neste quadro e na organização dos gestos embrionários
de leitura de Girotto e Souza (2015), entendemos que todas as crianças
podem e devem ter acesso a bons livros e espaços de leitura, mas para
isso, é preciso considerar onde vai ser realizada a leitura para cada criança
em diferentes períodos do desenvolvimento, os tipos de livros que serão
oferecidos e preparar quem e como se lerá para as crianças.
Os mediadores devem ter claro que não basta oferecer o livro, é
preciso estabelecer um motivo para aproximar a criança do objeto. No caso
da criança na bebeteca ela sente o desejo de brincar e o livro é o objeto que
ela dispõe para isso. Logo, a necessidade do lúdico direciona os pequenos
ao livro, mas para chegar nele é preciso traçar objetivos que serão suas
ações que determinarão se conseguirá pegar ou não o livro, manuseá-lo ou
não e como será sua experiência. O papel do profissional da informação é
deixar o livro “certo” no lugar “certo” para que os pequeninos vivam uma
experiência significativa de leitura.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das discussões até aqui apresentadas, definimos que a
bebeteca precisa ser um espaço que faça sentido tanto ao olhar dos
adultos quanto ao das crianças pequenas, deve ao mesmo tempo permitir
a identificação e uso dos materiais por esses dois tipos tão distintos de
usuários; assim, torna-se essencial que esse espaço seja visto, antes de
qualquer coisa, como uma biblioteca especializada no atendimento de
bebês e que, portanto, siga as normas de biblioteconomia, mas com as
devidas adequações ao público que atenderá.
Distanciando do um senso comum em torno das bebetecas, que as
coloca como um espaço sem organização, onde se “amontoa sem critério
46
Bebeteca: bem-vindos pequenos leitores!!!
materiais e móveis coloridos que ninguém sabe ao certo como devem ser
usados, percebemos que é um lugar que favorece a socialização do bebê
com o mundo, da leitura e do adulto desde seu primeiro ano de vida. E, para
o adulto, esse deve se configurar como um lugar onde ele possa encontrar
materiais de qualidade para seu bebê e informações sobre o bebê leitor.
Os bebês leem o mundo desde que nascem e, portanto, também
podem ler os livros por meio de receptores sensoriais e dos sentidos
corporais. Por isso, todos esses estímulos devem ser considerados no
momento da escolha dos materiais de leitura que irão compor a bebeteca,
porque, na falta da leitura formal, os pequenos compensam lendo o mundo
com seus demais sentidos de forma muito mais sensível e perceptível.
Em se tratando do atendimento de leitores sensoriais, que não
verbalizam de quais livros mais gostaram ou não, é através da observação
como esses leitores “consomem” os livros e do desgaste das obras que
identificaremos as favoritas dos usuários. Além disso, com a correta
orientação, o adulto responsável pelo bebê pode passar a fazer esse tipo
de observação e nos oferecer feedbacks sobre os gostos desse leitor em
formação.
Portanto, considerando essa humanização dos bebês precisamos
ponderar que estes são leitores com gostos específicos e não mais
podemos oferecer-lhes qualquer material e esperar que os agrade, temos
a responsabilidade de localizar de forma eficiente e eficaz as obras que
mais fazem sentido para o momento específico da vida do pequenino e
oferecendo-lhes um trabalho bibliotecário de qualidade. Neste sentido,
a organização sistemática do espaço, muito embora não faça sentido aos
olhos dos bebês, expressa o respeito que temos por ele enquanto leitor, pois
soma a efetiva mediação entre usuário e livro material de interesse. Não só
aos pequenos, mas aos adultos que lhes acompanham e são conhecedores
de seus gostos.
Para além de livros, atividades de mediação de leitura devem ser
oferecidas aos pequenos leitores no espaço da bebeteca e sempre levando
em consideração a característica mais marcante desse tipo de leitor, o fato
dele ser sensorial, então atividades dinâmicas e lúdicas para serem ouvidas
e apreciadas não só pelos pequenos mas por seus acompanhantes que aos
poucos podem entender que o espaço da bebeteca é importante para além
47
Juliane Francischeti Martins | Renata Junqueira de Souza | Aline Priscila Daura
do aprendizado a língua formal que aquele indivíduo ainda não é capaz
de elaborar, mas para o desenvolvimento psíquico e motor por meio de
diversos estímulos que os inserem enquanto indivíduo na cultura em que
vive.
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Bebeteca: bem-vindos pequenos leitores!!!
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51
INFORMAAÇÃO: CRIANÇAS COM AUTISMO E COM
PSICOSE E O USO DA INFORMAÇÃO
1 INTRODUÇÃO
Desde meados do século passado e, especialmente, a partir do início
do século XXI, no Brasil, as políticas de inclusão vêm ganhando espaço nas
diretrizes educacionais brasileiras, de forma a garantir a escolarização de
pessoas com necessidades educacionais específicas. Portanto, assistimos
a um número significativo de alunos com Autismo e com Psicose
matriculados nas escolas regulares, tanto em Classes Especiais como em
classes comuns.
Sendo, então, a educação um processo de humanização, a escola
é uma instituição social, promotora deste processo. Ou seja, por meio da
educação o sujeito tem contato com a cultura mais elaborada ampliando
seus conhecimentos, sendo capaz de agir em seu meio, refletir sobre suas
atitudes, valores e agir com o objetivo de sempre procurar melhorar as suas
condições sociais. Na escola há encontros, vivências das relações humanas
e intercâmbio de valores e princípios de vida.
O tema da inclusão escolar de crianças e adolescentes com
Transtorno Global de Desenvolvimento (TGD), vem sendo sensivelmente
discutido em todos os segmentos sociais, proposto com maior ênfase a
partir da década de 80, onde a proteção às pessoas com deficiência
ou necessidades especiais passou a integrar as normas constitucionais
brasileira, na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1999). A partir de
então, graças à mobilização e pressão social, criaram-se dispositivos legais
em áreas como Educação, Trabalho, Saúde, Assistência Social e em um
Capítulo 2
Cleide Vitor Mussini Batista
52
In-forma-ação: crianças com autismo e com psicose e o uso da informação
campo amplo e normativo sobre acessibilidade, para garantir acesso aos
direitos sociais com equidade às pessoas com deficiência.
Além das leis, várias iniciativas e mobilizações realizadas, resultaram
em conquistas significativas nas questões voltadas a inclusão, fruto de muito
envolvimento por parte das crianças e adolescentes com Transtorno Global
de Desenvolvimento, suas famílias, as associações de defesa e instituições
de ensino e de atendimento e apoio, que historicamente assumiram a luta
e a causa pelos direitos desse segmento.
Frente a este, algumas inquietações acerca da inclusão dessas
crianças com autismo ou com psicose, ainda se fazem presente, bem como
indagações por parte do professor e, demais da equipe pedagógica da
escola, incluindo aqui o bibliotecário: como ensinar/atender crianças que
muitas vezes não falam, não sentam, não estão inseridas no mundo das
leis e das regras? Como pensar a melhor forma de atender/trabalhar com
estas crianças nos espaços escolares, mais especificamente na biblioteca?
O que o bibliotecário precisa saber acerca deste usuário?
Entre as necessidades específicas apresentadas por estas crianças
que são as mais variadas, neste artigo temos como objetivo discorrer acerca
da criança com autismo e com psicose e o uso da informação.
Para tal, sentimos a necessidade de abordar as especificidades do
autismo e da psicose, numa concepção psicanalítica, bem como acerca do
trabalho desenvolvidos com estes meninos e meninas que frequentam a
Classe Especial TGD da escola regular de ensino – Anos iniciais do Ensino
Fundamental, balizado por tal teoria.
2 AUTISMO E PSICOSE
É recente a abordagem sobre a constituição do sujeito no autismo
porque a própria clínica do autismo é recente. Mas, podemos dizer que são
várias as contribuições psicanalíticas que fornecem material teórico-clínico,
ampliando a compreensão acerca dessa “síndrome”. Destacaremos algumas
dessas contribuições provenientes das correntes, mais especificamente da
corrente francesa.
Antes de percorrê-la, ressaltamos que, segundo Batista e Piltz
(2010) neste vasto contexto psicanalítico, privilegia-se a dimensão
53
Cleide Vitor Mussini Batista
do psiquismo e não mais a ordem do orgânico, abordando um “sujeito
psíquico”, no qual “nascimento” e “destino” serão decididos, sobretudo,
numa relação com outro ser humano, que procurará atender (ou não) as
suas carências biológicas e simbólicas. Entretanto, como veremos, essas
diversas contribuições psicanalíticas, apesar de pertencerem a um mesmo
campo de saber, baseiam-se em conotações distintas quanto ao estatuto
deste “sujeito psíquico”, às vicissitudes pelas quais este sujeito passa no
percurso de sua constituição e às tramas características de um enlace com
outro ser humano.
Para as autoras, as contribuições psicanalíticas provenientes da
escola francesa, apoiando-se na corrente estruturalista da psicanálise,
rompem radicalmente com os princípios básicos que serviram de
sustentação para as linhas norte-americana e inglesa. Produzem um
campo de discussão diferente, baseando-se nos seguintes pressupostos:
1) A linguagem é o eixo central da constituição do sujeito psíquico; 2) O
sujeito psíquico se caracteriza por uma cisão: eu do enunciado (eu - moi) e
eu da enunciação (eu - Je); 3) A constituição psíquica ocorre por meio de
etapas lógicas, onde as posteriores re-significam as anteriores; 4) A relação
com o Outro, representante do tesouro de significantes e da articulação
de significação sociais, permite que o sujeito organize um saber sobre si
mesmo, sobre os objetos e sobre o outro; 5) A noção de estrutura psíquica
implica numa topologia de corte e de borda.
Neste contexto da corrente estruturalista da psicanálise, segundo
Batista e Piltz (2010) para que um sujeito psíquico possa utilizar a linguagem
em seu pleno exercício (polissemia, homofonia e homografia), é necessário
apelar, juntamente, para o funcionamento dos três eixos que comportam
uma estrutura psíquica: real, simbólico e imaginário. Em outras palavras,
faz-se necessária uma base orgânica consistente (dimensão do real) que
possa sustentar a inscrição da letra no corpo da criança (dimensão do
simbólico). Além disso, por sua vez, os significantes advindos do discurso
parental vão marcando o corpo da criança, contornando as bordas, por
eles, esculpidas, transformando os orifícios corporais em zonas erógenas.
Desta forma, vão se organizando as funções autônomas do ego (dimensão
do imaginário), ferramentas imprescindíveis para se viver em comunidade.
Para observarmos como esses elementos se posicionam em relação
54
In-forma-ação: crianças com autismo e com psicose e o uso da informação
a criança com autismo e a criança com psicose, inicialmente, abordaremos
suscintamente, as contribuições teóricas de duas grandes psicanalistas
de criança na França: Françoise Dolto e Maud Mannoni. Essas autoras
não trataram o autismo enquanto uma estrutura clínica especifica, mas
o situaram dentro do campo das psicoses, não o isolando dentro deste
campo, localizando tal problemática em torno da posição da criança frente
à linguagem.
a) Françoise Dolto
Dolto (1988), psicanalista francesa, fundamentou a sua clínica
na corrente estruturalista da psicanálise, sendo pioneira no atendimento
de crianças na França, mais particularmente, no tratamento de crianças
psicóticas. Para pensar acerca das vicissitudes da constituição subjetiva,
esta autora trouxe à tona a posição da criança frente à linguagem,
como ser portador da palavra, possibilita pelo complexo de castração,
em que o significante paterno ocupa um lugar crucial. Assim, produziu
um redimensionamento nas concepções teóricas em torno das psicoses
infantis, opondo-se aos autores ingleses e americanos que situavam
fundamentalmente a problemática dessas crianças na relação imediata
mãe-bebê ou no defeito do seu equipamento biológico.
Partindo do pressuposto de que não existe nada mais humano do
que a própria linguagem, definiu a psicose infantil como uma experiência
de desumanização, já que a criança psicótica estaria excluída do campo da
linguagem. Saindo de um referencial evolucionista, onde reina o tempo
cronológico, esta perspectiva estruturalista se baseia no “tempo lógico”,
classificando, assim, os seguintes grupos de psicoses: 1) Psicoses pré-
especulares: anteriores a precipitação do ego na alienação primordial da
fase do espelho; 2) Psicoses especulares: relativas às próprias perturbações
da vida imaginária.
Dessa forma, enquanto nas psicoses pré-especulares, as crianças
não se beneficiam da situação imaginária, assumindo uma imagem
especular, que as libertaria do fantasma do corpo esfacelado; nas
especulares, as crianças ficariam presas nas amarras imaginárias da fase
do espelho, onde a mãe é o “outro” (semelhante) e, por conseguinte, lei
insensata, submetendo-as aos caprichos de seu desejo.
55
Cleide Vitor Mussini Batista
Para a autora, o ponto determinante na gênese das psicoses
seria a impossibilidade da mãe, enquanto “outro” (semelhante), permitir
a passagem ao “Outro” (função paterna). Para que esta passagem seja
viável, é preciso que, na relação especular, esta mãe desvie o olhar para
um terceiro, descentrando o filho da posição fálica. Porém, como o pai-
marido não se constitui objeto do seu desejo de mulher, ela não viabiliza
o descentramento fálico, permanecendo a criança neste lugar de falo.
Dessa forma, a mãe não daria passagem à palavra paterna, na relação com
a criança, aparecendo os fenômenos de privação simbólica, determinantes
da psicose. Para a autora, “toda substituição do papel do pai pela mãe é
patogênica, quer a mãe decrete a insuficiência do pai, colocando-se no
lugar dele, quer ele esteja ausente, ou ainda quer ela não se refira ao seu
desejo a ele”.
Nesse sentido, a experiência de humanização, a que essa teoria faz
referencial, está diretamente ligada à possibilidade que a criança tem de
escapar da alienação à palavra do “outro” e ascender à posição de sujeito
falante, ou seja, de sujeito do seu próprio desejo, condição esta vetada às
crianças psicóticas. Contudo, Dolto (1984) não somente apontou para
a possibilidade de tratamento psicanalítico para as psicoses infantis, mas
também para uma intervenção de caráter preventivo em torno das causas
desta patologia. Desta forma, ela realizou trabalhos voltados para uma
educação profilática das relações pais-filhos. A sua teoria, ainda, segundo
Batista e Piltz (2010) ampliou os seus efeitos para a área da educação, à
medida que ela denunciou que a escola e a sociedade também promovem
experiências de desumanização, cercando drasticamente a liberdade da
criança.
b) Maud Mannoni
Mannoni (1999), psicanalista francesa de crianças, é considerada
uma “peça” fundamental na França, no que diz respeito ao tratamento
psicanalítico de crianças psicóticas, tendo como referencial os ensinamentos
de Lacan. Esta autora partiu do pressuposto de que, ao nascer, uma criança
é marcada não apenas pela maneira como foi esperada pelos pais durante a
sua gestação, mas também pelo que ela vai significar, para cada um deles, em
função das suas próprias histórias familiares. Desta forma, a “sua existência
56
In-forma-ação: crianças com autismo e com psicose e o uso da informação
real vai chocar-se assim com as projeções paternas inconscientes donde
vem os equívocos”.
Sendo assim, para Batista e Piltz (2010) quando uma criança é
acometida por um sintoma e, por conseguinte, é levada a uma análise por
seus pais, ela deve ser situada em relação a toda história familiar, ou seja,
a criança, que se nos traz, não está só, ocupa no fantasma de cada um dos
pais um lugar determinado.
Neste contexto, adentrando-se mais particularmente na gênese da
psicose, Mannoni (1999) apontou para o fato de que esta problemática diz
respeito a um fracasso da criança frente à palavra dos pais, principalmente
da palavra materna, já que viabilizaria (ou não) a função paterna. Portanto,
“a doença da criança constitui o próprio lugar da angustia materna, uma
angustia privilegiada que geralmente interfere na evolução edípica normal”.
Em consequência disso, o psicótico assume uma particular posição no
campo do desejo materno. A criança psicótica aliena-se numa parte do
corpo, em decorrência do não reconhecimento pelo Outro de sua condição
de sujeito desejante. Desta forma, segundo Batista e Piltz (2010) a relação
com a mãe perdura num terreno em que a criança não tem outra saída
senão renovar indefinidamente uma procura, sem ter jamais o direito de se
assumir como desejo.
Assim, para as autoras o tratamento analítico prioriza o que se passa
no discurso, quer dizer, o lugar donde o indivíduo fala, a quem se dirige e para
quem. Quanto ao adestramento educativo, Mannoni (1999) afirmou que
se é capaz de fazer com que elas pronunciem algumas palavras, dirigem-na
para o caminho da ecolalia, intensificando o quadro de desumanização em
que elas se encontram. Nesse sentido, caberia às instituições sociais não
barrar a circulação da loucura, mas recepcioná-la e compreendê-la.
Desta forma, segundo Batista e Piltz (2010), Mannoni engajou-se
em elaborar propostas de modelos institucionais, que pudessem recepcionar
adequadamente a palavra das crianças psicóticas. Fundou uma instituição
nomeada “Bonneuil”, sendo antes um “lugar de vida”, privilegiando o circuito
do desejo das crianças, do que propriamente um lugar de tratamento (que,
quando é feito, se dá fora da instituição), embora tenha sido pensada por
psicanalistas. Esta instituição oferece também regularmente à criança
psicótica a oportunidade de estadas no campo (lugares isolados, haras,
57
Cleide Vitor Mussini Batista
regiões de pastoreio), com famílias de criação, na medida em que acredita
que dessa oscilação de um lugar para outro [possa] emergir um sujeito
que se interrogue sobre o que quer. Nesses deslocamentos, convivendo
com pessoas diferentes, implicando em outras relações sócio-econômicas,
poderá haver uma ruptura do discurso cristalizado mantido pela criança e
seus familiares.
Em continuidade a esta breve revisão da literatura psicanalítica
de linha francesa sobre o autismo, abordaremos autores mais recentes,
a saber, Marie Christine Lasnik-Penot e Alfredo Jerusalinsky, os quais,
segundo Batista e Piltz (2010), também, são unânimes em apontar que
a problemática central do autismo se refere à posição peculiar da criança
frente à linguagem. Entretanto, tais autores tentam situar o autismo
dentro da ideia de estrutura clínica, delimitando as especificidades de
seu funcionamento. Desta forma, tomam o autismo como uma estrutura
psíquica particular, isto é, como uma quarta estrutura, diferenciando-a da
estrutura psicótica.
a) Marie Christine Lasnik-Penot
Desenvolvendo a clínica do autismo, há aproximadamente três
décadas, Laznik-Penot (1991) considerou essa síndrome como um fracasso
da primeira estrutura do aparelho psíquico, à medida que as crianças
autistas, na impossibilidade em que se acham de constituir uma relação
qualquer com outro semelhante - nem que seja de alienação - situando-se
necessariamente num tempo lógico anterior a constituição do estágio do
espelho. Sendo assim, traz à tona a ideia de que para as crianças autistas
não existem nem o Outro e nem o outro (semelhante). Para a autora,
a problemática do autismo estaria marcada por uma “falta fundamental
da própria presença original do Outro”, isto é, situada na ausência ou
apagamento do “olhar fundador do grande Outro”, olhar este entendido
como “signo de um investimento libidinal, muito mais que o órgão suporte
da vista”.
Ressaltamos que este “Outro”, designado por Laznik-Penot de
Outro real/Outro primordial, é aquele que é frequentemente encarnado
pelos pais e, mesmo a mãe, deve ter esse duplo papel: de ser ao mesmo
tempo, o outro, o pequeno outro da relação intersubjetiva. Esse “Outro
58
In-forma-ação: crianças com autismo e com psicose e o uso da informação
primordial”, marcado pela falta, vai possibilitar a falicização da criança,
inscrevendo já, neste momento, a falta inerente à subjetividade humana.
O Outro é o lugar em que a constituição subjetiva se dá, sendo o elemento
anterior necessário e o regulador da relação imaginária. Para se instaurar
a antecipação ortopédica da totalidade corporal no estádio do espelho,
é preciso o cone simbólico, como apontado nos esquemas ópticos, isto
significa que para haver a alienação à imagem do outro, eixo de toda
relação simétrica com o semelhante – é necessário que antes o Outro
invista libidinalmente, afirme com seus significantes uma imagem.
Nessa perspectiva, segundo Batista e Piltz (2010), o bebê só pode
se ver porque marcado pela falta. Nesse sentido, permite-se falar em uma
ilusão antecipatória: o Outro vê, por meio do seu olhar o que está para vir,
um vir a ser. O fracasso da instauração de uma relação especular entre mãe
e filho se daria quando esta percebe seu bebê, ainda em seu ventre como
um corpo estranho, que simplesmente pode estar acomodado aí ou não.
Assim, não se forma a possibilidade de antecipar seu bebê, a sua imagem
real não é percebida, nem sentida. Essa falha na ilusão antecipatória vai
acarretar, na criança, uma impossibilidade de se ver, de se reconhecer,
enquanto imagem do corpo. Nessa medida, a libido da criança, ou melhor,
a forma como a criança vai dirigir sua libido sofre consequências.
Além disso, Laznik-Penot (1991) assinalou a importância de
intervenção preventivas no sentido de detectar alguns sinais discretos de
perigo de uma futura evolução autista que, segunda tal autora, são possíveis
de ser percebidos já em torno dos quatro meses de vida. Tal proposta
se baseia no princípio de que quanto mais precoce se intervém, maior a
probabilidade de um restabelecimento da estrutura do aparelho psíquico.
Enfatizamos a relevância das contribuições de Laznik-Penot, à
medida que tenta não apenas construir hipóteses metapsicológicas a
respeito das primeiras estruturações do aparelho psíquico, mas também
ampliar as discussões em torno do que a psicanálise pode oferecer ä clínica
do autismo, apostando na possibilidade de se avançar em torno das questões
da subjetividade.
b) Alfredo Jerusalinsky
Jerusalinsky (1993) situou o autismo como uma quarta estrutura
59
Cleide Vitor Mussini Batista
clínica, diferenciando-o das psicoses infantis. Assim, o autismo não é uma
variedade dentro das psicoses, mas uma maneira particular de organização
psíquica. Concebendo a noção de estrutura psíquica a partir da lógica
que articula a posição do sujeito a respeito do significante, Jerusalinsky
(1993) afirmou que entre psicose e autismo não há nenhuma identidade
de estrutura, porque num caso se trata da forclusão e no outro se trata
da exclusão. Propôs a seguinte diferenciação entre esses dois mecanismos
de defesa que no caso da forclusão se produz uma inscrição do sujeito
numa posição tal, que esta inscrição não pode ter consequências na função
significante. No caso da exclusão não há inscrição do sujeito; no lugar onde
a inscrição deveria se encontrar, se encontra o Real, ou seja, a ausência de
inscrição.
Esta diferenciação estrutural entre a psicose infantil e o autismo,
decorrente da mobilização desses diferentes mecanismos defensivos,
implica em manifestações clínicas peculiares e relações especificas da
criança com o corpo e a linguagem. Desta forma, torna-se imprescindível
abordar esses aspectos acima sugeridos, com o intuito de melhor esclarecer
essa distinção estrutural proposta por este autor.
Trazendo a tona, inicialmente, a psicose infantil, para que a
“insuficiente” inscrição do sujeito (por não poder ser simbolizada) se
mantenha, faz-se necessário que a criança responda com seu próprio corpo
a demanda do Outro, por meio dos seguintes sintomas: hiperatividade,
gritos, retardo nas aquisições evolutivas no âmbito da motricidade,
negação da passagem da ingestão de alimento liquido ao sólido e a bulimia
indiferenciada.
Ainda transitando pela psicose infantil, que implica num
aprisionamento da criança na relação especular com a mãe, estando ausente
a instância paterna, encontra-se uma relação peculiar da criança com o seu
corpo. Neste caso, o seu corpo está situado como um prolongamento do
corpo materno, compondo imaginariamente uma unidade, não havendo
“brecha” para qualquer dimensão de falta. Dito de outra forma, o corpo
da criança está situado no campo da especularidade, ou seja, num espaço
de indiferenciação com o outro. Em consequência disto, a criança não
conseguirá se apropriar do seu corpo com efeito de linguagem (corpo
subjetivado), estando presente o seu corpo apenas na dimensão de “coisa”.
60
In-forma-ação: crianças com autismo e com psicose e o uso da informação
Quanto a sua posição frente à linguagem, a criança psicótica fica
subjugada a mãe na condição de signo. Isto quer dizer que a mãe sempre
decodificará as reações do seu filho, alojando-se numa dimensão de absoluta
certeza, sem apresentar nenhum vacilo (dúvida), já que ambos se mantêm
indiferenciados. Desse modo, na psicose infantil, há uma relação unívoca
(e não multívoca) com a linguagem, não se estabelecendo uma hiância
entre o significante e significado e, nem tampouco, um deslizamento
de significantes (metafórico e metonímico), característico da ordem da
linguagem, por estar ausente à função paterna, que promove o corte e a
castração. Assim, a relação da criança ao desejo é fixa e unívoca.
É a ausência de inscrição no sujeito que leva a criança a responder
frequentemente a demanda do “Outro” de uma posição de exclusão. Em
decorrência disto, não é incomum observar na sala de aula a tendência de
virar de costas a qualquer apelo que se faça em sua direção. Portanto, o
isolamento e o retraimento social não se referem à insensibilidade ou a um
desligamento do mundo, como alguns profissionais pensam, mas a uma
posição de “alerta indireto” e constante da posição do outro para se manter
sempre a distancia, remontando incessantemente a posição de exclusão
que, paradoxalmente, lhe garante sua condição de ser.
Nesse sentido, Jerusalinsky (1993) apontou para o fato de que a
demanda do “Outro” situa o autista num “lugar mínimo da subjetividade”
que ainda, de certa forma, permite-lhe organizar uma relação precária com
o mundo. Contudo, afirmou que ainda não há sujeito propriamente dito,
porque não há deslocamento discursivo.
Além disso, por o autismo se referir a um tempo lógico anterior
a fase do espelho, implicando não apenas num apagamento do “Outro”,
enquanto aquele que introduz a função simbólica, mas também numa
ausência do “outro’ (semelhante), “torna-se insustentável qualquer posição
no espaço”. Desta forma, o corpo do autista está às margens da linguagem,
numa condição de pura carne (“coisificado”), movimentando-se numa
dimensão temporal sem pausas e numa dimensão espacial sem limites.
É possível, então, segundo Batista e Piltz (2010) justificar alguns
atos dessas crianças, tais como: pegar um objeto e se “entreter” com o
mesmo por um período indefinido; movimentos estereotipados (vazios)
sem se dirigir a algo e a alguém especificamente etc. Quanto a sua relação
61
Cleide Vitor Mussini Batista
com a linguagem, se é que existe, é de anulação. Por isso, a criança autista
é inicialmente mútica, não porque tem algum déficit auditivo, mas porque
o que vê e ouve a seu respeito é o seu não-lugar, posição aniquilante na
qual nenhum significante remete a outro, nem ordena a linguagem. Sendo
assim, o que outorga seu ser é ficar do lado de fora de um universo que
ativamente o exclui, seja porque os outros não param de falar, embora ele
não compreenda, seja porque a fala dos outros não reserva para ele um
lugar. Por outro lado, se a intervenção introduz a posição de um “Outro
sem demanda”, a criança vai entrar no campo da linguagem, podendo, ela
própria, demandar-lhe alguma coisa.
Como vimos e como cita Batista (2016) os problemas das crianças
psicóticas e autistas não vêm de uma debilidade intelectual e nem de
uma debilidade física. Seus problemas vêm de uma falha precoce no
estabelecimento da relação com os outros. Dessa forma, se entende que o
autismo é uma falha estrutural.
Batista (2016) aponta que a formação dos sujeitos autistas é afetada
por esse Outro, então é preciso ressignificar os modos como os outros
percebem a criança com autismo e com psicose, inicialmente desgarrando
dos diagnósticos meramente clínicos. Ainda, destaca a importância
de valorizar as experiências significativas, sem fixar limites, apostar no
sujeito como possibilidade de mudanças significativas nas condições de
participação da vida social e no desenvolvimento geral.
Para a psicanálise, tratar é recuperar o sentido das
produções das crianças, é reconstruir ou construir
o percurso do sujeito, é buscar recuperar o saber
inconsciente dos pais. Ao fazer isso, estará tratando ou
educando? Pode-se escolher a resposta: trata-se de
educar tratando ou de tratar educando, tanto faz, já que
cada um desses termos perde em importância para dar
lugar a práticas - de tratamento ou educativas - cuja
principal meta é permitir o surgimento do sujeito na
criança (JERUSALINSKY; FENDRIK, 2011, p. 148).
Segundo Kupfer (2000) a psicanálise construiu, a partir de suas
bases teórico-clínicas, uma concepção de educação, que ultrapassa aquela
identificada com instrução, adaptação ou mesmo com o adestramento.
Assim, finalizamos a revisão da literatura psicanalítica de linha francesa
62
In-forma-ação: crianças com autismo e com psicose e o uso da informação
sobre o autismo para adentrarmos na inclusão destes meninos e meninas
dentro de um contexto denominado de escola.
3 CLASSE ESPECIAL TGD: POR UMA EDUCAÇÃO
TERAPÊUTICA
No sentido de ilustração, relataremos suscintamente, o trabalho
de escolarização da criança com Autismo e Psicose no município de
Londrina (PR) a partir do referencial da Psicanálise lacaniana, conjugando
a Psicanálise e a Educação, contrapondo-se à clássica antinomia entre
esses processos.
Este estudo, oriundo de um Projeto de Extensão intitulado
“Escolarização de Crianças Autistas e Psicóticas”, da Universidade Estadual
de Londrina (UEL) em parceria com a Secretaria Municipal de Educação
(SME), ao amarrar experiência empírica e reflexão teórica, permite inferir
a possibilidade de aprendizagem de crianças com Autismo e com Psicose,
bem como as condições e os limites que se colocam no processo de
escolarização delas.
Participam deste estudo e da formação dez professoras regentes
das Classes Especiais TGD, sendo duas professoras por sala (distribuídas
em cinco salas) e vinte crianças no total. Também participam deste
estudo profissionais da Gerência de Apoio Especializado (GEAE - SME):
psicólogos, psicopedagogos e discentes dos cursos de graduação em
Pedagogia e em Psicologia.
Esse trabalho possibilitou um contato mais próximo e frequente
com as professoras, assim, realiza-se supervisão delas; Grupos de Estudos
acerca de uma Educação Terapêutica; observação, acompanhamento
e elaboração das intervenções a serem realizadas com as crianças. O
trabalho que aos poucos vai se desenvolvendo junto às professoras e a
troca de experiências contemplam, de certo modo, esse entrelaçamento
do educativo com o terapêutico, ou seja, um conjunto de práticas
interdisciplinares de tratamento, com especial ênfase às práticas
educacionais, que visa à retomada do desenvolvimento global da criança,
ou da estruturação psíquica interrompida, ou à sustentação do mínimo de
sujeito que uma criança possa ter construído.
63
Cleide Vitor Mussini Batista
Dentro dessa proposta de trabalho, somos guiadas pelo mesmo
princípio teórico: considerar a criança não como tábula rasa ou mero
objeto de cuidados, mas como sujeito particularizado e capaz de produzir
um conhecimento. Assim, a inclusão de crianças que vivem impasses em
sua constituição psíquica evoca a suspensão das explicações simplistas e a
necessidade de construir instrumentos que permitam maior compreensão
acerca da complexidade dos processos sociais, subjetivos e educacionais.
A escola, nesse sentido, consegue propiciar novas inscrições, as
quais podem marcar uma elasticidade simbólica, ou seja, pode-se pensar a
escola como um lugar possível de se educar tratando, uma possibilidade de
Educação Terapêutica. Tratar, aqui, é tomado no sentido de permitir que a
estruturação seja retomada.
Tem-se um tipo de intervenção no trato de crianças com questões
relativas ao desenvolvimento, um conjunto de práticas interdisciplinares
de tratamento, com especial ênfase às práticas educacionais que visam
à retomada do desenvolvimento global da criança ou da estruturação
psíquica interrompida, ou, ainda, à sustentação do mínimo de sujeito que
uma criança possa ter construído.
Assim sendo, Educação Terapêutica é o nome que está sendo dado
a um conjunto de práticas que aliam educação e tratamento para crianças
com graves distúrbios de desenvolvimento ou, pensando de modo diferente,
para crianças cuja posição na rede da linguagem e cuja inscrição no registro
simbólico apresentam falhas a ponto de ficarem comprometidas a sua
constituição subjetiva, a sua relação com o outro e a sua circulação no campo
social. Essas falhas simbólicas instalam-se em crianças consideradas psicóticas,
autistas, sindrômicas ou portadoras de deficiências (KUPFER, 1997).
Podemos afirmar que há três eixos em torno dos quais gira a
Educação Terapêutica descrita por Kupfer (1997): a inclusão escolar, o
eixo simbólico e a operação educativa propriamente dita. As crianças com
Autismo e Psicose precisam ir à escola. As intervenções feitas designam
um lugar de sujeito a essas crianças, que poderão aceitá-lo, caso queiram ou
possam. Elas não deixam de ter, porém, certo caráter artificial, pois há uma
espécie de aposta imaginária nas capacidades da criança. Embora se situe
um lugar para essa criança, isso ocorre a partir do olhar do adulto, por isso
pode-se afirmar que há, ainda, nessa dimensão da Educação Terapêutica,
64
In-forma-ação: crianças com autismo e com psicose e o uso da informação
uma prevalência do imaginário sobre o simbólico. Há apenas uma aposta
do adulto, tendo em vista que esse aluno precisará juntar recursos para
responder a essa imagem que lhe estão emprestando.
Transmitir o conhecimento, nesse panorama, proporciona, por
exemplo, uma chance para a quebra, a saída das estereotipias, que são
emergências de fala “decaídas” por falta de lastro significante. Ao contrário,
muitas vezes assistimos a práticas de “treinamento”. Nesse âmbito,
podermos pensar que dar treino é supor que a criança precisa apenas do
valor instrumental das palavras e das ações, sem considerá-la como sujeito.
Da perspectiva da psicanálise, oferece-se o conhecimento
não apenas em sua dimensão instrumental, mas como
possibilidade de que este seja utilizado para separá-lo do
gozo intrusivo do Outro
1
. É um instrumento que constrói
o sujeito, e não apenas uma ferramenta para o Eu
2
(KUPFER, 1997, n. p).
Na Classe Especial TGD, a transferência está condicionada pelo
que caracteriza o sujeito em suas especificidades e pelo que dificulta seu
advento. Para tanto, as professoras que atuam nessa turma devem ter
sua presença vazia de qualquer demanda, possibilitando a essas crianças
experiências com a linguagem. De início, foi feita a aposta de que as
crianças são sujeitos, ou seja, há um sujeito na criança com transtorno.
1
O grande Outro, em Lacan, escreve-se com a inicial maiúscula e, assim,
dispensa o adjetivo “grande”, pois já se sabe que se trata do Outro, que se
distingue do (pequeno) outro. A letra que aparece nos matemas para se
referir ao Outro é A, do termo “Autre”, em francês. A é o lugar onde se
coloca para o sujeito a questão de sua existência, de seu sexo e de sua história.
2
A matriz do Eu, imago que também dá a forma fixa do Eu ideal. Sua imagem de
perfeição narcísica se dá por meio da identificação com uma imagem que o homem
capta do mundo a seu redor. Essa imagem se dá no Estádio do Espelho, momento
que marca o indivíduo, quando a pequena criança captura seu reflexo e rejubila-
se por se reconhecer lá, com sua imagem invertida, ou seja, a pequena criança
inclina-se para captar a imagem pelo melhor ângulo e a retém em sua memória.
Lacan (1998) considera o Estádio do Espelho um momento de virada decisiva no
desenvolvimento mental da pequena criança, pois deixa uma marca. Ela é antecipada
pela criança, ante a sua prematuridade e antes de coordenar a sua motricidade. A
partir daí, não há ainda uma subjetividade, mas há um esboço do Eu, dessa unidade.
65
Cleide Vitor Mussini Batista
Fez-se, também, a escolha de dar a palavra ao sujeito, mesmo quando ele
não fala, o que exige tomar como ato as produções verbais e não-verbais
que essas crianças apresentam.
A aridez dessa Classe Especial TGD convoca a professora a
trabalhar com o não-saber, com a surpresa, tomando as manifestações
apresentadas por essas crianças como ato, como produções que, de alguma
forma, demonstram alguma inscrição significativa.
Realizado uma breve descrição do trabalho realizado nesta Classe
Especial TGD, abordaremos, então, como estes meninos e meninas com
autismo e com psicose fazem uso da informação.
4 BIBLIOTECAS ESCOLARES: CRIANÇAS COM AUTISMO E
COM PSICOSE E O USO DA INFORMAÇÃO
No contexto escolar, as bibliotecas escolares precisam atender
crianças/usuários com autismo e com psicose, contemplando assim seus
direitos como cidadãos de desenvolver plenamente seus processos de
aprendizagem. Para isso, a biblioteca escolar precisa ir além, buscando
soluções para uma realidade, por mais complexa que possa ser, focando
na questão da importância de incluir todos os alunos nos seu espaço e
serviços. E, ressalta Miranda (2017) que já é amplamente reconhecido que
as bibliotecas deixaram de ser um local de preservação para se tornarem
um local de universalização, da democratização da informação, do
conhecimento de livre acesso aos documentos para todos.
Desta forma, a biblioteca escolar deve ser um ambiente acolhedor,
que forneça informação segura, serviços informacionais de qualidade, de
fácil acesso e ainda comprometida com o público ao qual ela destina-se a
servir, buscando sempre estar inteirada da tecnologia, além de zelar pelo
patrimônio cultural de sua responsabilidade. A Federação Internacional de
Associações de Bibliotecas e Instituições (IFLA) define biblioteca escolar
como sendo:
[...] A Biblioteca Escolar é um espaço de aprendizagem
físico e digital na escola onde a leitura, pesquisa,
investigação, pensamento, imaginação e criatividade são
fundamentais para o percurso dos alunos da informação
ao conhecimento e para o seu crescimento pessoal,
66
In-forma-ação: crianças com autismo e com psicose e o uso da informação
social e cultural. Este lugar físico e digital é designado
por vários termos (por exemplo, centro de media, centro
de documentação e informação, biblioteca/ centro de
recursos, biblioteca/ centro de aprendizagem), mas
biblioteca escolar é o termo mais utilizado e aplicado às
instalações e funções (IFLA, 2016, p. 19).
Os serviços oferecidos pela biblioteca escolar, bem como o acervo
e as instalações físicas, devem estar acessíveis para todos os seus usuários.
Com essa vasta amplitude, muitos desafios também são encontrados,
dentre eles, o da inclusão de pessoas com necessidades educacionais
específicas. Marcolino e Filho (2014) salientam que em uma educação
inclusiva, o aluno com deficiência deve fazer uso da biblioteca para ter
acesso aos livros e outros tipos de materiais de apoio pedagógico.
A biblioteca escolar como parte integrante do sistema educacional
deve ter iniciativas inclusivas para inserir alunos com autismo e com
psicose e outros tipos de deficiência, cada um dentro da sua particularidade
compondo o todo da escola. A Lei nº 12.244/2010 dispõe sobre a
universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do país, por direito
o acesso à biblioteca escola até 2020. Logo, o bibliotecário, o deficiente,
o autista e o psicótico estarão no mesmo ambiente: a biblioteca escolar.
O bibliotecário escolar enquanto educador tem a grande tarefa de incluir
esses alunos nas atividades desenvolvidas pela biblioteca. Mas, destacamos
as necessidades e limitações dos bibliotecários quando se trata de crianças
com autismo e com psicose.
É preciso, então, olhar cada menino e menina com autismo e com
psicose dentro do espaço escolar de formar a individualizar seus interesses
e predileções para que as atividades se desenvolvam de maneira vinculada
com a vida cotidiana e real, conforme suas expectativas e capacidade
de aprendizagem. Para atender usuários com necessidades específicas,
propiciando acesso amplo a todo tipo de informações e autonomia, o
profissional bibliotecário deve estar preparado e ter o domínio de estratégias
adequadas para fazer frente a eventuais situações inusitadas, ou seja, se faz
necessário elaborar estratégias de intervenção que favoreçam a interação
e a socialização, destas crianças com os colegas e com os profissionais.
Em relação à construção e à partilha de propostas e de práticas
67
Cleide Vitor Mussini Batista
pedagógicas, pretendemos que sejam cada vez mais significativas aos
alunos com autismo e com psicose. Em relação às atividades desenvolvidas
pelas professoras, foram inclusas o uso das tecnologias na Classe Especial
TGD, bem como da participação dos mesmos no projeto de informática
desenvolvido pela escola. Assim, as crianças e adolescentes que frequentam
a Classe Especial TGD além de desenvolverem atividades específicas em
classe, participam junto aos demais alunos da escola de vários momentos
e espaço, tais como: dos diversos projetos ofertados pela escola como um
todo; da informática, da educação física etc e, do espaço da biblioteca.
A Classe Especial TGD conta com um ou dois computadores
em sala para que possam ser inclusas na rotina de atividades, momentos
onde as crianças com autismo e com psicose possam fazer uso dos
mesmos mediados pelas professoras de sala. Geralmente, na rotina, destas
crianças, há dois momentos da semana destinado a atividades específicas
no computador, não significando que não haja outros momentos em
decorrência do trabalho a ser desenvolvido.
A inserção do uso do computador na rotina, foi com o intuito de
se trabalhar a regulação das crianças ao uso desta ferramenta, visto que
algumas delas ficam amalgamadas a esta não querendo participar e/ou
realizar outras atividades desenvolvidas em sala e, ainda prejudicando as
interações com os demais colegas de classe. Também, o tempo de uso
do computador é regulado, no sentido de trabalharmos o início e fim da
atividade, bem como da consciência da vez do outro colega no uso da
ferramenta. Com isto, as crianças vão se organizando, no sentido de dar
conta que o seu tempo de uso da ferramenta chegou ao fim para que o seu
colega possa fazer uso. Assim, vamos alternando o uso do computador em
momentos de atividades em duplas, ora individual ou ora com a professora,
sendo que todos estes momentos são mediados pelas professoras. Para
além da intencionalidade pedagógica no uso desta ferramenta, a intenção
é trabalhar o cumprimento de uma regra comum a todos e, suportá-la,
bem como a percepção do outro e respeito ao mesmo.
Na Classe Especial TGD observamos que há crianças que ignoram o
computador, enquanto outras se fixam em determinadas jogos. Ampliamos,
assim, o uso dessa ferramenta para o uso da busca de informação dos
conteúdos trabalhados em classe, como vemos na Figura 1.
68
In-forma-ação: crianças com autismo e com psicose e o uso da informação
Figura 1: Uso do computador em classe
Fonte: elaborada pela autora
Cada criança da Classe Especial TGD tem um currículo adaptado a
ela, assim, cada atividade desenvolvida com a mesma há de se considerar a
especificidade de cada uma delas, bem como o momento em que se encontra.
Assim, o uso da ferramenta do computador na classe, também considera os
interesses, as predileções da criança no momento, ou seja, enquanto algumas
estão realizando pesquisas, outras estão jogando e, ainda outras estão a
69
Cleide Vitor Mussini Batista
desenhar com programa PAINT
3
.
Com o auxílio do bibliotecário foram levantados softwares, tais como:
A Festa do Pijama; Alfabeto; Boardmaker; Brincando no Sótão da Vovó;
Casa de Matemática da Millie; Cebolinha e Floquinho; Jardim da Infância; O
menino que aprendeu a ver; Betsy; O pequeno Samurai e Gaining Face, para o
uso tanto na Classe Especial TGD, bem como no laboratório de informática,
como vemos na Figura 2, uma das alunas sendo mediada pela professora da
sala de informática.
Figura 2: Uso de softwares no laboratório de informática
Fonte: elaborada pela autora
Estes softwares têm funcionado de modo adequado com as
crianças com autismo e com psicose. O que há de comum entre estes
programas é a questão da apresentação das interfaces, que exploram a
percepção sensorial, com atividades interativas, com recursos de som e
uso de imagens.
Quando o computador é utilizado em classe como uma ferramenta
de aprendizagem, juntamente com uma metodologia de ensino, esta
ferramenta pode ser explorada em benefício da educação destes meninos e
meninas, favorecendo a participação ativa e, portanto, uma aprendizagem
com maior autonomia, permitindo as professoras promover estratégias
para desenvolver as habilidades cognitivas, sociais e comunicativas.
3
Editor de desenho, é um aplicativo que faz parte do sistema operacional Windows.
70
In-forma-ação: crianças com autismo e com psicose e o uso da informação
Estes meninos e meninas com autismo e psicose participam dos
momentos de Contação de Histórias realizado pela bibliotecária em
momentos distintos da rotina. Ora participam do projeto de Contação
de Histórias em uma sala regular, junto aos demais colegas daquele ano
de escolaridade, ora na Classe Especial TGD, bem como no espaço da
biblioteca. E, entendemos a biblioteca escolar como uma ferramenta a
mais inserida no ambiente escolar, ou seja, um espaço a mais para o trânsito
da criança com autismo e com psicose.
A contação de história no espaço da biblioteca ou na Classe Especial
TGD ou na sala regular, a bibliotecária, para deixar a hora do conto mais
atrativa pode recorrer a recursos como fantoches ou recursos visuais tais
como: figuras, realidade virtual, música etc. A música é uma grande aliada
enquanto recurso de ludicidade para uma contação de história cantada,
pois convoca estes meninos e meninas. E, a partir desses recursos pode-se
iniciar também a criação da história, auxiliando essa criança com autismo e
com psicose a desenvolver a imaginação e interpretação. Ainda, durante a
contação de história, a fonética das palavras atrai estas crianças, bem como
a leitura em voz alta com as entonações de acordo com o desenrolar da
história, que pode ser mediada, também com elas.
Se pensarmos que a biblioteca é um meio de acesso ao conhecimento
ainda na infância, devemos oportunizar a cada usuário um serviço com
qualidade informacional e que atenda a especificidade destas crianças.
Sendo assim, o bibliotecário tem, então, um desafio, o de compreender
e desenvolver propostas para atender às necessidades informacionais
das crianças e adolescentes com autismo e com psicose. Parafraseando
Mannoni (1987) que diante da criança com TGD o profissional verifica o
fracasso de suas teorias, e isso a interroga sobre o seu fazer, lançando-a em
busca de novos referenciais teóricos.
Vemos que é aqui que as contribuições da psicanálise ganham
sentido, pois, conforme nos mostra Mannoni (1987), aqueles que
trabalham com a criança com autismo e com psicose é levado a repensar
o que lhe foi dado em certa tradição cultural e a opor ao ensinamento
recebido uma consideração radical de si mesmo no seu ofício. Para autora
é nesse momento de “crise” que este profissional passa a repensar sobre
sua maneira de ser ao se defrontar com seu desejo de adaptação dessa
71
Cleide Vitor Mussini Batista
criança, por desconhecê-la como sujeito de uma palavra ou de um desejo.
O trabalho com essa criança vai exigir de todos que trabalham com
ela uma posição diferente, que leve em conta uma criança que não está em
posição de curiosidade como todas as outras e isso é um grande desafio
para todos. Continuando, estas meninas e meninos frequentam o espaço
da biblioteca, como um espaço a mais tanto para exploração dos elementos
portadores de texto, bem como para leitura dos diversos gêneros textuais.
Figura 3: Biblioteca escolar
Fonte: elaborada pela autora
Na escola onde há a Classe Especial TGD o bibliotecário poderá
contar com o auxílio das professoras da classe, no sentido de dialogarem
acerca dos gostos e preferências literárias destes meninos e meninas. Em
uma de nossas classes, por exemplo, há um aluno que ama ler livros em
inglês, outro que gosta da temática relacionada a geografia e, ainda outro
que gosta de ver e ler jornais como vemos na Figura 3.
Ao bibliotecário cabe buscar por estratégias de leituras específicas
72
In-forma-ação: crianças com autismo e com psicose e o uso da informação
com histórias apropriadas e direcionadas para as necessidades de cada
menino e menina. Enfim, uma ferramenta que auxilie de maneira
qualificada os profissionais bibliotecários, especialmente, no que se refere
às estratégias de identificação deste tipo de usuário que não apresenta
características físicas específicas, assim como nos serviços e produtos
oferecidos aos mesmos.
Figura 4: Contação de histórias por aluna da Classe Especial TGD
Fonte: elaborada pela autora
Na Figura 4, vemos uma das alunas da Classe Especial TGD, na
biblioteca, contando a história da Branca de Neve para os alunos no 1° ano do
Ensino Fundamental. Esta proposta de atividade, de contação de história para
outras crianças é uma forma de reconhecer as capacidades destes meninos e
73
Cleide Vitor Mussini Batista
meninas com autismo e psicose, ou seja, apostar no sujeito.
Além, deste reconhecimento, a interação destes meninos e meninas
com outras crianças da escola regular proporciona contextos sociais que
permitem vivenciar experiências que dão origem à troca de ideias, de papeis
e o compartilhamento de atividades que exigem negociação interpessoal a
discussão para a resolução de conflitos.
Olhar para a criança com autismo e com psicose como um sujeito em
condições de produzir sentidos, de se posicionar de forma ativa e responsiva
nos processos interativos e buscar compreender suas formas peculiares de
participar de uma situação de interlocução, é fundamental para que se
possam desenvolver práticas que permitam avanços significativos em seu
desenvolvimento.
Elucidamos que o trabalho com essas crianças com autismo e
psicose é deveras delicado, delineado em seu tempo pela construção de um
lugar subjetivo decorrente de um longo percurso de trabalho e marcado por
constantes idas e vindas. Este trabalho requer tolerar o tempo de movimento
dessas crianças, suportar sua “presença ausente” e, principalmente, controlar
sua ansiedade de querer mais respostas quando se consegue algum “lampejo
delas.
É pensar que cada vez mais a diversidade se expande, para isto é
necessário estar preparado para poder fornecer recursos educacionais para
diferentes tipos de transtorno. A utilização de recursos instrucionais tais
como: jogos, software, livros com gravuras e outros proporcionam uma
aprendizagem mais instigante, desafiadora e significativa para estes meninos
e meninas com autismo e com psicose. E, as bibliotecas precisam ter estes
recursos.
5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Durante o processo de escrita deste artigo e na busca de material
bibliográfico acerca da criança/usuária da informação com autismo e
com psicose evidenciou a falta de material, reforçando a ideia de que se
trata de um campo pouco estudado no Brasil, especialmente na área da
Biblioteconomia e Ciência da Informação, ou seja, as informações sobre o
tema bibliotecas, autismo e psicose precisam ser organizadas para serem
74
In-forma-ação: crianças com autismo e com psicose e o uso da informação
disseminadas de maneira qualificada para a sociedade em geral.
Enfatizamos, por meio de recorte de um relato do vivido e
experienciado na Classe Especial TGD, as possibilidades de atuação
inclusiva do bibliotecário com esses sujeitos informacionais e do papel da
biblioteca escolar na inclusão educacional e na promoção de ações inclusivas
em ambientes educacionais ao aluno com autismo e psicose, bem como na
promoção de ações práticas de atuação das bibliotecárias.
E, é esta realização de ações no ambiente das bibliotecas das escolas
e a divulgação de seus resultados que irão construir um conhecimento mais
sólido sobre como melhor planejar ações e atividades que integrem estas
meninas e meninos com autismo e com psicose em unidades de informação.
REFERÊNCIAS
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de Monografia. Transtorno do desenvolvimento na infância e na
adolescência: abordagem interdisciplinar. Centro Lidia Coriat, 2010.
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75
Cleide Vitor Mussini Batista
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LAZNIK-PENOT, M. C. Do Fracasso da Instauração da Imagem do
Corpo ao Fracasso da Instauração do Circuito Pulsional: quando a
alienação faz falta. In: LAZNIK-PENOT, M. C. (org.) O que a clínica do
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MANNONI, M. A criança, sua “doença” e os outros. Rio de Janeiro, RJ:
Editora Guanabara Koogan S.A., 1987.
MARCOLINO, A. R.; CASTRO FILHO, C. M. de. Biblioteca escolar
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da inclusão. Biblos: Revista do Instituto de Ciências Humanas e da
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agenda 2030. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação,
São Paulo, v. 13, p. 1669-1683, 2017.
77
USUÁRIOS DA INFORMAÇÃO COM ALTAS
HABILIDADES/SUPEROTAÇÃO: UMA COMUNIDADE
DISCURSIVA CONVERGENTE E DIVERGENTE
1 INTRODUÇÃO
A superdotação deveria ser tema comum na Educação e na
Psicologia, em ambas de modo especial, mas não apenas. O verbo conjugado
no futuro do pretérito do indicativo – “deveria” – todavia, indica que não
é o que ocorre nas duas áreas citadas e em outras áreas, que poderiam
contribuir para a compreensão do fenômeno.
No âmbito da Educação são poucos os envolvidos com a temática,
se comparados ao universo de pesquisadores da área, que se dedicam
em outras frentes de estudos e pesquisas. Na Psicologia, o escopo da
superdotação também encontra-se relegado há poucos estudiosos. O que
pode justificar a ausência da temática nas áreas afins e outras (OLIVEIRA;
BARBOSA; ALENCAR, 2017).
Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL,
2013), os alunos com altas habilidades/superdotação configuram o
público-alvo da Educação Especial, onde se lê: “Art. 58. Entende-se por
educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação
escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para
educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação”.
Dentro da especificidade da Educação Especial, grande parte das
políticas públicas contemplam alunos com deficiências e transtornos,
relegando aos educandos com altas habilidades/superdotação uma
Capítulo 3
André Luís Onório Coneglian
78
Usuários da informação com altas habilidades/superação: uma comunidade
discursiva convergente e divergente
incômoda invisibilidade (PÉREZ, 2004; MARTINS; PEDRO; OGEDA,
2016). Tais atitudes, ainda que não realizadas de modo consciente, para
além da invisibilidade, criam mitos e preconceitos de que são alunos de
sucesso e, portanto, concluir equivocadamente que não precisam de
atendimento educacional especializado ou outras políticas educacionais,
sociais e psicológicas.
Os dados do INEP referentes à matrícula de alunos com altas
habilidades/superdotação na Educação Básica, no último relatório do
Censo Escolar (BRASIL, 2019a) temos: 15.751 (2016), 19.451 (2017)
e 22.161 (2018). Com relação às matrículas dos alunos superdotados no
Ensino Superior (BRASIL, 2019b) temos: 1.202 (2016), 1.067 (2017) e
1.486 (2018).
Nas bases de dados consultadas – BRAPCI
1
, Scielo
2
e Athena
3
– encontramos os seguintes resultados: 46 artigos com os descritores
“superdotação” e “educação” (Scielo) e 372 (Athena) entre artigos, livros,
teses e dissertações; 17 artigos ao utilizar “superdotação” e “psicologia
(Scielo) e 149 (Athena) juntando artigos, livros, teses e dissertações.
Oliveira, Rodrigues e Capellini (2020, p. 4) apontam a produção
de cinco dissertações de mestrado e duas teses de doutorado, entre os anos
de 2011 a 2017 em cinco universidades brasileiras, sendo quatro federais
e uma estadual do Paraná, nos Programas de Pós-graduação de Educação
(5), Educação Especial (1) e Psicologia (1).
Na BRAPCI, os termos “superdotação and biblioteca” ou
“superdotação and Ciência da Informação”, ou ainda “altas habilidades and
biblioteca” ou “altas habilidades and Ciência da Informação” não houve
nenhum resultado.
Pedro (2016) e Pedro e Chacon (2017a, 2017b) apresentam
pesquisas que relacionam alunos que apresentam precocidade e/ou
comportamentos superdotados com competências digitais, com foco no
uso da internet ou Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação
(TDCI). A produção de 2016 refere-se à tese de doutoramento da autora
1
Disponível em: https://www.brapci.inf.br/
2
Disponível em: https://www.scielo.br/
3
Disponível em: https://unesp.primo.exlibrisgroup.com/discovery/search?vid=55U-
NESP_INST:UNESP
79
André Luís Onório Coneglian
no Programa de Pós-graduação em Educação e os artigos são derivados da
tese.
[...] acreditamos que as TDIC são valiosas ferramentas
intelectuais para enriquecimento de estudantes PCD
[precoces e/ou com comportamento dotado]. No
entanto, é necessário identificar as habilidades que são
específicas destes estudantes e aquelas que são comuns
a todos os nativos digitais para que possamos orientá-los
e ajudá-los a desenvolver competências digitais. Sendo
assim, o objetivo deste estudo é verificar se estudantes
com e sem PCD apresentam competências digitais
relacionadas ao tratamento da informação (PEDRO;
CHACON, 2017b, n. p.).
Desse modo, é com imensa satisfação que apresento este capítulo
sobre usuários com altas habilidades/superdotação, para a comunidade
científica da Ciência da Informação, especialmente, no campo voltado aos
Estudos de Usuários. A seção seguinte apresenta conceitos e características
dos sujeitos com altas habilidades/superdotação, para uma compreensão
mais geral do fenômeno.
Posteriormente, superdotados adultos participantes dessa pesquisa,
questionados sobre o uso que fizeram/fazem da informação na graduação
ou pós-graduação, materializam em suas respostas comportamentos que
os configuram como uma comunidade discursiva convergente e divergente.
Convergente, no aspecto psicológico, de funcionamento cognitivo
e certos comportamentos, os aproximando, pois todos os participantes
são superdotados. Divergente no aspecto da amplitude das áreas e
atividades em que estão envolvidos, portanto, participantes de diferentes
comunidades usuárias de informação. Neste capítulo, apresentamos as
características dos aspectos convergentes, ainda que seja necessário
destacar alguns aspectos divergentes.
2 ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: CONCEITOS E
CARACTERÍSTICAS
Para discutir a invisibilidade da superdotação, tomarei como
exemplo a deficiência auditiva, a qual é considerada uma deficiência
80
Usuários da informação com altas habilidades/superação: uma comunidade
discursiva convergente e divergente
invisível, se comparada às demais deficiências: física, intelectual e visual.
Uma pessoa cadeirante ou sem pernas ou braços é vista e percebida
no ambiente; as pessoas em geral percebem uma pessoa cega quando
essas utilizam a bengala, especialmente. Uma pessoa com deficiência
intelectual ou com transtorno do espectro autista podem ser distinguidas
por determinados comportamentos.
A deficiência auditiva, diferentemente, seja pelo uso do(s)
aparelho(s) de amplificação sonora individual (AASI) – intra-auricular
ou retro-auricular, seja pelo uso da Língua de Sinais para se comunicar, é
uma deficiência imperceptível somente pela observação. O uso da Língua
de Sinais numa conversação entre duas ou mais pessoas não garante que
todas sejam surdas, pode ter uma ou mais pessoas ouvintes nesse grupo.
No longa-metragem “Querido Frankie” (2004), o personagem
principal é um garoto com deficiência auditiva e, numa cena, Frankie
entra numa biblioteca pública. A mulher responsável pelo local dirige-lhe a
palavra, porém, Frankie não a ouve e segue biblioteca adentro. A senhora
vai apressada atrás dele, proferindo muitas palavras, dizendo inclusive que
pode estar “cabulando” a aula. Quando o alcança e bate sua mão no ombro
do menino, ele se vir e coloca o AASI. Só então, a senhora percebe que se
trata de um menino com deficiência auditiva.
Desse modo, os sujeitos em idade escolar, que apresentam
comportamentos de altas habilidades/superdotação não são conhecidos,
pois, primeiro: não foram identificados como superdotados; segundo:
mesmo identificados, não é uma diferença física e, mesmo que seja uma
diferença de comportamento relacionada à inteligência, cognição, emoção,
não tem uma etiqueta ou rótulo “sou superdotado” (e nem deve existir o
rótulo pelo rótulo).
Quando as características da Superdotação não é conhecida pelos
professores, eles não poderão identificar os alunos superdotados. Sem a
identificação não terão atendimento educacional especializado, ocasionando
uma acomodação do aluno ou uma irritação com comportamentos de
indisciplina e, dependendo, do nível de escolaridade, evasão escolar.
Altas habilidades/superdotação é um fenômeno subjetivo, interno,
não observável a olho nu. É um fenômeno que se manifestará essencialmente
no ambiente familiar, escolar e social, quando o comportamento da criança
81
André Luís Onório Coneglian
começa a se diferenciar ou se distanciar qualitativamente de um padrão
esperado para a idade.
No Brasil são utilizados os termos “altas habilidades/superdotação”,
separados pela barra, com o entendimento de que se trata do mesmo
fenômeno; e também “altas habilidades ou superdotação”, como consta
na LDB (BRASIL, 2013). O uso da conjunção alternativa representa o
entendimento de que são fenômenos distintos, sendo altas habilidades
aquela que o sujeito manifestará em ambiente escolar/acadêmico, ou seja,
demonstrará habilidades acima da média em relação aos demais alunos,
nesta ou naquelas disciplinas: Língua Portuguesa, Matemática, História,
Geografia, Ciência, Artes.
A superdotação, na linha de raciocínio que entende como
fenômenos distintos, compreenderia aquele sujeito que manifesta um
alto conhecimento ou habilidade sem passar por um processo formal de
Educação. Por exemplo, há sujeitos que nunca frequentaram aulas de
Inglês ou outra língua estrangeira, porém, apresentam facilidade na leitura,
escrita e fala do idioma, somados a outros indicadores e características da
superdotação. Neste capítulo, utilizarei “altas habilidades/superdotação
ou “superdotados” abrangendo todo o fenômeno, seja ele evidenciado nos
espaços acadêmicos/escolares ou em outros ambientes.
Na Língua Inglesa utilizam os termos “gifted” para designar a pessoa, e
“giftedness para o fenômeno. Também utilizam “talented children” (crianças
talentosas). Em Portugal utilizam “sobredotação” e “sobredotados”. Na
Língua Espanhola utilizam “altas capacidades” e “superdotácion”.
O uso incorreto e inadequado dos termos “gênio”, “prodígio” ou
“precoce” como sinônimos para superdotados compreende um dos mitos
acerca das altas habilidades/superdotação, o que prejudica a compreensão
do fenômeno.
Pode-se classificar como “gênio” a pessoa, cuja criação ou criações,
contribuíram ou permaneceram de modo relevante para toda a humanidade
ou grande parte dela. Por exemplo: Leonardo da Vinci, com destaque em
todas as áreas que se dedicou: artes, arquitetura, “engenharia”, medicina,
outras. Thomas Edson, tido como o inventor da luz elétrica, porém, com
contribuições de tantos outros inventores anteriores ou contemporâneos a
ele. Alberto Santos Dumont, conhecido como inventor do avião, também
82
Usuários da informação com altas habilidades/superação: uma comunidade
discursiva convergente e divergente
criou outros objetos como o relógio de pulso. Marie Curie, ganhadora do
Prêmio Nobel de Física (1903) e do Prêmio Nobel de Química (1911), toda
a vida dedicada a atividades radioativas – morreu aos 66 anos de idade, suas
descobertas revolucionaram o mundo: a bomba atômica e a radiografia,
por exemplo.
Segundo Virgolim (2007, p. 24), baseada em Feldman et al.
(1991) e Morelock e Feldman (2000), o termo “prodígio” “é utilizado para
designar a criança precoce que apresenta um alto desempenho, ao nível
de um profissional adulto, em algum campo cognitivo específico”. Ele se
difere da superdotação, no sentido de que a criança prodígio não apresenta
alto desempenho na inteligência geral.
A criança prodígio em Artes, por exemplo, se destacará nessa área
com excelência, porém, o funcionamento cerebral não terá o mesmo
destaque em Línguas ou Matemática. Uma criança superdotada que se
destaca em Línguas, pode não ter o mesmo desempenho em Artes ou
Matemática, entretanto, tem recursos cerebrais e uma capacidade de
processamento para adquirir dados, organizar informações e ressignificá-
los como conhecimento útil, de modo muito rápido, especialmente se for
do interesse da criança, típico comportamento do indivíduo superdotado.
A “precocidade” pode estar presente em algumas áreas do
desenvolvimento de muitas crianças, entretanto, nem toda criança
precoce apresentará os comportamentos de superdotação ao longo da
vida. O comportamento precoce poderá se estabilizar permanecendo na
média conforme a criança se desenvolve. Pode estar relacionada ainda com
o assincronismo, que será citado nas próximas páginas.
A definição dos alunos que apresentam altas habilidades/
superdotação, conforme Resolução N
o
. 4, do Conselho Nacional de
Educação, são aqueles que “[...] apresentam potencial elevado e grande
envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou
combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade”
(BRASIL, 2009).
Delou (2014) faz um alerta acerca desse perfil passar despercebido
nos espaços educacionais, pois são características qualitativamente
diferentes do “ótimo aluno” idealizado pela escola:
Embora o perfil seja comum nas diversas salas de aulas
83
André Luís Onório Coneglian
e a cultura popular aponte para uma expectativa de
alunos com excelência escolar, não raramente, são alunos
que se entediam na sala de aula pelos baixos níveis de
ensino praticados, passando a demandar atendimento
educacional especializado [...] (DELOU, 2014, p. 411).
No Brasil, muitos documentos ofi ciais acerca das altas habilidades/
superdotação têm como base as pesquisas do psicólogo norte-americano
Joseph Renzulli, especialmente a Teoria dos Três Anéis:
Figura 1: Os três Anéis
Fonte: adaptado de Virgolim (2007)
1. Habilidade acima da média (em uma ou mais áreas do conhecimento):
[...] engloba a habilidade geral e a específi ca. A habilidade
geral consiste na capacidade de utilizar o pensamento
abstrato ao processar informação e de integrar
experiências que resultem em respostas apropriadas e
adaptáveis a novas situações. Em geral, essas habilidades
são medidas em testes de aptidão e de inteligência,
como raciocínio verbal e numérico, relações espaciais,
memória e fl uência verbal. Habilidades específi cas
consistem na habilidade de aplicar várias combinações das
84
Usuários da informação com altas habilidades/superação: uma comunidade
discursiva convergente e divergente
habilidades gerais a uma ou mais áreas especializadas do
conhecimento ou do desempenho humano, como dança,
fotografia, liderança, matemática, composição musical,
etc (VIRGOLIM, 2007, p. 36-37).
2. Envolvimento ou comprometimento com a tarefa:
[...] se refere à energia que o indivíduo investe em uma
área específica de desempenho e que pode ser traduzido
em termos como perseverança, paciência, autoconfiança
e crença na própria habilidade de desenvolver um
trabalho. Trata-se de um ingrediente muito presente
naqueles indivíduos que se destacam por sua produção
criativa (VIRGOLIM, 2007, p. 37).
3. Criatividade:
[...] apontada como um dos determinantes na
personalidade dos indivíduos que se destacam em alguma
área do saber humano. No entanto, como é difícil de se
medir a criatividade por meio de testes fidedignos e válidos,
tem sido proposta a utilização de métodos alternativos em
adição aos testes, como a análise dos produtos criativos e
auto-relatos dos estudantes (Hocevar & Bachelor, 1989;
Reis, 1981). No entanto, torna-se um desafio determinar
os fatores que levariam o indivíduo a usar seus recursos
intelectuais, motivacionais e criativos de forma em
produtos de nível superior ou em comportamentos de
Superdotação (VIRGOLIM, 2007, p. 37).
Renzulli (2004 apud VIRGOLIM, 2007) diferencia dois grandes
grupos de superdotados: acadêmico-intelectual, que neste material ele
denomina também de “superdotação escolar” e criativo-produtivo. O
primeiro grupo contempla alunos mais “consumidores” de informação, são
natos seguidores de regras, com elevado senso de justiça para as questões
de ordens sociais, políticas ou outras.
A superdotação escolar pode também ser chamada de
“habilidade do teste ou da aprendizagem da lição”, pois é o
tipo mais facilmente identificado pelos testes de QI para
a entrada nos programas especiais. Como as habilidades
medidas nos testes de QI são as mesmas exigidas nas
85
André Luís Onório Coneglian
situações de aprendizagem escolar, o aluno com alto QI
também tira boas notas na escola. A ênfase neste tipo
de habilidade recai sobre os processos de aprendizagem
dedutiva, treinamento estruturado nos processos de
pensamento, e aquisição, estoque e recuperação da
informação (VIRGOLIM, 2007, p. 43).
A superdotação criativo-produtiva compreende muitos aspectos
que a escola tida como tradicional dificilmente irá contemplar: habilidades
artísticas muito acima da média e desempenho de alta performance nos
esportes. Somada aos traços da personalidade e comportamento da criança,
poderá acarretar desajustes em relação à disciplina (correção), igualmente
aos superdotados do primeiro grupo, possuem senso de justiça aguçado,
mais propensos a questionarem as regras e não segui-las, caso entendam
como descabidas:
A superdotação criativo-produtiva implica o
desenvolvimento de materiais e produtos originais; aqui,
a ênfase é colocada no uso e aplicação da informação
– conteúdo – e processos de pensamento de forma
integrada, indutiva, e orientada para os problemas reais.
O aluno, nesta abordagem, é visto como um “aprendiz
em primeira-mão”, no sentido de que ele trabalha nos
problemas que têm relevância para ele e são considerados
desafiadores (VIRGOLIM, 2007, p. 43).
Pérez (2003, 2004, 2008) com vasta produção científica na área
das altas habilidades/superdotação, tem vários artigos sobre os mitos que
envolvem este fenômeno. Baseado em Pérez (2003), no qual a autora
apresenta e discorre sobre os mitos e as dimensões, elaborei uma lista para
favorecer a visualização:
86
Usuários da informação com altas habilidades/superação: uma comunidade
discursiva convergente e divergente
Quadro 1: Mitos (A-G) e Dimensões (1-30) sobre a Superdotação
A. Constituição
1. Exclusivamente genética
2. Exclusivamente pelo estímulo ambiental
3. Pais organizadores (condutores)
4. Egoística e solitária
5. “Metida”, “sabichona”, “exibida”, “nerd”, “CDF”
6. Fisicamente frágeis, socialmente ineptas e com interesses estreitos
7. Se destaca em todas as áreas de desenvolvimento humano. Superdotação Global
8. Tudo é fácil para a pessoa
9. Se auto-educam, não precisam de ninguém
B. Distribuição
10. Basta estimular e “fabricar” crianças com AH
11. A incidência das AH na população é muito pequena
12. Existem mais homens do que mulheres com AH
13. Provêm de classes socioeconômicas privilegiadas
C. Identificação
14. Fomenta a rotulação
15. Fomenta atitudes negativas na pessoa com AH
16. Não se deve identificar a criança com AH
17. Não se deve comunicar à criança que ela tem AH
D. Níveis ou graus de inteligência
18. É apenas aquela que tem um QI excepcional
19. Talentosa, mas não tem AH
20. Inteligentes e criativas na mesma proporção
E. Desempenho
21. Se destaca em todas as áreas do currículo escolar. É aluno nota 10 em tudo
F. Consequências
22. Desenvolve doenças mentais (AH linguísticas ou lógico-matemáticas)
23. O QI se mantém estável durante toda a vida
(continua)
87
André Luís Onório Coneglian
24. É propensa ao desajustamento social e instabilidade emocional
25. Crianças com AH serão adultos eminentes
G. Atendimento
26. Não precisam de atendimento educacional [especial]
27. O atendimento especial fomenta a criação de uma elite
28. Devem ir a escolas especiais
29. A aceleração é a abordagem de atendimento mais correta para os alunos c/ AH
30. Não se deve incentivar o agrupamento de crianças com AH
Fonte: adaptado de Pérez (2003)
As dimensões demonstram como os mitos podem se manifestar.
A produção de pesquisas acadêmico-científicas na área e a difusão dos
resultados dessas pesquisas precisam alcançar os ambientes educacionais
e outros setores da sociedade para favorecer a urgente desconstrução
desses mitos e as dimensões em que se manifestam. Concomitantemente,
os profissionais da educação, psicologia e outras áreas, junto com os
superdotados poderão favorecer que as novas histórias de identificação e
desenvolvimento dos potenciais e talentos sejam mais adequadas.
Como está posto nos mitos e dimensões, altas habilidades/
superdotação não é uma questão exclusivamente genética ou
exclusivamente ambiental; é mito acreditar que a pessoa superdotada
tem alto desempenho em todas as áreas do conhecimento; é mito de que
terão, necessariamente, sucesso pessoal e profissional e que não precisam
de atendimento especializado.
A baixa identificação de meninas e mulheres nas altas habilidades/
superdotação pode ser resultado da visão extremamente machista da
sociedade. Meninas e mulheres são impedidas de demonstrarem e/ou
aprimorarem seus potenciais e talentos, especialmente em áreas tidas
como masculinas (dentro da visão machista). Assim sendo, os mecanismos
dessa visão machista, não permite que as mulheres alcancem patamares
e lugares de destaque, para configurar em estatísticas de identificação e
atendimento educacional especializado.
Portanto, programas que possibilitam as meninas terem o devido
acesso à Ciência, Engenharias e outras áreas são mais que bem-vindos, são
(conclusão)
88
Usuários da informação com altas habilidades/superação: uma comunidade
discursiva convergente e divergente
necessários para a visão machista perder força, cuja lógica e argumentos
não se sustentam, para que as mulheres superdotadas tenham visibilidade.
Para reconhecermos e identificarmos crianças, jovens adultos
e idosos superdotados, precisamos também ampliar o conceito e
entendimento acerca da “inteligência”, iniciando pelo aspecto “singular”
da palavra. A inteligência é diversa e fluida. Aquilo que conhecemos
como “teste de inteligência”, com resultados quantitativos (quociente de
inteligência – Q.I.) é um teste que retrata aquele período específico em
que foi aplicado e “mede” um tipo específico de inteligência e não todas as
inteligências.
Gardner (1995) apresenta nove tipos, as quais ele denominou
Inteligências Múltiplas:
1. Lógico-matemática: capacidade de realizar
operações numéricas e de fazer deduções.
2. Linguística: habilidade de aprender idiomas
e de usar a fala e a escrita para atingir objetivos.
3. Espacial: disposição para reconhecer e manipular
situações que envolvam apreensões visuais.
4. Físico-cinestésica: potencial para usar o corpo com
o fim de resolver problemas ou fabricar produtos.
5.Interpessoal: capacidade de entender as intenções e os
desejos dos outros e consequentemente de se relacionar
bem em sociedade.
6. Intrapessoal: inclinação para se conhecer e usar o
entendimento de si mesmo para alcançar certos fins.
7.Musical: aptidão para tocar, apreciar e compor padrões
musicais.
8. Naturalista: reconhecer e classificar espécies da
natureza.
9. Existencial: refletir sobre questões fundamentais da
vida humana.
Por tratar-se um fenômeno essencialmente da cognição,
vinculamos as altas habilidades/superdotação somente às questões da(s)
inteligência(s). Porém, a ele se associam outros aspectos, por exemplo, o
aspecto afetivo/emocional envolvido com a aprendizagem de modo geral e
também ao desenvolvimento da personalidade.
89
André Luís Onório Coneglian
Pode-se afirmar que a cognição e a afetividade nascem
simultaneamente ou que geram uma à outra. Ao pensar
na afetividade, nos vêm à mente palavras como emoção
e sentimento. Destas múltiplas convergências (Barros
de Oliveira, 1991) é possível deduzir que as construções
cognitivas sejam a causa da aceleração ou do retardo do
desenvolvimento cognitivo, mas os mecanismos afetivo-
cognitivos permanecem sempre indissociáveis, ainda que
distintos, assim como os mecanismos da criatividade
(METTRAU, 2013, p. 33-34).
Ainda segundo Mettrau (2013), o aspecto emocional para a
aprendizagem é muito importante:
A vida afetiva, tal como a vida intelectual, corresponde
a adaptação contínua e estas adaptações são ‘paralelas
e interdependentes’, donde os sentimentos exprimem
os interesses e valores das ações cuja estrutura é a
inteligência (Barros de oliveira, 1991. Assim, as funções
cognitivas abarcam aspectos diversos tais como:
percepção, aprendizagem, conhecimento, pensamento,
conceito, juízo, raciocínio, solução de problemas, etc. a
afetividade e a motivação constituem o fator energético
do comportamento sem o qual não é possível trabalhar
bem e com prazer (METTRAU, 2013, p. 35).
Acerca do desenvolvimento da personalidade, o psicólogo e
psiquiatra polonês Kazimiers Dabrowski elaborou a Teoria da Desintegração
Positiva (TDP), uma perspectiva que não considera como patológico
crises psicológicas ou desajustes mentais, pois a desintegração ocorre para
elaborar uma nova estrutura psíquica.
Oliveira, Barbosa e Alencar (2017) apontam que a partir de 1979,
a Teoria da Desintegração Positiva foi introduzida nas pesquisas de Altas
Habilidades/Superdotação. Demonstram por meio da consulta na Base
de Dados PsycINFO que a inteligência é o aspecto mais investigado se
comparada com os aspectos emocionais e de personalidade, nas altas
habilidades/superdotação (FIGURA 2).
90
Usuários da informação com altas habilidades/superação: uma comunidade
discursiva convergente e divergente
Figura 2: Estudos empíricos indexados na PsycINFO
Fonte: Oliveira, Barbosa e Alencar (2017, p. 1)
Acerca do desenvolvimento humano com base na TDP, Oliveira,
Barbosa e Alencar (2017) afirmam que
O desenvolvimento humano, na perspectiva da TDP,
não é dividido em estágios fixos, organizados por faixas
etárias, mas sim de acordo com um continuum hierárquico
de níveis, denominados multiníveis, ou seja, em uma
progressão de um baixo e primitivo nível para um alto e
avançado nível.
Os pressupostos da Teoria da Desintegração Positiva, de acordo
com Neumann (2017):
Esta teoria está fundada nos pressupostos de que 1)
a personalidade é estruturada, 2) o desenvolvimento
psicológico acontece mediante a desintegração de um
nível menor, intrapsíquico e, no lugar, surge um nível mais
elevado e 3) o processo de transformação de um nível
em outro é dirigido por fatores emocionais e cognitivos.
A capacidade de desenvolvimento psicológico se baseia
na intensa reação em várias áreas de funcionamento
(NEUMANN, 2017, p. 16622).
91
André Luís Onório Coneglian
Neumann (2017) aponta que na TDP, a intensidade das reações
presentes no processo de desenvolvimento, Dabrowski as denominou
de sobre-excitabilidades e as classificou em cinco tipos: 1. Emocional, 2.
Imaginativa, 3. Intelectual, 4. Sensorial e 5. Psicomotora.
Oliveira, Barbosa e Alencar (2017) explicam a importância das
sobre-excitabilidades no desenvolvimento humano, com base nas pesquisas
do fundador da teoria:
Dabrowski (1972) apresentou os padrões de SE [sobre-
excitabilidade] de forma hierarquizada, ou seja, alguns
(Emocional, Imaginativo e Intelectual) são mais elevados
que outros (Sensorial e Psicomotor) em relação ao
processo de desenvolvimento humano. A SE Emocional
é de fundamental importância na formação de uma
hierarquia de valores, empatia, autoconsciência, entre
outros dinamismos que desempenham um papel decisivo
no desenvolvimento humano; a SE Imaginativa tem grande
importância na criatividade artística, no planejamento
intuitivo etc.; e a SE Intelectual dá origem à criatividade
acadêmica e possibilita reflexão, autocontrole, autonomia
e autenticidade (DABROWSKI, 1973) (OLIVEIRA,
BARBOSA, ALENCAR, 2017, p. 4).
A Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial
(ABPEE), responsável pela publicação da Revista Brasileira de Educação
Especial, lançou um número especial sobre o tema “Altas Habilidades/
Superdotação: atendimento especializado” (PÉREZ ; FREITAS , 2012).
As autoras apresentam à comunidade cientifica a metodologia
de criação de instrumentos – triagem, identificação, autonomeação e
nomeação por colegas – dos alunos com superdotação, questionários que
podem ser preenchidos por professores, pois os testes psicométricos são
de responsabilidade exclusiva dos psicólogos.
Para tanto, com base em diversas pesquisas, Pérez e Freitas (2012)
explicitam as “características gerais das pessoas com Altas Habilidades/
Superdotação”, listadas abaixo:
92
Usuários da informação com altas habilidades/superação: uma comunidade
discursiva convergente e divergente
Quadro 2: Características Internas e Externas nas Altas Habilidades/
Superdotação
CARACTERÍSTICAS INTERNAS – INTRÍNSECAS À PESSOA
o Precocidade e gosto pela leitura
o Interesses variados e diferenciados dos seus pares [das crianças da mes-
ma faixa etária]
o Assincronismo: “[...] carência de sincronização nos ritmos de desenvol-
vimento intelectual, afetivo e motor em relação ao desenvolvimento
considerado normal, costuma ocorrer em crianças com AH/SD”
 Assincronismo afetivo-intelectual
 Assincronismo intelectual-psicomotor
 Assincronismo da linguagem e do raciocínio
CARACTERÍSTICAS EXTERNAS – INTERAÇÃO COM O AMBIENTE
o Assincronismo criança-escola ou escolar-social
o Assincronismo nas relações familiares/assincronismo familiar
o Preferência por trabalhar/estudar sozinhos
o Independência e autonomia
o Senso de humor desenvolvido
o Perfeccionismo
o Capacidade de observação muito elevada
o Liderança
o Gosto e preferência por jogos que exijam estratégias
Fonte: adaptado de Pérez e Freitas (2012)
A conceituação e caracterização das altas habilidades/superdotação,
em linhas gerais, são aplicadas a todas as idades, porém, os comportamentos
poderão ser diferentes conforme os ambientes: educacionais (em seus
vários níveis); sociais; profissionais e suas múltiplas configurações para
crianças, jovens, adultos e idosos. Com relação a outros adultos, Pérez
(2008, p. 57) explica que
Em muitos aspectos, o desenvolvimento da PAH/SD
[pessoa com altas habilidades/superdotação] adulta
não difere do dos demais adultos; contudo, existem
características particulares que constituem diferenciais
significativos e podem interferir nesse desenvolvimento
do adulto.
Nesse sentido, com objetivo de provocar a reflexão sobre as
93
André Luís Onório Coneglian
pessoas com altas habilidades/superdotação, dentro do contexto da
Ciência da Informação, com ênfase nos Estudos de Usuários, na próxima
seção apresentarei aspectos do comportamento informacional de adultos
superdotados.
3 COMPORTAMENTO INFORMACIONAL DE ADULTOS
SUPERDOTADOS
A pesquisa que desenvolvi no doutorado teve como objetivo analisar
a inserção da Competência Informacional no âmbito da escola de educação
básica. Professores do ensino fundamental, nível I – foram convidados
para participarem da pesquisa, com vistas a refletir modos de inserir a
Competência Informacional nas atividades escolares, tendo as bibliotecas
de suas escolas como espaços adequados para este fim (CONEGLIAN,
2013).
No mestrado, a pesquisa pautou-se no comportamento
informacional de pós-graduandos surdos (CONEGLIAN, 2008), que
utilizavam a Língua Brasileira de Sinais para se comunicarem. Portanto, uma
pesquisa mais voltada para os Estudos de Usuários. Um dos apontamentos
feitos, discutindo as bases teóricas da pesquisa foi
Investigar o comportamento humano frente à informação,
ainda que mediados por sistemas informacionais e as mais
diversas tecnologias, é preciso considerar diversos aspectos
que interferem e/ou influenciam o comportamento, a
partir da necessidade que motiva e desencadeia esse
comportamento (CONEGLIAN, 2008, p. 48).
Com base em Hjørland
4
(2002) acerca dos diferentes domínios
do conhecimento, das diversas comunidades discursivas compostas por
sujeitos distintos, compreendi que “o fator humano deve ser o carro-
chefe nessa análise” (CONEGLIAN, 2008), ou seja, há aspectos
divergentes e convergentes nos diferentes grupos que se propõe investigar
Comportamento e Competência Informacional.
4
HJØRLAND, B. Domain analysis in information science: eleven approaches –
traditional as well as innovative. Journal of Documentation, v. 58, n. 4, p. 422-
462, 2002.
94
Usuários da informação com altas habilidades/superação: uma comunidade
discursiva convergente e divergente
O corpus de dados para a presente pesquisa contou com a
participação de 13 mulheres e cinco homens, perfazendo um total de 18
integrantes. Responderam voluntariamente o questionário em formulário
eletrônico, disponibilizado nas redes sociais (outubro de 2020), em
grupos fechados, de adultos com altas habilidades/Superdotação. Dos
18 respondentes, a pessoa mais nova tem 33 anos e a mais velha, 63. Os
demais têm as seguintes idades: 34 (1), 35 (2), 37 (2), 39 (2), 40 (2), 41
(3), 42 (2), 55 (1) e 57 (1).
Os participantes responderam qual função ou atividade profissional
exercem, com o propósito de verificar se atuam nas áreas em que são
formados, pois, como veremos, a maioria dos participantes possuem mais
de uma graduação e diversas pós-graduações. No Quadro 3 está listada
as profissões exercidas pelos participantes, os quais são denominados pela
sigla “Sd” (superdotado), com o acréscimo do número, para diferenciá-los:
Quadro 3: Profissões dos participantes
Sd01
Analista de Segurança da Informação
Sd02
Bancária
Sd03
Cirurgião-dentista e Professor
Sd04
Coach e Neuroeducadora
Sd05
Consultora na área de talento x genialidade
Sd06
Coordenador Técnico Tecnologia da Informação
Sd07
Dentista
Sd08
Oficial das Forças Armadas
Sd09
Professor de Inglês
Sd10
Professora da Educação Básica
Sd11
Professora do Ensino Superior
Sd12
Psicanalista
Sd13
Sd14
Sd15
Psicóloga (3)
Sd16
Servidora Pública Federal
Sd17
Supervisora Pedagógica
Sd18
Tradutora
Fonte: elaborado pelo autor
95
André Luís Onório Coneglian
O Professor de Inglês (Sd09) abandonou a graduação em Letras
Português/Inglês; o coordenador técnico em Tecnologia da Informação
(Sd06) está cursando o 4º período de Engenharia de Produção.
Podemos dividir os demais participantes, como demonstrado no
Quadro 04, em dois grupos distintos: 1) Graduação e pós-graduação (latu
e/ou strictu sensu) na mesma área, com seis integrantes e 2) Graduações
diferentes e pós-graduações diferentes (latu e/ou strictu sensu), com dez
integrantes (incluindo Sd02 e Sd08).
Quadro 4: Graduação e Pós-graduação
Grupo 01: Graduação e pós-graduação na mesma área
Sd03: Cirurgião-dentista e professor – Graduação incompleta em
Geografia. Graduação em Odontologia, Mestrado em Periodontologia,
Doutorado em Microbiologia Bucal e Imunologia.
Sd07: Odontologia, Mestrado, especialização em cirurgia bucomaxiofacial,
harmonização orofacial, e disfunção temporomandibular e dor orofacial.
Sd10: Professora de Educação Básica – Graduação incompleta em
Engenharia Civil. Graduação em Pedagogia. Pós-graduação em Educação
Especial, Educação Inclusiva, Altas Habilidades, Psicopedagogia,
Neuropsicopedagogia, Mestrado em Educação, cursando pós-graduação
em Neurociência Pedagógica.
Sd11: Professora do Ensino Superior - Graduação, Mestrado e Doutorado
em Administração.
Sd12: Psicanalista – Graduação em Pedagogia. Especialização em
Psicopedagogia. Formação em Psicanálise.
Sd13: Psicóloga – Licenciatura em Psicologia. Pós-graduanda em Psicologia
Humanista Existencial Fenomenológica, diversos cursos de extensão
e atualização em saúde mental, acolhimento ao luto, atendimentos
de primeiros socorros psicológicos e manejo e atendimento clínico de
tentativas de suicídio.
Grupo 02: Graduações diferentes e pós-graduações diferentes
Sp01: Analista de Sistema de Segurança - Graduado em Jornalismo.
Especialização incompleta em Machine Learning.
(continua)
96
Usuários da informação com altas habilidades/superação: uma comunidade
discursiva convergente e divergente
Sd04: Coach e Neuroeducadora – Graduação Engenharia de Alimentos.
Pós-graduação nas áreas de logística empresarial, engenharia de
produção e qualidade, mas minha paixão por desenvolver pessoas está
me levando para a área da neuroeducação, então recentemente conclui
uma especialização em neuropsicopedagogia e iniciei a graduação em
gerontologia e formações complementares nas áreas de educação
especial e altas habilidades, no Brasil e fora.
Sd05: Consultora na área de talento e genialidade – Graduação em
Letras Inglês/Português. Mestrado em Filosofia.
Sd14: Psicóloga – Graduação em Arquitetura e Urbanismo (1987).
Pós-graduação em Gestão da Qualidade (1995), Pós-graduação em
Administração (1997). Graduação em Psicologia (2017) todas completas.
Incompleta: formação em psicologia transpessoal da escola Dinâmica
Energética do Psiquismo (2003).
Sd15: Psicóloga – Primeira graduação em Psicologia. Segunda graduação
em Filosofia. Entre Psicologia e Filosofia, fiz Mestrado em Educação.
Tornei-me pesquisadora em educação especial e educação ambiental. No
momento, faço minha formação para me tornar psicanalista.
Sd16: Servidora Pública Federal - Graduação em Relações Internacionais
(2004-2008). Especialização EAD em Inteligência Estratégica
(2009-2010). Mestrado (2011-2013) e Doutorado (2014-2018)
em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional. Nova
Graduação EAD em Ciência da Computação (2018-em andamento).
Sd17: Supervisora Pedagógica - Técnico em Enfermagem. Educação
musical no Conservatório de Música inconcluso. Desisti do Superior em
Enfermagem (pela localidade). Desisti de Letras (financeiro). Depois
ganhei bolsa em pedagogia EAD em 2009 e assim consegui finalmente
estudar. Sou especialista em educação especial e inclusiva, e coordenação
pedagógica. Atualmente faço psicopedagogia clínica e institucional. E
estou terminando o curso superior em Educação Especial.
Sd18: Tradutora - Formação Técnica em Música Clássica (piano). Diploma
em Tradução do Institute of Linguists em Londres. Administração de
Empresas.
Fonte: elaborado pelo autor
Dois últimos participantes – Sd02 e Sd08 – que não constam no
quadro acima, exemplificam comportamentos mais extremos do sujeito
superdotado e, portanto, mais evidentes. O primeiro, a participante
relata que outras condições associadas à superdotação, bem como a
(conclusão)
97
André Luís Onório Coneglian
incompreensão das instituições onde estudava acerca das suas necessidades,
foram responsáveis pelo percurso acadêmico inconstante e inconclusivo:
Abandonei sete graduações, todas em áreas diferentes.
A 1ª por ter TDAH não diagnosticado junto com as
altas habilidades, ainda não identificada, e não ter
repertório pessoal o sistema de apoio pra lidar com
toda essa complexidade. a 2ª por ter me mudado de
cidade. As demais por não me adaptar mais ao sistema
de ensino, sem o suporte necessário quando à distância
e com interferências demais no presencial, como
superestimulação sensorial, ter que disfarçar as altas
habilidades, não poder direcionar a hiperatividade mental
de forma produtiva dentro de sala de aula, e falta de
adaptações por recusa ou desconhecimento da instituição
- teve um caso que foi recusa mesmo, não se dignaram a
ler o programa proposto nem a fundamentação (Sd02 –
Bancária).
O participante Sd08 – Oficial das Forças Armadas, igualmente à
Sd02, também passou por muitos cursos, como o próprio indica, somente
os dois últimos cursos não concluídos:
Graduações: 1. Ciências militares, 2. Teologia (curso livre),
3. Ciências Sociais, 4. Teologia (com reconhecimento), 5.
Pedagogia. Especializações: 1. Ética, valores e cidadania
na escola, 2. Planejamento, Implementação e Gestão da
EAD, 3. Formação de Professores para o Ensino Superior,
4. Psicopedagogia, 5. Educação Inclusiva. 6. Atendimento
Educacional Especializado, 7. AH/SD
5
(cursando). 8.
Teologia (cursando). Iniciados e não concluídos: Graduação
em Adm. Pública (2 sem.). Mestrado profissional em
Educação (2 sem.). Normalmente, cursando mais de um
curso ao mesmo tempo.
O questionário também objetivou resgatar o modo como utilizavam
os serviços das bibliotecas, para produzirem os trabalhos acadêmicos –
artigos, trabalhos de conclusão de curso, monografias, dissertações, teses,
outros. “Você utilizou a biblioteca da instituição a qual estava vinculado?
Utilizava o sistema de busca de modo independente? O bibliotecário ou
5
Altas Habilidades/Superdotação
98
Usuários da informação com altas habilidades/superação: uma comunidade
discursiva convergente e divergente
outra pessoa te ajudou nas primeiras buscas”.
Unanimemente, 15 participantes disseram explicitamente usar a
biblioteca:
“Utilizei bastante a biblioteca” (Sd01); “Sempre que
tive acesso a bibliotecas físicas eu usei e abusei delas”
(Sd02); “No mestrado cheguei a utilizar o Comut,
e biblioteca da faculdade no primeiro ano” (Sd03);
“Sim, tive o privilégio de poder acessar uma biblioteca
de 100 mil livros” (Sd05); “Sim, utilizava sempre as
bibliotecas” (Sd08); “Usava a biblioteca da instituição
(Sd09); “Para a monografia da graduação em pedagogia
e na iniciação científica utilizei a biblioteca” (Sd10);
“Na [graduação em] psicologia, utilizei a biblioteca da
instituição” (Sd15).
A questão sobre a autonomia no uso, dois participantes indicaram
que precisavam de ajuda: “Usava a biblioteca da instituição
com a ajuda
dos profissionais” (Sd09) eSempre tinha dificuldade para me achar
nas bibliotecas. O bibliotecário sempre tinha que me ajudar” (Sd18).
Os outros participantes indicaram que precisaram uma única vez ou
aprenderam de modo autônomo:
“Raramente pedia ajuda de alguém” (Sd01); “Dificilmente
precisei de ajuda, acho que só na 1ª utilização, e aprendi bem
rápido a fazer pesquisas” (Sd02); “A busca independente
também é uma constante” (Sd05); “Sistema de busca
de modo independente” (Sd06); “Depois da primeira
explicação do uso do sistema de busca, sempre pesquisei
sozinho por obras, autores, temas, etc” (Sd08); “não
necessitei de auxílio do bibliotecário porque recebemos
um treinamento de como usar o sistema de buscas e como
localizar os livros” (Sd10); “Na maior parte do tempo
meu uso foi independente” (Sd11); “Bibliotecários me
ajudaram nas primeiras buscas, mas depois faço sozinha,
sou bastante independente” (Sd14); “Raramente precisei
de ajuda de bibliotecária(o), sempre fui bem independente
neste sentido. Sempre gostei de aprender sozinha a achar
o que precisava na biblioteca. Eu só pedi ajuda quando o
livro não estava na prateleira por algum motivo e eu não o
achava.” (Sd15); “Sempre usei de maneira independente o
sistema de buscas da Biblioteca Central” (Sd16); “Utilizei
99
André Luís Onório Coneglian
o sistema de busca de modo independente” (Sd17).
Os participantes também apontaram os modos pessoais que
utilizavam a biblioteca ou outros serviços de informação, com destaque
para Sd03, que demonstra conhecer bases de dados específicas e como
utilizá-las de modo independente:
Tinha o hábito de chegar horas antes das aulas para
ficar lendo coisas diferentes na biblioteca. [...] Me
deleitava em navegar por entre os livros a procura
de material interessante (Sd01); “Gosto de surfar
pelas prateleiras também. A utilização de bibliotecas
virtuais fica meio prejudicada por causa da interface de
leitura, mas também pesquiso muito artigo científico
na internet” (Sd02); “no segundo [ano utilizava] o
Pubmed, já no doutorado utilizei pesquisas apenas no
Pubmed ou direto nas editoras (p.e. Elsevier, Science
etc.), não entrei em bibliotecas” (Sd03); “Meu tutor no
mestrado me ensinou a consultar e comprar em sebos.
Uma experiência fantástica” (Sd05); “No mestrado
usei pouco a biblioteca porque não tinha materiais
que versava sobre meus temas” (Sd10); “sempre
usei o Scielo e repositórios de teses e dissertações
de universidades brasileiras, bem como periódicos
especializados da França, Canadá e os das escolas de
psicanálise brasileiras e europeias” (Sd12); “Utilizo
sites de periódicos científicos. Os professores fizeram
um pouco essa mediação” (Sd13); “[...] busquei artigos
no Google Acadêmico. Na filosofia, comprei os livros
que precisava e busquei alguns artigos também no
Google Acadêmico. No mestrado, usei a biblioteca
da instituição e busquei o que precisava no Google
Acadêmico e revistas online da área” (Sd15).
Dois participantes demonstram em suas respostas comportamento
típico dos superdotados, especialmente, aqueles com perfil acadêmico-
intelectual:
“Costumava pegar livros no registro de algum amigo, pois
pegava mais do que o limite individual no período. Ou,
então, usava meus 2 registros de aluno, quando fazia 2
cursos simultâneos na mesma IES” (Sd08) e “Porém, não
100
Usuários da informação com altas habilidades/superação: uma comunidade
discursiva convergente e divergente
gosto de ter que adivinhar ou descobrir como as coisas
funcionam, porque para mim é perda de tempo. Então
espero manuais, procedimentos, métodos definidos e
claros para que o usuário consiga fazer o que almeja no
menor tempo e maior qualidade” (Sd14).
A participante Sd07 – Dentista, foi a única que indicou não utilizar
a biblioteca no período em que cursou as especializações e “não solicitei
a ajuda de bibliotecário”. Na questão seguinte – “além do empréstimo
de livros, conhece outros serviços oferecidos pelas bibliotecas?”, Sd07
respondeu: “Pesquisa de artigos. Obras raras. Utilizei o serviço de partituras
musicais diversas vezes”.
Chama atenção, pois no Quadro 04, a participante está no Grupo
01, aquele que manteve a formação acadêmica da mesma área – graduação,
especialização, mestrado (no caso especifico, Odontologia) – surpreende
o fato de que utilizou a biblioteca várias vezes para buscar partituras
musicais, atividade de caráter mais cultural, de lazer ou hobby, levando em
consideração a formação e atuação da participante.
Os demais participantes, a partir das suas respostas, foram divididos
em dois grupos, conforme Quadro 05. O primeiro, no qual indicaram o
uso de serviços mais gerais da biblioteca e o segundo com indicação de
serviços mais específicos:
Quadro 5: Serviços gerais e específicos das bibliotecas indicados
Serviços Gerais
Utilização de computadores, cabines de estudo, revistas e jornais... usei
isso tudo (Sd02)
Nas bibliotecas europeias é muito comum o consultor gravar em pen
drive, livros e reses completas, pois a maioria do acervo é digitalizado,
além da permissão natural de xerocar, pagando valores irrisórios por folha
xerocada sem regras. (Sd05)
Eles dão cursos, restauram livros, promovem leituras com autores e
contação de histórias para crianças. Algumas bibliotecas fazem grupos de
leitura (Sd10)
(continua)
101
André Luís Onório Coneglian
Acesso gratuito para nós a bases de publicações pagas, internet de
boa qualidade, ambiente silencioso e com conforto térmico, conforto
ergonômico no mobiliário. Em algumas universidades e institutos de
pesquisa, cafeteria com café expresso, lanche e refeições de qualidade
para a gente não ter que sair para a rua para comer ou tomar um suco
(Sd14)
Conheço outros serviços oferecidos, como treinamentos, laboratório de
acesso digital, cabines de áudio e vídeo para consultar material multimídia,
clubes de leitura e exposições (Sd16)
Serviços Específicos
Nas bibliotecas que frequentava era possível agendar o uso de salas de
estudos (Sd01)
Envio de artigos de revistas não digitalizadas (Sd03)
Orientação a autores de acordo com o tipo de pesquisa (Sd04)
Utilizei também bibliotecas virtuais e fiz pesquisas em livro no local,
no caso de não haver exemplares para empréstimo. Esse último ponto
dificultava as pesquisas, em geral, exigindo uma leitura muito dinâmica e
anotações pontuais ou de ideias gerais (Sd08)
Acesso a bases de dados (Sd11)
Nas escolas onde trabalhei, havia reforço escolar, projetos literários
(Sd17)
Fonte: elaborado pelo autor
Por fim, os participantes foram convidados a falar sobre o perfil
do superdotado para os profissionais da informação e escrever como os
centros de informação poderiam ser amigáveis às pessoas superdotadas.
As respostas foram dividias em três categorias: A. Aspectos
Ignorados: pois não souberam ou não puderam responder; B. Aspectos
Logísticos: relacionados à organização do acervo, aos prazos e quantidades
de itens para empréstimos, ao atendimento e C. Aspectos Pessoais: mais
intimistas, ou seja, o aspecto sentimental na relação com a biblioteca, os
livros, o conhecimento, citando a especificidade do superdotado.
Na categoria “Aspectos Ignorados” com apenas dois participantes:
Desculpe, não sei responder isso nem mesmo para meus familiares”
(Sd01), se referindo ao perfil da pessoa superdotada e a dentista musicista:
“Não saberia informar. Prefiro fazer as buscas sozinha” (Sd07).
(conclusão)
102
Usuários da informação com altas habilidades/superação: uma comunidade
discursiva convergente e divergente
Para valorizar a participação desse primeiro grupo de superdotados
adultos que se disponibilizaram a colaborar com a pesquisa, todas as
respostas foram trazidas na íntegra e, por ser a última questão de caráter
mais subjetivo, os participantes descreveram comportamentos, os quais
considero relevante manter a integridade dos depoimentos, analisando-
os e discutindo-os na sequência de cada categoria. Ainda é possível, por
meio dos depoimentos, evidenciar a diversidade e ao mesmo tempo, as
proximidades dos apontamentos para os profissionais da informação.
Quadro 6: Aspectos Logísticos
(Sd03) Atualmente, deveria ser mais rápida, com acesso com QR code,
pesquisa via celular. Atendimento online, preferencialmente com vídeo e
individualizado. E nessa época de pandemia, garantias para diminuir risco
de contaminação em caso de visitas presenciais.
(Sd05) Os profissionais da informação devem ter disposição para
conhecer o conteúdo total com o qual trabalham, para poder prestar
informação de excelente abrangência e ao mesmo tempo especialidade,
atendendo o requerente.
(Sd06) Que se mantenha a organização dos assuntos, títulos, ano de
publicação, e que o layout da disposição seja objetiva.
(Sd08) Processos de renovação de livros podem ser mais facilitados.
Além disso, oferecer espaço confortável para pesquisas, bem como para
espera, inclusive no caso de consultas em livros únicos ou locais. Ter boa
vontade em disponibilizar essas obras, ainda que com recomendações
de cuidado. Paciência para permitir ao aluno fazer suas consultas, sem
interrupções do tipo “já terminou, está acabando?”. Tive uma experiência
como essa, por isso, vale mencionar. Pela expertise do bibliotecário, as
sugestões de obras de referência, dentro do assunto em pauta, creio que
serão muito bem-vindas, quando for possível essa atenção.
(Sd10) Precisamos pegar uma maior quantidade de livros porque lemos
vários ao mesmo tempo. Em alguns momentos vamos precisar de extensão
do prazo do empréstimo. Em outros momentos precisamos de uma sala
pra falar sozinhos com os livros. Nem sempre queremos fazer silêncio na
biblioteca quando achamos o que queríamos, é aquele momento Eureka!
(continua)
103
André Luís Onório Coneglian
(Sd11) Nos acervos físicos e nos virtuais: deveriam ser cada vez mais
amplos e multidisciplinares, com total liberdade para nossa visitação e
permanência, prazos e quantidades mais flexíveis para empréstimos,
disponibilidade para esclarecimento de dúvidas quando e se questionarmos.
Penso que seria isso...
(Sd15) Das vezes que precisei destes profissionais, fui sempre bem
atendida. Mas acho que uma coisa simples que poderia ser feita é eles
perguntarem se a gente quer mais alguma coisa ali no espaço. Na minha
experiência, sempre o profissional só localiza o que a gente pede e nem
quer saber se estamos interessadas(os) em mais algo. Pode parecer algo
até banal, mas acho que faz a diferença no atendimento ao público.
(Sd17) Que seja gentil com todas as pessoas, e indique livros quando elas
precisarem e que seja leitor também e procure ter empatia.
(Sd18) No meu caso, se houvesse um sofá onde eu pudesse me deitar e
ler, ler, ler, não sairia mais da biblioteca naquela época. Hoje é mais fácil
adquirir material para o kindle, por exemplo.
Fonte: elaborado pelo autor
Os aspectos logísticos também demonstram características dos
aspectos pessoais, quando os participantes Sd10 e Sd11 pedem maior
flexibilização das datas e quantidades de itens para empréstimos, ou seja,
querem emprestar mais livros do que é permitido, portanto, desejam um
prazo mais estendido. É uma necessidade, como demonstrado por Sd08
que criou a estratégia de emprestar a carteirinha de colegas para sanar a
necessidade de emprestar uma quantidade maior de livros permitida por
usuários.
O participante Sd05 acredita que o bibliotecário precisa dominar
todo o acervo pelo qual é responsável. Será possível? Afinal, há toda uma
organização e logística do acervo, o tratamento das obras, as escolhas
dos metadados, para constarem nos sistemas de buscas e oferecerem os
melhores resultados para os usuários.
Entretanto, o usuário precisa entender o funcionamento dos
sistemas de buscas, suas possibilidades para além da busca simples.
Acredito que o comentário de Sd05 seja no sentido de desejar interação
com a pessoa e não com os robôs (motores de buscas).
Os participantes Sd08, Sd15 e Sd17 são mais diretos neste aspecto
do contato com o atendente nas bibliotecas. Há superdotados que têm
(conclusão)
104
Usuários da informação com altas habilidades/superação: uma comunidade
discursiva convergente e divergente
uma característica de liderança mais aguçada e podem ser mais articulados
com pessoas desconhecidas.
Porém, há aqueles com perfis mais tímidos, que terão dificuldades
em se aproximar e se expressar. Ainda, aqueles cujo perfeccionismo ou peso
de que “a pessoa superdotada sabe tudo”, dificulta ou impede demonstrar
que não sabe o que fazer num ambiente com possibilidades tão vastas.
Conforme os dados de matrícula de alunos com superdotação no
Ensino Superior em 2018 (1.486), é uma porcentagem pequena, por isso
estão inseridos na Educação Especial, porém, são alunos presentes no dia
a dia. Ressalto que são alunos que foram identificados em algum momento
do processo escolar como superdotados e se declaram como superdotados
no Ensino Superior.
A identificação pode ser realizada no Ensino Superior também,
os Núcleos de Acessibilidade e Inclusão (NAI, NAC, NAPNE, etcs)
das universidades podem desenvolver programas de identificação e
atendimento aos alunos superdotados – da própria instituição ou de outras.
Uma dessas importantes iniciativas é descrita por Basso et al. (2020):
[...] o objetivo deste trabalho foi descrever o protocolo
utilizado para identificar e avaliar estudantes de uma
Universidade do Estado do Paraná, Brasil, realizado
mediante o Programa de Evidencias Globais de AH/SD
(PEGAHSUS), o qual executa ações de identificação e
de acompanhamento de universitários com indicativos de
AH/SD (p. 456).
Quadro 7: Aspectos Pessoais
(Sd02) Muita dificuldade de responder isso porque sempre considerei as
bibliotecas meu habitat natural e navego bem nelas sozinha. A única coisa
que me deixava triste era a biblioteca do colégio onde cursei da 4ª à 6ª
séries porque ela ficava fechada, só a bibliotecária podia acessar os livros, o
que além de limitar o acesso, dificultava o conhecimento do acervo. Acho
que mais espaços de estudo individuais ou para grupos pequenos, com
superfícies apagáveis dentro deles e isolados do ruído externo, poderiam
ser uma vantagem, pois favorecem a concentração por longos períodos.
(continua)
105
André Luís Onório Coneglian
(Sd04) Que o AH/SD tem, geralmente, a necessidade diante da busca
de um tema, de ampliar ao máximo e aprofundar os conhecimentos. E
que isto não tem haver com emergir apenas em autores da mesma área
de conhecimento, mas múltiplas áreas de abordagem sobre o mesmo
assunto. Pois ele passeia pela pluralidade do universo das coisas e não
apenas no aprofundamento das minuciosidades do tema.
(Sd09) Diria para darem suporte respeitando a autonomia e curiosidade
do indivíduo superdotado. Serem facilitadores das pesquisas.
(Sd12) Que precisamos de materiais mais específicos possíveis pra nossa
pesquisa haja vista que nosso interesse por muitos temas podem gerar
dispersão e procrastinação assim como perda de prazos
(Sd13) Meu filho é [superdotado], ele tem 12 anos hoje. Acredito que
quando é o interesse a busca acontece de forma natural. Mas quando
não, é necessário uma mediação, então acredito que esse profissional
deva ter preparo para lidar com esse e outros públicos, onde é necessário
estar mais disponível para o atendimento e também orientação quanto a
sua busca.
(Sd14) Contratem profissionais superdotados para que eles nos atendam.
É muito bom conversar com interlocutores semelhantes. E eles saberão o
que fazer por nós. Você que não é superdotado, não tente inferir o que seria
bom para nós, pois não vai dar certo. Precisamos de representatividade
em todos os ambientes e setores da sociedade. “Nada sobre nós sem nós”.
(Sd16) Espaços como bibliotecas e museus fornecem importantes fontes
de conhecimento para pessoas envolvidas com ensino e pesquisa. Para
indivíduos e grupos com altas habilidades e superdotação (AHSD),
podem representar lugares muito especiais onde pessoas nessa condição
são rodeadas por recursos que matam sua imensa e intensa “sede
de conhecimento”. Pessoas AHSD podem se sentir especialmente
confortáveis em bibliotecas para se concentrar em atividades acadêmico-
intelectuais (consultar obras, realizar estudos e pesquisas, escrever
trabalhos, etc). Esses espaços podem ser mais amigáveis e favoráveis a
todos os estudantes, pesquisadores ou professores (AHSD ou não) logo
que ingressam na instituição à qual os espaços pertencem, por meio de
iniciativas como visitas e treinamentos de curta duração fornecidos pela
instituição. Pessoas AHSD do tipo acadêmico-intelectual aproveitariam
melhor essas iniciativas se delas pudessem tomar conhecimento o
quanto antes, com repercussões positivas em sua trajetória de estudos
e pesquisas. As atividades oferecidas nesses espaços poderiam ser mais
amplamente divulgadas em todos os setores da instituição à qual estão
vinculados, sobretudo os ligados à área de AHSD.
Fonte: elaborado pelo autor
(conclusão)
106
Usuários da informação com altas habilidades/superação: uma comunidade
discursiva convergente e divergente
Sd04 aponta que um tema pelo qual tem interesse pode ser
abordado num aspecto multidimensional e deseja encontrar interlocutores
para esse diálogo de múltiplas possibilidades, assim como Sd05 declarou
que o profissional da biblioteca precisa ter abrangência e especificidade
de conhecimento do acervo para atender o requerente. Enquanto Sd12,
consciente dessa característica de interesses múltiplos, deseja que o
profissional a direcione para a especificidade do tema, pois do contrário
terá como consequências indesejáveis a dispersão, procrastinação e perdas
de prazos.
Ao trazer para essa análise e discussão aspectos dos programas para
o desenvolvimento da Competência Informacional, por meio dos Estudos
de Usuários, cujo objetivo final – da Competência Informacional, é que
o sujeito “aprenda a aprender” e tenha a autonomia para seguir como
aprendiz ao longo da vida, é uma característica encontrada em muitos
superdotados: o interesse natural em conhecer, descobrir, relacionar,
acaba desenvolvendo um estilo de aprendizagem mais independente.
Sd13 cita o filho de 12 anos também superdotado “quando é o
interesse a busca acontece de forma natural”, caso contrário, ela cita a
importância da mediação do profissional. O que deve fazer o profissional?
O mínimo para começar, é saber que existe a comunidade discursiva dos
superdotados e muitos nem se descobriram como superdotados – ainda
que seja provável o sentimento de inadequação constante.
Os profissionais – da Educação, Psicologia, Informação – por
meio do conhecimento, leituras, cursos de formação, contatos, cultivar
a sensibilidade para os sujeitos com potenciais elevados, comprometidos
com a tarefa (seja a tarefa acadêmica ou de outra natureza), mais o
tempero da criatividade em menor ou maior intensidade, quase sempre na
invisibilidade.
Sd14 faz um pedido especial: “contratem profissionais superdotados
[...] É muito bom conversar com interlocutores semelhantes. E eles saberão
o que fazer por nós [...] ‘Nada sobre nós sem nós’”. Sobre as bibliotecas,
Sd16 diz que “podem representar lugares muito especiais onde pessoas
nessa condição são rodeadas por recursos que matam sua imensa e
intensa ‘sede de conhecimento’”.
Centros informacionais e bibliotecas podem e devem ser valorizados
107
André Luís Onório Coneglian
por todas as pessoas, é sabida sua relevância para a sociedade, até mesmo
no imaginário coletivo daqueles que não podem ou simplesmente não
utilizam ou não frequentam esses “lugares especiais”, quanto mais para
quem tem “sede de conhecimento”.
Os Estudos de Usuários e programas de desenvolvimento da
Competência Informacional podem, inclusive, colaborar qualitativamente
no processo de identificação dos alunos superdotados. Há propostas
voltadas para a iniciação cientifica na Educação Básica – fazer pesquisa
séria, conforme aponta Bagno (2000), desde tenra idade, a utilizar bases de
dados, em bibliotecas físicas e virtuais, como escrever projetos de pesquisa,
desenvolver a pesquisa e apresentar os resultados. Todos esses elementos
podem estar presentes no atendimento educacional especializado dos
alunos superdotados na Educação Básica.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A guisa de conclusão, preciso fazer referência a um verso que utilizei
no último capítulo da minha tese de doutorado, concluído em março de
2013: “[...] não quero fome nem queijo. Quero a fome” (último verso do
poema “Tempo” de Adélia Prado).
Em 2002, Rubem Alves escreveu “A arte de produzir fome”, em
sua coluna na Folha. Começou assim: “Adélia Prado me ensina pedagogia.
Diz ela: ‘não quero faca nem queijo; quero a fome’. O comer não começa
com o queijo. O comer começa na fome de comer queijo. Se não tenho
fome é inútil ter queijo”.
Minha trajetória escolar e acadêmica foi guiada e movida por essa
fome, uma fome constante, saciada aqui, mas logo renascida ali. Somente
aos 37 anos de idade (2018), depois de passar por um processo de avaliação
psicoeducacional, realizado por uma psicóloga, entendi minha condição de
superdotado.
De modo geral, o superdotado não precisa “querer a fome”, a fome é
nossa condição natural. Rubem Alves escreve que “A verdadeira cozinheira
é aquela que sabe a arte de produzir fome...” e
Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma
experiência afetiva. É a fome que põe em funcionamento
o aparelho pensador. Fome é afeto. O pensamento
108
Usuários da informação com altas habilidades/superação: uma comunidade
discursiva convergente e divergente
nasce do afeto, nasce da fome. Não confundir afeto com
beijinhos e carinhos. Afeto, do latim “aetare”, quer dizer
“ir atrás”. É o movimento da alma na busca do objeto de
sua fome. É o Eros platônico, a fome que faz a alma voar
em busca do fruto sonhado (ALVES, 2002).
Rubem Alves diz que o professor deve fazer o mesmo que a
cozinheira: “antes de dar faca e queijo ao aluno, provocar a fome...”. A
mesma tarefa do bibliotecário e de todo mediador de conhecimento é
saber provocar a fome e quando a fome já está ali, oferecer ótimas opções
de cardápio ou meios para o próprio “esfomeado” preparar seu banquete –
perfil criativo-produtivo, por exemplo.
Depois da Educação Infantil, Educação Básica, Educação
Profissional (Técnico em Contabilidade), iniciado e desistido do Técnico em
Administração, Ensino Superior (Pedagogia com habilitação em Deficiência
Auditiva), iniciado e desistido da habilidade em Deficiência Visual,
Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação – um zumbi acadêmico,
uma auto referência (CONEGLIAN, 2020, p. 35). Atuo como professor
de Língua Brasileira de Sinais – Libras, no Ensino Superior, há 12 anos em
pelo menos três instituições diferentes. Os relatos apresentados neste
capítulo representam a minha trajetória escolar, acadêmica profissional e
pessoal.
As bibliotecas fizeram parte da minha formação desde a 2ª. série
do ensino fundamental, biblioteca escolar do SESI. No ensino médio, em
escola estadual pública, a biblioteca existia, porém, sem bibliotecário e
sempre fechada. Na graduação, utilizava somente para empréstimos de
livros e seus espaços para trabalhos e reuniões em grupo. Para o Trabalho de
Conclusão de Curso, no último ano, agendei orientação com a bibliotecária
de referência – a querida Luzinete. Guardo aqueles trinta minutos como
uma memória afetiva onde aprendi a fazer referência de livros, capítulos de
livros, artigos.
Somente na pós-graduação, a partir mestrado na Ciência da
Informação fui apresentado ao multiverso da biblioteca: COMUT,
operadores booleanos, base de dados específicas para as áreas, Classificação
Decimal de Dewey, metadados, tesauro, indexação, mediação, Estudos de
Usuários, comportamento e competência informacional...
109
André Luís Onório Coneglian
Há tanto para conhecer e realizar! Convido-os a conhecer mais
sobre altas habilidades/superdotação. Estamos em tantas áreas, famintos
e alguns provavelmente sendo mal alimentados. Os superdotados estão
nas escolas, muitos entediados com o “cardápio”. Muitas dessas escolas
sem bibliotecas e sem bibliotecários. Quando há, os alunos de modo geral
não encontram sentido em frequentá-la e usufruir de seus serviços e
possibilidades.
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110
Usuários da informação com altas habilidades/superação: uma comunidade
discursiva convergente e divergente
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113
OS USUÁRIOS DA INFORMAÇÃO CEGOS, SURDOS E
SURDOCEGOS NAS BIBLIOTECAS
1 INTRODUÇÃO
O objetivo deste capítulo consiste em abordar os aspectos
histórico-conceituais da cegueira, surdez e surdocegueira, assim como
as habilidades necessárias para o bibliotecário atuar com esses usuários.
O texto se constituiu a partir de um recorte de pesquisas mais amplas
realizadas no âmbito de duas dissertações de mestrado
1
e de uma breve
revisão de literatura não sistemática, com abordagem qualitativa, realizada
por meio de uma busca e análise de estudos da Ciência da Informação e da
Educação.
Há iniciativas e pesquisas na Ciência da Informação voltadas tanto
para os surdos quanto para os cegos com o foco nas chamadas tecnologias
assistivas. Ao fazer uma busca na Base de Dados em Ciência da Informação
(BRAPCI) com os termos deficiente visual, deficientes visuais, cego,
cegos, deficiente auditivo, deficientes auditivos, surdo, surdos, surdocegos e
surdocegueira obtivemos como resultado: 28 itens voltados para cegueira,
24 referentes a temática surdez e apenas um item para pessoas surdocegas.
Destacamos que esses trabalhos foram publicados no período de
1
PEREIRA, A. P. A competência em informação dos pais de surdos. Orientadora:
Adriana Rosecler Alcará. 2020. 157 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Infor-
mação) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2020.
SECO, Layara Feifer Calixto. Mediação e inclusão informacional para musicistas
cegos. Orientadora: Sueli Bortolin. 2017. 120 f. Dissertação (Mestrado em Ciência
da Informação) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2017.
Capítulo 4
André Luís Onório Coneglian
Ana Paula Pereira
Layara Feifer Calixto Seco
Adriana Rosecler Alcará
Sueli Bortolin
114
Os usuários da informação cegos, surdos e surdocegos nas bibliotecas
2001-2020 e a maioria encontra-se na revista da Associação Catarinense
de Bibliotecários (ACB) em 2008
2
. Dessa forma, fica evidente que
as investigações, nas últimas décadas, com maior frequência estão mais
ligadas aos cegos do que aos surdos. No Brasil, os estudos relacionados aos
sujeitos surdocegos são escassos ou ficaram na invisibilidade, da mesma
forma que esses sujeitos, em sua maioria, ainda permanecem.
A Lei de Diretrizes e Bases (Lei Federal 9.394/1996) em seu
capítulo V Art. 58, que recebeu nova redação pela Lei nº 12.796/2013,
entende “[...] por educação especial, para efeitos de Lei, a modalidade de
educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino,
para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades ou superdotação.” (BRASIL, 2013, n. p.).
A deficiência compreende a deficiência física (motora), deficiência
sensorial (visual e auditiva), deficiência intelectual e deficiência múltipla
(associação de duas ou mais deficiências, por exemplo, a surdocegueira).
Neste capítulo abordaremos a deficiência visual, a auditiva e a surdocegueira.
Historicamente, as diferentes sociedades excluíram – e ainda
excluem – pessoas com deficiência. O acesso à educação, conhecimento,
informação, leitura, literatura, cultura e lazer é insistentemente negado
a elas, com grandes prejuízos à convivência de maneira socialmente
digna (RELATÓRIO..., 1981) para a efetiva apropriação nos ambientes
informacionais.
Nas últimas décadas podemos perceber diferentes esforços em
unidades de informação para promover a acessibilidade, porém, não pode
ficar restrita ao espaço físico, precisa ser ampliada também aos recursos
informacionais, produtos, serviços e às diferentes formas de leitura e
informação. Há muito a ser realizado nas bibliotecas visando os sujeitos
cegos, surdos e surdocegos de modo a promover equidade, inclusão e o
sentimento de pertencimento nesses espaços. A Biblioteconomia há
2
Talvez isso se explica porque em 2007 foram realizados em Florianópolis os eventos:
XXVI Painel Biblioteconomia em Santa Catarina que abordou o tema a “Acessibilidade
à informação: tecnologias e práticas inovadoras” e o V Seminário Nacional de
Bibliotecas Braille (SENABRAILLE) com o tema “Tecnologias para acessibilidade
ao livro e à informação pelos portadores de deficiência visual” (EDITORIAL, 2008,
p. 5).
115
André Luís Onório Coneglian | Ana Paula Pereira | Layara Feifer Calixto Seco | Adriana Rosecler
Alcará | Sueli Bortolin
muitos anos desenvolve projetos visando atender os sujeitos com cegueira.
Isso acontece desde os tempos em que a forma mais usual de acesso à
informação pelos cegos era por meio dos livros em Braille.
Para tanto, o bibliotecário precisa de habilidades e estratégias para
propor ações que atendam de forma adequada esse público, especialmente
com visão crítica, reflexiva e acolhedora. Sampaio e Farias (2020, p. 21)
destacam que “[...] a efetivação de uma biblioteca inclusiva requer esforço e
sensibilidade contínua do bibliotecário, pois, quando este compreende seu
papel e reconhece sua influência na sociedade, está sempre reinventando
e criando possibilidades em sua prática laboral”.
Assim, nas próximas seções procuramos caracterizar a cegueira, a
surdez e a surdocegueira, no sentido de promover uma reflexão em relação
às habilidades dos bibliotecários e demais profissionais envolvidos com as
bibliotecas.
2 SUJEITOS CEGOS
Ao nascer, a criança possui os órgãos da visão imaturos e não
tem a capacidade de enxergar como um adulto; do nascimento até
aproximadamente oito anos de idade a visão pode ser aperfeiçoada ou
deteriorada. Sousa (1997) discorre que durante esse processo de maturação
o cérebro precisa receber informações claras e precisas, por esse motivo
comunica-se abertamente com a retina para melhorar as informações do
ambiente.
Durante a juventude os olhos modificam-se muitas vezes, mas a
partir da meia-idade, em consequência do envelhecimento, essas alterações
afetam seu desempenho normal, acarretando gradativamente dificuldades
para enxergar com nitidez objetos próximos.
A ausência da visão pode ser avaliada por perspectivas sociais,
anatômicas ou pedagógicas, mas como comenta Amiralian (1997), são
apenas recortes de um agrupamento de circunstâncias a que os indivíduos
cegos estão suscetíveis, uma vez que pertencem a um núcleo familiar, uma
religião, uma cultura que assimila a cegueira de uma determinada maneira.
A autora supracitada comenta que durante muito tempo as Ciências
Médicas perceberam a cegueira como uma consequência de outras
116
Os usuários da informação cegos, surdos e surdocegos nas bibliotecas
doenças e buscavam reduzi-la almejando cada vez mais qualidade de vida
para o indivíduo cego. Para tal fim, analisaram as condições da capacidade
visual de indivíduos cegos e com baixa visão que corroboraram para trazer à
luz medidas avaliativas visuais, como acuidade e campo visual.
A partir da década de 1970 as Ciências Médicas passaram a
considerar dois ramos de diagnóstico para identificar o nível de deficiência
visual: a acuidade visual e a baixa visão. De acordo com Ormelezi (2000) os
avanços educacionais e médicos almejados nessa época proporcionaram a
mudança da classificação de cegueira, apoiando-se na capacidade da visão,
e não mais na acuidade visual, que identificava um sujeito como cego, no
entanto, ele aplicava visão residual para ocupações habituais, leitura em
tinta e escrita.
O conceito de cegueira total se aplica à inexistência de percepção
luminosa em que se qualificam cegos parciais, indivíduos cujo campo visual
é restrito a um ângulo de 20 graus ou menos, já que não conseguem
visualizar o ambiente em sua totalidade, como afirma Ormelezi (2000).
Consequentemente, os sujeitos afetados por essa condição conseguem
contar os dedos a curta distância e visualizar vultos; precisam de recursos
pedagógicos e equipamentos educacionais adaptados, além do alfabeto
braile para leitura e escrita.
Próximos da cegueira total estão indivíduos que têm apenas
percepção e projeção luminosas (ROCHA; RIBEIRO-GONÇALVES,
1987). As causas da diminuição da visão podem ser diversas e são
classificadas como congênitas (diagnosticadas no nascimento) e adquiridas,
que sobrevém mediante doenças, além de traumas oculares, alcoolismo,
drogas, radiações e infecções como sífilis, rubéola, toxoplasmose.
Do ponto de vista clínico, a baixa visão é definida como a ausência
severa de visão ou a debilidade visual que ocasiona diminuição da capacidade
de enxergar mesmo após tratamento e correção de erros de refração
(MASINI; GASPARETTO, 2007). Nesta, a acuidade visual, ou seja, a
percepção de contornos e objetos é inferior a 20/60, no melhor olho e
após correção máxima, ou seja, aquilo que uma pessoa com baixa visão
consegue enxergar à distância de 20 metros, uma pessoa com acuidade
visual total é capaz de ver à distância de 60 metros.
Indivíduos com baixa visão conseguem utilizar a acuidade visual
117
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como meio principal de aprendizagem e não necessitam do alfabeto braille.
Telford e Sawrey (1976) comentam que neste estágio da deficiência o
educando consegue ler materiais impressos em tipos garrafais se forem
utilizados recursos didáticos e auxílios ópticos para ampliação, ou é capaz de
ler impressão normal em quantidades limitadas e em condições especiais.
Bruno (1993) e Telford e Sawrey (1976) afirmam que a limitação
sensorial da visão cria uma maneira única de assimilação de mundo, uma
vez que os indivíduos cegos buscam outras maneiras de sensibilidade. Além
de acuidade e campo visual, comprometimentos significativos no âmbito
funcional dos olhos são impostos aos indivíduos acometidos de baixa visão,
tais como, sensibilidade ao contraste, adaptação à luz e escuridão, percepção
de cores, limitação de locomoção, compreensão do meio, dificuldade de
interação e acesso à informação, privação de vivências, limitações nas
atividades rotineiras, prejuízo cognitivo e perceptivo, estigmas sociais que
são revelados nos estereótipos culturais da pessoa com deficiência visual e
seu autoconceito.
Telford e Sawrey (1976) afirmam ainda que esses indivíduos utilizam
o tato e o movimento para ampliar sua noção de espaço, atividade que
ocorre por intermédio da visão em pessoas videntes
3
. Os cegos congênitos
constroem seu conhecimento de mundo a partir de estímulos diferentes
dos utilizados por crianças videntes, mas isso não significa que sua cognição
seja menos adequada, pois não tem deficiência significativa nessa área.
Os autores comentam que os estigmas sobre a deficiência visual são
equivocados; opiniões e falsas interpretações da população subestimam
o indivíduo cego, e indicam características de impotência, dependência
ou de capacidades incomuns como a suposta intensificação da acuidade
de outros sentidos (por exemplo, ouvido absoluto). Isso resulta em uma
parca receptividade coletiva, em uma ausência de práticas sociais proativas
que impedem o desenvolvimento de aptidões que possibilitariam sua
independência.
Lira e Schlindwein (2008) declaram que a criança cega se apropria
de significados do seu ambiente e desfruta de experiências sociais por
intermédio da linguagem; utilizando a atenção voluntária, percepção,
memória e pensamento que modificam sua relação com o mundo e
3
Pessoas videntes são aquelas que não tem a visão comprometida.
118
Os usuários da informação cegos, surdos e surdocegos nas bibliotecas
reduzem as dimensões da perda da visão. Lograr os benefícios trazidos
pelas tecnologias assistivas possibilitou aos indivíduos com deficiência
visual uma relação natural com computadores e aparelhos celulares, que
proporcionam interação e possibilitam a escrita e a leitura sem a mediação
de terceiros.
Afirma Borges (2009, p. 99) que as tecnologias ampliam as
possibilidades dos indivíduos cegos, oportunizando o envolvimento com
outros meios de comunicação que permitam acesso a materiais produzidos
ou utilizados por pessoas com deficiência visual, empregando sentidos de
audição e tato: “[...] textos sintetizados ou copiados para painéis táteis,
gravações de áudio, indicações sonoras, feedbacks de vários tipos para as
ações tomadas etc.”
Ainda que as tecnologias assistivas desempenhem papel importante
na atuação social do indivíduo cego, convém manejar o direcionamento
adequado para a utilização de determinado recurso valendo-se de
aspectos que acometem esse sujeito, tais como o interesse, o entusiasmo
e a disponibilidade e acessibilidade dos recursos tecnológicos para
descobrir suas preferências de acesso à informação (táteis, auditivas ou
aproveitamento de resíduo visual) de modo que eles se apropriem da
informação da maneira mais satisfatória possível. Melhor dizendo, o cego
habilita-se a escrever e ser lido, além de ler o que já foi escrito utilizando as
ferramentas de acessibilidade que forem mais apropriadas para sua situação
(BORGES, 2009; BORGES, 2019).
O domínio da tecnicidade de aplicativos, programas de
gerenciamento de recursos e ferramentas de acessibilidade proporcionam
a pessoa com deficiência visual novos modos de organização individual
e comunicação que, de outra forma, seriam inacessíveis a ele, além
de fortalecerem a relação interpessoal entre pessoas cegas e videntes
(BORGES, 2009).
As adaptações tecnológicas possibilitam a inclusão e trazem
independência e autonomia à pessoa com deficiência, desde atividades
básicas de autocuidado como comunicação, preparo de alimentos,
tarefas ocupacionais, locomoção, cuidados com o lar, lazer, resolução de
problemas, atividades profissionais e acadêmicas, promovendo interação
e aprendizagem; e facilitam a prática de atividades que não poderiam ser
119
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realizadas de maneira independente, como afirma Rodrigues (2007).
Borges (2009) argumenta que a internet criou um ambiente de
acesso a textos publicados em qualquer lugar do mundo, compartilhamento
de arquivos, e-mails, chats e até jogos online. Textos volumosos em Braille
atualmente são produzidos rapidamente utilizando impressoras Braille
e softwares para transcrição de textos; arranjos orquestrais podem ser
elaborados acoplando instrumentos musicais eletrônicos a computadores,
além da impressão de partituras com programas de transcrição para leitura.
O aproveitamento das tecnologias para inclusão de pessoas com
deficiência visual trouxe demandas inovadoras ao bibliotecário quanto
à aplicabilidade dos dispositivos e o desenvolvimento de estratégias e
programas para formação de usuários. Gomes (2014) salienta o bibliotecário
como o profissional que, partindo de princípios éticos, pode intermediar,
possibilitar e facilitar o acesso à informação que está incorporada em
suportes físicos e digitais, garantindo que as necessidades informacionais
dos usuários sejam – parcialmente – supridas.
Acreditamos que as situações que envolvem a falta de informação
em formatos adaptados e a constante superação de desafios e preconceitos
tornam-se fatores desgastantes para o indivíduo que, para tanto, necessita
de apoio familiar e educacional – incluímos aqui as bibliotecas – no sentido
de fortalecer a autoestima e a capacidade de enfrentamento ante as
adversidades. Sendo assim, confrontar obstáculos, apesar de incômodo,
torna-se necessário para que os sujeitos não fiquem à margem do
desenvolvimento tecnológico e intelectivo oportunizado à população de
sua época.
A inclusão desses indivíduos no meio social através de espaços de
apoio, compreensão, estímulos e aceitação assegura a individualidade,
autonomia e expectativas pela realização de aspirações de vida, trazendo à
tona o sentimento de pertencimento. Ao incluir a acessibilidade no debate,
vislumbramos que mudanças estruturais e de condutas no ambiente
social estabelecem benefícios a esse nicho de usuários, pois enriquecem
a compreensão de princípios que mostram a diferença como algo natural
do homem e não como uma circunstância inconveniente. Essas premissas
devem ser concebidas pelo meio social para melhorar as condições de vida
das pessoas com deficiência visual.
120
Os usuários da informação cegos, surdos e surdocegos nas bibliotecas
Esse é um processo desafiador e de superação social constante,
contudo, a união ativa de bibliotecas, tecnologias e desenvolvimento social
poderá garantir a esses indivíduos o direito de colaborar de maneira prática
com a elaboração e disseminação do conhecimento. Ferreira (2008)
afirma que pensar em ações inclusivas na biblioteca traz à luz medidas
que ampliam, atualizam, aperfeiçoam e expandem serviços e recursos que
acompanhem as tendências. Somente assim estará preparada para atender
as necessidades informacionais desses usuários.
Portanto, segundo Silveira (2000, p. 13), “[...] considerando que
as bibliotecas são organizações sociais dinâmicas, [...] devem centrar sua
missão na utilidade social e na sua capacidade de contribuir efetivamente
para o crescimento de seres humanos”, modificando-se para cumprir sua
missão, seja com indivíduos cegos, surdos ou surdocegos. O mesmo pode
ser dito em relação aos indivíduos surdos e surdocegos, condições que
abordaremos nas seções a seguir.
3 SUJEITOS SURDOS
O uso da Língua de Sinais, seja na atuação do intérprete na TV ou
de sujeitos surdos conversando em outro ambiente, apresenta à sociedade
uma “nova” forma de comunicação e que existe um público para qual é
direcionada. De forma geral, em nosso contexto conhecemos alguém
surdo, seja um vizinho, um amigo, um familiar, que pode ter nos provocado a
vontade de aprender Libras para melhor nos comunicar, mas existe também
a possibilidade, por ser algo desconhecido, de causar distanciamento.
A deficiência auditiva, aferida por meio de audiometria, pode ser
classificada em:
Audição normal - de 0 a 15 dB.
Surdez leve – de 16 a 40 dB. Nesse caso a pessoa pode
apresentar dificuldade para ouvir o som do tic-tac do
relógio, ou mesmo uma conversação silenciosa (cochicho).
Surdez moderada – de 41 a 55 dB. Com esse grau de perda
auditiva a pessoa pode apresentar alguma dificuldade para
ouvir uma voz fraca ou o canto de um pássaro.
Surdez acentuada – de 56 a 70 dB. Com esse grau de
perda auditiva a pessoa poderá ter alguma dificuldade
para ouvir uma conversação normal.
121
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Surdez severa – de 71 a 90 dB. Nesse caso a pessoa
poderá ter dificuldades para ouvir o telefone tocando ou
ruídos das máquinas de escrever num escritório.
Surdez profundaacima de 91 dB. Nesse caso a pessoa
poderá ter dificuldade para ouvir o ruído de caminhão, de
discoteca, de uma máquina de serrar madeira ou, ainda, o
ruído de um avião decolando. (BRASIL, 2006, p. 16-17).
Outra classificação utilizada refere-se às doenças que podem
causar a surdez:
• Pré-natais: surdez provocada por fatores genéticos e
hereditários, doenças adquiridas pela mãe na época da
gestação (rubéola, toxoplasmose, citomegalovírus), e
exposição da mãe a drogas ototóxicas (medicamentos que
podem afetar a audição).
• Peri-natais: surdez provocada mais freqüentemente por
parto prematuro, anóxia cerebral (falta de oxigenação no
cérebro logo após o nascimento) e trauma de parto (uso
inadequado de fórceps, parto excessivamente rápido,
parto demorado).
• Pós-natais: surdez provocada por doenças adquiridas
pelo indivíduo ao longo da vida, como: meningite,
caxumba, sarampo. Além do uso de medicamentos
ototóxicos, outros fatores também têm relação com
a surdez, como avanço da idade e acidentes. (BRASIL,
2006, p. 15).
A autora surda Karin Lilian Strobel (2008, p. 35) explica que “para
o povo surdo, a terminologia ‘Deficiente Auditivo’ é rejeitada porque define
o surdo segundo sua capacidade ou ausência de ouvir e não a presença
de uma cultura lingüística diferente.” Ainda é preciso evitar os termos no
diminutivo: surdinho, mudinho, entre outros que camuflam ou indicam um
sentimento de compaixão ou piedade em relação aos surdos.
A sociedade não conhece nada sobre o povo surdo e, na
maioria das vezes, fica com receio e apreensiva, sem saber
como se relacionar com os sujeitos surdos, ou tratam-nos
de forma paternal, como “coitadinhos”, ou lidam como
se tivéssemos “uma doença contagiosa”, ou de forma
preconceituosa e outros estereótipos causados pela falta
de conhecimento [...] (STROBEL, 2008, p. 31).
122
Os usuários da informação cegos, surdos e surdocegos nas bibliotecas
Skliar (2012, p. 21) explica que historicamente além de serem
concebidos como não ouvintes, os surdos foram classificados como “[...]
autistas, psicóticos, deficientes mentais, afásicos e esquizofrênicos.” Tais
“[...] estereótipos sobre os surdos não podem ser considerados inocentes
[porque] contém formas opressivas, que permitem um controle social
eficaz e determinam, exatamente, uma devastação psíquica sistemática
nos surdos.” (SKLIAR, 2012, p. 21).
A surdez pode ser concebida de acordo com duas abordagens,
ou seja, a concepção clínico-patológica e concepção socioantropológica.
Assim, a concepção clínico-patológica representa um conceito amparado
na Medicina em que a surdez seria uma doença que pode ser tratada e
curada. Mas de que forma? Com o
[...] treinamento de fala e audição, adaptação precoce de
aparelhos de amplificação sonora individuais, intervenções
cirúrgicas como o Implante Coclear etc. Nesse sentido, o
encaminhamento é o trabalho fonoaudiológico e a escola
comum, com o objetivo de “integrar” a pessoa surda no
mundo dos ouvintes através da “normatização” da fala.
(STROBEL, 2008, p. 36).
A concepção socioantropológica “[...] concebe a surdez como
uma diferença a ser respeitada e não uma deficiência a ser eliminada. O
respeito à surdez significa considerar a pessoa surda como pertencente a
uma comunidade [...] com direito à língua e cultura própria.” (STROBEL,
2008, p. 36). Essa é a concepção que respeitamos: o surdo tem direito a
usar a biblioteca e os serviços oferecidos por meio da Língua de Sinais.
Pesquisas desenvolvidas nos últimos anos, no âmbito da Ciência
da Informação, têm buscado compreender o comportamento e as
necessidades informacionais dos surdos em ambientes educacionais, em
escolas regulares e escolas especiais, bem como surdos no ensino superior
e como pesquisadores em formação (CONEGLIAN; CASARIN, 2007;
THOMA; PONTIN; LOPES, 2018).
No contexto atual, em tempos de pandemia (Covid-19), por
exemplo, os pais encontram dificuldades em auxiliar seus filhos surdos nas
atividades escolares sem o apoio da escola, ou seja, algo que já é complexo
para crianças e adolescentes ouvintes, torna-se um desafio ainda maior para
123
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os pais e mães de surdos, principalmente pela dificuldade de comunicação
e localização de materiais de apoio.
Tanto familiares quanto os filhos surdos (seja na infância,
adolescência ou vida adulta) se configuram como usuários da informação,
no ambiente escolar ou mesmo na vida pessoal, entendendo a informação
como elemento que subsidia a produção do conhecimento sobre a surdez
e outros aspectos, reduz incertezas e colabora para o pertencimento dos
surdos e de seus familiares.
Nesse sentido, o bibliotecário pode contribuir não apenas fazendo
com que os surdos e seus familiares se sintam pertencentes e assim se
apropriem dos diferentes ambientes informacionais, mas que saibam
desenvolver e utilizar diferentes estratégias e habilidades que os levem a
buscar e encontrar a informação com autonomia, atendendo aquilo que de
fato necessitam.
Pode parecer um desafio no primeiro momento, mas
todo profissional que se compromete com sua profissão
e respeita o outro deve considerar o seu usuário (cliente,
paciente, aluno ou seja qual for a terminologia utilizada)
como cidadão, possuidor de direitos e deveres. Estar e
usufruir do ambiente informacional também é direito
dele. (WELLICHAN; LINO, 2020, p. 155).
Santos (2020, p. 267) salienta que “[...] ter o ‘acesso à informação
é diferente de ter uma ‘informação acessível’ [...].” De fato, ter a “posse
ou o acesso em si não significa que todos poderão ter uma apropriação
acessível. Strobel (2008, p. 16-17) explica que “[...] a forma como o surdo
aprende o português é diferente dos ouvintes, devendo ser adaptada com
a realidade cultural deles.” Assim, em termos de leitura, a presença de
textos escritos sem outros recursos complementares pode ser prejudicial
de modo que tais informações se tornam inacessíveis.
Nesse sentido, Dias e Bon (2019) elencam oito aspectos aplicáveis
ao contexto da biblioteca universitária, mas que são adequados para
qualquer modalidade: 1. Formar um acervo digital com diferentes materiais
(artigos científicos, trabalhos de conclusão de curso de outras instituições)
com o objetivo de criar um repositório sobre a surdez; 2. Identificar e
buscar parcerias com bancos de dados com materiais acessíveis às pessoas
124
Os usuários da informação cegos, surdos e surdocegos nas bibliotecas
surdas; 3. Incluir de modo objetivo as pessoas com necessidades especiais
na Política de Desenvolvimento de Coleções; 4. Demandar das editoras
arquivo digital das obras adquiridas que possibilite a conversão através das
tecnologias assistivas em formato acessível para os surdos; 5. Implementar
a tecnologia assistiva e disponibilizá-la aos surdos como os tradutores
automáticos da Língua Portuguesa para Língua de Sinais; 6. Propiciar
a organização e sinalização da biblioteca de modo visual, a exemplo das
informações nas estantes utilizando não somente a palavra em Língua
Portuguesa, mas a datilologia
4
e imagens em Língua de Sinais; 7. Oferecer
cursos de Libras para toda equipe da biblioteca com o objetivo de melhorar
o atendimento e a comunicação com o usuário surdo; 8. Divulgar os
serviços da biblioteca para atrair estudantes e professores surdos. (DIAS;
BON, 2019, p. 99).
Incluir as pessoas com deficiência na Comissão de Desenvolvimento
de Coleções aumenta a representatividade, oferecer cursos de Libras não
somente para comunidade acadêmica, mas também para comunidade
externa, possibilita que mais pessoas aprendam a Língua de Sinais. É
imprescindível que o acervo seja composto por livros de imagem e que
existam momentos de contação de histórias em Libras nas bibliotecas
escolares ou infantis. Por ser essencialmente visual, o livro de imagem
pode despertar o interesse e a motivação das crianças e adolescentes
surdos pela leitura e literatura de modo que ler seja um ato prazeroso,
criativo e instigante.
No artigo de Bari e Cardoso (2017) intitulado: A mediação de leitura
literária aos surdos por meio da adaptação para a linguagem das histórias em
quadrinhos as autoras concluem “[...] que as adaptações em quadrinhos são
recursos de excelente qualidade para a mediação de leitura literária, para
leitores novatos surdos, assim como para leitores ouvintes.”
Concordamos com Coneglian (2008, p. 33) quando defende
que “[...] bibliotecas ou centros informacionais que pretendem atender
à comunidade surda presencialmente, precisam considerar princípios de
comunicação, acervos e serviços específicos conforme recomendações
4
A datilologia atual “[...] também conhecida como alfabeto manual, é utilizada para
informar (representar) coisas que ainda não possuem um sinal na LIBRAS, para
expressar nomes e palavras de línguas estrangeiras.” (BREGA et al., 2008, p. 2).
125
André Luís Onório Coneglian | Ana Paula Pereira | Layara Feifer Calixto Seco | Adriana Rosecler
Alcará | Sueli Bortolin
da IFLA.”
5
Estes últimos abordaremos mais detalhadamente na próxima
seção.
4 SUJEITOS SURDOCEGOS
Para evitar possíveis incompreensões, buscamos e incluímos
nessa subseção, alguns esclarecimentos fundamentais para subsidiar
os bibliotecários na construção de uma biblioteca acessível e inclusiva.
Iniciamos isso fazendo uma referência ao I Congresso Internacional Helen
Keller
6
, nele Kidney (1977 apud ARÁOZ, 1999) propõe uma definição
para o indivíduo surdocego e ela foi aprovada da seguinte forma: são “[...]
os indivíduos que tem uma perda substancial da visão e audição, de tal
modo que a combinação das suas deficiências causa extrema dificuldade
na conquista de habilidades educacionais, vocacionais, de lazer e sociais.”
(ARÁOZ, 1999, p. 22).
No entender do Instituto Benjamin Constant a surdocegueira
é uma “[...] deficiência singular que apresenta perdas auditivas e visuais
concomitantemente em diferentes graus, levando a pessoa [...] a
desenvolver diferentes formas de comunicação para entender e interagir
com a sociedade.” (INSTITUTO..., 2017, n. p.).
Os surdocegos têm déficits sensoriais e, portanto, são enquadrados
entre os sujeitos com múltipla deficiência sensorial. Essa condição exige,
nas relações interpessoais, uma comunicação tátil-corporal, assim,
“[...] as trocas interativas das crianças precisam estar orientadas para
o desenvolvimento dos sentidos remanescentes, entre eles, cutâneo,
cinestésico (corporal - articulações e músculos; e, sensorial - visceral),
gustativo e olfativo [...].” (NASCIMENTO, 2006, p. 12).
5
Segundo Miglioli e Santos (2017, p. 143) o documento Diretrizes para serviços de
biblioteca para surdos da International Federation of Library Associations and Institutions
(IFLA) produzido em 2000 “[...] têm como objetivo informar os bibliotecários sobre
as necessidades de informação das pessoas surdas e refere-se a todas as bibliotecas
que têm pessoas surdas como qualquer parte de seu público potencial.”
6
Helen Adams Keller – “Nascida na cidade de Tuscumbia, Alabama, em 27 de
junho de 1880 [...] ficou cega e surda aos 18 meses de idade devido a uma doença
diagnosticada então como “febre cerebral” (hoje acredita-se que possivelmente
tenha sido escarlatina ou meningite)” (WIKIPÉDIA, 2020, n. p.).
126
Os usuários da informação cegos, surdos e surdocegos nas bibliotecas
Os documentos que se referem à surdocegueira apontam que as
principais causas dela são: a rubéola materna, toxoplasmose, herpes, AIDS,
sífilis, prematuridade, álcool, drogas e as síndromes genéticas (o exemplo
mais citado é a Síndrome de Usher
7
).
Visando potencializar o atendimento dos surdocegos em todos
os gêneros de bibliotecas apresentaremos algumas características desses
sujeitos, antes, porém, incluímos a seguir um relato histórico esclarecedor:
“A grafia dos termos surdocegueira e surdocego como a conhecemos agora,
sem hífen, foi proposta por Salvatore Lagati (1995), em Trento, na Itália,
em 1991, onde começou uma cruzada para a aceitação da surdocegueira
como uma condição única [...].” (SIERRA, 2010, p. 22).
Outro aspecto fundamental para os profissionais da biblioteca é
saber que a surdocegueira é classificada em: pré-natal, perinatal
8
e pós-
natal. Segundo Aráoz (1999) a pré-natal tem características congênitas; a
perinatal é resultado de infestações em virtude dos órgãos imaturos e pós-
natal pode aparecer em diferentes etapas da vida; nesse caso se ocorrer
na fase inicial do desenvolvimento da criança, a tendência é comprometer
com mais intensidade as condições biopsicossocial do indivíduo.
Abordamos nessa subseção características do sujeito surdocego,
mas também o nível de comprometimento dos bibliotecários e demais
profissionais da biblioteca em aprender continuamente para melhor se
comunicar com os sujeitos nessa condição. A Secretaria da Educação do
Estado do Paraná em seu site esclarece que a comunicação com a pessoa
surdocega se estabelece por meio de:
Língua de sinais tátil - Sistema não alfabético que
corresponde à língua de sinais utilizadas tradicionalmente
pelas pessoas surdas, mas adaptadas ao tato
9
, através do
contato das mãos da pessoa surdocega com as mãos do
7
Segundo Silva (2011, p. 20) a Síndrome de Usher “[...] é apontada como a maior
causa de surdocegueira mundial. A doença é uma alteração genética caracterizada
por uma progressiva perda das funções das células sensitivas da audição e da visão.
A forma mais comum de transmissão genética é a autossómica recessiva, ou seja, é
necessário que o indivíduo receba genes com alteração do pai e da mãe para contrair
a síndrome de Usher.”
8
Perinatal correspondente ao momento do nascimento ou até 7 dias após o
nascimento.
9
Comunicação também denominada háptica (sensível ao tato).
127
André Luís Onório Coneglian | Ana Paula Pereira | Layara Feifer Calixto Seco | Adriana Rosecler
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interlocutor.
Método Tadoma - Consiste na percepção da língua
oral emitida, mediante uso de uma ou das duas mãos da
pessoa surdocega utilizando geralmente o dedo polegar,
colocado suavemente sobre os lábios e os outros dedos
mantidos sobre a bochecha, a mandíbula e a garganta do
interlocutor.
Alfabeto datilológico - As letras do alfabeto se
formam mediante diferentes posições dos dedos da mão.
Sistema Braille Tátil - Sistema alfabético baseado
no sistema Braille tradicional de leitura e escrita adaptado
de maneira que possa ser percebido pela pessoa surdocega
através do tato. (PARANÁ, 2020, n. p.).
Acreditamos ser necessário compreender também que as
dificuldades de comunicação são diferentes em duas situações – a pré-
linguística (antes da aquisição da linguagem) e na pós-linguística (depois
da aquisição de uma língua oral ou sinalizada). Na fase pós-linguística,
em virtude das denominações de objetos, pessoas, ações etc. estarem
depositadas na memória há uma tendência do surdocego se comunicar
com maior autonomia e destreza.
O desenvolvimento humano acontece por meio de interações e
trocas verbais, conforme a teoria vigotskiana no momento da mediação
entre o sujeito mais experiente para o menos experiente, até alcançar
total domínio de seus atos. No caso da criança surdacega, as trocas não
são verbais e a sua autonomia tem certo limite. Para Cader-Nascimento
e Costa (2013, p. 3581) em se tratando da leitura dos “[...] surdos a
experiência se dará no plano visual-espacial, dos cegos ocorre pela via
tátil-auditiva, na surdocegueira o processo da audiência se dará pelo ato de
manipular os objetos [e] por meio da simulação das situações [...].” Assim
há de se considerar que as crianças e adolescentes surdocegos ao terem
seu potencial valorizados possam alçar voos mais altos.
Em artigo intitulado Pessoas surdocegas em bibliotecas: discussões
iniciais que foi apresentado em 2017 no Congresso Brasileiro de
Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação (CBBD),
Santos, Diniz e Rangni (2017, p. 2060) afirmam que “Não há como utilizar
as mesmas atividades de leitura de outros tipos de deficiência para usuários
128
Os usuários da informação cegos, surdos e surdocegos nas bibliotecas
com surdocegueira.”
Esses autores concluem que “É imperioso pontuar que o profissional
de biblioteca encontraria muitas dificuldades para atender com qualidade
o usuário com surdocegueira.” (SANTOS; DINIZ; RANGNI, 2017, p.
2061). E finalizam informando que há a “[...] necessidade de os profissionais
da biblioteca desenvolverem competências [...]” (p. 2062) nesse sentido.
Porém, apesar de ser louvável o pioneirismo, os autores não informam as
possibilidades de se estabelecer comunicação especificamente com os
surdocegos; não elencam quais seriam as habilidades necessárias para os
profissionais atuantes em unidades de informação ao atender surdocegos
e, apesar de mencionarem alguns documentos ao longo da discussão,
não informam a existência ou inexistência de iniciativas em bibliotecas
brasileiras.
Quanto às iniciativas, por estarem pulverizadas na literatura
cinzenta, realizamos uma busca no site da Biblioteca Nacional para consultar
os documentos do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP),
especificamente, o Projeto Acessibilidade em Bibliotecas Públicas. Nesse site
há um link direcionado para o Facebook
10
onde encontramos o documento
Fortalecimento de bibliotecas acessíveis e inclusivas: manual orientador, que cita
o Decreto nº 5.296/2004 que regulamenta a prioridade no atendimento
às pessoas específicas. Nele há a seguinte recomendação: “III - serviços de
atendimento para pessoas [...] surdocegas, prestado por guias-intérpretes ou
pessoas capacitadas neste tipo de atendimento [...].” (FORTALECIMENTO...,
2016, p. 18).
Porém, essa é a única vez que esse Documento faz referência ao
surdocego e se limita a defender que ele deve ser acompanhado por um
intérprete. Vale destacar que, no caso do surdocego, a presença do intérprete
é fundamental, principalmente na fase inicial da aprendizagem. Isso é
retratado no filme O milagre de Anne Sullivan
11
que tem como base a biografia
de Helen Keller (surdocega) que na infância, por desconhecimento dos pais,
era alimentada e tratada como um animal raivoso. Para não internar a menina
10
Disponível em: https://www.facebook.com/acessibilidadeembibliotecas/photos
/a.505925009534797/1119295564864402/. Acesso em: 28 out. 2020.
11
Filme O milagre de Anne Sullivan (1962). Diretor Arthur Penn, roteiro de William
Gibson baseado em sua peça The Miracle Worker. (WIKIPEDIA, 2020, n. p.).
129
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em uma instituição, a família recebe em casa a educadora Anne Sullivan, que
no primeiro momento tem atitudes aparentemente cruéis, mas aos poucos
estabelece, ora com rigidez, ora com afetividade uma comunicação corporal
com ela, ensinando-a tatear o mundo e a aprender o método tadoma.
No contexto do surdocego, o intérprete, também denominado
informante do mundo, precisa, além dos conhecimentos especializados, ter
comprometimento social, postura ética e fidedignidade do conteúdo no
momento da comunicação.
Essa investigação evidencia que apenas dar visibilidade aos surdocegos
é insuficiente. A Biblioteconomia, até então alijada dessa questão, precisar
promover ações específicas, entre elas: capacitação de mediadores, equipe,
aquisição de acervos especializados e de tecnologias adequadas que possibilitem
ao surdocego o acesso à leitura, à literatura e a informação.
Evidentemente que, para os bibliotecários que não tiveram mínima
informação a respeito do trabalho a ser desenvolvido com os cegos, surdos
e surdocegos na graduação, a tarefa se torna mais complexa, porém há em
terras brasileiras incontáveis instituições que desenvolvem palestras, oficinas
entre outras atividades. As instituições estruturadas em níveis, estadual e
municipal são mais numéricas quando se trata do surdo e do cego. Já não se
pode dizer o mesmo quando se refere ao surdocego.
No entanto, destacamos a
Associação Educacional para Múltipla
Deficiência, conhecida como
AHIMSA
12
. No site dessa Associação consta
que ela atua no Brasil desde 1991 e tem como missão: “Qualificar a vida de
pessoas com surdocegueira e de pessoas com deficiência múltipla sensorial,
possibilitando-lhes a aquisição de uma forma de comunicação, independência
e autonomia e um estilo próprio de aprendizagem, visando a inclusão
educacional e social.” (ASSOCIAÇÃO..., 2020, n. p.).
Acreditamos que iniciativas nesse sentido podem demolir a visão
capacitista, isto é, a pré-concepção, muitas vezes preconceituosa, de que as
pessoas com alguma deficiência são inferiores, sem capacidade e autonomia
para a realização de tarefas. Nesse sentido, considerando o bibliotecário como
sujeito que pode motivar a aprendizagem, abordaremos algumas das habilidades
que ele precisa desenvolver ao atuar com cegos, surdos e surdocegos.
12
AHIMSA – esta palavra se refere a não-violência.
130
Os usuários da informação cegos, surdos e surdocegos nas bibliotecas
5 HABILIDADES DO BIBLIOTECÁRIO PARA SUA ATUAÇÃO
COM USUÁRIOS CEGOS, SURDOS E SURDOCEGOS
Uma das primeiras ações do bibliotecário é se informar buscando
conhecer e se aprofundar nas questões relativas a esses indivíduos
considerando suas particularidades e especificidades. Para evitar
constrangimentos, por exemplo, é preciso consultá-los sobre a melhor
forma de atender suas necessidades (ALVES, 2017). Complementar
a isso, Miglioli e Santos (2017, p. 144) indicam que é preciso atentar-
se “[...] para uma comunicação clara e precisa, a fim de evitar mal-
entendidos e interações inadequadas” e isso já requer um conhecimento
prévio sobre a comunicação com surdos, cegos e surdocegos. Em caso
de desconhecimento por parte do bibliotecário e para que sua biblioteca
obtenha êxito o ideal é
[...] estabelecer parcerias, seja com os NAPNEs
(Núcleo de Atendimento a Pessoas com Necessidades
Específicas), Salas de AEE (Atendimento Educacional
Especializado), com os profissionais específicos
(Tradutores/Intérpretes de Libras, Psicopedagogos,
Professores, Pedagogos, Psicólogos, dentre outros
profissionais que compõem a equipe multifuncional), seja
com Instituições, Organizações não-Governamentais e
Setores governamentais diretamente ligados às temáticas.
(ALVES, 2017, p. 1895-1896).
Em suma, uma forma de ampliar e multiplicar informação e
conhecimento é a formação de uma equipe multidisciplinar que seja
composta também por familiares que com sua experiência e vivência
conhecem os cegos, surdos e surdocegos mais de perto. São indivíduos
pertencentes às associações de pais, instituições especializadas, entre
outros, que podem contribuir nesse sentido visto que “Há extrema
relevância e fecundidade na parceria entre as bibliotecas e as instituições
nas quais estão vinculadas (escolas, faculdades, universidades, prefeituras
etc.)” (CONEGLIAN, 2008, p. 66).
Dias e Bon (2019) refletem sobre as atitudes para lidar com pessoas
surdas que se aplicam também aos cegos e surdocegos.
131
André Luís Onório Coneglian | Ana Paula Pereira | Layara Feifer Calixto Seco | Adriana Rosecler
Alcará | Sueli Bortolin
O bibliotecário tem que estar atento às necessidades de
seus usuários, buscando se qualificar e ter uma postura em
prol da inclusão [...] independente de qual seja, passando
da simples tarefa de organizar a informação que se
encontra dentro da biblioteca e se adaptar à comunidade
usuária da instituição que nela está inserida. Deve também
acompanhar os avanços das tecnologias, estando atento
sobre novas soluções que estejam disponíveis que facilite
o acesso à informação [...]. (DIAS; BON, 2019, p. 100).
Miglioli e Santos (2017) apresentam algumas atitudes e ações
significativas no âmbito da surdez passíveis de uso com os demais nas
condições aqui abordadas:
(a) estar ciente das indicações na linguagem corporal ou
gestuais não-verbais; (b) direcionar o foco na pessoa e
não na deficiência; (c) aproximar o usuário com respeito
e aceitação, em oposição à desaprovação ou reserva; (d)
evitar o sentimento de pena; (e) oferecer assistência,
do mesmo modo como para qualquer outro usuário
em dificuldade ao usar a biblioteca; (f) conhecer bem
a coleção sobre o tema e as necessidades especiais dos
usuários com deficiência; (g) utilizar serviços orientados
pelo design e experiência do usuário (user experience) [...]
(MIGLIOLI; SANTOS, 2017, p. 144).
Coneglian (2008, p. 66) enfatiza que as bibliotecas têm o potencial
“[...] para serem multiplicadoras de práticas inclusivas, dando o exemplo,
formando e informando seus usuários (com ou sem deficiências motoras,
sensoriais e/ou cognitivas).” Assim também os seus profissionais ao
desenvolverem diversas habilidades.
Em linhas gerais e com fins didáticos, entendemos que as habilidades
podem ser agrupadas em três grandes eixos, quais sejam: as habilidades
técnicas em relação ao uso de recursos tecnológicos e informacionais para
a realização de uma determinada atividade; habilidades informacionais,
envolvendo a apropriação de conteúdos e conhecimentos técnicos e
científicos em relação aos diferentes tipos de deficiências; e habilidades
comunicacionais, sociais e emocionais, que se referem aos relacionamentos
132
Os usuários da informação cegos, surdos e surdocegos nas bibliotecas
e diálogos, de maneira a considerar o contexto do outro, estar atento para
o outro; posturas estas que exigem: conhecer, compreender e respeitar
sempre. Convém, enfatizar que essas habilidades se completam e coexistem
uma em função das demais.
No Quadro 1, procuramos mencionar algumas características que
julgamos importantes ao bibliotecário no contexto dos três conjuntos de
habilidades.
Quadro 1: Habilidades do bibliotecário para atuação com usuários cegos,
surdos e surdocegos
HABILIDADES DO BIBLIOTECÁRIO
Habilidades técnicas
(recursos tecnológicos e
informacionais)
Habilidades
informacionais
(conhecimentos técnicos
e científicos)
Habilidades
comunicacionais,
sociais e emocionais
Conhecer diferentes
recursos informacionais
e técnicos para o cego,
surdo ou surdocego
Ter o conhecimento
científico das questões
da surdez, cegueira e
surdocegueira
Ter disponibilidade,
empatia, respeito e
altruísmo
Conhecer a coleção
disponível sobre a
temática
Saber identificar quais
são os estudiosos e
especialistas nas questões
da surdez, cegueira e
surdocegueira
Saber ouvir
exercendo a escuta
alteritária
Ampliar o acervo
da biblioteca sobre
a cegueira, surdez e
surdocegueira e fazer a
curadoria de materiais
que estejam em livre
acesso
Conhecer a legislação
para compreender os
direitos dos cegos, surdos
e surdocegos
Saber motivar e
acolher
(continua)
133
André Luís Onório Coneglian | Ana Paula Pereira | Layara Feifer Calixto Seco | Adriana Rosecler
Alcará | Sueli Bortolin
Organizar e representar
o acervo de modo
acessível
Buscar formação e
capacitação específica
de forma contínua para
acompanhar os avanços
científicos
Promover
autonomia,
aprendizado e
sentimento de
pertencimento à
biblioteca
Promover a leitura e
a literatura de modo
acessível
Promover para toda
comunidade informação
e conhecimento sobre
a cegueira, surdez e
surdocegueira
Estar aberto e saber
respeitar e valorizar
a diferença;
ter comportamento
alteritário e
criar ambientes
alteritários
Buscar qualificação e
atualizar-se para lidar
com as tecnologias
assistivas e demais
inovações
Lutar e exigir que
a instituição a qual
pertence atenda as Leis
e Diretrizes da Inclusão e
Acessibilidade (advocacy)
Conhecer e
compreender as
pessoas cegas,
surdas e surdocegas
Conhecer Libras, Libras
tátil e braille e se dispor a
utilizá-los
Promover palestras,
encontros e eventos
sobre a surdez, cegueira e
surdocegueira
Ter sensibilidade
para compreender
as formas de
comunicação de
cada cego, surdo
ou surdocego;
não ter medo das
deficiências
Buscar e conhecer
instituições, núcleos
de atendimentos
especializados,
organismos
governamentais e
não-governamentais,
profissionais
especializados
Estabelecer parcerias
com outros profissionais e
instituições,
participar de redes ou
comissões visando ações
colaborativas e de apoio às
pessoas com deficiência
Formar e
desenvolver
uma equipe
multidisciplinar
com postura/
pensamento
anticapacitista
Fonte: elaborado pelos autores com base nos resultados do estudo
(conclusão)
134
Os usuários da informação cegos, surdos e surdocegos nas bibliotecas
Acreditamos que estas habilidades exercidas com afi nco, permitem
interações e encontros entre ouvintes e surdos, videntes e cegos, ouvintes
e videntes com surdocegos e vice-versa. Salientamos ainda, que é a inter-
relação e o movimento entre esses três conjuntos de habilidades que
aproximará o bibliotecário e demais profi ssionais dos usuários e contribuirá
para a compreensão de suas necessidades, favorecendo a interação e o
pertencimento ao ambiente da biblioteca.
Na Figura 1 procuramos representar a importância dos três conjuntos
de habilidades na constituição de um todo, evidenciando a inter-relação
e a “alimentação” de um sobre o outro. Enfatizamos que, o conjunto que
corresponde às habilidades comunicacionais, sociais e emocionais representa
um conjunto maior que infl uencia os demais conjuntos, já que implica
diretamente nas atitudes e ações do bibliotecário. Também vale salientar, que
a ideia aqui não é mecanizar esses conjuntos, mas mostrar, de forma ilustrativa
na fi gura 1, sua ação sistêmica, quando o movimento de uma das engrenagens
recebe a interferência das outras.
Figura 1: Movimento das habilidades
Fonte: elaborada pelos autores
135
André Luís Onório Coneglian | Ana Paula Pereira | Layara Feifer Calixto Seco | Adriana Rosecler
Alcará | Sueli Bortolin
Exemplificando algumas atitudes dos bibliotecários em relação aos
diferentes tipos de habilidades que lhes são requeridas, destacamos que
no trabalho com os surdocegos (condição menos abordada na Ciência da
Informação), antes de tudo é preciso saber identificar se eles têm resíduo
visual ou auditivo (habilidades informacionais técnicas e científicas)
e respeitar sua escolha por uma determinada forma de comunicação
(habilidades comunicacionais, sociais e psicológicas). Além disso, o
bibliotecário deve permitir o toque para que possam sentir as vibrações da
caixa de voz (conhecida como linguagem de toque ou tadoma).
É necessário que o bibliotecário incorpore o anticapacitismo ao
desenvolver tais habilidades, ou seja, desconstruir a crença errônea e
preconceituosa de que as pessoas com deficiência são inferiores, e por isso
não teriam capacidade para a vida funcional.
O Documentário “As borboletas de Zagorsk” (1990), demonstra
que Vygotsky na sua época já defendia que “crianças deficientes poderiam
ser transformadas em adultos inteligentes.” Mas de que modo? Quando
uma criança tem deficiência de sentidos deve ter todos os outros sentidos
remanescentes estimulados. Acreditamos que tanto a criança quanto o
adulto cego, surdo ou surdocego podem potencializar os seus sentidos nas
unidades de informação, em especial na biblioteca, principalmente quando
o bibliotecário se colocar na condição de aprendiz e buscar a educação
continuada, em contato direto com esses usuários.
A preparação para acolher crianças, adolescentes e adultos com
deficiência, por parte do bibliotecário como da comunidade, deve ser
constante. No caso das crianças há de se considerar que “[...] merecem
a mesma consideração que os demais, e, portanto são bem-vindas e
desejáveis: entretanto, há que haver tanto constatação quanto preparo
para saber lidar com suas capacidades, que diferem daquelas das outras
crianças/alunos” (BARROS, 2006, p. 150).
Novamente com a intenção de exemplificar a atuação do
bibliotecário, é relevante mencionar duas unidades de informação que tem
se destacado nesse contexto, que são a Biblioteca do Instituto Nacional
de Educação de Surdos e a Biblioteca Braille José Álvares de Azevedo. A
Biblioteca do Instituto Nacional de Educação de Surdos possui
136
Os usuários da informação cegos, surdos e surdocegos nas bibliotecas
[...] uma equipe capacitada na Língua de Sinais e ativa na
comunidade [que] permitiu entre outras questões, tornar
a biblioteca identificável pessoalmente, e a incentivar
os surdos a manter contato. O fato de conhecer os
profissionais e saber que tinham o domínio da Língua
de Sinais proporciona o estabelecimento de um vínculo
importante para a inclusão destes usuários. (MIGLIOLI;
SANTOS, 2017, p. 141).
Esse é o primeiro passo para que os surdos se sintam acolhidos e
pertencentes. Já a Biblioteca Braille José Álvares de Azevedo localizada em
Goiânia tem como diferencial o fato de que “[...] todos os atendentes [...] são
deficientes visuais, inclusive a bibliotecária que é cega.” (GIACUMUZZI;
MORO; ESTABEL, 2013). No Brasil ela é considerada uma biblioteca
referência para os cegos. Oferece diversos serviços, tais como, consulta
ao acervo, empréstimos, auxílio em pesquisas, digitalizações, transcrições
de pequenos textos em Braille, concursos e clubes de leitura em Braille,
orientações no uso de tecnologias assistivas e seus diferentes recursos, seja
no computador ou demais dispositivos, como por exemplo, os smartphones.
Em relato no Youtube para o canal da Fundação Dorina Nowill para
Cegos, a bibliotecária Maria Eunice Soares Barbosa
13
destacou a importância
das parcerias que ela realiza, seja com instituições ou pessoas voluntárias,
para o atendimento das necessidades informacionais dos usuários. A
partir desse relato fica evidente a importância do trabalho colaborativo,
requerendo para isso um conjunto de habilidades do bibliotecário, sejam
técnicas, informacionais, científicas ou sociais, conforme mencionamos no
quadro 1.
Dessa forma, cabe ao bibliotecário conhecer a diversidade e
necessidades de seus leitores; assumir a responsabilidade do “[...] trabalho
de sensibilização contínuo e projetos por meio dos quais capacite sua equipe
e promova para todos conhecimento suficiente para lidar com as questões
das deficiências e diferenças [...].” (ALVES; VIGENTIM, 2013, p. 13).
Nesse sentido, vale enfatizar a relevância da formação do
13
FUNDAÇÃO Dorina Nowill Para Cegos. Biblioteca inclusiva. 22 de maio 2020
(63 min.), [color.] Disponível em: https://youtu.be/G05QpUckXc4. Acesso em: 10
nov. 2020.
137
André Luís Onório Coneglian | Ana Paula Pereira | Layara Feifer Calixto Seco | Adriana Rosecler
Alcará | Sueli Bortolin
bibliotecário e sua educação continuada. Costa e Duarte (2017, p. 163)
salientam que ele precisa atentar-se para sua educação continuada, a fim
de desenvolver competências e habilidades para atender os usuários com
deficiência considerando que “[...] as escolas de Biblioteconomia formam
profissionais generalistas” e, consequentemente, despreparados para lidar
com cegos, surdos e surdocegos, entre outros. Tal aspecto não pode ser
ignorado na atualidade se considerarmos que “[...] desenvolver habilidades,
tornar possível incluir e integrar dizem respeito ao enfoque social que
possui a biblioteca, quando é tomada como um espaço de disseminação
da informação e construção do conhecimento.” (RODRIGUES; FUJITA;
DAL’EVEDONE, 2018, p. 73).
Em acréscimo, destacamos a reflexão de Wellichan e Lino (2020,
p. 155): “Utilizar o discurso de que não houve formação acadêmica,
qualificação ou treinamento para tal são argumentos que não cabem mais
aos profissionais em uma sociedade que deseja a inclusão e que busca o
respeito à diversidade.”
Em outras palavras, na sociedade atual, a ausência de formação, seja
para profissionais da informação ou educação, não é justificativa suficiente
para a falta de preparo e atendimento adequado de forma acessível e
inclusiva. Assim como para outras atividades, cabe a cada um de nós, ir
em busca de formação complementar, participar das questões sociais para
aprender, ensinar e agir.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O movimento no sentido de investigar a surdez e a cegueira, é um
exercício de aprendizagem constante para os pesquisadores envolvidos
nessa temática, no entanto, nesse capítulo, assumimos um desafio novo,
pensar também a surdocegueira.
Após refletir a respeito das características das três condições,
passamos a discutir sobre as habilidades necessárias para o bibliotecário
tornar a biblioteca de fato acessível e inclusiva, com recursos informacionais
e tecnológicos, produtos e serviços que atendam as demandas dos usuários
de acordo com suas diferentes especificidades.
Se retomarmos atentamente cada item exposto no Quadro 1, é
138
Os usuários da informação cegos, surdos e surdocegos nas bibliotecas
possível concluir que o bibliotecário tem a sua frente um desafio hercúleo,
visto que as condições, da maioria das bibliotecas brasileiras, são precárias.
Nesse sentido, o esforço para propiciar condições mínimas de uso pelos
sujeitos aqui estudados, não pode ser individual. Há de se ter uma força
coletiva para esse enfrentamento, portanto, o bibliotecário, urgentemente,
necessita estabelecer parcerias e trabalhos cooperativos com outros
profissionais de diferentes áreas do conhecimento, com vistas a formar
equipes multidisciplinares.
Do mesmo modo, é imprescindível o envolvimento do bibliotecário
com instituições, organismos da área da cegueira, surdez e surdocegueira para
que a biblioteca seja um espaço em que cegos, surdos e surdocegos tenham
acesso e se apropriem da informação diversificada, preferencialmente não
de uma forma mecânica, transmissivista, mas de forma que eles se sintam
acolhidos e familiarizados com o recursos apropriados e inclusivos.
O bibliotecário não pode perder de vista a sua educação continuada,
acompanhando e se apropriando dos documentos, leis e diretrizes que
orientam o atendimento das pessoas com deficiências em diferentes
gêneros de biblioteca. Assim como, as pesquisas e estudos científicos e as
inovações em relação aos recursos técnicos e tecnológicos, que poderão
fundamentar e apoiar as ações no contexto da Biblioteconomia e Ciência
da Informação.
Acreditamos que com planejamento e estratégias o bibliotecário
fortalecerá o conjunto de suas habilidades técnicas, informacionais,
comunicacionais, sociais e emocionais, que sustentarão sua atuação
reflexiva, crítica e ética. Isso se refletirá na sua prática com maior
responsabilidade social e com o atendimento das demandas dos diferentes
tipos de usuários, garantindo a eles o acesso à biblioteca, à informação e à
leitura e ao conhecimento.
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PRÁTICAS INFORMACIONAIS DE TRAVESTIS, TRANSEXUAIS
E TRANSGÊNEROS: UMA REVISÃO DE LITERATURA
1 INTRODUÇÃO
Na atualidade, a informação é elemento primordial no
desenvolvimento intelectual e social dos indivíduos. Com as transformações
dos problemas oriundos da Sociedade da Informação e das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC’s), os moldes clássicos da cultura e da
informação nos ambientes sociais, educacionais e governamentais estão
sendo modificados.
A relação entre os meios de comunicação e as tecnologias
informatizadas têm colaborado para a disseminação, a circulação e
o consumo das informações (re)produzidas nos mais diversos canais
informacionais existentes. No entanto, o fluxo informacional nas redes
midiáticas de comunicação, as constantes alterações das necessidades de
informação e a crescente reformulação dos discursos hegemônicos por
comunidades historicamente estigmatizadas têm sido configuradas como
um desafio para as bibliotecas, arquivos e museus que atuam em moldes
tradicionais, isto é, que não visualizam populações vulnerabilizadas como
públicos reais e/ou potenciais.
Tradicionalmente, os acervos das unidades de informação
demonstraram não satisfazer as necessidades de informação da
população LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais,
Transgêneros, Queer, Intersexo, Assexual e demais gênero-diversas) no
que concerne a história cotidiana, a memória coletiva e a reconstrução
identitária. As unidades de informação mais conservadoras podem ser
Capítulo 5
Marcela Aguiar da Silva Nascimento
Marta Leandro da Mata
148
Práticas informacionais de travestis, transexuais e transgêneros:
uma revisão de literatura
consideradas problemáticas para os estudos relacionados à memória,
história, cultura e senso político desta população, tendendo a ocultar o
tema, recusar materiais sobre a temática e até conspirar negativamente
(HAUNTON, 2013).
Há cerca de vinte anos, o público LGBTQIA+ não possuía
representatividade nas esferas das políticas de coleções das unidades de
informação, o que delimitava a busca por materiais relacionados a gênero/
sexualidade e a disseminação de informações sobre identidades dissidentes
em ambientes informacionais formais (NORMAN, 1999). Conforme os
movimentos sociais foram ganhando voz em solo brasileiro, as pesquisas
na Ciência da Informação (CI) começaram a enfatizar os esforços na
compreensão dos modus operandi de grupos fora da cisgeneridade e
heterossexualidade hegemônica, aumentando o escopo e ampliando as
comunidades de análise.
Todavia, apesar do crescimento – mesmo que ínfimo – de
trabalhos relacionados à população LGBTQIA+ na CI, ainda se nota uma
lacuna bibliográfica nas unidades de informação sobre travestilidade,
transexualidade e transgeneridade que necessita ser preenchida,
tendo em vista que as demandas da população em voga têm crescido
exponencialmente nas últimas duas décadas.
Drake e Bielefield (2017) pontuam que embora tenha havido
um crescimento de trabalhos sobre pessoas LGBTQIA+ nos estudos de
usuários da informação, travestis, transexuais e transgêneros raramente
tiveram suas necessidades de informação estudadas e/ou compreendidas,
e portanto, dificilmente tiveram suas necessidades supridas em bibliotecas,
arquivos e museus. A falta de pesquisas com esse público é atribuída à
invisibilidade dos sujeitos que não pertencem às normatividades cisgêneras
e heterossexuais hegemônicas, o que contribui para o negligenciamento
científico das identidades divergentes aos padrões normativos.
Nesse sentido, esta pesquisa se estrutura para visibilizar a população
travesti, transexual e transgênera na CI, tendo as práticas informacionais
como alicerce para os processos ligados à identificação de suas necessidades
de informação, à busca sobre identidade de gênero, à forma com que têm
sido utilizadas as informações acessadas, trocadas e compartilhadas, bem
como os contextos sociais influenciam em suas pesquisas cotidianas. Além
149
Marcela Aguiar da Silva Nascimentos | Marta Leandro da Mata
disso, compreende-se que os estudos de práticas informacionais podem
auxiliar não só nas políticas de coleções e atendimento humanizado nas
unidades de informação, mas também colaborar para que outras disciplinas,
como as vinculadas à área da saúde, criem mecanismos de cidadanização
para lidar com a realidade desta população.
Com base no exposto, este estudo teve como objetivo refletir
sobre os estudos das práticas informacionais voltados para as travestis,
transexuais e transgêneros, visando identificar como se formam as
principais necessidades de informação, quais as motivações para o processo
de busca e como é realizada o uso/compartilhamento de informação sobre
identidade de gênero.
Quanto à abordagem metodológica, essa pesquisa se caracteriza
no que se referem aos objetivos como exploratória, que [...] têm como
principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias,
tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses
pesquisáveis para estudos posteriores” (GIL, 2008, p. 27). Quanto aos
procedimentos, utilizou-se a pesquisa bibliográfica, realizando-se um
levantamento de artigos na Base de Dados Referencial de Artigos de
Periódicos em Ciência da Informação (BRAPCI), no Portal de Periódicos
da Capes, no ResearchGate e em livros, cujos assuntos procurados foram
práticas informacionais, comportamento informacional, estudos de usuários
conjuntamente com os termos travestis, transexuais e transgêneros.
2 ESTUDOS DE USUÁRIOS
Os estudos de usuários da informação fundamentaram-se,
tradicionalmente, com o propósito de traçar o perfil dos grupos de indivíduos
de uma mesma unidade social para avaliar os sistemas de informação e os
serviços prestados pelas bibliotecas, em uma tentativa de aperfeiçoamento
do acervo. Constata-se que estes estudos passaram por mudanças ao longo
das décadas, as quais foram sendo readequadas e modificadas para atender
diferentes e múltiplas identidades (sexuais, de gênero, sociais e culturais)
de usuários.
A larga tradição desses estudos remonta à década de 1930, desde
a imigração em massa ocorrida na cidade de Chicago, nos Estados Unidos,
150
Práticas informacionais de travestis, transexuais e transgêneros:
uma revisão de literatura
sob a demanda de conhecer o perfil dos usuários potenciais das bibliotecas
públicas da cidade. Visava-se adequar a coleção, o sistema e o serviço de
referência, no sentido de atender as necessidades de informação dos novos
moradores do local (BERTI; ARAÚJO, 2017).
Uma década depois, esses estudos foram sistematizados e
reelaborados na apresentação dos trabalhos de Bernal e Urquhart, na
Royal Society Scientific Information Conference, no Reino Unido, em
1948. Verifica-se, a datar de 1950, o inclinamento de uma tradição de
estudos sendo direcionados para os hábitos informacionais dos cientistas e
dos técnicos das áreas de ciências naturais e das engenharias (ARAÚJO,
2016; FIGUEIREDO, 1994).
Cabe ressaltar que, neste momento, vive-se o período histórico
de Guerra Fria. Como consequência, a guerra foi decisiva na propagação
do modelo de produtividade dos Estados Unidos ao redor do mundo,
com afetação no direcionamento estratégico e produtivo de inúmeras
organizações e empresas. Esse modelo de produção científica atinge a CI
e os estudos de usuários, e para Araújo (2008), neste último campo, a
orientação se concentrou na definição dos usuários a serem estudados:
cientistas e tecnólogos; a fim de colaborar na produção do desenvolvimento
científico e tecnológico de maneira ágil e eficiente.
Para Costa, Silva e Ramalho (2009), intensificam-se, neste
período, os estudos de usuários voltados ao uso da informação, com
ampliação de comunidades específicas de usuários, como os grupos de
pesquisadores das ciências aplicadas. Foram surgindo diversos estudos
dedicados aos interesses de leitura, às fontes e canais de informação e aos
serviços prestados pelas unidades de informação.
No entanto, Wilson (2000) analisa tais trabalhos dentro de um viés
tecnicista, na medida em que o interesse girava em torno de determinar
como as fontes de informação poderiam ser úteis aos cientistas e como eles
poderiam ser persuadidos a utilizá-las da melhor maneira. A partir disso,
as críticas fomentadas nessas pesquisas, ligadas ao mecanicismo enquanto
processo de trabalho, alocam-se até meados da década de 1970, nos
chamados estudos tradicionais, cuja percepção dos usuários ainda era mantida
desencaixada” de suas realidades culturais, políticas e afetivas, dando vasão
às críticas ao sistema tecnicista e mecanizado (ARAÚJO, 2008).
151
Marcela Aguiar da Silva Nascimentos | Marta Leandro da Mata
Nota-se que os estudos de usuários, até final da década de 1970, são
edificados em uma perspectiva tecnicizada, com a elaboração de métodos
estritamente quantitativos e limitantes. Para Ferreira (1995), o usuário era
colocado como um processador imperfeito de informação, condicionado à
retroalimentação dos sistemas de informação.
A limitação dos estudos quantitativos, absortos com o acesso
físico e utilização dos sistemas de informação, desenhou uma ruptura dos
estudos tradicionais, desenvolvendo uma nova abordagem centralizada nos
usuários: a abordagem alternativa. A perspectiva focalizada nos usuários
surge com uma aproximação aos processos cognitivos, aos modelos mentais
e à representatividade dos indivíduos no centro das pesquisas (ARAÚJO,
2016).
A abordagem alternativa, disseminada a partir da década de 1980,
representa os usuários como sujeitos com necessidades fisiológicas,
cognitivas e afetivas fundamentadas em seu constructo pessoal, operando
dentro de um diagrama que compõe um ambiente sociocultural,
político e econômico. As necessidades individuais, os esquemas e os
ambientes sustentam o contexto do que foi intitulado “comportamento
informacional”. Dervin e Nilan (1986) pontuam que os mais significativos
atos de comunicação – questionar, interpretar, planejar, criar, resolver,
responder – são abundantemente explorados e valorizados no modelo
alternativo.
A lógica por trás da perspectiva centrada nos usuários é que os
sistemas e serviços de informação sejam plasmados de acordo com as
especificidades dos próprios usuários, com a natureza de suas necessidades
de informação e os processos de busca, acesso e uso da informação, a fim
de maximizar a eficiência e eficácia dos sistemas e serviços oferecidos.
É dentro dos aspectos da abordagem cognitiva que se intensificam
os estudos sobre necessidades de informação. Na perspectiva de Miranda
(2006), novos estudos focalizam-se nos vieses de como os usuários
analisam suas necessidades de informação, em virtude dessas necessidades
traduzirem um estado de conhecimento no qual um indivíduo se confronta
com a exigência de buscar, acessar e utilizar a informação que lhe é
indispensável para dar prosseguimento ao seu trabalho e/ou tarefa.
Em uma visão prioritariamente psicológica, essa necessidade surge
152
Práticas informacionais de travestis, transexuais e transgêneros:
uma revisão de literatura
como um impulso, que é construído a partir dos fatores cognitivos dos
sujeitos, conduzido pela ambientação de um contexto específico e pela
constatação de um problema a resolver, um objetivo a atingir ou uma
decisão a tomar. Ou seja, as necessidades de informação são derivadas e
comandadas por necessidades fundamentais dos indivíduos.
A existência de um problema a ser resolvido ou um estado anômalo
de conhecimento são artifícios fundamentais para explicar o que leva um
indivíduo a buscar por informações. O conhecimento de uma necessidade
de informação concebe a interpretação do porquê as pessoas se envolvem
nos processos de busca, e consequentemente, no comportamento
informacional.
Nesse sentido, constata-se que a abordagem alternativa é marcada
pelos modelos mentais dos usuários, partindo dos aspectos cognitivos e
centralizadas nas estruturas interpretativos da informação. Verifica-se
que este paradigma é direcionado às características fenomenológicas e
particulares dos sujeitos, focalizando em suas necessidades de informação
– as quais são consideradas pontos norteadores para a busca da informação
e a satisfação de uma lacuna informacional. No entanto, sua perspectiva
é restringida aos processos mentais e individuais dos sujeitos, apoiando-se
no viés de que a informação está separada do usuário, desconsiderando as
construções históricas, a formação dos indivíduos ao longo da vida, seus
ideais políticos e seus valores.
Fruto das críticas realizadas aos estudos de comportamento
informacional, a abordagem social surge em meados da década de 1990
para suprir as influências subjetivas, sociais e históricas que potencializam
ou inibem a busca de informação dos usuários. Para Berti e Araújo
(2017), diferentemente dos modelos de comportamento informacional –
importantes referências para responder questões associadas aos caminhos
a serem traçados pelos indivíduos quando possuem uma necessidade de
informação –, os usuários não operam o processo informacional apenas
quando incubidos de uma necessidade, mas em toda gama de suas ações
informacionais, correlacionadas à informação pragmática, humanística e
marcada pela construção recíproca dos relacionamentos e interações.
Araújo (2012) subscreve a coletividade como “ação recíproca”, isto
é, ação de transferência, afetação e influência mútua sobre algo. Nesta
153
Marcela Aguiar da Silva Nascimentos | Marta Leandro da Mata
perspectiva, contemplada como “interacionista”, ao passo que o usuário
não está isolado de um contexto nacional, político e/ou social, ele também
não será determinado pelo contexto no qual está inserido, visto que a
determinação que a conjuntura dos fatores exerce sobre o indivíduo é real,
mas não é mecânica nem absoluta; pelo contrário, é interpretada, alterada
e estruturada com base nas relações intersubjetivas dos sujeitos.
Acessar, se apropriar e utilizar a informação é tanto uma ação
cognitiva quanto uma ação afetiva, emocional, cultural e contextual.
Portanto, a abordagem interacionista tem como princípio desvincular e
superar a dicotomia historicamente marcada no campo dos estudos de
usuários da informação. A dualidade sujeito ativo/sujeito passivo, sujeito
cognitivo- emocional/sujeito cultural/contextualizado perde sentido
quando a percepção da dimensão das pesquisas volta-se para os fenômenos e
elementos que compõem a totalidade do universo dos usuários (ARAÚJO,
2012).
Joas (1987) compreende que, em situações sociais, os sujeitos são
os próprios agentes de estímulo para outros sujeitos. O enfoque dessa
análise é contemplado pela teoria do interacionismo simbólico, cunhada por
Herbert Blumer, em 1938, cujos processos de interação recíproca baseiam-
se no caráter simbólico das ações sociais. Essas ações, pautadas através
das inter-relações, não são fixas e não possuem regras de transferência,
mas são estabelecidas conjuntamente; assim, as relações sociais não estão
prontas e “acabadas”, pois são abertas e subordinadas ao reconhecimento
contínuo e recíproco por parte dos membros da comunidade. As ações
desenvolvidas associadas às relações sociais são multifacetadas, tendo
múltiplas motivações que podem voltar-se aos desejos culturais e
informacionais dos indivíduos: desejo de novas experiências, desejo de
domínio de uma situação cotidiana, desejo de reconhecimento e desejo
de compreensão/certeza das identidades que os compõem (JOAS, 1987).
As questões que motivam as ações dos usuários frente aos
procedimentos de busca, acesso e uso da informação são melhor alinhadas
ao alicerce teórico das práticas informacionais, à medida em que se expande
indagações sobre “o que” buscam, “como” buscam e “o quanto” buscam
para abranger interrogações como “o porquê” buscam, tencionando
compreender como os contextos sócio-históricos e políticos influenciam
154
Práticas informacionais de travestis, transexuais e transgêneros:
uma revisão de literatura
no processo de busca cotidiano dos indivíduos.
Dessa forma, pode-se afirmar que todas as identidades que compõe
o sujeito influenciam em sua busca informacional, seja pela classe econômica
pertencente, raça/etnia, faixa etária, escolarização, identidade sexual e/ou
identidade de gênero. E neste trabalho, a identidade de gênero aparece
como papel norteador para as práticas informacionais de populações não-
cisgêneras.
3 GÊNERO COMO CATEGORIA IDENTITÁRIA
É com base na história, memória e cultura que se estabelecem
as identidades sociais – sexuais, de gênero, raciais, de classe etc. Essas
identidades possuem caráter fragmentado, instável, diversificado e múltiplo,
compondo a subjetividade e a performatividade dos sujeitos à medida em
que são interpelados pelos valores, normas, instituições e agrupamentos
sociais. Dentro desse aspecto, as identidades sexuais e as identidades de
gênero abarcam as linguagens, fantasias, simbologias, representações,
convenções e rituais profundamente distintos e pluralizados. Não há
naturalidade no terreno do sexo/gênero/sexualidade, dado que a concepção
do que é ou não natural perpassa os processos culturais e históricos da
sociedade.
Os corpos humanos são socializados com expressões de gênero –
feminino ou masculino – e inscritos no contexto de determinadas culturas
e, por conseguinte, com as marcas dessas culturas. Ou seja, as identidades
sexuais e as identidades de gênero são compostas e transformadas pelas
inter-relações sociais, pela modulação das redes de comunicação e pelos
sistemas de poder; elas são construídas socioculturalmente, no arranjo
discursivo entre mente, corpo, sociedade e inter-relacionamento. Essas
identidades não são/estão prontas, acabadas, finitas e alinhadas aos sujeitos,
tendo em vista que é mediante a construção individual (que cerca o cultural
e o social) que os indivíduos (re)constróem-se enquanto femininos e/ou
masculinos.
No embalo das decodificações entre as terminologias, Jesus (2018)
menciona que a identidade de gênero corresponde às formas de um
indivíduo se identificar e ser identificado como homem, mulher ou outro
155
Marcela Aguiar da Silva Nascimentos | Marta Leandro da Mata
gênero na sociedade. Já a identidade sexual (ou orientação sexual, como
comumente é conhecida) diz respeito à atração afetivo-sexual entre pessoas
possuintes de algum(ns) gênero(s). O que se consagra, nesta dimensão, é
que a identidade de gênero e a identidade sexual não dependem uma da
outra, mas complementam-se.
Cabem algumas alegações no que se refere às normatizações
intrinsecamente alinhadas a essas identidades: no campo das sexualidades,
a heterossexualidade é compreendida como regime de discurso/poder
compulsório; e na esfera das identidades de gênero, a cisgeneridade é
estabelecida como uma ideia de sexo natural, biológico e verdadeiro
(BUTLER, 2003; JESUS, 2018). Visualiza-se que os processos pelos
quais ocorre a naturalização dos corpos “reais” fazem parte da produção da
heterossexualização e da cisnormatização das identidades, em discordância
aos corpos tidos como inconformes a essas estruturas.
Os corpos inconformes podem ser enquadrados ao que Butler
(2003, p. 190-191) chamou de abjeto, como “[...] aquilo que foi expelido
do corpo, descartado como excremento, tornado literalmente ‘Outro’”.
Para Vergueiro (2015), essa abjeção é potencializada a partir das
percepções cisgêneras e normativas contrárias às diversidades corporais e
de identidades de gênero fora do eixo binário homem/mulher cisgêneros
– como travestis, mulheres e homens transexuais, transgêneros, queer, e
demais gênero-diversas.
A cisnormatividade é sistematizada como uma sucessão de forças
socioculturais e institucionalizadas que produzem discursivamente a
cisgeneridade como fruto da normalidade e naturalidade dos corpos
humanos, negando e punindo qualquer identidade não-dicotômica e
“invasora” perante a estrutura social legítima (VERGUEIRO, 2015;
FOUCAULT, 1985).
É por trás das táticas de cerceamento das identidades desviantes
que manifestam-se as ordens legisladoras de poder, enfatizando o que
Foucault (1985) identificou fazer parte da lógica da censura, a qual
interdita e anula quaisquer possibilidades de anunciação de existência fora
das leis normatizadoras. O mecanismo de censura liga o “inexistente”, a
figura ilícita e o imagético informulável ao conjunto de proibições sociais,
isto é, a existência das identidades sexuais e identidades de gênero que
sofrem intervenção social e rompem com as regras do sistema sexo/gênero
só são consideradas identidades à custa de sua anulação.
156
Práticas informacionais de travestis, transexuais e transgêneros:
uma revisão de literatura
Os corpos que se constroem às margens da correspondência
heterossexual e cisgênera são imprescindíveis para o funcionamento da
norma, já que demarcam e reforçam as institucionalizações desses corpos
inconformes (FOUCAULT, 1985). Essas institucionalizações fazem parte
do plano social de privação, controle e repressão, tornando a díade sujeito
versus abjeto fruto do reforço contínuo de condutas que moralizam e
modelam as identidades tidas como decentes, reforçando constantemente
o lugar do Outro.
A delimitação dessa fronteira é apontada pela produção de abjeção
entre o Eu e o Outro, pois denuncia a fragilidade do Eu e reverbera a
ameaça que o corpo do Outro produz. O corpo tido como abjeto é situado
nas zonas inóspitas e inabitáveis do meio social, as quais são, não obstante,
super povoadas por seres que não gozam do status de sujeito. Em vista
desse fator, a construção da abjeção não diz respeito à ausência de saúde
ou limpeza, mas das perturbações que o ser abjeto pode causar em uma
determinada identidade, em um sistema e/ou em uma ordem (PORTO,
2016).
Os corpos abjetos são a exceção que estão dentro de determinada
matriz cultural, mas, ao mesmo tempo, fora do sistema universal de
sociabilidade. Os seres assim denominados não são excluídos por serem
considerados inqualificáveis e/ou por uma cegueira social, e sim pela
produção de objetivos políticos bem delineados pelo Estado. Essa
normatização, fundamentada pela criação de leis/estatutos e propiciadora
das relações inclusivas e excludentes, governa as estruturas de sentido e
estabelece os lugares e não-lugares desses seres afetados (PORTO, 2016).
Apesar das evidências sobre a construção sócio-histórica e
cultural da sexualidade e do gênero, a tendência positivista, cisgênera e
heterossexual circunscreve a temática dentro de uma ferramenta de
imposição, aludindo a influência da biomedicina e das expressões sexuais
e expressões de gênero como fisiológicas e reprodutivas, mostrando,
com isso, que os limites impostos pela moralidade mantêm estratégias de
regulamento dos corpos e das populações.
Sob este enfoque, as identidades de gênero que rompem com o
sistema sexo/gênero cisgênero têm o campo de validação dificultoso, ao
considerar que “abdicam” das identidades atribuídas no nascimento (ou
157
Marcela Aguiar da Silva Nascimentos | Marta Leandro da Mata
antes, na maioria das vezes) para readequarem seus corpos às identidades de
gênero das quais se identificam. Em outras palavras, travestis, transexuais
e pessoas transgêneros são indivíduos que renegam a cisgeneridade e os
privilégios masculinos/femininos “reais”.
A quebra dos paradigmas das normas de gênero torna as pessoas
que não possuem uma dinâmica prevista dos corpos coesos sujeitas às
hostilidades e assujeitamentos cotidianos na sociedade ocidental. Nesta
perspectiva, a identidade travesti inaugurou um desdobramento identitário
na autoconstrução e autogestão de sua identidade, embaralhando os
códigos normativos de conduta e causando mal-estar nas categorias
binárias de gênero e antagônicas sobre mulheridade e hombridade
instaurada socialmente.
A transformação de gênero é uma expressão nativa para referir-
se ao processo de feminilização identitária das travestis, o qual se inicia
com técnicas, procedimentos estéticos e mecanismos de refazimento da
imagem masculina para a idealização de feminilidade. Esse processo se inicia
com a remoção dos pelos do rosto, pernas, braços, sobrancelhas e virilhas.
Além disso, deixa-se o cabelo crescer e passa-se a utilizar maquiagens
e vestimentas enquadradas dentro do universo feminino; a seguir,
começa-se o seguimento da ingestão de hormônios femininos (pílulas
anticoncepcionais, géis e injeções intramusculares), progredindo entre
as aplicações de silicone industrial líquido nos quadris e posteriormente
nos seios às intervenções cirúrgicas mais radicalizadas, como operação
plástica no nariz, feminização facial (FFS), eliminação do pomo-de-adão e
preenchimento das maçãs do rosto e dos lábios (SILVA, 2007).
Silva (2007) conclui que a transformação de gênero edifica-se
como um “processo sem fim” para as travestis, já que o ato de não investir
na corporeidade com as tecnologias protéticas e farmacológicas podem vir
a comprometer a estrutura do processo de feminilização em si, revelando
falhas morais como desleixo, negligência, indisciplina, preguiça e, na pior
das hipóteses, aproximando-as à masculinidade.
Diferentemente da construção da feminilidade das mulheres
cisgêneras – ou, em outras palavras, a socialização da mulher cisgênera
–, as travestis valorizam a construção da estética feminina como veículo
de progressão identitária, sendo as transformações do corpo vislumbradas
158
Práticas informacionais de travestis, transexuais e transgêneros:
uma revisão de literatura
como enriquecimento moral e social. Atribuem à naturalidade da estética
feminina um condicionante da mulheridade, da cisgeneridade, enquanto
a artificialidade faz jus aos próprios encantos das travestis (KULLICK,
2008).
Sob o ponto de vista estético, as travestis materializam o gênero
na imagética feminina, borrando, por vezes, a compreensão sobre o que
se estabelece enquanto feminilidade e mulheridade, já que para muitos, as
travestis expressam-se como modelos ou “cópias” de mulheres cisgêneras.
Concomitantemente, algumas mulheres cisgêneras assemelham-se às
travestis ao atribuir a seus corpos adornos e adereços vinculados a uma
“perfeição feminina”, com a aplicação das próteses de silicone, utilização
de maquiagens e referenciação aos padrões de feminização absoluta.
As travestis inauguram, portanto, “[...] uma nova forma de inventar o
feminino, de borrar as referências de gênero e de propor um novo olhar
sobre si mesmas” (PERES, 2015, p. 40).
Embora a travestilidade ora apresente-se em termos passíveis de
tradução, há que se compreender sua constituição a partir das múltiplas
possibilidades de expressões da feminilidade. Urge compreender que,
apesar das travestis reconstruírem uma corporeidade através dos signos
e simbologias, o gênero travesti circunscreve a versatilidade no âmbito da
feminilidade.
Por mais que pareça haver consenso sobre a definição fixa e estável
no processo de constituição do sujeito travesti, a composição desse corpo-
gênero revela que as identidades de gênero subscrevem-se como fruto do
que Butler (2003) apresentara como performance. Para a autora, gênero
é performance, é atuação, e nesse aspecto a experiência existencial da
travestilidade amplia a gama de possibilidades exploratórias da feminilidade.
Na medida em que rompe e descompromete-se com a perpetuação
da ordem normativa, a travestilidade caracteriza-se propriamente
pela inventividade inerente à performance de gênero/sexual feminina,
reinventando seus desejos e recriando-se como uma ação política. Portanto,
é no corpo, enquanto território repleto de significações, que o gênero travesti
materializa-se. A definição das roupas, acessórios, gestos e modificação de
comportamentos formam não apenas a estética do corpo materializado,
mas promovem a marca de toda uma transformação moral e social.
159
Marcela Aguiar da Silva Nascimentos | Marta Leandro da Mata
4 PRÁTICAS INFORMACIONAIS
Travestis, transexuais e transgêneros são identidades tipicamente
reunidas em estudos sobre lésbicas, gays e bissexuais. Acreditamos ser
necessário ponderar que o contexto sócio-histórico das pessoas T diferem
substancialmente das demais siglas que condizem à esfera da identidade
sexual (LGB), tendo em vista que suas necessidades de informação superam
as nuances da “saída do armário” e da orientação de suas sexualidades.
As necessidades de informação das pessoas T surgem em constante
negociação com os processos subjetivos de construção do Eu, fluindo
em um processo horizontal que se direciona aos reajustes de gênero, às
adequações de seus corpos e à busca constante para legitimação de suas
identidades. Beiriger e Jackson (2007) argumentam que as necessidades
de informação das pessoas T se diferem das necessidades de informação das
pessoas cisgêneras por conta de seu caráter estar voltado às reestruturações
constantes de suas identidades, seja física e/ou cognitivamente.
Hawkins e Giesking (2017) afirmam ser nítido que a identidade de
gênero pela qual a pessoa se identifica influencia diretamente em todos os
aspectos informacionais da população de pessoas trans e travestis. Como
o processo de transição não se apresenta como um processo simples e
monolítico mas como um delineamento contínuo, é de suma importância
que seja reconhecida as informações vinculadas às necessidades de saúde,
de reivindicação política e de construção subjetiva, buscando verificar os
comportamentos, os recursos informacionais empregados e as melhores
formas de buscar as informações concernente às suas identidades de
gênero.
Pohjanen e Kortelainen (2016) verificam que o início da busca
de informação de pessoas T se equipara ao início da reconstrução de
suas identidades de gênero. O processo de busca é ininterruptamente
direcionado à reconstrução de suas identidades (seja de homem para
mulher, de mulher para homem ou demais possibilidades de transmutação
de gênero), mantendo os esforços da pesquisa na localização da melhor
maneira a adequar as vestimentas, comportamentos, trejeitos etc. às
expectativas que se pretende alcançar.
A necessidade de confecção do corpo físico e sua readequação na
160
Práticas informacionais de travestis, transexuais e transgêneros:
uma revisão de literatura
sociedade é apresentada como ponto chave em grande parte dos estudos
de usuários sobre pessoas travestis, transexuais e transgêneras, visto que a
identidade de gênero influencia em todas as esferas da vida dessas pessoas
(BEIRIGER; JACKSON, 2007; POHJANEN; KORTELAINEN, 2016;
DRAKE; BIELEFIELD, 2017; HAWKINS; GIESKING, 2017; PINTO,
2018; SILVA, 2019; NASCIMENTO; MATA, 2020). No início da
transição, a preocupação condiz à hormonioterapia; à literatura LGBTQIA+
com foco na população T (para autocompreensão e compreensão do
público em que pertencem) e à cirurgia de transgenitalização. Nota-se que
todas essas informações permanecem importantes em toda trajetória de
vida desta comunidade, seja para utilização pessoal ou para a disseminação,
troca e reivindicação política do movimento organizado.
Por conta de as informações relacionadas ao gênero e à sexualidade
das pessoas T serem pouco disponibilizadas nas estruturas formais de
conhecimento, grande parte das buscas de informação sobre identidade
de gênero são vinculadas às redes sociais e digitais. Adams e Peirce
(2006) afirmam que a internet aparece como primeiro veículo para buscar
informações sobre travestilidade, transexualidade e transgeneridade
por parte de pessoas T. Esse fator se justifica pelo fato desses indivíduos
preferirem utilizar informações veiculadas às vivências de outras pessoas,
associando a necessidade de informação de seus pares aos seus próprios
questionamentos e experiências. Ou seja, além dos indivíduos T buscarem
informações sobre identidade de gênero nas fontes formais/informais da
internet, eles recorrem a outros indivíduos semelhantes para a efetivação
do uso da informação.
Essa consideração também aparece na pesquisa realizada por Drake
e Bielefield (2017), em que a internet e os amigos próximos, geralmente
pertencentes à mesma categoria identitária, aparecem como as principais
fontes de informação sobre saúde física e mental, bem-estar, organizações
políticas, questões espirituais e processos de reconstrução de gênero.
Médicos, terapeutas e organizações religiosas/espirituais foram as terceiras
fontes mais escolhidas, respectivamente. Os autores ainda afirmam que
apesar dos médicos e os terapeutas aparecerem como a terceira fonte de
informação mais utilizada, a internet e a comunidade discursiva são as duas
fontes mais comumente escolhidas para buscar sobre questões relacionadas
161
Marcela Aguiar da Silva Nascimentos | Marta Leandro da Mata
à saúde geral, à hormonioterapia e aos médicos trans-inclusivos.
Nessa perspectiva, a correspondência que coloca os médicos e os
profissionais da saúde como fontes terciárias para buscar sobre questões
médicas específicas se dá pelo fato de a medicina e a psiquiatria ter
pontuado, durante anos consecutivos, a transexualidade, travestilidade
e transgeneridade como inconformes à sociedade, afirmando serem
patológicos os corpos dissidentes às normas heterossexuais e cisgêneras.
No Brasil, a partir da década de 1980, a transexualidade foi incluída
no Código Internacional de Doenças (CID) , como um marco do processo
histórico da transexualidade, da travestilidade e da transgeneridade
como uma patologia. No mesmo período, a Associação de Psiquiatria
Norte-Americana aprovou a terceira versão do Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), ao incluir a transexualidade
dentro do aspecto “Transtornos de Identidade de Gênero”. Percebe-
se que qualquer nível de deslocamento com o masculino e feminino
heterossexual e cisgênero deverá sofrer intervenções especializadas nas
ciências psiquiátricas, com o objetivo de manter a ordem e a coerência
entre corpo, gênero e sexualidade, baseando- se na heterossexualidade e
na cisgeneridade compulsória (BENTO; PELÚCIO, 2012).
São vários os determinantes sociais que influenciam a busca
de informações de pessoas T sobre saúde, incluindo a condição escolar,
ambiental, faixa etária, sexualidade, confiança etc., os quais contribuem
para o distanciamento de pessoas T aos médicos e funcionários da saúde
como primeira fonte de informação. Drake e Bielefield (2017) apresentam
que as pessoas T possuem maior dificuldade em encontrar informações
sobre saúde e bem-estar, saúde mental e emocional e informações médicas
sobre saúde T específica (exames de testosterona, estrogênio, laudos
médicos, hormônios, cirurgias etc.).
No estudo de Hawkins e Gieking (2017) sobre o comportamento
informacional de indivíduos trans na rede social Tumblr, notou-se a
utilidade pública e importância das redes de apoio como mecanismos de
autoconstrução e reconstrução identitária, tendo o compartilhamento de
saúde individual como foco da experiência do grupo. Na plataforma online,
a utilização de hashtags como #ftm e #mtf são utilizadas para marcar a
identidade dos usuários, os quais oferecem experiências e vivências sobre
162
Práticas informacionais de travestis, transexuais e transgêneros:
uma revisão de literatura
o próprio corpo. Além disso, o grupo se concentra no compartilhamento
de indicação de médicos trans-inclusivos que realizam procedimentos
estéticos e acompanhamentos psi.
Essas redes sociais oferecem um espaço de segurança para
aprender, compartilhar e trocar informações com pessoas semelhantes
sobre o período pré e pós transição, hormonioterapia e cirurgias. Todavia,
percebe-se que apesar das informações sobre saúde T ser constantemente
retroalimentada (pelas publicações, pela troca informacional nos
comentários), não há fontes de informação confiáveis e especialistas em
saúde no grupo (HAWKINS; GIESKING, 2017).
Verifica-se que a busca de informação de pessoas T sobre saúde,
identidade, corpo, sexualidade etc. ocorre nas redes sociais, por meio
de blogs/sites (THOMPSON, 2012; DRAKE; BIELEFIELD, 2017).
Contudo, estudos como o de Nascimento e Mata (2020) afirmam
que apesar da internet e as redes sociais aparecerem como principal
mecanismo de busca informacional sobre identidade de gênero, há muita
desatualização, fake news e insuficiência informacional nesses ambientes.
Esses obstáculos influenciam a população T a reduzir o número de fontes
de informação, constituindo uma rede de apoio em grupos sociais que
pertencem à comunidade T, e priorizando as vivências, experiências e
produção de conhecimento no próprio grupo.
Pinto (2018) argumenta que as experiências e vivências das
pessoas T possuem grande importância para a construção dos fenômenos
identitários de gênero, já que a construção das identidades travesti,
transexual e transgênero florescem por meio dos processos informacionais.
Nesse sentido, o uso da informação aparece como um impulsionador do
início da transição de gênero, visto que, cessadas as primeiras dúvidas sobre
hormonioterapia, cirurgias, grupos de apoio etc., os sujeitos tendem a
utilizar a informação acessada para decidir transicionar para outro gênero.
O uso da informação auxilia tanto no início quanto no processo
de transição de gênero, podendo ser dividido em três categorias:
esclarecimento, instrumental e pessoal/política. Na primeira categoria,
esclarecimento, a informação é utilizada prioritariamente para responder
aos questionamentos sobre identidade de gênero e para autocompreensão.
Na categoria instrumental, o uso da informação serve para auxiliar os
163
Marcela Aguiar da Silva Nascimentos | Marta Leandro da Mata
sujeitos ao passo em que eles se sintam capazes de saber o que e como
fazer, e nesse sentido, as pessoas T utilizam a informação para iniciar a
transição e para ajustar os arranjos identitários ao longo do processo de
transmutação de gênero. A última categoria, pessoal/política, pondera
que a informação é utilizada para satisfação pessoal e coletiva, criação das
relações interpessoais, troca informacional, compartilhamento com os
próprios pares e empoderamento identitário (PINTO, 2018).
Facchini (2018) afirma que na atual conjuntura política do Brasil,
grupos minoritários, e em especial travestis, transexuais e transgêneros, têm
utilizado as redes sociais para disseminação de suas vivências, experiências
e ações como uma cosmovisão política de ser, estar e produzir novos
horizontes discursivos. A produção de conhecimento dessas populações
tem consistido no compartilhamento e na troca com as experimentações
de outros sujeitos semelhantes, objetivando expandir as informações sobre
travestilidade, transexualidade e transgeneridade para o maior número de
pessoas possíveis.
É por esse caminho que Vilkka (2006 apud POHJANEN;
KORTELAINEN, 2016) argumenta que os sujeitos T não são apenas
consumidores de informações sobre identidade de gênero nos múltiplos
suportes, mas eles se constituem como os maiores e principais produtores
e disseminadores de informações sobre saúde, corporeidade, identidade e
reconstrução de gênero, colaborando ativamente para o desenvolvimento
de sua ampliação.
Nesse sentido, travestis, transexuais e transgêneros reivindicam
suas identidades enquanto legítimas a partir de suas próprias narrativas,
utilizando o compartilhamento da informação para o refazimento da
história e da memória que fora marginalizada e distorcida por um sistema
normativo e opressor durante longos anos.
À medida em que fogem dos esquemas binários de gênero
heteronormativos, os sujeitos oprimidos assumem suas narrativas e
tornam-se disseminadores de informações concatenadas aos conteúdos
informacionais que contribuem para a subversão da cisnormatividade e
para o empoderamento de suas identidades (SILVA, 2019).
Travestis, transexuais e transgêneros têm conhecimento de que
suas práticas informacionais assumem papel exponencial na geração de
164
Práticas informacionais de travestis, transexuais e transgêneros:
uma revisão de literatura
novos conhecimentos aos seus pares, além de reafirmarem a multiplicação
e difusão de informações que auxiliam no processo de empoderamento.
Assim,
[...] o acesso a conteúdos informacionais contra-
hegemônicos é fundamental no processo de
empoderamento, visto que contribuíram na
compreensão” de seu lugar no mundo e os estimularam
a disseminar estes significados ‘renovados” da
transexualidade [travestilidade e transgeneridade]
como legítima expressão humana ao contrário do que a
heteronorma fundamentada na linearidade sexo-gênero-
desejo sexual busca validar (SILVA, 2019, p. 161).
Pode-se compreender que o acesso, o uso, a apropriação e o
compartilhamento da informação têm o papel potencializador de ressignificar
o lugar de subalternidade concernente às pessoas vulnerabilizadas da
sociedade contemporânea. Como resposta à essa carência informacional,
o movimento de travestis, transexuais e transgêneros têm validado
suas identidades através da resistência política, da história oral, do
empoderamento, do protagonismo social e da resiliência.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As pesquisas sobre identidade de gênero, com foco na travestilidade,
transexualidade e transgeneridade, circunscrevem um campo novo e
urgente na CI. Nota-se que são ínfimos os trabalhos que apontam os
contextos sócio-históricos, econômicos e políticos dessa população na
área, o que reverbera na falta de documentos e materiais sobre gênero
e sexualidade nas unidades de informação e profissionais, muitas vezes,
despreparados para lidar com as múltiplas necessidades de informação
sobre corporeidade, identidade e autocompreensão.
Como apresentado, a internet aparece como a principal fonte
de informação para travestis, transexuais e transgêneros, sendo o maior
mecanismo para acessar, trocar e compartilhar informações. Visualiza-se
que as redes sociais e digitais têm propiciado a ecoação das vozes e narrativas
de populações historicamente vulnerabilizadas, o que pondera que as
vivências e experiências de indivíduos semelhantes influencia diretamente
165
Marcela Aguiar da Silva Nascimentos | Marta Leandro da Mata
nas práticas informacionais, à medida em que a ação recíproca aparece
como um auxílio para a (re)construção de si e como um impulsionador para
a reivindicação identitária da comunidade.
Recomenda-se que sejam realizadas pesquisas acerca dos estudos de
usuários com variados enfoques – tradicional, alternativo e social – voltadas
às populações não-cisgêneras (travestis, transexuais e transgêneros) para
que seja possível destrinchar em diferentes níveis como a informação tem
servido de subsídio para reivindicação política, empoderamento pessoal/
comunitário e cidadania plena.
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169
USUÁRIOS DA INFORMAÇÃO EM SAÚDE: DAS
NECESSIDADES AOS PRODUTOS E SERVIÇOS
INFORMACIONAIS
1 INTRODUÇÃO
Objetiva-se neste capítulo caracterizar os usuários da informação
em saúde, levantar os principais conhecimentos para que o profissional
da informação atenda esses usuários de forma adequada e apresentar
recursos informacionais, produtos e serviços de informação que possam
melhor atendê-los.
Para tanto, será delineado um “ecossistema da informação em saúde”.
O termo ecossistema é costumeiramente empregado para representar
sistemas que envolvem organismos e seu meio ambiente, estando eles em
constante interação e transformação. Logo, essa metáfora será empregada
para apresentar vários componentes que exercem diferentes influências
e forças uns sobre os outros e que estão em constante transformação
e rearranjo, tais como as necessidades informacionais, a comunidade
de usuários de informação em saúde, a comunidade de profissionais da
informação, os ambientes de informação, os recursos, os produtos e os
serviços informacionais.
Busca-se com essa proposta fugir de um certo determinismo de
que o usuário da informação em saúde é um termo e conceito passível
de ser isolado de seu contexto ou que age sempre da mesma forma;
tem sempre o mesmo tipo de necessidade; usa sempre o mesmo tipo de
recurso informacional; demanda sempre o mesmo tipo de serviço e assim
por diante. No desenvolvimento do capítulo, buscar-se-á apresentar essa
Capítulo 6
Maria Cristiane Barbosa Galvão
170
Usuários da informação em saúde: das necessidades aos produtos
e serviços informacionais
complexidade e, na medida do possível, propor esquemas visuais que a
ilustre.
2 O CONCEITO DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE
É sabido que o campo da ciência da informação possui vasta produção
sobre o conceito de informação, as diferenças entre informação, dado e
conhecimento, bem como sobre as diferenças entre informação registrada
e não registrada. Neste capítulo, contudo, será assumido que informação
é qualquer estímulo que, recebido por uma pessoa, pode transformar seu
estado de consciência. Logo, um estímulo que pode representar um alto
nível de informação para um indivíduo pode não ter a mesma importância
para outro. A opção por este conceito mais amplo de informação parece
mais adequado para o campo da saúde, onde muitas das informações são
trocadas oralmente, sem nenhum registro em suporte físico ou digital,
ou mesmo são recebidas e passadas por meio de sinais, cores e símbolos.
Por exemplo, algumas unidades de saúde adotam cores para facilitar
a navegação do paciente entre diferentes pontos da instituição. Se o
paciente tem um problema de coração, segue a linha laranja para chegar ao
ambulatório de cardiologia. Se o paciente é uma criança segue a linha azul
para chegar ao ambulatório de pediatria. Se está grávida, segue a linha cor
de rosa para chegar ao ambulatório de ginecologia e obstetrícia. E assim
por diante. Outra abordagem na qual a cor traz informação é a classificação
de risco do paciente, onde o paciente recebe uma pulseira de acordo com
a gravidade de seu caso, sendo a cor vermelha, por exemplo, empregada
quando o paciente tem prioridade zero de assistência, ou seja, precisa ser
encaminhado para a sala de ressuscitação (MEDEIROS et al., 2019).
estudos ainda que associam as cores empregadas em uma unidade de saúde
com o potencial de cura dos pacientes (SHARMA, 2019). Dito de outro
modo, a cor do ambiente altera o estado de consciência do paciente e,
portanto, pode ser entendida como uma informação recebida.
O conceito do termo saúde também possui especificidades. A
Constituição da Organização Mundial de Saúde afirma que saúde é um
estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste
apenas na ausência de doença ou de enfermidade (WORLD, 1948). Pode-
171
Maria Cristiane Barbosa Galvão
se imaginar assim que, mesmo que um paciente pareça não ter nenhuma
doença física, ele pode apresentar dificuldade para se relacionar com
outras pessoas, ou ter dificuldade para se manter em um emprego, ou ter
severos questionamentos espirituais que podem lhe causar desconforto ou
sofrimento psicológico. Nesse sentido, caberia ressaltar que as motivações
para realização de uma consulta com profissional da saúde são diversas e
abrangem muitos setores da vida para além das doenças.
Considerando o esboço dos conceitos de informação e de saúde
apresentados, em sentido amplo, informações em saúde são aquelas que
se referem a uma doença, sua epidemiologia, sua etiologia ou patogênese,
seu diagnóstico, seu tratamento ou prevenção, mas também aquelas que
levam o indivíduo a um completo bem-estar físico, mental e social, como
uma música que o deixa feliz, uma leitura ou um filme que o motiva, uma
oração ou uma palavra amiga que o conforta, o mantém firme diante de
alguma dificuldade ou o faz sentir socialmente integrado, capaz e aceito.
3 NECESSIDADES DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE
Em 2020, ao lutarmos contra a pandemia de COVID-19 que
se instalou sobre a população humana, quais foram as informações que
buscamos para manter nossa saúde e a saúde de nossa família?
Governos dos diferentes países, instituições de pesquisa, indústria
farmacêutica, empresas de produtos e serviços de saúde, profissionais
de saúde precisavam conhecer ao máximo essa condição, saber como
preveni-la, como tratá-la, necessitavam conhecer todos os procedimentos,
medicamentos, instrumentos e equipamentos a serem usados para o
manejo dos pacientes, da população que já foi contaminada e da população
que ainda permanecia sadia. Igualmente, múltiplas ações legais, comerciais
e acordos locais, regionais, nacionais e internacionais foram estabelecidos a
fim de fornecer os suprimentos e condições necessárias para salvar o maior
número possível de seres humanos.
Inegavelmente, todos atores elencados e também grande parte da
população estavam interessados em informações clínicas e biológicas sobre
a pandemia. Outros, porém, para manterem sua saúde, optaram por ouvir
música, ver um show, conversar com amigos, ler um livro de literatura,
172
Usuários da informação em saúde: das necessidades aos produtos
e serviços informacionais
desenhar, pintar, escrever, rezar, fazer uma prece, ver um vídeo, um filme,
uma série. Alguns usaram esse momento para o autoconhecimento, o estar
consigo mesmo, o meditar, o rezar e orar. Muitos estiveram procurando
receitas de comidas e bebidas para reproduzi-las em suas casas. E nessa
época teve muita gente triste também. Um colega do nordeste brasileiro
relatou: “O sentimento de não ter festa de São João está acabando conosco.
São João é nossa melhor época do ano. A gente espera essa época mais
do que o Natal. Muitas famílias estão dando um jeito de organizar seus
próprios arraiais. A minha família mesmo vai organizar um, mas só com
parentes, sem amigos ou amigos de amigos. Estou sofrendo muito com
tudo isso. Tenho bebido todo dia para superar”.
Tais exemplos ilustram que, para manter o bem-estar físico, mental
e social, o ser humano precisa de um conjunto diversificado de informações
que varia muito em função das especificidades e conjunturas de vida e
atuação de cada um. Para reiterar esta argumentação proponho pensarmos
em alguns casos que não estão ligados à pandemia.
O primeiro caso reside na história de um pai que recebeu o
diagnóstico de que tanto ele como seu filho pequenino tinham uma condição
de saúde incurável. Relata ele que o dia que recebeu o diagnóstico foi o dia
mais triste de sua vida por achar que tudo estava acabado. No entanto,
ao deixar a consulta e ouvir dentro do hospital uma música tocada ao vivo
por um saxofonista, alega que foi salvo. A música diminuiu seu desespero,
seu sofrimento e lhe deu esperança. Segundo ele, aquela audição lhe
deu forças para seguir seu caminho, chegar na sua casa e contar sobre o
diagnóstico recebido para sua esposa e para o outro filho do casal. Neste
relato, percebe-se que a informação musical disponibilizada no ambiente
de saúde contribuiu para que seu bem-estar mental e social melhorasse e
trouxesse um benefício para sua saúde. Cabe ressaltar que o referido acesso
à informação musical na unidade de saúde não foi aleatório. Vários estudos
relatam melhoria no desfecho clínico do paciente ou de seus cuidadores
por meio de diferentes recursos informacionais como a música (PRETI,
2011; SHUMAN, 2016; RUIZ; ÁLVAREZ, 2016; ISSAKA; HOPKINS,
2017; DUE; GUETTI, 2018; GALVÃO et al., 2019).
O segundo caso contempla o percurso de uma garotinha também
com uma condição incurável que, após estar internada por muitos meses,
173
Maria Cristiane Barbosa Galvão
teve em uma tarde a oportunidade de aprender como usar no smartphone a
realidade aumentada para brincar e se divertir dentro do hospital. No relato
de sua mãe: “Fazia tempo que ela não sorria, assim. Com certeza, hoje, ela
está feliz”. A realidade aumentada que chega ao leito hospitalar para dar
suporte emocional e cognitivo para uma criança também não é uma ação
aleatória. As tecnologias de informação e comunicação com os conteúdos
informacionais adequados podem transformar a experiência de estar em
um hospital em uma oportunidade para o desenvolvimento cognitivo ou
para a geração de emoções positivas, como o sentir-se feliz. Seguindo esta
abordagem, alguns estudos (GALVÃO et al., 2018a; AHMADPOUR et
al., 2020; FLUJAS-CONTRERAS et al., 2020) têm se preocupado em
observar, por exemplo, os benefícios da realidade aumentada e da realidade
virtual no bem-estar físico, mental ou social dos pacientes, chegando a
conclusões otimistas sobre essas tecnologias.
Em um terceiro caso, o paciente relata ao médico que vem de outro
estado do Brasil e não tem parentes na cidade para lhe acolher. Diante das
dificuldades observadas, o médico encaminha o paciente para a assistente
social que buscará lhe prover com moradia fixa ou temporária, trabalho,
medicamentos, apoio psicológico, jurídico e integração com pessoas da
cidade a fim de que o paciente realize seu tratamento de forma adequada.
Este caso ilustra uma realidade recorrente no contexto da saúde, que
é a dimensão social e econômica do paciente. Muitas vezes, a condição
de enfermidade do paciente só será superada se ele conseguir alterar
suas dificuldades sociais, culturais ou econômicas. Os tratados de saúde
costumam denominar essa situação pelo termo “determinantes sociais da
saúde” (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007; CARVALHO, 2013) e a
superação desses determinantes requerem um esforço grande da equipe de
saúde que está assistindo ao paciente, das políticas e instituições públicas e
requerem um conjunto de dados e informações de toda a sorte para que o
paciente tenha suas necessidades minimamente atendidas.
Em um quarto caso, a mãe consulta o pediatra para saber se deve ou
não dar chupeta ao bebê, pois já recebeu uma série de conselhos favoráveis
e contrários ao uso da chupeta. Algumas amigas lhe disseram que a chupeta
entorta os futuros dentes do bebê e outras disseram que isso não procede.
Afirmam que é muito bom que o bebê use chupeta, pois ela acalma e
174
Usuários da informação em saúde: das necessidades aos produtos
e serviços informacionais
diminui o choro dele. O médico por sua vez lembra que recentemente foi
publicado um novo artigo sobre o assunto (DEUS et al., 2020), mas não
lembra os resultados da pesquisa. Assim, ele necessita consultar quais são
as últimas evidências científi cas existentes sobre o uso da chupeta para
melhor recomendar a mãe.
Os exemplos citados reforçam a ideia inicial deste tópico de que
as necessidades de informação em saúde possuem múltiplas dimensões. A
Figura1 sintetiza algumas dessas dimensões, tais como clínico-biológica,
psicológica, social, econômica, artística-cultural, espiritual, científi ca,
jurídica, administrativa e empresarial. Embora não vejamos essas dimensões
como conclusivas, elas indicam algumas das necessidades de informação
em saúde.
Figura 1: Necessidades informacionais em saúde
Fonte: elaborada pela autora
175
Maria Cristiane Barbosa Galvão
4 AMBIENTES DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE
As discussões realizadas explicitaram que as diferentes necessidades
informacionais em saúde demandam um repertório significativo e
diversificado de conteúdos informacionais, em diferentes linguagens,
suportes e empregando diferentes tecnologias. Esses podem ser produzidos
e ofertados por diferentes serviços e instituições de saúde, instituições
educacionais, instituições culturais, instituições de pesquisa, empresas
e indústrias. Logo, além das bibliotecas das unidades de saúde, como
as bibliotecas hospitalares, várias instituições, tais como as bibliotecas
universitárias, as bibliotecas públicas, as bibliotecas escolares, as bibliotecas
infanto-juvenis, as bibliotecas populares e comunitárias, e as bibliotecas
prisionais podem atuar no campo da saúde humana, bem como produzir
e disseminar informações. E quando não existem esses espaços físicos
demarcados e consolidados, os diferentes profissionais da informação,
como os denominados “bibliotecários sem bibliotecas” ou “bibliotecários
inseridos no contexto”, podem atuar no campo da saúde usando diferentes
metodologias e tecnologias para levarem a informação mais adequada para
os diferentes usuários das informações em saúde valendo-se dos recursos
disponíveis e possíveis.
Com isso, ressaltamos que não faz sentido esperar que apenas
bibliotecas ou serviços de informação situados em unidades de saúde
possam fornecer as informações em saúde que toda a comunidade de
usuários da informação necessita. Para que a informação em saúde chegue
para mais pessoas, é preciso que se pense em iniciativas colaborativas
envolvendo diferentes instituições.
176
Usuários da informação em saúde: das necessidades aos produtos
e serviços informacionais
Figura 2: Ambientes informacionais em saúde
Fonte: elaborada pela autora
A Figura 2 sintetiza alguns ambientes nos quais a informação em
saúde pode ou deveria estar presente, tais como: instituições de saúde
(unidade de atenção básica, clínicas especializadas, hospitais), instituições
de ensino em todos os níveis, instituições culturais (incluindo-se aqui
todos os tipos de bibliotecas já mencionados, bem como arquivos, museus
e centros culturais), instituições de pesquisa, empresas fornecedoras de
produtos e serviços em saúde, instituições de gestão e desenvolvimento de
políticas públicas, e os demais contextos sociais onde a informação possa
ser compartilhada, como igrejas, clubes, parques, praças. Além desses
ambientes, Gadelha (2003), ao delinear o complexo industrial da saúde,
faz-nos lembrar que indústrias de base química e biotecnológica (como
a indústrias de fármacos e medicamentos, hemoderivados, vacinas e
reagentes para diagnósticos), indústrias de base mecânica, eletrônica e de
177
Maria Cristiane Barbosa Galvão
materiais (como as indústrias de equipamentos mecânicos, equipamentos
eletroeletrônicos, órteses e próteses, e materiais de consumo) e os serviços
de diagnóstico e tratamento também são ambientes onde a informação em
saúde circula, é produzida e disseminada.
Segundo Mani et al. (2020), a necessidade de bibliotecas para
apoiar iniciativas de saúde é, sem dúvida, cada vez mais importante, pois,
no momento atual, não estamos apenas lutando contra uma epidemia, mas
também contra uma infodemia. Essa explosão de desinformação global é
prejudicial ao público e sinaliza que diferentes bibliotecas e instituições
de conhecimento podem desempenhar um papel vital na sociedade para
a melhoria da saúde coletiva. Acrescentam os autores que é importante
identificar lugares onde haja expertise que possa suprir lacunas de
informação e propor-lhes trabalhos conjuntos. Essa jornada leva tempo,
energia e comprometimento, mas é urgente propor mecanismos para lidar
com as grandes quantidades de informações que existem na complexa era
da informação global em que vivemos. Logo, refletir sobre e compreender
os ambientes de informação apresentados na Figura 2 pode trazer
contribuições significativas para melhor compreensão da informação no
campo da saúde e para que sejam pensadas iniciativas de colaboração.
5 COMUNIDADE DE USUÁRIOS DA INFORMAÇÃO EM
SAÚDE
Desde que nascemos e em qualquer etapa da vida precisamos de
informações em saúde. É verdade que quando criança, quando muito idoso,
quando com alguma limitação cognitiva ou física que nos tira a capacidade
decisória, nossos cuidadores e responsáveis legais é que precisarão ter as
informações adequadas para decidirem e cuidarem de nossa saúde, como
foi o caso da mãe que precisava de informações para decidir se dava ou
não chupeta para seu bebê. Assim, o usuário da informação em saúde é
todo ser humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de
condição econômica ou social.
Isso posto, nas instituições de saúde, geralmente, os usuários da
informação mais frequentes são os pacientes, familiares de pacientes
e profissionais de saúde, incluindo-se aqui médicos de todas as
178
Usuários da informação em saúde: das necessidades aos produtos
e serviços informacionais
especialidades, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos,
odontólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, farmacêuticos,
fonoaudiólogos, biomédicos e toda a equipe de apoio. Dados os direitos
e deveres relacionados à saúde, os advogados e juízes são atores que
demandam informações no contexto clínico. Podem estar aqui presentes
também pesquisadores, estudantes, aprimorandos e residentes durante a
realização de estudos, atividades e estágios obrigatórios.
Nas instituições de gestão e delineamento de políticas públicas
em saúde, como secretarias de saúde, órgãos de fiscalização e agências
de vigilância em saúde, os usuários da informação mais frequentes são
os administradores de unidades de saúde, os secretários de saúde, os
prefeitos, os governadores, os presidentes, embora seja esperado que toda
a população e toda a equipe de saúde se envolva colaborativamente com os
gestores para o desenvolvimento dessas políticas. Esse envolvimento pode
se dar por meio de consultas à comunidade, fóruns de discussão e debates
públicos (SILVA et al., 2019). Recentemente, a título de exemplo, vimos
no Brasil fortes debates envolvendo a temática do aborto para gravidez
decorrente de violência sexual, uso de medicamentos para o tratamento
da COVID-19 e sobre a assistência em saúde para os povos indígenas
durante a pandemia. Certamente, uma população mais informada teria
mais condições de questionar certos dogmas políticos e religiosos, bem
como certas políticas públicas deles decorrentes.
Nas instituições de ensino superior e institutos de pesquisa, os
usuários da informação mais frequentes no que tange à informação em
saúde são os graduandos, pós-graduandos, docentes e pesquisadores. Os
principais usos da informação nesses contextos se voltam para projetos de
pesquisa, trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado, teses
de doutorado e teses de livre-docência que devem ser elaborados a partir
de levantamentos bibliográficos em bases de dados especializadas. No
ensino pré-escolar, no ensino básico e no ensino médio, os conteúdos de
informação em saúde podem ser produzidos e disponibilizados para atender
a curiosidade das crianças ou dos adolescentes, bem como para atender os
conteúdos das grades curriculares. Lembrando que também os professores
e gestores das escolas carecem de informação sobre saúde humana para
melhor atender as especificidades de seus alunos.
179
Maria Cristiane Barbosa Galvão
Nas empresas e indústrias da saúde, os usuários das informações
podem ser pesquisadores e desenvolvedores, economistas, profi ssionais
de marketing, administradores e assim por diante. Nesse ambiente,
certamente as informações científi cas, as patentes e demais informações
sobre a propriedade intelectual de produtos, processos e serviços costumam
ser demandadas.
A Figura 3 apresenta a comunidade de usuários da informação em
saúde, mas não pretende ser exaustiva ou conclusiva.
Figura 3: Comunidade de usuários da informação em saúde
Fonte: elaborada pela autora
6 COMUNIDADE DE PROFISSIONAIS DA INFORMAÇÃO
Diferentes profi ssionais atuam para que a informação seja produzida,
180
Usuários da informação em saúde: das necessidades aos produtos
e serviços informacionais
buscada, selecionada, organizada e disseminada nos diversos ambientes em
que a informação em saúde circula. Embora a ciência da informação foque
mais na atuação dos bibliotecários, arquivistas e museólogos, no campo
da saúde outros profi ssionais da informação e comunicação podem estar
presentes para realizar essa tarefa como os jornalistas, os relações públicas
e os web designers, conforme apresentado na Figura 4.
Figura 4: Comunidade de profi ssionais da informação que atuam no
contexto da saúde
Fonte: elaborada pela autora
Ao se falar que esses profi ssionais “podem estar presentes”,
deseja-se evidenciar as diferentes realidades das instituições de saúde.
Há instituições sem nenhum profi ssional contratado exclusivamente
para desenvolver as atividades informacionais. Sem dúvida existe muito
181
Maria Cristiane Barbosa Galvão
improviso relacionado aos processos informacionais em instituições de
saúde e é ausente uma fiscalização mais severa dos conselhos profissionais
para que bibliotecários, arquivistas e museólogos ocupem suas posições de
direito e na qual possuem amplo conhecimento e competência. Por outro
lado, há instituições em saúde com equipes amplas e muitos profissionais da
informação, sobretudo, as instituições que são de referência e que buscam
a inovação de seus processos, produtos e serviços, como as indústrias
farmacêuticas.
Quando há uma equipe de informação, geralmente, a atuação
dos profissionais da informação e comunicação no contexto da saúde é
beneficiada quando existem parcerias com os profissionais da saúde e/
ou com gestores da saúde. Essa colaboração costuma ser muito rica, já
que profissionais da saúde possuem formação relacionada à produção
e comunicação de conteúdos informacionais empregando diferentes
linguagens, recursos e tecnologias, e também relacionadas à criação de
objetos tridimensionais que possam melhor comunicar conteúdos sobre
saúde para crianças, adolescentes, idosos e pessoas com alguma deficiência
ou incapacidade. A aproximação com os profissionais da computação e da
informática sempre foi bem-vinda, mas, neste momento, o setor de saúde
tem sido bastante atingido pela inteligência artificial, pelo big data, pela
aprendizagem de máquina e pela aprendizagem profunda.
7 RECURSOS INFORMACIONAIS
O mercado informacional público e privado é fortemente afetado
por fatores tecnológicos, econômicos e políticos. No caso da saúde, por
mover quantidades expressivas de recursos financeiros e de clientes, o
mercado informacional está em constante transformação: produtos e
serviços informacionais surgem, outros desaparecem, outros são alterados,
alguns se integram a outros. E, embora existam recursos informacionais
mais estáveis, a realidade é que, para se manter atualizado no campo da
saúde, é preciso realizar esforços diários significativos, além de se ter um
conjunto de instrumentos e ferramentas de apoio, conforme representado
na Figura 5.
182
Usuários da informação em saúde: das necessidades aos produtos
e serviços informacionais
Figura 5: Recursos necessários para os profi ssionais da informação
atuarem no contexto da saúde
Fonte: elaborada pela autora
Muitas instituições de saúde contratam profi ssionais da informação,
mas não lhes fornecem as condições adequadas de trabalho. Logo, é
importante estar ciente que a infraestrutura tecnológica e física, os
equipamentos e softwares profi ssionais e diversifi cados serão empregados
para acessar os recursos informacionais já disponíveis e também serão
utilizados, sempre que necessário, para produzir novos conteúdos,
produtos e serviços informacionais e/ou disseminá-los para a comunidade
de usuários. Adicionalmente, em muitas situações, poderão ser necessários
objetos tridimensionais a serem empregados em processos de educação
em saúde.
Para atender as necessidades informacionais relacionadas à condição
clínica, ao seguimento e à resiliência do paciente; prevenir doenças
ou seu agravamento; evitar tratamentos, procedimentos diagnósticos,
183
Maria Cristiane Barbosa Galvão
intervenções preventivas ou referências inapropriadas ou desnecessárias;
reduzir preocupações sobre tratamentos, procedimentos diagnósticos
ou intervenções preventivas; aumentar o conhecimento de profissionais,
pacientes ou de seus familiares, os recursos informacionais mais indicados
são as bases de evidência em saúde. As mais estáveis no mercado têm sido:
a Cochrane Systematic Reviews, a interface PubMed via Pico, a UpToDate,
a Essential Evidence Plus e a Dynamed. Essas bases de evidência trazem
resumos e respostas rápidas baseadas em estudos científicos e que são
classificadas de acordo com o nível de evidência. Assim, ao acessá-las é
possível saber se uma informação é relevante cientificamente ou se não
possui relevância. Isso facilita muito a decisão dos profissionais da saúde.
O Centro de Medicina Baseada em Evidência de Oxford, no Reino
Unido, classifica as evidências em 1a, 1b, 1c, 2a, 2b, 2c, 3a, 3b, 4, e 5. O
nível 1a é dado para as evidências de maior peso, ou seja, para as revisões
sistemáticas; e o nível 5 é atribuído às evidências de menor peso, ou seja,
para a opinião de especialistas sem uma apreciação crítica mais ampla e/
ou baseada em fisiologia (CENTRE, 2011). Algumas bases de dados de
evidência, como a Essential Evidence Plus, utilizam a classificação de níveis
de evidência de Oxford como parâmetro.
Em relação aos pacientes, um recurso informacional importante
para obtenção de informação é a base MedlinePlus, que é produzida pela
Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos. Ela traz informações
sobre doenças, condições e questões de bem-estar em uma linguagem
adequada aos leigos predominantemente em língua inglesa, mas com alguns
materiais em outros idiomas. Congrega informações sobre medicamentos e
tratamentos, significados de termos, vídeos e ilustrações médicas. De igual
modo, sites governamentais e de grandes instituições de pesquisa também
trazem informações destinadas aos pacientes. Todavia, é sempre bom estar
atento e verificar a data de atualização da informação, pois muitos sites,
inclusive governamentais, são abandonados sem aviso explícito.
Quando se fala em pacientes, um recurso informacional importante
é o prontuário do paciente. O prontuário do paciente consiste no conjunto
de informação relativa ao estado de saúde de um indivíduo armazenada e
transmitida em completa segurança informacional. Seu principal objetivo
é assegurar serviços de saúde integrados de modo contínuo, eficiente e
184
Usuários da informação em saúde: das necessidades aos produtos
e serviços informacionais
com qualidade, juntamente com informação retrospectiva, corrente
e prospectiva relacionada ao paciente (GALVÃO; RICARTE, 2012).
Porém, esse valioso recurso informacional não está disponível para toda
a comunidade de usuários. Por conter informações privadas, seu acesso
e uso demanda a aplicação de vários critérios legais e éticos. Logo, os
profissionais da informação que atuam na saúde precisam conhecer muitas
especificidades relacionadas ao prontuário do paciente para garantir a
privacidade e segurança das informações nele contidas, bem como para
atender solicitações provenientes de responsáveis legais por pacientes,
advogados, juízes e pesquisadores, além da equipe multiprofissional de
saúde, alunos, residentes e aprimorandos.
Quando a necessidade informacional parte de gestores e
pesquisadores da saúde, outros recursos informacionais precisam ser
considerados. Entre eles estão os sistemas nacionais de informação,
como os anuários estatísticos e o censo demográfico produzidos pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e os vários sistemas
informacionais de saúde disponibilizados pelo Departamento de Informática
do SUS (DATASUS). Entre os quais podemos citar: o Sistema de Informação
sobre Mortalidade (SIM) com dados de óbitos; o Sistema de Informações sobre
Nascidos Vivos (SINASC), com informações sobre nascimentos informados
ocorridos nos domicílios e hospitais; o Sistema de Informação de Agravos
de Notificação (SINAN), com dados de notificação compulsória; o Sistema
de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI) com dados da
cobertura vacinal; o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), com
informações sobre a situação de saúde, cadastros de famílias, condições de
moradia, saneamento; o Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero
(SISCOLO) e o Sistema de Informação do Câncer de Mama (SISMAMA),
com dados para o monitoramento e a avaliação da ocorrência do câncer de
colo do útero e de mama; o Sistema de Cadastramento e Acompanhamento
de Hipertensos e Diabéticos (HIPERDIA) com dados sobre portadores de
hipertensão arterial e/ou diabetes mellitus atendidos na rede ambulatorial
do SUS; o Sistema de Acompanhamento do Programa de Humanização no Pré-
Natal e no Nascimento (SISPRENATAL), com informações sobre a gravidez
e o puerpério, das gestantes inseridas no Programa de Humanização no
Pré-Natal e Nascimento (PHPN). Para pessoas que necessitarem de
185
Maria Cristiane Barbosa Galvão
maiores informações sobre esses sistemas, o DATASUS disponibiliza um
catálogo com a descrição completa dos 255 sistemas de informação em
saúde que gerencia (BRASIL, 2020).
Pelo exposto, pode-se observar que os recursos informacionais
para atender os gestores da saúde são específicos. Vale ressaltar que
muitos desses recursos são derivados do registro obrigatório realizado pelo
profissional de saúde durante a assistência ao paciente.
Em relação aos recursos informacionais para atender alunos de
graduação e pós-graduação, docentes e pesquisadores do campo da
saúde, podem ser citadas as bases de dados bibliográficos, onde podem
ser encontrados artigos científicos, comunicações publicadas em eventos,
teses, dissertações, diretrizes clínicas etc. As principais bases de dados do
campo da saúde são: PubMed, MEDLINE, Embase, Psycinfo, Cumulative Index
to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Scopus, Web of Science. Na
América Latina, são destaques as bases de dados: Literatura Latino-Americana
e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e a Scientific Electronic Library
Online (SciELO).
No Brasil, muitas bases de dados de evidência e bases de dados
bibliográficos de acesso restrito são acessíveis via Portal Brasileiro de
Informação Científica, mais conhecido como Portal de Periódicos da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
(COORDENAÇÃO, 2020).
Tendo-se citado bases de dados bibliográficos e fontes de
informação em saúde, ressalta-se que muitos textos de acesso livre não
são indexados por bases de dados bibliográficos. Para se ter acesso a eles, é
preciso empregar, por exemplo, alguns buscadores da Internet, tais como o
Google e o Google Acadêmico, e os seus respectivos modos ou formulários
avançados de busca. Porém, antes de empregar um texto ou informação
encontrada via buscador, é preciso verificar se o conteúdo informacional
possui autoria, ano de publicação, se o autor apresenta alguma referência
para contato, se o endereço do documento está associado a alguma
instituição científica; se o texto apresenta referências bibliográficas; se o
conteúdo informacional é livre de interesse comercial e se o texto segue as
diretrizes propostas pela Health On the Net Foundation (HEALTH, 1997).
Além das bases de dados bibliográficos, pesquisas científicas em
186
Usuários da informação em saúde: das necessidades aos produtos
e serviços informacionais
saúde voltadas para a inovação tecnológica, produzidas por universidades,
empresas e indústrias, devem considerar as bases de patentes, marcas
e desenho, como aquelas disponibilizadas pelo Instituto Nacional de
Propriedade Intelectual (INSTITUTO, 2020).
Os profi ssionais da informação precisam usar todos esses recursos
informacionais com maestria, já que a comunidade de usuários de
informação em saúde costuma ter um conhecimento básico em como
empregá-los. A contribuição dos profi ssionais da informação ao campo da
saúde deve trazer um conhecimento mais avançado e sólido.
8 PRODUTOS E SERVIÇOS INFORMACIONAIS
Como em qualquer outro contexto, o contexto da saúde demanda
uma série de produtos e serviços informacionais, conforme apresentado
na Figura 6.
Figura 6: Produtos e serviços informacionais no contexto da saúde
Fonte: elaborada pela autora
187
Maria Cristiane Barbosa Galvão
Os levantamentos bibliográficos são demandados para o
desenvolvimento de trabalhos de conclusão de curso, dissertações de
mestrado, teses de doutorado e teses para a obtenção de outros títulos
acadêmicos. Esses levantamentos são muito requeridos também para
pesquisas clínicas que acontecem em instituições de pesquisa, empresas
e indústrias, bem como em ambientes de gestão de saúde para tomada
de decisão, planejamento, desenvolvimento e implementação de políticas
públicas em saúde. Vários levantamentos bibliográficos, no entanto, são
realizados para o desenvolvimento de revisões sistemáticas da literatura,
situação na qual os profissionais da informação são fundamentais, pois
demandam estratégias avançadas de busca e o conhecimento de várias
ferramentas tecnológicas, metodológicas e terminológicas (GALVÃO;
PLUYE; RICARTE, 2017; GALVÃO; RICARTE, 2019).
As respostas clínicas são demandadas por pacientes, profissionais
da saúde ou gestores que precisam tomar decisões. Essas respostas clínicas
podem ser produzidas consultando-se bases de evidência em saúde ou,
em alguns casos, consultando bases de dados bibliográficos. As respostas
clínicas são bem curtas, geralmente, possuindo de duas linhas a meia
página, mas são baseadas nas melhores evidências existentes. O ideal é
que o profissional da informação mantenha uma lista de respostas clínicas
atualizadas que possam ser disseminadas diariamente aos profissionais de
saúde e gestores, por exemplo via correio eletrônico, e para os pacientes,
via redes sociais. Esse tipo de serviço pode promover o letramento e
a competência informacional desses diferentes públicos que buscam
informação em saúde (RICARTE et al., 2016; GALVÃO et al., 2018b).
A produção de sites, blogs e perfis institucionais ou de grupos de
pesquisa é outra demanda para profissionais da informação que atuam
no campo da saúde, especialmente, porque a maioria das instituições
objetiva disseminar informações em saúde e, simultaneamente, combater
informações erradas, boatos e outras formas de desinformação. Além de
selecionar, produzir e disseminar esses conteúdos informacionais, é sempre
importante que os profissionais da informação utilizem ou desenvolvam
ferramentas para medir o impacto de dessas ações a fim de melhor
explicar, quando necessário, a relação entre custos envolvidos e benefícios
alcançados (GALVÃO; CARMONA; RICARTE, 2018, 2019).
188
Usuários da informação em saúde: das necessidades aos produtos
e serviços informacionais
As intervenções informacionais podem ser de várias ordens. Desde
colantes e lembretes para avisar que é preciso lavar as mãos, até sessões
de músicas, de cinema, de teatro, de contação de histórias e toda sorte
de recursos que possam melhorar as instituições de saúde ou bem-estar
de pacientes e profissionais (GALVÃO; CARMONA, 2016). Durante a
pandemia de COVID-19, por exemplo, foram produzidos muitos vídeos de
incentivo aos pacientes e aos profissionais de saúde que estavam atuando
na linha de frente (UNIVERSIDADE, 2020).
No campo da saúde, há também uma grande demanda por aulas e
treinamentos voltados para o uso de recursos informacionais por toda a
comunidade de usuários, demanda por cursos sobre como usar evidências
em saúde, como fazer levantamentos bibliográficos e como desenvolver
revisões sistemáticas. São conhecimentos que fazem parte da formação
básica dos profissionais da informação que atuam no campo da saúde.
As produções científicas que demandam a ação dos profissionais
são variadas, com grande destaque para a produção e gestão de periódicos
científicos do campo da saúde, normalização de artigos e obras,
sistematização da gestão do conhecimento institucional e da produção
intelectual. Nas pesquisas clínicas nacionais de grande porte e nas pesquisas
internacionais efetuadas por instituições, empresas e indústrias da saúde
há também uma demanda grande para a gestão de projetos, incluindo
aqui toda sistematização da documentação produzida pelo projeto que
será, posteriormente, analisada pelos auditores de pesquisas e agências
internacionais. Nesses casos, os profissionais da informação precisam
de treinamentos especializados em boas práticas em pesquisa clínica e
necessitam conhecer todo o repertório ético de normas e leis nacionais e
internacionais.
Os folhetos, materiais e manuais informativos costumam oferecer
informações e sintetizar orientações sobre procedimentos, pesquisas,
condições de saúde, suas formas de prevenção e tratamento, demandando
imagens, terminologias e linguagem adequada para os diferentes usuários
da informação. Os profissionais da informação costumam participar
desse tipo de produção e também divulgá-la nos diferentes ambientes
informacionais.
Embora exposições sejam tipos de intervenções informacionais,
189
Maria Cristiane Barbosa Galvão
elas foram destacadas, pois possuem grande demanda no campo da
saúde, podendo contemplar exposições educativas, artísticas, lúdicas,
comemorativas, históricas e científicas.
Como se pode observar, os serviços e produtos informacionais que
podem e são demandados aos profissionais da informação nos contextos
da saúde são muitos. Logo, retoma-se a importância dos recursos que
serão disponibilizados e a importância da existência de uma equipe com
profissionais da informação a fim de que as demandas informacionais sejam
atendidas com rapidez e qualidade.
9 CONCLUSÃO
Este capítulo apresentou componentes do ecossistema da
informação em saúde, conforme apresentado na Figura 7, caracterizando:
as necessidades informacionais dos usuários da informação em saúde; os
ambientes informacionais pelos quais a informação em saúde circula; os
usuários da informação em saúde; os recursos necessários para que os
usuários da informação sejam atendidos e os profissionais da informação
consigam realizar suas atividades; os potenciais serviços e produtos para
atender os usuários da informação em saúde; e comunidade de profissionais
da informação no contexto da saúde.
190
Usuários da informação em saúde: das necessidades aos produtos
e serviços informacionais
Figura 7 : Ecossistema da informação em saúde
Fonte: elaborada pela autora
191
Maria Cristiane Barbosa Galvão
Imagina-se que foi possível passar ao leitor um pouco da complexidade
do campo da saúde e das várias possibilidades de atuação profissional
nesse campo para que essa comunidade de usuários seja melhor atendida.
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195
PERFIS DE USUÁRIOS EM ARQUIVOS: CATEGORIAS,
COMPORTAMENTO E SERVIÇOS DE INFORMAÇÃO
1 INTRODUÇÃO
Os estudos de usuários são uma área de pesquisa razoavelmente
recente na Arquivologia. Embora na Ciência da Informação e na
Biblioteconomia a preocupação com o usuário tenha sido sempre relevante,
somente nas últimas décadas os arquivos perceberam a real necessidade
de compreenderem os usos dados aos acervos a partir da análise das
características específicas de seus usuários.
Conforme diz Araújo (2014), a relação entre arquivos e usuários é
uma preocupação que data da década de 1960, no âmbito da liberalização
do acesso aos arquivos, com discussões ocorridas em eventos e congressos
do Conselho Internacional de Arquivos. Direito à informação, direito à
privacidade e confidencialidade, necessidade de preservação e segurança
da informação eram temas a princípio entendidos como opostos, mas que
gradativamente apareceram nas discussões.
Embora a discussão tenha se ampliado nas décadas seguintes, ainda
não se tornou um tema de relevância no meio arquivístico, como são os
temas relativos ao tratamento técnico ou como é o caso, atualmente,
das diversas abordagens da tecnologia nos arquivos. A necessidade de
conhecer os usuários parece ser uma discussão acessória em relação
a todas as demandas e desafios que a área enfrenta. Jardim e Fonseca
(2004, p. 1) defendem, que os estudos de usuários são, na verdade,
uma face da ampliação dos usos da tecnologias da informação, uma vez
que “os usuários (ao menos os não excluídos do acesso às tecnologias da
Capítulo 7
Marcia Cristiana de Carvalho Pazin Vitoriano
196


informação) produzem novas demandas aos arquivos, bibliotecas, centros
de documentação e provocam a realocação ou supressão de fronteiras
que demarcam tais espaços”. Para os autores, no meio arquivístico nem
o usuário “se configura como sujeito do processo de transferência da
informação”, nem a preocupação com o acesso “parece estar calcada
numa perspectiva efetivamente dialógica envolvendo arquivistas, arquivos
e usuários” (JARDIM; FONSECA, 2004, p. 4).
Ao longo de quase 20 anos após esta análise, a realidade dos
estudos de usuários não parece ter evoluído muito nos arquivos. Ainda são
poucos os estudos realizados e apresentados em congressos ou publicados
em periódicos no Brasil. Se considerarmos os Congressos Nacionais de
Arquivologia realizados desde 2004, apenas 37 artigos, ou uma média de
5,9% dos trabalhos publicados em anais, refere-se às várias abordagens de
usuários em arquivos (MELO, 2020). No caso dos periódicos, embora
os estudos teóricos sobre o tema tenham se expandido nos últimos
anos, num levantamento realizado em periódicos da área da Ciência da
Informação, foram identificados apenas 18 artigos que apresentavam
relatos de experiência de estudos de usos e usuários desde a década de
1970 (VITORIANO; LEME; CASARIN, 2020).
Considerando estes números, entende-se que a compreensão
sobre os usuários, suas características, necessidades e comportamentos,
é um tema relevante que precisa ser aprofundado na formação dos
profissionais arquivistas e na atuação dos profissionais da informação em
geral. Por isso, este trabalho tem como objetivo realizar uma análise sobre
as características dos diversos tipos de usuários de arquivos e identificar,
dentre os serviços oferecidos pelos arquivos e os profissionais envolvidos
nessa atividade, quais são as principais variáveis que vão impactar o sucesso
e a qualidade do atendimento.
Para essa finalidade, foi utilizada uma revisão bibliográfica sobre
os conceitos relativos aos estudos de usuários e da análise de perfis de
usuários identificados pelos autores em arquivos de organizações públicas
e privadas, sendo instituições arquivísticas ou arquivos administrativos.
Os perfis identificados foram analisados, considerando as necessidades e
demandas dos usuários e usos possíveis do acervo, a partir da ótica dos
modelos de comportamento informacional, principalmente o de Wilson
197
Marcia Cristiana de Carvalho Pazin Vitoriano
(1997), utilizando como exemplos os serviços oferecidos pelo Arquivo
Público do Estado de São Paulo em sua página na Internet (ARQUIVO,
2020).
2 O CONCEITO DE USUÁRIO EM ARQUIVOLOGIA
O termo usuário representa um conceito complexo. Pode ser um
especialista que busca informação em uma base de dados, um cliente do
serviço, seja um solicitante simples ou um pesquisador, e até mesmo o
produtor da informação, na medida em que se utiliza da informação de
maneira retrospectiva, como subsídio para suas atividades. No âmbito da
Ciência da Informação, o conhecimento do usuário é considerado a base
de orientação e da concepção dos serviços de informação, sendo possível,
a partir da análise de suas necessidades, dos desejos representados, das
características e das atitudes que apresenta na busca pela informação,
definir os usos comuns as potencialidades do acervo. O usuário seria,
portanto, o resultado da combinação de necessidades e desejos com as
características e atitudes apresentadas (DIAS; PIRES, 2004).
No caso da Arquivologia, o conceito de usuário foi influenciado tanto
pela evolução das teorias arquivísticas, como pelo uso efetivo dos arquivos,
a partir da realidade concreta da gestão de documentos e da administração
de arquivos. À medida que as teorias evoluem, a preocupação com o usuário
também tem evoluído. Porém, a formulação do conceito parece não ter
acompanhado essas mudanças.
No caso do Brasil, num levantamento em dicionários e glossários de
terminologia da área, o termo usuário aparece identificado sempre mais ou
menos da mesma maneira.
198


Quadro 1: Definições de usuário de arquivo em dicionários
Dicionário Definição
Associação de Arquivistas
Brasileiros (1990)
Pessoa que consulta ou pesquisa
documentos num arquivo
Camargo e Bellotto (1996) Pessoa que consulta ou pesquisa
documentos num arquivo.
Arquivo Nacional (2005) Pessoa física ou jurídica que consulta
documentos de arquivo. Também chamada
de consulente, leitor, pesquisador.
Cunha e Cavalcanti
(2008)
Pessoa que consulta os documentos de um
arquivo. Erroneamente denominado leitor.
Fonte: Silva (2011, p. 11)
É interessante notar que nas definições, prevalece o verbo consultar
para definir o usuário. Usuário é aquele que consulta. Nos dicionários, um
dos significados possíveis para consultar é “buscar informações (em livro,
dicionário, catálogo etc, em um serviço de informações ou em alguma
coisa que forneça dados, indícios, esclarecimentos etc)” (HOUAISS,
2011, n. p), que denota o acesso a informação como o principal objetivo
do usuário da informação em arquivos. Cunha e Cavalcante (2008, p.
104) definem consulta como uma “tarefa-padrão de recuperação na
qual o usuário especifica a sua necessidade de informação, a qual inicia a
busca (realizada pelo sistema de informação) por documentos que devem
ser relevantes para o usuário. Em relação à definição comum, a definição
técnica amplia o escopo relacionando o processo de organização da
informação realizado previamente à busca. No mesmo verbete, a consulta,
como termo associado à Arquivologia está ligada ao termo “acesso”, que
se refere à “disponibilidade para consulta a documentos de um arquivo
(CUNHA; CAVALCANTI, 2004, p. 3). Neste sentido, a consulta é o que
o usuário faz quando lhe é permitido entrar em contato com o documento,
ter acesso a ele.
Outro verbo usado para definir a atividade do usuário de arquivos é
“pesquisar”. Usuário é o que faz pesquisa; aquele que realiza um “conjunto
de atividades que têm por finalidade a descoberta de novos conhecimentos
199
Marcia Cristiana de Carvalho Pazin Vitoriano
no domínio científico, literário, artístico” (HOUAISS, 2011, n. p). Neste
caso, o objetivo do usuário é conhecimento, mas conhecimento de uma
natureza científica ou artística. Numa outra acepção, um conhecimento
técnico especializado, como demonstram as definições propostas por
Cunha e Cavalcanti (2008, p. 281): “estudo cuidadoso e sistemático
de um campo do conhecimento, com o objetivo de estabelecer fatos ou
princípios” ou “ação, obedecendo, em geral, a um método científico”.
Se o primeiro termo traz uma visão generalista da busca por
informação, em sentido comum ou em sentido técnico, seja num arquivo
ou em outro lugar qualquer, a segunda apresenta a dimensão científica do
usuário. Seria esta última a acepção clássica e prioritária que tem sido
utilizada para definir o usuário em arquivos. O usuário seria o pesquisador,
no sentido daquele profissional, muitas vezes acadêmico, que vai ao arquivo
buscar documentos que tenham as informações associadas à sua pesquisa.
Estes documentos serão analisados, cotejados, criticados, compilados, para
daí, sim, extrair as conclusões necessárias à investigação em curso.
Embora na literatura especializada dos estudos de usuários
sejam referidos a agrupamentos possíveis de usuários, considerando
estudantes, professores, pesquisadores, pessoal de produção, planejadores,
administradores, políticos, cidadãos, entre outros, tradicionalmente, o
“pesquisador” é o usuário que ficou associado aos arquivos quando falamos
em estudos de usuários. Porém, ao longo dos últimos anos outros perfis
de usuários têm surgido, a partir de novos usos dados aos arquivos. Essas
mudanças demonstram a necessidade de ampliação tanto do conceito
aplicado, quanto do escopo de atividades oferecidas pelos Arquivos.
Nesse sentido, o conceito de comunidade, ligado aos estudos de
usuários em bibliotecas pode ser relevante para a análise e compreensão
dos usuários em arquivos. Como definem Dias e Pires (2004, p. 7), o termo
comunidade é, originalmente, “utilizado quando se quer referir ao público
que frequenta ou poderia frequentar a biblioteca pública”. Mas também
pode ser o conjunto de usuários de uma biblioteca escolar, composto por
alunos e professores, ou numa biblioteca universitária, o corpo docente,
discente e de funcionários. Generalizando, uma comunidade corresponde
ao conjunto dos usuários reais e usuários potenciais de um serviço de
informação, mas que não necessariamente estão usando.
200


O conceito de comunidade traz em si a ideia de que para
compreender os usuários de um sistema de informação é necessário analisar
e compreender também as possibilidades de uso de um acervo, ou de um
arquivo. Para isso, é necessário identificar as categorias de usuários de um
arquivo e também os usos do acervo, numa perspectiva de ampliação do
espectro de usos possíveis e da capacidade de atendimento do serviço.
3 CATEGORIAS DOS USUÁRIOS DE ARQUIVO
Segundo os estudiosos do tema, a categorização dos usuários de
arquivos parte da divisão básica entre usuários internos e externos, utilizadas
para delimitar os dois eixos centrais da teoria arquivística no que se refere
a “promover o acesso à informação orgânica registrada pelos produtores,
relacionado às fases de gestão; e de outro, torna-lo acessível ao usuário
do arquivo permanente, caraterística orientada pelo valor histórico e de
pesquisa” (ÁVILA; SOUSA, 2011, p. 42).
Conforme demonstrado por Ávila (2011), essa categorização básica
amplia-se quando analisamos as variáveis intervenientes do modelo de
Wilson (1997) aplicadas aos usuários de arquivos. Para cada tipo de usuário,
essas variáveis se combinam de maneira diferente, a partir das necessidades
individuais, refletindo-se em diversas subcategorias, a partir do eixo que
se divide em usuário interno e usuário externo. O eixo interno contempla
um usuário de natureza administrativa, e se refere ao uso da informação
por profissionais ligados à gestão organizacional, à tomada de decisão ou à
execução de atividades profissionais de natureza técnica.
Os usuários externos, por sua vez, estariam subdivididos em usuário
acadêmico-científico e usuário popular, sendo a primeira categoria voltada
aos pesquisadores e estudantes e a segunda ao cidadão comum que utiliza
os arquivos. A figura 01 resume a categorização de Ávila (2011).
201
Marcia Cristiana de Carvalho Pazin Vitoriano
Figura 1: Classificação dos usuários de arquivo
Fonte: Ávila (2011 apud CUNHA; AMARAL; DANTAS, 2015, p. 30)
Com base nessa primeira categorização, algumas inferências podem
ser feitas em relação às especificidades identificadas em usuários a partir
das realidades observadas tanto nos arquivos de organizações quanto nos
arquivos públicos. A primeira diferenciação possível em relação ao modelo
apresentado inclui um terceiro elemento que aqui denominamos de usuário
híbrido. Aquele profissional que, fazendo parte da organização e utilizando
a documentação arquivística como parte de sua atividade profissional, seja
como gestor administrativo ou como técnico de alguma atividade-fim,
também utiliza o acervo como fonte para ações de pesquisa de interesse
pessoal, seja técnica, acadêmica ou científica, como por exemplo para o
desenvolvimento de teses e dissertações. Esta categoria de pesquisador
acaba se configurando num usuário com características diferentes tanto
do usuário interno puro, quanto do usuário externo e pode apresentar
vantagens e desvantagens em relação às outras duas categorias, como a
proximidade do acervo e o conhecimento privilegiado dos documentos
ou, em contrapartida, a excessiva interferência de questões pessoais de
pesquisa nos processos de trabalho.
Uma segunda diferenciação pode ser utilizada a partir do conceito
202


de usuário “administrativo”, que se apresenta dividido entre diretores,
coordenadores, usuários-executivos, conforme indicado na figura 02.
Embora o termo “administrativo” seja abrangente e já esteja consolidado
para definir o valor dado aos documentos que servem “ao desempenho das
atividades-fim e das atividades-meio de uma instituição” (CAMARGO;
BELLOTO, 2012 p. 82), entendemos que ele não é suficiente para
descrever os usos possíveis no contexto das funções técnico-científicas
realizadas pelas diversas organizações. Nos dias de hoje, muitas organizações,
principalmente aquelas voltadas ao desenvolvimento de produtos de diversas
naturezas, incorporam atividades de pesquisa tecnológica não identificadas
nas organizações tradicionais. Neste caso, uma outra categoria de usuário,
de natureza técnica, poderia ser incorporada a essa estrutura.
A partir dessa discussão, podemos identificar alguns perfis de
usuários e usos, mais comumente encontrados em Arquivos. Dentre
os usuários internos, três grandes categorias podem ser consideradas:
o produtor/gestor administrativo, o arquivista/gestor da informação e
o profissional técnico. A categoria do produtor/gestor administrativo
incorpora os diretores, coordenadores e usuários executivos indicados por
Ávila (2011), unificados a partir do interesse pela documentação para uso
da gestão administrativa. Considera-se que o nível hierárquico diferencia
a abrangência e a complexidade da necessidade de informação envolvida,
mas não a sua natureza. Seja em nível estratégico, tático ou operacional,
esse usuário busca documentos e informações que possibilitem a
realização de suas atividades na gestão administrativa, ou mesmo técnica.
O arquivista/gestor da informação, por outro lado, busca documentos
e informações relativas à sua atividade técnico-profissional no âmbito
da gestão de documentos e de informações. Sendo responsável pelo
tratamento da informação, sua função envolve a pesquisa constante sobre
o funcionamento organizacional, o que demanda pesquisa ao arquivo.
Por fim, o profissional técnico difere dos dois anteriores pela natureza da
utilização do arquivo. Trata-se de pesquisa técnica, voltada a atividades
específicas de desenvolvimento e inovação, presentes principalmente nas
organizações do setor produtivo, mas também nos setores culturais e de
serviços. Embora o mesmo profissional também possa cumprir também o
papel de usuário produtor/gestor administrativo, considera-se importante
203
Marcia Cristiana de Carvalho Pazin Vitoriano
diferenciar e especificar essa categoria de usuário pela natureza das
demandas trazidas pelos profissionais das áreas técnicas, muito ligadas à
criação de conhecimento relevante para as organizações.
Entre os usuários externos, eixo que prevalece nos arquivos públicos
e centros de documentação especializados, há um maior número de
categorias: pesquisadores acadêmicos, profissionais técnicos, estudantes
(nível universitário e da educação básica), professores, além da população
em geral, categorizado por Ávila (2011), como popular / cidadão.
A título de exemplo para a análise das categorias de usuários
externos, podemos utilizar o caso da comunidade de usuários identificada
no Arquivo Público do Estado de São Paulo, e os usos possíveis do acervo,
a partir dos serviços oferecidos em seu sitio de internet (ARQUIVO,
2020a).
Assim como em todos os arquivos públicos, a primeira categoria
de usuário externo identificada é o pesquisador acadêmico-científico.
Seja historiador, cientista social, geógrafo, médico ou engenheiro, entre
outros especialistas das diversas áreas do conhecimento, é um usuário que
se caracteriza pelo uso do acervo para pesquisa acadêmica e científica.
Diferentemente da categorização proposta por Ávila (2011) que trata este
grupo de maneira mais abrangente, incluindo estudantes e investigadores
profissionais, entendemos que a categoria de pesquisador acadêmico-
científico corresponde a uma categoria específica, que pode reunir aqueles
que realizam pesquisas acadêmicas em nível de pós-graduação (mestrado
e doutorado) ou pesquisadores profissionais ligados às Universidades e
Institutos de Pesquisa, sejam docentes ou pesquisadores científicos.
O segundo grupo, que chamaremos aqui de profissionais técnicos,
corresponde àqueles usuários que consultam o arquivo em busca de
informações pontuais necessárias às suas atividades profissionais. Dentre
estes, podemos incluir jornalistas, arquitetos, engenheiros, geógrafos,
produtores culturais ou outros profissionais que buscam informações
existentes em documentos específicos. Pode ser um jornalista buscando
imagens para ilustrar uma reportagem sobre o aniversário da cidade ou um
produtor de televisão em busca de material para subsidiar um programa
de entretenimento, como uma novela ou minissérie de televisão. Pode ser
um arquiteto em busca de plantas históricas da cidade, visando identificar
204


detalhes do estilo arquitetônico para uma restauração de edifício, ou um
engenheiro buscando plantas específicas do sistema de canalização de gás,
necessárias em virtude de obras de novas obras. Dependendo do acervo,
outros profissionais poderão realizar consultas desta natureza.
Esse usuário difere do pesquisador porque seu uso do acervo é
pontual, específico para uma finalidade profissional de natureza técnica
ou tecnológica. Aproxima-se do conceito de consulente, conforme
apresentado nas definições de usuários em Arquivologia, demonstrados no
quadro 01.
No caso do Arquivo Público do Estado, há uma subcategoria de
profissionais técnicos ligados à gestão de documentos. São gestores de
arquivos e de serviços de informações das diversas Secretarias e demais
órgãos estaduais. Considerando que o Arquivo Público é o órgão gestor do
Sistema de Arquivos do Estado de São Paulo (SAESP), estes profissionais
recebem treinamentos e orientação técnica para desenvolverem as
atividades de arquivo em seus órgãos, principalmente no que se refere à
aplicação das políticas arquivísticas e elaboração de instrumentos gestão de
documentos. Trata-se de um usuário externo que guarda alguma relação com
o conceito de usuário interno, mas que possui independência administrativa
em relação ao Arquivo Público, muito embora ele seja o órgão gestor da
política arquivística em nível estadual. Além dos gestores estaduais, também
os gestores municipais recebem orientações dos técnicos do arquivo sobre
os mesmos temas, num serviço denominado Atendimento aos Municípios.
Diferem do grupo anterior por não haver nenhum nível de subordinação
hierárquica entre eles e o Arquivo. Enquanto os órgãos estaduais estão
subordinados ao SIARQ, os munícipios são instâncias autônomas do ponto
de vista da legislação arquivística brasileira, que instituiu a política nacional
de arquivos públicos e privados (BRASIL, 1991).
A terceira categoria é aqui denominada de Estudantes. No
caso de um arquivo público estadual, é importante separar o estudante
universitário em nível de graduação dos demais níveis educacionais. Embora
os estudantes universitários possam realizar suas pesquisas no acervo, este
não é o uso mais comum, ao menos nos arquivos públicos de maior porte.
Porém, em alguns cursos, principalmente nas Humanidades, o contato
com documentos permanentes como fonte de pesquisa é incentivado pelos
205
Marcia Cristiana de Carvalho Pazin Vitoriano
docentes desde a graduação. Dentre os estudantes universitários, também
alunos das áreas ligadas à documentação, principalmente Arquivologia e
Biblioteconomia, costumam manter contato com os Arquivos Públicos,
visando a realização de visitas técnicas, estágios e oficinas especializadas
voltadas à formação profissional.
No caso dos estudantes de nível fundamental e médio, levados ao
Arquivo Público por professores das mais diversas áreas, a visita ao Arquivo
é uma ferramenta de aprendizagem, seja para conhecer o espaço, ou o
acervo, seja para realização de projetos especiais: são usuários típicos de
difusão do acervo. No caso, do Arquivo Público, a área de Ação Educativa
ministra oficinas pedagógicas, de sensibilização para alunos do Ensino
Fundamental e Médio, voltadas ao conhecimento de documentos históricos
e à conservação preventiva (ARQUIVO, 2020c, n. p.)
Ligado ao anterior, o quarto grupo é composto por professores,
principalmente de ensino fundamental e médio. Estes docentes têm
contato com o acervo a partir do interesse em associar a atividade
pedagógica em sala de aula a outras fontes de informação, como é o caso
de um Arquivo Histórico. Para este usuário, o principal contato se dá
oficinas pedagógicas de preparação para as ações educativas oferecidas
pelo Arquivo ou em treinamentos para uso de documentos históricos em
sala de aula. Embora tenha formação profissional muitas vezes semelhante
ao usuário pesquisador, diferentemente destes, os professores fazem uso
típico de difusão do acervo, visando a prática pedagógica.
Por fim, o quinto e último usuário categorizado aqui é aquele
denominado de cidadão comum, que corresponde à categoria “popular”
de Ávila (2011). Trata-se de um usuário que busca o arquivo público com
dois objetivos mais comuns: um deles voltado à consulta a documentos que
podem garantir direitos individuais ou coletivos e o outro voltado à fruição
cultural. No caso da busca por direitos, o uso mais comum no Arquivo
Público está ligado à emissão de Certidões de Documentos custodiados
no arquivo. Um exemplo bastante conhecido são as Certidões de
“Desembarque e de Registro da Delegacia Especializada de Estrangeiros
do Estado de São Paulo” (ARQUIVO, 2020a). Esses documentos
se referem, principalmente, aos livros de registro de desembarque de
imigrantes de navios vindos de diversos locais do mundo no Porto de Santos,
206


de entrada na Hospedaria dos Imigrantes, além dos registros da Delegacia
de Estrangeiros, abarcando o período entre o final do século XIX e a
década de 1980. Muito consultadas por descendentes de imigrantes, essas
certidões são necessárias, entre outros objetivos, para integrar o processo
de solicitação de dupla cidadania. O serviço de certidões passou a ser
oferecido pelo Arquivo Público após a transferência do acervo documental
do Memorial do Imigrante e digitalização da documentação. Mas, além
das certidões de desembarque, o Arquivo fornece também certidões dos
livros de cartórios e tabelionados preservados ou de sesmarias, inventários,
testamentos, provisões, entre outros, que podem ser utilizados para as mais
diversas finalidades jurídicas (ARQUIVO, 2020b). Para dar a dimensão de
como essa categoria de usuário vem se tornando relevante para o Arquivo
Público, em 2019, foram realizadas 11.821 consultas para certidões, com
a “emissão de 1.859 certidões, sendo 1.792 certidões de imigração, 49
certidões de inteiro teor de registros de terra, autos cíveis e outros e 18
certidões de prontuários da Maternidade São Paulo” (ARQUIVO, 2019,
n. p.).
Outro objetivo do cidadão comum no uso dos arquivos está
relacionado ao uso cultural do acervo. São recentes os mecanismos
de difusão de acervos efetivamente implantados nos arquivos públicos
brasileiros. Como já dizia Ramon Alberch et al. (2001), em que pese o
crescente envolvimento dos arquivos na gestão de documentos, que
favoreceu em muito o desenvolvimento da Arquivologia, não houve o
correspondente crescimento das ações de difusão cultural. Com exceção
das publicações que tiveram um certo impulso ao longo das últimas
décadas, a ação educativa e as exposições em arquivos pouco ampliaram
em iniciativas e público.
O usuário que faz um uso cultural do acervo é de difícil
categorização, mas corresponde ao adepto do turismo cultural, que tem
interesse por diversos aspectos culturais das cidades que visita ou em que
mora. Utilizando o mesmo exemplo do Arquivo Público do Estado de
São Paulo e de alguns Arquivos Históricos Municipais que desenvolvem
produtos culturais, podemos identificar as exposições temáticas e as
campanhas culturais como maiores interesses desse público. As exposições
talvez sejam a iniciativa de maior destaque dos arquivos no âmbito cultural.
207
Marcia Cristiana de Carvalho Pazin Vitoriano
Sejam presenciais ou virtuais, a realização de uma exposição que aproxime
o público do acervo é uma fonte de inserção cultural que os arquivos
somente nos últimos anos conseguem realizar.
Por fim, para complementar o exemplo de usuários do Arquivo
Público do Estado de São Paulo, é importante retomar a questão dos
usuários internos. A própria natureza do Arquivo Público contempla
dois tipos de usuários internos já citados anteriormente: o arquivista /
gestor da informação e o usuário administrativo. No primeiro caso, trata-
se dos usuários responsáveis pelo tratamento do acervo. Composto por
documentos da administração pública desde o período colonial, ainda no
século XVIII, o tratamento técnico envolve, por exemplo, um volume
considerável de pesquisa da história administrativa da Colônia e do Império
até o período republicano, visando reconfigurar o contexto de produção
documental em cada momento e para cada conjunto documental. O
profissional da informação será responsável pela pesquisa e pela análise da
documentação, revisitando o acervo em busca de evidências que contribuam
com seu trabalho. Por fim, o uso administrativo, relativo aos profissionais da
gestão do Arquivo, que necessitam pesquisar a documentação retrospectiva
produzida pela própria entidade, visando solucionar questões da atividade
administrativa, no mesmo modelo apresentado por Ávila (2011).
Considerando a análise realizada podemos resumir os principais
perfis de usuários e usos em arquivos no seguinte quadro.
Quadro 2: Categorias de Usuários e Usos em Arquivos
Nível Usuário Usos
Interno
(principalmente
corrente /
intermediário, mas
também permanente)
- Produtor,
- Gestor
administrativo;
- Gestor da
informação;
- Arquivista;
- Profissional
técnico
- Ação administrativa;
- Tomada de decisão;
- Garantia de direitos
e deveres;
- Desenvolvimento
tecnológico;
- Gestão do
conhecimento;
(continua)
208


Nível Usuário Usos
Externo
(principalmente
permanente, mas
eventualmente
corrente /
intermediário)
- Pesquisador
acadêmico;
- Pesquisador
profissional;
- Professor;
- Estudante;
- População em
geral
- Pesquisa técnica e
científica;
- Garantia de direitos
e deveres;
- Apoio pedagógico;
- Ampliação do
conhecimento
escolar;
- Geração de
conhecimento
Híbrido - Produtor/
pesquisador
- Gestor /
pesquisador
- Arquivista /
pesquisador
-Ação administrativa
e técnica;
- Gestão;
- Pesquisa técnica e
científica.
Fonte: adaptado pela autora, a partir de Vitoriano, Leme e Casarin (2020),
Ávila (2011) e Ávila e Sousa (2011)
A estrutura aqui proposta apresenta uma variedade de possibilidades
de composição entre diferentes usuários que desafiam os profissionais
de arquivo. Pouco habituados aos estudos de usuários, como ficou
demonstrado nas pesquisas relacionadas no início do capítulo (MELO,
2020, VITORIANO; LEME CASARIN, 2020), os profissionais de
arquivos necessitam de ferramentas que permitam ampliar a compreensão
sobre seus usuários específicos. Nesse sentido os estudos de usuários
baseados nos modelos de comportamento informacional, podem auxiliar no
desenvolvimento de serviços de informação em arquivos mais adequados à
comunidade de usuários de cada arquivo.
4 COMPORTAMENTO INFORMACIONAL E SERVIÇOS DE
INFORMAÇÃO EM ARQUIVOS
Em Arquivos, assim como em outros serviços de informação, o
comportamento do usuário na busca por informação é influenciado por
(conclusão)
209
Marcia Cristiana de Carvalho Pazin Vitoriano
uma série de características pessoais e ambientais que foram denominadas
por Wilson (1997) como variáveis intervenientes, em seu modelo revisado
de comportamento informacional.
Aspectos como características pessoais, variáveis emocionais e
educacionais, variáveis demográficas, sociais, ambientais e econômicas,
assim como uma série de variáveis relativas às fontes de informação
interferem no comportamento informacional dos usuários. Compreender
o usuário, e as características passíveis de serem analisadas, permite ao
profissional de arquivo planejar um serviço de informação mais adequado
ao seu público-alvo. A partir das categorias de usuários identificados
anteriormente, tentaremos identificar algumas características comuns
aos usuários, a interferência das variáveis em sua busca por informação e
documentos e as ações indicadas aos profissionais e serviços de arquivo.
A primeira questão que se coloca é a diferenciação entre usuários
internos e externos. Em instituições arquivísticas, como arquivos públicos,
centro de documentação arquivística e demais institutos voltados à custódia
e preservação de acervos documentais, o usuário externo é o público-alvo
e o arquivo faz parte da missão da organização, sendo atividade-fim. Neste
caso, tende a haver uma preocupação maior com o usuário do que nos casos
das instituições não arquivísticas, em que o usuário é predominantemente
interno. Nestas instituições, o arquivo tem lugar de atividade-meio e,
portanto, o usuário tem características específicas.
Sendo profissional, o usuário produtor traz questões específicas
que precisa responder no menor tempo possível: precisa de objetividade
no seu tratamento. Para o bom desenvolvimento das atividades deste
profissional, um sistema de informação bem estruturado é essencial. Este
usuário busca por documentos para comprovação de ações ou por dados
presentes nestes documentos. Neste sentido, tanto o tipo de necessidade,
os mecanismos ativadores de busca, quanto as variáveis intervenientes,
estão ligados à função desempenhada. Usuários jurídicos solicitam mais
comumente a seleção e organização de documentos para ações judiciais
específicas, enquanto usuários gerenciais podem solicitar dados extraídos
de documentos para análise da situação pregressa da instituição. É neste
sentido que analisamos a categorização de Avíla (2011) entre, diretores,
coordenadores e usuários-executivos como sendo uma sub-categoria da
210


categoria “produtor”.
Por outro lado, embora o arquivo seja seu objeto de trabalho, o próprio
arquivista ou gestor de documentos é usuário da informação no ambiente
organizacional. Na medida em que necessita realizar pesquisas ao acervo ou
entrevistas com profissionais das diversas áreas da organização em que atua,
sofrerá influência do ambiente organizacional. Uma das situações em que
isso é perceptível é apresentada por Nascimento e Vitoriano (2017) com
a análise do comportamento informacional de arquivistas no processo de
avaliação documental a partir do modelo de Wilson (1997). Num contexto
de necessidade de informação para elaboração dos instrumentos de gestão
de documentos (Plano de Classificação e Tabela de Temporalidade), o
arquivista é levado a buscar informações dentro e fora da organização.
Aspectos como a cultura organizacional (variável psicológica), o nível de
aprofundamento técnico (variável funcional), natureza da organização,
se pública ou privada (variável ambiental) e as característica das fontes,
se internas ou externa, composta por documentos (variável das fontes)
vão determinar o desenvolvimento das etapas seguintes de busca por
informação. Neste caso, o próprio profissional da informação deverá atuar
para melhorar as condições de trabalho, realizando ações que solucionem
os problemas identificados.
O usuário técnico, por outro lado, demanda um alto grau de
conhecimento da área de atuação pelo profissional da informação. Neste
caso, as variáveis de meio-ambiente e de características das fontes são
muito relevantes. Em arquivos técnicos, o arquivista deve se envolver na
pesquisa técnica a ponto de compreender o jargão especializado com o qual
os profissionais se comunicam como, por exemplo, a terminologia jurídica
ou os termos técnicos utilizados nos diversos ramos da engenharia. Deve
também estudar de maneira mais aprofundada a tipologia documental
característica do acervo, de modo a compreender a informação contida
em documentos técnicos para desenvolver instrumentos de pesquisa que
atendam adequadamente as necessidades da área.
Uma das grandes características do usuário interno é, portanto, a
predominância de um ambiente profissional, onde a busca por informação
está relacionada a necessidades derivadas do cumprimento de funções
administrativas ou técnicas. Para os usuários externos, por outro lado,
211
Marcia Cristiana de Carvalho Pazin Vitoriano
o ambiente tende a ser mais diversificado. Neste caso, o profissional da
informação terá um desafio a mais, que é o de modular o atendimento às
diferentes necessidades e abordagens de cada tipo de usuário.
Dentre os usuários externos, o pesquisador acadêmico-científico é
o mais estudado há muitos anos. Sabe-se que busca informação exaustiva e
pouco elaborada. E que, por isso, o volume informacional solicitado é sempre
muito maior (SANZ CASADO, 1994). O tipo de acervo preservado nos
arquivos públicos e sua predominância fez dele um usuário preferencial,
principalmente o pesquisador de ciências humanas, que tende a utilizar
informação de períodos mais antigos, em relação aos pesquisadores de
ciência e tecnologia. Esse pesquisador passará mais tempo no arquivo e sua
pesquisa é mais abrangente do ponto de vista do volume de documentos
que deverá consultar para realizar as análises que necessita.
Em virtude disso, o pesquisador acadêmico tem a necessidade de
bons instrumentos de pesquisa: bons guias, inventários e catálogos que
o auxiliem a ampliar a abrangência de sua pesquisa. Ao mesmo tempo
demanda que os profissionais responsáveis pelo atendimento também
tenham uma atitude de pesquisa. Neste caso, o profissional da informação
deve ser responsável pelo estabelecimento de um diálogo constante com
o pesquisador, de modo a compreender suas necessidades e demandas
e ampliar a capacidade de resposta do acervo. Essa importância é tanto
maior quanto menos organizado estiver o acervo ou naqueles casos em que
há poucos instrumentos de pesquisa disponíveis, o que é o caso da grande
maioria dos arquivos públicos no Brasil.
Quando tratado como usuário externo, o profissional técnico,
embora pertença à mesma categoria do usuário interno, cria demandas
diferentes do profissional da informação que o atende. Inicialmente,
porque é uma categoria de usuário muito heterogênea. Diferentemente
do ambiente interno, em que esse profissional está voltado exclusivamente
a desempenhar a missão da organização, no caso dos arquivos públicos,
principalmente naqueles em que o acervo é temporalmente abrangente
e bastante diversificado, como no exemplo do Arquivo Público do Estado
de São Paulo de que tratamos na seção anterior, as demandas recebidas
podem ser muito diferentes entre si. Novamente, bons instrumentos de
pesquisa são essenciais. Mas, neste caso, a questão temporal se torna mais
212


relevante do que para o pesquisador acadêmico. Profissionais que buscam
os arquivos para consulta ou pesquisa técnica têm prazos muito menores e
necessidades muito mais específicas do que os pesquisadores acadêmicos.
Por isso, requerem agilidade da equipe de atendimento, tanto para
o agendamento quanto para o resultado da pesquisa. E, da mesma forma
que ocorre com o pesquisador acadêmico, a equipe deve acompanhar o
pesquisador, buscando melhorar as condições de pesquisa para ampliar o
retorno e a qualidade da pesquisa.
É importante salientar que, ao abordarmos os instrumentos de
pesquisa, estamos tratando de instrumentos disponibilizados online,
normalizados, bem estruturados, seguindo os padrões das normas de
descrição arquivística (NOBRAD, ISAD-G, ISAAR-CPF) e, tanto
quanto possível, autoexplicativos. Também significa que o atendimento em
si poderá ser, também, todo ele online, o que agiliza em muito o processo.
O usuário estudante demanda um atendimento de características
diferenciadas. Inicialmente pela divisão entre estudantes universitários,
em processo de formação profissional e estudantes da educação básica
(ensino fundamental e médio). No primeiro caso, é um usuário que
se aproxima em características dos profissionais, embora sua pesquisa
tenha menor abrangência e seja mais esporádica, quando utilizam o
acervo. Normalmente, necessitam de atendimento mais próximo e maior
explicação sobre o funcionamento dos instrumentos de pesquisa e fazem
poucas visitas em busca de documentos e informações.
Dentre os estudantes universitários, a subcategoria composta por
estudantes de Arquivologia, Biblioteconomia, Ciência da Informação,
entre outros cursos voltados à formação de profissionais de documentação
e informação, tem interesse diferenciado, menos voltado à consulta
ao acervo e mais ao funcionamento do arquivo como um todo. Buscam
especialmente informações gerenciais sobre as atividades técnicas de
organização, conservação, difusão, entre outras, que fazem parte da
formação profissional. Para atender este público, é necessário elaborar
roteiros de visitas técnicas que atendam expectativas variadas. Outra ação
realizada por diversos Arquivos e Centros de Documentação preocupados
com a qualidade da formação de novos quadros profissionais é a realização
de oficinas técnicas com foco em temas voltados às atividades técnicas e à
213
Marcia Cristiana de Carvalho Pazin Vitoriano
política de gestão institucional ou a criação de programas de estágio que,
neste caso devem ser formalizados em planos contendo etapas e conteúdos
a serem desenvolvidos pelos estagiários.
Os estudantes da educação básica, por outro lado, requerem uma
atenção especial. Diferentemente dos usuários profissionais, quanto
menor o grau de instrução, mais o atendimento a estudantes implica na
necessidade de uma equipe multidisciplinar e de maior preparação sobre os
temas ligados à educação não formal. Por isso, assim como nos museus, a
presença de educadores é relevante. A ação educativa em Arquivos requer
o desenvolvimento de um projeto específico, indicando claramente os
objetivos da ação, o público a ser atingido (um ou vários) e os instrumentos
facilitadores das atividades.
Uma forma de iniciar o processo pode ser o estabelecimento de
parcerias com escolas do entorno, em vista da facilidade de acesso dos
alunos ao local do Arquivo. A partir destas parcerias, do levantamento de
interesses da escola e das potencialidades pedagógicas do acervo, a equipe
deve produzir roteiros de ação e materiais pedagógicos que possam ser
utilizados para várias finalidades.
Neste grupo, as variáveis intervenientes de Wilson (1997) se mostram
bastante relevantes, principalmente aquelas ligadas às características
pessoais – emocionais e educacionais, e às características demográficas –
sociais e econômicas. Se considerarmos que, principalmente as crianças,
têm baixa capacidade de concentração, os profissionais da informação
devem produzir atividades práticas e de curta duração, de modo a atender
diferentes públicos. Mas, para além da produção de materiais, é interessante
realizar um estudo prévio das características de cada escola, identificando,
por exemplo, se se trata de escola pública ou privada, e de sua população, de
modo a adaptar as atividades e o atendimento às necessidades específicas e
tentar minimizar possíveis dificuldades. (ALBERCH et al., 2001).
Os professores de ensino fundamental e médio serão usuários
mais ou menos relevantes no Arquivo, de acordo com a população de
estudantes atendida. São usuários potenciais, mas nem sempre farão parte
da comunidade de usuários regulares. Em Arquivos com projetos de Ação
Educativa, quando as atividades são divulgadas ao público educacional, a
tendência é que os professores incluam essas atividades no planejamento
214


anual e programem visitas em projetos em parceria. Em locais onde o
Arquivo não tem projetos específicos, somente professores com interesses
específicos no uso de acervo serão usuários.
Do ponto de vista dos professores, enquanto usuários educacionais,
são duas as possibilidades de atuação. A primeira, descrita acima, envolve
a presença dos alunos no arquivo e o trabalho conjunto com o Arquivo na
preparação das atividades, no momento da visita e no momento posterior,
no retorno à sala de aula, para fixação dos conteúdos. A segunda ação
possível é o treinamento no uso de fontes de pesquisa como instrumento
pedagógico em sala de aula para as mais diversas finalidades, ou para a
preparação de atividades de interesse dos alunos. Neste caso, o Arquivo
pode programar oficinas pedagógicas voltadas à formação docente, sem
necessariamente estabelecer contato com alunos.
Vale lembrar que o professor de ensino fundamental e médio não
tem o mesmo perfil do pesquisador, principalmente em relação às variáveis
ambientais. Considerando a alta carga horária de atividades realizadas por
esse profissional, ele tem pouco tempo para se dedicar ao acompanhamento
de projetos e participação de oficinas, normalmente tem dificuldades de
deixar a escola para realizar atividades durante os períodos letivos. Para
implementar um bom serviço educativo, os profissionais do Arquivo devem
criar ações para atender este público da maneira mais próxima de suas
necessidades. Uma boa estratégia é buscar auxílio na própria comunidade
docente, procurando as escolas e realizando enquetes para identificar
necessidades, potencialidades e possibilidades de atuação.
Por fim, o cidadão. Chamado de popular por Ávila (2011) e de pessoa
comum por Sanz Casado (1994), é um usuário de difícil definição em todas
as circunstâncias. Se nas bibliotecas, há dificuldades em compreender esse
usuário, nos arquivos ainda mais, considerando que se trata de uma ‘quase
novidade’ a presença de pessoas comuns nos arquivos brasileiros. Ao longo
dos anos, o uso profissional tem sido a prioridade dos acervos e os usos para
fins de direito ou fruição cultural ainda são bastante incomuns. Como vimos
anteriormente, o acervo determinará, em parte, a presença desse usuário,
caso do Arquivo Público do Estado, onde o fornecimento de certidões se
tornou relevante ao longo dos últimos anos.
No caso de uso cultural, a pesquisa constante do acervo para
215
Marcia Cristiana de Carvalho Pazin Vitoriano
identificar documentos de interesse, a criação de perfis em redes sociais,
para publicação de conteúdo e o desenvolvimento de exposições temáticas,
podem ser elementos relevantes para ampliar a participação da população
nas atividades de difusão dos arquivos. Neste caso, os temas ligados à
memória regional ou à memória de alguns setores econômicos ou sociais
pode alavancar ações de interesse do público. Neste sentido, o trabalho
dos profissionais de arquivo envolve a mudança de mentalidade, saindo da
atuação apenas técnica em direção a uma perspectiva de agente cultural.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando as categorias de usuários e a natureza dos serviços
demandados aos profissionais de arquivos, é importante resumir algumas
questões relevantes que vão impactar a qualidade do atendimento nos
serviços de arquivo.
Do ponto de vista técnico, a organização do acervo, com a
elaboração de Planos de Classificação, e a descrição que resulte em bons
instrumentos de pesquisa (guias, inventários e catálogos) são essenciais.
Quanto menos organizado o acervo, mais difícil será implementar um
serviço de atendimento aos usuários de qualidade.
Do ponto de vista atitudinal, a proatividade e a cultura da
pesquisa são muito importantes para ampliar a capacidade e a qualidade
de atendimento em qualquer arquivo e para qualquer tipo de usuários.
A seleção dos profissionais que farão parte da equipe de atendimento é
relevante, o que nos leva à questão da formação e estruturação da equipe.
Nesse item, a realização de treinamentos de atualização profissional
deve ser uma prioridade. Mas também a composição multidisciplinar. É
desejável que se identifiquem diferentes perfis profissionais, especialmente
nos arquivos públicos, em que isso é mais comumente possível. Arquivistas
e profissionais da informação especializados em organização e descrição
documental devem conviver com profissionais de pesquisa para trabalhar
com atendimento ou apoio à pesquisa e também na difusão do acervo
(arquivistas, historiadores entre outros). Educadores são bem vindos
quando o objetivo é implantar uma estrutura de ação educativa consistente,
mas quando não é possível contar com esse perfil profissional, os próprios
216


responsáveis pelo acervo deverão receber formação continuada em ação
educativa.
Por fim, o estabelecimento de políticas organizacionais é o
mecanismo mais adequado para garantir um bom nível de planejamento
das ações desejadas. Realizar um bom diagnóstico organizacional,
considerando tanto o perfil e condições do acervo, quanto a comunidade
de usuários potenciais do arquivo, possibilitará a elaboração de planos de
ação que tenham como metas a organização e disponibilização do acervo
em consonância com as necessidades e expectativas dos usuários. Neste
sentido, definir claramente a política de atendimento do arquivo, com a
criação de normas e procedimentos das mais diversas naturezas, incluindo
normas para a cessão de direitos sobre imagens e documentos, pode reduzir
as dúvidas e ampliar a capacidade de atendimento dos arquivos, sejam eles
arquivos públicos ou arquivos de natureza organizacional.
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217
Marcia Cristiana de Carvalho Pazin Vitoriano
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S0306457397000289. Acesso em: 25 jan. 2021.
219
O USUÁRIO, O VISITANTE, O PÚBLICO DO MUSEU: QUEM
SÃO E POR QUE ESTUDÁLOS?
1 INTRODUÇÃO
O presente capítulo reúne referências de experiências brasileiras,
qualificadas nas pesquisas na área museológica, no setor público e privado.
Especificamente analisa resultados de coleta e análise de dados originados
em estudos de usuários de museus no estado de São Paulo, ancorados na
história institucional.
O museu define-se como espaço de significações. Assim como
a literatura, constitui-se de gêneros diversos e possui a capacidade de
mobilizar os sentimentos associando-os às molduras guarnecidas pelo
poder das instituições, os acervos museológicos guardam as memórias,
as distinções das contemplações, armazena os objetos das diferenças,
estranhamentos e semelhanças. O visitante contempla, admira, despreza,
compara-os às outras imagens e a outros objetos. Suas percepções, em
atenção, são provocadas pela informação global, pela sonoridade particular.
São capazes de mergulhar em mundos diversos onde a sua imaginação será
provocada.
Desde o século V, o homem destinou aquilo que encontrasse na
natureza e seria transformado ao local que abrigasse tais representações
reunidas, por vezes, na forma de coleções. Nos edifícios sagrados já
se reuniam devotos, objetos semióforos
1
e, dez séculos mais tarde, o
1
Objeto semióforo é um conceito disseminado por Pomian (1984) atribuído ao
objeto que está fora de circulação e inserido nas coleções museológicas. A partir
desse momento o objeto passa a possuir significados.
Capítulo 8
Silvia Maria do Espírito Santo
Cláudia Leonor G. A. Oliveira
220
O usuário, o visitante, o público do museu: quem são
e por que estudá-los?
mundo – ainda inspirado nas casas das musas – organizava esses artefatos
colecionados pela nobreza e que constituiriam o legado da fortuna e da
herança. Para Pomian: “O mundo das coleções particulares e dos museus
parecem completamente diferentes” (1984, p. 53). Iniciam-se as linhas
divisórias dos valores históricos que se estabelecem entre o público e o
privado, daqueles quem veem coleções, dos que possam ver e ser vistos e,
resguardada a proporção das enormidades da nobreza, o ato de acumular,
guardar e transmitir herdou as práticas familiares e institucionais das
bibliotecas, dos arquivos e dos museus.
A palavra público pressupõe o que é comum, garantindo o direito e
o acesso ao conhecimento compartilhado, ao pertencimento cultural e à
influência do reconhecido como tal. Assim,
As primeiras investigações com certo rigor datam do
final da década de 1920, com patrocínio da Associação
Americana de Museus. Em 1928 foi publicado o primeiro
estudo de comportamento de visitantes, The Behavior of
the museum visitor, de Edward Robinson, professor de
Psicologia da Universidade de Yale, construído a partir
de quatro aspectos: a duração da visita, o número de
salas visitadas, o número de obras vistas em cada sala
e o tempo de parada diante de cada obra. Entre seus
achados encontram-se a comprovação da inutilidade
dos folhetos orientadores como guias das visitas e a
descoberta do “efeito fadiga”, um momento ótimo da
visita a partir do qual decresce o interesse do visitante.
Este mesmo autor, em parceria com Melton, realizou
outro estudo sobre a influência do desenho da exposição
no grau de interesse e poder de atração. Ainda no âmbito
do grupo de Yale, apareceram os primeiros estudos com
uso de questionários, como o de Gibson, em 1925, e o de
Bloomberg, em 1929. Juntos, eles compõem o chamado
enfoque conductual” dos estudos de visitantes” (PÉREZ
SANTOS, 2000, p. 67
2
apud ARAÚJO, 2013, p. 228).
Não se trata aqui de impingir um modelo ou método para perfilar
os usuários de museu, até mesmo porque nesse universo seria necessário a
2
PÉREZ SANTOS, E. Estudio de visitantes en museos: metodología y aplicaciones.
Gijón: Trea, 2000.
221
Silvia Maria do Espírito Santo | Cláudia Leonor G. A. Oliveira
priori tipificá-los, elencá-los previamente de acordo com as intenções dos
projetos gestores e dessa maneira demonstrar as razões pelas quais foram
elaborados. Trata-se sim de organizar um panorama dos resultantes e de
exemplos bem-sucedidos para o reconhecimento de perfis dos visitantes
de museus na atualidade.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura (Unesco), inclui a recomendação referente à proteção e
à promoção dos museus, das coleções, com respeito à sua diversidade
tipificada em seus princípios e papéis na sociedade. Em documento oficial
da Unesco, de 20 de novembro de 2015, Paris, no item 2 lê-se que:
Museus, como espaços para a transmissão cultural, diálogo
intercultural, aprendizado, discussão e treinamento,
desempenham também um importante papel na educação
(formal, informal e continuada), na promoção da coesão
social e do desenvolvimento sustentável. Os museus
têm grande potencial para sensibilizar a opinião pública
sobre o valor do patrimônio cultural e natural e sobre a
responsabilidade de todos os cidadãos para contribuir com
sua guarda e transmissão. Os museus apoiam também o
desenvolvimento econômico, notadamente por meio das
indústrias culturais e criativas e do turismo (UNESCO,
2015, p. 2-3).
Os estudos são continuados para entender esse sujeito ou indivíduo
social
que defronte aos argumentos da arquitetura, dos espaços expositivos
e do meio ambiente
possa ele mesmo avaliar o estado de alma que o museu
lhe proporciona. Nota-se que, em todo o mundo, a dinâmica da recepção
do público de museu é produzida por profissionais dotados de formação
multidisciplinar ou por agentes da comunidade local voltados exclusivamente
para o reconhecimento dos visitantes, no movimento integrador entre visitado
e visitante.
Em 2009, com a promulgação do Estatuto de Museus,
o CNM passou a adotar o conceito de museu expresso
na Lei nº 11.904, de 14 de janeiro, que estabelece em seu
Artigo 1°: Consideram-se museus, para os efeitos desta
Lei, as instituições sem fins lucrativos que conservam,
investigam, comunicam, interpretam e expõem, para
fins de preservação, estudo, pesquisa, educação,
222
O usuário, o visitante, o público do museu: quem são
e por que estudá-los?
contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor
histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer
outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da
sociedade e de seu desenvolvimento. Parágrafo único.
Enquadrar-se-ão nesta Lei as instituições e os processos
museológicos voltados para o trabalho com o patrimônio
cultural e o território visando ao desenvolvimento cultural
e socioeconômico e à participação das comunidades”
(INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS, 2011, p. 26).
Os profissionais dos museus oferecem serviços informacionais de
pesquisa, educacionais, de recreação, publicações, tratamento e a divulgação
de coleções, de forma a organizar os seus setores de acordo com as partes
orgânicas do sistema de funcionamento museológico: recepção, espaço
expositivo, documentação, pesquisa, biblioteca, serviços de conservação
preventiva, restauro, reserva técnica e gestão.
A história dos museus assinala a modernidade da ciência como fase
integrada às expectativas de acumulação, ordem, classificação, planejamento
e comunicação.
No século XX, os setores da documentação e produção da pesquisa
científica, educativa e técnica foram efetivamente abertos ao público com
propostas de contemplação, educação e lazer. Esse desempenho profissional
na cadeia sistêmica do gerenciamento museológico muitas vezes é silenciosa
e prima pela qualidade dos profissionais especializados direcionados à atenção
do sentido social inquestionável.
A palavra “público”, neste sentido, alude ao grande consumidor de
cultura, àquele que tem capital cultural, empoderado pela sociedade das
diferenças da indústria cultural, e dos meios de comunicação de massa.
Nessa perspectiva, o museu parece lutar em lado contrário ao consumo,
ao ímpeto ou à compulsão de mercado. O maior contestador da dinâmica
de consumo pode ser o visitante do museu que, ao se apropriar de algo em
nome do “estado da alma”, completa o ciclo museológico e a função social
dessa instituição. As novas e possíveis definições atribuídas à pessoa ou ao
grupo interessado em museus
concernentes ao indivíduo não passivo, mas
interativo com a sociedade, com aquilo que se vê
pertencem ao mundo dos
significados e advêm dos trabalhos de equipe, da curadoria e do corpo técnico
223
Silvia Maria do Espírito Santo | Cláudia Leonor G. A. Oliveira
das instituições museais.
A partir da documentação analógica ou digital, e da crítica formadora
de opinião, a informação que o indivíduo ou grupo recebe ainda não se
normatizou em sinônimos adequados para representar o impacto exercido
pelas exposições nesse indivíduo ou grupo.
Na imensidão territorial brasileira, há museus de toda espécie. Em
1992 o IBGE assinalava a existência de 1.225 museus nas esferas federal,
estadual e municipal, além, de 725 arquivos em todo o território nacional.
No filme brasileiro Bacurau
3
, em cena de rebelião popular na pequena cidade
ameaçada, o museu está ali representado como memória da resistência
e da retomada da dignidade cultural de seu povo. Uma instituição de
guarda e de memória que permanece preservando objetos carregados de
simbologias, interatividades, e que possibilitam recreação, conhecimento e
sabedoria para a recriação dos sentidos sociais mais amplos.
Diante da expressão de opiniões acadêmicas, sobre linhas
metodológicas que se caracterizam por boas práticas e sólidas trajetórias,
os profissionais atuantes em museus são caracterizados pela profunda
dedicação e preocupam-se com métodos e experimentações em relação
ao significado da existência do museu – o público. Assim,
em épocas favoráveis às liberdades democráticas, a
preservação patrimonial vincula-se às comunidades e,
seus anseios de direito ao uso patrimonial em questão
organiza-se pela utopia da transformação social. Todavia,
elencam-se riscos, os quais são invisíveis, ao tempo que
operam na materialidade, além da corrosão dos agentes
naturais e biológicos dos acervos (ESPÍRITO SANTO;
OLIVEIRA, 2020, p. 86).
Dessa maneira, foi possível identificar relevantes estudos da área da
Museologia do país desde a metade do século XX quando consideradas: a
aplicação de metodologias em pesquisas de profundidade; as avaliações das
competências da execução e projetos; a avaliação do público visitante, com
dados institucionais abordados como os elementos sociodemográficos,
psicológicos, contextuais históricos e culturais, bem como orientações
3
Bacurau é um filme franco-brasileiro, dirigido por Kleber Mendonça Filho e Julia-
no Dornelles, de 2019.
224
O usuário, o visitante, o público do museu: quem são
e por que estudá-los?
intelectuais; as Políticas Culturais adequadas a seu tempo de execução,
contextualização histórica e cultural frente à realidade de cada museu.
Pomian, já na década de 1980, apontou a insuficiência dos estudos
museológicos que contemplassem, a contento, as pesquisas e as análises de
variantes das coletas e a avaliação dos resultados de estudos de visitantes
de museus. A respeito das quantidades de questionários e compilações
dos dados coletados aplicados ao público dos museus, esses ficaram
na recordação. Após o preenchimento, eram depositados em caixas
“memoriais” que tinham a função de receber os questionários deixados
pelos visitantes: em branco ou preenchidos. Em todo o mundo era possível
encontrar, em pequenas quantidades, os questionários em caixas ao pé das
escadarias ou portarias dos museus para que servissem de provas, de meios
de coleta de informação e de registros relacionados ao perfil do visitante.
Questionários estes muitas vezes temperados com sabores da indução,
outros influenciados por pesquisas estrangeiras e fora do contexto brasileiro
e outras tantas, entretanto, respaldados por estatísticas reveladoras. Os
procedimentos de coleta foram estruturados ou filtrados por metodologias
inspiradas em linhas de pensamentos caracterizadas por uma escassez
de interesse à cultura ou por pesquisas respaldadas exclusivamente pelas
percentagens analisadas. Os resultados da quantificação dos visitantes são
calculados a partir de características associadas às origens, como gênero
(com marcas rígidas numéricas entre feminino e masculino), formação
escolar, faixa etária e classe social. As análises das variantes estão sujeitas
a toda natureza de críticas (positivas ou negativas) e quase sempre os
resultados são disponíveis. Este capítulo tratará desses elementos de
incentivos participativos, baseados na cognição do indivíduo visitante do
museu, no encontro com a arte e o conhecimento de algo transformador
de fato das consciências.
A seguir, o leitor poderá guiar-se pelas seguintes questões: 1.
Como se caracteriza na contemporaneidade a comunidade de usuários de
museus brasileiros? e 2. Quais dados são primordiais para a atuação dos
profissionais da Ciência da Informação e das áreas da Pedagogia, Artes,
História Cultural etc.? Nesse sentido, propõe-se demonstrar os resultados
dos investigadores pioneiros no cenário nacional, no que tange ao fomento
das Políticas Públicas – nacional, regional e local – com trabalhos que
225
Silvia Maria do Espírito Santo | Cláudia Leonor G. A. Oliveira
apresentem abordagem necessariamente testada e experiências relatadas
em periódicos científicos. Estudos pautados em teorias e metodologias
robustas, conectados com observações relevantes em seu escopo de maneira
a atender à ética profissional em museologia, com a perspectiva de projetos
futuros que objetivem a representação da percepção, da imaginação e da
recriação das inúmeras possibilidades expositivas direcionadas ao sujeito
visitante do museu.
Independente dos obstáculos e dificuldades encontrados por
esses investigadores brasileiros no âmbito da gestão dos museus – isto é,
mediante a falta de recursos financeiros e da necessidade de manutenção
e do treinamento de recursos humanos, de continuidade de projetos de
preservação, de divulgação dos acervos, de desenvolvimento de estudos de
público-alvo e de público usuário –, a produção irremediavelmente resulta
em ações educativas e científicas nesses museus.
2 METODOLOGIA
Para este trabalho, a metodologia de pesquisa qualitativa realizou-se a
partir do levantamento baseado em fontes com garantia literária, circulação
dos estudos científicos, por meio dos quais se analisam os novos paradigmas
da museologia, norteadores das atividades da área. A busca foi realizada no
Banco de Pesquisa da Ciência da Informação (Brapci), com relevância na
historiografia museológica e é utilizado para a divulgação científica de artigos
de periódicos publicados no Brasil e em alguns outros países como Argentina,
Colômbia, Costa Rica, Espanha, México, Peru e Portugal, e anais de eventos
científicos da área. Aplicou-se o filtro “todos” para o assunto “museologia”,
com o recorte de pesquisa de trabalhos publicados no período entre 1972 a
2021 e que continham a expressão “estudo de usuário museu”. O resultado,
por Relevância, encontrou apenas quatro trabalhos, sendo que apenas
um abordava a questão museológica em relação à área da Arquivologia e
Biblioteconomia. Com a palavra-chave “museologia”, foram localizados 295
títulos, com resultados de trabalhos excelentes apresentados no Encontro
Nacional em Pesquisa em Ciência da Informação (Enancib).
Os elementos da multidisciplinaridade entre as áreas da arquivologia,
biblioteconomia e museologia na Ciência da Informação foram explicados por
226
O usuário, o visitante, o público do museu: quem são
e por que estudá-los?
Araújo, no texto “O que é Ciência da Informação?”, segundo quem:
Como resultado dessas diferentes frentes de estudo,
foram se conformando abordagens que têm buscado
estudar justamente os processos de reciprocidade
relacionados com as instituições (arquivos, bibliotecas
e museus), o contexto social mais amplo ao qual elas
pertencem, os públicos que as utilizam ou se relacionam
com elas, e as dimensões simbólicas envolvidas nesses
processos. Exemplos dessas abordagens contemporâneas
são a Arquivística Integrada, a Nova Museologia, Mediação
Bibliotecária, sobre Competência Informacional, sobre
os museus virtuais, sobre o patrimônio imaterial, entre
outros (ARAÚJO, 2014, p. 26).
Nessa perspectiva, desenvolveu-se a análise a partir de dados
quantitativos registrados em sites públicos e privados, como o Instituto
Brasileiro de Museus (Ibram) e o Sistema Nacional de Museus (SNM),
disponibilizados em publicações de referência como “Museus em
Números”, Vol. I e Vol. II.
No Brasil, apesar dos importantes avanços realizados na
geração de indicadores econômicos e sociais, é recente a
preocupação na construção de instrumentos de aferição
quantitativa e qualitativa do universo das expressões
culturais. Nessa direção, ressalta-se o convênio
estabelecido entre o Ministério da Cultura (MinC) e o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
em 2004, com o objetivo de “desenvolver uma base
consistente e contínua de informações relacionadas ao
setor cultural, de modo a fomentar estudos, pesquisas
e publicações (...)²”. Dessa ação resultaram duas
publicações: o Sistema de Informações e Indicadores
Culturais 2003 (lançado em 2006) e o Perfil dos
Municípios Brasileiros: Cultura 2006 (lançado em
2007). No mesmo ano de 2007, a Secretaria de Políticas
Culturais do Ministério da Cultura começou a reunir
informações quantitativas sobre os diferentes segmentos
do setor cultural, incluindo os museus, cujos dados foram
fornecidos pelo CNM. Os resultados foram divulgados na
publicação Cultura em Números, com edições realizadas
em 2009 e 2010 (INSTITUTO BRASILEIRO DE
MUSEUS, 2011, p. XVI-XVII).
227
Silvia Maria do Espírito Santo | Cláudia Leonor G. A. Oliveira
A respeito de sistemas públicos de informação, no Observatório
dos Museus, da iniciativa privada, todos foram definidos na titularidade
das nossas reflexões a respeito do processo museológico, em relação ao
conhecimento do visitante do museu ou dos usuários.
Os procedimentos do levantamento bibliográfico selecionaram a
produção de órgãos representativos do Sistema Nacional de Museus, dos
dados obtidos em publicações nas plataformas digitais e Bancos de Dados
diretamente envolvidos com instituições museológicas consideradas a
partir da compreensão da cadeia complexa que caracteriza o processo
de museificação dos objetos: aquisição, identificação, descrição formal
e significados, destinados à guarda, à disseminação, ao tratamento, à
recuperação informacional e à avaliação do público visitante.
Deu-se prioridade a dois museus contemporâneos, dada a
importância dos estudos públicos ocorridos nas décadas de 1950 e 1970,
anos que caracterizam a ascensão da representação nacionalista dos
museus e das férteis ideias de integração das comunidades proposta pela
Nova Museologia, período durante o qual se acentuou a necessidade de
fomentar projetos destinados à formação de público para o museu. Assim, o
termo “museu integral”, a partir de 1972, passou a identificar a museologia
preocupada com o “visitante” associado ao seu direito patrimonial cultural.
A Mesa de Santiago (1972) foi identificada como um marco na Museologia
da América Latina (SOUZA, 2020).
Os Bancos de Dados e as Plataformas pesquisadas foram
selecionados de acordo com projetos desenvolvidos por universidades
que apresentam significativa pesquisa científica na área da museologia
e indicam bom grau de comprometimento com as Políticas Públicas, e
apresentam projetos científicos de caráter educativo e serviços em sistemas
em redes (como o caso do Sistema Nacional de Museus, Observatório de
Museus e do Sistema Estadual de Museus). Nessas publicações, os dados
socioeconômicos, e relativos ao gênero e à profissão podem ser analisados
em relação à espécie de museu visitado; no conjunto diversificado dos
museus do Rio de Janeiro, por exemplo, onde é predominante a visitação
aos museus por pessoas do sexo feminino, com exceção do Museu da
Aeronáutica, onde os homens são a maioria.
Em 1993, a Universidade de São Paulo (USP) criou um
228
O usuário, o visitante, o público do museu: quem são
e por que estudá-los?
Banco de Dados sobre Patrimônio Cultural, que visava
“integrar e tornar acessíveis informações e documentos
na área de Preservação de Bens Culturais (...)”. MUSEUS
EM NÚMEROS – Para esse programa foram criadas
bases de dados com temáticas específicas, destacando-se
a Base de Dados de Museus Brasileiros – CAMUS, que
agrega informações coletadas a partir de um formulário
desenvolvido em parceria com a Vitae (Apoio à Cultura,
Educação e Promoção Social). Esse trabalho resultou,
em 1996, na publicação do Guia de Museus Brasileiros.
Em 1997, foi realizada nova edição que relacionava
informações acerca da natureza, especialidade, atividades,
acervo, tipo de público e horário de atendimento de
755 museus. No ano 2000, foi realizada nova edição
do Guia, com dados de 529 instituições. (INSTITUTO
BRASILEIRO DE MUSEUS, 2011, p. 25).
A complexidade do estudo relacionado aos visitantes, ou seja,
a usuários de museus é inquestionável do ponto de vista da adoção de
metodologias sedimentadas nos paradigmas de épocas distintas, de
visões museológicas oscilantes entre a defesa patrimonial nacionalista e a
politização dos museus para a população (acessibilidade
4
), e que também
se aplicam a toda museologia na América Latina. Nesse sentido, torna-se
importante analisar a instituição museológica e o contexto do usuário –
as coleções e a interação do sujeito; o papel da ciência e tecnologia, da
arte e a história cultural. Dentre tantos outros significados dos museus
notadamente destacam-se temáticas apresentadas em eventos da área
4
A acessibilidade em museus vai muito além da eliminação de barreiras físicas e/
ou instalação de recursos que permitam às pessoas com necessidades especiais e
aos deficientes físicos acessar os espaços expositivos. Trata-se de uma ação mais
complexa que visa não só ampliar o acesso dos usuários de museus e instituições afins
– como arquivos e bibliotecas –, mas garantir a essas pessoas que elas possam usufruir
plenamente do ambiente, seja no campo do onírico e da poesia – da contemplação da
obra de arte, seja no campo do exercício democrático da cidadania. Chagas & Storino
apontam os seguintes pontos em termos de acessibilidade: 1. Acessibilidade aos
códigos culturais; 2. Acessibilidade aos meios de produção cultural; 3. Acessibilidade
física; 4. Acessibilidade sensorial; 5. Acessibilidade cognitiva e informacional; e 6.
Acessibilidade econômica e social. (CHAGAS; STORINO, 2012, p. VII)
229
Silvia Maria do Espírito Santo | Cláudia Leonor G. A. Oliveira
da Ciência da Informação em que se evidenciam, segundo Araújo (2013),
a herança da relação entre Arquivos, Museus e Bibliotecas na história
institucional brasileira:
No Brasil, algumas iniciativas recentes têm dado o tom
da necessária colaboração e diálogo entre essas áreas: em
fevereiro de 2013, tiveram início os trabalhos do acordo de
cooperação firmado entre o Instituto Brasileiro de Museus
(Ibram), o Arquivo Nacional e a Fundação Biblioteca
Nacional, para preservação e democratização do acesso
aos acervos dos arquivos, bibliotecas e museus brasileiros;
um pouco antes, em outubro de 2012, a mesa redonda
Aproximações entre Arquivologia, Biblioteconomia e
Museologia: ideias e propostas foi realizada no âmbito
do IV Encontro Nacional de Educação em Ciência da
Informação – Enecin, no Rio de Janeiro; um ano antes, em
Salvador aconteceu o Encontro de Arquivos, Bibliotecas
e Museus à Luz da Era Pós-custodial. No cenário
internacional não é diferente: no Canadá, o Arquivo
Nacional fundiu-se à Biblioteca Nacional; na Europa, a
Europeana vem se consolidando como uma importante
base de dados cultural, educacional e científica que é, ao
mesmo tempo, um arquivo, uma biblioteca e um museu;
na América do Sul, vem ocorrendo há alguns anos o
Encuentro de Archivistas, Bibliotecários y Museologos,
sendo que em 2012 a quarta edição aconteceu na
Argentina e a próxima está prevista para acontecer no
Brasil (ARAÚJO, 2013, p. 214).
A interdisciplinaridade entre as três instituições, curadoras e
pós-custodiais (arquivo, museu e biblioteca) deve ser considerada por
razões ainda não muito claras para os profissionais de cada área científica,
possivelmente até mesmo porque permaneçam arraigados a protocolos
estatutários.
Há cem anos, os museus nos países do hemisfério norte aplicavam
questionários aos seus visitantes com intuito de traçar os seus perfis,
valendo-se para tanto de estudos de “comportamento de visitantes”,
estudos de “transmissão de mensagens no espaço expositivo”, métodos
com bases behaviorista (Edward Robinson), cognitivista, construtivista
(Piaget), semiótica (Stemberg e Barthes), semiologia do significado
230
O usuário, o visitante, o público do museu: quem são
e por que estudá-los?
(HOOPER-GREENHILL
5
, 1998, p. 38 apud ARAÚJO, 2013, p. 232) e
sociocultural, contextual (Vygostky), motivacional e baseado nas táticas,
estratégias e práticas populares (Certeau) (ARAÚJO, 2013, p. 232).
A Plataforma Fórum Permanente (2021) dedica-se principalmente
ao registro e à produção de discussões da arte e seu público. A busca
realizada nessa plataforma com a expressão “visitantes dos museus”
encontrou ali indexados 206 itens que atendem ao critério da busca com o
seguinte conteúdo de termos atribuídos como palavras-chave:
museu, museu virtual, museu na virtualidade, museu de
arte, cultura, curadoria, instituições de arte, produção
cultural, produção artística, arte contemporânea,
ação cultural, mediação cultural, arquivo, centro de
documentação, plataforma, dispositivo, museus virtuais,
museus no Brasil, glocal, anti-museu, museu como
interface, curadores, exposições, educação em museus,
ato criativo, artistas, gestão cultural, ensino da arte, arte-
educação, ação educativa, universidade, público, visitante
de museu, visitantes, recepção da arte, fruição artística,
rede, coletivos, espaços alternativos, ativismo, hipertexto,
museu vivo, dinâmicas culturais, arte na rua, revista de
arte, publicações artísticas, livro de artista, publicações
independentes, interdependente, cursos de arte, bienal
de São Paulo, documenta de Kassel, bienais, virtual,
virtualidade, estudos avançados, games, narrativas,
pesquisa de ponta, experimental, laboratório, Tecnologia,
Tecnologia da Informação e Comunicação, TICs, Zanini,
Duschenes, Flusser, Benjamin, Duchamp, ready-made,
anjo da história, história da arte, teoria da arte, museu de
arte contemporânea, museu de arte moderna, institutional
critique, crítica de arte, crítica de museus, teoria crítica,
site-specific, site-specificity, museu multidimensional,
interface, plataforma, dispositivo, hipermuseu
(PLATAFORMA FÓRUM PERMANENTE, 2021).
O universo terminológico não se esgota na estruturação das
produções científicas, manuais, guias, roteiros, glossários, dicionários e
dos meios digitais contemporâneos em formato de revistas, fóruns e redes
entre outros. No Brasil, por influência da Biblioteconomia, da Museologia
5
HOOPER-GREEENHILL, Eilean. Los Museos y sus visitantes. Gijón: Trea, 1998
231
Silvia Maria do Espírito Santo | Cláudia Leonor G. A. Oliveira
e da Arquivologia, das instituições e ensino dessas áreas (universidades,
centros de pesquisa, associações de profissionais) bem como bibliotecas,
museus e arquivos, seja nos âmbitos Federais, Estaduais, Municipais,
preocupam-se com a memória institucional e assumem o papel de coleta,
armazenamento e disseminação de seus acervos.
Instituições de renome como a Biblioteca Nacional, o Instituto
Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, o Ministério da Cultura,
as fundações de cultura, as Associações de Amigos dos Museus, os
Sistemas Estaduais de Museus e os Conselhos de Museus desenvolveram
temáticas investigativas baseadas na Tecnologia da Informação, estudos
da Memória, Educação, Cultura, Saúde, Arte Contemporânea entre
outras, intensificadas pela presença da comunidade acadêmica e científica
brasileira.
Nos últimos 40 anos, no campo profissional (museus, arquivos,
bibliotecas e centros de documentação) foram possíveis qualificar os
programas de monitorias e setores educativos nessas instituições. Desde
então realizam-se monitorias ao público diverso e visitas técnicas aos
arquivos, bibliotecas e, prioritariamente, aos museus devido à natureza
institucional do espaço expositivo. Além de um breve diagnóstico usual
aplicado aos conjuntos documentais procura-se promover visitações
escolares, das comunidades e especializadas. Neste capítulo, apresentam-
se combinadas às estratégias de busca para levantamento bibliográfico,
também as ações dos seguintes museus do Estado de São Paulo: Museu
Índia Vanuire (sediado em Tupã) e o Museu da Pessoa (um museu virtual).
3 POR QUE ESTUDAR O PERFIL DOS USUÁRIOS DE MUSEUS
NO BRASIL?
Os desafios que se colocam para as instituições curadoras
estão presentes na organização documental, em suas complexidades e
diversidades de suportes e preservação correspondentes. A organização, o
tratamento e a disseminação de acervos e de coleções caracterizadas pelos
diversos gêneros – textual, imagem, audiovisual – compõem tais desafios
impostos pelo conhecimento das técnicas, da análise documentária e da
recuperação da informação específica, sejam elas analógicas ou digitais.
232
O usuário, o visitante, o público do museu: quem são
e por que estudá-los?
Porém, de todos estes desafios, um dos mais instigantes é o interesse para
investigar, sistematizar e reconhecer o perfil da comunidade de usuários
das inúmeras espécies de museus. Assim, a questão principal que este
capítulo busca é contribuir para a reflexão sobre como se caracterizam,
na contemporaneidade, as pesquisas voltadas para o reconhecimento da
comunidade de usuários de museus, no caso brasileiro, e quais dados são
primordiais para a atuação do profissional da Ciência da Informação, de
modo a atender adequadamente a esse usuário.
Ressaltam-se nesse contexto os elementos fundamentais dos
processos de democratização na América Latina, com o fim das Ditaduras
Militares, e mais especificamente no Brasil, a garantia de acesso do público
à cultura está assegurada no Artigo 205 da Constituição Brasileira de
1988. Em 2011, o então Ministério da Cultura, por meio da ministra Ana
de Holanda, divulgou o levantamento intitulado “Museus em Números”, e
apresentou um estudo através do Cadastro Nacional dos Museus (CNM),
notadamente um estudo de fôlego, envolvendo museólogos de instituições
do território nacional. Os números são indicadores da expansão da
museologia brasileira por meio dos quais foi possível reconhecer o grupo
de análise, os usuários de museus, quanto aos aspectos sociodemográficos,
socioeconômicos, formação escolar, gênero e portadores de deficiência
física. Ainda pouco se sabe sobre os perfis desse grupo, todavia, os resultados
mencionados das publicações científicas são aqueles que correspondem ao
caminho complexo (sujeito, sociedade e percepção).
4 MUSEUS NO BRASIL
No Brasil, não raramente, ouve-se dizer que a maior parte da
população nunca entrou em um museu. Não obstante, com certa
frequência apresentam-se considerações de que os museus são elitistas
e que, notadamente, não se trata dos antigos burgueses que tornaram
públicas as coleções arquivísticas e museológicas dos palácios durante a
Revolução Francesa. Existe um público específico, parte integrante do
meio acadêmico que se destaca nos estudos da Museologia, Colecionismo,
Ciência da Informação, História, Arte Contemporânea e História da Arte,
ou seja, restringe-se a profissionais e a pesquisadores cuja formação os
233
Silvia Maria do Espírito Santo | Cláudia Leonor G. A. Oliveira
qualifica para atuarem diretamente na gestão e na resolução das principais
questões trazidas pelo universo dos museus.
A difusão da instituição museu e as políticas de patrimônio cultural
na sociedade brasileira deve-se a diversos agentes da história cultural como
Mário de Andrade, Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi, Waldisa Rússio e
Julio Abe Wakahara, personagens que atuaram largamente no Estado de
São Paulo, cada um em seu tempo e ao seu modo.
Se a história dos museus brasileiros tem na coleção trazida como
dote pela imperatriz Teresa Cristina Maria de Bourbon (1822-1889) a sua
marca temporal, é com Mário de Andrade e a criação do antigo SPHAM
6
– ainda que em moldes elitistas e burgueses para os padrões atuais – que
a museologia institucionalizou-se. Era necessário, à época, que a política
engendrada por Getúlio Vargas no contexto do Estado Novo garantisse
“uma patrimonialização que justificasse uma dada narrativa histórica sobre
o Brasil, independente das propostas inovadoras à época que o projeto
trazia” (ESPÍRITO SANTO; OLIVEIRA, 2020, p. 81).
Por conta das diretrizes do IPHAM valorizaram-se durante esse
período o patrimônio edificado – representado pelos famosos centros
históricos das capitais brasileiras mais antigas – a construção de uma
história nacional e a conjunção de mitos.
De todos os nomes já citados e a despeito das enormes contribuições
de cada um, destaca-se o trabalho engendrado por Julio Abe Wakahara, um
observador e ativista preocupado com a inserção do museu no âmago da
cidade. O seu olhar estava comprometido com o público, com aquele que
circula na urbe, com o anônimo cidadão. A sua contribuição está associada
ao espelhamento de um museu integrado que permitiu refletir sobre a
questão da cidadania, estruturado em temáticas, e acerca da circulação da
informação em painéis afixados nas ruas, nas praças, nos fundamentos da
história local e da vida cultural e social. Os painéis, afixados em bases de
concreto, se traduziam como uma alusão ao projeto museográfico de Lina
Bo Bardi, que trazia estruturas transparentes em base de concreto para a
6
Criado em 1937, o Serviço de Patrimônio Histórico, Artístico Nacional (SPHAN)
foi o primeiro órgão responsável por regularizar e propor uma política nacional para
os museus brasileiros. Em 1970 seu nome foi atualizado paraInstituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
234
O usuário, o visitante, o público do museu: quem são
e por que estudá-los?
exposição permanente do acervo do Museu de Arte de São Paulo (Masp).
Os Museus de Rua romperam com a ideia do museu-elite porque
foi caracterizado pela busca ao usuário e por levar os museus às pessoas.
Foram mais de 100 deles durante 40 anos de atividade de Julio Abe, entre
dezenas de trabalhos na capital e em cidades do interior do estado de São
Paulo. Preservou-se e divulgou-se.
Cury aponta duas tipologias que acabam por definir os Museus de
Rua: uma primeira versão, vivenciada nos anos de 1970, e uma segunda
observada de 1980 em diante. Em sua primeira versão, os Museus de
Rua ganharam esse nome por conta do público que deles se apropriou,
pois eram chamados inicialmente de Museus de Memórias de Bairros ou
simplesmente Museus de Bairro (CURY, 2009). Consistiram em três
exposições – organizadas em nível municipal pelo Museu Histórico da
Imagem Fotográfica da Cidade de São Paulo
7
– que contavam a história
do centro da cidade de São Paulo, com grande uso da fotografia, como
também de documentos, textos e testemunhos. Apresenta-se aqui o
caráter institucional em transformação da relação museu-comunidades de
usuários, pela possibilidade de trabalhar a informação de forma multimídia,
ou seja, com diferentes recursos, estrutura que, com o advento do digital
e a possibilidade de exposições virtuais será reforçada pela presença das
imagens em movimento, do recurso do hiperlink e, mais recentemente,
pela interação com o usuário-público visitante.
Julio Abe colaborou imensamente para a descoberta da identidade
das cidades e, segundo quem, a divulgação seria muito mais importante do
que a exposição. Mas onde está o público? Qual é o usuário do museu que
não está mais nas ruas ou dentro dos museus? Serão todas essas condições
diferentes perfis dos usuários?
Dada a transparência da função da fotografia documental e de
registro, Julio Abe, como assim foi conhecido, abusava de fotos ampliadas
das vilas, de cidades, das personalidades e da vida da gente comum. Sua
7
O Museu Histórico da Imagem Fotográfica da Cidade de São Paulo estava
subordinado ao Departamento de Informação e Documentação Artística (IDART)
que, juntamente com o Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), surgiu
em 1976 em função do desmembramento do antigo Departamento de Patrimônio
Artístico-Cultural da Secretaria da Cultura da Prefeitura de São Paulo.
235
Silvia Maria do Espírito Santo | Cláudia Leonor G. A. Oliveira
contribuição está associada ao museu preocupado com o usuário no sentido
de refletir a história do cidadão, em suas temáticas e circulação nas ruas,
nas praças, nos fundamentos da história local e da vida cultural e social.
Observa-se durante toda a trajetória de Julio Abe, junto à museologia,
forte preocupação com o social, com a cultura e com o pertencimento
do cidadão em comunidade. Em paralelo, pontua-se que o conceito “fato
museal”, cunhado por Waldísia Rússio, aproxima-se da expressão “fato
social”, apregoado na sociologia.
Os Museus de Rua, criados por ele, romperam com a ideia do museu
vinculado às quatro paredes, posto que a ideia era o museu ir em busca do
cidadão e ser visto pelo olhar da história local. Mas onde está o público do
museu com endereço e CEP? Outra questão que se coloca ao longo de
2021, tempos de pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, é: qual o
perfil do usuário de museu que não está mais nem nas ruas, nem dentro
dos museus? Serão todas essas condições condicionantes aos diferentes
perfis dos usuários?
5 SERVIÇOS INFORMACIONAIS E A DIGITALIZAÇÃO NOS
MUSEUS
Se a passagem dos anos 1980 para os anos 1990 trouxe para as Artes
Plásticas a desmaterialização do suporte – representados pelas instalações,
pelos happenings e pela cultura hip hop com seus grafites espalhados pela
cidade – é também nessa época que os museus passaram a considerar a
sua presença em meios virtuais. O que inicialmente era um recurso, a home
page, para informar o usuário do seu endereço, horários de visitação e a
disponibilização de um número telefônico para tirar dúvidas, transmutou-
se ao longo dos últimos 30 anos e os serviços museológicos, até então
analógicos, adotaram os recursos tecnológicos informacionais. Isso levou
os museus e as instituições similares ao um processo de digitalização dos
acervos.
A adoção de plataformas digitais inicialmente possibilitou o
compartilhamento de documentos através de correio eletrônico, transações
comerciais, conversas ao telefone, e recentemente, reuniões com mais
de 100 pessoas etc. (PISANI; PIOTET, 2010) como também a adoção
236
O usuário, o visitante, o público do museu: quem são
e por que estudá-los?
de sistemas de busca sofisticados, as interações entre os internautas,
e recursos multimídias, tais como o tour virtual em salas expositivas ou
exposições concebidas de modo virtual.
A chegada da Internet ao Brasil em 1995 e o advento da Web 2.0,
na sequência, possibilitaram que o próprio acervo estivesse disponível on-
line para consultas, pesquisas e levantamentos. Se inicialmente, no âmbito
dos museus, a tecnologia digital era um projeto a ser conquistado para
implementar a organização dos dados do acervo, a catalogação de suas
obras em substituição aos fichários, kardex e livros de tombo, ainda não se
tornou uma realidade para a maioria dos museus brasileiros.
A essência da Internet reside no link, ou seja, uma ferramenta que
possibilita criar conexões ao infinito, ligando ideias, documentos, imagens,
pessoas e lugares. São os links que ligam o internauta aos dados e mais
do que isso: conectam pessoas (PISANI; PIOTET, 2010, p. 60-61). Para
Pisani & Piotet:
O essencial são os links que ligam pontos (ou nodes). Os
nodes mais importantes – ou hubs (“encruzilhadas”) –
conseguem o papel estratégico não por alguma dimensão
para a qual seria necessário encontrar um meio de
mensurá-los, mas pelo fato de que um maior número de
links os colocam em relação com um número elevado de
outros nodes [...].
Sob esse aspecto, a concepção de Di Felice (2009) sobre a
perspectiva de habitar fluxos e não mais territórios parece pertinente,
dado o fato de que na atualidade grande parte da humanidade encontra-
se conectada por meio de dispositivos digitais. O advento das Novas
Tecnologias da Informação mudou por completo o ser e o estar no mundo.
Para Di Felice, “O habitar atópico se configura como a hibridação,
transitória e fluida, de corpos, tecnologias e paisagens, e como o advento
de uma nova tipologia de ecossistema, nem orgânico, nem inorgânico,
nem estático, nem delimitável, mas informativo e imaterial” (DI FELICE,
2009, p. 291).
Esse mundo em transformação, caracterizado pela passagem do
analógico para o digital (DI FELICE, 2001), se configura como uma nova
forma de ser e nele estar, em função das novas Tecnologias da Comunicação
237
Silvia Maria do Espírito Santo | Cláudia Leonor G. A. Oliveira
e Informação (TICs), bem como traz novas e desafiadoras questões para o
profissional das Ciências da Informação frente aos museus.
Porém, retrocedendo um pouco no tempo e olhando para a trajetória
profissional de Julio Abe Wakahara, infere-se que seu trabalho e em especial
sua concepção dos Museus de Rua traduzem-se nas primeiras experiências
– ainda que não intencionalmente – sobre a vertente da desmaterialização
dos suportes, os pressupostos da Nova Museologia e a valorização da
comunidade de usuários. Isso se deve ao fato de que os Museus de Rua
nasceram desterritorializados (dado que podiam ser montados em qualquer
lugar: já tinham em sua concepção serem uma plataforma de informações
multimídia (pelo fato de que seus painéis já agregavam texto, imagem,
documentos e narrativas de moradores). Ademais, já estavam inseridos
nos pressupostos da Nova Museologia, na medida em que promoviam não
só a participação dos moradores dos bairros, mas também promoviam uma
contribuição efetiva no processo de pesquisa e de elaboração da narrativa
que se pretendia erigir, favorecendo assim um processo de cocriação do
conhecimento – uma característica bastante valorizada na cultura digital:
a inteligência coletiva, na perspectiva de Pierre Lévy (1993).
Nesse sentido, a concepção dos Museus de Rua, conceito criado
e desenvolvido por Julio Abe que tão bem refletia a sua concepção de
mundo, não deixaria dúvidas sobre a popularização da atividade museal,
especialmente no que diz respeito o comunicar-se com o público. Segundo
Haroldo Kinder, arquiteto com sólida parceria com Julio Abe, nos trabalhos
de Expografia, Pesquisa e Museu de Rua, este conceito estava fundado no
museu como produto da sociedade, da participação comunitária.
6 REUNIÃO DE FONTES PARA PESQUISA DE USUÁRIO
Na tentativa de buscar compreender o perfil de usuários de museus
na contemporaneidade, convoca-se aqui a pesquisa “Desafios em tempos
de Covid-19Pesquisa do ICOM Brasil com profissionais e públicos de
museus” (EPM, 2020) desenvolvida pelo Sistema Estadual de Museus
(Sisem), ao longo de 2020, acerca do papel dos públicos de museus. A
pesquisa foi aplicada em nível nacional, a partir de uma amostragem bastante
representativa. O levantamento foi realizado durante o isolamento social
238
O usuário, o visitante, o público do museu: quem são
e por que estudá-los?
imposto pela referida pandemia e considerou não só para a área científica,
mas para os pesquisadores de todos os espectros.
As questões suscitadas no trabalho são diversas, muito embora se
ressalte logo de partida o problema da representatividade da amostra, fato
destacado no escopo informacional, em que o grupo focal indicava um grande
número de participantes (4.210 respondentes de 25 estados brasileiros
e do Distrito Federal), porém com grande presença de respondentes
concentrados na região Sudeste, 75,5%, contra 2,1% de participantes na
região Norte. Da pesquisa respondida por meio de formulário on-line,
a representatividade da amostra não reflete a diversidade populacional
brasileira nem a diversidade dos públicos dos museus brasileiros, pois nota-
se grande participação na resposta à pesquisa “de mulheres e de branco/
as, entre os 30 e 49 anos, com alto nível de escolaridade” (ICOM, 2020,
p. 10).
As categorias de classe social, cor da pele/raça e escolaridade acabam
por impor restrições para que a pesquisa funcione de forma universal, e
a inclusão destes grupos no universo museal deve ser tomado como um
desafio. Isso porque no que diz respeito à
cor/raça, 73,5% dos respondentes se declararam brancos,
em comparação aos 14,5% que se autodenominam
pardos e apenas 6,6% de pretos. A pesquisa foi
respondida majoritariamente por pessoas com alto nível
de escolaridade: 84,1% dos participantes declararam ter
ensino superior completo
8
(ICOM, 2020, p. 8)
Além disso, a pesquisa revelou quais os efeitos e impactos para os
profissionais dos museus – em face da pandemia – para lidar com o público,
em especial os relacionados aos impactos emocionais, tais como ansiedade,
angústia, cansaço, stress e falta de esperança. Dos profissionais de museus
participantes da pesquisa, 30,6% se sentem angustiados em relação ao
seu futuro profissional e, 20,7% sentem-se fragilizados emocionalmente
sendo que 5,1% perderam uma pessoa próxima e encontram-se em luto.
Poder-se-ia então afirmar que isso reflete o museu – ainda – como
o espaço de uma certa elite que valoriza e consome cultura? Nem sempre.
Em direção oposta, estão ações inclusivas – ainda que pontuais – como
8
Sendo 52,3% com pós-graduação, mestrado ou doutorado (ICOM, 2020, p. 8).
239
Silvia Maria do Espírito Santo | Cláudia Leonor G. A. Oliveira
as realizadas pelo Museu Histórico Pedagógico Índia Vanuíre
9
, da cidade
de Tupã, interior de São Paulo. São ações que revelam uma tendência de
valorizar o outro lado da história (VARINE, 1995), ampliando não só o
público, mas também os colaboradores que atuam na instituição. Entre
os educadores e palestrantes, muitos são moradores da Terra Indígena
Índia Vanuíre, representantes das etnias Kaingang e Krenak. Por conta da
necessidade de isolamento físico, as atividades que antes eram pensadas e
desenvolvidas presencialmente ganharam espaço no campo do virtual.
Por sua vez, o Museu da Pessoa, uma organização da sociedade civil
de interesse público (OSCIP), instituição que já nasceu com a proposta de
virtualização desde 1991, entendeu que o cenário atualmente vivenciado
era o momento de potencializar a circulação das narrativas, de seu imenso
acervo, nos dispositivos móveis. Para tanto engendrou duas campanhas em
formato de exposições virtuais.
A primeira exposição virtual, com curadoria de Karen Worcman,
recebeu o nome de “Histórias para inspirar em tempos difíceis” e foi
desenvolvida entre abril e maio de 2020. Foram selecionadas 15 histórias
de “pessoas inspiradoras” e está disponível na plataforma Google Arts
& Culture. No período em que foi compilada, a exposição podia ser
compartilhada tanto na plataforma do Museu da Pessoa como por meio do
aplicativo WhatsApp e trouxe entre outras visões de mundo as narrativas
de Ailton Krenak, da Monja Coen, da poetisa Tula Pilar Ferreira, sempre
aliando texto, imagem e vídeos.
A segunda delas, já prevista em fins de 2019, consistiu na exposição
“Vidas Negras” e até o momento pode ser acessada na plataforma digital,
mantida desde 2003, pelo Museu da Pessoa
10
. É composta por quatro
episódios selecionados pelo curador Diógenes Moura que trazem memórias
9
De acordo com as informações disponíveis na página do Facebook, “O Museu
Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre, do Governo do Estado de São Paulo, na
cidade de Tupã, reúne uma das mais importantes coleções etnográficas do país,
com cerca de 38 mil peças, que representam diferentes comunidades indígenas
brasileiras, dos Kayapó aos Yanomámi (incluindo os Kaingang e Krenak), povos que
ainda hoje habitam a região de Tupã.”. Disponível em: https://www.facebook.com/
museuindiavanuire. Acesso em: 20 jan. 2021.
10
Disponível em: https://museudapessoa.org/exposicoes/vidas-negras/. Acesso em:
20 jan. 2020.
240
O usuário, o visitante, o público do museu: quem são
e por que estudá-los?
de famílias e personagens negros que se encontram no acervo do Museu
da Pessoa e potencializa assim as características de seu perfil e de sua
missão como um museu que é acessível por meio das novas tecnologias de
comunicação.
A questão da mensuração do acesso às exposições virtuais é um
assunto a ser retomado com novas perspectivas, pela alta demanda
do recurso em tempos de isolamento físico trazido pela pandemia. A
questão envolve além do acesso à plataforma virtual dos museus, os
compartilhamentos e as curtidas nas diferentes redes sociais (Facebook,
Instagram e Linkedin). Mensurar o tempo de permanência do visitante
internauta é outro aspecto a ser levado em consideração quando se
investiga os usuários de museus.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente capítulo cuidou de outras rotas, mais amplas, entre
as ruas, as paredes dos museus, no requinte ou na singela arquitetura, na
coleção material ou feita por pixels, em que transita um desconhecido: o
usuário, o visitante ou o público do museu. Sabe-se sobre este desconhecido
menos por razões de métodos de pesquisas aplicadas ao longo de mais de
um século e mais por entender que a população brasileira necessita dos
museus para transformar sentidos de vida e consciência. Dessa forma e
frente à impossibilidade de tamanha demonstração, propõe-se a reunião
de fontes em que se revelem métodos, experimentações e publicações
científicas dessa natureza.
REFERÊNCIAS
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Londrina, v. 19, n. 1, p. 26, jan./abr. 2014. Disponível em: http://www.uel.
br/revistas/uel/index.php/informacao/article/view/15958. Acesso em: 27
jan. 2021.
ARAÚJO, C. A. Á. Perspectiva de estudos sobre os sujeitos na
Arquivologia, na Biblioteconomia e na Museologia. Em Questão: Revista
da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS, Porto
Alegre, v. 19, n.1, p. 213-238, jan./jun. 2013, p. 228. Disponível em:
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uma co-criação necessária. 1 vídeo (1:41:23). Transmitido ao vivo
em: 26 nov. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=4rzYzo6d9v0&t=3741s. Acesso em: 20 jan. 2021.
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culturais: museus. [2003]. Disponível em: https://seculoxx.ibge.gov.br/
populacionais-sociais-politicas-e-culturais/busca-por-palavra-chave/
cultura/643-museu.html. Acesso em: 19 jan. 2021.
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O usuário, o visitante, o público do museu: quem são
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a Cultura. Recomendação referente à proteção e promoção dos museus
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em: https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2016/11/Unesco_
Recomendacao-Final_POR-traducao-nao-oficial.pdf. Acesso em: 27 jan.
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VARINE, H. A respeito da Mesa de Santiago. In: MATTOS, M.;
BRUNO, C. (orgs.). A memória do pensamento museológico
contemporâneo: documentos e depoimentos. São Paulo: ICOM Brasil,
1995.
243
Sobre os autores
ADRIANA ROSECLER ALCARÁ
Professora do Departamento de Ciência da Informação da Universidade
Estadual de Londrina (UEL), onde atua nos cursos de graduação em
Arquivologia e Biblioteconomia e no programa de Pós-Graduação em
Ciência da Informação (PPGCI/UEL). Possui doutorado em Psicologia
pela Universidade São Francisco (USF) (2012), mestrado em Educação
(2007), especialização em Gerência de Unidades de Informação (2003)
e graduação em Biblioteconomia (2001) pela Universidade Estadual de
Londrina (UEL). É pesquisadora e líder do Grupo de Pesquisa Informação
e Cognição, cujos projetos e temas de pesquisa estão voltados para:
processo de busca e uso da informação, focando principalmente nos
aspectos cognitivos e afetivos inerentes às ações das pessoas ao realizar
esses processos; formação e desenvolvimento de habilidades para a
competência em informação; bibliotecário educador; metacognição e
motivação relacionadas à competência em informação.
E-mail: alcara@uel.br
ALINE PRISCILA DAURA
Mestrado em Ciência da Informação e Graduação em Biblioteconomia
ambos pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Integrante do Grupo
de Pesquisa Informação e Cognição (UEL). Trabalhou com os temas: “A
competência em informação dos pais de surdos” (na dissertação) e “O
mediador e a mediação de literatura para crianças surdas” (no trabalho de
conclusão de curso).
E-mail: appuel@yahoo.com.br
ANA PAULA PEREIRA
Mestrado em Ciência da Informação e Graduação em Biblioteconomia
244
ambos pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Integrante do Grupo
de Pesquisa Informação e Cognição (UEL). Trabalhou com os temas: A
competência em informação dos pais de surdos; a mediação de literatura
para crianças surdas.
E-mail: appuel@yahoo.com.br
ANDRÉ LUÍS ONÓRIO CONEGLIAN
Graduado em Pedagogia com Habilitação em Deficiência Auditiva -
UNESP (2001-2005). Professor de LIBRAS/Nível Superior, certificado
pelo PROLIBRAS/MEC (2008). Professor Universidade Tecnológica
Federal do Paraná/ UTFPR, atuando principalmente nos seguintes temas:
Surdez, Língua de Sinais, Educação Especial/Educação Inclusiva, Formação
de Professores, Políticas Públicas para Altas Habilidades/Superdotação,
nas esferas educacional e social. Acessibilidade em Centros Informacionais.
Doutor em Ciência da Informação - UNESP, Linha de Pesquisa “Gestão,
Mediação e Uso da Informação”, com foco em Competência em
Informação, Biblioteca Escolar, Pesquisa Escolar (2008-2013); Mestre
em Ciência da Informação - UNESP, com foco nos Estudos de Usuários
e Comportamento Informacional de Surdos (2006-2008). Presidente
da ALITAHS - Associação Londrinense de Incentivo ao Talento e Altas
Habilidades/Superdotação (2017/2019).
Email: andre.coneglian@gmail.com
ARIADNE CHLOE MARY FURNIVAL
Possui graduação em Comparative American Studies - University of
Warwick, Inglaterra (1987); Mestrado em Computation - University of
Manchester Institute of Science & Technology - UMIST (1993); Mestrado
em History (Literatura Comparativa) - University of Warwick (1988); e
Doutorado em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual
de Campinas (2001). Completou o Diploma in Librarianship da University
of Sheeld (2009). Assumiu o cargo de Open Access Ocer (Europe)
no Centre for Research Communications, University of Nottingham, em
2010. Atualmente é Professora Associada da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar) no Departamento de Ciência da Informação no Centro
de Educação e Ciências Humanas. É professora credenciada (permanente)
245
no Programa de pós-graduação em Ciência da Informação (PPGCI),
e no programa de pós-graduação interdisciplinar, Ciência, Tecnologia e
Sociedade (PPGCTS), ambos da UFSCar. Foi Coordenadora do Programa
de pós-graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade (PPGCTS-
UFSCar) de 2018 a 2020. Foi Coordenadora do Grupo de Trabalho
para a implantação do Repositório Institucional da UFSCar. É membro
docente do Conselho Editorial da EDUFSCar (2019-). Tem experiência
de pesquisa nos campos de CTS e Ciência da Informação, com ênfase
em Processos da Comunicação, atuando principalmente nos seguintes
temas: Compreensão Pública da C&T, Desenvolvimento Sustentável e
Comunicação, Usuários da Informação e Competências Informacionais,
Comunicação Científica, Acesso Aberto.
Email: chloe@ufscar.br
CLÁUDIA LEONOR G. A. OLIVEIRA
Historiadora (FFLCH-USP). É bolsista, doutoranda em Estudos em
Comunicação para o Desenvolvimento da Universidade Lusófona do
Porto-Portugal. É membro do Centro Internacional de Pesquisa Atopos
(ECA/USP) e do Centro de Pesquisa em Comunicação Aplicada, Cultura
e Novas Tecnologias (CICANT), da Universidade Lusófona do Porto. É
vice-coordenadora do Grupo de Pesquisa Pítia: Memória e Mediação.
Email: claudialeonor.oliveira@gmail.com.
CLEIDE VITOR MUSSINI BATISTA
Possui graduação em Letras pela Universidade Estadual de Londrina
(1992), graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Londrina
(1994), graduação em Psicologia pelo Centro Universitário Filadélfia
(2012), mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Londrina
(1999), doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas
(2003) e pós-doutorado em Psicologia pela USP (2006) e em Psicanálise
pela UFPB (2014). Atua como psicóloga do Grupo de Apoio (GEAE)
Especializado da Secretaria Municipal de Educação de Londrina e como
professor associado da Universidade Estadual de Londrina. Coordena o
Núcleo de Estudos e Pesquisas Psicanálise e Infância.
Email: cler.psico@gmail.com
246
JULIANE FRANCISCHETI MARTINS
Doutora em Educação pelo programa de pós-graduação em Educação
da FCT -UNESP (2020), com Mestrado na mesma instituição (2015).
Possui graduação em pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (2007), graduação em Letras pela FAPEPE (2014).
Atuou como Orientadora Pedagógica na rede municipal de Presidente
Prudente-SP e, atualmente, é Diretora de Escola no mesmo município.
Possui experiência na área de produção textual, literatura infantojuvenil,
contação de histórias, bibliotecas escolares e bebeteca.
Email: julianefmotoyama1@gmail.com
LAYARA FEIFER CALIXTO SECO
Mestra em Ciência da Informação pela Universidade Estadual de Londrina
(2017) e graduada em Biblioteconomia pela mesma instituição (2013). Foi
bolsista CAPES durante o mestrado, participando de estudos sobre ética,
mediação e apropriação na Ciência da Informação.
Email: layfeier@gmail.com
MARCELA AGUIAR DA SILVA NASCIMENTO
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação pela
Universidade Federal do Espírito Santo (PPGCI/UFES). Graduada em
Biblioteconomia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Dedica-se ao escopo de pesquisa relacionado às práticas informacionais
de corporeidades dissidentes, com enfoque na travestilidade e nas (des)
naturalizações dos gêneros.
Email: agr.marcela@gmail.com
MARCIA CRISTINA DE CARVALHO PAZIN VITORIANO
Doutora e mestre em História Social pela Universidade de São Paulo
(USP). Especialista em Organização de Arquivos pelo IEB/USP. Docente
do curso de Arquivologia e do Programa de Pós-Graduação em Ciência
da Informação Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho
(UNESP/Marília). Ao longo da carreira atuou como consultora em
projetos de implantação de arquivos, foi responsável técnica de Códice
247
- Memória & Arquivo Ltda e Gerente de Documentação e Projetos da
Fundação Patrimônio Histórico da Energia e Saneamento. É autora de
diversos artigos e do livro “Arquivos de organizações privadas: funções
administrativas e tipos documentais”.
Email: marcia.pazin@unesp.br
MARIA CRISTIANE BARBOSA GALVÃO
Professor at the Department of Social Medicine, Faculty of Medicine of
Ribeirao Preto, University of Sao Paulo. Ph.D. in Information Science
by University of Brasilia (2003) with a doctoral stage at University of
Montreal (2002-2003), M.Sc. in Communication by University of Sao
Paulo (1997), and Bachelor in Library and Documentation by University
of Sao Paulo (1992). Professor and a researcher full-time in universities
since 1994, including University of Sao Paulo (since August 2005),
University of Brasilia (1996-2005), and Federal University of Sao Carlos
(1994-1996). Associate Researcher at University of Campinas (2010-
2013), and Visiting Professor at the Departament of Family Medicine,
Faculty of Medicine, McGill University (2011-2012), and at University of
Malaga (2000). Author of papers, books, book chapters, communication
in events, and texts in newspapers and magazines. Advisor for scientific
initiation, graduation work, specialization, masters and doctors degrees.
Referee for several journals in the fields of Information Sciences and Health
Information. Interests include: Health information, health technology,
evidence based health, health records, health terminology, social media,
responsible innovation, frugal innovation. Mother of the twins Cássia and
Nicolas. They are now 18 years old.
E-mail: mgalvao@usp.br
MARTA LEANDRO DA MATA
Doutora em Ciência da Informação (2014), Mestre em Ciência da
Informação (2009) e Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP/Campus de Marília),
com período de doutorado sanduíche na Universidade Carlos III de Madrid
(2013). Pós-Doutorado em Ciência da Informação pela Universidade
Estadual de Londrina (2016). É professora adjunta do Departamento
248
de Biblioteconomia e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Líder
do grupo de pesquisa “Competência em Informação e Processos Inter-
relacionados”. É responsável pela coluna “Entre conexões e processos
informacionais”, no site Infohome.
Email: marta.lm.ci@gmail.com
RENATA JUNQUEIRA DE SOUZA
Possui graduação em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (1987), mestrado em Linguística e Letras pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1990), doutorado em Letras
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2000) e é
livre-docente pela mesma Instituição (2012) no conjunto das disciplinas
Conteúdos, Metodologia e Prática de Ensino de Língua Portuguesa I e II
e Leitura, Literatura e Interpretação de Textos no Processo de Formação
de Professores. Foi professora visitante na Universidade do Minho,
desenvolveu pesquisas de pós doutorado na British Columbia University,
Ohio State University e Universidade de Évora. Atualmente é professora
no Curso de Pedagogia da Faculdade de Ciência e Tecnologia da UNESP
de Presidente Prudente, onde fundou e coordena o CELLIJ - Centro de
Estudos em Leitura e Literatura Infantil e Juvenil “Maria Betty Coelho
Silva”, atua no PPGE - Educação da mesma instituição e é professora
colaboradora no PPGL - Letras da Universidade Federal da Paraíba. Tem
experiência em Educação, atuando na área de Ensino-aprendizagem com
ênfase em: leitura, literatura infantil, estratégias de leitura, poesia e ensino,
formação de professores, leitura literária.
Email: recellij@gmail.com
SILVIA MARIA DO ESPÍRITO SANTO
Socióloga (FESP), Mestre em Ciência da Informação pela ECA e Doutora
em Ciência da Informação pela Unesp – Pós-doutora pela Universidade do
Porto. É docente do curso de Bacharelado em Biblioteconomia e Ciência da
Informação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto
– USP. É Coordenadora do Grupo de Pesquisa Pítia: Memória e Mediação
e membro colaborador do Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura,
249
Espaço e Memória – CITCEM da Universidade do Porto-Portugal.
Email: silesan@usp.br.
SUELI BORTOLIN
Doutora e Mestre em Ciência da Informação pela Unesp/Marília.
Especialização em Gestão de Unidades de Informação e graduação em
Biblioteconomia na Universidade Estadual de Londrina (UEL). É professora
Senior na UEL colaborando na Pós-graduação em Ciência da Informação,
coordena o Grupo de Pesquisa Interfaces Informação e Conhecimento que
atualmente acolhe o Projeto Mediação Oral da Informação e da Literatura
em ambiente digital. Membro da Rede Mediar vinculada a Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Tem uma Coluna no site Infohome a respeito
da literatura infantojuvenil. Participou da organização dos seguintes
livros: Fazeres Cotidianos na Biblioteca Escolar (2006 edição impressa/
Polis Editora e 2018 edição digital/Abecin); Espaços e Ambientes para
a Leitura e Informação (2012 edição impressa/Fapeam e 2020 edição
digital/Abecin) e Mediação Oral da Informação e da Leitura (2015 edição
impressa).
E-mail: bortolin@uel.br.
Sobre o livro
Catalogação
Lucinéia da Silva Batista
Bibliotecária CRB SP 010373/O
Normalização
Isabelle Ribeiro O. C. Lima
Capa e Diagramação
Maria José Vicentini Jorente
Isabelle Ribeiro O. C. Lima
Imagem Capa
Marcos Santos/USP Imagens
Produção gráfi ca
Isabelle Ribeiro O. C. Lima
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Ofi cina Universitária
Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Todos os direitos reservados
Formato
160 x 230 mm
Tipologia
Brandon Grotesque (corpo do texto)
Bitter Pro (títulos)
Papel
Cartão 250g/m² (capa)
Pólen Soft 80g/m² (miolo)
Tiragem
100
Impressão e acabamento
Nossa Impressão
Editoração
HELEN DE CASTRO SILVA CASARIN
(ORGANIZADORA)
O conteúdo do livro pode
ser de interesse de bibliotecários,
arquivistas e museólogos, bem como
de graduandos destes cursos, que
tenham interesse em complementar
a sua formação, no que diz respeito
a diferentes grupos de indivíduos
que fazem parte das comunidades
atendidas pelas unidades de
informação. Conhecer o perfi l destes
diferentes grupos poderá auxiliá-los
(ou pelo menos sensibilizá-los) no
planejamento, ou aprimoramento
do espaço, do atendimento e dos
serviços de bebetecas, bibliotecas,
centros de documentação, arquivos
ou museus para estes diferentes
públicos
ORGANIZADORA
Helen de Castro Silva Casarin
Bibliotecária, formada pela
Unesp de Marília com mestrado
em Educação e doutorado em
Letras. Foi professora do curso
de Biblioteconomia na UEL e
na UFSCar e, desde 1998, é
professora do Departamento de
Ciência da Informação da Unesp,
de Marília. Tem se dedicado ao
ensino e à pesquisa sobre usuários
da informação, particularmente
aqueles do contexto acadêmico
e educacional. Coordenou
diversos projetos de pesquisa e
extensão sobre o tema, e é autora
do livro “Estudo do usuário da
informação e de diversos artigos
cientí cos que tem como foco o
usuário e a forma como este lida
com o universo informacional.
email: helen.castro@unesp.br
Seguindo a temática do livro anterior “Estudos de Usuários
da Informação”, publicado em 2014, a presente obra reúne textos de
especialistas de diferentes áreas do conhecimento que apresentam
as principais características e informações sobre pessoas com perfi s
variados. Entretanto, diferentemente da obra anterior, que trazia
informações sobre grupos de usuários mais recorrentes na literatura,
neste livro optou-se por uma abordagem mais inclusiva e plural,
incluindo capítulos sobre grupos pouco abordados em obras sobre o
tema, tais como bebês, defi cientes, indivíduos com altas habilidades,
pessoas do grupo LGBTQIA+, usuários de arquivos e de museus.
O intuito é proporcionar informações básicas, porém
fundamentais para que os profi ssionais da informação possam
compreender as principais características e necessidades destes
grupos, dirimindo pré-conceitos e estigmas que possam comprometer
o trabalho de bibliotecários, arquivistas e museólogos no atendimento
destes indivíduos. A postura inadequada ou equivocada destes
profi ssionais, muitas vezes devido ao desconhecimento acerca das
especifi cidades destes indivíduos pode, involuntariamente, resultar
em experiências negativas ao usuário que, por sua vez, fi cará com
uma imagem distorcida do papel dos profi ssionais e das Unidades
de Informação, afastando-o ou difi cultando o uso das unidades de
informação. Além disto, estes grupos muitas vezes são invisíveis ao
trabalho dos profi ssionais que estão à frente de unidades de informação,
permanecendo na categoria de usuários potenciais ou mesmo de não
usuários, visto que eles próprios muitas vezes não se reconhecem
como tal e porque muitas vezes as unidades de informação não estão
devidamente preparadas para atendê-los.
USUÁRIOS DA INFORMAÇÃO
E
DIVERSIDADE
Processo CAPES
Nº 23038.007497/2017-11
Programa de Pós-graduação em
Ciência da Informação
CONVÊNIO AUXPE/PROEX
565/2017
CHAMADA Nº 02/2021
PUBLICAÇÃO DE LIVROS
RESULTANTES DE PESQUISAS
ACADÊMICO-CIENTÍFICAS
Organizadora
Helen de Castro Silva Casarin
USUÁRIOS DA INFORMAÇÃO
E DIVERSIDADE