Diálogos sobre Ensino-
Aprendizagem da Matemática
PAULO SÉRGIO TEIXEIRA DO PRADO
JOÃO DOS SANTOS CARMO
(ORG.)
Diálogos sobre Ensino-Aprendizagem da Matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
Marília/Ocina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
Diretor:
Dr. José Carlos Miguel
Vice-Diretor:
Dr. Marcelo Tavella Navega
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Ana Maria Portich
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Giovanni Antonio Pinto Alves
Marcelo Fernandes de Oliveira
Maria Rosangela de Oliveira
Neusa Maria Dal Ri
Rosane Michelli de Castro
Ficha catalográfi ca
Serviço de Biblioteca e Documentação – Unesp - campus de Marília
Editora afi liada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora Unesp
D536 Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática : abordagens
pedagógica e neuropsicológica / Paulo Sérgio Teixeira do

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Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2016.
174 p. : il.
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ISBN 978-85-7983-749-4 (impresso)
ISBN 978-85-7983-760-9 (digital)
Educação de adultos. 4. Discalculia. 5. Neuropsicologia. I. Prado,
Paulo Sérgio Teixeira do. II. Carmo, João dos Santos.
CDD 372.7
DOI: https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-760-9
1. Matemática – Estudo e ensino. 2. Ensino fundamental. 3.
A
Não poderíamos deixar de registrar nossos sinceros e efusivos agradecimentos a todos os
integrantes do grupo Análise do Comportamento e Ensino-Aprendizagem da Matemática
(ACEAM), cujo empenho integral e incondicional tem tornado possível a realização e o sucesso
de todas as edições do Colóquio sobre Ensino e Aprendizagem da Matemática.
Ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino
(INCT-ECCE).
Ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos
(PPGPsi/UFSCar).
A todos os participantes e colaboradores do Colóquio sobre Ensino e Aprendizagem da
Matemática.
SUMÁRIO
Prefácio
Verônica Bender Haydu ...................................................................... 9
Apresentação
Paulo Sérgio Teixeira do Prado; João dos Santos Carmo ......................... 11
Capítulo 1
Repensando o Ensino de Matemática na Educação Básica
Maria do Carmo de Sousa ................................................................... 15
Capítulo 2
Educação Matemática em Processos de EJA: Elementos para sua
Fundamentação
José Carlos Miguel............................................................................... 43
Capítulo 3
Cognição Numérica: Contribuições da Pesquisa à Clínica
Flávia Heloísa dos Santos; Fabiana Silva Ribeiro;
Paulo Adilson da Silva; Rosana Satiko Kikuchi; Juliana Molina;
Marina Cury Tonoli ........................................................................... 63
Capítulo 4
Visões Conitantes sobre a Matemática: Possível Conciliação à
Luz da Pesquisa Empírica
Paulo Estevão Andrade; Paulo Sérgio Teixeira do Prado ......................... 99
Sobre os Autores ................................................................................ 171
9
PREFÁCIO
Fiquei muito feliz com o convite para faz
er o prefácio do livro
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática: abordagens pedagógica
e neuropsicológica,
organizado por Paulo Sérgio Teixeira do Prado e João
dos Santos Carmo. Esta obra revela o empenho de seus organizadores em
divulgar trabalhos cientícos desenvolvidos por eles e por outros pesqui-
sadores brasileiros sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática. A di-
vulgação feita por eles não se restringe à organização de livros como este,
mas também na promoção de eventos, como os Colóquios sobre Ensino
e Aprendizagem Matemática, na realização de palestras e comunicações
orais, e na publicação de artigos cientícos e capítulos de livros.
Os Colóquios, organizados pelo grupo Análise do Comportamento
e Ensino-Aprendizagem da Matemática (ACEAM), congregam educado-
res, sejam eles do Ensino Fundamental, Médio e Superior, e estudantes
que pretendem um dia atuar na área da Educação. Esse grupo se interessa
por compreender melhor o processo de aprendizagem da Matemática, os
procedimentos que viabilizam um ensino ecaz e eciente desse compor-
tamento, bem como a análise e a proposição de programas de intervenção
psicológicos. A contribuição que eles vêm fazendo ao longo de vários anos
é muito importante, principalmente diante do que se vê no cenário da
Educação brasileira.
No que se refere ao ensino e à aprendizagem da Matemática,
de forma especíca, tem sido observados resultados preocupantes no
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), no qual a nota média em
“Matemática e suas tecnologias” foi a mais baixa dentre todas as áreas de
conhecimentos avaliadas pela prova realizada em 2014, conforme destaca-
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-760-9.p9-10


10
ram Juliana Espanhol e Ana Paula Lisboa (2015), ao resumirem os resulta-
dos do exame. Além disso, o desempenho dos estudantes foi pior em 2014
do que em 2013, tendo sido observada uma redução de 7,3% no índice
de avaliação.
Os resultados de provas e exames, apesar de serem passíveis de
críticas e terem que ser considerados de forma cuidadosa, revelam que o
ensino de Matemática precisa ser revisto e aprimorado, o que não poderá
ser feito sem uma revisão das políticas públicas, da participação da co-
munidade no controle das atividades das escolas e da interlocução com a
produção de conhecimentos gerados nas universidades. Essa interlocução
diz respeito, não apenas, ao tipo de conhecimento divulgado nessa coletâ-
nea de “Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática: abordagens
pedagógica e neuropsicológica”, mas também na capacitação e formação
de educadores. Os cursos de Licenciatura devem renovar seus programas
de formação de educadores com base na produção de conhecimento do
intercâmbio ensino, pesquisa e extensão, tal como vem sendo proposto e
discutido nos Colóquios sobre Ensino e Aprendizagem Matemática.
O desenvolvimento sustentável ou “sustentabilidade”, como tem
sido denominado na mídia, é um desao que prevê o bem-estar das futuras
gerações. Um bem-estar em condições de igualdade e, ao se pensar na re-
dução das desigualdades sociais, certamente a Educação é lembrada como
fundamental. Assim, o desao está nas ações que nós educadores podemos
e devemos realizar, uma vez que, “a formação do capital humano é o cami-
nho lógico a seguir”, conforme destacou Rodrigo Squizato (2006).
Verônica Bender Haydu
1
1
Universidade Estadual de Londrina (UEL), Centro de Ciências Biológicas, Departamento de Psicologia Geral
e Análise do Comportamento, Rod. Celso Garcia Cid, Km 380, Campus Universitário, CEP 86057-971,
Londrina, PR. E-mail: veronicahaydu@gmail.com.
11
APRESENTA
ÇÃO
A presente obra traz ao público os temas e diálogos promovidos
por pesquisadores convidados nas diferentes edições do Colóquio sobre
Ensino e Aprendizagem da Matemática. Os textos aqui reunidos são frutos
de trabalhos apresentados numa das edições do evento, o qual é organi-
zado pelo grupo Análise do Comportamento e Ensino-Aprendizagem da
Matemática (ACEAM)
1
e faz parte da programação cientíca do Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e
Ensino (INCT-ECCE)
2
e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia
(PPGPsi) da UFSCar. A primeira edição do colóquio ocorreu em 2008 e,
tendo já ultrapassado a marca de 10 edições, o evento tem se consolidado
como um espaço de diálogo entre educadores em geral, educadores mate-
máticos, estudantes de pós-graduação e de graduação, em torno de temá-
ticas relacionadas ao ensino e aprendizagem da matemática. O objetivo
principal é que esse espaço possibilite a divulgação e o debate de pesquisas
conduzidas por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento e de dife-
rentes vertentes teórico-metodológicas, de todas as partes do país, gerando
aproximação entre a academia e prossionais da educação. O público-alvo
são professores do ensino fundamental e do médio, graduandos e pós-gra-
duandos de Psicologia, Educação, Educação Especial e áreas ans, além de
todos os interessados. Como estímulo à participação e forma de alcançar
o maior número possível de pessoas, a inscrição tem sido gratuita e com
direito a certicação.
Pretende-se, assim, oferecer uma contribuição, ainda que reco-
nhecidamente modesta, porém, absolutamente imprescindível, para a re-
1
http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/8327539370184640 (ver também: http://migre.me/l8lr3).
2
http://inct.cnpq.br/web/inct-ecce (ver também: http://migre.me/l8lwc).
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-760-9.p11-14


12
dução da persistente distância entre a pesquisa cientíca feita na academia
e a prática pedagógica em sala de aula. O Colóquio possibilita a exposição
de pressupostos, procedimentos, dados, conclusões sem restrições quanto a
liação teórica ou de qualquer outra natureza. Os pesquisadores não preci-
sam abandonar seus princípios e convicções nem assumir postura eclética.
Mas, de alguma forma, as contribuições geradas por eles devem chegar ao
conhecimento do prossional do ensino. Um dos méritos do Colóquio,
portanto, é o de romper o isolamento por áreas de conhecimento e/ou ver-
tentes teóricas, assim como por níveis de atuação. Esse espírito de exposição
de contrastes se expressa no livro, que traz ao conhecimento do leitor pelo
menos duas formas de se fazer pesquisa e pensar o ensino da matemática,
razão pela qual ele foi organizado em duas seções, com dois capítulos cada.
Em seu capítulo intitulado: “Repensando o ensino de Matemática
na Educação Básica”, e tal como a própria autora arma na introdução,
Maria do Carmo de Sousa apresenta uma breve retrospectiva das ideias
subjacentes ao ensino de Matemática no Brasil nas últimas cinco décadas.
Pressupostos teóricos e metodológicos da perspectiva lógico-histórica são
expostos, bem como suas relações com os nexos conceituais da aritmética,
da geometria e da álgebra, os quais fundamentam atividades de ensino que
têm sido objetos de estudo de pesquisas sob sua orientação. Por m, é feita
uma descrição de uma atividade de ensino sobre o conceito de Função,
na perspectiva lógico-histórica, a qual tem sido vivenciada por alunos de
licenciatura em Matemática nas aulas de Metodologia de Ensino e fre-
quentado algumas salas de aula do Ensino Médio das escolas em que esses
licenciandos fazem estágio sob supervisão da autora.
Também integrando a primeira seção, o segundo capítulo é de
autoria de José Carlos Miguel, que tem larga experiência como coorde-
nador e docente em projeto de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Sua
exposição tem por base o mesmo arcabouço teórico do capítulo anterior.
Sob o título: “Educação matemática em processos de EJA: elementos para sua
fundamentação”, e tal como resumido pelo próprio autor, o estudo resulta
de ações de articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão, que tem
como tema central a formação de educadores e suas implicações para a
renovação dos programas de ensino de Matemática. Tem por objetivo a
análise das heurísticas postas em prática por alunos da EJA (educação de
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
13
jovens e adultos) para a apropriação do conhecimento matemático bem
como sobre a importância do papel exercido pelos professores no processo
de mediação da ação pedagógica. Vale-se da análise documental e de depoi-
mentos de professores e alunos da EJA para fundamentação da discussão
e das conclusões. Situa-se no contexto teórico-metodológico da pesquisa
colaborativa e da teoria histórico-cultural. Os resultados da pesquisa per-
mitem considerar que a atividade matemática constitui a centralidade da
discussão sobre a aprendizagem matemática, o que traz consequências para
a organização dos programas de ensino. Trata-se de pensar numa gênese
escolar que motive os educandos à reconstrução de ideias e de pensar um
processo de produção na sala de aula que considere as condições da escola
distintas das condições que regem a produção de saberes da ciência mate-
mática. O que impõe pensar a formação de um professor epistemologica-
mente curioso.
A segunda seção reúne dois outros capítulos, os quais comparti-
lham fundamentos teórico-metodológicos e epistemológicos distintos dos
anteriores. As implicações pedagógicas do conteúdo neles expresso aguarda
por uma exploração mais extensa e profunda. O primeiro tem por título:
“Cognição Numérica: Contribuições da pesquisa à clínica e foielaborado
porFlávia Heloísa Santos e colaboradores. Ele organiza informações ex-
traídas da literatura cientíca, sobre aspectos inatos e aprendidos do pro-
cessamento numérico e cálculo, culminando na denição e caracterização
da Discalculia do Desenvolvimento. Apresenta, ainda, estudos realizados
em amostras brasileiras,os quais permitem identicar diversas variáveis
que inuenciam o desempenho em medidas da cognição numérica, como:
idade, origem (rural ou urbana), natureza da instituição escolar (privada e
pública), e intervenção por treino musical. Oferece, também, recomenda-
çõessobre processos de intervenção educacional e psicológica proativas no
ensino da matemática.
O quarto e último capítulo, de Paulo Estevão Andrade e Paulo
Sérgio Teixeira do Prado, tem por título: Visões conitantes sobre a mate-
mática: possível conciliação à luz da pesquisa empírica”. Nele, o leitor notará
a presença de elementos de todos os outros capítulos, pois é apresentada
uma ampla revisão de literatura sob uma perspectiva crítica, percorren-
do diversas tendências teóricas na pesquisa psicológica. A revisão inclui


14
também parte importante da literatura neuropsicológica e neurocientíca.
Aspectos inatos e aprendidos são discutidos, incluindo considerações sobre
a relação entre pensamento e linguagem.
Paulo Sérgio Teixeira do Prado
João dos Santos Carmo
15
C
 
REPENSANDO O ENSINO DE
MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Maria do Carmo de Sousa
INTRODUÇÃO
Neste capítulo, apresentamos algumas contribuições e indi-
cativos de caminhos para repensar o ensino de Matemática na Educação
Básica, a partir da perspectiva lógico-histórica, advindos de nossa prática
enquanto docente e pesquisadora da área Educação Matemática.
Inicialmente fazemos uma breve retrospectiva das ideias que têm
norteado o ensino de Matemática no Brasil, nos últimos 50 anos. Expomos,
ainda, alguns pressupostos teóricos e metodológicos da perspectiva lógico-
-histórica e suas relações com os nexos conceituais
1
da aritmética, da ge-
ometria e da álgebra que fundamentam as atividades de ensino que têm
sido objetos de estudo de pesquisas que estão sob nossa orientação. Tais
atividades são estudadas com futuros professores e professores que ensinam
Matemática em escolas da Educação Básica. Finalmente, descrevemos uma
atividade de ensino sobre o conceito de Função, na perspectiva lógico-
-histórica, que elaboramos, a qual tem sido vivenciada por licenciandos do
curso de Matemática, nas aulas de Metodologia de Ensino e frequentado
algumas salas de aula do Ensino Médio, das escolas em que estes licencian-
dos fazem estágio sob a nossa supervisão.
1
Denimos nexo conceitual como o “elo” existente entre as formas de pensar o conceito, as quais não coinci-
dem, necessariamente, com as diferentes linguagens do conceito.
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-760-9.p15-42


16
ALGUMAS IDEIAS QUE TÊM FUNDAMENTADO OS CURRÍCULOS ESCOLARES
BRASILEIROS NOS ÚLTIMOS 50 ANOS
Na década de 60, os currículos escolares brasileiros foram orien-
tados a partir das ideias fundamentais da Matemática Moderna que tem
sua origem no século XIX.
A Matemática Moderna sob o ponto de vista da História da
Matemática fundamentou-se na chamada Matemática Contemporânea
(ADLER, 1970) que tem as seguintes características: 1) É a Matemática
Clássica amadurecida; 2) É a Matemática Clássica tornada autoconscien-
te e autocrítica; 3) É também a Matemática Moderna, que se desenvol-
veu como um método mais eciente de tratar o conteúdo da Matemática
Clássica e, 4) É a Matemática cada vez mais intimamente relacionada com
as atividades humanas na indústria, na vida social, na ciência e na losoa.
Assim, os currículos de Matemática orientados pelo então deno-
minado Movimento da Matemática Moderna possuem em seu interior a
tentativa de garantir que os fundamentos acima descritos sejam ensinados
desde tenra idade.
Para que esse objetivo fosse alcançado e entrasse nas escolas da
Educação Básica, tal currículo foi elaborado por matemáticos e não por
professores de Matemática e, encontrou respaldo na Psicologia, através dos
resultados das pesquisas feitas em crianças de 7 e 8 anos por Piaget (1986),
uma vez que tais resultados assemelhavam-se às estruturas-mães: algébri-
cas, topológicas e de ordem propostas pelos bourbakistas
2
; davam impor-
tância ao papel dos conjuntos e referiam-se aos estudos da análise genética
das operações lógico-matemáticas e concretas.
Ressalta-se ainda que os estudos de Piaget enfatizavam que:
as estruturas da “Matemática Moderna” estavam muito mais próxima
das operações ou estruturas naturais da criança (ou sujeito) que as da
Matemática Tradicional; a Matemática, ao ir remontando em direção
às fontes, tinha chegado a certas “estruturas fundamentais da mente”;
a reforma do ensino podia fazer-se em todos os seus níveis, porém não
havia que se recorrer demasiado depressa às distintas etapas de desen-
2
Grupo Bourbaki: grupo de jovens matemáticos franceses que se autodenominaram de Nicolas Bourbaki. Esse
grupo tentou reescrever a Matemática do século XIX levando-se em conta três grandes estruturas: estrutura de
ordem, estruturas algébricas e estruturas topológicas.
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
17
volvimento e, somente se podia axiomatizar sob determinadas condi-
ções prévias (HERNÁNDEZ, 1986, p. 34).
A materialização dessas ideias dá origem a um currículo que enfa-
tiza os algoritmos. Prioriza-se o resultado do problema/exercício, conforme
mostra o Quadro 1 (SOUSA, 1999):
Sob o ponto de vista pedagógico, o currículo do Movimento
Matemática Moderna está fundamentado na “Pedagogia do Treinamento
(LIMA, 1998), a qual possui quatro momentos distintos: 1) Mostrar o
conceito; 2) Demonstrar o funcionamento do conceito; 3) Treinar o con-
ceito e 4) Avaliar o conceito.
Quadro 1. Temas gerais dos conteúdos curriculares de Matemática nos três
níveis de ensino.
Ensino Fundamental Ensino Médio Universidade
Lógica e conjuntos; o
Conceito de número;
Medida; Espaço e formas
Estruturas Algébricas; Números;
Polinômios; Álgebra linear e
Geometria; Cálculo Diferencial e
Probabilidade
Estudo da Matemática
Moderna e Métodos
matemáticos na ciên-
cia e na tecnologia
Fonte: Sousa (1999)
Aqui, o professor é executor. É treinado para ministrar uma
Matemática Moderna que, muitas vezes, desconhece (SOUSA, 1999). O
ensino é memorístico, focado nos guias curriculares e nos livros didáticos.
Ao professor e aos estudantes coube apenas fazer operações com conjuntos
e decorar as fórmulas, uma vez que, embora o currículo tenha sido orienta-
do pela Teoria dos Conjuntos, a “vedete” do ensino dessa época é a álgebra.
Especicamente no Estado de São Paulo, o currículo da
Matemática Moderna vai ser revisto na década de 80, quando pela pri-
meira vez no Brasil, os professores são chamados a pensar o currículo que
tinha como eixo a Resolução de Problemas. A álgebra deixa de ser o foco e
transita nos três temas: Número, Medidas e Geometria, a partir do deno-
minado “cálculo literal”.
Há de se considerar, ainda, que, nesta abordagem, a História da
Matemática aparece timidamente.


18
Percebe-se uma mudança muito drástica entre o currículo origi-
nado durante o Movimento Matemática Moderna e o currículo proposto
pelo estado de São Paulo. Faz-se necessário formar o professor para dar
conta de ensinar as ideias que norteiam o novo currículo. É então que, ao
invés de guias curriculares, os professores são convidados a conhecer os ca-
dernos denominados “Atividades Matemáticas”, destinados aos professores
que lecionavam Matemática nas séries iniciais e os cadernos denominados
“Experiências Matemáticas”, destinados àqueles que lecionavam de quinta
a oitava séries.
Nesse contexto, há preocupações da Coordenadoria de Estudos e
Normas Pedagógicas (CENP) em avaliar as atividades antes de serem pu-
blicadas ocialmente. As atividades são pensadas por especialistas e desen-
volvidas em salas de aulas, selecionadas pelas antigas Diretorias Regionais
de Ensino (SOUSA, 1999).
Há de se destacar que, apesar de o currículo do Estado de São
Paulo nos anos 1980, ser planejado pelos especialistas e contar com as
reexões da comunidade de professores das escolas da Educação Básica
que ensinam Matemática, no que diz respeito à elaboração de atividades
de ensino, os saberes dos professores são ignorados, uma vez que coube a
estes prossionais apenas a aplicação de tais atividades. O especialista tem
controle de todo o processo de elaboração e implementação do currículo.
Coube a ele determinar quais atividades deveriam ser publicadas e que
frequentariam as salas de aulas de todo o estado de São Paulo.
É nos anos 90 que percebemos preocupações, em âmbito nacio-
nal, em rever os currículos brasileiros. Lorenzato e Vila (1993) armam
que a Matemática recomendável para o Século XXI deverá propiciar um
ensino em que os estudantes possam:
revelar uma perfeita compreensão dos conceitos e princípios mate-
máticos; raciocinar claramente e comunicar efetivamente ideias ma-
temáticas; reconhecer aplicações matemáticas no mundo ao seu redor
e abordar problemas matemáticos com segurança (LORENZATO;
VILA, 1993, p. 41-42).
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
19
Destacam ainda que há doze “Áreas de Habilidades Básicas
(LORENZATO; VILA, 1993) que deverão ser dominadas pelos estudan-
tes da Educação Básica, conforme mostra o Quadro 2:
Quadro 2. As 12 “áreas de habilidades básicas” propostas por Lorenzato e
Vila (1993).
Resolução de Problemas Habilidades apropriadas de cálculo
Raciocínio matemático Raciocínio algébrico
Comunicação de ideias matemáticas Medidas
Aplicação da Matemática a situações da vida cotidiana Geometria
Atenção para com a “razoabilidade” dos resultados Estatística
Estimação Probabilidade
Fonte: elaboração própria.
Nesta nova proposta o professor é convidado a pesquisar o ensino
que teoriza e o ensino de matemática parece que ca mais próximo das ques-
tões sociais. Podemos constatar que essas ideias vão nortear os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), publicados no nal dos anos 1990.
O eixo organizador do processo ensino e aprendizagem, explici-
tado no currículo dos anos 1990 é a Resolução de Problemas. Os elabora-
dores dos PCNs se preocupam em denir no documento os seguintes con-
ceitos: situação problema; problema; resolução de problemas e conceito
matemático, conforme mostra o Quadro 3:
Quadro 3. Conceitos e respectivas denições relacionados à proposta o-
cial para o ensino de Matemática no Brasil.
Situação problema É o ponto de partida da atividade matemática e não a denição.
Problema
Certamente não é um exercício em que o aluno aplica, de forma quase
mecânica, uma fórmula ou um processo operatório.
Resolução de
Problemas
Se assemelha ao desenvolvimento da História da Matemática;
Não é uma atividade para ser desenvolvida em paralelo ou como aplicação
da aprendizagem, mas uma orientação para a aprendizagem
Conceito
matemático
Se constrói articulado com outros conceitos, por meio de uma série de
reticações e generalizações
Fonte: Elaboração própria


20
Entendemos que estas ideias que norteiam os currículos esco-
lares brasileiros, desde o nal dos anos 1990, presentes nos Parâmetros
Curriculares Nacionais, ainda não consideram os nexos conceituais da arit-
mética, álgebra e geometria, ou ainda elos lógicos e históricos que ligam os
conceitos matemáticos, apesar da História da Matemática ser indicada no
documento ocial como Metodologia de Ensino.
O QUE VEM A SER O CONCEITO DE LÓGICO-HISTÓRICO?
O conceito de lógico-histórico foi denido por Kopnin (1978)
como forma de pensamento e, em nossos estudos a partir de 2004, temos
defendido que o lógico-histórico pode se congurar como perspectiva di-
dática a partir da elaboração de atividades de ensino de Matemática que
considerem os nexos conceituais da Aritmética, Álgebra e Geometria.
Neste item, temos como intenção apresentar a denição mais ge-
ral do que vem a ser o lógico-histórico, fundamentação teórica tanto de
algumas pesquisas que estão sob a nossa orientação, quanto das atividades
de ensino propostas por Lima e Moisés (1998) e elaboradas por nós. As
atividades de ensino a que estamos nos referindo são analisadas com os
licenciandos e professores que ensinam Matemática, nas disciplinas que
ministramos na graduação e em projetos de extensão.
Os elementos constitutivos do lógico-histórico estão diretamente
relacionados aos conceitos de: totalidade, realidade, práxis, movimento,
uência, interdependência, mutabilidade, imutabilidade, momentos de
permanência, relatividade, lógica, história, processo, conhecimento e pen-
samento; e das categorias: concreto e abstrato, conceito, juízo e dedução
estudados por Kopnin (1978) e Kosik (2002) no que diz respeito à teoria
materialista do conhecimento.
Tendo como referência essa teoria, constatamos que Caraça
(1998) estuda o desenvolvimento dos conceitos matemáticos, ao passo que
Bohm (1980) estuda o desenvolvimento do conceito de matéria e Davydov
(1982) o desenvolvimento do pensamento teórico.
Assim, ao estudarmos esses elementos, percebemos que o lógico-
-histórico do pensamento humano é, há algum tempo, objeto de estudo
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
21
de lósofos, matemáticos, psicólogos e por que não dizer, de todos aqueles
que de alguma forma se preocupam com o conhecimento e com o “como
o homem entende, em sua subjetividade, tudo aquilo que “apreende
(KOPNIN, 1978; BOHM, 1980; KOSIK, 2002) da realidade que con-
tém leis objetivas, elaboradas no ato da atividade cognitiva de si próprio.
Segundo Kopnin (1978, p. 53), “uma vez apreendidas, as leis do
mundo objetivo se convertem em leis do pensamento, e todas as leis do
pensamento são leis representadas do mundo objetivo”.
Dessa forma, “o mundo objetivo e suas leis interessam ao ho-
mem, não por si mesmos, mas como meio de satisfação de determinadas
necessidades sociais” (KOPNIN, 1978, p. 61). Por isso mesmo, as leis são
mutáveis quanto às necessidades sociais. Não são leis como entende a me-
tafísica, algo determinista e imanente ao ser.
O pensamento humano busca formas que possibilitem a trans-
formação contínua da realidade através de seu trabalho físico e intelectual
durante a sua pequena trajetória ou viagem no universo, trajetória que
designamos pelo nome de vida.
Entender o lógico-histórico da vida signica entender a relação
existente entre a mutabilidade e a imutabilidade das coisas; a relatividade
existente entre o pensamento humano e a realidade da vida, bem como
compreender que tanto o lógico como o histórico da vida estão inseridos
na lei universal, que é o movimento.
Assim, compreender o lógico-histórico da vida é compreender
que todo conhecimento contém angústias, medos, aições, ousadias, ines-
perados, novas qualidades, conitos entre o velho e o novo, entre o passado
e o futuro. É compreender que a totalidade do conhecimento é o próprio
movimento da realidade objetiva que sempre estará por vir a ser.
O LÓGICO-HISTÓRICO NO ENSINO DE MATEMÁTICA
Os estudos de Renshaw (1999) sobre o currículo elementar de
matemática consideram os trabalhos de Vygotsky e Davydov. Mostram que
toda a atividade humana está contextualizada em “um particular contexto
histórico, cultural e institucional” e que ao implementarmos um currículo,


22
seria interessante considerar as análises: lógica, psicológica e didática, pro-
postas por Davydov (RENSHAW, 1999, p. 10).
Renshaw (1999) entende que do ponto de vista da lógica, Davydov
(1982) mostra que é possível estabelecer os conceitos fundamentais da ma-
temática, que podem ser usados como uma base para o desenvolvimento
conceitual subsequente. Quando trata da análise psicológica arma que esta
é necessária para que possamos estabelecer “as capacidades das crianças – o
seu desenvolvimento, tanto das funções mentais inferiores como das supe-
riores – que poderia ser aplicada para apreender os conceitos matemáticos
fundamentais” ao passo que “a análise didática é necessária para criar proce-
dimentos de ensino, poderosos o bastante para construir conexões entre os
conceitos cientícos (quer dizer, os conceitos matemáticos fundamentais) e
os conceitos cotidianos do estudante” (RENSHAW, 1999, p. 3).
A partir de relações entre quantidades, Renshaw (1999) apresenta
experiências pedagógicas”, que se iniciam com as crianças elaborando “ju-
ízos quantitativos simples de objetos concretos” e terminam com as crian-
ças “usando notação algébrica para representar relações quantitativas de
uma maneira abstrata e generalizada” (RENSHAW, 1999, p. 4).
Para tanto, o pesquisador sugere os estudos de Davydov, pois tais
estudos consideram o processo que se dá entre os conceitos cotidianos e
os conceitos cientícos. Não se constrói processo pedagógico sem a cons-
trução dessas conexões. Não há como ocorrer apropriação de conceitos
cientícos de forma automática.
Assim como o estudo de Renshaw (1999), defendemos que os
conceitos matemáticos desenvolvidos no contexto da sala de aula podem
ser entendidos como uma experiência pedagógica em que é possível ana-
lisar o movimento do pensamento aritmético, geométrico e algébrico sob
dois pontos de vista da dialética lógico-histórica: forma de pensamento e
perspectiva didática.
O ponto de partida das atividades de ensino de Matemática de-
veria considerar os movimentos regulares e irregulares que se apresentam
no cotidiano dos professores-estudantes e o ponto de chegada considerar
os conceitos cientícos. Aqui, o conceito de movimento está atrelado à
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
23
uência (CARAÇA, 1998), uma vez que na vida não existe o estático, o
pronto e o acabado. Há sempre um devir, um vir a ser.
Entendemos que, a partir da análise dos movimentos que estão
em nosso cotidiano, é possível, juntamente com os professores que leciona-
rão Matemática na Educação Básica, construir linguagem e pensamentos
aritméticos-algébricos-geométricos.
Para que possamos atingir a nossa intencionalidade, a de cons-
truir pensamento e linguagem com os professores, a partir da perspectiva
lógico-histórica, desde 2004 estamos estudando e elaborando atividades de
ensino que se fundamentam no movimento lógico-histórico da aritmética,
álgebra e geometria, de forma que estas propiciem aos estudantes o estudo
de movimentos a partir da linguagem comum, do senso comum, para que,
através do pensamento exível, possamos elaborar linguagem e pensamen-
tos aritméticos, algébricos e geométricos.
Do ponto de vista do pensar aritmético, algébrico e geométrico en-
tendemos ser necessário estudar os nexos internos que zeram com que esses
conceitos, ensinados em nossas escolas, chegassem ao renamento atual.
Para isso, levamos em conta a Teoria de Conhecimento elaborada
por Kopnin (1978), os estudos de Davydov (1982) sobre a generalização
no ensino e dos teóricos que veem na história a possibilidade de entendi-
mento dos nexos conceituais que compõem o movimento do pensar hu-
mano, dentre eles, a Matemática simbólica.
Kopnin (1978) e Davydov (1982) convergem para o mesmo
sentido. Armam que a lógica de determinado conhecimento se constitui
histórica. Portanto, ca muito difícil se referir ao conhecimento humano,
sem considerar o desenvolvimento lógico-histórico que se apresenta nos
conceitos lógico-formais. De modo geral, o lógico-histórico no ensino di-
ário não é considerado.
Temos como intenção, quando tratamos da perspecti-
va lógico-histórica para o ensino de Matemática, relacionar Teoria de
Conhecimento, Psicologia e Didática, a partir da perspectiva histórico-
-cultural. Para tanto, buscamos os estudos de Davydov (1982), conforme
mostra o esquema na Figura 1.


24
Pensamento teóricoPensamento empírico
História do conceito
Lógico-histórico
enquanto forma de
pensamento
Revela:
Transições
Movimento
Desenvolvimento
Pensar dialético
Figura 1: Representação esquemática dopensar dialético e seus desdobra-
mentos nos campos empírico e teórico.
Fonte: elaboração própria.
Renshaw (1999, p. 3) arma que assim como Vygotsky, Davydov
se preocupou “com as mudanças subjetivas no indivíduo, produzidas pela
apropriação” de ferramentas culturais consideradas como “meios de media-
ção” e que têm o poder de transformar “a relação do sujeito individual com
o mundo social e físico”. Davydov (1982) argumentava que “a atividade
educacional não é dirigida principalmente à aquisição de conhecimento,
mas à mudança e ao enriquecimento do indivíduo”. Aqui, o autor nos
aponta que, a aquisição do conhecimento pelo conhecimento não pode
ser considerada uma atividade que promova a transformação e a aquisição
do conhecimento pelo sujeito. Faz-se necessário criar práticas pedagógicas
particulares onde os indivíduos possam conectar os conceitos cotidianos e
os conceitos matemáticos ou cientícos.
Ao tratar dos diversos tipos de generalização no ensino, Davydov
(1982) aponta algumas rupturas existentes entre o ensino escolar dos con-
ceitos e sua procedência. Há rupturas entre o pensamento teórico que se
quer ensinar e sua procedência, sua gênese, sua história constituída pela hu-
manidade, formalmente quando se ignora o lógico-histórico do conteúdo.
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
25
O tipo de pensamento que se projeta no sistema de ensino base-
ado na psicologia pedagógica e na didática tradicionais se fundamenta tão
somente no pensamento empírico e no pensamento teórico. Nesse tipo de
ensino, sugere-se que, a partir das sensações, as crianças elaborem pensa-
mento teórico.
De modo geral, na maioria das salas de aula, o ponto de partida
do conhecimento é a manipulação e a experimentação dos objetos e o pon-
to de chegada do conhecimento é o lógico-formal dos conceitos estudados.
Nesse contexto de ensino ca muito difícil para professores e es-
tudantes se apropriarem do conhecimento cientíco ou matemático e fazer
conexões com os movimentos de suas vidas. O importante aqui não é o
processo, mas sim o resultado, uma vez que é no processo que há erros e
acertos. Falta aqui o pensamento exível. Há na sala de aula a predomi-
nância de um ensino que prima pelo treino das equações, inequações e
funções, por exemplo.
A principal característica do pensamento empírico, arma
Davydov (1982), fundamentado em Kopnin (1978), está no fato de que
este consiste no reexo dos objetos, desde a ótica de suas manifestações e
vínculos externos, exequíveis e acessíveis à percepção, contrapondo-se ao
pensamento teórico que reete os nexos internos
3
dos objetos e as leis de
seu movimento. Os nexos internos dos objetos só se realizam em movi-
mento. Os nexos internos dos objetos representam o processo.
Queremos aqui evocar o exemplo do estudo do conceito de ân-
gulo feito nas escolas.
O pensamento empírico de ângulo é o que relaciona suas carac-
terísticas perceptíveis como: a classicação dos ângulos relativa ao ângulo
reto; a classicação de ângulos de uma gura plana etc. Essa abordagem
não permite a generalização do conceito de ângulo.
Já o pensamento teórico de ângulo abrange estes aspectos per-
ceptíveis de representação de ângulos, mas também a ideia de movimento
relativo relacionado a ângulo, ângulo como posição, como medição de
distância, como equilíbrio, como projeção, etc. Percebemos que há certa
3
Nexos internos: são “elos” construídos historicamente que unem os conceitos. Na álgebra, por exemplo,
alguns nexos internos são: uência, interdependência, campo numérico e variável.


26
pobreza de raciocínio na abordagem empírica que a didática tradicional
desenvolve.
Há de se ressaltar que, ainda que os pensamentos empírico e teó-
rico advenham da atividade prática objetiva, produtiva, através do trabalho
humano, o qual deve ser entendido como base do pensamento humano.
Todas as formas do pensamento se constituem e funcionam “dentro dos
modos historicamente formados dessa atividade, transformadora da natu-
reza” (DAVYDOV, 1982, p. 280).
A leitura de Davydov (1982, p. 280) sobre os estudos de Engels
faz com que arme que “a base imediata e essencial do pensar humano é
precisamente a modicação da natureza pelo homem e não a natureza mes-
ma como tal. O homem desenvolve-se à medida que aprende a modicar
a natureza”.
No processo de trabalho faz-se necessário que o homem não leve
em conta apenas “as propriedades externas do objeto. Deve considerar,
também, a medida de seu ‘rompimento’: tais conexões internas, cuja con-
sideração permite modicar sua forma e atributos e fazê-los passar de um
estado a outro” (DAVYDOV, 1982, p. 280).
Davydov (1982) arma ainda que psicologia pedagógica tradicio-
nal não expressa a especicidade do pensar humano nem tampouco carac-
teriza o processo generalizador e formativo de conceitos, intrinsecamente
relacionado com a investigação da própria natureza deles mesmos e tem
como consequência disso, o fato de que o ensino dos conceitos na escola se
efetua desvinculado de sua procedência.
Dessa forma ignora-se na escola tudo o que permite conhecer a
gênese e a natureza dos conceitos por não estar em consonância com as
suas possibilidades. A escola se limita a descrever o pensamento empírico-
-discursivo, em que a racionalidade é o elemento inevitável presente nas
formas mais desenvolvidas do pensamento, dotando de consistência e cer-
teza os conceitos.
Essa tendência presente nas práticas escolares leva a várias conse-
quências negativas e a principal delas está no fato de que já na idade escolar
cristalizam-se nos estudantes os componentes “do pensamento racional”, a
partir do pensamento empírico.
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
27
Entendemos que, geralmente, nas escolas o ponto de partida é o
pensamento empírico-discursivo e o de chegada é o pensamento teórico.
Muitas vezes, o estudante manipula um determinado material didático,
sob a orientação do professor com o intuito de, automaticamente, apren-
der uma fórmula, ou ainda obter certo pensamento teórico, sobretudo no
que diz respeito às aulas de matemática, física e biologia.
As práticas que temos no sistema escolar fazem com que os es-
tudos dos fundamentos da ciência e a presença de métodos de ensino dos
mesmos sejam vistos numa ótica de perfeição, criando por si só uma série
de condições objetivas para formar nos escolares o pensamento teórico.
Essa constatação faz com que as crianças não captem tanto a con-
traposição como a unidade, por exemplo, do fenômeno e da substância,
da causa e do efeito, de atributos isolados do objeto e da integridade dos
mesmos.
O professor, ao seguir tais normas, não pode, muitas vezes, des-
tacar e consolidar em tempo nas crianças, os singulares movimentos do
pensar, nas denições contrapostas.
Os métodos de ensino adotados não podem superar a esponta-
neidade na formação do pensar teórico das crianças, resultado inevitável
do qual é o muito diverso nível e qualidade de sua integração real em uns
ou outros estudantes.
As crianças saem da escola com a impressão de que os conceitos
cientícos que aparecem nos livros didáticos de forma linear, sem hesi-
tação, estão prontos e acabados, são imutáveis, bastando-se a si mesmos.
Aqui o conhecimento cientíco não tem história. É algo sem história, a-
-histórico, porque desaparece a atividade humana, desaparece a contribui-
ção cultural dos povos em sua elaboração (CARAÇA, 1998).
Poucas crianças, as mais aptas, segundo os estudos de Krutetsky
(1977), no que tange à matemática, conseguem fazer generalizações. Para a
maioria dessas crianças, a generalização está relacionada com um longo pro-
cesso comparativo de fatos similares e a associação gradual dos mesmos em
certa classe ou operações do tipo discursivo empírico (DAVYDOV, 1982).
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
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Se a escola não orienta a formação do pensamento teórico, a
partir de considerações históricas, losócas que integram o pensamento
exível, ao insistir numa didática empírica de matemática que tem por ob-
jetivo a apreensão das teorias pelos estudantes, continuaremos a assistir ao
fenômeno de seletividade: uma minoria reduzida entendendo matemática.
Ou ainda, uma pequena minoria, por exemplo, ao manipular um deter-
minado material, automaticamente vai fazer relação com uma fórmula de
uma determinada equação.
Quando se exige que se mantenha o dito conteúdo somos con-
duzidos ao empirismo, que por sua vez exalta as percepções na forma de
representações e leis gerais sem poder atribuir-lhes nenhuma transcendên-
cia, salvo a de que se contém e justica na percepção.
Nos trabalhos de Davydov (1982) se considera o entendimento
de Hegel sobre o estudo inicial das ciências e para as atividades cotidianas.
Faz-se necessário ter como característica o “modo de pensar ingênuo”, que
reproduz o conteúdo das sensações e da contemplação, sem tomar ainda
consciência “da contraposição do pensamento dentro de si e a si mesmo”,
sem reexão interna.
A separação (análise) dos atributos “concrescentes” no mesmo
objeto perceptível induz o passar da percepção direta ao pensamento e dá
a esses atributos (denições) a forma de generalidade. O empirismo deixa
ao pensamento “só a abstração, a generalidade formal e a identidade”, mas
trata de reter nelas o mutável conteúdo concreto da contemplação, recor-
rendo às suas variadas “denições” diretas e baseando-se nas representações.
As características do raciocínio que descrevemos se apresentam
no pensamento empírico (discursivo-empírico), cuja função principal con-
siste em classicar os objetos e estruturar um esquema estável de “índices”.
Esse tipo de pensamento tem dois caminhos: um “de baixo pra
cima” e outro “de cima para baixo”.
O primeiro se baseia na abstração (conceito) do formalmente ge-
ral, em que sua substância não pode expressar em forma mental o conteú-
do especicamente concreto do objeto, ao passo que no segundo caminho,
o “de cima para baixo”, essa abstração vem saturada de imagens grácas do
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
29
objeto correspondente, não como estrutura mental e sim como combina-
ção de descrições ilustrativas e exemplos concretos da mesma.
Davydov (1982), fundamentado em Hegel, considera ainda que
o pensamento é antes de tudo, pensar discursivo, não se detendo, contudo,
nisso. Nem o conceito é tampouco mera denição de raciocínio.
Para ultrapassar os marcos do pensar discursivo faz-se necessário
considerar a obra do pensamento racional ou dialético, o qual descobre no
objeto sua autenticidade como ente concreto, como unidade das diferentes
denições, que o raciocínio tem por verdadeiras em sua individualização,
pois algo especulativo e abstrato é também, por sua vez, algo concreto, já
que não se trata de unidade simples e formal e sim de unidade de deni-
ções diferenciadas (princípio da dialética).
O pensar dialético revela transições, o movimento e o desenvol-
vimento. Ao considerá-la podemos estimar as coisas “em si e para si, ou
seja, de acordo com sua própria natureza”, onde radica o autêntico valor
do pensamento dialético para a ciência. A lógica formal tradicional (lógica
corrente) não reconhece os métodos do pensamento discursivo e sim o
pensamento racional.
Há de se ressaltar que o processo constitutivo das formas de pen-
samento contém:
1. O processo objetivo da atividade humana;
2. O movimento da civilização humana e da sociedade como autêntico
sujeito do pensamento.
Vale ressaltar que as debilidades fundamentais da psicologia in-
fantil e pedagógica tradicionais estão radicadas na não consideração do
pensamento do indivíduo como uma função historicamente desenvolvida
do “autêntico sujeito” da mesma, assimilada por aquele.
Ao analisarmos a psicologia tradicional, percebemos a impotên-
cia do psicólogo “para compreender a ontogênese do pensamento cientí-
co, sem saber os valores essenciais de sua logênese. O conhecimento de
cujas regularidades requer sair do domínio da lógica histórica-objetiva”.
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
30
Essa lógica orienta corretamente as investigações psicológicas do processo
formativo do pensamento nas crianças (DAVYDOV, 1982, p. 279).
Para se aperfeiçoar a instrução e entrar em consonância com os
conhecimentos cientíco-técnicos deste século, supõe-se mudar o tipo de
pensar projetado no sistema docente, aconselha Davydov (1982). Segundo
o autor, o pensamento teórico, dialético, há de ser o novo “modelo”.
Ao se criar esse novo modelo faz-se necessário estudar, no míni-
mo, tarefas cientícas de três níveis:
1. Uma minuciosa descrição lógico-gnosiológica do conteúdo, das for-
mas e regularidades do pensamento dialético e de seu alcance atual;
2. A análise dos mecanismos psicológicos formativos desse tipo de pensar
nos escolares e a descrição da atividade das crianças que lhes permitam
aplicar-se aos meios fundamentais do pensamento teórico;
3. Criar manuais didático-metodológicos mediante os quais os alunos
possam – ao estudar determinado sistema de conceitos – dominar as
bases do pensamento teórico e de seus componentes.
4. Cada um desses três níveis tem sua problemática especial, mas todos
estão inter-relacionados.
Estamos nos propondo em nossas pesquisas estudar aspectos dos
níveis 1 e 3, do que Davydov (1982) denomina de tarefa cientíca, a partir
de atividades de ensino de Matemática que articulem os nexos internos dos
pensamentos numéricos e geométricos, por exemplo, de forma que possamos
construir com os professores e estudantes pensamentos algébrico, geométrico e
aritmético, através de uma minuciosa descrição lógico-histórica do conteúdo,
das formas e regularidades do pensamento dialético e de seu alcance atual.
Dessa forma, estamos propondo que os professores, ao constru-
írem pensamento algébrico com estudantes do Ensino Fundamental, lan-
cem mão do lógico-histórico algébrico enquanto ações pedagógicas, que
envolve o desenvolvimento do conceito de variável, historicamente cons-
truído, conforme descrevem os esquemas na Figura 2 (a; b) e na Figura 3
4
.
4
No contexto lógico-histórico do pensamento algébrico há de se considerar a álgebra não simbólica e a álgebra
simbólica. A álgebra não simbólica envolve o lógico-histórico das variáveis: palavra, gura e uma certa mistura
entre palavra e gura, denominada de sincopação. A variável letra fundamenta a álgebra simbólica. O uso da
letra representou uma nova álgebra. No contexto da álgebra palavras como, “ahá”, “coisa” representavam valores
desconhecidos, porém, fazem parte da álgebra não simbólica.
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
31
Figura 2.
A)
B)
Retórica
Sincopada
Geométrica
Simbólica
Estágios/classes de desenvolvimento
(da linguagem algébrica)
Conceito de variável historicamente
construído
(enquanto escrita de movimentos)
Criação da ideia de fluência
Palavra
Figura
Letra
Não
Simbólica
Não
Simbólica
LÓGICO-HISTÓRICO
ESTÁGIOS/CLASSES DE
DESENVOLVIMENTO DA
LINGUAGEM ALGÉBRICA
IDEIA DE FLUÊNCIA
CONCEITO DE VARIÁVEL
Figura 2 - Elementos que compõem a álgebra
Fonte: adaptada de Sousa (2004).
Consideramos que os nexos conceituais do pensamento algébrico
envolvem: os conceitos de movimento, materializados nas variações quan-
titativas, destacando-se a variável palavra, a variável gura e a variável letra.
A TOTALIDADE DA ÁLGEBRA É CONSTITUÍDA
PELOS CONCEITOS DE:
NÚMERO
PALAVRA VIR A SER FIGURA
LETRA
LÓGICO-HISTÓRICO
considera-se
LÓGICO-HISTÓRICO
Figura3: Conceitos que constituem a totalidade da álgebra
Fonte: adaptada de Sousa (2004).
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Em relação aos nexos conceituais da Aritmética e da Geometria,
zemos uma síntese nos esquemas abaixo (Figura 4 e Figura 5), a partir dos
estudos de Lima (1998):
PRIMEIRO CONCEITO NUMÉRICO
NUMERAL OBJETO
OBJETOS DO AMBIENTE
CORRESPONDÊNCIA BIUVOCA
INSTRUMENTAL
CONCRETO
ELEMENTO DE
RACIONALIDADE
CONTAGEM
Fonte: adaptada de Lima (1998).
Figura 4: Nexos conceituais da Aritmética
Fonte: adaptada de Lima (1998).
Ao defendermos um ensino que considere os nexos conceituais
da Matemática, estamos propondo um pensar dialético entre História da
Matemática-Resolução de Problemas.
Composição
Espo
Três dimensões
Plano
Duas dimensões
Linha
Uma dimensão
Decomposição
Figura 5: Nexos conceituais da Geometria
Fonte: adaptada de Lima (1998).
Neste sentido, a História da Matemática assume o papel de elo
entre a causalidade dos fatos e a possibilidade de criação de novas deni-
bilidades do conceito que permitam compreender a realidade estudada.
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
33
É nexo conceitual entre o pensamento empírico-discursivo e pensamento
teórico, estudados por Davydov (1982).
A Resolução de Problemas tem identidade entre o conceito mate-
mático e o movimento histórico de sua criação. É Metodologia de Ensino
que desencadeia a busca de entendimento do conceito. Tem intenciona-
lidade da ação pedagógica, uma vez que o problema está em movimento.
AS ATIVIDADES DE ENSINO NA PERSPECTIVA LÓGICO-HISTÓRICA
As ideias que apresentamos até o momento, com enfoque na
perspectiva lógico-histórica, estão presentes na denominada “Pedagogia
Conceitual”, que se contrapõe à Pedagogia do Treinamento.
A Pedagogia Conceitual (LANNER DE MOURA et al., 2003)
tem como pressuposto que ensinar matemática é realizar um encontro pe-
dagógico com o conceito, de forma que professores e estudantes compo-
nham um movimento afetivo de entendimento de si mesmos, das coisas e
dos outros, ao (re)criarem os conceitos cientícos em suas subjetividades.
A partir desse pressuposto, entende-se que o movimento afetivo
se constitui na sala de aula quando educador-aluno-conceito mantém-se
sob a “tensão criativa” do desenvolvimento conceitual, ao problematizarem
os nexos conceituais dos conteúdos estudados, a partir da dinâmica rela-
cional indivíduo-grupo-classe.
Assim, enquanto a Pedagogia do Treinamento se preocupa com o
indivíduo produtivo necessário à mecanização das forças produtivas e incorpo-
ra os mecanismos da repetição das formas abstratas dos conceitos cientícos:
a) trabalho enxuto, b) ênfase no fazer e c) redução do humano à máquina, a
Pedagogia Conceitual se preocupa com o indivíduo produtivo e criativo, bem
como com o desenvolvimento da inteligência e o emocional e incorpora a di-
nâmica de criação e desenvolvimento do conceito (LIMA, 1998):
1. Trabalho construtivo e criativo;
2. Saber fazer e saber pensar e
3. Integração do intelecto e do emocional no ser humano.
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34
Assim, na Pedagogia do Treinamento, o pensamento e o conhe-
cimento são fragmentados, ao passo que na Pedagogia Conceitual o pen-
samento dialoga com o conhecimento lógico, criativo, imaginativo, social,
cultural e afetivo.
A Pedagogia Conceitual considera cinco momentos (LIMA,
1998), a saber: 1) Desconhecimento; 2) Autolocalização; 3) Tensão criati-
va; 4) Reordenação lógica e 5) Construção do conceito.
Lanner de Moura et al. (2003) denem o conceito como forma
do movimento do pensamento, que objetiva, mediante a explicação pela
linguagem lógica, a atividade do ser humano sobre a realidade em que,
pelas condições do vir a ser, está inserido e se insere.
Ao mesmo tempo, a partir de Leontiev (1983), consideram a ati-
vidade como movimento de abstrair o resultado de ações antes mesmo
de realizá-las, ações essas provocadas por necessidades reais, advindas da
interação do homem com o meio, pela condição de nele viver. Os proces-
sos de formação da necessidade que se apresentam em nosso meio e que
constituem a atividade mostram que o homem aprendeu a pensar, criando,
historicamente, conceitos (KOPNIN, 1978). A necessidade é a mola pro-
pulsora que motiva a humanidade a elaborar atividades enquanto constrói
os diversos conceitos que se apresentam em nossas vidas (LANNER DE
MOURA et al., 2003).
Considerando que a denição mais geral da atividade tem por
princípio mover os sujeitos a se entenderem e a entenderem a realidade
mutante enquanto criam conceitos, no âmbito do ensino tal atividade deve
permitir aos professores e estudantes pensarem sobre os conceitos cientí-
cos ensinados e aprendidos, os quais foram e são historicamente construí-
dos pelos homens das mais diversas civilizações.
As atividades aí elaboradas na e para a sala de aula, denomi-
nadas atividades de ensino, devem, portanto, permitir aos envolvidos
no processo, aprender a pensar criando conceitos num movimento se-
melhante ao da dinâmica da criação conceitual na história do conceito
(LIMA; MOISÉS, 1997; 1998).
Isso não quer dizer que a Pedagogia Conceitual defende a ideia de
que o conceito cientíco deva ser novamente criado, seguindo uma certa
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
35
linearidade histórica de fatos, todos os dias, em nossas escolas. O conceito
que ensinamos é um construto social e já foi elaborado de forma lógica nos
diversos momentos da trajetória humana.
O pensamento teórico, então, é elaborado pela humanidade en-
quanto se permite conhecer, a partir do conhecimento cientíco. Nesse
sentido, a história deixa de ser factual e passa a ser compreendida como
possibilidade” (FREIRE, 1997) de entendimento do nosso próprio mo-
vimento de vir a ser; a partir da criação de conceitos. A história passa a ser
o elo entre a causalidade dos fatos e a possibilidade de criação de novas
denibilidades que permitam compreender a realidade estudada.
O mesmo vai acontecer com os nexos conceituais que podem ser
denidos como elos que ligam os pensamentos lógico e histórico; os pen-
samentos empírico e teórico; os conceitos matemáticos e o cotidiano, uma
vez que são exíveis porque têm movimentos diversos da vida.
A partir de Davydov (1982); Kopnin (1978); Caraça (1998) e
Kosik (2002), armamos que os nexos conceituais elaborados historica-
mente, por meio de denibilidades próprias de cada indivíduo ou ainda
de cada uma das civilizações, nos auxiliam a compreender a natureza do
conhecimento cientíco, ao mesmo tempo em que nos permite conhecer
a nós mesmos.
Assim, quando se trata de elaborar atividades de ensino, surgem
questões diversas:
1. Como elaborar atividades de ensino que possam formar professores
e estudantes de forma que os envolvidos possam pensar sobre o
lógico-histórico do conhecimento cientíco?
2. Como elaborar atividades de ensino de matemática que proporcionem
o surgimento de inesperados, de forma que os envolvidos possam com-
preender a realidade uente da vida a partir da totalidade?
3. Como as atividades de ensino podem se tornar orientadoras, de forma
que os envolvidos possam entender a realidade mutável a partir do co-
nhecimento cientíco, dentre eles o conhecimento matemático?
4. Como ensinar os conteúdos matemáticos, de forma que estes não se-
jam tão fragmentados a ponto de os estudantes acharem que aritméti-
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
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ca, álgebra e geometria são conceitos isolados que não têm nada a ver
com a totalidade da Matemática? Com a totalidade da vida?
Partimos do pressuposto de que para ser orientadora, a atividade
de ensino deve ser estruturada de forma que permita aos sujeitos interagi-
rem, mediados pelos conteúdos e enquanto negociam signicados, solu-
cionem situações-problemas coletivamente (MOURA, 1998; 2001).
Nas dinâmicas de interações e nas situações-problemas faz-se ne-
cessário o pensar sobre a totalidade do conhecimento cientíco e a relação
deste com os conteúdos especícos estudados. Nessa perspectiva, poderá
haver o surgimento de inesperados, pois estes surgem a partir de situações
conituosas.
As propostas curriculares, conforme já apontamos, enfatizam o
aspecto analítico e funcional dos conceitos matemáticos, pois priorizam
o aspecto simbólico da Matemática, o qual representa o último estágio de
rigor e de abstração do pensamento humano.
Pelo mesmo fato, as atividades de ensino são elaboradas priori-
zando-se o aspecto lógico-formal dos conceitos matemáticos. Aqui, a re-
lação lógico-formal se apresenta apenas na intencionalidade de se ensinar,
a partir de atividades, o rigor matemático como algo imutável, pronto e
acabado. Tanto estudantes quanto professores não o (re)constroem para si,
em sua subjetividade, na sala de aula.
A abordagem formalista presente no Movimento da Matemática
Moderna, mesmo depois de quase 50 anos, parece que se materializa
praticamente todos os dias em nossas escolas, no ensino dos conceitos
matemáticos.
Há nessa abordagem uma fragmentação. O conceito descola-se
de todo o movimento do pensamento que a compôs, dando a ideia a pro-
fessores e estudantes de que essa abordagem se sustenta por si mesma. É
como se os conceitos tivessem vida própria sem nenhuma relação com os
pensamentos aritmético, algébrico e geométrico. Há a descaracterização
do movimento do pensamento humano que a compôs. Perde-se a ideia de
uência presente nos conceitos que se quer ensinar.
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
37
Na Figura 6, o esquema apresentado sintetiza o conceito de ativi-
dade de ensino que estamos defendendo:
ATIVIDADE DE
ENSINO
PROCESSOS DE PROBLEMATIZAÇÃO DA NECESSIDADE
NECESSIDADE OBJETIVADA
CONCEITO
DEDUÇÃO
PROBLEMA
PERCEÃO
EMBLEMA
SENSAÇÃO
DILEMA
Figura 6: Representação esquemática de um conceito de atividade de ensino
Fonte: adaptada de Lima (1998).
UM EXEMPLO DE ATIVIDADE DE ENSINO: O QUE É UMA FUNÇÃO?
Para que licenciandos e professores que ensinam Matemática pos-
sam compreender melhor o que estamos denominando de atividade de
ensino, na perspectiva lógico-histórica, a partir da leitura do capítulo inti-
tulado “No reino das funções” de Karlson (1961), elaboramos a seguinte
atividade sobre o conceito de Função (SOUSA, 2009). Ressalta-se que esta
atividade tem frequentado as nossas aulas de Metodologia de Ensino, bem
como algumas salas de aula que contam com a participação dos estagiários
que estão sob nossa orientação (SOUSA, 2009):
I- Imagine a seguinte situação: O viajante na oresta põe um pé diante
do outro – e a cada passada o caminho por ele vencido se acresce de uma
nova porção. O trajeto guarda com o número de passos uma relação xa e
determinada.
Responda:
- Quais são as grandezas que envolvem a interdependência desse movimento?
- Qual a lei obedecida por esta interdependência? Expresse-a:
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
38
a partir de uma frase;
a partir da matemática simbólica
- Localize a variável dependente e a variável independente desse movimento.
II- Suponhamos que o viajante distraído que caminha pela oresta seja um
soldado em férias, que tem no sangue a cadência constante das marchas.
Se o comprimento do passo desse soldado vale 0,75m, como podería-
mos expressar a lei que rege o seu trajeto? Por quê?
Nesta situação, qual será o campo de variação dessa lei? Por quê?
Construa uma tabela com o trajeto possível do soldado.
Se não quisermos medir o trajeto pelo número de passos e sim pela
relação tempo e caminho percorrido, haverá mudanças na lei que esta-
belecemos anteriormente? Por quê?
E quanto ao campo de variação? Explique.
III- O caminhante prossegue em sua marcha com velocidade constante,
sem orientar o modo de andar pelo seu estado de ânimo. Suponhamos que
em um segundo o homem percorre 1x 1,5 metros; em dois, 2 x 1,5 metros;
em três, 3 x 1,5 metros e, assim por diante:
Como expressar a lei desse movimento?
Qual será o campo de variação?
Como representar esse movimento a partir de uma tabela?
Como dispor esses dados em um gráco?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos últimos 50 anos os currículos de Matemática brasileiros
sofreram algumas mudanças, porém, ao que parece, professores e estu-
dantes ainda sofrem as consequências das ideias que fundamentaram o
Movimento Matemática Moderna, em que o professor era mero executor
de propostas não pensadas por ele.
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
39
Ao mesmo tempo, em termos metodológicos há ainda resquícios
da Pedagogia do Treinamento. A Pedagogia Conceitual ainda não frequen-
ta boa parte das escolas, considerando-se que os nexos conceituais da arit-
mética, álgebra e geometria não frequentam a sala de aula, logo, as ativi-
dades de ensino de Matemática são formais e desconectadas da realidade e
não consideram os aspectos lógico-históricos dos conceitos matemáticos.
O lógico-histórico na sala de aula e, consequentemente, no currí-
culo de Matemática da Educação Básica, tem como principal função auxi-
liar o pensamento a movimentar-se no sentido de encontrar as verdades, a
partir de denibilidades próprias do conceito.
Aqui a história assume o papel de elo que liga a causalidade dos
fatos e a possibilidade de criação de novas denibilidades do conceito,
que permitam compreender a realidade estudada. Há a necessidade de se
elaborar juízos sobre os conceitos. Não se apresentam, aos estudantes, os
conceitos prontos e acabados. Convida-se o estudante a pensar sobre tais
conceitos.
Entendemos que as aulas de matemática devem ter como objeti-
vo convidar o estudante a humanizar-se pelo conhecimento matemático.
Devem permitir que haja um encontro afetivo com o conceito; no nosso
caso, com o conceito algébrico.
Ao fazermos tal armação estamos de braços dados com todos os
teóricos e pesquisadores, que defendem a ideia de que o formar-se homem
acontece desde o momento em que o pensamento começa a movimentar-
-se para entender o mundo na lida do dia-a-dia.
O entendimento do mundo e de nós mesmos, pelos conceitos
matemáticos permite-nos entrar em contato com a concreticidade e a abs-
tratividade dos conceitos.
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40
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42
43
C
 
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM PROCESSOS
DE EJA: ELEMENTOS PARA SUA FUNDAMENTAÇÃO
José Carlos Miguel
INTRODUÇÃO
Parecem consenso estabelecido as crescentes exigências educativas
da sociedade contemp
orânea, o que impõe às pessoas a imperiosidade do do-
mínio de instrumentos da cultura letrada, o acompanhamento adequado do
desenvolvimento tecnológico e a compreensão dos meios de comunicação de
modo a atualizar-se frente à complexidade do mundo do trabalho.
Também aceita é a ideia de que o pensamento matemático deve
contribuir para a consolidação do processo de letramento, isto é, o conhe-
cimento matemático deve ser reconhecido como componente de alfabeti-
zação, sem o que não há que se falar em inserção no mundo da leitura e
da escrita, dada a sua amplitude na atual realidade. Partindo desse modo
de pensar, o presente estudo tem por objetivo principal analisar algumas
heurísticas desenvolvidas por alunos da educação de jovens e adultos (EJA)
em processo de aprendizagem matemática, bem como analisar o papel
exercido pelo professor como mediador da ação pedagógica. Vale-se da
análise documental, de depoimentos de alunos e professores e da reexão
sobre situações de sala de aula para fundamentação das discussões e das
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-760-9.p43-62


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conclusões. Situa-se, então, no contexto teórico-metodológico da pesquisa
colaborativa e da teoria histórico-cultural.
A efetividade de uma proposta de difusão do conhecimento se
consolida quando validada pelas práticas sociais em suas diversas instân-
cias. No caso da educação de jovens e adultos (EJA) impõe considerar que
vivemos um tempo no qual é imperativa a discussão sobre o lugar e o sig-
nicado das competências e habilidades exigidas das pessoas para atuar no
que se logrou denominar de sociedade do conhecimento.
Também parece consenso estabelecido que nessa sociedade não se
aprende apenas na escola. Os jovens e adultos chegam às salas de EJA reali-
zando estimativas e desenvolvendo formas interessantes de cálculo mental,
embora tenham muitas diculdades para formalização dos raciocínios. Por
isso, uma proposta de educação matemática de jovens e adultos deve ter
como ponto de partida a criação de um ambiente de aprendizagem no qual
a intersubjetividade e a dialogicidade sejam os seus principais caracteres. A
análise dessas heurísticas e das implicações para a criação desse ambiente é,
então, o principal objetivo desse estudo. Trata-se de pensar a Matemática
como uma linguagem, isto é, como componente de alfabetização. Mas é pre-
ciso pensar, também, nos aspectos relativos ao uso social amplo do conheci-
mento matemático, ou seja, numa perspectiva de letramento/numeramento.
É fato que a argumentação sobre o problema das competências
resulta de forte pressão social sobre a escola para que a formação de nossos
alunos contemple o desenvolvimento de outras formas de pensar, indo
muito além do caráter pragmático e utilitarista do qual a educação, por sua
própria natureza, se reveste. Sem dúvida, o contexto em que se dá a comu-
nicação inuencia a aprendizagem. Sob o nosso ponto de vista, comunica-
ção envolve linguagem (linguagem oral ou escrita, linguagem matemática
ou linguagem textual), interações e signicados de aprendizagem.
Charlot (2005) considera que ensinar não é apenas transmitir co-
nhecimentos; ensinar também signica humanizar, socializar e contribuir
para o desenvolvimento da potencialidade humana. O seu modo de pensar
sugere que a atividade do sujeito exige reciprocidade, isto é, educador e edu-
candos são sujeitos ativos e é necessário compreender que é “o aluno que
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
45
deve aprender e que não se pode aprender em seu lugar. Mas isso supõe que
o aluno entre em uma atividade intelectual” (CHARLOT, 2005, p. 84).
No caso da Matemática, alunos adultos conseguem, muitas vezes,
resolver problemas “de cabeça”, ou seja, não usam algoritmos convencio-
nais para chegar ao resultado esperado, mas mostram-se inteligentes e ca-
pazes de interagir em situações de uso social do conhecimento matemático.
No entanto, a sociedade do pensamento cartesiano valoriza mais o escrito e
encontra nas práticas matemáticas o seu padrão. Parece que nessa concep-
ção de sociedade é consensual que a utilização de habilidades matemáticas,
ainda que informais, é uma indicação de racionalidade. Se o uso social dos
modelos matemáticos é fundamental nas práticas humanas, a ideologia
da certeza absoluta deve ser desaada no sentido de maior valorização dos
processos de pensamento e das estratégias dos alunos para a apropriação do
conhecimento matemático.
No caso de jovens e adultos pouco ou não escolarizados, toma-
da a decisão pelo ato de estudar, sabemos que trazem para a escola várias
experiências vivenciadas no seu cotidiano que exigem reconhecimento de
números, contagem e cálculo. Por vezes, o educador de jovens e adultos se
surpreende com o desenvolvimento por seus alunos de estratégias próprias
muito ecazes para a resolução de problemas com os quais se deparam na
prática social e percebe o distanciamento entre a Matemática escolarizada
e as heurísticas desenvolvidas pelos mesmos para dar conta das questões a
eles colocadas.
Por outro lado, isso também está posto, o aluno da Educação de
Jovens e Adultos (EJA) vive uma trajetória de exclusão que limita o seu
acesso ao acervo cultural produzido pela humanidade. Os que abandonam
a escola o fazem por fatores de ordem social e econômica, mas também
por se sentirem excluídos da dinâmica de ensino. Nesse processo de exclu-
são, o insucesso na aprendizagem da Matemática tem exercido um papel
e determina a frequente atitude de distanciamento, temor e rejeição a essa
disciplina que se mostra aos alunos como inacessível e sem sentido. São ro-
tineiras e absurdamente repetitivas as queixas dos próprios alunos quanto à
incapacidade para aprendizagem da Matemática, ao menos da Matemática
escolarizada, fato, aliás, para o qual nem todos os estudantes atentam.

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Ao assumirem a condição de estudantes, jovens e adultos trazem
para a escola, como apontamos acima, noções matemáticas desenvolvidas
de modo informal ou intuitivo. Embora isso seja importante para a sua
prática social, não constitui condição suciente para uma inserção harmô-
nica na sociedade contemporânea face às competências exigidas no mundo
do trabalho. Sabem das necessidades sempre presentes de preencher uma
cha, interpretar informações de um manual ou paneto publicitário, li-
dar com dados matemáticos de uma receita, dosagem de remédios, com-
prar, pagar e conferir troco, etc.
No entanto, constata-se que as teorias da aprendizagem e do de-
senvolvimento consideram historicamente a criança e o adolescente. “Os
processos de construção do conhecimento e de aprendizagem dos adultos
são, assim, muito menos explorados na literatura psicológica do que aque-
les referentes às crianças e aos adolescentes.” (OLIVEIRA, 1999, p. 60).
Os educandos jovens e adultos desenvolvem suas ações, no con-
texto matemático, de forma empírica, pouco elaborada do ponto de vista
do conhecimento sistematizado. Mas sabem da sua importância e buscam
na escola a compreensão do trajeto que vai do concreto para o abstrato, do
histórico para o lógico, do oral para o escrito, do mental para o formal, isto
é, a organização sistemática do conhecimento matemático visto que isso
tem uso social inerente.
Quando os jovens e adultos iniciam ou retomam seus estudos,
vêm com grandes expectativas de aprender as técnicas operatórias (“fazer as
contas no papel”, no seu modo de dizer). Na sala de aula, o educador deve
responder a essas demandas, mas deve ter a consciência de que os desaos
que se colocam são muito maiores.
Para muito além do conhecimento empírico, eles precisam avan-
çar no sentido de saber fazer questionamentos, desenvolver raciocínio
argumentativo, resolver situações-problema, assimilar rapidamente infor-
mações, ampliar a capacidade de estabelecer relações, reconhecer regulari-
dades e coerências, prever, generalizar, projetar e abstrair, fundamentos e
objetivos intrinsecamente relacionados ao fazer matemático.
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
47
Desse modo, essa é uma reexão que busca analisar os dramas e
as tramas da prática pedagógica em Matemática e as implicações teórico-
-metodológicas da inserção dessa disciplina nos processos de EJA.
A MEDIAÇÃO DIALÉTICA ENTRE O CONCRETO E O ABSTRATO: PERSPECTIVAS
TEÓRICAS E PRÁTICAS
Eli (nome ctício) é aluna de um programa de educação de jovens
e adultos sob minha coordenação que nos instiga a reetir muito sobre o
papel da escolarização. Numa avaliação diagnóstica realizada verbalmente
na efetivação da matrícula, propus a ela resolver o seguinte problema: “Um
garoto vende gomas num ponto de parada de ônibus. Ganha R$ 0,15 por
goma que vende. Ontem ele ganhou exatamente R$ 10,80. Você sabe me
dizer, aproximadamente, quantas gomas ele vendeu?”.
Eli, 48 anos, pensou por um instante e não hesitou:
Dez dá R$ 1,50. Vinte são R$ 3,00. Sessenta são R$ 9,00. Com mais R$
1,50 é mais 10 gomas. Já são 70 gomas. E R$ 10,50 em dinheiro. Mas têm
mais 2 gomas dos trinta centavos. É 72 gomas?.. (sic).
Sinalizei que estava exata a resposta e solicitei que tentasse resol-
ver com lápis e papel. Com certa apreensão no olhar, exclamou:
Não entendo Matemática... Tenho muita diculdade para escrever.
Acho que são as minhas mãos... Isso não é para mim. Não entendo essa
Matemática da escola. Sabe, professor, estudei alguns dias só... Mal apren-
di a escrever o meu nome. Mas eles não me enganam. Aprendi com a vida.
Faço tudo de cabeça [...].
Seguramente, o problema não é com as mãos. E nem com a cabe-
ça, dada a lucidez e vivacidade de raciocínio. Insisti, perguntando se sabia
a conta (operação) que solucionava o problema. Disse que não, mas que
tinha que ver quantas vezes os 15 centavos cabia no total”. Com incrível
agilidade mental respondera que foram vendidas 72 gomas. Insisti que ten-
tasse fazer o cálculo, buscando reproduzir a ação mental que desenvolvera.
Com muita diculdade para escrever, ela procedeu assim:
15 15 15 15 15 15 15 15 15 15 2 veis 3 veis 1,50 30
10 g 20 g 60 g 10 g 2 g
72 goma
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48
Tendo iniciado a entrevista pensando que Eli não conseguiria
resolver o problema, quei impressionado com a sua agilidade mental.
Restaram-me duas certezas: a primeira, de que ela nem imaginava o uso do
algoritmo da divisão para resolver o problema; a segunda, que posto num
processo signicativo de aprendizagem matemática, Eli avançaria até com
certa facilidade para os procedimentos algorítmicos. Na escola, o professor
impõe um modelo de pensamento matemático (a técnica operatória), cujo
desenvolvimento histórico percorreu uma trajetória de erros e acertos que
certamente passou por essa etapa, mas que é negligenciada na ação didática
cotidiana. Ao educador cabe fazer a aproximação entre o raciocínio elabo-
rado pelo aluno e o trajeto que ele deseja ver seu aluno fazendo para a aqui-
sição de uma aprendizagem calcada em bases cientícas. Na EJA isso pode
fazer a diferença, determinando a permanência do educando na escola.
Essa preocupação com o desenvolvimento do raciocínio mate-
mático não é recente. Poincaré (1927) defende a ideia de que o profes-
sor, para favorecer o desenvolvimento do raciocínio matemático do aluno,
deve considerar a intuição matemática no ensino. Esse caminho, segundo
ele, não é linear e a intuição deve ser o ponto de partida. A demonstração
matemática ou a formalização deve constituir o ponto de chegada.
O educando jovem ou adulto é um ser que pensa e, consequente-
mente, percebe coisas, cria imagens mentais, estabelece e analisa relações,
opera mentalmente e formula conceitos. Esse fazer/compreender do ho-
mem acompanha-o ao longo da vida, independentemente de sua inserção
na escola. Nas experiências escolares, os professores devem estar atentos a
essa construção para que a apreensão, a análise, a reexão e a operação so-
bre o real não sejam obstruídas por ações pedagógicas que ora infantilizam
o adulto, ora se constituem em fragmentos de raciocínio muito distantes
do modo de pensar do aluno.
O aprender, o conhecer, em Matemática, exige do sujeito o que-
rer e o interagir com os pares e com o objeto do conhecimento. Trata-se de
construção cognitiva que é, ao mesmo tempo, coletiva, ativa e individual.
Possui aspectos gurativos, operativos e conotativos.
Isso posto, considere-se ainda que:
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
49
a transmissão do saber pelas vias não letradas supõe o prévio conheci-
mento da linguagem falada. Para conhecê-lo basta ao indivíduo adulto
ser normal. A linguagem falada não é aprendida na escola e sim no de-
senvolvimento social do ser humano. Ela é sem dúvida o fundamento
de todo o conhecimento e por isso pode-se dizer que o analfabetismo a
rigor não existe, pois o homem normal é sempre capaz de expressar em
sons falados seu pensamento. O que necessita é apenas progredir até o
ponto em que se torna para ele uma necessidade também expressar por
meios grácos seu pensamento, mas esta necessidade deriva sempre da
primeira. (VIEIRA PINTO, 1985, p. 101-102, grifo do autor).
Daí que o conteúdo da educação, tal como a forma, tem cará-
ter eminentemente social e, portanto, histórico; as relações entre ensino e
aprendizagem da Matemática não podem se furtar a essas considerações.
Assim, para além da preocupação com a garantia do direito à educação, é
salutar a adequação do trabalho pedagógico às demandas, características,
expectativas e desejos dos educandos, o condutor de um processo de atri-
buição de sentidos e signicados de aprendizagem.
Impõe-se considerar que o conhecimento gurativo relaciona-se
ao real externo ao sujeito. É a apreensão de fatos ligados a objetos, pessoas
e coisas, sem estabelecimento de relações.
A interpretação, um tanto enviesada, da oposição entre transmis-
são e construção do conhecimento matemático coloca na escola, em geral,
e na educação de jovens e adultos, em particular, situações pedagógicas que
precisam ser desmisticadas. Em nossa compreensão, transmissão e cons-
trução de conhecimento são instâncias que sustentam a busca de elabora-
ção do pensamento teórico e se complementam dialeticamente; o que deve
ser questionado é a repetição mecânica, sem compreensão. Igualmente,
não se constrói conhecimento a partir do nada.
O que signica partir da realidade do educando adulto? O que é
o concreto na aprendizagem da Matemática? Como se consolida a transi-
ção do concreto para o abstrato?
Do nosso ponto de vista, concreto e abstrato não se constituem em
instâncias dissociadas; o concreto contribui para o desenvolvimento da abs-
tração e o abstrato melhora a compreensão que detemos do concreto, do real.


50
A escolarização formal tem se baseado na mera tentativa de trans-
missão, via ensino teórico e aulas expositivas, de explicações e de artefatos
teóricos distantes do modo de pensar dos jovens e dos adultos e no suposto
adestramento em técnicas e habilidades mediante ensino prático com exercí-
cios repetitivos. Nem é possível denominar essa postura de abordagem com-
portamental, como pretendem alguns críticos, posto que a meu ver a abor-
dagem comportamental se vale, em geral, de abordagem fundamentada em
aspectos quantitativos e tem uma metodologia especíca bem desenvolvida.
Não me ocorre que essa seja a perspectiva que contemple as ações didáticas
geralmente constatadas nas aulas de Matemática da escola tradicional.
A perspectiva metodológica que enfatiza o conhecimento gu-
rativo centra-se na memorização imitativo-repetitiva, nos procedimentos
algorítmicos enfadonhos, nos truques e macetes.
O educando adulto, nesse caso, não estabelece relações, não liga
o conhecimento anterior ao conhecimento novo. Observa o numeral 75,
mas não sabe bem o que ele tem a ver com o 74 e com o 76 em sua repre-
sentação formal. Por analogia com o uso do dinheiro, que é do seu cotidia-
no, pode escrever 70 5, com esse espaço entre o setenta e o cinco, já que se
refere, de forma clara para ele, à ideia de quantidade representada por uma
nota de cinquenta reais, duas notas de dez reais e mais uma nota de cinco
reais, além das diferentes formas de composição com notas.
Isso traz algumas implicações para o ato de ensinar. Primeiramente,
não se pode negligenciar o fato de que esse educando adulto busca na es-
cola a sistematização formal desse conhecimento que detém, tido como de
senso comum, e viabilizar para ele essa condição é papel da escola.
Nesse sentido, solidicou-se no ensino de Matemática a ideia de
que concreto e abstrato se caracterizam como instâncias dissociadas, com
o concreto se identicando com a manipulação de objetos e o abstrato
com as representações formais, com denições e sistematizações. Opõe-se
à ação física à ação intelectual, o que traz danos para a construção do fato
matemático, posto que toda ação física pressupõe uma ação intelectual.
Na verdade, aprender é construir signicados e atribuir sentidos; cumpre,
pois, compreender a aprendizagem como um processo no qual essas duas
dimensões intervêm associadamente, de forma relacionada.
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
51
Os conhecimentos envolvem diferentes níveis de abstração, de
modo que as concretizações conguram os signicados que lhes vão sendo
atribuídos pelos sujeitos. Se considerarmos, então, que concreto e abstrato
são dimensões relacionadas da aprendizagem matemática, devemos conside-
rar também que o conhecimento matemático é, de fato, uma ação interiori-
zada em pensamento; é uma ação abstrata, simbólica, formal e lógica, o que
não deve justicar, em nome dessa assertiva, a apresentação dos fatos mate-
máticos de maneiras distantes dos modos de pensar do jovem e do adulto.
Por seu turno, o conhecimento conotativo refere-se à formação
de conceitos, de signicados. Vai além do gurativo, posto que o educando
apreende o real e passa a dar sentido a ele, utilizando-se dos conceitos ela-
borados, conforme os seus signicados, em ações mentais, embora ainda
não consiga, no caso do conceito matemático, a sua formalização adequa-
da. É um conhecimento que se concretiza, em dimensão signicativa, pelo
uso social de coisas, objetos e conceitos.
Paulatinamente, essas ações vão se estruturando e se modicando
ao longo do desenvolvimento cognitivo, avançando do conhecimento típi-
co de abstração empírica, sem estabelecimento de relação de transitividade
e de análise, e evoluindo para a tomada de consciência dessas relações.
O sujeito pensa, reete, reconstrói ou modica uma situação ma-
temática, relacionando a representação simbólica e o signicado. A ação do
sujeito assume a característica dialética de reversibilidade, marca da abstra-
ção reexiva que permeia o processo de conhecimento operativo. Trata-se,
então, de resgatar no ensino da Matemática a intencionalidade dos sujei-
tos que produzem, usam ou divulgam o conhecimento matemático, bem
como as inuências da cultura e das relações de poder que se manifestam
nesse processo de difusão do pensamento matemático. Impõe-se a apren-
dizagem não apenas do ponto de vista da compreensão individual, mas de
ação pedagógica delineada no processo de apropriação coletiva e histórico-
-cultural do conhecimento matemático, de seu uso social e das implicações
políticas que determinam a inserção dos educandos nesse processo.
A aprendizagem matemática não pode se resumir à tentativa de
compreensão da Matemática pronta, mas conduzir os educandos à possibi-
lidade de fazer investigação matemática adequada a cada nível de ensino. A


52
rigor, inserir os educandos num processo de redescoberta da Matemática,
sendo a investigação matemática uma das atividades que os alunos po-
dem desenvolver e que se relacionam, de certo modo, com a resolução de
problemas.
Isso posto, não se retira o fato matemático do material concreto,
nem do jogo ou da brincadeira. Ele sempre é uma abstração, uma ação in-
teriorizada em pensamento. São ações intrinsecamente relacionadas e que
constituem a mediação para a construção do pensamento matemático.
Assim é que Ale, educadora de jovens e adultos, propõe numa
aula que os alunos “determinassem de quantas maneiras diferentes pode-
riam formar R$ 1,50 usando moedas de 5, 10, 25 ou 50 centavos, poden-
do repeti-las”.
Os alunos tentaram resolver usando esquemas de tentativas por
ensaio e erro e embora conseguissem várias soluções corretas, caram fal-
tando várias delas. Deo, um aluno idoso, valeu-se de moedas do dinheiro
simbólico que tinha à disposição na sala e conseguiu convencer os colegas
da certeza do seu encaminhamento. Segundo ele: “com as moedinhas ca
mais fácil; eu vou montando e depois é só tirar as repetidas”.
Então, a professora Ale intervém na discussão e propõe a cons-
trução de uma tabela para organização dos dados. Deo que, segundo ele
próprio, já tinha conseguido as soluções com o dinheiro simbólico, queria
falar todas as combinações, de imediato. A professora não permitiu e in-
dagou ao grupo sobre a melhor estratégia para começar. Deo argumentou
que era melhor começar com as moedas maiores. A professora elogiou a
indicação dele e o grupo concordou. Assim, os alunos apontavam as solu-
ções e ela anotava na lousa num esquema do tipo:
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
53
R$ 0,05 R$ 0,10 R$ 0,25 R$ 0,50
- - - 3
- - 2 2
1 2 1 2
- 5 - 2
2 4 - 2
4 3 - 2
6 2 - 2
8 1 - 2
10 - - 2
- - 4 1
1 2 3 1
3 1 3 1
5 - 3 1
- 5 2 1
2 4 2 1
- 5 2 1
10 - 2 1
1 7 1 1
3 6 1 1
Nesse ponto, Deo, já um tanto encabulado, exclama: “Nossa, ti-
nha esquecido um monte de respostas. Nem imaginava que pudessem ser tan-
tas... Professora, isso está certo?”.
Percebi a maioria dos alunos com essa indagação ao olharem para
a professora. Senti que também ela estava surpresa. Mas conteve-se e pro-
pôs aos alunos que conferissem os resultados para concluírem pela exatidão
das respostas. Então, Ale diz para a classe que quando zera a proposta do
problema também não imaginava que fossem tantas as combinações. E
que bastavam o que já tinham conseguido para o objetivo que estabelecera
para aquela aula.
Note-se que uma atividade muito simples resultou num amplo
contexto de negociação de sentidos e signicados de aprendizagem, permi-
tindo a exploração de noções matemáticas importantes tais como o trata-
mento e a organização de dados, o raciocínio multiplicativo, o raciocínio


54
aditivo, além do desenvolvimento de uma atitude de raciocínio num am-
biente de incerteza, por tentativa e erro.
Na sequência, a professora explorou signicativamente noções
de expressões numéricas que geralmente aparecem de forma arbitrária na
escola. A expressão 10 – (3 X 0,25 + 6 X 0,15) passou a signicar para os
alunos: “tenho 10 reais e compro 3 lápis que custam 25 centavos cada e 6
borrachas que custam 15 centavos cada. Quanto me resta?”.
Igualmente, a expressão numérica 10 + 2 X 5 + 5 X 1 passou a
signicar para os alunos: “uma nota de 10 reais, somada com duas notas
de 5 reais e mais 5 notas de 1 real”. A generalização desse pensamento
conduziu à ideia de que 2 X 20 – (10 + 3 X 5) = 15 signicaria que “tinha
duas notas de 20 reais e gastei uma nota de 10 reais e 3 notas de 5 reais no
supermercado, restando 15 reais”.
A compreensão, na devida conta, da relação concreto-abstrato
deve conduzir o educador da EJA a pensar, ainda, que:
Os materiais de ensino deixam de ser apenas aqueles criados com o m
de ensinar Matemática. O importante não é mais o material e, sim, a
intencionalidade do educador. Buscam-se, nos materiais estruturados e
nos jogos comerciais e tradicionais, formas de tratamento pedagógico
dos conteúdos de Matemática possíveis de serem desenvolvidos em sala
de aula (...). O que se torna importante não é mais o brinquedo e, sim,
o ato de brincar como elemento desencadeador de situações de apren-
dizagem. (MOURA, 1995, p. 22).
Isso implica, por exemplo, que, conforme o desenvolvimento
cognitivo do sujeito, até mesmo algo abstrato como um gráco ou um
esquema pode servir como mediação para a transição concreto-abstrato,
uma vez que permitiria a ele “sustentar” as hipóteses levantadas, testando
a sua veracidade de modo a avançar na construção da ideia matemática.
Diria, portanto, que a educação se congura como “matemática
quando o conteúdo matemático é concebido como o conhecimento em
movimento, produzido coletivamente para resolver problemas tipicamente
matemáticos. No caso da EJA, isso pode fazer a diferença.
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
55
APROPRIAÇÃO DO CONHECIMENTO MATEMÁTICO MEDIANTE RESOLUÇÃO DE
PROBLEMAS
Pensar a educação matemática nos processos de EJA implica pen-
sar em propiciar aos educandos oportunidades de contar as suas experi-
ências, suas histórias de vida, de falar das heurísticas desenvolvidas para
enfrentamento das situações da realidade, de expor o que sabem sobre
ideias matemáticas e sobre suas necessidades cotidianas. Calcular, medir e
matematizar situações convencionais são requisitos para a vida social. Mas
isso ainda é pouco.
As competências exigidas do trabalhador pelas tecnologias de in-
formação impõem-nos pensar num processo de ensino de Matemática em
EJA, no qual o sujeito possa levantar hipóteses e testá-las, desenvolvendo
raciocínio argumentativo, de modo a estimular a construção de estratégias
para resolução de problemas, a discussão dos resultados e uma atitude per-
manente de busca de autonomia.
O tratamento integrado entre os temas da Matemática e destes
com as demais áreas do conhecimento deve trazer à tona, além dos co-
nhecimentos de números e operações tradicionais no trabalho da EJA, as
noções fundamentais de geometria, medidas e estatística, os conteúdos
voltados para o resgate da identidade cultural do educando adulto e para
a compreensão das relações de poder manifestas nos processos de produ-
ção, especialmente nas relações de trabalho produtivo, condições essenciais
para o exercício da cidadania. Isso se constata em depoimentos de educan-
dos jovens e adultos tais como o proferido por Cec:
Sou a melhor confeiteira da região. Sei colocar as medidas certinhas no
bolo. Isso ninguém precisa me ensinar. O que eu não sei é o que signica
aqueles números, um em cima do outro... Eu quero agora é poder passar a
receita para os outros, por escrito.
Na educação matemática de jovens e adultos, como de resto, em
qualquer processo de aprendizagem, o envolvimento ativo do aluno é uma
condição fundamental da aprendizagem. De fato, o aluno aprende quando
mobiliza os seus conhecimentos, os seus recursos cognitivos e afetivos com
vistas a atingir um dado objetivo.


56
Por isso, a educação matemática deve considerar como pressupos-
to o fato de que, para ser ensinado, o saber matemático acumulado deve
ser transformado, isto é, passar por um processo de transposição didática e
por uma compreensão do professor dos obstáculos epistemológicos que se
colocam no processo.
1
Impõe-se, portanto, ao educador, criar um bom ambiente de
aprendizagem, a partir do conhecimento que detém dos seus alunos. Não
há como falar em aprendizagem signicativa se não conhecermos os sujei-
tos de aprendizagem e suas motivações para aprender.
(DES)CONTEXTUALIZAR, HISTORICIZAR E ENREDAR
Há que se considerar, sob esse ponto de vista, que os conheci-
mentos matemáticos elaborados não podem colocar-se vinculados a um
contexto meramente concreto e único, isto é, devem ser passíveis de gene-
ralização e transferência a outros contextos:
O ensino e a aprendizagem da estrutura, mais do que simples domínio
de fatos e técnicas, está no centro do clássico problema da transferên-
cia. Há muitas coisas que compõem um aprendizado desse tipo, entre
as quais não são menos importantes as habilidades e hábitos básicos
que tornam possível o uso ativo das matérias a cuja compreensão se
tenha chegado. (BRUNER, 1978, p. 10 - 11).
O conhecimento matemático é construído signicativamente
quando pode ser mobilizado em situações diferentes daquelas que lhe de-
ram origem, ou, como deseja Bruner (1978), possa se consolidar como
transferível para novas situações. No extremo, os conhecimentos devem
ser descontextualizados, para serem novamente contextualizados. Assim é
que Dan, educadora de jovens e adultos, propôs aos seus alunos resolver o
seguinte problema:
Um agricultor deseja cercar, com uma tela de 48 metros de comprimen-
to, um terreno retangular para fazer uma horta que tivesse a maior área
possível. Vamos ajudar o agricultor, descobrindo quais seriam as dimensões
ideais do terreno, nas condições dadas?
1
A respeito, ver: CHARNAY, R. Aprendendo (com) a resolução de problemas. In: PARRA, C.; SAIZ, I.
(Org.). Didática da Matemática: reexões psicopedagógicas. Porto Alegre: Artmed, 1996.
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
57
Constataram-se manifestações de toda ordem. Alguns alunos -
zeram desenhos tentando descobrir a resposta ideal; outros disseram que
não sabiam calcular a área; e, outros, pensavam que a área fosse a soma das
medidas dos lados. A professora ilustrou, usando as dimensões da sala de
aula, o que seriam o perímetro ou a área. Então, Joa questiona:
A soma dos lados tem que ser 48m. Deve ter a maior superfície, também.
Professora, esse problema não é igual àquele das notas de dinheiro? Eu acho
que é 13m por 11m.
A professora assentiu que era possível e indagou sobre o que de-
veria ser registrado na tabela em função da analogia com o problema sobre
as notas de dinheiro simbólico. Os alunos foram indicando: lados (com-
primento e largura), soma das medidas dos lados (perímetro) e superfície
(área). De particular interesse foi denir qual seria o maior comprimen-
to possível para a horta. Sugeriram, aleatoriamente e sem muita reexão,
48m, 24m e 12 m. Até que Bar estabeleceu que:
Oia, não pode ser maior que 24m. Vixe!... Não pode ser nem 24m, se não
um lado ca em cima do outro. Professora, pode ser em metros e centímetros?
Após a professora informar que queria a resposta em metros, em
números inteiros, que não considerassem medidas compostas em metros e
centímetros, construiu-se a tabela:
Comprimento(m) Largura (m) Perímetro (m) Área (m²)
23 1 48 23
22 2 48 44
21 3 48 63
20 4 48 80
19 5 48 95
18 6 48 108
17 7 48 119
16 8 48 128
15 9 48 135
14 10 48 140
13 11 48 143
12 12 48 144
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58
Alguns educandos queriam continuar com o desenvolvimento da
tabela, mas um aluno esclareceu que a partir daí começavam a repetir as
medidas. Com habilidade, a professora explorou as regularidades observa-
das na mesma: aumentando-se o comprimento, diminui-se a largura; o pe-
rímetro se mantém constante e a área varia, aumentando progressivamente
até o máximo de 144m².
Foi muito interessante notar a discussão que se estabeleceu sobre
a resposta adequada ao problema: 13m X 11m ou 12m X 12m. A professo-
ra aproveitou bem a oportunidade e explorou adequadamente os conceitos
de quadriláteros e paralelogramos, estabelecendo que todo quadrado é um
retângulo, mas nem todo retângulo é um quadrado”.
Dessa forma, o contexto no qual se desenvolvem ideias matemá-
ticas é que permite não se perder aspectos importantes do raciocínio ao se
resolver um problema matemático.
É pela manutenção do sentido do todo e de cada operação mental,
particularmente, que o sujeito se torna apto a resolver adequadamente o
problema, como também a transferir para novas situações o conhecimento
construído na prática.
Nessa ação pedagógica, historicizar a abordagem das ideias ma-
temáticas como forma de se compreender a sua evolução e pensá-la como
processo de construção, bem como enredar os programas de ensino por
meio de conexões com questões do cotidiano dos alunos, com problemas
de outras áreas do conhecimento, ou ainda, entre os próprios temas da
Matemática, constitui a perspectiva metodológica de descoberta e trata-
mento desse conteúdo como linguagem que, como tal, consolida os pro-
cessos de leitura e de escrita.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo exposto, o estabelecimento de uma relação dialógica na aula
de EJA permitiu a expressão do pensamento autônomo. A comunicação
entre a educadora e os educandos possibilitou explorar os conhecimentos
prévios deles e constituiu a base para a transposição didática e a melhoria
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
59
da simbologia desenvolvida pelos alunos em função dos esquemas de pen-
samento que detinham e os códigos formais veiculados pela escola.
Desse modo, a trajetória percorrida permite-nos considerar que é
pressuposto básico na educação matemática de jovens e adultos o esforço
para o resgate do signicado do conteúdo matemático que se vai ensinar,
com vistas ao restabelecimento da relação entre conceitos e procedimentos
matemáticos e o mundo dos fenômenos vivenciados pelo homem.
Isso impõe pensar numa escola sintonizada com as necessidades
e aspirações populares cuja conduta pedagógica se constitui basicamente
em termos de “O que ensinar” (conteúdo), “Como ensinar?” (métodos),
“Por que ensinar?” (objetivos) e “Para quê? Para quem ensinar?” (realidade
objetiva).
Isso implica numa ampla revisão dos processos de formação de
professores que raramente consideram adequadamente a questão da espe-
cicidade dessa área do conhecimento e na reorganização dos programas
de ensino de Matemática numa perspectiva que evolua da concepção in-
ternalista, marcada pela linearidade dos currículos, para uma concepção
externalista cuja forma de organização dos currículos é histórico-lógica,
isto é, considera a forma de evolução histórica dos conceitos matemáticos.
Trata-se de considerar uma ação pedagógica que possa articular
adequadamente essas dimensões ou concepções de organização curricular
visto que a concepção internalista prevalecente no ensino da Matemática
pode favorecer a organização do pensamento lógico-matemático apenas
como um processo resultante do modo de pensar do matemático ao passo
que a concepção histórico-lógica permite ver a Matemática como constru-
ção humana, num processo de erros e acertos, avanços e recuos.
Por outro lado, é certo que a língua materna e a Matemática de-
sempenham no currículo básico um papel semelhante: ambas se prestam à
descrição, interpretação, criação de signicados e construção de esquemas
conceituais. Desse modo, pretende-se que o aprendizado da Matemática
na escola fundamental assuma os contornos de uma consolidação do pro-
cesso de alfabetização nos aspectos quantitativos da realidade, no reconhe-
cimento das formas, na articulação lógica dos signicados e no desenvol-
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60
vimento gradativo da capacidade cognitiva de arquitetar soluções para os
problemas envolvendo grandezas.
O propósito é o de organizar situações pedagógicas que condu-
zam o educando à descoberta dos fatos fundamentais da Matemática de
modo a elaborar paulatinamente, em linhas gerais, as noções fundamen-
tais das estruturas conceituais, sem a preocupação com uma linguagem
formal decorrente de uma prematura formação de conceitos. Pelo expos-
to, registre-se a preocupação em estabelecer que ao tratar de determinado
conteúdo matemático, o professor tenha consciência de que a Matemática
passou por transformações ao longo de sua história e considere as impli-
cações pedagógicas de se investigar holisticamente a geração (cognição), a
organização intelectual (epistemologia), a organização sociocultural (histó-
ria) e a difusão (ensino) do conhecimento matemático.
Transformar a ação pedagógica na escola começa por denir que
o processo de construção do conhecimento matemático no ensino fun-
damental deve ter como ponto de partida a matemática como elemento
cultural, uma forma de comunicação humana.
Para tanto, parece imperativo formar um professor que tenha cla-
reza de que saber Matemática é condição necessária, mas não suciente,
para ensinar Matemática: há que se considerarem as implicações sociais,
psicológicas, losócas e políticas envolvidas nesse processo.
Em suma, trata-se de pensar a formação de um professor episte-
mologicamente curioso.
REFERÊNCIAS
BRUNER, J. S. O processo da educação. São Paulo: Nacional, 1978.
CHARLOT, B. Relação com o saber, formação dos professores e globalização:
questões para a educação hoje. Porto Alegre: Artmed, 2005.
MOURA, M. O. Formação do prossional de Educação Matemática. Temas e
Debates. São Paulo, v. 8, n. 7, p. 16-26, 1995.
OLIVEIRA, M. K. Jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e
aprendizagem. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 12, p. 59-73, 1999.
Diálogos sobre ensino-aprendizagem da matemática:
abordagens pedagógica e neuropsicológica
61
PARRA, C.; SAIZ, I. (Org.). Didática da Matemática: reexões
psicopedagógicas. Porto Alegre: Artmed, 1996.
POINCARÉ, H. Science et Méthode. Paris: Flamarion, 1927.
VIEIRA PINTO, A. Sete lições sobre a educação de adultos. São Paulo: Cortez,
1985.
62
63
C
 
COGNIÇÃO NUMÉRICA: CONTRIBUIÇÕES
DA PESQUISA À CLÍNICA
Flávia Heloísa dos Santos
Fabiana Silva Ribeiro
Paulo Adilson da Silva
Rosana Satiko Kikuchi
Juliana Molina
Marina Cury Tonoli
INTRODUÇÃO
O presente capítulo apresenta conceitos elementares relaciona-
dos à Cognição Numérica, por exemplo, cálculo e processamento numéri-
co
e os modelos de representação numérica. No que concerne ao desenvol-
vimento, parte de uma capacidade observável na fase pré-verbal, inata para
manipular pequenas quantidades sem necessidade do recurso da contagem,
denominada senso numérico; capacidade esta que seria estimulada na fase
escolar e culminaria no desenvolvimento da linha numérica mental que é
um produto da experiência. Déces no funcionamento do senso numérico
e problemas especícos no desenvolvimento de habilidades matemáticas
podem produzir a Discalculia do Desenvolvimento (DD). Este capítulo se
subdivide em duas partes, a primeira apresenta os estudos internacionais
sobre aspectos culturais e emocionais relacionados às habilidades matemá-
ticas, além de discutir as implicações educacionais e neuropsicológicas da
DD, principalmente durante a fase escolar, período em que o transtorno se
https://doi.org/10.36311/2016.978-85-7983-760-9.p63-98
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64
manifesta de forma mais pronunciada. Na segunda parte será apresentada
uma breve coletânea de pesquisas brasileiras, sobre o desenvolvimento da
Cognição Numérica, bem como os fatores que inuenciam o seu rendi-
mento: idade, gênero, ambiente, método de ensino, nível socioeconômico
e estimulação musical.
CONCEITOS ELEMENTARES
A matemática, segundo Haskell (2000), é denida como um
conjunto de estruturas formais baseadas em regras particulares derivadas a
partir de um raciocínio compatível com um grupo de verdades lógicas, o
qual demanda habilidades cognitivas de alto nível para a manipulação de
operações matemáticas, compreensão conceitual e resolução de problemas.
A aritmética consiste no entendimento de fatos numéricos, contagem, clas-
sicação ordinal, leitura e manipulação dos símbolos e o conhecimento das
regras que regem as quatro operações básicas.
Cognição Numérica é a parte das neurociências que estuda as
bases cognitivas, neurais e do desenvolvimento dos números e matemá-
tica
. É inuenciada por fatores biológicos, cognitivos, educacionais e
culturais (COHEN; WALSH, 2009) e se constitui de dois sistemas de-
nominados primário (DEHAENE, 1997) e secundário (McCLOSKEY;
CARAMAZZA; BASILI, 1985).
Com relação ao sistema primário, Dehaene (1997) difundiu o
conceito de Senso Numérico (Number Sense), que seria uma capacidade
inata para reconhecer, comparar, somar e subtrair pequenas quantidades
sem recurso da contagem; a partir das experiências escolares uma Linha
Numérica Mental (Mental Number Line) que é orientada espacialmente e
representa quantidades se ampliaria progressivamente. Podemos exempli-
car o senso numérico pela capacidade para responder, se a quantidade 3
está mais próxima de 1 ou 10, enquanto que a linha numérica mental pode
ser ilustrada pela capacidade de identicar em um mapa a distância real
entre duas cidades, a partir de uma escala cartográca. O senso numérico
é considerado de extrema importância para o desenvolvimento das habi-
lidades matemáticas de modo que crianças com diculdades matemáticas