Jar Per (Or.)
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uma alusão à realidade. Mas, essa mesma proclamação é, também e prin-
cipalmente, uma ilusão, na medida em que oculta a relação de exploração
e de dominação de classe. A existência do direito burguês, que é parte in-
tegrante do Estado, é, assim, concebida como condição para a reprodução
das relações de produção capitalistas. Daí, a necessidade de se ampliar o
conceito de modo de produção fazendo-o abarcar tanto a estrutura econô-
mica como a estrutura jurídico-política, isto é, fazendo-o abarcar as prin-
cipais estruturas da totalidade social.
Nicos Poulantzas, seguindo nessa trilha, apresentou o direito bur-
guês, formalmente igualitário à diferença do direito escravista e feudal, e as
instituições do Estado capitalista, regidas por regras que as colocam aparen-
temente acima das classes sociais, como necessários à reprodução das relações
de produção capitalistas. O direito isolaria, segundo Poulantzas, os agentes
da produção, ocultando aos seus próprios olhos seu pertencimento de classe,
e o Estado capitalista, graças à sua aparência universalista, poderia reunir os
agentes da produção, já isolados, num coletivo nacional imaginário, desvian-
do os produtores diretos da organização e da luta de classe. O desenvolvi-
mento das forças produtivas e a separação dos produtores diretos dos meios
de produção, condições econômicas inexistentes nos modos de produção
pré-capitalistas, permitiriam a existência do direito formalmente igualitário
e das instituições de Estado aparentemente universalistas e esses, por sua vez,
permitiriam a reprodução das relações de produção capitalistas. Ou seja, na
reprodução do capitalismo, economia, política e ideologia estariam vincula-
dos numa relação de condicionamento recíproco
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Anunciada nas formulações gerais, a determinação em última
instância pela economia desapareceria, então, das análises efetuadas pelo
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É interessante fazer uma comparação entre a crítica althusseriana e a crítica gramsciana do economicismo.
No plano mais geral, ambas as críticas se aproximam e são movidas pelo mesmo interesse em destacar o papel
da política e da ideologia. Foi o que possibilitou as inúmeras apropriações que Althusser, Poulantzas e outros
althusserianos fizeram da obra do marxista italiano que eles estudaram e contribuíram para difundir na França.
Contudo, há uma diferença a ser indicada. Gramsci valoriza a ação política e subestima, devido ao seu histo-
ricismo que descura a inércia das estruturas, a importância da estrutura política. É a revalorização da estrutura
política que permite a Althusser, diferenciando-se do marxismo predominante no século XX, reabrir, na década
de 1960, o marxismo para a análise das instituições políticas. Dizemos reabrir porque o marxismo clássico não
estava fechado para a análise dessas instituições. Na brochura em que Marx faz o balanço da Comuna de Paris
de 1871, intitulada “Guerra civil na França”, a tese central é que a organização institucional do Estado capitalista
não comporta o exercício do poder operário que necessitaria, para se afirmar, de uma forma organizativa nova.
No texto de Lênin “O que fazer?”, o autor estabelece uma relação necessária entre, de um lado, a organização
institucional do partido e, de outro, a sua linha política. A forma organizativa frouxa não comporta, para Lenin,
a aplicação de uma linha política de conteúdo revolucionário.