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(O.)
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Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
Marília
2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
Diretor:
Dr. José Carlos Miguel
Vice-Diretor:
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Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
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Neusa Maria Dal Ri
Rosane Michelli de Castro
Ficha catalográfi ca
Serviço de Biblioteca e Documentação – Unesp - campus de Marília
Editora afi liada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora Unesp
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Paulo : Cultura Acadêmica, 2016.
262 p.
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
ISBN 978-85-7983-818-7 (impresso)
ISBN 978-85-7983-819-4 (digital)
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Ciência política. 5. Ideologia. 6. Materialismo dialético. I. Pinheiro, Jair.

DOI https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819
-4
SUMÁRIO
Apresentação ....................................................................................... 7
DIÁLOGOS
La marca de Althusser e n mi formación marxista
Marta HARNECKER .......................................................................... 13
Os marxismos de Sartre e Althusser: a propósito do debate
sobre o “humanismo
André Constantino YAZBEK ................................................................. 37
I
Gramsci e Althusser: as formas de um diálogo possível
Leandro GALASTRI ............................................................................ 55
POLÍTICA E IDEOLOGIA
Ideologia, ideologias, lutas de classes: althusser e os aparelhos
ideológicos (de estado)
Lúcio Flávio Rodrigues de ALMEIDA .................................................... 71
Comunismo: fim da política? Uma crítica a J. Chasin
Luiz Eduardo MOTTA ......................................................................... 97
SOBRE A DIALÉTICA MATERIALISTA
Althusserianismo e dialética
Décio Azevedo Marques de SAES .......................................................... 117
Sobre a fundamentação althusseriana do marxismo
João Quartim de MORAES ................................................................ 133
TEORIA E MÉTODOS
Indicações para o estudo do marxismo de Althusser
Armando BOITO JR ........................................................................... 151
Uma ruptura declarada
Jair PINHEIRO ................................................................................... 183
O anti-humanismo teórico na obra de Louis Althusser: problemas
de teoria e efeitos políticos
Danilo Enrico MARTUSCELLI ........................................................... 213
Materiais para pesquisa sobre o marxismo althusseriano ...................... 235
7
APRESENTA
ÇÃO
Em 1965, Louis Althusser publicou Pour Marx e Lire Le Capital,
duas coletâneas que impactaram o debate teórico no campo do marxismo
na agitada década de 1960. A primeira, constituída por textos que ele mes-
mo vinha publicando desde o começo da década, como crítica ao econo-
mismo e ao humanismo teórico ao mesmo tempo em que polemizava com
aqueles que advogavam a tese de que o marxismo vivia uma crise terminal,
que era preciso superá-lo para avançar no campo das ciências humanas. A
segunda, composta por textos seus, de Pierre Macherey, Jacques Rancière,
Étienne Balibar e Roger Establet, jovens pesquisadores, seus alunos, que
o acompanhavam no projeto de renovação do marxismo, consiste no que
Althusser chamou de leitura sintomal da obra magna de Marx, visando à
sistematização do que se encontra em estado prático em O Capital, ou seja,
não formulado e sistematizado.
O destino dessas duas coletâneas apresenta algo de paradoxal.
Rapidamente se tornaram referências, impactando inclusive diversas áreas
do conhecimento, como o direito, a psicanálise, a linguística, a educação,
a antropologia, a filosofia, além das áreas que tradicionalmente recebe-
ram mais atenção do marxismo, como a história e a ciência política, por
exemplo. Contudo, também rapidamente se observou um refluxo neste
impacto, o que não significou o desaparecimento da teoria althusseriana
do debate político e teórico, mas certa diluição do impacto inicial e a res-
trição do debate a alguns centros acadêmicos que produziram pesquisas
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p7-12
Jar Per (Or.)
8
inovadoras sobre a formação social onde se inseriam ou grupos políticos
que marcaram presença nas lutas travadas no Brasil e na América Latina.
Embora um texto de apresentação não seja o lugar mais adequa-
do para levantar hipóteses, uma explicação possível para esse destino, sem
prejuízo de outras, é a convergência do caráter de inacabamento teórico
(expressão minha) que reveste as duas coletâneas, como indicam os seus
prefácios, com o impacto sobre o grupo do Maio de 68 francês, o que
provocou afastamentos e críticas conforme as posições assumidas em face
dos acontecimentos.
Essa hipótese vem a calhar porque, como consequência desse ina-
cabamento, os pesquisadores que se apropriaram da teoria althusseriana e
a operacionalizaram na análise de processos concretos, também realizaram
esforços para o desenvolvimento da teoria, esclarecendo conceitos deixados
apenas em estado prático pelos autores das coletâneas e/ou produzindo no-
vos conceitos no interior do dispositivo teórico inaugurado por Althusser,
com resultados inovadores na interpretação desses processos, o que teste-
munha a fecundidade deste dispositivo.
Em 2015, para marcar a efeméride dos 50 anos de publicação das
duas coletâneas e, claro, também intervir no debate teórico com os resul-
tados de seus estudos, pesquisadores de diversas instituições, vinculados a
vários grupos de pesquisa como Cultura e Política do Mundo do Trabalho
(CPMT); Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais (NEILS); Centro
de Estudos Marxistas (CEMARX); Grupo de Estudo e Pesquisa da América
Latina (GEPAL) e Laboratório de Estudos sobre Estado e Ideologia (LEI) se
associaram na organização do I Seminário Interinstitucional Teoria Política
do Socialismo “Althusser: 50 Anos d’O Capital Por Marx”. Os textos que in-
tegram a presente coletânea são de autoria dos participantes deste seminário,
exceto a entrevista de Marta Harnecker.
Os textos foram organizados de acordo com o foco temático.
Assim, na primeira seção, intitulada Diálogos, aparecem a entrevista de
Marta Harnecker, na qual ela relata a experiência do seu encontro com o
grupo de Althusser e como este encontro repercutiu em sua própria for-
mação e no trabalho pedagógico que realiza junto aos movimentos sociais
desde a década de 1970; André Yazbek faz um cotejamento entre dois pro-
L A
9
jetos de renovação do marxismo: o de Sartre e o de Althusser e, fechando a
seção, Leandro Galastri comenta a interlocução entre Gramsci e Althusser
quanto aos aparelhos privados de hegemonia, as análises de ambos os au-
tores sobre Maquiavel e ao marxismo como teoria finita.
A segunda, Política e Ideologia, apresenta duas contribuições: a de
Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida sobre o artigo de Althusser Ideologias
e aparelhos ideológicos de Estado, com uma análise que enfrenta a crítica de
reprodutivismo dirigida àquele artigo, o coteja com a apropriação crítica
dele por Poulantzas, buscando ampliar as possibilidades de operacionali-
zação do conceito de aparelho ideológico na análise política; e a de Luiz
Eduardo Motta, cujo foco é a crítica do conceito de ontonegatividade da
política, de José Chasin, e, consequentemente, destaca como contribuição
importante da teoria althusseriana sobre este aspecto, que a política ultra-
passa o Estado, o que permite pensar a política na sociedade comunista,
em novas condições.
A terceira seção, Sobre a Dialética Materialista, também apre-
senta duas contribuições: a de Décio Saes, que apresenta uma interpre-
tação original e criativa das contribuições de Althusser, buscando definir
um quadro conceitual dos princípios da dialética em operação na teoria
althusseriana; e a de João Quartim de Moraes, que propõe acrescentar às
três teses – a de um corte epistemológico; a da luta de classes na teoria; a
dos aparelhos ideológicos de Estado – que, segundo Balibar, constitui o
legado althusseriano, uma quarta, a da crítica ao humanismo metafísico.
A quarta e última seção, Teoria e Método, apresenta três contri-
buições: a de Armando Boito Jr. que periodiza a produção althusseriana,
examinando um conjunto de conceitos que, ao mesmo tempo, renova o
marxismo e reafirma sua força como ciência social; Jair Pinheiro desta-
ca as marcas da ruptura epistemológica nos textos de Marx e examina os
desenvolvimentos de Althusser sobre a questão; por fim, Danilo Enrico
Martuscelli analisa a tese do anti-humanismo teórico articulada às teses do
corte epistemológico e à da relação entre ciência e ideologia.
Esta coletânea termina com uma relação, preparada por Danilo
Martuscelli, das obras de Althusser em língua portuguesa, artigos, livros e
capítulos de livros, além de referências na rede mundial de computadores
Jar Per (Or.)
10
e teses e dissertações que, em alguma medida, se debruçaram sobre a teoria
althusseriana. Certamente esta relação não pretende ser exaustiva, por isso
nos desculpamos com os autores que eventualmente tenham escapado ao
nosso conhecimento.
Finalmente, em Defesa da tese de Amiens, referindo-se a seu objeti-
vo, Althusser afirma: “[...] lê-se nos títulos dos meus livros: “Pour Marx” e
Lire Le Capital”. Porque esses títulos são igualmente palavras de ordem.
1
Na trilha do autor homenageado, o título “Ler Althusser” não chega a
ser uma palavra de ordem, o que não caberia ao caso, mas é um convite a
lê-lo, seja pela vitalidade da sua contribuição, seja pelos desenvolvimentos
da teoria althusseriana posteriores à década de 1970, ou ainda pelo fato de
que, entre nós, a crítica a Althusser na atualidade tem se baseado em certo
desconhecimento do autor, já que (salvo raríssimas exceções) têm por refe-
rência leituras antigas, no lugar de um exame do próprio objeto da crítica.
Jair Pinheiro
1 Althusser, L. Posições
11
Diálogos
12

LA MAR
CA DE ALTHUSSER E
N
MI FORMACIÓN MARXISTA
Marta HARNECKER
1
Este texto contiene mis respuestas a preguntas realizadas por
varios entrevistadores en diferentes épocas de mi vida sobre el tema de
Althusser y el marxismo
2
. Es un pequeño homenaje a quien ha significado
tanto para mi vida intelectual y política a los 50 años de la publicación de
sus dos primeros libros: Pour Marx y Lire Le Capital.
Marta Harnecker
26 enero 2016
1 DEL CATOLICISMO MILITANTE AL MARXISMO
¿Cómo llegaste a encontrarte con Althusser?
Para responder a tu pregunta tengo que hacer un largo rodeo.
Empezaría por decir cómo llegué a interesar en el marxismo Y esto
no ocurrió un día para otro. Creo que las condiciones fueron preparándose
1
Psicóloga, escritora, periodista chilena, una de las principales investigadoras y divulgadoras de las experiencias
de transformación social em América Latina.
2
Revista española Argumentos, mar. 1978; Revista chilena Punto Final Internacional, 1983; Revista mexicana
Cuadernos del Marxismo, enero 2002; Brancaleone Films y Cátedra Che Guevara, Néstor Kohan, Argentina,
sep. 2014; investigadora Argentina Isabel Rauber, trabajo inédito, enero 2015; Canal Arte de Francia, Adila
Bennedjaï Zou y Bruno Oliviero, septiembre2015, y Lutas Sociales, Brasil, diciembre 2015.
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p13-36
Jar Per (Or.)
14
desde 1958 o 1959. En ese momento yo era alumna de la Escuela de
Psicología de la Universidad Católica de Santiago y había llegado a ser
presidenta de la Acción Católica Universitaria. Con un grupo dirigente
de dicha organización y otros compañeros de la Universidad Católica de
Santiago, comenzamos a plantearnos cómo lograr hacer más efectivo el
principio cristiano del amor al prójimo. El libro del filósofo francés Jacques
Maritain: «Humanismo Cristiano» era una especie de Biblia para nosotros
en aquella época.
Como parte de un programa de la Iglesia Católica yo también
había ido a trabajar a una fábrica de pastas (Lucketti) durante las vacaciones
de mi tercer año de Psicología. Y lo hice porque quería quedar marcada
para siempre por dicha experiencia, pensando que de esa manera no iba
a caer en el aburguesamiento en que muchos estudiantes universitarios
habían caído luego de transformarse en profesionales.
En este contexto se puede entender mejor la conmoción que
produjo en mí la revolución cubana. A mediados de 1960, sólo seis meses
después del triunfo, cuando todavía todos los guerrilleros verde olivo andaban
con sus melenas largas, visité el país invitada como dirigente estudiantil de la
Universidad Católica junto a otros compañeros de la Universidad de Chile.
Fue mi primer encuentro con una sociedad que estaba tomando medidas
para resolver la desigualdad y aplicar la justicia social que yo ya buscaba. Eran
los momentos de euforia, de improvisación y creatividad de una revolución
que todavía no se declaraba socialista, pero que había transformado al pueblo
en el verdadero protagonista del proceso y en su principal beneficiario. Una
revolución que desde tan temprana edad había empezado a practicar la
solidaridad con otros países de América latina.
– ¿Puedes poner un ejemplo de alguna expresión de solidaridad de la revolución
cubana?
Recuerdo siempre mi visita a un cuartel transformado en escuela
en la Sierra Maestra. Al saber que yo venía de Chile – país recientemente
afectado por un fuerte terremoto que había destruido muchas viviendas –,
aquellos niños campesinos de corta edad, para mi asombro, me preguntaron
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15
por el terremoto y me dijeron que en su escuela estaban esperando la
llegada de niños chilenos mientras se reconstruían sus casas.
Las seis semanas en las que recorrimos la isla de punta a cabo nos
permitieron vibrar con ese pueblo y sus múltiples esfuerzos por comenzar a
salir de la pobreza y encontrar una vida digna. Esa experiencia produjo en
mí una rápida politización que asombró a mis amigos más cercanos. Desde
entonces las preocupaciones políticas pasaron a ser más importantes que
las religiosas, pero esto todavía nada tenía que ver con el marxismo.
2 VIAJE A PARÍS
– ¿Cómo llegaste a París?
Luego de licenciarme en Psicología en la Universidad Católica de
Chile, y de empezar a trabajar como profesora de Psicología Fenomenológica
en esa universidad, decidí postular a una beca que ofrecía la embajada
francesa, junto a Rodrigo Ambrosio, mi pololo (así llamamos en Chile a
las relaciones de pareja antes de ser formalizadas en noviazgo) y otra pareja:
Cristina Hurtado y Raimundo Beca. Todos nos ganamos becas y viajamos
a París en barco en septiembre de 1963.
En esa época de mi vida pre-política, si la pudiésemos llamar así,
tenía una gran preocupación filosófica: el tema de la libertad humana. Una
prueba de ello es que mi tesis de licenciatura en la carrera de Psicología
estuvo centrada en la fenomenología del acto libre. Mi visión de la libertad
humana se contraponía a mi visión del marxismo de aquel entonces:
rechazaba el materialismo mecanicista que negaba dicha libertad.
– Has mencionado el marxismo, ¿podría decirme como llegasteis a interesarte en él?
Mi interés por el marxismo aparece como resultado de la lucha
estudiantil entre cristianos y comunistas. En el medio político en que
yo me movía (simpatizantes de la Democracia Cristiana), oía constantes
críticas a la teoría marxista y, por un principio de honradez intelectual, fue
surgiendo en mí la necesidad de conocer en sus propias fuentes esa teoría.
Jar Per (Or.)
16
Conociendo que me había propuesto estudiar el marxismo
durante mi estadía en Francia, mi amigo cristianomarxista chileno (Jacques
Chonchol) me recomendó hablar con un sacerdote francés, militante del
partido comunista de ese país. No recuerdo su nombre. Y ese sacerdote me
recomendó ponerme en contacto con Luis Althusser, que entonces impartía
clases en la Escuela Normal Superior de la Rue D’Ulm, en el Barrio Latino.
Me lo recomendó porque él consideraba que era una persona que tenía una
gran disposición a trabajar con los jóvenes.
– ¿Ya habías leído algo sobre el marxismo?
Antes de conocer Althusser había leído dos textos marxistas: un
pequeño librito de Politzer sobre el materialismo dialéctico y un libro de
Charles Bettelheim sobre el subdesarrollo. El primero lo único que hizo fue
aumentar mis aprensiones como creyente acerca del materialismo marxista.
El segundo fue fundamental para acercarme al marxismo ya que echaba
por tierra la expandida tesis del llamado «círculo vicioso de la miseria» que
el sacerdote jesuita Roger Veckemans nos había inculcado en Chile. Se me
abrió un mundo cuando entendí que la pobreza de nuestros países no se
debía a que fuésemos menos capaces o más pobres, sino a la explotación
que habíamos sufrido por parte de los países desarrollados. Era la primera
explicación marxista convincente que recibía acerca de cómo funcionaban
nuestras sociedades.
En mis primeras vacaciones en Francia, además de dedicar un
tiempo al turismo viajando en autostop por el Sur de Francia hacia Italia,
dediqué otra parte de él a leer sobre Marx. Probablemente orientada por
el cura comunista leí el libro del jesuita Jean-Ives Calvez: La Pensée de Karl
Marx
3
(El pensamiento de Karl Marx) y me identifiqué mucho con su
búsqueda intelectual inicial.
– Volviendo a tu viaje a París, ¿qué fuiste a estudiar?
Yo pensaba inicialmente especializarme en Psicología Social, para
volver a impartir clases en Chile sobre la materia, pero al ver el programa de
3
CALVEZ, J.-I. La Pensée de Karl Marx, Paris: Editions du Seuil, 1956. Sobre el pensamiento de Marx
L A
17
La Sorbonne me di cuenta que ya había estudiado todos esos contenidos en
mi país. Fue entonces cuando un amigo uruguayo de la Acción Católica
4
que estaban estudiando en París, me recomendó hablar con Paul Ricoeur,
un conocido filósofo francés que realizaba unas especies de tutorías con
algunos estudiantes interesados en esta forma de aprendizaje.
Ricoeur me recomendó leer a varios autores, pero como todos
ellos tenía hacían referencias a Kant, autor que yo no había estudiado,
terminó por recomendarme la lectura de una de sus obras: «La Crítica
de la razón pura». Recuerdo que leía 16 páginas por días y trataba de
ir resumiendo sus principales ideas. Mi primer trabajo fue comparar el
concepto de imaginación radical de Kant y con el de fantasía creadora de
Phillip Lersch, un psicólogo alemán con un enfoque fenomenológico de
la Psicología que se estudiaba en la carrera de Psicología en la Católica.
5
Carente de formación filosófica, me sentía muy insegura intelectualmente
al estudiar estos autores tan complicados para mí Mi inseguridad era tal
que nunca me atreví a preguntarle a Ricoeur qué pensaba de mi trabajo.
Luego me dio una segunda tarea: escribir acerca de una obra de Merleau
Ponty, no recuerdo cuál en este momento. Recuerdo que hice un resumen
de ella y se la entregué a mi profesor, pero nunca supe qué opinó de ella.
Ese primer año y parte del segundo, no tuve contacto alguno con
Althusser.
3 RELACIÓN CON ALTHUSSER: UNA PROFUNDA AMISTAD
– ¿Cuándo ocurrió tu primer contacto?
Fue, si no recuerdo mal, en el otoño de 1964, luego de las vacaciones
de verano en Europa y habiendo ya leído el libro de Calvez, que contacto por
la primera vez a Althusser. Habíamos formado un grupo de estudios con el
grupo que llegó conmigo y algunos amigos latinoamericanos provenientes de
diversos países y relacionados a mis actividades previas en la Acción Católica
Universitaria, fundamentalmente brasileños
6
. Fue por encargo de ese grupo
4
Jerónimo de Sierra, que luego llegó a ser un reconocido sociólogo de su país.
5
Su libro La Estructura de la Personalidad de Fantasía creadora.
6
Con muchos de ellos habíamos hecho un Retiro espiritual con un sacerdote domínico, quien no había dicho
que el pecado no era otra cosa que el egoísmo. La orden de los dominicanos publicaba una revista Frères du
Jar Per (Or.)
18
que al fin me decidí a contactarlo. Lo llamé por teléfono para pedirle una cita
e inmediatamente me invitó a pasar por su casa.
El vivía en un pequeño departamento dentro de la Escuela
Normal, a unos 50 metros del hotel en que yo estaba alojada en la calle
Feullantines. Me impresionó el buen gusto con que esta arreglada su sala y
lo humano que él era. Mi timidez inicial desapareció rápidamente.
Ese primer encuentro con Althusser fue el inicio de una gran
amistad. Desde que lo conocí hasta que cayó en estado depresivo profundo
en 1968, lo veía regularmente una o dos veces por semana, sea en su
departamento, donde él mismo cocinaba, sea en algún restaurante a la
orilla del Sena, o en algún otro lugar del Barrio Latino.
En ese momento yo estaba viviendo una crisis personal, por un
lado, el amor no correspondido por parte de Rodrigo Ambrosio, cuya
relación yo había terminado meses antes de ir a París, pero que ya en esa
ciudad en vano quise retomar – él había quedado muy traumatizado por
la inesperada ruptura de mi parte –, y por otro, una gran inseguridad
intelectual provocada por las lecturas filosóficas que me recomendaba por
Paul Ricouer. Recuerda que yo estudié Psicología, tenía, por lo tanto, una
escasa formación filosófica.
Althusser me ayudó en ambos planos, en el afectivo y en el
intelectual. En el primero decía que no podía entender cómo no era
correspondida. En el plano intelectual me reafirmó enormemente.
Me pidió le pasara el último trabajo que acababa de terminar para
Ricoeur sobre MerleauPonty. Recuerdo que le dije: «No se si soy inteligente
o no». «Pásame tu trabajo» – me dijo. Y luego de leerlo expresó: que «Tu
tienes una gran capacidad pedagógica. No te preocupes tienes tiempo para
ser filosofa; todavía eres muy joven». Eso me ayudó mucho. La verdad es
que nunca llegué a ser filósofa, pero sí creo que tengo una fuerte vocación
pedagógica y habilidades para comunicar ideas en forma sencilla.
Una de las primeras cosas sobre las que conversamos fue con
Althusser fue sobre el tema del tiempo que para mí era como una camisa
estrecha. Le expresé mi angustia de sentir que no tenía tiempo para todo lo
Monde que era tan avanzada que defendía la existencia del partido único siempre que éste fuera pluralista y
respetara la democracia interna.
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19
que quería hacer. Nunca he podido entender cómo la gente puede aburrirse
cuando hay tantas cosas que hacer. El me recomendó leer su artículo
sobre el teatro materialista donde habla de Bertold Brecht, publicado en
diciembre del 1962 en la revista Esprit, porque allí abordaba ese tema. Ese
fue el primer trabajo que leí de él.
Althusser había estado publicando anualmente desde 1960
artículos muy interesantes
7
y polémicos en relación con las obras de la
juventud de Marx, que luego fueron reunidos en su libro Pour Marx,
publicado en 1965 por la editorial Masperó. Los planteamientos allí
vertidos conmovieron al medio intelectual francés y luego al europeo,
entre otras cosas porque iban contra la corriente de aquellos años en que
muchos autores estaban desarrollando una visión humanista del marxismo
basado en las obras del joven Marx.
Él me fué pasando esos artículos y me recomendó leer directamente
a Marx empezando por El Capital, y no por sus páginas iniciales sino
partiendo por el capítulo de la plusvalía, ya que en los primeros capítulos
Marx había coqueteado según el – con la dialéctica hegeliana.
Se estableció así entre ambos un riquísimo intercambio intelectual.
Yo le iba consultando las dudas a medida que iba leyendo sus escritos,
al comienzo los que él había publicado hasta ese momento y luego sus
trabajos inéditos, o El Capital; y él me iba contando acerca de sus nuevas
incursiones teóricas.
Cuando lo invité a participar en una reunión de nuestro grupo
de latinoamericanos, me respondió que no tenía tiempo para hacer esto ya
que estaba trabajando intensamente en su libro Pour Marx, pero que me
invitaba a participar en el seminario sobre otro libro en preparación: Lire
Le Capital. Me recomendó en cambio invitar a Régis Debray muy amigo
de él. En esa época Régis ya había publicado su primer libro: El castrismo:
La larga marcha de América Latina.
7
Fundamentalmente en las revistas francesas La Pensée y La Nouvelle Critique.
Jar Per (Or.)
20
4 DESCUBRIENDO A MARX ORIENTADA POR ALTHUSSER
– ¿Podrías decirnos qué papel atribuyes a ese pensador en el desarrollo del
marxismo y en tu propia formación personal?
A mi entender Althusser hizo un aporte fundamental en el campo
teórico: nos permitió redescubrir el marxismo. Nos enseñó no sólo que
Marx no había sido superado, como solía plantearse entonces, sino que,
por el contrario, que el potencial teórico de su obra había sido subutilizado;
que la ciencia de la historia descubierta por Marx nada tenía que ver con
las interpretaciones dogmáticas del marxismo que lo planteaban como
un conocimiento acabado; que gran parte del camino estaba todavía
por hacerse; que ser marxista no era repetir fórmulas hechas y aplicarlas
mecánicamente a realidades históricas concretas sino extraer de las obras
de Marx aquellos instrumentos teóricos que permiten enfrentar en forma
creadora nuevas realidades.
En cuanto a mí, Althusser me hizo descubrir a Marx. Me apasionó
tanto su enfoque del marxismo como instrumento de transformación social
que decidí abandonar la psicología (en Chile me esperaban como docente
universitaria en esa materia), para dedicarme de lleno al marxismo. Esa
decisión la tomé previa consulta con mis amigos chilenos de París. Era una
decisión demasiado importante para tomarla sola. Yo quería su opinión
acerca de donde sería más útil para Chile. Todos concordaron en que debía
dedicar a estudiar marxismo. Entonces pensaba que a mi regreso a Chile
podría ganarme la vida como traductora de francés. Nunca pensé que iba
a poder vivir del marxismo.
Pero, cuando llegue a Chile, se produjo la reforma en la Universidad
de Chile y entre las cosas que fueron aprobadas estaba una cátedra sobre
marxismo. Como ya me conocían por mi introducción al libro de Althusser
y estaba en proceso de publicación mi libro: «Los conceptos elementales
del materialismo histórico», me invitaron a participar en la confección de
los primeros programas. Fue así como, contra todo lo imaginado, empecé
a poder sobrevivir gracias al marxismo. Fui de los primeros profesores/as
que impartieron cursos universitarios de marxismo.
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21
– ¿Cuándo fue eso?
Fue en el año 70, yo llegué a finales del 68 de Francia. Pero eso no
duró mucho porque ya en el 71 me pidieron que asumiera la dirección de
la revista política Chile Hoy. El periodismo en esa coyuntura tan especial
que estaba viviendo el país me entusiasmó enormemente. Tenía muchas
discusiones con mis alumnos en Sociología de la Universidad de Chile,
donde impartía clases. Entonces militaba en el Partido Socialista, un partido
de la Unidad Popular y mis alumnos miristas (del MIR) me criticaban por
reformista; todo lo que yo decía era interpretado como reformismo. Era un
diálogo de sordos. Recuerdo, sin embargo, que algunos de esos estudiantes,
los más honestos, me fueron a ver al finalizar el curso para decirme que tenía
razón en las cosas que yo decía y reconocieron que habían actuado mal.
Por eso yo me incliné mucho más por hacer cursos a obreros y campesinos
del PS que a universitarios. Los obreros que asistían a estos cursos iban con
una gran ansiedad de aprender para aplicar de inmediato lo que aprendían,
no era el caso de los universitarios.
Entonces fue cuando se acentuó mi vocación pedagógica y fue
debido a eso que empecé a escribir los cuadernitos de educación popular.
Luego de mis primeros contactos con Althusser y mi decisión de
prepararme en marxismo, dejo la tutoría de Ricoeur y comienzo a estudiar
a Marx. En el verano de 1966 me concentré en estudiar «El Capital» en
forma muy rigurosa, haciendo resúmenes y esquemas de todo lo que iba
aprendiendo, material que más tarde, en 1971, serían publicados bajo el
nombre de «El capital: conceptos fundamentales».
Althusser me enseñó el método con que debía estudiar a los
clásicos del marxismo. Me enseñó a leer, a leer más allá de lo que una cita
dice textualmente, a leerla en su contexto, a leer en profundidad, a deducir
de lo que el autor dice, pero también de lo que no dice, su pensamiento
profundo. Sólo de esta manera es posible liberarse del dogmatismo, liberarse
de la repetición de citas textuales sacadas de su contexto, argumentar con
razonamientos y no con recitación de textos. Sólo de esta manera se puede
desarrollar creadoramente el marxismo, extrayendo de las obras de los
clásicos un enorme caudal de instrumentos teóricos que serán muy útiles
para el estudio de las nuevas realidades que van surgiendo. Gracias a este
Jar Per (Or.)
22
método logré reconstruir, por ejemplo, el concepto de clases sociales en
Marx... darle de alguna manera vida al capítulo inconcluso de El capital.
En ninguna parte de su obra Marx define lo que son las clases sociales,
cuando lo iba a hacer muere, pero a lo largo de toda ella están presentes
los elementos teóricos que permiten darle un contenido conceptual a esa
palabra clave para el marxismo.
No recuerdo si fue a fines del 64 o comienzos del 65 que Althusser
convocó al seminario sobre el tema de su futuro libro: «Para leer El Capital».
Este libro cumplió en 2015 50 años de ser publicado. El seminario era
abierto a personas de fuera de la Escuela Normal y, como te mencioné
antes, Althusser me había invitado a asistir a él. Lo hice acompañada de
Petrola, un amigo brasileño filósofo.
Este libro fue escrito por varios autores. Además de Althusser,
participan: Etienne Balibar, Roger Establet, Jacques Rancière, Pierre Macherey.
En el seminario, cada autor exponía su capítulo y luego se entraba a una
discusión colectiva. Me costaba mucho seguir la exposición de los autores
cuando leían sus respectivos capítulos. Mi comprensión del francés no era
perfecta, pero, sobre todo, no tenía la formación filosófica para entender
muchas de las cosas que allí se planteaban. Quien ha leído a Althusser sabe
lo complejo que es su pensamiento. Sin embargo, cuando se abría el debate
y los autores respondían a las preguntas lograba entender mucho más.
En el otoño del año siguiente (1966) empecé a participar en un
seminario organizado por el grupo de discípulos de Althusser de la Escuela
Normal. En este caso tuve una participación activa. Me sentía mucho más
segura por haberle leído prolijamente «El Capital» en las vacaciones.
Este grupo fue derivando cada vez más hacia el maoísmo hasta
plantearse el abandono del Partido Comunista en el que todos ellos
militaban. Yo también simpatizaba mucho con el maoísmo. Me extrañó que
Althusser no abandonara el Partido como sus discípulos, ya que él tenía un
alto aprecio de Mao Tse Tung. Cuando le pregunté la razón de su decisión
me respondió: «He permanecido en el partido porque es allí donde está la
clase obrera francesa. Ellos [sus alumnos] son un grupo pequeño burgués
y como tal tienden a irse a los extremos.» Y eso fue lo que ocurrió. Una
gran parte de este grupo que era extremadamente teórico, en un momento
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
posterior decidió abandonar los estudios teóricos e incorporarse a trabajar
en las fábricas como obreros. El mayo francés (1968) los encuentra en esa
situación y por eso no pudieron participar en la orientación de esas luchas.
Si no me equivoco fue en el verano u otoño de 1967 que
Althusser cae en la depresión profunda que te mencioné anteriormente y
desaparece por varios meses de la Escuela Normal. Para mí fue muy duro
verlo derrumbarse y no poder ayudarlo. Es terrible ver que una persona por
la que sientes un gran cariño se hunde a tu lado y no puedes hacer nada. La
depresión es una enfermedad que te lleva a aislarte, creas una muralla que
no puede ser traspasada por nada ni nadie. Se trata de una enfermedad que
tiene orígenes en traumas psicológicos tremendos en de la vida infantil.
La enfermedad me permitió cortar con el cordón umbilical que me
unía a Althusser. Ese año decidí volver a Chile. No sé qué hubiese pasado si
Althusser no se hubiese enfermado. Me parecía tan difícil abandonar París
cuando tenía las posibilidades de estar en constante diálogo con él. Además
entre nosotros se había creado una relación muy especial, algo más que una
simple amistad. Yo muchas veces me pregunté si no estaría enamorándome
de él o si sólo se trataba de una inmensa abstracción intelectual. Él, por
su parte, me confesó que debido a sus problemas psicológicos no podía
amar profundamente a nadie y que si bien sentía un gran afecto por mí, no
quería establecer una relación que me haría sufrir.
Ese mismo verano mi padre me había invitado a ir Chile en las
vacaciones europeas, lo que también ayudó a que me motivara a regresar
al país. En ese momento Althusser ya era famoso en América Latina, y yo
empezaba a ser conocida por el prólogo que hice de su libro: Pour Marx
que, con su consentimiento, titulé: La revolución teórica de Marx.
5 PRIMEROS ESCRITOS
1) I
NTRODUCCIÓN A LA VERSIÓN ESPAÑOLA DE POUR MARX
– ¿Como fue que llegaste a traducir Pour Marx al español?
Para responderte, debo volver un poco atrás. Cuando llegué a
estudiar a París me había propuesto quedarme sólo dos años y luego volver a
mi país. No quería que me pasara como a estudiantes de América Latina que
Jar Per (Or.)
24
nunca volvía, se transformaban en eternos becados. Por ello decidí renunciar
a un tercer año de beca, pero luego, al conocer Althusser, y al sentir que
era una oportunidad extraordinaria poder trabajar tan cerca de él, decidí
quedarme por más tiempo y para sobrevivir tuve que empezar a trabajar.
Empiezo vendiendo tarjetas postales artísticas en una librería del
Barrio Latino y luego trabajo en la traducción de Pour Marx y luego de «Para
Leer El Capital». Debo haber iniciado la primera traducción a mediados de
1965 o comienzos de 1966, y la termino en agosto de 1966. El libro es publicado
a inicios de 1967. No recuerdo bien pero probablemente fue Althusser quien
me propuso como traductora a la editorial mexicana Siglo XXI editores.
La traducción de Pour Marx fue una tarea llena de desafíos, pero
muy positiva porque me obligó a adentrarme a fondo en el pensamiento
de Althusser. Y la introducción a ese libro fue mi primer escrito. Cuando
se la muestro a Althusser a él le encantó. Encontró que había sido capaz de
poner en forma muy clara conceptos que eran muy complejos. Al revisarla
me pidió incluir algunas precisiones filosóficas que el mismo redactó.
Esa introducción me dio a conocer como intelectual marxista
althusseriana en los medios académicos latinoamericanos, y lo hizo en
un momento en que había un verdadero snobismo althusseriano. Esta
situación se revertiría algunos años volviéndose en un snobismo anti
Althusser. Muchos de los que fueron muy admiradores de Althusser, luego
con la crítica a su supuesto estructuralismo, se hicieron antialthusserianos
sin realmente conocerlo.
– ¿En qué fundamentas tu afirmación?
Hubo dos cosas que yo viví de cerca que revelan lo poco que lo
entendieron.
La primera se refiere a mi experiencia en un seminario al que
asistió un grupo selecto de filósofos. Este seminario debía estudiar primero
el tema del estructuralismo – que estaba de moda en ese momento en París
– y luego a Althusser.
Mientras se discutía sobre estructuralismo, tema que me costaba
muchísimo entender, no me di cuenta de la calidad de los debates, pero
L A
25
cuando entramos a discutir el pensamiento de Althusser – que yo dominaba
–, me di cuenta que muchos de esos grandes filósofos no habían entendido
varios de sus conceptos claves.
La otra prueba es que cuando yo publico el libro de Althusser
«La revolución teórica de Marx», ahí yo uso el término de «estructura
a-dominante» para traducir su concepto «structure à dominante»
distinguiéndolo de su otro concepto: «estructura dominante» (structure
dominante). El editor decidió, sin consultarme, eliminar simplemente la «a»
de la palabra «estructura a-dominante» porque consideró que esa palabra
no existía en español, sólo «estructura dominante» con lo que deformó
completamente el esfuerzo hecho por el autor por diferenciar ambos
tipos de estructuras. En Althusser el término «estructura a dominante» se
refiere al concepto del todo social que está compuesto de varias estructuras
(económica, ideológica, jurídicopolítica), una de las cuáles domina en el
todo mientras las otras tienen un papel subordinado.
Yo reclamé y logré que aceptaran corregir la segunda edición.
Después de 17 años de esa edición leo un artículo del dirigente comunista
chileno exiliado en París donde escribe: «Como Althusser dijo, ‘estructura
dominante o a-dominante’ [...]» Asombrada de ver repetirse el error, reviso
la edición corregida y compruebo que habían corregido un pliego del
libro, pero que los otros pliegos habían conservado el error. Y ese libro fue
utilizado como texto por profesores universitarios durante 17 años y nadie
reclamó lo que me hace pensar que no entendieron uno de los conceptos
más claves de la interpretación althusseriana de Marx.
Quisiera recordar que las primeras obras de Althusser llegaron
a América Latina en un momento en que se habían producido reformas
universitarias y el marxismo empezaba a ser por primera vez materia de
estudio universitario. Fueron años de auge del marxismo y del pensamiento
de izquierda. Los trabajos de intelectuales marxistas sirvieron de base para la
elaboración de planteamientos programáticos para los gobiernos y partidos
de izquierda de esa época, en brutal contaste con la situación actual.
Jar Per (Or.)
26
2) LOS CONCEPTOS ELEMENTALES DEL MATERIALISMO HISTÓRICO
– ¿Como fue que llegaste se escribir Los conceptos elementales del materialismo
histórico?
La Introducción a Pour Marx hizo que Althusser me invitase
a colaborar en otro libro que él y Etienne Balibar iban a emprender. La
idea era que yo los ayudara a hacer una exposición más pedagógica de sus
ideas. El habló con Masperó sobre este nuevo proyecto y consiguió que él
me comenzara a pagar en forma anticipada una cierta cantidad de dinero
por ese trabajo. Ese proyecto nunca prosperó porque fue entonces cuando
Althusser cayó en esa profunda depresión.
En el último año de mi estadía en París (fines del 67 y mitad del
68) me dediqué a impartir un curso sobre el materialismo histórico con el
enfoque althusseriano a un pequeño grupo de estudiantes latinoamericanos:
brasileros, chilenos, mexicanos y haitianos. Quién tuvo la idea de hacer una
pequeña escuela para formar cuadros políticos latinoamericanos fue Adolfo
Orive, un economista mexicano que estudiaba en París. El provenía de una
familia mexicana muy rica y tenía bastante dinero como para pagarme un
año más de estadía en París.
Cuando Althusser cae en esa profunda depresión, yo fui a ver a
Masperó y le expuse mi decisión de devolverle el dinero que había recibido
de él para el proyecto de libro de Althusser. El se mostró muy asombrado,
nadie jamás le había devuelto un dinero por un trabajo relacionado con la
editorial. No quería aceptarlo. Entonces la alternativa que le presenté fue la
de transformar en un pequeño manual el texto sobre materialismo histórico
que había preparado para impartir las clases al grupo de latinoamericanos
que mencioné anteriormente. Le ofrecí además un segundo libro sobre
el materialismo dialéctico y otro sobre conceptos políticos. Masperó se
mostró encantado.
Sin embargo, a los pocos meses, cuando Althusser se recupera de
su depresión y conoce el proyecto, sin hablar conmigo, le pide a Masperó
que suspenda la publicación de dicho libro, porque contenía ideas que él
todavía no había publicado, a las cuales yo había podido tener acceso por
estar trabajando en el proyecto del otro libro. No objetó sin embargo que
yo lo publicara en América Latina.
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27
Contacté a Arnaldo Orfila, director de Siglo XXI Editores, quien
recibió con gusto la idea, ya que había quedado muy bien impresionado
con la lectura de mi introducción al libro: “La Revolución teórica de Marx
y luego con un contacto personal que habíamos tenido en relación con la
publicación de ese libro.
Terminé de escribir «Los conceptos...» en 1968, poco antes de
partir a Chile. Después supe que una de las personas que contribuyó a que
el libro fuese publicado en dicha casa editorial fue Gaspar Ilom, que luego
se transformaría en el comandante de una de las organizaciones guerrilleras
guatemaltecas: la Organización del Pueblo en Armas (ORPA).
– ¿Cómo explicas el éxito que tuvo dicho libro en América Latina y otras partes
del mundo?
Te confieso que nunca pensé, ni creo que el propio editor haya
imaginado la enorme repercusión que tendría este esfuerzo pedagógico.
Yo siempre digo que lo pude escribir porque no tenía entonces, ni tengo
todavía, un conocimiento enciclopédico del marxismo. Sólo había leído «El
capital» de Marx y algunas otras obras de lo que Althusser llamaba: el «Marx
maduro», y los escritos de Althusser de los años 60. Luego, en la edición
revisada y ampliada en 1985, incorporé obras posteriores de Althusser,
fundamentalmente su artículo acerca de los aparatos ideológicos del Estado.
– ¿Podrías decirnos qué persigues con tus trabajos sobre teoría marxista?
La verdad es que el objetivo fundamental de mis trabajos ha sido
y es de orden pedagógico. Primero pretendí hacer llegar a mucha gente
ese redescubrimiento del marxismo realizado por Althusser y el grupo
de compañeros que trabajaban con él. Como sabes, su lenguaje era muy
hermético aún para los propios intelectuales; me esforcé por hacer llegar
todo eso a los trabajadores. Y luego, a medida que iba profundizado en el
marxismo, cómo hacer accesible al máximo de gente, todas las cosas que
iba descubriendo.
Es extraño, pero creo estar en lo cierto al decir que existen muchos
más investigadores y estudiosos del marxismo que pedagogos, pero resulta
que no son los investigadores ni los estudiosos los que hacen la historia,
Jar Per (Or.)
28
son nuestros pueblos. Cómo ayudar a la gente sencilla a desembarazarse
de la ideología dominante burguesa, cómo ayudarla a tener una posición
crítica, cómo colaborar en darle instrumentos que le permitan enfrentarse a
realidades nuevas y cambiantes. Los manuales clásicos de marxismo no me
convencían, me parecía que la gente aprendía a recitar y no a analizar, ellos
daban la impresión de que existen respuestas hechas para todo, cuando lo
que hay que hacer es construir esas respuestas a cada instante.
Mi esfuerzo estuvo encaminado entonces a dar instrumentos de
trabajo intelectual, no respuestas hechas, y a tratar de explicar cómo se llega a
esos instrumentos. Si se lee con atención mi libro: «Los conceptos elementales
del materialismo histórico», las grandes definiciones están siempre al final de
un largo recorrido explicativo. Y esto es más claro aún en los «Cuadernos de
educación popular» donde, por ejemplo, el concepto de fuerzas productivas
que se ha prestado a tantas simplificaciones e interpretaciones evolucionistas
que nada tienen que ver con el marxismo, no aparece en el primer cuaderno,
«Explotados y explotadores», sino en el tercero de la edición actualizada y
generalizada, de la editorial española Akal.
La verdad es que he sido la primera sorprendida por la gran difusión
que han tenido mis libros. Nunca pensé que un texto, que estuvo inicialmente
destinado a un pequeño grupo de compañeros revolucionarios, llegara a tener
tal acogida, transformándose de hecho en texto de estudio de las universidades
latinoamericanas. Tampoco imaginé que los «Cuadernos de educación
popular», elaborados para responder a las ansias de educación política de
crecientes sectores del proletariado y de los estudiantes chilenos durante el
gobierno de Allende, iban a ser reproducidos y adaptados en numerosos países
de América, Europa y aun de África. Creo que ello se debe a lo que decía antes,
al gran vacío pedagógico que hay en el terreno del marxismo.
– Tu primer libro ha sido muy bien recibido por amplios sectores pero también
ha sido muy criticado por otros, ¿qué interpretación haces de esa recepción
contradictoria?
Los que me han criticado han sido los intelectuales, los que han
agradecido mi contribución han sido los militantes políticos populares,
saca tú tus propias conclusiones.
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29
6 LA VALIDEZ ACTUAL DE LOS APORTES TEÓRICOS DE ALTHUSSER
– ¿Se puede decir que el pensamiento de Althusser tiene validez en el momento
actual?
Yo creo que gran parte de sus formulaciones teóricas siguen
teniendo gran validez y siguen siendo muy útiles. Hay que recordar que
el proyecto de Althusser era rescatar el poder y originalidad de la teoría de
Marx para el avance del conocimiento científico de la sociedad y, a partir
de ese conocimiento, poder ofrecer al movimiento comunista internacional
elementos para orientar la acción política. Su mira estuvo siempre en la
transformación de la sociedad mediante la lucha revolucionaria.
A continuación me refiero brevemente a algunas de estas
formulaciones.
a) La ruptura epistemológica. Las nociones de campo ideológico y de
problemática
Althusser nos enseñó cómo debíamos estudiar el pensamiento de
un autor. La gran pregunta que nos planteaba era: ¿en qué momento la
elaboración teórica, el pensamiento de Marx puede comenzar a reconocerse
como tal, como diferente de otros autores de su época?
El nos dice que toda ciencia tiene un comienzo, una prehistoria
de la que sale y de la que continúa saliendo, pero hay un momento en
que el pensamiento de un autor se diferencia del de otros autores. A ese
comienzo Althusser le llamó corte o ruptura epistemológica reconociendo
la paternidad del concepto en Gastón Bachelard.
Para entender esta ruptura son fundamentales los conceptos
de problemática y de campo ideológico. Todo pensamiento tiende a ir
evolucionando, pasando por diversas etapas, caracterizándose cada una
de ellas por la forma en que se articulan los diversos conceptos en una
problemática o un nuevo dispositivo conceptual.
Marx en un momento asumió la problemática feuerbachiana.
Una lectura crítica cuidadosa de Marx como la que hizo Althusser al editar
Jar Per (Or.)

la traducción francesa de Feuerbach, demuestra que muchos de los párrafos
que los marxistas humanistas citaban como propios de Marx, no eran sino
copia de párrafos textuales de Feuerbach que Marx escribía para su uso
personal.
Sólo cuando un pensamiento rompe con diversas problemáticas
del pasado y produce una nueva problemática es cuando se puede hablar
con propiedad de un pensamiento propio. El pensamiento original de
Marx sólo surge en un momento de su desarrollo, cuando rompe con las
problemáticas hegeliana y fuerbachiana con las que se había identificado
previamente y en la cuál están inmersas sus obras de juventud.
Los escritos del Marx joven – que hablan del ser humano, su
alienación y su liberación – tardíamente traducidos y desde los años 30
utilizados en el medio académico europeo para luchar contra el marxismo,
empiezan a ser utilizados por los intelectuales marxistas y los propios
partidos comunistas luego del XX Congreso del PCUS (1956), que criticó
al culto de la personalidad de Stalin. Según Althusser, esa concepción
humanista de la obra de Marx – que fue adoptada por varios partidos
comunistas, e incluso por el PCUS –, en lugar de resolver los problemas
de la izquierda y del socialismo soviético llevaban a un callejón sin salida.
Una nueva problemática significa siempre nuevos conceptos, en
el caso de Marx: modo de producción, fuerzas productivas, relaciones de
producción, plusvalía, etcétera.
b) La envergadura de este descubrimiento de Marx
Según Althusser, Marx no se dio cuenta de la profundidad de lo
que estaba produciendo. Se pensó a sí mismo como alguien que aportaba
en el terreno económico especialmente en cuanto a la comprensión de la
lógica capitalista, pero la envergadura de su aporte fue mayor, el fundó –
como dice Althusser – una nueva ciencia: la ciencia de la historia.
Para llegar a esta conclusión me pareció muy interesante del
método con que Althusser lee a Marx y especialmente su obra maestra «El
Capital». No sólo estudia lo que él dice explícitamente, sino también lo
que no dice y muchas veces eso que no dice ilumina más su pensamiento
L A

que lo que dice, de la misma manera que un psicoanalista descubre más
cosas en los silencios y sueños de su paciente que en lo que éste comunica
directamente.
Para explicar la profundidad del descubrimiento de Marx Althusser
utilizaba la metáfora de los continentes científicos. Desarrollé esta idea en
mi libro «Los conceptos elementales del materialismo histórico». Allí decía
que antes de Marx sólo habían sido descubiertos dos grandes continentes:
el continente Matemáticas por los griegos (Tales o lo que el mito de este
nombre así designa) y el continente Física por Galileo y sus sucesores. Una
ciencia como la química fundada por Lavoisier es una ciencia regional
del continente Física. Una ciencia como la biología, al integrarse a la
química molecular, entra también en este mismo continente. La lógica en
su forma moderna entra en el continente Matemáticas. Por el contrario, es
muy posible que Freud haya descubierto un nuevo continente científico.
8
Marx, por su parte, habría abierto al conocimiento científico un nuevo
continente: el continente de la Historia.
Esta nueva ciencia fundada por Marx es una ciencia «materialista»
como toda ciencia y, por ello, se la ha denominado materialismo histórico.
La palabra materialismo indica simplemente la actitud estricta del sabio
frente a la realidad de su objeto, que le permite captar, como diría Engels,
«la naturaleza sin ninguna adición desde fuera». Pero, la expresión
«materialismo histórico» es, sin embargo, algo extraña, ya que las otras
ciencias no emplean la palabra «materialismo» para definirse como tales. No
se habla, por ejemplo, de materialismo químico, o de materialismo físico.
El término materialismo, utilizado por Marx para designar la nueva ciencia
de la historia, tiene por objeto establecer una línea de demarcación entre
las concepciones idealistas anteriores y la nueva concepción materialista, es
decir, científica de la historia
9
.
Ser capaz de hacer un análisis científico de los fenómenos
históricos es ser capaces de descubrir la causalidad o determinación que los
rige, permitiéndonos predecir de alguna manera lo que podría ocurrir en
el futuro. No se trata del determinismo mecanicista de la mecánica clásica
expresada en leyes del movimiento de Newton, relacionadas con causas
8
Lenin y la filosofía (conferencia realizada en la Sorbona, 24 de febrero de 1968).
9
Cf. Ibid.
Jar Per (Or.)

y efectos simples, ni del determinismo evolucionista de Darwin, sino de
una causalidad estructural o causalidad dialéctica estructural. Así definió a
Althusser al determinismo marxista.
c) El concepto de contradicción sobredeterminada contra el determinismo
mecanicista
Y justamente una de las primeras cosas que logró Althusser fue
romper en mí el fantasma del determinismo mecanicista del marxismo.
Yo era entonces – como te decía anteriormente – católica militante y me
preocupaba el tema de la libertad humana. Althusser con su concepto de
contradicción sobredeterminada resolvió mi problema teórico. Su defensa
de la dialéctica marxista como un fenómeno antimecanicista, donde no hay
una contradicción simple: fuerzas productivas/relaciones de producción
sino que esta contradicción está siempre sobredeterminada por otras
múltiples contradicciones, me permitió entender que no era contradictorio
afirmar que la sociedad determina el quehacer del individuo (hombre o
mujer), pero que éste, a su vez, desempeña un papel en la historia.
Este determinismo de nuevo tipo, que permite un espacio para
la acción del hombre en la historia nos permite ver en qué lugar tenemos
que combatir para que nuestro actuar sea más eficaz, porque sí debemos
combatir para transformar el mundo contra la tesis evolucionista mecanicista
que deducía el advenimiento del socialismo como fruto de la maduración la
contradicción entre fuerzas productivas y relaciones de producción.
d) Los diferentes niveles teóricos y los diferentes del discurso
Otro aspecto metodológico que aprendí de Althusser y que me
parece primordial para hacer una lectura crítica de un autor es la necesidad
de distinguir entre los diferentes niveles y características de su discurso.
Para ilustrar lo que quiero decir, podemos ver que en los primeros tomos
de «El Capital» Marx se está refiriendo al nivel más abstracto, al nivel del
modo de producción capitalista, donde fundamentalmente sólo existiría
la clase capitalista dueña de las empresas y la clase obrera explotada por
estos dueños. Pero ya en el tercer volumen ha tenido que bajar el nivel de
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
abstracción y considerar también la existencia de la clase dueña de la tierra,
sin la cual no podrían entenderse como surgen las relaciones capitalistas.
Esto en «El Capital». Si ahora analizamos una obra histórica como
«El 18 Brumario de Luis Bonaparte» debemos que en esa obra se menciona
una mucho mayor cantidad de clases y fracciones de clase.
Algunos han tratado de mostrar la incoherencia de Marx: a veces
habla de dos clases, otras de tres y otras de muchas más, sin percatarse de
que se trata de diferentes niveles de abstracción el modo de producción,
la formación social, la coyuntura política. Como he explicado en mi libro:
«Los conceptos elementales del materialismo histórico», a nivel de la coyuntura
política debemos hablar de fuerzas sociales y no de clases. Puede haber
algunos burgueses que apoyen el proyecto político de los trabajadores,
como puede haber trabajadores que apoyen a sectores burgueses.
Althusser me enseño también a entender que hay distintos tipos
de discursos: teóricos, políticos, pedagógicos y que hay que plantearse
siempre a quien está dirigido tu discurso para adecuarlo a esa audiencia.
f) Marxismo y humanismo
Otro aporte fundamental de Althusser fue señalar que, para
lograr transformar el mundo, Marx tuvo que crear nuevos conceptos que
desde el punto de vista teórico no se refieren a temas relacionados con el
humanismo.
Poco antes de conocerlo había publicado su artículo Marxismo y
humanismo. El tema me atrajo por estar tan vinculado a mi situación de
creyente. En ese artículo Althusser plantea una de sus tesis peor comprendidas:
el anti-humanismo teórico del marxismo. Una tesis provocadora donde
la palabra anti era usada para distanciarse de la posiciones humanistas
de entonces. El mismo aclaró luego que sería más correcto hablar de un
a-humanismo teórico en lugar de un anti-humanismo teórico.
Muchos de sus críticos interpretaron erradamente su afirmación
del marxismo como anti-humanismo teórico, pasando por alto la palabra
«teórico» y acusándolo de pretender decir que Marx era antihumanista,
con lo que deformaban completamente el pensamiento del autor.
Jar Per (Or.)

Lo que Althusser sostenía en su artículo Marxismo y humanismo
(1964) – y que yo resumí en la Introducción que hice al libro «Pour Marx»
– resumen que fue aprobado por el propio Althusser – era que para servir
a los hombres reales Marx no fabrica una teoría centrada en reflexiones
acerca del hombre sino que busca comprender las leyes que determinan
la existencia real de los hombres que viven en las sociedades. Es en ese
sentido que el marxismo es un anti-humanismo teórico, o más exactamente
un a-humanismo teórico. Esto no es contradictorio con el hecho de que
Marx sea, al mismo tiempo, un gran humanista. Lo que ocurre es que para
servir a los hombres reales, para tratar de liberar a la clase trabajadora de
la explotación, Marx no produce una teoría que hable del hombre, de la
naturaleza humana, de libertad, de conciencia, sino una teoría que emplea
los conceptos de modo de producción, de relaciones de producción, de
fuerzas productivas, es decir, una serie de conceptos que nada tienen que ver
con los conceptos del humanismo. Para ser consecuente con su humanismo
práctico era necesario que Marx no fuera teóricamente un humanista.
Para ayudar a una mejor comprensión de su tesis, Althusser
comparaba a la Marx con Freud. Es evidente que el psicoanalista alemán
quería curar a los enfermos con trastornos psicológicos que llegaban a su
consulta y en ese sentido era fundamentalmente humanista, sin embargo
para poder sanarlos creó una teoría: el psicoanálisis, donde empleaba
conceptos nuevos que no consideraban el concepto de hombre como Ello,
Yo y Superyo; Eros y Tánatos, complejo de Edipo, etcétera.
Y recuerdo muy bien su reacción cuando en 1965, de regreso de
un corto viaje a Polonia con un grupo de mis amigos de América Latina, le
cuento sorprendida que los filósofos marxistas polacos estaban dedicados
a estudiar los mismos autores que yo, como católica, había estado
estudiando en Chile: Maritain, Teilhard de Chardin, Mounier, etcétera,
todos centrados en reflexiones acerca del hombre y su papel en el mundo.
Reaccionó indignado. «¡Cómo era posible que esos pensadores se dedicaran
a esos estudios acerca de los problemas ideológicos del humanismo
en lugar de ponerse de lleno a estudiar los problemas que surgen de la
construcción del socialismo!» Los problemas del hombre en el socialismo
no iban a resolverse – según él – hablando del hombre – tema sobre el
cual la Iglesia Católica tenía una ventaja de siglos sobre el marxismo – sino
L A

afrontando concreta y correctamente los difíciles problemas que surgen en
la construcción de todo orden social nuevo. Por eso también se indignaba
y consideraba antimarxista el que todos los problemas que sufría la URSS
fueran atribuidos a Stalin. Reconociendo los errores personales de dicho
dirigente, lo que – según él – había que buscar para evitar la repetición
futura de esos mismos errores, eran las causas económicosociales que
explicaban el porqué del surgimiento de ese fenómeno tan nefasto para el
socialismo. Althusser insistía que no bastaba reconocer autocríticamente
un error para poder superarlo, había que conocer sus causas, y corrigiendo
esa situación evitar su repetición.
h) Materialismo y ateísmo
Otra cosa que me ayudó mucho del enfoque althusseriano de
Marx fue entender que se podía ser creyente y ser marxista a la vez. El
marxismo – decía – es una ciencia, la ciencia de la historia, y como tal no
afirma ni niega la existencia de Dios. Esa afirmación o negación pertenece
al terreno de la ideología, no de la ciencia. Y añadía: en la medida en que la
religión existe como obstáculo, está obligado a luchar contra ella, pero con
lo positivo que las ideas religiosas indican, escondiéndolo, existen amplias
posibilidades de entendimiento y esclarecimiento. Por eso que Althusser
fue tan bien recibido por los teólogos de la Liberación en nuestra región.
7 UNA AUSENCIA SIGNIFICATIVA EN ALTHUSSER
Hay algo que Althusser no desarrolla al analizar el pensamiento de
Marx y que está presente en El Capital y ha sido destacado con gran énfasis
por el investigador marxista canadiense Michael Lebowitz: la afirmación
de que al transformar las circunstancias, las personas se transforman a sí
mismas para bien o para mal.
Al transformar la materia prima en productos elaborado en el
proceso de producción capitalista los trabajadores no sólo producen
mercancías sino, que al mismo tiempo, se producen a sí mismos como
trabajadores alienados. Algo diferente ocurriría, según Marx, en una
Jar Per (Or.)

sociedad de productores libremente asociados, donde el trabajo, en lugar
de esclavizar liberaría.
Marx señala también que sólo a través de las luchas los trabajadores
se liberarán del estiércol del pasado (la cultura heredada).
Partiendo de estas ideas de Marx, Michael Lebowitz habla
joint product, que yo he traducido por doble producto. Señala que en
toda actividad humana hay un doble producto: un primer producto: los
objetos materiales producidos (en una fábrica por ejemplo), y un segundo
producto, subjetivo espiritual mucho menos tangible, que sólo una mirada
atenta descubre: los efectos que esa actividad produce en las personas:
alienándolas o permitiéndoles un mayor desarrollo humano.
Te pongo otro ejemplo: es muy distinto que unos técnicos hagan
un plan para una comunidad o instancia local a que sea la propia gente
la que participe en la elaboración del plan. En este último caso junto al
producto material: el plan comunitario, logramos un segundo producto:
un mayor desarrollo humano y el crecimiento de la autoestima.
Creo que este planteamiento Muchas veces pensamos más en
resolver los problemas de la gente, es decir, en lograr el producto material,
que en crear condiciones para que la gente sea quien resuelva sus problemas
y de esa manera se desarrolle a sí misma.
Como dice Alfredo Maneiro, pensador y político venezolano: no
es lo mismo que una comunidad construya una pasarela (paso elevado)
para lo cual se ha organizado y ha luchado, a que sea el Estado el que la
construya y se la otorgue a la comunidad como un regalo.
O como dice Julio Angüita, el dirigente comunista español,
nosotros NO tenemos que darle solución a los problemas de los ciudadanos,
tenemos que hacer posible que los ciudadanos solucionen los problemas
dándoles los instrumentos para ello.
Mis lectores podrán percibir que esta idea de la importancia
de la práctica revolucionaria y del doble producto que siempre debemos
considerar al planificar cualquier tipo de actividad – ausente de mis trabajos
anteriores a 2004 – está presente en todos mis trabajos de los últimos años.

OS MARXISMOS DE SAR
TRE E ALTHUSSER:
A PROPÓSITO DO DEBATE SOBRE OHUMANISMO
1
André Constantino YAZBEK
2
I.
Em 1966, em um número especial consagrado ao pensamento
de Jean-Paul Sartre, a revista LArc localizava a obra sartriana a partir de
uma ambiência intelectual que parecia apontar para o seu ocaso:
1945,1960: para medir o caminho percorrido entre as duas datas, bas-
taria abrir um jornal ou uma revista e ler algumas resenhas de livros.
[...] Não se fala mais de “consciência” ou “sujeito”, mas de “regras”,
códigos”, “sistemas”; não se diz mais que o homem “faz o sentido”,
mas que o sentido “advém ao homem”; não se é mais existencialista,
mas sim estruturalista.
3
Como se sabe, ao longo da década de 60 o alcance e a influência
atingida pelo assim chamado “estruturalismo” na França eclipsaria aquela
que havia sido a filosofia referencial da geração do imediato pós-guerra:
o existencialismo. Mas Sartre, figura de proa da filosofia existencialista e
da geração que a ecoava, recusava-se a deixar a cena. Ao contrário, no
1
O texto a seguir constitui uma versão traduzida e sensivelmente modificada do artigo publicado por mim
na coletânea Sartre et le marxisme, organizado por Emmanuel Barot. C.f. YAZBEK, A. “Sartre et Althusser: le
marxisme est-il un humanisme?” BAROT, E (org.). Sartre et le marxisme. Paris: La Dispute, 2011, pp. 179-200.
2
Professor do Departamento de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal
Fluminense (UFF). Contato: andre.yazbek@yahoo.com.br
3
PINGAUD, B. Introduction. In: L’Arc, n. 30, 4e. trim., 1966, p. 1.
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p37-54
Jar Per (Or.)

momento mesmo em que o interesse da intelligentsia francesa voltava-se
à Claude Lévi-Strauss, Jacques Lacan, Louis Althusser, Michel Foucault,
entre outros, Sartre lançava-se à publicação de sua Crítica da razão dialética
(1960), obra destinada à recuperação do pensamento de Marx em nome de
um projeto de compreensão das condições de inteligibilidade da História
em maiúscula – e do papel do indíviduo no curso da razão dialética.
Assim, em face à corrente estruturalista – que havia despojado o
sujeito de seu estatuto de fundamento, transformando-o em função de um
discurso anônimo – Sartre representava à época “um dos últimos modelos
do idealismo universitário francês
4
: por meio de sua Crítica, o filósofo
inaugurara a década reunindo esforços para restabelecer a dialética no seio
do sujeito propriamente dito, tomando-o como elemento irredutível para
a compreensão da inteligibilidade da história. Do ponto de vista de uma
nova geração de pensadores franceses, declarando o marxismo como a “fi-
losofia insuperável” de nosso tempo, Sartre não fazia senão reafirmar o
mesmo credo filosófico de suas obras anteriores, o de um humanismo ma-
nifesto, devidamente explicitado pelo filósofo na mesma edição da revista
LArc mencionada acima: «Enquanto interrogação sobre a práxis, a filosofia
é ao mesmo tempo uma interrogação sobre o homem, quer dizer, sobre o
sujeito totalizador da história»
5
.
No entanto, esse mesmo Sartre, que se fazia marxista e declarava
o existencialismo como uma “ideologia” auxiliar do pensamento de Marx,
se afastava da prática partidária comunista e identificava no stalinismo e
em sua vulgata materialista um sintoma de profunda esclerose do pensa-
mento dialético, resultado de seu envelhecimento precoce:
[...] o que fez a força e a riqueza do marxismo é que ele foi a tentati-
va mais radical para iluminar o processo histórico em sua totalidade.
Desde há vinte anos, ao contrário, sua sombra obscurece a história: é
que ele deixou de viver com ela e tenta, por conservadorismo burocráti-
co, reduzir a mudança à identidade. No entanto, é preciso que nos en-
tendam: esta esclerose não corresponde a um envelhecimento normal.
Ela é produzida por uma conjuntura mundial particular
6
.
4
DOSSE, F. Histoire du structuralisme. Tome 1: le champ du signe (1945-1966). Paris: Éditions la Découverte,
1991, p. 461.
5
SARTRE, J.-P. Jean-Paul Sartre répond. In: PINGAUD, B. L’Arc, op. cit., p. 95.
6
SARTRE, J.-P. Critique de la raison dialectique précédé de question de méthode: théorie des ensembles pratiques,
Tome I. Paris: Gallimard, 1960, p. 29.
L A

Destarte, em meio à conjuntura particular das lutas anticoloniais,
da Guerra fria, da burocratização do partido soviético e dos gigantescos
esforços de industrialização da URSS, a Crítica sartriana constituirá igual-
mente a tentativa do filósofo em acertar contas com suas próprias tomadas
de posição: se em 1952, ano de redação de seu “Os comunistas e a paz”,
Sartre se lançara à defesa do Partido Comunista Francês e, sobretudo, da
URSS – então acusada de imperialismo –, em 1956, será ele a acusar o
governo soviético de um crime ainda pior, quando da invasão soviética em
Budapeste: “E o crime, para mim, não é apenas o ataque a Budapeste pelos
tanques, mas o fato de que ela tenha se tornado possível e talvez até neces-
sário (do ponto de vista soviético) por doze anos de terror e imbecilidade
7
.
Aliás, seria preciso não esquecer que o ano de 1956 constitui um
período de rupturas para uma boa parte da intelectualidade francesa: en-
tre as revelações dos crimes de Stálin pelo novo secretário geral, Nikita
Khrouchtchev, e o esmagamento da revolução húngara pelos tanques sovi-
éticos, o Partido Comunista Francês permanecia ainda a organização polí-
tica mais potente à esquerda, mas os intelectuais não podiam senão colocar
em causa o que até então, para muitos, havia sido uma adesão incondicio-
nal. E se Sartre se dedicará à tarefa de forjar novos instrumentos da críti-
ca política marxista, toda uma outra geração de pensadores emergentes,
reunidos sob a designação geral de “estruturalistas”, se dedicará, por seu
turno, a desfazer as ilusões de um “humanismo” para o qual, nas palavras
de Michel Foucault, era necessário “desalienar o homem reconciliando-se
com sua própria essência” e seu devir inesgotáveis
8
.
Para alguns membros desta nova geração, oriunda do momento
em que a vanguarda do pensamento parecia desenvolver-se apenas no espa-
ço da “morte do homem”, Louis Althusser aparecerá, através de sua leitura
renovada do marxismo, como o lugar possível para uma recuperação da
crítica política marxista, a partir de um anti-humanismo teórico o qual tra-
tava de se livrar de um “conceito ideológico como o humanismo, carregado
7
SARTRE, J.-P. Après Budapest, Sartre parle, L’Express, 9 nov. 1956, p. 13-16.
8
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. Tradução de Salma Tanus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2007,
p. 451.
Jar Per (Or.)
40
de associações do inconsciente ideológico, e que coincide demasiado fácil
com temas de inspiração pequeno-burguesa
9
.
Nesse sentido, as leituras de Marx por Althusser e Sartre perfazem
um conjunto de esforços que possui em comum o diagnóstico acerca da
atualidade do pensamento marxista e da necessidade de renová-lo, mas
diferem radicalmente no tocante àquilo que seria o elemento central da
filosofia marxista, razão de sua força e atualidade incontestes: se Sartre
pretende que o sujeito da práxis – como elemento irredutível à totalização
histórica – seja recuperado no seio da razão dialética, Althussser, de sua
parte, se esforçará por estabelecer, contra o humanismo, contra a antropo-
logia filosófica, um corte profundo entre um “primeiro” e um “segundo
Marx, de modo a explicitar o advento da ciência revolucionária do marxis-
mo como sendo fruto de uma ruptura com a abstração ideológica do hu-
manismo burguês. Nas linhas que seguem, nos dedicaremos a explorar as
tensões características destes dois projetos de renovação do marxismo e sua
inserção no debate sobre o humanismo nos anos 60, sem nos pronunciar-
mos sobre o grau de fidelidade de tais apropriações vis-à-vis o pensamento
do próprio Marx. Para tanto, assumiremos que os esforços de renovação
do pensamento marxista levados a cabo por Althusser se encontram em
confluência com o chamado “estruturalismo” – rótulo problemático, com
se sabe – na medida em que compreende o “humanismo” como obstáculo
epistemológico à verdadeira compreensão da estrutura de classes e, portanto,
da própria ciência do marxismo, vale dizer, o materialismo dialético
10
.
II.
Inicialmente, tomemos a questão do marxismo a partir do pen-
samento de Jean-Paul Sartre. No momento da publicação de sua Crítica
da razão dialética, Sartre concederá uma notável entrevista à Madeleine
9
ALTHUSSER, L. La revolución teórica de Marx. Tradução de Marta Harnecker. Buenos Aires: Siglo XXI
Editores, 2004, p. 199.
10
Nas palavras de Althusser: “Alienação, Sujeito, Homem: três conceitos, três obstáculos epistemológicos [para
Marx]. Três conceitos dos quais devemos nos livrar para deixar a via aberta ao único conceito positivo prisioneiro
desse dispositivo impressionante, o conceito de processo (que, livre do Sujeito e do Homem, tornar-se-á então
processo sem sujeito)”. ALTHUSSER, L. A querela do humanismo (1967). In: Crítica Marxista, São Paulo:
Xamã, v. 1, n. 9, 1999, p. 32-33.
L A
41
Chapsal na qual procura expor o espaço em que deveríamos situar seus
esforços de recuperação do marxismo:
Faz quinze anos que eu busco algo. Trata-se, se você quiser, de dar
um fundamento político à antropologia. E isso proliferava. Como um
câncer generalizado; vinham-me ideias: eu não sabia ainda o que fazer
delas, então eu as colocava em qualquer lugar: nos livros que eu estava
escrevendo. No presente, está feito, elas se organizaram, escrevi uma
obra que me livrará delas, a “Crítica da razão dialética
11
.
Assim, para o Sartre de então, os esforços empreendidos pela
Crítica deveriam ser compreendidos no âmbito de uma tentativa para con-
ferir um “fundamento político para a antropologia”, quer dizer, ressuscitar
o pensamento de Marx fazendo da “compreensão da existência” o “funda-
mento humano da antropologia marxista
12
. Nesse sentido, considerado
como uma disciplina auxiliar, o existencialismo teria por finalidade “en-
gendrar, nos quadros do marxismo, um verdadeiro conhecimento com-
preensivo que reencontrará o homem no mundo social e o seguirá em sua
práxis
13
. Desde então, o “método de pensar” – se se pretende marxista
– aparecerá nitidamente: jamais fazer abstração da vida concreta dos ho-
mens, de seus problemas reais, de sua história e de sua situação efetiva nas
condições societárias atuais; sem, no entanto, cair nas armadilhas de um
naturalismo para o qual a subjetividade é um elemento a ser depurado de
toda explicação histórica
14
.
A questão posta por Sartre em sua Crítica encontra-se relacionada
às condições de possibilidade do conhecimento da história, como sabe-
mos. Mas a inteligibilidade da história não pode ser assegurada senão nos
quadros de um pensamento dedicado a recuperar, em toda a antropologia
filosófica, em todo pensamento concernente à realidade humana, a dimen-
são existencial dos processos estudados: é necessário que as mediações que
permitem a emergência de “singularidades concretas” (a luta real e datada
de indivíduos singulares) sejam redescobertas no interior mesmo dos pro-
11
SARTRE, J.-P.apud COHEN-SOLAL, A. Sartre: 1905-1980. (Collection Folio-Essais). Paris: Gallimard,
1999 p. 630.
12
SARTRE, J.-P.. Critique de la raison dialectique précédé de Question de méthode, Tome I. Paris: Gallimard,
1960, p. 108.
13
Idem, p. 111.
14
Idem, p. 124-127.
Jar Per (Or.)
42
cessos materiais que compõem a história. Trata-se, portanto, de recuperar
o marxismo tomando a démarche de Marx naquilo que ela possuiria de
mais fundamental: um esforço sintético de reconstrução da história no
qual a abordagem perspectiva de cada um dos fatos materiais não impede
a apreciação do processo estudado como uma totalidade singular, que terá
no sujeito da práxis seu elemento primordial. Assim, nas palavras de Sartre,
toda dialética repousa sobre a práxis individual na medida em que ela [a
práxis individual] é já dialética
15
.
Ora, é justamente a partir do papel do indivíduo no evento histó-
rico que o pensamento de Sartre se esforçará por recuperar, na totalidade de
seus condicionamentos e de suas relações, o “singular concreto” próprio à
tensão entre o universal e o particular que constitui a história e ação huma-
nas a partir de seu enfretamento com a materialidade circundante. Deste
modo, a empresa sartriana pretende reintegrar o “homem” – a dimensão
livre de sua ação em meio aos condicionamentos materiais de sua situação
– no interior de um marxismo vulgarizado, acusando a vulgata stalinista
de obliterar a vida pulsante da teoria de Marx na medida em que a reduz
a um formalismo estéril cujos efeitos práticos se fazem sentir como uma
empresa de eliminaçãoidentificada ao terror
16
. E é igualmente nesse sen-
tido que o projeto da Crítica sartriana – conforme pretende dar conta de
uma história que, em sendo produto da práxis humana, será considerada
como uma totalização de tipo dialética – pressupõe uma antropologia fun-
dadora. No entanto, o marxismo “preguiçoso”, dissolvendo os indivíduos
em um determinismo materialista de tipo economicista, torna o agente da
história um instrumento passivo de condicionamentos materiais que lhe
são exteriores. Ao contrário, afirma Sartre, a descoberta capital da experi-
ência dialética em Marx concerne ao fato de que o homem é mediado pelas
15
Idem, p. 165.
16
“O formalismo marxista é uma empresa de eliminação. O método identifica-se com o Terror pela sua recusa
inflexível de diferenciar, seu objetivo é a assimilação total mediante o menor esforço. Não se trata de realizar a
integração do diverso enquanto tal, conservando sua autonomia relativa, mas de suprimi-lo: assim, o movimen-
to perpétuo em direção à identificação reflete a prática unificadora dos burocratas. As determinações específicas
despertam na teoria as mesmas suspeitas das pessoas na realidade. Pensar, para a maioria dos marxistas atuais, é
pretender totalizar e, sob esse pretexto, substituir a particularidade por um universal; é pretender reconduzir-nos
ao concreto e apresentar-nos, sob esse título, determinações fundamentais, porém abstratas. Hegel, pelo menos,
deixava subsistir o particular como particularidade superada” (Idem, p. 40).
L A

coisas apenas “na medida em que as coisas são ‘mediadas’ pelo homem
17
.
Dito de outro modo:
[...] o que significa fazer a História sobre a base das circunstâncias ante-
riores? Diremos, então: se não distinguirmos o projeto – como supera-
ção [da realidade dada] – das circunstâncias como condições, só haverá
objetos inertes e a História evaporar-se-á. Do mesmo modo, se a rela-
ção humana não é senão um produto, ela é reificada por essência e não
se pode nem mesmo compreender o que poderia ser a sua reificação
18
.
Portanto, se história nos escapa, em sua inteligibilidade e em seus
condicionamentos próprios, isso não quer dizer que a ação real e livre dos
homens sobre ela não exista, mas apenas que outrem – com sua própria li-
berdade – também a faz (e a faz, muitas vezes, contrariando os projetos e as
intenções particulares de minhas ações). Isso significa que, visto de uma pers-
pectiva “totalizadora”, o resultado atingido pela ação é sempre diferente do
que apareceria em escala local. Assim, o homem faz a história ao lado e contra
outros homens: agindo diversamente, cada qual é suficiente para despojar do
outro o sentido primeiro e particular da empreitada de sua ação:
[...] o homem faz a história: isso quer dizer que nela se objetiva e se
aliena; nesse sentido, a História, que é a obra própria de toda atividade
de todos os homens, aparece-lhes como uma força estranha na exata
medida em que eles não reconhecem nela o sentido de seus empreendi-
mentos (mesmo quando localmente bem sucedidas) no resultado total
e objetivo
19
.
Contudo, acrescenta Sartre, se a alienação pode modificar os re-
sultados da ação, não se deve daí concluir que ela a modifique em sua re-
alidade e natureza mais profundas: feitas todas as contas, o ato humano (a
práxis) permanece em sua especificidade existencial de superação dos con-
dicionamentos materiais em direção a novos projetos e ao sentido mesmo
de tais condicionamentos. Nos termos da Crítica sartriana:
17
Idem, p. 165.
18
Idem, p. 180.
19
Idem, p. 62.
Jar Per (Or.)
44
Nos recusamos confundir o homem alienado com uma coisa e
a alienação com as leis físicas que regem os condicionamentos de exterio-
ridade. Afirmamos a especificidade do ato humano que atravessa o meio
social, conservando-lhe as determinações, e transforma o mundo sobre a
base de condições dadas. Para nós, o homem caracteriza-se, antes de tudo,
pela superação de uma situação, por aquilo que consegue fazer do que foi
feito dele, mesmo que jamais se reconheça em sua objetivação
20
.
Portanto, para além das preocupações de ordem metodológica
concernentes às condições de possibilidade de compreensão da história,
Sartre pretende que suas considerações se inscrevam nos quadros de uma
radicalização do marxismo propugnado à época, refém de um naturalismo
incapaz de reconhecer a verdadeira dimensão existencial da ação humana.
Trata-se, enfim, de recuperar a dimensão humanista latente no próprio
Marx, de fazer ver que “ser radical”, como escrevera o autor da Crítica da
filosofia do direito de Hegel (1843), é tomar as coisas pela raiz, mas que a
raiz, para o homem, “é o próprio homem
21
.
Assim, afirmando a dialética como a “lógica viva da ação
22
, media-
ção privilegiada a qual permite ao materialismo dialético passar das determi-
nações gerais e abstratas à concretude do indivíduo singular e das condições
conjunturais de sua ação,
23
Sartre pretende reencontrar o jogo de tensões
entre a interiorização do real e a exteriorização do eu” em meio a totalização
em curso que constitui a história. É preciso que o homem e sua ação sejam
redescobertos no interior do próprio marxismo; é preciso, com efeito, reco-
nhecer que o devir é dialético no sentido em que está inscrito na “lógica da
ação criadora” do sujeito da práxis, quer dizer, na “lógica da liberdade
24
.
Como veremos a seguir, se para Sartre as condições de possibi-
lidade de toda a inteligibilidade da história exige considerá-la como um
movimento de totalização no qual o agente totalizador (ainda que totalizado
ele próprio, uma vez que faz parte de sua própria história) não pode ser se-
não o homem, para Althusser, seria necessário, ao contrário, acertar contas
20
Idem, p. 63.
21
MARX, K. Morceaux choisis. Introduction et textes choisis par Paul Nizan et Jean Duret. Paris: NRF, 1934,
p. 186-187.
22
SARTRE, J.-P. Critique de la raison dialectique précédé de Question de méthode, p. 133.
23
Idem, p. 47.
24
Idem, p. 156.
L A
45
com o “humanismo” do “jovem Marx”, para só então estar em condições
de compreender o alcance e os verdadeiros deslocamentos produzidos pelo
pensamento marxista.
III.
Como bem nos lembra Jean-François Gaudeaux – não sem um
certo tom de ironia –, “na França, nos anos 60, a revolução se fará no
campo da teoria”, e essa “revolução visará o sujeito: o homem deve ceder
seu lugar às estruturas
25
. A partir de então, como se sabe, Sartre fará figu-
ra de valor do passado, simples encarnação das esperanças desiludidas da
Libération: contra as metafísicas do sujeito – e, portanto, contra o próprio
existencialismo –, irá se opor uma geração de pensadores atentos às formas
estruturais daquilo que se poderia chamar de “sistemas simbólicos”. O “su-
jeito”, a “consciência”, o “homem” devem ser compreendidos como efeitos
da “regra”, do “código”, dos sistemas constringentes de ordenamento de
nossa experiência. É preciso reconhecer, nesse sentido, que o sujeito é antes
o produto da estrutura – ou um de seus “efeitos” –, e que nem mesmo é
senhor soberano das palavras que emprega, uma vez que, para tomar um
exemplo caro aos estruturalistas, as palavras que eu emprego não possuem
apenas o sentido que eu quero, mas também aqueles de sua relação dife-
rencial reativamente à outros signos e outros falantes (como nos ensina
a linguística estrutural, estamos sempre em presença de um sistema que
opera por oposições distintivas).
26
Assim, é possível compreender o dito “estruturalismo”, nas suas
mais diversas manifestações, não propriamente como uma “escola de pen-
samento”, mas antes como uma ambiência cultural que estenderá indefi-
nidamente, aos mais largos setores da intelectualidade francesa, a célebre
fórmula de Lévi-Strauss em seu O pensamento selvagem: “Acreditamos que
25
GAUDEAUX, J.-F. Sartre, l’aventure de l’engagement. Paris: L’Harmattan, 2006, p. 347.
26
Procurando uma formulação suficientemente adequada ao chamado “problema daestrutura’”, questão ca-
racterística de um “momento filosófico novo no início dos anos sessenta”, Frédéric Worms dirá que se tratava
de “generalizar e levar ao máximo o novo modelo de sentido proposto pela linguística estrutural, que consistia em
compreender a língua como um sistema de diferenças. [...] Com efeito, todo o problema [do estruturalismo] viria
do fato de que o modelo da ‘estrutura’, longe de valer, localmente, apenas para o sistema da ‘língua’, tal como o
definira Saussure em seu Curso de linguística geral, seria posto no centro do jogo, valendo, portanto, para todas
as dimensões do conhecimento e mesmo da existência humana”. (WORMS, F. La philosophie en France au XXe.
Siécle: moments. (Collection Folio/Essais). Paris: Gallimard, 2009, p. 469.
Jar Per (Or.)
46
o objetivo último das ciências humanas não é o de constituir o homem,
mas sim o de dissolvê-lo
27
. Entre outros, em sua leitura renovada da obra
marxiana, Althusser parecerá fazer eco a essa mesma exigência de um anti-
-humanismo manifesto:
A história é um processo sem sujeito. A questão de saber como “o homem
faz a história” desaparece completamente; a teoria marxista a rejeita
definitivamente em seu lugar de nascimento: na ideologia burguesa.
Com ela, desaparece a “necessidade” do conceito de “transcendência”,
do qual o homem seria o sujeito
28
.
Ora, do ponto de vista de Althusser, é necessário realizar a crítica
da “ideologia burguesa” que constitui o “homem” como sujeito da história
– “ideologia” presente ainda nos primeiros escritos de Marx –, de modo a
livrar-nos do “fetichismo do homem
29
. Nesse sentido, uma leitura como
a que Sartre pretendera realizar junto a Marx não faria senão reconduzir-
-nos a uma filosofia da história “pré-científica” e, portanto, “pré-marxis-
ta”
30
, – e isso, na medida mesmo em que, como vimos, sua abordagem do
marxismo implicaria uma antropologia filosófica fundante. Ao contrário,
Althusser oporá as massas à mistificação burguesa do “homem” como sujei-
to da história, substituindo a abstração formal do “fazer histórico” indexado
ao sujeito pela afirmação da luta de classes. Destarte, eliminada a ideologia
burguesa humanista que infestara os primeiros trabalhos de Marx, pode-se
compreender que a história não possui exatamente um “sujeito” – ou “su-
jeitos” –, mas um “motor”: a luta de classes e o movimento de massas que ela
põe em marcha. “Não mais a questão do homem. Nós bem o sabemos
31
.
A partir desses marcos gerais, poder-se-ia recensear brevemente
as diferenças: ao passo que a demárche sartriana consiste em partir de um
núcleo imediato e irredutível da ação histórica – quer dizer, o indivíduo –
para aí reencontrar, através dos condicionamentos materiais que o cercam,
a totalidade das ligações práticas de homem a homem e desses aos coleti-
vos, a abordagem althusseriana nega simultaneamente o “humanismo” e
27
LÉVI-STRAUSS, C. La pensée sauvage. Paris: Plon, 1962, p. 326.
28
ALTHUSSER, L. Réponse à John Lewis. Paris: Maspéro, 1973, p. 31.
29
Idem, p. 32.
30
Idem, p. 44.
31
Idem, p. 28.
L A
47
o “historicismo” supostamente presentes no Marx dos primeiros anos
32
.
Se de uma parte, o projeto sartriano consiste em refundar o marxismo
como possibilidade de compreensão da totalidade histórica, de outra, em
Althusser tratava-se antes de refundar – ou explicitar – a “cientificidade”
de O Capital
33
. Ao passo que em Sartre, com seu marxismo fenomenoló-
gico-existencial, constata-se certa subordinação de O Capital aos escritos
de juventude de Marx – sobretudo, aos Manuscritos econômico-filosóficos de
1844 –, Althusser, por seu turno, pretende recolocar no centro da cena a
obra prima do marxismo, tomando-a como o resultado de um ponto de
viragem fundamental (localizável na obra do próprio Marx) de passagem
da “ideologia” para a “ciência da história”, produto de “uma filosofia radi-
calmente nova (o que chamamos de materialismo dialético)”
34
.
É assim que, para Althusser, como sabemos, existirá uma
oposição radical entre a crítica antropológica realizada pelo «jovem» Marx
nos Manuscritos – “obra de um autor politicamente comunista, mas teori-
camente ainda idealista
35
– e a crítica da economia política em O Capital,
e não um progresso estabelecido em continuidade. Ora, da perspectiva al-
thusseriana, deve se reconhecer que, no primeiro caso, Marx apenas aplica-
ra a teoria feuerbachiana da natureza humana (isto é, a teoria da alienação)
à política e à atividade concreta dos homens
36
. Seria preciso passar ainda
pelo “empirismo historicista” de A ideologia alemã – no interior do qual
não há mais o “homem” como “sujeito da história”, mas sim os “indivíduos
reais, empíricos, dotados de forças, vivendo em condições materiais sócio-
-históricas
37
– para que Marx pudesse consumar em definitivo seu acerto
de contas com sua “consciência precedente”:
[...] o jovem Marx vai passar de um neo-hegelianismo subjetivo (de tipo
kantiano-fichtiano) ao humanismo teórico (Feuerbach), antes de rejeitá-
32
“Se empreguei a expressão anti-humanismo teórico de Marx [...], é para acentuar o aspecto impiedoso da
ruptura que Marx teve de realizar para conceber e enunciar sua descoberta”. (ALTHUSSER, L. A querela do
humanismo, 1967, p. 17).
33
“Retomo pois, uma vez mais a questão da história da evolução do pensamento teórico de Marx, a questão
do corte epistemológico entre a pré-história ideológica e a história científica do seu pensamento, a questão da
diferença teórica radical, que separa para sempre as obras de juventude de “O Capital” (Idem, p. 13).
34
Idem, p. 16.
35
Idem.
36
ALTHUSSER, L. Pour Marx. Paris: Éditions la Découverte, 1996, p. 40.
37
A querela do humanismo
Jar Per (Or.)
48
-lo para passar a uma filosofia que não esteja mais fixada em uma “inter-
pretação do mundo”: uma filosofia inédita, materialista-revolucionária.
38
É neste ponto que a leitura althusseriana fará recurso à noção de
«ruptura epistemológica” (oriunda da epistemologia de Gaston Bachelard)
em sua apreciação da obra de Marx: a julgar pela avaliação de Althusser,
a descoberta e a formulação do materialismo histórico e a fundação do
materialismo dialético, já nas páginas de A ideologia alemã, devem ser com-
preendidas como um momento de corte, de cisão entre uma maneira de
pensar ainda “pré-científica” (ou seja, “ideológica”) e o advento da verda-
deira ciência revolucionária. Assim, dirá Althusser,
Uma “ruptura epistemológica” sem equívocos intervém, na obra de
Marx, no ponto em que o próprio Marx a situa, em sua obra não pu-
blicada em vida, e que constitui a crítica de sua antiga consciência
política (ideológica): A ideologia alemã. [...] Essa “ruptura epistemológi-
ca” diz respeito, conjuntamente, a duas disciplinas teóricas distintas. É
fundando a teoria da história (materialismo histórico) que Marx, em
um único e mesmo movimento, rompeu com sua consciência anterior
e fundou uma nova filosofia (materialismo dialético).
39
Assim, para chegar a uma teoria científica da história, fora preciso
que Marx inicialmente fizesse a crítica da “ideologia” – no sentido de uma
visão de mundo que ignora seus próprios pressupostos e suas condições de
produção – que lhe teria servido de fundamento teórico durante seus anos de
juventude (1840/45), quer dizer, promovesse a ruptura com o humanismo
mistificador que “funda a história e a política sobre a essência do homem”:
Essa ruptura única comporta três aspectos teóricos indissociáveis: 1.
Formação de uma teoria da história e da política fundada sobre concei-
tos radicalmente novos: conceitos de formação social, forças produtivas,
relações de produção, superestrutura, ideologias, determinações específi-
cas de outros níveis, etc.; 2. Crítica radical das pretensões teóricas de todo
humanismo filosófico; 3. Definição do humanismo como ideologia
40
.
38
______. Réponse à John Lewis, 1973, p. 57.
39
______. Pour Marx, p. 25. Nesse sentido, a divisão da obra marxiana, segundo Althusser, seria a seguinte:
a) as obras de juventude (anteriores ao ano 1845); b) as obras de “ruptura” (a partir de 1845); c) as obras de
consumação” dessa ruptura (que precedem O Capital); d) as obras de maturidade propriamente ditas (1857).
(Idem, p. 26-27).
40
Idem, p. 233.
L A
49
Portanto, concluirá Alhusser,
Sob a relação estrita da teoria, pode-se e deve-se então falar abertamen-
te de um anti-humanismo teórico de Marx, e enxergar neste anti-hu-
manismo teórico a condição de possibilidade absoluta (negativa) do
conhecimento (positivo) do próprio mundo humano, e de sua trans-
formação prática. [...] Só se pode conhecer qualquer coisa dos homens
na condição absoluta de reduzir a cinzas o mito filosófico (teórico) do
homem. Todo pensamento que então se reivindicasse de Marx para res-
taurar, de uma ou de outra maneira, uma antropologia ou um huma-
nismo teóricos seria teoricamente reduzido a cinzas. Mas praticamente
poderia edificar um monumento de ideologia pré-marxista que pesaria
na história real, e correria o risco de arrastá-la a impasses
41
.
Em última instância, no que concerne especificamente ao marxis-
mo de Marx, tratava-se de exorcizar a antropologia filosófica de Feuerbach,
sua “concepção antropológica (ou humanista) da história
42
, algo que, mu-
tatis mutandis, transparece claramente na tentativa sartriana de apropriação
do pensamento marxiano: para Sartre, são ainda os “homens” que fazem a
história; e a história, por seu turno, constituiria ainda a realização de uma
Verdade humana (ainda que de uma verdade em processo, em devir)
43
. Ora,
em sua Resposta à John Lewis, considerando Sartre como o “mestre não de-
clarado” de seu interlocutor, Althusser não apenas afirmará que a história
é um “processo sem sujeito nem fim(ns)”, mas também acusará as leituras
humanistas de Marx de ainda sustentarem uma “versão pequeno burguesa
da liberdade burguesa
44
.
IV.
Mas tomemos alguma distância: o humanismo sartriano é signi-
ficativamente diferente de um certo “humanismo otimista” da geração an-
terior à Segunda Grande Guerra, ou mesmo do humanismo “espiritualista
da ideologia burguesa. Nesse sentido, bastaria a leitura atenta de alguns
41
Idem, p. 236.
42
ALTHUSSER, L. A querela do humanismo, 1967, p. 31.
43
SARTRE, J.-P. Critique de la raison dialectique précédé de Question de méthode, 1960, p. 10.
44
ALTHUSSER, L. Réponse à John Lewis, 1973, p. 21-22.
Jar Per (Or.)
50
extratos da Crítica da razão dialética
45
e do ensaio intitulado Questão de
método, que acabaria por ser incorporado como espécie de introdução à
crítica sartriana
46
. E ainda que tivéssemos por referência as obras “clássicas
do pensamento sartriano – em particular O ser e o nada –, não se poderia
encontrar nelas senão uma definição ontológica (e não mais “psicológica”)
do “homem”, quer dizer, uma definição que o apreende a partir de sua
dimensão projetiva de superação das determinações do ser rumo às signifi-
cações instauradas pela ação, e não na condição de “sujeito substancial” ou
entidade metafisica
47
. Assim, é preciso reconhecer que a filosofia sartriana
jamais sustentara uma concepção de “homem” e de “liberdade” compreen-
didos como potências plenas de si mesmas: a liberdade não é outra coisa
que o modo de ser de um ser – precisamente, o homem – cuja realidade é
aquela de fazer-se negação incessante de todo o determinismo “natural” ou
ôntico” (e é esse rompimento com as formas determinadas do ser em si
que caracteriza a realidade humana em Sartre
48
). Por esse motivo, no mes-
mo número da revista L’Arc que nos serviu de introdução, Sartre pretende
responder às críticas que lhe são dirigidas afirmando que o “problema não
é o de saber se o sujeito é ‘descentrado’ ou não”:
Em certo sentido, ele [o sujeito] é sempre descentrado. O homem não
existe e Marx o havia rejeitado bem antes de Foucault ou Lacan, quan-
do dizia: “não vejo o homem, vejo apenas trabalhadores, burgueses,
intelectuais”. Se persistimos em chamar de sujeito uma espécie de eu
substancial, ou uma categoria central, sempre mais ou menos dada, a
partir da qual se desenvolveria a reflexão, então já faz bastante tempo
45
“O humanismo burguês, como ideologia serial, é a violência ideológica cristalizada” (SARTRE, J.-P. Critique
de la raison dialectique précédé de Question de méthode, 1960, p. 703.
46
“Havíamos sido educados no humanismo burguês e esse humanismo otimista se esfacelava porque adivinhá-
vamos, nos arredores de nossa cidade, a imensa massa de ‘sub-homens conscientes de sua sub-humanidade’, mas
ainda sentíamos o esfacelamento de maneira idealista e individualista [...]” (Idem, p. 23).
47
Nas palavras do Sartre de “O ser e o nada”: “Dizíamos que a consciência é o ser cognoscente enquanto ela
é e não enquanto é conhecida. Significa que convém abandonar a primazia do conhecimento, se quisermos
fundamentá-lo. E, sem dúvida, a consciência pode conhecer e conhecer-se. Mas, em si mesma, ela é mais do
que só conhecimento voltado para si” (SARTRE, J.-P. L’être et le néant: essai d’ontologie phénoménologique.
Collection Tel. Paris: Gallimard, 2001, p. 1). Ou ainda, em linguagem hedeiggeriana: “Por certo, poderíamos
aplicar à consciência a definição que Heidegger reserva ao Dasein e dizer que é um ser para o qual, em seu pró-
prio ser, está em questão o seu ser” (Idem, p. 28-29).
48
Nas palavras de Sartre, “é preciso opor à fórmula ‘o ser em-si é o que é’ àquela que designa o ser da consciência:
esta, de fato, como veremos, tem-de-ser o que é [no sentido de ser o indeterminado e, portanto, ter a obrigação
de fazer-se o que é]” (Idem, p. 38).
L A
51
que o sujeito está morto. Eu mesmo critiquei essa concepção em meu
primeiro ensaio sobre Husserl
49
.
E no entanto, a julgar pela periodização estabelecida pela leitu-
ra althusseriana de Marx, pode-se conjecturar que Althusser responderia
à Sartre afirmando que sua abordagem não saberia ir além do momento
característico de A ideologia alemã, – momento no qual o “indivíduo não
é, em nenhum instante, um problema: ele é, ao contrário, a própria so-
lução, mas a sua própria solução”, quer dizer, “aquilo do qual se parte, o
começo, o dado
50
(ainda que no caso de Sartre o dado seja ontológico).
Notadamente, para o existencialismo sartriano o “verdadeiro problema
ainda é o da subjetividade (agora desubstanciada, claro está), que deve ser
compreendida como a negatividade que advém ao ser pela própria realida-
de humana, dado ontológico cuja descrição caberia a uma fenomenologia:
[...] o descentramento inicial que faz com que o homem desapareça
por detrás das estruturas implica, ele próprio, uma negatividade, e o
homem surge dessa negação. Há sujeito, ou subjetividade, se você pre-
ferir, desde o instante em que há um esforço para superar, conservan-
do-a, a situação dada. O verdadeiro problema é aquele da superação
[dépassement].
51
Assim, Sartre afirma não contestar a “existência da estrutura” – e
nem tampouco a necessidade de analisá-la –, mas certamente pretende
torná-la uma “derivação” de ação humana na medida em que ela, a pró-
pria práxis, concorre inevitavelmente para a sua própria passividade ou
momento inercial: o homem é o produto da estrutura apenas e tão so-
mente na medida em que ela a ultrapassa
52
. Quer dizer: “a estrutura, para
mim, é um momento do prático-inerte. Ela é o resultado de uma práxis
que transborda o seus agentes. Toda criação humana tem seu domínio de
passividade
53
. Nesse sentido, a questão fundamental da Crítica poderia
resumir-se no seguinte: como se pode compreender que a história, em sen-
49
SARTRE, J.-P. Sartre répond, 1966, p. 92-93.
50
A querela do humanismo
51
SARTRE, J.-P. Sartre répond, 1966, p. 92-93.
52
Idem, p. 91.
53
Idem, p. 90.
Jar Per (Or.)
52
do o produto da “livre práxis do homem”, venha a voltar-se contra o seu
agente e se transforme em uma necessidade inumana que faz do próprio
homem o objeto do processo histórico?
54
Em poucas palavras: para o Sartre
da Crítica, assim como para a antropologia filosófica feuerbachiana – tal
como Althusser a compreende –, não se poderia conceber a “liberdade” (ou
o “homem”) senão a partir de sua alienação fundamental junto às coisas; e
o que Althusser afirma da antropologia filosófica de Feuerbach valeria, cer-
tamente, para a antropologia filosófica de Sartre: “Não há alienação senão a
do homem, não da Natureza; não há dialética da Natureza
55
.
De outra parte, aos olhos de Sartre o estruturalismo pôde valer-se
do marxismo de Althusser porque, em última instância, tratara-se sempre
de privilegiar as estruturas em detrimento da história
56
, o que implica em
dizer, e será dito, que a corrente estruturalista manifesta uma tendência de
recusa da história” e, em consequência, do próprio marxismo, uma vez
que, nela, o agente da práxis (o “homem”) será elidido: “Na impossibilida-
de de poder ‘superar’ o marxismo, vão, portanto, suprimi-lo”.
57
De modo
diverso, na avaliação de Sartre “é preciso não esquecer jamais – sob pena de
renunciar a compreender a dialética do social – [...] que essas significações
objetivas, que parecem existir por conta própria e surgem a propósito de
homens particulares, são também criações dos homens
58
.
Talvez se devesse falar de algo como um abismo insuperável entre
Sartre e Althusser e suas respectivas leituras do marxismo, – vezo de época,
sem dúvida alguma, mas também uma clara demonstração da riqueza e
das potencialidades inauditas do marxismo quando retomado e reatualiza-
do a propósito de experiências políticas singulares como aquela dos anos
60. No entanto, sem pretender nenhum tipo de síntese entre as posições
aqui expostas, é necessário evitar à tendência a considerar as relações entre
Sartre e a geração estruturalista do ponto de vista simplificador de uma
oposição entre um pensamento da liberdade e da história e um pensamen-
to da fatalidade e da estrutura. Ora, como bem notou Patrice Maniglier,
54
CONTAT, M.; RYBALKA, M. Les écrits de Sartre. Paris: Gallimard, 1970, p. 339.
55
ALTHUSSER, L. A querela do humanismo, 1967, p. 52.
56
“Se os estruturalistas podem fazer uso de Althusser é por que há, nele, a vontade de privilegiar as estruturas
com relação à história” (.SARTRE, J.-P. Jean-Paul Sartre répond, 1966, p. 94).
57
Idem, p. 88.
58
SARTRE, J.-P. Critique de la raison dialectique précédé de Question de méthode, 1960, p. 103, nota 1.
L A

tratara-se antes, e sobretudo, de uma oposição entre duas maneiras de con-
siderar a “lógica destes sistemas decorrentes” que procuram captar a no-
ção de estrutura: “Sartre vai em busca do conceito hegeliano ou dialético
de contradição, ao passo que o estruturalismo formula a exigência de um
conceito não dialético desta consistência inconsistente” que atende pelo
nome de estrutura
59
. E afinal, pergunta-se ainda Patrice Maniglier, diante
do desafio de pensar de maneira não dialética a mutabilidade intrínseca
dos sistemas estruturais, não será “evidente também que a elaboração do
conceito de sobredeterminação, por Althusser, se inscreve na busca de uma
nova dialética?”
60
REFERÊNCIAS
ALTHUSSER, Louis. Réponse à John Lewis. Paris: Maspéro, 1973.
______. Pour Marx. Paris: Éditions la Découverte, 1996.
______. A querela do humanismo (1967). In: Crítica Marxista, São Paulo, Xamã,
v.1, n.9, 1999.
COHEN-SOLAL, Annie. Sartre: 1905-1980. Collection Folio-Essais. Paris:
Gallimard, 1999.
CONTAT, Michel ; RYBALKA, Michel. Les écrits de Sartre. Paris: Gallimard,
1970.
DOSSE, François. Histoire du structuralisme.Tome 1: le champ du signe, 1945-
1966. Paris: Éditions la Découverte, 1991.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Trad. Salma Tanus Muchail. São
Paulo: Martins Fontes, 2007.
GAUDEAUX, Jean-François. Sartre, l’aventure de l’engagement. Paris:
L’Harmattan, 2006.
LÉVI-STRAUSS, Claude. La pensée sauvage. Paris: Plon, 1962.
59
MANIGLIER, P. Faire ce qui se défait: la question de la politique entre Sartre et le structuralisme. In: Les
temps modernes: notre Sartre. Paris: Gallimard, n. 632-633-634, juillet-octobre 2005, p. 437.
60
(Idem, p. 438). Como se sabe, Althusser observará, a propósito das diferenças entre as dialéticas hegeliana e
marxista, que o conceito de contradição histórica em Marx supõe uma sobredeterminação de forças provenientes
de diversas instâncias da estruturas social. Nesse sentido, a sobredeterminação, em Althusser, manifesta-se pela
acumulação de contradições advindas das mais diversas instâncias e condensadas por uma contradição sobrede-
terminante a partir da qual o antagonismo manifesta-se sob a forma ruptura e da quebra revolucionária. Trata-
se, enfim, de uma manifestação das estruturas e das práticas a ela articuladas, de modo desigual, no todo de um
determinado complexo estuturado. (ALTHUSSER, L. Pour Marx, 1996, p. 206-207).
Jar Per (Or.)
54
MANIGLIER, Patrice. Faire ce qui se défait: la question de la politique entre
Sartre et le structuralisme. In: Les temps modernes: notre Sartre. Paris: Gallimard,
n. 632-633-634, juillet-octobre, 2005.
MARX, Karl. Morceaux choisis. Introduction et textes choisis par Paul Nizan et
Jean Duret. Paris: NRF, 1934.
PINGAUD, Bernard. Introduction. In: LArc, n. 30, 4e. trimestre 1966.
SARTRE, Jean-Paul. Après Budapest, Sartre parle, L’Express, 9 Nov. 1956.
______. Critique de la raison dialectique précédé de Question de méthode: théorie
des ensembles pratiques, Tome I. Bibliothèque des Idées. Paris: Gallimard, 1960.
______. Jean-Paul Sartre répond. In: LArc, n. 30, 4e. trimestre 1966.
______. L’être et le néant: essai d’ontologie phénoménologique. Collection Tel.
Paris, Gallimard, 2001.
WORMS, Frédéric. La philosophie en France au XXe. Siécle: moments. Collection
Folio/Essais. Paris: Gallimard, 2009.
55
GRAMSCI E AL
THUSSER: AS FORMAS
DE UM DIÁLOGO POSSÍVEL
Leandro GALASTRI
1
O objetivo deste texto é arrolar, de forma introdutória, cami-
nhos teóricos por meio dos quais se torne possível estabelecer uma profí-
cua relação entre as reflexões dos pensadores marxistas Antônio Gramsci
e Louis Althusser. Neste “diálogo”, há importantes momentos de apro-
ximação que podem contribuir para a sempre premente necessidade de
atualização crítica do marxismo, bem como de sua relação concreta com a
prática política contemporânea.
Dentre os momentos de aproximação acima referidos, escolhi
apresentar, de forma indicativa, três que considero evidentes numa leitura
imediata: a questão dos aparelhos hegemônicos de ideologia, as análises de
Maquiavel no âmbito da política prática e a perspectiva do marxismo como
teoria finita. É também nesta ordem que a apresentação segue disposta.
APARELHOS PRIVADOS DE HEGEMONIA E APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO
Buci-Glucksmann observa interessantemente que Antônio Gramsci
teria concebido um conceito novo nos Cadernos do Cárcere, além daquele
1
Doutor em Ciência Política pela Unicamp, é professor de Ciência Política da Unesp/Marília, pesquisador do
grupo CPMT – Cultura e Política do Mundo do Trabalho e editor do blogue Marxismo21.
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p55-70
Jar Per (Or.)
56
de “hegemonia”: o de “aparelho de hegemonia” (BUCI-GLUCKSMANN,
1980, p. 89). Para a autora, é necessário adotar a posição de uma nova pro-
blemática para a proposta de nova elucidação teórica das relações entre clas-
se, Estado e aparelhos de hegemonia. Ainda que de forma conflitiva, seria
o que faz Althusser ao tentar esclarecer a contribuição gramsciana naqueles
aspectos, em seu escrito “Aparelhos Ideológicos de Estado”.
De fato, nesse estudo, aponta Althusser que Gramsci fora o único
marxista até então que tinha avançado pelo mesmo caminho que ele, qual
seja, o de considerar que o Estado não se reduzia ao seu aparelho repres-
sivo, mas compreendia certo número de instituições da sociedade civil: a
igreja, as escolas, os sindicatos. Conclui Althusser que “Gramsci, infeliz-
mente, não sistematizou suas intuições, que teriam permanecido no estado
de anotações agudas, mas parciais” (ALTHUSSER, 2008, p. 264).
De toda forma, a despeito das referências a Gramsci feitas por
Althusser, segundo Jessop (2009, p. 99) este as retomaria apenas “gestu-
almente” ao desenvolver sua própria teoria sobre os aparelhos de Estado,
a ideologia e a luta de classes. Ainda segundo Jessop, isso se deveria, pro-
vavelmente, a sua visão de Gramsci como alguém que desempenhara um
papel importante na esquerda, no que se refere ao desenvolvimento de
um historicismo e um humanismo revolucionários, sendo, portanto, um
antagonista da afirmação de Althusser de que o marxismo devia ser anti-
-humanista e anti-historicista (Idem, 2009).
Assim, ao desenvolver sua própria teoria sobre os aparelhos ide-
ológicos de Estado, Althusser visa também ampliar o próprio conceito
de Estado, acrescentar alguma coisa à teoria marxista clássica do Estado,
como poder de classe e aparelho repressivo. Ainda para Althusser, segundo
Buci-Glucksmann (1980, p. 90), para fazer avançar a teoria do Estado
seria indispensável levar em consideração outra realidade, que se situaria
na mesma dimensão do aparelho repressivo de Estado, mas que não se
confundiria com ele: os aparelhos ideológicos de Estado.
Por meio de tal teoria Althusser procura localizar politicamen-
te, então, os vínculos entre a base e a superestrutura, portanto, a luta de
classes. Além disso, com base nos aparelhos ideológicos de Estado, o autor
também procura perceber o lugar real das superestruturas em um processo
L A
57
revolucionário, à luz do tipo de luta de classes que se desenvolve nessa
dimensão (Idem, 1980, p. 91). Para Buci-Glucksmann (1980, p. 91), é
possível divisar, assim, as duas propriedades gerais dos aparelhos ideológi-
cos de Estado: 1) necessariamente múltiplos, são unificados por seu fun-
cionamento no qual prevalece a ideologia e sob a ideologia dominante.
Assim, os AIE expressam a materialidade institucional da ideologia e os
seus processos de imposição/interpelação dos sujeitos; 2) a distinção entre
o privado e o público, própria da fase do capitalismo liberal, revela-se assim
cada vez mais jurídica e formal, e os AIE fazem parte do Estado, de seu
funcionamento e do nível de ideologia.
Assim, os AIE são lugar e instrumento da luta de classes. Althusser
confere ênfase à escola como AIE:
Esta recebe as crianças de todas as idades desde o maternal e, a par-
tir daí, [...] ela lhes inculca, durante anos e anos [...] determinados
savoir-faire revestidos pela ideologia dominante (língua materna, cál-
culo, história natural, ciências, literatura) ou simplesmente a ideolo-
gia dominante em estado puro (moral e cívica, filosofia). [...] nenhum
aparelho ideológico de Estado dispõe, durante um número tão grande
de anos, da audiência obrigatória (e, realmente, por menos importante
que isso seja, gratuita...) 5 a 6 dias em um total de 7, durante 8 ho-
ras por dia, da totalidade das crianças da formação social capitalista
(ALTHUSSER, 2008, p. 272-273)
Para se pensar uma luta no interior dos AIE seria ainda neces-
sário desenvolver uma teoria da contradição que os atravessa e, portanto,
uma teoria dos “sujeitos” que seriam os agentes dessa contradição (BUCI-
GLUCKSMANN, 1980, p. 92). A análise de Althusser, de toda forma,
permaneceria ainda crivada entre a afirmação da primazia da luta de classes
e o que pareceria ainda um modelo excessivamente “mecanicista-funciona-
lista” das relações base-superestruturas, sendo função dos AIE assegurar a
reprodução dessas relações sociais (Idem, 1980, p. 92).
Nessa operação é possível identificar uma nuance entre Gramsci e
Althusser no sentido em que, de acordo com Buci-Glucksmann, o segundo
manteria a função da ideologia confinada à dimensão superestrutural. Na
verdade, no entanto, a função hegemônica de classe ultrapassaria o campo
exclusivamente superestrutural: as práticas ideológicas aparecem desde o
Jar Per (Or.)
58
aparelho de produção econômica, desde a fábrica. No mesmo sentido em
que Gramsci escreve que “a hegemonia nasce na fábrica
2
:
Fazendo dos AIE o elo principal da reprodução ideológica corre-se
o risco de ocultar a função ideológica interna às relações de produção,
como os modos de reestruturação capitalista (ou outros) próprio às
forças produtivas (BUCI-GLUCKSMANN, 1980, p. 93).
De toda forma, em suma, é possível articular as teses de Althusser
(Aparelhos Ideológicos de Estado) e Gramsci (Aparelhos Privados de
Hegemonia) como importantes ferramentas de crítica ao economicismo
e de proposição de uma ação política que considere sua importância na
dimensão superestrutural.
AS ANÁLISES SOBRE MAQUIAVEL
O segundo tópico teórico por meio do qual podemos fazer uma
aproximação comparativa entre Gramsci e Althusser é o tratamento dado
à obra de Maquiavel
3
.
Em termos mais simples, pode-se afirmar que Maquiavel com-
preende a história como um movimento cíclico, que varia entre a ordem
e a desordem: um ciclo que oscilaria sempre em torno das características
imutáveis dos seres humanos (MARTUSCELLI, 2010, p. 116). Nesses
termos, Gramsci e Althusser promoveriam uma ruptura completa com tal
perspectiva cíclica da história. Rompem, consequentemente, com a ideia
de natureza humana fixa e imutável, já que não concebem as sociedades
de classes e suas relações de poder decorrentes como algo natural (Idem,
2010). Com base nas reflexões de Maquiavel, Gramsci e Althusser deba-
tem os aspectos fundamentais do significado da política e do lugar que esta
ocupa na vida social.



2
A hegemonia nasce da fábrica e necessita apenas, para ser exercida, de uma quantidade mínima de intermedi-
ários profissionais da política e da ideologia” (GRAMSCI, 2001, p. 247).
3
Aqui nos será de grande valia a análise anteriormente feita por Martuscelli (2010).
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59
Maquiavel é um homem inteiramente de seu tempo e sua ciência política
representa a filosofia da época que tende à organização das monarquias
nacionais absolutas, a forma política que permite e facilita um novo de-
senvolvimento das forças produtivas burguesas (GRAMSCI, 2000, p. 30).
Na perspectiva gramsciana Maquiavel é, principalmente, um po-
lítico em ato, um homem de ação, que teria procurado resolver proble-
mas referentes à “grande política”, às mudanças estruturais e, especifica-
mente, à fundação e consolidação do Estado Nacional italiano. A forma
como Gramsci compreende, por exemplo, a questão técnico-militar em
Maquiavel, está ligada a essa macrovisão da política. Gramsci não enten-
de essa questão de forma isolada visto que em Maquiavel ela se encontra
subordinada à construção política. Mais diretamente: a questão militar se
encontra subordinada à questão política (MARTUSCELLI, 2010, p. 116).
A partir da obra de Maquiavel, Gramsci teria logrado a percep-
ção de que a política deve ser concebida como atividade subordinadora da
moral, da religião, da questão militar. Exatamente por isso não pode ser
considerada como atividade autônoma de forma absoluta. O que Gramsci
enfatiza, na esteira das análises de Maquiavel, é a necessidade de que a polí-
tica se desloque de uma posição subordinada para uma posição dominante
em relação às demais esferas sociais. É dessa forma, é nesse movimento que
se torna possível a fundação do momento “ético-político”, que ultrapassa
o nível dos interesses imediatos e particulares e que, portanto, constitui o
momento da liberdade, dos interesses universais (Idem, 2010). É por essa
razão que Gramsci pensa a política numa relação de identidade dialética
com a Filosofia.
Em ponto de vista muito próximo ao de Gramsci, Althusser de-
fende a ideia de que não há, especificamente, uma teoria da política em
Maquiavel. Neste âmbito específico, Maquiavel não se interessaria pela natu-
reza das coisas. Isso quer dizer que, embora existentes na obra de Maquiavel,
os elementos teóricos não se articulariam na forma de uma teoria, mas esta-
riam dispersos e voltados para a prática política (Idem, 2010, p. 121).
É assim que Maquiavel pode ser compreendido como teórico
da conjuntura, ou seja, como o primeiro a pensar na conjuntura
Jar Per (Or.)
60
especificamente, a levar em consideração o âmbito da conjuntura na qual
estava envolvido (Idem, 2010). De toda forma, como enfatiza Martuscelli
(2010, p.121), pensar na conjuntura, ou seja, “sob a categoria conjuntura”,
não é a mesma coisa que pensar sobre a conjuntura. De forma mais detida,
vejamos em Althusser:
Pensar sobre a conjuntura é literalmente se submeter ao problema
que produz e impõe seu caso: o problema político da unidade, a consti-
tuição da Itália em Estado nacional. É necessário aqui reverter os termos:
Maquiavel não pensa o problema da unidade nacional em termos de con-
juntura; é a própria conjuntura que coloca negativamente, mas de modo
objetivo, o problema da unidade nacional italiana (ALTHUSSER, 1997
apud MARTUSCELLI, 2010, p. 122).
Em uma perspectiva similar à de Gramsci, as referências à história da
Antiguidade presentes na obra de Maquiavel, por exemplo, seriam con-
cebidas por Althusser como analogia histórica, mas ressaltando a pos-
sibilidade de extrair daí uma teoria da conjuntura (MARTUSCELLI,
2010, p. 122).
Para Althusser, o caráter antifeudal dos escritos de Maquiavel es-
taria indicado no lugar subordinado que a religião e a técnica militar têm
em relação à política na obra do secretário florentino. Maquiavel coloca
a unidade italiana como objetivo a ser concretizado e, por isso, as formas
feudais existentes são tratadas por ele como incompatíveis com esse ob-
jetivo político – Gramsci fala também, em determinados momentos, de
formas políticas compatíveis com novos desenvolvimentos das forças pro-
dutivas – (Idem, 2010).
A existência de uma unidade profunda entre as obras “O Príncipe”
e “Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio” é outra tese compar-
tilhada pelas análises de Gramsci e Althusser. Tais obras não podem ser
concebidas separadamente, na perspectiva de Gramsci. Como faz o sardo,
“O Príncipe” e os “Discursos” podem ser tratados respectivamente como o
momento da autoridade (ou da força) e o momento da hegemonia (ou do
consenso), mas tal distinção possui um caráter metodológico e não pode
ser considerada uma oposição de princípio. Ainda, para Gramsci, não se
trata apenas da unidade entre os momentos da autoridade e do consenso.
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61
Há também a questão política comum da constituição e consolidação da
unidade do Estado nacional italiano como condição imprescindível para a
superação dos conflitos internos e das ameaças de invasão externas existen-
tes na Itália (Idem, 2010, p. 124).
Assim, para Maquiavel, as relações de força vigentes na conjuntura
histórica precedente à unificação nacional italiana assumem uma importân-
cia vital. A partir de Gramsci, Althusser concorda e assimila a tese da indisso-
ciabilidade temática dos textos de “O Príncipe” e dos “Discursos”. Ele pensa
a unidade entre essas obras de duas formas, articuladas entre si: de um lado,
como unidade do objeto de reflexão; de outro, como unidade do problema
político em presença (Idem, 2010). Para Althusser, em ambos os livros de
Maquiavel o objeto de análise é a prática política do príncipe. Ainda assim,
seria necessário distinguir o espaço da teoria pura ou geral do espaço da
prática política. A obra de Maquiavel não se enquadraria, no geral, no pri-
meiro espaço. Assim, o conceito de conjuntura poderia ser encontrado em
estado prático” nos escritos do secretário florentino, aplicado direta e anali-
ticamente, mas não formulado teoricamente de forma refletida (Idem, 2010,
p. 125). Nas duas obras principais de Maquiavel o sujeito da prática política
é, assim, o mesmo: o príncipe. O objetivo de Maquiavel não seria elaborar a
teoria do Estado nacional existente, mas problematizar as condições de fun-
dação de um Estado nacional num país como a Itália, sem unidade territorial
(ALTHUSSER, 1998 apud MARTUSCELLI, 2010, p. 126).
À moda dos dois registros do conceito de Revolução Passiva de
Gramsci, Althusser apresenta dois momentos decisivos da constituição
de um Estado nacional: 1) o momento da fundação, instável, que ainda
apresentaria descompassos entre sua base material e sua superestrutura
ideológica; 2) o momento da duração, ou reprodução estrutural, movida
pelos recursos da hegemonia, pela sincronia entre reprodução ampliada de
determinadas relações de produção e superestrutura ideológica condizente
(ALTHUSSER, 1997 apud MARTUSCELLI, 2010, p. 126).
Pode-se dizer, com Althusser, que essas seriam fases teóricas, ou uma
periodização também concernente à Maquiavel, com “O Príncipe” correspon-
dendo ao momento do começo absoluto da fundação de um Estado, e os
“Discursos”, ou a república como sendo o momento da duração, da consolida-
ção do Estado nacional, da dotação de leis (MARTUSCELLI, 2010, p. 127).
Jar Per (Or.)
62
MARXISMO COMOTEORIA FINITA
Outro elemento por meio do qual é possível vislumbrar uma
aproximação entre as operações analíticas de Gramsci e Althusser é a abor-
dagem do marxismo que o toma historicamente, ou seja, como um pensa-
mento adequado ao seu próprio tempo e sem predestinação histórica. Isto
é, a leitura do marxismo como uma concepção que está plenamente sujeita
à superação histórica, uma vez superadas as condições materiais e simbóli-
cas que o levaram à existência.
Para Althusser, essa tese é definida pela ideia do marxismo como
teoria finita”. Para ele tal expressão significa afirmar, essencialmente, que a
teoria marxista é completamente distinta, diferente de qualquer filosofia da
história que pretendesse abranger todo o devenir da humanidade, pensando-
-o efetivamente, e que se propusesse a definir, antecipadamente e de forma
positiva, um objeto como o comunismo (ALTHUSSER, 1998, p. 65). A
teoria marxista, segundo o autor, deve deixar de lado a tentação de se tornar
uma filosofia da história (tendência que dominou, por exemplo, a Segunda
Internacional). O marxismo está inscrito na fase atual existente, é limitado
a essa fase. É a partir da “sociedade atual que pode ser pensada a transição
(ditadura do proletariado, sob a condição de não se desvirtuar instrumental-
mente esta expressão) e a extinção do Estado” (Idem, 1998, p. 65).
A transição é um elemento chave a ser pensado aqui por Althusser.
Para ele, as reflexões sobre um eventual processo de transição socialista
devem ser indicações induzidas pela identificação de uma “tendência
contemporânea. Observa que, como toda tendência em Marx, esta é con-
traposta a outras tendências e só pode se realizar por meio de uma luta
política. Porém, em sua forma positiva, determinada, não é possível prever
tal realidade. É apenas no curso da luta que tais formas positivas podem
aparecer à luz do dia, se descobrir, se tornar realidade (Idem, 1998).
A ideia mesma de que a teoria marxista seja “finita” exclui com-
pletamente a possibilidade de que ela seja uma teoria “fechada”. As filo-
sofias da história são fechadas porque preveem e antecipam seu curso e
desenvolvimento. Nas palavras de Althusser,
Somente uma teoria “finita” pode ser realmente “aberta” às tendências
contraditórias que descobre na sociedade capitalista [...] aberta ao de-
venir aleatório, às imprevisíveis surpresas que sempre marcaram a his-
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
tória do movimento operário; aberta, portanto atenta, capaz de levar a
sério e assumir em tempo a incorrigível imaginação da história (Idem,
1998, p. 65 – grifo do autor).
Este debate apresentado por Althusser, do qual delineamos aqui os
traços gerais, tem a ver com a discussão das formas, ou mesmo da perma-
nência, da existência da política numa sociedade pós-capitalista. O Estado
é o objetivo estratégico, mais elevado, da luta de classes. Daí cria-se a ilusão
de que tudo se passa como se a política como um todo estivesse reduzida à
esfera” compreendida por esse objetivo. Trata-se de uma ilusão diretamente
criada pela ideologia burguesa e por uma concepção que reduz a política ao
seu próprio objetivo. Contra essa ilusão, segundo Althusser, Gramsci com-
preendeu muito bem que “tudo é político” e que, portanto, não existe uma
esfera do político”. O movimento operário precisa superar, acabar com tal
ilusão e ocultamento das relações de força sociais operados pela distinção en-
tre sociedade política (ou Estado) e sociedade civil, impostos pela ideologia
e prática burguesas da política. Cabe ao movimento operário elaborar outra
ideia da política e do Estado (Idem, 1998, p. 67-68).
Com relação à política, é necessário evitar sua redução às formas
consagradas como políticas pela ideologia burguesa. Tais formas são, se-
gundo Althusser, o Estado, a representação popular, os partidos políticos,
a luta política pelo poder do Estado existente. A lógica que preside o fun-
cionamento e a disputa pelo poder nessas instâncias conduz à chamada
“ilusão jurídica da política”. Ou seja, é o direito que passa a definir o que é
política. Essa definição abrange apenas as formas da política definidas pela
ideologia burguesa, incluída aí a atividade dos partidos (Idem, 1998).
Tais definições do que seja a política, ou do âmbito do “político”,
estão intimamente ligadas com a ideologia que apresenta formas essen-
cializadas e teleologizadas dela, formas estas questionadas pela perspectiva
crítico-histórica do marxismo, perspectiva que o marxismo aplica a si mes-
mo, que define sua própria natureza. Para Gramsci, trata-se de considerar
a “historicidade da filosofia da práxis”. Em suas palavras:
Que a filosofia da práxis conceba a si mesma de um modo historicista,
como uma fase transitória do pensamento filosófico, resulta explici-
tamente da tese segundo a qual o desenvolvimento histórico pode se
Jar Per (Or.)
64
caracterizar, em determinado ponto, pela passagem do reino da neces-
sidade ao reino da liberdade (GRAMSCI, 2004, p. 203-204)
Para Gramsci, os sistemas filosóficos que existiram ao longo
da história foram sempre a manifestação das “íntimas contradições que
dilaceraram a sociedade” (Idem, 2004). Entretanto, embora expressão des-
sas contradições, tais sistemas filosóficos não expressaram conscientemen-
te essas contradições (Idem, 2004). Tal consciência passa a ser expressada
apenas pela filosofia da práxis ao cabo do desenvolvimento de um determi-
nado processo histórico. Resultado, ao mesmo tempo, de uma “reforma
e um “desenvolvimento” do hegelianismo, tem como característica de sua
própria formação a superação constante de quaisquer elementos de ideolo-
gia unilateral e de fanatismo (Idem, 2004).
Assim, a filosofia da práxis se apresenta plenamente consciente
das contradições no âmbito das quais o seu surgimento ocorre e se conso-
lida. Por meio da filosofia da práxis, o próprio filósofo (“entendido indi-
vidualmente ou como grupo social global”) compreende as contradições e
coloca a si próprio como elemento delas. Eleva este elemento a princípio
de conhecimento e, “consequentemente, de ação” (Idem, 2004, p. 204).
A filosofia da práxis se coloca, portanto, como expressão cons-
ciente das contradições históricas. Entretanto, isso só lhe pode conferir a
condição de estar, também ela, ligada aos limites objetivos da “necessida-
de”, e não à liberdade, a qual (fica assim demonstrado) que não existe e
ainda não pode existir historicamente” (Ibdem). A seguir, Gramsci ela-
bora uma passagem lapidar que em muito se aproxima da concepção de
Althusser do marxismo como uma “teoria finita” (ou ao contrário, já que
Althusser conhecia os cadernos gramscianos):
Assim, se se demonstra que as contradições desaparecerão, demonstra-
-se implicitamente que também desaparecerá, isto é, será superada, a
filosofia da práxis: no reino da “liberdade”, o pensamento e as ideias
não mais poderão nascer no terreno das contradições e da necessidade
da luta. Atualmente, o filósofo (da práxis) pode fazer apenas essa afir-
mação genérica, sem poder ir mais além; de fato, ele não pode se evadir
do atual terreno das contradições, não pode afirmar, a não ser gene-
ricamente, um mundo sem contradições, sem com isso criar imedia-
tamente uma utopia [...] É possível até mesmo chegar-se à afirmação
L A
65
de que, enquanto todo o sistema da filosofia da práxis pode se tornar
caduco em um mundo unificado, muitas concepções idealistas (ou,
pelo menos, alguns de seus aspectos), que são utópicas durante o rei-
no da necessidade, poderão se tornar “verdades” após a passagem, etc.
É impossível falar de “espírito” quando a sociedade é constituída por
grupos, a não ser que se conclua necessariamente tratar-se de... espírito
de grupo [...] (Idem, 2004, p. 205-207).
Trata-se aqui de considerar que, por “espírito”, Gramsci remete
a uma nova situação histórica-ético-política (apropriando-se da linguagem
croceana), forjada em um novo bloco histórico pós-capitalista. Trata-se,
obviamente, de uma circunstância de superação das classes sociais (“gru-
pos”). Claro também que a “unificação” do mundo a que se refere Gramsci
não é a padronização totalitária dos indivíduos, de resto impossível e im-
pensável para ele. O que está em questão é a “unificação” enquanto arti-
culação real entre “estrutura” e “superestrutura”, ou, a ascensão de uma
concepção de mundo que corresponda verdadeiramente, na prática, às
condições materiais de existência de todos os cidadãos.
Gramsci sustenta, portanto, que a filosofia da práxis será supe-
rada quando as condições materiais que ensejaram seu desenvolvimento e
consolidação forem suplantadas. Afirma que, segundo ela, toda “verdade
tida como eterna e absoluta teve origens práticas e representou sempre um
valor provisório (historicidade de toda concepção de mundo e da vida)”
(Idem, 2004, p. 206). Porém, é necessária a compreensão prática de que tal
perspectiva é válida, igualmente, para o próprio marxismo. Tal dificuldade
se apresenta para qualquer filosofia historicista e particularmente para a
filosofia da práxis, já que esta deve evitar abalar as convicções que são ne-
cessárias para a ação (Idem, 2004). Esta dificuldade confere um problema
importante para a filosofia da práxis:
Por isto, ocorre também que a própria filosofia da práxis tende a se
transformar numa ideologia no sentido pejorativo, isto é, num sistema
dogmático de verdades absolutas e eternas; particularmente quando,
como no Ensaio Popular, ela é confundida com o materialismo vulgar,
com a metafísica da “matéria”, que não pode deixar de ser eterna e
absoluta (Idem, 2004, p. 206).
Jar Per (Or.)
66
Enfim, todos esses pressupostos precisam estar suficientemente es-
clarecidos para o marxismo, como condição de sua intervenção no mundo
no espírito da XI Tese sobre Feuerbach, aquela segundo a qual importa agora
transformar o mundo, ao mesmo tempo em que o conhece (ou seja, pos-
tular prática e filosoficamente que “conhecê-lo” requer e encerra um ato de
transformação). Concretamente, é óbvio, tal intervenção continua manten-
do como horizonte estratégico uma sociedade que corresponda à eliminação
histórica da propriedade privada dos meios de produção e da exploração
da força de trabalho da maioria por uns poucos proprietários e grupos do-
minantes. E é neste sentido geral que se podem articular as concepções de
Althusser e Gramsci do marxismo enquanto uma teoria finita e da “filosofia
da práxis” como concepção de mundo historicamente superável.
CONCLUSÃO (OU SUGESTÃO...)
É assim que concluímos este esboço inicial, esta tentativa ainda
incipiente de demonstrar as possibilidades de um diálogo teórico entre as
concepções althusserianas e gramscianas no mesmo escopo geral da teoria
marxista. Tais possibilidades foram exploradas apenas parcialmente aqui, e
ainda podem fornecer profícuos aportes teóricos em outras direções dessa
mesma comparação entre os autores em questão. O sentido basilar de toda
essa operação é apontar para a crítica e a autocrítica teóricas e a necessidade
de acompanhamento constante das mudanças sociais concretas, princípios
que constituem as próprias condições formativas do marxismo (de resto,
incessantemente enfatizadas por Antônio Gramsci e Louis Althusser), em
busca da interpretação/transformação revolucionárias das sociedades base-
adas na exploração classista.
REFERÊNCIAS
ALTHUSSER, L. Sobre a reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008.
______. O marxismo como teoria finita. n. 2, out. 1998, p. 63-74.
BUCI-GLUCKSMANN, C. Gramsci e o Estado. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1980.
L A
67
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2004, vol. 1.
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001,
v. 4.
JESSOP, B. Althusser, Poulantzas, Buci-Glucksmann: desenvolvimentos ulteriores
do conceito gramsciano de Estado integral. Crítica marxista, n. 29, 2009, p. 97-
122.
MARTUSCELLI, D. E. Sobre Gramsci e Althusser como críticos de Maquiavel.
In: NAVES, M. B. (Org.). Presença de Althusser. Campinas: Unicamp/IFCH,
2010.
Jar Per (Or.)
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69
Política e Ideologia
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71
IDEOL
OGIA, IDEOLOGIAS, LUTAS DE
CLASSES: ALTHUSSER E OS APARELHOS
IDEOLÓGICOS (DE ESTADO)
*
Lúcio Flávio Rodrigues de ALMEIDA
1
Este texto é o segundo de um projeto de reexame do recurso
efetuado pelo grupo althusseriano ao conceito de aparelhos ideológicos de
Estado. Retomo e amplio o primeiro, publicado na revista Lutas Sociais,
33 (ALMEIDA, 2014), contemplando mais de perto os aportes efetua-
dos por Nicos Poulantzas e cotejando-os com os do próprio Althusser.
Surpreendentemente, Poulantzas, ao mesmo tempo em que se distanciava
de algumas teses adotadas pelo grupo althusseriano nos anos 60, foi quem,
em Fascismo e Ditadura, recorreu mais sistematicamente ao referido con-
ceito. Por sua vez, o processo de elaboração deste por Louis Althusser esta-
va longe de se reduzir ao que este autor apresentou inicialmente.
Novas pesquisas e depoimentos sobre Louis Althusser e, especial-
mente, a publicação de manuscritos que ele deixou engavetados, revelam
um percurso que sinaliza diferentes rumos. Independentemente das ava-
liações que receba, tal processo expressa extraordinária capacidade de ex-
perimentação de novos caminhos para um marxismo que se demonstrava
imprescindível e, em aparente paradoxo, necessitado de aggiornamento ur-
1
Livre-docente em Ciência Política pela PUC-SP. Professor do Departamento de Política e do Programa de Estudos
Pós-Graduados em Ciências Sociais da mesma instituição; Coordenador do Núcleo de Ideologias e Lutas Sociais
(NEILS). Autor de Ideologia nacional e nacionalismo. 2 ed. São Paulo: EDUC, 2014. luflavio40@gmail.com
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p71-96
Jar Per (Or.)
72
gente, até porque sofria ataques de múltiplos pontos e em diversos flancos.
Cinco décadas após a aparição fulgurante de Pour Marx e Lire Le Capital,
os estudiosos da contribuição althusseriana estão longe de encontrar um
território bem mapeado conceitualmente. Ainda reexaminam textos pri-
meiramente publicados, deparando-se, para frente e para trás, com novas
aventuras que, embora férteis do ponto de vista teórico-político, não ofe-
recem grandes garantias de como terminarão.
Aqui não se analisam diretamente as duas obras “fundadoras”,
mas um artigo cujo impacto transpôs o âmbito dos “especialistas” e se
transformou em referência maior sobre os aportes althusserianos em geral
e, em particular, acerca da ideologia. Ao mesmo tempo, sinalizou na época,
embora discretamente, a dimensão semioculta da produção “subterrânea
de Althusser, bem como das relações entre ela e a que o autor trouxe à
luz. Refiro-me a «Idéologie et appareils idéologiques d’État (notes pour une
recherche)». Se a análise aqui apresentada contém algo de original, é muito
simples: trata-se de destacar o caráter explosivo de um texto tido como
exatamente o oposto: “reproducionista”.
Publicado em junho de 1970 na revista La Pensée n.° 151, o tex-
to é constituído por extratos articulados, em janeiro-abril de 1969, de
um manuscrito que não parava de crescer nem de mudar de nome e que,
após a morte do autor, foi editado e saiu com o título Sur la reproduction
(ALTHUSSER, 1995). O artigo adquiriu vida própria e circula ampla-
mente, às vezes sob a forma de opúsculo, por diversas áreas das ciências
humanas. Sem perder o brilho, mescla passagens que beiram o didatismo
com formulações mais obscuras e de candente teor polêmico em relação a
teses marxistas mais consagradas e a ousadias do próprio Althusser. Desde
o início, foi objeto de sofisticadas e balanceadas interpretações e também
de rotulações primárias.
Para complicar ainda mais, as partes selecionadas para o artigo
tratam, sobretudo, da reprodução, o que, em princípio, é explicável pela
definição do tema do manuscrito, reprodução das relações de produção ca-
pitalistas. Como sempre se pode piorar uma situação, a inteligibilidade do
manuscrito e, assim, do conjunto das formulações elaboradas pelo autor,
seriam facilitadas caso este tivesse produzido o tomo II, que se voltaria para
a luta de classes nas formações sociais capitalistas”. Não faltavam motivos
L A

(justificados ou não) para que o artigo sobre os aparelhos ideológicos de
estado (AIEs) fosse qualificado de “reproducionista”, “conformista”, “nega-
dor das lutas de classes” ou “funcionalista”.
Em vez de fazer um cotejo direto de teses de Althusser com outras
elaboradas a partir de correntes rivais dentro e fora do marxismo, o que
aqui se procura é abordar, no interior do universo teórico althusseriano
(sem ignorar todas as tensões e contradições que ele apresenta), algumas
questões candentes acerca de um conceito formulado pelo autor: o de apa-
relhos ideológicos de Estado.
Diversos estudiosos já observaram que Althusser escreveu o texto
sobre os AIEs sob forte impacto da influência da obra de Gramsci. Esta
observação, no geral correta, merece maior qualificação.
Na Itália e na França, para nos atermos aos casos principais, as
teses do grande revolucionário sardo eram adotadas principalmente com
vistas ao reforço do reformismo em diversos partidos comunistas no mun-
do inteiro (Brasil incluso). Na contramão desta tendência, Althusser se
apropria de formulações gramscinianas que restringem a distinção públi-
co-privado ao interior do direito burguês, negando que ela se estenda ao
conjunto do Estado. Este « Estado, que é o Estado da classe dominante,
não é público nem privado; é, ao contrário, a condição de toda distinção
entre o público e o privado” (ALTHUSSER, 1995, p. 282).
Esta formulação, em especial quando diretamente articulada à dis-
tinção entre aparelho de Estado e poder de Estado, implicava um confronto
aberto com as teses que tendiam a negligenciar a análise do caráter estrutural
de classe do aparelho de Estado e, por este caminho, ignoravam a unidade
fundamental deste. Dupla ocultação que possibilitava “maleabilidade” su-
ficiente para justificar a crença em uma revolução socialista sem profundas
rupturas institucionais, dentro e fora do aparelho estatal burguês stricto sensu.
Bastaria, em especial, deslocar o capital monopolista (Partido Comunista
Francês) ou intensificar a presença das lutas populares no interior do referido
aparelho (especialmente caso do Partido Comunista Italiano – PCI e poste-
rior versão poulantzaniana do eurocomunismo de esquerda).
Mas não era somente com esta tendência mais à direita que nosso
autor, membro do PCF, tinha uma relação mais instável. O mesmo ocorria
Jar Per (Or.)
74
com jovens intelectuais ativistas de extrema esquerda, alguns dos quais, ex-
-alunos e companheiros de trabalho de Althusser. Neste caso, o maoísmo,
antes ponto de confluência, se tornava cada vez mais pomo da discórdia,
especialmente no que se refere às relações entre produção teórica e inserção
em instituições burguesas, a começar pela universidade
2
. Em termos filo-
sóficos, o conflito se expressaria em áspero debate sobre o teoricismo e o
próprio Althusser fez importantes autocríticas a este respeito
3
.
Enfim, havia a extrema esquerda libertária, um crescente público
para a produção foucaultiana. Bem mais jovem do que Althusser, Michel
Foucault já havia publicado quatro importantes livros antes de Pour Marx
e exercia crescente influência sobre indivíduos e movimentos que viam
no marxismo antes um obstáculo a ser superado do que um referencial
teórico-prático importante para a transformação social. A este respeito,
Althusser efetuou um duplo movimento, o qual se expressa claramente em
Sur la reproduction. Por um lado, teceu forte elogio à História da Loucura
na Idade Clássica
4
e aventou a possibilidade de se referir à existência, nas
formações sociais capitalistas, de um “aparelho ideológico ‘medicinal’”
(ALTHUSSER, 1995, p. 192). Por outro, congruente com as formulações
que apresenta em seu manuscrito, dirige críticas sofisticadas e candentes a
um lema divulgado pelo semanário anarquista L’Action e que até hoje faz
furor: Chassez le flic que vous avez dans la tête (“Expulse o policial que você
tem na cabeça”).
Segundo Althusser, os autores deste lema, embora expressassem
intenções ultrarrevolucionárias, incorriam em dois graves equívocos: 1)
substituíam a exploração pela repressão ou pensavam a primeira como uma
forma da segunda; 2) substituíam a ideologia pela repressão, ou concebiam
a primeira como uma forma da segunda. O resultado seria de um simplis-
2
Balibar esboça diversas tentativas de dar conta desta múltipla relação de Althusser com o PCF e com grupos
maoístas. O interesse está nos depoimentos de quem, também vinculado ao PCF, compartilhou intensamente
esta experiência. Ver, por exemplo, Balibar (2009; 2015). Aguardemos o que ele ainda publicará sobre o assun-
to. Dois textos que teceram, de uma perspectiva maoísta, duras críticas a Althusser, foram escritos por Badiou
(1976) e Rancière (1974). Em longo depoimento a seu biógrafo, Peter Hallward, Badiou se esforça para escla-
recer que, seja por seu trajeto escolar, seja pelas principais influências que recebeu, não teve grandes relações
com Althusser e o grupo que se constituiu mais diretamente em torno deste na École Normale Supérieure. Por
outro lado, fornece valiosas informações acerca do desenvolvimento do maoísmo francês e das relações que este
manteve com esta instituição (BADIOU; WALLWARD, 2007).
3
Por exemplo, em Elementos de autocrítica, publicado em junho de 1972 (Althusser, 1978).
4
Já o fizera em «Lire Le Capital” (ALTHUSSER, L. 1996, p. 20, 46, 289).
L A
75
mo atroz: a tese de que bastaria a violência, independentemente até do
simples recurso às «belas mentiras» (concepção paupérrima da ideologia),
para assegurar que as relações de exploração e opressão se reproduzissem
(Idem, 1995, p. 212-214).
Passemos, portanto, às abordagens althusserianas da ideologia.
RUPTURA EPISTEMOLÓGICA E FUNÇÃO SOCIAL: O DUPLO E CONTRADITÓRIO
FOCO DA TEORIA DA IDEOLOGIA
Nas f[ormulações elaboradas por Marx e Engels, especialmente a
partir de A Ideologia Alemã, já está presente a dupla significação do conceito
de ideologia, que se remete à ocultação da realidade e à reprodução das rela-
ções de dominação de classe. Mas, ao compartilhar este duplo direcionamen-
to, Althusser, embora valorize o papel de ruptura desempenhado por aquele
conjunto heteróclito de escritos, considera que, ali, as formulações sobre
ideologia estão fortemente marcadas pelo positivismo, pois a apresentam,
no fundamental, como mero reflexo vazio da realidade. Mesmo se levarmos
em conta as inúmeras críticas (inclusive autocríticas) em relação ao episte-
mologismo da abordagem althusseriana, nosso autor não ignorou, de forma
alguma a segunda dimensão. Pelo contrário, como se verá, a consideração da
importância da ideologia para a reprodução social não apenas esteve presente
como se desdobrou na abordagem do aspecto contrário (a contestação), o
que constituiu uma espécie de face oculta do texto sobre os AIEs. Mas,
também em relação à análise althusseriana da ideologia, a continuidade não
deve ocultar a existência de importantes mudanças.
Tanto em Pour Marx como em Lire Le Capital, apesar da cen-
tralidade do foco incidir, no que se refere ao nosso tema, sobre o papel de
obstáculo epistemológico da ideologia, esta é também abordada como um
nível estrutural de um modo de produção. No primeiro livro, Althusser
afirma que:
Em toda sociedade se constata [...] a existência de uma atividade eco-
nômica de base, de uma organização política, e de formas « ideológi-
cas »... A ideologia faz, pois, organicamente parte, como tal, de toda uma
totalidade social. [...] A ideologia... é uma estrutura essencial à vida
histórica das sociedades. (ALTHUSSER, 2005, p. 238-9).
Jar Per (Or.)
76
Em Lire Le Capital, nosso autor explica que o todo marxista, di-
ferentemente do hegeliano, é complexamente estruturado pela articulação
de “instâncias distintas e relativamente autônomas, dentre as quais a eco-
nômica, que é determinante em última instância, a política e a ideológica»
(ALTHUSSER, 2005, p. 120-123).
Também está presente nos dois livros publicados em 1965 a con-
cepção althusseriana de que, na ideologia, os homens não expressam suas
relações com suas condições de existência, mas o modo como vivem a sua
relação com as suas condições de existência: o que supõe, ao mesmo tempo,
relação real e relação ‘vivida’, ‘imaginária’”. (ALTHUSSER, 2005, p. 256).
Esta conceituação de ideologia como relação real dos homens
com suas condições de existência investida em uma relação imaginária
foi incorporada por Nicos Poulantzas em Poder Político e Classes Sociais
(PPCS), obra publicada em 1968 e cuja importância para a ciência política
contemporânea é muito difícil superestimar (POULANTZAS, 1968, p.
223). E talvez Poulantzas tenha sido o autor que, neste livro, mais incor-
porou à sua metodologia, inclusive no que se refere à ordem de exposição,
as formulações althusserianas sobre a prática teórica, ou seja, o processo
da transformação, por meio de conceitos mais abstratos, de noções em
conceitos de abstração cada vez menor (Idem, 1968, p. 31). E é desneces-
sário insistir em que PPCS também incorpora e desenvolve a tese de que a
ideologia é uma instância da totalidade social. Justamente esta incorpora-
ção possibilitou a ousada tentativa de formular uma teoria sistemática da
instância política do modo de produção capitalista.
Da mesma forma que Marx explorou o que havia de mais avança-
do na economia política clássica para formular o conceito de produção em
geral e, em seguida, de relações de produção, Althusser recorreu, de modo
fecundo, aos avanços das ciências humanas, a começar pela psicanálise, em
sua tentativa de produção de um conceito geral de ideologia. Não abando-
nou Marx. Ao contrário – e apesar do que o próprio Althusser afirmaria em
uma obra na qual se desqualifica em demasia (ALTHUSSER, 1992) – o re-
leu profundamente, contribuindo para uma extraordinária renovação con-
ceitual que até hoje estimula o exame de diversas áreas do conhecimento.
Empreendeu, no que se refere à ideologia, explorações similares à que, por
exemplo, Nicos Poulantzas efetuou em relação a uma teoria do político no
L A
77
modo de produção capitalista. Com a diferença de que, embora o trabalho
de Poulantzas tenha sido mais sistemático – até por que seu objeto é mais
discernível – este autor, especialmente em sua obra maior, PPCS, seguiu
uma trilha fundamentalmente aberta por Louis Althusser. Todavia, estas
similitudes não devem ocultar o fato de que, mesmo em relação às teorias
regionais do econômico e do político, restam grandes interrogações acerca
do que há (caso exista) de trans-histórico, especialmente em se tratando
de sociedades sem classes, mais ainda uma sociedade comunista; e que
esta questão é mais candente e complexa no que se refere à ideologia, pois
Althusser a concebe como intrínseca a qualquer modo de produção
5
.
Em seus textos de 1965, Althusser centrou muito mais o foco na
dimensão epistemológica, o que lhe possibilitou a realização de uma extra-
ordinária releitura da obra de Marx, das sucessivas influências intelectuais
que este sofreu e da imensa revolução teórica que produziu a partir de um
determinado período de sua trajetória. A respeito do impacto da leitura
que Althusser fez de Marx, basta mencionar, neste momento, o recurso
ao conceito de ruptura epistemológica (que Althusser diz ter tomado de
empréstimo a Bachelard), cuja importância fundamental não se limita ao
estudo das relações entre ciência e ideologia.
O extraordinário impacto dessas formulações mobilizou a maior
parte dos debates sobre a obra de Althusser, deixando para segundo plano
o que, de fato, nas duas obras publicadas em 1965, estava neste lugar: 1) a
dimensão estrutural da ideologia em um modo de produção; 2) a função
social específica da ideologia na luta política de classes; 3) o modo mais
geral de funcionamento da estrutura ideológica.
Em termos gerais, Balibar (2005) tem razão ao afirmar que “ide-
ologia” é uma das três constelações de noções e de questões em torno das
quais se organiza Pour Marx (as outras seriam o “corte epistemológico” e
estrutura”) e também ao asseverar que Althusser não modificou signifi-
cativamente sua concepção geral acerca de ideologia (Idem, p. 10)
6
. Mas,
quando observamos, por um lado, Pour Marx (e mesmo Lire Le Capital) e,
por outro, “Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado”, é visível o deslo-
5
Posição à qual Poulantzas adere em PPCS (POULANTZAS, 1986, p. 200-203).
6
A este respeito, Balibar refere-se explicitamente a Pour Marx (Em favor de Marx) e Ideologia e aparelhos
ideológicos de Estado.
Jar Per (Or.)
78
camento do foco. Este, no artigo publicado em La Pensée, se dirige explici-
tamente para o modo como a ideologia é fundamental para a reprodução
das relações de produção e, por esta via, para o conjunto das relações so-
ciais. E tal deslocamento abre caminho para algumas extraordinárias ten-
tativas de inovação.
A primeira delas é a radicalização da tese de que ideologia signifi-
ca a “’representação’ [aspas de Althusser] “da relação imaginária [não mais
real e imaginária] dos indivíduos com suas condições reais de existência
(ALTHUSSER, 1996a, p. 126).
A segunda radicaliza a primeira. Althusser redefine e vai muito
além da noção de representação, insistindo em que “a ideologia tem uma
existência material”. Nos termos do próprio autor, “uma ideologia existe
sempre num aparelho e em sua prática ou práticas. Essa existência é mate-
rial” (Idem, 1996a, p. 128-129). As ideias constitutivas da crença deste ou
daquele sujeito individual são “seus atos materiais, inseridos em práticas ma-
teriais, regidas por rituais materiais, os quais, por seu turno, são definidos pelo
aparelho ideológico material de que derivam as ideias desse sujeito” (Idem,
1996a, p. 130, grifos dele). Neste sentido, como observa o autor, o próprio
termo “ideias” perde a relevância que detinha nas concepções tradicionais
de ideologia, sobressaindo-se, por outro lado, “sujeito” em sentido total-
mente redefinido: ele “age na medida em que ‘é agido’ pelo seguinte sis-
tema [...]: uma ideologia existente num aparelho ideológico material, que
prescreve práticas materiais regidas por um ritual material, práticas estas
que existem nos atos materiais de um sujeito que age, com plena consciên-
cia, de acordo com sua crença” (Idem, 1996a, p. 131).
Neste processo, a noção decisiva é, portanto, a de “sujeito”, o que
possibilita a formulação de uma dupla tese: “1. Não existe prática, a não
ser através de uma ideologia, e dentro dela; 2. Não existe ideologia, exceto
pelo sujeito e para sujeitos” (Idem, 1996a, p. 131).
Agora, Althusser considera que pode passar à sua “tese central”
que constitui, segundo o ponto de vista aqui exposto, a inovação mais im-
portante: “A ideologia interpela os indivíduos como sujeitos (Idem, 1996a).
Esta terceira inovação fundamental – a da interpelação – apresenta
desdobramentos até então inéditos na obra de Althusser. A ideologia inter-
L A
79
pela os indivíduos como sujeitos, no duplo e contraditório sentido do ter-
mo, ou seja, como livres e como assujeitados (assujeitados livremente). Desta
forma, eles “trabalham sozinhos” (ou seja, em relativa ausência dos meca-
nismos diretos de repressão), comportando-se adequadamente à reprodução
das várias dimensões do modo de vida necessário à reprodução das relações
de produção. Este deslocamento do foco não exclui a “velha” formulação
presente nos textos de 1965. Ao contrário, avança no sentido de desvendar
os dispositivos por meios dos quais a ideologia é vivida pelos agentes.
LUTA TEÓRICA E IDEOLÓGICA NO TEXTO SOBRE OS AIES
O que ocorre no texto sobre os AIEs (e no manuscrito como um
todo) merece uma dupla qualificação: 1) são importantes ajustes, os quais
possibilitam maiores desenvolvimentos teóricos; 2) estes ajustes passam ao
largo de qualquer crítica mais tradicional de epistemologismo.
Althusser envolve-se em uma intensa disputa muito concreta pela
vanguarda política e cultural, onde, ao mesmo tempo em que rejeita o te-
oricismo, procura algo bem mais amplo e profundo: atualizar o marxismo
revolucionário por meio da absorção crítica de conquistas científicas que
este se acostumara a estigmatizar e de tentativas de profundas transforma-
ções no campo da luta política até então ignoradas no plano teórico. Daí a
incorporação de formulações maoístas acerca dos aparelhos de reprodução
e revolução em todas as esferas da vida cultural; sobre contradição
7
; aportes
gramscinianos para o estudo da ideologia; e o entusiasmo com os movi-
mentos de maio de 1968 e a revolução cultural chinesa. E, por outro lado,
sempre mantendo o pé em um movimento comunista com amplo e pro-
fundo enraizamento de massas, mas cujos aparelhos, cada vez emperrados,
patinavam nas relações com as lutas proletárias e populares.
Estes ajustes e desenvolvimentos não são incompatíveis com a
tese do efeito de desconhecimento produzido por dispositivos da ideologia
dominante. Tese que, aliás, requer abordagens mais sofisticadas, especial-
mente ao se referir a dispositivos que operam no sentido de neutralizar os
conteúdos das lutas de classes no plano ideológico.
7
A respeito da apropriação da abordagem da dialética por Mao Zendong, ver as importantes observações de
Althusser (2015).
Jar Per (Or.)
80
A produção de práticas materiais que deem “sentido” a uma or-
dem de exploração e dominação ao ponto em que os sujeitos ajam por
si mesmos implica mecanismos de desconhecimento das relações funda-
mentais em que tal ordem se fundamenta. O reconhecimento-desconhe-
cimento, mais do que simples erro, é um mecanismo da reprodução de
uma formação social (pelo menos de uma formação social classista), o qual
passa necessariamente por processos de sujeição-garantia ou, como sugere
Göran erborn (1996, p. 2), sujeição-qualificação.
Não se trata, como posteriormente explicaria o autor, de uma
abordagem funcionalista. É interessante como mesmo no plano teórico,
Althusser procura demonstrar que o ponto de vista da reprodução é in-
dispensável para a superação da metáfora espacial (base-superestrutura),
o que, segundo ele, passa pela distinção entre o Aparelho Repressivo de
Estado (ARE) e os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIEs). Na medida
em que procura detectar as relações mencionadas no parágrafo anterior,
nosso autor faz um importante esforço de produção teórica com vistas a
uma crítica devastadora do conjunto das relações (família, escola, sistema
partidário, sindical, de informação etc.) institucionalizadas em uma for-
mação social marcada pela existência da propriedade privada dos meios
de produção, no caso uma formação social capitalista, e nas tentativas de
superação desta.
Aqui se descarta total concordância com as formulações apre-
sentadas no artigo sobre os AIEs. No post scriptum, redigido em abril de
1970
8
e em outro texto suplementar, Notes sur les AIE (Notas sobre os AIE)
(ALTHUSSER, 1995, p. 253-267), elaborado em 1976, o próprio autor
apresenta forte autocrítica. Para Althusser, as teses apresentadas no arti-
go de La pensée ficaram “demasiado abstratas” e deixaram “sem resposta
diversos problemas. Já no post scriptum, ele afirma que faltou, na análise
mais abrangente do processo de reprodução das relações de produção, o
exame dos processos de produção e circulação. Nestes processos, diferentes
ideologias, especialmente a jurídico-moral, se apresentam (ALTHUSSER,
1996, p. 139). Mesmo com isso, a abordagem permaneceria abstrata, pois
as relações de produção implicam relações entre classes antagônicas. Neste
8 post scriptum
La pensée. 
L A
81
sentido, adotar o ponto de vista da reprodução implica, em última ins-
tância”, “situar-se do ponto de vista da luta de classes”. (Idem, 1996). Os
aparelhos de Estado são o lugar por excelência da luta da classe dominante.
Mas “quem fala em luta da classe dominante fala em resistência, revolta e
luta de classe da classe dominada” (Idem, 1996, p. 140).
Estes novos “elementos de autocrítica” serão analisados na próxi-
ma parte deste texto. Mas, desde já, cabe observar que o ponto frágil das
formulações sobre os AIEs parece estar na expressão “de Estado”, que mais
obscurece o sentido das inovações, abrindo o flanco para estéreis debates do
tipo “tudo ou nada”. O que se perde é, em primeiro lugar, o caráter especial
do aparelho de Estado “em sentido estrito” e, por esta via, o exame de uma
estrutura crucial para a reprodução das formações sociais dominadas pelo
modo de produção capitalista (para nos restringirmos ao que, no momento,
mais nos interessa): a jurídico-política. Também se perde a perspectiva de lu-
tas proletárias cujas dimensões ideológicas apontem, dentro do capitalismo,
para o processo de constituição de aparelhos que se voltem predominante-
mente contra a a reprodução das condições de dominação de classe.
A CRÍTICA FEITA POR NICOS POULANTZAS
Como vimos, o artigo de Althusser obteve ampla e imediata re-
percussão.
Em aparente ironia da História, as críticas mais contundentes e
criativas vieram de dentro do próprio grupo althusseriano. Aqui, destaco
uma que, mesmo sem ser a mais fulgurante, teve os méritos de aparecer
com incrível rapidez, no mesmo ano em que foi publicado o artigo de
Althusser em La pensée, e de se constituir na mais sistemática incorpo-
ração do conceito de aparelhos ideológicos (de Estado) à análise de um
processo específico. Refiro-me a Fascismo e ditadura, extraordinária ten-
tativa de articular reflexão teórica, análise histórica e intervenção política
(POULANTZAS, 1978)
9
.
9
O processo de elaboração do manuscrito era parte de um projeto conjunto. Althusser retomaria os estudos
de teoria marxista sobre base e superestrutura, ao mesmo tempo em que um grupo de discípulos dele (Etienne
Balibar, Pierre Macherey, Christian Baudelot, Roger Establet e Michel Tort) pesquisariam sobre o sistema esco-
lar na sociedade capitalista (BALIBAR, 2014). Além disso, Althusser mantinha contatos regulares com pesqui-
sadores sobre os quais também exercia forte influência, como Pierre Bourdieu, Jean-Claude Passeron, Charles
Bettelheim e Nicos Poulantzas (BIDET, 1995).
Jar Per (Or.)
82
A crítica de Poulantzas adquire contornos devastadores, chegan-
do, inclusive, a negar a Althusser qualquer originalidade na produção do
conceito. Neste particular, o papel central caberia a Gramsci, o primeiro
marxista a superar a abordagem restritiva do Estado como se este se li-
mitasse ao aparelho repressivo, composto por uma série de “ramos espe-
ciais, como o exército, a polícia, a administração, os tribunais, o governo
(POULANTZAS, 1978, p. 319). O Estado, “no sentido integral”, inclui-
ria, para o marxista sardo, “organizações habitualmente consideradas como
privadas”, tais como a Igreja, a escola, “os sindicatos, os partidos, o apare-
lho de informação” (Idem, 1978).
Poulantzas também destacou que, reciprocamente, para Gramsci,
o aparelho de Estado stricto sensu não se reduz apenas à força; desempenha
um forte papel ideológico. Portanto, não apenas existe ideologia neste ramo
do aparelho estatal, ou seja, no aparelho repressivo de Estado, como as orga-
nizações “privadas” voltadas para a produção da hegemonia passam, na pers-
pectiva gramsciana, a fazer parte do Estado. Enfim, Gramsci foi o primeiro
marxista a considerar – não apenas ocasionalmente – ideologia como algo
além de um conjunto de ideias ou crenças ou “um sistema conceitual”. Ela
se estende “aos costumes, aos hábitos, ao ‘modo de vida’ dos agentes de uma
formação [...] concretiza-se [...] nas práticas de uma formação social (práticas
burguesas, práticas proletárias, práticas pequeno-burguesas)”.
Estas afirmações de Poulantzas, em grande parte irrefutáveis, se-
riam suficientes, segundo este autor, para sustentar a tese de que “não pode
haver dúvidas de que Gramsci explicitou a teoria dos aparelhos ideológicos
como aparelho de Estado”. (POULANTZAS, 1978, p. 320)
10
. Até porque,
exceto no que se refere à crítica a Althusser,
11
eram desprovidas de qual-
quer novidade. O próprio Poulantzas as havia apresentado, nos mesmos
termos, ao combater as posições teóricas de Ralph Miliband, em artigo
do n. 58 (Nov.-Dez., 1969) da revista britânica New Left Review, ou seja,
antes da publicação do texto de Althusser em La pensée. Em seu primeiro
artigo de crítica a Miliband, Poulantzas confere ênfase à originalidade de
10
O que Poulantzas já havia afirmado em seu PPCC (POULANTZAS, 1988, p. 195). Isto não significa, como
sabemos, qualquer visão acrítica das teses de Gramsci sobre os aparelhos ideológicos. Segundo Poulantzas, elas
precisam ser retrabalhadas porque: 1) não foram desenvolvidas; 2) não foram rigorosamente situadas “em rela-
ção à luta de classes” (Idem, p. 321).
11 E a Charles Bettelheim, o que veremos depois.
L A

Gramsci no teorizar sobre ideologia; formula a distinção entre ARE (no
singular) e AIEs; argumenta em favor de considerar estes aparelhos como
estatais, pois, recorrendo novamente a Gramsci, observa que a distinção
entre público e privado é operada pelo Direito, ou seja, em certo senti-
do, pelo “próprio Estado”; e que tais aparelhos cumprem a mesma função
que cabe ao ARE, qual seja, a de coesão de uma formação social classista
(POULANTZAS, 1982, p. 230-233).
A análise sistemática que Poulantzas empreende, em Fascismo e
ditadura, das imbricações de ideologias com as práticas de classes deixa
claro que não se trata, para este autor, de simples questão de autoria do
conceito de aparelhos ideológicos de Estado. Daí o caráter mais profundo
da principal crítica que ele dirige a Althusser: este “peca, em certa medida,
pela sua abstração e pelo seu formalismo: a luta de classes não ocupa nele
o lugar que de direito lhe cabe” (Idem, 1982, p. 321). Para Poulantzas, “a
ideologia não é qualquer coisa de ‘neutro’ na sociedade: só existem ideologias
de classe. Enquanto ideologia dominante, a ideologia consiste em relações
de poder absolutamente essenciais numa formação, podendo mesmo deter
o papel dominante” (Idem, 1978, p. 322).
Já dispomos de elementos para supor a existência de uma polari-
zação entre as abordagens efetuadas por Louis Althusser e Nicos Poulantzas
a qual este último não explicita.
Correndo o risco de simplificação, diríamos que Althusser resva-
la, ao longo de seu artigo, para uma perspectiva ultraestrutural, enquanto
Poulantzas, em Fascismo e ditadura efetua um movimento oposto que já
se prenunciou na mencionada referência aos AIEs apresentada no texto
sobre o livro de Miliband: o autor de PPCS se desloca de uma abordagem
estrutural para outra predominantemente relacional. Este autor, embora
referenciado fundamentalmente no modo de produção capitalista, não re-
corre, diferentemente do que fez em seu livro imediatamente anterior, à
tentativa de construir uma teoria da instância ideológica deste modo de
produção. A análise oscila e, se, por um lado, o exame das correlações de
forças se enriquece, por outro, as determinações estruturais advindas do
ideológico quase se apagam.
Jar Per (Or.)
84
Já Althusser se arrisca na tentativa de construir uma teoria da
ideologia que valha para quaisquer modos de produção. Em outros termos,
não se limita à teoria regional da ideologia no modo de produção capitalis-
ta nem, muito menos, à análise da ideologia dominante em formações so-
ciais marcadas por esta ou aquela presença da dominância do capitalismo.
O resultado não deixa de ser curioso. Althusser tende para uma
concepção ultraesturuturalizante de ideologia, formulada em um elevadís-
simo grau de abstração, a qual converte os indivíduos em sujeitos, indepen-
dentemente de como as individualidades se constituam historicamente. No
Poulantzas de Fascismo e ditadura, as determinações estruturais burguesas
(especialmente do nível ideológico) se enfraquecem e se confundem com os
modos como cada classe, fração de classe, camada ou categoria social dela se
apropria em conjunturas específicas de duas formações sociais marcadas pela
recente transição para o estágio imperialista: a italiana e a alemã.
No texto de Althusser, o próprio caráter da teoria, que ocupa
uma posição limítrofe entre o particular (ideologia no modo de produção
capitalista), o regional (ideologia nos diferentes modos de produção) e, por
outro lado, o trans-histórico (a ideologia em geral), dificulta, em diferentes
graus, desde o primeiro caso, atenção especial para os aparelhos ideológicos
não estatais
12
, uma vez que o próprio privilégio conferido ao conceito de
modo de produção tende a levar em conta as estruturas e, com elas, os seus
suportes no plano mais abstrato, os voltados para a reprodução.
Todavia, Poulantzas, embora seja obrigado a se referir a proces-
sos concretos transcorridos em formações sociais determinadas, não teori-
za rigorosamente sobre a existência de aparelhos ideológicos não estatais.
Considera que “só podem ‘escapar’ ao sistema dos aparelhos ideológicos de
Estado as organizações revolucionárias e de luta de classe”, mas se limita a
uma petição de princípio, observando que “este problema releva da teoria
marxista-leninista da organização (1978, p. 329 – grifos dele). A rigor,
embora faça uma análise que privilegia (criticamente) o ponto de vista da
12
Mais precisamente, o que Althusser chamará, em manuscrito ao qual faremos referência, elementos de um sis-
tema de aparelhos ideológicos de Estado. Formulação que, em termos menos ousados e pouco claros, Poulantzas
apresentou em Fascismo e ditadura
, ao observar que “um partido, um sindicato, uma escola não são, tais quais,
aparelhos, mas ramos do aparelho político, sindical, escolar etc.” (POULANTZAS, 1978, p. 322). Escrevo
menos ousado” porque Althusser pretendia, como veremos, efetuar um corte relativo, mas crucial, entre “peças
revolucionárias no interior dos aparelhos ideológicos de Estado e estes sistemas que se voltam fundamentalmen-
te para a reprodução.
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85
III Internacional, Poulantzas não realiza, em Fascismo e ditadura, exame
sistemático desses aparelhos não estatais. Este autor, ao estudar o caso ale-
mão, mesmo antes da escalada fascista, refere-se à socialdemocracia como
um aparelho ideológico de Estado; e, a partir da implantação do fascismo,
é em aparelhos deste tipo que aparelho que a análise meticulosa se con-
centra, não somente porque as organizações proletárias foram dizimadas,
mas também em razão da extraordinária relevância adquirida pelos novos
e velhos AIEs
13
.
Talvez seja o momento de apresentar uma proposta teórica para re-
solver este desencontro. Ela se fundamentará nas formulações althusserianas
sobre a estrutura ideológica, formulações que foram brilhantemente desen-
volvidas pelo próprio Nicos Poulantzas em Poder político e classes sociais.
Já no âmbito do modo de produção, uma estrutura regional – no
caso a ideológica – articula-se às demais. Se desdobrarmos a análise para o
plano das formações sociais será possível vislumbrar que diferentes classes,
frações, categorias e camadas sociais se constituem. Desta forma, prepara-
-se o terreno para a análise de processos marcados pelas relações em cujo
interior as classes se apropriam, de distintos graus e formas, da ideologia
dominante, o que pode passar, inclusive, pela predominância do antago-
nismo em relação a esta.
Tal formulação possibilita articular o duplo movimento da dé-
marche althusseriana – teoria da ideologia, enquanto ultraestrutura (nos
termos do autor, oni-histórica) e teorias das ideologias que, enquanto tais,
são históricas – o que implica a distinção relativa – mas longe de insigni-
ficante – entre ideologia burguesa e ideologia da burguesia
14
. Esta última
tem a ver com os processos concretos de apropriação da primeira, que é es-
trutural, pelas frações burguesas em cada período de uma formação social.
Em outros termos, aspectos estruturais da ideologia dominante não são
necessariamente apropriados em sua plenitude seja pelo conjunto da classe
burguesa, seja por uma de suas frações. Mesmo ao longo de revoluções
burguesas, essa apropriação pode ser mais radicalizada por segmentos da
13
Em termos mais abstratos, Poulantzas afirma que, no Estado de exceção, pode ocorrer uma reorganização
que chega ao ponto de “um aparelho ideológico dominar o conjunto do sistema estatal”, o que inclui o próprio
aparelho de Estado stricto sensu (POULANTZAS, 1978, p. 341).
14
O que implica uma leitura mais matizada do que a comumente feita da formulação de Marx e Engels segundo
a qual, “as ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes”.
Jar Per (Or.)
86
pequena burguesia rural ou urbana, ou por um leque mais amplo de for-
ças voltadas para montagem do aparelho de Estado burguês e imersas em
aparelhos ideológicos não estatais no interior de Estados pré-burgueses
15
.
Como não se trata de relações unicausais (nem de totalidade simples), é
possível incorporar ao jogo de determinações as relativas aos mecanismos
denotados pelo conceito geral de ideologia.
Neste caso, embora descartando a querela da autoria da produção
teórica do conceito de aparelhos ideológicos (de Estado), é preciso levar
em conta que a abordagem althusseriana no artigo de La pensée desenvolve,
no essencial, com relativa congruência, as teses que o autor defendeu nos
livros publicados em 1965 e possibilita um mapeamento das estruturas do
modo de produção cujo interior se constitui de aparelhos e forças sociais
concretos, em relação aos quais se pode recorrer, sem cair em uma pers-
pectiva puramente relacional e subjetivista, à problemática das ideologias.
(DES)RAZÕES DAS AUTOCRÍTICAS
Duas das autocríticas feitas por Louis Althusser já no post scrip-
tum a seu artigo de La pensée merecem destaque. A primeira refere-se à
ausência de importantes aspectos substantivos, especialmente o tratamento
adequado de distintos níveis de abstração. Teria faltado uma “análise mais
abrangente do processo de reprodução das relações de produção”, inclusive
o exame dos processos de produção. Em segundo lugar, inexistiu menção
às diferentes ideologias, principalmente a jurídico-moral, cujo papel não
poderia ser ignorado.
De fato, esta dupla ausência em um texto carente de maior orga-
nicidade contribui para obscurecer o fio vermelho que perpassa o esforço
do autor: uma análise marxista da reprodução é requisito indissociável das
condições de transformação de um modo de produção
16
. E – aspecto im-
portantíssimo – o próprio Althusser já havia explicitado esta posição no
15
Como afirma o próprio Poulantzas em PPCS, são muito raros os casos em que “a ideologia dominante aparece
na ‘pureza’ da sua relação com a classe ou fração dominante”. Esta ideologia “não reflete apenas a as condições
de vida da classe dominante, sujeito puro e simples, mas também a relação política concreta, em uma formação
social, entre as classes dominantes e as classes dominadas” (POULANTZAS, 1986, p. 197). Mais adiante esten-
deremos esta reflexão à transição para o socialismo.
16
A este respeito, ver o texto ao mesmo tempo lúcido e assoberbado Michel Pêcheux, escrito em 1978
(PECHEUX, 2013).
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manuscrito do qual foi extraído o artigo para La pensée: “é ao ponto de vista
da reprodução que precisamos nos elevar, não apenas para compreendermos
a função e o funcionamento da superestrutura, mas também para dispor
dos conceitos” que possibilitem o avanço da ciência da história das revo-
luções. E que também contribuam para se constituírem, “sob a ditadura
do proletariado, os aparelhos ideológicos de (Estado)
17
” adequados para se
preparar efetivamente a passagem ao socialismo”, o que levará “ao desapa-
recimento do Estado e de todos os seus aparelhos [...]” (1995, p. 193)
18
.
Como já ficou implícito na primeira, a segunda observação refe-
re-se à pertinência da autocrítica. De um ponto de vista puramente formal,
esta é cabível, até porque intrínseca ao processo de produção de conheci-
mentos e de intervenção no sentido de transformar o real. Mesmo assim,
ainda cabem outras ponderações.
O texto de La pensée foi apresentado com a ressalva, já no subtí-
tulo, de que se tratava de “notas para uma investigação”. E, além de inten-
samente criativo, estava escorado em reflexões mais demoradas (nem sem-
pre desenvolvidas com o mesmo rigor e sofisticação), cujos manuscritos
eram desconhecidos, além de terem ficados inconclusos
19
. Mas estes foram
publicados posteriormente, formando, com o artigo, o post scriptum e as
Notas sobre os AIE, um conjunto portentoso, tanto pela originalidade de
inúmeras formulações como pelo caráter profundamente subversivo das
teses que apresenta.
17
Os primeiros parênteses são propositais e os insiro aqui justamente porque as relações entre classes populares
(especialmente o proletariado) e Estado no socialismo representam uma das maiores tragédias das tentativas de
revolução socialista no século XX, as quais ocuparam lugar central nas preocupações de Althusser.
18
Esta longa citação foi extraída do capítulo X, intitulado Reproduction des rapports de production et révolution.
Este capítulo do manuscrito não foi aproveitado no artigo de La pensée. Aqui fica a questão: ou em uma socie-
dade comunista não haveria ideologia ou esta se reproduziria em aparelhos não estatais.
19
Resta saber por que Althusser não as mencionou. Para além de qualquer explicação psicologística, Motta e Serra
(2014), observam que as posições políticas, especialmente o leninismo, de Althusser, insistentemente explicita-
das no manuscrito, estão ausentes do artigo de La pensée. Pelo menos duas hipóteses, que não necessariamente
se excluem. A primeira é a da expectativa, por parte de Althusser, de concluir, no pior dos casos, ao menos este
primeiro volume. A segunda, já aventada, é a da urgência de intervir em um debate crucial sem que as pressões
que o autor sofria se tornassem insustentáveis. Um depoimento de caráter mais pessoal sobre as circunstâncias
que levaram Althusser a publicar o texto é feito por Balibar (2014). O artigo foi importante contribuição para
uma espécie de sobrevida do marxismo junto a amplos contingentes das esquerdas cultivadas em várias partes
do mundo. Observe-se que o segundo manuscrito jamais foi iniciado. Todavia – e este é um tema para outro
texto – as conferências e escritos políticos cada vez mais criativos e certeiros de Althusser deixam claro que ele
tinha muito mais para escrever sobre questões candentes da teoria e da prática revolucionárias.
Jar Per (Or.)
88
Neste conjunto de publicações, evidencia-se que, embora não se-
jam transformáveis radicalmente no interior de uma sociedade capitalista,
os AIEs estão longe de serem totalmente blindados contra o avanço das
lutas proletárias.
Para Althusser, se um Partido Comunista foi legalizado e se in-
seriu no sistema constitutivo do Aparelho Ideológico Partidário de Estado
ou se um sindicato comunista ingressou no Aparelho Ideológico Sindical
de Estado, isto apresenta implicações profundamente contraditórias. Uma
Igreja determinada, este partido, aquele sindicato, não constituem, cada
um deles, um aparelho ideológico de Estado, mas um elemento, “uma
peça de diferentes sistemas, que denominamos Aparelhos ideológicos
de Estado: o sistema religioso, o sistema escolar, o sistema político etc.
(ALTHUSSER, 1995, p. 116)
20
. Por um lado, esta inserção de partido
ou sindicato comunista deveu-se à intensidade das lutas proletárias. Por
outro, o interior dos Aparelhos Ideológicos de Estado jamais poderá ser o
principal cenário de luta desse partido ou sindicato. Muito ao contrário, é
uns locus desfavorável no qual as lutas, se deixadas a si mesmas ou transfor-
madas em prioritárias, tendem a ser neutralizadas pelo próprio funciona-
mento dos referidos aparelhos. Em outros termos, a persistência das lutas
proletárias fora dos AIEs é fundamental para que elas perdurem, sem se
descaracterizarem, no interior destes.
Para Althusser, os embates no interior dos Aparelhos Ideológicos
de Estado Político e Sindical expressam lutas de classes que ocorrem não
somente fora deles, mas em um âmbito muito maior e profundo. Portanto,
as organizações proletárias que atuam no interior desses aparelhos, “trai-
riam sua missão caso apequenassem a luta de classe exterior” (1995, p.
127). Daí a referência aos “partidos operários social-democratas [...] per-
feitos exemplos de ‘peças’ dos AIE burgueses que se deixam ‘digerir’ ao
mesmo tempo pela ideologia do Estado burguês, realizada nos AIE, e pelas
‘regras’ do ‘jogo político e sindical’ desses AIE. A ideologia desses partidos
é um simples subproduto da ideologia burguesa destinado a operários: a
ideologia pequeno-burguesa reformista”, uma “política de colaboração de
classe.” (Idem, 1995, p. 127).
20
Este e os demais trechos de Sur la reproduction neste artigo foram traduzidos por mim, LFRA. Agora podemos
retornar à observação relativa a Poulantzas na nota 10 deste texto.
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89
As considerações tecidas por Louis Althusser se estendem aos
processos de tentativa de transição para o socialismo. Aí se desfaz uma
aparência muito forte: a da fragilidade dos AIE, quando comparados ao
Aparelho Repressivo de Estado. Daí a tragédia enfrentada pela Revolução de
Outubro, que destruiu rapidamente grande parte do Aparelho Repressivo
de Estado, restando dele somente o ramo administrativo. O principal
problema, segundo Althusser, estava nos Aparelhos Ideológicos do novo
Estado, ou seja, do Estado proletário: no “seu aparelho político”. Como o
partido e os Sovietes poderiam ligar-se às massas e controlar aquele apare-
lho administrativo, destruindo “a tendência burocrática”? O que deveria
ser um aparelho sindical? “Um aparelho ‘não coercitivo’, uma ‘escola de
comunismo’ para assegurar, por meio de diversas engrenagens, uma justa
ligação com as massas”? Como seria, especialmente, o novo aparelho es-
colar, cuja importância é crucial para “’o futuro das jovens gerações”. Para
Althusser, que afirmava compartilhar as mesmas preocupações de Lenin,
especialmente depois de outubro de 1917, “não basta destruir o aparelho
repressivo; também é preciso destruir e substituir os Aparelhos ideológicos
de Estado. É preciso construir urgentemente novos AIEs, sem os quais,
Lenin tinha razão, o próprio futuro da revolução está em jogo” (Idem, p.
120-121; os grifos neste parágrafo são do próprio Althusser).
Seja no que refere ao papel dos sindicatos e dos partidos nas for-
mações sociais capitalistas ou nos processos de transição para o socialismo,
estas formulações que aqui apresentamos de modo extremamente resu-
mido (pois Althusser escreve mais de 160 páginas a respeito) são de uma
atualidade imensa, inclusive no que se refere à formação social brasileira.
É clara, a este respeito, a inspiração das teses althusserianas em
obras como as de Charles Bettelheim acerca da revolução cultural proletária
na China e das lutas de classes na URSS
21
e também em trabalhos de Nicos
Poulantzas, embora este e aquele autor as assimilem de modos distintos.
Poulantzas elogia Bettelheim por recorrer ao conceito de “aparelho econô-
mico”, mas o critica por utilizar, na polêmica com Paul Sweezy, o conceito
de aparelho ideológico sem explicitar que são “de Estado”. Vejamos duas
passagens do texto de Bettelheim que se voltam para as tentativas de tran-
sição para o socialismo.
21
O primeiro volume de “As Lutas de Classes na URSS” foi publicado por Bettelheim em 1974.
Jar Per (Or.)
90
Na primeira delas, afirma-se que “a reprodução das antigas re-
lações sociais”, isto é, “relações burguesas” nas empresas e nos “diferentes
aparelhos políticos e ideológicos” significa a permanência dos “agentes da
reprodução destas relações, que constituem forças sociais burguesas” ainda
sob a ditadura do proletariado e apesar da estatização dos meios de pro-
dução” (BETTELHEIM, 1971, p. 57). No segundo trecho, Bettelheim
destaca a necessidade de “revolucionarização dos diferentes aparelhos eco-
nômicos, ideológicos e políticos, pois é graça a ela que se pode proceder à
eliminação das relações sociais capitalistas, que eles continuam a reprodu-
zir, e à sua substituição por relações socialistas” (Idem, p. 58).
Creio que, em ambos os casos, Bettelheim, nos rumos traçados
por Louis Althusser, está atento à complexa dialética dos aparelhos no pro-
cesso de transição, especialmente, no caso que nos interessa de perto neste
momento. Alguns deles permanecem burgueses, até porque não se trata de
simplesmente interditá-los; outros também antigos são objetos de ferre-
nhas disputas que podem, inclusive, atravessar contingentes que se preten-
dem revolucionários socialistas; outros se constituem como embriões mais
ou menos desenvolvidos de aparelhos ideológicos proletários, o que não
significa ausência de contradições internas e/ou com setores do que res-
ta do pessoal do Estado. Simplesmente conceituar – como parece sugerir
Poulantzas – todos estes aparelhos como “de Estado” implica sérios riscos
de simplificação teórica e de ocultação ideológica de processos de legitima-
ção de forças burguesas no processo de transição, quando, em suma, estão
muito longe de serem claros os vínculos entre os aparelhos ideológicos e
o novo poder de Estado que se luta para consolidar. Althusser dedicava
grande atenção a estes aspectos embora muitas vezes não demonstrasse, nas
teorizações políticas, a mesma sofisticação do autor de PPCS.
Na referenciação empírica e, sobretudo, na teoria, as preocupa-
ções de Althusser estavam muito longe do reprodutivismo. Voltavam-se
exatamente para o oposto, ou seja, como atuar frente ao que denominava
Aparelhos Ideológicos de Estado burgueses e como construir, em um pro-
cesso revolucionário socialista, os correspondentes Aparelhos Ideológicos.
A começar por uma questão crucial: em qual medida e de qual
maneira ainda seriam estatais? Não foi por mero culto à tradição, mas, ao
contrário, em contraposição a esta no que teve de expropriação do poder
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91
proletário, que Althusser se oporia ao abandono explícito do projeto de
implantação de uma ditadura do proletariado, que de forma alguma se
reduzia ao poder de Estado, durante o período de transição socialista
22
.
Uma importante preocupação de Althusser voltava-se para a ne-
cessidade de identificar o AIE dominante na tarefa de reproduzir as rela-
ções de produção, pois este aparelho deve ser o alvo principal da luta de
classes. Por exemplo, na Europa, as revoluções políticas burguesas foram
precedidas de longos e intensos embates de classes dos mais variados tipos
em torno da Igreja e das posições por ela defendidas.
As formulações teóricas acerca da extraordinária importância dos
AIEs expressam a enorme sensibilidade de Althusser, ao contrário de boa
parte dos intelectuais ligados ao Partido Comunista Francês, para o po-
tencial dos movimentos estudantis de maio de 1968, os quais produziram
profundos abalos no que nosso autor considera o principal AIE das for-
mações sociais capitalistas: o escolar
23
. Aqui, mais uma vez, se revelou a
profunda capacidade de apreender o novo, teorizar sobre ele e integrá-lo
ao que considerava fundamental para o marxismo revolucionário. Não se
tratava de aderir ao esquerdismo, mas de disputar com ele, contribuindo,
no plano teórico-político, para que os comunistas se colocassem à altura
das tarefas que tinham de realizar.
Althusser não perde a oportunidade de alertar para o primado da
“infraestrutura” sobre os AIEs, deixando bem claro que, ao teorizar sobre
estes últimos, estava longe de fornecer “um pequeno tratado da revolução”,
o qual se iniciaria por “desencadear a luta de classes nos aparelhos ideoló-
gicos de Estado”, centrando o fogo no principal deles, o escolar, anulando
a capacidade reprodutiva dos AIEs em relação à infraestrutura e, por fim,
tomando o aparelho repressivo estatal. Mesmo que tal delírio voluntarista
fosse possível, ainda assim ficaria de pé um problema bem mais importan-
te: a luta de classes se enraíza na infraestrutura e “transborda infinitamente
as formas dos aparelhos ideológicos de Estado nos quais ela se torna visí-
vel” (Idem, 1995, p. 194).
22
Em relação a este problema, ver o texto da conferência de Althusser (2015) sobre a ditadura do proletariado.
23
A respeito das manifestações estudantis de maio de 1968, ver as considerações críticas de Althusser em carta
escrita, no ano seguinte, a Maria Antonieta Macciochi (ALTHUSSER, 1969). Agradeço a Danilo Martuscelli,
que não tem qualquer responsabilidade pelos erros cometidos neste meu artigo, a lembrança daquele importante
documento.
Jar Per (Or.)
92
Althusser não parou aí. Mais uma vez, longe de se reconfortar com
uma petição de princípio perfeitamente aceitável pelos principais epígonos
do materialismo histórico, preparava uma nova investida em um terreno
que serviria de base para importantes debates sobre os problemas até então
mantidos ocultos pelos partidos comunistas de quase todo o mundo cha-
mado ocidental. Tratava-se, agora, de quebrar a caixa preta da infraestrutu-
ra e afirmar o primado, no interior desta, das relações de produção sobre as
forças produtivas no processo de construção do socialismo. Esta primazia
não era indiferente ao “papel decisivo desempenhado, nas formações sociais
capitalistas, pela ideologia jurídico-moral”, que se reproduzia no interior do
Aparelho ideológico de Estado Jurídico, justamente aquele que articulava
a superestrutura sobre e na infraestrutura”, regulando o funcionamento das
relações de produção (1995, p. 202-203).
Desta forma, Althusser integrava a uma abordagem mais profun-
da da ideologia a crítica não somente ao capitalismo de tipo “ocidental”,
mas também ao processo soviético que, especialmente a partir da conso-
lidação do stalinismo, foi profundamente marcado, no plano ideológico,
pela “problemática das forças produtivas”, o que teve importante papel na
ocultação do caráter das relações de exploração de classe e da expansão de
um aparelho estatal voltado fundamentalmente para a reprodução destas
relações. Em suma, o que a apologia do desenvolvimento das forças produ-
tivas ocultava, por meio de distintos aparelhos ideológicos de Estado, era
uma forma renovada de exploração e dominação de classe. Mais uma vez,
Althusser prestava uma contribuição valiosa para a análise crítica do que se
convencionou chamar, numa mistura de cinismo com abdicação teórica,
de “socialismo real”. O aprofundamento deste debate sobre as tentativas
de transição para o socialismo é fundamental para desenvolver e ampliar a
luta das forças sociais anticapitalistas.
Obviamente, os tempos eram outros e diversos processos políti-
co-ideológicos contribuíam para que a perspectiva de revolução estivesse na
ordem do dia. Basta mencionar a vitória do povo vietnamita sobre a maior
potência militar do planeta; os avanços da Revolução Cubana; inúmeras
outras lutas de libertação nacional; as diversas vertentes do movimento
negro nos EUA; a forte presença de movimentos comunistas na chamada
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
Europa Latina, especialmente França e Itália; e os extraordinários impactos
ideológicos produzidos pelas lutas operárias e estudantis em 1968.
Mais tarde, com a nova expansão imperialista sob a égide do neolibe-
ralismo, antigos aparelhos ideológicos de Estado se reciclaram, enquanto ou-
tros entraram em crise ou mesmo foram desativados; e novos se constituíram.
François Matheron (2001, p. 368), um dos responsáveis pela pu-
blicação das obras póstumas de Althusser, contrapõe sem qualquer nuance
um texto tão estimulante como o célebre ‘Ideologia e aparelhos ideológi-
cos de Estado’” ao “demasiado terrificante ‘Sobre a reprodução das relações
de produção’, do qual o primeiro não passa, todavia, exceto em alguns
detalhes, de um fragmento”.
Aqui, com nuances, se defende o ponto de vista oposto. O ma-
nuscrito no seu “quase todo” (pois faltou completá-lo) é importantíssimo
para elucidar aspectos cruciais do artigo publicado em La Pensée. Naquele
texto maior se explicitam bem mais claramente os vínculos indissociáveis,
numa perspectiva revolucionária, entre análise da reprodução e análise da
transformação social. Nele também se abordam dois aspectos que fazem
imensa falta para a compreensão das teses apresentadas no artigo. O pri-
meiro é a distinção entre um AIE (um sistema) e uma peça deste sistema.
Tal distinção abre espaço para se compreender como, em diversas forma-
ções sociais capitalistas, caso da francesa dos anos 60, importantes sindi-
catos e partidos proletários se constituíam, havia décadas, como peças dos
AIs (ao menos parcialmente, estatais) burgueses. E isto ocorria em razão
de lutas proletárias e populares que transcorriam muito mais fortemente
fora destes aparelhos. Lutas cuja sobrevivência e avanço eram fundamen-
tais para assegurar o caráter operário e popular das referidas peças, evitando
que, a exemplo do que ocorreu com a socialdemocracia, elas fossem “di-
geridas” pelos sistemas dos AIEs (estatais inclusos). O mesmo ocorreria,
segundo Althusser, em um processo revolucionário socialista, quando é
necessário destruir os AIEs do “antigo regime” e, por outro lado, não se
criam por decreto os aparelhos correspondentes ao novo poder da classe
que luta para se constituir como dominante.
Houve e há resistências, algumas fundamentais, mas todas in-
capazes de se contrapor vitoriosamente aos processos de neutralização de
Jar Per (Or.)
94
velhas e novas “peças” proletárias e populares de AIEs. Caso se aprofunde a
nova crise do capitalismo, agora em escala ainda mais transnacionalizada,
novos horizontes de práticas de resistência coletiva poderão se abrir, com a
produção de aparelhos em estreita correspondência com as mutações, sob
diversos ângulos, de proletários e proletárias do século XXI.
Talvez o recado de Althusser no artigo de La Pensée tenha sido o
oposto do que muitos de seus leitores interpretaram. Se isto faz sentido,
é bastante provável que o caráter stimulant ou terrifiant de Sur la repro-
duction guarde forte relação com as posições teóricas e políticas de quem
conhece tanto o artigo como o manuscrito de onde este saiu.
É tempo de reler Althusser.
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COMUNISMO: FIM DA POLÍTICA?
UMA CRÍTICA A J. CHASIN
L
uiz Eduardo MOTTA
1
1 INTRODUÇÃO
A grande contribuição que a escola althusseriana legou no cam-
po do marx
ismo foi o resgate de seu teor científico, haja vista o abalo que
sofreu nos meados dos anos 1950 com a emergência da concepção filosó-
fica e humanista de fundo mais normativo e menos analítico. Recuperar o
aspecto científico do marxismo significa rejeitar alguns aspectos utópicos
que fizeram presença na obra de Marx e que ainda se fazem presentes por
alguns de seus intérpretes.
Exemplo paradigmático dessa posição dentro do marxismo, e que
carrega consigo uma perspectiva idealista e utópica, é a de J. Chasin no
que ele denomina da “ontonegatividade da politicidade” na obra de Marx.
Em breve síntese, Chasin afirma que Marx se opunha à revolução política
ao que ele denominava em sua juventude de “emancipação humana”. E
isso significa em sua interpretação de que não haveria uma prática política
durante o comunismo já que com o fim do Estado, a política deixaria de
existir. Ou seja, a política é associada diretamente ao Estado e reduzida ao
seu aspecto coativo.
1
Professor adjunto de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do LEI –
Laboratório de Estudos sobre Estado e Ideologia. luizpmotta63@gmail.com
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p97-116
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Se o marxismo se distingue das ditas teorias “científicas” que pre-
dominam no campo das ciências sociais é pelo fato de tratar os processos
de mudanças e de reprodução pelo todo, e não pelas partes individualiza-
das (como se caracteriza a sociologia weberiana), como pensar os processos
de ruptura sem a prática política?
Neste artigo pretendo desconstruir os argumentos de Chasin re-
correndo a uma perspectiva alternativa à dele a partir da contribuição da
escola althusseriana, em que se apontam significativas diferenças na abor-
dagem de Marx sobre o conceito de Estado, da fase de transição e da prá-
tica política, haja vista que se a política tem como função a manutenção
das relações sociais de produção (ou de poder), também a política tem um
papel transformador quando pensamos numa política de caráter revolucio-
nário, seja em relação à tomada de poder, ou também no período de tran-
sição em direção ao comunismo. A política tanto pode comportar a força
estatal, mas também a violência popular e revolucionária, e o comunismo
envolve esse aspecto da violência revolucionária das massas, como também
no período de transição ao comunismo, na ditadura do proletariado, a
força do Estado revolucionário seria empregada contra os esforços contrar-
revolucionários das antigas classes dominantes
2
.
Na primeira parte, abordarei as posições de Chasin
3
que, a despei-
to de ser criativa, peca por imprecisões conceituais, além de marcadamente
idealista e utópica, idealismo e utopia que também se faziam presentes nas
obras do jovem Marx. Na segunda parte refutarei esses argumentos com as
contribuições da escola althusseriana a essa problemática da prática polí-
tica e o seu caráter transformador no período de transição da ditadura do
proletariado, o que nos leva a concluir que a ruptura de Marx com o pen-
samento político moderno burguês tem como marca a formação de novas
práticas políticas que emergem no período de transição com a ditadura do
proletariado.
2
Sobre a questão do comunismo e violência veja Badiou (2013, p. 1).
3
Este trabalho converge em muitos aspectos à crítica de Golbery Lessa (2013) à obra de Chasin. A minha dife-
rença deve-se, sobretudo, aos pressupostos teóricos dos quais esse artigo se baseia que é o da escola althusseriana.
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2 A ONTONEGATIVIDADE DA POLITICIDADE DE J. CHASIN
Sem dúvida o cenário intelectual progressista brasileiro tem
Chasin e a sua obra como uma importante referência, não só pelo fato de
ter construído em torno de si uma escola
4
de corte humanista/lukasciano
adeptos da ontonegatividade da política, como também na sua contribui-
ção ao pensamento brasileiro, a exemplo do seu monumental livro sobre o
pensamento de Plínio Salgado no qual lançou novas luzes e questões sobre
o movimento integralista. Com efeito, não há como negar a criatividade
de sua leitura sobre o que ele denomina a “ontonegatividade da politici-
dade” em Marx. Contudo, nem sempre o que é visto como criativo pode
impedir de ser classificado como equivocado. E isso, com efeito, condiz
com a análise de Chasin sobre a obra política de Marx. Se de um lado ele
percebe essa posição de uma possível rejeição da política em Marx no seu
período de juventude, por outro equivoca-se ao inserir o texto A guerra
civil na França e equipará-lo a maioria dos textos listados por ele durante
a fase juvenil de Marx.
Chasin percebe uma mudança na obra de Marx, o que ele de-
nomina uma “virada ontológica” em 1843 na qual Marx romperia com
os textos precedentes da fase da Gazeta Renana (sua fase pré-marxiana
como afirma Chasin 2000, p. 135), e a partir daí com essa nova posição
ontológica, Marx começaria a dar um sentido negativo da política em sua
teoria. Chasin sustenta esse argumento basicamente em três livros da fase
de juventude de Marx: A questão judaica, Para a crítica da filosofia do direito
de Hegel:Introdução e Glosas críticas de 44 (idem, p. 137).
Para ele, esses três textos de Marx representam a principal fonte
de suas posições humanistas em sua juventude, somadas as outras ques-
tões não diretamente políticas tratadas nos Manuscritos de 44. O elo que
articula essas três obras diz respeito a dois aspectos: o primeiro seria que
com a virada ontológica radical de Marx, este estaria rompendo com o
pensamento moderno, haja vista que até o período da Gazeta Renana Marx
ainda estaria sob a influência desse pensamento, pois teria uma perspectiva
positiva da política. A partir de virada ontológica Marx teria incorporado
4
Posso citar como representantes dessa escola, e muitos deles próximos pessoalmente a Chasin, os nomes de
Antônio Mazzeo, Ricardo Antunes, Sergio Lessa, Ivo Tonet, Paulo Barsotti, Ester Vaisman, Angélica Lovatto,
Anderson Déo, entre outros.
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100
uma posição negativa da política, e isso o diferenciaria do pensamento
burguês que confere uma centralidade (positiva) da política (Idem p. 141).
O segundo aspecto que une essas obras é a defesa intransigente da emanci-
pação humana em detrimento da emancipação política, esta limitada e sem
alcance social, e já não estaria mais presente nas obras posteriores de Marx.
Esses textos ganham em Chasin uma estatura na obra de Marx quase igual
a de obras como O capital, O 18 Brumário e O manifesto comunista.
Para Chasin, a emancipação humana do jovem Marx seria o telos
enquanto a emancipação política seria o meio para se alcançar esse fim
como ele afirma nessa passagem: “a revolução política por ter caráter apenas
mediador, pode ser substituída, enquanto a ‘revolução radical – a eman-
cipação humana geral’ – guarda sempre a condição invariável de grande e
verdadeiro objetivo – de telos último e inarredável” (Idem, p. 142).
De fato, o jovem Marx demarca essa distinção entre a “emancipação
humana” e a revolução política como ele mesmo expressa na Introdução à crí-
tica da filosofia do direito de Hegel: “O sonho utópico, para a Alemanha, não é
precisamente a revolução radical, não é a emancipação humana geral, senão,
pelo contrário, a revolução parcial, a revolução meramente política, uma revo-
lução que deixa em pé os pilares do edifício” (MARX, 1982, p. 499)
5
.
Nas Glosas de 44 Marx retoma a sua crítica ao Estado já esboçada
na Questão judaica e aprofunda a sua crítica à revolução política, não obs-
tante reconheça que esta seja o primeiro passo para aquilo que ele denomi-
na nesse contexto de “emancipação humana”:
Quanto mais poderoso é o Estado e, portanto, quanto mais político é
um país, tanto menos está disposto a procurar no princípio do Estado,
portanto no atual ordenamento da sociedade, do qual o Estado é a ex-
pressão ativa, autoconsciente e oficial, o fundamento dos males sociais
e a compreender-lhes o princípio geral. O intelecto político é político
exatamente na medida em que pensa dentro dos limites da política.
[...] A revolução em geral – a derrocada do poder existente e a dissolu-
ção das velhas relações – é um ato político. Por isso, o socialismo não
pode efetivar-se sem revolução. Ele tem necessidade desse ato político
na medida em que tem necessidade da destruição e da dissolução. No
entanto, logo que tenha início a sua atividade organizativa, logo que
5
Indo de encontro a essa afirmação, Marx na Questão judaica escreveu que “a emancipação política é, sem
dúvida, um grande progresso; ela não é, decerto, a última forma de emancipação política no interior da ordem
mundial até aqui. Entende-se: nós falamos aqui de emancipação real, de [emancipação] prática” (2010, p. 52).
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101
apareça o seu próprio objetivo, a sua alma, então o socialismo se de-
sembaraça do seu revestimento político (MARX, 2010, p. 62-78).
É importante frisar que a política está sempre associada à figura
do Estado, ou seja, a política é redutível ao Estado, como entende Chasin
na sua interpretação do jovem Marx.
Em síntese, esses são os principais elementos teóricos (e políticos)
contidos no argumento de Chasin sobre a “ontonegatividade da politicida-
de” em Marx. Contudo, algumas observações se fazem necessárias: primei-
ramente é um equívoco a afirmação de que o pensamento ocidental possui
uma centralidade política. Se isso é verdadeiro em Maquiavel, em Hobbes,
em Hegel ou no Federalista, o mesmo não se dá em Locke, Adam Smith
e David Ricardo para os quais a vida fora do Estado é mais importante e
significante (indivíduo, família, mercado), e o Estado (e a política) ocu-
pa um papel secundário (sobretudo para os dois últimos). Monstesquieu,
por exemplo, ainda que dê uma forte ênfase às instituições políticas, tam-
bém observa e destaca outros importantes condicionantes na formação de
uma sociedade como o clima e a cultura. Isso sem falar do neoliberalis-
mo (Hayek, Friedmann, Nozik) que tem verdadeira repulsa pelas ações
do Estado e da política que não sejam apenas limitadas à manutenção da
ordem econômica, haja vista que quem é protagonista para essa perspecti-
va são os apetites individuais em ação no mercado. Não há consenso para
estes autores listados de que visariam o “aperfeiçoamento da máquina esta-
tal”; se para uns isso é verdade, para outros o ajuste do Estado melhor é a
sua interferência mínima no mundo social e econômico.
Outro aspecto problemático na afirmação de Chasin é a sua ên-
fase na noção de “emancipação humana” presente no jovem Marx, mas
completamente ausente na sua obra de maturidade. O que se faz presente
a partir de 1845 não é mais a noção de “emancipação humana”, mas a de
revolução proletária ou revolução comunista. E não se trata apenas de uma
mera mudança de nome: a ruptura efetiva que se dá em Marx não é em
1843 como quer Chasin, mas sim em 1845 com a emergência de novos
conceitos inexistentes na fase pretérita a exemplo da topologia marxiana
de superestrutura e infraestrutura, determinações, luta de classes, ditadura
do proletariado, mais-valia, trabalho assalariado, relações de produção e
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102
forças produtivas, etc. Não se trata mais de uma recuperação da “essência
humana” (bem presente no texto dos Manuscritos de 1844), mas sim como
resultado da luta de classes que não está precisamente clara na sua obra de
juventude, haja vista que o Estado político é analisado pelo jovem Marx
como resultado de um estamento burocrático/autoritário, e não determi-
nado pela divisão social do trabalho da luta de classes
6
.
Não é casual que Chasin não inclua em seus textos referenciais da
obra de Marx os textos de maturidade, a exemplo do Manifesto Comunista
7
.
A despeito de Marx reconhecer que haveria um fim da política na socieda-
de comunista
8
, há uma ênfase na revolução política, uma ausência total de
sua posição humanista da juventude. Se há um aspecto decisivo em Marx
romper com o pensamento burguês moderno foi a sua ruptura com a no-
ção do humanismo que se fez presente a partir da modernidade burguesa,
e na qual ocupa um papel central na construção dos discursos teóricos
(sejam filosóficos ou científicos). Como afirma Marx (e Engels):
[...] em vez de necessidades verdadeiras, a necessidade da verdade, em
vez dos interesses dos proletários, os interesses da essência humana, do
homem em geral, do homem que não pertence a nenhuma classe, que
nem sequer pertence à realidade, que pertence apenas ao céu nebuloso
da fantasia filosófica (MARX; ENGELS, 1982, p.129)
9
.
Há também no Manifesto comunista um elemento central inexis-
tente nas obras precedentes de sua juventude: o primado das relações so-
ciais de produção, ou seja, a mudança de todo o conjunto das práticas so-
ciais (políticas, econômicas e ideológicas) como fica claro nessa passagem:
6

7
A guerra civil na França
8
“Desaparecidas no curso de desenvolvimento as diferenças de classes e concentrada toda a produção nas mãos
dos indivíduos associados, o poder público perde o caráter político. Em sentido próprio, o poder político é o
poder organizado de uma classe para a opressão de uma outra. Se o proletariado na luta contra a burguesia ne-
cessariamente se unifica em classe, por uma revolução se faz classe dominante e como classe dominante suprime
violentamente as velhas relações de produção, então suprime juntamente com estas relações de produção as
condições de existência da oposição de classes, as classes em geral, e, com isto, a sua própria dominação como
classe” (MARX; ENGELS, 1982b, p. 125).
9
Em seu texto Glosas marginais ao “Tratado de economia política” de Adolfo Wagner Marx também demarca a
sua posição não centrada no homem como objeto de análise quando afirma: “Só assim se explica que nosso vir
obscurus, que nem sequer percebeu que meu método analítico, que não parte do homem [em geral], senão de
um período social concreto” (MARX, 2011a, p. 176).
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
O proletariado usará a sua dominação política para arrancar a pouco e
pouco todo o capital à burguesia, para centralizar todos os instrumen-
tos de produção na mão do Estado, i.e, do proletariado organizado
como classe dominante, e para multiplicar o mais rapidamente possível
a massa das forças de produção (idem, p. 124).
Essa noção da “emancipação humana”, com efeito, dissipa-se no
decorrer dos textos marxianos com a emergência, e também como centro de
análise teórica para a construção de um programa político radical comunista,
a constituição do conceito de luta de classes. O que se torna central no pen-
samento de Marx é que a história é construída a partir da luta de classes e das
contradições antagônicas que movimentam, e que são o motor da transfor-
mação. Não é mais o “homem e a recuperação da sua essência perdida” o eixo
da análise de Marx, mas sim os antagonismos de classes e o entendimento de
que a política também pode ser revolucionária e transformadora. E para isso
foi fundamental na formação da ciência da história o conceito de ditadura
do proletariado, o qual possibilita o conhecimento dos aparatos estatais bur-
gueses e a formação do “não-Estado” em que se constituem novas práticas
políticas de caráter transformador. Ao se falar de “emancipação humana
evoca um universalismo englobador, sem diferenciações. Já no Manifesto
Marx e Engels advogam por outro prisma bem distinto: para o proletariado
se anular e desaparecer é necessário também o fim da burguesia haja vista que
esta (em suas diversas frações) não irá aderir ao processo revolucionário. Não
se trata de uma superação, mas sim de uma ruptura. Não é uma dialética
de conciliação, mas sim uma dialética destruidora.
10
Como dizem Marx e
Engels sobre o proletariado “a sua luta contra a burguesia começa com a sua
existência” (idem, p. 114). Ou seja, para o proletariado acabar com a burgue-
sia, tem que destruir-se a si mesmo.
Então, não é fortuito que Marx a partir de 1845, com o cres-
cimento do movimento proletário europeu, deu à política uma acepção
positiva no tocante à revolução proletária. Como escrevem Marx e Engels
todas as lutas de classe são lutas políticas” (idem, p. 115). E a partir da for-
mação de uma política revolucionária, de novas práticas políticas de par-
ticipação, é que Marx, no dizer de Balibar, retifica o Manifesto comunista
10
Sobre a distinção da dialética destruidora e da dialética conciliadora, veja Naves (2008).
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com a constituição do conceito de ditadura do proletariado em 1852, mas
que obtém maior substância a partir da experiência da Comuna de Paris.
Em Crítica ao programa de Gotha Marx ao questionar se haveria funções
estatais no processo de transição escreve:
Essa pergunta só pode ser respondida de modo científico. [...] Entre a
sociedade capitalista e a comunista, situa-se o período da transforma-
ção revolucionária de uma na outra. A ele corresponde também um pe-
ríodo político de transição, cujo Estado não pode ser senão a ditadura
revolucionária do proletariado (MARX, 2012, p. 43).
Essa concepção idealista da leitura de Marx sobre a política tam-
bém se encontra em outro lukacsiano de peso como Mészáros em sua mo-
numental obra « Para além do capital », especialmente no capítulo intitu-
lado “Como poderia o Estado fenecer?”, no qual reproduz amplamente os
argumentos de Chasin (do qual conhecia a obra apesar de não citá-la uma
vez sequer), embora sistematize mais do que o autor brasileiro a tese do fim
da política no comunismo. Mészáros reproduz os mesmos argumentos de
Chasin da sobreposição da revolução social e da emancipação humana so-
bre a revolução política/emancipação política. E tal qual Chasin, o foco en-
contra-se na obra de juventude de Marx, mas há uma inovação ao incluir
um texto de 1873 Political Indifferentism, e que paradoxalmente não se
trata de um manifesto contra a política (pelo menos não no todo
11
, mas o
enfoque se remete à coerção estatal) e uma crítica aos limites de Proudhon.
E tal como Chasin, Mészáros recorre ao texto A guerra civil na França, mas
também não é convincente em tomar essa obra como um modelo crítico à
prática política a exemplo dos textos de juventude.
Numa passagem em que se apoia nessa obra, Mészáros afirma
que Marx, mesmo nas suas referências mais positivas à estrutura política
da Comuna de Paris, a teria definido negativamente pois apesar dela atuar
como uma alavanca para arrancar pela raiz os fundamentos econômicos
da dominação de classe, vê como tarefa positiva a emancipação econômica
do trabalho. Ademais, pelo Estado exercer uma função repressora, torna-se
11
O texto encontra-se na página marxists.org no seguinte link: <https://www.marxists.org/archive/marx/
works/1873/01/indifferentism.htm>. Acesso em: 17 jun. 2016.
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claro que o objetivo fundamental da transformação socialista é o feneci-
mento do Estado (MESZAROS, 2002, p. 576).
Os equívocos de Mészáros são os mesmos de Chasin, pois se é ver-
dadeiro que Marx defende o fim do Estado definido como aparato repressor
isso não significa que a prática política seja reduzida ao próprio Estado, haja
vista que a política ultrapassa as suas fronteiras. Há no fundo uma inspiração
liberal nessa negação da política e da exaltação do trabalho. Se obsevarmos a
obra de Locke O segundo tratado de governo (1998) veremos que a exaltação
ao trabalho (a prática econômica) é sobrevalorizada diante da política e do
Estado. Se de fato Marx tinha uma concepção negativa sobre o Estado (o
que era comum não somente aos liberais, mas também aos socialistas do
século XIX), a posição dele durante a Comuna de Paris muda em relação à
sua fase de juventude ao reconhecer que a política pode ser transformadora
a exemplo da ditadura do proletariado. Como o próprio Marx observa, e
numa definição distinta da que nos apresenta Mészáros: “Eis o verdadeiro
segredo da Comuna: era essencialmente um governo da classe operária, o
produto da classe operária, o produto da luta da classe produtora contra a
classe apropriadora, a forma política enfim descoberta para se levar a efeito
a emancipação econômica do trabalho” (MARX, 2011, p. 59). Portanto, é
por uma nova prática política que alavanca as transformações da economia,
em especial o mundo da produção/trabalho, prática política esta que não se
reduz ao Estado e que tem como escopo – juntamente com a emergência de
novas práticas políticas – o fim do Estado.
E para encerrar faço uma pergunta para ser respondida na próxi-
ma seção: como pensar enquanto marxista no todo (ou “totalidade, como
diz Chasin) sem incluir a política?
3 A FORMAÇÃO DA PRÁTICA REVOLUCIONÁRIA NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO.
A contribuição que a escola althusseriana dá a essa problemá-
tica da prática política é, a meu ver, uma das mais significativas à teoria
marxista e, consequentemente, às organizações políticas revolucionárias no
tocante ao processo de transição ao comunismo. Se Chasin apreende no
jovem Marx uma adversidade da política, Althusser e seus seguidores bus-
cam resgatar em Marx uma acepção positiva da política pelo viés revolu-
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106
cionário/transformador, além da incorporação das análises de Lênin sobre
a prática política revolucionária presente em diversas obras, a exemplo do
O que fazer? e de seus estudos sobre o Estado. Não é surpreendente o fato
de Chasin não citar Lênin uma vez sequer no seu texto
12
.
Desde a sua primeira grande obra Pour Marx, Althusser já desta-
cava o papel da prática política em seu aspecto transformador (e não me-
ramente repressivo e reprodutor) nos modos de produção e nas formações
sociais, entendendo que a prática atua tanto em termos estruturais como
conjunturais. Por prática em geral, Althusser entende como todo processo
de transformação de uma determinada matéria-prima dada em um pro-
duto determinado, transformação efetuada por um determinado trabalho
humano, utilizando meios (“de produção”) determinados. Por prática so-
cial entende-se a unidade complexa das práticas existentes numa sociedade
determinada, as articula enquanto uma unidade diferenciada na qual uma
prática predomina sobre as outras de acordo com a conjuntura, ou com
a instância nas quais atuam, já que as instâncias não são “puras” e são
compostas pelo conjunto das práticas, mas há predominância da prática
que lhe seja correspondente. A prática social, portanto, comporta a prática
econômica, a prática política, a prática ideológia e a prática teórica. Para
Althusser, a prática política é quem produz transformações (revoluções)
nas relações sociais, pois o escopo dessa prática é a tomada do Estado e a
sua destruição no processo de transição (ALTHUSSER, 1986, p.167).
Althusser, de fato, insurge contra essa concepção utópica e idea-
lista que se fazia (e ainda se faz) presente no marxismo, e que está em com-
pleta dissintonia com a realidade e com as suas práticas. Exemplar disso é
o fato de Althusser, já em Pour Marx, criticar as concepções humanistas
idealistas em relação ao conceito de ideologia. Como afirma Althusser,
o materialismo histórico não pode conceber que uma sociedade possa
jamais prescindir de ideologia, quer se trate de moral, de arte, ou da
‘representação do mundo’. Pode-se, certamente, prever modificações
importantes nas formas ideológicas e nas suas relações, ou seja, o de-
saparecimento de certas formas existentes, ou a transferência de sua
função para as formas vizinhas. [...] mas, no estado atual da teoria mar-
xista, tomada no seu rigor, não é concebível que o comunismo, novo
12
Gramsci, antes de Althusser, também percebia o viés transformador da política como podemos observar ao
longo da sua obra, em especial “Os cadernos do cárcere”.
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107
modo de produção, que implica forças produtivas e relações de produ-
ção determinadas, possa dispensar uma organização social da produção
e as correspondentes formas ideológicas (Idem, p. 239).
Althusser mantém coerentemente essa afirmação num dos seus
últimos artigos escritos nos anos 1970, Marxismo como teoria finita
13
, em
que ele critica essa concepção utópica do “fim da política” numa formação
social comunista, já que a política ultrapassa a esfera estatal: a política não
é reduzida pura e simples ao Estado como é na definição de Chasin:
se uma sociedade comunista chegar a existir, ela terá as suas relações de
produção – única denominação possível para esta ‘livre associação dos
homens’ – e, portanto, as suas relações sociais e as suas relações ideo-
lógicas. E se esta sociedade estará finalmente livre do Estado, isso não
significa que a política também será extinta: ela conhecerá certamente
o fim das últimas formas burguesas da política, mas esta política (a
única que Marx pôde ver no limite mesmo de seu ‘ponto cego’) será
substituída por uma política diferente, uma política sem Estado, o que
não é tão difícil de conceber se levarmos em conta que mesmo em nos-
sa sociedade o Estado e a política não se confundem (ALTHUSSER,
1998, p. 292)
14
.
Negri, que desde o início da sua produção intelectual sempre teve afi-
nidade com várias teses de Althusser, em sua obra
O poder constituinte também
demarca que a política é transformada no período de transição ao comu-
nismo. Negri também concorda com a afirmação de que a política não
está desconectada com o social, como defendem os liberais, mas o “fim da
política” significa sim uma transformação (ou ruptura) da política moder-
na ao reconduzí-la a um poder constituinte (um poder revolucionário e
13
Complementado a sua assertiva crítica sobre o fim da ideologia numa formação comunista, nesse texto de
Althusser ele diz “admito que o comunismo seja o advento do indivíduo finalmente libertado da carga ideológica
e ética que faz dele ‘uma pessoa’. Mas não estou tão seguro de que Marx entendesse assim essa questão, como o
atesta a constante vinculação que ele estabelece entre o livre desenvolvimento do indivíduo e a ‘transparência’ das
relações sociais finalmente livres da opacidade do fetichismo. Não é por acaso que o comunismo aparece como o
contrário do fetichismo, o contrário de todas as formas reais nas quais aparece o fetichismo: na figura do comu-
nismo como o inverso do fetichismo, o que aparece é a livre atividade do indivíduo, o fim da sua ‘alienação’, de
todas as formas da sua alienação: o fim do Estado, o fim da ideologia, o fim da própria política. No limite, uma
sociedade de indivíduos sem relações sociais” (ALTHUSSER, 1998, p. 291).
14
Carlos Henrique Escobar converge com essa posição de Althusser quando afirma que “erram aqueles que leem
Marx como o fim da política e a vigência em si por si mesmo do social. Em Marx a política não é a política
burguesa – o Estado e a luta de classes na estreiteza da divisão social do trabalho. O político (a estrutura burguesa
e seus valores) termina, porém não a política que é essencialmente acontecimental” (ESCOBAR, 1996: p. 140).
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108
criativo). Como diz Negri “o poder constituinte não eliminina a política,
mas a faz viver como categoria de interação social na qual ela deve viver
na integralidade das relações sociais entre os homens, na densidade de sua
cooperação” (2002, p. 375).
Poulantzas avança ainda mais essa definição sobre o conceito de
prática política ao defini-la como o ponto nodal das múltiplas contradições
numa conjuntura revolucionária. Isso significa dizer que a prática políti-
ca tem um papel determinante no período de transição ao construir um
novo conjunto de práticas políticas durante a ditadura do proletariado.
Conforme diz Poulantzas:
esta prática [política] tem por objeto específico o ‘momento atual’, como
dizia Lenin, isto é, o ponto nodal onde se condensam as contradições dos
diversos níveis de uma formação nas relações complexas regidas pela so-
bredeterminação, pelas suas defasagens e desenvolvimento desigual. [...] A
prática política é o ‘motor da história’ na medida em que o seu produto
constitui afinal a transformação da unidade de uma formação social nos
seus diversos estágios e fases. Isto, porém, não em um sentido historicista: a
prática política é quem transforma a unidade, na medida em que o seu
objeto constitui o ponto nodal de condensação das contradições entre os
diversos níveis, com historicidades próprias e desenvolvimento desigual.
(POULANTZAS, 1977, p.39 – Grifos do texto original).
Poulantzas também se opõe à concepção negativa e reducionis-
ta da política, visto que como qualquer prática ela pode tanto reprodu-
zir como também transformar a exemplo dos contextos revolucionários.
Segundo Poulantzas, a prática política “tem por objeto o momento atu-
al, produz as transformações – ou, por outro lado, a manutenção – da
unidade de uma formação, na única medida, contudo exata, em que tem
como ponto de impacto, como ‘objetivo’ estratégico específico, as estrutu-
ras políticas do Estado” (Idem, p. 41). O Estado, no período da transição
pela ditadura do proletariado, é o ponto nodal de ruptura nas formações
sociais ao condensar dentro de si as práticas políticas transformadoras.
Assim sendo, o Estado por meio de seus aparelhos poderá ser visto como
fator de produção de uma nova unidade, de novas relações de produção.
Obviamente que essa novas práticas políticas não se reduzem dentro aos
aparatos estatais em estrito senso, mas também fora do Estado por meio
das massas nos seus espaços de atuação. Contudo, essas práticas políticas
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109
transformadoras agem articuladas embora possam ter temporalidades dis-
tintas devido à autonomia relativa que possuem umas das outras.
Pierre Clastres a despeito de estar fora do campo marxista, sem dúvida
tem uma contribuição a esse debate sobre a prática política. Clastres também
faz severas críticas a essa concepção reducionista da política ao poder de Estado.
Em sua obra máxima
A sociedade contra o Estado, Clastres faz uma crítica à
cultura e ao pensamento ocidental. Ele observa que desde o nascedouro
do pensamento político do Ocidente, o poder político é tratado de forma
hierárquica e autoritária de comando-obediência. É a própria essência do
poder político (CLASTRES, 1982, p. 13). Contudo, Clastres percebe em
seus estudos sobre as sociedades tribais da América do Sul a existência de
relações de poder, ou de práticas políticas, sem hierarquia ou coerção. Em
suma, sociedades nas quais há formas de exercício político, mas sem a pre-
sença do Estado. Segundo Clastres há:
um enorme conjunto de sociedades nas quais os detentores do que alhu-
res se chamaria poder, são de fato destituídos de poder, onde o político
se determina como campo fora de toda a coerção e de toda a violência,
fora de toda a subordinação hierárquica, onde, em uma palavra, não se
dá uma relação comando-obediência (CLASTRES, 1982, p.10).
A Comuna de Paris foi de fato a primeira experiência que trouxe à
tona a emergência de novas práticas políticas, opostas àquelas que ascende-
ram durante a modernidade burguesa. E é Balibar quem traz uma excelente
análise sobre a experiência da Comuna num texto hoje infelizmente pouco
conhecido. Trata-se do artigo A retificação do Manifesto Comunista. Nesse
artigo, Balibar aponta as mudanças ocorridas na obra de Marx sobre o con-
ceito de ditadura do proletariado que se encontra ausente no Manifesto. Se
nas primeiras análises de Marx sobre esse conceito há um sentido negativo
sobre o Estado (a exemplo do 18 Brumário em que a máxima é “destruir
a máquina estatal”), no texto A guerra civil na França Marx confere um
sentido positivo ao “não-Estado”, à ditadura do proletariado com a cons-
trução de novas práticas políticas. Para Balibar “entre a ação ‘econômica
da Comuna, a sua prática de transformação das relações de produção e a
sua forma política de ditadura do proletariado, há uma relação necessária.
Não somente este novo tipo de ‘política econômica’ pressupõe o conjunto
Jar Per (Or.)
110
da nova política de um ‘governo da classe operária’, mas esta tem como
condição material uma nova forma política de exercício e de realização do
poder, e a destruição radical das antigas” (BALIBAR, 1975, p. 133).
Balibar denota que há duas condições necessárias para as transfor-
mações das relações de produção, elemento central para a transformação
do conjunto da sociedade: a primeira diz respeito à existência ao lado do
aparelho de Estado, de organizações políticas de um novo tipo, das orga-
nizações políticas de trabalhadores, que controlem o aparelho de Estado e
o submetam, inclusive sob a sua nova forma. A segunda (que condiciona a
precedente) é a penetração da prática política na esfera do trabalho, da pro-
dução. Em suma, o fim da separação absoluta desenvolvida pelo próprio
capitalismo, entre a política e a economia (BALIBAR, 1975, p. 149-150).
De acordo com Balibar
a burguesia “se organiza em classe dominante” apenas desenvolvendo
o aparelho de Estado. E que o proletariado “se organiza em classe do-
minanteapenas fazendo surgir ao lado do aparelho de Estado e contra
ele formas de prática e de organização política totalmente diferentes:
portanto, de fato, destruindo o aparelho de Estado existente, e substi-
tuindo-o não simplesmente por um outro aparelho, mas pelo conjunto
doutro aparelho de Estado e mais outra coisa diferente de um aparelho de
Estado (Idem, p. 152. Grifos do texto original).
É na ditadura do proletariado que as bases de uma sociedade
comunista vão ser criadas. Exemplar disso é o fim das forças armadas
do aparato estatal burguês, e do fim do funcionalismo público como
aconteceu na Comuna, além da participação direta das massas na política
com a mobilização constante e do controle direto da produção.
Assim, se em 1847/48, Marx e Engels explicam que o fim do
Estado (a sua extinção) implica no fim da política, no caso da Comuna, o
fim do Estado começa imediatamente, e se este “fim” não é uma diferença
de grau, mas a combinação contraditória de duas tendências em luta, então
o “fim da política” deve também “começar” imediatamente. No entanto,
a tendência real que se esboçava já na Comuna é totalmente diferente: é a
constituição, de início hesitante de outra forma de “política” (BALIBAR,
1975, p. 154). Portanto, a Comuna mostraria que a prática política não se
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111
reduziria ao funcionamento do Estado. Assim sendo, o proletariado, cuja
ação histórica conduz a uma nova prática política, não tem outra via para aí
chegar que não seja penetrar no terreno do Estado e do aparelho de Estado.
Como bem observa Balibar:
a tendência real observada por Marx não é também uma simples ten-
dência, mas uma tendencia complexa; dum lado, é a tendência para a
destruição do Estado, portanto a tendência para o desaparecimento da
política tanto quanto ela se identifica com a luta de classes por e no
Estado; mas é também a tendência para a continuação duma nova for-
ma de “política” ou, melhor, duma nova prática da política, se bem que
esta seja necessariamente comandada primeiramente pelos imperativos
duma luta de classe, portanto constituída contra o Estado, e em relação
a ele. E esta segunda tendência é a própria condição de realização da
primeira, visto que só ela representa a originalidade histórica do prole-
tariado de forma positiva, e lhe dá os meios da sua luta (Idem, p. 156
– Grifos do texto original).
Não é paradoxal, portanto, que J. Chasin recorra pouco ao tex-
to de Marx da maturidade, e o uso do texto A guerra civil na França seja
tratado de modo en passant se comparado aos textos de 1843. Há, com
efeito, um desconforto por parte de Chasin ao tratar desse texto que trata
a política como positividade (e não exclusivamente como repressão) na
ditadura do proletariado
15
. E como é bem mencionado no título do ar-
tigo de Balibar, trata-se de uma retificação do Manifesto Comunista, que
estranhamente está ausente dos textos analisados por Chasin. Afinal, se o
marxismo trata de uma totalidade complexa, como pensá-la sem a prática
política, em toda a sua diversidade? Creio que a corrente althusseriana,
nesse aspecto, tenha dado uma contribuição mais substancial a essa pro-
blemática do que as correntes humanistas que ainda carregam uma forte
influência idealista e utópica que pouco responde à fase de transição e ao
modo de produção comunista.
15
Veja também sobre essa questão Lessa (2013, p. 115-120).
Jar Per (Or.)
112
4 CONCLUSÃO
Vimos nesse artigo uma nítida demarcação de posições distintas
sobre o significado do conceito de política em Marx. De um lado, a po-
sição humanista idealista de J. Chasin, a qual define que a política tem a
partir de 1843 um caráter completamente negativo, reduzindo o poder
político ao Estado e às práticas coercitivas, diluindo por completo a com-
plexidade desse conceito e dessa prática, o que acaba por convergir com
parte do pensamento burguês moderno que trata da política em aspectos
meramente institucionais e repressivos. Por outro, a corrente althusseriana
trata de modo mais complexo o conceito e a prática política tanto em seus
aspectos transformadores como reprodutores, e percebe que Marx aponta
saídas positivas da política a partir da fase de transição na ditadura do
proletariado, em que emergem novas práticas políticas distintas e opostas
as práticas políticas características do modo de produção capitalista. E se a
política é tanto uma estrutura como prática, significa dizer que no comu-
nismo a política terá outra acepção, iniciada durante a fase de transição.
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Jar Per (Or.)
114
115
Sobre a Dialética
Materialista
116
117
AL
THUSSERIANISMO E DIALÉTICA
Décio Azevedo Marques de SAES
1
Na primeira metade dos anos 60, o filósofo marxista francês
Louis Althusser comandou um projeto de aprofundamento da visão mar-
xista sobre o processo histórico; ou melhor, de desenvolvimento criativo
daquilo que a tradição marxista posterior aos pais fundadores convencio-
nou chamar “o materialismo histórico”. Desse trabalho, resultaram duas
obras que instauraram os fundamentos de um “materialismo histórico re-
novado”: uma obra individual (Análise crítica da teoria marxista) e uma
obra coletiva (Lire le Capital)
2
. O grupo althusseriano (Althusser e os alu-
nos que haviam aderido ao seu projeto de reafirmação e, ao mesmo tempo,
renovação do materialismo histórico) se desfez algum tempo depois (se-
gunda metade da década de 1960); e as posições teóricas foram se diferen-
ciando, cada membro do grupo tomando o seu próprio rumo intelectual.
Agregue-se que as próprias posições teóricas de Althusser foram
se transformando nas décadas seguintes. Por essa razão, a estratégia mais
adequada para a avaliação da contribuição do grupo althusseriano à reno-
vação do materialismo histórico talvez seja a de se concentrar no estudo das
1
D
outor em sociologia pela École des Hautes Éstudes em Sciences Sociales, Paris, França. Docente do Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo, SP, Brasil. mdsaes@uol.com.br
2
ALTHUSSER, L. Análise crítica da teoria marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 1967; e ALTHUSSER, L. et al. Lire
le Capital, 4 volumes. Paris: Maspero, 1973.
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p117-132
Jar Per (Or.)
118
teses mais importantes e inovadoras, contidas nos textos diretamente en-
volvidos nessa proposta: Análise crítica da teoria marxista e Lire le Capital.
Em textos anteriores
3
, analisei em linhas gerais a versão althusse-
riana do materialismo histórico. Neste trabalho, o foco da análise será uma
única questão: o modo de presença do tema marxista clássico da dialética
no pensamento althusseriano dessa fase.
Antes de nos concentrarmos sobre a dialética em Althusser, será
preciso recapitular brevemente as linhas gerais do pensamento althusseriano
no período em questão (1963- 1965). O grupo althusseriano se coloca na
contracorrente do chamado “marxismo ocidental”; e define como aspecto
fundamental do pensamento marxista a sua teoria materialista da história,
isto é, o materialismo histórico. Para os althusserianos, a filosofia aparece
como um aspecto secundário, embora importante, do pensamento marxista;
e isso porque, numa perspectiva materialista, o desenvolvimento da filoso-
fia depende do desenvolvimento prévio da ciência. No campo universitário
dos anos 60, essa posição parecia destoar da tendência predominante en-
tre os marxistas. Autores como Gyorgy Luckács, Jean-Paul Sartre e Lucien
Goldmann contestavam a legitimidade do materialismo histórico, como te-
oria geral da evolução social; e encaravam o marxismo, sobretudo, como um
instrumento de crítica filosófica e cultural à sociedade capitalista, responsável
pela alienação do homem. Contra as tendências predominantes no meio aca-
dêmico, o grupo althusseriano pretendia reafirmar a legitimidade e a princi-
palidade do materialismo histórico no seio da teoria marxista.
Porém, o objetivo dos althusserianos não é o de reiterar, pura
e simplesmente, as fórmulas propostas por Marx e Engels no terreno da
teoria da história. A corrente althusseriana quer, na verdade, fazer avançar
a construção da ciência marxista da história, tornando-a radicalmente dis-
tinta das filosofias idealistas da história, típicas da época de formação da
sociedade burguesa moderna, ou seja, o início do século XIX. A posição
teórica althusseriana não reflete apenas a proximidade de Althusser e seus
alunos com relação ao marxismo praticado no movimento comunista in-
3
SAES, D. Marxismo e história. In: Crítica Marxista. n.1. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994; SAES, D. A. M.
A corrente althusseriana e o desenvolvimento do materialismo histórico. In: Revista História & Luta de classes.
n. 19. Marechal Cândido Rondon: Gráfica Modelo 90, 2015; e SAES, D. O impacto da teoria althusseriana da
história na vida intelectual brasileira. In: MORAES, J. Q. História do marxismo no Brasil. Campinas: Editora
da UNICAMP, 1998.
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119
ternacional (nas suas vertentes soviética ou maoísta). Ela também indica
que o estruturalismo, instaurado por intelectuais acadêmicos como o lin-
guista Ferdinand Saussure e o antropólogo Lévi-Strauss, foi capaz de ul-
trapassar fronteiras intelectuais, influenciando marxistas empenhados em
reforçar a dimensão científica da análise do processo histórico.
Pode-se dizer, jogando um pouco com as palavras, que os althus-
serianos buscam, naquele momento intelectual, um materialismo históri-
co “estruturalizado”. Ou melhor: procuram introduzir a problemática da
estrutura na análise do processo histórico; e se empenham em encarar o
processo histórico como uma sequência de processos de estruturação, de-
sestruturação e reestruturação das sociedades humanas.
Para os althusserianos, a filosofia marxista é secundária, embora
não desimportante, com relação à teoria marxista da história. Essa secun-
dariedade lhes parece inevitável, pois o desenvolvimento de uma filosofia
marxista só poderia ser a consequência do desenvolvimento de uma ciên-
cia (no caso, a ciência da história) que encaminhe novas interrogações ao
campo filosófico. E aqui chegamos ao foco de nossa análise: a questão da
dialética. Se ela é um método de análise da realidade, também tenderá a ser
vista como secundária, na perspectiva althusseriana, com relação às teses
científicas sobre a realidade objetiva.
Nos textos que compõem a « Análise crítica da teoria marxista »,
Althusser relembra que o projeto, anunciado por Marx em sua correspon-
dência, de redigir um livro sobre a dialética jamais se concretizou. E o que
restou a esse respeito, na obra de Marx, foi basicamente a tirada constan-
te do Posfácio da segunda edição de O Capital:A dialética, em Hegel,
está de cabeça para baixo. É preciso invertê-la para descobrir, dentro do
seu invólucro místico, o núcleo racional”. Ora, Althusser considera que
a brincadeira intelectual de Marx não deve ser levada a sério. É um fato
conhecido que, desde a sua juventude, Marx tendia a inserir em seus textos
frases de efeito. No que diz respeito à tirada sobre a dialética, presente no
Posfácio de « O Capital », Marx reconheceu mais tarde que ela fora, sobre-
tudo, uma concessão à moda intelectual dominante no período. Por isso,
jamais trabalhou de modo sistemático na proposta de inversão da dialética
hegeliana. Sobre essa proposta, Althusser agrega que, de qualquer modo,
a inversão marxista da dialética hegeliana seria inviável, pois os conceitos
Jar Per (Or.)
120
fundamentais da dialética hegeliana – negação, negação da negação, cisão,
superação – só poderiam ser postos em operação na apresentação de uma
filosofia idealista da história, como a de Hegel; e jamais na construção de
uma teoria materialista da história, como a de Marx.
Mas devemos aqui distinguir o discurso sobre a teoria, isto é,
uma teoria da prática teórica, da prática teórica propriamente dita, isto é, a
teoria realmente praticada, e não apenas anunciada. Na sua prática teórica,
os althusserianos tendem a rejeitar, no seu conjunto, a teoria da contradi-
ção contida na « Ciência da Lógica », de Hegel, sobretudo porque o seu
fundamento é a ideia da negação da negação, inaceitável de um ponto de
vista materialista. Da dialética hegeliana, o grupo althusseriano retém, tão
somente, o conceito de contradição, encarada como choque entre opostos
e destituída da característica da negatividade, entrevista por Hegel. Os al-
thusserianos estão, portanto, descartando a lógica hegeliana e incorporan-
do o conceito de contradição apresentado por Mao-Tse-Tung
4
, para quem
a ideia da negação da negação é ilógica.
Fazendo um balanço geral da posição althusseriana sobre a dialé-
tica, pode-se dizer que essa corrente rejeita a dialética hegeliana; e reconhe-
ce a importância do trabalho realizado por Engels, Stalin e Mao-Tse Tung
na definição dos princípios do método dialético de análise da realidade
social e histórica. Vejamos quais são esses princípios.
O primeiro é o princípio da totalidade, segundo o qual se deve
buscar as relações entre todos os fenômenos, inserindo-os num conjunto.
O segundo é o princípio do movimento, que diz que a realidade se trans-
forma, jamais assumindo uma forma eterna e definitiva. O terceiro é o
princípio da transformação da quantidade em qualidade, que afirma que
é preciso uma acumulação de elementos de uma certa natureza para que
haja a transformação da natureza desses elementos. O quarto princípio é o
princípio da contradição, segundo o qual os opostos tendem a se chocar,
levando ao nascimento de um terceiro elemento, diferente de ambos.
Deve-se, neste ponto, fazer uma advertência: dizer que os al-
thusserianos reconhecem a legitimidade teórica dos princípios da dialé-
tica marxista não equivale a dizer que eles tenham um modelo preciso de
4
TUNG, M. T. De la contradiction. Pekin: Éditions en langue étrangère, 1968.
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121
operação com esses princípios na análise da realidade histórica. A corrente
althusseriana sustenta que existe uma dialética histórica objetiva; ou seja,
que o processo histórico se submete a leis. O cientista social e o historiador
devem dar um tratamento teórico sistemático e integrado a essas leis, con-
vertendo-as nos princípios de um método científico de análise da realidade
social e histórica. Na ótica althusseriana, portanto, o desvendamento da
dialética histórica comanda a construção do método dialético: a forma lógi-
ca do método deve se subordinar ao conteúdo, ao objeto e à matéria que
estão sendo analisados. Para os althusserianos, essa postura materialista é
radicalmente diversa da dos filósofos idealistas da história, como Hegel.
Para estes, a análise começa com a construção do método, e prossegue com
a tentativa de encarnar os princípios do método na realidade histórica. Essa
postura idealista, consistente em fazer o método passar à frente da teoria
que explica o objeto, aparece nos textos althusserianos como o vício típico
do pensamento burguês: trata-se do “metodologismo”. Sobre essa postura
diz Althusser: “Na realidade, todo método comporta uma teoria, esteja ela
explícita ou implícita” e “Falar de método sem mencionar a teoria significa,
frequentemente, ocultar uma teoria ideológica latente sob as aparências de
um método científico
5
. Althusser chega mesmo a detectar a presença do
metodologismo em um autor como o Sartre da Crítica da razão dialética,
em que a seu ver a teoria, o materialismo histórico, desaparece sob o méto-
do, ou seja, a dialética em versão sartriana.
A RELAÇÃO ENTRE DIALÉTICA HISTÓRICA E MÉTODO DIALÉTICO NO PENSAMENTO
ALTHUSSERIANO
À primeira vista, a proposta de estabelecer uma perfeita
correspondência entre o processo real e o método de análise parece simples
e fácil de ser concretizada. Na prática, porém, uma correspondência
perfeita entre ambos dificilmente se estabelece. Tomemos o caso de Hegel.
Na « Ciência da Lógica », esse autor propõe uma teoria da contradição que
lhe permitiria caracterizar a evolução do mundo social como uma sucessão
encadeada de teses, antíteses e sínteses. Entretanto, em duas exposições de
sua filosofia da história – as obras « Princípios de filosofia do direito » e « A
5
BALIBAR, E. Sur les concepts fondamentaux du matérialisme historique. In: ALTHUSSER, L. et al. Lire le
Capital, 4 volumes. Paris: Maspero, 1973.
Jar Per (Or.)
122
razão na História » – Hegel não atribui um papel central ao mecanismo
da contradição e à sucessão entre tese/antítese/síntese. Para caracterizar a
evolução progressiva da personalidade individual, da Ideia e da Razão no
mundo, Hegel observa diferentes períodos históricos, do patriarcado ju-
daico da era de Abraão até a monarquia prussiana do início do século XIX.
Mas o mecanismo do choque de contrários ou o da negação da negação
não parecem ser, no seu esquema, fatores explicativos da passagem de um
período histórico a outro. Para muitos estudiosos, esse é o grande paradoxo
presente na obra de Hegel: o seu método dialético, centralizado no con-
ceito de contradição, não é operacionalizado na sua filosofia da história. A
rigor, esta apresenta um caráter mais evolucionista que dialético.
Encontramos um problema análogo nos textos da corrente al-
thusseriana. Althusser reconhece explicitamente que, em « Materialismo
dialético » e « materialismo histórico », Stalin apresenta de um modo correto
os princípios centrais da dialética marxista: totalidade; movimento; con-
tradição; e transformação da quantidade em qualidade. Os althusserianos
parecem, porém, jogar com esses princípios de um modo algo aleatório.
Mais precisamente: eles não logram discriminar de modo específico o pa-
drão de operação de cada um desses princípios na análise do processo his-
tórico. O grupo althusseriano se empenha na reconstrução da dialética
histórica; mas deixa de lado o trabalho de redefinir, em consonância com
essa reconstrução, o modo de operação de cada princípio, componente do
método dialético, na realidade histórica.
O exemplo mais flagrante dessa indefinição se encontra em “Sobre
a dialética materialista
6
. Nesse texto, Althusser se empenha na construção
da matriz geral do todo social, o que implica: a) nomear as estruturas que
o compõem; b) qualificar o padrão de articulação entre essas estruturas:
determinação, complementaridade, etc. É surpreendente, entretanto, que
ao abordar as estruturas componentes da totalidade social, Althusser as
caracterize como contradições; isto é, como relações entre termos contradi-
tórios. Aqui, as estruturas parecem de um lado corresponder a padrões de
ação social que garantem o funcionamento e a reprodução da sociedade; e,
de outro lado, elas parecem consistir em antagonismos que levarão inevi-
tavelmente à destruição do tipo vigente de sociedade. Althusser, portanto,
6
ALTHUSSER, L. Análise crítica da teoria marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
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insere indevidamente o princípio da contradição na sua teoria da reprodu-
ção social. Ele esquece que, para que as estruturas do modo de produção
garantam a continuidade de um tipo particular de sociedade, é preciso que
a relação entre os seus elementos seja complementar; e não, contraditória.
Não é a contradição, e sim a complementaridade, o princípio-
-chave do processo de reprodução social. O princípio da contradição é
exatamente o contrário: ele é o motor da destruição do processo de repro-
dução social. No seu trabalho teórico, os althusserianos realizaram uma
parte do trajeto necessário para a construção do método dialético marxista.
O grupo althusseriano detectou a presença, dentro da dialética histórica,
de dois subtipos de processo social, correspondentes a duas temporalidades
distintas: a) o processo de reprodução social, correspondente a um tem-
po extenso (o tempo da conservação); b) o processo de mudança social,
correspondente a um tempo concentrado (o tempo da mudança). O que
os althusserianos não chegaram a realizar foi o estabelecimento formal da
conexão entre um determinado princípio lógico e cada subtipo de processo
social; bem como a indicação de qual princípio lógico seria determinante
na passagem de um subtipo de processo social a outro (ou seja, na passa-
gem da reprodução à transformação).
A TEORIA ALTHUSSERIANA DA REPRODUÇÃO SOCIAL E OS SEUS PROBLEMAS
A dificuldade dos althusserianos em estabelecer uma perfeita cor-
respondência entre dialética histórica e método dialético tem origem, a
meu ver, na oscilação althusseriana quanto à caracterização da matriz geral
do todo social. Tanto em « Análise crítica da teoria marxista » quanto em
« Lire le Capital », Althusser e os althusserianos definem o todo social como
um conjunto hierarquizado de estruturas, no qual o papel determinante
cabe à estrutura econômica. Subjacente a essa definição, está o princípio da
totalidade, pois todas as estruturas do todo social estão relacionadas; mas a
totalidade, aqui, é operacionalizada sob a forma de relações de dominação/
subordinação, e não, sob a forma da complementaridade, implicação recí-
proca ou condicionamento recíproco.
Na passagem da reflexão teórica sobre a configuração do todo
social (o modo de produção em geral) à empreitada de caracterização de
Jar Per (Or.)
124
um modo de produção particular (o modo de produção capitalista), os
althusserianos se envolverão na prática do “deslizamento conceitual”. A
saber: a relação entre as estruturas econômica e jurídico-política não é
definida (como se poderia deduzir da matriz geral da totalidade social,
por eles apresentada) como uma relação de determinação da estrutura
jurídico-política pela estrutura econômica. A relação entre as duas
estruturas, no modo de produção capitalista, é qualificada como uma
relação de implicação recíproca, o que anula a suposição de que uma das
duas estruturas (no caso, a econômica) seja a estrutura determinante.
Parece-nos que é quando analisam o modo de produção capita-
lista que os althusserianos caracterizam corretamente o tipo de relação que
se estabelece entre as estruturas, não só do modo de produção capitalista,
mas também de qualquer outro modo de produção (escravista, feudal, asi-
ático). Vejamos como opera a implicação recíproca das estruturas do modo
de produção, tomando como exemplo o modo de produção capitalista.
Nesse modo de produção, a estrutura jurídico-política se concretiza como
um sistema jurídico que converte os seres humanos em sujeitos livres, do-
tados de personalidade moral, e reconhecidos como capazes de praticar
atos de vontade; e como um corpo funcional (a burocracia) cuja obriga-
ção é garantir a aplicação do direito capitalista ao conjunto da sociedade.
Essa estrutura é condição de existência da estrutura econômica capitalista;
isto é, da relação entre capital e trabalho assalariado, que é uma relação
contratual, de caráter espontâneo e voluntário (embora a coerção econô-
mica sobre o prestador de trabalho esteja sempre presente). Inversamente,
a existência de uma estrutura econômica capitalista é condição necessária
para que haja um poder de Estado capitalista, apto a garantir a liberdade
de trabalho e, portanto, a viabilizar a difusão de relações contratuais entre
proprietários dos meios de produção e trabalhadores desapossados. Caso
não houvesse uma economia capitalista em formação, o poder de Estado
estaria nas mãos de classes dominantes pré-capitalistas; e sustentaria regi-
mes coercitivos de prestação do sobretrabalho, como o escravismo, o feu-
dalismo ou a servidão estatal.
O terreno da reprodução social é o terreno sobre o qual se pratica
uma análise sincrônica. Nesse tipo de análise, os diversos elementos do
todo são encarados em sua existência simultânea. Não se pode, portanto,
L A
125
incluir na análise sincrônica a hipótese de que uma estrutura particular,
por ter se formado cronologicamente antes que a outra, vá determinar
unilateralmente o funcionamento e a reprodução dessa estrutura. Para que
se pudesse aplicar o princípio da determinação à relação entre as estruturas
do todo social, seria preciso que a análise se transpusesse para o plano da
diacronia, em que se estabelece a ordem de sucessão dos fenômenos.
No terreno da reprodução social, só dois princípios do método
dialético podem estar em operação: o princípio da totalidade, que postula
a existência de uma certa conexão entre os diversos elementos da realidade
social, e o princípio da implicação recíproca (que significa condicionamen-
to mútuo, e não, determinação unilateral) entre as estruturas componentes
do todo social. Nesse terreno, está excluído o princípio da contradição. A
exclusão atinge, em primeiro lugar, a contradição entre os elementos com-
ponentes de uma estrutura particular do modo de produção. Tomemos o
exemplo da estrutura econômica capitalista: não pode haver um antago-
nismo estrutural, – orgânico ou permanente – entre o capital e o trabalho
assalariado, caso contrário essa estrutura entraria em desagregação. A ex-
clusão atinge, em segundo lugar, a contradição entre as diferentes estrutu-
ras do todo social: o choque de uma estrutura com outra anula o condicio-
namento recíproco e acarreta o colapso do processo de reprodução social.
Portanto, uma visão althusseriana consequente do processo de re-
produção social deveria, no plano do método dialético, não apenas consagrar
o princípio da implicação recíproca entre estruturas, como também liquidar
a chamada inflação de contradições, que se tornou muito frequente em análi-
ses marxistas de conjuntura. Mas é preciso esclarecer que expulsar o princípio
da contradição do terreno da reprodução social não é sinônimo de postular a
inexistência de conflitos numa sociedade estruturada, que funciona de modo
estável. A vigência de estruturas não exclui a emergência de conflitos (eco-
nômicos ou políticos). Os conflitos são divergências coletivas que não têm
caráter inconciliável; e que podem ser resolvidas dentro dos limites impostos
pelas estruturas do modo de produção vigente. Fica claro, portanto, que o
papel das estruturas não é o de imobilizar totalmente a vida social; e sim, o de
confinar a dinâmica social dentro de certos limites, evitando que os conflitos
coletivos, inevitáveis em qualquer tipo de sociedade de classes, convertam-se
em contradições, tendentes a destruir o próprio modelo vigente de sociedade.
Jar Per (Or.)
126
No sistema econômico capitalista, em seus períodos de estabili-
dade, emergem com certa regularidade conflitos funcionais entre capital e
trabalho assalariado; tais conflitos se travam a propósito de questões como
o nível dos salários reais, a duração da jornada de trabalho, as condições
materiais do processo de trabalho. A oposição entre empresários e assala-
riados, nesse nível, não desestabiliza por si só o capitalismo. Muito pelo
contrário: tais lutas são um elemento crucial do desenvolvimento do ca-
pitalismo, contribuindo (quaisquer que sejam as intenções dos agentes)
para a elevação do sistema capitalista a patamares superiores. É, de resto,
o que nos demonstra a história dos países capitalistas avançados. Também
no sistema político capitalista, podem emergir conflitos funcionais: eles
opõem o Estado capitalista ao Povo, e giram em torno da amplitude do
elenco de direitos do cidadão. Se a luta das massas pela ampliação dos seus
direitos se mantiver concentrada no plano constitucional e não questionar
a capacidade decisória e repressora da burocracia estatal nem a detenção
final do poder de Estado pela classe capitalista, ela resultará tão somente
num conflito funcional, que desempenhará um papel dinâmico no desen-
volvimento político interno da sociedade capitalista.
A TEORIA ALTHUSSERIANA DA MUDANÇA SOCIAL
Apoiando-se nos textos escritos por Marx sobre o sistema capita-
lista, o grupo althusseriano desenvolveu, de modo criativo, a caracterização
teórica desse modo de produção particular. Esse trabalho específico permi-
tiu aos althusserianos ir mais além do modo de produção capitalista; isto
é, construir uma teoria geral da reprodução social, fundada no princípio
da implicação recíproca das estruturas componentes do todo social. Ainda
que os althusserianos se refiram raramente a outros modos de produção
(escravismo, feudalismo, modo de produção asiático), torna-se claro para
o leitor que a argumentação teórica por eles utilizada na caracterização da
totalidade social capitalista também é aplicável na análise da configuração
das demais totalidades sociais.
É claro que, uma vez concretizado esse trabalho teórico, os
althusserianos deveriam necessariamente, como corrente marxista, passar
à construção de uma teoria da mudança social que fosse complementar,
L A
127
dentro da teoria marxista da história, à teoria da reprodução social. Alguns
adversários do pensamento althusseriano chegaram a afirmar que os al-
thusserianos, no conjunto dos seus trabalhos, não lograram propor nenhu-
ma teoria da mudança social; e que, em última instância, esse pensamento
se aproxima da teoria funcionalista, por ignorar o papel da contradição na
transformação das sociedades humanas. Pode-se responder a essa imputa-
ção lembrando que, em « Lire le Capital », Etienne Balibar assina um texto
precipuamente dedicado à construção de uma teoria geral da transição de
um modo de produção a outro: “Sobre os conceitos fundamentais do ma-
terialismo histórico
7
. Nesse texto, Balibar sustenta que a mudança social
é um processo de desestruturação da totalidade. Em tal processo, deixa
de vigorar o princípio dialético da implicação recíproca das estruturas: é
típico da mudança social que a estrutura jurídico-política se transforme,
por antecipação, com relação à outra estrutura: a estrutura econômica. A es-
trutura jurídico-política, transformada por antecipação, vai desempenhar
um papel sucessivamente desestruturador e reestruturador, ou seja, ela vai
dirigir a dissolução da antiga estrutura econômica, e orientar a construção
da nova estrutura econômica.
Ao caracterizar a mudança social como um processo de defasa-
gem entre estruturas, Balibar está dando um tratamento altamente teórico
a uma observação histórica constante de vários trabalhos de Marx e de
Engels: a mudança social começa pela revolução política (derrubada do
velho Estado e construção de um novo Estado) e termina pela implantação
de uma nova estrutura econômica. A história do capitalismo propiciou a
Marx e Engels elementos suficientes para a construção de uma visão pelo
menos embrionária do processo de mudança social. Segundo essa visão, na
Europa ocidental (França, Inglaterra, Alemanha, etc.) as revoluções polí-
ticas burguesas (processos de derrubada dos Estados feudal-absolutistas)
antecederam no tempo, de modo variável, a construção das economias
capitalistas. Isso significa que a transformação da estrutura jurídico-po-
lítica não foi a consequência de uma transformação prévia da estrutura
econômica; muito pelo contrário.
7
BALIBAR, E. Sur les concepts fondamentaux du matérialisme historique. In: ALTHUSSER, L. et al. Lire le
Capital, 4 volumes. Paris: Maspero, 1973.
Jar Per (Or.)
128
Essa visão sobre a relação entre revolução política e transformação
econômica no processo de formação do capitalismo foi extrapolada por Marx
e Engels, como teóricos e como militantes socialdemocratas, para o plano da
análise da passagem ao socialismo. Segundo o modelo marxiano da transição
do socialismo, a tomada do poder político pelo proletariado e a construção
de um Estado socialista (a ditadura do proletariado) deverão anteceder a
implantação de uma economia socialista (tese obviamente oposta ao progra-
ma defendido pela ala reformista da socialdemocracia europeia). Balibar, no
seu texto, analisa apenas o caso histórico da transição do feudalismo para o
capitalismo. Não obstante a limitação do alcance da observação histórica, o
autor propõe, a partir dos elementos de que dispõe, uma morfologia da tran-
sição que parece ser de aplicação geral: em qualquer mudança de um modo
de produção para outro, tende a haver uma defasagem entre estruturas do
todo social, com antecipação da transformação da estrutura jurídico-política
sobre a transformação da estrutura econômica. Essa morfologia da transição
denota a ausência do princípio da implicação recíproca das estruturas.
Neste ponto, torna-se inevitável abordar a seguinte questão teóri-
ca: como pode emergir um processo de desestruturação da totalidade, se o
condicionamento recíproco das estruturas parece tender a se repetir inde-
finidamente? A resposta adequada a essa questão depende do recurso a um
novo princípio dialético, até então ausente da análise. Mais especificamen-
te: num certo ponto de sua trajetória, o processo de reprodução social é
interrompido pela deflagração de uma contradição, que desempenhará um
papel duplamente determinante: a) ela determinará a derrubada da velha
estrutura jurídico-política; b) ela dará início ao processo de transição a um
novo modo de produção, processo esse que se conclui com a instauração
de uma nova estrutura econômica.
Qual é a natureza dessa contradição? Ela consiste no antagonismo
inconciliável que se instaura entre grupos econômico-profissionais que an-
teriormente ocupavam posições complementares na estrutura econômica:
proprietários dos meios de produção, trabalhadores desapossados. Num
certo ponto do processo de reprodução do modo de produção vigente,
esses coletivos deixam de ser grupos funcionais e complementares; e se
tornam classes sociais antagônicas, cuja convivência é doravante impos-
sível. Nessa nova etapa, os trabalhadores tendem a contestar os poderes
L A
129
econômico e político da classe proprietária, ocasionando a derrubada da
velha estrutura jurídico-política e dando início ao processo de transição
para um novo tipo histórico de sociedade. O princípio lógico que domina
o processo de desestruturação da totalidade, portanto, é o princípio da
contradição, que estava ausente do processo de reprodução social.
Neste ponto, temos de refletir sobre a razão da emergência de
uma contradição entre classes sociais, numa sociedade que a matriz ge-
ral da totalidade social parecia destinar à eterna reprodução. Em qualquer
modo de produção (escravista, feudal, asiático, capitalista), o funciona-
mento da estrutura econômica é relativamente repetitivo. Não apresenta,
porém, um caráter puramente cíclico; e não se caracteriza como um movi-
mento incessante em torno de um eixo imóvel. A repetição de um mesmo
movimento se processa num contexto móvel, em progressivo deslocamen-
to. O funcionamento de uma estrutura sobre um contexto dinâmico, e não
imóvel, foi chamado pelos marxistas chineses desenvolvimento em espiral:
uma modalidade de desenvolvimento distinta do desenvolvimento cíclico,
de natureza estagnacionista.
Vejamos em que consiste o desenvolvimento em espiral da es-
trutura econômica: as forças da produção (tecnologia, know-how, confi-
guração da divisão social do trabalho) não estão envolvidas num processo
de reprodução simples; elas passam regularmente por um processo de de-
senvolvimento cumulativo. Tal processo, até certo ponto-limite, mostra-se
funcional para a estrutura econômica vigente; além desse ponto-limite, ele
vai se mostrar disfuncional para a mesma. E isso porque mudanças tecno-
lógicas e organizacionais produzem efeitos (cujo conteúdo varia conforme
o modo de produção) sobre as relações entre os grupos funcionais diferen-
ciados, alocados no processo de produção. O desenvolvimento reiterado
das forças produtivas faz com que as relações entre grupos funcionais di-
ferenciados, antes complementares, tornem-se contraditórias, emergindo a
luta de classes entre proprietários e trabalhadores desapossados.
Voltemos à abordagem de Marx sobre a conexão entre o desenvol-
vimento das forças produtivas e a irrupção da contradição entre as classes
sociais antagônicas. No capitalismo, a concentração econômica e espacial
crescente da produção e a socialização crescente do processo de trabalho (não
obstante a apropriação privada do produto) tendem a converter os trabalha-
Jar Per (Or.)

dores, em princípio individualizados pela forma contratual da relação com o
capitalista e pelo caráter atomístico do funcionamento do mercado de traba-
lho, em membros de um coletivo, já colocado como classe social diante dos
capitalistas. Nas últimas décadas, intelectuais marxistas (como Jean Lojkhine,
em « A revolução informacional ») têm procurado redefinir a conexão entre
desenvolvimento das forças produtivas e emergência da contradição entre
classes sociais antagônicas. No capitalismo atual, a liquidação da linha de
montagem e do taylorismo nos setores de ponta, a informatização do pro-
cesso de produção e a criação das “células de produção” estariam fazendo
surgir um novo tipo de operário industrial. Esse operário não estaria mais
expropriado de todos os tipos de saber; e seria obrigado, na prática, a exercer
capacidade decisória e responsabilidade funcional, ao acionar máquinas de
comando numérico computadorizadas. Generalizando-se a informatização
da produção no setor industrial das sociedades capitalistas, tornar-se-ia inevi-
tável que o novo operariado reivindicasse poder decisório e responsabilidade
funcional formal dentro da fábrica. Nessa nova situação, o proletariado iria
se confrontar com o veto formal da classe capitalista: seria inadmissível para
a classe dominante, a instauração daquilo que lhe parece o equivalente do
poder operário na produção. O desenvolvimento das forças produtivas, na
era da informática, faria portanto a luta de classes entrar numa nova fase,
socialmente muito mais avançada.
UMA SÍNTESE DO MÉTODO DIALÉTICO EM VERSÃO COMPATÍVEL COM O
MATERIALISMO HISTÓRICO ALTHUSSERIANO
É preciso, agora, sintetizar a configuração do método dialético,
tal qual ela poderia ser deduzida da caracterização althusseriana da dialética
histórica. O princípio da contradição é o motor da mudança social. A contra-
dição entre classes sociais provoca a revolução social, que cumpre duas tarefas
históricas: a) concretizar a derrubada da velha estrutura jurídico-política e a
formação de uma nova estrutura; b) abrir caminho para a formação de uma
nova estrutura econômica, graças à intervenção da nova estrutura jurídico-
-política. Mas, para que ocorram a anulação do princípio lógico da impli-
cação recíproca das estruturas e a conversão da contradição no princípio
central do processo histórico, é preciso que entre em operação, no quadro do
todo social, um terceiro princípio lógico. Este princípio foi destacado tanto
L A

por Engels quanto por Stalin, em suas reflexões sobre o método dialético: é
o princípio da transformação da quantidade em qualidade.
Vejamos como esse princípio lógico opera no processo histórico.
O desenvolvimento cumulativo das forças produtivas consiste em mudan-
ças técnicas e organizacionais que ocasionam o aumento da produtividade
da economia; é, portanto, um fenômeno com uma forte dimensão quanti-
tativa. Ora, esse desenvolvimento tende a promover uma mudança de qua-
lidade no processo histórico: a passagem da plena integração funcional dos
grupos diferenciados no processo de produção a uma relação contraditória
e antagônica entre as classes sociais.
Podemos agora apontar o lugar respectivo dos princípios lógicos
na dialética histórica. O princípio da implicação recíproca das estruturas é
o princípio dialético central no processo de reprodução social. O princípio
da contradição é o princípio dialético central no processo de mudança
social. E o princípio da transformação da quantidade em qualidade é o
princípio dialético que faz a mediação entre a vigência da implicação recí-
proca entre as estruturas e a vigência da contradição no processo histórico;
e atua como agenciador da passagem do processo de reprodução social ao
processo de mudança social.
A INDEFINIÇÃO DOS ALTHUSSERIANOS COM RELAÇÃO AO MÉTODO DIALÉTICO
Terminamos este texto com uma especulação intelectual. Por que
os althusserianos, tendo reconceituado com rigor, dentro da tradição teórica
marxista, a dialética histórica objetiva, não lograram deduzir com clareza
a presença diferenciada dos princípios do método dialético nas diferentes
ordens de processo social? A ausência dessa reflexão nos textos althusserianos
é surpreendente, já que encontramos em obras clássicas do marxismo um
tratamento teórico dessa questão. George Plekhânov, em seu ensaio « Os
princípios fundamentais do marxismo »
8
, detecta a operação de duas lógicas
distintas no processo histórico: a lógica da integração e a lógica da contra-
dição. Fora do campo marxista, o sociólogo francês Georges Gurvitch, em
8
PLEKHÂNOV, G. Dialética e lógica. In: PLEKHÂNOV, G. Os princípios fundamentais do marxismo. São
Paulo: Hucitec, 1978.
Jar Per (Or.)

« Dialética e sociologia »
9
, adverte historiadores e sociólogos sobre dois gran-
des perigos teóricos: a) o perigo de reduzir a dialética a um interacionismo,
como ocorre muitas vezes nas ciências naturais; b) o perigo inverso de pro-
mover uma “inflação de contradições” na análise do mundo social, descar-
tando a observação e a análise de processos prolongados de interação social.
Essa seria, para Gurvitch, uma tendência teórica típica da extrema esquerda,
para a qual a contradição estaria “em toda a parte”: na luta das massas contra
o Estado burguês, ou nos conflitos entre homem e mulher.
Pelos exemplos anteriores, vê-se que tanto marxistas quanto não-
-marxistas haviam apontado a necessidade de se diferenciar a aplicação
dos princípios da dialética conforme o tipo de processo social. Nesse caso,
por que Althusser e os althusserianos não lograram, no rastro desse traba-
lho teórico anterior, conceituar de modo inovador o método dialético, em
consonância com a sua nova visão da dialética histórica?
Não há resposta taxativa para essa questão. Mas deve-se lembrar,
em primeiro lugar, a curta duração do grupo althusseriano; esse coletivo
de estudo e pesquisa se desagregou em menos de dez anos. E a maioria dos
seus membros foi abandonando progressivamente as teses defendidas em
« Lire le Capital ». O ponto culminante dessa revisão teórica é a publicação,
em 1975, do texto de Balibar, “Sobre a dialética histórica
10
. Nesse traba-
lho, Balibar abandona a sua teoria da transição de um modo de produção
a outro. E, indo além em seu processo de revisão teórica, o autor sustenta
a impossibilidade de construção de qualquer teoria da mudança social: seja
uma teoria geral (aplicável a todos os tipos históricos de sociedade), seja
uma teoria particular (aplicável especificamente à sociedade capitalista).
Nessa nova situação, o prosseguimento da pesquisa sobre a cone-
xão entre o método dialético e as teses althusserianas sobre o materialismo
histórico passa a depender da emergência de uma nova geração de estu-
diosos marxistas, capazes de dar o melhor aproveitamento teórico às ideias
propostas em “Análise crítica da teoria marxista” e em “Lire le Capital”.
9
GUR
VITCH, G. Multiplicité des procédés dialectiques opératoires et leur application en sociologie. In:
GURVITCH, G. Dialectique et sociologie, capítulo II, Segunda Parte. Paris: Flammarion, 1962.
10
ALTHUSSER, L. Sobre a dialética materialista. In: ALTHUSSER, Louis, Análise crítica da teoria marxista,
Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

SOBRE A FUNDAMENT
AÇÃO
ALTHUSSERIANA DO MARXISMO
João Quartim de MORAES
1
O IMPACTO E O LEGADO
Em “Lire le Capital”, publicado em 1965, Louis Althusser e os
quatro participantes do seminário que deu origem ao livro levam adiante
o esforço de fundamentação crítica da teoria marxista empreendido pelo
próprio Althusser nos estudos publicados em anos anteriores, e reunidos
também em 1965, no livro “Pour Marx”. Os dois livros, que podem ser
considerados complementares, contribuíram decisivamente para desper-
tar do sono dogmático os marxistas meramente ideológicos, muitos deles
de inspiração idealista, outros apegando-se de modo acrítico a esquemas
de interpretação simplificadores e dogmáticos. Alguns não gostaram de
ser perturbados em seu sono. Rejeitaram em bloco os perturbadores em
nome de um humanismo metafísico amparado unilateralmente e às vezes
canhestramente nos escritos do jovem Marx. Outros se deram ao trabalho
de apontar dificuldades e inconsistências da argumentação; examinaremos
em seu lugar, as mais importantes.
Retornar meio século depois a esses textos que propeliram Althusser
e o althusserismo ao centro do debate marxista internacional é uma ideia fe-
1
Doutor em Ciência Política pela Fondation Nationale de Science Poltique de l’Academie de Paris. Professor
de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil. jqmoraes@gmail.com
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p133-150
Jar Per (Or.)

cunda, embora de difícil e delicada execução. A intervenção de 1965
2
intro-
duziu uma nova maneira de analisar e compreender o legado de Marx. O in-
vulgar impacto que ela provocou merece ser estudado em si e por si mesmo,
em sua consistência própria. Seria, porém artificial deixar de lado as revisões
autocríticas posteriormente efetuadas por Althusser e Étienne Balibar nota-
damente, sobre algumas das principais teses sustentadas em 1965. Cumpre,
pois levar em conta, ao lado daquelas que atravessaram inalteradas o cerrado
fogo crítico a que foram submetidas desde sua publicação, as que configu-
ram uma mudança de posição ou deslocamento de problemática, portanto
uma solução diferente para uma questão disputada.
Consideramos as teses sobre a mudança da base teórica do pen-
samento de Marx o mais firme legado da intervenção de 1965. Podem-
se discutir o conteúdo e a profundidade dessa mudança, os termos em
que ela foi formulada, notadamente as expressões “corte epistemológico
e “anti humanismo teórico”, bem como os momentos em que ela ocorreu,
mas não se pode negar que ela tenha ocorrido. O termo “corte” apon-
ta para uma radical virada do Marx ideológico para o Marx científico,
mas os textos althusserianos distinguem juventude, transição, maturação
e maturidade, propondo um esquema de progresso linear. A hipótese nos
parece razoável, com a ressalva de que em sua correspondência com Vera
Zassulich e na Resposta a Mikhailovski sobre a pretensa fatalidade da des-
truição das comunidades de aldeia, o velho Marx enfatizou a possibilidade
de uma via para o socialismo distinta daquela em que o capital se apoderou
de todos os meios de produção, separando radicalmente da posse da terra
os trabalhadores do campo. Não temos dúvida, porém de que, embora
elaboradas por aproximações sucessivas e a partir de ângulos diferentes, a
crítica da economia política burguesa e as teses sobre o desenvolvimento da
história social formam um todo coerente, no qual Althusser teve razão de
discernir a abertura de um novo campo do conhecimento. Resta examinar
a pertinência de sua contribuição para elucidar os problemas filosóficos
suscitados pela imensa obra de Marx.
Em 25 de outubro de 1990, encarregado do discurso de despedi-
da no funeral de Althusser, Balibar declarou que ele deixara “pelo menos
um muito grande livro [...], Pour Marx” e que três teses podem resumir
2
Entendemos: o conjunto das teses dos dois livros publicados naquele ano.
L A

o legado intelectual do conjunto de seus escritos: (1) “há um corte epis-
temológico”; (2) “há luta de classes na teoria”; (3) “há aparelhos ideoló-
gicos de Estado
3
. Ele discutiu pormenorizadamente a primeira tese em
“Le concept de ‘coupure epistémologique’ de Gaston Bachelard à Louis
Althusser”
4
. As duas outras pressupõem o abandono da noção de “prática
teórica”, que Althusser modificou em larga medida nos anos 70, ao passar
a entender por filosofia não mais a “teoria das práticas teóricas”, mas a
“luta de classes na teoria”. Com efeito, se o trabalho teórico é permeado
pelos interesses e contradições de classe, as posições filosóficas básicas, a
começar do recorrente (alguns althusserianos dizem “eterno”) confronto
entre idealismo e materialismo, não são socialmente neutras, embora não
correspondam necessariamente às contradições de classe: muitos burgueses
são materialistas e há muitos idealistas no seio do povo.
Não se pode pedir aos enunciados de um discurso fúnebre a pre-
cisão e a completude de um texto teórico. Ainda assim, pelo menos duas
omissões merecem ser assinaladas. Balibar não menciona Lire le Capital,
como “um muito grande livro”, talvez por tratar-se de uma obra coletiva
da qual ele é um dos coautores, talvez por razões de fundo, decorrentes
das revisões autocríticas efetuadas após 1965. Chama mais ainda a aten-
ção que, justamente um dos mais autorizados intérpretes do pensamento
althusseriano não tenha incluído uma quarta tese entre as que sintetizam
seu legado: “não há essência genérica do homem”. Não atinamos com um
motivo claro dessa omissão, mas ela certamente não resulta de mero es-
quecimento. Ela pode se explicar pela preocupação de não evocar a “vexata
quaestio” do “anti humanismo teórico”, a qual, entretanto, constitui uma
das consequências teóricas do corte epistemológico. Pensamos, em qual-
quer hipótese, que ela merece ser posta em evidência numa síntese das
principais contribuições filosóficas de Althusser. Não é preciso, com efeito,
insistir no caráter fundamental da questão “o que é o homem?” e da críti-
ca ao humanismo metafísico. Ela remete à pertinente e inovadora crítica
althusseriana dos pressupostos meramente ideológicos e no mais das vezes
3
Althusser morrera três dias antes, em 22 de outubro de 1990. O discurso de Balibar foi publicado mais tarde,
com o singelo título de Adieu, em “Écrits pour Althusser” (Paris: La Découverte, 1991), que reúne quatro textos.
As passagens citadas estão nas p. 121-122.
4
Idem, 1991.
Jar Per (Or.)

retóricos do discurso humanista efetuada em “Marxisme et humanisme”
5
e constitui uma contribuição maior ao aprofundamento dos problemas
filosóficos do materialismo histórico.
Sem dúvida, essa crítica teria sido mais bem compreendida e acei-
ta se tivesse se cingido a criticar o caráter metafísico (ou “ontológico”) da
essência genérica do homem, sem agredir desnecessariamente o senso-co-
mum da esquerda. É tão mais simpático aderir à ontologia trabalhista do ser
social do que à crítica do conteúdo metafísico do humanismo, bem como
de suas expressões político-institucionais, a começar do “valor universal da
democracia”! Com essa ressalva, cumpre reconhecer que é objetivo maior
da luta teórica marxista levar adiante a crítica radical da manipulação da
retórica humanista pela mediática do grande capital, que com arrogante
desenvoltura justifica os crimes da máquina de guerra da Otan em nome
da “international community”, da “democracy”, dos “human rights” etc.
6
As críticas consequentes e teoricamente inovadoras comportam
um momento negativo e um positivo, que se relacionam, como o antece-
dente ao consequente. O momento negativo foi desenvolvido principal-
mente por Althusser em Lire le Capital, nos estudos “Do Capital à filo-
sofia de Marx” (volume I, p. 9-89) e “O objeto do capital” (volume II, p.
9-185), notadamente no tópico “O marxismo não é um historicismo” (II,
p. 73-108)
7
, que completam a crítica desenvolvida nos estudos reunidos
em Pour Marx, principalmente em “Marxisme et humanisme”. As críticas
ao humanismo metafísico e ao historicismo são complementares. Embora
elas valham para todas as doutrinas metafísicas sobre a essência humana,
Althusser tinha em vista, ao desenvolvê-las, as interpretações do marxismo
que se apoiam nos Manuscritos de 1844 e em outras obras de juventude,
inspiradas na noção de “essência genérica” (Gattungsweisen) do homem
elaborada por Feuerbach. Daí sua tese de que as descobertas teórico-cien-
tíficas de Marx expostas em O capital configuraram uma ruptura com as
ideias da juventude.
5
Originalmente publicado em junho de 1964 nos Cahiers de l’ISEA e reproduzido em Pour Marx, Paris:
Maspero, 1965.
6
O liberal-imperialismo genocida manipula não só o humanismo, a democracia e valores conexos, mas tam-
bém Deus, que Bush filho e sequazes consideram seu principal aliado. A ele recorreram para alastrar horror e
destruição nos povos da periferia.
7
Citamos a edição original, Lire le Capital, volume II, Paris: Maspero, 1965.
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
O HUMANISMO METAFÍSICO E O HOMEM CONCRETO
Notamos, ao comentar a síntese do legado de Althusser em três
teses proposta por Balibar, a falta de uma quarta tese, relativa à crítica do
humanismo metafísico, essa crítica nos parece importante o bastante para
merecer uma justificação. São muitas as definições do humanismo porque
muitos são os pressupostos teológicos ou filosóficos em que se apoiam e
muitas as posições político-ideológicas que procuram justificar. Segundo
Althusser todas essas doutrinas pressupõem uma essência universal do ho-
mem, que é atributo dos indivíduos tomados isoladamente, que são seus
sujeitos reais. A essência, que em si é um universal, se reproduz em cada
homem; todos os homens seriam, portanto, plenos detentores da huma-
nidade, ou ainda, racionais. Assim compreendido, o humanismo, filoso-
ficamente, é um discurso idealista que declara, a partir de uma nebulosa
intuição de essência, que o homem, ou “as pessoas” é ou são isso ou aquilo.
Retoma, às vezes inspirado de elevados ideais de emancipação, uma das
repostas mais comuns à pergunta pela essência do homem: a animalidade
é sua matéria, mas sua forma substancial é a razão.
Poder-se-á objetar que há uma diferença radical entre a concep-
ção da essência humana nas filosofias da forma substancial perene e nas
filosofias dialéticas. Sem dúvida, a tese fundamental da antropologia mar-
xista, de que o homem se autoproduziu pelo trabalho, é reconhecida por
todas as correntes filosóficas que se inspiram no pensamento de Marx.
Mas se a dialética dessa tese for idealista, pressupondo que o trabalho é a
exteriorização da essência ativa do “ser humano genérico”, ela conduz a um
círculo vicioso: o trabalho produz o homem quando e por que ele trabalha
de um modo exclusivamente humano. Ao analisar a categoria trabalho em
O Capital, livro I, cap.5, Marx caracteriza o modo especificamente huma-
no de trabalhar pela capacidade de produzir seus meios de existência mol-
dando os objetos naturais em conformidade com o esquema funcional que
fixaram em seu cérebro. Mas ele deixa claro que os humanos adquiriram
esta capacidade ao ultrapassar os modos instintivos de trabalho, comuns a
outras espécies de viventes.
Jar Per (Or.)

Devemos à síntese pioneira de Engels sobre “o papel do traba-
lho na hominização do macaco
8
, a análise concreta dessa ultrapassagem.
Ele mostra que a correlação sinergética entre mão e cérebro foi decisiva
para a hominização do primata ancestral, a tal ponto que podemos afirmar
que nada há no cérebro que não tenha antes passado pelas mãos. Com
essa hipótese, Engels levou adiante o programa teórico anunciado em seu
discurso no funeral de Marx: o trabalho é o nexo mais forte entre a lei
de desenvolvimento da natureza orgânica e a lei do desenvolvimento da
história humana. Na dialética materialista de Engels, a passagem do modo
instintivo ao modo especificamente humano de trabalho não corresponde
ao autodesenvolvimento da ideia de homem ou de trabalho, mas a uma
rude e incerta transição sem dúvida muito longa, de dois a três milhões de
anos, em que a habilidade manual se desenvolvia em sinergia com a capa-
cidade cerebral; relampejaram no cérebro dos hominídeos, em incontáveis
ocasiões, as imagens abstratas dos gestos manuais de raspar, cortar, furar,
esmagar, lançar, moer, polir, martelar etc. Gradualmente, eles tornaram-se
capazes de discernir e fixar na mente aquelas imagens e em seguida de co-
meçar a construir instrumentos adequados às funções produtivas represen-
tadas por cada uma delas. O salto dialético consistiu na passagem do uso
de instrumentos stricto sensu (objetos naturais em estado bruto), à invenção
de ferramentas rudimentares, portanto à produção de meios de produção. A
designação mais comum desse salto é a transição da pedra lascada à pedra
polida. O fato decisivo subjacente a esta transição foi a aquisição da capaci-
dade de se expressar por sons articulados. Quer ela tenha ocorrido na época
do homo erectus, quer na do homo heidelbergensis, em qualquer caso, nesse
processo de longa duração, a invenção da linguagem articulada precedeu e
acompanhou o começo da fabricação de ferramentas. A anterioridade cro-
nológica da linguagem sugere claramente que a atribuição de um nome a
cada um dos esquemas mentais das formas instrumentais foi decisiva para
impô-las à pedra e aos demais materiais de que os homens ancestrais se ser-
viam. O homem não se autoproduziu pelo trabalho; foram seus ancestrais
8
O papel do trabalho na transformação do macaco em homem, versão em espanhol, Moscou, Editorial Progresso,
1966, p. 6-7. O título original do tópico, “Anteil der Arbeit an der Menschwerdung des Affes”, é em geral mal tra-
duzido por “o papel do trabalho na transformação (ou transição) do macaco em (para o) homem”. Literalmente,
significa: “a participação do trabalho no tornar-se homem do macaco”. Nossa tradução (“hominização do ma-
caco”) tenta expressar esse significado num português mais palatável. Escrito em 1876, publicado post mortem
em 1896 em Die Neue Zeit, este texto notável e precursor é sintomaticamente pouco citado pelas tendências
metafísicas do marxismo. Foi mais tarde incorporado à Dialética da Natureza.
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
hominídeos, cuja “essência genérica” mal se distinguia da de seus primos
primatas, que o produziram.
O mal do humanismo metafísico não está apenas nas ilusões
que ele suscita, mas também no conformismo teórico que ele encobre.
Conceber o trabalho como essência ativa do “ser humano genérico” é re-
tornar ao velho esquema aristotélico da potência e do ato: o homem já
estava completo em potência, o trabalho a atualizou. Além de ser incompa-
tível com o princípio da transformação das espécies, esse esquema esvazia
a autoprodução do homem pelo trabalho, reduzindo-a a uma petição de
princípio: o trabalho produz o homem porque trabalhando este objetiva
sua essência (que já estava pronta). Ninguém se torna o que já era.
A subjetivação da história levou o trabalhismo ontológico para
longe do marxismo. Youssef Ishagpour, um epígono de Lukács e de seu
discípulo francês Goldmann sustentou explicitamente teses frontalmente
opostas à teoria do valor de Marx, ao declarar peremptoriamente, em uma
edição de fragmentos póstumos de Goldmann, que “a fonte exclusiva da
riqueza econômica” é “o trabalho
9
. Marx diz exatamente o contrário:
o trabalho não é a fonte (ênfase no original: nicht die Quelle) de toda
riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso (e é exatamente nisso que
consiste a riqueza material) tanto quanto o trabalho, o qual, não é, em si
mesmo, nada mais do que a manifestação de uma força material, a força
de trabalho humana. [...] Os burgueses têm boas razões para atribuir ao
trabalho uma potência criativa sobrenatural, na verdade, é exatamente o
laço unindo o trabalho à natureza que faz com que o homem despojado
de qualquer propriedade além da de sua força de trabalho, deva ser, em
todas as sociedades e civilizações, o escravo de outros homens que se
tornaram proprietários das condições materiais do trabalho.
10
Marx já havia desenvolvido a questão na Contribuição à crítica da
economia política, a propósito do conceito de valor:
É uma tautologia dizer que o trabalho é a fonte única do valor de troca,
e portanto da riqueza, na medida em que esta consiste em valores de
troca. É a mesma tautologia que dizer que em si a matéria, em estado
9
Lukács y Heidegger: Buenos Aires, Amorrortu, 1975, p.16.
10
Marx, K. Anotações marginais ao programa do partido alemão do trabalho. In: Marx, K.; Engels, F.
Ausgewählte Werke, band IV, Berlim: Dietz Verlag, 1978, p. 382-383. – itálico no original.
Jar Per (Or.)
140
natural, não contém valor de troca posto que ela não contém trabalho
e que o valor de troca em si não contém matéria em estado natural
11
.
Mais adiante acrescenta: “Do trabalho criador de valores de uso,
é inexato dizer que ele é a única fonte da riqueza que produz. [...] Ele é a
atividade que adapta a matéria a tal ou tal fim; ele pressupõe, pois necessa-
riamente a matéria
12
.
A necessidade de pressupor a matéria incomoda os ontólogos, as
ideias são tão mais bonitas do que a dura espessura dos fatos!
A PERIODIZAÇÃO CIENTÍFICA SEGUNDO BALIBAR
Antes da crítica althusseriana, predominava largamente na filoso-
fia marxista da Europa ocidental a concepção de que o processo histórico
consistia na exteriorização da essência humana, cuja unidade originária
teria se cindido pela exploração do homem pelo homem, mas seria re-
cuperada no final pela negação comunista da cisão entre proprietários e
proletários. Segundo esta visão, a dialética da essência humana genérica
se desdobra, esquematicamente, em três momentos: (a) a unidade natural
das comunidades humanas originárias; (b) a cisão alienadora da essência
humana pela divisão da sociedade em classes e pela reificação dos produtos
do trabalho convertidos em mercadorias (c) a superação da alienação pela
reconquista da unidade perdida no horizonte meta-histórico do comunis-
mo. Já insistimos o suficiente no caráter metafísico deste humanismo. Não
se pode fundamentar sobre ele o conhecimento objetivo e científico da
evolução social da humanidade.
O texto de Balibar (1996), que ocupa as p. 189-332 do volu-
me II de Lire le Capital(1996), parece-nos, após os de Althusser, a mais
importante contribuição da árdua e audaciosa tarefa de propor um novo
fundamento para a teoria marxista da história. Anima-o o propósito de
ultrapassar as simplificações e as respostas metafísicas aos problemas sus-
11
Citamos a partir da boa tradução francesa de Maurice Huson e Gilbert Badia, Contribution à la critique de
l’économie politique. Paris: Éditions Sociales, 1957, p. 14-15.
12
Citamos a partir da boa tradução francesa de Maurice Huson e Gilbert Badia, Contribution à la critique de
l’économie politique Paris: Éditions Sociales, 1957, pp. 14-15.
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141
citados pela teoria de Marx. Apoiando-se nas “exposições precedentes”,
nomeadamente nas de Althusser (p. 189), ele concentra-se no momento
positivo da crítica, enunciando “os dois princípios que fundamentam a
transformação da história em ciência”, a “periodização” e a “articulação
das práticas diferentes na estrutura social” (Idem, p. 192). Com efeito,
toda análise da história é obrigada a identificar, portanto delimitar, eras,
épocas, etapas, períodos, fases. O procedimento encerra inevitável margem
de artifício, mas é manifestamente indispensável. Sem ele, diluir-se-iam as
grandes configurações da evolução social e cultural e o desenrolar da his-
tória apareceria tão indeterminado quanto o célebre rio de Heráclito, que
exatamente por nunca ser o mesmo repete eternamente a mesmice da pura
alteridade. O reconhecimento da fisionomia de toda uma era supõe sem-
pre um esforço analítico e uma hipótese hermenêutica. Mas a constatação
das dificuldades intrínsecas às periodizações não deve levar a uma visão
empirista da evolução histórica, que em sua versão mais extremada, dita
nominalista, só admite os fatos singulares e só reconhece realidade nos in-
divíduos
13
. Balibar tem, pois razão de considerar que o modo de produção
constitui o princípio de periodização da teoria marxista da história.
Entretanto, sua preocupação unilateral com os “invariantes da aná-
lise das formas” leva-o a uma simplificação do problema, que fica evidente
quando, após examinar criticamente aqueles dois princípios (BALIBAR,
1996, p. 192-197), ele declara que o ponto de partida de sua reconstru-
ção da teoria marxista da história consiste em determinar “os elementos de
todo modo de produção, invariantes da análise das formas” (Idem, p. 209).
Sem dúvida, é imperativo assinalar, como ele faz, os problemas epistemoló-
gicos da transposição de categorias da história tradicional à marxista. Mas
não deixa de ser paradoxal basear em “invariantes” uma teoria da história.
Reconhecemos nessa inversão de fundamentos o princípio do primado da
estrutura sobre o acontecimento, mas considerar o curso da história como
uma sequência de imobilidades sucessivas leva a interrogações. Para onde
são relegadas as teses de Marx e Engels que enunciam a dinâmica das trans-
formações sociais? Não seriam fundamentais os princípios teóricos de que o
13
Para o nominalismo consequente, o próprio indivíduo é uma totalidade instável: as estrelas se resolvem em hi-
drogênio e hélio, os oceanos em gotas d’água, as rochas de granito em grãos de areia. Se um pingo de chuva, um
sopro de vento, um punhado de terra, o brilho de uma chama prestam-se paradigmaticamente a exemplificar o
esvaecer dos fenômenos, é porque carecem de identidade individual. Por isso Heráclito serviu-se do fogo para
simbolizar o devir, que tudo consome, e do fluir da água para ilustrar a radical alteridade do aqui e do agora.
Jar Per (Or.)
142
homem se autoproduziu pelo trabalho e de que a luta de classes é o motor
da história? Procuramos mostrar acima que o primeiro desses princípios,
tomado abstratamente, é meta histórico: oferece um fio condutor para a an-
tropologia materialista, mas comporta interpretações idealistas (geralmente
autointituladas “ontológicas”). Sabemos que o segundo foi assumido (mas
não desenvolvido sistematicamente), alguns anos depois por Althusser.
Sem dúvida, toda investigação científica busca determinar rela-
ções “invariantes” entre os fenômenos. A mais universal dessas relações,
expressa na fórmula e = mc
2
, põe em equação três “elementos”: energia,
massa e velocidade da luz. Os “elementos invariantes” da “análise das for-
mas” não são suscetíveis de tratamento matemático semelhante. Balibar
fala em “combinatória”, mas coloca o termo entre aspas, porque dos textos
de Marx que ele comenta consta apenas Verbindung (combinação, junção,
ou articulação). Nos textos de Marx, as formas determinam historicamente
as relações econômicas (forma mercadoria, forma salário etc.) e também
designam as relações de produção que caracterizam uma sociedade; é neste
sentido que o termo é empregado no célebre estudo dos Grundrisse sobre as
formas (Formen) que precederam o modo de produção capitalista. Elas ali
designam as diferentes relações econômicas características das populações
antigas da Eurásia e do Mediterrâneo.
Não é fácil perceber em que sentido a “combinatória” de Balibar
contribui para a análise histórica dessas formas. Ela não nos parece trazer
resposta satisfatória para o difícil problema das conexões entre a periodiza-
ção pelo modo de produção e a história social concreta. Ele o reconhece à
sua maneira ao apontar a necessidade de um “segundo conceito, de mesmo
nível teórico que o de modo de produção [...] para constituir uma teoria
da história como sucessão de modos de produção” (BALIBAR, 1996, p.
258). Ao formular assim o problema, Balibar já apontava para a solução,
à qual ele consagra a parte final de seu ensaio: a teoria da transição. Mas,
prisioneiro de seu ponto de vista estritamente estruturalista, ele a enten-
de como coexistência de dois modos de produção. Mas sobre a dinâmica
dessa coexistência, ele não nos parece oferecer nenhuma ideia notável. Não
somente a propósito da possibilidade histórica de uma transição regressiva,
como a que iria ocorrer na União Soviética um quarto de século depois
(que ninguém previa, mas fatos não previstos confirmam ou não a perti-
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
nência de uma teoria), como também de transições anteriores, do modo de
produção feudal para o capitalista e do escravista para o feudal. Se ele tives-
se efetivamente utilizado o princípio da “articulação das práticas diferentes
na estrutura social”, que constitui, segundo ele, ao lado da “periodização”,
o fundamento da “transformação da história em ciência”, sua contribuição
à “teoria da transição” teria sido mais concreta.
UMA ÉPOCA DE REVOLUÇÃO SOCIAL
As teses de Marx e Engels sobre a evolução social mostram a com-
plexidade e as dificuldades do problema que Balibar se propôs resolver com
sua combinatória das formas. O marxismo absorveu criticamente o princí-
pio hegeliano de que os processos históricos se desenvolvem segundo uma
lógica objetiva. A interpretação mais frequente dessa absorção foi sugerida
pelo próprio Marx, ao propor a inversão materialista da dialética, para fa-
zê-la caminhar sobre suas próprias pernas e não sobre a cabeça, como em
Hegel
14
. A imagem é muito clara naquilo que nega: a história não consiste
na objetivação do Espírito Absoluto em conformidade com os desígnios
da Providência. Ela nega também as teleologias laicas, que são resíduos
profanos da teologia. Quanto a seu conteúdo positivo, a inversão ilustra
claramente a tese de que o principal fator determinante do movimento
histórico não são as ideias, mas a base econômica da sociedade.
Não é indispensável, porém ser “althusseriano” para considerar
que a generalização da imagem da inversão nos conduz antes a problemas
do que a soluções teóricas. Pode-se efetivamente, num sentido que não
seja frouxo ou demasiado genérico, compreender a dialética materialista
da contradição entre as relações de produção e o nível de desenvolvimento
das forças produtivas em termos de inversão da dialética hegeliana? Não
nos parece. A contradição, no pensamento de Hegel, é imanente aos mo-
mentos do autodesenvolvimento do Espírito, ao passo que na dialética
14
Ela também é descrita como descida do céu à terra, do abstrato ao concreto. Entretanto, no texto sobre o
método da economia política, que faz parte da Introdução de 1857, Marx refere-se ao “método que consiste
em elevar-se do abstrato ao concreto”, o que evidentemente choca o senso comum empirista, para o qual, ao
contrário, nos elevamos do concreto ao abstrato. É que o empirismo, como bem assinalou Althusser, entende
a abstração como uma extração: o conceito se livra do peso da particularidade para se erguer ao ceu das ideias.
(MARX, K.; ENGELS, F. Werke, Band 13, Berlin: Dietz Verlag, 1969, p. 632). Publicamos o texto original “Die
Methode der politischen Ökonomie” em Crítica Marxista 30 (2010), p. 103-125, com uma apresentação e uma
bela tradução de Fausto Castilho.
Jar Per (Or.)
144
materialista, ela não existe em estado puro, mas é sempre ativada pelos
fatos históricos concretos.
Foi longo o esforço de Marx e Engels na elaboração das catego-
rias do materialismo histórico. Em A ideologia alemã, composta em 1845-
1846, eles sustentam que: “o grau de desenvolvimento que as forças pro-
dutivas (Produktionskräfte ou Produktivkräfte) de uma nação atingiram” se
reconhece “pelo grau de desenvolvimento que a divisão do trabalho (die
Teilung der Arbeit) atingiu
15
. A relação entre esses dois componentes da
base econômica não é de mera correspondência: o desenvolvimento da
divisão do trabalho é consequência do avanço das forças produtivas. Eles
acrescentam, com efeito, que “toda força produtiva nova conduz a um
novo aperfeiçoamento da divisão do trabalho”, desde que não se trate “ape-
nas de uma simples extensão quantitativa das forças produtivas já conhe-
cidas até então (desmatamento de terras, por exemplo)”
16
. É a introdução
de um meio de produção mais avançado que impulsiona a divisão do tra-
balho. Por exemplo, a energia cinética hidráulica ou eólica para mover os
moinhos, em substituição à tração animal e à tração humana, ou a rotação
trienal das culturas no Ocidente medieval. Nos dois casos, o aumento da
produtividade incide na divisão do trabalho, liberando trabalhadores para
outras atividades.
O conceito de relação de produção aparece acoplado ao de re-
lação de troca na expressão Produktions und Verkehrsverhältnisse (relações
de produção e de troca), ou então, quando se trata da relação (Verhältniss)
com as forças produtivas, só aparece forma de troca (Verkehrsform)
17
. É que
as categorias fundamentais ainda não estão plenamente articuladas e a ter-
minologia que as exprime ainda era flutuante, como bem assinalou Badia
18
.
A relação dos “diferentes estágios de desenvolvimento
(Entwiklungsstufen)” das forças produtivas com as “diferentes formas da
15
MARX, K.; ENGELS, F. Die deutsche ideologie. In: Ausgewählte Werke in sechs Bänden, Berlin: Dietz Verlag,
1978, I, p. 208.
MARX, K.; ENGELS, F. L’idéologie allemande, Paris: Éditions Sociales, 1968, p. 46. – Sempre que nos pareceu
importante, citamos o original alemão; conforme o caso, como aqui, juntamos a referência da tradução francesa
de Badia.
16
Idem, p.46.
17
MARX, K.; ENGELS, F. Die deutsche ideologie, Paris: Éditions Sociales, 1968, p.263-264. – Badia traduz
Verkehrsform ora por modes d´échange, ora por formes d´échange.
18
Idem, p.18.
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145
propriedade”, questão central do materialismo histórico, fica encoberta
pelo verbo “ser”, que sugere uma identidade de tipo expressivo: os estágios
da divisão do trabalho “são outras tantas” (“sind ebensoviel”) formas dife-
rentes da propriedade”. O estágio A do trabalho produtivo se expressa na
forma A da propriedade, o estágio B na forma B e assim por diante. Na
sequência do texto, com efeito, o “estágio não desenvolvido (unentwickel-
ten) da produção”, caracterizado por uma incipiente divisão do trabalho, se
expressa na propriedade tribal (Stammeigentum). Seguem, em ordem histó-
rica, a propriedade comunal e estatal da antiguidade (das antike Gemeinde
und Staatseigentum) e a propriedade feudal, combinada nas cidades à pro-
priedade corporativa
19
.
Longe, pois de colocar em segundo plano os fatos que não se
enquadram bem em seus esquemas teóricos, os dois autores chamam a
atenção para eles. Como explicar, em especial, a presença da propriedade
privada em sociedades da antiguidade em que predominava a propriedade
comunal e estatal? Ela é considerada uma “forma anormal e subordinada à
propriedade comunal”, mas eles assinalam que o desenvolvimento da “pro-
priedade privada imobiliária” exerceu efeito “desagregador” sobre “toda a
articulação social que nela se baseava
20
. Não fica, pois clara a lógica de
desenvolvimento das formas da propriedade. O aparecimento da proprie-
dade privada nos poros da propriedade estatal-comunal é constatado, mas
não é explicado.
As teses enunciadas em grandes traços por Marx e Engels nos
anos 1846-1848 receberam sua formulação mais acabada no final da dé-
cada seguinte, em duas passagens do prefácio de Para a crítica da economia
política (1859), nas quais a influência hegeliana restringe-se à tese, certa-
mente fundamental, de que os processos históricos se desenvolvem segun-
do uma lógica objetiva.
A primeira passagem sustenta que quando as relações de produção
deixam de se adequar ao nível de desenvolvimento das forças produtivas,
entrando em contradição com elas, instaura-se uma “época de revolução
social”. O conteúdo dessa revolução consiste na supressão das relações de
produção que se tornaram um entrave à produção da riqueza social:
19
Id., p. 208-210.
20
Id., p. 209 – edição Badia, p. 47.
Jar Per (Or.)
146
Ao atingir determinado estágio de desenvolvimento, as forças produtivas
materiais da sociedade se chocam com as relações de produção existentes,
ou, o que não é senão uma expressão jurídica disso, com as relações de
propriedade no interior das quais se desenvolveram até ali. De formas
de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se convertem
em obstáculos a elas. E se abre, assim, uma época de revolução social.
21
Na segunda formulação, “época” vem despojada do restritivo “de
revolução”, assumindo um sentido mais amplo. Em “grandes linhas” (“im
grossen Umrissen”), diz Marx, as “épocas progressivas da formação social
da economia (progressive Epochen der ökonomischen Gesellschaftsformation)”,
são os “modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno
22
.
A enumeração contém designações geográficas (“modo de produção asiá-
tico”) e históricas (a sucessão antigo/feudal/moderno). O modo asiático
remonta às primeiras grandes formações estatais do penúltimo e do úl-
timo milênio antes do calendário cristão (A.C.); a época antiga remete
a um contexto geográfico bem determinado: a bacia do Mediterrâneo e
terras próximas ao longo do último milênio A.C. e até a queda do Império
Romano do Ocidente; a feudal à Europa ao longo da Idade Média e o
burguês moderno ao surgimento do modo capitalista de produção. Tal é,
sempre “em grandes linhas”, a lógica objetiva da evolução das “formações
sociais da economia”. Esse esquema retoma a tradicional divisão da história
em três eras (antiga, medieval e moderna), mas ultrapassa seu caráter euro-
cêntrico, acrescentando-lhe o modo asiático
23
.
O conceito de época no materialismo histórico apresenta, pois
(a) um sentido restrito para designar a fase revolucionária de uma estrutura
econômica que deixou de ser “progressiva” porque, ao atingir determinado
estágio de desenvolvimento, as forças produtivas entraram em contradição
com as relações de produção; (b) um sentido geral, que designa a época em
sua totalidade. Ela é sempre “progressiva” em relação à anterior, já que se ins-
taura sobre a base de novas relações de produção adequadas ao nível superior
atingido pelas forças produtivas. Neste sentido amplo, o conceito remete às
21
A tradução é nossa, mas remetemos a Para a crítica da economia política, São Paulo: Abril Cultural, 1982, p. 25.
22
Idem, p. 26.
23
Sobre este conceito, permito-me remeter a meu estudo “A ‘forma asiática’ e o comunismo agrário primitivo”,
publicado em Crítica Marxista, n. 2, 1995.
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147
quatro grandes épocas do desenvolvimento econômico da sociedade, que
correspondem aos quatro modos fundamentais de produção cuja sucessão
constitui o principal fio condutor da evolução histórica da humanidade.
Compreensivelmente, esse esquema suscitou ampla gama de co-
mentários e críticas. Algumas destas, sobretudo as de inspiração polêmi-
ca, não levaram em conta que Marx começa a frase em que caracteriza as
quatro “épocas progressivas” da economia com o adjunto adverbial “em
grandes linhas”. Ele não pretendia enumerar ali todos os modos de produ-
ção, mas apenas os fundamentais; por isso não se refere, por exemplo, às
pequenas coletividades de produtores independentes vivendo em regime
de auto subsistência ou trocando uma parte de sua produção com popula-
ções vizinhas; nem à pequena produção mercantil. Quanto à ausência de
referência ao comunismo primitivo, ela explica-se por se tratar do ponto
de partida pré-histórico da evolução econômica da humanidade e não de
uma “época progressiva” de sua história.
É notável o espírito de objetividade científica destes e de outros
textos sobre as grandes configurações da evolução social. Eles avançam
hipóteses, enunciam teses, mas sempre remetendo a processos históricos
concretos. Deixando aberta a possibilidade de confrontar suas conclusões
com fatos e processos que não parecem corresponder a seus esquemas
históricos, Marx e Engels estimulam a reflexão crítica, mesmo quando
ela se interroga sobre o alcance da lógica objetiva do desenvolvimento do
modo capitalista de produção. Um dos exemplos mais esclarecedores é a
acima referida “Resposta a Mikhailoviski”, em que Marx, envolvendo-se no
debate travado entre os revolucionários russos ao longo da segunda metade
do século XIX a respeito do porvir das comunidades de aldeia (mir), negou
que a dissolução da aldeia russa estivesse inexoravelmente inscrita na evo-
lução social. Sustentou, porém a ideia de uma necessidade condicional: se,
a exemplo do que ocorrera na Inglaterra e estava ocorrendo em diferentes
graus nos demais países da Europa ocidental, os camponeses viessem a ser
expulsos em massa da terra, tornando-se proletários, o cenário de miséria
social que acompanha as “leis implacáveis” do desenvolvimento capitalista
reproduzir-se-ia na Rússia. Essa consequência é necessária, mas depende
de uma condição que é contingente: a supressão das condições objetivas
de existência da grande massa da população rural. Enquanto a maioria
Jar Per (Or.)
148
dos camponeses dispusesse de acesso direto às riquezas naturais do meio
ambiente, o povo russo não conheceria esse desfecho socialmente trágico
24
.
Quatro anos depois, na carta de 8 de março de 1881 à revolucionária russa
Vera Zassulich, que pedira sua opinião sobre o destino histórico das aldeias
camponesas, Marx concordou com a tese de que a velha comuna rural era
o ponto de apoio da regeneração social na Rússia
25
.
24
MARX, K. Resposta a Mikhailoviski. In: Oeuvres, tomo II, Paris: la Pléiade/Gallimard, 1968, p.1552-1555.
25
MARX, K. Resposta a
Vera Zassulich. In: Oeuvres, tomo II, Paris: la Pléiade/Gallimard, 1968, p.1558.
149
Teoria e Método
150
151
INDICA
ÇÕES PARA O ESTUDO
DO MARXISMO DE ALTHUSSER
Armando BOITO JR
1
O tema deste texto é o marxismo estrutural inaugurado por
Louis Althusser e o seu objetivo é o de fornecer ao leitor algumas breves
indicações para o conhecimento e para o estudo da obra desse filósofo
marxista e de alguns dos seus seguidores.
Trataremos das teses e conceitos althusserianos referentes às ci-
ências sociais, isto é, ao materialismo histórico, e não à filosofia. Da mul-
tiplicidade de teses e conceitos que Althusser desenvolveu ao discutir o
materialismo histórico, reteremos apenas aqueles mais gerais que, a nosso
ver, particularizam a escola althusseriana no campo amplo e diversificado
que é o campo do marxismo.
1 TRÊS FASES DA OBRA DE ALTHUSSER
A obra de Althusser é ampla e aborda problemas e temas muito
variados. Ela passa, ademais, por fases que apresentam características teóricas
distintas. De uma maneira simplificada, e deixando de lado os seus escritos
1
Professor Titular de Ciência Política da Unicamp e editor da revista Crítica Marxista. É autor do livro Estado,
política e classes sociais. São Paulo: Editora Unesp, 2007. armando.boito@gmail.com
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p151-182
Jar Per (Or.)
152
de juventude anteriores à sua adesão ao marxismo, podemos dizer que sua
obra possui, no que diz respeito às ciências sociais, pelo menos três fases.
Em primeiro lugar, aquela representada pelos trabalhos dos anos
1960, na qual Althusser desenvolve a noção marxista de estrutura e que foi,
de longe, a obra de maior repercussão no mundo intelectual. São dessa fase
a coletânea de ensaios publicada em 1965 intitulada Pour Marx (1996),
traduzida no Brasil com o título “A favor de Marx” (1979), e a obra co-
letiva Lire le Capital ([1965]1996), traduzida entre nós com o título “Ler
o Capital”, publicada em dois volumes (1979c; 1980) e que conta com a
participação, além do próprio Althusser, de alguns dos jovens filósofos que
trabalhavam com ele na época – Étienne Balibar, Roger Establet, Pierre
Macherey e Jacques Rancière.
Em segundo lugar, temos a fase que, grosso modo, compreende
a década de 1970, em que Althusser, pressionado pelas críticas que lhe
foram dirigidas, nas quais era acusado de teoricista e estruturalista, tratou
de destacar o lugar da luta de classes na sua teoria, de repensar algumas de
suas teses filosóficas e a relação entre filosofia e ciência. São dessa fase en-
saios como “Elementos de autocrítica”, “Sustentação de tese em Amiens”,
“Marxismo e luta de classes”, “Resposta a John Lews” e outros reunidos
no livro “Positions (1976). No Brasil, esses ensaios foram publicados em
duas coletâneas editadas pela Graal intituladas “Posições – 1” e “Posições
– 2” (ALTHUSSER, 1978b; 1980). São dessa fase também alguns ensaios
que fazem um balanço crítico dos limites do marxismo, dos problemas
políticos do socialismo da antiga URSS e do movimento comunista inter-
nacional: o pequeno livro, publicado inicialmente em partes pelo jornal
Le Monde, intitulado “Ce qui ne peut plus durer dans le Parti Communiste
Français” (ALTHUSSER, 1978a), salvo engano sem tradução no Brasil, e
Il marxismo come teoria finita publicado originalmente na Itália em 1978,
cuja tradução brasileira apareceu no número 2 da revista Outubro (1998).
Por último, temos a fase marcada por uma reviravolta na produ-
ção de Althusser, na qual ele irá desenvolver a ideia de um “materialismo
do encontro” ou “materialismo aleatório”. Aqui, predominam os seus es-
critos da década de 1980, que aparecem no primeiro volume da publicação
póstuma “Écrits philosophiques et politiques, volumes I e II (1994), não
publicados no Brasil. Desde o seu início, a corrente althusseriana tinha
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como preocupação central desenvolver o materialismo histórico, isto é, o
conjunto de teses e conceitos elaborados pela tradição marxista para expli-
car tanto a reprodução quanto a transformação das sociedades humanas.
Acontece que nesta terceira fase da produção de Althusser, a ambição do
materialismo histórico de apresentar o processo histórico como um pro-
cesso ordenado e regido por leis e relações de causalidade, ainda que leis
e relações de causalidade concebidas de maneira específica, essa ambição
foi substituída pela ideia de que na história das sociedades humanas reina
a contingência. O texto mais importante dessa fase é o ensaio “Le courant
souterrain du matérialisme de la rencontre”, de 1982, publicado no Brasil
com o título A corrente subterrânea do materialismo do encontro no número
20 da revista Crítica Marxista (2005). Na nossa avaliação, essa nova fase
instaura uma ruptura epistemológica na obra de Althusser – conceito esse
de ruptura epistemológica que, como se sabe, Althusser elaborou para ca-
racterizar a ruptura da obra de maturidade de Marx com os seus escritos
juvenis. Falamos em ruptura epistemológica para indicar uma desconti-
nuidade profunda, já que Althusser retira-se do campo do materialismo
histórico ao abandonar a pergunta sobre as leis e relações de causalidade
da história, concebida como um processo, e adota a tese que apresenta a
história como o reino da contingência.
Nossas indicações sobre a obra de Louis Althusser irão considerar
apenas a primeira fase apresentada acima, aquela que tem como obras magnas
Pour Marxe “Lire le Capital”, e que foi, conforme já indicamos, a fase da pro-
dução de Althusser que logrou obter maior repercussão no mundo intelectual.
2 O MARXISMO COMO CIÊNCIA SOCIAL
Althusser concebe o marxismo como uma ciência da socieda-
de. Sua produção concentra-se na tarefa de desenvolver essa ciência que,
seguindo a tradição, ele denomina materialismo histórico. Essa tarefa
tinha sido abandonada por outras tradições marxistas que concebiam o
marxismo não como uma ciência da sociedade, mas simplesmente como
uma “filosofia crítica” ou como um “guia para a ação”. Na concepção de
Althusser, diferentemente, Marx descobriu um continente científico novo,
o continente da história, de modo semelhante ao de cientistas anteriores
Jar Per (Or.)
154
que tinham descoberto os continentes da física, da matemática ou, de-
pois de Marx, o continente da mente humana – Freud e a psicanálise. Do
novo continente, Marx teria desbravado apenas algumas áreas, cabendo
aos marxistas prosseguir sua exploração. Ora, se o materialismo histórico
é uma ciência da sociedade ele deve, como toda ciência, ser desenvolvida,
submetida à prova e renovada. O althusserianismo é avesso ao dogmatismo
e é aberto, sem cair no ceticismo, à dúvida, ao questionamento e às contri-
buições vindas de pesquisas realizadas fora do campo do marxismo.
Nicos Poulantzas, o cientista político marxista que, partindo das
concepções da obra de Althusser, escreveu o clássico “Poder político e clas-
ses sociais” em 1968 (POULANTZAS, 1977), o mais ambicioso tratado
marxista de ciência política, produziu essa sua obra retificando e incor-
porando teses e conceitos provenientes da análise política de Max Weber,
que Poulantzas utiliza para analisar a burocracia de Estado, e de autores
modernos não marxistas, como o institucionalista Maurice Duverger cujos
trabalhos Poulantzas se apropria, após retificação, para analisar os regimes
e os partidos políticos. Embora esse procedimento mais aberto não fosse
original na história do marxismo, a escola althusseriana recuperava, com
ele, uma maneira de praticar o marxismo que tinha sido abandonada pelo
dogmatismo que impregnou grande parte do marxismo do século XX.
Cabe lembrar que Engels se apropriou amplamente da obra do antropó-
logo Lewis Henry Morgan para analisar a história da família, assim como
Lênin e Hilferding utilizaram a obra de John A. Robson para analisar o
imperialismo e o capital financeiro. O que a escola althusseriana talvez
tenha apresentado de original nessa matéria foi a sua reflexão teórica sobre
como os marxistas devem realizar a apropriação de descobertas e inovações
que são obtidas fora do campo do marxismo. A ideia central aqui é a de
retificação. O novo, surgido fora do campo do marxismo, pode ser incor-
porado a esse campo desde que retificado para não originar inconsistência,
incongruência ou contradições teóricas. E, em se tratando do trabalho de
produção de ciência, o cientista marxista não pode descartar a hipótese de
uma nova descoberta impor retificações na teoria marxista e, no limite, o
seu abandono. É exatamente isso que significa afirmar que a concepção do
marxismo como ciência social é incompatível com o dogmatismo.
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155
Ao conceber o marxismo como ciência, Althusser retoma a postura
epistemológica que informa a principal obra de maturidade de Marx, “O
Capital”, e reata com a tradição amplamente predominante no marxismo da
qual fazem parte autores e dirigentes socialistas de orientações políticas tão
diversas como Engels, Kautsky, George Plekhanov, Lênin, Eduard Bernstein,
Trotsky, Max Adler, Nicolai Bukarin, os austro-marxistas e outros que, cada
qual a seu modo, pensava o marxismo como uma ciência social – economia,
sociologia, ciência política, história e estudos culturais. (BOTTOMORE,
1976). Tal concepção afasta-o, contudo, da Escola de Frankfurt, que conce-
be o marxismo como uma mera crítica (politicamente resignada) da socieda-
de capitalista e também do Lukács de “História e consciência de classe”, que
funde num só corpo o marxismo e aquilo que Lukács denominou na obra
citada a consciência verdadeira da classe operária. A concepção do marxismo
como ciência da sociedade e da história, isto é, como materialismo histórico,
afasta-o também de um autor que o próprio Althusser admirava muito e no
qual ele se inspirou para escrever seu conhecido ensaio “Ideologia e aparelhos
ideológicos do Estado” (1974). De fato, tal concepção afasta Althusser de
Antonio Gramsci. O contraste com o marxista italiano, mesmo que rápido,
pode ser instrutivo para o leitor.
Para Gramsci, o marxismo seria, no fundamental e simultaneamen-
te, um “guia para a ação”, isto é, a “filosofia da práxis” (o marxismo como
política), uma “nova concepção de mundo” (o marxismo como filosofia) e,
na análise social e histórica, um simples “método de análise”, e não também
uma teoria. Para Gramsci, não caberia, no campo do marxismo, qualquer
tentativa de elaborar uma teoria científica da sociedade. A esse respeito, é
conhecido o longo texto crítico que Gramsci escreveu contra a tentativa de
N. Bukarin de sistematizar a teoria marxista das sociedades. Nesse texto de
crítica e polêmica, Gramsci sustenta que o marxismo seria um historicismo
absoluto, historicismo significando nesse caso que cada conceito e tese estão
irremediavelmente colados ao período histórico no qual foram produzidos e
que, por isso, o marxismo não comportaria formulações gerais que pudessem
se aplicar ao estudo de diferentes períodos históricos. (GRAMSCI, 1999.)
Tomemos, para ilustração, três breves passagens de Gramsci nesse ensaio.
A experiência sobre a qual se baseia a filosofia da práxis não pode ser
esquematizada; ela é a própria história em sua infinita variedade e mul-
tiplicidade, cujo estudo pode dar lugar ao nascimento da “filologia
Jar Per (Or.)
156
como método de erudição na verificação dos fatos particulares e ao
nascimento da filosofia entendida como metodologia geral da história.
(GRAMSCI. 1999, p. 146).
“[...] metafísica [...] (é) qualquer formulação sistemática que se afirme
como verdade extra-histórica, como um universal abstrato fora do tem-
po e do espaço.” (Idem, 1999, p. 121).
A filosofia da práxis é o historicismo absoluto, a mundanização e ter-
renalidade absoluta do pensamento, um humanismo absoluto da his-
tória. Nesta linha é que deve ser buscado o filão da nova concepção de
mundo” (Idem, 1999, p. 155).
O contraste é marcante. Para Althusser, o marxismo não é um
mero guia para a ação e tampouco uma “concepção de mundo”. O marxis-
mo é uma teoria científica cujas pedras fundamentais foram assentadas por
Marx. É uma teoria da sociedade e da história e, como tal, produz concei-
tos gerais e conceitos específicos, situados em diferentes níveis de abstração,
que compõem uma teoria que busca ser sistemática, distingue-se da análise
empírica concreta e é instrumento, sujeito a retificações, para a realização
dessa análise. Dessa perspectiva, a história pode sim ser analisada a partir de
conceitos abstratos e muito gerais que transcendem diferentes e prolongados
períodos históricos situados em áreas geográficas as mais variadas.
Podemos, como faz Althusser no seu ensaio intitulado “Sobre o
trabalho teórico: dificuldades e recursos (S/d.) – tradução portuguesa da
Editorial Presença – hierarquizar os conceitos segundo seu nível de abstra-
ção. Num nível mais abstrato, teríamos os conceitos supramodais (Estado
em geral, economia em geral, modo de produção, ideologia etc.), que se
referem a qualquer modo de produção, a qualquer Estado, economia ou
ideologia existentes em qualquer época ou lugar, seja no modo de produ-
ção escravista da Antiguidade Greco-Romana, seja no modo de produção
capitalista do século XXI ou outro. Marx e Engels concebiam a ideia de
economia em geral para caracterizar a atividade produtiva em qualquer pe-
ríodo histórico, atividade que reuniria, sempre e invariavelmente, o traba-
lhador, os instrumentos e o objeto de trabalho. Podemos falar também do
Estado em geral, independentemente de ser um Estado escravista, feudal
ou capitalista. Engels, no “A origem da família, da propriedade privada e do
Estado” (1974), caracteriza o Estado em geral como a instituição dotada de
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157
um aparelho repressivo que é o centro organizador da dominação de classe.
Esses “universais abstratos fora do tempo e do espaço”, no sentido que co-
brem milhares de anos de história humana nos diferentes continentes, são,
embora muito pobres em determinações, imprescindíveis para a análise
histórica, ao contrário do que sustenta Gramsci na sua crítica a Bukarin.
De resto, é exatamente desses universais que necessitamos partir para po-
der caracterizar as particularidades, essas sim ricas em determinações, de
economias e de Estados específicos. O historicismo proposto na passagem
citada de Gramsci, segundo o qual os conceitos gerais, necessariamente
abstratos e simples, seriam uma esquematização arbitrária, tal historicismo
apenas na sua aparência valoriza a especificidade histórica pois, sem con-
ceitos gerais, a história só poderá ser percebida como um fluxo contínuo e
indiferenciado de acontecimentos indeterminados.
Num segundo nível de abstração, teríamos, ainda segundo
Althusser no citado ensaio em que trata do trabalho teórico, os conceitos
modais (modo de produção capitalista, modo de produção feudal, Estado
capitalista, Estado escravista, economia capitalista, economia socialista,
ideologia burguesa etc.). Esses conceitos, situados num nível de abstra-
ção inferior, têm um âmbito de aplicação mais restrito, mas, ainda assim,
são abstratos. É claro que encontraremos grandes diferenças, mesmo nos
restringindo ao período atual, entre o capitalismo estadunidense e o capi-
talismo brasileiro ou grego, e, no entanto, utilizamos o mesmo conceito de
capitalismo para os três países porque todos eles são dotados de um tipo de
economia e de um tipo de Estado característicos. No modo de produção
capitalista, a economia reúne proprietários dos meios de produção que
exploram trabalho livre assalariado num processo de acumulação cujo fim
encontra-se em si mesmo e o Estado, instituição que organiza a domina-
ção da classe burguesa, adquire a forma de uma instituição aparentemente
universalista que se apresenta como representante de toda a sociedade. O
Estado capitalista, como todo Estado, seja ele feudal ou escravista, é o cen-
tro organizador da dominação de classe, mas, diferentemente desses outros
tipos de Estado, organiza a dominação de classe de uma maneira particular,
qual seja, de maneira a ocultar o seu caráter de classe, enquanto o Estado
feudal e o Estado escravista traziam inscritos nas suas normas jurídicas e
nas suas instituições o seu particularismo de classe. Partindo, portanto,
Jar Per (Or.)
158
do Estado em geral, falamos agora, de tipos de Estado correspondentes a
modos de produção específicos – escravista, feudal, capitalista. Nesse nível,
poderíamos falar também do Estado socialista, ainda que esse Estado seja,
na teoria marxista, um Estado de tipo muito particular.
Num terceiro nível, esse o mais concreto e determinado, a escola
althusseriana trabalha com o conceito de formação social: o capitalismo
agromercantil dependente brasileiro do período da Primeira República
(1889-1930), o capitalismo neoliberal e imperialista francês do século XXI
etc. O conceito de formação social trata da maneira como um determinado
modo de produção vigora numa sociedade historicamente determinada,
podendo, como foi o caso do capitalismo brasileiro da Primeira República,
comportar elementos econômicos, políticos e sociais de modos de produ-
ção anteriores ao capitalismo. É nesse nível mais concreto que um número
maior de particularidades históricas da sociedade em questão pode ser con-
siderado: as características específicas da sua economia e do seu Estado, o
regime político vigente, sua inserção na divisão internacional do trabalho,
a composição de classes existente nessa sociedade, suas tradições políticas
etc. O conceito de formação social, que se inspira muito na análise que
Lênin fez do desenvolvimento do capitalismo na Rússia, na qual o futuro
dirigente bolchevique mostrou a existência de quatro ou cinco modos de
produção convivendo de maneira complexa e articulada na Rússia czarista
do final do século XIX (LÊNIN, 1974), tal conceito procura se aproximar
o mais possível do conjunto de determinações e particularidades de uma
dada sociedade. O Brasil, tal qual a França, apresenta um Estado capita-
lista, mas um Estado capitalista dependente e não imperialista. Ademais,
a dependência, no modelo neoliberal de capitalismo, é fundamentalmente
financeira e – nova particularidade – desde a formação dos governos do
PT, tem sido objeto de um processo de reformas.
Nessa hierarquia de três níveis de conceitos desenhada por
Althusser, o processo de conhecimento corresponde ao método que Maurice
Dobb, inspirando nas ciências da natureza, denominou “método das apro-
ximações sucessivas”, no qual o conhecimento, como uma curva assintótica,
aproxima-se indefinidamente da realidade sem nunca encontrar-se com ela.
Temos assim uma diferença entre Althusser e Gramsci que se refere
a um elemento fundamental na compreensão do que é o marxismo e torna
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159
as concepções gerais desses dois autores inconciliáveis. Contudo, e apesar
disso, a distância entre o conjunto da obra de Gramsci e a obra de Althusser,
embora importante, é menor do que essas concepções gerais inconciliáveis
poderiam sugerir. Isso porque Gramsci nem sempre foi consequente com os
seus próprios enunciados epistemológicos mais gerais. Tal inconsequência
se, lamentavelmente, introduziu inconsistências nos “Cadernos do Cárcere”,
foi, em compensação, benéfica para o desenvolvimento do marxismo. De
fato, as análises inovadoras que Gramsci faz da política resultam da mobi-
lização de conceitos que transcendem situações históricas particulares. Suas
considerações sobre o cesarismo abarcam, na formulação mais geral que ele
próprio apresenta, tanto a Antiguidade Romana quanto a Europa do século
XX. E isso não é um exercício de metafísica, ao contrário do que acreditarí-
amos se concordássemos com o que o próprio Gramsci afirma no seu texto
contra Bukarin. Também as suas análises sobre a unificação italiana recor-
rem a conceitos gerais, muitos dos quais elaborados pelo próprio Gramsci,
que transcendem períodos históricos os mais variados: conceito como bloco
histórico, revolução passiva, classe social, alianças de classe, intelectuais or-
gânicos e tradicionais etc. Novamente abandonando seus próprios conselhos
epistemológicos, Gramsci opera aqui com conceitos que esquematizam sim
a experiência histórica e, ao fazê-lo, Gramsci supera a impotência teórica à
qual a sua formulação sobre a história como “infinita variedade” poderia
condenar os marxistas.
O historicismo é um dos principais alvos da crítica de Althusser.
No plano da epistemologia da ciência, o motivo dessa crítica é a concep-
ção que a corrente historicista oferece da produção de conhecimento. Se
tal produção fosse inseparável do período histórico no qual ela se dá, seria
impossível pensar o marxismo como ciência da história, posto que a ciên-
cia, seus conceitos e teses têm de transcender o momento e as condições,
fortuitas ou necessárias, de sua própria produção.
3 RENOVAÇÃO E IMPORTÂNCIA DO CONCEITO DE MODO DE PRODUÇÃO
Como já sugerimos acima, o conceito de modo de produção é de
grande relevância nas análises históricas, econômicas, políticas e sociais de
Althusser e de seus seguidores. Althusser, tal qual fizera Marx em sua obra
Jar Per (Or.)
160
“O capital”, colocou o conceito de modo de produção no centro da teoria da
história e das sociedades – o materialismo histórico – e, em acréscimo, deu
a esse conceito um desenvolvimento novo. Tal desenvolvimento pretende
sistematizar aquilo que já está contido, embora em estado prático, isto é, não
formulado de maneira explícita e sistemática, na própria obra de Marx.
O conceito de modo de produção não deve, para Althusser, ficar
restrito à economia. Assim modificado, tal conceito se desprende da ter-
minologia original – a terminologia “modo de produção” sugere, tão so-
mente, a “maneira de produzir”, isto é a economia – e passa a abarcar além
da economia, a política e a ideologia. Chega-se a um conceito ampliado de
modo de produção. Essa ampliação tem pressupostos e consequências te-
óricas muito importantes. De um lado, ela fornece um novo instrumento
para a análise do conjunto da totalidade social, pensada agora como articu-
lação necessária da economia, da política e da ideologia, e, de outro lado,
essa ampliação é também um instrumento de crítica ao economicismo e
ao voluntarismo que foram, juntamente com o historicismo, tendências
muito presentes no marxismo do século XX.
Podemos nos perguntar se a expressão “modo de produção” não
se torna imprópria para o novo conceito que abarca, agora, a totalidade
social. A verdade é que embora Althusser tenha mantido a terminologia,
ele altera o conteúdo do conceito. Maria Turchetto avalia que Althusser,
atuando num campo intelectual hegemonizado pelo marxismo do Partido
Comunista Francês, tinha de manter a terminologia marxista tradicional
para não perder seus interlocutores; para avançar, sustenta a professora da
Universidade de Florença, Althusser precisaria, como no carnaval fiorenti-
no, “avançar mascarado” (TURCHETTO, 2006).
Althusser e seus seguidores concebem a sociedade como uma to-
talidade que articula três instâncias principais: economia, política e ideolo-
gia. Concebem cada uma dessas instâncias como estruturas particulares e
articuladas num todo que eles denominaram todo complexo a dominante
para indicar que uma das instâncias ou estruturas sempre domina na ar-
ticulação do todo. É nessa reflexão que Althusser elabora os conceitos de
determinação em última instância e sobredeterminação (MOTTA, 2012).
A instância econômica determinaria em última instância a totalidade so-
cial, não por ocupar, em qualquer modo de produção, o papel dominante,
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161
mas por ser ela que, em cada modo de produção, designaria qual instância
ocuparia a posição dominante. No feudalismo, por exemplo, e Althusser se
inspira numa famosa nota de rodapé de Marx em “O capital”, o baixo nível
de desenvolvimento das forças produtivas e a união do produtor direto aos
meios de produção – vinculação do servo à gleba – resultaria no fato de a
instância ideológica, representada fundamentalmente pela religião, ser a
instância dominante; já no capitalismo, a instância econômica seria simul-
taneamente determinante e dominante.
Até aqui, estamos no nível dos enunciados. Porém, a situação
muda quando examinamos a maneira como Althusser e os althusserianos
utilizam o conceito de modo de produção. Nesse caso, muitos autores e
trabalhos acabam se afastando da ideia de determinação em última instân-
cia pela economia e praticando uma análise que estabelece uma causação
recíproca entre economia, política e ideologia sem determinação funda-
mental de nenhuma delas (SAES, 1998).
Consideremos a análise que Poulantzas faz do Estado no seu já
citado livro “Poder político e classes sociais”. O Estado capitalista é apre-
sentado como condição para a reprodução das relações de produção capi-
talistas. Ou seja, o conceito de modo de produção não pode se restringir
à economia porque essa depende, para se reproduzir, da existência da su-
perestrutura jurídico-política. Embora o Estado capitalista e a sua função
não sejam objeto de uma análise sistemática de Marx em sua obra “O
Capital”, temos, em estado prático, algumas teses fundamentais que, se
desenvolvidas, permitem que cheguemos a tal. De fato, Marx mostra no
Livro I de “O Capital”, mais exatamente na passagem da segunda seção (“A
transformação do dinheiro em capital”) para a terceira seção (“A produção
da mais-valia absoluta”), que as relações entre o operário e o capitalista
como relações entre vendedor e comprador de mercadoria, só podem se
reproduzir no tempo de maneira relativamente pacífica devido ao papel
que desempenha o Estado burguês, particularmente o direito formalmente
igualitário típico desse tipo de Estado. No direito burguês, os proprietários
de mercadorias, inclusive o trabalhador que vende a sua força de trabalho,
aparecem, todos, como homens livres, iguais e trocando equivalentes. O
trabalhador assalariado é, de fato, juridicamente livre, o que o distingue
do escravo e do servo. A proclamação de liberdade é, como diria Althusser,
Jar Per (Or.)
162
uma alusão à realidade. Mas, essa mesma proclamação é, também e prin-
cipalmente, uma ilusão, na medida em que oculta a relação de exploração
e de dominação de classe. A existência do direito burguês, que é parte in-
tegrante do Estado, é, assim, concebida como condição para a reprodução
das relações de produção capitalistas. Daí, a necessidade de se ampliar o
conceito de modo de produção fazendo-o abarcar tanto a estrutura econô-
mica como a estrutura jurídico-política, isto é, fazendo-o abarcar as prin-
cipais estruturas da totalidade social.
Nicos Poulantzas, seguindo nessa trilha, apresentou o direito bur-
guês, formalmente igualitário à diferença do direito escravista e feudal, e as
instituições do Estado capitalista, regidas por regras que as colocam aparen-
temente acima das classes sociais, como necessários à reprodução das relações
de produção capitalistas. O direito isolaria, segundo Poulantzas, os agentes
da produção, ocultando aos seus próprios olhos seu pertencimento de classe,
e o Estado capitalista, graças à sua aparência universalista, poderia reunir os
agentes da produção, já isolados, num coletivo nacional imaginário, desvian-
do os produtores diretos da organização e da luta de classe. O desenvolvi-
mento das forças produtivas e a separação dos produtores diretos dos meios
de produção, condições econômicas inexistentes nos modos de produção
pré-capitalistas, permitiriam a existência do direito formalmente igualitário
e das instituições de Estado aparentemente universalistas e esses, por sua vez,
permitiriam a reprodução das relações de produção capitalistas. Ou seja, na
reprodução do capitalismo, economia, política e ideologia estariam vincula-
dos numa relação de condicionamento recíproco
2
.
Anunciada nas formulações gerais, a determinação em última
instância pela economia desapareceria, então, das análises efetuadas pelo
2
É interessante fazer uma comparação entre a crítica althusseriana e a crítica gramsciana do economicismo.
No plano mais geral, ambas as críticas se aproximam e são movidas pelo mesmo interesse em destacar o papel
da política e da ideologia. Foi o que possibilitou as inúmeras apropriações que Althusser, Poulantzas e outros
althusserianos fizeram da obra do marxista italiano que eles estudaram e contribuíram para difundir na França.
Contudo, há uma diferença a ser indicada. Gramsci valoriza a ação política e subestima, devido ao seu histo-
ricismo que descura a inércia das estruturas, a importância da estrutura política. É a revalorização da estrutura
política que permite a Althusser, diferenciando-se do marxismo predominante no século XX, reabrir, na década
de 1960, o marxismo para a análise das instituições políticas. Dizemos reabrir porque o marxismo clássico não
estava fechado para a análise dessas instituições. Na brochura em que Marx faz o balanço da Comuna de Paris
de 1871, intitulada “Guerra civil na França”, a tese central é que a organização institucional do Estado capitalista
não comporta o exercício do poder operário que necessitaria, para se afirmar, de uma forma organizativa nova.
No texto de Lênin “O que fazer?”, o autor estabelece uma relação necessária entre, de um lado, a organização
institucional do partido e, de outro, a sua linha política. A forma organizativa frouxa não comporta, para Lenin,
a aplicação de uma linha política de conteúdo revolucionário.
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
grupo althusseriano? Ora, a determinação em última instância pela econo-
mia é o que justifica denominar materialismo histórico a teoria marxista
das sociedades e da história, e essa denominação, cunhada pelos clássicos
do marxismo, é retomada pelo próprio Althusser. Décio Saes, efetuando
uma leitura original das cartas de Engels da década de 1890, nas quais
Engels apresenta a noção de determinação em última instância, sugere que
essa se dá, na verdade, apenas nos momentos de transição de um modo
de produção a outro (SAES, 1994). Seguindo a tese althusseriana segun-
do a qual a lógica da reprodução da sociedade é distinta da lógica da sua
transformação, teríamos o condicionamento recíproco das estruturas nos
períodos de estabilidade e reprodutibilidade e a determinação em última
instância pela economia nos períodos de transição. A determinação em
última instância seria uma lei restrita ao processo de mudança histórica.
A renovação do conceito de modo de produção, que passa a ser
concebido de maneira ampliada, altera muita coisa na análise histórica e
na teoria. O debate sobre o processo de transição ao capitalismo no Brasil
pode ser uma ilustração instrutiva a esse respeito. A grande maioria dos
autores que intervieram nesse debate, desde clássicos como Caio Prado
Jr. e Nelson Werneck Sodré, até importantes autores mais recentes como
Fernando Novaes e Jacob Gorender, todos, a despeito das grandes diferen-
ças que os separam nessa matéria, restringiram à estrutura econômica o
debate a respeito da formação do capitalismo no Brasil. As desavenças ver-
savam sobre a questão de saber o que seria fundamental para caracterizar o
modo de produção dominante na formação social brasileira: se o fato de a
produção se basear no trabalho escravo ou o fato de ela ser voltada para o
mercado capitalista europeu. Procederam assim, justamente, por entender
o conceito de modo de produção como um conceito restrito à economia.
A exceção nesse debate é justamente a pesquisa de inspiração poulantziana
de Décio Saes. Esse autor, operando com o suposto de que é a formação
de um Estado capitalista que permite a difusão e reprodução das relações
de produção capitalistas, isto é, trabalhando com a noção ampliada de
modo de produção, incluiu, de maneira pioneira, a questão da formação
do Estado burguês no Brasil no centro do debate sobre a transição ao capi-
talismo em nosso país (SAES, 1985). O resultado desse novo enfoque foi
abrir todo um campo novo de pesquisa e tornar muito mais complexo o
Jar Per (Or.)
164
debate sobre a revolução burguesa no Brasil. Não irei, aqui, reproduzir a
análise desse autor. Fica indicado, contudo, que Saes analisa, de maneira
rigorosa e cuidadosamente fundamentada, o caráter escravista do Estado
Imperial e caracteriza a Abolição da escravidão em 1888, a Proclamação
da República em 1889 e a promulgação da Constituição de 1891 como
etapas encadeadas do processo de revolução política burguesa no Brasil. O
resultado desse processo revolucionário é a formação do Estado capitalista
e a consequente liberação do desenvolvimento da economia capitalista no
Brasil. O marxismo desvencilha-se da análise economicista à qual pode ser
induzido quando utiliza a noção restrita de modo de produção.
A ampliação do conceito de modo de produção tem consequências
teóricas e políticas. Ela obriga, também, a pensar de maneira renovada o so-
cialismo. Esse deixa de ser apenas e fundamentalmente um tipo de economia,
caracterizado pela “estatização dos meios de produção e pelo planejamento”,
como o concebiam os marxistas ligados aos antigos partidos comunistas, ou
uma economia socializada que poderia conviver com um “Estado operário
burocratizado”, como afirmavam os trotskystas, para passar a ser pensado, o
socialismo, como um novo modo de produção que deve vincular, indissolu-
velmente, a socialização da economia, que é algo distinto de sua mera esta-
tização, com a socialização do poder, isto é, com uma democracia de massa
de novo tipo. Também no modo de produção socialista as estruturas condi-
cionam-se reciprocamente: não pode haver a socialização da economia sem
o novo tipo de democracia de massa e, por sua vez, esse tipo de democracia
só pode se manter se a economia estiver socializada, e não sob o controle de
proprietários privados dos meios de produção (BOITO, 2007).
4 A ESTRUTURA DETERMINA A PRÁTICA
Dissemos que o conceito ampliado de modo de produção afasta o
marxismo do reducionismo economicista e também da concepção volun-
tarista da história. Esperamos ter esclarecido um pouco o primeiro ponto.
Resta ver por que o voluntarismo está presente nesse debate.
Como o leitor pode ter depreendido na leitura do item anterior,
na reprodução do modo de produção (em sentido ampliado) há uma re-
lação funcional entre as diferentes instâncias – economia, política e ideo-
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165
logia. Para Althusser e seus seguidores a estrutura (econômica ou política)
determina a prática social dos agentes que seriam portadores das relações es-
truturais. É a tese da determinação estrutural, de resto, que permite pensar
a regularidade dos fatos sociais – das instituições, das práticas dos agentes
– e vislumbrar, assim, a explicação e previsão de tais fatos, isto é, conceber
o marxismo como ciência. Pois bem, se as estruturas regionais do modo
de produção contribuem para a reprodução do todo e determinam, no seu
conjunto, a prática dos agentes sociais, como, então, explicar a mudança
histórica? O marxismo althusseriano foi criticado por muitos que o con-
sideraram uma nova espécie de funcionalismo e, como tal, uma leitura do
marxismo incapaz de explicar a mudança. O marxismo historicista, que
ignora a inércia das estruturas e vê a história como mudança incessante, e
o marxismo humanista, que insiste na liberdade e na criatividade do ho-
mem, rejeitam a formulação que reduziria os homens, segundo entendem,
a meros repetidores de prescrições estruturais. Negar a consciência e a von-
tade humana, recusar o homem como sujeito da sua própria história, seria
o pecado irremissível do marxismo de Althusser.
Althusser procurou encaminhar uma resposta a essas críticas no seu
pequeno ensaio intitulado “Marx e o humanismo teórico” (ALTHUSSER,
1978b). A ideia que ele avançou, nesse texto da década de 1970, foi a ideia
segundo a qual as estruturas produziriam efeitos contraditórios – isto é,
tanto efeitos reiterativos da estrutura quanto efeitos inovadores e de alcan-
ce antiestrutural.
Assim, a formação social capitalista não se reduz unicamente à rela-
ção de produção capitalista, logo à sua infraestrutura. A exploração
de classe não pode durar, isto é, reproduzir suas condições sem o so-
corro da superestrutura, sem as relações jurídico-políticas e as relações
ideológicas, que são determinadas em última instância pela relação de
produção (Idem, 1978c, p. 164).
“E do mesmo modo que a luta capitalista cria, na produção, as con-
dições da luta da classe operária, da mesma maneira vemos as relações
jurídicas, políticas e ideológicas contribuírem para a sua organização e
consciência, por sua própria dominação” (Idem, p. 165).
Vemos que Althusser nessa resposta mantém a ideia de que a es-
trutura determina a prática, mas ele ressalva que a estrutura poderia de-
Jar Per (Or.)
166
terminar tanto a prática reiterativa (de manutenção da estrutura) quanto
a prática revolucionária (de destruição da estrutura). A estrutura do modo
de produção determinaria a sua reiteração e o seu contrário. Não descarta-
mos a possibilidade da existência de instituições que produzam efeitos con-
traditórios, porém, no que respeita à estrutura de um modo de produção,
essa solução não nos parece satisfatória, pelo menos quando apresentada
da forma como Althusser o faz no texto citado. Tal solução significaria que
a estrutura de um modo de produção conteria, desde sua origem, a contra-
dição que poderia levar à sua superação. Dessa perspectiva, o capitalismo
estaria no seu limite desde meados do século XIX, quando tinha se implan-
tado em parte do continente europeu
3
.
Não há dúvida de que as relações jurídicas e ideológicas do modo
de produção capitalista podem contribuir para a organização da luta rei-
vindicativa da classe operária. O direito burguês abre a possibilidade de os
produtores diretos organizarem e manterem permanentemente um movi-
mento revindicativo socialmente legítimo, estável e legal – o movimento
sindical – e esse mesmo direito capitalista pode estabelecer limites à ex-
ploração do trabalho assalariado. Nos modos de produção pré-capitalistas,
cujo direito estabelecia a desigualdade entre os agentes da produção negan-
do aos produtores diretos a condição de sujeitos de direitos, a existência de
um movimento reivindicativo estável e socialmente legítimo dos produ-
tores diretos, servos ou escravos, estava liminarmente excluída. (BOITO,
2007). Contudo, discorremos aqui sobre a luta reivindicativa e não sobre
a luta revolucionária. De fato, a luta reivindicativa dos trabalhadores pode
se apoiar no direito capitalista e, promovendo torções nesse direito, fazer
passar seus interesses econômicos. Se o próprio direito burguês apresenta
a relação entre empregador e empregado como uma relação contratual en-
tre partes livres e iguais, a organização e a luta coletiva dos trabalhadores
podem, torcendo o direito burguês, mas permanecendo ainda no seu ter-
reno, deslocar do trabalhador individual para um coletivo de trabalhadores
organizados – o sindicato – a função de renegociar esse contrato (BOITO,
2007). Contudo, do que se trata quando colocamos a questão da superação
da estrutura do modo de produção não é da luta reivindicativa, mas da luta
3
Convém lembrar que a perspectiva de que a revolução proletária estaria na ordem do dia já em 1848 é a pers-
pectiva estampada nas formulações gerais do “Manifesto do partido comunista” de Marx e Engels. Para uma
análise crítica dessa perspectiva do “Manifesto”, ver o Quartim de Moraes (1998).
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167
revolucionária, caso em que as torções do direito ou da ideologia burguesa
são insuficientes. Ao lutar por melhor remuneração da força de trabalho
apoiado nas normas do direito burguês, o trabalhador reitera a condição
de mercadoria da força de trabalho. A questão permanece, portanto, de
pé: como a classe operária pode organizar um movimento revolucionário
numa situação na qual as estruturas encontram-se funcionalmente integra-
das e determinam a prática dos agentes sociais?
5 COMO A PRÁTICA PODE DESTRUIR A ESTRUTURA?
A solução que o grupo althusseriano tinha encontrado na década
de 1960 para essa questão era, ao nosso entender, distinta daquela que foi
apontada por Althusser na década de 1970. Etienne Balibar, no texto que lhe
coube na obra coletiva “Para ler o Capital”, retomando o célebre “Prefácio
de 1859” que Marx escreveu para o livro “Contribuição à crítica da econo-
mia política”, procurou apresentar, sem romper com a ideia da determinação
estrutural, outra explicação para as causas da mudança histórica. (Althusser,
1965). Balibar entende que a contradição que abre a possibilidade de uma
prática revolucionária não é originária, isto é, não surge com o nascimento
do modo de produção, mas resulta do desenvolvimento das forças produ-
tivas. Somente na fase em que as relações de produção, como Marx afir-
mara no prefácio citado, se convertem em fator de inércia ou em entrave
para o desenvolvimento das forças produtivas, nessa fase estariam criadas
as condições para uma prática antiestrutural da “classe social ascendente”,
para retomarmos uma expressão de Gramsci. O elemento dinâmico seria o
desenvolvimento das forças produtivas que entrariam em contradição com
as relações de produção, não desde o surgimento do modo de produção,
mas apenas numa determinada etapa do seu desenvolvimento. Isso signi-
fica o seguinte: durante um período prolongado de tempo, que no caso da
Europa feudal se estendeu por cerca de dez séculos, a lógica da reprodução
se imporia, e isso se passaria assim fosse qual fosse a consciência e a vontade
da classe social potencialmente revolucionária – a burguesia na época feudal
ou a classe operária na época capitalista. No período em que ainda não se
desenvolveu o antagonismo entre as forças produtivas e as relações de pro-
dução, os operários somente poderiam ser vitoriosos, independentemente
de sua consciência e vontade, na luta por reformas. Durante tal período, a
Jar Per (Or.)
168
sociedade capitalista encontrar-se-ia, de fato, funcionalmente integrada, o que
não significa que não conheça mudanças, mas, apenas, que as mudanças se
dão no interior do próprio capitalismo. A situação de desequilíbrio surgiria
numa determinada etapa do desenvolvimento. Encaminhamento teórico se-
melhante a esse de Balibar, que, convém repetir, inspira-se diretamente no
“Prefácio de 1859”, é aquele oferecido por Bukárin para essa questão no seu
“Tratado de materialismo histórico”, o texto que despertou a veia polêmica
de Gramsci (BUKARIN, 1970).
A estrutura determina a prática, mas o desenvolvimento das for-
ças produtivas cria as condições para o surgimento da luta de classes e
essa luta, se a revolução faz-se vitoriosa, cria novas estruturas, iniciando
um período de transição que, se consolidado, cria uma nova situação de
equilíbrio estrutural. Na abordagem de Balibar, as mudanças econômicas
que se dão dentro do modo de produção devem ser caracterizadas como a
genealogia dos elementos necessários para a formação de um novo modo
de produção. Seguindo indicação de Tom Bottomore, poderíamos colo-
car o problema deste modo: as mudanças econômicas que resultam do
desenvolvimento do modo de produção criam grupos sociais novos com
novos interesses e novos valores que transcendem a estrutura do modo de
produção vigente. Foi o que aconteceu no período de declínio do feuda-
lismo, com o desenvolvimento do comércio de longa distância, das cida-
des e da manufatura; é o que pode acontecer com o capitalismo graças
à socialização das forças produtivas promovida pelo próprio capitalismo
em escala planetária. A socialização das forças produtivas, obra do próprio
desenvolvimento capitalista, gera o elemento que poderá criar a força so-
cial interessada na coletivização dos meios de produção (BOTTOMORE,
1965). Porém, a transição para um novo modo de produção não se inicia
com a gênese de elementos imprescindíveis para o novo modo de produ-
ção; ela se inicia apenas com uma mudança inicial no nível político – que
Balibar denomina “desajuste por antecipação” do político em relação ao
econômico. Fazendo uma leitura livre desse texto, diríamos: a mudança
no nível do Estado por intermédio da revolução política inicia o período
de transição. É esse desajuste por antecipação do político em relação ao
econômico que caracterizaria, no plano da totalidade social, os períodos de
transição (BOITO, 2007).
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169
Avaliamos que Althusser se afastou dessa formulação de Balibar
devido à conjuntura teórica e ideológica vivida pela esquerda francesa na
década de 1970. Balibar publicou o seu texto em 1965, antes da eclosão
da Revolução Cultural Chinesa iniciada em 1966. Ora, esse movimento
teve grande repercussão na França e deu origem a um novo tipo de críti-
ca ao modelo de capitalismo de Estado com bem-estar social vigente na
antiga URSS, modelo que era concebido pelos comunistas do PCF como
socialista – o denominado “socialismo real”. Inúmeros comunistas fran-
ceses foram atraídos pelo movimento e pela produção teórica provenien-
te da Revolução Cultural. Althusser foi muito influenciado pelos escritos
de Mao Zedong. O seu conceito de sobredeterminação, por exemplo, é
tributário, como o próprio Althusser indica, da análise teórica que Mao
empreende da contradição – os diferentes tipos de contradição, sua multi-
plicidade e articulação complexa na vida política e social (MOTTA, 2012).
Ocorre que um ponto importante da crítica chinesa ao modelo soviético de
socialismo era a concepção tecnicista que informava tal modelo, concepção
segundo a qual o socialismo resultaria do mero desenvolvimento das for-
ças produtivas. Os comunistas chineses passaram a enfatizar as relações de
produção e a necessidade de revolucionar as relações de produção para se
efetuar a transição socialista (VINCENT-VIDAL, 1980). Denominavam
criticamente a concepção soviética como a “teoria das forças produtivas”.
Alguns althusserianos e o próprio Althusser torceram, então, o bastão no
sentido oposto; acabaram abandonando o próprio conceito de forças pro-
dutivas. O resultado foi que em alguns textos da escola althusseriana a
reflexão sobre a transição ficou comprometida e a estrutura do modo de
produção pôde aparecer como barreira intransponível.
Retomemos a tese segundo a qual a estrutura determina a prá-
tica dos agentes que são os portadores da estrutura. Uma referência ao
Estado permitirá indicar algumas das consequências políticas dessa tese.
A estrutura do Estado feudal não comporta um governo capitalista, do
mesmo modo que a estrutura do Estado capitalista não comporta um go-
verno socialista. A estrutura do Estado impõe limites intransponíveis à ação
dos agentes governamentais. Independentemente de sua consciência e vonta-
de, os homens que ocupam o aparelho de Estado têm de dançar conforme
a música de sua estrutura. Para sermos breves, lembremos apenas que o
Jar Per (Or.)
170
Estado feudal impõe, por intermédio do seu direito, a vinculação do servo
à gleba e a sua subordinação pessoal ao senhor feudal, impedindo assim a
formação do mercado de trabalho e, portanto, o próprio desenvolvimento
do capitalismo; o Estado capitalista estabelece, devido à burocracia que o
caracteriza, uma barreira intransponível para o planejamento democrático
da economia e, portanto, para a própria socialização dos meios de produ-
ção (BOITO, 2007). O marxismo estrutural não torna impensável a tran-
sição para o socialismo, ele torna impensável a transição sem revolução.
6 A QUESTÃO DO SUJEITO HISTÓRICO
Uma tese de Althusser que gerou muita polêmica foi a tese se-
gundo a qual a história é um processo sem sujeito (ALTHUSSER, 1979a;
1973). Ao ler o item acima, o leitor pode ter se perguntado: se é uma classe
social que faz a revolução, então são os homens que transcendem, por in-
termédio de sua ação, a estrutura. Por que, então, não seriam os homens
os sujeitos da história?
Uma comparação entre o “Lições de filosofia da história de Hegel
e o “Prefácio de 1859” de Marx ajudará a esclarecer esse ponto (HEGEL,
1965). Tanto em Hegel como no Marx de 1859, o processo histórico é mo-
vido por forças que transcendem os homens, sua consciência e sua liber-
dade de ação. Em Hegel, o desenvolvimento do Espírito do mundo entra,
numa determinada etapa do seu desenvolvimento, em contradição com o
espírito do povo no qual ele se realizava; em Marx, o desenvolvimento das
forças produtivas entra, também numa etapa determinada, em contradição
com as relações de produção vigentes. A contradição só é superada, tanto
em Hegel quanto em Marx, pela ação dos homens. Porém, para Hegel, a
ação humana, embora imprescindível para a realização do Espírito, é ape-
nas o braço inconsciente do Espírito, enquanto para o Marx do Prefácio de
1859, os homens vivem o conflito entre as forças produtivas e as relações
de produção no terreno da ideologia e agem, mesmo sem o saber, para
resolver, por intermédio da luta política, esse conflito. Nos dois casos, por-
tanto, são os homens que fazem a história, mas em nenhum deles o fazem
como sujeitos da história.
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171
Essa constatação poderá parecer paradoxal às análises um tanto
apressadas do problema. De fato, em um artigo de crítica à obra de Louis
Althusser, Michael Löwy recorda ao leitor duas teses que Althusser de-
fendeu com igual insistência em diversos textos: a tese segundo a qual a
história é um processo sem sujeito e a tese segundo a qual são as massas que
fazem a história. Após alinhar, lado a lado, essas duas teses, Löwy pergunta,
com ironia, como é que um autor poderia sustentar, em boa lógica, que as
massas fazem a história e, ao mesmo tempo, que a história é um processo
sem sujeito? Pareceu-lhe tão óbvio ter descoberto uma contradição na obra
althusseriana, que ele se dispensou de demonstrar ao leitor a existência de
tal contradição e deu por encerrada sua argumentação (LÖWY, 1999).
Ora, o que estamos vendo nesses textos de Hegel e de Marx são diferentes
formas de conceber a história como resultado da ação dos homens, sem
que, por isso, os homens sejam os sujeitos da história (BOITO, 2007).
Em Hegel, portanto, poderíamos sustentar, embora mesmo esse
tema seja polêmico, que a história tem um sujeito, mas tal sujeito é o Espírito
universal, e não os homens que, apesar de tudo, a fazem (HYPPOLITE,
1995). Já no Marx de 1859, não há sujeito da história, porque a dinâmi-
ca da história é dada pelo desenvolvimento cego e espontâneo das forças
produtivas e também porque os homens que podem resolver a contradição
entre forças produtivas e relações de produção não são os homens em ge-
ral, mas os homens determinados pelo pertencimento estrutural à classe
revolucionária numa determinada etapa do desenvolvimento histórico. O
apropriado é denominar esses homens agentes históricos: eles fazem a his-
tória mas não como sujeitos da história.
Uma situação histórica determinada enseja o surgimento de agen-
tes que podem fazer a história, isto é, dirigir a mudança para um novo tipo
de sociedade. Mas esses agentes não são os homens em geral que, na suposta
condição de sujeitos dotados de consciência e liberdade de ação, desvenci-
lhar-se-iam das estruturas sociais e de seus constrangimentos. É uma parte
dos homens, aquela inserida na situação estrutural de classe revolucionária,
que, com a consciência que o momento histórico permite e viabilizando ten-
dências já contidas no próprio movimento histórico, podem produzir novas
estruturas de uma nova sociedade. A ação dos homens que integravam a clas-
se burguesa resolveu, à sua época, a contradição entre as forças produtivas em
Jar Per (Or.)
172
ascensão e as relações de produção feudais, embora tais homens imaginas-
sem lutar como sujeitos livres e conscientes que teriam decidido implantar
a igualdade e a liberdade. Os camponeses, que também são homens, nunca
lograram dirigir um processo revolucionário e somente os homens que inte-
gram a classe operária poderão, numa etapa determinada de desenvolvimen-
to do capitalismo, dirigir a revolução socialista. Esses operários irão fazê-lo
movidos por ideias e valores que não são de sua livre escolha, criações suas,
e nem figuras universais da justiça e da liberdade, mas, sim, ideias e valores
que o processo histórico vier a propiciar ao trabalhador coletivo numa deter-
minada etapa do desenvolvimento do capitalismo.
7 A RUPTURA EPISTEMOLÓGICA NA OBRA DE MARX
Uma tese de Althusser que provocou e provoca muita polêmica
é a tese que afirma existir uma ruptura epistemológica entre os escritos de
juventude – anotações inacabadas e jamais publicadas pelo próprio autor,
pequenos artigos jornalísticos e dois ou três ensaios publicados em 1844 e
1845 – e a obra de maturidade de Marx. Antes de expormos essa tese, vale
a pena fazer algumas observações.
Convém alertar que, para enfrentar essa discussão de maneira não
preconceituosa, é necessário abandonar a atitude dogmática que consisti-
ria em canonizar os textos de Marx. Necessitamos fazer uma leitura crítica
desses textos, assumindo a responsabilidade por separar o que deve e o que
não deve, dentre os escritos assinados por Marx, ser aceito como marxismo.
Tomar a assinatura de um autor como princípio de unidade da obra seria
um procedimento ingênuo. Durante décadas, desde a fundação da Primeira
Internacional, em 1864, até a dissolução da Terceira Internacional, em 1943,
o marxismo existiu, em partidos políticos e como movimento de ideias, sem
que fossem sequer conhecidos os escritos do jovem Marx. Tais trabalhos pas-
saram a ser publicados, e por algum tempo ainda tiveram pouca divulga-
ção, apenas na década de 1930. Trata-se, então, de verificar se os escritos
de juventude, dados a conhecer muito tardiamente, podem ser integrados,
sem provocar inconsistências e contradições teóricas e políticas, a um corpo
teórico e político já consolidado e reconhecido por todos como marxismo ou
se, ao contrário, são estranhos a tal teoria.
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
Superficialmente considerado, o problema poderia parecer me-
nor; poderíamos concluir que estamos diante de uma mera questão de
ênfase. De um lado, porque nenhum estudioso de Marx sustenta – que seja
do nosso conhecimento –, a tese de que todos os elementos dos escritos
de juventude, principalmente alguns de seus elementos mais específicos,
estejam presentes nas obras posteriores – as chamadas obras históricas do
final da década de 1840 e início da década de 1850 e, acima de tudo, “O
Capital”, cuja primeira edição data de 1867. Admitem-se amplamente,
portanto, descontinuidades teóricas e políticas entre os textos desses dois
períodos. Em segundo lugar, porque nenhum estudioso que conhecemos,
e nem mesmo Althusser, afirma que todos os elementos dos escritos de
juventude, principalmente alguns de seus elementos muito gerais, desapa-
reçam da obra de maturidade. Por exemplo, ignoramos quem negue que
tanto o jovem Marx quanto o Marx da maturidade pertençam à tradição
do pensamento filosófico, não do pensamento mítico, e à tradição do pen-
samento crítico, não do pensamento conservador. Apesar dessas concor-
dâncias secundárias, no fundamental não existe nenhum consenso. Onde,
então, se localiza precisamente o debate? Neste ponto: o pensamento do
jovem Marx evolui de maneira gradual e sem ruptura para o materialismo
histórico que irá surgir na obra de maturidade, essa representando o ponto
de chegada necessário de um desenvolvimento interno dos escritos ante-
riores, como pretende, por exemplo, György Lukács, ou, diferentemente,
o materialismo histórico nasce de uma ruptura com as ideias, conceitos e
teses presentes nos escritos anteriores, como afirma a tese da ruptura epis-
temológica lançada por Louis Althusser?
A tese de Althusser, anunciada inicialmente no texto Sobre o jo-
vem Marx publicado na coletânea “A favor de Marx”, parte do conceito de
problemática. A problemática é para o autor a “unidade profunda de um
pensamento” ou “o sistema de perguntas” a partir do qual todo autor cons-
trói sua teoria. A problemática localiza-se num nível mais profundo que o
nível da teoria, um mesmo sistema de perguntas podendo propiciar respos-
tas diferentes. Se parto da pergunta: “o que é o homem?”, posso responder,
numa linha pessimista e conservadora, que o homem é o lobo do homem e,
com base nessa resposta, construir toda uma teoria política que justifique,
à maneira de Hobbes, o poder político absoluto. Porém, partindo daquela
Jar Per (Or.)
174
mesma questão, posso, como Ludwig Feuerbach, oferecer uma resposta di-
ferente, afirmando que o homem é, na sua essência, amor, vontade e razão;
com base nessa resposta, abro a possibilidade de pensarmos uma espécie
de “comunismo filosófico” que permitiria aos homens realizarem aquilo
que aspiram devido à sua própria essência: o congraçamento comunitário
(FEUERBACH, 1997). A problemática, conjunto de pressupostos nem
sempre explicitados pelo autor, é uma estrutura que limita a sua prática
teórica, abrindo-lhe algumas possibilidades de reflexão e interditando-lhe
outras. Também na atividade teórica, é a estrutura que determina a prática.
O homem lobo do homem e o homem racional e amoroso são, em certa
medida, entidades distintas, mas, no fundo, têm algo importante em co-
mum: “o homem”, isto é, uma essência historicamente desencarnada que
é objeto de distintas especulações a respeito daqueles que seriam os seus
atributos essenciais. A teoria de Hobbes e a teoria de Feuerbach, embora
distintas, pertencem a uma mesma e única problemática, a problemática
que Althusser denomina problemática do humanismo teórico, em torno
da qual gira grande parte da filosofia e do pensamento social moderno e
contemporâneo. Como partes distintas de uma mesma problemática, tais
teorias têm em comum o fato de poderem refletir sobre o homem em geral
e de se encontrarem, ao mesmo tempo, impedidas de desenvolver uma
reflexão sistemática e consequente sobre a história.
A tese da ruptura epistemológica de Althusser afirma que os con-
ceitos e teses dos textos do jovem Marx da fase de 1843-1844 apoiam-se na
problemática do humanismo teórico e são caudatários, especificamente, do
humanismo de Feuerbach. Isabel Monal, em um artigo esclarecedor publi-
cado em “Critica Marxista” (MONAL, 2003), evidenciou a existência de
uma tríade conceitual que resume bem e em consonância com Althusser,
segundo o nosso entendimento, a metafísica humanista dos escritos do
jovem Marx de 1843-1844. Essa tríade seria composta pelas noções de a)
essência humana, b) alienação e c) emancipação humana. O homem teria
uma essência que seria dada pelo amor, pela aspiração ao congraçamen-
to comunitário. Por alguma razão, a sociedade, que nessa problemática é
pensada como composta por “homens”, impediria esse mesmo homem de
viver de acordo com sua essência. A sociedade estaria, estranha e inexpli-
cavelmente, em contradição com a natureza dos seus elementos compo-
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175
nentes. Tal fato levaria o homem a projetar sua essência em instituições
como a religião (Feuerbach) e o Estado (jovem Marx). Temos aí a aliena-
ção: o homem projeta a sua essência para fora de si mesmo e, ao fazê-lo,
perde-a ou a degrada. Feuerbach afirmava que o amor, a razão e a vontade
presentes como atributos na família celeste imaginada pela religião cristã
nada mais seriam que projeções da essência humana para fora do homem.
O jovem Marx, no texto “A questão judaica”, afirma que o coletivo ima-
ginário de cidadãos presentes no que ele denominava “Estado político
nada mais seria que a projeção ilusória do congraçamento comunitário
almejado pelos homens degradados e frustrados na guerra de todos contra
todos da sociedade civil (MARX, 1969). A emancipação humana seria o
ato por intermédio do qual o homem alienado recuperaria a sua essência,
libertando-se da religião e do Estado (BOITO, 2013). Ela é a resolução da
contradição entre essência e existência por intermédio de um movimento
de retorno à essência. O paradoxo é que o homem volta a ser algo que, de
fato, ele nunca foi, embora sempre devesse ter sido. O jovem Marx não
está afirmando que a emancipação humana permitiria o surgimento do
“homem novo”, homem do qual nos falaram os grandes revolucionários do
século XX; o que a emancipação humana, presente na “Questão judaica” e
nos “Manuscritos de 1844”, faz é trazer à luz o homem verdadeiro e único,
o homem de sempre, mas que, estranhamente segundo essa própria teoria,
nunca existiu.
A ruptura epistemológica ocorre porque nas obras de maturi-
dade, Marx abandona a problemática ideológica do humanismo teórico
e passa ao trabalho de construção de uma problemática nova, a proble-
mática do materialismo histórico. Da imputação arbitrária de atributos
essenciais ao gênero humano, passa-se à investigação histórica. No artigo
“Sobre o jovem Marx”, Althusser pensa tal ruptura como um aconteci-
mento concentrado no tempo. Mais tarde, no texto “A querela do huma-
nismo”, cuja tradução brasileira foi publicada na revista Crítica Marxista n.
9 (ALTHUSSER, 1999), ele apresentará essa ruptura como um processo
prolongado no tempo. Mas o essencial é esta questão: o que significa dizer
que Marx abandonou a problemática do humanismo teórico feuerbachia-
no para elaborar/assumir a problemática nova do materialismo histórico?
Significa, para dizê-lo de maneira sucinta, que ele mudou a pergunta. Suas
Jar Per (Or.)
176
obras históricas bem como “O capital” não partem, como o próprio Marx
afirma nas “Notas sobre Wagner”, do “homem”, mas sim do período his-
tórico dado (MARX, 1973). A pergunta “o que é o homem” foi substituída
por outra: o que é a história?
A partir desse ponto tudo passa a depender da investigação histó-
rica – inclusive uma definição de eventuais características gerais da espécie
humana deverá, agora, passar pelo crivo da investigação científica da his-
tória. Essa mudança da pergunta vai permitir uma mudança não menos
importante que é a mudança no nível da teoria. Marx vai dedicar-se, então,
à elaboração de um novo dispositivo conceitual, distinto do dispositivo
essência humana/alienação/emancipação humana”. Tal dispositivo novo,
que se encontrava ausente e que não poderia encontrar lugar nos textos
regidos pela problemática de juventude, reúne conceitos como modo de
produção, forças produtivas, relações de produção, luta de classes, ideolo-
gia, Estado de classe e revolução. A partir dessa ruptura, o Estado não é
mais concebido como alienação política no qual se projetariam – e se de-
gradariam – todos os homens alienados da sociedade civil, mas sim como
a instituição que organiza a dominação de classe; agora, não são mais os
homens em geral que se encontram alienados, ideia que fornecia a base
para o pensamento crítico do jovem Marx, mas uma parte dos homens,
aquela que vive a condição operária, que é explorada, e não “alienada de
si, da espécie e dos demais homens”. Portanto, não se trata mais da eman-
cipação humana, mas da revolução proletária. Para os homens da classe
dominante, tal revolução representará, na verdade, algo muito diferente de
uma emancipação.
No terceiro capítulo do Manifesto do partido comunista, intulado
“Literatura socialista e comunista”, que contém uma primorosa análise do
discurso ideológico, Marx e Engels, falando do socialismo alemão, escre-
vem o seguinte:
Nas condições alemãs, a literatura [socialista] francesa perdeu toda
significação prática imediata e tomou um caráter puramente literário.
Aparecia apenas como especulação ociosa sobre a realização da essência
humana. [...] Os literatos alemães [...] introduziram suas insanidades
filosóficas no original francês. Por exemplo, sob a crítica francesa das
funções do dinheiro, escreveram “alienação da essência humana”; sob a
crítica francesa do Estado burguês, escreveram “superação do domínio
L A
177
da universalidade abstrata”, e assim por diante. [...] E como nas mãos
dos alemães essa literatura tinha deixado de ser a expressão da luta
de uma classe contra a outra, eles se felicitaram [...] por terem [...]
defendido [...] não os interesses do proletário, mas os interesses do ser
humano, do homem em geral, do homem que não pertence a nenhu-
ma classe nem a realidade alguma e que só existe no céu brumoso da
fantasia filosófica. (MARX; ENGELS, 2005, p. 62-63).
Essa crítica de Marx e Engels à metafísica humanista é, também,
uma autocrítica de suas ideias e textos de juventude, conforme eles pró-
prios haviam afirmado tres anos antes em A ideologia alemã.
Na análise de Althusser, a ruptura epistemológica é a passagem do
terreno da ideologia para o terreno da ciência; a substituição da imputação
especulativa de uma essência humana ao homem pela pesquisa histórica. A
obra de maturidade, diferentemente dos escritos de juventude que se en-
contram no terreno do humanismo teórico que é, na verdade, o terreno da
ideologia, essa obra estabelece, com o novo dispositivo conceitual que per-
mite criar, as bases do materialismo histórico, isto é, da ciência da história.
8 CRITICA A LUKÁCS
Uma referência crítica à leitura que György Lukács faz dos escritos
de juventude de Marx permitirá compreender melhor a tese althusseriana e
evidenciar as diferenças teóricas existentes entre o marxismo estrutural de
Althusser e o marxismo lukacsiano
4
.
György Lukács reconhece que há diferenças teóricas entre os es-
critos do jovem Marx e a obra de maturidade. Essas diferenças distinguem,
principalmente, o jovem Marx de 1841-1842 do Marx da maturidade.
Lukács aponta também as diferenças políticas, reconhecidas por quase to-
dos os estudiosos da matéria – a começar por Aguste Cornu (1958) – entre
os dois períodos de Marx: ele teria transitado de uma posição democrática
revolucionária para uma posição comunista. A polêmica se instaura na ca-
racterização e análise da mudança teórica que teria ocorrido na passagem
dos escritos de juventude para a obra de maturidade e, particularmente, na
4
Retomo neste ponto algumas das ideias que desenvolvi no meu artigo “Emancipação e revolução: crítica à
leitura lukacsiana do jovem Marx” (BOITO, 2013).
Jar Per (Or.)
178
análise da relação dos escritos de 1843-1844 com a obra de maturidade.
Lukács considera – e é aí que incidirá a nossa crítica – que os escritos de
1843-1844 já trazem aquilo que ele chama de “concepção de mundo” de
Marx, “concepção de mundo” que Marx irá, segundo Lukács, “aprofun-
dar no plano filosófico, econômico e histórico” no período de maturidade
(LUKACS, 2009, p. 179).
O método de leitura de Lukács concebe a historia das ideias de
Marx, principalmente a partir de 1842/3, como uma evolução linear, gra-
dual, necessária e sem ruptura. Ele fala de uma evolução na qual cada uma
das fases prenunciaria, embrionariamente, a fase seguinte, para qual a fase
anterior teria de, necessariamente, evoluir. Nesse desenvolvimento interno,
que se passa todo ele no plano das ideias, Marx teria chegado, finalmente,
ao materialismo histórico.
No início de 1842, Marx – ao identificar-se com Feuerbach, por um
lado, e, por outro, ao propor uma crítica da filosofia do direito de
Hegel – tomou o caminho que, nos anos seguintes, irá levá-lo inevita-
velmente à fundação do materialismo histórico. A partir desse momen-
to, seu caminho solitário para além dos resultados mais importantes da
filosofia alemã [...] não pode mais ser freado (Lukács, 2009, p. 133).
Lukács apresenta os conceitos dos escritos juvenis como ances-
trais deste ou daquele conceito ou tese da obra de maturidade – tal concei-
to dos textos de juventude seria o “germe” ou o “embrião” deste ou daquele
conceito da obra de maturidade. Tal procedimento pode ser denominado
analítico”. De fato, esse método de leitura destaca e isola um ou outro
elemento da obra de juventude e o aproxima, arbitrariamente, de outro
elemento, também devidamente destacado e isolado, da obra de maturida-
de. Não deixa de ser surpreendente ver Lukács, o teórico que tanto insiste
na ideia de totalidade, proceder desse modo: separar o conceito do con-
texto teórico no qual ele foi produzido e no qual ele adquire sentido para
transportá-lo para outro contexto que lhe é estranho. Um exemplo dos
resultados que se obtém com esse procedimento é a análise que Lukács faz
ao apresentar como equivalentes, de um lado, o par conceitual “emancipa-
ção política/emancipação humana”, presente nos escritos de 1843 e 1844,
e, de outro lado, o par “revolução burguesa/revolução comunista”, que é
característico da obra de maturidade de Marx.
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179
Já indicamos que o conteúdo e os contextos teóricos desses con-
ceitos são diferentes. A emancipação humana é um conceito inseparável da
tríade conceitual essência/alienação/emancipação que caracteriza a proble-
mática juvenil de 1843-1844, e, por isso, tal emancipação é pensada como
um retorno de todos os homens à sua verdadeira essência, enquanto a re-
volução proletária é inseparável do dispositivo conceitual que reúne forças
produtivas, relações de produção, luta de classes e outros conceitos caracte-
rísticos da obra de maturidade e, por isso, tal revolução é pensada como a
substituição da classe social no poder, o ponto inicial para a transição para
uma nova sociedade. Emancipação em um caso, revolução no outro: o
conteúdo da mudança, o seu agente, os seus beneficiários e o seu resultado
são diferentes no primeiro e no segundo conceito. A descontextualização
de tais conceitos leva a um entendimento superficial dos seus conteúdos.
É somente em decorrência desse erro que se pode chegar a afirmar que tais
conceitos seriam equivalentes.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O marxismo estrutural de Louis Althusser fez escola. Porém, mais
tarde, com a crise do movimento socialista e o recuo do pensamento mar-
xista, essa escola se dispersou. Nas décadas de 1960 e 1970, a obra de
Althusser inspirou de maneira direta ou indireta muitas pesquisas na França
e em outros países. Caberia citar o cientista político Nicos Poulantzas e
sua produção sobre o Estado capitalista, antropólogos como Emmanuel
Terray, Claude Meillassoux e Maurice Godelier e suas pesquisas sobre as
sociedades primitivas, sociólogos da educação como Christian Baudelot
e Roger Establet e sua teoria da escola capitalista, a pesquisa histórica de
Charles Bettelheim sobre a história da antiga União Soviética e sobre a
problemática da transição ao socialismo, o trabalho do linguista Michel
Pêcheux, os estudos marxistas do direito empreendidos por Michel Miaille
e por Bernard Edelman e muitos outros. Na América Latina, caberia lem-
brar Marta Harnecker, autora do manual intitulado “Los conceptos elemen-
tales del materialismo histórico (1972), que prestou muitos serviços para
a formação de jovens marxistas nos países latino-americanos. No Brasil,
Luiz Pereira, professor já falecido de sociologia da USP, incorporou parte
significativa da reflexão althusseriana. Décio Saes desenvolveu uma leitura
Jar Per (Or.)
180
própria e original dessa obra, aplicando-a de modo criativo, como já indi-
camos, na análise do processo de revolução burguesa no Brasil. Atualmente
a obra de Althusser é mais estudada nos EUA. Além do seu marxismo
estrutural, tem sido objeto de pesquisa e debate o “último Althusser”, isto
é, aquele que, na nossa avaliação, abandona o materialismo histórico pelo
materialismo aleatório.
Faz parte do legado de Althusser a ideia fundamental de que o
marxismo como ciência deve ser submetido à prova da crítica teórica e da
pesquisa empírica. Os althusserianos têm pela frente todo um programa de
trabalho. Podem recuperar os textos produzidos por essa corrente nas dé-
cadas de 1960 e 1970 sobre a teoria da história, a economia, a transição ao
socialismo, o direito, a política, o sistema escolar, a antropologia e outros
aos quais já nos referimos para, por intermédio de um trabalho crítico, de-
senvolver pesquisas novas que permitam chegar a um marxismo renovado.
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
UMA RUPTURA
DECLARADA
Jair PINHEIRO
1
Em dois artigos intitulados “Les manifestes philosophiques de
Feuerbach” e “Sur le jeune Marx (questions de théorie)”, Althusser formulou
a tese da ruptura epistemológica entre o período de juventude e o de ma-
turidade
2
de Marx; tese segundo a qual Marx teria transitado da problemá-
tica da antropologia filosófica para uma teoria da história. Não é exagero
afirmar que a adequada compreensão da leitura de Marx por Althusser é
inviável sem essa tese; talvez por isso ela tenha sido objeto das mais viru-
lentas críticas, seguidas de silêncios e imprecações sobre o filósofo francês.
Entre os argumentos preferidos pelos críticos, merecem menção
os de que Althusser teria: 1) inventado tal ruptura, não identificável nos
textos do próprio Marx (SANTOS, 2012); 2) adotado o positivismo lógico
como método (COUTINHO, 2010); 3) substituído o processo histórico
por estrutura (SILVEIRA, 1978); 4) adotado a moda estruturalista dos
anos de 1960 (PRADO JR., 1971). Esses argumentos fazem supor mui-
tas coisas. Não abordarei cada uma das suposições possíveis porque isto
exigiria um trabalho com o escopo mais amplo de uma crítica da crítica,
indicando falhas e erros de interpretação dos textos do filósofo francês,
1
Professor do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da UNESP/Marília e pesquisador do Núcleo
de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais (NEILS) e do grupo CPMT – Cultura e Política do Mundo do
Trabalho. pinheiroj@uol.com.br
2
A periodização completa de Althusser é juventude, transição, maturação e maturidade; por comodidade me
limitarei à fórmula já consagrada juventude/maturidade, apesar do risco de simplificação que ela comporta.
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p7-12
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p7-12
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p183-212
Jar Per (Or.)
184
omissões e identificações forçadas com autores que os críticos afirmam se-
rem matriz de Althusser, ainda que ele mesmo não os inclua entre suas
fontes. Para o objetivo modesto de indicar a ruptura nos textos do próprio
Marx e a leitura que Althusser faz dela, limito-me à suposição que atravessa
todos esses argumentos: a de que a ruptura operada por Marx seria uma
opção simples entre alternativas dadas num cardápio. Para desconstruir a
hipótese do cardápio cite-se Althusser (2015, p. 35) mesmo:
Poder-se-ia dizer, em outros termos, que Marx, naquele tempo, não
fez mais do que aplicar a teoria da alienação, ou seja, da “natureza
humana” feuerbachiana, à política e à atividade concreta dos homens,
antes de estendê-la (em grande parte) nos Manuscritos à economia po-
lítica. Importa reconhecer a origem desses conceitos feuerbachianos,
não para resolver tudo por uma constatação de atribuição (eis o que
pertence a Feuerbach, eis o que pertence a Marx), mas para não atri-
buir a Marx a invenção de conceitos e de uma problemática que ele
apenas toma emprestados. [...]. Creio que a comparação dos Manifestos
com as obras de juventude mostra muito evidentemente que Marx li-
teralmente desposou durante dois ou três anos a própria problemática
de Feuerbach: que ele se identificou profundamente com ela e que, para
compreender o sentido da maioria das afirmações deste período – mes-
mo daquelas a matéria da reflexão ulterior de Marx (por exemplo, a
política, a vida social, o proletariado, a revolução etc., as quais, em
decorrência disso, poderiam parecer justificadamente marxistas –, é
preciso situar-se no âmago dessa identificação, aprendendo bem todas
as suas consequências e implicações teóricas. Essa exigência me parece
capital, pois se é verdade que Marx desposou toda uma problemática,
sua ruptura com Feuerbach, a famosa “liquidação de nossa consciência
filosófica de outrora”, implica a adoção de uma nova problemática, que
bem pode integrar certo número de conceitos da antiga, mas num todo
que lhe confere uma significação radicalmente nova.
Portanto, sem margem para dúvidas, a ruptura a que se refere
Althusser consistiu na adoção de uma nova problemática, algo muito distinto
da opção entre diferentes abordagens no interior da mesma problemática:
a da garantia do conhecimento por um sujeito que assegura as condições
de possiblidade do próprio conhecimento. Por isso Althusser confronta essa
nova problemática com uma pergunta retórica provocante a respeito da pro-
blemática da garantia do conhecimento, se esta não trataria de encenar:
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185
[...] os personagens indispensáveis neste cenário: uma consciência filo-
sófica (que deixa de colocar a questão dos seus títulos, de seu lugar e de
sua função, já que ela é a seus próprios olhos a Razão mesma, presente
desde a Origem em seus objetos, jamais tendo de lidar senão consigo
em sua própria questão, ou seja, colocando a questão da qual ela é a
resposta obrigatória antecipada), colocando à consciência científica a
questão das condições de possiblidade de sua relação de conhecimento
com seu objeto? (ALTHUSSER, 1996a, p. 59).
Voltarei a esta diferença entre a problemática da história e a da
garantia do conhecimento mais adiante. Para fazer frente aos argumentos
da crítica, ainda que indiretamente, já que não os abordo um a um e,
com isso, repor a tese de ruptura epistemológica, meu propósito é uma
tarefa bastante modesta, que consiste em identificar na própria obra de
Marx as marcas da ruptura (posicionamentos, declarações, mudança de
problemática, formulações metodológicas e/ou teóricas) e cotejá-las com
formulações de Althusser que nelas se baseiem ou que com elas guardam
afinidades. Dado esse modesto objetivo, o texto ora apresentado é menos
que um ensaio, pois se constitui praticamente de uma recensão de textos
na primeira seção, embora encadeados de acordo com uma leitura inspira-
da pelo próprio Althusser e; na segunda, uma breve exposição da concep-
ção epistemológica contida no texto que abre a coletânea “Lire Le Capital.
POSICIONAMENTO
Em junho de 1847, no prólogo para “A miséria da filosofia”,
Marx afirma que Proudhon,
[...] na França, tem o direito de ser um mau economista, porque passa
por ser um bom filósofo alemão. Na Alemanha, tem o direito de ser um
mau filósofo, porque passa por ser um dos mais vigorosos economistas
franceses. Nós, na qualidade de alemão e economista ao mesmo tempo,
quisemos protestar contra esse duplo erro. [...] O leitor compreenderá
que, nesta ingrata tarefa, frequentemente fomos obrigados a abandonar
a crítica ao senhor Proudhon para fazê-la à filosofia alemã e, simulta-
neamente, para tecer algumas breves considerações sobre a economia
política (1985, p. 35).
Jar Per (Or.)
186
Embora este prólogo não seja demonstrativo da ruptura episte-
mológica, ele indica tal ruptura, na medida em que – diz o autor –, para
criticar a obra precisou recorrer à crítica ao método hegeliano que a embasa
(ainda que mal utilizada), além de Marx referir-se positivamente a esta
crítica catorze anos depois.
A DECLARAÇÃO DA RUPTURA
No prefácio à “Contribuição para a crítica da economia políti-
ca”, tantas vezes citado, Marx declara a ruptura e indica a data em que ela
ocorreu:
Friedrich Engels [...] se veio estabelecer também em Bruxelas, resolve-
mos trabalhar em conjunto, a fim de esclarecer o antagonismo entre
a nossa maneira de ver e a concepção ideológica da filosofia alemã;
tratava-se de facto de um ajuste de contas com a nossa consciência
filosófica anterior. Este projeto foi realizado sob a forma de uma crí-
tica da filosofia post-hegeliana. [...]. Os pontos decisivos das nossas
concepções foram cientificamente esboçados pela primeira vez, ainda
que de forma polêmica, no meu texto contra Proudhon publicado em
1847: Miséria da Filosofia etc., (MARX, 1971, p. 30 – Grifos nossos).
A não ser por um estranho desvio semântico pelo qual as expres-
sões “o antagonismo entre a nossa maneira de ver e a concepção ideológica
da filosofia alemã”, “nossa consciência filosófica anterior” e “pela primeira
vez” deixam de indicar a passagem de uma visão anterior para outra, qua-
litativamente diferente, passando a significar que a anterior se transformou
na atual por um desenvolvimento interno, como uma espécie de agregação
de novos complexos num processo de complexificação, como se a diferença
entre uma e outra fosse apenas de insuficiência; o que Marx faz neste pre-
fácio é informar a ruptura entre sua visão anterior e a que adotara a partir
de “A ideologia alemã” e “A miséria da filosofia”.
Entretanto, essas obras são apenas referidas neste prefácio, para
conhecer a natureza da ruptura que elas representam é preciso ir à fonte.
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187
MUDANÇA DE PROBLEMÁTICA: NATUREZA DA RUPTURA
A detecção da natureza de uma ruptura que consiste em uma
mudança qualitativa entre duas visões exige o cotejamento dos textos nos
quais aparecem tais visões, extraindo deles o sentido da ruptura. Como
Althusser considera “A ideologia alemã” um texto de transição, no qual
Marx demarca o distanciamento que toma em relação à visão que susten-
tara nos “Manuscritos econômicos filosóficos” e indica, pela primeira vez,
sua mudança de problemática, enquanto os críticos de Althusser costu-
mam estabelecer uma linha de continuidade entre os “Manuscritos” e “O
Capital”, começo pelo cotejamento dos dois textos.
Nos “Manuscritos”, Marx elogia Feuerbach:
A crítica da economia nacional deve, além do mais, assim como a crí-
tica positiva em geral, sua verdadeira fundamentação às descobertas
de Feuerbach. De Feuerbach data, em primeiro lugar, a crítica positiva
humanista e naturalista. Quanto menos ruidosa, tanto mais segura,
profunda, extensa e duradoura é a eficácia dos escritos Feuerbachianos,
os únicos nos quais – desde a Fenomenologia e a Lógica, de Hegel – se
encontra uma efetiva (Wirkliche) revolução teórica (2006, p. 20).
Em “A ideologia alemã” o desanca:
É certo que Feuerbach tem em relação aos materialistas “puros” a grande
vantagem de que compreende que o homem é também “objeto sensível”;
mas, fora o fato de que ele apreende o homem apenas como “objeto
sensível” e não como “atividade sensível” – pois se detém ainda no plano
da teoria –, e não concebe os homens em sua conexão social dada, em
suas condições de vida existentes, que fizeram deles o que eles são, ele
não chega nunca até os homens ativos, realmente existentes, mas per-
manece na abstração “o homem” e não vai além de reconhecer no plano
sentimental o “homem real, individual, corporal”, isto é, não conhece
quaisquer outras “relações humanas” “do homem com o homem” que
não sejam as do amor e da amizade, e ainda assim idealizadas. Não nos
dá nenhuma crítica das condições de vida atuais. Não consegue nun-
ca, portanto, conceber o mundo sensível como atividade sensível, viva e
conjunta dos indivíduos que o constituem, e por isso é obrigado, quan-
do vê, por exemplo, em vez de homens sadios um bando de coitados,
escrofulosos, depauperados e tísicos, a buscar refúgio numa “concepção
superior” e na “ideal igualização no gênero”; é obrigado, por conseguin-
te, a recair no idealismo justamente lá onde o materialista comunista vê a
Jar Per (Or.)
188
necessidade e simultaneamente a condição de uma transformação, tanto
da indústria como da estrutura social.” (2007, p. 32).
Marx conclui essas observações críticas com a afirmação de que
“Nele [em Feuerbach], materialismo e história divergem completamente
(MARX, 2007), enumerando em seguida três pressupostos que operam
tanto como condições da história quanto do conhecimento dela. Circula
nos meios marxistas um argumento que se pode opor a este cotejamento,
o de que Marx, ao declarar que abandonou este texto à crítica roedora dos
ratos, não lhe deu importância bastante na formação do seu pensamento,
por certo uma leitura conveniente do famoso prefácio, pois tal abandono
deveu-se a que a crítica já havia cumprido o objetivo visado pelos autores:
o de acerto de contas com sua antiga consciência filosófica, como eles mes-
mos deixam claro.
O contraste entre a história como problemática filosófica nos
“Manuscritos”, qualitativamente distinta da problemática de como os ho-
mens fazem história, formulada em “A ideologia alemã”, pode lançar luz
sobre esse acerto de contas. Nos “Manuscritos”, a consciência e suas cate-
gorias lógicas põem a história.
O homem enquanto ser objetivo sensível é, por conseguinte, um pade-
cedor, e, porque é um ser que sente o seu tormento, um ser apaixonado.
A paixão (Leidenschaft, Passion) é a força humana essencial que cami-
nha energicamente em direção ao seu objeto. [...] Mas o homem não
é apenas um ser natural, mas ser natural humano, isto é, ser existente
para si mesmo (für sich selbst seiendes Wesen), por isso ser genérico, que,
enquanto tal, tem de atuar e confirmar-se tanto em seu ser quanto em
seu saber. Consequentemente, nem os objetos humanos são os objetos
naturais assim como estes se oferecem imediatamente, nem o sentido
humano, tal como é imediata e objetivamente, é sensibilidade humana,
objetividade humana. A natureza não está, nem objetiva nem subjeti-
vamente, imediatamente disponível ao ser humano de modo adequado.
[...] E como tudo o que é natural tem de começar, assim também o ho-
mem tem como seu ato de gênese a história, que é, porém, para ele, uma
[história] sabida e, por isso, enquanto ato de gênese com consciência,
é ato de gênese que se supra-sume (sich aufhebender Entstehungsakt).. A
história é a verdadeira história natural do homem. [...] Terceiro, porque
este pôr a coisidade mesma é só uma aparência, um ato que contradiz
a essência da atividade pura, ele necessita ser mais uma vez supra-su-
mido, e a coisidade negada. [...] ad 3, 4, 5, 6. – 3.) Esta exteriorização
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189
(Entäusserung) da consciência tem significado não apenas negativo, mas
também positivo e, 4) este significado positivo não apenas para nós ou
em si, mas sim para ela, para a própria consciência. 5) Para ela, o ne-
gativo do objeto ou o supra-sumir dele a si próprio tem o significado
positivo, ou seja, ela sabe esta nulidade do mesmo, porque ela própria
se exterioriza, pois nesta exteriorização ela se sabe como objeto ou sabe
o objeto como a si mesma por causa da inseparável unidade do ser-pa-
ra-si. 6) Por outro lado, está aqui presente, ao mesmo tempo, o outro
momento: que ela também igualmente supra-sumiu e recuperou den-
tro de si esta exteriorização e objetividade, e está, portanto, junto de si
em seu ser-outro enquanto tal (Anderssein als solchem bei sich) (MARX,
2006, p. 128).
Em “A ideologia alemã” novamente, a produção dos meios de
vida é o primeiro ato histórico:
[...] devemos começar por constatar o primeiro pressuposto de toda a
existência humana e também, portanto, de toda a história, a saber, o
pressuposto de que os homens têm de estar em condições de viver para
poder “fazer história” (nota suprimida). Mas, para viver, precisa-se, an-
tes de tudo, de comida, bebida, moradia, vestimenta e algumas coisas
mais. O primeiro ato histórico é, pois, a produção dos meios para a sa-
tisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, e este
é, sem dúvida, um ato histórico, uma condição fundamental de toda a
história, que ainda hoje, assim como há milênios, tem de ser cumprida
diariamente, a cada hora, simplesmente para manter os homens vivos.
[...]. A primeira coisa a fazer em qualquer concepção histórica é, por-
tanto, observar esse fato fundamental em toda a sua significação e em
todo o seu alcance e a ele fazer justiça. [...]. O segundo ponto é que a
satisfação dessa primeira necessidade, a ação de satisfazê-la e o instru-
mento de satisfação já adquirido conduzem a novas necessidades – e
essa produção de novas necessidades constitui o primeiro ato histórico
[...]. A terceira condição que já de início intervém no desenvolvimen-
to histórico é que os homens, que renovam diariamente a sua vida,
começam a criar outros homens, procriar – a relação entre homem e
mulher, entre pais e filhos, a família. Essa família, que no início cons-
titui a única relação social, torna-se mais tarde, quando as necessidades
aumentadas criam novas relações sociais e o crescimento da população
gera novas necessidades, uma relação secundária (salvo na Alemanha)
e deve, portanto, ser tratada e desenvolvida segundo os dados empíri-
cos existentes e não segundo o “conceito de família” como se costuma
fazer na Alemanha. Ademais, esses três aspectos da atividade social não
devem ser considerados como três estágios distintos, mas sim apenas
como três aspectos ou, a fim de escrever de modo claro aos alemães,
Jar Per (Or.)
190
como três “momentos” que coexistiram desde os primórdios da história
e desde os primeiros homens, que ainda hoje se fazem valer na história
(MARX, 2007, p. 32-34).
Essa visão de história não cessa de reaparecer nos escritos pos-
teriores com novas e enriquecedoras formulações teóricas resultantes das
pesquisas empreendidas por Marx. Enfim, de forma resumida, a história
deixa de ser exteriorização da consciência de um sujeito filosófico para ser
produção e reprodução das condições de vida. Ainda que se admita, com
Fischbach (2014), que permanece subjacente à análise histórica de Marx
um filosofar, a consciência e suas categorias lógicas, tal como formuladas
nos “Manuscritos
3
, não apenas deixam de ser explicativas, como também
se tornam um impedimento para a compreensão adequada da história,
como formulado em “A ideologia alemã”.
Assim, o que explica a passagem do elogio à crítica severa a
Feuerbach é a substituição da problemática da “alienação do homem” (a
questão teórica, da garantia do conhecimento, e a política da desaliena-
ção), para a das “condições em que o homem faz história”, que dominará
os escritos posteriores.
FORMULAÇÕES METODOLÓGICAS E TEÓRICAS
Como é sabido, Marx não legou à posteridade as poucas pági-
nas que pretendia escrever sobre a dialética. Curiosamente, na falta delas,
muito se tem escrito sobre o método de Marx. Ainda assim vale a pena
percorrer suas formulações metodológicas e teóricas segundo a perspectiva
da adoção de uma nova problemática. Comecemos por aquelas em que ele
demarca sua diferença em relação a Hegel.
Em carta a seu amigo Kugelman, de 06 de março de 1868, Marx
diz: “[...] meu método de desenvolvimento não é hegeliano, uma vez que
sou materialista e Hegel é idealista. A dialética de Hegel é a forma básica de
toda dialética, mas somente depois que ela foi extirpada de sua forma místi-
3
Advirta-se que Fischbach submete os “Manuscritos” a uma leitura espinosana, empresa estranha entre nós e
que não será objeto de apreciação aqui.
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191
ca, e isto é precisamente o que distingue meu método”. No posfácio de “O
Capital”, de 24 de janeiro de 1873, Marx dá mais ênfase a essa diferença:
Por sua fundamentação, meu método dialético não só difere do hege-
liano, mas é também a sua antítese direta. Para Hegel, o processo de
pensamento, que ele, sob o nome de ideia, transforma num sujeito
autônomo, é o demiurgo do real, real que constitui apenas sua mani-
festação externa. Para mim, pelo contrário, o ideal não é nada mais que
o material, transposto e traduzido na cabeça do homem.
Para a tarefa aqui proposta, importa destacar que 1) a dialética
marxiana é materialista, a antítese direta da dialética hegeliana e, 2) o senti-
do de materialista como antítese de idealista não remete a um ente material
que substituiria a ideia no desenvolvimento dialético, o que desautoriza a
substituição da ideia por homem, real, classe ou qualquer outra coisa no
desenvolvimento da dialética marxista, tampouco resolve o problema subs-
tituir a ideia pela história, pois o estudo da história exige a definição do
conceito que permite a apropriação cognoscitiva dela (objeto da segunda
seção); longe disso, este sentido é designado pela afirmação de que “o ideal
não é nada mais que o material, transposto e traduzido na cabeça do ho-
mem”. Certamente não é óbvio como esse material é “transposto e traduzi-
do na cabeça do homem”, tampouco essa cabeça é um espelho que reflete
passiva e fielmente os objetos exteriores. Para resolver a questão, recorro
às formulações teórico-metodológicas nas quais Marx indica a abstração
como método de apreensão do real.
A abstração é um exercício de intelecção e obedece a uma finali-
dade prática, não da natureza, que não tem finalidade, nem do indivíduo
4
isolado porque embora este realize abstrações com relação a fins, a identi-
ficação entre finalidades subjetivas dos indivíduos e uma finalidade social,
ou a dedução de uma finalidade social das finalidades individuais, implica
conceber um sujeito transcendental, explicação em última instância das
relações sociais. Em Marx, a abstração que visa essa finalidade de conhe-
cimento envolve a da satisfação das necessidades prático-materiais através
da produção e reprodução das condições de produção e reprodução da
4
Para evitar que esta negação afirme sub-repticiamente o que nega, um ente abstrato sede do pensamento, é
preciso pressupor desde já que o indivíduo empírico que realiza o exercício de intelecção, o realiza na condição
de suporte das estruturas constituídas pelo conjunto das relações sociais de produção.
Jar Per (Or.)
192
vida social sob relações sociais de produção historicamente determinadas.
Advirta-se, entretanto, que a palavra abstração aparece nos textos de Marx,
dependendo do objeto com que ele se ocupa, tanto com sentido negativo
(inadequado) como positivo (adequado), quanto ao método científico.
No contexto da crítica a Proudhon, Marx faz uma crítica a Hegel
na qual a abstração aparece como método de apreensão do real, mas, tanto
em um como no outro, trata-se de uma abstração inadequada por duas
razões: 1) uma abstração que se supõe abstração pura, extraída da própria
ideia, e, por isso, 2) deduz das categorias lógicas abstraídas do real (consi-
deradas produtos do pensamento puro) novas categorias lógicas que aca-
bam por se transformar numa metafísica.
Da mesma forma como, à força da abstração, transformamos todas as
coisas em categorias lógicas, basta-nos somente abstrair todo caráter
distintivo dos diferentes movimentos para chegar ao movimento em
estado abstrato, ao movimento puramente formal, à fórmula puramen-
te lógica do movimento. Se se encontra nas categorias lógicas a subs-
tância de todas as coisas, imagina-se encontrar na fórmula lógica do
movimento o método absoluto, que tanto explica todas as coisas como
implica, ainda, o movimento delas.
É deste método absoluto que Hegel fala, nestes termos: “O método é
a força absoluta, única, suprema, infinita, a que nenhum objeto pode-
ria resistir; é a tendência da razão a reencontrar-se e reconhecer-se em
todas as coisas.
5
Reduzidas todas as coisas a uma categoria lógica e todo movimento,
todo ato de produção ao método, a consequência natural é a redu-
ção de qualquer conjunto de produtos e de produção, de objetos e de
movimento a uma metafísica aplicada. O que Hegel fez em relação
à religião, ao direito, etc., o Sr. Proudhon procura fazer em relação
à economia política
6
. [...] Mas o que é esse método absoluto? A abs-
tração de um movimento. E o que é a abstração de um movimento?
O movimento em estado abstrato. O que é o movimento em estado
abstrato? A fórmula puramente lógica do movimento ou o movimento
da razão pura. Em que consiste o movimento da razão pura? Consiste
em se pôr, se opor, se compor, formular-se como tese, antítese, síntese
5
Hegel, Logik [Lógica], III [trata-se, na verdade, de um resumo de um trecho da seção III, do capítulo III,
intitulado “Die absolute idee” (“A ideia absoluta”, da obra Wissenschaft der Logik (Ciência da Lógica)]. (Nota da
edição citada).
6
No seu exemplar Proudhon anotou: “Muito bem; e isto é tão estúpido?”. Realmente, a ambição declarada de
Proudhon é, como escreveu a Ackermann, em 4 de outubro de 1844, “popularizar a metafísica”. É dela, ainda,
a afirmação reproduzida por Sainte-Beuve: “Vou demonstrar que a economia política é a metafísica em ação
(Nota da edição citada).
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
ou, ainda, afirmar-se, negar-se, negar sua negação. [...] Como opera a
razão para se afirmar, para se pôr como categoria determinada? Isto é
tarefa da própria razão e de seus apologetas. [...] Mas uma vez que a
razão conseguiu pôr-se como tese, esta tese, este pensamento, oposto a
si mesmo, desdobra-se em dois pensamentos contraditórios, o positivo
e o negativo, o sim e o não. A luta entre esses dois elementos anta-
gônicos, compreendidos na antítese, constitui o movimento dialético.
O sim, tornando-se não, o não tornando-se sim, o sim tornando-se
simultaneamente sim e não, o não tornando-se simultaneamente não
e sim, os contrários se equilibram, neutralizam, paralisam. A fusão
desses dois elementos contraditórios constitui um pensamento novo,
que é sua antítese. Este novo pensamento se desdobra ainda em dois
pensamentos contraditórios que, por seu turno, se fundem em uma
nova síntese. Deste trabalho de processo de criação nasce um grupo de
pensamentos. Este grupo de pensamentos segue o mesmo movimento
dialético de uma categoria simples, e tem por antítese um grupo con-
traditório. Destes dois grupos de pensamento nasce um novo, que é
sua síntese. [...] Assim como do movimento dialético das categorias
simples nasce o grupo, do movimento dialético dos grupos nasce a
série e do movimento dialético das séries nasce o sistema. (MARX,
1985, p. 104/5).
Em oposição ao acento negativo que a abstração tem nesta crí-
tica, ela recebe um acento positivo no prefácio à primeira edição de “O
Capital”, em que Marx afirma que “[...] na análise das formas econômicas
não podem servir nem o microscópio nem os reagentes químicos. A facul-
dade de abstrair deve substituir a ambos”, como método que lhe permite,
pela pesquisa empírica “[...] captar detalhadamente a matéria, analisar as
suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão íntima.
7
Emergem
do confronto dessas formulações de Marx dois usos do termo, ou seja, duas
formas de proceder à abstração, uma para referir-se àquela que se supõe
produto do pensamento puro e, outra, à abstração da matéria segundo um
fim prático, no caso, o de conhecimento.
Nos “Grundrisse”, em que Marx faz valiosos apontamentos sobre
o método da economia política, há algumas passagens que vêm a calhar
para o esclarecimento do porquê este procedimento criticado na “Miséria
da Filosofia” é uma abstração negativa, no sentido empregado acima, bem
como o acento positivo que dá à abstração como método. Após descartar
7
Posfácio de Marx à segunda edição d’O Capital, em 1873.
Jar Per (Or.)
194
os procedimentos metodológicos de seguir a cronologia do processo histó-
rico ou tomar em consideração a sociedade burguesa como parâmetro geral
de análise, Marx indica como alternativa metodológica, que “[...] todas as
épocas da produção têm certas características em comum, determinações
em comum. A produção em geral é uma abstração, mas uma abstração razo-
ável, na medida em que destaca e fixa o elemento comum, poupando-nos
assim da repetição” (2011, p. 41). Algumas páginas à frente Marx comple-
menta esses apontamentos metodológicos:
Por essa razão, para a consciência para a qual o pensamento concei-
tualizante é o ser humano efetivo – e a consciência filosófica é assim
determinada –, o movimento das categorias aparece, por conseguinte,
como o ato de produção efetivo – que, infelizmente, recebe apenas um
estímulo do exterior –, cujo resultado é o mundo efetivo; e isso – que,
no entanto é uma tautologia – é correto na medida em que a totali-
dade concreta como totalidade de pensamento, como um concreto de
pensamento, é ‘de fato’ um produto do pensar, do conceituar; mas de
forma alguma é um produto do conceito que pensa fora e acima da
intuição e da representação, e gera a si próprio, sendo antes produto
da elaboração da intuição e da representação em conceitos. O todo
como um todo de pensamentos, tal como aparece na cabeça, é um
produto da cabeça pensante que se apropria do mundo do único modo
que lhe é possível [intuições e representações, portanto, abstrações –
JP], um modo que é diferente de sua apropriação artística, religiosa e
prático-mental
8
. O sujeito
9
real, como antes, continua a existir em sua
autonomia fora da cabeça; isso, claro, enquanto a cabeça se comportar
apenas de forma especulativa, apenas teoricamente. Por isso, também
no método teórico o sujeito, a sociedade, tem de estar continuamente
presente como pressuposto da representação (MARX, 2011, p. 55).
Nestes apontamentos, as palavras intuições e representações apare-
cem como abstrações espontâneas que, mediante um trabalho teórico, devem
ser transformadas em conceitos e estes, por sua vez, em conhecimento do
real pelo teste da pesquisa empírica, continuando o real a existir fora do pen-
samento. Althusser define esse processo de conhecimento como uma prática
teórica que consiste em transformar a Generalidade I (intuições e represen-
8
As diferenças dizem respeito aos fins: estético para a arte, atribuição de sentido para a religião e satisfação de
necessidade para prático-mental, sendo o conhecimento para a ciência.
9
Esta palavra provoca uma certa torção no sentido geral da frase, sentido que sugere a palavra “objeto”, prova-
velmente se trata de um erro de tradução.
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195
tações e/ou conceitos herdados de prática teórica anterior) em Generalidade
III (uma teoria, um novo conhecimento) através da Generalidade II (noções
e conceitos), extraindo dessa prática teórica duas proposições:
(1) entre a Generalidade I e a Generalidade III nunca existe identidade
de essência, mas sempre transformação real, quer por transformação de
uma generalidade ideológica em uma generalidade científica (mutação
que se reflete na forma que Bachelard, por exemplo, chama “corte epis-
temológico”), que pela produção de uma nova generalidade científica
que recusa a antiga “englobando-a”, ou seja, define sua “relatividade” e
seus limites (subordinados) de validade;
(2) o trabalho que faz passar da Generalidade I à Generalidade III,
ou seja, feita a abstração das diferenças essenciais que distinguem
Generalidade I e Generalidade III, do “abstrato” ao “concreto”, diz
respeito somente ao processo da prática teórica, ou seja, ocorre inteira-
mente “no conhecimento” (ALTHUSSER, 2015, p. 150).
Apoiado nessas proposições, Althusser adverte que:
É preciso apreender o sentido preciso dessa tese para evitar cair nas
ilusões ideológicas às quais essas mesmas palavras estão demasiadas
vezes associadas; ou seja, para não acreditar que o abstrato designaria
a própria teoria (ciência), ao passo que o concreto designaria o real,
as realidades “concretas” cuja prática teórica produz o conhecimento;
para não confundir dois concretos diferentes: o concreto-de-pensamento,
que é um conhecimento, e o concreto-realidade, que é seu objeto (Idem,
2015, p. 150-151).
A análise dessa distinção entre objeto de conhecimento e objeto
real, que já se encontra na Introdução, de 1857 de Marx, assinale-se, per-
mite a Althusser retornar à crítica a Hegel:
O vício fundamental de Hegel não diz respeito apenas à ilusão “especu-
lativa”. Essa ilusão especulativa, já denunciada por Feuerbach, consiste
na identificação do pensamento e do ser, do processo do pensamento e
do processo do ser, do concreto “pensado” e do concreto “real”. Aí está o
pecado especulativo por excelência: o pecado de abstração que inverte a
ordem das coisas e toma o processo de autogênese do conceito (abstrato)
pelo processo de autogênese do real (concreto) (Idem, p. 153).
Jar Per (Or.)
196
Entretanto, na continuação Althusser critica a ideia de que
“Haveria assim um mau uso da abstração
10
(o idealista, especulativo)
que nos indicaria por contraste o bom uso da abstração (o materialista)”
(ALTHUSSER, 2015, p. 153-154), pois isso seria “considerar o conceito
de “inversão” como um conhecimento” – o que consiste em “desposar a
ideologia que o apoia”. Assim, continua Althusser,
Quando se chega a esse ponto, vê-se que já não se trata, em última
análise, de “inversão”, pois não se obtém uma ciência invertendo uma
ideologia. Obtém-se uma ciência com a condição de abandonar o do-
mínio em que a ideologia crê lidar com o real, ou seja, abandonado
sua problemática ideológica (a pressuposição orgânica de seus conceitos
fundamentais e, com esse sistema, a maioria desses mesmos conceitos)
para ir fundar “num outro elemento”, no campo de uma nova proble-
mática, científica, a atividade da nova teoria (Idem, p. 156).
Esse abandono do domínio da ideologia não significa a elimina-
ção da ideologia em favor de uma apreensão pura e simples do real, o que
não passa de uma crença ideológica:
No modo de produção teórico da ideologia (completamente diferente,
sob este aspecto, do modo de produção teórico da ciência), a formu-
lação de um problema é apenas a expressão teórica das condições que
permitem uma solução já produzida fora do processo de conhecimento,
porque imposta por instâncias e exigências extrateóricas (por “interes-
ses” religiosos, morais, políticos ou outros) de se reconhecer num pro-
blema artificial, fabricado para servir-lhe ao mesmo tempo de espelho
teórico e de justificação prática (1996a, p. 56).
Ou seja, o domínio da ideologia é a suposição de que o real é apre-
endido por categorias puras do pensamento segundo algum tipo de critério
ético-racional. O descarte dessa suposição ideológica aparece no posfácio já
citado, no qual Marx faz uma longa citação de um resenhista russo de “O
10
A advertência de Althusser quanto à impropriedade de conceber um bom e um mal uso da abstração corres-
ponde à afirmação acima de que “o sentido de materialista como antítese de idealista não remete a um ente
material que substituiria a ideia no desenvolvimento dialético, o que desautoriza a substituição da ideia por
homem, real, classe ou qualquer outra coisa no desenvolvimento da dialética marxista”, pois, como é desenvol-
vido na segunda seção, em Althusser, os termos ideológico e científico não designam um caráter intrínseco, mas
uma prática. Por isso, essa advertência não é incompatível com minha observação de que, em Marx, a palavra
abstração é utilizada tanto para designar um sentido inadequado como um adequado ao método científico,
dependendo de como se opera a abstração.
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197
Capital” como ilustração de alguém que, malgrado a intenção crítica, com-
preendeu seu método. Na apreciação de “O Capital” o resenhista substitui
toda consideração ético-racional pela primazia do objeto. Ora, na medida
em que Marx atesta que o resenhista descreve o seu método, também con-
firma que se coloca “no campo de uma nova problemática”.
Acompanhemos então a referência de Marx ao resenhista: “Depois
de uma citação de meu prefácio da Contribuição à Crítica da Economia
Política (Berlim, 1859, p. IV-VII), onde eu expus a fundamentação mate-
rialista do meu método”, continua o autor:
Para Marx só importa uma coisa: descobrir a lei dos fenômenos de
cuja investigação ele se ocupa. E para ele é importante não só a lei que
os rege, à medida que eles têm forma definida e estão numa relação
que pode ser observada em determinado período de tempo. Para ele,
o mais importante é a lei de sua modificação, de seu desenvolvimento,
isto é, a transição de uma forma para outra, de uma ordem de relações
para outra. Uma vez descoberta essa lei, ele examina detalhadamente
as consequências por meio das quais ela se manifesta na vida social.
[...] Por isso, Marx só se preocupa com uma coisa: provar, mediante
escrupulosa pesquisa científica, a necessidade de determinados orde-
namentos das relações sociais e, tanto quanto possível, constatar de
modo irrepreensível os fatos que lhe servem de pontos de partida e de
apoio. Para isso é inteiramente suficiente que ele prove, com a neces-
sidade da ordem atual, ao mesmo tempo a necessidade de outra or-
dem, na qual a primeira inevitavelmente tem que se transformar, quer
os homens acreditem nisso, quer não, quer eles estejam conscientes
disso, quer não. Marx considera o movimento social como um processo
histórico-natural, dirigido por leis que não apenas são independentes da
vontade, consciência e intenção dos homens, mas, pelo contrário, muito
mais lhes determinam a vontade, a consciência e as intenções. [...] Se o
elemento consciente desempenha papel tão subordinado na história da
cultura, é claro que a crítica que tenha a própria cultura por objeto não
pode, menos ainda do que qualquer outra coisa, ter por fundamento
qualquer forma ou qualquer resultado da consciência. Isso quer dizer
que o que lhe pode servir de ponto de partida não é a ideia, mas apenas o
fenômeno externo. A crítica vai limitar-se a comparar e confrontar uma
fato não com a ideia, mas com outro fato. Para ela, o que importa é
que ambos os fatos sejam examinados com o máximo de fidelidade
e que constituam, uns em relação aos outros, momentos diversos de
desenvolvimento; mas, acima de tudo, importa que sejam estudadas de
modo não menos exato a série de ordenações, a sequência e a conexão
em que os estágios de desenvolvimento aparecem. Mas, dir-se-á, as leis
gerais da vida econômica são sempre as mesmas, sejam elas aplicadas
Jar Per (Or.)
198
no presente ou no passado. [...] É exatamente isso o que Marx nega.
Segundo ele, essas leis abstratas não existem. [...] Segundo sua opinião,
pelo contrário, cada período histórico possui suas próprias leis. Assim que
a vida já esgotou determinado período de desenvolvimento, tendo pas-
sado de determinado estágio a outro, começa a ser dirigida por outras
leis. Numa palavra, a vida econômica oferece-nos um fenômeno análo-
go ao da história da evolução em outros territórios da Biologia. [...] Os
antigos economistas confundiram a natureza das leis econômicas quan-
do as compararam com as leis da Física e da Química. [...] Uma análise
mais profunda dos fenômenos demonstrou que organismos sociais se
distinguem entre si tão fundamentalmente quanto organismos vegetais
e animais. [...] Sim, um mesmo fenômeno rege-se por leis totalmente
diversas em consequência da estrutura diversa desses organismos, da
modificação em alguns de seus órgãos, das condições diversas em que
funcionam, etc. Marx nega, por exemplo, que a lei da população seja
a mesma em todos os tempos e em todos os lugares. Ele assegura, pelo
contrário, que cada estágio de desenvolvimento tem uma lei demográ-
fica própria. [...] Com o desenvolvimento diferenciado da força produtiva,
modificam-se as circunstâncias e as leis que as regem. Ao Marx se colocar
a meta de pesquisar e esclarecer, a partir desta perspectiva, a ordenação
econômica do capitalismo, ele apenas formula, com todo rigor cientí-
fico, a meta que deve ter toda investigação exata da via econômica. [...]
O valor científico de tal pesquisa reside no esclarecimento das leis espe-
cíficas que regulam nascimento, existência, desenvolvimento e morte
de dado organismo social e a sua substituição por outro, superior. E o
livro de Marx tem, de fato, tal mérito
11
.
Marx faz essa longa citação para concluir que, “Ao descrever de
modo tão acertado e, tanto quanto entra em consideração a minha aplica-
ção pessoal do mesmo, de modo tão benévolo aquilo que o autor chama de
meu verdadeiro método’, o que descreveu ele senão o método dialético?”.
Ou seja, a análise que o resenhista oferece de “O Capital”, com a qual
Marx concorda de bom grado, é de uma dialética objetiva do desenvolvi-
mento do organismo social, cujas leis são próprias da especificidade da sua
forma e das suas condições de existência, nada parecido, portanto, com um
sistema lógico-formal concebido por uma consciência filosófica que extrai
da própria razão as categorias que explicariam a história desde o exterior.
11
Grifos meus para destacar a indicação de uma dialética objetiva.
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199
A HISTÓRIA COMO PROBLEMA DO CONHECIMENTO
O exposto até aqui me parece suficiente para sustentar que a rup-
tura epistemológica é declarada por Marx mesmo, como uma mudança de
problemática. Embora ele não utilize esta expressão, ela está implícita na
afirmação de que
A crítica alemã, até em seus mais recentes esforços, não abandonou o ter-
reno da filosofia. Longe de investigar seus pressupostos gerais-filosóficos,
todo o conjunto de suas questões brotou do solo de um sistema filosófico
determinado, o sistema hegeliano. Não apenas em suas respostas, mas já
nas próprias perguntas havia uma mistificação (2007, p. 83).
Ou seja, que me perdoem o cacófato, essa crítica à “crítica alemã
critica a permanência da crítica social no terreno da filosofia e indica a
precedência da pergunta (a problemática, na terminologia althusseriana)
no processo de conhecimento.
Todavia, encerrar o texto neste ponto resultaria em algo incon-
cluso, uma vez que a problemática de como obter um conhecimento cien-
tífico da história supõe o conhecimento dos conceitos que permitem estu-
dá-la e, estes, por sua vez, o trabalho teórico que permite formulá-los e a
pesquisa empírica que lhes confere validade, o que difere das formulações
ideológicas sobre a história. Uma sistematização dos conceitos da teoria da
história, em Althusser, se encontra no excelente trabalho de Saes (1998).
Aqui, limito-me à premissa teórica pressuposta por tal teoria. Para enfatizar
o caráter materialista do método de Marx e a distância que mantém da
teoria do conhecimento comum à tradição filosófica, Althusser pergunta:
Precisa destacar, de um lado, que os personagens teóricos encenados nes-
te cenário ideológico são o Sujeito filosófico (a consciência filosófica), o
Sujeito científico (a consciência sapiente) e o Sujeito empírico (a cons-
ciência perceptiva), de outro; é o Objeto que reage a esses três Sujeitos,
o Objeto transcendental ou absoluto, os princípios puros da ciência e
as formas puras da percepção; que os três Sujeitos estão, do seu lado,
subsumidos numa mesma essência, enquanto os três Objetos estão, do
seu, subsumidos numa mesma essência (por exemplo, como se vê sob
variantes significativas tanto em Kant como em Hegel e Husserl, esta
identificação dos três Objetos repousa sobre uma identificação contínua
do objeto percebido com o objeto conhecido); que esta repartição para-
lela dos atributos dispõe face à face o Sujeito e o Objeto; de outro lado,
Jar Per (Or.)
200
que são de fato escamoteados, do lado do objeto a diferença de estatuto
entre o objeto de conhecimento e o objeto real e, do lado do sujeito
a diferença de estatuto entre o Sujeito filosofante e o sujeito sapiente,
por uma parte, entre o sujeito sapiente e o sujeito empírico, por outra?
(1996a, p. 59-60).
Essa encenação dos personagens teóricos é própria da visão:
[...] ideológica do “problema do conhecimento”, que define a tradi-
ção que se confunde com a filosofia idealista ocidental (de Descartes a
Husserl, passando por Kant e Hegel). [...] esta colocação do “proble-
ma” do conhecimento é ideológica na medida em que esse problema
tem sido formulado a partir de sua “resposta”, como seu exato reflexo,
ou seja, não como um problema real, mas como o problema que seria
preciso colocar para que a solução ideológica, que se queria dar, fosse a
solução do problema (Idem, p. 56).
Por isso, Althusser também afirma que:
A questão que colocamos não é posta para produzir uma resposta de-
finida por antecipação por outras instâncias que não o próprio conhe-
cimento, não é uma questão fechada por antecipação por sua resposta.
Não é uma questão de garantia. Ao contrário, é uma questão aberta
(sendo o próprio campo o que ela abre) que, para ser assim, para es-
capar ao cerco pré-estabelecido do ciclo ideológico, deve recusar os
serviços dos personagens teóricos cuja única função é assegurar este
cerco ideológico: os personagens dos diferentes Sujeitos e Objetos, as
consignas que eles têm por missão respeitar para poder desempenhar
seus papéis, na cumplicidade do pacto ideológico firmado entre as ins-
tâncias supremas do Sujeito e do Objeto, sob a bênção da “Liberdade
do Homem” ocidental (Idem, p. 60).
Portanto, ao modo de produção teórico da ideologia, Althusser
opõe o modo de produção teórico da ciência, materialista, encontrado em
estado prático nas formulações metodológicas de Marx, na Introdução
como parte dos “Grundrisse”, segundo a qual,
Seria, portanto, impossível e falso ordenar as categorias econômicas
na ordem em que elas foram historicamente determinantes
12
. Ao con-
12
Citado de acordo com o texto de Althusser, na edição da Boitempo essa primeira frase traz uma tradução
ligeiramente diferente: “Seria impraticável e falso, portanto, deixar as categorias econômicas sucederem-se umas
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201
trário, sua ordem é determinada pelo tipo de relação mútua que elas
mantêm na sociedade burguesa moderna, esta ordem é justamente a
inversa (umgekerhte) da que parece ser sua ordem natural, ou da que
corresponde à ordem do desenvolvimento histórico (Idem, p. 49).
Esta formulação destaca a distinção entre a ordem lógica (te-
órica) e a histórica, pois, continua Marx, citado por Althusser: “Não se
trata da relação que se estabelece historicamente entre as relações econô-
micas [...] trata-se de sua Gliederung (combinação articulada) no interior
da sociedade burguesa moderna” (Idem. p. 50). Continua: “É justamente
essa Gliederung, esta totalidade-articulada-de-pensamento que se trata de
produzir no conhecimento como objeto do conhecimento para alcançar o
conhecimento da Gliederung real, da totalidade-articulada real, que consti-
tui a existência da sociedade burguesa” (Idem, p. 50).
Há duas premissas subjacentes a essa teorização de Althusser que,
talvez por óbvio, ele deixa de mencionar, mas aqui é preciso explicitar para
evitar lacunas que deem azo à especulação: 1) o pensamento opera por
totalização, pois todo pensamento particular designa um elemento de uma
espécie ou gênero, ou seja, integra um conjunto que é uma totalidade ar-
ticulada que lhe dá sentido, em consequência, 2) o modo de produção
teórico da ciência, por assumir a primazia do objeto, ou seja, que o pensa-
mento pressupõe o objeto, deve buscar no real (o objeto) seu elemento de
totalização. Naturalmente, esse elemento de totalização não se oferece gra-
ciosamente à percepção do pesquisador; para chegar a ele é preciso muita
pesquisa e o trabalho de abstração, acima referido. É o que Marx informa,
no prefácio de 1859:
Tinha começado o estudo desta [da economia política] em Paris, conti-
nuando-o em Bruxelas, para onde emigrei após uma sentença de expul-
são do Sr. Guizot. A conclusão a que cheguei e que, uma vez adquirida,
serviu de fio condutor dos meus estudos, pode formular-se resumida-
mente assim: na produção social da sua existência, os homens estabele-
cem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade,
relações de produção que correspondem a um determinado grau de de-
senvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto dessas rela-
ções de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base
às outras na sequência em que foram determinantes historicamente” (2011, p. 60).
Jar Per (Or.)
202
concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e às
qual correspondem determinadas formas de consciência social.
13
Portanto, algo bem diferente do modo de produção teórico da
ideologia, que se apoia nos serviços dos personagens teóricos, em alguma
categoria pura oferecida por eles, para, em seguida, apropriar-se pragma-
ticamente do real já depurado do que possa ser inconveniente ao pragma-
tismo da ideologia a que serve.Esse modo de produção teórico da ciência
concebe a prática teórica como a maneira através da qual a consciência se
apropria do real porque, para Marx, segundo Althusser,
[...] o “pensamento”, de que se trata aqui, não é a faculdade de um
sujeito transcendental ou de uma consciência absoluta, a que o mundo
enfrentaria como matéria; este pensamento também não é uma facul-
dade de um sujeito psicológico, embora os indivíduos humanos
14
sejam
seus agentes. Este pensamento é o sistema historicamente constituído
de um aparato de pensamento, fundado e articulado na realidade natural
e social. Ele é definido pelo sistema das condições reais que fazem dele,
se posso arriscar essa fórmula, um modo de produção determinado de
conhecimentos (1996a, p.41).
Com este novo e original aparato conceitual, Althusser oferece
uma alternativa às influências idealistas e empiristas sobre o marxismo,
além de um modelo teórico capaz de articular as diversas práticas, respei-
tando as determinações próprias de cada uma.
Ora, não existe uma concepção da prática científica sem uma exata dis-
tinção das práticas distintas, sem uma nova concepção das relações en-
tre teoria e prática. Afirmamos teoricamente o primado da prática mos-
trando que todos os níveis da existência social são lugares de práticas
distintas: a prática econômica, a prática política, a prática ideológica, a
prática técnica e a prática científica (ou teórica). Pensamos o conteúdo
dessas diferentes práticas concebendo suas estruturas próprias, que é,
em todos esses casos, a estrutura de uma produção, concebendo o que
13
Não é ocioso advertir que não se pode esperar de um prefácio o rigor e a sistematização próprios do trabalho teóri-
co; de qualquer modo esta passagem, como inúmeras outras de Marx sobre o modo de produção capitalista, oferece
as indicações de que Althusser se serve para formular o conceito de totalidade-estruturada-com-dominância.
14
Portanto, os indivíduos humanos, enquanto sujeitos psicológicos, podem pensar (e realmente pensam) qual-
quer coisa, mas esta coisa pensada se torna pensamento social apenas quando sancionada pelo aparato de pensa-
mento, mas é parte da astúcia ideológica alimentar a ilusão desse indivíduo de que o que ele pensa não tem outra
origem senão suas próprias sinapses.
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
distingue entre si essas estruturas, ou seja, a natureza diferente do obje-
to ao qual se aplicam, dos meios de produção e das relações sob as quais
produzem (esses diferentes elementos e sua combinação – Verbindung
– evidentemente variam quando se passa da prática econômica à prá-
tica política, depois à prática científica e à prática teórico-filosófica).
Pensamos as relações de fundação e de articulação dessas diferentes
práticas, umas com as outras, ao conceber o grau de independência, o
tipo de autonomia “relativa, elas mesmas fixadas pelo tipo de depen-
dência relativa à prática “determinante em última instância”, a prática
econômica (1996a, p. 64-65 – Grifos no original).
Esta prática científica deve apoiar-se em seus próprios protoco-
los de validação, por isso Althusser pergunta: “[...] por qual mecanismo
a produção do objeto do conhecimento produz a apropriação cognitiva do
objeto real, que existe fora do pensamento, no mundo real?”, para em se-
guida responder que se trata “[...] de um mecanismo que deve fornecer a
explicação de um fato específico: o modo de apropriação do mundo pela
prática específica do conhecimento, que se apoia toda em seu objeto (obje-
to de conhecimento) distinto do objeto real do qual ele é o conhecimento
(ALTHUSSER, 1996a, p. 68).
Sua tese confirma amplamente que a prática é a categoria fundamental
da dialética materialista e que é necessário desenvolvê-la com vistas
a inclui-la nele, justificadamente, no processo de conhecimento. O
efeitos de conhecimento” de que fala Althusser, são efeitos práticos.
Não foi suficientemente notado, me parece que, se depois de Marx e
contrariamente ao empirismo, Althusser declara que o “processo de
conhecimento se desenvolve inteiramente dentro do conhecimento”,
isto é, que o objeto do conhecimento nunca pode ser confundido com
o objeto real, ao contrário, ele nunca afirma que os “efeitos de conhe-
cimento” são efeitos puramente teóricos (BALIBAR, 1978, p. 225).
No ensaio, “Du ‘Capital’ à la philosophie de Marx”, que abre a
coletânea “Lire Le Capital”, Althusser não declara expressamente qual é
esse mecanismo que produz o efeito de sociedade e, por que o pensamen-
to pressupõe o objeto, também o efeito de conhecimento. Entretanto, no
ensaio “La Critique de Marx”, na mesma coletânea, a primazia que ele
confere às relações sociais de produção na caracterização dos modos sociais
de produção (enquanto objeto formal abstrato) e das formações sociais
Jar Per (Or.)
204
historicamente determinadas pela predominância de um modo específico,
torna lícita a conclusão de que esse mecanismo se refere a tais relações.
Como relações sociais de produção típicas (comunitárias, servis, escravo-
cratas, assalariadas etc.) caracterizam os diferentes modos de produção, nas
formações sociais concretas coexistem diversos modos de produção sob a
dominância de um deles, por isso, na teoria althusseriana, a história con-
siste na variação histórica dos modos de produção, o que inclui tanto a
história de cada modo de produção particular como a da transição de um
modo a outro. Ou, nas palavras de Balibar, “[...] a história da sociedade é
redutível a uma sucessão descontínua de modos de produção” (1996a, p.
426), de acordo com “[...] os dois princípios que fundam a transformação
da história em ciência: o da periodização e o da articulação das práticas di-
ferentes na estrutura social” (Idem, p. 425). “Ora, nas relações de produção
estão implicadas necessariamente as relações entre os homens e as coisas,
tal como entre os homens entre si, onde estão fixados por relações precisas
existentes entre os homens e os elementos materiais do processo de produ-
ção.” (ALTHUSSER, 1996a, p. 385).
Em seguida, Althusser cita a Introdução, dos “Grundrisse”, em
que Marx afirma que a distribuição, “[...] antes de ser distribuição dos
produtos, ela é: 1) distribuição dos instrumentos de produção e 2) o que
é uma outra determinação da mesma relação, distribuição dos membros
da sociedade entre os diferentes gêneros de produção (subordinação dos
indivíduos às relações de produção determinadas)”, em seguida, ele deduz:
Esta distribuição consiste em uma certa atribuição dos meios de pro-
dução aos agentes da produção, sob certa relação regulada, estabeleci-
da entre, de um lado, os meios de produção, do outro, os agentes da
produção. Formalmente, esta distribuição-atribuição pode ser conce-
bida como uma combinação (Verbindung) entre um certo número de
caracteres próprios tanto dos meios de produção como dos agentes da
produção, combinação que se efetua segundo modalidades definidas
(Idem, p. 386).
Com isso, se descarta também qualquer suposição de que as re-
lações sociais de produção, como mecanismo gerador do efeito de conhe-
cimento, seja um recurso heurístico escolhido por Althusser, entre outros
possíveis. Essa suposição é tipicamente ideológica ou, para usar uma ter-
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205
minologia tão ao gosto de Althusser, está a serviço de uma ideologia, qual
seja, a do indivíduo autônomo (neste caso, o pesquisador) que tudo o que
faz, o faz como efeito da sua vontade livre, sem nenhuma determinação ex-
terior a essa vontade. Segundo esse esquema ideológico, o engajamento do
indivíduo na produção material da vida social adquire o mesmo estatuto
de uma opção entre várias outras quaisquer, como entre tomar vinho ou
cerveja, por exemplo; certamente o leitor me concederá o reconhecimento
de que a gama de possibilidades recoberta por esta equivalência é tão ampla
e heterogênea que anula sua pretensão explicativa.
Numa alentada análise das «Teses sobre Feuerbach», Balibar afir-
ma que a «[...] filosofía materialista ‘temprana’ de Marx estaba referida a
una ‘ontología de la relación’, donde la relación básica no es la ‘individua-
lidad’ sino la ‘transindividualidad’ (o un concepto de lo individual que in-
cluye siempre-ya sus relaciones – o dependencias – con otros individuos)»
(2016, p. 201), acrescentando em nota de rodapé «[...] la posibilidad de
ver ‘relaciones’ y no ‘términos’ o ‘sustancias’, como categorías primarias de
la comprensión de lo real».
-
Lire Le
Capital
No começo da sociedade, “o acaso deu lugar a todas as espécies de
governos entre os homens”. Inicialmente, os homens estavam dispersos
e pouco numeroso, como os animais. “Vindo a aumentar o gênero hu-
mano, sente-se a necessidade de se reunir para se defender. Para melhor
alcançar este propósito, escolhe-se o mais forte, o mais corajoso.” Esta
foi “a época da reunião em sociedade”. Logo surgem os conflitos entre
os homens: “Para prevenir tais males, os homens se determinam a fazer
leis.” Esta foi a origem da justiça, que influiu na escolha do chefe. [...]
Abro um parêntese para avançar duas observações. A primeira, [...].
Dizer que é o acaso que está na origem das sociedades e dos governos
e, dizer ao mesmo tempo, que os homens estavam dispersos (a dis-
persão é congênita ao acaso, desde Demócrito e Epicuro a Rousseau,
no Segundo Discurso), é rejeitar, evidentemente, toda ontologia antro-
pológica da sociedade e da política. É, em particular, recusar a teoria
de Aristóteles (esse grande ausente do pensamento de Maquiavel) do
homem animal político “por natureza”. Mas é também (eis minha se-
gunda observação) recusar (diferente de Epicuro) toda teoria contratual
Jar Per (Or.)
206
da origem da sociedade e do governo
15
(ALTHUSSER, 1995a, p. 81
– Itálicos no original).
Embora a palavra relação esteja ausente dessas citações de
Maquiavel, ela está implícita nos usos que ele faz dos verbos reunir, de-
fender e escolher. Tais usos também sugerem diversos tipos de relação, em
Marx tem primazia o tipo das relações sociais de produção na medida em
que, diz Balibar, “A ideologia alemã expõe uma ‘ontologia da produção
[...]. Mais exatamente, é a produção de seu próprios meios de existência,
atividade simultaneamente individual e coletiva (transindividual), que o
transforma ao mesmo tempo que transforma irreversivelmente a natureza,
e que assim constitui ‘a história’ (1995, p. 47).
A necessidade material da produção dispensa argumento a seu fa-
vor, uma vez que não é concebível sociedade sem produção. Embora neces-
sária, essa observação trivial precisa de uma complementação de natureza
histórico-sociológica para justificar as relações sociais de produção como o
mecanismo que produz o efeito de sociedade e o efeito de conhecimento. Ora,
como toda produção é historicamente determinada,
A ciência da história – diz Althusser – tem por objeto a história das
formas de existência específicas da espécie humana. [...] As diferenças
específicas que distinguem as formas de existência da espécie humana
das formas de existência das espécies animais são: 1) que os homens
vivem apenas em formações sociais; 2) que essas formações sociais hu-
manas têm uma história específica que, como tal, e diferentemente da
“história” das “sociedades animais”, não é regida pelas leis biológicas e
ecológicas da espécie, mas por leis “sociais” da produção e da reprodução
das condições da produção dos meios de existência dessas formações
sociais” (1995b, p. 482 – Grifos do original).
Em resumo, o processo de produção e reprodução social se realiza
sob condições históricas determinadas, caracterizadas por relações sociais
de produção específicas (comunitárias, escravistas, servis, assalariadas etc.).
No modo de produção capitalista,
15
Os trechos entre aspas são citações de “Comentários sobe a primeira década de Tito Lívio”, de Maquiavel,
por Althusser.
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207
Os principais agentes desse modo de produção, o capitalista e o tra-
balhador assalariado, são enquanto tais apenas corporificações, perso-
nificações do capital e do trabalho assalariado; caracteres sociais deter-
minados que o processo de produção social imprime nos indivíduos;
produtos dessas relações sociais de produção determinadas (MARX,
1983, l. III, v. V, p. 294).
Essa personificação das categorias econômicas pelos indivíduos,
que aparece ao longo de “O Capital”, dos prefácios ao livro III, significa que
as estruturas sociais (econômica, jurídico-política e ideológica) são dotadas
de uma dupla dimensão (interna e externa, ou seja, subjetiva e objetiva), em
relação dialética. Por isso, “personificação das categorias econômicas” signifi-
ca que, no modo de produção capitalista, os indivíduos assumem os persona-
gens sociais de capitalistas e trabalhadores sob o manto da categoria jurídico-
-política sujeito de direito conforme uma forma de consciência determinada
(no caso, individualista e atomizada), produto das práticas ideológicas. Isto
faz das relações sociais de produção o lugar da articulação das determinações
(econômica, jurídico-política e ideológica) da totalidade articulada porque é
o lugar da articulação das diferentes práticas, ou seja, o lugar da sobredeter-
minação das estruturas umas sobre as outras. Por conseguinte, o mecanismo
que produz o efeito de sociedade, ou seja, aquele mecanismo que, por ser
uma relação estruturante, constitui e explica as ações individuais e coletivas,
conforme pressupostos subjetivos econômico, jurídico-político e ideológico;
sobre pressupostos objetivos econômico, jurídico-político e ideológico, razão
pela qual seu efeito é a reprodução ou a possibilidade da transformação de
um forma histórico-social determinada.
Assim, articulação significa que cada uma das estruturas
16
(econô-
mica, jurídico-política e ideológica) da totalidade estruturada é constituída
de determinações próprias e, necessariamente, sobredeterminadas por de-
terminações das demais estruturas, na medida em que as categorias econô-
micas de todos os modos de produção (no modo de produção capitalista,
por exemplo, capital e trabalho assalariado, ou seus respectivos agentes
16
Não é ocioso assinalar que, nos textos de Althusser, as partes integrantes da totalidade estruturada são referidas
por diferentes termos, como região, instância, nível e, raramente, estrutura; sendo este último às vezes acrescido
do adjetivo «social» para designar a totalidade estruturada. Essa oscilação terminológica gera certa confusão
na interpretação que se faz do autor, por isso fixarei o uso de estrutura para designar as partes e, totalidade
estruturada, para o todo.
Jar Per (Or.)
208
sociais: capitalista e trabalhador) são determinadas pelas necessidades ma-
teriais e sociais, mas a forma é histórica, por isso jurídica e ideologicamente
sobredeterminada. As categorias das estruturas jurídico-política e ideológi-
ca, por sua vez, não se sustentam sem uma sobredeterminação econômica
que lhes seja interna
17
. Considerando que todas as atividades são práticas
no interior de estruturas, para clareza do argumento, reproduzimos aqui
parcialmente uma passagem acima citada.
Pensamos [diz Atlthusser] as relações de fundação e de articulação des-
sas diferentes práticas [econômica, política, ideológica] umas sobre as
outras, ao conceber em seu grau de independência, seu tipo de auto-
nomia “relativa, elas mesmas fixadas pelo tipo de dependência relativa
à prática “determinante em última instância”, a prática econômica.
(ALTHUSSER, 1996b, p. 64-65 – Explicações nossas).
Por outras palavras, é o tipo dessa articulação das determinações
que fixa o tipo de autonomia relativa das estruturas em cada modo de pro-
dução e abre espaço para a defasagem entre elas, pelo tipo de dependência
umas das outras, de modo que as determinações das diferentes estruturas
podem adquirir maior ou menor proeminência nas diferentes conjunturas
conforme a luta de classes.
Tipo de articulação se refere ao cruzamento entre as formas eco-
nômicas e sociais (categoria de pertencimento) e ideológicas (estatuto jurí-
dico) dos agentes nas relações sociais de produção, o que determina direitos
e obrigações em face da comunidade inclusiva. Assim, em relações sociais
de produção servis e escravocratas, as categorias servo, escravo e senhor
designam simultaneamente o lugar em relação aos meios de produção, o
pertencimento a uma ordem (normalmente policlassista) e os direitos e
obrigações desiguais relativos a esses lugares, segundo uma visão de mundo
que se concebe como divina ou natural; portanto, é um tipo de articulação
concentrada e tendencialmente estática. Claro que neste nível de abstração
não contam as muitas diferenças entre formações sociais específicas. Nas
17
O pensamento liberal (de Locke a Habermas) expulsou o econômico da esfera do humano, que passa a ser
identificado apenas com o ideológico, separado do atributo subjetivo da capacidade de trabalho, o instrumento
da vontade e, esta, núcleo do ideológico. Com base nisso, o postulado da determinação em última instância do
econômico aparece como uma intervenção violenta do sistêmico no mundo da vida, para tomar de empréstimo
o vocabulário habermasiano; embora a violência originária da qual deriva toda violência política seja justamente
essa separação entre a vontade e a capacidade de trabalho (potência) do produtor direto.
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209
relações sociais de produção capitalistas, capitalistas e trabalhadores são
categorias econômicas por que designam os lugares de proprietários e não-
-proprietários dos meios de produção, respectivamente, e se relacionam
necessariamente por intermédio da categoria jurídica sujeito de direito
(portanto, formalmente livres e iguais), enquanto ideologicamente são in-
terpelados como membros do povo-nação (POULANTZAS, 1968), o que
lhes permite, na condição de sujeito de direito, instrumentalizar elemen-
tos da condição econômica e do pertencimento a diferentes grupos sociais
para fins privados; portanto, é um tipo de articulação ao mesmo tempo
centrada e dinâmica. Esses tipos de articulação das determinações constitui
a causalidade estrutural (MORFINO, 2014) dos fenômenos sociais.
A propósito da causalidade estrutural, apesar de ter afirmado
inicialmente que não abordaria os argumentos críticos um a um, dada a
desmesurada difusão que atingiu entre nós a vulgarização da ideia de um
Althusser estruturalista, vale a pena dar a palavra ao próprio autor, quando
este se refere ao trabalho teórico: “[...] naturalmente, como ‘se’ manipula
um conjunto de conceitos emprestados de outras disciplinas, não é questão
de acusar, honestamente, de estruturalismo, o primeiro a se servir do con-
ceito de estrutura.” Em seguida, ele conclui:
Ora, ninguém pode pretender que jamais tenhamos cedido ao idealis-
mo formalista delirante de uma produção do real pela combinatória de
quaisquer elementos. Marx fala da “combinação” dos elementos na es-
trutura de um modo de produção. Mas esta combinação (Verbindung)
não é uma combinatória formal: nós o assinalamos expressamente. De
propósito (1998, p. 180).
Por isso, Poulantzas adverte que as estruturas não são essências
que existem separadamente e entram em contato, pressuposto arbitraria-
mente atribuído por muitos críticos à teoria althusseriana. Ao contrário,
[...] a determinação em última instância da estrutura do todo pelo
econômico não significa que o econômico detém sempre o papel do-
minante. Se a unidade que é a estrutura com dominante implica que
todo modo de produção possui um nível ou instância dominante, de
fato o econômico só é determinante na medida em que ele atribui a
essa ou aquela instância o papel dominante, ou seja, na medida em que
ele regula o deslocamento da dominância devido à descentração das
instâncias. Assim, Marx indica como, no modo de produção feudal, é
Jar Per (Or.)
210
a ideologia – sob sua forma religiosa – que detém o papel dominante,
o que é rigorosamente determinado pelo funcionamento do econômi-
co neste modo. Portanto, o que distingue um modo de produção de
outro e que, por conseguinte, especifica um modo de produção, é esta
forma particular de articulação que mantêm os seus níveis: o que se
designará doravante pelo termo de matriz de um modo de produção
(POULANTZAS, 1968, p. 10-11).
O que Althusser não diz, nem Poulantzas, mas o desenvolvimen-
to dos seus argumentos permite deduzir, é que a necessidade material a
que responde a estrutura econômica, sob uma forma histórico-social de-
terminada, é o que atribui a essa estrutura tanto o papel de determinação
em última instância como o de atribuir – conforme seu modo de funcio-
namento – a uma das estruturas o papel dominante na totalidade estrutu-
rada, conforme a matriz do modo social de produção.
Por serem as relações sociais de produção uma estrutura estrutu-
rante (BOURDIEU, 1996) que articula o conjunto das estruturas sociais
(portanto, produzindo o efeito de conjunto, de totalidade articulada), cuja
objetividade já foi demonstrada acima, a detecção dela opera como efei-
to de conhecimento, ou seja, abre a possibilidade teórica do conhecimento
científico da vida social pela pesquisa empírica sem cair em qualquer tipo
de empirismo que, invariavelmente, pretende deduzir uma teoria do dado
empírico, tal como ele se apresenta, organizando-o segundo alguma cate-
goria (ideo)lógica (sujeito, trabalho, indivíduo, consciência, vontade, valor
etc.) à escolha do pesquisador.
Assinale-se que, de acordo com a reflexão desenvolvida por
Althusser em “Lire Le Capital” (SAMPEDRO, 2010), o caráter ideológico
de qualquer dessas categorias não é intrínseco a elas mesmas. Portanto,
não se trata de escolher entre categorias materialistas ou idealistas, em si
mesmas, a priori; tal caráter ideológico reside justamente no “a priori”, ou
seja, em concebê-las isoladamente, anteriormente e fora do conjunto que
lhe dá sentido; na medida em que este conceber isolado, especulativo, con-
siste em fazer uma pergunta para uma resposta previamente definida fora
a esfera do conhecimento (religiosa, moral, política etc.), produzindo um
efeito de reconhecimento, não de conhecimento, como adverte Althusser. Em
vista dessa consideração, se entende que trabalho, quando considerado fora
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211
do conjunto que o sustenta
18
, apesar de aludir a um processo material, ad-
quire caráter ideológico se tomado como categoria explicativa a priori que
comanda a organização do processo de conhecimento; ou valor (no sentido
de orientação de conduta), uma categoria ideológica por excelência, pode
ser analisado materialmente quando considerado no conjunto das práticas
ideológicas que o produz, na medida em que, sendo o ser humano um
animal ideológico (SAMPEDRO, 2010), as ideologias não existem abs-
tratamente ou, como diz Althusser (1996b), não têm existência espiritual,
antes, existem como integrantes da totalidade estruturada, contribuindo
para a reprodução ou transformação da forma histórico-social conforme a
luta política de classes.
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18
“O processo de trabalho foi considerado primeiramente em abstrato (ver capítulo V), independente de suas
formas históricas, como processo entre homem e natureza” (MARX, 1983, l. I, v. II, p. 101). Assinale-se que
Marx mesmo se refere à categoria trabalho, como tratada no capítulo V, como uma abstração que serve como
instrumento conceitual de aproximação do objeto, que são as formas históricas, como nos Grundrisse, acima
citados. Justamente por isso essa categoria não se presta, em “O Capital”, ao papel de comandar o processo de
conhecimento, apesar de todo debate ético-humanista em torno do trabalho, desde a encíclica Rerum Novarum.
Jar Per (Or.)
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
O ANTI-HUMANISMO TEÓRICO
NA OBRA
DE LOUIS ALTHUSSER: PROBLEMAS DE
TEORIA E EFEITOS POLÍTICOS
Danilo Enrico MARTUSCELLI
1
Não nos iludamos, o humanismo teórico tem, por muito tempo ain-
da, ‘belíssimos dias’ à sua frente. Suas ‘contas’, não mais do que as das
ideologias evolucionistas, historicistas e estruturalistas, não serão ajus-
tadas até a próxima primavera (ALTHUSSER, 1999a, p. 17).
1 INTRODUÇÃO
Nos idos dos anos 1960, o filósofo marxista Louis Althusser deu
início a uma série de intervenções a partir das quais procurou formular uma
leitura original das obras de Marx, orientada pela crítica ao economicismo e
ao humanismo teórico e pela defesa da cientificidade da teoria marxista. Em
meados dos anos 1970, ao realizar um balanço de seus primeiros escritos,
Althusser ressaltou o caráter polêmico de suas análises, especialmente daque-
las que se fundavam na caracterização do marxismo como anti-humanismo
teórico, como podemos entrever na seguinte passagem:
[...] eu defendi a tese do anti-humanismo teórico de Marx. Tese pre-
cisa, que não quiseram entendê-la em seu sentido preciso e que pro-
vocou contra mim a Santa Aliança de tudo o que existe de ideologia
1
Doutor em Ciência Política pela Unicamp. Professor de Ciência Política da Universidade Federal da Fronteira
Sul (UFFS)/Campus Chapecó – SC, Brasil. daniloenrico@gmail.com
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p213-234
Jar Per (Or.)
214
burguesa e socialdemocrata no mundo, e até no seio do movimento
operário internacional (ALTHUSSER, 1998a, p. 204).
Quais pressupostos e premissas orientaram os críticos da tese do
anti-humanismo teórico de Marx? Sem a pretensão de apresentar sistema-
ticamente o amplo conjunto de artigos e livros que tomaram a obra de
Althusser como objeto de crítica,
2
especialmente os textos que refutaram a
tese do anti-humanismo teórico de Marx, defendida por ele, consideramos
possível indicar alguns enunciados fundamentais e articulados que perme-
aram tais críticas: 1) a noção de homem/humanidade como ponto de parti-
da para a explicação dos fenômenos sociais (LOWY, 1999; THOMPSON,
1981); 2) a exaltação da ação humana na história e a centralidade dada à
ideia de “sujeito da história” (LOWY, 1999; THOMPSON, 1981); 3) a
noção de que, no socialismo, a produção será racionalmente controlada
pelos homens (LOWY, 1999), o que permite sustentar que, somente no
socialismo, o homem deixará de ter sua existência negada por seus predi-
cados e poderá efetivamente se transformar em homem-sujeito (FAUSTO,
1987); 4) a alusão genérica à ideia de que a história das sociedades huma-
nas está sempre em mutação ou mudança (LOWY, 1999; FAUSTO, 1987;
THOMPSON, 1981); 5) a caracterização da evolução das sociedades hu-
manas e da própria obra de Marx como Aufhebung (uma descontinuidade
na continuidade) (FAUSTO, 1987), assumindo, assim, uma perspectiva
teleológica da história e da evolução do pensamento de Marx, que nega
ou oculta a ideia de ruptura e de corte; 6) a defesa do marxismo como um
humanismo, o que leva à ênfase dos aspectos da obra de Marx relacionados
à indignação moral em detrimento de seu caráter científico (LOSURDO,
2011; LOWY, 1999; THOMPSON, 1981), que teriam sido formulados
para denunciar a inumanidade do capitalismo; 7) a centralidade dada às
noções de alienação, essência humana e emancipação humana em detri-
mento dos conceitos de lutas de classes, classes sociais, modo de produção,
formação social, relações de produção, forças produtivas e revolução social.
Com objetivo de analisar o estatuto teórico e político da tese do
anti-humanismo teórico na obra de Althusser, dividimos a presente análise
2
Salvo engano, a análise de Saes (1998) é um dos raros trabalhos que se empenhou em realizar uma reflexão
sistemática e bastante abrangente sobre a recepção crítica da corrente althusseriana, especialmente no Brasil.
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215
em três partes fundamentais. Na primeira parte, indicamos os conceitos de
problemática teórica e corte epistemológico como dispositivos analíticos
fundamentais para a formulação da tese do anti-humanismo teórico. Na
segunda, discutimos a especificidade da noção de humanismo na análise de
Althusser, com vistas a entrever seu tratamento teórico (relação entre ide-
ologia e ciência) e político (consequências práticas). Por fim, debatemos a
relação entre humanismo e socialismo em sua obra e analisamos o desloca-
mento existente na abordagem deste tema na evolução de seu pensamento.
2 PROBLEMÁTICA TEÓRICA E CORTE EPISTEMOLÓGICO COMO DISPOSITIVOS
ANALÍTICOS FUNDAMENTAIS
A crítica ao humanismo teórico foi formulada originalmente em
Pour Marx e “Lire Le Capital”, livros nos quais Althusser toma as obras
de Marx como matéria-prima principal de suas reflexões. O pano de fundo
político de suas análises são os debates decorrentes do XX, Congresso do
Partido Comunista da União Soviética (PCUS), em especial do relatório
Kruschev contra os crimes de Stálin e contra a violação da legalidade socialis-
ta. Tais debates exerceram forte influência sobre a produção teórica marxista
e sobre o movimento comunista internacional da conjuntura do final dos
anos 1950 em diante. Em concordância com a crítica dos crimes de Stálin e
da violação da legalidade socialista, vários intelectuais e militantes vinculados
à tradição marxista ressaltaram a importância de definir o marxismo como
um humanismo, advindo daí a difusão da ideia de revalorizar os textos de
juventude de Marx, nos quais é marcante a problemática humanista.
Nesse debate, Althusser procurou trilhar um caminho distinto
daquele percorrido pelos marxistas que reivindicavam o humanismo teó-
rico. Para ele, ao se limitarem a realizar a crítica ao culto da personalidade
e darem ênfase ao conceito de homem, os críticos do stalinismo acabavam
optando por realizar uma crítica de direita do stalinismo, deixando de ob-
servar o fenômeno do stalinismo a partir da análise da natureza das relações
de classe existentes na União Soviética.
Ao invés de propor uma leitura de valorização dos textos de ju-
ventude de Marx, Althusser formulou uma nova leitura da evolução de
Marx, na qual identificava uma ruptura epistemológica entre os textos de
Jar Per (Or.)
216
juventude e os de maturidade. De acordo com Althusser, era preciso valo-
rizar os textos de maturidade, pois, desde a obra A ideologia alemã, Marx
e Engels haviam descoberto um novo continente – o continente história
–, a partir do qual passaram a formular a crítica social em bases científicas
e materialistas e a realizar um acerto de contas com a consciência filosófica
anterior que defendiam e que era marcada pela ideologia humanista. Para
empreender tal leitura original, Althusser valeu-se da utilização de dois
dispositivos analíticos fundamentais: os conceitos de problemática teórica
e de corte epistemológico.
Em sua obra, o conceito de problemática teórica designa tan-
to o objeto de pesquisa quanto a teoria que orienta toda a análise.
Exemplifiquemos. Na análise que faz da alienação política (“A questão
judaica”) e da alienação econômica (“Manuscritos de 1844”), Marx em-
prega a problemática feuerbachiana que antes estava voltada para o exame
da alienação religiosa. Ou seja, há aqui um deslocamento do objeto de
investigação – antes religião, agora Estado e trabalho – mas não se obser-
va, em decorrência disso, uma mudança significativa no âmbito da teoria
empregada para a análise de tais fenômenos sociais. Situação bem distinta
ocorre quando comparamos os textos de juventude e de maturidade de
Marx. Nesse caso, é possível entrever uma “mudança de terreno”, uma
ruptura nos alicerces teóricos. Se nos textos de juventude, as análises de
Marx são orientadas pela pergunta “O que é o homem?” e, com isso, ga-
nham relevância noções como alienação, ser genérico, essência humana,
emancipação humana; os textos de maturidade passam a ser condicionados
por uma nova questão “O que é história?”, advindo daí a formulação de
novos conceitos, tais como: modo de produção, forças produtivas, relações
de produção, luta de classes e revolução social. Nessa perspectiva, não faz
sentido extrair o conceito de trabalho assalariado, desenvolvido em “O
Capital”, e tentar aplicá-lo aos “Manuscritos de 1844”, obra na qual a no-
ção de trabalho alienado ou estranhado está no posto de comando. O mes-
mo exercício de análise poderíamos fazer com a noção de Estado presente
na obra “A questão judaica”, que está ligada à ideia de alienação política do
homem, e apensá-la ao conceito de Estado formulado nos textos de matu-
ridade, que está vinculado à questão das classes sociais e, portanto, à ideia
de que o Estado possui uma natureza de classe, não podendo, assim, ser
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217
caracterizado como uma simples negação política da essência do homem
perdida na história.
Quando Althusser faz uso do conceito de problemática teórica, ele
procura pensar a evolução do pensamento de Marx não como Aufhebung
(superação) ou uma descontinuidade na continuidade, mas fundamental-
mente como um corte ou ruptura. O exemplo do “Prefácio de 1859” é
importante para observar essa diferença, quando Marx faz referência ao
fato de que a conjuntura de 1845 foi importante para ele e Engels fazerem
um acerto de contas com sua consciência filosófica anterior, opondo o
ponto de vista deles ao ponto de vista ideológico da filosofia alemã. Ou
como indica Althusser, enquanto persistia na busca de novas respostas para
velhas perguntas, a esquerda hegeliana não lograva mudar de terreno ou
fundar um novo sistema teórico ou uma nova problemática. Para atingir
tal objetivo, era preciso lançar novas perguntas.
Assim sendo, a leitura de Althusser sugere que o tratamento
teórico de conceitos e noções não se iguala ao método de caça palavras,
passagens ou noções isoladas, fazendo-se necessário entrever a relação de
determinado conceito com o conjunto de conceitos que constituem de-
terminada formação teórica, bem como seu lugar nesse sistema teórico (se
dominante ou subordinado). Talvez o próprio conceito de formação social,
tal qual definido por Althusser, ajude-nos a entender o que ele concebe
como problemática teórica. Se uma formação social abrange a combinação
de vários modos de produção sob a dominância de um modo de produção
particular, o mesmo pode-se dizer da problemática teórica que pode com-
portar uma pluralidade de modos de produção teóricos, mas é governada e
dirigida por uma teoria particular.
É a partir dessa leitura que Althusser realiza a crítica ao método
analítico-teleológico. O pressuposto analítico é aquele que se ampara na
ideia de que a unidade de um determinado pensamento, ou seja, a unidade
de determinada teoria ou sistema teórico pode ser redutível às suas partes
ou elementos isolados, “[...] condição que permite pensar à parte um ele-
mento desse sistema, e aproximá-lo de outro elemento semelhante per-
tencente a outro sistema” (ALTHUSSER, 1979a, p. 45). O pressuposto
teleológico é aquele que considera os desenvolvimentos teóricos ulteriores
como simples aprofundamento de uma origem, ou ainda, a evolução de
Jar Per (Or.)
218
um determinado pensamento seria tratada como um trajeto em direção a
um fim inelutável, já que a própria origem de determinado pensamento
instituiria uma espécie de “tribunal secreto da história”. Para Althusser, é
preciso pensar
a relação da unidade (interna) de um pensamento singular (em cada
momento do seu devir) com o campo ideológico existente (em cada
momento do seu devir). Mas para pensar essa relação é preciso, no
mesmo movimento, pensar os termos dela (Idem, p. 53).
Ao substituir a ideia de Aufhebung pela de ruptura para pensar a
evolução do pensamento de Marx, Althusser (1979a) coloca-se no campo
da crítica da teoria das origens, segundo a qual a origem determina todo o
devir, e da teoria das antecipações, para a qual o fim determina o sentido
dos movimentos de seu curso. Ele opera, assim, com a ideia de corte episte-
mológico para distinguir duas fases fundamentais na obra de Marx: a) a fase
humanista, que se subdivide em duas subfases: a “humanista racionalista”,
influenciada por Fichte e Kant, na qual o homem é compreendido como
liberdade e razão (vide o texto “Liberdade de Imprensa”), e a “humanista
comunitarista”, influenciada por Feuerbach, na qual ganha centralidade
a disjuntiva homem-comunidade e, consequentemente, noções como ser
genérico, natureza humana, alienação, emancipação humana (vide os tex-
tos “A questão judaica”, “Manuscritos de 1844”, “Introdução à Crítica da
Filosofia do Direito de Hegel”); e b) a fase científica de desenvolvimento
da teoria marxista da história, que tem sua gênese na obra “Ideologia ale-
” e seu coroamento na obra magna “O Capital”, na qual Marx opõe-se
às filosofias da história.
3 O HUMANISMO TEÓRICO COMO IDEOLOGIA: TEORIA E POLÍTICA
Althusser utiliza a metáfora da descoberta de um “novo continen-
te” para descrever esse processo de elaboração da teoria da história. Nesse
sentido, sua análise opera com a distinção entre ciência e ideologia, o que
o leva a caracterizar em termos gerais o humanismo teórico como uma
ideologia, tendo em vista que “a sua função prático-social tem preeminên-
cia sobre a função teórica (ou função de conhecimento)” (ALTHUSSER,
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219
1979b, p. 204), ou ainda, para Althusser, a tese do anti-humanismo teó-
rico de Marx:
É uma tese séria, contanto que a leiam seriamente, e antes de tudo
que levem seriamente em consideração uma das duas palavras que a
compõe, o que não representa, apesar disso, o diabo: a palavra teórico.
Disse e repito que o conceito ou a categoria de homem não desem-
penhava em Marx um papel teórico. Mas é necessário acreditar que
teórico não quer dizer nada para aqueles que não querem entendê-la
(ALTHUSSER, 1998a, p. 223-224).
Althusser faz uso de uma passagem das notas sobre Wagner, como
a epígrafe do artigo “Marxismo e humanismo”, nas quais Marx afirma que
seu método de análise não parte do homem, mas do período social eco-
nomicamente dado, para sustentar a ideia de que o materialismo histórico
não pode atribuir ao conceito de homem um estatuto teórico. Em outro
momento, ratifica tal posição observando que:
[...] quando se parte do homem, não se pode evitar a tentação idealista
da onipotência da liberdade ou do trabalho criador, ou seja, não se faz
mais do que suportar, com toda “liberdade”, a onipotência da ideolo-
gia burguesa dominante, que tem por função mascarar e impor, sob
as formas ilusórias do livre poder do homem, um outro poder, muito
mais real e poderoso, o poder do capitalismo. Se Marx não parte do
homem, se ele recusa produzir teoricamente a sociedade e a história a
partir do conceito de homem, é para romper com esta mistificação que
apenas exprime uma relação de força ideológica, fundada na relação de
produção capitalista. Marx parte então da causa estrutural que produz
esse efeito ideológico burguês que conserva a ilusão de que se deveria
partir do homem: Marx parte da formação econômica dada, especifica-
mente, em O Capital, da relação de produção capitalista, e das relações
que esta determina em última instância na superestrutura. E a todo
momento, ele mostra que essas relações determinam e condicionam os
homens, como os condicionam em sua vida concreta, e como através
do sistema da luta de classes, os homens concretos são determinados
pelo sistema dessas relações (ALTHUSSER, 1998a, p. 230-231).
Para Lowy (1999, p. 211-212), Althusser deforma a ideia susten-
tada por Marx de que é preciso partir dos “homens produzindo em uma
sociedade concreta”. Ocorre que Lowy forja a noção de homem no texto de
Marx para ratificar a tese do humanismo teórico, ocultando assim, a ideia de
formação econômica dada” que, na análise do capitalismo, indica a relação
Jar Per (Or.)
220
de produção capitalista. Ou seja, a interpretação de Althusser é deformada
por Lowy que ignora justamente o fato de que os homens concretos não são
o ponto de partida da análise, mas o ponto de chegada. As atividades exer-
cidas pelos homens concretos são condicionadas pelas relações de produção
capitalista. Na análise de Althusser, a história é um processo sem sujeito, sem
começo, nem fim, o que significa dizer que o movimento da história é a pró-
pria luta de classes, é por excelência constituído por relações contraditórias
– e não por um sujeito (THEVENIN, 1977).
Do que dissemos acima, é possível concluir que predomina na aná-
lise de Althusser a caracterização do humanismo teórico como uma ideologia
e um obstáculo epistemológico para o desenvolvimento da ciência da histó-
ria. Quando se refere ao anti-humanismo teórico, ele faz questão de afirmar
que utilizou essa expressão para indicar a ruptura da ciência marxista da
história com as filosofias da história, mas insiste repetidas vezes que, no sen-
tido rigoroso do termo, seria mais adequado falar em a-humanismo teórico
quando se faz referência ao materialismo histórico (ALTHUSSER, 1980a,
p. 61; 1999a, p. 17; 2007, p. 156). No esquema de análise de Althusser, as
expressões: anti-humanismo teórico e a-humanismo teórico exercem a fun-
ção de designar simultaneamente o corte epistemológico na obra de Marx e
a descoberta do continente da ciência da história.
Nos escritos de autocrítica, Althusser (1998b) indica que operou
muito com a ideia de oposição entre ciência e ideologia e que, portanto,
ignorou a luta de classes quando pensou tal relação. Aceitando a ideia de
que a ciência deve ser concebida como uma ruptura em relação à ideologia,
poderíamos salientar que em seus primeiros escritos, Althusser já sugeria a
ideia de que a ciência nasce da ideologia, mas só poderia se tornar ciência se
lograsse se distinguir da ideologia: “[...] não existe ciência ‘pura’ a não ser na
condição de ser incessantemente purificada [...] Essa purificação, essa liber-
tação, não são adquiridas a não ser ao preço de uma incessante luta contra
a ideologia [...]” (ALTHUSSER, 1979c, p. 147-148). Ou ainda, ele postula
justamente a tese de que seria utópico pensar uma sociedade sem ideologia
(ALTHUSSER, 1979b, p. 205; 1999b) ou sustentar a ideia de que a ciência
pode eliminar a ideologia. Como salienta, em outro momento: “a ciência de
fato nasce da ideologia, na ideologia – e, no entanto, essa ideologia da qual
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221
ela nasce, arrancando-se dela, não pode receber seu nome de ideologia senão
da ciência dela nascida e dela separada” (ALTHUSSER, 1999a, p. 46).
A forma como Althusser compreende o conceito de corte episte-
mológico permite-nos entrever como se opera a ruptura entre ciência e ide-
ologia, ou nos termos aqui analisados, entre ciência da história e ideologia
teórica humanista. Embora, em certos momentos, a análise de Althusser
parece vir a sugerir uma visão essencialista do corte epistemológico, conce-
bido como algo que se dá de uma vez por todas e que conduz a supressão
total do elemento ideológico de um dado sistema teórico, no geral, é pos-
sível afirmar que sua interpretação do corte tende a se apoiar na (ou predo-
mina a) tese de que o corte nada mais é do que um processo, um “evento de
longuíssima duração” e não algo definitivo ou uma espécie de manifestação
brutal que teria propiciado em todas as dimensões um acerto de contas da
ciência com a ideologia, apontando para o fim da ideologia. A passagem a
seguir ilustra o que acabamos de afirmar:
Esse evento [o corte epistemológico] é evento de longa duração, e se ele
tem efetivamente, em um sentido, um começo, em um outro sentido,
ele não tem fim. Pois a ciência, que nasce na e da ideologia da qual ela se
arranca, não está, uma vez nascida, assegurada e estabelecida em seu domí-
nio como em um mundo fechado e puro onde ela não lidaria senão consi-
go mesma. Ela não cessa, vivendo, de trabalhar sobre uma matéria-prima
sempre afetada, a um título ou a um outro, de ideologia, e ele não se esten-
de senão ao avançar sobre “domínios” ou “objetos” designados por noções
que sua conquista permitirá, retrospectivamente, qualificar de ideológicos.
O trabalho de crítica e de transformação do ideológico em científico, que
inaugura toda ciência, não cessa, portanto, jamais de ser a tarefa de ciência
estabelecida. Toda ciência não é senão um corte continuado, escandido nos
cortes ulteriores, interiores (ALTHUSSER, 1999a, p. 47).
Nessa perspectiva, a ciência deve ser pensada como algo que nasce
na e da ideologia, mas dela se separa, o que implica dizer que a matéria-
-prima da ciência é sempre afetada pela ideologia e que o corte é um “pro-
cesso de longuíssima duração”. Esse é um ponto que muitos dos críticos de
Althusser não levaram em consideração, quando questionaram a definição
do marxismo como ciência com o propósito de enfatizar a crítica moralista
em Marx, ou ainda, a indignação moral em seus escritos, tal como fizeram
ompson (1981), Löwy (1999) e Losurdo (2011).
Jar Per (Or.)
222
Aqui, faz-se necessário retomar a ideia de formação teórica, aludi-
da acima, para pensar a coexistência de vários modos de produção teóricos
sob a dominância de um modo de produção teórico particular. Ou ainda,
é o conceito de formação teórica que nos permite entrever o corte episte-
mológico como um processo de longuíssima duração que desloca as ideo-
logias teóricas para uma posição subordinada numa dada formação teórica.
Nesse sentido, a permanência de noções da problemática humanista nos
textos científicos de Marx não invalidaria a ideia de corte epistemológico
na obra de Marx. Ao contrário disto, o conceito de formação teórica indica
que o corte epistemológico não anula de uma vez por todas a existência
do humanismo teórico. Na verdade, o corte epistemológico produz um
triplo efeito combinado: 1) de romper com o humanismo teórico ou com
uma dada ideologia teórica que ainda não era conhecida como tal; 2) de
mover/deslocar a teoria da história ou uma dada ciência para a condição de
problemática teórica dominante; e 3) de inserir a ideologia teórica, antes
dominante, numa posição dominada ou subordinada numa determinada
formação teórica. Só assim podemos entender o significar as ideias de con-
tínuo “trabalho de crítica e de transformação do ideológico em científico
ou de “corte continuado”, mencionadas por Althusser na citação acima.
Ao considerar o humanismo teórico como uma ideologia, é
preciso observar que tal caracterização abrange duas ordens de questões
principais: a relação da ideologia com a ciência, ou seja, o seu tratamento
epistemológico; e a ideologia em seu sentido prático, o que implica a abor-
dagem política desta questão (SAMPEDRO, 2010).
No que se refere à relação com a ciência da história (ou materia-
lismo histórico), a ideologia humanista caracteriza-se fundamentalmente
como um obstáculo epistemológico que interdita a possibilidade de elabo-
ração de uma teoria científica da história. Ou melhor, a ideologia humanis-
ta se constitui a partir da ideia abstrata de homem/humanidade e blinda a
possibilidade de pensar o conceito de história como processo. Na obra do
jovem Marx, tudo gira em torno da noção de essência humana, já que as
noções de alienação e emancipação humanas indicam, respectivamente, a
ideia de perda ou recuperação da essência humana. Ademais, a noção de
alienação não permite designar a especificidade das relações de produção
em cada época histórica, já que se remete à ideia de uma “essência intem-
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
poral” ou à “constatação do atual”: “Substituindo o conceito de exploração
ou de extração de mais-valia, a alienação faz desaparecer a especificidade
histórica do objeto de estudo, ela permite trocar a explicação das causas
pela descrição dos efeitos” (BALIBAR, 2014, p. 238). Dito de outra ma-
neira: a noção de alienação obsta a construção do conceito de história, já
que a relação entre os homens é vista como uma eterna repetição. Isso fica
claro na crítica que Althusser faz ao pensamento de Feuerbach que, segun-
do ele, não leva em consideração o conceito de processo:
Não é sobre as barricadas que se decide o destino da humanidade, nem
com mais razão ainda, o destino da classe operária, mas na reforma
da consciência, no reconhecimento que a religião de Deus não é por
toda a eternidade, senão a religião do Homem que se desconhece. O
Humanismo teórico mostrava assim, na prática, o que ele tinha ‘em
mente’: uma ideologia pequeno-burguesa descontente com o despotis-
mo prussiano e com a impostura da religião estabelecida, mas assustada
com a Revolução que seus conceitos morais tinham de antemão desar-
mado (ALTHUSSER, 1999a, p. 26).
Em decorrência disto, a emancipação humana só pode ser pensa-
da no sentido puramente filosófico, já que, nessa problemática, a libertação
não é a transformação de uma realidade em outra realidade, é a passagem
do fato ao direito [...] Porque a alienação não é um conceito histórico, mas
antropológico, a revolução também não é histórica. Ela é o fim da história,
instante absoluto da reunião do homem consigo mesmo [...]” (Idem, p.
238-239). Portanto, o humanismo não pode vir a cumprir a função de “co-
nhecimento” ou função “cognoscitiva” das estruturas sociais, das relações
de produção e das lutas de classes. Como toda ideologia, o humanismo
só pode vir a desempenhar uma função de “reconhecimento” ou função
prático-social”.
3
No que se refere ao sentido prático da ideologia humanista,
Althusser procura qualificá-la como pequeno-burguesa e burguesa. Para
ele, o que há de fundamental na ideologia humanista é que, além de ela
não passar de uma pretensão teórica, ela produz efeitos no plano político:
o efeito de “desarmar o proletariado” (ALTHUSSER, 1999a, p. 44), ou
3
Como observa Sampedro (2010, p. 36): “O que interessa, no modo de proceder ideológico, é que a conclusão
se torne ‘evidente’: a posição ideológica não aparece nunca como alternativa, mas como necessidade, como im-
posição de ‘evidência’ conaturais uma função de reconhecimento, nunca de conhecimento”.
Jar Per (Or.)
224
ainda: “O Humanismo Teórico (ou tudo que a ele se assemelhe) é o disfar-
ce teórico da ideologia moral pequeno-burguesa recém-chegada. Pequena-
burguesia no pior sentido da palavra: contra-revolucionária” (Idem, p. 33).
Nesse sentido, observamos que Althusser procura especificar o conteúdo
de classe da ideologia humanista, entendida como uma ideologia peque-
no-burguesa.
Aqui se coloca com toda evidência os problemas relacionados à
fusão da teoria marxista com o movimento operário, uma vez que:
[...] a ideologia espontânea do proletariado foi transformada pela ação
da teoria marxista na luta ideológica e na ação política dos partidos
comunistas. [...] É preciso sempre lutar contra a ideologia espontânea
que reina sem cessar no proletariado, porque ela o submete à influência
da ideologia pequeno-burguesa e burguesa [...] (ALTHUSSER, 2000,
p. 182-183).
No diálogo com o então Secretário Geral do PCF, Waldeck
Rochet, Althusser indica qual segmento social a ideologia humanista in-
terpela:
Ele [Rochet] diz: você compreende quando eu utilizo o termo huma-
nismo, o que tenho em vista é me direcionar a todas as pessoas que o
empregam, para nossa política de unidade. Eu [Althusser] respondo:
de fato, você se direciona antes de tudo aos pequeno-burgueses, porque
são eles que, massivamente, vivem na ideologia humanista e falam sua
linguagem (Ibidem, p. 186).
4 HUMANISMO E SOCIALISMO
Podemos ir mais adiante nessa discussão sobre o papel que cum-
pre a ideologia humanista na luta política. Althusser esclarece aqui que
o humanismo já cumpriu seu papel revolucionário quando se projetou
enquanto ideologia da burguesia em ascensão contra a ideologia feudal
centrada na ideia de Deus, mas que deixaria de cumprir esse papel na luta
pelo socialismo
4
. Aqui assume importância o fato de a ideologia humanista
4
A ideologia humanista pode também assumir um papel revolucionário nas lutas anticoloniais, já que tais lutas
se inscrevem no processo de revolução democrática burguesa. Losurdo (2011) critica o marxismo ocidental,
incluindo aqui a análise de Althusser, por ter ignorado ou secundarizado a luta anticolonial, mas parece não
observar que se, por um lado, a ideologia humanista pode vir a cumprir um papel revolucionário nas formações
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225
ser identificada com a ideologia jurídica burguesa, que se funda na ideia de
sujeito de direito. Sobre isso, Althusser (1979b, p. 197) chama a atenção
para o fato de que enquanto no feudalismo a palavra liberdade é conce-
bida na forma “não racional” do privilégio, no capitalismo, a liberdade é
apreendida sob a forma racional do direito universal. Ele salienta ainda
que falar em “homem que faz a história” era revolucionário do ponto de
vista burguês por se colocar contra a ideologia feudal que postula a ideia
de que “Deus faz a história” (ALTHUSSER, 1973), tendo asseverado que
a rigor, não estamos mais no tempo do “combate à ideologia religiosa de
uma História submetida aos decretos de Deus ou aos Fins da Providência
(Ibidem, p. 48) e ratificado alguns anos depois: “Mas, já não estamos nes-
ses tempos!” (ALTHUSSER, 1988, p. 79).
Inspirado na problemática althusseriana, Edelman (1976) pro-
cura demonstrar a relação profunda existente entre a ideologia burguesa e
a ideologia jurídica, relação que tem como base fundamental a noção de
homem. Para ele, em seu ato de nascimento, a ideologia jurídica proclama
a pessoa humana como um sujeito de direito e, assim, torna todos os indi-
víduos “proprietários de si”, algo impossível de se concretizar numa socie-
dade escravista, na qual o escravo como objeto de propriedade, não pode
tornar-se um sujeito de direito. É justamente na esfera da circulação que a
ideologia jurídica se materializa e “a forma sujeito desvenda a realidade das
suas determinações numa prática concreta: o contrato” (Idem, p. 130) às
custas de guardar em segredo as relações de produção e, consequentemen-
te, a exploração de classe. Assim, a circulação cumpre o papel de abolir as
diferenças, pois caracteriza-se como um “processo de sujeitos”, uma rela-
ção de “proprietários potenciais”. Como ressalta Edelman (1976, p. 150),
o ponto de partida e de chegada da ciência do direito é o homem, o que
significa que: “O movimento desta ciência burguesa é imóvel: parte-se do
sujeito para reencontrar sujeito”. Por meio desta análise, é possível observar
a função que cumpre a noção de homem no âmbito da ideologia jurídica:
a função de colocar em segredo a luta de classe, pois interpela os agentes
sociais que não lograram superar a situação de independência política e não conseguiram formar um Estado
nacional no sentido forte do termo, por outro, tal ideologia torna-se um obstáculo político para a construção
do socialismo, na medida em que não consegue romper com a noção de homem que é base fundamental da
ideologia jurídica burguesa.
Jar Per (Or.)
226
como sujeitos de direito e os condicionam a ver a si próprios como livres e
proprietários de si.
Embora, Althusser tenha se reportado diversas vezes à presença
ou não da ideologia humanista na evolução do pensamento de Marx, é
possível observar que suas análises estão profundamente voltadas para o
debate sobre a influência da ideologia humanista no seio do movimento
operário. Em linhas gerais, essa influência pode ser considerada um impor-
tante indicador das dificuldades que envolvem a união entre teoria marxis-
ta e movimento operário, como também denota os obstáculos impostos à
luta do movimento operário no sentido de romper com a ideologia huma-
nista, concebida como ideologia jurídica burguesa, interditando assim as
vias de rompimento com a ordem do capital.
Tanto o debate sobre a distinção entre ciência da história e ideo-
logia humanista quanto a relação de correspondência entre ideologia hu-
manista e ideologia jurídica burguesa conduzem-nos à discussão sobre o
socialismo. No fundamental, as experiências revolucionárias do século XX,
tais como as revoluções russa, chinesa e cubana, não lograram romper com
a lógica do capital e constituir efetivamente sociedades socialistas, pois re-
sultaram na construção de um tipo novo de capitalismo: o capitalismo
de Estado. A simples transferência jurídica da propriedade das mãos dos
capitalistas privados para o Estado revelou-se historicamente como insu-
ficiente para viabilizar a constituição de um Estado operário, no qual os
produtores diretos controlam os meios de produção e dirigem o processo
social da produção.
Ao abordarmos a questão do socialismo, somos conduzidos a
fazer a seguinte pergunta: há alguma compatibilidade entre humanismo
teórico e socialismo? Se o humanismo se caracteriza como uma ideologia
burguesa ou pequeno-burguesa, podemos concluir que seria mais adequa-
do nos pronunciarmos sobre o não-lugar do humanismo teórico no socia-
lismo. Tratemos a seguir de problematizar alguns aspectos da análise de
Althusser em torno desta questão.
No artigo “Marxismo e humanismo”, Althusser discute a possi-
bilidade de utilizar a ideia de “humanismo revolucionário”, “humanismo
de classe” ou “humanismo socialista”, mas com a condição de se referir a
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227
uma situação em que o fim da exploração do homem é entendido como o
fim da exploração da classe operária, ou ainda, o “humanismo de classe
deveria ser entendido como ditadura de classe (democracia para os traba-
lhadores – ditadura para os opressores). Na visão dele, esse tipo de enten-
dimento foi aplicado na primeira fase da história da URSS e vinha sendo
implementado na China dos anos 1960. No entanto, como ele observa, a
ideia de humanismo vigente na segunda fase da história da URSS passou a
ser o “humanismo socialista da pessoa”, no qual são valorizados o respeito
à legalidade, a dignidade da pessoa e a liberdade do indivíduo. Nessa pers-
pectiva, o humanismo socialista da pessoa teria sucedido na ideologia o
humanismo de classe.
É verdade que Althusser observa o caráter contraditório da
expressão humanismo socialista que abrange uma noção ideológica
(humanismo) e uma noção científica (socialismo); ou que se refira
criticamente ao conceito de “humanismo de classe”, num texto de 1967
não-publicado, como um “conceito absurdo” (ALTHUSSER, 1999a, p.
11). Ao mesmo tempo, ele indica a possibilidade de empregar com reservas
a expressão humanismo socialista para criticar e denunciar a inumanidade
do capitalismo, do imperialismo e do colonialismo, descartando, contudo,
seu uso como conceito teórico.
Na série de textos e cartas que compõem o livro “Polémica sobre
marxismo y humanismo”, Althusser (1980b) salienta que é legítimo os co-
munistas considerarem a luta para pôr fim ao capitalismo como uma luta
de longo prazo para a libertação do homem, assim como a oposição entre
a inumanidade das sociedades capitalistas e a humanidade das sociedades
socialistas. No entanto, observa que é preciso levar em conta que as con-
dições concretas e formas de uma nova existência humana só podem ser
garantidas com a constituição de um “modo de produção socialista” que
liberaria as classes exploradas da exploração e da dominação a que estavam
subjugadas pelas classes exploradoras. De acordo com ele, a transforma-
ção revolucionária com vistas à construção do socialismo: “Não instaura o
reino da ‘liberdade humana’, instaura o reino de outro modo de produção,
o modo de produção socialista” (Ibidem, p. 187). Para Althusser, a ideo-
logia do humanismo socialista exerce importantes funções prático-sociais,
mas desconhece a realidade das classes e das lutas de classe: “[...] a palavra
Jar Per (Or.)
228
Humanismo é explorada pela ideologia burguesa que a utiliza para com-
bater, ou seja, para aniquilar uma outra palavra verdadeira e vital para o
proletariado: luta de classes” (ALTHUSSER, 1998c, p. 155). Nesse sentido,
ele indica a necessidade de analisar como o modo de produção condiciona
sempre os homens, ou ainda, como aquilo que é concebido como atributos
absolutos do homem, é, na verdade, determinado pelo modo de produção
vigente de acordo com as relações de classe e a luta de classes.
Ao operar com a distinção entre humanismo de classe e humanis-
mo da pessoa, ao conferir legitimidade às funções prático-sociais da ideo-
logia humanista e ao empregar o conceito de modo de produção socialista,
a análise de Althusser demonstra ter dificuldades de romper com a visão
jurídica de socialismo advogada pelos dirigentes comunistas chineses. Tais
elementos se reforçam na análise que ele faz da revolução cultural, como
podemos observar na caracterização do que vem a ser um país socialista,
feita principalmente a partir da experiência chinesa:
É um país onde houve uma revolução política socialista (tomada do
poder em condições históricas diferentes, mas levando à ditadura do
proletariado), depois uma revolução econômica (socialização dos meios
de produção, instauração de relações de produção socialistas). Um país
socialista assim constituído ‘constrói o socialismo’ sob a ditadura do pro-
letariado, e, quando chega o momento, prepara a passagem ao comu-
nismo. É um trabalho de grande fôlego (ALTHUSSER, 2010, p. 154).
Depois de realizar as revoluções política e econômica, os países
socialistas deparam-se com duas vias: a via da regressão ao capitalismo e a
via revolucionária. Para não “parar no caminho” e “ir à frente”, impõe-se
realizar a “revolução ideológica de massa”, proletária e socialista. Nesse sen-
tido, tomando como pressuposto aquilo que se concretizaria como destino
da revolução cultural chinesa, Althusser chama a atenção para a formação
das organizações próprias da revolução cultural que seriam as responsáveis
pela construção da revolução ideológica. Na visão dele, em acordo com
a posição dos dirigentes comunistas da época, o terreno da ideologia se
tornaria decisivo. Assim sendo, ocorre uma espécie de divisão do trabalho:
os sindicatos são concebidos como a organização fundamental para o nível
da luta econômica, o partido para o nível da luta política e as organizações
de massa da revolução cultural para o nível da luta ideológica, cabendo, no
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229
entanto, ao partido a função de dirigir a revolução cultural. Althusser sa-
lienta que, no período da ditadura do proletariado, ocorre uma “fusão par-
cial, mas inevitável [...] entre o partido e o aparelho de Estado” (Ibidem, p.
168), daí advindo a importância de constituir mecanismos de controle das
relações entre partido e Estado, que são justamente o movimento de massa
e as organizações de massa,
[...] cuja tarefa ‘principal’ atual consiste, na R.C., em denunciar e cri-
ticar os dirigentes que se afastam das massas, que têm um comporta-
mento burocrático ou tecnocrático, que por suas ideias ou por seus
costumes’, hábitos de vida, de trabalho e de liderança, abandonam a
via revolucionária’ e se engajam na ‘via capitalista’ (Ibidem, p. 169).
Althusser demonstra ter muito apreço pelos rumos da revolução
cultural chinesa, mas é visível como sua análise do processo revolucionário
esbarra-se numa concepção jurídica de socialismo. Na verdade, tais con-
cessões são fortes indícios das dificuldades de Althusser romper com a pro-
blemática humanista no exame da experiência revolucionária chinesa. Isso
significa que Althusser analisa a revolução cultural sem lograr ultrapassar
as categorias básicas da ideologia jurídica burguesa e indicar uma linha de
demarcação nítida entre socialismo e capitalismo de Estado.
Naves (2010) identifica duas dificuldades na análise de Althusser
acerca da transição ao socialismo na China. A primeira delas está relacio-
nada com a caracterização da natureza da revolução cultural chinesa. Para
ele, Althusser confunde transformação das relações de produção com mera
transferência de titularidade jurídica dos meios de produção, o que redun-
da na ideia de que teria havido a “socialização da economia” ou revolução
econômica na China; assume acriticamente a tese de que a revolução po-
lítica socialista teria ocorrido simplesmente porque o Partido Comunista
Chinês teria passado a exercer o poder de Estado; e considera que a luta
de classes perdura depois de instalada a ditadura do proletariado sob a for-
ma de conflito ideológico entre posições burguesas e posições proletárias.
Como contraponto à análise de Althusser, Naves observa que
[...] a mera adoção de medidas jurídicas sobre a propriedade não leva
efetivamente a qualquer alteração na base econômica, que era capita-
lista antes da revolução e continua depois dela. A única mudança que
ocorre, em decorrência da tomada de poder, é a constituição de um
Jar Per (Or.)

capitalismo de Estado e, consequentemente, de uma burguesia de Estado,
que ocupa o lugar, no processo de produção e no centro do poder po-
lítico, da antiga burguesia, expropriada dos meios de produção. Desse
modo, o objetivo da revolução cultural teria que ser a derrubada do
poder dessa nova classe burguesa, instalada nos aparelhos administrati-
vos de Estado pelo partido comunista, e a transformação real das bases
materiais de seu domínio (Ibidem, p. 149).
A segunda dificuldade diz respeito à relação entre partido e mo-
vimento de massas, tendo em vista que, para Althusser, as organizações de
massa deveriam ser subordinadas ao partido que deveria cumprir o papel
dirigente na revolução cultural. Para Naves (2010), Althusser não leva em
conta que o partido é um aparelho da burguesia de Estado e que, portanto,
deve ser concebido como “um dos alvos principais dos revolucionários”;
nem discute a necessidade do partido de atuar por fora do Estado. Em
síntese, ao compartilhar as posições dos dirigentes comunistas chineses,
Althusser não teria logrado observar que a construção do socialismo na
China deveria passar pela derrubada da burguesia de Estado, o que o levou
a incorporar alguns dos pressupostos fundamentais do socialismo jurídico
na análise da experiência revolucionária chinesa. Algo bem distinto viria a
se suceder em suas análises sobre a crise do marxismo.
Os textos sobre a crise do marxismo voltam-se à discussão da teoria
marxista como um elemento interno ao movimento operário. Nesse sentido,
ganha relevância a análise das organizações e práticas do movimento operá-
rio, bem como das experiências revolucionárias do século XX. Em tais aná-
lises, Althusser rompe mais nitidamente com a ideologia jurídica burguesa
e, consequentemente, com os pressupostos basilares do socialismo jurídico.
É justamente a partir da crítica radical do direito burguês expressas nessas
reflexões sobre a crise do marxismo que podemos observar o não lugar da
ideologia humanista na discussão sobre a transição socialista.
5
A análise de Althusser não insinua mais a possibilidade de exis-
tir um humanismo de classe, assim como não opera mais com a ideia de
modo de produção socialista ou mesmo compactua com a tese de que, no
socialismo, deve haver um partido dirigente que se torna Estado. Althusser
5
Desenvolvemos uma reflexão dos textos de Althusser sobre a crise do marxismo em: Martuscelli, 2014.
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
caracteriza o socialismo como um período instável de transição do capita-
lismo ao comunismo e indica a necessidade de pensar a política por fora
do Estado. Nos textos sobre a crise do marxismo, Althusser realiza um
deslocamento de posição no que se refere à discussão sobre a relação entre
humanismo e socialismo, iniciada nos anos 1960. É a partir das reflexões
contidas nesses textos que ele formula mais claramente a crítica à função
prático-social da ideologia humanista, que passa a ser caracterizada como
reacionária para atingir o propósito de construção do socialismo. Nesses
termos, a crítica radical do socialismo jurídico pode ser concebida como a
via aberta para a descoberta de um novo continente: o continente de uma
política operária autônoma.
5 BREVES CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do que dissemos acima, podemos concluir que a tese do anti-hu-
manismo teórico elaborada por Althusser abrange questões de ordem teóri-
ca e política de significativa importância para a ciência marxista da história
e para pensar a própria transição ao socialismo, ou seja, são questões que
dizem respeito diretamente aos impasses e às dificuldades de união entre
teoria marxista e movimento operário. Muitos daqueles que tacharam as
análises de Althusser como teoricista, deixaram de enfrentar com rigor esse
problema de fundo e, consequentemente, sucumbiram à caracterização do
marxismo como simples ato de indignação moral.
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

MA
TERIAIS PARA PESQUISA SOBRE
O MARXISMO ALTHUSSERIANO
1ϕ
Ao submeter à crítica rigorosa e sistemática o economicismo e o
humanismo teórico, o marxismo althusseriano produziu efeitos não ape-
nas sobre a própria teoria marxista, ensejando a sua renovação e enfati-
zando seu caráter científico, como também impactou diferentes campos
disciplinares, tais como são referências os trabalhos pioneiros de: Michel
Pêcheux na Análise do Discurso; Maurice Godelier na Antropologia; Nicos
Poulantzas na Ciência Política; Christian Baudelot, Roger Establet e Louis
Althusser na Educação; Louis Althusser, Étienne Balibar, Gianfranco La
Grassa, Maria Turchetto e Nicole-Édith évenin na Filosofia; Bernard
Edelman e Michel Miaille no Direito; Charles Betellheim na Economia;
Barry Hindess e Paul Hirst na História; Pierre Macherey na Teoria Literária,
entre outros.
Embora nunca tenha se reconhecido como filiado a essa tradição
do marxismo, já em meados dos anos 1960, quando acabara de traduzir
e publicar um dos primeiros textos de Althusser no Brasil, o jornalista e
dirigente da Ação Popular, Duarte Pereira salientava a importância da obra
de Louis Althusser para os estudos marxistas, ao observar que:
Althusser não pretende possuir as respostas acabadas dos árduos
problemas que suscita. Ao contrário, suas pesquisas apenas começaram.
Althusser não deve também ser convertido no patrono de uma nova or-
todoxia. Ao contrário, seu pensamento é eminentemente anti-dogmático.
Mas uma coisa é indiscutível: não há mais possibilidade de abordar o estu-
1
Esta lista de materiais foi organizada por Danilo Enrico Martuscelli, que contou com a ajuda de Geise Targa de
Souza, para um levantamento inicial de textos; de Rodrigo Fonseca, para um levantamento de textos da área de
Análise do Discurso; de Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida, para um levantamento de artigos da revista Teoria
& Política e outros; e de Luiz Eduardo Motta para fontes diversas.
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p235-261
Jar Per (Or.)

do e o debate do marxismo pretendendo ignorar a contribuição indispen-
sável e decisiva de Althusser (p. 6).
2
Com o objetivo de fomentar o estudo e o debate sobre a obra
de Louis Althusser e o legado do marxismo estrutural, disponibilizamos
abaixo, em três seções diferentes, um conjunto de materiais para pesquisa.
Trata-se de um levantamento de materiais inicial – e, portanto, ainda in-
completo –, que pode ser ampliado e reformulado por estudiosos do tema.
Na primeira seção disponibilizamos uma relação de artigos e li-
vros escritos ou organizados por Louis Althusser, traduzidos para a língua
portuguesa e publicados no Brasil e em Portugal.
Na segunda seção, organizamos uma lista de artigos, capítulos de
livro, livros, teses e dissertações publicados principalmente no Brasil, que
abordam: aspectos diversos da obra de Louis Althusser em suas diferen-
tes fases; do coletivo de pesquisadores (Louis Althusser, Étienne Balibar,
Jacques Rancière, Pierre Macherey e Roger Establet) que integraram os se-
minários sobre “O Capital”, resultando na publicação de “Lire Le Capital
(1965); de autores estrangeiros que foram influenciados pelas primeiras
obras de Althusser, como são os casos de Bernard Edelman, Michel Miaille,
Michel Pêcheux, Nicos Poulantzas; e de pesquisadores já reconhecidos em
seus campos disciplinares e que produziram análises com forte afinidade
teórica com a obra de Althusser, tais como Charles Bettelheim e Maurice
Godelier, entre outros. Alguns dos textos aqui indicados procuram tomar
a obra de Althusser como objeto principal de análise, seja para comentar
ou aprofundar aspectos de seu pensamento, seja para criticá-lo parcialmen-
te ou em sua totalidade. Outros textos procuram discutir o pensamento
althusseriano à luz de debates mais amplos realizados nos mais diferentes
campos disciplinares tais como: Análise do discurso, Antropologia, Ciência
Política, Direito, Economia, Filosofia, Geografia, História, Psicanálise,
Relações Internacionais, Sociologia etc.
Na terceira seção, disponibilizamos uma série de referências das
mídias e redes sociais para os estudos althusserianos. A seção contempla
2
Texto apócrifo escrito durante os anos de chumbo no Brasil e que se insere como introdução do livro: Marxismo
segundo Althusser (São Paulo: Sinal, 1967), que contém dois artigos: “éorie, pratique théorique et formation
théorique. Idéologie et lutte politique”, de Louis Althusser, traduzido por Duarte Pereira sob o título: “Marxismo,
ciência e ideologia”; e “O marxismo é um humanismo?”, de Raymond Domesgue.
L A

indicações de revistas e associações culturais, uma gravação histórica de
uma entrevista com Louis Althusser, uma composição musical inspirada
na discussão althusseriana sobre ideologia, um documentário sobre Nicos
Poulantzas, além de áudios e vídeos com entrevistas e palestras proferidas
por pesquisadores/as acerca do legado althusseriano.
SEÇÃO I
LIVROS E ARTIGOS DE LOUIS ALTHUSSER DISPONÍVEIS EM PORTUGUÊS
LIVROS:
ALTHUSSER, L. Por Marx. Campinas: Ed. Unicamp, 2015
3
.
______. Política e história: de Maquiavel a Marx. São Paulo: Martins Fontes,
2007.
______. Sobre a reprodução. Petrópolis: Editora Vozes, 1999.
______. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1998.
______. O futuro dura muito tempo (seguido de Os fatos). São Paulo: Companhia
das Letras, 1992.
______. Lênin e a filosofia. São Paulo: Edições Mandacaru, 1989.
______. A transformação da filosofia (seguido de Marx e Lênin perante Hegel). São
Paulo: Edições Mandacaru, 1989.
______. Freud e Lacan. Marx e Freud. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.
______. Posições 2. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1980. [Aparelhos ideológicos
de Estado, Freud e Lacan, Marxismo e luta de classes, Como ler O Capital?, A
filosofia como arma da revolução]
______. Posições I. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978. [Resposta a John Lewis,
Elementos de autocrítica e Sustentação de Tese em Amiens]
______. O 22º. Congresso. Lisboa: Editorial Estampa, 1978.
______. Posições. Lisboa: Novos Horizontes, 1977.
______. A favor de Marx. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
______. Sobre o Contrato Social. Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1976.
3
No Brasil, a obra “Pour Marx” recebeu três diferentes traduções: Por Marx (2015), A favor de Marx (1979),
Análise crítica da teoria marxista (1967).
Jar Per (Or.)

______. Filosofia e filosofia espontânea dos cientistas. Lisboa: Editorial Presença/
Martins Fontes, 1976.
______. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. Lisboa: Editorial Presença/
Martins Fontes, 1974.
______. Resposta a John Lewis. Lisboa: Editorial Estampa, 1973.
______. Montesquieu: a política e a história. Lisboa: Editorial Presença, 1972.
______. Análise crítica da teoria marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
______. Marxismo segundo Althusser. São Paulo: Sinal, 1967. [Marxismo, ciência
e ideologia]
______. Sobre o trabalho teórico: dificuldades e recursos. Lisboa: Editorial
Presença, s/d.
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______. Ler O Capital. v. 1. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979. [De O Capital
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______. Dialética e ciências sociais. Rio de Janeiro, Zahar, 1967.
______. Polémica sobre o humanismo. Lisboa: Editorial Presença, s/d. [Introdução,
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ARTIGOS:
ALTHUSSER, L. Carta aos camaradas do Comitê Central do PCF. Crítica
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______. Sobre a gênese. Cadernos Cemarx, n. 8, 2015, p. 155-160.
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Rossanda). Abril, n. 4, 1978, p. 25-32.
______. As teses. Sobre Monod. Sobre Desanti e os pseudos “problemas de
terceira espécie”. Tempo brasileiro. Epistemologia 2, n. 30/31, 1973, p. 125-168.
SEÇÃO 2
A
RTIGOS, CAPÍTULOS DE LIVRO, LIVROS, TESES E DISSERTAÇÕES PUBLICADOS NO
BRASIL SOBRE O MARXISMO ALTHUSSERIANO
ARTIGOS E CAPÍTULOS DE LIVRO:
ALBUQUERQUE, J. A. G. Althusser, a ideologia e as instituições. In:
ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1983.
______. Por uma análise política das instituições. In: Instituição e poder. Rio de
Janeiro: Graal, 1980.
Jar Per (Or.)
240
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RIBEIRO, J. F. Althusser, Marx e o problema da questão do Estado. Campinas,
Mestrado em Filosofia (Unicamp), 2014.
RIBEIRO, T. M. Jogo nas regras, jogo sobre as regras: real da língua e jogo na obra
de Michel Pêcheux. Campinas, Mestrado em Linguística, 2016.
RIVA, G. V. Democracia e Cidadania: um confronto entre as teorias contempo-
râneas de Balibar e O’Donnell. Rio de Janeiro, Mestrado em Direito (PUC-Rio),
2014.
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SEÇÃO III
M
ARXISMO ALTHUSSERIANO NAS REDES E MÍDIAS SOCIAIS
GRUPOS E REVISTAS DE ESTUDOS ALTHUSSERIANOS:
ASSOCIAZIONE CULTURAL LOUIS ALTHUSSER. Disponível em: <http://
www.turchetto.eu/althusser/index.htm>.
DECALAGES: an Althusser Studies Journal. Disponível em: <http://scholar.oxy.
edu/decalages>.
DEMARCACIONES: revista latinoamericana de estudios althusserianos. ISSN:
0719-4730. Disponível em: <http://revistademarcaciones.cl/>.
L A
259
GRUPOS ALTHUSSERIANOS DE DISCUSSÃO E DE DISPONIBILIZAÇÃO DE MATERIAIS
NO FACEBOOK:
ALTHUSSER AND THEORETICAL ANTI-HUMANISM. Disponível em:
<https://www.facebook.com/groups/theoreticalantihumanism/?fref=ts>.
REDE ALTHUSSERIANA. Disponível em: <https://www.facebook.com/
groups/544899605654063/?fref=ts>.
DOCUMENTO HISTÓRICO:
CHARBONNIER, G. Entrevista com Louis Althusser e Émile Botigelli. RTF.
Difusão em 13 mar. 1963 (em francês). Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=0_0JcAmZ5U0>.
MÚSICA:
AMERICAN DREAM SONG. Ideologies. Disponível em: <https://www.youtu-
be.com/watch?v=xs_FBmRBdDo>.
DOCUMENTÁRIO:
NICOS POULANTZAS: diez años de ausencia (Parte 1 de 3). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=mchAHtQgUL8>.
NICOS POULANTZAS: diez años de ausencia (Parte 2 de 3). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=RkB9T4JNJLM>.
NICOS POULANTZAS: diez años de ausencia (Parte 3 de 3). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=x2w4CFeRM7g>.
ÁUDIOS E VÍDEOS (EM PORTUGUÊS OU CASTELHANO):
E
NTREVISTAS
MORALES, C. A 50 años de «Para leer el capital» homenaje a Althusser: en-
trevista Étienne Balibar. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=g-
DBYIYwD8HQ>.
Entrevista com Étienne Balibar. Disponivel em: <https://www.youtube.com/wa-
tch?v=zap5zb9qxfc>.
Jar Per (Or.)
260
Filosofia y Marxismo: entrevista com Fernanda Navarro. Disponível em: <ht-
tps://www.youtube.com/watch?v=ecZ1wzZSXWU>.
Ideologia y Aparatos Ideologicos de Estado: entrevista com Marta Harnecker.
Programa 100: escuela de cuadros. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=Erlc3gHV1sI>.
Entrevista com Marcelo Starcenbaum sobre Althusser. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=j9HknqYUmQ4>.
KOHAN, N. Tras las pistas de Althusser: entrevista com Marta Harnecker.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=YnGdv8D55pM>.
MESAS-REDONDA, PALESTRAS E CONFERÊNCIAS:
Mesa-redonda com João Quartim de Moraes, Luciano Martorano, Lúcio Flávio
de Almeida e Luiz Eduardo Motta. Althusser: 50 Anos de O Capital por Marx.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=QRzsW7ogxCk>.
Mesa-redonda com Pedro Karczmarczyk, Luiz Eduardo Motta e Márcio
Bilharinho Naves. Althusser cinquentenário de Lire le Capital e de Pour Marx.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=cWec6bq0hsM>.
Mesa-redonda com Armando Boito Jr., André Constantino Yazbek e Luiz
Eduardo Motta. Althusser e o pensamento francês. Disponivel em: <https://www.
youtube.com/watch?v=mgmhyauvr-8>.
Mesa-redonda com Eliel Machado, Danilo Martuscelli e Sávio Cavalcante.
Althusser: luta de classes e “sujeito” da história. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=jcpzhxr2xns>.
Mesa-redonda com Lauro Baldini, Armando Boito Jr. e Jair Pinheiro. Jornadas
“Louis Althusser”. 50 anos de Lire le Capital e Pour Marx. Disponível em: <http://
cameraweb.ccuec.unicamp.br/watch_video.php?v=5RN7RD56DMOW>.
Mesa-redonda com Mônica Zoppi-Fontana, Celso Kashiura e Mauro W. Barbosa
de Almeida. Jornadas “Louis Althusser. O legado de Althusser para as Ciências
Humanas. 50 anos de Lire le Capital e Pour Marx. Disponível em: <http://came-
raweb.ccuec.unicamp.br/watch_video.php?v=1DMYDS5589D6>.
Mesa-redonda com Carlos Ham e Francisco Barrón. Para leer el capital: miradas
críticas sobre Louis Althusser. Disponível em: <https://www.youtube.com/wat-
ch?v=vqjy6rcwl0c>.
L A
261
Mesa-redonda com Diana Fuentes, Sergio Lomelí, Jaime Ortega e Cesáreo
Morales. Para leer el capital: ¿leer el capital? Disponível em: <https://www.youtu-
be.com/watch?v=szg-mqx18fw>.
Mesa-redonda com Marcelo Rodriguez, Nestor Castro e Osvaldo Fernández. I
Seminário teorias críticas “Representaciones e Ideologias”.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=thttk7gu8ls -https://www.you-
tube.com/watch?v=c_rzduzlpgs - https://www.youtube.com/watch?v=egryylekqc4
Palestra com Décio Saes, realizada na PUC-SP. Althusserianismo e dialética.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=MOWhb-4eWFQ>.
Palestra com Patricia González, comentários de Cristina Hurtado y Marcelo
Rodriguez. Althusser leído por filósofos marxistas chilenos en los 60’s. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=hxASPuZZK30>.
Palestra com Luiz Eduardo Motta. Althusser e a ideologia. Disponível em: <ht-
tps://soundcloud.com/ideiaeideologia/ceii-rj-17122014>.
Palestra com Décio Saes, realizada na Unesp. Althusserianismo e dialética. <ht-
tps://www.youtube.com/watch?v=rpq3iergq7i >.
Palestra com Marcos Cassin e comentários de Demerval Saviani. Escola como
Aparelho Ideológico de Estado. Disponível em: <https://www.youtube.com/wat-
ch?v=czjw_eeoqg8>.
Palestra com Marcelo Starcenbaum. La presencia de Althusser em los grupos arma-
dos en Argentina. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=z1dcXdZ-
vKnk&feature=youtu.be>.
Palestra com Juan Pedro García del Campo. Louis Althusser. Disponível em: <ht-
tps://www.youtube.com/watch?v=7ziCepTjiRc>.
Palestra com Étienne Balibar. Para leer El Capital. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=7z2vgunpbdu>.
Victor Hugo Pacheco e Jaime Ortega Reyna. Para leer el capital” de Louis
Althusser (Primera Parte). <https://www.youtube.com/watch?v=8g3glnimojw>.
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SOBRE O LIVRO
Formato 16X23cm
Tipologia Adobe Garamond Pro
Papel Polén soft 85g/m2 (miolo)
Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
Acabamento Grampeado e colado
Tiragem 300
Catalogação Telma Jaqueline Dias Silveira - CRB- 8/7867
Revisão/
Normalização: Karenina Machado
Assessoria Técnica Maria Rosangela de Oliveira - CRB-8/4073
Capa Edevaldo D. Santos
Diagramação Edevaldo D. Santos
Produção gráfica: Giancarlo Malheiro Silva
2016
Impressão e acabamento
Gráfica Campus
Unesp -Marília - SP