A PERSPECTIVA SUL-AMERICANA
DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
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(O)
A PERSPECTIVA SUL-AMERICANA
DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Marília/Ocina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
Diretor:
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Vice-Diretor:
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Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
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Marcelo Fernandes de Oliveira
Maria Rosangela de Oliveira
Neusa Maria Dal Ri
Rosane Michelli de Castro
Ficha catalográfi ca
Serviço de Biblioteca e Documentação – Unesp - campus de Marília
Editora afi liada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora Unesp
P467 A Perspectiva sul-americana das relações internacionais / Sérgio
Luiz Cruz Aguilar, Francisco Luiz Corsi, Marcos Cordeiro
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São Paulo : Cultura Acadêmica, 2016.
244 p. : il.

Apoio: CAPES
ISBN 978-85-7983-767-8 (impresso)
ISBN 978-85-7983-769-2 (digital)
1. América do Sul – Relações exteriores. 2. Segurança
internacional. 3. Paz. 4. Regionalismo. 5. Concorrência
internacional. 6. Meio ambiente. I. Aguilar, Sérgio Luiz Cruz. II.
Corsi, Francisco Luiz. III. Pires, Marcos Cordeiro.
CDD 327.8
DOI https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-769-2
SUMÁRIO
Apresentação ....................................................................................... 7
SEGURANÇA INTERNACIONAL
Drones
Ángel Pablo Tello .................................................................................. 15
A Comunicação Social no Batalhão Brasileiro da Minustah
Annelise Faustino da Costa .................................................................... 49
Seguridad en America del Sur: Escenarios y Perspectivas
Sérgio Luiz Cruz Aguilar ...................................................................... 71
O Conselho de Segurança da ONU e a Convenção do Genocídio: o
Fracasso de Ambos no Caso da Antiga Iugoslávia
assio Soares Rocha Alves .................................................................... 87
POLÍTICA ARGENTINA
Análisis de la Situación Actual Argentina: 30 Años de Democracia
“¡Rayos y Centellas! ¡Recórcholis!”
Federico Storani .................................................................................... 115
REGIONALISMO
Rusia y los Brics: Nuevos Objetivos, Desafíos y Estrategias en 2014
Isabel Stanganelli Frankenberg .............................................................. 125
A Inserção da América Latina no Capitalismo Global (2003-2014)
Francisco Luiz Corsi ............................................................................. 141
CHINA
Dialética Co-Teses: Base da Ação Free-Rider Chinesa no
Cenário Internacional
Aline Tedeschi da Cunha ....................................................................... 159
Considerações sobre a Participação da China nas Operações de
Manutenção da Paz das Nações Unidas
Gustavo Erler Pedrozo ........................................................................... 187
MEIO AMBIENTE
Uso de Políticas Públicas ao Fomento de Energias Renováveis: as
Estratégias da Argentina e do Brasil no Século XXI
Mauri da Silva; Jorge Claudio Szeinfeld ............................................... 213
Sobre os Autores e Organizadores ..................................................... 239
7
APRESENTAÇÃO
Os programas de pós-graduação em Ciências Sociais da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) – Campus
de Marília/SP e em Inteligência Estratégica da Universidade Nacional
de La Plata (UNLP) versam sobre problemáticas vinculadas às Relações
Internacionais em intersecção com as Ciências Sociais. Ambas apresentam
núcleos comuns, cujos eixos focam as relações internacionais globais, a re-
gião e suas instituições (Mercosul, Unasul, etc.) e as problemáticas sociais
como as novas ameaças, a segurança humana e os direitos humanos rela-
cionadas com políticas públicas a serem instrumentalizadas e analisadas.
Esses núcleos se ocupam dos elementos vinculados com a ciência política,
a sociologia, a economia, etc., assinalando um caráter inovador sobre a
compreensão da complexidade dos temas que tratam e mostrando a trans-
versalidade disciplinar presente em ambos os programas de pós-graduação.
Os dois programas de Pós-Graduação desenvolvem um proje-
to, nanciado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), intitulado “Uma perspectiva Sul-Americana das rela-
ções internacionais”, que tem por objetivo incrementar as discussões e a
produção acadêmica sobre temas convergentes, estabelecer um intercâm-
bio de professores e estudantes de pós-graduação por meio de estágios, re-
alizar seminários e ampliar as perspectivas do trabalho realizado em ambos
os centros de pós-graduação.
Entre os anos de 2012 e 2015 foram realizadas várias atividades
como: cursos ministrados por professores da UNLP na FFC-Unesp; parti-
cipação de professores dos dois programas em mesas de eventos cientícos;
cursos ministrados por professores da FFC-Unesp na UNLP; organização de
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AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
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seminários, tanto em Marília-SP, São Paulo-SP e La Plata-Argentina; parti-
cipação em congressos internacionais como o Congresso Extraordinário de
Ciências Políticas em San Juan, na Argentina e os Congressos de Ciências
Políticas da ALACIP, realizados em Quito-Equador e Lima-Peru; partici-
pação na Rede Latino-Americana de Pesquisadores sobre a China; missões
de trabalho, visando o aprofundamento da discussão sobre as relações in-
ternacionais na região e o planejamento das atividades referentes ao projeto
de pesquisa; e, principalmente, o envio de alunos de mestrado e doutorado
da FFC-Unesp para complementarem sua formação junto à UNLP. Em
síntese, esta experiência se mostrou como uma ótima oportunidade para
reunir professores, pesquisadores e alunos, promovendo o intercâmbio de
ideias e experiências, a apresentação e a discussão sobre diversos temas re-
lacionados com as Relações Internacionais e as Ciências Sociais contem-
porâneas.
Essa obra apresenta textos resultantes das diversas atividades
realizadas por professores da FFC/Unesp e da UNLP e por discentes do
PPGCS/Unesp que estiveram, de alguma forma, envolvidos no Programa
de Associação de Mestrados e engloba temas de segurança internacional,
política argentina, regionalismo, China e meio ambiente.
O primeiro artigo, intitulado Drones, é de autoria de Ángel P.
Tello. Seu texto apresenta uma série de considerações sobre os veículos
aéreos não tripulados, sua relação com o projeto estratégico de projeção
de poder dos Estados Unidos da América, os princípios que se baseiam
a evolução da guerra e como estratégias contra insurreições. Além disso,
contém reexões sobre a psicopatologia dessa arma, a tomada de decisões
sobre seu uso e os problemas relacionados com os Direitos Internacional
dos Conitos Armados.
O segundo artigo, de Annelise Faustino da Costa, tem como tí-
tulo A Comunicação Social no Batalhão Brasileiro da Minustah e apresenta
a utilização da comunicação social pelo Batalhão Brasileiro da operação
da ONU no Haiti como um dos meios importantes que as missões de
paz utilizam para cumprir com seus objetivos nos países em que são im-
plantadas. Parte de apresentação sobre a Minustah, da comunicação social
nas operações de paz de uma forma geral e da estrutura desse campo na
Minustah para demonstrar como os militares brasileiros utilizam esse meio
9
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
em relação ao público interno (militares do BRABAT e do Exército em
geral, imprensa e público brasileiro).
O terceiro texto, Seguridad en America del Sur: Escenarios y
Perspectivas de autoria de Sérgio Luiz Cruz Aguilar, inicia com conceitos
de segurança e defesa e a percepção de ameaças pelos Estados para apresen-
tar os mecanismos de cooperação e coordenação em segurança que foram
estabelecidos no continente americano nos períodos da Guerra Fria e pós-
-Guerra Fria. No nal, faz algumas considerações relativas à situação atual
e às perspectivas dos problemas de segurança na região.
O quarto texto, O Conselho de Segurança da ONU e a Convenção
do Genocídio: o Fracasso de Ambos no Caso da Antiga Iugoslávia, de autoria
de assio Soares Rocha Alves, utilizou o caso da guerra civil na Bósnia e
na Croácia para criticar os esforços das Nações Unidas para garantir a paz
e a segurança internacional, cujos resultados seriam sucientes, levando-se
em conta o respeito às normas estabelecidas pela Convenção do Genocídio.
O quinto artigo, do Prof. Federico Storani, é intitulado Análisis
de la situación actual Argentina: 30 años de democracia. Apresentado em
forma de ensaio, o capítulo analisa a situação atual da Argentina a luz dos
30 anos do processo de redemocratização. Para o autor, a Argentina teria
perdido uma oportunidade histórica de alavancar seu desenvolvimento na
conjuntura expansiva da economia mundial, que proporcionou forte ele-
vação dos preços das commodities e baixas taxas de juros. Os governos
Kirchner teriam perdido essa oportunidade em virtude da falta de projetos,
da corrupção endêmica e da postura populista, que teria desperdiçado
recursos com inúmeros subsídios. Apesar dos avanços com a democra-
tização, o país viveria uma crise profunda e a saída seria a recomposição
do poder político, que tivesse um projeto para o país que realmente fosse
capaz de enfrentar a situação.
O sexto texto tem o título Rusia y los BRICS: Nuevos objetivos,
desafíos y estrategias en 2014, de autoria de Isabel Stanganelli Frankenberg,
busca discutir o novo posicionamento global da Rússia frente à nova esca-
lada de tensões entre este país e as potencias ocidentais, notadamente após
os eventos relacionados à crise ucraniana. Nesse sentido, a autora busca
discutir as ações do governo de Vladimir Putin em superar o isolamento
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imposto pelos Estados Unidos e a União Européia por meio de um maior
protagonismo junto aos países em desenvolvimento, particularmente com
o Grupo dos BRICS.
O sétimo texto, de Francisco Luiz Corsi, é intitulado A inserção
da América Latina no capitalismo global (2003-2014) discute a inserção da
América Latina no capitalismo global no período recente, particularmente
os efeitos da fase expansiva do capitalismo global (2003-2007) e da crise
aberta em 2007 neste processo. O capítulo procura discutir a evolução da
inserção latino-americana no contexto das profundas transformações do
capitalismo, em particular as ocorridas no âmbito da divisão internacional
do trabalho em virtude da reconguração espacial do sistema.
O oitavo artigo, Dialética Co-Teses: Base da Ação Free-Rider
Chinesa no Cenário Internacional, é de autoria de Aline Tedeschi da Cunha,
tem por objetivo descrever a atuação internacional da China, em sua fase de
ascensão, como “free-rider”, ou seja, um país que se aproveitou das opor-
tunidades criadas pelo processo de globalização e pela institucionalidade
global liderada pelos Estados Unidos para se reposicionar positivamente
no cenário internacional. De acordo com a autora, a atitude “free-rider”da
China em relação às instituições e aos fóruns de governança global reete
tanto uma base tradicional teórica – e losóca – de política chinesa, como
também uma manobra estratégica para aumentar o leque de possibilidades
de escolhas comerciais e políticas em sua re-inserção ativa na ordem inter-
nacional.
O nono artigo, de Gustavo Erler Pedrozo, trata de Considerações
sobre a participação da China nas operações de manutenção da paz das Nações
Unidas. O autor chama atenção ao fato de que apesar de a China partici-
par do Conselho de Segurança da ONU desde 1971, somente na década
de 2000 o país passou a ter uma participação mais ativa nas Operações de
Manutenção da Paz das Nações Unidas (OPNU), sendo que o ápice desse
incremento de participação ocorreu em dezembro de 2014, quando os chi-
neses anunciaram o envio de um batalhão de infantaria para a UNMISS
(United Nations Mission on the Republico of South Sudan). Isto reete
a mudança mencionada no artigo de Aline Tedeschi de Araújo, em que se
ressalta a mudança de postura da China, que está deixando de lado uma
11
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
posição passiva (free-rider) e se tornando um ator pró-ativo nas relações
internacionais.
O último artigo, Uso de Políticas Públicas ao Fomento de Energias
Renováveis: As Estratégias da Argentina e do Brasil no Século XXI, foi escrito
em parceria por Mauri da Silva e Jorge Claudio Szeinfeld. O artigo discute
o problema energético, em particular a questão da transição para um novo
padrão energético de baixa utilização de carbono. Discussão que cada vez
mais tem ganhado espaço ante a crise ecológica. O texto dedica-se a discu-
tir, sobretudo os desdobramentos relativos ao maior ritmo de crescimento
econômico e do consumo de energia pelos países emergentes e a crescente
preocupação com a mudança climática. O texto também analisa a resso-
nância dessas discussões na Argentina e no Brasil a partir de uma análise
comparada das políticas relativas ao fomento de energias renováveis em
ambos os países.
Esperamos que esta obra contribua para o aprofundamento dos
estudos e da reexão sobre os temas apresentados (segurança, política, re-
gionalismo, China, meio ambiente, inserção na economia mundial e ensi-
no) e que as diversas temáticas abordadas instiguem novas pesquisas e de-
bates para melhor pensarmos e compreendermos as relações internacionais
a partir de uma perspectiva sul-americana.
Sérgio Luiz Cruz Aguilar
Francisco Luiz Corsi
Marcos Cordeiro Pires
(Organizadores)
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Segurança Internacional
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DRONES
Ángel Pablo Tello
El más fuerte nunca es tan fuerte para dominar siempre si no puede trans-
formar su fuerza en virtud
Jean-Jacques Rosseau
En 1964, el ingeniero norteamericano John W. Clark presentaba
lo que denominó una “metodología frente a un ambiente hostil”:
A partir de que se prevén operaciones en tal ambiente, habitualmente
se toman en cuenta dos posibilidades, dos solamente: enviar una má-
quina o enviar un hombre protegido. Existe sin embargo una tercera
opción, emplear un vehículo que opere en un ambiente hostil con-
trolado a distancia por un hombre ubicado en un ambiente seguro.
(CLARK, 1964, p. 300).
También en 1964, una publicidad de la Radioplane Company,
mostraba a una joven mujer, Norma Jeane Dougherty, sosteniendo una
hélice de drone. Esta joven y bella mujer sería más tarde Marylin Monroe,
a partir de los cual podríamos considerar que los drones nacieron en
Hollywood. 
En inglés, el término puede ser traducido como “zángano”,
caracterizado éste tanto por el sonido que emite como por tratarse de un
insecto. Fue en los inicios de la Segunda Guerra Mundial cuando esta
denominación adoptó un sentido diferente, los artilleros norteamericanos
empleaban entonces la expresión target drones, drones como blancos para
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nombrar a pequeños aviones teleguiados que utilizaban en los ejercicios.
La metáfora, además de referirse al tamaño de estos aparatos, se relacionaba
con el ronroneo del motor. Los zánganos son machos a los cuales las abejas
matan. La tradición los ha transformado en la expresión misma de lo
fáctico o descartable. Esto era entonces el blanco drone: una maqueta para
ser destruida.
Según el léxico empleado por el Ejército de los Estados Unidos,
drone es “un vehículo terrestre, naval o aeronáutico controlado a distancia
o de manera automática”. Así, todo tipo de vehículo puede ser dronizado,
es decir, sin equipaje humano a bordo. Estos instrumentos pueden ser
operados a distancia por humanos o pueden autónomamente como es el
caso de los robots letales, actualmente en desarrollo pero no operativos.
Drone en realidad es el término profano de Unmanned Aerial Vehicle
(UAV) y sus orígenes deben buscarse en el aeromodelismo y en aparatos
de vigilancia aérea transformados en máquinas de matar. Como lo dene
Mike McConnell (apud WOODWARD, 2010, p. 6) se trata de “[…]
cámaras voladores de alta resolución equipadas con misiles.” 
El ocial de la United States Air Force (USAF) David Deptula
(2007) señala: “[…] la gran ventaja de los sistemas de aeronaves sin piloto
es que permite proyectar poder sin proyectar vulnerabilidad.” Proyectar
poder adquiere sentido en este caso cuando se trata del despliegue de
fuerzas militares más allá de las fronteras.
Desde los imperios de la antigüedad hasta nuestros días, uno de
los problemas del poder imperial se relaciona con la cuestión de cómo se
puede extender la fuerza desde el centro sobre el mundo que conforma
la periferia. La historia de los grandes imperios militares indica que en
todos los casos proyectar poder era asociado al con el envío de tropas. Esto
último es lo que se trata de evitar en la actualidad.
Toda la historia de las armas balísticas (desde las catapultas a los
cohetes nucleares) está animada por el deseo muy antiguo de incrementar
el alcance de las mismas, de manera tal que puedan caer sobre el enemigo
desde lejos, antes de que éste esté en condiciones de hacer lo mismo.
Otra especicidad del drone es la de jugar en un segmento de
distancia particular, aquél que existe entre el gatillo en el cual se apoya
17
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
el dedo de quien va a disparar y el cañón del arma de la cual saldrá el
proyectil; entre el uno y el otro se intercalan ahora miles de kilómetros, y a la
distancia del alcance desde al arma hasta el blanco se agrega el telecomando
como la distancia del operador a su arma. “Sin proyectar vulnerabilidad”
implica que la única vulnerabilidad expuesta a la violencia armada es la de
un enemigo reducido a un estatus de simple blanco.
Eliane Scarry (1985, p. 78) dice: “La estrategia ganadora es
aquella en la cual la capacidad de herir se ejerce en una sola dirección. La
denición original que opone la no herida a la herida comprende de hecho
una sustitución: reemplazar la capacidad bidireccional de herir por una
relación unidireccional.
De acuerdo con una teoría extrema, la guerra pasa así de lo
asimétrico (dos contendientes con fuerzas desiguales) a lo unilateral y más
que hablar de combates se debe hablar de masacres.
En junio de 2013, los Estados Unidos disponían de más de seis mil
drones de diversos modelos, entre los cuales más de 160 eran los Pedrator
manejados por la United States Air Force (USAF). Tanto para los militares
como para la CIA, el empleo de los drones se banalizó en estos años y
devino algo absolutamente normal. Se utilizan en Afganistán, Somalia,
Yemen, contra el Estado Islámico en Irak y Siria, etc. Entre 2004 y 2013
se calcula que en Paquistán han matado alrededor de 3474 personas. Por
otro lado, el número de patrullas con drones de los EE UU se incrementó
en un 1200% entre 2005 y 2011.
Aparece entonces la política de dronizar una parte considerable de
las fuerzas armadas como proyecto estratégico de Washington, para lo cual
se han visto regularmente aumentados en un 30% los fondos destinados
a tal n. Algunos investigadores sostienen que la doctrina antiterrorista
ociosa del presidente Obama consiste en “matar antes que capturar”. 
Apunta el investigador francés Grégoire Chamayou (2013, p. 26):
Si el drone se presta a un tipo de enfoque losóco es porque se trata
de un objeto violento no identicado: desde el momento que debe ser
pensado a partir de categorías establecidas, una intensa confusión afec-
ta nociones tan elementales como la de zona o lugar (categorías geográ-
cas y ontológicas), de virtud o de bravura (categorías éticas), de guerra
o de conicto (categorías a la vez estratégicas y jurídico-políticas).
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Desde este punto de vista, en la raíz de todo está la eliminación
absoluta de cualquier relación de reciprocidad. De esta manera, no importa
tanto considerar el funcionamiento del medio en sí mismo como observar,
a partir de sus características peculiares, las implicancias de las acciones en
contrario provocadas por el empleo de este artefacto.
El drone prolonga y radicaliza los procedimientos existentes
de guerra a distancia pudiendo, en última instancia, llegar a suprimir el
combate, con lo cual entraría en crisis la noción misma de guerra tal como
en su tiempo lo pensó Carl von Clausewitz. Todo ello plantea un problema
central: si la guerra de drones no puede ser considerada como guerra, ¿a qué
estado de violencia” responde?
Desde los albores de la humanidad se trató de erradicar la
reciprocidad en la exposición a la violencia durante las hostilidades. En el
caso particular de los drones, éste no solamente recongura la conducta
material de la violencia armada, tanto desde un punto de vista técnico,
táctico o psicológico, también antiguos principios militares basados en
un ethos construido sobre la base del coraje y el espíritu de sacricio.
Agrega Chamayou (2013, p. 30): “[…] partiendo de las categorías
clásicas, el drone aparece como el arma del cobarde”. El drone permite el
asesinato predenido sobre un blanco especíco, lo que en buena medida
compromete seriamente el derecho de los conictos armados.
El ingeniero Clark (1964), señalaba que en un ambiente hostil
existen dos alternativas: colocar una máquina o enviar a un hombre
debidamente protegido. La tercera opción, que en la práctica equivale a la
santuarización del espacio, consiste en el empleo de aparatos operando en
estos ambientes y controlados a distancia por un ser humano ubicado en un
ambiente seguro libre de riesgos. La guerra asimétrica deviene unilateral.
Durante los años ochenta del siglo XX los drones eran instrumentos
de espionaje, vigilancia y reconocimiento, entonces no eran armas. La
metamorfosis se operó entre las guerras de Kosovo y Afganistán. La empresa
General Atomics había concebido en 1995 un nuevo tipo de avión-espía
telecomandado: el Pedrator, que hasta 1999 “iluminaba” los blancos para
los cazabombarderos F16. Antes del 11 de septiembre de 2001, el Ejército
de los EE UU los equipó con misiles antitanque.
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A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
El ex presidente de los Estados Unidos George W. Bush, al
referirse a estos sistemas de armas pronosticó unas “guerras de nuevo tipo”,
caracterizadas por la “caza internacional de hombres”. Resulta interesante
destacar que así como la caza de animales hoy en día resulta escandalosa,
no lo es en una medida similar la caza telecomandada de seres humanos.
¿Podemos considerar que estamos frente a una nueva doctrina
estratégica? En 2009 George A. Crawford de la Universidad de Operaciones
Especiales Conjuntas de los EE UU propuso “hacer de la caza del hombre
uno de los fundamentos de la estrategia estadounidense”, para lo cual se
imponía crear una “agencia nacional de la caza del hombre” (CRAWFORD,
2009, p. VII).
Dice Chamayou (2013, p. 51):
La doctrina contemporánea de la guerra cinegética rompe con el mo-
delo de guerra convencional que se apoya en los conceptos de fren-
tes, batallas lineales y enfrentamientos cara a cara. El 1918 el General
Pershing lanzó una vasta ofensiva militar sobre México para capturar a
Pancho Villa, este despliegue masivo de fuerzas terminó en un fracaso.
Para los estrategas norteamericanos que citan como contra ejemplo este
antecedente histórico, se trata ahora de invertir la polaridad frente a
las amenazas asimétricas que plantean pequeñas unidades móviles de
actores no estatales’, para ello sugieren emplear pequeñas unidades e-
xibles, humanas, o preferentemente telecomandadas en una lógica de
ataques sobre blancos denidos.
Clausewitz pensó la guerra como un duelo en el cual se enfrentan
dos luchadores, al menos así está planteado en De la guerra cuando analiza
esta actividad en sus raíces mismas. En la actualidad no se trata de dos
luchadores que están frente a frente, sino de un cazador que avanza y una
presa que huye o se esconde; las reglas del juego no son las mismas y hasta
podríamos considerar que un nuevo paradigma está instalado, aunque
sobre esto último existan más dudas que certezas.
Nuevamente George A. Crawford (2009, p. 19):
En una competencia entre dos enemigos combatientes, el objetivo es
ganar la batalla y que pierda el adversario, ambos combatientes deben
enfrentarse uno al otro para ganar. Un escenario de la caza del hombre
es diferente como también es diferente la estrategia de cada jugador.
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El fugitivo busca evitar la captura, mientras que aquél que lo persigue
quiere atrapar y capturar su presa; el cazador necesita la confrontación
para ganar, mientras que el fugitivo debe huir para ganar.
Queda plateada así la competencia entre los que huyen y aquellos
que los buscan. En este esquema la primera tarea que se plantea no es tanto
inmovilizar al enemigo, sino identicarlo y localizarlo en un trabajo de
detección. Según este modelo, el enemigo no es concebido como formando
parte de una cadena jerárquica de comando, como un eslabón, se trata de
un “nodo inserto en redes sociales”.
El cálculo predictivo aspira a una política de eliminación
proláctica, para lo cual los drones-cazadores-matadores constituyen
un instrumento privilegiado. Así, la caza del hombre aparece como
esencialmente preventiva. Se trata menos de replicar determinados ataques
que prevenir la eclosión de amenazas emergentes mediante la eliminación
precoz de sus potenciales agentes; detectar, quebrar, eliminar, contener las
redes antes que éstas puedan perturbar; son las consignas de la hora y ello
independientemente de toda amenaza directa inminente.
La racionalidad (si así se puede calicar) política que está por
detrás se integra con la “defensa social” más las “medidas de seguridad”;
según Jean-André Roux (1922, p. 196): “no destinada a castigar, sino a
preservar la sociedad del peligro que le hacen correr extraños seres presentes
en su seno”. La guerra entonces adopta el formato de las ejecuciones
extrajudiciales.
El militar estadounidense Julian Barnes (2009) acota: “[…]
utilizando el ojo que todo lo ve, usted puede descubrir aquello que es
importante en la red, dónde viven, quiénes los apoyan, quiénes son sus
amigos; luego no hay más que esperar hasta que estas gentes avancen sobre
una ruta aislada para eliminarlos con un misil.
Resulta interesante observar algunos principios sobre los cuales se
basan estas innovaciones:
a) Principio de mirada permanente o de vigilancia permanente. Más que
el avión con su piloto, el drone puede permanecer más tiempo en el
21
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
aire, los operadores de estos artefactos cumplen turnos de ocho horas
tanto de día como de noche.
b) Principio de totalización de las perspectivas o de la mirada sinóptica,
se trata de ver “todo el tiempo”. Las imágenes sinópticas están
conformadas por decenas de microcámaras de alta resolución
orientadas en todos los sentidos, similar a lo que se denomina ojo de
mosca. A ello un logicial añade en tiempo real las diferentes imágenes
en una sola vista, lo que resulta equivalente a una imagen satelital de
alta resolución (una ciudad o región entera) retransmitidas en video y
en directo.
c) Principio de archivo total o del lm de todas las vidas tanto por medio
del registro como su archivo. David Axe y Noah Shachtman (2011)
observa: “Si una ciudad entera puede ser vigilada al mismo tiempo, un
coche bomba puede ser rastreado hasta su lugar de origen”, mediando
importantes capacidades de almacenamiento y análisis. Durante 2009
los drones norteamericanos generaron el equivalente a veinticuatro
años de registros de videos. El problema que se plantea se relaciona
con la sobrecarga de datos de diferentes tipos, lo que a veces torna
inexplotable la información.
d) Principio de fusión de datos. Los drones tienen algo más que ojos,
también tiene oídos. Señala Julian Barnes (2009): “Los drones
Pedrator y Reaper pueden interceptar comunicaciones electrónicas
emitidas por radios, celulares u otros aparatos de comunicación.
e) Principio de esquematización de las formas de vida mediante la
capacidad de visualizar datos provenientes de fuerzas diversas,
combinando el “dónde”, el “cuándo” y el “quién” en un trazado
tridimensional. Esto puede congurar una corriente novedosa de la
geografía humana diseñando mapas de un nuevo tipo que siga trayectos
de vida en tres dimensiones: ciclos, itinerarios, accidentes. Así se
congura un proyecto de cartografía de las vidas, conformando en la
actualidad uno de los principales zócalos epistémicos de la vigilancia
armada. El objetivo, tal como lo han reconocido sus promotores,
es poder seguir a muchos individuos a través de diferentes redes
sociales, con el n de establecer una forma o un “esquema de vida
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
22
conforme al paradigma de la inteligencia basada en la actividad. Todo
ello es parte del núcleo central de la doctrina contra insurreccional.
Este modelo de inteligencia “basado en la actividad”, más que en
individuos aislados, parte de la identicación de personas anónimas
calicándolas por el tipo de comportamiento que pone de maniesto
un perl determinado. Se trata de una identicación no tanto singular
como genérica.
f) Principio de detección de anomalías y de anticipación preventiva. Para
ello se escanean imágenes y se detectan acontecimientos útiles para el
ojo de la seguridad, se trata de observar la anomia por su irregularidad.
Un analista de la USAF dice: “[…] analizar hoy las imágenes capturadas
por los drones es una actividad a medio camino entre la tarea policial y
las ciencias sociales” (CHAMAYOU, 2013, p. 65). Surge la necesidad
en consecuencia de efectuar un estudio cultural para observar y
comprender la vida de la gente; distinguir una actividad “normal” de
otra “anormal”. El reconocimiento automático de ciertos escenarios
puede proveer alertas tempranas implicando una amenaza potencial.
No es más “vigilar y castigar” como escribió Michel Foucault,
sino “vigilar y eliminar”; esto crea situaciones permanentes de inseguridad
y angustia. Según relata un residente de Datta Khel en Paquistán, localidad
que ha sido atacada más de treinta veces en tres años: “[…] muchos
perdieron la cabeza y se encerraron en una habitación. Tal como cuando
usted mete a alguien en la prisión. Son prisioneros encerrados en una
pieza.” (CHAMAYOU, 2013, p. 69). 
LA TOMA DE DECISIONES
Observa Derek Gregory (apud BECKER; SHARE, 2012):
Es muy extraño, una especie de ritual burocrático: todas las semanas
más de cien miembros de un aparato de seguridad tentacular ser reúne
por teleconferencia muy protegida para disertar sobre las biografías de
presuntos terroristas y marcarle al presidente aquéllos que serán los
próximos a morir.
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A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Este encuentro es conocido en Washington como el “martes del
terror”. Una vez que la kill list ha sido confeccionada y se han impartido las
órdenes correspondientes, los drones se ocupan del resto.
Los criterios empleados para elaborar la lista de futuros
condenados son desconocidos. A veces se mata a supuestos militantes según
el “análisis de las formas de vida”, aun desconociendo sus identidades. Todo
apartamiento de lo habitual o irregularidades en el comportamiento hace
sonar la alarma y se está frente a un potencial sospechoso: se lo sigue, en qué
lugares se reúne y con quién quiénes vive. De esta forma, instrumentos de
la geografía humana y de la sociología de redes se ponen al servicio de una
política erradicadora a la que se ha dado la denominación de “vigilancia
persistente”.
El problema planteado, tanto de orden epistemológico como
político, se ubica en la reivindicación de una cierta capacidad para convertir
adecuadamente una imagen construida a partir de la compilación de
probables indicios en un blanco legítimo.
Según Becker: “[…] cuando la CIA ve a tres tipos haciendo aerobismo,
cree que se trata de un campo de entrenamiento terrorista” (BECKER;
SHARE, 2012). El 17 de marzo de 2011 un ataque norteamericano mató
alrededor de treinta hombres en Datta Khel (Paquistán) porque “[…] su
comportamiento se asimilaba a los medios de acción de los militantes de Al
Qaeda.” En realidad se trataba de una reunión de la loya jirga, asamblea de
las tribus y comunidades cuyo n es resolver diferendos locales.
Fieles a su más pura y ancestral tradición en materia de pensamiento
estratégico, los analistas estadounidenses depositan una fe excesiva en
lo cuantitativo. Para establecer una prueba, la sumatoria matemática de
indicios no necesariamente quiere decir verdad. ¿Cómo se establece lo
cuantitativo?, por ejemplo, cantidad de llamadas telefónicas o de visitas
realizadas por una persona a lo que consideran un blanco preexistente.
Todo ello a partir de una lógica según la cual pertenencía e identidad son
inducidas de la cantidad y frecuencia de los vínculos independientemente
de su naturaleza. Tal como lo resume el ocial de la USAF Gareth Porter
(2011): “[…] una vez que decidimos que un individuo es malo, las
personas que lo frecuentan también son malas.” El método para formar un
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
24
perl se basa en esquemas, y un mismo esquema puede corresponderse con
fenómenos heterogéneos, lo que plantea el problema epistemológico de las
sombras chinas: una sombra representa algo, pero ¿con qué se las genera?,
con las manos.
Joshua Foust (2011, no paginado) señala: “De manera frecuente
el resultado consiste en un tiro ciego basado en indicaciones de formas de
vida sin conrmación directa, a partir del hecho de que los blancos son
aquéllos que pensamos que lo son, lo que lleva a matar inocentes en la
operación.
La “guerra global contra el terror”, hizo perder en parte las
dimensiones espaciales y temporales de la violencia armada, el mundo
entero emerge como un gran campo de batalla, ¿o terreno de caza?
Como ha sido señalado en este trabajo la guerra se dene por el combate,
desplazándose éste hacia donde chocan las fuerzas. En el caso de los drones,
la captura se desplaza hacia donde está la presa.
En otros tiempos, el Common Law británico autorizaba la
persecución de animales dañinos (zorros, comadrejas, etc.) en propiedades
ajenas “[…] porque matar estas criaturas es de interés público”, criterio
similar al empleado actualmente por los Estados Unidos para perseguir sus
presas por todo el mundo. Al respecto, el ex subsecretario de Defensa Paul
Wolfowitz, reriéndose a las presas decía “[…] negarles cualquier santuario.
Se establece de esta manera un poder invasivo basado en el
derecho de persecución más que en el derecho de conquista, una especie
de derecho de intrusión que pasa por encima del principio de integridad
territorial. De esta forma., al formato terrestre de la soberanía territorial,
el drone opone la continuidad controladora y dominante del aire, se trata
menos de ocupar un territorio que controlarlo desde el cielo. La soberanía
adquiere una dimensión que podría calicarse como aeropolítica, ¿quién
ejerce entonces el poder sobre al aire y las ondas?.
Según Alison Williams, corresponde pensar la geografía política
a partir de tres dimensiones: 1) crisis de soberanía aérea; 2) la soberanía
dejó de ser plana, territorial, ahora es volumétrica y tridimensional; 3) se
va desde el espacio bidimensional de los mapas antiguos de estado mayor a
una geopolítica de volúmenes.
25
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
De acuerdo a lo expresado en el “Manual de Contrainsurgencia
del Estado Mayor Conjunto” de los Estados Unidos: “En las doctrinas
contemporáneas del poder aéreo, el espacio operacional no está concebido
como un área homogénea y continua. Es un mosaico dinámico donde
tanto las tácticas como los objetivos de los insurgentes pueden variar de un
barrio a otro.” (UNITED STATES, 2009).
En estos esquemas los espacios aparecen representados como cajas
coloreadas a cada una de las cuales corresponden reglas de empeñamiento
especícas, estas cajas son “cajas letales” o kill box. Se presentan en pantallas
en tres dimensiones como cubos emplazados como terrenos cuadriculados,
así, el teatro de operaciones se cubre con cajas transparentes. Estas cajas
tienen un ciclo de vida, se abren y cierran, se activan y desactivan. Una vez
establecido el objetivo inmediato de la kill box, se autoriza a la Fuerza Aérea a
conducir operaciones contra blancos en la supercie sin otra coordinación
con el comando. La naturaleza tipo “mosaico” de la contrainsurrección la
hace adecuada para una ejecución descentralizada, deviniendo cada cubo
en una “zona autónoma de operaciones”: Como lo dene Chamayou, la
kill box es una “zona autónoma de matanza temporaria”.
A lo que agrega el General Formica:
Los kill box nos permiten hacer algo que deseamos desde hace mucho
tiempo: ajustar rápidamente el trazado del campo de batalla. En el pre-
sente, con las tecnologías automatizadas y el empleo de los kill box por la
USAF usted puede delimitar el campo de batalla de un forma muy exi-
ble, tanto en el tiempo como en el espacio. (CHAMAYOU, 2013, p. 84).
Según la RAND Corporation, la talla de los kill box puede
modularse para adaptarlos tanto a un terreno abierto como cerrado. Para
tal n drones más pequeños facilitan el ejercicio de la violencia en pequeños
espacios, pudiendo tratarse de una pieza o una ocina que devienen
automáticamente zonas de guerra y cuyo objetivo se limita a eliminar a
una sola persona.
La mayor precisión de estos dispositivos ofrece un pretexto
importante para extender el campo de tiro a todo el mundo. En primer
lugar, porque la zona del conicto armado se fragmenta en kill box en
miniatura y tiende a reducirse al cuerpo del supuesto enemigo, en segundo
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
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lugar porque el micro espacio móvil se justica en el carácter “quirúrgico
del golpe. Por ello puede pensarse en un principio de la globalización o de
la homogeneización.
Algunos juristas norteamericanos sostienen, frente a esta nueva
realidad, que la noción “zona de conicto armado” no debe ser interpretada
en un sentido estrictamente geográco. Desde este punto de vista puede
armarse que a la concepción geocéntrica se opone la blanco céntrica
vinculada al cuerpo del enemigo. Así, Michael Lewis (2001) señala que:
“[…] las fronteras del campo de batalla no están determinadas por líneas
geopolíticas sino por la localización de los participantes en un conicto
armado.” Muchos juristas, en consecuencia, proponen lisa y llanamente
desechar la interpretación geocéntrica del derecho de guerra “[…] aceptarlo
equivale a crear santuarios para las organizaciones terroristas en aquellos
Estados cuyas fuerzas policiales son conocidas por su inecacia.” (LEWIS,
2012, p. 293). Con ello queda justicado el ejercicio del poder de policía
letal más allá de las fronteras. 
Al redenir la noción de zona de conicto armado como lugar
móvil sujeto a la persona enemiga, se busca reivindicar bajo la cobertura del
derecho de los conictos armados el equivalente a una suerte de derecho
de ejecución extrajudicial extendido al mundo entero.
De acuerdo a lo establecido por los juristas clásicos, la violencia
armada y sus leyes tienen contornos marcados en el espacio, la guerra debe
ser “un objeto geográco delimitado”, existiendo una geografía legal de la
guerra y la paz concebidas como espacios delimitados. En consecuencia,
las “leyes especiales” del derecho de guerra se aplican allí donde hay guerra,
fuera de ella no hay norma que autorice a comportarse como guerrero.
Al calicar como ilegales los ataques perpetrados con drones
en Paquistán, Somalia y Yemen, la jurista Mary Ellen O’Connell (2009)
señala: “[…] los drones lanzan misiles o bombas, armas que sólo pueden
emplearse de manera lícita en hostilidades conguradas como un conicto
armado” (O’CONNELL, 2009) y, evidentemente, no existe conicto
armado en Paquistán.
El Derecho Internacional no reconoce el derecho de matar con
armas de guerra fuera de un conicto armado efectivo, la “guerra contra
27
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
el terror” no es un conicto armado, lo que congura una violación
grave al derecho de guerra. En relación a ello, el General norteamericano
McChrystal (apud CHAMAYOU, 2013, p. 91) observa: “El poder aéreo
contiene los gérmenes de nuestra destrucción. Si no hacemos del mismo
un empleo responsable podemos llegar a perder el combate.” 
ESTRATEGIAS CONTRAINSURRECCIONALES
Las estrategias de la guerra contrainsurreccional tuvieron un
importante desarrollo en tiempos de las guerras de guerrillas del siglo
XX. Una de las respuestas eran los bombardeos aéreos ante la ausencia de
concentraciones de tropas enemigas. Estas acciones provocaron muertes de
civiles con los resultados conocidos de empujar a considerables franjas de
las poblaciones en brazos de los adversarios. 
Hacia nes del año 2000, se generalizó el empleo de drones,
convirtiéndose en un arma esencial de las operaciones antinsurreccionales
de los Estados Unidos. ¿Se puede hablar de un cambio de doctrina basado
en una especie de doctrina aérea de la contra insurgencia y a partir de la
cual las acciones terrestres pasan a formar parte de paradigmas superados?
Así como Carl Schmitt apuntaba en su teoría del partisano que
éste debe ser telúrico, el contra partisano contemporáneo debería ser
estratosférico. El drone aparece como una respuesta tardía al problema
que plantean los conictos asimétricos, pues ahora se trata de privar
de enemigo al enemigo desde el preciso instante en que un guerrillero
enfrentado a un ejército de drones no posee un blanco al cual atacar. El
talibán afgano Mawli Abdullah Haijazi (apud BEARAK, 2001) decía: “Le
rezamos a Alá para nos dé soldados norteamericanos para matar. A las
bombas que descienden del cielo no podemos enfrentarlas.
En este contexto la violencia armada deviene en una ejecución,
desde el preciso instante en que torna imposible el combate, si bien esto
debe ser relativizado. De lo que se trata ahora es de aniquilar la voluntad
del oponente. Se combate por medio del terror y los ataques de drones
son equivalentes a los atentados con explosivos. De esta forma los drones
aparecen como las armas modernas del terrorismo de Estado.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
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Este asunto de los drones no parece muy diferente, en apariencia,
a la estrategia de bombardeos aéreos establecida por la Royal Air Force luego
de la Primera Guerra Mundial, cuyo objetivo consistía en “desorganizar
y destruir pueblos para obligar a la población local a adherir al mandato
británico.
En un balance efectuado en 1923 por el ocial británico F. S.
Keen (1923, p. 400), se observa:
Obligando a los habitantes de las zonas bombardeadas a abrir sus casas
en estado de exasperación, dispersándolo en clanes y tribus vecinas, el
corazón henchido de odio contra lo que ellos consideran como mé-
todos de guerra desleales, estos ataques han producido exactamente el
tipo de efecto político que se trataba de evitar en nuestro propio inte-
rés, a saber, la animosidad profunda de las tribus de frontera a las cuales
nos hemos alienado.
Reconocer la verdadera naturaleza de la insurrección (asunto
eminentemente político y social) y de la contrainsurrección, cuyo centro
de gravedad está constituido por la población que reside, opera y se
identica a sí misma en la dimensión terrestre, lleva a considerar que
los Estados Unidos no podrían modicar las características de la guerra
contrainsurreccional sin fracasar. Ello debido a que las insurrecciones
están principalmente orientadas hacia el suelo, lo que obliga a dirigir en
esta dirección sus campañas y no pensar que las insurrecciones puden ser
exitosamente combatidas desde el aire.
Los teóricos contemporáneos de la contrainsurrección hablan de
los “efectos negativos” de los bombardeos aéreos en el pasado, debido a la
falta de precisión”, lo que produce los denominados “daños colaterales”,
para lo cual ofrecen como alternativa el uso de la tecnología y los ataques
de precisión. En este escenario, el drone emerge como un dispositivo de
tecnología avanzada, conformándose en un medio de autointoxicación
discursiva para los dirigentes norteamericanos. Como en su tiempo lo
señaló Hanna Arendt “terminan creyendo sus propias mentiras”.
David Kilcullen, ex asesor del General Petraeus en Irak, escribió
en e New York Times en 2009 que las operaciones de los drones son
contraproducentes para los intereses de los Estados Unidos, observando
29
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
que uno puede alegrarse con los éxitos tácticos en el corto plazo sin llegar a
comprender el costo que se paga desde un punto de vista estratégico.
Señala Kilcullen (2005) que estos ataques llevan a la población a
apoyar a los grupos extremistas que aparecen menos odiosos que un enemigo
sin rostro haciendo la guerra a distancia y que en la mayoría de los casos
mata más que los militantes. Las poblaciones locales ven en los ataques con
drones la continuidad de las políticas coloniales de otros tiempos (Reino
Unido 1920, Argelia, 1960). Continúa Kilcullen (2005)diciendo que la
indignación y radicalización de la opinión pública no se limitan a la región
de los ataques sino que, en un mundo globalizado, la violencia armada
tiene repercusiones transnacionales, lo que lleva a la percepción de un
poder odioso, a su vez cobarde y despreciativo.
Añade Kilcullen (2005, p. 597): “El empleo de drones presenta
todas las características de una táctica o, más precisamente, de un elemento
tecnológico en vías de reemplazar una estrategia. Recurriendo masivamente
a un juguete tecnológico en lugar de una auténtica estrategia, el aparato
del Estado se embrutece políticamente”. Observa también que la lucha por
el control de un espacio políticamente disputado no puede hacerse desde
afuera, adoptando, en ciertos aspectos, los principios que Mao Tsetung
había sostenido en China para las guerras de liberación nacional y luego
revolucionaria.
Para ocupar un terreno, a la vez geográco y político, hay que
estar allí; un espacio no se controla verticalmente desde el cielo, sino
horizontalmente con los pies en la tierra, porque el auténtico “terreno” es
humano, es la población. En su momento, el diccionario del Departamento
de Defensa de los EE UU planteó la necesidad de “conquistar los corazones
y el espíritu de las poblaciones”, lo que podría considerarse como una
herencia fallida del marxismo al introducir la comprensión político-
militar de la contrainsurrección. Esto llevó a que muchas opiniones se
manifestaran en contra del empleo de los drones como arma exclusiva de
la contrainsurrección. Kilcullen, por ejemplo, critica lo que considera el
fetichismo tecnológico” del drone.
Otro especialista de la contrainsurrección, Galula, se suma a
otros colegas para oponerse a los que consideran un peligroso cambio
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
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de paradigma producido por la dronización de las operaciones. Cuestión
que habilita la preeminencia del paradigma del antiterrorismo sobre el
de la contrainsurrección. Siendo ésta eminentemente político-militar,
el antiterrorismo aparece como esencialmente policíaco-securitario.
La diferencia está en cómo se concibe al enemigo, en el caso de la
contrainsurrección el enemigo es “el representante de las profundas
reivindicaciones de la sociedad”; en el contraterrorismo es un “individuo
aberrante, una personalidad altamente peligrosa”, un loco.
En este contexto los blancos no están conformados por adversarios
políticos que deben ser combatidos, sino que ahora se trata de criminales
que deben ser eliminados. La contrainsurrección es democentrada mientras
que el contraterrorismo es individuo centrado. Ello conduce a una licuación
de los análisis políticos en categorías policiales. La binaridad del bien y el
mal no es únicamente una cuestión teórica, se impone como categoría
de análisis en detrimento de la consideración de las complejidades que
presentan las relaciones estratégicas las cuales, desde hace mucho tiempo,
forman parte de una cierta cultura que piensa el mundo en términos
de suma cero. “No se negocia con los terroristas” constituye entonces el
sustrato de un pensamiento estratégico coherente con una globalización
hedonista e individualista.
La caza del hombre con drones, de alguna manera es el triunfo
doctrinario y práctico del antiterrorismo sobre la contrainsurrección. Los
trofeos de caza reemplazan la evaluación estratégica de los efectos políticos
de la violencia armada, ahora los éxitos son estadísticos.
Peter Matulich (2012) observa:
El empleo actual de drones en los ataques antiterroristas en Paquistán
es contrario a la doctrina de la eciencia de la guerra contrainsurreccio-
nal que los Estados Unidos han desarrollado en los últimos diez años
[…] las operaciones con drones implementadas actualmente tienen
una utilidad limitada, aun contraproducente. Los drones no pueden
lograr los objetivos democéntricos de la guerra contrainsurreccional.
Su empleo en las operaciones produce efectos negativos, entre otros los
daños colaterales y la militarización de las poblaciones locales.
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A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
A lo que podemos agregar las palabras del dirigente talibán pa-
quistaní Baitullah Mehsud: “[…] pasé tres meses buscando reclutar gente y
había logrado incorporar entre diez y quince personas. Con un solo ataque
norteamericano recluté 150 voluntarios.” (CHAMAYOU, 2013, p. 105).
Los partidarios del uso de drones ven en estos dispositivos las
armas privilegiadas de la lucha antiterrorista. Prometen guerras sin pérdidas
ni derrotas, omitiendo por otro lado que pueden ser guerras sin victorias.
Todo ello debido a que se conforma un escenario de violencia innita de
salida imposible, lo que presenta una paradoja entre un poder en apariencia
intocable por un lado llevando adelante guerras que no puede ganar por
otro. ¿Congura ello un novedoso escenario de guerras perpetuas?
INVULNERABILIDADES
Cuando la diosa etis bañó a Aquiles en el río que lo haría
invulnerable, lo tomó del talón, único lugar vulnerable de este héroe de la
mitología griega. Todas las historias antiguas señalan que la invulnerabilidad
es un mito. No existe la invulnerabilidad total y toda tentativa en esta
dirección genera la correspondiente vulnerabilidad.
Entre la imagen que el operador del drone observa en su pantalla
y lo que acontece en el terreno hay un tiempo. El operador ve una imagen
perimida aun que el tiempo sea corto debido a que normalmente los
individuos (la presa) sabedores del riesgo se desplazan en zigzag. Por ello
el drone es un arma frágil con problemas técnicos que supone en primer
lugar el control del espacio aéreo, lo que resulta relativamente sencillo en
contextos asimétricos; si el enemigo dispone de defensas antiaéreas ecaces,
los drones “caen como moscas”. También supone el control de las ondas,
por ejemplo, en 2009 la insurgencia iraquí interceptó las ondas del Pedrator
utilizando una antena satelital que se comercializa por Internet. También
se supo que el grupo Hezbollah desde hacía diez años interceptaba los
videos emitidos por los drones israelíes, lo que le permitió ubicar a los
batallones de Tsahal.
Las señales emitidas por los drones han sido pirateadas con relativa
facilidad, para ello es necesario capturar el código y el control a distancia
del aparato. El drone como todo sistema informático interconectado es
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
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vulnerable a los intrusos. La predilección de los dirigentes norteamericanos
por el “cero muerto” ofrece a los adversarios un medio rápido y económico
para poner en apuros a la primera potencia militar del mundo. En estos
escenarios, los soldados estadounidenses son el botín más preciado de la
guerra, en algunos casos se busca más matar a soldados, especialmente de
la graduación más baja, que de derrotar al Ejército. En ciertos aspectos,
la dronización de las fuerzas armadas radicaliza esta falla estratégica. Por
otro lado, la hiperprotección del personal, de la propia tropa, torna más
vulnerable a la población civil. Con ello volvemos al inicio de este trabajo
cuando decíamos “proyectar poder sin proyectar vulnerabilidad”, y que en
la actualidad es más peligroso ser civil que militar en los escenarios de los
conictos armados.
DRONES Y KAMIKAZES
El kamikaze japonés de la Segunda Guerra Mundial (hoy el
voluntario a la muerte, el atacante suicida, el terrorista o el mártir)
comprometía y compromete al ser humano hasta el límite. El drone no
compromete al hombre. Ello pone en evidencia técnicas de un juego y
desentendimiento total por un lado, y de sacricio y compromiso total por
el otro. En el caso del kamikaze existía una fusión completa del cuerpo del
combatiente con el arma. El operador del drone propone una separación
radical: mi alma no tiene cuerpo. Los pilotos de drones, en consecuencia,
son individuos cuya muerte es imposible que sea provocada por una
acción de combate. El drone y el kamikaze aparecen entonces como dos
opciones prácticas opuestas para resolver un mismo problema: el guiado
del explosivo hacia el blanco.
Los japoneses en la Segunda Guerra Mundial lo hicieron desde una
moral de sacricio, los norteamericanos desde su superioridad tecnológica.
Atentados suicidas versus atentados fantasmas son el producto, también, de
una cierta polaridad económica al oponer a aquéllos que poseen el capital
a otros que sólo disponen de sus cuerpos. A dos regímenes materiales y
tácticos corresponden dos regímenes éticos: la ética del sacrico heroico
por un lado y la ética de la autopreservación vital por el otro. Lo que está
en juego en esta diferencia es la relación con la muerte, la propia y la del
33
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
otro. Situación que es necesario contextualizar en la tendencia hedonista
que impone la sociedad de consumo en un mundo globalizado.
Talal Asad señala que el horror suscitado por los atentados
suicidas en las sociedades occidentales se debe a que el autor impide a priori
cualquier mecanismo de justicia retributiva: muriendo con su víctima
coagula en su solo gesto crimen y castigo tornando imposible la punición.
Añadiendo: “Los autores de estos atentados jamás podrán pagar por el
daño efectuado.” (CHAMAYOU, 2013, p. 128).
A lo que agrega Hugh Gusterson (2010): “El operador de un
drone es de alguna manera el espejo del atentado suicida en tanto que
él también se separa, aun en un sentido opuesto, de nuestra imagen
paradigmática del combate.
El drone, entonces, altera la estructura de las relaciones de
hostilidad. ¿qué es hacer la guerra?, ¿acaso esto no genera un estado de
violencia de otro tipo? Ya en su tiempo Voltaire señalaba “[…] los ricos
son casi invulnerables en la guerra”, en una concepción convencional y
clásica de los conictos armados. Actividad en la cual la matanza de seres
humanos es intercambiable tanto de un lado como del otro. Los drones
en ciertos aspectos se insertan en la continuidad de las guerras asimétricas
cuyos antecedentes son variados: por ejemplo, las ametralladoras inglesas
contra las lanzas y echas en Omdusman, Sudán, en 1898. Tiene razón
Chamayou cuando sentencia “el drone es el arma de una violencia
amnésica poscolonial”.
El Ethos militar tradicional se apoya sobre valores, coraje,
sacricio y heroísmo; se trata de los valores morales analizados por Carl von
Clausewitz. Mao Tsetung, en lo que puede considerarse como la dialéctica
de la exposición preservadora o la destrucción consensuada, señala:
¿Cómo explicar la exhortación al sacricio heroico en la guerra? ¿No
es una contradicción con la exigencia de conservar las fuerzas? No, no
es una contradicción. Son los contrarios los que se condicionan mu-
tuamente. La guerra es una política sangrienta por la cual se paga un
precio, a veces elevado. Sacricar (no conservar) parcial y temporaria-
mente las fuerzas tiene por objetivo conservar el conjunto de las fuerzas
para siempre. (TSETUNG, 1968, p. 201).
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
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“El verdadero coraje de los hombres civilizados”, según Hegel, va
más allá del desprecio hacia la muerte, es “sentirse listo para sacricar su
vida al servicio del Estado”. ¿Qué ocurre cuando ello ya no es necesario?, la
dialéctica del sacricio se diluye en el imperativo de la autoconservación,
el heroísmo y el coraje devienen imposibles.
Desde hace aproximadamente veinte años se podría decir que
entramos en una era de guerra sin virtud, una era que puede ser calicada
de post heroica. Matar con drones signica eliminar al adversario sin correr
riesgos, lo que para mucho constituye el súmmum de la cobardía y el
deshonor. La discordancia entre la realidad técnica de la conducción de la
guerra y su ideología remanente presenta una contradicción poderosa, aún
para el personal militar, lo que a su vez genera una crisis en el ethos militar.
Por ello resulta interesante que las críticas más duras hacia los
drones no provienen de medios pacistas sino de pilotos de la USAF
que se pronuncian en nombre de la preservación de valores guerreros
tradicionales. Según éstos, la deshumanización y desvirilización de estos
valores los compele a oponerse a la generalización del uso de drones.
En sentido contrario apuntan los británicos: “[…] en la medida
en la cual una aeronave sin piloto evita la pérdida de potenciales vidas, su
empleo está por sí mismo justicado”: La virtud militar, tal como ha sido
pensada por los clásicos, es exactamente lo opuesto.
Conservar la vida de la propia tropa aparece erigido como un
imperativo estatal casi absoluto que excluye el sacricio. La bajeza deviene
grandeza, lo que congura menos un espectáculo al que se asiste de guerra sin
virtud que a una vasta operación de redenición de las virtudes guerreras, a lo
que sigue una pregunta: ¿puede la violencia armada pasarse de una dosis de
moral heroica? Clausewitz responde negativamente. En 2012 el Pentágono
consideró la posibilidad de condecorar a los operadores de drones, cuando
estas distinciones están reservadas para el reconocimiento del coraje en el
combate, ¿cómo denir el combate en las actuales condiciones?
El coronel retirado de la USAF Luther Turner sostiene: “Creo
rmemente que la bravura es necesaria para pilotear un drone, en particular
cuando a usted le piden acabar con la vida de alguien. Algunos como usted
ve la situación en directo y en colores.” (UNITED KINGDOM, 2011).
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A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Anade Chamayou (2013, p. 146): “[…] hace falta coraje para ser un
asesino”. El n justica los medios y el coraje se referencia con el trabajo
sucio.
Los operadores de drones no arriesgan sus cuerpos en las
operaciones, hay quienes sostienen que ponen en juego su salud mental
y presentan una importante vulnerabilidad psíquica, ¿será una novedosa
virtud militar el heroísmo puramente psíquico? El soldado tradicional era
al mismo tiempo verdugo y víctima, en tanto y en cuanto se elimina la
exposición a la violencia, el operador deviene verdugo.
PSICOPATOLOGÍA DEL DRONE
Sigmund Freud (1984, p. 247) observaba: “En la neurosis de la
guerra, lo que genera miedo es el enemigo interior”. En general, los soldados
estadounidenses evidencian no poco desprecio hacia los operadores de
drones. En un sitio web Forum militar de la comunidad puede leerse:
[…] me pone mal esta banda de nerds informáticos que nos quiere
vender la fatiga del combate o sindrome de stress pos traumático […]
cuando ellos no están en el terreno soportando los disparos de otro.
Esto es un insulto para los que realmente están desplegados aguantan-
do los tiros del enemigo y que deben enfrentar los efectos psicológicos
de la guerra. (MILITARY TIMES, 2011).
A los operadores de drones se les asigna una “mentalidad de play
station”, asociándolos a la imagen del cocodrilo que derrama lágrimas
para devorar mejor su presa. La guerra, entonces, deviene un teletrabajo
con horarios variables. Hoy se forman capellanes militares para atender
los traumas psicológicos de los operadores, los mismos son especialmente
seleccionados para trabajar en las bases de drones.
Grégoire Chamayou (2013, p. 161) observa:
El rápido desarrollo de nuevas técnicas de violencia a distancia está des-
tinado a reorientar las formas de problematización psicoéticas de la ex-
periencia guerrera en las sociedades occidentales, los primeros indiciones
de esta reorientación están apareciendo. En un Estado dotado de fuerzas
armadas ampliamente dronizadas, se iría inexorablemente de un estudio
de los traumas psíquicos relacionados con las violencias soportadas a otro
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estudio ligado a las violencias cometidas. Se desarrollaría entonces una
suerte de clínica de los verdugos, a la cual se agregarían las psicoterapias
para asesinos, con la nalidad de liberarlos de su malestar.
A distancia máxima, cuando no se ve a la víctima, según Dave
Grossman (1995, p. 98), los militares “[…] pueden argumentar que
no matan seres humanos”. Cuando la distancia se reduce disminuye la
posibilidad de la negación psíquica. “En el alcance corto, la resistencia a
matar es grande cuando se miran los ojos de un adversario y que se sabe
que es joven o viejo, asustado o encolerizado, no se puede negar que el
individuo que va a morir es como uno mismo. Es en esta situación donde
se hallan las causas del rechazo a matar”.
La especicidad que presenta la experiencia de la violencia a
distancia está en que los operadores “ven” a sus víctimas. Ellos pueden
seguir un objetivo durante semanas en todas sus actividades, lo que los
lleva a desarrollar un sentimiento extrano de intimidad con sus víctimas.
Los videos permiten ver los efectos del ataque, en el caso de los pilotos
tradicionales, éstos no ven lo que sigue una vez que lanzaron la bomba,
“[…] cuando el Pedrator lanza un misil, usted lo sigue hasta el impacto.
Esto permanece en la mente un tiempo prolongado”. De esta forma una
combinación original de distancia física y proximidad ocular desmiente la
ley clásica de la distancia. El gran alcance no hace más abstracta la violencia,
por el contrario, más “gráca” y personalizada, podríamos agregar más
perversa. Estos factores, contrabalanceados por otros igualmente inscriptos
en la estructura técnica del dispositivo, donde la proximidad perceptiva es
parcial y ltrada por la interfase, producen una gama sensorial reducida
únicamente a su dimensión óptica. La resolución, aun detallada, no
permite distinguir rostros ya que la visión aparece degradada. El fenómeno
de reducción gurativa de blancos humanos hace más fácil el homicidio,
como lo sostiene un agente de la CIA “[…] no hay cuerpos en vuestra
pantalla, sólo coordenadas”, no está salpicado por la sangre del adversario,
a esta ausencia de incomodidad física corresponde en consecuencia un
sentimiento menor de incomodidad social. Los operadores ven sin ser
vistos.
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A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Dice Stanley Milgram (1974, p. 38): “Es posible que resulte más
fácil hacer mal a una persona a partir de que ella es incapaz de observar
nuestras acciones que cuando ésta puede ver lo que hacemos”. La víctima
no se inscribe en los campos perceptivos recíprocos, lo que facilita la
administración de la violencia. Milgram (1974, p.38) agrega que ello
provoca “[…] la ruptura de la unidad fenomenológica del acto”, para
agregar en otro párrafo:
Existe una separación física, espacial, entre el acto y sus consecuencias.
El sujeto pulsa un botón en una habitación y se escuchan gritos en otra.
Los dos sucesos son correlativos, sin embargo falta una unidad fenome-
nológica convincente. La propia estructura de un acto signicante –estás
por herir a un hombre- se rompe a causa de las diferencias espaciales .
La unidad de la acción no está dada en el inicio y para llegar a ello
se debe realizar un trabajo mental de reunicación, de síntesis reexiva.
El carácter ltrado de la percepción, la reducción gurativa del enemigo,
la no reciprocidad de los campos perceptivos generan la dislocación de la
unidad fenomenológica del acto. Todos ellos son factores que combinados
producen efectos poderosos de “amortiguadores morales”.
Para un soldado clásico, la transición de la guerra a la paz es
una fase particularmente delicada signada por el pasaje de un mundo
moral hacia otro que puede presentar dicultades de adaptación o de
reinserción en la sociedad civil: ello exige pasar por las denominadas playas
de descomprensión. Los operadores de drones se “redespliegan” en la zona
de guerra. De esta manera lo analiza el Coronel Michael Lenahan (apud
CHAMAYOU, 2013, p. 170): “Es extraño, es muy diferente, usted pasa
de lanzar un misil a acompañar a su hijo a un partido de fútbol. Matador
a la mañana, padre de familia por la tarde. Pase diario entre el yo de la paz
y el yo de la guerra”. Esta dualidad constituye un sustrato importante para
la esquizofrenia.
Los operadores se encuentran simultáneamente en el frente y en
la retaguardia tomados por dos regímenes morales diferentes. A través de
ellos se canalizan las contradicciones de las sociedades sin guerra afuera
viviendo hacia adentro como si las mismas estuvieran en paz; se vive la
duplicidad del régimen moral de Estados autodenominados democráticos
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y que al mismo tiempo actúan como potencias militares imperiales. Un
trazo especíco de la violencia imperial contemporánea no se relaciona
tanto con la asimetría de fuerzas, tampoco con la desigual distribución de
éstas, sino con normas puestas en vigencia para el ejercicio de la violencia
por las potencias occidentales entre ellas, la cuasi invulnerabilidad práctica
del campo dominante (cero muerto) que deviene en norma ético-política
principal. La guerra en la ex Yugoslavia durante 1999 ofreció una primera
aproximación a la guerra con cero muerto mediante los bombardeos
desde grandes alturas con importantes cantidades de víctimas civiles. La
OTAN informó de 38004 ataques aéreos durante 75 días sin ninguna baja.
Después, el entonces Jefe del Estado Mayor del Ejército de los Estados
Unidos el General Shinseki, reconoció públicamente que el ejército serbio
se mantenía intacto una vez concluidos los ataques aéreos y que resultaba
imprescindible pensar a futuro el empleo masivo de la infantería para
controlar un territorio.
En el balance nal de la razón político-militar debe admitirse que
la vida de un civil kosovar valía menos que la de un militar norteamericano,
esta opción invierte los principios de la ética de la guerra en su versión
estándar. El objetivo en aquel entonces, también ahora, era proteger la vida
de los soldados, política ésta tanto de los Estados Unidos como de Israel
y la OTAN. Ello no sólo revisa principios establecidos de la ética, sino
también el derecho de los conictos armados. Las obligaciones del Estado-
nación ganan sobre los principios universales enunciados en el derecho
internacional humanitario: los “danos colaterales”.
Avishai Margalit y Michael Walzer (2009, p. 35) apuntan:
Su tesis (la de Kasher y Yadlla), para decirlo cruelmente, es que la seguri-
dad de ‘nuestros’ soldados importa más que la ‘sus’civiles. Nuestro prin-
cipal desacuerdo, sostiene que esta tesis es falsa y peligrosa. Esta erosiona
la distinción entre combatientes y no combatientes, lo que tiene una
importancia decisiva para la teoría de la justicia en la guerra (jus in bello).
Las acciones israelíes en Gaza en 2014 constituyen una
demostración de lo expuesto por estos dos investigadores. Otra vez, el
n justica los medios. A lo que agrega Chamayou (2013, p. 203): “[…]
los drones salvan nuestras vidas. Por ello se nos dice que son ‘morales’.
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A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Se trataría en este caso de una tecnología humanitaria. El drone como
arma moralmente obligatoria’ según sus partidarios recupera el antiguo
discurso de los ataques quirúrgicos”.
El ex director de la CIA, Leon Panetta, sostiene que el drone
“[…] es muy preciso, muy limitado en términos de danos colaterales
partiendo de evidencias falsas. La precisión de un arma depende de con
qué se la compare. La CIA sostiene que es necesario compararlos con las
bombas lanzadas en Dresde o en Hiroshima y resulta obvio que en esta
comparación los drones son más precisos que los bombardeos mencionados
de la Segunda Guerra Mundial. Sin embargo, para evaluarlos se los debería
cotejar con las armas disponibles para idéntica función táctica. Por ejemplo,
la opción para matar a Osama Ben Laden estuvo planteada entre un drone
o un comando, no entre un bombardeo masivo sobre Abbottabad como
ocurrió en Dresde. Resulta entonces una comparación que no depende de
formas similares sino de la equivalencia de funciones.
La precisión del tiro y un impacto más o menos limitado a
partir de la identicación adecuada del blanco es proporcionada por la
exactitud del láser, lo que no puede ser controlado es la magnitud de la
explosión y el daño consecuente. La tesis sobre los drones se fundamenta
en que los mismos constituyen aparatos éticos de precisión, generando
al mismo tiempo una confusión: ¿qué capacidad poseen para discernir
entre un blanco correcto y otro incorrecto? La precisión del golpe no le
da pertinencia al blanco, ¿o la precisión de la cuchilla de la guillotina
distinguía entre culpables e inocentes?.
¿Cómo se puede reconocer visualmente a una persona o a un
combatiente?, en particular cuando hoy los blancos son enemigos sin
uniforme, lo que complica diferenciarlos cuando no aparece ningún
signo distintivo convencional. Un ocial yemenita dice: “En Yemen todos
los habitantes están armados, ¿cómo se puede discernir entre supuestos
militantes y yemenitas armados?”
El Derecho de los Conictos Armados prohibe atacar a civiles, con la
única excepción de que éstos participen de manera directa en las hostilidades.
Ello impone una pregunta: ¿participante directo en qué hostilidades
cuando no hay combate?. Esto crea una curiosa paradoja: se renuevan las
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
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capacidades de los drones para diferenciar combatientes de no combatientes
eliminando de esta manera aquello que conforma la condición básica de la
diferenciación: el combate. La aplicabilidad del principio de distinción es
lo que esta arma pone en cuestión, ¿cómo identicar al enemigo?, ¿cómo
detectar un combatiente cuando no hay combate?.
Se produce entonces un pasaje insidioso de la categoría de
combatiente” a otra de “presunto militante”. La ecuación combatiente
igual militante sirve para ampliar el derecho a matar más allá de los límites
jurídicos clásicos. De esta forma el concepto de blanco legítimo se reviste
de una elasticidad indenida. A propósito de ello, el New York Times
se preguntaba “[…] cómo dictinguir un combatiente, respuesta: todo
individuo masculino en edad de combatir”. Un anónimo atribuido a un
ocial norteamericano dice “[…] contamos los cadáveres, pero en verdad
no estamos seguros de quién se trata.” (CHAMAYOU, 2013, p. 206).
Los clásicos denieron la ética como una doctrina del bien vivir
y bien morir. Chamayou agrega lo que él denomina neoética como la
doctrina del bien matar. Desde este punto de vista, la idea del “cero muerto”,
verdadero escándalo moral, nos está planteando por detrás que algunas
vidas son indispensables y otras no tanto, lo que expone una desigualdad
radical en el valor de la vida y rompe el principio de igual dignidad de las
vidas humanas, principio éste de igualdad ontológica.
Albert Camus (1958, p. 211), al igual que antes Dostoievski,
en su obra “L’homme revolté” plantea el problema del asesinato político
proclamado como el modus operandi de grupos terroristas rusos a inicios
del siglo XX. Estos grupos, incapaces de movilizar a la sociedad contra el
régimen zarista, optan por el sacricio personal, identicando en muchos
casos a la muerte con el suicidio. Apunta Camus (1958, p. 211): “[…]
morir, por el contrario, anula la culpabilidad y también el crimen”. El
asesino aparece negado con su victoria.
Valzer, reriéndose a Camus, expone la tesis de que el análisis
del Premio Nobel francés se vincula con el asesinato y no con la ética de
la guerra ¿cómo justicar el homicidio cuando no existe combate?, ¿habrá
que referenciarse con la doctrina del asesinato político?. Los agentes de la
guerra sin riesgos”, al igual que los autores de atentados con explosivos,
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A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
aparecerían como idealistas y no terroristas. Nuevamente Camus (1958,
212): “Otros hombres vendrán después de aquéllos, animados de la misma
fe intransigente y no admitirán que cualquier vida es equivalente a otra
vida. Llegará entonces el tiempo de los verdugos losócos y del terrorismo
de Estado”.
Hugo Grocio (apud CHAMAYOU, 2013, p. 220), reriéndose
al uso del veneno para matar, decía: “[…] el derecho común de las naciones
jamás permitió el empleo de veneno para liberarse del enemigo”. Se prohibe
de esta forma un arma que por naturaleza priva al oponente de la libertad
de defenderse, ello ha sido consagrado por el ius gentium.
La guerra, tal como es analizada por Clausewitz, es un duelo en el cual
impera la igualdad de derechos, de no ser así el duelo de la guerra devendría
en asesinato. Aparecen dos paradigmas opuestos en la conceptualización
jurídica de la guerra: uno de ellos de carácter penal la asimila a un castigo
legítimo, el enemigo es culpable y debe ser castigado, la violencia armada es la
sentencia; el otro se reere al derecho contemporáneo partiendo del principio
de igualdad en el derecho a matar, igualdad jurídica de los combatientes. Se
mata sin crimen, principio fundador del jus in bello; la guerra entonces queda
como una actividad mediante la cual se puede eliminar a otras persona sin
cometer un crimen, es el homicidio descriminalizado.
¿En nombre de qué principios el derecho de los conictos
armados puede descriminalizar el homicidio?, ¿a partir de qué zócalo
normativo?. El derecho a matar impunemente en la guerra descansa sobre
una premisa estructural tácita: si existe el derecho a matar sin cometer un
crimen es debido a que este derecho se encuentra mutuamente acordado.
De esta forma la descriminalización del homicidio guerrero presupone
una estructura de reciprocidad. ¿Qué acontece cuando la reciprocidad
desaparece? Los principios de la guerra tradicional (matar o morir) son
reemplazados por lo más parecido a una excursión de caza: la guerra
degenera en matar al otro. Esta es la situación que instala el empleo de los
drones en las guerras asimétricas..
En los discursos relativos a la ética militar, se plantean una serie
de interrogantes ¿el empleo de drones es compatible con los principios
del derecho de los conictos armados?, ¿es compatible con los principios
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de distinción y proporcionalidad?. La guerra asimétrica deviene en una
relación unilateral cuyo objetivo es matar al otro, al enemigo se lo deja sin
la posibilidad de combatir, se impone entonces la ética de los verdugos
o ejecutantes, no la de los combatientes, y así la guerra deviene de más
en más en una suerte de operación policial sin ley. Los partidarios de los
drones pretenden privar al enemigo de la posibilidad material de combatir,
del derecho al combate, con estas actitudes no solamente se extermina al
enemigo, sino también al derecho.
El ex director del Departamento jurídico del ejército israelí
Daniel Reisner (apud CHAMAYOU, 2013, p. 231) sentencia: “Si usted
hace algo durante un tiempo sucientemente largo, el mundo terminará
por aceptarlo. El derecho internacional progresa a través de sus violaciones.
Inventamos la tesis del asesinato colectivo y la hemos impuesto”. ¿Qué
cuadro legal puede respaldar los ataques con drones?, en relación con esta
pregunta en los Estados Unidos se observa una gran nebulosa cargada de
ambigüedades. 
Los drones entran mal en los marcos jurídicos establecidos.
Dos formas son posibles ‘el derecho de los conictos armados’ o el law
enforcement, que podría traducirse en “derecho de policía”, fuerzas de
seguridad o militares que operan en contextos donde existe la violencia
por debajo del nivel que podría calicarlos de conictos armados. La
diferencia entre los dos modelos debe buscarse en lo que separa en el uso
de la fuerza letal las prerrogativas de un soldado en el campo de batalla a
las de un ocial de policía en una patrulla: el primero puede ‘tirar a matar
sobre un blanco militar legítimo, el segundo puede hacerlo como último
recurso, como respuesta proporcional ante una amenaza inminente.
¿Qué vale el drone utilizado como arma en el cuadro del law
enforcement?. Debería ser empleado para capturar al individuo dándole la
oportunidad de rendirse. Nils Melzer (2008, p. 89) dice: “Las autoridades
no pueden usar más fuerza de la estrictamente necesaria para proceder a
una detención, defenderse a sí mismas o defender a otro de un ataque”.
En este caso el empleo de la fuerza letal adquiere carácter de excepción.
Por otro lado, el uso de la fuerza letal que no respeta estas condiciones es
considerado por denición una ejecución extrajudicial. El drone, entonces,
no se conforma al principio de proporcionalidad en el uso de la fuerza.
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A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Mary O’Connel (2010, p. 2) dice: “Lo que no pueden hacer los
drones es conformarse a las reglas policiales para el uso de la fuerza letal
que valen fuera del campo de batalla. Según el Law Enforcement, debe
existir la advertencia antes del empleo de la fuerza letal”. El drone tira
a matar, es una fuerza letal y como lo señalan analistas de los Estados
Unidos “[…] la única opción operacional disponible”. La doctrina,
entonces, consiste en matar antes que capturar. Hace algún tiempo refería
el New York Times: “Obama evita las complicaciones vinculadas con las
detenciones decidiendo, en los hechos, no tomar prisioneros vivos” (apud
CHAMAYOU, 2013, p. 235), más adelante en el mismo artículo: “[…]
cambió Guantánamo por Pedrator”.
Algunos sostienen que las operaciones con drones están incluidas
en el derecho de guerra, a lo que retruca Kenneth Anderson (2010, p.
32): “Las sucesivas administraciones olvidaron tener en cuenta que son los
tratados de derecho de la guerra que denen los conictos armados […]
aun con un actor no estatal se requiere un combate sostenido y persistente,
también un lugar, denido de manera precisa y no todo el planeta”.
Los agentes de la CIA que pilotean parte de los drones son civiles,
lo que plantea un inconveniente suplementario, pues su participación en
un conicto armado podría llegar a encuadrarse como crimen de guerra,
siempre y cuando el drone se conforme al derecho de la guerra que,
siguiendo este razonaamiento, no se puede emplear en Yemen o Paquistán
porque allí no existen conictos armados.
Entre guerra y acción policial, entonces, aparece un híbrido
jurídico que favorece a dos regímenes sin subordinarse a ninguno. La caza
militarizada de hombres encuentra una expresión legal adecuada bajo la
forma de un derecho mundializado de letalidad policial, la guerra-caza no
se dene únicamente a partir de una cierta relación con el enemigo, sino
más bien por una cierta decisión marcada por el desentendimiento vital del
decisor. En régimen republicano es imprescindible contar con la aprobación
de los ciudadanos. El “pacismo democrático” de Immanuel Kant medía
los costos y benecios de la guerra. Sin embargo, este destacado pensador
no conoció un escenario: ¿qué ocurría si se encuentra un medio para
reemplazar a los ciudadanos soldados por otros instrumentos de guerra?
Esta es una opción no prevista fundada en preservación por sustitución.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
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Otro intento similar de hacer lo mismo fue en su tiempo el empleo de tropas
coloniales indias por parte del Reino Unido o actualmente los latinos por
los Estados Unidos. De esta manera, los costos de la guerra se externalizan
y el pacismo democrático de Kant hoy deviene militarismo democrático.
Con riesgos transferidos a indígenas o a máquinas, adquieren validez las
ideas enunciadas en 1902 por Hobson cuando observaba que aun cuando
la carga del militarismo se reduce para la población de las metrópolis, los
riesgos de guerra se incrementan pues éstas tienden a ser más frecuentes y
más bárbaras, en tanto que las vidas inglesas aparecen menos implicadas.
Por ello la dronización de las fuerzas armadas altera las condiciones de la
decisión hacia la guerra al generar la externalización de los riesgos. 
El drone, por otro lado, no sólo reduce los costos políticos
asociados a pérdidas de vidas nacionales; reduce también los costos
económicos ligados a los armamentos y reduce los costos éticos asociados a
los efectos percibidos de la violencia cometida: cuanto más el arma aparece
como “ética” es más aceptable socialmente y podrá ser más usada.
Otra cuestión tiene que ver con que los drones se sustituyen de
manera imperfecta a las tropas terrestres, su uso exclusivo genera reacciones
contraproducentes en términos de estrategia contrainsurreccional, como
ha sido analizado más arriba.
Otro aspecto es la autonomización social y material creciente
del aparato del Estado. Beverly Silver propone analizar esto desde los
movimientos sociales: en su tiempo la industrialización de la guerra
conrió más importancia numérica y mayor centralidad a la clase obrera
y a la conscripción masiva de ciudadanos, entonces los dirigentes políticos
tenían una estrecha dependencia social para ejercer el poder militar. El
caso de Vietnam es ilustrativo al respecto: fuertes movimientos de protesta
en los Estados Unidos contra la guerra, sumados a las luchas por los
derechos civiles y reivindicaciones sindicales impidieron a las autoridades
la continuación de la guerra, perdida ésta políticamente aunque no desde
un punto de vista militar.. Las FF AA norteamericanas nutrían sus efectivos
con soldados conscriptos. A partir de 1975 se comenzó a trabajar para
modicar el denominado “modo de guerra”. La nueva estrategia consistió en
acrecentar el peso la guerra capital-intensiva, no más conscripción. Trabajar
con contratistas privados y sistemas de armas cada vez más perfeccionados,.
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A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
De esta manera el ejército de ciudadanos es sustituido por el “ejército del
mercado”.
Dos preocupaciones aparecen entonces: para el fabricante, vender
nuevas armas, para el dirigente político preservar su capital electoral, ambas
complementarias. En 2010 decía el Ministro de Educación de los Estados
Unidos: “[…] 75% de los jóvenes norteamericanos que hoy tienen entre
17 y 24 anos de edad son incapaces de incorporarse al ejército, porque aún
no obtuvieron su título secundario o porque tienen un legajo judicial que
nos declara no aptos.
Cuando una Nación no cuenta con jóvenes en condiciones para
ingresar a la milicia, tiene ante sí dos alternativas: reinvertir en capital
humano, en salud y educación; o reconsiderar su apreciación de la guerra.
Esto último reduce la dependencia de las FF AA en relación con el capital
humano. El objetivo de la dronización apunta a conciliar el deterioro
creciente del brazo social del Estado en un mundo globalizado con el
mantenimiento operativo de las fuerzas armadas. 
Otro tema sumamente importante se relaciona con la pregunta
acerca de ¿dónde se halla el sujeto del poder?, cuestión acuciante que tiene
como trasfondo a la doxa neoliberal, podríamos arriesgar una opinión
diciendo que tal sujeto tiende a borrase. Ejemplo de ello, el Departamento
de Defensa de los Estados Unidos prevé “reducir gradualmente la
autonomía supervisada” lo que bien podría tender hacia una autonomía
total. En este punto aparecen en escena los robots, Ronald Arkin, experto
en robots, aboga por una “robótica letal y autónoma”, sosteniendo que los
robots son más éticos que los humanos sobre el campo de batalla, pudiendo
comportarse de una manera “más humana”, “a partir de su precisión se los
podría programar para respetar la ley”.
Los robots no tienen miedo, enojo, frustración o venganza, no
tienen afectos, ¿son máquinas más humanas que los humanos?. Chamayou
(2013, p. 287) dice “que con ideas de este tipo: “para lograr una auténtica
humanidad es necesario liquidar a los seres humanos”.
El actual Derecho de los Conictos Armados distingue entre las
armas concebidas como cosas y el combatiente pensado como una persona
responsable del empleo de las armas. El uso de robots letales eliminaría
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
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esto. Si un robot comete un crimen de guerra ¿quién es el responsable?,
¿el general, el Estado, el industrial que lo fabricó?. De esta forma se
puede pasar del crimen de guerra al accidente militar-industrial donde
el único personaje directamente identicable es la víctima. El robot, en
consecuencia, puede ser considerado como un dispositivo que fabrica
irresponsabilidad. Táctica y estrategia se juntan, tienden a desaparecerlos
estadíos intermedios (tiempo y espacio) el n se pega al medio.
La robotización integral refuerza la tendencia a la centralización
de la decisión: lo militar sustituye a lo político, se invierte la conocida y
siempre vigente Fórmula de Clausewitz y la política pasa a ser la guerra
por otros medios. También, los robots podrían eliminar las imperfecciones
humanas, por ejemplo, el no respeto de órdenes, actitud que puede
conducir hacia una abierta desobediencia.
En tiempos de la guerra de Vietnam en 1973, las Fuerzas
Armadas de los Estados Unidos se manifestaban a favor de las “guerras a
distancia” mediante el empleo de aparatos sin piloto. La guerra a distancia
aparecía como más barata que la guerra aérea y más fácil para que el
Congreso norteamericano la apruebe. Menos control parlamentario, más
libertad para los militares, en n, un revival del pensamiento estratégico
estadounidense clásico. Ello, además, facilitaba extender la inuencia del
imperio en todo el mundo, disminuyendo las protestas: no más muertes de
los propios soldados, no más prisioneros de guerra.
El problema se encuentra en que todas estas nuevas armas e
ideas tienden cada vez más a borrar la distinción entre paz y guerra. Muy
probablemente la guerra será la paz y viviremos en un estado de guerra
perpetua y no de paz perpetua como lo pensó Kant.
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49
A COMUNICAÇÃO SOCIAL NO
BATALHÃO BRASILEIRO DA MINUSTAH
Annelise Faustino da Costa
INTRODUÇÃO
Com o objetivo de atuar no sistema de segurança coletiva, a
ONU iniciou na década de 1940 as operações de paz e até hoje implemen-
tou 69 delas ao redor do mundo (CENTRO DE INFORMAÇÕES DAS
NAÇÕES UNIDAS NO RIO DE JANEIRO, 2014). Ao longo da sua
história, com a alteração da natureza dos conitos as missões tiveram de
incorporar novas formas necessárias para atingirem seus objetivos. Logo,
as operações necessitaram de uma combinação de áreas de trabalhos dis-
tintas para o efetivo trabalho de consolidação da paz em um território em
conito ou pós-conito. Um desses elementos para auxiliar seus trabalhos
é a comunicação social.
A Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti - Mission des
Nations Unies pour la stabilisation en Haïti (MINUSTAH), instituída no ano
de 2004 e presente até os dias atuais no Haiti, pode ser considerada como
um exemplo em que a comunicação social foi utilizada para seus ns. 
A MINUSTAH é uma operação complexa que tem como grande
objetivo a construção de um novo Estado no Haiti. Uma construção de
paz implica em um processo complexo relacionado ao amplo funciona-
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-769-2.p49-70
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
50
mento do Estado. A Missão possui o componente militar, civil e policial,
estruturados em seções e departamentos especializados em diversas áreas,
com suas devidas interligações e subordinações.
A comunicação social está presente nos três componentes. O de-
partamento principal faz parte do componente civil e é interligado dire-
tamente ao Representante do Secretário Geral, e os demais são do com-
ponente militar e policial. Os três possuem um centro principal e seus
correspondentes em unidades especícas. No caso desse trabalho focamos
na seção do Batalhão Brasileiro.
O trabalho apresenta como a seção do Batalhão Brasileiro utiliza
o recurso da comunicação social para seus ns. Partindo de fontes docu-
mentais, bibliográcas e uma pesquisa de campo realizada no Centro de
Comunicação Social do Exército (CCOMSEX), apresentamos a operação
de paz MINUSTAH, a comunicação social nas operações de paz de uma
forma geral, a estrutura da comunicação social da MINUSTAH e como
o Batalhão Brasileiro utiliza esse meio em prol de seus objetivos no Haiti
e em relação ao público interno (militares do BRABAT e do Exército em
geral, imprensa e público brasileiro). 
A OPERAÇÃO DE PAZ MINUSTAH
O Haiti foi a primeira república negra independente do mundo e
a segunda nação a se tornar independente na América. No entanto, possui
uma história turbulenta, repleta de momentos de violência e intervenção
estrangeira. É considerado o país mais pobre do continente americano com
uma série de problemas econômicos, políticos e sociais, e índices de con-
dições desumanas de vida.
No ano de 2003, um contexto de instabilidade social, política e
econômica gerou uma grande onda de violência no país. Nessa grande crise,
o país requisitou ajuda externa, o que resultou na Missão de Estabilização
das Nações Unidas no Haiti, instituída no ano de 2004 e presente até os
dias atuais.
Estabelecida pela Resolução 1542 do Conselho de Segurança, a
MINUSTAH tinha como objetivos: apoiar o governo de transição a m de
51
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
garantir ambiente seguro e estável no Haiti, permitindo desenvolvimento do
processo político e constitucional; auxiliar o governo de transição na super-
visão, reforma e reestruturação da polícia nacional haitiana; contribuir para
o restabelecimento e manutenção do estado de direito; apoiar o processo
político democrático e o desenvolvimento institucional; auxiliar o governo
com apoio técnico, logístico e administrativo na organização, supervisão e
execução de eleições livres, justas e representativas; implantar medidas com
o m de proteção dos direitos humanos (NACIONES UNIDAS, 2004).
Ao longo da operação, em decorrência das evoluções e novas ne-
cessidades que o país tinha, ajustes foram feitos para a atuação da ONU no
país. Estes foram expressos através de várias resoluções, que complementa-
ram e/ou alteraram o mandato inicial da operação (MAESTRELLI, 2010).
No início da Missão, a prioridade foi o uso da imposição da força,
para garantir a ordem e a segurança no país, que passava por um momento de
grande fragilidade e descontrole, ocasionada com a desestruturação do gover-
no de Aristide. Garantido isso, buscou-se organizar e promover o processo de
eleição democrática no país, que culminou com a vitória de René Préval em
2006. Logo em seguida, buscou-se estabelecer a segurança da governabilidade,
tentando garantir a estabilidade interna e a reconstrução do Estado com estí-
mulo em diversos setores de políticas públicas (AGUILAR, 2012).
Segundo o Centro de Comunicação Social do Exército
A Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH)
representa o esforço solidário dos membros da ONU em favor da recons-
trução de um país que se encontrava em profunda crise politica e refém de
uma espiral de violência crescente. As diculdades sociais e econômicas que
ainda assolam o Haiti só poderão ser vencidas com prolongada e consisten-
te dedicação da comunidade internacional, alicerçando suas providências
na criação de um fundamental ambiente de segurança e estabilidade para
estimular o investimento privado, a geração de empregos, a construção da
infraestrutura básica e o fortalecimento das instituições públicas. Criar esse
ambiente é justamente o papel que a MINUSTAH vem desempenhando.
(REVISTA VERDE-OLIVA, 2009, p. 9).
Com a terrível catástrofe do terremoto no ano de 2010, a Missão
voltou-se para ações humanitárias. Foi um dos períodos mais complicados
da MINUSTAH. “A catástrofe agravou a fragilidade estatal, comprometen-
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
52
do os esforços de estabilização alcançados desde 2004.” (RAMALHO, 2010
apud SOUZA NETO, 2012, p. 250). Fez com que a ONU aumentasse
o efetivo da MINUSTAH e incorporasse a assistência humanitária ao seu
mandato por meio da Resolução 1908, que priorizou os esforços de recupe-
ração, reconstrução e estabilidade do país (NACIONES UNIDAS, 2010).
Atualmente, a tendência da tropa é de desmobilização. A
Resolução do ano de 2012 autorizou a retirada gradual das tropas e adap-
tações em sua conguração, caracterizando o período de desmobilização
da Missão (NACIONES UNIDAS, 2013).
Os desaos que o país enfrenta até os dias atuais são inúmeros,
que podem ser considerados como “interconectados”. Uma construção de
paz implica em um processo complexo relacionado ao amplo funciona-
mento da sociedade e do Estado em suas partes.
Pode-se dizer que as atividades da Missão MINUSTAH foram
de suma importância para o país. Para se desenvolverem foram necessários
objetivos, táticas, organização, orçamento, cooperação e envolvimento da
sociedade internacional. Mas um dos fatores fundamentais para o sucesso
das ações de construção da paz na MINUSTAH foi a comunicação social.
A COMUNICAÇÃO SOCIAL NAS OPERAÇÕES DE PAZ
Atualmente, a comunicação social é fator fundamental na “cons-
trução da paz” em países assolados por conitos armados, um recurso va-
lioso em prol das ações de resolução e/ou gerenciamento de conitos arma-
dos, como as operações de paz.
Para a ecácia e credibilidade de uma missão complexa que re-
aliza atividades em vários âmbitos, e necessita de um apoio de variadas
partes, um componente de informação pública se faz necessário para “[...]
explicar o mandato da operação para a população local, meios de comu-
nicação locais e internacionais, a comunidade de doadores, os Estados-
Membros, agências, fundos e programas do sistema das Nações Unidas
e organizações não governamentais (ONGs).” (UNITED NATIONS,
2003, p. 53, tradução nossa). A coordenação e coerência de um Escritório
de Informação Pública para com esses grupos se faz essencial em uma mis-
53
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
são de paz. Devem-se estabelecer mecanismos para as atividades e partilha
de informações, que resulte em efeitos positivos e evite grandes problemas
que desconstruam a imagem da missão (UNITED NATIONS, 2003).
Segundo o UNITED NATIONS (2003, p. 45, tradução nossa):
Em todas as operações das Nações Unidas (ONU), uma estratégia e-
caz de comunicação, que inclui boas relações com a mídia local e in-
ternacional, é uma necessidade política e operacional. Uma operação
de manutenção de paz pode usufruir de um apoio inicial de todo o
mundo, mas sem um programa de informação pública ecaz e coe-
rente, o apoio pode rapidamente transformar em apatia e até mesmo
oposição. Operações de paz exigem a compreensão, a cooperação e o
apoio de todos os atores locais e externos, para cumprir seus mandatos.
Estas incluem as partes envolvidas no conito, a população local e da
comunidade internacional, cuja política e material de apoio são funda-
mentais para o sucesso de uma operação de paz.
Um programa de informação pública deve ser um dos primeiros
elementos a ser implantado e operacionalizado. O componente responsá-
vel deve desenvolver uma estratégia coerente com os objetivos da missão,
garantindo os recursos necessários e o apoio administrativo para desenvol-
ver suas atividades. Deve-se, para os atos, consultar o Chefe da missão, que
irá estabelecer as prioridades para as etapas e ter uma atividade coordenada
com os demais componentes da missão. Um bom trabalho pode auxiliar
estes demais a concretizar seus objetivos (UNITED NATIONS, 2003).
O Escritório de Informação Pública busca fornecer informações de
todos os aspectos da operação. Em algumas missões há um componente pró-
prio especializado na área policial e militar, como no caso da MINUSTAH.
Segundo o UNITED NATIONS (2003, p. 45, tradução nossa), “[...] a es-
treita relação de trabalho e de colaboração entre este pessoal especializado
de informação pública e o componente de informação pública da missão é
crucial para o sucesso da estratégia de informação pública da missão.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
54
A COMUNICAÇÃO SOCIAL NA MINUSTAH
A comunicação social na Missão de Estabilização das Nações
Unidas no Haiti está presente nos três componentes (policial, militar, ci-
vil), com seus respectivos escritórios e direcionamentos.
A seção principal se encontra no componente civil, o qual possui
o Escritório de Comunicação e Informação Pública - Communications and
Public Information Oce (CPIO), subordinado diretamente ao Representante
Especial do Secretário Geral. É composto por um chefe e seis unidades temá-
ticas: (1) Relações com a Mídia e Unidade de Monitoramento, (2) Unidade
de Extensão e Advocacia, (3) Unidade de Publicações, (4) Unidade de Rádio,
(5) Unidade de Vídeo, e (6) Unidade de Fotograa, que planejam estratégias
e organizam ou apoiam ações de órgãos internos e/ou externos que possam
contribuir para a operação. O Chefe supervisiona as seis unidades em suas
atividades de desenvolvimento, produção e divulgação dos produtos de in-
formação pública, o site da Missão e o monitoramento dos meios de comu-
nicação locais e internacionais (UNITED NATIONS, 2011). 
No componente policial há o Escritório de Informação Pública
ligado diretamente ao setor de polícia da ONU - United Nations Police
(UNPOL). Concentra-se no material e políticas de comunicação social
que fazem relação ao componente policial da operação. 
No componente militar há o Escritório de Informação Pública
Militar- Military Public Information Oce (MPIO), subordinado ao
Comandante da Força (chefe do componente militar da Missão) - Force
Commander (FC), e formado por militares e civis da informação pública
além de prossionais das relações públicas. Sua responsabilidade se en-
contra no desenvolvimento da política de informação pública da Missão
(EARLY, 2013). Trabalha em conjunto com o CPIO, mas concentra-se no
material e políticas de comunicação social relacionadas com o componente
militar da MINUSTAH. Os ociais e funcionários do MPIO se ligam de
forma técnica com ociais da área de comunicação social dos batalhões
dos diferentes países que compõem a Missão para, de maneira coordenada
desenvolver as atividades de mídia do Escritório.
55
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Figura 1 - Estrutura da Comunicação Social da MINUSTAH
Fonte: Autoria própria.
Dessa forma, a área de comunicação social da MINUSTAH en-
globa: o CPIO, ligado diretamente ao SRGS e parte do componente civil;
o MPIO, ligado ao Force Commander da Missão; as seções de comunica-
ção social dos diversos batalhões (G 10) e a seção de comunicação social
da UNPOL. Os escritórios e as demais seções têm uma ligação funcional
com seus chefes e comandantes, e uma ligação chamada técnica entre elas,
como forma de realizar um trabalho integrado.
A comunicação social da MINUSTAH utiliza recursos midiáti-
cos tanto nas atividades voltadas para a população local, como para o pú-
blico externo, com o m de fornecer informações e principalmente obter o
apoio dos mesmos. Esse apoio se torna possível por conta da imagem que
a Missão passa para seu público alvo. A adesão e credibilidade do público
às ideias da operação são elementos fundamentais para a mesma se manter
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
56
e conseguir realizar as atividades pretendidas. Do mesmo modo, utiliza os
meios de comunicação social como um meio essencial de informação para
os próprios componentes da Missão.
No caso deste trabalho focamos na atuação da célula de comuni-
cação social do Batalhão brasileiro, que iremos em seguida abordar. 
A COMUNICAÇÃO SOCIAL NO BATALHÃO BRASILEIRO DA MINUSTAH
O Batalhão da Infantaria da Força de Paz é constituído por um
comandante, subcomandante, seções de Estado-Maior (EM) e diver-
sas companhias. Uma dessas seções do EM é a de Comunicação Social,
chamada também de G-10. Ela se constitui por um Chefe da Seção (o-
cial superior), um Adjunto (ocial) e auxiliares (subtenentes e sargentos)
(REVISTA VERDE-OLIVA, 2011).
Os Chefes e os Adjuntos das seções
do Estado- Maior são escolhidos pelo Comandante do Exército. O sentido
dessa escolha, segundo Ribeiro é “[...] dar uma única voz para transmissão
das ideias força, representando o comandante do exército junto às mis-
sões de paz.” (RIBEIRO, 2013). O responsável pela seção da comunicação
social deve estar bem informado sobre todos os aspectos da organização,
pois “[...] o porta-voz se transforma na face da organização.” (ROSA, 2004
apud AGOSTINHO, 2011, p. 5).
O ideal é que ele seja o transmissor de todos os fatos para evitar que
informações incorretas ou desencontradas sejam passadas (AGOSTINHO,
2011).
A célula da comunicação social permeia todas as atividades de-
senvolvidas pelo Batalhão. Seu foco principal é o trabalho com os militares
da Força de Paz no Haiti, o Exército em geral, os órgãos de imprensa e o
público brasileiro.
De acordo com Agostinho, esses públicos são estratégicos para a
instituição. Narrou:
O que acontece, é que a comunicação com a imprensa e o público
interno acaba repercutindo e atingindo os demais públicos da organi-
zação. A imprensa é formadora de opinião e o público interno é dire-
tamente atingido pelos acontecimentos [...], além de serem multiplica-
dores de informações. (AGOSTINHO, 2011, p. 4-5).
57
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Para o público civil haitiano a célula também realiza algumas ati-
vidades com o m de fornecer informações sobre algumas atividades do
BRABAT no contexto da operação de paz, não sendo, porém seu foco
principal de atividade (RIBEIRO, 2013).
Os elementos da seção são responsáveis por: fornecer informa-
ções ao público brasileiro acerca da operação; fornecer informações para
familiares dos militares que se encontram no Haiti, o que de fato é muito
importante para o devido esclarecimento com fontes diretas e conáveis;
propiciar relacionamento com os batalhões de outros países; propor lazer e
entretenimento para o militares, algo essencial para boas relações no espaço
de convivência; tratar das relações do batalhão com a imprensa, buscando
ser condizente com as diretrizes da Instituição (Exército); auxiliar nas ações
humanitárias que englobem atos da comunicação social do batalhão brasi-
leiro, etc. (NAZUR, 2013).
Figura 2 - Campanha de Informação Pública
Fonte: O Pacicador (2010a, p. 10).
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
58
Figura 3 - Visita de órgãos da imprensa no Haiti
Fonte: O Pacicador (2010b, p. 8).
Dois produtos midiáticos preparados pelo Batalhão para o público
brasileiro foram: uma seção de atualização sobre a operação MINUSTAH
no portal do Exército Brasileiro na internet com as principais notícias, e
edições da Revista Verde-Oliva, direcionadas a essa operação de paz.
Figura 4 - Página do portal do Exército Brasileiro
Fonte: Exército Brasileiro. Disponível em: <http://www.eb.mil.br/web/haiti.>. Acesso em: 10 dez. 2013.
59
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Figura 5 - Edição da Revista Verde-Oliva destinada ao tema MINUSTAH
Fonte: Revista Verde- Oliva (2009).
O primeiro contém uma seção de notícias com conteúdo escri-
to de maneira sucinta, complementada por fotos, que descrevem os fa-
tos ocorridos na operação. Já o segundo aborda melhor as questões da
MINUSTAH, inclusive sendo objeto de uma edição especial em outubro
de 2009. Os dois produtos tiveram o intuito de fornecer informação, es-
clarecer o público brasileiro sobre a operação e principalmente fortalecer a
imagem do Exército.
É de grande importância para o Batalhão Brasileiro a constante
transmissão de informações para o público de seu país. Segundo o Centro
de Comunicação Social do Exército:
Todos os países, até os mais ricos, têm suas prioridades internas.
Portanto, é fundamental informar e convencer a opinião pública da
importância de participar desse esforço global pela paz. É com esse
espírito que o Centro de Informação das Nações Unidas no Brasil vem
multiplicando suas atividades de divulgação das operações de paz e do
esforço do Brasil nesta área. (REVISTA VERDE-OLIVA, 2009, p. 17).
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
60
Para os militares da Missão, um produto idealizado pela célula de
comunicação social do BRABAT 2 foi o informativo de caráter periódico
chamado “O Pacicador” (NAZUR, 2013).
Figura 6 - Informativo interno do 2º Batalhão de Infantaria da Força de Paz
Fonte: O Pacicador (2011).
Ao longo das edições analisadas (fev. 2010 a abril de 2013) no-
tamos que seu conteúdo abrange informações referentes a fatos ocorri-
dos, ações realizadas, objetivos atingidos, conquistas, acontecimentos no
batalhão, associações com ONGs, mensagens religiosas e de motivação,
relatos de visitas da imprensa brasileira e estrangeira, formas de lazer, datas
comemorativas, relacionamento com exércitos de outros países, visitas de
ociais e entidades da ONU, etc. Observamos, em suma, um conteúdo
amplo sobre o batalhão com o intuito de informar seus integrantes sobre
todos os acontecimentos no seu espaço de vivência e atuação. Constitui-se,
61
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
do mesmo modo, como um mecanismo de coesão do grupo, por construir
uma imagem positiva acerca do Exército na operação, apresentando-se
como uma ferramenta de motivação, enobrecimento do militar brasileiro
da MINUSTAH.
O Exército Brasileiro possui um slogan característico denominado
“Braço Forte, Mão Amiga”. Desde a década de 1990 é sua principal “ideia-
-força”. O termo “Braço Forte” conjuga uma atividade- m, enquanto a
“Mão Amiga” segue como uma complementação, atribuição subsidiária,
uma sensibilização para a responsabilidade social do Exército (REVISTA
VERDE-OLIVA, 2011, p. 12). Assim, a Força Terrestre tenta utilizar seu
lema como base para suas ações em seu país e nas Nações Amigas.
No contexto da operação no Haiti, no momento em que se exigiu
menos necessidade da imposição da força naquele país (“Braço Forte”),
os batalhões brasileiros passaram a exercer mais operações sob o concei-
to de “Mão Amiga”. Pode-se dizer que desde o início da MINUSTAH a
tropa brasileira tinha uma característica diferente dos demais batalhões.
Além da realização de ações militares para garantir a segurança, nas quais
eram responsáveis, promoviam ações sociais direcionadas ao povo haitiano
(RIBEIRO, 2013).
Essas ações são denominadas de Ação Cívico Social (ACISO), ca-
racterizada como uma operação de contato com a comunidade, por exem-
plo, atendimento médico, distribuição de alimentos, atividades culturais,
distribuição de água, palestras educativas, etc. A Comunicação Social pro-
cura dar visibilidade a essas operações de ajuda para a população por meio
de divulgações e orientações quanto aos procedimentos e locais das ativi-
dades.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
62
Figura 7 - ACISO
Fonte: O Pacicador (2011, p. 4).
Essa preocupação com questões civis do batalhão brasileiro
da MINUSTAH se deve ao fato dessa característica marcante brasileira
(RIBEIRO, 2013). Segundo o CCOMSEX:
Esse traço particular, reetido no lema “Braço Forte, Mão Amiga” e
que nossas tropas souberam utilizar na criação de um ambiente de es-
tabilidade e segurança no Haiti, não está descrito na regras de engaja-
mento da ONU. É fruto tanto da brasilidade, quanto de um esforço
sistemático de planejamento e treinamento eciente, de que devemos
orgulhar-nos. E é também a contrapartida, no terreno, dos valores que
norteiam a atuação internacional do Brasil nos foros decisórios inter-
nacionais. (REVISTA VERDE-OLIVA, 2009, p. 12).
Para a execução dessas ações humanitárias os brasileiros não por-
tavam armas letais, o que para os demais batalhões, como por exemplo, o
canadense, era considerado um “absurdo”. “Mas como é que vou distribuir
brinquedo para uma criança estando armado?”, destacou Ribeiro em nossa
entrevista (RIBEIRO, 2013). Essas ações de entrosamento entre a tropa
brasileira e a população haitiana passam, consequentemente, uma imagem
positiva do batalhão.
A busca da proximidade com a comunidade, segundo Ribeiro é
uma marca do Exército, e essas ações consequentemente tornarão a inte-
63
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
ração, aproximação entre brasileiros e haitianos, algo concreto e visível, o
que irá ser uma marca positiva para a atuação das tropas brasileiras em suas
atividades, contribuindo para seu sucesso (RIBEIRO, 2013). As ACISO,
portanto, podem ser consideradas como um rico instrumento para o for-
talecimento do Exército frente a população haitiana e colaboram para que
se atinja os objetivos da Missão.
Um exemplo de ação de comunicação social do BRABAT para
ns de ação humanitária foi o “Cinema na Praça”. O projeto dispunha
de sessões quinzenais em praças distintas na área de atuação do batalhão.
Eram projetados lmes diferenciados com o objetivo de dar entretenimen-
to e propagar a paz. Segundo Ribeiro essas sessões de cinema “ocupam a
mente das pessoas além de tirá-la do ócio demoníaco”, e auxiliavam na
manutenção da segurança nas áreas em que ocorriam, como por exemplo,
na Praça da Paz (RIBEIRO, 2013).
Figura 8 - Atividade “Cinema na Praça
Fonte: Informativo... (2013).
Ao Batalhão Brasileiro pode-se atribuir uma atuação marcante na
operação de paz do Haiti. A grande experiência brasileira em operações de
paz da ONU, aliada ao treinamento dos contingentes antes da ida ao país,
e ao “caráter do soldado brasileiro- corajoso, cordial e solidário”, são fato-
res que contribuem para o “reconhecido e excelente desempenho da tropa
brasileira naquele país” (REVISTA VERDE-OLIVA, 2009, p. 6).
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
64
O treinamento dos contingentes brasileiros que vão para a
MINUSTAH é responsabilidade do Comando de Operações Terrestres
(COTER) e dentre os vários princípios que são trabalhados durante a exe-
cução das atividades de treinamento está a comunicação social, auxiliado
pelo Centro de Comunicação Social do Exército, que “planeja, desenvolve,
normatiza e coordena as atividades do Sistema” (AGOSTINHO, 2011, p.
6). Este órgão “é responsável pelo gerenciamento dos meios de interação
do EB com os públicos” (BRASIL, 2013b). Suas atividades se reetem
nas áreas de Relações Públicas, Divulgação Institucional e Informações
Públicas (BRASIL, 2009, p. 2-1,2-2).
A primeira se remete à busca de ajustes e interações entre a Força
de Paz e os públicos alvos, tendo como principal objetivo a condução das
ações de maneira a conscientizar inicialmente o público interno para en-
gajamento do processo de formação de imagem e, em segundo, ao público
externo para informá-lo de maneira correta sobre a Força, conseguindo
assim uma boa aceitação (BRASIL, 2009). As ações de divulgação institu-
cional se referem à divulgação de temas relacionados com a Força Terrestre,
tendo “como principais atribuições informar e responder aos questiona-
mentos dos diversos públicos da Força de Paz, em particular os órgãos da
mídia”, e como um dos principais objetivos o estabelecimento relações só-
lidas e conáveis com os prossionais da mídia, tornando o Exército uma
fonte respeitada (BRASIL, 2009, p. 2-11).
As atividades de informações públicas fazem referência à “ativi-
dade que visa a produzir e a disseminar a imagem da Força de Paz e do
Brasil”, por meio dos veículos de mídia impressa e eletrônica (BRASIL,
2013a). Essas três áreas se inter-relacionam conforme as atividades. Em
suma, as atividades de Comunicação Social têm como missão principal
preservar e fortalecer a imagem do Exército Brasileiro e os meios utilizados
são veículos essenciais para suas atividades ns.
De acordo com o “Manual de Operações de Paz” (2013), as ações
das três áreas:
[...] quando direcionadas para o público interno, visam a fortalecer
o comprometimento com a Instituição, a aumentar a auto-estima e
a incentivar a adoção de uma postura pró-ativa. Direcionadas para o
público externo, as ações buscam adotar, principalmente, uma política
65
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
de “pronta resposta” aos questionamentos da sociedade, preservar e for-
talecer a imagem da Força de Paz e do Brasil (BRASIL, 2013a, p. 53).
O CCOMSEX, durante um período do treinamento organizado
pelo COTER prepara devidamente os militares da tropa nas questões de
comunicação social para o repasse de técnicas e valores para o consequen-
te fortalecimento da imagem da Instituição. Como narrou Souza Neto
(2012, p. 250), “O contato com a população local é um dos principais
aspectos enfatizados no treinamento dos militares brasileiros antes do seu
envio.
São considerados como nalidade da comunicação social em
operações de paz pelo “Manual de Operações de Paz” (2013):
- Atuar no sentido de manter, em níveis elevados, a credibilidade, a
conança e a imagem da Força de Paz junto às comunidades nacional
e internacional.
- Fornecer respostas adequadas e oportunas aos questionamentos da
sociedade relacionados à Força de Paz.
- Privilegiar a atividade-m da Força, considerando a importância das
atividades de Cooperação Civil e Militar (CIMIC) e as ações comuni-
tárias na integração Força de Paz-Comunidade e da opinião pública no
respaldo às decisões militares.
- Constituir-se em fator multiplicador do poder de combate pela pre-
venção dos erros de entendimento e de percepção dos públicos interno
e externo, e pelo fortalecimento do moral, da coesão e do espírito de
corpo da tropa. (BRASIL, 2013b, p. 52/66-53/66).
A comunicação social é essencial em vários âmbitos em uma ope-
ração. Contudo, segundo Agostinho (2011, p. 7) há a necessidade de ado-
tarem-se cuidados especícos em relação ao público-alvo das mensagens,
levando em consideração a cultura, religião e idioma, como também os
atores relevantes” do local. 
Em um país como o Haiti assolado pela miséria, pobreza, violên-
cia, analfabetismo, desigualdade, catástrofes naturais, inúmeros problemas
e peculiaridades, deve-se, portanto realizar um bom gerenciamento das ati-
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
66
vidades da comunicação social para haver progresso e auxiliar nos objetivos
da missão de paz em construir um país digno.
A Comunicação Social pode ser considerada como um fator pri-
mordial nas atividades militares. Segundo o CCOMSEX “no Exército,
o homem constitui a essência da Organização e é fundamental que a
Comunicação Social seja utilizada como um fator de coesão do grupo mi-
litar e principal atividade de difusão da imagem da Instituição” (REVISTA
VERDE-OLIVA, 2011, p. 9).
Como o CCOMSEX narrou:
O Haiti é um exemplo no qual a Comunicação Social constitui-se em
uma valiosa ferramenta para multiplicar o poder de combate. Além de
fortalecer o moral, a coesão e o espírito de corpo da tropa militar bra-
sileira, contribui para a construção e manutenção da opinião pública
favorável, seja dos haitianos, seja dos brasileiros, seja da comunidade
internacional (REVISTA VERDE-OLIVA, 2011, p. 9).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A intervenção da operação da ONU MINUSTAH se deu para repa-
rar os graves problemas de desestruturação do Estado, e a Missão, que continua
em atividades nos dias atuais, teve de planejar estratégias e ações para buscar
atingir seus objetivos. Uma missão de paz como essa, que visa “reconstruir” um
Estado precisa de recursos ecientes como os meios midiáticos, que possuem
uma grande capacidade de inuenciar no meio em que atuam.
O Batalhão brasileiro possui uma atuação marcante na
MINUSTAH. A grande experiência em operações de paz da ONU, aliada
ao treinamento anterior dos contingentes e a características do brasileiro,
são alguns dos fatores desse sucesso. O COTER prepara a tropa com base
em diversos princípios necessários antes da ida para a missão país. Alguns
dos princípios da comunicação social com o auxílio do CCOMSEX são
trabalhados durante esse preparo.
A imagem, a credibilidade a conança das comunidades interna-
cionais são requisitos fundamentais para a Força se desenvolver. Os mode-
los ideias e técnicas a serem executadas, são repassados ao contingente. O
slogan “Braço Forte, Mão Amiga” é um dos grandes instrumentos de pro-
67
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
paganda empregado nas atividades do Exército. A imagem que ele transmi-
te tem a capacidade de agradar ao público alvo.
Uma característica da tropa que contribui para o seu sucesso é a
grande preocupação com questões civis, as ações comunitárias e a realiza-
ção da integração entre a Força e a comunidade. Vê-se que há um grande
entrosamento entre as tropas brasileiras e os haitianos, o que facilita bas-
tante o trabalho.
Ao estudar a comunicação social no Batalhão Brasileiro cou
bem clara a necessidade de manutenção da imagem para a imprensa e seu
público externo de origem, o brasileiro. A MINUSTAH é uma operação
que traz custos para o país, e o brasileiro muitas vezes quer ter informações
das atividades que o Exército realiza. Uma imagem positiva é bastante fa-
vorável para o desenvolvimento da operação.
Os entrevistados do CCOMSEX evidenciaram bem a importân-
cia do fortalecimento da imagem do Exército Brasileiro em suas inúmeras
atividades. A importância da imagem cou clara nas entrevistas realizadas
pela autora. Os entrevistados procuraram apresentar a imagem positiva
não salientando os problemas e diculdades que o Exército possa ter tido
na MINUSTAH. Mas isso faz parte do “marketing institucional”.
A manutenção de um caráter interno dos militares é também
uma das grandes necessidades em uma operação de paz. Os mesmos devem
tentar reproduzir suas mensagens de forma boa e convincente e ter uma
relação boa com o público alvo.
A comunicação social do Batalhão Brasileiro propicia atividades
de relações humanas no espaço de vivência e confecciona produtos in-
ternos para todos terem ciência dos fatos e fortaleceram a boa imagem
em suas atividades. No Haiti, a conduta e as atividades diferenciadas do
Exército Brasileiro perante aos demais integrantes da Missão é uma grande
marca de atuação para atingir seus ns e ter uma posição destacada.
A célula G10 do Batalhão de Infantaria da Força de Paz, portan-
to, é essencial para o Exército Brasileiro se desenvolver na Missão de paz
MINUSTAH, que necessita de uma organização do componente militar,
civil e policial na comunicação social e nas demais áreas para trabalhar
plenamente em função da reconstrução do Estado do Haiti.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
68
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69
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
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O PACIFICADOR. Porto Príncipe: 2º Batalhão de Infantaria Força de Paz, 15
nov. 2010a. Ed. 20.
O PACIFICADOR. Porto Príncipe: 2º Batalhão de Infantaria Força de Paz, 30
nov. 2010b. Ed. 21.
O PACIFICADOR. Porto Príncipe: 2º Batalhão de Infantaria Força de Paz, 1
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REVISTA VERDE-OLIVA. Brasília, DF: Centro De Comunicação Social Do
Exército, v. 37, n. 202, out. 2009. Especial.
REVISTA VERDE-OLIVA. Brasília, DF: Centro de Comunicação Social do
Exército, v. 39, n. 211, abr.-jun. 2011. 
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AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
70
OBRAS CONSULTADAS
O PACIFICADOR. Porto Príncipe: 2º Batalhão de Infantaria Força de Paz, ed.
1-58, 2010-2012.
INFORMATIVO 2º Batalhão de Força de Paz. Porto Príncipe: 2º Batalhão de
Infantaria Força de Paz, ed. 1-8, 2013.
71
SEGURIDAD EN AMERICA DEL SUR:
ESCENARIOS Y PERSPECTIVAS
Sérgio Luiz Cruz Aguilar
INTRODUCCIÓN
La política internacional se lleva a cabo con base en percepciones,
los riesgos y las probabilidades. Es a través de ellos que los Estados conducen
la lógica de sus políticas exteriores, utilizando la diplomacia.
La seguridad puede ser denida como “[...] el sentimiento de
garantía necesaria e indispensable para una sociedad y a cada uno de sus
miembros contra amenazas de cualquier tipo.” (ESCOLA SUPERIOR
DE GUERRA, 2006, p. 51). Ya la defensa nacional incluye las actitudes,
las medidas y acciones del Estado, con énfasis en la expresión militar, para
la defensa del territorio, de la soberanía y de los intereses nacionales contra
amenazas de predominio externo (ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA,
2006). La seguridad es abstracta, un estado, y la defensa es la estructura
que los Estados dibujan para mantenerse con seguridad en el ámbito
internacional. Sería un acto dirigido a la particular amenaza, e implica un
eventual empleo de la fuerza, o sea, el uso de las Fuerzas Armadas como
elemento esencial.
De este modo, cuando tratamos de seguridad y defensa regional,
tenemos decisiones políticas (subjetivas) emprendidas en conjunto por los
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-769-2.p71-85
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
72
Estados y las acciones de la defensa (objetivas) que deberían ser trazadas en
conjunto para la región.
Durante la Guerra Fría, los países de América del Sur estaban
insertados en las propuestas de defensa colectiva hemisférica, liderada
por los Estados Unidos (EUA). En la post Guerra Fría la agenda norte-
americana presentó diferentes percepciones y concepciones que dicultaron
el establecimiento de estrategias comunes en el nivel hemisférico y abrieron
espacio para conformaciones subregionales.
La redemocratización de los países de América del Sur y el
establecimiento del control civil de sus fuerzas armadas, la inuencia de los
debates y las decisiones sobre cuestiones de seguridad en las organizaciones
internacionales, entre otros, crearon un ambiente para el establecimiento
de una serie de mecanismos de coordinación en el campo de seguridad y
defensa. Desde la década de 2000, una serie de reuniones de los presidentes
resultó en la Iniciativa para la Integración de la Infraestructura Regional
Suramericana (IIRSA), la creación de la Comunidad Suramericana de
Naciones (CASA), en 2004, y su transformación en la Unión de Naciones
Suramericanas (UNASUR) en 2008, que  incorporó al Consejo de la
Defensa Suramericano (CDS).
El texto presenta algunos de los mecanismos de cooperación y
coordinación en materia de seguridad que han sido establecidos y hace
algunas consideraciones sobre el escenario y las perspectivas sobre la
seguridad en América del Sur, especialmente el Consejo de la Defensa
Suramericano, y concluye presentando aspectos de la situación actual en
términos de seguridad en el subcontinente.
MECANISMOS DE COOPERACIÓN Y COORDINACIÓN EN SEGURIDAD EN LA
AMÉRICA DEL SUR
En el contexto de la Guerra fría y de la confrontación ideológica
entre las dos superpotencias se estableció un mecanismo de defensa colectiva
del Tratado Interamericano de Asistencia Recíproca (TIAR), de 1947, y un
sistema de seguridad compuesto por el TIAR, la Organización de los Estados
Americanos (OEA) y la Junta Interamericana de Defensa (JID).
73
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Por iniciativa de los EUA, se crearon mecanismos formales, como
la Conferencia de Ejércitos Americanos, Conferencia Interamericana
Naval, la Conferencia de Jefes de Fuerzas Aéreas Americanas y el
Sistema de Cooperación de las Fuerzas Aéreas Americanas, con el n de
fomentar el debate entre los militares del sistema interamericano sobre las
principales amenazas para la seguridad continental y encontrar la manera
de enfrentarlas (AGUILAR, 2010).
También por iniciativa de los EUA, en el nal de la década de
1950, pasaron a ser realizados los ejercicios conjuntos con el n de preparar
a las fuerzas armadas latinoamericanas para que operaran junto a los
norteamericanos en un conicto contra las fuerzas del Pacto de Varsovia,
sobre todo en el campo naval. En este contexto, la operación UNITAS,
que comenzó en 1959 con la participación de las marinas de Argentina,
Brasil, Colombia, Perú, Uruguay y Venezuela, ha extendido a varios países
de América Latina, y se mantiene hasta estos días (AGUILAR, 2010).
Con el n de la Guerra Fría, las organizaciones internacionales
como las Naciones Unidas (NU) y la OEA priorizaron las cuestiones
relativas a la cooperación, el desarme y la transparencia en los gastos
militares, entre otros. La OEA creó la Comisión de Seguridad Hemisférica
que tuvo un papel central en la promoción de la cooperación en materia
de seguridad, por medio del análisis y las recomendaciones que resultaron
en una serie de resoluciones y en el aumento de los mecanismos regionales,
subregionales y bilaterales (OEA, 1991) . A partir de la década de 1990,
los problemas de seguridad del continente han pasado a ser tratados en las
reuniones de la cúpula de los presidentes y las Conferencias de Ministros
de Defensa de las Américas.
Las declaraciones en el ámbito de la OEA como la de Santiago
(1995) y San Salvador (1998) enumeraron las medidas para promover
la conanza y la seguridad en el continente (BRASIL, 1995, 1998). La
Conferencia sobre Seguridad del Hemisferio, celebrada en México en octubre
de 2003, reconoció las diferentes perspectivas relacionadas con las nuevas
amenazas y que la arquitectura de seguridad debería ser exible, incluyendo
las particularidades de cada subregión y de cada Estado (OEA, 2003).
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
74
En América del Sur, al nivel de las relaciones bilaterales, las
conversaciones entre los gobiernos de Brasil y Argentina, en la década
de 1980, acerca de la construcción de las usinas de Itaipú y Corpus y
de sus programas nucleares, y la redemocratización en curso en los dos
países, permitieron la creación de varios mecanismos de coordinación y
cooperación en el ámbito de la seguridad. Las reuniones a nivel de Ministros
de Defensa y de Asuntos Exteriores celebrada en Tandil (1996) e Itapaiva
(1997), entre Brasil y Argentina, resultaron en el Mecanismo de Itaipava.
Del mismo modo, las reuniones de Zapallar (1996) y Campo de Mayo
(1998), entre Argentina y Chile, resultaron en el Comité Permanente de
Seguridad (COMPERSEG).
Además de éstos, una serie de mecanismos llamados 2 + 2
fueron establecidos bilateralmente, compuestos por representantes
de los ministerios de relaciones exteriores y de la defensa. Perú y Chile
crearon el Comité Permanente de Consulta y Coordinación Política para
fortalecer y intensicar la conanza mutua en el ámbito de la seguridad y
la defensa. Los dos países mantienen, aún, rondas de conversaciones entre
los comandantes de las fuerzas armadas que en 2013 ya estaba en la 26ª
edición (CHILE, 2013). Perú y Bolivia tienen el Mecanismo de Consulta
y Coordinación (MCC 2 +2), creado en 2008, además de una Comisión
Binacional Fronteriza (PERU, 2013).
En general, las reuniones de estos mecanismos resultan en
entendimientos sobre medidas de coordinación y cooperación, ajustes
referentes a intercambio de instructores y alumnos de las escuelas militares,
ejercicios conjuntos, visitas y programas de intercambio académico, el
intercambio de información y cooperación entre las fuerzas aéreas con
el establecimiento de protocolos para hacer más ecaz el combate contra
las actividades ilegales, las becas para la capacitación y formación militar,
entre otras y, en algunos casos, el establecimiento de una metodología para
medir los gastos de defensa.
En el MERCOSUR han sido creados grupos de trabajo acerca
del terrorismo, la cooperación en temas fronterizos y armas de fuego
y municiones, y la Reunión de Ministros del Interior / Justicia. Se
establecieron: el Plan General de Cooperación y Coordinación recíproca
para la Seguridad Regional; un mecanismo conjunto de registro de armas,
75
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
explosivos y municiones; el Centro de Coordinación de Capacitación
Policial; el Sistema de Intercambio de Informaciones de Seguridad
del MERCOSUR (SISME); el Programa de Acción MERCOSUR de
Lucha a Ilícitos en el Comercio internacional y La Red Internacional de
Inteligencia de Seguridad Pública (RESINF). En 2006, ha sido aprobado
el Acuerdo Marco entre los miembros del MERCOSUR y sus asociados en
la cooperación en materia de seguridad (AGUILAR, 2010).
La Comunidad Andina de Naciones celebró el Compromiso de
Lima - Carta Andina para la Paz y la Seguridad, durante la Conferencia de
Ministros de Relaciones Exteriores y de Defensa, en 2002, armando el
compromiso de formular una política comunitaria de seguridad, establecer
una zona de paz en el territorio de la Comunidad, limitar los gastos de
la defensa externa, controlar las armas convencionales, consolidar la
prohibición de las armas nucleares, químicas y biológicas, erradicar el tráco
ilícito de armas de fuego, municiones, explosivos y las minas terrestres, así
como ampliar y reforzar las medidas de fomento de la conanza en la
lucha contra el terrorismo (COMUNIDAD ANDINA - CAN, 2002).
Posteriormente, aprobó las Directrices de Política de Seguridad Exterior
Común y, en 2010, los principios orientadores y la agenda estratégica con
el objetivo de diseñar componentes y programas de seguridad regional,
desarrollar una estrategia para la seguridad ciudadana y la aplicación de la
Carta Andina para la Paz y la Seguridad (CAN, 2010).
Entendimientos en el ámbito del MERCOSUR y la CAN
resultaron en la creación de la Unión de Naciones Suramericanas
(UNASUR), el 23 de mayo de 2008, con el objetivo de profundizar la
integración física, la energética, de telecomunicaciones en el subcontinente,
y aún en las áreas de ciencia y la educación, además en la adopción de
mecanismos nancieros conjuntos. Además de conformarse como un foro
de debates, la pretensión es que el organismo sea capaz de adoptar medidas
conjuntas. Al el nal de aquel año, se creó en el ámbito de la UNASUR el
Consejo de Defensa Suramericano (CDS) como un foro para la consulta,
la cooperación y la coordinación, con el n de consolidar la zona de
paz en América del Sur, construir una identidad de defensa teniendo en
consideración las características subregionales y generar consensos para
fortalecer la cooperación regional en materia de defensa (UNASUR, 2013).
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
76
ESCENARIOS Y PERSPECTIVAS
Las percepciones de las amenazas dependen de cada Estado
y están estrechamente relacionadas con su ubicación y su capacidad.
Así, tanto las características como las percepciones de las amenazas y
prioridades de seguridad son diferentes en cada subregión del continente
americano. Las diferencias y similitudes tienen relación con la situación del
sistema internacional y regional en determinados momentos. Si el período
de la Guerra Fría condujo a la percepción de las amenazas provenientes
del bloque liderado por la Unión Soviética y produjo doctrinas de
seguridad nacional con un foco en la lucha interna, su n resultó en el
ensanchamiento del concepto de seguridad, que pasó a abarcar también,
la seguridad de las sociedades y los individuos y no sólo el mantenimiento
de la soberanía estatal. Es decir, los cambios de contexto, nuevas abordajes,
nuevas amenazas, condujeron a estudios que presentaron nuevas formas de
seguridad.
En términos generales, los problemas comunes de seguridad
en América del Sur están relacionados con el crimen organizado, el
tráco de drogas y armas, porosidad de las fronteras, lavado de dinero,
el posible apoyo logístico y nanciero a grupos terroristas, la pobreza
y carencias sociales. En la actualidad, se puede armar que hay un
entendimiento común de las amenazas generadas por actores no estatales
que transcienden las fronteras e impiden la acción de los Estados. En
estos casos, el aumento del poder militar o de fuerzas policiales no sería,
por sí solos, sucientes para hacer frente a estos actores, que sólo pueden
ser combatidos con los esfuerzos integrados de varios países. Así, con la
insuciencia del esfuerzo unilateral del Estado y de la inaplicabilidad de
la seguridad colectiva en contra de estos actores, los mejores mecanismos
para combatir estas amenazas transnacionales y no estatales estarían en
el campo de la seguridad cooperativa, entendida como un sistema de
relaciones interestatales de coordinación de políticas en seguridad que
previene y contiene las amenazas, evitando que las percepciones de los
estados sobre ellas se cambien en tensiones o enfrentamientos . Es en este
sentido se conformaron los diferentes mecanismos creados en el campo de
la seguridad en América del Sur.
77
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
En el ámbito de la defensa, los países de la subregión permanecen
con sus fuerzas armadas enfocadas en la defensa del territorio contra una
amenaza externa, pero, de manera general, percibieron que la comprensión
y el conocimiento mutuos reducen la posibilidad de choques armados
y aumentan la propensión para la solución pacíca de las controversias
existentes o que puedan surgir. Por lo tanto, las medidas de conanza mutua
entendidas como un proceso que hace posible la extensión de la seguridad
entre dos o más actores internacionales, tiene el objetivo de apartar la
posibilidad de un conicto armado, limitar armamentos y / o reducir los
gastos militares, y ampliar las posibilidades de cooperación (PALMA, 1988).
En realidad la seguridad cooperativa sería más una situación que
un sistema, en el que las medidas de conanza mutua son aplicadas de forma
gradual, de común acuerdo, hasta llegar a una relación de cooperación,
bilateral o multilateral. Tales medidas de conanza dan mayor transparencia
y reciprocidad en las relaciones entre los Estados. Parten de compromisos
de corto alcance que, al principio no puedan ser obligatorios, hasta etapas
más avanzadas con el establecimiento de mecanismos de vericación,
prevención y gestión de conictos, el desarrollo de las capacidades militares
integradas, entre otros, cuándo entonces habrá un compromiso formal de
los involucrados en cooperación. Finalmente, puede evolucionar hasta el
establecimiento de un sistema de seguridad o de defensa colectiva o la
integración de las fuerzas armadas.
La implementación de medidas de la conanza mutua debe,
necesariamente, mantener el sentimiento de seguridad del Estado que en
la actualidad abarca un campo más amplio. Estas medidas interrelacionan
factores como la capacidad militar, la tecnología, el poder económico, el
desarrollo y la estabilidad social y política, tanto en el ámbito interno como
en la relación externa, diferente a lo entendido al inicio de la era moderna y el
nacimiento de la nación-estado cuando la seguridad se denía principalmente
por el ángulo de la guerra interestatal y la supervivencia del Estado.
Aunque no todos los Estados de América del Sur presentan un grado
aceptable de estabilidad política, la implantación de los regímenes democráticos
y la implementación de medidas de conanza mutua y mecanismos de
cooperación y coordinación en seguridad han permitido mejores condiciones
para la solución pacíca de los conictos. Cuestiones tales como la del límite
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
78
marítimo entre Chile y Perú y el caso de las “papeleras” entre Argentina y
Uruguay, fueron llevadas a la Corte Internacional de Justicia. El límite marítimo
entre Surinam y Guyana se arbitró por las Naciones Unidas en 2007. Los
casos de inestabilidad política en Ecuador, Bolivia y Venezuela resultaron en
un papel importante de la UNASUR como foro de las negociaciones políticas
para mantener la estabilidad de la subregión.
La creación del Consejo de Defensa Suramericano es un hito
importante y tiene la intención de crear un espacio de discusión para
los problemas de seguridad en el subcontinente, colaborando para la
manutención de la estabilidad regional. Su surgimiento, entre otros factores,
está relacionado con la baja prioridad que los EUA dan a la América Latina
en términos de seguridad.
El Proyecto Brasil 3 Tiempos, preparado por la Presidencia de la
República del Brasil en 2004, previó el “fortalecimiento de la capacidad
de defensa, solo o como parte de un sistema colectiva de defensa con los
países vecinos”, como una manera de garantizar la protección del territorio
y respaldar las negociaciones de ámbito internacional (BRASIL, 2004). La
idea, probablemente, tiene una fuerte relación con la postura unilateral
adoptada por el gobierno norteamericano con los atentados del 11 de
septiembre de 2001.
Así, el presidente Lula inició discusiones con los presidentes de
Argentina y Venezuela en 2006. En 2008, la reactivación de la cuarta ota
de los EUA y el conicto que involucró a Colombia, Ecuador y Venezuela,
reforzó la idea. El Ministro de Defensa de Brasil visitó los países de América
del Sur acompañado por los comandantes de las tres fuerzas armadas y el
proyecto CDS se negoció en la creación de UNASUR reunión (mayo de
2008), siendo aprobado en diciembre de aquel año.
El documento de creación del CDS tiene como objetivos
generales la consolidación de América del Sur como una zona de paz, la
construcción de una identidad sudamericana en materia de la defensa y la
creación de consensos para fortalecer la cooperación regional en materia
de defensa. De entre los objetivos especícos, se observa la intención de
construir una visión conjunta de la defensa, cambiar informaciones que
permitan “identicar factores de riesgo y amenazas que puedan afectar la
79
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
paz regional y mundial”, cooperar en el ámbito de la industria de la defensa,
fomentar el intercambio para la formación y la capacitación militar, y
compartir experiencias en operaciones de paz (UNASUL, [2008])
Para lograr estos objetivos, en mayo de 2011, en la VI Reunión
de Ministros del CDS ha sido creado el Centro de Estudios Estratégico de
Defensa, que funciona en Buenos Aires y se ocupa de cuestiones de política
de defensa, cooperación militar, acciones humanitarias y operaciones de
paz, industria y tecnología de defensa y formación y capacitación en el
área (UNASUR, 2013). En 2012 ha sido iniciado el Curso de Defensa
Suramericano (CAD-SUL), en la Escuela Superior de Guerra del Brasil,
para capacitar al personal civil y militar que actúan en el ámbito de la
defensa de los países de UNASUR, “proporcionándoles conocimientos que
permitan el desarrollo de un pensamiento suramericano de defensa, basada
en la cooperación y la integración regionales” (ESCOLA SUPERIOR DE
GUERRA, 2013).
La creación de un mercado regional de defensa fortalecería
el desarrollo industrial y tecnológico en esta área, atendería en parte la
necesidad de modernización de las fuerzas armadas y, en una etapa posterior
reforzaría la capacidad sudamericana para competir en este campo. La idea
central es el aprovechamiento de las capacidades existentes como las de
Brasil en blindados y aviones, de Chile en zonas navales y mantenimiento de
blindados, de Colombia en los navíos uviales y los vehículos no tripulados,
en Argentina en lanzadores de satélites. El Plan de Acción elaborado en 2011
se dirigió a la creación de una Agencia Espacial Suramericana y la realización
de los estudios sobre la posibilidad para proyectar, desarrollar y producir en
conjunto un avión de entrenamiento básico y un vehículo aéreo no tripulado
(VANT). El Brasil desarrolla, aún, un avión de transporte de tanques con
la participación de Argentina, Chile y Colombia (DEPARTAMENTO DA
INDÚSTRIA DE DEFESA, 2012).
En este contexto, Brasil y Argentina tienen proyectos conjuntos
como, por ejemplo, el vehículo militar Gaucho, un “pool” logístico para
adquisición de piezas para los aviones Mirage brasileños, de mantenimiento
de las turbinas marinas ejecutadas por el Arsenal Comandante Espora
y un sistema de certicación/homologación de productos de defensa
(DEPARTAMENTO DA INDÚSTRIA DE DEFESA, 2012).
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
80
CONSIDERACIONES FINALES
En el sistema actual internacional, la distancia entre la periferia
y el centro ha sido encurtida. Inestabilidades internas tienen repercusión
regional y crisis regionales acaban teniendo consecuencias globales. Es
difícil que los Estados se aíslen en el ámbito de sus fronteras y lleguen
a ser inmunes a algunos problemas externos, o que consigan resolver
unilateralmente todos sus problemas de seguridad. Hay, de todos modos,
la participación activa o pasiva en los temas de seguridad en general.
La América del Sur, por estar lejos de los centros neurálgicos
de la inseguridad del mundo, Europa (sitio de las dos mayores guerras
mundiales), Asia, Oriente Medio y África, mantuvieron una postura de
distanciamiento de los problemas globales de seguridad. Sin embargo, hoy
existe una opinión de que deben participar, involucrarse, y hasta inuir
en las crisis que puedan amenazar sus intereses. Eso signica tener una
participación más activa en los procesos de seguridad regional y global, de
los foros multilaterales y de los mecanismos de resolución de los conictos
como las operaciones de paz.
No teniendo capacidad económica, política o militar para inuir
de manera decisiva en crisis que aparezcan o en el debate internacional sobre
la seguridad, compete a la institucionalización de mecanismos colectivos
tales como la UNASUR y su CDS, aumentar la capacidad de inuir y, al
mismo tiempo, tratar de establecer una visión común de seguridad.
El sistema interamericano, estructurado en torno de la OEA, el
TIAR y la JID, no consiguió expresar un consenso sobre las cuestiones
de seguridad en el continente. No hay una agenda común en materia de
seguridad regional ni una articulación de políticas de defensa entre los países
americanos. La OEA es fuertemente inuenciada por los EUA, quien tiene
sus prioridades en seguridad vueltas para otras regiones. Las asimetrías y las
diferentes características de cada subregión están presentes en varias áreas.
Las percepciones, preocupaciones y prioridades en materia de seguridad
son diferentes en cada una de ellas. Hay una identidad regional, mientras
que se fueron conformando diferentes grupos de integración subregional
(MERCOSUR, Comunidad Andina, el Caribe, América Central, el
NAFTA).
81
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Además de esto, la aceptación de los conceptos de “seguridad
humana” y la “seguridad multidimensional” ha abierto un amplio abanico
de posibilidades en el que cualquier cosa puede ser clasicada como una
amenaza a la seguridad, lo que acaba dicultando la comprensión y la
conformación de una visión común en la región.
Habiendo dicultad en denir exactamente las amenazas, hay
dicultad en establecer claramente las situaciones que deben ser tratadas en
el ámbito de la política, de las policías o de las fuerzas armadas. Así, mientras
algunos Estados mantienen sus fuerzas armadas dirigidas exclusivamente
para la defensa del territorio contra las amenazas estatales externas, otros
siguen la lección de los EUA y dirigen sus fuerzas militares también para
el combate a las amenazas que serían de responsabilidad de las fuerzas
policiales, con todas las consecuencias para la preparación y el empleo de
estas fuerzas (instrucción, equipamiento, etc.).
Se percibe que, en general,  la actual agenda de la seguridad
en América del Sur se relaciona con actores no estatales generadores
de inseguridad que, por ser transnacionales, imponen a los Estados la
adopción de medidas de coordinación y cooperación. Los mecanismos,
foros políticos de discusión y tratados, de carácter colectivo (regional o
subregional), bilaterales o trilaterales, ayudaron a mejorar las relaciones
entre los países latinoamericanos en el ámbito de la seguridad y la defensa.
La nueva dinámica de la integración, el desarrollo político interno
de los países, los cambios en la naturaleza de los conictos, las diferentes
percepciones de las amenazas, la baja prioridad de los EUA para la subregión
y el enfoque más amplio de la seguridad, entre otros, son factores que
determinan los arreglos de seguridad y defensa de América del Sur.
En el campo interestatal, hay algunas situaciones que pueden
entenderse como generadores de inseguridad como: entre Bolivia-Chile-
Perú, aún como consecuencia de la Guerra del Pacíco; entre Colombia-
Ecuador-Perú en razón de la transnacionalización de la lucha contra las
FARC, que puede ser extendido también parala frontera entre Venezuela-
Colombia en el lago Maracaibo; y la región del Esequibo entre Venezuela
y Guyana. En el campo interno, en algunos como Paraguay, Bolivia,
Ecuador y Venezuela la inestabilidad política sigue generando tensiones.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
82
Pero, a pesar de los diversos contenciosos que aún existen, la situación de
la seguridad suramericana se presenta como promisoria en la medida en
que los problemas se han tratado en el ámbito político o en las instancias
jurídicas internacionales.
Sin embargo, algunas cuestiones se presentan aún como desafío
en el marco actual de la seguridad subregional. La construcción de una
identidad suramericana en materia de defensa es un objetivo amplio. Los
primeros pasos ya fueron dados en la búsqueda de una reexión autónoma
y de producción de conocimiento sobre las realidades de la subregión. Pero
aun así demandará tiempo y persistencia para que se forme una visión
propia sobre los intereses, objetivos y necesidades, así como sobre el papel
de América del Sur en el sistema internacional.
La coordinación de políticas de defensa se mantiene aún más
como intención que acción, reejado en el entendimiento común de la
necesidad de mantener la estabilidad democrática, el control civil de las
fuerzas armadas, el subcontinente libre de armas de destrucción masiva, el
desarrollo de medidas de fomento de la conanza mutua y la transparencia
en los gastos de seguridad y defensa.
Hay un entendimiento común de que las llamadas nuevas
amenazas sólo pueden ser combatidas con la coordinación, sin embargo,
las medidas prácticas están todavía por debajo de las necesarias para ser
ecientes.
La creación de un mercado regional de defensa es importante y
puede tener resultados positivos. Aunque América del Sur presente bajos
gastos en defensa, con relación a las demás regiones del mundo, los gastos
militares son una porción interesante del mercado. Además de las armas
y municiones, la industria de defensa incluye bienes como vehículos,
uniformes, cascos, chalecos, tiendas de campaña, raciones y material de
comunicaciones, la salud, ingeniería, etc., cuya adquisición coordinada,
priorizando material fabricado en la subregión, puede resultar en el
desarrollo cientíco y tecnológico en esta área. Sin embargo, se necesita de
voluntad política y asignación de los recursos.
La creación de UNASUR y de su CDS puede conducir a un
mecanismo multilateral ecaz para la prevención y resolución de los
83
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
conictos. Pero su éxito es aún un desafío y dependerá de: como Brasil
ejercerá un liderazgo regional y cuánto el gobierno brasileño está dispuesto
a invertir en términos políticos y nancieros en este mecanismo; como
Argentina desempeñara la co-dirección del proyecto; como Colombia se
portará en el proceso, teniendo en cuenta la resolución de conicto interno
y sus relaciones con los EUA; como el bloque lidiará con los aspectos
especícos del Cono Sur y de la Comunidad Andina, y al mismo tiempo
con la propuesta bolivariana de Venezuela; y cuál será la postura de los
EUA en relación con el desarrollo, o no, de los mecanismos subregionales.
De todos modos, los arreglos institucionalizados en América
del Sur son una novedad muy positiva en el campo de las relaciones
regionales contemporáneas en seguridad y defensa. La pretensión de crear
mecanismos suramericanos para resolver los problemas suramericanos con
la visión y las capacidades propias, rompió la visión hemisférica presente en
las cuestiones de seguridad y defensa desde nales del siglo XIX.
Actualmente hay un ambiente sano y en el estado de las relaciones
entre los países de América del Sur se ha garantizado la posibilidad de
resolver pacícamente los conictos que surgieren, mejorar los instrumentos
colectivos para la prevención y combate de las “nuevas amenazas”, relacionar
la seguridad con el desarrollo en el ámbito de la llamada “seguridad
multidimensional”, permitiendo que se implementen los proyectos y
programas conjuntos de “seguridad alimentaria”, “policía democrática”, etc.
En resumen, es un camino para que se fortalezca la zona de paz suramericana
y que sirva como un modelo para otras regiones del mundo.
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A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
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86
87
O CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU E A
CONVENÇÃO DO GENOCÍDIO: O FRACASSO DE
AMBOS NO CASO DA ANTIGA IUGOSLÁVIA
assio Soares Rocha Alves
INTRODUÇÃO
Após as discussões no sentido de estabelecer uma organização
entre as nações com razão universal, ou seja, que trataria de todas as ques-
tões globais que poderiam aigir aos Estados, e principalmente a paz e o
desenvolvimento entre os países, o fracasso na rmação da Liga das Nações
deixou o sistema internacional em um ambiente de difícil diálogo e coope-
ração. Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados estavam convencidos
de que deveriam se organizar com o objetivo de evitar uma nova guerra de
proporções semelhantes.
Nesse sentido, em 26 de junho de 1945, em São Francisco, nos
Estados Unidos da América, durante a Conferência das Nações Unidas, foi
assinada por cinquenta países a Carta das Nações Unidas, documento que
proclamava a segurança internacional e a paz e que originou a Organização
das Nações Unidas.
A ONU nasceu com uma estrutura mais diversicada, tendo no
Conselho de Segurança, não na Assembleia Geral, seu órgão mais impor-
tante. Além desses dois órgãos, fazem parte do organograma da ONU o
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-769-2.p87-112
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
88
Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela, o Secretariado e a
Corte Internacional de Justiça.
A proposta de manutenção da paz e da segurança internacional
pautaria as discussões da nova organização e o seu documento constitutivo
instrumentalizaria a tentativa de amparar uma nova ordem mundial. A
Carta da ONU, ou Carta de São Francisco, serviu como ponto de origem
para grande parte dos temas relacionados ao Direito Internacional e para
a regulamentação do emprego da força por parte dos Estados. Para Byers
(2007), além de reticar a proibição do uso de força, a Carta arma expli-
citamente a precedência sobre outros tratados, fazendo com que nenhum
Estado possa isentar-se de suas cláusulas e, por conseguinte, da autoridade
do órgão competente nessa matéria: o Conselho de Segurança. O artigo
41 da Carta de São Francisco é o que determina as obrigações dos Estados-
membros perante as decisões tomadas pelo Conselho, que:
decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças arma-
das, deverão ser tomadas para tornar efetivas as suas decisões e poderá
instar os membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas
poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações eco-
nómicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos,
postais, telegrácos, radioeléctricos, ou de outra qualquer espécie, e o
rompimento das relações diplomáticas (UN, 1945).
Como também determina a Carta da ONU, cabe ao Conselho de
Segurança prezar pela garantia da paz e da segurança, buscando evitar que
conitos venham a ocorrer (UN, 1945). Neste sentido, é responsabilidade
de todos os membros recorrerem aos órgãos competentes da entidade em
casos de violações ao que diz a Carta, como o caso do genocídio.
Entender o que vem a ser o genocídio é também fazer uma análise
da história das civilizações no século XX, compreendendo como os aconte-
cimentos levaram a tipicação deste crime, quais fatos geraram tal necessi-
dade. Também é de grande relevância o entendimento do quão importante
foi à tipicação do delito, além da análise das atividades de prevenção e
repressão ao genocídio.
As principais respostas à essas inquietações estão contidas na
Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, adotada
89
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
na cidade de Paris, França, em 11 de dezembro de 1948. Para o entendi-
mento deste trabalho, buscaremos mostrar qual a importância dada aos
membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas
1
nos
casos de genocídio, apresentando suas principais atribuições, deveres e res-
ponsabilidades. Para contribuir com a didática do trabalho, damos início
como o processo de surgimento da Organização das Nações Unidas, re-
exo dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, passando por suas
responsabilidades, com o intuito de apresentar o papel do Conselho de
Segurança no caso do genocídio na antiga Iugoslávia.
Para o entendimento do que foi o genocídio na Ex-Iugoslávia, é
necessário entender sua formação, bem como a principal característica que
torna o caso único, que é a questão da divisão administrativa. A República
Socialista Federativa da Iugoslávia era formada por seis repúblicas: Bósnia-
Herzegovina, Croácia, Eslovênia, Macedônia, Montenegro e Sérvia, além
das províncias autônomas Kosovo e Voivodina. Com essa formação tão
plural, tendo composição étnica, cultural e religiosa tão diversicada, a
manutenção na união cava nas mãos do governo de Josip Broz Tito.
Porém com a morte do presidente em 1980, a coesão nacional entrou em
ruinas, ocasionando o crescimento das tensões entre as diversas naciona-
lidades, levando a desintegração da federação. Os fatos que vieram após a
desintegração da Iugoslávia foram marcados pela guerra civil e o genocídio,
gerando mais de 220 mil mortos, sendo assim o maior conito na Europa
no pós-Segunda Guerra Mundial (UNHCR, 2002, p. 215).
A segunda parte do trabalho busca uma relação entre as atribui-
ções e responsabilidades do Conselho de Segurança e a suas aplicações
no caso da antiga Iugoslávia. Aqui o objetivo é entender se a postura no
caso contribuiu para o grande número de mortes, se houve desrespeito à
Convenção do Genocídio.
1
Os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, aqueles que possuem direito ao veto, foram
denidos já na criação da ONU, é composto pelos vencedores da Segunda Guerra Mundial: Estados Unidos da
América, Rússia, França e Inglaterra, além do país com a maior população na época, a China.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
90
O CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU
A Organização das Nações Unidas foi criada com a nalidade de
organizar as relações internacionais, tendo como parâmetro um sistema
genuíno de segurança coletiva, onde o principal objetivo seria a busca pela
manutenção da paz e segurança internacional.
2
Dentro deste contexto, o
artigo 23 da Carta das Nações Unidas trata da composição do Conselho
de Segurança, denindo que França, Rússia, Reino Unido, República da
China e Estados Unidos da América são os membros permanentes com
direito a veto. Além deles, outros dez membros não permanentes serão
eleitos pela Assembleia Geral para um mandato de dois anos. (CENTRO
DE INFORMAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2015).
Devido à falta de clareza e coesão da Carta, o Conselho de Segurança
ganha maior importância, uma vez que, em casos de conitos de interpreta-
ção, cabe a ele determinar qual posição a ser seguida, cando a cargo deste
órgão denir as ameaças a paz e as atitudes a serem tomadas. Esse maior
poder conferido aos membros do Conselho de Segurança, principalmente
os com direito ao veto, geraram diversas críticas a Organização em si por dar
a possibilidade dos membros permanentes não atuarem de acordo com o
que diz a Carta da ONU. A simples ameaça de veto pode ser suciente para
impedir que uma resolução seja levada à votação. (BYERS, 2007).
Para Trindade (2004), o direito ao veto torna indispensável a exis-
tência de unanimidade entre os membros permanentes do Conselho de
Segurança. Este modelo serviu como marco para a altivez da adesão e do
prestígio das potências vencedoras da Segunda Grande Guerra em con-
junto com a China na tomada de decisões. Contudo, ao mesmo tempo
em que a denição dos membros permanentes tenha sido por questões de
2
O preâmbulo da Carta da ONU deixa claro esse objetivo: “NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS,
RESOLVIDOS a preservar as gerações vindouras do agelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa
vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a rearmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na
dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das na-
ções grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes
de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e
melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla. E PARA TAIS FINS, praticar a tolerância e viver
em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança interna-
cionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada
a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico
e social de todos os povos (...)”. (UN, 1945).
91
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
poder, a denição as funções, além do limite da atuação foram alvos de
críticas, dentre elas a de Distein (2004, p. 386):
No exercício da segurança coletiva, o Conselho de Segurança não é
somente livre para decidir quando e como utilizar a força, como tam-
bém tem a liberdade de fazê-lo e contra quem fazê-lo. Como a Carta
parece dar liberdade para a avaliação de uma determinada situação,
o Conselho pode iniciar uma guerra preventiva antecipadamente a
uma violação futura da paz (gurando apenas como ameaça à paz no
momento da ação), um privilégio que a carta nega a qualquer Estado
individual ou grupo de Estados agindo sozinhos.
Passada a denição dos membros permanentes, bem como
da discussão da signicância do direito ao veto dentro do Conselho de
Segurança, se faz necessário o
entendimento das principais funções deste
órgão, tendo como enfoque a inuência na temática do genocídio, princi-
palmente em relação as obrigações na prevenção do crime.
As principais funções do Conselho de Segurança da ONU, de-
nidas pela Carta da ONU, são: manter a paz e a segurança internacionais
de acordo com os princípios e propósitos das Nações Unidas; investigar
qualquer disputa ou situação que possa vir a se transformar em um coni-
to internacional; recomendar métodos de diálogo entre os países; elaborar
planos de regulamentação de armamentos; determinar se existe uma ame-
aça para a paz ou ato de agressão e recomendar quais medidas devem ser
tomadas; solicitar aos países que apliquem sanções econômicas e outras
medidas que não envolvam o uso da força para impedir ou deter alguma
agressão; e decidir sobre ações militares contra agressores. (UN, 1945).
Quando se é discutida a autonomia do Conselho de Segurança da
ONU, deve-se ressaltar que a:
[...] a competência do Conselho independe da vontade das partes;
ainda que uma destas se recuse a comparecer perante o Conselho,
poderá este examinar a questão a pedido de um Estado-Membro, da
Assembleia Geral ou do Secretário-Geral. (TRINDADE, 2002, p. 60).
A Guerra-Fria e o antagonismo entre União Soviética e Estados
Unidos contribuíram para que os propósitos do Conselho de Segurança
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
92
não fossem plenamente cumpridos, uma vez que as animosidades entre as
duas potências da época foram transferidas para dentro do órgão. A princi-
pal consequência dessa disputa foi o atraso em decisões importantes, pois
cada uma das partes buscava não só defender seus interesses, como também
impedir que os da nação rival fossem alcançados. Após a queda do muro de
Berlim, marco para o m da Guerra-Fria, a dissolução da União Soviética
e do bloco socialista fez com que nações antes unidas em um único Estado
buscassem a separação. É nesse contexto que a questão da Iugoslávia se
encaixa, pois, representa o desejo de independência. Concomitante ao au-
mento de conitos, a atuação da ONU também teve que acompanhar esse
crescimento, o que elevou o envolvimento da Organização, principalmen-
te em missões que visavam a garantia da estabilidade.
Por mais que o século XX tenha sido repleto de conitos, a década
de 1990 apresentou um número acima da média, o que levou o Conselho
a determinar que violações “sérias, sistemáticas, abrangentes e agrantes
das leis humanitárias internacionais poderiam levar a ruína dos preceitos
básicos da organização, a garantia à paz e à segurança internacional.
A CONVENÇÃO PARA PREVENÇÃO E REPRESSÃO DO CRIME DO GENOCÍDIO
O século XX é marcado na história pelos grandes conitos.
Além das duas guerras mundiais, conitos entre países, até mesmo dentro
do mesmo país ocorreram no de decorrer do período, considerado por
Bruneteau (2004) como século dos genocídios. Por mais que crimes de ge-
nocídio fossem cometidos, não existia uma tipicação deste em especíco,
não sabiam então o que, ou porque julgar. Dessa falta de denição sobre
o crime em questão é que o lólogo polonês Raphael Lemkin
3
apresentou
uma proposta mais clara. O termo criado vem da união entre a palavra
grega genos – indicando tribo ou raça - com o suxo latino cide – ato ou
efeito de matar. Este neologismo fora apresentado pela primeira vez em
3
Raphael Lemkin nasceu em 24 de junho de 1901, na Polônia. Seu primeiro emprego foi como secretário do
Tribunal de Apelações, em Varsóvia. Rapidamente se tornou procurador a cidade em 1925. Em 1929 atuou
como Secretário da Comissão das Leis da República da Polônia. E foi exercendo essa função, que representou
a Polônia na Quinta Conferência Internacional para a Unicação do Direito Penal, realizada em Madrid em
1933. Em abril de 1941, se muda para os Estado Unidos da América, onde começou a lecionar na Universidade
de Duke. (UNHCR, 2015).
93
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
1944, no livro Axis Rule in Occupied Europe: Laws of Occupation – Analysis
of Government – Proposal for Redress. (
UNHCR, 2015).
A criação de um termo inédito gerou enorme repercussão, uma
vez que Lemkin conseguira em uma única palavra sintetizar esse tipo de
crime existente e ainda sem denição, principalmente relacionando-o com
a destruição de uma nação ou grupo étnico. Segundo Segesser e Gessler
(2005, p. 461) “Lemkin introduziu um novo conceito, que inuenciaria
não apenas no debate dos anos seguintes sobre direito internacional, mas
também nas ciências política e social bem como na história.”.
Embora o genocídio seja um crime anterior à denição cunhada
por Lemkin, o que o levou a sua criação foi o fato de que os termos ante-
riormente utilizados eram genéricos e inadequados por não serem capaz de
dar à devida conotação a destruição da estrutura dos grupos, além do foco
ser na retirada de cidadania. Nesse sentido Lemkin considera:
De modo geral, genocídio não signica necessariamente a destruição
imediata de uma nação, exceto quando acompanhada do assassinato
em massa dos membros de uma nação. Pretende-se antes signicar um
plano coordenado de diferentes ações visando à destruição dos fun-
damentos essenciais da vida de grupos nacionais, com o objetivo de
aniquilar os mesmos. Os objetivos deste plano seriam a destruição das
instituições políticas e sociais, da cultura, da língua, do sentimento
nacional, da religião e a existência econômica dos grupos nacionais
e a destruição da segurança pessoal, liberdade, saúde, dignidade e até
mesmo da vida dos indivíduos pertencentes a esses grupos. (LEMKIN,
1944, s/p, tradução nossa).
4
Apesar de haver um consenso acerca da denição do termo, exis-
tia o temor de que o passo seguinte no combate ao crime não acontecesse,
o mesmo em relação as políticas de prevenção ao crime do genocídio. O
principal objetivo de Lemkin era que a criação de uma lei internacional
para prevenção e repressão do crime do genocídio fosse desvinculada da
invasão ou desrespeito a fronteiras, e principalmente que houvesse di-
4
Generally speaking, genocide does not necessarily mean the immediate destruction of a nation, except when accompli-
shed by mass killings of all members of a nation. It is intended rather to signify a coordinated plan of dierent actions
aiming at the destruction of essential foundations of the life of national groups, with the aim of annihilating the groups
themselves. e objectives of such a plan would be disintegration of the political and social institutions, of culture,
language, national feelings, religion, and the economic existence of national groups, and the destruction of the personal
security, liberty, health, dignity, and even the lives of the individuals belonging to such groups.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
94
ferenciação entre genocídio e guerra. Já no âmbito da Organização das
Nações Unidas, em 11 de julho de 1948 foi aprovada a Convenção para a
Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. A partir dela, a denição
de Lemkin tomou mais força, uma vez que estava amparada juridicamente.
A Convenção entrou em vigor em 12 de janeiro de 1951, após a raticação
de 20 membros. (BRASIL,1952).
O primeiro artigo da Convenção dene que os Estados se com-
prometem a prevenir e punir o crime do genocídio, havendo assim a ne-
cessidade de empenho por parte dos contratantes. O segundo artigo dene
que os atos considerados como genocídio são aqueles cometidos com a
intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, racial, ét-
nico ou religioso. Alguns exemplos dos atos descritos como genocídio são:
assassinatos de membros do grupo; medidas destinadas a impedir os nas-
cimentos no seio do grupo; atentado grave à integridade física e mental de
membros do grupo. (BRASIL,1952).
Uma das principais críticas ao texto da Convenção foi o fato da
exclusão de grupos políticos. Para Canêdo (1999) a exclusão desses grupos
pode levar o Estado a usar a “desculpa” de que ataques contra grupos reli-
giosos ou étnicos ocorram por motivos políticos, apontando que:
Na verdade, o que se buscou, ao se excluir o genocídio de grupos políti-
cos da Convenção, foi um consenso internacional que necessariamente
envolvesse as duas novas superpotências surgidas como consequência
da guerra, e que contasse com apoio das potencias europeias, países
com peso relativo no cenário internacional. Essa necessidade constituiu
fator determinante para que a Convenção viesse a lume com imper-
feições, já que os fatores políticos e as relações de poder não raro se
zeram prevalecer. (CANÊDO, 1999, p. 97).
O terceiro artigo da Convenção prevê que são passíveis de puni-
ção o genocídio em si, o acordo com vista a cometê-lo, a tentativa e cum-
plicidade no genocídio, o incitamento direto e público do citado crime.
O quarto artigo assinala que qualquer pessoa pode ser punida pelo crime,
sendo elas governantes, funcionários ou particulares. Em relação a este úl-
timo artigo, Power (2004, p. 84) aponta “os Estados não teriam mais o
direito legal de ser deixados em paz”, uma vez que até os responsáveis por
tomar as decisões poderiam ser punidos.
95
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
O artigo quinto determina que as partes contratantes devem ado-
tar as medidas legislativas necessárias para assegurar a aplicação das disposi-
ções da Convenção e prever sanções penais ecazes para os responsabiliza-
dos pelo crime de genocídio. O artigo sexto dene que os julgamentos de
genocídio devem ocorrer em tribunais competentes do Estado que sofrera
a agressão, ou pelo tribunal internacional que tiver competência quanto
às partes contratantes. O artigo sétimo desconsidera o genocídio como
crime político, como o objetivo de negar a possibilidade de extradição.
A Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime do Genocídio foi
considerada como uma norma cogente, ou seja, de observância geral e
obrigatória a todos os Estados (BYERS, 2007, p. 17).
5
A Convenção do Genocídio não se viu longe de críticas:
A fraqueza da Convenção de 1948 reside, justamente, no fato de ela
haver atribuído competência para julgamento dos atos de genocídio
aos tribunais do Estado em cujo território foi o ato cometido, ou ao
tribunal internacional cuja jurisdição tenha sido reconhecida pelas par-
tes contratantes (art. VII). Ora, o genocídio é tipicamente um crime
coletivo, sob a égide de governos ou Estados criminosos. Os tribunais
do Estado em que esse crime é perpetrado não são livres para julgá-lo
enquanto não houver mudança, geralmente violenta de governo ou
Estado. (COMPARATO, 2007, p. 247).
Por mais que a Convenção tenha gerado críticas, e até mesmo
receio dos países para a raticação da mesma, devemos considerar o mo-
mento histórico de sua redação, o ineditismo das questões discutidas, e
principalmente, na importância que teve para os direitos humanos. Porém,
mesmo com todas as medidas tomadas para a prevenção do genocídio,
casos não deixaram de acontecer. Além do Holocausto, que deu origem
a Convenção, genocídios aconteceram no Camboja na década de 70, no
Iraque nos anos 80, em Ruanda nos anos 90, e o caso estudado por esse
artigo, o da antiga Iugoslávia também na última década do século XX.
5
Essa codicação tem caráter imperativo, ou jus cogens, e, portanto, prevalece sobre outras normas que possam
mostrar-se conitantes. A doutrina e a jurisprudência elencam as seguintes normas de jus cogens: Proibição de
genocídio; Proibição de escravidão; Proibição do tráco de pessoas; Proibição de pirataria; Respeito à autodeter-
minação dos povos; Respeito ao Pacta sunt servanda; Fontes do DIP. (BYERS, 2007, p. 17).
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
96
GENOCÍDIO NA ANTIGA IUGOSLÁVIA
Com o falecimento do responsável pela unicação das diversas
nacionalidades dentro do país, Tito:
[...] cujo carisma foi responsável em grande medida pela unidade da
Iugoslávia, além da acentuação de debilidade política e um progressivo
declínio das instituições federais, iniciou-se um processo de forte pola-
rização étnica e de fortalecimento das tensões e movimentos naciona-
listas. (APOSTOLOVA, 1994, p. 89).
Todos os sentimentos separatistas se aoraram, bem como os so-
nhos de uma república obter mais poder que a outra, gerando conitos
internos no Estado iugoslavo. “Sem a presença do Marechal e com a de-
terioração da economia, logo surgiram os sentimentos nacionalistas, du-
rante tantos anos reprimidos.” (AGUILAR, 2003, p. 67). Como destacou
Keegan (1995, p.71),
a política de Tito de sobrepor uma campanha pan-iugoslava, pró- co-
munista e antiEixo à teia de conitos étnicos e religiosos, colaboracio-
nistas e anticolaboracionistas locais já em andamento, como também
de romper todas as tréguas onde quer que as encontrasse, teve de fato o
efeito de transformar muitas guerras pequenas numa única guerra [...].
Além do falecimento de Tito, e o vácuo de poder deixado, outros
dois fatores foram fundamentais para levar ao reaparecimento das tensões
no país. O primeiro foi o colapso do bloco socialista, que colocou em che-
que a política pró-comunista defendida desde o início do governo de Tito.
O outro fator constituiu na intensa crise econômica e social decorrente do
m da Guerra Fria. (BIGATÃO, 2009).
Os sérvios, liderados por Slobodan Milosevic foram os primeiros
a colaborar com a dissolução da unidade da Iugoslávia. Já em junho de
1991 foram os Eslovenos, em uma declaração de independência após ple-
biscito, a forçar a ruptura da aliança entre as repúblicas. Após essa atitude,
o primeiro conito armado se estabeleceu, uma vez que, o Exército do
Povo da Iugoslávia invadiu a república agora independente. Este primeiro
combate durou dez dias, sendo apenas nalizado com um acordo de paz
entre as partes.
97
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Diferentemente da Eslovênia que não possuía minoria sérvia,
na Croácia a independência não acontecerá com facilidade. Em junho de
1991 a Croácia se declara independente e a reação do governo iugoslavo foi
imediata. O exército da Iugoslávia se organizou para proteger os territórios
considerados sérvios agora em posse dos croatas. A guerra se estendeu por
mais de quatro anos, sendo que nos primeiros sete meses a Croácia perdeu
o controle de mais de um terço de seu território. No período de combate:
A Croácia durante estes anos, fez apelos para que os sérvios da Krajina
permanecessem em suas casas, prometendo que seriam tratados como
croatas. Também pressionou a ONU para que uma solução política,
aceitou algumas imposições internacionais, mostrando-se aberta ao diá-
logo, enquanto, na realidade, preparava operações militares com objetivo
de limpar denitivamente os sérvios do país. (AGUILAR, 2003, p. 136).
As consequências da independência da Croácia e da Eslovênia
não tardaram a se espalhar entre as nações iugoslavas, acelerando a frag-
mentação.
O processo de desintegração da República Federativa da Iugoslávia
tornou-se ainda mais problemático após o reconhecimento da inde-
pendência política da Eslovênia pela Alemanha e pelo Vaticano, e da
independência da Croácia por parte da Comunidade Europeia, em ja-
neiro de 1992. Com isso, a Sérvia, liderada por Slobodan Milosevic,
intensicou a dominação política nas repúblicas que haviam restado,
principalmente na Bósnia, que havia declarado seu desejo de emanci-
par-se. (BIGATÃO, 2009, p. 125).
O caso tomou maiores dimensões após minorias étnicas inicia-
rem um processo de oposição à separação das repúblicas. Existiu dentro
da Croácia, liderados por Milosevic, a organização de grupos sérvios, cujo
objetivo era gerar barreiras para a total emancipação croata. Já na Bósnia-
Herzegovina, devido a sua pluralidade religiosa e étnica, o empasse tomou
maiores proporções. Lá também houve a organização de grupos em defesa
dos interesses sérvios, também como houve grupos em defesa dos croatas,
com interesses opostos. Os croatas-bósnios eram favoráveis a ocupação de
território que reivindicavam como sendo seus, já os sérvios-bósnios faziam
pressão contrária a independência da Bósnia.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
98
Nesse contexto, demonstrando um claro receio de que um novo
holocausto pudesse vir a ocorrer, o Conselho aprovou a Resolução 808,
de fevereiro de 1993. (UN, 1993a). Ficou decidido que se estabelece-
ria um tribunal para julgar as violações aos direitos humanos na antiga
Iugoslávia, o legitimou a tomada de decisões que levassem a intervenção
em Estados promotores de tais violências. (REZEK, 2008). Em maio de
1993, o Conselho de Segurança da ONU estabeleceu, através da resolução
827, a criação do Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia
(International Criminal Tribunal for the former Yugoslavia – ICTY), que
tinha por competência a investigação das violações à Convenção do
Genocídio, ocorridas no território da antiga Iugoslávia desde 1991. (UN,
1993b). O ICTY sofreu grande desconança em relação a sua efetividade
e credibilidade, principalmente devido ao pequeno apoio internacional.
Mesmo com a existência do ICTY, o conito não abrandou.
A Guerra na Croácia gerou tensões na Bósnia-Herzegovina, a república
mais sensível da antiga Iugoslávia, por possuir população mais etnica-
mente heterogênea, com 43,7% de bósnios-mulçumanos, 31,4% de
sérvios e 17,3% de croatas. A república bósnia possuía um governo de
coalizão entre partidos muçulmanos, sérvio e croata e o presidente da
coalizão era Izetbegoviv, líder do partido muçulmano. O presidente de-
clarou neutralidade da Bósnia perante a guerra entre Sérvia e Croácia,
o que foi considerado como atitude antissérvia pelo partido sérvio, que
retirou seus deputados da assembleia e estabeleceu um parlamento pró-
prio, a “Assembleia Nacional Sérvia”. Com a declaração de indepen-
dência em março de 1992, que recebeu apoio internacional, as forças
sérvias, sob o nome de Exército Sérvio da Bósnia ocuparam grande
parte da república. (SOUZA, 2010, p. 47).
Um dos principais fatores para o agravamento do caso constituiu
na falta de informações sobre o que vinha acontecendo, pois, eufemismos
e sinônimos eram usados para mascarar o crime de genocídio, protegendo
assim as grandes potências dos custos de uma intervenção mais compro-
metida. Nesse sentido Byers (2007, p. 34) diz que a maioria dos jornalis-
tas e funcionários governamentais dos países do Conselho de Segurança
adotaram o termo “limpeza étnica” para se referir aos crimes cometidos,
este termo possui menos força e ressonância moral, evitando o clamor da
opinião pública.
99
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
O evento que mais marcou esses conitos entre as nações que se
distanciavam da antiga Iugoslávia foi o massacre de Srebrenica, na Bósnia,
ocorrido em julho de 1995. Neste evento, os sérvios bombardearam a cida-
de, que estava sob a supervisão de peacekeepers holandeses. O bombardeio
foi seguido de uma invasão da cidade, que culminou com o assassinato de
7.500 civis. (BELLAMY; WILLIAMS; GRIFFIN, 2010, p. 137). Além
disso, os sérvios exigiram que os muçulmanos deixassem o território, bem
como a retirada das tropas da ONU.
A primeira reação às exigências sérvias foi um ataque aéreo reali-
zado pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), denomi-
nado pela Grã-Bretanha e França como Força de Ação Rápida. Porém esta
força tinha como claro objetivo a proteção dos militares dos dois países que
estavam atuando na UNPROFOR. No m de agosto a OTAN conduziu
uma segunda série de ataques a bases sérvias na Bósnia, destruindo instala-
ções militares na região de Sarajevo. Como aponta Bigatão (2009, p. 130)
cada vez mais a ONU perdia credibilidade para cumprir os propósitos do
mandato da missão de paz, cedendo espaço para que a OTAN assumisse
um papel mais ativo para impor, e não manter, a paz na Bósnia.” Além
deste massacre, a guerra entre sérvios, croatas e muçulmanos levou a morte
de mais de 220 mil pessoas, sendo 160 mil muçulmanos, 30 mil croatas,
25 mil sérvios e cinco mil de outras etnias (UNHCR, 2002).
Economides e Taylor (2007, p. 78) apontam que a ofensiva da
OTAN foi fundamental para que se iniciassem os processos para um acor-
do de paz, que foi assinado em 14 de dezembro de 1995, estabelecendo os
Acordos de Dayton. A guerra foi nalizada, porém os estragos do conito
eram claros, havia acontecido um genocídio na região:
[...] foi vericado, por órgãos da ONU, que a prática de limpeza étnica
envolveu métodos como inquietação, discriminação, agressão, tortura,
execuções sumárias, transferência de população à força, estupros, con-
sco de propriedades e destruição de casas, locais de trabalho, institui-
ções culturais e religiosas. (AGUILAR, 2003, p. 128).
Além disso, Aguilar e Mathias (2012, p. 451) armam que os
conitos não terminaram,
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
100
Apesar de encerrada a guerra, o governo sérvio manteve uma série de
restrições na sua província do Kosovo, de maioria albanesa como proi-
bição do uso da língua e a perda de liberdades individuais. O sentimen-
to de insegurança dos albaneses e o sentimento nacionalista resultaram
em ações armadas contra as forças nacionais (dominadas pelos sérvios)
e contra a população de minoria sérvia na província. Em consequên-
cia, houve a intervenção do exército iugoslavo contra os guerrilheiros
albaneses e, posteriormente, a intervenção da OTAN em 1999, contra
as forças sérvias para proteger a minoria albanesa.
Em maio de 1999, a cúpula da Iugoslávia foi indiciada por cri-
mes contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional para Antiga
Iugoslávia. O artigo quarto da Convenção para Prevenção e Repressão do
Crime do Genocídio fez com que Slobodan Milosevic se tornasse o pri-
meiro chefe de Estado sofrer uma ação penal em pleno exercício do poder.
(FURTADO, 2013, s.p). Em fevereiro de 2007, a Corte Internacional de
Justiça decidiu que a Sérvia, como sucessora da República Federativa da
Iugoslávia, violou as obrigações com a Convenção do Genocídio, sendo
condenada pela não prevenção do genocídio em Srebrenica e por não cola-
borar com o Tribunal Penal Internacional.
(DROUB, 2007).
Apesar de Milosevic ter morrido em 2006, enquanto aguardava ser
julgado pelo ICTY, os julgamentos continuaram:
Atualmente, mais de 50 casos já forma julgados, nove estão em proces-
so de julgamento, três estão em processo de apelação e um caso está em
fase de préjulgamento. Goran Hadžić é acusado de perseguições por
motivos raciais, religioso ou políticos; extermínio; assassinatos; atos
desumanos; tortura; deportação e transferência à força; maus tratos;
destruição de aldeias ou devastação não justicada por necessidade mi-
litar; destruição ou danicação deliberada de instituições dedicadas à
educação e religião e pilhagem de propriedade pública ou privada. Já
Ratko Mladić é acusado de genocídio, cumplicidade em genocídio,
perseguições, extermínio e assassinato, deportações e atos desumanos,
inigir terror a civis, tratamentos cruel, ataques a civis e de fazer reféns.
(SOUZA, 2010, p. 63).
101
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
O CONSELHO DE SEGURANÇA E O CASO DA ANTIGA IUGOSLÁVIA
A atuação do Conselho de Segurança não parou na criação do
ICTY, muitas resoluções foram aprovadas para discutir o assunto, princi-
palmente a questão da proteção da população bósnia. Além da resolução
que deu origem ao Tribunal, outras resoluções foram aprovadas sobre o
conito, inclusive as que deram início às operações de paz. Dentre elas,
apresentaremos aqui as mais importantes, que deram maior contribuição
para o m do conito. A primeira resolução de importância sobre o con-
ito foi a de número 713, de 25 de setembro de 1991, que, a pedido do
representante da Iugoslávia na ONU, decretou um embargo de armamen-
tos a todas as repúblicas da antiga Iugoslávia (UN, 1991). Cinco meses se
passaram até que em 21 de fevereiro de 1992 fosse estabelecida a criação
da UNPROFOR (Força de Proteção das Nações Unidas), cujo objetivo era
monitorar o cessar fogo nas Áreas de Proteção (UNPAs – United Nations
Protected Areas) na Croácia (UN, 1992a). A missão foi pensada nos moldes
das outras operações de paz já colocadas em prática pela ONU, pondo a
questão do monitoramento do cessar fogo e da negociação imparcial como
particularidades do caso.
Pouco mais de quatro meses foram sucientes para os membros
do Conselho percebessem que o mandato da UNPROFOR deveria ser am-
pliado, incluindo também a Bósnia como área de atuação, uma vez que, os
sérvio-bósnios ocuparam áreas no leste da república, banindo os croatas e
muçulmanos residentes nesses locais. Byers (2007, p. 33) aponta que “nos
cinco primeiros meses de conitos mais de 700 mil pessoas foram expulsas
de uma região correspondente a setenta por cento do território da Bósnia-
Herzegovina.” Além disso, a resolução 758, de 08 de junho de 1992, também
determinou a proteção da entrega de assistência humanitária (UN, 1992b).
Bellamy, Williams e Grin (2004) apontam que a simples am-
pliação do mandado da missão por parte do Conselho de Segurança não
foi suciente para suprir as demandas bósnias por segurança, já que o pes-
soal humanitário não recebeu devido treinamento, cando sem orientação
de como proceder. A crítica apresentada pelos autores é que o único ponto
em que o pessoal humanitário tinha ciência de suas funções era o mo-
nitoramento do acordo cessar fogo, que era constantemente colocado de
lado. Com o objetivo de controlar a distribuição de ajuda humanitária, os
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
102
comboios da ONU se tornaram alvos preferenciais das forças do conito.
Contudo, faltava ao pessoal humanitário os meios para impedir estes ata-
ques, não conseguindo assim cumprir a determinação da resolução 728.
Já no âmbito dos direitos humanos, a resolução 770, de 13 de
agosto de 1992, requisitou que fosse liberado o acesso de representantes do
Conselho a todos os campos de refugiados e prisioneiros de guerra (UN,
1992c). Percebendo a necessidade de dar maior força a UNPROFOR, os
membros do Conselho aprovaram a resolução 776, de 14 de setembro de
1992, que ampliou o mandato da missão, incluindo também a proteção
aos comboios de ajuda humanitária, fato decorrente das alterações feitas
em junho daquele ano (UN, 1992d). Já percebendo que a principal dispu-
ta visando à independência se daria em território bósnio, o Conselho apro-
vou a resolução 781, de 09 de outubro de 1992, que determinou a criação
de uma área de espaço aéreo livre (no-y zone) sobre a Bósnia (UN, 1992e).
Já no ano de 1993, houve uma importante mudança no papel
do Conselho no assunto, uma vez que foi aprovada a resolução 816, de
31 de março de 1993, que deu autorização para que o contingente da
UNPROFOR utilizasse medidas coercitivas para garantir o respeito à
área de espaço aéreo livre (no-y zone) sobre a Bósnia (UN, 1993c). O
Conselho de Segurança aprovou então que a missão deixasse de ser exclu-
sivamente de manutenção da paz, passando a ser também de imposição da
paz. (BIGATÃO, 2009, p. 128).
Continuando com o enfoque no conito na Bósnia, o Conselho
aprovou a resolução 819, de 16 de abril de 1993, que estabeleceu uma
área protegida (safe area) em Srebrenica, Sarajevo, Gorazde, Zepa, Tuzla e
Bihac, cabendo às forças da ONU garantir a segurança dessa região (UN,
1993d). Por mais que os membros do Conselho demonstrassem preocupa-
ção com o caso, as medidas continuavam insucientes.
Para garantir algum resultado satisfatório nessas áreas de segurança, o
SecretárioGeral Boutros-Ghali recomendou que o contingente militar
da UNPROFOR fosse reforçado com 34.000 soldados, mas o CSNU
autorizou apenas um adicional de 7.600 peacekeepers. Com um con-
tingente muito menor que o necessário, a missão de paz não obteve
sucesso em garantir a segurança dos civis que habitavam as áreas prote-
gidas. (BIGATÃO, 2009, p. 130).
103
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Tentando sanar a insuciência de pessoal, visando dar mais ga-
rantias de segurança aos civis, foi aprovada a resolução de número 836,
de 04 de junho de 1993, que autorizou o contingente da UNPROFOR a
utilizar a força aérea para dissuadir ataques contra as áreas protegidas (UN,
1993e). Bigatão (2009, p. 128) aponta que os resultados dessas resoluções
não foram sucientes para cessar o conito, já que os agentes das Nações
Unidas não tinham mandato nem meios para intervir diretamente nos
ataques por terra, tampouco diretamente no conito.
Dois anos após a autorização do uso de ataques aéreos visando à
proteção das áreas protegidas, determinada pela resolução 819, os mem-
bros do Conselho, aprovaram a resolução 998, que saudou a criação da
Força de Reação Rápida da OTAN (UN, 1995a). A entrada da OTAN só
se fez necessária devido aos ataques a cidade de Srebrenica, então safe area
protegida pelos holandeses. (BELLAMY; WILLIAMS; GRIFFIN, 2010).
Por m, a resolução 1035, de 21 de dezembro de 1995, autorizou
o desdobramento da Força Militar Multinacional de Aplicação do Acordo
de Paz (IFOR), sob responsabilidade da OTAN. (UN, 1995b). Sendo as-
sim, o Conselho de Segurança, por meio da resolução 1035,
decide estabelecer, por um período de um ano a partir da transferência
de autoridade da Força de Proteção das Nações Unidas para a Força
Militar Multinacional de Aplicação do Acordo de Paz (IFOR), uma
força civil de polícia das Nações Unidas que se denominará Força
Internacional de Polícia (IPTF), que será responsável pelas tarefas
enunciadas no anexo do artigo 11 do Acordo de Dayton. (UN, 1995b,
s.p, tradução nossa).
6
Após a assinatura dos Acordos de Dayton, a UNPROFOR
foi desmembrada em três, que deveriam atuar de forma coordenada.
As missões criadas foram: a Operação de Restauração da Conança na
Croácia (UNCRO); a Missão das Nações Unidas na BósniaHerzegovina
(UNMIBH); e a Força de Desdobramento Preventivo das Nações Unidas
6
Decides to establish, for a period of one year from the transfer of authority from the United Nations Protection
Force to the multinational implementation force (IFOR), a United Nations civilian police force to be known as the
International Police Task Force (IPTF) to be entrusted with the tasks set out in Annex 11 of the Peace Agreement.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
104
(UNPREDEP). Além dessas operações de paz, durante os conitos outras
missões também foram aprovadas pelo Conselho.
7
Apresentando estas resoluções, pode-se notar que o Conselho
de Segurança não ignorou o conito existente nos Bálcãs, porém o que
deve ser analisado é o teor das discussões feitas e das resoluções aprovadas.
No caso da antiga Iugoslávia o Conselho e, principalmente, os membros
com direito ao veto, evitaram atuar com mais empenho na prevenção do
genocídio. Esse fato mostra que os membros permanentes do Conselho
não atuaram de acordo com o artigo 24 da Carta da ONU, que deter-
mina que serão obrigados a agir imediatamente e com ecácia, devendo
ser os principais responsáveis pela manutenção da paz. (UN, 1945). Além
do mais, Bigatão (2009) classica as decisões do Conselho como sendo
sempre reativas, mudando os rumos da missão de paz de acordo com os
acontecimentos, ignorando um planejamento ou continuidade. A autora
também aponta que:
Apesar das diversas alterações dos objetivos da UNPROFOR, a mis-
são não obteve os meios necessários para execução de seu mandato.
A relutância em aumentar o contingente militar e em disponibilizar
equipamento adequado às circunstâncias do confronto foram alguns
dos entraves à operacionalização da UNPROFOR. Esta inadequação
entre os meios e os ns gerou muitos problemas para a ONU, até que
o CSNU decidiu transferir as atividades de resolução do conito para
a OTAN. (BIGATÃO, 2009, p. 134)
A transferência do controle das atividades de resolução do coni-
to mostra que o Conselho não conseguiu seguir as determinações de suas
atividades. Quando se analisa suas funções, mais casos de desrespeito a
Carta da ONU cam claros, principalmente quando o texto determina que
cabe a este órgão das Nações Unidas a manutenção da paz e da segurança
internacional de acordo com os princípios e propósitos da Organização.
(UN, 1945). Outros pontos que não foram cumpridos no caso da antiga
Iugoslávia foram investigar qualquer disputa ou situação que possa vir a
se transformar em um conito internacional; determinar se existe uma
7
As missões de paz da ONU para o conito na Iugoslávia foram: United Nations Peace Force (UNPF), United
Nations Transitional Authority in Eastern Slavonia, Baranja and Western Srmium (UNTAES), United Nations
Mission of Observers in Prevlaka (UNMOP), United Nations Interin Administration Mission in Kosovo (UNMIK)
e United Nations Police Support Group (UNPSG).
105
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
ameaça para a paz ou ato de agressão e recomendar quais medidas devem
ser tomadas; solicitar aos países que apliquem sanções econômicas e outras
medidas que não envolvam o uso da força para impedir ou deter alguma
agressão. Por mais que algumas das atribuições do Conselho tenham sido
discutidas, ou mesmo colocadas em prática, não foram sucientes para evi-
tar o massacre, devendo ser discutido o porquê da não maior participação.
Um dos fatores que levaram os membros permanentes a não in-
tervenção foi o temor de que ações nesse sentido pudessem signicar risco
à soberania do país afetado, sendo assim, uma barreira à prevenção e re-
pressão ao crime do genocídio. Ou seja, não existiu a prioridade em salva-
guardar a segurança e a paz, o que evitaria a morte de milhares de pessoas.
Outro ponto importante, esse apresentado por Bigatão (2009, p. 126), é
que “a ONU tratava a crise como um problema de manutenção das fron-
teiras do Estado iugoslavo, e não como uma questão de autodeterminação
e de proteção dos direitos das minorias étnicas.”.
Ao mesmo tempo, Ferreira (1995) em um curto texto resume
bem a relação de forças presente no conito, principalmente o papel dos
membros permanentes do CSNU. O autor defende que mesmo com a
queda do muro de Berlim, o antagonismo entre os EUA e a Rússia persis-
tia, reetindo nos apoios durante a separação iugoslava. Os Estados Unidos
da América não possuíam interesses na região, caso tivessem, agiriam com
a mesma rapidez e força da
Guerra do Golfo. Além disso, o autor aponta que “a cerca de um
ano das eleições, os congressistas não estão dispostos a arriscar vidas ame-
ricanas, pois custaria-lhes votos.” (FERREIRA, 1995, p. 1). Outro fator
que afastou os estadunidenses do caso se deu devido à dicotomia entre
a Turquia muçulmana e Grécia ortodoxa, ambas parceiras dos EUA, os
gregos apoiavam os sérvios, já os turcos apoiavam os bósnios. Para evitar
atrito entre seus dois aliados estratégicos, os Estados Unidos da América
preferiram não se posicionar. Contudo, o autor assinala que o fato de evitar
o posicionamento não impediu os EUA, tampouco a Alemanha, de contri-
buir militarmente com a Croácia. A explicação dada é que: “se com a ajuda
internacional a Bósnia-Herzegovina se rmar, a Croácia será a última fron-
teira católica da Europa frente aos muçulmanos.” (FERREIRA, 1995). Do
lado oposto ao que defendiam os EUA, a Rússia se rmou como apoiadora
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
106
histórica da Sérvia, desde os períodos de União Soviética. Além do mais,
os russos temiam que a entrada de tropas militares da OTAN na região po-
deria ser uma ameaça a sua segurança. Fora essas duas potências, o Reino
Unido seguia com o alinhamento ao que defendia os EUA. Já a França,
após a eleição de Chirac, apresentou postura em oposição aos sérvios, de-
fendendo a retomada de força da ONU. (FERREIRA, 1995).
Por m, Nogueira (2000) aponta que a experiência dos EUA na
Somália, onde 18 soldados foram assassinados em confrontos com milícias
locais, levou os estadunidenses a repensar seu apoio a uma intervenção
semelhante na antiga Iugoslávia. Um dos fatores que comprovam isso foi o
não envio de efetivo militar para a UNPROFOR. Contraditoriamente, os
EUA apoiaram a investida da OTAN no m de agosto de 1995, principal-
mente o uso da força. (BIGATÃO, 2009).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mundo está bem consciente de que a promessa de “nunca mais
depois do Holocausto era vazia. Ou talvez a promessa em si não fosse
vazia, ela foi provavelmente feita com a verdadeira convicção de nunca
mais falhar em responder às atrocidades em massa. Mas o fato é que a
promessa foi quebrada várias vezes ao longo dos últimos sessenta anos.
(ASKIN, 2006, p. 1723, tradução nossa).
8
Muito se tem dito sobre a obsolescência das Nações Unidas, visto
que suas estruturas estão desatualizadas e que seus papéis têm sido ultra-
passados pelas relações de poder dinâmicos que prevalecem hoje. E é claro
que as relações de poder de agora não são as mesmas das existentes a época
da criação da Organização. Por mais que o conito na antiga Iugoslávia
tenha gerado sete missões de paz da ONU, a explicação para esses números
vem da localização do conito, não por questões humanitárias, mas sim
pelo medo que a instabilidade rumasse para oeste, atingindo outras nações
no momento posterior a queda do muro de Berlim, o que afetaria ainda
mais o continente europeu.
8
e world is now well aware that the promise of “never again” after the Holocaust was an empty one. Or perhaps the
promise itself was not empty, as it was likely made with true conviction to never again fail to respond to mass atrocity.
But the fact is that the pledge has been repeatedly broken over the past sixty years.
107
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Deve-se atentar para o modo como o interesse motiva a atua-
ção dos Estados no sistema internacional. Para Chomsky (2000) o inte-
resse estatal pode ser apontado como o principal motivo para o fracasso da
Convenção do Genocídio, uma vez que, os Estados só têm demonstrado
um maior interesse em atuar na prevenção do genocídio quando podem
ser afetados pelo crime. Sendo assim, no âmbito do Conselho de Segurança
da ONU, a Convenção só adquire vigor quando serve aos propósitos dos
membros permanentes.
Não se podem ignorar os avanços que a Convenção para Prevenção
e Repressão do Crime do Genocídio gerou, principalmente na repressão
ao crime, porém as falhas estão claras devido aos casos de genocídio acon-
tecidos após a Convenção. O caso especíco da antiga Iugoslávia mostra
que para evitar novos fracassos, é necessária uma reavaliação das priorida-
des dos Estados, principalmente dos membros permanentes do Conselho.
Mostrando mais uma vez a necessidade de uma reformulação na estrutura
do Conselho de Segurança da ONU, onde o principal objetivo deva ser a
defesa da paz, segurança e direitos humanos, não os interesses particulares
dos membros permanentes, sejam eles políticos ou econômicos. A inu-
ência dos membros com direito a veto não constituiu na causa para que o
conito ocorresse, porém suas vontades, posições e inação foram determi-
nantes para que o número de vítimas fosse tão grande.
Por m, o papel da ONU no caso deve ser discutido, pois a Carta
elaborada após sua criação foi desrespeitada. Em primeiro lugar, Seitenfus
(2005) defende que o artigo 39 da Carta da ONU abriu um grande leque
de interpretações, principalmente em relação os membros permanentes do
Conselho de Segurança no que tange a determinação de existência de qual-
quer ato de agressão ou ameaça à paz. Além disso, a questão da vontade
também é discutida, sobretudo quando acontecem casos de genocídio.
A falha da comunidade internacional em intervir de uma forma ecaz
que evitasse os genocídios no m do século XX, ou que minimizassem
seus efeitos, pode ser diretamente vinculada à atuação da ONU em
relação aos conitos. Anal, a vontade coletiva de promover a paz e a
segurança internacionais incide apenas no dever dessa organização de
assegurar que esses objetivos sejam cumpridos do melhor modo possí-
vel.
(OLIVEIRA; GROSSMANN, 2012, p. 18)
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
108
As principais motivações que levam a respostas lentas por par-
te do Conselho de Segurança, e da ONU como um todo, são a falta de
esforço coletivo na garantia da segurança e da paz, além da burocracia
interna e a falta de fundos que engessa a Organização. Estas questões tam-
bém se enquadram na necessidade de revisão do funcionamento da ONU,
passando desde a reforma do Conselho até a necessidade de se conseguir
maiores nanciamentos. Fica claro que a vontade dos Estados-membros,
principalmente dos permanentes do Conselho, historicamente mais ricos,
afetam tanto na diculdade em conseguir recursos, como também na falta
de interesse em assumir maiores responsabilidades perante conitos, como
no caso aqui estudado.
Ademais, o caso da antiga Iugoslávia nos mostra que mesmo
quando há o interesse por parte da ONU em intervir em um conito
e buscar a paz, para que isso ocorra de maneira mais ecaz é necessário
fazer um estudo da natureza da questão e de suas particularidades. Isto é
imprescindível para evitar a determinação de objetivos vagos que, além de
não contribuir com o m do conito, podem afastar o apoio dos Estados-
membros, indo de encontro aos interesses dos membros permanentes do
Conselho de Segurança.
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113
Política Argentina
114
115
ANÁLISIS DE LA SITUACIÓN ACTUAL
ARGENTINA: 30 AÑOS DE DEMOCRACIA.
“¡RAYOS Y CENTELLAS! ¡RECÓRCHOLIS!”
Federico Storani
Los seres humanos y también los animales que habitan la
Argentina actual han sido víctimas con inusitada frecuencia de fenómenos
naturales que con violencia cegaron vidas y produjeron cuantiosos daños.
Pareciera que estuviéramos bajo el inujo de una persistente tempestad
poblada de malos presagios y nubarrones que impiden ver cuando
escampará la tormenta, escondiendo el luminoso sol brillante estampado
en nuestra bandera nacional.
Las reiteradas invocaciones a Dios, por parte de los funcionarios
(si Dios quiere o gracias a Dios) buscando la complicidad del Papa
Francisco (no hay certeza si Dios es argentino, pero el Papa sí lo es) como
interlocutor privilegiado del Supremo para que una vez más, nos saque
las papas del fuego y nos ponga a salvo del marasmo resulta recurrente y
patético.
Siguiendo con la metáfora, los argentinos intentamos hallar al
piloto de tormentas” mientras navegamos a la deriva, al garete, librados a
nuestra suerte.
No es mi propósito describir en detalle cómo llegamos a esta
situación, pero sí señalar sucintamente cómo podríamos haber navegado
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-769-2.p115-122
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
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por aguas más seguras y previsibles y cómo todavía estamos a tiempo de
retomar el timón y enderezar el barco antes de que naufrague.
No hubo “década ganada”, sino dilapidada. Cuando todos los
astros se alineaban a nuestro favor y el viento soplaba en popa, venturoso,
no lo aprovechamos. La inmejorable coyuntura económica internacional
mostraba a los países emergentes, en particular las dos naciones más
pobladas del planeta: China y la India demandando alimentos para sostener
su crecimiento y agreguemos a nuestro vecino Brasil, socio en el Mercosur
que obraron como una locomotora que nos arrastraba hacia el crecimiento
inevitable. Los precios de los productos primarios (commodities) alcanzaron
niveles récord y se sostuvieron más aun que en la época en que Argentina
era conocida como “el granero del mundo”. Los países desarrollados del
1er mundo, en particular EEUU de Norteamérica, bajaban sus tasas de
interés hasta niveles casi inexistentes como un recurso para salir de la
recesión económica que los golpeaba y aun lo hace. Es decir, teníamos el
panorama soñado: altos precios de nuestros productos exportables y bajas
tasas de interés en el mercado nanciero internacional. Fue la época del
crecimiento “a tasas chinas” como se ufanaba en propagandizar el gobierno
y un fuerte superávit de la balanza comercial, que permitía aumentar las
reservas de divisas, tener mayor autonomía y recursos para invertir.
La pregunta es: ¿se aprovechó esa oportunidad que se brinda una
vez cada 50 años? Terminantemente no. Se dilapidó.
RAYOS Y CENTELLAS
En vez de invertir en la infraestructura esencial para sostener el
crecimiento y saltar hacia el desarrollo, tal como es la energía y el transporte,
se eligió el camino de la demagogia propia del populismo subdesarrollado.
Se desató un festival de subsidios que encubrían groseros casos de
corrupción, como ocurrió en el transporte con los “amigos” Cirigliano. En
lugar de crear ciudadanía con mejor calidad educativa y participación, se
optó por las prebendas para engrosar el clientelismo político que asegurara
algunos triunfos electorales. En pocas palabras: se eligió la política de pan
para hoy, hambre para mañana.
117
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
A los primeros atisbos de crisis se desmorona el “modelo” con
cimientos cenagosos. No lo sostiene ni la épica articial de un “relato
mentiroso. Los derechos humanos ardieron en la hoguera de los negociados
entre Bonani y Shocklender y la claudicación de Carlotto ante Milani
entre otros ejemplos. El tren bala que uniría Buenos Aires-Rosario-Córdoba
y las inversiones chinas en trenes de altura, se estrellaron en los andenes de
Once del Ferrocarril General Sarmiento convirtiéndose en devorador de
decenas de vidas y millones de sueños de los trabajadores argentinos que
cotidianamente lo padecen, mientras el Belgrano Cargas todavía espera
unir la producción de 11 provincias para apuntalar la exportación.
Se eligió ser un país vial, sin las rutas adecuadas y pasamos a ser el
2do país en América Latina después de Méjico con accidentes mortales de
tránsito, constituyendo una epidemia, con el agravante de que se consume
el combustible que no tenemos y poluciona el medio ambiente. Salir a las
rutas nacionales y provinciales es casi como jugar a la ruleta rusa.
El “capitalismo de amigos” favorece emprendedores como Lázaro
Báez o Cristóbal López, nuevos íconos de empresarios que no corren
ningún riesgo y tributan al ocialismo. El hedor de la corrupción nos trae
el recuerdo de casos y apellidos disimulados en la época de las vacas gordas:
Skanska, Antonini Wilson, Felisa Miceli, Jaime, etc.
El relato sobre la soberanía nacional se desvanece con los acuerdos
de Chevron, las Mineras y la ley sobre Glaciares.
Como telón de fondo, subyace la degradación institucional:
record de DNU; superpoderes en cabeza del Jefe de Gabinete quien dispone
discrecionalmente de los recursos, aun de aquellos votados por el Congreso
Nacional; modicación del Consejo de la Magistratura para domesticar la
justicia y garantizar la impunidad de la corrupción que impacta de lleno
en el propio vicepresidente de la nación Amado Boudou y en la mayoría
de los gobernadores K.
Los fenómenos naturales elevaron a la supercie con
dramaticidad la ausencia del Estado: en Capital Federal, La Plata y ahora
San Pedro, los habitantes de esas ciudades y de tantos otros lugares del
país, sufrieron en carne propia la total inexistencia del Estado, en todos
sus niveles, municipal, provincial y nacional y dejaron otando la certeza
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
118
de la corrupción por obras no realizadas o mal construidas. Cientos de
argentinos, sin exageración, encontraron sus sepulturas bajo las aguas por
imprevisión, desidia, negligencia, librados a la buena de Dios y a su suerte.
La Defensa Civil, otrora eciente para prevenir y actuar en catástrofes, ha
sido desmantelada.
SOBRE LLOVIDO, MOJADO
En un interesante artículo, Ricardo Laerrière (2014), describe
los síntomas actuales de la crisis, con elocuencia:
Se han perdido 23.000 millones de dólares en dos años, 13.000 millo-
nes en un año, 1000 millones en veinte días y 200 millones en un día.
La aceleración es obvia para cualquier observador imparcial. La fuga de
divisas se acelerará, a medida que disminuya la cantidad de reservas y
en consecuencia aumente la propensión del público a acceder a divisas
antes que se agoten.
Cuando ello ocurra se detendrán las importaciones, y con ellas la
actividad industrial y la capacidad de pago de la cuenta de energía.
Escaseará el gas, los combustibles y la electricidad.
La caída de valor del peso (inación) reducirá los salarios a un nivel
insostenible, incompatible con la paz social.
La recesión generará, por su parte, un incremento abrupto de la deso-
cupación.
La situación no responderá al estímulo monetario. Aunque se acelere
la emisión, chocará con la falta de productos para comprar. La conse-
cuencia será bordear o desatar la hiperinación.
Los pesos presionarán más fuertemente aún sobre las divisas, que se
considerarán de hecho como la única moneda con valor. Todo en un
escenario ya impregnado de violencia, redes narcos, indisciplina poli-
cial y una “burbuja joven” de millón y medio de jóvenes “ni-ni” (no
estudian ni trabajan).
Es curioso que este gobierno que se denomina a sí mismo como
nacional y popular”, haya tenido casi como único sustento el de promover
el consumismo más desenfrenado, desprovisto de valores, aproximándonos
a lo que Zygmunt Bauman dene como la sociedad “líquida”, consumista
y banal, en contraposición con la “sólida” sociedad del pasado basada en la
119
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
cultura del trabajo, el esfuerzo, el estudio y el espíritu de los pioneros que
constituyeron la nación. Con el agravante de que no hemos pasado por
una sociedad industrial consolidada, por lo que el grado de evanescencia
es innitamente mayor. Como dice George Ritzer: “los domingos por
la mañana las familias no van a misa, van al centro comercial. Y es la
gran salida familiar de la semana. Van no sólo a comprar, sino a disfrutar
mirando, viendo lo que hay”.
Los rayos y las centellas siguieron cayendo sobre la cabeza de los
argentinos. Fue patético ver a la Presidente danzando al compás de una
cacerola junto a los nuevos íconos de la cultura nacional y popular: Moria
Casán, Sofía Gala y Florencia de la V. ¿Hay algo más parecido a la decadencia?
Los 30 años de Democracia fue y es una fecha para conmemorar,
pero las circunstancias no admitían un festejo, cuando buena parte del país
se incendiaba y los muertos se contaban por decenas. ¿No hubiese sido
mejor que un buen piloto de tormentas conmemorara la fecha con una
convocatoria al diálogo a las fuerzas políticas democráticas, los sectores
sociales, los diferentes credos religiosos, para hallar soluciones entre todos,
identicando nuestros principales problemas, tales como la energía, el
transporte, la educación y la seguridad? ¿No hubiese sido ese gesto un
mejor homenaje a la Democracia que tanto nos costó?
El piloto automático indicó seguir sin cambios, con soberbia y
denunciando conspiraciones existentes e inexistentes. Para las existentes de
los grupos económicos concentrados que responden a su lógica de tratar de
sacar rédito cuando ven un poder débil, vacilante y contradictorio hubiera
sido la mejor señal de retomar la iniciativa y ampliar la base de sustentación
para enfrentarlos. Para las inexistentes suenan como meras excusas que
intentan disimular la ineciencia, la improvisación y la corrupción.
Los días posteriores mostraron en su plenitud la crisis energética.
Miles de argentinos sin luz y sin agua padeciendo la mayor angustia e
impotencia.
El ejemplo que se transmite de arriba hacia abajo, de la cúspide
del poder al pueblo (como los rayos y las centellas) no puede ser más
destructivo de la moral y de la ética de un pueblo.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
120
Nada se dijo sobre los saqueos, más que no sea investigar los ante-
cedentes de las víctimas y las remanidas conspiraciones. Es como si nos hu-
biéramos precipitado en un túnel del tiempo, retrotrayéndonos a la época
del lósofo omas Hobbes: en su estado de naturaleza el hombre es lobo
del hombre, egoísta y destructivo. La pregunta es: ¿usted necesita un poli-
cía para saber que no le tiene que afanar a su vecino, al almacén del barrio
a cuyos dueños saluda todos los días y hasta a veces le pide ado? ¿Tan
jodidos estamos? Y…sí. Cuando un país transita hacia la hiperinación, se
fomenta el consumismo y las desigualdades se hacen más graves y odiosas,
es casi la consecuencia natural. La caída de la República de Weimar en
Alemania, por la hiperinación entre otras cosas, precipitó el advenimien-
to del nazismo. La historia ya la conocemos.
¿Se puede superar esta crisis? Claro que sí.
El primer paso es recomponer el poder político, sin el cual cual-
quier medida económica que se tome perderá ecacia muy rápidamente.
Recomponer el poder político no signica ni ser destituyente ni plantear
abreviaturas al mandato de la actual presidente quien debe concluirlo en
la fecha que indica la Constitución Nacional. Signica ampliar la base de
sustentación con una convocatoria como la ya descripta que identique las
medidas urgentes que deben asumirse y las políticas de estado que pueden
ser compartidas.
La legitimidad en un gobierno democrático la otorga la libre ex-
presión soberana del pueblo, que es un todo, mayoría y minoría. La mayo-
ría tiene el derecho circunstancial de gobernar pero las minorías co-gobier-
nan en los poderes constituidos del Estado, como el Congreso. Un gesto
de madurez sería que una vez efectuada la convocatoria e identicados los
temas sugeridos se le diera Trámite Parlamentario urgente para efectivizar
las decisiones.
Si no lo hiciera, como es de presumir por las últimas monsergas
distribuidas a diestra y siniestra, es deber de la Unión Cívica Radical,
principal Partido de la Oposición, efectuar la misma convocatoria amplia
y plantearlo públicamente al gobierno. No se trata de sacar un rédito
político mezquino, se trata de evitar una crisis mucho más profunda con
consecuencias imprevisibles.
121
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Entre las medidas sugiero:
1. Atacar la inación que golpea a los sectores más vulnerables. Para ello
deberán eliminarse gradualmente y estableciendo prioridades los sub-
sidios que han sido parte de la maquinaria de corruptela.
2. Encarar un plan integral de política energética y no meros parches.
Todos los ex Secretarios de Energía, de todas las fuerzas políticas coin-
cidieron en su momento en el diagnóstico que se cumplió y en for-
mular propuestas de un plan energético. El gobierno no tiene más que
tomarlo.
3. Convocar urgentemente al Consejo de Seguridad Interior, que está
previsto en ley vigente y que permite la articulación de políticas de
seguridad entre las Fuerzas Federales (Policía Federal), Gendarmería
Nacional y Prefectura Naval para combatir el creciente agelo de los
delitos complejos, tales como: narcotráco, trata de personas y tráco
de armas. El mismo organismo prevé la coordinación con todas las
Policías Provinciales, y se sugiere la creación de Policías Comunales
para prevenir y combatir los delitos de menor cuantía.
4. Convocar a un nuevo Congreso Pedagógico que revise desde sus ci-
mientos la Educación Pública y Privada en Argentina. El resultado en
las últimas pruebas que indican el dramático retroceso en la calidad
educativa, demuestra que no alcanza con el mero aumento presupues-
tario sino que la sociedad en su conjunto debe encarar el debate acer-
ca del sistema educativo que se requiere para ser competitivos en un
mundo globalizado y mejorar la calidad de vida, atendiendo siempre al
principio de igualdad de oportunidades que garantiza una educación
pública de excelencia.
5. Llamar a constituir un Consejo Económico Social que administre en
la emergencia la puja distributiva para que las medidas que deben to-
marse puedan ser viables.
RECÓRCHOLIS-CÁSPITA
Si además de los rayos y centellas, debemos lidiar con una
Presidente rodeada de un grupo de amanuenses y aplaudidores que no
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
122
toman conciencia de la gravedad y profundidad de la crisis en la cual
nos estamos precipitando, ésto se parecerá a una historieta en la cual la
primera mandataria es una caricatura que entretiene a algunos con sus
admoniciones pero que a la inmensa mayoría de los argentinos le recuerda
las expresiones de aquellas historietas no tan tiernas: recórcholis, cáspita.
REFERENCIAS
LAFFERRIÈRE, R. Reservas e inación: síntomas de la enfermedad terminal
del “modelo , 2014. Disponible en: http://ricardolaerriere.blogspot.com.
br/2014/01/reservas-e-inacion-sintomas-de-la.html. Acesso em. 19 jan 2016
123
Regionalismo
124
125
RUSIA Y LOS BRICS: NUEVOS OBJETIVOS,
DESAFÍOS Y ESTRATEGIAS EN 2014
Isabel Stanganelli Frankenberg
INTRODUCCIÓN
Como parte de las sanciones de la UE y EEUU contra la
Federación de Rusia — iniciadas en febrero de 2014 —, la Comisión
Europea evaluaba en abril la suspensión o reducción de la asistencia al
desarrollo y el nanciamiento a Rusia por el Banco Europeo de Inversiones
— BEI, banco de la UE —. Los principales accionistas del BEI, así como
los del Banco Europeo de Reconstrucción y Desarrollo — BERD — no
deseaban suspender los préstamos a Rusia que, precisamente es uno de
sus 64 países accionistas de esta última entidad (DRAFT…, 2014). En
ese momento ni el BEI ni el BERD habían anunciado nuevos préstamos
a Moscú.
A mediados de julio la Unión Europea ya había decidido detener
o restringir la nanciación de nuevos proyectos en Rusia a través estas dos
entidades crediticias multilaterales (EU CONSIDERS…, 2014). A estas
instituciones se sumaron el FMI y el Banco Mundial.
Tradicionalmente Rusia ha sido el mayor beneciario de los
fondos de ambos bancos: en 2013 recibió 1.800 millones de euros del
BERD y 1.000 millones de euros del BEI.
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-769-2.p125-139
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
126
Estos hechos coincidieron con la 6ª Cumbre de los BRICS en
Fortaleza, Brasil.
EL GRUPO BRICS
En el año 2001 el estratega de Goldman Sachs, Jim O’Neill,
propuso por primera vez el acrónimo BRIC para el grupo de Brasil, Rusia,
India y China, consideradas las economías de más rápido crecimiento del
mundo (WEAFER, 2014). En 2010 Sudáfrica se unió al grupo, cambiando
el acrónimo a BRICS.
Los BRICS son una poderosa fuerza global. Además de contar con
el 40% de la población mundial, el PBI combinado de sus países equivale
al 30 % del PBI mundial, unos 37.400 billones de dólares, mientras las seis
naciones más desarrolladas representan un 33 % del PBI global y el del G7
equivale a 34.200 billones de dólares.
Dadas las diferentes características de los Estados integrantes del
BRICS, se han propuesto mecanismos internos para que el grupo atienda a
las necesidades diferenciales de todos sus miembros. Por ejemplo, Rusia es
la exportadora de energía y de minerales más grande del mundo. Ni China
ni India podrían sostener su actual ritmo de crecimiento sin la importación
de materiales desde Rusia. Rusia es uno de los mayores mercados de
consumo global.
De acuerdo a la OSCE, el 50% de la población de Rusia es clase
media, ante 30 % en Brasil, 21 % en China 11 % en India y 8% en Sudáfrica.
El número de millonarios en Rusia es de 213.000, el 13º puesto en el mundo.
No puede haber ninguna duda de que Rusia es una economía importante.
Cabe recordar que la idea original del BRICS se basaba en
una estrategia de inversiones. Pero desde mediados de 2014 el formato
BRICS descansa en una estrategia muy inteligente y diferente de política y
empresas respecto de otras estructuras políticas y comerciales globales que,
como el Banco Mundial, cada vez dan más prioridad a los intereses de las
naciones más desarrolladas.
En mayo de 2014 el Ministro de relaciones exteriores de Rusia,
Sergei Lavrov, había visitado Cuba, Nicaragua, Perú y Chile, región vista
127
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
tradicionalmente como el patio trasero de Estados Unidos. “Rusia quiere
contrarrestar a los Estados Unidos, pero quiere hacerlo junto con el grupo
BRICS. Al haber sido excluida del G8, Rusia ha cambiado su enfoque
hacia el BRICS y el viaje demuestra que Rusia tiene amigos entre los
vecinos de Estados Unidos.” (ADOMANIS, 2014). Y aunque los BRICS
también padecen problemas económicos, crecieron tan rápidamente que
han cambiado el panorama económico global.
No pueden ser ignorados.
Independientemente de los objetivos ya mencionados en relación
con la evolución de las nuevas instituciones del BRICS, el hecho del
mantenimiento e incremento de sanciones contra Rusia, y desde septiembre
las contrasanciones de Moscú, pusieron en valor al BRICS. Un ejemplo
es la empresa rusa Uralkali, la mayor productora mundial de potasio, que
probablemente sufra un impacto mínimo debido a las sanciones al centrar
su actividad justamente en los mercados emergentes y manejarse con otras
monedas, además del dólar. Todo su negocio se relaciona con la seguridad
alimentaria mundial: los clientes nales son agricultores. “Estamos hablando
de trigo, maíz, arroz, así que realmente somos una industria pacíca […].
Nuestros principales mercados están en los BRICS, con menos exposición a
los Estados Unidos o Europa.” (WORLD’S…, 2014).
En vísperas de su viaje a América Latina, el Presidente Vladimir
Putin dijo que Brasil y otras potencias emergentes debían desempeñar un
mayor papel en los asuntos mundiales (PUTIN…, 2014), sugiriendo que
podían hacer más para contrarrestar la inuencia de EEUU.
1
Putin enmarcó su gira de mediados de 2014 por Brasil, Cuba y
Argentina como parte de un esfuerzo por construir un mundo multipolar en
un momento en que su país está aislado por sanciones y sus relaciones con
Occidente son las más difíciles desde la Guerra Fría. Una semana antes de
la Cumbre de los BRICS Putin dijo que Rusia considera a las relaciones con
Brasil como “estratégicamente importantes” ante la inuencia occidental.
2
1
En febrero de 2014, el Ministro de Defensa Sergei Shoigu, dijo que Rusia estaba en conversaciones con
Nicaragua, Venezuela y Cuba, entre otros, para permitir que su armada atraque en sus puertos. Ese mismo mes,
Reuters informó que un buque ruso de inteligencia había atracado en un puerto de la Habana.
2
El líder ruso acusó a Estados Unidos de intervenir en asuntos internos de otro Estado -Ucrania-, hecho
ya vericado desde la revolución naranja -2004- en la que triunfó Viktor Yushchenko, casado con Kateryna
Chumachenko, que era asesora de la Casa Blanca –Washington.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
128
También criticó el espionaje cibernético. Las revelaciones del ex
agente de inteligencia estadounidense Edward Snowden —2013— de
vigilancia por parte de Estados Unidos y aliados —entre ellos el grupo
Five Eyes— a los restantes Estados, complicaron los lazos con sus aliados
europeos y muy profundamente con Brasil, gesto considerado una
hipocresía en las relaciones entre aliados así como una violación directa de
la soberanía de los Estados.
Ya es de público conocimiento que la Agencia de Seguridad
Nacional de Estados Unidos ha estado operando las actividades de
vigilancia más grandes del mundo y que acopian y procesan información
no sólo sobre gobiernos extranjeros o líderes mundiales, sino también
sobre ciudadanos comunes, sin relación con el terrorismo. En este
contexto la aproximación de Brasil con Rusia coincide con el enfriamiento
de las relaciones de Brasilia con Washington luego de las revelaciones de
2013 que Estados Unidos ha espiado correos electrónicos personales de la
presidente brasileña Dilma Rousse. Su reacción fue menos tolerante que
la de muchos de sus pares europeos en la misma situación, a tal punto que
por este motivo suspendió una visita ocial prevista a EEUU.
VALDIMIR PUTIN EN EL CONTINENTE AMERICANO
El Presidente Vladimir Putin inició una visita de cinco
días a América central y meridional el viernes 11 de julio, en un
esfuerzo por fortalecer los vínculos de Rusia con sus socios de América
Latina (TÉTRAULT-FARBER, 2014). Todos los países del itinerario
latinoamericano de Putin se abstuvieron de votar en marzo la resolución
de las Naciones Unidas que condenaba la anexión rusa de Crimea. Aunque
la visita fue planeada antes del cambio de régimen de Kiev, los analistas ven
el viaje como un movimiento geopolítico en el contexto del conicto en
curso en Ucrania.
El Presidente Putin rmó una serie de acuerdos, incluyendo
establecer en cada país el sistema Glonass —equivalente ruso del sistema
de navegación satelital GPS estadounidense y del Galileo europeo.
Vladimir Putin se reunió primero con el presidente cubano Raúl
Castro para discutir la ampliación de los vínculos económicos entre ambos
129
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
países. Dos días antes de su llegada a Cuba, el Consejo de la Federación de
Rusia raticó un acuerdo cancelando el 90% de la deuda de US$ 35.200
millones que Cuba había contraído con la Unión Soviética, un trato que
allanó el camino para fortalecer sus relaciones bilaterales.
Putin también se reunió con el Presidente nicaragüense Daniel
Ortega para discutir la participación de Rusia en la construcción de un
canal interoceánico alternativo al de Panamá (NECHEPURENKO, 2014).
La construcción del mismo —de unos 278 kilómetros— está programada
para comenzar con la construcción de un puerto en la costa del océano
Pacíco en diciembre 2014. Se debe tener en cuenta que existen territorios
insulares en litigio entre Nicaragua y Colombia —respaldada ésta por
EEUU— en la entrada oriental del canal proyectado.
Luego visitó a Argentina y Brasil para sostener conversaciones
bilaterales y asistir a la Cumbre del BRICS. Boris Martynov, Subdirector
de investigación de la Academia Rusa de Ciencias —Instituto de
Latinoamérica— destacó que esta visita demuestra el deseo de crear un
orden mundial multi-civilizacional.
En Argentina, Putin discutió con la presidente Cristina Fernández
proyectos conjuntos sobre energía atómica, cooperación técnica militar
y construcción de maquinaria, además de invitarla a la 6ª Cumbre del
Grupo BRICS.
En cuanto a las conversaciones bilaterales de Putin con su par
del Brasil, Dilma Rousse, abordaron cuestiones relacionadas con la
cooperación de ambos países en foros multilaterales como los BRICS,
las Naciones Unidas, el G20 y la OMC y con la rma de acuerdos
intergubernamentales y comerciales bilaterales.
LA 6ª CUMBRE DE LOS BRICS
No me cabe duda de que las decisiones tomadas por los BRICS en
Fortaleza, además de ser bastante beneciosas para los países miem-
bros y sus socios, tendrán un impacto positivo en la propia gobernanza
mundial. Las decisiones tomadas este año no son relativas sino creati-
vas, y no van contra ningún grupo, sino que, mostrándose a favor del
crecimiento y el desarrollo mundiales, pretenden fomentar una comu-
nidad internacional tan incluyente como equilibrada (SILVA, 2014).
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
130
La Cumbre de los BRICS se inició en Fortaleza el 14 de julio de
2014, concluyendo dos días después en Brasilia con una reunión en la cual
también participaron los mandatarios de la UNASUR.
El principal objetivo de la 6ª Cumbre de los BRICS fue la
fundación de dos instituciones nancieras multilaterales: la creación de un
Banco de Desarrollo del BRICS con US$ 100.000 millones y un Acuerdo
de Reservas de Contingencia por otros US$ 100.000 millones. Este es
un gran logro político, especialmente para Rusia (HOBSON, 2014).
Cuando los acuerdos marco rmados en la Cumbre del BRIC en Brasil
sean raticados por sus miembros, ambas instituciones podrían resolver
algunos problemas de los países BRICS. Mientras las sanciones lideradas
por Estados de Occidente la dejaban fuera de su sistema económico, Moscú
logró armarse en la superestructura de los BRICS.
El Banco Mundial y el FMI han sido objeto de críticas por
parte de los BRICS. En su opinión, las dos instituciones nancieras que
supervisan la economía mundial están dominadas por los países ricos
del G7 y jan condiciones estrictas a sus préstamos, que vulneran la
soberanía económica de los miembros de la comunidad internacional.
Lejos de apaciguar sus quejas, los esfuerzos por reformar estas instituciones
de 70 años de antigüedad se han estancado. Los cambios propuestos al
FMI para dar mayor inuencia a las economías en desarrollo han estado
languideciendo en el Congreso de Estados Unidos desde 2010 y fueron
bloqueados nuevamente en abril de 2014.
A pesar de la aparición de naciones emergentes en las últimas
décadas, estas organizaciones aún reejan el equilibrio de poder global en
la década de 1940. En julio, los países BRICS se conguran como rivales
del FMI y el Banco Mundial (HOBSON; BODNER, 2014).
Las nuevas organizaciones del BRICS todavía tienen que armarse
pero, ante las sanciones internacionales que pesan sobre la Federación,
Moscú tiene motivos para promoverlas.
Apenas unos días después de amenazas al Kremlin con más
sanciones por la crisis en Ucrania, el presidente de Venezuela destacó
la política agresiva de Occidente hacia Moscú, acusándola de utilizar el
conicto como un pretexto para controlar a los países BRICS. “Este es
131
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
un intento de paralizar a Rusia y enviar un mensaje a China y los países
BRICS.” (VENEZUELAN…, 2014).
Por otra parte, Rusia es mucho menos vulnerable a las sanciones
que Irán u otros Estados sancionados con anterioridad. Un bloqueo
completo de Rusia siguiendo el modelo iraní provocaría un shock en los
mercados mundiales del petróleo y una nueva ola de crisis económicas
mundiales. En cambio Rusia podrá contar con soporte continuo de otros
países del grupo BRICS, principalmente China (KASHIN, 2014).
El propósito del Banco de Desarrollo BRICS, según los
comentarios informales de funcionarios en los cinco países, es promover
y nanciar parcialmente proyectos de inversión en los cinco países y
fomentar mayor nivel de inversiones y comercio entre sus miembros.
Muchos comentaristas también lo ven como el primer paso para romper el
dominio del dólar estadounidense en el comercio mundial. Se espera que
pronto existan acuerdos entre los miembros en los sectores de energía y
materias primas, entre otros, en moneda BRICS.
El Banco BRICS partirá de un capital de US$ 50.000 millones,
compuesto por 10.000 millones de dólares en efectivo y 40.000 millones
en garantías. Cada país BRICS contribuirá con US$ 2.000 millones a la
canasta de capital inicial. En el largo plazo, el capital se incrementará a US$
100.000 millones. Según el Ministro de nanzas ruso Anton Siluanov, el
banco se denominará Nuevo Banco de Desarrollo (NBD) y hacia 2016
admitirá el ingreso de otros países en desarrollo, aunque no se permitirá
que la participación de los países BRICS caiga por debajo del 55 por ciento.
Se espera que el NBD realice sus primeros préstamos en el año
2016 y se centrarán en proyectos bilaterales o multilaterales de desarrollo
que involucren a compañías de los países fundadores.
Según un informe de la ONU, publicado en marzo por el
economista de la Universidad de Columbia Stephany Grith-Jones, el
NBD podría otorgar préstamos de US$ 34.000 millones por año hacia 2034.
Mientras que el Nuevo Banco de Desarrollo se basará en participaciones
iguales, el Acuerdo de Reservas de Contingencia de US$ 100.000 millones
será un factor de peso extra para China que aportará 41.000 millones de
dólares, mientras que Sudáfrica contribuirá con 5.000 millones y Rusia,
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
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Brasil e India con 18.000 millones de dólares cada una. La economía de
China es más grande que la de los restantes BRIC sumados. India, con su
enorme población, es el otro BRIC con gran potencial. Estos dos miembros
probablemente sean los mayores beneciarios del NBD. En caso de crisis,
el Acuerdo de Reservas de Contingencia se utilizaría para comprar moneda
local del país desafortunado para detener la salida de capitales.
En principio, nancieramente, Rusia podría no necesitar esta
nueva estructura. Incluso ante los golpes económicos de 2014. A pesar de la
salida de capitales resultantes de la crisis en Ucrania, de una redistribución
global de capitales hacia los mercados desarrollados y la probable renuencia
de prestamistas multilaterales para nanciar nuevos proyectos de Rusia,
el país está bien preparado para defenderse. Rusia posee una reserva de
divisas de 480.000 millones y esperaba un excedente del presupuesto 2014,
proveniente de la exportación de su petróleo.
La experiencia reciente de Rusia en Ucrania ha demostrado que
Occidente está dispuesto a expulsar a países políticamente rebeldes de su
sistema económico. Si es capaz de establecerse con éxito, la inauguración de
las instituciones nancieras multilaterales de los BRICS, fuera del alcance
de la supervisión occidental, podría proporcionar aislamiento de inuencia
económica occidental a países como Rusia y China.
La experiencia reciente muestra que tanto China como Brasil
han aprendido que los bancos de desarrollo pueden ser una poderosa
herramienta para promover inversión, al mismo tiempo que consolidan sus
agendas económicas en el exterior. Por ejemplo, el Banco de Desarrollo de
China le permitió fortalecer sus lazos económicos con América Latina. El
objetivo de esta política es abrir mercados a los productos manufacturados
chinos y al mismo tiempo asegurar el acceso a largo plazo a las materias
primas de la región. Para países como Argentina, Ecuador y Venezuela,
que no cuentan con acceso a los mercados internacionales de capital e
instituciones multilaterales, estos fondos resultaron una importante fuente
de nanciamiento.
La creación de ambas instituciones en la 6ª Cumbre es el primer
logro importante de los países BRICS para presionar en el orden nanciero
global creado por las potencias occidentales, centrado en el Fondo
133
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Monetario Internacional y el Banco Mundial. La presidente brasileña
Dilma Rousse señaló que “ayudará a contener la volatilidad que enfrentan
diversas economías como consecuencia de la disminución gradual de la
política de los Estados Unidos de la expansión monetaria” (BRICS, 2014).
Durante la Cumbre Vladimir Putin instó a Brasil, China, India y
Sudáfrica a elaborar “conclusiones sustantivas” ante las sanciones impuestas
a Rusia por la crisis en Ucrania y dijo que era hora de diluir la dominación
liderada por Estados Unidos y el dólar estadounidense para impulsar el
papel de los BRICS en el escenario mundial.
Juntos deberíamos pensar en un sistema de medidas para prevenir el
acoso a los países que no están de acuerdo con algunas decisiones de
política exterior de los Estados Unidos y sus aliados y al mismo tiempo
promover un diálogo civilizado sobre los puntos en cuestión, basado en
el respeto mutuo. (PUTIN WANTS…, 2014).
Nosotros (BRICS) debemos tomar un papel más activo en el FMI y en el
sistema de toma de decisiones del Banco Mundial […] el sistema mone-
tario internacional depende mucho del dólar estadounidense, o para ser
precisos, sobre la política monetaria y nanciera de las autoridades esta-
dounidenses. Los países BRICS deben cambiar esto. (PUTIN…, 2014).
Putin no dio detalles, pero dijo que el grupo BRICS debe cooperar
más en las Naciones Unidas, donde Rusia y China tienen el derecho de
veto, y trabajar juntos y más estrechamente para combatir las amenazas a
la seguridad.
El BND tendrá su sede en Shanghai, e India presidirá sus
operaciones durante los primeros cinco años, seguida de Brasil y Rusia,
anunciaron en la Cumbre los líderes del grupo. Persistieron temores que
China, la 2ª economía del mundo, pudiera usar su mayor poder sobre
el banco para ampliar su inuencia política en el extranjero. China, sin
embargo, no presidirá el Banco durante dos décadas.
Frente a los esfuerzos de líderes de naciones occidentales para
aislar a Rusia por la revuelta en Ucrania oriental, la Cumbre del BRIC
otorgó al presidente Vladimir Putin una bienvenida plataforma geopolítica
al mostrar que tiene aliados en las economías consideradas más capaces de
modelar el futuro del mundo.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
134
El presidente ruso Vladimir Putin propuso también durante
la Cumbre la creación una Asociación de Energía BRICS, que incluiría
una reserva de combustible para aumentar la seguridad energética de las
naciones emergentes. “Sugerimos establecer una Asociación de Energía
de los BRICS. Bajo este marco se puede establecer un banco de reserva
de combustible y un Instituto para la seguridad energética […] Estos
pasos ayudarían a fortalecer la seguridad energética de nuestras naciones.
(PUTIN…, 2014).
La Jefa de Banco Central de Rusia, Elvira Nabiullina, dijo que si
bien el Acuerdo de Reservas de Contingencia no se creó teniendo en cuenta
las sanciones especícas que pesan sobre la Federación, podría usarse para
proveer ujos nancieros adicionales si Occidente adoptara mayores medidas
punitivas contra Rusia por Ucrania (NEW BRICS…, 2014).
Esta Cumbre también resultó una oportunidad para que Rusia
propusiera la creación de una asociación de energía BRICS destinada a
garantizar la seguridad energética de los países participantes e implicaría la
creación de un banco de reserva de combustible y un Instituto de energía
al interior del BRICS.
Durante la Cumbre, los mandatarios de Brasil, Dilma Rousse, e
India, Narendra Modi, rmaron tres acuerdos:
1. El acuerdo medioambiental contempla entre otras temáticas el cambio
climático, la diversidad biológica, la reforestación, la conservación de
recursos hídricos, la gestión de residuos, los biocombustibles y la cali-
dad del aire.
2. Un segundo convenio dene las condiciones para la recepción y proce-
samiento de datos de satélites de India por parte de la estación terrestre
brasileña localizada en la ciudad de Cuiabá destinadas a contribuir a
combatir los incendios forestales en la zona de la Amazonia brasileña.
3. El tercer acuerdo consiste en un memorándum de entendimiento con
mecanismos de consulta entre consulados y movimiento de personas
entre ambos Estados (FREDO, 2014).
135
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Vladimir Putin también se reunió con los líderes de China,
Sudáfrica e India al margen de la Cumbre, pero no se difundió el programa
de estas reuniones.
BRICS EN ACCIÓN DESDE MEDIADOS DE 2014
Cuando en septiembre 2014 Rusia respondió a quienes la
sancionaban con prohibición de importación de sus alimentos, ofreció una
gran oportunidad para las exportaciones de carne y granos de Brasil y en
menor escala para sus vecinos de América Latina.
Unas 90 nuevas plantas de procesamiento de carne en Brasil
fueron aprobadas inmediatamente para exportar carne de res, pollo y cerdo
a Rusia y la nación sudamericana ya está trabajando para aumentar sus
exportaciones de maíz y soja a la Federación (RUSSIA’S…, 2014).
Como el primer exportador mundial de carne de res, pollo
y soja y uno de los únicos países en el mundo con terrenos disponibles
para ampliar su producción agrícola, Brasil es un claro ganador desde el
embargo a Moscú.
En los primeros seis meses de 2014 ya se habían incrementado
las exportaciones de carne de Brasil a Rusia, antes de las contra sanciones
de Rusia a EEUU, UE y países aliados a éstos, como Noruega, Japón o
Australia. Hong Kong había remplazado a Rusia como el mayor comprador
de carne vacuna brasileña en 2013 pero Brasil aseguró el incremento de
estas exportaciones a Rusia en la segunda mitad de 2014.
Brasil podría cubrir las exportaciones de pollo de Estados Unidos
a Rusia, habiendo aumentado el envío a 150.000 toneladas anuales, aunque
un aumento de las exportaciones de carne de cerdo sería más difícil.
Brasil envía la mayor parte de su soja a China si bien también
abasteció a Rusia con ella entre enero y junio 2014. Otras exportaciones
agrícolas a Rusia incluyen maíz, azúcar, café, jugo de naranja y bananas.
Brasil es quizás el único país que podría incrementar
sustancialmente la producción si la demanda de Rusia crece, especialmente
para aceites y carnes más que en granos. Pero seguramente Brasil se
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
136
convertirá en el mayor proveedor de Rusia, teniendo en cuenta que el país
sudamericano es justamente parte del BRICS.
Como dato marginal, en el marco BRICS, Rusia está considerando
aceptar la oferta de pescado, carne, leche en polvo y manteca de India
si sus productos cumplen con los requisitos sanitarios de Rusia y de su
unión aduanera con Belarús y Kazakhstán. En 2013 el presidente Vladimir
Putin y el primer ministro indio Manmohan Singh se comprometieron a
incrementar el comercio bilateral entre ambos países de $ 11.000 millones
anuales a $ 20.000 millones en 2015 (INDIA, 2014).
A mediados de noviembre el presidente ruso dijo en Vladivostok
que Moscú está concertando reducir la dependencia del dólar para el
comercio ruso y que Rusia desde septiembre había pactado sobre el uso del
rublo y el yuan en sus transacciones comerciales con China. Moscú quiere
trabajar con otros países para “eliminar los desequilibrios en la economía
mundial”, dijo entonces Vladimir Putin (BRICS GDP…, 2014) y propuso
el uso de otras monedas para el precio del petróleo, tradicionalmente
establecido en dólares. Especícamente en una reunión en Beijín junto
con su par chino, Xi Jinping, promovieron el uso del yuan como divisa
de reserva global, justamente para reducir la dependencia del dólar como
moneda única de intercambio internacional.
En una conferencia de prensa a principios de diciembre 2014,
el sub Secretario de Hacienda de EEUU, Nathan Sheets, defendió
la postura de Estados Unidos de no apoyar al Banco de Inversiones en
Infraestructura de Asia ni al Banco BRICS, que buscan invertir en las
instalaciones necesarias para impulsar el crecimiento global, especialmente
en los países en desarrollo (WEIHUA, 2014). Y prevalece la duda sobre tal
posición cuando aún ambos bancos no han sido formalizados ocialmente.
¿Seguridad preventiva? ¿Es un intento de evitar que China y BRICS,
incluyendo aliados de Estados Unidos, alcancen la capacidad de competir
con estructuras como el FMI o el Banco Mundial?
Los líderes de los Estados BRICS se reunieron al margen de
la Cumbre del G20 en Brisbane, Australia a mediados de noviembre
2014 para dar mayor impulso a los vínculos políticos y económicos
entre el grupo y concretar la creación del BND y el Fondo de Reservas,
137
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
fundados en la Cumbre de Fortaleza. Esto nos proporcionará mecanismos
comunes capaces de estabilizar los mercados nacionales de capital en caso
de situaciones de crisis en la economía global. Mientras tanto, nuevas
oportunidades de nanciamiento conjunto permitirán ampliar nuestros
lazos comerciales y económicos. Es importante que los vínculos entre los
cinco Estados se estén expandiendo también en otros ámbitos, como la
industria y la tecnología.
Se han desarrollado nuevos proyectos conjuntos en áreas tales como
energía, recursos minerales, producción y procesamiento, agroindustria y
alta tecnología. “También compartimos una base común de información
en seguridad e intercambiamos experiencia en resolver agudos problemas
sociales y en el desarrollo de la agricultura, educación y ciencia.”, señaló
el presidente Putin (MEETING…, 2014). En abril 2015, Rusia asumirá
la Presidencia en el BRICS. “Nuestro esfuerzo estará dirigido a una mayor
expansión de la cooperación dentro de nuestra asociación. Rusia está
elaborando una estrategia para nuestra asociación económica y un plan de
cooperación de inversión”. La próxima Cumbre se realizará en la ciudad
rusa Ufa el 8—9 de julio de 2015.
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140
141
A INSERÇÃO DA AMÉRICA LATINA
NO CAPITALISMO GLOBAL (2003-2014)
1
Francisco Luiz Corsi
O objetivo das presentes notas é discutir a inserção da América
Latina no capitalismo global na última década. O desempenho das econo-
mias latino-americanas foi fortemente impactado tanto pela fase expansiva
do capitalismo global (2003-2007) quanto pela crise aberta em 2007 e que
se estende até os dias de hoje. Defende-se a proposição segundo a qual só
é possível entendermos a evolução recente da inserção latino-americana
no contexto das profundas transformações do capitalismo, em particular
as ocorridas no âmbito da divisão internacional do trabalho em virtude da
reconguração espacial do sistema. Evidentemente que tema tão complexo
não será esgotado aqui. Pretende-se apenas traçar um quadro geral e levan-
tar algumas questões para posterior reexão.
A RECONFIGURAÇÃO DO CAPITALISMO GLOBAL
A partir da década de 1980 observou-se grande incremento da
especulação com títulos, ações e moedas em escala global. Este processo
tornou-se possível graças sobretudo a abertura das economias nacionais, a
desregulamentação nanceira e ao desenvolvimento de novas tecnologias
da informação. O crescente inchaço da esfera especulativa sugere existir
1
Capítulo baseado em (Corsi, 2006, 2011).
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-769-2.p141-155
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
142
diculdades de valorização do capital na esfera produtiva, em especial nos
EUA, no Japão e na Europa, embora a reestruturação do capitalismo que
se seguiu a crise de superprodução da década de 1970 ter imposto um in-
cremento dos salários abaixo da produtividade e propiciado a recuperação
das taxas de lucro
2
. A existência de considerável capacidade produtiva em
escala global, fruto em grande medida do surgimento de novo espaço de
acumulação de capital na Ásia, que também derivou da reestruturação do
capitalismo
3
, coloca obstáculos para a acumulação de capital no centro
do sistema, dado os problemas de competitividade das economias dessa
região, e estimula os capitais aí formados a buscarem outras regiões ou a
esfera nanceira para se valorizarem. O gigantismo das nanças globais
aponta para a hegemonia do capital nanceiro (CHESNAIS, 1996)
O domínio do capital nanceiro tende a limitar o investimento
4
.
Isto e o lento crescimento dos salários acabam por arrefecer a demanda
agregada. A ampliação do mercado tornou-se mais dependente do endi-
vidamento das famílias e do setor público. O endividamento constitui-se
em elemento central da acumulação no capitalismo global, pois sustenta,
em grande parte, o seu crescimento. Não por acaso o nível da acumula-
ção de capital tem sido insuciente para assegurar a valorização do capital
na produção em um contexto de crônicos problemas de superprodução
(BRENNER, 2003). O resultado é um crescente volume de capital ctí-
cio, que só consegue valorizar-se ao inar continuamente a especulação
5
.
Em decorrência desses processos o capitalismo global passou a
depender cada vez mais de bolhas especulativas para sustentar a valorização
2
A busca da recuperação da taxa de lucro, cuja queda foi um dos fatores determinantes da crise de superpro-
dução dos anos 1970, induziu a reestruturação do capitalismo. Sobre esse processo ver Chesnais (1996, 2005)
e Brenner (2003).
3
Sobre a ascensão do Leste asiático como novo polo de acumulação ver Corsi (2011).
4 O capital nanceiro, segundo Chesnais (2005), sugaria capital da esfera produtiva para as aplicações nan-
ceiras, dicultando dessa maneira a retomada mais vigorosa dos investimentos, apesar das taxas de lucros terem
se recuperado a partir de meados dos anos 1980 depois de tenderem a cair desde meados da década de 1960.
Estaria aí a causa central do lento crescimento. Através do controle acionário, a burguesia, que teria se tornado
uma classe rentista e que teria, portanto, passado a apresentar um comportamento patrimonialista, imporia uma
forma radical do direito de propriedade” que submeteria as empresas e os assalariados a lógica de rentabilidade
do capital nanceiro. A majoração dos dividendos e juros exigida pelo capital portador de juros resultaria na
redução dos lucros retidos para nanciar os investimentos e levaria a rejeição de projetos que não assegurassem
as taxas requeridas pelos acionistas. A tendência a redução dos salários somada à queda dos investimentos levaria
ao desempenho sofrível de boa parte da economia mundial (CHESNAIS, 2005, p. 50-58).
5
O capital ctício também cresce em virtude das reaplicações na esfera nanceira do capital valorizado na espe-
culação. Dessa forma, existe um mecanismo endógeno que expande sistematicamente o capital ctício.
143
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
do capital. Desde meados da década de 1980, verica-se uma sucessão de
bolhas especulativas. Inicialmente essas bolhas concentraram-se no centro
do sistema, para depois assolarem a periferia nos anos 1990 e retornarem
ao centro na década seguinte. O estouro da bolha imobiliária nos EUA em
2007 parece ter aberto uma crise estrutural. O início desse processo foi o
estouro da bolha com ações de empresas que compunham a chamada nova
economia na National Association of Securites Dealers Automated Quotations
(NASDQ), em 2000. Naquele momento, indícios sugeriam que o capita-
lismo encontrava-se diante de uma crise de grandes proporções. As previ-
sões pessimistas não se conrmaram (BRENNER, 2006).
A resposta dada à crise na NASDQ aparentemente tinha afastado
o espectro da crise estrutural. O governo dos EUA, que liderou o combate
à crise, implementou uma política de caráter expansivo. A resposta à crise
baseou-se na redução dos juros, na ampliação do crédito, na expansão do
gasto público e no corte dos impostos. O objetivo era estimular o consumo
e o investimento. Ponto importante dessa política foi a majoração dos gas-
tos militares norte-americanos, que subiram 6% em 2001 e 10% no ano
seguinte, o que contribuiu para o grande décit de 450 bilhões de dólares
em 2003 (BRENNER, 2006, p. 128-133).
Paralelamente, as taxas de juros dos empréstimos hipotecários de
longo prazo declinaram cerca de 40% entre 2000 e 2003 e tenderam a
cair mais devagar até 2006. O resultado dessas medidas foi sobretudo o
incremento do consumo, que puxou a atividade econômica. Neste con-
texto, de expansão os preços dos imóveis aumentaram. A majoração do
valor do patrimônio dos proprietários de imóveis estimulou ainda mais
o endividamento das famílias, o que alimentou a bolha especulativa. Ou
seja, a recuperação da economia dos EUA foi impulsionada pelo crescente
endividamento das famílias, das empresas e do Estado e pela especulação
imobiliária (BRENNER, 2006, p. 128-130; HARVEY, 2011).
É importante assinalar que o incremento da atividade econômica
nos EUA estimulou, por meio do aumento dos seus décits comerciais
6
,
o conjunto da economia mundial, sobretudo o Leste asiático, que a par-
6
Em 2006, o décit comercial norte-americano atingiu a cifra de 6,2% do PIB (BRENNER, 2006).
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
144
tir de sua relação simbiótica
7
com a economia norte-americana se rmou
como um polo dinâmico de acumulação de capital, responsável, em parte,
pela fase expansiva global entre 2003 e 2008. O forte crescimento chinês,
estimulado em boa medida pelas exportações, elevou o consumo por com-
modities e, portanto, os preços das mesmas, que também subiram devido à
especulação. Este desdobramento contribuiu para impulsionar a atividade
econômica nos países exportadores de matérias-primas. Dessa maneira, o
crescimento atingiu o conjunto da economia global, que cresceu, entre
2003 e 2007, 5,0% em média por ano (BELLUZZO, 2009).
Neste contexto de expansão acelerada da economia mundial,
aprofundaram-se processo que vinham se desenrolando desde pelo menos
a década de 1990. A constituição de cadeias globais de produção sofreu um
considerável impulso. O capital buscou cada vez mais criar novos espaços
de acumulação, nos quais pudesse dispor de mão-de-obra barata, quali-
cada e disciplinada. Este processo comandado pelas grandes corporações,
visando o estabelecimento, por meio de empresas em rede, de processos
globais de produção e distribuição, cujas fases encontram-se espalhadas
geogracamente, se consolidou (BASUADO; ARCEO, 2006).
Os impactos da reconguração espacial do capitalismo na peri-
feria do sistema foram abrangentes, mas com resultados bastante diferen-
ciados em virtude de uma série de determinações geopolíticas, econômicas
e culturais. Os países em desenvolvimento da Ásia, que desde a década de
1960 tinham optado por projetos de desenvolvimento voltados para as
exportações de manufaturados, foram favorecidos na nova conguração do
capitalismo. Os países latino-americanos, que perseguiam desde a década
de1930 um desenvolvimento voltado para o mercado interno, entraram
em uma fase de estagnação econômica, crise social e instabilidade. As ex-
7
A crescente aplicação de reservas de vários países em títulos dos EUA, em especial por parte China, passou a
desempenhar papel de grande relevância para o equilíbrio da economia mundial. A aplicação desses recursos
nos EUA tornou-se importante para a sustentação do seu duplo décit (o externo e o scal), do dólar e para
manutenção das políticas econômicas expansivas. Também é importante para a sustentação da especulação
nanceira. Os países asiáticos superavitários ao nanciarem os décits norte-americanos respondem aos seus
interesses. Permitem aos EUA manter políticas monetárias e creditícias expansionistas, que impulsionam a eco-
nomia norte-americana e o seu elevado décit externo. Dessa maneira, promovem as suas próprias exportações
e produção ao nanciarem o excesso de consumo norte-americano. Paralelamente, mantêm suas moedas des-
valorizadas em relação ao dólar. Essas relações, segundo Belluzzo (2009), denotam a simbiose existente entre as
economias asiáticas e a norte-americana No entanto, essa simbiose possui fundamentos frágeis, pois esse esque-
ma de nanciamento tende a solapar o setor produtivo norte-americano e a enfraquecer o dólar (BELLUZZO,
2009; CORSI, 2006, 2011).
145
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
periências socialistas foram impactadas negativamente por essas transfor-
mações, o que contribuiu, por um lado, para crise da URSS e, por outro,
para a bem sucedida transição chinesa para o capitalismo.
Todavia, não parece correto creditar a ascensão do Leste asiático
unicamente as transformações no padrão de acumulação global. É necessá-
rio levar em conta outros determinantes, como o papel do Japão na região
asiática, pois este país intensicou suas exportações de capital e tecnologia
para a região a partir dos anos 1980. Os EUA, por seu turno, adotaram
políticas condicionadas pelos seus interesses estratégicos de contenção da
URSS. Políticas que contribuíram para o desenvolvimento regional, par-
ticularmente da Coréia do Sul, e para a reinserção chinesa na economia
mundial (MEDEIROS, 1997).
É preciso também levar na devida conta a adoção de projetos de
desenvolvimento calcados nas exportações de produtos manufaturados e o
abrangente papel do Estado na industrialização desses países, controlando
variáveis chave da economia, como, câmbio, taxa de juros, crédito, etc.,
e dos setores considerados estratégicos. O Estado também foi central no
esforço autônomo de produção de tecnologia, o que exigiu pesados in-
vestimentos públicos e privados em educação e pesquisa. O resultado foi
a inserção de maneira dinâmica de vários países da região no capitalismo
global
8
(AMSDEN, 2009).
Os países da América Latina enfrentaram grandes diculdades na
nova conguração do capitalismo, entraram em uma fase de baixo cresci-
mento e instabilidade por duas décadas. A crise do padrão de acumulação
desenvolvimentista na região teve início concomitantemente a crise estrutu-
ral do capitalismo a partir da implantação das ditaduras no Chile, em 1973,
e na Argentina, em 1976. Na década de 1980, os países latino-americanos
foram asxiados pelas crises da dívida externa, inacionárias e cais, que
os alijou dos uxos internacionais de capital, além de sofrerem acentuada
queda nos termos de intercâmbio, em decorrência da crise mundial deri-
vada das políticas recessivas dos EUA. Sob pressão da crise, dos EUA, do
FMI, do capital nanceiro global e de amplos setores internos das classes
8
A China, embora parte desse processo, apresenta uma série de peculiaridades. Contudo, fugiria dos limites
do artigo aprofundar este ponto. Cabe apenas assinalar que a revolução Chinesa foi sobretudo uma revolução
nacional, pautada por um projeto de transformar a China em grande potência. Ver a respeito: Arrghi (2008) e
Medeiros (2008).
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
146
dominantes vários governos da região adotaram, com pronunciados mati-
zes nacionais, planos de estabilização, abertura e desregulamentação de suas
economias e amplo processo privatização, inspirados no chamado Consenso
de Washington. De modo geral, os Estados perderam, em parte, o controle
sobre suas economias nacionais e deixaram de ter condições de coordenar e
liderar o desenvolvimento (CANO, 2000; BASUALDO; ARCEO, 2006).
Os países que não seguiram as políticas do Consenso de
Washington, como os asiáticos, tiveram um melhor desempenho econô-
mico. Cabe destaque para a China, cuja crescente projeção não implicou,
até o momento, um confronto direto com a potência hegemônica. Até a
crise de 2008, a economia chinesa e a de outros países da região, cresceram,
em parte, com base nas exportações, estimuladas em grande medida pelos
EUA, que funcionam como provedores de demanda global. A crise atual
parece inviabilizar a continuidade desse processo, pelo menos como vinha
se processando até agora.
Entretanto, observa-se um acumulo de atritos entre a China e os
EUA desde a década de 1990. Depois da crise asiática de 1997, a China
paulatinamente tornou-se o centro da economia asiática. A centralidade
regional da China e o peso cada vez maior de seu mercado interno tendem
a enfraquecer sua relação simbiótica com os EUA. A crescente projeção chi-
nesa levou os EUA a adotarem uma política de contenção da China como
eixo estratégico de sua política externa. A China reage não só fortalecendo
seu mercado interno e intensicando seus gastos militares, mas também
buscando aproximar-se da Rússia. A China também desenvolve ampla po-
lítica expansionista em termos econômicos na África e na América Latina
com intuito de garantir fornecimento de bens primários (MEDEIROS,
2008). A China parece tender a criar sua própria periferia e assim redenir
a divisão internacional do trabalho. Não apenas em escala regional, mas
também em termos globais. A América Latina está sendo atraída pela força
gravitacional da China.
Todavia, o centro da economia mundial continua residindo nas
economias centrais, o que cou evidente na crise aberta em 2007. A ex-
pansão da economia norte-americana na fase expansiva 2003-2007 foi pu-
xada sobretudo pela especulação imobiliária, que sustentava-se em imenso
volume de emissão de títulos hipotecários. Quando a bolha especulativa
147
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
explodiu, estimava-se que o valor total desses títulos alcançava cerca de 12
trilhões de dólares, sendo parte considerável desse montante constituída de
títulos subprime
9
(BORÇA JÚNIOR; TORRES FILHO, 2008). Para fugir
do risco e obter mais recursos para alimentar o processo especulativo por
meio de novos nanciamentos imobiliários, os bancos e as instituições de
crédito imobiliário norte-americanas venderam esses títulos em mercados
secundários e os tomaram como base para o lançamento de diferentes tipos
de outros títulos (credit defaut swaps e vários tipos de produtos estrutura-
dos), que foram por sua vez vendidos para bancos e fundos de investimentos
espalhados pelo mundo. Ou seja, disseminou-se a prática de transformar e
vender títulos emitidos em um mercado primário e créditos bancários, entre
eles os hipotecários, em títulos negociáveis em mercados secundários. Este
processo constituiu uma rede de especulação com base em títulos lastreados
em hipotecas, muitas das quais de solvência duvidosa. Este fato elevava o
risco de grande parte do sistema nanceiro em escala mundial. Os proble-
mas começaram a aparecer 2006, dado os altos índices de inadimplência.
(BELLUZZO, 2009; CHESNAIS, 2005, 2012; HARVEY, 2011).
A situação deteriorou-se em virtude do aumento da taxa de juros
em 2006. Aumento que respondeu as pressões inacionárias e a tentativa
por parte do Federal Reserve (FED) de desarmar a bolha especulativa. A
elevação dos juros amentou a inadimplência, que atingiu, em 2007, mais
de 2 milhões de famílias. A demanda por imóveis e os seus preços caíram.
Queda também reforçada pela recolocação dos imóveis retomados pelas
instituições de crédito imobiliário no mercado. A elevação da inadimplên-
cia fragilizou as instituições nanciadoras do setor imobiliário e toda a rede
de especulação formada a partir dessas operações de nanciamento, dado
que essas instituições tinham vendido boa parte dos seus títulos lastreados
em hipotecas para se nanciarem em escala mundial. Este processo foi
potenciado pela existência de outras bolhas imobiliárias na Espanha, na
Inglaterra e na Irlanda (HAVEY, 2011, p. 9-12).
9
O subprime é um tipo de nanciamento no qual o tomador de crédito não oferece garantias que lhe permita
usufruir de taxas de juros mais baixas (prime rate). Bastante utilizado na concessão de empréstimos imobiliários
nos EUA, sendo que o imóvel nanciado torna-se a garantia do nanciamento. Portanto, os títulos emitidos
pelas instituições de nanciamento imobiliário nestas condições apresentavam risco alto de inadimplência, em-
bora a entidade provedora do crédito contar com a garantia, o próprio ativo, que revendido no mercado poderia
gerar lucros.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
148
A crise só não foi catastróca graças a rápida ação dos bancos
centrais dos países desenvolvidos e de alguns países emergentes, que ga-
rantiram os depósitos e injetaram bilhões de dólares na economia para
evitar o colapso da liquidez. Esta ação salvou o capital da debacle nan-
ceira
10
(BELLUZZO, 2009; HARVEY, 2011). Mas o enorme volume de
ativos tóxicos nas carteiras de inúmeros bancos, fundos de investimento e
companhias de seguros espalhou a crise, que se disseminou pelo mundo e
cortou o processo de expansão com diminuição da vulnerabilidade externa
e melhora de indicadores sociais de muitos países latino-americanos. É
neste contexto de rápidas transformações globais que deve ser analisada a
inserção da América Latina no capitalismo global.
OS IMPACTOS DA RECONFIGURAÇÃO DO CAPITALISMO NA AMÉRICA LATINA
Na última década, observa-se uma tendência da América Latina
inserir-se de forma pouco dinâmica na economia mundial, particularmen-
te como exportadora de commodities e de manufaturas de baixo conteúdo
tecnológico. Essa tendência começou a delinear-se a partir da fase expansi-
va 2003-2007. Este período foi marcado, entre outros aspectos importan-
tes, pelo acelerado crescimento chinês, que, como já foi assinalado, elevou
os preços das commodities, que também subiram devido à especulação.
Um dos resultados desse processo foi a melhora dos termos de intercâmbio
e das contas externas da América Latina, o que contribuiu para o bom
desempenho da atividade econômica na região. A redução da vulnerabili-
dade externa abriu espaço para políticas econômicas expansivas e reduziu a
dependência dos capitais especulativos.
Entretanto, o crescimento da região no período em pauta tam-
bém deveu-se as políticas econômicas expansivas adotadas por vários go-
vernos, em especial a partir da guinada política para centro esquerda em
vários países da região. As políticas econômicas expansivas e as medidas
10
Apesar da queima de trilhões de dólares de capital ctício na forma de desvalorização de ações e títulos a crise
não foi superada, pois Harvey (2011, p. 26) estima o montante de capitais circulando na especulação nanceira
nos mercados globais em 600 trilhões de dólares em 2008 para um PIB mundial da ordem de 50 trilhões. A
queima desse excesso de capital ctício e de capital constante, expresso no excesso de capacidade ociosa global,
são fundamentais para a superação da crise, que tende a se arrastar devido a lentidão ou a insuciência da
destruição do capital que encontra diculdade em valorizar-se a taxa considerada normal de lucro. Isto ajuda a
explicar as diculdades das medidas expansivas reanimar a economia mundial.
149
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
distributivas da renda adotadas pelos governos de centro-esquerda contri-
buíram para o acelerado crescimento no período 2003-2008, pois incenti-
varam o aumento do consumo e dos investimentos.
Entretanto, os impactos da ascensão chinesa não foram apenas
positivos, contribuíram para um retrocesso da inserção da América Latina
na economia mundial, pelo menos para os países mais desenvolvidos da
região. A tendência de reprimarização da pauta de exportações é clara. No
período 1981-82, 77% das exportações latino-americanas eram de maté-
rias primas e manufaturas baseadas em recursos naturais. Em 2001-2002,
estes números foram respectivamente 44,2% e 55,8%. Em 2008-2009,
observa-se uma clara reprimarização das exportações, pois 59% das mes-
mas foram de matérias–primas e de produtos manufaturados baseados em
recursos naturais. As manufaturas de baixa, média e alta tecnologia soma-
ram 41%. A participação nos setores de alta tecnologia é modesta, mas
são estes setores que têm alcançado as mais altas taxas de crescimento no
comércio internacional. As exportações de commodities para China re-
presentaram 85% do total exportado em 2011. No período 2000-2013,
verica-se expressiva elevação do comércio com a região da Ásia-Pacíco.
Porém, as exportações de produtos manufaturados da América Latina
perderam terreno (LA COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA
LATINA (CEPAL), 2010, p. 13; CEPAL, 2013). Também é necessário
indicar que as exportações latino-americanas cresceram abaixo da média
mundial. Enm, a América Latina perdeu peso na economia mundial. Este
desempenho no seu conjunto indica que o setor exportador dicilmente
poderá ser o eixo do desenvolvimento regional.
O crescimento das exportações de bens primários favoreceu mais
os países sul-americanos. Em 2000, as exportações para China representa-
vam 8,3% das exportações totais do Brasil e 20% das chilenas. Atualmente,
a China ocupa o primeiro lugar como compradora das exportações desses
dois países e segundo lugar nos casos do Peru e da Argentina. Os países
cujas economias são especializadas nas exortações de bens primários se be-
neciaram com o intenso comércio com a China. Argentina, Uruguai,
Colômbia e Brasil, embora tenham também se beneciado do comércio
com o país asiático, sofrem crescente concorrência em uma série de li-
nhas de produção, em particular no caso brasileiro, o que sugere muita
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
150
cautela na avaliação dos impactos da projeção chinesa na América Latina.
Os termos de intercâmbio da América do Sul, entre 2000 e 2010, melho-
raram cerca de 60%, graças, em boa medida, a ampliação da demanda
chinesa por bens primários. Os países centro-americanos e o México não
se beneciaram com a mesma intensidade, pois suas exportações para a
China representam 2% do total por eles exportado. Estes países também
foram os que mais sofreram com a concorrência chinesa no setor de bens
manufaturados, em especial no mercado norte-americano. Os termos de
intercâmbio dos países centro-americanos, entre 2000 e 2010, declinaram
14% (CEPAL, 2013).
Concomitantemente, ao processo de reprimarização das expor-
tações observa-se a queda da participação do setor industrial no PIB da
América Latina, que caiu 30% entre 1975 e 2000, acompanhando a queda
da participação da região na produção industrial da periferia, que foi de
37% para 26% no mesmo período. O peso da indústria de transformação
no PIB da América Latina e da Ásia em desenvolvimento correspondia
respectivamente a 16% e 10%, no início da década de 1970. Em 1980,
na América Latina esse número alcançou 23% e declinou nas décadas se-
guintes. Enquanto na Ásia a indústria de transformação representava cerca
de 30% do PIB em 2010. Estes números, somados a reprimarização das
exportações, sugerem estar em curso um processo de desindustrialização
das economias latino-americanas (BASUALDO; ARCEO, 2006, p. 53-
54; LEÃO; PINTO; ALCIOLY, 2011). Este quadro tendeu a se deterio-
rar com a crise mundial, apesar das economias latino-americanas terem
inicialmente sido relativamente pouco afetadas pela crise. Porém, a partir
do repique da crise mundial em 2011 os países da região vem enfrentando
crescentes diculdades. Os governos de centro-esquerda não conseguiram
mudar os rumos da economia, apesar da retomada do crescimento econô-
mico e da melhoria de alguns indicadores sociais (PRADO, 2012).
Taxas de juros superiores à média dos países centrais foram respon-
sáveis maiores pela atração de grandes volumes de capital especulativo para a
região. Um dos resultados desse processo foi a valorização das moedas da re-
gião, o que contribuiu para o acirramento da concorrência das importações
com os produtos nacionais e a deterioração das contas externas. Verica-se
o acirramento da concorrência nos mercados latino-americanos. Os seto-
151
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
res mais impactados pela concorrência foram os seguintes: têxtil, calçados,
confecções, material de borracha e plástico, máquinas, equipamentos e au-
tomotivo e seus componentes. Particularmente afetados foram a Argentina,
o México e o Brasil. As importações da China e dos demais países em desen-
volvimento da Ásia tem crescido mais que as de outras regiões. A América
Latina apresenta um décit crônico nas importações de bens manufaturados
com a Ásia em desenvolvimento desde 2005. Este quadro se expressa no
incremento da vulnerabilidade externa (CEPAL, 2013).
Em 20012 e 2014, ocorreu um retrocesso do superávit comercial
da região, devido à desaceleração da economia mundial. Para a América
do Sul, vericou-se uma queda dos preços dos produtos de exportação,
enquanto os preços dos produtos importados mantiveram-se estáveis. O
resultado foi uma queda de 1,8% nos termos intercâmbio. Em 2013, o
décit nas transações correntes da região foi de 2,5% do PIB regional.
Embora este décit tenha sido coberto pelos investimentos externos dire-
tos, a continua deterioração das transações correntes indica um aumento
da vulnerabilidade externa (CEPAL, 2013).
A região está longe de ser um todo homogêneo. Em virtude da
reprimarização das exportações alguns países sul-americanos têm cada vez
mais se especializado em setores primários e de manufaturados de baixo va-
lor agregado e baixo conteúdo tecnológico. Os indícios apresentados suge-
rem estar algumas economias sofrendo uma involução estrutural, que ten-
de a reforçar a posição subordinada e dependente na economia mundial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enm, as alternativas colocadas para a América Latina não pare-
cem ser cada vez mais difíceis. A reconguração especial do capitalismo e
o surgimento de um novo centro de acumulação na Ásia estão impondo
uma divisão internacional do trabalho adversa na qual a subordinação e
dependências dos países latino-americanos tenderão a se aprofundar.
O Leste asiático, em particular a China, parece consolidar-se como
centro dinâmico do capitalismo global, reduzindo sua relação simbiótica
com os EUA. A crise apontou que o modelo calcado no crescente endivida-
mento das famílias, empresas e instituições nanceiras, que tem sustentado
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
152
a economia norte americana e a fez a ocupar o lugar de consumidor global
em última instância, parece não ser mais sustentável. Concomitantemente,
a China parece tender a constituir sua periferia. Cabe indagar se devido
ao fato da economia mundial não ter entrado em profunda recessão de-
pois de 2008, graças, sobretudo, ao crescimento econômico dos países em
desenvolvimento, estimulado, em boa medida, pelo crescimento chinês,
não estaríamos diante de um novo padrão de acumulação de capital em
escala global. Neste contexto, a América Latina tenderá a compor as ca-
deias produtivas centradas na China como fornecedora de commodities e
de produtos manufaturados pouco intensivos em tecnologia. Essa tendên-
cia, reforçada pela crise atual, aprofundará, tudo indica, a dependência da
América Latina em relação à Ásia. Contudo, a tendência a desaceleração da
economia chinesa vericada no rastro da crise de superprodução global nos
últimos anos poderá tornar esse caminho mais tortuoso, contribuindo para
desacelerar substantivamente o crescimento latino-americano.
As estratégias neoliberais apresentaram, do ponto de vista do
crescimento econômico, um resultado inferior se comparadas as desenvol-
vimentistas. Na maior parte dos países que as adotaram na América Latina,
elas fracassaram e passaram a ser cada vez mais questionadas. O período
entre 1990 e 2003 foi caracterizado pelo baixo crescimento, pela amplia-
ção do desemprego, pela ampliação da desigualdade social, pela instabili-
dade e pela vulnerabilidade externa. As políticas neoliberais foram exito-
sas no controle da inação. A melhora da situação econômica no período
2003-2008 deveu-se ao quadro favorável da economia mundial e a adoção
de medidas alternativas as políticas neoliberais. Contudo, foi justamente
na fase em que muitos países da região exibilizaram (ou romperam) a
estratégia neoliberal de desenvolvimento que se rmou aparentemente a
tendência de uma inserção pouco dinâmica e passiva no capitalismo glo-
bal, o que indica o peso das transformações em curso no sistema capitalista
na determinação dos rumos das economias latino-americanas.
A América Latina, no entanto, não pode ser considerada como
homogênea. Do ponto de vista das vias de desenvolvimento capitalista e
da inserção na economia mundial existem aparentemente diferentes alter-
nativas, dependendo da estrutura socioeconômica, da correlação de forças
entre as classes, dos diferentes projetos das classes para a nação e da posição
153
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
geopolítica de cada país. Os países de menor desenvolvimento, com mer-
cados internos acanhados e setor industrial pouco diversicado, parecem
tender a aprofundar essa inserção passiva, caracterizada pela exportação de
bens primários e manufaturas de baixo valor agregado e pelo desenvolvi-
mento de indústrias maquiladoras. A maioria dos países que compõem a
Aliança para o Pacíco parece caminhar nesta direção. O México, que tem
uma economia mais complexa, também fez essa opção política, seguindo
a linha adotada desde a formação da Nafta. Esses países se voltam, apesar
de inúmeros problemas, prioritariamente para os imensos mercados asiáti-
cos e norte-americano. Colômbia e Peru, que seguem esta estratégia, têm
apresentado crescimento considerável, mas muito dependente da situação
internacional. Venezuela, Equador e Bolívia, que possuem governos mais à
esquerda e almejam autonomia, implementaram projetos centrados no en-
frentamento das desigualdades sociais e no controle nacional dos recursos
naturais, deixando em segundo plano a diversicação da economia. Dessa
forma, não conseguiram romper com a inserção baseada na exportação
de produtos primários. A expansão de seus mercados internos ampliou as
oportunidades para as exportações manufatureiras de seus parceiros regio-
nais, em especial o Brasil. A Argentina, aparentemente, encontra-se no em
uma posição intermediária entre estes países de baixa densidade econômica
e o Brasil, país de relativo potencial de crescimento dinâmico e de projeção
política e econômica global.
Para o Brasil, nos marcos do capitalismo, duas possibilidades pa-
recem mais plausíveis. Uma de crescer com base no mercado interno, mas
sem abrir mão de um forte setor exportador, que desenvolva as cadeias
produtivas a ele vinculadas, e da participação do capital globalizado em
sua economia. Outro espaço de acumulação nesta perspectiva residiria nos
enormes investimentos em infraestrutura, em saúde, em educação e no
meio ambiente (proteção ambiental, combate à poluição, fontes limpas de
energia, etc), necessários para enfrentar os graves problemas destes setores.
Desenvolver o mercado interno implica ter um setor industrial forte, in-
clusive com alguns ramos voltados para as exportações, e em um setor de
serviços moderno. Assim seria possível sustentar o crescimento, o emprego
e a renda em um patamar elevado, respondendo as demandas do grosso
da população. O aprofundamento da integração regional poderá contri-
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
154
buir para este encaminhamento, apesar das contradições e tensões desse
processo. Os governos Lula e Dilma, baseados em uma ampla aliança de
classes, esboçou, sem muito sucesso, uma política nesta direção. Outra
possibilidade seria uma economia centrada em um amplo setor de servi-
ços, em um forte setor nanceiro e nas exportações de bens primários e de
bens manufaturados de baixo valor agregado. Nesta alternativa, existiria
aparentemente menor possibilidade de enfrentar os problemas relativos ao
emprego, a distribuição da renda e as desigualdades sociais. Amplos setores
das classes dominantes, articulados ao capital nanceiro global, defendem
essa saída. Qual dessas possibilidades se concretizará ainda não é possível
saber. Isto dependerá do desfecho da crise mundial e dos embates das clas-
ses e de seus projetos.
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156
157
China
158
159
DIALÉTICA CO-TESES: BASE DA AÇÃO FREE-RIDER
CHINESA NO CENÁRIO INTERNACIONAL
Aline Tedeschi da Cunha
INTRODUÇÃO
As teorias delineadas pelo governo central do PCC, juntamente
aos seus think tanks, têm como nalidade primeira apresentar aos demais
países características intencionais e planejamento de um player com cada
vez maior interação e inserção na ordem internacional. A reinserção chinesa
representa não só uma mudança em sua política doméstica, iniciada mais
fortemente com a Reforma e Abertura de Deng Xiaoping na década de
1980, como também uma mudança de país reativo e/ou isolado para país
pró-ativo e engajado no cenário internacional.
Como ensinamento antigo, a metáfora da água ensinada por Lao
Zi pode dar vestígios do comportamento dos líderes chineses com rela-
ção a este processo de mudança e de retórica persuasiva, já que Lao Zi
consegue aplicar o signicado primeiro de Tao (dào -– caminho/meio)
do nível metafísico para o nível social e comportamental. A metáfora da
água indica que a melhor estratégia possível para lidar com as mudanças
de grande complexidade é deixar uir tão naturalmente como a água faz,
em conformidade imediata a situações de mudança rápida, consciente dos
limites das esferas de poder - portanto, ao mesmo tempo conservador -
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-769-2.p159-186
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
160
deixando espaço para possibilidades desconhecidas ou aceitando que o
processo seja manejado de uma maneira não tão perfeita e fechada, de
modo a estar pronto para mudanças inesperadas. Uma boa compreensão
de constante mudança no pensamento chinês pressupõe exibilidade,
elasticidade e compatibilidade.
A presente pesquisa tem por intenção o estudo destes pilares que
norteiam a pró-atividade do governo da RPC em sua forma de reinserção
internacional, seja com relação às instituições ou às suas relações comer-
ciais e diplomáticas. Para isso, o texto divide-se, além desta breve introdu-
ção, em três seções que tratarão de investigar: a) a forma pela qual a teoria
política especíca chinesa, a partir da dialética co-teses, é base fundamental
para a atuação chinesa na ordem internacional; b) o conceito do termo
free-rider; e c) a forma e as ações que corroboraram para que a China fosse
elencada como um ator free-rider no sistema internacional. Tais seções são
seguidas pelas considerações nais da pesquisa.
A DIALÉTICA CO-TESES ENQUANTO BASE COMPORTAMENTAL
A identidade da China em relação à sociedade internacional tem
sido o quebra-cabeça central para os chineses desde 1840. Sinais de uma
solução parecem ter surgido após a política de reforma e abertura na dé-
cada de 1980, que armou o m do isolacionismo chinês. Entretanto, os
limites dessa adesão são cruciais para se pensar sobre a convergência ou o
confronto desta identidade com o sistema internacional.
Numa concepção tradicional ocidental, a ideia de conito é onto-
logicamente signicativa e aparentemente irreconciliável através de esfor-
ços humanos. A chave para a dialética Hegeliana é a exclusividade, na me-
dida em que ela recusa em reconhecer que A está incluso em não-A, e/ou
que A é capaz de mover-se num processo para se tornar não-A (KONDER,
2004). Se examinadas as teorias das relações internacionais ocidentais tan-
gentes ao poder (teoria clássica e neo-realismo), à civilização (choque das
civilizações), às normas (liberal construtivismo), e à sociedade (escola in-
glesa), o conito dialético parece ser onipresente. Adicionalmente, concei-
tos-chave na denição de sociedade internacional incluem termos como
161
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
interesses, valores, normas, instituições e identidade, como deixa claro a
denição de Bull (1995):
Uma sociedade de Estados (ou sociedade internacional) existe quando
um grupo de Estados, conscientes de certos interesses comuns e valores
comuns, formam uma sociedade no sentido de que se concebem como
comprometidos por um conjunto comum de regras nas suas relações
com o outro, e compartilham no funcionamento de instituições co-
muns. (BULL, 1995, p. 13).
Assim, para que a sociedade internacional exista, é necessária uma
homogeneização, ou ao menos um consenso, sobre quais são esses interes-
ses e valores comuns, o que segue a estrutura categórica dualística. Uma
vez que oposições na estrutura dualística são vistas como essencialmente
conituosas, uma síntese só pode ser atingida quando um lado da oposição
é eliminado ou totalmente absorvido.
Nesse sentido, de acordo com a dialética conituosa aplicada à
busca de identidade chinesa em sua reinserção no sistema internacional,
pode-se inferir que ou a China aceita totalmente as instituições primaria-
mente estabelecidas da sociedade internacional ocidental – agindo com
um perl integracionista-, ou ela deverá “ascender” violentamente através
da transposição da ordem internacional sustentada pelas instituições pri-
márias – agindo com um perl revisionista. Por denição, a dialética con-
ituosa não abarca um espaço para um curso alternativo. Bleiker (1998)
argumenta que
Teoria internacional e conceituação ocidental em geral têm sido tra-
dicionalmente baseadas na justaposição de opostos antagônicos bipo-
lares, como racional/não-racional, bom/mal, justo/injusto, guerra/paz
e caos/ordem. Um lado do par é considerado como sendo analitica-
mente e conceitualmente separado do outro. O relacionamento entre
os opostos bipolares geralmente expressam superioridade, dominância
normativa de uma entidade (como paz) sobre a outra (como guerra).
(BLEIKER, 1998, p. 94).
Na perspectiva chinesa, diferentemente da noção de Bull (1995),
sociedade internacional não é uma entidade auto-suciente; contraria-
mente, ela é um processo aberto de relações sociais em movimento. Regras,
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
162
regimes, e instituições não são estabelecidos para governar ou restringir
o comportamento individual dos atores numa sociedade, mas para har-
monizar suas relações enquanto membros. Tal compreensão da sociedade
internacional é baseada num processo de pensamento relacional e na
dialética complementar (co-teses ou inter-teses), ambos originados nas tra-
dições losócas e intelectuais chinesas, e que têm por foco “relações em
processo”, cujo pivô de análise é “atores-em-relações” num todo sistêmico
e orgânico (NISBETT, 2003).
Uma concepção de orientação relacional como tal aplica maior
ênfase no contexto do que na individualidade independente dos atores.
Uma vez que o contexto é primariamente denido em termos de relações
complexas, essa perspectiva vê a sociedade internacional como uma rede de
relacionamentos complexos. As relações em constante movimento cons-
tituem processos que denem e transformam a forma (comportamento)
e a natureza (identidade) de agentes individuais. Os processos, portanto,
denem e redenem o comportamento relacional de um ator, salientando
constante movimento, mudança, e transformação através de relações inte-
rativas e práticas inter-subjetivas.
Como a unidade “atores” deve ser levada em conta como “ato-
res-em-relações”, eles agem em termos de seus relacionamentos, que se
transmutam numa sociedade de processos complexos (NISBETT, 2003).
Regras e instituições são então designadas para governar não os atores
individuais, mas as relações entre eles; conforme as relações mudam, as
identidades mudam. Por esse motivo é que a mudança fundamental de
relacionamento entre a China e a sociedade internacional desde a reforma
e abertura é tão signicante. Para o pensamento chinês, as mudanças são
sempre constantes e os ajustes, portanto, são sempre necessários porque
as relações em processo são uidas e sujeitas a mudarem igualmente; mas,
diante da dialética de co-tese complementar, não necessariamente a mu-
dança deva ser através da eliminação total de uma identidade em favor de
outra – perspectiva chinesa favorece concepção “um-e-outro” , ao contrá-
rio de “um-ou-outro”.
Esta transformação focada no processo e na complementarida-
de é denida como “continuidade através da mudança” (tóngbiàn -童便),
sendo que “mudança” faz referência basicamente a “mudança através de
163
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
contextualidade” (QIN; WEI, 2008). A continuidade através da mudança
e a mudança com continuidade têm sido o entendimento e a prática chine-
ses com relação não só a sua reforma estrutural doméstica, como também
a sua reinserção na ordem internacional e a sua maneira de lidar com as
instituições internacionais. Tal comportamento reete grande concepção
estratégica, na medida em que a escolha contextual dos uxos relacionais
ganham mais importância do que formas de identidade imediata e imutá-
vel – a escolha de uma identidade integracionista ou revisionista – abrindo
espaço para percepções contextuais do que é melhor para a consecução de
resultados preferidos. Como já apontou Nye (2012):
A inteligência contextual, a capacidade para entender um ambiente em
evolução e para capitalizar as tendências, vai se tornar uma habilidade
crucial para que os líderes convertam recursos de poder em estratégias
bem-sucedidas. (NYE, 2012, p. 18)
Em consonância com a perspectiva de Nye (2012), para a noção
de capitalização de tendências, está o conceito de shì (), que versa sobre
a direção/tendência dos processos de mudança no qual atores agem e in-
teragem. A concepção chinesa põe ênfase na compreensão da orientação
geral do processo social e relacional em curso, ou na direção do processo de
mudança, que por sua vez é moldado por múltiplos fatores e pode ser, por
exemplo, impulsionado por poder, induzido por interesse, ou guiado por
moralidade. Logo, noções como “contextualidade” e “tendências” são bem
alocadas no pensamento estratégico do governo central da RPC.
Para Buzan (2010), o sucesso do desenvolvimento pacíco chinês
nos últimos trinta anos deve-se a tal prática nas suas relações internacio-
nais e tal entendimento da sociedade internacional: na lógica da dialética
complementar, pares opostos interagem numa maneira não conituosa,
de forma a dirigirem-se para uma nova inter-tese que combina ao invés
de homogeneizar. Nesse sentido, o fato de a China se considerar como
socialista, país em desenvolvimento, orientada para o mercado, e grande
potência no sistema internacional, revela a complexidade e multiplicidade
da identidade da RPC. E, se se pode argumentar que a identidade fun-
damental chinesa foi modicada desde a adoção estratégica da reforma e
abertura, tal argumento deve fazer referência a um aspecto fundamental
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
164
desse processo: o fato de a China passar de um país isolado para um país
membro da sociedade internacional.
Buzan (2010) argumenta que é relativamente mais fácil para a
China aceitar as instituições westphalianas de soberania, diplomacia, e ba-
lanço de poder; mas é difícil, se não impossível, que aceite novas institui-
ções estabelecidas como direitos humanos e democracia na concepção oci-
dental. Pode-se inferir que, para a China, são relativamente mais aceitáveis
instituições de orientação comportamental, do que instituições de orientação
valorativa. Isto porque as primeiras podem ser concebidas por cálculo de
interesses, enquanto as segundas abrangem questões mais fundamentais de
identidade. Sendo assim, a chave para uma interpretação de como atua a
China em sua reinserção internacional é perceber como a identidade chi-
nesa determina que o governo seja capaz de realizar mudanças através de
uma continuidade, agindo de forma seletiva com relação às instituições da
ordem internacional atual.
Tomando-se uma breve consideração sobre o caso da institui-
ção “mercado”, pode-se gurar como funcionou para a China o concei-
to de biàn (便 – “vir a ser”), constituinte no processo de pensamento de
orientação relacional e na dialética complementar de co-tese. Uma reto-
mada histórica mostra como a China aceitou a economia de mercado en-
quanto instituição de uma ordem internacional, e como, junto a ela, o
país gradualmente alterou sua identidade de uma economia rigidamente
planejada para esta economia de mercado, que, por sua vez, tem sido por
muito tempo uma instituição primária do sistema internacional ocidental.
O governo central da RPC adotou, desde 1949, um modelo de econo-
mia planejada, exercendo-o ao extremo durante o período da Revolução
Cultural, logo, a aceitação inicial da economia de mercado como uma ins-
tituição primária não foi simples.
Isto porque, até então, “mercado” não era uma questão pura-
mente de escolha econômica para a China, e sim relacionada à identi-
dade chinesa enquanto um Estado socialista e à identidade do Partido
Comunista Chinês (PCC) enquanto um partido revolucionário. Assim, o
primeiro grande desao chinês à época da reforma e abertura era a questão
da aceitação chinesa da economia de mercado como instituição primária.
Utilizando-se da perspectiva processual chinesa, o elemento chave para o
165
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
desao foi conceber de maneira distinta e complementar os dois opostos:
mercado e planejamento. Pela assunção não-conituosa e direcionamento
taxonômico, economia de mercado e planejamento central foram vistos
como inclusivos um do outro (A como sendo parte inclusiva de não-A), e
não xados na lógica categórica dualística.
Deng Xiaoping argumentava que havia elementos de economia
de mercado no socialismo e elementos de planejamento econômico no ca-
pitalismo, e que isso reetia exatamente a natureza mutuamente inclusiva
dos opostos (GITTINGS, 2005). Tal consideração foi resumida em dois
provérbios muito utilizados por Deng: “não importa se o gato é brando ou
negro, contanto que cace ratos” (不管黄猫黑猫,只要抓住老鼠就是
好猫-bùgu
nhuángmāohēimāo, zhyàozhuāzhùloshjiùshìhomāo), e “atra-
vessar o rio ao tocar as pedras” (摸着石头过 - mōzheshítouguòhe). Aos
poucos, a China foi praticando a economia de mercado, dentro de um
hall maior de planejamento econômico: o “socialismo com características
chinesas” ou o “socialismo de mercado”.
No ano de 2012, o governo central optou por aprofundar ain-
da mais as reformas no plano econômico. Em fevereiro daquele ano, o
Conselho de Estado para Investigação e Desenvolvimento, junto ao
Banco Mundial, produziram um informe intitulado “China 2030” (THE
WORLD BANK, 2013), para descrever o projeto de desenvolvimento
pró-mercado. Em novembro, o mesmo think tank que ajudou a escrever tal
documento deu a conhecer planos mais concretos sob o nome de “Projeto
383”. Esse plano, publicado semanas antes do Terceiro Plenário do 18º
Comitê Central do PCC, foi uma clara indicação de que a China não
intenciona falhar em sua reforma econômica. Propõe-se, a partir de tal
Projeto, reduzir o papel do Estado em áreas como nanças, indústria, e
política agrária, e deixar que as atividades econômicas sejam formuladas
mediante políticas monetárias e impositivas.
O plano reconhece que as reformas devam ser integrais, coerentes
com objetivos claros e concretos, com programas executáveis e ter capaci-
dade para a aplicação efetiva. Ao mesmo tempo, explica que tal processo
não pode ser alcançado em curtíssimo prazo, e que transformações rápidas
e extensas são pouco realistas em um país de 1,3 milhões de pessoas.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
166
Neste contexto, a nova zona de livre comércio em Shanghai
(Shanghai Free Trade Zone) é uma experiência avançada na reforma admi-
nistrativa e na liberalização. Uma zona de livre comercio regula os inves-
timentos estrangeiros através do uso do enfoque de “lista negativa”, que
identica os âmbitos em que estão proibidos ou restringidos investimentos
estrangeiros, e, portanto, sujeitos a medidas administrativas especiais. Tal
esquema ilhado é novidade, já que permitirá aos atores estrangeiros ajudar
a dar forma à relação entre o Estado chinês e o mercado. Novamente é apli-
cada a política “atravessar o rio ao tocar as pedras”. Em resumo, a Terceira
Plenária tenta direcionar e mesclar as experiências da China, assim como
as melhores práticas internacionais, com o m de forjar um consenso para
uma estratégia de reforma coerente que fomente um crescimento inovador.
Contrariamente, em relação à instituição de orientação valora-
tiva como é o sistema democrático de governo, a avaliação é distinta. O
atual líder do PCC e Presidente Xi Jinping declarou, no início de 2014,
que o modelo democrático multipartidário ao estilo ocidental não seria
adequado ou aplicado em Beijing. Para tal depoimento e referindo-se à
aplicabilidade do modelo democrático ocidental na China, o novo gover-
nante chinês proferiu também um provérbio, mas de sentido contrário aos
provérbios que Deng Xiaoping utilizara na década de 1980: “a fruta pode
parecer a mesma, mas o gosto é bem diferente” (的水果,不同的味
- tóngyàng de shu
gu, bùtóng de wèidào)
Tais perspectivas divergentes comprovam não só a seletividade
chinesa no momento da consideração de instituições de orientação com-
portamental e valorativa, como também revela que muitos dos postula-
dos clamados pelo governo central chinês fazem parte de uma estratégia
de reinserção internacional. A retórica discursiva do PCC faz relação ao
cooperativismo e à promoção de relações de caráter de ganho mútuo e
recíproco (win-win partnership) para gerar inuência gravitacional e con-
tribuir para um cenário internacional estável – sobretudo após seu ingres-
so ocial na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001-, que
possa alocar o contínuo desenvolvimento econômico da China. Em outras
palavras, a China reforça sua escolha pela economia de mercado através de
terminologia própria e esforços diplomáticos.
167
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Da mesma forma, elege como retórica discursiva os postulados de
não-ingerência, que reticam sua negação a aceitar instituições de cunho
valorativo já existentes no cenário internacional, como a estrutura de-
mocrática liberal
1
- vide seu distanciamento e/ou ocultação de dados de
órgãos como a Anistia Internacional, o Comitê das Nações Unidas para
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e de demais órgãos ou relatórios
avaliativos relacionados aos direitos humanos.
No que tange aos órgãos de governança global, uma potência
considerada “de status quo”, aceita as normas e regras existentes no cenário
internacional e não busca alterá-los, já que se benecia e está confortável e
satisfeita com a ordem internacional ora posta. A China tem se benecia-
do a partir do sistema internacional existente e continua sua trajetória de
desenvolvimento rumo ao status de primeira economia mundial. Pode-se
inferir que não há a aspiração em se transpor ou desaar um sistema no
qual se está sendo beneciado. Nesse sentido, então, a China pode ser con-
siderada de fato uma potência satisfeita com o status quo. Entretanto, seria
um equívoco não considerar que a China, concomitantemente, não aceita
postulados rigidamente impostos do sistema internacional; ao contrário,
o governo da RPC argumenta que a ordem internacional ora em voga é
falha, na qual existem inúmeros componentes injustos e irracionais a serem
modicados. Partindo-se dessa perspectiva, a China pode ser considerada
uma potência revisionista do sistema.
Para Ikenberry (2011), a maior inuência chinesa no cenário in-
ternacional somada à deação da credibilidade norte-americana não pres-
supõe necessariamente a derrocada da ordem internacional. Se bem não
é verdade que a maior inserção e pró-atividade de potências emergentes
na ordem internacional represente a ascendência da ordem internacional
liberal, como crê o autor, também não se pode inferir que a China, junta-
mente às outras potências emergentes, pretenda sobrepor-se aos órgãos de
governança global da ordem internacional. Como argumenta o intelectual
chinês Qin (2011):
1
É importante ressaltar que o governo central do PCC de fato reconhece a China como uma democracia, mas
não nos termos da estrutura democrática multipartidária liberal ocidental. Tal discussão transcende ao escopo
desta pesquisa. Ver: YU, K. Democracy in China: Challenge or Opportunity? In: WU, J. et al. (Eds.). China in
2030. Beijing: Central Compilation & Translation Bureau, 2011. Disponível em: [http://www.ash.harvard.edu/
extension/ash/docs/democracyinchina.pdf] Acesso em 07/02/2015
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
168
[...] Denitivamente não se pode derrubar o sistema atual, pois há
muita coisa boa nele. A precondição para nós é que, ao mudar o siste-
ma internacional, precisamos evitar mais desordem [...] Assim, basica-
mente não se pode dizer “elimine isto”, mas podem-se mesclar coisas
boas de nossas práticas, nossa cultura, de nossas narrativas e tradições,
ao sistema internacional já existente.(QIN, 2011).
O CONCEITO DE FREE-RIDER
Em sua conceituação original dentro do estudo em A Lógica da
Ação Coletiva de Olson (1965), o free-rider é aquele que desfruta do bem
coletivo eventualmente provido sem ter incorrido em qualquer custo para a
sua obtenção. Isso ocorre seja porque a relação custo/benefício desestimula
o ator a agir em prol de seus interesses, seja por ser impossível excluir o ator
que não contribui com a ação do grupo dos beneciários. Embora o termo
seja muito especíco no âmbito da vertente olsoniana, o conceito de que
os indivíduos poderiam receber os benefícios da atividade em grupo sem
ter de suportar a sua parte proporcional dos custos foi um tema central
e é comumente referido como característica da atitude free-rider. Olson
(1965) arma que quando está em pauta um bem público, vale dizer, um
benefício caracterizado pela impossibilidade de discriminação entre aque-
les que contribuíram para o provimento do mesmo daqueles que não o
zeram, o membro racional, em determinados casos, pode preferir não
contribuir para a consecução do bem grupal. Isso porque o ator, mesmo
não contribuindo com a consecução do benefício coletivo, poderia, em
certas circunstâncias, usufruir de igual modo do bem em questão.
De fato, o conceito não tem uma denição precisa ou consis-
tente dentro da literatura das ciências sociais. Sandler (1992) aponta que
certas vezes, a atuação free-rider refere-se à situação de sub-otimização
que caracteriza o equilíbrio não-cooperativo de Nash associado à provisão
do bem público. Outras vezes, é relacionada à relação inversa entre a
contribuição de um agente em particular, e a contribuição dos demais
agentes. O comportamento é também relacionado à falha dos agentes
individuais em transportar suas próprias preferências para o bem público
através de suas contribuições.
169
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
A Teoria dos Jogos tem se tornado uma técnica usada para estu-
dar problemas enfrentados em grupos de ação coletiva, como organizações
internacionais. O Dilema do Prisioneiro tem sido usado como ponto de
partida e, embora não delineie formalmente o comportamento free-rider
como o considera Olson (1965), ilustra de que maneira atores individuais
perseguindo seus próprios interesses conseguem atingir benefícios que são
sub-ótimos quando avaliados em relação aos interesses de nível grupal.
Tradicionalmente, o Dilema do Prisioneiro representa a essência de uma
situação de impasse, na qual a estratégia dominante é a não-cooperação
(LIMA, 1990).
De acordo com Ostrom, Gardner e Walker (1994), o interesse e a
escolha de comunicação de um ator com outro e/ou o interesse em aplicar
sanções, numa estrutura institucional (“regras do jogo”) em que as ações
dos jogadores são coordenadas, também são dimensões de um comporta-
mento free-rider. Em outras palavras, um ator free-rider pode se beneciar
tanto de ações aplicadas por outros atores, portanto não contribuir ou não
agir; quanto inferir ações para que tais benefícios sejam alcançados mais
facilmente, sem que seus interesses próprios sejam restringidos.
Em suma, embora o conceito geral de free-rider seja difuso em
seus vários usos, o comportamento individual de um agente é usualmente o
contexto especíco. Nesse sentido, tem-se que o comportamento individual
chinês pode ser categorizado como free-rider, na medida em que a China
apresenta traços de política doméstica e de política externa que ressaltam
a busca da consecução de seus interesses nacionais, ou seja, a China ade-
re às instituições internacionais conforme lhe convém. Entretanto, faz-se
necessário frisar que o termo free-rider deve ser expandido, pois não só
o comportamento chinês deve ser analisado também fora do âmbito das
organizações internacionais, como a China tem buscado a consecução de
seus interesses nacionais – e benefícios - exatamente pela inserção a tais
organizações. Nesse caso, faz mais sentido a aproximação com a proposta
neo-institucionalista, do ponto de vista metodológico, que consiste em
substituir o uso tradicional do modelo do Dilema do Prisioneiro, jogado
uma única vez, pelo modelo do jogo repetido. A idéia é que a cooperação
entre os Estados se dá de forma contínua e, portanto, envolve estratégias
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
170
de reciprocidade e o ajustamento mútuo do comportamento dos jogadores
no sentido da cooperação (SNIDAL, 1986).
O que parece um paradoxo num primeiro momento congura-
-se como um padrão comportamental estratégico: ao invés de se manter
afastada das normas globais, a China aproxima-se delas de forma seleti-
va. Tal seletividade, conforme exposto anteriormente, vai ao encontro do
pensamento complementar mais tradicional de teoria política chinesa de
co-teses.
Mesmo que o termo free-rider tenha origem ocidental e não
apresente consenso quanto à sua tradução para o mandarim chinês –
propõe-se a tradução para mi
nfèidāchéngchē费搭乘车
2
(YIN; LI, 2000)
– a RPC reitera sua forma comportamental no cenário externo sem fazer
referência direta ao conceito. Pearson (1999) verica que
Os líderes chineses repetidamente expressaram que poderiam e iriam
adotar o que seria benéco da economia mundial e evitariam os ele-
mentos negativos da integração, com base em uma visão de custos e
benefícios para o país como um todo. (PEARSON, 1999, p. 228).
Além disso, é interessante apontar que os ideogramas utilizados
para fazer referência ao conceito de “ator responsável” (fùzérèn de lìyìxiān-
gguānzhě - 负责任的利益相关者) no sistema, inferem que um agente
seja responsável diante dos interesses mútuos. Fùzérèn (负责任) refere-
-se a “ser responsável” ou “tomar responsabilidade por algo”, lìyì signica
“interesse” ou “benefício”, e xiāngguān a “mutuamente relacionado” ou
estar inter-relacionado”. Nesse sentido, para a concepção chinesa, um ator
responsável direciona suas ações para a persecução de interesses revelados
como comuns para o benefício comum. O pensamento tradicional de teo-
ria política chinesa tem preferência pela complementaridade de “benefí-
cios individuais” – portanto acoplar a heterogeneidade -, mais que uma
homogeneização em um único benefício comum e/ou interesse comum.
Assim, partindo do pressuposto já apontado de que a China procura, ainda
que dentro de suas concepções de “mundo harmonioso” e fazendo parte
2
Minfèi refere-se a “livre de encargos”, dāchéng signica “viajar” (sendo que dā signica “aderir” e chéng sig-
nica “caminhada” ou “tirar vantagem”), e chē é “veículo”. Em português, o termo free-rider pode ser traduzido
como “caronista”.
171
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
das normas internacionais, alocar seu próprio interesse nacional de forma
a gerar resultados preferidos, não faz sentido relacioná-la como um ator
responsável no sistema, justamente vericado seu comportamento seletivo
quanto às instituições de ordem valorativa no sistema internacional.
Destarte, depreende-se a íntima relação do comportamento do go-
verno central da RPC com relação aos órgãos de governança global e aos mais
relevantes assuntos globais com o conceito free-rider a partir da vericação
empírica do padrão dinâmico da atividade chinesa nas conjunturas passada
e atual. Ainda que a China tenha logrado estabelecer posicionamentos
mais assertivos na resolução de temas globais e tenha clamado para si um
papel cada vez mais responsável no sistema internacional, seu padrão de
comportamento free-rider não tem escapado a críticas.
A primeira delas refere-se ao aparente paradoxo que a política ex-
terna chinesa cunha ao retoricamente clamar por seu desenvolvimento pa-
cíco, e, concomitantemente, contribuir para tensões no relacionamento
sino-japonês no caso das ilhas Diaoyu – conhecidas como ilhas Senkaku no
Japão – no mar do Leste da China. Apesar do discurso de reivindicação de
soberania das ilhas pelos dois países arremeterem a fatos históricos e de legiti-
midade sobre a posse da ilha, é possível que os interesses japoneses e chineses
nas ilhas sejam guiados principalmente pela possibilidade da existência de
grandes jazidas de petróleo na região e por ser uma região estrategicamente
localizada, de forma que tem havido pouco diálogo construtivo rumo à re-
solução entre os países envolvidos na disputa. A atitude agressiva chinesa foi
percebida a partir da declaração, em novembro de 2013, de que o governo da
RPC havia estabelecido a criação de uma nova zona de identicação de defe-
sa aérea, o que exigiria que qualquer aeronave nesta zona cumprisse normas
estabelecidas por Beijing (HOW UNINHABITED..., 2014).
Vale destacar que, em que pese o fato de que exercícios militares
e distúrbios na Guarda Costeira dos dois países possam gerar instabilidade
na região e elencar a China como um ator irresponsável do sistema inter-
nacional, a reivindicação chinesa vai ao encontro de seus discursos de não-
-ingerência em assuntos internos de outros países e de respeito à soberania
dentro do próprio âmbito da ONU. A partir desta perspectiva, o discurso
de desenvolvimento pacíco continua válido, desde que outros países res-
peitem a soberania nacional clamada pela China.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
172
Além do caso das ilhas Diaoyu/Senkaku. Marshall (2010) ilustra
com fato pontual a dúbia atitude chinesa – que ele chama de “Síndrome
chinesa free-rider” - no que tange as expectativas de seu posicionamento na
ordem internacional. Para ele, a China não tem contribuído para a esta-
bilidade do sistema internacional na medida em que não se posiciona de
maneira rme contra as atitudes belicosas da Coréia do Norte, como fazem
as demais potências do Conselho de Segurança, e, contrariamente, man-
tém relações comerciais diretas com Pyongyang. Assim, enquanto a China
se propõe retoricamente comprometida com a não-proliferação nuclear na
Coréia do Norte e com a estabilidade e paz na região da península, con-
comitantemente age de maneira permissiva no que se refere a estabelecer
medidas punitivas a Pyongyang, como sanções econômicas mais fortes. Na
perspectiva de Marshall (2010), a China
[...] quer um lugar na mesa onde as decisões globais são feitas. No
entanto, questão após questão, a China está a provar-se como um free-
-rider [...] Sua incapacidade em aceitar as responsabilidades que acom-
panham seu crescente poder enfraquece a cooperação e a estabilidade
internacionais. (MARSHALL, 2010).
Kleine-Ahlbrandt (2009) compartilha de tal perspectiva ao con-
siderar que o governo central da RPC tem pensado as questões globais pri-
mariamente em termos de seus próprios interesses, fato que põe a política
externa chinesa em conito com um posicionamento mais abrangente e de
maior responsabilidade no cenário internacional. Para a questão da Coréia
do Norte, a China estabelece uma atitude “dual-track” ao separar delibe-
radamente suas relações comerciais bilaterais com a Coréia do Norte dos
assuntos políticos, delegando a responsabilidade do tema para os Estados
Unidos. Tal atitude contempla o conceito fundamental de free-rider: bene-
ciar-se das ações de outrem ou de uma coletividade numa determinada
situação, ou beneciar-se de uma determinada conjuntura, sem contribuir
efetivamente para o quadro.
Não obstante o caso da península coreana, o governo central
da RPC não considera temas relacionados à proliferação nuclear no Irã –
país fonte de suprimento energético à China – uma questão de urgência
para impor sanções ou interferências externas, justamente por não querer
173
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
comprometer importante fonte de suprimento energético para o contínuo
desenvolvimento econômico do país, e inclusive aplicando recursos de in-
vestimento para a infraestrutura local relacionada ao transporte de maté-
rias-primas. O comércio da China com o Irã somou US$ 45 bilhões em
2011, com investimento chinês totalizando US$ 3 bilhões, apesar de ter
decaído para apenas US$ 400 milhões em 2013 (DEVONSHIRE-ELIS;
SOLSTAD, 2013). Kleine-Ahlbrandt (2009) pondera que a China con-
sidera-se numa posição mais forte para defender seus interesses bilaterais,
e que Beijing “[...] continua altamente relutante em assumir maiores en-
cargos – sejam econômicos, políticos ou militares – preferindo agir como
free-rider” (KLEINE-AHLBRANDT, 2009).
Questões de segurança energética também inuenciam a po-
lítica chinesa em relação ao Afeganistão, que por sua vez busca investi-
mentos estrangeiros para explorar seus ativos. Após a abertura dos seto-
res energético, de minerais e de matérias-primas pelo governo afegão para
o investimento estrangeiro em 2007, a China rapidamente tornou-se o
maior investidor com a compra pela Metallurgical Corporation of China
(MCC) de participação no campo de cobre da MesAynak, cujos depósi-
tos, localizados a 35 quilômetros ao sul de Kabul, contêm 5,5 milhões
de toneladas do material. O acordo de mais de US$ 3 bilhões fez dessa
operação representante do maior investimento estrangeiro direto único fei-
to no Afeganistão (O’DONNELL, 2014). Isto porque a MCC, de posse
estatal, pôde oferecer um pacote de benefícios que seus concorrentes do
setor privado não puderam arcar. O governo chinês ainda contribuiu com
US$ 230 milhões para a reconstrução afegã entre 2002 e 2011, e, desde
2006, permite a entrada sem tarifas de milhares de produtos afegãos no
país (DEVONSHIRE-ELIS; SOLSTAD, 2013).
Além disso, a China tem expandido seu acesso a ativos energéti-
cos nos países vizinhos da Ásia Central. A segurança desses recursos, e as
rotas de transporte terrestre ligando-os para a China, dependem, em parte,
da situação no Afeganistão. Em dezembro de 2009, a China abriu um
importante gasoduto que transporta gás natural do Turcomenistão através
de Uzbequistão e Cazaquistão, áreas próximas ao Afeganistão que pode-
riam ser atacadas por guerrilhas que operam a partir do território afegão.
Doravante, em visita de Estado à Pequim em março de 2010, o chanceler
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
174
afegão Zalmai Rassoul armou que o Afeganistão gostaria de receber in-
vestimentos chineses adicionais em seus setores de gás natural e de minério
de ferro, e iria tomar medidas para assegurar uma melhor proteção dos
cidadãos e das empresas chinesas no seu país (KARZAI..., 2010).
Ao adquirir matéria-prima de regiões como Irã e Afeganistão, a
China diversica sua fonte de suprimento energético, garantindo acesso a re-
giões mais próximas e, assim, diminuindo custos e tempo de transporte des-
ses bens até o país. Ademais, a importação de matéria-prima do Afeganistão,
por exemplo, permite ao governo central da RPC um processo de desenvol-
vimento econômico interno geogracamente mais equilibrado, já que pro-
víncias mais ocidentais da China necessitam de recursos naturais disponíveis
de mais fácil acesso. É o caso da região instável de Xinjiang, que seria bene-
ciada com o fortalecimento do comércio chinês e suas regiões fronteiriças
de Afeganistão e Paquistão, país que também tem recebido investimento
estrangeiro direto chinês considerável nos últimos anos.
De acordo com pesquisas da Anistia Internacional, a China
também está envolvida em exportações de armamento para regiões como
Irã e Sudão em troca de matéria-prima para suprir seu rápido crescimen-
to econômico - uxo comercial cujo valor atinge US$ 1 bilhão por ano
(PEOPEL’S..., 2006). Entretanto, congura-se como um comércio “en-
volto em segredo”, porque Beijing não publica qualquer informação sobre
transferências de armas no exterior e não apresentou dados para o Registro
anual da ONU sobre Armas Convencionais nos últimos oito anos. O
Sudão teve suas exportações de petróleo para a China aumentadas de US$
1,8 bilhão em 2006 para US$ 4,1 bilhões em 2007, permanecendo como o
quinto maior fornecedor da China. O país vendeu em média 244.000 bar-
ris diários de petróleo para a China, comparados a 463.000 barris/dia do
Irã e 644.000 barris/dia da Angola. Além disso, a China é maioria acionista
em dois dos maiores consórcios de petróleo sudaneses – através da Chinas
National Petroleum Corporation (CNPC) -, com participações inclusive no
campo de Darfur, e investiu, só no ano de 2007, US$ 8 bilhões na indús-
tria petrolífera do país, incluindo investimentos em infraestrutura e rena-
rias (HARMAN, 2007).
Como se percebe, o governo do PCC igualmente tem articulado
interesses de âmbito político com interesses em âmbito econômico. Seus
175
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
interesses econômicos em regiões de conito induzem o governo central da
RPC a exercer um comportamento preferencialmente free-rider, e não de
ator responsável, no sistema internacional.
SELETIVO ECONÔMICO
No âmbito do CSNU, por exemplo, o discurso referente ao res-
peito à soberania nacional e a não-ingerência em assuntos internos de ou-
tros países acabam por revelar o receio Chinês de que, se aplicadas sanções
a estes países com os quais mantém importantes uxos comerciais, haja
o corte do fornecimento de suprimentos estratégicos energéticos para a
China – como exemplicado pela sua abstenção no caso da proposta de
intervenção em Darfur.
Adicionalmente, interesses estratégicos de cunho econômico for-
mariam um conjunto de razões mais fortes para os vetos da China nas
questões sobre Myanmar. O país é a porta de acesso da China para o
Oceano Índico e um parceiro importante na estratégia chinesa, conhecida
como String of Pearls (PERHSON, 2006), para melhorar suas capacida-
des marítimas na região
3
. Myanmar também tem sido um receptor de in-
vestimentos chineses, especialmente no setor energético. Além disso, há a
percepção de que o enfraquecimento do regime de Myanmar devido a uma
intervenção externa poderia criar uma ambiente de instabilidade que seria
prejudicial para o próprio governo central do PCC. Tal estratégia política
reete uma atitude seletiva também no que tange aos mecanismos de con-
certação econômico-comercial multilateral.
Após inauguração com seu engajamento ao Programa de
Desenvolvimento das Nações Unidas (U.N. Development Program
UNDP) em 1978, a China começou a participar de variadas organizações
internacionais na esfera econômica multilateral. Desde 1980, a RPC
integrou-se ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial
(BM), além do Banco de Desenvolvimento da Ásia (Asian Development
Bank – ADB) e, mais recentemente, da Organização Mundial do Comércio
3
Para Pehrson (2006), a estratégia String of Pearls é uma manifestação da maior inuência geopolítica da China
por meio de esforços para aumentar seu acesso a portos e campos de pouso, desenvolver relações diplomáticas
especiais e modernizar as forças militares desde o Mar do Sul da China até o Estreito de Malaca, pelo Oceano
Índico e pelo Golfo Pérsico
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
176
(OMC). A adesão da RPC nas organizações internacionais formais mais
do que duplicou entre 1977 e 1997 (de 21 para 52 organizações) – no ano
de 2013 participa de 72 -, enquanto que sua participação em organizações
internacionais não governamentais disparou durante o mesmo período de
71 a 1.163 (CHINA DEVELOPMENT BRIEF, 2013).
Na visão do governo central, à China é designada importante
função de contribuir para reverter o desenvolvimento fragmentado e fra-
cionado da governança econômica global. Pretendem, neste sentido, avan-
çar no curso da liberalização do comércio global através de uma plataforma
central: a Organização Mundial do Comércio (OMC) (SIIS, 2013).
Todavia, ainda que a China, após seu ingresso na organização,
não possa ser considerada um free-rider nos termos especicados pela
própria OMC
4
, não se pode esperar igualmente que o governo central
chinês abandone seus princípios de planejamento econômico doméstico
em prol de uma maior responsabilidade comercial em relação aos regi-
mes e práticas internacionais, de forma que também apresenta um caráter
seletivo na esfera econômica da ordem internacional. Corrobora com tal
armativa o fato de a China, em seu documento China’s Diplomacy: Global
Strategy 2013-2023, ter apontado que dará ênfase em três pontos-chave
para sua atuação na governança econômica global, sendo o primeiro de-
les os esforços para a melhora substancial da qualidade do próprio cresci-
mento econômico da China, que envolve aumento de comércio exterior
e investimentos e um maior nível de desempenho nanceiro; somados ao
amadurecimento do “socialismo de mercado” através de constante inova-
ção da teoria e do sistema socialista (SIIS, 2013, p. 18).
Infere-se, nesse sentido, que o comportamento e a atuação chi-
nesa nos assuntos econômicos internacionais, e também nos fóruns de go-
vernança, estão intimamente articulados com o desempenho doméstico
dos assuntos econômicos chineses e com o processo de reestruturação do
socialismo com características chinesas. Em outras palavras, sua atuação
internacional depende de sua satisfação econômica nacional.
4
Um termo casual usado para fazer referência a um país que não acata nenhuma concessão comercial que
não provenientes de cortes tarifários e concessões feitas por outros países em negociações sob o princípio da
Nação-mais-favorecida. Fonte: WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). WTO Glossary. Disponível
em: [http://www.wto.org/english/thewto_e/glossary_e/free_rider_e.htm] Acesso em 15/04/2014.
177
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
No que tange à OMC, o ingresso formal da China em 2001 foi
mola-mestra para a maior dinâmica comercial deste país com o globo. O
acesso chinês à organização providenciou ao país relativa segurança no
acesso a mercados visados pela China, e ajudou a reforçar o papel chinês
nas cadeias produtivas do Leste Asiático. Além disso, a preparação para
o ingresso na OMC, bem como a implementação dos termos de acesso,
tiveram reexo principalmente no corte de tarifas e de diversas barreiras
não-tarifárias, representando um estímulo signicativo para a competitivi-
dade da economia local.
Ao abarcar tal regime de comércio, e ao perceber que seus setores
comerciais domésticos estariam aptos para a exposição à competição exter-
na, a China inaugurou um ambiente mais favorável a investimentos, através
da abolição, revisão e promulgação de leis e regulamentações comerciais a
nível governamental e a nível local, a maior revisão legislativa da história
para que se pudesse estabelecer o sistema legal consistente da OMC. Dentre
tais reformas, estava a criação de um regime tributário eciente desde 1994,
com o imposto de renda e o imposto sobre o valor acrescentado como base
(NORONHA; PANG, 2004). Para a China, implementar as condições de
acesso à OMC envolveu uma abertura ainda maior de seu mercado, maior
transparência através das noticações e dos comitês da OMC, e um engaja-
mento maior com a comunidade internacional.
Adicionalmente, a China teve de lidar com o reforço de leis
de propriedade intelectual (intellectual property rights – IPR), barreiras
técnicas comerciais (technical berriers to tradeTBT), e padrões sanitários e
tossanitários (sanitary and phytosanitary Standards – SPS). A participação
de um país tão relevante em termos econômico-comerciais como a China
em fóruns de debates sobre protecionismo e regulamentações de agricultu-
ra do G20 e do G33, e seu suporte a países em desenvolvimento, de fato,
fazem da OMC uma organização comercial mais balanceada. De um novo
membro que apenas observava o funcionamento regulatório da organiza-
ção e participava passivamente dos litígios envolvidos, a China passou a ser
um membro ativo e a participar formalmente como mediador na solução
de controvérsias da organização, de acordo com Gao (2007) a China pas-
sou de um membro passivo rule-taker para um membro ativo rule-maker.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
178
No entanto, sua ampliada e mais ativa participação nos regimes
comerciais também reete sua abordagem pragmática e seletiva com re-
lação aos mesmos. De acordo com Wenhua e Huang (2011), a China se
aproxima de disputas da OMC numa base caso a caso, ao invés da aplica-
ção de qualquer estratégia pré-denida de prevenção de litígios.
O país, por exemplo, tem sido ativo em negociações de Acordos
Preferenciais (Preferential Trade Arrangements – PTAs), contando com 11
PTAs até 2010 e mais 11 em negociação (WTO, 2013), o que reete o fato
de a China ser um parceiro atrativo não obstante a ameaça potencial que
suas exportações possam oferecer às manufaturas domésticas dos demais
países. Todavia, a China não apresenta um modelo único para seus PTAs,
como o fazem Estados Unidos e União Européia, e seus acordos negocia-
dos com os diferentes países variam substancialmente no que tange ao con-
teúdo: alguns abarcam apenas o comércio de bens, outros incluem setores
de serviços e investimentos. Além disso, a China tem-se mostrado seleti-
va não só por assinar PTAs de contextualização vaga para posteriormente
negociar detalhes com suas contrapartes, como também por não mostrar
grande preocupação com a compatibilidade destes acordos às regras gerais
da OMC
5
. Uma pré-condição não negociável tem sido exigida pela China
aos seus possíveis parceiros para a consecução de seus acordos preferenciais:
reconhecê-la como uma economia de mercado. Tal reconhecimento torna
as exportações chinesas menos vulneráveis a ações arbitrárias anti-dum-
ping, status que é de fundamental interesse no planejamento do governo
central do PCC.
Um segundo fator relevante nas negociações iniciadas por Beijing
no âmbito da OMC, e fator de suas escolhas para propostas de PTAs, tem
sido o intento em aumentar e assegurar o acesso chinês a matérias-primas.
Tais acordos têm sido parte do arsenal de instrumentos diplomáticos utili-
zados pelo governo da RPC a m de assegurar a segurança de recursos es-
tratégicos, já que, em linhas gerais, a assinatura de um PTA num processo
não confrontacional de negociação, pode prover um contexto de melhorias
5
De acordo com o Artigo XXIV, todos os acordos preferenciais devem abarcar substancialmente todo o comér-
cio entre os parceiros. Em parte, essa atitude exível chinesa com relação ao regulamento da OMC pode ser
relacionada ao fato de que os acordos assinados pela China são com países que ela classica como “em desen-
volvimento”, e tais acordos de fato não estão sujeitos ao Artigo XXIV, mas a regras mais exíveis da “Cláusula
de Habilitação” (WTO, 2010).
179
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
para operações de grandes empresas estatais chinesas ligadas ao setor ener-
gético – como no caso do PTA assinado com a Austrália, e os acordos de
comércio regional (Regional Trade Agreement – RTAs) com o Paquistão,
o Peru, e o Chile. Ainda que a China não seja tão agressiva quanto os
Estados Unidos em utilizar de PTAs para abrir mercados de seus parceiros,
o potencial de tais acordos para facilitar e aumentar as exportações num
momento em que a RPC enfrenta pressões protecionistas dos próprios
Estados Unidos e da Eurozona, parece exercer atratividade aos interesses
econômicos domésticos chineses.
Apesar dos esforços para a adequação às regulamentações comer-
ciais internacionais, a China tem sido criticada pelo excesso de interven-
cionismo do Partido Comunista nos assuntos econômico-comerciais e pela
governança inadequada a nível provincial, muitas vezes desconsiderando
comprometimentos internacionais a m de manter a estabilidade do PPC
no poder (AARONSON, 2010).
Com efeito, as empresas estatais (stated-owned enterprises – SOEs)
6
chinesas constituem mais de 40% do PIB chinês – o que representa um
lucro de US$ 396,5 bilhões, em 2013 - e cerca de 47% do emprego indus-
trial na China (LIANG, 2012). Uma vez que a RPC necessita que as gran-
des empresas estatais gerem empregabilidade por um período considerável,
e tem a intenção de aumentar as exportações nacionais ao trazer novas tec-
nologias e práticas de gestão ao país, o governo central mantém o subsídio
e nanciamentos a custo baixo a estas empresas estatais providenciando,
simultaneamente, incentivos para que empresas estrangeiras vislumbrem a
China como plataforma inicial de exportação e criem competitividade no
mercado doméstico.
Ainda que o setor público estatal perca espaço relativo como par-
ticipação do PIB chinês e no emprego de mão-de-obra para propriedades
privadas e coletivas no longo prazo
7
, o setor estatal continuará a desempe-
nhar um importante papel na política econômica do país. Primeiramente
porque o governo central do PCC não manifestou interesse em tornar a
China o bastião do capitalismo de livre mercado. Ao contrário, o governo
6
As empresas são consideradas como SOEs se a participação da propriedade estatal exceder os 10%.
7
No ano de 2010 a proporção de empregabilidade era maior para as SOEs: 49,4% para empresas estatais, 46%
para empresas privadas, e 4,5% para setor de propriedade coletiva (LIANG, 2012).
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
180
busca aprimorar-se no “socialismo com características chinesas”, que exige
um papel de destaque para a propriedade estatal. Soma-se a isso o fato de
que a Comissão de Supervisão e Administração de Ativos Estatais (State
Assets Supervision and Administration Comission- SASAC), criada em 2003
e responsável por gerir os ativos estatais, articulou uma série de indústrias
designadamente estratégicas para a segurança e a economia nacionais, de
forma que elas permaneçam majoritariamente ou grande parte sob o con-
trole do governo.
8
O slogan ocial do governo chinês com relação às SOEs é torná-
-las maiores, melhores e mais fortes (zuòdà, zuòqiáng,zuǒyòu- 做大, ,
左右), bem como “formar uma estrutura otimizada, fortalecer a capacida-
de de inovação e a competitividade internacional [...]” (LIANG, 2012).
Em termos de número de empresas, o setor privado prevalece, com um
número de 11,6 milhões, além de outras 42,2 milhões de empresas meno-
res em nome de individuais e 442 mil empresas estrangeiras. Entretanto,
as SOEs apresentam um número muito maior em termos de montante de
capital. Apesar de apenas 4,1% das rmas serem SOEs, elas contam com
46,6% de capital registrado, contra 38% registrado pelas rmas privadas,
2,4% pelas empresas menores e 13% das empresas estrangeiras. Na pers-
pectiva de Chen (2013),
As estatais da China não operam pelas regras normais de comércio.
Eles são, de fato, uma ferramenta muito poderosa da política industrial
do governo chinês, que visa uma expansão implacável de seu império
econômico global. O crescimento espetacular das estatais da China
nas últimas duas décadas, a uma taxa inigualável por praticamente
qualquer outro setor, tem sido impulsionada pela vontade do governo
chinês, que fornece insumos baratos ou gratuitos - como o acesso ao
capital - a m de criar poderes corporativos globalmente dominantes.
Há também a vantagem competitiva chinesa que vem [acompanhada]
não apenas com salários mais baixos para os trabalhadores, mas tam-
bém [por um] comportamento que pode ser considerado irresponsável
em um contexto ocidental. (CHEN, 2013, p.1).
8
Setores de aviação civil e petroquímicos, máquinas e equipamentos, aço e químicos. A lista referente ao ano
de 2010 pode ser encontrada em: [http://www.sasac.gov.cn/n2963340/n2971121/n4956567/4956583.html]
Acesso em 12/01/2015.
181
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Não obstante as objeções aos incentivos chineses direcionados
para suas empresas, mormente as de propriedade estatal, que gerariam
efeitos desestabilizadores” (DAVIS, 2012) nos padrões de comércio in-
ternacional, o país é apontado como o maior interventor nos mercados
cambiais do mundo, tanto em termos de relevância econômica quanto de
montante de intervenção. De acordo com estudos do Peterson Institute for
International Economics (BERGSTEN; GAGNON, 2012), a China foi o
maior interventor, somando cerca de US$ 3,3 trilhões de reservas no nal
de 2011. O comércio da RPC rendeu US$ 1,5 bilhão por dia durante o
ano de 2007, e o superávit da conta corrente chinesa atingiu os 10% do
PIB naquele ano. Desde então, sobretudo devido às conseqüências da crise
internacional e da conseqüente volatilidade dos mercados nanceiros, o
superávit chinês tem gradualmente decaído, mas ainda trouxe US$ 1 bi-
lhão por dia no ano entre 2008 e 2011 (BERGSTEN; GAGNON, 2012).
A recomendação publicada pelo FMI em fevereiro de 2012, no
documento intitulado China Economic Outlook (IMF, 2012), aponta que a
fraca conjuntura global reforça a importância de que o governo da RPC ree-
quilibre sua economia, que, a seu ver, signica não só reformar o setor nan-
ceiro e empresarial, como também aumentar o consumo interno e diminuir
a dependência do crescimento do PIB dos investimentos. Com efeito, o go-
verno do PCC liderado por Xi Jinping vem desempenhando planejamento
para a reestruturação e maior exibilização do setor nanceiro e empresarial
– a partir do “Projeto 383” - e incentivando o aumento do consumo inter-
no como participação no PIB chinês a partir do Terceiro Plenário do 18º
Comitê Central do PCC, em novembro de 2013. O governo xou como
objetivo para 2020 que toda a população urbana e rural duplique as rendas
per capita em relação a 2010 - que eram US$ 7.519 (OECD, 2014) -, o que
elevaria o poder de consumo da população chinesa.
Além disso, o prometido incentivo à maior atuação privada no
setor empresarial, como forma de melhor alocar recursos, ameniza as pres-
sões internacionais tangentes aos subsídios direcionados para as SOEs. O
objetivo geral das discussões no Terceiro Plenário do PCC e da publicação
do documento Decision of the Central Committee of the Communist Party
of China on Some Major Issues Concerning Comprehensively Deepening the
Reform (FULL TEXT..., 2012) é retomar os incentivos a profundas refor-
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
182
mas, que foram iniciadas na direção de Deng Xiaoping a partir de 1978, e
estagnadas na última década.
É neste sentido de resguardar seus próprios interesses que a China,
apesar de seus esforços de reestruturação para adesão à OMC, ainda não é
percebido como um stakeholder responsável no sistema. Para o comissário
de comércio da União Europeia, Karel De Gucht, devido ao peso econô-
mico que a China tem no comércio mundial, o governo da RPC não pode
permanecer isento de maiores responsabilidades:
Muito importante ao tomar responsabilidade no sistema global de co-
mércio é seguir um número de disciplinas com respeito à exportação de
crédito, com respeito ao dumping, aos subsídios, ao capital barato e assim
por diante [...] Você [China] não pode ser uma das maiores economias do
mundo e ser um free-rider ao mesmo tempo (DE GUCHT, 2013)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, a atitude free-rider da China em relação às instituições
e aos fóruns de governança global é tanto reexo de uma base tradicional
teórica – e losóca – de política chinesa, como gura enquanto instrumento
ou manobra estratégica para aumentar o leque de possibilidades de escolhas
comerciais e políticas em sua re-inserção ativa na ordem internacional. Re-
inserção esta, logo, articulada para compatibilizar as necessidades e aspira-
ções domésticas do país com as possibilidades externas do contexto global.
As reformas pretendidas por Xi Jinping a partir do Terceiro Plenário do
18º Comitê Central do PCC, denem os pressupostos para o “desenvol-
vimento pacíco chinês”, tendo o não sacrifício de seus interesses centrais
como pré-requisito e linha basilar da nova direção coletiva central, de ma-
neira a expor a estreita combinação de princípios e táticas.
Dessa maneira, um planejamento estratégico é necessário para
traduzir conceitos (teorias), no caso o desenvolvimento pacíco chinês,
em práticas. Tais estratégias são desenvolvidas em conuência com o de-
senvolvimento das capacidades (meios) para atingir objetivos especícos
(ns), num contexto especíco de circunstâncias. Essa estratégia, que deve
ser ajustada às mudanças circunstanciais, só é vericada quando assume a
habilidade de coordenar os meios para que os resultados sejam realizados.
183
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
É nesse sentido que se pode interligar diretamente as esferas de
política diplomática chinesa de concepção de “desenvolvimento pacíco
e “mundo harmonioso”, com o interesse prioritário do Politburo chinês na
esfera econômica: não só garantir o seu contínuo desenvolvimento nacio-
nal, como criar condições externas que possibilitem tal crescimento.
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187
CONSIDERAÇÕES SOBRE A PARTICIPAÇÃO DA
CHINA NAS OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO
DA PAZ DAS NAÇÕES UNIDAS
Gustavo Erler Pedrozo
INTRODUÇÃO
Historicamente a China, apesar de compor o Conselho de
Segurança das Nações Unidas (CSNU) como membro permanente, não uti-
lizava sua prerrogativa com a mesma intensidade que os demais membros do
conselho. No entanto, nos último anos é possível notar que o país asiático
passou a se valer mais de tal condição, bem como aumentou de maneira sig-
nicativa sua participação nas Operações de Manutenção da Paz das Nações
Unidas (OPNU) tanto quantitativamente, quanto qualitativamente, uma
vez que os contingentes enviados às operações são compostos, cada vez mais,
por tropas do Exército Nacional de Liberação. Em dezembro de 2014, pela
primeira vez, os chineses anunciaram o envio de um batalhão de infantaria
para a UNMISS (United Nations Mission on the Republico of South Sudan)
(CHINA, 2014). No presente trabalho, portanto, buscou-se analisar a atual
participação chinesa nas OPNU, suas possíveis motivações, e em que medi-
da é possível armar que existe uma tendência de alteração das práticas chi-
nesas no cenário internacional em relação à postura propagada em discurso.
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-769-2.p187-210
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
188
Para que se compreenda o tema é necessário recorrer a uma bre-
ve análise da política externa chinesa em sua história recente, bem como
sua participação nos assuntos da ONU. O que se pode deduzir de ma-
neira antecipada é que o aumento de sua participação nas OPNU ocorre
diante de uma alteração no papel que desempenha no mundo hoje (UN,
2015). Se voltamos um pouco no tempo podemos compreender a gênese
do princípio orientador da política externa chinesa. Foi no contexto do
Movimento dos Países Não-Alinhados que surgiram os “Cinco Princípios
de Coexistência Pacíca” naquele tempo sustentados, além da China, por
Índia e Mianmar. O princípio de não-intervenção é bastante caracterís-
tico do discurso chinês e presente em seus documentos ociais até hoje.
Contudo, o grande crescimento econômico dos últimos anos, a presença
comercial e nanceira em diversas regiões do mundo em consequência dis-
so, e também a maior presença política que acompanha, de certa maneira.
o movimento econômico têm alterado o modo como a China se relaciona
com os demais países em alguns aspectos.
Neste artigo se trabalha com a hipótese de que a China, por conta
de sua posição atual, pela necessidade de garantir sua segurança econômica
e os acessos às fontes de matérias-primas, e pela expectativa que se cria em
torno do país asiático, a despeito de esforços contrários de seus líderes, de-
sempenha um papel mais ativo no sistema internacional. O referido caso do
Sudão do Sul é um exemplo disso, e a mudança na participação da China
nas OPNU vêm demonstrar uma tendência: as aspirações chineses e suas
necessidades econômicas podem inuenciar na tomada de decisões contra-
ditórias aos discursos tradicionais de não intervenção. Particularmente para
a situação que se analisa aqui, a mudança no escopo de atuação das OPNU
e dos argumentos utilizados para a concessão dos mandatos, que os diferem
das OPNU tradicionais, distanciam a compatibilidade de discurso entre as
diretrizes da política externa chinesa com a prática das missões.
O trabalho se organiza da seguinte maneira: na seção subsequente
se discute aspectos característicos da política externa da República Popular
da China (RPC), sobretudo no que se refere às suas principais diretrizes de
atuação ao longo das últimas décadas e suas mudanças principais. Para isso
será realizada uma análise de alguns documentos recentes e importantes da
formulação da política externa chinesa. Na seção seguinte serão apresenta-
189
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
dos os conceitos e as denições principais das OPNU, com o objetivo de
fornecer subsídios para a análise posterior. Então, por meio de dados em-
píricos postos à disposição pela ONU, será analisada a participação chinesa
nas OPNU desde o início do século até o anúncio do envio do batalhão de
infantaria para a UNMISS.
ASPECTOS HISTÓRICOS DA POLÍTICA EXTERNA CHINESA
Em sua história recente a Chia saiu de uma condição de subordi-
nação às potências ocidentais para obter uma postura claramente soberana
desde a proclamação da República Popular. Embora no começo do regime
se possa vericar uma aproximação imediata com a URSS nos campos
político
1
e econômico
2
, em pouco tempo já surgiram os primeiros desa-
cordos. Num primeiro momento as diferenças se restringiram a questões
ideológicas e estratégicas na condução da sociedade socialista. Todavia, ao
longo da década de 1950 as relações foram se tornando mais complexas e
a desconança cresceu.
Do ponto de vista ideológico já se podiam identicar alguns pro-
blemas entre a perspectiva de Stalin – então dominante frente a percep-
ção de Trotsky – e das alguns membros do Partido Comunista da China
(PCCh), como se vericou no ano de 1927. A proposta do Comintern
para que o PCCh se reunisse com o Guomindang (Partido Nacionalista)
para a realização da revolução havia fracassado quando os nacionalistas tra-
íram os comunistas no episódio do conito entre os sindicatos e as forças
estrangeiras em Shanghai. Depois do rechaço sofrido, os comunista forma
perseguidos pelo exército de Jiang Jieshi até que foram desmobilizados. A
1
De acordo com (DEUTSCHER, 1969, p. 150) “O relacionamento entre o maoísmo e o estalinismo foi, desde
o início, bastante ambíguo. Os motivos que levaram o maoísmo a adotar a cor protetora da ortodoxia estalinista
são por demais óbvios. Em ns dos anos trinta, Mao e seus camaradas estavam conscientes do peso da inuência
que, sobre os negócios chineses, o Governo de Stálin iria exercer em consequência da Segunda Guerra Mundial;
e temiam que o zesse da maneira estreita, em interesse próprio e tão oportunisticamente como em 1925-27.
Sabiam de sua dependência da boa vontade de Moscou; estavam, contudo, determinados a não permitir que
Moscou os usasse [...]. Montaram, portanto, um jogo dos mais intrincados, segundo o qual conduziam sua
estratégia independente sem despertar a ira e a suspeita de Stálin. Stalin não pode ter desconhecido totalmente
esse fato. Contudo o Comintern não sancionou nem condenou a estratégia “não-marxista” e “não-leninista” de
Mao”.
2
Parte do desenvolvimento inicial da economia chinesa ocorreu com ajuda soviética. A URSS enviou alguns
milhares de técnicos e engenheiros no começo da década de 1950, com o objetivo de participar na construção
de cerca de 300 000 indústrias, sobretudo no setor pesado. Contribuiu, também, com um aporte nanceiro.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
190
segunda sugestão mais incisiva da frente única por parte do Comintern,
uma vez mais, não teve sucesso em perceber as particularidades chinesas
e foi proposta a união do PCCh justamente com Jiang Jieshi, de novo.
As orientações do Comintern acabaram por trazer mais descontenta-
mento para Mao Zedong e seus seguidores, e por consequência, maior
conança na estratégia revolucionária baseada no campo (FAIRBANK e
GOLDMAN, 2007, p. 260).
Ainda que, de acordo com Deutscher (1969, p. 151), Stálin tenha
fechado os olhos para aspectos da condução da revolução na China, as dife-
renças ideológicas foram se acentuando ao longo do tempo. No decorrer da
construção da RPC, Mao buscou utilizar suas próprias estratégias também
para a organização económica
3
. Além da visão soviética na condução da fren-
te socialista, os objetivos centrados na expansão e contenção na Europa trou-
xeram para Mao uma percepção de ameaça advinda de Moscou. Quando a
Alemanha Ocidental passou a se armar, a resposta soviética veio sob a for-
ma do Pacto de Varsóvia, o que desagradou ainda mais aos líderes chineses
(KISSINGER, 2011) pelo claro papel preponderante dos soviéticos dentro
da instituição. A China, na ocasião, não aderiu ao Pacto como membro per-
manente, mas apenas como observador. Kissinger armou que já no nasci-
mento do Pacto os chineses não tinham a conança necessária nos soviéticos,
o que se pode comprovar com o envio de Zhou Enlai para a Conferencia de
Bandung e não para o encontro de fundação do Pacto
4
.
Ainda de acordo com Kissinger (2011, p. 185), a experiência his-
tórica chinesa de maneira geral, e em particular a experiência do PCCh na
Grande Marcha e na Guerra Civil contra os nacionalistas e os estrangeiros,
3
São exemplos da experiência idiossincrática chinesa o Grande Salto adiante (1958-62), quando o governo
concentrou seus esforços na produção de aço nas comunas populares, e a organização das fábricas durante a
Revolução Cultural, já após a ruptura sino-soviética, quando houve a tentativa de se fazer uma planicação mais
atenta às necessidades das unidades produtivas. Sobre o tema ver: (PEDROZO, 2012) (BETTELHEIM, 1979)
4
Lüthi (2007, p. 489) tem uma visão ligeiramente distinta, pois considera que havia relativo interesse por parte
dos chineses no Pacto de Varsóvia, sobretudo entre os anos de 1955-57. Porém, a armação das ideias maoístas
sobre estratégia, e a opção econômica do Grande Salto Adiante distanciaram os interesses de ambos os países e,
por consequência, da possibilidade a aproximação no Pacto de Varsóvia: “Communist Chinas association with the
Warsaw Pact Organization was Always under the sway of its relationship with the Soviet Union, which, in the form
of Sino-Sopviet aliance, pre-dated the multilateral aliance. Being the hinge between the two, Moscow, since 1955,
pondered closer cooperation, possibly even a merger. Until late 1957, the People’s Republic of China seemed to be
ready to integrate gradually, but Maos launching of the Great Leap Forward (1958-60) and the Soviet-American
Rapprochement undermined any military and political cooperation. In 1961, the Chines leader exploited the
Soviet-Albanian split for his domestic needs; as a result, Chinas institutional relations with the WPO were cut.
191
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
davam a Mao Zedong a convicção de que poderia fazer uma revolução
melhor que a dos soviéticos. Considerou também que por conta da história
chinesa, de sua proeminência na região e no mundo durante longo tempo,
os chineses não podiam aceitar o status de “sócio menor”.
A referência a esse contexto é importante pois foi quando Zhou
Enlai formulou o conceito dos Cinco Princípios de Coexistência Pacíca e
os promulgou, um ano depois, na Conferência de Bandung, em 1955. Os
princípios, que são até hoje frequentemente mencionados nos documentos
chineses relativos à política externa, podem ser enumerados como segue: 1)
respeito mútuo à soberania; 2) integridade territorial; 3) não agressão; 4)
não intervenção em assuntos internos; e 5) igualdade e benefícios recípro-
cos
5
. O papel desempenhado pela China frente ao então chamado Terceiro
Mundo foi importante em sua busca de não permanecer sob inuência
direta da URSS.
Mitchell (2007, p. 109) mencionou que durante a Guerra Fria
a China utilizou sua solidariedade com os países do Terceiro Mundo para
distinguir-se da rivalidade bipolar entre Estados Unidos e União Soviética”.
A adoção de tal política possibilitou à China maior aproximação com os
Países do Terceiro Mundo, que por sua vez, viram no país asiático um
parceiro importante para a busca de uma alternativa de não-alinhamento,
seguramente mais intervencionista no que diz respeito às políticas internas.
Mitchell destacou o fato de que a China buscou, assim, além de colocar-se
contra a União Soviética desde o ponto de vista geopolítico, estabelecer
uma competição ideológica para a liderança do comunismo internacional.
Contudo, o recrudescimento da política exterior soviética sob li-
derança de Krustchev e sua guinada militar em direção a Ásia no âmbito
do Pacto de Varsóvia, junto a todos os problemas referidos acima que já
se acumulavam nas relações sino-soviéticas, vieram a ocasionar a ruptura
entre os dois países. Tal ruptura signicou um período de isolamento da
China no cenário internacional. Acrescenta-se a esse contexto a posterior
acentuação do caráter ideológico e radical da política externa proposta por
Mao Zedong sob a Revolução Cultural. O ataque realizado aos soviéticos
na fronteira nordeste da China, no afã da insurreição contra os estrangei-
5
Disponível em: <http://en.people.cn/92824/92845/92870/6441502.html>.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
192
rismos deteriorou de maneira ainda mais signicativa a condição chinesa
no contexto internacional. Os soviéticos passaram, então a manter as fron-
teiras sempre pressionadas (FAIRBANK e GOLDMAN, 2007).
O m do relativo isolamento chinês ocorreu durante o governo
estadunidense de Nixon, assistido por Henry Kissinger. Segundo Pecequilo
(2005, p. 195), os Estados Unidos se deram conta da maior complexidade
do sistema internacional, devido aos movimentos de independência e à
ascensão econômica do Japão e Europa Ocidental, além da conhecida atu-
ação soviética no hemisfério oriental. Para Kissinger haveria uma tendência
à multipolaridade em detrimento da polaridade entre EUA e URSS. Por
isso a proposta do secretário de Estado para o governo foi “se despir de suas
variantes mais utópicas e irreais para buscar comportamentos mais condi-
zentes com os de um grande poder que visava, e tinha, como maior neces-
sidade, instaurar no sistema internacional contemporâneo um sentido de
ordem compartilhado” (PECEQUILO, 2005, p. 195). Assim, os chineses
e estadunidenses começaram os diálogos já em 1969. Em 1971, Taiwan foi
substituída pela RPC nas Nações Unidas.
Ao longo dos anos 1970 a aproximação da China com outros
países, depois do apoio dos Estados Unidos à promoção da China única
(PECEQUILO, 2005, p. 196), ocorreu progressivamente. O comércio in-
ternacional foi retomado lentamente. A morte de Mao, e a opção de Deng
Xiaoping por modicar os fundamentos losócos do socialismo chinês,
desde o enfoque na luta de classes para o desenvolvimento das forças pro-
dutivas, zeram que com que a China a China entrasse em um processo de
integração à economia mundial cada vez mais dinâmico.
Shirk (2007, p. 105) analisou a posição chinesa no pós-Guerra
Fria e a construção do conceito de “Responsible Power”. Em 1994 foi a
primeira vez que a China recebeu um encontro sobre segurança regional.
As instruções de Deng Xiaoping após o m da Guerra Fria haviam sido
para ocultar as capacidades chinesas, e esperar pelo momento certo para
mostrarem-se. Ao longo dos anos 1990, portanto, resistiu em aceitar a
condição de potência em ascensão. Nas palavras da autora: “avoiding in-
ternational conicts that could throw the country o course domestically
has been the lodestar of Chinese foreign policy in the post-Deng era – with
193
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
the exception of the more hard-edged policies toward Japan, Taiwan, and
sometimes the United States”.
Ao nal da década de 1990, China, em seu discurso interno, as-
sociado a intelectuais de think tanks importantes, assumiu que estava dei-
xando sua condição de potência regional para converter-se em um poder
em ascensão. Houve maior esforço para dar a impressão de a potência em
ascensão não se preocupava somente com ela, mas que tinha preocupações
de ordem geral no sistema internacional. Essa estratégia recebeu o nome
de “Responsible Power”, ou “Poder Responsável”. A denominação evoluiu,
e no início do governo de Hu Jintao e Wen Jiabao nomearam a política a
adotada de Ascensão Pacíca, com o objetivo de gerar menos desconança
e conferir uma imagem menos agressiva ao crescimento econômico chi-
nês e seu consequente aumento de inuência política. Depois o conceito
foi reformulado para “Desenvolvimento Pacíco”, uma vez que a ideia de
ascensão foi considerada problemática (SHIRK, 2007, p. 107-108). Para
construir essa imagem e contribuir com a manutenção do status quo, a
política externa chinesa se organizou em três eixos fundamentais: “accom-
modating its neighbors, being a team player in multilateral organizations;
using economic ties to make friends” (SHIRK, 2007, p. 109).
Como já mencionado, retomamos aqui outro eixo importante da
política externa chinesa, a saber, sua relação com os então chamadas países
do Sul Global, também chamados atualmente de países menos desenvol-
vidos ou em desenvolvimento. Como também já referido, no contexto da
conferência de Bandung e das conversações posteriores sobre o Movimento
dos Países Não-Alinhados a China adotou uma postura condizente com o
discurso de cooperação sul-sul que se desenvolvia naquele período. As ques-
tões mais importantes tinham relação com a manutenção da independên-
cia adquirida e com a busca pela soberania no novo sistema internacional,
pautadas pela discussão sobre os conceitos de colonialismo/imperialismo e
nacionalismo/independência. Tal discussão desenvolveu-se no sentido da
busca por ações cooperativas técnicas, em contraposição à ajuda ocial vinda
de cima para baixo (VIGEVANI, 1994) (LEITE, 2012) (CABANA, 2014).
De certa maneira essa característica se mantém nas diretrizes
atuais da política externa chinesa, e pode auxiliar na compreensão de sua
participação nas OPNU. Em grande parte, os documentos emitidos para
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
194
delinear a atuação chinesa em direção aos países do Sul Global
6
se referem
a políticas de não-intervenção e de crescimento econômico harmônico,
numa referência clara aos Cinco Princípios e condizente com a política de
desenvolvimento pacíco. Os documentos costumam se referir a questões
de desenvolvimento comum e de benefício mútuo. Matta (2011, p. 67)
disse que “[...] a diplomacia chinesa tem sido cuidadosa: a opção por não
tratar de impor estratégias, mas antes de identicar as coincidências e áreas
de interesse comum. Trata-se da perspectiva de win-win, do ganho com-
partilhado, tão frequente em seus discursos e documentos”.
No entanto, como dito por alguns autores, (MOYO, 2013)
(PIRES, 2014), embora a China mantenha o discurso, sua própria ascen-
são trouxe consequências para o sistema internacional de maneira, e tam-
bém para os países em desenvolvimento, que devem ser compreendidas. É
reconhecido que após a crise da Praça de Tiananmen, a China se voltou
aos “mundo em desenvolvimento” de maneira mais concentrada e estra-
tégica, dado o fato que o Ocidente reagiu condenando-a e isolando-a por
suas ações ao responder aos protestos na ocasião. Ainda que, com já foi
dito, a China ainda se reconheça como o maior país em desenvolvimento
da atualidade, trazendo a si uma espécie de liderança desse grupo hetero-
gêneo unidos pelo histórico colonial e de explorados, alguns autores não
vêm a China dessa maneira. O crescimento econômico dos últimos anos,
e suas consequências nos campos políticos e militar, zeram com que
suas ações não estivessem mais voltadas ao mundo em desenvolvimento
(MITCHELL, 2007). Biato Junior (2010, p. 30) indicou que
[...] a transformação da China em uma grande potência política e eco-
nômica, ao mesmo tempo beneciária de um processo de “globaliza-
ção” econômica e objeto de cortejo insistente da parte das potências
ocidentais, tende a fazer dela, retórica à parte, uma potência “satisfeita
com a atual estrutura política e econômica mundial e cada vez menos
afeita à defesa de posições principistas ligadas à defesa de um status – a
de um país em desenvolvimento – que ela está rapidamente deixando
de lado. Sua renhida oposição à reforma do CSNU, projeto que visa
elevar o perl da importância da Índia, Brasil, Alemanha e Japão, assi-
nala o abandono do posicionamento contestatório chinês anterior em
relação ao “hegemonismo” das grandes potências e uma disposição de
6
São exemplos desses documentos: “Chinas African Policy” de 2006, “China-Africa Economic and Trade
Cooperation” de 2010 y 2013, “Chinas Policy Paper on Latin America and the Caribbean” de 2008, bem como os
documentos que se referem à ajuda e à cooperação de maneira geral como “Chinas Foreign Aid” de 2011 e de 2014.
195
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
conviver com um sistema na qual é aceita como um membro impor-
tante e crescentemente útil às outras potências.
Documentos recentes publicados por importantes think tanks
como a Academia Chinesa de Ciências Sociais (CASS), e pelo próprio go-
verno chinês (como os Livros Brancos para Defesa) contribuem para con-
formar o pensamento de não convém à China atuar como protagonista na
busca de uma alteração no sistema internacional
7
. O China Modernization
Report, publicado pela CASS em 2008, buscou denir um modelo para a
política exterior da China que foi intitulado Peace Dove Strategy, e a par-
tir da representação gráca de um pombo delineou as frentes de atuação
chinesa. Como objetivo fundamental da inserção internacional, represen-
tado pela cabeça do pombo, pode-se encontrar a ONU, seguida da região
asiática que é o corpo da ave. As regiões do Pacíco (APEC – Asia-Pacic
Economic Cooperation) e Europa (AEEC – Asia-Europe Economic
Cooperation) estão nas asas. O sul está representado pela cauda do pássaro
(incluindo África, Oceania e América do Sul). Ainda que o próprio docu-
mento procure armar não haver hierarquia entre as posições grácas, é
necessário estar atento à simbologia presente. Na interpretação de Pires e
Santillán (2014, p. 346), a representação dos últimos países indicaria um
“interesse marginal pelas respectivas regiões.
Carriço (2012) ao analisar extensamente as primeiras edições do
Livro Branco da China para Defesa, auxiliado pela análise de importantes
especialistas dentro dos organismos responsáveis pela formulação do refe-
rido documento, chega seguinte conclusão:
Na mais recente edição dos Livros Brancos da Defesa Nacional [edição
de 2010] constata-se um ainda maior renamento das percepções de
(in)segurança da China. Denota-se a continuação e aprofundamento da
autopercepção da crescente e incontornável importância do país no sis-
tema internacional bem como de um certo discurso “excepcionalista
ainda que por anteposição ao “excepcionalismo” norte-americano. [...]
7
Há, contudo, posições contrárias a essa. A participação chinesa no grupo dos BRICS, por exemplo, e os esfor-
ços desses países para construção de um banco de desenvolvimento, alternativo à arquitetura nanceira legada
do nal da Segunda Guerra Mundial pode ser considerada uma ação contestadora do status quo. Além disso, a
discussão pode se desdobrar no sentido de que a China possui, dentro da concepção do Consenso de Beijing,
uma maneira de atuar oposta às potências ocidentais, e, assim, em conformidade com os Cinco Princípios,
priorizaria em suas relações internacionais a promoção do desenvolvimento econômico, em detrimento da ob-
servação de valores democráticos e dos direitos humanos.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
196
No entanto, a prática diplomática chinesa manteve a preferência, pelo
menos quanto ao futuro próximo, em se autopreservar relativamente ao
desempenho de papéis proeminentes de liderança internacional e das
obrigações que daqui decorrem. Pequim continua a optar por participar
em mecanismos operacionais mais consensuais, incrementalistas e me-
nos alimentadores de uma ansiedade global, que pode potencialmente
ser detrimental para os seus interesses nacionais mais imediatos.
A participação da China nas OPNU deve ser pautada por essa
discussão. O país cresceu nas mais variadas esferas e, pelo que se anali-
sou até aqui tem posição ambígua atualmente. Se coloca como um país
em desenvolvimento, mas tem características e necessidades que cada vez
mais a distanciam, na prática, do que é colocado em seu discurso tradicio-
nal. Apesar de se apoiar historicamente nas suas relações com os países em
desenvolvimento, e mesmo mantendo, atualmente, relações que de certa
maneira são diferentes das clássicas relações Norte-Sul, como evidenciado
pela discussão sobre a característica do Consenso de Beijing, encontra fa-
cilidades para persecução de seus objetivos na atuação dentro das normas
pré-existentes.
AS OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ DA ONU: HISTÓRICO E CONCEITOS
Como é extensamente sabido, o século XX presenciou dois con-
itos mundiais de proporções inimagináveis, mas também, ou por conta
disso, foi palco de um esforço no sentido de trazer à luz um “sistema de se-
gurança coletiva de alcance universal”, como nos lembrou Fontoura (2005,
p. 39). Ainda de acordo com o autor, os dois principais organismos criados
para persecução do referido objetivo, a saber a Liga das Nações (1919) e
a ONU (1945) buscaram, sobretudo, a elaboração de “instrumentos para
promover a solução pacíca das controvérsias” e tiveram a “preocupação
em identicar fórmulas para corrigir a conduta de Estados transgressores
que desaassem a comunidade internacional, com a utilização de sanções
e de meios militares”. Os mecanismos preconizados não tiveram a força,
nem o consentimento necessários para que fossem efetivamente criados.
Particularmente no caso das Nações Unidas, as operações de manutenção
197
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
da paz foram os mecanismos alternativos que se tornaram mais visíveis em
relação ao tema da segurança internacional
8
(FONTOURA, 2005, p. 40).

[...] Peace-keeping is the deployment of a United Nations presence in the
eld, hitherto with the consent of all the parties concerned, normally in-
volving United Nations military and/or police personnel and frequently
civilians as well. Peace-keeping is a technique that expands the possibilities
for both the prevention of conict and the making of peace.
Ainda de acordo com documentos que buscam embasar a atuação
das OPNU, é possível delinear características desejáveis das missões. Na
década de 1950, o então secretário-geral da ONU, Dag Hammarskjöld,
deniu três aspectos centrais das OPNU, que foram observados nas opera-
ções subsequentes: 1) a existência de consenso entre as partes em conito
da presença da ONU sob a forma do mandato de OPNU; 2) a imparcia-
lidade do pessoal das OPNU na condução das negociações entre as partes
em conito; e 3) uso da força restrito a ações de autodefesa. Em relatório
emitido no ano de 1996, as Nações Unidas reiteraram a necessidade de se
observar os três princípios aqui referidos, sob pena de acrescentar elemen-
tos de tensão em um ambiente já instável
9
.
Retomando o trabalho de Fontoura (2005), pode-se armar,
numa perspectiva mais ampla, que existem duas “modalidades de inter-
venção abrangidas pelo conceito de operações de manutenção da paz”: 1)
missões de observação e ans”, nas quais participam pessoal desarmado; e
2) “forças de paz”, em que, ao contrário da modalidade anterior é compos-
ta por tropas armadas. A utilização das tropas armadas também variou ao
longo do tempo e de acordo com as missões, podendo ir da utilização de
tropas armadas apenas para autodefesa e proteção do pessoal das OPNU,
a ações de desarticulação de grupos especícos por meio da força, o que
8
Desde a primeira intervenção ocorrida sob os auspícios da ONU com a intenção de promover a paz em
regiões conituosas outras 68 já ocorreram ou estão ainda em andamento. As Operações de Manutenção de
Paz das Nações Unidas (OPNU) surgiram no nal da década de 1940 com a instituição da “United Nations
Truce Supervision Organization (UNTSO - RES.48/1948), que tinha por objetivo a observação e a garantia das
condições para o acordo de trégua entre Judeus e Árabes na Palestina (RES.46/1948).
9
“Supplement for an Agenda for Peace” (A/50/60-S/1995/1). Disponível em: < http://www.un.org/docu-
ments/ga/docs/50/plenary/a50-60.htm>.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
198
indicaria ações voltadas em direção ao conteúdo do capítulo VII da Carta
das Nações Unidas
É consenso na literatura que desde a aprovação da UNTSO o
escopo de atuação do pessoal da ONU, bem como algumas característi-
cas dos argumentos utilizados para estabelecimento de uma OPNU foram
alterados e diversicados, conforme se desenvolveram as teorias e prática
dessas missões. É bastante comum que se utilize uma divisão temporal
baseada no m da Guerra Fria. De fato, ao longo desse período, as OPNU
foram restritas devido ao próprio formato do CSNU e da bipolaridade ca-
racterística do conito. Até o ano de 1987
10
somente 13 dos 68 mandatos
das OPNU foram concedidos
11
. Além da evidente alteração na correlação
de forças, que possibilitou arranjos e negociações diferentes de outrora,
houve signicativa alteração na hegemonia do pensamento, fazendo com
que predominasse a utilização de categorias universalizantes ocidentais,
tais como democracia e direitos humanos (WALLERSTEIN, 2007).
Assim, as OPNU que tomaram forma após o m da Guerra Fria
adquiriram uma característica particular de unicação dos temas de segu-
rança internacional com direitos humanos e questões internas. Nas pala-
vras de Figueiredo (2011, p. 6):
[...] Diferentes atores, neste caso, estados nacionais no âmbito do fó-
rum multilateral em que consiste o CS, passaram a articular uma lin-
guagem que associasse um problema orginalmente tido como domésti-
co, violações internas aos direitos humanos, a uma ameaça à segurança
internacional.
O resultado foi o grande número de concessões de mandatos de
OPNU que se registrou na década de 1990, bem como o consequente au-
mento da complexidade do escopo de atuação das missões. Staehle (2006,
p. 15) armou que o esforço de conceituação desse processo gerou uma
grande quantidade de categorias, variando desde denições dividindo as
ONPU em duas gerações, tendo como marco principal o m da Guerra
10
O ano de 1987 é utilizado para a demarcação temporal pois antecede as concessões de mandato de OPNU
que ocorreram no período em que Mikhail Gorbachev já estava no poder na URSS, e, portanto, havia maior
consenso entre os membros permanentes do CSNU.
11
Uma lista completa e atualizada das OPNU já encerradas ou ainda em andamento pode ser encontrada no
seguinte endereço eletrônico: <http://www.un.org/en/peacekeeping/documents/operationslist.pdf>.
199
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Fria, mas também podendo chegar a utilização de até seis gerações. Outras
tentativas levaram em consideração o tipo de pessoal empregado, valores,
funções, contexto. As nomenclaturas adotadas são as mais diversas, indo
das ONPU tradicionais a “operações de paz multidimensional, interven-
ções humanitárias, peace enforcement , expanded peacekeeping, managing
transition, wider peacekeeping, peace support operations, preventive de-
ployment, implementation of a comprehensive”, entre outras.
Staehle (2006, p. 16), ao analisar o caso chinês particularmen-
te, opta pela seguinte combinação de nomenclaturas: 1) tradicionais, que
têm por característica principal conitos interestatais e atendem aos três
princípios de Hammarskjöld; 2) gestão de transição, que buscam facilitar a
implantação do acordo político para assunção de novo governo mediante
eleições no próprio Estado, ou em território independente, e também res-
pondem diretamente aos princípios acima referidos; 3) wider peacekeeping,
seriam mandatos incialmente concedidos na forma de operações tradicio-
nais para garantia de acordo de cessar-fogo, mas que se tornaram com-
plexas e exigiram a prorrogação dos mandatos (para o autor não há uma
clara denição de que as wider peacekeeping correspondam inteiramente
aos princípios das OPNU); 4) peace enforcement ou imposição da paz, em
que há a intenção de coagir as partes envolvidas, por meio do uso da força
militar, sob autorização do CSNU, sem no entanto pretender derrotar mi-
litarmente a outra parte (fato este que caracterizaria um ato de imposição
puro, não previsto dentro das opções de manutenção da paz, mas presente
nas prerrogativas do CSNU); e 5) Peace support operations em que se pode
notar a presença de grande força militar capaz de realizar ações de impo-
sição de paz, ao mesmo tempo em que há grande contingente civil para
assuntos administrativos e de ajuda humanitária.
A denição dos tipos de OPNU é importante para analisar quais
são as condições em que a China tem maior participação, ou mesmo quan-
do opta por não se envolver. Obviamente, na condição de membro per-
manente do CSNU, a mera análise de sua participação nas missões não
revela a totalidade de sua política para o tema, pois a aprovação de novos
mandatos, ou mesmo a decisão pela continuidade de mandatos já existen-
tes dependem de sua atuação no Conselho e das negociações políticas que
ocorrem no interior da instituição. Pelo claro motivo de espaço destinado
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
200
a este trabalho, não é possível descrever com maiores detalhes esse aspecto,
sem dúvida, importante. O trabalho restringe-se, portanto, a uma avalia-
ção das OPNU em andamento, ou que se encerraram nos anos recentes.
Busca-se dessa maneira, considerar quais são as características dessas opera-
ções, e denir alguma padrão para a maior ou menor participação chinesa
com envio de contingente, ou mesmo quais são as missões que opta por
não participar.
Para realizar essa discussão, portanto, é necessário ir além da clas-
sicação das OPNU e considerar também elementos que possam auxiliar
na análise da tomada de decisão dos chineses em participar ou não das
missões, e de que maneira. Constata-se também que a utilização das re-
feridas categorias são utilizadas para, não somente analisar as OPNU já
em andamento, mas o padrão de votação dos chineses de maneira geral.
Considera-se, no entanto, que, para o propósito deste trabalho, seja neces-
sário compreender o objeto de estudo em questão por um viés sistêmico,
que leve em conta, além dos aspectos técnicos de denição, o contexto
político e econômico em que se inserem.
Nesse sentido, Hirono e Lanteigne (2011, p. 247) colocam a pos-
sibilidade de análise da participação chinesa sob três conceitos distintos: 1)
considera-la uma potência em ascensão, desaadora das regras atuais do sis-
tema, e promotora de suas próprias normas (ou, em inglês, norm-maker),
fato pelo qual se pode perceber que a China atua em operações realizadas
em territórios ricos em recursos naturais, ou mesmo, pelo fato de que a
participação nas OPNU pode signicar a persecução de sua estratégia de
desenvolvimento pacíco”; 2) entende-la como representante do mundo
em desenvolvimento, diante do que seria possível que atuasse dentro das
regras existentes, mas com objetivos distintos das potências ocidentais, ou
seja, priorizando sobretudo o tema da cooperação sul-sul no interior de
sua participação nas OPNU, como evidenciado pelas características de seu
pessoal que é enviado (militares com formação técnica responsáveis por
projetos de infraestrutura básica, por exemplo); ou 3) como uma potência
média, que aceita as regras atuais das OPNU (norm-taker), evitando, assim,
atrito direto com potências maiores.
201
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
A PARTICIPAÇÃO DA CHINA NAS OPNU
Staehle (2006, p. 27) arma que a RPC, no período da Guerra
Fria, passou por três momentos em suas relações com as OPNU. Num pri-
meiro momento a relação era de grande oposição, uma vez que havia sido
citada no caso da Guerra da Coreia, na periodização do autor este período
se estende até 1971. Num segundo momento, apesar de já chegar a integrar
as Nações Unidas (a partir de 1971) enxergou com grande desconança e
agiu com cautela em relação a realização de intervenções em Estados mais
fracos. Atitude coerente com a experiências dos anos anteriores. Nas pala-
vras de Staehle (2006, p. 26), no referido período, a China “[...] não parti-
cipou de nenhuma votação sobre OPNU no Conselho de Segurança, nem
realizou pagamentos das despesas orçamentárias das operações de paz”.
Entre 1981 e 1990, na terceira fase identicada pelo autor, no entanto, a
atuação chinesa em relação ao tema começou a se alterar e, no Conselho de
Segurança, votou a favor de todas OPNU de tipo “tradicional”
12
e “missões
de transição administradas
13
, embora sua participação no orçamento e no
envio de tropas ainda não fosse sistemática.
De acordo com Gill e Chin-Hao (2009, p. 2) foi no ano de 1982
que a China realizou sua primeira contribuição nanceira para OPNU,
e logo em seguida já solicitou sua entrada no Comitê Especial para
Operações de Manutenção de Paz das Nações Unidas. A primeira partici-
pação com o envio de tropas, no entanto, só ocorreu no ano de 1989, para
o UNTAG (United Nations Transition Assistance Group), na Namíbia. Na
ocasião enviou 20 observadores militares (GILL e CHIN-HAO, 2009).
Ao longo da década de 1990, apesar de certa diversicação das missões
em que participou, a característica marcante do contingente chinês foi a
reduzida participação de tropas militares, quando comparado com outros
países em desenvolvimento.
12
Cf. (STAEHLE, 2006, p. 16) “Traditional peacekeepers want to provide the political space necessary for
warring states to reach an agreement. Rather than attempting to resolve a conict themselves, they try to build
condence and facilitate political dialogue for others to do so. ese peacekeepers are usually deployed after a
ceasere agreement between states has been reached”.
13
“ese multidimensional missions facilitate and then implement the political settlement agreed between the
conicting parties until the event of fair election or the independence of a new state. Such operations take on a
wide range of responsibilities in order to transform states and societies: they supervise elections, build democra-
tic institutions, conduct military and police training, promote post-conict rehabilitation, and protect human
rights. Rather than being deployed between states, peacekeepers operate within states after a ceasere agreement
has been reached” (Ibid).
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (O.)
202
Figura 1 – China: Participação em OPNU 2002-2014 (números absolutos
e % de participação)
Fonte: (ONU, 2015)
A partir dos anos 2000, contudo a participação chinesa nas
OPNU aumentou de maneira signi cativa. De acordo com o ranking for-
necido pela ONU, a China saiu do 46º lugar (com um contingente total
de 67 integrantes) no ano de 2000, para a 13ª posição em dezembro de
2014 (já contando com um contingente total de 2181 integrantes). Na
gura é possível identi car que o crescimento da participação chinesa se
deu, não somente em números absolutos, mas também quando compa-
rada à participação dos demais países que contribuem com as forças de
manutenção de paz da ONU. É interessante notar que Hirono e Lanteigne
(2011, p. 247) consideram esse aumento da participação da China um
elemento para a classi car como um país em desenvolvimento, uma vez
que os principais contribuidores das ONPU são países em desenvolvi-
203
A  S-A
 R I
mento que almejam maior proeminência no cenário internacional. Índia,
Paquistão, Bangladesh, por exemplo, são todos países que ocupam os pri-
meiros lugares no referido ranking. Cabe ressaltar, que dentre os membros
permanentes do CSNU, a China é o mais representativo nas OPNU.
A composição do contingente chinês também se alterou de ma-
neira signi cativa ao longo da década de 2000. Se no início de suas ativida-
des nas OPNU a participação chinesa se resumia ao envio de observadores
militares e policiais, passou cada vez mais a enviar tropas militares. Ainda
que a primeira tropa militar chinesa enviado à campo date de 1992, para
o Camboja, o movimento não foi perene. Como se pode notar na  gura
2, no início dos anos 2000 a china não contava com a participação de
nenhuma tropa nas OPNU, embora tivesse 28 policiais e 39 observadores
militares em campo. A partir de 2003, contudo, com a participação das
tropas chinesas na MONUC, na República Democrática do Congo (221
soldados), e na UNMIL, na Libéria (68 soldados) a situação passa a se al-
terar, e as contribuições chinesas nessa modalidade passam a ser frequentes.
Figura 2 – China: Tipo de pessoal empregado nas OPNU
Fonte: (ONU, 2015) * Os dados para o ano de 2014 são relativos ao mês de dezembro. Para os
outros anos são utilizadas médias anuais.
Em consonância com o discurso cooperativo e de não interven-
ção interna, baseado nos Cinco Princípios e extensamente presente nos do-
cumentos chineses, a participação das tropas militares enviadas pela China
tinham grande concentração de pessoal técnico especializado. Dados atuais
disponibilizados pela página web da UNMIL dizem que as tropas chinesas
são responsáveis por liderar uma unidade de engenharia, uma unidade de
transporte, um hospital de nível 2 e um hospital de nível 1. De acordo com
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
204
dados apresentados pelo mais recente Livro Branco para defesa da China,
pode-se perceber a preocupação que os chineses têm com as áreas de saúde
e infraestrutura básica, por exemplo:
As a December 2012, a total of 1842 PLA ocers and men are imple-
menting peacekeeping tasks in nine UN mission areas. Among them, 78
are military observers and sta ocers, 218 are engineering and medical
personnel for the […] MONUSCO, 558 are engineering, transportation
and medical personnel for the […] UNMIL, 335 are engineering and
medical personnel for the […] UNIFIL, 338 are engineering and medical
personnel for the […] UNIMISS, and 315 are engineering personnel for
the […] UNAMID. […]Over the past 22 years, Chinese peacekeepers
have built and repaired over 10,000 km of roads and 284 bridges, cleared
over 9,000 mines and various types of unexploded ordnance (UXO), trans-
ported over one million tons of cargo across a total distance of 11 million
km and treated 120,000 patients.
Em estudo recente Hirono (2011) sugere que a participação chi-
nesa nestes tipos de operações está relacionada a sua necessidade de adqui-
rir melhor imagem com a população de determinados países e regiões, após
manter relações escusas num passado recente. Considera que o caso do
Camboja e do Sudão do Sul são bastante sintomáticos, embora os esforços
chineses não sejam tão bem sucedidos quando se toma em análise a per-
cepção da população após algum tempo da presença chinesa na forma das
OPNU. Embora se possa concordar com tal argumento, sugere-se, neste
trabalho, que mais que a conquista de apoio local (são regiões de alta den-
sidade de recursos naturais importantes para manutenção do crescimento
econômico chinês), a participação nessas OPNU, e da forma como é rea-
lizado, está em conformidade com o esforço chinês de deixar transparecer
um “poder responsável”, cada vez mais atuante no cenário internacional
conforme desenvolve-se economicamente, mas que ao mesmo tempo se
rearma como um país em desenvolvimento, atento às condições de seus
semelhantes e disposto a compartilhar suas experiências e avanços no cam-
po técnico, conforme a linha de política externa que desenvolve com maior
ou menor intensidade desde a Conferência de Bandung.
Retomando as denições utilizadas por Staehle (2006), que fo-
ram apresentadas na seção anterior, as missões de tipo “wider peacekee-
ping” foram restritas aos anos 1990, e, nos anos 2000, as operações de
205
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
apoio à paz (peace support operations) passaram a ser mais recorrentes. Tal
fato explicaria, portanto, a maior participação chinesa nas OPNU, uma
vez que nas operações deste segundo tipo o uso restrito da força para ns
de autodefesa estariam mais claros, e as tarefes de imposição da paz seriam
realizadas por países pivôs com a aprovação do CSNU na forma de um
mandato bem denido. Deste ponto de vista, os objetivos das missões têm
maior probabilidade de estarem em consonância com o discurso chinês de
política externa, sobretudo no que diz respeito à participação em tarefas de
reconstrução, e ao seu discurso de não intervenção. No entanto, acrescenta
que “[...] at the same time, the complex and multifunctional design of
peace support operations made it more dicult for the Chinese to with-
hold their support without damage their reputation among the developing
countries” (STAEHLE, 2006, p. 60). Em resumo, sua participação nas
OPNU torna-se mais ambígua, e diculta a sustentação de sua imagem
como líder do mundo em desenvolvimento em oposição à imagem oposi-
cionista das potências tradicionais.
Nesse sentido é importante ressaltar o recente anúncio chinês de
que nos próximos meses concluirá o envio de aproximadamente 700 milita-
res que compõem um batalhão de infantaria completo do Exército Nacional
de Libertação. Há que se ressaltar que é a primeira ação deste tipo realizada
pela China. Como já mencionado, a participação da China nas missões de-
nidas como de suporte à paz até então concentravam-se nas tarefas relaciona-
das à reconstrução de infraestrutura, auxílio logístico à operação ou envio de
pessoal para prestação de cuidados médicos. Apesar do Comandante Wang
Zhen armar em entrevista à agência estatal de imprensa chinesa que a pre-
sença do batalhão é estritamente para propósitos de autodefesa, ressaltou que
estará equipado com “[...] drones, armored infantry carriers, antitank missi-
les, mortars, light self-defense weapons, bulletproof uniforms and helmets,
among other weapons [...]” (CHINA, 2014).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A China parece manter uma política condizente com a busca do
Tao, do caminho ponderado entre extremos para seguir adiante. O discur-
so da sociedade harmoniosa, da ascensão e desenvolvimento pacícos tam-
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
206
bém parece estar de acordo com os ensinamentos de Confúcio. Exemplos
dessa característica não faltam na história do gigante asiático.
Por esse motivo, na primeira seção, voltou-se ao período e apro-
ximação da RPC com a URSS, os problemas que surgiram e as soluções
encontradas. Seguramente o discurso da não intervenção e da proteção à
soberania nacional fazia bastante sentido aos chineses na ocasião. Existia a
pressão natural oriunda do bloco ocidental, e ademais existia a pressão no
bloco socialista liderado pela URSS, que só se aprofundou com a política
externa desastrosa de Mao durante a Revolução Cultural. Embora a saída
encontrada pelos líderes chineses nesse contexto tenha sido a aproximação
com os Estados Unidos do pragmática dupla Nixon/Kissinger, a cautela em
aderir e em alinhar-se politicamente de maneira indiscriminada foi manti-
da. Prova disso é a permanência da centralidade dos “Cinco Princípios de
Coexistência Pacíca” nos discursos chineses até hoje.
Como demonstrado, o próprio ingresso “de facto” da RPC nas
Nações Unidas foi lento e cauteloso. Particularmente no que diz respeito
às OPNU, as primeiras reações foram de alinhamento direto ao discurso da
não-intervenção – aliadas ao sentimento de desconança por ter sido direta-
mente alvo de sanções do CSNU – fato que se tornou claro pela sistemática
indiferença com que tratou as votações para mandatos de operações de paz.
O início de seu envolvimento, que ocorreu a partir de 1981 foi marcado por
votações favoráveis a todas as OPNU que foram aqui classicadas como “tra-
dicionais” e “missões de transição monitorada”. Conforme a referida classi-
cação as duas categorias, dentre as outras cinco consideradas, foram as únicas
que atenderam inteiramente aos três princípios originais das OPNU deli-
neados no estudo de (STAEHLE, 2006), a saber 1) consentimento, maior
ou menor, de todas as partes conitantes sobre as atividades das missões; 2)
imparcialidade dos integrantes das missões em relação às partes conitantes;
e 3) uso mínimo da força, somente como último recurso e em defesa própria.
Nesse período, apesar de enviar pessoal para compor as OPNU,
teve uma participação tímida, que pode ser explicada tanto pela caute-
la sugerida por Deng Xiaoping nas condução da política externa preo-
cupada em não assumir grandes responsabilidades ao mesmo tempo que
busca maior inserção internacional, como pelas características das OPNU
do período, que muitas vezes poderiam ser contrárias ao discurso chinês
207
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
para política externa. A maior proeminência econômica e a necessidade de
aumentar sua participação nos assuntos internacionais que acompanhou
tal condição encontrou um contexto distinto nos anos 2000, quando se
passou a questionar o discurso ocidental universalizante que havia se tor-
nado hegemônico com o nal da Guerra Fria. As OPNU foram, como
não poderia deixar de ser, inuenciadas por isso. As novas características
das OPNU, foram, agora, de encontro às necessidades chinesas e puderam
melhor se adequar à sua política externa, que, ao menos em discurso busca
se aproximar do mundo em desenvolvimento e colocar-se como seu líder.
Conforme os chineses vão assumindo maiores responsabilidades
no sistema internacional, no entanto, torna-se mais difícil manter a compa-
tibilidade entre o discurso e suas práticas. A participação chinesa nas OPNU
nem sempre é vista com bons olhos pelas populações locais, mas ainda serve
como instrumento importante de promoção da imagem chinesa no restante
do mundo. A maior complexidade das OPNU é outro ponto de divergên-
cia entre a prática e o discurso chinês, uma vez que demanda cada vez mais
envolvimento, e não somente em temas que possam ser diretamente relacio-
nados à cooperação sul-sul. O envio de seu primeiro batalhão de infantaria
para a missão no Sudão do Sul é um sintoma importante dessa incompati-
bilidade. As armações ociais sugerem que a participação do referido ba-
talhão do Exército Nacional de Libertação está em conformidade com uma
das diretrizes básicas das OPNU que é a utilização das forças somente com
objetivo de autodefesa, mas que podem ser utilizadas para desmobilização de
forças divergentes aos propósitos da manutenção da paz.
Ainda que protegido pela institucionalidade da ONU, sobretudo
pelo fato de que uma OPNU deve sempre ser aceita pelas partes envolvidas
no conito para que possa ser aprovada pelo CSNU, o discurso chinês de
não-intervenção pode ser questionado. Não signica, no entanto, que a
China esteja se distanciando da lógica westfaliana de soberania, uma vez
que as forças que podem ser desmobilizadas em situações especícas estão
associadas a milícias atomizadas não organizadas na forma de um Estado.
Mas será necessário estar atento aos desdobramentos da presença chine-
sa nas OPNU, tendo em vista a tendência de alteração nas formas como
participa das operações, e diante da perspectiva de transformação de sua
posição no cenário internacional atual.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
208
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Meio Ambiente
212
213
USO DE POLÍTICAS PÚBLICAS AO FOMENTO
DE ENERGIAS RENOVÁVEIS: AS ESTRATÉGIAS DA
ARGENTINA E DO BRASIL NO SÉCULO XXI
Mauri da Silva
Jorge Claudio Szeinfeld
1 INTRODUÇÃO
No alvorecer do século XXI dois fatores têm estimulado o de-
bate sobre uma possível nova transição energética. Por meio do Energy
Transitions: Past and Future, o Fórum Econômico Mundial motivos que
pressionam a comunidade internacional para uma nova transição energé-
tica: (i) deslocamento do centro de gravidade do mundo na direção dos
mercados emergentes, acompanhado do aumento da demanda por ener-
gia
1
; (ii) preocupação com a mudança climática e as repercussões políticas
do tema, que, por exemplo, é objeto da atenção de três inuentes atores na
arena internacional
2
. Com isto, este trabalho terá como objetivo investigar
como a possível transição energética tem empurrado o Brasil e Argentina
1
Em 2000, o mundo desenvolvido (tendo os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico - OCDE como proxy) consumia 52% da energia primária disponível, em 2010 a proporção era de
42%, e com projeção de cair para 32% em 2035. Em contrapartida, no mundo em desenvolvimento, como con-
sequência do maior ritmo do crescimento populacional e da renda, a demanda por energia cresceu rapidamente,
ultrapassando a demanda dos países desenvolvidos. Por isso, o evento tem suscitado a preocupação sobre uma
nova transição energética, a qual tende ser sedimentada em energias de baixo carbono e de fontes renováveis à
matriz energética (WORLD ECONOMIC FORUM, 2013).
2
A preocupação é muito claramente reetida no relatório da União Europeia sobre mudança climática, especica-
mente no que tange a transição energética para economia de baixo carbono. Ela também faz parte da preocupação
norte-americana, que materializou-se em incentivos e regulações para energia de baixo carbono. Assim, por exem-
plo, avaliações do e National Renewable Energy Laboratory predizem que 80% da energia elétrica produzida
nos Estados Unidos em 2050 poderá vir de fontes renováveis. E com a mesma orientação, pode ser encontrado no
12th Five Year Plan, a preocupação chinesa com a necessidade de redução da emissão de greenhouse gas (CHG).
Além disso, o décimo segundo plano quinquenal chinês chama atenção à necessidade de aumentar a participação
dos combustíveis não fósseis na matriz energética (WORLD ECONOMIC FORUM, 2013).
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-769-2.p213-238
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
214
às energias renováveis. Por isso, faremos um estudo comparado do uso
de políticas públicas ao fomento às energias renováveis nos dois países.
O trabalho será organizado em três seções: (i) questionamentos da matriz
energética baseada na energia fóssil; (ii) balanço da contribuição das ener-
gias renováveis à matriz energética da Argentina e do Brasil; e, (iii) estudo
comparado do emprego de políticas públicas de fomento às energias reno-
váveis nos dois países.
2 VETORES QUE FRAGILIZAM A DOMINÂNCIA MUNDIAL DOS COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS
A m de discutir o questionamento da continuidade do consu-
mo de energia baseado numa matriz energética principalmente dependen-
te de combustíveis fósseis, esta seção será estruturada da seguinte forma:
na primeira subseção revisitaremos, em perspectiva histórica, a transição
da era da energia solar à era da energia fóssil, que predomina até os dias
atuais. Noutra subseção buscaremos analisar, como apontado pelo World
Economic Forum, a tendência de deslocamento da demanda por energia na
direção do mundo emergente - especialmente da China e da Índia -, bem
como a pressão que ela tenderá a exercer no mercado global de energia.
Por m, na última subseção nos ocuparemos doutra fonte de pressão da
matriz energética ancorada nos combustíveis fósseis: preocupação com as
mudanças climáticas e a demanda socioambiental para uma economia de
baixo carbono - energias renováveis.
2.1 O LUGAR CENTRAL DA ENERGIA NO DESENVOLVIMENTO DA HUMANIDADE
Para que haja crescimento e o desenvolvimento econômico é im-
prescindível que a energia e outros recursos sejam extraídos do meio am-
biente para produzir bens e serviços. Por isso, é possível armar com segu-
rança que existe uma estreita ligação entre o uso de energia e a evolução do
homem em sociedade (ARCHER; BARBER, 2004). Na dos combustíveis
fósseis, a humanidade transitou do sistema de energia não comercial ao
comercial, com o ponto de ruptura sendo o domínio, no século XVIII, da
tecnologia do vapor
3
. A antes de 1800 o carvão mineral já era fonte ener-
3
Ela permitiu suplantar a dependência da água como principal força matriz. A tecnologia provocou duas im-
portantes mudanças no processo de industrialização: (i) deslocalização da produção - a nova tecnologia permitiu
215
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
gética preponderante no abastecimento de máquinas a vapor na Inglaterra
e nos países europeus. Nos Estados Unidos, em meados do século XIX, o
carvão da região da Appalachia
4
também já havia substituído a madeira
como fonte de energia na costa leste do país. Na costa do Pacíco, os pro-
dutores e transportadores continuaram usando-a, mas logo a substituíram
pelo carvão importado da Austrália a um custo mais elevado. Então, a es-
cassez e o alto custo do carvão na costa do Pacíco juntamente à descoberta
de petróleo resultaram na introdução do óleo na produção de vapor. Já na
primeira metade do século vinte, o petróleo já havia ultrapassado o carvão
como fonte de energia para obter o vapor (WILLIAMS, 2006).
O período entre 1867 e 1914 foi um divisor de água para o sis-
tema de produção. As inovações tecnológicas introduzidas - eletricidade,
turbina a vapor, motor a combustão interna, aço, fertilizantes entre outras
- fundaram as bases de uma sociedade moderna, mas altamente dependen-
te do uso de energia (SMIL, 2006). Junto com a mudança técnica na base
de produção e nas fontes de energia ocorreu expressivo aumento no con-
sumo de combustíveis fósseis. Com isto, a manutenção do padrão de vida
existente à época só foi possível com o aumento expressivo no crescimento
do uso dos combustíveis fósseis.
Tabela 1 - Consumo global de energia: 1800-2000, em unidade exajoule
ANO Carvão Petróleo
Gás
Natural
Hidroele
tricidade
Energia
Nuclear
Biocom
bustíveis
Total
1800
0,35 - - - - 20,00 20,35
1850 2,05 - - - - 26,00 28,05
1900 20,62 0,65 0,23 0,06 - 22,00 43,56
1950
45,37 19,60 7,53 1,20 - 27,00 100,70
2000 87,83 129,02 86,46 9,55 24,55 45,00 382,41
Fonte: Adaptado de SMIL, 2010, Appendix.
o espraiamento da indústria para além do leito de rios, mudando a dinâmica de crescimento espacial das cidades
e regiões; e (ii) constância no ritmo de produção - a tecnologia eliminou as paralisações no processo de produção
motivada por fenômenos climáticos: estiagens, inundações e gelo. Então, a tecnologia a vapor possibilitou um
maior controle do homem sobre as forças da natureza (WILLIAMS, 2006).
4
Conjunto de cordilheiras que se estendem principalmente pelos estados do Kentucky, Tennessee e Carolina
do Norte nos Estados Unidos.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
216
A tabela 1 aança a ideia de transição da era da energia solar à de
energia fóssil. Ao longo de dois séculos o consumo global de energia em
exjoule
5
aumentou substancialmente a partir do século XVIII. Em 1800, o
consumo global de energia foi 20,3 exjoule, saltando para 43,5 em 1900.
Cem anos mais tarde ele já era de 382,4 exjoule, um acréscimo superior a
18 vezes em duzentos anos.
Do ponto de vista da fonte de abastecimento para atender o cresci-
mento global de energia é possível notar o despontar do carvão como prin-
cipal fonte primária de energia. Em 1800, ele respondia por apenas 1,7%
do consumo global, em 1850 sua participação era de 7,3%, saltando para
47,3% em 1900. Ao longo do século seguinte sua participação aumentou
ainda mais, em 1950 ela subiu para quase 20% e saltando para quase 33,7%
em 2000. De forma semelhante ao petróleo, a participação do consumo de
gás natural no consumo global de energia também aumentou ao longo do
século XX. Ele representava apenas 0,5% em 1900, crescendo para 7,4% em
1950 e 22,6% do consumo global de energia em 2000.
A revolução industrial também aumentou a pressão por uma fonte
mais barata e conveniente de lubricação e iluminação. A energia já havia
sido produzida pelos músculos humanos e de animais, e posteriormente de
combustíveis sólidos, tais como madeira e carvão, coletados e transportados
com considerável esforço para o local onde eram consumidos. Em contra-
partida, o petróleo mostrou-se a fonte de energia mais fácil de ser transporta-
da, assim como mais concentrada e exível (CURLEY, 2012). A descoberta
do motor a combustão interna e seu uso no automóvel deu novo impulso
ao consumo de petróleo, e, portanto, a demanda por combustíveis fósseis.
Desta forma, em 1900 eles já representavam quase 50% do consumo global
de energia, em 1950 eles representavam 72%, chegando ao limiar do século
XXI - ano 2000 - com quase 80% do consumo do global.
2.2 CRESCIMENTO ECOMICO VERSUS CONSUMO DE ENERGIA: DESLOCAMENTO DA
DEMANDA POR COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS EM DIRÃO DOS MERCADOS EMERGENTES
Como mencionado na subseção acima, o petróleo foi responsá-
vel por 1/3 da produção global de energia primária (dados de 2000) e o
5
Um exjoule é igual ao calor da queima de 23.884.589.663 toneladas de petróleo equivalente-TEP.
217
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
carvão e gás natural contribuíram, cada um deles, com outros 22% na
produção primária de energia. Pelo lado da demanda, vimos também que o
consumo de energia aumentou mais de 18 vezes em duzentos anos (1800-
2000). Bem por isso, as análises sobre o crescimento no uso da energia, em
grande medida, utilizam o consumo de petróleo equivalente como parâ-
metro. Diante do exposto, nesta subseção demonstraremos que o cresci-
mento econômico-demográco mais acentuado nos mercados emergentes
(principalmente na China e Índia) tende a deslocar o centro dinâmico do
consumo global de energia na direção deles.
O relatório World Energy Outlook 2012 elaborado pela Internacional
Energy Agency (IEA), que combina o balanço da demanda mundial passa-
da à previsão de consumo futuro de energia primária, conrma a ideia de
deslocamento geográco da demanda de energia. O estudo, partindo de um
recorte econômico, divide o mundo em dois grupos de economias: países
vinculados à OCDE - nações mais desenvolvidas, e os não. O relatório, em
termos concretos, mostra que entre 1990 e 2010 a participação dos países
da OCDE no consumo primário de energia declinou de 51% para 42,5%.
Na contramão, os países não vinculados à OCDE viram sua participação
na demanda primária de energia saltar de 46% para 54%. Para o futuro,
as projeções da IEA apontam à manutenção desta tendência. O estudo da
agência prevê, para o ano de 2015, que a participação na demanda primária
de energia pelos países da OCDE será de 39,1%, e caindo para apenas 32%
em 2035. Enquanto isto, neste mesmo período a participação dos países não
vinculados à OCDE deverá saltar de 54,% para 64%, ou seja, quase dois ter-
ços do consumo futuro de energia primária virão dos países não vinculados à
OCDE (INTERNATIONAL ENERGY AGENCY, 2012).
O ritmo do crescimento na demanda global por energia será
puxado principalmente pelos países em desenvolvimento, especialmente
China e Índia. O crescimento projetado para demanda de energia primá-
ria chinesa será de 340% no período 1990-2035. No mesmo período, a
participação da China no consumo global de energia saltará de 10% para
22,5%. A Índia, pela projeção, registrará um desempenho superior ao da
China, com crescimento no consumo de energia no período de 378%. A
sua participação no consumo global de energia saltará de 3,6% em 1990
para 8,8 em 2025, conforme projetado pela IEA. Além disso, ainda que
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
218
não seja com o mesmo protagonismo de China e Índia, outros países em
desenvolvimento também contribuirão para o crescimento na demanda
primária de energia. Este é, por exemplo, o caso do Brasil
6
cuja demanda
primária de energia deverá crescer em 220% aproximadamente, com sua
participação relativa no consumo global de energia primária devendo saltar
de 1,6% para 2,6%.
Ademais, a projeção das Nações Unidas para o crescimento de-
mográco dos países da OCDE, período 1990-2035, é 28% e de 73%
para o resto do mundo. A projeção sob a perspectiva no crescimento da
demanda por energia é ainda mais discrepante. No período, os países da
OCDE consumirão 23% mais de energia primária, enquanto o resto mun-
do consumirá 172% mais energia.
O exercício de projeção mostra que a dinâmica de crescimento da
demanda por energia primária será determinada pelos mercados emergen-
tes. A partir deste ponto de vista, para muitos, o século XXI será palco de
uma nova transição energética, com novas fontes de energia substituindo
os combustíveis fósseis. Muitos especialistas, como mostrado acima, já pre-
vêem o esgotamento da matriz energética fundada nos combustíveis fós-
seis, aumentando a inquietação sobre uma possível m da era pós-energia
fóssil. Além disto, outro vetor a contribuir às discussões sobre o m do ci-
clo de preponderância dos combustíveis fósseis é o aquecimento global. A
emissão de gases de efeito estufa (GEE) pela queima dos combustíveis fós-
seis alimenta os debates sobre a tese do aquecimento global provocado pelo
à ação humana. Contudo, tal questão será explorada na seção seguinte.
2.3 DEMANDA À ECONOMIA DE BAIXO CARBONO: A FORÇA DA QUESTÃO AMBIENTAL
É possível dizer que o movimento ambientalista em defesa da pre-
servação e conversação dos recursos naturais no século XIX foi o precursor
do ambientalismo moderno nos anos 1960 e 1970. Ele incorporou outras
demandas da sociedade (outros grupos de pressão) ao debate, assim como
alargou a base social do movimento ambientalista após a Segunda Guerra
6
O país é disparado o mais importante consumidor de energia primária na América Latina. Em 1990 seu
consumo representava 41% do consumo da região. Em 2035 prevê a IEA, o seu consumo de energia responderá
por 49% de todo o consumo da região.
219
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
Mundial (DAVIES, 2009). De fato, o término da guerra alterou profunda-
mente os valores e atitudes em direção ao internacionalismo, e isto alterou
radicalmente a agenda do ambientalismo
7
(McCORMICK, 1992).
Em Silent Spring (1962) Rachel Carson se debruçou sobre os efei-
tos negativos da utilização excessiva de produtos químicos (pesticidas e in-
seticidas) na natureza. Para ela, a prática originada na era industrial estava
engolindo o meio ambiente numa drástica mudança à natureza e com sé-
rios problemas à saúde pública. Antes deste de evento, a humanidade tinha
medo da varíola, da cólera e de pestes. Mas, novas drogas e o saneamento
básico melhoraram a vida da população. Todavia, na era moderna a huma-
nidade passou a preocupar-se com outro perigo que os próprios homens
introduziram no meio ambiente: produtos químicos (CARSON, 1962).
Outro evento que impulsionou o movimento foi quando, nos anos
1950, a comunidade internacional despertou-se para o risco de uma crise
ambiental de proporção global decorrente da poluição nuclear. A ocorrên-
cia de chuvas radioativas a milhares de quilômetros de distância de onde os
testes nucleares eram realizados despertou o debate sobre o tema. A comu-
nidade internacional percebeu que a questão ambiental não se restringia ao
limite do território, bem como os seres humanos perceberam que estavam na
mesma nave - planeta terra (NASCIMENTO, 2012). Entretanto, ainda nes-
te período, a expressão meio ambiente ainda era usada apenas para designar,
por exemplo, o ambiente familiar ou o ambiente de trabalho.
A partir da divulgação do Relatório do Clube de Roma, em 1972,
que a agenda ambiental ganhou ampla visibilidade internacional, tornan-
do-se aspecto essencial dos debates de organismos multilaterais, particu-
larmente nas Nações Unidas. O Clube de Roma fora criado em 1968 por
um grupo de pensadores - diplomatas, acadêmicos, industriais e sociedade
civil - de diversas nacionalidades, que reuniram-se para debater o dilema
do consumo ilimitado de recursos num mundo em constante interdepen-
dência. Os participantes deste encontro saíram de lá com a seguinte mis-
são: fomentar a consciência de líderes mundiais sobre a preocupação com
7
Em 1950 os efeitos colaterais da produção industrial tornaram-se mais evidentes. A produção e o consumo
de bens geram resíduos; e estes, por sua vez, em prejuízo do meio ambiente, contaminam a terra, a água e o ar.
Pela primeira vez, um grande número de pessoas reconhecia que a sociedade baseada no consumo tinha uma
consequência inequívoca: poluição. Portanto, eventos ocorridos entre os anos 1940 e 1960 começaram a mudar
a atitude da humanidade em relação ao meio ambiente (MacDONALD, 2003).
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
220
a sustentabilidade de longo prazo do modelo de crescimento econômi-
co da sociedade ocidental. As ideias propugnadas pelos seus participantes
materializaram-se no relatório e Limits to Growth (1972) confeccionado
por um grupo de cientistas do MIT, que enfatizou a necessidade de com-
patibilizar: continuidade do progresso econômico observando os limites
ambientais do planeta. Com o êxito do tema
8
em discussão, as repercussões
do relatório não tardaram. O número de participantes do clube aumentou
rapidamente. O objetivo do clube era fomentar, no longo prazo, a consci-
ência dos líderes mundiais sobre o dilema da escassez de recursos naturais
e o crescimento econômico. Para tanto, enfatizavam a fragilidade da oferta
de recursos naturais para sustentar os padrões de consumo e de produção
vigentes (THE CLUB OF ROME, 2011).
Com o debate proposto pelo Clube de Roma é possível levantar
duas questões inquietantes: há limite ao crescimento econômico? O mun-
do caminha na direção da calamidade ambiental global? Estas questões
não são importantes pela sua originalidade, mas pelo desconforto que pro-
vocam na humanidade. Elas, por exemplo, em outra época e contexto, já
haviam sido suscitadas por omas Malthus. Em Ensaios sobre a popula-
ção (1798) o autor já havia previsto uma crise para a humanidade. O des-
compasso entre o crescimento exponencial da população e o crescimento
aritmético na produção de alimentos teria como consequência a fome. A
matriz de pensamento malthusiana parece ter inuenciado muitos pensa-
dores sobre a questão ambiental.. Sob a direção de Dennis Meadows e sua
equipe, e Limits to Growth
9
a identicou cinco fatores determinantes do
crescimento desregrado no consumo de recursos: crescimento da popula-
ção, produção agrícola, esgotamento de recursos naturais não renováveis,
produção industrial e poluição generalizada. Usando técnicas de simulação
computacional o grupo de pesquisadores chegou a três conclusões impor-
tantes (McCORMICK, 1992).
1) Se a presente tendência de crescimento da população mundial, po-
luição, industrialização, produção de alimentos e exaustão de recur-
sos continuarem inalterados, o limite de crescimento do planeta será
8
O relatório, editado em 30 línguas, vendeu mais de 12 milhões de cópias pelo mundo (THE CLUB OF
ROME, 2011).
9
O relatório transformou-se num livro que vendeu mais de 30 milhões de cópias pelo mundo. Publicado em 30
idiomas, ele tornou-se a obra sobre meio ambiente mais vendida na história (REBELO, 2010).
221
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
alcançado em cem anos. O resultado mais provável será um declínio
súbito e incontrolável na população e na capacidade industrial.
2) É possível alterar essas tendências de crescimento e atingir a estabi-
lidade econômica e ecológica que seja sustentável por muito tempo no
futuro. O estado de equilíbrio global poderia ser planejado de modo
que as necessidades materiais básicas de cada pessoa na Terra fossem
satisfeitas e cada pessoa tivesse uma oportunidade igual de concretizar
seu potencial humano individual.
3) Se as pessoas do mundo decidissem se empenhar para chegar a esse
segundo resultado e não ao primeiro, quanto mais cedo começas-
sem a trabalhar para atingí-lo, maiores seriam as chances de sucesso.
(MEADOWS et al., 1992, p. 23-24).
Como principal conclusão, o relatório deixou como mensagem a
indicação de que o planeta não suportaria a pressão excessiva exercida so-
bre os recursos naturais e energéticos, assim como o aumento da poluição
(REBELO, 2010). Por isso, o Clube de Roma
10
ofereceu o melhor argu-
mento ao movimento ambientalista do início dos anos 1970: evidências
da natureza nita dos recursos naturais. Logo, ele tornou-se o elemento
catalisador do ambientalismo moderno em decorrência das questões que
emergiram com o relatório (DOHERTY, 2002).
No mesmo ano da criação do Clube de Roma, a Suécia, preocupa-
da com a chuva ácida nos países escandinavos, propôs ao Conselho Social
e Econômico das Nações Unidas (ECOSOC em inglês) uma conferência
global para discutir um acordo internacional de redução de emissão de
GEE, que causa chuva ácida. O resultado foi a aprovação da Conferência
de Estocolmo, em 1972 (NASCIMENTO, 2012).
Com isso, na segunda metade do século XX inaugurou-se, inci-
tados pelos movimentos ambientais modernos, uma nova fase no debate
político: limite natural ao crescimento econômico e populacional - neo-
10
Nicholas Georgescu-Roegen ofereceu outra importante contribuição ao debate. Sua teoria estabeleceu uma liga-
ção entre os inputs e os outputs do processo produtivo. Os recursos naturais utilizados no processo produtivo fo-
ram divididos em: matéria e energia. No outro extremo do processo produtivo; tem-se a geração de: calor, poluição
e matéria. Baseando-se nas leis da termodinâmica, especialmente na lei de entropia, Georgescu-Roegen enfatizou
que a quantidade de matéria e energia incorporada nos bens nais é inferior aos recursos empregados na sua pro-
dução. Isto decorre do fato de uma parcela de matéria e energia utilizada no processo produtivo transformar-se em
resíduos. Então, não se pode pensar em eciência técnica plena. É bem verdade que o nível de resíduo dependerá
do “estado da arte” do processo produtivo: mais tecnologia, menos desperdício. Contudo, quando se chegar ao
limite da termodinâmica, a produção será totalmente dependente de recursos naturais (CECHIN, 2010).
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
222
malthusianismo. Para eles, a palavra natural assume relevância extrema por
entenderem que o crescimento econômico não é condicionado apenas por
razões sociais; é limitado pela escassez de recursos naturais para suportá-lo.
A centralidade da tese do limite ao crescimento econômico levou os mo-
vimentos ambientalistas a propor práticas e hábitos sociais à humanidade
na direção da sustentabilidade. Isto é, a formação de uma nova ideologia:
ambientalismo (DOBSON, 2007).
Um importante desdobramento da emergência da “onda verde
11
é a preocupação sobre a forma como a energia é produzida. Existe um
relativo consenso difundido pela comunidade internacional sobre a in-
segurança da matriz energética baseada em combustíveis fósseis, com os
efeitos colaterais de sua produção sendo motivo de grande preocupação e
desconforto em escala global. Com isso, a emissão de gases na atmosfera e
o consequente aquecimento global passaram a fazer parte da agenda polí-
tica internacional.
A energia é um componente indispensável à sociedade moder-
na
12
. O aumento da prosperidade material, e, portanto do bem-estar da
humanidade está intimamente ligado ao consumo de energia. Os países
em desenvolvimento procuram emular as políticas de desenvolvimento
postas em prática nos países desenvolvidos. Os indivíduos principalmente
destes países aspiram alcançar um nível de consumo semelhante ao dos
indivíduos que vivem nos países desenvolvidos. Mas, sob a perspectiva
ambiental, o atual padrão socioeconômico pressiona fortemente o meio
ambiente, e o debate político sobre os limites de crescimento do planeta e
a questão energética é uma consequência clara disto.
A maior parte da emissão de GEE na atmosfera ocorre princi-
palmente com a liberação de CO
2
pela queima de combustíveis fósseis:
carvão, petróleo e gás natural. Com isso, a preocupação com a mudan-
ça climática global pelo acúmulo de gases tem estimulado o debate polí-
11
Outro resultado tangível da emergência da “onda verde” foi o desenvolvimento dos partidos verdes em diversas
partes do mundo, os quais procuraram descolarem-se dos partidos políticos (conservador, liberal, social democrata)
que dominaram a cena política desde a segunda guerra mundial. Os partidos verdes alcançaram uma signicativa
inuência política ao redor do mundo. O caso mais bem sucedido é o da Alemanha (ZELKO, 2006).
12
A ação humana é responsável por aproximadamente 75% do enxofre lançado na atmosfera, sendo 82% desta
proporção relacionada apenas à produção e uso de energia. O uso de combustíveis fósseis na indústria, a produ-
ção de combustíveis fósseis nas renarias, e a geração de eletricidade são os principais responsáveis pela emissão
de enxofre em decorrência da ação humana (ERISMAN, 2004).
223
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
tico internacional sobre como mitigá-lo (CHUPKA, 2004). A partir da
Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento
13
(UNCED no inglês) no Rio de Janeiro em 1992, o de-
bate político internacional sobre a questão ambiental ganhou uma agenda
concreta, com a questão da mudança climática assumindo lugar central na
agenda de pesquisa (DINIZ, 2001). O evento foi a primeira grande inicia-
tiva de cooperação internacional sobre mudança climática. O documento
produzido pela Conferência (Conferência das Partes - COP no inglês) tra-
tou a questão da seguinte maneira:
Preocupado que as atividades humanas tenham aumentado substan-
cialmente a concentração atmosférica de gases de efeito estufa, que
estes aumentos elevaram o efeito estufa natural, e que isto irá resultar
na média em um aquecimento adicional da superfície da terra e da
atmosfera e podendo afetar adversamente os ecossistemas naturais e a
humanidade (UNITED NATIONS, 1992).
A partir do entendimento de que a produção e o consumo de
energia são as principais fontes antropogênicas de emissão de GEE
14
, na
terceira conferência sobre meio ambiente (COP3), realizada em Quioto no
Japão em 1997, o cerne da preocupação à mudança climática concentrou-
-se no âmbito da política energética. A tônica do debate deu-se principal-
mente em torno da capacidade das nações de mudar o padrão de produção
e de consumo de energia como meio de mitigar o aquecimento global
(NAJAM; CLEVELAND, 2004). Além dos determinantes essencialmente
econômicos, o questionamento da matriz energética baseada em energia
fóssil também é pressionado pela demanda socioambiental. A formação de
uma opinião pública mundial preocupada com a criação de uma sociedade
ambientalmente responsável vem forçando os governos do mundo todo
a promover estratégias de desenvolvimento de novas tecnologias de baixo
carbono. Com isto, na seção faremos um balanço da importância das ener-
gias renováveis à matriz energética da Argentina e do Brasil.
13
O Encontro da Terra foi o primeiro grande evento sobre meio ambiente promovido pela ONU. Realizado
exatamente vinte anos após a conferência de Estocolmo, o evento contou com mais de 100 líderes mundiais, 150
nações, 140 organizações não governamentais (ONGs), 8.000 mil jornalistas e 35 mil participantes (NAJAM;
CLEVELAND, 2004).
14
Mesmo não sendo consenso a explicação antropogênica para o aquecimento global, é fato que a questão da
redução de emissão de GEE tornou-se uma demanda política internacional.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
224
3 BALANÇO DAS PRINCIPAIS FONTES RENOVÁVEIS DE ENERGIA NA ARGENTINA E
NO BRASIL
A diversicação da matriz energética é uma demanda política inter-
nacional em ascensão. O acesso a modernas fontes de energias apresenta duas
importantes virtudes: (i) garantir o abastecimento de energia, e, (ii) por não
serem nocivas ao meio ambiente, passaram a fazer parte da agenda política
na grande maioria dos países. Em decorrência do exposto, é de se perguntar
qual a contribuição das energias renováveis à matriz energética global? De
acordo com o Renewables 2013 Global Status Report elaborado pela REN21
- Renewable Energy Policy, as fontes de energias renováveis responderam por
19% do consumo global de energia, em 2011. Desta participação 9,3% ou
quase metade da energia renovável consumida derivou-se da biomassa tra-
dicional usada para cocção e aquecimento em áreas rurais dos países em de-
senvolvimento. As fontes contemporâneas (modernas) de energia renovável
15
responderam por 9,7% do consumo global de energia (REN21, 2013).
Tabela 1 - Composição (%) da matriz energética argentina e brasileira, 2012
FONTE ARGENTINA BRASIL
Carvão 1,4 5,5
Petróleo 36,8 42,0
Gás natural 52,3 9,8
Nuclear 2,1 1,5
Hidráulica 3,2 12,8
Biocombustíveis 4,2 28,0
Geotérmica / Solar / Eólica 0,0 0,4
TOTAL 100,0 100,0
Fonte: Elaborada a partir de INTERNATIONAL ENERGY AGENCY, 2014.
Considerando o peso das energias renováveis
16
na matriz energé-
tica dos dois países, notamos que elas são bem mais importante ao Brasil,
já que responderam por 41,2% da oferta primária de energia, em 2012
15
Porém, não basta que a fonte de energia seja apenas renovável, ela também deve ser sustentável. Vejamos
o caso da biomassa. Pelo método tradicional, a produção de energia dá-se pela combustão direta de lenha e
resíduos: agrícola, animal ou urbano para cocção, secagem e produção de carvão. No método contemporâneo,
a energia é obtida por meio de processos tecnológicos mais sosticados para conversão da biomassa, principal-
mente em eletricidade ou biocombustíveis (VIDAL; HORA, 2011).
16
A energia hidroelétrica também foi computado no cálculo para os dois países.
225
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
(ver tabela 1), enquanto na Argentina elas responderam por 7,4% da oferta
primária de energia - abaixo da média internacional.
Tabela 2 - Argentina e Brasil: consumo de energias renováveis, exceto bio-
combustíveis, em milhões tep
17
, período 2003-2013.
PAÍS 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Argentina 0,3 0,3 0,3 0,7 0,7 0,7 0,7 0,5 0,5 0,6 0,7
Brasil 3,5 3,7 4,2 4,3 5 5,5 5,9 7,3 9 10,0 13,2
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de BRITISH PETROLEUM, 2014.
A tabela 2 detalha a magnitude do mercado consumidor de ener-
gias renováveis nos dois países em análise (exceto biocombustíveis). Em
termos absolutos, em 2003, o consumo brasileiro de energia de baixo car-
bono foi mais de 11 vezes superior ao consumo argentino - 0,3 contra 3,7
Tep. Em 2013, a razão excedeu 18 vezes - 0,7 contra 13, 2 tep.
A produção de biocombustíveis é outro indicador que contribui
para evidenciar a magnitude das energias renováveis na matriz energética
da Argentina e do Brasil. O Brasil, em 2003, produziu 7 milhões tep de
biocombustíveis, saltando para 15,7 milhões, em 2013. Na Argentina, a
produção só alcançou 1 milhão tep de biocombustíveis, em 2009, e, sal-
tando, em 2013, para 1,9 milhão tep de biocombustível. Com isto, temos
que a produção brasileira biocombustíveis, em 2013, foi 8,4 vezes a pro-
dução argentina (BRITISH PETROLEUM, 2014).
Tabela 3 - Argentina e Brasil: Projeção da geração de energia elétrica por
fontes renováveis, período 2013-2017, em TWh.
FONTE
2013 2014 2015 2016
2017
ARG. BRA.. ARG. BRA.. ARG. BRA.. ARG. BRA.. ARG. BRA.
Hidroelétrica 43 428 43 436 43 449 44 471 44 496
Bioenergia 1 30 1 32 2 33 2 35 2 36
Solar
fotovoltaica
0 0 0 0 1 0 1 0 1 0
Eólica 2 9 3 12 5 15 7 18 9 20
Oceânica 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
TOTAL 46 467 48 480 50 497 54 524 57 552
Fonte: Elaborada a partir de International Energy Agency, 2014 e da Plataforma Escenários
Energeticos Argentina, 2014.
17
Tonelada equivalente de petróleo. Assim, por exemplo, um exjoule é igual ao calor da queima de
23.884.589.663 toneladas equivalente de petróleo (tep).
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
226
A tabela 3 mostra a projeção da geração de energia elétrica a
partir de fontes renováveis, período 2013-2017. Como já comentado, a
Argentina possui uma matriz energética primária bem menos limpa que
brasileira. Entretanto, considerando o desempenho recente das fontes re-
nováveis vê-se que a projeção aponta para uma maior diversicação das
fontes de energia na Argentina. Pela projeção, em 2013, 92% da eletrici-
dade gerada será por meio hidroelétricas, e, caindo, em 2017, para 78%.
Contribuiu para isto desempenho da bioenergia e da energia eólica, que
aumentaram sua participação de 2,68% para 4,04% e 4,13% para 15,35%,
respectivamente no período. Pelo mesmo critério, e para o caso do Brasil
a projeção da proporção da energia hidráulica sobre as renováveis será de
aproximadamente 90% no período. Com isto, projeta-se, para Argentina,
uma maior diversicação das fontes renováveis à geração de eletricidade.
3.1 ESTADO E APOIO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENERGIAS RENOVÁVEIS NA
ARGENTINA E NO BRASIL
Nesta parte de trabalho apresentaremos as experiências de políti-
cas públicas de Brasil e a Argentina ao fomento às energias renováveis no
século XXI.
3.1.1 BRASIL
No Brasil, a primeira experiência com o emprego de política in-
dustrial ao fomento de energias renováveis ocorreu na primeira metade do
século XX. Em 1931, o colapso do mercado internacional de açúcar, em
decorrência da crise de 1929, levou o governo Getúlio Vargas a baixar um
decreto para estimular o setor açucareiro obrigando que o bioetanol fosse
adicionado na gasolina na proporção mínima de 5%. Em 1933, o governo
Vargas criou o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) com o propósito de
modernizar as usinas, incentivar o aumento da produtividade e desenvol-
ver pesquisas com a cana-de-açúcar (MAIA, 2009). Décadas depois, em
decorrência do choque do petróleo de 1973, o governo Geisel institui, em
1975, o Proálcool, com o propósito de aumentar a produção nacional de
bioetanol como substituto ao petróleo. O programa, pelo lado da oferta,
oferecia taxas de juros subsidiadas e correção monetária muito abaixo da
227
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
inação, e, pelo lado da demanda, determinou a adição de bioetanol ani-
dro à gasolina na proporção de até 20%, em consequência, a produção de
bioetanol cresceu rapidamente, principalmente em São Paulo que respon-
dia por 2/3 da produção nacional. A eclosão do segundo choque do pe-
tróleo, em 1979, levou a ampliação do Proálcool e os instrumentos foram
os incentivos scais às destilarias de bioetanol e a mudança nos preços do
açúcar e do bioetanol, aumentando o retorno do último, como o propó-
sito de garantir o abastecimento do combustível (MARTINS, 2010). Em
consequência, entre 1979 e 1985 a produção de combustível aumentou 4
vezes, saltando de 2,8 para 11,55 milhões de m
3
.
Todavia, a queda no preço do petróleo no mercado internacio-
nal no decorrer dos anos 1980 alterou o cenário benigno ao setor
18
, que
levou a estagnação da sua produção até a década seguinte. O setor só re-
cobraria o vigor com a combinação de dois eventos: (i) novo aumento do
preço do petróleo; e (ii) introdução dos veículos com motorização ex
19
pela indústria automobilística brasileira. Do exposto, depreende-se que a
combinação de choques externos e a estratégia reativa do Estado brasileiro
levou-o a usar políticas públicas ao fomento do setor sucroalcooleiro, que
contribuíram signicativamente para tornar a matriz energética brasileira
mais limpa, como já mostrado.
Neste início do século XXI, o país esforça-se para desenvolver o
bioetanol de segunda geração (2G). A primeira usina de bioetanol encon-
tra-se na reta nal de construção, com previsão de inauguração para o pri-
meiro semestre de 2014. Localizada em São Miguel dos Campos-Alagoas
e com capacidade instalada prevista de 82 milhões de litros de bioetanol
por ano, o empreendimento demandou investimentos da ordem de R$
350 milhões, sendo R$ 300,3 milhões nanciados pelo Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES (SCHILL, 2013). A
Raízen, joint-venture entre empresa brasileira Cosan e a empresa anglo-
-holandesa Shell, também ingressou na rota tecnológica do bioetanol 2G.
18
Por exemplo, em 1988, o preço do barril de petróleo caiu para US$ 14,92.
19
Este tipo de motorização permitiu os proprietários escolher o tipo de combustível desejado: gasolina pura,
bioetanol puro ou ambos misturados. Sensores a bordo determinam o tipo de combustível e ajustam o motor.
Por exemplo, uma importante inovação em termos de redução de custos, deu-se com a introdução de sensores
pós-combustão (no interior do escapamento) para estabelecer a mistura gasolina/bioetanol, que antes era insta-
lado dentro do tanque de combustível (MEYER et al., 2012).
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
228
Ela recebeu R$ 207,7 milhões em nanciamento do BNDES para cons-
truir uma planta com capacidade de produção estimada em 40 milhões de
litros. O Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) recebeu outros R$ 227
milhões do BNDES e da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), que
foram destinados para melhoramento genético e a implantação de uma
planta de demonstração de bioetanol 2G a partir do bagaço de cana-de-
-açúcar (INSTITUTO CNA, 2013; BATISTA, 2013a).
O biodiesel é outra fonte de energia renovável alvo da ação pú-
blica. O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) foi
criado em 2004 pelo governo federal para impulsionar a inclusão social e
o desenvolvimento regional, além de gerar emprego e renda. Com a Lei
nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005, o governo introduziu o biodiesel na
matriz energética brasileira ao estabelecer obrigatoriedade de sua adição no
óleo diesel comercializado em todo país. Com isto, a produção de biodiesel
saltou de 736 m
3
de biodiesel em 2005 para 2.917.488 m
3
em 2013 (ANP,
2014a). Existem, atualmente, 62 plantas produtoras de biodiesel em ope-
ração no país com capacidade instalada de 21.827,79 m
3
/dia. Outras duas
novas plantas estão em construção e quatro plantas existentes em fase de
ampliação da capacidade de produção que acrescentarão mais 6% à capa-
cidade instalada atual (ANP, 2014b).
Também respondendo a um choque - o apagão” do setor elétri-
co - “o governo Fernando Henrique Cardoso, por meio da Lei nº 10.438
de 26 de abril de 2002, implantou o Programa de Incentivo às Fontes
Alternativas-PROINFA
20
para diversicar a matriz energética brasileira
usando as fontes eólica, pequenas centrais hidroelétricas (PCHs) e bio-
massa. Em sua primeira fase, o Programa rmou contratos prevendo a
implantação de 3.330 MW de capacidade instalada entre as três fontes até
dezembro de 2007. Após atingir a meta de implantação o PROINFA in-
gressou numa fase mais ambiciosa: permitir que as três fontes alternativas
20
Predecessor do PROINFA, o Programa Emergencial de Energia Eólica (PROEÓLICA) criado em 05 de julho
de 2001 pela Resolução nº 24 de da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (CGE), tinha os seguintes
objetivos: (i) viabilizar a implantação de 1.050 MW até dezembro de 2003, de geração de energia elétrica a
partir de fonte eólica, integrada ao SIN; (ii) promover o aproveitamento da fonte eólica de energia, como al-
ternativa de desenvolvimento energético, econômico, social e ambiental; (iii) promover a complementaridade
sazonal com os uxos hidrológicos nos reservatórios do SIN. E, por m, determinou que a ELETROBRÁS,
diretamente ou por intermédio de suas empresas coligadas, contratasse por um prazo mínimo de quinze anos, a
energia a ser produzida por empreendimentos de geração de energia eólica, até o limite de 1.050 MW.
229
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
de energia renovável contribuíssem com 10% do consumo nacional anual
num prazo de 20 anos (CAVALIERO; SILVA, 2002).
O PROINFA utilizou a política do feed-in law (garantia de preço
mínimo ao produtor) para criar demanda à energia eólica, que determinou
que a energia gerada pelo Programa fosse contratada pela ELETROBRÁS
por um prazo de 20 anos e disponibilizada no Sistema Elétrico Integrado
Nacional (SIN), com valor denido pelo Poder Executivo em função de
cada fonte de energia. Contudo, seria garantido um piso de 80% da tarifa
cobrada do consumidor nal - média nacional - nos últimos doze me-
ses para empreendimentos eólicos (CAVALIERO; SILVA, 2002). Deste
modo, o PROINFA, ao garantir preço mínimo ao produtor, impulsionou
o desenvolvimento da indústria eólica no país. Em 2005, o país dispunha
de apenas 22 MW de capacidade instalada, em 2008 ela já havia saltado
para 1,18 GW e atingindo 5,0 GW em 2012. Em termos relativos, a par-
ticipação da energia eólica na geração total de eletricidade é pouco expres-
siva. Em 2006 ela era de 0,06% saltando para 1,06% em 2012.
Estima-se que o Brasil tenha potencial para instalação de um par-
que eólico superior a 300 GW de eletricidade, com dois vetores contri-
buindo para tal. Por um lado, o incentivo proporcionado pelo PROINFA,
e, por outro, a conjuntura externa desfavorável em decorrência da crise
nanceira internacional levou a Europa e os Estados Unidos a reduzi-
rem seus investimentos em fontes renováveis subsidiadas, incentivando
as principais rmas estrangeiras do setor eólico a se instalaram no país.
Atualmente existem nove fabricantes de aerogeradores no Brasil. São elas:
Alstom, ACCIONA, Gamesa, GE Energy, Siemens, Suzlon Energia Eólica
do Brasil, Vestas do Brasil Energia Eólica, WEG Equipamentos Elétricos
S.A. (LAGE; PROCESSI, 2013).
Outra fonte de energia renovável em vias de expansão é a solar.
A empresa brasileira FlexSolar, com sede em Joinville-SC, e o Instituto
Fraunhofer para a Pesquisa Aplicada de Polímeros (IAP), com sede em
Potsdam-Golm-Alemanha, assinaram contrato em outubro de 2012 no
valor de € 4,8 milhões para o desenvolvimento de células solares orgânicas
exíveis. Na primeira fase, o contrato prevê que a produção concentrar-se-
-á na Alemanha, mas a segunda fase já prevê a produção em Joinville, sen-
do, para tanto, necessário construir uma planta piloto (VASCONCELOS,
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
230
2013; FRAUHOFER MAGANIZE, 2013). E para apoiar o projeto de
desenvolvimento da energia solar, o BNDES, por meio do Plano Inova
Energia, liberou crédito e subvenções econômicas a FlexSolar.
Por meio da Resolução Normativa n.º 482, de 17 de abril de
2.012, a agência procurou impulsionar a geração distribuída de energia
elétrica por microgeradores (<=100KW) e minigeradores (>100KW e
>=1MW). Ela, para tanto, xou a política de compensação (conhecido
como net metering) entre energia gerada e consumida que permite que a
energia “gerada por unidade consumidora com microgeração distribuída
ou minigeração distribuída compense o consumo de energia elétrica ativa.
(ANEEL, 2012b, s.p.).
A empresa Tezca Células Solares, localizada em Campinas-SP, é
outra empresa nacional no segmento de energia solar que pretende, até
2016, produzir células de energia fotovoltaica em escala comercial. Com
isto, vê-se que a intensidade do apoio do Estado à energia solar não foi
o mesmo da energia eólica, mas a tecnologia já apresenta empresas em-
brionárias portadoras de futuro. Diferentemente da energia eólica, o foco
da política pública foi o encorajamento de empreendimentos de pequeno
porte para geração de energia solar no Brasil. Para isso, a ANEEL concedeu
subvenção de impostos para empreendimentos de geração e institui o me-
canismo de compensação (net metering) para os consumidores/geradores
consumir e ofertar eletricidade na rede de distribuição de energia elétrica.
Na prática, qualquer um pode comprar um painel solar para gerar energia
para o consumo próprio, com a produção excedente podendo ser injetada
na rede elétrica em troca de desconto na fatura de energia.
Além disto, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) declarou
que a energia solar também fará parte dos leilões de energia reserva (LER)
do segundo semestre de 2014, com a previsão de contratação de 3,5 mil
MW de capacidade de geração de energia. Se isto concretizar-se, a política
abrirá espaço ao desenvolvimento da indústria de painéis solares no país
(CHIARETTI, 2014). Contudo, a concorrência internacional torna tal
empreitada muito espinhosa, principalmente considerando que a indústria
chinesa está transformando os painéis de energia solar em commodity.
231
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
3.1.2 ARGENTINA
Na Argentina, o uso de políticas públicas destinadas ao desen-
volvimento de fontes renováveis de energia é bem mais recente que no
Brasil. O maior empenho do governo argentino para desenvolver energias
renováveis foi mais signicativo a partir da crise energética de 2004. A
primeira ação pública em defesa de fontes renováveis foi a Lei 25.019:
Energía Eólica y Solar, de 19/0/1998, mais tarde substituída pela Lei
26.190: Régimen de Fomento Nacional Para el Uso de Fuentes Renovables
de Energía Destinada a la Producción de Energía Eléctrica, de 02/01/2007
(FERNÁNDEZ, 2010).
Com a lei (feed-in tari), o país materializou o interesse de diver-
sicar as fontes de energia à geração de eletricidade, desenvolver tecnolo-
gias e fabricação doméstica de equipamentos para o setor. Ademais, foram
implementadas as leis 26.093: Régimen de Regulación y Promoción para la
Producción y Uso Sustentable de Biocombustibles, de 04/04/2007, e 26.123:
Régimen para el desarrollo de la tecnología, producción, uso y aplicaciones
del Hidrógeno como combustible y vector de energía, de 24/08/2006. Outra
ação pública importante foi o Programa de Geración Renovable (GEREN)
executado pela estatal Energia Argentina S.A., pelo qual a referida estatal
comprometeu-se em comprar 1 GW de eletricidade
21
a preço xo e em
dólares (GARRIDO; LALOUF; MOREIRA, 2013).
Muito embora as previsões apontem para o aumento no uso de
fontes renováveis na geração de eletricidade na Argentina, na prática, a
concretização deste objetivo esbarra na diculdade de fontes de nancia-
mentos. O país, ao contrário do Brasil e do Uruguai, em decorrência da
instabilidade macroeconômica enfrenta problemas de previsibilidade e
uma maior diculdade de acesso para empresas que queiram investir no
setor (SPINADEL, 2012).
Uma segunda limitação à expansão das energias renováveis é a au-
sência de conhecimento técnico. O desenvolvimento delas não depende
apenas de tecnologia e capital; é necessário a presença de pessoas capacitadas
para implementá-las. O país destina poucos recursos para pesquisa e desen-
21
Distribuído em oito fontes de energia, com a energia eólica representado 50% do total gerado e biocombus-
tíveis, resíduos sólidos urbanos e biomassa outros 37%.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
232
volvimento no setor. Isto diculta o desenvolvimento próprio de fontes de
energia na Argentina, assim como coloca o país na dependência externa de
capital técnico e humano para executar estes projetos. Um terceiro entrave à
expansão das energias renováveis deriva do fato que a legislação obriga que as
unidades geradoras instalem-se em locais onde os recursos (vento e sol, por
exemplo) estejam disponíveis, mas isto requer a construção de sistema de
transmissão para fazer a energia chegar ao seu destino.
A partir da perspectiva tecnológica, a energia eólica é a fonte
de energia com maior potencial de crescimento, pois o país possui três
empresas nacionais fabricantes de aerogeradores de alta potência (NRG
Patagonia, IMPSA Wind e INVAP). Ademais, ele também conta com
aproximadamente 16 empresas fabricantes de aerogeradores de baixa e mé-
dia potência. Este potencial consolidou-se com a formação de um cluster
do setor com aproximadamente 80 fabricantes de equipamento e insumos
para o setor (GARRIDO; LALOUF; MOREIRA, 2013).
No tocante à produção de bioenergia, a lei 26.093 estabeleceu
as bases à produção de biocombustíveis (biodiesel, bioetanol e biogás) na
Argentina, determinando a adição nos combustíveis fósseis de 5% de bio-
diesel, bioetanol e biogás a partir de 2010, como o biodiesel sendo o mais
relevante de todos. Ele é produzido preponderantemente da soja, cultivar
que expandiu-se no país no início dos anos 1980. A sua produção foi ini-
cialmente puxada pela demanda internacional e depois pela sua adição aos
combustíveis fósseis no mercado doméstico. A competitividade deste setor
é resultado de um conjunto de vetores: (i) elevada produtividade agrícola
na produção de soja; (ii) elevada escala de produção; (iii) políticas públicas
favoráveis ao setor; e (iv) aumento da demanda externa (CHIDIAK, et al.,
2012). Com isto, a política de pública de fomento a biodiesel apenas con-
tribui para impulsionar um setor econômico já estruturado e competitivo.
O bioetanol, comparado ao biodiesel, é menos utilizado para ns
de transporte, e isto pode ser explicado pelo fato do diesel ser mais utili-
zado que a gasolina, impulsionado mais o uso do biodiesel. As projeções
indicam que o país, em 2014, consumirá 29,9 bilhões de litros de gasolina
contra 54,4 bilhões de óleo diesel. Em 2012, a proporção de bioetanol na
gasolina foi apenas de 3,2%, abaixo dos 5% previsto em lei. As distribui-
doras de combustíveis, em função de problemas logísticos, usaram diferen-
233
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
tes misturas de bioetanol e gasolina em diferentes regiões. Porém, a falta
de gasolina e energia deverá impulsionar a adição de bioetanol a gasolina,
com previsão da proporção atingir 7%, em 2014. Em termos comparativo,
projeta-se, para 2014, a produção de 600 milhões de litros de bioetanol e
2,6 bilhões de litros de biodiesel (KEN, 2013). Se a proporção da mistura
fosse aumentada 25%, como no caso do Brasil, isto certamente incentiva-
ria o aumento da produção de bioetanol.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo do estudo comparado das políticas públicas ao fomento
das energias renováveis nos dois países evidenciou as semelhanças e dife-
renças entre elas. Pelo lado das semelhanças, uma questão central a ser
destacada é que o modelo de política pública, a exemplo da experiência
internacional, é muito parecido. A política feed-in tari mostrou-se útil
na criação de demanda segura por fontes de energia renovável, atraindo o
interesse dos investidores no setor. Pelo lado da oferta, a apoio nanceiro e
tecnológico mostrou-se muito importante. Por outro lado, a diferença mais
nítida nas políticas dos dois países é uma maior assertividade no apoio ao
fomento das energias renováveis. O fato do Estado brasileiro contar com
um banco público especíco ao nanciamento de longo prazo - BNDES
- é grande diferencial. Como feito no passado e com continua fazendo, o
BNDES mostrou-se um importante agente de nanciamento de projetos
que normalmente não são alvo de interesse do bancos privados.
Outra questão não menos importante, o tempo de experiência do
Brasil com energias renováveis é bem maior. Fruto do constrangimento ex-
terno - crise de 1929 e crise do petróleo - 1973, o governo viu-se obrigado
a diversicar sua matriz energética para reduzir a dependência do petróleo.
Dotado de recursos naturais e clima apropriado, e, usando o planejamento
econômico, o Estado brasileiro foi capaz fomentar a pesquisa e desenvol-
vimento em bioetanol ao ponto de colocá-lo em entre os principais atores
nesta tecnologia. Visto desta perspectiva, a Argentina também poderá tor-
nar sua matriz energética mais limpa, mas tal missão não pode ser conado
apenas ao mercado. É necessário que o Estado seja capaz de coordenar um
projeto, e, principalmente mantê-lo no longo prazo.
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
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Ogiz
ALINE TEDESCHI DA CUNHA
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade
de Filosoa e Ciências da UNESP - Marília, na linha de Relações Internacionais
e Desenvolvimento. Realizou período Sanduíche de Maestría en Inteligencia
Estratégica Nacional Siglo XXI na Universidad Nacional de La Plata. Bacharel em
Relações Internacionais pela UNESP - Marília.Coordena a Área Temática “Atores
do sistema internacional” do Núcleo de Estudos e Análises Internaionais (Neai)
do IPRI-UNESP. Membro do Grupo de Estudos “BRICS” (FFC/UNESP).
Bolsista da FAPESP.
ÁNGEL PABLO TELLO
Doutor em Relações Internacionais pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais
da Universidade Nacional de La Plata (UNLP). Diplomado pela Ecole des Hautes
Etudes en Sciences Sociales - Sorbonne Nouvelle, França. Docente da Facultade
de Jornalismo e Comunicação Social e da Facultade de Ciências Jurídicas e Sociais
da UNLP. Docente de pós-graduação na UNLP e na Universidade de Buenos
Aires (UBA).
ANNELISE FAUSTINO DA COSTA
Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Faculdade
de Filosoa e Ciências da Unesp - Marília na linha de pesquisa de Relações
Internacionais e Desenvolvimento. Possui pela mesma instituição, graduação em
Ciências Sociais nas modalidades de licenciatura e bacharelado, onde desenvolveu
pesquisa de iniciação cientíca com bolsa da FAPESP. Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisa sobre Conitos Internacionais (GEPCI).
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-769-2.p239-242
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
240
FEDERICO TEOBALDO MANUEL STORANI
Formado em Ciências Jurídicas pela Facultade de Ciências Jurídicas e Sociais
da Universidade Nacional de La Plata (UNLP), onde é Profesor Titular por
concurso. Foi Deputado Federal em várias legislaturas e Ministro do Interior
no governo do Presidente De La Rúa, na Argentina. Realizou conferências em
universidades, centros de estudos e fundações sobre Ciência Política, Filosoa
e Política Internacional. Foi professor convidado do St. Antonys College da
Universidade de Oxford – Reino Unido e pesquisador do e Woodrow Wilson
Center - EUA. Tem diversos artigos e ensaios publicados em jornais e revistas da
Argentina e do exterior.
FRANCISCO LUIZ CORSI
Mestre em Economia e Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP). Professor de Economia Brasileira da Faculdade de
Filosoa e Ciências (FFC) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” (UNESP) – Campus de Marília. Desenvolve trabalhos de pesquisa na área
de História Econômica, particularmente abordando os seguintes temas: política
econômica, política externa, Estado e economia, crises no capitalismo global e
inserção da América Latina na economia mundial. Possui inúmeros artigos e
livros sobre essas temáticas.
GUSTAVO ERLER PEDROZO
Graduado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosoa e Ciências da UNESP
– Campus de Marília. Mestre e doutorando no Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais da UNESP – Campus de Marília, na linha de pesquisa em
Relações Internacionais e Desenvolvimento. Participa do Grupo de Pesquisa dos
BRICS. Tem como temas de pesquisa a reforma e abertura da China, política
externa chinesa e relações China-América Latina. Bolsista da CAPES.
ISABEL STANGANELLI FRANKENBERG
Doutora em Geograa e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade
Nacional de La Plata (UNLP). Professora de pós-graduação da UNLP. Secretaria
Acadêmica do Centro de Estudos Internacionais para o Desenvolvimento (CEID).
241
A perspectiva Sul-Americana
das Relações Internacionais
JORGE CLAUDIO SZEINFELD
Formado em Ciências Jurídicas pela Facultade de Ciências Jurídicas e Sociais
da Universidade Nacional de La Plata (UNLP). Especialista em Ciencia Política
(UNLP) e em Defesa e Segurança (Center for Hemispheric Defense Studies -
National Defense University - Washington, EUA). Doutor em Ciencias Jurídicas
(UNLP). Docente de graduação e pós-graduação da Facultade de Ciências
Jurídicas e Sociais da UNLP, Argentina.
MARCOS CORDEIRO PIRES
Graduado em História, Mestre em História Econômica e Doutor em História
Econômica, todos pela Universidade de São Paulo (USP). Livre Docência em
Economia Política Internacional pela Unesp. Professor na UNESP - Campus de
Marília, no curso de graduação em Relações Internacionais e no Proprama de Pós-
Graduação em Ciências Sociais. Tem experiência nas áreas de História Econômica e
Economia Política Internacional. É membro do Grupo de Pesquisa dos BRICS, do
Grupo de Pesquisa “Estudos da Globalização”, da diretoria do Instituto Confúcio
na Unesp e do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Unesp.
MAURI DA SILVA
Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Maringá
(UEM), Mestre em Integração Latino-Americana pela Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM) e Doutor em Ciências Sociais (com estágio sanduíche
na Universidad Nacional de La Plata, Argentina) pela Universidade Estadual
Paulista-UNESP. Professor de graduação da Faculdade de Tecnologias de
Ourinhos (FATEC) e das Faculdades Integradas de Ourinhos (FIO), e professor
de especialização lato-sensu do Centro Universitário Eurípides de Marília
(UNIVEM).
SÉRGIO LUIZ CRUZ AGUILAR
Doutor em História (UNESP – Campus de Assis), Mestre em Integração Latino-
Americana (UFSM), especialista em História das Relações Internacionais (UERJ)
e em Estratégias de Relações Internacionais (UCAM). Graduado em Ciências
Militares (AMAN). Professor do curso de Relações Internacionais e do Programa
de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UNESP – Campus de Marília.
Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Conitos Internacionais
(GEPCI) e do Observatório de Conitos Internacionais (OCI). Realizou pós-
AGUILAR, S.L.C.; CORSI, F.L.J.;
PIRES, M.C. (Org.)
242
doutorado na área de segurança internacional como pesquisador visitante no
Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade de Oxford
- Reino Unido (Bolsa de Pesquisa no Exterior - FAPESP)
THASSIO SOARES ROCHA ALVES
É bacharel em Relações Internacionais e mestre em Ciências Sociais (linha de
pesquisa Relações Internacionais e Desenvolvimento) pela UNESP - Campus
de Marília. Foi bolsista da CAPES e realizou estágio sanduíche na Universidad
Nacional de La Plata, Argentina..
243
SOBRE O LIVRO
Formato 16 x 23 cm
Tipologia Adobe Garamond Pro
Papel Polén soft 85g/m2 (miolo)
Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
Acabamento Grampeado e colado
Tiragem 300
Catalogação Telma Jaqueline Dias Silveira - CRB- 8/7867
Revisão/
Normalização: Elizabete C. S. de Aguiar Monteiro CRB-8/7963
Janaína Celoto Guerrero. CRB-8/6456
Maria Elisa V. Pickler Nicolino. CRB-8/8292
Capa Edevaldo D. Santos
Diagramação Edevaldo D. Santos
Assessoria técnica Maria Rosangela de Oliveira - CRB-8/4073
Produção gráca: Giancarlo Malheiro Silva
2016
Impressão e acabamento
Gráca Campus
Unesp -Marília - SP