
Jar Per (Or.)
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extratos da Crítica da razão dialética
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e do ensaio intitulado Questão de
método, que acabaria por ser incorporado como espécie de introdução à
crítica sartriana
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. E ainda que tivéssemos por referência as obras “clássicas”
do pensamento sartriano – em particular O ser e o nada –, não se poderia
encontrar nelas senão uma definição ontológica (e não mais “psicológica”)
do “homem”, quer dizer, uma definição que o apreende a partir de sua
dimensão projetiva de superação das determinações do ser rumo às signifi-
cações instauradas pela ação, e não na condição de “sujeito substancial” ou
entidade metafisica
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. Assim, é preciso reconhecer que a filosofia sartriana
jamais sustentara uma concepção de “homem” e de “liberdade” compreen-
didos como potências plenas de si mesmas: a liberdade não é outra coisa
que o modo de ser de um ser – precisamente, o homem – cuja realidade é
aquela de fazer-se negação incessante de todo o determinismo “natural” ou
“ôntico” (e é esse rompimento com as formas determinadas do ser em si
que caracteriza a realidade humana em Sartre
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). Por esse motivo, no mes-
mo número da revista L’Arc que nos serviu de introdução, Sartre pretende
responder às críticas que lhe são dirigidas afirmando que o “problema não
é o de saber se o sujeito é ‘descentrado’ ou não”:
Em certo sentido, ele [o sujeito] é sempre descentrado. O homem não
existe e Marx o havia rejeitado bem antes de Foucault ou Lacan, quan-
do dizia: “não vejo o homem, vejo apenas trabalhadores, burgueses,
intelectuais”. Se persistimos em chamar de sujeito uma espécie de eu
substancial, ou uma categoria central, sempre mais ou menos dada, a
partir da qual se desenvolveria a reflexão, então já faz bastante tempo
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“O humanismo burguês, como ideologia serial, é a violência ideológica cristalizada” (SARTRE, J.-P. Critique
de la raison dialectique précédé de Question de méthode, 1960, p. 703.
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“Havíamos sido educados no humanismo burguês e esse humanismo otimista se esfacelava porque adivinhá-
vamos, nos arredores de nossa cidade, a imensa massa de ‘sub-homens conscientes de sua sub-humanidade’, mas
ainda sentíamos o esfacelamento de maneira idealista e individualista [...]” (Idem, p. 23).
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Nas palavras do Sartre de “O ser e o nada”: “Dizíamos que a consciência é o ser cognoscente enquanto ela
é e não enquanto é conhecida. Significa que convém abandonar a primazia do conhecimento, se quisermos
fundamentá-lo. E, sem dúvida, a consciência pode conhecer e conhecer-se. Mas, em si mesma, ela é mais do
que só conhecimento voltado para si” (SARTRE, J.-P. L’être et le néant: essai d’ontologie phénoménologique.
Collection Tel. Paris: Gallimard, 2001, p. 1). Ou ainda, em linguagem hedeiggeriana: “Por certo, poderíamos
aplicar à consciência a definição que Heidegger reserva ao Dasein e dizer que é um ser para o qual, em seu pró-
prio ser, está em questão o seu ser” (Idem, p. 28-29).
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Nas palavras de Sartre, “é preciso opor à fórmula ‘o ser em-si é o que é’ àquela que designa o ser da consciência:
esta, de fato, como veremos, tem-de-ser o que é [no sentido de ser o indeterminado e, portanto, ter a obrigação
de fazer-se o que é]” (Idem, p. 38).