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(O.)
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Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
Marília
2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
Diretor:
Dr. José Carlos Miguel
Vice-Diretor:
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Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
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Neusa Maria Dal Ri
Rosane Michelli de Castro
Ficha catalográfi ca
Serviço de Biblioteca e Documentação – Unesp - campus de Marília
Editora afi liada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora Unesp
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Paulo : Cultura Acadêmica, 2016.
262 p.
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
ISBN 978-85-7983-818-7 (impresso)
ISBN 978-85-7983-819-4 (digital)
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Ciência política. 5. Ideologia. 6. Materialismo dialético. I. Pinheiro, Jair.

DOI https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819
-4
SUMÁRIO
Apresentação ....................................................................................... 7
DIÁLOGOS
La marca de Althusser e n mi formación marxista
Marta HARNECKER .......................................................................... 13
Os marxismos de Sartre e Althusser: a propósito do debate
sobre o “humanismo
André Constantino YAZBEK ................................................................. 37
I
Gramsci e Althusser: as formas de um diálogo possível
Leandro GALASTRI ............................................................................ 55
POLÍTICA E IDEOLOGIA
Ideologia, ideologias, lutas de classes: althusser e os aparelhos
ideológicos (de estado)
Lúcio Flávio Rodrigues de ALMEIDA .................................................... 71
Comunismo: fim da política? Uma crítica a J. Chasin
Luiz Eduardo MOTTA ......................................................................... 97
SOBRE A DIALÉTICA MATERIALISTA
Althusserianismo e dialética
Décio Azevedo Marques de SAES .......................................................... 117
Sobre a fundamentação althusseriana do marxismo
João Quartim de MORAES ................................................................ 133
TEORIA E MÉTODOS
Indicações para o estudo do marxismo de Althusser
Armando BOITO JR ........................................................................... 151
Uma ruptura declarada
Jair PINHEIRO ................................................................................... 183
O anti-humanismo teórico na obra de Louis Althusser: problemas
de teoria e efeitos políticos
Danilo Enrico MARTUSCELLI ........................................................... 213
Materiais para pesquisa sobre o marxismo althusseriano ...................... 235
7
APRESENTA
ÇÃO
Em 1965, Louis Althusser publicou Pour Marx e Lire Le Capital,
duas coletâneas que impactaram o debate teórico no campo do marxismo
na agitada década de 1960. A primeira, constituída por textos que ele mes-
mo vinha publicando desde o começo da década, como crítica ao econo-
mismo e ao humanismo teórico ao mesmo tempo em que polemizava com
aqueles que advogavam a tese de que o marxismo vivia uma crise terminal,
que era preciso superá-lo para avançar no campo das ciências humanas. A
segunda, composta por textos seus, de Pierre Macherey, Jacques Rancière,
Étienne Balibar e Roger Establet, jovens pesquisadores, seus alunos, que
o acompanhavam no projeto de renovação do marxismo, consiste no que
Althusser chamou de leitura sintomal da obra magna de Marx, visando à
sistematização do que se encontra em estado prático em O Capital, ou seja,
não formulado e sistematizado.
O destino dessas duas coletâneas apresenta algo de paradoxal.
Rapidamente se tornaram referências, impactando inclusive diversas áreas
do conhecimento, como o direito, a psicanálise, a linguística, a educação,
a antropologia, a filosofia, além das áreas que tradicionalmente recebe-
ram mais atenção do marxismo, como a história e a ciência política, por
exemplo. Contudo, também rapidamente se observou um refluxo neste
impacto, o que não significou o desaparecimento da teoria althusseriana
do debate político e teórico, mas certa diluição do impacto inicial e a res-
trição do debate a alguns centros acadêmicos que produziram pesquisas
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p7-12
Jar Per (Or.)
8
inovadoras sobre a formação social onde se inseriam ou grupos políticos
que marcaram presença nas lutas travadas no Brasil e na América Latina.
Embora um texto de apresentação não seja o lugar mais adequa-
do para levantar hipóteses, uma explicação possível para esse destino, sem
prejuízo de outras, é a convergência do caráter de inacabamento teórico
(expressão minha) que reveste as duas coletâneas, como indicam os seus
prefácios, com o impacto sobre o grupo do Maio de 68 francês, o que
provocou afastamentos e críticas conforme as posições assumidas em face
dos acontecimentos.
Essa hipótese vem a calhar porque, como consequência desse ina-
cabamento, os pesquisadores que se apropriaram da teoria althusseriana e
a operacionalizaram na análise de processos concretos, também realizaram
esforços para o desenvolvimento da teoria, esclarecendo conceitos deixados
apenas em estado prático pelos autores das coletâneas e/ou produzindo no-
vos conceitos no interior do dispositivo teórico inaugurado por Althusser,
com resultados inovadores na interpretação desses processos, o que teste-
munha a fecundidade deste dispositivo.
Em 2015, para marcar a efeméride dos 50 anos de publicação das
duas coletâneas e, claro, também intervir no debate teórico com os resul-
tados de seus estudos, pesquisadores de diversas instituições, vinculados a
vários grupos de pesquisa como Cultura e Política do Mundo do Trabalho
(CPMT); Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais (NEILS); Centro
de Estudos Marxistas (CEMARX); Grupo de Estudo e Pesquisa da América
Latina (GEPAL) e Laboratório de Estudos sobre Estado e Ideologia (LEI) se
associaram na organização do I Seminário Interinstitucional Teoria Política
do Socialismo “Althusser: 50 Anos d’O Capital Por Marx”. Os textos que in-
tegram a presente coletânea são de autoria dos participantes deste seminário,
exceto a entrevista de Marta Harnecker.
Os textos foram organizados de acordo com o foco temático.
Assim, na primeira seção, intitulada Diálogos, aparecem a entrevista de
Marta Harnecker, na qual ela relata a experiência do seu encontro com o
grupo de Althusser e como este encontro repercutiu em sua própria for-
mação e no trabalho pedagógico que realiza junto aos movimentos sociais
desde a década de 1970; André Yazbek faz um cotejamento entre dois pro-
L A
9
jetos de renovação do marxismo: o de Sartre e o de Althusser e, fechando a
seção, Leandro Galastri comenta a interlocução entre Gramsci e Althusser
quanto aos aparelhos privados de hegemonia, as análises de ambos os au-
tores sobre Maquiavel e ao marxismo como teoria finita.
A segunda, Política e Ideologia, apresenta duas contribuições: a de
Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida sobre o artigo de Althusser Ideologias
e aparelhos ideológicos de Estado, com uma análise que enfrenta a crítica de
reprodutivismo dirigida àquele artigo, o coteja com a apropriação crítica
dele por Poulantzas, buscando ampliar as possibilidades de operacionali-
zação do conceito de aparelho ideológico na análise política; e a de Luiz
Eduardo Motta, cujo foco é a crítica do conceito de ontonegatividade da
política, de José Chasin, e, consequentemente, destaca como contribuição
importante da teoria althusseriana sobre este aspecto, que a política ultra-
passa o Estado, o que permite pensar a política na sociedade comunista,
em novas condições.
A terceira seção, Sobre a Dialética Materialista, também apre-
senta duas contribuições: a de Décio Saes, que apresenta uma interpre-
tação original e criativa das contribuições de Althusser, buscando definir
um quadro conceitual dos princípios da dialética em operação na teoria
althusseriana; e a de João Quartim de Moraes, que propõe acrescentar às
três teses – a de um corte epistemológico; a da luta de classes na teoria; a
dos aparelhos ideológicos de Estado – que, segundo Balibar, constitui o
legado althusseriano, uma quarta, a da crítica ao humanismo metafísico.
A quarta e última seção, Teoria e Método, apresenta três contri-
buições: a de Armando Boito Jr. que periodiza a produção althusseriana,
examinando um conjunto de conceitos que, ao mesmo tempo, renova o
marxismo e reafirma sua força como ciência social; Jair Pinheiro desta-
ca as marcas da ruptura epistemológica nos textos de Marx e examina os
desenvolvimentos de Althusser sobre a questão; por fim, Danilo Enrico
Martuscelli analisa a tese do anti-humanismo teórico articulada às teses do
corte epistemológico e à da relação entre ciência e ideologia.
Esta coletânea termina com uma relação, preparada por Danilo
Martuscelli, das obras de Althusser em língua portuguesa, artigos, livros e
capítulos de livros, além de referências na rede mundial de computadores
Jar Per (Or.)
10
e teses e dissertações que, em alguma medida, se debruçaram sobre a teoria
althusseriana. Certamente esta relação não pretende ser exaustiva, por isso
nos desculpamos com os autores que eventualmente tenham escapado ao
nosso conhecimento.
Finalmente, em Defesa da tese de Amiens, referindo-se a seu objeti-
vo, Althusser afirma: “[...] lê-se nos títulos dos meus livros: “Pour Marx” e
Lire Le Capital”. Porque esses títulos são igualmente palavras de ordem.
1
Na trilha do autor homenageado, o título “Ler Althusser” não chega a
ser uma palavra de ordem, o que não caberia ao caso, mas é um convite a
lê-lo, seja pela vitalidade da sua contribuição, seja pelos desenvolvimentos
da teoria althusseriana posteriores à década de 1970, ou ainda pelo fato de
que, entre nós, a crítica a Althusser na atualidade tem se baseado em certo
desconhecimento do autor, já que (salvo raríssimas exceções) têm por refe-
rência leituras antigas, no lugar de um exame do próprio objeto da crítica.
Jair Pinheiro
1 Althusser, L. Posições
11
Diálogos
12

LA MAR
CA DE ALTHUSSER E
N
MI FORMACIÓN MARXISTA
Marta HARNECKER
1
Este texto contiene mis respuestas a preguntas realizadas por
varios entrevistadores en diferentes épocas de mi vida sobre el tema de
Althusser y el marxismo
2
. Es un pequeño homenaje a quien ha significado
tanto para mi vida intelectual y política a los 50 años de la publicación de
sus dos primeros libros: Pour Marx y Lire Le Capital.
Marta Harnecker
26 enero 2016
1 DEL CATOLICISMO MILITANTE AL MARXISMO
¿Cómo llegaste a encontrarte con Althusser?
Para responder a tu pregunta tengo que hacer un largo rodeo.
Empezaría por decir cómo llegué a interesar en el marxismo Y esto
no ocurrió un día para otro. Creo que las condiciones fueron preparándose
1
Psicóloga, escritora, periodista chilena, una de las principales investigadoras y divulgadoras de las experiencias
de transformación social em América Latina.
2
Revista española Argumentos, mar. 1978; Revista chilena Punto Final Internacional, 1983; Revista mexicana
Cuadernos del Marxismo, enero 2002; Brancaleone Films y Cátedra Che Guevara, Néstor Kohan, Argentina,
sep. 2014; investigadora Argentina Isabel Rauber, trabajo inédito, enero 2015; Canal Arte de Francia, Adila
Bennedjaï Zou y Bruno Oliviero, septiembre2015, y Lutas Sociales, Brasil, diciembre 2015.
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p13-36
Jar Per (Or.)
14
desde 1958 o 1959. En ese momento yo era alumna de la Escuela de
Psicología de la Universidad Católica de Santiago y había llegado a ser
presidenta de la Acción Católica Universitaria. Con un grupo dirigente
de dicha organización y otros compañeros de la Universidad Católica de
Santiago, comenzamos a plantearnos cómo lograr hacer más efectivo el
principio cristiano del amor al prójimo. El libro del filósofo francés Jacques
Maritain: «Humanismo Cristiano» era una especie de Biblia para nosotros
en aquella época.
Como parte de un programa de la Iglesia Católica yo también
había ido a trabajar a una fábrica de pastas (Lucketti) durante las vacaciones
de mi tercer año de Psicología. Y lo hice porque quería quedar marcada
para siempre por dicha experiencia, pensando que de esa manera no iba
a caer en el aburguesamiento en que muchos estudiantes universitarios
habían caído luego de transformarse en profesionales.
En este contexto se puede entender mejor la conmoción que
produjo en mí la revolución cubana. A mediados de 1960, sólo seis meses
después del triunfo, cuando todavía todos los guerrilleros verde olivo andaban
con sus melenas largas, visité el país invitada como dirigente estudiantil de la
Universidad Católica junto a otros compañeros de la Universidad de Chile.
Fue mi primer encuentro con una sociedad que estaba tomando medidas
para resolver la desigualdad y aplicar la justicia social que yo ya buscaba. Eran
los momentos de euforia, de improvisación y creatividad de una revolución
que todavía no se declaraba socialista, pero que había transformado al pueblo
en el verdadero protagonista del proceso y en su principal beneficiario. Una
revolución que desde tan temprana edad había empezado a practicar la
solidaridad con otros países de América latina.
– ¿Puedes poner un ejemplo de alguna expresión de solidaridad de la revolución
cubana?
Recuerdo siempre mi visita a un cuartel transformado en escuela
en la Sierra Maestra. Al saber que yo venía de Chile – país recientemente
afectado por un fuerte terremoto que había destruido muchas viviendas –,
aquellos niños campesinos de corta edad, para mi asombro, me preguntaron
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15
por el terremoto y me dijeron que en su escuela estaban esperando la
llegada de niños chilenos mientras se reconstruían sus casas.
Las seis semanas en las que recorrimos la isla de punta a cabo nos
permitieron vibrar con ese pueblo y sus múltiples esfuerzos por comenzar a
salir de la pobreza y encontrar una vida digna. Esa experiencia produjo en
mí una rápida politización que asombró a mis amigos más cercanos. Desde
entonces las preocupaciones políticas pasaron a ser más importantes que
las religiosas, pero esto todavía nada tenía que ver con el marxismo.
2 VIAJE A PARÍS
– ¿Cómo llegaste a París?
Luego de licenciarme en Psicología en la Universidad Católica de
Chile, y de empezar a trabajar como profesora de Psicología Fenomenológica
en esa universidad, decidí postular a una beca que ofrecía la embajada
francesa, junto a Rodrigo Ambrosio, mi pololo (así llamamos en Chile a
las relaciones de pareja antes de ser formalizadas en noviazgo) y otra pareja:
Cristina Hurtado y Raimundo Beca. Todos nos ganamos becas y viajamos
a París en barco en septiembre de 1963.
En esa época de mi vida pre-política, si la pudiésemos llamar así,
tenía una gran preocupación filosófica: el tema de la libertad humana. Una
prueba de ello es que mi tesis de licenciatura en la carrera de Psicología
estuvo centrada en la fenomenología del acto libre. Mi visión de la libertad
humana se contraponía a mi visión del marxismo de aquel entonces:
rechazaba el materialismo mecanicista que negaba dicha libertad.
– Has mencionado el marxismo, ¿podría decirme como llegasteis a interesarte en él?
Mi interés por el marxismo aparece como resultado de la lucha
estudiantil entre cristianos y comunistas. En el medio político en que
yo me movía (simpatizantes de la Democracia Cristiana), oía constantes
críticas a la teoría marxista y, por un principio de honradez intelectual, fue
surgiendo en mí la necesidad de conocer en sus propias fuentes esa teoría.
Jar Per (Or.)
16
Conociendo que me había propuesto estudiar el marxismo
durante mi estadía en Francia, mi amigo cristianomarxista chileno (Jacques
Chonchol) me recomendó hablar con un sacerdote francés, militante del
partido comunista de ese país. No recuerdo su nombre. Y ese sacerdote me
recomendó ponerme en contacto con Luis Althusser, que entonces impartía
clases en la Escuela Normal Superior de la Rue D’Ulm, en el Barrio Latino.
Me lo recomendó porque él consideraba que era una persona que tenía una
gran disposición a trabajar con los jóvenes.
– ¿Ya habías leído algo sobre el marxismo?
Antes de conocer Althusser había leído dos textos marxistas: un
pequeño librito de Politzer sobre el materialismo dialéctico y un libro de
Charles Bettelheim sobre el subdesarrollo. El primero lo único que hizo fue
aumentar mis aprensiones como creyente acerca del materialismo marxista.
El segundo fue fundamental para acercarme al marxismo ya que echaba
por tierra la expandida tesis del llamado «círculo vicioso de la miseria» que
el sacerdote jesuita Roger Veckemans nos había inculcado en Chile. Se me
abrió un mundo cuando entendí que la pobreza de nuestros países no se
debía a que fuésemos menos capaces o más pobres, sino a la explotación
que habíamos sufrido por parte de los países desarrollados. Era la primera
explicación marxista convincente que recibía acerca de cómo funcionaban
nuestras sociedades.
En mis primeras vacaciones en Francia, además de dedicar un
tiempo al turismo viajando en autostop por el Sur de Francia hacia Italia,
dediqué otra parte de él a leer sobre Marx. Probablemente orientada por
el cura comunista leí el libro del jesuita Jean-Ives Calvez: La Pensée de Karl
Marx
3
(El pensamiento de Karl Marx) y me identifiqué mucho con su
búsqueda intelectual inicial.
– Volviendo a tu viaje a París, ¿qué fuiste a estudiar?
Yo pensaba inicialmente especializarme en Psicología Social, para
volver a impartir clases en Chile sobre la materia, pero al ver el programa de
3
CALVEZ, J.-I. La Pensée de Karl Marx, Paris: Editions du Seuil, 1956. Sobre el pensamiento de Marx
L A
17
La Sorbonne me di cuenta que ya había estudiado todos esos contenidos en
mi país. Fue entonces cuando un amigo uruguayo de la Acción Católica
4
que estaban estudiando en París, me recomendó hablar con Paul Ricoeur,
un conocido filósofo francés que realizaba unas especies de tutorías con
algunos estudiantes interesados en esta forma de aprendizaje.
Ricoeur me recomendó leer a varios autores, pero como todos
ellos tenía hacían referencias a Kant, autor que yo no había estudiado,
terminó por recomendarme la lectura de una de sus obras: «La Crítica
de la razón pura». Recuerdo que leía 16 páginas por días y trataba de
ir resumiendo sus principales ideas. Mi primer trabajo fue comparar el
concepto de imaginación radical de Kant y con el de fantasía creadora de
Phillip Lersch, un psicólogo alemán con un enfoque fenomenológico de
la Psicología que se estudiaba en la carrera de Psicología en la Católica.
5
Carente de formación filosófica, me sentía muy insegura intelectualmente
al estudiar estos autores tan complicados para mí Mi inseguridad era tal
que nunca me atreví a preguntarle a Ricoeur qué pensaba de mi trabajo.
Luego me dio una segunda tarea: escribir acerca de una obra de Merleau
Ponty, no recuerdo cuál en este momento. Recuerdo que hice un resumen
de ella y se la entregué a mi profesor, pero nunca supe qué opinó de ella.
Ese primer año y parte del segundo, no tuve contacto alguno con
Althusser.
3 RELACIÓN CON ALTHUSSER: UNA PROFUNDA AMISTAD
– ¿Cuándo ocurrió tu primer contacto?
Fue, si no recuerdo mal, en el otoño de 1964, luego de las vacaciones
de verano en Europa y habiendo ya leído el libro de Calvez, que contacto por
la primera vez a Althusser. Habíamos formado un grupo de estudios con el
grupo que llegó conmigo y algunos amigos latinoamericanos provenientes de
diversos países y relacionados a mis actividades previas en la Acción Católica
Universitaria, fundamentalmente brasileños
6
. Fue por encargo de ese grupo
4
Jerónimo de Sierra, que luego llegó a ser un reconocido sociólogo de su país.
5
Su libro La Estructura de la Personalidad de Fantasía creadora.
6
Con muchos de ellos habíamos hecho un Retiro espiritual con un sacerdote domínico, quien no había dicho
que el pecado no era otra cosa que el egoísmo. La orden de los dominicanos publicaba una revista Frères du
Jar Per (Or.)
18
que al fin me decidí a contactarlo. Lo llamé por teléfono para pedirle una cita
e inmediatamente me invitó a pasar por su casa.
El vivía en un pequeño departamento dentro de la Escuela
Normal, a unos 50 metros del hotel en que yo estaba alojada en la calle
Feullantines. Me impresionó el buen gusto con que esta arreglada su sala y
lo humano que él era. Mi timidez inicial desapareció rápidamente.
Ese primer encuentro con Althusser fue el inicio de una gran
amistad. Desde que lo conocí hasta que cayó en estado depresivo profundo
en 1968, lo veía regularmente una o dos veces por semana, sea en su
departamento, donde él mismo cocinaba, sea en algún restaurante a la
orilla del Sena, o en algún otro lugar del Barrio Latino.
En ese momento yo estaba viviendo una crisis personal, por un
lado, el amor no correspondido por parte de Rodrigo Ambrosio, cuya
relación yo había terminado meses antes de ir a París, pero que ya en esa
ciudad en vano quise retomar – él había quedado muy traumatizado por
la inesperada ruptura de mi parte –, y por otro, una gran inseguridad
intelectual provocada por las lecturas filosóficas que me recomendaba por
Paul Ricouer. Recuerda que yo estudié Psicología, tenía, por lo tanto, una
escasa formación filosófica.
Althusser me ayudó en ambos planos, en el afectivo y en el
intelectual. En el primero decía que no podía entender cómo no era
correspondida. En el plano intelectual me reafirmó enormemente.
Me pidió le pasara el último trabajo que acababa de terminar para
Ricoeur sobre MerleauPonty. Recuerdo que le dije: «No se si soy inteligente
o no». «Pásame tu trabajo» – me dijo. Y luego de leerlo expresó: que «Tu
tienes una gran capacidad pedagógica. No te preocupes tienes tiempo para
ser filosofa; todavía eres muy joven». Eso me ayudó mucho. La verdad es
que nunca llegué a ser filósofa, pero sí creo que tengo una fuerte vocación
pedagógica y habilidades para comunicar ideas en forma sencilla.
Una de las primeras cosas sobre las que conversamos fue con
Althusser fue sobre el tema del tiempo que para mí era como una camisa
estrecha. Le expresé mi angustia de sentir que no tenía tiempo para todo lo
Monde que era tan avanzada que defendía la existencia del partido único siempre que éste fuera pluralista y
respetara la democracia interna.
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19
que quería hacer. Nunca he podido entender cómo la gente puede aburrirse
cuando hay tantas cosas que hacer. El me recomendó leer su artículo
sobre el teatro materialista donde habla de Bertold Brecht, publicado en
diciembre del 1962 en la revista Esprit, porque allí abordaba ese tema. Ese
fue el primer trabajo que leí de él.
Althusser había estado publicando anualmente desde 1960
artículos muy interesantes
7
y polémicos en relación con las obras de la
juventud de Marx, que luego fueron reunidos en su libro Pour Marx,
publicado en 1965 por la editorial Masperó. Los planteamientos allí
vertidos conmovieron al medio intelectual francés y luego al europeo,
entre otras cosas porque iban contra la corriente de aquellos años en que
muchos autores estaban desarrollando una visión humanista del marxismo
basado en las obras del joven Marx.
Él me fué pasando esos artículos y me recomendó leer directamente
a Marx empezando por El Capital, y no por sus páginas iniciales sino
partiendo por el capítulo de la plusvalía, ya que en los primeros capítulos
Marx había coqueteado según el – con la dialéctica hegeliana.
Se estableció así entre ambos un riquísimo intercambio intelectual.
Yo le iba consultando las dudas a medida que iba leyendo sus escritos,
al comienzo los que él había publicado hasta ese momento y luego sus
trabajos inéditos, o El Capital; y él me iba contando acerca de sus nuevas
incursiones teóricas.
Cuando lo invité a participar en una reunión de nuestro grupo
de latinoamericanos, me respondió que no tenía tiempo para hacer esto ya
que estaba trabajando intensamente en su libro Pour Marx, pero que me
invitaba a participar en el seminario sobre otro libro en preparación: Lire
Le Capital. Me recomendó en cambio invitar a Régis Debray muy amigo
de él. En esa época Régis ya había publicado su primer libro: El castrismo:
La larga marcha de América Latina.
7
Fundamentalmente en las revistas francesas La Pensée y La Nouvelle Critique.
Jar Per (Or.)
20
4 DESCUBRIENDO A MARX ORIENTADA POR ALTHUSSER
– ¿Podrías decirnos qué papel atribuyes a ese pensador en el desarrollo del
marxismo y en tu propia formación personal?
A mi entender Althusser hizo un aporte fundamental en el campo
teórico: nos permitió redescubrir el marxismo. Nos enseñó no sólo que
Marx no había sido superado, como solía plantearse entonces, sino que,
por el contrario, que el potencial teórico de su obra había sido subutilizado;
que la ciencia de la historia descubierta por Marx nada tenía que ver con
las interpretaciones dogmáticas del marxismo que lo planteaban como
un conocimiento acabado; que gran parte del camino estaba todavía
por hacerse; que ser marxista no era repetir fórmulas hechas y aplicarlas
mecánicamente a realidades históricas concretas sino extraer de las obras
de Marx aquellos instrumentos teóricos que permiten enfrentar en forma
creadora nuevas realidades.
En cuanto a mí, Althusser me hizo descubrir a Marx. Me apasionó
tanto su enfoque del marxismo como instrumento de transformación social
que decidí abandonar la psicología (en Chile me esperaban como docente
universitaria en esa materia), para dedicarme de lleno al marxismo. Esa
decisión la tomé previa consulta con mis amigos chilenos de París. Era una
decisión demasiado importante para tomarla sola. Yo quería su opinión
acerca de donde sería más útil para Chile. Todos concordaron en que debía
dedicar a estudiar marxismo. Entonces pensaba que a mi regreso a Chile
podría ganarme la vida como traductora de francés. Nunca pensé que iba
a poder vivir del marxismo.
Pero, cuando llegue a Chile, se produjo la reforma en la Universidad
de Chile y entre las cosas que fueron aprobadas estaba una cátedra sobre
marxismo. Como ya me conocían por mi introducción al libro de Althusser
y estaba en proceso de publicación mi libro: «Los conceptos elementales
del materialismo histórico», me invitaron a participar en la confección de
los primeros programas. Fue así como, contra todo lo imaginado, empecé
a poder sobrevivir gracias al marxismo. Fui de los primeros profesores/as
que impartieron cursos universitarios de marxismo.
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21
– ¿Cuándo fue eso?
Fue en el año 70, yo llegué a finales del 68 de Francia. Pero eso no
duró mucho porque ya en el 71 me pidieron que asumiera la dirección de
la revista política Chile Hoy. El periodismo en esa coyuntura tan especial
que estaba viviendo el país me entusiasmó enormemente. Tenía muchas
discusiones con mis alumnos en Sociología de la Universidad de Chile,
donde impartía clases. Entonces militaba en el Partido Socialista, un partido
de la Unidad Popular y mis alumnos miristas (del MIR) me criticaban por
reformista; todo lo que yo decía era interpretado como reformismo. Era un
diálogo de sordos. Recuerdo, sin embargo, que algunos de esos estudiantes,
los más honestos, me fueron a ver al finalizar el curso para decirme que tenía
razón en las cosas que yo decía y reconocieron que habían actuado mal.
Por eso yo me incliné mucho más por hacer cursos a obreros y campesinos
del PS que a universitarios. Los obreros que asistían a estos cursos iban con
una gran ansiedad de aprender para aplicar de inmediato lo que aprendían,
no era el caso de los universitarios.
Entonces fue cuando se acentuó mi vocación pedagógica y fue
debido a eso que empecé a escribir los cuadernitos de educación popular.
Luego de mis primeros contactos con Althusser y mi decisión de
prepararme en marxismo, dejo la tutoría de Ricoeur y comienzo a estudiar
a Marx. En el verano de 1966 me concentré en estudiar «El Capital» en
forma muy rigurosa, haciendo resúmenes y esquemas de todo lo que iba
aprendiendo, material que más tarde, en 1971, serían publicados bajo el
nombre de «El capital: conceptos fundamentales».
Althusser me enseñó el método con que debía estudiar a los
clásicos del marxismo. Me enseñó a leer, a leer más allá de lo que una cita
dice textualmente, a leerla en su contexto, a leer en profundidad, a deducir
de lo que el autor dice, pero también de lo que no dice, su pensamiento
profundo. Sólo de esta manera es posible liberarse del dogmatismo, liberarse
de la repetición de citas textuales sacadas de su contexto, argumentar con
razonamientos y no con recitación de textos. Sólo de esta manera se puede
desarrollar creadoramente el marxismo, extrayendo de las obras de los
clásicos un enorme caudal de instrumentos teóricos que serán muy útiles
para el estudio de las nuevas realidades que van surgiendo. Gracias a este
Jar Per (Or.)
22
método logré reconstruir, por ejemplo, el concepto de clases sociales en
Marx... darle de alguna manera vida al capítulo inconcluso de El capital.
En ninguna parte de su obra Marx define lo que son las clases sociales,
cuando lo iba a hacer muere, pero a lo largo de toda ella están presentes
los elementos teóricos que permiten darle un contenido conceptual a esa
palabra clave para el marxismo.
No recuerdo si fue a fines del 64 o comienzos del 65 que Althusser
convocó al seminario sobre el tema de su futuro libro: «Para leer El Capital».
Este libro cumplió en 2015 50 años de ser publicado. El seminario era
abierto a personas de fuera de la Escuela Normal y, como te mencioné
antes, Althusser me había invitado a asistir a él. Lo hice acompañada de
Petrola, un amigo brasileño filósofo.
Este libro fue escrito por varios autores. Además de Althusser,
participan: Etienne Balibar, Roger Establet, Jacques Rancière, Pierre Macherey.
En el seminario, cada autor exponía su capítulo y luego se entraba a una
discusión colectiva. Me costaba mucho seguir la exposición de los autores
cuando leían sus respectivos capítulos. Mi comprensión del francés no era
perfecta, pero, sobre todo, no tenía la formación filosófica para entender
muchas de las cosas que allí se planteaban. Quien ha leído a Althusser sabe
lo complejo que es su pensamiento. Sin embargo, cuando se abría el debate
y los autores respondían a las preguntas lograba entender mucho más.
En el otoño del año siguiente (1966) empecé a participar en un
seminario organizado por el grupo de discípulos de Althusser de la Escuela
Normal. En este caso tuve una participación activa. Me sentía mucho más
segura por haberle leído prolijamente «El Capital» en las vacaciones.
Este grupo fue derivando cada vez más hacia el maoísmo hasta
plantearse el abandono del Partido Comunista en el que todos ellos
militaban. Yo también simpatizaba mucho con el maoísmo. Me extrañó que
Althusser no abandonara el Partido como sus discípulos, ya que él tenía un
alto aprecio de Mao Tse Tung. Cuando le pregunté la razón de su decisión
me respondió: «He permanecido en el partido porque es allí donde está la
clase obrera francesa. Ellos [sus alumnos] son un grupo pequeño burgués
y como tal tienden a irse a los extremos.» Y eso fue lo que ocurrió. Una
gran parte de este grupo que era extremadamente teórico, en un momento
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
posterior decidió abandonar los estudios teóricos e incorporarse a trabajar
en las fábricas como obreros. El mayo francés (1968) los encuentra en esa
situación y por eso no pudieron participar en la orientación de esas luchas.
Si no me equivoco fue en el verano u otoño de 1967 que
Althusser cae en la depresión profunda que te mencioné anteriormente y
desaparece por varios meses de la Escuela Normal. Para mí fue muy duro
verlo derrumbarse y no poder ayudarlo. Es terrible ver que una persona por
la que sientes un gran cariño se hunde a tu lado y no puedes hacer nada. La
depresión es una enfermedad que te lleva a aislarte, creas una muralla que
no puede ser traspasada por nada ni nadie. Se trata de una enfermedad que
tiene orígenes en traumas psicológicos tremendos en de la vida infantil.
La enfermedad me permitió cortar con el cordón umbilical que me
unía a Althusser. Ese año decidí volver a Chile. No sé qué hubiese pasado si
Althusser no se hubiese enfermado. Me parecía tan difícil abandonar París
cuando tenía las posibilidades de estar en constante diálogo con él. Además
entre nosotros se había creado una relación muy especial, algo más que una
simple amistad. Yo muchas veces me pregunté si no estaría enamorándome
de él o si sólo se trataba de una inmensa abstracción intelectual. Él, por
su parte, me confesó que debido a sus problemas psicológicos no podía
amar profundamente a nadie y que si bien sentía un gran afecto por mí, no
quería establecer una relación que me haría sufrir.
Ese mismo verano mi padre me había invitado a ir Chile en las
vacaciones europeas, lo que también ayudó a que me motivara a regresar
al país. En ese momento Althusser ya era famoso en América Latina, y yo
empezaba a ser conocida por el prólogo que hice de su libro: Pour Marx
que, con su consentimiento, titulé: La revolución teórica de Marx.
5 PRIMEROS ESCRITOS
1) I
NTRODUCCIÓN A LA VERSIÓN ESPAÑOLA DE POUR MARX
– ¿Como fue que llegaste a traducir Pour Marx al español?
Para responderte, debo volver un poco atrás. Cuando llegué a
estudiar a París me había propuesto quedarme sólo dos años y luego volver a
mi país. No quería que me pasara como a estudiantes de América Latina que
Jar Per (Or.)
24
nunca volvía, se transformaban en eternos becados. Por ello decidí renunciar
a un tercer año de beca, pero luego, al conocer Althusser, y al sentir que
era una oportunidad extraordinaria poder trabajar tan cerca de él, decidí
quedarme por más tiempo y para sobrevivir tuve que empezar a trabajar.
Empiezo vendiendo tarjetas postales artísticas en una librería del
Barrio Latino y luego trabajo en la traducción de Pour Marx y luego de «Para
Leer El Capital». Debo haber iniciado la primera traducción a mediados de
1965 o comienzos de 1966, y la termino en agosto de 1966. El libro es publicado
a inicios de 1967. No recuerdo bien pero probablemente fue Althusser quien
me propuso como traductora a la editorial mexicana Siglo XXI editores.
La traducción de Pour Marx fue una tarea llena de desafíos, pero
muy positiva porque me obligó a adentrarme a fondo en el pensamiento
de Althusser. Y la introducción a ese libro fue mi primer escrito. Cuando
se la muestro a Althusser a él le encantó. Encontró que había sido capaz de
poner en forma muy clara conceptos que eran muy complejos. Al revisarla
me pidió incluir algunas precisiones filosóficas que el mismo redactó.
Esa introducción me dio a conocer como intelectual marxista
althusseriana en los medios académicos latinoamericanos, y lo hizo en
un momento en que había un verdadero snobismo althusseriano. Esta
situación se revertiría algunos años volviéndose en un snobismo anti
Althusser. Muchos de los que fueron muy admiradores de Althusser, luego
con la crítica a su supuesto estructuralismo, se hicieron antialthusserianos
sin realmente conocerlo.
– ¿En qué fundamentas tu afirmación?
Hubo dos cosas que yo viví de cerca que revelan lo poco que lo
entendieron.
La primera se refiere a mi experiencia en un seminario al que
asistió un grupo selecto de filósofos. Este seminario debía estudiar primero
el tema del estructuralismo – que estaba de moda en ese momento en París
– y luego a Althusser.
Mientras se discutía sobre estructuralismo, tema que me costaba
muchísimo entender, no me di cuenta de la calidad de los debates, pero
L A
25
cuando entramos a discutir el pensamiento de Althusser – que yo dominaba
–, me di cuenta que muchos de esos grandes filósofos no habían entendido
varios de sus conceptos claves.
La otra prueba es que cuando yo publico el libro de Althusser
«La revolución teórica de Marx», ahí yo uso el término de «estructura
a-dominante» para traducir su concepto «structure à dominante»
distinguiéndolo de su otro concepto: «estructura dominante» (structure
dominante). El editor decidió, sin consultarme, eliminar simplemente la «a»
de la palabra «estructura a-dominante» porque consideró que esa palabra
no existía en español, sólo «estructura dominante» con lo que deformó
completamente el esfuerzo hecho por el autor por diferenciar ambos
tipos de estructuras. En Althusser el término «estructura a dominante» se
refiere al concepto del todo social que está compuesto de varias estructuras
(económica, ideológica, jurídicopolítica), una de las cuáles domina en el
todo mientras las otras tienen un papel subordinado.
Yo reclamé y logré que aceptaran corregir la segunda edición.
Después de 17 años de esa edición leo un artículo del dirigente comunista
chileno exiliado en París donde escribe: «Como Althusser dijo, ‘estructura
dominante o a-dominante’ [...]» Asombrada de ver repetirse el error, reviso
la edición corregida y compruebo que habían corregido un pliego del
libro, pero que los otros pliegos habían conservado el error. Y ese libro fue
utilizado como texto por profesores universitarios durante 17 años y nadie
reclamó lo que me hace pensar que no entendieron uno de los conceptos
más claves de la interpretación althusseriana de Marx.
Quisiera recordar que las primeras obras de Althusser llegaron
a América Latina en un momento en que se habían producido reformas
universitarias y el marxismo empezaba a ser por primera vez materia de
estudio universitario. Fueron años de auge del marxismo y del pensamiento
de izquierda. Los trabajos de intelectuales marxistas sirvieron de base para la
elaboración de planteamientos programáticos para los gobiernos y partidos
de izquierda de esa época, en brutal contaste con la situación actual.
Jar Per (Or.)
26
2) LOS CONCEPTOS ELEMENTALES DEL MATERIALISMO HISTÓRICO
– ¿Como fue que llegaste se escribir Los conceptos elementales del materialismo
histórico?
La Introducción a Pour Marx hizo que Althusser me invitase
a colaborar en otro libro que él y Etienne Balibar iban a emprender. La
idea era que yo los ayudara a hacer una exposición más pedagógica de sus
ideas. El habló con Masperó sobre este nuevo proyecto y consiguió que él
me comenzara a pagar en forma anticipada una cierta cantidad de dinero
por ese trabajo. Ese proyecto nunca prosperó porque fue entonces cuando
Althusser cayó en esa profunda depresión.
En el último año de mi estadía en París (fines del 67 y mitad del
68) me dediqué a impartir un curso sobre el materialismo histórico con el
enfoque althusseriano a un pequeño grupo de estudiantes latinoamericanos:
brasileros, chilenos, mexicanos y haitianos. Quién tuvo la idea de hacer una
pequeña escuela para formar cuadros políticos latinoamericanos fue Adolfo
Orive, un economista mexicano que estudiaba en París. El provenía de una
familia mexicana muy rica y tenía bastante dinero como para pagarme un
año más de estadía en París.
Cuando Althusser cae en esa profunda depresión, yo fui a ver a
Masperó y le expuse mi decisión de devolverle el dinero que había recibido
de él para el proyecto de libro de Althusser. El se mostró muy asombrado,
nadie jamás le había devuelto un dinero por un trabajo relacionado con la
editorial. No quería aceptarlo. Entonces la alternativa que le presenté fue la
de transformar en un pequeño manual el texto sobre materialismo histórico
que había preparado para impartir las clases al grupo de latinoamericanos
que mencioné anteriormente. Le ofrecí además un segundo libro sobre
el materialismo dialéctico y otro sobre conceptos políticos. Masperó se
mostró encantado.
Sin embargo, a los pocos meses, cuando Althusser se recupera de
su depresión y conoce el proyecto, sin hablar conmigo, le pide a Masperó
que suspenda la publicación de dicho libro, porque contenía ideas que él
todavía no había publicado, a las cuales yo había podido tener acceso por
estar trabajando en el proyecto del otro libro. No objetó sin embargo que
yo lo publicara en América Latina.
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27
Contacté a Arnaldo Orfila, director de Siglo XXI Editores, quien
recibió con gusto la idea, ya que había quedado muy bien impresionado
con la lectura de mi introducción al libro: “La Revolución teórica de Marx
y luego con un contacto personal que habíamos tenido en relación con la
publicación de ese libro.
Terminé de escribir «Los conceptos...» en 1968, poco antes de
partir a Chile. Después supe que una de las personas que contribuyó a que
el libro fuese publicado en dicha casa editorial fue Gaspar Ilom, que luego
se transformaría en el comandante de una de las organizaciones guerrilleras
guatemaltecas: la Organización del Pueblo en Armas (ORPA).
– ¿Cómo explicas el éxito que tuvo dicho libro en América Latina y otras partes
del mundo?
Te confieso que nunca pensé, ni creo que el propio editor haya
imaginado la enorme repercusión que tendría este esfuerzo pedagógico.
Yo siempre digo que lo pude escribir porque no tenía entonces, ni tengo
todavía, un conocimiento enciclopédico del marxismo. Sólo había leído «El
capital» de Marx y algunas otras obras de lo que Althusser llamaba: el «Marx
maduro», y los escritos de Althusser de los años 60. Luego, en la edición
revisada y ampliada en 1985, incorporé obras posteriores de Althusser,
fundamentalmente su artículo acerca de los aparatos ideológicos del Estado.
– ¿Podrías decirnos qué persigues con tus trabajos sobre teoría marxista?
La verdad es que el objetivo fundamental de mis trabajos ha sido
y es de orden pedagógico. Primero pretendí hacer llegar a mucha gente
ese redescubrimiento del marxismo realizado por Althusser y el grupo
de compañeros que trabajaban con él. Como sabes, su lenguaje era muy
hermético aún para los propios intelectuales; me esforcé por hacer llegar
todo eso a los trabajadores. Y luego, a medida que iba profundizado en el
marxismo, cómo hacer accesible al máximo de gente, todas las cosas que
iba descubriendo.
Es extraño, pero creo estar en lo cierto al decir que existen muchos
más investigadores y estudiosos del marxismo que pedagogos, pero resulta
que no son los investigadores ni los estudiosos los que hacen la historia,
Jar Per (Or.)
28
son nuestros pueblos. Cómo ayudar a la gente sencilla a desembarazarse
de la ideología dominante burguesa, cómo ayudarla a tener una posición
crítica, cómo colaborar en darle instrumentos que le permitan enfrentarse a
realidades nuevas y cambiantes. Los manuales clásicos de marxismo no me
convencían, me parecía que la gente aprendía a recitar y no a analizar, ellos
daban la impresión de que existen respuestas hechas para todo, cuando lo
que hay que hacer es construir esas respuestas a cada instante.
Mi esfuerzo estuvo encaminado entonces a dar instrumentos de
trabajo intelectual, no respuestas hechas, y a tratar de explicar cómo se llega a
esos instrumentos. Si se lee con atención mi libro: «Los conceptos elementales
del materialismo histórico», las grandes definiciones están siempre al final de
un largo recorrido explicativo. Y esto es más claro aún en los «Cuadernos de
educación popular» donde, por ejemplo, el concepto de fuerzas productivas
que se ha prestado a tantas simplificaciones e interpretaciones evolucionistas
que nada tienen que ver con el marxismo, no aparece en el primer cuaderno,
«Explotados y explotadores», sino en el tercero de la edición actualizada y
generalizada, de la editorial española Akal.
La verdad es que he sido la primera sorprendida por la gran difusión
que han tenido mis libros. Nunca pensé que un texto, que estuvo inicialmente
destinado a un pequeño grupo de compañeros revolucionarios, llegara a tener
tal acogida, transformándose de hecho en texto de estudio de las universidades
latinoamericanas. Tampoco imaginé que los «Cuadernos de educación
popular», elaborados para responder a las ansias de educación política de
crecientes sectores del proletariado y de los estudiantes chilenos durante el
gobierno de Allende, iban a ser reproducidos y adaptados en numerosos países
de América, Europa y aun de África. Creo que ello se debe a lo que decía antes,
al gran vacío pedagógico que hay en el terreno del marxismo.
– Tu primer libro ha sido muy bien recibido por amplios sectores pero también
ha sido muy criticado por otros, ¿qué interpretación haces de esa recepción
contradictoria?
Los que me han criticado han sido los intelectuales, los que han
agradecido mi contribución han sido los militantes políticos populares,
saca tú tus propias conclusiones.
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29
6 LA VALIDEZ ACTUAL DE LOS APORTES TEÓRICOS DE ALTHUSSER
– ¿Se puede decir que el pensamiento de Althusser tiene validez en el momento
actual?
Yo creo que gran parte de sus formulaciones teóricas siguen
teniendo gran validez y siguen siendo muy útiles. Hay que recordar que
el proyecto de Althusser era rescatar el poder y originalidad de la teoría de
Marx para el avance del conocimiento científico de la sociedad y, a partir
de ese conocimiento, poder ofrecer al movimiento comunista internacional
elementos para orientar la acción política. Su mira estuvo siempre en la
transformación de la sociedad mediante la lucha revolucionaria.
A continuación me refiero brevemente a algunas de estas
formulaciones.
a) La ruptura epistemológica. Las nociones de campo ideológico y de
problemática
Althusser nos enseñó cómo debíamos estudiar el pensamiento de
un autor. La gran pregunta que nos planteaba era: ¿en qué momento la
elaboración teórica, el pensamiento de Marx puede comenzar a reconocerse
como tal, como diferente de otros autores de su época?
El nos dice que toda ciencia tiene un comienzo, una prehistoria
de la que sale y de la que continúa saliendo, pero hay un momento en
que el pensamiento de un autor se diferencia del de otros autores. A ese
comienzo Althusser le llamó corte o ruptura epistemológica reconociendo
la paternidad del concepto en Gastón Bachelard.
Para entender esta ruptura son fundamentales los conceptos
de problemática y de campo ideológico. Todo pensamiento tiende a ir
evolucionando, pasando por diversas etapas, caracterizándose cada una
de ellas por la forma en que se articulan los diversos conceptos en una
problemática o un nuevo dispositivo conceptual.
Marx en un momento asumió la problemática feuerbachiana.
Una lectura crítica cuidadosa de Marx como la que hizo Althusser al editar
Jar Per (Or.)

la traducción francesa de Feuerbach, demuestra que muchos de los párrafos
que los marxistas humanistas citaban como propios de Marx, no eran sino
copia de párrafos textuales de Feuerbach que Marx escribía para su uso
personal.
Sólo cuando un pensamiento rompe con diversas problemáticas
del pasado y produce una nueva problemática es cuando se puede hablar
con propiedad de un pensamiento propio. El pensamiento original de
Marx sólo surge en un momento de su desarrollo, cuando rompe con las
problemáticas hegeliana y fuerbachiana con las que se había identificado
previamente y en la cuál están inmersas sus obras de juventud.
Los escritos del Marx joven – que hablan del ser humano, su
alienación y su liberación – tardíamente traducidos y desde los años 30
utilizados en el medio académico europeo para luchar contra el marxismo,
empiezan a ser utilizados por los intelectuales marxistas y los propios
partidos comunistas luego del XX Congreso del PCUS (1956), que criticó
al culto de la personalidad de Stalin. Según Althusser, esa concepción
humanista de la obra de Marx – que fue adoptada por varios partidos
comunistas, e incluso por el PCUS –, en lugar de resolver los problemas
de la izquierda y del socialismo soviético llevaban a un callejón sin salida.
Una nueva problemática significa siempre nuevos conceptos, en
el caso de Marx: modo de producción, fuerzas productivas, relaciones de
producción, plusvalía, etcétera.
b) La envergadura de este descubrimiento de Marx
Según Althusser, Marx no se dio cuenta de la profundidad de lo
que estaba produciendo. Se pensó a sí mismo como alguien que aportaba
en el terreno económico especialmente en cuanto a la comprensión de la
lógica capitalista, pero la envergadura de su aporte fue mayor, el fundó –
como dice Althusser – una nueva ciencia: la ciencia de la historia.
Para llegar a esta conclusión me pareció muy interesante del
método con que Althusser lee a Marx y especialmente su obra maestra «El
Capital». No sólo estudia lo que él dice explícitamente, sino también lo
que no dice y muchas veces eso que no dice ilumina más su pensamiento
L A

que lo que dice, de la misma manera que un psicoanalista descubre más
cosas en los silencios y sueños de su paciente que en lo que éste comunica
directamente.
Para explicar la profundidad del descubrimiento de Marx Althusser
utilizaba la metáfora de los continentes científicos. Desarrollé esta idea en
mi libro «Los conceptos elementales del materialismo histórico». Allí decía
que antes de Marx sólo habían sido descubiertos dos grandes continentes:
el continente Matemáticas por los griegos (Tales o lo que el mito de este
nombre así designa) y el continente Física por Galileo y sus sucesores. Una
ciencia como la química fundada por Lavoisier es una ciencia regional
del continente Física. Una ciencia como la biología, al integrarse a la
química molecular, entra también en este mismo continente. La lógica en
su forma moderna entra en el continente Matemáticas. Por el contrario, es
muy posible que Freud haya descubierto un nuevo continente científico.
8
Marx, por su parte, habría abierto al conocimiento científico un nuevo
continente: el continente de la Historia.
Esta nueva ciencia fundada por Marx es una ciencia «materialista»
como toda ciencia y, por ello, se la ha denominado materialismo histórico.
La palabra materialismo indica simplemente la actitud estricta del sabio
frente a la realidad de su objeto, que le permite captar, como diría Engels,
«la naturaleza sin ninguna adición desde fuera». Pero, la expresión
«materialismo histórico» es, sin embargo, algo extraña, ya que las otras
ciencias no emplean la palabra «materialismo» para definirse como tales. No
se habla, por ejemplo, de materialismo químico, o de materialismo físico.
El término materialismo, utilizado por Marx para designar la nueva ciencia
de la historia, tiene por objeto establecer una línea de demarcación entre
las concepciones idealistas anteriores y la nueva concepción materialista, es
decir, científica de la historia
9
.
Ser capaz de hacer un análisis científico de los fenómenos
históricos es ser capaces de descubrir la causalidad o determinación que los
rige, permitiéndonos predecir de alguna manera lo que podría ocurrir en
el futuro. No se trata del determinismo mecanicista de la mecánica clásica
expresada en leyes del movimiento de Newton, relacionadas con causas
8
Lenin y la filosofía (conferencia realizada en la Sorbona, 24 de febrero de 1968).
9
Cf. Ibid.
Jar Per (Or.)

y efectos simples, ni del determinismo evolucionista de Darwin, sino de
una causalidad estructural o causalidad dialéctica estructural. Así definió a
Althusser al determinismo marxista.
c) El concepto de contradicción sobredeterminada contra el determinismo
mecanicista
Y justamente una de las primeras cosas que logró Althusser fue
romper en mí el fantasma del determinismo mecanicista del marxismo.
Yo era entonces – como te decía anteriormente – católica militante y me
preocupaba el tema de la libertad humana. Althusser con su concepto de
contradicción sobredeterminada resolvió mi problema teórico. Su defensa
de la dialéctica marxista como un fenómeno antimecanicista, donde no hay
una contradicción simple: fuerzas productivas/relaciones de producción
sino que esta contradicción está siempre sobredeterminada por otras
múltiples contradicciones, me permitió entender que no era contradictorio
afirmar que la sociedad determina el quehacer del individuo (hombre o
mujer), pero que éste, a su vez, desempeña un papel en la historia.
Este determinismo de nuevo tipo, que permite un espacio para
la acción del hombre en la historia nos permite ver en qué lugar tenemos
que combatir para que nuestro actuar sea más eficaz, porque sí debemos
combatir para transformar el mundo contra la tesis evolucionista mecanicista
que deducía el advenimiento del socialismo como fruto de la maduración la
contradicción entre fuerzas productivas y relaciones de producción.
d) Los diferentes niveles teóricos y los diferentes del discurso
Otro aspecto metodológico que aprendí de Althusser y que me
parece primordial para hacer una lectura crítica de un autor es la necesidad
de distinguir entre los diferentes niveles y características de su discurso.
Para ilustrar lo que quiero decir, podemos ver que en los primeros tomos
de «El Capital» Marx se está refiriendo al nivel más abstracto, al nivel del
modo de producción capitalista, donde fundamentalmente sólo existiría
la clase capitalista dueña de las empresas y la clase obrera explotada por
estos dueños. Pero ya en el tercer volumen ha tenido que bajar el nivel de
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
abstracción y considerar también la existencia de la clase dueña de la tierra,
sin la cual no podrían entenderse como surgen las relaciones capitalistas.
Esto en «El Capital». Si ahora analizamos una obra histórica como
«El 18 Brumario de Luis Bonaparte» debemos que en esa obra se menciona
una mucho mayor cantidad de clases y fracciones de clase.
Algunos han tratado de mostrar la incoherencia de Marx: a veces
habla de dos clases, otras de tres y otras de muchas más, sin percatarse de
que se trata de diferentes niveles de abstracción el modo de producción,
la formación social, la coyuntura política. Como he explicado en mi libro:
«Los conceptos elementales del materialismo histórico», a nivel de la coyuntura
política debemos hablar de fuerzas sociales y no de clases. Puede haber
algunos burgueses que apoyen el proyecto político de los trabajadores,
como puede haber trabajadores que apoyen a sectores burgueses.
Althusser me enseño también a entender que hay distintos tipos
de discursos: teóricos, políticos, pedagógicos y que hay que plantearse
siempre a quien está dirigido tu discurso para adecuarlo a esa audiencia.
f) Marxismo y humanismo
Otro aporte fundamental de Althusser fue señalar que, para
lograr transformar el mundo, Marx tuvo que crear nuevos conceptos que
desde el punto de vista teórico no se refieren a temas relacionados con el
humanismo.
Poco antes de conocerlo había publicado su artículo Marxismo y
humanismo. El tema me atrajo por estar tan vinculado a mi situación de
creyente. En ese artículo Althusser plantea una de sus tesis peor comprendidas:
el anti-humanismo teórico del marxismo. Una tesis provocadora donde
la palabra anti era usada para distanciarse de la posiciones humanistas
de entonces. El mismo aclaró luego que sería más correcto hablar de un
a-humanismo teórico en lugar de un anti-humanismo teórico.
Muchos de sus críticos interpretaron erradamente su afirmación
del marxismo como anti-humanismo teórico, pasando por alto la palabra
«teórico» y acusándolo de pretender decir que Marx era antihumanista,
con lo que deformaban completamente el pensamiento del autor.
Jar Per (Or.)

Lo que Althusser sostenía en su artículo Marxismo y humanismo
(1964) – y que yo resumí en la Introducción que hice al libro «Pour Marx»
– resumen que fue aprobado por el propio Althusser – era que para servir
a los hombres reales Marx no fabrica una teoría centrada en reflexiones
acerca del hombre sino que busca comprender las leyes que determinan
la existencia real de los hombres que viven en las sociedades. Es en ese
sentido que el marxismo es un anti-humanismo teórico, o más exactamente
un a-humanismo teórico. Esto no es contradictorio con el hecho de que
Marx sea, al mismo tiempo, un gran humanista. Lo que ocurre es que para
servir a los hombres reales, para tratar de liberar a la clase trabajadora de
la explotación, Marx no produce una teoría que hable del hombre, de la
naturaleza humana, de libertad, de conciencia, sino una teoría que emplea
los conceptos de modo de producción, de relaciones de producción, de
fuerzas productivas, es decir, una serie de conceptos que nada tienen que ver
con los conceptos del humanismo. Para ser consecuente con su humanismo
práctico era necesario que Marx no fuera teóricamente un humanista.
Para ayudar a una mejor comprensión de su tesis, Althusser
comparaba a la Marx con Freud. Es evidente que el psicoanalista alemán
quería curar a los enfermos con trastornos psicológicos que llegaban a su
consulta y en ese sentido era fundamentalmente humanista, sin embargo
para poder sanarlos creó una teoría: el psicoanálisis, donde empleaba
conceptos nuevos que no consideraban el concepto de hombre como Ello,
Yo y Superyo; Eros y Tánatos, complejo de Edipo, etcétera.
Y recuerdo muy bien su reacción cuando en 1965, de regreso de
un corto viaje a Polonia con un grupo de mis amigos de América Latina, le
cuento sorprendida que los filósofos marxistas polacos estaban dedicados
a estudiar los mismos autores que yo, como católica, había estado
estudiando en Chile: Maritain, Teilhard de Chardin, Mounier, etcétera,
todos centrados en reflexiones acerca del hombre y su papel en el mundo.
Reaccionó indignado. «¡Cómo era posible que esos pensadores se dedicaran
a esos estudios acerca de los problemas ideológicos del humanismo
en lugar de ponerse de lleno a estudiar los problemas que surgen de la
construcción del socialismo!» Los problemas del hombre en el socialismo
no iban a resolverse – según él – hablando del hombre – tema sobre el
cual la Iglesia Católica tenía una ventaja de siglos sobre el marxismo – sino
L A

afrontando concreta y correctamente los difíciles problemas que surgen en
la construcción de todo orden social nuevo. Por eso también se indignaba
y consideraba antimarxista el que todos los problemas que sufría la URSS
fueran atribuidos a Stalin. Reconociendo los errores personales de dicho
dirigente, lo que – según él – había que buscar para evitar la repetición
futura de esos mismos errores, eran las causas económicosociales que
explicaban el porqué del surgimiento de ese fenómeno tan nefasto para el
socialismo. Althusser insistía que no bastaba reconocer autocríticamente
un error para poder superarlo, había que conocer sus causas, y corrigiendo
esa situación evitar su repetición.
h) Materialismo y ateísmo
Otra cosa que me ayudó mucho del enfoque althusseriano de
Marx fue entender que se podía ser creyente y ser marxista a la vez. El
marxismo – decía – es una ciencia, la ciencia de la historia, y como tal no
afirma ni niega la existencia de Dios. Esa afirmación o negación pertenece
al terreno de la ideología, no de la ciencia. Y añadía: en la medida en que la
religión existe como obstáculo, está obligado a luchar contra ella, pero con
lo positivo que las ideas religiosas indican, escondiéndolo, existen amplias
posibilidades de entendimiento y esclarecimiento. Por eso que Althusser
fue tan bien recibido por los teólogos de la Liberación en nuestra región.
7 UNA AUSENCIA SIGNIFICATIVA EN ALTHUSSER
Hay algo que Althusser no desarrolla al analizar el pensamiento de
Marx y que está presente en El Capital y ha sido destacado con gran énfasis
por el investigador marxista canadiense Michael Lebowitz: la afirmación
de que al transformar las circunstancias, las personas se transforman a sí
mismas para bien o para mal.
Al transformar la materia prima en productos elaborado en el
proceso de producción capitalista los trabajadores no sólo producen
mercancías sino, que al mismo tiempo, se producen a sí mismos como
trabajadores alienados. Algo diferente ocurriría, según Marx, en una
Jar Per (Or.)

sociedad de productores libremente asociados, donde el trabajo, en lugar
de esclavizar liberaría.
Marx señala también que sólo a través de las luchas los trabajadores
se liberarán del estiércol del pasado (la cultura heredada).
Partiendo de estas ideas de Marx, Michael Lebowitz habla
joint product, que yo he traducido por doble producto. Señala que en
toda actividad humana hay un doble producto: un primer producto: los
objetos materiales producidos (en una fábrica por ejemplo), y un segundo
producto, subjetivo espiritual mucho menos tangible, que sólo una mirada
atenta descubre: los efectos que esa actividad produce en las personas:
alienándolas o permitiéndoles un mayor desarrollo humano.
Te pongo otro ejemplo: es muy distinto que unos técnicos hagan
un plan para una comunidad o instancia local a que sea la propia gente
la que participe en la elaboración del plan. En este último caso junto al
producto material: el plan comunitario, logramos un segundo producto:
un mayor desarrollo humano y el crecimiento de la autoestima.
Creo que este planteamiento Muchas veces pensamos más en
resolver los problemas de la gente, es decir, en lograr el producto material,
que en crear condiciones para que la gente sea quien resuelva sus problemas
y de esa manera se desarrolle a sí misma.
Como dice Alfredo Maneiro, pensador y político venezolano: no
es lo mismo que una comunidad construya una pasarela (paso elevado)
para lo cual se ha organizado y ha luchado, a que sea el Estado el que la
construya y se la otorgue a la comunidad como un regalo.
O como dice Julio Angüita, el dirigente comunista español,
nosotros NO tenemos que darle solución a los problemas de los ciudadanos,
tenemos que hacer posible que los ciudadanos solucionen los problemas
dándoles los instrumentos para ello.
Mis lectores podrán percibir que esta idea de la importancia
de la práctica revolucionaria y del doble producto que siempre debemos
considerar al planificar cualquier tipo de actividad – ausente de mis trabajos
anteriores a 2004 – está presente en todos mis trabajos de los últimos años.

OS MARXISMOS DE SAR
TRE E ALTHUSSER:
A PROPÓSITO DO DEBATE SOBRE OHUMANISMO
1
André Constantino YAZBEK
2
I.
Em 1966, em um número especial consagrado ao pensamento
de Jean-Paul Sartre, a revista LArc localizava a obra sartriana a partir de
uma ambiência intelectual que parecia apontar para o seu ocaso:
1945,1960: para medir o caminho percorrido entre as duas datas, bas-
taria abrir um jornal ou uma revista e ler algumas resenhas de livros.
[...] Não se fala mais de “consciência” ou “sujeito”, mas de “regras”,
códigos”, “sistemas”; não se diz mais que o homem “faz o sentido”,
mas que o sentido “advém ao homem”; não se é mais existencialista,
mas sim estruturalista.
3
Como se sabe, ao longo da década de 60 o alcance e a influência
atingida pelo assim chamado “estruturalismo” na França eclipsaria aquela
que havia sido a filosofia referencial da geração do imediato pós-guerra:
o existencialismo. Mas Sartre, figura de proa da filosofia existencialista e
da geração que a ecoava, recusava-se a deixar a cena. Ao contrário, no
1
O texto a seguir constitui uma versão traduzida e sensivelmente modificada do artigo publicado por mim
na coletânea Sartre et le marxisme, organizado por Emmanuel Barot. C.f. YAZBEK, A. “Sartre et Althusser: le
marxisme est-il un humanisme?” BAROT, E (org.). Sartre et le marxisme. Paris: La Dispute, 2011, pp. 179-200.
2
Professor do Departamento de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal
Fluminense (UFF). Contato: andre.yazbek@yahoo.com.br
3
PINGAUD, B. Introduction. In: L’Arc, n. 30, 4e. trim., 1966, p. 1.
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p37-54
Jar Per (Or.)

momento mesmo em que o interesse da intelligentsia francesa voltava-se
à Claude Lévi-Strauss, Jacques Lacan, Louis Althusser, Michel Foucault,
entre outros, Sartre lançava-se à publicação de sua Crítica da razão dialética
(1960), obra destinada à recuperação do pensamento de Marx em nome de
um projeto de compreensão das condições de inteligibilidade da História
em maiúscula – e do papel do indíviduo no curso da razão dialética.
Assim, em face à corrente estruturalista – que havia despojado o
sujeito de seu estatuto de fundamento, transformando-o em função de um
discurso anônimo – Sartre representava à época “um dos últimos modelos
do idealismo universitário francês
4
: por meio de sua Crítica, o filósofo
inaugurara a década reunindo esforços para restabelecer a dialética no seio
do sujeito propriamente dito, tomando-o como elemento irredutível para
a compreensão da inteligibilidade da história. Do ponto de vista de uma
nova geração de pensadores franceses, declarando o marxismo como a “fi-
losofia insuperável” de nosso tempo, Sartre não fazia senão reafirmar o
mesmo credo filosófico de suas obras anteriores, o de um humanismo ma-
nifesto, devidamente explicitado pelo filósofo na mesma edição da revista
LArc mencionada acima: «Enquanto interrogação sobre a práxis, a filosofia
é ao mesmo tempo uma interrogação sobre o homem, quer dizer, sobre o
sujeito totalizador da história»
5
.
No entanto, esse mesmo Sartre, que se fazia marxista e declarava
o existencialismo como uma “ideologia” auxiliar do pensamento de Marx,
se afastava da prática partidária comunista e identificava no stalinismo e
em sua vulgata materialista um sintoma de profunda esclerose do pensa-
mento dialético, resultado de seu envelhecimento precoce:
[...] o que fez a força e a riqueza do marxismo é que ele foi a tentati-
va mais radical para iluminar o processo histórico em sua totalidade.
Desde há vinte anos, ao contrário, sua sombra obscurece a história: é
que ele deixou de viver com ela e tenta, por conservadorismo burocráti-
co, reduzir a mudança à identidade. No entanto, é preciso que nos en-
tendam: esta esclerose não corresponde a um envelhecimento normal.
Ela é produzida por uma conjuntura mundial particular
6
.
4
DOSSE, F. Histoire du structuralisme. Tome 1: le champ du signe (1945-1966). Paris: Éditions la Découverte,
1991, p. 461.
5
SARTRE, J.-P. Jean-Paul Sartre répond. In: PINGAUD, B. L’Arc, op. cit., p. 95.
6
SARTRE, J.-P. Critique de la raison dialectique précédé de question de méthode: théorie des ensembles pratiques,
Tome I. Paris: Gallimard, 1960, p. 29.
L A

Destarte, em meio à conjuntura particular das lutas anticoloniais,
da Guerra fria, da burocratização do partido soviético e dos gigantescos
esforços de industrialização da URSS, a Crítica sartriana constituirá igual-
mente a tentativa do filósofo em acertar contas com suas próprias tomadas
de posição: se em 1952, ano de redação de seu “Os comunistas e a paz”,
Sartre se lançara à defesa do Partido Comunista Francês e, sobretudo, da
URSS – então acusada de imperialismo –, em 1956, será ele a acusar o
governo soviético de um crime ainda pior, quando da invasão soviética em
Budapeste: “E o crime, para mim, não é apenas o ataque a Budapeste pelos
tanques, mas o fato de que ela tenha se tornado possível e talvez até neces-
sário (do ponto de vista soviético) por doze anos de terror e imbecilidade
7
.
Aliás, seria preciso não esquecer que o ano de 1956 constitui um
período de rupturas para uma boa parte da intelectualidade francesa: en-
tre as revelações dos crimes de Stálin pelo novo secretário geral, Nikita
Khrouchtchev, e o esmagamento da revolução húngara pelos tanques sovi-
éticos, o Partido Comunista Francês permanecia ainda a organização polí-
tica mais potente à esquerda, mas os intelectuais não podiam senão colocar
em causa o que até então, para muitos, havia sido uma adesão incondicio-
nal. E se Sartre se dedicará à tarefa de forjar novos instrumentos da críti-
ca política marxista, toda uma outra geração de pensadores emergentes,
reunidos sob a designação geral de “estruturalistas”, se dedicará, por seu
turno, a desfazer as ilusões de um “humanismo” para o qual, nas palavras
de Michel Foucault, era necessário “desalienar o homem reconciliando-se
com sua própria essência” e seu devir inesgotáveis
8
.
Para alguns membros desta nova geração, oriunda do momento
em que a vanguarda do pensamento parecia desenvolver-se apenas no espa-
ço da “morte do homem”, Louis Althusser aparecerá, através de sua leitura
renovada do marxismo, como o lugar possível para uma recuperação da
crítica política marxista, a partir de um anti-humanismo teórico o qual tra-
tava de se livrar de um “conceito ideológico como o humanismo, carregado
7
SARTRE, J.-P. Après Budapest, Sartre parle, L’Express, 9 nov. 1956, p. 13-16.
8
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. Tradução de Salma Tanus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2007,
p. 451.
Jar Per (Or.)
40
de associações do inconsciente ideológico, e que coincide demasiado fácil
com temas de inspiração pequeno-burguesa
9
.
Nesse sentido, as leituras de Marx por Althusser e Sartre perfazem
um conjunto de esforços que possui em comum o diagnóstico acerca da
atualidade do pensamento marxista e da necessidade de renová-lo, mas
diferem radicalmente no tocante àquilo que seria o elemento central da
filosofia marxista, razão de sua força e atualidade incontestes: se Sartre
pretende que o sujeito da práxis – como elemento irredutível à totalização
histórica – seja recuperado no seio da razão dialética, Althussser, de sua
parte, se esforçará por estabelecer, contra o humanismo, contra a antropo-
logia filosófica, um corte profundo entre um “primeiro” e um “segundo
Marx, de modo a explicitar o advento da ciência revolucionária do marxis-
mo como sendo fruto de uma ruptura com a abstração ideológica do hu-
manismo burguês. Nas linhas que seguem, nos dedicaremos a explorar as
tensões características destes dois projetos de renovação do marxismo e sua
inserção no debate sobre o humanismo nos anos 60, sem nos pronunciar-
mos sobre o grau de fidelidade de tais apropriações vis-à-vis o pensamento
do próprio Marx. Para tanto, assumiremos que os esforços de renovação
do pensamento marxista levados a cabo por Althusser se encontram em
confluência com o chamado “estruturalismo” – rótulo problemático, com
se sabe – na medida em que compreende o “humanismo” como obstáculo
epistemológico à verdadeira compreensão da estrutura de classes e, portanto,
da própria ciência do marxismo, vale dizer, o materialismo dialético
10
.
II.
Inicialmente, tomemos a questão do marxismo a partir do pen-
samento de Jean-Paul Sartre. No momento da publicação de sua Crítica
da razão dialética, Sartre concederá uma notável entrevista à Madeleine
9
ALTHUSSER, L. La revolución teórica de Marx. Tradução de Marta Harnecker. Buenos Aires: Siglo XXI
Editores, 2004, p. 199.
10
Nas palavras de Althusser: “Alienação, Sujeito, Homem: três conceitos, três obstáculos epistemológicos [para
Marx]. Três conceitos dos quais devemos nos livrar para deixar a via aberta ao único conceito positivo prisioneiro
desse dispositivo impressionante, o conceito de processo (que, livre do Sujeito e do Homem, tornar-se-á então
processo sem sujeito)”. ALTHUSSER, L. A querela do humanismo (1967). In: Crítica Marxista, São Paulo:
Xamã, v. 1, n. 9, 1999, p. 32-33.
L A
41
Chapsal na qual procura expor o espaço em que deveríamos situar seus
esforços de recuperação do marxismo:
Faz quinze anos que eu busco algo. Trata-se, se você quiser, de dar
um fundamento político à antropologia. E isso proliferava. Como um
câncer generalizado; vinham-me ideias: eu não sabia ainda o que fazer
delas, então eu as colocava em qualquer lugar: nos livros que eu estava
escrevendo. No presente, está feito, elas se organizaram, escrevi uma
obra que me livrará delas, a “Crítica da razão dialética
11
.
Assim, para o Sartre de então, os esforços empreendidos pela
Crítica deveriam ser compreendidos no âmbito de uma tentativa para con-
ferir um “fundamento político para a antropologia”, quer dizer, ressuscitar
o pensamento de Marx fazendo da “compreensão da existência” o “funda-
mento humano da antropologia marxista
12
. Nesse sentido, considerado
como uma disciplina auxiliar, o existencialismo teria por finalidade “en-
gendrar, nos quadros do marxismo, um verdadeiro conhecimento com-
preensivo que reencontrará o homem no mundo social e o seguirá em sua
práxis
13
. Desde então, o “método de pensar” – se se pretende marxista
– aparecerá nitidamente: jamais fazer abstração da vida concreta dos ho-
mens, de seus problemas reais, de sua história e de sua situação efetiva nas
condições societárias atuais; sem, no entanto, cair nas armadilhas de um
naturalismo para o qual a subjetividade é um elemento a ser depurado de
toda explicação histórica
14
.
A questão posta por Sartre em sua Crítica encontra-se relacionada
às condições de possibilidade do conhecimento da história, como sabe-
mos. Mas a inteligibilidade da história não pode ser assegurada senão nos
quadros de um pensamento dedicado a recuperar, em toda a antropologia
filosófica, em todo pensamento concernente à realidade humana, a dimen-
são existencial dos processos estudados: é necessário que as mediações que
permitem a emergência de “singularidades concretas” (a luta real e datada
de indivíduos singulares) sejam redescobertas no interior mesmo dos pro-
11
SARTRE, J.-P.apud COHEN-SOLAL, A. Sartre: 1905-1980. (Collection Folio-Essais). Paris: Gallimard,
1999 p. 630.
12
SARTRE, J.-P.. Critique de la raison dialectique précédé de Question de méthode, Tome I. Paris: Gallimard,
1960, p. 108.
13
Idem, p. 111.
14
Idem, p. 124-127.
Jar Per (Or.)
42
cessos materiais que compõem a história. Trata-se, portanto, de recuperar
o marxismo tomando a démarche de Marx naquilo que ela possuiria de
mais fundamental: um esforço sintético de reconstrução da história no
qual a abordagem perspectiva de cada um dos fatos materiais não impede
a apreciação do processo estudado como uma totalidade singular, que terá
no sujeito da práxis seu elemento primordial. Assim, nas palavras de Sartre,
toda dialética repousa sobre a práxis individual na medida em que ela [a
práxis individual] é já dialética
15
.
Ora, é justamente a partir do papel do indivíduo no evento histó-
rico que o pensamento de Sartre se esforçará por recuperar, na totalidade de
seus condicionamentos e de suas relações, o “singular concreto” próprio à
tensão entre o universal e o particular que constitui a história e ação huma-
nas a partir de seu enfretamento com a materialidade circundante. Deste
modo, a empresa sartriana pretende reintegrar o “homem” – a dimensão
livre de sua ação em meio aos condicionamentos materiais de sua situação
– no interior de um marxismo vulgarizado, acusando a vulgata stalinista
de obliterar a vida pulsante da teoria de Marx na medida em que a reduz
a um formalismo estéril cujos efeitos práticos se fazem sentir como uma
empresa de eliminaçãoidentificada ao terror
16
. E é igualmente nesse sen-
tido que o projeto da Crítica sartriana – conforme pretende dar conta de
uma história que, em sendo produto da práxis humana, será considerada
como uma totalização de tipo dialética – pressupõe uma antropologia fun-
dadora. No entanto, o marxismo “preguiçoso”, dissolvendo os indivíduos
em um determinismo materialista de tipo economicista, torna o agente da
história um instrumento passivo de condicionamentos materiais que lhe
são exteriores. Ao contrário, afirma Sartre, a descoberta capital da experi-
ência dialética em Marx concerne ao fato de que o homem é mediado pelas
15
Idem, p. 165.
16
“O formalismo marxista é uma empresa de eliminação. O método identifica-se com o Terror pela sua recusa
inflexível de diferenciar, seu objetivo é a assimilação total mediante o menor esforço. Não se trata de realizar a
integração do diverso enquanto tal, conservando sua autonomia relativa, mas de suprimi-lo: assim, o movimen-
to perpétuo em direção à identificação reflete a prática unificadora dos burocratas. As determinações específicas
despertam na teoria as mesmas suspeitas das pessoas na realidade. Pensar, para a maioria dos marxistas atuais, é
pretender totalizar e, sob esse pretexto, substituir a particularidade por um universal; é pretender reconduzir-nos
ao concreto e apresentar-nos, sob esse título, determinações fundamentais, porém abstratas. Hegel, pelo menos,
deixava subsistir o particular como particularidade superada” (Idem, p. 40).
L A

coisas apenas “na medida em que as coisas são ‘mediadas’ pelo homem
17
.
Dito de outro modo:
[...] o que significa fazer a História sobre a base das circunstâncias ante-
riores? Diremos, então: se não distinguirmos o projeto – como supera-
ção [da realidade dada] – das circunstâncias como condições, só haverá
objetos inertes e a História evaporar-se-á. Do mesmo modo, se a rela-
ção humana não é senão um produto, ela é reificada por essência e não
se pode nem mesmo compreender o que poderia ser a sua reificação
18
.
Portanto, se história nos escapa, em sua inteligibilidade e em seus
condicionamentos próprios, isso não quer dizer que a ação real e livre dos
homens sobre ela não exista, mas apenas que outrem – com sua própria li-
berdade – também a faz (e a faz, muitas vezes, contrariando os projetos e as
intenções particulares de minhas ações). Isso significa que, visto de uma pers-
pectiva “totalizadora”, o resultado atingido pela ação é sempre diferente do
que apareceria em escala local. Assim, o homem faz a história ao lado e contra
outros homens: agindo diversamente, cada qual é suficiente para despojar do
outro o sentido primeiro e particular da empreitada de sua ação:
[...] o homem faz a história: isso quer dizer que nela se objetiva e se
aliena; nesse sentido, a História, que é a obra própria de toda atividade
de todos os homens, aparece-lhes como uma força estranha na exata
medida em que eles não reconhecem nela o sentido de seus empreendi-
mentos (mesmo quando localmente bem sucedidas) no resultado total
e objetivo
19
.
Contudo, acrescenta Sartre, se a alienação pode modificar os re-
sultados da ação, não se deve daí concluir que ela a modifique em sua re-
alidade e natureza mais profundas: feitas todas as contas, o ato humano (a
práxis) permanece em sua especificidade existencial de superação dos con-
dicionamentos materiais em direção a novos projetos e ao sentido mesmo
de tais condicionamentos. Nos termos da Crítica sartriana:
17
Idem, p. 165.
18
Idem, p. 180.
19
Idem, p. 62.
Jar Per (Or.)
44
Nos recusamos confundir o homem alienado com uma coisa e
a alienação com as leis físicas que regem os condicionamentos de exterio-
ridade. Afirmamos a especificidade do ato humano que atravessa o meio
social, conservando-lhe as determinações, e transforma o mundo sobre a
base de condições dadas. Para nós, o homem caracteriza-se, antes de tudo,
pela superação de uma situação, por aquilo que consegue fazer do que foi
feito dele, mesmo que jamais se reconheça em sua objetivação
20
.
Portanto, para além das preocupações de ordem metodológica
concernentes às condições de possibilidade de compreensão da história,
Sartre pretende que suas considerações se inscrevam nos quadros de uma
radicalização do marxismo propugnado à época, refém de um naturalismo
incapaz de reconhecer a verdadeira dimensão existencial da ação humana.
Trata-se, enfim, de recuperar a dimensão humanista latente no próprio
Marx, de fazer ver que “ser radical”, como escrevera o autor da Crítica da
filosofia do direito de Hegel (1843), é tomar as coisas pela raiz, mas que a
raiz, para o homem, “é o próprio homem
21
.
Assim, afirmando a dialética como a “lógica viva da ação
22
, media-
ção privilegiada a qual permite ao materialismo dialético passar das determi-
nações gerais e abstratas à concretude do indivíduo singular e das condições
conjunturais de sua ação,
23
Sartre pretende reencontrar o jogo de tensões
entre a interiorização do real e a exteriorização do eu” em meio a totalização
em curso que constitui a história. É preciso que o homem e sua ação sejam
redescobertos no interior do próprio marxismo; é preciso, com efeito, reco-
nhecer que o devir é dialético no sentido em que está inscrito na “lógica da
ação criadora” do sujeito da práxis, quer dizer, na “lógica da liberdade
24
.
Como veremos a seguir, se para Sartre as condições de possibi-
lidade de toda a inteligibilidade da história exige considerá-la como um
movimento de totalização no qual o agente totalizador (ainda que totalizado
ele próprio, uma vez que faz parte de sua própria história) não pode ser se-
não o homem, para Althusser, seria necessário, ao contrário, acertar contas
20
Idem, p. 63.
21
MARX, K. Morceaux choisis. Introduction et textes choisis par Paul Nizan et Jean Duret. Paris: NRF, 1934,
p. 186-187.
22
SARTRE, J.-P. Critique de la raison dialectique précédé de Question de méthode, p. 133.
23
Idem, p. 47.
24
Idem, p. 156.
L A
45
com o “humanismo” do “jovem Marx”, para só então estar em condições
de compreender o alcance e os verdadeiros deslocamentos produzidos pelo
pensamento marxista.
III.
Como bem nos lembra Jean-François Gaudeaux – não sem um
certo tom de ironia –, “na França, nos anos 60, a revolução se fará no
campo da teoria”, e essa “revolução visará o sujeito: o homem deve ceder
seu lugar às estruturas
25
. A partir de então, como se sabe, Sartre fará figu-
ra de valor do passado, simples encarnação das esperanças desiludidas da
Libération: contra as metafísicas do sujeito – e, portanto, contra o próprio
existencialismo –, irá se opor uma geração de pensadores atentos às formas
estruturais daquilo que se poderia chamar de “sistemas simbólicos”. O “su-
jeito”, a “consciência”, o “homem” devem ser compreendidos como efeitos
da “regra”, do “código”, dos sistemas constringentes de ordenamento de
nossa experiência. É preciso reconhecer, nesse sentido, que o sujeito é antes
o produto da estrutura – ou um de seus “efeitos” –, e que nem mesmo é
senhor soberano das palavras que emprega, uma vez que, para tomar um
exemplo caro aos estruturalistas, as palavras que eu emprego não possuem
apenas o sentido que eu quero, mas também aqueles de sua relação dife-
rencial reativamente à outros signos e outros falantes (como nos ensina
a linguística estrutural, estamos sempre em presença de um sistema que
opera por oposições distintivas).
26
Assim, é possível compreender o dito “estruturalismo”, nas suas
mais diversas manifestações, não propriamente como uma “escola de pen-
samento”, mas antes como uma ambiência cultural que estenderá indefi-
nidamente, aos mais largos setores da intelectualidade francesa, a célebre
fórmula de Lévi-Strauss em seu O pensamento selvagem: “Acreditamos que
25
GAUDEAUX, J.-F. Sartre, l’aventure de l’engagement. Paris: L’Harmattan, 2006, p. 347.
26
Procurando uma formulação suficientemente adequada ao chamado “problema daestrutura’”, questão ca-
racterística de um “momento filosófico novo no início dos anos sessenta”, Frédéric Worms dirá que se tratava
de “generalizar e levar ao máximo o novo modelo de sentido proposto pela linguística estrutural, que consistia em
compreender a língua como um sistema de diferenças. [...] Com efeito, todo o problema [do estruturalismo] viria
do fato de que o modelo da ‘estrutura’, longe de valer, localmente, apenas para o sistema da ‘língua’, tal como o
definira Saussure em seu Curso de linguística geral, seria posto no centro do jogo, valendo, portanto, para todas
as dimensões do conhecimento e mesmo da existência humana”. (WORMS, F. La philosophie en France au XXe.
Siécle: moments. (Collection Folio/Essais). Paris: Gallimard, 2009, p. 469.
Jar Per (Or.)
46
o objetivo último das ciências humanas não é o de constituir o homem,
mas sim o de dissolvê-lo
27
. Entre outros, em sua leitura renovada da obra
marxiana, Althusser parecerá fazer eco a essa mesma exigência de um anti-
-humanismo manifesto:
A história é um processo sem sujeito. A questão de saber como “o homem
faz a história” desaparece completamente; a teoria marxista a rejeita
definitivamente em seu lugar de nascimento: na ideologia burguesa.
Com ela, desaparece a “necessidade” do conceito de “transcendência”,
do qual o homem seria o sujeito
28
.
Ora, do ponto de vista de Althusser, é necessário realizar a crítica
da “ideologia burguesa” que constitui o “homem” como sujeito da história
– “ideologia” presente ainda nos primeiros escritos de Marx –, de modo a
livrar-nos do “fetichismo do homem
29
. Nesse sentido, uma leitura como
a que Sartre pretendera realizar junto a Marx não faria senão reconduzir-
-nos a uma filosofia da história “pré-científica” e, portanto, “pré-marxis-
ta”
30
, – e isso, na medida mesmo em que, como vimos, sua abordagem do
marxismo implicaria uma antropologia filosófica fundante. Ao contrário,
Althusser oporá as massas à mistificação burguesa do “homem” como sujei-
to da história, substituindo a abstração formal do “fazer histórico” indexado
ao sujeito pela afirmação da luta de classes. Destarte, eliminada a ideologia
burguesa humanista que infestara os primeiros trabalhos de Marx, pode-se
compreender que a história não possui exatamente um “sujeito” – ou “su-
jeitos” –, mas um “motor”: a luta de classes e o movimento de massas que ela
põe em marcha. “Não mais a questão do homem. Nós bem o sabemos
31
.
A partir desses marcos gerais, poder-se-ia recensear brevemente
as diferenças: ao passo que a demárche sartriana consiste em partir de um
núcleo imediato e irredutível da ação histórica – quer dizer, o indivíduo –
para aí reencontrar, através dos condicionamentos materiais que o cercam,
a totalidade das ligações práticas de homem a homem e desses aos coleti-
vos, a abordagem althusseriana nega simultaneamente o “humanismo” e
27
LÉVI-STRAUSS, C. La pensée sauvage. Paris: Plon, 1962, p. 326.
28
ALTHUSSER, L. Réponse à John Lewis. Paris: Maspéro, 1973, p. 31.
29
Idem, p. 32.
30
Idem, p. 44.
31
Idem, p. 28.
L A
47
o “historicismo” supostamente presentes no Marx dos primeiros anos
32
.
Se de uma parte, o projeto sartriano consiste em refundar o marxismo
como possibilidade de compreensão da totalidade histórica, de outra, em
Althusser tratava-se antes de refundar – ou explicitar – a “cientificidade”
de O Capital
33
. Ao passo que em Sartre, com seu marxismo fenomenoló-
gico-existencial, constata-se certa subordinação de O Capital aos escritos
de juventude de Marx – sobretudo, aos Manuscritos econômico-filosóficos de
1844 –, Althusser, por seu turno, pretende recolocar no centro da cena a
obra prima do marxismo, tomando-a como o resultado de um ponto de
viragem fundamental (localizável na obra do próprio Marx) de passagem
da “ideologia” para a “ciência da história”, produto de “uma filosofia radi-
calmente nova (o que chamamos de materialismo dialético)”
34
.
É assim que, para Althusser, como sabemos, existirá uma
oposição radical entre a crítica antropológica realizada pelo «jovem» Marx
nos Manuscritos – “obra de um autor politicamente comunista, mas teori-
camente ainda idealista
35
– e a crítica da economia política em O Capital,
e não um progresso estabelecido em continuidade. Ora, da perspectiva al-
thusseriana, deve se reconhecer que, no primeiro caso, Marx apenas aplica-
ra a teoria feuerbachiana da natureza humana (isto é, a teoria da alienação)
à política e à atividade concreta dos homens
36
. Seria preciso passar ainda
pelo “empirismo historicista” de A ideologia alemã – no interior do qual
não há mais o “homem” como “sujeito da história”, mas sim os “indivíduos
reais, empíricos, dotados de forças, vivendo em condições materiais sócio-
-históricas
37
– para que Marx pudesse consumar em definitivo seu acerto
de contas com sua “consciência precedente”:
[...] o jovem Marx vai passar de um neo-hegelianismo subjetivo (de tipo
kantiano-fichtiano) ao humanismo teórico (Feuerbach), antes de rejeitá-
32
“Se empreguei a expressão anti-humanismo teórico de Marx [...], é para acentuar o aspecto impiedoso da
ruptura que Marx teve de realizar para conceber e enunciar sua descoberta”. (ALTHUSSER, L. A querela do
humanismo, 1967, p. 17).
33
“Retomo pois, uma vez mais a questão da história da evolução do pensamento teórico de Marx, a questão
do corte epistemológico entre a pré-história ideológica e a história científica do seu pensamento, a questão da
diferença teórica radical, que separa para sempre as obras de juventude de “O Capital” (Idem, p. 13).
34
Idem, p. 16.
35
Idem.
36
ALTHUSSER, L. Pour Marx. Paris: Éditions la Découverte, 1996, p. 40.
37
A querela do humanismo
Jar Per (Or.)
48
-lo para passar a uma filosofia que não esteja mais fixada em uma “inter-
pretação do mundo”: uma filosofia inédita, materialista-revolucionária.
38
É neste ponto que a leitura althusseriana fará recurso à noção de
«ruptura epistemológica” (oriunda da epistemologia de Gaston Bachelard)
em sua apreciação da obra de Marx: a julgar pela avaliação de Althusser,
a descoberta e a formulação do materialismo histórico e a fundação do
materialismo dialético, já nas páginas de A ideologia alemã, devem ser com-
preendidas como um momento de corte, de cisão entre uma maneira de
pensar ainda “pré-científica” (ou seja, “ideológica”) e o advento da verda-
deira ciência revolucionária. Assim, dirá Althusser,
Uma “ruptura epistemológica” sem equívocos intervém, na obra de
Marx, no ponto em que o próprio Marx a situa, em sua obra não pu-
blicada em vida, e que constitui a crítica de sua antiga consciência
política (ideológica): A ideologia alemã. [...] Essa “ruptura epistemológi-
ca” diz respeito, conjuntamente, a duas disciplinas teóricas distintas. É
fundando a teoria da história (materialismo histórico) que Marx, em
um único e mesmo movimento, rompeu com sua consciência anterior
e fundou uma nova filosofia (materialismo dialético).
39
Assim, para chegar a uma teoria científica da história, fora preciso
que Marx inicialmente fizesse a crítica da “ideologia” – no sentido de uma
visão de mundo que ignora seus próprios pressupostos e suas condições de
produção – que lhe teria servido de fundamento teórico durante seus anos de
juventude (1840/45), quer dizer, promovesse a ruptura com o humanismo
mistificador que “funda a história e a política sobre a essência do homem”:
Essa ruptura única comporta três aspectos teóricos indissociáveis: 1.
Formação de uma teoria da história e da política fundada sobre concei-
tos radicalmente novos: conceitos de formação social, forças produtivas,
relações de produção, superestrutura, ideologias, determinações específi-
cas de outros níveis, etc.; 2. Crítica radical das pretensões teóricas de todo
humanismo filosófico; 3. Definição do humanismo como ideologia
40
.
38
______. Réponse à John Lewis, 1973, p. 57.
39
______. Pour Marx, p. 25. Nesse sentido, a divisão da obra marxiana, segundo Althusser, seria a seguinte:
a) as obras de juventude (anteriores ao ano 1845); b) as obras de “ruptura” (a partir de 1845); c) as obras de
consumação” dessa ruptura (que precedem O Capital); d) as obras de maturidade propriamente ditas (1857).
(Idem, p. 26-27).
40
Idem, p. 233.
L A
49
Portanto, concluirá Alhusser,
Sob a relação estrita da teoria, pode-se e deve-se então falar abertamen-
te de um anti-humanismo teórico de Marx, e enxergar neste anti-hu-
manismo teórico a condição de possibilidade absoluta (negativa) do
conhecimento (positivo) do próprio mundo humano, e de sua trans-
formação prática. [...] Só se pode conhecer qualquer coisa dos homens
na condição absoluta de reduzir a cinzas o mito filosófico (teórico) do
homem. Todo pensamento que então se reivindicasse de Marx para res-
taurar, de uma ou de outra maneira, uma antropologia ou um huma-
nismo teóricos seria teoricamente reduzido a cinzas. Mas praticamente
poderia edificar um monumento de ideologia pré-marxista que pesaria
na história real, e correria o risco de arrastá-la a impasses
41
.
Em última instância, no que concerne especificamente ao marxis-
mo de Marx, tratava-se de exorcizar a antropologia filosófica de Feuerbach,
sua “concepção antropológica (ou humanista) da história
42
, algo que, mu-
tatis mutandis, transparece claramente na tentativa sartriana de apropriação
do pensamento marxiano: para Sartre, são ainda os “homens” que fazem a
história; e a história, por seu turno, constituiria ainda a realização de uma
Verdade humana (ainda que de uma verdade em processo, em devir)
43
. Ora,
em sua Resposta à John Lewis, considerando Sartre como o “mestre não de-
clarado” de seu interlocutor, Althusser não apenas afirmará que a história
é um “processo sem sujeito nem fim(ns)”, mas também acusará as leituras
humanistas de Marx de ainda sustentarem uma “versão pequeno burguesa
da liberdade burguesa
44
.
IV.
Mas tomemos alguma distância: o humanismo sartriano é signi-
ficativamente diferente de um certo “humanismo otimista” da geração an-
terior à Segunda Grande Guerra, ou mesmo do humanismo “espiritualista
da ideologia burguesa. Nesse sentido, bastaria a leitura atenta de alguns
41
Idem, p. 236.
42
ALTHUSSER, L. A querela do humanismo, 1967, p. 31.
43
SARTRE, J.-P. Critique de la raison dialectique précédé de Question de méthode, 1960, p. 10.
44
ALTHUSSER, L. Réponse à John Lewis, 1973, p. 21-22.
Jar Per (Or.)
50
extratos da Crítica da razão dialética
45
e do ensaio intitulado Questão de
método, que acabaria por ser incorporado como espécie de introdução à
crítica sartriana
46
. E ainda que tivéssemos por referência as obras “clássicas
do pensamento sartriano – em particular O ser e o nada –, não se poderia
encontrar nelas senão uma definição ontológica (e não mais “psicológica”)
do “homem”, quer dizer, uma definição que o apreende a partir de sua
dimensão projetiva de superação das determinações do ser rumo às signifi-
cações instauradas pela ação, e não na condição de “sujeito substancial” ou
entidade metafisica
47
. Assim, é preciso reconhecer que a filosofia sartriana
jamais sustentara uma concepção de “homem” e de “liberdade” compreen-
didos como potências plenas de si mesmas: a liberdade não é outra coisa
que o modo de ser de um ser – precisamente, o homem – cuja realidade é
aquela de fazer-se negação incessante de todo o determinismo “natural” ou
ôntico” (e é esse rompimento com as formas determinadas do ser em si
que caracteriza a realidade humana em Sartre
48
). Por esse motivo, no mes-
mo número da revista L’Arc que nos serviu de introdução, Sartre pretende
responder às críticas que lhe são dirigidas afirmando que o “problema não
é o de saber se o sujeito é ‘descentrado’ ou não”:
Em certo sentido, ele [o sujeito] é sempre descentrado. O homem não
existe e Marx o havia rejeitado bem antes de Foucault ou Lacan, quan-
do dizia: “não vejo o homem, vejo apenas trabalhadores, burgueses,
intelectuais”. Se persistimos em chamar de sujeito uma espécie de eu
substancial, ou uma categoria central, sempre mais ou menos dada, a
partir da qual se desenvolveria a reflexão, então já faz bastante tempo
45
“O humanismo burguês, como ideologia serial, é a violência ideológica cristalizada” (SARTRE, J.-P. Critique
de la raison dialectique précédé de Question de méthode, 1960, p. 703.
46
“Havíamos sido educados no humanismo burguês e esse humanismo otimista se esfacelava porque adivinhá-
vamos, nos arredores de nossa cidade, a imensa massa de ‘sub-homens conscientes de sua sub-humanidade’, mas
ainda sentíamos o esfacelamento de maneira idealista e individualista [...]” (Idem, p. 23).
47
Nas palavras do Sartre de “O ser e o nada”: “Dizíamos que a consciência é o ser cognoscente enquanto ela
é e não enquanto é conhecida. Significa que convém abandonar a primazia do conhecimento, se quisermos
fundamentá-lo. E, sem dúvida, a consciência pode conhecer e conhecer-se. Mas, em si mesma, ela é mais do
que só conhecimento voltado para si” (SARTRE, J.-P. L’être et le néant: essai d’ontologie phénoménologique.
Collection Tel. Paris: Gallimard, 2001, p. 1). Ou ainda, em linguagem hedeiggeriana: “Por certo, poderíamos
aplicar à consciência a definição que Heidegger reserva ao Dasein e dizer que é um ser para o qual, em seu pró-
prio ser, está em questão o seu ser” (Idem, p. 28-29).
48
Nas palavras de Sartre, “é preciso opor à fórmula ‘o ser em-si é o que é’ àquela que designa o ser da consciência:
esta, de fato, como veremos, tem-de-ser o que é [no sentido de ser o indeterminado e, portanto, ter a obrigação
de fazer-se o que é]” (Idem, p. 38).
L A
51
que o sujeito está morto. Eu mesmo critiquei essa concepção em meu
primeiro ensaio sobre Husserl
49
.
E no entanto, a julgar pela periodização estabelecida pela leitu-
ra althusseriana de Marx, pode-se conjecturar que Althusser responderia
à Sartre afirmando que sua abordagem não saberia ir além do momento
característico de A ideologia alemã, – momento no qual o “indivíduo não
é, em nenhum instante, um problema: ele é, ao contrário, a própria so-
lução, mas a sua própria solução”, quer dizer, “aquilo do qual se parte, o
começo, o dado
50
(ainda que no caso de Sartre o dado seja ontológico).
Notadamente, para o existencialismo sartriano o “verdadeiro problema
ainda é o da subjetividade (agora desubstanciada, claro está), que deve ser
compreendida como a negatividade que advém ao ser pela própria realida-
de humana, dado ontológico cuja descrição caberia a uma fenomenologia:
[...] o descentramento inicial que faz com que o homem desapareça
por detrás das estruturas implica, ele próprio, uma negatividade, e o
homem surge dessa negação. Há sujeito, ou subjetividade, se você pre-
ferir, desde o instante em que há um esforço para superar, conservan-
do-a, a situação dada. O verdadeiro problema é aquele da superação
[dépassement].
51
Assim, Sartre afirma não contestar a “existência da estrutura” – e
nem tampouco a necessidade de analisá-la –, mas certamente pretende
torná-la uma “derivação” de ação humana na medida em que ela, a pró-
pria práxis, concorre inevitavelmente para a sua própria passividade ou
momento inercial: o homem é o produto da estrutura apenas e tão so-
mente na medida em que ela a ultrapassa
52
. Quer dizer: “a estrutura, para
mim, é um momento do prático-inerte. Ela é o resultado de uma práxis
que transborda o seus agentes. Toda criação humana tem seu domínio de
passividade
53
. Nesse sentido, a questão fundamental da Crítica poderia
resumir-se no seguinte: como se pode compreender que a história, em sen-
49
SARTRE, J.-P. Sartre répond, 1966, p. 92-93.
50
A querela do humanismo
51
SARTRE, J.-P. Sartre répond, 1966, p. 92-93.
52
Idem, p. 91.
53
Idem, p. 90.
Jar Per (Or.)
52
do o produto da “livre práxis do homem”, venha a voltar-se contra o seu
agente e se transforme em uma necessidade inumana que faz do próprio
homem o objeto do processo histórico?
54
Em poucas palavras: para o Sartre
da Crítica, assim como para a antropologia filosófica feuerbachiana – tal
como Althusser a compreende –, não se poderia conceber a “liberdade” (ou
o “homem”) senão a partir de sua alienação fundamental junto às coisas; e
o que Althusser afirma da antropologia filosófica de Feuerbach valeria, cer-
tamente, para a antropologia filosófica de Sartre: “Não há alienação senão a
do homem, não da Natureza; não há dialética da Natureza
55
.
De outra parte, aos olhos de Sartre o estruturalismo pôde valer-se
do marxismo de Althusser porque, em última instância, tratara-se sempre
de privilegiar as estruturas em detrimento da história
56
, o que implica em
dizer, e será dito, que a corrente estruturalista manifesta uma tendência de
recusa da história” e, em consequência, do próprio marxismo, uma vez
que, nela, o agente da práxis (o “homem”) será elidido: “Na impossibilida-
de de poder ‘superar’ o marxismo, vão, portanto, suprimi-lo”.
57
De modo
diverso, na avaliação de Sartre “é preciso não esquecer jamais – sob pena de
renunciar a compreender a dialética do social – [...] que essas significações
objetivas, que parecem existir por conta própria e surgem a propósito de
homens particulares, são também criações dos homens
58
.
Talvez se devesse falar de algo como um abismo insuperável entre
Sartre e Althusser e suas respectivas leituras do marxismo, – vezo de época,
sem dúvida alguma, mas também uma clara demonstração da riqueza e
das potencialidades inauditas do marxismo quando retomado e reatualiza-
do a propósito de experiências políticas singulares como aquela dos anos
60. No entanto, sem pretender nenhum tipo de síntese entre as posições
aqui expostas, é necessário evitar à tendência a considerar as relações entre
Sartre e a geração estruturalista do ponto de vista simplificador de uma
oposição entre um pensamento da liberdade e da história e um pensamen-
to da fatalidade e da estrutura. Ora, como bem notou Patrice Maniglier,
54
CONTAT, M.; RYBALKA, M. Les écrits de Sartre. Paris: Gallimard, 1970, p. 339.
55
ALTHUSSER, L. A querela do humanismo, 1967, p. 52.
56
“Se os estruturalistas podem fazer uso de Althusser é por que há, nele, a vontade de privilegiar as estruturas
com relação à história” (.SARTRE, J.-P. Jean-Paul Sartre répond, 1966, p. 94).
57
Idem, p. 88.
58
SARTRE, J.-P. Critique de la raison dialectique précédé de Question de méthode, 1960, p. 103, nota 1.
L A

tratara-se antes, e sobretudo, de uma oposição entre duas maneiras de con-
siderar a “lógica destes sistemas decorrentes” que procuram captar a no-
ção de estrutura: “Sartre vai em busca do conceito hegeliano ou dialético
de contradição, ao passo que o estruturalismo formula a exigência de um
conceito não dialético desta consistência inconsistente” que atende pelo
nome de estrutura
59
. E afinal, pergunta-se ainda Patrice Maniglier, diante
do desafio de pensar de maneira não dialética a mutabilidade intrínseca
dos sistemas estruturais, não será “evidente também que a elaboração do
conceito de sobredeterminação, por Althusser, se inscreve na busca de uma
nova dialética?”
60
REFERÊNCIAS
ALTHUSSER, Louis. Réponse à John Lewis. Paris: Maspéro, 1973.
______. Pour Marx. Paris: Éditions la Découverte, 1996.
______. A querela do humanismo (1967). In: Crítica Marxista, São Paulo, Xamã,
v.1, n.9, 1999.
COHEN-SOLAL, Annie. Sartre: 1905-1980. Collection Folio-Essais. Paris:
Gallimard, 1999.
CONTAT, Michel ; RYBALKA, Michel. Les écrits de Sartre. Paris: Gallimard,
1970.
DOSSE, François. Histoire du structuralisme.Tome 1: le champ du signe, 1945-
1966. Paris: Éditions la Découverte, 1991.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Trad. Salma Tanus Muchail. São
Paulo: Martins Fontes, 2007.
GAUDEAUX, Jean-François. Sartre, l’aventure de l’engagement. Paris:
L’Harmattan, 2006.
LÉVI-STRAUSS, Claude. La pensée sauvage. Paris: Plon, 1962.
59
MANIGLIER, P. Faire ce qui se défait: la question de la politique entre Sartre et le structuralisme. In: Les
temps modernes: notre Sartre. Paris: Gallimard, n. 632-633-634, juillet-octobre 2005, p. 437.
60
(Idem, p. 438). Como se sabe, Althusser observará, a propósito das diferenças entre as dialéticas hegeliana e
marxista, que o conceito de contradição histórica em Marx supõe uma sobredeterminação de forças provenientes
de diversas instâncias da estruturas social. Nesse sentido, a sobredeterminação, em Althusser, manifesta-se pela
acumulação de contradições advindas das mais diversas instâncias e condensadas por uma contradição sobrede-
terminante a partir da qual o antagonismo manifesta-se sob a forma ruptura e da quebra revolucionária. Trata-
se, enfim, de uma manifestação das estruturas e das práticas a ela articuladas, de modo desigual, no todo de um
determinado complexo estuturado. (ALTHUSSER, L. Pour Marx, 1996, p. 206-207).
Jar Per (Or.)
54
MANIGLIER, Patrice. Faire ce qui se défait: la question de la politique entre
Sartre et le structuralisme. In: Les temps modernes: notre Sartre. Paris: Gallimard,
n. 632-633-634, juillet-octobre, 2005.
MARX, Karl. Morceaux choisis. Introduction et textes choisis par Paul Nizan et
Jean Duret. Paris: NRF, 1934.
PINGAUD, Bernard. Introduction. In: LArc, n. 30, 4e. trimestre 1966.
SARTRE, Jean-Paul. Après Budapest, Sartre parle, L’Express, 9 Nov. 1956.
______. Critique de la raison dialectique précédé de Question de méthode: théorie
des ensembles pratiques, Tome I. Bibliothèque des Idées. Paris: Gallimard, 1960.
______. Jean-Paul Sartre répond. In: LArc, n. 30, 4e. trimestre 1966.
______. L’être et le néant: essai d’ontologie phénoménologique. Collection Tel.
Paris, Gallimard, 2001.
WORMS, Frédéric. La philosophie en France au XXe. Siécle: moments. Collection
Folio/Essais. Paris: Gallimard, 2009.
55
GRAMSCI E AL
THUSSER: AS FORMAS
DE UM DIÁLOGO POSSÍVEL
Leandro GALASTRI
1
O objetivo deste texto é arrolar, de forma introdutória, cami-
nhos teóricos por meio dos quais se torne possível estabelecer uma profí-
cua relação entre as reflexões dos pensadores marxistas Antônio Gramsci
e Louis Althusser. Neste “diálogo”, há importantes momentos de apro-
ximação que podem contribuir para a sempre premente necessidade de
atualização crítica do marxismo, bem como de sua relação concreta com a
prática política contemporânea.
Dentre os momentos de aproximação acima referidos, escolhi
apresentar, de forma indicativa, três que considero evidentes numa leitura
imediata: a questão dos aparelhos hegemônicos de ideologia, as análises de
Maquiavel no âmbito da política prática e a perspectiva do marxismo como
teoria finita. É também nesta ordem que a apresentação segue disposta.
APARELHOS PRIVADOS DE HEGEMONIA E APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO
Buci-Glucksmann observa interessantemente que Antônio Gramsci
teria concebido um conceito novo nos Cadernos do Cárcere, além daquele
1
Doutor em Ciência Política pela Unicamp, é professor de Ciência Política da Unesp/Marília, pesquisador do
grupo CPMT – Cultura e Política do Mundo do Trabalho e editor do blogue Marxismo21.
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p55-70
Jar Per (Or.)
56
de “hegemonia”: o de “aparelho de hegemonia” (BUCI-GLUCKSMANN,
1980, p. 89). Para a autora, é necessário adotar a posição de uma nova pro-
blemática para a proposta de nova elucidação teórica das relações entre clas-
se, Estado e aparelhos de hegemonia. Ainda que de forma conflitiva, seria
o que faz Althusser ao tentar esclarecer a contribuição gramsciana naqueles
aspectos, em seu escrito “Aparelhos Ideológicos de Estado”.
De fato, nesse estudo, aponta Althusser que Gramsci fora o único
marxista até então que tinha avançado pelo mesmo caminho que ele, qual
seja, o de considerar que o Estado não se reduzia ao seu aparelho repres-
sivo, mas compreendia certo número de instituições da sociedade civil: a
igreja, as escolas, os sindicatos. Conclui Althusser que “Gramsci, infeliz-
mente, não sistematizou suas intuições, que teriam permanecido no estado
de anotações agudas, mas parciais” (ALTHUSSER, 2008, p. 264).
De toda forma, a despeito das referências a Gramsci feitas por
Althusser, segundo Jessop (2009, p. 99) este as retomaria apenas “gestu-
almente” ao desenvolver sua própria teoria sobre os aparelhos de Estado,
a ideologia e a luta de classes. Ainda segundo Jessop, isso se deveria, pro-
vavelmente, a sua visão de Gramsci como alguém que desempenhara um
papel importante na esquerda, no que se refere ao desenvolvimento de
um historicismo e um humanismo revolucionários, sendo, portanto, um
antagonista da afirmação de Althusser de que o marxismo devia ser anti-
-humanista e anti-historicista (Idem, 2009).
Assim, ao desenvolver sua própria teoria sobre os aparelhos ide-
ológicos de Estado, Althusser visa também ampliar o próprio conceito
de Estado, acrescentar alguma coisa à teoria marxista clássica do Estado,
como poder de classe e aparelho repressivo. Ainda para Althusser, segundo
Buci-Glucksmann (1980, p. 90), para fazer avançar a teoria do Estado
seria indispensável levar em consideração outra realidade, que se situaria
na mesma dimensão do aparelho repressivo de Estado, mas que não se
confundiria com ele: os aparelhos ideológicos de Estado.
Por meio de tal teoria Althusser procura localizar politicamen-
te, então, os vínculos entre a base e a superestrutura, portanto, a luta de
classes. Além disso, com base nos aparelhos ideológicos de Estado, o autor
também procura perceber o lugar real das superestruturas em um processo
L A
57
revolucionário, à luz do tipo de luta de classes que se desenvolve nessa
dimensão (Idem, 1980, p. 91). Para Buci-Glucksmann (1980, p. 91), é
possível divisar, assim, as duas propriedades gerais dos aparelhos ideológi-
cos de Estado: 1) necessariamente múltiplos, são unificados por seu fun-
cionamento no qual prevalece a ideologia e sob a ideologia dominante.
Assim, os AIE expressam a materialidade institucional da ideologia e os
seus processos de imposição/interpelação dos sujeitos; 2) a distinção entre
o privado e o público, própria da fase do capitalismo liberal, revela-se assim
cada vez mais jurídica e formal, e os AIE fazem parte do Estado, de seu
funcionamento e do nível de ideologia.
Assim, os AIE são lugar e instrumento da luta de classes. Althusser
confere ênfase à escola como AIE:
Esta recebe as crianças de todas as idades desde o maternal e, a par-
tir daí, [...] ela lhes inculca, durante anos e anos [...] determinados
savoir-faire revestidos pela ideologia dominante (língua materna, cál-
culo, história natural, ciências, literatura) ou simplesmente a ideolo-
gia dominante em estado puro (moral e cívica, filosofia). [...] nenhum
aparelho ideológico de Estado dispõe, durante um número tão grande
de anos, da audiência obrigatória (e, realmente, por menos importante
que isso seja, gratuita...) 5 a 6 dias em um total de 7, durante 8 ho-
ras por dia, da totalidade das crianças da formação social capitalista
(ALTHUSSER, 2008, p. 272-273)
Para se pensar uma luta no interior dos AIE seria ainda neces-
sário desenvolver uma teoria da contradição que os atravessa e, portanto,
uma teoria dos “sujeitos” que seriam os agentes dessa contradição (BUCI-
GLUCKSMANN, 1980, p. 92). A análise de Althusser, de toda forma,
permaneceria ainda crivada entre a afirmação da primazia da luta de classes
e o que pareceria ainda um modelo excessivamente “mecanicista-funciona-
lista” das relações base-superestruturas, sendo função dos AIE assegurar a
reprodução dessas relações sociais (Idem, 1980, p. 92).
Nessa operação é possível identificar uma nuance entre Gramsci e
Althusser no sentido em que, de acordo com Buci-Glucksmann, o segundo
manteria a função da ideologia confinada à dimensão superestrutural. Na
verdade, no entanto, a função hegemônica de classe ultrapassaria o campo
exclusivamente superestrutural: as práticas ideológicas aparecem desde o
Jar Per (Or.)
58
aparelho de produção econômica, desde a fábrica. No mesmo sentido em
que Gramsci escreve que “a hegemonia nasce na fábrica
2
:
Fazendo dos AIE o elo principal da reprodução ideológica corre-se
o risco de ocultar a função ideológica interna às relações de produção,
como os modos de reestruturação capitalista (ou outros) próprio às
forças produtivas (BUCI-GLUCKSMANN, 1980, p. 93).
De toda forma, em suma, é possível articular as teses de Althusser
(Aparelhos Ideológicos de Estado) e Gramsci (Aparelhos Privados de
Hegemonia) como importantes ferramentas de crítica ao economicismo
e de proposição de uma ação política que considere sua importância na
dimensão superestrutural.
AS ANÁLISES SOBRE MAQUIAVEL
O segundo tópico teórico por meio do qual podemos fazer uma
aproximação comparativa entre Gramsci e Althusser é o tratamento dado
à obra de Maquiavel
3
.
Em termos mais simples, pode-se afirmar que Maquiavel com-
preende a história como um movimento cíclico, que varia entre a ordem
e a desordem: um ciclo que oscilaria sempre em torno das características
imutáveis dos seres humanos (MARTUSCELLI, 2010, p. 116). Nesses
termos, Gramsci e Althusser promoveriam uma ruptura completa com tal
perspectiva cíclica da história. Rompem, consequentemente, com a ideia
de natureza humana fixa e imutável, já que não concebem as sociedades
de classes e suas relações de poder decorrentes como algo natural (Idem,
2010). Com base nas reflexões de Maquiavel, Gramsci e Althusser deba-
tem os aspectos fundamentais do significado da política e do lugar que esta
ocupa na vida social.



2
A hegemonia nasce da fábrica e necessita apenas, para ser exercida, de uma quantidade mínima de intermedi-
ários profissionais da política e da ideologia” (GRAMSCI, 2001, p. 247).
3
Aqui nos será de grande valia a análise anteriormente feita por Martuscelli (2010).
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59
Maquiavel é um homem inteiramente de seu tempo e sua ciência política
representa a filosofia da época que tende à organização das monarquias
nacionais absolutas, a forma política que permite e facilita um novo de-
senvolvimento das forças produtivas burguesas (GRAMSCI, 2000, p. 30).
Na perspectiva gramsciana Maquiavel é, principalmente, um po-
lítico em ato, um homem de ação, que teria procurado resolver proble-
mas referentes à “grande política”, às mudanças estruturais e, especifica-
mente, à fundação e consolidação do Estado Nacional italiano. A forma
como Gramsci compreende, por exemplo, a questão técnico-militar em
Maquiavel, está ligada a essa macrovisão da política. Gramsci não enten-
de essa questão de forma isolada visto que em Maquiavel ela se encontra
subordinada à construção política. Mais diretamente: a questão militar se
encontra subordinada à questão política (MARTUSCELLI, 2010, p. 116).
A partir da obra de Maquiavel, Gramsci teria logrado a percep-
ção de que a política deve ser concebida como atividade subordinadora da
moral, da religião, da questão militar. Exatamente por isso não pode ser
considerada como atividade autônoma de forma absoluta. O que Gramsci
enfatiza, na esteira das análises de Maquiavel, é a necessidade de que a polí-
tica se desloque de uma posição subordinada para uma posição dominante
em relação às demais esferas sociais. É dessa forma, é nesse movimento que
se torna possível a fundação do momento “ético-político”, que ultrapassa
o nível dos interesses imediatos e particulares e que, portanto, constitui o
momento da liberdade, dos interesses universais (Idem, 2010). É por essa
razão que Gramsci pensa a política numa relação de identidade dialética
com a Filosofia.
Em ponto de vista muito próximo ao de Gramsci, Althusser de-
fende a ideia de que não há, especificamente, uma teoria da política em
Maquiavel. Neste âmbito específico, Maquiavel não se interessaria pela natu-
reza das coisas. Isso quer dizer que, embora existentes na obra de Maquiavel,
os elementos teóricos não se articulariam na forma de uma teoria, mas esta-
riam dispersos e voltados para a prática política (Idem, 2010, p. 121).
É assim que Maquiavel pode ser compreendido como teórico
da conjuntura, ou seja, como o primeiro a pensar na conjuntura
Jar Per (Or.)
60
especificamente, a levar em consideração o âmbito da conjuntura na qual
estava envolvido (Idem, 2010). De toda forma, como enfatiza Martuscelli
(2010, p.121), pensar na conjuntura, ou seja, “sob a categoria conjuntura”,
não é a mesma coisa que pensar sobre a conjuntura. De forma mais detida,
vejamos em Althusser:
Pensar sobre a conjuntura é literalmente se submeter ao problema
que produz e impõe seu caso: o problema político da unidade, a consti-
tuição da Itália em Estado nacional. É necessário aqui reverter os termos:
Maquiavel não pensa o problema da unidade nacional em termos de con-
juntura; é a própria conjuntura que coloca negativamente, mas de modo
objetivo, o problema da unidade nacional italiana (ALTHUSSER, 1997
apud MARTUSCELLI, 2010, p. 122).
Em uma perspectiva similar à de Gramsci, as referências à história da
Antiguidade presentes na obra de Maquiavel, por exemplo, seriam con-
cebidas por Althusser como analogia histórica, mas ressaltando a pos-
sibilidade de extrair daí uma teoria da conjuntura (MARTUSCELLI,
2010, p. 122).
Para Althusser, o caráter antifeudal dos escritos de Maquiavel es-
taria indicado no lugar subordinado que a religião e a técnica militar têm
em relação à política na obra do secretário florentino. Maquiavel coloca
a unidade italiana como objetivo a ser concretizado e, por isso, as formas
feudais existentes são tratadas por ele como incompatíveis com esse ob-
jetivo político – Gramsci fala também, em determinados momentos, de
formas políticas compatíveis com novos desenvolvimentos das forças pro-
dutivas – (Idem, 2010).
A existência de uma unidade profunda entre as obras “O Príncipe”
e “Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio” é outra tese compar-
tilhada pelas análises de Gramsci e Althusser. Tais obras não podem ser
concebidas separadamente, na perspectiva de Gramsci. Como faz o sardo,
“O Príncipe” e os “Discursos” podem ser tratados respectivamente como o
momento da autoridade (ou da força) e o momento da hegemonia (ou do
consenso), mas tal distinção possui um caráter metodológico e não pode
ser considerada uma oposição de princípio. Ainda, para Gramsci, não se
trata apenas da unidade entre os momentos da autoridade e do consenso.
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61
Há também a questão política comum da constituição e consolidação da
unidade do Estado nacional italiano como condição imprescindível para a
superação dos conflitos internos e das ameaças de invasão externas existen-
tes na Itália (Idem, 2010, p. 124).
Assim, para Maquiavel, as relações de força vigentes na conjuntura
histórica precedente à unificação nacional italiana assumem uma importân-
cia vital. A partir de Gramsci, Althusser concorda e assimila a tese da indisso-
ciabilidade temática dos textos de “O Príncipe” e dos “Discursos”. Ele pensa
a unidade entre essas obras de duas formas, articuladas entre si: de um lado,
como unidade do objeto de reflexão; de outro, como unidade do problema
político em presença (Idem, 2010). Para Althusser, em ambos os livros de
Maquiavel o objeto de análise é a prática política do príncipe. Ainda assim,
seria necessário distinguir o espaço da teoria pura ou geral do espaço da
prática política. A obra de Maquiavel não se enquadraria, no geral, no pri-
meiro espaço. Assim, o conceito de conjuntura poderia ser encontrado em
estado prático” nos escritos do secretário florentino, aplicado direta e anali-
ticamente, mas não formulado teoricamente de forma refletida (Idem, 2010,
p. 125). Nas duas obras principais de Maquiavel o sujeito da prática política
é, assim, o mesmo: o príncipe. O objetivo de Maquiavel não seria elaborar a
teoria do Estado nacional existente, mas problematizar as condições de fun-
dação de um Estado nacional num país como a Itália, sem unidade territorial
(ALTHUSSER, 1998 apud MARTUSCELLI, 2010, p. 126).
À moda dos dois registros do conceito de Revolução Passiva de
Gramsci, Althusser apresenta dois momentos decisivos da constituição
de um Estado nacional: 1) o momento da fundação, instável, que ainda
apresentaria descompassos entre sua base material e sua superestrutura
ideológica; 2) o momento da duração, ou reprodução estrutural, movida
pelos recursos da hegemonia, pela sincronia entre reprodução ampliada de
determinadas relações de produção e superestrutura ideológica condizente
(ALTHUSSER, 1997 apud MARTUSCELLI, 2010, p. 126).
Pode-se dizer, com Althusser, que essas seriam fases teóricas, ou uma
periodização também concernente à Maquiavel, com “O Príncipe” correspon-
dendo ao momento do começo absoluto da fundação de um Estado, e os
“Discursos”, ou a república como sendo o momento da duração, da consolida-
ção do Estado nacional, da dotação de leis (MARTUSCELLI, 2010, p. 127).
Jar Per (Or.)
62
MARXISMO COMOTEORIA FINITA
Outro elemento por meio do qual é possível vislumbrar uma
aproximação entre as operações analíticas de Gramsci e Althusser é a abor-
dagem do marxismo que o toma historicamente, ou seja, como um pensa-
mento adequado ao seu próprio tempo e sem predestinação histórica. Isto
é, a leitura do marxismo como uma concepção que está plenamente sujeita
à superação histórica, uma vez superadas as condições materiais e simbóli-
cas que o levaram à existência.
Para Althusser, essa tese é definida pela ideia do marxismo como
teoria finita”. Para ele tal expressão significa afirmar, essencialmente, que a
teoria marxista é completamente distinta, diferente de qualquer filosofia da
história que pretendesse abranger todo o devenir da humanidade, pensando-
-o efetivamente, e que se propusesse a definir, antecipadamente e de forma
positiva, um objeto como o comunismo (ALTHUSSER, 1998, p. 65). A
teoria marxista, segundo o autor, deve deixar de lado a tentação de se tornar
uma filosofia da história (tendência que dominou, por exemplo, a Segunda
Internacional). O marxismo está inscrito na fase atual existente, é limitado
a essa fase. É a partir da “sociedade atual que pode ser pensada a transição
(ditadura do proletariado, sob a condição de não se desvirtuar instrumental-
mente esta expressão) e a extinção do Estado” (Idem, 1998, p. 65).
A transição é um elemento chave a ser pensado aqui por Althusser.
Para ele, as reflexões sobre um eventual processo de transição socialista
devem ser indicações induzidas pela identificação de uma “tendência
contemporânea. Observa que, como toda tendência em Marx, esta é con-
traposta a outras tendências e só pode se realizar por meio de uma luta
política. Porém, em sua forma positiva, determinada, não é possível prever
tal realidade. É apenas no curso da luta que tais formas positivas podem
aparecer à luz do dia, se descobrir, se tornar realidade (Idem, 1998).
A ideia mesma de que a teoria marxista seja “finita” exclui com-
pletamente a possibilidade de que ela seja uma teoria “fechada”. As filo-
sofias da história são fechadas porque preveem e antecipam seu curso e
desenvolvimento. Nas palavras de Althusser,
Somente uma teoria “finita” pode ser realmente “aberta” às tendências
contraditórias que descobre na sociedade capitalista [...] aberta ao de-
venir aleatório, às imprevisíveis surpresas que sempre marcaram a his-
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
tória do movimento operário; aberta, portanto atenta, capaz de levar a
sério e assumir em tempo a incorrigível imaginação da história (Idem,
1998, p. 65 – grifo do autor).
Este debate apresentado por Althusser, do qual delineamos aqui os
traços gerais, tem a ver com a discussão das formas, ou mesmo da perma-
nência, da existência da política numa sociedade pós-capitalista. O Estado
é o objetivo estratégico, mais elevado, da luta de classes. Daí cria-se a ilusão
de que tudo se passa como se a política como um todo estivesse reduzida à
esfera” compreendida por esse objetivo. Trata-se de uma ilusão diretamente
criada pela ideologia burguesa e por uma concepção que reduz a política ao
seu próprio objetivo. Contra essa ilusão, segundo Althusser, Gramsci com-
preendeu muito bem que “tudo é político” e que, portanto, não existe uma
esfera do político”. O movimento operário precisa superar, acabar com tal
ilusão e ocultamento das relações de força sociais operados pela distinção en-
tre sociedade política (ou Estado) e sociedade civil, impostos pela ideologia
e prática burguesas da política. Cabe ao movimento operário elaborar outra
ideia da política e do Estado (Idem, 1998, p. 67-68).
Com relação à política, é necessário evitar sua redução às formas
consagradas como políticas pela ideologia burguesa. Tais formas são, se-
gundo Althusser, o Estado, a representação popular, os partidos políticos,
a luta política pelo poder do Estado existente. A lógica que preside o fun-
cionamento e a disputa pelo poder nessas instâncias conduz à chamada
“ilusão jurídica da política”. Ou seja, é o direito que passa a definir o que é
política. Essa definição abrange apenas as formas da política definidas pela
ideologia burguesa, incluída aí a atividade dos partidos (Idem, 1998).
Tais definições do que seja a política, ou do âmbito do “político”,
estão intimamente ligadas com a ideologia que apresenta formas essen-
cializadas e teleologizadas dela, formas estas questionadas pela perspectiva
crítico-histórica do marxismo, perspectiva que o marxismo aplica a si mes-
mo, que define sua própria natureza. Para Gramsci, trata-se de considerar
a “historicidade da filosofia da práxis”. Em suas palavras:
Que a filosofia da práxis conceba a si mesma de um modo historicista,
como uma fase transitória do pensamento filosófico, resulta explici-
tamente da tese segundo a qual o desenvolvimento histórico pode se
Jar Per (Or.)
64
caracterizar, em determinado ponto, pela passagem do reino da neces-
sidade ao reino da liberdade (GRAMSCI, 2004, p. 203-204)
Para Gramsci, os sistemas filosóficos que existiram ao longo
da história foram sempre a manifestação das “íntimas contradições que
dilaceraram a sociedade” (Idem, 2004). Entretanto, embora expressão des-
sas contradições, tais sistemas filosóficos não expressaram conscientemen-
te essas contradições (Idem, 2004). Tal consciência passa a ser expressada
apenas pela filosofia da práxis ao cabo do desenvolvimento de um determi-
nado processo histórico. Resultado, ao mesmo tempo, de uma “reforma
e um “desenvolvimento” do hegelianismo, tem como característica de sua
própria formação a superação constante de quaisquer elementos de ideolo-
gia unilateral e de fanatismo (Idem, 2004).
Assim, a filosofia da práxis se apresenta plenamente consciente
das contradições no âmbito das quais o seu surgimento ocorre e se conso-
lida. Por meio da filosofia da práxis, o próprio filósofo (“entendido indi-
vidualmente ou como grupo social global”) compreende as contradições e
coloca a si próprio como elemento delas. Eleva este elemento a princípio
de conhecimento e, “consequentemente, de ação” (Idem, 2004, p. 204).
A filosofia da práxis se coloca, portanto, como expressão cons-
ciente das contradições históricas. Entretanto, isso só lhe pode conferir a
condição de estar, também ela, ligada aos limites objetivos da “necessida-
de”, e não à liberdade, a qual (fica assim demonstrado) que não existe e
ainda não pode existir historicamente” (Ibdem). A seguir, Gramsci ela-
bora uma passagem lapidar que em muito se aproxima da concepção de
Althusser do marxismo como uma “teoria finita” (ou ao contrário, já que
Althusser conhecia os cadernos gramscianos):
Assim, se se demonstra que as contradições desaparecerão, demonstra-
-se implicitamente que também desaparecerá, isto é, será superada, a
filosofia da práxis: no reino da “liberdade”, o pensamento e as ideias
não mais poderão nascer no terreno das contradições e da necessidade
da luta. Atualmente, o filósofo (da práxis) pode fazer apenas essa afir-
mação genérica, sem poder ir mais além; de fato, ele não pode se evadir
do atual terreno das contradições, não pode afirmar, a não ser gene-
ricamente, um mundo sem contradições, sem com isso criar imedia-
tamente uma utopia [...] É possível até mesmo chegar-se à afirmação
L A
65
de que, enquanto todo o sistema da filosofia da práxis pode se tornar
caduco em um mundo unificado, muitas concepções idealistas (ou,
pelo menos, alguns de seus aspectos), que são utópicas durante o rei-
no da necessidade, poderão se tornar “verdades” após a passagem, etc.
É impossível falar de “espírito” quando a sociedade é constituída por
grupos, a não ser que se conclua necessariamente tratar-se de... espírito
de grupo [...] (Idem, 2004, p. 205-207).
Trata-se aqui de considerar que, por “espírito”, Gramsci remete
a uma nova situação histórica-ético-política (apropriando-se da linguagem
croceana), forjada em um novo bloco histórico pós-capitalista. Trata-se,
obviamente, de uma circunstância de superação das classes sociais (“gru-
pos”). Claro também que a “unificação” do mundo a que se refere Gramsci
não é a padronização totalitária dos indivíduos, de resto impossível e im-
pensável para ele. O que está em questão é a “unificação” enquanto arti-
culação real entre “estrutura” e “superestrutura”, ou, a ascensão de uma
concepção de mundo que corresponda verdadeiramente, na prática, às
condições materiais de existência de todos os cidadãos.
Gramsci sustenta, portanto, que a filosofia da práxis será supe-
rada quando as condições materiais que ensejaram seu desenvolvimento e
consolidação forem suplantadas. Afirma que, segundo ela, toda “verdade
tida como eterna e absoluta teve origens práticas e representou sempre um
valor provisório (historicidade de toda concepção de mundo e da vida)”
(Idem, 2004, p. 206). Porém, é necessária a compreensão prática de que tal
perspectiva é válida, igualmente, para o próprio marxismo. Tal dificuldade
se apresenta para qualquer filosofia historicista e particularmente para a
filosofia da práxis, já que esta deve evitar abalar as convicções que são ne-
cessárias para a ação (Idem, 2004). Esta dificuldade confere um problema
importante para a filosofia da práxis:
Por isto, ocorre também que a própria filosofia da práxis tende a se
transformar numa ideologia no sentido pejorativo, isto é, num sistema
dogmático de verdades absolutas e eternas; particularmente quando,
como no Ensaio Popular, ela é confundida com o materialismo vulgar,
com a metafísica da “matéria”, que não pode deixar de ser eterna e
absoluta (Idem, 2004, p. 206).
Jar Per (Or.)
66
Enfim, todos esses pressupostos precisam estar suficientemente es-
clarecidos para o marxismo, como condição de sua intervenção no mundo
no espírito da XI Tese sobre Feuerbach, aquela segundo a qual importa agora
transformar o mundo, ao mesmo tempo em que o conhece (ou seja, pos-
tular prática e filosoficamente que “conhecê-lo” requer e encerra um ato de
transformação). Concretamente, é óbvio, tal intervenção continua manten-
do como horizonte estratégico uma sociedade que corresponda à eliminação
histórica da propriedade privada dos meios de produção e da exploração
da força de trabalho da maioria por uns poucos proprietários e grupos do-
minantes. E é neste sentido geral que se podem articular as concepções de
Althusser e Gramsci do marxismo enquanto uma teoria finita e da “filosofia
da práxis” como concepção de mundo historicamente superável.
CONCLUSÃO (OU SUGESTÃO...)
É assim que concluímos este esboço inicial, esta tentativa ainda
incipiente de demonstrar as possibilidades de um diálogo teórico entre as
concepções althusserianas e gramscianas no mesmo escopo geral da teoria
marxista. Tais possibilidades foram exploradas apenas parcialmente aqui, e
ainda podem fornecer profícuos aportes teóricos em outras direções dessa
mesma comparação entre os autores em questão. O sentido basilar de toda
essa operação é apontar para a crítica e a autocrítica teóricas e a necessidade
de acompanhamento constante das mudanças sociais concretas, princípios
que constituem as próprias condições formativas do marxismo (de resto,
incessantemente enfatizadas por Antônio Gramsci e Louis Althusser), em
busca da interpretação/transformação revolucionárias das sociedades base-
adas na exploração classista.
REFERÊNCIAS
ALTHUSSER, L. Sobre a reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008.
______. O marxismo como teoria finita. n. 2, out. 1998, p. 63-74.
BUCI-GLUCKSMANN, C. Gramsci e o Estado. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1980.
L A
67
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2004, vol. 1.
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001,
v. 4.
JESSOP, B. Althusser, Poulantzas, Buci-Glucksmann: desenvolvimentos ulteriores
do conceito gramsciano de Estado integral. Crítica marxista, n. 29, 2009, p. 97-
122.
MARTUSCELLI, D. E. Sobre Gramsci e Althusser como críticos de Maquiavel.
In: NAVES, M. B. (Org.). Presença de Althusser. Campinas: Unicamp/IFCH,
2010.
Jar Per (Or.)
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69
Política e Ideologia
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71
IDEOL
OGIA, IDEOLOGIAS, LUTAS DE
CLASSES: ALTHUSSER E OS APARELHOS
IDEOLÓGICOS (DE ESTADO)
*
Lúcio Flávio Rodrigues de ALMEIDA
1
Este texto é o segundo de um projeto de reexame do recurso
efetuado pelo grupo althusseriano ao conceito de aparelhos ideológicos de
Estado. Retomo e amplio o primeiro, publicado na revista Lutas Sociais,
33 (ALMEIDA, 2014), contemplando mais de perto os aportes efetua-
dos por Nicos Poulantzas e cotejando-os com os do próprio Althusser.
Surpreendentemente, Poulantzas, ao mesmo tempo em que se distanciava
de algumas teses adotadas pelo grupo althusseriano nos anos 60, foi quem,
em Fascismo e Ditadura, recorreu mais sistematicamente ao referido con-
ceito. Por sua vez, o processo de elaboração deste por Louis Althusser esta-
va longe de se reduzir ao que este autor apresentou inicialmente.
Novas pesquisas e depoimentos sobre Louis Althusser e, especial-
mente, a publicação de manuscritos que ele deixou engavetados, revelam
um percurso que sinaliza diferentes rumos. Independentemente das ava-
liações que receba, tal processo expressa extraordinária capacidade de ex-
perimentação de novos caminhos para um marxismo que se demonstrava
imprescindível e, em aparente paradoxo, necessitado de aggiornamento ur-
1
Livre-docente em Ciência Política pela PUC-SP. Professor do Departamento de Política e do Programa de Estudos
Pós-Graduados em Ciências Sociais da mesma instituição; Coordenador do Núcleo de Ideologias e Lutas Sociais
(NEILS). Autor de Ideologia nacional e nacionalismo. 2 ed. São Paulo: EDUC, 2014. luflavio40@gmail.com
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-819-4.p71-96
Jar Per (Or.)
72
gente, até porque sofria ataques de múltiplos pontos e em diversos flancos.
Cinco décadas após a aparição fulgurante de Pour Marx e Lire Le Capital,
os estudiosos da contribuição althusseriana estão longe de encontrar um
território bem mapeado conceitualmente. Ainda reexaminam textos pri-
meiramente publicados, deparando-se, para frente e para trás, com novas
aventuras que, embora férteis do ponto de vista teórico-político, não ofe-
recem grandes garantias de como terminarão.
Aqui não se analisam diretamente as duas obras “fundadoras”,
mas um artigo cujo impacto transpôs o âmbito dos “especialistas” e se
transformou em referência maior sobre os aportes althusserianos em geral
e, em particular, acerca da ideologia. Ao mesmo tempo, sinalizou na época,
embora discretamente, a dimensão semioculta da produção “subterrânea
de Althusser, bem como das relações entre ela e a que o autor trouxe à
luz. Refiro-me a «Idéologie et appareils idéologiques d’État (notes pour une
recherche)». Se a análise aqui apresentada contém algo de original, é muito
simples: trata-se de destacar o caráter explosivo de um texto tido como
exatamente o oposto: “reproducionista”.
Publicado em junho de 1970 na revista La Pensée n.° 151, o tex-
to é constituído por extratos articulados, em janeiro-abril de 1969, de
um manuscrito que não parava de crescer nem de mudar de nome e que,
após a morte do autor, foi editado e saiu com o título Sur la reproduction
(ALTHUSSER, 1995). O artigo adquiriu vida própria e circula ampla-
mente, às vezes sob a forma de opúsculo, por diversas áreas das ciências
humanas. Sem perder o brilho, mescla passagens que beiram o didatismo
com formulações mais obscuras e de candente teor polêmico em relação a
teses marxistas mais consagradas e a ousadias do próprio Althusser. Desde
o início, foi objeto de sofisticadas e balanceadas interpretações e também
de rotulações primárias.
Para complicar ainda mais, as partes selecionadas para o artigo
tratam, sobretudo, da reprodução, o que, em princípio, é explicável pela
definição do tema do manuscrito, reprodução das relações de produção ca-
pitalistas. Como sempre se pode piorar uma situação, a inteligibilidade do
manuscrito e, assim, do conjunto das formulações elaboradas pelo autor,
seriam facilitadas caso este tivesse produzido o tomo II, que se voltaria para
a luta de classes nas formações sociais capitalistas”. Não faltavam motivos
L A

(justificados ou não) para que o artigo sobre os aparelhos ideológicos de
estado (AIEs) fosse qualificado de “reproducionista”, “conformista”, “nega-
dor das lutas de classes” ou “funcionalista”.
Em vez de fazer um cotejo direto de teses de Althusser com outras
elaboradas a partir de correntes rivais dentro e fora do marxismo, o que
aqui se procura é abordar, no interior do universo teórico althusseriano
(sem ignorar todas as tensões e contradições que ele apresenta), algumas
questões candentes acerca de um conceito formulado pelo autor: o de apa-
relhos ideológicos de Estado.
Diversos estudiosos já observaram que Althusser escreveu o texto
sobre os AIEs sob forte impacto da influência da obra de Gramsci. Esta
observação, no geral correta, merece maior qualificação.
Na Itália e na França, para nos atermos aos casos principais, as
teses do grande revolucionário sardo eram adotadas principalmente com
vistas ao reforço do reformismo em diversos partidos comunistas no mun-
do inteiro (Brasil incluso). Na contramão desta tendência, Althusser se
apropria de formulações gramscinianas que restringem a distinção públi-
co-privado ao interior do direito burguês, negando que ela se estenda ao
conjunto do Estado. Este « Estado, que é o Estado da classe dominante,
não é público nem privado; é, ao contrário, a condição de toda distinção
entre o público e o privado” (ALTHUSSER, 1995, p. 282).
Esta formulação, em especial quando diretamente articulada à dis-
tinção entre aparelho de Estado e poder de Estado, implicava um confronto
aberto com as teses que tendiam a negligenciar a análise do caráter estrutural
de classe do aparelho de Estado e, por este caminho, ignoravam a unidade
fundamental deste. Dupla ocultação que possibilitava “maleabilidade” su-
ficiente para justificar a crença em uma revolução socialista sem profundas
rupturas institucionais, dentro e fora do aparelho estatal burguês stricto sensu.
Bastaria, em especial, deslocar o capital monopolista (Partido Comunista
Francês) ou intensificar a presença das lutas populares no interior do referido
aparelho (especialmente caso do Partido Comunista Italiano – PCI e poste-
rior versão poulantzaniana do eurocomunismo de esquerda).
Mas não era somente com esta tendência mais à direita que nosso
autor, membro do PCF, tinha uma relação mais instável. O mesmo ocorria
Jar Per (Or.)
74
com jovens intelectuais ativistas de extrema esquerda, alguns dos quais, ex-
-alunos e companheiros de trabalho de Althusser. Neste caso, o maoísmo,
antes ponto de confluência, se tornava cada vez mais pomo da discórdia,
especialmente no que se refere às relações entre produção teórica e inserção
em instituições burguesas, a começar pela universidade
2
. Em termos filo-
sóficos, o conflito se expressaria em áspero debate sobre o teoricismo e o
próprio Althusser fez importantes autocríticas a este respeito
3
.
Enfim, havia a extrema esquerda libertária, um crescente público
para a produção foucaultiana. Bem mais jovem do que Althusser, Michel
Foucault já havia publicado quatro importantes livros antes de Pour Marx
e exercia crescente influência sobre indivíduos e movimentos que viam
no marxismo antes um obstáculo a ser superado do que um referencial
teórico-prático importante para a transformação social. A este respeito,
Althusser efetuou um duplo movimento, o qual se expressa claramente em
Sur la reproduction. Por um lado, teceu forte elogio à História da Loucura
na Idade Clássica
4
e aventou a possibilidade de se referir à existência, nas
formações sociais capitalistas, de um “aparelho ideológico ‘medicinal’”
(ALTHUSSER, 1995, p. 192). Por outro, congruente com as formulações
que apresenta em seu manuscrito, dirige críticas sofisticadas e candentes a
um lema divulgado pelo semanário anarquista L’Action e que até hoje faz
furor: Chassez le flic que vous avez dans la tête (“Expulse o policial que você
tem na cabeça”).
Segundo Althusser, os autores deste lema, embora expressassem
intenções ultrarrevolucionárias, incorriam em dois graves equívocos: 1)
substituíam a exploração pela repressão ou pensavam a primeira como uma
forma da segunda; 2) substituíam a ideologia pela repressão, ou concebiam
a primeira como uma forma da segunda. O resultado seria de um simplis-
2
Balibar esboça diversas tentativas de dar conta desta múltipla relação de Althusser com o PCF e com grupos
maoístas. O interesse está nos depoimentos de quem, também vinculado ao PCF, compartilhou intensamente
esta experiência. Ver, por exemplo, Balibar (2009; 2015). Aguardemos o que ele ainda publicará sobre o assun-
to. Dois textos que teceram, de uma perspectiva maoísta, duras críticas a Althusser, foram escritos por Badiou
(1976) e Rancière (1974). Em longo depoimento a seu biógrafo, Peter Hallward, Badiou se esforça para escla-
recer que, seja por seu trajeto escolar, seja pelas principais influências que recebeu, não teve grandes relações
com Althusser e o grupo que se constituiu mais diretamente em torno deste na École Normale Supérieure. Por
outro lado, fornece valiosas informações acerca do desenvolvimento do maoísmo francês e das relações que este
manteve com esta instituição (BADIOU; WALLWARD, 2007).
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Por exemplo, em Elementos de autocrítica, publicado em junho de 1972 (Althusser, 1978).
4
Já o fizera em «Lire Le Capital” (ALTHUSSER, L. 1996, p. 20, 46, 289).
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mo atroz: a tese de que bastaria a violência, independentemente até do
simples recurso às «belas mentiras» (concepção paupérrima da ideologia),
para assegurar que as relações de exploração e opressão se reproduzissem
(Idem, 1995, p. 212-214).
Passemos, portanto, às abordagens althusserianas da ideologia.
RUPTURA EPISTEMOLÓGICA E FUNÇÃO SOCIAL: O DUPLO E CONTRADITÓRIO
FOCO DA TEORIA DA IDEOLOGIA
Nas f[ormulações elaboradas por Marx e Engels, especialmente a
partir de A Ideologia Alemã, já está presente a dupla significação do conceito
de ideologia, que se remete à ocultação da realidade e à reprodução das rela-
ções de dominação de classe. Mas, ao compartilhar este duplo direcionamen-
to, Althusser, embora valorize o papel de ruptura desempenhado por aquele
conjunto heteróclito de escritos, considera que, ali, as formulações sobre
ideologia estão fortemente marcadas pelo positivismo, pois a apresentam,
no fundamental, como mero reflexo vazio da realidade. Mesmo se levarmos
em conta as inúmeras críticas (inclusive autocríticas) em relação ao episte-
mologismo da abordagem althusseriana, nosso autor não ignorou, de forma
alguma a segunda dimensão. Pelo contrário, como se verá, a consideração da
importância da ideologia para a reprodução social não apenas esteve presente
como se desdobrou na abordagem do aspecto contrário (a contestação), o
que constituiu uma espécie de face oculta do texto sobre os AIEs. Mas,
também em relação à análise althusseriana da ideologia, a continuidade não
deve ocultar a existência de importantes mudanças.
Tanto em Pour Marx como em Lire Le Capital, apesar da cen-
tralidade do foco incidir, no que se refere ao nosso tema, sobre o papel de
obstáculo epistemológico da ideologia, esta é também abordada como um
nível estrutural de um modo de produção. No primeiro livro, Althusser
afirma que:
Em toda sociedade se constata [...] a existência de uma atividade eco-
nômica de base, de uma organização política, e de formas « ideológi-
cas »... A ideologia faz, pois, organicamente parte, como tal, de toda uma
totalidade social. [...] A ideologia... é uma estrutura essencial à vida
histórica das sociedades. (ALTHUSSER, 2005, p. 238-9).