Foucault hoje. Novas Perspectivas na Filosofia e Ciência da Cultura
Marita Rainsborough
Foucault
Novas Perspectivas
na Filosofia
e Ciência da Cultura
Marita Rainsborough
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Foucault hoje
Novas Perspectivas na Filosofia
e Ciência da Cultura
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2025
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traduzido por
S C  A
Foucault hoje
Novas Perspectivas na Filosofia
e Ciência da Cultura
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Copyright © 2025, Faculdade de Filosofia e Ciências
Ficha catalográfica
Rainsborough, Marita.
R158f Foucault hoje : novas perspectivas na filosofia e ciência da cultura / Marita Rainsborough ;
traduzido por Silvana Colombo de Almeida. – Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura
Acadêmica, 2025.
277 p.
Tradução de: Foucault heute : Neue Perspektiven in Philosophie und Kulturwissenschaft.
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-65-5954-625-1 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-626-8 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-626-8
1. Foucault, Michel, 1926-1984 – Crítica e interpretação. 2. Kant, Immanuel, 1724 1804 –
Influência. 3. Sujeito (Filosofia). 4. Poder (Filosofia). 5. Filosofia comparada. I. Almeida, Silvana
Colombo de. II. Título. CDD 194
Telma Jaqueline Dias Silveira –Bibliotecária – CRB 8/7867
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives
4.0 International License.
Diretora
Dra. Ana Clara Bortoleto Nery
Vice-Diretora
Dra. Cristiane Rodrigues Pedroni
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Edvaldo Soares
Franciele Marques Redigolo
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Tradução do livro:
Foucault heute: Neue Perspektiven in Philosophie
und Kulturwissenschaft, Bielefeld: Transcript, 2018.
Tradução:
Silvana Colombo de Almeida
Parecerista(s):
Leonel Ribeiro dos Santos
Professor do Centro de Filosofia da Universidade de
Lisboa (CFUL)
Capa:
Editora Transcript
Câmpus de Marília
5
Índice
1. Introdução ..................................................................................... 9
1.1. Sobre a questão da atualidade do conceito filosófico de Foucault .. 9
1.2. O sujeito entre heteronomia e autonomia em Foucault ................ 17
1.3. Considerações sobre o procedimento ............................................ 21
2. Foucault hoje. O sujeito no contexto do saber, poder, ética e
estética ........................................................................................ 25
2.1. P   . F, K, H,
B  M   .................................................. 25
2.1.1. Limite e transgressão. Recepção de Kant por Michel
Foucault no espelho das metáforas filosóficas .................... 25
2.1.1.1. Foucault e a tradição crítica .................................. 25
2.1.1.2. A metáfora do limite em Kant .............................. 28
2.1.1.3. Limite e transgressão em Foucault e Kant no
espelho das metáforas ........................................... 32
2.1.1.4. Reflexão de Foucault sobre os limites .................... 37
2.1.1.5. Kant e Foucault comparados ................................ 39
2.1.2. Tema e variação. O a priori histórico de Foucault como
crítica à concepção kantiana do a priori ............................. 40
2.1.2.1. O conceito da acquisitio originaria em Kant.......... 40
2.1.2.2. O a priori histórico de Foucault como crítica
ao a priori de Kant ............................................... 46
2.1.2.3. O a priori de Kant e Foucault ............................... 49
2.1.3. Liberdade, natureza e história. Da relação entre natureza
e história em Kant e Foucault ............................................ 51
2.1.3.1. Liberdade, natureza e história em Kant e Foucault 51
2.1.3.2. Os conceitos de liberdade e natureza em Kant ...... 52
6
2.1.3.3. A concepção de liberdade, natureza e história em
Foucault .............................................................. 57
2.1.3.4. Natureza, liberdade e história em Foucault e Kant.
Uma comparação condensada ............................... 61
2.1.4. Da utopia à heterotopia. A concepção filosófica da história
de Foucault como resposta a Kant e Hegel ......................... 64
2.1.4.1. A concepção da história de Foucault, Kant e Hegel
em comparação .................................................... 64
2.1.4.2. História em Foucault e Hegel ............................... 65
2.1.4.3. A crítica em Kant e sua historicização em Foucault 70
2.1.4.4. O conceito de história como heterotopia em
Foucault ............................................................... 73
2.1.5. Future and Possibility. Esperança nas filosofias de Kant,
Foucault e Bloch ................................................................ 75
2.1.5.1. Sobre o fenômeno da esperança ............................ 75
2.1.5.2. Esperança e o futuro do humano em Kant ............ 76
2.1.5.3. A filosofia da esperança de Bloch e o utópico ........ 78
2.1.5.4. A esperança e a heterotopia em Foucault .............. 80
2.1.5.5. Projecting the future. Kant, Bloch e Foucault
comparados .......................................................... 83
2.1.6. Projeto futuro. Crítica, violência e progresso nas filosofias
de Kant, Foucault e Mbembe ........................................... 87
2.1.6.1. Projecting the future. Kant, Foucault e Mbembe .... 87
2.1.6.2. Violência revolucionária, crítica e progresso em
Kant ..................................................................... 89
2.1.6.3. Revolução, violência e crítica em Michel Foucault 95
2.1.6.4. Projeto futuro. Violência, crítica e progresso em
Mbembe ............................................................... 101
2.1.6.5. Consideração sintetizada. Crítica, violência e
progresso em Kant, Foucault e Mbembe ............... 105
2.2. Entre autonomia e heteronomia. sujeito, ética e estética em
Foucault ............................................................................. 108
2.2.1. Conhece-te a ti mesmo. Perspectivas antropológicas na
estética de Hegel e na estética e ética de Foucault ............... 108
2.2.1.1. Perspectivas antropológicas e o ‘conhece-te a ti
mesmo’ em Hegel e Foucault ................................ 108
7
2.2.1.2. Conhece-te a ti mesmo. Perspectivas
antropológicas na estética de Hegel....................... 109
2.2.1.3. O ‘conhece-te a ti mesmo’ e o cuidado de si.
Perspectivas antropológicas na estética e ética de
Foucault ............................................................... 114
2.2.2. A forma vazia da salvação. A ética da boa vida em Michel
Foucault ............................................................................ 119
2.2.2.1. A ética da boa vida e da felicidade humana ........... 119
2.2.2.2. A forma vazia da salvação e a questão da felicidade 120
2.2.3. Estética do jogo e técnicas de si. A conexão entre ética e
estética em Michel Foucault .............................................. 124
2.2.3.1. O sujeito entre heteronomia e autonomia ............. 124
2.2.3.2. Técnicas de si e a pergunta pelo sujeito ................. 125
2.2.3.3. A estética do jogo em Foucault ............................. 130
2.2.3.4. A vida como obra de arte ...................................... 132
2.2.3.5. Sobre a relação entre ética, estética e política ......... 137
2.2.3.6. Ética e estética em relação ao sujeito ..................... 139
2.2.4. Economia, Arte e Afeto. Economia do afeto e seus limites
na concepção filosófica de Michel Foucault ...................... 142
2.2.4.1. Economia e afeto em Foucault .............................. 142
2.2.4.2. Limites da economia do afeto em Foucault ........... 146
2.2.4.3. Afeto, literatura e arte em Michel Foucault ........... 149
2.2.5. Afeto. Corpo. Desejo. Emocionalidade em Michel
Foucault e Judith Butler .................................................... 154
2.2.5.1. Sujeito e construção do afeto ................................ 154
2.2.5.2. Afeto, corpo e desejo em Foucault ........................ 157
2.2.5.3. Afetividade e vulnerabilidade em Judith Butler ..... 159
2.2.5.4. Subjetividade e afetividade em Foucault e Butler .. 165
2.3. Subjeito e poder. o conceito de poder e resistência em um
contexto global ............................................................................ 169
2.3.1. Poder e limites do poder. Resistência e autonomia em
Michel Foucault ................................................................ 169
2.3.1.1. Foucault e a questão do poder .............................. 169
2.3.1.2. Liberdade e poder em Foucault ............................. 173
2.3.1.3. Autonomia e resistência ........................................ 176
8
2.3.1.4. Recepção crítica de Byung-Chul Han à teoria do
poder de Michel Foucault ..................................... 181
2.3.1.5. Sobre a complexidade do conceito de poder de
Foucault ............................................................... 184
2.3.2. A concepção de poder de Foucault na perspectiva das
teorias pos- e decolonais de Mbembe e Mignolo ................ 186
2.3.2.1. A teoria do poder de Foucault e o pós- e
decolonial ............................................................. 186
2.3.2.2. Vigiar e Punir de Foucault e sua concepção de
poder .................................................................... 188
2.3.2.3. A Crítica da Razão Negra de Mbembe e seu conceito
de poder ............................................................... 193
2.3.2.4. O cosmopolitismo decolonial de Mignolo como
conceito de futuro e a questão do poder ............... 199
2.3.2.5. Sobre a atualidade de Foucault no pensamento pós
e decolonial .......................................................... 203
2.3.3. Thinking resistance. Crítica e resistência em Foucault,
Bhabha e Mignolo ............................................................. 205
2.3.3.1. Crítica e resistência em Foucault ........................... 205
2.3.3.2. Formas de resistência de Bhabha ........................... 209
2.3.3.3. O conceito de crítica e resistência em Mignolo ..... 216
2.3.3.4. Resumidas considerações sobre os conceitos de
Foucault, Bhabha e Mignolo ............................... 219
3. Resumo ............................................................................................ 225
4. Referências ..................................................................................... 235
5. Índice Remissivo .............................................................................. 255
9
1. Introdução1
1.1 Sobre a queStão da atualidade do conceito filoSófico de
foucault
Revisiting Foucault possibilita, por um lado, examinar a filosofia de
Foucault em sua exposição geral, esclarecer as raízes de seu filosofar e des-
tacar os pontos principais de seu pensamento e, por outro lado, possi-
bilita também analisar a relevância atual de seus postulados no contexto
das novas escolas de pensamento. Estaria Foucault ultrapassado2 e incluído
Nas citações feitas em alemão pela autora das obras de Foucault, assim como de outros autores estrangeiros,
foram utilizadas preferencialmente traduções já publicadas em língua portuguesa. Com relação às obras
citadas ainda não traduzidas, realizamos as traduções diretamente do alemão, mantendo, entretanto, a
citação original da autora em nota de rodapé entre colchetes. Algumas citações em língua inglesa foram
mantidas, uma vez que sua tradução também não consta do texto original. Também foram mantidas
algumas citações em francês quando não havia traduções disponíveis. As obras de Kant são citadas neste
livro de acordo com as abreviações usadas na revista filosófica Kant-Studien. São utilizadas as seguintes
edições alemãs: Kant, Immanuel: Gesammelte Schriften. Vol. 1-22 editado pela Preußische Akademie
der Wissenschaften; v. 23 Deutsche Akademie der Wissenschaften zu Berlin; v. 24-27 Akademie der
Wissenschaften zu Göttingen. Berlim (De Gruyter), 1900 e seguintes. Para textos em língua estrangeira,
também, os símbolos do original são fornecidos de acordo com o índice Kantstudien. Disponível em:
https://www.kant-gesellschaft.de/gallery/KANT_Hinweise%20f%C3%BCr%20Autoren_2023.pdf.
Acesso em: 28 fev. 2025.
Esta tese é defendida, em particular, pelo novo materialismo natural-tecnológico de Barad, o Agential
Realism, no qual ela reúne construtivismo e realismo, uma forma da nova ontologia materialista. Cf.
Barad (2007). Embora ela recorra a Foucault, ela o considera ultrapassado, em particular no que diz
respeito ao seu construtivismo “idealista” e à sua concepção de biopoder e biopolítica. Teóricos pós-
coloniais e decoloniais como Mbembe, Bhabha e Mignolo acusam Foucault de eurocentrismo e criticam
veementemente sua teoria do poder. Eles também o consideram ultrapassado. Veja também a seção 2.3.
desta pesquisa.
Marita Rainsborough
10
dentre os clássicos filosóficos que têm apenas significado histórico para a
filosofia e nada mais têm a contribuir para o diálogo atual das humanida-
des e para a hodierna análise sociopolítica? A reivindicação de Foucault
sempre foi a de contribuir para a dissociação do ser humano das estruturas
de saber e poder existentes e modifica-los, assim como à sociedade, por
meio de seus métodos arqueológico e genealógico e da pesquisa de temáti-
cas selecionadas. Sua filosofia deve ser entendida como um programa com
implicações políticas e orientado para a vida. O ímpeto emancipatório de
uma crítica experimental deste gênero deve ainda ser mantido hoje ou
precisamos de novas formas de pensamento e ação crítico-emancipatórias
evidenciadas pelos desafios sociais emergentes no contexto global, como
é exigido, por exemplo, pelo novo realismo?3 Qual a importância de suas
percepções no século XXI? O presente trabalho, tendo incluído as várias
partes da filosofia de Foucault, pretende realizar uma reflexão abrangente
sobre seu pensamento, tendo por base, sobretudo, a consideração de suas
referências e raízes kantianas e o recurso a Bloch, que muitas vezes não
são suficientemente considerados ou enfatizados na recepção de Foucault,
mas têm uma relevância particular para a avaliação de seu atual significado
sociopolítico. Em especial, será assim mais bem compreendida a ênfase
muitas vezes surpreendente sobre o papel do sujeito no conceito de eman-
cipação de Foucault, com seus postulados da crítica e liberdade e seu in-
teresse nos fenômenos da esperança e do futuro. A presente análise enfoca
o estudo dos momentos emancipatórios da filosofia de Foucault, no qual
conceitos como liberdade, autonomia e crítica são pontos centrais. Neste
contexto, faltam estudos sobre a recepção Foucaultiana de Kant que sejam
significativos no que concerne ao aspecto da crítica do conhecimento e da
atualidade da filosofia e sua relevância social, e que exijam um pensar con-
junto da crítica (Foucault, 2010, p. 21) e da parresía como forma de crítica
Bruno Latour, por exemplo, exige – dentre outros críticos do construtivismo de Foucault – uma nova
forma de crítica. Cf. Latour, 2007. Latour realiza “um retrato desolador da paisagem crítica” e diz: “O
Zeus da crítica reina absoluto, mas ele reina sobre um deserto” [tradução nossa] (Latour, 2007, p. 40,
43). Ele quer mudar essa crítica destrutiva e postula: “Este retorno à atitude realista é o que eu gostaria de
recomendar ao pensador crítico como a próxima tarefa.” [tradução nossa] (Latour, 2007, p. 12) E: “Temos
um instrumento descritivo eficaz à nossa disposição, que lida com coisas importantes e cujo significado não
é mais desvendar, mas proteger e cuidar”. [tradução nossa] (Latour, 2007, p. 22) Ele continua: “O crítico
não é aquele que desvela, mas aquele que reúne.” [tradução nossa] (Latour, 2007, p. 55) Esta forma de
crítica tem que ser desenvolvida, segundo Latour.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
11
e / ou, ao contrário, da crítica como uma espécie de parresía e seu refletir
crítico.4 A questão da atualidade, portanto, coloca-se de duas maneiras:
como a atualidade na e da filosofia de Foucault. Neste contexto, depara-
mo-nos com a atualidade no sentido da interpretação que Foucault faz de
Kant como reivindicação da filosofia de ser capaz de fazer jus à sociedade
atual em análise e ser relevante para ela – como “ontologia do presente”,
ontologia da atualidade”, “ontologia da modernidade” e “ontologia de
nós mesmos” (Foucault, 2010, p. 21) como elucidou o trabalho mais sig-
nificativo até o momento sobre a relação entre Foucault e Kant: Kritik und
Geschichte – Foucault ein Erbe Kants? de Andrea Hemminger (2003)5.
Foucault (2016, p. 48) assume a posição de um diagnosticador e de
um “anatomista fazendo uma autópsia”.6 Foucault também descreve isso
como uma busca pelo ponto cego:
Igualmente, chegar a circunscrever, a desenhar, a designar essa
espécie de ponto cego a partir do qual falamos e vemos, a reconhecer
aquilo que possibilita que tenhamos um olhar distanciado, a definir
a proximidade que, à nossa volta, por toda parte, orienta o campo
geral de nosso olhar e de nosso saber. Apreender essa invisibilidade,
esse invisível do visível demais, essa familiaridade desconhecida, é
para mim a operação importante de minha linguagem e de meu
discurso (Foucault, 2016, p. 69-70).
As recentes análises sobre a recepção de Kant por Foucault, tais
como as de Jens Kertscher (2012) e Marcus Gabriel (2012), depois que
as preleções de Foucault foram publicadas na íntegra, enfatizam a relação
entre crítica e parresía, unindo os aspectos epistemológicos de Foucault à
sua ética com as técnicas de autoformação. Além disso, deve ser destacada
A literatura secundária já mostrou uma mudança nos últimos anos ao abordar essas questões, em particular
devido à publicação das preleções de Foucault. Veja, por exemplo, Gehring e Gelhard (2012).
Para outro exemplo de uma apreciação da recepção de Kant por Foucault na literatura secundária, ver
Raffnsøe, Gudmand-Høyer e aning (2011).
Foucault diz: “Não sou nem um nem outro, sou médico, digamos que sou um diagnosticador. Quero fazer
um diagnóstico, e meu trabalho consiste em trazer à luz através da própria incisão da escrita algo que seja
a verdade daquilo que está morto” (Foucault 2016, p. 48) Foucault vê nisso uma proximidade a Nietzsche:
“Para Nietzsche, a filosofia era antes de tudo o diagnóstico, ela tinha de lidar com o homem na medida em
que ele estava doente. Em suma, para ele, ela era ao mesmo tempo o diagnóstico e a violenta terapêutica das
doenças da cultura” (Foucault 2016, p. 50).
Marita Rainsborough
12
a discussão crítica com Foucault na filosofia contemporânea, tal como em
Judith Butler e Byung-Chul Han e nas teorias pós e decoloniais de Achille
Mbembe, Homi K. Bhabha e Walter Mignolo. Isto acontece exemplar-
mente na atual recepção crítica de seu trabalho neste campo teórico que,
além de uma rejeição a Foucault, frequentemente significa também uma
reflexão adicional a respeito de seus postulados. O foco da investigação é
o aspecto do sujeito entre saber, poder, ética e estética na história e na po-
lítica, e, portanto, o sujeito entre autonomia e heteronomia. Além da ên-
fase no histórico e no diagnóstico do presente, que foi feita especialmente
pelo processo de historicização, Foucault está particularmente interessado
na formação do futuro humano. O exame da dimensão do possível em
Foucault é foco especial dessa discussão crítica.
O ponto de partida do filosofar de Foucault é a investigação dos
momentos heterônomos da constituição do sujeito em complexos de saber
e poder. Inicialmente, trata-se principalmente da análise de epistemes es-
truturantes do saber ou regras de discurso nas formações discursivas e suas
implicações teóricas do poder em áreas isoladas tanto na dimensão sin-
crônica quanto diacrônica. As análises individuais realizadas em História
da Loucura na Idade Clássica, Doença mental e psicologia, O Nascimento
da Clinica, Vigiar e punir, Herculine Barbin: o diário de um hermafrodita
e Pierre Rivière, deixam claro, dentre outras coisas, um interesse geral em
questões analítico-discursivas que têm a ver com deslocamentos de poder
(Foucault 1972, 1975, 1977a, 1977b, 1983, 1987). Foucault acrescenta
vários elementos de análises arqueológica e genealógica concretas para re-
conceber a filosofia e testá-la como um projeto concreto de análise e crítica
social – até a rejeição provocativa temporária da filosofia. A nova maneira
de trabalhar resulta do interesse subjacente em uma análise social próxima
aos fenômenos individuais que determinam a formação dos sujeitos e, se
necessário, permitem a possibilidade de mudança. Desde o início, Foucault
também mostrou uma tendência a buscar possibilidades do sujeito se afas-
tar e se dissociar das coações existentes, mudar as formações existentes e
confrontar-se com esses complexos de problemas. Sua preocupação com os
temas loucura e literatura já manifesta a necessidade de Foucault de outras
formas de pensar e sentir e de outras formas de experiências de corporei-
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
13
dade, no sentido de um contradiscurso e uma transgressão. A sua assim
chamada ‘virada teórico-subjetiva’ deve ser localizada precisamente neste
contexto como uma continuação do processamento de um complexo de
problemas na precisão, expansão e deslocamento, complexo esse que ainda
não recebeu dele uma solução teórica satisfatória. Além disso, ele também
está preocupado com o esclarecimento das referências e ligações entre as
áreas individuais de sua filosofia. A ambicionada mudança na sociedade e
nos estilos de vida individuais associados a ela são impensáveis sem a as-
sistência ativa do indivíduo. Essa problemática adquire consequentemente
cada vez mais importância em seu pensamento, o que também se reflete,
dentre outras coisas, no interesse de Foucault pelas questões da resistência
e da revolução.
Já de início um canto de cisne foi entoado sobre a filosofia de Foucault,
como dito por Baudrillard em seu Oublier Foucault (2004 [1977]). Mas,
de um modo geral, ao contrário, só se pode falar de um triunfo de seu pen-
samento. Recorre-se a Foucault mundialmente em disciplinas tão diversas
como economia, estudos sobre deficiência (Disability Studies), estudos de
segurança (Security Studies), ciência penal, ciência literária, psicologia, so-
ciologia, ciência política, etc., para citar apenas algumas. Ao que parece,
ainda hoje a conexão com seu pensamento é possível em diversos aspectos.
Foucault ainda é considerado um dos mais importantes impulsionadores
das ciências humanas e sociais. No entanto, há crescentes vozes críticas que
consideram o pensamento de Foucault limitado e até mesmo ultrapassa-
do, especialmente as teorias pós e decoloniais que acusam Foucault, por
exemplo, de ser eurocêntrico, as teorias do novo realismo que criticam seu
construtivismo, ou também a teoria do poder de Byung-Chul Han que,
em seu núcleo, se baseia nas reflexões de Hegel. No entanto, o foco políti-
co-governamental e de teoria do poder da recepção foucaultiana não inclui
a crítica pós e decolonial a Foucault. Ainda falta um estudo dessas recep-
ções, lacuna que esta pesquisa pretende preencher. Neste contexto, surgem
as questões: a teoria de Foucault possibilita uma análise da sociedade para
além da Europa? Ela faz justiça às mudanças globais ou, neste aspecto, é
preciso pensar para além de Foucault?
Marita Rainsborough
14
A literatura secundária sobre Foucault é extensa e diversificada.
Digno de nota, por um lado, é a ênfase em sua obra no lado analítico do
discurso e na teoria do poder, que com foco na heteronomia do sujeito,
passando pelo fortalecimento de sua tese da “morte do sujeito”,7 leva a uma
ênfase exagerada na vulnerabilidade dele frente às determinações estatais e
institucionais, chegando à concepção de um “ato sem autores” (Benhabib,
1995, p. 27)8 e, por outro lado, também é digna de nota a ênfase na for-
mação estética do indivíduo dentro da insignificância social de um hedo-
nismo individual.9 Isso está geralmente associado à acusação de egocentris-
mo e solipsismo em Foucault. Neste ponto encontram-se flagrantes más
interpretações de sua obra, como mostra Francisco Ortega (1997) em seu
estudo da amizade em Foucault. Mesmo a parresía, que de certa forma está
ligada à amizade, pressupõe de maneira especial a relação com o outro.
Em outras palavras: não se pode cuidar de si mesmo, se preocupar
consigo mesmo sem ter relação com o outro. E o papel desse outro
é precisamente dizer a verdade, dizer toda a verdade, ou em todo
caso dizer toda a verdade necessária, e dizê-la de uma certa forma
que é precisamente a parresía, que mais uma vez é traduzida pela
fala franca (Foucault, 2010, p. 43).
As referências relacionais teóricas do sujeito, considerando a ética
foucaultiana do autocuidado, ainda não são suficientemente consideradas
na análise atual, principalmente quando se trata das dimensões da emotivi-
dade e da estética. Esta investigação também pretende contribuir para o es-
tudo destes aspectos, em particular a questão do papel desempenhado pela
“Não há nada para particularmente emocionar com o fim do homem: é apenas o caso particular, ou se
preferirem, uma das formas visíveis de uma morte muito mais geral. Com isso não quero dizer a morte de
Deus, mas a do sujeito, do Sujeito em letra maiúscula, do sujeito como origem e fundamento do Saber, da
Liberdade, da Linguagem e da História.” [“Il n’y a pas à s’émouvoir particulièrement de la fin de l’homme:
elle n’est que le cas particulier, ou si vous voulez une des formes visibles d’un décès beaucoup plus général.
Je n’entends pas par cela la mort de Dieu, mais celle du sujet, du Sujet majuscule, du sujet comme origine et
fondement du Savoir, de la Liberté, du Langage et de l’Histoire.” – tradução nossa]. Em: Foucault (2001b,
p. 816) ou Foucault (1969, p. VIII). Veja também: Nagl-Docekal (1987).
Uma transposição dessa visão para um conceito de liberdade do sujeito pode ser observada em Philipp
Sarasin (2016a), quando ele afirma a proximidade de Foucault com o conceito de vontade e liberdade de
Sartre. Aqui, a meu ver, há uma interpretação excessiva do conceito de liberdade de Foucault.
Suárez Müller (2004, p. 199) fala de um hedonismo socialmente crítico quando se refere ao hedonismo
de Foucault.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
15
afetividade no contexto do diagnóstico do presente a partir de uma análise
genealógica do vir-a-ser (Gewordensein) histórico em relação às questões
do sujeito, do poder e do saber, e das possibilidades para a configuração
do futuro.
A combinação das partes individuais de sua filosofia é geralmente
uma falha na recepção de Foucault. Elas são frequentemente vistas como
peças fragmentárias e incoerentes que manifestam uma mudança recor-
rente de direção em seu pensamento e fazem sua filosofia parecer uma se-
quencia várias vezes revisada de conhecimentos filosóficos.10 O foco desta
investigação é mostrar o filosofar de Foucault em sua orientação geral, a
fim de fazer aparecer o entrelaçamento das partes individuais.11 Segundo
Foucault (2010, p. 41), a investigação de fenômenos como loucura, crimi-
nalidade e sexualidade deve ser incluída no “projeto geral”.
Da última vez eu lembrei brevemente a vocês qual era o projeto
geral, a saber: procurar analisar o que podemos chamar de focos
ou matrizes de experiência, como a loucura, a criminalidade, a
sexualidade, e analisá-las segundo a correlação dos três eixos que
constituem essas experiências, isto é: o eixo da formação dos
saberes, o eixo da normatividade dos comportamentos e, enfim, o
eixo da constituição dos modos de ser do sujeito (Foucault, 2010,
p. 41).
No entanto, isso não deve ser mal interpretado como uma tese de que
a filosofia de Foucault é baseada em um plano pronto e que apresenta cará-
ter sistêmico. Em vez disso, a análise é baseada na tese mais fraca de que o
pensamento de Foucault permanece consistentemente ligado à solução de
certos problemas teóricos / práticos com relevância sociopolítica que afe-
tam a conexão entre sujeito, saber e poder. Esses problemas não precisam
necessariamente ser esgotados desde o início, mas podem se desenvolver
em relação a trabalhos anteriores e seus respectivos resultados, ou questões
que neles permanecem abertas – no sentido de uma filosofia como work
10 Um exemplo disso é a interpretação de Philipp Sarasin (2016a), que chama a parte teórica do sujeito
da filosofia de Foucault de ponto de virada. Petra Gehring (2012, p. 13-31), por outro lado, como no
caso do presente estudo, defende uma tese de coerência que, dentre outras coisas, é exemplificada pelo
postulado da liberdade.
11 Uma orientação semelhante é mostrada pela pesquisa de Raffnsøe, Gudmand-Høyer e aning (2011).
Marita Rainsborough
16
in progress. Assim, o pensamento de Foucault é seguido por um fio contí-
nuo que promove uma forma particular de coerência não criada por uma
sistemática, mas por temáticas e problemáticas em diferentes níveis e áreas
– combinadas com mudanças, detalhamentos e expansões – que formam
um quadro contextual e permitem derivar uma orientação a ser entendida
como um objetivo. Isso pode ser descrito como uma pretensão emanci-
patória em sentido específico, a qual não está apenas ligada ao aumento
do conhecimento, mas também, num ímpeto crítico, inclui na dimensão
prática a emocionalidade e a corporeidade, o que pressupõe uma reflexão
sobre o vir-a-ser (Gewordensein) e as possibilidades de mudança do sujeito
com base na análise arqueológica e genealógica das formações do saber e
do poder. A preocupação de Foucault em conectar as linhas individuais de
sua obra torna-se mais clara em particular por meio de seus postulados da
parresía, governamentalidade e práticas de si que, na mudança, provocam
continuidade e nexo.
Essa passagem, esse deslocamento do desenvolvimento dos
conhecimentos para a análise das formas de veridicção constituiu
um primeiro deslocamento teórico que era necessário operar. O
segundo deslocamento teórico a operar é o que consiste, quando
se trata de analisar a normatividade dos comportamentos, em se
desprender do que seria uma Teoria Geral do Poder (com todas
as maiúsculas) ou das explicações pela Dominação em geral, e em
tentar fazer valer a história e a análise dos procedimentos e das
tecnologias de governamentalidade. Enfim, o terceiro deslocamento
que se trata, creio eu, de realizar é o que consiste em passar de
uma teoria do sujeito a partir da qual se procuraria destacar, em
sua historicidade, os diferentes modos de ser da subjetividade, à
análise das modalidades e técnicas da relação consigo, ou ainda à
história dessa pragmática do sujeito em suas diferentes formas [...]
(Foucault, 2010, p. 41-42).12
12 Continuando: “Eu tinha me consagrado, vamos dizer, principalmente a estudar sucessivamente cada
um destes três eixos: o da formação dos saberes e das práticas de veridicção; o da normatividade dos
comportamentos e da tecnologia do poder; enfim, o da constituição dos modos de ser do sujeito a partir
das práticas de si” (Foucault, 2010, p. 42).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
17
Evidenciar a “correlação” entre os domínios13 é uma tentativa de reu-
nir pesquisas díspares e dispersas. “Com a noção de parresía, temos, como
vocês veem, uma noção que está na encruzilhada da obrigação de dizer a
verdade, dos procedimentos e técnicas de governamentalidade e da cons-
tituição da relação consigo” (Foucault, 2010, p. 44).14 Foucault afirma:
essa noção é um pouco uma noção aranha15 (p. 45) e deve ser localizada
na fronteira entre a orientação individual e o campo do político (p. 46).
Assim, ele também entrelaça a teoria do saber e a teoria do sujeito com a
do poder, assim como isto se aplica igualmente aos termos governamen-
talidade e autotecnologia, e, portanto, também cria uma conexão entre
teoria e prática na concepção filosófica. Esses postulados destacam-se por
sua função de cruzamento de diferentes elementos teóricos.
Em relação à atual relevância de Foucault no debate na literatura
secundária, chama a atenção, além do ponto de vista da parresía em parti-
cular, o foco na política e no poder com especial consideração aos aspectos
disciplina, poder pastoral e biopolítica, governamentalidade e economia,
ainda que a conexão existente entre as chamadas áreas prioritárias não
seja suficientemente considerada (Binkley; Capetillo, 2009; Bröckling;
Krasmann; Lemke, 2012; Faubian, 2014; Pickett, 2005). Em particular,
pode-se dizer que há mudanças, ampliações e esclarecimentos dos proble-
mas que devem ser analisados em detalhe, especialmente do ponto de vista
do sujeito entre limite e transgressão.
1.2 o Sujeito entre heteronomia e autonomia em foucault
Segundo Foucault, a constituição de um sujeito autônomo não pode
ser entendida como livre de fatores determinados por outros, de modo
13 “E, [...] ao colocar a questão do governo de si e dos outros, gostaria de procurar ver como o dizer-a-
verdade*, a obrigação e a possibilidade de dizer a verdade nos procedimentos de governo podem mostrar de
que modo o indivíduo se constitui como sujeito na relação consigo e na relação com os outros” (Foucault,
2010, p. 41).
14 E continuando: “O dizer-a-verdade do outro [...] é uma das condições essenciais para que possamos formar a
relação adequada conosco mesmos, que nos proporcionará a virtude e a felicidade” (Foucault, 2010, p. 44).
15 Noção aranha: que estende seus fios em todos os sentidos, noção complexa que abrange vários domínios
[N.doT.].
Marita Rainsborough
18
que a autonomia e a heteronomia não se excluem mutuamente em sen-
tido de oposição, mas são pensadas como entrelaçadas, intercambiáveis
e justapostas como momentos parciais. Esta concepção baseia-se na ideia
da constituição simultânea do sujeito e de sua possibilidade de autocons-
tituição, o que se reflete em seu conceito de poder como jogo e/ou luta
de relações de forças em suas microfísica e macrofísica de poder. Os mé-
todos arqueológico e genealógico investigam o sujeito entre heteronomia
e autonomia no tocante ao saber, ao poder e à ética ou estética. Foucault
desenvolve sua concepção de autonomia e heteronomia no contexto de sua
recepção de Kant, de uma maneira que modifica a compreensão kantiana
dos conceitos.
Em Kant, a autonomia deve ser entendida primariamente como o
princípio mais alto da moralidade”, como autolegislação (Kant, 1900, v.
04, p. 431; Kant, 1900, v. 29, p. 629) no sentido de uma obrigação moral
incondicional.16 O princípio da autonomia é, portanto, “escolher sempre
de tal modo que as máximas de nossa escolha estejam compreendidas, ao
mesmo tempo, como leis universais, no ato de querer” (Kant, 1900, v. 04,
p. 60 [tradução em Kant, 1964, p. 104]). A vontade livre pode agir inde-
pendentemente de interesses e inclinações, de causas alheias. Autonomia e
liberdade estão intimamente relacionadas:
A autonomia da vontade é o único princípio de todas as leis morais e
dos deveres conformes a elas […]. Portanto a lei moral não expressa
senão a autonomia da razão prática pura, isto é, da […] liberdade
e esta é ela mesma a condição formal de todas as máximas, sob a
qual elas unicamente podem concordar com a lei prática suprema
(Kant, KpV, I § 8 [tradução em Kant, 2015, p. 111-113]).
16 O termo autonomia, que se orienta na soberania política e é originalmente derivado da filosofia política, é
usado por Kant pela primeira vez em seus escritos publicados na Fundamentação da Metafísica dos Costumes.
Kant relaciona autonomia primariamente à vontade dos seres racionais e fala da “autonomia da razão
mesma” (Kant, 1900, v. 05, p. 125s; Kant, 1900, v. 04, p. 443-445), que na Fundamentação da Metafísica
dos Costumes não necessita mais de um compromisso garantido por Deus. “A autonomia da vontade é a
propriedade que a vontade possui de ser lei para si mesma (independentemente da natureza dos objetos do
querer). O princípio da autonomia é, pois: escolher sempre de tal modo que as máximas de nossa escolha
estejam compreendidas, ao mesmo tempo, como leis universais, no ato de querer” (Kant, 1900, v. 04, p.
440). Tradução para a língua portuguesa: Kant (1964, p. 104). A autonomia moral também é decisiva no
que se refere à relação entre Moral e Direito e deve ser considerada como uma norma básica comum; ela
representa igualmente a causa e a limitação do Direito.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
19
A autonomia como uma faculdade da vontade de agir autolegislati-
vamente e de poder seguir o imperativo categórico corresponde ao concei-
to kantiano positivo de liberdade.17 Em Kant, o termo autonomia designa
ao mesmo tempo uma faculdade e um princípio e trata dos elementos co-
nhecimento, julgamento e ação, sendo usado em sua filosofia moral tanto
de maneira descritiva quanto normativa. Segundo Kant, a capacidade de
autolegislação do homem de acordo com o imperativo categórico constitui
e preserva sua dignidade.18
O conceito desenvolvido em sua filosofia moral de autonomia como
autolegislação, como a característica humana geral de ser racional e como
condição universal da ação moral, é descrita por Kant de forma ampla em
seu ensaio “Resposta à pergunta: Que é o ‘Iluminismo’?” Aqui, a autonomia
pode ser entendida como julgamento independente, um direito humano à
autodeterminação, autocontrole ou ação de acordo com princípios em um
contexto social ou político. Com relação aos termos autonomia e liberda-
de, Foucault recorre primariamente aos escritos menores de Kant, em sua
maioria de filosofia da história.19 Assim, com os postulados kantianos do
Esclarecimento, Crítica, Esfera Pública e Revolução, o contexto sócio-polí-
tico se torna o ponto de referência. De acordo com Foucault, no processo
de esclarecimento, Kant se esforça para estabelecer “uma relação de auto-
nomia consigo mesmo” “que nos permite nos servir da nossa razão e da
nossa moral” (Foucault, 2010, p. 32). Foucault se preocupa com uma au-
todeterminação20 no sentido da independência dos modos de ser governado
17 “Em que pode, pois, constituir a liberdade da vontade senão numa autonomia, ou seja, na propriedade
que o querer tem de ser para si mesmo sua lei?” (Kant, 04, p. 446 [tradução, 1964, p. 111-111s]). Trata-
se da possibilidade do indivíduo para a ação moral livre, que anda de mãos dadas com o reconhecimento
do imperativo categórico. Nesse contexto, tem relevância a fórmula de autonomia de Kant do imperativo
categórico. (Kant, 04, BA 76).
18 Kant observa que “a autonomia é, pois, o princípio da dignidade da natureza humana, bem como de toda
natureza racional” (Kant, 1900, v. 04, p. 436 [tradução, 1964, p. 99]). A dignidade é explicada de maneiras
distintas em Kant: por um lado, baseia-se na capacidade humana de ação moral, por outro lado, pressupõe a
ação de acordo com o imperativo categórico. Além disso, Kant recorre ao pertencimento ao gênero humano
em geral quando trata da dignidade humana. Como fundamento motivacional, Kant serve-se do senso racional
de respeito à lei. O imperativo categórico, portanto, opera de forma automotivadora na ação autônoma.
19 Foucault refere-se principalmente aos dois escritos: “Resposta à pergunta: Que é o Iluminismo?” e “O
conflito das faculdades”.
20 A autodeterminação em Kant, em contraste com Foucault, significa, por um lado, a livre decisão do sujeito em
relação à escolha de máximas e ações e, por outro lado, a determinação do sujeito por meio de um propósito.
Marita Rainsborough
20
que promovem a heteronomia do sujeito. Para Foucault, a heteronomia do
sujeito21 consiste nos mecanismos de controle que governam a liberdade,
mecanismos aos quais está exposto e que determinam seu pensar e agir, mas
não os estabelecem fundamentalmente. A compreensão de Foucault sobre a
autonomia estabelece a capacidade do ser humano de se autoformar como
ética ou estética de si e está decisivamente em um contexto de teoria do dis-
curso e do poder. Suárez Müller critica o caráter normativo encoberto dos
postulados de Foucault:
Parece-me que há referências explícitas aos critérios latentes da
crítica social de Foucault em sua ética. Em sua ética, Foucault
enfatiza a autonomia e a liberdade do ser humano, mas, como essa
ética não apresenta uma justificativa normativa, ele não apresenta a
No geral, ele usa o termo autodeterminação de forma relativamente rara. Além disso, ele também associa a
autodeterminação à autoconstituição e autoafetação do sujeito. (Kant, 1900, v. 04, p. 427; v. 07, p. 251; v.
22, p. 73-87) Em sentido relativo, a independência da ação é entendida por certos impulsos factuais, pelos
quais é dada uma possibilidade de escolha. “[A] liberdade do arbítrio é de uma natureza toda peculiar que não
pode ser determinada à ação por nenhum motivo, a menos que o homem a tenha admitido em sua máxima (que
tenha estabelecido para si uma regra geral, segundo a qual quer comportar-se); é somente desse modo que um
motivo, qualquer que seja, pode manter-se ao lado da absoluta espontaneidade do livre-arbítrio (da liberdade).
(Kant, 1900, v. 06, p. 23s [tradução: Kant, 2006a, p. 22]). Em sentido absoluto, a autodeterminação como
adequação da razão refere-se à determinação do conhecimento, julgamento e ação por meio de princípios
racionais apriorísticos em um sentido moral. Na antropologia, a força como capacidade de ação do sujeito é
realizada por meio de um exercício de influência sobre si mesmo por meio da imaginação. No Opus postumum,
pode-se ver uma tendência à definição do conceito no sentido de uma constituição própria. (Kant, v. 22, p.
82) Aqui se encontram mais referências feitas por Foucault a Kant que estão novamente no foco da presente
investigação e revelam estruturas mais profundas do filosofar de Foucault.
21 Kant entende a “heteronomia”, a antítese da “autonomia”, como a dependência de uma faculdade
humana a uma lei estrangeira (Kant, v. 04, p. 444; v. 05 p. 282). O conceito pode ser encontrado em
Kant principalmente na filosofia prática. A heteronomia predomina quando a vontade é determinada
não pela lei moral a priori, mas pela luta por felicidade, uma ação de acordo com imperativos hipotéticos.
A dependência de um objeto a ser produzido não pode estabelecer uma obrigação moral. Também o
termo heteronomia Kant adota da filosofia política. Aqui ele se refere a uma autonomia política limitada
por leis impostas externamente e, portanto, uma falta de soberania legislativa. Ele transfere essas ideias
para a filosofia moral. “Quando a vontade busca a lei, que deve determiná-la, noutro lugar que não
na aptidão de suas máximas para instituir uma legislação universal que dela proceda; quando, por
conseguinte, ultrapassando-se, busca esta lei na propriedade de algum de seus objetos, o resultado disso é
sempre uma heteronomia”. (Kant, v. 04, p. 441 [tradução, 1964, p. 105]). Nesse caso, a vontade não se
determina diretamente a si mesma, mas é motivada pela ideia do efeito da ação: “A vontade, neste caso,
nunca dá a si mesma a lei; mas um impulso estranho lhe fornece, graças a uma especial constituição do
sujeito que o dispõe a recebê-la” (Kant, v. 04, p. 444 [tradução, 1964, p. 108]). A moralidade não deve
se basear no desejo ou aversão e nos valores dados. “Se o conceito de bom não deve ser derivado de uma
lei práctica precedente mas, antes, servir de fundamento a esta, então ele só pode ser o conceito de algo
cuja existência promete prazer e deste modo determina a causalidade do sujeito à realização do mesmo,
isto é, determina a faculdade de apetição.” (Kant, v. 05, p. 58; KpV p. 101, 102 [tradução: Kant, 2015b,
p. 197-199]).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
21
autonomia e liberdade como critérios normativos universais válidos
(Suárez Müller, 2004, p. 90, [tradução nossa]). 22
E continua: “algo semelhante ocorre em sua crítica cultural: aqui
também a autonomia e a liberdade não são explicitamente reconhecidas
como critérios, embora sejam repetidamente utilizadas como tais(Suárez
Müller, 2004, p. 90, tradução nossa).23 De fato, esses postulados revelam-se
como a raiz esclarecedora e a base de seu pensamento. Assim, o esclareci-
mento e a crítica em contextos sócio-políticos são o foco de sua compre-
ensão de Kant, não o universalismo ético kantiano e seu conceito de razão.
Os conceitos de autonomia e heteronomia são inteiramente deslocados
pela ética deontológica para o domínio da autoformação individual e da
transformação social, e andam de mãos dadas com a concepção especial
de Foucault de poder e ética e/ou estética. Foucault, portanto, ancora a
autonomia e a liberdade na ética, como o faz Kant, mas as entende em um
rumo estético que não admite um princípio universal. Em última instân-
cia, liberdade e autonomia para Foucault são fundadas na teoria do poder,
para ele, elas estão logicamente ancoradas no conceito de poder. Em ter-
mos teóricos subjetivos, a derivação lógica do poder proporciona-lhes, de
um outro modo, reconhecimento universal.
1.3 conSideraçõeS Sobre o procedimento
A análise procura reler Foucault, por um lado, com base na perspec-
tiva de sua própria filosofia e da relação das partes individuais entre si, e
também por meio de uma comparação de certos aspectos de sua teoria, tais
como corpo, afetividade, poder, resistência, com críticos determinantes de
Foucault – especialmente do ponto de vista da atualidade e do futuro. No
geral, o procedimento é baseado em um processo hermenêutico e compa-
22 [“Es scheint mir, dass explizite Anhaltspunkte für die latenten Kriterien der Gesellschaftskritik Foucaults in
seiner Ethik anzufinden sind. Foucault hebt in seiner Ethik die Autonomie und die Freiheit des Menschen
hervor, aber, da diese Ethik keine normative Begründung vorlegt, präsentiert er diese Autonomie und
Freiheit nicht als allgemeingültige, normative Kriterien”].
23 [“Ähnliches geschieht in seiner Kulturkritik: auch hier werden Autonomie und Freiheit nicht explizit als
Kriterien anerkannt, obwohl sie immer wieder als solche verwendet werden”].
Marita Rainsborough
22
rativo. No primeiro capítulo da parte principal, a pesquisa se propõe a tare-
fa de revelar o sujeito entre limite e transgressão no contexto da concepção
de história de Foucault, tendo por pano de fundo seu debate com Kant e
Hegel como um modelo heterotópico de uma orientação pragmática ad
hoc, no qual a esperança humana – recorrendo a Bloch – encontra sua legi-
timidade. Claramente, deve ser aqui enfatizado o objetivo sócio-político de
Foucault. Sua específica interpretação kantiana, segundo a qual Kant deve
ser entendido primariamente como um filósofo preocupado com a atua-
lidade de seu pensamento em relação aos processos sociopolíticos de seu
tempo, torna Foucault um foco especial na tradição de Kant. Aqui fica evi-
dente a ambição sociopolítica de Foucault, sua pretensão de fornecer com
sua filosofia uma análise dos fenômenos sociais de seu tempo, assim como
abordagens para soluções que possibilitem a dessubjetificação e dessubjugação
do sujeito. Para este propósito, devem ser comparadas as metáforas limite
e transgressão (capítulo 2.1.1), a concepção de a priori (capítulo 2.1.2)
e, em referência ao novo realismo, a relação entre liberdade, natureza e
história (capítulo 2.1.3) em Foucault e Kant. Além disso, o capítulo 2.1.4
enfoca a concepção de história de Foucault partindo de um diálogo com
Hegel e Kant. No capítulo 2.1.5, discute-se, relativamente ao aspecto da
esperança, ao lado de Kant, o conceito filosófico de Ernst Bloch. Qual é a
conexão entre sujeito e história? Qual conceito de futuro será visível neste
contexto em Foucault? Essas questões também estão no foco do estudo no
capítulo 2.1.6 com relação aos aspectos da crítica, violência e progresso em
Kant, Foucault e Mbembe, no qual o contexto pós-colonial e global deve
ser examinado em particular com referência à África.
O segundo capítulo (2.2.1) da análise tematiza a concepção de sub-
jetividade em Foucault em comparação com as perspectivas antropológicas
de Hegel – especialmente em sua estética – e procura salientar a orienta-
ção particular da filosofia de Foucault em relação à questão do sujeito no
contexto da ética e da estética. Como podemos entender o postulado de
Michel Foucault sobre a forma vazia da salvação neste contexto? Esta ques-
tão será examinada tendo por referência o aspecto da felicidade humana
no capítulo 2.2.2. No capítulo 2.2.3 será mostrado que Foucault usa a
ética, ou estética, de si para investigar o espaço criativo do sujeito, o qual
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
23
com a autoformação por meio de técnicas de si contém, ao mesmo tempo,
a esperança na libertação da determinação do sujeito mediante formações
discursivas e estratégias de poder e, com isso, a possível autonomia do
sujeito contra o pano de fundo do ser governado. Assim, também estão
relacionados o fundamento da capacidade do sujeito para a ação e seu po-
tencial para mudar o pensar, sentir e agir e para moldar o futuro humano.
Neste contexto, no capítulo 2.2.4 coloca-se também a questão da consti-
tuição dos afetos e do corpo, da possibilidade de mudar sua formação por
meio da aplicação de autotécnicas com intenção emancipatória e seu papel
no processo de dessubjugação do sujeito, na medida em que é investigada
especialmente a forma de governo neoliberal como forma central e atual
de governamentalidade, a qual diz respeito também à constituição de um
determinado tipo de sujeito. Nesse contexto, a afetividade em Foucault é
então comparada com o trabalho de Judith Butler sobre esta temática e são
feitas considerações a respeito da crítica de Butler a Foucault (ver capítulo
2.2.5). Estes últimos capítulos da parte dois abordam especialmente o pa-
pel singular da afetividade em Foucault e suas implicações.
No terceiro capítulo da parte principal, a análise do conceito de po-
der em Foucault e a investigação do potencial humano para a ação de
resistência elucidam as possibilidades de mudanças na esfera individual
e social. Os conceitos de poder e resistência em Foucault são examinados
no capítulo 2.3.1. Neste contexto, será verificado se a concepção de poder
de Foucault, em comparação com a teoria do poder de Han, que deve ser
considerada como uma das teorias mais significativas sobre o assunto atu-
almente, e com os conhecimentos de teóricos pós-coloniais e decoloniais
como Mignolo, Bhabha e Mbembe (ver 2.3.2 e 2.3.3), ainda fornece uma
ferramenta analítica adequada para fenômenos de poder no contexto glo-
bal. Quais consequências aparecem para a questão do sujeito entre poder e
ética/estética a partir da perspectiva de hoje? Como a acusação de eurocen-
trismo em relação à filosofia de Foucault deve ser avaliada neste contexto?
Não é mais possível, com base em seu conceito, captar adequadamente as
mudanças sociopolíticas globais e as constituições de sujeitos entre auto-
nomia e heteronomia a elas relacionadas? Sua filosofia ainda fornece pro-
posições úteis, categorias e critérios de análise e avaliação para examinar
Marita Rainsborough
24
os problemas atuais no contexto global? Ela proporciona uma ferramenta
para o enfrentamento teórico/prático do futuro?
25
2. Foucault hoje. O sujeito no
contexto do saber, poder, ética e
estética
2.1 perSpectivaçõeS e novoS eSboçoS
Foucault, Kant, Hegel, Bloch e Mbembe em diálogo
2.1.1 limite e tranSgreSSão. recepção de Kant por michel
foucault no eSpelho daS metáforaS filoSóficaS 24
2.1.1.1 foucault e a tradição crítica
Nas filosofias de Foucault e Kant as metáforas de limite e trans-
gressão recebem um significado especial, o que não só contribui para a
compreensão holística dessas concepções filosóficas e dos respectivos con-
ceitos de filosofia dando luz às suas particularidades, mas também elucida
as diferenças nas teorias filosóficas. O conteúdo de conhecimento espe-
cífico de cada uma delas deve ser examinado no contexto do ambiente
metafórico, das conexões sistemáticas e da orientação argumentativa das
obras de Foucault e Kant – em particular no que diz respeito à recepção de
 Este capítulo foi publicado somente com algumas alterações pouco relevantes: RAINSBOROUGH,
Marita. Grenze und Überschreitung: Michel Foucaults Kantrezeption im Spiegel der philosophischen
Metaphern. In: CECCHINATO, Georgia; FIGUEIREDO, Virginia de Araujo; KAUARK-LEITE,
Patrícia; RUFFING, Margit (org.). Kant and the Metaphors of Reason. Hildesheim; Zurich; New York:
Olms, 2015. p. 531-545.
Marita Rainsborough
26
Kant por Foucault no espelho das metáforas. Ao mesmo tempo, a partir da
investigação das diferenças no uso das metáforas limite e transgressão, deve
ser investigada a questão da relevância e função que têm estas metáforas
nas filosofias de Foucault e Kant, e qual o significado do uso das metáfo-
ras considerando suas implicações histórico-filosóficas para a compreensão
dos diferentes conceitos filosóficos.
Foucault escreve num léxico um artigo sobre si mesmo sob um pseu-
dônimo: “[Se Foucault está inscrito na tradição filosófica, é certamente na
tradição crítica de Kant, e seria possível]25 nomear sua obra História crítica
do pensamento” (Foucault, 2017, p. 228). Repetidamente Foucault se refe-
re a Kant em seu projeto filosófico, especialmente no que diz respeito aos
postulados do Esclarecimento e da Crítica. Para ele, Kant incorpora uma
certa atitude de vida filosófica – um ethos.26 Foucault coloca as Críticas,
o texto sobre o Esclarecimento e seu trabalho histórico-filosófico dentro
de um contexto argumentativo no quadro do projeto geral da filosofia de
Kant, e vê no ensaio O que é Esclarecimento? uma articulação entre filosofia
crítica e filosofia da história para a reflexão sobre a atualidade de seu proje-
to. “A hipótese que eu gostaria de sustentar é de que esse pequeno texto se
encontra de qualquer forma na charneira entre a reflexão crítica e a reflexão
sobre a história. É uma reflexão de Kant sobre a atualidade de seu trabalho
(Foucault, 2015a, p. 357). Assim, Foucault atribui às Críticas um lugar no
projeto geral de Esclarecimento em Kant.
Ele descreve de fato a Aufklärung como o momento em que
a humanidade fará uso de sua própria razão, sem se submeter a
nenhuma autoridade; ora, é precisamente neste momento que a
Crítica é necessária, já que ela tem o papel de definir as condições
nas quais o uso da razão é legítimo para determinar o que se
 A passagem entre parênteses é de F. Ewald.
 “Não sei se algum dia nos tornaremos maiores. Muitas coisas em nossa experiência nos convencem de que o
acontecimento histórico da Aufklärung não nos tornou maiores; e que nós não o somos ainda. Entretanto,
parece-me que se pode dar um sentido a essa interrogação crítica sobre o presente e sobre nós mesmos
formulada por Kant ao refletir sobre a Aufklärung. Parece-me que esta é, inclusive, uma maneira de filosofar
que não foi sem importância nem eficácia nesses dois últimos séculos. É preciso considerar a ontologia
crítica de nós mesmos não certamente como uma teoria, uma doutrina, nem mesmo como um corpo
permanente de saber que se acumula; é preciso concebê-la como uma atitude, um êthos, uma via filosófica
em que a crítica do que somos é simultaneamente análise histórica dos limites que nos são colocados e prova
de sua ultrapassagem possível.” Em: Foucault (2015a, p. 367s).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
27
pode conhecer, o que é preciso fazer e o que é permitido esperar
(Foucault, 2015a, p. 357).27
A filosofia da história de Kant determina, com isso, a direção de
desenvolvimento e o objetivo do processo de Esclarecimento.
“Foucault novamente (exige), com gesto kantiano, uma ‘verda-
deira crítica’ (ibid.), mas com seu modelo ele propaga Nietzsche e não
Kant” (Hemminger, 2010, p. 26, tradução nossa).28 Assim escreve Andrea
Hemminger no posfácio da Einführung in Kants Anthropologie [Introdução
à Antropologia de Kant].29 Essa conexão com Nietzsche decorre do método
de pesquisa genealógico de Foucault. Em relação ao programa subjacente
à obra de Foucault, ela fala de uma “outra crítica” (Hemminger, 2010, p.
127). Segundo Hemminger, também para Deleuze a influência de Kant
sobre Foucault é central para entender sua filosofia. “Depois de ler Kant,
Foucault efetiva uma virada teórica que Deleuze descreve como ‘a con-
versão mais importante de Foucault’: ‘transformar a fenomenologia em
epistemologia’”.30
Ao fazê-lo, ele muda “a crítica do transcendental para o histórico
e “desiste do sujeito transcendental e o substitui por um fato de ordem, a
mera circunstância de que ‘há ordem’. [...] O lugar do soberano permanece
vazio” (Hemminger, 2010, p. 128, tradução nossa).31
 Foucault continua: “A Crítica é, de qualquer maneira, o livro de bordo da razão tornada maior na
Aufklärung; e, inversamente, a Aufklärung é a era da Crítica” (Foucault, 2015a, p. 357).
 [“Foucault [fordert] mit kant’scher Geste erneut eine ‘wahre Kritik‘ (ebd.), als deren Modell er dann aber
nicht Kant, sondern Nietzsche propagiert”].
 Também em termos da antropologia de Kant, que lida primariamente com o ânimo (Gemüt) e examina
seus desvios, fraquezas e doenças – para Foucault “o negativo da crítica” – Foucault procura, juntamente
a sua ocupação com sua genealogia, pelo lugar dela “na organização do saber” (Foucault, 2011, p. 58).
À antropologia de Kant, referindo-se em particular ao seu Opus postumum, ele concede um caráter de
passagem ao caminho de sua filosofia transcendental. Segundo Foucault, a antropologia em Kant não deve,
portanto, ser entendida no sentido da subsequente antropologia científica da modernidade.
 [“Foucault vollzieht nach seiner Kant-Lektüre eine theoretische Wende, die Deleuze als ‘die wichtigste
Konversion Foucaults’ bezeichnet: ‘die Phänomenologie in Epistemologie [zu] verwandeln’”] (Ibid.)
Hemminger cita aqui Deleuze (1987, p. 153).
 gibt das transzendentale Subjekt auf und setzt an dessen Stelle ein Faktum der Ordnung, die bloße
Tatsache, ‘daß es Ordnung gibt‘, […] Der Platz des Souveräns bleibt leer.”] Hemminger cita aqui Foucault,
1974, p. 23.
Marita Rainsborough
28
A questão programática que ele formula na ocasião de sua candida-
tura ao College de France é:
Como deve parecer uma crítica se se deseja analisar não em
termos transcendentais, mas históricos. [...] Esta questão é
de fato a questão guia em arqueologia, que pode, portanto,
ser descrita como uma transformação da crítica de Kant.
Contudo, ao exigir a mudança do plano de análise do
transcendental para o histórico, a maneira pela qual a crítica
funciona muda. Não se trata mais de justificar as experiências
possíveis, mas de descrever as condições de experiências reais
(Hemminger, 2010, p. 129s).32
Foucault resume a questão com o conceito do a priori histórico, que
expressa as condições de realidade para enunciados formulados em um de-
terminado período de tempo, enunciados estes derivados da investigação
de discursos em um processo arqueológico.
2.1.1.2 a metáfora do limite em Kant
A metáfora33 do limite é central no pensamento de Kant e está inti-
mamente relacionada com a compreensão da filosofia e do projeto da crítica.
 [“wie eine Kritik aussehen muß, ‘wenn man nicht in transzendentalen, sondern in historischen Begriffen analysieren
will’. […] Diese Frage ist in der Tat die Leitfrage der Archäologie, die von daher als eine Transformation der
Kant’schen Kritik bezeichnet werden kann. Indem hier die Analyseebene vom Transzendentalen ins Historische
verlagert wird, ändert sich allerdings die Arbeitsweise der Kritik. Es geht nicht mehr darum, die möglicher
Erfahrungen zu begründen, sondern darum, die Bedingungen tatsächlicher Erfahrungen zu beschreiben.”].
Hemminger cita aqui, de forma modificada, Foucault, 2001a, p. 1073. [Cp. “quando se quer analisá-la não em
termos transcendentais, mas em termos de história.” Em: Foucault, 2016b, p. 303].
33 Metáfora é entendida aqui em termos do conceito de metáfora absoluta de Blumenberg e de metáfora viva de
Ricoeur. Veja, para isso: Blumenberg (1998) e Ricoeur (2004 [1975]). Ambas as metáforas são baseadas na
relevância das metáforas para o pensamento filosófico e para seu conteúdo de conhecimento insubstituível
por conceitos. Blumenberg vê nelas a realidade como um todo que apreende elementos básicos da linguagem
filosófica. Segundo Ricoeur, metáforas vivas ou descaradas oferecem novas interpretações do mundo.
Enquanto Blumenberg se concentra no aspecto da compreensão holística, Ricoeur enfatiza o momento
da originalidade. Ambas as concepções são entendidas aqui como complementares. Os dois conceitos de
metáfora são baseados, segundo Haverkamp, em um paradigma hermenêutico. Cf. Haverkamp, 1996.
Uma compreensão semelhante à de Blumenberg é defendida por Leonel Ribeiro dos Santos: “As metáforas
determinam o ângulo de visão através do qual se vê a realidade, a natureza, a sociedade, o homem e o
conjunto das suas representações e instituições. Eles constituem uma espécie de sistema de organização
perceptiva e cognitiva.” Em: Santos (1994, p. 40).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
29
“Filosofia, para Kant, consiste em ‘conhecer os próprios limites’.34 Ele está
preocupado com a limitação da atividade da razão, uma restrição que, num
sentido positivo, garante que a razão não tenha a pretensão de julgar algo que
de um modo especulativo ultrapasse suas possibilidades de conhecimento.
A definição como a colocação de limites desempenha um papel im-
portante neste processo: “Definir, como a própria expressão indica, deve
significar apenas, em sentido próprio, expor o conceito completo de uma
coisa, originariamente, no interior de seus limites.35 Foucault também
descreve o projeto de Kant a partir deste aspecto: “a primeira audácia que
se deve empreender quando se trata do saber e do conhecimento, é co-
nhecer o que se pode conhecer. É isso a radicalidade e para Kant, aliás, a
universalidade da sua empreitada” (Foucault, 1990). Para ele, isso tam-
bém tem uma dimensão política.36 Exatamente essa é a tarefa da Crítica
da Razão Pura, estabelecer essa demarcação e, ao mesmo tempo, criar as
condições para a prática da filosofia como ciência.
O discurso de Kant sobre limites, enfatiza com razão Manfred
Kuehn, ‘vai ao cerne de sua filosofia’. [...] O Kant pré-crítico
já definia a metafísica como uma ‘ciência dos limites da razão
humana’; […] o plano de Kant de elaborar um trabalho intitulado
‘Os limites da sensibilidade e da razão’ pertence à história anterior
ao aparecimento da Crítica [...] Em seus escritos críticos, a conversa
sobre limites é onipresente, uma vez que o projeto da razão crítica é
essencialmente o projeto de uma demarcação epistemológica entre
o mundo dos fenômenos e o reino das coisas em si (Pietsch, 2010,
p. 238).37
34 [“Philosophie, heißt es bei KANT, bestehe darin, ‘seine Grenzen zu kennen‘.”] Konersmann (2011, p.
138). Ele cita Kant, KrV, B 755 [Dicionário das metáforas filosóficas – sem tradução para o português –
tradução nossa].
35 Kant, KrV, A 727/B 755; tradução para a língua portuguesa: Kant (2015a, p. 539).
36 “[E]la aparece agora como um problema político.” (Foucault, 32015a, p. 356) Em outro trecho, Foucault
afirma: “A Aufklärung não é, portanto, somente o processo pelo qual os indivíduos procurariam garantir
sua liberdade pessoal de pensamento. Há Aufklärung quando existe sobreposição do uso universal, do uso
livre e do uso público da razão. […] Em todo caso, coloca-se a questão de saber como o uso da razão pode
tomar a forma pública que lhe é necessária, como a audácia de saber pode se exercer plenamente, enquanto
os indivíduos obedecerão tão exatamente quanto possível.” (Ibd.) Para Foucault, Kant sugere a Friedrich II
uma espécie de contrato: “O que poderíamos chamar de contrato do despotismo racional com a livre razão:
o uso público e livre da razão autônoma será a melhor garantia da obediência, desde que, no entanto, o
próprio princípio político ao qual é preciso obedecer esteja de acordo com a razão universal.” (Ibd.)
37 [“Kants Rede über Grenzen, betont Manfred Kuehn zu Recht, ‘goes to the very heart of his philosophy’.
Marita Rainsborough
30
A filosofia também reflete a si mesma nesse processo: essa metáfora
é um importante meio de autorreflexão no campo em que a autorreflexão é
uma de suas determinações essenciais” (Konersmann, 2011, p. 138, tradu-
ção nossa).38 Assim, a demarcação de limites para Kant faz parte do proces-
so filosófico e está intimamente ligada à sua posição básica. Na discussão
filosófica sobre Kant, exatamente esse aspecto é objeto de crítica frequente.
Se, de acordo com a concepção kantiana, a metáfora do limite
representa um filosofar disciplinado, livre de qualquer entusiasmo,
então, na inversão de seus oponentes, ela (a metáfora) atesta a
mente estreita e a arrogância do sistemático que acredita poder
forçar todas as formas possíveis de conhecimento em sua ordem
rígida, e do cético que gosta de rebaixar a razão humana em suas
pretensões (Pietsch, 2010, p. 248s).39
Para Foucault, a questão do limite está intimamente ligada à filosofia
transcendental de Kant, a seu projeto filosófico como um todo. “Buscando
definir as relações entre a verdade e a liberdade, isto é, situando-se na re-
gião do fundamental, uma filosofia transcendental não pode escapar a uma
problemática da finitude, dos limites [Grenzen]” (Foucault, 2011a, p. 94).
Segundo Kant, como constata Foucault, essa demarcação de limites é uma
pré-condição para a apreciação de outra área: “aos olhos de Kant, no en-
tanto, esse limite não é um puro negativo, na medida em que aponta ne-
cessariamente para a realidade de uma área para além da experiência e, com
isso, reserva um espaço para a fé” (Pietsch, 2010, p. 239, tradução nossa).40
[…] Schon der vorkritische Kant definiert die Metaphysik als eine ‘Wissenschaft von den Grenzen der
menschlichen Vernunft‘; […] zur Vorgeschichte der Entstehung der Kritik gehört Kants Plan zu einem
Werk mit dem Titel ‘Die Grenzen der Sinnlichkeit und der Vernunft‘. […] In seinen kritischen Schriften
ist die Rede über Grenzen allgegenwärtig, ist doch das vernunftkritische Projekt im Kern das Projekt einer
erkenntnistheoretischen Grenzziehung zwischen der Welt der Erscheinungen und dem Reich der Dinge
an sich” – tradução nossa].
38 [“Diese Metapher ist ein wichtiges Mittel der Selbstreflexion ebendes Fachs, das Selbstreflexion zu seinen
wesentlichen Bestimmungen zählt”].
39 [“Steht die Grenzziehungsmetapher nach Kantischem Selbstverständnis für ein diszipliniertes, sich aller
Schwärmerei enthaltendes Philosophieren, so wird sie in der Inversion durch Kants Gegner zum Ausweis
von Borniertheit und Überheblichkeit des Systematikers, der glaubt alle möglichen Formen von Erkenntnis
in seine starre Ordnung zwingen zu können, und des Skeptizisten, der sich darin gefällt, die menschliche
Vernunft in ihren Ansprüchen zu demütigen”].
40 [“Diese Grenze ist in Kants Augen aber kein reines Negativum, indem sie auf die Realität eines Bereichs
jenseits der Erfahrung notwendig hindeutet und damit einen Raum für den Glauben reserviert”].
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
31
Ele (o limite) abre um espaço para a esperança humana: “e a determinação
dos ‘limites da razão’ confere seu sentido ao ‘que é permitido esperar?’”
(Foucault, 2011a, p. 73).
Também em termos da antropologia de Kant,41 que lida primaria-
mente com o ânimo (Gemüt) e examina seus desvios, fraquezas e doenças
– para Foucault “o negativo da crítica” – Foucault procura junto à ocupação
com sua genealogia pelo lugar dela “na organização do saber” (Foucault,
2011a, p. 27). A tarefa da antropologia segundo Kant é “descrever não
o que o homem é, mas o que ele pode fazer de si mesmo” (Foucault,
2011a, p. 45). Neste contexto, Foucault retoma o termo “jogo” (Spielen)
de Kant,42 que tem um caráter metafórico. Enquanto o termo em Kant se
refere primariamente à concordância das faculdades de conhecimento no
prazer estético, Foucault o torna forte em sua filosofia em termos teóricos
do discurso e práticos da vida. “Esta noção de Spielen é singularmente
importante: o homem é o jogo da natureza [...], mas um jogo que ele pró-
prio joga” (Foucault, 2011a, p. 46). Segundo Foucault, a antropologia em
Kant não fornece uma resposta à questão do que é o ser humano? colocada
na lógica dos três problemas fundamentais da metodologia transcendental,
essa questão só surge para Kant, segundo Foucault “no momento em que
se totaliza no pensamento kantiano a organização do Philosophieren, isto é,
na Lógica e no Opus postumum” (Foucault, 2011a, p. 67).
A questão é voltada à “Vereinigung [vinculação] de Deus e do mundo
no homem e pelo homem”; este “ato de unificação é, portanto, a própria
síntese do pensamento” e, além disso, também “síntese universal, forman-
do a unidade real em que vêm juntar-se a personalidade de Deus e a objeti-
vidade do mundo, o princípio sensível e suprassensível” (Foucault, 2011a,
p. 68s).
41 Foucault registra uma diferença de nível entre as críticas e a antropologia, de modo que uma comparação
estrutural parece, a princípio, problemática, se não impossível.
42 Kant fala na Crítica da Faculdade de Julgar (Kritik der Urteilskraft), em relação à mediação do conceito de
natureza e propósito por intermédio do conceito de jogo, de uma espontaneidade no jogo das faculdades
cognitivas. De maneira mais geral, ele usa o conceito de jogo na antropologia, particularmente no que
diz respeito a manter vivas as forças vitais no contexto da sociabilidade humana. Ele concede um caráter
aprazível ao jogo.
Marita Rainsborough
32
Com base no Opus postumum, Foucault atribui a metáfora do limite
em Kant ao ser humano em sua finitude.
Mas estes três termos, Deus, o mundo e o homem, em sua relação
fundamental, reativam as noções de fonte, extensão e limites, cuja
força e cuja obstinação organizadoras já vimos no pensamento
kantiano. Eram elas que regiam obscuramente as três questões
essenciais do Philosophieren e das Críticas: eram elas também que
explicitavam o conteúdo da Antropologia (Foucault, 2011a, p. 94).
Foucault constata: “da Crítica à Antropologia a continuidade é es-
tabelecida pela insistência comum dos limites e o rigor da finitude que
eles indicam” (Foucault, 2011a, p. 107). Segundo Foucault, no contexto
antropológico, o limite em Kant está principalmente associado à finitude.
2.1.1.3 limite e tranSgreSSão em foucault e Kant no eSpelho
daS metáforaS
Enquanto Kant enfatiza o aspecto do estabelecimento de limite,
Foucault enfoca particularmente o jogo entre limite e transgressão e o pris-
ma da transgressão do limite como um meio de ampliar o conhecimento
e a experiência.
Nenhuma filosofia soberana, é verdade, mas uma filosofia, ou
melhor, a filosofia em atividade. É filosofia o movimento pelo qual,
não sem esforços, hesitações, sonhos e ilusões, nos separamos daquilo
que é adquirido como verdadeiro, e buscamos outras regras de jogo.
É filosofia o deslocamento e a transformação dos parâmetros de
pensamento, a modificação dos valores recebidos e todo o trabalho
que se faz para pensar de outra maneira, para fazer outra coisa, para
tornar-se diferente do que se é (Foucault, 2015a, p. 321).
Ele também fala de filosofia viva e experimental, cuja marca é a
curiosidade.43
43 “[S]e essa é a relação que temos com a verdade, como devemos nos conduzir? Acredito que se fez e que se
faz atualmente um trabalho considerável e múltiplo, que modifica simultaneamente nossa relação com a
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
33
A curiosidade é um vício que foi estigmatizado alternativamente
pelo cristianismo, pela filosofia e mesmo por uma certa concepção
da ciência. Curiosidade, futilidade. A palavra, no entanto, me
agrada: ela me sugere uma coisa totalmente diferente: [...] uma
certa obstinação em nos desfazermos de nossas familiaridades e
de olhar de maneira diferente as mesmas coisas; uma paixão de
apreender o que se passa e aquilo que passa; uma desenvoltura em
relação às hierarquias tradicionais, entre o importante e o essencial.
Sonho com uma nova era da curiosidade (Foucault, 2015a, p. 319).
A curiosidade é para Foucault um pré-requisito para a transgressão
no pensamento e na ação, ela forma sua base motivacional. Sobre o caráter
do limite e da transgressão em geral, Foucault afirma: “o limite e a trans-
gressão devem um ao outro a densidade de seu ser: inexistência de um
limite que não poderia absolutamente ser transposto; vaidade em troca
de uma transgressão que só transporia um limite de ilusão ou de sombra
(Foucault, 2009, p. 32). Foucault ilustra de maneira mais aproximada a
transgressão do limite com o auxílio das metáforas do relâmpago na noite44
e da onda.45 Cada uma destas imagens enfoca diferentes tipos de trans-
gressão. Na passagem do limite, a transgressão repentinamente urgente e
penetrante, e a perseverante e contínua, e uma nova retração ou recuo
pelos quais a experiência adquirida parece ir se modificando. Na filosofia
de Foucault, encontra-se uma avaliação diferente do julgar em relação à
avaliação de Kant, o que está vinculado a uma abordagem diferente da me-
táfora da corte.46 As vestes vermelhas dos juízes não representam adequa-
verdade e nossa maneira de nos conduzirmos. E isso em uma conjunção complexa entre toda uma série
de pesquisas e todo um conjunto de movimentos sociais. É a própria vida da filosofia.” Foucault (2015a,
p. 321).
44 “Talvez alguma coisa como o relâmpago na noite que, desde tempos imemoriais, oferece um ser denso e
negro ao que ela nega, o ilumina por dentro e de alto a baixo, deve-lhe, entretanto, sua viva claridade, sua
singularidade dilacerante e ereta, perde-se no espaço que ela assinala com sua soberania e por fim se cala,
tendo dado um nome ao obscuro” (Foucault, 2009, p. 33).
45 A transgressão transpõe e não cessa de recomeçar a transpor uma linha que, atrás dela, imediatamente
se fecha de novo em um movimento de tênue memória, recuando então novamente para o horizonte do
intransponível. Mas esse jogo vai além de colocar em ação tais elementos; ele os situa em uma incerteza,
em certezas logo invertidas nas quais o pensamento rapidamente se embaraça por querer apreende-las
(Foucault, 2009, p. 32).
46 “Não posso me impedir de pensar em uma crítica que não procuraria julgar, mas procuraria fazer existir
uma obra, um livro, uma frase, uma ideia; ela acenderia os fogos, olharia a grama crescer, escutaria o vento
e tentaria apreender o voo da espuma para semeá-la. Ela multiplicaria não os julgamentos, mas os sinais de
existência; ela os provocaria, os tiraria de seu sono. Às vezes, ela os inventaria? Tanto melhor, tanto melhor.
Marita Rainsborough
34
damente a preferência de Foucault por críticas imaginativas, ele recorre a
imagens da natureza como grama em crescimento, vento, espuma em voo,
raios e tempestades – imagens que simbolizam o movimento.
A metáfora da corte em Kant retrata o estabelecimento de limites
como que conectado a uma clara instância do julgar e sentenciar – refe-
rindo-se, neste caso, a uma instância arbitral por meio de um veredito – e
está também relacionado aos fenômenos da disputa e da guerra. Assim,
ela permite um deslizamento de considerações epistemológicas para con-
siderações filosófico-históricas. A sociabilidade insociável e a guerra como
motor das mudanças sócio-históricas em Kant também podem paralela-
mente ser pensados a partir do princípio teleológico de sua filosofia, que
é entendido como um princípio orgânico de desenvolvimento. Devem,
portanto, ser entendidos em Kant como uma espécie de ardil da natu-
reza. O processo de aperfeiçoamento é impulsionado pela sociabilidade
insociável47 no plano interpessoal e, no plano entre Estados, é impulsio-
nado pela guerra,48 ambos os momentos têm um caráter ativador.49 O
princípio teleológico, “história de acordo com um plano definido da na-
tureza”, pode ser considerado o cerne da concepção de história de Kant:
todas as disposições naturais de uma criatura estão destinadas a um dia
se desenvolver completamente e conforme um fim” (Kant, IaG, v. 08, p.
18, [tradução, 2003, p. 05]). Kant prossegue dizendo que, “no homem
(única criatura racional sobre a Terra) aquelas disposições naturais que
estão voltadas para o uso de sua razão devem desenvolver-se completa-
mente apenas na espécie e não no indivíduo”(Kant, IaG, v. 08, p. 18,
[tradução, 2003, p. 05]). Segundo Kant, a história é o lugar da formação
A crítica por sentença me faz dormir. Eu adoraria uma crítica por lampejos imaginativos. Ela não seria
soberana, nem vestida de vermelho” (Foucault, 2015a, p. 317).
47 “Eu entendo aqui por antagonismo a insociável sociabilidade dos homens, ou seja, sua tendência a entrar
em sociedade que está ligada a uma oposição geral que ameaça constantemente dissolver essa sociedade.
Esta disposição é evidente na natureza humana”. (Kant, IaG, 08, p.20) (Tradução para a língua portuguesa:
Kant, 2003, p. 08).
48 A natureza se serviu novamente da incompatibilidade entre os homens, mesmo entre as grandes sociedades
e corpos políticos desta espécie de criatura, como um meio para encontrar, no seu inevitável antagonismo,
um estado de tranquilidade e segurança; ou seja, por meio de guerras [...] conduz os Estados àquilo que a
razão poderia ter-lhe dito sem tão tristes experiências, a saber: sair do Estado sem leis dos selvagens para
entrar numa federação de nações [...].” (Kant, IaG, 08, p. 24) (tradução, Kant 2003, p. 13).
49 “Esta oposição é a que, despertando todas as forças do homem, o leva a superar sua tendência à preguiça”.
(Kant, IaG, 08, p. 21) (tradução, 2003, p. 08).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
35
de todos os complementos humanos, não do indivíduo, mas da espé-
cie, portanto, da história universal.50 A ideia de uma liga de nações51
e da paz perpétua52 com sua orientação cosmopolita devem servir de
guia para a ação humana. De acordo com Kant, isso também inclui um
conceito constitucional republicano, um conceito de relações interna-
cionais, direito internacional e de transformação sociopolítica como um
processo reformatório primário. O objetivo deste processo teleológico
interminável é a civilização, o cultivo e a moralização da humanidade.53
O pensamento histórico-filosófico de Kant desenha-se principalmente
na metáfora do organismo, ou da vida orgânica.
Como Kant, Foucault também utiliza a metáfora do mar, a imagem
da onda caracteriza a transgressão. Isso se torna especialmente claro na
metáfora do rosto humano desaparecendo na areia, apagado pelas ondas
do mar (Foucault, 1974, p. 462). No que diz respeito à metáfora do mar,
Foucault prefere a ideia da transformação da constituição do saber em um
processo que não se pode fechar, do qual o construto humano também é
vítima. Kant, por outro lado, enfatiza por meio da imagem linguisticamente
evocada da ilha no mar o momento de demarcação entre a terra e o oceano,
com a costa como linha divisória na qual a terra simboliza um local seguro
para o marinheiro no mar ilimitado (Kant, KrV, A 236, 237/B 295,
296). As metáforas sonho, sono, cochilo e véu,54 utilizadas por Kant, e os
correspondentes despertar e descobrir ilustram o interesse de Kant pelo
50 Ele formula suas reflexões histórico-filosóficas especialmente nos escritos: Ideia de uma história universal de
um ponto de vista cosmopolita (1784), Começo conjectural da história humana (1786), Sobre o uso de princípios
teleológicos em filosofia (1788), Resenhas às Ideias para uma filosofia da história da humanidade, de J. G. Herder
(1795), À paz perpétua (1795) e, é claro, no seu ensaio Resposta à pergunta: o que é esclarecimento? (1784),
ao qual Foucault se refere frequentemente.
51 “[S]ó poderá ser detida, não pela ideia positiva de uma república mundial (se é que tudo não se deve
perder), mas pelo sucedâneo negativo de uma federação antagónica à guerra, permanente e em contínua
expansão, embora com o perigo constante da sua irrupção […].” (Kant, ZeF, 08, p. 357) (tradução: Kant,
2018, p. 147).
52 “[T]em, portanto, de existir uma federação de tipo especial, a que se pode dar o nome de federação da paz
(foedus pacificum), que se distinguiria do pacto de paz (pactum pacis), uma vez que este procuraria acabar
com a guerra, ao passo que aquele procuraria pôr fim a todas as guerras e para sempre.” (Kant, ZeF, 08, p.
356) (tradução Kant, 2018a, p. 145).
53 “Esta tarefa é, por isso, a mais difícil de todas, sua solução perfeita é impossível: de uma maneira tão
retorcida, da qual o homem é feito, não se pode fazer nada reto. Apenas a aproximação a esta ideia nos é
ordenada pela natureza”. (Kant, IaG, 08, p. 23) (tradução Kant, 2003, p. 12).
54 As metáforas do sonho, sono e véu ilustram as formas de pensamento que Kant pretende substituir com sua
Filosofia Crítica (sonhos da metafísica, sonhos de um visionário, sono dogmático, etc.).
Marita Rainsborough
36
processo de encontrar os fundamentos do conhecimento humano no qual
uma base segura do saber emerge para gerir a metafísica como ciência.
As metáforas arquitetônicas55 kantianas de construção, alicerce, edifícios,
etc., se relacionam à sua busca por um ponto de partida seguro para o
pensamento filosófico, o que envolve a observância de limites, a distinção
entre puro e impuro – usando a metáfora da pureza (Konersmann, 2011, p.
300) – e uma clara diferenciação entre saber e esperança. Suas metáforas da
arquitetônica levam da arquitetura da razão à razão arquitetônica. Ele acha
que pode construir com o seu filosofar um prédio seguro e independente do
tempo. De acordo com essa concepção, a humanidade é constantemente
aperfeiçoada, ou aperfeiçoa a si mesma, a partir do fundamento sólido
encontrado em um processo sem fim – até o aperfeiçoamento no sentido
ético/prático. De acordo com o modelo kantiano de espaço, o saber seguro
é atribuído ao interior em clara demarcação a partir do exterior. Foucault,
por outro lado, defende um conceito de espaço do interno-externo e da
heterotopia, no qual limiares e rompimentos transformam o limite num
local de transição em constante deslocamento. A linha de visão de Foucault
afasta-se da busca por continuidades, mas não da busca por rompimentos,
descontinuidades e transformações e, assim, a transgressão se torna mais
importante para ele do que o limite.
Para Foucault: “caracterizarei então o êthos filosófico à antologia crí-
tica de nós mesmos como uma prova histórico-prática dos limites que po-
demos transpor, portanto, como o nosso trabalho sobre nós mesmos como
seres livres” (Foucault, 2015a, p. 365). Foucault chama esse programa de
dessubjugação. Para o projeto de dessubjugação de Foucault, o conceito kan-
tiano de Esclarecimento é crucial.
[P]ois bem, a crítica será a arte da inservidão voluntária, aquela
da indocilidade refletida. A crítica teria essencialmente por função
o desassujeitamento no jogo do que se poderia chamar, em uma
palavra, a política da verdade. […] E por consequência essa definição
da Aufklärung não vai ser simplesmente uma espécie de definição
histórica e especulativa; terá nessa definição da Aufklärung alguma
coisa que se revela um pouco ridícula sem dúvida de chamar de
55 Em referência a Kant, Taureck fala de “uma metáfora antropológica da arquitetura”. Veja Taureck (2004,
p. 145).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
37
predicação, mas é em todo caso um apelo à coragem que ele lança
nessa descrição da Aufklärung (Foucault, 2015a, p. 364).56
De acordo com Foucault, essa atitude de coragem deve ser desenvol-
vida e cultivada. Com ela, podem-se realizar transgressões e transformações.
2.1.1.4 reflexão de foucault Sobre oS limiteS
Enquanto o caminho do filosofar de Kant é caracterizado principal-
mente pela análise lógica e dialética e pelo seu caráter legislante e normati-
vo, Foucault, como arqueólogo e genealogista, procede empiricamente em
duplo sentido e em seu projeto é primariamente orientado ao alinhamento
histórico.
Aquilo que, nós o vemos, traz como consequência que a crítica vai
se exercer não mais na pesquisa das estruturas formais que têm valor
universal, mas como pesquisa histórica através dos acontecimentos
que nos levaram a nos constituir e a nos reconhecer como sujeitos
do que fazemos, pensamos, dizemos. Nesse sentido, essa crítica
não é transcendental e não tem por finalidade tornar possível uma
metafísica: ela é genealógica em sua finalidade e arqueológica em
seu método (Foucault, 2015a, p. 364).
56 Neste ponto, ele também afirma: “essa definição, malgrado seu caráter ao mesmo tempo empírico,
aproximativo, deliciosamente longínquo em relação à história que ela sobrevoa, eu teria a arrogância de pensar
que ela não é muito diferente daquela que Kant dava: não aquela da crítica, mas justamente de alguma outra
coisa. Não é muito longe em definitivo da definição que ele dava da Aufklärung. É característico, com efeito,
que, em seu texto de 1784 sobre o que é a Aufklärung, ele definiu Aufklärung em relação a um certo estado
de menoridade no qual estaria mantida, e mantida autoritariamente, a humanidade. Em segundo lugar, ele
definiu essa menoridade, ele a caracterizou por uma certa incapacidade na qual a humanidade estaria retida,
incapacidade de se servir de seu próprio entendimento sem alguma coisa que fosse justamente a direção de um
outro [...] (Foucault, 1990, p. 5). Sobre o ethos, Foucault afirma: “esse êthos filosófico pode ser caracterizado
como uma atitude-limite. Não se trata de um comportamento de rejeição. Deve-se escapar à alternativa do
fora e do dento; é preciso situar-se nas fronteiras. A crítica é certamente a análise dos limites e a reflexão sobre
eles. Mas, se a questão kantiana era saber a que limites o conhecimento deve renunciar a transpor, parece-
me que, atualmente, a questão crítica deve ser revertida em uma questão positiva: no que nos é apresentado
como universal, necessário, obrigatório, qual é a parte do que é singular, contingente e fruto das imposições
arbitrárias. Trata-se, em suma, de transformar a crítica exercida sob a forma de limitação necessária em uma
crítica prática sob a forma de ultrapassagem possível” (Foucault, 2015a, p. 364).
Marita Rainsborough
38
Hemminger acentua: “crítica significa para Kant, assim como para
Foucault, o reflexo de limites. Kant desenvolve a crítica em resposta à me-
tafísica que entrou em crise. O conhecimento do ilimitado aí postulado é
problemático para ele. Foucault, por outro lado, põe à prova a, também
em crise, filosofia do sujeito” (Hemminger, 2010, p.133s).57 Ele elabora
uma genealogia do sujeito” (p. 135) e examina tanto o modo de subjeti-
vação como de objetivação (p. 136). Com isso, segundo Hemminger, “ele
traduz para o histórico as três questões de Kant – O que posso saber? O
que devo fazer? O que me é permitido esperar?”58 Ela fala de uma “histo-
ricização da crítica”, na qual é elaborada, dentre outras coisas, a “forma de
uma história crítica dos sistemas de pensamento” (p. 131s).59 As diferentes
formas de governamentalidade, de poder e de condições de constituição
do sujeito nas posições discursivas e dispositivas – tornadas nítidas pela
orientação histórica da análise – e as posições subjetivas e formas históricas
de autotecnologias a elas ligadas limitam o espaço de liberdade do sujeito,
mas não tomam dele completamente sua capacidade de agir para moldar
o eu e a sociedade. Foucault está preocupado com a experimentação ima-
ginativa no processo de autoformação, nos modos de cognição, no desejo
e na configuração de realidades sociais de uma maneira não-universal. A
atitude experimental de Foucault, neste sentido, é cada vez mais modesta:
Mas, para que não se trate simplesmente da afirmação e do sonho
vazio de liberdade, parece-me que essa atitude histórico-crítica
deve ser também uma atitude experimental. Quero dizer que esse
trabalho realizado nos limites de nós mesmos deve, por um lado,
abrir um domínio de pesquisas históricas e, por outro, colocar-
se à prova da realidade e da atualidade, para simultaneamente
apreender os pontos em que a mudança é possível e desejável e
para determinar a forma precisa a dar essa mudança. O que quer
dizer que essa ontologia histórica de nós mesmos deve desviar-se de
todos esses projetos que pretendem ser globais e radicais (Foucault
2015a, p. 365).
57 [“Kritik bedeutet für Kant wie für Foucault Reflexion von Grenzen. Kant entwickelt die Kritik in Reaktion
auf die in die Krise geratene Metaphysik. Problematisch ist für ihn die dort postulierte Erkenntnis des
Unbedingten. Foucault hingegen stellt die in die Krise geratene Subjektphilosophie auf den Prüfstand” –
tradução nossa].
58 [“die drei Fragen Kants – ‘Was kann ich wissen? Was soll ich tun? Was darf ich hoffen?’ – ins Historische
– tradução nossa] (Hemminger, 2010, p. 136).
59 [“Form einer kritischen Geschichte der Denksysteme” – tradução nossa].
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
39
Foucault expressa uma profunda desconfiança em relação a qual-
quer programa abrangente de mudança social ao afirmar que eles “apenas
conseguiram reconduzir às mais perigosas tradições” (Foucault 2015a, p.
365). A ocupação com a dimensão do histórico e seu princípio do a priori
histórico levam Foucault da transgressão ao limite, ou à transgressão con-
cebida “limitadamente”, o que, no fim, é pensado como um deslocamento
ad hoc do limite.
2.1.1.5 Kant e foucault comparadoS
Kant, com sua preferência pela demarcação de limites, parece mo-
desto, disciplinador e rigoroso, enquanto Foucault, de uma maneira quase
erótica, parece lúdico, imaginativo e excessivo. Mas também em Foucault
se encontra, num outro sentido, modéstia, restrição e delimitação. “Não
sei se é preciso dizer hoje que o trabalho crítico também implica a fé nas
Luzes; ele sempre implica, penso, o trabalho sobre nossos limites, ou seja,
um trabalho paciente que dá forma à impaciência da liberdade” (Foucault
2015a, p. 368). O trabalho crítico se encontra no trabalho modesto e cui-
dadoso em seus projetos historicamente situados, nas estilizações pontu-
almente bem sucedidas de modos de vida e na orientação política ad hoc.
Uma tendência contrária pode ser observada em Kant. Kant ousa trans-
gredir adotando o princípio teleológico da natureza, o qual fundamenta os
projetos globais ser humano, humanidade, confederação de estados e paz
mundial, ancorados em seu pensamento metafórico do Como se (Als-ob), da
analogia, do símbolo, do esquematismo e da teoria das ideias na orientação
transcendental de sua filosofia. Na Crítica da Razão Pura, Kant postula a
necessidade de estabelecer limites e não permite a sua transgressão, porém,
as metáforas da passagem, da ponte, do prosseguimento e do progresso
ocupam cada vez mais um lugar significativo na filosofia kantiana, o que
se relaciona à sua concepção de moralidade e estética e, especialmente, ao
seu conceito de história no contexto de seu projeto filosófico geral. O traço
quase utópico da filosofia da história de Kant é, neste sentido, completa-
mente imodesto, quase presunçoso. Enquanto o pensamento da história
Marita Rainsborough
40
em Kant significa a transição à transgressão quase utópica, a historicização
da filosofia em Foucault parece limitadora. A verdadeira transgressão do
limite é realizada por Kant.
2.1.2 tema e variação. o a priori hiStórico de foucault como
crítica à concepção Kantiana do a priori 60
2.1.2.1 o conceito da acquisitio originaria em Kant
Quando faz sua crítica ao a priori kantiano, a concepção de história
de Foucault baseia-se em uma interpretação específica deste a priori, inter-
pretação a partir da qual ele desenvolve sua concepção de a priori históri-
co. A doutrina de Kant da aquisição originária de representações a priori
apresenta simultaneamente uma crítica à doutrina das ideias inatas, como,
por exemplo, defendido por Platão e Descartes, e uma crítica à concepção
empirista do a posteriori de Aristóteles ou Hume. A teoria de Kant pode
ser entendida como uma teoria mediadora entre o empirismo e o inatismo,
o último tanto na forma da representação de ideias correntes quanto de
ideias potencialmente inatas (Oberhausen, 1997, p. 127).61 Oberhausen
fala, a esse respeito, do pensamento conciliador kantiano (p. 129).62
60 Existe uma publicação deste capítulo em língua inglesa: Rainsborough, Marita: “eme and Variation.
Foucault’s historical apriority as criticism of Kants concept of a priori”. Em: Santos, Louden e Marques
(2018c, p. 313-324).
61 “Quando Kant designa sua teoria da origem das ideias a priori como acquisitio originaria, deixa
polemicamente claro que essas ideias são acquisiti e, portanto, não podem ser inatas. Por outro lado, embora
essas ideias sejam adquiridas, elas não são derivative dos sentidos, como ideias empíricas, mas originarie,
porque não derivam ‘dos objetos’, mas nossa capacidade de conhecer as realiza ‘a partir de si mesmas a priori’
(Entdeckung BA 68).” – tradução nossa [“Wenn Kant seine Lehre vom Ursprung apriorischer Vorstellungen
als acquisitio originaria bezeichnet, macht er damit zum einen geradezu polemisch deutlich, daß diese
Vorstellungen eben acquisiti sind und also nicht angeboren sein können. Auf der anderen Seite sind diese
Vorstellungen zwar erworben, aber nicht derivative aus den Sinnen wie empirische Vorstellungen, sondern
originarie, weil sie nicht ‘von den Objekten’ abstammen, sondern unser Erkenntnisvermögen sie ‘aus sich
selbst apriori zu Stande’ (Entdeckung BA 68) bringt.“].
62 “O esforço para resolver disputas não simplesmente refutando uma ou outra posição, mas antes reconciliando
ambas as visões conflitantes entre si após um exame imparcial e, assim, superar a disputa de dentro para
fora, é uma expressão da atitude básica conciliatória que Kant partilha com sua época” – tradução nossa.
[“Das Bestreben, Streitfragen nicht durch bloße Widerlegung der einen oder der anderen Position zu lösen,
sondern nach unparteiischer Prüfung beide widerstreitenden Ansichten miteinander zu versöhnen und
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
41
A doutrina de Kant da acquisitio originaria não é uma teoria
completamente nova a respeito da origem do conhecimento, não
resulta de uma rejeição radical de todas as explicações tradicionais.
Ao contrário, Kant combina elementos do empírico com os da
abordagem inatista. De acordo com a concepção que tem de sua
própria doutrina, ele reconcilia empirismo e inatismo (Oberhausen,
1997, p. 132).63
A teoria da aquisição originária do a priori é particularmente clara na
seguinte citação de Kant:
‘No entanto, a partir desses termos [sc. espaço, tempo e as
categorias], assim como de todo conhecimento, onde não é o
princípio que busca sua possibilidade, mas as causas ocasionais que
buscam sua produção na experiência, onde então as impressões dos
sentidos trazem à tona a experiência que contém dois elementos
muito distintos, ou seja, uma matéria para o conhecimento a partir
dos sentidos, e uma certa forma para organizá-la a partir da fonte
interna da percepção e do pensamento puros que, por ocasião
do primeiro, dão ocasião para abrir todo o poder da cognição
com relação a eles, e são primeiro colocados em exercício [...] e
produzem conceitos’ (B 118) (Oberhausen, 1997, p. 118).64
den Streit so von innen heraus zu überwinden, ist Ausdruck der konzilianten Grundhaltung, die Kant
mit seinem Zeitalter teilt.”] (Oberhausen, 1997, p. 129). Oberhausen aponta neste contexto a obra de
Herman Schmalenbach, Leibniz (1921). Para o próprio Kant: “Wenn Männer von gutem Verstande […]
ganz wider einander laufende Meinungen behaupten, so ist es der Logik aller Wahrscheinlichkeiten gemäß,
seine Aufmerksamkeit am meisten auf einen gewissen Mittelsatz zu richten, der beiden Parteien in gewisser
Maße Recht läßt”. [“Quando homens de bom senso [...] afirmam opiniões bastante contrárias um ao outro,
é de acordo com a lógica de todas as probabilidades dirigir a sua atenção mais para uma certa proposta
intermédia que deixa ambas as partes, em certa medida, certas”. – tradução nossa] (Kant, GSK, 01, p. 32)
Norbert Hinske reduz a antitética de Kant à teoria protestante da controvérsia dos séculos XVII e XVIII.
Veja para tanto o seu escrito: Hinske, Norbert: Kants Weg zur Transzendentalphilosophie: Der dreißigjährige
Kant. Stuttgart: Kohlhammer, 1982. [O caminho de Kant para a filosofia transcendental]
63 [“Kants Lehre von der acquisitio originaria ist keine völlig neue eorie vom Ursprung der Erkenntnis, die
aus einer radikalen Ablehnung aller traditionellen Erklärungen resultiert. Kant vereinigt vielmehr Elemente
des empirischen mit solchen des innatistischen Ansatzes. Seinem eigenen Selbstverständnis nach versöhnt
er so Empirismus und Innatismus miteinander” – tradução nossa] (Oberhausen, 1997, p. 132).
64 Cf. Oberhausen, 1997, p. 118. [“‘Indessen kann man von diesen Begriffen [sc. Raum, Zeit und
den Kategorien], wie von allem Erkenntnis, wo nicht das Principium ihrer Möglichkeit, doch die
Gelegenheitsursachen ihrer Erzeugung in der Erfahrung aufsuchen, wo alsdenn die Eindrücke der Sinne
Erfahrung zu Stande zu bringen, die zwei sehr ungleichartige Elemente enthält, nämlich eine Materie
zur Erkenntnis aus den Sinnen, und eine gewisse Form, sie zu ordnen, aus dem innern Quell des reinen
Anschauens und Denkens, die, bei Gelegenheit den ersten Anlaß geben, die ganze Erkenntniskraft in
Ansehung ihrer zu eröffnen, und der ersteren, zuerst in Ausübung […] gebracht werden, und Begriffe
hervorbringen‘ (B 118).“ – tradução nossa] Oberhausen observa certa semelhança entre o conceito de
Leibniz de um conhecimento virtualmente inato e o conceito de acquisitio originaria de Kant. (Veja
Marita Rainsborough
42
Esta teoria diz respeito a questões sobre a origem e a validade de
conhecimentos, assim como questões sobre sua abrangência. As represen-
tações a priori, de acordo com Kant, desenvolvem-se independentemente
dos objetos oriundos de regras ou leis da cognição, da natureza do po-
der cognitivo ou da faculdade cognitiva,65 por meio da experiência ou por
ocasião da experiência”.66
As impressões sensoriais colocam o entendimento em ação, o que
consiste em ordenar essas impressões de acordo com regras e leis
lógicas. A partir destas regras, que são inerentes ao entendimento
enquanto uma força de reflexão, surgem conceitos a priori. Em
outras palavras: conceitos puros resultam da implementação do
usus intellectus logicus (Oberhausen, 1997, p. 117).67
Oberhausen, 1997, p. 119) No entanto, Leibniz não foi o único na história da filosofia a aceitar ideias
potencialmente inatas. A tese da dependência da argumentação de Kant em relação à teoria de Leibniz
não foi, portanto, incontestada na pesquisa.
65 Kant baseia sua teoria das leis, que são independentes das coisas na natureza do poder de conhecimento
ou faculdade de conhecimento, em Reimarus, o qual desenvolveu esse pensamento. (Cf. Oberhausen,
1997, p. 105) “Die sich damit unweigerlich aufdrängende Frage, wie denn Begriffe und Aussagen noch
mit den Dingen selbst übereinstimmen, hat freilich noch nicht Reimarus, sondern erst Kant gestellt”.
[“A inevitável questão de como conceitos e enunciados ainda correspondam às coisas mesmas não foi,
porém, feita por Reimarus, mas por Kant” – tradução nossa] (Oberhausen, 1997, p. 106) E continua:
“Erst Kant wird den Gedanken von der Eigengesetzlichkeit der Vernunft zu Ende denken und durch die
Problematisierung dieser Deckungsgleichheit zwischen Denk- und Naturgesetzen die Konsequenz aus
der Autonomisierung der Vernunft ziehen“. (Oberhausen, 1997, p. 106s) [“Kant é que levará a cabo a
ideia da autolegislação da razão e, problematizando essa congruência entre leis do pensamento e leis da
natureza, chegará à consequência da autonomização da razão”. – tradução nossa]
66 A fórmula “por ocasião da experiência” é utilizada por Kant pela primeira vez em 1766 nos Träumen
eines Geistersehers [Sonhos de um visionário]. (Cf. Oberhausen, 1997, p. 115). “Die Erfahrung ist
nicht die Quelle dieser Begriffe, sondern bloß der Anlaß, die Verstandestätigkeit in Gang zu setzen.
Dabei entstehen reine Begriffe, die somit ursprünglich erworben sind”. (Ibid.) [“A experiência não é a
fonte destes conceitos, mas apenas o motivo para iniciar a atividade do entendimento. Assim surgem
conceitos puros que são, por consequência, adquiridos originalmente”. – tradução livre] Neste escrito,
no entanto, Kant não atribui nenhum processo de conhecimento positivo aos conceitos puros. (Cf.
Oberhausen, 1997, p. 116) Desde Platão, “a ocasião da experiência” é também constitutiva da doutrina
das ideias inatas, ao que, no entanto, Kant não se atém em suas explicações filosófico-históricas. Assim,
segundo Oberhausen, ele pode imaginar sua teoria como uma solução. “Indem er das Moment von
der ‘Gelegenheit der Erfahrung’ in seinen Ansatz einbindet, kann er seine eorie von der acquisitio
originaria als Konziliationsmodell und damit als Lösung des alten Streits zwischen Innatismus und
Empirismus präsentieren”. (Oberhausen 1997: 134) [“Ao incorporar o momento da ‘oportunidade da
experiência’ em sua abordagem, ele pode apresentar sua teoria da acquisitio originaria como um modelo
de conciliação e, portanto, como solução para a antiga disputa entre inatismo e empirismo”. – tradução
nossa] No entanto, esta tese tem um caráter especulativo e impõe a Kant um tratamento desonesto com
a história da filosofia.
67 [“Sinnliche Eindrücke setzen den Verstand in Tätigkeit, die darin besteht, diese Eindrücke nach logischen
Regeln und Gesetzen zu ordnen. Aus diesen Regeln, die dem Verstand als einer Kraft zu reflektieren
wesenhaft eigen sind, entspringen anlässlich dieser Tätigkeit apriorische Begriffe. Anders gesagt: Reine
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
43
E afirma ainda: “a aquisição das formas puras da intuição, espaço
e tempo, ocorre analogamente a esse processo” (Oberhausen, 1997, p.
117).68 Também eles pressupõem impressões sensoriais.69
Oberhausen acentua: “as leis da razão determinam o conhecimento
a priori” (Oberhausen, 1997, p. 105).70 O a priori de Kant, como bem
afirma Oberhausen (1997, p. 28), não pode ser simplesmente equipara-
do com o inato no sentido da doutrina das ideias inatas,71 como ocorre
no caso da interpretação da teoria kantiana como uma variação do inatis-
mo. Em sua teoria da aquisição, as representações a priori são reduzidas
às regras do pensamento, de modo que a lógica formal se torna a base da
lógica transcendental. A lógica é uma ciência a priori para Kant, ele não
a baseia mais na ontologia. “Com isso, na Crítica da Razão Pura Kant de-
riva as categorias das formas de juízo e as ideias das formas de inferência
(Schlußformen), as chamadas deduções metafísicas, com base em sua teoria
da aquisição” (Oberhausen, 1997, p. 38).72 A acquisitio originaria73 repre-
senta para Oberhausen, por um lado, a “teoria de fundo” de Kant, que
nunca foi elaborada, e, por outro lado, a chave da virada epistemológica
Begriffe entstammen dem Vollzug des usus intellectus logicus.” – tradução nossa] (Oberhausen, 1997, p.
117)
68 [“Analog zu diesem Prozess läuft die Erwerbung der reinen Anschauungsformen Raum und Zeit ab.” –
tradução nossa]. (Oberhausen, 1997, p. 117)
69 Isso significa em Kant: “Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela experiência;
efetivamente, que outra coisa poderia despertar e pôr em ação a nossa capacidade de conhecer senão os
objetos que afetam os sentidos […]? Assim, na ordem do tempo, nenhum conhecimento precede em nós a
experiência e é com esta que todo o conhecimento tem o seu início”. (Kant, KrV, B 1) (Tradução: Kant,
2001, p. 62)
70 [“Die Gesetze der Vernunft bestimmen a priori die Erkenntnis“. – tradução nossa].
71 Oberhausen afirma na nota 19: “Dennoch hält sich die kurzschlüssige Gleichsetzung von Kants Apriori mit
dem Angeborenen offenbar hartnäckig.” [“No entanto, a equiparação precipitada do a priori de Kant com
o inato aparentemente persiste.” – tradução nossa ]. (Oberhausen, 1997, p. 28)
72 [“Kant vollzieht damit die Ableitung der Kategorien aus den Urteils- und der Ideen aus den Schlußformen
in der Kritik der reinen Vernunft, die sogenannten metaphysischen Deduktionen, auf der Grundlage seiner
Erwerbstheorie.” – tradução nossa].
73 Kant desenvolve a ideia básica desta teoria já no parágrafo 8 da Dissertação Inaugural de 1770 e a designa
na polêmica contra Eberhard de 1790 pela primeira vez como acquisitio originaria. “[A] passagem no escrito
polêmico de 1790 é a única em que o próprio Kant designa sua teoria da origem de representações a priori
como acquisitio originaria, embora também possa ser presumido aqui que a ocasião era puramente externa
para confrontar-se com os oponentes de sua filosofia.” – tradução nossa] (Oberhausen, 1997, p. 122)
[“[D]ie Stelle in der Streitschrift von 1790 ist die einzige, an der Kant selbst seine eorie vom Ursprung
apriorischer Vorstellungen als acquisitio originaria bezeichnet, wobei hier zudem zu vermuten ist, daß der
Anlaß der rein äußerliche war, sich mit den Gegnern seiner Philosophie auseinandersetzen zu müssen.”].
Marita Rainsborough
44
de 1772 (Oberhausen, 1997, p. 37s). Com ela, Kant pode evitar o recur-
so a Deus, que, como ocorre em Descartes, garante a validade das ideias
inatas.74 Kant pode negar o “recurso a Deus como uma explicação sobre a
origem e a validade do conhecimento” e basear-se apenas nas leis das facul-
dades cognitivas, que estão na sua base por natureza, mas, neste aspecto,
mostra-se um certo parentesco com a doutrina das ideias inatas, uma vez
que ele “rejeita uma explicação puramente empírica da origem do conhe-
cimento” (Oberhausen, 1997, p. 114).75 Assim, pode-se explicar o uso que
Kant continua a fazer de certos termos da doutrina das ideias inatas. “A
rejeição da fundação da lógica na ontologia, que Reimarus já praticamente
havia realizado, teve que conduzir, mais dia menos dia, a uma redefinição
fundamental da relação entre a verdade lógica de conceitos e afirmações de
uma verdade metafísica” (Oberhausen, 1997, p. 111).76
74 A respeito, afirma Oberhausen: “sua principal objeção, no entanto, é que a suposição de que certas
representações foram criadas por Deus remonta inadmissivelmente a uma explicação que impossibilita
qualquer investigação adicional e, assim, arruína a filosofia.” – tradução nossa [“Sein Haupteinwand ist
jedoch, daß sich die Annahme, gewisse Vorstellungen seien uns von Gott anerschaffen, unzulässigerweise
auf eine Erklärung zurückziehe, die jede weitere Nachforschung unmöglich mache und dadurch Philosophie
schlechterdings ruiniere.”] (Oberhausen, 1997, p. 76) Este tipo de explicação pode ser atribuído à preguiça
e ao conforto.
75 [“Eine rein empiristische Erklärung des Ursprungs der Erkenntnis ablehnt”. – tradução nossa].
76 [“Die Abkehr von der Gründung der Logik in der Ontologie, die schon Reimarus faktisch vollzogen
hatte, mußte über kurz oder lang zu einer grundsätzlichen Neubestimmung des Verhältnisses zwischen
der logischen Wahrheit von Begriffen und Aussagen zu der metaphysischen Wahrheit führen”. – tradução
nossa] Para Oberhausen, até 1772 Kant parte da congruência entre as leis do pensamento e as leis das coisas.
“Foi apenas por volta de 1772 que Kant tomou a consequência da autonomização da razão e inverteu a
relação entre verdade lógica e metafísica, deixando, a fim de retomar a conhecida formulação do prefácio à
segunda edição da Crítica da Razão Pura, as coisas orientarem-se segundo nosso conhecimento”. – tradução
nossa [“Erst um 1772 zieht Kant die Konsequenz aus der Autonomisierung der Vernunft und kehrt das
Verhältnis von logischer und metaphysischer Wahrheit um, indem er, um die bekannte Formulierung aus
der Vorrede zur zweiten Auflage der Kritik der reinen Vernunft aufzugreifen, die Dinge sich nach unserer
Erkenntnis richten läßt.”] (Oberhausen, 1997, p. 112) Oberhausen continua: “A doutrina da acquisitio
originaria não é apenas a base dessa reviravolta central do pensamento de Kant, mas também fornece a
solução para o problema de definir completamente os conceitos pelos quais o mundo dos fenômenos é
constituído.” – tradução nossa [“Die Lehre von der acquisitio originaria liegt nun aber nicht nur dieser
zentralen Wendung von Kants Denken zugrunde, sondern sie gibt zugleich die Lösung für das Problem
an die Hand, die Begriffe, mittels derer die Erscheinungswelt konstituiert wird, vollzählig zu bestimmen.”]
(Ibid.) E: “A chamada dedução metafísica de Kant, a derivação das categorias dos tipos de juízos e a
dedução das ideias dos tipos de inferência, portanto, nada mais é do que a compreensão da acquisitio
originaria destes conceitos” – tradução nossa. [“Die von Kant sogenannte metaphysische Deduktion, die
Ableitung der Kategorien aus den Urteilsarten und diejenige der Ideen aus den Schlußarten, ist somit
nichts anderes als das Nachvollziehen der acquisitio originaria dieser Begriffe.“] (Ibid.) Algo semelhante
vale para a facultas cognoscendi inferior, a sensibilidade, com suas formas puras espaço e tempo, as quais são
fundadas na instituição original deste poder de conhecimento. (Cf. Oberhausen, 1997, p. 113) As leis da
faculdade de conhecimento são, assim, inatas; “mas isso não deve ser entendido no sentido de que Deus as
criou ou implantou.” – tradução nossa [“das darf aber nicht in dem Sinne verstanden werden, daß Gott sie
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
45
O termo acquisitio originaria, juntamente com o termo acquisitio
derivativa, provém do direito natural e, portanto, da linguagem jurídica
(Oberhausen, 1997, p. 129).77 Kant transpõe o termo acquisitio originaria
para a esfera da epistemologia. “O modo como Kant transpõe o termo
acquisitio originaria de sua esfera original para uma esfera completamente
nova, a epistemológica, pode, além disso, servir como exemplo do peculiar
processo kantiano de formação de conceitos” (p. 121).78 Isso está relacio-
nado ao seu pensamento metafórico de formação de analogia. Kant aponta
para essa origem conceitual no próprio discurso jurídico:
A Crítica não permite quaisquer representações criadas ou
inatas; todas elas, quer pertençam à intuição ou a conceitos do
entendimento, ela as toma como adquiridas. Mas há também
uma aquisição original (como se expressam os mestres de direito
natural), consequentemente também daquela que ainda não existia
antes, e, portanto, não pertencia a nada antes dessa ação. Tal,
como afirma a Crítica, é primeiro a forma das coisas no espaço e
no tempo, segundo, a unidade sintética do múltiplo nos conceitos;
pois nenhuma delas retira a nossa faculdade do conhecimento dos
objetos como dados em si mesmos, mas os realiza a partir de si
mesmas a priori (Oberhausen, 1997, p. 123).79
anerschaffen oder eingepflanzt hätte.”] (Ibid.)
77 No parágrafo 10 da Metafísica dos Costumes, Kant escreve: “adquiro uma coisa quando faço (efficio) com
que algo se torne meu. – Originariamente meu é aquele algo exterior que também é meu sem um ato
jurídico. Mas uma aquisição originária é aquela que não é derivada do seu de um outro. Nada exterior
é originariamente meu, mas bem pode ser adquirido originariamente, isto é, sem derivar do seu de um
outro” (Kant, AA 06, p. 258). Em: Kant, Immanuel. Metafísica dos Costumes. Tradução [primeira parte]
de Clélia Aparecida Martins, tradução [segunda parte] de Bruno Nadai, Diego Kosbiau e Monique
Hulshof. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2013. Sobre o conceito
de Kant da aquisição originária na Rechtslehre, ver: Brocker, Manfred: Kants Besitzlehre. Zur Problematik
einer transzendentalphilosophischen Eigentumslehre. Würzburg: Königshausen und Neumann, 1997, p.
103s. Oberhausen considera como provável o surgimento da teoria da aquisição originária no contexto do
surgimento da Rechtslehre. (Cf. Oberhausen 1997, p. 129)
78 [“Die Art und Weise, wie Kant den Begriff acquisitio originaria aus dessen angestammter Sphäre in eine
völlig neue, erkenntnistheoretische transponiert, kann darüber hinaus als Beispiel für Kants eigentümliches
Verfahren der Begriffsbildung dienen” – tradução nossa].
79 [“‘Die Kritik erlaubt schlechterdings keine anerschaffene oder angeborne Vorstellungen; alle insgesamt, sie
mögen zur Anschauung oder zu Verstandesbegriffen gehören, nimmt sie als erworben an. Es gibt aber auch
eine ursprüngliche Erwerbung (wie die Lehrer des Naturrechts sich ausdrücken), folglich auch dessen, was
vorher gar noch nicht existiert, mithin keiner Sache vor dieser Handlung angehört hat. Dergleichen ist,
wie die Kritik behauptet, erstlich die Form der Dinge im Raum und der Zeit, zweitens die synthetische
Einheit des Mannigfaltigen in Begriffen; denn keine von beiden nimmt unser Erkenntnisvermögen von
den Objekten, als in ihnen an sich selbst gegeben, her, sondern bringt sie aus sich selbst a priori zu Stande‘
(Entdeckung BA 68).” – tradução nossa] Kant em Oberhausen, 1997, p. 123 (Kant 08, p. 185-251).
Marita Rainsborough
46
A dedução metafísica das categorias advindas das formas de juízo
refere-se ao aspecto da origem das representações e, segundo Oberhausen,
tem uma função de representante (Statthalterfunktion) em relação à teoria
da acquisitio originaria, o que explica em parte a vasta ausência do termo
em Kant.
2.1.2.2 o a priori hiStórico de foucault como crítica ao a
priori de Kant
O recurso de Foucault ao apriorismo de Kant pode ser entendido
como uma historicização das concepções kantianas do a priori e representa
uma clara modificação da ideia da aquisição originária. Sua crítica à ado-
ção por Kant de um determinado inventário das formas da sensibilidade
a priori, das categorias do entendimento e das ideias da razão baseadas no
uso de regras, ou leis, de forças cognitivas, cuja análise, inspirada na lógi-
ca formal, permite uma listagem completa das formas, conceitos e ideias a
priori, revelam uma nova compreensão do a priori em Foucault. Segundo
ele, ela está sujeita a constantes mudanças sociais e históricas e seu escopo só
pode ser entendido em detalhes por meio de elaborados procedimentos de
análise. Isto é feito pela análise do discurso, que se orienta em material dado
empiricamente, em um processo arqueológico que é complementado por
um processo genealógico de análise do poder. O saber revela-se em Foucault
como sendo formado por meio de discursos baseados em certas regras de
formação que também oferecem posição de sujeito ao indivíduo, o que, por
sua vez, subordina-se a certas estratégias de poder. Enquanto Kant é nortea-
do pela lógica em sua dedução das representações a priori, Foucault parte do
material histórico de um dado arquivo que contém a totalidade das regras
que caracterizam uma prática discursiva e que considera como a totalidade
dos discursos efetivamente formulados em uma época. Foucault não leva
em conta, neste caso, apenas o linguístico; práticas, rituais e a base medial
também são incluídos por meio do conceito de dispositivo. A inspeção dos
“Diese ‘ursprüngliche Erwerbung’ bezeichnet er dann mit ihrem lateinischen Ausdruck als ‘acquisitio […]
originaria’ (BA 71).” (Ibid., cp. Kant 08, p. 223) [“Ele então usa a expressão latina para descrever essa
aquisição original’ como ‘acquisitio [...] originaria’ (BA 71)” – tradução nossa].
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
47
monumentos leva à elaboração de categorias, regras, relações, posições de
sujeito etc. que estão na base de um tempo. Foucault procura especialmente
por regras de inclusão e exclusão, pela distribuição das posições de fala e sua
escassez, por meio das quais se estruturam os discursos de um tempo. Assim,
as afirmações subjacentes não são apenas de carácter linguístico, mas podem,
por exemplo, consistir também em curvas gráficas ou fórmulas matemáticas.
Em contraste com Kant, Foucault não está preocupado com a in-
vestigação exata da especificidade das forças cognitivas individuais, mas
com sua estruturação de acordo com regras de formação historicamente
diferentes, baseadas em processos cognitivos nos quais elas são igualmente
abordadas. Assim, o espaço e o tempo em Foucault não podem ser atribu-
ídos apenas à sensibilidade. São fenômenos ligados a todas as faculdades
cognitivas e historicamente concebidos e formados de maneira diferente.
Para Foucault, a história do saber é ao mesmo tempo a história do espaço.
Ele pensa o espaço e o saber de forma conjunta e desenvolve um
fundamento topológico de todo o pensar. Assim, sua teoria do espaço deve
ser considerada como o fundamento para entender a filosofia de Foucault
como um todo. O completamente impensável ou indescritível de um tem-
po não pode estar contido na ordenação do saber, ele só pode aparecer
no limiar. A ideia do transgredir limites aparece mais uma vez aqui. Os
discursos precisam, portanto, serem organizados de acordo com as regras
específicas de uma determinada época, de modo a não serem excluídos
do domínio do dizível e do visível, e acabarem, por exemplo, qualificados
como loucura. Isso resulta em uma ordem de coisas de acordo com oposi-
ções temporais específicas como as de verdadeiro e falso, normal e patoló-
gico, racional e insano etc. Chega-se a um a priori histórico que determina
as possibilidades de conhecimento de uma época.
Foucault define o termo a priori histórico80 em As Palavras e as Coisas
da seguinte forma:
80 O conceito do a priori histórico já foi usado por Foucault em 1957 em seu ensaio “Die wissenschaftliche
Forschung und die Psychologie”. Neste ensaio, ele fala de um “a priori histórico da psicologia”. Cf. Foucault,
Michel: “Die wissenschaftliche Forschung und die Psychologie“. Em: Foucault (2001a, p. 197).
Marita Rainsborough
48
Esse a priori é aquilo que, numa dada época, recorta na experiência
um campo de saber possível, define o modo de ser dos objetos que
aí aparecem, arma o olhar cotidiano de poderes teóricos e define
as condições em que se pode sustentar sobre as coisas um discurso
reconhecido como verdadeiro (Foucault, 1999b, p. 218).
Além disso, ele explica o termo no contexto de seu trabalho me-
todológico Arqueologia do Saber no capítulo “O A Priori Histórico e o
Arquivo”, no qual ele expõe seu método arqueológico e explica conceitos
centrais como discurso, formação discursiva afirmação, arquivo etc.
Além disso, o a priori não escapa à historicidade: não constitui,
acima dos acontecimentos, e em um universo inalterável, uma
estrutura intemporal; define-se como o conjunto das regras que
caracterizam uma prática discursiva: ora, essas regras não se
impõem do exterior aos elementos que elas correlacionam; estão
inseridas no que ligam; e se não se modificam com o menor dentre
eles, os modificam, e com eles se transformam em certos limiares
decisivos. O a priori das positividades não é somente o sistema de
uma dispersão temporal; ele próprio é um conjunto transformável
(Foucault, 2008a, p. 145).
Para a análise arqueológica, coloca-se a questão a respeito do a priori
histórico que a baseia: “A partir de qual a priori histórico foi possível de-
finir o grande tabuleiro das identidades distintas que se estabelece sobre
o fundo confuso, indefinido, sem fisionomia e como que indiferente, das
diferenças?” (Foucault, 1999b, p. 21). Ele pergunta em continuação:
[Q]uais foram as condições dessa emergência, o preço com o qual,
de qualquer forma, ela foi paga, seus efeitos no real e a maneira
pela qual, ligando um certo tipo de objeto a certas modalidades do
sujeito, ela constituiu, por um tempo, uma área e determinados
indivíduos, o a priori histórico de uma experiência possível
(Foucault, 2017, p. 229).81
A concepção de Foucault insere-se em uma tradição de crítica à con-
cepção kantiana do a priori que, ao atacar sua validade supratemporal,
81 Foucault escreveu em 1984 um artigo para um léxico filosófico sobre sua própria filosofia, léxico do qual
essa citação provém.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
49
procura preservar o caráter do elemento constitutivo do conhecimento
como condição de possibilidade para o saber e, com isso, para a questão
transcendental de Kant.82
What we end up with, in this tradition, is thus a relativized and
dynamical conception of the a priori […], but which nevertheless
retain the characteristically Kantian constitutive function of
making the empirical natural knowledge thereby structured and
framed by such principles first possible (Friedman, 2008, p. 370).
A esse respeito, a teoria de Foucault do a priori histórico tem uma
semelhança com a teoria da mudança de paradigma de omas Kuhn.
Kuhn também se refere a Kant:
ough it is a more articulated source of constitutive categories, my
structured lexicon [= Kuhns late version of ›paradigm‹] resembles
Kant’s a priori when the latter is taken in its second, relativized
sense. Both are constitutive of possible experience of the world, but
neither dictates what that experience must be. […] e fact that
experience within another form of life – another time, place, or
culture – might have constituted knowledge differently is irrelevant
to its status as knowledge (Kuhn, 1993, p. 331s).
Enquanto Kuhn enfoca principalmente a história da ciência e os para-
digmas que evocam a mudança, Foucault está preocupado com a constitui-
ção do saber de um modo geral, e apresenta uma nova forma modificada de
epistemologia que não tem seu ponto de partida no sujeito do conhecimento.
2.1.2.3 o a priori de Kant e foucault
Tanto em Kant quanto em Foucault, a aquisição do conhecimento
aumenta a priori com a experiência. No entanto, Kant vê uma ativação de
certo inventário de formas, conceitos e ideias puras em ação, enquanto em
82 Kant afirma: “Chamo transcendental a todo o conhecimento que em geral se ocupa menos dos objetos
que do nosso modo de os conhecer, na medida em que este deve ser possível a priori” (Kant, KrV, B 25)
(tradução, Kant, 2001, KrV, B25).
Marita Rainsborough
50
Foucault pode ser pressuposta uma receptividade histórica do a priori, à
qual até o ser humano está sujeito enquanto episteme. Não é a aparelha-
gem da capacidade cognitiva humana que é examinada, mas a estrutura-
ção regular de formações discursivas, que incluem igualmente as condições
constitutivas historicamente variáveis do próprio sujeito. A busca arqueo-
lógica pelo a priori histórico constitui, portanto, uma tarefa permanente
que, em relação ao presente em particular, apresenta uma função sócio-po-
lítica e, com vista ao próprio devir (Gewordensein), apresenta também uma
função ético-política. Enquanto Foucault primeiro toma a episteme como
épocas estruturantes do a priori histórico, ele diferencia os tipos de a priori
histórico em relação aos discursos individuais com precisão crescente em
sua variedade e particularidade.
Em contraste com o a priori de Kant, que igualmente diz respeito
aos conceitos de sujeito, ética, estética e processos sócio-históricos em geral,
Foucault transpõe seu conceito de a priori histórico para sua teoria do sujei-
to, mas não o faz para o domínio do poder, uma proposição fundamental de
sua filosofia. Em Foucault, o a priori permanece primariamente relacionado
ao campo do conhecimento e aos processos de formação de sujeitos a ele
relacionados. Enquanto Kant pergunta na ética, sobre a generalização da
máxima pessoal e considera a lei moral, o imperativo categórico, como sendo
dado a priori, a ética em Foucault está situada na aplicação de autotecnolo-
gias na formação do si mesmo enquanto sujeito moral no contexto sócio-his-
tórico e ligada à noção de vida como arte. Embora Foucault distinga formas
históricas de poder e combinações históricas de formas de poder, seu instru-
mentário analítico do discurso não se torna frutífero para o trabalho genealó-
gico e não está relacionado às práticas de poder que o constitui. Enquanto o
conceito de a priori em Kant deve ser observado como constitutivo de toda a
sua filosofia, em Foucault ele está, a princípio, limitado à análise do discurso
e, portanto, ao campo do saber. Nos outros campos, Foucault permanece
na noção geral de historicidade e processualidade, sem modificar, ampliar e
especificar o conceito de a priori. Suas proposições da forma vazia da salvação
e da parresía indicam uma tendência de transferir esta figura de pensamento
da filosofia do saber para a filosofia do sujeito e, pela forma de abordagem,
evidenciam um pensamento de a priori histórico em sua ética. A conexão
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
51
entre saber, poder e sujeito poderia, portanto, ter sido mais minuciosamente
entendida e ampliada com base no conceito de a priori histórico. Assim,
pode-se afirmar que o a priori de Kant não é considerado por Foucault de
forma abrangente e que o ensinamento possível de Kant não é suficiente-
mente esgotado – mesmo em seu conteúdo crítico. Em outras palavras, a
demarcação de limite de Foucault pode ser entendida em termos da utilidade
do conceito de a priori no sentido da atitude kantiana da crítica. O conceito
sofre uma redução pragmática de seu campo de aplicação e, portanto, de sua
utilidade e significado. O a priori, que está em Foucault principalmente no
campo do saber, é, em última instância, uma consolidação paradigmática
da experiência, é um a priori no a posteriori numa perspectiva específica a
respeito do saber humano.
2.1.3 liberdade, natureza e hiStória. da relação entre
natureza e hiStória em Kant e foucault83
2.1.3.1 liberdade, natureza e hiStória em Kant e foucault
Enquanto a liberdade e a natureza são igualmente decisivas para a
filosofia da história de Kant, o conceito de natureza em Foucault parece
perder completamente seu significado. A história passa por um processo
de desassociar-se da natureza e parece estar absorvida na atividade cultural,
social e política do ser humano e na aleatoriedade dos eventos. Enquanto
em Kant a natureza está ancorada no processo histórico e a teleologia da
natureza torna o progresso possível na história, em Foucault a natureza
perde seu papel fundamental e o conceito de natureza, na sequencia, perde
seu lugar central no conceito geral. A natureza parece ter desaparecido em
sua filosofia e é absorvida pelo cultural e sócio-histórico. Foucault também
quer se desprender dos pressupostos antropológicos e dos saberes estrutu-
83 Este capítulo foi publicado quase inalterado. Veja: RAINSBOROUGH, Marita. Freiheit, Natur und
Geschichte. Zum Verhältnis von Natur und Geschichte bei Kant und Foucault. In: MARQUES, Ubirajara
Rancan de Azevedo (org.). Estudos Kantianos. Edição Especial em homenagem a Leonel Ribeiro dos Santos,
Marília, 2017, p. 339-350. Disponível em: http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/ek/article/
view/7095.
Marita Rainsborough
52
rantes da episteme ser humano quando fala da “morte do humano” e da
morte do sujeito”. Foucault, com sua concepção de poder e de constitui-
ção discursiva e dispositiva do ser humano, a quem determinadas posições
de sujeito são designadas, também se despede do conceito kantiano de
liberdade? Devido, por exemplo, à universalidade pensada e associada a
esse conceito, assim como ao status como pressuposto filosófico básico,
ele então se volta, por um lado, contra a concepção kantiana de liberdade
como ponto de partida da ação ética de acordo com a lei da razão prática
e, por outro lado, recorre a Kant em sua teoria da dessubjugação e do ethos
crítico. Como isso pode ser explicado? Os principais conceitos de Kant
serão retomados de forma modificada ou haverá uma mudança de paradig-
ma? Qual o papel da natureza e da história nesse contexto?
2.1.3.2 oS conceitoS de liberdade e natureza em Kant
Na filosofia de Kant, mostra-se um “paralelismo entre a razão teórica
e a prática” que consiste, em diferentes aspectos, no agir ordenador, estru-
turante e contextualizado da razão (Timmermann, 2003, p. 22 [tradução
nossa]). No centro do conceito de liberdade em Kant está o agir racional,
a independência da determinação dos sentidos. Na Crítica da Razão Pura,
Kant esclarece:
[A] liberdade no sentido prático é a independência do arbítrio frente
à coação dos impulsos da sensibilidade. Na verdade, um arbítrio
é sensível, na medida em que é patologicamente afetado (pelos
móbiles da sensibilidade); e chama-se animal (arbitrium brutum)
quando pode ser patologicamente necessitado. O arbítrio humano é,
sem dúvida, um arbitrium sensitivum, mas não arbitrium brutum;
é um arbitrium liberam porque a sensibilidade não torna necessária
sua ação e o homem possui a capacidade de determinar-se por si,
independentemente da coação dos impulsos sensíveis (Kant, KrV,
A 534/B 562 [tradução Kant, 2001, KrV, A 534/B 562]).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
53
É necessário separar-se da afinidade sensorial, das inclinações sensoriais,
que compõem nossa natureza como ser humano.84 Por meio da sensibili-
dade, dos afetos e das paixões85 não podem ser garantidos confiabilidade e
universalidade na ação ética, por esta razão, a razão prática os exige a priori.
No campo da moral, isto pode ser forçosamente imposto na forma do
imperativo categórico. As diferentes formulações de Kant sobre o imperativo
categórico comprovam a íntima relação entre a moral e o pensamento
humano da finalidade de si próprio e da finalidade da natureza.
O conceito de liberdade em Kant apresenta diferentes aspectos: li-
berdade da coerção,86 liberdade como possibilidade de escolha de máximas,
como espontaneidade de agir a partir de si mesmo, como capacidade de
agir segundo as prescrições da razão, liberdade prática ou transcendental,
isto é, absoluta, e autonomia como autolegislação.87 Aqui podem ser dis-
tinguidos um conceito negativo e um positivo de liberdade. Timmermann
afirma: “um conceito negativo de liberdade em si é ‘estéril’ e não permite
a compreensão da ‘essência’ da liberdade. [...] Afirma apenas do que são
livres as pessoas em suas ações, e não para quê” (Timmermann, 2003, p. 22).88
Neste contexto, é relevante a questão da conexão de natureza e liberdade em
Kant, em suas diferentes formações. Kant enfatiza a diferença entre liber-
dade de acordo com a regularidade e liberdade cega ou selvagem:
84 Assim, em Kant afirma-se: “ora, nós encontramos nossa natureza de entes sensíveis constituída de modo tal
que a matéria da faculdade de apetição (objetos da inclinação, quer da esperança ou do medo) impõe-se em
primeiro lugar, e o nosso si-mesmo ‘Selbst’ determinável patologicamente, embora por suas máximas seja
totalmente inapto à legislação universal, não obstante, como se constituísse todo o nosso si-mesmo ‘unser
ganzes Selbst’, empenha-se por tornar antes válidas suas exigências como se fossem as primeiras e originais.
(Kant, KpV, 05, p. 131) (tradução Kant, 22015, p. 257)
85 Afetos são especificamente distintos de paixões. Aqueles referem-se meramente ao sentimento; estas
pertencem à faculdade de apetição e são inclinações que dificultam ou tornam possível toda determinabilidade
do arbítrio por princípios.” (Kant, KU, 05, p. 121 nota 110) (tradução: Kant, 32012a, p. 122) A liberdade
humana, segundo Kant, é mais afetada pelas paixões do que pelos afetos, a razão é usurpada por elas. Apenas
o respeito à lei que resulta de um juízo é admitido por Kant como um sentimento moralmente benéfico.
Com o reconhecimento desse sentimento, ele também resolve o problema da motivação para a ação ética,
o problema da mola propulsora.
86 Isso deve ser entendido como independência da influência ou das inclinações dos sentidos.
87 Este último é desenvolvido na Fundamentação da Metafísica dos Costumes.
88 [“Ein negativer Freiheitsbegriff ist für sich genommen ‘unfruchtbar’ und verstattet keinen Einblick in das
‘Wesen’ der Freiheit. […] Es wird nur gesagt, wovon der Mensch in seinen Handlungen frei ist, nicht auch
wozu.” – tradução nossa].
Marita Rainsborough
54
Imagina-se a liberdade, ou seja, uma arbitrariedade que é
independente dos instintos ou da orientação da natureza, assim,
ela é em si mesma uma irregularidade e a origem de todo o mal
e de toda desordem, onde ela mesma não é em si uma regra. A
liberdade deve, portanto, estar sob a condição da regularidade geral
e ser uma liberdade razoável, caso contrário é cega ou selvagem (R
7220; provavelmente década de 1780) (Kant apud Timmermann,
2003, p. 23).89
Segundo Kant, liberdade não significa independência das leis natu-
rais, mas deve ser pensada com base em sua validade. “É difícil conciliar
uma arbitrariedade ‘subjetivamente imperativa’ – ou seja, uma arbitrarie-
dade negativamente livre, que não é determinada por causas naturais – com
a determinação contínua da natureza segundo a lei causal” (Timmermann,
2003, p. 24).90 A liberdade positiva, que determina o significado e a finali-
dade da liberdade, está ligada em Kant ao exercício da razão, especialmente
em contextos morais: liberdade é a ratio essendi da lei moral, de acordo com
a qual a liberdade é tanto uma condição necessária quanto suficiente para
a validade desta lei, e a lei moral é a ratio cognoscendi da liberdade, que ele
entende como consciência da obrigação moral, e ambas estão diretamente
relacionadas (Kant, KpV, 05, 5 Anm).
Como a liberdade inicialmente significa liberdade da causalidade
natural, mas a liberdade sem lei é impossível e temos, além disso,
boas razões para considerar a vontade livre qua causalidade como
legal, precisamos procurar pela lei causal específica da causalidade
por meio da liberdade (Timmermann, 2003, p. 30).91
89 [“‘Man stelle sich die Freyheit, d.i. eine Willkühr vor, die von Instinkten oder überhaupt der Leitung der
Natur unabhängig ist, so ist sie an sich selbst eine Regellosigkeit und der Ursprung alles Übels und aller
Unordnung, wo sie nicht sich selbst eine Regel ist. Es muß demnach die freyheit unter der Bedingung der
allgemeinen Regelmäßigkeit stehen und eine Verständige freyheit seyn, sonst ist sie blind oder wild.’ (R
7220; wohl 1780er Jahre).” – tradução nossa].
90 [“Es ist schwierig, eine ‘subjectiv unbedingte’ – d.h. eine negativ freie Willkür, die sich nicht durch
Naturursachen bestimmt sieht – mit der durchgängigen Bestimmung der Natur nach dem Kausalgesetz zu
vereinbaren.” – tradução nossa].
91 [“Da Freiheit zunächst Freiheit von der Naturkausalität bedeutet, gesetzlose Freiheit jedoch unmöglich ist
und wir außerdem gute Gründe haben, auch den freien Willen qua Kausalität für gesetzmäßig zu halten,
müssen wir nach dem spezifischen Kausalgesetz der Kausalität durch Freiheit suchen.” – tradução nossa].
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
55
Neste ponto, torna-se central a autonomia da vontade enquanto au-
tolegislação por meio do imperativo categórico. A vontade é a faculdade de
agir de acordo com princípios da razão, Kant fala também da faculdade de
fins. “Como uma vontade livre não está determinada de maneira heterôno-
ma, ela deve ser uma regra para si mesma” (Timmermann, 2003, p. 31).92
Isso reside na forma legislativa e sua universalização. Moralidade e liberda-
de se referenciam mutuamente. Timmermann afirma: moralidade é a base
cognitiva da liberdade e liberdade a base do próprio ser da moralidade.
Kant desenvolve um conceito de liberdade racional e moral como faculda-
de de agir independentemente de causas naturais. Ação livre e responsável
também ocorre quando o agente não tem outra opção de ação. A respon-
sabilidade não está vinculada à possibilidade de agir de maneira diferente,
mas ao querer refletido e independente. Para Kant “uma falta em razão
[...] é ao mesmo tempo um menos em liberdade” (Timmermann, 2003,
p. 39).93 Recki fala de uma ética da autonomia em Kant (Recki, 2005,
p. 55). A relação entre liberdade e moral é afirmada por Timmermann:
somente ações moralmente motivadas são altamente autônomas, porque
somente então a vontade dará a si mesma a lei racional” (Timmermann,
2003, p. 43).94 E continua: “a rigor, a autonomia humana só é alcançada
quando se age por dever e por respeito à lei moral” (Timmermann, 2003,
p. 43).95 A sensibilidade é restringida pelo respeito à lei. Assim, em geral,
não é a independência da coerção que é decisiva, mas sim o tipo de coerção
exercida. “Aqueles que estão sujeitos à coerção da razão têm um ganho em
liberdade” (Timmermann, 2003, p. 56).96
92 [“Weil ein freier Wille nicht heteronom bestimmt ist, muss er sich selbst eine Regel sein.” – tradução nossa]
93 [“ein Mangel an Vernunft […] zugleich ein Minus an Freiheit.” – tradução nossa].
94 [“Im Höchstmaß sind allein moralisch motivierte Handlungen autonom, denn nur dann gibt der Wille
sich selbst das vernünftige Gesetz.” – tradução nossa] Continuando: “Em decisões autônomas e racionais
mostra-se que tanto a razão quanto a natureza agem conforme leis.“ [“In selbständigen, vernünftigen
Entscheidungen zeigt sich, daß die Vernunft ebenso wie die Natur nach Gesetzen verfährt.“ – tradução
nossa] (Timmermann, 2003, p. 53)
95 [“Also wird strenggenommen nur beim Handeln aus Pflicht und aus Achtung für das moralische Gesetz die
menschliche Autonomie realisiert.” – tradução nossa].
96 [“Wer dem Zwang der Vernunft unterliegt, gewinnt dadurch an Freiheit.” – tradução nossa]. Continuando:
“Não é a determinação como tal que é assustadora para Kant, mas uma determinada variante da natureza.
Se toda ação humana não passasse de um resultado de causas naturais e seus efeitos, não haveria nela
capacidade, de acordo com Kant, de colocar em prática os mandamentos da razão.” – tradução nossa. [“Nicht
die Determination als solche ist für Kant erschreckend, sondern eine bestimmte Variante der Natur. Wäre
alles menschliche Handeln nichts anderes als eine Folge von Naturursachen und ihren Wirkungen, so gäbe
Marita Rainsborough
56
Também o conceito de natureza tem diferentes facetas de significado
em Kant: natureza como mecanismo que embasa as leis causais, natureza
como cosmologia, natureza como organismo que evolui conforme o germe
localizado nele e natureza como um processo teleológico direcionado a
um propósito. Recki salienta que Kant desenvolve na Crítica da Faculdade
do Juízo, na qual expõe sua teoria estética, um entendimento diferente da
natureza, no qual está presente a ideia de uma natureza formada conforme
fins – a natureza como um sistema de fins. A valorização da sensibilidade
pela aceitação do jogo livre das forças de conhecimento na satisfação desin-
teressada, assim como da experiência genuinamente estética da conformi-
dade a fins, é demonstrada principalmente pelo exemplo das experiências
naturais. Aqui Recki vê exposto o modelo de uma relação com a natureza
livre de dominação e uma reabilitação da sensibilidade, e vê elaborada a
possibilidade de uma ética da natureza. A ideia de uma natureza de acordo
com fins, conectada com os pressupostos básicos da teleologia, relaciona-
se à estrutura do organismo como um todo significativo, ao pensamento
da natureza como um sistema e à beleza na natureza (Recki, 2005, p. 60).
Com a conformidade a fins, imputa-se à natureza, no conjunto,
racionalidade de ação – e, portanto, a forma da razão com base na
qual temos que nos respeitar como seres agentes. No conceito de
conformidade a fins da natureza, pensamos basicamente em uma
natureza razoavelmente organizada de acordo com o modelo de
nossa própria concepção prática de nós mesmos (Recki, 2005, p.
61).97
Recki continua: “na reflexão estética, nós nos vivenciamos e nos
pensamos, portanto, como seres sensorialmente racionais em um contexto
sensorialmente racional” (Recki, 2005, p. 61).98 Isso torna a experiência
de nos adequarmos ao mundo como seres racionais” possível a nós hu-
es Kant zufolge in ihm kein Vermögen, die Gebote der Vernunft in die Praxis umzusetzen”] (Timmermann,
2003, p. 56)
97 [“Mit der Zweckmäßigkeit unterstellt man der Natur insgesamt Handlungsrationalität – und damit die
Form der Vernunft, aufgrund derer wir uns selbst als handelnde Wesen zu achten haben. Im Begriff der
Zweckmäßigkeit der Natur denken wir im Grunde eine nach dem Vorbild unseres eigenen praktischen
Selbstverständnisses vernünftig eingerichtete Natur.” – tradução nossa].
98 [“Wir erleben und denken uns somit in der ästhetischen Reflexion als sinnlich-vernünftige Wesen in einem
sinnlich-vernünftigen Kontext.” – tradução nossa].
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
57
manos (Recki, 2005, p. 61).99 Recki deduz daí uma implicação ética da
estética, também no sentido de um respeito ético pela natureza, um apreço
pela natureza. No entanto, de acordo com Recki, o pensamento teleológi-
co permanece um como se (Als-ob), uma vez que nele estamos relacionados
a nós mesmos, o ponto de partida da teleologia é e permanece antropo-
cêntrico. “O antropocentrismo não pode ser superado por meio do pensa-
mento teleológico refletido, mas é – como condição de sua possibilidade
e sentido – por ele verdadeiramente reforçado. Não podemos, portanto,
nos livrar do antropocentrismo por meio do pensamento teleológico nem
mediante sua virada normativa” (Recki, 2005, p. 62).100 É justamente este
antropocentrismo que Foucault historiciza ao situá-lo numa determinada
época do pensamento e, além disso, critica-o severamente com consequên-
cias nítidas para sua concepção de história.
2.1.3.3 a concepção de liberdade, natureza e hiStória em
foucault
O conceito de liberdade em Foucault pode ser entendido tanto como
negativo, no sentido da libertação de algo, como liberação de limitações,
bem como positivo, no sentido de uma prática da liberdade de criar. Neste
contexto, o ato de libertação pode ser considerado um pressuposto para o
exercício das práticas de liberdade: “Freedom can be practiced in resistan-
ce, in subordination, counter-conduct, as well as ethical subjectivation
(Simons, 2013, p. 314). Em sua concepção, a liberdade é projetada como
"freedom as 'ongoing work'" (Taylor, 2011, p. 6).101 A liberdade deve sem-
pre ser conquistada em situações concretas. Resistência, neste contexto, é
99 [“als Vernunftwesen in die Welt zu passen” – tradução nossa].
100 [“Der Anthropozentrismus ist gerade durch reflektiertes teleologisches Denken nicht zu überwinden,
sondern wird – als Bedingung seiner Möglichkeit und seines Sinns – geradezu bekräftigt. Wir werden somit
durch den teleologischen Gedanken – und auch durch seine normative Wendung – den Anthropozentrismus
nicht los.” – tradução nossa].
101 E continua: “Freedom for Foucault is not a state we occupy, but rather a practice that we undertake.
Specifically, it is the practice of navigating power relations in ways that keep them open and dynamic and
which, in doing so, allow for the development of new, alternative modes of thought and existence.” (Taylor,
2011, p. 4s.).
Marita Rainsborough
58
uma prática de liberdade. A liberdade revela-se em Foucault como ancora-
da na lógica do poder, e não como em Kant, dada com a configuração da
razão humana, especialmente em termos práticos. Han afirma com relação
à conexão entre poder e liberdade em Foucault: “Um éthos da liberdade
zela, portanto, para que o poder não congele em domínio, para que ele
permaneça um jogo aberto.” Ele acusa Foucault de usar “o conceito de
‘liberdade’ em um sentido enfático”, sem realizar uma dedução adequada
(Han, 2019, p. 90).
É pouco precisa a passagem silenciosa de Foucault da liberdade como
pressuposto estrutural da relação de poder para uma ética da liberdade.
Foucault utiliza a liberdade como elemento estrutural da relação de
poder implicitamente em uma qualidade ética. Esta, no entanto,
não é inerente ao poder como tal. Nessa passagem bastante frágil
da lógica do poder para a ética do poder, Foucault introduz uma
diferença entre poder e domínio (Han, 2019, p. 90).
A fórmula do pathos da liberdade em Foucault revela-se como
herdeira da filosofia de Kant e seu conceito de crítica e esclarecimento.
Foucault está particularmente preocupado com a qualidade das relações de
poder e dominação. Na base está a noção da possibilidade de influenciar
as condições de constituição e, com isso, a possibilidade de libertação da
influência externa e de auto-organização. Em contraste com Kant, não
há entidade antropológica que represente uma dotação natural, donde se
possa supor uma construção fundamental e irredutível. Um núcleo natural
não admite ser trabalhado, como se torna claro também, por exemplo, na
crítica de Foucault à teoria da repressão da sexualidade. A distinção entre
natureza e cultura se torna sem sentido. Em contraste com Kant, as noções
orgânicas e teleológicas de natureza de Foucault não são pressupostas e
nem argumentativamente necessárias para salvaguardar teses relativas ao
aperfeiçoamento dos seres humanos e do progresso histórico em direção à
paz eterna.
Estes conceitos são substituídos por Foucault pelo de construção
histórica por meio de discursos, dispositivos e práticas de poder a eles asso-
ciadas. Assim, desloca-se a problemática kantiana de como liberdade e na-
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
59
tureza podem ser conciliadas, enquanto a natureza pode e deve ser conside-
rada como “auxilio” no projeto humano de aperfeiçoamento ético, cultural
e político / histórico, para a questão de como é possível pensar a solução a
partir de cada constituição específica e, assim, de como o indivíduo recebe
influência sobre o modo de “ter-se-tornado” (Gemacht-Werden) e como
uma libertação parcial é possível. Neste contexto, o projeto de Foucault é
caracterizado por grande modéstia e grande pragmatismo.102
Portanto, Foucault enfoca principalmente os processos sociopolíti-
cos e históricos. A natureza é primeiramente pensada somente como um
conhecimento da natureza de acordo com a perspectiva de sua estrutura
social por meio de discursos e dispositivos. Foucault deposita o foco na
análise de categorias e procedimentos epistemológicos que se alteram e
desenvolvem historicamente nas ciências naturais, como, por exemplo, na
biologia ou na medicina, as quais também estão assentadas no contexto
das práticas de poder que, dentre outras coisas, se relacionam à vida e ao
corpo humano, o que fica claro no exemplo da biopolítica. A natureza não
é uma proposição independente e acaba por ser o ponto cego da filosofia
de Foucault. Não se apresenta nem como um antípoda da liberdade nem
como um aliado secreto, a natureza revela-se, em Foucault, como absor-
vida pela cultura. Assim, Foucault enfatiza primariamente a história, cuja
investigação ele orienta em eventos individuais e a observa como um arqui-
vo de monumentos e eventos. Embora a filosofia de Foucault não preveja,
como ocorre em Kant, uma direção predeterminada de desenvolvimento
no sentido de um progresso em direção à constituição republicana, a uma
Liga de Nações e à Paz Perpétua, a formação da vida humana como in-
divíduo, assim como a coexistência nos vários contextos, está atribuída à
responsabilidade humana e, portanto, é um projeto de formação e eman-
cipação humanas.
Por outro lado, a terminologia de Foucault é largamente determina-
da pelas ciências naturais, especialmente a biologia, e a tecnologia associa-
da a elas. É marcante sua proximidade com o conceito darwiniano de luta
102 Foucault expressa uma profunda desconfiança em relação a todos os programas abrangentes de mudança
social quando diz que eles “na realidade levaram apenas à continuação das tradições mais prejudiciais” [“in
Wirklichkeit nur zur Fortführung der schädlichsten Traditionen geführt [haben] – tradução nossa] Em:
Foucault (2005a, p. 703).
Marita Rainsborough
60
ou guerra pela existência, lutas por oportunidades de vida que se manifes-
tam em adaptação e evolução.103 É graças a Philipp Sarasin que o recurso
de Foucault a Darwin, que o próprio Foucault não assinalou, foi salientado
e que sua terminologia e metáforas em relação às ciências naturais foram
examinadas (Sarasin, 2009). Ele constata “que Foucault tinha uma tendên-
cia não assumida, mas claramente visível, de se referir metodologicamente
às ciências naturais” (Sarasin, 2016b, p. 11)104 e, neste contexto, nomeia os
conceitos-chave da filosofia de Foucault de “evento”, “série”, “regularida-
de”, “condições de oportunidade”, “função” e “transformação” (p. 21). 105
Neles, manifesta-se o gesto epistemológico das ciências naturais
(Sarasin, 2016b, p. 21). Esta “ponte”, que Foucault propõe particularmen-
te “entre biologia e cultura” (p. 43), também se reflete nas metáforas natu-
rais da linguagem filosófica de Foucault, como foram descritas no capítulo
2.1 em comparação com as metáforas de Kant de limite e transgressão.
Além disso, pode ser verificada em Foucault uma consideração da materia-
lidade do mundo em seus diferentes fenômenos, como, por exemplo, na
discursividade. Sua negligência em relação ao conceito de natureza, por-
tanto, não leva a um construtivismo idealista e especulativo. Pelo contrá-
rio, as produções do saber e os procedimentos de poder são em sua filosofia
sempre materialmente ancorados. Isto é refletido com particular clareza
em seu conceito de dispositivo. A cultura em Foucault é, portanto, sempre
igualmente determinada materialmente. Os conceitos de natureza e maté-
ria reaparecem, então, de forma diferente: ancorados no próprio conceito
de cultura, no conceito de dispositivo e no estudo teórico-científico de
fenômenos naturais no contexto da investigação dos discursos das ciências
naturais. Além disso, também se refletem nas proposições da filosofia de
103 De acordo com Sarasin, Foucault opõe-se à noção de evolução e, ao mesmo tempo, a uma má interpretação
da compreensão de Darwin da evolução como uma lógica de desenvolvimento. Para Darwin, evolução
significa acaso e descontinuidade, trata-se da reconstrução de uma linha fática de desenvolvimento. CF.
Sarasin, Philipp: Wie weiter mit Michel Foucault? (Wie weiter mit … ?”), Hamburg: Hamburger Edition
HIS, 2016b, p. 31, 38. [O quão mais longe com Michael Foucault?].
104 [“dass Foucault eine nie laut ausgesprochene, dennoch aber unübersehbare Neigung verspürte, sich
methodologisch auf die Naturwissenschaften zu beziehen” – tradução nossa].
105 [“Ereignis”, “Serie”, “Regelmäßigkeit”, “Möglichkeitsbedingungen”, “Funktion” e “Transformation” –
tradução nossa] Sarasin nomeia como pontos de referência de Foucault, por exemplo, o anatomista Xavier
Bichat e o biólogo Georges Cuvier. Para os conceitos de poder e resistência, Foucault se reporta, segundo
Sarasin, a Darwin. (Cf. Sarasin, 2016b, p. 34s.)
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
61
Foucault: em sua terminologia teórica e em suas metáforas da natureza. A
absorção de matéria e natureza no mundo cultural realiza-se, em Foucault,
com base na ideia de materialidade dos processos culturais, no sentido de
uma ontologização do cultural como uma forma de realismo cultural.
No entanto, Foucault não enfatiza suficientemente a agência, a força
e a potência da própria natureza, como exige o novo realismo: “O pós-
humanismo não atribui a fonte de todas as mudanças à cultura e, com isso,
não nega à natureza todo tipo de atividade e historicidade” (Barad, 2012,
p. 13).106 Esse tipo de desempenho no processo de se tornar natureza,
como Barad afirma, não foi teoricamente suficientemente estabelecido
por Foucault. “A matéria está sendo produzida e é produtiva, esta sendo
gerada e é capaz de gerar. A matéria é um agente e não um ente fixo ou
um atributo das coisas” (Barad, 2012, p. 14s).107 Segundo Barad, o limite
no sentido foucaultiano deve sempre ser redeterminado na interface entre
cultura e natureza.108
2.1.3.4 natureza, liberdade e hiStória em foucault e Kant.
uma comparação condenSada
Embora Foucault, além de ancorar a liberdade na lógica do poder,
utilize o conceito kantiano de liberdade de uma maneira altamente
modificada na fórmula do ethos da liberdade, ele não recorre ao conceito
kantiano de natureza. A natureza não está na mira de Foucault. Embora
seja relevante em termos epistemológicos e de teoria do poder, não o é em
termos ético-estéticos e político-históricos. Na filosofia de Kant, a natureza
desempenha um papel central em muitos aspectos: como o mundo
106 [“Der Posthumanismus weist die Quelle aller Veränderungen nicht der Kultur zu und verweigert dadurch
der Natur auch nicht jede Art von Tätigsein und Geschichtlichkeit.” – tradução nossa].
107 [“Materie wird produziert und ist produktiv, sie wird erzeugt und ist zeugungsfähig. Materie ist ein Agens
und kein festes Wesen oder eine Eigenschaft von Dingen.” – tradução nossa].
108 “Tatsächlich lehnt er [gemeint ist der Posthumanismus] die Vorstellung einer natürlichen (oder auch
einer rein kulturellen) Spaltung von Natur und Kultur ab und fordert eine Erklärung dafür, wie diese
Grenze aktiv festgelegt und immer wieder neu gezogen wird.” (Barad, 2012, p. 14). [“De fato, ele (pós-
humanismo) rejeita a ideia de uma cisão natural (ou mesmo puramente cultural) da natureza e da cultura e
exige uma explicação de como essa fronteira é estabelecida e continuamente traçada.” – tradução nossa]
Marita Rainsborough
62
integrador dos seres humanos, que funciona segundo leis naturais, como
cosmologia,109 como elemento evocador da sublimidade na experiência e
na beleza estéticas, possibilitador de ações humanas segundo leis da razão e
apoiador de projetos humanos – também no sentido global e orientados para
o futuro. Assim, por meio do conceito orgânico e teleológico de natureza
em Kant, é possível a esperança em um desenvolvimento da espécie humana
em direção a um aperfeiçoamento ético e a uma coexistência pacífica em
uma confederação de Estados de acordo com seu conceito cosmopolita. A
faculdade fundamental é atribuída à ação humana, e a ação racional pode
derivar-se de um mundo estruturado de acordo com ela. Embora Kant
considere a natureza como um elemento dominante, a concepção humana
de natureza vai além da experiência estética e ética. A filosofia kantiana da
história está, portanto, baseada tanto em seu conceito de liberdade quanto
em seu conceito de natureza – cada um em suas diferentes facetas.
A história é uma tarefa humana em Foucault, que envolve moldar o
mundo, a comunidade social e o eu (Selbst), o que pressupõe a liberdade
humana. Entretanto, ele deixa a natureza fora de cena. O debate sobre
a natureza reduz-se principalmente ao aspecto da abordagem epistêmica
dos fenômenos naturais e à investigação da constituição do corpo e do
desejo por meio de práticas de poder e de momentos discursivos. Parece
que o conceito filosófico do Antropoceno110 no pensamento de Foucault
já é indiretamente concebido – manifestando-se como o desaparecimento
da natureza, ou sua profunda transformação, por meio da intervenção hu-
mana – contudo, ele não é trabalhado no plano geológico-ecológico-filo-
sófico da natureza, mas no epistemológico. Aqui, mostra-se igualmente o
paradoxo foucaultiano de superenfatizar o humano na tentativa de superar
exatamente esta ênfase excessiva, seu antropomorfismo na luta para evitar
o pensamento antropocêntrico. Além disso, as implicações tecnológicas da
109 “Die Kosmologie, die er [gemeint ist Kant] vorschlägt, will nicht die Genese des Lebendigen selbst erklären,
sondern nur die mechanischen und kosmischen Bedingungen, unter denen eine solche Existenz lebender
und bewusstseinsfähiger Wesen zustande kommt.” [“A cosmologia que ele (Kant) propõe não pretende
explicar a gênese mesma do ser vivo, mas apenas as condições mecânicas e cósmicas sob as quais se realiza
tal existência de seres vivos e conscientes.” – tradução nossa] Em: Meillassoux (2013), p. 31.
110 O termo refere-se a uma época genealógica em que as mudanças na natureza realizadas direta ou
indiretamente pelos homens determinam a natureza. Confira para isso Kersten, Jens: Das Anthropozän-
Konzept: Kontrakt – Komposition – Konflikt. Baden-Baden: Nomos, 2014. [O conceito de antropoceno:
contraste – composição – conflito].
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
63
natureza não são adequadamente percebidas por Foucault,111 como assina-
la Karen Barad em seu conceito de realismo agencial (Barad, 2012). Ela
critica a negligência com a materialidade e a realidade do mundo e, portan-
to, considera a filosofia de Foucault ultrapassada. A destacada omissão da
consideração teórica de Foucault sobre a natureza é um sinal dessa lacuna
em seu pensamento, ou do deslocamento para uma materialização do espi-
ritual e do social, ao mesmo tempo em que negligencia a agência da natu-
reza e da matéria. Comparado a Kant, apesar das similaridades no conceito
de liberdade e em termos do projeto Iluminista um tanto alterado, há uma
mudança de paradigma em relação à concepção de natureza e à compre-
ensão da história e, com isso, um distanciamento da filosofia kantiana da
história teleologicamente orientada em direção a uma filosofia pragmática
baseada na proposição de uma história dinamicamente estruturada. Apesar
da posição de destaque que Kant atribui ao ser humano, chama a atenção
em sua filosofia a modéstia humana em face da natureza, da qual se pode
ter expectativa de harmonia e auxílio. A possibilidade de uma ética da na-
tureza e de uma relação com a natureza livre de dominação não é colocada
por Foucault, ao contrário de Kant. Assim, no caso de Foucault, além da
morte do homem” e da “morte do sujeito” – novamente em um sentido
metodológico – podemos falar da “morte da natureza”. Sua tendência para
materializar o cultural, no entanto, cria uma ponte para a natureza. O
caminho para fora da natureza, em uma nova mudança, comparável ao
movimento teórico em sua filosofia do sujeito, poderia certamente levar de
volta a ela. No entanto, Foucault não seguirá mais esse caminho. Aqui é
necessário pensar com Foucault para além dele.
111 A abordagem de Foucault sobre as dimensões material e tecnológica é concebida especialmente no conceito
de dispositivo e seria, por meio dele, expansível.
Marita Rainsborough
64
2.1.4 da utopia à heterotopia. a concepção filoSófica da
hiStória de foucault como reSpoSta a Kant e hegel112
2.1.4.1 a concepção da hiStória de foucault, Kant e hegel em
comparação
Em sua análise orientada a eventos individuais da história, na qual
esta não é observada como um processo com sentido, motivado teleolo-
gicamente, mas sim como um arquivo de monumentos e eventos, cujas
regularidades se analisam, Foucault se volta contra o núcleo utópico das
visões históricas de Kant e Hegel. Este aspecto pode ser identificado, so-
bretudo, nos princípios teleológico e lógico da base do processo histórico.
A concepção kantiana de história, com sua ideia de um aperfeiçoamento
da humanidade, da Confederação de Estados e da paz perpétua, liga-se de
certa forma à sua concepção do orgânico, que está vinculada ao desenvol-
vimento humano enquanto espécie,113 e à sua teoria dos dois mundos, que
atribui ao ser humano, no desenvolvimento das suas disposições naturais,
a liberdade para o aperfeiçoamento ético e uma orientação a ideias e ideais.
Desta forma, apresenta um caráter claramente teleológico à base de um
conceito natural teleológico. A “ideia de progresso [serve] de ‘guia’ para
explicar o jogo confuso das coisas humanas”.114 Em Hegel, que transpõe
o caráter utópico da história para o sistema de um processo dialético do
retorno do espírito absoluto a si mesmo e, portanto, ao fim da história
como suprassunção de si mesmo (Selbstaufhebung),115 um processo no qual
112 Esta seção foi publicada de forma encurtada e ligeiramente alterada como ensaio. Veja: RAINSBOROUGH,
Marita. Von der Utopie zur Heterotopie. Foucaults philosophische Konzeption von Geschichte als Antwort
auf Kant und Hegel. In: ARNDT, Andreas; BOWMAN, Brady; GERHARD, Myriam; ZOVKO, Jure
(org.). Hegel-Jahrbuch, Band 2017, Heft 1. Berlin: De Gruyter, 2017, p. 430-434. Há também uma
publicação em língua portuguesa da mesma seção: “Da Utopia à Heterotopia. Conceção Filosófica da
História de Foucault como Resposta a Kant e Hegel”. Em: Afonso, Marques e Santos (2015, p. 203-214).
113 Em Kant está explicitado que: “Todas as disposições naturais de uma criatura estão determinadas a
desenvolver-se alguma vez, de um modo completo e apropriado.” (Kant, IaG, primeira proposição, A 388)
(tradução: Kant, Immanuel: “Ideia de uma história universal comum propósito cosmopolita”. Em: Kant,
Immanuel: A Paz Perpétua e Outros Opúsculos. Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 2018, p. 21)
114 Hübner, Dietmar: Die Geschichtsphilosophie des deutschen Idealismus: Kant – Fichte – Schelling – Hegel.
Stuttgart: Kohlhammer, 2011, p. 21. [A filosofia da história do idealismo alemão].
115 O termo usado por Hegel Aufhebung foi cunhado em algumas traduções brasileiras como suprassunção
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
65
o começo e o fim se fundem, detecta-se um princípio lógico no centro do
pensar.116 Portanto, o utópico na história pode se caraterizar mais detalha-
damente como sentido, orientação a objetivos e como um processo obser-
vado e unido com o desenvolvimento do homem e da humanidade como
conjunto, no sentido de um progresso com a concepção de um estado final
desejável que, no caso de Hegel, em termos de história, significa o fim da
história no processo de desenvolvimento da razão absoluta para consigo
mesma e em si mesma. É precisamente contra esta visão da história que
Foucault se volta resolutamente. Segundo Habermas, afastar-se do utópico
corresponde ao espírito geral da época.
Hoje, parece que as energias utópicas foram consumidas, como
se tivessem se retirado do pensamento histórico. O horizonte do
futuro se contraiu e mudou fundamentalmente o espírito do tempo
(Zeitgeist) e a política. O futuro está dominado pelo negativo [...]
Trata-se da confiança da cultura ocidental em si mesma (Habermas,
1985, p. 143).117
Foucault superou definitavamente o elemento utópico do teleológi-
co e/ou do lógico no pensamento histórico-filosófico?
2.1.4.2 hiStória em foucault e hegel
Geralmente, Hegel é considerado como antípoda de Foucault: “O
verdadeiro antípoda filosófico de Foucault118 é Hegel, [...] especialmente o
filósofo da história Hegel” (Seitter, 1983, p. 123).119 Em Hegel, o absoluto
forma-se na autoprodução da razão numa totalidade objetiva em estágios
[N.da.T.].
116 Confira, para isso, Labarrière, Pierre-Jean: L’utopie logique. Paris: L’Harmattan, 1992. [A utopia lógica].
117 [“Heute sieht es so aus, als seien die utopischen Energien aufgezehrt, als hätten sie sich vom geschichtlichen
Denken zurückgezogen. Der Horizont der Zukunft hat sich zusammengezogen und den Zeitgeist wie die
Politik gründlich verändert. Die Zukunft ist negativ besetzt […] Es geht um das Vertrauen der westlichen
Kultur in sich selbst.” – tradução nossa].
118 A base de sua investigação é, principalmente, A Fenomenologia do Espírito de Hegel.
119 [“Der eigentliche philosophische Antipode Foucaults ist Hegel, […] gerade auch der Geschichtsphilosoph
Hegel.” – tradução nossa].
Marita Rainsborough
66
históricos 120 de exteriorização (Entäußerung) e volta do absoluto a si mes-
mo, que tem por base o princípio dialético da identidade da identidade e da
não-identidade,121 e que segue o modelo de oposição e suprassunção122 do
ser em si, do ser para si e do ser em si e para si, e a proposição da “astúcia
da razão” (Hübner, 2011, p. 185).123 A dialética “é tanto a fórmula funda-
mental do sistema da filosofia quanto o princípio estrutural do absoluto na
efetividade” (Hübner, 2011, p. 148).124 Em Hegel, a filosofia da história
somente é possível quando houver “razão na história”. A separação entre o
pensar e o ser suprassume-se no processo histórico, no qual atua um telos
imanente: “Com Hegel, os três passos dialéticos tornam-se um esquema
de progresso histórico” (Hübner, 2011, p. 183).125 A posteriori e a priori
unem-se no processo histórico.126 O absoluto realiza-se finalmente num
grau avançado do desenvolvimento na própria filosofia, que, portanto, faz
parte deste processo.
As formas culturais arte, religião e filosofia, por outro lado, residem
no nível do espírito absoluto, no qual o espírito realmente realiza
120 Do estágio do “espírito subjetivo” passando pelo “espírito objetivo” e seguindo ao terceiro estágio do
espírito absoluto”, o espírito se desenvolve em um devir histórico.
121 “Das Absolute selbst aber ist darum die Identität der Identität und der Nichtidentität” [“O Absoluto
mesmo é, por isso, a identidade da identidade e da não-identidade” – tradução nossa] afirma Hegel em seu
escrito Differenz des Fichte’schen und Schellingschen Systems der Philosophie (W I, 252) [Diferença entre os
sistemas filosóficos de Fichte e de Schelling]. Hegel é citado neste livro da edição da Suhrkamp Verlag. Veja:
Hegel, Georg W. F.: Werke in zwanzig Bänden. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1970s.
122 “A suprassunção [...] é um dos conceitos mais importantes da filosofia, uma determinação fundamental que
se repete em toda parte; [...]. Suprassunção tem aquele sentido duplicado na linguagem que significa tanto
conservar, preservar quanto deixar cessar, colocar um fim. – tradução nossa. [“Aufheben […] ist einer der
wichtigsten Begriffe der Philosophie, eine Grundbestimmung, die schlechterdings allenthalben wiederkehrt,
[…]. Aufheben hat in der Sprache den gedoppelten Sinn, daß es so viel als aufbewahren, erhalten bedeutet, und
zugleich so viel als aufhören lassen, ein Ende mache.”] Em Hegel Differenz des Fichte’schen und Schelling’schen
Systems der Philosophie (W I, 188) [Diferença entre os sistemas filosóficos de Fichte e de Schelling].
123 A proposição encontra-se nas Vorlesungen über die Philosophie der Weltgeschichte (W IX, 41) de Hegel. Do
ponto de vista da argumentação, a “astúcia da razão” é comparável à “finalidade da natureza” de Kant.
124 [“...ist sowohl Fundamentalformel des Systems der Philosophie als auch Strukturprinzip des Absoluten in
der Wirklichkeit.” – tradução nossa].
125 [“Der dialektische Dreischritt wird somit bei Hegel speziell zum Schema des historischen Fortschritts.” –
tradução nossa].
126 Cf. Hübner, 2011, p. 199. Em Hübner encontra-se: “Especialmente, é possível, com base nisso, entender
a história empírica a priori, isto é, entender a realidade histórica como o desenvolvimento do espírito na
‘história do mundo’.” [“Insbesondere ist es auf dieser Grundlage möglich, die empirische Geschichte a priori
aufzufassen, d.h. die historische Realität als eigengesetzliche Entfaltung des Geistes in der ‘Weltgeschichte’ zu
begreifen.” – tradução nossa] (Hübner, 2011, p. 199) .
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
67
sua autodescoberta, por meio da qual a filosofia, em particular, tem
a vantagem de praticar esta autodescoberta essencial do espírito da
forma mais original, a saber: a do conceito. Dessa maneira, a história
mundial como história do espírito em Hegel contém dois níveis
paralelos, o nível político do espírito objetivo e o nível cultural
do espírito absoluto, enquanto o espírito subjetivo da consciência
individual não possui, por razões compreensíveis, uma dimensão
imediatamente histórica (Hübner, 2011, p. 182s).127
Este desenvolvimento tem por base um determinado conceito his-
tórico que deve ser observado num contexto com a filosofia. “Assim, ela
supera a ‘história original’, ou seja, a mera crônica de eventos sucessivos,
bem como a ‘história refletida’, ou seja, a organização desses eventos sob
certos pontos de vista externos e, por fim, arbitrários como, por exemplo,
os de natureza moral”.128
Foucault critica o pensamento dialético de Hegel, do qual nos deve-
mos evadir devido ao poder que ainda tem atualmente.
Mas escapar realmente de Hegel supõe apreciar exatamente
o quanto custa separar-se dele; supõe saber até onde Hegel,
insidiosamente, talvez, aproximou-se de nós; supõe saber, naquilo
que nos permite pensar contra Hegel, o que ainda é hegeliano; e
127 [“Die kultürlichen Gestaltungen, Kunst, Religion und Philosophie, hingegen liegen auf der Ebene des
absoluten Geistes, auf welcher der Geist seine Selbstfindung erst wirklich vollzieht, wobei namentlich die
Philosophie den Vorzug hat, diese wesenhafte Selbstfindung des Geistes in der eigentlichsten Form, nämlich
derjenigen des Begriffs, zu betreiben. Auf diese Weise enthält die Weltgeschichte als Geistgeschichte bei
Hegel zwei parallele Ebenen, die politische Ebene des objektiven Geistes und die kultürliche Ebene des
absoluten Geistes, während dem subjektiven Geist des individuellen Bewusstseins aus verständlichen
Gründen keine unmittelbar historische Dimension zukommt.” – tradução nossa] Em Hegel encontra-se
quanto a este processo: “Tudo o que precisa ser dito aqui é que o primeiro estágio é a submersão do espírito
na naturalidade, o segundo a sua saída para a consciência de sua liberdade. Esse primeiro desprender-se, no
entanto, é imperfeito e parcial, pois provém da naturalidade imediata e, por este meio, se relaciona com ela
e ainda está por ela aprisionado. O terceiro estágio é a elevação dessa liberdade ainda singular para a pura
universalidade mesma, para a autoconsciência e o senso de si da essência da espiritualidade.” [“Es ist hier
nur anzuführen, daß die erste Stufe das […] Versenktseyn des Geistes in die Natürlichkeit, die zweite das
Heraustreten desselben in das Bewußtseyn seiner Freiheit ist. Dieses erste Losreißen ist aber unvollkommen
und partiell, indem es von der unmittelbaren Natürlichkeit herkommt, hiermit auf sie bezogen, und mit
ihr […] noch behaftet ist. Die dritte Stufe ist die Erhebung aus dieser noch besonderen Freiheit in die
reine Allgemeinheit derselben, in das Selbstbewußtseyn und das Selbstgefühl des Wesens der Geistigkeit.
– tradução nossa] (Hegel em Hübner, 2011, p. 184) .
128 Hübner, 2011, p. 199. [“Sie überwindet somit die ‘ursprüngliche Geschichte’, d.h. die bloße Chronik
der aufeinanderfolgenden Ereignisse, und ebenso die ‘reflectirte Geschichte’, d.h. die Anordnung dieser
Ereignisse unter bestimmten externen und letztlich willkürlichen Gesichtspunkten etwa moralischer Art.”
– tradução nossa].
Marita Rainsborough
68
medir em que nosso recurso contra ele é ainda, talvez, um ardil que
ele nos opõe, ao termo do qual nos espera, imóvel e em outro lugar
(Foucault, 1999a, p. 72s).
O pensamento dialético de Hegel é criticado por Foucault pela pre-
tensão do absoluto do conhecimento, da totalidade e continuidade, por
seu caráter sistêmico e sua localização no sujeito do conhecimento, da au-
toconsciência e do espírito absoluto, mesmo que se compreendam orien-
tados ao processo – um pensamento que Foucault situa historicamente na
ordenação do saber do século XIX, pelo que o historiza e lhe tira a preten-
são de uma compreensão universal do mundo.
O primoroso significado do conceito de totalidade no sistema
hegeliano torna-se imediatamente evidente a partir do fato de que
o saber somente pode se realizar com pretensão de ser absoluto (o
que também inclui o processo histórico) se conseguir entrecruzar,
de acordo com a forma, a necessidade, a completude e o rigor lógico
de seus momentos. Uma tentativa que, não apenas do ponto de
vista histórico, está fadada ao fracasso porque precisa pressupor um
ponto final” na formação do saber, mas que também permanece
sistemicamente problemática, como será mostrado, e condenará o
movimento do pensamento à paralisação da reprodução circular
(Künzel, 1985, p. 12). 129
Foucault confronta o conceito dialético, sistêmico, espiraliforme e
circular do pensamento hegeliano com seu próprio conceito de história:
Tratava-se de analisar tal história em uma descontinuidade que
nenhuma teleologia reduziria antecipadamente: demarcá-la em
uma dispersão que nenhum horizonte prévio poderia tornar a
fechar; deixar que ela se desenrolasse em um anonimato a que
nenhuma constituição transcendental imporia a forma do sujeito;
abri-la a uma temporalidade que não prometeria o retorno de
129 [Tentativa de uma desconstrução polêmica do pensamento dialético]. [“Die ausgezeichnete Bedeutung des
Totalitätsbegriffs im Hegelschen System erhellt unmittelbar daraus, daß ein Wissen mit Absolutheitsanspruch
(der auch den historischen Prozess einbezieht) sich nur dann realisieren kann, wenn es der Form nach
Notwendigkeit, Vollzähligkeit und logische Stringenz seiner Momente verschränken kann. Ein Versuch, der
nicht bloß aus historischer Sicht zum Scheitern verurteilt ist, weil er einen ‘Endpunkt’ der Wissensbildung
voraussetzen muß, sondern auch systemimmanent problematisch bleibt, verurteilt er doch, wie sich zeigen
wird, die Bewegung des Denkens zum Stillstand kreisförmiger Reproduktion.” – tradução nossa].
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
69
nenhuma aurora. Tratava-se de despojá-la de qualquer narcisismo
transcendental; era preciso libertá-la da esfera da origem perdida e
reencontrada em que estava presa (Foucault, 1981, p. 289).
No entanto, Shaun Gallagher constata uma semelhança entre
Foucault e Hegel na consideração do particular: “Hegel rejects the phi-
losophical starting point of first seeking out the universal (or the future
utopia) and then applying it to the particular situation. e starting point
must be with the particular situation, because there is no way for a philoso-
pher to go beyond it” (Gallagher, 1997, p. 149). E ainda de maneira mais
conclusiva: “e universal can be found only within the particular (p.
149). E continua: “Foucault, not unlike Hegel, offers a model of critique
that takes its point of departure from historical contents rather than from
utopian schemas or the metanarratives of totalitarian theories. Critique,
according to Foucault, needs to reveal the historical knowledge that is
displaced or hidden by funcionalist or systematizing thought” (p. 155).
Também Beatrice Han argumenta uma semelhança no pensamento de
Foucault e Hegel: “[She] (1998/2002, 143) argues that some of Foucault’s
formulations reactivate the type of Hegelian schema so disliked by him, in
which power knowledge takes different historical forms.” (Oksala, 2005,
p. 104). Em oposição à tese hegeliana do fim da história como fim da
história do espírito está a tese de Foucault do fim do homem como fim da
episteme homem. Para ambos, a história não termina, mas sim obtém um
novo caráter. Porém, as semelhanças com respeito à apreciação do particu-
lar e à aceitação de formas históricas específicas não tornam supérfula e/ou
inconsequente a crítica de Foucault à filosofia de Hegel como teoria uni-
versalística, cujas implicações têm de ser superadas.130 Pois a mediação do
universal e do particular em Hegel, com seu recurso à lógica, não é salien-
tada claramente de modo suficiente. Em Foucault, o universal, partindo
da análise dos fenômenos individuais por meio de seus procedimentos ar-
queológicos e genealógicos, surge refletido metodológica e adequadamente
– como epistemes que constituem a base de uma determinada época.131
130 “It is true that Foucault, like Lyotard, would list Hegels discourse as one of the ‘globalizing discourses’ that
he attempts to struggle against.” (Gallagher, 1997, p. 156)
131 Após o desenvolvimento da análise do discurso, Foucault fala das regras do discurso.
Marita Rainsborough
70
Além disso, com a sua teoria produtiva do poder das relações estra-
tégicas de poder, Foucault distancia-se da teoria hegeliana do poder que se
baseia num modelo de repressão. “Hegel and Foucault differ fundamentally
on the question of the nature of power and domination” (Gallagher, 1997,
p. 159). Também o “caráter coletivo da filosofia de Hegel” (Barberowski,
2013, p. 196) 132 está em oposição à preferência de Foucault pelo indivíduo
como ponto de partida da crítica política em sua ética e/ou estética do ser.
“Para Foucault, a razão não está na história, mas a razão é histórica”.133
2.1.4.3 a crítica em Kant e Sua hiStoricização em foucault
Ao contrário de Hegel, Kant não é considerado antípoda de Foucault,
mas sim seu antepassado. Para Hemminger “Kant desenvolve a crítica em
resposta à metafísica que está em crise. O conhecimento ali postulado do
incondicional é problemático para ele. Foucault, no entanto, põe à prova
a filosofia do sujeito” (Hemminger, 2010, p. 133s).134 Ele elabora “uma
genealogia do sujeito” e pesquisa tanto o modo de subjetivação quanto o
de objetivação (Hemminger, 2010, p. 135-136).
132 “Sobre isso é de se observar, em geral, apenas que o bem-estar do Estado tem uma legitimação totalmente
outra do bem-estar do [indivíduo] singular [...]. A consideração presumida do ilícito, que deve sempre
ter a política em sua presumida oposição, respousa muito mais na superficialidade das representações da
moralidade, da natureza do Estado e de suas realções com o ponto de vista moral”. (Hegel, G.W.F. Filosofia
do Direito. Tradução Paulo Meneses [et al.], São Paulo: Loyola; São Leopoldo, RS: Ed. UNISINOS, 2010,
§ 337, p. 304).
133 [“Für Foucault ist Vernunft nicht in der Geschichte, sondern Vernunft ist geschichtlich.” – tradução nossa]
Em Baberowski encontra-se: “A razão não está na história, a razão é antes histórica.” [“Die Vernunft ist
nicht in der Geschichte, die Vernunft ist vielmehr geschichtlich.” – tradução nossa] In: Baberowski, Jörg:
Der Sinn der Geschichte: Geschichtstheorien von Hegel bis Foucault. München: C. H. Beck, 2013, p. 196
[O sentido da história: teorias da história de Hegel e Foucault]. E ele continua: “A importância de Foucault
para as ciências da história reside principalmente na historicização da racionalidade e na percepção de que
os sujeitos são constituídos em práticas culturais que fazem parte de um campo de poder.” [“Foucaults
Bedeutung für die Geschichtswissenschaften liegt vor allem in der Historisierung der Rationalität und
der Einsicht, daß Subjekte sich in kulturellen Praktiken konstituieren, die Teil eines Machtfeldes sind.” –
tradução nossa] (Baberowski, 2013, p. 203).
134 [“Kant entwickelt die Kritik in Reaktion auf die in Krise geratene Metaphysik. Problematisch ist für ihn
die dort postulierte Erkenntnis des Unbedingten. Foucault hingegen stellt die Subjektphilosophie auf den
Prüfstand.” – tradução nossa].
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
71
Além do plano do saber, sobre o qual nos constituídos como sujeitos
do saber, a genealogia do sujeito de Foucault abrange o plano do
poder, sobre o qual nos constituímos como sujeitos que afetam
outros, assim como o plano da ética, sobre o qual constituímos a
nós mesmos como agentes morais (Hemminger, 2010, p. 136).135
Foucault atribui particular importância à história como parte de seu
pensamento: a história se torna o núcleo de seu pensar filosófico. A atitude
de coragem exigida por Kant ainda é sentida por Foucault como desejável
hoje. O projeto de dessubjugação de Foucault é baseado no conceito kan-
tiano de iluminismo. Ele se preocupa com a experiência imaginativa no
processo de autoformação, nos modos de conhecimento, no desejo e na
criação de realidades sociais de vida de um modo não-universal. Segundo
Schmidt “Foucault quer reviver o espírito do Iluminismo: o espírito de
liberdade, o espírito de insurreição contra o atual modo de ser governa-
do.”136 No entanto, a pretensão de Foucault face ao conceito cosmopolita
da paz perpétua de Kant está marcada por muita modéstia. “Foucault bus-
ca uma forma diferente de filosofar, uma filosofia modesta que não preten-
da desenvolver uma ordem alternativa baseada no pensar filosófico [...]. A
filosofia modesta de Foucault se esforça apenas por preservar a crítica ilu-
minista do que é dado” (Schmidt, 2013, p. 113).137 Ele também não aceita
a teleologia de Kant ancorada no conceito de natureza,138 assim como seus
conceitos de Liga das Nações e Direito Cosmopolita.
135 [“Neben der Ebene des Wissens, auf der wir uns als Subjekte des Wissens konstituieren, umfaßt Foucaults
Genealogie des Subjekts die Ebene der Macht, auf der wir uns als Subjekte konstituieren, die auf andere
einwirken, sowie die Ebene der Ethik, auf der wir uns selbst als moralisch Handelnde konstituieren.” –
tradução nossa]. Hemminger refere-se à Zur Genealogie der Ethik: ein Überblick über laufende Arbeiten,
Foucaults Gespräch mit Hubert L. Dreyfus und Paul Rabinow. Em: Dreyfus (1987, p. 275).
136 Schmidt, Christian: Kritik als Lebensform: Foucaults Studien zu Kant und revolutionärer Subjektivität.
Em: Schmidt Christian (org.): Können wir der Geschichte entkommen? Geschichtsphilosophie am Beginn des
21. Jahrhunderts. Frankfurt, New York: Campus, 2013, p. 112. [“Crítica como forma de vida: Estudos
de Foucault sobre Kant e subjetividade revolucionária“.] [...“will Foucault den Geist der Aufklärung
wiederbeleben: den Geist der Freiheit, den Geist des Aufstandes gegen die Art, auf die gegenwärtige Weise
regiert zu werden” – tradução nossa].
137 [“Foucault sucht nach einer anderen Weise des Philosophierens, einer bescheidenen Philosophie, die
keine auf ein philosophisches Denken gestützte alternative Ordnung entwickeln will […]. Foucaults
bescheidene Philosophie strebt einzig danach, sich die aufklärerische Kritik des Gegebenen zu erhalten.
– tradução nossa].
138 Para Kant: “Pode considerar-se a história humana no seu conjunto como a execução de um plano oculto
da Natureza, a fim de levar a cabo uma constituição estatal interiormente perfeita e, com este fim, também
perfeita externamente […].” (Kant, IaG, Achter Satz, A 403) (tradução Kant 2018b, p. 32). A legitimação
Marita Rainsborough
72
Foucault [rejeita] a maioria das soluções de Kant, mas preserva os
questionamentos: o que significa ser esclarecido? Quão esclarecido
eu sou? E, sobretudo: quais são os requisitos para o esclarecimento?
Quais são as forças subjetivas que impulsionam o esclarecimento
e como é possível coloca-las em movimento? (Schmidt, 2013, p.
127s).139
Foucault recorre à ‘radicalização da autorreflexão’ de Kant, como
diz Schmidt, e desenvolve uma maneira de ler que o afeta como pessoa:
“Foucault lê mais ou menos nas entrelinhas fáticas: o quanto sou esclareci-
do? E: quão esclarecido posso ser sob as circunstâncias dadas?” (Schmidt,
2013, p. 115).140 Tal como Kant, também Foucault neste processo confia
na importância do público. Mas, contrariamente a Kant, o iluminismo e
a crítica dependem sempre do efeito emancipatório de práticas de si, que
ancoram afetivamente e inscrevem corporalmente um comportamento
crítico e resistente no sujeito. Não devem ser consideradas somente como
práticas racionais dependentes da compreensão e de uma possibilidade so-
cial de realização por meio de espaços políticos livres. Requerem a auto-
formação do sujeito nas diferentes dimensões como afeto, aparelho intele-
tual e psíquico e corporalidade. Foucault ocupa-se no seu último período
de criação com as autotecnologias antigas como p.ex. ascetismo, parrésia,
meditação, dietética, que podem ser exemplos, mas que não devem ser
copiadas para se descobrir as possibilidades do sujeito de formar a si e de
possibilitar a crítica como forma de vida. Para Foucault, trata-se do desen-
volvimento de práticas da liberdade com as quais podemos nos constituir
como sujeitos autônomos (Schmidt, 2013, p. 125).
É importante salientar que esta questão não pode ser resolvida
de uma vez por todas para Foucault. Ela se apresenta de forma
diferente para cada forma de subjetividade historicamente nova.
prático-moral da ideia de progresso, a ‘guia’ prática, é, segundo Kant, indispensável para realizar a intenção
da natureza. Aqui unem-se ética, política e história. A base do processo histórico é também um princípio
teórico-regulativo, um ‘guia’ teórico como princípio de desenvolvimento. Mecanismos naturais como
guerra e miséria, a constituição civil dos Estados com a sua estrutura jurídica e fatores psicossociais como a
sociabilidade insociável’ favorecem o progresso. (Cf. Hübner, 2011, p. 23s).
139 [“Foucault [verwirft] die meisten von Kants Lösungen, bewahrt aber die Problemstellungen: Was heißt es aufgeklärt
zu sein? Wie aufgeklärt bin ich? Und vor allem: Was sind die Voraussetzungen der Aufklärung? Was sind die
subjektiven Kräfte, die die Aufklärung vorantreiben, und wie ist es möglich, sie zu entfesseln?” – tradução nossa]
140 [“Foucault liest mehr oder weniger zwischen den tatsächlichen Zeilen: Wie aufgeklärt bin ich? Und: Wie
aufgeklärt kann ich unter den gegebenen Umständen überhaupt sein?” – tradução nossa].
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
73
Portanto, a liberdade requer uma atitude de “crítica permanente
de nós mesmos”. É por isso que as práticas de liberdade têm uma
característica ascética e devem se perpetuar no ethos (Schmidt,
2013, p. 126). 141
Segundo Foucault, o ethos é uma postura experimental. Foucault
opõe-se claramente neste contexto a programas abrangentes de mudança
da sociedade que, como se pode observar nos processos históricos, somente
têm consequências negativas. Foucault apresenta um projeto de mudança
da sociedade que começa no indivíduo e no concreto, com pequenos pas-
sos de formação individual e social, e não recorre ao conceito filosófico-his-
tórico da paz perpétua de Kant. “Critical hermeneutics involves struggle
which is immediate in two ways: it is struggle at a local level, and it is not
oriented toward a future” (Gallagher, 1997, p. 165s). Isto significa concre-
tamente a despedida de uma imagem determinada e sonhada de sociedade,
mas não a despedida da responsabilidade pela formação de um futuro de-
cente, no qual estão abertas aos indivíduos as possibilidades para formar a
sua própria pessoa com respeito à maneira de viver pretendida e onde seja
possível uma convivência amigável, uma sociedade na qual se pode viver
o ethos crítico. “To give up the power of an ought that derives from an
already known universal, from the future already dreamed, is not to give
up the responsibility to act in response to existing conditions” (Gallagher,
1997, p. 166).
2.1.4.4 o conceito de hiStória como heterotopia em foucault
Foucault separa a postura kantiana de coragem para a mudança do
âmbito global teleológico da filosofia de Kant. A mudança visada do eu
(Selbst) na estética e ética do eu (Selbst) não conhece nenhuma direção de-
finida, mas a pretensão emancipatória da libertação de procedimentos de
poder predefinidos e de autodeterminação. “As a starting point, the present
141 [“Es ist wichtig zu sehen, dass diese Frage für Foucault nicht ein für alle Mal zu klären ist. Sie stellt sich
für jede historisch auftretende Form der Subjektivität neu. Deshalb erfordert die Freiheit eine Haltung der
permanenten Kritik unserer selbst’. Deshalb haben die Praktiken der Freiheit auch einen asketischen Zug
und müssen sich im ethos verstetigen.“ – tradução nossa].
Marita Rainsborough
74
does not lead to consensus or to a perfect future, but to the possibility of
critical refusal. […] us, Foucault suggests, critique takes the form of a
possible transgression’” (Gallagher, 1997, p. 165). A direção que o indiví-
duo dá a si mesmo a cada vez, numa estilização do seu modo de viver, não
podendo fugir dos processos de constituição histórico-sociais, deixa reco-
nhecer uma concepção de estima pela autonomia do eu (Selbst) e por uma
relação ética para com o outro à base do modelo da amizade – momentos
que também não podem nem devem deixar a sociedade, enquanto todo,
sem mudanças.
Como Kant, ele exige uma “política moral142 que abra ao indiví-
duo espaços para a autoformação estético-ética. Ainda que Foucault, na
sua conceção de história, prescinda de um princípio teleológico ou lógico,
não se afasta completamente do utópico da concepção histórica de Kant
e Hegel e entrega-se ao tópico, atópico e distópico. O progresso dialético
hegeliano da história, que acentua a reconciliação, torna-se em Foucault
numa sequência de continuidades e rupturas de épocas que têm como base
certas epistemes e/ou regras de formação do discurso, determinadas práti-
cas do poder, processos de constituição do sujeito e autotecnologias. Estas
épocas que se separam não estão encaixadas num sistema global predefini-
do, ou seja, não têm nenhuma direção de desenvolvimento definida, mas
uma função que ordena monumentos e eventos. Elas criam um sistema
organizado do processo histórico que é acessível à análise. Às margens do
tópico surge o novo, o outro, e no tópico são possíveis lugares heterotópi-
cos do saber, do poder e da formação do sujeito.143 Foucault fortalece esta
área do heterotópico em suas reflexões filosófico-históricas: em Foucault a
utopia torna-se heterotopia no devir histórico.
142 Hübner aponta firmemente para o fundamento moral da política: “Em À Paz Perpétua, Kant enfatiza
de duas maneiras diferentes até que ponto sua filosofia política está comprometida com uma perspectiva
moral: primeiro, ele rejeita de forma confrontavia as reivindicações de uma política puramente pragmática
em face da natureza vinculativa da lei moral; segundo, formula afirmativamente, recorrendo à sua ética,
princípios substantivos para uma política moral.“ [“Wie sehr seine politische Philosophie einer moralischen
Perspektive verpflichtet ist, unterstreicht Kant in Zum ewigen Frieden auf zwei unterschiedliche Arten:
Erstens weist er konfrontativ die Ansprüche einer rein pragmatischen Politik gegenüber der Verbindlichkeit
des moralischen Gesetzes zurück, zweitens formuliert er affirmativ inhaltliche Prinzipien für eine moralische
Politik unter Rückgriff auf seine Ethik.” – tradução nossa] (Hübner, 2011, p. 46) Também Foucault, em
suas críticas e em suas ações políticas, vincula a política no sentido moral a uma reivindicação específica.
143 Para os conceitos topia, heterotopia e utopia, consultar particularmente: Foucault, Michel: Die Heterotopien: Les
hétérotopes: Der utopische Körper: Le corps utopique: Zwei Radiovorträge. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 2005c.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
75
2.1.5 Future and Possibility. eSperança naS filoSofiaS de Kant,
foucault e bloch
2.1.5.1 Sobre o fenômeno da eSperança
A esperança, como atitude emotiva ou como forma emotiva de mo-
tivação para a ação, está ligada a uma orientação positiva para o futuro.
Moldar o futuro requer confiança no sentir, pensar e agir como base para
transformar o existente. Isto se aplica tanto ao indivíduo quanto à esfera
social em geral. O projeto futuro é inconcebível sem uma postura de expec-
tativa positiva, sem a esperança humana de mudanças desejáveis que não
ocorrem apenas em decorrência de alterações acidentais e fatais, mas que
estão particularmente sujeitas a ações humanas planejadas e ao sentimento
de disponibilidade.144 Por outro lado, também o medo de um futuro incer-
to, talvez até mesmo trágico, pode tanto determinar positivamente atitudes
e ações emotivas, como também gerar apatia, desespero e desesperança. No
que diz respeito às projeções futuras, as emoções humanas oscilam entre o
utópico e o distópico e apocalíptico, entre a esperança e o medo. No que
diz respeito à temporalidade de sua existência pessoal e humana em geral,
o ser humano se comporta de maneira otimista na expectativa da realização
de seus desejos, aspirações e concepções. Kant, Bloch e Foucault oferecem
abordagens muito diferentes para entender a esperança. Que compreensão
da esperança os autores têm, quais funções são atribuídas à esperança nos
diferentes conceitos filosóficos de Kant, Bloch e Foucault e qual é o signi-
ficado de esperança para o respectivo sistema filosófico e seu contexto de
argumentação? Neste sentido, como Foucault se relaciona com a filosofia
de Kant e Bloch? A recepção de Bloch por Foucault, até agora ignorada,
deve ser considerada mais de perto neste contexto. O debate sobre o fe-
nômeno esperança pelos três filósofos tem relevância atual nas questões
144 De uma perspectiva filosófica, a esperança nem sempre teve conotação positiva. Na antiguidade grega,
por exemplo, encontra-se um ceticismo geral face a esperanças ilusórias e injustificadas (por exemplo, no
Filebo de Platão). Para Aristóteles, ela também pode estar associada a um humor deprimido da alma. Em
Sêneca, ela apresenta um caráter indefinido. No cristianismo a esperança tem um papel especial, estando
ligada à crença em Deus, assim como a um contraponto ao pensamento apocalíptico. O conceito cristão
de esperança ainda pode ser encontrado na filosofia existencialista de Gabriel Marcel. Para ele, a esperança
apresenta uma resposta às experiências limítrofes da vida humana que causam angústia.
Marita Rainsborough
76
do enfrentamento individual da vida e no contexto global ou social geral
contemporâneo?
2.1.5.2 eSperança e o futuro do humano em Kant
Em Kant, a esperança está intimamente ligada à questão do conhe-
cimento; ela ganha terreno na medida em que o conhecimento esbarra em
seus limites. A esperança começa onde um conhecimento seguro não é
mais possível, tendo em vista uma necessidade da razão humana. Assim, a
esperança está ancorada na antropologia. Em Kant, seu domínio central é,
por um lado, a ética e, por outro, a filosofia da história. Em seu conceito de
felicidade, há esperança de uma compensação posterior por ações moral-
mente apropriadas, que devem obedecer a um dever. Agir de acordo com
o imperativo categórico cria a necessidade de compensação por renúncias
relacionadas ao agir moral. A esperança se tornou uma parte central da
moralidade de Kant. Também dentro da estrutura da teoria filosófica da
história de Kant, a esperança, enquanto um momento que permite uma
ação orientada para o futuro, na medida em que engendra confiança, está
ligada ao modelo da paz perpétua. Aqui, ela se direciona à conveniência
da natureza correspondente ao agir humano, e a seus propósitos não se
opõe. A esperança constitui, portanto, assim como o respeito à lei moral
enquanto um sentimento moral, um elemento constitutivo e emotivo da
filosofia de Kant, o qual é pensado em conexão com a racionalidade e que
surge da razão mesma.
Diferentemente dos afetos e paixões,145 na concepção de razão de
Kant os sentimentos são de “importância integral” (Recki, 2004, p. 275).
145 “Der Affekt, so definiert er, ist ‘das Gefühl einer Lust oder Unlust im gegenwärtigen Zustande, welches im
Subject die Überlegung (die Vernunftvorstellung, ob man sich ihm überlassen oder weigern solle) nicht
aufkommen läßt’.” [“O afeto, assim ele define, é ‘o sentimento de um prazer ou desprazer atual que não
deixa o sujeito chegar à reflexão (a noção da razão, se alguém deve se render a ele ou recusá-lo’.” – tradução
nossa] Em: Recki, Birgit: “Wie fühlt man sich als vernünftiges Wesen? Immanuel Kant über ästhetische
und moralische Gefühle”. Em: Herding, Klaus; Stumpfhaus, Bernhard (org.): Pathos, Affekt, Gefühl: Die
Emotionen in den Künsten. Berlin, New York: De Gruyter, 2004, p. 276. [“Como nos sentimos como seres
racionais? Immanuel Kant sobre sentimentos estéticos e morais“. Pathos, afeto, sentimento: as emoções nas
artes] Aqui Recki cita Kant, 07, p. 251. Sobre a diferença entre afeto e paixão em Kant, Recki acentua:
“Während die Leidenschaft einem Strom vergleichbar ist, ‘der sich in seinem Bette immer stärker eingräbt’,
wirkt der Affekt ‘wie ein Wasser, was den Damm durchbricht’; die Leidenschaft wirkt wie die Schwindsucht
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
77
O critério de Kant para avaliar emoções diferentes refere-se ao grau de
perda de liberdade em ação ou à promoção da liberdade a elas associa-
da. Afetos e paixões devem ser considerados como formas antirracionais
ou irracionais de motivação para a ação, que diferem entre si por seu ca-
ráter espontâneo, temporário ou habitual. Kant afirma: “estar submetido
a afecções e paixões é sempre uma enfermidade da mente, porque ambas
excluem o domínio da razão.146 Sentimentos, no entanto, são de impor-
tância crucial enquanto forma emotiva de motivação, na medida em que
são essenciais, por sua razoabilidade, para a crítica kantiana da razão, tanto
na área da moralidade quanto na orientação estética do ser humano no
contexto de uma orientação geral do mundo,147 e demonstram a cone-
xão entre moralização e cultivo. “Porque o sentimento, por mais racional
que seja, não pode ser concebido senão como uma condição sensorial do
ser. Somente uma entidade sensorial, isto é, corporal, pode sentir” (Recki,
2004, p. 287).148
Ao lado do respeito à lei moral em nós, do sentimento do belo, que
é entendido como um prazer desinteressado, e do sentimento do sublime,
o sentimento de esperança pertence aos sentimentos emocionais e orien-
tadores da ação, que não se opõem à orientação racional do ser humano,
mas até a promovem, na medida em que, por um lado, fazem jus ao cará-
ter dual do ser humano como ser dotado de razão e sentidos e, por outro
lado, apoiam o contínuo desenvolvimento do ser humano como indivíduo
e como espécie. A questão de Kant com os sentimentos relacionados à
razão pode ser encontrada em sua epistemologia, na filosofia moral, na
estética e na filosofia da história, enquanto na antropologia as reflexões
centram-se particularmente em sentimentos não racionais, como pathos,
afetos e paixões, mas sem elaborar uma teoria a respeito deles. No que
diz respeito aos fenômenos do esperar e da esperança, existem diferentes
oder Auszehrung, der Affekt dagegen wie ein Schlaganfall” (Recki, 2004, p. 276). [“Enquanto a paixão é
comparável a um grande rio ‘que se enterra cada vez mais em seu leito’, o afeto aparece ‘como uma água que
rompe a represa’; a paixão é como a tuberculose ou caquexia, mas o afeto é como um derrame”. – tradução
nossa] Recki refere-se aqui a Kant, 07, p. 252. Kant fala literalmente de ‘caquexia’ e ‘derrame’.
146 Kant, Anth, 07, p. 251. Kant, 2006b, p. 149.
147 Recki fala em termos da estética de Kant de uma “estética dos sentimento puro” (Recki, 2004, p. 278).
148 [“Denn Gefühl, wie auch immer vernunftgewirkt, ist nicht anders denkbar denn als sinnliches Befinden.
Fühlen kann überhaupt nur ein sinnliches, und das heißt körperliches Wesen.” – tradução nossa].
Marita Rainsborough
78
abordagens e orientações argumentativas nos campos individuais de sua
filosofia: enquanto na epistemologia há uma distinção entre conhecimento
e esperança, de tal forma que a razão teórica não exceda seus limites e se
torne especulativa, a fim de tornar possível a metafísica como ciência, a es-
perança, na filosofia da moral e da história, com suas implicações políticas
e pedagógicas, é um elemento integrativo e fundante da visão filosófica que
promove o comportamento moral e o progresso histórico. No âmbito da
moral, Kant constata a existência de esperança de bem-aventurança, com
base no merecimento da felicidade pelo sujeito moral: “faça aquilo que o
torne digno de ser feliz. A segunda pergunta então: se me comporto assim,
de tal modo que não sou indigno da felicidade, posso também esperar que
venha a tomar parte nela?” (Kant, KrV: B 836f).149 O fenômeno da espe-
rança é relevante para ele em um sentido filosófico, e o conceito assume
um valor sistemático na estrutura geral de sua filosofia. A pergunta ‘o que
posso esperar?’, enquanto uma das três perguntas iniciais de sua filosofia,
marca o significado da esperança para Kant.150 Ela refere-se de maneira
especial à harmonização da sensibilidade e da razão, da lei natural e da lei
moral e dos postulados da imortalidade da alma, da existência de Deus e
da liberdade da vontade. Na Lógica, a esperança é atribuída à religião e as
três questões fundamentais são completadas pela resumida pergunta antro-
pológica “o que é o ser humano?”. Com base nestas considerações, surge a
pergunta: de que maneira e em que aspectos Bloch e Foucault recorrem às
reflexões de Kant?
2.1.5.3 a filoSofia da eSperança de bloch e o utópico
Em Bloch, o âmbito da esperança de Kant é ampliado e se torna o
princípio fundamental de sua filosofia, em geral está associado ao esboço
e à configuração do futuro, o que se reflete de modo particular nos termos
ainda-não” (Noch-Nicht) e na utopia abstrata e concreta. Em Bloch, a
própria filosofia de Kant se tornou uma utopia com suas proposições do
149 Tradução em: Kant, 2015a, p. 587.
150 As outras duas questões são: “o que posso conhecer?” e “o que devo fazer”?
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
79
imperativo categórico, reinos dos fins e paz perpétua. Bloch vê a esperança,
por um lado, como uma determinação antropológica fundamental e, por
outro, como um princípio igualmente difundido em todas as áreas da vida
humana. Devaneio, desejo e saudade na vida cotidiana, a arte e as utopias
sociais são igualmente objetos de sua filosofia. Os termos do que é–segun-
do a-possibilidade (Nach-Möglichkeit-Seienden) e do que é–na–possibilidade
(In-Möglichkeit-Seienden) refletem a discrepância entre o que é desejável e
o que é viável. Em Bloch, a esperança revela-se como um sentimento de
confiança que está associado a uma expectativa positiva de antecipação
do futuro. Para ele, com sua consciência antecipatória, o ser humano é
principalmente um ser orientado para o futuro. O ponto de partida para
a esperança em Bloch são as experiências de aflição, falta e necessidade. A
esperança deve ser entendida simultaneamente como um afeto e como um
ato cognitivo, o polo oposto no afeto é o medo e na cognição a memória.
A memória refere-se ao conhecimento do passado, pelo qual o que não foi
alcançado é considerado possível. “A esperança torna fecunda a memória,
tira dela o belo e o continuamente significativo” (Bloch, 1985, p. 145).151
Torna-se claro que Bloch se concentra em particular na transformação da
sociedade por meio do pensamento utópico no devir histórico. Para isso, a
esperança é fundada antropologicamente e permeia a criação humana, par-
ticularmente no processo de criação cultural, no qual, dentre outras coisas,
produtos da literatura e da arte deixam emergir um mundo melhor. Bloch
reformula a questão kantiana no início de sua obra Utopia da Esperança:
quem somos nós? De onde viemos? Para onde iremos? O que esperamos?
O que nos espera?” (Bloch, 1978, p. 1).152 Bloch deixa clara a relevância
temporal de suas questões fundamentais, as quais se relacionam com o
passado, presente e futuro humanos e, assim, enfatizam em particular a
dimensão temporal do homem, da natureza e do mundo.
O correlato correspondente à esperança humana pressupõe uma
mediação de sujeito e objeto, segundo a qual os processos do mundo e
da história têm igualmente uma dimensão de possibilidade. No entanto,
151 [“Hoffen macht das Erinnern fruchtbar, schlägt das Schöne, das fortwährend Bedeutende aus ihm heraus.
– tradução nossa].
152 [“Wer sind wir? Wo kommen wir her? Wohin gehen wir? Was erwarten wir? Was erwartet uns?” – tradução
nossa].
Marita Rainsborough
80
a esperança sempre pode ser frustrada, de tal forma que sua atitude do
apesar disso” (Trotzdem) se torna oportuna, na medida em que quebras,
desenvolvimentos inesperados e as decepções associadas a eles são
suportadas. A esperança está sempre relacionada à indeterminação e se
volta para um caráter processual do mundo, com um objetivo antecipado
que aparece no campo das possibilidades. Segundo Bloch, o afeto de
expectativa esperança caminha de mãos dadas com um apelo à ação,
intervenção e mudança e tem um caráter ativador. A superação do temor e
do medo está relacionada à esperança. A esperança está sempre na dianteira
do ainda-não (Noch-Nicht). O momento utópico ligado à esperança
requer um ser utópico como princípio do ser, que pode ser entendido
como o que ainda-não foi (Noch-Nicht) e ainda-não-se-tornou (Noch-
Nicht-Gewordenes), uma latência do ser. Bloch recorre aqui à categoria da
possibilidade de Aristóteles, especialmente no que diz respeito à essência
da matéria153 como “movimento de acordo com a ‘medida do possível’”
(Kata para dynaton) e “o ser-na-possibilidade” (das In-Möglichkeit-Sein)
(Dynamei on).154 Bloch fala de potência subjetiva e potencialidade objetiva
para ilustrar a harmonia entre o ser humano, a natureza e o mundo (Traub;
Wieser, 1975, p. 288). O princípio antropológico da esperança, nas suas
várias formas, do devaneio à esperança refletida como uma espécie de ato
cognitivo, a docta spes, corresponde ao mesmo tempo a um princípio social
e natural, uma mediação que Bloch apreende com o conceito de pátria. A
razão leva a esperança para a melhor condição possível, para uma atividade
direcionada e relacionada a normas e que pode ser submetida a processos
de negociação comunicativa.
2.1.5.4 a eSperança e a heterotopia em foucault
A teoria do sujeito de Foucault, por outro lado, torna obsoleta a
ideia do futuro como um projeto intencional. A constituição do sujeito
por meio de discursos de saber e estratégias de poder restringe o escopo
153 Bloch prefere falar de material mundial. Cf. Bloch em Traub (1975, p. 288).
154 Bloch in Traub e Wieser (1975, p. 285s). Como terceira categoria da matéria aristotélica, Bloch nomeia “o
perturbador”.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
81
pessoal de ação. A autonomia precisa ser laboriosamente arrancada da he-
teronomia. Uma visão do futuro não pode ser desenvolvida em termos da
paz perpétua de Kant ou da utopia concreta de Bloch. O futuro se torna
incalculável no processo histórico. Apesar disso, a teoria de Foucault, que
proclama a “morte do sujeito”, deixa espaço para a esperança? Ao que pa-
rece, o conceito de heterotopia de Foucault se move entre o tópico e o
utópico e sua teoria ad hoc no político fornece uma dimensão do crítico,
no sentido do Esclarecimento kantiano, como base para a esperança hu-
mana. Uma esperança que também inclua a formação do eu na ética ou
estética do eu. A orientação quase utópica de Foucault, que se reporta ao
aperfeiçoamento do eu e da sociedade em igual medida, não pode prescin-
dir do recurso a Kant. Para Foucault, a filosofia de Kant não é, como para
Bloch, apenas um documento do utópico enquanto ilustração da própria
concepção básica, mas se torna a pedra angular da sua esperança por meio
da integração da proposição kantiana da crítica. Além de Kant, também
Bloch tem importância decisiva neste contexto:
Simplesmente lendo um livro antigo que ainda não tinha lido e
que, graças a um acidente e a uma convalescência, tive tempo de
ler atentamente no verão passado e é o livro de Ernst Bloch, Le
Principe Espérance […]. Isso me impressionou muito, porque é um
livro que, em última análise, não é muito conhecido na França, teve
lá relativamente pouca influência e o qual me parece colocar um
problema muito importante (Foucault, [1979] 2014c).155
Foucault menciona a obra de Bloch O Princípio Esperança no contex-
to da pergunta pelas possibilidades de resistência no que tange à Revolução
Iraniana. Aqui ele recorre ao conceito de Bloch do emergir de um mundo
melhor: “uma abertura, um ponto de luz e atração que nos dá acesso deste
mundo aqui a um mundo melhor” (Foucault; Sassine, 2014c, p. 2).156 O
emergir na história possibilita surgir a esperança de mudanças sociais: “algo
155 [“Tout simplement la lecture d’un livre déjà ancien que je n’avais pas encore lu, et que, à la faveur d’un
accident et d’une convalescence, j’ai eu le temps de lire avec soin l’été dernier et c’est le livre de Ernst Bloch
Le Principe Espérance […]. Ça m’a beaucoup frappé, parce que c’est un livre qui est finalement assez peu
connu en France, a eu relativement peu d’influence, et qui me paraît poser un problème tout à fait capital.
– tradução nossa].
156 [“une ouverture, un point de lumière et d’attraction qui nous donne accès, dès ce monde-ci, à un monde
meilleur.” – tradução nossa].
Marita Rainsborough
82
como uma revolução era possível” (p. 2).157 De forma semelhante a Kant,
contudo, Foucault entende um acontecimento revolucionário mais como
sinal do que como um agir desejável.
A dimensão da esperança aparece em Foucault, para além da ocu-
pação com as questões da resistência em suas diversas formas na área da
ilusão, imaginação, fantasia e sonho, especialmente no heterotópico. As
heterotopias, que de início corporificam em As Palavras e as Coisas outras
disposições de língua e pensamento, em sua palestra As Heterotopias se
transformam em contra-espaço, frequentemente também ligadas a hetero-
cronias. São espaços de transição, de transformação, de situações de crise e
desvios. Devido a seu caráter desmascarador, eles também têm impactos na
percepção geral da realidade. Em sua palestra Le corps utopique, Foucault
determina o corpo humano como ator principal de todas as utopias.
O corpo é o ponto zero do mundo, lá onde os caminhos e os espaços
se cruzam, o corpo está em parte alguma: ele está no coração do
mundo, este pequeno fulcro utópico, a partir do qual eu sonho,
falo, avanço, imagino, percebo as coisas em seu lugar e também
as nego pelo poder indefinido das utopias que imagino (Foucault,
2013, p. 14).
Tanto tópicos, heterotópicos quanto utópicos estão ancorados no
corpo. O pensamento de Foucault sobre o diferente no heterotópico é o
ponto de partida para a mudança, transgressão e correção do existente.
Seu conceito de heterotopia pode ser comparado ao conceito de utopia
concreta de Bloch. No entanto, diferentemente de Bloch, Foucault enfa-
tiza particularmente o caráter espacial do heterotópico. No entanto, ele
não para em uma determinação puramente espacial. A análise de Foucault
das formações discursivas existentes, dos dispositivos, da constituição do
sujeito e das formas de poder em áreas selecionadas em situações históri-
cas fornece uma ferramenta para possíveis mudanças formas de governo,
formas de sujeito e condições sociais, e abre um espaço para a liberdade de
pensamento e ação.158 Foucault se ocupa em explorar seu conceito de críti-
157 [“quelque chose comme une Révolution était possible.” – tradução nossa].
158 A experiência da alteridade é possível em Foucault, especialmente no campo da literatura e da arte.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
83
ca baseado em Kant para tornar concebível a autonomia do eu. Este espaço
heterotópico é um lugar de esperança no qual a resistência é possível. Nesse
contexto, Foucault se manifesta contra projetos utópicos que buscam uma
mudança sociopolítica abrangente e que, na maioria das vezes, fracassam
neste intento. Ele prefere uma política de pequenos passos, da modéstia.159
2.1.5.5 Projecting the Future. Kant, bloch e foucault
comparadoS
Semelhante a Kant, Bloch pressupõe uma complacência da natureza,
de modo que a ação humana motivada e guiada pela esperança correspon-
da a uma possibilidade objetivamente real, uma espécie de aliança entre
mundo, natureza e humano. Enquanto Kant acentua o caráter-postulado
da correspondência esperada e a esperança também se refere exatamente
a este aspecto, o acordo antropológico e ontológico de Bloch é defendido
como parte de sua ontologia materialista. Bloch não compactua com a
cautela kantiana. Como Kant, Bloch usa uma metáfora biológico-orgânica
para expressar essa correspondência quando fala, em relação à imanência
do processo, de “conteúdos em germinação” e de um “núcleo” que ain-
da não floresceu (Traub; Wieser, 1975, p. 260-286). Ele também recorre
à estética de Kant com sua distinção entre beleza natural e sublimidade
da natureza, e as interpreta como promessas. Outra semelhança reside na
orientação para a razão, ou no caráter de razão, do sentimento de esperança
em Bloch e Kant. Enquanto Bloch enfatiza um certo tipo de esperança, as
docta spes, a esperança em Kant é tematizada no contexto da filosofia mo-
ral explicitamente como um sentimento útil, ou acessível, à razão, como
um sentimento que apoia a moralidade humana. A filosofia da história de
Kant, com o objetivo da Confederação de Estados e da Paz Perpétua, apre-
senta, como a concepção de Bloch, um projeto histórico-filosófico e um
159 “Mas, para que não se trate simplesmente da afirmação e do sonho vazio de liberdade, parece-me que
essa atitude histórico-crítica deve ser também uma atitude experimental. Quero dizer que esse trabalho
realizado nos limites de nós mesmos deve, por um lado, abrir um domínio de pesquisas históricas e, por
outro, colocar-se à prova da realidade e da atualidade, para simultaneamente apreender os pontos em que a
mudança é possível e desejável e para determinar a forma precisa a dar a essa mudança. O que quer dizer que
essa ontologia histórica de nós mesmos deve desviar-se de todos esses projetos que pretendem ser globais e
radicais” (Foucault, Michel: “O que São as Luzes?”. Em: Foucault, 2015a, p. 365).
Marita Rainsborough
84
caráter utópico ou quase utópico. No entanto, ao contrário de Bloch, Kant
não trata das desigualdades econômico-sociais como gatilho para conflitos
internacionais, e não distingue, como o faz Bloch, entre a luta por obje-
tivos realmente utópicos, que é vista de forma positiva, e a guerra, como
um fenômeno a ser combatido. Porém, com base em sua teoria da socia-
bilidade insociável, a qual recai sobre a relação entre estados, vê na guerra
um mecanismo da história que pode ser superado por meio do processo de
crescente juridificação das relações entre estados na formação de uma Liga
das Nações. Em Bloch também não se encontra a avaliação positiva das
relações comerciais para a promoção do processo de paz. Para ele, especial-
mente o âmbito econômico é o ponto de partida para conflitos e disputas
belicosas. Bloch vê seu próprio trabalho – inspirando-se em Kant – como
uma espécie de Crítica da Razão Prática (Braun, 2004, p. 192). Entretanto,
ela não deve ser entendida como uma filosofia moral, como em Kant, mas
como um tipo de teoria da ação. Em contraste com o conceito organizacio-
nal e jurídico kantiano de uma Liga das Nações, o objetivo de Bloch tem
um direcionamento marxista-anarquista. Bloch contrasta as categorias da
epistemologia de Kant com uma “teoria de categorias processuais” (Traub;
Wieser, 1975, p. 261) com a categoria básica ‘possibilidade’. Bloch enfatiza
a abertura e a mutabilidade depositadas no categorial. Mais tarde, Foucault
completa a total historicização das categorias com seu conceito de a priori
histórico. Para ele, a possibilidade não deve mais ser entendida categorial-
mente, mas sim colocadas na abertura do processo histórico.
A filosofia de Foucault vincula o conceito de transgressão, que ele
formula como o conceito-chave de sua filosofia do sujeito, do poder e
do saber, para caracterizar uma transição que também pode ocorrer aos
trancos e barrancos, enquanto Bloch a ancora no conceito de esperança.
Ambos trabalham com o conceito de horizonte, que engloba uma orien-
tação para o futuro e um surgir do diferente, do possível e do excluído.
Bloch e Foucault se opõem às utopias abstratas, os grandes projetos de
mudança do mundo. Enquanto Bloch aspira à utopia concreta como uma
utopia realizável no sentido do humanismo socialista, Foucault formula
um programa modesto de uma espécie de mudança ad hoc da sociedade
por meio de um aumento da autonomia do indivíduo que pode e deve se
modificar tanto no sentido de uma obra de arte como influenciando na
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
85
formação da sociedade como um todo. Para Foucault, trata-se da tentativa
experimental160 de modos de vida, de formas de viver em conjunto, e de
gerar mudanças sociopolíticas que permitem uma libertação parcial das
constelações de poder, para que as formas de poder não se solidifiquem em
formas de dominação. Com base nos conceitos de construtividade do saber
e de constituição do sujeito por meio do saber e do poder em contextos
discursivos e dispositivos, é impensável para Foucault uma definição an-
tropológica dos seres humanos, como se propõe Bloch com seu princípio
de esperança como determinação da natureza humana. Para Foucault, o ser
humano é somente um ‘rosto na areia’, uma metáfora que remete à abertu-
ra do humano. Ele não pode mais ter a esperança de uma harmonia entre
o humano, a natureza e o mundo, como em Kant e Bloch, e suas ações
não são mais a chave para o progresso na história, se não inteiramente sem
efeito. Enquanto Bloch entende o poder como repressão, em Foucault ele
deve ser entendido estratégica e relacionalmente. Para Bloch, o conceito
de resistência à realização da utopia concreta é derivado de seu conceito de
poder, o que significa, em primeira linha, a libertação de uma dominação
repressiva. Para Foucault, ao contrário, a resistência também requer lidar
consigo mesmo e tem o significado de mudança do eu e do contexto social.
A esperança como afeto humano é moldada e maleável por meio de práti-
cas de saber e poder e de tecnologias de si. Portanto, a esperança deve ser
determinada não apenas por referências e funções de conteúdo mutante no
contexto individual e social, mas pela mutabilidade do caráter afetivo e da
própria cognição. Ao criticar Bloch, Foucault afirma:
Então, esse tema me interessou muito porque acredito que seja
historicamente verdadeiro, mesmo que Ernst Bloch não dê a todo
ele uma demonstração muito satisfatória em termos de ciência
histórica. Acredito que seja uma ideia, que é ainda assim […]
(Foucault; Sassine, 2014c, p. 2).161
160 Bloch também atribui um papel importante à experimentação no processo real utópico (Cf. Bloch em
Traub/Wieser, 1975, p. 265).
161 [“Alors, euh, ce thème m’a beaucoup intéressé car je le crois historiquement vrai, même si Ernst Bloch ne
donne pas de tout cela une démonstration très satisfaisante en termes de science historique. Je crois que c’est
une idée, qui est tout de même…” – tradução nossa].
Marita Rainsborough
86
No entanto, o momento do concretamente utópico e esperançoso
não está totalmente suspenso em Foucault, mas transformado e historiciza-
do. Para Foucault, diferentemente de Bloch e Kant, a esperança não pode
ser atribuída a sentimentos relacionados à cognição, mas, de acordo com
sua concepção da construção do sentimento, a esperança deve ser sempre
também fisicamente inscrita tanto no sensorial quanto no cognitivo e, ao
mesmo tempo, ser moldável por meio de tecnologias de si. Para Foucault,
devido à sua concepção de unidade entre corpo e alma, há uma conexão
fundamental entre sentimento e cognição. A própria esperança deve ser en-
tendida como marcadamente histórica, aberta e diversificada. A esperança
por um eu que se liberta de coerções heterônimas e uma constelação só-
cio-política que permita este movimento, revela-se, por conseguinte, como
um projeto de configuração do futuro sem uma direção determinada,162
como uma tarefa comum dos humanos.
Rorty constata que atualmente há uma ‘perda de fé’ em relação à
crença na viabilidade da justiça global, a qual está relacionada à perda de
convicção das narrativas históricas que, por um lado, expressam a falta de
capacidade de persuasão do modelo marxista e, por outro lado, o fracasso
do modelo técnico-econômico das democracias ocidentais em conseguir
produzir justiça em um contexto global. O pensamento utópico perdeu
suas raízes mais importantes na realidade contemporânea.
It seems to me that loss of faith in both of the alternative scenarios
that were supposed to culminate in an egalitarian utopia plays
a much greater role in our concern about globalization than do
either the movements grouped together under ‘identity politics’, or
any specific philosophical theory (Rorty, 1999, p. 231).
Para Rorty, os temas filosóficos atuais espelham esta perda de esperan-
ça: “is seems to me the result of a loss of hope – or, more specifically, of an
inability to construct a plausible narrative of progress. A turn away from nar-
ration and utopian dreams toward philosophy seems to me a gesture of des-
pair.163 A legitimidade da esperança baseia-se no fato de que o pensamento
162 Em Bloch, o objetivo é exprimido com o termo ‘pátria’.
163 Rorty, 1999, p. 232. Ele destaca o significado do termo ‘impossibility’ na filosofia política de Chantal Mouffe
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
87
utópico busca outras formas de expressão como motor do desenvolvimento
de novas formas de pensamento e ação políticos. Na filosofia pragmática de
Foucault fica claro que proposições preexistentes do pensamento utópico
relacionado à esperança podem ser mobilizadas e alteradas e novos conceitos
político-filosóficos podem ser desenvolvidos e oferecer um pensamento de
esperança após o fim das narrativas utópicas, o que não ocorre no bonde
utópico de Kant e Bloch.164 Para Foucault, a primazia do futuro se torna a
primazia do presente sem ignorar, entretanto, a importância do futuro. Em
sua filosofia, o fim da utopia165 não significa o fim da esperança.
2.1.6 projeto futuro. crítica, violência e progreSSo naS
filoSofiaS de Kant, foucault e mbembe
2.1.6.1 Projecting the Future. Kant, foucault e mbembe
O recurso a Kant é de importância fundamental para as conside-
rações filosóficas de Michel Foucault e do filósofo africano pós-colonial
e Ernesto Laclau. Rorty esboça a atual situação social por meio da importância do capital global, que está nas
mãos da global overclass. “e absence of a global polity means that the super-rich can operate without any
thought of any interests save their own.“ (Rorty, 1999, p. 233) Rorty acentua a necessidade de uma política
global (global polity) e da criação de instituições globais: “We should probably be doing more than we are in
dramatize the changes in the world economy which globalization is bringing about, and to remind our fellow
citizens that only global political institutions can offset the power of all that marvellously liquid and mobil
capital.” (Rorty, 1999, p. 233s.) Ele toma estas medidas como as únicas possibilidades de se alcançar o objetivo
da justiça global no futuro: “But I suspect that is the only chance for anything like a just global society)”
(Rorty, 1999, p. 234). E continua: “Although I think that historical narrative and utopian speculation are
the best background for political deliberation, I have no special expertise at constructing such narratives and
speculations).” (Rorty, 1999, p. 234). O foco nos temas ‘identity and difference’ é, para Rorty, uma expressão
do velho pensamento igualitário utopicamente construído. “As I see it, the emergence of feminism, gay
liberation, various sorts of ethnic separatism, aboriginal rights, and the like, simply add further concreteness
to sketches of the good old egalitarian utopia).” (Rorty, 1999, p. 235). Rorty mostra aqui que atualmente o
pensamento utópico pode adotar, e adota, outras formas.
164 Assim constata, por exemplo, B. Arabatzis a perda de significado de Bloch no presente: “Eu começo com
a tese de que Bloch não é mais atual hoje. De fato, parou-se de falar dele.” Em: Arabatzis, Stavros: “Zur
Aktualität Ernst Blochs”. Em: Zeilinger, Doris (org.): Grenzen der Utopie? Krieg der Hoffnung?: Ernst Bloch
zum 25. Todestag, VorSchein Nr. 24: Jahrbuch der Ernst-Bloch-Assoziation. Berlin, Wien: Philo & Philo
Fine Arts, 2004, p. 102. [“Sobre a atualidade de Ernst Bloch”. Limites da Utopia? Guerra da esperança?: Ao
25º aniversário de morte de Ernst Bloch] Segundo Anne Frommann, o tratamento dado à filosofia de Bloch
hoje é caracterizado por desprezo e cinismo. O ‘princípio da esperança’ se depravou em um lugar-comum.
Cf. Frommann (2004, p. 165).
165 Esta formulação remete a Marcuse, 1968 (p. 69-78).
Marita Rainsborough
88
Achille Mbembe e atesta a atualidade do pensamento kantiano para a aná-
lise de questões e problemas contemporâneos em um contexto mundial.
Tal como em Kant, para Foucault e Mbembe o termo “crítica” está as-
sociado tanto à análise do conhecimento humano como também, numa
postura crítica, a um ímpeto iluminista. Enquanto Kant procede à análise
da capacidade de conhecer – dos poderes cognitivos da sensibilidade, en-
tendimento e razão – em especial no que toca a realçar seu caráter a priori,
Foucault e Mbembe centram-se numa análise do discurso na qual se pre-
tende encontrar, segundo Foucault, a episteme que estrutura o pensamen-
to de uma época, o a priori histórico e, segundo Mbembe, os princípios
ou paradigmas subjacentes. Mbembe recorre, assim, no seu texto Critique
de la raison nègre,166 contrariamente ao diálogo intertextual com Kant evo-
cado no título, a um Kant modificado mediado por Foucault, ao fazer
uma análise crítica do discurso sobre os negros incluindo o patamar dos
dispositivos, tanto numa perspetiva exterior como interior. A autocrítica
sobre a preservação do postualdo raça no pensamento africano sobre si
mesmo é alargada pela crítica da perpetuação do papel de vítima, da falta
de vontade de assumir uma quota-parte de culpa nos eventos traumáticos
do passado ou da falta de admissão da própria culpa e da falta de vontade
para assumir a responsabilidade em moldar a própria vida, a da África e do
mundo. Apesar da ideia da constituição do sujeito, Mbembe e Foucault
partem do princípio da autonomia e responsabilidade do ser humano do
ponto de vista político-moral, seguindo a linha kantiana. Como Kant, eles
estão preocupados em moldar o futuro humano. Neste contexto, preten-
de-se analisar quais concepções de violência, crítica e progresso existem em
Kant, Foucault e Mbembe e, respectivamente, quais relações há entre os
conceitos ou fenômenos. Que funções o recurso de Foucault e Mbembe
a Kant e de Mbembe a Foucault cumprem e o que isso significa para seus
respectivos posicionamentos filosóficos? Que visões de futuro e abordagens
para a superação de problemas eles desenvolvem?
166 Mbembe, 2013b. A tradução portuguesa apareceu em 2014: Mbembe, Achille: Crítica da razão negra.
Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2014.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
89
2.1.6.2 violência revolucionária, crítica e progreSSo em Kant
Kant reflete sobre a questão da violência partindo, em especial, da
discussão sobre o tema da revolução e da distinção entre guerra e paz.
Diferentemente de Foucault, Kant rejeita a revolução violenta, especial-
mente porque destrói a constituição legal do estado. Para ele, a “paz perpé-
tua”, apesar da tendência à “insociável sociabilidade” entre estados, como
projeto universalmente humano de uma Liga das Nações com orientação
cosmopolita é pensável e desejável. Kant é conhecido como firme opositor
do direito de resistência, uma vez que para ele existe uma obrigação de
obediência fundamental face ao soberano.167 O contratualismo estatal/filo-
sófico que legitima o poder do Estado abriria as portas à anarquia por meio
das interpretações de justiça subjetivas subjacentes, caso os próprios súb-
ditos pudessem definir os limites da obediência. Para Kant, por motivos
lógicos, a resistência deve ser rejeitada. Por causa da contradição resultante,
a resistência, para ele, não é compatível com os princípios do estado de
direito.168 Deste modo, ele legitima exclusivamente a obrigação ao direito
de obediência face ao soberano.
Daí se segue que toda a oposição ao poder legislativo supremo, toda
a / sedição para transformar em violência o descontentamento dos
súbditos, toda a revolta que desemboca na rebelião, é num corpo
comum o crime mais grave e mais punível, porque arruína o seu
167 Kant tolera a resistência apenas na forma legalmente prevista, ancorada na forma dualista do próprio Estado
corporativo medieval, em que o povo está envolvido no exercício do poder por meio de representantes.
Segundo Kant, essa resistência está ancorada na lei e serve para manter e aprimorar o Estado, representa
uma força legalmente organizada. Na verdade, trata-se de um ativamente legitimado direito de resistência
dos estamentos, não do povo. Nisto, Kant baseia-se nos ensinamentos dos monarquistas e na doutrina geral
do estado de seu tempo. Cf. Kersting, 2012.
168 A prova de Kant da impossibilidade jurídico-estatal de um direito de resistência baseia-se em um
argumento concludente, lógico facilmente seguível. A possibilidade jurídica de um direito de resistência
contra o poder estatal implica o poder do autorizado de determinar mesmo as condições de sua obediência.
Ela institui o autorizado em senhor sobre o caso de resistência e dota ele, por isso, com a soberania
(Kersting, 2012, p. 427s) Em Kant, explicita-se: “pois para estar autorizado a isso precisaria existir uma lei
pública que permitisse essa resistência do povo, isto é, seria preciso que a legislação suprema contivesse em
si uma determinação de não ser a suprema e de fazer, em um e mesmo juízo, do povo enquanto súdito o
soberano do soberano ao qual está submetido; o que é contraditório e salta imediatamente aos olhos através
da questão: quem deveria ser o juiz nesse conflito entre o povo e o soberano “(Kant, 2013, p. 126s. (320)).
O direito de resistência não pode ser derivado do direito de autodefesa ou direito de legitima defesa, que
Kant distingue do direito de emergência (Cf. Kersting, 2007).
Marita Rainsborough
90
próprio fundamento. E esta proibição é incondicional, de tal modo
que mesmo quando o poder ou o seu agente, o chefe do Estado,
violaram o contrato originário e se destituíram assim, segundo
a compreensão do súbdito, do direito a ser legislador, porque
autorizou o governo a proceder de modo violento (tirânico),
apesar de tudo, não é permitido ao súbdito resistir pela violência à
violência (Kant, TP, 08, p. 299).169
Aqui Kant revela requisitos teóricos contraditórios entre soberania
vista como leviatânica, concepção de justiça, contratualismo e fundação do
estado de direito.170 Na fundamentação metódico-sistemática do estado de
direito de forma paralela ao direito privado, também a questão pela origem
da soberania do estado se torna, do ponto de vista legal, secundária171 a sua
origem permanece irrelevante do ponto de vista da teoria da legitimação.
Uma tomada de poder revolucionária172 violenta não permite, apesar da
fundamental “antijuridicidade de um melhoramento do estado revolucio-
nário” (Kersting, 2012, p. 440), fazer outra avaliação em relação ao direito
de resistência; também perante estes detentores do poder se aplica, segun-
do Kant, a obrigação de obediência ou a proibição de resistência. A posição
do direito natural173 também não justifica, segundo Kant, um direito de
169 Kant, Immanuel: “Sobre a expressão corrente: Isto pode ser correcto na teoria, mas nada vale na práctica”.
Em: Kant, Immanuel: A Paz Perpétua e Outros Opúsculus. Tradução Artur Morão, Lisboa: Edições 70,
2018, p. 91.
170 “O resultado desse proceder de via dupla é uma posição filosófico-jurídica diferenciada, que tenta unir o
“ideal de Hobbes” com o “ideal de Rousseau” e contém tanto uma fundação jurídico-estatal da verdadeira
república e uma teoria do domínio justo com uma teoria da validez, que se faz independente das normas
de justiça, do direito positivo.” (Kersting, 2012, p. 419) Kant até reconhece a um monarca destronado o
direito à recuperação violenta da soberania. Kersting vê aqui, justificadamente, uma falha na argumentação
de Kant: “com isso, ele seria o único cidadão que teria um direito à revolução e resistência, Com um
traço de pena Kant qualifica aqui sua concepção jurídico-estatal toda como inválida. Aqui, de uma vez, o
direito de domínio não mais é entendido jurídico-publicamente como imperium [império], mas jurídico-
privadamente como dominium [domínio]”). (Kersting, 2012, p. 434)
171 “De resto, se uma revolução triunfou e foi fundada uma nova // constituição, então a ilegitimidade do
começo e da realização da mesma não pode dispensar os súditos da obrigação de se submeterem, como bons
cidadãos, à nova ordem das coisas e eles não podem se recusar a obedecer lealmente à autoridade que tem
agora o poder).” (Kant, 2013, p. 129 (322s.)).
172 Kant não diferencia tumulto de revolta e revolução; o termo revolução abrange em Kant todas as formas de
protestos violentos e subversões.
173 O direito natural pode ser visto como o direito a liberdade, que está subjacente ao princípio universal da
justiça e que também fundamenta o direito à propriedade. No estado de natureza, ao contrário de Locke,
estes direitos só têm um caráter provisório. Em Kant, os direitos são garantidos pelo contrato social, de
acordo com o modelo de Rousseau, que em Kant é entendido de forma hipotética ou transcendental e no
sentido de um postulado. Logo, os direitos assentam, segundo Korsgaard, nas relações sociais enquanto
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
91
resistência, mas apenas uma obrigação legal do soberano de respeitar os di-
reitos naturais dos cidadãos. A qualidade da soberania revela-se, de acordo
com Kant, na disponibilidade do soberano para o autoesclarecimento, para
garantir a liberdade mutuamente limitada dos cidadãos e para estabelecer
uma cultura da publicidade. A este respeito, Kant também acredita num
processo evolucionário de melhoria progressiva. Revolução corresponderia
à recaída ao estado de natureza, o que implicaria a anulação do direito e
o surgimento da violência. Assim, encontramos em Kant: “antes de ser
estabelecido um estado legal público, os homens, os povos e os Estados
isolados nunca podem estar mutuamente garantidos contra a violência
(Kant, MS, 06, p. 312).174 Kersting realça:
O tirano avança, com isso, do summum malum [supremo mal]
para o mal menor – à medida que, no fundo, ainda se dispõe
de uma ética política diferenciadora que permite distinguir
normativamente modos distintos de exercício de domínio estatal
e não se contenta com uma teoria de legitimação geral de domínio
estatal (Kersting, 2012, p. 442).175
A função summum malum é assumida, em Kant, pelo estado de na-
tureza. Por conseguinte, a fundamentação legal positiva da resistência as-
sociada ao recurso à violência significa o colapso do estado, um estado de
ausência de leis, injustiça e instabilidade, uma vez que o estado, segundo
Kant, garante a liberdade de todos: “aja externamente de tal modo que o
uso livre de seu arbítrio possa coexistir com a liberdade de cada um segun-
garantias recíprocas. Cf. Korsgaard, (1997). Além do mais, tem de haver a possibilidade de executar esses
direitos individuais pela vontade comum com base num estado jurídico estabelecido ou, se necessário, pela
força. Esta vontade geral é compreendida no sentido processual (Cf. Koorsgaard, 1997, p. 313). Nesta
base, existe uma obrigação de convivência numa sociedade civil. (Cf. Koorsgaard, 1997, p. 302s). “To put
it another way, justice, which is the condition in which we have guaranteed one another our rights, exists
only where there is government. Government, then is founded on our presumptive general will to justice
(Korsgaard, 1997, p. 303).
174 (Tradução portuguesa: Kant, 2013, p. 118 (p. 312)).
175 “Denominamos nós o ataque à integridade moral dos súditos um característico de domínio tirânico, então
vale que Kant, como a filosofia do estado moderna toda, não é capaz de desenvolver uma solução jurídico-
política para o problema dos tiranos. Ele é carregado inteiro e imediatamente nos indivíduos. Foi o tirano
na política clássica o soberano, que perverteu a finalidade estatal e, por isso, com razão, tinha de ser expulso
de seu domínio e, em caso necessário, morto, então ele converte-se em Kant em uma prova de confirmação
do sujeito moral” (Kersting, 2012, p. 441).
Marita Rainsborough
92
do uma lei universal”.176 Para Kant, só é permitida a aplicação de poderes
coercivos para garantir o exercício recíproco da liberdade. Ele afirma:
Consequentemente, se um certo uso da liberdade é, ele mesmo, um
obstáculo à liberdade segundo leis universais (isto é, incorreto), então
a coerção que se lhe opõe, enquanto impedimento de um obstáculo
da liberdade, concorda com a liberdade segundo leis universais, isto
é, é correta. Ao direito, portanto, está ligada ao mesmo tempo,
conforme o princípio de contradição, uma competência para
coagir quem a viola. […] mas pode ter seu conceito imediatamente
estabelecido na possibilidade da ligação entre a coerção recíproca
universal e a liberdade de cada um (Kant, MS, 06, p. 231s).177
Segundo Kant, o recurso à violência para estabelecer uma sociedade
civil de direito é perfeitamente admissível, depois de ultrapassado o estado
de natureza, no entanto, ele favorece meios normativos/jurídicos e institu-
cionais e ambiciona um processo evolucionário de reformas graduais. Kant
receia que, com o estado emergente da ausência do direito, ocorra princi-
palmente a violência e destruição e a anulação da paz no sistema político.
Kant considera a violência e a guerra de um ponto de vista teleológico
natural e insere-as no seu conceito de progresso, de modo que se torna
primeiro o motor no percurso para uma ordem mundial cosmopolita, mas
gradualmente se torna um meio impeditivo e imprescindível. As crescen-
tes relações comerciais mundiais, os direitos de visita entre cidadãos de
diferentes estados, a crescente cooperação política entre estados a caminho
de uma liga de nações e o fato de a participação republicana dos cidadãos
implicar grandes sacrifícios por parte da população e que guerras iniciadas
176 Kant, MS, 06, p. 231. (Tradução portuguesa: Kant, 2013, p. 37 (p. 231)). Em Cumminsky encontra-se
neste contexto: “Justice (Right) thus involves ‘the sum of the conditions under which the choice of one can
be united with the choice of another in accordance with a universal law of freedom.’ (MS 230) e universal
law of justice, the categorical imperative of justice, is thus: ‘so act externally that the free use of your choice
can coexist with the freedom of everyone in accordance with a universal law’ (MS 230-31).” Em: Cummiskey,
David: “Justice and Revolution in Kants Political Philosophy. Em: Muchnik (2009, p. 220).
177 (Kant, 2013, p. 37s. (p. 231s.)). Cf. para isso também Cumminsky, 2009, p. 221. Cummiskey defende,
como, por exemplo, também Sarah William Holt, a tese de que a concepção de justiça kantiana justifica, em
determinadas condições, a resistência. Esta posição parte da independência da derivação da justiça, por um
lado, e do direito, por outro, segundo os quais a justiça já existia no estado de natureza. “[T]hese actions are
direct violations of justice and do not depend on civil society for their legitimate external enforcement.” (Ibid.)
Contudo, segundo Kant, a justiça e o direito só podem ser contemplados em relação um ao outro, de modo
que, no meu entender, não existe uma contradição lógica na sua argumentação quanto a este ponto. A corção
não parte da noção de justiça propriamente dita, mas tem de ser assegurada jurídica e institucionalmente.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
93
de forma leviana e evitáveis seriam, por fim, impedidas, fazem com que a
esperança de paz pareça justificada e o recurso à força evitável. Medidas
institucionais e judiciais, uma alteração do modo de pensar e um cres-
cimento da moralidade humana estão associados a este desenvolvimento
até à paz perpétua. Este processo significa o desaborchar dos talentos da
espécie humana e é garantido pela própria natureza, pois, segundo Kant,
ao ser humano está autorizado esperar que a própria natureza possibilite e
favoreça a vivência das suas ambições mais elevadas.
Apesar de rejeitar a revolução e a violência, a Revolução Francesa
é, para Kant, devido ao evidente entusiasmo moral do ponto de vista do
observador,178 um sinal do progresso histórico e do crescimento da morali-
dade. A avaliação de Kant ocorre a um meta-nível (Metaebene) histórico-fi-
losófico e não diz respeito ao nível de ação teórico de adversários que agem
politicamente em relação às vítimas179 associadas à revolução e ao abalo do
princípio do estado de direito garantido pelo governo. Kant espera me-
lhorias no estado, por um lado, por meio de reformas jurídico-políticas
num processo contínuo de progresso e, por outro, através do aumento da
autonomia, maioridade (Mündigkeit) e moralidade de todos os cidadãos e
do próprio soberano. Kant fala aqui de uma revolução do modo de pensar
do ser humano, que retrata uma reorientação brusca no pensamento, uma
rutura brusca com o pensamento existente. A proibição da resistência não
significa, no entanto, obediência incondicional:
178 A revolução de um povo espiritual, que vimos ter lugar nos nossos dias, pode ter êxito ou fracassar; pode
estar repleta de miséria e de atrocidades de tal modo que um homem bem pensante, se pudesse esperar,
empreendendo-a uma segunda vez, levá-la a cabo com êxito, jamais se resolveria, no entanto, a realizar o
experimento com semelhantes custos – mas esta revolução, afirmo, depara nos ânimos de todos os espectadores
(que não se encontram enredados neste jogo), com uma participação segundo o desejo, na fronteira do
entusiasmo, e cuja manifestação estava, inclusive, ligada ao perigo, que não pode, pois, ter nenhuma outra
causa a não ser uma disposição moral no género humano.” Em: Kant, Immanuel: O Conflito das Faculdades.
Tradutor Artur Morão. Covilhã: Universidade da Beira, 2008, p. 105. (Kant, SF, 07, p. 85) Kant coloca aqui a
tônica principal na moralidade do ser humano enquanto sinal de esperança. “But if revolution is wrong, how
can ‘wishful participation’ be right? And we know that Kant himself was one of the most enthusiastic of these
wishful participants. His personal obsession was both the French and the American Revolutions”. (Korsgaard,
1997, 299s.) Segundo Koorsgard, os revolucionários são responsáveis pelas consequências de suas ações: “A
revolutionary must see himself as the author of the loss of life and limb, the social disorder, and the suspension
of the juridical condition that results from revolution.” (Koorsgard, 1997, p. 315).
179 Eles evidenciam que, em processos revolucionários, as pessoas são frequentemente consideradas como meio
para alcançar o objetivo.
Marita Rainsborough
94
[A]ssim também Kant pede, naturalmente, permanecer devida a
obediência se as ordens do soberano colidem com os deveres morais.
Pois com a proibição geral de uma resistência ativa realmente não
é dito que a obediência do súdito, no fundo, não pode conhecer
limites. [...] Também para Kant a pretensão de obediência do
soberano caduca lá onde também o direito que normaliza atuação
encontra seu limite fundamental. Somente aquilo que, no fundo,
é objeto do direito está subordinado à disposição legislativa do
soberano. Por conseguinte, a irresistibilidade jurídica do poder de
ordem do príncipe termina lá onde inicia o domínio da razão moral
(Kersting, 2012 p. 438).180
Neste ponto, a crítica assume a sua posição lógico-argumentativa no
sistema da filosofia kantiana. A crítica pode ser entendida, em primeiro lu-
gar, no sentido de uma análise da condição de possibilidade para o conhe-
cimento humano e a moralidade. Além do mais, a crítica – vista como uma
espécie de autonomia sociopolítica do pensamento – recebe no contexto
social uma forma concreta enquanto modo de “fazer uso do seu próprio
juízo”, em especial na forma de uma tomada de posição pública, de acordo
com o princípio da publicidade, enquanto erudito, enquanto conhecedor
180 Lê-se ainda: “no caso de uma colisão do dever de obediência com deveres morais fundamentais é a pessoa,
que está sob a lei moral, sem dúvida, não só autorizada, mas expressamente obrigada a dar preferência ao
último. Com outras palavras e, além disso, mais rigorosamente: uma colisão entre o dever de obediência
e mandamentos morais é sempre somente aparente, uma vez que ao último é inerente o fundamento de
obrigação mais forte. Se, portanto, o estado pede uma violação de deveres morais, pode e tem de a ele ser
oferecida resistência. Essa resistência é, porém, somente de natureza passiva; não é um rompimento da
obediência ativo, mas uma denegação de obediência que padece.” (Kersting, 2012, p. 438). Na minha
opinião, a resistência em Kant deve ser entendida como uma postura crítica, que pode ser interpretada
como resistência passiva. Isto significa, por exemplo, em concreto, o abandono de cargos e uma apresentação
da sua própria posição crítica no meio da publicidade, mas não ações violentas sob a forma de tumultos
ou revolução – resistência sob a forma de crítica pública. “É equivocado ver na teoria da resistência de
Kant o documento de uma atitude de autoridade moralmente monstruosa” (Kersting, 2012, p. 440). E
continua: “Kant não afirmou a impossibilidade jurídica de uma limitação da obediência do súdito, mas a
antijuridicidade de um melhoramento do estado revolucionário” (Kersting, 2012, p. 440). O instrumento
político da moção de censura nas democracias parlamentares da atualidade pode ser interpretado como um
processo organizado judicialmente de acordo com a concepção kantiana de resistência. No meu parecer,
partindo da filosofia de Kant, a resistência não só deve ser interpretada no sentido de uma desobediência
moral e de uma consciencialização moral da crítica pública, mas também, strictu sensu, como jurídico-
política. Surge logicamente um limite da obediência, quando a natureza legal do estado é anulada pelo
próprio soberano, existindo no fundo um estado de natureza. Segundo Kant, neste momento deve
predominar a violência e teríamos de colocar novamente a questão da criação das estruturas do estado de
direito. Como é conhecido, Kant prevê para o estabelecimento de estados jurídicos um direito de coerção,
que implica e legitima o recurso à violência: “the right to use violent means to bring about a civil society
(Cumminsky, 2009, p. 220). E continua: “Justice involves the authorization to use coercion to promote
lawful freedom” (Cumminsky, 2009, p. 221).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
95
de um determinado campo – compreendido como uma postura crítica do
cidadão. A crítica torna-se assim um ethos. Esta forma de crítica pode e deve
abarcar todas as áreas da convivência humana. Maioridade (Mündigkeit) e
crítica estão, segundo Kant, estreitamente ligadas numa época em busca
do esclarecimento. Mesmo que Kant reconheça um caráter mobilizador ao
uso da violência em conflitos181 bélicos, por meio da qual o ser humano
é motivado a esforços maiores, a violência deve ser rejeitada, do ponto de
visto jurídico e moral humanos, devido ao seu caráter destrutivo e só se
torna aceitável na perspetiva de uma teleologia garantida182 pela natureza,
que remete a uma “paz perpétua”. Kant prefere, na área da política do esta-
do, o caminho jurídico para alcançar o progresso, que igualmente promove
a moralidade do ser humano.
2.1.6.3 revolução, violência e crítica em michel foucault
Em Foucault, a violência é uma das possíveis formas de resistência
que está ancorada teoricamente em sua concepção de poder. O seu concei-
to de violência é amplo ao ponto de incluir também, por exemplo, formas
simbólicas da violência. Nas considerações de Foucault sobre a revolução
torna-se evidente a sua rejeição da violência física, que perpetua sofrimen-
181 “Uma força que se opõe no serviço do progresso jurídico-moral, uma progressiva, é, para Kant, inimaginável
(Kersting, 2012, p. 436). E continua: “ao patos revolucionário do início novo absoluto, do combate último
necessário, à arrogãncia entusiástica de deixar nascer das ruínas da ordem antiga o estado novo como criação
da justiça sem mancha, desatada de todas as vinculações com o regime antigo corrupto, Kant opõe, com
penetrabilidade sábia, o direito inabrogável de cada um à paz” (Kersting, 2012, p. 436-437).
182 Em Kant, tem-se: “Podemos considerar a história da espécie humana em seu conjunto como a realização de um
plano oculto da natureza, para a consecução de uma constituição estatal interiormente perfeita”. Em: Kant,
Immanuel: “Ideias para uma história universal do ponto de vista cosmopolita”. Em: Kant, Immanuel:
Filosofia da História. Tradução Cláudio J. A. Rodrigues, São Paulo: Ícone Editora, 2012b, p. 39. Beck
constata em seu ensaio Essays on Kant and Hume: “e unsocial sociability of mankind, the competition
among tribes and states which leads to war, and revolutions – all of which are judged, juridically and
moralistically, to be evil – are the means nature uses in realizing her ‘secret plan’ for mankind.” Em: Beck,
Lewis W.: “Kant and the Right of Revolution”. Em: Beck, Lewis W.: Essays on Kant & Hume. New Haven,
London: Yale University Press, 1978, p. 182. E continua em referência à Crítica da Faculdade do Juízo sobre
a revolução: “e organization of nature, Kant tells us, transformation, recently undertaken, of a great
people into a state”. (Ibid.) Segundo Beck, Kant enfatiza, neste contexto, o aspecto da transformação em
um todo. No entanto, ele recusa a ideia do ser humano como meio para um fim e acentua o caráter do ser
humano como um fim em si mesmo. (Cf. ibid.)
Marita Rainsborough
96
to. A violência é “[uma] [m]aravilhosa e temível promessa”, e ele se per-
gunta, “‘mas será ela assim tão desejável, essa revolução?’”183 E continua:
Realizou um gigantesco esforço para aclimatar a insurreição
no interior de uma história racional e controlável: ela lhe deu
legitimidade, escolheu suas boas ou más formas, definiu as leis do
seu desenvolvimento, estabeleceu suas condições prévias, objectivos
e maneiras de se acabar. Chegou-se mesmo a definir a profissão de
revolucionário. Repatriando assim a insurreição, pretendeu-se fazê-
la aparecer em sua verdade e levá-la até seu termo real (Foucault,
2017, p. 77).184
Foucault revela a sua preferência por formas de resistência não vio-
lentas e reforça a necessidade de inclusão das tecnologias de si em processos
de mudança sociopolíticos e, com isso, de alteração do próprio sujeito. No
entanto, segundo Foucault, tanto as revoluções como o uso da violência
nas suas diferentes formas não podem ser sempre evitados, devendo ob-
servar-se outras formas histórico-sociais e âmbitos de sua utilização. Em
Foucault lê-se:
As insurreições pertencem à história. Mas, de certa forma, lhe
escapam. O movimento com que um só homem, um grupo, uma
minoria ou todo o povo diz: ‘Não obedeço mais’, e joga na cara
de um poder que ele considera injusto o risco de sua vida – esse
movimento me parece irredutível. Porque nenhum poder é capaz
de torná-lo absolutamente impossível (Foucault, 2017, p. 76).185
183 Foucault, Michel: “É Inútil Revoltar-se?” Em: Foucault, Michel: Ditos & Escritos V: Ética, Sexualidade,
Política. Org. por Manoel Barros da Motta. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2017, p. 77. Foucault
refere-se aqui a Max Horkheimer; ele desenvolve suas reflexões a partir da subversão do regime do Xá e da
revolução do aiatolá no Irã. “Porque assim ele está ‘fora da história’ e na história, porque cada um ali aposta
na vida ou na morte, compreende-se por que as insurreições puderam tão facilmente encontrar nas formas
religiosas sua expressão e sua dramaturgia. Promessas do além, retorno do tempo, espera do salvador ou do
império dos últimos dias, reino exclusivo do bem, tudo isso constituiu durante séculos, ali onde a forma da
religão se prestava para isso, não uma vestimenta ideológica, mas a própria maneira de viver as insurreições
(Foucault, 2017, p. 77).
184 A este respeito, Foucault refere-se à chamada “Era da Revolução” desde o século XVIII.
185 Foucault, 2017, p. 76. E continua: “E porque o homem que se rebela é em definitivo sem explicação, é
preciso um dilaceramento que interrompa o fio da história e suas longas cadeias de razões, para que um
homem possa, ‘realmente‘, preferir o risco da morte à certeza de ter de obedecer” (Foucault, 2017, p. 76).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
97
Foucault considera as revoluções – ao contrário de Kant – no pro-
cesso histórico geral a partir do seu nível de acontecimentos. Em relação à
parte da experiência do participante, ele frisa a sobreposição de promessas
de salvação políticas e religiosas, nas quais “o poder é sempre maldito
(Foucault, 2017, p. 77). Segundo o autor, as revoluções não são encaradas,
como em Kant, sob o ponto de vista da recaída para o estado de natureza,
como violação do sistema jurídico e, ao mesmo tempo, também como
sinal da moralidade a caminho da sociedade mundial para uma liga de
nações e para a paz perpétua,186 para Foucault elas permanecem, enquanto
fato histórico, parte da história em acontecimento.
Ninguém tem o direito de dizer: ‘Revoltem-se por mim, trata-se
da libertação final de todo homem.’ Mas não concordo com aquele
que dissesse: ‘Não se impõe a lei a quem arrisca a sua vida diante de
um poder.’ Há ou não motivo para se revoltar? Deixemos aberta a
questão. Insurge-se, é um fato (Foucault, 2017, p. 79).
Segundo Foucault, a história não decorre num processo evolucioná-
rio. Ele diz: “Questão de moral? Talvez. Questão de realidade, certamente.
Todas as desilusões da história de nada valem: é por existirem tais vozes
que o tempo dos homens não tem a forma da evolução, mas justamente
a da ‘história’” (Foucault, 2010, p. 21). A história tem para Foucault um
caráter de evento e não pode ser interpretada à luz do modo do progresso.
Desta forma, também não é possível encontrar determinadas estratégias
para um conceito de melhoria do mundo. Contudo, isto não significa uma
aceitação passiva, sendo antes associado a formas ad hoc de ação sociopo-
lítica tanto do ponto de vista individual como social em geral. Portanto,
a minha posição não conduz à apatia, mas, pelo contrário, a um hiperati-
vismo pessimista” (Foucault, 2005a, p. 465).187 O poder em suas diversas
186 Foucault aborda o caráter da revolução em Kant em suas Preleções de 1982/83. Lá, ele fala da Revolução Francesa
como “sinal rememorativo, demonstrativo e prognóstico de um progresso permanente” (Foucault, 2010, p. 17).
Aqui, Foucault refere-se ao texto de Kant O conflito das Faculdades. Nas Preleções, fazendo referência à concepção
kantiana, as duas questões são colocadas como equivalentes: “O que é a Aufklärung?” e “O que é a Revolução?”
(Cf. Foucault, 2010, p. 21). Segundo Foucault, o sucesso da Revolução não é determinante para Kant.
187 [“Folglich führt meine Position nicht zur Apathie, sondern im Gegenteil zu einem pessimistischen Hyper-
Aktivismus.” – tradução nossa].
Marita Rainsborough
98
formas, em especial na forma consubstancializada da soberania, deve, se-
gundo Foucault, sofrer restrições.188
Para Foucault, trata-se de “elaborar novos modos de crítica, novos
modos de questionamentos, tentemos outra coisa” (Foucault, 2013b, p.
373). Ele pergunta: “sou um historiador do pensamento de das ciências,
de que efeitos são essas relações do poder na ordem do conhecimento? É
esse o nosso problema” (Foucault, 2013b, p. 375). A crítica arqueológica
serve para encontrar as epistemes e regras do discurso que formam o saber,
a crítica genealógica analisa a concretização de princípios do pensamento,
formas do poder, modos de subjetivação e outras interações e tem, por isso,
uma orientação histórica, para, a partir de uma análise da sociedade atual,
poder exercer uma crítica, “crítica filosófica do presente sob a forma gene-
alógica” no “modo de filosofar histórico”.189 Nas suas próprias palavras: “eu
gostaria de fazer a genealogia dos problemas, das problemáticas.“190 E con-
tinua: “E de uma certa maneira, o que eu gostaria de dizer a vocês era da
atitude crítica como virtude em geral” (Foucault, 1990, p. 2).191 Foucault
afirma com mais precisão:
188 “Para limitá-lo, as regras jamais são suficientemente rigorosas, para desapropriá-lo de todas as ocasiões de que
ele se apodera, jamais os princípios universais serão suficientemente severos. Ao poder, é preciso sempre opor
leis intransponíveis e direitos sem restrições” (Foucault, 2017, p. 79). Sua tarefa como intelectual Foucault
delineia neste contexto da seguinte forma: “Intelectual eu sou. Se me perguntassem como concebo o que
faço, responderia, se o estrategista for o homem que diz: ‘Que importa tal morte, tal grito, tal insurreição
em relação à grande necessidade do conjunto, e que me importa, em contrapartida, tal princípio geral na
situação particular em que estamos?’, pois bem, para mim, é indiferente que o estrategista seja um político,
um historiador, um revolucionário, um partidário do xá ou do aiatolá, minha moral teórica é inversa. Ela é
antiestratégica’: ser respeitoso quando uma singularidade se insurge, intransigente quando o poder infringe o
universal. Escolha simples, obra penosa: pois é preciso ao mesmo tempo espreitar, por baixo da história, o que
a rompe e a agita, e vigiar um pouco por trás da política o que deve incondicionalmente limitá-la. Afinal, é
meu trabalho; não sou o primeiro nem o último a fazê-lo. Mas o escolhi” (Foucault, 32017, p. 80).
189 Saar, Martin: Genealogie als Kritik: Geschichte und eorie des Subjekts nach Nietzsche und Foucault.
Frankfurt, New York, (Campus), 2007, p. 159, 161 (Genealogia como crítica: história e teoria do sujeito
segundo Nietzsche e Foucault) [trecho citado: “philosophische Kritik der Gegenwart in genealogischer Form
im “Modus historischen Philosophierens” – tradução nossa].
190 Foucault, 2005a, p. 465. [Ich möchte gern die Genealogie der Probleme, der Problematiken durchführen.
– tradução nossa].
191 Além disso, a crítica existe apenas em relação a outra coisa que não ela mesma: ela é instrumento, meio
para um devir ou uma verdade que ela não saberá e que ela não será, ela é um olhar sobre um domínio
onde quer desempenhar o papel de polícia e onde não é capaz de fazer a lei” (Ibid., p. 2) E continua: “Mas,
sobretudo, vê-se que o foco da crítica é essencialmente o feixe de relações que amarra um ao outro, ou um a
dois outros, o poder, a verdade e o sujeito” (Ibid., p. 5). Ele prossegue: “eu diria que a crítica é o movimento
pelo qual o sujeito se dá o direito de interrogar a verdade sobre seus efeitos de poder e o poder sobre seus
discursos de verdade” (Ibid., p. 5).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
99
Em face, ou como contra-partida, ou antes como parceiro e
adversário ao mesmo tempo das artes de governar, como maneira
de suspeitar dele, de o recusar, de o limitar, de lhe encontrar uma
justa medida, de os transformar, de procurar escapar a essas artes de
governar ou, em todo caso, deslocá-lo, a título de reticência essencial,
mas também e por aí mesmo como linha de desenvolvimento das
artes de governar, teria tido qualquer coisa nascida na Europa nesse
momento, uma sorte de forma cultural geral, ao mesmo tempo
atitude moral e política, maneira de pensar etc. e que eu chamaria
simplesmente arte de não ser governado ou ainda arte de não ser
governado assim e a esse preço. E eu proporia então, como uma
primeira definição da crítica, esta caracterização geral: a arte de não
ser de tal forma governado (Foucault, 1990, p. 3).192
Foucault chega à conclusão: “pois bem, a crítica será a arte da inser-
vidão voluntária, aquela da indocilidade refletida. A crítica teria essencial-
mente por função a desassujeitamento no jogo do que se poderia chamar,
em uma palavra, a política da verdade” (p. 5). Esta definição corresponde,
segundo Foucault, à definição de Kant do esclarecimento, cujo momento
central é, por sua vez, a crítica. Kant centra-se no aspeto da menoridade
como incapacidade de fazer uso do seu próprio juízo sem a orientação de
outros, sem ser governado por autoridades. Por um lado, ele realça o in-
teresse dos governantes em manter o estado de menoridade e, por outro,
a falta de coragem das partes envolvidas em mudar estes estados. O escla-
recimento em Kant é, segundo Foucault, um “apelo à coragem” (p. 6). A
crítica no sentido do conhecimento dos limites das próprias possibilidades
de conhecimento está integrada neste projeto kantiano do esclarecimento.
Kant entende a crítica como a análise das condições de possibilidade do
conhecimento teorético, do princípio da moralidade humana e da possibi-
lidade de estabelecer pressupostos básicos teleológicos, também com vista
à autorização da adoção de um progresso da espécie humana no processo
histórico de evolução. As três críticas de Kant são, segundo Foucault, o
elemento fundamental do propósito e estão integradas no projeto do es-
clarecimento. Ele afirma: “mas disso não fica menos que Kant fixou para a
crítica em seu empreendimento de desassujeitamento em relação ao jogo
192 Foucault desenvolve essa atitude em relação às raízes históricas: “Digamos que a crítica é historicamente
bíblica” (Ibid., p. 4). E também jurídica, no recurso ao direito natural, e opõe-se às autoridades (Cf. ibid).
Marita Rainsborough
100
do poder e da verdade, como tarefa primordial, como prolegômeno a toda
Aufklärung presente e futura, de conhecer o conhecimento” (p. 7). A busca
arqueológica de Foucault pelo a priori histórico apresenta, na orientação
para a questão das condições e limites do conhecimento, uma grande ana-
logia com o procedimento kantiano. Constatando a negligência do apelo
ao esclarecimento de Kant, Foucault formula o seu programa de análise do
poder: “este, poderia tomar por entrada na questão da Aufklärung, não o
problema do conhecimento, mas o do poder; ele avançaria não como uma
investigação legítima, mas como algo que eu chamaria uma experiência
de acontecimentalização (p. 13). É exatamente nesse ponto que se aplicam
os métodos da crítica arqueológica e genealógica, os “mecanismos de co-
erção e conteúdos de conhecimento” (p. 13), “nexo de saber-poder” (p.
15).193 A isso também pertence a busca pelas condições de aceitabilidade
(Foucault, 1992a, p. 35). Foucault tenta assim retomar o projeto kantiano
do esclarecimento..194 Ao fazê-lo, Foucault coloca a si mesmo e a Kant na
tradição da parresía como uma franqueza ao falar ligado ao risco, que con-
cebe o falante tanto como sujeito do enunciado quanto como sujeito do
que será enunciado (Foucault, 2013c). Ele analisa a genealogia da parresía,
pela qual são diferenciadas variadas formas, como parresía democrática,
parresía monárquica como a variante política e filosófica de, por exemplo,
Sócrates, Diógenes, Epiteto e Sêneca, cuja técnica mais importante é o
diálogo. Além disso, em sua história do pensamento na crise da franqueza
ao falar, ele examina a antiga divisão da parresía “em seu sentido positivo e
negativo” (p. 72), como tagarelice e lisonja, o que está ligado à crítica à de-
mocracia, ou como parresía genuína e crítica – como sua problematização.
O problema da liberdade de expressão está cada vez mais “ligado à escolha
193 “Digamos, grosso modo, por oposição a uma gênese que se orienta em direção à unidade de uma causa
principal compacta de uma descendência múltipla, haveria aí uma genealogia, isto é, algo que tenta restituir
as condições de aparição de uma singularidade a partir de múltiplos elementos determinantes, e que aparece
não como o produto, mas como o efeito” (Ibid., p. 17).
194 “Em suma, o movimento que empurrou a atitude crítica para a questão da crítica ou ainda o movimento que
fez revigorar o empreendimento da Aufklärung no projeto crítico que era de fazer com que o conhecimento
pudesse se fazer de si próprio uma justa idéia, é esse movimento de gangorra, é esse deslocamento, a
maneira de desviar a questão da Aufklärung para a crítica, não seria preciso tentar fazer agora o caminho
inverso? Não se poderia tentar percorrer esta via, mas num outro sentido?” (Ibid., p. 19). A conexão com a
questão da dominação é clara na seguinte citação: “e se é preciso colocar a questão do conhecimento na sua
relação com a dominação, seria de início e antes de tudo a partir de uma certa vontade decisória de não ser
governado, esta vontade decisória, atitude ao mesmo tempo individual e coletiva de sair, como dizia Kant,
de sua menoridade. Questão de atitude (Ibid.).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
101
de existência, à escolha do próprio modo de vida” (p. 54)195 e a uma atitude
pessoal de dimensão ética.196
2.1.6.4 projeto futuro. violência, crítica e progreSSo em
mbembe
Também Mbembe constata violência, entre outras coisas, sob a forma
de violência epistêmica, de modo que, segundo ele, se torna necessária
uma descolonização do pensamento, especialmente “in a historical context
in which violence has touched not only material infrastructures but
psychological infractructures too, through the denigration of the Other,
through the assertion of the latter’s worthlessness. (Mbembe, 2008,
p. 8). O pensamento pós-colonial representa para ele uma crítica sob a
forma da desconstrução de modos de pensamento e avaliações, da análise
dos processos de identidade e de formação do sujeito e do confronto
com o humanismo europeu e o universalismo. Por outro lado, a crítica
em Mbembe refere-se, de igual modo, ao discurso africano: “And so, if
you like, its a way of reflecting on the fractures, on what remains of the
promise of life when the enemy is no longer the colonist in a strict sense,
but the ‘brother’? So the book is a critique of the African discourse on
community and brotherhood.” (p.11)197 A referência paratextual da sua
195 E continua: “e, como resultado, a parrhesia é vista mais e mais como uma atitude pessoal, uma qualidade
pessoal, como uma virtude que é útil para a vida política da cidade, no caso da parrhesia positiva ou crítica,
ou perigosa para a cidade, no caso da parrhesia negativa, pejorativa (Ibid., p. 54).
196 Na parresía socrática, o foco está no cuidado de si, que também proporciona uma harmonia entre palavra
e ação e pensa a parresía política e ética como coerentes. Ela é considerada o início da forma filosófica da
parresía. Em Platão, ela tem uma relação reflexiva com as leis e, na tradição cínica, prevalece uma atitude
negativa e crítica em relação às instituições. A parresía tem um papel epistêmico, político e ético / estético e
deve ser entendida principalmente como uma prática (Cf. Ibid). Na fase helenística, podem ser observadas
técnicas parresiásticas de guiar a alma que, como a prática cínica da pregação, são posteriormente retomadas
pelo cristianismo (Cf. Ibid.). O discurso cínico da verdade da Antiguidade tardia privilegiava o sermão,
o comportamento escandaloso e o diálogo provocativo. Em contraste com o questionador e irônico
Sócrates, o filósofo cínico Diógenes dá respostas, o diálogo cínico é caracterizado por uma alternância
de amistosidade e agressividade. Foucault considera a franqueza basicamente como uma atividade com
referências interpessoais e comunicativas: em grupos menores, no contexto da vida comunitária e na vida
pública (Cf. Ibid).
197 Mbembe refere-se aqui ao seu livro On the Postcolony (2001). Em seu livro Critique de la raison nègre
(2013b), ele também persegue o projeto de pesquisa do discurso “africano”.
Marita Rainsborough
102
obra mais recente Critique de la raison nègre às críticas de Kant sugere a
intenção de analisar a “razão negra” na tradição supostamente kantiana,
representando, contudo, uma análise do discurso na acepção de Foucault
– enquanto fundamentação discursivo-analítica da crítica. Mbembe
distingue entre “material and mental war” e ilustra “that the colonial
project was not reducible to a simple military-economic system, but was
underpinned by a discursive infrastructure, a symbolic economy, a whole
apparatus of knowledge the violence of which was as much epistemic as it
was physical” (Mbembe, 2008, p. 6).198 O objetivo da crítica é desenvolver
formas alternativas de saber e, entre outras coisas, transformar o mundo
no seu todo. A base central da melhoria da sociedade não é, como em
Kant, a institucionalização do direito, uma vez que para ele o direito e a
injustiça estão acoplados um ao outro em grande medida: “It was also the
place where law had nothing to do with justice but, on the contrary, was a
way of starting wars, continuing them and perpetuating them” (Mbembe,
2008, p. 2).199 Segundo Mbembe, também não é possível distinguir entre
good violence e bad violence:
ere is no “good violence” that can follow on automatically from
“bad violence” and be legitimized by it. All violence “good” or
“bad”, always sanctions a disjunction. e reinvention of politics
in postcolonial conditions first requires people to depart from the
logic of vengeance, above all when vengeance wears the shabby
garb of the law (Mbembe, 2008, p. 8).
Violência e guerra assumem, segundo Mbembe, frequentemente
formas indiretas que as ocultam; neste contexto a crítica tem um efeito
revelador. Trata-se também da análise do poder em seus efeitos especiais,
sendo que Mbembe distingue entre power e force: “As a result it could be
said of postcolonial thinking that it is not a critique of power as usually
understood, but of force – a force that is incapable of transformation
(Mbembe, 2008, p. 8). As formas do poder coercivas, opressivas e asso-
198 “e cultural analysis of the discursive infrastructure and of the colonial imagination would gradually
become the very subject of postcolonial theory and give rise to severe criticism from intellectuals”. (p. 6).
199 “In order to enable those who were on their knees not long before, bowed down under the weight of
oppression, to arise and walk, justice must be done. So there is no escape from the need of justice”
(Mbembe, 2008, p. 9).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
103
ciadas ao uso da violência estão no centro da atenção das análises teóricas
do poder de Mbembe. A sua análise das formas atuais de poder e de con-
trapoder leva-o à conceção da necropolítica, que inclui formas de terror,
massacre e suicídio de terroristas suicidas (Mbembe, 2011, p. 63-96). O
necropoder é visto como crítica, alargamento e atualização do conceito de
poder de Foucault. A utilização do corpo humano como arma, por ex.,
nos terroristas suicidas, proporciona uma soberania que utiliza a morte, de
forma específica, como instrumento de poder. Mbembe atualiza e alarga,
deste modo, as formas de poder de Foucault, tais como o poder disciplinar,
poder pastoral e biopoder, para permitir captar adequadamente, do ponto
de vista da teoria do poder, situações sociais atuais. Segundo Mbembe, hoje
já não é possível distinguir entre guerra e paz, uma vez que as situações de
violência próximas da guerra são omnipresentes. Além disso, ele constata:
It might be that we will have to live with violence. […] So, if
you look from the historical point of view, there will never be a
moment when we are at peace with ourselves and our neighbours,
and that the kind of social, economic and political formations that
are emerging in the continent and elsewhere too, will always be a
mixture of civil peace and violence (Mbembe, 2013a, p. 3).
Neste contexto, no que tange à África, ele exige “the demilitarization
of politics” e “the democratization of its politics” (Mbembe, 2013a, p. 4) e
critica “the combination of militarism and mercantilism” (p. 3). Mbembe
fala a este respeito também de uma crise das teorias de emancipação: “All
of this creates a terrible crisis in the foundational theories of emancipation
we used to rely on in order to further a kind of politics of openness and
equality” (Mbembe, 2013a, p. 2). Ele exige, por isso, a imaginação do
possível em relação ao futuro enquanto potencial crítico para a alteração:
“So we wanted to recapture the category of the future and see what extent
it could be remobilized in the attempt at critiquing the present, and
reopening up a space not only for imagination, but also for the politics
of possibility.200 Ecoando no conceito cosmopolita de Kant da cidadania
200 Mbembe, 2013a, p. 2. O que significa: “In such an age the old division between subject and object is no
longer as clear as it used to be and that in fact, if we look carefully at the operations of consumption world-
wide today, we might observe that, many people want to become objects, or be treated as such, if only
Marita Rainsborough
104
mundial, da liga das nações e do direito cosmopolita, na conceção de
Mbembe do afropolitanism, ao contrário de Kant, as reflexões cosmopolitas
referem-se principalmente a um continente, a África, que, contudo, se
abre para o mundo. “In any event the future, viewed from this angle,
is not some sort of afro-centrism, but what I’d call afropolitanism – a
way of being ‘African’ open to difference and conceived as transcending
race” (Mbembe, 2008, p. 10). A abertura dos africanos para o mundo,
que se pode observar por meio do sequestro, do exílio e da diáspora e
das formas atuais do nomadismo cosmopolita, é o ponto de partida do
seu conceito cosmopolita, que consiste na superação da categoria raça.
Mbembe desenvolve no seu afropolitanism a visão da África como centro
dela própria,201 que graças à facilitação da mobilidade intercontinental
e mundial deve e pode tornar-se um ponto de atração para pessoas de
todo o mundo. “As Europe closes its borders, Africa will have to open its
borders” (Mbembe, 2013a, p. 4). Deste modo, centralizar na África está
associado a uma abertura para o mundo que levará a um movimento de
regresso à África. Mbembe trata, em especial, da facilitação das passagens
de fronteiras, do direito de permanência e da aquisição de nacionalidades,
para melhorar a convivência mundial. Ele manifesta-se contra a exclusão
e o isolamento e pela afirmação da diversidade e pluralidade. No seu
humanismo reformulado, as pessoas no mundo devem ser vistas como
irmãos no sentido cristão. O cosmopolitismo africano inclui um conceito
de progresso que se diferencia do entendimento europeu-americano,
especialmente pela rejeição da orientação técnico-material e pelo
paternalismo associado.
Mbembe recorre na sua politics of posssibility especialmente ao termo
futuro – um futuro até agora negado a África (Mbembe, 2013a, p. 2).
Foucault, por outro lado, não desenvolve um conceito de futuro para o
mundo, interessam-lhe antes as melhorias ad hoc pragmáticas contextuais
para criação de uma sociedade em que é possibilitada uma forma de viver
autodeterminada vista como obra de arte – uma visão inspirada em Kant
because becoming an object one might end up being treated better than as a human.” (Ibid.)
201 “e ultimate challenge, however, is for Africa to become its own centre” (Mbembe, 2013a, p. 4).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
105
de uma autonomia individual crescente, que tem de ser pensada em asso-
ciação à aplicação das tecnologias de si.
Enquanto Kant imagina a ideia da “paz perpétua” como visão orien-
tadora e a reforça na acepção de um contrato jurídico-político, em que ele
coloca de lado a natureza e institucionalização nacional, internacional e
supranacional, disposições jurídicas e concepções teleológicas em relação
à natureza que suportam a ação moral-política das pessoas, em Mbembe o
ser humano, na sua tentativa de realização, depende principalmente de sua
compreensão, de sua moralidade e de disponibilidade para o intercâmbio e
a cooperação. Ele aposta na revisão da história colonial e pós-colonial e no
confronto com traumas, da própria culpa, na superação da postura de víti-
ma e na força do perdão e aspira a processos de transformação sociopolíti-
cos no sentido de um maior senso de responsabilidade, participação, justi-
ça e intercâmbio. Segundo Mbembe, necessitamos de Kant ainda hoje em
dois aspetos: por um lado, enquanto defensor da paz perpétua, o que abre
o horizonte para uma comunidade global, que deve ser vista como uma
espécie de comunidade proprietários, por outro lado, enquanto defensor
do ser humano enquanto ser racional soberano, que consegue dominar
suas paixões e afetos e é capaz de um juízo moral (Mbembe, 2015, p. 1).
2.1.6.5 conSideração Sintetizada. crítica, violência e
progreSSo em Kant, foucault e mbembe
A crítica revela-se como palavra-chave nos três conceitos filosóficos
de Kant, Foucault e Mbembe. Enquanto a abordagem epistêmica de Kant
da estrutura da cognição humana com as suas formas de conhecimento ex-
plora, a priori, os limites do conhecimento da razão, Foucault e Mbembe
combinam questões da crítica do conhecimento e da teoria do poder e
analisam as suas formas socio-históricas específicas no tempo. Enquanto
Foucault analisa o pensamento ocidental no seu todo em relação às epis-
temes subjacentes ou regras do discurso, Mbembe centra-se, na sua teoria
ou filosofia pós-colonial, na análise do discurso africano e afro-diaspórico
e no discurso ocidental hegemônico, principalmente em relação às fases
Marita Rainsborough
106
da primeira e segunda colonização e à globalização. Ainda que ambos re-
tomem a reivindicação epistêmica de Kant, mas, ao contrário de Kant,
partindo de uma construção socio-histórica do conhecimento, permanece
a reivindicação de, por meio da crítica, poder exercer um efeito modifi-
cante sobre a sociedade. A crítica está integrada para os autores da mesma
maneira num processo de cultivo e moralização das pessoas, é compreen-
dida como ferramenta de modificação da sociedade. Ao contrário de Kant
e Mbembe com sua visão cosmopolita ou afrocosmopolita, Foucault não
formula um conceito de progresso numa perspetiva da sociedade em geral,
permanecendo no âmbito individual de uma estetização ou moralização
ambicionada do sujeito e de sua dessubjugação.202 Em Kant, a violência no
contexto político é vista principalmente como restrição da liberdade dos
outros, que deve ser evitada por meio de restrições institucionais e jurídicas
e seus respetivos meios legítimos de coerção, para possibilitar a proprie-
dade privada e o comércio livre, o que, por seu turno, constitui a base da
natureza do estado, que apresenta um caráter republicano e, além do mais,
revela uma tendência a uma liga de nações global e à concretização da paz
perpétua. A regularidade universalista do direto203 vincula, segundo Kant,
também o poder, que ele entende na acepção de soberania. Kant quer con-
ter a violência física através da violência estrutural com os seus meios de
coerção, em especial no sentido do direito e da institucionalização política.
Foucault e Mbembe mostram, contudo, a penetração da área legal/jurídica
do poder hegemônico e desconstroem-na em sua função enquanto força
oposta positiva. Os meios coercivos estruturais tornaram-se obsoletos para
ambos os filósofos.
Foucault e, com ele, Mbembe interessam-se especialmente pelas
formas ocultas da violência, como, por ex., violência epistêmica, que
determina o pensamento e que, nos processos de subjetivação, a par da
formação por meio de práticas corporais, também tem um impacto no
corpo, na emocionalidade e no desejo e que está integrada nos processos de
avaliação. A crítica deve tornar essas formas do “ser governado” identificáveis
202 Com esse processo, entretanto, Foucault certamente associa a esperança de uma sociedade mais livre que
ofereça oportunidades de desenvolvimento aos indivíduos.
203 “Progress in history is not measured by the happiness of the people but by the formal criterion of the rule
of law and the scope of juridical freedom (Beck, 1978, p. 181).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
107
e colaborar em uma ação modificante, no sentido de um aumento da
autonomia. A ela também estão associados processos de normalizações
e reavaliações transformadas. A autocriação do eu do indivíduo recorre,
em Foucault, a tecnologias de si, como a leitura, escrita, etc., aliadas a
uma concepção da vida enquanto arte, no sentido de uma obra estético-
ética. Deste modo, tanto em Foucault como em Kant, a crítica revela-se
como palavra-chave de sua filosofia. Foucault a transforma em uma crítica
experimental no sentido da experiência de uma possível transgressão do
limite. O interesse de Mbembe incide principalmente sobre a crítica
enquanto confronto com a história e traumas vividos, bem como sobre
processos de perdão e desculpa. Ao contrário de Foucault, ele argumenta
de uma forma menos estética ou ética, mas mais psicológica e com base em
uma posição humanística básica, e exige o estabelecimento de instituições
para o processamento histórico das injustiças sofridas. Ao mesmo tempo,
ele aposta em medidas políticas, na acepção do cosmopolitismo kantiano,
que aproximem pessoas de diferentes culturas e as juntem no projeto
“Futuro” – em Mbembe principalmente associado à África. Verifica-se
que o afropolitismo de Mbembe não está isento de um afrocentrismo;
Kant, por outro lado, supera o eurocentrismo de sua filosofia por meio
de teoremas básicos do cosmopolitismo, da liga das nações e do direto
cosmopolita que o transcendem. O eurocentrismo de Foucault mostra-se
parte de seu projeto de investigação das dimensões do saber, do poder e dos
tipos de sujeito a eles associados na delimitação do outro. Essa demarcação
e exclusão – especialmente no que diz respeito ao Oriente – é enfatizada,
acentuada e criticada por Foucault. Evidencia-se que o pensamento
cosmopolita de Mbembe em relação a um futuro melhor para a África e
o mundo desenvolve soluções políticas interessantes para a África em um
contexto global a partir de um diálogo crítico com Kant e Foucault.
Marita Rainsborough
108
2.2 entre autonomia e heteronomia. Sujeito, Ética e eStÉtica
em foucault.
2.2.1 conhece-te a ti meSmo. perSpectivaS antropológicaS na
eStÉtica de hegel e na eStÉtica e Ética de foucault
2.2.1.1 perSpectivaS antropológicaS e oconhece-te a ti meSmo
em hegel e foucault
Para Hegel, a proposição do ‘conhece-te a ti mesmo’ representa o
princípio básico de sua filosofia do espírito e do conhecimento do ser hu-
mano. Trata-se da apreensão do que é verdadeiro em e para si e do ser hu-
mano como um ser primariamente espiritual. Em sua estética, Hegel expõe
o desenvolvimento da arte como uma etapa materialmente dependente do
progresso do espírito em um movimento espiral de extrusão (Entäußerung)
e de retorno do espírito a si mesmo como um processo de crescimento
do espiritual até o fim da arte. O ‘conhece-te a ti mesmo’ como princí-
pio espiritual baseia-se numa crescente espiritualização (Vergeistigung) dos
extrusados (Entäußerten), também como momento antropológico funda-
mental que possibilita o melhor e crescente reconhecer do espiritual en-
quanto espiritual por meio do espiritual – como caminho para a verdade.
Com Hegel, a antropologia encontra seu fundamento central no princípio
do espírito. A estética ou ética de Foucault tenta mostrar um caminho de
autoformação do sujeito numa analogia entre obra de arte e vida, a fim
de tornar concebível uma maior autonomia individual. Em sua crítica ao
conhece-te a ti mesmo’, ele se vale do autocuidado greco-romano e de seu
conceito de autotecnologias. Para ele, o ser humano é “um rosto na areia
(Foucault, 1999b, p. 535) e representa epistemes estruturantes da moder-
nidade no processo histórico do pensar e falar. Nesse contexto, Foucault
fala do ‘fim do ser humano’.204 Em seu conceito radical de historicização
do humano, o ser humano, recorrendo ao conceito de esclarecimento de
204 [“la fin de l’homme” – tradução nossa] Em: Foucault, Michel: “La naissance d’un monde”. Em: Foucault,
(2001b, p. 816).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
109
Kant, apresenta a si mesmo uma tarefa. De acordo com Foucault, é impor-
tante desenvolver um estilo de vida que se aproxime da visão de ethos de
Kant e traga consigo uma libertação da heteronomia e um aumento da au-
tonomia. A estética de Foucault torna-se assim uma espécie de ética. Como
pode ser compreendido o princípio do ‘conhece-te a ti mesmo’ – particu-
larmente no que diz respeito às suas considerações estéticas – em Hegel e
Foucault? Que perspectivas antropológicas estão associadas a isso e como
elas se refletem na estética de Hegel e na ética ou estética de Foucault? Qual
conceito de antropologia pode ser identificado entre os filósofos neste con-
texto? Em qual concepção de arte se baseiam suas considerações?
2.2.1.2 conhece-te a ti meSmo. perSpectivaS antropológicaS na
eStÉtica de hegel
O espírito absoluto, princípio da filosofia hegeliana, constitui simul-
taneamente a essência do homem: “o princípio de Hegel é o espírito. [...]
Como o ‘Absoluto’ este é também o ser verdadeiro e universal do ser huma-
no. E somente sob o pressuposto da ‘universalidade interna’, que é o espíri-
to, as singularidades externas das pessoas podem ser conhecidas” (Löwith,
1978, p. 330).205 Hegel critica o foco da filosofia do esclarecimento nos
seres humanos e na humanidade.206 Em Hegel, com suas ideias funda-
mentais e seu conceito e sistema filosóficos, as reflexões antropológicas não
estão no ponto central do pensamento, mas recebem um lugar claramente
205 [“Hegels Prinzip ist der Geist. […] Dieser ist als das ‘Absolute‹‘ auch das wahre und allgemeine Wesen
des Menschen. Und nur unter Voraussetzung der ‘inneren Allgemeinheit‘, welche der Geist ist, lassen
sich auch die äußerlichen Besonderheiten der Menschen erkennen.” – tradução nossa]. Löwith remete-se
aqui à Enciclopédia de Hegel, § 384 e § 377. Cf. Hegel, Georg W. F.: “Enzyklopädie der philosophischen
Wissenschaften III”. Em: G.W.F. Hegel: Werke in zwanzig Bänden, Band 10. Frankfurt a.M.: Suhrkamp,
1976 ou Hegel, 1995.
206 Cf. Karl Löwith: “Ihr absoluter Standpunkt sei vielmehr ‘der Mensch und die Menschheit‘. Die Philosophie
könne jedoch bei dieser empirischen Menschheit und ihrer gehaltlosen Idealität nicht stehen bleiben und
um der geliebten Menschheit willen‘ auf das Absolute verzichten. Was man gemeinhin den Menschen
nennt, sei nur eine ‘fixierte Endlichkeit’, aber nicht ‘der geistige Fokus des Universums’” (Löwith, 1978,
p. 330). [“Seu ponto de vista absoluto é, pelo contrário, o ‘ser humano e a humanidade’. No entanto, a
filosofia não pode se limitar a essa humanidade empírica e sua idealidade sem conteúdo e renunciar ao
absoluto ‘por causa da amada humanidade’. O que é comumente chamado de ser humano é apenas uma
‘finitude fixa’, mas não é o foco espiritual do universo.” – tradução nossa]
Marita Rainsborough
110
definido no todo, lugar este que, observado no conjunto, tem importância
limitada. As considerações antropológicas207 mais importantes em Hegel
podem ser encontradas embutidas na subárea da filosofia do espírito, te-
maticamente relacionadas à investigação da alma humana no capítulo ‘o
espírito subjetivo’. A alma, que “de acordo com a possibilidade é tudo”,
é metaforicamente referida como o sono do espírito, uma vez que “ainda
não é espírito”.208 A determinação da natureza da alma, à qual pertencem
as diferenças físicas e espirituais – natureza, temperamento, caráter209 e
raça,210 povo e nação211 – é entendida como uma “imagem do conceito”.212
A antropologia, no sentido mais restrito, compreende, portanto, princi-
palmente experiências (Lomar, 1997, p. 245) relacionadas ao corpo e deve
207 Na Filosofia do Direito, Hegel se ocupa concretamente com a representação corrente do ser humano como
pessoa, membro da família e cidadão na sociedade civil-burguesa.
208 A antropologia ocupa-se com as condições naturais, como este texto exemplificativamente aponta: “Mas
aqui, na Antropologia, não temos ainda a considerar o preenchimento que compete à consciência desperta,
mas sim o ser-desperto somente enquanto é um ser natural” (Hegel, 1995, § 390).
209 Sobre o caráter, temos em Hegel: “Contudo, não se pode negar que tenha uma base natural, que alguns
homens são mais dispostos que outros, por natureza, a ter um caráter forte. Por esse motivo, tivemos aqui
na Antropologia o direito de falar do caráter, embora ele só consiga seu pleno desdobramento na esfera do
espírito livre” (Hegel, 1995, § 395).
210 A diferença entre raças é fundamentada em Hegel sobretudo geográfica e climaticamente. Hegel diferencia
as raças entre caucasiana, etíope, mongol, malaia e americana e descreve suas características diferenciais de
forma valorativa e hierarquizante. Na raça caucasiana, à qual pertencem os europeus, o espírito, segundo
Hegel, chega à absoluta unidade consigo mesmo; ela possibilita autodeterminação e desenvolvimento e
impulsiona a história mundial (Cf. Hegel, 1995, § 393). “Os negros devem ser tomados como uma nação-
de-crianças, que não saiu de sua ingenuidade desinteressada e sem interesse (Hegel, 1995, § 393). Por outro
lado, Hegel enfatiza a racionalidade como uma característica comum a toda espécie humana: “Mas da
proveniência não se pode tirar nenhum argumento para o direito ou o não-direito dos homens à liberdade
ou à dominação. O homem é em si racional: nisso reside a possibilidade da igualdade de direito de todoso
os homens – a nulidade de uma diferenciação rígida em espécies de homens com direitos, e [espécies] sem
direitos” (Hegel, 1995, § 393).
211 Sobre as diferenças entres as nações, veja Hegel, 1995, § 394.
212 Hegel, 1995, § 390. Surge o problema de “como agora, dentro da filosofia do espírito, a antropologia pode
ser representada como uma filosofia da corporeidade (da alma). Pois Hegel entende essa antropologia como
a doutrina do espírito, na medida em que é natural – como a doutrina do ‘espírito natural’ (10.38 / §387).
Nessa antropologia, por exemplo, fala-se de qualidades naturais, mudanças naturais, estados naturais e
também de sensação, autoestima, doença, etc., determinações que já foram tema na filosofia natural na
terceira parte da ‘física orgânica’.” [“wie nun innerhalb der Philosophie des Geistes die Anthropologie als
eine Philosophie der Leiblichkeit (der Seele) überhaupt dargestellt werden kann. Denn diese Anthropologie
versteht Hegel als die Lehre vom Geist, insofern er natürlich ist – als die Lehre vom ‘Naturgeist‘
(10.38/§387). Innerhalb dieser Anthropologie ist beispielsweise von natürlichen Qualitäten, natürlichen
Veränderungen, natürlichen Zuständen die Rede und dann auch von Empfindung, Selbstgefühl, Krankheit
usw., alles Bestimmungen, die schon innerhalb der Naturphilosophie im dritten Teil der ‘Organischen
Physik‘ thematisch waren.” – tradução nossa] Em: Lomar, Achim: Anthropologie und Vernunftkritik:
Hegels Philosophie der menschlichen Welt. Paderborn, München, Wien, Zurich: Schöningh, 1997, p. 222.
[Antropologia e crítica da razão: a filosofia do mundo humano de Hegel]
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
111
ser entendida como uma “apresentação do espírito natural” (p. 222). Em
Hegel, o campo da antropologia está intimamente ligado a isto. Este cam-
po não inclui todas as áreas do humano no sentido de uma consideração
abrangente do ser humano e da humanidade em que sua determinação da
essência pelo espírito – como seu fundamento e uma espécie de conceito
expandido para a determinação do humano. “O ser humano não é, então,
portador do espírito, mas é ele mesmo espírito” (p. 205). Segundo Hegel,
o ponto de vista antropológico é apenas condicional, as determinações
metafísicas do ser humano vão para além dele. “Ao contrário, o gênero
efetiva-se verdadeiramente no espírito, no pensar, nesse elemento que lhe
é homogêneo. Mas no [domínio] antropológico essa efetivação tem ainda
o modo [de ser] da naturalidade, já que ocorre no espírito individual natu-
ral”(Hegel, 1995, § 396). A esse respeito, Hegel fala da unidade da espécie
e do racional. Assim, segundo ele, a determinação do ser humano como
espírito não é entendida antropologicamente, mas teológica ou metafisica-
mente, no sentido de uma teologia filosófica que privilegia o incondicio-
nal. Löwith diz sobre isso:
Esta frase [o que se quer dizer é que o ser humano é humano
apenas por meio do espírito] está na primeira página da filosofia
da religião, o que indica que o conceito de espírito de Hegel não
é abordado antropologicamente, mas teologicamente, como logos
cristão e, portanto, ‘além do humano’ (Löwith, 1978, p. 331). 213
Hegel se refere aqui à encarnação de Deus. A este respeito, o ser hu-
mano é, dentre outras coisas, parte do processo de autoalienação da ideia
absoluta na forma da natureza e do retorno a si mesmo nos momentos do
espírito subjetivo, objetivo e absoluto, um processo de autoconhecimento
do espírito. O ser humano, com seus diferentes momentos, está envolvido
neste processo em diferentes níveis, especialmente como criador de cultura
213 [“Dieser Satz [gemeint ist, dass der Mensch nur durch den Geist Mensch sei] steht auf der ersten Seite
der Religionsphilosophie, was schon äußerlich darauf hinweist, daß Hegels Begriff vom Geist nicht
anthropologisch, sondern theologisch, als christlicher Logos und mithin ‘übermenschlich’ gemeint ist.
– tradução nossa] Löwith continua: “A determinação universal da essência do humano é e permanece na
teologia filosófica de Hegel a de que o homem é espírito (logos) entendido de forma cristã e não apenas
como o ser humano com necessidades terrenas.” [“Die allgemeine Wesensbestimmung des Menschen ist
und bleibt also in Hegels philosophischer eologie, dass der Mensch christlich verstandener Geist (Logos)
ist und nicht bloß irdisch bedürftiger Mensch” (Löwith, 1978, p. 332). – tradução nossa]
Marita Rainsborough
112
– também como produtor e destinatário da arte. A arte, junto com a reli-
gião e a filosofia, deve ser vista como uma das formas do espírito absoluto
por meio da qual o ser humano transcende o âmbito do ‘estritamente
antropológico na direção de uma aproximação do espiritual que determina
seu ser. A arte, como necessidade do espírito, em suas três formas, simbó-
lica, clássica e romântica, é a forma de expressão do espírito absoluto ao
retornar a si mesmo. Na arte, a unidade imediata da natureza e do espírito
se manifesta na percepção, principalmente na arte clássica, na qual a beleza
é tida como reconciliação entre ideia e forma na apresentação da figura
humana na conformação plástica dos gregos. Por meio do predomínio do
material na sublimidade da arte simbólica dos egípcios, por outro lado, fica
clara a inadequação de ideia e forma, o que, de modo diferente, prepon-
dera especialmente na poesia pela crescente desmaterialização da arte, da
mesma forma na arte romântica.
As perspectivas antropológicas da estética de Hegel, que, em uma
compreensão mais restrita, se relacionam com o natural do ser humano e,
em uma compreensão mais ampla, com sua essência espiritual, estão inti-
mamente ligadas ao processo do ‘conhece-te a ti mesmo’. No humano con-
creto, o autoconhecimento refere-se principalmente ao conhecimento da
espiritualidade da essência humana. O processo de extrusão (Entäußerung)
e retorno do espírito absoluto a si mesmo deve ser visto, no geral, como um
processo de autoconhecimento.
Mas na consideração especulativa superior, é o próprio espírito
absoluto que, para ser para si o saber de si mesmo, diferencia-se em
si mesmo e, assim, põe a finitude do espírito, no seio da qual ele se
torna objeto absoluto do saber de si mesmo (Hegel, 2001, p. 99).
Ao mesmo tempo, porém, o autoconhecimento se retrata no con-
creto desse processo, no que se refere à pessoa enquanto uma atividade que
envolve o saber, e também se manifesta, dentre outras coisas, na criação
artística e na recepção de obras de arte. Por meio da genuína originalidade
do gênio são criadas obras de arte que incorporam o vislumbre sensorial da
ideia no ideal da beleza artística, uma reconciliação do interior e do exte-
rior ou da materialidade e da espiritualidade que pode ser experimentada
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
113
na recepção da arte. A produção e recepção da arte são, portanto, integra-
das ao processo de experiência de si do espiritual como uma forma de au-
toconhecimento, as quais, no entanto, são superadas no desenvolvimento
posterior pelas formas mais espirituais da religião e da filosofia. O signi-
ficado da criação artística e do processo de recepção para o ser humano
consiste na reconciliação como ser natural e espiritual, na superação cres-
cente do meramente natural. Na própria arte, em seu posterior desenvol-
vimento, ocorre um aumento da espiritualização e da desmaterialização,
especialmente na poesia. Em particular por meio da representação da ação
humana, do corpo humano e do sentimento humano, a arte faz justiça aos
dois lados do ser humano e, portanto, faz parte do processo de crescente
espiritualização no qual o ser humano está envolvido. A arte promove a
liberdade e a autodeterminação humanas por meio de um maior desapego
da ligação e da necessidade materiais. A criação e a recepção artísticas como
um fim em si mesmas promovem o espírito como a essência do humano.
Assim, de uma forma muito especial, a arte tem eminente importância em
uma fase específica do processo de desenvolvimento histórico.
A tese de Hegel do fim da arte diz respeito à necessidade de superar
o estágio da arte no processo de desenvolvimento do espírito absoluto. Ela
não apresenta mais a realização mais importante do espiritual, entretanto,
não se pretende um fim de fato da ocupação com a arte. A tendência à
meta-reflexão sobre a arte e a atualização de seu conceito e à teorização da
arte na própria arte e na teoria da arte, ou filosofia da arte, que em Hegel
também contém uma história da arte, reflete o crescente distanciamento
do sensorial e do material no campo da arte e documenta a transição em
curso para o pensamento filosófico fortemente relacionado ao espiritual
como forma mais adequada de autoconhecimento do espiritual. A estética
de Hegel como filosofia da arte reflete esse desenvolvimento e pode ser
vista como parte do processo de crescente abstração filosófica em relação
à arte. Em sua estética, Hegel também descreve a tendência autorreflexiva
da arte moderna e contemporânea de forma bastante apropriada, de modo
que com Hegel se pode continuar a trabalhar para além dele.214 As vincu-
214 Este projeto será seguido por, por exemplo, Robert B. Pippin em sua obra Kunst als Philosophie. Cf. Pippin,
Robert B.: Kunst als Philosophie: Hegel und die moderne Bildkunst. Berlin: Suhrkamp, 2012. Gethmann-Siefert
diferencia neste contexto três caminhos de atualização da estética de Hegel: “primeiro a reatualização da
Marita Rainsborough
114
lações de Hegel entre arte, de um lado, e antropologia e filosofia, de outro,
permanecem relevantes para o debate teórico sobre a arte, ainda que, so-
bretudo, de um ponto de vista crítico.
2.2.1.3 o ‘conhece-te a ti meSmoe o cuidado de Si.
perSpectivaS antropológicaS na eStÉtica e Ética de
foucault
Assim como Hegel, Foucault critica a ênfase exagerada na ocupação
com o ser humano e a humanidade na filosofia e em outras ciências. Em
sua obra As Palavras e as Coisas, ele elabora a episteme ‘ser humano’ como
princípio estruturante do saber na modernidade.215 Foucault parte da su-
peração histórica deste enfoque e estruturação no que se refere ao saber
temporal da modernidade. Ele também rejeita veementemente a forma
cristã do ‘conhece-te a ti mesmo’ como uma renúncia (Absehen) de si mes-
mo e recorre à forma platônica e estoica do cuidado de si. Aqui, o conhe-
cimento de si está relacionado ao cuidado de si por meio da aplicação das
autotecnologias e, portanto, vinculado à ação humana. O conhecimento
estética hegeliana como uma teoria da modernidade, depois o salvamento de pelo menos alguns resquícios da
concepção hegeliana como pano de fundo para a desconstrução pós-moderna e, finalmente, a identificação
do conceito hegeliano com o projeto de arte do presente.” [“die Reaktualisierung der Hegelschen Ästhetik als
einer eorie der Moderne, dann die Rettung zumindest einiger Restbestände der Hegelschen Konzeption als
Hintergrund postmoderner Dekonstruktion und schließlich die Identifikation des Hegelschen Konzepts mit
dem Kunstprojekt der Gegenwart.” – tradução nossa] Em: Gethmann-Siefert, Annemarie: “Danto und Hegel
zum Ende der Kunst – Ein Wettstreit um die Modernität der Kunst und Kunsttheorie”. Em: Gethmann-
Siefert, 2013, p. 17. [Estética de Hegel como teoria da modernidade]. Em contraste com as teorias mencionadas,
e especialmente em sua crítica ao recurso de Danto a Hegel, de uma teoria estética de vanguarda em um mundo
próprio dos conhecedores e críticos de arte, ela enfatiza a importância da arte para o mundo cotidiano das
pessoas na estética de Hegel, especialmente por meio de sua função de interpretação do mundo com intenção
de ação-orientação em um contexto comunicativo global, sua ‘aboutness’ (Cf. Gethmann-Siefer, 2013, p. 26,
33). “Pela visão, deve ser transmitida razoabilidade, responsabilidade e liberdade” [“Über die Anschauung soll
Vernünftigkeit, Verantwortlichkeit und Freiheit vermittelt werden.” – tradução nossa] (Gethmann-Siefert,
2013, p. 33). Hoje a arte não tem mais a tarefa de criar identificação por meio dos conteúdos veiculados, mas
oferece uma “educação formal” por meio da análise refletida de sugestões de visões de mundo. (Ibid.) Trata-se
de lidar com “interpretações do mundo e sugestões de orientação do passado e do presente” (Gethmann-
Siefert, 2013, p. 32). Ela enfatiza a “relevância reflexiva (ou seja, formalmente educadora)” da arte em geral
e, em sua crítica a Danto, fala contra a concepção de um mundo artístico especial que não vai no sentido de
Hegel (Gethmann-Siefert, 2013, p. 34).
215 Foucault distingue a modernidade, com a episteme ‘ser humano’, das epistemes ‘semelhança’ e ‘representação
nos períodos Renascentista e Clássico (Cf. Foucault, 1971).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
115
de si está fundamentalmente relacionado à mudança do sujeito em termos
estético-éticos e à ação responsável no âmbito interpessoal e no quadro so-
cial em geral – também em termos políticos. Na investigação de Foucault
sobre a relação do cuidado de si (epimeleia heautou), como atitude diante
de si mesmo, dos outros e do mundo, o que resulta numa ética não egoísta
e no ‘conhece-te a ti mesmo’ (gnothi seauton) (Foucault, 2006),216 ligada
a um olhar que vai de fora para dentro, Foucault afirma que, na antigui-
dade, o ‘conhece-te a ti mesmo’ inicialmente significa apenas a percepção
dos próprios limites e, portanto, deve ser pensado como integrado ao cui-
dado de si. “Há uma sobreposição dinâmica, um apelo recíproco entre o
gnôthi seautón e a epiméleia heautoú (conhecimento de si e cuidado de si)”
(Foucault, 2006, p. 87).217 De forma generalizada, Foucault descreve a des-
qualificação do princípio do cuidado de si e a reabilitação do princípio do
conhece-te a ti mesmo’, depois de uma longa e antiga cultura do cuidado
de si que já durava quase um milênio, como um “momento cartesiano” (p.
87) de “reconhecer a verdade e a ela ter acesso unicamente por seus atos
de conhecimento” (p. 22). Foucault reabilita a prática de si na forma da
aplicação de autotecnologias como o “estabelecimento de uma relação do
indivíduo consigo mesmo” (p. 192), como uma ética de si.218 “Enquanto
a teoria do poder político como instituição refere-se, ordinariamente, a
uma concepção jurídica do sujeito de direito, parece-me que a análise da
governamentalidade – isto é, a análise do poder como conjunto de relações
reversíveis – deve referir-se a uma ética do sujeito definida pela relação de si
para consigo”.219 Para ele, ela também faz parte da arte de viver como cria-
216 E continua na mesma obra: “‘ocupar-se consigo mesmo’ é ocupar-se com a justiça” (Foucault, 2006, p. 91).
217 No modelo platônico da relembrança, a “identificação do cuidado de si e do conhecimento de si” (Foucault,
2006) e no modelo helênico de ética de si, o cuidado de si e o conhecimento de si estão entrelaçados um
ao outro. É somente no modelo cristão da exegese de si que o conhecimento de si e a renúncia de si estão
ligadas uma à outra. Aqui Foucault opera uma genealogia do sujeito: “Généalogie veut dire que je mène
l’analyse à partir d’une question présente.” Em: Foucault (2001c, p. 1493).
218 “Tomemos, por exemplo, Stirner, Schopenhauer, Nietzsche, o dandismo, Baudelaire, a anarquia, o
pensamento anarquista, etc., e teremos uma série de tentativas, sem dúvida inteiramente diversas umas das
outras, mas todas elas, creio eu, mais ou menos polarizadas pela questão: é possível constituir, reconstituir
uma estética e uma ética do eu? A que preço e em que condições? Ou então: uma ética e uma estética do eu
não deveriam finalmente inverter-se na recusa sistemática do eu (como em Schopenhauer)? Enfim, haveria
aí uma questão, problemas a serem levantados” (Foucault, 2006, p. 305s.).
219 Foucault, 2006, 306s. Em Foucault temos o seguinte: “Esquematicamente, pode-se dizer que a reflexão
da Antiguidade a propósito dos prazeres não se orienta para uma codificação dos atos, nem para uma
Marita Rainsborough
116
ção de um estilo de vida, por meio do qual ele entende a vida como aná-
loga à obra de arte. O conhecimento de si e o cuidado de si ético-estéticos
devem ser pensados como interconectados. Aqui, Foucault vincula ética,
estética e política. Assim, não pode ser sustentada a tese de Habermas de
que Foucault, como Hegel,220 é principalmente orientado para o passado e,
portanto, negligência a possível visão crítico-utópica do futuro.
Ao considerar o historicamente particular, Foucault preocupa-se
principalmente com a conformação da vida futura a partir da conforma-
ção de si e de condições de vida específicas no contexto sócio-histórico de
uma época, por meio do qual o conhecimento de si é parte do cuidado de
si, ao contrário de Hegel que sistematiza o particular e o coloca em um
processo de extrusão (Entäußerung) do espírito absoluto e de seu retorno
a si mesmo. Neste sentido, a estética é mais do que uma área especial da
criação cultural humana, ela engloba o processo criativo de conformar a
vida humana de um ponto de vista ético-político e, portanto, segundo
Foucault, representa a chave para uma mudança prática e heterotópica de
si e da sociedade.
O princípio do ‘conhece-te a ti mesmo’ é historicizado, relativizado e
criticado por Foucault. Em Hegel, ele permanece o princípio fundante do
sujeito, do mundo e do processo histórico. A investigação do pensamento
estético em Hegel e Foucault ilustra este ponto de maneira especial. Para os
dois filósofos, o ‘conhece-te a ti mesmo’ é de importância central também no
âmbito estético. Em Foucault, ao contrário de Hegel, ele está subordinado
ao cuidado de si, rompe com a tendência à renúncia (Absehen) de si mesmo
e experimenta uma orientação ética. O projeto de si se orienta pela criação
artística, a vida individual deve se tornar uma obra de arte. Para Hegel,
a arte não é o objetivo da atividade humana, mas relaciona-se, em sua
importância, a uma determinada etapa do desenvolvimento humano no
que diz respeito à materialização e desmaterialização do espírito no mundo
– como extrusão (Entäußerung) e retorno a si mesmo. Isso demonstra que
hermenêutica do sujeito, mas para uma estilização da atitude e uma estética da existência. Em: Foucault
(1998a, p. 85).
220 “Hegel was unable to free himself from the demands of his systematization to employ the appropriate
elements of his system as critical instruments” (Gallagher, 1997, p. 146).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
117
Foucault é, de fato, ‘capturado’ por Hegel, aprende com ele, quando assume
e descentraliza as reservas de Hegel no que tange à antropologia, e a vê como
superada num devir histórico – mesmo que de maneira muito diferente.
Em sentido mais estrito, as ressalvas a respeito do antropológico são, de um
ponto de vista sistemático, de particular importância para Hegel. Para a
filosofia sistemática de Hegel, o ser humano não é nem o ponto de partida
nem o ponto de chegada do pensamento filosófico. A antropologia em um
sentido mais amplo está absorvida na filosofia do espírito e na filosofia221
como um todo (Lomar, 1997, p. 22). Em Hegel, o “conceito de espírito
deve ser visto como conceito básico de uma antropologia criticamente
reformulada (p. 25).
Para Foucault, o ser humano faz parte, antes de mais nada, da his-
tória do saber, e como parte desta história, como episteme da modernida-
de, ele marca uma etapa histórica na organização, estruturação e enfoque
temático do saber. Foucault deixa claro que novas regras de formação dos
discursos de saber vão substituir o paradigma ‘ser humano’. Os outros dois
âmbitos da filosofia de Foucault, que podem ser determinados mais preci-
samente pelos postulados do poder e da estética/ética, permitem, por outro
lado, que o ser humano volte ao centro como ponto de partida do poder
e da resistência e como sujeito da aplicação de autotecnologias. Assim, em
termos éticos ou estéticos, o ser humano avança para ser o portador de um
ethos, de uma atitude crítica, e é, portanto, mais uma vez o foco do pen-
samento como sujeito individual. Mudanças sociopolíticas requerem dele
uma ação ativa. Na obra de Foucault, a estética, por meio do ‘conhece-te a
ti mesmo’ no sentido de um cuidado de si, é o âmbito pelo qual a autono-
mia humana se torna concebível. Apesar da constituição própria do sujei-
221 “Em suma, podemos dizer que Hegel imanentiza (seculariza) coerentemente as ideias tradicionais [...]
ao analisar criticamente em suas condições significativas as interpretações lógicas, ontológico-metafísicas,
filosófico-conscientes da razão. Eu entendo neste sentido abrangente quando digo: para Hegel a filosofia em
geral – precisamente como uma ciência da razão – é antropologia” – tradução nossa (Cf. Lomar, 1997, p.
132). Segundo Lomar, as considerações críticas da razão são, ao mesmo tempo, considerações antropológicas
(Cf. Lomar, 1997, p. 132). Em suas observações, Lomar tenta “introduzir o conceito de espírito de Hegel
como o conceito básico de sua filosofia antropológica” (Lomar, 1997, p. 219). [“Wir können also insgesamt
davon sprechen, daß Hegel die traditionellen Vorstellungen konsequent immanentisiert (verweltlicht) […],
indem er die logizistischen, ontologisch-metaphysischen, bewußtseinsphilosophischen Interpretationen
der Vernunft kritisch auf ihre Sinnbedingungen hin analysiert. In diesem umfassenden Sinn verstehe ich
es, wenn ich sage: für Hegel ist Philosophie überhaupt – gerade als Vernunftwissenschaft – Anthropologie.”]
Marita Rainsborough
118
to, a autodeterminação e o potencial de ação transformadora permanecem
possíveis. Os humanos podem expandir seu escopo de ação para moldar a
si mesmos e à sociedade por meio da estética.
Em ambos os filósofos, conhecimento de si e estética estão ligados.
Entretanto, em Hegel a importância da estética empalidece em relação à
religião e à filosofia como as áreas mais adequadas ao espírito, enquanto em
Foucault a estética ganha importância. Para Foucault, a conexão de estética
e ética é a garantia do aumento da liberdade humana. Para Hegel, é no fim
da arte e na transição para o pensamento filosófico, por meio do qual a li-
berdade do ser humano, e também para além dele, é pela primeira vez con-
cebível. O princípio do ‘conhece-te a ti mesmo’ supera a estética em Hegel;
em Foucault, a estética enquanto ética continua sendo o principal meio de
conhecimento de si prático, ligada ao cuidado de si como autoformação es-
tética/ética do sujeito e se insere no contexto da atitude filosófica do ethos.
Em Hegel, o antropológico funde-se com o especulativo-metafísico, que
se mostra como uma forma adequada de apreensão do ser humano, sendo
a estética apenas uma fase do processo de espiritualização humana. Assim,
com Hegel, a essência do ser humano é determinada de uma maneira es-
pecífica. Como Hegel, Foucault historiciza as formas do conhecimento
de si, mas elas não experimentam dissolução no absoluto e permanecem
apegadas ao pragmático. Na obra de Foucault, o antropológico assume a
forma do estético-ético como trabalho do sujeito sobre si mesmo perante
a mutabilidade e a maleabilidade históricas e se desprende da determina-
ção atemporal da essência do humano. O foco no ser humano, que Hegel
transcende, assume uma forma nova e transformada em Foucault, tendo
um potencial emancipatório para o eu e para a sociedade.222
222 Aqui, gostaria de contrariar a tese defendida por Gallagher, recorrendo a Habermas, de que Hegel e
Foucault estão principalmente orientados para o passado e, portanto, negligenciam uma possível visão
crítico-utópica do futuro.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
119
2.2.2 a forma vazia da Salvação. a Ética da boa vida em michel
foucault
2.2.2.1 a Ética da boa vida e da felicidade humana
A ética e estética de Foucault se destacam pela ausência de preocupa-
ção com a questão da felicidade humana, embora ele tenha estudado inten-
samente as antigas formas de conduzir a vida e suas técnicas de si e, na última
fase de sua filosofia, tenha desenvolvido com base nisso uma estética e ética
de si. Também se coloca a questão sobre que status deve ter a parte teórica do
sujeito de sua filosofia. Sua ética, ou estética, deve ser observada no sentido
de uma análise sociopolítica atual no que diz respeito às possibilidades dadas
para a emancipação parcial do indivíduo mediante a libertação das determi-
nações heterônomas por meio das autotecnologias, ou seu conceito é coloca-
do de forma mais geral, de modo que apenas as respectivas técnicas de si va-
riem de acordo com as condições sócio-históricas dadas e a orientação básica,
entretanto, permanece a mesma? Esta questão deve ser abordada recorrendo
ao conceito de salvação em Foucault. Foucault constata na Hermenêutica do
sujeito, em conexão com seu exame da filosofia helenística, “a forma vazia
daquela grande categoria trans-histórica que é a categoria da salvação” e fala
de salvação como forma vazia e de “qual conteúdo será fornecido [a ela] pela
filosofia antiga ou pelo pensamento antigo” (Foucault, 2006, p. 157). O
conceito de salvação de Foucault (salut) como orientação teleológica da ação
humana toma o lugar do conceito de felicidade (bonheur)? Como os dois
termos podem ser distinguidos um do outro e por que Foucault prefere o
termo salvação? Pode-se falar em ter a salvação, sentir a salvação ou sentir a
falta de salvação ou fica-se com o alegado vazio? Qual a função do conceito
em sua concepção filosófica?
A antropologia filosófica no sentido clássico e a definição absoluta
do ser humano como constituição do saber podem até ser obsoletas, mas
não o é a reflexão sobre o modo de vida humano e, portanto, a questão do
bem-estar humano, de sua salvação e felicidade. Foucault enfatiza a impor-
tância da estética, que prevê a autoformação do sujeito em conexão com a
Marita Rainsborough
120
solução de determinações externas. Aqui Foucault fala sobre ser governa-
do, pelo que a estética entra em estreita ligação com a ética, à qual se atri-
bui relevância política. Momentos como autonomia, experimentação de
possibilidades de autoformação, estilo de condução da vida e atitude ética
para com o outro compõem o bem-estar humano. Como entender a liga-
ção entre ética e estética com a questão do bem viver em Michel Foucault?
2.2.2.2 a forma vazia da Salvação e a queStão da felicidade
Foucault considera as antigas técnicas de si como um exemplo do
processo de libertação parcial da heteronomia, “ela [a filosofia da arte de
viver] é o projeto do ser humano que se autodirige e lidera, que, apesar
de todos os imponderáveis e de todas as influências externas, tem o poder
autônomo de disposição sobre sua vida”.223 As concepções de boa vida e os
critérios objetivos dos conceitos antigos não são adotados. Em minha opi-
nião, é aqui que a proposição da forma vazia da salvação deve ser localizada.
É este jogo entre um princípio universal que só pode ser ouvido
por alguns e a rara salvação da qual, contudo, ninguém se acha a
priori excluído, que estará, como sabemos, no cerne da maioria dos
problemas teológicos, espirituais, sociais, políticos do cristianismo.
Ora, vemos aqui esta forma nitidamente articulada, articulada à
tecnologia do eu, ou melhor (pois não é mais da tecnologia apenas
que se deve falar), a uma verdadeira cultura de si propiciada pela
civilização grega, helenística e romana e que, nos séculos I e II
de nossa era, assumiu, a meu ver, dimensões consideráveis. É no
interior desta cultura de si que vemos entrar plenamente em cena
esta forma, repito, tão fundamental em nossa cultura, entre a
universalidade do apelo e a raridade da salvação. Aliás, esta noção
de salvação (salvar-se, realizar a própria salvação) é absolutamente
central em tudo isto (Foucault, 2006, p. 148).
223 Heidbrink, Ludger: “Autonomie und Lebenskunst: Über die Grenzen der Selbstbestimmung”. In:
Kersting, Wolfgang; Langbehn, Claus: Kritik der Lebenskunst. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 2007, p. 267.
[“Autonomia e a arte de viver: sobre os limites da autodeterminação“. Crítica da arte de viver] [“Sie (gemeint
ist die Philosophie der Lebenskunst) ist das Projekt des sich selbst lenkenden und leitenden Menschen, der
trotz aller Unwägbarkeiten und Fremdeinflüsse die autonome Verfügungsgewalt über sein Leben besitzt.
– tradução nossa]
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
121
Nesse contexto, Foucault se refere em particular a Epiteto: “da sal-
vação cuja forma está claramente definida em um texto como aquele de
Epiteto, que há pouco citei. Uma salvação que, repito, deve responder
a um apelo universal, mas, de fato, só pode ser reservada para alguns
(Foucault, 2006, p. 149). Este modo de vida, portanto, não é acessível a
todos: “este objetivo é a meta terminal da vida, mas, ao mesmo tempo,
uma forma rara de existência. Meta terminal da vida para todos os ho-
mens, forma rara de existência para alguns e somente alguns: temos aí, se
quisermos, a forma vazia daquela grande categoria trans-histórica que é a
categoria da salvação” (p. 157).224 Historicamente, segundo Foucault, o
outro é particularmente importante no preenchimento dessa forma vazia
de salvação: “a questão do Outro ou de outrem, questão da relação com
o outro, entendendo-o como mediador entre esta forma da salvação e o
conteúdo que se lhe há de fornecer” (p. 158). E continua: “outro ou ou-
trem é indispensável na prática de si a fim de que a forma que define esta
prática atinja efetivamente seu objeto, isto é, o eu, e seja por ele efetiva-
mente preenchida. Para que a prática de si alcance o eu por ela visado, o
outro é indispensável” (p. 158). E segue: “a constituição de si como objeto
suscetível de polarizar a vontade, de apresentar-se como objeto, finalidade
livre, absoluta e permanente da vontade, só pode fazer-se por intermédio
de outro” (p. 165). Isso já estaria presente em Platão: “Ao longo de todo
este texto (refere-se aqui ao Alcibíades, de Platão), o cuidado de si é pois
claramente instrumental em relação ao cuidado dos outros” (p. 215).225
224 Esta forma vazia da salvação aparece, como vemos, no interior da cultura antiga, seguramente fazendo
eco, em correlação ou em ligação – o que, com certeza, será preciso melhor definir – com os movimentos
religiosos, mas é preciso dizer que, em certa medida, também aparece por si mesma, para si mesma,
constituindo não apenas um fenômeno ou um aspecto do pensamento religioso ou da experiência religiosa
(Foucault, 2006, p. 157).
225 “Mas, em Platão, ao contrário, o catártico e o político não são diferenciados um do outro” (Foucault,
2006, p. 216). Isto fica claro no seguinte trecho: “praticarei a arte da catártica para poder, justamente,
tomar-me um sujeito político”. (Ibid.) E continua: “na salvação da cidade o cuidado de si encontra pois sua
recompensa” (Ibid). E: “tal é, muito genericamente, se quisermos, o vínculo entre cuidado de si e cuidado
dos outros que se estabeleceu em Platão, e de tal maneira estabeleceu-se que é muito difícil sua dissociação
(Foucault 2006, p. 217). Observa-se cada vez mais a dissociação destes momentos, já bastante avançada nos
séculos I e II após Foucault. O “cuidado de si” torna-se um fim autossuficiente (Cf. ibid.). “O eu é a meta
definitiva e única do cuidado de si” (Ibid). Isso pode ser observado tanto entre os cínicos quanto entre os
epicureus e estoicos. Segundo Foucault, isso levou ao desenvolvimento da espiritualidade cristã, que na vida
ascética monástica ampliou a arte relacionada ao eu (Cf. ibid.).
Marita Rainsborough
122
O conceito de salvação é geralmente percebido como cristão e está
associado à transição da vida à morte, da mortalidade à imortalidade, do
bem ao mal, do impuro ao puro. “Portanto, está sempre no limite, é um
operador de passagem” (Foucault, 2006, p. 222). Além disso, a salvação
está estruturada dramaticamente: “a salvação está sempre vinculada à dra-
maticidade de um acontecimento” (Foucault, 2006, p. 222). Segundo
Foucault, a salvação também pode estar localizada fora do religioso:
Não obstante, o que a mim me parece necessário realçar, em razão
do que pretendo expor, o essencial, é que, qualquer que seja sua
origem, qualquer que seja o reforço que, sem dúvida, recebeu
da temática religiosa na época helenística e romana, a salvação
funciona, efetivamente e sem heterogeneidade, como noção
filosófica, no campo mesmo da filosofia. A salvação se tomou, e
assim se mostra, objetivo da prática e da vida filosóficas (Foucault,
2006, p. 223).
Foucault lembra o sentido amplo do termo:
Nesta salvação – que chamarei helenística e romana –, nesta
salvação da filosofia helenística e romana, o eu é o agente, o objeto,
o instrumento e a finalidade. Vemos quão longe estamos da salvação
mediatizada pela cidade, que encontramos em Platão. Quão
longe também estamos da salvação na forma religiosa, referida
a um sistema binário, à dramaticidade de um acontecimento, a
uma relação com o Outro e que, no cristianismo, implicará uma
renúncia a si. Ao contrário, é o acesso a si que está assegurado
pela salvação, um acesso a si indissociável, no tempo e no interior
mesmo da vida, do trabalho que se opera sobre si mesmo (Foucault,
2006, p. 227).
A salvação está assim decididamente localizada em referência ao
outro e não apenas conotada em termos religiosos. Na proposição de
Foucault do a priori histórico, a busca da salvação situa-se no momento
do trabalhar consigo mesmo. Embora a forma vazia da salvação seja con-
cebida por Foucault como uma forma generalizada de acordo com uma
figura de pensamento kantiana, ela deve ser entendida no sentido de sua
proposição do a priori histórico. Aqui se torna aparente a transferência
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
123
da figura de pensamento do saber estruturante da aprioridade para a área
da subjetivação com o âmbito de práticas de si que lhe foi atribuída, ou
seja, da filosofia do saber para o aspecto de seu pensamento que é subje-
tivo-filosófico no sentido mais restrito. A questão da felicidade é assim
colocada de forma bastante indireta na obra de Foucault; está escondida
em suas reflexões sobre a salvação humana. Em contraste com a salvação,
a felicidade aparece como uma experiência concretamente realizadora no
respectivo cumprimento atual da vida, enquanto a salvação, como con-
ceito filosófico – em seu vazio – centra-se na abertura histórica, segundo
Foucault, e ao mesmo tempo se afasta da dimensão do ocasional e da
pura receptividade. Para Foucault, é um conceito analítico central de sua
reconstrução histórica da hermenêutica do sujeito e, em contraste com
o conceito de felicidade, permite-lhe elaborar várias formas de constitui-
ção do sujeito para além do aspecto de uma vida individual realizada. A
questão da salvação está ligada à mudança histórica dos modos de subje-
tividade, o que envolve a questão da felicidade em cada forma histórica
diferente. A vida como arte ou a ética como estética pode ser vista como
uma forma atual de salvação humana. Está ligada à concepção de traba-
lho sobre si mesmo no quadro de concepção da vida como arte e pode
ser vista como uma forma de salvação do século XX e, possivelmente,
também do século XXI. Esta concepção parte do potencial criativo do
indivíduo, o qual, segundo Foucault, com a autoformação, também con-
tém simultaneamente uma dimensão sócio-política e, portanto, a possi-
bilidade de realizar o momento heterotópico de sua filosofia.
A questão da salvação, portanto, se manifesta hoje mais como uma
tarefa pessoal de autoformação com implicações sobre a formação das rela-
ções humanas, da convivência pessoal, bem como da natureza política ge-
ral. A categoria da salvação tem o estatuto de episteme, o que numa análise
histórica permite a desagregação da sociedade em termos de concepções
de salvação subjacentes, as quais também incluem várias concepções de
felicidade humana. A ética ou estética do eu aparece em Foucault como
um a priori histórico, como uma forma atual de salvação humana. No
desenvolvimento histórico, surgem em cada momento novas formas de
Marita Rainsborough
124
salvação humana226 que, como se tornou claro, incorporam momentos de
formas passadas e estão relacionadas com a luta pela autonomia humana
sob condições sócio-históricas diferentes – como expressões particulares da
forma vazia de salvação.
2.2.3 eStÉtica do jogo e tÉcnicaS de Si. a conexão entre Ética e
eStÉtica em michel foucault227
2.2.3.1 o Sujeito entre heteronomia e autonomia
No centro da filosofia de Foucault está a questão do sujeito. Foucault
trata neste contexto de “diferentes modos pelos quais, em nossa cultura, os
seres humanos tornaram-se sujeitos” (Foucault, 1995, p. 231). Foucault
distingue três âmbitos de constituição do sujeito: procedimentos de sa-
ber, práticas de poder e técnicas de si. De acordo com isto, o sujeito é
objeto tanto de determinação externa quanto de autodeterminação. A tese
da morte do sujeito refere-se, em intenção crítica, à determinação do ser
humano por meio de abordagens racionalistas ou teleológicas nos pres-
supostos antropológicos básicos da filosofia. Em contrapartida, Foucault
vê o ser humano como um ‘animal de experiência’ que está exposto às
formações sócio-históricas, mas também tem a possibilidade de se auto-
formar. Segundo Foucault, o sujeito é determinado de forma heterônoma,
mas também caracterizado por sua autonomia. O ponto de partida é a
constituição do sujeito, a heteronomia. A autonomia tem que ser con-
quistada continuamente em um processo de distanciamento do existen-
te, de autoformação do sujeito e de influência social. Neste contexto, as
autotecnologias são cruciais. Segundo Foucault, a autoformação permite
226 Foucault denomina a saúde, entre outras coisas, como uma forma histórica de salvação. Segundo Foucault,
o médico sucedeu ao padre no século XIX.
227 O capítulo foi publicado com algumas pequenas alterações. Veja: RAINSBOROUGH, Marita. Ästhetik
des Spiels und Techniken des Selbst. Der Zusammenhang von Ethik und Ästhetik bei Michel Foucault.
In: RECKI, Birgit (org.). Kongress-Akten der deutschen Gesellschaft für Ästhetik, Band 3: Techne – poiesis –
aisthesis. Technik und Techniken in Kunst und ästhetischer Praxis, IX. Kongress der Deutschen Gesellschaft
für Ästhetik 2015, p. 1-24. Disponível em: www.dgae.de/kongresse/techne-poiesis-aisthesis-technik-und-
techniken-in-kunst-und-aesthetischer-praxis/.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
125
fazer de si uma obra de arte. O paradigma da vida como arte compreende
simultaneamente a ética como uma tarefa individual de formação criativa
de si, a estética de si torna-se a ética de si. O ponto de partida é a concepção
grega e helenística do cuidado de si, que, segundo Foucault, proporciona
um estimulante repertório de autotecnologias.228 A aplicação das técnicas
de si não separa fundamentalmente o sujeito das estruturas de poder exis-
tentes. Neste processo, trata-se particularmente de se constituir como su-
jeito moral. Em relação à situação social atual, Foucault constata a falta de
moralidade e postula: “a essa ausência de moral deve responder uma busca
de uma estética da existência” (Foucault, 1990, p. 2). O termo arte, no qual
se baseia a orientação de Foucault para a estética, deve ser entendido como
ação baseada em regras no sentido de techne ou poiesis ou como criação
artística e criativa enquanto ars? O conceito de autotecnologia aponta para
um modelo de arte de viver como técnica ou ofício? Uma função catártica
das autotecnologias também pode ser identificada neste contexto? No con-
texto do debate sobre essas questões, é necessário delinear a conexão entre
ética e estética em Foucault, que se esquiva do “ou-ou de Kierkegaard
(Gamm; Kimmerle, 1990, p. 7, tradução nossa), assim como investigar a
questão da “unidade e diferença entre o estético e o ético” (p. 10) e analisar
a estética do jogo de Foucault tendo em vista implicações éticas.
2.2.3.2 tÉcnicaS de Si e a pergunta pelo Sujeito
Às autotecnologias que Foucault considera no contexto da ética
estão inclusas, entre outras, o ascetismo, a ataraxia, o falar a verdade, a
228 Wolfgang Detel fala, em referência à análise de Foucault de textos antigos, de uma ”formação teórica criativa“
que não faz plena justiça aos textos antigos, por exemplo, ele defende um modelo falso de regulação do
desejo sexual. É um modelo de limitação, não de dominação, um “modelo de soberania de uma compreensão
ascética de Platão em Foucault”. De acordo com Detel, ao ignorar aspectos epistemológicos e analíticos de
poder, essas interpretações errôneas levam a uma “ênfase exagerada e inadequada no aspecto da estilização
e estetização”. Em: Detel, 2006, p. 9s. Mesmo que a interpretação de Detel esteja parcialmente correta, a
argumentação geral de Foucault não é afetada por isso, uma vez que Foucault não usa especificamente os
modelos antigos como exemplares para soluções de problemas atuais, eles representam apenas o ponto de
partida para suas considerações éticas e fornecem sugestões de conteúdo. A abordagem ética fundamental
do autocuidado na antiguidade, a que Foucault primariamente se refere, também não é questionada
por Detel. Além disso, acho que a compreensão de Foucault do controle das vontades no sentido de sua
concepção de governamentalidade seria, em última análise, compatível com um modelo de limitação.
Marita Rainsborough
126
dietética, a meditação, o silêncio, a leitura e a escrita. Em sua história da
moralidade, Foucault distingue entre códigos morais, ações e autorrelacio-
namento. “Naquilo que chamamos moral, não há simplesmente o com-
portamento efetivo das pessoas, não há senão códigos e regras de conduta,
há também essa relação consigo que compreende os quatro aspectos que
acabo de enumerar” (Foucault, 2014a, p. 226).229 Segundo Foucault, estes
são: por um lado, a substância ética, a parcela do eu, como por exemplo
os sentimentos, a intenção ou a questão moral e, por outro, o modo de
subjetivação, como por exemplo a lei divina, a lei natural, a lei racional ou
um princípio existencial estético. O terceiro aspecto relaciona-se à prática
do eu, como o ascetismo, o quarto à teleologia moral, que determina o
tipo de ser que deve ser alcançado por meio da ação moral. “Por exemplo,
devemos nos tornar puros, imortais, livres mestres de nós mesmos etc.?” (p.
226). Estes aspectos devem ser pensados independentemente um do outro,
mas, por outro lado, existem também relações entre eles. Ao longo da his-
tória, Foucault nota uma grande semelhança de códigos ou temas morais
entre a moral grega e a cristã, mas fortes mudanças no que diz respeito ao
autorrelacionamento, que ele chama ética. Aqui – no campo da ética – está
o foco de sua investigação. Em suas observações filosóficas, ele se preocupa
principalmente com o sujeito ético-moral. Nesse contexto, o conceito de
eu muitas vezes toma o lugar do conceito de sujeito:230
a estilização se dá quando se trata de criar um eu e não um sujeito
no sentido tradicional. Ao contrário do sujeito, o eu consiste em
um movimento circular que descreve aquele que se cuida, que sai
de si, passa pelo outro e retorna a si mesmo modificando o estado
inicial. Na relação consigo mesmo, não é uma substância da alma (e
ainda menos uma do corpo) que se reabilita, mas ‘apenas’ um arco
que se estende sobre um vazio que, como tal, nada tem a dizer. [...]
229 E continua: “é a relação consigo mesmo que seria necessário instaurar, essa relação consigo que determina
como o indivíduo deve constituir-se como sujeito moral de suas próprias ações. Há nessa relação quatro
principais aspectos” (Foucault 2014a, p. 224).
230 “É necessário fazer uma distinção. Em primeiro lugar, creio, efetivamente, que não há um sujeito soberano,
fundador, uma forma universal de sujeito que se encontra em qualquer lugar. Eu sou muito cético e
muito hostil para com esta concepção de sujeito. Penso, ao contrário, que o sujeito se constitui por meio
das práticas de assujeitamento, ou de uma maneira mais autônoma, através das práticas de liberação, de
liberdade, como na Antiguidade, desde (bem entendido!) de um certo número de regras, estilos, convenções
que se encontram no meio cultural” (Foucault, 1990, p. 3).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
127
Aqui aparece o lugar de uma relação consigo mesmo em constante
mudança, à qual não é atribuída sua forma imutável por meio de
estruturas de poder e formações de saber” (Hebel, 1990, p. 230).231
As técnicas de si representam práticas de liberdade que, no entanto,
não significam a retirada de contextos de poder.
O sujeito ético/estético representa uma revisão da concepção de
sujeito de Descartes: “isso é evidente para a estética da existência: ela se
compreende expressivamente como uma revisão da tentativa feita por
Descartes de ‘substituir um sujeito que foi constituído por práticas de si
por um sujeito como fundador de práticas de saber’ (GE p. 290). Com o
ascetismo por meio da evidência’ de Descartes (GE p. 291), o prático é
substituído pelo autorrelacionamento teórico” (Menke, 2003, p. 287).232
Menke caracteriza a compreensão da subjetividade por Foucault com as
seguintes palavras: “subjetividade é então o autorrelacionamento de e com
as forças. E este autorrelacionamento é a potência de poder fazer algo por
meio das próprias forças” (p. 287).233 Tal como no contexto de sua concep-
ção de poder no âmbito do poder disciplinar, o exercício assume aqui im-
portância particular. Menke atribui essa similitude aos conceitos de sujeito
subjacentes, que pressupõem um sujeito prático e ativo. Este conceito de
231 [“Descentralização do sujeito no cuidado de si: o aspecto estético de uma ética não-normativa em Foucault”,
Ética e estética: perspectivas pós-metafísicas] [“Die Stilisierung hat dort statt, wo es sich um Herstellung
eines Selbst und nicht eines Subjekts im traditionellen Sinne handelt. Das Selbst besteht im Unterschied
zum Subjekt in einer Kreisbewegung, die der sich um sich Sorgende beschreibt, im Ausgang von sich über
ein anderes und der den Ausgangstatus modifizierenden Rückkehr zu sich. In der Beziehung zu sich wird
nicht eine Seelensubstanz (und ebensowenig eine des Körpers) rehabilitiert, sondern ‘nur’ ein Bogen über
eine Leere gespannt, die als solche nichts auszusagen hätte. […] Hier entsteht der Ort eines ständig sich
wandelnden Selbstverhältnisses, dem nicht von den Strukturen der Macht- und Wissensformationen seine
unwandelbare Gestalt zugewiesen wird.” – tradução nossa]
232 [“Dois tipos de exercícios. Sobre a relação entre disciplina social e existência estética”. Balanço de uma
recepção: Conferência de Foucault em Frankfurt 2001]. [”Für die Ästhetik der Existenz liegt das auf der
Hand: Sie versteht sich ausdrücklich als Revision des von Descartes durchgeführten Versuchs, ‘ein Subjekt,
das durch Selbstpraktiken konstituiert war, durch ein Subjekt als Begründer von Wissenspraktiken zu
ersetzen‘ (GE S. 290). Damit wird bei Descartes ‘Askese durch Evidenz‘ (GE S. 291), praktisches durch
theoretisches Selbstverhältnis ersetzt.” – tradução nossa]
233 [“Subjektivität ist dann das Selbstverhältnis von und zu Kräften. Und dieses Selbstverhältnis ist die Macht,
etwas durch eigene Kräfte tun zu können.” – tradução nossa]. E continua: “Subjetividade significa o
poder de agir, e o poder de agir é duplo, o de execução e o de autogestão. Neste duplo poder consiste a
subjetividade.” (Menke, 2003, p. 288) [Subjektivität heißt Handlungsmacht, und Handlungsmacht ist
eine doppelte, die zur Aus- und zur Selbstführung. In dieser doppelten Macht besteht Subjektivität.” –
tradução nossa]
Marita Rainsborough
128
sujeito se volta contra “a equiparação de subjetividade com autoconsciên-
cia”. Aqui encontra seu fundamento teórico o interesse de Foucault pelas
antigas técnicas de si no contexto da epimeleia heautou, o cuidado por si
mesmo, e sua preocupação com a technê tou biou, a arte de viver. Praticar
visa a aquisição de competências e habilidades e inclui “um ser capaz de
realizar algo e um ser capaz de se conduzir” (Menke, 2003, p. 286).234
As observações de Menke partem da tese de que “Foucault entendia
os exercícios de uma estética da existência como alternativa normativa aos
exercícios disciplinares”.235 E prossegue: “A estética da existência não deve
ser apenas um modelo em si convincente para uma concepção de subjeti-
vidade livre e não disciplinar, mas também deve ser capaz de alcançar a crí-
tica de Foucault à disciplinarização.236 A ética, e estética, de Foucault trata
de um aumento de autonomia do indivíduo. Entre o sujeito disciplinar e
234 [“ein Etwas-Ausführen und ein Sich-Führen-Können” – tradução nossa] Menke continua: “a autorrelação
primária não é a de saber, mas a de autogestão na realização ativa” (Menke, 2003, p. 287). [“Das primäre
Selbstverhältnis ist nicht eines des Wissens, sondern der Selbstführung im tätigen Ausführen.” – tradução
nossa] E: “ao mesmo tempo, um segundo entendimento está ligado a este, no qual os conceitos de sujeito
do poder disciplinar e de uma estética da existência coincidem: o entendimento sobre a primazia da
capacidade não apenas sobre o saber, mas também sobre a vontade”. [“Mit ihr ist zugleich eine zweite
Einsicht verbunden, in der die Subjektbegriffe der Disziplinarmacht und einer Ästhetik der Existenz
übereinstimmen: die Einsicht in den Primat des Könnens nicht nur vor dem Wissen, sondern dem
Wollen.” – tradução nossa] (Ibid.) Menke constata na sequência: “as concepções do sujeito estético-
existencial e do sujeito disciplinar, portanto, coincidem não apenas na crítica ao teoreticismo e seu
primado da autoconsciência transparente, mas também no voluntarismo e seu primado da vontade livre:
só posso querer o que posso – o que realizar e para que e pelo que me guiar, para isso eu tenho o poder,
a habilidade, a capacidade. A capacidade de ter, ou seja, o poder, não vem apenas do saber, a capacidade
de agir, ou seja, o poder, também vem da liberdade” (Menke, 2003, p. 288). [“Die Konzeptionen des
ästhetisch-existentiellen und des disziplinären Subjekts stimmen deshalb überein nicht nur in der Kritik am
eoretizismus und seinem Primat des transparenten Selbstbewusstseins, sondern auch am Voluntarismus
und seinem Primat des freien Willens: Ich kann nur wollen, was ich kann – was auszuführen und wozu
oder wobei mich zu führen ich die Macht, die Fähigkeit, das Vermögen habe. Haben-Können, also Macht
kommt nicht nur vor Wissen, Handeln-Können, also Macht kommt auch vor Freiheit.” – tradução nossa]
Além da crítica a Descartes, Menke vê aqui também uma crítica a Sartre: “Além disso, a dupla crítica de
Foucault dirige-se tanto ao teoreticismo do modelo da autoconsciênia quanto ao voluntarismo do modelo
da autodeterminação – a saber: a dupla crítica de Foucault a Descartes e Sartre – apontando que esta é a
forma fundamental como nos relacionamos conosco” (Menke, 2003, p. 288s). [“Darüber hinaus weist
Foucaults doppelte Kritik am eoretizismus des Selbstbewusstseinsmodells und am Voluntarismus des
Selbstbestimmungsmodells – namentlich: Foucaults doppelte Kritik an Descartes und Sartre – darauf hin,
daß dies die fundamentale Weise ist, in der wir uns auf uns selbst beziehen.” – tradução nossa]
235 Menke, 2003, p. 285. [“Foucault die Übungen einer Ästhetik der Existenz als normative Alternative zu den
disziplinierenden Übungen verstanden hat.” – tradução nossa]
236 [“Die Ästhetik der Existenz muß nicht nur ein in sich überzeugendes Modell für eine nicht-disziplinäre,
freie Gestaltung von Subjektivität sein, sie muß auch in der Lage sein, Foucaults Kritik der Disziplinierung
einzuholen.” – tradução nossa] (Ibid.) Segundo Menke, o sujeito disciplinar e o sujeito estético-existencial
formam uma ‘imagem ambígua’. (Cf. Ibid.)
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
129
o sujeito ético/estético, Menke identifica uma oposição que está menos no
conteúdo do que na forma; eles não podem ser vistos como complemen-
tares um ao outro.237
A estética da existência deve ser entendida e implementada de
tal forma que pressuponha um conceito de poder, atividade e
liberdade subjetivas que, não em seus conteúdos e finalidades, mas
em sua forma, se oponha à normalização que está conectada com a
constituição do sujeito por meio da disciplina social (Menke, 2003,
p. 296).238
Numa transformação teleológica, a autodeterminação não deve ser
confundida com a submissão a um projeto de vida, não deve degenerar
em autosubmissão. A arte de viver não se refere à vida como um produ-
to, mas como um processo. Assim, a arte de viver deve ser entendida de
forma pluralista.239 Nessa concepção de um estilo de vida pessoal, podem
237 “O fato de que entre o sujeito disciplinar e o sujeito estético-existencial não exista uma mera relação de
complementação, mas sim de oposição, pode ser explicado em primeiro lugar em contraposição à sua
concepção como um processo de subjetivação em duas fases”. [“Daß zwischen dem disziplinären und dem
ästhetisch-existentiellen Subjekt kein bloßes Verhältnis der Ergänzung, sondern eines der Gegnerschaft
besteht, läßt sich zunächst im Gegenzug zu ihrer Auffassung als zweier Phasen im Prozess der Subjektivierung
erläutern.” – tradução nossa] (Menke, 2003, p. 294) E continua: “a autonomia não consiste apenas em uma
autodeterminação do bem de minha vida frente às possibilidades e habilidades adquiridas em processos
disciplinares. Em vez disso, a autonomia só começa quando o sujeito, preocupado com o bem de sua vida,
tenta mudar essas possibilidades e habilidades, principalmente em seu nível elementar, que é o de conduzir
o próprio corpo”. [“Autonomie besteht nicht allein in einer Selbstbestimmung des Guten meines Lebens
angesichts meiner in Disziplinierungsprozessen erworbenen Möglichkeiten und Fähigkeiten. Autonomie
beginnt vielmehr erst dort, wo das um das Gute seines Lebens besorgte Subjekt diese Möglichkeiten und
Fähigkeiten, und zwar gerade auch auf ihrer elementaren Ebene, der der Führung des eigenen Körpers,
zu verändern versucht.” – tradução nossa] (Menke, 2003, p. 295) Quanto ao carácter experimental deste
processo, diz-se: “nisso eles são ‘experimentais’; [...] experimentam outras coisas que não aquelas a que
fomos disciplinados e normalizados – possibilidades e habilidades de autogestão em relação não à boa,
ainda menos à melhor, execução das práticas sociais, mas à condução de uma vida boa.” (Ibid.) [Zum
experimentellen Charakter dieses Prozesses heißt es: „Darin sind sie ‘experimentell’; […] sie erproben
andere als die, zu denen wir diszipliniert und normalisiert wurden – Möglichkeiten und Fähigkeiten der
Selbstführung im Hinblick nicht auf die gute, gar bessere Ausführung sozialer Praktiken, sondern die
Führung eines guten Lebens.” – tradução nossa]
238 [“Die Ästhetik der Existenz muß so verstanden werden und vollzogen werden, daß sie einen Begriff
subjektiver Macht, Tätigkeit und Freiheit voraussetzt, der nicht in seinen Inhalten und Zwecken, sondern
in seiner Form im Gegensatz zu der Normalisierung steht, die mit der Subjektkonstitution durch soziale
Disziplinierung verbunden ist.” – tradução nossa]
239 Nehamas diz quanto a isso: “pela arte de viver, pela arte que necessariamente só pode aparecer no plural”
[“für die Lebenskunst, für die Kunst, die notwendigerweise nur im Plural auftreten kann.” – tradução
nossa] Em: Nehamas, Alexander: Die Kunst zu leben: Sokratische Reflexionen von Platon bis Foucault.
Hamburg: Rotbuch, 2000, p. 293. [A arte de viver: reflexões socráticas de Platão a Foucault].
Marita Rainsborough
130
ser identificadas diretrizes normativas como a orientação à ideia de uma
unidade bem-sucedida de uma vida, do bem e da beleza, que Foucault,
segundo Menke, considera como uma ‘estrutura forte’.240 Foucault fala da
vontade de viver uma vida bela e de deixar para os outros a memória de
uma bela existência (GE p. 266)” (Menke, 2003, p. 29; tradução nossa).
Para Foucault, a estética torna-se um modelo geral de modo de vida in-
dividual no “movimento para exceder a si mesmo” (p. 298). Não existem
normas ou objetivos dados para este exercício. “A condução pessoal de vida
de acordo com uma ‘ética de tipo estético’ é caracterizada pela liberdade
estética de realizar mudanças e processos que não obedeçam a nenhuma
ordem teleológica.241 Trata-se de uma atitude de vida, uma “atitude de
liberdade estética”, uma “liberdade de se ultrapassar”.242
2.2.3.3 a eStÉtica do jogo em foucault
Para Foucault, o conceito de jogo está, ao mesmo tempo, no cen-
tro da literatura, da arte e da teoria do sujeito, da estética e da ética. O
jogo, como proposição literário-artística e estético-ética do mundo da vida,
fornece em Foucault tanto a determinação da especificidade do estético
quanto a ligação do estético com o mundo da vida, na medida em que
é tomado, na conexão da ética e da estética no processo de transforma-
ção do sujeito, como seu modo de autoformação ético-estética. Com isso,
Foucault vai além da autonomização no estético (Sonderegger, 2000) feita
por Derrida em sua concepção do conceito de jogo e reivindica relevância
ética no processo de subjetivação que, essencialmente, diz respeito a pro-
240 Ver nota de rodapé 10 em Menke, 2003, p. 292. Menke chama a atenção para o fato de que Foucault torna
o julgamento desta vida dependente dos outros.
241 Ibid. [“Die persönliche Lebensführung gemäß einer ‘Ethik ästhetischer Art’ ist geprägt durch die ästhetische
Freiheit zu Veränderungen und Prozessen, die keiner teleologischen Ordnung gehorchen.” – tradução nossa]
242 Menke, 2003, p. 299. E Menke continua: “nela, somente nesta atitude de liberdade estética, há o que
distingue a prática de uma estética da existência da normalização do poder disciplinar – o que pode, assim,
impedir que as práticas de uma estética da existência se tornem uma outra forma, talvez a forma última e
mais sutil, de submissão disciplinar.” (Ibid.) [“In ihr, in dieser Haltung ästhetischer Freiheit allein besteht,
was die Übung einer Ästhetik der Existenz von den normalisierenden der Disziplinarmacht unterscheidet –
was also die Übungen einer Ästhetik der Existenz davor bewahren kann, eine weitere, vielleicht letzte und
subtilste Form disziplinierender Unterwerfung zu werden.” – tradução nossa]
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
131
cessos de poder e à conexão entre poder e saber. Ao contrário de Schiller,
o conceito de jogo de Foucault não é concebido como um impulso lúdico
que une díspares, o impulso material e o impulso formal do humano, har-
monizando, assim, sensibilidade e razão para tornar concebível a perfeição
ética do ser humano no processo político-educacional, mas como um es-
paço capacitador para o novo, enquanto campo de experimentação. Aqui
Foucault recorre a Nietzsche, que atribui o lúdico ao infantil:
Ao contrário, aqui há um instinto lúdico como o que ainda anima
a criança – de acordo com Zaratustra. Esta criança, que reverbera
no além-homem, que impulsiona o indivíduo e que às vezes
ameaça se perder quando se torna mãe ou pai, é o que Georges
Bataille chamou, em 1944, de vontade de oportunidade e não de
vontade de poder, por fim, a criança sempre constitui um novo
começo. Hannah Arendt da mesma forma interpreta as pessoas
da perspectiva natalina, como nascentes e iniciantes, e não da
perspectiva pascal, como morrendo. [...] Mas é desta inspiração
lúdica que o indivíduo depende para se superar (Schönherr-Mann,
2009, p. 97).243
O novo começo não é eticamente ou moralmente limitado, mas
deve ser entendido no sentido da transgressão, que certamente pode assu-
mir traços de loucura, embriaguez e êxtase. “Porque fazer da sua vida uma
obra de arte não é algo que possa ser planejado racionalmente, mas envolve
brincar com os prazeres, os sonhos, a loucura, a embriaguez, o discurso e
o poder [sic!]” (Schönherr-Mann, 2009, p. 131).244 Esse processo conhece
tanto a reiteração quanto o outro, o ainda-não. Neste processo, valores
também são alterados ou novos valores são criados.
243 [O além-homem como artista da vida: Nietzsche, Foucault e a ética] [“Dazu gehört vielmehr ein Spieltrieb,
wie ihn noch das Kind beseelt – so Zarathustra. Dieses Kind, das im Übermenschen nachhallt, das die
Einzelne umtreibt und das manchmal verloren zu gehen droht, wenn sie Mutter oder Vater wird, nennt
Georges Bataille 1944 den Willen zur Chance und nicht Willen zur Macht, stellt schließlich das Kind
immer einen Neuanfang dar. Ähnlich interpretiert Hannah Arendt den Menschen aus der weihnachtlichen
Perspektive als gebürtlichen und als Anfänger, und nicht aus der österlichen Perspektive als sterblichen.
[…] Doch auf solche spielerische Inspiration kommt es für die Einzelne an, um sich zu übersteigen.” –
tradução nossa]
244 [“Denn aus seinem Leben ein Kunstwerk zu machen, lässt sich nicht rational planen, sondern läuft auf ein
Spiel mit den Lüsten, den Träumen, dem Wahn, dem Rausch, den Diskursen und der Macht aus [sic!]" –
tradução nossa]
Marita Rainsborough
132
A estética do jogo, que prima pela transformação do sujeito, prin-
cipalmente no ético, centra-se no aspecto do distanciamento, no da auto-
formação e no trato com o outro junto da ligação ao delirante, sobretudo
a partir da ideia de governamentalidade. Não se trata mais da expansão da
experiência no extático, mas “da possibilidade de se construir como sujeito,
mestre de sua própria conduta, isto é, de se tornar […] o hábil e prudente
guia de si mesmo” (Foucault, 1998a, p. 125). Na obra de Foucault, o con-
ceito de governamentalidade vincula epistemologia, estética e ética à polí-
tica. Governamentalidade inclui não apenas ser governado – estar inferior
aos processos da microfísica do poder (Foucault, 1998b) – mas também
governar a si mesmo para “não ser governado assim” (Foucault, 1990). Na
luta pela autonomia e, além disso, principalmente a boa governança como
liderança adequada do outro, o que requer um manejo consciente de si
mesmo – o guiar a si mesmo. Nesse ponto, Foucault torna-se eminente-
mente político: o mundo da vida, o artístico e o ético do conceito de esté-
tica são transformados em políticos. Com isso, esses conceitos se tornam
a forma central do futuro em termos políticos. Na avaliação experimental,
o conceito de jogo inclui, portanto, além da ênfase na possibilidade de
transgressão e expansão da experiência, também a autoformação, que exige
disciplina e ascetismo na dimensão ético-política.
2.2.3.4 a vida como obra de arte
Foucault geralmente atribui importância central à estética em sua
filosofia. Ele pergunta: “mas a vida de cada um não poderia se tornar uma
obra de arte? Por que deveria a lâmpada ou a casa ser um objeto de arte,
mas não a nossa vida?” (Hesse, 2003, p. 305s).245 Segundo Hesse, Foucault
só pode se fazer essa pergunta porque ele não recorre à distinção entre agir
e produzir, techne e phronesis. Sua escolha tecnológico-estratégica de pala-
vras esconde o desempenho hermenêutico subjacente a um estilo de vida
245 Hesse cita aqui de de “Sobre a Genealogia da Ética”. Para Foucault, seria: “O que me surpreende é que, em
nossa sociedade, a arte não tenha mais relação com os objetos, e não com os indivíduos ou com a vida: e
também que a arte seja um domínio especializado, o domínio de peritos que são os artistas. Mas a vida de
todo indivíduo não poderia ser uma obra de arte?” (Foucault, 2014a, p. 222).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
133
ético, que Foucault almeja quando fala de um exercício filosófico de mu-
dança de si. Isso pode ser visto como inserido em um contexto prático. Ele
compreende a vida especialmente como uma concepção criativa segundo o
modelo de atividades artísticas, mas, ao mesmo tempo, também como téc-
nica e ofício/artesanato. Foucault almeja a transgressão do existente, o que
pressupõe ensaiar, reconceber e experimentar imaginativos e – no sentido
mais amplo – a ideia da vida como obra. Além disso, a combinação com o
lúdico tem uma proximidade com a loucura e o êxtase, no qual poderia ser
criado um momento catártico de sublimação ou libertação.246 No entan-
to, em sua consideração histórica do fenômeno da catarse de Platão até o
Cristianismo, Foucault não faz um balanço da situação atual. Portanto, o
significado atual do elemento catártico em uma forma histórica já modifi-
cada, só pode ser suposto.
Nehamas ressalta que este processo de moldar a vida no sentido de
uma obra de arte não se trata de autodescoberta, uma vez que ela pressu-
poria um Eu como dado, mas sim de uma invenção de si: “é ainda mais
importante que ele compreenda a preocupação consigo não como um pro-
cesso de autodescoberta, mas de invenção de si. Não se trata de descobrir
quem você realmente é, mas de inventar e improvisar quem você pode
ser. O modelo de Foucault para o cuidado de si é o processo artístico
(Nehamas, 2000, p. 281).247 E ainda: “somente nesta forma a recomen-
dação ética adquire um significado especificamente estético, e seu mais
importante e eloquente arauto – e a nenhum outro filósofo este atributo é
mais acertado – é Nietzsche” (Früchtl, 1996, p. 157).248 Foucault recorre a
246 Foucault trata da história da catarse de Platão ao Cristianismo. Enquanto inicialmente visava a constituição
do sujeito político, com os neoplatônicos ela se distancia do contexto político e se volta à transformação
do Eu através de si mesmo e, no Cristianismo, basicamente à “decifração da vida interior”. (Cf. Foucault,
2006) Em suas considerações, Foucault desvincula o conceito de catarse, como antes dele também o fez
Freud, ainda que de forma diferente, da interpretação estreita enquanto categoria estética ou dramática da
ciência literária com recurso à teoria do drama de Aristóteles (por exemplo, Lessing, Goethe, Lukács).
247 [“Wichtiger noch ist, daß er die Sorge um sich nicht als Prozeß der Selbstfindung, sondern der
Selbsterfindung begriff. Es geht nicht darum zu entdecken, wer man wirklich ist, sondern darum,
zu erfinden und zu improvisieren, wer man sein kann. Foucaults Vorbild für die Sorge um sich ist der
künstlerische Schaffensprozeß.” – tradução nossa] Em Foucault, encontra-se quanto a isso: “Talvez, o
objetivo hoje em dia não seja descobrir o que somos, mas recusar o que somos. Temos que imaginar e
construir o que poderíamos ser para nos livrarmos deste ‘duplo estrangimento’ político, que é a simultânea
individualização e totalização própria às estruturas do poder moderno” Foucault (1995, p. 239).
248 [“Erst in dieser Form erhält die ethische Empfehlung eine spezifisch ästhetische Bedeutung, und ihr
folgenreichster und – auf keinen Philosophen trifft dieses Attribut besser zu – wortgewaltigster Verkünder
Marita Rainsborough
134
este conceito ético da ciência em sua estética e ética de si. A arte pode então
ser entendida como ‘artificialidade’ e ‘cultura’, autocontrole com vistas ao
aperfeiçoamento e, além disso, como fruição estética. A ascese desempe-
nha um papel importante nisso: o exercício da ascese deve ajudar a evitar
o excesso:
Ascetismo não é a repressão, mas a regulação do prazer. Seu objetivo
não é a negação, mas a satisfação. O ideal ascético convencional de
negação do prazer não é um fato natural, mas o resultado de uma
longa tradição de discussão cristã a respeito deste tema (Nehamas,
2000, p. 283).249
E pode-se acrescentar: “porém a ascese é outra coisa. É o trabalho
que se faz sobre si mesmo para transformar-se ou para fazer aparecer esse
si que, felizmente, não se alcança jamais” (Foucault, 1981, p. 3). Foucault
adota de Nietzsche a conexão entre autonomia e perfeição. Em ambos
Früchtl descobre uma certa semelhança a Kant:
Ele [aqui se faz referência a Nietzsche, e subsequentemente a
ele, também a Foucault] leva a cabo o pensamento no qual Kant
descobre o princípio da ética, ou seja, que a liberdade é a obediência
à lei autoimposta. Ele leva a cabo esse pensamento porque o pensa
não apenas do ponto de vista da coletividade, mas também do
indivíduo; porque ele não o pensa, de forma mais acentuada,
primariamente do ponto de vista do coletivo, mas, inversamente,
do ponto de vista do indivíduo. A ética de Nietzsche formula uma
moral individualista da autonomia” (Früchtl, 1996, p. 159).250
ist Nietzsche.” – tradução nossa]
249 [“Der Asketismus ist nicht die Unterdrückung, sondern die Regulierung der Lust. Sein Ziel ist nicht die
Verleugnung, sondern die Befriedigung. Das konventionelle asketische Ideal der Lustverleugnung ist kein
natürlicher Tatbestand, sondern Ergebnis einer langen Tradition christlicher Auseinandersetzung mit
diesem ema.” – tradução nossa]
250 [“Er (gemeint ist hier Nietzsche und in Folge mit ihm Foucault) führt den Gedanken zu Ende, in dem Kant
das Prinzip der Ethik entdeckt, daß nämlich Freiheit der Gehorsam gegen das selbstgegebene Gesetz sei.
Er führt diesen Gedanken zu Ende, weil er ihn nicht nur unter der Perspektive der Allgemeinheit, sondern
auch unter der des Individuums denkt; weil er ihn, schärfer akzentuiert nicht primär unter der Perspektive
der Allgemeinheit, sondern umgekehrt unter der des Individuums denkt. Nietzsches Ethik formuliert eine
‘individualistische Autonomiemoral'.” – tradução nossa]
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
135
Encontramos em Nietzsche, e com ele em Foucault, um significa-
do individualista e perfeccionista do conceito de arte. Früchtl resume: “a
moral individualista da autonomia é uma moral estética da autonomia
(Früchtl, 1996, p. 161).251 Trata-se de dar um estilo ao seu caráter, o que
significa, entre outras coisas, unidade, harmonia na tensão, ordem e in-
confundibilidade. A filosofia torna-se teoria e prática da boa vida e está
próxima da arte.
A criação artística sugere a ideia de criatividade genial, liberdade
ilimitada e espontaneidade absoluta – ideias que Foucault viu
com absoluta suspeita ao longo de sua vida. Mas a contradição
finalmente se dissolve, porque o processo artístico e criativo está
sempre localizado historicamente. Nem sempre tudo é possível
a qualquer momento, porque os artistas também trabalham
no espectro de certas tradições, dentro das quais reorganizam e
manipulam o que está dado. Em termos estéticos, a vida individual
é comparável a este processo criativo (Nehamas, 2000, p. 281).252
Além disso, Kant é de importância decisiva para Foucault nesse pro-
cesso devido a sua concepção de esclarecimento e crítica, seu apelo a uma
saída” da menoridade autoinfligida e seu pressuposto da necessidade de
se criar uma esfera pública. Kant propaga uma atitude de coragem, um
ethos específico de autolegislação. Foucault liga esta atitude kantiana de
coragem à coragem grega de dizer a verdade (parrhêsia), de “dizer tudo”,
que pode estar associada ao risco de morte, o qual Sócrates não só exige
no contexto político, mas também compreende como atividade filosófica
geral que deseja mudar o modo de vida dos indivíduos em direção a uma
vida boa.253 As observações de Baudelaire sobre o dândi, com sua ênfase
na insurgância, coragem, autodisciplina e a desejada originalidade em um
251 [“Die individualistische Autonomiemoral ist eine ästhetische Autonomiemoral.” – tradução nossa]
252 [“Künstlerisches Schaffen legt den Gedanken an geniales Schöpfertum, unbeschränkte Freiheit und
absolute Spontaneität nahe – Vorstellungen, die Foucault sein Leben lang mit absolutem Mißtrauen
betrachtete. Doch löst sich der Widerspruch schließlich auf, denn auch der künstlerische Schaffensprozeß
ist immer historisch verortet. Nicht alles ist allezeit möglich, weil auch die Künstler im Rahmen bestimmter
Traditionen arbeiten, innerhalb derer sie das Gegebene neu arrangieren und manipulieren. In ästhetischer
Hinsicht ist das individuelle Leben diesem Schaffensprozess vergleichbar.” – tradução nossa]
253 “Coragem é uma característica central do Sócrates foucaultiano” [“Mut ist eine zentrale Eigenschaft des
Foucault’schen Sokrates” (Nehamas, 2000, p. 266). Nehamas fala, em relação ao falar a verdade, de uma
prática pública e de uma prática privada (Cf. Nehamas, 2000, p. 263).
Marita Rainsborough
136
culto de si, representam para Foucault também um exemplo da desejada
ética ou estética de si, que, no entanto, não deveria degenerar em egocen-
trismo. Früchtl afirma:
A favor de uma ética esteticamente perfeita, Foucault argumenta
especificamente no sentido do aperfeiçoamento da autonomia.
Foucault realiza sua concepção na conexão idiossincrática, mas
não obstinada, entre Kant e Baudelaire e na tradição da autonomia
moral individualista de Nietzsche (Früchtl 1996, p. 27).254
Foucault conecta o conceito de estilo de Nietzsche com a concepção
do dândi de Baudelaire e a busca pela maioridade e autonomia de Kant e
seu ethos crítico. Foucault, portanto, defende um “individualismo social-
mente responsável” (Früchtl, 1996, p. 148). Ele não ambiciona um hedo-
nismo: “assim como ele não se refere a Kierkegaard, ele também não vê
uma vida de prazer irrefletido como um ideal ético” (p. 148).255 No entan-
to, de acordo com Früchtl, ele suspeita de um anti-hedonismo irrefletido
que é hostil ao prazer físico e ao individualismo. “O hedonismo, nesta for-
ma, pode ser visto como uma possível variante da ‘estética da existência’”
(Früchtl, 1996, p. 148).256 Com o seu conceito de amizade, que apresenta
uma relação moldada pela estrutura da reciprocidade, ele tenta estabele-
cer um contraponto ao egocentrismo do conceito estético. Foucault pensa
de maneira maximalista e esteticamente perfeita (p. 182). “Essa tensão é
filosoficamente personalizada em Kant e Nietzsche. Em Foucault ela per-
manece sem solução, de modo que se pode falar de um Foucault kantiano
e nietzschiano, um liberal e um anarquista [...]” (p. 184).257 Sobre a recep-
ção de Foucault a Nietzsche, Früchtl constata o perigo de uma concepção
254 [“Zugunsten einer perfektionsästhetischen Ethik argumentiert Foucault dabei spezifisch im Sinne der
Vervollkommnung der Autonomie. In der eigenwilligen, aber nicht eigensinnigen Verbindung von Kant
und Baudelaire und in der Tradition von Nietzsches individualistischer Autonomiemoral führt Foucault
seine Konzeption durch.” – tradução nossa]
255 Ibid. [“Sowenig er auf Kierkegaard rekurriert, sowenig hat er als ethisches Ideal ein Leben des unreflektierten
Genießens vor Augen.” – tradução nossa]
256 [“Hedonismus kann in dieser Form als eine mögliche Variante der ‘Ästhetik der Existenz’ angesehen
werden.” – tradução nossa]
257 [“Philosophisch personalisiert sich diese Spannung in Kant und Nietzsche. In Foucault selbst bleibt sie
unaufgelöst, so daß man von einem kantianischen und nietzscheanischen, einem liberalen und einem
anarchistischen […] Foucault reden kann.” – tradução nossa]
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
137
totalizada de maioridade que leva a uma ética esteticamente fundamental.
No entanto, Foucault está sempre ciente desse perigo, ele é evitado em
particular pelos elementos kantianos de sua filosofia.
2.2.3.5 Sobre a relação entre Ética, eStÉtica e política
De acordo com Davidson, Foucault efetua um shift do Tu para o Eu
e critica: “since it is agreed by all that our duties to others are far greater
in number, complexity, and even interest than our duties to ourselves
(Davidson, 1996, p. 232). No entanto, para ele o Tu não perde significa-
do. Mesmo Sócrates, a quem Foucault se refere em particular no que diz
respeito ao seu conceito de autocuidado, era, segundo Nehamas, com o seu
procedimento dialógico, ao mesmo tempo orientado para a comunidade;
o objetivo era principalmente o autocuidado, mas ele só se tornou signi-
ficativo no contexto da polis. Em Davidson encontra-se, a este respeito, o
seguinte: “Foucault wanted to shift the emphasis to ‘how the individual
is supposed to constitute himself as a moral subject of his own actions’,
without, however denying the importance of either the moral code or the
actual behavior of people” (p. 228).258 Nesse contexto, Foucault coloca a
questão do objetivo do comportamento moral: “What is the goal to which
our self-forming activity should be directed?” (p. 229). Segundo ele, a arte
da vida é inconcebível sem que seja moldada a dimensão ética em uma
orientação política na qual ele define o objetivo do comportamento moral.
Ele diz:
Isto significa muito simplesmente que, no tipo de análise que desde
algum tempo busco lhes propor, devemos considerar que relações
de poder/governamentalidade/governo de si e dos outros/relação de
si para consigo compõem uma cadeia, uma trama e que é em torno
destas noções que se pode, a meu ver, articular a questão da política
e a questão da ética (Foucault, 2006, p. 307).
258 Davidson cita aqui Rabinow (1991, p. 337).
Marita Rainsborough
138
Nessa orientação política, a ética está tanto vinculada à autoforma-
ção do indivíduo quanto integrada a um contexto social que, de maneira
especial, deve levar os outros em consideração. Seel descreve a ética de
Foucault, de acordo com sua abordagem, como um tipo de ética agonal
(agonale Ethik): “sua ética permanece uma ética agonal dividida ao meio –
ela permanece sem analisar a disputa entre os componentes conflitantes
(Seel, 1999, p. 37).259 Ele critica: “sem um conceito positivo de moralidade
social, sem um olhar para o problema da limitação justa (equitativa ou
solidária) de interesses e demandas próprias ou dos outros, a renascença da
ética individual permanece um gesto estéril” (p. 37).260 Seel sente falta da
consideração aos “interesses igualitários dos outros indivíduos” (p. 37).261
Ele resume: “uma ética agonal não deve ser apenas uma ética da existência,
ela deve, ao mesmo tempo, ser uma ética da consideração pelos outros”
(p. 37).262 Segundo Seel, “uma ética agonal só é possível na forma de uma
teoria moral agonal” (p. 46),263 caso contrário “falta a dimensão do conflito
no qual o indivíduo (ou mesmo um coletivo) se encontra devido a suas
próprias orientações ao mesmo tempo egocêntricas e centradas na idade
(p. 47).264 Em sua crítica a Foucault, Seel negligencia, porém, o ponto de
vista de que também na preocupação consigo mesmo, como fica claro na
análise de Foucault da ética da antiguidade ou da antiguidade tardia, a pre-
ocupação com o outro ocupa um lugar importante: “o cuidado de si é ético
em si mesmo; porém implica relações complexas com os outros, uma vez
que esse êthos da liberdade é também um maneira de cuidar dos outros
(Foucault, 2017, p. 264).265 A consideração pelos outros está ancorada no
259 [“Seine Ethik bleibt eine halbierte agonale Ethik – sie bleibt ohne Analyse des Streits der einander
widerstreitenden Komponenten”. – tradução nossa]
260 [“Ohne einen positiven Begriff sozialer Moral, ohne einen Blick für das Problem der richtigen (gerechten
oder solidarischen) Begrenzung eigener und fremder Interessen und Ansprüche bleibt die Renaissance der
Individualethik eine unfruchtbare Geste”. – tradução nossa]
261 [“gleichberechtigten Interessen der anderen Individuen”. – tradução nossa]
262 [“Eine agonale Ethik darf nicht allein Ethik der Existenz, sie muß zugleich Ethik der Rücksicht auf andere
sein”. – tradução nossa] A partir desta crítica, Seel enfatiza a prevalência das concepções éticas de Martha
Nussbaum, omas Nagel e Bernhard Williams.
263 [“eine agonale Ethik nur in der Form einer agonalen Moraltheorie möglich” – tradução nossa].
264 [“fehlt jede Dimension des Widerstreits, in dem das Individuum (oder auch ein Kollektiv) durch seine
eigenen, zugleich ego- und alterzentrischen Orientierungen steht” – tradução nossa].
265 No Cristianismo, uma abnegação de si mesmo é prevista como “uma forma de amor de si mesmo, uma forma
de egoísmo ou de interesse individual …” e “um paradoxo no cuidado de si” (Foucault, 2017, p. 262).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
139
cuidado de si. Processos de negociação conflitantes estão envolvidos neste
processo. Seel também ignora o fato de que Foucault, apesar de seu modelo
de abertura histórica da moralidade, apresenta uma concepção positiva que
é menos moral no sentido estrito, mas, como um conceito sociopolítico,
contém componentes morais e tem uma orientação moral. Com o mode-
lo da amizade, a filosofia de Foucault prevê a inclusão dos interesses dos
outros e seu direito a uma vida igualmente realizada. Também de acordo
com Foucault, as concepções individuais podem entrar em conflito com
as concepções de vida dos outros e, portanto, requerem negociação indivi-
dual e coletiva. Para Foucault, o conflito não surge do código moral, mas
da posição do outro com sua orientação moral pertencente ao estilo de
vida pessoal. Segundo Foucault, a forma como os conflitos são tratados faz
parte do estilo ético/estético pessoal e, ao mesmo tempo, tem um caráter
eminentemente político. De acordo com a concepção de Foucault sobre
a autonomia humana, que deve ser vista em conexão com seu conceito
relacional e estratégico de poder, no qual a liberdade está logicamente an-
corada e que constitui o cerne de sua teoria da resistência, a consideração
pelos outros consiste na necessidade de dar aos outros espaços de liberdade
para o moldar de si mesmo. Assim, a liberdade de autocriação ética/estética
esbarra em limites que são determinados pela liberdade do outro. As im-
plicações políticas associadas devem estar integradas na busca ético-estética
individual e em uma tarefa comum de comportamento criativo e resis-
tente, o qual deve desembocar em uma constituição social que garanta a
liberdade individual que pressuponha, inclua e necessite da autoformação
do indivíduo. A ética do Eu implica o Nós.
2.2.3.6 Ética e eStÉtica em relação ao Sujeito
Embora o recurso de Foucault à filosofia antiga do período clássico
grego e à Stoa constitua ponto de abordagem central, ele deliberadamente
não é entendido como receita. A referência à estética, em particular, fornece
a individualização e contextualização da ética. Em sua concepção da vida
como obra de arte, Foucault remete à independência da arte. Distância,
Marita Rainsborough
140
estranheza e diferença em relação à liberdade de negar normas e de ser
autorreferencial são suas características especiais. É precisamente nesta
qualidade da estética que Foucault procura o ponto de partida para sua
aliança entre o estético e o ético. Para este fim, ele se baseia principalmente
na modernidade autônoma e, em menor medida, na arte contemporânea
do final do século XX. Foucault enfatiza particularmente o aspecto lúdico,
criativo e experimental da arte (Welsch, 1994, p. 12).
Ele privilegia um conceito de arte que se baseia no inovador, na rup-
tura e na transgressão do existente, não nos conceitos de arte observáveis
na história da arte e que são socialmente funcionais ou mimeticamente
orientados e, com isso, apresentam um alinhamento normativo. No que
diz respeito ao conceito foucaultiano de beleza e obra, Kersting fala incor-
retamente de um “subjetivismo da estética romântica” (Kersting, 2007, p.
28; tradução nossa).
O conceito de beleza de Foucault, que, no entanto, não é suficien-
temente definido por ele, deve ser entendido como historicamente mu-
tável, em concordância com o seu conceito de obra de arte desenvolvido
no ensaio O que é um autor?, conceito este que Foucault fortalece tendo
em conta a vida como obra de arte pessoal (Foucault, 1990, p. 135). Em
Foucault, o conceito de obra, assim como o conceito de autor, é compreen-
dido histórica e funcionalmente (Foucault, 2001a, p. 1003-1041).266
Suas observações filosóficas não tratam de uma teoria moral nem de
uma teoria da estética no sentido mais restrito. Sua ocupação com a ligação
entre ética e estética é de importância teórica subjetiva e teórica de poder
e está no contexto de sua orientação filosófica geral com sua dimensão
política de mudança do indivíduo e da sociedade. “Ética e política [...] não
são mais áreas separadas.267 Para Foucault, a estética deriva principalmente
da autonomia das pessoas. A estética é capaz de desafiar a heteronomia e
mostrar que a autodeterminação é possível. De fato: “Do fato da estética
pertencer à ética da boa vida, não se segue que aquela deva se fundir nesta
266 Correspondendo à tendência a ser observada em Foucault de transferir conceitos adquiridos em determinados
contextos teóricos para outras áreas, gostaria também de fazer valer esta ideia para o conceito de obra.
267 [“Die Ethik und die Politik sind […] keine getrennten Bereiche mehr” – tradução nossa]. Jambet, Christian:
“Konstitution des Subjekts und spirituelle Praxis”. Em: Ewald (1991, p. 239).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
141
ou está naquela.268 No que diz respeito à estética em Foucault, Hebel fala
em estabelecer um equilíbrio:
Talvez, no entanto, um exame mais atento mostre que apenas um
valor estético é capaz de, por um lado, manter o equilíbrio entre
ordem e liberdade sem derivar para a consolidação do poder de
dominação e padronização, ou, por outro lado, para uma expansão
rumo ao caótico e desumano (Hebel, 1990, p. 234).269
A estética do jogo, que prima pela transformação do sujeito, cen-
tra-se nos aspectos do distanciamento, da autoformação e do trato com
o outro, sobretudo a partir da ideia de governamentalidade, que, além
da condução dos outros, também abrange a arte de governar a si mes-
mo. Foucault formula um apelo para que enfrentemos a tarefa de moldar
nossas vidas individualmente no sentido do ethos kantiano da Crítica, ao
mesmo tempo em que nos moldamos e cumprimos nossa responsabilidade
humana e política. “Sim, pois o que é a ética senão a prática da liberdade, a
prática refletida da liberdade?” (Foucault, 2017, p. 261), afirma Foucault.
E continua: “A liberdade é a condição ontológica da ética. Mas a ética é a
forma refletida assumida pela liberdade” (p. 261). Ela também é eminente-
mente política: “A liberdade é, portanto, em si mesma política” (p. 264). A
ética ou estética de Foucault mostra-se assim o pilar de sua concepção po-
lítica, que prima por uma sociedade que possibilite maior autonomia de si.
O programa de autoformação de Foucault, na sua abertura, na sua exigên-
cia de autorreflexividade e na aplicação de técnicas e práticas de formação
de si, na sua concepção da vida como obra em termos estéticos e éticos e
em termos de procura por um estilo de vida comprometido e crítico de res-
ponsabilidade individual e social, tem um carácter exigente e demandante.
268 [“Aus dem Umstand, daß die Ästhetik zur Ethik des guten Lebens gehört, folgt nicht, daß jene in diese
oder diese in jener aufzugehen habe.“ – tradução nossa]. Seel, Martin: Ethisch-ästhetische Studien. Frankfurt
: Suhrkamp, 1996, p. 12. [Estudos ético-estéticos].
269 [“Vielleicht jedoch wird sich bei genauerer Untersuchung zeigen, daß nur ein ästhetischer Wert es vermag,
die Balance zwischen Ordnung und Freiheit zu halten, ohne in Verfestigung von Macht zu Herrschaft und
Normierung einerseits oder in eine Entgrenzung ins Chaotische und Inhumane andererseits abzudriften.
– tradução nossa]
Marita Rainsborough
142
2.2.4 economia, arte e afeto. economia do afeto e SeuS limiteS
na concepção filoSófica de michel foucault270
2.2.4.1 economia e afeto em foucault
O interesse de Foucault pela economia desenvolve-se com grandes
interrupções em sua obra. Em As Palavras e as Coisas, por exemplo, ele exa-
mina o saber das riquezas a fim de elaborar epistemes subjacentes dos sécu-
los XVII e XVIII. Também na história da governamentalidade, no volume
O nascimento da biopolítica (Foucault, 2008c) o foco de seu pensamento
está na economia. Foucault afirma que na prática de governo liberal e ne-
oliberal, o sucesso ou o fracasso tomam o lugar da questão da legitimidade
ou ilegitimidade do governo. No liberalismo, o novo tipo de racionalidade
na arte de governar, com o advento da economia política, o foco é na res-
trição ou limitação máxima da ação governamental e das práticas governa-
mentais em um estado mínimo – Foucault fala de um princípio limitador
(Foucault, 2008c, p. 41)271 –, com vistas à criação de um mercado livre que
garanta a verdade dos preços de acordo com o princípio da livre competi-
ção e da concorrência, o que conduz ao enriquecimento mútuo.272
270 Este capítulo foi publicado em inglês com poucas alterações irrelevantes: RAINSBOROUGH, Marita.
Economy, art and emotion. Emotional economy and its boundaries in the philosophical concept of
Michel Foucault. In: JUSTO, José Miranda; LIMA, Paulo Alexandre; SILVA, Fernando M. F. (org.).
Experimentation and Dissidence: From Heidegger to Badiou. Lisboa: CFUL, 2018a, p. 209-223.
271 Em outro lugar, Foucault fala de um “princípio regulador de um governo frugal” (Ibid).
272 Foucault aponta para o enriquecimento coletivo da Europa (Cf. Foucault, 2008c, p. 75). Ele continua:
essa ideia de um progresso que é um progresso europeu é, creio eu, um tema fundamental no liberalismo,
que, como vocês veem, no fundo derruba totalmente os temas do equilibro europeu, apesar de esses temas
não desaparecerem de todo (Foucault, 2008c, p. 75). Segundo Foucault, a consequência do livre mercado
enquanto princípio de governo é a expansão do mercado, um mercado mundial e, por fim, a globalização
(Cf. Foucault, 2004b, p. 86). Quero dizer, simplesmente, que talvez seja a primeira vez que a Europa
como unidade econômica, como sujeito econômico se apresenta assim ao mundo ou pensa a mundo como
podendo e devendo ser seu domínio econômico. É a primeira vez que a Europa, creio eu, aparece a seus
próprios olhos como devendo ter o mundo como mercado infinito. A Europa já não está simplesmente
em estado de cobiça em relação a todas as riquezas do mundo, que reluziam em seus sonhos ou em suas
percepções (Foucault, 2008c, p. 76). E segue: “ou seja, de um lado a Europa, os europeus é que serão aos
jogadores, e o mundo, bem, o mundo será o que está em jogo. O jogo é na Europa, mas o que está em jogo
é o mundo” (Foucault, 2008c, p. 76s). Foucault acredita que não vê aqui nem o início do colonialismo, que
já pode ser visto antes, nem do imperialismo, que só começa no século XIX: “Mas digamos que temos aí
o início de um novo tipo de cálculo planetário na prática governamental europeia. Desse aparecimento de
uma nova forma de racionalidade planetária, desse aparecimento de um novo cálculo com as dimensões do
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
143
Em outras palavras, o mecanismo natural do mercado e a formação
de um preço natural é que vão permitir – quando se vê, a partir
deles, o que o governo faz, as medidas que ele toma, as regras que
impõe – falsificar ou verificar a pratica governamental (Foucault,
2008c, p. 45).
E continua: “O mercado é que vai fazer que o bom governo já não seja
somente um governo justo. O mercado é que vai fazer que o governo, agora,
para poder ser um bom governo, funcione com base na verdade” (Foucault,
2008c, p. 45). Ele designa o marcado como “princípio de verdade” (p. 45).273
A tarefa do direito público, nestas condições, apresenta-se da seguinte forma:
como pôr limites jurídicos para o exercício de um poder público” (Foucault,
2008c, p. 51). As mudanças associadas a isso acontecem em duas direções.
Por um lado, na base do direito natural, partindo do pressuposto da ideia
básica da intransferibilidade de certos direitos no sentido dos direitos hu-
manos, Foucault chama a este caminho de caminho revolucionário, uma
continuidade do pensamento de teóricos do direito natural. E, por outro
lado, partindo do princípio da utilidade, o caminho radical. “O limite de
competência do governo será definido pelas fronteiras da utilidade de uma
intervenção governamental” (Foucault, 2008c, p. 55).274 Foucault consta-
ta neste contexto: “utilitarismo é uma tecnologia do governo” (Foucault,
2008c, p. 56). A partir disto, tem-se dois conceitos diferentes de liberdade:
liberdade como o exercício de direitos fundamentais e liberdade como inde-
pendência dos governados em relação aos governantes (p. 57). Os sistemas
daí resultantes são heterogêneos e discrepantes e levam a uma ambiguidade
no liberalismo europeu dos séculos XIX e XX, na medida em que a lógica da
estratégia requer a lógica de vinculação do heterogêneo (p. 57).
Assim, mostra-se que o caminho radical foi mais forte do que o revo-
lucionário dos direitos humanos e prevaleceu em maior medida: “entramos,
a partir do início do século XIX, numa era em que o problema da utilidade
abrange cada vez mais todos os problemas tradicionais do direito” (Foucault,
2008c, p. 60). Foucault define troca e utilidade como os dois pontos de
mundo, creio que podemos encontrar muitos indícios. Cito apenas alguns deles” (Ibid).
273 O mercado era um ‘mercado de jurisdição’ (Cf. ibid).
274 E continua: “Colocar a um governo, a cada instante [...] a questão: é útil? é útil para quê? dentro de que
limites é útil? a partir de que se torna inútil? a partir de que se torna nocivo?” (Ibid).
Marita Rainsborough
144
ancoragem da técnica liberal do governo: “troca para as riquezas, utilidade
para o poder público: eis como a razão governamental articula os princípios
fundamentais da sua autolimitação. Troca de um lado, utilidade do outro
(p. 60s). Foucault constata, “que a limitação do seu poder não seja dada pelo
respeito à liberdade dos indivíduos, mas simplesmente pela evidencia da aná-
lise econômica que ele saberá respeitar”(p. 84). Além da criação de liberdade,
essa forma de governamentalidade trata também, ao mesmo tempo, de sua
limitação. O problema da segurança está intimamente relacionado à arte
liberal de governança: proteção dos interesses individuais assim como prote-
ção dos interesses coletivos frente aos individuais, de tal forma que funcione
como o “jogo liberdade e segurança” (p. 89).275 Essas tendências se intensifi-
cam no final do século XX e início do século XXI, de modo que o dispositivo
da segurança avançou como um dos mais importantes fenômenos de estru-
turação social, momentos estes que Foucault analisa em sua obra Segurança,
Território, População (Foucault, 2008b). Nesse contexto, uma ‘cultura do
perigo’ emergiu no século XIX, consistindo em uma ‘invasão dos perigos co-
tidianos’ e um ‘acirramento do medo do perigo’ (Foucault, 2008b, p. 80s).276
O surgimento do gênero da narrativa criminal pode ser citado como um
exemplo literário disso. Percebe-se que as formas de governança constituem
o modo do sujeito de maneira específica, também no que diz respeito à sua
emocionalidade e afetividade, como, por exemplo, no sentimento de medo,
ameaça e insegurança. As características listadas são reforçadas e expandidas
no neoliberalismo:
Neoliberalism, according to Foucault, extends the process of
making economic activity a general matrix of social and political
relations, but it takes as its focus not exchange but competition
(Foucault, 2008: 12). What the two forms of liberalism, the
classical’ and ‘neo’ share, according to Foucault, is a general
idea of ‘homo economicus’, that is, the way in which they place
a particular ‘anthropology’ of man as an economic subject at the
basis of politics (Binkley; Capetillo, 2009, p. 4).
275 Continuando, afirma: “segunda consequência desse liberalismo e dessa arte liberal de governar é a
formidável extensão dos procedimentos de controle, de pressão, de coerção que vão constituir como que a
contrapartida e o contrapeso das liberdades” (Foucault, 2008c, p. 91).
276 Foucault menciona neste contexto o aparecimento de romances criminais. E Foucault segue: “Não há
liberalismo sem cultura do perigo” (Foucault, 2008c, p. 91).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
145
Como homo oeconomicus, o sujeito neoliberal está voltado à compe-
tição e se transforma cada vez mais em empresário de si mesmo. “As neoli-
beralism takes root as a widespread cultural discourse, the market-centric
economic calculation – and all its attendant profit-seeking epistemologies
and individualistic social ontologies – becomes the mode of rationality for
self-reflection and the barometer for individual success” (Winnubst, 2013,
p. 466).277 A forma do sujeito no neoliberalismo é definida por Foucault
como ‘subject of interests’.
Foucault caracterizes these ‘interests’ as the bedrock for all decisions:
‘[the] principle of an irreducible, non-transferable, atomistic
individual choice which is unconditionally referred to the subject
himself’ (C-BB, 272). Interests are those irrational and sometimes
ineffable connections, whether positive or negative, that we have to
experience; they are the reasons we care about things; they are what
psychoanalysis calls cathexes (ibid.).
Esta escolha está relacionada com a ansiada otimização de si mesmo:
“in the social rationality of neoliberalism, these ‘interests’ are unhinged
from fulfilling any need or lack or desire: they are detached from any regis-
ter of evaluation other than that of endless self-enhancement” (Winnubst,
2013, p. 467). O neoliberalismo liga-se também com excesso: “too much
is never enough” (p. 467). Em Winnubst isso significa: “it lays claim to
excess as its central social value – and thus kills it” (p. 467). E continua:
“it also tells us the truth of neoliberalism: the excess is not, finally, what
it claims to be. Indeed, as both Bataille and Foucault see so lucidly, forms
of human living in the twentieth century know nothing of real pleasure,
nothing of jouissance” (p. 467). A proliferação de afetos não tem caráter
libertador, mas vincula o sujeito em relações de poder onde prevalece o
ser-governado. Para Foucault, entre outras coisas, o conceito de estética ou
ética de si deriva dessas observações, nas quais é tematizada a formação de
277 E continua: “e fundamental values of work and utility that are sanctified in the infamous Protestant
work ethic are thus fading from prominence in the contemporary milieu of neoliberalism. While we may
still express allegiance to them, particularly, as in the US, as well-worn vehicles for xenophobic nationalism,
we reserve our true admiration for those who achieve economic success with the smallest effort or labor: the
great entrepreneurial innovation is great precisely because it grants success with minimal effort. ‘Maximize
interest, minimize labor!’ is becomes the slogan of these neoliberal times” (Ibid.).
Marita Rainsborough
146
si por meio de si, a fim de se fazer uma contraposição a esta visão econômi-
ca de si no processo de subjetivação. “Particularly in the rise of the neolibe-
ralism that we are currently witnessing across the globe, this examination
of economics is central to the shared Bataillean-Foucauldian projects of
rethinking the possibilities for living meaningful lives – of rethinking ethi-
cs” (Winnubst, 2013, p. 468). Para isso, lidar com o econômico em suas
variadas dimensões é indispensável.
2.2.4.2 limiteS da economia do afeto em foucault
Foucault entende o termo economia, por um lado, no sentido mais
estrito como a doutrina da riqueza e, por outro, como um modo de so-
cialização que caracteriza as relações de poder, relações essas que incluem
particularmente a disciplina, a normalização e a sexualização, momentos do
ser-governado próprios do sujeito. Segundo Foucault, deve-se pensar tanto
no ‘poder da economia’ quanto na ‘economia do poder’ (Krämer, 2011, p.
13; tradução nossa), havendo uma “compreensão descentralizada de econo-
mia e de poder”, uma “micro-macro-economia do poder” (p. 13). Pode-se
falar de uma “descentralização da economia” (p. 21)278 e, ao mesmo tempo,
também de uma descentralização do conceito de poder, o qual entende o
poder de forma produtiva, procedendo calculista ou economicamente de
acordo com o princípio da racionalidade.279 Krämer afirma: “Ao fazê-lo, ele
descentra e ‘destrona’ o conceito de economia e o coloca no complexo campo
das relações de força” (Krämer, 2011, p. 77).280 Ele afirma:
Com a aceitação da ‘economia política do corpo’, o conceito de
economia de Foucault é ampliado para incluir as dimensões de
278 Krämer remete aqui a William Walters.
279 Do ponto de vista da estratégia de poder, os processos também podem se provar “não econômicos”. Assim,
também é possível falar em aumento de eficiência no que diz respeito à aplicação de estratégias de poder:
A economia política do corpo tenta otimizar e racionalizar essa relação entre input e output por meio da
microfísica do poder e da anatomia política” (Krämer, 2011, p. 37). Tipos historicamente diferentes de
racionalidade devem ser assumidos (Cf. Krämer, 2011, p. 99).
280 [“Damit dezentriert und ‘entthronisiert’ er den Ökonomiebegriff und stellt ihn in das komplexe Feld von
Kräfteverhältnissen.” – tradução nossa]
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
147
disciplina e normalização. [...] Até certo ponto, ele ‘destrona’ a
economia ao removê-la de seu contexto de significado até então
ligado ao trabalho, à produção de mercadorias e aos eventos de
mercado e colocá-la no campo politicamente explosivo das
complexas relações socias de poder. [...] Com isso, Foucault
direciona-se ao mesmo tempo contra uma visão centralista de uma
totalidade capitalista-econômica como entidade transcendente e
eternamente válida (Krämer, 2011, p. 20).281
E ainda: “[A] economia capitalista [é] ela própria algo socialmente
construído [...], pelo que é, no entanto, capaz de abrir um novo campo de
racionalidade e de acesso operativo à intervenção política” (Krämer, 2011,
p. 56).282
Formas de governamentalidade e de processos de subjetivação es-
tão cada vez mais no foco de interesse de Foucault, que dizem respeito
igualmente à constituição da afetividade. “A domesticação das paixões
mostra que mesmo os primeiros esboços liberais visam principalmente à
formação do sujeito. O sujeito experimenta um impulso de racionalização
(Michalitsch, 2006, p. 63).283 E continua: “a primeira inovação essencial
281 [“Mit der Annahme der ‘politischen Ökonomie des Körpers’ erhält der Ökonomiebegriff bei Foucault
die entscheidende Erweiterung um die Dimensionen der Disziplinierung und der Normalisierung.
[…] Er ‘entthronisiert’ die Ökonomie gewissermaßen, indem er sie aus ihrem bisherigen mit Arbeit,
Warenproduktion und Marktgeschehen verbundenen Bedeutungsrahmen herauslöst und in das politisch
brisante Feld von komplexen sozialen Kräfteverhältnissen stellt. […] Damit richtet sich Foucault gleichzeitig
gegen eine zentralistische Auffassung einer kapitalistisch-ökonomischen Totalität als transzendente und
ewig gültige Entität.” – tradução nossa]
282 [“‘[D]ie kapitalistische Ökonomie’ [ist] selbst etwas sozial Konstruiertes und ‘Gewordenes’ […], wobei sie
dennoch ein neues Feld der Rationalität und des operativen Zugriffs politischer Intervention zu eröffnen
vermag. – tradução nossa].
283 [“An der Domestizierung der Leidenschaften zeigt sich, daß schon die frühliberalen Entwürfe vorrangig
auf die Formierung des Subjekts zielen. Das Subjekt erfährt einen Rationalisierungsschub.” – tradução
nossa] Em outro lugar, afirma: “A domesticação liberal inicial das paixões por interesses está agora sendo
desenvolvida para a ponderação que reduz custos e benefícios. Racionalidade agora significa cálculo
orientado para o mercado, cálculo que maximiza a utilidade” (Michalitsch, 2006, p. 66). [“Die frühliberale
Domestizierung der Leidenschaften zu Interessen wird nun zur reduzierten Abwägung von Kosten und
Nutzen weiterentwickelt. Rationalität bedeutet nun am Markt orientiertes, nutzenmaximierendes Kalkül.
– tradução nossa] E: “O cálculo agora também determina o relacionamento consigo. As paixões parecem
extinguir-se, em seu lugar entra a paixão como mercadoria, calculada, simulada no que tange à sua
possibilidade de comercialização. Com isso, o processo de domesticação na simulação encontra um fim
privisório. A economização do social leva à formação economizada da subjetividade” (Michalitsch, 2006,
p. 98). [“Das Kalkül bestimmt nun auch das Selbst-Verhältnis. Die Leidenschaften scheinen ausgelöscht,
an ihre Stelle tritt die kalkulierte, im Hinblick auf ihre Marktfähigkeit simulierte Leidenschaft als Ware.
Damit findet der Prozeß der Domestizierung in der Simulation ein vorläufiges Ende. Die Ökonomisierung
des Sozialen mündet in die ökonomisierte Formierung von Subjektivität.” – tradução nossa] E ainda: “O
Marita Rainsborough
148
do neoliberalismo consiste na expansão do mercado, que abrange não só o
Estado, mas também o sujeito” (Michalitsch, 2006, p. 93).284 E:
Esse esboço inicial da domesticação das paixões visando à formação
da subjetividade é radicalizado no contexto neoliberal. A razão é
reduzida a cálculo. Paixões – sinais do imprevisível, do irracional
– não são apenas amansadas a interesses, mas completamente
eliminadas, porque o cálculo do mercado determina, além de todas
as áreas da vida, também a relação consigo mesmo (Michalitsch,
2006, p. 149).285
Por outro lado, a paixão se torna, de forma crescente e rápida, uma
mercadoria. A governança neoliberal se apresenta como “uma forma pro-
motora da liberdade de exercício do poder” (Krämer, 2011, p. 116). A
esse tornar-se sujeito, Foucault acrescenta o aspecto da autoformação pelo
uso de autotecnologias. O conceito de governamentalidade permite-lhe
pensar esses aspectos em conjunto, de forma que além do ser governado,
acesso ao indivíduo ocorre em nível cognitivo, emocional e social” (Michalitsch, 2006, p. 100). [“Der
Zugriff auf das Individuum erfolgt auf kognitiver, emotionaler und sozialer Ebene” – tradução nossa]
A autora descreve os efeitos emocionais com as seguintes palavras: “No aspecto emocional, conexões
entre sentimentos negativos e relações sociais não podem ser estabelecidas. Insegurança, medo do futuro,
indiferença e resignação são o resultado e levam ao recuo das emoções ou ao aumento da agressividade,
que se manifestam na esfera social como exclusão, competição e falta de solidariedade. (Cf. Gerlach, 2001,
p. 173s.).” (Ibid.) [“In emotionaler Hinsicht können Zusammenhänge von negativer Befindlichkeit und
gesellschaftlichen Verhältnissen nicht hergestellt werden. Verunsicherung, Zukunftsangst, Gleichgültigkeit
und Resignation sind die Folge und führen zur Rücknahme von Emotionen oder verstärkter Aggressivität,
die sich im Sozialen als Ausgrenzung, Konkurrenz und Entsolidarisierung manifestieren.” – tradução nossa]
E prossegue: “O resultado são identificações autoalienantes, despolitização e privatização da existência
individual, resignação, indiferença – especialmente em relação à democracia – desenvolvimento de uma
realidade de vida percebida como impossível de influenciar e desistoricização da consciência social e
individual, entretanto, essas consequências garantem a produção de capital humano adequado à exploração.
(Ibid.) [“Selbstentfremdende Identifikationen, Entpolitisierung und Privatisierung individueller Existenz,
Resignation, Gleichgültigkeit – insbesondere gegenüber Demokratie –, Entwicklung der als unbeeinflußbar
wahrgenommenen Lebensrealität und Enthistorisierung gesellschaftlichen und individuellen Bewußtseins
sind die Folge, stellen jedoch die Produktion verwertungsgerechten Humankapitals sicher.” – tradução
nossa] E: “Somente esta domesticação das paixões permite, em última análise, a autonomia da economia
(Michalitsch, 2006, p. 148). [“Erst diese Domestizierung der Leidenschaften erlaubt letztlich die
Autonomisierung der Ökonomie.” – tradução nossa].
284 [“Die erste wesentliche Neuerung des Neoliberalismus besteht in der Entgrenzung des Marktes, die nicht
nur den Staat, sondern auch das Subjekt erfasst.” – tradução nossa]
285 [“Dieser frühe auf die Formierung von Subjektivität zielende Entwurf der Domestizierung der Leidenschaften
wird im neoliberalen Kontext radikalisiert. Vernunft wird zum Kalkül reduziert. Leidenschaften – Zeichen
des Unberechenbaren, Wider-Vernünftigen – werden nicht nur zu Interessen gezähmt, sondern gänzlich
ausgeschaltet, denn Marktkalkül bestimmt wie sämtliche Lebensbereiche auch das Selbst-Verhältnis.” –
tradução nossa]
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
149
o governar a si mesmo, a autogestão, avançam cada vez mais a aspecto
central da filosofia foucaultiana.286 O aspecto da autoconstituição aparece
ao lado do da constituição estrangeira do sujeito: ética e estética adquirem
importância. Neste contexto, os limites da economia do afeto no conceito
filosófico de Foucault são claramente demarcados e a arte passa a ter um
significado especial.
2.2.4.3 afeto, literatura e arte em michel foucault
No murmúrio da linguagem, a literatura apresenta uma proximi-
dade com a loucura, que representa o outro da razão. A alteridade da li-
teratura, que define sua especificidade, faz da literatura um contradiscur-
so. Literatura e filosofia, portanto, mostram-se parceiras no pensamento.
A preocupação de Foucault com a literatura tem seu ponto de partida
na ontologia da linguagem, na autorreferencialidade da linguagem, que
ele mostra a partir da literatura de Raymond Roussel, e seu potencial de
transgressão. Nesse contexto, Foucault recorre a Bataille, de Sade, Artaud,
Blanchot, etc., cada um em determinado aspecto. Que significado, função
e posição resultam para a literatura no contexto geral de sua filosofia? Que
ligação pode ser estabelecida entre afeto e literatura? O desejo revela-se,
nas representações ficcionais de literatura, como foco de suas declarações
sobre os vários escritores. Enquanto na transgressão de Sade a forma de
poder disciplina aparece de forma narrativa, em Bataille há um desejo de
autotransgressão enquanto forma de êxtase na experiência sexual, como na
morte; em Artaud, o foco está no sentimento de corporeidade, está ligado à
possibilidade de expressão do corpo e culmina em grito, e com Klossowski
uma experiência sexual-mítica. Segundo Blanchot, a literatura vai ao ex-
tremo e representa a possibilidade de experimentar a impossibilidade, a
linguagem literária incorpora contradição, incompreensão e incerteza. O
espaço da literatura de Blanchot é um espaço de ‘despojamento’ do eu. No
286 Em Krämer afirmar-se: “A análise de Foucault dos processos de transformação em nossa episteme
ocidental mostrou que nem a liberdade nem o domínio são entidades imutáveis” [“Foucaults Analyse der
Transformationsprozesse in unserer abendländischen Episteme zeigte, dass weder Freiheit noch Herrschaft
unveränderliche Entitäten sind” (Krämer, 2011, p. 129).
Marita Rainsborough
150
campo das artes visuais, Foucault nomeia, nesse sentido, a arte de Bosch e
Goya. A literatura e a arte devem ser vistas como áreas de ‘experiência do
externo’ e, assim, devem possibilitar experiências de limite – também na
área da loucura.
Segundo Foucault, o saber associado a ela já foi excluído do pensa-
mento moderno nas meditações de Descartes. Nas várias concepções de
literatura de Foucault, torna-se evidente, por um lado, a possibilidade de
outras formas novas e excessivas de afetividade no literário e, por outro,
também da constituição afetiva do sujeito por meio de quase-discursos
que trazem consigo a formação e regulação de sentimentos que sustentam
a governabilidade do sujeito.
A arte moderna,287 em suas diferentes áreas como a literatura e a
pintura, é, segundo Foucault, portadora de “cinismo”, o “cinismo da cul-
tura voltada contra ela mesma” (Foucault, 2011b, p. 165) e assim se tor-
na a “portadora daquele princípio de correspondência entre estilo de vida
e escândalo da verdade” (p. 158) inseridos em sua análise da parresía. A
questão é “desnudar, desmascarar, expor, desenterrar e devolver à força o
elementar da existência” (p. 159). Foucault afirma neste contexto:
Há um antiplatonismo da arte moderna que foi o grande escândalo
de Manet e que, a meu ver, sem ser a caracterização de toda a
arte possível atualmente, foi uma tendência profunda que vocês
encontram de Manet a Francis Bacon, de Baudelaire a Samuel
Beckett ou Burroughs. Antiplatonismo: a arte como lugar de
erupção do elementar, desnudamento da experiência (Foucault,
2011b, p. 165).288
Foucault afirma: “E com isso a arte estabelece com a cultura, com
as normas sociais, com os valores e os cânones estéticos uma relação po-
lêmica de redução, de recusa e de agressão” (Foucault, 2011b, p. 165). E
287 Foucault se refere aqui em particular a artistas do modernismo clássico como Manet, Klee e Kandinsky.
Ao analisar sua arte, Foucault mostra rupturas no visual, nas quais o invisível se torna visível. Fenômenos
semelhantes também podem ser observados no visual com a mudança de epistemes ou regras de discurso.
Foucault quer dar a esta área a sua independência e não a coloca na área do indizível. No tocante à questão
da representação, Magritte aproxima Foucault da arte.
288 Foucault também fala de um antiaristotelismo na arte moderna.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
151
continua: “E se não é simplesmente na arte, é na arte principalmente que
se concentram, no mundo moderno, em nosso mundo, as formas mais
intensas de um dizer-a-verdade que tem a coragem de assumir o risco de
ferir” (p. 165). ‘Agressão’ e ‘vulnerabilidade’ apontam para uma emociona-
lidade mobilizada no dizer-a-verdade artístico, tanto no processo criativo
quanto no de recepção, emocionalidade que se vincula existencialmente a
uma crítica experimental e possibilita o irromper da economia dos afetos.
A tese da parresía da arte moderna pode ser entendida como uma retoma-
da e intensificação do conteúdo das reflexões de Foucault sobre a ontolo-
gia da linguagem e seu conceito de literatura como contradiscurso. Nesse
contexto, a arte está se tornando cada vez mais uma forma especial do
dizer-a-verdade. Também neste ponto, mostra-se a tendência de Foucault
de retomar um fio relacionado ao conteúdo de uma maneira processual,
expansiva, que desloca, e em contextos mais amplos, incorpora e especifica.
Em Foucault, a ontologia da linguagem é cada vez mais integrada à ontolo-
gia do sujeito. A literatura moderna e a arte como forma de dizer-a-verdade
combinam a existência artística, a criação da arte e a coragem de dizer-tudo
no sentido da crítica e retomam a concepção de Foucault da arte como
um contradiscurso no contexto de suas considerações teóricas do sujeito.
A premissa metodológica do a priori histórico no contexto de um nexo de
saber, poder e sujeito também se mostra na investigação genealógica das
formas de subjetivação associadas ao dizer-a-verdade no quadro da ética ou
da estética de si.
Com referência à fotografia de Duane Michals, Foucault enfatiza a
importância do pensar e do sentir no processo de recepção das artes visuais.
Segundo Foucault, a arte deve possibilitar experiências e a penetração em
novas áreas de experiência. É o que diz no trecho seguinte: “O tempo pode
trazer mudanças, envelhecimento e morte, mas pensar e sentir são mais
fortes do que isso. Só eles são capazes de ver suas dobras invisíveis e torná-
las visíveis” (Foucault, 2005a, p. 302).289 E continua: “Ele [referindo-se a
Duane Michals] o convida a assumir o papel indefinido de um leitor ou
espectador e sugere a ele pensamentos ou sentimentos (pois os sentimentos
289 [“Die Zeit mag Veränderungen, Alter und Tod bringen, doch Denken und Fühlen sind stärker als sie. Nur
sie vermögen ihre unsichtbaren Falten zu sehen und sichtbar zu machen.” – tradução nossa]
Marita Rainsborough
152
movem a alma e se espalham espontaneamente de alma para alma)”
(Foucault, 2005a, p. 300).290 Nesse processo, o invisível deve se tornar
visível. Além da importância do pensamento, Foucault enfatiza claramente
o sentimento como dimensão que amplia o conhecimento na produção e
recepção da arte. Na vivência artística, o que se tem é a transformação do
sujeito, com consideração especial da sensação, sentimento e afeto. No que
se refere ao filme, Foucault enfoca em particular a experiência físico-afetiva,
o que vemos passa a fazer parte do nosso corpo. Isso também leva a uma
experiência histórica específica que vai além do saber.291 O efeito singular
do filme sobre o corpo humano no processo de recepção, o qual é causado
pelo seu modo de presença, afeta o ser humano em sua relação com o
mundo de forma abrangente e, além disso, tem uma dimensão teórica da
ação. É importante também a referência ao sonhador e ao possível, para
que possamos assumir com Foucault uma função formadora do sujeito do
filme – combinada com um efeito de mudança do sujeito. Ao olhar para
as mídias artísticas individuais, a estreita conexão entre arte, corporeidade
e formação do afeto torna-se clara em Foucault.
Foucault prefere os termos afeto e afetividade como termos hiperô-
nimos para diferentes tipos e intensidades de sentimento.292 Embora ele
não ofereça uma teoria dos sentimentos no sentido mais estrito, a afetivi-
dade é crucial em seu conceito filosófico. O tornar-se sujeito e a construção
da emocionalidade devem ser analisados em ligação estreita e estão inseri-
dos em um contexto social e político. Os afetos implementam posições do
sujeito em conexão com a aplicação de práticas de poder, especialmente em
contextos institucionais, e as ancoram no corpo do indivíduo (Foucault,
2001b, p. 1622-1628). Os sentimentos estão sujeitos a um ‘apaziguamen-
to’ constante, como Foucault deixa claro usando o exemplo da raiva e do
ressentimento. No que diz respeito ao desejo, ele fala em “the normalisa-
290 [“Er [gemeint ist Duane Michals] lädt ihn ein, die unbestimmte Rolle eines Lesers oder Betrachters zu
übernehmen, und legt ihm Gedanken oder Gefühle nahe (denn die Gefühle bewegen die Seele und
verbreiten sich spontan von Seele zu Seele).” – tradução nossa]
291 Foucault afirma: “Ela faz parte não do que sabemos, mas de nosso corpo, de nossa maneira de agir, de
fazer, de pensar, de sonhar e, bruscamente, essas pequenas pedrinhas enigmáticas que estavam em nós
desencalham.” E continua: “Não podemos indagar o cinema a respeito do poder, ele seria inteiramente
perdedor.” Em: Foucault, (2016, p. 85s).
292 Com essa preferência, Foucault se insere na tradição filosófica desde a Antiguidade até o século XVII. Veja,
para isso, Hübsch, 1999, p. 137-150.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
153
tion and domestication of pleasure” (Winnubst, 2013, p. 467). No entan-
to, ainda permanece um potencial de resistência associado aos afetos, que
Foucault associa em particular à autoformação da afetividade por meio de
autotecnologias – incluindo a leitura e a escrita – no quadro de sua ética
ou estética de si. Portanto, os afetos são mutáveis e capazes de elaboração,
apesar de sua tendência à fixidez. Um exemplo dessa autoformação no sen-
tido de dessubjetivação e dessubjugação pode ser encontrado no dandismo
de Baudelaire como forma de estilização do eu no mundo da vida e no
mundo literário. Foucault entende a afetividade como constituída e sujei-
ta à formação discursiva e dispositiva, como também, ao mesmo tempo,
a uma possível autoformação. Isso se aplica igualmente à conexão entre
formação do afeto e economia. A economia do afeto, portanto, também
pode ser encontrada no campo da literatura e das artes visuais, mas as artes
plásticas também podem ser vistas como uma área especial de limites da
economia do afeto – como uma área que permite a transgressão de limites
e a transformação do sujeito.
De modo geral, pode-se falar de um “potencial diagnóstico contem-
porâneo dos estudos da governamentalidade de Foucault” (Krämer, 2011,
p. 129).293 Foucault sempre conecta o termo economia “com formas de
racionalidade política de práticas” e examina “campos da racionalidade do
exercício do poder” (Krämer, 2011, p. 123),294 em que a racionalidade
particular do neoliberalismo assume a forma da proliferação de afetos. A
metáfora da economia dos afetos refere-se a processos de subjetivação, por
exemplo, por meio do disciplinamento e da biopolítica, nos quais também
está envolvida a formação de sensações, humores, sentimentos e afetos. A
formação do sujeito por meio de formas micro e macrofísicas de poder faz
com que o sujeito apareça determinado de forma heterônoma, entre outras
coisas pelos processos de formação de afeto envolvidos. Nesse contexto, a
literatura e as artes visuais, em sua constituição discursiva ou quase-discur-
siva, também contribuem para a economia do afeto e para a economia da
formação do afeto. A constituição discursiva e dispositiva do sujeito tam-
bém se dá por meio de quase-discursos (Quasidiskurse) na literatura e nas
293 [“gegenwartsdiagnostischen Potential der Foucaultschen Gouvernementalitätsstudien” – tradução nossa]
294 [“mit Formen der politischen Rationalität von Praktiken” / “Felder der Rationalität der Machtausübung
– tradução nossa]
Marita Rainsborough
154
artes visuais e por meio de dispositivos culturais, mas, por outro lado, essas
áreas também liberam em grande medida possibilidades de resolução de
economias de afeto e de sua transformação. Para Foucault, a arte se torna
até mesmo uma medida do estilo de vida e um modelo de vida livre, auto-
determinada e com responsabilidade ética. A consideração da literatura e
das artes visuais está relacionada à visão ético-estética de Foucault de que a
vida deve se basear no exemplo da arte.
“O que me surpreende é que, em nossa sociedade, a arte não tenha
mais relação com os objetos, e não com os indivíduos ou com a vida;
e também que a arte seja um domínio especializado, o domínio
dos peritos que são os artistas. Mas a vida de todo indivíduo não
poderia ser uma obra de arte? Por que um quadro ou uma casa são
objetos de arte, mas não nossa vida?” (Foucault, 2014a, p. 222).
Em analogia à arte e com recurso a ela, o eu é estilizado em um
sujeito ético autônomo com a ajuda da aplicação de tecnologias de si –
também do ponto de vista político. Com isso, Foucault tenta se aproximar
de um desiderato político. Ele afirma: “‘Existe uma ciência do governar,
mas nenhuma do não querer ser governado’” (Foucault em Krämer, 2011,
p. 121).295 Isso precisa ser desenvolvido. Para isso, o saber dos modos de
economia dos afetos e seus limites é igualmente essencial. No que diz res-
peito à formação do sujeito, em uma virada ético-política, arte e estética
desempenham um papel proeminente.
2.2.5 afeto. corpo. deSejo. emocionalidade em michel
foucault e judith butler
2.2.5.1 Sujeito e conStrução do afeto
Como ficou claro, a constituição do sujeito está em grande medida
ligada à construção da afetividade. Ela desempenha um papel decisivo tanto
para a formação heterônoma do sujeito quanto para a aplicação de técnicas
295 [“Es gibt eine Wissenschaft des Regierens, aber keine des Nicht-regiert-werden-Wollens.” – tradução nossa]
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
155
de libertação que promovam sua autonomia e conduzam a uma mudança
no modo de ser do sujeito. Os termos emoção, sentimento, afeto, humor
e sensação nem sempre podem ser claramente distinguidos uns dos outros
e são definidos ou delimitados de formas diferentes em certos contextos
teóricos. De acordo com o entendimento corrente, os sentimentos, via de
regra, têm uma subjetividade mais forte, ou uma relação mais forte com
o sujeito, e as sensações se referem mais aos estados relacionados ao regis-
tro de dados sensoriais. Em contraste, humores significam principalmente
tons duradouros da sensação humana diante da vida. As emoções são ge-
ralmente vistas como estados de excitação e os afetos representam fortes
excitações no sentimento das pessoas em relação à vida. São excitações
intensas e temporárias, geralmente associadas ao estreitamento da cons-
ciência e a expressões físicas, como punhos cerrados, rubor e choro, e aos
diferentes estágios do curso do processo. Foucault mostra uma preferência
pelos termos afeto e afetividade como hiperônimos para diferentes tipos e
intensidades de sentimentos. Embora ele não desenvolva uma teoria dos
sentimentos no sentido mais estrito, a afetividade é crucial em sua concep-
ção filosófica. Na obra de Foucault, o tornar-se sujeito e a construção da
emocionalidade estão intimamente relacionados e estão em um contexto
social e político. A constituição do sujeito por meio de discursos em sua
constituição dispositiva e por meio de operações estratégicas de poder, que
também representam um desempenho construtivo do indivíduo, refere-se,
ao mesmo tempo, à formação de afetos e emoções, a sua mutabilidade, ao
tipo de regulação do afeto e à encenação dos sentimentos. “Os sentimentos
não são apenas ‘subjetivos’, mas também decisivos para a constituição da
subjetividade” (Henckmann, 2004, p. 56).296
Faz parte do processo de tornar-se sujeito a formação de afetos e
sentimentos. Eles estão vinculados ao processo de implementação, no qual
determinadas posições de sujeito colocadas em discursos são adotadas em
conjunto com a aplicação de práticas de poder – especialmente em contex-
tos institucionais que, em sua maioria, também incluem o corpo do indi-
víduo –, e promovem seu ancoramento no indivíduo. Ao mesmo tempo,
296 [“Gefühle sind nicht nur ’subjektiv’, sondern sind auch mitentscheidend für die Konstitution von
Subjektivität“ – tradução nossa]
Marita Rainsborough
156
determinam em grande medida como lidamos com os outros, os quais,
com base nisso, são rejeitados, admirados, desprezados ou glorificados com
desejo, nojo, medo, etc. Categorias de classificação que se referem a gêne-
ro, raça, etnia, condição social, filiação profissional, idade, etc., são cheias
de afetos e, assim, adquirem sua importância para o indivíduo e para além
dele. As categorias carregadas de sentimentos positivos ou negativos tam-
bém são a base da visão de si mesmo do indivíduo e, portanto, influenciam
a autoestima, a dúvida de si ou o ódio por si mesmo. Segundo Butler, a
atribuição de certos nomes, categorias, etc., que são aceitos ou rejeitados
no processo de invocação, está associada à formação de emoções e leva ao
estabelecimento de uma rede de sentimentos que anda de mãos dadas com
a formação do sujeito e cria um certo padrão de sentimentos em que certos
afetos são preferidos e certas intensidades de emoções, assim como a inte-
ração de sentimentos, são criadas. Foucault parte do pressuposto de que
os discursos oferecem ao sujeito espaços argumentativos que são ocupados
por esses discursos e que se relacionam com a constituição da afetividade.
Os discursos devem ser vistos como inseridos em dispositivos, de modo
que a formação do sujeito e a constituição do afeto ocorram simultanea-
mente também por meio de práticas não linguísticas. É precisamente com
base na proposição da constituição do afeto que se torna mais compreensí-
vel o processo de consolidação ou, se necessário, de mudança na aquisição
de posições de sujeito. A teoria da constituição da emoção, afeto e desejo,
bem como da percepção e do pensamento – Foucault fala do a priori his-
tórico neste contexto – está intimamente relacionada em Foucault, e igual-
mente em Butler, à nova concepção de sujeito, com especial consideração
do corpo, na qual se coloca a questão da constituição do sujeito como
ponto central. Nesse ponto, a peculiaridade da interpretação de Foucault
dos conceitos kantianos de crítica, esclarecimento e de seu postulado da
dessubjugação torna-se muito clara. Ele enfatiza o lado afetivo e físico do
processo.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
157
2.2.5.2 afeto, corpo e deSejo em foucault
Os afetos, como modalidades primárias do corpo e expressão da afe-
tação psíquica e do estado físico e mental, não devem ser entendidos em
Foucault no sentido de uma dotação natural, mas assumem formas especí-
ficas, social e historicamente determinadas, em particular de acordo com as
constituições discursivas e práticas corporais no âmbito dos regulamentos
estratégicos de poder. Nesse contexto, o corpo ocupa um lugar especial em
sua teoria.
In reality, bodies are shaped by society: they are used and experienced
in many different ways and their characteristics vary according to
cultural practices. ey are moulded by rhythms of work, eating
habits and changing norms of beauty. ey are concretely shaped
by diet, exercise and medical interventions (Oksala, 2013, p. 85).297
Foucault interessa-se por “the essential intertwinement of body and
power” e pesquisa “how power operates through the manipulation of bo-
dies” (Oksala, 2013, p. 87). O corpo é “an important anchorage point for
power” (p. 92). A análise da relação de ‘body and power’ é o foco central
de seu trabalho: “[H]e wants to bring the body into focus of history and
study history through it” (p. 87). Assim, também o desejo não tem uma
natureza fixa, mas deve ser compreendido como construído historica e so-
cialmente. “Foucault challenges this view by showing how our conceptions
and experiences of sexuality are in fact always the result of specific cultural
conventions and mechanisms of power and could not exist independently
of them” (p. 90). A constituição dos sujeitos do desejo está relacionada ao
pensamento em categorias, como homem e mulher, a genderização298 dos
297 Oksala diz: “[T]he body is completely shaped by history and culture” (Oksala, 2013, p. 86). Foucault
supera assim a dicotomia entre natureza e cultura. Com sua ideia de conexão entre poder e corpo, ele se
apoia em Nietzsche. Para investigar as formações históricas ele se utiliza, baseado em Nietzsche, do método
da genealogia. E afirma: “Foucault aims to bring the body into focus of history by studying its connections
with techniques and deployments of power.” (Ibid.) Embora Foucault veja o corpo como moldado social
e historicamente, ele enfatiza a possibilidade de mudanças transgressivas, principalmente por meio das
autotecnologias.
298 Nota da tradutora: referimos aqui genderização como uma adaptação do termo em inglês gender. Consideramos
que o termo genderização seria o mais aplicável para traduzir a termo alemão Vergeschlechtlichung.
Marita Rainsborough
158
padrões de comportamento e sua catexia emocional e o acoplamento de
emoções a práticas sexuais. Segundo Foucault, a sexualidade se constitui
como desejável por meio do dispositivo da sexualidade. Atualmente, sua
análise está particularmente direcionada à exploração da erotização, ele fala
de um ‘contrôle-stimulation’ (Foucault, 2001b, p. 1623).
Os afetos tendem a ser fixos, mas, por outro lado, podem ser esten-
didos, modificados e elaborados. Isso pode levar, entre outras coisas, a uma
mudança na intimidade e na sexualidade.299 O desejo se constitui por meio
de mudanças nas práticas discursivas e também da aplicação de autotec-
nologias. Foucault se opõe à teoria da repressão da sexualidade, defendida
por Freud e Marcuse, e enfatiza o caráter produtivo da formação por meio
de práticas de poder. O fundamento é sua concepção de sujeito, segundo
a qual o sujeito deve ser entendido não como substância, mas como forma
e as formas do sujeito se desenvolvem de maneira diferente em diferentes
contextos sócio-históricos. “Os seres humanos estão perpetuamente en-
volvidos em um processo que, ao constituir objetos, simultaneamente os
desloca, deforma, transforma e o transfigura em sujeito” (Foucault, 2001c,
p. 894).300 As práticas de si permitem ao sujeito moldar-se por meio de
autotecnologias historicamente variáveis. Foucault fala, neste contexto, de
uma estética ou ética de si. “We constitute ourselves as subjects (we are
enabled) by way of various ‘practices of the self’, which include activities of
writing, diet, exercise and truth-telling” (Taylor, 2013, p. 173).301 Foucault
se preocupa com as práticas de libertação que estão relacionadas ao corpo:
“In order to illustrate how the body is implicated in resistance and the
practices of freedom” (Oksala, 2013, p. 86). Nas palavras de Foucault:
299 Numa constituição de desejo monogâmica e heterossexual, a cultura emocional predominante é
determinada pelo ciúme, violência entre os gêneros e práticas desviantes. O desejo masculino, por exemplo,
costuma estar associado à vontade de dominação e atividade, o feminino à submissão e passividade, o que
determina significativamente os sentimentos dos indivíduos e influencia o anseio e a satisfação. É claro que
esse tipo de desejo não deve ser entendido como natural.
300 [“Les hommes s’engagent perpétuellement dans un processus qui, en constituant des objets, le déplace en
même temps, le déforme, le transforme et le transfigure comme sujet.” – tradução nossa]
301 E continua: “We therefore find ourselves confronted with the task of figuring out when and how we are
enabled and when and how we are constrained, of determining ways in which existing practices have the
potential to loosen constraints and thus resist normalization, and of employing those practices not only for
that purpose, but also in order to develop new and different practices – new and different ways of relating
to ourselves and others. We need, in other words, to be able to reflect critically on the very process of
becoming a subject.” (Ibid.)
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
159
We must not think that by saying yes to sex, one says no to power;
on the contrary, one tracks along the course laid out by the general
deployment of sexuality. It is the agency of sex that we must break
away from, if we aim – through a tactical reversal of the various
mechanisms of sexuality – to counter the grip of power with the
claims of bodies, pleasures and knowledges, in their multiplicity
and their possibility of resistance. e rallying point for the
counterattack against the deployment of sexuality ought not be
sex-desire, but bodies and pleasures (Oksala, 2013, p. 93).
Foucault diferencia experiências de prazer possibilitadas pelo corpo e
sexualidade no sentido mais restrito. “e body represents a dimension of
freedom in the sense that its experiences are never wholly reducible to the
discursive order” (Oksala, 2013, p. 94). E continua: “bodies are capable
of multiplying, distorting and overflowing their discoursive determinants
and of opening up new and surprising possibilities that can be articulated
in new ways” (Taylor, 2013, p. 173). Assim, Foucault vê o corpo ao mesmo
tempo como efeito do poder e fonte de liberdade: “Foucault’s conception
of the body provides fruitful tools for theorizing the body both as an effect
of power and as locus of resistance and freedom” (Oksala, 2013, p. 97). O
corpo, com suas dimensões tópicas, heterotópicas e utópicas, oferece um
potencial de libertação.
2.2.5.3 afetividade e vulnerabilidade em judith butler
Butler considera a posição de Foucault insuficientemente justificada
e desenvolve uma teoria da performance na qual o potencial transgressor
e resistente do corpo, do desejo e de outros afetos é refundado teorica-
mente. Enquanto Foucault enfoca o desejo em sua preocupação com os
afetos, Judith Butler amplia a perspectiva examinando a produção social
da afetividade em geral com base no postulado da invocação e na tese da
vulnerabilidade. Ao fazer isso, ela combina a abordagem de Foucault com
as abordagens psicanalíticas de Freud e Melanie Klein.
Marita Rainsborough
160
We are already social beings, working within elaborate social
interpretations both when we feel horror and when we fail to feel
it at all. Our affect is never merely our own: affect is from the start,
communicated from elsewhere. It disposes us to perceive the world
in a certain way, to let certain dimensions of the world in and to
resist others (Butler, 2010a, p. 50).
Ela estabelece, assim, uma conexão entre afetividade e poder, pois
através do framing, da formação do enquadramento302 do perceptível,
como ela descreve o lado visível do discursivo, se constroem um dentro e
um fora, o que tem um efeito regulador do afeto. Tomando a concepção de
Foucault de dentro e fora, Butler enfatiza, diferente de Foucault, a represen-
tatividade e a midialidade por meio do conceito de enquadramento. Nesse
sentido, Butler também fala de um quadro de interpretação ou padrão de
interpretação e se aproxima da teoria cognitivista dos sentimentos.303 No
entanto, para ela o sentimento não se concentra inteiramente nessa estru-
tura teórica, como indicado pelo advérbio restritivo ‘parcialmente’. “Como
parte do estado de ânimo, os sentimentos estruturam a situação a partir
da perspectiva do sujeito” (Landweer, 2007, p. 251),304 são moldados ao
mesmo tempo social e historicamente. Butler interessa-se particularmente
pela conexão entre afeto e moralidade – de acordo com Butler, as reações
morais expressam-se primeiro na forma de afetos.
A barreira para a perceptibilidade da vida vulnerável deve ser levan-
tada – um problema que, conseqüentemente, também tem um lado midi-
ático para ela – para que não apenas certas vidas, mas toda vida seja vista
como digna. Para Butler, trata-se de tomar consciência da dependência e
da vulnerabilidade mútuas e desistir da tentativa de imunizar-se contra a
vulnerabilidade por intermédio de uma forma específica de formação do
302 “If, as I have argued, norms are enacted through visual and narrative frames, and framing presupposes
decisions or practices that leave substantial losses outside the frame, then we have to consider that full
inclusion and full exclusion are not the only options. Indeed, there are deaths that are partially eclipsed
and partially marked, and that instability may well activate the frame, making the frame itself unstable. So
the point would not be to locate what is ‘in’ or ‘outside’ the frame, but what vacillates between those two
locations, and what, foreclosed, becomes encrypted in the frame itself” (Butler, 2010a, p. 75).
303 “[N]amely, that what we feel is in part conditioned by how we interpret the world around us; that how we
interpret what we feel actually can and does alter the feeling itself.“ (Butler, 2010a, p. 41).
304 [“Gefühle strukturieren als Teil der Befindlichkeit die Situation [zwar] aus der Perspektive des Subjekts.” –
tradução nossa]
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
161
sujeito como sujeito soberano e/ou nacional.305 Wils diz sobre este aspecto:
o medo do perigo, do ferimento e da dor [é] uma emoção igualmente basal
e não moral [...] por meio da qual também podemos perceber diretamen-
te a vulnerabilidade do outro” (Wils, 2007, p. 221-235).306 Como resulta-
do, a vulnerabilidade pode se tornar moralmente significativa. Para a ética
de Butler, o decisivo não é o processo de neutralização do sentimento no
sentido da formação de uma competência de julgamento moral, mas sim
o componente emocional da moralidade, uma sensação moral. Devido à
interdependência da percepção e da emocionalidade, os processos percepti-
vos também desempenham, com seu lado midiático, um papel importante,
assim como as estruturas de pensamento a eles associadas, as quais ajudam
a determinar julgamentos morais. Conforme seu modelo de equilíbrio, no
que diz respeito à relação entre as diferentes capacidades humanas, a morali-
dade é igualmente determinada pela afetividade, percepção e racionalidade,
e sua interdependência, em que todos os momentos estão sujeitos a uma
formação sócio-histórica por meio de processos de poder307 – a formação de
normas deve ser ser vista como parte disso –, mas também têm um potencial
emancipatório no processo de sua performatividade. Para Butler, as emoções
305 Em Butler, encontra-se: “It cannot be that the other is destructible while I am not; nor vice versa. It can
only be that life, conceived as precarious life, is a generalized condition, and that under certain political
conditions it becomes radically exacerbated or radically disavowed. is is a schism in which the subject
asserts its own righteous deconstructiveness at the same time as it seeks to immunize itself against the
thought of its own precariousness” (Butler, 2010a, p. 48).
306 [“Angst vor Gefahr, Verletzung und Schmerz [ist] eine ebenso basale nicht-moralische Emotion […], anhand
derer wir ebenso unmittelbar die Verletzbarkeit des anderen wahrnehmen können.” – tradução nossa]
307 Wils diz a este respeito: “porque as emoções não são, de forma alguma, apenas estados privados. Precisamente
porque têm uma função representativa, também são afetadas pelas mudanças que estão ocorrendo no
ambiente moldado culturalmente.” [“Denn Emotionen sind keineswegs bloß private Zustände. Gerade weil
sie über eine repräsentative Funktion verfügen, sind sie gleichsam betroffen von den Veränderungen, die
sich in der kulturell geprägten Umwelt vollziehen.” – tradução nossa] (Wils, 2007, p. 231). Em Landweer
encontramos o seguinte: “a ideia de que os sentimentos são altamente individuais é uma ideia romântica que
ignora o caráter dos sentimentos morais – falando inicialmente apenas deles. Uma cultura jurídica mantem-
se unificada principalmente pelo grade âmbito dos sentimentos legais e morais compartilhados, mesmo que
também possa haver evidências de sentimentos muito diferentes e normas correspondentemente diferentes
em relação a muitas questões jurídicas individuais.” [“Die Vorstellung, dass Gefühle hochgradig individuell
sind, ist eine romantische Idee, die am Charakter von moralischen Gefühlen – um zunächst nur von diesen
zu sprechen – vorbeigeht. Eine Rechtskultur wird vor allem durch den großen Bereich der selbstverständlich
geteilten rechtlich-moralischen Gefühle zusammengehalten, auch wenn es außerdem in Bezug auf viele
einzelne Rechtsfragen höchst unterschiedliche Gefühlsevidenzen und entsprechend verschiedene Normen
geben mag.“ – tradução nossa] (Landweer, 2007, p. 244). Landweer fala de uma ‘comunicação com
emoções’, o que indica um amplo consenso sobre as emoções. De acordo com Landweer, vergonha e
indignação são indicadores particularmente relevantes do ponto de vista moral. Esses sentimentos indicam
a ancoragem das normas no hábito e a sensação de obrigatoriedade (Cf. Landweer, 2007, p. 244s).
Marita Rainsborough
162
têm uma função cosmopolita e de autodestravamento. Isso se mostra, en-
tre outras coisas, na importância da melancolia no processo de constituição
do sujeito, o que aponta para processos dolorosos de limitação e renúncia
diante do tornar-se sujeito e, portanto, indiretamente, para possibilidades e
potencialidades. A melancolia, como estado de ânimo, está sempre localiza-
da na área interpessoal e indica, por um lado, déficits nos relacionamentos,
mas também nos desideratos. A emocionalidade, portanto, tem uma função
de orientação e avaliação em Butler, especialmente em termos morais, mas
também pode ter um efeito desestabilizador. “A função estabilizadora que
as emoções claramente têm por serem representativas por natureza também
tem o infeliz efeito colateral de que suas representações também são a porta
de entrada para desestabilizações culturalmente condicionadas” (Wils, 2007,
p. 232).308 Para Butler, os sentimentos também têm um caráter motivador,
Landweer fala, em relação a esta função dos sentimentos, de uma ‘tese mo-
tivacional’.309 Como modelo de conhecimento subjacente, Butler cristaliza a
concepção de percepção como ‘modo de conhecimento’ e de inteligibilidade
como “the general historical schema or schemas that establish domains of
the knowable. is would constitute a dynamic field understood, at least
initially, as an historical a priori” (Butler, 2010a, p. 6). Neste ponto, ela se
refere aos pressupostos epistemológicos básicos de Foucault. De acordo com
Butler, esses esquemas mutáveis criam as normas de reconhecibilidade. Em
contraste com Foucault, que fala de limite, quebra, passagem, transgressão
para ilustrar o caráter mutante da percepção e do conhecer com base no a
priori histórico, Butler enfatiza o deslocamento na iterabilidade, com base
nos pressupostos básicos da teoria dos atos de fala. A constituição da afeti-
vidade está envolvida neste processo: “e conditions are set for astonish-
ment, outrage, revulsion, admiration, and discovery, depending on how the
content is framed by shifting time and place” (p. 11). Molduras ou grades
de percepção e cognição inteligível formam interpretações da realidade que
308 [“Die Stabilisierungsfunktion, über die Emotionen offensichtlich verfügen, weil sie repräsentionaler Natur
sind, hat gleichzeitig die unerfreuliche Nebenfolge, dass ihre Repräsentationen auch das Einfallstor für
kulturell bedingte Destabilisierungen sind.” – tradução nossa]
309 “Für jegliches Handeln, aber auch für moralisches Handeln und die dafür unabdingbare Anerkennung
von Normen, sind, so die hier vertretene ese, Gefühle als Motivation erforderlich. Dies kann als
‘Motivationsthese’ bezeichnet werden” (Landweer, 2007, p. 243). [“Segundo a tese aqui defendida, os
sentimentos são necessários como motivação para toda ação, mas também para a ação moral e o indispensável
reconhecimento das normas. Isso pode ser designado como a ‘tese motivacional’” – tradução nossa].
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
163
estão ligadas à afetividade. Butler continua a se perguntar: “How is affect
produced by this structure of the frame? And what is the relation of affect to
ethical and political judgment and practice?” (p. 13).
Grief e mourning mostram, segundo Butler (2006), “the interdepen-
dent nature of human existence” (Lloyd, 2008, p. 93). Neste contexto,
afirma Lloyd: “She is interested in them only because they expose the pre-
cariousness of life and our vulnerability to the Other” (p. 93). E:
[F]or Butler the body is central to her conceptualisation of
vulnerability since it is the body that exposes us or opens us up to
the other: to their gaze, their touch, their violence (Butler, 2004b,
p. 21) – that human existence is explicitly exposed as one of
interdependence. Vitally, it is this porosity to the other (a corporeal
porosity) that is also the source of an ethical connection with the
other (Lloyd, 2008, p. 94).
A concepção do corpo310 como aberto, fora de si mesmo e depen-
dente implica reações afetivas que devem ser consideradas como funda-
mentalmente mediadas e que põem em jogo certos enquadramentos de
significado (Butler, 2010a, p. 40). A responsabilidade ética surge da perda,
do sofrimento e da vulnerabilidade. No que diz respeito à vulnerabilidade
dos seres humanos, Ben-Ze’ev chama a atenção para a possibilidade de
autoengano, ao qual ele também atribui uma função positiva em termos
de manutenção de uma autoimagem desejável:
Emotions may be viewed not merely as an expression of our
profound vulnerability but also as a way to cope with it. By attaching
significance to specific, local changes in our current situation, we
ignore, in a way, the more profound type of change underlying our
vulnerability; this is a type of self-deception. A certain measure of
such self-deception is highly advantageous from an evolutionary
point of view, as it enables us to protect our positive self-image and
mobilize the required resources for facing daily changes. We deal
with such changes as if our profound vulnerability is insignificant.
is may seemingly reduce our vulnerability, but it does not
significantly change it (Ben-Ze’ev, 2001, p. 17).
310 Butler deriva de sua concepção de corpo uma ontologia social.
Marita Rainsborough
164
Para Butler o autoengano desempenha um papel diferente na forma-
ção do sujeito soberano, no qual a própria vulnerabilidade é amplamente
negada. Em sua avaliação, o autoengano é negativo. A negação da própria
vulnerabilidade diz respeito à formação do sujeito soberano ou nacional
que se eleva acima dos demais sujeitos. Como resultado, a qualidade de
relacionamento, nos aspectos moral e político, é prejudicada e diminuída
nos contextos nacional e internacional. Butler se refere ao papel eminente-
mente importante das emoções na esfera política. O fundamento teórico
da afetividade em Butler é baseado em uma ontologia social na qual uma
interdependência fundamental deve ser assumida devido à vulnerabilidade
geral da vida.311 Butler aponta, neste contexto, “a rethinking of the subject
as a dynamic set of social relations” (Butler, 2010a, p. 162). Em contraste
com Foucault, ela considera o conceito de performatividade do sujeito
mais útil do que o de construção.312 Com isso, Butler enfoca desde o início
o sujeito atuante da interação com outros, enquanto Foucault inicialmente
toma o ponto de partida do indivíduo, mas depois leva em conta a intera-
ção com o outro nas relações sociais.
No geral, Butler atribui um poder especial ao afeto, poder este que
deve ser dirigido, reduzido ou utilizado por meio da regulação do afeto.
“Whether we are speaking about open grief or outrage, we are talking
about affective responses that are highly regulated by regimes of power and
sometimes subject to explicit censorship” (Butler, 2010a, p. 9). Neste con-
texto, Foucault fala de “todo esse lento trabalho de apaziguamento que ga-
rante o discurso ‘verdadeiro’ dia a dia” (Foucault, 2001b, p. 277).313 Trata-
se de apaziguar os afetos de raiva, ira, sensibilidade suscetível e intolerância
que se desenvolvem contra a “grande máquina teórica de produzir racio-
nalidades dominantes” (p. 277).314 Enquanto Foucault se concentra mais
nas tentativas de contenção por meio de discursos e dispositivos, como,
311 Butler rejeita o antropocentrismo e aponta que a ‘ontologia’ dos humanos não difere da dos animais. A vida
está sempre associada a relações sistêmicas de interdependência.
312 “e idea of iterability is crucial for understanding why norms do not act in deterministic ways. And it
may also be the reason why performativity is finally a more useful term than ‘construction’” (Butler, 2010a,
p. 168). E continua: “e ‘break’ is nothing other than a series of significant shifts that follow from the
iterable structure of the norm” (Butler, 2010a, p. 156).
313 [“tout ce lent travail d’apaisement qu’assure au jour le jour le discours ‘vrai’” – tradução nossa]
314 [“grande machine théorique à produire des rationalités dominantes” – tradução nossa]
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
165
por exemplo, discurso econômico, espaço e arquitetura, Butler enfatiza
particularmente a importância da gestão visual e do âmbito de controle
da percepção em geral. “e tacit interpretive scheme that devides worthy
from unworthy lives works fundamentally through the senses, differentia-
ting the cries we can hear from those we cannot, the sights we can see from
those we cannot, and likewise at the level of touch and even smell” (Butler,
2010a, p. 51). Ela novamente enfatiza o lado midiático. Nesse ponto, a
percepção, assim como a formação e a regulação do afeto, está localizada
no âmbito do racismo. Vista como um todo, a tentativa de regulação do
afeto por meio do poder, tanto para Butler como para Foucault, aponta
indiretamente para o latente poder explosivo do afeto e, portanto, também
para o poder do afeto.315
2.2.5.4 Subjetividade e afetividade em foucault e butler
A concepção de subjetividade de Foucault é organizada, por um
lado, de forma teórica e, por outro, de forma prática; ele desenvolve uma
theory and practice of subjectivity’ (McGushin, 2013, p. 127-142). Em
Foucault, o estilo de vida ético/estético é combinado com um ethos crí-
tico da transformação ad hoc da situação social/histórica e do modo de
vida individual. Para Foucault, mudar os próprios desejos e afetividade no
processo de autoformação por meio das técnicas de si é de crucial impor-
tância como ponto de partida para mudanças emancipatórias. Enquanto
Foucault desloca a formação heterônoma do sujeito para o âmbito das
instituições, do discurso e do dispositivo, Butler vê interações na evocação
no centro do processo de se tornar sujeito, o que ao mesmo tempo inclui
a constituição da afetividade. Enquanto Foucault enfatiza a autoformação
individual, a dessubjugação, como uma tarefa principalmente individual,
como ethos, Butler enfoca a interação social e a interdependência da vida
315 “[R]esponsiveness – and thus, ultimately, responsability – is located in the affective responses to a sustaining
and impinging world. Because such affective responses are invariably mediated, they call upon and enact
certain interpretive frames; they can also call into question the taken-for-granted character of those frames,
and in that way provide the affective conditions for social critique. As I have argued elsewhere, moral theory
has to become social critique if it is to know its object and act upon it” (Butler, 2010a, 34s.).
Marita Rainsborough
166
humana. O ponto de partida da ética e da política é a proposição da vulne-
rabilidade da vida. As experiências de dor e melancolia estão intimamente
relacionadas à raiva e indignação e motivam ações éticas e políticas. Butler
privilegia a influência sob a percepção e o aumento da percepção do so-
frimento alheio e do próprio, tendo em especial atenção a midialidade,
aspecto que Foucault entende subsumido nos termos discurso e dispo-
sitivo, como uma tarefa ética/política. Para Butler, o ético, transmitido
por meio do controle da percepção, é principalmente de base emocional
e requer consciência da vulnerabilidade do outro. Baseia-se em um ato de
empatia com o sofrimento dos outros. Foucault, por outro lado, localiza a
ética em um modo de vida individual que respeita e leva em consideração
o outro e suas necessidades. A base para isso é, por um lado, sua teoria do
poder, segundo a qual as limitações mútuas na aplicação de estratégias de
poder se dá por meio dos outros de acordo com a lógica inerente ao poder
e seu modelo de amizade como consideração mútua. Ligada a isso está
uma autoconstituição da própria afetividade no processo de desligamento
dos padrões emocionais existentes. Segundo Foucault, a ética é a formação
do eu de uma forma também responsável interpessoalmente. Foucault e
Butler, portanto, fornecem concepções complementares de corpo, corpo-
reidade, desejo e afetividade, mas estabelecem diferentes pontos de parti-
da para a questão relacional do ser humano. Enquanto Butler fortalece a
vulnerabilidade recíproca como uma espécie de constante antropológica e,
portanto, se concentra nos aspectos emocionais e físicos, a relacionalidade
de Foucault é baseada principalmente na lógica do poder. A afetividade se
torna o foco da argumentação filosófica de Butler e, portanto, recebe uma
posição especial. Para Foucault, a afetividade permanece principalmente
parte da teoria da constituição do sujeito e, portanto, de uma determinada
área de sua filosofia.
Ambos se opõem à dicotomia emoção e cognição, bem no espírito
da tese de Wils, livremente baseada na máxima de Kant: “sem emoções,
as cognições são vazias, sem cognições as emoções são cegas” (Wils, 2007,
p. 232).316 Segundo Foucault e Butler, a afetividade inclui componentes
316 [“Ohne Emotionen sind Kognitionen leer, ohne Kognitionen sind Emotionen blind.” – tradução nossa] Wils
refere-se à afirmação de Kant: “Gedanken ohne Inhalt sind leer, Anschauungen ohne Begriffe sind blind.
(Kant, KrV, B 76, 77/A 52) Ao mesmo tempo, ele chama a atenção para o caráter limitado de sua tese.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
167
cognitivos, motivacionais-voluntários e físicos e deve ser vista como fun-
damentalmente construída. Os padrões de interpretação não apenas pro-
duzem efeitos nos afetos, mas também podem assumir a forma de afetos.
Eles não são apenas determinados e estruturados por interpretações, mas
também afetam as interpretações. Trata-se de: “to query the conditions of
responsiveness by offering interpretive matrices” (Butler, 2010a, p. 52).
Apesar da natureza construída do sujeito em geral e de sua afetividade em
específico, ambos enfatizam o potencial emancipatório dos afetos no con-
texto da formação do sujeito. Em Butler a ideia é semelhante a Foucault.
open grieving is bound up with outrage, and outrage in the face of injus-
tice or indeed of unbearable loss has enormous political potential” (p. 39).
Nesse contexto, Taylor fala do “the development of new, emancipatory for-
ms of subjectivity” (Taylor, 2013, p. 174). Segundo Taylor, “refusal, curio-
sity and innovation” (p. 182) pertencem, em Foucault, às técnicas de si, as
quais têm um caráter transformador. Foucault mostra: “how engaging in
refusal, curiosity and innovation facilitates new modes of self-constitution
(p. 183). Como no caso de Foucault, a prática da crítica é central para
Butler. Butler atribui potencial emancipatório à prática repetitiva e poster-
gatória da performatividade e às práticas de contra-fala. Nesses processos,
as disposições humanas de percepção, afetividade e inteligibilidade, que
são formadas por meio de processos de poder, são afetadas. Para ambos os
filósofos, as emoções são a base da ação ética com relevância sociopolítica,
tanto por meio de sua função orientadora do conhecimento, reveladora
de si e do mundo,317 quanto por sua função motivadora. Sem considerar a
317 Landweer também fala da função de abertura dos sentimentos: “os sentimentos têm essa função de abertura
não apenas nos casos em que a racionalidade não é possível ou falha; eles não vêm simplesmente substituir
uma visão racional das coisas. [...] em vez disso, gostaria de argumentar que o estado de espírito acompanha
cada percepção e interpretação da situação” (Landweer, 2007, p. 251). [“Diese Erschließungsfunktion haben
Gefühle nicht nur in den Fällen, wo Rationalität nicht möglich ist oder versagt; sie springen nicht bloß
ersatzweise für eine rationale Sicht der Dinge ein. […] vielmehr möchte ich dafür argumentieren, dass die
Befindlichkeit jede Situationswahrnehmung und -interpretation begleitet.” – tradução nossa] E continua:
mas tal distanciamento não nos remove completamente de nossa ligação corporal-afetiva à situação,
continuamos seres situados, corporais, com determindas sensibilidades e com as convicções e valores nelas
ancorados. Nesse sentido, a racionalidade pode, na verdade, ser entendida como um distanciamento do
estado de espírito imediato corpóreo-afetivo e, portanto, também das emoções, mas que, como atitude quase
teórica, deriva do enredamento da situação. A racionalidade distante não se move em uma terra de ninguém;
está necessariamente ligada à situação e, portanto, às evidências em que se baseia, em outras palavras: ao
seu contexto cultural” (Landweer, 2007, p. 252). [“Doch eine solche Distanzierung entfernt uns nicht
vollständig von unserer leiblich-affektiven Gebundenheit an die Situation, wir bleiben weiterhin situierte,
leibliche Wesen mit bestimmten Befindlichkeiten und den in ihr verankerten Überzeugungen und Werten.
Marita Rainsborough
168
afetividade humana, tanto para Foucault quanto para Butler, uma prática
emancipatória no sentido ético e político está fadada ao fracasso.
Insofern kann Rationalität tatsächlich als Distanzierung aus unmittelbarer leiblich-affektiver Befindlichkeit
und damit auch von Emotionen verstanden werden, aber eine, die sich als eine quasi-theoretische Einstellung
derivativ zu der Verstrickung in die Situation verhält. Die distanzierte Rationalität bewegt sich nicht in
einem ortlosen Niemandsland; sie ist notwendigerweise an die Situation und damit an die sie fundierenden
Selbstverständlichkeiten, in anderen Worten: an ihren kulturellen Kontext gebunden.” – tradução nossa] E
continua: “Mas a racionalidade nunca pode se desvencilhar completamente de sua ancoragem no estado de
espírito” (Landweer, 2007, p. 253). [“Nie aber kann sich Rationalität vollständig von ihrer Verankerung in
der Befindlichkeit losreißen.” – tradução nossa] Segundo Landweer, emocionalidade e racionalidade estão
localizadas em um continuum: “nesse modelo, sentimento e racionalidade são intermediados pelo conceito
de explicação; o julgamento racional depende diretamente dele” (Ibid). [“Gefühl und Rationalität werden in
diesem Modell durch den Begriff der Explikation vermittelt; von ihr ist das rationale Urteilen unmittelbar
abhängig.” – tradução nossa] Landweer fala de uma “razão integrativa” “que também é capaz de integrar
aqueles sentimentos que, à primeira vista, parecem contradizer-se” (Ibid). [“Landweer spricht von einer
“integrativen Vernunft”, “die auch jene Gefühle, die einander auf den ersten Blick zu widersprechen scheinen,
zu integrieren vermag.” – tradução nossa]
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
169
2.3 Sujeito e poder. o conceito de poder e reSiStência de
foucault em um contexto global
2.3.1 poder e limiteS do poder. reSiStência e autonomia em
michel foucault318
2.3.1.1 foucault e a queStão do poder
A questão do poder está no centro da filosofia de Foucault: “no fun-
do, não fiz outra coisa senão uma história do poder” (Foucault, 2013b, p.
322). O poder é uma de suas três proposições centrais, as quais ele discri-
mina como saber, poder e sujeito. Sua teoria do poder, que assume formas
muito diferentes, enfatiza seu caráter estratégico: “e não somente o poder
de Estado, mas aquele que se exercia no seio do corpo social, através de ca-
nais, de formas e instituições extremamente diferentes” (p. 322). Foucault
examina essas diferentes formas – combinadas com determinações dis-
cursivas e dispositivas e com estratégias específicas associadas a elas – em
contextos histórico-sociais. Ele se distancia de concepções tradicionais de
poder, como a teoria do poder repressivo de Freud, que se baseia no caráter
repressivo da cultura.319 Segundo Foucault, o poder não deve ser entendido
na forma de proibição, como uma instância do “você não pode fazer algo
a que o indivíduo está sujeito na concepção de Freud, e que é internalizado
na consciência em decorrência de processos de poder (Foucault, 2012, p.
169). Foucault também critica a teoria sociológica do poder de Durkheim
e os conceitos baseados em Durkheim, como os de Lévi-Strauss. Fatos
sociais, objetivos coletivos, opiniões, normas, deveres e costumes, que são
318 Este capítulo foi publicado quase sem alteração em: RAINSBOROUGH, Marita. Macht und Grenzen der
Macht. Widerstand und Autonomie bei Michel Foucault. In: ROTH, Phillip H. (org.). Macht: Aktuelle
Perspektiven aus Philosophie und Sozialwissenschaften. Frankfurt a.M.; New York: Campus, 2016. p. 109-129.
319 Foucault afirma: “não sou o primeiro, longe disso, a tentar contornar o esquema freudiano que opõe o
instinto à repressão, instinto e cultura.” Em: Foucault, 2012, p. 168. E continua: “assim, é preciso pensar o
instinto não como um dado natural, mas como toda uma elaboração, todo um jogo complexo entre o corpo
e a lei, entre o corpo e os mecanismos culturais que garantem controle do povo.” (Foucault, 2012, p. 168s).
De acordo com isso, o desejo não é uma pulsão humana básica constante, mas se constitui em processos
sócio-históricos.
Marita Rainsborough
170
considerados algo para além do individual, são vistos como propriedades
emergentes dos sistemas sociais e, como as leis ou doutrinas, têm um cará-
ter de poder e coerção.
Portanto, no que concerne à nossa sociedade, fazemos sempre
uma sociologia jurídica do poder, e, quando estudamos sociedades
diferentes das nossas, fazemos uma etnologia que é, em essência,
uma etnologia da regra, uma etnologia da proibição. Vejam, por
exemplo, nos estudos etnológicos, de Durkheim a Lévi-Strauss, qual
foi o problema que reaperecia sempre, perpetuamente reelaborado:
um problema de proibição, basicamente, de proibição do incesto
(Foucault, 2012, p. 169s).
Mesmo o corpo social de Rousseau, enquanto soberano, surge, se-
gundo Foucault, por meio da cessão ou suspensão de direitos individuais
e da formulação de proibições legais. “[O] Ocidente nunca teve outro sis-
tema de representação, de formulação e de analise do poder senão o do
direito: o sistema da lei. […] Penso que é dessa concepção jurídica do
poder, […] que é preciso agora de desembaraçar, se quisermos proceder a
uma análise não mais da representação do poder, mas do funcionamento
real do poder” (Foucault, 2012, p. 172).
Ao contrário de Max Weber,320 que além do entendimento jurídico
também conhece outras formas de poder, Foucault não escolhe prioritaria-
mente o aspecto da dominação e de sua legitimação, mas entende o poder
no sentido de práticas de poder históricas, relações de poder variadas e situ-
ações estratégicas. O poder deve ser visto enquanto função da constituição
320 Para Weber, poder é, ao contrário “todas as chances dentro de uma relação social de afirmar a própria
vontade, mesmo contra a resistência, não importa em que essa chance se baseie.” [“jede Chance, innerhalb
einer sozialen Beziehung den eigenen Willen auch gegen Widerstreben durchzusetzen, gleichviel worauf
diese Chance beruht.” – tradução nossa] Em: Weber, Max: Wirtschaft und Gesellschaft. Grundriß der
verstehenden Soziologie, Tübingen: Mohr, 1956 [1921/22], p. 28. [Economia e sociedade. Esboço para
entender a sociologia] Dominação como um caso especial de poder significa a chance de obediência. Max
Weber diferencia três formas de dominação, a legal, a tradicional e a carismática, cada uma com diferentes
estratégias de legitimação. Enquanto a dominação legal – como exemplo dessa forma de dominação, ele
cita o estado constitucional democrático e, em sua forma mais pura, a burocracia – exige obediência a
estatutos e leis, apresenta-se como impessoal e promete oportunidades iguais e repartição de encargos, a
dominação tradicional legitima-se, por exemplo, por meio da crença e da santidade dos ordenamentos,
desta dominação são exemplos o governo patriarcal e as monarquias. A dominação carismática está ligada
a uma pessoa com aura carismática, exemplos disso são as seitas e grupos religiosos. O princípio geral da
dominação é a garantia da sobrevivência e / ou bem-estar em troca da submissão.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
171
do mundo e do sujeito, fundamento da individualidade e da identidade,
e forma saberes, discursos, corpos e prazeres. O poder é produtivo, não há
algo fora do poder nesses processos.
Os conceitos filosóficos de Marx e Nietzsche servem de modelo para
a teoria do poder de Foucault. A concepção de poder de Marx, por meio
de sua adoção das formas locais e regionais de poder, é particularmente
estimulante para Foucault.
Em suma, o que podemos encontrar no livro II de O capital é,
em primeiro lugar: não existe um poder, mas muitos poderes. […]
Poder quer dizer formas de dominação, formas de sujeição, que
funcionam localmente, por exemplo, no ateliê, no exército, em
uma propriedade de tipo escravagista ou em uma propriedade onde
há relações servis.
Tudo isso são formas locais, regionais, de poder, que têm seu próprio
modo de funcionamento, seu procedimento e sua técnica. Todas
essas formas de poder são heterogêneas (Foucault, 2012, p. 172).
Foucault continua afirmando “Marx, por exemplo, faz soberbas aná-
lises do problema da disciplina no exército e nos ateliês” (Foucault, 2012,
p. 169). Foucault também prossegue com essas investigações sobre a for-
ma disciplinar do poder. A partir de Nietzsche, Foucault examina em sua
genealogia a emergência de formas de poder. Nietzsche, em particular em
sua obra A Genealogia da Moral (Nietzsche, 2004 [1887]), trata da origem
dos modos de pensar morais, distinguindo entre a moralidade do senhor,
como atitude dos que dominam, e a moral do escravo, como atitude dos
miseráveis, pobres e impotentes. Ele fala de um ódio pelos “nobres” que
leva ao desenvolvimento moral. Em sua crítica da moralidade em geral e
da moralidade cristã em particular, ele clama pela transvaloração de todos
os valores. A proposição do poder de Nietzsche afirma a vontade, ou as
muitas vontades de poder. Foucault retoma suas ideias de descentralização,
pluralização e historicização do poder, mas não adota sua posição amoral
ou imoral. A análise do poder de Foucault revela, no âmbito da microfísica
e, com base no conceito de dominação e dispositivo, também no âmbito
da macrofísica, um repertório de diferentes formas de poder em diferentes
Marita Rainsborough
172
contextos sócio-históricos como poder dominação,321 poder disciplinar,322
poder normalizador, biopoder,323 julgamento,324 poder pastoral,325 poder
jurídico.326 Ele observa:
321 O poder soberano pode ser caracterizado por sua tendência a demonstrar poder sobre a vida e a morte. Foucault
dá o seguinte exemplo: “[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente
diante da poria principal da Igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de
camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Greve,
e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão
direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em
que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos
conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo
consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento” (Foucault, 1987, p. 8).
322 “De um lado, há a tecnologia que chamei de ‘disciplina’, que, no fundo, é o mecanismo do poder mediante
o qual chegamos a controlar no corpo social inclusive os elementos mais cuidados, por meio dos quais
chegamos a alcançar os próprios átomos sociais, isto é, os indivíduos. Técnicas de individualização do poder.
Como vigiar alguém, como controlar sua conduta, seu comportamento, suas atitudes, como intensificar
sua performance, multiplicar suas capacidades, como colocá-lo em seu lugar, onde ele será mais útil: a meu
ver, eis o que é a disciplina” (Foucault, 2012, p. 177). Em outro momento, Foucault afirma: “e aquilo
que se deve compreender por disciplinarização das sociedades, a partir do século XVIII na Europa, não
é, sem dúvida, que os indivíduos que dela fazem parte se tornem cada vez mais obedientes, nem que elas
todas comecem a se parecer com casernas, escolas ou prisões; mas que se tentou um ajuste cada vez mais
controlado – cada vez mais racional e econômico – entre as atividades produtivas, as redes de comunicação
e o jogo das relações de poder.“ Em: Foucault, Michel: “O Sujeito e o Poder”. Em: Rabinow (1995, p. 242).
323 O biopoder representa um poder normalizador, seu efeito é homogeneizador, constituidor das massas, a
norma é mais central para ele do que a lei. Ele opera com técnicas reguladoras de biopolítica, pesquisas
estatísticas, pesquisas demográficas, por exemplo, taxas de natalidade, taxas de mortalidade, frequência de
doenças, higiene pública, distribuição normal gaussiana e frequentemente se apresenta como autocuidado.
“E população quer dizer o qué? Quer dizer apenas um grupo humano numeroso, mas de seres vivos
atravessados, comandados, regidos por processos, leis biológicas. Uma população tem uma taxa de
natalidade, de mortalidade. Uma população tem uma curva de identidade, uma pirâmida de idade, uma
morbidez, um estado de saúde, uma população pode perecer, ou, ao contrário, se desenvolver” (Foucault,
2012, p. 235). Foucault fala também da política da vida: “o sexo é o gonzo entre anatomopolítica e a
biopolítica, ele está na encruzilhada das disciplinas e das regulações. E é nessa função que ele se tornou, no
final do século XIX, uma peça política de primeira importância para fazer da sociedade uma máquina de
produção” (Foucault, 2012, p. 181).
324 A prova é semelhante a um duelo e é uma forma de poder da sociedade grega arcaica e da Idade Média
e é baseado nas formas jurídicas do antigo direito germânico. A disputa legal é como um duelo, uma
continuação ritualizada de disputa e guerra sem qualquer interesse em estabelecer fatos verdadeiros ou
obrigações reais, e sem autoridades mediadoras. Reminiscências podem ser identificados na jurisprudência
feudal. Ela apresenta um teste de força e toma as diferenças de poder prevalecentes como critério de decisão.
A prerrogativa do mais forte se aplica.
325 O poder pastoral pode ser caracterizado pela capacidade de servir aos outros como pastor, o sacrifício
pela vida do rebanho, a preocupação permanente com o individual e o enfoque na salvação da alma. Este
processo consiste em explorar os segredos mais íntimos do indivíduo.
326 De acordo com a análise de Foucault, o direito é originalmente dirigido contra os poderes feudais como
um instrumento do poder monárquico e, desde suas origens, é principalmente um poder do Estado. A
forma monárquica de poder representa cada vez mais um sistema comum para a representação do poder da
burguesia e da monarquia no desenvolvimento histórico. Em certas situações históricas, a burguesia se livra
do poder monárquico com a ajuda do discurso jurídico. No centro do poder jurídico está a proibição.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
173
Não é verdade que numa sociedade há pessoas que têm o poder
e, abaixo delas, pessoas que não têm nenhum. O poder deve ser
analisado em termos de relações estratégicas complexas e móbeis,
em que todo mundo não ocupa a mesma posição e não mantém
sempre a mesma (Foucault, 2011c, p. 257).
A dominação resulta de constelações de poder relativamente cons-
tantes que, no entanto, têm caráter instável e são constantemente amea-
çadas em sua existência, de modo que acabam por ocorrer mudanças per-
manentes. De acordo com uma análise atual da sociedade de sua época,
Foucault notou nas últimas décadas do século XX a interação entre o poder
normalizador e o poder pastoral – este último está relacionado de forma
modificada às ações do Estado. Ele também pesquisa o neoliberalismo na
economia e na política como uma forma específica de poder com relevân-
cia atual. Suas investigações ainda têm relevância para a sociedade de hoje.
2.3.1.2 liberdade e poder em foucault
A concepção de liberdade em Foucault, no contexto do complexo
sujeito-saber-poder, pode ser entendida como uma teoria ad hoc da liber-
dade, na qual a liberdade não se opõe ao poder, mas está intimamente
ligada a ele – como o outro lado do poder e um pressuposto para o seu
exercício. Em sua concepção relacional de poder, o poder de ação de todos
os envolvidos é sempre pressuposto.
Its clear that power should not be defined as a constraining act of
violence that represses individuals, forcing them to do something
or preventing them from doing some other thing. But it takes place
when there is a relation between two free subjects, and this relation
is unbalanced, so that one can act upon the other, and the other is
acted upon, or allows himself to be acted upon (Taylor, 2011, p. 5).
Na teoria produtiva e não repressiva de Foucault, a liberdade de mu-
dança na ação, que em contraste com a liberdade metafísica é concebida
mais de forma política, é sempre projetada para a “arte de não ser governa-
Marita Rainsborough
174
do assim e a esse preço” (Foucault, 1990, p. 4). Foucault nomeia esse pro-
cesso, que também tem sempre uma dimensão política, de dessubjugação.
Para Foucault, o conceito de liberdade pode ser entendido negativa-
mente no sentido de liberação de, como liberação de limitações, e positiva-
mente como prática de liberdade, em que o ato de liberação pode, em de-
terminadas circunstâncias, ser visto como um pré-requisito para o exercício
de práticas de liberdade. “Freedom can be practiced in resistance, insu-
bordination, counter-conduct, as well as ethical subjectivation” (Simons,
2013, p. 314). Neste processo, trata-se sempre de encontrar linhas de rup-
tura que permitam transformações. Não há, para isso, conceitos ou proce-
dimentos prontos. Também pode ser localizada aqui a concepção de uma
ética ou estética de si com os modelos de autoformação que se modificam
no processo histórico e segundo a qual o sujeito tem a possibilidade de au-
tocriação. As tecnologias de si permitem que o eu se forme em um campo
de tensão entre o poder e a liberdade. O sujeito não se desvincula de sa-
beres e relações de poder historicamente variáveis, mas tenta se conformar
a partir deles em uma libertação parcial dos procedimentos de submissão.
Além do desenvolvimento de um estilo de vida, Foucault também se pre-
ocupa com o desenvolvimento de uma atitude moral por parte do sujeito.
Nesse processo, os três modos do sujeito devem ser pensados em conjunto:
o sujeito do saber, o do poder e o da ética ou estética de si. A teoria da
governamentalidade de Foucault, enquanto arte da governança, também
se relaciona, entre outras coisas, com o lidar consigo mesmo. Na obra de
Foucault, o conceito de governamentalidade vincula epistemologia, filo-
sofia política, estética e ética. A governamentalidade implica não apenas
o ser governado – estar por baixo dos processos da microfísica – mas, em
particular, governar a si mesmo e, além disso, principalmente a boa gover-
nança como a liderança apropriada do outro, o que requer uma interação
consciente consigo mesmo – a liderança de si mesmo. Trata-se “da possibi-
lidade de se constituir como sujeito, mestre de sua própria conduta, isto é,
de se tornar […] o hábil e prudente guia de si mesmo” (Foucault, 1998a, p.
125). É aqui que Foucault começa suas investigações sobre as autotecnolo-
gias da antiguidade e do cristianismo, que podem ser vistas como exemplos
concretos de formações histórico-sociais da técnica de si. Essas formações
175
de estilo de vida principalmente estéticas também têm, ao mesmo tempo,
um caráter ético e político.
Byung-Chul Han327 critica a proposição de Foucault sobre o auto-
cuidado como princípio ético: “O cuidado de si é elevado, em Foucault,
a um princípio ético, no qual se lhe atribui uma primazia do cuidado dos
outros” (Han, 2019, p. 91). Para Han, o além de si mesmo é representado
pela gentileza, um deixar-se de lado, como “uma qualidade extrínseca que
não pudesse ser calculada pelo poder” (p. 94). Para Han, de acordo com
seu entendimento de Nietzsche, ela representa uma espécie de superpo-
der, a entrega na gentileza.328 Para Han (2019, p. 89), Foucault apresenta
um conceito de poder no qual está já contida uma certa crítica ao poder.”
Ele continua: “o novo conceito de poder de Foucault surge de um éthos
da liberdade.” E: “um éthos da liberdade zela, portanto, para que o poder
não congele em domínio, para que ele permaneça um jogo aberto.” Han
admite que, por razões de lógica de poder, as relações de poder pressupõem
um mínimo de liberdade para Foucault, mas o acusa de usar “o conceito de
‘liberdade’ em um sentido enfático.
É pouco precisa a passagem silenciosa de Foucault da liberdade como
pressuposto estrutural da relação de poder para uma ética da liberdade.
Foucault utiliza a liberdade como elemento estrutural da relação de
poder implicitamente em uma qualidade ética. Esta, no entanto,
não é inerente ao poder como tal. Nessa passagem bastante frágil
da lógica do poder para a ética do poder, Foucault introduz uma
diferença entre poder e domínio (Han, 2019, p. 89).
Com isso, de acordo com Han, Foucault se distancia de eventos reais
de poder (Han, 2019, p. 89s).
327 Byung-Chul Han desenvoleu sua teoria do poder nas seguintes obras: Han, Byung-Chul: Topologia da
violência. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Editora Vozes, 2017a; Han, Byung-Chul: Sobre
o Poder. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relógio D'Àgua, 2017b; Han, Byung-Chul: O que é
poder? Tradução de Gabriel Salvi Philipson. Petrópolis: Editora Vozes, 2019; Han, Byung-Chul: Hegel e o
poder: Um ensaio sobre a amabilidade. Tradução de Gabriel Salvi Philipson. Petrópolis: Editora Vozes, 2022.
328 Segundo Han, essa relação de amistosidade com o outro contrasta com a ética do para-o-outro de Lévinas
(Cf. nota de rodapé 239 em Han, 2019, p. 103).
Marita Rainsborough
176
2.3.1.3 autonomia e reSiStência
Em sua filosofia, com base em seu conceito de poder e em seu con-
ceito de liberdade, Foucault sempre pressupõe a existência da possibili-
dade de resistência, o sujeito como centro da ação cambiante é sempre
concebível para ele. Com sua concepção de liberdade ancorada social e
historicamente, ele consegue assegurar, apesar de suas críticas ao sujeito,
o potencial emancipatório da ação humana. “Freedom for Foucault is not
a state we occupy, but rather a practice that we undertake. Specifically, it
is the practice of navigating power relations in ways that keep them open
and dynamic and which, in doing so, allow for the development of new,
alternative modes of thought and existence” (Taylor, 2011, p. 4s). Em sua
concepção de liberdade, liberdade é entendida como um “ongoing work
(p. 6), “o que conduz a revisar inteiramente o postulado segundo o qual o
desenvolvimento do saber constitui uma garantia de liberação” (Foucault,
2013b, p. 341). A liberdade deve ser repetidamente conquistada em situ-
ações concretas.
A resistência pode ser designada como uma prática da liberdade.
“e practice of freedom, then, is not the same as the occurrence
of resistance, as the latter occurs even under domination while
the former remains limited. However, the practice of resistance is
also the practice of liberty, a practice directed towards expanding
freedom.” (Simons, 2013, p. 315).
A autonomia, como autodeterminação na ação a partir da liberda-
de e da possibilidade de resistência, é pensada, na concepção de Foucault
do político, em conjunto com a concepção de construção do sujeito em
formações discursivas e dispositivas. A resistência é evidente nas margens,
nos intervalos e nos limiares. Uma parte importante da motivação para
seu trabalho filosófico consiste, em particular, em mostrar repetidas vezes
ao indivíduo essa possibilidade.329 O conceito de resistência de Foucault é,
portanto, muito amplo:
329 “No entendimento de Foucault, os sujeitos são formados pelas relações de discurso e de poder de seu
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
177
No entanto, a fórmula de pathos de Foucault da ubiquidade da
resistência não contém (ainda) quaisquer referências à dominação,
legitimidade ou mesmo à normatividade e, portanto, parece estar
à deriva, para além dos últimos pontos de parada de um conceito
mais amplo de resistência. Resta a questão inicial: o que qualifica
um poder dentre poderes, um poder contra outro, um contrapoder
contra a resistência? O que é resistência para Foucault? (Hechler;
Philipps, 2008, p. 10).330
Hechler/Philipps descrevem variadas formas de resistência no senti-
do de Foucault: “as práticas de resistência e liberdade destinadas a prevenir
estados de dominação podem ser identificadas tanto em disputas confron-
tantes e belicosas, fuga, recusa e retirada, como em tentativas de autofor-
mação autônoma” (Hechler; Philipps, 2008, p. 11).331 Em Foucault en-
contra-se: “mas sim resistências, no plural, que são casos únicos: possíveis,
necessárias, improváveis, espontâneas, selvagens, solitárias, planejadas, ar-
rastadas, violentas, irreconciliáveis, prontas ao compromisso, interessadas
ou fadadas ao sacrifício; por definição, não podem existir a não ser no cam-
po estratégico das relações de poder” (Foucault, 1988, p. 90). Diferentes
formas de resistência se desenvolvem em diferentes situações sócio-históri-
cas, Kastner fala de uma “flexibilidade da contraconduta” (Kastner, 2008,
p. 49). Isso também inclui revoltas políticas e lutas de resistência.
Procurei mostrar que na saída de Foucault há definitivamente uma
possibilidade de pensar a resistência política justamente a partir da
imanência do discurso, ou seja, a partir de uma separação discursiva
entre dois campos: o campo imanente de uma relação de certa forma
regulada, ou seja, exprimível de polos binários, mas que, na verdade,
tempo e também são autorreflexivos e capazes de agir e, portanto, capazes de escapar parcialmente de
suas condições de constituição heterônomas.” [“In Foucaults Verständnis sind Subjekte durch die Diskurs-
und Machtverhältnisse ihrer Zeit geformt und gleichwohl selbstreflexiv und handlungsfähig und dadurch
fähig, sich ihren heteronomen Konstitutionsbedingungen partiell zu entziehen.” – tradução nossa] Em:
Hauskeller (2000, p. 21).
330 [“Foucaults Pathosformel von der Allgegenwärtigkeit des Widerstands enthält jedoch (noch) keinerlei
Verweise auf Herrschaft, auf Legitimität oder gar Normativität und scheint somit selbst über die letzten
Haltepunkte eines weit gefassten Widerstandsbegriffs hinauszutreiben. Bleibt die Eingangsfrage: Was
qualifiziert eine Macht unter Mächten, eine Macht gegen eine andere, eine Gegenmacht zum Widerstand?
Was ist Widerstand für Foucault?” – tradução nossa]
331 [“Widerstände und auf die Verhinderung von Herrschaftszuständen abzielenden [sic] Freiheitspraktiken
lassen sich somit sowohl in konfrontativer, kriegerischer Auseinandersetzung, in Flucht, Verweigerung und
Entzug wie in Versuchen der autonomen Selbstgestaltung identifizieren.” – tradução nossa]
Marita Rainsborough
178
se sobrepõem no discurso, no corpo da sociedade, na estrutura
do poder (por exemplo, governantes e governados, autonomia
e heteronomia), e o campo transcendente a esta imanência, um
inexprimível para além desta determinidade, mas que, no campo
imanente, sempre se mostra e se afirma como possibilidade de uma
determinação diferente, uma reestruturação completa ou mesmo
como a dissolução da relação binária (Kupke, 2008, p. 80).332
O autor justifica isso com a ideia de transcendência imanente, “um
inexprimível implentado no exprimível”,333 que está incluída no conceito
de transgressão. Han critica a ubiqüidade da resistência no conceito de re-
sistência de Foucault.334 Ele sustenta que as relações de poder não são fun-
damentalmente ligadas às possibilidades de resistência: “não existe resis-
tência apenas na violência infinita, mas também no poder infinito. Assim,
há perfeitamente uma relação de poder sem resistência. Foucault não re-
conhece essa constelação” (Han, 2019, p. 89). Com Han, o cansaço pro-
fundo forma o oposto do poder.335 Com ele toda resistência fica paralisada.
Entretanto, de acordo com a orientação histórico-concreta de Foucault na
análise do fenômeno do poder, a ideia de Han de um poder infinito deve
ser entendida como uma construção abstrata, por isso não pode invalidar
a teoria de Foucault. Klass também se ocupa de forma intensa e profunda
com o conceito de resistência de Foucault, que culmina na fórmula “onde
há poder há resistência” (Foucault, 1988, p. 90). Klass oferece uma série de
332 [“Resistência e direito de resistência”. Pensar a resistência: Michel Foucault e os limites do poder] E [“Ich habe
zu zeigen versucht, dass es im Ausgang von Foucault durchaus eine Möglichkeit gibt, politischen Widerstand
zu denken, und zwar gerade aus der Immanenz des Diskurses heraus, d.h. auf der Basis einer diskursiven
Trennung zwischen zwei Feldern: dem immanenten Feld einer im Diskurs, im Gesellschaftskörper, im
Machtgefüge in bestimmter Weise geregelten, d.h. sagbaren Beziehung von binären, aber sich in Wahrheit
überschneidenden Polen (z.B. Regierenden und Regierten, Autonomie und Heteronomie), und dem zu
dieser Immanenz transzendenten Feld, einem unsagbaren Jenseits dieser Bestimmtheit, das sich aber im
immanenten Feld stets als Möglichkeit einer anderen Bestimmtheit, einer völligen Umstrukturierung oder
gar als Auflösung der binären Beziehung zeigt und geltend macht. – traduçaõ nossa]
333 Ibid. [“eines im Sagbaren implementierten Unsagbaren” – tradução nossa]
334 A resistência, assim como o poder, remonta em Han ao princípio da vida, aqui ele se refere a Nietzsche, que
sempre tem “[e]ssa capacidade de resposta própria” (Han, 2019, p. 9). Em sua concepção de resistência,
Foucault dispensa totalmente o recurso à metáfora do organismo, que para Han desempenha um papel
central na justificação de sua argumentação. O raciocínio de Foucault, por outro lado, é funcional e pode ser
comparado ao segundo argumento em Han, o da derivação da resistência. Segundo Han, a complexidade
do processo de poder, que se baseia na interdependência e na reciprocidade, cria uma dependência da
pessoa que exerce o poder sobre a pessoa que está subordinada ao poder, por meio da qual “os muitos fracos
transformem sua impotência em potência” (Han, 2019, p. 10).
335 Han recorre aqui a Handke, 1992, p. 75.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
179
paráfrases para esta fórmula: “onde há poder, há possibilidades de resistên-
cia” (Klass, 2008, p. 158),336onde há dominação, deve haver resistência
(p. 160),337onde há a forma de poder ‘dominação’, a resistência é mais di-
fícil, mas nunca impossível” (p. 164),338por favor, se vocês encontrarem a
forma de poder ‘dominação’, não se esqueçam de seu ethos ‘esclarecido’ de
se opor a esta forma de poder!” (p. 165).339 A resistência é entendida aqui
como o contrapoder que se opõe à dominação, que assume em parte um
caráter normativo. A crítica de Klass à tese de Foucault da onipresença do
poder e da resistência por meio das reformulações, entretanto, negligencia
a complexidade do conceito de resistência em Foucault, o qual conhece
uma flutuação sócio-histórica que passa do singelo contrapoder, como o
poder refletido do poder – uma mesma, mas nunca idêntica forma de po-
der – variando de diferentes formas de poder até à resistência no sentido de
revolta e sua fórmula pathos. “Foucault’s political theory is a ‘tool kit’ not
for revolution but for local resistance“, assim em Walzer (1996, p. 55). A
resistência é inicialmente apenas um poder que se opõe ao poder, embora
um apresente caráter ativo e outro reativo. Isso, como Klass corretamente
presume, foi precedido por uma escolha entre ceder e se opor. A resistência
começa com a forma de contrapoder, mas não termina com ela.340 Klass
também afirma que Foucault rejeita a dominação ou quer evitar os esta-
dos de dominação porque eles contradizem seu conceito de poder. Para
Foucault, entretanto, não se trata de uma rejeição geral da dominação, mas
apenas de uma organização especial da dominação, entendida como a arte
apropriada de governar. O conceito de resistência de Foucault, portanto,
não deve ser visto apenas no sentido da luta contra a dominação e, em
336 E: [“Wo es Macht gibt, gibt es Möglichkeiten des Widerstands” – tradução nossa].
337 De forma semelhante, Klass formula na p. 165: “Wo Herrschaft ist, soll Widerstand sein”.
338 [“Wo es die Machtform ‚Herrschaft‘ gibt, da ist Widerstand zwar erschwert, niemals aber unmöglich” –
tradução nossa].
339 [“Bitte vergeßt, wenn ihr der Machtform ‚Herrschaft‘ begegnet, nicht euer ‚aufklärerisches‘ Ethos, dieser
Machtform Widerstand entgegen zu setzen!” – tradução nossa].
340 Nesse processo, o próprio poder se transforma e pode apresentar formas de contrapoder ou tornar-
se contrapoder. Essa perspectiva surge se levamos realmente a sério o caráter historicamente variável,
relacional, agonal e dinâmico do poder e do contrapoder. Há sempre uma mudança nas posições de poder
e contrapoder, também em contextos de dominação nos quais o contrapoder pode, portanto, assumir a
forma de resistência pontual e solidificadora – pensada individualmente ou em cooperação com outros.
Marita Rainsborough
180
contraste com a força, o poder pode geralmente ser entendido como um
confronto com um contrapoder.341
Também é de interesse a referência de Klass ao problema de Foucault
da transição imperceptível e não revelada do descritivo ao normativo, da
fórmula descritiva para a fórmula pathos da resistência, que, como ficou
claro acima, também é criticada por Han. Desde Hume, isso tem sido cha-
mado de ‘falácia do dever-ser’. Esse aspecto levanta a questão fundamental
de como o normativo é concebido na teoria de Foucault. Ocorre que as
questões normativas são baseadas na teoria do poder em Foucault. “is
inquiry, however, is never neutral. e price of Foucauldian methodology
is that there is no objective, transcendental, capital-T Truth out there that
adjudicates between warring forces. […] ere is no neutrality or univer-
sality” (Stone, 2013, p. 357). Assim esclarece Stone: “Unlike the disinte-
rested observer with ‘a view from nowhere’, the modern historico-political
thinker ‘cannot, and is in fact not trying to, occupy the position … of a
universal, totalizing, or neutral subject … the person who is speaking …
is inevitably on one side or the other’ (C-SMD, 52)” (p. 357).342 Nesse
contexto, chama a atenção em Foucault a carência de descrição e prescrição
em diferentes níveis; os dois níveis coincidem devido ao seu pressuposto de
que o conhecimento é construído em contextos de poder nos quais surgem
enunciados de dever.343 Nas redes conceituais, nos interesses e intenções
dos falantes, na autorização dos falantes que formulam enunciados com
base em regras de formação, já se opera, no plano descritivo, de forma nor-
mativa e oculta. As avaliações estão, em sua maioria, ocultas, mas podem
ser analisadas por meio de processos arqueológicos e genealógicos.344
Foucault também argumenta de forma estritamente histórica a res-
peito do ethos da crítica como base da fórmula pathos de resistência quan-
do afirma que o ethos iluminista emergiu no século XVIII como uma for-
341 Com sua interpretação, Klass estabelece o conceito variável de resistência de Foucault, que engloba formas
historicamente diferentes e deixa em aberto possíveis formas futuras.
342 Stone cita aqui Foucault (2003).
343 Segundo Foucault, as avaliações já estão incluídas nas descrições, segundo ele, não existem descrições livres
de valor. O que deveria ser é decidido em uma batalha de equilíbrio de forças e determina o ser, ele aparece,
de maneira naturalizada, como natural e real. Nesse processo, os comandos tornam-se normas.
344 As avaliações também podem ser claramente visíveis, caso em que contêm uma referência mais ou menos
direta à sua ancoragem no discurso e na teoria do poder.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
181
ma moral e política de pensar e, portanto, não é universal. Por isso, para
ele, a crítica não deve, de forma alguma, assumir a função de lei. Seu com-
promisso com a preservação do ethos crítico só pode, portanto, ser visto
como uma posição filosófica que ele coloca na balança na luta pelo poder
e pela resistência. “Mesmo que Foucault não se coloque tão explícita e po-
lemicamente ‘além do bem e do mal’ como Nietzsche, ainda é claro: não
há mais nenhuma moralidade supra-histórica e universalmente válida que
deva ser colocada antes do fenômeno do poder” (Klass, 2008, p. 159).345
Para Foucault, o desfecho da luta emancipatória permanece incerto.
2.3.1.4 recepção crítica de byung-chul han à teoria do
poder de michel foucault
O conceito de poder de Han, que se baseia principalmente na teoria
do poder de Hegel, mostra bastante semelhança com o conceito de poder de
Foucault quando diz: “Um poder maior é, assim, o que forma o futuro do
outro, e não o que o bloqueia” (Han, 2019, p. 13). Han também entende
o poder como produtivo e relacional e não primariamente no sentido de
coerção. Além disso, Han e Foucault combinam as ideias da reciprocidade
do poder, da relacionalidade e da compatibilidade do poder com a liberdade:
a opinião de que o poder exclui a liberdade se mantém de modo insistente,
todavia. Mas esse não é o caso” (p. 16). Segundo Han, ter poder significa
fazer uso da liberdade do outro: “quem quiser alcançar um poder absoluto
deverá fazer uso não da violência, mas da liberdade do outro. O que será
alcançado no momento em que coincidirem por completo liberdade e sujei-
ção” (p. 16). Apesar das semelhanças, Foucault critica346 fundamentalmente
345 [“Auch wenn Foucault sich nicht so explizit und polemisch ‘jenseits von Gut und Böse’ stellt wie Nietzsche,
so ist doch klar: eine überhistorische, universell gültige Moral, die dem Phänomen der Macht vorzuordnen
ist, gibt es auch bei ihm nicht mehr” – tradução nossa].
346 Han critica a concepção de poder de Hannah Arendt como formal e abstrata porque ela liga o poder à ação
conjunta e, assim como Habermas, que faz referência a Arendt, apresenta um modelo comunicativo de
poder. (Cf. Han, 2019, p. 146ss.) Além disso, Han observa rupturas internas em sua teoria, especialmente
no que diz respeito à dimensão estratégico-polemológica do poder. (Cf. Han, 2019, p. 152) Segundo Han,
Habermas negligencia o modelo de poder de combate em favor do modelo de consenso. De acordo com
Han, essas são formas diferentes e significativas de poder que devem ser levadas em conta em igual medida.
(Cf. Han, 2019, p. 153).
Marita Rainsborough
182
o conceito de poder de Han, ele se basearia no paradigma da luta, o que não
faz justiça ao fenômeno do poder (p. 65). Han, por outro lado, parte da ideia
da reconciliação dialética no sentido de Hegel, pela qual seu modelo teórico
pode subsumir (p. 41) tanto a concepção de poder como coersão quanto a
de poder como liberdade. Além disso, sobre dispersão do poder, “isso leva
Foucault a definir o poder mesmo ‘não subjetivamente’, isto é, puramente
estrutural, como uma ‘multiplicidade de relações de força’ que ‘povoam e or-
ganizam uma região’.” (Han, 2017a, p. 175). Han define o poder com base
na ideia de criar continuidade no ego que exerce o poder: “já foi assinalado
que o poder do ego é capaz de se continuar no alter, de se ver a si mesmo no al-
ter. Ele permite ao ego uma continuidade do self contínua. O desejo de poder
remonta, certamente, dessa sensação de continuidade do ego” (Han, 2019, p.
39). De acordo com Han, a sede de poder remonta a esse sentimento de con-
tinuidade do eu. Ganhar uma expansão de espaço347 e tempo é, segundo ele,
constitutivo do poder. Han continua: “mas é totalmente impossível pensar
o poder fora de toda e qualquer relação de dominação, de toda e qualquer
ordem hierárquica social. Ademais, ele pressupõe necessariamente uma sub-
jetividade, uma intencionalidade subjetiva” (Han, 2017a, p. 175). O recurso
de Hans a Hegel o faz pensar no poder como um mecanismo de externali-
zação e novamente internalização no sentido de uma incorporação. Aqui ele
está se referindo às metáforas do devorar e da digestão. Do ponto de vista
do exercício do poder, ele pensa a relação de poder como uma ocupação por
meio da tomada de espaço e de tempo pelo sujeito que exerce o poder, em
que a submissão voluntária mostra mais poder do que a opressão violenta.
Em sua crítica, entretanto, Han negligencia a teoria da governamentalidade
de Foucault, que trata da arte de governar o outro e a si mesmo. Nesse ponto,
Foucault pensa o poder, como Han, especificamente do ponto de vista de
quem exerce o poder, como um conduzir e dirigir por meio da intenciona-
lidade. Enquanto essa relação é considerada como de superação, expansão
e assimilação em Han, Foucault a considera como arte. Nesse processo, ele
inclui conscientemente uma relação consigo mesmo que contém um po-
tencial de mudança em termos do pensar e do agir em processos de poder.
Segundo Foucault, aqui as relações de dominação também são consolidadas
347 No sentido de Carl Schmitt, Han também assume áreas secundárias de poder (Cf. Han, 2019, p. 131s).
Segundo Han, os espaços de poder podem ser territoriais, mas também digitais (Cf. Han, 2019, p. 140).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
183
teoricamente como relações de poder relativamente estáveis, na medida em
que a arte de liderar se estabilize temporariamente.
Han também critica, na concepção de poder de Foucault, a negligên-
cia do aspecto da significação348 do poder por meio dos símbolos e do signifi-
cado do social, aqui Han se refere ao conceito de habitus de Bourdieu. Nesse
ponto, Han esquece que é justamente a eficácia simbólica do poder que está
no centro do pensamento de Foucault quando ele elabora as epistemes e as
formas do a priori histórico que determinam o pensar combinadas com as
posições de sujeito estabelecidas no discurso e as práticas e instituições que
compõem os dispositivos. Essas formas ocultas, estruturantes da verdade,
que moldam o pensável, o dizível e o visível, atuam como códigos no plano
simbólico e indicam um efeito de naturalização. É precisamente aqui que as
estratégias de poder ocultas podem ser localizadas. Nesse contexto, Foucault
fala de complexos de saber-poder. O nível social também não fica de fora em
Foucault, ao contrário, está ancorado no âmbito social, sobretudo através
do conceito de dispositivo. É certo que a aplicação do conceito de habitus
de Bourdieu – aqui Han deve concordar – permite uma visão mais clara das
concentrações no comportamento social do indivíduo no espaço social. Han
também critica o conceito hedonista de poder do Foucault tardio, para o
qual o poder adquire um caráter lúdico. “É possível que o poder pertença ao
jogo. É possível também que esteja equipado com elementos lúdicos. Mas
não se baseia no jogo” (Han, 2019, p. 94). A ponderação de Han não deixa
claro que Foucault está colocando luz sobre outro aspecto do poder que não
está relacionado com a pretensão de querer capturar todo o caráter do po-
der. Segundo Foucault, no entanto, o poder pode ter um caráter lúdico em
contextos específicos, por exemplo, no âmbito sexual/erótico. Além disso,
no contexto da concepção de poder de Foucault, o jogo está principalmente
no sentido agonístico de competição ou conflito belicoso, o que Han cons-
tata em relação à concepção de poder de Foucault, mas não relaciona a seu
348 “Foucault teria de o (o poder) ter analisado na perspectiva do seu potencial semântico.” Em: Han, Byung-
Chul: Sobre o Poder. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relógio D’Àgua, 2017b, p. 42. Em Han
tem-se: “o sentido é poder” (Han, 2017b, p. 36). Como exemplos, Han menciona as culturas nacionais
com seus símbolos e narrativas. (Cf. Han, 2017b, p. 53) O senso de propósito também pode ser encontrado
na linguagem do design, Han fala disso. A dotação de sentido também pode ser encontrada na linguagem
formal, Han cita o dito de Nietzsche da “eloquência do poder que se exprime através de formas” (Han.
2017, p. 39). Han cita aqui da obra de Nietzsche Götzen-Dämmerung (KSA 6, p. 118); versão portuguesa:
Crespúsculo dos Ídolas ou Como se Filosofa com o Martelo. Lisboa: Edições 70, 1988.
Marita Rainsborough
184
conceito de jogo, que é pensado não meramente para ser equiparado à leveza
sugerida por Han como um distanciamento do existente. Han também ad-
verte sobre a negligência da produção de prazer como mecanismo de ação do
poder. Mas pelo fato de que os complexos de saber-poder, segundo Foucault,
também formam os afetos dos indivíduos e constroem a subjetividade físico-
-mental, a inscrição no desejo está associada à potência hedonista e é tomada
como natural devido à obviedade desses processos, que na maioria das vezes
não são percebidos. A comparação com a concepção de poder de Hans es-
clarece de maneira especial o ganho teórico da complexa teoria do poder de
Foucault para o debate atual sobre a questão do poder. Em suma, pode-se
afirmar que a nova concepção de Hans do fenômeno do poder não consegue
diminuir a expressividade e o significado da filosofia do poder de Foucault.
2.3.1.5 Sobre a complexidade do conceito de poder de
foucault
Teoricamente, os limites do poder em Foucault já estão estabelecidos
em sua concepção de poder produtiva, relacional, dinâmica, agonal e voltada
para a estratégia. Os exercícios de poder não são entendidos estaticamente,
mas baseados na aplicação de estratégias de ação que devem ser consideradas
em um processo recíproco permanente de uso mútuo de estratégias funda-
mentadas em possibilidades discursivas e dispositivas. A partir disso, cada
indivíduo é concebido como uma fonte de poder. Por um lado, os indivídu-
os atuantes são constituídos por práticas de poder, mas, ao mesmo tempo,
devem ser entendidos como centros de agência que, por sua vez, exercem o
poder. Embora não seja concebível que o indivíduo se desvincule completa-
mente dos determinantes complexos de saber-poder nos quais os sujeitos se
constituem, há, por outro lado, a possibilidade de crítica e dessubjugação.
“Tornar-se assim singular é um enorme ato político, talvez seja o ato político
com letra maiúscula, pois constitui a democracia enquanto associação políti-
ca de cidadãos emancipados” (Brieler, 2008, p. 33).349 A partir da análise do
349 E [“Ein derart Eigenes zu werden, ist ein enormer politischer Akt, ja vielleicht ist es der politische Akt
überhaupt, da er die Demokratie als politische Assoziation mündiger Bürger konstituiert.” – tradução nossa]
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
185
ter-se-tornado dos sujeitos e da elaboração no discursivo das formas de saber
a priori, das formas específicas de poder de uma época e da aplicação de tec-
nologias de si, o indivíduo é capaz de ampliar seus horizontes de pensamen-
to, sentimento e ação. Nesses processos, as mudanças no eu e na sociedade
são pensadas como possíveis e são fundamentadas teoricamente. O conceito
subjacente de liberdade não deve ser pensado no sentido de um completo
desapego das determinações constituintes dos sujeitos, mas como liberdade a
partir das constituições existentes no contexto sócio-histórico dado. A liber-
dade está associada, por um lado, a processos de libertação, reinterpretação
e reconfiguração de formas de saber e poder existentes e, por outro, a uma
reconfiguração do eu – processos que se entrelaçam – e, portanto, é também
a base de uma possível resistência. Em teoria, o conceito de liberdade não se
baseia em uma autonomia absoluta, mas sim em uma autonomia concebida
como relativa. O conceito de liberdade de Foucault inclui tanto o aspecto
da liberdade do que já existe quanto o da liberdade para uma possível mu-
dança no sentido emancipatório – uma mudança no eu, nas relações com
os outros e na sociedade. Para Foucault, os conceitos de liberdade e poder
estão intimamente relacionados. O próprio conceito de poder de Foucault
determina os limites do poder. O poder e os limites do poder estão incorpo-
rados em um jogo estratégico. É exatamente aqui que reside o fundamento
teórico da resistência. Para Foucault, liberdade, autonomia e resistência estão
ancoradas de forma lógica no conceito de poder. A mudança do descritivo
para o normativo, que muitas vezes pode ser observada nesse contexto em
Foucault, deve ser vista em conexão com sua concepção de fusão fundamen-
tal entre descrição e prescrição. A complexidade do conceito de poder de
Foucault é particularmente convincente, uma vez revela as várias facetas do
poder. Foucault esclarece o caráter do poder como um sistema de conexões
de forças concebidas relacionalmente, a naturalização por meio de formas
epistemologicamente significativas do a priori histórico, por meio de práticas
e condições de enquadramento dispositivas como instituições, arquitetura
etc., o caráter hedonista do poder, suas diferentes formas e relações de poder,
suas possíveis circunscrições, auto-relações e relações com o outro e os mo-
dos de aparição nos vários níveis sociais como religião, economia e política.
Sua concepção filosófica oferece à teoria política uma oportunidade convin-
cente de apreender teoricamente os fenômenos do poder e dos limites do po-
Marita Rainsborough
186
der – precisamente através da ancoragem lógica da liberdade e da resistência
em seu conceito de poder – e também de examiná-los em contextos sociais
concretos. “O sistêmico e o próprio, o heterônomo e o autônomo devem ser
questionados na dimensão histórica de sua simbiose contraditória” (Brieler,
2008, p. 33).350 Sua concepção do intelectual específico,351 da politização da
subjetividade e do ethos como atitude crítica não permitem que sua teoria
apareça como uma concepção de poder afastada da ética. Em particular, as
ideias de autonomia e resistência mostram a conexão entre poder e ética na
filosofia de Foucault: sua ética é política352 e sua política é ética – ou deveria
tornar a ética possível. Foucault nos apresenta uma ética do poder dentro de
sua teoria do poder.353
2.3.2 a concepção de poder de foucault na perSpectiva daS
teoriaS póS- e decoloniaiS de mbembe e mignolo
2.3.2.1 a teoria do poder de foucault e o póS- e decolonial
O filósofo africano Mbembe aponta para o ponto cego de Foucault
em sua concentração no pensamento ocidental, uma omissão que permite
350 [“Das Systemische und das Eigene, das Heteronome und das Autonome müssen in der historischen
Dimension ihrer widersprüchlichen Symbiose befragt werden.” – tradução nossa]
351 Com uma figura do intelectual específico, Foucault critica a ideia de Sartre do escritor como um intelectual
universal. O intelectual específico, por outro lado, não é um porta-voz de todas as pessoas, mas um porta-
voz de problemas específico no campo político. Com isso, Foucault empreende uma profissionalização
do intelectual. Spivak, por outro lado, conta com a escuta subversiva dos intelectuais, o que impediria o
subalterno de falar.
352 Brieler diz de maneira semelhante: “sua ética é, portanto, política” (Brieler, 2008, p. 24). Jens Kastner
também fala, em relação a Foucault, de uma “dimensão ética do político” (Kastner, 2008, p. 49). Han, por
outro lado, diz: “o político é, portanto, uma prática do poder e da decisão” (Han, 2019, p. 168). Segundo
Han, não se trata de consenso, mas de um “compromisso como compensação de poder” (Ibid). Han omite
aqui a dimensão ética do político.
353 Adoto o termo ética do poder em relação à teoria do poder de Foucault a partir de Han: “a ética do poder
de Foucault baseia-se em uma ética do cuidado de si” (Han, 2019, p. 189). Isso resulta em uma posição
clara em relação à alternativa expressa por Hechler/Philipps: “Existem dois pontos de vista: alguns veem
o conceito de resistência de Foucault livre de todas as implicações morais e, portanto, próximo de uma
afirmação nietzschiana de poder, enquanto outros procuram provar a legitimidade da resistência no apelo
de Foucault à crítica e ao esclarecimento” (Hechler; Philipps, 2008, p. 11s). Segundo Foucault, o poder
pode assumir diversas formas, contudo, com ele pode-se falar de uma ética do poder.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
187
a Foucault ignorar a plantação colonial como raiz e campo de teste das
técnicas disciplinares. Além da crítica de Mbembe ao descuido com o pós-
colonialismo na concepção de poder de Foucault – especialmente no que
diz respeito ao poder disciplinar – fica visível também uma crítica radical a
seu pensamento teórico do poder, na qual torna-se nítida a necessidade de
o expandir e complementar. Segundo Mbembe, na situação pós-colonial
disciplinarização, biopolítica e necropolítica se combinam. Mbembe
desenvolve assim o conceito de necropoder para tornar compreensível
teoricamente a aplicação de técnicas de poder atuais no massacre e nas
formas de terror praticadas mundialmente.
O pensador decolonial argentino Mignolo também critica veemen-
temente o conceito de poder de Foucault e reivindica a inclusão de cons-
truções de saber e técnicas de poder geográficas; ele fala de geopolitics and
bodypolitics, que consideram o corpo um objeto racista. Foucault se con-
centra apenas no racismo de Estado, sua visão do fenômeno do racismo
precisaria ser ampliada. Segundo Mignolo, trata-se particularmente do
pensamento decolonial, que está associado a classificações e reavaliações
e afeta as construções identitárias. O conceito de biopolítica de Michel
Foucault precisaria, portanto, ser expandido para incluir os aspectos da
geopolítica e da política do corpo. Em conexão com essa crítica, surge
a questão sobre a relevância da concepção de poder de Foucault para o
pensamento pós- e decolonial e sua atualidade? De que forma o conceito
de poder de Foucault é retomado na filosofia e/ou teoria pós-colonial e
decolonial de Mbembe e Mignolo? O conceito de poder de Foucault –
possivelmente de forma modificada – ainda é relevante no contexto das
teorias pós- e descoloniais? Ou as formas e estratégias de poder precisam
ser redesenhadas hoje, levando-se em conta a pesquisa pós- e descolonial,
para que consigam captar apropriadamente a atual situação sociopolítica
no contexto global? Que relevância têm as formas de poder de Foucault,
como o poder disciplinar e o biopoder, no contexto atual? E qual o signifi-
cado hoje do conceito de panóptico em sua obra Vigiar e Punir?
Marita Rainsborough
188
2.3.2.2 Vigiar e Punir de foucault e Sua concepção de poder
Em Vigiar e Punir, no qual Foucault espera escrever “uma história do
presente” (Foucault, 1987, p. 34), ele examina a mudança de objetivo da
punição de tortura, dirigida ao corpo humano por meio de técnicas de dor,
para uma técnica destinada a influenciar a alma, a qual aspira, por meio da
vigilância através do olhar panóptico, o controle do indivíduo, embora se
trate, como de costume, de uma “’tecnologia política’ do corpo” (p. 27).
Com isso também se altera a questão da verdade associada a um julgamen-
to judicial. O foco não está mais na questão do ato, mas sim na questão de
sua origem no autor.354 À condenação estão ligadas às “apreciações de nor-
malidade” (p. 24), que andam de mãos dadas com o desenvolvimento das
ciências humanas. Esses mecanismos de punição devem ser vistos como
técnicas de poder que podem ser situadas no contexto de táticas políticas
e estão relacionadas aos sistemas socias de produção.355 Eles se concentram
no corpo. Nas palavras de Foucault: “o corpo só se torna força útil se é ao
mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso” (Foucault, 1987, p. 29).
A esse respeito, Foucault fala de uma “microfísica do poder” que se baseia
no modelo de uma batalha perpétua.356
354 “Todo um conjunto de julgamentos apreciativos, diagnósticos, prognósticos, normativos, concernentes ao
indivíduo criminoso encontrou acolhida no sistema do juízo penal” (Foucault, 1987, p. 23).
355 “Nessa linha, Rusche e Kirchheimer estabeleceram a relação entre os vários regimes punitivos e os sistemas
de produção em que se efetuam: assim, numa economia servil, os mecanismos punitivos teriam como
papel trazer mão-de-obra suplementar – e constituir uma escravidão “civil” ao lado da que é fornecida pelas
guerras ou pelo comércio; com o feudalismo, e numa época em que a moeda e a produção estão pouco
desenvolvidas, assistiríamos a um brusco crescimento dos castigos corporais – sendo o corpo na maior parte
dos casos o único bem acessível; a casa de correção – o Hospital Geral, o Spinhuis ou Rasphuis – o trabalho
obrigatório, a manufatura penal apareceriam com o desenvolvimento da economia de comércio. Mas como
o sistema industrial exigia um mercado de mão-de-obra livre, a parte do trabalho obrigatório diminuiria no
século XIX nos mecanismos de punição, e seria substituída por uma detenção com fim corretivo” (Foucault,
1987, p. 28).
356 Foucault, 1987, p. 30. E continua: “temos em suma que admitir que esse poder se exerce mais que se possui,
que não é o “privilégio” adquirido ou conservado da classe dominante, mas o efeito de conjunto de suas
posições estratégicas – efeito manifestado e às vezes reconduzido pela posição dos que são dominados. Esse
poder, por outro lado, não se aplica pura e simplesmente como uma obrigação ou uma proibição, aos que
não têm”; ele os investe, passa por eles e através deles; apoia-se neles, do mesmo modo que eles, em sua
luta contra esse poder, apoiam-se por sua vez nos pontos em que ele os alcança. (Foucault, 1987, p. 30). Em
suas aulas no Collège de France entre 1972 e 1973, Foucault também fala do modelo da guerra civil para
esclarecer os processos de poder. Ele diz: “o exercício cotidiano do poder deve poder ser considerado uma
guerra civil: exercer o poder é de certa maneira travar a guerra civil, e todos esses instrumentos, essas táticas
que podem ser distinguidas, essas alianças devem ser analisáveis em termos de guerra civil.” Em: Foucault
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
189
A derrubada desses “micropoderes” não obedece portanto à lei do
tudo ou nada; ele não é adquirido de uma vez por todas por um
novo controle dos aparelhos nem por um novo funcionamento
ou uma destruição das instituições; em compensação nenhum
de seus episódios localizados pode ser inscrito na história senão
pelos efeitos por ele induzidos em toda a rede em que se encontra
(Foucault, 1987, p. 30).
Segundo Foucault, as técnicas de punição estão sempre num contex-
to sociopolítico específico e são “capítulos da anatomia política” (Foucault,
1987, p. 31). Foucault fala de um “sistema de permanente controle dos
indivíduos” na sociedade disciplinar, para os quais o vigiar e o punir são
características. Ele diz:
É uma inquirição de suspeita geral e a priori do indivíduo. Pode-se
chamar de exame essa prova ininterrupta, graduada e acumulada
que possibilita controle e pressão constantes, seguir o indivíduo
em cada um de seus passos, ver se ele está regular ou irregular,
comportado ou dissipado, normal ou anormal (Foucault, 2015b,
p. 180).
Trata-se, sobretudo, de controle sobre o tempo: “passou-se da
fixação local à sequestração temporal” (Foucault, 2015b, p. 194).
Foucault fala de uma cultura de vigilância e, em relação ao século XIX,
da ‘era do panoptismo’ (p. 236). Baseado em um princípio arquitetônico
de vigilância estrutural que conduz ao autocontrole, o panoptismo
pode ser visto como uma ocupação simultânea do espaço e do tempo e
envolve uma “assimetrização do olhar” e uma “inversão da hierarquia da
visibilidade”(Kammerer, 2008, p. 115, tradução nossa). Kammerer fala de
uma “visibilidade da invisibilidade do poder” (p. 117) e do “efeito de ser
monitorado” ou de uma “encenação de uma onipresença inalcançável” (p.
120). E ele continua: “a compulsão torna-se invisível onde os meios de
coerção estabelecem um estado de total visibilidade” (Kammerer, 2008, p.
115).357 Foucault descreve o panoptismo como uma forma de sociedade:
(2015b, p. 30).
357 E continua: “A partir de então, o poder foi mergulhado na aobscuridade, enquanto o indivíduo foi arrastado
para a luz do palco.” “Fortan war die Macht in ein Dunkel getaucht, während das Individuum ins Licht der
Bühne gezerrt wurde.” – tradução nossa] (Kammerer, 2008, p. 118).
Marita Rainsborough
190
ora, essa forma-prisão é muito mais que forma arquitetônica, é uma forma
social” (Foucault, 2015b, p. 206). Segundo Foucault, a vigilância também
leva “a uma nova forma de saber” (p. 267). As tendências panópticas
também podem ser observadas de forma modificada nos séculos seguintes.
Ainda hoje pode-se falar de uma “surveillance society” (Kammerer, 2008,
p. 46)358 que prevê “dataveillance”, “social sorting” e “Risikomanagement”
(p. 85s), em particular com base na coleta e processamento de dados
pessoais por intermédio de meios técnicos. Termos como superpanóptico,
omnicon, ban-óptico e hiperpanóptico ilustram a tentativa de salvar e
transferir a forma de poder de Foucault, o panóptico, para o final do século
XX e início do século XXI (p. 128).359
O que é particularmente surpreendente nesta recente ‘história
de sucesso’ do panóptico é a facilidade com que os princípios de
uma arquitetura de poder centralizada do século XVIII foram
transferidos para as relações de rede descentralizadas do final do
século XX. […] Seu sucesso ultrapassou o conceito (Kammerer,
2008, p. 127).360
De acordo com Kammerer, no entanto, “nenhum novo paradigma
está surgindo” (Kammerer, 2008, p. 128).361 Em complemento, ele exige
o recurso ao conceito de sociedade de controle, recurso que foi fortalecido
por Deleuze.
Depois de Foucault, Gilles Deleuze dispõe-se a se tornar o novo
criador de palavras-chave dos Surveillance Studies. […] O filósofo
francês entende por ‘sociedade de controle’ uma série de (trans)
formações sociais e técnicas que estão em ação para substituir a
sociedade disciplinar’. […] Seus meios de confinamento – as
358 Kammerer recorre a David Lyon, por exemplo, Lyon, David: Surveillance society. Monitoring Everyday Life.
Buckingham: Open University Press, 2001. Kammerer relaciona a expressão principalmente à mídia visual,
como câmeras de vigilância.
359 Ele refere-se aqui a Haggerty. Cf. Haggerty, Kevin: “Tear down the walls. On demolishing the panopticon”.
Em: Lyon David: eorizing Surveillance. e panopticon and beyond. Cullompton: Willan, 2006, p. 23-45.
360 [“An dieser neuerlichen ›Erfolgsgeschichte‹ des Panoptischen muss vor allem verwundern, wie umstandslos
die Prinzipien einer zentralistisch organisierten Machtarchitektur aus dem 18. Jahrhundert auf die
dezentralen Netzwerk-Verhältnisse des ausgehenden 20. Jahrhunderts übertragen werden. […] Der Erfolg
hat das Konzept überstrapaziert.“ – tradução nossa]
361 [“kein neues Paradigma ab.” – tradução nossa]
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
191
prisões, hospitais, escolas, quartéis e fábricas – estão em dissolução
desde o final do século XX (Kammerer, 2008, p. 131).362
Ao mesmo tempo, nota-se também um aumento na necessidade de
segurança.
A essa altura, parece que a grande maioria de nós está completamente
ávido por segurança. Interiorizamos uma visão de mundo baseada na
onipresença do perigo e na necessidade inescapável de desconfiança
e suspeita constantes, e só podemos imaginar uma vida comum
dentro de uma nação sob a proteção de uma constante vigilância
– e, com isso, nos tornamos dependentes da implementação de
medidas de vigilância e de sermos informados a respeito delas
(Baumann, 2014, p. 131).363
Nas sociedades de hoje, a mobilidade e a mobilização segundo o
princípio de “governing by freedom” (Kammerer, 2008, p. 134), os quais
estão ligados ao controle contínuo, são decisivos. Foucault já mostrou esse
tipo de governo em suas pesquisas sobre o liberalismo e o neoliberalismo.
A vigilância não é (em primeira linha) alcançada pela coerção, mas pela
sedução” (Kammerer, 2008, p. 134).364 No entanto, esse desenvolvimento
não torna supérfluos os conhecimentos de Foucault sobre o panoptismo.
Kammerer disse:
Mas precisamente em uma vigilância high-tech altamente
midiatizada, na qual os olhos humanos devem ser substituídos por
algoritmos e câmeras inteligentes, o velho princípio arquitetônico
362 [“Nach Foucault schickt sich nun Gilles Deleuze an, zum neuen Stichwortgeber der Surveillance Studies zu
werden. […] Unter ‚Kontrollgesellschaft‘ versteht der französische Philosoph eine Reihe von sozialen und
technischen (Trans-)Formationen, die am Werk sind, die ‚Disziplinargesellschaft‘ abzulösen. […] Deren
Einschließungsmilieus – die Gefängnisse, Hospitäler, Schulen, Kasernen und Fabriken – befinden sich seit
dem Ende des 20. Jahrhunderts in Auflösung.” Da mesma forma, um recurso ao conceito de estrutura de
Deleuze pode ser observado, por exemplo, no ‘diagrama de controle’ (Cf. ibid.).
363 [“Inzwischen sind die allermeisten von uns offenbar geradezu süchtig nach Sicherheit. Wir haben
eine Weltanschauung verinnerlicht, die auf der Allgegenwart der Gefahr und der unausweichlichen
Notwendigkeit ständigen Mißtrauens und Argwöhnens beruht und sich das Zusammenleben einer
Nation nur noch unter dem Schutz ständiger Wachsamkeit vorzustellen vermag – und damit sind wir
davon abhängig geworden, daß Überwachungsmaßnahmen durchgeführt werden und daß wir es auch
mitbekommen.” – tradução nossa]
364 [“Überwachung wird nicht (in erster) Linie durch Zwang, sondern durch Verführung erreicht.” – tradução
nossa]. Cada vigilância demonstra o “aspecto duplo de care and control” (Kammerer, 2008, p. 227).
Marita Rainsborough
192
de Bentham, o acesso disciplinante e controlador ao sujeito por
meio da configuração do espaço, torna-se novamente decisivo. No
início era a torre redonda – agora a escada rolante parece ser o
lugar privilegiado para uma vista panóptica (Kammerer, 2008, p.
210).365
Prédios e arranjos estruturais, salas de controle que direcionam e
regulam os movimentos “serão ampliadas no futuro” (Kammerer, 2008, p.
210). Câmeras e drones de reconhecimento ainda incorporam o princípio
panóptico. Kammerer afirma: “a este respeito, o princípio de Bentham só
é plenamente realizado nas caixas opacas e panópticamente redondas das
câmeras dome” (Kammerer, 2008, p. 232).366 Elas “permitem uma panorâ-
mica completa de 360°” (p. 232).367 A vigilância por vídeo como técnica de
controle pode ser vista como um generalizado “fenômeno cultural de nosso
tempo” (Kammerer, 2008, p. 268), tendo, por exemplo, além da função
de vigilância e aumento da segurança, a função de entretenimento. Nisto
se manifesta a penetração do corpo social como um todo por essas técnicas
de poder. Também Baumann acentua a atualidade do modelo panóptico:
a meu ver, o panóptico goza de excelente saúde” (Baumann; Lyon, 2014,
p. 74).368 Ele trata do tema de que cada um cria seu “panóptico pessoal” e
leva consigo “nas próprias costas” (Baumann; Lyon, 2014, p. 78). Nesses
tempos de ‘vigilância superficial’, entretanto, ele não pode mais ser visto
como padrão universal ou estratégia de dominação, como nas épocas res-
pectivas desses dois autores [Bentham e Foucault], e nem mesmo como
seus meios principais ou mais comumente praticados” (Baumann; Lyon,
365 [“Doch ausgerechnet in einer maximal medialisierten Hightech-Überwachung, in der menschliche Augen
durch Algorithmen und smarte Kameras abgelöst werden sollen, wird das alte architektonische Prinzip
Benthams, der disziplinierende und kontrollierende Zugriff aufs Subjekt durch die Konfiguration des
Raumes, aufs Neue entscheidend. Am Anfang stand der Rundturm – nun scheint die Rolltreppe der
privilegierte Ort des panoptischen Blicks zu sein.” – tradução nossa]
366 [“Insofern ist das Benthamsche Prinzip erst in den intransparenten und panoptisch runden Gehäusen der
Dome-Kameras voll verwirklicht.” – tradução nossa]
367 Além disso, Kammerer refere-se aqui a Cusanus (Cf. Kammerer, 2008, p. 233s.) [“erlauben den vollen
360°-Rundumschwenk.” – tradução nossa]
368 [“So wie ich es sehe, erfreut sich das Panoptikum bester Gesundheit“. – tradução nossa]
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
193
2014, p. 74).369 Há mudanças específicas em cada caso.370 Nota-se que as
reflexões de Foucault sobre o vigiar e punir ainda hoje são muito discu-
tidas, examinadas por sua atualidade e alteradas em vários aspectos. Os
pensadores pós-/decoloniais Achille Mbembe e Walter Mignolo também
lançam um olhar crítico sobre a concepção de poder de Foucault. Que
percepções particulares são desenvolvidas no pensamento pós- e decolonial
em relação às proposições de Foucault?
2.3.2.3 a crítica da razão negra de membe e Seu conceito de
poder
Em seu trabalho, Crítica da Razão Negra, Mbembe evoca o perigo
do ‘devir-negro’ no mundo. “A transnacionalização da condição negra é,
portanto, um momento constitutivo da modernidade” (Mbembe, 2014b,
p. 34). A razão negra pode ser entendida como um discurso inserido em
um dispositivo de exclusão do sujeito racial, na medida em que se preocu-
pa igualmente com sua constituição:
Neste contexto, a razão negra designa tanto um conjunto de
discursos como de práticas – um trabalho quotidiano que consistiu
em inventar, contar, repetir e pôr em circulação fórmulas, textos,
rituais, com o objectivo de fazer acontecer o Negro enquanto
sujeito de raça e exterioridade selvagem, passível, a tal respeito, de
desqualificação moral e de instrumentalização prática (Mbembe,
2014b, p. 58).
369 [“als universelles Muster beziehungsweise die universelle Strategie der Herrschaft, wie zur jeweiligen Zeit
dieser beiden Autoren [gemeint sind Bentham und Foucault], und nicht einmal mehr ihr vornehmstes
oder am häufigsten praktiziertes Mittel” – tradução nossa] As técnicas de coerção também estão envolvidas
nesse processo de mudança. Elas foram sendo cada vez mais substituídas por envolvimento e sedução. (Cf.
Baumann/Lyon, 2014, p. 76s).
370 Isso também inclui “o ‘panopticismo do estado de bem-estar’ descrito por Wacquant”. (Baumann; Lyon
2014, p. 79) Didier Bigo desenvolve a tese do ‘banóptico’, o afastamento de forasteiros por necessidade
de segurança, e fala de um dispositivo heterogêneo e fragmentário em relação ao panoptismo em geral
(Cf. Baumann; Lyon, 2014, p. 81s). Também deve ser considerada neste contexto a criação de campos de
trânsito e de refugiados. (Cf. Baumann; Lyon 2014, p. 84s.) Nesse quadro, o termo ‘sinóptico’, cunhado
por Mathiesen e que poucos observam, também pode ser visto como uma mudança ou complemento ao
conceito de panóptico de Foucault (Cf. Baumann; Lyon 2014, p. 89s).
Marita Rainsborough
194
O título provocativamente escolhido, baseado em Kant, aponta tan-
to para a análise de discursos raciais371 associados a práticas, particular-
mente de procedência ocidental, a partir de uma epistemologia de cunho
construtivista – com efeitos morais, sociopolíticos e econômicos –, bem
como para a investigação do pensamento ‘negro’, das realizações dos teó-
ricos do pan-africanismo, do movimento da negritude e da teoria pós-co-
lonial, que tratam o tema de forma crítica – principalmente em conexão
com um “apelo à raça” (Mbembe, 2014b, p. 67). Segundo Mbembe, a
subdivisão racial e a classificação das raças a partir dela podem estar vincu-
ladas ao pensamento conforme espécies e gêneros, como expõe Foucault
em As Palavras e as Coisas. Segundo Foucault, como Mbembe deixa claro,
a raça, o racismo, “é a condição de aceitabilidade da condenação à morte
numa sociedade de normalização”(Mbembe, 2014b, p. 67). Ele remete a
Foucault: “a função assassina do Estado só pode ser garantida, funcionan-
do o Estado no modo do biopoder, através do racismo”.372 Mbembe refe-
re-se explicitamente aos procedimentos analítico-discursivo e histórico-ge-
nealógico de Foucault em sua concretude empírica, e a suas considerações
biopolíticas sobre o racismo. Por outro lado, ele critica profundamente a
filosofia de Foucault no sentido, por exemplo, da negligência em relação à
plantação e à colônia em seu estudo das técnicas disciplinares e biopolíticas
de poder. Além disso, segundo Mbembe, Foucault, em sua análise da pro-
dução e destruição simultâneas da liberdade no liberalismo, negligencia o
fato de que “historicamente, a escravatura dos Negros representa o ponto
culminante desta destruição da liberdade” (Mbembe, 2014b, p. 143).373
Segundo ele, a economia das plantações374 é a base econômica e social da
modernidade. Na plantação, que pode ser vista como uma espécie de cam-
po experimental, desenvolvem-se técnicas de punição e disciplinamento
que Foucault ignora em sua análise do poder disciplinar, a qual se concen-
tra em instituições como prisão, militares, fábricas e escolas. “A plantação
371 No final do século XX e início do século XXI, Mbembe constata o perigo de uma nova variante de racismo
que está ligada ao recurso à genética, em que a vida pode ser redesenhada segundo critérios raciais com base
em técnicas de biologia molecular.
372 Mbembe refere-se aqui a Foucault, 1999, p. 295s.
373 Mbembe continua: “o escravo negro representa este perigo” (Mbembe, 2014b, p. 143).
374 Para Mbembe, “a verdadeira sociedade da plantação”, que leva à cisão em senhores coloniais e subjugados
multirraciais, surge entre 1630 e 1780 (Cf. Mbembe, 2014b, p. 33).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
195
transforma-se gradualmente numa instituição econômica, disciplinar e pe-
nal” (Mbembe, 2014b, p. 42). A experiência ali adquirida foi transferida
para outras áreas. Esse processo é acompanhado pelo uso de instrumentos
de segurança e trabalho legislativo visando a “construção da incapacida-
de jurídica” dos escravos (Mbembe, 2014b, p. 42). Ele está relacionado
com a ascensão e expansão do capitalismo. Ao contrário do que afirma
Mbembe, em sua obra Vigiar e Punir Foucault trata da prática da tortura
aos escravos como parte do estudo da tortura. Ele afirma: “é verdade que
a prática da tortura remonta à Inquisição, é claro, e mais longe ainda do
que os suplícios dos escravos. Mas ela não figura no direito clássico como
sua característica ou mancha” (Foucault, 1987, p. 58). Ele também assume
uma conexão entre a prática penal e o sistema de produção. Ele diz: “assim,
numa economia servil, os mecanismos punitivos teriam como papel trazer
mão-de-obra suplementar” (p. 28). A acusação de Mbembe de negligen-
cia em relação ao colonialismo, à escravatura e à economia das plantações
não pode ser sustentada com tanta dureza. Já no prefácio de Loucura e
Sociedade, Foucault (1972) fala da razão colonizadora do Ocidente, que
surgiu da demarcação em relação ao Oriente. Ele também enfatiza a cons-
tituição de saberes associados à colonização, a conexão entre saber e poder
e a exploração e violência associadas:
Maybe could we also say that in order to know other cultures –
non-Western cultures, so-called primitive cultures, or American,
African, and Chinese cultures etc. – in order to know these cultures,
we had not only to marginalize them, not only to look down upon
them, but also to exploit them, to conquer them and in some ways
through violence to keep them silent? (Foucault, 1971).375
No entanto, deve-se notar que Foucault não examina esses fenôme-
nos de forma abrangente e detalhada, mas marca suas localizações con-
textuais. Aqui Mbembe preenche uma lacuna importante ao examinar a
escravidão ligada à “estrutura do sistema de plantação” tanto como campo
experimental de técnicas disciplinares quanto como “um dos primeiros
exemplos de experimentação biopolítica” cujo ponto de partida é a selection
375 Esta declaração de Foucault provém de uma entrevista, que ficou muito tempo perdida, gravada em 1971
em seu apartamento em Paris. Veja: Foucault (1971).
Marita Rainsborough
196
of race (Mbembe, 2014b, p. 64).376 Na atual conjuntura política global,
segundo Mbembe, a combinação da biopolítica com a forma de poder da
disciplina, com as técnicas utilizadas no combate aos insurgentes na era da
descolonização e das ‘guerras sujas’ do conflito Leste-Oeste e do ‘combate
ao Terror’, com vigilância em massa para obtenção de dados – o lado do
poder biopolítico,377 uma espécie de poder ‘digital’378 – que leva à guerra
à distância e à “equidade sem precedentes entre as esferas civis, policiais e
militares e o mundo da informação” (Mbembe, 2014b, p. 49).379 Nesse
contexto, Mbembe também desenvolve o conceito de necropoder, uma
formação do terror” (Mbembe, 2011, p. 78), e necropolítica, para tor-
nar teoricamente compreensível a aplicação de técnicas de poder atuais na
guerra-relâmpago (Blitzkrieg), nos massacres e nas formas de terror pratica-
das mundialmente. Necropoder é entendido como o domínio sobre a vida
e a morte. Aqui também está incluída a encenação de vítimas públicas,
como, em particular, as decapitações, nas quais “indivíduos identificáveis
são submetidos a uma cerimônia ritualizada de morte violenta seguindo
um procedimento predeterminado”.380 O mártir terrorista “não é um már-
tir passivo, mas um mártir ativo, perigoso, explosivo – em suma: um már-
tir assassino” (Appadurai, 2009, p. 95).381 Nesse contexto, o dispositivo de
376 Mbembe caracteriza a plantação como uma combinação de biopoder, estado de exceção e estado de sítio.
(Cf. Mbembe, 2014b, p. 65).
377 Por exemplo, impressões digitais, da íris, da retina, do formato do rosto e da voz.
378 Por exemplo, impressões digitais de telecomunicação, do uso da internet e da vigilância por vídeo.
379 “Os novos dispositivos de segurança integram elementos de regimes anteriores (regime disciplinar e de
penalização na escravatura, elementos das guerras coloniais de conquista e de ocupação, técnicas jurídico-
legais de exceção), aplicando-os, de modo nanocelular, às tácticas características da era do genoma e da
guerra contra o terror”. Recorre-se ainda a técnicas elaboradas ao longo das guerras insurreccionais de
épocas como a descolonização, as “guerras sujas” do conflito Este-Oeste (Argélia, Vietname, África Austral,
Birmânia, Nicarágua) e as experiências de institucionalização de ditaduras predadoras, com o empurrão ou a
cumplicidade de agências de informação de forças ocidentais pelo mundo fora” (Mbembe, 2014b, p. 47s).
380 Appadurai, Arjun: Die Geographie des Zorns. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 2009, p. 26 [“identifizierbare
Individuen einer ritualisierten, einem vorgegebenen Ablauf folgenden Zeremonie des gewaltsamen Todes
unterworfen werden“ – tradução nossa]. O autor fala de uma “volta a uma das formas mais elementares
de violência religiosa, à vítima” [“Rückkehr zu einer der elementarsten Formen religiöser Gewalt,
dem Opfer” – tradução nossa] (Ibid). Eles são ”os equivalentes aos homens-bomba” [“Pendants der
Selbstmordattentäter” – tradução nossa] (Appadurai, 2009, p. 27). “Esses corpos testemunham a tentativa
desesperada de reintroduzir um elemento religioso nas zonas de morte e destruição, as quais se tornaram tão
inimaginavelmente abstratas”. [“Diese Körper zeugen von dem verzweifelten Versuch, wieder ein religiöses
Element in die Zonen des Todes und der Zerstörung einzuführen, die so unvorstellbar abstrakt geworden
sind.” – tradução nossa] (Ibid).
381 [“kein passiver Märtyrer, sondern ein aktiver, gefährlicher, explodierender – kurz: ein mörderischer
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
197
segurança vive atualmente um aumento de importância e uma diferencia-
ção por meio de novas técnicas de poder de natureza biopolítica e digital.
Segundo Foucault, a quem Mbembe se refere aqui, o liberalismo e o neoli-
beralismo, que pressupõem a liberdade de mercado, sempre estiveram his-
tórica e politicamente intimamente ligados à questão da segurança. Nesse
contexto, Foucault fala de uma ‘cultura do medo’. Baudrillard chama o
aumento das tecnologias de segurança na situação atual provocativamente
de ‘terror da segurança’. Para Mbembe, em relação à raça:
a consequência deste medo, lembra Foucault, tem sido o
crescimento de processos de controlo, de coacção e de coerção,
que, longe de serem aberrações, surgem como contrapartida às
liberdades. A raça, e em particular a existência do escravo negro,
desempenhou um papel central na formação histórica de tais
contrapartidas” (Mbembe, 2014b. p. 144).
Aqui também, ampliando as falas de Foucault, Mbembe aponta para
a importância do racismo na formação da prática de controle, o que se rela-
ciona com a constituição do medo e sua dimensão psicológica.382 Segundo
Kammerer, os momentos racistas também podem ser reconhecidos no senti-
do de um banóptico, por exemplo, em programas de reconhecimento facial
para análise de material de vídeo das câmeras de vigilância. Com ele diz:
O resultado: os algoritmos não são de forma alguma daltônicos.
Em um teste inicial, os não-brancos foram identificados mais
facilmente pelos sistemas do que os brancos. […] ‘Ser branco
[era] ‘avorecido’ pelo sistema de uma forma diferente do que os
pesquisadores haviam esperado (Kammerer, 2008, p. 101).383
Além disso, Mbembe parte da tese de que as formas atuais de poder
de Estado ainda se baseiam em distinções raciais, no sentido do racismo
Märtyrer.” – tradução nossa]
382 Foucault se refere aqui às declarações de Fanon, 1971.
383 [“Das Ergebnis: Algorithmen sind keineswegs farbenblind. In einem ersten Testablauf wurden Nicht-Weiße
von den Systemen durchgehend leichter identifiziert als Weiße. […] ‘Weiß-Sein’ [wurde] vom System auf
eine andere Weise ‘bevorzugt’, als die Forscher dies erwartet hatten.” – tradução nossa]. Fica claro aqui que
as descobertas de Fanon, em uma forma um pouco modificada, ainda estão atualizadas.
Marita Rainsborough
198
de Estado investigado por Foucault (Mbembe 2014b, p. 72).384 Tomadas
como um todo, as considerações de Mbembe representam uma diferencia-
ção, expansão e reagrupamento, ou um foco diferente, no que diz respeito
às estratégias de poder individuais e/ou dentro de certas formas de poder
em Foucault, por exemplo, no que diz respeito à biopolítica e ao poder
disciplinar, que ele vê cada vez mais a partir do ponto de vista do controle,
que fortalece uma espécie de poder de controle que, por exemplo, também
considera novas engenharias genéticas e estratégias digitais – o chamado
poder ‘digital’. Estes devem ser examinados em suas respectivas especi-
ficidades. Por outro lado, a forma de poder ‘necropoder’ representa um
acréscimo às técnicas de poder foucaultianas. Embora apresente semelhan-
ças com o poder soberano de Foucault,385 possui um caráter fundamen-
talmente diferente devido ao possível uso do próprio corpo como arma.
Appadurai indiretamente caracteriza esse tipo de poder como celular e fala
de uma nova “lógica da celularidade” (Appadurai, 2009, p. 45).386 Em rela-
ção ao poder, Baudrillard fala de forma semelhante, mas com outra tônica,
de uma “natureza viral” que se concentra na rápida disseminação e no pen-
samento de contágio (Baudrillard, 2011, p. 16).387 Além disso, observa-se
que Mbembe não considera em suas falas a importância do poder pastoral
como forma de poder de cuidado que se encontra no final do século XX,
de acordo com Foucault, particularmente em combinação com o biopoder
e o poder disciplinar. O poder pastoral ainda é de grande importância no
século XXI e desempenha um papel decisivo na questão da legitimidade
do poder. Ele se forma na ambivalência entre preocupação e controle, o
que pode ser concluído, dentre outros pontos, a partir da afirmação de
384 Veja para isso também: Foucault, 1992, p. 27-50.
385 Foucault fala do caráter aterrorizante do poder soberano no que diz respeito à sua prática penal: “ela – ou
pelo menos aqueles a quem ele delegou sua força se apodera do corpo do condenado para mostrá-lo
marcado, vencido, quebrado. A cerimônia punitiva é ‘aterrorizante’” (Foucault, 1987, p. 67).
386 [“Logik der Zellförmigkeit” – tradução nossa].
387 [“viralen Natur“ – tradução nossa]. “O quarto estágio são os vírus [ele distingue quatro fases: lobos, ratos,
besouros e vírus], eles se movem praticamente na quarta dimensão. Contra os vírus é muito mais difícil se
defender, porque eles estão no centro do sistema.” [“Das vierte Stadium sind die Viren [er unterscheidet
vier Phasen: Wölfe, Ratten, Käfer und Viren], sie bewegen sich praktisch in der vierten Dimension. Gegen
Viren kann man sich viel schlechter verteidigen, denn sie sind im Herzen des Systems.” (Baudrillard, 2011,
p. 86). E continua: “o terrorismo não é simplesmente a antítese do sistema, ele é uma outra coisa, uma
outridade que não pode ser integrada ou assimilada.” [“Der Terrorismus ist nicht einfach die Antithese des
Systems, er ist etwas anderes, eine Andersheit, die sich nicht integrieren oder assimilieren lässt.” – tradução
nossa] (Baudrillard 2011, p. 88).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
199
Baumann/Lyon: “há muito defendo que, embora a vigilância muitas vezes
resulte de um desejo de controle – e sempre envolva poder – isso não exclui
a possibilidade de usá-la a serviço do cuidar dos outros” (Baumann; Lyon
2014, p. 122).388 Além de um possível componente moral, essa preocupa-
ção também tem uma dimensão teórica de poder. Com base em Foucault,
Mbembe realiza uma investigação e uma crítica das condições históricas,
econômicas e sociais do tráfico transatlântico de escravos e da economia
de plantação em relação à situação sociopolítica moderna e pós-moderna
em um contexto global e, com seu modelo humanista de afropolitanismo,
também oferece uma solução para lidar com problemas atuais como esbo-
ço de uma concepção-alvo para a ação humana.
2.3.2.4 o coSmopolitiSmo decolonial de mignolo como
conceito de futuro e a queStão do poder
Como Mbembe, Mignolo enfatiza repetidamente a conexão en-
tre modernidade e colonialidade e, em relação ao colonialismo, fala do
lado escuro, secreto e reprimido da modernidade, que, por outro lado,
forma seu fundamento. O recurso às ideias de racionalidade, totalidade
e universalismo leva à exclusão do outro. Ele questiona a universalidade
do saber ocidental e o caracteriza como essencialmente regional. A partir
dessas considerações, Mignolo desenvolve o conceito de transmodernidade
(Mignolo, 2010, p. 353). A crítica dos pensadores pós-modernos sobre
as categorias mencionadas é entendida por ele como interna e, portan-
to, percebida como limitada. Segundo Mignolo, o pensamento decolonial
vai muito além do pensamento pós-moderno, assim como do pensamen-
to pós-colonial de, por exemplo, Said, Bhabha e Spivak, o qual se baseia
388 [“Ich behaupte seit langem, daß Überwachung zwar oft vom Wunsch zu kontrollieren ausgeht – und
immer mit Macht zu tun hat –, daß dies jedoch nicht ausschließt, daß es Möglichkeiten gibt, sie in den
Dienst der Sorge um den Anderen zu stellen.” – tradução nossa] Neste ponto, continua: “o problema
decisivo aqui é como podemos cumprir nossa responsabilidade para com os outros com quem entramos
em contato através da mídia” (Ibid.). [“Das entscheidende Problem hier ist, wie wir unserer Verantwortung
gegenüber anderen, mit denen wir durch Medien vermittelt in Kontakt treten, gerecht werden können.
– tradução nossa] Segundo os autores, o problema da adiaforização também surge neste contexto (Cf.
Baumann; Lyon 2014, p. 119).
Marita Rainsborough
200
em concepções pós-estruturalistas de Foucault, Derrida e Lacan, na me-
dida em que pressupõe um desvincular de referências de saber hegemô-
nicas associadas ao exercício do poder hegemônico. No que diz respeito
às possíveis mudanças na situação geopolítica, Mignolo parte do conceito
de libertação, ao qual associa a ideia de emancipação, ou seja, uma luta
comum dos oprimidos que mais tarde será acompanhada pela emancipa-
ção individual. Aqui, segundo Castró-Gomez, devemos assumir que os
oprimidos têm uma identidade do Nós, cuja concepção se baseia igual-
mente no conceito moderno de sujeito e representa apenas uma variação
do sujeito transcendente.389 Foucault, por outro lado, fala da dessubmissão
como um conceito de emancipação e, portanto, da necessidade do traba-
lho individual sobre si mesmo através do uso de autotecnologias. Ele vê
o sucesso de convulsões políticas por meio, por exemplo, de revoluções,
como ameaçado se não estiver ligado a uma mudança na forma de ser do
sujeito. Portanto, segundo Mignolo, Foucault está preso a uma “[e]go-lo-
gical politics of knowledge and understanding” (Mignolo, 2010, p. 314).
Segundo Mignolo, a mudança decolonial não pode ser entendida como
uma quebra epistêmica ou mudança de paradigma no sentido de Foucault
ou Kuhn, uma vez que pertence a outro lugar, ele a chama de “an-other
paradigm” (Mignolo, 2010, p. 339, 347). No que diz respeito a Foucault,
entretanto, essa visão deve ser contrariada, pois, de acordo com o interior e
o exterior do conhecimento em Foucault, são justamente os deslocamentos
nessas áreas que levam a uma mudança na episteme ou nas regras de dis-
cursos que incorporam igualmente momentos geopolíticos.
Mignolo desenvolve, a partir de suas proposições border gnoseology,
epistemic disobedience e civil disobedience, um conceito cosmopolita, o
Critical e/ou Dialogical ou Decolonial Cosmopolitanism.390 O processo
sociopolítico envolvido inclui a formação de “democratic, just, and
nonimperial/colonial societies” (Mignolo, 2009, p. 1),391decentered
389 Cf. Castro-Gómez in Martin, 2012, p. 60. Martin Alcoff tenta defender a filosofia de Dussel contra esta
acusação.
390 Mignolo diz que essas formas de cosmopolitismo podem ser entendidas como um princípio regulador. Veja
Mignolo, 2002, p. 182.
391 Ele também fala de liderança cooperativa e compensação não material em vez da ideia predominante de
competição e foco no sucesso. Cf. Mignolo, Walter D.: “Border thinking, Decolonial Cosmopolitanism
and Dialogues Among civilizations”. Em: Rodcisco, 2011, p. 340.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
201
networks” (Mignolo, 2011, p. 331) e uma valorização da vida em geral: “(to)
place human lifes and life in general first” (Mignolo, 2009, p. 20). Esse tipo
de cosmopolitismo pode ser chamado de cosmopolitan localism (Mignolo,
2011, p. 331).392 Nesse contexto, Mignolo luta por uma “de-colonial
epistemic shift”, a conexão com “other epistemologies, other principles
of knowledge and understanding”e outra forma de universalidade que
deve ser entendida como “pluri-versality as a universal Project” (Mignolo,
2010, p. 307) no sentido de uma “non-hierarchical and non-dependent
pluriversality of all existing civilizations” (p. 335) e “[d]iversality as a
universal Project” (Mignolo, 2002, p. 181): como “universality of the
pluri-versal”(Mignolo, 2010, p. 354). Mignolo destaca o caráter exigente
deste projeto: “Pluri-versality as a universal project is quite demanding
(p. 354). Num contexto global, trata-se particularmente do pensamento
decolonial, que se associa a novas classificações e reavaliações e afeta as
construções identitárias, porque “knowledge is also colonized” (p. 354).
Ele substitui o conceito de epistemologia pelo de gnoseologia, uma vez
que este último inclui outras formas de saber que foram negligenciadas
ou reprimidas até agora. Ele caracteriza o pensamento ocidental como
estruturado por “theo-, ego- and organo-logical principles” (p. 317). Em
suma, Mignolo está preocupado com uma nova maneira de se lidar com o
outro ao redor do mundo, uma nova “inter-cultural communication” (p.
307) e um “dialogue among equals” (Mignolo, 2012, p. 94). Para analisar
as formas atuais de poder e alinhar o processo de mudança almejado,
segundo Mignolo, o conceito de biopolítica de Michel Foucault deve ser
ampliado aos aspectos da geopolítica, ao contexto do saber e do poder
baseado em localizações geopolíticas, e à política do corpo, à conexão entre
saber e poder no que diz respeito ao aspecto da etnicidade. A inserção da
política do corpo no âmbito do biopoder, como reivindicado por Mignolo,
já é inerente à concepção foucaultiana de disciplinamento do corpo no
que diz respeito ao poder disciplinador e em virtude de sua convicção
392 O Critical Cosmopolitanism não pode ser um cosmopolitismo from above. (Cf. Mignolo, 2002, p. 184) Ele
fala “from the exteriority of modernity (that is, coloniality)”. (Cf. Mignolo 2002, p. 60) Direitos humanos
e cosmopolitismo, bem como a própria ideia de cosmopolitismo e o conceito de história universal devem
ser considerados criticamente e questionados em termos de suas condições históricas. (Cf. Mignolo, 2002,
p. 161s.) Para Mignolo, o cosmopolitismo assume “a benevolent form of control”. (Cf. Mignolo, 2002, p.
179) Também a democracia como forma de governo não deve ser vista simplesmente como um projeto.
(Cf. Mignolo, 2002, p. 182). Outras conceituações desses fenômenos devem permanecer concebíveis.
Marita Rainsborough
202
fundamental do entrelaçamento de diferentes formas de poder em certas
situações sócio-históricas, porém, essa ideia foi desenvolvida por Mignolo,
levando em conta as considerações de Fanon, do ponto de vista psicológico
e sociológico e foi colocada em contextos pós-coloniais em termos de
teoria do poder. Foucault também integra a política do corpo ao campo da
biopolítica, mas foca no dispositivo da sexualidade. A forma de poder body
politics de Mignolo se trata de um recurso a todas as formas de poder que
afetam o corpo, a partir de experiências coloniais e pós-coloniais no que
tange ao aspecto da etnicidade.
us, body-politics is the darker side and the missing half of bio-
politics: body-politics describes de-colonial technologies enacted
by bodies who realized that they were considered less human at
the moment they realized that the very act of describing them
as less human was a radical un-human consideration (Mignolo,
2009, p. 16).393
Pode-se afirmar que Mignolo permanece ligado em muitos aspectos
ao pensamento de Foucault que ele critica. No geral, sua teoria pode ser
caracterizada por uma ligação indireta por meio da tentativa de demarcação
forçada no processo de desvinculação. O aspecto da geopolítica também
representa, em última análise, um deslocamento na entonação do
pressuposto básico de Foucault e enfatiza classificações, padronizações
e avaliações geopolíticas com as consequências políticas, econômicas e
militares associadas a elas no contexto do conhecimento e das exigências
pós-coloniais – ligados à demanda por mudanças políticas que levam a
uma nova concepção das conexões globais em termos geopolíticos. Isso
se aplica em particular à conexão entre saber e poder de uma perspectiva
geopolítica, por exemplo, no que diz respeito à concepção de centro e
periferia. Em contrapartida, Mignolo fala de um polycentric world
(Mignolo, 2010, p. 353).394 Ao contrário de sua própria avaliação, a
crítica de Mignolo a Foucault não deve ser considerada em todos os seus
fundamentos, pois apesar de sua forte crítica a ele, seu pensamento se
393 Especialmente a obra de Frantz Fanon Peau noire, masques blancs é consultada por Mignolo neste contexto.
394 No entanto, o polycentric world não deve ser entendido dentro de uma orientação ocidental da vida, ele a
explode.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
203
baseia em seus pressupostos básicos, como sua teoria do espaço do saber,
da construção do saber e da constituição do sujeito por meio do saber e do
poder. No entanto, seus postulados teóricos do poder, tanto da política do
corpo quanto da geopolítica e, portanto, os aspectos da situação étnica e
geopolítica da conexão entre saber e poder, vêm à tona mais claramente do
que em Foucault, eles representam assim um importante acréscimo às suas
explicações. Sua concentração nos aspectos teóricos do poder da biopolítica
e da geopolítica torna necessário um complemento de suas explicações no
sentido da compreensão de Mbembe – especialmente no que diz respeito
ao poder digital e à necropolítica – para poder apreender adequadamente
as mudanças sociopolíticas atuais.
2.3.2.5 Sobre a atualidade de foucault no penSamento póS- e
decolonial
O recurso de Mbembe a Foucault diz respeito à abordagem analítico-
histórica do discurso e da análise de dispositivos e à genealogia como
análise histórica das formas de poder enquanto instrumentos metódicos
e seu conceito de constituição do sujeito. Ele expande, especialmente,
as percepções de Foucault sobre os processos de comércio transatlântico
de escravos, a economia das plantações e a economia colonial em geral,
na medida em que combina a crítica da razão negra com o exame das
práticas, estratégias e instituições associadas, assim como com questões
sobre a identidade africana. Em sua filosofia, Mbembe muda o foco,
trabalha com mais detalhes as conexões já apontadas por Foucault e
desenvolve um novo conjunto de instrumentos para registrar a atual
situação política global. A mudança de foco para temas como colonialismo
e pós-colonialismo, escravidão e racismo e sua genealogia, e a referência a
contextos geopolíticos atuais leva, junto com o conceito de poder digital
e necropoder ou necropolítica, a novos instrumentos teórico-conceituais
de análise e a novos objetivos para as ações humanas, tendo por base uma
visão política do humanismo africano aliada aos conceitos de afropolitismo
e o recurso à esperança humana. O fato do poder disciplinar analisado em
Marita Rainsborough
204
Vigiar e Punir sustentar outras técnicas de poder, como o poder digital, e
possivelmente dominá-las, corresponde ao pressuposto básico de Foucault
de que várias estratégias de poder se entrelaçam e novas formas de poder
são adicionadas em um processo de reagrupamento, deslocamento de
relevância, hierarquização e renovação – no espírito de sua ideia básica de
produtividade do poder.395
Ao contrário de Mbembe, que localiza a si mesmo na teoria do
pós-colonialismo, e ainda a considera relevante na atual conjuntura
sociopolítica, Mignolo tenta utilizar referências teóricas de outros círculos
culturais, como na América do Sul com a filosofia de Dussel, como base
para sua teoria. No entanto, em sua absolutização de uma identidade-nós,
no sentido de um sujeito subalterno, como já foi mostrado, eles também
parecem ter sido apanhados pela teoria do sujeito ocidental. Mignolo
não ultrapassa o pensamento de Foucault. Ao contrário, fica claro que
ele se baseia em muitos aspectos do pensamento de Foucault, sendo seus
teoremas da body- and geopolitics instrumentos úteis de análise social. O
conceito de cosmopolitismo crítico de Mignolo incorpora um modelo
utópico de esperança no entendimento global, alcançável através de um
processo de desvinculação e comunicação intercultural baseada na troca
e justaposição variada de diferentes modelos de pensamento, ação e vida,
nos quais são dispensadas exigências de validade universal, como também
está subjacente nos fundamentalismos religiosos atuais. Fica claro, então,
que o conceito de poder de Foucault – ainda que de forma modificada e
ampliada – ainda constitui um fundamento teórico decisivo no âmbito da
filosofia pós- e decolonial e também permanece de grande importância para
a análise e gestão da situação sociopolítica atual em um contexto global.
395 “Temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos: ele ‘exclui’, ‘reprime’,
‘recalca’, ‘censura’, ‘abstrai’, ‘mascara’, ‘esconde’. Na verdade, o poder produz; ele produz realidade; produz
campos de objetos e rituais da verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam
nessa produção” (Foucault, 1987, p. 218).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
205
2.3.3 thinking resistance. crítica e reSiStência em foucault,
bhabha e mignolo396
2.3.3.1 crítica e reSiStência em foucault
Enquanto Foucault entende como dessubjugação a crítica e a
resistência na tradição kantiana, enquanto tarefa geral do sujeito na
transformação de si e da sociedade no processo histórico, os teóricos pós-
e decoloniais desenvolvem de maneira especial concepções de resistência
e crítica que retomam questões coloniais e pós-coloniais e, por um lado,
fornecem um instrumento analítico e, por outro, modelos concretos
de ação. O conceito de third space, hibridismo, mimese e migração de
Homi Bhabha e a teoria do border thinkings, pluriversality e desobediência
epistêmica de Walter Mignolo tentam repensar a crítica e a resistência.
Esses pensadores conseguem ser mais justos à singularidade da situação
pós-colonial? Foucault tratou o tema do colonialismo em vários lugares e,
embora possa ser visto como ponto de partida de sua análise da concepção
ocidental de razão, não está no centro de sua filosofia. No prefácio da
primeira edição (1961) de Loucura e Sociedade, Foucault destaca que a
razão colonial do Ocidente surgiu da demarcação em relação ao Oriente.
Na universalidade da ratio europeia há a divisão que o Oriente
representa, concebido como a origem, sonhado como o vertiginoso
ponto de onde nascem as aspirações e promessas de um retorno,
o Oriente apresentado à razão colonizadora do Ocidente, mas
infinitamente inacessível, porque permanece sempre a fronteira:
como a noite do princípio, na qual o Ocidente se formou, mas
na qual traçou uma linha divisória, o Oriente é para o Ocidente
tudo o que não é, embora esteja nele precisamente a necessidade
de ir em busca daquilo que é a sua verdade original. Será preciso
396 O capítulo foi publicado em inglês em uma forma apenas ligeiramente modificada: RAINSBOROUGH,
Marita. inking resistance. Critique and resistance in the philosophical concepts of Foucault and in the
postcolonial and decolonial theories of Bhabha and Mignolo. In: BEUHAUSEN, Wiebke; BRANDEL,
Miriam; FARQUHARSON, Joseph; LITTSCHWAGER, Marius; MCPHERSON, Annika; ROTH,
Julia (org.): Practices of Resistance in the Carribean; Narratives, Aesthetics and Politics. London; New York:
Routledge, 2018b. p. 264-279.
Marita Rainsborough
206
criar uma história desta grande divisão, que se estende por todo o
desenvolvimento do Ocidente, acompanhá-la em sua continuidade
e em suas mudanças, mas também deixá-la aparecer em seu trágico
caráter hierático. (WG 10 […], 1ª edição francesa, IV) (Jambet,
1991, p. 229).397
Em sua palestra de rádio As Heterotopias (Foucault, 2005c), ele dis-
cute o carácter heterotópico das colônias, nas quais, para além dos bene-
fícios econômicos que produziam, foram criados campos de ensaio para
técnicas de regulamentação e medidas técnicas populacionais, mas tam-
bém se aspirava à realização de ‘sociedades perfeitas’. Foucault enfatiza a
exploração e a violência envolvidas nesse processo. No que diz respeito às
práticas de resistência nos contextos coloniais e pós-coloniais, Foucault
sublinha, junto ao significado das práticas398 de libertação, a importância
das práticas de liberdade:
Quando um povo colonizado procura se libertar do seu colonizador,
essa é certamente uma práctica de liberação, no sentido estrito. Mas
é sabido, nesse caso aliás preciso, que essa práctica de liberação não
basta para definir as prácticas de liberdade que serão em seguida
necessárias para que esse povo, essa sociedade e esses indivíduos
possam definir para eles mesmos formas aceitáveis e satisfatórias
da sua existência ou da sociedade política. É por isso que insisto
sobretudo nas prácticas de liberdade, mais do que nos processos
de liberação, que mais uma vez têm seu lugar, mas que não me
parecem poder, por eles próprios, definir todas as formas prácticas
de liberdade (Foucault, 2012b, p. 259s).
397 [“In der Universalität der europäischen ratio gibt es die Teilung, welche der Orient darstellt, gedacht als
der Ursprung, geträumt als der schwindeln machende Punkt, aus dem die Sehnsüchte und Verheißungen
einer Rückkehr geboren werden, der Orient, dargeboten der kolonisatorischen Vernunft des Abendlandes,
aber unendlich unzugänglich, denn er bleibt stets die Grenze: als Nacht des Beginns, in der das Abendland
sich gebildet, in die es jedoch eine Teilungslinie eingezogen hat, ist der Orient für das Abendland alles das,
was es nicht ist, obgleich es gerade in ihm auf die Suche gehen muss nach dem, was seine ursprüngliche
Wahrheit ist. Man wird eine Geschichte dieser großen, über den gesamten Werdegang des Abendlandes
hinweg reichenden Teilung erschaffen müssen, man wird sie in ihrer Kontinuität und in ihren Wechseln
verfolgen, man wird sie aber auch in ihrem tragischen hieratischen Charakter erscheinen lassen. (WG
10 […], frz. 1. Aufl., IV)” – tradução nossa]. Segundo Jambet, a experiência do Oriente assemelha-se a
da desrazão. Essa ideia básica é retomada por Edward W. Said em sua obra Orientalismo. Consulte Said,
Edward W.: Orientalism. New York, London: Vintage, 1979.
398 Práticas de libertação abrangem, inclusive, revoltas. Foucault diz sobre sua avaliação moral: “há ou não
motivo para se revoltar? Deixemos aberta a questão. Insurge-se, é um fato.” E segue: “questão de moral?
Talvez. Questão de realidade, certamente.” Em: Foucault, Michel: “É Inútil Revoltar-se?” Em: Foucault
(2012b, p. 79).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
207
As práticas da liberdade têm uma dimensão ética para Foucault e
são pensadas com mais pormenor no contexto de sua estética ou ética da
existência. Estão ligados ao uso de técnicas de si para moldar o eu. Em
Foucault afirma-se: “a liberação abre um campo para novas relações de
poder, que devem ser controladas por práticas de liberdade” (Foucault,
2012b, p. 261).
O exame do racismo ocupa um lugar central no pensamento de
Foucault, especialmente no quadro da sua concepção de poder. Foucault
faz a si próprio a pergunta, “como o racismo está enraizado na cultura
ocidental”? (Magiros, 1995, p. 10).399 Segundo ele, o racismo está ligado à
cultura ocidental do saber e do sujeito. “Foucault […] baseia-se nessa ideia
de que o racismo é uma espécie de interface entre os sistemas de poder
pré-modernos e modernos” (p. 105).400 Neste contexto, ele se refere a um
uso histórico401 e biológico do termo raça: por um lado, raça relaciona-se a
grupos de origem, língua e religião diferentes e, neste contexto, a derrotas,
opressões, conquistas, etc., expressando assim divisões histórico-políticas;
por outro lado, baseia-se no “simbolismo do sangue” e é entendida em sen-
tido biológico-médico desde meados do século XIX. A divisão associada a
ela passa também pela sociedade. As raças tornam-se, por um lado, a “ver-
dadeira” raça, e, por outro, a “outra” raça. Aqui a concepção se torna racis-
ta, de acordo com o entendimento de Foucault. Ela está ligada à ideia de
purificação’. Neste contexto, Foucault fala de ‘raça no singular’. A divisão
binária altera-se cada vez mais em direção à imagem de unidade e parasita,
e torna-se um ‘racismo de estado’, o estado como protetor da norma.
Modern racism results from a decision (albeit ‘anonymous’ since
it is an operation of power) about who can die, either directly
399 [“wie ist Rassismus in der abendländischen Kultur verwurzelt”? – tradução nossa]. Em conexão com o
problema do racismo, a autora se refere a três textos de Foucault: ‘Vontade de Saber’, ‘Da Luz da Guerra
ao Nascimento da História’ e ‘Fazer Viver e Deixar Morrer. O nascimento do racismo‘ [‘Der Wille zum
Wissen’, ‘Vom Licht des Krieges zur Geburt der Geschichte’ und ‘Leben machen und sterben lassen. Die
Geburt des Rassismus’ – tradução nossa]
400 [“An diesen Gedanken – Rassismus sei eine Art Schnittstelle zwischen vormodernen und modernen
Machtsystemen – knüpft Foucault […] an.“ – tradução nossa]
401 Segundo Foucault, esse tipo de historiografia se dirige contra a chamada ‘história de Júpiter’, na qual se
enfatiza a unidade e o sentido do direito e o direito é entendido como o direito subjugador que manifesta
a cisão.
Marita Rainsborough
208
(the Holocaust and other ethnic cleansing practices) or indirectly
(perhaps not as heinous, but definitely more common than the
direct forms). ese indirect forms of ‘letting die’ include decisions
about whose crime and mortality rates can be higher, who needs
medical insurance, and whose actions need more or less disciplinary
control (Stone, 2013, p. 364).
É feita uma distinção entre raça ‹mantenedora do Estado› e raça
antiestado’. A ligação foucaultiana entre discurso de raça e forma de poder
da biopolítica integra o dispositivo da sexualidade. Nesse contexto, ele fala
também de uma biologização da guerra. “A função de matar do Estado,
tão logo o Estado funcione de acordo com o modo do biopoder, só pode
ser assegurada através do racismo” (Foucault, 1992, p. 43).402 Foucault diz:
What in fact is racism? It is primarily a way of introducing a
break into the domain of life that is under power’s control: the
break between what must live and what must die … It is a way
of separating out the groups that exist within a population. It is,
in short, a way of establishing a biological type caesura within
a population that appears to be a biological domain. is will
allow power to treat that population as a mixture of races, or to
be more accurate, to treat the species, to subdivide the species it
controls, into the subspecies known, precisely so, as races (Stone,
2013, p. 365).403
O racismo subjacente ao nazismo é visto como uma combinação
de poder soberano e biopolítica. Foucault diz: “how can one both make a
biopower function and exercise the rights of war, the rights of murder, and
the function of death, without becoming racist? at was the problem,
and that, I think, is still the problem” (Stone, 2013, p. 366).404 Além disso,
Foucault credita à biologia e à medicina uma contribuição para a gênese
do racismo, uma vez que partem de termos como ‘normal’ e ‘patológico’.
402 [“Die Tötungsfunktion des Staates kann, sobald der Staat nach dem Modus der Bio-Macht funktioniert,
nicht anders gesichert werden als durch den Rassismus.” – tradução nossa]
403 Em Stone encontramos: “racism is a necessary part of biopolitics because it allows society to take on the
right to kill that once belonged to the sovereign.” (Stone, 2013, p. 366)
404 Stone cita Foucault, 2003, p. 366. Stone localiza o início do racismo associado à biopolítica a partir da Era
Clássica: “if biopower is necessary racist, we can say that the beginning of the Classical Age marks the start
of racist age” (Stone, 2013, p. 366).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
209
Segundo Foucault, é daí que vem o racismo contemporâneo. Ao mesmo
tempo, ele se manifesta firmemente contra uma psicologização do racis-
mo e clama pelo reconhecimento da alteridade do outro (Magiros, 1995,
p. 115s). Nesse contexto, Foucault rejeita as teorias universalistas do ser
humano que levam à exclusão do outro e renuncia a uma definição geral
do ser humano. Ele diz: “trata-se de uma de minhas convicções profundas
devidas a todos os maus serviços que essa ideia do homem nos prestou du-
rante inúmeros anos” (Foucault, 2014b, p. 46). De modo geral, Foucault
assume formas de racismo historicamente diferentes e sobreposições his-
tóricas, e empreende uma historicização do conceito de raça. Fica claro
que Foucault, ainda que não tenha tomado especificamente o colonialismo
como ponto de partida para suas reflexões sobre o racismo, trabalhou as-
pectos importantes desse tema, como a exclusão do oriental da razão colo-
nial e o conceito de biopolítica, que servem à análise da situação colonial e
pós-colonial. Sua distinção entre práticas de libertação e práticas de liber-
dade indica que, mesmo após a libertação das estruturas de poder colonial,
garantir a liberdade é uma tarefa especial relacionada à autoformação.
2.3.3.2 formaS de reSiStência de bhabha
Bhabha apresenta a investigação de diferentes formas de resistência
a partir de uma teoria cultural do third space, que fundamenta a análise
histórica e atual das situações coloniais e pós-coloniais. Ele deixa claro que
as formas miméticas de adaptação também podem ser entendidas como
práticas de resistência. O mimetismo como comportamento do colonizado
provoca medo nos colonizadores e é interpretado como crítica zombeteira.
Baseia-se igualmente na igualdade e na diferença: “as a subject of a diffe-
rence that is almost the same, but not quite” (Sieber, 2012, p. 105).405 Um
espelho é colocado diante do governante colonial, no qual ele se reconhece
como um “democrat and despot” (Sieber, 2012, p. 106)406 e percebe que
405 Sieber cita Bhabha, 1994, p. 86.
406 Sieber cita Bhabha, 1994, p. 97.
Marita Rainsborough
210
deixou seus ideais para trás. Bhabha enfatiza a possibilidade de resistência
dos oprimidos:
Agora surge a pergunta: como alguém funciona como agente se
sua própria capacidade de agir é restrita, por exemplo, por ser
excluído e oprimido? Acho que mesmo nessa posição inferiorizada,
há oportunidades para inverter autoridades culturais impostas,
abraçar algumas, rejeitar outras (Bhabha, 2012, p. 13).407
E segue:
Eles agora também podem afirmar sua própria autoridade
subalterna e negociar espaço para si. Nesse contexto de uma
concepção não simplesmente identitária, mas complexa, de uma
agência coletiva, não idêntica, eles foram capazes de constituir a
agência de uma subjetividade, embora tenha sido justamente a
falta de subjetividade que foi capaz de abrir esse terceiro espaço
(Bhabha, 2012, p. 65).408
No conceito de third space409 de Bhabha, a migração é entendida
como uma metáfora: “it insists – through the migrant metaphor – that
cultural and political identity is constructed through a process of othering
(Bhabha in Rutherford, 1990, p. 219). Nos interstícios, desenvolvem-se
407 [Sobre o hibridismo cultural: tradição e tradução] [“Nun stellt sich die Frage: wie funktioniert man als
Handelnder, wenn die eigene Möglichkeit zu handeln eingeschränkt ist, etwa weil man ausgeschlossen und
unterdrückt wird? Ich denke, selbst in dieser Position des Underdogs gibt es Möglichkeiten, die auferlegten
kulturellen Autoritäten umzudrehen, einiges davon anzunehmen, anderes abzulehnen” – tradução nossa].
408 De acordo com Bhabha, o conceito de hibridade ou hibridização está neste contexto. [“Sie konnten nun
auch ihre eigene subalterne Autorität geltend machen und Raum für sich aushandeln. In diesem Kontext
einer nicht einfach identitären, sondern einer komplexen Vorstellung einer kollektiven, nicht-identischen
Handlungsfähigkeit, konnten sie die Handlungsfähigkeit einer Subjektivität konstituieren, wobei es gerade
der Mangel an Subjektivität war, der diesen Dritten Raum eröffnen konnte.” – tradução nossa]
409 Cf. Bhabha em Rutherford, 1990, p. 207. Em outro local, encontramos em Bhabha: “devemos sempre
lembrar que é o ‘inter’ – o fator decisivo na tradução e negociação, no espaço entre – que carrega a
parte principal do significado cultural.” [“Dabei sollten wir immer daran denken, daß es das ‘inter’ –
das Entscheidende am Übersetzen und Verhandeln, am Raum da-zwischen – ist, das den Hauptanteil
kultureller Bedeutung in sich trägt.“ – tradução nossa] Em: Bhabha, Homi K.: Die Verortung der Kultur.
Tübingen: Stauffenberg, 2000, p. 58. [O local da cultura]
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
211
hibridismos410 que possibilitam a experiência da diferença,411 diferença que
não deve ser entendida como um ajuste classificatório às ideias hegemôni-
cas e não pressupõe a renúncia às próprias filiações étnicas e culturais no
processo de construção da identidade. “Metaphor produces hybrid realities
by yoking together unlikely traditions of thought” (Bhabha in Rutherford,
1990, p. 212). Bhabha escolhe a metáfora da migração com referência ao
contexto literário.412 Trata-se também da construção de formas de solida-
riedade. “e fragmentation of identity is often celebrated as a kind of
pure anarchic liberalism or voluntarism, but I prefer to see it as a recogni-
tion of the importance of the alientation of the self in the construction of
forms of solidarity.” (Bhabha in Rutherford, 1990, p. 213). Dessa forma, a
migração pode ser interpretada como uma forma de resistência que leva a
novas formas de convivência.413
Bhabha parte do conceito de ambivalência414 e hibridismo da lingua-
gem. Em relação a uma situação específica e a uma contrapartida específi-
410 Ha reiteradamente aponta que, segundo Bhabha, o hibridismo não deve ser pensado no sentido de misturas
culturais ou raciais/éticas, mas sim como um conceito político de mudança de saber e poder, no qual
a diferença cultural e étnica está localizada em particular no Eu e deve ser realizado um “deslocamento
ou realocação de uma narrativa hegemônica” [“Deplazierung bzw. Neuverortung einer hegemonialen
Erzählung” – tradução nossa]. Em: Ha, Kien Nghi: Ethnizität und Migration Reloaded: Kulturelle Identität,
Differenz und Hybridität im postkolonialen Diskurs. Berlin: Wissenschaftlicher Verlag, 2004, p. 164.
[Eticidade e migração reloaded: identidade cultural, diferença e hidridade no discurso pós-colonial] Confira
também Há, 2004, p. 158ss. Ha mostra que o termo é frequentemente apropriado pelo discurso pós-
moderno e capitalista tardio e se tornou um termo da moda. Para isso, confira também: Ha, Kien Nghi:
Hype um Hybridität: Kultureller Differenzkonsum und postmoderne Verwertungstechniken im Spätkapitalismus.
Bielefeld: Transcript, 2005. [Hype sobre o hibridismo: consumo diferencial cultural e técnicas de exploração
pós-modernas no capitalismo tardio]
411 Com seu conceito de diferença, Bhabha se baseado em Étienne Balibar. Ver Balibar (1993, p. 119). Balibar
desenvolve o conceito de uma ‘igualdade na diferença’.
412 Salman Rushdie em particular é seu ponto de referência literário “To think of migration as metaphor
suggests that the very language of the novel, its form and rhetoric, must be open to meanings that are
ambivalent, doubling and dissembling” (Bhabha em Rutherford, 1990, p. 212).
413 A metáfora da migração ilustra o contraste entre os ideais ocidentais de civitas e ‘civilização’, o discurso
dos direitos e o estatuto jurídico e cultural discriminatório dos migrantes e refugiados. (Cf. Bhabha em
Rutherford, 1990, p. 218s.)
414 Ao final de minha palestra, gostaria de salientar que as lições da ambivalência não param na resistência firme.
A experiência da ambivalência também inclui o estímulo para falar, o ímpeto de se expressar, uma forma
de elaborar o não-resolvido e o contraditório para obter o direito de narrar. As formas mais extremas da
ambivalência – ‘Nunca é um documento da cultura sem ser também um documento da barbárie.’ [Bhabha
cita aqui Walter Benjamin: Illuminationen. Ausgewählte Schriften 1. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1961, p.
271s.] – são precisamente aqueles momentos que impulsionam a resistência firme a exigir o poder de agir
do endereçamento e da conversação” (Bhabha, 2012, p. 51s.) [“Zum Ende meines Vortrages möchte ich
freilich darauf hinweisen, dass die Lehren der Ambivalenz nicht beim standhaften Aushalten Halt machen.
Marita Rainsborough
212
ca, resulta uma gama de significados a serem negociados em um processo
performativo, dialógico, que pode ser entendido como um terceiro espaço
de manifestação, como o chamado third space, que se estende dentro de
uma cultura ou entre culturas, pelo que inclui também uma dimensão
temporal.415 Nesse sentido, a cultura416 não é um espaço homogêneo ou
homogeneizador; segundo Bhabha, ela se caracteriza pelo hibridismo –
como um espaço no meio, como um espaço entre o corpo do signo e o
conteúdo do signo, no qual sujeitos híbridos se desenvolvem. “[A]ll forms
of culture are continually in a process of hybridity. But for me the impor-
tance of hybridity is not to be able to trace two original moments from
which the third emerges, rather hybridity to me is the ‘third space’ which
enables other positions to emerge” (Bhabha in Rutherford, 1990, p. 211).
A hibridização deve ser entendida como um processo: “para mim, a hibri-
dização é, portanto, um processo, um movimento e não gira em torno de
identidades múltiplas – um termo, aliás, para o qual não tenho muito a
contribuir.417 Nessa teoria performativa da cultura, o third space acaba sen-
do um space of translation. Nela, deve-se buscar a negociação de soluções.
De acordo com Bhabha, isso também resulta em uma nova compreensão
de teoria, a qual deve se referir à investigação de situações concretas no que
diz respeito à constelação de posições de sujeito e não a procedimentos de
categorização e abstração. Segundo Bhabha, a translation também pode
assumir a forma de resistência.
Die Erfahrung der Ambivalenz beinhaltet auch den Ansporn zu sprechen, den Drang, sich zu äußern, eine
Form, das Ungelöste und Widersprüchliche durchzuarbeiten, um das Recht auf Erzählen zu erhalten. Die
extremsten Formen der Ambivalenz – ‘Es ist niemals ein Dokument der Kultur, ohne zugleich ein solches
der Barbarei zu sein.‘ [Bhabha zitiert hier Walter Benjamin: Illuminationen. Ausgewählte Schriften 1. Frankfurt
a.M.: (Suhrkamp), 1961, S. 271f.] – sind gerade jene Momente, die das standhafte Aushalten dahin treiben,
die Handlungsmacht der Adresse und Unterredung einzufordern.“ – tradução nossa]
415 Bhabha se posiciona contra uma supervalorização do espacial em relação ao temporal, como ele vê em
Foucault, por exemplo. (Cf. Bhabha, 2012, p. 68)
416 “Em Bhabha, o cultural não é entendido como a ‘fonte do conflito – no sentido de diferentes culturas’,
mas como resultado de práticas discriminatórias – no sentido de uma produção de diferenciação cultural
como signo de autoridade’.” [“Das Kulturelle wird bei Bhabha nicht als die ‘Quelle des Konflikts – im
Sinne differenter Kulturen’ aufgefasst, ‘sondern als Ergebnis diskriminatorischer Praktiken – im Sinne einer
Produktion kultureller Differenzierung als Zeichen von Autorität’.” – tradução nossa] Em: Babka, Anna;
Posselt, Gerald: “Vorwort”. Em: Bhabha, Homi K.: Über kulturelle Hybridität: Tradition und Übersetzung.
Wien, Berlin: Turia + Kant, 2012, p. 14. Os autores do prefácio citam aqui Bhabha, 2000, p. 169.
417 Bhabha, 2012, p. 66. [“Hybridisierung ist folglich für mich ein Prozess, eine Bewegung und dreht sich
nicht um multiple Identitäten – ein Begriff übrigens, für den ich nicht viel übrig habe.” – tradução nossa]
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
213
Ao mesmo tempo, a teoria de Bhabha oferece uma forma de lidar
com os problemas contemporâneos em um contexto global. O modelo de
sujeito do hibridismo favorece uma negociação de diferentes modelos de
eu, modos de vida, valores e objetivos das diferentes culturas, que em si
devem ser entendidos como construções híbridas e não estão em relação
hierárquica entre si. “e time for ‘assimilating’ minorities to holistic and
organic notions of cultural value has passed – the very language of cul-
tural community needs to be rethought from a postcolonial perspective
(Bhabha in Rutherford, 1990, p. 219).418 Assim, não existem culturas in-
trinsecamente superiores. As culturas devem entrar em intercâmbio, esses
processos dialógicos e dinâmicos são, em princípio, intermináveis. Ao con-
trário do multiculturalismo, que parte do ponto de vista do status especial
de uma cultura específica e exige tolerância em relação a outras culturas,
Bhabha enfatiza a necessidade de coexistência e convivência fragmentadas
que permita o coexistir do plural: pluriversality. A diferença cultural não
deve ser entendida como diversidade cultural. Ela exige uma negociação
da diferença no in between do third space, que parte da tese básica do hi-
bridismo cultural, que não é percebido como falta ou ameaça. Tanto a
identificação quanto a diferença em relação aos diversos fatores identitá-
rios constituem sujeitos híbridos.419 O fortalecimento da diversidade de
Bhabha culmina em uma abordagem de um conceito de “‘critical and dia-
logical cosmopolitanism’, wherein diversity itself might become a universal
project” (Pollock; Bhabha; Breckenridge; Chakrabarty, 2002, p. 13).
Com Bhabha, a resistência deve ser entendida no sentido de nego-
ciação:420 “[w] e are always negotiating in any situation of political opposi-
418 Nesse contexto, Bhabha se refere às mudanças linguísticas na área de gênero.
419 Bhabha deixa claro que não entende o hibridismo em termos de identidade, mas em relação à “constituição
do sujeito no campo de tensão entre poder e autoridade”. [“Konstitution des Subjekts im Spannungsfeld
von Macht und Autorität” – tradução nossa] (Bhabha, 2012, p. 9). Os autores do prefácio, Anna Babka e
Gerald Posselt, citam aqui Bhabha, 2012, p. 62. E continuam: “embora o conceito de hibridização refira-
se à constituição do sujeito, não se trata da constituição da subjetividade enquanto tal” [“Der Begriff
der Hybridisierung nimmt zwar Bezug auf die Verfasstheit des Subjekts, es geht dabei aber nicht um die
Konstitution von Subjektivität als solcher” – tradução nossa] (Bhabha, 2012, p. 9).
420 “Uma negociação que reconheça que os níveis de conflito ou antagonismo estão muito próximos, não
simplesmente polarizados, mas muito mais próximos e caóticos.” [“Eine Verhandlung, die erkennt, dass die
Ebenen des Konflikts bzw. der Antagonismus sehr nah sind, nicht einfach polarisiert, sondern viel näher
und chaotischer sind.” – tradução nossa] De acordo com Bhabha, a perspectiva polarizadora busca apenas
uma inversão de poder. (Bhabha, 2012, p. 71s).
Marita Rainsborough
214
tion or antagonism. Subversion is negotiation; transgression is negotiation;
negotiation is not just some kind of compromise or ‘selling out’ which
people too easily understand it to be” (Bhabha in Rutherford, 1990, p.
216). Ele continua:
Similarly we need to reformulate what we mean by ‘reformism’: all
forms of political activity, especially progressive and radical activity,
involve reformations and reformulations. With some historical
hindsight we may call it ‘revolution’, those critical moments, but
what is actually happening if you slow them up are very fast reforms
and reformulations (Bhabha in Rutherford, 1990, p. 216).
Basicamente, ele atribui um transformational power ao sujeito
(Bhabha, 1990, p. 299). Sua teoria da resistência baseia-se na convicção de
que deve ser evitada a distinção simplificada entre governante e governado:
then you avoid that very simplistic polarity between the ruler and
the ruled: any monolithic description of authoritative power (such
as ‘atcherism’), based on that kind of binarism, is not going to
be a very accurate reflection of what is actually happening in the
world” (Bhabha in Rutherford,1990, p. 220s).
Em sua teoria do poder e da autoridade, ele se preocupa com os
processos de negociação da autoridade no contexto das questões de poder,
com momentos de autorização e desautorização. O ponto de partida é
o seu conceito de “ambivalent nature of that relationship” (p. 221). Ele
constata um vínculo contextual entre negotiation e hybridity: “so I think
that political negotiation is a very important issue, and hybridity is pre-
cisely about the fact that when a new situation, a new alliance formulates
itself, it may demand that you should translate your principles, rethink
them, extend them” (Bhabha in Rutherford, 1990, p. 216). Ele reclama
do tradicionalismo e da imobilidade do pensamento e pede uma reescrita
da história do Ocidente, na qual a história do colonialismo deve ser in-
cluída como uma contra-história. Para Bhabha, a modernidade ocidental
e a colonialidade estão diretamente relacionadas.421 “e other point I’m
421 “I think we need to draw attention to the fact that the advent of Western modernity, located as it generally
is in the 18th and 19th centuries, was the moment when certain master narratives of the state, the citizen,
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
215
trying to make is not only that the history of colonialism is the history of
the West but also that the history of colonialism is a counter-history to the
normative, traditional history of the West” (Bhabha in Rutherford, 1990,
p. 218). Esse tipo de historiografia também pode ser visto como uma for-
ma de resistência. Pode-se afirmar:
Os usos por Bhabha do conceito de hibridismo, bem como do
conceito de ambivalência ou mimetismo, podem ser lidos de
forma geral e resumida como figuras de pensamento sobre as quais
a resistência e a capacidade dos colonizados de agir em relação à
reivindicação dos colonizadores à autoridade cultural podem ser
teorizadas e discursadas (Babka; Posselt, 2012, p. 13s).
O mesmo pode ser dito sobre os termos translation e migração. O re-
pertório de práticas de resistência de Bhabha faz referência tanto a práticas
coloniais quanto pós-coloniais. Em sua obra, torna-se visível um conceito
de resistência em que a diferença entre reforma e revolução é vista apenas
como gradual. A violência – como possível forma de negociação – é rejei-
tada em sua concepção.422
cultural value, art, science, the novel, when these major cultural discourses and identities came to define the
‘Enlightenment’ of Western society and the critical rationality of Western personhood. e time at which
these things were happening was the same time at which the West was producing another history of itself
through its colonial possessions and relations. at ideological tension, visible in the history of the West as
a despotic power, at the very moment of the birth of democracy and modernity, has not been adequately
written in a contradictory and contrapuntal discourse of tradition. Unable to resolve that contradiction
perhaps, the history of the West as a despotic power, a colonial power, has not been adequately written side
by side with its claims to democracy and solidarity” (Bhabha em Rutherford, 1990, p. 218). E continua:
the material legacy of this repressed history is inscribed in the return of post-colonial peoples to the
metropolis” (Ibid.).
422 Sua atitude em relação à violência é evidente em seu prefácio a Fanons e Wretched of the Earth. Cf.
Bhabha, Homi K.: “Foreword: Framing Fanon by Homi K. Bhabha”. Em: Fanon, Frantz: e Wretched of
the Earth. New York: Grove Press, 2004, p. VII-XLI. [“Bhabhas Wendungen des Begriffs der Hybridität,
wie auch des Begriffs der Ambivalenz oder der Mimikry, können, zusammenfassend und allgemein
betrachtet, als Denkfiguren gelesen werden, über die sich die Widerständigkeit und die Handlungsfähigkeit
der Kolonialisierten gegenüber dem Anspruch der KolonisatorInnen auf kulturelle Autorität theoretisieren
und diskursivieren lassen“ – tradução nossa].
Marita Rainsborough
216
2.3.3.3 o conceito de crítica e reSiStência em mignolo
Com Mignolo, a resistência começa com a ruptura das estrutu-
ras de pensamento colonial e pós-colonial. Nesse contexto, partindo de
Mudimbe, ele recorre ao conceito de gnoseologia, o qual faz mais justiça
à complexidade do saber em suas diversas formas do que a epistemologia.
A gnose inclui tanto formas alternativas de saber quanto doxa e episteme.
Mignolo pede uma intellectual decolonization e border thinking: “border
gnoseology is a critical reflection on knowledge production from both the
interior borders of the modern/colonial world system […] and the exte-
rior borders” (Mignolo, 2000, p 11) e um political e epistemic de-linking e
decolonial knowledges, para alterar categorias de observação e avaliação, e
uma geo- and body politics of knowledge. Ele critica a noção de um sujeito de
saber neutro: “once upon a time scholars assumed that the knowing sub-
ject in the disciplines is transparent, disincorporated from the known and
untouched by geo-political configuration of the world in which people
are racially ranked and regions are racially configured” (Mignolo, 2009,
p. 1). Segundo ele, o sujeito do saber não é universal como na concepção
de Descartes, seguindo Castro-Gomez, Mignolo fala a esse respeito da ar-
rogância do hubris of the zero point, mas está inserido em configurações
geopolíticas e corporais.
By setting the scenario in terms of geo- and body-politics I am
starting and departing from already familiar notions of ‘situated
knowledges’. Sure, all knowledges are situated and every knowledge
is constructed. But that is just the beginning. e question is: who,
when, why is constructing knowledges (Mignolo, 2009, p. 2).
Segundo Mignolo, o ponto de partida desse pensamento decolo-
nial é a ferida colonial. “[T] he de-colonial path has one thing in com-
mon: the colonial wound, the fact that regions and people around the
world have been classified as underdeveloped economically and mentally
(Mignolo, 2009, p. 3). Embora em princípio Foucault tenha uma abor-
dagem semelhante, examinando a construção do saber, ele não considera
suficientemente a ligação entre a história da modernidade e a do colonia-
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
217
lismo, a ele falta a experiência colonial e pós-colonial. “I would surmise,
following Chatterjees argument, that what Foucault did not have was the
colonial experience and political interest propelled by the colonial wound
that allowed Chatterjee to ‘feel‘ and ‘see’ beyond both Kant and Foucault”
(Mignolo, 2009, p. 12). Assim, Foucault interpreta o ensaio de Kant ‘O
que é o Iluminismo’ de forma insuficiente, pois ignora sua localização no
conceito europeu de ser humano. No centro dessa versão secular do arca-
bouço teológico-cosmológico do saber está o conceito de razão da filosofia
ocidental com as concepções de ego/mente e a razão transcendental de seus
principais representantes, Descartes e Kant. Emoção, desejo, humilhação,
etc. ficaram de fora.
Além disso, o conceito de biopolítica de Michel Foucault precisa ser
expandido para incluir o aspecto da política do corpo e as técnicas colo-
niais devem receber maior atenção.
“Body-politics is a fundamental component of de-colonial thinking,
de-colonial doing and the de-colonial option” (Mignolo, 2009, p. 12).
Novamente Mignolo recorre a Fanon neste contexto que mostra classi-
ficações de humanos em sua sociogênese, e a “formation of the modern/
colonial world that placed Negros on the lower scale of the Renaissance
idea of Man and Human Beings” (p. 17). Aqui Fanon enfatiza a formação
da identidade negra através do olhar do homem branco. Mignolo constata:
this consideration shifts the geography of reason and illuminates the fact
that the colonies were not a secondary and marginal event in the history
of Europe but, on the contrary, colonial history is the non-acknowledged
center in the making of modern Europe” (p. 16). Em vez do a priori ou
episteme histórico de Foucault, Mignolo fala de frames e super-frames que
estruturam o saber, e de “transformation of the frame of mind and the or-
ganisation of knowledge, the disciplines and institutions” (p. 6).423 A ideia
de enquadramento remete indiretamente ao dentro e ao fora de Foucault
e sua concepção de procedimentos de exclusão, sua teoria do espaço de sa-
423 Mignolo mostra assim uma semelhança com Judith Butler, que fala igualmente de enquadramento, mas
sem assumir super-quadros superordenados. Estes últimos são comparáveis às epistemes de Foucault. Cf.
Butler, Judith: Raster des Krieges: Warum wir nicht jedes Leid beklagen. Frankfurt, New York: Campus, 2010b,
p. 40. [Trama de guerra: por que não lamentamos todos os sofrimentos] Foucault também conhece princípios
estruturantes que operam em diferentes níveis e têm diferença em importância, dimensão e alcance.
Marita Rainsborough
218
ber. Mignolo afirma: “the first World had indeed the privilege of inventing
the classification and being part of it” (p. 8). Ele também chama a atenção
para a conexão entre identidade e conhecimento: “you get the idea of the
interrelations between the politics of identity and epistemology” (p. 14).
Mignolo acentua: “there are many kinds of ‘our modernity’ around the
globe – Ghanian, Indian, Maori, Afro Caribbean, North African, Islamic
in their extended diversity – while there is one ‘their’ modernity within the
‘heterogeneity’ of France, England, Germany and the United States” (p.
15). Com base nessas considerações, Mignolo clama pela desobediência
epistêmica, que deve levar à desobediência civil: “epistemic disobedience
is necessary to take on civil disobedience (Gandhi, Martin Luther King)
to its point of non-return” (p. 15). Ele encoraja as pessoas nas ex-colônias
a desenvolver novas teorias e a refletir sobre sua própria cultura e histó-
ria. Seu conceito de cosmopolitismo crítico ou decolonial deixa claro que
Mignolo, apesar de todas as críticas ao cosmopolitismo de Kant,424 acaba
por se ater ao próprio conceito cosmopolita. No entanto, Mignolo adver-
te contra uma ordem mundial cosmopolita que tem “all the features of
global imperial designs” e deve ser percebida como “dictated from above
(Mignolo, 2012, p. 85). Ele prefere formas comunitárias de organização e
uma mudança de baixo para cima. O border thinking enfatiza a natureza
plural e diversa da comunidade mundial como uma alternativa ao conceito
de globalização, que segundo Mignolo é parcialmente baseado no pensa-
mento cosmopolita. Mignolo requer um “reinscription of spirituality in
socio-economic organization” (p. 87). Em seu cosmopolitismo, ele quer se
valer de categorias de pensamento que dizem respeito a crenças e modos
de vida que pressupõem o respeito às condições naturais de vida. Ele ob-
jetiva romper a estrutura tradicional de pensamento ocidental: “it is first
and foremost to re-inscribe in the present and toward the future categories
424 Para ele, o projeto cosmopolita de Kant é comparável ao projeto de cristianização: “Kants cosmopolitanism
was it’s secular version” (Mignolo, 2012, p. 87). O projeto cosmopolita não é nem “a natural course of
history” nem um projeto puramente jurídico (Ibid.). Superar o estado-nação também não seria desejável.
Em sua crítica ao pensamento de Kant, no entanto, Mignolo negligenciou seu ceticismo sobre um estado
mundial, razão pela qual Kant optou por uma Liga das Nações voluntária, pela qual ele pressupunha
definitivamente a soberania dos estados-nação. Para Mignolo, o cosmopolitismo de Kant deve ser visto
no contexto do projeto da modernidade, que deve ser visto no contexto dos projetos pós-coloniais do
Ocidente. Mignolo critica as formas hegemônicas de saber, entre as quais coloca a teoria de Kant, que ele
deseja desmembrar. Ao fazê-lo, ele reduz o projeto de Kant a uma forma específica de saber ocidental.
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
219
of thought, ways of living and believing, the human respect for life that
Westerners labeled ‘nature’ and which became detached from the ‘human
and culture’” (p. 87). Mignolo denomina sua forma de cosmopolitismo
como transmoderna: “de-colonial cosmopolitanismis, in a nutshell, trans-
modern cosmopolitanism” (p. 90). Fica claro que a concepção de resistên-
cia de Mignolo consiste na mudança de categorias de pensamento, inclu-
são de outras culturas de saber e no reescrever da história. A resistência tem
seu ponto de partida na mudança de pensamento, leva à ‘desobediência’ e,
como resultado, também a mudanças políticas.
2.3.3.4 reSumidaS conSideraçõeS Sobre oS conceitoS de
foucault, bhabha e mignolo
Foucault, Bhabha e Mignolo estão igualmente preocupados em que-
brar as estruturas de pensamento existentes, as quais têm um caráter exclu-
dente e normalizador. Neste contexto, todos eles usam metáforas espaciais:
em sua teoria espacial do pensamento, Foucault fala de dentro e fora e de
heterotopia, Bhabha de third space e Mignolo de frames que constroem
exclusões. Resistência e pensamento estão intimamente relacionados para
os três pensadores. Bhabha enfatiza a importância do pensamento híbrido,
que representa o pensamento da diferença. “Essa incapacidade de suportar
a contradição, a ambivalência e a alteridade é, segundo minha interpreta-
ção, onde ocorre a banalidade do mal” (Bhabha, 2012, p. 76).425 Partindo
da afirmação “chegamos sempre atrasados para uma reunião com o vizi-
nho” (p. 77),426 Bhabha reivindica uma ética da proximidade (Bhabha,
2012, p. 76). Suas formas de resistência, como, em particular, a mimese,
a migração e a translation, são exemplos de negotiation como atividades
majoritariamente reformistas e, apenas em casos excepcionais, revolucio-
nárias. Sua concepção de resistência privilegia os processos de negociação
em face de práticas de resistência por meio da violência. Mignolo desen-
volve, com base no construtivismo de Foucault, uma epistemologia ou
425 [“Diese Unfähigkeit, Widerspruch, Ambivalenz und Alterität auszuhalten, ist der Ort, so meine
Interpretation, an dem die Banalität des Bösen hineinkommt.” – tradução nossa]
426 [“Man kommt immer zu spät zur Verabredung mit dem Nachbarn” – tradução nossa]
Marita Rainsborough
220
gnoseologia pós- e decolonial que amplia decisivamente a compreensão da
modernidade. Mesmo que Mignolo critique Foucault em muitos pontos,
ele não abandona completamente seu arcabouço teórico, o que mostra,
por exemplo, a fundamentação da epistemologia com as categorias frame
e super-frame. No entanto, Mignolo dispensa o uso dos métodos arque-
ológicos e genealógicos de Foucault e recorre a métodos hermenêuticos
de interpretação de textos e análises sócio-históricas, que, no entanto, são
realizados com o mesmo objetivo de trabalhar os paradigmas subjacentes.
Mignolo apela a uma hermenêutica pluridimensional e multidimensio-
nal e à reflexão crítica de disciplinas científicas em cujo quadro se situam
os processos de compreensão que objetivam romper o dilema da colonial
semiosis (Mignolo, 1993, p. 126-128). Por um lado, salienta o princípio
básico teológico e, por outro, o secular cosmológico, “theopolitically and
ego-politically founded”,427 que estruturam o pensamento ocidental desde
o Renascimento e fundamentam os objetivos, procedimentos e legitima-
ções dos processos de colonização (Mignolo, 2009, p. 18). Em contraste
com Bhabha, a crítica de Mignolo ao colonialismo e a conexão estabelecida
entre colonialidade e modernidade remonta ao Renascimento e não ao
Iluminismo e ao século XIX.
Para Mignolo, recorrendo a Fanon, o racismo remonta em particular
às estruturas hierárquicas de percepção e pensamento nas culturas ociden-
tais hegemônicas e, em contraste com Foucault, é interpretado psicologica-
mente. Foucault situa o racismo em termos sócio-históricos ou culturais e
esclarece sua função como “mecanismo de homogeneização da sociedade e
encobrimento de interesses conflitantes de grupos sociais” (Magiros, 1995,
p. 145).428 Segundo ambos os autores, o racismo está ligado às estraté-
gias de poder político. Mignolo refere-se aqui ao conceito de biopoder de
Foucault. A inclusão de uma body politics na área do biopoder, postulada
por Mignolo em sua crítica a Foucault, já está exposta na concepção fou-
caultiana da disciplinarização do corpo como parte de seu exame do poder
disciplinador, mas Mignolo vai significativamente mais longe, levando em
consideração as reflexões de Fanon. Foucault também integra a política do
427 Mignolo fala de “eo-and ego-politics of knowledge” (Mignolo, 2009, p. 19).
428 [“Mechanismus der Homogenisierung der Gesellschaft und zur Verschleierung gegensätzlicher Interessen
der gesellschaftlichen Gruppen”. – tradução nossa]
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
221
corpo no campo da biopolítica, embora recorra em particular ao dispositi-
vo da sexualidade. Foucault sempre pensa as formas de poder como com-
binadas e interconectadas entre si. O foco especial do estudo de Foucault
sobre o racismo está no racismo de Estado, aqui é necessário superá-lo. Ele
olha para o racismo principalmente “como discurso, função ou estrutura
[...] e, assim, deixa em aberto a questão de como os sujeitos concretos
apoiam tal estrutura” (Magiros, 1995, p. 145).429 Nesse sentido, Magiros
observa uma lacuna na obra de Foucault, que afeta particularmente o ra-
cismo das classes populares e o sujeito racista. Stone, por outro lado, afirma
que, segundo Foucault, o racismo significa um chamado geral à resistência:
In Foucault’s account of racism, everyone is affected. us, it
becomes everyone’s problem, opening the possibility of resistance
to anyone, regardless of whether they are the alleged victims of
racism or not. Everyone is a victim of racism insofar as its operations
go forth without critical reflection and resistance (Stone, 2013, p.
366).
E continua: “Foucault offers us important ways to rethink power
and politics that help us not to be deceived by false understandings of
power at play in experience, which in turn leads to more effective strategies
of resistence” (Stone, 2013, p. 366s). Em Bhabha e Mignolo, em con-
traste com Foucault, a transição das considerações epistemológicas para
a ação prática é pressuposta e não esclarecida de maneira mais detalhada.
Foucault desenvolve uma teoria das práticas de si na qual estão incorpo-
radas as dimensões do corpo e do comportamento. Segundo ele, apenas
uma mudança de pensamento não é suficiente para um comportamento
de resistência. Pode-se afirmar que, embora Foucault repetidamente faça
críticas contundentes ao pensamento hegemônico cultural ocidental com
suas epistemes, categorias e valores e apresente uma teoria do racismo, em
particular do racismo de Estado, ele não consegue satisfazer plenamente
os requisitos especiais de uma análise da situação colonial e pós-colonial.
Falta-lhe, como diz Mignolo, uma geopolitics of knowledge, mesmo que ela
seja fundamentalmente inerente ao seu pensamento. Não obstante, po-
429 [“als Diskurs, Funktion oder Struktur […] und läßt so die Frage offen, wie die konkreten Subjekte dazu
kommen, eine solche Struktur mitzutragen.” – tradução nossa]
222
de-se afirmar que o arcabouço teórico foucaultiano fundamenta em parte
o pensamento dos dois pensadores pós-coloniais ou decoloniais, ou pode
ser considerado compatível com ele. Mignolo remete, assim, ao pressu-
posto epistemológico básico de Foucault de que o saber é construído em
contextos de poder e de pensamento interno e externo e seu conceito de
biopolítica. Sua ênfase na política do corpo também está de acordo com
o desenvolvido por Foucault. A expansão da epistemologia na direção da
gnoseologia encontra correspondência na apreciação de Foucault da lou-
cura como um tipo diferente de conhecimento e em sua crítica à exclusão
da loucura desde Descartes. Ambos enfatizam a necessidade de crítica e
resistência. No entanto, a demanda de Mignolo por um cosmopolitismo
decolonial430 – como Bhabha com seu cosmopolitismo dialógico-crítico,431
apenas inicialmente desenvolvido – vai claramente além de Foucault, já
que Foucault não apresenta conceitos políticos concretos para mudar o
mundo em um contexto global. Em sua fase de desenvolvimento da ética
ou estética de si, Foucault seguiu o caminho da ênfase na necessidade da
autoformação do indivíduo para a mudança de uma sociedade em que a
liberdade, a amizade e a responsabilidade sejam de particular importância
e o reconhecimento do outro em sua alteridade é possível. Foucault con-
sidera sensata uma orientação pragmática da política, impulsionada pela
crítica resistente.
A abordagem pós-colonial de Bhabha difere de Foucault em particu-
lar em sua compreensão hipertextual da cultura, segundo a qual a cultura
tem basicamente um caráter híbrido, enquanto Foucault questiona par-
ticularmente o contraste entre natureza e cultura e enfatiza as diferentes
formas sócio-históricas das culturas, caracterizadas respectivamente por
estruturas discursivas e dispositivas que se formam em contextos de poder.
No entanto, ambos têm uma compreensão semelhante de contra-poder ou
resistência, o que é sempre possível em princípio, mesmo para os chama-
dos sem poder e os governados. Ambos os teóricos tomam como base um
430 Mignolos critical ou decolonial cosmopolitanism é um cosmopolitismo que não deve ser iniciado e sustentado de
cima, por meio da criação de instituições supranacionais ou transnacionais ou alterando os direitos humanos,
mas sim a partir de baixo. No entanto, uma elaboração mais detalhada deste conceito seria desejável.
431 Em Bhabha e seus coautores há uma ênfase no dialógico, no crítico e na diversidade. A equipe de autores
fala da relevância das práticas cosmopolitas. Consulte: Pollock, Bhabha, Breckenridge, Chakrabarty 2002.
223
conceito relacional de poder, que inclui renomeação, reavaliação e peque-
nos desvios na ação como formas de resistência. O propósito de Bhabha é
pensar a coexistência de diferentes culturas em contextos pós-coloniais em
relação às demandas contemporâneas de convivência em contextos globais,
enquanto Foucault se concentra, por meio de críticas e resistências, na
capacitação social de viver diferentes formas de vida num sentido mais am-
plo, por exemplo, no que diz respeito ao aspecto do gênero. No entanto,
Foucault não apresenta uma análise concreta da situação colonial e pós-co-
lonial, ainda que submeta o pensamento ocidental a uma crítica rigorosa.
Aqui ele definitivamente pode e dever ser pensado mais longe – com ele
e além dele. Esse continuar a pensar estaria inteiramente no espírito de
Foucault.
224
225
3. Resumo
As raízes kantianas da filosofia de Foucault são de grande impor-
tância para sua concepção de objetivos, em particular para a pretensão de
poder usar a filosofia para analisar a situação social atual e também de po-
der influenciar a formação do futuro por meio do conhecimento filosófico
– em um gesto emancipatório relacionado à virtualidade de um mundo
possível. O recurso a Kant traz à tona o objetivo primordial do filosofar
crítico de Foucault: a libertação das relações de poder e dominação e a re-
cuperação parcial da autonomia do indivíduo. Nesse sentido, Foucault fala
de dessubjetivação e dessubjugação. Latour quer substituir essa forma de
crítica reveladora, desmascaradora, libertadora e corajosa,432 que Foucault
deriva genealogicamente de seu estudo da parresía, por uma nova forma de
crítica que, partindo de uma atitude fundamental material-realista, enco-
raja um movimento comum em direção às coisas importantes. Um gesto
de crítica que se vira para as coisas, deixa-as falar, não funciona de forma
destrutiva e tem uma tendência para o cuidado. Tomando Foucault como
ponto de partida, o cuidado com as coisas que importam pode certamente
ser pensado como uma extensão do cuidado de si e dos outros. Para ele,
no entanto, o ponto de partida seria o exercício de práticas integradas a
 “Para chegar ao cerne desse pensamento, estou ciente, também seria preciso redefinir o que significa ser
construtivista, mas já disse o suficiente para indicar em que direção a crítica deveria ir, não para longe do
coletar, mas em direção a ele, em direção à ing”. [“Um zum Kern dieses Gedankens vorzustoßen, darüber
bin ich mir klar, müßte man auch neu definieren, was es heißt, ein Konstruktivist zu sein, aber ich habe
genug gesagt, um anzudeuten, in welche Richtung die Kritik gehen müßte, nicht weg vom Sammeln,
sondern hin zum Sammeln, zum ing”. – tradução nossa] (Latour, 2007, p. 55s).
Marita Rainsborough
226
um estilo de vida que combina o cuidado das coisas que importam com o
cuidado de si, no contexto do cuidado do outro.
No entanto, se refletirmos a partir de Foucault, isso não poderia ser
pensado como isento de uma análise arqueológica e genealógica e de uma
visão crítica de si mesmo. Em Foucault, a crítica não leva ao relativismo
e à arbitrariedade, mas ao engajamento e ao compromisso corajoso. De
acordo com Foucault, a atitude da crítica é fundamentalmente mutável,
como mostrou a genealogia da parresía em particular, uma vez que histo-
ricamente novas formas de crítica estão em constante desenvolvimento.
Essa abertura crítica tem um caráter experimental em sua referência social
e cultural. Uma forma de parresía que inclui a preocupação com coisas
importantes é, portanto, concebível em Foucault.
Foucault não coloca a questão do conhecimento de um mundo in-
dependente do ser humano, embora queira superar o antropomorfismo.
Fica claro que Foucault retoma a concepção kantiana do a priori, mas
não a distinção entre coisas para nós e coisas em si. Um mundo que não é
possível de ser conhecido pelos humanos e é independente deles é excluído
por Foucault. Como as coisas para nós em Kant, para ele os discursos es-
truturados ‘a priori’ também têm realidade em sentido material e não são
apenas construções mentais. Foucault assume a materialidade do cultural e
assim representa a visão de um construtivismo ontologicamente orientado,
que procede igualmente da materialidade e da realidade dos processos e
produtos intelectuais e sociais.433 Foucault afirma:
 A discussão internacional documentada aqui é, evidentemente, apenas um trecho de um debate
muito mais abrangente que é urgentemente necessário, uma vez que as humanidades foram dominadas
por muito tempo por um exagerado antirrealismo ou pelas diversas variedades de construtivismo pós-
moderno. Nesse processo, o conceito de espírito e o conceito de ser humano estiveram constantemente
sob suspeita’, o que provavelmente levou hoje à cautelosa preferência por falar de ‘cultura’ ou ‘culturas’.
Mas isso apenas oculta o fato de que a questão do realismo é também, e acima de tudo, da maior
importância para as ciências humanas, agora que deveria ter ficado claro que a civilização humana, com
suas conquistas históricas e florescimentos estéticos, não pode ser simplesmente compreendida com uma
alucinação coletiva bioquimicamente induzida, que, além disso, apenas oculta uma luta pelo poder ou
pela sobrevivência.” [“Die hier dokumentierte internationale Diskussion ist freilich nur ein Ausschnitt aus
einer viel umfassenderen Debatte, die schon deswegen dringend nötig ist, weil die Geisteswissenschaften
zu lange von einem überzogenen Antirealismus bzw. den verschiedenen Spielarten eines postmodernen
Konstruktivismus dominiert wurden. Dabei gerieten der Begriff des Geistes sowie der Begriff des Menschen
dauernd ‘unter Verdacht’, was wohl dazu geführt hat, dass man heute vorsichtig lieber von ‘Kultur’ oder
‘Kulturen’ spricht. Doch damit verdeckt man nur, dass die Frage nach dem Realismus auch und vor allem
für die Geisteswissenschaften von höchster Bedeutung ist, nachdem deutlich geworden sein sollte, dass
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
227
Pareceu-me que nunca tinha sido atribuída suficentemente
importância ao fato de que, no fim das contas, os discursos existem.
Os discoursos não são apenas uma éspecie de película transparente
através da qual se veem as coisas, não são simplesmente o espelho
daquilo que é e daquilo que se pensa. O discurso tem sua consistência
própria, sua espessura, sua densidade, seu funcionamento. As leis
do discurso existem como as leis econômicas. Um discurso existe
como um monumento, como uma técnica, como um sistema de
relações socias, etc. (Foucault, 2016, p. 42).434
E continua afirmando: “Trata-se de uma análise das coisas ditas na
medida em que são coisas” (p. 42). No entanto, a investigação mostra que
o construtivismo material de Foucault acaba por afixar o material e os
fenômenos naturais ao cultural. Seu movimento teórico pode, assim, ser
visto como a contrapartida oposta ao novo realismo, na medida em que,
em outros aspectos, a tentativa de dar maior importância à materialidade
e à coisidade (Dinglichkeit) também prevalece nele. No novo realismo, no
entanto, a virada radicalizadora do construtivismo leva na direção oposta
à tendência de dissolver o cultural na natureza ou no material, embora a
tentativa de abolir o pensamento dualista vise algo semelhante em ambas
as teorias. No construtivismo de Foucault, bem como nas teorias do novo
realismo, é igualmente evidente a tentativa de pensar juntos o espírito e a
matéria, de abolir os contrastes entre cultura e natureza e superar o huma-
nismo e o antropocentrismo. A abordagem pós-humanista e performativa
de Barad, por exemplo, exige o reconhecimento da “força dinâmica da
matéria” e busca avançar para uma “concepção esclarecedora do cultural e
do natural” (Barad, 2012, p. 11).435
man die menschliche Zivilisation mit ihren historischen Errungenschaften und ästhetischen Blüten nicht
einfach für eine biochemisch induzierte kollektive Halluzination halten kann, die überdies nur einen
Macht- oder Überlebenskampf kaschiert.” – tradução nossa] Em: Gabriel, 2015, p. 16.
 Foucault continua: “Mas me interrogo é sobre o modo de aparição e de funcionamente do discurso real,
sobre as coisas que foram efetivamente ditas. Trata-se de uma análise das coisas ditas na medida em que são
coisas” (Foucault, 2016, p. 43).
 [“erhellende[n] Vorstellung des Kulturellen und des Natürlichen” – tradução nossa] “Na verdade, é somente
por meio de tais práticas que as diferentes fronteiras entre humanos e não-humanos, entre cultura e natureza,
entre a ciência e o social são constituídas.”] [“Tatsächlich werden durch solche Praktiken die unterschiedlichen
Grenzen zwischen Menschen und Nicht-Menschen, zwischen Kultur und Natur, zwischen der Wissenschaft
und dem Gesellschaftlichen erst konstituiert.” – tradução nossa] (Barad, 2012, p. 21).
Marita Rainsborough
228
O que frequentemente aparece como entidades separadas (e
conjuntos separados de demandas) com arestas nítidas, na verdade,
não implica nenhuma relação de externalidade absoluta. […]
Não se trata de uma relação estática, mas de uma atividade – a
decretação de limites – que sempre implica exclusões constitutivas
e, portanto, também questões indispensáveis de imputabilidade
(Barad, 2012, p. 12).436
Barad desenvolve uma ontologia relacional, segundo a qual “uma
relação entre (re-)configurações materiais específicas do mundo por meio
de limites, características e significados é posta de diferentes maneiras. (ou
seja, práticas discursivas no meu sentido pós-humanista) e fenômenos ma-
teriais específicos (ou seja, padrões distintos de relevância)” (Barad, 2012,
p. 18).437 O conceito de intra-ação pretende caracterizar esse tipo de rela-
ção interveniente. “Os limites e caracterísiticas das partes constituintes dos
fenômenos adquirem determinidade por meio de intra-ações agenciais es-
pecíficas, e determinados conceitos (isto é, certas disposições materiais do
mundo) adquirem seu significado por meio dessas intra-ações” (p. 19).438
De acordo com Barad, isso resulta em um corte de agência entre ‘sujeito’ e
objeto’ (p. 20). Ela descreve sua abordagem como “elaboração de perfor-
matividade de agência realista” (p. 13).439 Ao fazê-lo, Barad retoma o gesto
do pensamento de Foucault,440 mas em contraste com ele enfatiza parti-
 [“Was häufig als getrennte Entitäten (und getrennte Menge von Anliegen) mit scharfen Rändern
erscheint, impliziert in Wirklichkeit überhaupt keine Beziehung absoluter Äußerlichkeit. […] Es
handelt sich nicht um eine statische Bezüglichkeit, sondern um eine Tätigkeit – das Inkraftsetzen von
Grenzen –, die stets konstitutive Ausschlüsse und daher auch unerläßliche Fragen der Zurechenbarkeit
impliziert”. – tradução nossa]
 [“eine Relationalität zwischen spezifischen materiellen (Re-)Konfigurationen der Welt durch die Grenzen,
Eigenschaften und Bedeutungen auf unterschiedliche Weise in Kraft gesetzt werden. (d.h. Diskurspraktiken
in meinem posthumanistischen Sinne), und spezifischen materiellen Phänomenen (d.h. unterscheidende
Relevanzmuster).” – tradução nossa]
 [“Die Grenzen und Eigenschaften der Bestandteile von Phänomenen erlangen durch spezifische agentielle
Intraaktionen Bestimmtheit, und bestimmte Begriffe (d.h. bestimmte materielle Gliederungen der Welt)
erlangen durch diese Intraaktionen ihre Bedeutung.“ – tradução nossa]
 [“agentiell- realistische Ausarbeitung der Performativität.” – tradução nossa]
440 Assim, Foucault certamente concordaria com a afirmação de Barad: “Os fenômenos são constitutivos da
realidade. A realidade não consiste em coisas em si ou coisas além dos fenômenos, mas em coisas nos
fenômenos. O mundo é um processo dinâmico de interatividade e materialização por meio da colocação
em vigor de estruturas causais específicas com limites, propriedades, significados e padrões específicos de
marcações nos corpos.” [“Phänomene sind für die Wirklichkeit konstitutiv. Die Wirklichkeit besteht nicht
aus Dingen-an sich oder Dingen-hinter-den-Phänomenen, sondern aus Dingen-in-den-Phänomenen.
Die Welt ist ein dynamischer Prozess von Interaktivität und Materialisierung durch die Inkraftsetzung
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
229
cularmente a performatividade da natureza, que Foucault suprime para
evitar o dualismo. No que diz respeito a uma representação adequada da
relação entre prática discursiva e fenômenos materiais, pode-se afirmar que
Foucault leva em conta o caráter material do discurso mesmo, mas não a
materialidade daquilo que é constituído pelo discurso, como do corpo, por
exemplo, pelo menos não em medida suficiente. Porém, a crítica de Barad
de que Foucault não se atentaria à “natureza das práticas tecnocientíficas
e seus profundos efeitos produtivos sobre corpos humanos, assim como
os modos pelos quais essas práticas estão profundamente implicadas na
constituição da humanidade e, de forma mais geral, no funcionamento do
poder” não é correta (Barad, 2012, p. 30).441 Acontece que um novo des-
locamento para a natureza, para as coisas materiais – comparável ao para o
sujeito – seria necessário no pensamento foucaultiano, no sentido de uma
realidade do objeto como ‘resistência’ da natureza, uma mudança inerente
ao materialismo de Foucault, mas não levada em conta com a consistência
necessária. Nesse sentido, o teorema da problematização se apresentaria em
Foucault. Ele diz:
Dada uma certa problematização, só se pode entender por qual
razão esse tipo de resposta surge como uma resposta a algum aspecto
concreto e específico do mundo. Aí está a relação entre pensamento
e realidade no processo de problematização. E essa é a razão pela
qual acho que é possível dar uma resposta, a resposta original,
específica e singular do pensamento a uma determinada situação. E
esse é o tipo de relação específica entre a verdade e a realidade que
bestimmter kausaler Strukturen mit bestimmten Grenzen, Eigenschaften, Bedeutungen und Muster
von Markierungen auf Körpern.”] (Barad, 2012, p. 21) E ainda: “o mundo é um processo aberto de
materialização e formação de relevância por meio do qual a realização de diferentes possibilidades de ação
ganha sentido e forma. A temporalidade e a espacialidade surgem nessa historicidade processual” [“die
Welt ist ein offener Prozeß der Materialisierung und Relevanzbildung durch die Realisierung verschiedener
Handlungsmöglichkeiten Bedeutung und Form gewinnt. Zeitlichkeit und Räumlichkeit entstehen in
dieser prozeßhaften Geschichtlichkeit.” (Ibid.) “Palavra e mundo” também estão, de acordo com Foucault,
intimamente ligados. (Cf. Barad, 2012, p. 27) Barad remete à visão foucaultiana das práticas discursivas,
e sua compreensão dos aparatos como práticas material-discursivas corresponde, no fundo, à ideia de
Foucault. No entanto, Foucault não enfatiza suficientemente a por eles iniciada reconfiguração do mundo
na “matéria espaço-tempo como parte da força dinâmica em curso do devir” (Barad, 2012, p. 24). Ele não
resolve a ênfase no cultural. Outra semelhança no pensamento de Barad e Foucault é sua preferência pela
terminologia científica.
441 [“Eigenart technisch-wissenschaftlicher Praktiken und ihre tiefgreifenden produktiven Wirkungen auf
menschliche Körper sowie die Art und Weise, wie diese Praktiken tief in die Konstitution des Menschseins
und allgemeiner in die Wirkungsweise von Macht einbezogen sind.” – tradução nossa]
Marita Rainsborough
230
tentei analisar nas várias problematizações da parrhesia (Foucault,
1983, p. 114).
É justamente nessa especificação metodológica que se poderia
ancorar o possível acesso de Foucault à natureza e à matéria. As
problematizações associadas a elas, que surgem, por exemplo, de desastres
naturais, obstáculos materiais na criação humana do mundo, nas quais,
por exemplo, circunstâncias naturais, materiais e técnicas se opõem ao
planejamento e à ação humanas, e resultam de aparelhos criados, produtos
digitais, robôs etc., permitem que o real do mundo entre em foco como
conectado com a cultura e, ao mesmo tempo, como uma força de agência
independente. No entanto, a abordagem de Foucault detém-se no exame
de problemáticas individuais e, de maneira geral, tenta menos tornar
teoricamente compreensível a realidade que é independente do indiví-
duo. Isso só aparece na fronteira em constante mudança. Uma expansão
e diferenciação do teorema da problematização poderia colocar em foco a
agência da natureza e representar uma abordagem expansível a uma consi-
deração teórica baseada em Foucault.
A comparação com as concepções utópicas de história de Kant e
Hegel mostra que a orientação pragmática de Foucault para uma mudança
ad hoc na sociedade corresponde ao modelo de uma concepção heterotópi-
ca da história – baseada no conceito de heterotopia de Foucault. A filosofia
de Foucault implica uma visão de sociedade na qual a liberdade dos indi-
víduos seja garantida, de modo que os diferentes estilos de vida individuais
permaneçam viáveis. Trata-se de um modelo de negociação e equilíbrio
em situações comunicativas. Seu modelo de amizade pressupõe aceitação
mútua, respeito mútuo, boa vontade mútua e apoio mútuo. Também na
situação dialógica ou relacional da parresía o outro ou os outros é/são in-
dispensáveis como contrapartida crítica. Em termos de realpolitik, porém,
Foucault não faz propostas concretas, nem no plano institucional e/ou
político-estatal em termos nacionais, nem no plano internacional e supra-
nacional. Aqui, tanto Kant e Bloch quanto os pensadores pós e decoloniais
examinados vão além de Foucault em diferentes aspectos – principalmente
na forma de conceitos cosmopolitas. Ele enfatiza fortemente a importância
da constituição individual em termos éticos/estéticos e a qualidade da in-
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
231
teração humana, o que torna as mudanças políticas sustentáveis. Segundo
ele, as convulsões libertadoras que se buscavam nos movimentos políticos
só então podem ser efetivamente implementadas e ter sucesso permanente.
Assim, pode-se falar de um significado especial das considerações filosófi-
cas do sujeito em Foucault. Elas estão ligadas à esperança humana no pro-
jeto de futuro de Foucault, que, como na comparação com Kant e Hegel,
revela um caráter pragmático ad hoc de orientação emancipatória e está re-
lacionado ao seu interesse por Bloch. A análise do presente revela, por meio
de uma abordagem arqueológica e genealógica, dimensões do possível, do
ainda-não, da virtualidade. Foucault quer seguir esse caminho por meio de
sua filosofia da crítica como um convite para deslocar e transgredir limites
e para a transformação permanente – um caminho que pressupõe experi-
ência, vivência prática e experimentação na combinação de teoria e prática.
A ontologia do presente exige a análise genealógica do vir-a-ser de
hoje em sua atualidade e, ao mesmo tempo, o diagnóstico do que é possível
no futuro – de um tipo diferente de conhecimento, de diferentes formas
de governar e ser governado e de diferentes autorrelações. Os níveis do
não-mais e do ainda-não, que na maioria das vezes já se mostram, abrem o
horizonte da liberdade em sua abertura para o sujeito e são também garan-
tia de autonomia possível como trabalho permanente, sobretudo sobre si
mesmo, no processo de conhecimento e ação. A dimensão da virtualidade
em Foucault já se dá com a adoção e historicização do conceito kantiano
do a priori como disposição e sua concepção de uma atitude crítica como
um ethos filosófico, um exercício de liberdade no sentido de uma atitude
limite. Ela adquire uma dimensão visionária por meio do recurso à figura
de pensamento de Kant da elaboração de signos atuais para a moralidade
do ser humano e, portanto, para a possibilidade de progresso442 a partir
de seus escritos histórico-filosóficos. Escritos que reencontramos no sen-
tido do emergir de Bloch em Foucault como, por exemplo, na análise da
Revolução Iraniana que torna igualmente claras as disposições e as dimen-
sões da alteridade futura.
442 Ao que se refere aqui é especificamente à interpretação de Kant da Revolução Francesa como um sinal da
disposição moral na humanidade” (Cf. Kant, SF, 07, p. 85).
Marita Rainsborough
232
No entanto, o pensamento de Foucault difere marcadamente de
Kant e Bloch pela ausência de uma visão específica do futuro e de uma
forma fixa de realização do virtualmente possível, como já foi demonstra-
do. Com Foucault, o virtual443 permanece sempre no limbo, transita entre
o limite e a transgressão e foca na possibilidade de libertação do sujei-
to.444 A crítica como crítica experimental, mesmo no sentido de autocrítica
permanente, permanece sempre em movimento.
A parte teórica do sujeito da presente análise esclarece a posição ar-
gumentativa da ética e da estética no contexto geral da teoria de Foucault.
O enfoque estabelecido permite tanto a compreensão da especificidade da
ética foucaultiana em sua dimensão estética, na qual sua orientação sócio-
-política ficou clara, quanto permite – por meio do postulado da forma
vazia da salvação – sua referência ao conceito de a priori histórico, que pos-
sibilita embutir o pensamento ético-estético no processo arqueológico-ge-
nealógico da análise historicizante. Assim, é também evidente neste ponto
que a fase teórica do sujeito de seu trabalho não representa uma ruptura
fundamental, mas sim, de um ponto de vista metodológico e temático,
uma reavaliação de uma lacuna teórica que surge no campo do discurso
e da análise do poder e, por conseguinte, um maior desenvolvimento do
seu pensamento. A investigação do significado da constituição do afeto
no quadro da filosofia de Foucault deixa claro que Foucault considera a
dotação emocional do indivíduo e suas experiências corporais como par-
ticularmente decisivas para a mudança do sujeito, para sua libertação das
constelações de poder, porque são precisamente os sentimentos e a cor-
poreidade do ser humano que provocam o aprisionamento nos modos de
443 Assim, o virtual não é projetado para a realização do potencial que o tornaria efetivo; pelo contrário, a
virtualidade deve ser entendida como atualização constante, por meio da qual o virtual nunca está
completamente superado no efetivo, mas sempre dele dispõe.” [“Das Virtuelle ist also nicht angelegt auf eine
Realisierung des Potentiellen, durch die dieses zum Aktuellen würde; vielmehr ist Virtualität zu verstehen als
beständige Aktualisierung, durch die das Virtuelle zwar niemals vollständig im Aktuellen aufgehoben wird,
dieses jedoch stets disponiert.” – tradução nossa] (Raffnsøe; Gudmand-Høyer; aning 2011, p. 354).
444 Em Foucault afirma-se quanto a isso: “[O] ethos filosófico inerente à ontologia crítica de nós mesmos como
um teste histórico-prático dos limites que podemos transcender e, portanto, como trabalho de nós mesmos
sobre nós mesmos, na medida em que somos seres livres”. [“[D]as der kritischen Ontologie unserer selbst
eigene philosophische ethos als eine historisch-praktisch Erprobung der Grenzen, die wir überschreiten
können, und damit als Arbeit von uns selbst an uns selbst, insofern wir freie Wesen sind”. – tradução
nossa] (Foucault, 2005a, p. 702). E continua: “como uma análise dos limites estabelecidos a nós e um
teste de sua possível transgressão”. [“als Analyse der uns gesetzten Grenzen und Probe auf ihre mögliche
Überschreitung” – tradução nossa] (Ibid.).
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
233
subjetividade. A emancipação do sujeito deve, portanto, andar de mãos
dadas com as mudanças no âmbito dos afetos no contexto das experiências
corporais. A crítica de Butler a Foucault pode ser interpretada de muitas
maneiras como um trabalho adicional ao conceito de Foucault, por exem-
plo, no que diz respeito ao aspecto da medialidade. Por meio do teorema
do apelo e da vulnerabilidade do indivíduo a ele associada, de forma con-
creta, ela logra tornar os processos de formação do sujeito compreensíveis
em sua dimensão ética. Tanto a força quanto a debilidade da concepção de
poder de Foucault estão expostas na justaposição contrastante com concei-
tos de poder e resistência de pensadores pós-coloniais ou decoloniais como
Mbembe, Mignolo e Bhabha e com a teoria atual do poder de Han, que
parte sobretudo de Hegel e foca, como Mbembe, em elaborar e investigar
novas estratégias de poder, tais como a forma de poder digital. Han mos-
tra-se como o crítico mais agudo de Foucault ao abandonar o terreno de
sua teoria do poder. No entanto, ele recorre a Foucault de um modo crítico
e incorpora em seu conceito de poder, partindo de uma base teórica alte-
rada, as reflexões de Foucault sobre as formas microfísicas de poder. Além
disso, ele expande o espectro das formas atuais de poder de várias maneiras
e nomeia, por exemplo, o poder viral e o poder da transparência como
determinantes para a análise das condições sociopolíticas atuais.
A aplicação do conceito de teoria do poder de Foucault às particula-
ridades sociopolíticas coloniais e pós-coloniais também representa uma pe-
dra de toque para a questão da relevância atual de seu pensamento. Outras
formas de poder também são centrais hoje para pensadores pós-coloniais
e decoloniais. Mignolo enfatiza particularmente as formas corporal e ge-
opolítica de poder, Mbembe enfatiza tanto o poder digital quanto o ne-
cropoder como centrais para a análise de poder hodierna. Torna-se nítido
que os pensadores pós- e decoloniais modelam e expandem a teoria de
Foucault de forma crítica, mas não o abandonam completamente, ao con-
trário, continuam partindo dele sobretudo no que diz respeito aos aspectos
do sujeito, saber, poder e resistência, assim como nas questões metodoló-
gicas. Especialmente em situações e contextos pós-coloniais, esse nexo é de
importância decisiva para a análise e gestão de problemas futuros, embora
Foucault não tenha desenvolvido e aplicado seus procedimentos e ferra-
Marita Rainsborough
234
mentas teóricas nesse campo. Muitas vezes serve também como ponto de
referência para uma delimitação crítica, sem, entretanto, tornar com isso
os seus postulados inteiramente supérfluos. O contexto pós-colonial, em
particular, requer um exame crítico do complexo sujeito, saber e poder,
ainda que de uma forma que o modele e transcenda. Foucault permanece,
assim, uma importante fonte de inspiração no que diz respeito à coloca-
ção de questões, tipos de procedimentos e abordagens para a resolução de
problemas. O pensamento de Foucault continua a ter notável importância
para o desenvolvimento de abordagens para a resolução de problemas atu-
ais – também num contexto global.
235
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5. Índice Remissivo
a
a priori 14, 15, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 51, 68, 83, 95, 149,
153, 176, 183, 187
a priori histórico 20, 29, 30, 35, 36, 37, 38, 66, 78, 97, 98, 121, 125, 130, 148,
150, 188
acquisitio originaria 30, 31, 32, 33, 34, 35,
ação 5, 13, 14, 16, 24, 26, 32, 34, 38, 40, 42, 43, 48, 58, 59, 60, 62, 63, 64,
65, 73, 76, 79, 82, 84, 89, 90, 91, 93, 94, 99, 100, 113, 122, 130, 134, 142,
147, 148, 149, 154, 161, 165, 166, 179, 180, 185, 186, 187
ação ética 39, 40, 134
ação moral 13, 82, 100, 130
ação política 68
ação racional 48
ad hoc 15, 29, 63, 66, 76, 82, 133, 139, 186
afetividade 10,15, 16, 115, 118, 120, 122, 124, 125, 128, 129, 130, 131, 133,
134, 135
afeto 16, 40, 56, 59, 60, 61, 62, 66, 83, 113, 116, 117, 119, 121, 122, 123,
124, 125, 126, 128, 132, 134, 148, 188
africano 68, 69, 79, 80, 82, 83, 151, 165
África 16, 69, 81, 82, 84, 158
afropolitismo 84, 165
Marita Rainsborough
256
agencial 48
agência 47,48, 149, 170, 184, 186
alma 58, 61, 67, 79, 86, 87, 100, 121, 139, 152
alteridade 64, 119, 169, 178, 180, 187
ambiente 18, 129
amizade 9, 57, 107, 108, 110, 133, 180, 186
análise 10,11, 15, 16, 17, 19, 20, 27, 28, 35, 36, 38, 45, 49, 53, 54, 57, 63,
64, 68, 69, 74, 77, 78, 79, 80, 83, 90, 91, 94, 98, 99, 109, 110, 115, 118, 119,
120, 126, 137, 138, 139, 144, 149, 157, 159, 164, 165, 166, 169, 179, 180,
182, 183, 186, 187, 188, 189
análise do discurso 35, 38, 54, 68, 80, 83
análise do poder 35, 78, 91, 137, 138, 157, 188
análise genealógica 10, 187
análise histórica 19, 98, 164, 169
análise social 8, 165
antiplatonismo 120
antropocentrismo 43, 132, 184
antropologia 14, 19, 22, 23, 59, 60, 85, 86, 87, 90, 92, 94
antropológico 23, 62, 65, 85, 87, 88, 92, 93
antropomorfismo 48, 182
aproximação 26, 88
Appadurai, Arjun 159, 190
Aristóteles 30, 58, 62, 106
arma 36, 81, 160
arqueológico 5, 12, 20, 35, 36, 188
arquitetônico 153, 155
arquitetura 27, 132, 150, 154
arte 27, 38, 51, 61, 64, 66, 77, 82, 84, 85, 86, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 95, 96,
97, 99, 101, 103, 104, 105, 106, 107, 109, 111, 112, 113, 115, 119, 120, 121,
122, 123, 139, 140, 145, 147, 148
arte visual 205
Artaud, Antonin 119
ascetismo 56, 99, 100, 101, 105, 106
assujeitamento 100
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
257
atual 5, 6, 7, 10, 12, 16, 55, 58, 59, 67, 68, 77, 94, 97, 98, 99, 106, 139, 149,
151, 152, 158, 159, 165, 269, 182, 188
atualidade 5, 6, 15, 19, 29, 49, 64, 68, 74, 151, 156, 164, 187
Aufklärung 18, 19, 21, 27, 45, 55, 76, 77, 78, 105
autoconhecimento 88, 89, 90
autoconsciência 51, 52, 101, 102
autocriação 84, 111, 140
autocuidado 10, 85, 99, 109, 139, 141
autodescoberta 51, 106
autodeterminação 13,14, 57, 87, 89, 93, 95, 98, 102, 103, 112, 142
autolegislação 13, 32, 40, 41, 108
autonomia 6, 7, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 40, 41, 42, 57, 63, 64, 66, 69, 73, 74,
82, 84, 85, 86, 93, 95, 98, 102, 105, 107, 108, 111, 112, 113, 118, 124, 136,
142, 143, 149, 150, 182, 187
autorreflexão 22, 55
avaliação 6, 17, 25, 65, 71, 73, 84, 105, 130, 131, 164, 167, 167, 175
b
Bataille. Georges 104, 116, 119
Baudelaire, Charles 91, 108, 120, 122
Baudrillard, Jean 8, 159, 160
Baumann, Zygmunt 155
Barad, Karen 5, 47, 48, 184, 185
Barbin, Herculine 7, 8
Bentham, Jeremy 155,156
Bhabha, Homi K. 5, 7, 17, 161, 162, 166, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 177,
178, 179, 180, 188
bélico 74
beleza 43, 47, 65, 88, 89, 103, 111
Ben-Ze’ev, Aaron 131
biologia 45, 46, 157, 169
biopoder 5, 81, 138, 139, 152, 157, 158, 160, 163, 168, 179
Marita Rainsborough
258
Bloch, Ernst 6, 15, 16, 18, 58, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 186, 187
border thinking 162, 166, 175, 177
Bosch, Hieronymus 120
Butler, Judith 7, 16, 124, 125, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 142,
176, 188
c
Castró-Gomez, Santiago 162, 175
cidadania 81
cidadão 70, 71, 72, 73, 74, 86, 149
ciência(s) 26, 29, 32, 37, 41, 45, 46, 51, 52, 54, 60, 61, 64, 67, 74, 77, 86, 90,
92, 101, 102, 106, 117, 118, 123, 124, 129, 133, 136, 152, 183, 184
classificação 125, 157
código 100, 110, 148
coerção 40, 42, 72, 74, 78, 83, 115, 137, 146, 153, 155, 156, 159
colonialismo 114, 151, 158, 161, 165, 169, 174, 175, 178
como se 29, 43
complexidade 144, 149, 150, 175
componentes 110, 134
compreender 124, 138
conceito 5, 6, 7, 9, 12-17, 20, 21, 23, 26, 27, 30, 31, 34-36, 38-44, 46-49, 51,
52, 53, 55-60, 62-66, 72, 75, 76, 81, 82, 83, 85-90, 92, 94, 96, 97, 99, 100,
101, 102, 103-112, 116, 117, 119, 121, 122, 128, 132, 135, 136, 138, 140,
141, 142, 144-152, 156, 159, 161, 162-166, 169, 170, 171, 173, 174, 175,
176, 177, 179, 180, 183, 184, 186-188
conceito de esperança 66
conceito de história 30,53, 57, 162
conceito de liberdade 9, 40, 42, 44, 48, 140, 142, 149
conceito de natureza 23, 39, 42, 46, 48, 55
conceito de progresso 72, 87, 83
conceito de resistência 66, 142, 144, 145, 150, 174
conceito de sujeito 100, 101,
conceito de violência 75
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
259
conceito do a priori histórico 20,36
conceito(s) de biopoder/biopolítica 151, 163, 169, 176, 179, 180
conceito(s) de governamentalidade 105, 119, 140
conceito(s) de poder 12, 15, 16, 46, 66, 81, 102, 117, 136, 141, 142, 145, 146,
147, 149, 150, 151, 156, 165, 188
conceito(s) filosófico(s) 18, 58, 83, 137
concepção 5, 9, 11, 12, 15, 16, 22, 24, 25, 27, 30, 31, 37, 39, 43, 44, 48,
4950, 57, 59, 63, 65, 67, 70, 72, 74, 75, 76, 84, 90, 91, 94, 97, 99, 100, 101-
105, 107-111, 113, 121, 124, 125, 126, 128, 130, 131, 133, 136, 137, 139,
140, 142, 144, 147-152, 156, 161, 162, 163, 164, 166, 167, 168, 170, 174,
175, 176, 177, 178, 179, 182, 183, 184, 186, 187, 188
concepção de justiça 70, 72
conclusão 77
condição 13, 22, 37, 41, 43, 60, 62, 74, 113, 125, 156, 157
configuração 10, 29, 44, 61, 67, 155
conflito 13, 48, 70, 73, 76, 110, 148, 158, 171, 173
conhecimento 6, 11, 13, 14, 18, 20-24, 26, 27, 28, 31-34, 36-38, 42, 45, 52,
54, 55, 59, 60, 61, 74, 77, 78, 83, 85, 88, 90, 91, 92, 93, 121, 130, 134, 145,
162, 164, 165, 176, 180, 182, 187
consideração 6, 12, 46, 48, 53, 54, 83, 87, 89, 106, 109, 110, 111, 121, 123,
125, 133, 179, 186
constituição 7, 10, 11, 12, 14, 16, 26, 28, 37, 39, 44, 44, 45, 48, 53, 55, 57,
63, 69, 70, 74, 93, 94, 96, 97, 98, 103, 106, 111, 112, 118, 119, 120, 123,
124, 125, 126, 130, 133, 134, 137, 142, 156, 158, 159, 164, 173, 185, 186,
188
constituição do sujeito 7, 14, 28, 57, 63, 64, 66, 69, 97, 98, 103, 106, 112,
124, 125, 130, 134, 164, 173
construtivismo 5, 8, 46, 178, 183, 184
contradiscurso 8, 119, 121
controlo 159
conversão 20
coragem 6, 7, 10, 27, 28, 55, 57, 78, 108, 120, 121
corpo 15, 16, 45, 48, 64, 67, 70, 81, 84, 87, 89, 100, 102, 117, 120, 121, 122,
124, 125, 126, 127, 128, 131, 133, 136, 137, 138, 143, 151, 152, 156, 160,
163, 164, 172, 176, 179, 180, 185
Marita Rainsborough
260
corporalidade 56
corporeidade 8, 11, 87, 119, 122, 133, 188
cosmológico 176, 178
cosmopolita 25, 26, 48, 49, 55, 69, 72, 74, 81, 82, 83, 84, 130, 162, 177
cosmopolitismo 82, 84, 161, 162, 165, 177, 180
cosmopolitismo crítico 165, 177
cosmopolitismo decolonial 161
cristianismo 24, 58, 79, 95, 97, 106, 110, 141
crítica 5-9, 13-16, 18-23, 25-30, 32-35, 37, 39, 40, 42, 43, 44, 48, 52-56, 60,
63-65, 68, 69, 73, 74, 75, 77, 78, 79, 80, 81, 83, 84, 86, 87, 112, 121, 125,
134, 136, 138, 141, 144, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 156, 157, 161, 164,
165, 166, 169, 175, 177, 178, 179, 180, 181, 182, 185, 186, 187, 188, 189
cultura 7, 30, 45, 46, 47, 50, 71, 88, 91, 95, 96, 98, 106, 115, 120, 126, 129,
136, 153, 159, 167, 170, 171, 172, 177, 180, 183, 184, 186
d
Darwin, Charles 46
debate 15, 15, 22, 48, 58, 90, 99, 149, 183
decolonial 9, 151, 156, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 175, 177, 178, 180
Deleuze, Gilles 20, 154
desafio 5
desassociar 39
descontinuidade 27, 46, 53
desejo 14, 29, 48, 55, 58, 61, 73, 84, 99, 119, 122, 124, 125, 126, 128, 133,
136, 147, 148, 161, 176
desempenho 47, 105, 124, 159
desenvolvimento 46, 47, 49, 50, 51, 52, 54, 55, 56, 57, 60, 62, 68, 72, 75, 77,
83, 85, 87, 89, 90, 92, 96, 98, 118, 138, 139, 140, 142, 152, 155, 166, 180,
182, 188, 189
deslocamento 8, 11, 24, 27, 29, 48, 78, 130, 162, 164, 170, 185
desobediência 74, 166, 176, 177
dessubjugação 15, 16, 27, 39, 55, 83, 122, 125, 133, 140, 149, 166, 188
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
261
determinação 13, 14, 16, 22, 40, 41, 42, 51, 57, 61, 62, 64, 66, 70, 87, 88, 89,
93, 94, 95, 98, 102, 103, 112, 142, 143
Deus 9, 12, 23, 33, 34, 58, 61, 88
diagnóstico 6, 7, 10, 123, 152, 169, 187
diferença 18, 22, 37, 41, 44, 51, 59, 87, 99, 111, 118, 139, 141, 169, 170,
171, 172, 174, 176, 178
dignidade 13
dimensão 7, 11, 21
direito de visita 29, 51, 62, 63, 64, 79, 97, 105, 109, 110, 112, 121, 122, 140,
147, 150, 159, 160, 161, 167, 171, 176, 187, 188
direito(s) 13, 26, 34, 54, 55, 59, 69-74, 76, 77, 80-83, 86, 87, 91, 110, 114,
115, 137, 139, 143, 158, 162, 168, 171, 180
disciplina 12, 101, 103, 105, 117, 119, 138, 158
disciplinarização 102, 138, 151, 179
discurso 9, 14, 21, 23, 34, 35, 36, 38, 52, 54, 57, 68, 69, 77, 79, 80, 104, 120,
132, 133, 139, 142, 143, 146, 148, 156, 164, 168, 170, 171, 179, 183, 185,
188
dispositivo 35, 46, 48, 115, 126, 133, 138, 148, 156, 159, 163, 168, 179
distópico 57, 58
diversidade 82, 172, 173, 180
dizer a verdade 9, 11, 108, 120, 121
dominação 11, 43, 44, 49, 66, 78, 87, 99, 112, 126, 137, 138, 139, 142, 143,
144, 145, 147, 156, 182
Dussel, Enrique D. 162, 165
e
economia 8, 12, 21, 113, 117, 118, 119, 121, 122, 123, 137, 139, 150, 152,
157, 158, 161, 165
efeito 14, 27, 56, 66, 78, 80, 83, 122, 127, 128, 130, 139, 148, 152, 153
elaboração 35, 122, 136, 149, 180, 184, 187
elemento 37, 44, 47, 48, 50, 59, 60, 78, 87, 106, 141, 159
emancipatório 94, 129, 134, 142, 150, 182
emancipação 6, 45, 94, 162, 188
Marita Rainsborough
262
emocional 118, 126, 129, 133, 188
emocionalidade 11, 84, 115, 120, 121, 122, 124, 129, 130, 135
emoção 124, 125, 129, 134, 176
ênfase 6, 7, 9, 48, 90, 99, 105, 108, 185
epimeleia heauton 91, 101
episteme 38, 39, 53, 68, 90, 93, 98, 119, 162, 175, 176
epistemologia 20, 34, 37, 60, 65, 105, 121, 139, 140, 157, 163, 175, 178, 180
época 30, 35, 36, 43, 48, 50, 54, 68, 74, 92, 96, 139, 149, 152
escolha 12, 13, 14, 40, 76, 79, 105, 116, 145
escravo 138, 157, 159
esfera 13, 16, 34, 53, 58, 87, 108, 118, 131
espacialidade 185
espaço 16, 22, 24, 27, 28, 31, 32, 34, 35, 36, 63, 64, 104, 120, 132, 147, 148,
153, 155, 164, 170, 171, 172, 176, 185
especificação 186
esperança 15, 16, 22, 27, 40, 47, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 72,
73, 83, 165, 186
espiritual 48, 75, 85, 86, 88, 89, 90, 112
espiritualização 85, 89, 93
espécie humana 47, 72, 74, 78, 87
espírito 50, 51, 52, 53, 55, 85, 86, 87, 88, 89, 92, 93, 134, 135, 165, 181, 183,
184
estado 25, 54, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 76, 78, 83, 100, 113, 114, 118, 125, 128,
136, 137, 139, 151, 157, 160, 168, 177, 179
estilo de vida 86, 91, 103, 105, 110, 113, 120, 123, 133, 140, 141, 182
estratégias de poder 16, 35, 63, 117, 133, 148, 151, 160, 165, 179, 188
estratégico 111, 136, 143, 147, 150
estrutura 19, 22, 36, 43, 45, 55, 59, 60, 68, 83, 103, 108, 128, 129, 143, 154,
158, 177, 179
estética 7, 9, 10, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 24, 30, 38, 42, 43, 48, 54, 57, 60, 63,
65, 84, 85, 85, 86, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 97, 98, 99, 100, 101, 102,
103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 111, 112, 113, 116, 119, 121, 122, 123,
127, 140, 167, 180, 187, 188
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
263
ética 7, 9, 10, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 38, 39, 40, 42, 43, 44, 48, 49, 54, 55,
57, 59, 63, 71, 75, 79, 84, 85, 86, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 97, 98, 99, 100, 102,
103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 116, 119, 121, 122,
123, 127, 129, 131, 133, 134, 140, 141, 150, 151, 167, 178, 180, 187, 188
ética do eu 57, 91, 111
etnicidade 163
Europa 9, 77, 114, 138
evento(s) 46, 76
exame 7, 30, 94, 112, 153, 165, 167, 179, 186, 189
exclusão 35, 82, 84, 118, 156, 161, 169, 176, 180
exigência 113
existência 14, 46, 47, 58, 60, 61, 79, 91, 95, 99, 101, 102, 103, 105, 108, 110,
118, 120, 121, 139, 142, 159, 167
expansão 8, 26, 105, 112, 114, 118, 147, 157, 160, 180, 186
experimentação 29, 66, 95, 104, 110, 158, 187
experiência 10, 18, 22, 24, 25, 31, 32, 36, 37, 38, 39, 42, 43, 47, 48, 55, 64,
75, 78, 84, 89, 96, 97, 98, 106, 106, 119, 120, 121, 157, 166, 171, 175, 187
exterior 27, 34, 36, 69, 89, 162, 175
f
faculdade 13, 14, 23, 31, 34, 40, 41, 42, 48, 74
Fanon, Frantz 159, 160, 163, 164, 174, 176, 178, 179
felicidade 11, 14, 16, 59, 60, 94, 95, 97, 98, 110
fenômeno(s) 58, 60, 65, 96, 106, 144, 146, 147, 149, 151, 155
filme 121, 122
forma 5, 6, 16, 28, 34, 37, 38, 42, 43, 52, 53, 55, 56, 57, 58, 60, 64, 65, 69-
77, 79, 82, 87, 88, 89, 90, 93-98, 100, 102-108, 110, 113-117, 119, 121, 122,
123, 127, 128, 129, 133, 134, 136, 138, 139, 144, 145, 146, 151, 153, 154,
158, 160, 163, 168, 174, 177, 182, 186, 188, 189
forma diferente 46, 55, 56, 106, 160
forma universal 100
forma vazia 16, 38, 94, 95, 96, 97, 98, 188
forma(s) de pensar 8
forma(s) de vida 55, 56, 180
Marita Rainsborough
264
formas específicas 125, 149
formação 7-11, 16, 26, 34-36, 38, 45, 52, 56, 57, 58, 63, 65, 66, 79, 84, 93,
98, 99, 113, 114, 116, 118, 120, 122-126, 128, 129, 131-134, 146, 159, 162,
176, 182, 185, 188
formação do sujeito 58, 79, 118, 123, 125, 129, 131, 134, 188
formulação 33, 68, 137
força 14, 23, 32, 47, 69, 71, 72, 74, 82, 84, 117, 120, 139, 145, 147, 152, 160,
184, 185, 188
força oposta 84
Foucault, Michel 5-30, 35-39, 43-50, 52-58, 61, 63-69, 75-86, 90-128, 130,
132-169, 171, 175-189
Freud, Sigmund 106, 126, 128, 136
fronteira 11, 47, 73, 166, 186
Früchtl, Josef 106, 107, 108, 109
fundação 21, 33, 70
futuro 6, 7, 10, 15, 16, 17, 47, 50, 56, 58, 59, 61, 63, 66, 67, 68, 69, 79, 81,
82, 84, 92, 94, 105, 118, 146, 155, 161, 182, 186, 187
fórmula do pathos 142
g
Gabriel, Marcus 7, 183
Gandhi, Mahatma 176
genealógico 5, 12, 19, 35, 38, 157, 188
gênero 5, 13, 73, 87, 115, 125, 172, 180
geopolítico 151, 161-165, 175, 180
global 5, 16, 17, 47, 53, 57, 58, 67, 68, 82, 83, 84, 90, 114, 136, 152, 158,
161, 163, 165, 172, 175, 177, 180, 189
gnoseologia 163, 175, 178, 180
governamentalidade 11, 12, 16, 28, 91, 99, 104, 105, 109, 112, 113, 115, 118,
119, 123, 140, 147
governança 105, 115, 119, 140
governo 6, 11, 16, 64, 70, 73, 109, 113, 114, 115, 120, 137, 155, 163
Goya, Francisco de 120
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
265
guerra 5, 25, 26, 46, 55, 65, 68, 69, 72, 80, 81, 139, 152, 153, 158, 159, 167,
168, 176
h
Habermas, Jürgen 50, 92, 94, 147
Han, Byung-Chul 7, 9, 16, 44, 53, 141, 145, 146, 147, 148, 150, 188
hedonismo 9, 108
hedonista 148, 150
Hegel, Georg Wilhelm Friedrich 9, 15, 16, 18, 49-54, 57, 85-90, 92, 93, 94,
141, 146, 147, 186, 188
hegemônico 83, 84, 161, 179
Hemminger, Andrea 6, 19, 20, 28, 54
heteronomia 7, 9, 12, 14, 15, 17, 63, 85, 86, 95, 98, 112, 143
heterotopia 27, 49, 57, 58, 63, 64, 178, 186
heterotópico 15, 58, 64, 97, 167
heterônimo 67, 85, 86, 94, 98, 112, 123, 124, 126, 133, 150
hibridismo 166, 170, 171, 172, 173, 174
híbrido 172, 173, 178, 180
historicidade 11, 36, 38, 47, 185
história 6, 7, 8, 9, 11, 13, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 24, 25-28, 30-32, 36, 37, 39,
43-55, 57, 59, 60, 62-66, 74-77, 79, 82, 84, 87, 89, 91, 93, 100, 106, 111,
113, 122, 136, 139, 143, 152, 153, 154, 162, 166, 167, 168, 174, 175, 177,
186
histórico 5, 7, 10, 18, 19, 20, 26-30, 35, 36-39, 45, 49-52, 55-58, 60, 61, 63-
66, 69, 73, 75-78, 84, 85, 89, 92, 97, 98, 121, 125, 130, 136, 139, 140, 141,
144, 145, 148, 149, 150, 157, 166, 168, 176, 187, 188
homo economicus 115, 116, 208
humanidade 19, 26, 27, 29, 49, 50, 86, 87, 90, 185, 187
humanismo 47, 66, 79, 82, 165, 184
humano 5, 7, 13, 14, 16, 23, 26, 29, 38, 39, 40, 45, 48, 49, 58-66, 68, 69, 72,
73, 74, 81, 82, 83, 85-90, 92, 93, 94, 95, 98, 104, 118, 122, 133, 139, 152,
169, 176, 182, 183, 187, 188
Hume, David 30, 74, 145
Marita Rainsborough
266
i
ideia(s) 12, 14, 25, 26, 29-33, 35, 36, 38, 42, 43, 46, 47, 49, 55, 63, 67, 69,
74, 78, 82, 86, 88, 89, 92, 103, 104, 105, 107, 112, 114, 126, 129, 134, 138,
144, 146, 147, 150, 161, 162, 163, 165, 166, 167, 168, 169, 171, 176
identidade 37, 50, 79, 137, 139, 162, 165, 170, 171, 172, 173, 176
iluminismo 13, 55, 56, 175, 178
independência 14, 40, 41, 42, 72, 111, 114, 120
indignação 129, 133
individualista 107, 108
indivíduo 8, 9, 11, 13, 21, 26, 35, 37, 45, 54, 56, 57, 58, 60, 66, 71, 83, 84,
91, 94, 97, 100, 102, 104, 105, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 115, 118, 122,
123, 124, 125, 126, 132, 136, 138, 139, 142, 148, 149, 152, 153, 159, 165,
167, 180, 182
inovação 118
institucional 186
institucionalização 80, 82, 84, 159
instituição 34, 91, 157
intenção 16, 55, 80, 90, 98, 100
interesse 6, 7, 8, 26, 67, 78, 84, 87, 101, 110, 113, 118, 139, 145, 186
interior 21, 27, 69, 75, 89, 95, 96, 97, 106, 162, 175
invisibilidade 7, 153
j
jogo 12, 23, 24, 27, 42, 44, 49, 73, 77, 78, 95, 98, 99, 103, 104, 105, 112,
114, 115, 131, 136, 138, 141, 148, 150
judicial 152
julgamento 13, 14, 103, 129, 135, 138, 152
jurídico 34, 65, 70, 71, 73, 74, 76, 82, 137, 138, 139, 158, 171, 177
justiça 9, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 74, 82, 89, 91, 99, 147, 175
justificar 20
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
267
K
Kammerer, Dietmar 153, 154, 155, 159, 160
Kandinsky, Wassily 120
Kant, Immanuel 5-7, 12-16, 18-35, 37-42, 44-49, 51, 54, 55-61, 63-81, 83,
84, 86, 107, 108, 109, 134, 157, 170, 172, 175-177, 182, 184, 186, 187
Kastner, Jens 143, 150
Klass, Tobias 144, 145, 146
Klee, Paul 120
Klein, Melanie 128
Klossowski, Pierre 120
Kuhn, omas 37, 162
l
Landweer, Hilge 128, 129, 130, 134, 135
Latour, Bruno 5, 6, 182
legal 41, 69, 70, 71, 74, 84, 137, 139
legitimação 54, 55, 70, 71, 137
lei(s) 12, 13, 14, 32, 33, 34, 35, 38, 39, 40, 41, 42, 47, 57, 59, 60, 61, 69, 70,
71, 72, 73, 75, 76, 77, 79, 100, 107, 136, 137, 139, 146, 153, 183
liberalismo 113, 114, 115, 143, 155, 157, 159
liberação 44, 100, 140, 142, 167
liberdade 6, 7, 9, 10, 13, 14, 15, 16, 21, 22, 28, 29, 39-42, 44, 45, 47, 48, 49,
51, 55, 56, 59, 61, 64, 69, 71, 72, 79, 83, 87, 89, 90, 93, 100-103, 107, 110-
115, 119, 127, 139-143, 146, 147, 149, 150, 157, 159, 167, 169, 180, 186,
187
limitação 13, 21, 28, 73, 99, 110, 113, 115, 130
limite 12, 15, 18, 20, 22, 23, 24, 25, 27, 29, 30, 38, 46, 47, 73, 74, 84, 96,
114, 120, 130, 187
língua 5, 12, 21, 25, 30, 49, 64, 168
linguagem 7, 9, 20, 34, 46, 51, 119, 120, 121
literatura 6, 8, 9, 12, 24, 61, 64, 103, 119-123
Marita Rainsborough
268
loucura 7, 8, 10, 36, 104, 106, 119, 120, 158, 166, 180
Löwith, Karl 86, 88
luta 12, 14, 46, 48, 65, 98, 105, 145, 146, 147, 152, 162, 183
Lyon, David 154, 155, 156, 161
m
Magritte, René 120
Manet, Éduard 120
Martin Luther King 177
mártir 159
Marx, Kar 137, 138
materialidade 183, 185
Mbembe, Achille 5, 7, 16, 17, 18, 68, 69, 79-84, 151, 156-161, 164, 165, 188
medialidade 188
medo 40, 58, 61, 62, 115, 118, 125, 129, 159, 169
Menke, Christoph 101, 102, 103
metafísica 12, 21, 26, 28, 33, 34, 40, 47, 54, 60, 140
metáfora 20, 21, 22, 23, 25, 26, 27, 65, 66, 123, 144, 170, 171
Michals, Duane 121
microfísica 12, 105, 117, 138, 140, 152
Mignolo, Walter 5, 7, 17, 151, 156, 161, 162
migração 166, 170, 171, 174, 178
militar 80, 81, 157, 158, 164
mimetismo 169, 174
modernidade 6, 9, 19, 85, 90, 93, 111, 156, 157, 161, 174, 175, 177, 178
modesto 29, 30, 66
monumento(s) 35, 45, 49, 57, 183
moralidade 12, 14, 30, 42, 54, 59, 60, 65, 72, 73, 74, 76, 78, 82, 99, 100, 110,
128, 129, 138, 146, 187
morte 6, 9, 39, 49, 63, 68, 75, 76, 81, 96, 98, 108, 119, 121, 138, 157, 159
motivação 40, 58, 59, 60, 130, 142
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
269
mudança 6, 8, 9-12, 16, 17, 20, 25, 29, 35, 37, 39, 45, 47-49, 56-58, 62-64,
66, 75, 87, 90, 92, 93, 97, 100, 103, 105, 112, 114, 120-122, 124, 125, 126,
129, 133, 139, 140, 145, 147, 149, 150, 152, 156, 161-166, 170, 172, 177,
179, 180, 185, 186, 188
mudança de paradigma 37, 39, 48, 162
n
natural 5, 34, 37, 41, 44, 47, 49, 61, 62, 65, 71, 72, 77, 87, 88, 89, 100, 106,
114, 125, 126, 136, 146, 149, 177, 184
natureza 12, 13, 14, 16, 21, 23, 25, 26, 29, 31, 32, 33, 39, 40-49, 51, 52, 54,
55, 57, 59, 62, 65, 66, 71-74, 76, 82, 83, 87, 88, 98, 126, 130, 134, 159, 160,
177, 180, 184, 185, 186
necropoder 81, 151, 159, 160, 165, 188
necropolítica 8, 151, 159, 164, 165
negociação 62, 110, 170, 172, 173, 174, 178, 186
neoliberalismo 115, 116, 118, 123, 139, 155, 159
nexo de saber-poder 78
Nietzsche, Friedrich 6, 7, 19, 77, 86, 91, 104, 106, 107, 108, 109, 126, 137,
138, 141, 144, 146, 148
normalização103, 117, 157
normatividade 10, 11, 128, 142
normativo 14, 28, 111, 144, 145, 150
novo realismo 5, 8, 16, 47, 183, 184
o
Oberhausen, Michael 30, 31, 32, 33, 34
objetivação 28, 54
objeto 14, 22, 37, 62, 73, 89, 96, 97, 98, 105, 151, 184, 185
obrigação 11, 12, 14, 41, 69, 70, 71, 73, 152
ocidental 50, 83, 119, 151, 157, 161, 163-167, 174, 176-179, 181
omnipresente 81
ontologia 5, 6, 7, 19, 29, 32, 33, 64, 65, 119, 121, 131, 132, 184, 187
Marita Rainsborough
270
oportunidade 32, 46, 83, 104, 137, 150, 170
Opus Postumum 14, 19, 23
organismo 26, 42, 43, 144
organização 19, 21, 22, 23, 44, 52, 79, 93, 105, 145, 177
orientação 10, 11, 15, 16, 18, 26, 28, 29, 41, 49, 50, 58, 60, 63, 65, 66, 69,
73, 77, 78, 82, 90, 92, 94, 99, 103, 109, 110, 112, 130, 144, 164, 180, 186,
188
Ortega, Francisco 9
p
padrão 125, 128, 156
paixão 24, 59, 118, 119
panoptismo 153, 155, 156
panóptico 152, 153, 154, 155, 156
paradigma 10, 21, 37, 39, 48, 69, 93, 99, 147, 154, 162, 178
parresía 6, 7, 9, 10, 11, 12, 38, 56, 79, 120, 121, 182, 186
pathos 44, 59, 60, 124, 142, 143, 145, 146
paz 6, 26, 29, 45, 47, 49, 55, 56, 57, 59, 61, 63, 65, 69-72, 74, 75, 76, 77, 81,
82, 83, 101, 102, 112, 118, 121, 122, 132, 135, 142, 147, 149, 154, 170
paz perpétua 26, 45, 49, 55, 56, 57, 59, 61, 63, 65, 69, 70, 72, 74, 76, 82, 83
pensamento decolonial 151, 161, 163, 175
percepção 31, 54, 64, 88, 91, 125, 129, 130, 132, 133, 134, 135, 178
perfeição 104, 107
performance 128, 138
performatividade 130, 132, 134, 184, 185
perspetiva 69, 74, 83
plantação 151, 157, 158, 161
Platão 30, 32, 58, 79, 96, 97, 99, 103, 106
pluralidade 82
pluriversality 163, 166, 172
poder 5, 7-18, 28, 31, 34, 35, 38, 39, 44-48, 52, 54, 57, 58, 63, 64, 66, 69, 70,
71, 73, 75, 76, 77, 78, 80, 81, 83, 84, 91, 93, 95, 98-106, 109, 111, 112, 114,
115, 116, 117, 119, 121, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 132, 133, 134, 136-
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
271
154, 156-161, 163, 164, 165, 167, 168, 169, 170, 171, 173, 179, 180, 182,
183, 185, 188, 189
poder jurídico 138, 139
poder pastoral 12, 81, 138, 139, 160
poder soberano 138, 160, 169
política 7, 8, 12, 14, 18, 21, 27, 29, 38, 39, 50, 54, 55, 57, 64, 67, 68, 71, 72,
74, 75, 76, 77, 79, 82, 84, 91, 95, 97, 98, 105, 109, 110, 112, 113, 117, 118,
123, 131, 133, 136, 139, 140, 143, 146, 149, 150, 151, 152, 153, 158, 163,
164, 165, 167, 176, 179, 180, 188
política do corpo 117, 151, 152, 163, 164, 176, 179, 180
político 9, 11, 13, 15, 21, 45, 47, 51, 63, 68, 69, 72, 73, 76, 79, 82, 83, 91,
92, 96, 104, 105, 106, 108, 111, 122, 123, 124, 131, 135, 141, 142, 149, 150,
170, 179, 186
poiesis 98
população 72, 115, 139
pós-colonial 16, 68, 79, 82, 83, 151, 157, 161, 165, 166, 170, 175, 180, 189
posição/posições do sujeito 122
pós-moderno 161, 170, 183
possibilidade/possibilidades 8, 10-14, 16, 21, 31, 36, 37, 40, 42, 43, 44, 49,
56, 61-63, 65-67, 70-74, 78, 87, 94, 95, 97, 98, 102, 105, 118, 120, 123, 126,
130, 131, 140-144, 149, 161, 170, 185, 187
postulado 5, 6, 7, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 18, 28, 54, 61, 65, 71, 93, 125,
128, 142, 164, 188, 189
potencial 16, 30, 31, 62, 81, 93, 94, 97, 119, 122, 123, 127-130, 134, 142,
147, 148, 187
princípio 12, 13, 14, 15, 21, 22, 23, 25, 26, 29, 31, 38, 40, 49, 50, 51, 55, 57,
61, 62, 63, 66, 68-74, 76, 77, 78, 85, 86, 90, 91, 92, 93, 95, 100, 107, 113,
114, 115, 117, 120, 134, 137, 141, 144, 153, 154, 155, 162, 166, 172, 175,
176, 178, 180
problema 21, 33, 40, 63, 71, 77, 78, 79, 87, 110, 115, 129, 137, 138, 145,
161, 167
problematização 79, 185, 186
procedimento 15, 78, 109, 138, 159
processos culturais 47
progresso 16, 30, 39, 42, 45, 49-51, 55, 57, 60, 66, 68, 69, 72, 73, 74, 76, 78,
79, 82, 83, 85, 114,
Marita Rainsborough
272
projeto 8, 10, 18-22, 27, 28, 30, 45, 48, 55, 56, 58, 63, 65, 67-69, 78, 79, 80,
84, 90, 92, 95, 103, 163, 177, 186
proposição 38, 45, 48, 49, 51, 63, 85, 95, 97, 103, 125, 133
propósito 14, 15, 23, 42, 49, 78, 91, 148, 180
prática 11, 13, 14, 21, 27, 28, 35, 36, 39, 40, 42, 43, 44, 55, 65, 79, 91, 92,
96, 100, 103, 107, 108, 110, 112-114, 133-135, 140, 142, 150, 156-160, 167,
179, 185, 187
prático 17, 27, 40, 55, 93, 101, 105, 187
pré-requisito 24, 140
psicológico 163
punição 152, 153, 157
q
quadro 11, 19, 91, 97, 121, 122, 123, 128, 156, 167, 178, 188
quase utópico 30, 65
r
racionalidade 43, 54, 59, 87, 113, 114, 117, 118, 123, 129, 134, 135, 161
racismo 132, 151, 157, 159, 160, 165, 167, 168, 169, 178, 179
radical 31, 86, 114, 115, 151, 164, 173
razão negra 69, 80, 156, 165
razão prática 13, 14, 39, 40, 65
realidade 20-22, 29, 45, 48, 51, 64, 67, 76, 118, 130, 165, 167, 183, 185, 186
realismo 5, 8, 16, 47, 48, 183, 184
realização 14, 56, 58, 66, 70, 74, 82, 89, 101, 167, 185, 187
reavaliação 180, 188
Recki, Birgit 42, 43, 59, 60, 98
reconciliação 57, 88, 89, 147
reconhecimento 13, 15, 40, 130, 155, 159, 169, 180, 184
recusa 59, 74, 120, 143
rede(s) 125, 153, 154, 138, 146
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
273
reflexão 6, 7, 11, 19, 27, 28, 32, 43, 59, 89, 91, 94, 178
regularidade 41, 46, 83
relacional 111, 133, 140, 145, 146, 149, 180, 184, 186
relação 6, 7, 9, 11, 12, 13, 15, 16, 24, 33, 39, 40, 42, 44, 49, 57, 65, 79, 91,
100, 101, 102, 108, 109, 111, 117, 119, 120, 123, 126, 129, 137, 141, 143,
144, 147, 152, 184, 185
relevância 5, 6, 10, 12, 13, 18, 20, 58, 62, 90, 95, 104, 134, 139, 151, 152,
165, 180, 184, 185, 188
religião 14, 51, 61, 88, 89, 93, 150, 168
repensar 77, 136, 166
resistência 8, 15, 16, 44, 46, 63, 64, 66, 69, 70, 71-75, 93, 111, 122, 136, 137,
142, 143, 144, 145, 146, 149, 150, 151, 166, 167, 169, 170-175, 177, 178,
179, 180, 185, 188, 189
respeito 13, 30, 40, 42, 43, 60, 177
responsabilidade 42, 45, 56, 69, 82, 90, 112, 113, 123, 131, 161, 180
revolução 8, 13, 63, 69, 70, 71, 73, 74, 75, 76, 174, 187
Revolução Francesa 73, 76, 187
Revolução Iraniana 63, 187
Rivière, Pierre 7, 8, 121
Rorty, Richard 67, 68
ruptura 111, 140, 175, 188
S
Sade, Donation Alphonse François de 119
salvação 16, 38, 75, 94, 95, 96, 97, 98, 139, 188
Sarasin, Philipp 9, 10, 46
Schiller, Friedrich 104
segurança 8, 25, 115, 136, 154, 155, 156, 157, 158, 159
sentimento 40, 42, 58, 59, 60, 61, 65, 67, 89, 115, 119, 121, 122, 124, 128,
129, 135, 147, 149,
sexualidade 10, 18, 44, 75, 91, 100, 110, 113, 126, 127, 143, 163, 167, 168,
179
Marita Rainsborough
274
significado 5, 6, 18, 39, 41, 42, 52, 58, 61, 66, 67, 68, 89, 106, 107, 109, 117,
119, 131, 148, 149, 152, 167, 170, 184, 186, 188
sistema 21, 36, 42
soberania 12, 14, 24, 70, 71, 76, 81, 83, 99, 177
sociabilidade insociável 25, 55, 65
sociedade 25, 55, 65, 66, 71, 72, 76, 77, 80, 82, 83, 86, 92, 93, 94, 98, 105,
112, 113, 123, 137, 139, 143, 149, 150, 153, 154, 157, 158, 166, 167, 168,
179, 180, 186
sócio-político 13, 15
sonho 24, 26, 29, 64
Spivak, Gayatri Chakravorty 150, 161
subjetivação 28, 54, 77, 84, 97, 100, 102, 104, 116, 118, 121, 123
subjetividade 11, 16, 55, 56, 97, 101, 102, 118, 124, 133, 147, 148, 150, 170,
173, 188
sujeito 6-12, 14-18, 20, 28, 35, 37-39, 42, 49, 52-54, 56-60, 62-64, 66, 69,
71, 75, 77, 79, 83, 84, 85, 90-94, 96, 97-106, 111, 112, 114-34, 136-142,
147-149, 155, 156, 162, 164-167, 172, 173, 175, 179, 185-189
sujeito entre heteronomia e autonomia 12, 98
sujeito entre limite e transgressão 12, 15
sujeito racial 156
sujeito(s) do conhecimento 37, 52
super-quadro 176
t
techne 98, 99, 105
técnicas 7, 11, 16, 79, 94, 95, 98, 99, 100, 101, 113, 124, 133, 134, 138, 139,
151-154, 156-160, 165, 167, 171, 176, 186
técnicas do eu 205
teleologia 39, 43, 53, 55, 74, 100
teleológico 25, 26, 29, 42, 43, 47, 49, 50, 57, 72, 78
teológicos 15
teorema 84, 165, 185, 186, 188
teoria do sujeito 11, 38, 63, 77, 103, 165
Foucault hoje. Novas perspectivas em filosofia e estudos culturais
275
terror 81, 151, 158, 159, 160
terrorismo 160
terrorista suicida 81
teste 139, 151, 159, 160, 187
teórico do poder 151
third space 166, 169, 170, 171, 172, 178
Timmerman, Jens 40, 41, 42
tópico 22, 57, 63
transformador 134
transformação 15, 20, 24, 26, 46, 48, 61, 64, 74, 82, 103, 104, 106, 112, 119,
121-123, 133, 166, 187
transgressão 8, 12, 15, 18, 24-27, 29, 30, 46, 64, 66, 84, 104, 105, 111, 109,
122, 130, 144, 187
transição 27, 30, 64, 66, 89, 93, 96, 145, 179
troca 24, 115, 137, 165
u
universal 13, 14, 15, 21, 23, 25-29, 40, 49, 52, 53, 55, 57, 71, 72, 74, 76, 86,
88, 95, 100, 145, 146, 150, 156, 162, 163, 165, 173, 175
universalidade 21, 39, 40, 51, 86, 95, 161, 163, 166
universalismo 15, 79, 161
utilidade 39, 114, 115, 118
utopia 49, 50, 53, 58, 61-68
utópico 30, 49, 50, 57, 58, 61-68, 165
v
validade 31, 33, 37, 41, 165
verdade 6, 7, 9-11, 22, 24, 27, 33, 40, 69, 75, 77-79, 85, 91, 99, 108, 112,
114, 120, 121, 135, 139, 143, 148, 152, 158, 165, 166, 169, 184, 185
vida 5, 8, 18, 23, 24, 26, 29, 38, 45, 46, 55, 56, 58, 61, 66, 69, 75, 76, 79,
84-86, 91, 92, 94, 95, 96, 97, 99, 102-113, 118-120, 122-124, 129, 132, 133,
Marita Rainsborough
276
138, 139, 140, 141, 144, 155, 157, 159, 162, 164, 165, 172, 177, 180, 182,
186
vigilância 152, 153, 154, 155, 156, 158, 159, 161
violência 16, 68-75, 79, 80, 81, 83, 84, 126, 141, 144, 146, 158, 159, 167,
174, 178
virtual 187
virtualidade 182, 186, 187
visibilidade 153
visão 9, 21, 27, 50, 60, 63, 82, 83, 86, 90, 92, 94, 116, 117, 123, 125, 134,
148, 151, 154, 162, 165, 182, 183, 185, 186, 187
vítima 26, 69, 82, 159
voluntarismo 102
vulnerabilidade 9, 120, 128, 129, 131, 132, 133, 188
W
Walzer, Michael 145
Wils, Jean Pierre 129, 130, 134
catalogação na publicação (cip)
Telma Jaqueline Dias Silveira
CRB 8/7867
normalização
Maria Elisa Valentim Pickler Nicolino
CRB - 8/8292
diagramação
Gláucio Rogério de Morais
capa
Com permissão da editora Transcript
produção gráfica
Giancarlo Malheiro Silva
Gláucio Rogério de Morais
aSSeSSoria tÉcnica
Renato Geraldi
oficina univerSitária
Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
formato
16 x 23cm
tipologia
Adobe Garamond Pro
2025
Sobre o livro
Foucault hoje. Novas Perspectivas na Filosofia e Ciência da Cultura
Marita Rainsborough
Foucault
hoje
Novas Perspectivas
na Filosofia
e Ciência da Cultura
Marita Rainsborough
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