Educação, Mulheres,
Gênero e Violência
Tânia Suely anTonelli Marcelino BraBo
(o
rg.)
Educação, Mulheres,
Gênero e Violência
Marília/Ocina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2015
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
Diretor:
Dr. José Carlos Miguel
Vice-Diretor:
Dr. Marcelo Tavella Navega
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Ana Maria Portich
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Giovanni Antonio Pinto Alves
Marcelo Fernandes de Oliveira
Maria Rosangela de Oliveira
Neusa Maria Dal Ri
Rosane Michelli de Castro
Ficha catalográfi ca
Serviço de Biblioteca e Documentação – Unesp - campus de Marília

Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora Unesp
E956 Educação, mulheres, gênero e violência / Tânia Suely Antonelli

São Paulo : Cultura Acadêmica, 2015.
334 p.
Apoio CAPES

ISBN 978-85-7983-713-5
1. Mulheres – Condições sociais. 2. Relações de gênero. 3.
Igualdade. 4. Violência contra as mulheres. 5. Mulheres na edu-
cação. I. Brabo, Tânia Suely Antonelli Marcelino.
CDD 305.42
DOI https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5
SuMário
Prefácio .............................................................................................. 9
Apresentação ...................................................................................... 11
PARTE 1:
Educação, mulheres, gênero e violência:
políticas, propostas de intervenção e educação
Un lm que Nadie Podrá Olvidar: Igualdad Y Violencia de Género
en las Universidades
Inmaculada López Francés ................................................................. 15
Violencia Contra la Mujer y Prevención de Violencia en las Escuelas:
un Modelo
Susan McCrae Vander Voet ................................................................... 33
¿Cómo la Escuela nos Transforma de Espectadoras en Protagonistas?
Adultas Silenciando la Violencia de Género
Gabriela Alejandra Ramos .................................................................. 39
Peel Institute on Violence Prevention: the Development of a
Community- Academia Research Organization
Sandra Rupnarain; Monica Riutort ...................................................... 53
Educación para Prevenir la Violencia de Género y Construir la Igualdad
de Género en los Espacios Universitarios
Julia del Carmen Chávez Carapia ........................................................ 71
O Sistema de Proteção Escolar, o Trabalho do Supervisor de Ensino e
do Professor Mediador Escolar e Comunitário na Rede Estadual de Educação
de São Paulo: Possibilidades de Trabalho com a Questão de Gênero?
Gisele Kemp Galdino Dantas................................................................ 83
PARTE 2
Novas/velhas formas de violência contra meninas,
adolescentes e idosas
Violência(s) sobre a Cidadania das Mulheres: o Caso do Femicídio
em Portugal
Eunice Macedo .................................................................................... 103
A Secretaria Municipal da Juventude e Cidadania de Marília e as Políticas
Públicas Municipais para Mulheres e Outras Minorias Sociais:
um Relato de Experiência
Tereza Cristina Albieri Baraldi ............................................................. 123
O Perl das Mulheres em Risco de Morte Atendidas no Centro de
Referência da Mulher Casa Brasilândia
Maria Nilda Conceição Izumi .............................................................. 133
Processo Grupal Alicerçado à Ontologia Marxiana – Método de
Promoção de Saúde Mental - Atuação em Psicologia Social Comunitária
com um Grupo de Mulheres
Nilma Renildes da Silva; Fabrício Cardoso Felício;
iago Silva Raymondi ....................................................................... 153
La Exclusión Discursiva. Violencia Instituida en los Discursos del Orden.
Analisis del Caso de Mujeres en Situación de Violencia
Julio C. Llanán Nogueira ..................................................................... 171
Feminização do Envelhecimento: Porque as Mulheres Vivem Mais?
Gilsenir Maria Prevelato de Almeida Dátilo .......................................... 181
PARTE 3 -Gênero e violência: na história,
na mídia e na literatura
Deusas, Diabólicas, Pecadoras e Virgens: Diálogos entre os Mitos do
Feminino e a Educação Escolar
Keith Daiani da Silva Braga; Jéssica Kurak Ponciano;
Arilda Ines Miranda Ribeiro ................................................................ 197
7
Reexões sobre a Relação entre Mídia e Gênero
Juliana Leme Faleiros ........................................................................... 215
Aspectos da Violência Sexual em “O Monstro”, de Sérgio Sant’Anna
Larissa Satico Ribeiro Higa .................................................................. 225
A Mulher Representada nos Livros de Literatura Infantil Contemporâneos:
Sementes de Ideias Lançadas para Possíveis Brotos de Reexão
Aline Escobar Magalhães Ribeiro; Lizbeth Oliveira de Andrade;
Yngrid Karolline Mendonça Costa;
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto ............................................ 241
Linguagem, Homossexualidade, Coerção Social e Constituição
da Identidade
Mirielly Ferraça; Rosiney A. L. do Vale .................................................. 255
Falando Grosso: o Novo Papel Social da Mulher Brasileira
Alexandre de Castro; Chryslen Mayra Barbosa Gonçalves ...................... 271
A Naturalização da Violência Contra a Mulher na Musica
Popular Brasileira
Marcos Cordeiro Pires .......................................................................... 283
Por Que Fui Agredida: os Motivos Relatados por Mulheres que Foram
Agredidas por seus Companheiros
Luiz Roberto Vasconcellos Boselli .......................................................... 293
Os Movimentos Feministas Brasileiros na Luta pelos Direitos das Mulheres
Elione Maria Nogueira Diógenes; Maria Custódia Jorge Rocha;
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo ................................................ 305
Sobre as Autoras e os Autores ............................................................. 323
8
9
Prefácio
O tema de “Educação, mulheres, gênero e violência” é abran-
gente e complexo, porém, é devidamente analisado no âmbito do conteú-
do temático deste livro e em cada um dos capítulos que o compõe. Trata-se
de uma coletânea de capítulos que se desdobram em dois conjuntos: o
primeiro apresenta conteúdos sobre políticas, propostas de intervenção e
educação e o segundo relatos e reexões sobre violência contra meninas,
adolescentes e idosas.
As questões que emergem dentro de cada capítulo são cruciais
para o entendimento de que a Educação apresenta propostas importantes
para a prevenção da violência de gênero e da melhoria de condições de vida
das mulheres no atual cenário mundial. É pela Educação que as representa-
ções da mulher em conteúdos midiáticos e literários devem ser revistas para
que não se cultivem valores culturais distorcidos.
No ensejo de que os conteúdos dos capítulos tragam à tona todas
as reexões e discussões sobre o tema em foco deste livro, é nosso desejo
que todos os leitores se apropriem das propostas e as iluminem em outros
e novos propósitos que necessitam ser alcançados para o avanço cultural
sobre mulheres, gênero e violência.
Mariângela Spotti Lopes Fujita
Pró-Reitora de Extensão Universitária
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p9

10
11
aPreSenTação
Esta coletânea foi idealizada a partir das constatações de nosso
trabalho junto ao Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania de Marília em
seus dezenove anos de atividades em Marília (SP) e região e dos resultados
de pesquisas que têm mostrado a persistência deste grave problema social,
a violência contra as mulheres. Considerando que a vida em sociedade é
permeada por resistências, avanços e recuos, é preciso provocar o debate
e divulgar que a desigualdade ainda é visível tanto na política, quanto no
mundo do trabalho e nos altos índices de violência contra as mulheres o
que vai contra os direitos humanos das mulheres, garantidos constitucio-
nalmente. Tal realidade mostra a necessidade, ademais, de investimento na
educação para a igualdade de gênero.
Com este propósito, apresentamos esta obra que conta com tex-
tos que apresentam as constatações de investigações de renomadas pesqui-
sadoras e pesquisadores, assim, pretendemos contribuir para o avanço do
conhecimento acerca da violência de gênero em suas diferentes manifesta-
ções. Para tanto, os textos versarão sobre as políticas de combate à violência
contra as mulheres bem como ações positivas desenvolvidas no Canadá,
na Espanha, em Portugal, na Argentina, no México e no Brasil, com es-
pecial olhar sobre a educação para a igualdade de gênero contemplando a
diversidade de ser mulher. Para aprofundar o debate sobre os estudos de
gênero não podemos deixar de relembrar o importante papel dos movi-
mentos feministas apontando sua inuência tanto na legislação, quanto
nas políticas, dentre elas as educacionais, visando a garantia dos direitos
das mulheres.
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p11-12

12
As reexões feitas pelas autoras na primeira parte, versaram sobre
Educação, mulheres, gênero e violência: políticas, propostas de intervenção e
educação, mostrando se o investimento na educação para a igualdade de
gênero, outras políticas e as ações desenvolvidas conseguiram minimizar
a violência. Na segunda parte, o tema gerador das análises foi Novas/velhas
formas de violência contra meninas, adolescentes e idosas, desvelando as per-
manências e outras formas de violência que são presenciadas na atualidade.
Pretendendo mostrar como gênero foi tratado na história e na literatura
além de apontar como a violência contra as mulheres é banalizada e natu-
ralizada na mídia brasileira, os autores e as autoras discorreram, na terceira
parte, sobre Gênero e violência: na história, na mídia e na literatura.
Esperamos, com esta obra, contribuir para os estudos e pesquisas
acerca das relações sociais de gênero, em especial, sobre a violência contra
as mulheres e, também, para uma avaliação e aperfeiçoamento das políticas
e intervenções que têm o propósito de mudança desta triste realidade, de
persistência da violência contra as mulheres. Finalizamos esta coletânea
mas não o debate, que deve continuar até que todas as mulheres tenham
seus direitos respeitados e garantidos não apenas nas leis, mas na vida em
sociedade.
A organizadora
13
Parte 1
Educação, mulheres, gênero
e violência: políticas, propostas
de intervenção e educação
14
15
un FILM que nadie Podrá olvidar: igualdad y
violencia de género en laS univerSidadeS
Inmaculada López Francés
1 PreParando loS focoS: ¡luceS!
El propósito de nuestra investigación era indagar una cuestión
de interés, no sólo para la propia investigadora, sino para las personas
implicadas y para la sociedad en general. Con ese propósito se empezó
a mirar el mundo –siempre con una mirada violeta-, los problemas
educativos, las probables necesidades y se tomó una pista interesante a
seguir. ¡Eureka! (en griegohéurēka, ‘¡Lo he descubierto!’; perfecto
ind. deheurisko, ‘descubrir’): existe una creencia, ampliamente
difundida y aceptada, de considerar la igualdad de género como una
cuestión ya conseguida, considerando la violencia de género como una
cuestión anecdótica, marginal, donde las adicciones, el bajo nivel educativo,
la cultura, el ingreso económico o la religión son los factores que predicen
y causan este fenómeno, no obstante:
[…] parecen sobrar evidencias acerca de que en el mundo académico
–por mucho que se quiera distinguir de otros ámbitos sociales por estar
conformado por sujetos “ilustrados”- se construye una práctica cotidia-
na similar a la de otros ámbitos sociales, sostenida por un saber común
y una cultura de la inequidad de género. (PALOMAR, 2011, p. 37).
A partir de esta premisa surgieron interrogantes tales como: ¿El
estudiantado universitario debate la creencia de considerar la violencia
de género como una cuestión marginal, propia de sectores con bajo
nivel académico-educativo?; entre el estudiantado de educación superior
(ES) ¿se establecen relaciones equitativas? ¿qué actitudes y creencias
mantienen respecto a estos temas?; las mujeres y varones que estudian en la
universidad ¿se desarrollan en igualdad de condiciones? ¿tienen los mismos
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p15-32

16
derechos? ¿las mismas posibilidades de ejercerlos?; ¿las universidades están
consiguiendo formar profesionales concientizados con la igualdad efectiva
entre mujeres y hombres? Tales interrogantes fueron tomando rumbo poco
a poco, perlando la investigación. Finalmente, se optó por realizar un
análisis con vocación comparada de las percepciones del estudiantado de la
Universidad de Valencia (UV) y de la Universidad Autónoma del Estado
de Morelos (UAEM) hacia la igualdad y la violencia de género.
En esta investigación se asume que la Educación Superior no debe
ser ajena a los asuntos de género, que su implicación y compromiso social
dependerá la formación de profesionales comprometidos con la igualdad
efectiva de género y la prevención de la violencia de género. En este sentido,
este trabajo es un esfuerzo por aportar evidencias acerca de las percepciones
del estudiantado respecto a estas cuestiones en dos universidades situadas
en contextos diferenciados, con el n de valorar la situación actual de
estas dimensiones, estableciendo diferencias y semejanzas entre ambas
universidades para comprender este fenómeno.
El presente capítulo ha sido estructurado en los siguientes bloques:
una revisión de la literatura cientíca y estadísticas sobre la temática, los
supuestos teóricos en los cuales se basa el trabajo, las consideraciones
metodológicas del estudio. Finalmente se lleva a cabo una discusión de los
resultados y se concluye con una reexión a partir de los datos generados.
2 eScenario: ¿de dónde ParTiMoS?
La revisión para conocer el estado de la cuestión del tópico
seleccionado se realizó a partir de tres focos principales: la normativa
existente, las investigaciones cientícas y las estadísticas de los últimos
años. Fruto de esta revisión, se pone de maniesto que existe a nivel
mundial un amplio entramado legislativo referente a la igualdad de género
y la violencia contra las Mujeres. Ya desde 1948, la Asamblea General de
las Naciones Unidas proclamó la Declaración Universal de los Derechos
Humanos (DDHH). A esta Declaración (1948), siguieron diferentes
convenciones, conferencias y declaraciones que han ido concretando los
ordenamientos normativos para la protección de los Derechos Humanos
Eaçã, , ê
 êa
17
en general y de la mujer en particular. Tanto a nivel mundial, europeo,
español y mexicano.
Por otro lado, en relación a las investigaciones encontramos que
Smith et al. (2003), revelaron que al nalizar el 4º año de universidad, más
del 80% de las participantes habían experimentado violencia física al menos
una vez –por parte de compañeros, profesorado o personal universitario-
siendo un 63,5% de índole física y sexual. Sólo el 12% rerieron no haber
sido ni física ni sexualmente violentadas durante los últimos 5 años. Straus
(2004) en sus pesquisas muestra como un 29% de los estudiantes, en los
12 meses previos a su investigación, había cometido agresiones físicas
menores, registrando, por otro lado, un 10% de estudiantes que habían
agredido físicamente y de forma grave a su pareja
1
. Straus replica su estudio
en 2008, reportando que el 25% de los participantes habían cometido
agresiones físicas menores hacia su pareja durante ese año, oscilando las
agresiones entre un máximo del 95,5% en Irán y un mínimo del 10% en
Singapur.
En esta misma línea, Graves et al. (2005) llevaron a cabo un
estudio longitudinal durante los cuatro años de universidad, concluyendo
que durante el primer año es más probable que las mujeres sufran violencia
física y sexual, registrando un porcentaje del 25,5% entre las mujeres
encuestadas, seguida por el 6,6%, 4,9% y 3% en el segundo, tercer y
cuarto año respectivamente. Es necesario resaltar que los resultados de las
investigaciones muestran que la violencia en el ámbito universitario, no se
produce sólo entre iguales, sino también entre profesorado universitario
masculino hacia las alumnas; o hacia profesoras universitarias por parte
de compañeros de trabajo, superiores o incluso alumnos. Edwards et al.
(2009), obtienen que un 87% de las mujeres universitarias participantes
en su estudio habían sufrido abuso verbal-psicológico por parte no sólo
de sus compañeros sino también de los profesores o en sus relaciones
interpersonales en su entorno cercano. Posteriormente, Edwards,
Bradshaw and Hinsz (2014) en un estudio realizado con86 estudiantes
universitarios, varones heterosexuales estadounidenses, encontró que un
31,7% de los participantes obligaría a una mujer a tener relaciones sexuales
1
Se estipulan las bofetadas o tirar pequeñas cosas a la pareja femenina como agresiones físicas menores, mientras
que las agresiones físicas graves contemplan puñetazos, ataques con objeto o intento de asxia.

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en una “situación que no trajera consecuencias”, y muchos no reconocerían
dicha acción como “violación”. Además, el 13,6% de los participantes
armó que violaría a una mujer “si nadie nunca lo supiera y no hubiera
consecuencia alguna”.
Una de las aportaciones más interesantes a partir de consultar
diferentes estudios: además de la demostración de la existencia de un alto
porcentaje de agresiones físicas, psicológicas, verbales e incluso sexuales
entre el estudiantado universitario, es relevante el poco reconocimiento
y/o conocimiento que el alumnado universitario tiene acerca de este
fenómeno. Gross et al. (2006), en su estudio acerca de las experiencias de
mujeres universitarias con contactos sexuales no deseados, muestran que
desde que se matricularon en la universidad, un 27% de las participantes
había sufrido algún tipo de abuso sexual no deseado (desde besos hasta
penetración) y tan sólo el 0,6% mujeres habían denunciado esta situación
a la policía o a las instituciones pertinentes.
Esta falta de reconocimiento es interpretada en ciertos estudios
como consecuencia del mantenimiento de estereotipos o de creencias erradas
acerca de la violencia de género, tanto por agresores como por víctimas y
de sus implicaciones e incidencia. Nayak et al. (2003) encuestaron a 1067
estudiantes de cuatro naciones diferentes (India, Japón, Kuwait y EEUU).
Los resultados reejan actitudes basadas en creencias erróneas, que este
colectivo mantiene frente al fenómeno de la violencia contra las mujeres.
A modo de ejemplo, el 25% del estudiantado encuestado ante un asalto
sexual, estaban convencidos de que la víctima era la culpable porque (casi
con total seguridad) había sido demasiado coqueta, vestía ropa indecente o
se había insinuado. Respecto a la violencia conyugal, entre un 6% y 12% (en
función de la nación) consideraba que el marido tenía derecho a golpear a
la mujer si no era obediente, no lo cuidaba o si había sido inel. Resultados
similares muestra la investigación llevada a cabo por Straus (2004), en su
estudio, involucra a 31 universidades de 16 países, participando un total
de 8666 estudiantes. Entre los cuales, un 42% aprueba la violencia hacia
las mujeres en determinadas circunstancias
2
.
2
Aluden a circunstancias tales como quemar la comida o negarse a tener relaciones sexuales con el marido/
pareja.
Eaçã, , ê
 êa
19
Se comprueba en los resultados de las investigaciones a nivel
internacional los elevados índices de violencia física, sexual o psicológica
producidas en el contexto universitario y entre parejas con formación
académica universitaria, corroborando que la violencia de género es
un fenómeno que ocurre en las universidades y entre universitarios-
universitarias, por tanto es una falacia considerar que esta violencia es una
cuestión de personas con “pobreza” educativo-académica.
Por tanto, en el plano de lo políticamente correcto podríamos
armar que la igualdad entre mujeres y varones es un hecho ante la
Ley. En este sentido gozamos de idénticos derechos y deberes pero, ¿de
idénticas oportunidades de ejercerlos? Es innegable el reconocimiento
jurídico de este principio. No obstante si bien existe sobre el papel, todavía
encontramos injusticias contra las mujeres que muestran que la igualdad
efectiva continúa siendo una tarea pendiente.
3 ¡enTre BaMBalinaS!: SuPueSToS TeóricoS
La persistencia de desigualdades, discriminación y violencia de
género muestra que, las relaciones entre mujeres y varones están menos
transformadas de lo que a primera vista se podría creer (BOURDIEU,
2000). Supercialmente, creemos que ya está todo hecho; es una convicción
aceptada por gran parte de la ciudadanía que las mujeres gozan de las
mismas oportunidades y libertades que los hombres, incluso a veces más.
Esta armación es invalidada por los datos, cifras y evidencias presentadas
en el aparatado anterior; es cierto que hemos incorporado en nuestros
discursos y marcos normativos el principio de la igualdad, sin embargo,
coexisten muchas formas de injusticia, disimuladas bajo un espejismo de
igualdad que se mueve entre los límites de un suelo pegajoso y un techo
de cristal, esmerilado en muchas ocasiones tras el velo de un sexismo sutil
(SIMÓN, 2011).
Esta especie de espejismo es un fenómeno social que presenta
la igualdad entre mujeres y varones como una cuestión ya conseguida,
practicando un igualitarismo androcéntrico, en el cual la visión del mundo
se basan en el punto de vista masculino y las mujeres sólo tienen que
incorporarse (y adaptarse) a esta visión parcial. Este hecho constituye un

20
grave problema de justicia ya que cualquier persona (para constituirse como
tal) tiene la necesidad de objetivarse, es decir, producir materializaciones
de su propio ser (subjetivo) en forma de ideas, pensamientos, creencias o
productos (como obras de artes o escritos literarios) y de ser reconocido
por el entorno y la sociedad. Impedir (o no posibilitar) que las mujeres, o
cualquier ser humano, consigan esta objetivación implica un grave atentado
contra el proceso de dignicación de cualquier persona. La dignidad es una
cuestión inherente al mismo hecho de ser persona y exige ser desarrollada.
¿Qué ocurre en las universidades? ¿Se posibilita este proceso
dignicante? ¿Esta igualdad efectiva es una realidad o tan sólo una formalidad
reejada en las normativas de las instituciones? En la actualidad, nuestras
sociedades se caracterizan por la inequidad, injusticia, violencia, corrupción
y manipulación. En este contexto, la dignidad y las posibilidades de una
vida dignicantes son vulneradas constantemente. Vivimos en sociedades
y estudiamos en universidades en las que las relaciones entre mujeres y
varones son relaciones de iguales en derechos practicados por desiguales
en los hechos. Hay adecuados discursos y malas prácticas que alertan que
las desigualdades entre mujeres y varones son una realidad. La violencia de
género es el símbolo más claro de la persistencia de dichas desigualdades
(SIMÓN, 2011).
Una de las causas que provocan estas situaciones tiene su origen
en prejuicios y tradiciones ancestrales que legitiman una estructura social
basada en la dominación/sumisión de los sexos, utilizando la diferencia
biológica, especícamente la anatómica, como justicación natural de
las diferencias en cuanto a capacidades, actitudes y aptitudes, es decir,
las diferencias biológicas visibles son traducidas a diferencias sociales
construidas. Estructura que atenta contra los principios democráticos
sobre los que se asienta cualquier Estado de derecho. Conseguir la igualdad
entre mujeres y varones es una cuestión de ineludible urgencia no sólo por
su carácter ético sino porque es una cuestión de justicia social, derechos
humanos y democracia.
Es un requisito imprescindible incorporar el principio de igualdad
en el ámbito universitario para alcanzar la calidad y la excelencia académica,
aprovechando el potencial y capacidades de toda la comunidad, mejorando
la rentabilidad y la gestión del tiempo de los recursos humanos y del
Eaçã, , ê
 êa
21
conocimiento, consolidándose un compromiso rme en la construcción
de una sociedad más equitativa:
Abordar la igualdad desde el ámbito universitario resulta necesario
pues, en él siguen existiendo factores que pueden generar desigualdad
y afectan e inuyen en el desarrollo social, en la calidad de vida de las
personas y en la gestión del conocimiento. La igualdad se introduce
en las Universidades como parte de su compromiso social y consti-
tuye un factor de calidad y modernización, centrado en las personas, y
en toda la actividad universitaria. (INSTITUTO ANDALUZ DE LA
MUJER, 2011, p. 13).
Los documentos consultados así como la investigación empírica
aplicada revela que en las universidades, a pesar de lo estipulado en los
documentos ociales, del mismo modo que ocurre en el resto de ámbitos
sociales y culturales, existen situaciones discriminatorias hacia las mujeres
que pueden devenir en acoso y violencia no sólo entre iguales, sino también
por parte de profesorado universitario masculino hacia las alumnas o el
sufrido por profesoras universitarias por parte de compañeros de trabajo,
superiores o incluso alumnos.
3 el guión del filM: conSideracioneS MeTodológicaS.
El objetivo de nuestra investigación se centró en interpretar y
comparar las percepciones del estudiantado de la Universidad de Valencia
(UV) y de la Universidad Autónoma del Estado de Morelos (UAEM) hacia
la igualdad y prevención de la violencia de género.
La investigación es pluri-metodológica. Este enfoque parte del
presupuesto de considerar los diferentes enfoques metodológicos no como
opuestos entre sí, sino como un continuum, sirviéndose uno de otro y
complementándose a lo largo de todo el proceso de investigación debido
a la complejidad de la temática y a la profundidad a la que se quiere
llegar. Con este propósito, se utilizaron, como estrategia metodológica
y de forma complementaria: la perspectiva empírico-analítica –uso de
cuestionarios- pues permitió explicar y, en cierto modo, intentar predecir
el comportamiento del estudiantado; y la hermenéutico-interpretativa
–utilización de grupos de discusión- ya que posibilitó comprender los

22
signicados e intenciones de las acciones, comportamientos o decisiones
de las personas, a través de la interpretación de los discursos, resultado de
la interacción con los demás y el entorno.
Es importante señalar que la población de esta investigación es
todo el alumnado de la UV y de la UAEM. Con el n de generalizar los
resultados y ante la imposibilidad de administrar el cuestionario a todo el
estudiantado, se calcularon muestras representativas de ambas poblaciones.
Para estimar el tamaño de la muestra se optó por un nivel de conanza del
95%, y un error de estimación de un 5%, obteniendo nalmente 381
sujetos en la UV y 375 en la UAEM.
Una vez delimitado el tamaño de la muestra, se aseguró de
que cada estrato (ámbito de conocimiento/Dependencia y sexo) quedara
representado en una proporción exacta a su frecuencia en la población
total.
4 ¡a eScena!: diScuSión de reSulTadoS
La discusión se elabora a partir de la triangulación entre
cuestionarios, grupos de discusión, observaciones y supuestos teóricos de
la investigación.
El alumnado universitario identica la igualdad como un reparto
igualitario, es decir, dar a todos/as lo mismo, sin tener en cuenta la
singularidad de cada sujeto. Este hecho encierra en sí una grave injusticia
puesto que no tiene en cuenta los contextos especícos y la singularidad
de las personas (YURÉN, 2008). Por este motivo, es necesario transitar
a la igualdad efectiva o la equidad. La equidad no olvida ni diluye las
diferencias sino que es una cuestión correctora de la norma universal que
reparte a cada cual lo que realmente necesita, con el n de potenciar sus
capacidades personales al máximo.
Un primer aporte de este estudio es que muestra la necesidad de
profundizar respecto al concepto de igualdad, para poder reformular las
creencias del alumnado universitario en relación a este término en general y,
a la igualdad de género en particular. También se observa una discrepancia
entre lo que el alumnado cree que “ha de hacer su universidad”, lo que “la
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23
universidad supone que hace” y lo que “hace la universidad” respecto a la
igualdad y prevención de la violencia de género. Las cifras (70% UV; 68%
UAEM) muestran que el estudiantado cree que es función de la universidad
educar en igualdad de género pero, perciben que no está haciendo lo
suciente o no hace nada (32% UV y 45% UAEM). Existen múltiples
actividades e iniciativas que demuestran que no es totalmente cierta dicha
percepción, corroborándose la existencia de un problema de disposición
a percibir las acciones que se llevan a cabo en ambas universidades.
Problema que es necesario subsanar para lograr cauces de comunicación
efectivos. Comparativamente hablando, el estudiantado de la UV presenta
porcentajes ligeramente más elevados de acuerdo al considerar que es
función de la universidad formar en la igualdad entre mujeres y varones,
debiendo constituirse también en un referente social. No han de olvidarse
los matices; existe una parte del alumnado que se muestra en desacuerdo,
haciendo entrever que el tándem universidad y formación ética no es una
cuestión sine qua non sino que también existen resistencias.
Por otro lado, se observan datos interesantes respecto a la gura
del profesorado universitario. La imagen presenta discrepancias entre las
expectativas y la realidad percibida: un porcentaje elevado del alumnado de
ambas universidades cree que es responsabilidad del profesorado formar en
igualdad y prevención de la violencia de género (75% UV; 69% UAEM)
sin embargo, maniestan que el profesorado no se preocupa por promover
los valores de la ética cívica (50% UV; 45% UAEM) y no valora sus
esfuerzos por trabajar esta temática (38% UV; 34% UAEM).
Una diferencia entre las percepciones de los estudiantes españoles
y mexicanos estriba en el trato diferencial al alumnado en función del
sexo
3
(30% UV; 49% UAEM). Es interesante hacer hincapié en este dato
ya que es una cuestión de radical importancia pues su existencia, en el
marco universitario, obstaculiza el desarrollo integral del estudiantado
impidiendo que mujeres y varones desarrollen sus potencialidades,
vulnerando de esta forma las posibilidades de construir una vida digna, a
la altura de sus capacidades y no encorsetada en función del sexo/género.
3
El trato diferencial en función al sexo se reere a la percepción que tienen los estudiantes de que los hombres
son tratados de una manera por los profesores y las mujeres de otra. Lo anterior supone una serie de prejuicios
en torno a las relaciones de género que desde la percepción de los estudiantes universitario no ha cambiado.
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24
En cuanto al alumnado ¿qué actitudes expresan respecto a su
formación en igualdad de género? ¿cómo valora la situación actual de la
igualdad y la violencia de género en sus universidades? ¿qué intenciones
presentan respecto a trabajar estas cuestiones? ¿es importante para el
alumnado utilizar un lenguaje inclusivo? Comparativamente hablando,
el estudiantado de ambas universidades maniesta estar de acuerdo en
formarse en cuestiones relativas a la igualdad y la prevención de la violencia
de género (86% UV; 83% UAEM), insistiendo en la necesidad de que se
formen no sólo técnicos (en las competencias del saber y saber hacer) sino
también buenos profesionales (competentes en saber ser y saber estar).
Al abordar cuestiones relacionadas con la discriminación, las
desigualdades y la violencia de género en el contexto universitario, se
descubre en las percepciones de los estudiantes de ambas universidades
porcentajes elevados en torno a la opción de la escala “Indiferente”. Por
ejemplo, a la proposición “la violencia de género es un fenómeno que
existe en mi contexto universitario respondieron 33% de acuerdo y 22%
Indiferente en la UV y, 64% de acuerdo y 17% indiferente en la UAEM.
Está “Indiferencia”, suponemos responde al hecho de que estamos ante
ítems comprometedores, que implican un ejercicio de denuncia, una
toma de postura ante la institución, que no todos y todas están dispuestos
a asumir a pesar del anonimato asegurado. Las razones para este recelo
pueden ser diversas: miedo a posibles represalias; creer en su existencia
pero considerar que son hechos aislados y por ello no tiene importancia
especicarlos; no querer ser identicado/identicada como “feminista”; no
dar importancia a estas cuestiones ni a su tratamiento en la universidad;
ausencia de reconocimiento y/o conocimiento de estas situaciones; entre
otros. En este sentido, no hay que perder de vista que la violencia de género
que se produce en las instituciones universitarias y entre los miembros de la
comunidad es en muchas ocasiones sutil y normalizada, no siendo percibida
como tal (GROSS et al., 2006). Esta falta de reconocimiento es uno de los
principales obstáculos para superar y denunciar posibles prácticas abusivas
que se estén dando en el seno de las universidades. Este hecho es de suma
importancia puesto que los datos, testimonios y observaciones corroboran
que la violencia de género es una realidad que no es posible negar y también
ocurre entre personas con un nivel educativo superior.
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25
En otro orden de ideas, respecto a las predisposiciones del
alumnado hacia la igualdad y la prevención de la violencia de género
en ambas universidades se hallan tendencias positivas. Especícamente
se descubre un porcentaje ligeramente superior relativo a la intención
de trabajar por y para la igualdad como medio de prevenir la violencia
de género entre el estudiantado de la UAEM (56% UV; 64% UAEM).
Entre el alumnado de la UV se halla un acuerdo levemente superior en
relación a la no tolerancia y la predisposición a denunciar cualquier acto
que implique violencia de género (87% UV; 80% UAEM). En general,
tanto el estudiantado de la UAEM como de la UV presentan porcentajes
elevados de no tolerancia y una intención positiva de denunciar en caso de
que sea necesario (91% UV; 83% UAEM) sin embargo, es necesario tener
en cuenta las discrepancias posibles entre las declaraciones formuladas y las
conductas realizadas puesto que al analizar cada universidad por separado,
se han encontrado porcentajes ínmos de denuncias ante situaciones
de violencia de género (RAMÍREZ, 2008; VALLS et al., 2008). Es
importante remarcar que la existencia de un porcentaje, por minúsculo
que sea, de manifestar “acuerdo”, respecto a tolerar determinados actos
que impliquen violencia de género (UV: 3%; UAEM: 9%) alerta a que
parte del alumnado universitario siga aceptando que las mujeres pueden
ser dominadas y controladas e incluso, en algunos casos la violencia es
considerada una medida correctora de comportamientos calicados por
cierto grupo social como no adecuados.
Al observar en detalle los resultados obtenidos, es interesante
resaltar ciertas cuestiones. Se descubre que buena parte del alumnado,
con mayor frecuencia varones, maniestan que las estudiantes reciben
un trato más delicado y ciertos privilegios por parte de los profesores.
Sin embargo, estos privilegios son denidos por algunas mujeres como
cuestiones molestas”, porque se les considera “más trabajadoras” pero
menos capaces”. La pregunta obvia: ¿Este trato diferenciado es benecioso
para alguien? En este trabajo se declara que no, ya que diferenciar y
tratar a alguien en función de su sexo menoscaba las potencialidades de
las personas, anulando el desarrollo de ciertas capacidades, encorsetando
sus posibilidades en función de unos atributos marcados por el sexo que
simplican la diversidad real existente.
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26
Al indagar acerca de la existencia de violencia de género en el
ámbito universitario, en mayor medida las mujeres de la UAEM frente a
las mujeres de la UV y a los varones de ambas universidades, todos arman
que es una realidad, la cual ocurre de un modo tan sutil que no es percibido
por la mayoría. Se observan porcentajes de acuerdo demasiado elevados,
tanto entre varones como entre mujeres, al considerar que existe violencia
de género en el contexto universitario. Estos datos revelan la necesidad
de introducir nuevas medidas y acciones que prevengan y erradiquen
cualquier situación que implique discriminación, desigualdad y/o violencia
de género, así como formas para reconocer aquellas situaciones que por
su normalización o naturalización no son identicadas como actos que
menoscaban la dignidad de las personas.
Los resultados hallados revelan que la violencia, discriminación
y desigualdad por razones de género es una cuestión que también ocurre
entre personas con un nivel educativo superior. De esta revelación
podría extraerse una conclusión: la educación no asegura la prevención
y erradicación de la violencia de género. Al revisar los planes de estudio
universitarios se comprueba que contienen saberes dirigidos exclusivamente
al desempeño técnico-laboral, con ciertos tintes que intentan darle un
enfoque humanístico, relacionado con cuestiones éticas. Sin embargo, no
se percibe una preocupación por incluir estos aspectos que modiquen:
los esquemas de percepción, las creencias, las actitudes arraigadas y los
supuestos erróneos para prevenir la violencia de género de forma ecaz así
como cualquier otro fenómeno social que menoscabe la dignidad de las
personas, formando buenos profesionales y no sólo técnicos competentes.
5 Se Baja el Telón: reflexioneS finaleS
En este trabajo se reconoce la inecacia de los procesos legislativos
que legitiman que se siga perpetrando la violencia, porque los juicios de
valor que se realizan para su reconocimiento se fundan en valores aceptados
por grupos hegemónicos entre los que se tiene una concepción ideal de la
mujer que dista mucho de la diversidad real. Cada palabra, cita, expresión
o incluso, cada silencio empleados en este estudio enfatizan la importancia
de analizar y comprender las percepciones del alumnado universitario
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 êa
27
respecto a la igualdad y la violencia de género, valorando la función real
que las universidades y el profesorado universitario están desarrollando al
respecto. Reiteramos que las instituciones de Educación Superior están
consideradas como espacios a la vanguardia del pensamiento, creadoras y
difusoras de cultura en el seno de la sociedad, y por ello, tienen compromisos
y responsabilidades sociales y ciudadanas que no pueden eludir: han de
convertirse en referentes, investigando de forma rigurosa, sensibilizando e
informando, mostrando una actitud de tolerancia cero ante casos de acoso
y discriminación por razones de género (y de cualquier otra índole). La
universidad es una institución social que no puede permanecer ajena a
los asuntos relacionados con la igualdad y prevención de la violencia de
género, pues de su implicación y compromiso depende el desarrollo de
profesionales comprometidos con este principio ético y democrático.
El primer paso para asumir este compromiso es reconocer
desde la propia universidad, que dentro de sus muros existen situaciones
que son consideradas por la comunidad cientíca internacional como
discriminatorias, incluso como violencia de género. Sin duda, cuando
existen estas situaciones no podemos decir que haya igualdad real entre
varones y mujeres.
En relación al profesorado universitario, esta investigación da
cuenta de que en esta época de reexión rápida y demandas exógenas, su
función está sometida a altos niveles de escrutinio, resultado de una serie
de exigencias derivadas de las nuevas tendencias educativas y sociales que
les plantean nuevos retos a los cuales hacer frente. En la investigación,
el estudiantado revela la necesidad de que el profesorado universitario
trabaje no sólo con “el cerebro” también “con el corazón”, es decir, no
solamente competencias cientícas (saber) o metodológicas/técnicas (saber
hacer) referidas a la disciplina en la que están insertos, sino también las
competencias sociales (saber estar) y personales (saber ser), resaltando la
importancia de desarrollar en la formación del profesorado los valores de
igualdad y respeto.
En este sentido, el primer paso que ha de dar el profesorado
universitario hacia una docencia integradora de corazón y cerebro, es el
de reconocer a los alumnos y a las alumnas como ese “otro” con derechos,
dignidad y libertades que son intrínsecas a todo ser humano, pero también
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28
reexivos y críticos. El alumnado exige docentes comprometidos con
su investigación y docencia pero también remarcan la necesidad de que
asuman un enfoque basado en los valores de la ética cívica, que sean
reexivos, deliberativos y orientados a formar, no sólo profesionales, sino
también personas y ciudadanos/ciudadanas. Es fundamental lograr esto
para erradicar la existencia de ese trato diferenciado que ciñe al alumnado
en función del sexo/género, obstaculizando su desarrollo personal e
impidiendo que manieste todas y cada una de sus capacidades. Ante esta
situación es necesario trabajar en los valores, los principios, las creencias
y en los dilemas que la igualdad y respeto mutuo demandan de los
universitarios.
En síntesis, en las universidades siguen existiendo elementos que
generan desigualdades, discriminación e injusticia. Como se ha podido
comprobar, al realizar el estudio comparado se hallan diferencias entre
universidades de dos países; hubiera sido descabellado pensar que las
respuestas dadas por el alumnado de una universidad y otra fueran idénticas
ya que son contextos diferentes con su singularidad, su idiosincrasia y su
complejidad. Aunque, si bien es cierto, de forma global los resultados
hallados han revelado tendencias similares en las percepciones del
estudiantado respecto a las cuestiones investigadas.
Es fundamental instaurar el principio de igualdad y erradicar la
violencia de género en el ámbito universitario para ser justos con la propia
comunidad universitaria y el resto de la sociedad. En este sentido, ante
la pregunta ¿es posible erradicar todas las posibles luchas resultantes de la
mecánica del poder? Foucault (1998) armaba que las relaciones de poder
nunca desaparecerían: No, ese ideal no era más que un cuento de hadas.
La realidad era que la lucha nunca tendría un nal; sin embargo, también
insistía en que la verdadera lucha sólo se perdía si no se combatía, si no
se trabajaba en el día a día, si no se resistía. Tal vez sea una utopía hablar
del n de la discriminación, de la desigualdad y de la violencia de género
pero, es posible seguir caminando y avanzando para lograr profundas
transformaciones y un mundo más equitativo, más justo.
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violencia conTra la Mujer y Prevención de
violencia en laS eScuelaS: un Modelo
Susan McCrae Vander Voet
inTroducción e HiSToria
Cualquier persona podría justicadamente preguntarse: Y
porqué estamos hablando de prevención de violencia en escuelas primarias si es
que lo que queremos es parar la violencia contra la mujer?”
Después de 25 años de trabajo en este campo, en los años 1993-
1995, en Toronto, Canadá, una organización-líder, METRAC (Metro
Action Committee on Violence Against Women and Children) reconoció
al igual que muchas otras organizaciones, que , aúnque habíamos logrado
mucho para proteger mujeres golpeadas y violadas, si lo que queremos
es terminar con esta violencia algún dia , tendriamos que empezar a
trabajar en la prevención de violencia a una temprana edad con niños de
primaria. Con esta posición estuvo de acuerdo el Ministerio de Educación
de Ontario de esa época, que apoyó y nanció un proyecto para mobilizar
partners o socios y desarollar un modelo que pudiéramos utilizar en las
escuelas públicas en Ontario.
El proceso en el cual nos embarcamos incluyó a muchos
sectores: educación, salud, organizaciones de mujeres, organizaciones
de la comunidad lesbiana y homosexual, organizaciones promotoras de
igualdad racial y cultural, la policía de tres regiones, servicios sociales,
sistema judicial representados por los scales, servicios comunitarios no
gubernamentales, abogados de familia y de juveniles. También incluyó a
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p33-38

34
mujeres golpeadas y violadas que fueron indispensables para que todos
pudiesen apreciar los aspectos positivos junto con las fallas de los sistemas
serviciales, policiales y judiciales. Todos aprendimos muchísimo acerca del
campo de trabajo en la violencia y sus efectos en las afectadas, lo que
eventualmente, después de dos años y medio de discusiones nos llevó al
modelo que presentamos a continuacion.
Lamentablemente, tan pronto habíamos terminado el proceso
y publicamos el modelo, hubo un marcado cambio político en Ontario,
que resultó en que las nuevas autoridades de gobierno se mostraron
totalmente desinteresadas en el tema de violencia con la excepción de ver
la oportunidad de construir mas cárceles. Prevención claramente no era
parte del vocabulario del nuevo govierno por lo que este modelo nunca
fué implementado en Ontario. Sólo el gobierno de Costa Rica se interesó
y apoyo una sesión de entrenamiento piloto, que tomó vuelo y el modelo
con algunas modicaciónes fue adoptado e implementado en ese pais.
Lo que viene a continuacion fué presentado en forma de ‘Power
Point’ en la XVIII Semana de la Mujer, en el campus de Unesp (Universidad
Estadual Paulista) en Marília, São Paulo en Marzo, 2015.
violencia conTra la Mujer
La Organizacion Mundial de Salud (OMS) reportó las siguientes
estadisticas mundiales sobre violencia contra la mujer, en un reporte que
se publicó en Noviembre, 2014: Estimaciones mundiales y regionales de
violencia contra la mujer
1
.
1 de cada 3 mujeres que tiene o ha tenido pareja es victima de violencia ya
sea física o sexual, o ambas, inigidas por la pareja a lo largo de su vida.
La prevalencia mundial de violencia contra la mujer varía en diferentes
países de un 15% a un 71%. La cifra mas baja se obtiene en Japón y la mas
alta en Bangladesh.
En Brasil, de mujeres entrevistadas en una encuesta relacionada con este
tema, un 29% en Sao Paulo y 37% en Pernambuco reportaron incidentes de
violencia por parte de su pareja.
1
Disponible en: <http://www.who.int/entity/reproductivehealth/publications/violence/9789241564625/es/
index.html>. Acceso en: marzo 2015.
Eaçã, , ê
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35
Estas diferencias en niveles de incidentes indican que es posible prevenir la
violencia; o sea que ésta no sería inevitable.
la violencia adoPTa y Se ManifieSTa en MucHaS forMaS:
Violencia de pareja es la forma mas común vivida por mujeres y puede ma-
nifestarse en violencia sica o sexual o de ambas formas. Otras formas de
violencia menos documentadas son económica y psicológica o emocional.
Violencia contra la mujer por personas conocidas, pero que no son su pa-
reja se da comúnmente en personas en posiciones de poder (profesores, sa-
cerdotes, médicos, consejeros, jefes, parientes,). Personas en un relación de
cercanía o intimidad pueden tambien ser fuentes de violencia o de amenazas
y chantajes en forma abierta o solapada.
dañoS y efecToS de violencia SoBre la Mujer
Físicos – fracturas, lesiones, moretones, enfermedad, compromiso general de
su salud, muerte, aborto provocado;
Sexuales – heridas internas, embarazo, aborto espontáneo, enfermedades se-
xuales, lesiones, moretones, compromiso general de su salud, muerte,
Sicológicos – baja de autoestima, pesadillas, miedo, mala concentración, de-
presión, sentido de amenaza constante,
Económicos – baja de ingresos, perdida de trabajo, falta de promoción, nega-
ción de apoyo naciero de la pareja,
dañoS y effecToS en loS niñoS TeSTigoS de violencia
Ven a la violencia normalizada en relaciones entre adultos.
Aprenden que uso de violencia es la solución preferida al conicto.
Los niños varones aprenden que el ser violento con la pareja es una conducta
normal y aceptada.
Las niñas aprenden el rol de ser victimas.
Ningún miembro de la familia aprende relaciones basadas en igualdad o har-
monía, ni tampoco aprenden de negociación y compromiso en situaciones
de conicto.
La tragedia = hay muchas probabilidades de que SE REPITA la violencia
aprendida, en las generaciones que siguen.

36
Prevención de violencia ? cóMo? Por dónde eMPezaMoS?
Prevención comienza en la familia, la escuela y la comunidad.
Prevención reconoce el daño hecho a las victimizadas tanto los daños directos
como indirectos.
Prevención debe , en forma proactiva , proteger como una absoluta priori-
dad, a las que han sido victimizadas.
Prevención desarrolla redes de apoyo y de servicios para las victimizadas.
Prevención instituye programas (de qué tipo??) y sanciones reales y ecaces
para los perpetradores.
Prevención educa a todos los profesionales: sistemas judiciales, de salud, edu-
cadores, medios de comunicación, y a los niños, padres y comunidades
.
Modelo: Prevención de violencia en las escuelas sobre toda consideración
las Escuelas deberian ser lugares de Seguridad, Salud y Aprendizaje
El Marco de Referencia para las Escuelas promotoras de la paz tiene que ser primero y ante todo
Equidad.
Eaçã, , ê
 êa
37
que quereMoS decir con equidad?
Equidad en la escuela se puede entender como el apreciar
y valorizar diferencias y también el ortorgar apoyo y recursos según las
necesidades de cada estudiante para alcanzar sus objetivos. Es importante
enfocar en obtener equidad de:
Raza
Cultura
Género
Clase
Sexualidad
Situación económica
Diferentes etapas del desarrollo
Dentro del marco de referencia Equidad- un aspecto clave es
observar y demostrar respeto a las diferencias en todos sus aspectos y formas.
Equidad exige adquirir nuevos valores como aquellos que permiten apreciar
las contribuciones de todos, asi como desarrollar nuevas estrategias para
reclutar y entrenar alumnos como partners, socios y mediadores, para así
lograr equidad en las escuelas. Sólo cuando vamos avanzando y hacemos
logros reales en equidad, es que se dan las condiciones para prevenir la
violencia y desarrollar escuelas que estén libres de violencia.
loS requiSiToS Son:
Que sea un proceso colaborativo entre todos;
Que incluya la escuela, los profesores, administradores y personal, los niños y
sus familiares y la comunidad alrededor que les apoya;
Que mobilice las instituciones de servicio: policía, Iglesias, hospitales;
Que tenga y desarolle líneas de comunicación entre todos;
Que entregue entrenamiento para todos en prevención de violencia y equidad;
eSTraTegiaS PrevenTivaS
Inserción de equidad en todas las materias y aspectos del plan de estudios
Inversión en recursos humanos entrenados y adecuados
Investigación evaluativa a cada paso del proceso colaborativo
Renovación y cambios al programa basados en evidencia evaluativa

38
eSTrucTuraS y PrácTicaS
Sistemas en la escuela que respondan rápida y ecázmente en apoyar y prote-
ger a las personas victimizadas
Sistemas comunitarios de apoyo establecidos para victimizadas y para reedu-
car y cohibir acciones dañinas de los perpetradores
Acción política para mejorar servicios, proveer recursos y entregar otras for-
mas de asistencia al Proyecto Prevención de Violencia
Reforma Judicial que comprenda y que apoye a los objetivos de prevención
de Violencia.
aMBienTe PoSiTivo de aPrendiSaje
Ambiente colaborativo entre alumnos, profesores, padres y gestores
Entrega de enseñanza centrada en los alumnos y sus necesidades
Servicios directos en la escuela misma para las victimizadas
Apoyo a los victimizados en casos de violencia
El sueño y la esperanza del Proyecto “Escuelas libres de violencia
tiene que ser de generar un ambiente comunal, orgánico y positivo, mas
aún progresista de manera que la prevención de violencia sea el producto
mas destacado de este proceso del cual emerge con toda naturaleza.
39
¿cóMo la EScuela noS TranSforMa de
ESPecTadoraS en ProTagoniSTaS? adulTaS
Silenciando la Violencia de Género
Gabriela Alejandra Ramos
la violencia de género: currículo nulo en la forMación docenTe
En esta ocasión compartiré algunas conceptualizaciones surgidas
a partir de una experiencia de formación docente continua anclada en CePA
1
durante 7 períodos consecutivos. La Escuela de Capacitación Docente
- Centro de Pedagogías de Anticipación (CePA) es un espacio público de
formación permanente para docentes, que depende del Ministerio de
Educación del Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires. Fue fundada en
1984 y brinda a docentes de todos los niveles y modalidades, la posibilidad
de actualizarse, perfeccionarse e intercambiar experiencias en forma gratuita.
En su web podemos leer
Cada año, más de 23.000 miembros del sistema educativo porteño
participan en alguna de las aproximadamente 800 propuestas que el
CePA ofrece en sus diferentes modalidades de capacitación. Como
ámbito de encuentro, estudio y reexión ofrece, a quienes trabajan en-
señando, la posibilidad de ejercer un análisis crítico acerca de su labor
y actualizarse en diferentes teorías y prácticas educativas. Se propone
así contribuir a dar otros sentidos al trabajo de enseñar, para potenciar
a las escuelas como espacios de experiencias democráticas, cálidas y
enriquecedoras para quienes las habitan.
1
Disponible en: <http://www.buenosaires.gob.ar/areas/educacion/cepa/quees.php?menu_id=20812>. Acceso
en: marzo 2015.
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p39-51

40
CePA ofrece varios espacios de capacitación, uno de los formatos
es institucional. Esta modalidad está centrada en cada escuela y destinada a
docentes y directivos de un mismo establecimiento. Parte de la preocupación
por articular los requerimientos de las instituciones para la puesta en marcha
de sus proyectos de enseñanza con temas y enfoques introducidos por los
diseños curriculares y las prioridades políticas de cada gestión.
La experiencia analizada fue desarrollada con la modalidad de
curso presencial, con tres horas de cursada semanal y aprobación con
régimen de asistencia y presentación de evaluación nal individual,
presencial, escrita y obligatoria. Estos cursos regulares se realizan dos
veces por año, se cursan fuera del horario de trabajo y otorgan el puntaje
necesario para “la carrera docente”.
Esta propuesta surge cuando una escuela media solicita a una
capacitadora que está concurriendo a la institución para formar al equipo
docente en los lineamientos de ESI que incorpore en su programa el tema
violencia de género”. La colega no acepta por no sentirse preparada para
dar el tema; lo plantea en reunión de equipo y muchos formadores se
preguntan si ese contenido corresponde ser abordado por el núcleo que se
denomina Educación Sexual Integral. Se genera el debate.
Considero importante poder acompañar a las escuelas con
formación e información sobre este tema porque el lugar que la escuela
deja vacante lo ocupan las ONGs, muchas de las cuales están formadas
por reconocidas feministas pero otras muchas por profesionales formados
en diversas carreras que independientemente de su formación académica
sostienen una postura más cercana a la fe y a la tolerancia que a la garantía
de derechos.
De este modo sostengo que es un tema que corresponde al área y
ante la ausencia de un contenido que considero prioritario decido ofrecer
un curso fuera de servicio que aborde esta temática. La coordinadora
sugiere que lo presente bajo otro formato: cambio de nombre y de área.
Es así que se incluye en el núcleo de Formación Ética y Ciudadana, al
cual pertenezco, con un nombre de fantasía y un copete que hace liviana
mención a los contenidos del curso y dice así:
Eaçã, , ê
 êa
41
El curso propone analizar la violencia social en los contextos más pró-
ximos a la realidad escolar: familias violentas, violencias mediáticas.
¿Cómo responde la escuela ante las múltiples violencias a la que están
expuestas los/as niño/as y adolescentes? ¿Cuál es la responsabilidad que
le corresponde a la escuela en la “denuncia” / “visibilización” de situa-
ciones de violencia? ¿Cómo contribuir a la construcción de ciudadano/
as que conozcan sus derechos y puedan defenderlos?
Bajo el eufemismistico titulo “las violencias que rodean a la escuela
se encuentran encubiertas la violencia familiar y violencias mediáticas
como parte de la violencia de género. Parece que la violencia sexista y
patriarcal aún no puede ser nombrada explícitamente en la escuela como
si no fuese un contenido sucientemente valioso para tener un nombre
y apellido propios. Todavía asusta hablar de violencia intrafamiliar en el
contexto de la escuela, como si, por desarrollarse en un ámbito privado,
no debiésemos de ocuparnos… ni docentes ni formadores de formadores
reconocen la importancia de actualizarnos en estas temáticas.
El curso que dicto tiene por objetivos:
Sensibilizar acerca del problema social que implica la violencia de gé-
nero y transformarlxs en sujetos protagonistas del proceso de cambio
Reconocer en el patriarcado la matriz que posibilita la violencia de
género como una de las manifestaciones de relaciones desiguales de
poder.
Generar un espacio de reexión y análisis sobre los diferentes tipos de
violencia de género, en particular, la intrafamiliar.
Capacitar para la detección de los casos de violencia de género en la
escuela.
Estimular el desarrollo de trabajos de prevención de la violencia de
género en las aulas en pos de lograr la modicación de estereotipos
sexo-genéricos.
Asesorar sobre las instituciones dedicadas a la prevención, tratamien-
to, contención y resolución de casos de violencia para trabajar en red
desde la escuela.

42
Los contenidos se organizan en 4 ejes:
1 Marco teórico:
1.1 Concepto de patriarcado- perspectiva de género-derechos humanos-
1.2 Cultura de paz-valores: discriminación, políticas de discriminación
positiva.
1.3 Violencia intrafamiliar. Concepto, ciclo de la violencia. Mitos sobre
causas y efectos
1.4 Femicidio y feminicidio
2 Detección y modalidades de abordaje:
2.1 Aspectos psicológicos: Síndrome de la mujer maltratada. Síndrome de
la indefensión aprendida.
2.2 Detección de casos de violencia intrafamiliar:
2.2.1 Indicadores de riesgo inminentes.
2.2.2 Indicadores de riesgo a corto plazo.
2.2.3 Indicadores comunes en los hijos de la pareja.
2.3Abordaje de la Violencia Intrafamiliar
2.4 Procedimientos ante una mujer en situación de violencia.
2.5 La necesidad del acompañamiento institucional.
2.6 Medidas de autoprotección.
3 Propuestas de acción-
3.1 Marco legal y herramientas jurídicas
3.2. Modelos de protección de la víctima.
3.3 Herramientas para prevención, tratamiento y contención de la víctima
de género. Guía de servicios
4 Violencias mediáticas:
4.1 Los medios de comunicación y la violencia de género.
4.2 Estereotipos en la publicidad.
4.3 Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual.
4.4 Campañas, decálogo de lenguaje no sexista, Red PAR y otras.
Eaçã, , ê
 êa
43
La consigna de evaluación es seleccionar destinatarios-as de la
comunidad educativa (que pueden ser docentes, familias, alumnos-as)
y preparar con alguna herramienta de comunicación la transmisión de lo
aprendido durante el curso. Todo formato es válido si es adecuado al público,
puede ser una clase, una reunión para familias, una jornada para colegas, lo
importante es encontrar el dispositivo de comunicación adecuado.
La mayoría de las docentes presenta como actividad de cierre:
1 Para trabajar con grupos de alumnos y alumnas:
1.1 Power point para presentar conceptos teóricos
1.2 Carteleras informativas con los materiales que aporta el Consejo de la
Mujer de la Ciudad y de la Nación
1.3 Lectura de cuento o novela sobre maltrato en las relaciones interperso-
nales con análisis posterior.
1.4 Proyección y análisis de película.
2 Reunión con familias.
2.1 Análisis de letras musicales. Selección de tangos, boleros, música folk-
lórica y cumbias con contenidos sexistas. Actividad que también replican
con alumnos-as con ayuda del profesor de música.
2.2 Lectura y comentario de artículos periodísticos.
En esta propuesta se evidencia claramente la dicultad de
plantear estos contenidos a las y los colegas como cuestiones relevantes
de preocupación social. Me interesa pensar por qué una profesión
tan feminizada hace oídos sordos a plantearse el tema al interior de las
instituciones formadoras. Tanto la escuela que forma docentes calla sobre
el tema como las instituciones educativas lo ocultan de sus espacios de
mejora institucional
2
. A estos contenidos que son necesarios para la
vida, contenidos transversales, pero que no aparecen sistematizados en
la escuela denominamos currículo nulo. Al currículum nulo, excluido o
ausente lo dene Eisner como aquel conjunto de contenidos, aprendizajes
y habilidades que no están presentes (o lo están de manera insuciente)
en los currículos diseñados o planicados, pero que constituyen una
2
Los espacios de mejora institucional son jornadas con suspensión de actividades dedicadas a trabajar cuestio-
nes relevantes para la comunidad educativa, la mayoría de las veces se encarga de plantear cuestiones meramente
administrativas.

44
de las demandas de los –as alumnos-as y de la sociedad en su conjunto
(ARRIETA DE MEZA, 2001; EISNER, 1979).
Más allá de los motivos de la omisión que pueden ser muchos,
lo signicativo es tener en cuenta que lo que la escuela selecciona para
enseñar responde a determinadas valoraciones sociales e ideológicas del
conocimiento que está determinado en el currículo ocial.
Cuando pensamos la violencia en la escuela, nunca sospechamos
que la violencia de género intrafamiliar es un contenido que nos corresponde
abordar. De ahí la relevancia de recordar a Celia Amoros cuando sostiene
que conceptualizar es politizar.
PenSando SoBre la eScuela
Siguiendo la Ley nº 26.485 en su artículo 4º denimos como
[...] violencia contra las mujeres toda conducta, acción u omisión, que
de manera directa o indirecta, tanto en el ámbito público como en
el privado, basada en una relación desigual de poder, afecte su vida,
libertad, dignidad, integridad física, psicológica, sexual, económica o
patrimonial, como así también su seguridad personal. Quedan com-
prendidas las perpetradas desde el Estado o por sus agentes. Se consi-
dera violencia indirecta, a los efectos de la presente ley, toda conducta,
acción u omisión, disposición, criterio o práctica discriminatoria que
ponga a la mujer en desventaja con respecto al varón.
De acuerdo al artículo 5 de la presente Ley se tipican: violencia
física, simbólica, sexual, económica y patrimonial, psicológica, contra la
libertad reproductiva y obstétrica. Y las modalidades o los ámbitos en los
que se presentan: domestica, institucional, laboral (ya sea público o privado)
y mediática. Estas categorías y sus respectivas deniciones componen el
insumo básico con el que el Observatorio
3
de Género construyó una
matriz conceptual que constituye la estructura básica sobre la que se apoya
su trabajo y que tomo como marco conceptual.
Si bien las situaciones de violencia impactan en todxs lxs sujetxs
que participamos del mundo social, es bien sabido que impactan de manera
3
Disponible en: <www.cnm.gov.ar>. Acceso en: marzo 2015.
Eaçã, , ê
 êa
45
diferente en varones y en mujeres. La violencia hacia las mujeres tiene un
impacto muy fuerte en las docentes a nivel emocional aunque muchas
veces no sea percibido como tal. En una relación especular con la madre
de lxs alumnxs se juegan identicaciones de la propia experiencia personal
que generan sensaciones de angustia y malestar en el equipo docente. La
posibilidad de reexionar sobre el tema y abordarlo teóricamente ayuda a
la comprensión del fenómeno.
La violencia de género vulnera el conjunto de derechos humanos
y obstruye la capacidad de elección para encarar una vida digna, saludable
y creativa. La violencia intrafamiliar se encuentra atravesada por relaciones
de poder que operan al interior de las estructuras familiares tanto entre
mujeres y varones como entre adultos y niñas/os, adultos jóvenes y adultos
mayores y personas con distintas capacidades conjugando las desigualdades
de género y las intergeneracionales. Es tan vasta que por eso a menudo
se la denomina violencia doméstica pero a los nes de este trabajo sólo
me ocuparé de analizar la violencia sexista entre adultos generada por el
sistema patriarcal con un esquema de valores que avala la dominación de
unos sobre otras. Sistema que se sostiene también desde la escuela cuando
se refuerza a través de diferentes propuestas didácticas los estereotipos de
género. Estereotipos que construyen la femineidad hegemónica como
siempre sensible, tierna, sumisa y propendiente a la resolución pacíca de
conictos a través de la palabra. Se sobreestima el desarrollo de actividades
de diálogo y se privilegia la continuidad de la relación por sobre la garantía
de derechos para las niñas. Mientras que en el caso de la masculinidad
hegemónica se comprende que los varones sean más corporales a la hora
de resolver los problemas entre ellos y con las niñas. Es esperable de parte
de los equipos docentes que los varones puedan incurrir en exabruptos,
empleo del lenguaje soez y que sostengan actitudes agresivas a la hora de
las relaciones vinculares con pares. Es común el doble estándar evaluativo
de lo que denominamos “conducta violenta” en niños y niñas en la escuela.
Aunque cada vez más se observan la puesta en escena del cuerpo femenino
para abordar situaciones problemáticas, esto es sancionado severamente
desde la institución escolar.
En la República Argentina, como en otros tantos países, la
violencia de género se ve reforzada por la disparidad de trato en los servicios

46
públicos y un acceso no equitativo a la justicia. Con frecuencia, las mujeres
que padecen violencia reportan ser prejuzgadas e indebidamente tratadas
en las estaciones de policía y los juzgados de turno; es decir, en los propios
organismos estatales que deberían resguardar sus derechos.
Si bien la inecacia institucional suele vincularse con carencias
de recursos materiales y humanos, en el caso de la violencia de género
el acceso a la justicia se ve afectado por prejuicios que sustentan la
discriminación de género. A menudo, la violencia contra las mujeres no es
considerada prioritaria en sedes policiales y los juzgados y la desconanza
que experimentan las víctimas hacia las instituciones suele llevarlas a
desestimar la realización de las denuncias correspondientes. La sensación de
desprotección, junto a la desconanza en la justicia, colabora en perpetuar
la reproducción de la violencia en el hogar.
El décit de formación refuerza los problemas de acceso a la
justicia y de sostenimiento del proceso judicial y señala los escasos recursos
humanos capacitados en el ámbito policial, en los tribunales y en las
organizaciones sociales para abordar estos casos. La conjunción de esto
con la poca atención especializada y refugios temporarios disponibles,
la ausencia de políticas sociales de ayuda económica, en muchos casos
conlleva a una falta de respuestas idóneas que resulten en una salida de la
situación de violencia a lo que denominamos doble victimización.
La escuela debería transformarse en un espacios de reexión
sobre los condicionantes que generan y perpetuán la violencia de género.
Pero además podría funcionar como un espacio de contención social y de
reexión sobre la temática para ofrecer nuevas pautas de agenciamiento
para las víctimas. La escuela es un laboratorio de relaciones vinculares
donde deberíamos aprender nuevos modos relacionales no-violentos para
lxs alumnxs y también para las propias-os docentes.
concePTualizar eS PoliTizar
Siguiendo el concepto de Celia Amoros (1995) considero
fundamental que los-as docentes accedan al estudio de la violencia de género
como fenómeno sociológico, que puedan contar con herramientas teóricas
para pensarlo. Cuando la autora española enuncia que conceptualizar es
Eaçã, , ê
 êa
47
politizar se reere a hacer pasar de la anécdota a la categoría, salir de los
casos para poder pensarlo teóricamente, con dimensiones estructurales.
En este sentido la formación docente es el espacio para poder salir de la
experiencia personal de ser “mujer golpeada” o de “conocer a una amiga
que sufre violencia de género” a poder ubicarse como protagonistas del
cambio. Cuando se conocen los mecanismos de cómo opera la violencia,
el ciclo de la violencia, los recursos legales que existen en el país y las
instituciones a las que se puede pedir ayuda es más fácil poder salir de la
impotencia que genera esta situación.
Sintetizando: la idea del curso es sensibilizar a las-os docentes, re-
conectarlas con la experiencia de la violencia de género y acompañarlas en
la comprensión teórica del fenómeno, para incitarlas a la acción. Con la idea
de transformar a las docentes en sujetas de derecho, partiendo del efecto de
la violencia sobre su propia historia, conociendo el marco de derechos para
luego poder comprometerse en el trabajo con otras mujeres que pueden estar
atravesando situaciones similares. Teniendo en cuenta el efecto reparador
que puede operar sobre cada una el hecho de correrse del lugar de víctima y
pasar a ser protagonista de la transformación de sí y por otras.
Para enmarcar la tarea docente he utilizado los contenidos de
los Diseños curriculares
4
de Educación Sexual Integral de CABA. En ellos
se arma que tanto en el Nivel inicial como en el nivel primario la ESI
debe incluir, entre sus enseñanzas, aquello que promueva y contribuya a
desarrollar las relaciones con los otros y con uno mismo. Es decir, se trata
de enseñar a:
1. Conocerse a uno mismo, y valorarse
2. Reconocer y expresar los sentimientos y los afectos
3. comunicarse con el otro
4. reconocer el valor que tiene la vida
5. cuidarse
6. enfrentar y resolver los problemas y los conictos que se plantean en
la vida cotidiana
4
Ver <http://buenosaires.edu.ar/areas/educacion/cepa/leyes_referidas_educsex.php>. Acceso en: marzo 2015.

48
7. relacionarse con otros de manera solidaria y en el marco del respeto
por las diferencias
8. poner límites para protegerse frente a situaciones de maltrato y abuso
9. decir “no” si la persona se siente amenazada o en riesgo
Por lo tanto, desde el jardín de infantes se debe promover
el desarrollo de la autoestima, la autonomía, la toma de decisiones,
la resolución autónoma de conictos por medio del diálogo, formas
saludables de vincularse y de expresar los sentimientos y el trabajo reexivo
sobre género.
Cuando se menciona la perspectiva de derechos para pensar la
ESI
5
, se hace mención a considerar, entre otros:
1. El derecho a la vida y a la salud.
2. El derecho a vivir la sexualidad según las convicciones morales o re-
ligiosas, en tanto esa forma de entender la sexualidad no vulnere los
derechos ajenos.
3. El derecho a la información sobre el propio cuerpo, sobre los modos de
protegerlo, sobre los modos de buscar protección y asistencia cuando
se está en riesgo o cuando los derechos de las personas están siendo
vulnerados.
4. El derecho a ser respetado, no discriminado, no sometido a prácticas
sexuales no elegidas o fuera de las condiciones de edad y capacidad de
decisión que garanticen la libre elección. Respeto por la intimidad de
las personas.
6
Vuelvo a preguntarme y a preguntarles ¿es o no pertinente abordar
el tema de la violencia de género en una capacitación institucional para
docentes? ¿Cómo podrán las docentes abordar estos contenidos si no han
sido formadas para ello? ¿Cómo podría una docente víctima de situaciones
de violencia de género trabajar estos contenidos en el aula si aún no lo ha
podido repensar en su vida personal? Qué lugar ocupa esta temática en los
gremios a la hora de prestar servicio a sus aliadas? Cuánto de esta realidad
que nos atraviesa como mujeres no estamos pudiendo nombrar en las
5
ESI: educación sexual integral.
6
Ministerio de Educación de la CABA. Dirección de Currícula y Enseñanza. Lineamientos curriculares de edu-
cación sexual integral en el nivel inicial. 2011.
Eaçã, , ê
 êa
49
instituciones educativas? Y si no la nombramos no la estamos reconociendo
como una práctica existente a la cual las docentes están expuestas, muchas
veces sin tratamiento y sin posibilidades de salida si no comenzamos por
darle entidad. Por otra parte, si no podemos instalar su lugar en la escuela
estamos nuevamente negando su interés ya que la escuela es la institución
que valida saberes, si no le otorgamos estatus de conocimiento al tema
permanecerá presentado en los medios de comunicación muchas veces
con un trato más propio del mundo del espectáculo que de aporte a la
información. A esto denominamos banalización de la violencia, primer
paso que nos conduce a su naturalización.
Si docentes y familias no sinceramos nuestro posicionamiento
frente a esta cruda realidad que va en aumento, ¿desde qué lugar podremos
transmitir saludablemente a niños, niñas y adolescentes en formación “nuevos
modos de comunicarnos, de expresar los sentimientos y de vincularnos con
los semejantes”? Con qué recursos proporcionaremos “el reconocimiento
de situaciones que despiertan distintos sentimientos: enojo, alegría, miedo,
tristeza”? O “las posibles formas de superar el enojo, el miedo o la tristeza:
dialogar, pedir ayuda, pensar en cosas que nos hagan sentir bien”.
Todos contenidos que deben ser enseñados por determinación
política del Ministerio de Educación de la CABA
7
… ¿con qué bagaje
simbólico una docente puede señalar “la importancia de compartir nuestros
sentimientos, emociones y pensamientos” si no ha podido experimentarlo
en su práctica cotidiana?
Con recurrir a la literatura y el arte como posibilidad de
expresión de sentimientos y emociones no basta. Para poder “revisar las
normas de convivencia, en cada situación, que remitan al respeto por el
otro; la aceptación y la tolerancia de las diferencias; la no discriminación;
la resolución de problemas y conictos por medio de la palabra, como
un ejercicio permanente para el aprendizaje de la vida en sociedad” es
importante haberlo ejercitado. Los espacios de formación docente deberían
ser una usina donde poder iniciar estas prácticas transformadoras. Allí las
docentes podrían reconocer:
7
Ministerio de Educación de la Nación en su último cuadernillo con actividades para el aula destinada a
Escuelas Medias incorporó un módulo con propuestas para abordar ‘vínculos violentos en parejas adolescentes’..

50
la importancia de comenzar a desarrollar la capacidad para argumentar
y defender los propios puntos de vista y considerar las ideas y opinio-
nes de los otros.
Identicar el maltrato como ausencia de cuidado y respeto hacia el
otro. Identicación de distintas formas de maltrato: física, verbal.
Acciones que pueden llevarse a cabo para no ser maltratados: poner
límites, decir “no”, identicar situaciones que pueden provocar pelea y
resolverlas por medio del diálogo, pedir ayuda, otras acciones.
Las implicancias del maltrato en la salud. Los sentimientos que des-
pierta el maltrato en quien lo sufre y en quien lo causa.
La construcción de vínculos desde el afecto y el cuidado. Las acciones
de la vida cotidiana para ponerlos en práctica.
El derecho al buen trato. Posibles acciones ante la vulneración de este
derecho. Propuestas de actividades escolares cotidianas que promuevan
la igualdad de oportunidades entre varones y nenas en la realización de
las tareas grupales, juegos y deportes, expresión de sentimientos.
El trabajo sobre el signicado y la posibilidad de poder elegir. Distintas
situaciones de la vida cotidiana en las que se elige. Elecciones persona-
les y grupales.
8
Para ir cerrando considero junto a Ko Annan, Secretario General
de las Naciones Unidas que: “La violencia contra la mujer es quizás la más
vergonzosa violación de los derechos humanos. No conoce límites geográcos,
culturales o de riquezas. Mientras continúe, no podremos armar que hemos
realmente avanzado hacia la igualdad, el desarrollo y la paz.”
Desde la educación tenemos un rol importante que cumplir
pero no lo podremos llevar adelante si no reconocemos el potencial
reproductivista que pueden tener ciertas prácticas docentes. Sin desandar
los habitus que se sostienen desde la conformación del Magisterio para la
reproducción de desigualdades de clase y de género no habrá posibilidades
de pasar de una escuela al servicio del patriarcado a otra escuela que garantice
el derecho a una educación pública antidiscriminatoria, no androcéntrica,
8
Ministerio de Educación de la CABA. Dirección de Currícula y Enseñanza. Lineamientos curriculares de edu-
cación sexual integral en el nivel primario. 2011.
Eaçã, , ê
 êa
51
no hetero-sexista y donde los derechos humanos no estén plenamente
garantizados. Sólo así podremos armar que vamos caminando hacia la
igualdad, el desarrollo y la paz.
BiBliografia
AMOROS, Celia. 10 palabras clave sobre mujer. Estella (Navarra): Verbo
Divino, 1995.
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Educación Sexual Integral. Educación sexual integral para la Escuela Secundaria
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BUENOS AIRES. Ministerio de Educación de la CABA. Dirección de
Currícula y Enseñanza. Lineamientos curriculares de educación sexual integral en
el nivel primario. Buenos Aires, 2011.
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52
53
Peel inSTiTuTe on violence PrevenTion:
THe DeveloPMenT of a CoMMuniTy-
AcadeMia ReSearcH OrganizaTion
Sandra Rupnarain
Monica Riutort
inTroducTion
Margaret Mitchell, member of Canadian Parliament
encountered the spotlight in 1982 when she unintentionally prompted
a ruckus in the House of Commons that sparked national awareness
of domestic violence. She told the House of Commons that one in ten
Canadian husbands regularly beat their wives. At this the male Members
of Parliament (MPs) erupted in laughter, and began heckling, to which
she angrily replied: “is is no laughing matter”. When the incident was
aired on television TV, hundreds of people, men and women, got in touch
with their MPs, objecting to this attitude toward battered women.
1
e
issue of domestic violence was brought into the open and the awareness of
domestic violence immediately became a nationwide matter. e resulting
public pressure and media coverage prompted a House of Commons report
on domestic violence from the Standing Committee on Health.
2
It has been thirty-three years since this incident in the House
of Commons, and under pressure of an active womens movement, the
1
Available: <http://www.thestar.com/life/2008/06/13/mps_laughed_when_she_spoke_on_battered_women.
html>. Accessed: Aug. 2015
2
Canadian communities as partner: theory and multidisciplinary practice, 2008.
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p53-70

54
government of Canada has spent millions of dollars to pursue a whole range
of strategies to deal with violence against women in Canada. However
the issue of violence continues indicating that government, without
meaningful community participation cannot stop violence against women
on its own. In fact, 70% of women who experience violence never seek out
any assistance. According to the 2009 General Social Survey (GSS), which
is conducted every ve years by Statistics Canada, 6.4% of women with a
current or former spouse or common-law partner reported being physically
or sexually assaulted by their partner at least once during the previous
ve years.is proportion has not changed since 2004. Spousal violence
represented more than half (53%) of all police-reported incidents of family
violence in 2007, representing 12% of all violent crime in Canada.
3
To address meaningful community and academia participation
on the issue of violence against women the Institute on Violence Prevention
(IVP) was established. e home of IVP is the Region of Peel a Region in
the province of Ontario in Canada. is Region is the ancestral home of
many Aboriginal peoples (e.g. the Mississaugas of the New Credit River
First Nations) and there are about 5500 First Nation, Inuit and Métis
people living in the Region. 49% of the population of Peel are immigrants
from over 100 ethnic groups and immigration is the key driver of
population growth in the region. At least 10% of our community identies
as LGBTTTQQI (lesbian, gay, bi-sexual, trans-sexual, transgender, two-
spirited, questioning, and queer). Children, youth (0-24) and seniors (65+)
account for 44.2% of the population of Peel. About 12.4% of Canadians
have a disability which impacts their everyday lives. 45 in 100 people in
the region have a mother tongue other than English or French. Residents
of Peel practice a variety of religions, Christianity, Islam, Hindu, Sikhism,
Buddhism and Judaism are just a few.
4
HiSTorical originS of THe inSTiTuTe
In this region of Canada, the Peel Committee on Sexual Assault
(PCSA)a group of service providers working together started a dialogue
3
Available: <http://www.victimsweek.gc.ca/res/r52.html>. Accessed: Aug. 2015.
4
Census Aboriginal Population Bulletin - Region of Peel, Social Planning Council of Peel, 2006 Census,
Region of Peel, Accessibility Plan 2007. Peel Diversity Round Table.
Eaçã, , ê
 êa
55
among racialized women in the Region to identify the ways we can, and
how we can do better to eradicate violence against women.
In March 2013, PCSA, through funding from the Canadian
Institutes of Health Research (CIHR), hosted ‘Café Scientique: An Open
Discussion of the Experiences of Immigrant and Racialized Women Survivors
of Sexual Assault in Accessing Primary Health Care Services.e purpose
of this event was to uncover the barriers to access of primary health care
services for immigrant and racialized female survivors of sexual assault. A
group of empowering panelists, with expertise in the area of sexual assault,
openly discussed their own personal experiences. Among the panelists
were Women Survivors of Violence, Service Providers from both social and
health sectors, and Researchers in the eld of Violence against Women.
e Café created opportunities for meaningful dialogues and the informal
non-threatening setting set the tone for connections among the panelists
and the participants which ultimately allowed for an open discourse
e discourse brought to the forefront womens experience dealing
with existing government services, which were identied as paternalistic,
with a culturally incompetent approach. Services and programs are
focused more on immediate crisis; are short term and does not include
the application of social determinants to the unique experience of each
survivor when accessing services. e system as it exists today seems to
provide little opportunity for women to have a thorough discourse, critical
reection and analysis, and engagement in collective action.
One important outcome of the Café was that violence against
women is a human rights issue. ere is a need to create an understanding
of the causes of political, social, and economic structures of domination
that keep women in a state of oppression. ese were identied as social
processes that can be challenged and overcome through collective action.
Café Scientique 2013 marked the beginning of the Institute,
as it exemplied a gathering where academics, service providers, and
survivors came together to discuss the current services, identify issues of
concern, and share ideas about moving forward in a more seamless way.
Following the Café, a proposal to establish the Peel Institute on Violence
Prevention was put together. is proposal was approved for funding by

56
Ontario Trillium Foundation. e administration of the Institute is under
Family Services of Peel.
5
THe Peel inSTiTuTe on violence PrevenTion (ivP)
Peel Institute on Violence Prevention was established as an
interdisciplinary and inter-sectorial collaborative initiative among
agencies in the Region of Peel working in the area of violence. Operating
within an equity lens and an anti-oppressive, anti-racist framework, the
Institute is a focal point for data-driven, evidence-informed practice,
which will improve the organization of services, combining the
perspectives of the diverse population served, academia, and community
service providers. e Institute focuses on all types of violence for the
following at risk groups: youth, seniors, women, aboriginal population,
people with disabilities, and male victims of violence. e data collected
by the Institute will enable agencies to: (a) be more eective in their
evaluation of the impact and eectiveness of their services; (b) support
the re-structuring and adapting of their services and programs to be more
focussed on survivors’ needs; and (c) enable agencies to provide a more
seamless and person-centered response.
e Institute has successfully brought together survivors of
violence, service providers, policy makers and academia to examine the
substantial scientic data gathered, in order to examine ways we can
transform the culture of how services and programs for survivors of violence
are thought, provided, and evaluated in Peel. e robust evidence being
collected and analyzed will benet decision-making at the community,
policy, and service levels in Peel.
inSTiTuTe oBjecTiveS
Establish a permanent institute for the eradication of all forms of
violence in the Region of Peel that will be a focal point for accessi-
ble research dissemination, facilitating knowledge transfer to a wider
audience.
5
An Open Discussion of the Experience of Immigrant and Racialized Women Survivors of Sexual Assault in
Accessing Primary Health Care. PCSA March 2013.
Eaçã, , ê
 êa
57
Engage in policy analysis and participatory action research on current
responses to violence and conduct studies on best-practices for the tre-
atment and prevention of violence.
Achieve equity in services for survivors of violence in the Region of
Peel through human resources development, innovative programs and
services, participatory community development, policy analysis and
evaluation methodologies.
Enhance the capacities of community-based agencies by developing
program evaluation tools to ensure that survivors of violence have ac-
cess to seamless, interdisciplinary services and support.
inSTiTuTe Work-Plan

58
e preceding diagram is a simplied version of the Institutes
three-year work plan. It outlines the overriding goal of the Institute, our
dual framework, the activities by year and our expected outcomes.
HigHligHTS of THe firST TWo yearS
Over a period of two years Institute’s infrastructure was established
and the committees listed below were formed as part of the organizational
structure and necessary in the ongoing work of the Institute.
Governance Committee – is committee consists of senior/
executive representation from academia, government, police, private
sector and health. Members are appointed by the Executive Committee
(Executive Committee is – the Executive Director and Director of Client
Services of Family Services of Peel and the Manager of the Institute) for
a two-year term, which may be extended for an additional two-year term
up to a maximum of four years. e Executive Committee will ensure
that there is continuity and systematic rotation of membership in the
appointment of members.
e Scientic Advisory Committee (SAC) - is an inter-sectorial
and inter disciplinary team from diverse backgrounds including academia,
health, social work, community and user of services. e eight member
committee provides advice, guidance, and support through scientic,
technical, and clinical recommendations on priority areas of research,
data requirements for new research projects, and advice and support in
the development of a research agenda. e Committee brings together
representation from three major universities in Ontario – University of
Toronto, York University and Ryerson University. e scientic advisor of
the Institute is Dr. Peter Jae Director - Centre for Research & Education
on Violence against Women & Children; Professor of Psychology and the
University of Western Ontario.
e Community Partnership Committee (PIVCPC) – is a partnership
committee consisting of a broad representation of agencies serving survivors
of violence in Peel. Members of the PIVCPC provide crucial input on service
delivery through surveys, les reviews and service mapping.
Eaçã, , ê
 êa
59
Seamless Continuum of Service for Mental Health, Addiction and
Trauma committee (SSMAT) – is specically looking at abuse trauma and
mental health and its membership consists of dierent sectors drawn from
over twelve organizations such as, health, hospital, social service, mental
health, housing, shelters and academia. is Committee is actively involved
in the development of a Trauma Training Workshop in Peel.
Diversity Committee – brings together the social services sector
interested in the development of the anti-racism and anti-oppression
framework. e committee analysed the denition of aboriginal health
and the proximal, intermediate and distal determinants of health and
their inuence on violence with a particular initial focus on intra-personal
violence (domestic violence and sexual assault)
finance coMMiTTee - To Be eSTaBliSHed By noveMBer 2015
Survivors Committee – A consultant was hired to bring together
a group of survivors to assist the Institute in strengthening its priorities
and potentially engaging survivors in a committee. We found this activity
challenging and we are working on a report of the focus group that took
place in November 2014. We are revising our approach.
areaS of Work
Working toward its primary goal of eradicating violence in the
Region of Peel and to accomplish the objectives of the Institute the work
is divided into four areas:
I Ongoing community collaboration and partnership with organiza-
tions serving victims of violence in the Region of Peel.
II Develop and implement a research agenda which focusses on the data
collection and organization of services for survivors of violence.
III Ensure a client-centered approach to all the Institute activities.
IV Implement a knowledge transfer strategy to reach the inter-sectorial
and cross-professional sector serving victims of violence.

60
BeloW iS a SuMMary of WHaT HaS Been HaPPening in eacH area.
a
rea # i - ongoing coMMuniTy collaBoraTion and ParTnerSHiP WiTH
organizaTionS Serving vicTiMS of violence in THe region of Peel
e diversity committee brings together the social services sector
interested in the development of the anti-racism and anti-oppression
framework. e committee analysed the denition of aboriginal health
and the proximal, intermediate and distal determinants of health and
their inuence on violence with a particular initial focus on intra-personal
violence (domestic violence and sexual assault)
e Community partnership committee brings under a formal
agreement of collaboration, over 10 organizations in Peel serving Survivors
of Violence. e committee is engaging in a mapping exercise to identify
all the existing services for survivors of violence in Peel and places them
geographically on a map of the Region. is exercise will assist the
committee in pinpointing geographic gaps in services.
area # ii- develoP and iMPleMenT a reSearcH agenda WHicH focuSSeS
on THe daTa collecTion and organizaTion of ServiceS for SurvivorS of
violence
e Institute has completed four (4) Literature reviews and two
(2) Research Studies in this area
ii. a - liTeraTure revieWS
II. A. a - Strengthening Violence Prevention through Increased Service
Collaboration and Coordination. Inter-agency collaboration and service
coordination have been identied by cross-sectoral service-providers
and researchers as crucial for future policy and service development
given their positive implications for violence prevention, service ac-
cess, and program eectiveness for those aected by violence. As such,
the Institute conducted a comprehensive literature review, to explo-
re inter-agency collaboration and service coordination in relation to
Peel’s diverse population to underscore the necessity of increased re-
Eaçã, , ê
 êa
61
gional collaborative eorts to work towards total violence elimination.
Available: <www.fspeel.org>. Accessed: May 2015.
II. A. b Persisting Inequities at the Intersection of Multiple Identities of
Victims of Violence Due to Inequities in Social Determinants of Health
and Well-being: Literature Review. May 2015. e literature search en-
tailed looking at articles that explored the issues of social determinants
of health and well-being, primarily concentrating on race, gender, and
violence. Intersectionality theory, equity and equal access in health and
social service agencies were also topics that were searched. Available:
<www.fspeel.org>. Accessed: May 2015.
II. A. c-Literature Review: Male Survivors of Sexual Assault. e litera-
ture review conrmed some of the Institute’s hypotheses. Namely, that
research and the understanding of male survivors of sexual assault is
about 40 years behind that of female survivors. Furthermore, the lack
of peer-reviewed articles on the topic is made worse by the fact that
there does not seem to be any real consensus in academia as to what
constitutes sexual assault against men. e lack of a standardized de-
nition in academia is made evident by the conicting ndings from
one region to another, which has resulted in the variability of data.
Available: <www.fspeel.org>. Accessed: Mar. 2015.
II. A. d -Health Consequences of Interpersonal Violence and Organization of
Primary Health Care Services for Survivors in the Region of Peel. Literature
Review. is literature review was undertaken in an eort to support our
ongoing work in testing our hypothesis that the current organization
and delivery of primary health care services in Ontario do not adequate-
ly meet the needs of survivors of interpersonal violence. is hypothesis
is currently driven by the following two assumptions, which are curren-
tly supported by existing anecdotal evidence: (a) primary health care
services are not eectively coordinated with social services to ensure a se-
amless ow of information and resources, and this lack of service coordi-
nation diminishes not only service-providers’ response to and treatment
of survivors, but it also negatively impacts survivors’ long-term health;
and (b) while the Government of Ontario is working towards improving
social services for survivors of interpersonal violence, by not exploring
and making the connection between violence and chronic illness, the

62
government is hindering their goal of reducing the rates of chronic ill-
ness within the province. is literature review is meant to complement
three pieces of work by IVP. e rst of which is a retrospective, pilot
fact-nding study, the second is a catalogue of population-level domestic
violence statistics, and the third is a preliminary literature review of how
increased collaboration and coordination throughout the social servi-
ces sector can strengthen the overall response to violence and reduce its
prevalence in society. Available: <www.fspeel.org>. Accessed: May 2015.
ii. B. reSearcH STudieS
II.B. a - Retrospective Study
As part of the development process for IVP a retrospective study le was
undertaken. is involved a case review of 117 case les from ve commu-
nity programs at Family Services of Peel (FSP). e le review was con-
ducted to create a snapshot of cases to understand who is using the services
and how the services are being provided. is process involved providing
a picture of the demographics of those using the services with a particular
focus on social determinants such as race, language, ethnicity, and culture
and looking at the provision of services through an equity lens that in-
cludes: coordination, integration and comprehensiveness of services. e
vast majority of case les reviewed were of clients who have either expe-
rienced violence or have perpetrated violence. e case reviews provided
an overview of who is accessing services, what kinds of services are being
provided, and to what extent case coordination and collaboration is being
carried out through active referrals and inter-agency communication. is
case review also provided invaluable information about how front line sta-
 are tracking, monitoring and describing the work that they are doing.
e studies generated questions for further exploration with relation to
Documentation and Referral process.
For Documentation
How can we ensure that we consistently gather information about the
language, ethnicity and culture of service users?
Eaçã, , ê
 êa
63
How can we track the comfort level of those using a service that is
oered in a language other than their rst language?
Is there some need for a greater standardization of documentation?
Is there need for greater clarity regarding denition of terms?
For Referral
Is there a need for more attention and exploration to ensuring a feed-
back loop?
To what extent are any other kinds of community referrals being made?
II.B. b - Identication of Gaps in Data Collection Practices of Health,
Justice and Social Services Agencies Serving Survivors of Interpersonal
Violence in Peel
e Institute conducted this multi-phase pilot study with the
objective to generate empirical evidence on some of the priority issues
pertaining to data collection and service navigation, connectivity and
eectiveness for survivors of Inter-personal violence in Peel. For the study,
the Institute used the WHO denition of inter-personal violence, which
includes domestic violence and sexual assault.
e objectives were:
Understand the scope of services available for survivors of interperso-
nal violence in the Region of Peel.
Survey data collection practice of a cohort of agencies providing servi-
ces for survivors in the Region of Peel.
To promote community engagement and service-level transformation
through inter-agency dialogue and collaboration.
e two main questions of this study were:
What is the state of current data collection practice of Peel agencies
serving survivors of Interpersonal Violence?
What are the perceived deciencies, barriers and required improve-
ment in the current data collection practices according to Peel agencies
serving Survivors of Interpersonal Violence?

64
e Findings indicated that there is an under-representation of Socio
economic status, most agencies oer similar services, organizations can oer up
to forty three services, but collect data for only 7 to 17.2 % of the services oered.
e most common services oered included: safety planning, crisis intervention,
crisis counselling, emotional support and general information. Less commonly
oered services included: conict resolution, counselling couples &/or families,
court orientation and/or information, self-help or peer support group and shelter
and housing, short and long term. Some of the comments made during the
interviews were: “We are not collecting enough or the ‘right’ data needed to plan
care. For example: sexual orientation, where client comes from in the community,
information related to cycle of violence”. “Funders want to know for instance how
many clients. How many hours were spent in individual counseling sessions, how
many hours were spent in group counselling sessions, how many participants were
in the group, is there a huge spreadsheet?” “We do not get to spend a lot of time on
evaluation, so that would be great if there were resources allocated to that”.
Based on the subsequent discussion it would seem that the
predominant focus of data collection is to satisfy funder requirements, that there
is i
nconsistencies in data collection practices amongst agencies. ere is
an absence of key demographic variables in the data collection practices
of agencies. Service provision is predominantly episodic incident-based
with the absence of critical person-focused assessments and there is a
collective desire to improve data collection practices and move towards
standardization.
area # iii. enSure a clienT-cenTered aPProacH To all THe inSTiTuTe
acTiviTieS
Following a presentation facilitated by Saundra-Lynn Coulter
from the Ontario Woman Abuse Screening Project, managers and
stakeholders from numerous sectors joined to begin an eort to coordinate
and improve mental health, addictions and trauma services within the
Region of Peel. It was identied that there was a strong need within the
Region of Peel to improve services for women who had experienced trauma
and to have a seamless continuum of services for mental health addiction
and trauma.
Eaçã, , ê
 êa
65
III. A- Seamless Services for Mental Health, Addiction and Trauma
- SSMHAT
is committee started as joint venture between the Peel
Committee on Sexual Assault and the Peel Committee against Woman
Abuse. is SSSMHAT was established with the intention of coordinating
the sectors of mental health, addictions, and trauma to create a seamless
continuum of service for individuals in need, while still being sensitive
towards the needs of the diverse population of Peel. SSMHAT is a
committee of IVP and IVP provides leadership, resources and direction
to SSMHAT .
III. B - Working with Male Survivors of Violence. e literature review
and the subsequent “Fathering Conference”, organized in partnership
with Family Services of Peel, was driven by the Institutes desire to
explore four central questions:
I How prevalent is male sexual assault and what are the barriers survi-
vors face in disclosing their experience?
II What services are oered to male survivors of sexual assault?
III Do victims suer any long-term health consequences?
IV Does a mans experience with sexual assault impact his decision to
become a father? For fathers, has the experience inuenced their
parenting?
e literature review conrmed that research and the
understanding of male survivors of sexual assault is about 40 years behind
that of female survivors, that the lack of peer-reviewed articles on the
topic is made worse by the fact that there does not seem to be any real
consensus in academia as to what constitutes sexual assault against men.
e lack of a standardized denition in academia is made evident by the
conicting ndings from one region to another, which has resulted in the
variability of data.
e prevalence of Male Sexual Assault is hard to gauge due to the
fact that many victims will remain silent due to the immense shame they

66
experience. Research suggests that 90% of victims are under the age of 19.
Moreover, male survivors are far less likely to report their victimization
than women. Forcible fondling and sodomy were the most prevalent forms
of sexual assault perpetrated against men. Amongst those who disclosed
rape, a disproportionately high number were members of the military,
prison inmates, and those belonging to the gay and bisexual community.
We found that there are two main barriers to disclosure. e rst barrier,
shame, comes about when survivors believe that such an experience should
never, under any circumstances, occur to males, and when victims feel
insecure about their sexuality. e second barrier to disclosure identied
was a lack of services targeting specically males. e Institutes research
also found that myths, stigma, and shame hampered the utilization of
services. ose who did use services, however, tended to be older males,
aged 45-55, who accessed them non-linearly. Additionally, those who
did utilize services had long histories of sexual assault being perpetrated
against them. Studies suggest, however, that if services are oered, they
will be used. One study found that at 29 sexual assault treatment centres in
Canada, almost all survivors accepted at least one service and 86% utilized
ve or more (Du MOUNT et al., 2013).
e literature found that male sexual assault is more likely to occur
in conjunction with one form or another of physical violence. One Ontario
hospital found that 25-45% of victims of sexual assault suered from other
physical consequences. Two thirds of patients suered from general body
trauma, while 1/3 suered from genital or rectal trauma. e consequences
of sexual assault on a victims mental health are just as burdensome. 59%
of participants, in one study, had suered from Post-Traumatic Stress
Disorder, feelings of depression that victims felt came about from the shame
experienced and the shame was directly related to feelings of self-blame,
which impeded victims from seeking medical attention.
e last major theme of research on MSA surrounds fatherhood.
e decision to become a father is one of the most signicant decisions in a
mans life. Yet, this decision can be impacted by a history of sexual assault.
e Institutes literature review found that the topic of fatherhood and
MSA could be broken down into three sub-categories: the victim-to-abuser
fear, moral choice, and fathering as healing. e fear that a victim will
Eaçã, , ê
 êa
67
grow up to perpetrate sexual abuse on their children is common amongst
survivors. is fear can lead fathers to a) display less aection and shy away
from physical contact with their children and b) an outright decision not
to have children at all. With regard to moral choice, some fathers make a
conscious decision that they will treat their children much better. However,
research suggests that this leads to fathers being overprotective. Finally, the
last category, fathering as healing, sees many studies assert that fatherhood
could act as a transformative event – one which has the potential to heal.
Moving forward, the notion that certain gendered behaviours are
natural must be questioned. Likewise, more opportunities must be created
for men not only to come together, but also to encourage them to speak
openly about their experiences in order to begin the process of healing.
area # iv - iMPleMenT a knoWledge TranSfer STraTegy To reacH THe
inTer-SecTorial and croSS-ProfeSSional SecTor Serving vicTiMS of
violence
SyMPoSiuMS
e Institute hosted two Symposiums in 2014 and 2015. e
dual purpose of the symposiums was to share the results of the work
that the Institute had conducted, explore new partnership strategies and
opportunities through a fulsome discussion with key players in Peel. Apart
from all the other ndings listed in the other three areas that was presented
the highlight presentation of the Symposium was the Equity Framework
 (Org.)
68
e Anti-Racism, Anti-Oppression Equity Framework
e Equity Framework was shared as the Institutes prototype to
use in the discourses of racism, oppression, equity, and determinants of
health and well-being as it prioritizes gender and race as key determinants of
health that together play a central role in the experiences of everyday life of
an individual. Gender and race often cannot be ignored at the intersection
of other social determinants of health and well-being. Additionally, the
intersection of any proximal, intermediate, and distal determinants should
result in optimal health in all of its aspects—physically, emotionally,
spiritually, and mentally.  e intersection of social determinants in this
model goes to further indicate an array of experiences that can result from
various life experiences.  us, all life experiences are equally valuable and
must be equally addressed in the community.  is framework has also been
designed as an eye to re ect the outlook of the service provider, which is
based on the provider’s own life experiences.  e challenge for the service
provider is to understand an experience di erent from their own, and
when that is achieved, there is a vision for a more uni ed community that
eliminates unjust di erences among the populations.  e unfortunate
Eaçã, , ê
 êa
69
experience of domestic violence is also primarily rooted in gender and
rooted in racialization of other determinants of health and well-being such
as, socio-economic status.
According to World Health Organizations World Report on
Violence and Health violence by an intimate male partner or husband is the
most common form of violence against women; although men may also
be impacted by such forms of violence, women continue to be the primary
victims of abuse, such as stalking, sexual harassment, and tracking,
thus, making gender a key health determinant of violence. For instance,
an important factor in health and well-being disparities is the racialized
inequities in socio-economic status. Racialized groups have greater chances
of experiencing socio-economic disadvantages relative to non-racialized
groups. Inequities in socio-economic status are a manifestation of systemic,
institutional racism in sectors of education and employment especially.
For instance, throughout Canada, members of racialized groups appear to
have worse circumstances than members of non-racialized groups. While
data shows that the two groups have comparable levels of education, the
historic income analysis shows increasing income inequalities between
racialized and non-racialized groups. erefore, victimization is associated
more so with populations which are socially and economically isolated.
concluSion
Peel Institute on Violence Prevention is an innovative collaborative
model that embodies the spirit of the community, with the science of academia,
becoming established as a community- academia research organization. e
Peel Institute will continue providing a safe place where survivors, providers
of services, policy makers and academia can develop critical improvements
to paternalistic and short term government initiatives. It will continue
encouraging mobility on the part of the survivors and unravelling the
problems that they have been experiencing. In its mandate to combat the
ongoing cycle of violence the Institute will continue to engage an adequate
representation of survivors, academia, policy makers and community with
the ultimate aim to promote understanding among survivors of the cultural,
socio-economic and psychological reasons for their oppression and to move

70
them form a paralyzed position to a position of consciousness, so they do
not fall back victimization. A fulsome community engagement backed by
academia and research.
referenceS
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health care services for survivors in the Region of Peel. Literature review.
Available: <www.fspeel.org>. Accessed: May 2015.
IDENTIFYING gaps in data collection practices of peel agencies that serve
survivors of interpersonal violence: a pilot study. Available: <www.fspeel.org>.
Accessed: May 2015.
LITERATURE review: male survivors of sexual assault. Available: <www.fspeel.
org>. Accessed: Mar. 2015.
MALE survivors – the fathering equation - exploring fatherhood in the context
of male sexual assault and the male identity. Conference report. Available:
<www.fspeel.org>. Accessed: March 2015.
PERSISTING inequities at the intersection of multiple identities of victims
of violence due to inequities in social determinants of health and well-being:
literature review. Available: <www.fspeel.org>. Accessed: May 2015.
STRENGTHENING violence prevention through increased service
collaboration and coordination. A preliminary literature review. Available:
<www.fspeel.org>. Accessed: May 2014.
VOLLMAN, Ardene Robinson; ANDERSON, Elizabeth; MacFARLANE, Judith
(Ed.). Canadian communities as partner: theory and multidisciplinary practice.
Philadelphia: Wolters Kluwer Health: Lippincott Williams & Wilkins, c2008
PreSenTaTionS
IDENTIFYING gaps in data collection practices of Peel Agencies that serve
survivors of interpersonal violence: a pilot study. Presented by medical students
at the Faculty of Medicine- Mississauga campus. May 2015.
IDENTIFYING gaps in data collection practices of Peel Agencies that serve
survivors of interpersonal violence: a pilot study. Symposium 2015.
SUMMARY Report of violence trends in the Region of Peel. May 2015.
THE PEEL Institute on Violence Prevention: history, goal and objectives. May
2015.
WORKING with male survivors of sexual assault.
71
educación Para Prevenir la violencia de
género y conSTruir la igualdad de género
en loS eSPacioS univerSiTarioS
Julia del Carmen Chávez Carapia
inTroducción
La violencia de género es una expresión agresiva y violencia
dirigida hacia las mujeres por su condición de mujer, solo por el hecho
de ser mujeres. Se presenta de diversas maneras y facetas como: la
discriminación, el menosprecio, la agresión física, psicológica, económica,
sexual, llegando hasta el asesinato, los feminicidios.
Este tipo de violencia se produce por el sistema social, en
los ámbitos familiares, laborales, en las escuelas, en las iglesias, en las
instituciones, en lo doméstico, en la vida cotidiana y forma parte de las
expresiones culturales de la vida cotidiana y de las relaciones de poder que
se establecen en un sistema social y cultural androgénico.
En este marco el objetivo de este artículo es abordar la violencia
de género indicando algunos datos de cómo se presenta en el sistema social
de México, cómo se presenta en los ámbitos escolares universitarios, que
políticas generales y particulares se siguen para visibilizar la violencia,
prevenirla y construir procesos de igualdad de género.
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p71-82

72
violencia de género. concePToS
Violencia de Género es todo acto de violencia basado en la
pertenencia al sexo femenino que tenga o pueda tener como resultado un
daño o sufrimiento físico, sexual o psicológico para la mujer, inclusive
las amenazas de tales actos, la coacción o la privación arbitraria de la
libertad, tanto si se producen en la vida pública o privada (Artículo 1
de la Declaración sobre la Eliminación de la Violencia contra la Mujer.
NACIONES UNIDAS, 1994).
En la Conferencia Mundial sobre la Mujer, celebrada en Pekín
en 1995, se aceptó el concepto siguiente de violencia de género. “La
violencia contra la mujer impide el logro de los objetivos de la igualdad
de desarrollo y Paz, que viola y menoscaba el disfrute de los deberes y
derechos fundamentales”. Exhortando a los gobiernos a “adoptar medidas
para prevenir y eliminar esta forma de violencia hacia las mujeres
cauSaS de la violencia de género
Las causas de la violencia de género contemplan varios aspectos
generado por la sociedad patriarcal y por la categoría poder de la que se
derivan la dominación, el mando, la aceptación del mando y por lo tanto
la obediencia.
El sistema social androcéntrico proporciona al hombre una
situación de poder y control hacia la mujer desde el surgimiento de la
civilización y del matrimonio monógamo. En esta relación la mujer debe
obediencia al hombre.
En ese proceso de control, el hombre violenta a la mujer como
formas de expresión culturales generadas en la sociedad androcéntrica, en
donde el hombre ejerce el control y dominio.
En este proceso se presentan diversas causas para el ejercicio de
la violencia como conductas aceptadas socialmente en la relación de las
familias y de la pareja, aunque en los últimos años se ha catalogado este
tipo de conductas como un delito que tiene sanción.
Eaçã, , ê
 êa
73
Las causas del ejercicio de la violencia se pueden sintetizar de la
siguiente manera:
Causas estructurales
Causas culturales
Causas económicas
Causas sociales
Causas políticas
Causas ideológica
cauSaS eSTrucTuraleS
Las causas estructurales se generan en el sistema económico capitalista
basado en la ganancia, el mercado, el consumo y la mercancía, dando
lugar a los grupos de poder económico y político.
Con el surgimiento de la Globalización y Neoliberalismo que trae
como consecuencia la desaparición del estado de Bienestar. Se acen-
túan de manera importante las diferencias de clases sociales, la pobreza
y la extrema pobreza. Se dice que la pobreza tiene rostro de mujer
ya que muchas mujeres se quedan solas, con sus hijos y sin dinero
mientras que sus esposos o parejas se incorporan a los procesos de mi-
gración, con lo cual se tiene como resultado en muchas ocasiones la
separación y el abandono.
cauSaS culTuraleS
Una causa importante de la violencia de género se encuentra en el
Sistema patriarcal, en la cultura falo-céntrica, que se dene de manera
clara en la Cultura judeo - cristiana, y de sus productos del cristianis-
mo que se basa en conceptos como la culpa y el pecado, a través de los
cuales se relacionan los hombre y las mujeres.
Otro elemento de carácter cultural es la identicación de la Mujer
como objeto, y la del Hombre como sujeto. La mujer con actitud
pasiva que asume la conducta de obediencia y el hombre activo que
asume el poder y control. Poder del Hombre/ Obediencia de la mujer

74
La situación de la Mujer se valora solo en las dimensiones emotivas y
de bondad
Mujer y maldad, mujer objetos sexuales (culpa y pecado) Mujer que
obedece al marido es buena esposa. Una mujer buena es madre.
cauSaS econóMicaS
Las crisis económicas que dan lugar al desempleo, al subempleo, a
bajo o nulo poder adquisitivo, a un ingreso insuciente son factores
que alteran la dinámica familiar y por lo tanto factores de violencia de
género y en particular violencia familiar.
La dependencia económica de la mujer hacia el hombre presenta una
relación de control y dominio hacia la vida cotidiana y hacia la mujer..
La situación económica precaria lleva a las mujeres a la necesidad de
involucrarse en el mercado laboral formal e informal, para tener un
mayor ingreso familiar, situación que se vuelve en su contra y puede ser
un generador de mayor violencia familiar o bien entre la pareja.
La llamada doble jornada para la mujer que después del trabajo con-
tinua con los quehaceres domésticos, genera formas de violencia con
la sobrecarga de actividades que solo ella realiza y si no llega a hacerlo
también genera violencia al no satisfacerse todas las necesidades de la
reproducción social.
cauSaS SocialeS
La desigualdad social en la que viven un número muy importante de
mujeres y culturalmente hablando, el total de las mujeres, son situa-
ciones que generan violencia por el solo hecho de que el hombre es
considerado en esta sociedad patriarcal, el sujeto que ejerce el poder y
lleva el control. Estas situaciones ponen a las mujeres en condiciones
de desventaja, de desigualdad, de inequidad, de marginación, lo que
se va a concretizar en sus condiciones de vida familiares y sociales, así
como los logros que tenga una sociedad con relación a los derechos
humanos de las mujeres.
Eaçã, , ê
 êa
75
La desigualdad y la inequidad se reeja en diferentes condiciones de
estudios formales, en las condiciones laborales, en la vida cotidiana y so-
cio-cultural, en la familia, en las relaciones de pareja. Situaciones que a
la vez inuyen o determinan las diferentes formas de violencia de género.
cauSaS PolíTicaS
Se considera como causas políticas de la violencia de género la
desigualdad, la inequidad, la marginación. Que se reejan en diferentes
condiciones de estudios formales (Educación), en las condiciones laborales
(Trabajo), en la vida cotidiana (Socio-cultural), en la familia, en las
relaciones de pareja. Estas causas se denen claramente en las deniciones
de las acciones de gobierno respecto a la violencia de género en el ámbito de
lo social, de lo audiovisual, de lo económico que requieren de una pronta
intervención y respuesta a las agresiones que recibe la gran mayoría de las
poblaciones del mundo, las mujeres.
cauSaS ideologícaS
Las formas de interpretar los roles masculino y femenino como
formas de ser, hacer y actuar, que denen los papeles y roles en la sociedad,
en la vida cotidiana, en la familia, en el entorno, con los amigos.
SiTuación acTual de la violencia de género en Mexico
La desaparición violenta de mujeres va en aumento y se le relaciona
con la trata de personas que se convierte hoy en día en nuevas formas
de esclavitud, con las redes de prostitución y con la violencia orga-
nizada. Un ejemplo de esta situación se tiene en la información del
año 2013 en los primeros dos meses, en el Estado de México, en las
zonas de Valle de Chalco, Chimalhuacán y Ecatepec se reportaron 145
mujeres como desaparecidas, la mayoría de ellas menores de 18 años.
Otra dimensión de la violencia de género son los feminicidios, esto es
la muerte de las mujeres por el hecho de ser mujeres, son situaciones
que no se solucionan aún con los acuerdos y convenios internacionales.
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76
El Observatorio Ciudadano Nacional del Feminicidio reportó de ene-
ro de 2009 a junio de 2010, 1728 homicidios de mujeres en 18 estados
de la República Mexicana. En el 64% las víctimas fueron asesinadas a
consecuencia de actos violentos. El 41% tenían entre 11 y 30 años.
En el 20% de los casos fue la pareja quien asesino a la mujer, en el
22% un familiar o conocido de la víctima, mientras que en el 40% se
desconoce al victimario.
En el 50% de los casos, el homicidio se presentó en la vivienda de las
mujeres.
Para el año 2011, la Encuesta Nacional sobre la Dinámica de las rela-
ciones en los Hogares, señala que la Violencia física que provocaron
daños permanentes o temporales a las mujeres fue del 13.5%
Violencia sexual con intimidación o dominación para tener relaciones
sexuales sin el consentimiento de la mujer se presenta en un 7.3% de
los hogares mexicanos
Las agresiones emocionales que afectan la salud mental y psicológica se
encontró en el 42.4%
Las agresiones relacionadas con el control de los ingresos de las muje-
res, de los recursos monetarios del hogar y cuestionamientos con res-
pecto a la forma en que el ingreso se gasta se presenta en el 24.5% de
los hogares mexicanos.
Los datos proporcionados por esta encuesta muestran las formas
de violencia de género en la vida cotidiana del ámbito familiar, por
cuestiones relacionadas con la vida sexual, la situación emocional, por
situaciones económicas como con el manejo del ingreso y egreso familiar.
Otra forma de violencia de género es la que se presenta con frecuencia
en los ámbitos educativo y laboral, a través del hostigamiento y del
acoso sexual, manifestaciones que son más aceptadas como conductas
normales” entre hombres y mujeres en donde el papel del machismo
retoma un eje fundamental de poder hacia la mujer que se desea “con-
quistar”, o bien hacia el “objeto-mujer” que se desea mostrar o poseer.
Eaçã, , ê
 êa
77
Este tipo de violencia se ha incrementado de manera importante en
la medida en que las mujeres se ubican más en los espacios públicos como son
el trabajo y la escuela, en donde el hombre que ejerce autoridad/poder sea el
profesor o el jefe se siente con el derecho de hostigar sexualmente y de manera
libre a las alumnas o trabajadoras, así mismo los compañeros de escuela y de
trabajo consideran un derecho el acosar a sus compañeras, convirtiéndose esta
en una conducta normal y aceptada en los ámbitos masculinos.
A pesar de las políticas nacionales e internacionales la violencia de
género se sigue presentando de manera importante en todos los sectores
de la sociedad, tanto en el ámbito privado, la familia como en el público.
La violencia de género se sigue identicando como una responsabilidad
de las mujeres,” las mujeres son violentadas porque ellas dan lugar a
esas conductas de los hombres”, “son acciones provocadas por ellas” “ la
violencia contra las mujeres es culpa de ellas”.
ProceSoS Socio educaTivoS Para enfrenTar la violencia de género
El estudio de la ONU Mujeres realizado en señala que este tipo
de violencia tiene tres características: Es invisible, es normal y es impune.
Su invisibilidad obedece a causas culturales, a las relaciones de
poder en el sistema patriarcal en donde la violencia familiar, la violencia
hacia la pareja, los abusos sexuales, son problemas del ámbito privado y
por lo tanto allí se resuelven. No obedecen al ámbito público.
Es normal porque la cultura patriarcal permite al hombre una
posición de poder ante la cual puede ejercer la violencia, para el control y
dominio que requiere la obediencia de la mujer.
Por lo tanto es impune porque no se juzga, porque es algo natural
de carácter familiar y la transgresora es la mujer que no acepta la autoridad.
ante este panorama cultural y social del sistema patriarcal actual se
deben elaborar estrategias y procesos educativos que permitan: visibilizar,
desnaturalizar, identicar las sutilezas y limites de la violencia de género
y en concreto de la violencia hacia las mujeres.
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78
ProPueSTa Para el ProceSo SocieducaTivo
Para eliminar la violencia de género es necesario:
Superar el aspecto biológico, lo animal, con la razón, la cultura, el co-
nocimiento, la educación, los sentimientos y las acciones sociales, para
construir una nueva forma de vida sin violencia.
Una nueva forma de vida basada en la cooperación, la equidad, los
valores, los derechos humanos y sociales de hombres y mujeres.
Hace falta discutir el punto de la desnaturalización de la violencia, no
solo la que conlleva a la guerra y da lugar a la violación como trofeo de
batalla, sino la que históricamente se ha reproducido hacia las mujeres
y que aún en tiempos de paz continúa como es el caso de las violacio-
nes, los feminicidios, que son acciones sociales y culturales frecuentes
en las relaciones de poder.
Una primera acción es visualizar que la asignación de la identidad de
género en hombres y mujeres ha coadyuvado a la construcción de re-
laciones desiguales de poder y violentas, en los distintos ámbitos de la
sociedad y espacios de reproducción cultural: la familia, la comunidad,
la escuela, las instituciones, la iglesia, los medios de comunicación.
Valorar la importancia de la Consolidación de los derechos de las mu-
jeres como “sujetos de derechos y obligaciones”, partiendo de la pre-
misa de que históricamente, las mujeres han sido violentadas por todas
las instituciones y dimensiones de la sociedad y la cultura.
De-construir los roles de género histórica y socialmente establecidos
para hombres y mujeres, aportar elementos para la reconstrucción de
nuevos tipos de relaciones entre mujeres y hombres, basados en el re-
conocimiento, el respeto y los derechos humanos.
Construir una sociedad diferente para hombres y mujeres en condicio-
nes de igualdad, equidad, libertad, oportunidades, derechos, y justicia.
Es importante dejar de polarizar y separar el “espacio privado del es-
pacio público” ya que esto ha llevado a caracterizar dimensiones y al-
cances de la violencia ejercida contra las mujeres de manera aislada y
Eaçã, , ê
 êa
79
diferente, incluso la normatividad responde a esta lógica de opuestos.
Identicar lo privado como parte de lo público
Estas propuestas necesariamente requieren una visión interdisciplina-
ria e integral, desde la perspectiva del género, de las políticas públicas,
de la política internacional, de las leyes, de los derechos humanos, de
la cultura y de su valoración, aplicación y desarrollo en el ámbito de
lo cotidiano.
Por lo tanto de una reeducación, reorganización y conciencia desde la
perspectiva de género.
recurSoS Para enfrenTar la violencia de género
Redes de mujeres/hombres
Redes de hombres/mujeres
Redes familiares
Redes sociales
Organizaciones sociales
Recursos legales
Recursos gubernamentales para la detección, prevención, atención y
erradicación.
Organismos educativos/ formales/ informales
En este marco, se establecen en 2013 los Lineamientos Generales
para la Igualdad de Género en la Universidad Nacional Autónoma de
México, se presentan como un resultado de la lucha constante de las
feministas universitarias, estudiantes y profesoras, por hacer visible la
violencia de género en los ámbitos escolares dentro de una institución
educativa, y al ser las universidades instituciones de vanguardia
implementar este tipo de acciones educativas, que vayan conformando una
conciencia y una sensibilización hacia la no violencia, hacia una vida libre
de violencia.

80
Artículo ACCIONES
Art. 1°
Lineamientos de observancia obligatoria en la UNAM con la nalidad de
establecer las normas generales para regular la equidad de género
Artículo 2º. Para efectos de
los presentes Lineamientos se
entenderá por:
Género: Valores, atributos, roles y representaciones que la sociedad asigna a
hombres y mujeres.
Violencia de género.
Cualquier acción u omisión contra un integrante de la comunidad universi-
taria, derivada de su condición de género, orientación y/o preferencia sexual
y que resulte en daño o sufrimiento psicológico, físico, patrimonial, eco-
nómico, sexual o la muerte y que se cometa en instalaciones universitarias.
Artículo 3º. Las autoridades
universitarias y las entidades
y dependencias, deberán con-
cretar la igualdad de género al
interior de la UNAM, a través
de las siguientes acciones
Organización y participación en proyectos, propuestas de difusión, sensibi-
lización, formación y capacitación en temas relacionados con la perspectiva
de género y la prevención, detección y erradicación de la violencia de género,
dentro y fuera de las instalaciones universitarias;
Detección y solución de problemas que se susciten en la interacción entre
mujeres y hombres, integrantes de la comunidad universitaria;
Generación de políticas institucionales que, en el corto, mediano y largo
plazo aseguren la igualdad de oportunidades para la participación equitativa
de ambos sexos en los distintos ámbitos universitarios
Detección y solución de problemas que se susciten en la interacción entre
mujeres y hombres, integrantes de la comunidad universitaria;
Generación de políticas institucionales que, en el corto, mediano y largo
plazo aseguren la igualdad de oportunidades para la participación equitativa
de ambos sexos en los distintos ámbitos universitarios
Artículo 4º. Para impulsar la
igualdad entre integrantes de
la comunidad universitaria, las
autoridades y los funcionarios
universitarios promoverán las
acciones siguientes
Prevenir y eliminar cualquier forma de discriminación que se ejerza contra
algún integrante de la comunidad universitaria, por su condición de género
o por su orientación y/o preferencia sexual;
II. Respetar y garantizar la igualdad de trato y de oportunidades en el ámbito
laboral, así como adoptar medidas dirigidas a evitar cualquier tipo de discri-
minación o violencia de género;
Eliminar la transmisión de estereotipos sexistas en los sistemas de comuni-
cación de la UNAM;
IV. Desarrollar y aplicar normas en materia de igualdad de género, y de no
discriminación por su condición de género o por la orientación y/o prefe-
rencia sexual, y
Concertar y suscribir acuerdos y convenios de colaboración con organismos
gubernamentales públicos y privados, nacionales e internacionales, para el
desarrollo de proyectos de equidad en búsqueda de beneciar la igualdad
de género.
Artículo 5º. En la promoción
de igualdad de género entre
integrantes de la comunidad
universitaria, las entidades y
dependencias desarrollarán las
siguientes acciones:
Planear e instrumentar campañas de prevención y sensibilización sobre la
violencia de género a través de manuales, folletos, carteles, Gaceta UNAM y
boletines, dirigidos a integrantes de la comunidad universitaria;
Crear programas u opciones de posgrado especícos en estudios de género;
Fomentar, apoyar y realizar estudios y proyectos de investigación, desarrollo
e innovación que tengan en cuenta la perspectiva de género.
Eaçã, , ê
 êa
81
Artículo 6º. DE
LAS POLÍTICAS
ESTRATÉGICAS PARA LA
IGUALDAD DE GÉNERO
Igualdad de oportunidades de mujeres y hombres para acceder a los distintos
ámbitos universitarios;
Combate a la violencia de género y discriminación en los ámbitos laboral
y académico;
Estadísticas de género y diagnósticos con perspectivas de género, y
Lenguaje y sensibilización a la comunidad universitaria.
Artículo 7º. DE LA
IGUALDAD DE
OPORTUNIDADES DE
PARTICIPACIÓN
Las autoridades universitarias en coordinación con las entidades y depen-
dencias generarán políticas institucionales que, en el corto, mediano y largo
plazo, aseguren la igualdad de oportunidades para la participación de muje-
res y hombres en los distintos ámbitos universitarios.
Artículo 8º. COMBATE A LA
VIOLENCIA DE GÉNERO
EN LOS ÁMBITOS
LABORAL Y ACADÉMICO
Elaborar sistemas de información estadística y diagnósticos sobre violencia
de género y discriminación al interior de las mismas;
Formular, aplicar y revisar permanentemente programas, acciones, medidas
y protocolos de prevención, detección y actuación en situaciones de violen-
cia de género y discriminación, y
Propiciar una cultura de la denuncia de la violencia de género y discrimina-
ción, incluyendo el acoso sexual, laboral y el hostigamiento sexual.
ART. 9 ESTADÍSTICAS
DE GÉNERO Y
DIAGNÓSTICOS CON
PERSPECTIVAS DE
GÉNERO
Con base en los sistemas de información referidos en el párrafo anterior,
se elaborarán diagnósticos con perspectiva de género sobre los alcances de
la igualdad entre mujeres y hombres y sobre los avances en la erradicación
de la discriminación por razón de condición de género u orientación y/o
preferencia sexual.
Art. 10 Garantizar un sistema
de comunicación interno y
externo desde la perspectiva de
género, mediante el uso de len-
guaje e imágenes no sexistas;
Diseñar campañas permanentes de difusión a favor de la equidad de género
dirigidas a todos los ámbitos universitarios;
Impulsar acciones de reconocimiento a las personas o instancias de la
UNAM que favorezcan la igualdad de género, y
Diseñar talleres de profesionalización para especialistas en la implementaci-
ón de la igualdad d
Artículo 11 DE
LAS DENUNCIAS
RELACIONADAS CON LA
DISCRIMINACIÓN Y LA
VIOLENCIA DE GÉNERO
Y SU ATENCIÓN
Los integrantes de la comunidad universitaria y público en general, afecta-
dos por hechos ilícitos ocurridos dentro de los campi universitarios relativos
a la violencia y discriminación de género, podrán acudir ante la Ocina del
Abogado General, quien dentro del ámbito de su competencia y mediante la
Unidad para la Atención y Seguimiento de Denuncias dentro de la UNAM,
dará asesoría, apoyo, orientación y, en su caso, seguimiento a las denuncias
presentadas ante la autoridad competente
Fuente: LINEAMIENTOS generales para la igualdad de género en la Universidad Nacional
Autónoma de México, 2013.
Se estableció una Coordinación para la aplicación de estas
disposiciones conformada por la comisión de equidad de género del
H. Consejo Universitario de la UNAMN, con cada facultad, instituto,
escuela, y dependencia de esta universidad, con el programa de Estudios
Universitarios de Género, (PUEG), y con el Centro de Estudio de la Mujer,

82
de la Escuela nacional de Trabajo Social, con los programas feministas, los
programas de estudios de género de las diferentes entidades de la UNAM.
Así como con la participación de todas y todos los estudiantes y personal
académico y administrativo para llevar a cabo esta propuesta.
Este logro en la UNAM es producto de una larga lucha de varias
mujeres académicas universitarias, tanto profesoras como investigadoras,
que en 2013 se concretiza a través de esta disposición política universitaria.
El resultado no es una concesión, es producto de una lucha, de un
movimiento que requiere seguir adelante con la participación de todas
y todos los y las universitarias. Asimismo conformarse como un eje de
acción y participación para todas las universidades del mundo.
concluSioneS
La propuesta esta implementada en toda la Universidad Nacional
Autónoma de México, las acciones se están realizando, los procesos
educativos se están integrando y los resultados pronto nos llevaran a una
sensibilización y visibilización de la violencia de género desde la igualdad.
Las universitarias y los universitarios tendremos que trabajar para el
desarrollo de una cultura de la denuncia, que demande la necesidad de
la igualdad de género y limite la violencia en contra de las mujeres, una
cultura que vaya mas allá de los espacios de una sola universidad, que se
generalice a todas las universidades y a la misma sociedad.
referenciaS
CONFERENCIA MUNDIAL SOBRE LA MUJER, 1995, Pekín.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTADÍSTICA Y GEOGRAFÍA. Encuesta
nacional sobre la dinámica de las relaciones en los hogares. México, 2011.
LINEAMIENTOS generales para la igualdad de género en la Universidad
Nacional Autónoma de México. Gaceta Universitaria, México, marzo 2013.
NACIONES UNIDAS. Declaración sobre la eliminación de la violencia contra la
mujer. 1994.
83
o SiSTeMa de ProTeção eScolar, o TraBalHo
do SuPerviSor de enSino e do ProfeSSor
Mediador eScolar e coMuniTário
na rede eSTadual de educação de
São Paulo: PoSSiBilidadeS de TraBalHo
coM
a queSTão de gênero?
Gisele Kemp Galdino Dantas
inTrodução
As pesquisas sobre violência e convivência nas escolas apontam
que nas últimas décadas ocorreu uma mudança nos padrões de violên-
cia: antes havia na escola a indisciplina e o vandalismo, mas agora se so-
mam outras práticas: agressões interpessoais, ameaças, incivilidades, atos
infracionais e delitos (RUOTTI; ALVES; CUBAS, 2007; ABRAMOVAY;
CUNHA; CALAF, 2009; CECCON et al., 2009).
É fato que ao falar de violência, sabemos que, infelizmente, nas
relações sociais, ela sempre existiu. Mas, é necessário distinguir os tipos de
violência encontrados nas escolas. Charlot (2002) aponta que há a violência
na escola (quando a origem da violência é externa a ela), a violência à escola
(violência contra a instituição) e a violência da escola (violência simbólica).
Em relação à violência da escola, Bourdieu e Passeron, elucidaram
a sócio-lógica do sistema de ensino, na qual se aponta a função da educação
como reprodutora das desigualdades sociais. Em suas palavras (1975, p. 107):
Les classes privilégiées trouvent dans l’idéologie que l’on pourrait appe-
ler charismatique (puisqu’elle valorise la “grace” ou le “don”) une légiti-
mation de leurs privilèges culturels qui sont ainsi transmués d ‘heritage
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p83-99

84
social em grâce individuelle ou em mérite personnel, ainsi masqué, le
racisme de classe” peut acher sans jamais s’apparaître.
Quanto à violência à escola, desde a década de 1990, de acordo
com o Observatório da Violência do Sindicato dos Professores do Ensino
Ocial do Estado de São Paulo (APEOESP), os professores tem enfrenta-
do o crescimento da violência dentro das escolas, vivenciando mais do que
indisciplinas dos alunos, mas agressões.
Diante dessa situação cabe uma ampliação do papel que cabe à
escola, pois na sociedade neoliberal em que é aclamado o individualismo
e a competição, o coletivo é desprezado. Percebemos, então, a necessidade
da instituição escola investir na formação do ser humano integral, percebe-
mos a necessidade de desbarbarizar o ser humano. Nas palavras de Adorno:
A tese que gostaria de discutir é a que desbarbarizar tornou-se a questão
mais urgente da educação hoje em dia. O problema que se impõe nesta
medida é saber se por meio da educação pode-se transformar algo de
decisivo em relação à barbárie. Entendo por barbárie algo muito sim-
ples, ou seja, que, estando na civilização do mais alto desenvolvimento
tecnológico, as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiar-
mente disforme em relação a sua própria civilização- e não apenas por
não terem em sua arrasadora maioria experimentado a formação nos
termos correspondentes ao conceito de civilização, mas também por
se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva, um ódio
primitivo ou, na terminologia culta, um impulso de destruição, que
contribui para aumentar ainda mais o perigo de que toda esta civiliza-
ção venha a explodir, aliás uma tendência imanente que a caracteriza.
Considero tão urgente impedir isto que eu reordenaria todos os outros
objetivos educacionais por esta prioridade. (ADORNO, 2000, p. 155).
Nesse sentido, é que se insere o trabalho do Supervisor de Ensino
e do Professor Mediador Escolar e Comunitário da Secretaria Estadual de
Educação de São Paulo.
1 o SuPerviSor de enSino e Sua PráTica de Mediar confliToS
A Supervisão de Ensino no Estado de São Paulo, atualmente, tem
suas atribuições previstas no artigo 72 do Decreto nº 57.141, de 18 de julho
Eaçã, , ê
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85
de 2011 (SÃO PAULO, 2011b). A atuação desse prossional engloba atri-
buições na instância regional e junto às escolas da rede pública estadual, da
rede particular de ensino, às municipais e às municipalizadas da área de cir-
cunscrição da Diretoria de Ensino. Há ainda as atribuições gerais do cargo:
exercer, por meio de visita, a supervisão e scalização das escolas in-
cluídas no setor de trabalho que for atribuído a cada um, prestando a
necessária orientação técnica e providenciando correção de falhas ad-
ministrativas e pedagógicas, sob pena de responsabilidade;
assessorar, acompanhar, orientar, avaliar e controlar os processos edu-
cacionais implementados nas diferentes instâncias do Sistema;
assessorar e/ou participar, quando necessário, de comissões de apura-
ção preliminar e/ou de sindicâncias, a m de apurar possíveis ilícitos
administrativos;
Diante dessas atribuições é possível vericar que, inevitavelmente,
o Supervisor de Ensino, em seu cotidiano, participa de situações conitu-
osas e tem que mediar situações que envolvam o relacionamento interpes-
soal de diferentes atores: pais, alunos, professores, funcionários e direção.
No Plantão da Supervisão, uma atribuição semanal do Supervisor
de Ensino, recebe-se as mais variadas reclamações e solicitações de inter-
venções que se relacionam aos conitos no entendimento de questões, por
exemplo, mudança de horário de aluno ou de escola, sanções disciplinares,
atrasos de alunos, desentendimentos entre alunos e pais, desentendimentos
com o Diretor da Escola, falta de Professores e dos Professores, exigência
de material escolar etc. Geralmente, tais “problemas” são resolvidos numa
reunião entre as partes, em momentos em que haja o esclarecimento das
questões e possibilidade de restauração do conito.
Por outro lado, é inegável que a função de supervisão de ensino
possui as limitações impostas pela realidade política e social vivenciada,
pois há questões estruturais que transcendem a atuação de qualquer pro-
ssional. Isto é, muitos dos problemas vivenciados na rede estadual pau-
lista dependem da ação da Secretaria Estadual de Educação (SEE), das
intervenções propostas pelo seu nível central, pois com a reestruturação
do modelo organizacional (Decreto nº 57.141 de 18 de julho de 2011), a
unidade central da SEE é considerada a inteligência, isto é, formuladora

86
das políticas e diretrizes para toda a rede estadual de ensino. Além disso,
cabe a ela o planejamento, a formulação de programas, o estabelecimen-
to de metas a serem atingidas bem como o monitoramento de maneira
global. Em síntese, a unidade central da SEE é caracterizada pela decisão,
formulação e estratégia.
A ação supervisora, ligada ao nível regional (Diretoria de Ensino) e
nível local (escolas) ca ancorada na atuação tática e operacional. Portanto,
sob essa ótica, é ilusório acreditar em autonomia nas escolas públicas do
Estado de São Paulo, pois o que se materializa no cotidiano é a delegação
de normas e procedimentos a serem cumpridos sem que se criem condi-
ções para uma profunda melhora da qualidade da educação.
Assim, surge na própria prática do Supervisor de Ensino uma
questão nevrálgica: como conciliar a demanda das escolas e a própria polí-
tica autoritária imposta pelo governo?
Outra faceta da atuação do supervisor de ensino, envolvendo a
mediação de conitos, é a sua atuação nas apurações preliminares. Cada
vez mais, na atuação como supervisor há a percepção de que mediar os
conitos e propor ações restaurativas é a solução para evitar situações
desgastantes que resultem em apurações preliminares e processos admi-
nistrativos. Tais instrumentos devem ser utilizados em casos em que haja
indícios de ilícitos administrativos, como por exemplo, a prática de ato
denido como crime contra a Administração Pública (peculato, extravio,
sonegação ou inutilização de livro ou documento, emprego irregular de
verbas, concussão, excesso de exação, corrupção passiva, prevaricação con-
descendência criminosa, advocacia administrativa, violência arbitrária, o
abandono de função, exercícios funcional ilegalmente antecipado ou pro-
longado, violação de sigilo prossional e violação de sigilo de propostas de
concorrência, ou atos contra a fé pública e a Fazenda Estadual (falsicação
de papeis e documentos públicos, falso reconhecimento de rma ou letra,
certidão ou atestado ideologicamente falso, falsidade de atestado médico,
supressão de documento, falsa identidade, usar identidade alheia ou ceder
a outrem etc). Somam-se aos motivos passíveis de medidas que ensejem
punições para o funcionário público: crime de tráco ilícito de entorpe-
centes e drogas ans, crime de terrorismo, crimes sexuais etc.
Eaçã, , ê
 êa
87
Alías, a ideia de que o funcionário público não pode ser demiti-
do, não sofre as consequências de atos ilícitos, ou não responde por falta
grave ou cumprimento de deveres é falsa, pois de acordo com a Lei nº
10.261/68 (SÃO PAULO, 1968), há as seguintes penas disciplinares:
Repreensão: registrada no prontuário do funcionário;
Suspensão: é a punição que proíbe o funcionário de comparecer ao
serviço. Logo, ele perde os dias não trabalhados e os ns de semana
remunerados;
Multa: é representada pelo desconto de parte dos vencimentos do
funcionário;
Demissão: é o despedimento do funcionário, que perde seu cargo ou
função pública;
Demissão a bem do serviço público: além de despedir o funcionário,
a Administração Pública mancha sua reputação, declarando que ele é
prejudicial ao serviço público.
Cassação da aposentadoria ou disponibilidade: quando o aposentado
ou quem está em disponibilidade perde o direito de receber seus venci-
mentos, enm, perde a aposentadoria.
Enm, se comprovado, após processo administrativo e ampla de-
fesa que o funcionário público agiu com culpa ou dolo de sua conduta, a
Autoridade Administrativa aplica-lhe a sanção cabível.
Ressalte-se que cabe ao Supervisor de Ensino uma etapa preli-
minar para a abertura de um processo administrativo, pois tal prossional
tem o dever de apurar preliminarmente um fato, após ordem do Dirigente
Regional de Ensino. Assim, sua função é ouvir as partes envolvidas e pro-
duzir um relatório circunstanciado.
1.1 o SuPerviSor de enSino coMo geSTor do SiSTeMa de ProTeção
eScolar.
Outra atribuição do Supervisor de Ensino, criada na Resolução
SE nº 19, de 12-2-2010 (SÃO PAULO, 2010), é a de Gestor em Nível
Regional do Sistema de Proteção Escolar, que possui como atribuições a

88
articulação com órgãos e entidades públicas e da sociedade civil que atuam
na proteção e no atendimento do público escolar. A atuação contempla
ainda o suporte ao Diretor de Escola, quando requisitado pelo Dirigente
Regional de Ensino, para identicação de fatores de vulnerabilidade e de
risco vivenciados por determinada escola e no desenvolvimento de ações e
projetos de prevenção, que tratem de fatores de vulnerabilidade e de risco
identicados numa determinada escola.
Cabe ainda ao Supervisor de Ensino a formação dos Professores
Mediadores Escolares e Comunitários, por meio das Orientações Técnicas
destinadas a esses prossionais. Tal atribuição gerou a necessidade do su-
pervisor de ensino se engajar no enfrentamento da violência nas escolas,
tentando desenvolver um trabalho preventivo.
2 o SiSTeMa de ProTeção eScolar da See/SP
O Sistema de Proteção Escolar (SPE) foi criado na Rede Estadual
de Educação através da Resolução SE nº 19, de 12-2-2010, com o objetivo
de coordenar o planejamento e a execução de ações destinadas à prevenção,
mediação e resolução de conitos no ambiente escolar, com o objetivo de
proteger a integridade física e patrimonial de alunos, funcionários e ser-
vidores, assim como dos equipamentos e mobiliários que integram a rede
estadual de ensino.
.Entre outras ações, o SPE criou a gura do Professor Mediador
Escolar e Comunitário para atuar nas escolas, instituiu o Registro de
Ocorrências Escolares e elaborou o Manual de Proteção Escolar e Promoção
da Cidadania e as Normas Gerais de Conduta Escolar.
2.1 o ProfeSSor Mediador eScolar e coMuniTário
No artigo 7º da Resolução SE nº 19/2010, criou-se a gura do
Professor Mediador Escolar e Comunitário, com as seguintes funções:
I - adotar práticas de mediação de conitos no ambiente escolar e
apoiar o desenvolvimento de ações e programas de Justiça Restaurativa;
II - orientar os pais ou responsáveis dos alunos sobre o papel da família
no processo educativo;
Eaçã, , ê
 êa
89
III - analisar os fatores de vulnerabilidade e de risco a que possa estar
exposto o aluno;
IV - orientar a família ou os responsáveis quanto à procura de serviços
de proteção social;
V - identicar e sugerir atividades pedagógicas complementares, a se-
rem realizadas pelos alunos fora do período letivo;
VI - orientar e apoiar os alunos na prática de seus estudos (SÃO
PAULO, 2010).
Infelizmente, nem todas as escolas da rede estadual foram con-
templadas com a gura do professor mediador, tendo a SEE/SP indicado
as escolas.
Quanto à seleção do Professor Mediador Escolar e Comunitário
(PMEC), a Instrução Conjunta CENP/DRHU, de 09 de abril de 2010
orientou a inscrição dos PMECs, denindo as categorias de professores
que poderiam se inscrever (1º: os professores adidos; 2º: os professores rea-
daptados; 3º: Categoria F; 4º categoria L e 5º: Categoria O)
1
e os critérios
para seleção, que envolvia a apresentação de uma carta de motivação com
exposição sucinta das razões pelas quais se optava por exercer as funções de
PMEC. Além disso, eram pontuados para a classicação os certicados de
cursos ou comprovação de ações ou projetos relacionados aos temas afetos
à proteção escolar.
Coube às Diretorias Regionais de Ensino a classicação dos do-
centes, respeitando-se a ordem de classicação descrita anteriormente e
1
Scotuzzi (2012) elucida as categorias dos professores na rede pública estadual de São Paulo: Professor titular
de cargo adido – são declarados adidos os professores das classes de docentes e das classes de suporte pedagógico,
quando o número de cargos providos destas categorias exceder a lotação prevista pelas normas legais para a unidade
em que estiverem classicados, tendo, no entanto, garantido o direito de permanecer efetivo no cargo, cumprindo
um mínimo de carga horária de permanência. Decreto nº 42.966/1998. Professor readaptado – professor cuja
modicação no seu estado físico e/ou mental, comprovada através de inspeção médica, que venha a alterar
sua capacidade para o trabalho, em relação a algumas tarefas especícas, está autorizado a exercer outra função,
diferente daquela relativa a seu cargo de origem. Resolução SE nº 307, de 31 de dezembro de 1991. Professores
Categoria “F”, abrangidos pela Lei nº 1010 de junho se 2007, que adquiriram uma certa estabilidade, tendo
garantido a cada ano um mínino de dez aulas de permanência, que deverão ser cumpridas na escola em atividades
correlatas ao magistério ou em substituição às faltas do titular de classe. Professores Categoria “L” e “O” foram
assim classicados a partir da publicação da Lei nº 1093 de julho de 2009, tendo os primeiros a garantia de
permanecer com portaria de admissão ativa até dezembro de 2011 e os últimos, a assinatura de contrato válido pelo
período letivo, que se inicia no mês de fevereiro e termina no último dia de aula de dezembro. Após esse período
os professores Categoria “O” têm seus contratos encerrados e não podem assinar novo contrato antes de decorridos
200 dias (a partir da publicação da Lei Complementar nº 1.163 de 04 de janeiro de 2012, passa a vigorar a redução
do prazo de interrupção de exercício de duzentos para quarenta dias).

90
o perl docente, o que consideramos um elemento complicador, pois os
critérios relacionados à questão “perl” são pouco precisos. De todo modo,
cada Diretoria de Ensino procedeu à seleção, realizando entrevistas com os
candidatos e classicando-os.
Posteriormente, ao assumirem os postos de trabalho nas escolas, os
PMEC participaram de um encontro presencial, em que fora apresentado o
Sistema de Proteção escolar e o papel do PMEC na escola. Além disso, foram
apresentados conceitos de conito e violência, a rede de garantia de direitos e
proteção social das crianças e adolescentes e noções introdutórias de métodos
alternativos de resolução de conitos. Por m, os PMECs participaram de
ocinas sobre aproximação da família e escola, educação comunitária, práti-
cas restaurativas na comunidade escolar, mediação de conitos e facilitação
de diálogos, uso de drogas, sexualidade, diversidade sexual e homofobia etc.
No curso on line, composto por três módulos, os PMECs reali-
zaram um diagnóstico da vulnerabilidade escolar e um mapeamento dos
recursos institucionais e comunitários, conheceram os órgãos de defesa da
criança e do adolescente e diante do conteúdo apresentado construíram
um projeto transversal para ser executado na escola.
É interessante enfatizar que no curso oferecido aos professores
mediadores a questão de gênero fora enfocada em duas ocinas oferecidas
aos PMEC’s: Sexualidade: um toque que transforma e Diversidade sexual
na educação: um olhar arejado sobre a homofobia em nossas escolas. Tais
ocinas tiveram como conteúdo a exposição das fases do desenvolvimento
humano, a discussão dos padrões comportamentais dos jovens na atualida-
de (as formas de relacionamento: car, namorar, a vivência sexual) e as for-
mas de discriminação vivenciadas pelos alunos homossexuais nas escolas,
que, muitas vezes, reforça o preconceito. Diante disso, pergunta-se “Qual
a atitude do professor em relação a sexualidade das crianças e adolescentes
hoje:”. Enm, ressalta-se o papel da escola como espaço de ensino, apren-
dizagem e vivência de valores, onde as pessoas se socializam e experimen-
tam a convivência com a diversidade humana.
Infelizmente, nos anos posteriores, por conta da legislação que
não permitiu a manutenção dos professores que eram Categoria L ou O,
ou então, da própria questão de jornada dos professores, que tiveram no
Eaçã, , ê
 êa
91
início do ano letivo aulas atribuídas, todo investimento na qualicação dos
PMECs foi prejudicada.
Na realidade, o projeto carece de mais investimentos por parte da
Secretaria Estadual de Educação. Scotuzzi esclarece bem a questão:
O programa parece que funciona, assim, como um elástico que se estica
e se afrouxa, conforme as necessidades e interesses do próprio projeto ou
da administração, o que em si não seria propriamente contraproducente
se tratasse estritamente de eventualidades e percebêssemos maior plane-
jamento e visualização prévia dos possíveis problemas antes da imple-
mentação do Programa. Talvez essa falta de visão se dê pela constituição
de uma equipe de coordenação do Programa, em nível central, sem a
presença de prossionais da educação. (SCOTUZZI, 2012, p. 118).
A lógica laboral adotada pela Secretaria de Estado da Educação há mui-
tos anos tem dicultado o trabalho pedagógico escolar e afeta, direta-
mente a contratação do Professor Mediador Escolar e Comunitário. A
cada início de ano há um esfacelamento das equipes, que se compõem
e recompõem, pelo fato de quase a metade dos professores da rede esta-
dual não serem efetivos; há pouca atratividade para novos professores e
interesse em uma prossão que exige muita dedicação e salários muito
baixos; há entraves legislativos que dicultam a intenção pedagógica.
No caso do Professor Mediador todas essas questões se intensicam e
poderiam ser amenizadas se fossem ouvidos os órgãos intermediários
que lidam diretamente com as escolas e delas conhecem as diculdades
e problemas. (SCOTUZZI, 2012, p. 119).
De todo modo, os Professores Mediadores Escolares e
Comunitários que permaneceram na rede estadual foram criando identi-
dade. Contudo, inicialmente, houve “estranhamento” e mal entendidos
nas escolas ao se receber um PMEC, visto que sua gura era indenida.
Muitos Diretores e Professores achavam que os problemas disciplinares
seriam resolvidos pela nova gura, o que na prática seria inviável e inócuo,
visto que se numa escola com muitos alunos, se cada professor enviasse um
aluno para o professor mediador, este caria com uma sala com mais de
trinta alunos, o que na realidade, inviabilizaria a intervenção que cabia a
esse novo prossional na escola.
De acordo com Scotuzzi (2012, p. 110-111):
Pretende-se que o Professor Mediador cumpra com a função pedagó-
gica de educar para a cidadania, para a ética e valores, de modo que os

92
alunos voltem a conar no professor e na escola. Espera-se que ele agre-
gue recursos e some esforços à equipe gestora e a toda equipe docente
para lidar com as questões de violência que se manifestam na escola,
sem que os demais prossionais deixem de cumprir o seu papel na or-
ganização escolar. O PMEC é um professor e sua função não deve ser
confundida com outros atores escolares como agentes de organização
escolar (inspetores de alunos), coordenador pedagógico etc.
Gradativamente, a partir das orientações técnicas realizadas junto
aos Gestores do Sistema de Proteção Escolar, as equipes deniram rumos
de acordo com a necessidade de cada escola e diante do projeto elaborado
em conjunto com cada equipe gestora. Tal fato é interessante, pois embora
haja um elemento norteador sobre as funções do professor mediador há
autonomia para que cada escola direcione o seu projeto. Assim, em uma
escola o projeto se volta para o trabalho com os alunos encaminhados pe-
los professores para atendimento, outros se voltam para o trabalho com os
pais, tentando envolvê-los para a participação na escola e na vida escolar
dos lhos. Ou ainda, há projetos ligados à questão de gênero, em espe-
cíco, que abordam a experiência de gênero vivenciada pelos alunos no
percurso escolar. Grosso modo, os Professores Mediadores relatam que a
maioria dos alunos evidenciam padrões culturais estereotipados - tradicio-
nais, envolvendo a denição de papeis masculinos e femininos, machismo
e, principalmente, preconceitos envolvendo as meninas e os homossexuais.
2.2 o SiSTeMa eleTrônico de ocorrênciaS eScolareS
O Sistema Eletrônico de Registro de Ocorrências Escolares
(ROE), constitui-se em um instrumento de registro on-line de informa-
ções sobre ações ou situações de conito ou grave indisciplina que per-
turbem sobremaneira o ambiente escolar e o desempenho de sua missão
educativa, danos patrimoniais sofridos pela escola, de qualquer natureza,
casos fortuitos e/ou de força maior que tenham representado risco à segu-
rança da comunidade escolar e ações que correspondam a crimes ou atos
infracionais contemplados na legislação brasileira.
Cabe aos Diretores das Escolas alimentarem o sistema. As infor-
mações registradas no ROE são armazenadas para ns exclusivos da ad-
Eaçã, , ê
 êa
93
ministração pública, sendo absolutamente condenciais e protegidas nos
termos da lei.
Apesar da relevância na criação de um instrumento capaz de
mapear as ocorrências de violência nas escolas, inicialmente, os Diretores
não deram credibilidade ao instrumento, muitos temiam represálias, pois
sempre há muita cobrança e pouco auxílio por parte da sociedade, ou en-
tão, muitos Diretores não entendiam o porquê de mais uma tarefa a ser
cumprida.
Isto é, a Secretaria Estadual de Educação repetiu o que é práti-
ca recorrente: não esclarecer as motivações que estão por trás das ações.
Muitas vezes, os prossionais da educação obtêm informações sobre proje-
tos a serem desenvolvidos na rede quando há apresentação na mídia.
Ademais, os registros não surtiram intervenções nas situações gra-
ves, como se esperava. Portanto, faltou e faltam ações mais concretas por
parte da SEE/SP para auxiliar as escolas diante dos problemas enfrentados,
por exemplo, segurança nos prédios escolares.
2.3 o Manual de ProTeção eScolar e ProMoção da cidadania
De acordo com a apresentação do Manual de Proteção Escolar
e Promoção da Cidadania, seu objetivo é subsidiar a escola pública com
aprofundamentos sobre conceitos de direitos civis e constitucionais, além
de fornecer informações e esclarecimentos relativos à natureza das atribui-
ções e competências das diversas instâncias a serem mobilizadas no enfren-
tamento e mediação de conitos que comprometem e distorcem a convi-
vência no ambiente escolar.
Inicialmente, o documento faz um mapeamento de conceitos
que giram em torno da questão da violência: cidadania, paz, direitos das
crianças e dos adolescentes, conitos, violência escolar, de gênero, racismo,
droga, preconceito, bullying etc
Posteriormente, aponta os crimes mais comuns na escola, a saber:
dano, pichação, porte de arma, uso e tráco de entorpecentes, ameaça,
lesão corporal, rixa, ato obsceno, corrupção de menores, atentado violento
ao puder e estupro.

94
Em seguida, dene os atores sociais envolvidos na proteção das
crianças e adolescentes.
Nos capítulos posteriores, há o esclarecimento de questões refe-
rentes à escola, tais como perímetro escolar de segurança, a responsabilida-
de da escola em relação aos alunos quando estes estão em suas dependências
ou então quando se dispensa o aluno antes do horário formal de término
das aulas, ou então, o que fazer se a escola receber ameaça de bomba etc.
Sobre os alunos, foram tratadas questões que sempre cavam im-
plícitas e/ou indenidas nas relações conituosas, por exemplo, o que fazer
se um aluno agredir verbal ou sicamente um colega ou servidor? O que
fazer se for detectado um aluno com drogas nas escolas ou se apresentar
alcoolizado?
Além das questões que envolvem o relacionamento interpessoal,
foram elucidadas questões de como proceder – na prática- para proteger as
crianças, como por exemplo, o que a escola deve fazer se perceber que um
aluno sofre maus tratos, ou então, o que deve fazer se houver indícios de
violência sexual contra criança ou adolescente.
Sobre os servidores, foram tratadas questões relacionadas à agres-
são verbal ou física a um colega de trabalho ou aluno ou assédio sexual por
parte do servidor contra aluno. Além disso, esclareceram-se as medidas
que devem ser tomadas quando um servidor manifestar atitudes racistas
ou entrar armado na escola.
Enm, o Manual cumpre um importante papel de condensar in-
formações relevantes para o dia a dia nas escolas.
2.4 aS norMaS geraiS de conduTa eScolar
O manual Normas gerais de conduta escolar (SÃO PAULO, 2009b)
é um referencial a ser adotado pelas escolas estaduais de São Paulo em rela-
ção aos direitos dos alunos, seus deveres e responsabilidades. O documento
trata também das questões de conduta no ambiente escolar.
Inicialmente, o manual arma o direito dos educandos à educa-
ção pública gratuita e de qualidade, que signica:
Eaçã, , ê
 êa
95
Receber uma escola limpa e segura;
Usufruir de ambiente de aprendizagem apropriado e incentivador,
livre de discriminação, constrangimentos ou intolerância;
Receber atenção e respeito de colegas, professores, funcionários e
colaboradores da escola, independentemente de idade, sexo, raça,
cor, credo, religião, origem social, nacionalidade, deciências, es-
tado civil, orientação sexual ou crenças políticas;
Receber informações sobre as aulas, programas disponíveis na es-
cola e oportunidades de participar em projetos especiais;
Ser noticado, com a devida antecedência, sobre a possibilidade
de ser encaminhado para programa de recuperação, em razão do
aproveitamento escolar;
Ser noticado sobre a possibilidade de recorrer em caso de repro-
vação escolar;
Ter garantida a condencialidade das informações de caráter pessoal
ou acadêmicas registradas e armazenadas pelo sistema escolar, salvo
em casos de risco ao ambiente escolar ou em atendimento a requeri-
mento de órgãos ociais competentes. (SÃO PAULO, 2009b, p. 7).
Em relação ao direito à liberdade individual e de expressão, o do-
cumento arma o direito dos alunos a participarem de grêmio estudantil,
produzirem jornais, boletins informativos ou murais além de decidir sobre
as vestimentas pessoais, distintivos ou adereços e portarem seus materiais
de uso pessoal na escola.
Por sua vez, em relação ao direito a tratamento justo e cordial, o
manual estabelece que cada aluno possui tal direito assegurado, incluindo
o direito de ser informado pela direção da escola sobre as condutas consi-
deradas apropriadas e quais podem resultar em sanções disciplinares.
Quanto à questão disciplinar, o manual aponta que nos processos
administrativos que possam resultar transferência compulsória da escola é
assegurado o acompanhamento dos responsáveis legais nas reuniões.
Alias, esse ponto é muito polêmico na própria rede estadual, pois
As Normas Gerais de Conduta Escolar determinam as medidas disciplinares
cabíveis em âmbito escolar, a saber:
1. Advertência Verbal

96
2. Retirada do aluno de sala de aula ou atividade em curso e encaminha-
mento à diretoria para orientação;
3. Comunicação escrita dirigida aos pais ou responsáveis;
4. Suspensão temporária de participação em visitas ou demais programas
extracurriculares;
5. Suspensão por até 5 dias letivos;
6. Suspensão pelo período de 6 a 10 dias letivos;
7. Transferência compulsória para outro estabelecimento.
Assim, há uma corrente de prossionais do magistério que de-
fende a ideia de que as medidas disciplinares na escola ferem o direito à
educação e elas mesmas são violentas. Por outro lado, há uma corrente
que defende o estabelecimento de regras e, no caso de descumprimento,
sanções. Eis frases elucidativas sobre a questão:
Essas medidas repressivas estão presentes em nossas escolas há muitas
décadas. Mesmo as medidas disciplinares de maior rigor – suspensões e
transferência compulsória – têm sido comumente aplicadas nas escolas
da rede estadual paulista e têm afastado do ambiente escolar aqueles que
mais precisam da escola, ainda que sejam os que menos a ela se adaptem.
Essas práticas tenho presenciado com frequência nas escolas, no trabalho
como Supervisora de Ensino. (SCOTUZZI, 2012, p. 104).
Acredito que para viver em sociedade, todos necessitam de seguir re-
gras e todas as instituições cobram isso. A propósito, a construção mo-
ral de um indivíduo não pode ser saudável se for baseada na anomia.
(Depoimento de um Supervisor de Ensino).
Desse modo, ainda não há um consenso sobre a questão discipli-
nar, mas é fato que em situações extremas e crônicas, a escola, via Conselho
de Classe, opta pela transferência compulsória do aluno, com consenti-
mento dos responsáveis legais e encaminhamento para outra escola. Tal
situação pode ser benéca para que o aluno reinicie uma trajetória escolar
em um ambiente novo. Por exemplo, em uma situação relatada por um
professor mediador, na qual o aluno encaminhou um vídeo para os colegas
com conotação sexual, a ideia de transferi-lo serviu para protegê-lo de pos-
síveis agressões de namorados ou pais das alunas que receberam o vídeo.
Eaçã, , ê
 êa
97
Logo, acreditamos que cada situação disciplinar deva ser analisada sob o
aspecto educativo e protetivo ao aluno.
Enm, a escola é uma instituição que deve ser democrática, aco-
lhedora, formativa, mas isso não signica que seja um espaço em que haja
permissividade, não haja regras e que todos (alunos, professores e funcio-
nários) não respondam pelos seus atos.
concluSão
Nosso objetivo foi mostrar alguns aspectos do trabalho do
Supervisor de Ensino no Estado de São Paulo que envolvem a mediação de
conitos, pois há a atuação como elemento conciliador entre pais, profes-
sores e direção. Além disso, com a criação do Sistema de Proteção Escolar,
esse prossional assumiu a função de Gestor Regional, tendo como prin-
cipal atividade o acompanhamento dos projetos desenvolvidos pelos
Professores Mediadores Escolares e Comunitários (PMEC).
Infelizmente, a atuação, tanto do Supervisor de Ensino quan-
to dos PMEC’s carece de maiores investimentos por parte da Secretaria
Estadual de Educação, pois a situação funcional desses professores é ins-
tável (ora tendo que assumir a docência concomitante com o projeto, ora
sendo excluído por conta de sua categoria funcional), o que gera deses-
truturação, resultando na falta de prossionais da educação que possam e
queiram assumir a mediação escolar. Desse modo, o projeto acaba sendo
uma vitrine para a SEE/SP, mas não atende efetivamente todas as escolas
públicas do Estado.
Ademais, é necessário que não se confunda qual o papel de um
professor mediador de conitos, que é, em síntese, o de desenvolver projetos
de prevenção de violência e projetos de formação de valores humanísticos.
Quanto aos documentos elaborados e divulgados para a rede so-
bre as normas gerais de conduta escolar e o Manual de Proteção escolar e
promoção da cidadania, acreditamos que foram ações que surtiram efeito
na rede estadual, pois os Diretores apontam que se sentem amparados,
tendo um parâmetro para tomar decisões sobre as situações descritas nos
manuais.

98
Quanto ao Registro de Ocorrências Escolares, ele traduz o teor
da própria política pública adotada pela SEE/SP contra a violência nas
escolas. Uma parcela de Diretores aponta que não alimentam esse sistema
on line porque não recebem nenhum tipo de intervenção do órgão cen-
tral, gerando apenas mais uma tarefa a ser realizada, apenas gerando dados
quantitativos.
Por m, resta apontar que a criação do Sistema de Proteção
Escolar pode ser uma ação contundente da Rede Estadual de Educação de
São Paulo se realmente se construir um sistema de proteção escolar.
referênciaS
ABRAMOVAY, M.; CUNHA, A. L.; CALAF, P. P. Revelando tramas,
descobrindo segredos: violência e convivência nas escolas. Brasília, DF: RITLA:
SEEDF, 2009.
ADORNO, W. T. Educação e emancipação. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2000.
BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. A reprodução: elementos para uma teoria
do sistema de ensino. Tradução Reynaldo Bairão. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1975.
CECCON, C. et al. Conitos na escola: modos de transformar, dicas para reetir
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São Paulo, 2009.
CHARLOT, B. A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam
esta questão. Sociologias, Porto Alegre, ano 4, n. 8, p. 432-443, 2002.
RUOTTI, C.; ALVES, R.; CUBAS, V. de O. Violência na escola: um guia para
pais e professores. São Paulo: Andhep: Imprensa Ocial do Estado de São Paulo,
2006.
SÃO PAULO (Estado). Lei nº 10.261, de 28 de outubro de 1968. Dispõe sobre
o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado. São Paulo: Assembléia
Legislativa do Estado de São Paulo, 1968.
SÃO PAULO (Estado). Manual de proteção escolar e promoção da cidadania. São
Paulo: FDE, 2009a.
SÃO PAULO (Estado). Normas gerais de conduta escolar. São Paulo: FDE,
2009b.
Eaçã, , ê
 êa
99
SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Resolução SE nº 19, de 12 de
fevereiro de 2010. Institui o Sistema de Proteção Escolar na rede estadual de ensino
de São Paulo e dá providências correlatas. São Paulo, 2010.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Resolução SE nº 1, de 20 de
janeiro de 2011. Institui o Sistema de Proteção Escolar na rede estadual de ensino
de São Paulo e dá providências correlatas. São Paulo, 2011a.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Decreto nº 57.141 de 18 de
julho de 2011. Reorganiza a Secretaria da Educação e dá providências correlatas.
São Paulo, 2011b.
SCOTUZZI, C. A. S. O Sistema de Proteção Escolar da SEESP e o Professor
Mediador nesse contexto: análise de uma política pública de prevenção de violências
nas escolas. 2012. Tese (Doutorado em Educação Escolar) – Faculdade de
Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2012.
100
101
Parte 2
Novas/velhas Formas de Violência
Contra Meninas, Adolescentes e Idosas
102
103
violência(S) SOBRE A Cidadania daS
MulHereS: o CaSo do FEMICÍDIO
eM PorTugal
Eunice Macedo
inTrodução
No vasto campo das violência(s) sobre a cidadania das mu-
lheres, como violação dos direitos humanos (Comissão para a Cidadania
e a Igualdade de Género - CIG, 2014), este capítulo foca a questão do
femicídio em Portugal como situação extrema resultante de processos de
violência sobre as mulheres no espaço familiar. Estes, por sua vez, surgem
indevidamente legitimados por processos de violência social que têm vindo
a ser reproduzidos nas nossas sociedades, em resultado de diferentes siste-
mas e cumplicidades (MACEDO, 2015a), mais ou menos intencionais, e
que são também aqui abordados. Para análise da questão em foco, tomam-
-se os dados do Observatório de Mulheres Assassinadas da UMAR (OMA.
UMAR, 2014) instituição que tem vindo a desenvolver um trabalho cru-
cial, ao longo dos anos, quer na desocultação e visibilização deste problema
quer na sua prevenção através do desenvolvimento de formas de proteção
a vítimas
1
/sobreviventes (MAGALHÃES et al., 2012).
Tem havido uma tendência crescente de condenações por vio-
lência por cônjuge ou análogo, cujos signicados são múltiplos, podendo
1
Se em termos jurídicos é a designação como vítimas que dá acesso às mulheres a proteção legal, é de realçar
o papel das mulheres como resistentes o que, em termos sociológicos as situa numa posição empoderadora, de
valorização e de reconhecimento.
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p103-121

104
incluir desde maior frequência na delação do crime a maior ecácia da lei
na punição do agressor. Tal como divulgado pela CIG (2014) com dados
da DGPJ, Estatísticas da Justiça, o número de pessoas condenadas subiu
de 76, em 2008, para 436, em 2009, 1097, em 2010, 1322 em 2011, e
1339, em 2012, sendo que houve 27 pessoas condenadas por homicídio
conjugal, num total de 302 pessoas condenadas por homicídio. No que diz
respeito ao femicídio em Portugal, a UMAR tem alertado para a urgência
de “tipicar este tipo de crime na lei para perceber os números e poder per-
ceber se as medidas do Estado têm surtido efeito”. Foram já dirigidos di-
versos pedidos nesse sentido ao Governo, através dos ministros da Justiça e
da Administração Interna, mas ainda sem resultados
2.
. É também de referir
que à data da escrita deste texto a lei do femicídio no Brasil era sancionada
pela presidenta Dilma Rousse, após o projeto de lei ter sido aprovado
na Câmara dos Deputados, tendo o anúncio da sanção sido pronunciado
durante discurso da presidenta, numa rede nacional e por ocasião do Dia
Internacional da Mulher
3
. Esse projeto de lei, elaborado pela Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher, se
aprovado, viria a modicar o Código Penal, incluindo o crime de assas-
sinato das mulheres, por razões de género, como homicídio qualicado.
Ou seja, quando “[...] o crime envolver violênciadoméstica e familiar, ou
menosprezo e discriminação contra a condição de mulher.
4
Pegando neste caso extremo e sem retorno da violência sobre as
mulheres, o texto centra-se no desejo e na capacidade de ação transfor-
madora e situa as mulheres como “atoras da construção da sua cidadania
agora” (MACEDO, 2011). Parte-se da análise dos riscos sobre a cidada-
nia das mulheres, provocados pelas diferentes formas de violência social, e
desvelam-se as cidadanias femininas que são ocultadas através delas. Com
esse foco e propósito, e entendendo que todos os esforços são necessários e
ainda insucientes, faz-se uma breve abordagem aos esforços de luta contra
2
Disponível em: <http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1429573>. Acesso em: 14 abr.
2015.
3
Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/governo/2015/03/dilma-rousse-sanciona-lei-que-torna-hediondo-
-o-crime-de-feminicidio>. Acesso em: 14 abr. 2015.
Disponível em: <http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1429573>. Acesso em: 14 abr.
2015.
4
Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/03/feminicidio-passa-a-ser-considerado-
-crime-hediondo-no-brasil>. Acesso em: 14 abr. 2015.
Eaçã, , ê
 êa
105
a violência, em busca de uma democracia mais autêntica. Argumentando
em favor de uma abordagem holística e contextual contra a violência,
situa-se um conjunto de políticas institucionais que, de diversas formas e
em diversos campos, procuram intervir no problema, mas que muitas vezes
escapam entre os dedos da possibilidade de ação de cada um e de cada uma
de nós. Atendendo à prevalência de uma forte lacuna entre a intenção po-
lítica e as vidas reais das pessoas, o texto termina argumentando em favor
de políticas do quotidiano, em busca de uma cultura de maior autentici-
dade democrática que erradique a violência do dicionário e que promova
a aprendizagem da igualdade “através da pele”, cuja ação mobilizadora está
nas mãos de cada um e cada uma de nós.
violência(S) e riScoS SOBRE a cidadania daS MulHereS
Na linha de trabalhos académicos que focam violência, particu-
larmente sobre as mulheres (LISBOA, 2003; COSTA, 2009; ADELMAN;
HALDANE; WIES, 2012; MAGALHÃES et al., 2012), tenho vindo a
defender que a violência social constitui um processo complexo e multidi-
mensional mas também especíco, que releva da cultura e não da herança
biológica (GONÇALVES, 1985; MACEDO, 2015b). Sendo associado à
vida no coletivo e qualitativamente distinto da violência individual, este
processo é frequentemente suportado por um conjunto, também comple-
xo, de formas de discriminação cruzada, em que as dimensões de etnia,
deciência, falta de reconhecimento cultural, falta de recursos sociais e
económicos frequentemente se combinam; dando corpo a formas de
opressão estrutural (YOUNG, 2002) como a má redistribuição e a falta de
reconhecimento.
Tendo um caráter abrangente e englobador, as diversas expressões
de violência social têm vindo a ser objeto de naturalização. Apesar de al-
guns esforços legais e de trabalhos académicos no sentido da erradicação de
algumas destas formas de violência, estas não são ainda objeto de reexão
ampla e aberta com todas as pessoas. Muitas das quais contribuem, de for-
ma irreetida, para a reprodução em cadeia destes processos, como rero
em seguida. Tal como explorado em trabalhos anteriores, são exemplo de
violência social, questões como o sexismo da linguagem, em que a homo-

106
geneização se pode assumir como método para a subalternização da iden-
tidade individual. Ou seja, em que a homogeneização corporiza a negação
do direito de ser única; direito que seria viável num enquadramento de
heterogeneização, como método feminista dirigido à asserção de direitos e
da diversidade. Alimentada por grandes estruturas de poder como as religi-
ões e os media, a heteronormatividade é outro exemplo de violência social
na medida em que contribui para a deslegitimação de formas “outras” de
orientação afetivo-sexual (homossexual, lésbica, assexual, bissexual) e que
não admite o reconhecimento e legitimação de estilos de vida ‘outros’, que
podem incorporar as relações pluri-amorosas e as famílias de cariz comu-
nitário, por exemplo.
Também a hipersexualização, como forma de violência social,
além do propósito claro de posicionamento e objeticação das mulheres,
como seres capazes de provocar e satisfazer desejo (mas cujo direito ao
desejo e ao prazer não é ainda integralmente reconhecido) resulta da e
na negação de representações das mulheres como seres capazes de pros-
sionalidade e de participação na vida pública, no sentido convencional, e
nos espaços ‘novos’ de participação que têm sido desbravados por algumas
mulheres e homens. Pode assim dizer-se que a hipersexualização é também
geradora da invisibilização de muitas formas de exercício de uma cidadania
participativa pelas mulheres (MACEDO; COSTA, 2006) num quadro de
ativismo com as comunidades, e como seres capazes de desejo e de provo-
car ação, num quadro de realização e de felicidade pessoal.
O assédio sexual no local de trabalho, “como forma de discri-
minação baseada no sexo […] que envolve comportamentos indesejados
pelas pessoas que deles são alvo e, consequentemente, atentatórios da sua
dignidade e liberdade” (CIG, 2014, p. 175) constitui ainda violência social
sobre as mulheres, contribuindo também para a invisibilização da mitiga-
ção das suas cidadanias. O mesmo resulta da sujeição exacerbada ao des-
gaste pelo trabalho (demasiado) árduo e da alocação das mulheres numa
perspetiva de produção e reprodução que mais não faz do que proceder à
exploração da sua força de trabalho, situando-as muitas vezes num quadro
de desumanização (FREIRE, 1981) e obstaculizando a construção de re-
lações dialógicas, de escuta mútua, colaborativa entre mulheres e homens
como parceiros nesse - e noutros – contextos, seja ao nível do trabalho po-
Eaçã, , ê
 êa
107
litico formal ou informal, na prestação de serviços, ou em contexto rural,
apenas para referir alguns.
Por sua vez, como tem sido estudado em perspetivas distintas, a
prevalência de uma racionalidade instrumental à execução de tarefas inte-
riorizadas como “dever moral” pelas mulheres sob inuência social e cultu-
ral constitui também violência. Pode entender-se que,
ao expulsar […] o desejo, a afetividade e a necessidade, a razão deon-
tológica os reprime e estabelece a moralidade em oposição à felicidade.
A função do dever é comandar a natureza interna, não de a formar nas
melhores direções. Já que todo o desejo é igualmente suspeito, não temos
forma de distinguir quais os desejos que são bons, que irão expandir
as capacidades da pessoa e as suas relações com os outros, e os que vão
restringir a pessoa e implementar a violência. […] O objetivo da razão é
em consequência controlar e censurar o desejo. (YOUNG, 1987, p. 63).
É disso exemplo o direcionamento das mulheres para o trabalho re-
produtivo, no contexto familiar, nas suas diferentes dimensões de procriação
(reprodução da espécie), cuidar (nas diferentes funções de apoio, proteção e
gestão de dependentes - crianças, idosos e/ou pessoas portadoras de deciên-
cia), e de sustentação (pela responsabilidade e execução reprodutiva das diver-
sas tarefas domésticas inerentes ao funcionamento das famílias), como me-
canismos de garantia de manutenção da espécie. Se a premência da execução
de tais funções no contexto da família, diculta às mulheres a assunção de
posições fortes num munto do trabalho que também não se organizou para
receber, mitigando a construção de uma carreira prossional pelas mulheres
(MACEDO; SANTOS, 2010); o trabalho reprodutivo, nesse contexto vem
também inviabilizar o desenvolvimento e usufruto pelas mulheres de socia-
bilidades empoderadoras entre mulheres e homens no usufruto de direitos
tão básicos como o direito ao lazer e ao descanso
5
.
Por sua vez, a violência no espaço familiar constituiu também um
processo complexo e multidimensional que, sendo indevidamente legiti-
mado pela violência social, surge associado ao núcleo social mais restrito
5
Questões como a medicalização da vida das mulheres e a subordinação através da religião merecem também
exploração e estudo como dimensão da violência social contra as mulheres, que não cabe neste espaço.

108
da(s) família(s), sob a mal designada “violência doméstica
6
(MACEDO,
2015a). Sendo que a violência no espaço familiar inclui também, a violên-
cia sobre crianças, jovens e idosos, a violência sobre os homens, e a vio-
lência entre parceiros íntimos (VPI), pondo em causa um cuidar associado
a bem-estar, felicidade, compromisso, realização pessoal, dialogicidade e
partilha, o ponto seguinte debruça-se sobre o femicídio em Portugal.
FEMICÍDIO eM PorTugal, eM foco: uM reSulTado SeM reTorno
O femicídio constitui uma situação extrema que resulta frequen-
temente de processos prolongados de violência sobre as mulheres no espa-
ço familiar, como sintoma e problema em que se articulam várias formas
de violência (MACEDO, 2015a). A expressão femicídio não é consensual
mas tem sido utilizada entre alguns grupos, e nos anos mais recentes, para
referir o crime de género associado ao facto de a vítima ser do sexo femi-
nino. O femicídio assume contornos similares mas dimensões distintas em
diversos países. No entanto as características dos processos e os resultados
estatísticos carecem de desenvolvimento e aprofundamento. Veja-se, por
exemplo o caso do México, onde:
Os femicídios se apresentam no âmbito público e no privado com ca-
racterísticas diferentes e como resultado da violência exógena e endó-
gena. No âmbito privado, apresentam-se como violência familiar e as
estruturas sociais tratam de justicá-la como uma situação individual
baseada na cultura, nas tradições, nos mitos, e nos costumes, nas cren-
ças religiosas sem a considerar como um problema de caráter estru-
tural, social, jurídico e político. (CHÁVEZ CARAPIA, 2015, p. 39).
Se no caso mexicano, a autora se apoia nos dados recolhidos pelo
Observatorio Ciudadano Nacional del Feminicidio [Observatório Cidadão
Nacional do Femicídio], no que diz respeito ao caso português, utilizam-se
6
Sendo designado por “violência doméstica” (sic) todo o crime, previsto no Código Penal, cometido por alguém
que reside habitualmente com a vítima, independentemente da relação de parentesco, de consanguinidade ou
de anidade, ou qualquer outra, é de notar que, em 2013, das 1928 chamadas recebidas no SIVVD (Serviço
de Informação às Vítimas de Violência Doméstica) 1564 reportavam-se a situações relacionadas com violência,
sendo, a maioria das vítimas do sexo feminino. Para além disso, foram registadas em 2013 pela GNR (Guarda
Nacional Republicana) e pela PSP (Polícia de Segurança Pública) um total de 26 678 ocorrências de violência
doméstica (sic), que corresponde a um acréscimo de 2.4% relativamente ao ano anterior e contraria a tendência
de ligeiro decrescimento a partir de 2010 (CIG, 2014)
Eaçã, , ê
 êa
109
os dados do femicídio captados pelo Observatório de Mulheres Assassinadas
da UMAR (OMA.UMAR), que têm sido listados desde 2004 e trabalhados
estatisticamente desde 2007, ano em que começaram a estabelecer ilações
com os dados de anos anteriores. A recolha de dados que é sistematizada
em relatórios intercalares e anuais tem vindo a complexicar-se, ao longo
dos anos, quer em relação ao número de variáveis que são equacionadas
quer em termos das análises providenciadas. De par com os dados estatísti-
cos, a apresentação de valores absolutos dá evidência a um posicionamen-
to em que cada mulher conta, na linha do que tenho vindo a defender.
Conta também cada descendente, vitimizado por procuração, como per-
mite acentuar, por exemplo, o relatório de 2007, o qual refere que “Para
além das 22 mulheres assassinadas, foi igualmente vítima de homicídio 1
[…] criança do sexo masculino.” (OMA.UMAR, 2007)
7
. Para além das
mulheres e dos/as descendentes, contam também os/as ascendentes diretos
vitimizados por procuração pois, para além das “59 mulheres [assassina-
das] foram vítimas de tentativas de homicídio […] mais 18 pessoas […],
incluindo, lhos e pais das vítimas.” (OMA.UMAR, 2007).
Para a reexão seguinte, tomo os dados do último dos relatórios
da OMA.UMAR. É de notar que estes dizem respeito ao femicídio e às
tentativas de femicídio noticiadas na imprensa entre janeiro e dezembro de
2014, sendo possível inferir que poderão existir ocorrências que não foram
noticiadas. Com base num quadro comparativo da prevalência deste fenó-
meno entre 2004 e 2014 (OMA.UMAR, 2014, p. 4) é possível vericar
que o número de vítimas diretas é muito semelhante em 2004 (40) e 2014
(43), sendo que os anos menos negativos foram 2007, em que o número
desce para 22, e 2011, ainda com 27 vítimas. Após um certo decréscimo,
é verdadeiramente preocupante o crescimento do femicídio nos anos mais
recentes, registando-se, em 2014, 43 femicídios e 49 tentativas. Para além
disso, os dados captados permitem vericar que na maioria dos casos, os
perpetradores são pessoas com quem as vítimas mantinham ou tinham
mantido relações de intimidade, num total de 250 (dos 399, em 10 anos)
no primeiro caso, e de 86, no segundo, o que inclui situações de casamen-
to, união de facto, namoro ou outra relação íntima. O facto de 79% dos
femicídios terem ocorrido no âmbito de relações de intimidade violentas
7
Disponível em: <http://www.umarfeminismos.org/index.php/observatorio-de-mulheres-assassinadas/dados>.
Acesso em: 14 abr. 2015.

110
permite concluir que “[...] a permanência em relações violentas aumenta o
risco de violência letal.” (OMA.UMAR, 2014, p. 17).
No que concerne à idade, pode vericar-se que as idades dos
homicidas seguem o mesmo padrão do das vítimas” (OMA.UMAR, 2014,
p. 9). Embora o problema seja transversal a diversos grupos etários, as
maiores vítimas são as mulheres com idades superiores a 36 anos. Uma
análise diacrónica, entre 2004 e 2014, permite vericar que o grupo mais
afetado são as mulheres dos 36 aos 50 anos. Tendência que é conrmada
em 2014, com a maior taxa de femicídio (35% / 15 mulheres) afetando
esse grupo de mulheres; seguindo-se as mulheres com mais de 65 anos
(23% /10 mulheres) e no intervalo entre os 51 e os 64 anos (19% / 8 mu-
lheres). No grupo de mulheres com idade inferior aos 35 anos registou-se
uma ocorrência decrescente de 16% / 7 mulheres, no grupo dos 24 aos
35; e de 7% / 3 mulheres, com menos de 23 anos. No que diz respeito aos
perpretadores, com algumas variações entre 2004 e 2014, é também no
intervalo dos 36 aos 50 anos que se situa o maior número, em 2014, 42%,
seguido dos grupos entre os 51 e os 64 anos (26%), e acima dos 65 anos
(16%). A perpetração do crime é ainda muito frequente, no grupo entre os
24 e os 35 anos (14%) e signicativamente mais reduzida nos jovens com
idade inferior a 23 anos.
No que concerne à questão das idades das vítimas e dos agresso-
res e atendendo a que a prevalência do crime ocorre com mais frequência
nas idades mais avançadas, poderá inferir-se a existência de um desgaste
nas relações entre mulheres e homens que aumenta o risco de violência?
Poderemos estar a confrontar-nos com a prevalência de representações
convencionais sobre o género masculino e feminino em que a subordina-
ção, objeticação e desvalorização das mulheres surge ainda legitimada?
Poderemos também inferir um recrudescimento signicativo e promissor
em relação à perpetração do crime, em termos geracionais, indiciador da
construção de relações menos desiguais entre os géneros, entre os grupos
mais jovens da população? Esta expectativa estaria na contramão do estu-
do da UMAR sobre violência no namoro entre jovens do ensino básico
e secundário, segundo o qual os valores se mantêm preocupantes, já que
em 2013, 35% dos/as jovens do estudo já tinham sido vítimas de alguma
forma de violência (12% de violência verbal, 8% de violência psicológica
Eaçã, , ê
 êa
111
e 4,5% de violência física) indiciando-se o seu proplongamento no futu-
ro (GUERREIRO et al., 2015). Também Laura Fonseca e Soa Santos
(2015), num estudo que foca relações sociais e educativas, na construção
das sexualidades, da gravidez e da juventude, desocultam o mesmo tipo de
preocupações, com base em narrativas de jovens.
O relatório dá visibilidade ao facto de 35% / 15 mulheres estarem
empregadas, 16% / 7 mulheres reformadas, 12% / 5 mulheres desempre-
gadas e de 7% / 3 mulheres serem estudantes. Os dados parecem permitir
inferir que não há uma correlação direta entre a ocupação das vítimas e a
exposição ao crime. Relativamente às prossões das vítimas é, no entanto,
de notar que a carência de informação, em 30% dos casos noticiados, pode
sintomatizar uma desvalorização social da ocupação prossional das mu-
lheres, através dos media. Ora, essa desvalorização da prossinalidade das
mulheres constitui, como tenho vindo a referir, uma forma de violência
social que parece articulável com a desvalorização no contexto da família,
como espaços que mutuamente se reforçam.
Relativamente à geograa do crime, os dados da OMA.UMAR
(2014) permitem evidenciar que este ocorre mais marcadamente nos maio-
res centros urbanos. Destaca-se pela negativa o distrito de Setúbal, seguido
dos distritos de Lisboa e Porto, onde as taxas de incidência têm vindo a
ser as mais elevadas, ao longo dos anos. Destacam-se também, agora de
forma positiva, os distritos de Castelo Branco e de Viana do Castelo onde
não houve qualquer notícia em 2014 da ocorrência do crime de femicídio.
Poderá inferir-se destes dados a prevalência de fatores exógenos, articulá-
veis com condições da vida urbanas, tal como a carência de bens e a conse-
quente falta de acesso a recursos culturais e educativos, no quadro daquilo
que tenho vindo a designar como violência social, que concorrem para a
maior ocorrência do crime?
Sendo o femícídio frequentemente resultante de processos pro-
longados de violência no contexto familiar, articulável com contextos mais
amplos de violência social sobre as mulheres, o ponto seguinte dá visibi-
lidade a instrumentos e iniciativas ao nível internacional e nacional que
visam confrontar este problema.

112
inTenção e reTórica PolíTica no confronTo à violência SoBre aS
MulHereS
A violência sobre as mulheres, como problema social e político
preocupante que viola os direitos humanos e que é necessário erradicar
(Beijing Declaration and Platform for Action [Declaração de Pequim e
Plataforma de Ação], 1995; CIG, 2014), tem vindo a ganhar maior visibi-
lidade na agenda política internacional e nacional desde a segunda metade
da década de 1980. No entanto, os dados mostram certa descoincidência
entre a intenção e a retórica política e a efetiva capacidade de implementa-
ção de mudanças reais na vida das pessoas. Da ampla produção de docu-
mentos, destacam-se os mais relevantes para os propósitos deste trabalho,
trazendo à luz, no contexto internacional, contributos do Conselho da
Europa, da Organização das Nações Unidas e de diferentes organismos
no interior da União Europeia. Segue-se um conjunto de documentos,
produzidos no âmbito nacional no quadro das orientações e compromissos
internacionais.
O quadro abaixo apresenta uma cronologia de alguns marcos
signicativos na luta contra a violência sobre as mulheres, no contexto
internacional.
Ano Marco Foco Entidade
1985 Recomendação (85)4 violência na família Conselho da Europa
1990 Recomendação (90)2 medidas sociais contra a violência na família Conselho da Europa
1993 Declaração
para a Eliminação da Violência contra as
Mulheres
Organização das Nações
Unidas
1997
Resolução 2010/C 285
E/07
Necessidade de campanha contra violência
contra as mulheres
UE - Parlamento Europeu
1999 Campanha
Campanha Europeia de Tolerância Zero
face à Violência contra as Mulheres
União Europeia
2002 Recomendação (2002)5 proteção das mulheres contra a violência Conselho da Europa
2005 Convenção de Varsóvia
compromisso com a erradicação da violên-
cia contra as mulheres
Conselho da Europa
2006 Resolução 61/143
intensicação da ação contra a violência
contra as mulheres, rearmação da pro-
moção dos direitos humanos e liberdades
fundamentais das mulheres, e prevenção da
violência
Organização das Nações
Unidas
Eaçã, , ê
 êa
113
2009
Convenção de Istambul
quadro legal que contempla formas especí-
cas de violência contra as mulheres
Conselho da Europa
Resolução 64/137
intensicação da eliminação de todas as for-
mas de violência contra as mulheres
Organização das Nações
Unidas
Resolução 64/139
contra a violência sobre as mulheres traba-
lhadoras migrantes
Organização das Nações
Unidas
2010 Estratégia
para a Igualdade entre Homens e Mulheres
(2010-2015)
Comissão Europeia
S/D Estratégia
Europeia de Combate à Violência contra as
Mulheres (2011-2015)
União Europeia
2011
Resolução 2010/2209
(IN)
novo quadro político comunitário de com-
bate à violência contra as mulheres
Parlamento Europeu
Quadro 1 - Marcos na luta internacional contra a violência sobre as
mulheres
Fonte: Sistematização da autora com base em vários documentos.
Ao nível do Conselho da Europa
8
, de que Portugal é estado-
-membro desde 1976, é de dar relevo às recomendações R (85)4, de 1985,
R (90)2, de 1990 e R (2002)5 de 2002, referentes, respetivamente, à vio-
lência na família, a medidas sociais contra a violência na família e à pro-
teção das mulheres contra a violência. No que concerne a Convenções, é
de destacar a de Varsóvia (2005)
9
na qual os Estados-membros se compro-
meteram com a erradicação da violência contra as mulheres (incluindo a
exercida no espaço familiar) e de que resultou a organização de um grupo
avaliador dos progressos alcançados pelos Estados, bem como o lançamen-
to de uma campanha pan-europeia contra a violência contra as mulhe-
res (também no espaço familiar). Também a Convenção de Istambul para
a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência
Doméstica
10
constitui um marco importante, ao adotar um quadro legal
que contempla formas especícas de violência contra as mulheres (tam-
bém no espaço familiar), incluindo violência física, sexual e psicológica,
8
Este órgão, que envolve 47 Estados membros e 6 Estados com estatuto de observador, é pioneiro na coopera-
ção jurídica internacional, tendo um papel crucial na modernização e harmonização das legislações nacionais,
no respeito pela democracia, pelos direitos humanos e pelo Estado de direito. Privilegia a busca de soluções
comuns para tornar a justiça mais ecaz e resolver os problemas jurídicos e éticos das sociedades modernas,
utilizando Convenções (vinculativas) e Recomendações (adotadas pelo Comité de Ministros do Conselho da
Europa na denição de linhas orientadoras para a política e a legislação dos países membros, disponível em:
<http://www.coe.int>).
9
Disponível em: <http://conventions.coe.int/Treaty/Commun/QueVoulezVous.asp?NT=197&CM=8&DF=1
4/06/2015&CL>. Acesso em: 14 abr. 2015.
10
Disponível em: <www.coe.int/conventionviolence>. Acesso em: 14 abr. 2015.

114
assédio, mutilação genital, aborto e esterilização forçados; e ao abranger
justiça criminal e civil, migração e asilo, proteção e apoio, educação, for-
mação e sensibilização (CIG, 2014).
Também a Organização das Nações Unidas
11
despertou para o
problema da violência contra as mulheres, tendo a Assembleia Geral apro-
vado, em 1993, a Declaração para a Eliminação da Violência contra as
Mulheres. Já em 2006, e em linha com a declaração de Pequim de 1995,
pela Resolução 61/143, a Assembleia Geral arma a intensicação da ação
para eliminar a violência contra as mulheres e rearma os compromissos
dos Estados, ao nível internacional, na promoção e defesa dos direitos hu-
manos e das liberdades fundamentais das mulheres, e na prevenção da vio-
lência, através da investigação, da punição aos perpetradores e da proteção
às vítimas. É já em 2009 que a Assembleia Geral aprova a intensicação
dos esforços para eliminação de todas as formas de violência contra as mu-
lheres (A/RES/64/137) e contra a violência sobre as mulheres trabalhado-
ras migrantes (A/RES/64/139).
Por sua vez, na União Europeia, é em 1999 que surge a Campanha
Europeia de Tolerância Zero face à Violência contra as Mulheres, na sequ-
ência da Resolução do Parlamento Europeu de 1997 que alertava para essa
necessidade (JO C 304, 6.10.1997, p. 55)
12
.
A Estratégia Europeia de Combate à Violência contra as Mulheres
(2011-2015) traça também um conjunto de orientações a serem tidas em
conta na erradicação de todas as formas de violência sobre as mulheres no
espaço da União Europeia, com o objetivo de reforçar em todos os Estados-
membros os sistemas de prevenção, proteção das vítimas e penalização dos
agressores. Como expresso na sua introdução, este documento constitui,
[...] um indicador da vontade política clara da EU de tratar como prio-
ridade o tema dos direitos das mulheres e de tomar medidas a longo
prazo nesse campo. Ao concentrar-se na questão da violência contra
11
Fundada em1945após aSegunda Guerra Mundial, como plataforma de diálogo, a Organização das Nações
Unidas é constituída atualmente por 193 países-membros, tendo por objetivo facilitar a cooperação no que con-
cerne aodireito internacional,segurança internacional,desenvolvimento económico,progresso social,direitos
humanose paz mundial. Disponível em: <www.un.org/>. Acesso em: 14 abr. 2015.
12
Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+MOTION+B7-
2009-0139+0+DOC+XML+V0//PT#_part1_def15>. Acesso em: 14 abr. 2015.
Eaçã, , ê
 êa
115
mulheres e meninas, a UE irá tomar uma ação ecaz contra uma das
principais violações dos direitos humanos do mundo de hoje (p. 1)
13
.
Já na Estratégia para a Igualdade entre Homens e Mulheres
(2010-2015) o intuito de por m à violência de género, surge de par com
ideias de dignidade e integridade, e associado a orientações para promover
a igualdade na independência económica; na remuneração por trabalho
igual e por trabalho de igual valor; na tomada de decisões; na ação externa
e em torno de um conjunto de questões horizontais (Comissão Europeia
- COM, 2010). Em particular, o teor deste documento permite reforçar
o argumento da inserção da violência no contexto familiar no contexto
mais amplo da violência social, no qual as questões de teor económico e
de participação na tomada de decisão, são exemplo, como tenho vindo a
defender (MACEDO, 2015a, 2015b).
É também de realçar a Resolução do Parlamento Europeu
2010/2209 (IN), de 2011
14
, como marco atinente à denição de “um novo
quadro político comunitário em matéria de combate à violência contra as
mulheres […] que propõe uma nova abordagem de política global con-
tra a violência baseada no género”, que envolva um conjunto amplo de
partes interessadas, e de medidas “destinadas a abordar o quadro dos «seis
P» relativo à violência contra as mulheres (política, prevenção, protecção,
procedimento penal, provisão e parceria), e que insta os estados-membros
a uma ação mais efetiva na resolução deste problema, através da punição
dos agressores, da formação dos funcionários, incluindo o pessoal respon-
sável pela aplicação da lei, os prossionais que trabalham nos serviços so-
ciais, infantis e de saúde e nos centros de emergência, para a atenção às
necessidades e direitos das vítimas, entre um conjunto detalhado de outras
indicações, de âmbito nanceiro e simbólico.
No quadro nacional, é de dar destaque, desde 1999, ao desenvol-
vimento de um conjunto de planos contra a violência sobre as mulheres.
13
Disponível em: <http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cmsUpload/16173cor.en08.pdf>. Acesso em: 14
abr. 2015.
14
Resolução do Parlamento Europeu, de 5 de Abril de 2011, sobre prioridades e denição de um novo quadro
político comunitário em matéria de combate à violência contra as mulheres (2010/2209(INI) (JOUE, C 296
E/26, 2.10.2012). Disponível em: <http://www.cite.gov.pt/asstscite/downloads/legislacao/69_Resol_PE_com-
bate_viol_mulheres.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2015.

116
Nesse ano, é lançado o I Plano de Combate à Violência Doméstica (VD),
sob o pressuposto de que A VD questiona o igual valor e dignidade de
cada ser humano, sendo traçadas metas e medidas de sensibilização, pre-
venção e intervenção, investimento na pesquisa e estudo para proteger as
vítimas (DR, 1999). O II Plano de Combate à Violência Doméstica, fo-
cando particularmente a “violência doméstica contra as mulheres”, toma
o pressuposto da falta de credibilidade atribuída aos testemunhos das
mulheres, a sua impotência e falta de conança na proteção jurídica, que
pode transformar vítimas em perpretadores (DR, 2003). Já o III Plano
de Combate à VD, reconhecendo que as mulheres são as maiores víti-
mas, arma que a violência de género exige uma ação transversal (DR,
2007). Assentando no pressuposto de que o problema da violência de-
corre da assimetria estrutural de poder entre homens e mulheres, o IV
Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (DR, 2010), dirige-se ao
combate à violência doméstica, no aspeto jurídico penal, na proteção das
vítimas, e na prevenção da VD e de género. Estando atualmente em vigor,
o V Plano Nacional de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e de
Género (DR, 2014) assumindo que todas as formas de violência de género
radicam numa desigualdade enraizada, visa endereçar a VD, a mutilação
genital feminina e as agressões sexuais, buscando difundir uma cultura de
igualdade e de não -violência, no sentido de tornar Portugal um país livre
de violência de género, incluindo a VD, independentemente da origem
étnica, idade, condição socioeconómica, deciência, religião, orientação
sexual ou identidade de género de mulheres e homens. Podendo vericar-
-se um progresso signicativo na compreensão das dimensões e articula-
ções deste problema ao longo dos anos, este plano parece constituir um
marco signicativo ao conceber a violência sobre as mulheres no contexto
familiar como problema inserido num contexto de violência social que
exige uma abordagem mais holística. É também neste enquadramento que
foi produzido o V Plano Nacional para a Igualdade de Género, Cidadania
e Não -Discriminação (2014 -2017), o III Programa de Ação para a
Prevenção e Eliminação da Mutilação Genital Feminina (2014 -2017) e o
III Plano Nacional de Prevenção e Combate ao Tráco de Seres Humanos
(2014-2017).
Eaçã, , ê
 êa
117
Seria de esperar que face às sucessivas declarações de intenções
e de ações, poe entidades poderosas, no âmbito internacional e nacional,
o problema da violência sobre as mulheres estivesse perto da resolução.
Lamentavelmente, não são esses dados que a realidade nos proporciona,
como se ilustrou no ponto anterior com a prevalência do femicídio, em
Portugal, muitas vezes resultante, da permananência em relações violentas,
entre parceiros íntimos, no seio da família. Parece pois tornar-se cada vez
mais necessário investir na aprendizagem da igualdade “através da pele
como forma de construção de uma cultura de maior autenticidade de-
mocrática que erradique denitivamente a “violência” da linguagem e das
vivências do quotidiano.
inveSTindo naS PolíTicaS do quoTidiano: aPrendizageM da cidadania
aTravéS da Pele
No quadro das orientações e regulamentações Europeias e nacio-
nais, as ações institucionais promovidas pelo Estado e por organizações es-
pecializadas, especicamente voltadas para a prevenção e combate à violên-
cia sobre as mulheres requerem uma visão holística, inter-instittucional e
de base local, implicando a presença de pessoal especializado e alocação de
recursos nanceiros pelo Estado. Vários estudos e documentos legais têm
endereçado esta questão provocando avanços signicativos nas condições
de vida de algumas mulheres. Apesar dos esforços realizados, os resultados
de confronto à violência estão ainda muito aquém do desejável.
Parece poder admitir-se que o confronto à violência sobre as mu-
lheres parece ser passível de realização no quadro de três ordens de razões.
Numa primeira ordem de antecipação / prevenção, enquadra-se o traba-
lho sobre e com as vidas das pessoas antes que a violência aconteça. Numa
segunda ordem, situa-se a intervenção face à emersão do problema; aqui
se enquadra a deteção precoce de situações de risco e a intervenção sobre
as causas no sentido da redução da escalada de violência, evitando as suas
potenciais consequências, de que o femicídio é o exemplo mais exacerba-
do. Numa terceira ordem de razões situam-se as medidas que poderíamos
chamar de compensação, que vão agir sobre os sintomas, ou seja, que face à
revelação dos sintomas do problema, à manifestação da violência, vão pro-

118
teger as vítimas e punir os agressores. Parece ser nas duas últimas ordens de
razões que se enquadra muita da ação contra a violência sobre as mulheres.
Está também nas nossas mãos dar corpo às intenções expressas nos
documentos institucionais, participando ativamente no desenvolvimento
de políticas do quotidiano. Ocorrendo em lugares sociais especícos e com
grupos particulares, estas políticas podem contribuir para a transformação
social ao nível mais profundo, propondo formas outras de vida social, em
que uma cultura de maior autenticidade democrática, radicada na cidada-
nia - como processo de inclusão, participação e realização de si - agilize a
erradicação da violência.
Se vários estudos tem enfatizado que a permanência em relações
de vitimização direta (sobre si) ou indireta (sobre outra pessoa próxima),
pode ser geradora da assunção de atos de violência, a preposição contrária,
poderá também ser verdadeira. Para terminar, deixo pois algumas reexões
enquadráveis na primeira ordem de razões, respeitante à antecipação/pre-
venção através da construção de um mundo outro, possível, para o qual a
educação tem um lugar crucial.
Nos anos mais recentes, têm-se desenvolvido em Portugal, e um
pouco por todo o mundo, movimentos de educação e intervenção social
situados no horizonte de construção dessa democracia mais autêntica,
em que a história e a vida individual se perspetivam como possibilidade
(FREIRE, 1981). Ou seja, em que cada pessoa, como atora da construção
da sua cidadania no quotidiano, age no interior e contribui para a constru-
ção do seu tecido social (MACEDO, 2011).
Tomando por referência um projeto em decurso
15
, com o qual
tenho estado envolvida desde a sua fundação, localizo como ação de relevo
na construção desse mundo outro possível, a inclusão de crianças, jovens
e adultos em contextos de “trabalho educativo” (FREIRE, 1981) em que
experienciam a auto-construção num ambiente rodeado de afetos e de re-
conhecimento. Aí tem espaço para expressar a própria voz, auto-gerindo
e exercitando as suas aprendizagens com as outras pessoas, explorando os
seus interesses e desejos e a dimensão negocial inerente à relação humana;
movimento de vida, em espaços partilhados, em que diferentes tarefas e
15
Escola Viva disponível em: <https://www.facebook.com/aescolaviva>. Acesso em: 14 abr. 2015.
Eaçã, , ê
 êa
119
atores são igualmente valorizados. Neste projeto que age agora para hoje e
para o futuro, é também de referir o exercício de liberdade na sua dimensão
relacional, permitindo a compreensão da dualidade de cada pessoa como
um/a e outro/a, simultaneamente, no quadro da construção de sentimen-
tos de pertença, de compromisso e de direitos.
Com base na reexão e na experiência vivida, admito que o exer-
cício de cidadania com reconhecimento e realização de si poderá reetir-se
no reconhecimento e valorização das outras pessoas. Tal processo tem po-
tencial para reduzir a violência eminente na situação inversa de desvalori-
zação e agressão, e para aumentando o espaço de construção democrática.
Para além disso, a vivência de processos mono e intergeracionais, pautados
pela equidade e pelo igual valor contribui para a construção de masculi-
nidades e feminilidades em que as diferentes localizações de género são
legítimas e legitimadas, na sua interseção com as outras dimensões da vida
humana. Ou seja, não são geradoras de desigualdade e de violentação do
outro/a mas antes apreciadas pelo que tem de desaadoras e enriquece-
doras. Isto quer também dizer, que antes de colocar a palavra “femicídio
no dicionário, buscando o legítimo reconhecimento de valor à vítima e
fazendo a identicação clara do crime, parece haver lugar também para
a erradicação da violência e para a sua substituição por uma democracia
alicerçada na autenticidade, dando lugar à emersão de novas realidades e
de novas linguagens.
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Eaçã, , ê
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122
123
a SecreTaria MuniciPal da juvenTude e
cidadania de Marília e aS PolíTicaS
PúBlicaS MuniciPaiS Para MulHereS e
ouTraS MinoriaS SociaiS: uM relaTo
de exPeriência
Tereza Cristina Albieri Baraldi
inTrodução
Este texto, em forma de relato de experiência, descreve a cria-
ção da Secretaria Municipal da Juventude e Cidadania de Marília, suas
atribuições, a composição básica e suas principais realizações, bem como a
maneira pela qual ela atua no combate à violência contra as mulheres por
meio de sua atuação intersetorial.
A Secretaria nasceu em 2014, na gestão do prefeito Vinicius de
Almeida Camarinha, do Partido Socialista Brasileiro - PSB - (2013/2016).
Sua criação foi resultado de características pessoais tais como juventude, in-
telectualidade e alteridade e também político-partidária do Chefe do Poder
Executivo: realização do compromisso político-social rmado na época da
campanha para a chea do Executivo municipal. Foi a primeira ação ar-
mativa na história de Marília no sentido de contemplar as minorias sociais
para políticas e ações públicas voltadas para a cidadania/direitos.
A composição básica da Secretaria é fundada nas Coordenadorias
de políticas para Decientes, Idoso, Igualdade Racial, Juventude e
Mulheres. Os cargos de Secretária e de Coordenação são de provimento
por comissão, ou seja, são cargos de conança do Prefeito Municipal, con-
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p123-132

124
sequentemente o critério de escolha é político. Nesse momento a Secretária
e as Coordenadoras de políticas para Igualdade Racial e para Mulheres são
consideradas técnicas, levando-se em consideração a experiência prossio-
nal que já possuem nas suas áreas de atuação e os demais coordenadores
são considerados políticos.
Existe uma funcionária administrativa (que é Assistente da
Secretária) e uma auxiliar de serviços gerais, ambas servidoras de carreira
do município.
Com uma visão cidadã e de futuro do gestor público, a criação da
Secretaria foi uma ação armativa efetiva, real e perene na busca da redução
das desigualdades sociais, de oportunidades e de direitos dos munícipes.
1 a SecreTaria da juvenTude e cidadania de Marilia
A Secretaria Municipal da Juventude e Cidadania iniciou suas
atividades em Marília no dia 11.06.2014 – anteriormente era Secretaria
da Juventude e acrescentou-se as atribuições voltadas para a cidadania,
podendo, dessa forma, contemplar outros segmentos minoritários tais
como Decientes, Idosos, Igualdade Racial, Juventude e Mulher. Assim, a
Secretaria da Juventude, já existente e inativa, foi otimizada com a trans-
formação de sua estrutura e de suas atribuições.
As principais atribuições da Secretaria são: elaborar programas
e promover a execução e o acompanhamento das políticas públicas que
possibilitem a realização dos direitos de cidadania por meio da integração
e participação nos processos de construção de um Município próspero,
melhoria da qualidade de vida, aumento da igualdade de oportunidades,
apoio na seleção técnica de benefícios de programas sociais e organização
de canais de comunicação e participação da sociedade civil e das diversas
comunidades do Município; colaborar na realização de eventos, desenvol-
ver trabalhos de intervenção destinados ao desenvolvimento social, edu-
cacional e de lazer, dentre outros aspectos. São, também, atribuições da
Secretaria, a realização de ações que proporcionem a intersetorialidade en-
tre órgãos públicos e privados visando para otimizar as políticas de direitos.
Eaçã, , ê
 êa
125
As atribuições são amplas e complexas e o público alvo prepon-
derante é o conjunto de munícipes em situação de vulnerabilidade e desi-
gualdade social – cidadãos cujos direitos que, por algum motivo, não estão
sendo exercidos.
Na busca das demandas das minorias sociais dos munícipes, per-
cebe-se que elas são abrangentes, como por exemplo na área da saúde, ou
da educação, ou da assistência social ou da cultura ou outra. Se a deman-
da não estiver clara ou se ela permear mais de um setor, a Secretaria da
Juventude e Cidadania, por meio da coordenadoria especíca, atua fazen-
do a interface entre as Secretarias para a realização do direito pleiteado.
Para realizar as atribuições da Secretaria, seu público alvo foi se-
lecionado tendo como critério a área social minoritária de atenção; as-
sim, a Secretaria é compostas pelas Coordenadorias de políticas para o
Deciente, Idoso, a Igualdade Racial, a Juventude e a Mulher, contudo é
imprescindível lembrar que a categoria mulher e gênero perpassa por todas
as demais categorias setorializadas em Coordenadorias.
2 a aTuação daS coordenadoriaS daS PolíTicaS MuniciPaiS Para aS
MinoriaS SociaiS
Embora as atividades das Coordenadorias sejam a de apoiar a
Secretária na realização das atribuições da Secretaria, até dezembro do ano
passado elas ainda não estavam bem claras – talvez pela diculdade natu-
ral que se tenha de colocar em prática as previsões teóricas contidas em
Decretos e outros tipos de legislação. Assim, a estratégia de trabalho es-
colhida para o início dos trabalhos foi o surgimento das demandas para
tentar realizá-las.
Mas, as demandas não surgiram imediatamente talvez porque a
natureza da Secretaria não ensejasse o atendimento ao público, ou porque
os problemas mais emergentes e visíveis sempre tenham sido os assisten-
ciais (que a Secretaria da Assistência Social atende muito bem por meio de
seus órgãos próprios, parcerias e convênios), talvez porque fosse necessário
traçar estratégias de busca para as demandas. Optamos por esta ultima
estratégia - contudo, para buscarmos as demandas também era necessário
conhecer cada público alvo.

126
2.1 coordenadoria de PolíTicaS Para o deficienTe
Este público não é muito visível - ele parece estar oculto porque
não é fácil encontrá-lo nos eventos públicos.
No mês de setembro de 2014 , a Coordenadoria do Deciente
realizou um evento de lazer voltado para os decientes, em uma tarde de
domingo no Bosque Municipal.
Na ação cujo tema foi “Deciente e Meio Ambiente”, apresentou
uma peça teatral, música e distribuição de mudas de plantas no Bosque
Municipal. Na oportunidade foi aplicado um questionário contendo per-
guntas como: nome, idade, tipo de deciência, se está liad@ a alguma
Instituição para decientes e o que o poder público poderia realizar para
melhorar a qualidade de vida dele. Nessa ação compareceram 14 pessoas
decientes, quatro delas com deciência intelectual e mental, tendo a mãe
respondido as questões por eles. A resposta preponderante foi a necessida-
de de os decientes permanecerem mais tempo nas “escolas” e que hou-
vesse mais atividades de lazer para eles se integrarem mais à comunidade
onde vivem.
No mês de outubro foi realizada uma mesa redonda que tratou
do tema “O trabalho e os direitos do deciente”. Nesse evento tratou-
-se da importância do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico
e Emprego
(PRONATEC) na capacitação dos decientes para o traba-
lho e também sobre os direitos, de maneira geral, que os decientes são
portadores.
Compareceram 41 pessoas no evento, entre elas 17 decientes,
seus familiares, representantes de entidades que atuam com decientes
e representantes do poder público municipal. Também um questionário
contendo perguntas como: nome, idade, tipo de deciência, se está liad@
a alguma Instituição para decientes, o que o poder público poderia re-
alizar para melhorar a qualidade de vida dele e qual outro tema gostaria
de ver abordado em outro evento semelhante ao realizado. As respostas
preponderantes da penúltima pergunta foram: 1- necessidade dos de-
cientes permanecerem mais tempo nas “escolas” 2- que eles tivessem mais
capacitação para o trabalho e 3- mais atividades de lazer. Com relação à
Eaçã, , ê
 êa
127
ultima pergunta, as respostas variaram entre “capacitação para o trabalho”,
direitos” e “saúde”.
As respostas dos questionários aplicados serviram para a elabora-
ção do plano de trabalho da Coordenadoria para o ano de 2015.
Reconhece-se que 31 pessoas decientes que compareceram em
dois eventos diferentes representam muito pouco diante dos aproximada-
mente 6.000
1
decientes que existem em Marília. Contudo, reconhece-se,
também, que a maioria dos decientes parece inserida em Associações para
seu tipo de Deciência ou mesmo nos grupos temáticos mantidos pelas
várias Igrejas da cidade.
Uma demanda urgente é melhorar a mobilidade urbana para os
decientes e para os que estão com mobilidade reduzida, contudo a execu-
ção do Programa municipal que desenvolverá essas ações está a cargo das
Secretarias do Planejamento Urbano e da Emdurb – autarquia municipal
que cuida do desenvolvimento urbano e, conforme informações de ambas,
a execução da adaptação das ruas do centro da cidade para otimizar a mo-
bilidade urbana deve começar até meados deste ano.
2.2 coordenadoria de PolíTicaS Para o idoSo
O idoso é um público mais aparente, facilmente encontrado em
todos os lugares - talvez pela existência de maior quantidade talvez pela
maior independência que possuem na locomoção e participação da vida
social.
Os idosos que mais trazem suas demandas para a Coordenadoria
de políticas para o Idoso são aqueles que estão organizados em clubes da
3ª idade: são mais de dez clubes existentes em Marília; a maior demanda
trazida até a Coordenadoria de políticas para o idoso é o exercício do di-
reito ao lazer.
Sabe-se da existência das necessidades voltadas principalmente à
saúde e à previdência social, contudo os idosos buscam sanar esses pro-
1
Essa quantidade é aproximada de pessoas com deciência; foi obtida somando o numero de decientes cadas-
trados nas várias Associações para Decientes que existem em Marília, do numero de decientes que recebem
benecio pecuniário do governo e dos que estão cadastrados para utilização gratuita de ônibus urbano e do
cartão de estacionamento gratuito.

128
blemas nos órgãos especícos (Secretaria da Saúde, INSS, Secretaria de
Assistência Social entre outros), talvez porque já sejam órgãos existentes há
mais tempo e a atenção a eles já seja uma prática cotidiana.
Assim, o planejamento de trabalho da Coordenadoria de políti-
cas para os idosos para o ano de 2015 está voltado principalmente para o
exercício do direito ao lazer e para campanhas preventivas tais como “pre-
venção de quedas em casa”, “prevenção de golpes nanceiros”, “prevenção
de DST”
2
entre outros.
2.3 coordenadoria de PolíTicaS Para a igualdade racial
A Coordenadoria de políticas para a Igualdade Racial só teve sua
coordenadora designada no mês de fevereiro deste ano (2015). Assim, as
ações realizadas em 2014 foram desenvolvidas pelos demais coordenadores
e pela Secretária – não foram ações pontuais, voltadas somente para os
afrodescendentes ou de outras etnias, mas foram ações em conjunto com
os outros segmentos sociais.
Uma a ação importante desenvolvida no ano passado foi a tratati-
va para a realização de Convênio entre a Prefeitura Municipal e a Secretaria
Estadual da Justiça e da Defesa da Cidadania para a coleta de denuncias
de discriminação racial. A denuncia será realizada por meio de um site
hospedado na página virtual da Prefeitura Municipal de Marília, coletado
e investigado por aquela Secretaria Estadual.
A Coordenadora nomeada já assumiu compromisso com dois
projetos para serem rapidamente executados: uma horta comunitária para
mulheres negras na zona sul da cidade e outro projeto de geração de renda
por meio da confecção de artesanato por mulheres afrodescendentes.
2.4 coordenadoria de PolíTicaS Para a juvenTude
A Coordenadoria da Juventude é a responsável pelas políticas pú-
blicas voltadas para os jovens (assim considerados as pessoas que possuem
entre 15 e 29 anos de idade). É um público diversicado, com perl va-
2
Com os avanços tecnológicos nas áreas da saúde e farmacêutica, os idosos possuem vida sexual ativa, o quê tem
aumentado os números de infectados com DST no meio dessa população.
Eaçã, , ê
 êa
129
riado. Para conhecer um pouco desse público, optamos por agir da mesma
forma que agimos com os decientes.
No mês de julho de 2014 realizamos uma semana de ações de
esporte e lazer voltados para os jovens do município, cujo evento recebeu
o nome de “Semana da Juventude”. As ações aconteceram em praças e
locais fechados do poder público municipal e no shopping Marília, nas
regiões norte, oeste e sul da cidade (regiões com maior concentração de
jovens). Houve shows com DJs, Bandas, apresentação de grupos que pra-
ticam capoeira, campeonato de Skate, jogo de futebol, pinturas artísticas,
orientação sobre químico dependência, DST, gravidez precoce, AIDS etc.
Nesses eventos foram aplicadas entrevistas com jovens e com al-
guns pais. A maioria dos jovens que frequentaram as ações externalizaram
sua predileção pela prática de skate, assim, solicitaram a melhoria das duas
praças públicas de skate que existem na cidade (zona norte e zona sul) e a
construção de mais praças desse esporte.
Em dezembro houve uma ação junto a um grupo da Juventude
Católica da Paróquia São Judas Tadeu, oportunidade em que foi aplicado
um questionário para 120 jovens. A maioria das respostas às perguntam
foram no sentido de que eles estão estudando, trabalhando e frequentam
a Igreja Católica.
Questionados sobre a área que poderia ser melhorada para o jo-
vem mariliense, a maioria respondeu “saúde”, “educação” e “segurança”, de
maneira geral; nenhuma resposta explicitou o quê poderia ser melhorado
pelo poder publico municipal nessas áreas e nem houve uma reclamação
ou um relato pontual da respeito dessas áreas.
Há um Programa da Coordenadoria que leva informação e orien-
tação para jovens, denominado Juventude em Foco. Os temas tratados pelo
executor do Programa (Jurandir Gelmi Junior, responsável pelo Instituto
Marina Ravazzi) são voltados para alcoolismo e drogadição, DST e gravi-
dez precoce.
Dado aos múltiplos pers apresentados pelo público jovem, a
Coordenadora da Mulher e a Secretária, juntamente com o Coordenador
de Políticas para a Juventude, realizam palestras informativas periódicas na

130
rede pública municipal e estadual de ensino e na Casa Abrigo – unidade
de semiliberdade.
2.5 coordenadoria de PolíTicaS Para MulHereS
A Coordenadoria de políticas para as Mulheres já existia desde
2009, contudo era vinculada à Secretaria de Assistência Social. Remanejada
para a Secretaria de Juventude e Cidadania, possui uma coordenadora que
já ocupou esse cargo em 2012. As atribuições dessa Coordenadoria fo-
ram alteradas, mas a Coordenadora já conhecia os problemas mais emer-
gentes que envolvem a mulher em situação de risco e vulnerabilidade no
Município de Marília, portanto a seleção e o desenvolvimento de ações foi
mais rápido.
Como a população mariliense é constituída de mais da metade
de mulheres, a complexidade dos problemas é maior e mais ampla. Assim,
nesses poucos meses de existência na Secretaria da Juventude e Cidadania,
a Coordenadora já realizou parcerias com universidades publicas e privadas
para a elaboração e o desenvolvimento do programa municipal de abuso
sexual infantil e outras formas de violência, realizou campanha do câncer
de mama, fez gestões intersetoriais para agilizar o atendimento da mulher
vitima de violência doméstica pela rede publica de saúde e a Polícia Civil,
realizou gestões para implantação efetiva da rede de atendimento da crian-
ça e do adolescente vitimas de abuso sexual, da mulher vítima de violência
doméstica, realizou inúmeras palestras sobre direitos da mulher, relações
familiares, além de eventos informativos para as servidoras públicas muni-
cipais, participou de eventos universitários levando informação sobre vio-
lência de gênero entre outros assuntos correlatos.
O segmento da mulher abrange as áreas das demais coordenado-
rias da Secretaria uma vez as mulheres estão em todas as categorias das mi-
norias: idosas, jovens, decientes e afrodescendentes - daí a maior abran-
gência e complexidade.
Eaçã, , ê
 êa
131
concluSão
A Secretaria da Juventude e Cidadania de Marília ainda está com
sua identidade em construção ( só existe há 8 meses), contudo recebe o
apoio incondicional da Prefeitura Municipal. Não é uma Secretaria rea-
lizadora de eventos e nem depende de grandes recursos nanceiros para
realizar suas atribuições.
O grande desao que se apresenta pela frente é atingir o atendi-
mento do maior número possível de pessoas dos vários segmentos mino-
ritários e, para isso, pretende-se criar Centros de Referencia da Mulher,
do Deciente, do Idoso, do Jovem e dos oriundos das várias etnias. Ainda
não é possível armar se serão criados um Centro de Referencia para cada
Coordenadoria.
Os Centros de Referencias (CR) são, unidades criadas para pro-
porcionar assistência integral às pessoas. Nos CRs deverão estar disponíveis
espaços destinados à saúde, à assistência social, direitos, ocinas, lazer, cul-
tura, sala de leitura, apoio familiar e Infocentro (área que oferece compu-
tadores com acesso à Internet).
referenciaS
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133
o Perfil daS MulHereS eM riSco de MorTe
aTendidaS no cenTro de referência da
MulHer caSa BraSilândia
Maria Nilda Conceição Izumi
Dados atuais evidenciam o quanto a violência contra a mu-
lher infelizmente continua presente na sociedade brasileira e no mundo,
traduzida em números alarmantes, justicando a importância de trazer a
temática para o plano da reexão.
Nesse sentido, pretende-se discutir a questão da violência contra
a mulher utilizando a perspectiva de abordagem patriarcal defendida por
Saoti, perpassando pelas relações de poder que se reproduzem no espaço
doméstico, evidenciando a hierarquização e as desigualdades assimétricas
nos papéis masculinos e femininos socialmente e historicamente constru-
ídas, onde a violência de gênero é condicionada pela violência estrutural e
ao homem é legitimado o exercício da força e do poder, enquanto à mulher
é reservado o lugar de sujeição e subordinação ao homem.
O presente estudo traz dados que permitem
traçar o perl socio-
demográco das mulheres em situação de violência e em risco de morte
atendidas num Centro de Referência da Mulher e encaminhadas para a
casa-abrigo no período de 2011 a 2014. Trata-se da síntese dos resultados
da pesquisa intitulada: “Centro de Referência da Mulher Casa Brasilândia:
um estudo sobre o processo de abrigamento de mulheres em situação de
risco de morte na cidade de São Paulo” que consistiu na dissertação de
mestrado, defendida em 2015 no programa de estudos pós-graduados em
Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p133-152

134
A escolha metodológica buscou articular o problema de pesquisa
com o método que o ilumina, utilizando-se respectivamente a abordagem
qualitativa e quantitativa. Adotou-se a concepção de Minayo (2010) que
propõe a articulação da teoria com a realidade empírica e com os pensa-
mentos sobre a realidade.
Segundo Minayo (2010, p. 63): “[...] nos fenômenos sociais há
possibilidade de se analisarem regularidades, frequências, mas também re-
lações históricas, representações, pontos de vista e lógica interna dos sujei-
tos em ação.
Nessa direção, os procedimentos metodológicos foram:
Pesquisa em fontes teóricas e eletrônica: livros, revistas, teses, jornais e
artigos cientícos - utilizando as palavras chaves: violência de gênero;
violência doméstica; mulheres abrigadas; casa-abrigo.
Pesquisa documental em dados secundários: levantamento das chas
de atendimento; análise das chas das mulheres encaminhadas para
abrigamento e dos respectivos Boletins de Ocorrência.
Entrevistas: com prossionais que atuam com mulheres em situação de
violência (coordenadora e com assistente social) e com as mulheres que
passaram por abrigamento.
Realizou-se o levantamento dos prontuários das mulheres atendi-
das pelo CRM Casa Brasilândia no período de 2011 a 2014. Nesse perío-
do foram encontrados 967 prontuários. Cada prontuário é composto por
uma cha de atendimento, um breve relatório social e cópia do Boletim de
Ocorrência. Do total desses, 72 mulheres foram encaminhadas para abri-
go. Considera-se importante ressaltar que a presente pesquisa não preten-
deu fazer generalizações quantitativas, apenas trazer para reexão e análise
os dados relativos às mulheres encaminhadas para abrigamento.
Os abrigos que receberam essas mulheres foram: Casa-abrigo
Helenira Rezende (equipamento público vinculado à Secretaria Municipal
de Políticas Públicas para Mulheres - SMPM), Casa de Passagem Helene
Londahl e Fundação Comunidade da Graça (ONGs vinculadas à Secretaria
Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social – SMADS).
Eaçã, , ê
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135
1 o PaTriarcado e a naTuralização da violência conTra a MulHer no
BraSil
O cenário atual mostra que a violência contra a mulher continua
desaando o Estado, a sociedade e os prossionais que atuam diretamente
com esta temática, dessa forma, persiste a relevância e a necessidade de
estudos para maior compreensão desta expressão da questão social e disse-
minação das estratégias de enfrentamento no âmbito das políticas públicas.
No Brasil e no mundo, a violência contra a mulher permanece
enraizada na sociedade e ocorre na prática cotidiana das relações. Existe
um movimento para romper com esta modalidade de violência, mas ainda
há uma forte legitimação social que é culturalmente disseminada.
Contrapondo a ideia que prevalece no imaginário social sobre
a violência contra a mulher, no que tange a culpabilização das mesmas
pela violência sofrida, Saoti arma que a relação violenta constitui uma
verdadeira prisão, na qual o gênero reserva ao homem o dever de agredir
e à mulher o lugar de submissão à agressão, pois o seu “destino” de gênero
assim o determina.
“Gênero é a construção social do masculino e do feminino”, bem
como o conjunto de normas modeladoras dos seres humanos em homens
e mulheres expressas nas relações destas duas categorias e não explicita a
desigualdade entre homens e mulheres. A desigualdade existente entre ho-
mens e mulheres é socialmente construída e determinada pelas estruturas
de poder e “o gênero, a família e o território domiciliar contêm hierarquias,
nas quais os homens guram como dominadores-exploradores”. O regime
de dominação-exploração das mulheres pelos homens é denominado de
patriarcado (SAFFIOTI, 2004, p. 44-45).
Sobre o patriarcado, arma-se que
[...] não se trata de uma relação privada, mas civil; dá direitos sociais
aos homens sobre as mulheres, praticamente sem restrição...; congura
um tipo hierárquico de relação que invade todos os espaços da socie-
dade; tem uma base material; corporica-se; representa uma estrutura
de poder baseada tanto na ideologia quanto na violência. (SAFFIOTI,
2004, p. 57-58).
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136
Para Saoti (2004) a violência doméstica ocorre numa relação
afetiva, necessitando, via de regra, de intervenção externa para que a mu-
lher consiga desvencilhar-se de um homem violento. Além disso, a tra-
jetória de ruptura é oscilante, com movimentos de saída da relação e de
retorno a ela e que mesmo quando permanecem na relação, as mulheres
reagem à violência, variando as estratégias.
Saoti (2004) conceitua a violência doméstica como aquela que
ocorre predominantemente no interior do domicílio, independentemente
do autor da agressão e da pessoa que sofreu a agressão pertencer à mesma
família e pontua que esta modalidade de violência apresenta pontos de
sobreposição com a familiar. Para a autora, a violência familiar envolve
membros de uma mesma família extensa ou nuclear, com vínculos consan-
guíneos ou por anidade e ocorre no interior do domicílio ou fora dele.
A Lei Maria da Penha
1
traz a denição de violência doméstica
como toda “ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão,
sofrimento físico ou psicológico, dano moral ou patrimonial à mulher” e
constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.
Necessariamente, as relações de dominação, exploração e a dispu-
ta pelo poder comportam controle e medo, uma atitude e um sentimento
que formam um circulo vicioso na situação de violência doméstica e fami-
liar (SAFFIOTI, 2004).
A sociedade brasileira carrega consigo traços patriarcais, com hie-
rarquias de gênero. Tais características que marcam esta sociedade contri-
buem para a aceitação da violência contra a mulher como natural e culmi-
na na legitimação social da violência que vem sendo perpetrada contra as
mulheres ao longo dos séculos:
A violência contra a mulher é produzida e reproduzida socialmente. As
relações sociais de gênero continuam hierarquizadas, correspondendo à
população masculina o exercício da dominação pela força física ou psi-
cológica. Meninos e meninas aprendem com o que presenciam em suas
casas, incorporando um modelo de violência e subordinação que é refor-
çado por meios de comunicação como a televisão. (BLAY, 2008, p. 218).
1
Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, artigo 5º.
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137
A violência doméstica contra a mulher é uma questão comple-
xa e, conforme os dados do Mapa da Violência, elaborado pelo Centro
Brasileiro de Estudos Latino-Americanos – CEBELA (2012) acontece
mundialmente e o país que apresentou a maior taxa de violência contra
a mulher no ano de 2009 foi El Salvador, ocupando o primeiro lugar no
ranking mundial. O Brasil, no mesmo ano, ocupava a 7ª posição e o Estado
de São Paulo a 26ª.
A pesquisa DataSenado (2013) revela que 700 mil mulheres con-
tinuam sendo alvo de agressões, 31% continuam convivendo com o autor
da agressão, o principal agressor é o marido ou companheiro (65%), o
principal motivo é o ciúme (28%). Esses resultados indicam que, “aproxi-
madamente uma em cada cinco brasileiras reconhece já ter sido vítima de
violência doméstica ou familiar provocada por um homem”.
Já os dados da pesquisa da Fundação Perseu Abramo/SESC
(2013), intitulada “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e pri-
vado: uma década de mudanças na opinião pública” revelaram que cerca
de 28,7 milhões de mulheres já sofreram algum tipo de violência; 17,2
milhões sofreram cerceamento ou outras formas de controle; 17,2 milhões
sofreram alguma agressão física ou ameaça e 16,5 milhões violência psico-
lógica ou verbal.
Os recentes achados revelam o quanto a produção e reprodução
da violência continuam presentes no bojo das relações sociais, sendo ainda
tolerada pela sociedade brasileira. Nesse contexto, os resultados de duas
pesquisas
2
que teve o objetivo de “apurar as percepções da população brasi-
leira acerca de temas afetos à violência contra as mulheres” realizadas pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA em 2014 evidenciaram
a naturalização e legitimação da violência contra a mulher por parte da so-
ciedade brasileira. Seja no espaço público ou no âmbito privado a mulher
é culpabilizada pela violência sofrida, pois 26% dos entrevistados concor-
dam que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser
atacadas” e 42,7% acreditam que a mulher que é agredida e continua com
o parceiro gosta de apanhar. Os resultados desta pesquisa sugerem que a
2
Folha de São Paulo, Cotidiano, de 28 mar. 2014. Os estudos referem-se à tolerância social à violência contra
as mulheres.
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violência de gênero seja reexo de uma estrutura social ainda patriarcal que
coloca a mulher como objeto de desejo e propriedade do homem.
O âmbito doméstico tem sido apontado em diversos estudos
como lócus privilegiado da violência contra as mulheres, sustentada na
ideologia da privacidade da família como grupo inviolável, contribuindo
para o distanciamento e descompromisso da sociedade para com esta mo-
dalidade de violência. Em 71,8% dos casos a violência ocorre na própria
residência (BRASIL, DataSenado, 2013).
No que diz respeito aos dados estatísticos, é importante destacar
que o
número de casos de violência denunciados não expressa o número
total de ocorrências, estima-se que os casos denunciados sejam apenas a
ponta do iceberg.
As mulheres em situação de violência não recorrem imediatamen-
te à autoridade policial. Ao contrário, a cultura de preservação da família
e do casamento, em detrimento dos direitos fundamentais da integridade
física e psíquica mesmo quando há fortes indícios de que a situação tende
a agravar-se, faz com que as mulheres busquem outras formas de resolução
das violências (CAMPOS, 2013, p. 85).
Há uma tendência a não procurar a polícia. Quase a metade das entre-
vistadas prefere soluções que não levem diretamente à formulação da
denúncia. Em 74% dos casos o motivo apontado para não formulação da
denuncia foi o MEDO DO AGRESSOR. (BRASIL, DataSenado, 2013,
p. 6, grifo nosso).
A subnoticação das violências sofridas pelas mulheres é destaca-
da
nos resultados da pesquisa da Fundação Perseu Abramo/SESC (2013),
em que ausência de registro varia de 90% a 70% dos casos. Segundo a
referida pesquisa, há algum tempo os estudos feministas conrmam que o
recurso à polícia ocorre após várias agressões e ameaças. Os pedidos mais
frequentes de ajuda, de metade a dois terços dos casos, são feitos às mães,
irmãs e outros parentes, ou seja, as mulheres em situação de violência re-
correm primeiro à família.
A violência contra a mulher ultrapassa a fronteira de classes so-
ciais e faixas de idade, visto que as vítimas de violência estão em diferentes
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faixas etárias e em todos os segmentos da sociedade. Entretanto, ocorre
em maior número na faixa etária dos 40 aos 49 anos (25,8%), em mulhe-
res com menor nível de escolaridade (33,3%), sem renda (40,7%) e com
renda de até dois salários mínimos (30,2%), conforme dados da pesquisa
DataSenado (2013).
Diante dos números reveladores de uma realidade extremamen-
te cruel, onde a violência contra as mulheres encontra espaço, legitima-
ção e um caldo social que a alimenta, impõem-se permanentes desaos
e a constante luta pela efetivação dos direitos humanos das mulheres.
Principalmente do direito à vida e que seja uma vida livre de quaisquer
formas de violência.
2 Breve caracTerização do cenTro de referência da MulHer CaSa
BraSilândia
A Casa Brasilândia é um Centro de Referência da Mulher – CRM,
fundado em 2003, na região do extremo norte do município de São Paulo
e consiste em um serviço público da Prefeitura Municipal de São Paulo
– PMSP, vinculado à Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres –
SMPM. Tem o objetivo de prestar atendimento público psicossocial e jurí-
dico às mulheres maiores de dezoito anos em situação de violência e risco
de morte.
Os centros de referência constituem-se em núcleos de atendimen-
to multiprossional, inspirados nos SOS da década de 1980 (SILVEIRA,
2006).
Os CRM ocupam na rede de atendimento o espaço de promoção
de “escuta” da violência contra a mulher, de forma integral, além de reali-
zar as orientações e os encaminhamentos necessários. Em geral, oferecem
atendimento psicológico, social e jurídico; em alguns casos, contam com
outros prossionais (terapeutas ocupacionais e pedagogos). Os atendimen-
tos são individuais ou em grupo. O trabalho desenvolvido pelo centro de
referência tem um caráter processual, ou seja, de intervir no “ciclo da vio-
lência” em que estão aprisionadas grande parte das mulheres nessa situação.
As ações dos CRM visam à promoção de reexão sobre a temá-
tica da violência, desenvolvendo atividades que contribuam para o for-
talecimento da autoestima e a efetivação dos direitos sociais das mulhe-
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140
res. Através da acolhida, escuta ativa, prestam
esclarecimentos sobre a Lei
Maria da Penha, o registro do Boletim de Ocorrência e encaminha para os
serviços da rede de recursos que ofereçam o suporte para que as mesmas
possam criar condições de romper com a situação de violência.
Conforme as demandas apresentadas pelas mulheres que bus-
cam os serviços da Casa Brasilândia, a metodologia de trabalho pode ser
o atendimento individual ou grupal, a realização de ocinas e palestras, o
encaminhamento para abrigo sigiloso ou para a rede de serviços e progra-
mas socioassistenciais. A equipe de trabalho é composta por psicólogas e
assistentes sociais.
O encaminhamento para as Casas-abrigo se apresenta nas situa-
ções em que as mulheres que sofreram violência encontram-se ameaçadas e
expostas a risco iminente de morte e não existem alternativas possíveis para
mantê-las afastadas do autor da agressão e/ou ameaça. Assim, o abrigamen-
to é uma medida extrema, necessária para a preservação da integridade
física e psicológica dessas mulheres.
3 o Perfil SociodeMográfico daS MulHereS aTendidaS na CaSa
BraSilândia e encaMinHadaS Para a CaSa-ABrigo
No período de 2011 a 2014 o CRM Casa Brasilândia prestou
atendimento para 967 mulheres. Em média atendeu 241 mulheres em
cada ano. Das mulheres atendidas entre 2011 e 2014, 13,43% foram en-
caminhadas para abrigamento. Ou seja, 72 mulheres do total de 967 con-
forme ilustra a tabela abaixo.
Tabela 1 - Mulheres encaminhadas para abrigamento no período de 2011
a 2014
Ano N %
2011 20 27,78
2012 22 30,56
2013 17 23,61
2014 13 18,06
Total 72 100
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados das chas de atendimento da Casa Brasilândia (2014).
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141
O perl sociodemográco apresentado na tabela 2 foi traçado a
partir dos percentuais mais expressivos referentes à idade, escolaridade, et-
nia/cor, ocupação e renda, número de lhos, situação de moradia, religião
e estado civil.
Tabela 2 - Perl sociodemográco das mulheres encaminhadas para a
casa-abrigo
Variáveis N (72) %
Faixa etária de 20 a 29 30 41,67
Faixa etária de 30 a 39 28 38,89
Escolaridade (< 8 anos) 33 45,83
Cor - preta 40 55,56
Ocupação - Desempregada 30 41,67
Renda – Sem renda 46 63,89
Nº de lhos – 1 a 4 58 80,56
Moradia - Alugada 27 37,50
Religião - Evangélica 31 43,06
Estado civil – União estável 44 61,11
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados das chas de atendimento da Casa Brasilândia (2014).
Considerando que as mulheres encaminhadas para abrigamento
são aquelas que estão em risco iminente de morte, os achados
deste estudo
coadunam com os dados do Mapa da Violência (2012) no que diz respeito
à faixa etária, visto que, segundo o Mapa, “as maiores taxas de vitimização
de mulheres concentra-se na faixa dos 15 aos 29 anos de idade, com pre-
ponderância para o intervalo de 20 a 29 anos, sendo a faixa mais expressiva
na década analisada”. A maior concentração de mulheres abrigadas na faixa
etária dos 20 aos 29 anos revela que assim como predomina a vitimiza-
ção nesta faixa etária, existe também uma maior incidência de risco de
feminicídio.
Quanto à escolaridade constatou-se que a maioria das mulhe-
res abrigadas (45,83%) possui o ensino fundamental incompleto, ou seja,
apresentam menos de oito anos de estudo.
Em relação à etnia/cor, seguindo a mesma lógica de outras pes-
quisas, como também os critérios do IBGE que considera negro os pretos
e pardos, somou-se os dados referentes às mulheres de cor preta e parda e
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142
conclui-se que o maior percentual de mulheres abrigadas são de mulheres
negras (55,56%).
Quanto à ocupação e renda, o maior percentual refere-se à au-
sência de emprego formal da mulher (41,67%) e à ausência de renda
(63,89%). As que possuem algum tipo de rendimento estão concentradas
na faixa de renda de um a dois salários mínimos (34,72%). Nenhuma mu-
lher apresentou renda acima de dois salários mínimos.
No que se refere ao número de lhos os resultados desta pesquisa
reetem a mesma realidade observada por Prates (2007) quando a autora
traçou o perl sociodemográco e psicossocial das mulheres abrigadas e
concluiu que 83,3% tinham entre 1 e 4 lhos. Os percentuais encontra-
dos na pesquisa de Prates foram: 46,6% das mulheres tinham entre 1 e 2
lhos, 34,7% tinham entre 3 e 4 e 12,5 % entre 5 e 6 lhos.
Quanto às condições de moradia, a maior parte das mulhe-
res (76,39%) não possui casa própria, residindo em domicílio alugado
(37,50%), cedido (15,28%) ou em loteamento clandestino (23,61%).
A maioria das mulheres encaminhadas para abrigamento são
evangélicas (43,06%), seguidas imediatamente pelas católicas (23,61%) e
as que não possuem religião (23,61%).
Quanto ao estado civil, a maior parte das mulheres encaminha-
das para abrigamento tem união estável (61,11%) ou é casada (19,44%),
perfazendo 80,55% em situação de conjugalidade estável. Para Bandeira
(2013) mulheres com conjugalidades estáveis são frequentemente subme-
tidas ao controle da delidade como exercício do “poder conjugal”.
4 a deciSão de ir Para a caSa aBrigo
O abrigamento é permeado por sentimentos ambivalentes e ocor-
re num momento de forte tensão e sofrimento para as mulheres e as crian-
ças. Na maioria das situações, as mulheres procuram o serviço logo após
terem sofrido a violência, chegando ao CRM extremamente fragilizadas,
machucadas e às vezes apenas com os lhos e a roupa do corpo.
São acolhidas em um momento de forte tensão e sofrimento, não ra-
ras vezes, após anos de vivência de relações violentas, sem contar com
Eaçã, , ê
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143
apoios efetivos, programas e serviços que lhes ofereçam oportunidades
e condições para romper com o ciclo de violência em que estão inseri-
das. (ROCHA, 2007, p. 196).
O processo de adaptação no abrigo é complexo, exige que as mu-
lheres e crianças passem por muitas mudanças, aprendendo uma nova for-
ma de viver e conviver, desenvolvendo hábitos cotidianos que favoreçam
o convívio em grupo, comportamentos e atitudes que estejam de acordo
com a cultura institucional, pois, segundo Prates (2007), por melhor que
seja o abrigo, ele continua sendo uma instituição, tem uma equipe moni-
torando e possui regras de convivência.
Ir para o abrigo é ir morar numa instituição, e mesmo o melhor abrigo
tem regras de convivência e uma equipe monitorando e acompanhan-
do os passos da mulher e dos lhos, há muitas mudanças e adaptações
para conseguir permanecer no mesmo, como a convivência em grupo,
as mudanças de escola dos lhos, de região, perda do apoio da comu-
nidade de origem, da convivência com a família, etc. Isso sem falar na
vivência da separação e da saída do “lar”, que está acompanhando a
mulher e os lhos durante todo este percurso. (PRATES, 2007, p. 96).
A seguir expõe se um quadro com trechos dos relatos das en-
trevistadas, nos quais as mesmas revelam alguns dos motivos pelos quais
tomaram a decisão de aceitar o encaminhamento para a casa abrigo; os
motivos pelos quais foram agredidas e alguns dos sentimentos durante a
permanência na casa-abrigo.
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144
O contexto do abrigamento O depoimento da assistente social do CRM
A assistente social da Casa
Brasilândia revela que a mulher é
encaminhada para o abrigo quando
a violência acontece de forma mais
grave, geralmente após muito tem-
po na situação de violência
Geralmente elas têm um histórico muito grande, de muito tempo de
violência. E quando chegou ao ápice ela já veio, fez e aconteceu, não teve
tempo de pensar se era isso que queria, se tinha outras formas de fazer.
Geralmente quando a violência acontece de uma forma muito grave, elas
são orientadas a vir para cá, para encaminharmos para um abrigo. Mas
eu penso que se tivesse um trabalho antes, se elas tivessem informações
dos serviços existentes, se no posto de saúde fosse orientada pelos pros-
sionais sobre o que é a violência doméstica, porque, e como ela acontece,
se tivesse sido encaminhada antes, por exemplo, de um serviço de saúde
para a gente, para fazer um acompanhamento, um fortalecimento, eu
acho que não teria tanta desistência.
Os motivos do abrigamento
O depoimento da assistente social sobre os motivos que levam as mulhe-
res a abrir mão de tudo e ir para a casa-abrigo
A assistente social da Casa
Brasilândia expressa sua opinião so-
bre o que motiva as mulheres a to-
marem a decisão de ir para o abrigo
O medo de morrer. E o medo de que aconteça alguma coisa com os
lhos. Eu penso que esse é um motivo muito forte. Acredito que é o
medo, quando já está no limite. Elas vão para o abrigo quando vêm que
já não tem mais saída, que não adianta fazer B.O., que não adianta mais
recorrer à família, elas sabem que realmente vai acontecer alguma coisa.
Os motivos do abrigamento O relato de Teresa conrma os motivos apontados pela assistente social
Apesar de o marido ter sido detido
e encontrar-se recluso, Teresa ainda
não se sentia segura, pois passou a
sofrer ameaça por parte da família
do marido.
Na delegacia o pai dele falou que ia fazer o que fosse, que ele ia sair de
lá. Que eu desse um jeito de sumir. O pai dele falou. A família dele falou
que não era porque ele tava preso, que as coisas não tavam boas pro meu
lado não. Da família, das irmãs...eu quei com medo...eu vou car aqui
na favela, num barraco, aí de noite vem um bota fogo, eu não sei o que
ele podia fazer. E eu sabia que eles iam me obrigar a retirar a queixa.
Tanto que até hoje eles me procuram...
O cerceamento da liberdade
feminina
O relato de Teresa sobre como o marido cerceava a sua liberdade
Aí ele não deixava eu sair de casa, não deixava eu ir na casa da minha
irmã, não deixava eu ir na casa de ninguém. Ficava atrás de mim. Eu não
podia ir levar as crianças sozinha na escola, eu não podia ir nem no bar
da esquina sozinha que ele ia atrás, chegou um dia que a pessoa parou
de trabalhar pra car dentro de casa. Ele cou dois meses sem trabalhar,
dentro de casa 24 horas. Até quando eu saia pra estender uma roupa ele
saía. A pessoa queria tá ali grudada. Eu não vivia mais, eu tava cando
louca, tava cando doente.
O cerceamento da liberdade
feminina
O Relato de Benedita sobre como o marido cerceava a sua liberdade
Benedita também teve sua liberda-
de cerceada pelo marido. O contro-
le era exercido via telefone.
Ele ligava 24 horas pra mim. Eu em casa, cuidando das crianças e ele -
cava ligando, ligando, ligando, até que falei um monte pra ele: poxa que
negócio é esse, ca me ligando direto, isso não é normal, eu falei pra ele.
De cinco em cinco minutos me ligando. Já tava me estressando, as vezes
já tá estressada em casa, com criança ali. Aí o marido ca ligando, pertur-
bando toda hora, aí não dá. [...] Ninguém merece, tá ligando 24 horas.
A violência institucionalizada O Relato de Teresa sobre o momento em que sofria violência em via
pública
Teresa teve que insistir muito para
que os policiais cumprissem a pri-
são em agrante prevista na Lei
Maria da Penha
Ela levou a viatura até lá e a polícia não queria levar ele. Porque eles
falaram pra ela que era briga de marido e mulher que eles não iam se
meter. O que eles iam fazer lá. Fui eu que quei insistindo muito, para
não me deixarem lá. Fiquei com medo deles irem embora e me deixar lá,
aí eu ia apanhar mais.
Eaçã, , ê
 êa
145
As contradições do acolhimento
institucional
O relato de Teresa sobre sua vivência na casa-abrigo
Teresa narra como se sentiu quan-
do chegou ao abrigo e como foi se
sentindo ao longo dos três meses
em que permaneceu abrigada.
Apesar de ter sido bem acolhida,
prevaleceu o sentimento de priva-
ção de liberdade
Fui muito bem acolhida, mas com os dias aquilo se torna uma prisão.
Esses três meses que eu quei lá eu não saía na rua, a não ser na consulta. E
quando ia na consulta tinha que sempre uma tá comigo, nem no consultório
eu podia entrar sozinha. Eu não podia ir em lugar nenhum, você só via pare-
de. As crianças cam todo dia perguntando que dia elas vão embora, que dia
elas vão embora. As pessoas cam falando, ah você tem comida, tem cama,
mas aquilo vai mexendo com seu psicológico, mexe viu. Você ca sozinha. Eu
saí de lá e não cou ninguém no abrigo. Só tinha eu e elas lá (referindo-se
às crianças). Quando eu cheguei tinha quatro, mas no mesmo dia que eu
cheguei elas foram embora e cou duas só e mesmo assim entraram outras e
cavam quinze dias, a que cou mais cou um mês. Eu fui a que cou mais
tempo lá, eu sempre cava sozinha. O abrigo é a última opção da sua vida,
você só vai se não tiver pra onde ir mesmo. Você até pensa na primeira
semana, nossa eu to segura, eu to livre, mas aí vem a sensação de
prisão, prisão (Grifos nossos).
Os motivos de saída do abrigo
O relato de Benedita sobre o medo de não conseguir prover sozinha o
sustento dos cinco lhos
Benedita expressa o temor de não
dar conta de prover o sustento e
o cuidado dos cinco lhos sem o
apoio de um familiar ou de amigos.
Benedita voltou a conviver com o
autor da agressão.
Ai eu pensei se eu car aqui como vai ser? Aqui eu tenho chance de
arrumar um emprego. Eu sei que eles iam arrumar creche. Eu ia sair
com emprego, as crianças iam tá tudo na escola, o bebezinho na creche.
Eles iam organizar minha bolsa família, uma ajuda no auxilio aluguel,
quando eu fosse sair de lá iam me dar uma cesta básica, mas eu não ia
conseguir viver sozinha com essas cinco crianças. Vejo que o povo daqui
são muito corrido, trabalho, casa. Não são todos, mas a maioria. É bem
difícil a gente contar com alguém aqui, uma amiga. Lá onde eu morava
o povo são bem amigo, entre aspas. [...] Eles iam arrumar se eu fosse car
aqui, mas eu tava em dúvida ainda se eu ia car ou não. Ficava pensando
como eu ia car em São Paulo com cinco crianças, sozinha, uma hora
adoece. Com quem eu vou contar, não tenho família, não posso ter con-
tato com a família dele, se eu fosse não querer mais ele. Como eu ia car,
a gente precisa de uma pessoa.
Quadro 1: Os condicionantes do abrigamento
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146
conSideraçõeS finaiS
A violência contra a mulher tem sido uma violência tolerada na
sociedade brasileira. Quando pensamos na conivência e naturalização ins-
titucionalizada, da qual participam parentes, vizinhos e até a polícia, não
há possibilidade de erradicação deste tipo de violência se a sociedade con-
tinuar a ignorar a sua participação na reprodução e ampliação pelo descaso
e banalização.
Compreendendo a violência contra a mulher como expressão da
questão social, sendo suas bases ancoradas numa sociedade patriarcal, com
hierarquias de gênero, onde as mulheres, em muitos aspectos e, principal-
mente no imaginário social, devem subordinar-se aos homens, a saída da
relação de dominação e violência envolve escolhas mediadas por sentimen-
tos ambivalentes, medos e culpa.
Diante desta realidade é necessário o reconhecimento dos direitos
das mulheres, inseridos na agenda dos direitos humanos; o desenvolvimen-
to de estratégias de enfrentamento por parte da sociedade e do Estado,
tanto no que se refere às mudanças culturais, quanto à formulação de po-
líticas de combate à violência, deslocando a responsabilidade de ruptura
como um dever exclusivo da mulher, evitando a reiterada culpabilização
da mesma.
As mulheres que passaram pela casa-abrigo não encontraram
todo o suporte necessário para romper com a situação de violência, devido
à desarticulação das políticas e ausência de um trabalho efetivo para a cons-
trução de um novo projeto de vida.
No entanto, ainda que não congure como espaço efetivo de su-
peração e ruptura, o abrigo apresentou-se como alternativa de afastamento
do ambiente violento e do autor da agressão, contribuindo para o processo
de reexão sobre o processo vivido e quiçá um olhar para a questão da
violência sob uma nova perspectiva. Ou seja, como algo possível de ser
enfrentado e superado, como uma questão pública e não apenas como uma
questão envolta pelos muros do domicílio.
O abrigo é para as mulheres a última opção diante da ausência
de outras propostas para carem em segurança. As mulheres que aceitam
a alternativa do abrigamento são economicamente desprivilegiadas, são
Eaçã, , ê
 êa
147
pobres, sem renda, com lhos pequenos, sem moradia e com frágil supor-
te familiar, pois também suas famílias são empobrecidas. Encontram-se
amedrontadas e o abrigo se apresenta como um local que, a princípio e
temporariamente, teria a possibilidade de promover segurança e assistência
integral. Porém, a casa-abrigo é uma instituição repleta de regras às quais a
permanência encontra-se condicionada.
Portanto, na casa-abrigo algumas mulheres se sentem privadas da
liberdade, do direito de ir e vir; enfrentam contradições objetivas relacio-
nadas ao abrigamento, tais como: condições de infraestrutura e ambiente
de convívio do abrigo; e subjetivas, tais como: a perda relacionada ao fato
da mulher ser apartada do seu local de origem, dos vínculos familiares, do
emprego e da renda.
Neste sentido, algumas vivenciam o abrigamento como um hia-
to, um momento de suspensão do cotidiano, onde a sensação da mulher é
de que sua vida não está correndo no curso normal, que está numa prisão,
prevalecendo um sentimento de suposta impunidade do autor da agressão.
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ProceSSo gruPal alicerçado à onTologia
Marxiana – MéTodo de ProMoção de Saúde
MenTal - aTuação eM PSicologia Social
coMuniTária coM uM gruPo de MulHereS
Nilma Renildes da Silva
Fabrício Cardoso Felício
iago Silva Raymondi
inTrodução
O presente artigo teve como base a atividade realizada em um
projeto de atuação em Psicologia Social Comunitária (PSC), buscando ga-
rantir a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão visou
oportunizar a um grupo de mulheres, com demandas comuns, um espaço
de reexão e discussão de temas especícos, de modo que às participantes
fossem oferecidos conteúdos e condições que promovessem o pensar sobre
si e a compreensão crítica da realidade concreta, essa que aparta, exclui, e
impede o pleno desenvolvimento e humanização dos indivíduos. Vale des-
tacar, ainda, que o objeto de estudo principal e motivo da ação e reexão
depositam-se predominantemente sobre as mulheres como parte substan-
cial do gênero humano, recaindo também o pensar sobre sua singularidade
e as problemáticas por elas enfrentadas.
Antes de avançar para os pormenores do projeto desenvolvido,
sendo esse em PSC, discorrer-se-á brevemente sobre três eixos teóricos fun-
dantes deste artigo, a saber: a Psicologia Histórico-cultural, a disciplina
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p153-170

154
Psicologia Social Comunitária e o Processo Grupal, visto que esses são
estudados para darem sustentação à prática desenvolvida com o grupo de
mulheres, além de algumas considerações acerca da história de participa-
ção da mulher na sociedade capitalista. Considera-se, pois, que esse projeto
se origina do pensar sobre as relações sociais dentro de um conjunto de
atividades de estudo, pesquisa e prestação de serviço à comunidade.
PSicologia HiSTórico - culTural
A Psicologia, ao se iniciar no século XIX, como ciência reetia
naquele período histórico as demandas da consolidação histórico-social
da classe burguesa. Dessa forma, acaba por basear-se no modelo teórico
lógico-formal, além de apresentar traço do dualismo, que se caracteriza nas
repartições entre objetividade/subjetividade, normal/patológico, social/in-
dividual, etc., dualismos esses que dicotomizam a existência objetiva do
ser humano. Contemplava, ainda, uma vasta gama de objetos, métodos e
teorias. Formou-se como ciência multifacetada ou, como se denem certos
autores, como “várias psicologias”. A Psicologia adentra, assim, o século
XX, acumulando variadas pesquisas, conhecimentos, leis e teorias que tra-
tam de explicar o homem por partes, por meio de uma multiplicidade de
fenômenos e métodos de investigação (MARTINS, 2008).
No século XX – 1927 –, Lev Semenovich Vigotski, analisando a
questão das várias vertentes de métodos e fenômenos existentes, buscou r-
mar uma base de preceitos gerais unicadores aptos a formar uma unidade
epistemológica única à Psicologia, que até então se compunha de variadas
teorias que divergiam em opiniões. Logo, propõe não a criação de uma nova
abordagem psicológica, mas formula uma sistematização das bases gerais que
visava à edicação de uma psicologia cientíca (MARTINS, 2008).
Ao defender um novo enfoque metodológico à psicologia, Vigotski
encontra no materialismo histórico-dialético a base epistemológica para suas
formações teóricas. Para esse autor, a dialética, que abarca a natureza, o pen-
samento e a história, revela-se como a mais universal das ciências, motivo
pelo qual é posta como método de pesquisa; enquanto objeto dessa ciência, é
colocado o psiquismo – dado como um produto do cérebro humano a partir
das relações sociais postas para o indivíduo (MARTINS, 2008).
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Quanto ao materialismo histórico, esse provinha do núcleo teórico-
-losóco da epistemologiamarxiana, sendo a decodicação materialista dia-
lética a de fenômenos da realidade – tais como a natureza, a história, a vida
social, o homem, etc. –, que seria material, objetiva, independente da consci-
ência. Em outras palavras, as ideias, as emoções e os conceitos, por exemplo,
originam-se na materialidade do real; o mundo objetivo é captado pelos sen-
tidos e representado pela consciência, que dene signicados à coisa captada.
Esta nova leitura e concepção de mundo condensam-se e de-
nem-se como Psicologia Histórico-Cultural, uma abordagem que permite
o entendimento e compreensão do processo de humanização ao longo da
história do homem, desde o seu surgimento. Tal processo, de acordo com
essa vertente teórica, não é estático, mas histórico, ou seja, se coloca através
de mudanças, que são produzidas pela relação homem-natureza, na qual
o ser humano transforma seu entorno para garantir a sua sobrevivência e
de seus descendentes (MARTINS, 2008).
A transformação da natureza
ocorre através do trabalho social – atividade vital humana –, meio pelo
qual o homem supera a sua natureza dada, o plano biológico e alcança uma
adquirida, relacionada ao histórico-social.
Ao partir dos fundamentos da ontologia marxiana, na qual o tra-
balho é um traço ineliminável do homem, visto que para viver tem que
produzir seus meios de existência [e no capitalismo o trabalho está aliena-
do, o que produz um abismo entre os indivíduos singulares e a produção
genérica humana]; o homem é um ser ativo e consciente, liberto de suas
determinações biológicas e é um ser social, sua “essência” é o conjunto das
relações sociais e ele não se adapta à natureza, e sim a transforma de acor-
do com sua necessidade e intencionalidade, o que faz de si sujeito de sua
própria ação. Esta é a direção deste trabalho, desenvolver nas participantes
das atividades que propomos, que elas se compreendam como indivíduos
ativos em face ao seu devir histórico social.
PSicologia Social coMuniTária
A Psicologia Social Comunitária pode ser denida como uma
disciplina da Psicologia que trata na comunidade aquilo que se refere à
comunidade, de forma a permitir o desenvolvimento, fomento e manu-
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tenção do controle e do poder que os indivíduos podem exercer sobre a re-
alidade individual e social. Faz-se relevante apontar que a PSC se constrói
no sentido de transformação social, por meio da práxis – ação consciente
e objetiva, que engloba a dimensão autocriativa do ser humano. Ainda é
necessário que o indivíduo se compreenda como sujeito participante da
construção da realidade social.
A partir da perspectiva marxiana, a PSC que buscamos imple-
mentar visa desenvolver atividades intencionalmente comprometida com
a transformação da realidade social, rumo à emancipação humana. Uma
vez que neste momento histórico a reestruturação produtiva do capital não
atende às reais necessidades da população, mas sim os capitalistas vêm se
desonerando da ampliação da cidadania dos trabalhadores e a negação des-
sas para os sujeitos invisíveis, o que impossibilita a diminuição da distância
entre o que foi e é produzido pelo gênero humano e a apropriação dessas
produções pelos indivíduos na sua singularidade. Nesse sentido a PSC tem
um compromisso radical com o desvelamento da ideologia dominante,
para que as injustiças e desigualdades sociais tenham um canal de denúncia
e de luta para que evite a eminente destrutibilidade da vida humana.
ProceSSo gruPal
É relevante, visto o teor do trabalho aqui apresentado, remeter
à importância do estudo de grupos, condição necessária para o conheci-
mento das determinações sociais que agem sobre o indivíduo, assim como
da ação desses enquanto sujeitos históricos, considerando que toda ação
transformadora da sociedade somente pode ocorrer quando há o agrupa-
mento de pessoas (LANE, 1984). Para a proposição de uma prática trans-
formadora, faz-se necessário compreender o signicado e a existência da
ação grupal, o que somente é possível se o grupo for analisado e entendido
historicamente, ou seja, como processo grupal.
Martín-Baró (1989) propõe estudos sobre o processo grupal para
possibilitar sua melhor compreensão e desenvolvimento, que orienta à prá-
tica transformadora e não reprodutora da lógica do capital. Apresenta, por
meio de seus estudos, três importantes parâmetros para análise de grupos:
identidade (o que o caracteriza um grupo perante outros grupos); poder (de
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um determinado grupo em relação a outros grupos) e atividade (o que desen-
volve um grupo enquanto produto histórico). Além disso, também caracteri-
za os grupos como primários, funcionais e estruturais, a m de compreender as
relações estabelecidas entre os sujeitos que pertencem a determinado grupo.
Os grupos primários são identicados como meio de satisfazer às
necessidades básicas do sujeito e tem grande importância para a formação
da identidade do mesmo; os grupos funcionais são caracterizados a partir da
ocupação ou função que o sujeito desempenha em determinado grupo e
normalmente reúnem-se devido a um objetivo em comum; e, por m, os
grupos estruturais, que expressam a luta de classes.
É importante destacar que a classicação dos grupos acima citada
possui nalidades estritamente didáticas, que de modo algum comprome-
tem ou refutam a característica dialética e histórica do processo grupal.
Sendo o grupo uma estrutura de vínculos e relações entre as pessoas que
atende, de acordo com as circunstâncias, suas necessidades individuais e/
ou interesses comuns (MARTÍN-BARÓ, 1989, p. 206), podemos armar
a atividade resultante da interação entre os integrantes, além de promover
o estreitamento dos laços entre eles, o processo grupal altera suas moti-
vações e identidades. A articulação entre os membros, o modo como se
relacionam com outros grupos e o produto de suas relações – intra e inter-
grupais – são importantes fatores que inuenciarão nas características de
um grupo e em possíveis transformações no decorrer do tempo.
Na atividade aqui relatada, a compreensão do conceito e funciona-
mento do processo grupal (LANE, 1984; MARTIN-BARÓ, 1989) por meio
de estudos teóricos e depois desenvolvidos nas ações do estágio ofereceram
a possibilidade de: 1) compreendermos a articulação teórico-metodológica
que o processo grupal favorece: a identicação das diferenças e das seme-
lhanças das experiências individuais acerca das categorias do fenômeno que
foi discutido e reetido nas atividades desenvolvidas com as participantes; 2)
ainda possibilitou a problematização por meio da confrontação de valores,
experiências, sentimentos e informações oriundas do senso comum e do co-
nhecimento cientíco. O processo grupal permite aos indivíduos instrumen-
talizados reetirem – a partir dos parâmetros do processo grupal: identidade,
atividade e poder grupal – a busca de soluções coletivas para que suas pro-
blemáticas sejam enfrentadas coletivamente. O processo grupal, espelhando
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a prática cotidiana de cada participante, possibilita a troca de experiências, o
enfrentamento dos sentimentos de impotência e outros.
fragMenToS de eSTudoS SoBre a queSTão da MulHer
A historiadora Michelle Perrot (2001) teve como objeto de estu-
do, além de operários e prisioneiros, as mulheres. Constatou que, confor-
me tradição da consolidação da história enquanto ciência e saber acadêmi-
co, as mulheres acabaram excluídas da historiograa tradicional, que então
privilegiava os grandes homens e seus feitos, assim como se restringia ao
contido em documentos ociais. Assim, pensar nessa exclusão ao longo da
história remete à ideia da exclusão social em si. A mulher historicamente
vem ocupando, nas organizações sociais humanas, uma posição submissa,
passiva e tinha participação restrita em diversas atividades, em especial nas
que envolviam a normatização referente à divisão do trabalho e respon-
sabilidades ans dentro de um grupo reduzido ou extenso. Perrot (2001)
entende que a mulher foi retratada ao longo da história de diferentes ma-
neiras, porém geralmente na dicotomia “santa x prostituta”; e, além disso,
o papel de mãe ainda absorve todos os demais.
Conforme as sociedades tornavam-se mais complexas, era exigido
às pessoas que desenvolvessem meios e técnicas que atendessem às novas
demandas oriundas desses avanços, que não somente envolviam o aprimo-
ramento dos métodos até então existentes, mas também a readaptação de
normas de conduta e legislação, de forma que as necessidades de determi-
nados segmentos ou classes, que eram ignoradas por aqueles que ocupavam
as posições de poder, pudessem ser aos poucos pleiteadas. Essas adaptações,
todavia, não ocorriam – como, até os dias atuais, não ocorrem – por uma
tomada de consciência “mágica”, ou seja, sem se basear na observação e
análise do concreto, das necessidades reais de determinadas representações
por parte daqueles que se incluíam nos grupos dominantes, mas através da
organização e atuação das minorias, de modo que pudessem identicar e
lutar por seus interesses particulares.
O avanço citado, fez com que as mulheres lutassem pela equipa-
ração dos direitos das mulheres ao dos homens e incitassem a organização
feminina em todo o globo. Pleiteavam igualdade de direitos, além de polí-
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ticas voltadas para a promoção da mulher enquanto cidadã ativa. Essa bus-
ca, entretanto, não se deu em um curto espaço de tempo, mas, a despeito
dos grandes avanços losóco-tecnológicos, estende-se ainda mais à frente.
A partir da década de 60 do século XX, destacadamente em razão
da entrada maciça da mulher no mercado de trabalho remunerado, da in-
venção da pílula anticoncepcional para o controle reprodutivo e da atuação
dos movimentos feministas, redene-se o papel da mulher na sociedade.
Valores, identidades e crenças tradicionais acerca da masculinidade come-
çaram a ser questionados, possibilitando a desconstrução do modelo he-
gemônico masculino. Alteram-se, por consequência, as dinâmicas de fun-
cionamento do ambiente doméstico, do casamento, da sexualidade, que
passam, junto do papel do provedor e dominador masculino (RIBEIRO,
2000). Essas discussões deniam a dominação masculina como algo criado
socialmente e ancorado em ideologias, que se baseava no cunho biológico
para justicar as diferenças entre homens e mulheres. O gênero, então,
seria formado a partir de características especícas de cada sociedade onde
o sujeito estaria inserido (RIBEIRO, 2000).
As discussões e movimentos acima citados possibilitaram algum
avanço na condição social da mulher, que reetiu em conquistas de direitos
civis e na reavaliação da condição masculina. Essas transformações provo-
caram o questionamento da mulher acerca de seu papel na sociedade. Vale
pontuar que, quando tais relações se mantêm inalteradas, ou seja, no caso da
persistência de um modelo de masculinidade tradicional, pautado no poder,
na dominação, na agressividade, mantém as ocorrências de manifestações
cotidianas de violência dos homens contra as mulheres, am de que esses
assegurem o seu status de controlador, de ser viril e rude (RIBEIRO, 2000).
Destacamos que esses movimentos para a promoção da igualdade
entre homens e mulheres se reetiram na forma das leis que enfocam a te-
mática. Todavia, cabe ressaltar que a legislação, brasileira ou internacional,
insere-se em um contexto histórico denido, e pode sim revelar avanços
sociais, como também serve para preservar condições históricas tradicio-
nais há muito existentes; e, ainda, por mais que possa conduzir a um passo
adiante, arriscam ter seu cumprimento suprimido quando se aliam inte-
resses de certos grupos – via de regra, os detentores do poder político-
-econômico – com os burocráticos meandros processuais da justiça.
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160
As primeiras Constituições Brasileiras (1824 e 1891) não fazem
qualquer menção geral ou especíca sobre as mulheres, mantendo o pa-
triarcado como regra. Alguns anos mais tarde, a criação do Código Civil
Brasileiro (BRASIL, 1916) torna evidente a submissão das mulheres em re-
lação aos homens quando incapacita as mulheres casadas, enquanto man-
tém-se a sociedade conjugal, de exercer certos atos, somente autorizando-
-as a um rol especíco de práticas – das quais se destacam as relacionadas
às funções de “dona-de-casa” –, e sempre com autorização do marido, o
chefe da sociedade conjugal”.
Quanto ao direito de participação política, foi apenas em 1932,
com a instituição de um novo texto ao Código Eleitoral, que as mulheres
passam a ter direito ao voto. Porém, apesar de garantir o direito da partici-
pação enquanto eleitoras, a lei nega-lhes o direito à candidatura. É somen-
te no ano de 1995, por força de lei regulamentadora das eleições munici-
pais, que os partidos ou coligações são obrigados a destinar, no mínimo,
vinte por cento de suas vagas a candidatas (BRASIL, Lei 9.100, 1995) e
posteriormente o código assegura – no que tange a todos os processos elei-
torais transcorridos no país – que cada coligação deva preencher o mínimo
de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para
candidaturas de cada sexo (BRASIL, Lei 9.504, 1997).
Acerca da legislação penal, dentre os inúmeros crimes listados
no Código Penal Brasileiro e leis complementares, há uma parcela dedi-
cada exclusivamente aos ilícitos praticados contra as mulheres. A primeira
edição da referida lei já denuncia a posição inferiorizada, na qual a mu-
lher é colocada, quando dene que é circunstância agravante a prática de
qualquer crime por meio da “superioridade em sexo” (BRASIL, Código
Criminal do Império do Brazil, 1830). Além do deslize histórico-textual
quanto à hierarquização de gêneros, o descrito no código sugere ainda que,
ao classicar tal situação como grave, este tipo de abuso era, de certo modo,
recorrente naquele período – considerando a necessidade de reservarem-se
na tipicação, linhas para tratar disso especicamente. Deixa também essa
suposta superioridade de gênero evidente, a urgência em se proteger os di-
reitos das mulheres, principalmente os relativos à honra (à virgindade) fe-
minina. Dessa forma, na sessão reservada aos crimes de estupro, elencam-
-se alguns artigos em defesa da “pureza” da mulher. O caput do artigo 222,
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161
cujo texto assemelha-se ao crime de estupro propriamente dito denido no
código atualizado, diz que a copula carnal por meio de violência ou amea-
ças com “mulher honesta” é um ato passivo de ser penalizado.
Vale destacar o peso moral explícito que aquela lei carregava,
quando arma que, no caso da violentada ser uma prostituta, a pena seria
aliviada. Outro crime a ser pontuado – este já excluído da atual tipicação
– é o que diz respeito à caracterização de “rapto”, ou, conforme descrito no
código, o ato de “tirar para m libidinoso, por violência, qualquer mulher
da casa, ou lugar em que estiver” (BRASIL, Código Criminal do Império
do Brazil, 1830). Nesse, observamos a mais uma situação de violência a
qual as mulheres estavam submetidas, qual seja, serem subtraídas, tal qual
um objeto, um material qualquer, a m de servirem para a satisfação dos
desejos sexuais de outrem.
Ainda sobre os crimes contra a mulher, esses também fazem alu-
são a outras situações especícas, presentes na humanidade desde tempos,
assédio sexual denuncia o constrangimento feminino diante das investidas
de superiores hierárquicos, que se valem da ascendência inerente ao exer-
cício do emprego, cargo ou função para a obtenção de vantagem/favore-
cimento sexual (BRASIL, Código Penal Brasileiro, 1940). E, sobre vanta-
gens obtidas por meio da subjugação da mulher, podemos citar os ilícitos
relacionados à exploração sexual, em especial os atos que envolvem o trá-
co interno ou internacional de pessoas, o mercado coloca o indivíduo na
posição de mercadoria, agregando a este valor monetário real, o que move,
assim, a lucrativa máquina da prostituição em diversos países.
Na década de 1970, houve a preocupação na estruturação e/ou
reestruturação de políticas que dariam suporte às mudanças impetradas na
lei. Um exemplo foi a criação da Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher
– DDM (SÃO PAULO, Decreto nº 23.769, 1985), no Estado de São
Paulo, a qual cabia “a investigação e apuração dos delitos contra pessoas
do sexo feminino”. Admitiu-se socialmente a frequência da violação dos
direitos das mulheres, a ponto das mulheres necessitarem receber um órgão
especial que trate exclusivamente de tais assuntos.
Atualmente, aparenta-se a impressão, devido às políticas e pro-
moção de leis especícas, de que injustiças às quais sofriam as mulheres,
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são produtos de um passado distante e que hoje não mais existem abusos
ou tratamento legal diferenciado. Porém, observando atentamente a rea-
lidade da legislação brasileira – como o pudemos fazer aqui – e acordos
internacionais acerca da temática, cam por vezes evidentes as reais con-
cepções e intenções dos legisladores, que contrariam inclusive o rmado
na própria Constituição Federal. Um exemplo bastante claro se conside-
rarmos a promulgação do denido na “Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher”, evento internacional
realizado no ano de 1979, em que foram discutidos e rmados compro-
missos sobre a temática apontada em seu título. Houve, por parte das au-
toridades brasileiras, aprovação quanto ao denido no documento nal
do encontro, mas tiveram reservas quanto a alguns artigos, que tratam
respectivamente, da concessão ao homem e à mulher de iguais direitos à
liberdade de movimento, à liberdade de escolha, além daqueles relativos ao
matrimônio e estrutura familiar.
Abordou-se aqui, até este ponto, o favorecimento, a indução, a
promoção e todos os outros verbos incluídos nos crimes de abuso e explo-
ração sexual, além de algumas propostas de combate a tais ilícitos. Todavia,
em momento algum foi abordada – talvez a mais explícita forma de mani-
festação violenta contra a mulher – a violência de modalidade doméstica,
ou familiar, seja ela fatal, sexual, física ou psicológica. A criação da Lei nº
11.340, de 7 de agosto de 2006, popularmente conhecida com “Lei Maria
da Penha”, partindo inclusive da concordância para com tratados interna-
cionais de proteção de direitos – no caso, o oriundo da “Convenção sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher” – tenta reconsiderar esta grave falta histórica para com
as mulheres, assumindo de forma ocial a existência e ocorrência de tais
crimes e debruça-se sobre a questão com maior zelo e compromisso, a m
de promover políticas de coibição de abusos contra as mulheres e tratar de
maneira mais ecaz e com maior rigor quando esses se revelam.
Embora os movimentos femininos tenham sido emancipatórios,
à mulher continua reservado o papel de cuidadora do homem e dos afaze-
res domésticos. E todos esses avanços legais não respondem a real necessi-
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dade de igualdade entre mulheres e homens. É imperativo relacionar essa
luta identitária da questão da mulher à luta de classes.
o deSenvolviMenTo do ProceSSo gruPal coM aS MulHereS
Analisando os conteúdos abordados até o momento, é essencial
destacar o papel da mulher na sociedade contemporânea. Vericou-se que,
por anos, as mulheres sofreram com abusos de variados tipos, muitos dos
quais inclusive chancelados por tipicações jurídicas legais. Houve, sim,
conquistas muito importantes, que garantiram direitos femininos básicos,
negligenciados durante longo período de tempo, e que agora começam
a ser garantidos e promovidos pelo Estado, sendo, portanto, assimilados
como legítimos pela sociedade. Contudo, ainda restam questionamentos
relevantes: por que, ainda que amparadas pelo poder público, as políticas
de promoção à mulher não alcançam os objetivos desejados? Se existem,
por meio de uma rede ocial, prossionais, métodos e instrumentos mo-
bilizados para tal, e se a proposta é promover a emancipação da mulher,
por qual motivo ela ainda se mantém submetida a condições semelhantes
àquelas de outrora?
A manutenção da autoridade do capital se dá por meio da trans-
missão e internalização de um conjunto de valores próprios, repassados à
sociedade por meio de Aparelhos Ideológicos do Estado, dentre os quais
se revela a instituição família, que possui grande importância, ao passo
que assegura, em seu microcosmo, a reprodução das relações de produção
próprias do sistema capitalista, visto que despeja – e, consequentemente,
reproduz – massivamente a ideologia burguesa no seio da relação familiar
(ALTHUSSER, 1980). Visto que tradicionalmente cabe à mulher a tarefa
de educar os lhos e de zelar pela “ordem do lar”, tem a mulher, o papel
essencial na manutenção do status quo, sendo importante destacar que tais
ações não se dão de forma consciente, mas como mera reprodução de valo-
res internalizados ou naturalizados. Todavia, ao revelar o poder da função
da mulher na conservação da atual ordem social, evidencia-se também seu
potencial subversivo, ao se propor condições para a sua emancipação e abre
possibilidade para repensar sobre toda a estrutura de um sistema.
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Assim, parte-se do pressuposto que as políticas públicas e os pro-
jetos que atendem à questão da mulher carecem em oferecer meios para
que se confronte e repense o papel da mulher contemporânea, fazendo
somente com que conteúdos quase sempre distanciados das vivências e
contextos nos quais as mulheres atendidas se inserem sejam contemplados,
culminando na inefetividade de tais propostas. Ainda, muitas reexões e
discussões acerca da temática são bastante novas, permeadas de elementos
outros que necessitam ser objeto de questionamento. Dessa forma e com
base no apresentado nos tópicos anteriores, propôs-se, dentro das ativida-
des do estágio de Psicologia Social Comunitária, o acompanhamento de
um grupo formado por mulheres, cujo objetivo já foi apresentado.
ProcediMenToS MeTodológicoS da aTuação coM aS MulHereS
Realizou-se, como atividade do estágio supervisionado em
Psicologia Social Comunitária, um processo grupal para o acompanhamen-
to, no período compreendido entre 2011 e 2013
1
de um grupo de mulheres
entre quarenta e sessenta anos de idade que procuraram o CPA – Centro
de Psicologia Aplicada da Unesp - Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” com o relato e/ou diagnóstico médico de “depressão” – dis-
túrbio psiquiátrico que, de acordo com o CID-10 - Classicação Estatística
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (2012), leva o
indivíduo a, destacadamente, “rebaixamento do humor, redução da energia
e diminuição da atividade”. As participantes se reuniam com regularidade
previamente acordada entre elas e os estagiários no próprio CPA, a m de
realizar atividades e compartilhar conteúdos, sempre pela intermediação de
diversas técnicas e instrumentos didáticos – que serviam como facilitadores
–, ou de acordo com uma temática especíca trazida pelas participantes que
se revelasse pertinente às reexões e discussões preteridas.
É relevante também colocar que o número de participantes, por
razões diversas, alterou-se durante os semestres em que o trabalho se de-
senvolveu
2
. Porém, mulheres do grupo inicial mantiveram-se constantes,
1
O trabalho prosseguiu nos anos seguintes e em 2015, as mulheres do grupo, já são multiplicadoras para novas
participantes de muitas discussões realizadas anteriormente.
2
Em 2011, conduziram o processo grupal 03 (três) estagiárias; e em 2012 e 2013, 02 (dois/duas) estagiários(as).
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165
durante os anos de estágio, o que garantiu a continuidade e o avanço das
atividades realizadas junto ao processo grupal.
reSulTadoS e diScuSSão
No primeiro semestre de atividades – em 2011 –, foram realiza-
das doze atividades, cujos conteúdos compreenderam:
Apresentação e integração das estagiárias e das participantes, das nor-
mas e regras do CPA e estabelecimento do contrato de sigilo;
Levantamento de expectativas em relação ao processo grupal;
Elaboração de regras de convivência para o andamento do grupo e
início da reexão acerca da compreensão do processo de formação de
identidade;
Reexão sobre as características pessoais de cada participante e discus-
são sobre a universalidade de questões consideradas singulares;
Reexão e discussão sobre a inuência da sociedade sobre as escolhas
individuais;
Discussão sobre as representações sociais dos familiares acerca dos diferen-
tes papéis que ocupam em suas residências, fora delas (no campo pros-
sional), na vida sexual e na participação do grupo de mulheres do CPA;
Reexão sobre identidade por meio da convivência com o outro e de
que maneira a comunicação interfere no convívio em sociedade;
Discussão sobre a importância das relações familiares, das particulari-
dades em relações singulares, que podem ser objetivadas e reinterpre-
tadas em grupo;
Discussão e reexão sobre escolhas e suas implicações no processo de
humanização.
O decorrer do projeto permitiu às estagiárias vericar nas partici-
pantes o surgimento de questionamentos e inquietações frente a situações
que vivenciavam em seus cotidianos, revisitando e reavaliando suas concep-
ções de identidade e projetos de vida. As discussões incitaram a problemática
da posição de cada uma como sujeito ativo em suas próprias vidas, possui-
doras de capacidade de ação e transformação em seus respectivos contextos

166
e noutro mais amplo. Pode-se conferir que o processo grupal teve seu início
assegurado, transparecendo em pequenas transformações nas relações das
mulheres ali presentes. Com a construção e estabelecimento de vínculo entre
elas, denotava-se o já mencionado por Martin-Baró (1989) como elemento
deste processo, ou seja, a transguração do caráter funcional do grupo em
caráter primário, cuja garantia se dá na formação de identidade grupal e
satisfação de necessidades básicas e pessoais. A preocupação particular com
diálogos e sentimentos de todas para com as demais, o contato e atividades
realizadas fora do período dos encontros, dentre outros elementos, atestaram
as referidas transformações. Dessa forma, com a pretensão de ir da aparência
dos fenômenos para sua essência, superando as condições ideológicas postas,
é que o grupo também se modicou e possibilitou a cada uma das integran-
tes, mesmo que minimamente, a ressignicação de aspectos de suas vidas e
de sua condição no mundo (MARCELLINO et al., 2011, p. 13-14), atri-
buindo novos sentidos às suas vivências.
Em 2012 a atividade de estágio prosseguiu. Ocorreram, então, vin-
te e três encontros, em que foram abordados os assuntos e temáticas abaixo:
Apresentação dos novos estagiários e das participantes [assegurada à
condição de transição da equipe anterior para a nova];
Levantamento das expectativas individuais das participantes acerca do
trabalho a ser desenvolvido naquele ano;
Reexão e discussão dos conteúdos identicados por meio do levan-
tamento de expectativas – a saber, questões relacionadas à segurança; à
conança; à tranquilidade; à serenidade; à aprendizagem; ao conhecimen-
to; à experiência; ao tempo; ao valor; à atitude.
Continuidade da discussão do processo de formação das identidades
das participantes do grupo;
Reexão e discussão sobre o processo de sociabilidade a instituição
família e outros grupos;
Reexão e discussão sobre a atuação dos movimentos sociais;
Processos de luto e despedida;
Representação da mulher e do feminino na mídia.
Eaçã, , ê
 êa
167
Assim como no ano anterior, foi vericada, por intermédio do
relato das participantes sobre o trabalho realizado no grupo, a apropriação
de novos conhecimentos e modicação da conduta delas, bem como, a
característica processual do grupo. Presenciou-se, também, o quanto de
fato as integrantes nele encontravam um meio de satisfazer as necessida-
des básicas – reetir e discutir sobre as possíveis determinantes de suas
condições psicossociais, ressaltando que num primeiro momento, a queixa
era apenas a “depressão” –, o que inuenciava sobremaneira na formação
de suas identidades (MARTÍN-BARÓ, 1989). No desenvolvimento do
processo grupal, com o levantamento das expectativas, novas questões sur-
giram para serem discutidas, tais como reexões sobre si e a sociedade, que
tinham por objetivo situar as participantes dentro do processo histórico
para que possam ser autônomas no que tange às escolhas individuais e
serem ativas em outros processos grupais.
Finalmente, em 2013, houve vinte e cinco encontros, foram
trabalhados os conteúdos a seguir: Identidade; Papéis sociais; Ideologia;
Alienação; Consciência crítica; Realidade concreta; Participação na orga-
nização em eventos ligados ao estágio.
Pode-se constatar, em especial no encontro nal, a valorização
das participantes em relação aos temas abordados ao longo do ano, assim
como as mudanças ocorridas desde o início do trabalho como grupo de
mulheres. Foi possível conrmá-las não somente por conta dos relatos dos
membros do grupo, mas também através do constatado pelos estagiários
dos anos anteriores, que acompanharam algumas das atividades do traba-
lho realizado no último ano e puderam destacar junto a todos as mudanças
percebidas nas e pelas participantes, sendo ressaltadas, em especial, alte-
rações quanto à autoestima, à postura em relação ao colocar-se frente aos
conteúdos propostos para discussão nas reuniões e às questões reveladas
nos encontros. Houve no decorrer dos encontros realizados durante o ano,
relatos de integrantes que se encontravam de início em estado depressi-
vo moderado/grave, fazendo inclusive o uso de medicamentos psiquiátri-
cos que, com o auxílio das reexões acerca de suas realidades, puderam
criar novos sentidos para suas vivências e hoje não mais dependem (ou
dependem em frequência e/ou dosagem bastante reduzida) deste fator para
amenização de sentimentos pessimistas em relação à vida, encontrando-se

168
agora em processo de desenvolvimento e aquisição de novos conhecimen-
tos, que já possibilita que se expressem como indivíduos atuantes em suas
realidades (RAMOS; SILVA; SILVA, 2013, p. 12).
conSideraçõeS finaiS
O poder público, por vezes, ao propor políticas de combate à
discriminação e outras formas de injustiça social e demais violações de
direitos, falha ao desatentar para o contexto histórico-cultural nos quais
os indivíduos se inserem. Planejam-se muitas vezes ações focais, que fazem
frente aos problemas abordados, mas acabam se perdendo no tempo, visto
que não são oferecidos instrumentos que viabilizem uma ligação direta e
profunda com as propostas oferecidas e a realidade concreta das pessoas
que delas participam. Assim, passam tais indivíduos a sujeitarem-se passi-
vamente ao que lhes é dado, não havendo em nenhum momento qualquer
reexão mais aprofundada acerca dos problemas que os cercam e das polí-
ticas públicas implementadas pelos governos, o que torna suas atividades
desprovidas de propósito, de sentido.
As propostas ociais de promoção de saúde e, no caso, da mulher
enquanto ser capaz – e não submetida às determinações de uma sociedade
predominantemente machista – falham ao propor modelos que pensam o
indivíduo enquanto algo passivo, estagnado, despossuído de capacidades
básicas para observar e avaliar a sociedade em que estão inseridos; também,
são visto como incapazes de modicar o seu entorno de acordo com aquilo
que deseja e necessita.
A atividade aqui apresentada, localizando-se nas atuações
oriundas do processo grupal, ao reunir os atores sociais capazes de lidar
com os eventos cotidianos de diferentes formas e proporcionar a troca de
experiência entre as (os) participantes do grupo(2), assume a função de
instrumento possibilitador de novos modos de enfrentamento da realida-
de, inuenciando diretamente as emoções e sentimentos das participantes
e, consequentemente, a maneira como estes indivíduos atuarão mediante
as mais variadas problemáticas humanas. Rearma-se, assim, que no pro-
cesso de desenvolvimento e construção da identidade pessoal, o grupo ao
qual este indivíduo pertence media a forma pela qual o sujeito se posiciona
frente à sociedade, o processo grupal, pois, instrumentaliza-o no sentido de
Eaçã, , ê
 êa
169
compreender e analisar criticamente o ambiente que o circunda, podendo
então atuar de maneira consciente e autônoma sobre a realidade, de modo
a buscar não somente atender à sua própria necessidade, mas também às
coletivas por meio da objetivação de seu conhecimento crítico junto a ou-
tros grupos em que se insere e com os quais se relaciona.
Concluindo as considerações gerais acerca deste trabalho verica-
-se que o processo grupal, alicerçado à ontologia marxiana como método
de reexão e ação numa atuação de PSC é um instrumento que além de
possibilitar as diferentes trocas entre os membros dele, e permite aos indi-
víduos, se instrumentalizados, reetir em busca de soluções coletivas para
interesses dos mesmos, empoderando-os para o enfrentamento de situa-
ções perante outros grupos, situação vericada a cada nal de ano, quando
as participantes se organizam a m de não permitir que tal processo grupal
se extinga, corroborando Martin-Baró (1989) quando discorre que o po-
der está presente onde existem relações sociais, seja entre pessoas ou entre
grupos; e o poder se baseia na posse de recursos, surge numa relação de
desequilíbrio a respeito de um determinado objeto.
O grupo tem sempre uma dimensão referida a seus membros e
uma estrutural, referida à sociedade em que se produz e ambas estão in-
trinsecamente ligadas. Em seu início o grupo de mulheres, do ponto de
vista do aparente, tinha uma conotação “terapêutica”. Após, vericou-se
concretamente que é um conjunto de mulheres organizadas que estão em
processo de desenvolvimento da consciência para si, buscam se apropriar
de meios para que se confronte e repense o papel da mulher na sociedade
capitalista, pretendem participar e discutir possibilidades de uma alterna-
tiva aos projetos e políticas públicas que envolvem a questão da mulher.
Estão deixando o adoecimento e partindo para a apropriação de conheci-
mentos para a participação social.
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170
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171
la excluSión diScurSiva. violencia inSTiTuida
en loS diScurSoS del orden. analiSiS del
caSo de MujereS en SiTuación de violencia
Julio C. Llanán Nogueira
Los modelos de tratamiento de lo jurídico /social, históricamente
han sufrido una parálisis teórica epistemológica por la impronta del
paradigma positivista. Si bien, en las últimas décadas, se encuentran
producciones jurídico-políticas que intentan un salto epistemológico, los
rastros del modelo matriz de análisis positivista siguen vigentes en las lógicas
hegemónicas, en las prácticas y en los modos de tratamiento en el campo
jurídico y social. Dichas matrices de análisis positivistas se reproducen
en los modelos de interpretación de los fenómenos sociales y en las
metodologías que se aplican, aun tras un marco categorial de teorías que
en tanto propuestas de análisis discuten el paradigma positivista.
La investigación en ciencias sociales ha disputado con los modelos
biologicistas – de las ciencias formales- el estatuto cientíco. Tanto tiempo
ha perdido la producción cientíca en la disputa que se ha apropiado de las
lógicas de validación.
Las disciplinas del orden sin dudas comparten un espacio
genealógico de origen común, un mandato imperativo de “poner en
orden”, “cumplir las normas”, “cohesionar”. En ese lugar, las investigaciones
sociales (donde incluimos las investigaciones jurídicas) tuvieron una
preocupación de política cientíca que orientó su producción. Tal como
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p171-180

172
lo hemos mencionado en trabajos anteriores
1
, desde las Ciencias Sociales
necesitábamos apropiarnos de la realidad -como si fuera apropiable- ;
encontrar la lógica de los movimientos sociales en leyes universales -como
si se pudiera-; capturar mitos, ritos, simbología, representaciones sociales
-como si en el mismo momento no se estuviera transformando, por la
propia lógica de la historia-. Y desvincularnos del sujeto, cual si no nos
representáramos en él. En esta tarea, se construyeron herramientas e
instrumentales que parecían asépticas, que nos permitirían predecir, decir
por, delinear, delimitar fronteras en el campo de la “cultura” donde la
complejidad de las relaciones sociales y su mutación permanente es lo que
la constituye.
Nos abocaremos aquí a analizar la utilización de lo que llamaremos
“los idiomas”, en tanto formas de lenguaje propias de las “supuestas
disciplinas” impregnadas de la dicotomía losóca y epistemológica del
paradigma positivista.
En las prácticas teóricas, institucionales y de investigación se
encuentra presente y es evidente la construcción de un lenguaje propio.
Este supone la producción de un conjunto de herramientas simbólicas que
conformarán el discurso. ¿Pero qué sucede con este discurso tan particular que por
un lado instituye y a su vez excluye? ¿Cómo ha sido la historia de su producción?
¿Cuál es su carácter instrumental? ¿Qué y a quién se lo dice? ¿Cómo funcionan
los micro lenguajes de los operadores del sistema jurídico-político estatal? ¿Qué
implicancias tienen en la construcción de la ciudadanía? Serán éstas algunas de
las preguntas que intentaremos resolver en este trabajo.
No realizaremos para ello una genealogía del discurso jurídico,
sino que trabajaremos desde algunas reexiones producto de la
investigación cualitativa sobre los textos, contextos y meta contextos del
lenguaje. Aún sin adentramos en el análisis lingüístico, pretendemos dar
cuenta de algunas características de las representaciones sociales que genera
el lenguaje en los sujetos sociales en lo individual y en lo colectivo.
1
Puede verse en Llanan Nogueira (2003) “Los problemas de la Democracia y el Estado. Contribución desde
los Derechos Humanos a una ciudadanía inclusiva y Plural” p. 50 et seq.; “De las modalidades de violencia y los
Derechos Humanos” p. 37 et seq. En: Cuadernos de Trabajo e Investigación en Educación para la Paz y la no-violencia
de Sujetos a Derechos a Sujetos de Derecho 1, CIAPP. UNR, Facultad de Derecho, 2. ed. ampl., 2003.
Eaçã, , ê
 êa
173
Sin dudas, el lenguaje construye fronteras que identican,
instituyen y nominan. Desde la teoría de la democracia ya se encuentra
estudiado y analizado cuál es el grado de participación de los sujetos
sociales en la producción de los códigos del lenguaje, en la construcción de
la “demos” y las ciencias sociales están dando cuenta de este problema.
Vemos aún, con gran preocupación ética, los enquistamientos que se
producen desde el campo teórico ya no desde el positivismo clásico sino
de nuevos neo positivismos que se encuentran vigentes
. Nos permitiremos
en este trabajo realizar un abordaje desde una metodología cualitativa y
con una impronta interpretativa, apropiándonos de los instrumentos de
vericación como instrumentos, pero no considerándolos constitutivos.
el diScurSo norMaTivo y la inTervención Social
Como en todo discurso de orden y de poder, las fronteras y los
lugares que habilita el discurso jurídico social, tienen un efecto demarcador
de inclusión o de exclusión. Aclaramos aquí al lector que entenderemos
como discurso jurídico no exclusivamente al lenguaje producido desde
los órganos de producción de la ley y sus agencias instituidas sino que
incluimos otros discursos. Nos referimos a aquellos que intentan su
reconocimiento en otros estatus y otros órdenes de las ciencias sociales-,
pero que tienen carácter normativo/ nominativo ya sea a lo interno de la
ciencia o a lo externo, en el campo de las relaciones sociales complejas que
se conforman en la trama social. Es entonces en este sentido amplio que
concebiremos al Discurso Jurídico, siendo un elemento central y distintivo
el carácter normativo / nominativo.
La historia de las deprivaciones sociales y la falta de acceso a
la ciudadanía generó espacios de “resistencia cultural y jurídica”. Tal la
producción de las conocidas juridicidades alternativas.
Reconstituimos a partir de la investigación categorías centrales que
hacen a la discusión y a la funcionalidad sistémica del entrecruzamiento
de discursos sociales, políticos e industriales.
2
2
Llamamos discursos industriales a aquellos que son construidos desde las instituciones públicas gubernamen-
tales o no gubernamentales, en tanto signican y denotan una matriz industrial en la construcción de categorías
y de nominaciones. En el trabajo de campo escuchamos frecuentemente la asociación directa por parte de los
informantes al asociar su lugar de trabajo con el de una empresa / industria y producen los actos de designación

174
Las percepciones sociales, simbólicas, culturales, económicas y
políticas se constituyen en el marco de la complejidad de las relaciones
sociales, en el entrecruzamiento donde los sujetos sociales ponemos en juego
nuestras propias representaciones sobre lo que “acontece”. El fenómeno
del acontecimiento se presenta como un espacio de íntersubjetividad y
de re-subjetivación permanente. Los actores intervienen en forma directa
o indirecta sobre una construcción mental y material dialéctica que les
representa y los sujetiva a la vez.
Independientemente del orden que queremos darles desde las
ciencias, los actores sociales co-construyen en la cotidianeidad normas,
pautas, creencias, legalidades / legitimidades que los involucran y los
identican aunque no quepan dentro de las categorías “instituidas”. El
esfuerzo por encasillarlos en nuestros marcos teóricos solo sirve para
relegitimar el discurso del orden, terminando por no comprender: a) cuál
es nuestra función b) quiénes son los sujetos y c) para qué y para quienes
se realizan los estudios sociales.
Los campos discursivos del orden, surgen de un acto de poder,
como todos los “órdenes”. En ese propio acto nos estamos implicando
aunque generemos la “cción teórica” de corrimiento. La posición ético
epistemológica que tomemos en este sentido habilitará situarnos en un
paradigma ideológico- epistemológico u otro.
¿Qué parte de ese objeto - “el estudiado”- se nos devuelve a nuestra
mirada, que lo necesitamos tan lejos? Si bien creemos en la posibilidad de
hacer un alto esfuerzo por objetivar algunos indicadores, sin dudas el lugar
de la intersujetividad y el proceso de interpretación nos vuelve a implicar.
Somos tan distintos como en algún lugar iguales.
Las disciplinas del “orden” construyen normas de sujeto au-
sente. -



desde allí: clientes, beneciarios, clientes directos indirectos, producción, modelos de evaluación observados en
los paradigmas de la administración industrial.
Eaçã, , ê
 êa
175
Se construyen lenguajes oscuros que los sujetos reales jamás
llegarán a interpretar y necesitarán de los intérpretes para la decodicación.
Se “paraliza” la capacidad, aunque en el discurso se hable de igualdad y
habilitación generando un gran campo de expertos en poder decodicar
y mediar entre el sujeto y las instituciones, que luego decimos que les
pertenecen. Un alto décit de legitimidad de las instituciones esta situado
en los modos de lenguaje de las mismas.
Se le habla en impersonal categórico a otro que se sabe que no
va a comprender, “como si” comprendiera y el que habla autosatisface así
su industria y su sistema. Se utiliza para con la sociedad civil un lenguaje
(ritual, escrito, simbólico, gestual, arquitectónico) que agudiza aún mas el
hiatos entre la sociedad civil y el espacio de lo público.
la irruPción del Poder PúBlico en la vida coTidiana. loS lenguajeS de
aParición
Analicemos lo que dice Beatriz, mujer de 27 años, maestra, a
quien le llega a su casa una “cedula” del Poder Judicial.
3
Yo nunca me metí con nada y trabajé toda mi vida y ahora me llega
esto que dice que me van aplicar no se qué ley si no voy y que me
puede venir a buscar la policía [...] no aguanto más... fui al tribunal y
me dio tanto miedo que no pude hablar, yo jamás había entrado... me
perdí. No encontré al Juez que decía el papel. Los pasillos son oscuros,
tenia taquicardia cuando entre..., y me imagine que se yo..., salí y acá
estoy… no se qué hacer... y no entiendo nada… al nal me arrepiento
de haber hecho la denuncia por violencia. Yo no sabía que esto iba a ser
así, fui a lo de la trabajadora social del XX y me dijo que no la podía re-
tirar... yo no quiero entrar más en ese lugar [...] No entiendo nada [...]
Yo solo quería denunciar lo que me pasa... ahora me siento peor [...]
Enojada Beatriz con el equipo de trabajo que le indicó hacer la
denuncia de su situación de violencia familiar, termina diciendo que era
preferible haberse quedado callada.
3
Entrevista no estructurada realizada en el marco de la investigación “Ciudadanía, marginalidad y reforma
política”, Facultad de Derecho, UNR., 2005

176
No tomaremos aquí el análisis de la intervención sino que apun-
taremos a claricar qué lenguajes se aplicaron sobre Beatriz, y el impacto
sobre ella y su “construcción subjetiva de seguridad”.
Nos parece un caso paradigmático sobre lo que estamos inten-
tando reexionar: los lenguajes de las instituciones y las disciplinas cien-
tícas que han tomado del discurso jurídico gran parte del instrumental
lógico formal.
Tengamos en cuenta que cuanto más se profundizan las asimetrí-
as económicas, simbólicas y culturales, más agudo es el abismo.
Beatriz dice:
solo quería denunciar lo que me pasa, ahora me siento peor
No encontré al Juez que decía el papel [...]
Los pasillos son oscuros, tenia taquicardia cuando entre..., y me ima-
gine que se yo...., salí y acá estoy no se que hacer
No aguanto mas... fui al tribunal y me dio tanto miedo que no pude
hablar ni con la gente, yo jamás había entrado… me perd
me llega esto que dice que me van aplicar no se que ley si no voy y que
me puede venir a buscar la policía [...]
La impronta institucional se volcó sobre Beatriz, tal como se en-
cuentra diseñada. Ella muestra cuales son los indicadores del lenguaje
institucional que le impactaron:
peor
oscuro
miedo
me perdí
no encontré al Juez
si no voy me va a venir a buscar la policía.
4
Quizás un conjunto de lenguajes que los especialistas hemos
naturalizado, pero que a Beatriz le remarcan una situación de re victimi-
zación en el espacio público.
4
Tomamos el caso de Beatriz Porque nos pareció paradigmático de una mujer de clase media con acceso a un
campo simbólico distinto a un pobre estructural del cual se ya se han realizado análisis.
Eaçã, , ê
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177
La arquitectura física y simbólica del lugar la dejó sin habla, con
miedo, perdida.
Los modos en que se constituyen los lenguajes son incluyentes
o expulsivos.
Retomemos la noticación que le lleva la policía a la casa a B.
Dice:
Beatriz... XX... se la cita el día lunes 7.30 hs. En la sede del Juzgado
Penal XX, a cargo del XX Juez. Si no concurriera se la podrá mandar
a buscar por la fuerza pública según lo establece el art. .... del Código
Penal.
En el texto podemos anotar que existe una código simbólico de
alta connotación: “citación” o “citación a comparecer” que si bien consti-
tuye un neutro en el lenguaje institucional del Poder Judicial no es neutro
en la representación de Beatriz. Posee orden y asociación con una conno-
tación de haber transgredido alguna norma.
En lo cotidiano “no se cita a alguien porque sí”, nos dijo. Se
la nomina por su nombre y apellido y se la cita para fecha y hora en
un Juzgado Penal. Las cadenas de representaciones agudizan su situación.
“Qué hice... si es por eso o por otra cosa […]”; “pase un n de semana
sin poder dormir”. Beatriz se preparó con miedo porque la citaba un Juez
Penal y en el caso de no concurrir habría una sanción por el artículo XX.
En el contexto, la misiva se la lleva un policía a la casa, lo que
le da temor y la avergüenza ante sus vecinos. El horario de la citación es
durante su horario de trabajo por lo que tuvo que contarle a los demás
compañeros y a su directora que estaba citada por un Juez para poder llegar
mas tarde o faltar. Y como no sabía de qué se trataba tuvo que exponer sus
suposiciones en público, sobre algo que pertenece a su vida privada.
-

El modo en que Beatriz (la víctima a quien supuestamente había
que proteger) adjetiviza el acto –peor, miedo, no encontré al juez, etc.-
denota su percepción respecto de los discursos del orden y sus operadores.

178
La naturalización de determinados lenguajes, no supone que
sean pertinentes y ecaces pero sí nos muestran las lógicas de rituales
donde los sujetos reales desaparecen. ¿No sería pues la ley y su andamiaje
instrumental quien, en este caso, debería contener a la víctima?
Para ello no sería necesario generar un gasto en presupuestos de
políticas públicas, sino resituar las instituciones a las modalidades de los
seres humanos.
Una experiencia de exclusión y de no pertenencia como la que
hemos presentado es una inecaz intervención y su consecuencia es el
repliegue al silencio. Lo contrario a la palabra, a lo público y a la demos.
Es así que la inecacia no solo tiene relación con factores macro
estructurales, sino que las consecuencias de estos se denotan en focos micro
donde las trayectorias no son de sujetos sino de rituales y expedientes. O para
mejor decirlo no son de seres humanos, sino de sujetos institucionales
“ccionalizados”.
El pasaje de lo privado a lo público se encontrará habilitado
o clausurado según las modalidades que se implementen por parte de
las instituciones. Los discursos del orden tienen poder nominativo y
habilitante, dijimos anteriormente. Así, los lenguajes de lo público marcan
las líneas fronterizas, delimitan, demarcan, dicen qué puede entrar, aparecer
y qué queda por fuera. Generan en los sujetos imágenes, que hacen a su
auto identicación como grupos o en su subjetividad individual. La auto
imagen, el espejo de lo que se les devuelve, funciona en el campo de las
representaciones como delimitativo y estereotipante.
Partiendo de la hipótesis de que las lógicas institucionales son de
repetición sistemática y sistémica dentro de las instituciones, ha constituido
un punto nodal en nuestro estudio el funcionamiento de los operadores
de los discursos del orden. En ellos se produce un fenómeno peculiar: por
una parte, sienten por momentos su identicación de pertenencia con
ciertas imágenes que les devuelven los sujetos, pero también adquieren
los mecanismos, formas y rituales institucionales como anclaje para
sentirse pertenecientes. Las miradas, los rituales, los institucionalizan
secuestrando” las habilidades y el poder autonómico que los identicaba
con anterioridad al ingreso institucional. En los modos de adaptación a
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179
las instituciones “heredan” códigos, gestos, formas de trato, lugares que
la institución les asigna tácitamente y en silencio. A estos sujetos se les
producen crisis y altos dolores de resistencia para sobrevivir a las lógicas
institucionales. Según su adaptación se produzca de manera activa o pasiva,
con mayor o menor posibilidad de transgresión a las lógicas institucionales
sobrevivirán a la institución o serán devorados por la maquinaria.
[...] De identicar que un expediente le pertenecía a un ser humano y
llamarlo por su nombre, terminé por llamarlos por numero de expe-
diente o numero de cola [...]
5
No te vas dando cuenta, pero al principio es distinto..., cuando entras
pensas que podes hacer cosas diferentes, después te terminan cansando
y cuando tus propios compañeros te dicen que te quedes tranquilo, que
no molestes con cosas nuevas [...] mas. Aparte no te olvides que estar
acá dentro tampoco es fácil, es un trabajo vive mi familia y si miro
todo lo que hay en este zoológico terminas enfermo y loco, hay que
sobrevivir. Yo me doy cuenta que ya pocas cosas me llegan, y que si me
llegan me enfermo. El ritmo de XX te va llevando y terminas así: cum-
pliendo con el trabajo y sin que nadie de los que tenés arriba te inicie
un sumario, es igual [...] nunca sabes a quien tenés arriba.
BiBliografia
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5
Entrevista realizada a un empleado de una Defensoría de Tribunales de la Provincia de Santa Fe. En el marco
de entrevistas no estructuradas realizadas a operadores del sistema judicial. Las entrevistas se realizaron en el
marco de la metodología cualitativa de entrevistas semi estructuras y abiertas. La entrevista seleccionada es una
parte del material relevado con operadores institucionales.
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181
feMinização do envelHeciMenTo:
Porque aS MulHereS viveM MaiS?
Gilsenir Maria Prevelato de Almeida Dátilo
Ao iniciar este capítulo se faz necessário interrogar sobre o que
é o envelhecimento. Sabemos que é um fenômeno universal, tanto em
países desenvolvidos como em países em desenvolvimento. O envelheci-
mento é um processo natural que acorre em todos os indivíduos no decor-
rer de suas vidas e que provoca uma série de alterações em seu organismo
(DEPONTI; ACOSTA, 2010).
Segundo Neri (2005), idosos são indivíduos com 60 anos ou
mais, nos países em desenvolvimento, e de mais de 65, nos países desen-
volvidos. Em todo mundo, o número de pessoas com 60 anos ou mais tem
crescido mais que o de qualquer outra faixa etária. O Estatuto do Idoso e
a Política Nacional do Idoso, denem idoso aquela pessoa que tenha 60
anos ou mais de idade.
O envelhecimento faz parte do processo de crescimento e de-
senvolvimento do ser humano, e ao contrário do que a sociedade pensa,
está associado a uma série de aspectos positivos que enriquecem a vida do
indivíduo em diversas áreas. Deste modo, a pessoa idosa não pode mais
ser vista como um ser que não tem mais nada a oferecer ou ser associado
à imagem de doença, incapacidade e dependência (MATSUDO, 2001).
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p181-193

182
Para Netto (2002), “admite-se hoje duas formas distintas de
envelhecimento: o usual ou comum e o bem-sucedido ou saudável”.
Envelhecimento Saudável para Ramos (2003) é o resultado da interação
entre saúde física e mental, independência na vida diária, integração social,
suporte familiar e independência econômica. O autor arma que o bem-
-estar na velhice seria o resultado de um equilíbrio entre várias dimensões
da capacidade funcional do idoso, sem necessariamente signicar a ausên-
cia de problemas em todas as dimensões (RAMOS, 2003).
De acordo com o censo do IBGE de 2012, o Brasil possui cerca
de 23 milhões de idosos. A população dessa faixa etária tem crescido muito
a partir dos avanços na qualidade de vida do cidadão brasileiro. O rápido
crescimento dessa população deve-se à diminuição dos índices de mortali-
dade, a redução da taxa de fecundidade, o aumento da presença feminina
no mercado trabalho; fatores esses, que geram impacto no crescimento
demográco da população brasileira elevando as taxas das pessoas muito
idosas (80 anos e mais), causando mudanças nos aspectos culturais, fami-
liares, sociais e econômicos (CAMARANO; KANSO, 2010).
Segundo Silva (2003) esse crescimento é consequência também
da industrialização, da urbanização, dos avanços da medicina, da tecnolo-
gia e do saneamento básico.
Estima-se que em 2025 haverá 1,2 bilhões de pessoas com mais
de 60 anos no mundo, e o Brasil será o sexto país do mundo em número
de idosos segundo a World Health Organization (2005).
No Brasil, os idosos eram 3,2% da população em 1900, 4,7% em
1960 e poderão chegar à marca de 13,8% em 2025. O CELADE (2012),
estima que vários países da América Latina - como Argentina, Costa Rica,
Cuba, Equador, México e Uruguai, têm superado a expectativa de vida de
75 anos para ambos os sexos. Existem desigualdades importantes, no que
se refere à expectativa de vida em vários países, como é o exemplo da dife-
rença de 17 anos entre a e Cuba (79,2 anos) e do Haiti (62,1 anos).
Indicadores sociodemográcos do IBGE (2009), evidenciam
que a população idosa aumenta com o passar dos anos, podendo até se
igualar à população de crianças e adolescentes no ano de 2030 (SILVA;
DAL PRÁ, 2014).
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183
Segundo o IBGE (2013), para os homens a expectativa de vida
ao nascer era de 71,3 anos em 2013 e de 78,6 anos para as mulheres. Essa
diferença ocorre também em outros países, Japão (79 para homens e 85,5
para mulheres) Reino Unido (79 para homens e 82 para mulheres).
Uma das características do processo de envelhecimento é o cresci-
mento do superávit de mulheres na população idosa. Em 1950, o número
de homens idosos era de 1,18 milhões e o de mulheres era de 1,45 milhões.
Em 1980 a quantidade de homens de 60 anos e mais, passou para 3,64
milhões e a quantidade de mulheres chegou a 4 milhões, 91 homens para
cada 100 mulheres. A estimativa da ONU para 2040 aponta um número
de 23,99 milhões de homens e 30,19 milhões de mulheres, uma diferença
de 6,2 milhões de mulheres em relação à população idosa masculina, 79
homens para cada 100 mulheres (ALVES; NOGUEIRA, 2014).
Constatam-se também, com o aumento da população idosa, mu-
danças epidemiológicas como substituição das causas principais de morte
por doenças parasitárias de caráter agudo, pelas doenças crônico-degenera-
tivas (diabetes, acidente vascular cerebral, neoplasias, hipertensão arterial,
demência senil e outras). Essas se transformam em problemas de longa
duração e envolvem, para atendimento adequado, grande quantidade de
recursos materiais e humanos (MARIN et al., 2008).
Ocorre a heterogeneidade no segmento considerado idoso, já que
aí estão incluídas pessoas de 60 a 100 anos ou mais de idade (CAMARANO,
2003, 2011). A maneira como envelhecemos e a categoria social das pesso-
as idosas são bastante heterogêneas, mas no cotidiano, tal heterogeneidade
é geralmente ocultada por visões homogeneizadoras que retratam este pro-
cesso e este grupo como se fosse um único grupo (CAMARANO, 2003;
DANIEL; SIMÕES; MONTEIRO, 2012).
Considerando que as diferenças no ritmo de vida, as condições
biológicas, econômicas, regionais e sociais alteram as condições de vida da
população que chega aos 60, conclui-se, portanto que esta é heterogênea
(CAMARANO, 2003).
Daniel, Simões e Monteiro (2012), criticam a forma homogênea,
com que tratam a velhice e nos lembra de que vários estudos,
Indicam também a plasticidade e a diversidade como características
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184
fundamentais da forma como as pessoas envelhecem; enfatizam a im-
portância das políticas e condições socioeconómicas na manutenção dos
indivíduos de idades avançadas, e mostram que as diferenças (étnicas, etá-
rias, sexuais e socioeconómicas) tornam as experiências de envelhecimento
muito distintas. (DANIEL; SIMÕES; MONTEIRO, 2012, p. 14).
aS MulHereS viveM MaiS
Lebrão (2007), nos traz algumas reexões sobre fatores que dife-
renciam o viver entre os homens e as mulheres. A autora cita as diferenças
biológicas, os hormônios femininos em relação à isquemia coronariana;
as diferenças de exposição às causas de riscos de trabalho, as diferenças no
consumo de álcool e tabaco, as diferenças de atitudes em relação à doença
e incapacidade, as mulheres são mais atentas a sinais e sintomas.
A maior expectativa de vida da população idosa feminina, segun-
do Salgado (2002, p. 8) se deve também à
[...] tradição que a mulher tende a se casar com homens mais velhos do
que ela, o que, associado a uma mortalidade masculina maior do que
a feminina, aumenta a probabilidade de sobrevivência da mulher em
relação ao seu cônjuge.
Em 1980, havia em escala mundial, três homens de 65 anos e
mais para cada quatro mulheres, relação que se mostra ainda mais forte
nos países desenvolvidos, em razão do grande número de homens mortos
durante a Segunda Guerra Mundial.
Na verdade, quanto mais a idade aumenta, mais as mulheres são
numerosas; o envelhecimento passa a ser um fenômeno que se conjuga,
antes de tudo, no feminino (FIGUEIREDO et al., 2006).
Camarano (2003, p. 38) ratica a opinião de Salgado quando ar-
ma que “[...] a predominância da população feminina entre os idosos é resul-
tado da maior mortalidade masculina”. Ainda, há que se considerar o fato de
que as mulheres dispensam maiores cuidados à própria saúde (IBGE, 2008).
Entretanto, curiosamente, são justamente elas que podem vir a car
em piores condições de vida na velhice, como exemplica Camarano (2003),
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185
[…] mulheres idosas experimentam uma maior probabilidade de ca-
rem viúvas e em situação socioeconômica desvantajosa. A maioria das
idosas brasileiras de hoje não tiveram um trabalho remunerado durante
a sua vida adulta. Além disso, embora as mulheres vivam mais do que
os homens, elas passam por um período maior de debilitação biológica
antes da morte do que eles [...] (CAMARANO, 2003, p. 37).
Enfatizamos, porém que as mulheres estão mais expostas que os
homens à violência doméstica e a discriminação no acesso à educação, ren-
da e alimentos, trabalho signicativo, cuidado da saúde, heranças, medidas
de segurança social e poder público. Existe deste modo, uma maior possi-
bilidade de serem pobres, apresentarem incapacidade e múltiplos proble-
mas de saúde nas idades longevas (LEBRÃO, 2007; DANIEL; SIMÕES;
MONTEIRO, 2012).
Devido à maior expectativa de vida das mulheres, existe uma ten-
dência dos homens a se casarem com mulheres mais jovens e se casarem
novamente, caso suas esposas morram, de modo que, o número de mulhe-
res viúvas ultrapassam e muito, o de homens viúvos, em todos os países
(LEBRÃO, 2007; DANIEL; SIMÕES; MONTEIRO, 2012).
O fato das mulheres desempenharem a função de cuidadoras
da família, segundo Lebrão (2007), pode também contribuir para a sua
pobreza e saúde ruim na velhice. Lembrando que algumas mulheres são
forçadas algumas vezes a desistirem de seus empregos remunerados, para
exercer seu papel de cuidadoras de algum membro da família. Em outras
situações, encontram-se mulheres que nunca tiveram empregos remunera-
dos, devido do trabalho, em tempo integral em papeis de cuidadoras não
remuneradas, cuidando de crianças, pais ou sogros idosos, esposos doentes,
netos, entre outros.
Embora a esperança de vida ao nascer da mulher seja maior, segun-
do Santos (2003) a proporção de dessa esperança de vida sem incapacidade é
maior para os homens. Em termos de saúde, as mulheres quando compara-
das com os homens tendem a desenvolver mais doenças crônicas não fatais,
incapacidades e limitações funcionais, devido ao seu papel reprodutivo e à
pressão associada ao seu papel de cuidadoras, devido a estes fatores tem epi-
demiologia diferente da dos homens (SNYDER; WONG, 2007).
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186
Alves, Barros e Cavenaghi (2012) em seus estudos concluíram
que as mulheres brasileiras conquistaram diversas vitórias parciais no século
XX, como a obtenção do direito de voto, em 1932, mas não conseguiram
ultrapassar o teto de 10% de deputadas federais. Conquistaram também
maiores graus de educação em todos os níveis de ensino, mas ainda estão
pouco representadas nas ciências exatas e na liderança dos grupos de pes-
quisa; aumentaram as taxas de participação no mercado de trabalho, mas
ainda sofrem com a segregação ocupacional, a discriminação salarial, além
da dupla jornada de trabalho. Para os autores elas conquistaram diversas
vitórias na legislação nacional, mas, na prática, ainda são vítimas de dis-
criminações e preconceitos. Como também já ressaltamos anteriormente,
elas vivem em média, sete anos acima da média masculina e são maioria da
população e do eleitorado.
Em um passado recente do Brasil, as idosas de hoje foram, em sua
maioria, mulheres que cuidavam da casa, da prole e do provedor “chefe de
família”.
A grande mudança ocorrida nos últimos vinte anos é que o -
nal da vida ativa e a viuvez não signicam mais pobreza e isolamento
(CAMARANO, 2003). A partir de 1992, quando passou a viger o novo
plano de benefícios, as concessões para as mulheres têm representado apro-
ximadamente 60% do total das novas concessões (CAMARANO, 2003).
As mulheres rurais passaram também a poder requerê-lo inde-
pendentemente de sua posição na unidade familiar.
Sobre o nível educacional,
Até o ano 2000 as mulheres idosas (aquelas nascidas antes de 1940)
tinham nível educacional, em média, menor do que o dos homens,
reetindo a discriminação de gênero existente na educação brasileira
do passado. Porém, o novo contingente de mulheres com mais de 60
anos tem revertido a desigualdade de gênero, fazendo com que o nível
de escolaridade do sexo feminino atualmente seja maior do que o do
sexo masculino também entre a população idosa. Ou seja, as mulhe-
res tem dado uma grande contribuição para elevar o nível educacional
do conjunto das pessoas do topo da pirâmide populacional. (ALVES;
NOGUEIRA, 2014).
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Enfatizamos, porém que as mulheres estão mais expostas que os
homens à violência doméstica e a discriminação no acesso à educação,
renda e alimentos, trabalho signicativo, cuidado da saúde, heranças, me-
didas de segurança social e poder público. Existe deste modo, uma maior
possibilidade de serem pobres, apresentarem incapacidade e múltiplos pro-
blemas de saúde nas idades longevas (LEBRÃO, 2007).
A autora nos lembra de que devido à maior expectativa de vida
das mulheres, existe uma tendência dos homens a se casarem com mu-
lheres mais jovens e se casarem novamente, caso suas esposas morram, de
modo que o número de mulheres viúvas ultrapassa e muito, o de homens
viúvos, em todos os países.
O fato das mulheres desempenharem a função de cuidadoras
da família, segundo Lebrão (2007), pode também contribuir para a sua
pobreza e saúde ruim na velhice. Lembrando que algumas mulheres são
forçadas algumas vezes a desistirem de seus empregos remunerados, para
exercer seu papel de cuidadoras de algum membro da família. Em outras
situações, encontram-se mulheres que nunca tiveram empregos remunera-
dos, devido do trabalho, em tempo integral em papeis de cuidadoras não
remuneradas, cuidando de crianças, pais ou sogros idosos, esposos doentes,
netos, entre outros.
Embora a esperança de vida ao nascer da mulher seja maior, se-
gundo Santos (2003) a proporção dessa esperança de vida sem incapacida-
de é maior para os homens.
Lebrão (2007), arma que em 2010, cada brasileira tinha em mé-
dia 1,9 lhos. Foi a primeira vez que o número cou abaixo do chamado
nível de reposição, o qual seria 2,1 por mulher. A manutenção dessa ten-
dência leva a redução da população brasileira no futuro. Segundo a autora
em 2000, cada mulher tinha em média 2,38 lhos. Há 50 anos, a taxa de
fecundidade era de 6,3 lhos por mulher, mais que o triplo do que é hoje.
Com a saída da mulher para o mercado de trabalho e sua conse-
quente busca por mais educação, tem-se que, quanto mais anos de estudos
a mulher possui, menor é sua taxa de fecundidade. Também a composição
familiar altera-se na medida em que as mulheres passam a serem as princi-
pais responsáveis pelo provimento familiar.
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188
A transformação na dinâmica familiar e a necessidade da mulher sair
para o mercado de trabalho e assumir o papel de pessoa de referência no lar,
a maternidade acaba cando para depois. Essa situação gerará mudanças im-
portantes nas famílias e no modo como o Estado deverá planejar as políticas
sociais voltadas para a proteção social na velhice (SILVA; DAL PRÁ, 2014).
A conguração dos arranjos familiares no Brasil mudou, a família
encolheu, modicou-se. Não há mais a predominância do padrão que era
composto por um casal e lhos, família nuclear (SILVA; DAL PRÁ, 2014).
Segundo dados da PNAD, no período de 2001 para 2011 houve modi-
cações na distribuição dos arranjos com parentesco, com redução do peso
relativo daqueles constituídos por casal com lhos (de 53,3% para 46,3%)
e consequente aumento dos casais sem lhos (de 13,8% para 18,5%).
Projeções realizadas pelo IBGE constatam que, com o passar dos
anos, as mulheres terão menos lhos.
[...] mudanças na estrutura familiar que são: famílias com menor núme-
ro de lhos, inserção cada vez maior de mulheres no mercado de traba-
lho e mais tempo dedicado à preparação prossional, concluí-se que a
tendência demográca no país tende a ser mantida. (NASCIMENTO,
2006, p. 11).
De acordo com o censo do IBGE de 2012, o Brasil possui cerca
de 23 milhões de idosos. As mulheres idosas são maioria nesse núme-
ro, 55%, e vem crescendo substancialmente. Esse fenômeno é conhecido
como feminização da velhice.
As projeções realizadas pelo IBGE para o ano de 2050 revelam em
todas as faixas etárias, o contingente feminino de idosas será superior ao de
idosos. A população de idosas com 65 anos ou mais de idade terá um con-
tingente populacional de 27.827.204 milhões no ano de 2050; já a popula-
ção do sexo masculino nessa mesma faixa etária será de 21.071.443 milhões.
Segundo Camarano (2003), na última fase da vida, as mulheres
muitas vezes passam a ser provedoras do grupo familiar, seja como pensio-
nistas, aposentadas ou ambos.
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189
Em outros tempos, o envelhecimento trazia pobreza e isolamento
social para as mulheres brasileiras, mas hoje em dia, para uma grande maio-
ria, pode signicar uma nova fase no ciclo de vida (GOLDANI, 2004).
Como é possível observar, a mulher brasileira ainda assume o pa-
pel de cuidadora na maioria das situações, mas passa também a ser pessoa
de referência em arranjos familiares nucleares e monoparentais. Portanto,
quando há o desmantelamento das políticas sociais voltadas ao segmento
idoso, como, por exemplo, a política previdenciária, não somente esse seg-
mento é afetado, mas também todos os que compõem os arranjos familiares
A maioria das pessoas que têm chegado a idade avançada são do
sexo feminino e são as mulheres que exercem o papel de cuidadoras dentro
das famílias.
Em relação à heterogeneidade dos idosos, é necessário que se leve
em conta a maior sobrevida das mulheres em relação aos homens.
O cuidado prestado aos idosos dentro das famílias é visto como
algo natural e é rearmado pelas políticas públicas. Como o trabalho da
mulher é naturalizado e invisibilizado, sua questão previdenciária é preju-
dicada (SILVA; DAL PRÁ, 2014).
Ainda neste campo, segundo as autoras, são as idosas a causa de
preocupações dos gestores da previdência social, pois são elas, por exem-
plo, que, na maioria das vezes, acumulam as pensões recebidas pelo faleci-
mento do cônjuge às suas aposentadorias.
Assim, diante do envelhecimento populacional e das mudanças que vêm
ocorrendo nas famílias, os serviços públicos para os idosos serão cada
vez mais requisitados ao poder público e, para que a população de ida-
de avançada tenha suas necessidades atendidas, o Estado deverá estar
preparado. Faz-se primordial, portanto, que este tema entre na pauta
de discussões dos gestores, pois, ao contrário do que se vislumbra nas
campanhas eleitorais da maioria dos candidatos a cargos governamentais,
não é somente com o aumento de creches que se estará trabalhando para
que as mulheres possam exercer atividades de trabalho formal, mas tam-
bém com mais serviços de atendimento aos idosos, pois, como visto, são
as mulheres que, na maioria das vezes, assumem os cuidados com eles em
seu grupo familiar. (SILVA; DAL PRÁ, 2014, p. 113).

190
Acreditamos ser necessário aprofundar a reexão acerca do en-
velhecimento feminino, no contexto do processo de envelhecimento po-
pulacional no Brasil e no mundo, uma vez que se tem observado segundo
Moura, Domingos, Rassy (2010), que em quase todos os países a desigual-
dade de gênero na expectativa de vida é uma constante.
O processo de feminização da velhice não diz respeito apenas à
maior longevidade feminina, mas, sim a necessidade de se pensar em po-
líticas públicas que melhorem sua qualidade de vida. As autoras citam as
políticas públicas inclusivas que assegurem os direitos do idoso e da idosa,
criando condições para a promoção da saúde, autonomia, integração e par-
ticipação social.
Com os argumentos citados acima, há a necessidade de se denir
novos espaços sociais para as mulheres idosas. Atualmente as mulheres têm
se envolvido na busca do envelhecimento ativo e saudável, inserindo-se em
espaços sociais que lhes permitam um velhice bem sucedida.
Várias são as opções para a mulher idosa, em termos de espaços
de convivência, podemos citar os centros de convivência, como por exem-
plo, os centros dia, programas de extensão universitária direcionado aos
idosos, clubes da terceira idade e Universidades Abertas da Terceira Idade
(UNATI). Essas oportunidades aumentam a autonomia das idosas e dos
idosos.
Para Moura, Domingos e Rassy (2010), o atendimento à idosa
deve ser uma preocupação constante dos prossionais de saúde, educa-
ção, considerando-se suas expectativas, necessidades físicas, emocionais, e
sociais, integrando-a com outras pessoas, em especial com indivíduos da
mesma faixa etária, visando à melhoria da qualidade e condições de vida.
conSideraçõeS finaiS
Um dos desaos do processo de feminização do envelhecimento é
possibilitar a criação de espaços de convivência com o objetivo de motivar
a participação das mulheres idosas no convívio social. A participação nestes
centros evita o isolamento e estimulam o fortalecimento da autoestima e a
Eaçã, , ê
 êa
191
autonomia feminina, bem como, a possibilidade de novos aprendizados, novas
experiências, as quais, ajudam a construir uma imagem positiva da velhice.
A sociedade brasileira precisa saber aproveitar o potencial das no-
vas idosas, à terceira idade, visto que estas possuem altas e ricas experiên-
cias de trabalho e de vida.
Os idosos e, em especial as idosas, podem se transformar em fon-
te de sabedoria e difusão de conhecimentos para toda a sociedade.
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194
195
Parte 3
Gênero e violência: na história,
na mídia e na literatura
196
197
deuSaS, diaBólicaS, PecadoraS e
virgenS: diálogoS enTre oS MiToS do
feMinino e a educação eScolar
Keith Daiani da Silva Braga
Jéssica Kurak Ponciano
Arilda Ines Miranda Ribeiro
inTrodução
O presente texto tem a nalidade de apresentar uma discussão
preliminar acerca de alguns mitos e representações ligadas às mulheres e
ao “feminino” desenvolvidos no decorrer de nossa história, bem como sua
atualidade e relação com as práticas e ações curriculares cotidianas empe-
nhadas em instituições de ensino, principalmente no que tange à educação
escolar de meninas.
A partir dos diálogos, considerações e problematizações de auto-
ras e autores feministas que se propõem a estudar as guras míticas femi-
ninas na área da Antropologia, Teologia, História e/ou Estudos de Gênero,
compreendemos a gênese de muitas das concepções que embasam perspec-
tivas machistas, misóginas e androcêntricas ainda fortemente presentes no
imaginário social, e por consequência nos ambientes educacionais.
Nesse sentido, nosso artigo se divide em duas partes: primeiro
expomos uma breve e incipiente retrospectiva acerca da transição de divin-
dade para pecadora imposta às guras femininas, em especial no mundo
ocidental, marcado por uma crença judaico-cristã; e na seção seguinte nos
propomos a debater o tema intermédio de narrativas escolares disciplina-
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p197-213

198
res e nos materiais didáticos, através de uma atividade concebida para ser
utilizada na sala de aula. Encerramos nas considerações nais, seguidas das
referências bibliográcas.
MiToS de figuraS feMininaS e aS rePreSenTõeS conTeMPorâneaS daS
MulHereS
Ao longo da história, por meio de mitos, contos e simbolismos po-
demos encontrar a gura da mulher ora associada à divindade ora à demoni-
zação. E tais representações binárias marcam as concepções de feminino na
contemporaneidade, ainda que com novas roupagens, aspectos e intensidades.
Primeiramente, pelo que se é possível inferir a partir das desco-
bertas de arqueólogas/arqueólogos, historiadoras/historiadores entre ou-
tras pesquisadoras e pesquisadores, como armam autoras como Beauvoir
(1980), Muraro (1991) e Swain (2008), se tem à articulação com a di-
vindade: “O culto do divino feminino é um dos mais antigos que se tem
notícia. O primeiro elemento cultuado pelo homem foi a Terra [...] a mãe
de todas as coisas vivas e também a responsável pela morte.” (OLIVEIRA,
2005, p. 1). Em outras palavras, a Terra era percebida como uma grande
mãe, a Deusa-Mãe que tudo tutela: os humanos, os animais, as plantas e
os demais elementos do planeta animados ou inanimados.
A gênese desse culto à Deusa está contextualizada, de forma clás-
sica pela academia no período Paleolítico, também conhecido como o
tempo dos “caçadores- coletores
de pequenos animais. Representações da
divina com seios fartos e grandes nádegas, desta época, sejam estatuetas ou
pinturas rupestres, são lidas e interpretadas – atualmente – não somente
como culto a fertilidade/maternidade, mas como símbolos dos quais de-
rivam a ideia de criadora do mundo, dona da vida, possuidora de poderes
presentes nas deusas, posteriormente, reverenciadas em alguns períodos
históricos (OLIVEIRA, 2005).
Muraro (1991) pontua que nessas sociedades primitivas a cen-
tralidade estava na mulher, a princípio, devido o fato de os homens des-
conhecerem o papel que teriam na procriação
1
, levando-os a crer que não
1
Beauvoir (1980, p. 87) inclusive pontua que nos tempos próximos seguintes a procriação chegou a ser com-
preendida como “[...] reencarnação das larvas ancestrais que utuam ao redor de certas arvores, certos rochedos,
Eaçã, , ê
 êa
199
podiam em nada interferir na sexualidade feminina. Assim, havia uma de-
masiada admiração para com elas, privilegiadas pelas divindades por serem
capazes de parir.
Todavia a presença da Deusa não se limitou à era paleolítica, pelo
contrário, ganhou fôlego no período Neolítico (marcado pelo
surgimento
da agricultura), ao qual pertencem um grandioso número de esculturas,
ilustrações e outras guras da elevação do feminino (OLIVEIRA, 2005).
Na região do Oriente Médio, em Çatal Huyuk, Jericó e Jarmo conforme
nos explica Swain (2008) se encontravam já entre VI e VIII milênios a.c
“[...] importantes aglomerações e conjuntos arquitetônicos, onde a ima-
gem hierática da Grande Deusa, senhora dos animais selvagens, da vida e
da morte, imperava soberana nos locais destinados ao culto”.
Também, a fertilidade da terra passa a ter uma ligação simbólica
reforçada com a fecundidade da mulher (OLIVEIRA, 2005). Nas palavras de
Beauvoir
(1980, p. 88) “[...] A Natureza na sua totalidade apresenta-se [...]
como uma mãe; a terra é mulher, e a mulher é habitada pelas mesmas for-
ças obscuras que habitam a terra”. Destarte, é então conado as mulheres o
trabalho agrícola, bem como a confecção de tapetes, vasilhames, cobertores
entre outros utensílios. Além disso, elas não raras vezes comandam as tro-
cas de mercadorias, lideram os comércios e exercem protagonismo na vida
dos lhos, colheitas e rebanho, em síntese toda uma participação ativa que
inspira respeito e mistério perante os homens (BEAUVOIR, 1980).
É importante ressaltar que todo o místico voltado ao feminino
não permite sintetizar que tais sociedades eram “matriarcais” ou que nelas
as mulheres detinham o poder político. Atualmente, conforme nos explica
Oliveira (2005), muitas autoras e autores da antropologia ligados ao femi-
nismo tem optado por falar em sociedades matrilineares ou matrifocais,
que refere-se à enorme importância dada às mulheres, anteriormente ig-
norada pelo olhar do historiador androcêntrico, mas não pressupõem uma
posição no topo da hierarquia para elas.
De todo modo, sob vários nomes, o feminino em forma de Deusa
foi adorado e cultuado por diversos povos antigos até uma “virada” para a
certos lugares sagrados e que descem no corpo da mulher”, rearmando assim o alinhamento das mulheres à
terra e como consequência ao divino.

200
centralidade no homem, que iniciou a sua destruição massiva (da qual existem
vestígios até os tempos atuais sob formas modernas de misoginia e machismo):
Na Anatólia e na Creta minóica era chamada de Cibele; No Egito era
Nut; na África seu nome era Nana Buluka e em Canaã era conhecida
como Astherah ou Ishtar. Ainda que fosse evocada por diferentes no-
mes, em todos os lugares representava o princípio criador e simbolizava
a unidade essencial de toda a vida na Terra. Seu culto foi destruído e,
paulatinamente, substituído. Primeiro pelos deuses guerreiros e depois
pelo monopólio de um Deus único. (OLIVEIRA, 2005, p. 1).
Toda essa mudança não se deu de maneira homogênea, mas des-
contínua e de variadas formas. Em partes, provocada pelos confrontos en-
tre os povos que adoravam a Deusa e os costumes e cultos – impostos – dos
indo-europeus e semitas. Evidenciam-se essas alterações nos mito e relatos
em que heróis e deuses homens matam e/ou triunfam sobre os símbolos
da Deusa como a serpente e o dragão
2
(SWAIN, 2008). A violência sexual
e a dominação do corpo feminino também se fazem presentes nas repre-
sentações da supremacia masculina: “[...] Hera é forçada ao casamento
com Zeus, Perséfone é violentada e raptada por Hades; na Suméria, a in-
trodução do culto do deus Enlil em Nippur é associada ao estupro da lha
da Deusa, Ninlil. Zeus [...] campeão dos estupros: Semelé, Leda, Callisto
[...]” (SWAIN, 2008) entre tantos outras.
Na mitologia grega, Hera a personicação da Deusa, como pon-
tua Swain (2008), é investida de traços negativos como o ciúme exagerado,
inveja, perversidade que vão construir uma “feminilidade” a ser contida,
regulada, para se evitar o caos.
Já na região da Suméria, a introdução, pelos judeus, da ideia de
um só deus, masculino (Javé), vingativo e cruel vai resultar na aniquilação
do feminino da divindade (SWAIN, 2008). Nessa tradição babilônica- ju-
daica temos o exemplo de Lilith, um retrato dos perigos da sedução femi-
nina e da necessidade de controle sobre o corpo da mulher.
2
Swain (2008) para exemplicar, cita: “[...] Marduk violentando a deusa -serpente Tiamat; Baal afrontando a
serpente Lotan, Javé e Leviatã, Zeus e Tiphon, Apolo e Phiton, Hércules e Ladon(guardião da árvore sagrada
de Hera, triplamente simbólico) ou as serpentes que esmaga ainda no berço; Teseu contra Medusa, São Jorge
matando eternamente odragão na lua”.
Eaçã, , ê
 êa
201
Criada para ser companheira de Adão, como conta a lenda, Lilith
também foi moldada a partir do pó, entretanto, o material que lhe deu
origem não era puro como o do primeiro homem, estava impregnado de
“imundices” e “excrementos”, nesse ponto do mito, como explica Sicuteri
(1990), já se percebe que a gura feminina foi criada para ser inferior ao
homem e a sujeira representava as forças demoníacas que viriam a se aorar
na relação entre os dois.
O conito nasce então da insatisfação de Lilith em permanecer
por baixo” de Adão nas relações sexuais levando-a rebelar-se contra o com-
panheiro. É evidente a preocupação que a lenda tem em tecer uma nature-
za excessivamente sexual para Lilith, o que nos permite traçar um paralelo
com os discursos que rearmam a necessidade de controlar a sexualida-
de feminina, vista como demasiadamente sensual, provocativa e perigosa.
Punida por Deus devido à sua rebeldia Lilith transforma-se efetivamente
em um demônio, uma mulher-demônio sedutora, que voa pelos céus no-
turnos e ataca a homens que dormem sós para dar vida a outras criaturas
malignas, pois não podia conceber seres humanos. Percebe-se como a co-
notação sexual é central, o que pode ser uma das razões para ter sido elimi-
nada do texto cristão, mas mais que isso, Lilith representa em certa medida
uma reação e negação ao domínio masculino (LARAIA, 1997).
Concebida para consolar Adão pela perda da primeira mulher,
Eva também constitui-se em um mau exemplo de comportamento femi-
nino. Mesmo criada a partir de uma costela do homem, uma maneira
de garantir sua submissão, Eva descumpriu os ensinamentos de Deus e
conduziu Adão para o erro, o que terminou por condenar todos os seres
humanos que viriam a nascer a partir de então. Em algumas versões a ser-
pente que tentou Eva teria sido a própria Lilith que, ao assumir esta forma,
a penetrou levando a comer o fruto proibido. Este foi o pecado original.
Eva, que o cometeu desejando tornar-se tão poderosa quanto
Deus, é a origem de todos os males da humanidade, já que a punição
para os seres humanos foi a perda da imortalidade. A mulher é novamente
colocada como causadora de problemas, enquanto o homem, vacilante, é
aquele que é levado a cometer delitos devido à suas artimanhas. Os dois
são expulsos do paraíso e devem crescer e se multiplicar. Diferente de Lilith
que, como punição não podia gerar lhos, Eva torna-se então mãe e espo-

202
sa, todavia, deve permanecer na constante vigilância de seu marido, por ser
pecadora e sedutora.
Eva não era ainda o ideal de mulher a ser apregoado pelo cristia-
nismo, mas seu exemplo serviu para disseminar a necessidade de governo
sobre a mulher e sua subserviência ao homem, lhos e marido. É com Maria
– virgem, assexuada, mãe dedicada e esposa servil – que se constrói de fato
o modelo máximo para o feminino no Ocidente. Em decorrência, como
Vasconcelos (2005, p. 9) bem resume: “As mulheres que transgridem o mo-
delo ‘esposa-mãe-dona-de-casa-assexuada’ são consideradas uma alteração do
quadro normal da mulher e devem ser culpadas pela sociedade [...]”
Ao falarmos dos impactos e atualidade dessas representações fe-
mininas, construídas ao longo da História: deusas, demônios, sedutoras,
pecadoras, mães, virgens, santas entre outras na contemporaneidade, não
podemos deixar de ressaltar que muitas resistências e lutas foram travadas
para que as mulheres fossem libertadas da “Mulher”, identidade cristali-
zada e atrelada à modelos e padrões operados como “camisas de força” às
experiências femininas, pelos movimentos feministas, iniciados aproxima-
damente na década de 60 do século passado.
Nesse sentido, muitos avanços e mudanças têm ocorrido nos últi-
mos anos e as mulheres têm embaralhado e subvertido os estereótipos do “fe-
minino” com a maior uidez e “liberdade” já vistas no predomínio da crença
Cristã, sob a qual ainda vivemos no Ocidente. Nos dias de hoje, poucos
sujeitos, exceto os geralmente ligados a setores e grupos radicalmente conser-
vadores, se sentem desimpedidos e no “direito” para expressar publicamente
a misoginia e violência contra a mulher, em nosso país, por exemplo.
Todavia, isso não se coloca como batalha vencida frente à infe-
riorização histórica
3
. Diante do anonimato ou de formas menos visíveis se
percebem ainda a força que as simbologias e representações tanto da mito-
logia clássica quanto da babilônica-judaico e cristã acerca das perversões e
3
Consideramos importante ressaltar que não foi somente pela mitologia, misticismos e religiões que se
negativou o “feminino”. Os pensadores, a Filosoa Clássica, a Biologia, enm a Ciência Moderna também
construiu poderosos discursos, talvez com maior força atualmente do que os religiosos, de submissão das
mulheres em relação à “natureza” masculina. Durante séculos elas foram impedidas de ter acesso à instrução
institucional, participar do “fazer ciência” e enfrentaram muitos obstáculos para ocupar posições, no mercado
de trabalho, de liderança. Não tratamos de tais aspectos no texto pois nosso recorte se limitou especicamente
a respeito das guras simbólicas femininas que inuenciaram/inuenciam as representações de “mulheres” na
contemporaneidade e suas implicações na educação de meninas, no espaço escolar.
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203
pecados provocados pelo feminino exercem e se reatualizam sob novas for-
mas – agora mais sutis – no imaginário social
4
. A esse respeito nos interessa
debater as minúcias, os detalhes e as sutilezas que preservam e carregam a
desigualdade, em especíco, no espaço da escola, no campo da Educação.
a aTualidade de TaiS MiTologiaS na educação eMPreendida Pela eScola
Guacira Lopes Louro (1999) nos alerta que as escolas, historica-
mente, sempre estiveram preocupadas em transformar meninos e meninas
em homens e mulheres “de verdade”. Em outras palavras, sujeitos alinhados
aos ideais de feminilidades e masculinidades hegemônicos. Nesse sentido,
para que meninas sejam educadas, no ambiente educacional, de modo a
atender esse padrão, são empregadas técnicas, ações, e práticas que visam
formá-las mais para o modelo de Maria, do que de Lilith ou qualquer outra
gura feminina transgressora.
Tal empreendimento se inicia, inclusive, antes mesmo de estudan-
tes ingressarem efetivamente no contexto educacional. A partir dos materiais
didáticos, planejados e confeccionados para compor o currículo escolar, já se
fazem presentes representações femininas que reforçam a “tendência ao peca-
do”, traição e fraqueza moral das mulheres como podemos visualizar através
de um fragmento textual extraído do material didático de Língua Portuguesa,
confeccionado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo
5
:
4
Um importante exemplo é a pesquisa “Tolerância social à violência contra as mulheres”, divulgada pelo
Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) em 2014, na qual 26% das e dos participantes na pesquisa
acreditavam que mulheres merecem ser atacadas quando estão usando roupas que “mostram o corpo”. A inves-
tigação faz parte do projeto “Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS)” e entrevistou 3.810 sujeitos,
entre homens e mulheres, em cinco regiões do país, alcançando uma grande repercussão na mídia e nas redes
sociais da internet. Entre as reações lançou-se no Facebook a campanha “Não mereço ser estuprada”, idealizada
pela jornalista Nana Queiroz, que consistia na publicação por parte dos e das usuárias de uma fotograa de si
com os dizeres do protesto virtual. Outras variáveis da pesquisa não eram menos graves, por exemplo, 55%
acreditavam na existência de “mulher para casar e mulher para levar para cama” e 58% que “se as mulheres
soubessem se comportar haveria menos estupros”.
5
A atividade didática abordada a seguir se contextualiza na pesquisa de mestrado no Programa de Pós-Graduação
em Educação da UNESP – Presidente Prudente, intitulada “A mulher escrita: notas sobre a (in) visibilidade femini-
na no material didático do Ensino Médio de Língua Portuguesa e Literatura do Estado de São Paulo”, desenvolvida
por Jéssica Kurak Ponciano sobre orientação da Profª. Drª. Arilda Ines Miranda Ribeiro.
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204
A autora deste fragmento, Sóror Mariana Alcoforado, era uma
religiosa portuguesa, podemos destacar a omissão deste fato na breve ex-
plicação da autoria do texto. Sóror Mariana teria falecido em 28 de julho
de 1723, e suas missivas foram copiladas e intituladas “Cartas de Amor”
(MOISES, 2004, p. 200), sendo, posteriormente, bastante reconhecidas
no cânon da literatura universal.
Observamos o tom confessional do texto, bem como a menção
da autora a uma suposta traição cometida por ela, graças à insatisfação com
a distância física e com a indiferença de seu amado, o militar francês Noel
Bouton de Chamilly. A religiosa “trai” seu amante num ato de rebeldia,
assim como Lilith “trai
6
” Adão e subverte as vontades de Deus. A insubor-
dinação às normas divinas também aproximam Sóror Mariana e Lilith. Ao
rebelar-se contra o criador, Lilith busca aplacar suas necessidades sexuais
com outros homens, concebendo demônios; e Mariana Alcoforado rebela-
-se de modo análogo contra a instituição cristã ao quebrar os votos do
celibato através de uma relação afetiva com um homem.
Massaud Moisés (2004) explica que a religiosa reetia de modo
signicativo em suas missivas a estética da produção literária barroca que
mesclava elementos divinos com profanos (MOISÉS, 2004, p. 202). As
conssões presentes nas Cartas de Amor dizem respeito aos “impulsos a um
6
O termo foi utilizado entre aspas pelo fato de não se tratar exatamente de uma traição, mas sim de uma revolta
ao julgo patriarcal, sendo interpretada como traição pelo patriarcado, que desconsiderava a autonomia feminina.
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205
tempo carnais e espirituais, sensuais e místicos” (MOISÉS, 2004), assim
como o mito de Lilith, Eva e Adão.
Todavia, o que consideramos problemático é a forma como esse
fragmento vem a integrar o material didático de Língua Portuguesa do
Ensino Fundamental. Nenhuma contextualização é feita para que se ex-
plicitem as intenções da autora na redação da conssão e tampouco os
elementos históricos e literários que a compõem são problematizados, re-
legando o texto assim à possibilidade de conduzir alunas e alunos às pers-
pectivas estigmatizantes acerca das mulheres.
Destarte, para além do currículo formal, do qual faz par-
te o material didático, temos a força das práticas curriculares cotidianas.
Veiculadas nas relações sociais dispostas no espaço e tempo da escola, estas
marcam, por vezes de forma mais intensa e reiterada, as trajetórias escolares
de meninas.
Valorizam-se estudantes com vestimenta e adereços hiperfemi-
ninos, mas sem vulgaridade, cadernos limpos e enfeitados, boa caligraa,
obediência exemplar, que não façam bagunça, não falem demais nem pro-
ram palavrão, não façam brincadeiras de cunho sexual, que sentem de
pernas fechadas, que sejam “ajudantes” da professora na hora de manter a
ordem da sala, “passar” algo na lousa ou apagar a atividade ao término da
aula, entre tantas outras expectativas (MORENO, 1999)
Todavia, justamente por esse conjunto de atributos se tratar de
um “ideal”, especialmente excludente, diversas garotas rompem, não se
adequam, nem buscam alcançá-lo e com isso colocam em jogo o status de
naturalidade
7
implícito nessa subjetividade subserviente pressuposta à elas
em decorrência de seu gênero (AUAD, 2006). Alunas masculinas, falan-
tes, participativas, lésbicas, questionadoras, sem recato, negras, de religiões
não-cristãs, estão o tempo todo tencionando o espaço e o currículo escolar.
A resposta, muitas vezes, dada à existência de resistências dos pa-
drões comportamentais que disputam novas representações para as femini-
7
Ainda que a escola, bem como diversas outras instituições se empenhem em educar e ensinar sujeitos
heterodesignados no nascimento como “mulheres” nos moldes de feminilidades hegemônicos, paradoxalmente,
são empreendidos discursos que buscam reforçar que tais características “femininas” presentes nas expressões
de gênero desses sujeitos – educados para serem meninas desde a mais tenra idade- são naturais, advindas da
natureza” humana da mulher. Dito de outro modo, todo esse ensino é grande, dispendioso e ininterrupto na
mesma proporção em que é invisível e encoberto pelas narrativas essencialistas.
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lidades no ambiente escolar é a vigilância excessiva, o controle e regulação
maior sobre os corpos das meninas. Essa medida, além de tentar conter as
rebeldias” conrma por meio da maior tutela a ideia de que mulheres são
perigosas”, “ameaçadoras”, carecem de controle contínuo. Dessa maneira,
existe em muitos casos, maior punição ou entrelaçamento das questões de
gênero e sexualidade à indisciplina cometida por garotas, como percebido
por Moreira e Santos (2002, 2004) e Santos (2007).
Ainda que com objetivos diferentes, a pesquisa “Homofobia na
escola: análise do Livro de Ocorrência Escolar” de 2014, também encon-
trou dados documentais, na coleta feita junto às instituições de ensino do
município de Presidente Prudente - SP
8
, que se referem à punição dife-
renciada ou avaliação desigual feita perante a indisciplina cometida por
meninos e meninas no ambiente educacional. Nas ocorrências
9
a seguir,
visualizamos contextos em que meninas são noticadas nos registros esco-
lares fazendo algo considerado indisciplinar na companhia de outros estu-
dantes que nem sempre compartilham o mesmo relato ou punição com as
mesmas:
Escola I
18/03. 6ªB A aluna conversa muito durante à aula, principalmente com os meninos da sala.
Fala muito alto e ca tirando a atenção dos garotos da sala. Ela anda tornando a aula “insu-
portável” com suas brincadeiras na hora errada. É necessário tomar uma providência com urgên-
cia porque ela também não completa as atividades propostas na sala de aula devido a conversa!
Assinatura da professora.
8
A investigação foi realizada por Keith Daiani da Silva Braga, em nível mestrado, sob a orientação da Profa.
Dra. Arilda Ines Miranda Ribeiro, contou com nanciamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (FAPESP) e se pautou nos Livros de Ocorrência Escolar, cadernos onde se registram violências
e indisciplinas estudantis, de doze escolas públicas estaduais do Ensino Fundamental II e Médio da cidade
Presidente Prudente- SP.
9
As ocorrências apresentadas neste presente do texto são transcrições literais dos livros de ocorrência escolar
a que tivemos acesso durante nossa pesquisa. Assim sendo, não realizamos correções em relação às normas de
escrita da Língua Portuguesa. No que diz respeito à formatação, optamos pelo uso de outro formato de fonte
(Arial) para diferenciar as narrativas escolares do corpo do trabalho. Os nomes dos sujeitos que aparecem são
todos ctícios e são utilizados quando as narrativas os evidenciam. Deste modo, a forma como o registro aparece
pode ter variações como: a data no inicio ou no nal, com assinatura ou sem, escrito na primeira pessoa ou
no impessoal. Os grifos ou sublinhados são destaques nossos que fazemos uso para evidenciar determinados
aspectos. A classicação inicial “Escola A” “Escola B” é empregada para marcar que se trata de narrativas de
instituições de ensino diferentes.
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207
Escola B
01/03. Ana Paula Soares (X) Fala muito
Aluna brinca muito, grita, não para de falar, atrapalha a aula, amigos e paquera com os meninos.
Assinatura do professor.
Escola B
01/03. Talita Maciel (X) Desrespeito ao professor.
Ela não faz as atividades e também ca com os meninos, muita brincadeira, papo e graça.
Assinatura do professor.
Nas três situações relatadas, a supressão dos nomes dos alunos
que também estavam participando das brincadeiras, papos e paqueras, ter-
mina por imputar somente às meninas a responsabilidade da indisciplina.
Vemos aí a atualidade da gura de Eva na concepção de mulheres que
conduzem ao erro, a desordem, que persuadem os homens, neste caso,
bastante semelhantes a Adão, inertes, passivos, indiferentes, sem reação,
enganados, levados à desobediência. Notamos isso principalmente na pri-
meira narrativa em que a educadora não registra que o tom de voz da
aluna atrapalha a todos e todas presentes na sala de aula, mas em especíco
distrai os garotos.
Parecem à primeira vista detalhes simples, comuns anotações
que não implicam consequências posteriores. Entretanto, os Livros de
Ocorrência Escolar são documentos ociais para as instituições que es-
tudamos, se constrói por meio deles um conjunto de informações sobre
determinados alunos e alunas, que podem ser consultados, por exemplo,
no ano seguinte por um docente novo, caso queira se adiantar no modo
como construir o “mapa da sala
10
, ou “conhecer” de antemão estudantes
considerados “problemas” entre outras coisas, que inuenciam subjetiva-
mente nas relações que esses sujeitos anotados tem ou virão a ter com
outros membros da escola (MEYER, 2003; RATTO, 2004).
Além disso, a prática diária de registrar os acontecimentos, numa
perspectiva foucaultiana, não se dá descolada de mecanismos de vigilância,
controle, punições-graticações, micropenalidades e exame (FOUCAULT,
10
O mapa da sala é um planejamento cartográco em que docentes escolhem estrategicamente onde cada aluno
e aluna devam sentar, com intento de diminuir as incidências de comportamentos indisciplinares ou ampliar,
melhorar o aproveitamento dos conteúdos desenvolvidos em sala.
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208
[1975] 2011). Essas narrativas que apresentamos acima, bem como suas
construções, possuem efeitos de “verdade”, que são disseminados por todo
o corpo da escola, e inclusive para além dela, pois, podem ser acessadas
por outras instituições como: Conselho Tutelar, Polícia Militar e até mes-
mo, em alguns casos, por empresas privadas, que buscam, por exemplo,
obter informações sobre a vida escolar de candidatos a vagas de trabalho
(BRAGA, 2014).
Outro ponto que também chamou nossa atenção a respeito do tra-
tamento diferenciado, entrelaçado com as representações históricas e simbó-
licas das mulheres, foi a scalização e legislação intensa nos corpos das alu-
nas, por meio de suas vestimentas. Variadas ocorrências consultadas diziam
respeito a situações em que as estudantes eram impedidas de entrar na escola
por estarem se vestindo de forma considerada inapropriada pela gestão esco-
lar: blusas justas ou cavadas, shorts curto, calças coladas entre outras.
É importante ressaltar que não estamos avaliando se tal atitude
por parte das instituições é correta ou não, principalmente porque sabemos
que o uso de uniforme escolar é uma regra obrigatória seguida por todas
as escolas públicas brasileiras. Interessa-nos, em especíco, compreender a
discrepância entre meninos e meninas que descumprem essa obrigatorie-
dade, o porquê de quase todos os registros sobre isso serem protagonizados
por garotas.
O uniforme exigido pelas instituições estudadas se refere a uma
camiseta com o timbre da escola, em casos com prévia justicativa (estava
suja, lavou e não deu tempo de secar, rasgou ou ainda não adquiriu no caso
de recém-matriculados) é permitida a entrada sem o mesmo. Todavia para
as alunas essa regra não é seguida de forma tão objetiva, pois dependendo
do tecido, cumprimento, forma do short/calça/saia usada, portar camiseta
timbrada não é suciente para o ingresso. No caso de discordância por
parte dos prossionais da escola, na “inspeção” feita na entrada, é dada
a permissão pra assistir aula, mas não se escapa do agravante que é estar
portada de forma “duvidosa”, “inadequada”.
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Escola B
05/10. No dia de hoje a aluna Regiane Nogueira do 1º D estava com o celular na classe lendo
mensagem. A aluna não quis entregar para a Diretora. Disse que preferia ir embora mas que o
celular ela não entregaria. Foi conversado e aluna se sente na razão, inclusive o uso de um short
curto para car em sala de aula. Assinatura da aluna.
Escola B
05/10. A aluna Luciana Tavares 5ª A estava na sala de aula bagunçando, inclusive sem o uni-
forme com um shorts curto e uma blusa cavada, a professora chamou sua atenção e então ela
mandou “se foder” e xingou. Quando fui até a sala para retirá-la, mostrou o “dedo” para a pro-
fessora bem na frente do seu rosto. A aluna cará suspensa das atividades nos dias 06/10 e 07/10
e só poderá retornar à escola acompanhada do responsável. Porque também respondeu à diretora
D. Célia de Paula. Assinatura da aluna.
Podemos perceber que nos dois casos, as alunas obtiveram per-
missão para assistir a aula, porém quando descumprem as regras discipli-
nares referentes ao comportamento ou uso do celular, é acrescentado o fato
de o fazerem “inclusive [...] com um short curto”. Não existe a priori uma
conexão clara ente as duas coisas: “bagunçar e usar short curto” ou “ler
mensagem no celular e fazer uso de uma blusa cavada”. Todavia, ca implí-
cito, que a relação estabelecida é de tentar reforçar a gravidade do ocorrido
e diminuir a tolerância para com a transgressão da disciplina, tendo em
vista, que além de tudo estão vestidas de maneira inadequada.
Para pensarmos essa questão podemos recuperar as contribui-
ções da feminista Adriane Rich (2010), que nos alerta acerca da percepção
construída no imaginário social em que os meninos são tomados como
seres possuidores de uma “pulsão sexual” natural, incontrolável, que justi-
caria muitas vezes suas atitudes de violência e abusos contra as mulheres,
que ao mesmo tempo são ensinadas a receber tais violações como algo da
natureza” masculina, que deveriam evitar. Temos então, o corpo femini-
no, como no mito de Lilith, entendido como sedutor, capaz de despertar
o desejo irrefreável dos homens, sendo assim, “necessário” um controle
maior sobre ele.
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210
Escola I Lara
No dia 11/03 a aluna junto com a colega Luiza procurou a direção para reclamar que o colega
Samuel tomou a liberdade de bater no bumbum delas e car mexendo na blusa delas para ver o
sutiã das mesmas. A aluna foi chamada para conversar, pois no dia da reclamação estava com uma
blusa curta e por este motivo foi explicado a ela que nada justica atitude do colega, mas seria
importante que ela se preservasse se preocupando com o tamanho de sua vestimenta, se a mesma
deixava aparecer alguma parte da sua roupa íntima. Além disso que não casse com brincadeiras
de tapas com os colegas dentro e fora da sala de aula. Foi aplicado advertência verbal no aluno.
Assinado pela Professora Mediadora.
O caso acima é bastante preocupante. Mesmo a docente pontu-
ando que nada justica a atitude do aluno de tocar o corpo das meninas
sem consentimento, a escolha de falar a respeito de suas vestimentas e o
conselho dado às meninas sobre “se preservar” na mesma ocasião em que
essas estudantes buscam apoio da escola para relatar uma situação abusiva,
alimentam e retroalimentam, ainda que não intencionalmente, as perspec-
tivas de culpabilização das próprias mulheres nos variados casos de assédios
e violências sexuais (NARVAZ; KOLLER, 2007).
Para nalizar, vemos nessa narrativa o encontro entre as perspec-
tivas do feminino que ora os demonizam: as mulheres não podem perder a
vigilância de seus corpos, devem “checar” se nenhuma parte está aparecen-
do, pois é por meio deles que os homens são “atentados” “provocados” a
pecar; e que ora as procuram “santicar”, tornar decentes e recatadas como
Maria, evidente no conselho: “seria importante que ela se preservasse”.
conSideraçõeS finaiS
Ao longo do texto, por meio do diálogo entre autoras e autores
feministas buscamos demonstrar, como a mitologia e a religião constituem
– juntamente com outros fatores, aqui não trabalhados, tais como os dis-
cursos losócos clássicos e as argumentações da medicina moderna – os
sustentáculos de visões percebidas em diversos contextos sociais, em nosso
caso o escolar, que, com frequência, inferiorizam tudo que se relaciona ao
feminino.
Compreendemos que tais perspectivas, a partir do advento do pa-
triarcado, têm engendrado, historicamente no Ocidente, muitas das oposi-
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211
ções acerca do que é ser mulher (anjo-demônio/mãe-puta), em outras pa-
lavras: “[...] da origem dos males do mundo, tanto pela mitologia clássica
quanto na perspectiva judaico-cristã, encontramos esta gura demoníaca
ou santicada da mulher.” (VANNUCHI, 2010, p. 65).
Tal ambiguidade, a nosso ver, perpassa também, ainda que de for-
ma velada as relações e práticas educativas presentes nas instituições de ensi-
no: meninas tem seu corpo vigiado, sua vestimenta inspecionada, avaliações
de indisciplina atravessada pelas questões de gênero entre outros aspectos
supracitados. Dessa forma, acreditamos na necessidade de ampliação de lutas
sociais, políticas e estudos na defesa de uma educação que promova a des-
construção de tais referentes, pois ainda que muitas das mobilizações femi-
nistas travadas desde a metade do século passado até os dias atuais tenham
trazidos enormes avanços, as desigualdades de gênero, androcentrismo, mi-
soginia e o machismo ainda persistem e adquirem novas estilísticas – cada
vez mais invisíveis – para perpetuarem-se em nossas escolas.
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214
215
reflexõeS SoBre a relação
enTre Mídia e gênero
Juliana Leme Faleiros
inTrodução
O Brasil, apesar de farta legislação e intenso movimento social,
ainda tem números altíssimos de violência de gênero. A toda semana acom-
panhamos casos noticiados pelos meios de comunicação que nos colocam
numa postura de indignação, de complacência ou, até mesmo, de anestesia.
Reetir sobre caminhos a serem trilhados por toda a sociedade
para evitar ou, ao menos, diminuir a ocorrência de tais fatos é um dos obje-
tivos desse artigo, com especial atenção ao papel dos meios de comunicação.
1 alguMaS PonderaçõeS SoBre Teoria de gênero
A teoria de gênero analisa a organização social sob a ótica das
desigualdades de gênero e tem seu fundamento, primordialmente, nos es-
tudos feministas.
Nos anos 60/70 do século passado as lutas feministas, em especial
na Europa e nos EUA, passaram a ser questionadas sobre o estreitamento
de perspectivas e da não inclusão das reivindicações de mulheres negras
1
,
lésbicas e transexuais.
1
A luta das mulheres negras é bastante antiga e vale ressaltar o discurso de Sojourner Truth, em 1851, na
Convenção dos Direitos das Mulheres em Ohio, Estados Unidos, intitulado “E eu não sou mulher?” no qual
questiona o tratamento diferente dispensado às mulheres brancas. No Brasil, o marco do movimento de mulhe-
res negras é o III Encontro Feminista Latino-americano ocorrido em Bertioga/SP, em 1985.
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p215-224

216
Para Carla Cristina Garcia, gênero é
Referência a um conceito construído pelas ciências sociais nas últimas
décadas para analisar a construção sócio-histórico das identidades mas-
culina e feminina. A teoria arma que entre todos os elementos que
constituem o sistema de gênero – também denominado ‘patriarcado
por algumas correntes de pesquisa – existem discursos de legitimação
sexual ou ideologia sexual. Esses discursos legitimam a ordem estabe-
lecida, justicam a hierarquização dos homens e do masculino e das
mulheres e do feminino em cada sociedade determinada. São sistemas
de crenças que especicam o que é característico de um e outro sexo e,
a partir daí, determinam os direitos, os espaços, as atividades e as con-
dutas próprias de cada sexo. O conceito de gênero é a categoria central
da teoria feminista. Parte da ideia de que o feminino e o masculino não
são fatos biológicos, mas sim construções culturais. Por gênero entendem-
-se todas as normas, obrigações, comportamentos, pensamentos, capa-
cidades e até mesmo o caráter que se exigiu que as mulheres tivessem
por serem biologicamente mulheres. Gênero não é sinônimo de sexo.
(GARCIA, 2011, p. 19, grifo nosso).
Nasce, assim, uma nova forma de olhar e enfrentar a dominação
masculina. Uma maneira mais acurada e sensível às particularidades, que
além de afastar o determinismo biológico, inclui, nessa perspectiva, as ca-
tegorias de classe, raça e sexualidade (MOORE, 1997).
A identidade passa a ser entendida como um processo múltiplo
no qual várias categorias se articulam, formando uma subjetividade com-
plexa que não pode ser reduzida a apenas uma delas.
A teoria de gênero interseccional alcança um ponto comum às lu-
tas: o ser mulher sem a marca da universalidade, atentando-se às minorias
dentro das minorias. Almeja, também, romper com o véu acrítico, dessa-
cralizar ideologias e compreender a real ssura da sociedade.
Esse é o paradigma aqui adotado.
2 violência conTra a MulHer
A violência contra a mulher é, ainda, assunto recorrente em nos-
so cotidiano e, apesar do amplo conhecimento da edição da Lei Maria da
Eaçã, , ê
 êa
217
Penha, Lei 11.340
2
, o poder público se depara dia a dia com número alar-
mante de noticações de crimes dessa natureza
3
.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2014
4
, por exemplo,
revelou que 50.320 crimes de estupro foram praticados em 2013. No en-
tanto, acredita-se numa subnoticação e, portanto, o número real dos cri-
mes dessa natureza pode ser três vezes maior
5
.
No Global Gender Gap Report 2014
6
, relatório que avalia as dife-
renças entre homens e mulheres no que se refere à saúde, educação, eco-
nomia e indicadores políticos, o Brasil caiu nove posições, cando em 71º
lugar. Ainda que o Brasil tenha alcançado nota elevada no quesito educa-
ção, faltam avanços na questão salarial e no empoderamento.
Violência é uma chaga na sociedade, pois sempre “envolve a ini-
ção de dano ou sofrimento” (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p.
804) e, dessa forma, qualquer que seja a intensidade ou a qualicação, será
sempre um assombro sua existência.
O direito da mulher é considerado um direito humano
7
, mas que
tem sido sistematicamente violado em todos os ambientes e/ou relações:
trabalho, escola, família, política e, o que aqui interessa mais detalhada-
mente, na mídia.
Numa constância exacerbada, vislumbramos exemplos de viola-
ção de direitos de todas as naturezas pelos meios de comunicação.
Na posse para o segundo mandato da Presidenta Dilma, por exem-
plo, apesar da impertinência, muitos comentários sobre seu traje, inclusive
de jornalistas políticos, foram veiculados pela chamada grande imprensa.
2
Em pesquisa realizada pelo Senado Federal, DataSenado, cou demonstrado que 99% da população tem
conhecimento da Lei nº 11.340/2006. A pesquisa pode ser consultada: <http://www.senado.gov.br/noticias/
datasenado/release_pesquisa.asp?p=46>. Acesso em: 10 dez. 2013.
3
Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=19873>.
Acesso em: 10 dez. 2013.
4
Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//8anuariofbsp.pdf>. Acesso em: 17
nov. 2014.
5
Disponível em: <http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/noticias/nota-da-ministra-eleonora-meni-
cucci-sobre-dados-de-estupro-do-anuario-brasileiro-de-seguranca-publica>. Acesso em: 18 nov. 2014.
6
Disponível em: <http://www.weforum.org/reports/global-gender-gap-report-2014>. Acesso em: 31 out. 2014.
7
O artigo 18 da Declaração de Direitos Humanos de Viena, elaborada em 1993 na II Conferência Internacional de
Direitos Humanos reforçou que os direitos das mulheres estão explicitamente inseridos no rol de direitos humanos.

218
As revistas, tanto ditas para o público feminino quanto ditas para
o público masculino, são instrumento de adestramento de corpos, como
nos alerta Pierre Bourdieu (1999, p. 74), impondo comportamentos, me-
didas denidas e estilo determinado no modo de vestir.
Da mesma forma, a mídia eletrônica. Em janeiro do corrente
ano, a jornalista Fernanda Gentil foi objeto de críticas a seu corpo pelo
portal R7. A matéria com o título “Expectativa X realidade” exibia fotos
dela na praia e debochava de seu corpo. Com as críticas, o site retirou as
imagens e pediu desculpas.
8
No início de março a Rede Bandeirantes veiculou reprise do pro-
grama “Agora é Tarde” no qual o ator Alexandre Frota relatava que tinha
feito sexo sem consentimento – estupro – com uma mãe de santo que fora
consultar.
O fato causou indignação e o coletivo Intervozes provocou o
Ministério das Comunicações, o Ministério Público e a emissora para
que medidas adequadas fossem tomadas. Até o momento, a pressão do
Coletivo resultou na retirada do programa do ar, mas sob a alegação de que
a grade está sendo refeita por motivos nanceiros.
Pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão
9
revela que 84%
dos entrevistados concordam que o corpo da mulher é usado para vender
produtos e 58% avaliam que o corpo da mulher é mostrado como objeto
sexual.
Esse modo de agir - e reproduzir - dos meios de comunicação
naturaliza a violência e episódios como os relatados podem passar desper-
cebidos pelos leitores e telespectadores como sendo não violentos.
A dupla moral e a objeticação das mulheres ainda estão na or-
dem do dia. O Brasil não ultrapassou esse modelo e os meios de comuni-
cação tem reforçado a visão de mundo eminentemente masculina.
Pierre Bourdieu (1999), em sua obra A dominação masculina,
aborda o tema da violência simbólica e arma que ela “não opera na or-
8
Disponível em: <http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/167381/R7-pisa-na-bola-em-patrulha-a-
corpo-de-Fernanda-Gentil-que-est%C3%A1-gr%C3%A1vida.htm>. Acesso em: 20 mar. 2015.
9
Disponível em: <http://agenciapatriciagalvao.org.br/wp-content/uploads/2012/05/representacoes_das_mu-
lheres_nas_propagandas_na_tv.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2015.
Eaçã, , ê
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219
dem das intenções conscientes” (p. 74) e é no campo do desconhecido que
a dominação masculina encontra um de seus melhores suportes.” (p. 98).
Para o autor francês a violência simbólica “se institui por intermé-
dio da adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante
(e, portanto, à dominação) quando ele não dispõe, para pensá-la e para se
pensar” (1999, p. 47).
Ainda que a mídia não tenha intenção de propagar a violência, é
chegada a hora de uma reexão intensa e crítica sobre os reexos do conte-
údo fornecido para que uma conduta positiva e propositiva seja assumida.
Com a edição da Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria
da Penha, cou consignado em seu artigo 7º que a violência pode ocorrer
no trabalho e/ou no ambiente doméstico
10
podendo ser de natureza física,
psicológica, moral, sexual e patrimonial.
Infelizmente, estão excluídos do preceito mencionado alguns
conceitos importantes sobre o tema, como as violências simbólica, institu-
cional, obstétrica
11
e midiática e isso mostra que a lei brasileira precisa de
atualização.
A lei correspondente à lei Maria da Penha na Venezuela
12
as pre-
vê, dentre os dezenove tipos ali estabelecidos e no aqui se analisa - a relação
entre mídia e gênero - a xação de violência midiática seria de grande valia
para a construção da igualdade de gênero prevista no ordenamento jurídi-
co e almejada por parcela da sociedade.
Interessante que a punição prevista pela lei venezuelana é o paga-
mento de indenização e a abertura de espaço idêntico em duração e horário
para a mulher e/ou grupo ofendidos pelo meio de comunicação.
Importa salientar que há um projeto de lei, PL nº 7.378/2014,
aguardando deliberação e votação em plenário, proposto pelos parlamen-
tares Luiza Erundina, Paulo Teixeira e Janete Pietá, no qual se pretende a
regulamentação da imagem da mulher pelas emissoras de TV aberta e por
assinatura.
10
O artigo 7º da Lei nº 11.340/2006 estabelece as formas de violência bem como explicita o que seriam todas elas.
11
Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/41/Violencia%20Obstetrica.pdf>.
Acesso em: 26 out. 2014
12
Disponível em: <http://venezuela.unfpa.org/doumentos/Ley_mujer.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2015.
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220
A intenção do projeto é proibir os meios de comunicação de vei-
cularem programas e/ou imagens que violem os direitos da mulher ainda
que não tenham sido por eles produzidos e estabelece sanções pecuniárias
nos termos da Lei 4.117/62, Código Brasileiro de Telecomunicações.
À primeira vista, a sanção prevista, por ser de natureza pecuniária,
poderia ser suciente, mas, numa segunda leitura torna-se questionável. A
imposição de multas surtirá efeito de transformar a programação e, conse-
quentemente, a questão de gênero na sociedade brasileira?
Ao que parece, melhor seria acompanhar a legislação venezuelana
determinando ao meio de comunicação a abertura de mesmo espaço com
igual duração a m de apresentar matéria educativa sobre gênero.
O que realmente urge é que o debate seja feito, pois já chegou a
hora de enfrentarmos as raízes da violência de gênero.
3 conSideraçõeS SoBre diTaMeS legaiS doS MeioS de coMunicação Social
e Sua reSPonSaBilidade Social
Os meios de comunicação não recebem mesmo tratamento jurí-
dico e, neste tópico, será abordado alguns pontos dele.
Revistas e jornais impressos, nos termos do artigo 220, §6º, são
desobrigados de licença de autoridade para publicação, devendo, por ób-
vio, respeitar o ordenamento e sujeitar-se a eventuais medidas judiciais em
caso de ofensas ou cometimento de atos ilícitos. São também dispensados
de serem geridos por jornalista de formação uma vez que o STF, no jul-
gamento do RE 511.961
13
, se posicionou pela inconstitucionalidade da
exigência de diploma e obrigatoriedade de registro em órgão de classe.
As mídias eletrônicas, por seu turno, tem lei especíca, Lei nº
12.965/2014, mas o enfoque principal não é sobre conteúdo ou responsa-
bilização por violações dessa natureza, mas regularizar o tráfego de infor-
mações, a privacidade, o registro de acesso e a neutralidade/uidez da rede.
A Secretaria de Comunicação da Presidência da República, recen-
temente, divulgou resultado da pesquisa sobre hábitos da população em
13
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=109717>. Acesso em:
20 mar. 2015.
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221
relação à mídia
14
e, com variações entre regiões, faixa etária, gênero e classe
social, nela caram demonstrados, dentre outros pontos, os seguintes da-
dos notáveis para a presente discussão: (i) 95% dos entrevistados assistem
TV sendo que 73% o fazem diariamente; (ii) 55% ouvem rádio sendo que
30% o fazem diariamente; e (iii) 48% utilizam a internet sendo que 37%
diariamente.
Note-se que a TV, em particular, é o meio de comunicação
de maior inuência e, talvez por isso, considerada educadora informal
(MORENO, 2012, p. 77).
Considerá-la como meio de comunicação e de educação tem efei-
to relevante, pois, o primeiro passo para uma sociedade civilizada é educar
para o sentimento de alteridade no sentido de inculcar que todos são hu-
manos merecedores de respeito, independentemente de sua conduta, de
sua raça, de seu gênero, de suas escolhas.
Os meios de comunicação com maior rigor na regulação são as
rádios e TVs, pois a Constituição Federal determina concessão pública
para que esses instrumentos possam transmitir seus conteúdos.
Concessão pública, grosso modo, é a autorização do Estado para
que a iniciativa privada atue em seu lugar por período determinado. A
transmissão de som e de imagens é de responsabilidade do poder público,
mas, por conveniência, aceita atribuir à iniciativa privada essa tarefa.
A Constituição Federal privilegia a liberdade de expressão como
direito fundamental, mas, estabelece limites xando princípios a serem
respeitados pelos meios de comunicação. O artigo 221 estabelece que rá-
dios e TVs devem priorizar atividades culturais e educativas, promovendo
a cultura nacional e regional e atuando de forma ética.
Em consonância com esses ditames, o Brasil assumiu compro-
missos na esfera internacional por meio da Convenção para eliminação
de todas as formas de discriminação contra a mulher (CEDAW), de 1979
raticada pelo Brasil por meio do Decreto nº 4.377/2002 e da Convenção
Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher,
denominada de Convenção de Belém do Pará, de 1994, aprovada pelo
14
Disponível em: <http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-
-de-contratos-atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2015.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2015.
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222
Brasil em 1º de setembro de 1995 por meio do Decreto Legislativo nº 107
e raticada em 27 de novembro do mesmo ano que xam, dentre outros
temas, diretrizes de atuação aos meios de comunicação.
Além disso, relevante é a já mencionada Lei Maria da Penha, cujo
advento se deu em razão da condenação do Estado brasileiro pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos em 2001 por meio do Relatório 54
15
que determinou a agilização no processamento e julgamento do agressor
de Maria da Penha Fernandes, a reparação pela lentidão na solução do caso
e a elaboração de leis que viabilizassem o incremento de medidas a m de
coibir a perpetuação da violência contra a mulher.
Dentre medidas protetivas e punitivas, a Lei Maria da Penha pre-
vê medidas preventivas, dentre elas, dirigidas explicitamente aos meios de
comunicação como se vê no artigo 8º, III.
O arcabouço jurídico é extenso e completo, todavia, na maior
parte dos conteúdos exibidos pelos meios de comunicação, como demons-
trado no tópico anterior, ainda há repetidas violações na questão de gênero.
O livre pensar – e manifestar - é ingrediente para a saúde da de-
mocracia, mas, na mesma categoria estão os direitos das mulheres e se, a
escolha foi pela social democracia, o Estado tem compromissos concretos
em reduzir desigualdades e promover a justiça social.
O modelo atual que rege os meios de comunicação com concentra-
ção nas mãos de poucos diculta a realização dos objetivos constitucionais,
atravanca a construção da cidadania e a efetivação de igualdade de gênero.
concluSão
De tudo o que foi exposto e da leitura da realidade brasileira por
meio dos dados coletados, pode-se concluir, acompanhada do jurista Celso
Antônio Bandeira de Mello, que, nos moldes atuais, a mídia é a maior
inimiga do país
16
.
15
Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/annualrep/2000port/12051.htm>. Acesso em: 22 set. 2014.
16
O jurista assim se pronunciou em entrevista concedida a Luis Nassif no programa ‘Brasilianas.org’ transmitido
pela TV Brasil Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=eHa6Bpt-7XQ>. Acesso em: 20 mar. 2015.
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223
Os meios de comunicação ao admitirem a veiculação reiterada de
violência de gênero pouco cumprem com sua função social.
Na atualidade, a correlação dos temas - mídia e gênero - é amarga
e violenta e a sociedade precisa se levantar para reivindicar a conciliação do
conteúdo exibido pelos meios de comunicação com a teoria de gênero e as
diretrizes constitucionais e internacionais.
Existe um distanciamento entre realidade e diretrizes legais e essa
fratura precisa de correções.
Desmisticar o caráter absoluto da liberdade de expressão e discu-
tir a regulamentação dos meios, evitando concentração nas mãos de pou-
cos empresários como fez a Argentina com sua “ley de medios” declarada
constitucional pela Suprema Corte daquele país, são caminhos possíveis.
Como assevera Fábio Konder Comparato em prefácio à obra de
Venício A. de Lima a liberdade de imprensa se transformou em liberdade
de empresa (LIMA, 2012, p. 12) e enfrentar o tema – regulamentação dos
meios – com o m da propriedade cruzada, estabelecendo controle social
e scalização de conteúdo é essencial para que o Brasil eleve seu patamar
civilizatório.
Tanto a Organização das Nações Unidas (ONU) quanto o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) associam igualdade de gênero
com desenvolvimento socioeconômico e concluem, em suas pesquisas, que
os países desenvolvidos proporcionam aos seus cidadãos políticas públicas
que tendem a igualar as condições entre homens e mulheres. Países que
proporcionam maior igualdade salarial, direitos maternos/paternos, cre-
ches, asilos com qualidade são os países com maior índice de desenvolvi-
mento humano (IDH).
Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, entende
que:
pode-se dizer que nada atualmente é tão importante na economia polí-
tica do desenvolvimento quanto um reconhecimento adequado da parti-
cipação e da liderança política, econômica e social das mulheres. Esse é, de
fato, um aspecto crucial do ‘desenvolvimento como liberdade’. (SEN,
2000, p. 235, grifo nosso).
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224
Adotar a ótica de gênero transversalmente
17
, ou seja, usar em to-
dos os debates as lentes das questões das mulheres e temas ans é uma das
formas que demonstram a maturidade de uma sociedade. É um caminho
possível para uma coletividade igual, no aspecto material, justa, solidária e
respeitadora da pluralidade.
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17
Gender mainstreaming ou princípio da transversalidade parte da ideia de que a questão de gênero deve
ser a lente usada nas pautas políticas e econômicas, de acordo com pesquisa realizada pelo Núcleo Direito e
Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (NDD/CEPBRAP) sob coordenação de Marcos
Nobre e José Rodrigo Rodriguez para o Projeto Pensando o Direito desenvolvido pelo Ministério da Justiça
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225
aSPecToS da violência Sexual eM “o
MonSTro”, de Sérgio SanT’anna
Larissa Satico Ribeiro Higa
inTrodução
Em suas elaborações sobre a literatura brasileira contemporânea,
Erik Schollhammer (2011) se baseia na concepção de “contemporâneo
proposta por Agamben (2009) e aponta como uma das principais carac-
terísticas dessa literatura a crítica à atualidade, já que o escritor contem-
porâneo seria movido por uma grande urgência de se relacionar com sua
realidade história” (SCHOLLHAMMER, 2010, p. 10). Beatriz Resende
(2003) também observa como fundamental na literatura brasileira do sé-
culo XXI o traço da presenticação, pautada na urgência da articulação da
cção com a realidade histórica. Para ambos os críticos, o diálogo com a
atualidade, a partir dos anos 1960, se daria principalmente pela problema-
tização da violência urbana, e muitas elaborações literárias assumiriam pos-
turas éticas, negando a contemplação da tragicidade cotidiana e exigindo
posicionamento reexivo do leitor.
A literatura de Sérgio Sant’Anna
1
– produzida desde o nal da
década de 1960 até os dias atuais - também gura nesse contexto, já que
a narrativa do autor traz “um desejo de sincronia, de busca de diálogo
íntimo com questões de seu tempo” (SANTOS, 2000, p. 81). Uma des-
sas questões é a violência sexual. A conexão entre violência e sexualidade
que congura o estupro aparece constantemente, no centro do enredo ou
à sua margem, em diversas narrativas curtas e novelas do autor: desde o
conto “Assassino”, do livro O sobrevivente (1969) até o conto “O Homem-
1
A obra em prosa de Sérgio Sant’Anna conta com dezoito títulos. O autor ganhou importantes prêmios
literários, como o Prêmio Jabuti em 1998 por Um crime delicado e em 2003 por O voo da madrugada; o Prêmio
APCA, em 2003, também por O voo na madrugada e o Prêmio Clarice Lispector, concebido pela Fundação da
Biblioteca Nacional em 2011, por O livro de Praga – narrativas de amor e arte.
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p225-239
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226
Mulher I”, de O Homem-Mulher (2014)
2
. Sexualidade e violência são tópi-
cos que não se referem apenas a uma realidade exterior, mas permitem uma
reexão sobre os limites da palavra” (FERREIRA, 2000), pois se referem
a situações extremas, de vida e de morte. Nesse sentido, trabalhá-los ccio-
nalmente exigiria o enfrentamento do inominável e do indizível e, por isso,
constituir-se-ia como problema fundamental de linguagem e de arte. São
desaos, dentre tantos outros, que a literatura de Sant’Anna proporciona à
análise e interpretação críticas.
No conto “O monstro” (1994), a violação e a destruição do cor-
po alheio ganham caráter central e suscitam discussões sobre a elaboração
formal de tópicos polêmicos e complexos. A narrativa consiste, de forma
geral e grosseira, na entrevista que o professor de losoa, Antenor Lott
Marçal, concede à Revista Flagrante nas dependências da penitenciária
Lemos de Brito. Antenor fora condenado pelo estupro e participação no
assassinato de Frederica Stucker, uma jovem de vinte anos com grave de-
ciência visual. A coautora do homicídio teria sido a namorada do professor,
Marieta de Castro, que se suicidou assim que soubera que ele se entregaria
à polícia. Antenor gura, desse modo, como o único testemunho vivo dos
acontecimentos.
A hibridez de gênero dessa narrativa – o conto é simultaneamen-
te uma entrevista e uma espécie de relato autobiográco – possibilita o
aprofundamento da desconança do leitor e uma leitura crítica da voz
narrativa majoritária, a do professor entrevistado, e da função referencial
da linguagem, sobre a qual se baseiam as notícias midiáticas. Para compre-
ensão do texto e da violência física e simbólica perpetradas por Antenor, é
necessária, portanto, análise da constituição desse foco narrativo.
o foco narraTivo
Jaime Ginzburg (2013) chama a atenção para a importância da
constituição do foco narrativo em textos literários marcados por imagens
de violência. Importa à compreensão da literatura perceber se o narrador
2
Exemplos de outros contos de Sant’Anna em que a relação entre sexualidade e violência é central são:
“Embrulho de Carne”; “Composição I”; “O sexo não é uma coisa tão natural”; “O voo da madrugada”; “A voz”
e “Um conto nefando?”
Eaçã, , ê
 êa
227
caracteriza-se por manter-se à distância dos fatos violentos narrados, se ele
é vítima ou algoz da agressão, ou ainda se a construção narrativa apresenta
uma intrigante mistura desses posicionamentos. No caso de “O Monstro”,
Antenor Lott Marçal é o criminoso e, por isso, sua narrativa, particular e
enviesada, tende a se constituir como um discurso de autodefesa, por mais
que ele não o confesse explicitamente. Trata-se de um “narrador não con-
ável” (BOOTH, 1961), sobre o qual é preciso investigar.
A prossão de Antenor diz muito a respeito da relação que ele es-
tabelece com a linguagem. Ele estaria habituado à explicação de conceitos e
teorias e ao exercício reexivo abstrato através do uso da linguagem verbal.
A organização formal da entrevista evidencia o domínio e a manipulação
do verbo, seu instrumento de trabalho. A preocupação de Antenor com as
armações e ideias comunicadas reete-se também nas modicações que
zera no texto nal da entrevista antes que ela fosse publicada. De acordo
com o editorial da Flagrante:
O pouco de edição que foi feito na matéria obedeceu a critérios de me-
lhor ordenamento da mesma e obteve a concordância do entrevistado,
que introduziu algumas alterações no texto nal, revelando sobretudo
preocupações de ordem sintática e de clareza, para depois colocar sua
assinatura em todas as folhas originais. (OM, p. 41)
3
O entrevistado almeja controle sobre a matéria narrada que deve
ser gramaticalmente bem organizada e clara, reivindicando para seu discur-
so estatuto de verdade última e incontestável. A desvalorização de outras
vozes que disputam a interpretação dos acontecimentos reforça esse desejo
de Antenor. Ele maldiz tanto o discurso midiático em torno dos crimes
contra Frederica – “Não vou alimentar com pormenores o sensacionalismo
de uma imprensa que considero bastante suja” (OM, p. 45) – quanto o
discurso jurídico, já que mostra desprezo pelos prossionais desse campo
– “Não gosto de advogados” (OM, p. 41) e “O promotor defendia uma
causa líquida e certa, mas também era um sujeitinho ridículo, jogando
para a plateia” (OM, p. 73).
3
Todas as citações de trechos do livro feitas ao longo deste trabalho serão seguidas de abreviação OM – para “O
Monstro” – e da página correspondente.

228
Mesmo que não haja possibilidade de entendimento da situação
vivida - dado o contexto de extrema violência – e que a narração não cor-
responda à transmissão de uma experiência, o professor aposta na função
referencial da linguagem. Relaciona-se a essa pretensão o fato de Antenor
ter escolhido expressar-se por um veículo de comunicação de massa. A lin-
guagem referencial trabalhada pela mídia e o “poder da palavra impressa
(OM, p. 71) auxiliariam no efeito de real pretendido para seu relato. Nesse
sentido, as motivações de Antenor para conceder a entrevista estão mais re-
lacionadas à intensão de controle da matéria narrada do que à necessidade
de reetir sobre seu passado e “chegar a uma verdade pelo menos relativa
(OM, p. 41), como ele quer fazer os leitores acreditarem.
Tais situações relacionam-se a uma problemática fundamental
geral, que estrutura a narrativa: a dissociação entre o que ocorre no plano
do narrado e o que ocorre no plano da narração. Antenor quer persuadir
os leitores de sua inocência e, por isso, a objetividade cartesiana – que
sustenta narrativas realistas (WATT, 2007) – não é possível. O texto de
Sant’Anna pode ser aproximado das reexões de eodor Adorno a res-
peito do
narrador no romance pós-guerra, que “não tolera mais nenhuma
matéria sem transformá-la, solapando assim o preceito épico da objetividade
(ADORNO, 2003, p. 55). O subjetivismo sobre o qual elabora o pensador de
Frankfurt auxilia no entendimento da relação entre Antenor e a estória que
conta, com a qual está extremamente envolvido.
Uma das importantes evidências desse envolvimento é a constru-
ção que o narrador faz da personagem Marieta, sua ex-companheira. As
principais características de Marieta, enfatizadas em seu discurso, são a im-
pulsividade – marcada por uma “imprevisibilidade humana” (p. 46) e uma
“irracionalidade selvagem” (OM, p. 46) – e o incrível “poder de sedução
(OM, p. 43), de manipulação, que ela exerceria sobre o próprio narrador –
o que faria com que Antenor se sentisse “uma espécie de escravo” (OM, p.
47) de Marieta. Todas essas características consistem em estratégias discur-
sivas, construídas ao longo da narrativa, para culpar Marieta pelos crimes
que ele mesmo cometera. Sem ela, o estupro e a morte de Frederica não
teriam ocorrido, como Antenor explicita logo no início da entrevista: “sem
meu relacionamento com Marieta nada de semelhante ao que aconteceu
comigo jamais teria acontecido” (OM, p. 41).
Eaçã, , ê
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229
De acordo com o entrevistado, Marieta seria responsável por to-
das as etapas das circunstâncias relativas ao crime. Ela encontrou Frederica
na Lagoa Rodrigo de Freitas, e a convidou para ir à sua casa. Marieta tam-
bém concordou com dopar a jovem quase cega com valium e bebida alcóo-
lica, além de ser culpada por aplicar as outras drogas em Frederica: tanto
cocaína, quanto éter, cuja ingestão excessiva ocasionara o óbito da moça.
Antenor declara que a namorada “quando percebeu que a moça podia en-
trar em pânico e reagir descontroladamente, decidiu-se por priva-la dos
sentidos” (OM, p. 61).
A responsabilidade pelo próprio estupro, do qual Antenor foi
agente ativo, é atribuída à Marieta. Momentos antes do crime sexual, ela
teria perguntado ao companheiro: “O que você está esperando?” (OM, p.
61), e depois de uma suposta hesitação dele: “Vem cá e come ela de uma
vez (OM, p. 61). A fala de Marieta aparece textualmente entre aspas, o que
indica que o entrevistado estaria citando-a literalmente. Antenor não nega
sua atração por Frederica, mas sugere que o estupro consistiu no uso que
Marieta zera da anatomia de seu corpo masculino para saciar o desejo de
seu próprio corpo:
Ela já recuperara o comando da situação e zera de mim o seu cúm-
plice. E não sendo, estritamente, uma homossexual, a única forma de
consumar a posse completa de Frederica, satisfazer uma voracidade
sem limites, era através de um homem. Através de mim. (OM, p. 61).
De acordo com a perspectiva do professor de losoa, o estu-
pro consistira mais na satisfação do desejo da ex-namorada do que na
consumação de seus impulsos sexuais. Toda a caracterização negativa de
Marieta é coroada na segunda parte da entrevista, a respeito da qualica-
ção de “monstro”, atribuída ao casal pela imprensa e pela opinião pública.
Quando questionado sobre sua opinião a respeito disso, Antenor centra
sua resposta também em Marieta, como se a caracterização monstruosa
não lhe dissesse respeito:
Marieta não passava de uma criança, sob diversos aspectos, infantil
até sua credulidade e egoísmo. Muitas vezes ela dormia com o dedo
enado na boca e eu podia me enternecer com isso. Havia uma espécie
de pureza infantil em sua amoralidade. Marieta não suportava a frus-

230
tração. O fato é que se você tiver a psicologia de uma criança em um
adulto dotado de força e inteligência, eis o monstro. (OM, p. 73).
O professor descreve Marieta como infantil. Ela não suportaria a
não realização de seus desejos. A psicologia de Marieta ligar-se-ia à imatu-
ridade, ao descontrole e à sexualidade infantil, uma vez que a monstruosi-
dade signicaria a transgressão de regras sociais para evitar a frustração pes-
soal. Marieta não conseguiria domar suas paixões e domesticar suas pulsões
para o bom convívio em sociedade. A associação com a psicologia infantil
tem ainda o efeito de armação de Antenor como ser superior e adulto e
que, diferente dela, estaria inteiramente inscrito na cultura e possibilitado
de viver em sociedade.
Todos os comentários e reexões que constroem o ponto de vista
especíco do narrador – sobre outros discursos a respeito dos crimes co-
metidos contra Frederica, sobre suas motivações com relação à entrevista,
sobre Marieta e sobre si mesmo – são, no entanto, antagonizados ao longo
do conto/entrevista pela voz do entrevistador Alfredo Novalis. Questões
como – “Já pensou em submeter-se a algum tratamento psicológico, como,
por exemplo, a psicanálise?” (OM, p. 75) e “O senhor já pensou que pode
estar louco?” (OM, p. 78) – são provocativas por estimularem Antenor a
elaborar diferentes reexões sobre sua autoimagem. Além disso elas pro-
põem – pelas alusões à psicanálise e à loucura – a ideia de que Antenor
pode estar desiquilibrado psiquicamente, diferente da sobriedade e dos
argumentos lógicos articulados em seu discurso. Nesse sentido, questiona-
mentos e perplexidades expressados por Novalis auxiliam a problematizar
o ponto de vista de Antenor Lott, constituindo um elemento perturbação
do lugar discursivo dominante.
aS iMagenS do corPo de frederica STucker
Diferente de Marieta, Frederica gura na narrativa de Antenor
como uma “moça” sobre a qual pouco se sabe. O narrador, por vezes, re-
fere-se a ela com um vocabulário impreciso e genérico: Frederica “poderia
ser considerada, em princípio, como uma jovem comum, normal, mesmo
com todo seu problema” (OM, p. 45), com atributos como “simplicidade,
Eaçã, , ê
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231
pureza, uma alegria intensa por estar viva.” (OM, p. 45). A caracterização
prioritária se dará, no entanto, pelas imagens do corpo da personagem.
Seus principais atributos seriam a “deciência” visual e “beleza” física, no-
tados em primeira instância por Antenor:
[...] Mas quando vi entrar aquela jovem tão bonita e cheia de frescor,
com roupa esportiva, senti-me desarmado. E, pelo modo simples de ela
tentar xar os olhos de perto em meu rosto, apertar demoradamente a
minha mão, como se quisesse conhecer-me com esse gesto, percebi que
se tratava de alguém com certo problema de visão [...] e foi só quando
Frederica deu seus primeiros passos na sala que percebi a extensão de
sua deciência. (OM, p. 49).
A quase cegueira de Frederica exacerba sua condição de diferen-
ça física com relação ao narrador e à Marieta e congura sua situação de
vulnerabilidade. O problema de visão a tornaria mais suscetível à violência
cotidiana e à imposição de uma agressão extrema, contra a qual não po-
deria reagir de maneira contundente. A fragilidade de Frederica é expressa
lexicalmente: ela é “desprotegida e eu diria até inocente” (OM, p. 51); tem
uma admiração quase ingênua, ou talvez apenas educada” pelo casal e
demonstra uma “bravura um tanto patética” (OM, p. 43).
Com sua deciência física, a jovem ainda não pode ver que está
sendo manipulada por seus algozes, bem como não tem condições de par-
ticipar, de maneira igualitária, equilibrada e ativa, do jogo de sedução em
que vai, aos poucos, sendo envolvida. O aguçamento dos desejos e da exci-
tação de Antenor e Marieta se dá principalmente pelo “olhar” e pela “apa-
rência” OM, (p. 51), na alternância entre voyeurismo
4
e exibicionismo.
Marieta é apresentada por Antenor como exibicionista. Enquanto
ela está no banheiro com Frederica, o professor arma que “talvez quisesse
exibi-la pra mim, espicaçar-me” (OM, p. 52) e ainda que “[...] talvez de-
sejasse ser espionada, principalmente ngindo que não sabia ser espiona-
da. Como já disse, era um requinte típico de Marieta” (OM, p. 52). Para
Antenor, Marieta precisava do reconhecimento do “outro” para armar
sua personalidade e poder, diferente de Frederica, em quem percebe “luz
4 Alguns trabalhos centram-se no voyeurismo como chave interpretativa de “O Monstro”. Sobre isso, cf. “O
mal narrado: voyeurismo e cumplicidade na narrativa de ‘O monstro’, de Sérgio Sant’Anna”, de Igor Ximenes
Graciano.
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232
própria, um brilho autônomo, independente do reconhecimento externo
(OM, p. 45). Antenor gura, por sua vez, como um voyeur:
Pois Frederica, completamente nua, não se olhava no espelho para secar
os cabelos, como faria uma mulher com a visão normal. Ali de pé, no
centro do banheiro, de frente para mim, era como se ela ocupasse um
espaço próprio e olhasse para dentro de si mesma, séria, compenetrada,
sem qualquer afetação ou consciência de sua beleza, de que pudesse
estar sendo objeto do amor de cobiça de outros olhares. (OM, p. 53).
[...] quando a conheci, gostei dela imediatamente. E passei a querê-la
com paixão quando a contemplei-a secar os cabelos; naquele momento
em que ela não se sabia observada e por isso se revelava limpidamente.
(OM, p. 78).
Para Antenor, a cegueira é uma qualidade, mas por ser privada da
faculdade da visão, cabe à jovem apenas um papel passivo na relação com
Antenor e Marieta. Ela torna-se objeto não só dos olhares, mas da satisfa-
ção do desejo alheio. Frederica é corpo sem subjetivação, é corpo-objeto:
“Frederica era objeto de nosso desejo e de nossas carícias” (OM, p. 60). A
personagem quase cega é objeticada e hiperssexualizada desde que chegara
ao apartamento de Marieta. Ela não parece uma moça “experiente” (OM,
p. 51) sexualmente e gura, inclusive, uma “moça tão invulgar” (OM, p.
52), mas é muito bonita e vulnerável, e “despertou em nós [em Antenor e
Marieta] algo muito além do desejo físico. Ou posso dizer que, por todos os
seus atributos, despertou em nós um desejo de possuí-la toda.” (OM, p. 48)
Para facilitar ainda mais a manipulação de Frederica, o casal teve
a ideia de dopá-la como valium, dando seguimento a um processo de apro-
ximação corporal através da dança. Depois da ingestão de álcool, Frederica
apoia seu corpo “como se estivesse tonta ou com sono” (OM, p. 57), quan-
do Marieta junta-se à dupla, iniciando uma dança a três. Nesse momento
da narrativa, a reação corporal de Frederica demonstra resistência e descon-
forto com a situação. Trata-se do primeiro momento em que se nota a não
consensualidade de Frederica e é interessante que a negação venha através
da expressão corporal, uma vez que a vítima tem sua palavra silenciada o
tempo todo:
Pela primeira vez demonstrou perceber que alguma coisa errada es-
tava acontecendo e tentou libertar-se, apesar de tudo gentilmente.
Eaçã, , ê
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233
Balbuciava alguma coisa sobre ir embora, sobre telefonar para casa.
Mostrava-se sonolenta e enrolava a língua. (OM, p. 58).
Antenor a conduz, então, até o sofá, cobre-a com uma manta e
arma que “Ela se mostrava tão fraca que não mostrou qualquer reação.
(OM, p. 58). Com Frederica desacordada, “profundamente adormecida”,
Antenor dá início à violação física mais invasiva, com “carícias” “nos cabe-
los, no rosto e um pouco mais do que isso [...]” (OM, p. 58). Frederica,
por estar desmaiada, “não esboçou qualquer reação nem mesmo quando
Marieta puxou a manta, desabotoou-lhe a camisa e acariciou seus seios
(OM, p. 58). A partir daí, o casal ca nu e também despe Frederica, apro-
veitando do seu corpo inerte. Ambos cheiram cocaína e Marieta coloca
um pouco de pó nas narinas da moça, quando se nota a segunda reação de
resistência do corpo de Frederica à situação de violência:
Foi quando Frederica começou a espirrar, engasgou-se e pôs-se a de-
bater, murmurando coisas. Marieta ergueu-se de um pulo, foi até o
banheiro da parte de baixo da casa e trouxe um frasco de éter. Embebeu
uma almofada e comprimiu-a contra o rosto de Frederica. Logo ela
voltou a estar inerte. (OM, p. 60).
O éter é a substância que anula denitivamente alguma possibi-
lidade de resistência e Frederica é, enm, estuprada. A despeito do estado
de inconsciência da moça, o professor apresenta em seu discurso o delírio
de consentimento, comum às narrativas de estupradores:
Frederica se encontrava diante de mim como uma bela adormecida,
uma princesa, a namorada que o homem sombrio que sempre fui gos-
taria de ter tido. Cheguei verdadeiramente a fantasiar que ela gostava
de mim, entregava-se por isso e que, de repente, poderia enlaçar-me
em seus braços parar sentir-me junto comigo. Mas quem me tocava, na
verdade nos tocava com avidez, era Marieta. (OM, p. 63).
Nessa cena, percebe-se ainda que há caracterização infantil da
personagem, por sua associação com o universo do conto de fadas, o que é
fator de excitação do estuprador. Além disso, a infantilização tem com con-
sequência discursiva a armação da superioridade do professor de losoa.
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234
Depois disso, quando já “não havia rigidez em seu corpo” (OM,
p. 64), mas “absoluta imobilidade e silêncio de seu corpo no sofá” (OM,
p. 65), o corpo-objeto de Frederica passa ao registro da abjeção: trata-se de
um cadáver qualquer do qual o casal quer se “livrar” (OM, p. 66). O casal
preocupa-se em “dar um jeito no corpo” (OM, p. 65) e, para isso, passa a
procurar um lugar ermo para deixarmos o corpo de Frederica” (OM, p.
65). Marieta embrulha “o corpo com um lençol grande” (OM, p. 66) e
eles carregam “o corpo embrulhado até o carro” (OM, p. 66). O casal vai
até um terreno baldio e é Antenor quem deposita lá o cadáver de Marieta:
“Puxei o corpo e deixei-o lá, sem lençol” (OM, p. 67). A respeito da mani-
pulação do cadáver de Marieta, Antenor arma:
Me lembro de um grande alívio, distensão, por termos nos livrado do
cadáver. Naquele momento ele não era de Frederica, nem de ninguém,
apenas um fardo muito perigoso do qual conseguíramos nos descartar.
Os meus sentimentos em relação a ela, Frederica, só foram voltando,
crescendo, depois. (OM, p. 67).
Nota-se, pelas várias alusões despersonalizadas à palavra “corpo
e a “cadáver” – bem como pela maneira com que jogam Frederica em um
terreno baldio – que houve, durante todo o contato do casal com a jovem,
desconsideração do outro e tratamento antiético. O ocultamento do cadá-
ver é o clímax do processo de objeticação a que a jovem quase cega fora
submetida. Ele consistiria, mais uma vez, em estratégia em benefício dos
criminosos, que poderiam, dessa maneira, escapar da punição imposta pela
justiça. Trata-se de procedimento que impediu, mesmo que por um dia,
que o corpo falecido de Frederica tivesse tratamento adequado, de acordo
com os rituais de funeral e sepultamento inscritos na cultura.
a cena do criMe: violência Sexual e linguageM
Como o foco de nossa análise consiste nos modos de congura-
ção textual da violência sexual, a análise da construção formal em torno
da ocorrência do estupro é importante. As guras de linguagem, o voca-
bulário e a sintaxe são elementos estéticos relacionados ao posicionamento
ético da voz narrativa. Algumas observações podem ser feitas pela leitura
Eaçã, , ê
 êa
235
atenta do trecho em que o professor de losoa refere-se ao momento do
estupro:
FLAGRANTE: O que você sentiu ao violentar a moça?
ANTENOR: Não gosto desse termo, embora deva conformar-me à
ação que cometi. Mas, como procurei esse tempo todo não ser compla-
cente comigo, vou permitir-me agora expor sentimentos meus muito
profundos, de modo que nunca seria possibilitado numa investigação
policial ou julgamento. Essa é outra razão por que me dispus a conce-
der entrevista tão meticulosa. Então, apesar de toda agressividade, vio-
lência, que uma ação dessas implica procurei, quando possui Frederica,
fazê-la da forma mais amorosa e delicada possível. Eu não queria
magoá-la, feri-la. Vou me permitir ser até ridículo. Frederica se en-
contrava diante de mim como uma bela adormecida, uma princesa, a
namorada que o homem sombrio que sempre fui gostaria de ter tido.
Cheguei verdadeiramente a fantasiar que ela gostava de mim, entrega-
va-se por isso e que, de repente, poderia enlaçar-me em seus braços parar
sentir-me junto comigo. Mas quem me tocava, na verdade nos tocava
com avidez, era Marieta. (OM, p. 62, grifos nossos).
A primeira constatação é a de que não a referência ao estupro
não se dá a partir da utilização desse substantivo, ou da expressão “vio-
lência sexual”. Antenor usa o substantivo abstrato “ação” e outros verbos,
como “possuir” ou “Consumar a posse completa de Frederica”, diferente
do entrevistador, que se refere aos atos cometidos contra Frederica como
violência”.
Antenor também alega envolvimento sentimental e nomeia os
cuidados que teria tido pela vítima no momento da violação. O intelectual
utiliza um vocábulo do campo semântico amoroso para caracterização do
estupro e expressa, paradoxalmente, suposta preocupação com o bem-estar
de Frederica, armando, posteriormente, que: “apesar de toda agressivida-
de contida em meu ato, houve nele uma mistura de crueldade e amor [...]”
(OM, p. 63). Quando o professor começou a tocar o corpo desfalecido de
Frederica, arma que “o tempo todo sentia ternura por ela” (OM, p. 58). A
declaração de amor à pessoa que ele estuprou e assassinou aparece de forma
enfatizada na seguinte passagem:
Mas, quanto aos meus sentimentos, posso transmitir uma certeza maior,
como se fossem eles os verdadeiros fatos e não consigo mais me ver sem
essa presença em mim de Frederica Stucker. Quando a conheci, gostei

236
dela imediatamente. E passei a querê-la com paixão quando a contemplei
a secar os cabelos; naquele momento em que ela não se sabia observada
e, por isso, se revelava limpidamente. É claro que o ter cometido todas
aquelas coisas contra ela obstruía em grande parte esses sentimentos. A
partir do instante em que decidi denunciar-me, foi como se a reencon-
trasse, me libertasse para amá-la. E, já que me dispus a revelar tantas
coisas, revelarei mais isto: sou assaltado o tempo todo por um desejo que
às vezes se transforma em esperança, mesmo que insensata, de que haverá
um outro plano de existência em que me reencontrarei com Frederica e
me ajoelharei a seus pés, não propriamente para pedir-lhe perdão, mas
para que me compreenda e a todo o meu amor por ela; a todo o desejo
que me levou a possui-la até o aniquilamento. E sonho que, diante de
um amor assim tão absoluto, Frederica me estenderá a mão para que eu
me levante e nos abracemos apaixonadamente. Essa é uma outra grande
razão por que concordei em falar. Para apregoar todo o meu amor por
Frederica Stucker. (OM, p. 78).
Tanto o sentimentalismo de Antenor quanto as escolhas lexicais
para caracterização do estupro consistem em estratégias utilizadas para
deslocar os crimes do campo semântico da violência. Se por um lado o
professor visa atenuar sua culpa pelos crimes cometidos, por outro, pro-
cura fazê-lo através da busca de empatia do leitor. A “revelação” de seus
sentimentos relaciona-se, também, com sua humanização. Um monstro
caracterizado pela crueldade e frieza, anal, não seria acometido por senti-
mentos tão sinceros. A ideia de delicadeza na violação é, portanto, essencial
nesse contexto.
Os grifos em negrito – no primeiro trecho transcrito nessa sessão
– consistem em hipérboles que promovem a intensicação do ato e evi-
denciam o controle discursivo. Percebe-se ainda que não há fragmentação
sintática acentuada ou presença constante de elipses. Há predominância de
orações subordinadas e os períodos são ligados por conjunções e advérbios
– “Mas”; “Então” – que visam a explicação de determinada circunstância
e o estabelecimento de relação lógica entre eles. Há, portanto, articulação
detalhada da linguagem, com atenção a detalhes, e tentativa de atribuição
de coerência e lógica aos fatos narrados.
Em ambos os casos, o choque traumático que a experiência de
violência poderia ter causado não é evidenciado em termos formais, de-
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 êa
237
monstrando a falta de empatia que os narradores têm com a dor da vítima.
A concepção de linguagem é muito diferente, por exemplo, da utilizada
por sujeitos que passam por um momento de excesso de violência, que
vivem uma situação-limite. A pretensão de Antenor é de que a linguagem
por ele utilizada seja referencial, que haja uma comunicação da experi-
ência vivida. Se formalmente não se percebe o impacto da violência, em
termos de enredo ele também não aparece: nada se sabe sobre o impacto
do estupro para a vida das vítimas, uma vez que Frederica é, em seguida,
assassinada.
conSideraçõeS finaiS
O crime de violência sexual não consiste, no histórico de Antenor
e Marieta, em caso isolado. Muitas relações sexuais que o casal mantinha,
principalmente com outras mulheres, eram baseadas na não consensuali-
dade, como mostra a passagem:
FRAGRANTE: Vocês já haviam aplicado sonífero em alguma outra pes-
soa? Alguma outra mulher?
ANTENOR: Quando eu estava presente, duas vezes, que eu soubesse.
Mas aconteceu com mulheres que apenas hesitavam em passar a noite
ali. E que depois não se queixavam de haver passado. (OM, p. 55).
Para Antenor é comum a prática de entorpecimento daquelas que
se negasse a transar com o casal. Não há em seu discurso preocupação com
relação à não violação do outro e com o tratamento respeitoso e ético.
Mais do que sujeitos cujas vontades impõem limites à satisfação de seu
próprio desejo, as mulheres são percebidas como objetos a seu dispor. S e
a literatura mantém relações mediadas, alegóricas, com a realidade históri-
ca, podemos fazer a conexão entre o posicionamento patriarcal e sexista de
Antenor e o discurso machista que circula no Brasil na atualidade e que é
causa, muitas vezes, da violência sexual e do estupro.
Com relação ao contexto social sobre os crimes sexuais, pode-se
dizer que eles ocorrem sistematicamente desde o Brasil Colônia e sempre
foram legitimados pelo Estado através de uma legislação arcaica e conserva-
dora. O estupro cumpriria o papel de perpetuação da disparidade social de
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238
gênero. Assim, a predominância do poder masculino ao longo da História
do Brasil signicaria a persistência continuada das ocorrências de violência
sexual. Cientistas sociais (GENDRON, 1994; GROSSI, 1994) apontam,
portanto, as determinações históricas dessa violência: ela seria “constitutiva
da organização social de gênero no Brasil” (SAFIOTTI, 1994). Apesar dos
esforços de organizações não governamentais e dos próprios governos em
criarem mecanismos de coibição da violência sexual nas últimas décadas,
o assédio e o estupro ainda são realidade de mulheres de todas as faixas
etárias no século XXI (SOUZA; ADESSE, 2005).
De maneira ainda mais ampliada, pode-se relacionar o posiciona-
mento de Antenor com as práticas autoritárias patriarcais que se perpetu-
am ao longo da história do Brasil, tanto na esfera macropolítica do poder,
quanto nas relações microssociais e interpessoais. De acordo com essa ló-
gica, a violência cometida contra Frederica Stucker no conto “O monstro
estabeleceria um diálogo com o contexto brasileiro de desrespeito aos gene-
ralizado dos direitos humanos e da violência na microesfera social, pautada
na assimetria de poder.
Interessante notar que apesar de o narrador de “O Monstro ”
querer explicar e atribuir sentido à sua perturbadora experiência, o enten-
dimento completo dos fatos não chega ao leitor. O estupro e assassinato
de Frederica não são claramente explicados e as motivações para o crime
ainda permanecem obscuras e ininteligíveis. A
falta de conclusão e de sínte-
se para os acontecimentos
que permanece à revelia da vontade explícita do
narrador
talvez remeta à própria diculdade de entendimento da violência,
de maneira geral, e do estupro, como modo de violência especíca, no campo
social. Essa constatação exige, então, que mais profunda investigação seja feita
a respeito dos modos de narrar a violência sexual.
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240
241
a MulHer rePreSenTada noS livroS de
liTeraTura infanTil conTeMPorâneoS:
SeMenTeS de ideiaS lançadaS Para
PoSSíveiS BroToS de reflexão
Aline Escobar Magalhães Ribeiro
Lizbeth Oliveira de Andrade
Yngrid Karolline Mendonça Costa
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Breve HiSTórico da liTeraTura infanTil
A literatura tradicional/popular, antes do livro infantil tinha
função utilitária. O caráter pragmático procurava transmitir a experiência
já vivida e, no nal do século XVII e início do XVIII a Literatura Infantil
surge de adaptações dos contos populares e lendas da Idade Média, a partir
de um novo olhar voltado à infância, com o objetivo de atender às neces-
sidades das famílias burguesas em ascensão, e assim, entreter a criança e
transmitir-lhe noções morais.
De acordo com Meirelles (1984, p. 53) “os gêneros literários sur-
gem dessas primeiras provas, afeiçoando-se já à uência das narrativas, ao
ritmo do drama, matizando-se em lenda, resumindo-se no breve exemplo
do provérbio, gerando todas as outras espécies literárias.
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p241-254
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242
Assim, o campo literário voltado à criança e à juventude, nesse
momento histórico, aponta para adaptações dos clássicos e apropriação dos
contos de fadas via folclore.
Perrault e irmãos Grimm se encontram na gênese dessa litera-
tura, além de outros autores que surgem no século XIX, como Andersen,
Collodi, Barrie e Carol dentre outros que tornaram-se modelo de Literatura
Infantil.
De acordo com Zilberman e Magalhães (1984, p. 4):
As ascensões respectivas de uma instituição como a escola, de práticas
políticas, como a obrigatoriedade do ensino e a lantropia, e de novos
campos epistemológicos, como a pedagogia e a psicologia, não apenas
estão inter-relacionadas, como são uma consequência do novo posto
que a família, e respectivamente a criança, adquire na sociedade. É no
interior desta moldura que eclode a literatura infantil.
No Brasil, os primeiros exemplares voltados à infância aparecem
por volta do nal do século XIX e início do século XX sob a forma de tradu-
ções e adaptações e, assim como na Europa, apresenta forte ligação com inte-
resses da Pedagogia, uma vez que as histórias eram produzidas também para
atender a seus objetivos fortemente moralizantes, com um lugar de destaque
para a família e para a mulher, vista como um poço de virtudes, boa, santa e
pura. Conforme trecho da dedicatória do livro Contos da Carochinha, escrito
por Alberto Figueiredo Pimentel em 1894 e citado por Amaral (2004): “[...]
e lembra-te que a vida de família é a única feliz, que o lar é o único mundo
onde se vive bem, onde a Mulher, boa, santa, pura, carinhosa, impera como
rainha.” (PIMENTEL apud AMARAL, 2004, p. 22).
A posição de superioridade conferida à mulher contrapõe-se à
repressão e ao connamento no lar vivenciado pelas mulheres.
Para além de histórias com fundo didático-moralizante Lobato
inova em 1921 com Narizinho Arrebitado, em que o grande desao é a
esperteza e a inteligência, com objetivo de entreter as crianças.
Lobato congura-se como uma exceção num cenário voltado ao
ensino da moral e dos bons costumes.
Eaçã, , ê
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243
Na década de 1940 há uma expansão da literatura em quadri-
nhos, contudo, prolifera-se uma literatura muito ligada, ainda, a uma edu-
cação moral e cívica.
Os anos de 1960 representam um período de transição para a
década de 1970, que se expande aos anos de 1980 e estende-se até os dias
atuais, em que os livros literários ganham notoriedade, com diferentes lin-
guagens e com a presença, cada vez maior, da ilustração das histórias. São
pensadas de modo a atrair a atenção da criança, diverti-la e estimulá-la.
Contudo, diante do retrospecto ora apresentado e com uma gama
enorme de livros de Literatura Infantil que, inclusive chegam às escolas pelo
Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), ainda são poucos os livros
destinados às crianças que apresentam uma representação do feminino com
vistas a uma formação de papeis, de funções, da constituição de homem e
mulher que condizem com as necessidades de nossa sociedade atual..
Nos livros de Literatura Infantil, muitas vezes é possível perce-
ber, que na representação do gênero feminino sobra tarefas desvalorizadas
socialmente.
E nessas representações, cabe ao gênero feminino as tarefas e qualida-
des menos valorizadas socialmente, já que lhe é imputado um status
inferior, estabelecendo-se uma hierarquia entre um gênero e outro com
base em tais imagens, tão fortemente enraizadas na cultura, ca difícil
perceber e aceitar alguém fora desse perl, gerando permanentes situ-
ações conituosas. E mais acirradas quando alguém se manifesta de
outra maneira. (AMARAL, 2004, p. 17).
De acordo com a autora, a Literatura Infantil também pode con-
tribuir para a reprodução da divisão dos gêneros no meio social, corrobo-
rando a representação de uma essência feminina e de outra masculina. Em
sua pesquisa, Amaral (2004), aponta que diversas atividades consideradas
como trabalho, situadas na esfera pública, são desempenhadas, nos livros
de Literatura Infantil, pelas pessoas do sexo masculino, enquanto que as
atividades domésticas aparecem representadas pelas pessoas do sexo femi-
nino. E que, sendo assim, as características atribuídas ao gênero feminino
e masculino podem ser apropriadas e reproduzidas pelas crianças e jovens
leitores de modo a reproduzir desigualdades.
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244
Cabe aos(as) professores(as) discernimento na escolha e no traba-
lho com os livros a serem ofertados às crianças e aos jovens leitores para que
situações de distinção entre os gêneros que apareçam de forma explícita ou
não nos livros de Literatura Infantil possam ser superadas. Além disso, um
olhar voltado ao universo feminino e suas peculiaridades nos últimos anos,
pode contribuir à produção de livros que abordem a temática de modo a
trazerem referências e modelos condizentes com a realidade que cerca a
sociedade atual.
A mulher da atualidade, pode assumir a posição de chefe de fa-
mília, mas também pode contribuir como os homens nos diferentes
espaços sociais, nas diferentes áreas do conhecimento cientíco e tecnoló-
gico e, por isso, merece ser respeitada, valorizada e representada com essas
características.
Traçamos nesta abertura do texto, uma breve história da Literatura
Infantil, apontando a inuência social, cultural e política nas histórias, so-
bretudo, da representação das personagens femininas. Sobre estas, vamos
detalhar melhor na próxima parte do nosso texto.
MulHereS da liTeraTura infanTil x MulHereS ModernaS
Ao buscarmos analisar a representação da mulher nos livros de
Literatura Infantil do PNBE, acervo de 2010, nos propomos a compre-
ender os papéis que a mulher desempenhava nas histórias, desde aspectos
relacionados ao texto verbal, quando ela participa ativamente com falas
na história, quando narram uma história sobre ela ou apenas a citam, até
aspectos ligados ao texto não-verbal, em que fundo
1
a história se passa, em
qual plano, segundo Faria (2006) a personagem da mulher está no plano
primário, secundário ou terciário, e ainda, de acordo com Linden (2011)
em algum enquadramento diferenciado, segundo a autora, enquadramen-
to são quadros, contornando a imagem, que podem aparecer dentro de
uma mesma página ilustrada separando alguns aspectos que o ilustrador
queira ressaltar, como por exemplo: qual sua sionomia, vestes, cor de
1
Entendemos como fundo a paisagem sobre a qual os personagens são inseridos. Se é de dia, a noite, numa
oresta, num castelo, em casa, entre outros ambientes possíveis.
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245
pele, qual prossão exerce , se cuida do lar e dos lhos, como interage com
os outros personagens da história, etc.
Já havíamos analisado esses livros em outros aspectos, mais liga-
dos aos elementos da linguagem, do projeto gráco-editorial e das ilustra-
ções, sem nos deter à representação da mulher, por causa de um projeto
nanciado pela PIBIC, chamado “Liz, Era o que Você Era Bolsista, Você
Não Tem o Nome? Eu Não Lembro.” Como eram dois campus da Unesp
no projeto (Marília e Presidente Prudente), dividimos os livros para as
análises, utilizando neste trabalho os cinquenta que tínhamos conosco.
Após a análise dos livros, vericamos que dos cinquenta, vinte
traziam a representação da mulher, ou seja, pouco mais de um terço dos
livros, porém, a maioria deles representavam a mulher com papel secun-
dário, dependendo de outros personagens para denir a sua história e se
tornar feliz, como no caso dos contos em que a princesa depende do en-
contro com o príncipe para ser feliz para sempre.
O motivo da felicidade das mulheres estava relacionado as ações
de outros personagens, como ganhar um presente esperado, encontrar
alguém para casar e viver feliz para sempre, alguém que ajudasse a vencer
os seus medos. Além disso, a mulher sempre aparecia em espaços demarca-
dos, cultural e historicamente, como próprios da gura feminina, em casa,
cuidando da limpeza, dos lhos, etc. Outras prossões ou ações possíveis
para as mulheres quase não foram mencionadas neste acervo. É, ainda, nos
livros de Literatura Infantil, muito frequente a representação da mulher
com um papel secundário. Isso se deve as marcas históricas e culturais
sobre a concepção da mulher e sua representação social, apesar das lutas
e conquistas ao longo dos anos, a mulher ainda é projetada como frágil,
delicada, dependente, sentimental, sobretudo, associada à imagem de mãe,
cuja função aprece como principal papel na sociedade. Desse modo, o
livro como fruto e objeto da cultura humana historicamente acumulada,
chega a nós com uma narrativa a ser contada e prenhe de concepções, isto
tem relação com a intenção e o intuito em fazer o livro ou texto. Segundo
Perrotti (1986), a conrmação da intencionalidade de um texto dependerá
de todas as congurações possíveis, desde a escolha vocabular, a congura-
ção gráca, escolha das cores, tamanho do livro, dentre outras. Tudo isso
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246
muda de acordo com o público a que se destina, das concepções de quem
escreve, do momento histórico e político, etc.
Assim, ao termos contato com o livro, recebemos muitas in-
formações que às vezes não percebemos estar contidas no texto verbal ou
não-verbal e por isso, questionamos a representação da mulher presente
nos livros que estão compondo as bibliotecas das escolas públicas do nosso
país. Caberia aqui questionarmos tantas outras concepções presentes nos
livros que chegam às nossas crianças, como por exemplo, qual a representa-
ção de infância? Qual a representação de família? Qual a representação de
homem na nossa sociedade? Quais são as concepções políticas valorizadas
nesses livros? Até mesmo, qual a concepção de livro, posto que vivemos
num período em que as marcas digitais estão muito presentes em grande
parte da sociedade.
Diante da limitada quantidade de linhas para a exposição de
nossas ideias, nesse momento nos limitaremos a analisar a representação
da mulher, mas deixamos sementes de ideias lançadas, para que possíveis
brotos possam surgir por meio da leitura deste texto. .
Passamos, agora, a descrever o encontro que ofertamos no mini-
-curso do evento “XII Semana da Mulher – Mulheres, gêneros, violência
e educação”, na Unesp – campus de Marília, no mês de Março do ano de
2015, intitulado “A representação do feminino nos livros de Literatura
Infantil: uma análise do texto verbal e não verbal.
Mini-curSo e SuaS conTriBuiçõeS
Conforme apontado anteriormente, os livros de Literatura
Infantil analisados, pouco representavam as prossões das personagens
femininas e quando apareciam, estavam relacionadas a dona de casa, no
entanto, quatro livros trouxeram a gura da mulher de forma mais con-
temporânea. Dos quatro, dois foram escritos por uma mulher, a autora
Sylvia Orthof, já falecida e conhecida por suas histórias irreverentes.
A autora e ilustradora adentrou nesse universo a convite de ninguém
menos que Ruth Rocha, publicou mais de 120 livros e ganhou vários
prêmios por eles, incluindo o Jabuti de 1982 e selos de “altamente
recomendável para crianças” pela Fundação Nacional do Livro Infantil
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247
e Juvenil. Faleceu em 1997, deixando de herança livros infantis mara-
vilhosos. (LETRAS PORTUGUÊS, 2011).
A outra foi escrita por Marcelo Duarte, jornalista brasileiro, for-
mado pelaEscola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo,
é também
o criador da série ‘O Guia dos Curiosos’, já passou pela redação das revis-
tas Placar, Playboy, Veja São Paulo e foi colaborador da Próxima Viagem,
Sexy e SET. É dono da Editora Panda Books, especializada em livros
de referência. É apresentador do programa ‘Você é Curioso?’, na Rádio
Bandeirantes, comanda o Loucos por Futebol, na ESPN. (UOL, 2015).
Os dois livros escritos por Sylvia Orthof, Se as coisas fossem mães
(1984) e Ervilina e o Princês ou Deu a louca em Ervilina (2009), mostram a
gura feminina como personagem principal em suas narrativas, o foco no
texto não-verbal é dado de acordo com o impacto dado pela autora nas
histórias, no entanto, apenas o segundo livro representa a mulher como
personagem, e por isso foi selecionado para nossa análise. Trata-se da his-
tória de um príncipe que busca alguém tão delicada, capaz de sentir uma
ervilha embaixo de muitos objetos. Ervilina, moça pobre e pastora, em
meio a muitas princesas, acaba sendo a única a sentir a ervilha, mas se nega
a casar com o príncipe e volta para ser pastora junto de seu rebanho e com
seu namorado, com quem quer se casar, quebrando o paradigma de que
as mulheres buscam somente príncipes e que não querem ter outra função
que não seja ser princesa e viver feliz para sempre.
O livro de Marcelo Duarte, A mulher que falava pára-choquês
(2008), foi publicado pela editora Panda Books, a qual Marcelo é o dono, e
também traz uma representação de mulher contemporânea, trabalhadora,
que trabalha em uma cabine de pedágio de uma rodovia, além de ter suas
funções em casa e relações sociais com outras pessoas como vizinhos e um
namorado. Nessa narrativa, a personagem também ocupa papel central e
tudo se desenrola a partir de suas ações, tanto no texto verbal, quanto no
texto não-verbal.
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248
O quarto texto é um poema de Carlos Drummond de Andrade,
intitulado “Lembranças de um mundo antigo”, contido no livro A cor de
cada um (2007). Este poema retrata a gura da mulher como uma cuida-
dora de irmãos mais novos, que pretende conhecer um rapaz bom.
Dos quatro livros em que encontramos a representação da mu-
lher, escolhemos Ervilina e o Princês ou deu a louca em Ervilina (1984),
para contrapor o poema “Lembranças de um mundo antigo”, com o intui-
to de discutir a representação da mulher em cada um deles.
Lemos primeiro o livro de Sylvia Orthof e começamos com algu-
mas indagações referentes às indicações que a própria autora apresenta no
livro. Sylvia brinca com as palavras, rompe com o tradicional e apresenta
cada parte do livro, a começar pela descrição da página de rosto, que ela
chama de “ta na cara”. A ilustradora Laura Castilhos utiliza todos os es-
paços iniciais do livro, para dar pistas sobre a história, como na capa e na
página de rosto.
Segue parte da nossa conversa, neste primeiro momento.
PALESTRANTE 1: Após a página de rosto, ou página ‘tá na cara’, como
chama Sylvia Orthof, quais gurações aparecem? PALESTRANTE
2: Um dragão. LAI
2
: Um cavaleiro. TAN: Um castelo. TAN: Bruxas.
PALESTRANTE 3: Alianças. PALESTRANTE 1: Esses aspec-
tos estão presentes em contos clássicos? PARTICIPANTES: Sim.
PALESTRANTE 1: Mas já tinha começado a história ou ainda irá
começar? (silêncio) PALESTRANTE 1: Vamos ver então.
Como os(as) participantes ainda não conheciam a história era
importante destacar os aspectos dos contos clássicos para que, ao conhece-
rem esta narrativa percebessem a diferença desse conto contemporâneo em
relação aos clássicos.
Nesta História, Sylvia Orthof, propõe um reconto do conto “A
princesa e a Ervilha” escrita pelo dinamarquês Hans Christian Andersen,
“[...] na qual um príncipe procura uma ‘princesa de verdade’ para se casar
com ela, e uma moça é testada com uma ervilha.” (LETRAS PORTUGUÊS,
2011). O o condutor da história é mantido, mas os acontecimentos e,
2
Utilizamos as três últimas letras dos nomes dos participantes, para asseguramos o sigilo
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249
principalmente, o desfecho são surpreendentes. A autora descreve essa pro-
posta de recontar a história clássica logo no ínicio.
Vou contar, cá do meu jeito,
uma história muito antiga,
muito feita de princesa,
história de rei, de rainha,
história toda encantada,
melada de bruxa e fada,
história recontada
que resolvi aumentar.
Quem conta um conto, aumenta,
um ponto mais, outro mais,
transforma, vira e inventa,
quem conta um conto
refaz. (ORTHOF, 2009)
Como se pode observar, o texto é escrito em versos, com um esti-
lo diferente dos contos tradicionais. Há uma preocupação com as rimas. A
autora faz, também, uma rica descrição do espaço e das personagens.
Há um anúncio, presente no texto verbal, em determinada parte
da narrativa, informando as moças da cidade que o Princês quer se casar
e que busca uma moça muito meiga, que seja delicada como uma rosa ou
uma fada, para se casar e ser feliz para sempre. Isto faz parte dos contos
clássicos, a ilusão de uma moça frágil, que seja desejo de um príncipe, que
deve conquistá-lo para ser feliz para sempre.
Após a leitura do anúncio ouvimos a seguinte fala de uma das
participantes:
NAT: Coitado, ele deve estar iludido para achar uma moça assim!
Outro aspecto ligado ao texto não-verbal foi dito por uma parti-
cipante em relação aos enfeites denotativos da gura feminina.
KET: Uma representação do feminino presente na ilustração são os
enfeites, as mulheres com ‘lacinho’, colar enfeites nos cabelos, brincos,
como se a mulher tivesse sempre que estar enfeitada, bonita, para cha-
mar atenção.
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250
Esta representação do feminino é mais atual e discutimos um
pouco essa questão, até mesmo porque, nem sempre as mulheres se enfei-
tam para chamar a atenção, simplesmente o fazem porque gostam, porque
se sentem mais bonitas e isso é muito subjetivo. Os adereços também são
herdados histórica e culturalmente. Cada grupo social abordaria essa ques-
tão de maneira diferente, mas, pensando no texto não-verbal isso pode ser
considerado uma representação da mulher da realeza, os adereços, neste
caso, seriam a conrmação do poder e riqueza das candidatas. Na história
lida, todas as candidatas ao trono de princesa passavam uma noite no cas-
telo. Elas dormiam em cima de uma cama especial com três colchões, vinte
cobertores, lençol bordado com quatro ramos de ores e uma pedrinha
embaixo de tudo isso. Quem conseguisse sentir a pedrinha seria a tão deli-
cada princesa para o Princês.
Todas as candidatas foram reprovadas, mas o rei sabia que faltava
uma em suas terras e mandou buscá-la, era Ervilina, que veio contrariada.
Porém, a personagem ao chegar não era uma gura que inspirasse a realeza,
por isso suscitamos:
PALESTRANTE 3: Reparem na roupa desta moça, como é? ADV: É
toda remendada, com o cabelo meio bagunçado. PALESTRANTE 3:
E o que vocês acham, esta representação feminina estaria ao gosto da
realeza? LAR: Não. PALESTRANTE 1: Todas as outras estavam de
sapatos e essa não tem.
Para dicultar, a rainha mandou tirar a pedra e colocar uma ervi-
lha no lugar para ver se ela seria mesmo delicada.
LAR: É porque a rainha não queria mesmo de jeito nenhum que ela
sentisse a pedra, não é? Por isso que ela troca por essa ervilha redonda.
Realmente não adiantou a rainha fazer seus truques, porque ela
sentiu a ervilha. O Princês se alegrou porque tinha encontrado a tal moça
que gostaria, veio com as alianças, porém, a moça se negou a casar-se com
ele, pois se casaria com o moço de quem era namorada e voltaria para
cuidar do rebanho que era pastora. A última ilustração dá indícios de que
o Princês acaba não gostando, mostra a língua em sua janela e dá adeus.
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251
Nesta história de Sylvia Orthof, além da narrativa buscar uma
moça que dá o foco e encadeamento a tudo, ela traz um desfecho inespera-
do se comparado com os clássicos, como já dissemos, mas, além disso, no
texto não-verbal, Laura Castilhos, a ilustradora, traz várias representações
da mulher, com exemplos de mulheres com sapatos de salto, sem salto, sem
sapatos, com enfeites, com brincos, sem enfeites, sem brincos, com roupas
bonitas, roupas remendadas, com prossão, sem prossão explícita, etc.,
então, mesmo para a época em que foi escrito pela primeira vez, em 1986,
devido a morte da autora, já traz aspectos e cuidados que tratam da mulher
com atitude, capaz de ter prossão, de tomar suas próprias decisões, não
optando apenas por um príncipe, sobretudo marca o caráter emancipató-
rio. São representações mais próximas do real e da vida de uma boa parcela
das mulheres do nosso tempo. Após essa leitura, passamos para o poema
de Carlos Drummond, em que pudemos comparar as diferentes represen-
tações, possíveis na literatura, sobre as mulheres.
O poema apresenta características mais próximas da escrita tradicional,
desde a sua conguração visual, até a escolha das palavras. Clara, a
mulher descrita pelo autor, não tem grande atitudes, ações ou desejos,
é apenas uma mulher que passeia no jardim com as crianças em um
dia ensolarado.
LEMBRANÇA DO MUNDO ANTIGO
Clara passeava no jardim com as crianças.
O céu era verde sobre o gramado,
a água era dourada sob as pontes,
outros elementos eram azuis, róseos, alaranjados,
o guarda-civil sorria, passavam bicicletas,
a menina pisou a relva para pegar um pássaro,
o mundo inteiro, a Alemanha, a China, tudo era tranqüilo em redor
de Clara.
As crianças olhavam para o céu: não era proibido.
A boca, o nariz, os olhos estavam abertos. Não havia perigo.
Os perigos que Clara temia eram a gripe, o calor, os insetos.
Clara tinha medo de perder o bonde das 11 horas,
esperava cartas que custavam a chegar,
nem sempre podia usar vestido novo. Mas passeava no jardim, pela
manhã!!!
Havia jardins, havia manhãs naquele tempo!!! ( ANDRADE, 2007,
p. 11).
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252
Em nossa discussão vemos o quanto o discurso estético, segundo
Perrotti (1986) em que a arte faz parte, não se preocupando apenas com
aspectos morais e educativos (preocupação dos discursos utilitários), ainda
se faz pouco presente na vida de muitas crianças que, ao terem acesso aos
livros, continuam a aprender e a ter a visão simplista do papel da mulher.
Por isso, nossas interlocutoras no mini-curso relataram o desejo
de muitas meninas com quem convivem em escolas, em casa e em outros
espaços, ainda nos dias atuais, de conhecerem um príncipe para se casa-
rem e serem felizes para sempre, como nos contos clássicos. Isso evidencia
a importância de ofertarmos não só os contos clássicos para as crianças,
mas outras histórias que representem a mulher em diferentes funções, para
mostrar às crianças que há várias funções a escolher para desempenhar, sem
que a única opção para ser feliz para sempre seja se casar com um príncipe.
.
PoSSíveiS concluSõeS
Por meio de nossas análises percebemos que, a representação das
mulheres na Literatura Infantil ainda está muito ligada a clássicos infantis,
altamente conhecidos pelas crianças, deixando de retratá-las em diferen-
tes espaços, com diferentes funções, prossões, atitudes, vestimentas, tais
quais são parte de nossa sociedade atual. Surpreendeu-nos nas análises que
a representação da mulher com atitudes mais contemporâneas tenham sido
colocadas justamente por uma mulher (autora) já há mais de vinte anos e
apenas por um homem (autor) recentemente. Isso demonstra que é neces-
sário haver a oferta de livros com a representação das diferentes mulheres
de hoje, desde seus traços sionômicos, ocupação social até o seu modo de
ser e de encarar a vida, porque há muitas mulheres bem aventureiras que se
diferenciam, e muito, das princesas dos contos clássicos.
Sabemos também que a escolha da metade dos livros em títulos
aleatórios pode ter inuenciado nos resultados obtidos, mas, ainda assim,
acreditamos que não teríamos resultados muito diferentes dos encontrados
e expostos neste texto.
Enm, acreditamos que precisamos investir mais na criação de
livros que representem a diversidade presente em nossa sociedade, não só
na representação da mulher, mas na representação racial, representação de
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253
gêneros, etc., principalmente por esse programa de política pública, que
acaba ofertando a maior parte do acervo de livros para as crianças de nosso
país, para que possam compreender e imaginar as diversas possibilidades
que a Literatura Infantil e a vida podem proporcionar.
referênciaS
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255
linguageM, HoMoSSexualidade, coerção
Social e conSTiTuição da idenTidade
Mirielly Ferraça
Rosiney A. L. do Vale
Falar de linguagem
1
humana implica, sem dúvida, falar de efei-
tos de sentido que se estabelecem nas relações entre o homem e os seus se-
melhantes e o mundo que o cerca, pois a linguagem funciona como orien-
tadora dessas relações, uma vez que é por meio dessa forma socialmente
adquirida que o sujeito constitui a realidade em que vive, interpretando-a
e utilizando-a o tempo todo, nas mais variadas e distintas possibilidades
de expressão verbal, visto ser a linguagem indissociável do homem social e
suas práticas.
Geraldi (2003, p. 84) arma que “ao tratarmos da linguagem
e dos fenômenos da linguagem, estamos lidando com o que nos é mais
íntimo, porque é ela o lugar de nossa própria constituição, e com ela nos
‘revestimos’ como homens; sendo, pois, a linguagem a vestimenta do que
somos”. Dessa forma, enquanto ser social, o sujeito se constitui na e pela
linguagem, imerso no sistema histórico-ideológico que nela se materializa.
Assim, a linguagem, articulada e indissociada da história e da ide-
ologia, permite ao homem produzir efeitos de sentido, posicionar-se dis-
1
Entendemos linguagem como um termo genérico que se refere a todo sistema de sinais convencionais que nos
permite realizar atos de comunicação. Em se tratando de língua, referimo-nos à linguagem cujos sinais utilizados
para comunicação são palavras, portanto, linguagem verbal.
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p255-270
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256
cursivamente e ocupar e desempenhar lugares sociais, dizendo o que pode
ser dito sobre (e a partir de) o lugar ocupado.
Em se tratando da linguagem verbal, é importante ressaltar que o
uso de uma ou outra palavra deriva de escolhas que o locutor faz a partir do
léxico da língua, no processo real de suas interações. Ou seja, as palavras não
são usadas aleatoriamente, mas, sobretudo, reetem intenções discursivas
que surgem a partir das posições ocupadas, no jogo que se estabelece durante
esse processo de interação, realizado por sujeitos determinados cultural e so-
cialmente. Sob esse prisma, também, é importante observar que a linguagem
não é neutra, nenhum discurso, por mais simples que possa parecer, é im-
parcial, de modo que constatamos cotidianamente que realmente a função
referencial denotativa da linguagem é somente uma de suas funções.
Assim, em vários estudos, ao longo da história da humanidade,
tem-se revelado uma grande preocupação com desvendar aspectos de ordem
social, histórica e cultural, por exemplo, intermediados (e possibilitados) pela
relação linguagem /homem. Já na antiguidade, os lósofos reconheceram na
linguagem a mola propulsora da evolução do homem enquanto ser superior
dentre todos os animais e se debruçaram sobre esse tema, iniciando uma
discussão que perdura até hoje. Nesse cenário, Orlandi (2003, p. 7) diz que
ao procurar explicar a linguagem, o homem está procurando explicar algo
que lhe é próprio e que é parte necessária de seu mundo e da sua convivência
com os outros seres humanos”. Independente da linha de pesquisa adotada,
o fato é que testemunhamos cada vez mais a preocupação de estudiosos em
trazer à luz várias discussões, tencionando explicitar a um maior número de
pessoas a importância de se conhecer bem de perto as suas multifaces.
Ademais, a linguagem, enquanto traço denidor da natureza hu-
mana, desempenha um papel fundamental na formação do homem em
sociedade. Na língua amarra-se ideologia e história, tríade que fornece aos
sujeitos os efeitos de sentido constituídos na interação social, recuperados
pela memória discursiva e ressignicados nas condições de produção do
discurso. Por isso, determinados sentidos cristalizam-se, apresentam-se na-
turalizados ao sujeito, que não apenas reproduz, como também não ques-
tiona determinados valores. Por meio da língua, instituições (histórico-
-ideológicas) perpetuam e impõem determinados dizeres, a partir dos quais
se pode compreender o funcionamento social. Sabe-se, por meio desses
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dizeres, quem são (e o que podem e devem dizer) os operários, os patrões,
os professores, os alunos, as garotas de programa...etc. No jogo discursivo,
as posições ocupadas são denidas e os sujeitos identicados e signicados
pelo lugar ocupado.
A sexualidade é também signicada nesse mesmo meio social, e,
nessa linha de imposições, delineia-se o comportamento sexual masculino
e o feminino, e tudo aquilo que foge do que é previamente estabelecido e
considerado correto, normal, ideal.
Quando a temática é a sexualidade, ou mais especicamente as
práticas sexuais marginalizadas, o assunto se torna ainda mais complexo e
considerado tabu: “Em nossos dias, as regiões onde a grade é mais cerrada,
onde os buracos negros se multiplicam, são as regiões da sexualidade e as
da política.” (FOUCAULT, 1996, p. 9). Os “diferentes” são negados e, por
vezes, excluídos, são colocados à margem por não terem um comporta-
mento “comum”, “esperado”, “desejável”, “normal”. Discursos ociais que
regem a esfera social acabam delineando o certo do errado, o que podemos
e o que não podemos fazer. Ecoa no discurso religioso cristão o pecado
de casar-se (ou mesmo ter relações sexuais) com alguém do mesmo sexo,
prática considerada a transgressão das leis divinas; no caso do discurso jurí-
dico, até pouco tempo era legalmente impossível que dois homens ou duas
mulheres se casassem; atualmente a jurisdição brasileira aprovou a união
civil entre casais homossexuais. Entretanto, a união civil entre pessoas do
mesmo sexo foi perpassada durante séculos como proibição jurídica, sen-
do, dessa forma, impossível de se fazer o contrário. Tais interditos aden-
tram os séculos e perpetuam-se na memória e na prática social, mesmo
com o movimento de alguns sentidos relacionados a homossexualidade.
Determinados fatos históricos, costumes e valores morais perpe-
tuam-se entre os séculos; presentes na memória social são, muitas vezes,
difíceis de serem esquecidos e, muitas vezes, não se questiona o porquê de
sua existência
2
. De tanto repetir, de tanto impor, esses dizeres se cristali-
zam, fazem parte da dinâmica cotidiana. O poder ideológico perpetua-se
de modo a apagar o seu próprio funcionamento, basta pensar naqueles
2
Há movimento nos sentidos, há transformação. Mas o que se deseja frisar é que na imersão do funcionamento
ideológico, muitas vezes as evidências não permitem que o sujeito duvide da “verdade” historicamente perpetu-
ada. Esquecer-se da origem e do movimento dos sentidos é constitutivo do funcionamento histórico-ideológico.
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258
que são marginalizados e não-aceitos por não estarem de acordo com as
normas e condutas sociais tidas como adequadas para o sujeito, que mes-
mo sentindo o preconceito e a punição social por suas escolhas, acabam
repetindo os mesmos dizeres que são ditos sobre si, na própria conrmação
do funcionamento ideológico. Condenam e não-aceitam quem são. O su-
jeito homossexual muitas vezes se diz ser aquilo que os outros dizem sobre
ele, sustentando os valores perpassados pela língua, pela história; é o que
comenta Soares (2006):
As vozes que ocupam lugares foram se sobrepondo em uma mesma dire-
ção a tal ponto que mesmo para os sujeitos homossexuais essa memória do
dizer ecoava no mesmo sentido. Era indiscutivelmente impossível se falar
da homossexualidade do homem brasileiro, trabalhador, pai de família
porque faltava lugar para esse discurso. O sujeito homossexual se dizia a
partir do que era dito sobre ele. (SOARES, 2006, p. 15, grifos nossos).
Assim, por meio da língua na história, o funcionamento ideológi-
co se efetiva, ancorado nas instituições que moldam o sujeito, modelando-
-o para que se adeque ao que é denido como normal, aceito, incentivado.
A família é uma dessas instituições que norteiam, zelam e fornecem di-
retrizes ao sujeito, conduzindo-o para a normatividade social. Claro que
nessa imposição toda há luta para o sujeito, ele não é um mero marionete,
a resistência acontece porque há falhas na língua, há falhas no ritual ide-
ológico, abrindo espaço para a transformação. Mas, por outro lado, e é
justamente isso que se pretende reetir nessa pesquisa, a imposição para
que o funcionamento se efetive é grande.
Para pensar no funcionamento ideológico, este trabalho selecio-
nou como corpus textos que materializam a dinâmica social, que trazem
o jogo da perpetuação dos sentidos e da (efêmera) possibilidade de luta
sujeito. Destacou-se algumas cenas do lme peruano No se lo digas a na-
die, de 1998, dirigido por Francisco Lombardi, a partir do qual se busca
compreender quais sentidos ecoam sobre a homossexualidade consideran-
do o personagem do pai, Luiz Fernando, e também a partir da resistência
apresentada pelo lho, Joaquim. A composição da materialidade analítica
pauta-se também em trechos de uma entrevista realizada com uma travesti,
em Cascavel-PR, em 2009, considerando a interferência dos discursos reli-
gioso, jurídico e familiar, determinando o que se pode dizer, o que se pode
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259
fazer. Como aporte teórico, utiliza-se a Análise do Discurso de orientação
francesa.
HoMoSSexualidade: rePreSSão e reSiSTência
A película No se lo digas a nadie (1998) foi selecionada por retratar
o sujeito homossexual e as relações familiares, contexto, nesse caso, em que
se chocam a perpetuação/imposição dos valores sociais com a não-aceitação/
aceitação. Materializa-se nas sequências discursivas selecionadas vozes que
falam antes, em outro lugar e em outro tempo sobre a homossexualidade:
“Michel Pêcheux descreve exatamente o pré-construído, este traço, no próprio
discurso, de discursos anteriores que fornecem como que a ‘matéria prima
da formação discursiva, à qual se cola, para o sujeito, um efeito de evidência.
(MALDIDIER, 2003, p. 39-40). Tal colagem da evidência mencionada por
Maldidier (2003) fornece ao sujeito pontos de ancoragem, sentidos crista-
lizados que se apresentam dessa forma e não de outra, posta como se não
houvesse espaço para questionamentos, por isso, como se verá, a resistência
da instituição familiar em aceitar a homossexualidade.
No se lo digas a nadie retrata a história de Joaquim, personagem
que demonstra ser homossexual desde os sete anos de idade. O pai percebe
esse comportamento e tenta dissuadi-lo, fazendo-o participar de ativida-
des que considera “de homem”. Na faculdade, Joaquim começa a namorar
Alejandra, mas, simultaneamente, se envolve sexualmente com Gonzalo,
amigo em comum do casal. Este personagem estava noivo de Rocio, e
motivado pela negação da sociedade em aceitar a homossexualidade como
algo natural, acaba escondendo sua sexualidade assim como Joaquim.
Entre várias outras situações que acontecem, no m da produção cine-
matográca, Joaquim acaba voltando a namorar Alejandra e reencontra
Gonzalo, seu primeiro amor correspondido. O nal sugere que o triângulo
amoroso recomece.
O discurso religioso está presente em vários momentos da película.
Um fato em especial, em que é possível perceber o quanto o discurso cristão
subjuga os desejos de Joaquim, é evidenciado no momento em que ele reza,
quando criança, após ter tocado seu colega e este responder chamando-o de
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260
maricon
3
, pedindo a Deus para que ele “não seja assim”, entendendo o de-
sejo de tocar outro menino como algo errado, como pecado. Soares (2006)
coloca que o discurso religioso promove que o certo é ser heterossexual, e que
ser homossexual é algo errado e que precisa ser ‘curado’:
O discurso religioso promove: ao redimir-se da condição de ser homos-
sexual, curar-se da doença própria desse estilo de vida. Tornar-se hete-
rossexual: normal, saudável, sem pecados e, por deslizamento, livre da
doença relacionada ao pecado da homossexualidade. (SOARES, 2006, p.
15, grifos nossos).
Nesse caso, para o discurso religioso, a homossexualidade é enten-
dida como uma doença, trazendo por oposição o heterossexual como alguém
normal e saudável. Em outro episódio, Joaquim conta à Alejandra que sen-
te atração por outros homens. A garota diz que o ajudará a se tornar “um
homem normal”. O que também remete ao discurso religioso e a outros
discursos circundantes na sociedade tidos como aceitáveis, pois ser normal
é ser heterossexual, é ser saudável e aí se poderia citar um monte de “bons
adjetivos. Como arma Orlandi (1987), “a religião constitui um domínio
privilegiado para se observar esse funcionamento da ideologia dado, entre
outras coisas, o lugar atribuído à Palavra” (ORLANDI, 1987, p. 242). Neste
artigo não se pretende analisar o discurso religioso, mas vale ressaltar que
este acaba aparecendo como plano de fundo nas SD selecionadas, devido
constituição cristã, indiretamente pela movimentação de sentidos no social,
e diretamente pela inuência da mãe, uma cristã “fervorosa”.
Luiz Felipe, pai de Joaquim, é a caracterização do imaginário so-
cial do homem “macho
4
, aquele que tem relações extraconjugais para de-
monstrar virilidade e a representação de homem como força bruta e como
dominador. O pai não aceita que o lho seja homossexual, por isso impõe
situações em que Joaquim tem que agir como um homem agiria, expres-
sando-se e impondo-se pela força. Luiz Felipe o leva para caçar e incita-o a
bater em um garoto, ações tipicamente masculinas. A tão difundida inicia-
ção sexual por meio dos bordéis também está presente na película. O pai
3
Entretanto, duas garotas possuem mais liberdade de se tocarem, se acariciarem e mesmo se beijarem sem que
alguém pense que há algo mais que amizade.
4
César Nunes, apud Furlani (2003), conceitua os homens como Luiz Felipe de “Machista Ortodoxo”, um perl
‘inconsciente’ assumido pelos machistas.
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261
presenteia o lho com uma tarde com uma prostituta e incita-o a beber, a
“beber como um homem”, diz o pai. Essas situações serão analisadas a se-
guir, começando pela cena em que Luiz Fernando, após ver outros garotos
rirem de Joaquim na Igreja, incita-o a lhe bater quando voltam para casa.
- Vamos simular uma briga. Você pode me bater em qualquer parte da
cintura para cima. Tudo o que eu vou fazer é me esquivar dos golpes.
- Você não vai me bater?
- Não. Me bata. Imagine que eu sou um pentelho da escola, um garoto
que gosta de te irritar. Me bata, vamos lá! [...]
- Você disse que não ia me bater.
- Tente. Não seja um maricas, homem.
[O pai bate no menino]
- Não seja covarde, lho. Nem está sangrando.
[O garoto tenta se defender, agredindo o pai, até que o pai acerta-lhe
um soco na cara]
- Eu não quero continuar.
- Você não pode desistir. Não seja bichinha, caralho. Pegue as luvas. Vai
dar um de bichinha? Caralho!
- Eu não gosto de lutas.
- Volte aqui viado!
O homem é caracterizado como aquele que se expressa pela força
bruta, em oposição à mulher que é delineada como frágil, desprovida de
atitudes violentas e agressivas e ainda a imagem feminina é caracterizada
como aquela que deve conduzir as situações com amor e passividade. Dessa
forma, quando um homem, apesar de que tais características não assegu-
ram e não denem o sexo da pessoa que as toma, possui certas característi-
cas tidas como femininas, como o fato de não gostar de brigas e de não se
impor pela força, já lhe atribuem adjetivos pejorativos, como “marica, bi-
chinha e viado”, palavras que o Luiz Fernando utiliza para denir o lho. A
constituição dos lugares do homem e da mulher na sociedade parece estar
pautada num discurso lógico: o comportamento passivo e pacíco é des-
tinado à mulher e o comportamento bruto e agressivo ao homem, aquele
que assume as primeiras características é logo denido como pertencente à
esfera feminina, como é o caso de Joaquim na película.
O fato de que não se pode bater nos pais, sendo isso a quebra
do 4º mandamento da Igreja Católica, não incomoda Luiz Fernando de
forma alguma, já que o propósito dessa transgressão é maior: o intuito é
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educar o garoto e colocá-lo no caminho tido como certo. Joaquim estranha
o comportamento paterno e questiona se o mesmo não vai lhe bater, pois
se espera que ao transgredir uma lei social e religiosa, como bater nos pais,
que este irá repreendê-lo energicamente. Percebendo que o lho não cor-
responde ao seu desejo, Luiz Fernando agride o garoto esperando deste um
retorno, mas isso não acontece, deixando o lho magoado pela situação e o
pai irritado por achar que o menino é um “viado”, como ele mesmo arma.
Para amenizar a situação causada pela iniciativa frustrada de fazer
Joaquim brigar ou se impor pela força, Luiz Fernando leva o lho para o
sítio da família, com o intuito de ensiná-lo a caçar, outra ação tipicamente
masculina. No caminho, Luiz Fernando oferece cigarros e incita-o a fumar,
ação associada ao ilícito ou à liberdade (nesse caso a masculina). Ao che-
garem ao sítio, o empregado e seu lho recebem os patrões e logo trazem
algumas galinhas para Joaquim acertá-las com uma pistola, mesmo con-
trariado, Joaquim faz o que o pai manda. Abaixo a SD discursiva retirada
dessa cena:
- Eu acertei ela? Será que a feri?
- Você fez cócegas nela. Por que você fecha os olhos para atirar? Por
acaso fecha-se os olhos para fazer um pênalti?
- É que eu não sou muito forte. O que eu posso fazer?
- Não me venha com essa conversa de mulherzinha, caralho.
Joaquim atira, mas se enche de remorso, perguntando se feriu
o bichinho. O pai, mostrando irritação com o garoto, diz que apenas fez
cócegas” na galinha e ainda questiona por que Joaquim fecha os olhos
para atirar, sinal característico de medo e de insegurança. Além disso, o
pai associa o ato de caçar ao futebol, mais uma atividade considerada de
homens. Joaquim responde que não é “muito forte” e replica: “o que posso
fazer?”. O que pode ele fazer se não deseja ou mesmo não consegue caçar,
fumar, brigar? Tais sentidos do que é ser homem e do que um homem deve
gostar estão presentes na fala do pai, que ao tomar isso como evidência
pelo efeito ideológico não consegue escapar da memória ecoa em sua voz.
Na sequência do episódio, Luiz Fernando deixa Joaquim e o lho de seu
empregado, Dione, irem caçar sozinhos. Para agradar ao patrão, Dione
mata um cervo, mas arma que quem atirou foi Joaquim, o que deixa
Luiz Fernando satisfeito com o lho. Em seguida, ainda sozinhos, os garo-
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tos banham-se no rio e Joaquim insinua-se sexualmente para Dione, que
irritado diz que contará ao patrão as atitudes do lho. Joaquim pede que
Dione “não conte a ninguém”, título da película que acompanha toda a
narrativa do personagem principal. Com medo de o pai descobrir seu de-
sejo por outro homem, Joaquim bate em Dione. Luiz Fernando vê a cena
dos dois brigando e sente orgulho do lho, por ele ter dado uma surra no
outro menino, não importando saber o motivo. Na volta para casa, Luiz
Fernando diz a Joaquim:
- Primeiro você mata um cervo. Depois bate em Dione. Foi uma viagem
e tanto. Você tem culhões, não posso negar. Você é um homem, Joaquim.
O órgão sexual masculino é a representação de virilidade e, nesse
caso, ter culhões é ser macho, capaz de matar animais e bater em alguém.
O que está em jogo é o corpo inserido (e constituído) no simbólico, em
que partes dele passam a ser signicadas no social. Nessa lógica: se tem
pênis (ou culhões, e aí a expressão está especicamente amarrada com o
imaginário que se tem da masculinidade), logo deve caçar, bater, fumar,
ter relações com mulheres... e seguem os sentidos estabelecidos pela ordem
(moral) social, delineando não só o lugar dos sujeitos, mas onde cabe (e
onde não cabe) a inserção do corpo.
Como presente de formatura, Luiz Fernando presenteia o lho com
uma prostituta. Como era íntimo e um frequente cliente, evidenciado pela
fala do dono do bordel “Você já experimentou todas elas”, Luiz Fernando
pediu que a casa de tolerância fosse aberta exclusivamente à tarde para ele e
o lho. Joaquim, contrariado, escolhe uma das garotas e sobe para o quarto.
- Beba Joaquim. Tome feito homem.
[...]
- Que rápido! Ela gritou? Vamos lá, me conte.
- Vai à merda!
- Foi ruim? Joaquim!
A prostituição foi (ainda é, em certo sentido) vista como uma
válvula de escape para a sociedade, pois era por meio dela que os homens
casados tinham a liberdade de fazer sexo sem que este estivesse relacionado
à procriação, como assim o era com a esposa e ainda contribuía para que os
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264
homens solteiros, ou mesmo os casados, não desonrassem as “jovens don-
zelas”. As prostitutas, portanto, serviam para aliviar as necessidades carnais,
sem que se visse mal nisso. Nas palavras de Chauí (1984):
[A prostituição] é tolerada e até mesmo estimulada nas sociedades que de-
fendem a virgindade das meninas púberes solteiras, de um lado, mas que,
de outro lado, precisam resolver as frustrações sexuais dos jovens solteiros e
dos homens que se consideram mal casados ou que foram educados para
jamais confundirem suas honestas esposas com amantes voluptuosas e
desavergonhadas. (CHAUÍ, 1984, p. 79-80, grifos nossos).
O personagem de Luiz Fernando possui casos extraconjugais no
bordel, uma maneira de rearmar sua masculinidade, já que enquanto ho-
mem é cabível que frequente casas de prostituição, o mesmo não caberia a
mulher. Além disso, o bordel é utilizado nesse caso como iniciação sexual
para Joaquim, pois, para Luiz Fernando, o homem precisa demonstrar vi-
rilidade. “A prostituição era vista como um meio prático de permitir que
os jovens de todas as classes armassem sua masculinidade e aliviassem suas
necessidades sexuais, enquanto evitava, ao mesmo tempo, que se aproxi-
massem de esposas e lhas respeitáveis.” (RICHARDS, 1993, p. 122).
Nas sequências discursivas destacadas desse episódio, logo quan-
do chegam ao bordel, Luiz Fernando incita Joaquim a beber, mas não
simplesmente beber, mas a beber como homem, como se a masculinidade
também estivesse associada a embriaguez e, por oposição, a mulher, aque-
la destinada ao casamento, não poderia abusar ou mesmo embebedar-se
como os homens. Essa divisão entre o que o homem e a mulher podem fa-
zer se constitui em uma linha de tensão tênue, no próprio movimento dos
sentidos, por isso tal delimitação não ocorre de forma categórica, mas os
sentidos constituem-se e reverberam-se nessa conuência. Após Joaquim
descer sem a garota, o pai logo lhe pergunta: “Ela gritou? Vamos lá, me
conte”. Nessa SD, percebe-se que o sexo é exposto como algo natural e
que deveria ser comentado por ambos, no caso de o sexo estar associado à
esposa, esse tipo de exposição ou exibição não existiria ou mesmo não seria
visto como aceitável. Mas como, neste caso, o sexo e o prazer advêm de
uma prostituta, não se exige respeito, é realizado como armação, como
exibicionismo. Joaquim, cansado daquela imposição, manda o pai ir “à
merda”.
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A instituição familiar é destinada a ensinar e a manter os valores
sociais, tidos como os bons costumes. Por isso, Luiz Felipe se sente na
obrigação de fazer com que Joaquim se comporte e seja um ‘homem’. De
acordo com Goode (1970), o papel atribuído à família é o de agir como
agentes na manutenção dos valores instituídos como aceitáveis.
A família, então, é constituída de indivíduos, mas, ao mesmo tempo, é par-
te integrante da trama social mais ampla. Todos nós somos constantemente
vigiados por nossos parentes que se sentem à vontade para nos criticar, sugerir,
ordenar, persuadir, elogiar ou ameaçar, a m de que desempenhemos as obri-
gações afetas aos nossos papéis sociais. (GOODE, 1970, p. 13, grifos nossos).
Os homossexuais acabam sendo forçados a mascarar seus dese-
jos, tudo por conta da repressão sexual exigida pela sociedade. Os fami-
liares contribuem para que as práticas condenadas socialmente quem às
escuras, pois acabam tomando atitudes contra essas práticas, entendendo-
-as como “erradas”. Assim, a sociedade organiza-se de modo a indicar aos
demais o que acontece com quem transgride o que é aceito: aponta-se o
erro, castiga-se e mostra-se as consequências de escolhas ‘erradas’. É o que
comenta Chauí (1984):
Do ponto de vista moral, portanto, a repressão sexual opera de modo
duplo: pela criação de obstáculo ao vício (educação da vontade) e pela
mostração dele, se incorrigível. No centro da disposição repressiva encon-
tra-se, portanto, a corretiva e a edicante – impedir ou exibir pelo exem-
plo. A racionalização fundamental será oferecida pela idéia de proteção:
proteger os indivíduos contra o vício e proteger as instituições sociais contra
os viciosos. (CHAUI, 1984, p. 79-80, grifos nossos).
Assim, os valores familiares também são perpassados pelos pais,
que se encarregam de fazer a manutenção, mas claro, não só eles, outras
instituições realizam essa vigília sobre o sujeito. A estrutura familiar (nor-
mativa e burguesa) é reproduzida como sendo composta por um casal
heterossexual, sendo a imagem da mãe e do pai representados por uma
mulher e por um homem
5
, modelo ideal de constituição familiar. Diante
5
Apesar de observarmos na sociedade atualmente famílias diferentes do modelo canônico burguês mãe + pai
= lhos, essa imagem está tão enraizada que é quase impossível pensar na palavra família sem que esta esteja
associada a essa signicação. Essa composição está fortemente perpetuada pela memória discursiva, mas como já
foi mencionado, no mesmo há espaço para o diferente, na perpetuação há espaço para a mudança.
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da imposição social, Joaquim namora Alejandra, não assumindo seu desejo
homossexual. Namorar uma garota e ter relações com outros homens de
maneira restrita à clandestinidade, às sombras, demonstra ser esse relacio-
namento com mulheres de aparência, com o intuito de mostrar à sociedade
e à família que ambos estão dentro do que é exigido. “É como estar cons-
tantemente sob o olhar da censura e da vigia social; se sentem como se esti-
vessem ‘fazendo algo errado’. Com isso, acabam tendo que dissimular seus
atos, camuar suas intenções e esconder da família, seu (sua) companheiro
(a).” (FURLANI, 2003, p. 159).
Percebe-se que em todas as situações descritas ocorre a coerção
do pai, impondo que Joaquim deve agir com o que se espera para um
homem, reproduzindo como certo aquilo que é aceito como normal e de-
sejável, reprimindo o que seria ‘errado’. O pai, enquanto autoridade, diz
o que deve ser feito, e a Joaquim, como todo bom lho, tem como dever
obedecer e aceitar os caminhos indicados pelo pai. Ou, caso não aceite tal
imposição, resta-lhe as sombras, a marginalidade. “Em relação à coerção,
não é necessário dizer que não se trata de força ou coerção física, pois a
ideologia determina o espaço de sua racionalidade pela linguagem: o fun-
cionamento da ideologia transforma a força em direito e a obediência em
dever.” (ORLANDI, 1987, p. 242).
Joaquim não é o único que sofre com a imposição familiar e o
funcionamento ideológico que impõe, de uma forma ou de outra, o com-
portamento dos sujeitos. A película foi lançada em 1998, mas em uma
entrevista realizada em Cascavel-PR, com uma travesti em 2009, é possível
perceber o perpetuar do mesmo, o reverberar dos sentidos cristalizados so-
bre a homossexualidade e o comportamento familiar em torno disso. Dani
(com 18 anos na época da entrevista), assim como prefere ser chamada, é
travesti e se prostitui desde os 16 anos, para ela também é conituosa sua
relação com a família:
Pesquisador: Como foi você contar para família? Ou eles descobriram?
Dani: Então, eu ia fazer 15 anos, no dia do meu aniversário eu cheguei
pra minha mãe e falei que eu era gay, ela me mandou embora.
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267
Mesmo sendo o lho menor de idade, a expulsão é uma forma de
sanção por parte da mãe, mostrando ao sujeito que ele precisa ser penaliza-
do por sua escolha, sendo, assim, a escolha do lho é considerada “errada”,
já que o erro merece conserto ou punição. Tal punição não é realizada de
modo totalmente consciente, como se o sujeito tivesse total controle sobre
o que faz e o que diz, o funcionamento ideológico, marcado pela perpetu-
ação histórica do que cabe aos pais, do que signica ser homossexual, está
presente na ação realizada pela mãe. É como se reverberasse na expulsão: a)
pais devem punir/corrigir os lhos quando esses cometem algum erro; b) a
homossexualidade é errada e por isso meu lho merece um castigo, como
ser expulso de casa.
À margem, por ser bissexual, travesti e prostituta, Dani sofre as
sanções sociais por não se encaixar no modelo canônico para o homem.
P: O que você acha do seu trabalho?
Dani: Arriscado, muito preconceito, discriminação. Porque eu não sou
travesti 24 horas, eu sou só à noite. Aí tem pessoas que me conhecem de
gay, aí me vê de travesti e no outro dia ca falando, não conversa mais
comigo. Então assim, tem uma discriminação enorme. Minha mãe não
me aceitava, agora ela aceita. Meus irmãos não me aceitam, então assim,
super complicado.
É à noite em que Dani pode se travestir. À luz do dia, Dani so-
freria com a não-aceitação de familiares e amigos e isso considerando o
próprio convívio social. Para a própria família aceitar algo que é construído
historicamente como errado impõe resistência, não só a mãe, mas princi-
palmente aos irmãos que continuam não aceitando a escolha de Dani. Os
irmãos de Dani, assim como o pai de Joaquim, são afetados também pelos
sentidos que constituem a honra masculina familiar.
P: O que você pretende, espera do futuro?
Dani: Assim, eu pretendo ser pai, casar com uma mulher, mas sabendo
que eu goste de homem também, entendeu? Tão assim, eu sou bissexu-
al de homem, de mulher. Tão assim, eu tenho uma namorada que estuda
na minha sala, só que ela não sabe que eu venho aqui. Tão assim, ela sabe
que eu curto homem, só que ela não sabe que eu venho aqui. Se eu achasse
um serviço excelente, eu saio da rua e co com ela, entendeu? Mas se
acontecer isso de eu car com ela e car na rua e ela descobrir, com
certeza ela vai terminar, porque ela não vai aceitar.
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Ao mesmo tempo em que resiste, o sujeito também reproduz.
Não há como fugir do assujeitamento ideológico: corre-se de um lado,
resiste-se com braveza, mas recai-se, de uma forma ou de outra, no funcio-
namento ideológico; é inevitável. Mesmo se constituindo de outra forma,
por ser travesti, por ser bissexual, por se prostituir, ainda o modelo edílico
familiar é buscado por Dani. Não que ele não possa também desejar o
modelo canônico familiar como os demais, mas a constituição familiar
aqui parece ser mais a falta do que uma escolha efetiva. O desfecho lógico
parece ser o casamento heterossexual.
O sujeito resiste, luta quando se depara diante do não-encaixe
nos modelos pré-formatados. Ainda que se renda a repetição dos modelos
canônicos, a resistência existe e é necessária, visto ser a desconstrução o
lugar para questionar o funcionamento social e suas cegas imposições e
perpetuações.
conSideraçõeS finaiS
Tendo em vista a riqueza do texto em foco, ressaltamos que não é
nossa intenção, dado o contexto, fazermos uma análise exaustiva; mas, ape-
nas, raticar, por meio dos poucos fatores abordados, como a linguagem
revela sentidos que foram socialmente construídos ao longo da história da
humanidade e que se manifestam nas formas linguísticas escolhidas, mes-
mo que inconscientemente, pelo falante.
Nesse caso, vimos o quanto a sociedade judaico-cristã ocidental
se apresenta fortemente caracterizada pela imposição do poder, exigindo
certas condutas e comportamentos. “É uma sociedade ainda dominada pe-
los homens e pela hegemonia da conduta heterossexual. Padrões de vivên-
cia sexual que não reforcem o machismo, o casal heterossexual e a família
institucionalizada, são fortemente discriminados.” (FURLANI, 2003, p.
159). Diante das SD analisadas neste artigo, é possível perceber de que
forma a família atua como mantedora dos valores aceitos como corretos e
esperados de um lho. É ela quem indica o caminho a ser seguido e atua
para que este esteja realmente dentro do que é esperado, criando expecta-
tivas quanto a seu futuro, como o fato de casar-se e presentear com os pais
com netos, frutos de uma união religiosa aceita e estável.
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Verica-se também que por meio da língua e da história outras
vozes ecoam nas falas destacadas dos personagens, rearmando o conceito
composicional da família, o papel cerceador dos pais, o que se diz sobre
a homossexualidade e o que se espera de um homem e de uma mulher.
Assim, essas atitudes esperadas são ora cumpridas na película, ora refuta-
das. Porém, por medo da coerção social sofrida por aqueles que corrom-
pem o esperado, esses sujeitos acabam escondendo suas práticas “erradas
e demonstram estarem seguindo o comportamento tido como normal e
exemplar. Por isso, Joaquim esconde seus desejos e apresenta à família e à
sociedade um relacionamento estável com uma mulher, mesmo tendo rela-
ções extraconjugais com um homem. Da mesmo forma que a entrevistada
Dani esconde da namorada que é travesti (ou ainda que se prostitui).
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Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola, 1996.
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SOARES, Alexandre Sebastião Ferrari. A homossexualidade e a AIDS no
imaginário de revistas semanais (1985-1990). Niterói: [s.n.], 2006.
271
falando groSSo: o novo PaPel
Social da MulHer BraSileira
Alexandre de Castro
Chryslen Mayra Barbosa Gonçalves
Nós, mulheres feministas mais velhas, que lutamos com
garra e decisão para conquistar nossos direitos econômi-
cos, políticos e sociais e culturais, passamos às gerações
de agora o fruto de nossas conquistas e experiências de-
sacompanhadas de um trabalho educativo que lhes desse
responsabilidade diante do mundo que se transforma, e
dentro do qual elas terão que viver continuando a batalha
que iniciamos, mais ainda com muito caminho a ser tri-
lhado. Zuleika Alambert
a MulHer, Seu STATUS, Seu PaPel
O sexo feminino está presente, hoje, nas mais diversas pros-
sões antes consideradas “redutos masculinos”: ao volante de ônibus e cami-
nhões, na direção de grandes empresas corporativas, comandando aviões
que cruzam oceanos, deliberando nos parlamentos, conduzindo investiga-
ções de natureza criminal em delegacias de polícia etc.
O panorama legal e social brasileiro apresenta signicativa mudan-
ça nos últimos quarenta anos com relação à questão de gênero. Atribuição
de novos direitos e deveres no universo civil com relação às mulheres com
a publicação do Estatuto da Mulher casada no ano de 1962; a introdução
do direito de igualdade entre homens e mulheres na Constituição Federal
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p271-281
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272
brasileira de 1988; a cota eleitoral de gênero que reserva trinta por cen-
to na participação de candidaturas a cargos políticos assegurados pela Lei
9504/97; proteção legal ao sexo feminino em caso de agressão de natu-
reza doméstica, conhecida como Lei Maria da Penha de agosto de 2006;
a garantia da estabilidade no emprego em virtude de gravidez, alterando
a Consolidação das Leis do Trabalho, por intermédio da Lei 12.812, de
maio de 2013; uma grande maioria de lares tem a mulher como provedora,
invertendo o arraigado costume machista brasileiro do homem como “ca-
beça do casal”; na área acadêmica, de acordo com Nogueira (2011), houve
uma verdadeira explosão no número de mulheres dedicadas às pesquisas de
natureza cientíca, embora sua presença em altos postos das Universidades
ainda não se fez sentir. Embora tenhamos signicativos avanços na esfera
civil, no âmbito prossional é sintomático o retrocesso em matéria de gê-
nero. As mulheres apresentam uma expectativa de vida média maior do
que os homens, isso quer dizer que estão vivendo mais, em compensação
ganhando menos, mesmo com maiores índices de escolaridade.
A atual inserção da mulher na esfera do público não resultou
numa igualdade de direitos com relação aos homens e reacendeu os deba-
tes com relação à questão de gênero.
Isto porque a presença da mulher no espaço público ainda é enca-
rada com restrições por uma sociedade marcadamente machista e patriarcal.
Somos reticentes quanto ao novo papel da mulher e não abdicamos de an-
tigos estigmas construídos sobre os sexos, principalmente do fato de que o
espaço privado é destinado ao sexo feminino, tradicionalmente espaço da
mulher, enquanto o espaço público continue reduto predominantemente
masculino.
As consequências destas restrições com relação ao novo papel da
mulher na esfera pública provocaram, e tem provocado, reações diversas:
desde uma insidiosa coação social por “fugirem” ao padrão estabelecido so-
cialmente para seu gênero, até a responsabilidade pela destruição da família,
retornando ao mesmo argumento requentado dos idos anos de 1977, quan-
do da aprovação da lei do divórcio pelo então Senador Nelson Carneiro.
Vivenciamos um momento (nestes últimos quarenta anos) onde
os paradigmas estão sendo rompidos pela mulher, que procura desvenci-
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lhar-se do padrão de comportamento feminino imposto por uma socieda-
de machista.
Tais padrões foram construídos no interior de nossa cultura, ma-
chista e preconceituosa, verdadeiras representações estabelecidas para os
sexos. Tais representações formam os status sociais que, segundo Linton
(1981, p. 117), são conjuntos de direitos e deveres que as pessoas devem
seguir para estarem inseridas no padrão social vigente “[...] o status de qual-
quer indivíduo signica a soma total de todos os status que ele ocupa.
A maneira pela qual se age diante do próprio status é denominada papel
social, é “o aspecto dinâmico do status”. É importante colocar que status
é uma posição em um padrão, sendo assim as pessoas tem diversos status
e, consequentemente, variados papéis. No caso das mulheres, o status mãe
implica no papel social de criar os lhos, dedicada aos afazeres domésticos,
docilidade nos atos e gestos, etc.
A partir da análise da sociedade, levando em consideração o status
e o papel, é possível explicar de que maneira a atribuição de um status à
mulher possibilitou a dominação masculina sobre a mesma.
Importante esclarecer que a junção de diversos status e papéis
construídos sobre os sexos determinam os gêneros, atribuições dadas aos
homens e as mulheres que os diferenciam, baseadas em características
biológicas.
Em todas as sociedades, escolhem-se como pontos de referência, para
atribuição de status, certas coisas de natureza determinável desde o
nascimento do indivíduo, o que permite começar imediatamente seu
adestramento para o status e papéis em potencial. O mais simples des-
tes pontos de referência, e o mais universalmente empregado é o sexo.
(LINTON, 1981, p. 119).
Assim, as referências, em nossa sociedade, construídos sobre o
sexo masculino, são as de que os homens são viris, fortes, culturalmen-
te mais desenvolvidos, aptos a reger a sociedade e tomar as decisões que
permeiam o coletivo, líderes. Já sobre o sexo feminino foram construídos
estigmas que a colocam como “sexo frágil”, incapaz e que constantemente
deve ser tutelada pelo homem, devendo submeter-se ao mesmo. Como
bem coloca Rosaldo (1979, p. 47):
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[...] encontramos em sistemas culturais uma oposição decorrente entre
o homem, que em última análise signica ‘cultura’, e a mulher que
(denida através de símbolos que salientam suas funções sexuais e bio-
lógicas) signica ‘natureza’ e frequentemente desordem.
Esta “mulher desordem” é consagrada no Pecado Original, na
qual, segundo as crenças cristãs, Eva, a parceira do primeiro homem que
Deus criou, feita a partir de uma costela do mesmo, induziu Adão, o pri-
meiro homem criado a desobedecer a ordens divinas e, devido a esta causa,
foram expulsos do Paraíso. Como represália à mulher as palavras de Deus
são enfáticas:
À mulher Ele disse: ‘Aumentarei grandemente a dor de tua gravidez,
em dores de parto darás à luz, e terás desejo ardente de teu esposo e ele
te dominará. (BÍBLIA SAGRADA, 1969, p. 36).
A estigmatizarão da mulher (como dissimulada, portanto há ne-
cessidade de ser tutelada) através de dogmas religiosos reforça sua submis-
são aos interesses dos homens, limitando-a ao espaço privado, connada
aos trabalhos domésticos e aos cuidados dos lhos, submetida ao poder do
pátria. Essa subordinação é assimilada pela mulher virtude do sentimento
de culpa imposto a ela, “[...] na mulher está a origem da culpa, sendo-lhe
imposta uma situação de dependência contínua e de subordinação ao ho-
mem.” (PINTO, 2003, p. 136).
o adeSTraMenTo Para o STATUS
Tal submissão da mulher no contexto da sociedade brasileira se
deu por intermédio de um “adestramento”, ou seja, ser mulher no Brasil
implica no aprendizado de um status (consequentemente no desempenho
de papéis) socialmente impostos, inserindo-se num padrão vigente. Para
Linton (1981, p. 118-119) “[...] quanto mais cedo se puder começar o
adestramento para um status, maiores serão as probabilidades de êxito.
Neste contexto, desde o nascimento, a criança é levada a agir de
formas determinantes destinadas ao seu gênero. À menina são colocados
laços de ta, com cores especícas, mais tarde formas de se posicionar
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275
socialmente, auxiliar nos serviços domésticos. Enquanto ao menino é con-
cedida uma liberdade de ação mais ampla e menos policiada. A menina
deve ser sexualmente reprimida (se resguardar ao casamento), enquanto o
menino é levado a mostrar e evidenciar constantemente a existência de seu
órgão sexual. A menina deve ser mais sensível e cuidadosa, porém os me-
ninos devem se mostrar fortes e não frágeis (não é uma apologia ao padrão
masculino que também prejudica os garotos que não se adéquam a ele?).
Posteriormente a mulher deve ter atributos para que os homens despertem
interesse por elas, esses atributos são essencialmente domésticos e mater-
nais, enquanto que ao homem é dada a função de manutenção do lar e de
tomar as decisões do coletivo.
Todo este adestramento é um processo no qual ambos sexos so-
frem, em especial a mulher que é submetida, para a aceitação cega de sua
condição, que lhe é colocada como natural e inviolável.
Pode-se supor deste estado de coisas, que o Governo Masculino perma-
nece imutável porque as mulheres, suas opositoras em potencial, foram
aprisionadas por tanto tempo num sistema fechado que se tornaram
incapazes de perceber como poderiam, de outro modo, anular os méto-
dos ecazes usados para imputar-lhes uma ideologia de fracasso moral.
(BAMBERGER, 1979, p. 252).
vir-a-Ser
Em O Segundo Sexo (1949) Simone de Beauvoir desenvolve uma
idéia sobre a questão da mulher na sociedade. Neste contexto ela esclarece
que o verbo “ser” tem um conceito muito mais abrangente, em especial em
relação à mulher. No argumento da autora a mulher é sim, hoje, inferior
ao homem.
[...] mas é sobre o alcance da palavra ser que precisamos entender a má
fé [que] consiste em dar-lhe um valor substancial quando tem o sen-
tido dinâmico hegeliano: ser é ter-se tornado, é ter sido feito tal qual
se manifesta. Sim, as mulheres, em seu conjunto, são hoje inferiores
aos homens, isto é, sua situação oferece-lhes possibilidades menores: o
problema consiste em saber se esse estado de coisas deve perpetuar-se.
(BEAUVOIR, 1949, p. 22).
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276
Para enfrentarmos o problema destacado por Beauvoir (1949),
para entendermos como se deu a construção da história que subordina a
mulher ao homem, se faz necessário compreendermos quais ferramentas
foram e estão sendo utilizadas na subordinação entre gêneros. Destacamos
aqui o papel de duas ciências: a biologia e a psicologia.
Uma argumentação que tem servido a dois propósitos consecuti-
vos é exposta por Rodrigues (2011). Com base nas ferramentas da biologia,
remontando ao século XVIII, comum era responsabilizar o útero como a
principal fonte de comportamentos e problemas emocionais femininos.
No mesmo sentido, mas já nos anos 1940-50 do século passado, o grande
vilão, ainda de acordo com a autora, eram os hormônios os principais
provocadores da instabilidade emocional das mulheres. Tal “pressupostos
biológicos serviram (e ainda servem) para justicar a incapacidade das mu-
lheres no que diz respeito à liderança, empreendedorismo e realização nos
mais distintos setores da vida prossional. Por se tratar de “problemas” da
natureza feminina, são tidos como situações imutáveis, desconsiderando-se
a cultura como um elemento móvel, portanto passível de criação e destrui-
ção de mitos.
A mesma justicativa biológica, ao mesmo tempo em que subjul-
ga as mulheres, reforça a tese contrária da dominação masculina:
[...] por volta dos anos 1940-1950, ganha proeminência a ideia dos hor-
mônios. Aparece na medicina que o comportamento chamado mascu-
lino é gerado pela testosterona, que passa a explicar a virilidade, tanto
do ponto de vista da potência sexual, quanto de um comportamento
agressivo e dominado dos homens [...] (RODRIGUES, 2011, p. 32).
Além das argumentações de natureza biológica, outros elementos
contribuem para reforçar a subordinação de gêneros em nosso meio social
em forma de esteriótipos:
Outra coisa que se soma ao problema é um fenômeno sociopsicológico
chamado “ameaça do esteriótipo”. Vários cientistas sociais observaram
que, quando os integrantes de um grupo são informados de um este-
riótipo negativo, é mais provável que se comportem de acordo com
aquele esteriótipo. Por exemplo, segundo os esteriótipos, os meninos
soa melhores em matemática e ciências do que as meninas. Quando as
meninas são lembradas do sexo a que pertencem antes de uma prova de
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277
matemática ou de ciências, mesmo por algo tão simples quanto marcar
o quadrinho indicando M ou F no alto da página, elas se saem pior.
(SANDBERG, 2013, p. 37).
Desta forma, quando se evidencia a mulher como inferior e su-
bordinada ao homem em determinado contexto social, justicadamente
pela biologia e pela psicologia, de que essa é uma característica compro-
vadamente inalterável, são desconsideradas as possibilidades de mudança,
ocorrendo todo um processo de naturalização da subordinação do sexo
feminino ao masculino.
É nesse contexto que se pode discordar dos argumentos ma-
chistas de que a condição à qual a mulher se encontra constitui-se como
permanente.
Em primeiro lugar, deve-se colocar em dúvida a própria história,
haja vista que quem a escreveu foram os próprios homens. Estes encontra-
ram argumentos na biologia e na cultura para embasar sua teoria a respeito
da mulher como ser inferior. Foram relacionadas algumas características
físicas da mulher com sua provável imanência, enquanto a eles foram di-
recionadas características transcendentais. Pode-se notar essa tese nos con-
ceitos das palavras Macho e Fêmea.
Quando se evidencia em um homem sua condição de macho é
colocado como lisonjeio, uma vez que se evidencia assim sua virilidade e
sua superioridade. Já em relação à fêmea coloca-se como ofensa, um termo
pejorativo que conna a própria mulher em seu sexo, sua condição bio-
lógica inferior e imanente. Mas é preciso perceber que todas essas idéias
são construções que atendem a determinados ns. Neste caso, a nalidade
única é a subordinação da mulher.
Sim, é possível compreender a mulher como um ser imóvel e
imamente na realidade passada e atual, um ser culturalmente construído,
feito, nas palavras de Beauvoir (1949).
Deste modo, qual é a saída?
É importante considerar o que o homem fez da mulher para en-
tender a sua situação, porém também se mostra de grande signicância
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278
compreender que a situação da mulher não é inerentemente imutável, que
isso é uma construção social e cultural sobre si, o que dá enfoque as suas
possibilidades de mudar sua condição social.
E é nesse contexto que Simone de Beauvoir (1949, p. 60) apre-
senta o “vir-a-ser”.
A mulher não é uma realidade imóvel, e sim um vir-a-ser, é no seu
vir-a-ser que se deveria confrontá-la com o homem, isto é, que se deve-
riam denir suas possibilidades. O que falseia tantas discussões é querer
reduzi-la ao que ela foi, ao que é hoje, quando se aventa a questão de
suas capacidades; o fato é que as capacidades só se manifestam com
evidência quando realizadas; mas o fato é também que, quando se con-
sidera um ser que é transcendência e superação, não se pode nunca
encerrar as contas.
Desta maneira, a mulher, não sendo mais vista como inerente-
mente inferior ao sexo oposto pode ter as possibilidades que antes lhe eram
restritas, possibilidades estas de demonstrar que todos os estigmas direcio-
nados a ela são meras construções malfeitas e escritas pelos homens suprin-
do as carências de segurança dos mesmos.
Neste contexto, pode-se armar que, obtendo essas possibilida-
des, a mulher pode encontrar meios de se inserir no mundo masculino, no
espaço público. O problema é que ao inserir-se nesse ambiente masculino,
encontrando resistências e hostilidades ao seu gênero, a mulher buscou
uma alternativa bastante curiosa: travestiu-se de homem para contornar
os estigmas culturalmente atribuídos ao seu status e poder transitar num
espaço que lhe sempre foi negado.
a MulHerTraveSTida de HoMeM
Esta atual situação da mulher na sociedade brasileira nos faz per-
ceber outro problema daí decorrente. A passagem da esfera do privado
para o público, além de negá-la direitos iguais, exigiu-lhe novo status, ao
de travestir-se de homem para encarar a este novo desao e abrir-lhe a pos-
sibilidade de sucesso num meio que até então lhe era vedado.
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Trata-se de um “status adquirido”, sendo aquele que é entregue
ao indivíduo como escolha, opção. Neste contexto, a abordagem agora
será direcionada à mulher que tenta se inserir no meio público, a mulher
travestida de homem.
Ora, o meio político e sindical é um espaço natural do líder, homem
ou mulher travestida de macho, corajoso e combativo. E as mulheres,
para poderem aí chegar, tiveram que desempenhar o papel do homem.
(CORACINI, 2007, p. 94).
A construção dos estigmas formados sobre os sexos (a mulher
ocupando o espaço privado e o homem dominando espaço público), a
mulher que quisesse estar no meio público deveria adquirir as caracterís-
ticas masculinas, se colocar como homem para que pudesse ser aceita em
um meio no qual as características genéricas femininas não supriam as
carências. Dessa forma, muitas foram as mulheres que se vestiram como
homens, que se impunham, demonstravam virilidade, para que pudessem
ser aceitas nas decisões públicas, estas eram coagidas socialmente pelo fato
de fugirem do padrão estabelecido para seu gênero.
Assim, para desempenhar um papel no meio público a mulher
teve de mudar seu statu atribuído pela sociedade – aquele no qual ela deve-
ria se submeter ao sexo oposto - e aderir à um status adquirido – encaixan-
do-se em características masculinas.
Emblemático é o depoimento de Sheryl Sandberg, executiva do
Facebook que:
[...] ungida nas últimas semanas à condição de guru de um novo fe-
minismo. Sheryl defenda a tese de que a mulher só ascenderá prossio-
nalmente se deixar de se comportar como vítima e passar a agir como os
homens. (JIMENEZ, 2013, p. 119, grifo nosso).
Assim sendo, para melhor trânsito e permanência no “universo
masculino”, a mulher, na opinião da executiva, não só de apresentar um
comportamento tipicamente masculino, mas agir como tal.
[...] se quisermos nos fazer ouvir, é preciso falar alto e grosso (suben-
tenda-se como o homem), lutar de pé, lançar-se sobre o inimigo, ferrar
o outro, expressões que se opõem a falar baixo e docemente, submeter-
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280
-se, estar ferrado, que caracterizam o modo pelo qual se concebe o sexo
fraco idealizado. (CORACINI, 2007. p. 91).
Neste sentido podemos perceber que para a conquista da autono-
mia social da mulher não basta “travestir-se de homem”, uma vez que serão
alvos de novos e antigos preconceitos. Pois nossa sociedade ainda considera
a divisão binária de gêneros, como diria Beauvoir (1949) o homemé de-
nido como ser humano e amulheré denida como fêmea. Quando ela
comporta-se como um ser humano ela é acusada de imitar o macho.
conSideraçõeS finaiS
De tudo o que foi evidenciado, pode-se notar que para as mu-
lheres obterem espaço no meio público, levando em consideração toda
esta construção que permeia sua imagem, elas terão que se “travestir de
homem”, a ponto de desconstruir todos estes estigmas criados em torno de
sua incapacidade em tomar as decisões no coletivo, de representá-lo.
Contudo, devemos lutar para que todos compreendam que não
se trata de haver características para cada sexo, que mulheres devem ser
donas de casas e homens devem manter nanceiramente o lar, mas que
ambos tenham as mesmas oportunidades sociais sem que sejam coagidos
por suas escolhas, ou por não se adequarem a padrões pré-estabelecidos.
As mulheres foram acusadas de destruição da família, uma vez
que, ao conquistarem sua cidadania elas puderam escolher quando, como,
com quem, e se gostariam de formar um núcleo familiar e ter lhos.
Evidenciando os argumentos vê-se que a mulher, mesmo encar-
nando outro status e papel, tem a necessidade de se desprender dos seus es-
tigmas em todos os meios e de todas as maneiras para que consiga alcançar
sua autonomia plena.
De toda forma, é possível compreender, através desta análise que,
a mulher está criando suas possibilidades e através deste aspecto possibili-
tará seu vir-a-ser, a questão é ela conseguir compreender que muito além
de se desgarrar de estigmas criados sobre ela e se adequar a outros para se
inserir no meio masculino ela tem a necessidade de desconstruir a ideia
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281
formada de que ela é naturalmente algo. Muito além de ser a mulher “ma-
cha” ela pode adquirir a equidade em todos os âmbitos e ser, não o que
zeram dela, mas o que ela irá fazer disso.
referenciaS
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SANDBERG, Sheryl. Faça acontecer: mulheres, trabalho e a vontade de liderar.
Tradução Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
282
283
a naTuralização da violência conTra a
MulHer na MuSica PoPular BraSileira
Marcos Cordeiro Pires
1 MacHiSMo e a violência conTra a MulHer no BraSil
Considerando a média de aproximadamente cinco mil assassi-
natos de mulheres no período de 2001 a 2011, temos a triste constatação
de que a cada uma hora e meia uma mulher é assassinada no Brasil. Esta
horrorosa estatística está inserida em algo não menos chocante: por ano,
aproximadamente 50 mil brasileiros morrem assassinados, uma situação
pior do que qualquer campo de guerra desde o m da Guerra do Vietnam,
talvez com a exceção do genocídio de Ruanda/Burundi, em 1994.
Os dados pertinentes à violência contra a mulher constam do
informe preliminar de um estudo realizado por Garcia et al. (2013), do
Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). É importante ressal-
tar que tais dados tratam do último estágio da violência, que é a supressão
da vida, mas outros indicadores mostram que a violência de gênero é mui-
to abrangente, como a violência física, psicológica, moral, sexual e patri-
monial, na qual os parceiros são responsáveis por aproximadamente 90%
das agressões
1
. No entanto, no que se refere especicamente aos assassina-
1
Ver: Balanço do Ligue 180, jan.-jun./2014. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/dados-
do-ligue-180-revelam-que-a-violencia-contra-mulheres-acontece-com-frequencia-e-na-frente-dos-lhos/>.
Acesso em: 28 fev. 2015.
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p283-292
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284
tos, as informações coletadas são impactantes, não apenas pela vergonhosa
incidência, mas por outras peculiaridades, como:
a) Mulheres jovens foram as principais vítimas: 31% estavam na faixa
etária de 20 a 29 anos e 23% de 30 a 39 anos. Mais da metade dos
óbitos (54%) foram de mulheres de 20 a 39 anos;
b) 61% dos óbitos foram de mulheres negras (61%), que foram as prin-
cipais vítimas em todas as regiões, à exceção da Sul. Merece destaque a
elevada proporção de óbitos de mulheres negras nas regiões Nordeste
(87%), Norte (83%) e Centro-Oeste (68%);
c) a maior parte das vítimas tinham baixa escolaridade, 48% daquelas
com 15 ou mais anos de idade tinham até 8 anos de estudo;
d) no Brasil, 50% dos feminicídios envolveram o uso de armas de
fogo e 34%, de instrumento perfurante, cortante ou contundente.
Enforcamento ou sufocação foi registrado em 6% dos óbitos. Maus
tratos - incluindo agressão por meio de força corporal, força física,
violência sexual, negligência, abandono e outras síndromes de maus
tratos (abuso sexual, crueldade mental e tortura) - foram registrados
em 3% dos óbitos;
e) 29% dos feminicídios ocorreram no domicílio, 31% em via pública e
25% em hospital ou outro estabelecimento de saúde;
Como se pode constatar, ao drama do feminicídio se soma o do
racismo, mesmo porque, é sobre a mulher negra que recai o maior peso da
discriminação, como os piores indicadores de escolaridade, de renda e de
acesso aos serviços públicos.
Outro dado impactante do estudo diz respeito à inecácia da le-
gislação mais recente que busca proteger a integridade física das mulheres,
no caso da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, a conhecida Lei “Maria
da Penha” (BRASIL, 2006). Esta Lei busca
[...] criar mecanismos para coibir e prevenir a violência domés-
tica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da
Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de ou-
tros tratados internacionais raticados pela República Federativa do
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285
Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e prote-
ção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
A entrada em vigência da lei, em 2006, não alterou substancial-
mente o padrão. Entre 2001 e 2005, a taxa média foi de 5,33 mulheres
assassinadas a cada 100 mil pessoas. Entre 2006 e 2011 este número cou
em 5,18, ou seja, quase que estagnado.
É duro constatar que para esta e tantas outras questões que ai-
gem a vida da maior parte da população brasileira não bastam a criação
de mecanismos legais para coibir a violência de gênero, racial ou contra
homossexuais, idosos e crianças. Como de forma similar não basta “cons-
titucionalizar” direitos sociais sem que existam os meios para efetivamente
conferir ao Estado os recursos para sua atuação.
Aparentemente, a elite brasileira sempre busca diante de uma
situação vexatória uma saída “para frente ao tentar responder às nossas
mazelas sociais com a criação de uma nova legislação que muitas vezes são
para inglês ver
2
dada a sua inoperância. Bertold Brecht já chamava aten-
ção sobre a diferença entre intenção e ato, em seu poema “Necessidade da
propaganda”: “[...] Mesmo assim: bons discursos podem conseguir muito/
Mas não conseguem tudo. Muitas pessoas/Já se ouve dizerem: pena/ Que
a palavra ‘carne’ apenas não satisfaça, e/ Pena que a palavra ´roupa´ aqueça
tão pouco [...]” (BRECHT, 1990, p. 199).
No entanto, chama atenção que a realidade social no Brasil não se
altere com mais leis e maiores punições. Há uma certa impermeabilidade
da sociedade brasileira para valores humanitários consagrados em regiões
mais desenvolvidas do mundo. Nódoas como a escravidão, o patriarca-
lismo, o patrimonialismo e o autoritarismo que marcaram a colonização
ibérica fazem de nossa sociedade uma das mais violentas do mundo. A
isso se soma o machismo, outra característica marcante que herdamos do
sangue latino.
2
A expressão “lei para inglês ver” remonta ao século XIX, quando a elite portuguesa, nos Tratados de 1810, e a
nova elite brasileira, quando do reconhecimento da independência do Brasil pela Inglaterra, em 1824, promete-
ram ao governo inglês a extinção do tráco de escravos africanos. Tais leis caram como “letras mortas” até que,
por meio da coação militar, a Inglaterra (Bill Aberdeen, de 1844) impôs o m do tráco negreiro, formalmente
extinto em 1850.
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286
Esta característica, que associa o machismo à naturalização da
violência contra a mulher, é analisada por Minayo (2005), que busca com-
preender como os estereótipos machistas estão por detrás de muitas moda-
lidades de violência, desde o estupro até a violência associada ao mau uso
do automóvel, o que, aliás, responde por outra mazela brasileira, que são
as aproximadamente 40 mil mortes por ano (2013) no trânsito brasileiro
(POR VIAS SEGURAS, 2015).
Da reexão de Manayo, destacamos a seguinte passagem, uma
vez que nos será útil para reetir sobre a naturalização da violência contra
a mulher na sociedade brasileira. Vejamos:
A concepção do masculino como sujeito da sexualidade e o feminino
como seu objeto é um valor de longa duração da cultura ocidental. Na
visão arraigada no patriarcalismo, o masculino é ritualizado como o
lugar da ação, da decisão, da chea da rede de relações familiares e da
paternidade como sinônimo de provimento material: é o “impensado
e o “naturalizado” dos valores tradicionais de gênero. Da mesma forma
e em consequência, o masculino é investido signicativamente com a
posição social (naturalizada) de agente do poder da violência, haven-
do, historicamente, uma relação direta entre as concepções vigentes de
masculinidade e o exercício do domínio de pessoas, das guerras e das
conquistas. O vocabulário militarista erudito e popular está rechea-
do de expressões machistas, não havendo como separar um de outro.
(MINAYO, 2005, p. 23-24).
O machismo é uma herança cultural muito forte. Antes de ser a
reprodução de comportamentos exclusivamente masculinos, ele é reforçado
pela vida familiar, incluindo aí a educação recebida da mãe, que incons-
cientemente rearma os seus estereótipos. Esse aspecto é interessante. Muito
se discute sobre o aborto seletivo de fetos do sexo feminino em sociedades
tradicionais como a indiana e chinesa, mas esta decisão é tomada principal-
mente pelas mulheres, talvez querendo evitar que suas lhas tivessem um
tratamento depreciativo por parte da sociedade. O fato é que a educação
machista é processada muitas vezes pelas próprias mães, ao fazer uma divisão
da vida doméstica que onere mais as meninas do que os meninos.
Independentemente das origens do machismo, é fato que sua ex-
pressão social se alinha a comportamentos associados à violência contra as
mulheres. Cabe, no entanto, ressaltar que os casos de violência são expressões
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287
agudas desse comportamento, caso contrário, as relações de gênero no país
estariam completamente esgarçadas e a violência seria a regra e não a exceção.
Uma das principais vias da difusão de um comportamento ma-
chista é a cultura popular, particularmente a música. Não são poucos os
exemplos em que o assassínio e a violência contra a mulher são temas cor-
riqueiros e percebidos com naturalidade pela população. Na seção seguinte
discutiremos alguns exemplos selecionados.
2 a MúSica PoPular e a naTuralização da violência conTra a MulHer
De forma geral, a maior parte das letras de músicas populares tem
como tema o amor, seja ele platônico, correspondido, traído, escondido,
no começo, no m, no auge, dolorido, prazeroso etc. As brigas conjugais
tem um espaço especial na temática da música popular brasileira, mas o re-
sultado é bastante diverso, pois pode resultar em reconciliação, separação,
depressão e ainda em assassinato.
Há uma canção que trata da violência contra a mulher que não
se encaixa no modelo anterior, já que é uma crônica que descreve a vin-
gança de um malandro cuja esposa foi espancada por outro. Trata-se de Na
Subida do Morro, de Moreira da Silva, o mais conhecido samba-de-breque
do autor. Nele, o “malandro” que narra o episódio, cuja mulher foi agredi-
da, interpela o outro da seguinte forma: “Na subida do morro me conta-
ram/ Que você bateu na minha nêga/ Isso não é direito/ Bater numa mulher/
Que não é sua/ Deixou a nêga quase nua/ No meio da rua/ A nêga quase
que virou presunto/ Eu não gostei daquele assunto/ Hoje venho resolvido/
Vou lhe mandar para a cidade/ De pé junto/ Vou lhe tornar em um defun-
to [...]”. A motivação da briga, do ponto de vista machista, não poderia
ser pior, pois se trata de um atentado contra a honra e a uma propriedade
do homem, ou seja, sua mulher. Assim, antes de ser uma agressão contra
a mulher é uma afronta ao homem, que se vê impelido a buscar a forra. A
briga não foi motivada por uma agressão à mulher, mas a agressão a uma
mulher que “não era a dele”, porque está implícito de que se batesse na mu-
lher dele isso não seria um problema. Como se vê no começo da canção, a
pena para tal afronta contra a honra do malandro foi a morte.

288
Tratar a mulher como objeto também é comum na musica cai-
pira. Há diversos exemplos em que a honra do macho deve ser lavada no
sangue, mas deixemos isso para mais adiante. Neste momento, vale a pena
analisar um caso de violência moral realizada por um boiadeiro dito “de
palavra”, que tendo sua vontade questionada humilhou sua esposa e depois
a abandonou. Trata-se da canção Boiadeiro de Palavra, interpretada por
Tião Carreiro e Pardinho, uma das mais bem sucedidas duplas caipiras de
todos os tempos. A canção trata da estória de uma lha de fazendeiro que
se apaixona por um peão de sua fazenda. Para o peão, o cabelo compri-
do de sua amada seria a sua maior riqueza e que ela não poderia cortá-lo
após o casamento. No entanto, após as bodas, a mulher cortou o cabelo
e despertou a ira do boiadeiro de palavra: “Um mês depois de casado/ O
cabelo ela cortou/ Boiadeiro de palavra/ Nessa hora conrmou/ No salão
que a esposa foi/ Com ela ele voltou/ Mandou sentar na cadeira/ E desse
jeito falou/ Passe a navalha no resto/ Do cabelo que sobrou/ O barbeiro
não queria/ A lei do trinta mandou/ Com o dedo no gatilho/ Pronto pra fazer
fumaça/ Ele virou um leão/ Querendo pular na caça/ Quem mexeu nesse
cabelo/ Vai cortar o resto de graça/ A navalha fez limpeza/ Na cabeça da
ricaça/ Boiadeiro caprichoso/ Caprichou mais na pirraça/ Fez a morena
careca/ Dar uma volta na praça [...]”. Chama atenção dois aspectos dessa
canção: a primeira, por mais que o peão tenha ascendido socialmente com
o casamento com a lha do fazendeiro, nada disso poderia ser mais impor-
tante do que sua honra; a segunda questão diz respeito à publicidade de seu
ato, pois não se restringiu a raspar a cabeça da esposa mediante a coação
do cabelereiro por meio de arma de fogo (a tal lei do trinta), mas também
a humilhou ainda mais ao fazê-la circular na praça com a cabeça raspada.
No horizonte machista, o boiadeiro de palavra se transforma em um herói.
Não são poucas as canções que tratam de brigas e reconciliações. A
canção “sertanejaEntre Tapas e Beijos, de Nilton Lamas e Antônio Bueno,
interpretada pela dupla Leandro e Leonardo, aborda o tema dessa maneira:
“Hoje estamos juntinhos/ Amanhã nem te vejo/ Separando e voltando/ A gen-
te segue andando/ Entre tapas e beijos [...]”. Outro exemplo é o samba Casal
Sem Vergonha, de Acyr Marques e Arlindo Cruz, cantado por Zeca Pagodinho:
“Nós brigamos por ciúme/ Costume, queixume/ Ou coisas banais/ Não quero que
ela fume/ Ela quer que o perfume/ Que eu use não cheire demais/ Brigamos
Eaçã, , ê
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289
quando sou bravo/ Brigamos até quando banco o pamonha/ Eu já disse porque
meu bem/ Sem vergonha/ Somos um casal sem vergonha [...]”. Em comum
as duas canções muito populares descrevem a vida de pessoas comuns, ainda
num momento em que as brigas conjugais estão nos limites da discussão e ain-
da não descambando para a violência aberta. Fica implícito que as brigas são
normais e que “apimentam” a relação. O passo seguinte desse comportamento
é a violência aberta, tal como discutimos a seguir.
O samba Faixa Amarela, de Luiz Carlos e Zeca Pagodinho, inter-
pretado por este último, é um sua maior parte uma demonstração explícita
de amor, que é explicitada por meio de uma faixa amarela estendida na en-
trada da favela. No entanto, se o amor for traído, o samba assume um grau
de violência sem paralelo, veja-se: “Mas se ela vacilar, vou dar um castigo
nela/ Vou lhe dar uma banda de frente/ Quebrar cinco dentes e quatro coste-
las/ Vou pegar a tal faixa amarela/ Gravada com o nome dela/ E mandar
incendiar/ Na entrada da favela [...]”. Vale destacar que a palavra “vacilar
no horizonte da música popular é sinônimo de traição, algo que na pers-
pectiva machista é algo extremamente constrangedor.
Nessa linha, podemos incluir o samba de Martinho da Vila e
Almir Guineto Mulata Faceira, interpretada por ambos. Novamente o
grande amor é posto à prova por traições recíprocas, mas o agressor foi
apenas o homem, tal como segue: “Com ela muito dancei/ Carnavais brin-
quei/ E dos seus carinhos desfrutei/ Sempre precisava de aconchego/ Me
chamava de meu nego/ Fazia tudo para me agradar/ Eu sempre gostei do
teu chamego/ E abusei do gosto de amar/ Mas por coisas banais/ A mulata
brigava demais (bis)/ Um dia eu vacilei/ Ela também vacilou/ Vacilou eu
castiguei / Tudo se acabou/ Se acabou sem chegar ao m/ Camarada Almir
Guineto/ Acha essa nega pra mim [...]”.
As quatro canções selecionadas anteriormente partem do pressu-
posto que brigas são coisas normais. Se por acaso uma mulher for agredida
hoje, ela não deveria se preocupar porque depois tudo voltaria ao lugar. O
problema é que numa relação que descamba para a violência o problema
tende a se agravar, não o contrário. Já do ponto de vista do senso comum,
as brigas e agressões fazem parte de um universo privado onde vale a máxi-
ma popular de que “em briga de homem e mulher, ninguém põe a colher”!

290
Por m, podemos pensar no ápice da agressão à mulher, o assas-
sínio. Também aqui a canção popular naturaliza o crime passional, quase
que justicando o assassinato como uma paga para o adultério ou o aban-
dono. Esta é a trama de Cabocla Tereza, de Raul Torres-João Pacíco, imor-
talizada na voz da mais famosa dupla caipira da história, Tonico e Tinoco,
veja-se: “Há tempo eu z um ranchinho/ Pra minha cabocla mora/ Pois era
ali nosso ninho/ Bem longe deste lugar./ No arto lá da montanha/ Perto
da luz do luar/ Vivi um ano feliz/ Sem nunca isso espera/ E muito tempo
passou/ Pensando em ser tão feliz/ Mas a Tereza, doutor,/ Felicidade não
quis./ O meu sonho nesse oiá/ Paguei caro meu amor/ Pra mór de outro
caboclo/ Meu rancho ela abandonou./ Senti meu sangue fervê/ Jurei a Tereza
mata/ O meu alazão arriei/ E ela eu vô percurá./ Agora já me vinguei/ É
esse o m de um amor/ Esta cabocla eu matei/ É a minha história, dotor”.
Tal como foi construída, ressaltando mais a dor do agressor do que a da
vítima, a canção induz o ouvinte a se solidarizar com o caboclo que matou
o seu amor não correspondido. Foi a mulher que não quis o amor e que
foi se aventurar em outra relação, como diz a letra, “Mas a Tereza, doutor,/
Felicidade não quis”.
José Fortuna, o mais inuente compositor da música caipira bra-
sileira, também trata desse tema em O Ipê e o Prisioneiro, interpretado,
entre outros, pela dupla Liu e Léu: “Meu ipê orido junto à minha cela/
Hoje tem altura de minha janela/ Só uma diferença há entre nós agora/
Aqui dentro as noites não tem mais aurora/ Quanta claridade tem você lá
fora / Vejo em seu tronco cipós-parasitas te abraçando forte/ Enquanto te
abraça suga sua seiva te levando à morte/ Assim foi comigo ela me abraçava
depois me traía/ Por isso a matei e agora só tenho sua companhia. De certa
forma, apesar de considerar que o assassino está cumprindo pena, a letra da
música não deixa transparecer arrependimento com relação ao assassinato,
mas apenas com sua condição de recluso que não tem “mais auroras”.
conSideraçõeS finaiS
Concluo esta breve reexão com certo pessimismo. Apesar de ve-
ricarmos as terríveis estatísticas que envolvem a violência de gênero no
Brasil, não se visualiza na sociedade brasileira um movimento de fundo
Eaçã, , ê
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291
que vá contra esta corrente. Os exemplos de músicas populares citados
aqui, alguns de meados do século XX, outros do começo do século XXI,
mostram que existe uma cultura enraizada e que se reproduz junto às ge-
rações mais novas, da qual o seu principal componente é o machismo.
Infelizmente, a adoção de legislações e mecanismos de apoio às mulheres
são insucientes, como mostra o estudo do IPEA, para reverter o quadro.
Não quero com isso menosprezar as políticas públicas pertinentes à mu-
lher, mas o Estado não pode estar em todos os lares para evitar os crimes
que ocorrem entre quatro paredes. Se assim fosse, o país seria uma enorme
penitenciária, não só por esse tipo de crime, mas por inúmeros outros que
colocam em xeque o nosso estádio de civilização.
Vale destacar que não zemos neste trabalho um estudo exaus-
tivo para analisar o conteúdo de todas as músicas e gêneros, mas busca-
mos analisar as canções de alguns interpretes bastante populares, sendo até
um deles reconhecido por suas posições progressistas (Martinho da Vila).
Tristemente constatamos que a violência contra as mulheres é naturalizada
no Brasil, não apenas pelos “tapas e beijos”, mas até mesmo a complacência
com o crime passional. Sabemos que se analisássemos outra letras, como
as músicas do chamado “funk carioca” teríamos uma miríade de exemplos,
do tipo “tapinha não dói”, mas não foi o caso.
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MULATA Faceira. Disponível em: <http://letras.mus.br/martinho-da-
vila/261840/>. Acesso em: 28 fev. 2015.
NA SUBIDA do Morro: Disponível em: <http://letras.mus.br/moreira-da-
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O IPÊ e o Prisioneiro. Disponível em: <http://letras.mus.br/liu-e-
leo/1244399/>. Acesso em: 28 fev. 2015.
293
Por que fui agredida: oS MoTivoS
relaTadoS Por MulHereS que foraM
agredidaS Por SeuS coMPanHeiroS
Luiz Roberto Vasconcellos Boselli
“[...] Todas crianças da favela sabem como é o corpo de
uma mulher. Porque quando os casais que se embriagam
brigam, a mulher, para não apanhar, sai nua para a rua.
[...]” Carolina Maria de Jesus
“[...] não se nasce mulher, torna-se mulher [...]” Simone
de Beauvoir
inTrodução
A agressão física e/ou psicológica, que aige e faz das mu-
lheres as vítimas mais frequentes, se constitui em fato rotineiro desde os
primórdios da civilização humana. Historicamente, a sociedade humana
Ocidental manchou, em inúmeras oportunidades, a sua trajetória histórica
ao contribuir com esta realidade. Diversos foram os momentos e/ou fa-
tos históricos nos quais mulheres foram as principais vítimas. Um fatídico
e perverso exemplo foi a Inquisição, tribunal eclesiástico instituído pela
Igreja católica no começo do sec. XIII com o to de investigar e julgar
sumariamente pretensos hereges e feiticeiros, acusados de crimes contra
a fé católica. Durante os quatrocentos anos, que este catastróco age-
lo, perpetrado por uma parcela da raça humana, existiu como pseudover-
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p293-304

294
dade única, milhares de vítimas foram enviadas para as fogueiras, dentre
estas vítimas um expressivo número foi contabilizado entre as mulheres,
posto que só o fato de ser mulher já a colocava na condição de suposta
herege. Cronologicamente, vamos encontrar em 1793, em Paris/França,
Olympe de Gouges, que foi condenada à morte por ter defendido e postu-
lado uma Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã e por “esquecer
as virtudes de seu sexo e se imiscuir nos assuntos da república” (TELES;
MELO, 2002). Suas ideias eram pautadas acerca das lacunas existentes
na Declaração dos Diretos dos Homens e do Cidadão. Este documento,
fruto da Revolução Francesa, lançado sob a égide dos princípios da liber-
dade, da igualdade e da fraternidade, propôs um novo ideal de convivência
entre seres humanos. Embora, reconhecidamente, tenha avançado acerca
das liberdades e direitos gerais, não fez alusão ao Direitos e Liberdades da
mulher-cidadã. A título de nalizar as citações de emblemáticos aconteci-
mentos, resgatamos outro terrível e marcante episódio registrado na his-
tórica crônica ocidental. Aconteceu em 1857, na cidade de Nova Iorque/
EUA, na Fábrica de Tecido Cotton. As 129 mulheres que trabalhavam
como tecelãs, iniciaram um movimento reivindicatório por aumento de
salário e redução de jornada de trabalho para 12 horas. Este movimento
originou a primeira greve organizada por mulheres. Como solução para
nalizar o movimento grevista, os proprietários da fábrica ordenaram que
a mesma fosse incendiada com todas as trabalhadoras trancadas no interior
da fábrica. Todas morreram queimadas! O investimento humano para alte-
rar profundamente, este deplorável panorama humano, vem sendo consis-
tente e persistente, ao concretizar signicativos avanços na implementação
da identidade de Cidadã, para cada mulher que existe na face da terra.
Entretanto, longo ainda é o caminho para a transformação ser concretizada
em uma sociedade igualitária. Haja vista que, atualmente, muitas são as
páginas policiais, dos vários jornais que circulam pelo mundo afora, que
frequentemente trazem notícias acerca de agressão sofrida por mulheres do
povo, até então anônimas, e ou celebridades, frequentadoras das páginas
sociais, ou seja, ainda grassa entre os seres humanos a “violência contra a
mulher” – a violência de gênero é a manifestação das relações históricas de
poder entre masculino e feminino que se reproduzem na prática cotidiana.
Diversas pesquisas revelaram com propriedade, quantitativamente e quali-
tativamente, dados acerca da violência de gênero. Em uma abrangente pes-
Eaçã, , ê
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295
quisa a Fundação Perseu Abramo (2001), apurou, acerca da violência con-
tra a mulher, que 43% das entrevistas assumiram ter vivenciado algum tipo
de violência por parte de homens. Em relação a violência física – espanca-
mentos e/ou estupros – um terço das entrevistadas admitiu terem sofrido.
Uma em cada dez mulheres já cou trancada em casa contra sua vontade.
Outras contabilizando 8% já foram ameaçadas por armas de fogo e 6%
sofrearam abusos – foram forçadas a realizarem práticas sexuais indeseja-
das. Outro estudo realizado pelo Departamento de Medicina Preventiva da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), patrocinado
pela Organização Mundial de Saúde (OMS), apontou que das mulheres
entrevistadas (2.645), 29% da cidade de São Paulo (Capital) e 37% na
Zona da Mata (Pernambuco) sofreram violência física cometida por seus
parceiros. Em 2002 foi realizada a Pesquisa Nacional sobre Vitimização
pela Secretaria Institucional da Presidência da República. Este estudo en-
controu, como agressor, o companheiro, em 43% das mulheres agredidas
sicamente. A presença constante na mídia, ainda, de episódios nos quais
mulheres anônimas ou não são as vítimas de agressões físicas e/ou emo-
cionais, nos aponta que estamos distantes de uma sociedade igualitária.
Dados do Anuário das Mulheres Brasileiras 2011, divulgado pela Secretaria
de Políticas para as Mulheres e pelo Dieese, mostrou que quatro entre
cada dez mulheres brasileiras já foram vítimas de violência doméstica. A
mulher brasileira conta também com o Plano Nacional de Políticas para
as Mulheres, desenvolvido pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, da
Presidência da República. Lançado em 2005, o plano traduz em ações o
compromisso do Estado de enfrentar a violência contra a mulher e as desi-
gualdades entre gêneros. Uma dessas ações práticas é o Pacto Nacional pelo
Enfrentamento à Violência contra a Mulher, criado em 2007, que consiste
num acordo federativo entre o governo federal, os governos dos estados
e dos municípios brasileiros para o planejamento de ações que visem à
consolidação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra
as Mulheres por meio daimplementação de políticas públicas integradas
em todo território nacional (PORTAL EDUCAÇÃO, 2015). Em nossa
Constituição/88 é reconhecida a violência doméstica no parágrafo 8º, art.
226: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos
que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de
suas relações.” (BRASIL, 1988). A denição de “violência contra a mu-

296
lher” foi estabelecida na “Convenção Interamericana para Prevenir, Punir
e Erradicar a Violência contra a Mulher” – Convenção de Belém do Pará
de 1994. Desta maneira, assim foi escrito em seu Artigo 1º que “[...] deve-
-se entender como violência contra a mulher qualquer ação ou conduta,
baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou
psicológico à mulher, tanto no público como no privado”. Em 2006 o
Congresso Nacional Decretou a Lei nº 11.340 que recebeu a denominação
popular - Lei Maria da Penha – homenagem a esta mulher que foi vítima
de violência doméstica durante 23 anos de casamento. Esta Legislação visa
aumentar o rigor das punições aos homens que agridem física ou psico-
logicamente a uma mulher ou à esposa, o que é mais recorrente. Em sua
introdução consta:
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a
mulher, nos termos do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e a
Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de
Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras
providências. (BRASIL, 2006).
A violência de gênero, este agelo humano, surge como substrato
do processo civilizatório de toda a humanidade. Sua construção ocorreu
conjuntamente com a trajetória humana e foi formalizada como uma ima-
gem mundial de inferioridade de toda ordem e, devendo, ainda, a mulher,
assumir ser submissa e aceitar passivamente a dominação masculina. Assim,
em escala mundial onde existe uma sociedade humana, na qual convivem
mulheres e homens, esta construção está presente ora atrelado a justicati-
vas religiosas, ora por justicativas raciais, políticas, ou quer por justica-
tivas circunscritas no âmbito pessoal (submissão e dominação), ocorrendo
em todos os lugares em maior ou menor grau. O processo de perenizar
esta construção humana ocorreu e ocorre durante a socialização primária
que todo ser humano vivencia em seu agrupamento familiar e, geralmente
é raticada na vivência da socialização secundária que acontece no meio
social mais amplo, externo à família. A socialização primária ocorre dentro
de um agrupamento familiar. É no âmbito deste grupo que adquirimos a
Eaçã, , ê
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297
nossa linguagem. Durante esta convivência interiorizamos os valores e as
crenças que permeiam o grupo familiar. Aprendemos com nossos pais,
irmãos, parentes próximos, animais e plantas. Desenvolvemos habilidades
e incorporamos aprendizagens. Enm, interagimos e aprendemos com to-
dos os elementos presentes no universo familiar. Muito do que seremos e
faremos, no meio social externo, será a expressão do que está presente em
nossa subjetividade (nosso universo interior), esta que é resultante das re-
ferências da objetividade vivenciada neste processo socializante inicial. Reis
(1984) entende que é na família, como instância mediadora, entre o meio
social e o indivíduo, que ocorre a aprendizagem da percepção do mundo e
como se situar nele. A socialização secundária acontece no contexto social
externo ao meio familiar. É quando passamos a frequentar escolas, clubes,
associações, partidos políticos, turmas etárias e grupos socialmente estru-
turados e com especícos objetivos. A vivência deste processo social irá
perdurar enquanto existirmos como seres humanos sociais. Nossa inser-
ção, no contexto social mais amplo, nos proporciona a aprendizagem das
funções mais especícas das instituições, as subdivisões do contexto social
concreto e as representações ideológicas da sociedade na qual estamos inse-
ridos. Segundo Guareschi (1993) as representações de poder e autoridade
de crianças se estruturam nas interações sociais, vivenciadas desde tenra
idade, e são produzidas revelando dualismos: dominantes-dominados; au-
tonomia-submissão e amor-ódio. Em seu estudo “Sobre modelos de gênero
em crianças escolarizadas” Souza (2004), em uma pesquisa exploratória,
levantou as representações de crianças (ambos os sexos) sobre o que é ser
menina e o que é ser menino. O autor observou que sobre o que é ser
menino, as meninas não abstraem elementos que se referem a responsabili-
dades. As atividades referentes à responsabilidade fazem parte da denição
sobre o que é ser menina e mencionam trabalhos domésticos, como cuidar
da casa e de seus irmãos e irmãs. A reprodução de construções acerca da
representação social do que é ser mulher e do que é ser homem, ocorre na-
turalmente, ao absorvermos objetivamente e subjetivamente o paradigma
ideológico predominante no agrupamento familiar. Para Souza (2004) é a
escola, como lugar privilegiado para problematização das diferenças, que
pode desnaturalizar modelos armativos das desigualdades e da exclusão,
permitindo a efetivação de relações verdadeiramente democráticas entre os
sexos. Entretanto, as conquistas alcançadas no século XIX continuaram a

298
serem consolidadas com outras efetivadas no século XX e, outras que serão
implementadas no século XXI. Uma amostra destas signicativas vitórias,
em um contexto que ocorreram avanços nos Direitos Humanos, junta-
mente com a consolidação do conceito de Cidadania, foi a concretização,
no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, de Delegacias da Mulher - a partir de
meados da década de 80 do século XX. Estes espaços ociais proporcio-
nam às vítimas de agressão um lugar em que realizam suas denúncias e
ao mesmo tempo se sentem protegidas. Contudo, nem sempre a vítima
encontra um ambiente acolhedor. O constrangimento e a humilhação, ge-
ralmente acontece quando das denúncias de estrupo. Esta situação acaba
desestimulando as vítimas a fazerem a denúncia. Ocorre também, uma
certa diculdade em registrar uma queixa, quando o agressor é o marido –
preferem aguentar caladas a situação, por amor aos lhos, e porque foram
educadas para obedecer ao marido (TELES; MELO, 2002). Entretanto,
Dados da Central de Atendimento à Mulher (ligue 180) revelaram um
grande aumento das denúncias. Os atendimentos da central subiram
de 43.423 em 2006 para 734.000 em 2010, quase dezesseis vezes mais
(PORTAL EDUCAÇÃO, 2015). Hoje em dia existem diversas cidades
que possuem sua Delegacia da Mulher. A cidade de Marília que não está
isenta destes tristes acontecimentos entre seres humanos, atualmente conta
com uma unidade da Delegacia da Mulher. Como estudioso e pesquisador
de Relações Humanas, ao reetirmos sobre este tema, entendemos que
nenhum motivo justica tais atos humanos, mesmo que ainda perdure a
construção social do ser humano mulher e do ser humano homem: o ho-
mem poderoso e agressor e a mulher submissa e vítima. Assim, foi nossa
intenção com esta pesquisa, junto a Delegacia da Mulher de Marília, veri-
car qual o motivo declarado, pela vítima, que culminou com a agressão e
quem foi o autor desta desumana ação.
MeTodologia
Trabalhamos com uma amostra aleatória de 232 Termos
Circunstancial de Ocorrência (TCO), dos arquivos da Delegacia de Defesa
da Mulher, da cidade de Marília, cujas vítimas eram mulheres e os agres-
sores homens. Os dados receberam tratamento estatístico descritivo para
contagem das frequências e percentagens de acordo com as categorias for-
Eaçã, , ê
 êa
299
muladas. As nomenclaturas usadas nas tabelas correspondem aos termos
que encontramos nos TCOs.
reSulTadoS
Caracterização das Vítimas - segundo os dados levantados nesta
amostra de TCO a maior percentagem das vítimas está localizada na faixa
etária entre 21 e 30 anos de idade (38%), seguida pela faixa entre 31 e 40
anos (28%) e entre 41 e 50 anos (N17%). Entre 11 e 20 anos, ocorre uma
diminuição para (12%), de 51 a 60 anos para (4%) e, de 61 a 70 anos para
(1%). Araújo, Martins e Santos (2004), em pesquisa realizada na Delegacia
de Defesa da Mulher de Assis, analisaram 2.166 Boletins de Ocorrência,
nos quais a mulher era vítima de agressão efetivada por homem. Neste
trabalho a faixa etária predominante é assemelhada aos nossos resultados,
ou seja, a faixa etária entre 21 e 30 anos (34%), seguida pela faixa entre
31 e 40 anos (28%) e entre 11 e 20 anos (19%). Em seu estudo a faixa
etária entre 41 e 50 anos, apresenta uma percentagem que cai para 13% e,
acima de 50 anos, para 5%. Dados semelhantes encontramos em Silva et
al. (2013), em pesquisa realizada na delegacia da mulher do município de
João Pessoa-PB, na qual foram analisados cinquenta processos existentes
nesta Delegacia registrados nos meses de fevereiro e março de 2010 e 2011.
Neste trabalho, em relação a faixa etária, os dados mostram que a faixa
predominante também caracteriza mulheres jovens com idade entre 21 a
25 anos (26%). Em relação ao estado civil, declarado no ato da denúncia,
apuramos que a maior percentagem recaiu sobre a opção Amasiada (N68 -
30%), seguida de Casada (N65 - 28%) e de Solteira (N64 - 27%). Em nos-
sos dados também apareceram Separada (N27 - 11%), Viúva (N6 - 3%)
e Divorciada (N2 - 1%). Na pesquisa em João Pessoa, os dados apontam
que a maioria declarou estar vivendo em União Estável (48%) ou Solteira
(44%). Na pesquisa de Assis, o estado civil das vítimas difere no percentual
de colocação de Casada (57%), seguido depois 17% de Divorciada, 23%
de Solteira e 3% de Viúva. Em ambas as pesquisas não constam a catego-
ria de Amasiada e também a de Separada. Solteira aparece em terceira ou
segunda posição, semelhante aos nossos achados. Os dados da pesquisa de
Assis retratam uma realidade ainda preponderante em relação ao casamen-
to que, da forma que ainda se estrutura traz a submissão da mulher pelo
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300
homem, mesmo que tenha acorrido signicativas mudanças e possibili-
dades legais de rompimento, como o divórcio. Esta posto, historicamente
construído, que o casamento formal, e até mesmo o informal, estabelece
os direitos do homem sobre a mulher, legitimizado pelas ideologias ma-
chistas e sexistas. Quanto ao dado da pesquisa de Marília, em que aponta
a supremacia de Amasiada, podemos entender que pode caracterizar uma
busca por uma relação mais igualitária e, também, talvez, por “entender
ser mais fácil de romper”. A respeito da ocupação prossional das víti-
mas, nossos dados mostram que 27% (N62) declarou ser Do lar (afazeres
domésticos sem remuneração), depois 16% (N36) Comércio, seguido de
15% (N35) Doméstica (afazeres domésticos com remuneração) e, Diarista
13% (N31). Além destas opções aparecem Estudantes e Indústria com 8%
(N19). Serviços, Aposentadas e Desempregadas tem percentagem abaixo
de 10%. Em relação a ocupação das vítimas os dados de Assis retratam uma
situação igual a de Marília: as duas percentagens maiores são de Do Lar/
Marília (27%) e de Serviços domésticos não remunerados/Assis (41%).
Em João Pessoa a maior percentagem, semelhantes a Marília e Assis, tota-
lizou em Do Lar (37%). Esses dados nos leva a pensar que, talvez, ainda é
signicativo o número de mulheres que dependem economicamente dos
seus maridos ou companheiros.
Caracterização dos Agressores – segundo os dados coletados a
maior percentagem dos agressores está localizada na faixa etária entre 21
e 30 anos de idade (28%), entre 31 e 40 anos (25%), entre 41 e 50 anos
(10%) e, entre 11 e 20 anos (%9). Entre 51 e 60 anos a percentagem dimi-
nui para (3%) e, não constava a informação da idade em 25%. A percenta-
gem da faixa de idade que predominou entre os agressores equivale a faixa
que predominou entre as vítimas, ou seja, a faixa etária que contempla o
adulto jovem. Em relação a este dado, no trabalho de João Pessoa, a maioria
também apareceu como adulto jovem (37%). Acerca do estado civil obser-
vamos
que o dado Amasiado (N71 - 30%), Casado (N60 - 26%) e Solteiro
(N35 - 15%) predominou entre os agressores. Outras opções apareceram
como Separado (N16% - 7%), Viúvo (N1 - 1%) e em 21% (N49) dos
TCOs nada constava. Esta distribuição, embora apresente números dife-
rentes dos dados das vítimas, apresenta a mesma sequência quantitativa
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301
Amasiada, Casada e Solteira. No trabalho de João Pessoa o agressor, em
sua maioria, são os próprios companheiros (70%) e na pesquisa de Assis o
índice é de 69%. Sobre Ocupação Prossional, a distribuição retrata o per-
l de ocupação dos agressores com predomínio de atividades relacionas a
Serviços (N79 - 34%), Comércio (N25 - 11%), seguido de Indústria (N24
- 10%) e Construção Civil (N21 - 9%). Os dados acerca de Desempregado
e Aposentado apareceu abaixo de 10%. No estudo de João Pessoa, seme-
lhante ao dado de Marília, a maioria dos agressores, atuam na prestação de
serviços (44%). Os dados referentes ao perl da vítima e do agressor são
congruentes em relação a faixa etária predominante e ao estado civil decla-
rado. A diferença signicativa aparece quando olhamos para os dados de
ocupação das vítimas e dos agressores. A maioria das mulheres, desta amos-
tra, declarou que, em termos da sua ocupação, ser Do Lar, ou seja, realiza
trabalho doméstico sem remuneração. Quanto a ocupação dos agressores,
em quase a totalidade dos dados, suas atividades prossionais são exercidas
fora do lar, a distribuição apontou que, apesar de alguns setores privilegia-
dos, outros apareceram com baixa percentagem. Em relação aos motivos
das agressões sofridas, declaradas quando do registro da queixa, vemos na
distribuição que ocorre o predomínio da categoria Desentendimentos (N61
- 26%), sendo que em seguida temos Desavença Familiar (N42 - 18%) e
Agressividade do Parceiro (N33 - 15%). Com o mesmo percentual temos
Alcoolismo e Ciúmes (N31 - 13%). Aparecem também outros motivos bem
abaixo de 10%. Em relação à pesquisa de Assis, o motivo de maior percen-
tagem é de Discussão (47%), muitas vezes motivados por ciúmes ou também
pelo uso abusivo de álcool. Acerca dos dados de João Pessoa aparecem o
abuso do álcool (26%) e o ciúme (49%) como fatores que predispõe á agressões.
Podendo entender como sinônimos – Desentendimentos e Discussão - que
indicam, talvez, uma tendência de enfrentamento adicionada a coragem de
ir à Delegacia da Mulher e prestar queixa. O dado Desentendimentos aparece
como o motivo gerador do maior número de agressões sofridas pelas víti-
mas e anotadas nos TCOs. Este motivo, provavelmente, aponte para um
explícito esgarçamento das relações interpessoais, principalmente quando
nda o período de encantamento amoroso e as mazelas do cotidiano ga-
nham espaço na vida a dois. Neste cenário, surgem as factuais intolerâncias
que se concretizam em atos agressivos perpetrado pelo parceiro mais forte,
respaldado por uma cultura predominante machista e sexista que ainda
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302
tem existência em todos os rincões da terra em menor ou maior grau. Este
dado, também nos leva a reetir se ele aparecendo em maior número de-
nota um avanço da luta diária da mulher para valer seus direitos e para tal
necessita ir para o confronto com o seu opressor. Esta maior incidência de
enfrentamentos termina sempre com atos agressivos do mais forte por não
aceitar que o mais fraco não se submeta aos seus caprichos. Se este pensar
faz sentido, com certeza estamos vivendo um período histórico que nos
faz entender como uma transição para uma sociedade igualitária e hormô-
nica entre os gêneros. O enfoque da Psicologia Social nos permite ousar,
olhando de outra maneira estes dados, como a possibilidade de estarmos
vivendo um período histórico no qual aparentemente este aumento de
violência sofrido pelas mulheres (ou aumento de denúncia), está aumen-
tando porque as mulheres não mais estão aceitando passivamente a sua
dominação pelo homem. Estes estudos contribuem de modo a dar mais
visibilidade à violência doméstica contra as mulheres e cooperar com a
reexão para o aprofundamento dos debates e conhecimento acerca deste
agelo que permeia a raça humana. A literatura aponta a necessidade e a
urgência da mobilização dos mais diversos setores da sociedade e de todo
o envolvimento do Estado desenvolvendo ações que detenham, previnam
e a erradiquem a violência de gênero. Embora reconhecemos e a literatura
histórica e a vida cotidiana nos conrmam que é signicativo os avanços
conquistados por lutas travadas, principalmente por mulheres, em direção
dos plenos Direitos da Cidadã e a convivência em uma sociedade igualitá-
ria. Entretanto, o caminho até a implantação real desta almejada sociedade
exige a remoção de diversos obstáculos psicossociais, políticos e jurídicos.
Um processo que não é tranquilo, mas que pode e deve ser construído
continuamente, por mulheres e homens. Devemos reconhecer que muitas
conquistas foram efetivadas visando alterar este histórico panorama social.
Entretanto, muito ainda a que se fazer para que as mulheres conquistem a
cidadania plena, vivenciando a igualdade de direitos nas relações de gênero
em uma sociedade igualitária. Estas pesquisas, mesmo sendo localizadas e
com seus próprios limites metodológicos, apresentam panoramas de resul-
tados semelhantes, o que nos leva a entender que são dados importantes de
serem divulgados. Cabe, como consideração nal, que este artigo, no mí-
nimo, possa ser visto como um incentivo para uma maior reexão acerca
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 êa
303
da busca de uma sociedade igualitária na qual os gêneros sejam respeitados
em seus direitos e liberdade de existência.
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305
oS MoviMenToS FeMiniSTaS BraSileiroS
na LuTa PeloS DireiToS daS MulHereS
Elione Maria Nogueira Diógenes
Maria Custódia Jorge Rocha
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
inTrodução
Na História do país, encontramos exemplos de exercício de ci-
dadania através de ações empreendidas por inúmeras mulheres que não se
conformavam com a desigualdade à qual estavam submetidas, naturaliza-
das na cultura patriarcal. Antes de iniciarmos as reexões que pretendemos
realizar neste texto, relembraremos o exemplo de duas grandes mulheres
que não se intimidaram e que lutaram pelos direitos de todas. Inicialmente,
ressaltamos a importância das ações de Nísia Floresta (1810-1885), edu-
cadora, escritora e poetisa, nascida no Rio Grande do Norte, considerada
uma das primeiras feministas brasileiras. Dedicou-se a contribuir para uma
educação igualitária, fundando uma escola na qual o currículo era igual
para meninas e meninos. Em 1853, publicou o Opúsculo Humanitário,
uma coleção de artigos sobre emancipação feminina, dentre outras obras.
Ressaltamos, também, a luta pela igualdade de direitos jurídicos
entre os sexos, empreendida por Bertha Lutz (1894-1976), que foi cientis-
ta, líder feminista e política paulista. É uma das pioneiras da luta pelo voto
feminino e pela igualdade de direitos entre homens e mulheres no país.
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p305-322
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306
O direito de voto feminino foi garantido apenas dez anos depois da mo-
bilização tendo Bertha na liderança, em 1932, por decreto-lei pelo então
presidente Getúlio Vargas. Em 1936, assumiu uma cadeira de deputada na
Câmara Federal e durante seu mandato, defendeu a mudança da legislação
referente ao trabalho da mulher e dos(as) menores de idade, propondo a
igualdade salarial, a licença de três meses para a gestante e a redução da
jornada de trabalho, que naquele momento era de treze horas.
Estes são exemplos do papel das mulheres na História brasileira,
que ousaram não aceitar o modelo a elas imposto e lutaram, por vezes
sofrendo perseguições, por não se conformarem com as desigualdades im-
postas às mulheres no país.
Durante a ditadura militar, nos anos de 1970, pudemos observar
a experiência feminista e o nascimento do movimento político organizado.
O mesmo ocorreu na América Latina, com a transição dos governos autori-
tários para governos democráticos, quando surgiu a preocupação feminista
com o Estado. Neste período, algumas feministas começaram a pensar ser
possível promover mudanças na situação das mulheres a partir do Estado,
mas também porque os contextos políticos locais e globais estavam mu-
dando. Não havia consenso a este respeito pois havia a preocupação de que
institucionalizando as questões das mulheres, ocorreria a despolitização do
movimento. Podemos dizer que até o período recente, os Estados demo-
cráticos proclamam-se receptivos ou, “[...] pelo menos retoricamente, se
dizem mais abertos às reivindicações pela equidade de gênero”, conforme
relembra Alvarez (2000, p. 13).
Nos anos de 1990, constatamos inúmeras políticas pró-gênero,
com a criação de instituições especícas para as mulheres, leis de quotas,
leis antiviolência mas, ainda de acordo com Alvarez (2000, p. 14), ao en-
contro do que temiam algumas feministas, “[...] o Estado muito fala de
gênero e pouco faz para empoderar as mulheres.
Ainda conforme a autora, apesar do papel importante das rei-
vindicações feministas, tanto locais como globais para a promoção das
normas nacionais e internacionais de gênero que indiretamente inspiram
esses modernos discursos estatais pró-gênero, a incorporação da mulher ao
desenvolvimento nem sempre se inspirou no feminismo e sim nos pressu-
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307
postos do capitalismo global. O que podemos constatar, no plano geral, é
que os Estados modernos que se dizem receptivos à questão de gênero, ao
mesmo tempo, promovem políticas públicas que pouco têm a ver com a
equidade e com as demandas feministas (ALVAREZ, 2000). No caso brasi-
leiro, outro fator complicador para o avanço das demandas feministas, tem
sido a inuência de alguns setores religiosos nas políticas, como pudemos
constatar recentemente na mobilização para a retirada do termo gênero dos
Planos de Educação, desde os municipais ao nacional, sob a justicativa de
que contemplar gênero signicava trabalhar na perspectiva da ideologia de
gênero, poderia acabar com a família tradicional heterosexual, vista como
modelo e consolidada no Estatuto da Família, de 2015.
Estes fatos mencionados mostram a diculdade para os movi-
mentos sociais verem garantidas suas demandas o que leva a ainda consta-
tarmos vários aviltamentos aos direitos das mulheres na atualidade, como
por exemplo, a persistente desigualdade salarial e a violência contra as mu-
lheres, dentre outros problemas. Conforme arma Voët (2015), no mundo
inteiro, metade da população, a feminina, experimenta violência ou ame-
aça de violência contra sua pessoa. As investigações mundiais demonstram
que pelo menos uma em 30 % das mulheres vivenciaram ao menos um
incidente de violência como ser agredida, violada ou ameaçada em forma
econômica, psicológica, física e sexual.
As pesquisas apontam que a violência contra a mulher é um pro-
blema universal que afeta a todas as classes sociais e independe da situação
econômica ou educacional, estado civil, raça-etnia, orientação social ou
idade. As diferentes formas de violência (psicológica, patrimonial, moral,
física, sexual) vivenciadas pelas mulheres, em sua maioria, são perpetradas
por homens conhecidos dela: seu esposo, noivo, patrão, pai ou amigo.
Isto demonstra a diferença principal entre o fenômeno da violência con-
tra a mulher e a violência que vitimiza os homens. Enquanto a violência
que atinge os homens ocorre principalmente no espaço público (ataques,
roubos ou por uso de drogas), as mulheres sofrem dupla violência, estas
ocorridas no espaço público incluindo, por exemplo, assédio e estupro em
transportes públicos e a violência no espaço privado, no seio familiar.
Apesar desta realidade constatada, é inegável a importância dos
movimentos feministas para mudanças no plano legal e no âmbito rela-
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308
cional no sentido de vencer a desigualdade, portanto, relembraremos aqui
parte desta história de luta pelo reconhecimento dos direitos das mulheres.
releMBrando aS õeS feMiniSTaS no BraSil
De acordo com Foygeyrollas-Schwebel (2009), citando Fraisse
(1992), na América e na Europa, o feminismo só se manifesta, enquanto
movimento político de luta das mulheres, na segunda metade do século
XX. Essas lutas partem do reconhecimento das mulheres como oprimidas
e em situação de desigualdade em relação aos homens, na certeza de que
tais relações não são naturais, e que existe a possibilidade política de sua
transformação. A reivindicação de direitos nasce do constatação do hiato
entre a armação dos princípios universais de igualdade e as realidades
de desigualdade vivenciadas na vida em sociedade, entre homens e mu-
lheres, seja no que diz respeito aos poderes, à educação, à remuneração,
dentre outros âmbitos. Neste contexto, a reivindicação política do femi-
nismo emerge em relação a uma “[...] conceituação de direitos humanos
universais; ele se baseia nas teorias dos direitos da pessoa, cujas primeiras
formulações resultam das revoluções norte-americana e depois a francesa.
(FOYGEYROLLAS-SCHWEBEL, 2009, p. 144)
No caso brasileiro, além do que já relembramos acerca dos movi-
mentos feministas no país, conforme Matos (2010, p. 13)
Ao contrário de um movimento bem organizado, no Brasil não pode-
mos caracterizar períodos tão distintamente claros de movimentação
de mulheres como sendo exclusivamente “feministas”. Porém é neces-
sário destacar que as “vozes feministas” aqui sempre surgiram diante
das muitas estruturas opressoras e conservadoras, mesmo precocemen-
te, desde o século XVII e XVIII. Apesar da existência de forte cultura
em termos políticos, as vozes feministas brasileiras aparece(ra)m dos
lugares menos esperados e em momentos ainda menos propícios. Essas
vozes” chamaram a atenção de outras mulheres e abriram o caminho
para a entrada de algumas delas na arena pública e, portando, para as
suas próprias demandas.
Conforme já mencionamos, os anos de 1980 são representativos
porque foi o período de abertura democrática do país possibilitando a mo-
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309
bilização para discussão acerca da situação das mulheres brasileiras a m de
levar suas demandas para serem defendidas na Constituinte. Organizado
em todo o território nacional, o movimento feminista foi um dos líderes
da campanha da Constituinte, juntamente com o Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher (CNDM).
O foco das mudanças que permearam o processo de redemocra-
tização da sociedade brasileira foi a garantia dos direitos sociais e indivi-
duais e o marco denitivo desse processo, além das eleições diretas para a
presidência da República, foi a elaboração da nova Constituição Federal,
promulgada em 1988, que contemplou os anseios da população, entre eles
as demandas dos movimentos sociais, dentre eles o feminista.
No período que precedeu a Assembléia Nacional Constituinte,
entre 1975 e 1985, variados segmentos sociais (trabalhadores/as, mulheres,
comunidade negra, portadores/as de deciência, educadores/as, defensores
da criança e do/a adolescente) uniram-se a organizações mais inuentes.
Conforme relembra Kyriakos (2007, p. 27), “Os debates ocorreram de
norte a sul, de leste a oeste, os/as acionados/as da participação popular,
os/as índios/as se organizaram e tantos/as outros/as. Criou-se o Partido
dos Trabalhadores, foi retomado com maior empenho o Partido Socialista
Brasileiro [...]”
Foi um momento em que além da luta pela redemocratização, o
feminismo também aprofundava o debate sobre a igualdade e a diferença.
Entretanto, apesar das especicidades do ser mulher, as diferentes mulheres
estiveram unidas e tiveram uma participação ativa contribuindo para a re-
democratização do país, processo esse iniciado na década de 1970, quando
em pleno regime militar saíram às ruas na campanha pela anistia, contra
a violência, contra a carestia, e, posteriormente, em 1980, pelas eleições
diretas, culminando com a eleição de algumas mulheres para a Assembléia
Legislativa. O número de eleitas não foi expressivo, 5%, mas, o efeito pe-
dagógico do processo foi positivo pois além de trazer à luz os problemas
das mulheres, foram incorporados na Constituição de 1988, temas impor-
tantes para a vida das mulheres brasileiras, além da igualdade de direitos
entre homens e mulheres (BRABO, 2005, 2008) .
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310
Este é um dos exemplos que faz ver que o estudo sobre a partici-
pação da mulher na política não pode ser limitado ao processo eletivo, ao
ato de votar e ser votada. Embora seja a face mais objetiva da atuação po-
lítica, tal conceito tradicional de participação tende a considerar as formas
institucionalizadas de manifestação (a integração a partidos, organizações
prossionais, exercício de mandatos eletivos, voto, eleição). Tais critérios
mostram uma baixa participação que esconde outra atuação na vida em
sociedade. Através de formas novas e ousadas de interlocução com o Estado
elas reivindicavam não só direitos mas um espaço público de negociação,
assim, inauguraram uma nova forma de fazer política, uma forma demo-
crática (BRABO, 2005, 2008).
A ação das mulheres brasileiras corresponde ao que Chauí (1994)
defende, ou seja, a alternativa de criação de espaços públicos onde se possa
ter a liberdade de falar, escutar, ser ouvido pois sem espaço público não há
política, não há movimento, as sociedades se congelam. Para a autora, o
espaço público é uma arena de debates e de conitos que vão gerar a ética
e a política, do qual devem participar todos os setores da sociedade, prin-
cipalmente os que sofrem a exclusão historicamente construída, como no
caso, as mulheres.
Essa participação inaugurada pelo movimento feminista brasileiro
é o pressuposto das modernas teorias da democracia. Conforme se lê em
Lima (1998, p. 23), “a teoria da democracia como participação assenta no po-
der do povo, tendo como pressuposto o interesse e a participação deste como
actor principal da construção da sociedade democrática.
1
(grifos do autor).
Em Pinto (2003) também se lê que o espaço de participação dos
grupos excluídos foi criado a partir de espaços construídos fora da política
institucional, através da luta contra a opressão em manifestações públicas
e pela mobilização dos movimentos sociais. A autora alerta para uma outra
1
Lima, baseando-se em J. Canotilho, faz a distinção entre a teoria democrático-pluralista, que “pressupõe uma
sociedade homogênea e consensual, ignorando o facto de existirem grupos sociais em conito, detendo uns
maior poder e mais inuência de que outros, não sendo portanto iguais para todos os grupos sociais e para
todos os cidadãos as suas oportunidades de intervenção e inuência política”, a teoria elitista de democracia “que
assume a democracia como uma forma de dominação. Essa dominação é exercida por um grupo de actores
socializados, isto é, iniciados numa determinada cultura política que lhes é própria. [...]”, a teoria da democracia
do ordo-liberalismo na qual assentam a ordem social e o liberalismo, sobretudo o liberalismo de tipo econômico,
privilegiando assim os grupos detentores dos meios de produção”, além da teoria da democracia como participação
(1998, p. 23), à qual nos referimos.
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questão que dicultou a concretização, na prática, dos direitos garanti-
dos em termos legais. Corroborando com o que Alvarez (2000) armou,
relembra que a interação entre estes novos espaços de luta e o espaço da
política institucional é problemática, tendendo os sujeitos das novas lutas
a ter poucas possibilidades de participação no nível institucional.
Conforme Bandeira e Melo (2010, p. 41), em consonância com
o que já relatamos, observamos que são inúmeros e complexos os desaos
para que conquistemos uma real igualdade entre homens e mulheres pois
estes estão relacionados tanto “[...] à estrutura e à cultura organizacional
do Estado brasileiro, quanto aos valores sexistas e racistas que dissemina-
dos pela nossa cultura, insistem em ainda relegar as mulheres a um plano
inferior na sociedade.” Como vimos, alie-se a estas questões, na atualidade,
outros grupos que vão contra as demandas feministas, como aqueles liga-
dos a diferentes religiões, já mencionados.
Apesar das diculdades, nas últimas décadas, de diferentes
formas, ligadas ou não a instituições políticas, através de seus movimen-
tos e ações, as mulheres têm se armado como sujeitos sociais, que insis-
tem em ser reconhecidos não só na vida pública, mas principalmente na
vida diária. Nesse caminhar, que ocorreu tanto no Brasil como em toda a
América Latina, o ativismo político das mulheres escapava ao âmbito da
política institucionalizada, era uma forma de atividade política auto-orien-
tada, não estruturada, com a pretensão de inuenciar as políticas públicas
fora do campo convencional e institucional.
Conforme Blay (1984), as mulheres brasileiras passaram a agir
contra as decisões do Poder. Sua ação orientou-se para a construção de um
novo espaço público do qual elas também zeram parte. Questionaram as
omissões dos sindicatos, das associações de classe, a discriminação difundi-
da pela imprensa e ensino, buscando alterações profundas dentro da estru-
tura sindical, da organização político-partidária e das próprias leis que re-
gem os direitos civis. Esse processo culminou com a criação dos Conselhos
da Condição Feminina e das Delegacias de Defesa da Mulher, inicialmente
na cidade de S.Paulo e depois no interior do Estado.
Como proposta de governo democrático, houve novo incenti-
vo aos Conselhos de Escola que, naquele momento, tornaram-se órgãos
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deliberativos, graças ao movimento de pressão de educadores(as), através
de suas associações e sindicato. Incentivou-se também a participação nas
Associações de Pais e Mestres e nos Grêmios Estudantis.
No que se refere à gestão escolar, a implantação de tais mecanismos
de participação nas Unidades Escolares, que tinham como objetivo o envol-
vimento e participação de todos e todas, desde funcionários(as), docentes,
alunos e alunas, pais mães, foram vistos com receio nos primeiros momen-
tos. Assim, não chegaram a ser efetivamente implantados e a participação
não fora vivenciada plenamente de forma democrática na maioria das esco-
las. Pode-se armar que a cultura democrática ainda hoje é um projeto em
construção tanto na escola pública quanto na sociedade em geral, embora
haja exemplos de mudanças, vivemos ainda o processo de redemocratização.
Outro fato atual a ser mencionado, que mostra exemplo de cidadania, refere-
-se à ação dos(as) estudantes das escolas públicas do Estado de São Paulo,
lutando pelo direito à educação contra o fechamento de escolas e outras
medidas que faziam parte do programa de reorganização das escolas públicas
estaduais paulistas, proposto pela Secretaria Estadual de Educação e pelo
Governo do Estado. Neste processo, pudemos observar a violência contra
estes(as) estudantes por parte da polícia, conforme se constata atualmente na
perspectiva de criminalização dos movimentos sociais.
Outras diculdades para a concretização do projeto democrático, po-
dem ser observadas pelo
cenário pautado por demandas e negociações de di-
reitos sociais nos anos de 1990, que sofreu uma inexão criando-se uma
contradição entre os objetivos de alcance dos direitos sociais, previstos na
Constituição de 1988 e a adoção de reformas políticas de ajuste econômico,
as neoliberais, conforme bem mostram Vianna e Unbehaum (2004, p. 82).
O esforço ocial dessas reformas tem início em 1990, no governo de
Fernando Collor de Mello, passa por uma breve interrupção com o go-
verno de Itamar Franco e é retomado com maior ênfase nos governos de
Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1995, com a introdução de re-
formas neoliberais que viriam a afetar as políticas sociais voltadas para as
populações mais pobres, repercutindo nas políticas públicas de educação.
Conforme explicam as autoras, a lógica de mercado que permeou
as políticas, mostra a diferença entre as duas décadas, a de 1980 repleta de
exercício de cidadania que levou à conquista de direitos sociais, garantidos
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na Constituição e a de 1990, caracterizada pelas reorientações políticas sob
a ótica neoliberal que marcaram as políticas públicas e as educacionais,
como se pôde observar no processo de elaboração da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional e do Plano Nacional de Educação.
O discurso acerca da escola democrática continua em pauta, con-
tudo, a qualidade que, na década de 1980, estava ligada à gestão democrá-
tica e à formação para a cidadania, nos anos de 1990 passa a ser associada
à reforma e modernização dos sistemas administrativos, à implantação de
programas de avaliação, à compra de material didático, à capacitação dos
professores sem investimento na recuperação do nível salarial.
Um dos ganhos que podemos computar como conquista do mo-
vimento feminista, na educação, foi o fato de, no plano nacional, nos anos
de 1990, gênero ser contemplado nos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Eles realçam as relações de gênero como referências fundamentais para
a constituição da identidade de crianças e jovens e são coerentes com os
fundamentos e princípios da Constituição Federal na medida que trazem
como eixo central da educação o exercício da cidadania e apresentam a in-
clusão de temas da vida cidadã, que visam “resgatar a dignidade da pessoa
humana, a igualdade de direitos, a participação ativa na sociedade e a co-
-responsabilidade pela vida social”, conforme se lê em Vianna e Unbehaum
(2004, p. 96). Esses documentos representam um signicativo avanço em
relação à adoção de uma perspectiva de gênero na educação.
Outro ganho observado no início do século XXI, relembrado por
Bandeira e Melo (2010, p. 41), foi a presença crescente das mulheres em
todos os níveis de ensino no Brasil,
[...] tendo começado o século XX analfabetas são, na atualidade, a
maioria no ensino médio, dominam o ensino de graduação e já tem
um número maior de bolsas de mestrado e doutorado no país. Assim,
as mulheres tendem a se qualicar mais que os homens para ingressa-
rem no mercado de trabalho, o que, no entanto ainda não se reverteu
em salários mais elevados ou em ocupações de postos de decisão e po-
der, como também não signicou a desobrigação das responsabilidades
domésticas e dos cuidados familiares.
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Constatamos, também, conforme apontado pelas autoras, a per-
manência da cultura do cuidado e do trabalho doméstico sob responsa-
bilidade ainda das mulheres que ainda contribui para a permanência da
desigualdade no que diz respeito ao número de horas de trabalho entre
homens e mulheres, sendo muito maior entre as mulheres.
Acrescentamos ainda, outra conquista. Em 2006, foi proposto o
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, que pode contribuir
para o resgate e ampliação do debate acerca da igualdade de direitos de
mulheres e homens nas escolas e na sociedade. Em 2012, o MEC apresenta
as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, que tam-
bém contempla a perspectiva de gênero. Estes são documentos recentes e
importantes para a inclusão dos temas relacionados aos direitos humanos
(gênero, raça-etnia, diversidade sexual, dentre outros) em todas as áreas do
conhecimento e em todos os níveis de ensino.
É importante ressaltar que antes destes Planos, já houve iniciati-
vas voltadas para a cidadania e para a educação em direitos humanos, como
o programa de formação de professores em direitos humanos, na gestão
de Paulo Freire na Secretaria de Educação em São Paulo bem como no
Governo de Martha Suplicy, prefeita na cidade de São Paulo, que possibili-
tou formação na perspectiva da igualdade de gênero para docentes além da
promoção de eventos que geraram importantes publicações sobre a temáti-
ca. Nos anos de 1990, durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso,
também foram propostos o Programa Nacional de Direitos Humanos; no
Estado de São Paulo, o Programa Estadual de Direitos Humanos e, no caso
de Marília (SP), o Programa Municipal de Direitos Humanos, cujo pro-
cesso de elaboração fora coordenado pelo Núcleo de Direitos Humanos e
Cidadania de Marília, contando com a participação da sociedade civil e de
representantes do poder público. Todos estes documentos contemplavam
a educação em direitos humanos, incluindo gênero, a ser desenvolvida nas
escolas de todos os níveis de ensino e, também, fora da escola.
Cabe mencionar outro ganho do movimento feminista em termos de
política de Estado e que tem contribuído para que mudanças ocorram no que
diz respeito à educação para a igualdade de gênero. Foi a criação da Secretaria
Especial de Políticas para as Mulheres no primeiro dia do governo do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, tendo como objetivos desenvolver ações
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conjuntas com todos os Ministérios e Secretarias Especiais e que tem como
metas a incorporação das especicidades das mulheres nas políticas públicas
além do estabelecimento das condições necessárias para a sua plena cidadania.
Apesar dos desaos que ainda estão postos, não se pode negar que a história
de luta das mulheres revela êxitos, conforme os apontados por Alambert
(1997, p. 90),
A colocação, em pauta, da igualdade jurídica da mulher (direitos iguais
no trabalho, na família e na sociedade), a conquista de algumas rei-
vindicações pontuais: direito de votar e receber votos, direito a exercer
prossões liberais, direito a salário igual, direitos à instrução, direito ao
divórcio; a descoberta das especicidades femininas: o corpo, a sexua-
lidade, os direitos reprodutivos, a complementaridade no trabalho, o
trabalho doméstico, a ausência do tempo extraordinário para a mulher,
a maternidade como função social, e o que foi mais importante: a idéia
da construção cultural dos gêneros masculinos e femininos; em conse-
qüência, a descoberta de que nunca seremos iguais se nossas ‘diferenças
não forem preservadas [...]
Outra contribuição dos movimentos feministas brasileiros, tem
sido o envolvimento de jovens na mobilização por direitos, no início dos
anos 2000, formando coletivos de jovens feministas. Conforme expõe
Papa (2009 apud LANES; ZANETTI, 2014, p. 194),
[...] Esse é o caso do Fórum Cone Sul de Mulheres Jovens Políticas
– Espaço Brasil, que começa a se constituir em 2001 pela Fundação
Friedrich Ebert – FES, [...] Também conhecido como Forito, ele ar-
ticula jovens de várias partes do país, atuantes em diferentes espaços
políticos, que mantêm permanente diálogo através de uma lista virtual
e se reúnem uma vez por ano para discutir a condição da mulher jovem
e suas demandas, e que foi construindo sua identidade feminista ao
longo do seu percurso.
As autoras ainda relembram que vários coletivos foram criados
no país e a jovens feministas foram ganhando expressão no movimento.
Este avanço pode ser constatado com a criação da Articulação Brasileira
de Jovens Feministas (ABJF) e, posteriormente, com a “[...] realização do
I Encontro Nacional de Jovens Feministas, ocorrido em março de 2008,
no Ceará, contando com a participação de mais de 100 jovens feministas
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de vários estado do país, representantes de mais de 30 organizações locais
e nacionais.” (LANES; ZANETTI, 2014, p. 194). Este Encontro foi suce-
dido pela Conferência Livre de Mulheres Jovens, durante a 1ª Conferência
Nacional de Juventude, realizada pela União Nacional de Estudantes e pela
Marcha Mundial das Mulheres. Neste evento, os temas tratados foram saú-
de, educação, trabalho, meio ambiente, cultura, meios de comunicação e
combate à violência (LANES; ZANETTI, 2014).
Nessa perspectiva de avanços e de possibilidade de recuo no que
se refere à garantia dos direitos das mulheres, vale lembrar que a
educação
e a formação humana, enquanto práticas constituídas pelas relações sociais, não
avançam naturalmente, mas através de um conjunto de práticas sociais funda-
mentais, dentre elas, a prática pedagógica e as relações sociais que ocorrem na es-
cola. Neste sentido a luta pela ampliação da esfera pública no campo educacional
está intimamente ligada à ampliação do público em todas as esferas da sociedade
bem como essa ampliação está condicionada, em parte, à possibilidade de, tam-
bém na escola, haver práticas de exercício de cidadania, além de a escola adotar
denitivamente a educação na perspectiva da igualdade de gênero.
reflexõeS finaiS SeM finalizar o reSgaTe HiSTórico da luTa feMiniSTa,
eSPerando conTinuar o deBaTe
Nessa longa caminhada histórica de luta do movimento feminis-
ta brasileiro em favor dos direitos das mulheres, brevemente relembrada
neste texto, podemos celebrar muitas conquistas, dentre elas, a evolução
das leis e mudanças nos costumes. Entretanto, fazendo um rápido balan-
ço sobre a atualidade, pode-se armar que algumas situações denunciadas
pelas feministas ainda persistem no Brasil, conforme já mencionamos: a
violência, tanto na vida privada quanto pública, desnível salarial (embora
mais qualicadas), várias jornadas de trabalho (incluindo o trabalho do-
méstico), ainda por resolver a questão dos direitos reprodutivos e o respeito
à diversidade sexual, além de gênero ser uma questão quase invisível para
educadores e educadoras, dentre outras demandas.
Mesmo atuando ativamente na democratização do país, nos anos
de 1970 e 1980 até a atualidade e, cada vez mais em todas as instâncias da
sociedade, pesquisas mostram que os postos de comando e o poder políti-
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co, ainda são redutos masculinos, conforme constatamos (BRABO, 2005,
2008).
2
Os movimentos femininos de qualquer tendência, no âmbito in-
ternacional, ressaltam ainda hoje a necessidade de uma ação política mais
intensa das mulheres pois esta está em descompasso com a participação da
mulher na sociedade. Apesar do número crescente de mulheres com níveis
mais elevados de escolaridade em todo o mundo, há uma persistente con-
centração de mulheres em cursos tradicionalmente chamados de femininos,
conforme Blay (2002) também observou.
Além da questão de gênero, os mecanismos de participação na
escola, uma nova forma de ensinar e uma administração que estimulasse a
participação para além da escola foram recebidos com muita resistência na
década mencionada. Embora não fossem garantia de mudanças, acredita-
-se que ao vivenciar a democracia e assimilar os valores de igualdade, de
liberdade, de direitos, na perspectiva da igualdade de gênero, meninas e
meninos teriam a formação ética na perspectiva dos direitos humanos e
da democracia, formando-se sujeitos de direitos, desde a mais tenra idade.
Como proposta do Ministério da Educação e do Desporto, no
ano de 2007, foi iniciado um processo de formação contínua para edu-
cadores e educadoras das escolas públicas estaduais versando sobre Ética
e cidadania: construindo valores humanos na escola no qual as questões dos
direitos e de gênero estavam, contudo, não está sendo desenvolvido na atu-
alidade. Não podemos esquecer que o trabalho feminino, historicamente,
sofreu pressões e tentativas de controle ideológico e econômico por parte
do elemento masculino e das instâncias sociais. Conforme Almeida (1998,
p. 63), o trabalho docente feminino, além do processo regulador impin-
gido pelo sistema capitalista, encontra-se “[...] atrelado a esse modelo de
normatização exigido pelas regras masculinas e é acentuado pelo controle
que o sistema social pretende exercer sobre as mulheres [...]”. Isto pode ser
uma das explicações para a insensibilidade de educadores e educadoras a
respeito da questão de gênero, pois no seu processo de socialização e nos
cursos de formação inicial de educadores/as, ao não abordarem o tema,
contribuem para esta invisibilidade do tema. Esta constatação, também
dos anos de 1990, levou-nos a armar que a prossão magistério discrimi-
na a mulher, na medida que não proporciona a formação continuada e a
2
Como se lê, também, em Araújo (1999) e Avelar (1997).
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reexão necessária acerca da questão de ser mulher e da questão de gênero
(BRABO, 2005). Além disso, ainda há necessidade de se investir, nas ci-
dades e nas escolas, na cultura de participação pois ela não ocorre natural-
mente mas num processo orgânico e contínuo de estímulo à participação
cidadã e do vivenciar da democracia.
Conforme nos mostra Carvalho (2007, p. 226), temos hoje al-
gumas experiências de colaboração entre sociedade e Estado que sugerem
otimismo, como por exemplo, a relação entre as organizações não-gover-
namentais que desenvolvem ações de interesse público. Da colaboração
entre elas e os governos municipais, estaduais e federal, têm resultado
experiências inovadoras no encaminhamento e na solução de problemas
sociais, sobre tudo nas áreas de educação e direitos civis”. Ainda argumenta
que “essa aproximação não contém o vício da ‘estadania’ e as limitações do
corporativismo porque democratiza o Estado”.
A questão da participação na sociedade e nas escolas de todos os
níveis de ensino torna-se necessária e ainda atual, porque, como vimos nos
acontecimentos atuais acerca da mobilização para a retirada do gênero dos
planos de educação e nos outros acontecimentos atuais na perspectiva da
retirada de direitos de documentos importantes ou de propostas de leis
que aviltam direitos, são demonstrações da vulnerabilidade dos direitos
humanos. Não podemos esquecer, como já mencionamos e relembrado
por Coraggio (1992, p. 52),
O fácil consenso acerca da necessidade e oportunidade de descentrali-
zar os estados nacionais oculta a oposição entre a proposta neoliberal
e a proposta democratizante. Torna-se necessário clarear os sentidos
possíveis das ações no contexto da descentralização inevitável, à busca
de uma ativa participação dos grupos e organizações populares na vida
pública estatal.
Pelas palavras do autor e por tudo o que foi discutido podemos
armar que a pedagogia do movimento feminista ainda é atual e se faz
necessária. Há necessidade de formação de educadores e educadoras acerca
das questões de gênero tanto nos cursos de formação inicial quanto de
formação continuada pois pesquisas mostram que ainda gênero é invisível
aos olhos de muitos educadores e educadoras, apesar de constar das políti-
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cas educacionais aqui mencionadas. Assim, a escola ainda cumpre o papel
de reforçadora de estereótipos e papéis especícos para ambos os sexos, o
que contribui para a desigualdade de gênero. Conforme Adams (2004, p.
113), nas escolas inglesas onde ações foram empreendidas no sentido da
igualdade de gênero, foram observados impactos positivos pois, conforme
arma, quando as escolas trabalharam a dimensão de gênero, conseguiram
um impacto positivo no desempenho das crianças e conseguiram elevar o
desempenho dos meninos-sem ser às custas do das meninas”.
Concordando com Rodrígues (2011, p. 53),
La verdad es que hay que plantar otros cultivos en las mentes, en los
corazones y en las vísceras de las nuevas genaraciones. Los de la desi-
gualdad ya no sirven, son tóxicos y perjudiciales para la salud social.
Pero para poderlos neutralizar y hacerlos desaparecer hemos de conocer
com detalle donde se asientan las bases de la injustícia en el proceso de
socialización diferencial de niñas y niños, de chicas y chicos.
Se a escola pública, tanto estadual quanto municipal, tiver como
objetivo formar realmente para a cidadania plena, ativa, estará revendo seu
papel e empreendendo esforços para a transformação. Visará a formação
política para meninas e meninos, funcionários(as), docentes, pais e mães,
para a comunidade em geral. Sabemos que a transformação na direção
da igualdade, respeitando as diferenças, não se dá naturalmente. Se atu-
almente, outros modelos de masculino e feminino estão sendo gestados é
porque os movimentos feministas e de educadores(as) questionaram as dis-
criminações de gênero e porque as mulheres foram às ruas, reivindicaram
e conquistaram direitos.
Conforme mencionamos e como apontam Bandeira e Melo (2010,
p. 41), ainda há múltiplos e complexos desaos para alcançarmos a real igual-
dade entre homens e mulheres, pois estes “[...]
envolvem desde aspectos rela-
cionados à estrutura e à cultura organizacional do Estado brasileiro, quanto
aos valores sexistas e racistas que disseminados pela nossa cultura, insistem
em ainda relegar as mulheres a um plano inferior na sociedade.
De acordo com as autoras, na II Conferência Nacional, quando
o I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres foi avaliado por mais
de 200 mil mulheres em todo o país, foram apontadas, como principais
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demandas em relação à institucionalização da Política Nacional para as
Mulheres e sua implementação:
i) a inexistência de organismos de políticas para as mulheres em inú-
meros governos estaduais e na maioria dos governos municipais; ii) o
baixo orçamento para as políticas para as mulheres; iii) a criminalização
do aborto; iv) a falta de dados e informações estratégicos para a tomada
de decisões; v) a baixa incorporação da transversalidade de gênero nas
políticas públicas; vi) a ausência de compartilhamento, entre mulheres
e homens, das tarefas do trabalho doméstico e de cuidados; e vii) maior
participação das mulheres nos espaços de poder e decisão.Importante
acrescentar a esta lista o desao apontado pelo Pacto Nacional de
Enfrentamento à Violência, qual seja, a erradicação de todas as formas
de violência contra as mulheres, a partir, entre outros fatores, da cons-
trução de uma cultura de paz e de irrestrito respeito às diversidades de
gênero e valorização do feminino na sociedade.
As autoras relembram, ainda, que em 2010 as mulheres do
Brasil e de todo o mundo comemoravam os 100 anos da Conferência da
Dinamarca “[...] na qual foram reforçados marcos da luta feminista, que
provocaram uma diminuição dos poderes e privilégios dos homens, como
nunca tinha acontecido até então na história das mulheres.” Entretanto,
ressaltam o que apontamos neste texto e que se constata na vida em socie-
dade, aquela vitória foi parcial pois embora as mulheres atualmente sejam
diferentes de suas avós e mães, “[...] ainda persistem na economia e na
cultura valores patriarcais que as mantém em posição de subordinação na
sociedade.” (BANDEIRA; MELO, 2010, p. 41).
Apesar das diculdades e desaos aqui discutidos, o feminismo é
reconhecido como o movimento social mais importante da segunda meta-
de do século XX e esta atuação modicou a vida de gerações de mulheres,
dos mais diversos segmentos sociais, étnicos e raciais. No século XXI, o
feminismo consolida-se como política de Estado, ao mesmo tempo em que
se ampliaram os mecanismos de consulta e participação social na formu-
lação de políticas públicas. Contudo, a vida das mulheres e homens ainda
não foi totalmente inuenciada pelo ideário da igualdade, permanecendo,
assim, como um desao hoje para todos(as) e para as novas gerações.
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323
SoBre aS auToraS e oS auToreS
alexandre de caSTro
Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho - UNESP/ Câmpus de Marília SP (1995), período em que exerceu a
função de Monitor junto ao Departamento de Ciência Política (1993), é Bacharel
em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília - UNIVEM (2002),
Mestre em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Eurípedes
de Marília - UNIVEM (2005). Atualmente é professor do Curso de Ciências
Sociais da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária
de Paranaíba. A partir de 2013 está vinculado ao Programa de Pós Graduação
Lato Sensu em Educação ministrando a disciplina de Sociologia da Educação e
em 2014 vincula-se ao Curso de Pós Graduação Lato Sensu em Direitos Humanos
ministrando a disciplina de Fundamentos Sociológicos dos Direitos Humanos na
mesma Unidade Universitária. Membro integrante, na qualidade de pesquisador,
do Grupo de Pesquisa, cadastrado no CNPQ e certicado pela UNESP, GP
FORME - Formação do Educador - linha de pesquisa: Metodologias e Práticas de
Ensino. Membro integrante, na qualidade de estudante, do Grupo de Pesquisa,
cadastrado no CNPQ e certicado pela UNESP, Direito, Cotidiano e Construção
da Sociabilidade - linha de pesquisa: Direito e Cotidiano.
aline eScoBar MagalHãeS riBeiro
Pedagoga formada em 2003 pela UNESP - FFC Marília, Mestre em Educação
pela mesma Universidade (2009), Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação
em Educação, sob orientação da Profª Cyntia G. G. S. Girotto, com Pesquisa
nanciada pela Capes. Professora da Rede Municipal de Ensino de Marília.
Pesquisadora de questões afetas às Implicações Pedagógicas da Teoria Histórico-
Cultural para o desenvolvimento Infantil e sobre o papel da Literatura Infantil no
desenvolvimento da imaginação durante a infância.
arilda ineS Miranda riBeiro
Professora Titular do Departamento de Educação e Programa de Pós-Graduação
em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - FCT/UNESP. Mestra (1987) e Doutora
(1993) em Filosoa e História da Educação pela Universidade Estadual de
https://doi.org/10.36311/2015.978-85-7983-713-5.p323-332

324
Campinas – UNICAMP. Coordenadora do Núcleo de Diversidade Sexual na
Educação (NUDISE) e Grupo de Pesquisa em Educação, Cultura, Memória e
Arte (GPECUMA) da FCT/UNESP. E-mail: arilda@fct.unesp.br
cHrySlen Mayra BarBoSa gonçalveS
Exerceu a função de Monitora na disciplina de Ciência Política (2013) é
Bacharelanda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho-UNESP/Câmpus de Marília-SP com interesse em Antropologia
direcionado para as seguintes temáticas: pós-colonialismo, gênero, feminismo,
violência e cidadania feminina. Membro integrante do GEA (Grupo de Estudos
Antropológicos) cadastrado no CNPQ e certicado pela UNESP.
cynTia graziella guizeliM SiMõeS giroTTo
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (1992), mestrado em Educação pela Universidade Federal de São
Carlos (1995) e doutorado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (1999). Atualmente é professora da Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho, Câmpus de Marília, onde integra o programa
de Pós Graduação em Educação, liderando linha de pesquisa do grupo “Processos
de leitura e de escrita: apropriação e objetivação”. Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Ensino e Aprendizagem, atuando principalmente nos
seguintes temas: didática do ensino de língua materna, apropriação da leitura e da
escrita, atividades de leitura literária, literatura infantil de 0 a 10 anos, projetos de
leitura e escrita e formação de professores da Educação Infantil e dos anos Iniciais
do Ensino Fundamental. E-mail: cyntia@marilia.unesp.br
elione Maria nogueira diógeneS
Formada em História e Mestre em Avaliação de Políticas Públicas pela Universidade
Federal do Ceará (UFC); doutora em Políticas Públicas pelo Programa de Pós-
Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
É professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), lotada no Centro de
Educação, desenvolvendo atividades de ensino, pesquisa e extensão no curso de
Pedagogia e no Programa de Pós-Graduação em Educação. Atua como professora-
colaboradora no Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas (MAPP/UFC),
onde orienta projetos de pesquisa no campo da avaliação de políticas públicas
de educação. É líder do Grupo de pesquisa sobre Estado, Políticas Sociais e
Educação Brasileira (GEPE/UFAL) e faz parte do Grupo de Avaliação e Estudos
da Pobreza e de Políticas Direcionadas à Pobreza (GAEPP/UFMA); do Núcleo
Multidisciplinar de Avaliação de Políticas Públicas (NUMAPP/UFC) e do Grupo
de Estudos e Pesquisas em História da Educação do Ceará (GEPHEC/UFC).
Atualmente realiza Estádio de Pós-doutorado na UFMA sob a supervisão da
Eaçã, , ê
 êa
325
profa. Dra. Maria Ozanira da Silva e Silva (Líder do GAEPP). E-mail: elionend@
uol.com.br
eunice Macedo
Doutorada pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade
do Porto. Exerceu como docente em vários níveis e contextos educativos. Como
investigadora integrada do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da
FPCEUP, é membro das equipas dos projetos internacionais “Reducing Early
School Leaving in the EU” (RESL.eu), “Commitment to Democracy through
Increasing Womens Participation” (CODE_IWP) e “Learning in a New Key
Engaging Vulnerable Young People in School Education”. É vice presidente
da direção do Instituto Paulo Freire de Portugal. Autora de várias obras, a sua
investigação em educação, cidadania e género suporta a sua intervenção com as
comunidades. E-mail: eunicemacedo_58@hotmail.com
faBrício cardoSo felício
Graduação em Psicologia pela Unesp/Bauru. Cursou Fundamentos em Freud
e Lacan, no Centro Lacaniano de Investigação da Ansiedade, CLIN-A, Brasil.
Participou do Ateliê de Leitura - Investigações Acerca da Clínica - Centro
Lacaniano de Investigação da Ansiedade, CLIN-A, Brasil e do Ciclo Avançado
de Estudos de Lacan -Centro Lacaniano de Investigação da Ansiedade, CLIN-A,
Brasil. Atua como Psicólogo Clínico com base na Psicanálise Lacaniana.
gaBriela alejandra raMoS
Lic. en Ciencias de la Educación. Especialista en género, sexualidades y educación.
Mediadora familiar y escolar. Fac. de Psicología-U.B.A. Docente e investigadora
da Faculdade de Filosofía y Letras- UBA. Docente invitada Universidad Nacional
de Luján y Universidad Nacional de La Pampa. Capacitadora Docente Invitada
de la Sociedad Argentina de Pediatría. Capacitadora docente en la Escuela de
Capacitación Docente de la Ciudad Autónoma de Bs. As- CePA- en el área
de Formación Ética y Ciudadana y Educación Sexual Integral. Coordinadora
pedagógica del Centro Integral de Formación Humanística Tantosha. <
www.
tantosha.com.ar>. E-mail: ramosgabrielaa@gmail.com
gilSenir Maria PrevelaTo de alMeida dáTilo
Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Faculdade de Filosoa e Ciências, UNESP, campus de Marília. Atualmente é
professora assistente, doutora do Departamento de Psicologia da Educação da
Faculdade de Filosoa e Ciência, UNESP, Campus de Marília. É coordenadora
da UNATI – Universidade Aberta da Terceira Idade da UNESP de Marília SP,

326
Projeto de Extensão (PROEX). Pesquisa o tema “envelhecimento humano”.
E-mail: gdatilo@marilia.unesp.br
giSele keMP galdino danTaS
Graduada em Letras, Pedagogia , Mestre e Doutora em Educação pela Universidade
Estadual Paulista. Além disso, é pós-graduada em Gestão da Rede Pública,
pela USP. Ingressou no Ensino Superior na Faculdade Drummond,  atuando
na graduação em Pedagogia e na pós-graduação. Atuou em diversas consultorias
sobre avaliação e preparação para concursos. Atualmente, é Supervisora de Ensino,
na rede pública estadual de São Paulo e Professora, na rede pública municipal de
ensino da cidade de São Paulo. E-mail: giselekemp@hotmail.com
inMaculada lóPez francéS
Licenciada en Pedagogía y Doctora en Educación. Educadora inquieta y
soñadora. Feminista activa. Profesora e investigadora del Departamento de Teoría
de la Educación de la Universidad de Valencia, España. Comprometida en su
investigación, docencia universitaria y vida diaria con los asuntos relativos a la
equidad de género, la prevención de la violencia de género y la dignidad. E-mail:
inmaculada.lopez-frances@uv.es
jéSSica kurak Ponciano
Graduada em Letras (2011) pela Faculdade de Ciências e Letras da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Atualmente mestranda do Programa
de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da
UNESP e membro do Núcleo de Diversidade Sexual na Educação (NUDISE).
julia del carMen cvez caraPia
Doctora en Sociología, Posdoctorado en gobierno y política publica, Profesora
titular y coordinadora del Centro de Estudios de la Mujer de la Escuela Nacional
de Trabajo Social, de la Universidad Nacional Autónoma de México. Integrante
del Sistema Nacional de Investigadores, CONACYT. México, Vicepresidenta de
la Academia Nacional de Investigación en Trabajo Social, ACANITS. Responsable
del Seminario Permanente “Perspectiva de Género” que se realiza en la ENTS
desde hace 18 años. Ha escrito varios libros relacionados con la problemática
social de las mujeres y la perspectiva de género: el ultimo “Perspectiva de género.
Una mirada de universitarias” Edit. ENTS-UNAM, México. 2015. Conferencista
magistral y ponente en más de 200 eventos, nacionales e internacionales. E-mail:
jcccarapia@yahoo.com.mx
Eaçã, , ê
 êa
327
juliana leMe faleiroS
Mestranda em Direito Político e Econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie
com Bolsa CAPES-PROSUP. Integrante dos Grupos de Pesquisa (CNPq) “Cidadania
e Direito pelo olhar da Filosoa: política, regulação econômica e Direito”, “Mulher,
Sociedade e Direitos Humanos” e “Políticas Públicas como instrumento de efetivação
da Cidadania”, promovidos pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em
Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional (ESDC) e em
Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (1998).
Pesquisa com ênfase nos estudos de gênero, direitos humanos e meios de comunicação.
Tem experiência na área de Direito com ênfase em Direito Constitucional, Processual
Civil e Civil. Advogada. E-mail: jl.faleiros@uol.com.br
julio c. llanán nogueira
Docente Investigador UNR. Categoria III. Diplomado en Curriculun y
prácticas sociales FLACSO Docente grado y pos grado Universidad Nacionales
y extranjeras. Coordinador Programa Educación para la Paz no violencia y los
Derechos Humanos. Area de trabajo : Derechos Humanos. Problematíca de la
Educación. Metodologia de la Investigación.intrevensión. Facultad de Derecho
Universidad Nacional de Rosario. E-mail:
juliocnogueria@hotmail.com
keiTH daiani da Silva Braga
Graduada em Pedagogia (2009) pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - FCT/UNESP e
mestra em Educação (2014) pela mesma instituição com bolsa da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Atualmente é doutoranda
do Programa de Pós-Graduação em Educação da FCT/UNESP e membro do
Núcleo de Diversidade Sexual na Educação (NUDISE).E-mail: keith_daiani@
hotmail.com
lariSSa SaTico riBeiro Higa
Estudante de doutorado em Literatura Brasileira, na Universidade de São Paulo
(USP). Sua pesquisa centra-se na obra do escritor Sérgio Sant’Anna e no tópico
da violência sexual. Defendeu o mestrado (2011) em História e Teoria Literária
na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) sobre a obra ccional de
Patrícia Galvão. Trabalhou como professora temporária (2012-2013) dos cursos
de Bacharelado em Humanidades e Letras da Universidade Federal dos Vales
do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Atualmente encontra-se em período de
estudos sanduíche na University of Minnesota, nos Estados Unidos. E-mail:
larissahg@gmail.com

328
lizBeTH oliveira de andrade
Pedagoga formada pela Unesp- FFC Marília, mestranda em educação na linha
de Teorias e práticas pedagógicas, sob orientação da Professora Dra. Cyntia
Girotto. Pesquisadora nas áreas de literatura infantil, contação de histórias e
desenvolvimentos das capacidades humanas. E-mail: liztermay@hotmail.com
luiz roBerTo vaSconcelloS BoSelli
Possui graduação em Psicologia - Faculdades Metropolitanas Unidas (1982),
mestrado em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (1992) e doutorado em Educação pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (2001). Atualmente é professor assistente
doutor do Departamento de Fonaudiologia da Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho / Campus de Marília. Tem experiência na área de
Psicologia e Saúde, com ênfase em Processos Grupais e de Comunicação, atuando
principalmente nos seguintes temas: relações interpessoais, ações educativas, ação
da cidadania, fonoaudiologia, afetividade, ética e humanização na formação de
futuros prossionais, ética na atuação prossional e iniciação cientíca. E-mail:
boselli@marilia.unesp.br
MarcoS cordeiro PireS
Possui graduação em História (1990), mestrado em História Econômica (1996),
doutorado em História Econômica, todos pela Universidade de São Paulo (2002)
e Livre Docência em Economia Política Internacional pela Unesp (2013). É
professor na UNESP - Faculdade de Filosoa e Ciências - Marília, no curso de
graduação em Relações Internacionais e pós-graduação em Ciências Sociais. Tem
experiência nas áreas de História Econômica e Economia Política. São áreas de
interesse a inserção da economia brasileira na economia mundial, globalização e
desenvolvimento econômico. Atualmente pesquisa as transformações econômicas
e políticas recentes da República Popular da China. É membro do Núcleo de
Economia Política e História Econômica da USP, do Grupo de Pesquisa dos
BRICs e do Grupo de Pesquisa “Estudos da Globalização” , na Unesp-FFC-
Marília. É membro da diretoria do Instituto Confúcio na Unesp e do Instituto de
Estudos Econômicos e Internacionais. E-mail:
marcoscordeiropires@yahoo.com.br
Maria cuSTódia jorge rocHa
PhD, Investigadora do Centro de Investigação em Educação (CIEd), Prof. Auxiliar
do Departamento de Ciências Sociais da Educação do Instituto de Educação-
Universidade do Minho, Campus de Gualtar, Braga, Portugal. Licenciatura
em Ensino de Português e Francês (1987-1992). Curso de Especialização em
Administração Escolar (1994-1995). Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade
Cientíca em Organização e Administração Escolar, com o Trabalho: Género
Eaçã, , ê
 êa
329
e escola. Contributo para uma análise sociológica e organizacional da gestão
feminina escolar (1997). Doutoramento em Educação, Área de Organização e
Administração Escolar, com a Tese: Educação, género e poder: uma abordagem
política, sociológica e organizacional (2006). Estágio de Pós Doutoramento em
Educação e Direitos Humanos, com o Projeto: Gênero e gestão escolar no Brasil e
em Portugal: políticas, discursos e práticas (2013). E-mail:
mcrocha@ie.uminho.pt
Maria nilda conceição izuMi
Mestre e bacharel em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Assistente Social no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo
– HU/USP e na Prefeitura Municipal de São Paulo. Feminista e pesquisadora do
tema da violência contra a mulher. Possui experiência no atendimento às mulheres
em situação de violência doméstica e familiar. E-mail: mnildac@hu.usp.br
Mariângela SPoTTi loPeS fujiTa
Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (1992),
Livre Docente (2003) em Análise Documentária e Linguagens Documentárias
Alfabéticas. Atualmente é Professora Titular da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, realizando atividades de docência na
graduação em Biblioteconomia e Arquivologia e na Pós-Graduação na linha de
pesquisa “Produção e Organização da Informação” do Programa em Ciência da
Informação da UNESP; é Pesquisadora CNPq nível 1C com atuação na área
de Ciência da Informação. Em atividades de gestão acadêmica é Pró-Reitora de
Extensão Universitária da UNESP no período de 2013-2016. E-mail: fujita@
marilia.unesp.br
Mirielly ferraça
Doutoranda em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP,
com bolsa auxílio CAPES. Mestre em Letras pela Universidade Estadual do
Oeste do Paraná (UNIOESTE - Cascavel), com o trabalho intitulado &quot;
Prostituição: vozes que ecoam, sereias que (en)cantam &quot;, vinculada à linha
de pesquisa Interdiscurso: práticas culturais e Ideológicas, com bolsa auxílio da
CAPES. Pós-graduada lato sensu em Língua Portuguesa e Literatura Brasilleira
pela UDC/FAG (Faculdade Assis Gurgacz). Graduada em Letras Português/
Italiano pela UNIOESTE (2006/2009) e Jornalista formada pela Universidade
Paranaense (UNIPAR - 2006/2009). E-mail:
miriellyferraca@gmail.com
Monica riuTorT
Manager Peel Institute on Violence Prevention. Family Services of Peel. Preceptor
First and second year students, Faculty of Medicine, University of Toronto,
Mississauga Campus. Extensive experience in the development of partnerships

330
between community, academia and service providers. Several years of experience
teaching primary health care in academic settings with a focus in interdisciplinary
team building, health promotion and family and community health. Many years
of experience in community mobilization and advocacy and the development of
strategic community coalitions with a strong focus in violence against women
and womens reproductive health. Over 10 years of experience writing grant
proposals for programs and research initiatives. Planning, organizing, directing
and coordinating community development projects, in education and health
service delivery in a broad range of settings. Providing training for individuals
and groups of dierent race, ethnicity, cultural and social backgrounds. Wide
experience working in qualitative research using grounded theory and other
action research. Solid regional, provincial and international connections with
violence against women networks. Development of evaluation methodologies for
projects and programs. E-mail: mriutort@fspeel.org
nilMa renildeS da Silva
Graduação em Formação de Psicólogo pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (1992), Licenciatura e Bacharelado em Psicologia pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1992), Mestrado em
Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP
(1998), Especialização em Violência doméstica pela USP/SP (2000) e doutorado
em Educação - Psicologia da Educação - Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (2006). Atualmente é professora da Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho - UNESP-BAURU - SP, ministrando aulas em Psicologia
Social e Supervisionando Estágio em Psicologia Social Comunitária. desenvolve
pesquisas e extensão nos seguintes temas: direitos humanos e violência doméstica
contra crianças, adolescentes e mulheres; violência nas escolas; direitos humanos
e moradores em situação de rua; direitos humanos e formação de professores e
outros proissionais para promoção de relações sociais que prescindam do uso da
violência. E-mail: nilmarsi@fc.unesp.br
roSiney a. l. do vale
Possui graduação em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho - Unesp/Assis (2000), mestrado em Letras pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Unesp/Assis (2005), doutorado em
Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Unesp/
Marília (2015). Atualmente é professora da Universidade Estadual do Norte do
Paraná, campus Jacarezinho - UENP/CJ. É integrante do Grupo de Pesquisa
Leitura e Ensino da UENP/CJ, do Grupo de Pesquisa Tecnologias, Culturas e
Linguagens da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e do Grupo de Pesquisa
Organizações e Democracia da UNESP de Marília/SP. Atua, principalmente, na
Eaçã, , ê
 êa
331
área de Letras, com ênfase na Formação de Professores, Políticas Educacionais,
Linguística Aplicada, Língua Portuguesa e Língua e Literatura Latina. E-mail:
rosiney4@terra.com.br
Sandra ruPnarain
Bachelor of Art –Social Work. Director Client Services. Family Services of Peel
Institute-Canadá. Experienced in writing grant proposals for programs. Initiating
and developing partnerships between community and service providers to
improve service delivery. Providing training on cultural competency and service
delivery to victims of trauma and abuse. Planning, organizing, and coordinating
community projects in service delivery to the underprivileged and marginalized.
Curriculum Development and raining “Trauma and Crisis Response for Crisis
Response workers”. E-mail: srupnarain@fspeel.org
SuSan Mccrae van der vöeT
Consulting, University of Toronto: Wilson Centre for Research in Education;
Department of Psychiatry – TAAPP – Ethiopia project; Post Graduate Medical
Education (PGME) – Ethiopia proposals; International Research Oce (IRO) –
AUCC proposals; Department of Family and Community Medicine: International
Programs – Successful Bi-Lateral Brazil Ministry of Health and CIDA; ISEqH,
International Society for Equity in Health: Successful proposals for projects in
Bolivia, Colombia, Chile, South Africa,Turkey; Centre for International Health:
Proposal for MA program Africa for WHO. Ontario Society of Artists-Canadá.
E-mail: svandervoet@sympatico.ca
Tânia Suely anTonelli Marcelino BraBo
Pedagoga. Mestrado em Educação pela Unesp e Doutorado em Sociologia pela
USP. Pós-Doutorado em Educação pela Universidade do Minho e Pós-Doutorado
pela Universidade de Valência. Docente do Departamento de Administração e
Supervisão Escolar e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade
de Filosoia e Ciências-Unesp-Campus de Marília. Coordenadora do Núcleo de
Direitos Humanos e Cidadania de Marília e Vice-Coordenadora do Observatório
de Educação em Direitos Humanos da Unesp. E-mail: tamb@terra.com.br
Tereza criSTina alBieri Baraldi
Formada em Direito, mestre em Educação pela Unesp-Marilia e mestre em
Direito pelo Univem. Doutora em Educação pela Unesp de Marilia. Delegada de
Polícia Aposentada. Professora da Academia de Polícia de São Paulo. Secretária
Municipal da Juventude e Cidadania de Marília(SP). Membro do Núcleo de
Direitos Humanos e Cidadania de Marilia. E-mail:
tecabar@terra.com.br

332
THiago Silva rayMondi
Graduado em Psicologia pela UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” - campus Bauru. Atua como psicólogo clínico, com base
lacaniana. E-mail:
tsraymondi@yahoo.com.br
yngrid karolline Mendonça coSTa
Pedagoga formada pela Unesp – FFC – Marília (2015) com pesquisa de Iniciação
Cientíca nanciada pela FAPESP, aprovada no Processo Seletivo de 2016 para
o Mestrado em Educação na mesma Universidade, na linha de Teorias e Práticas
Pedagógicas, sob orientação da Prof. Dra. Cyntia Graziella Guizelim Simões
Girotto. Pesquisadora nas áreas de literatura infantil, linguagem visual e verbal e
estratégias de leitura. E-mail: yngridkarolline@hotmail.com
333
SoBre o livro
Formato 16X23cm
Tipologia Adobe Garamond Pro
Papel Polén soft 85g/m2 (miolo)
Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
Acabamento Grampeado e colado
Tiragem 300
Catalogação Telma Jaqueline Dias Silveira - CRB- 8/7867
Normalização Maria Luzinete Euclides
Assessoria Técnica Maria Rosangela de Oliveira - CRB-8/4073
Capa Edevaldo D. Santos
Diagramação Edevaldo D. Santos
2015
Impressão e acabamento