o que pode a formação
de professores?
Célia Maria Giacheti & Amadeu Moura Bego
TEMPOS E
NARRATIVAS
PARA UMA
EDUCAÇÃO
DEMOCRÁTICA
Célia Maria Giacheti & Amadeu Moura Bego
TEMPOS E NARRATIVAS PARA UMA EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA
o que pode a formação de professores?
Este livro está organizado por
capítulos e contempla as apresentações
dos conferencistas e palestrantes no VI
Congresso Nacional de Formação de
Professores e XVI Congresso Estadual
Paulista sobre Formação de Educadores,
evento organizado pela Pró-reitoria de
Graduação da Unesp, em consonância
com eixos temáticos, descritos a seguir:
Políticas e práticas de formação inicial de
professores da educação básica; Políticas
e práticas de formação continuada de
professores da educação básica; Políticas
e práticas de formação de professores
alfabetizadores e da educação infantil;
Políticas e práticas de formação de
professores da educação superior; Políticas
e práticas para a formação de professores
na perspectiva de acessibilidade e inclusão;
Inovações e tecnologias educacionais;
Produção, avaliação e usos de materiais
e recursos didáticos; Formação de
professores e relações étnico-raciais;
Gêneros, sexualidades e formação de
professores; Políticas de formação e
desenvolvimento profissional de gestores
da educação básica; Saúde na escola e
formação de professores: bem-estar e
sofrimento na vida escolar.
CAPES ( Processo 88881 . 896.101/2023-01)
Tempos e narrativas para uma
educação democrática
o que pode a formação de professores?
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2025
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C A P E S
Tempos e narrativas para uma
educação democrática
o que pode a formação de professores?
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Copyright © 2025, Faculdade de Filosofia e Ciências
Ficha catalográfica
T288 Tempos e narrativas para uma educação democrática : o que pode a formação de professores? / Célia
Maria Giacheti, Amadeu Moura Beco (organizadores). – Marília : Oficina Universitária ; São
Paulo : Cultura Acadêmica, 2025.
203 p. : il.
Apoio: CAPES e Prograd Unesp
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-610-7 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-611-4 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-611-4
1. Professores – Formação. 2. Democracia e educação. 3. Educação inclusiva. 4. Tecnologia
educacional. 5. Pluralismo cultural. 6. Educação – Aspectos da saúde. I. Giacheti, Célia Maria. II.
Beco, Amadeu Moura. CDD 370.71
Telma Jaqueline Dias Silveira –Bibliotecária – CRB 8/7867
Imagem capa: https://stock.adobe.com/br - Arquivo "AdobeStock_391460993". Acesso em 09/05/2025.
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives
4.0 International License.
Diretora
Dra. Ana Clara Bortoleto Nery
Vice-Diretora
Dra. Cristiane Rodrigues Pedroni
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Edvaldo Soares
Franciele Marques Redigolo
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
CAPES ( Processo 88881 . 896.101/2023-01)
Comissão Científica do VI Congresso Nacional de
Formação de Professores e XVI Congresso Estadual
Paulista sobre Formação de Educadores
Amadeu Moura Bego - Unesp
Arnaldo Pinto Junior - Unicamp
Bernardete Angelina Gatti - USP
Denice Bárbara Catani - USP
Eugenio Maria de França Ramos - Unesp
Leonardo Lemos de Souza - Unesp
Raquel Lazzari Leite Barbosa - Unesp
Sueli Guadelupe de Lima Mendonça - Unesp
Vera Lúcia Messias Fialho Capellini - Unesp
Câmpus de Marília
5
Sumário
7Prefácio
Denice Bárbara Catani
11 Apresentação
Amadeu Moura Bego, Célia Maria Giacheti
19 Saúde e educação: os transtornos do neurodesenvolvimento
e indicadores para compreensão de dificuldades no
aprendizado escolar
Célia Maria Giacheti, Kriscia Gobi Rosa
35 GT - Estágio Supervisionado Obrigatório – Licenciaturas
Bernardete Angelina Gatti, Ana Luiza Bernardo Guimarães,
Eugênio Maria de França Ramos
49 Produção de vídeos digitais por professores e alunos
Marcelo de Carvalho Borba, Pamella Aleska da Silva Santos
61 Formação de professores: notas para discussão
Afrânio Mendes Catani
83 A produção de conhecimentos em Educação:
Universidade, Escola e Formação Continuada de
Professores
Amadeu Moura Bego, Vagner Antonio Moralles
6
103 Violências e escola: Dialogando sobre as possibilidades de
enfrentamento e prevenção
Débora Cristina Fonseca
127 Tecnologias digitais no ensino: do analógico à inteligência
artificial
Bruno Silva Leite
151 Compreendendo o volume de trabalho dos professores
brasileiros
Gabriela Miranda Moriconi
169 Ficções e realidades educacionais: o desafio de narrar e
compreender a formação e a história da profissão docente
Dislane Zerbinatti Moraes
7
Prefácio
Tempos e narraTivas para uma educação democráTica: o que
pode a formação de professores?
Talvez a perplexidade que nos tomou há algum tempo com a pan-
demia encontre uma similaridade em sua amplitude nos reiterados episó-
dios de violência política vividos em simultâneo no país. A transfiguração
dessas experiências atingiu a escola de diversos modos cujos efeitos ainda
precisamos compreender melhor. Aos que buscam formas de compreender
e ultrapassar tais efeitos propõe-se a questão: o que pode a formação de
professores? A ambição da pergunta é vasta e historicamente já tentamos
respondê-la de maneiras mais e menos potentes. Refazer a pergunta no
quadro histórico atual exige que se mantenha a atenção aos problemas
agravados pelas novas condições de vida, desigualdades sociais e econômi-
cas, preconceitos e incertezas, violências materiais e simbólicas em suas di-
versas manifestações, além de acirradas defesas da superioridade dos meios
tecnológicos como recursos infalíveis para a educação.
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-611-4.p7-9
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
8
Ao nos propormos estimular a partilha de estudos e reflexões acerca
dos tempos e narrativas para uma educação democrática, temos em vista
a consideração de diversas modalidades de experiência temporal, tanto na
vida social como na vida escolar, que vem se impondo entre nós e os fatos
delas decorrentes. Sabemos, por exemplo, que a aceleração do tempo, as-
sociada aos intensos contatos tecnologicamente mediados, está desencade-
ando alterações na própria percepção das realidades e nas formas de agir e
de se relacionar em muitas das dimensões da vida, tanto no trabalho e na
produção quanto nos aprendizados, no ensino, nos valores e nas relações,
dentre mais. Pensemos, então, nas maneiras de compreender e produzir
conhecimentos sobre tais novos modos de viver a formação e pergunte-
mo-nos - se e como podemos fazer isto? As diversas ciências da educação
tentam contribuir nesse sentido e estão atentas aos desafios e possibilidades
disponíveis. Ao mesmo tempo, perguntemo-nos acerca da contribuição da
escola para favorecer narrativas atentas à justiça e ao combate às desigual-
dades e discriminações dentro e fora de seus muros. Pensemos no caráter
potencialmente agregador das narrativas que nos educam e nas transfor-
mações que também podem advir de novos entendimentos e relatos para
a vida em sociedade. Retomando palavras de P. Meirieu (2020)¹ o que a
escola ainda pode fazer pela democracia?” As proposições e resultados dos
nossos últimos encontros nos Congressos concentraram-se nos processos
de “criar, inovar e preservar” no domínio educativo. E mais recentemente,
no evento de 2021, a preocupação com o “cuidado do mundo” como hipó-
tese orientadora estimulou reflexões decorrentes das condições históricas
vividas e como expressão das pesquisas desenvolvidas na área (V Congresso
Nacional de Formação de Professores e XV Congresso Estadual Paulista
sobre Formação de Educadores, Águas de Lindoia, 2021).
Perante este conjunto de constatações, inquietações e expectativas
temos necessariamente que enfrentar a indagação do tema do evento, mais
uma vez: o que pode a formação de professores? Assim, como quando se
questiona os limites da ação política dos professores, impõe-se aqui lidar
com os limites e o alcance da formação e também com as necessárias espe-
ranças. Não podemos perder de vista o perigo que nos ronda, o de confiar
que as decisões acerca de mudanças curriculares darão conta de tudo, ainda
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
9
que questionar limites disciplinares, temporais e narrativos possa auxiliar
para que se preservem projetos e proposições críticos. Igualmente, não se
perca de vista o risco de transformarmos os problemas sócio econômicos
em problemas pedagógicos sem levar em conta o imenso poder da vida
escolar e dos discursos educacionais para transfigurar tais desigualdades
e gerar categorias de apreciação, e ainda, por vezes, de 1estigmatização ao
atribuir características aos alunos. Lidemos, assim, com o muito que há
por enfrentar para novas e férteis compreensões e capacidades de interven-
ção relativas aos potenciais e aos limites da formação.
Profa. Dra. Denice Bárbara Catani
MEIRIEU, P. Ce que l’école peut encore pour la démocratie. Paris: Autrement, 2020.
10
11
Apresentação
O livro Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que
pode a formação de professores? apresenta algumas reflexões realizadas du-
rante o VI Congresso Nacional de Formação de Professores (VI CNFP) e
o XVI Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores (XVI
CEPFE). Este evento foi realizado pela Pró-Reitoria de Graduação da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP, no pe-
ríodo de 29 de novembro a 01 de dezembro de 2024, no município de
Águas de Lindoia - SP, com apoio da CAPES, por meio do Edital 13/2023
– CAPES (Processo 23038.003535/2023-13).
O Congresso Nacional de Formação de Professores (CNFP) e o
Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores (CEPFE)
compõem, de modo articulado, um evento bianual promovido pela
Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) da Universidade Estadual Paulista
(Unesp) que visa criar espaços destinados à reflexão e análise das políticas e
práticas para a formação de professores no Brasil. Nesse contexto, o debate
teórico e político entre os participantes acerca da formação de professores
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-611-4.p11-18
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
12
para as diferentes áreas do conhecimento da educação básica tem se for-
talecido e contribuído de maneira importante para avanços nas práticas
educacionais de nosso país.
Na edição de 2023, na busca de pensar a formação articulada às
problemáticas mais amplas da sociedade, o VI CNFP e XVI CEPFE elegeu
a temática “Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que
pode a formação de professores?”, que também é o título desta obra.
A Comissão Científica do Congresso contou com professores dou-
tores renomados na área educacional, vinculados a universidades do es-
tado de São Paulo e ao Conselho Estadual de Educação de São Paulo, a
saber: Prof. Dr. Amadeu Moura Bego (Unesp - Campus de Araraquara)
- Presidente; Prof. Dr. Alonso Bezerra de Carvalho (Unesp - Campus de
Marília); Prof. Dr. Arnaldo Pinto Junior (Unicamp); Prof. Dr. Francisco
de Carvalho Mazzeu (Unesp - Campus de Araraquara); Profa. Dra. Aila
Narene D. Criado Rocha (Unesp - Campus de Marília); Profa. Dra. Denise
Zornoff (Unesp - Campus de Botucatu); Profa. Dra. Bernadete Benetti
(Unesp - Campus de Rio Claro); Profa. Dra. Bernardete Angelina Gatti
(Universidade de São Paulo - USP e CEE/SP); Profa. Dra. Denice Bárbara
Catani (Universidade de São Paulo - USP/SP); Prof. Dr. Eugênio Maria de
França Ramos (Unesp - Campus de Rio Claro); Prof. Dr. Leonardo Lemos
de Souza (Unesp - Campus de Assis); Profa. Dra. Elieuza Aparecida de
LIma (Unesp – Campus de Marília); Profa. Dra. Eva Aparecida da Silva
(Unesp - Campus de Araraquara); Profa. Dra. Flávia Medeiros Sarti (Unesp
- Campus de Rio Claro); Profa. Dra. Graziela Zambão Abdian (Unesp -
Campus de Marília); Profa. Dra. Hilda M. Gonçalves da Silva (Unesp
- Campus de Franca); Profa. Dra. Joyce Mary Adam (Unesp - Campus de
Rio Claro); Profa. Dra. Juliana Campregher Pasqualini (Unesp - Campus
de Bauru); Profa. Dra. Karin Adriane H.P. Ramos (Unesp - Campus de
Assis); Profa. Dra. Luciana Maria Lunardi de Campos (Unesp - Campus de
Botucatu); Profa. Dra. Maria José Fernandes (Unesp - Campus de Bauru);
Profa. Dra. Monica Abrantes Galindo (Unesp - Campus de São José do Rio
Preto); Profa. Dra. Mônica Cristina Garbin (Universidade de São Paulo -
Univesp); Profa. Dra. Patrícia Porchat Pereira da Silva Knudsen (Unesp
- Campus de Bauru); Profa. Dra. Raquel Lazzari Leite Barbosa (Unesp
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
13
- Campus de Assis); Profa. Dra. Rozana Aparecida Lopes Messias (Unesp
- Campus de Assis); Profa. Dr. Paulo Cesar de Almeida Raboni, Unesp -
Campus de Presidente Prudente; Profa. Dra. Sueli Guadelupe de Lima
Mendonça (Unesp, Campus de Marília); Profa. Dra. Tatiana Schneider
Vieira de Moraes (Unesp - Campus de Rio Claro); Profa. Dra. Vera Lúcia
Messias Fialho Capellini (Unesp, Campus de Bauru).
Este livro está organizado por capítulos e contempla as apresentações
dos conferencistas e palestrantes no evento, em consonância com os eixos
temáticos do Congresso, descritos a seguir: Políticas e práticas de formação
inicial de professores da educação básica; Políticas e práticas de formação
continuada de professores da educação básica; Políticas e práticas de for-
mação de professores alfabetizadores e da educação infantil; Políticas e prá-
ticas de formação de professores da educação superior; Políticas e práticas
para a formação de professores na perspectiva da acessibilidade e inclusão;
Inovações e tecnologias educacionais; Produção, avaliação e usos de mate-
riais e recursos didáticos; Formação de professores e relações étnico-raciais;
Gêneros, sexualidades e formação de professores; Políticas de formação e
desenvolvimento profissional de gestores da educação básica; Saúde na es-
cola e formação de professores: bem-estar e sofrimento na vida escolar.
O primeiro capítulo Saúde e educação: os transtornos do neurode-
senvolvimento e indicadores para compreensão de dificuldades no apren-
dizado escolar, de autoria da Profa. Dra. Celia Maria Giacheti e Kriscia
Gobi Rosa, examina a intersecção entre saúde e educação, com foco no
neurodesenvolvimento infantil e seus transtornos, e discute como esses fa-
tores podem influenciar o aprendizado escolar. As autoras apresentam e
exploram indicadores que podem auxiliar professores na compreensão das
dificuldades de aprendizagem, descrevendo as características de transtor-
nos como o desenvolvimento intelectual, TDAH, transtornos da comuni-
cação, do espectro autista e específicos da aprendizagem, e seus impactos
nas habilidades cognitivas, emocionais e sociais dos alunos. O capítulo
sobreleva a importância da plasticidade cerebral e da influência de fatores
genéticos, epigenéticos e ambientais no desenvolvimento infantil, incluin-
do o papel da família e da escola. Em conclusão, as autoras argumentam
por uma abordagem integrada entre saúde e educação, com a colaboração
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
14
de professores e profissionais da saúde, para identificar, apoiar e promover
um ambiente de aprendizagem mais inclusivo e efetivo para estudantes
com transtornos do neurodesenvolvimento.
O capítulo Estágio Supervisionado Obrigatório - Licenciaturas,
compilado pela Profa. Dra. Bernardete Angelina Gatti, Ana Luiza Bernardo
Guimarães e Eugênio Maria de França Ramos, é resultado de um traba-
lho coletivo que examina o estágio curricular supervisionado obrigatório
para as licenciaturas no Brasil, debatendo suas bases históricas, legais e
pedagógicas, e os desafios para sua efetiva implementação. O texto des-
taca a necessidade de superar a visão do estágio como mera formalidade
ou atividade prática descolada da teoria, defendendo sua centralidade na
formação docente e a articulação entre universidades e escolas. O coletivo
alerta para a urgência de políticas públicas que tanto reconheçam quanto
valorizem a contribuição dos diferentes atores envolvidos, especialmente
os professores da educação básica como coformadores, para que o estágio
se consolide como locus de aprendizagem e desenvolvimento profissional,
com vistas à melhoria da qualidade da educação no país. Por fim, o texto
coletivo advoga pela formulação de uma Política Nacional para os Estágios
Obrigatórios Supervisionados de Licenciatura, considerando o papel das
instituições formadoras, das redes de ensino e das escolas, além da valo-
rização dos formadores e a necessidade de pesquisas colaborativas entre
universidade e escola.
Em seguida, o capítulo Produção de vídeos digitais por professores
e alunos, de autoria do Prof. Dr. Marcelo de Carvalho Borba e Pamella
Aleska da Silva Santos, explora as potencialidades da produção de víde-
os digitais por professores e alunos, focando nas suas aplicações em pro-
cessos de ensino e aprendizagem, particularmente na área de Educação
Matemática. Com base no crescente uso de vídeos durante a pandemia e
o surgimento de festivais como o FVDEM (Festival de Vídeos Digitais e
Educação Matemática), os autores argumentam que a produção de vídeos
estimula a criatividade, promove a interdisciplinaridade e possibilita novas
abordagens pedagógicas. O objetivo da discussão é, então, ampliar a per-
cepção do leitor sobre o uso de vídeos na construção do conhecimento,
incentivando a produção e a participação em festivais. Finalmente, funda-
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
15
mentado no constructo seres-humanos-com-mídias, o capítulo destaca a
agência dos vídeos na produção de conhecimento após sua criação e com-
partilhamento em plataformas online.
O Prof. Dr. Afrânio Mendes Catani, autor do capítulo Formação
de professores: notas para discussão, discute de forma brilhante os desa-
fios persistentes na formação de professores no Brasil, revisitando a obra
seminal “Universidade, escola e formação de professores” (1986) em pers-
pectiva da atual conjuntura da profissão. O capítulo examina detidamente
a brutalização cultural do professor, a precarização do trabalho docente, a
necessidade de uma formação que integre conhecimento, prática e consci-
ência política, e a importância da articulação entre universidades e escolas.
O autor conclui o texto argumentando que a desvalorização, a baixa re-
muneração, as dificuldades na formação inicial, especialmente nos cursos a
distância, e a alta taxa de evasão nas licenciaturas, agravadas pelo contexto
socioeconômico e político atual, demandam uma profunda reflexão e a
proposição de políticas públicas que valorizem a profissão e garantam uma
formação de qualidade para os professores, imprescindível para a transfor-
mação social.
O capítulo Produção de conhecimentos em Educação: Universidade,
Escola e Formação Continuada de Professores, de autoria do Prof. Dr.
Amadeu Moura Bego e Vagner Antonio Moralles, problematiza a produção
de conhecimento em Educação, focando na formação continuada de profes-
sores e na interação entre universidade e escola. Os autores tecem uma crítica
sobre a atual abordagem predominante de formação continuada, caracteri-
zada por cursos pontuais e desconectados da realidade escolar, defendendo
uma abordagem interativo-construtivista, que valorize a experiência do pro-
fessor e a pesquisa da, sobre e para a própria prática pedagógica. A partir da
revisão de autores como Imbernón, Nóvoa, Porto e Gil-Pérez, o capítulo
argumenta pela construção de comunidades de prática e pela colaboração
entre pesquisadores universitários e professores da educação básica, visando
superar a dicotomia entre teoria e prática e promover uma perspectiva de
formação continuada que contribua para o desenvolvimento profissional e,
consequentemente, para a melhoria do processo didático como totalidade
abrangente. Ao final, os autores defendem que essa abordagem horizontal
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
16
e colaborativa, centrada na escola e nas necessidades dos professores, é fun-
damental para a produção de um conhecimento contextualizado e relevante
para a transformação da prática pedagógica.
A Profa. Dra. Débora Cristina Fonseca, autora do capítulo Violências
e escola: Dialogando sobre as possibilidades de enfrentamento e prevenção,
propõe-se a analisar a complexidade da violência na escola, argumentando
que ela reflete questões sociais mais amplas e se manifesta de formas variadas,
indo além da indisciplina e das transgressões. A partir de uma revisão da lite-
ratura, incluindo autores como Vigotski, Charlot, Sposito, Dubet, Bourdieu
e Arroyo, Fonseca examina as dimensões da violência (física, simbólica, insti-
tucional) e a influência de fatores internos e externos à escola, como pobreza,
exclusão social, narcotráfico e políticas públicas. O texto advoga por uma
abordagem dialética que considere a interação entre o micro e o macrosso-
cial, as experiências dos jovens e a cultura escolar, ressaltando a necessidade
de uma formação de professores que os prepare para lidar com os desafios
da violência, promovendo a reflexão crítica e o diálogo. Aponta, por fim,
para a importância da escola como espaço de proteção e de construção da
cidadania, enfatizando a urgência de ações coletivas que promovam ambien-
tes escolares seguros e inclusivos, mediante o desenvolvimento de práticas
democráticas e da educação em direitos humanos.
O capítulo Tecnologias digitais no ensino: do analógico à inteligên-
cia artificial, de autoria do Prof. Dr. Bruno Silva Leite, discute detidamente
sobre o papel das tecnologias digitais na educação, desde as tecnologias
analógicas até a inteligência artificial (IA). O autor argumenta que, em-
bora a tecnologia tenha o potencial de transformar a educação, sua mera
utilização não se traduz necessariamente em mudanças pedagógicas signi-
ficativas. O texto aborda as diferentes formas de utilização de tecnologias
no ensino, como vídeos, softwares, internet e redes sociais, e analisa os
desafios e oportunidades da IA, incluindo o ChatGPT e o Gemini, com
exemplos práticos de aplicação em sala de aula. Por seu turno, Leite alerta
para a necessidade de uma inclusão digital efetiva, para o desenvolvimento
do pensamento crítico e para os riscos da desinformação, especialmente
com a disseminação de fake news. Em conclusão, o autor alega que a for-
mação de professores é crucial para que a tecnologia seja utilizada de forma
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
17
crítica e reflexiva, visando a construção de conhecimento e a personaliza-
ção da aprendizagem, e não meramente como uma reprodução das práticas
tradicionais com novos recursos.
A pesquisadora Gabriela Miranda Moriconi, autora do capítulo
Compreendendo o volume de trabalho dos professores brasileiros, discute
sobre uma ampla investigação acerca do volume de trabalho dos profes-
sores brasileiros, com foco nos anos finais do ensino fundamental, e suas
implicações para as práticas docentes e a formação continuada. Moriconi
demonstra a heterogeneidade das condições de trabalho entre diferentes
redes de ensino no Brasil e compara a situação brasileira com a de outros
países, como Estados Unidos, França e Japão. O texto destaca que, no
Brasil, a alta carga horária, o trabalho em múltiplas escolas e a falta de
tempo para atividades extraclasse, como planejamento e formação conti-
nuada, impactam negativamente a qualidade do ensino e a aprendizagem
dos estudantes. Em conclusão, a pesquisadora defende a necessidade de
políticas públicas que valorizem a profissão docente, reduzam o volume de
trabalho e garantam melhores condições para que os professores possam se
engajar em processos formativos eficazes, implementando novas práticas e
contribuindo para a melhoria da educação.
O capítulo Ficções e realidades educacionais: o desafio de narrar e
compreender a formação e a história da profissão docente, de autoria da
Profa. Dra. Dislane Zerbinatti Moraes, explora a utilização de obras lite-
rárias como fonte para a pesquisa em História da Educação, defendendo
que as ficções, como práticas culturais e produções simbólicas, oferecem
perspectivas singulares sobre a formação e a história da profissão docente.
A partir da leitura de romances como “Til” (José de Alencar), “O Ateneu
(Raul Pompéia), “O Calvário de uma Professora” (Dora Lice) e da crônica
“Um escritor nasce e morre” (Carlos Drummond de Andrade), o capítulo
analisa como os autores, situados em diferentes posições sociais e contextos
históricos, constroem representações sobre a escola, os professores e suas
relações. A professora, ao final, destaca a importância de se considerar a
polissemia da linguagem literária e os diálogos que os autores estabelecem
com as ideias e práticas educacionais de sua época, problematizando pro-
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
18
cessos de institucionalização de memórias e investigando as modalidades
de produção, apropriação e conservação de ideias sobre a educação.
Como se depreende desta apresentação, esta obra sublinha a relevân-
cia de uma perspectiva interdisciplinar na formação de professores, explo-
rando a complexa teia que conecta áreas como saúde, literatura, tecnologia
e políticas públicas à prática pedagógica. Os capítulos aqui reunidos forne-
cem-nos não apenas um conjunto de conhecimentos específicos sobre cada
tema, mas também algumas ferramentas conceituais e metodológicas para
analisarmos os desafios do cotidiano escolar e para construirmos práticas
formativas mais democráticas, efetivas e inclusivas.
Acreditamos profundamente que os diferentes olhares e perspectivas
reunidos nesta obra podem contribuir não apenas para professores em sua
formação inicial e continuada, mas também para gestores educacionais na
luta e na formulação de políticas públicas mais efetivas, bem como para
pesquisadores da área que buscam aprofundar a compreensão sobre os de-
safios contemporâneos da educação escolar e, nela, o que pode a formação
de professores. Esperamos que este livro seja uma fonte de inspiração, di-
álogo e um valioso contributo, fomentando a construção coletiva de co-
nhecimentos mais relevantes e transformadores sobre e para a formação de
professores com vistas a enfrentarmos, enquanto nação, os desafios educa-
cionais do século XXI com sabedoria e espírito crítico.
Prof. Dr. Amadeu Moura Bego
Profa. Dra. Célia Maria Giacheti
Organizadores
19
Saúde e educação: os transtornos
do neurodesenvolvimento e
indicadores para compreensão
de dificuldades no aprendizado
escolar
Célia Maria Giacheti
Kriscia Gobi Rosa
inTrodução
O neurodesenvolvimento infantil tem início no período gestacional,
sendo que, durante os primeiros anos de vida, se estabelece a arquitetura
cerebral, a qual servirá de base para as aquisições das etapas posteriores da
vida. No decorrer da infância de uma criança com desenvolvimento típico
ocorre o amadurecimento progressivo das áreas cerebrais, fato este que pro-
porciona a aquisição de habilidades mais especializadas (Bee; Boyd, 2011).
A hereditariedade está diretamente ligada à formação do bebê, desde
sua concepção, sendo as características fenotípicas herdadas dos pais bio-
lógicos. Durante a gestação, e principalmente após o nascimento, o meio
ambiente contribuiu sobremaneira para os processos de aquisição e de-
senvolvimento cognitivo, motor, de linguagem, social, além dos aspectos
comportamentais e emocionais (McInnes; Willard, 2015; Taylor, 2021).
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-611-4.p19-33
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
20
A alimentação materna, o estado geral de saúde da mãe, o vínculo
parental e o consumo de álcool ou de substâncias tóxicas durante a gesta-
ção são condições ambientais que podem prejudicar o desenvolvimento do
bebê no período pré-natal (Taylor, 2021).
Após o nascimento, e sobretudo durante a primeira infância, fatores
biopsicossociais continuam a interagir, influenciando o desenvolvimento
do cérebro e a aquisição de habilidades cognitivas que formarão a base para
as etapas seguintes da vida.
O desenvolvimento humano é influenciado por fatores internos e
externos, por isso, é um processo complexo e significativo, que ocorre des-
de a concepção, influenciando o desenvolvimento escolar (Crespi; Noro;
Nóbile, 2020). Assim, o desenvolvimento de uma criança neurotípica é
progressivo, linear e o seu amadurecimento ocorre em suas múltiplas di-
mensões, sejam elas físicas, cognitivas, psicológicas ou sociais (Cole; Cole,
2004; Keunen; Counsell; Benders, 2017; Crespi; Noro; Nóbile, 2020).
A genética é a ciência da hereditariedade e estuda a transformação
dos caracteres anatômicos, citológicos e funcionais dos pais biológicos para
os filhos (McInnes; Willard, 2015; Taylor, 2021). A epigenética envolve
modificações na expressão gênica que são herdadas durante a divisão celu-
lar e entre gerações, sem alterar a sequência de nucleotídeos do DNA. Esses
padrões epigenéticos respondem a fatores ambientais e podem provocar
variações no fenótipo. É importante entender os mecanismos epigenéticos
porque apresentam um importante papel no desenvolvimento do organis-
mo, sendo cruciais para esse desenvolvimento (McInnes; Willard, 2015).
Dessa forma, o epigenoma pode ser influenciado por experiências
positivas, como relacionamentos de apoio e oportunidades de aprendiza-
do, ou por fatores negativos, como toxinas ambientais e situações de estres-
se ao longo da vida (Center on the Developing Child, 2019).
A Fonoaudiologia é a ciência da área da saúde que pesquisa, previne,
diagnostica e intervém nas alterações da voz, fala, deglutição, linguagem,
audição e aprendizagem. É a ciência que estuda os processos típicos e des-
viantes da comunicação humana e seu desenvolvimento (CFFa, 2007).
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
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Estuda também a etiologia dos processos alterados, que pode ser compre-
endida pela genética e pela epigenética.
Com o entendimento da epigenética, ficou ainda mais claro o papel
da família, biológica ou não, e também do ambiente, incluindo a escola,
por meio de seus professores, coordenadores pedagógicos e demais alunos.
Este capítulo tem por objetivo abordar a relação entre a saúde e a
educação, com ênfase no neurodesenvolvimento, seus transtornos e o pa-
pel dos professores no processo de aprendizagem escolar.
saúde e educação
O cérebro humano tem a capacidade de modificar sua estrutura e
conexões em resposta a estímulos e experiências. A plasticidade cerebral é
essencial à aprendizagem, pois permite que o cérebro se adapte a novos de-
safios e situações. Esse processo possibilita a contínua habilidade de apren-
dizagem ao longo da vida (Lent, 2019; Souza et al., 2019).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde é um con-
ceito dinâmico, influenciado por fatores biológicos, comportamentais, psí-
quicos, ambientais e sociais, sendo considerada um direito humano fun-
damental, essencial para o bem-estar individual e coletivo (Brasil, 2022).
Problemas como depressão, ansiedade e estresse podem prejudicar a vida
das pessoas, em qualquer ciclo de vida, incluindo os escolares, em qualquer
ciclo acadêmico (Alex et al., 2023).
A Educação é um processo contínuo de desenvolvimento das habili-
dades, conhecimentos, valores, atitudes e comportamentos de um indiví-
duo, o qual favorece a integração dos conhecimentos e abrange não apenas
o ensino de conteúdos acadêmicos, mas também o desenvolvimento de
competências sociais, culturais e éticas, essenciais para o crescimento pes-
soal e o exercício da cidadania (Brasil, 2023).
A aprendizagem é o processo pelo qual os indivíduos adquirem, apri-
moram ou ampliam conhecimentos e habilidades, a partir da reorganização
de circuitos neurais no cérebro, permitindo a aquisição e desenvolvimento
de funções cognitivas, tais como atenção, motivação, memória, linguagem
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e raciocínio lógico-matemático (Lent, 2019). O desenvolvimento do co-
nhecimento em ambiente escolar ocorre de maneira gradual, ajustando-se
a cada ciclo de desenvolvimento infantil.
Aspectos teóricos, resultados de pesquisa e descrição de casos clíni-
cos, evidenciam a estreita relação entre a saúde do indivíduo e o seu de-
sempenho acadêmico. Crianças com boa saúde física e mental têm maior
possibilidade de concentração, memorização e processamento de informa-
ções, sejam elas táteis-cinestésicas, auditivas ou visuais. Doenças crônicas,
deficiências nutricionais ou problemas de saúde mental podem compro-
meter o desempenho acadêmico (Jirout et al., 2019; Sania et al., 2019;
D’Angiulli et al., 2021).
Para o sucesso acadêmico, a condição de saúde física e mental é es-
sencial. Crianças e adolescentes precisam de uma boa quantidade e quali-
dade de sono para aprender na escola.
A ação conjunta de profissionais de saúde e educadores é crucial para
criar um ambiente de aprendizagem motivador, em que as necessidades
físicas, mentais e emocionais dos alunos são atendidas de forma integrada
e eficaz.
o neurodesenvolvimenTo, a linguagem oral e os TransTornos
do neurodesenvolvimenTo
O neurodesenvolvimento é o processo contínuo de aquisição e aper-
feiçoamento gradual de habilidades motoras, cognitivas e psicossociais,
que vão desde as mais básicas até as mais complexas e sofisticadas. Os
neurônios formam cada vez mais conexões entre si, criando redes neurais
que facilitam a transmissão de informações, essencial para o processo de
aprendizagem e a consolidação da memória. O aprendizado ocorre por
meio de alterações funcionais no Sistema Nervoso Central, especialmente
nas áreas relacionadas à linguagem, gnosias, praxias, atenção e memória
(Rotta, 2006).
Desde a fase da concepção, e ao longo de toda a gestação, o tubo neu-
ral se forma, e também outras importantes estruturas cerebrais. No decorrer
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
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das primeiras semanas de vida, os bebês são capazes de aprender, por meio
da associação de estímulos e estimulação ambiental (Bee; Boyd, 2011). Essa
aprendizagem indica o impacto do ambiente e das ações dos adultos que
convivem com o bebê durante esse período da vida até as fases posteriores.
A evolução da capacidade motora do recém-nascido é um exemplo
da influência do ambiente e da maturação cerebral, que são mais simples ao
nascimento e se aperfeiçoam, à medida que a criança interage com o mundo.
A primeiríssima infância abrange o ciclo entre o nascimento e o ter-
ceiro ano de vida da criança. Nesse intervalo ocorrerão inúmeras, entre
as mais significativas, aquisições e transformações de toda a vida humana
(Marino; Pluciennik, 2013; Haguette, 2020).
A primeira infância, até os 6 anos de idade da criança, também é
uma fase importante para o neurodesenvolvimento. O cérebro mantém
seu amadurecimento, não apenas na criação de novas ligações entre neurô-
nios, por meio das sinapses, mas no desenvolvimento das diferentes habi-
lidades (Duncan; Matthews, 2018).
Desde o nascimento até o domínio propriamente dito de sua lín-
gua materna, tem-se o desenvolvimento da linguagem não-verbal, da lin-
guagem oral e com a entrada na escola, da linguagem escrita (Duncan;
Matthews, 2018).
A linguagem se subdivide em receptiva e expressiva, nas diferentes
modalidades, oral e escrita, nas quais, de forma didática, estão seus cinco
subsistemas, interligados, quais sejam: fonológico (percepção e produção
de sons), morfossintático (compreensão e produção de frases), semântico
(compreensão e produção de palavras) e pragmático (compreensão e pro-
dução de histórias e diálogos) (Asha, 1982).
A seguir, apresenta-se um esquema das fases do desenvolvimento
da linguagem, nível receptivo e expressivo (Asha, 1982), mostrando um
exemplo da linha do tempo, percorrendo da habilidade mais simples às
mais complexas, e a linearidade das aquisições e desenvolvimento, segundo
a idade cronológica, em meses, das crianças com desenvolvimento típico,
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podendo auxiliar professores na observação dos seus alunos, em cada um
dos ciclos de vida e das respectivas fases escolares.
Figura 1: Fases do desenvolvimento da linguagem de crianças típicas,
segundo idade cronológica, em meses
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Transtorno do neurodesenvolvimento é um termo utilizado para se
referir às condições neurobiológicas persistentes que apresentam alteração
nas habilidades do desenvolvimento cognitivo, motor, de linguagem, de
aprendizagem e comportamentais, sendo classificado em grupos distintos,
podendo variar o grau de comprometimento ou nível de suporte. Cada
transtorno tem peculiaridades e características específicas, contudo, é de
conhecimento que todos os transtornos impactam significativamente na
vida da criança, seja social ou educacional e familiar (APA, 2023).
A etiologia desses transtornos são multifatoriais, complexas e não
claras o suficiente para elucidar a grande frequência de casos (APA, 2023).
Estratégias de tratamento e intervenções para mitigar os sintomas,
minimizar limitações funcionais e aumentar a participação da criança na
sociedade, muitas vezes, é papel da equipe multidisciplinar.
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
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O esquema a seguir ilustra o cérebro no centro da figura, identifi-
cando a condição orgânica desse transtorno e os diferentes transtornos do
neurodesenvolvimento.
Figura 2: Esquema ilustrativo dos diferentes transtornos do
neurodesenvolvimento baseado no esquema do DSM-5 -TR (APA,
2023).
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Nota: APA - AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5-TR: manual diagnóstico e estatístico
de transtornos mentais. 5. ed. rev. Porto Alegre: Artmed, 2023. 1152 p
De forma geral, a identificação dos transtornos do neurodesenvol-
vimento ou dos riscos para o seu surgimento, envolve compreensão deta-
lhada de cada um desses transtornos, incluindo a definição e o conjunto
específico de manifestação.
Segundo o DSM 5-TR (APA, 2023), vários são os transtornos do
neurodesenvolvimento (Fig. 2), tais como:
1. Transtorno do Desenvolvimento intelectual (Deficiência
Intelectual): caracteriza-se por déficits funcionais, tanto intelec-
tual quanto adaptativos, nos domínios conceitual, social e práti-
co. As características essenciais desse transtorno incluem prejuízos
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nas capacidades mentais e função adaptativa diária. Os sintomas
incluem dificuldades nas funções intelectuais, como raciocínio,
resolução de problemas, planejamento, pensamento abstrato e
julgamento. Além disso, os indivíduos apresentam déficits no de-
sempenho de uma ou mais atividades diárias, como comunica-
ção, participação social e autonomia, afetando diversos contextos,
como o ambiente familiar, escolar, profissional e social.
2. Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDA/H):
caracterizado por sintomas como falta de atenção, inquietação e
impulsividade, que interferem no funcionamento e no desenvol-
vimento, podendo ou não ser acompanhados de hiperatividade
A criança apresenta dificuldades em prestar atenção aos detalhes,
cometendo erros por descuido, tem dificuldade em manter o
foco em tarefas ou atividades lúdicas, não segue instruções e não
consegue concluir tarefas, apresenta prejuízo na organização de
tarefas e atividades, incluindo as escolares, e tende a evitar tarefas
que exigem esforço mental prolongado. Frequentemente perde
objetos, se distrai facilmente com estímulos externos, levanta-se
da cadeira com frequência, realiza movimentos corporais, fala
excessivamente e interrompe conversas.
3. Transtornos da comunicação: entre os transtornos da comuni-
cação, tem-se o transtorno da linguagem, o transtorno da fala,
o transtorno da fluência, com início na infância (gagueira), e
o transtorno da comunicação social (pragmática). O transtorno
da linguagem é caracterizado por comprometimento persistente
na aquisição, no desenvolvimento e no uso da linguagem em
nível receptivo e/ou expressivo, capacidades linguísticas abaixo
do esperado para a idade, resultando em limitação funcional na
comunicação. O transtorno da linguagem pode ser de origem
primária (sem uma etiologia de base) ou secundária à alguma
alteração de base etiológica. O desenvolvimento atípico da lin-
guagem e aprendizagem escolar pode ser decorrente de vários
fatores. O transtorno da linguagem, em sua modalidade falada
ou escrita, refere-se ao comprometimento persistente em habi-
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
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lidades diversas, de natureza receptiva e/ou expressiva. A natu-
reza dos prejuízos nas habilidades da linguagem pode variar, a
depender da origem (i.e., se congênita) e grau de gravidade. O
processo diagnóstico fonoaudiológico cuidadoso pode detectar
sinais desde o início da aquisição, mesmo na ausência de queixa
específica dos pais.
4. Transtorno do Espectro Autista (TEA): tem como sintoma mais
comum o atraso no desenvolvimento da linguagem, havendo
também comprometimentos no desenvolvimento social, pouco
contato visual, não resposta quando chamado pelo nome, fal-
ta de interação social, principalmente na habilidade de atenção
compartilhada, medo, ansiedade, indiferença ou aversão, com-
portamentos repetitivos e estereotipados.
5. Transtorno Específico da Aprendizagem: caracterizado pela difi-
culdade persistente na aprendizagem das habilidades acadêmicas.
Essas dificuldades de aprendizagem não podem ser explicadas
por outros comprometimentos, como dificuldade intelectual,
acuidade visual, metodologia de ensino, entre outros. O trans-
torno específico da aprendizagem pode acometer um ou mais
domínios e sub-habilidades acadêmicas, a saber: Transtorno
Específico da Aprendizagem com prejuízo na leitura, na escrita
e/ou na matemática. O Transtorno Específico da Aprendizagem
com prejuízo na leitura é caracterizado por dificuldades na pre-
cisão ao ler palavras, bem como na velocidade, fluência e com-
preensão da leitura. O Transtorno Específico da Aprendizagem
com prejuízo na escrita manifesta-se por meio de problemas na
precisão ortográfica, no uso correto da gramática e da pontua-
ção, além de comprometer a clareza e a organização da expressão
escrita. Por sua vez, o Transtorno Específico da Aprendizagem
com prejuízo na matemática envolve dificuldades com o senso
numérico, memorização de recursos aritméticos, precisão ou flu-
ência no cálculo, e no raciocínio lógico matemático.
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o papel do professor como agenTe de percepção e inTervenção
na saúde infanTil e nos TransTornos do neurodesenvolvimenTo
Na escola, o contato diário do professor com as crianças permite
levantar informações biológicas, psicológicas e comportamentais que só
os professores conseguem detectar. O fonoaudiólogo, psicólogo ou outro
profissional da área da saúde nem sempre conseguem informações do dia a
dia das crianças, o que aumenta a responsabilidade do professor, permitin-
do-lhe orientar a família a buscar ajuda.
Assim, o professor é um dos membros da equipe que mais tem con-
dições de identificar problemas de saúde física e mental de seus alunos.
Desempenha papel essencial como agente de percepção e intervenção
precoce de problemas que podem impactar no seu desenvolvimento e na
aprendizagem de habilidades acadêmicas. Uma criança com desenvolvi-
mento saudável, em um ambiente estimulante, geralmente demonstra si-
nais de alegria, motivação e disposição, sorri com frequência, tem olhos
brilhantes, se interessa por brincadeiras e apresenta boa interação com ou-
tras crianças e com o professor.
A atenção a certos indicadores poderá auxiliar na identificação de
problemas do neurodesenvolvimento pelo professor e, consequentemente,
dificuldades no aprendizado escolar. Essa ação poderá contribuir para in-
tervenções interdisciplinares mais rápidas e ágeis.
Entre os principais problemas de saúde física e comportamental que
podem impactar no aprendizado escolar, e que podem ser observados em
sala de aula pelos professores, destacam-se:
1. Resfriados constantes: Infecções frequentes podem ser um sinal
de um sistema imunológico deficitário;
2. Respiração oral (boca aberta em repouso): A respiração constan-
te pela boca pode indicar problemas respiratórios;
3. Problemas de audição e visão prejudicada: Dificuldades para
ouvir ou enxergar podem ser percebidas quando a criança não
responde adequadamente a estímulos visuais ou sonoros, fala
muito alto, apresenta dificuldade para acompanhar as atividades
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
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em sala de aula ou se aproximar excessivamente dos objetos ou
do caderno;
4. Problemas alimentares: Relacionada à alimentação inadequada,
anemia e desnutrição, cujos sintomas podem incluir palidez,
cansaço excessivo e falta de concentração, histórico de problemas
alimentares, consumo excessivo de alimentos, obesidade, ânsia,
vômitos, diarreia ou intestino preso;
5. Sonolência excessiva durante a aula: sono agitado, despertares
noturnos frequentes, uso frequente de mídias sociais, celulares,
jogos eletrônicos e TV podem indicar que a criança está em pri-
vação de sono e não descansando adequadamente, podendo im-
pactar em sua capacidade de concentração e aprendizado;
6. Falta de controle dos esfíncteres a partir dos 3 anos: A incapaci-
dade de controlar a urina ou as fezes após a idade esperada pode
indicar problemas de saúde subjacentes ou de desenvolvimento;
7. Desequilíbrio e quedas frequentes: A falta de coordenação moto-
ra, revelada na dificuldade em segurar objetos e manusear o lápis,
pode indicar problemas neurológicos ou de desenvolvimento. O
tremor de extremidades também deve ser observado e registrado;
8. Atraso na fala: Não entender ou não acatar ordens simples, não
nomear objetos, substituir fala por gestos, não ser capaz de se-
quencializar fatos (narrar) na idade esperada ou produzir fala
ininteligível;
9. Dificuldade no aprendizado da escrita: Não reconhecer símbolos
gráficos, não ser capaz de realizar cópia de desenhos, letras e o
próprio nome, após ensinado pelo professor e ao ser comparado
com os outros alunos da sala de aula;
10. Dificuldade de memória: Não ser capaz de memorizar músicas
infantis; esquecer instruções dadas pelo professor, dificuldade
em lembrar o que foi aprendido em aulas anteriores, esqueci-
mento constante de materiais escolares, esquecer com frequência
as lições de casa, datas de provas ou atividades escolares.
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11. Desafios com atividades de rotina: Dificuldades para se vestir so-
zinhas, organizar materiais para a escola ou completar tarefas de
higiene pessoal podem estar enfrentando problemas com plane-
jamento e execução de ações em sequência, quando comparado
com outras crianças da mesma idade cronológica;
12. Hábitos nocivos (deletérios): Uso de chupetas, mamadeiras e
objetos de apego, como pano, almofada, lençol ou bichos de pe-
lúcia: Esses hábitos podem interferir no desenvolvimento social
e, no caso de chupeta por tempo prolongado, na saúde bucal,
respiração e produção dos sons da fala;
13. Comportamentos atípicos: Comportamentos repetitivos ou
agressivos, choro frequente, riso excessivo ou fora do contexto,
apatia, isolamento social e contato visual reduzido.
O professor, ao identificar qualquer um desses sinais, ou um con-
junto deles, deve atuar como um mediador, dialogando com a família e,
se necessário, orientando-a a buscar ajuda profissional – seja médico, nas
suas respectivas especialidades, psicólogo, fonoaudiólogo, psicopedagogo
ou fisioterapeuta – para garantir que a criança realize avaliações específicas
e, se necessário, receba o apoio necessário para seu pleno desenvolvimento.
considerações finais
O trabalho interdisciplinar entre profissionais da saúde e da educa-
ção torna-se mais eficaz quando ambos os setores atuam em conjunto, a
partir das dificuldades iniciais de escolares no processo de aprendizagem.
O professor desempenha importante papel na detecção de sinais para sub-
sidiar conversas com os responsáveis, fornecer orientações sobre encami-
nhamentos necessários e contribuir para o trabalho em equipe.
Em cada etapa escolar, desde o primeiro dia de aula, o professor
desempenha funções específicas para atender às necessidades dos alunos,
visando facilitar o processo de ensino-aprendizagem.
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
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Os professores desempenham, portanto, um papel crucial no supor-
te às crianças com diagnóstico de algum dos transtornos do neurodesen-
volvimento, tanto na detecção e identificação de sinais sugestivos dessas
condições quanto na prevenção de problemas acadêmicos associados. Além
disso, os educadores são membros essenciais da equipe de intervenção com
crianças, independentemente do ciclo escolar.
Para finalizar, sugere-se a inclusão de disciplinas específicas sobre
neurodesenvolvimento e identificação precoce de sinais sugestivos de
transtornos do neurodesenvolvimento na grade curricular dos cursos de
formação de professores.
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GT - Estágio Supervisionado
Obrigatório – Licenciaturas
Bernardete Angelina Gatti
Ana Luiza Bernardo Guimarães
Eugenio Maria de França Ramos (Coords.)
O Estágio Curricular Supervisionado é considerado obrigatório
para os cursos de Licenciatura nas diversas normas exaradas pelo Conselho
Nacional de Educação ao longo do tempo. É compreendido como um
espaço que visa propiciar aos estudantes a vivência concreta da vida esco-
lar e das ações docentes; como campo de aprendizagens em que deve se
consubstanciar, de modo singular, a experiência das relações teoria-práti-
ca. Afinal, é nesse espaço/tempo destinado ao estágio supervisionado que
o licenciando vivencia situações do cotidiano escolar, ressignifica saberes,
formula estratégias e atitudes, e delineia possibilidades de ser/estar profes-
sor no exercício da profissão.
Constituir-se professor no exercício da profissão desvela a questão da
profissionalidade docente, enquanto um conjunto de qualidades da prá-
tica profissional docente, em função do que requer o trabalho educativo
(Contreras, 2002), mas também, e principalmente, formar para uma pro-
fissão (Nóvoa, 2017). O que significa, para Cyrino (2016), passar de uma
profissão artesanal”, onde se aplicam técnicas e regras, para a profissão
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-611-4.p35-48
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
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em que se constroem “[...] as próprias estratégias, apoiando-se no conhe-
cimento racional e desenvolvendo sua expertise na ação em uma situação
profissional, bem como sua autonomia” (Altet, 2001, p. 29). Destarte, os
professores seriam capazes de deliberar sobre as suas práticas, em uma po-
sição diferenciada com relação ao trabalho desenvolvido/ofertado.
Da mesma forma, os professores em formação no estágio supervisio-
nado começariam a incorporar um “ponto de vista pedagógico” (Azanha,
2006) na relação entre teoria e prática, aproximando-se da sua futura
profissão, vivenciando práticas de ensino, estabelecendo relações teoria/
prática, convivendo com as complexidades e especificidades do cotidiano
escolar, mas, sobretudo, vivenciando práticas de interação educativa com
os estudantes da Educação Básica (Paniago; Sarmento, 2015). Nessa traje-
tória, o estágio supervisionado assumiria o “[...] compromisso com a práxis
docente, como espaço de problematização das contradições existentes em
busca da sistematização dos conhecimentos produzidos” (Pimenta; Lima,
2019, p. 14).
orienTações TrabalhisTas e orienTações pedagógicas
O caminhar histórico que contorna o estágio curricular supervisio-
nado obrigatório passou por dois tipos de orientação fortemente marcadas:
uma de natureza trabalhista e outra de perspectiva pedagógica.
Na questão da orientação trabalhista, está em vigência a Lei
11.788/2008 (Brasil, 2008), que regula o estágio obrigatório ou não, assi-
nalado como ato educativo escolar supervisionado, o qual se desenvolve no
ambiente de trabalho. É dirigida a todas as formações profissionais de nível
superior e ensino profissionalizante, cuidando de aspectos diversos na pers-
pectiva de uma legislação trabalhista, como o não vínculo empregatício;
termo de responsabilidade parte cedente e parte concedente; a necessidade
do seguro saúde; o limite de carga horária semanal; o papel do professor
da instituição – que é orientador de estágio – e do supervisor de estágio
no local de trabalho do estagiário; os encaminhamentos do acompanha-
mento etc. Também dispõe, por exemplo, que podem ser equiparadas ao
estágio as atividades de extensão, de monitorias e de iniciação científica na
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
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Educação Superior, em caso de previsão no projeto pedagógico do curso
(Art. 1º, §3º, da Lei n. 11.788/2008)(Brasil, 2008).
Cabe ressaltar que, no que se refere a cursos de engenharia ou de
algumas áreas da saúde, há, pela nova regulação desses cursos, algumas es-
pecificidades. Dessa forma, as experiências bem sucedidas nas engenharias
ou em algumas áreas da saúde, incluindo-se outras áreas, podem não servir
de parâmetro para a formação de professores, âmbito no qual também se
convive com aquilo que se denomina socialização antecipatória decorrente
do processo de escolarização. Algo que não é comum na formação de en-
genheiros ou de médicos.
Por sua vez, as orientações de perspectiva pedagógica para o estágio
obrigatório têm seu foco nas Licenciaturas (Resolução CNE/CP 2/2002;
Resolução CNE/CP 2/2015 e Resolução CNE/CP 2/2019), propondo-se
mais recentemente uma carga horária de duração mínima de 400 horas
para todas as áreas.
A Resolução CNE/CP 02/2002 orientava a articulação teoria-prá-
tica nos termos dos projetos pedagógicos dos cursos, estabelecendo, além
das horas do estágio, 400 horas de Prática como componente curricular,
vivenciadas ao longo do curso. Suas disposições acenavam para a superação
do modelo de formação de professores vigente até então, amplamente co-
nhecido como “3+1”, no qual apenas acrescia-se um ano de disciplinas do
campo pedagógico após três anos de formação específica.
Na Resolução CNE/CP 02/2015, sinaliza-se também que se deve
garantir a articulação entre a teoria e a prática no processo de formação do-
cente, fundada no domínio dos conhecimentos científicos e didáticos, bem
como o reconhecimento das instituições de educação básica como espaços
necessários à formação dos profissionais do Magistério (Art. 3º, §5º, V e
VI). Ressalta a importância da articulação com o contexto educacional, em
suas dimensões sociais, culturais, econômicas e tecnológicas, sendo uma
atividade específica, intrinsecamente articulada com a prática e com as de-
mais atividades de trabalho acadêmico (Art. 11º, §6º, II) (CNE, 2015).
Na Resolução CNE/CP 02/2019, também se coloca a necessidade
de integração entre a teoria e a prática, tanto no que se refere aos conhe-
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
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cimentos pedagógicos e didáticos quanto aos conhecimentos específicos
da área do conhecimento, ou do componente curricular a ser ministrado,
considerando a centralidade da prática por meio de estágios que enfoquem
o planejamento, a regência e a avaliação de aula, sob a mentoria de profes-
sores ou coordenadores experientes da escola, campo do estágio. Enfatiza-
se a Educação Básica e suas escolas como parceiras imprescindíveis à for-
mação de professores, em especial as das redes públicas de ensino (Art. 7º
– VII – VII – IX) (CNE, 2019)
O discurso da interação teoria e prática é recorrente na bibliografia
educacional, mas enfrenta dificuldades quanto à sua concretização, espe-
cialmente no contexto de nossa tradição acadêmica, no que concerne à
formação para a docência na Educação Básica.
Embora nas várias Resoluções do CNE a parceria entre a universida-
de e a rede escolar seja destacada, o que pressupõe relação aberta e partici-
pativa entre ambas, nos diversos contextos escolares, todas apontam como
elemento catalisador o uso de dispositivos para a prática pedagógica. Esses
dispositivos apresentam dupla possibilidade, no sentido de que podem ser
utilizados como elemento de formação ou de controle. Assim, em 2002,
foi apontado o uso do caso de ensino, entre outras possibilidades, para o
desenvolvimento da prática pedagógica; enquanto que, em 2015, o foco se
deslocou para o portfólio, entre outras possibilidades, e, em 2019, perma-
neceu apenas no portfólio (Penteado; Souza Neto, 2021).
De outro lado, na orientação trabalhista, apenas a Lei nº 11.788/2008
(Brasil, 2008) delimita melhor a função ou papel dos participantes do pro-
cesso de formação profissional: orientador (professor universitário), super-
visor (professor de escola), estagiário (estudante). Nesse processo, compete
ao professor orientador da universidade e ao professor supervisor da escola
o acompanhamento do desenvolvimento profissional do estagiário, no que
diz respeito ao projeto de estágio e prática de ensino de licenciandos.
Mas, na prática, não há geralmente o cumprimento da proposição
legal: o acompanhamento do estágio acaba sendo por um relatório, quan-
do é processado o cumprimento de um plano de trabalho. E o encaminha-
mento do estudante à escola? Ocorre por meio de uma carta de apresen-
tação da IES – professor orientador. Mas como fica a inserção profissional
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
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desse estudante na escola como estagiário? É reduzida a uma apresentação
formal e encaminhamento ao professor supervisor da escola. Apenas em
alguns casos especiais há o acolhimento, inserção desse estudante no seio
da escola, no âmbito de uma cultura escolar. Mas não se delimita o que é
o acolhimento? O que é o acompanhamento? O que significa ser um pro-
fessor formador de estagiários?
Desse modo, se as diretrizes de formação de professores propostas
vão na direção da profissionalização do professor, do ensino como profis-
são, apontando para dispositivos que visam estabelecer uma maior conexão
na relação entre teoria e prática, visando sair da tentativa-erro (Souza Neto;
Sarti; Benites, 2016), há necessidade de o estágio obrigatório receber o
respeito a que tem direito, deixando de ser um apêndice da formação. É
preciso valorizar e qualificar o estágio obrigatório das licenciaturas nas ins-
tituições envolvidas e na mesa das políticas públicas educacionais.
Como pode ser observado, tanto as orientações de natureza traba-
lhista como as de perspectiva pedagógica habitam o universo do estágio
curricular, gerando questões que devem encontrar encaminhamentos em
relação a contextos diferentes, tanto de instituições como de redes de en-
sino. Ademais, embora as resoluções indiquem caminhos e a necessária
articulação entre universidade e escola, o que vem acontecendo na prática
nem sempre sequer se aproxima do ideal normativo.
Tanto é que, na última divulgação dos dados de 2021 do Exame
Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), que avalia o desem-
penho dos concluintes dos cursos de graduação, o questionário aplicado
aos estudantes das licenciaturas revelou dados preocupantes: que 19,4%
dos alunos realizaram entre 301 e 400 horas de estágio; que 54,9% dos
estudantes realizaram menos de 300 horas de estágio obrigatório; e que
11,8% dos alunos não realizaram o estágio obrigatório em decorrência da
pandemia de Covid-19 – um aumento de mais de 8 pontos percentuais
quando comparado à edição de 2017. Isso evidencia que mais de 65% dos
egressos dos cursos de formação docente, ao menos, não realizou o mínimo
de horas exigidas no estágio supervisionado obrigatório, indicando, por si
só, a necessidade capital de observação da problemática do estágio curricu-
lar supervisionado obrigatório na proposta de formação para um trabalho
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
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que envolve contribuir para a construção do desenvolvimento cognitivo,
psicossocial e ético de crianças, adolescentes e jovens, ou seja, sua formação
integral. Não dar a devida importância para isso, em última instância, é
não considerar o valor da preservação da vida planetária – social e ambien-
tal. É não considerar o preceito do Artigo 205 da Constituição Nacional,
que destaca o dever de promoção do “pleno desenvolvimento da pessoa”
e “seu preparo para o exercício da cidadania” (Brasil, 1988). Qual outro
papel da Educação Básica que seja mais valioso?
o que esTudos sinalizam
Nas últimas décadas, o estágio supervisionado tem se constituído
como tema de estudos desenvolvidos no campo da formação docente.
Entre outros fatores, as pesquisas indicam que não se pode deixar de con-
siderar o que os investigadores apontam como problemas que são eviden-
ciados na realização dos estágios. Desvelam-se dificuldades de organização
e acompanhamento dos estágios supervisionados obrigatórios nos cursos
de licenciatura e, em muitos casos, os estudos ressaltam a pouca efetivida-
de do estágio, além de sua inefetividade em função de sua realização in-
completa ou inadequada, dado que muitos estagiários atuam apenas como
observadores das aulas nas escolas, sem a experimentação de práticas do-
centes, podendo caracterizar um processo formativo fragmentado, alicer-
çado nos paradigmas da racionalidade técnica e desguarnecido de posturas
investigativas e reflexivas sobre a conjuntura educacional (Silvestre; Placco,
2011; Rodrigues et al., 2013; Lüdke, 2015; Pimenta; Lima, 2017; Gatti
et al., 2019).
De um lado, é necessário analisar as condições institucionais no ensi-
no superior, em função das quais o estágio é oferecido; de outro, prima-se
por considerar o papel das redes de ensino e as escolas. A relação entre ins-
tituições de ensino superior e redes escolares, de ambos os lados, não vem
mostrando a articulação necessária ao cuidado com os estágios.
Essa relação demanda diálogo, que, como coloca Gatti (2023, p. 1),
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
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[...] implica escuta e trocas efetivas, que quase não se realiza dessa
forma. Há mais lições acadêmicas para a educação básica do que
trocas e compreensão de características das redes de ensino em suas
injunções nacionais e regionais, e circunstâncias e práticas nas e das
escolas em seus contextos específicos.
Outro aspecto é que há expertise esperada de orientadores e supervi-
sores de estágio. Calderano (2017, p. 9) pergunta: “[...] o que fazer quando
orientadores e supervisores de estágio não são tão experts assim?... O que
fazer quando não conseguem o tempo para se dedicarem à orientação e à
supervisão dos estagiários?”.
Uma vez mais, em função de suas pesquisas, Calderano constata que
há universidades que não computam o horário de orientação de estágio
feito por professores; o mesmo ocorre com os professores da escola básica,
os quais, poucas vezes são reconhecidos pelas universidades ou pelas redes
como coformadores (Calderano, 2014).
É preciso considerar o papel das redes de ensino, das escolas e
dos professores como formadores parceiros no percurso do estágio
supervisionado. Cumpre-nos pensar, então, que escola é essa e como ela se
organiza enquanto lócus de formação; quem é esse docente que é colocado
como «parceiro mais experiente» e formador dos estagiários; como é essa
escolha do docente que terá o estagiário em suas aulas (conhecimento
profissional, engajamento ou horário disponibilizado e reconhecido)?
Como as experiências vivenciadas na escola, durante o estágio, podem po-
tencializar cenários de desenvolvimento profissional aos três atores: docen-
te orientador de estágio, professor da educação básica e estagiário? Que
saberes produz a Escola de Educação Básica? Por que há pouca valorização
desse conhecimento? O que o estágio agrega para o docente, partindo do
pressuposto de uma relação que, nesse processo, todos ensinam e apren-
dem? Como ficam os alunos, qual sua consideração e frutos? Qual o papel
dos gestores das redes de ensino quanto a esse estágio? Que interesse há da
parte das redes escolares em relação a esses estágios?
Na esteira das discussões ora apresentadas, põe-se em relevo a fun-
ção do professor da escola básica na formação dos estagiários de licen-
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
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ciatura. Não mais como aquele a quem cabe a tarefa de “ceder espaço de
aula”, e meramente assinar fichas comprobatórias, mas sim, de perceber
a si próprio e atuar como formador do futuro colega de profissão, como
um parceiro mais experiente que possui um conjunto de conhecimentos
provenientes das suas vivências no cotidiano escolar, que se incorporam a
seus conhecimentos e à sua ação pedagógica e que podem contribuir para
a formação dos estudantes da licenciatura (Correa, 2021; Ferreira, 2019;
Lüdke, 2009).
Para que a realização do Estágio Curricular Supervisionado de licen-
ciandos seja efetiva, é preciso que haja entendimento nas escolas, tanto por
parte dos gestores e coordenadores escolares, como pelos professores que
atuam nas salas de aula que receberão esses estagiários. Ou seja, torna-se
imprescindível haver um projeto da escola em relação aos estágios para a
recepção e a formação de futuros professores. Preferencialmente um proje-
to da rede escolar para tanto. Alguns relatos de alunos de graduação con-
vergem para a falta de receptividade de algumas escolas e seus profissionais.
Como também para o desinteresse em relação a estagiários. Entretanto,
é necessário que universidade e escola estejam alinhadas e que principal-
mente os professores da educação básica sejam envolvidos nessa atividade
e se sintam parte indispensável para uma efetiva formação dos estagiários,
contando com o apoio da escola e da própria rede.
necessidade de projeTos e políTica aTiva para os esTágios de
licenciandos
Considerando-se o já colocado, fica clara a necessidade de uma ma-
nifestação mais assertiva do Conselho Nacional de Educação, instituindo
diretrizes específicas para o Estágio Supervisionado obrigatório nas licen-
ciaturas a nível nacional, tanto no ensino presencial quanto na modali-
dade a distância, de modo a contemplar a Educação Básica como lócus
privilegiado da formação docente, na perspectiva de Diretrizes Nacionais
Curriculares para a formação para a docência, consensuadas.
Urge repensar tanto uma mudança da concepção do estágio super-
visionado para as licenciaturas quanto a proposição de políticas públicas
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
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nas redes de Educação Básica que valorizem o docente da rede que atua
como partícipe formador do licenciando; valorização essa que passa pela
diferenciação de uma jornada de trabalho que contemple momentos de
estudo e reflexão acerca da vivência escolar com o licenciando, docente
orientador e o professor supervisor; formação que atenda aos interesses
e anseios daquela comunidade-escola e que potencialize a atribuição de
sentido e a negociação de significados entre todos os atores do processo
formativo de futuros docentes. Uma mudança que passe também pela ins-
tituição de alguma modalidade de remuneração e/ou de fator contribuinte
à progressão na carreira do professor da escola-supervisor de estágio obri-
gatório, atribuindo, pois, valor concreto, expresso em termos monetários,
a esse trabalho.
São necessárias políticas públicas que gerem o reconhecimento da
atuação desse profissional no desenvolvimento do estágio, assim como é
preciso que os regulamentos de estágio dos cursos de licenciatura reconhe-
çam a atuação do professor da Educação Básica, contemplando as atribui-
ções desse profissional no desenvolvimento do estágio. Ao serem definidas
as prerrogativas da atuação do professor da escola no desenvolvimento do
estágio, é necessário que haja diálogo entre os envolvidos, para que o pro-
fessor da Educação Básica tenha clareza de suas atribuições, ultrapassando
os limites do papel e de uma atuação alicerçada na incerteza ou no impro-
viso, tornando-se uma atividade intencional e planejada, que aquilate seu
lugar na formação dos estagiários
A essas, somam-se questões desafiadoras a permear o caminho da
formação docente no campo do estágio supervisionado: a ruptura da con-
cepção do estágio curricular supervisionado como mera parte prática dos
cursos de licenciatura/formação inicial; a consolidação do estágio como um
campo de conhecimento articulador de todas as áreas/disciplinas do curso;
a aproximação entre os saberes acadêmicos e o mundo da prática escolar;
a necessária articulação entre a IES e o cotidiano da Escola de Educação
Básica; as oportunidades de participação do futuro professor nas atividades
em sala de aula durante o estágio; até o desenvolvimento de um olhar mais
apurado para as especificidades do local do estágio, tais como a escola, as
relações e posturas e as suas formas de produção do conhecimento.
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
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Indo um pouco além, como as dimensões fundamentais da forma-
ção docente – tão bem discutidas nos estudos sobre esses estágios e nas ino-
vações propostas in situ, como domínio de conhecimentos, conhecimento
profissional, prática e compromisso profissionais – se articulam nas polí-
ticas públicas pró-licenciatura e nos programas de estágio supervisionado?
Nas escolas de Educação Básica, a atuação docente e sua formação também
se apoiam em tais fundamentos? Além da sempre necessária discussão so-
bre como se forma nas licenciaturas (se pensarmos nos currículos e suas di-
nâmicas, nas formações genéricas e na nossa tradição bacharelesca), como
isso se mostra no estágio?
É justamente nessa articulação que este Grupo de Trabalho, den-
tro da perspectiva mobilizadora das reflexões exaradas de intensa discussão
sobre o tema, e balizados pelas investigações de diversos pesquisadores e
universidades, nacionais e internacionais, públicas e privadas, propõe a re-
tomada das discussões para a formulação de uma Política Nacional para
os Estágios Obrigatórios Supervisionados de Licenciatura, considerando:
1. os papéis das IES, das redes de ensino (municipais e estaduais)
e das escolas privadas, dos formadores na instituição de ensino
superior e nas escolas;
2. a necessidade de as redes se organizarem para o recebimento dos
estagiários e sua orientação. Espera-se que as IES organizem seus
estágios com um planejamento bem definido e que as IES e as
redes se articulem nessa organização;
3. o entendimento do professor como profissional, com ética de
referência;
4. o trabalho dos formadores – do professor que atua na escola e
do professor orientador da IES – com o reconhecimento pro-
fissional desse papel, com horas de trabalho, a formação para a
supervisão e a dedicação reconhecidas;
5. a possibilidade de composição de redes de escolas formadoras
nas cidades, que propiciem experiências diferenciadas, até mes-
mo com atuação em diferentes unidades escolares;
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
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6. o estabelecimento de parcerias entre as escolas e as IES, tendo como
foco os aspectos relativos ao acolhimento e acompanhamento com-
partilhado do desenvolvimento profissional dos licenciandos, por
meio de dispositivos formativos elaborados em colaboração;
7. incentivos à produção de conhecimento sobre o trabalho do-
cente e questões pedagógicas por meio de pesquisa colaborativa
entre a universidade e a escola.
A formação no ensino superior se sustenta nas aprendizagens da
Educação Básica, ambas compondo o continuum do processo formativo
das novas gerações. É responsabilidade das graduações em licenciaturas a
formação inicial de professores para a educação infantil, o ensino funda-
mental e o ensino médio. O bom andamento educacional desses níveis
de ensino, por um lado, depende de docentes que são formados nas gra-
duações, no ensino superior. Essa correlação nem sempre reconhecida é
inalienável no sistema de ensino nacional. O valor e a cooperação entre
os dois níveis educacionais deveria ser um dos pilares das instituições de
ensino superior que formam professores. Entre os dois níveis, há interfaces
relevantes, nem sempre levadas em conta, analisadas e consideradas.
Ambas as partes deveriam ter alto interesse pela formação de profes-
sores e pelos estágios profissionais que dela fazem parte, como elemento
essencial da construção da profissionalidade docente: deter conhecimentos
de sua área e conhecimentos pedagógicos a eles relacionados; ter, pois, ca-
pacidade laboral e construir “[...] o compromisso com os fins do trabalho
como compromisso de um coletivo e com o público que atingirá” (Nuñez;
Ramalho, 2008, p. 4), concebendo que os estágios curriculares obriga-
tórios das licenciaturas colocam em “[...] movimento múltiplos aspectos
que constituem as ações de ensinar e aprender uma profissão e, em espe-
cial, de ensinar outros indivíduos, em contextos escolares e não-escolares
(Nörnberg, 2017, p. 7).
Discutir o tema tão nevrálgico do estágio supervisionado e da for-
mação inicial de professores, tanto sob o prisma do ensino superior quanto
sob a ótica das escolas de educação básica, nos parece urgente e necessário,
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
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contribuindo não apenas para o balizamento do estado da arte, mas na
intenção de poder impulsionar a elaboração de políticas públicas que pro-
piciem a superação dos percalços apontados.
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SOUZA NETO, S.; SARTI, F. M.; BENITES, L. C. Entre o ofício de aluno e o habitus
de professor: os desafios do estágio supervisionado no processo de iniciação à docência.
Movimento, Porto Alegre, v. 22, n. 1, p. 311-324, 2016.
parTicipanTes colaboradores:
Ana Claúdia Saladini; Ana Luiza Bernardo Guimarães; Bernadete Benetti;
Daiana Aparecida Del’Bianco; Dijnane Vedovatto; Eugenio Maria de
França Ramos; Fábio Alves Moraes; Flávia Sarti; Maria Julia Brito; Maria
Bernadete Sarti da Silva Carvalho; Marina Cyrino; Marlene de Cássia
Trivellato Ferreira; Michela Rodrigues; Michelle Cristina Bueno Bichof;
Paulo Cézar de Faria; Samuel de Souza Neto; Suzanna Neves Ferreira;
Tamara Traldi; Tatiana Schneider Vieira de Morais; Taynara Carvalho;
Vera Maria Pupim Perdonatti; Zenilda Botti Fernandes.
49
Produção de vídeos digitais por
professores e alunos
Marcelo de Carvalho Borba
Pamella Aleska da Silva Santos
inTrodução
A pandemia impactou a sociedade de alguma forma, principalmente
a educação, impulsionando mudanças em diferentes cenários, por exemplo,
na forma como aprendemos e ensinamos. A necessidade de “ficar em casa
foi uma das consequências do poder de ação do vírus Sars-Cov-2. Autores
como Borba, Souto e Canedo Junior (2022) propõem que, durante esse
período, surgiu a quinta fase das tecnologias digitais (TD) em Educação
Matemática, caracterizada pela massificação do uso de TD em processos
educacionais. Tal fase vem depois das quatro anteriores. Rememoramos:
a primeira fase é caracterizada pelo Logo; a segunda é caracterizada pelo
surgimento de software associados a áreas do currículo de matemática; e as
terceira e quarta fases são moldadas pelos diferentes estágios de presença da
internet em Educação Matemática.
A quinta fase é marcada pelo poder de ação do vírus Sars-Cov-2
(Borba, 2021), que, de certa maneira, impulsionou o uso das TD na
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-611-4.p49-60
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
50
Educação e também na Educação Matemática. Nesse contexto, a utiliza-
ção e produção de vídeos digitais por alunos e professores cresceu nos úl-
timos anos, acentuadamente durante a pandemia. Dessa forma, os vídeos
foram utilizados nos processos de ensino e aprendizagem como um recurso
para desenvolver o protagonismo dos alunos/professores, bem como para a
construção coletiva de conhecimento, ou também de forma domesticada,
ou seja, como uma simples reprodução do que acontecia em uma sala de
aula dominada pela ação da lousa-giz-oralidade.
Para Domingues (2020) e Domingues e Borba (2021), o vídeo pode
ser uma mídia multimodal, capaz de amalgamar elementos diversos para
transmitir uma ideia, como oralidade, escrita, gestos, expressões corporais
e sons. Essa perspectiva abre portas para novas abordagens pedagógicas,
especialmente quando se trata de professores e alunos criando vídeos que
exploram conceitos matemáticos e conceitos de diversas áreas. Atualmente,
temos cerca de 900 vídeos no site do festival.
Nesse contexto colaborativo de construção do conhecimento por
meio de vídeos, o papel do professor e dos alunos não poderia ser de outra
natureza, haja vista que inscreve espaço para oportunidades de realização
de discussões, reflexões, bem como a efetivação dos processos de ensino
e aprendizagem. Considerando esses pontos, o presente minicurso tem
como objetivo discutir a produção colaborativa de vídeos digitais por pro-
fessores e por alunos. Para tanto, serão apresentados e discutidos aspectos
da produção de vídeos digitais nos processos de ensino e aprendizagem de
matemática. Quanto à dinamização, esse minicurso será dividido em dois
momentos: o primeiro será baseado nas potencialidades da utilização dos
vídeos na educação (matemática); o segundo, em uma atividade prática
para produção de vídeos digitais, abordando tópicos relacionados à área
em foco.
O público-alvo serão estudantes, professores, licenciandos, pesquisa-
dores e quaisquer interessados na proposta de produção de vídeos. Ao final
desta, esperamos que possam ser ampliadas as percepções dos professores
e dos alunos em relação à produção de vídeos para o desenvolvimento,
construção e transformação do conhecimento. Também esperamos que
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
51
ela incentive a produção de vídeos e a participação na próxima edição do
Festival de Vídeos Digitais e Educação Matemática (FVDEM).
produção de vídeos por alunos e professores
A produção e procura de vídeos cresceu muito durante a pande-
mia, tanto por parte de estudantes quanto de educadores de diversas áreas.
Borba Souto e Canedo Junior (2022) observam que esse movimento tam-
bém foi intensificado pela oferta de festivais que incentivam a produção
de vídeos. Na pesquisa de Oechsler e Borba (2020), os autores apontam
a possibilidade de realização de festivais locais em escolas ou em conjunto
de escolas. Desse modo, os vídeos podem ser produzidos de forma inter-
disciplinar, alinhando várias áreas de conhecimento e contribuindo para
entrelaçar questões sociais, políticas e históricas da sociedade.
Outro ponto a ser observado diz respeito à produção de vídeos. Nesse
sentido, Fontes (2019) delineia as potencialidades intrínsecas a essa ativida-
de, incluindo o protagonismo do aluno nos processos de ensino e aprendiza-
gem, bem como a necessidade de estruturar e reestruturar o pensamento em
torno do conteúdo. Domingues e Borba (2021) complementam essa visão,
enfatizando que a produção de vídeos estimula os estudantes a procurar for-
mas mais eficazes de explicar conceitos matemáticos, exercitando assim sua
criatividade e aprimorando suas habilidades de comunicação.
Colaborando com essa ideia, Gimenez (2023) pontua que tanto o
processo quanto o uso dos vídeos é permeado pela “arte”, considerada pelo
autor como uma experiência estética. Em sua perspectiva, a produção de
vídeos pode ser considerada como um experimento artístico-pedagógico e
os vídeos, como produto artístico desse experimento, desenvolvidos, por-
tanto, de forma colaborativa. Cabe assinalar que o autor em questão, ao
investigar a produção de vídeos, olhando para arte-com-tecnologia, obteve
resultados favoráveis à utilização dos vídeos envolvendo processos de ensi-
no e aprendizagem. A exemplo, a aprendizagem pelo erro, a interdiscipli-
naridade e as variedades de formas para avaliar.
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
52
A interdisciplinaridade também foi encontrada em outra pesquisa,
como a de Santos (2022), que trabalhou com a produção de vídeos de
matemática durante a pandemia da covid-19, em uma escola de campo.
Sua proposta favoreceu a aprendizagem e possibilitou o desenvolvimento
da autonomia entre os estudantes.
Considerando as aplicações em sala de aula, a análise de Borba,
Souto e Canedo Junior (2022) reforça que os vídeos não apenas podem
ser utilizados como forma de avaliação, como também podem representar
meios para incentivar os estudantes a expressarem seus conhecimentos ma-
temáticos de maneiras variadas e criativas. Além disso, quando esses vídeos
são compartilhados em plataformas públicas como o YouTube, eles con-
tribuem para uma comunidade ampla e colaborativa de produção de co-
nhecimento matemático, ampliando o alcance do aprendizado, de modo a
expandir as paredes da sala de aula, sejam elas virtuais ou não.
Aspectos como o crescimento e a utilização dos vídeos podem ser
considerados devido ao aumento de festivais voltados à produção de vídeos
por estudantes e professores (Borba; Souto; Canedo Junior, 2022). Um
deles é o Festival de Vídeos Digitais e Educação Matemática (FVDEM),
organizado pelo Grupo de Pesquisa em Informática, Outras Mídias e
Educação Matemática (Gpimem).
Em relação a esse grupo, cabe expor outra particularidade: as ações
extensionistas desenvolvidas pelo grupo têm como foco proporcionar re-
flexões sobre as possibilidades e desafios do uso das Tecnologias Digitais na
Educação Matemática e discutir sobre algumas tendências da área. Essas
ações podem se realizar em forma de oficinas, minicursos e palestras.
A esse respeito, convém mencionar que neste ano foram desenvol-
vidas algumas oficinas, tanto para proporcionar possibilidades do uso das
TD quanto para incentivar a produção de vídeos para festivais. As ofici-
nas foram dinamizadas com professores de Matemática no XV Encontro
Paulista de Educação Matemática (Epem); professores dos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental da rede municipal de Rio Claro-SP; e futuros profes-
sores de Matemática da Unesp de Rio Claro, que participam do Programa
de Iniciação à Docência (Pibid), Residência Pedagógica e Programa de
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
53
Educação Tutorial (PET). Licenciandos do PET produziram alguns vídeos
com temas diversificados, a exemplo, temos o vídeo “A Terra não é plana”,
elaborado por licenciandos do curso de Matemática e bolsistas do PET.
Para fins elucidativos, resgatamos uma captura de tela referente a essa pro-
dução (Figura 1).
Figura 1: Imagem do vídeo a “A Terra não é plana
Fonte: Vídeo participante do VII FVDEM (A Terra, 2023).
Nesse vídeo, os autores explicam o conteúdo que selecionaram para
abordar utilizando fatos históricos e matemáticos: o porquê de a Terra não
poder ser considerada plana. Há uma explicação vinda da Grécia para con-
trapor uma das falácias que vem sendo apresentadas como forma de não
legitimar o que é discutido pela Ciência. O vídeo conecta rica discussão
matemática a um assunto atual. Durante a etapa final do festival, uma das
repórteres profissionais que realizou a cobertura do evento pediu para as-
sistir ao vídeo e ter acesso ao endereço eletrônico (link) deste, de forma que
pudesse explicar a questão a várias pessoas que parecem ter sido atingidas
de forma sistemática por fake news.
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
54
o fesTival de vídeos digiTais e educação maTemáTica
O Festival de Vídeos Digitais e Educação Matemática (FVDEM) é
um projeto de ensino, pesquisa e extensão desenvolvido na Universidade
Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro. Parte integrante do pro-
jeto “Festivais de Vídeos Digitais, Educação Matemática e a Sala de Aula
em Movimento: entre o presencial e o virtual”, conta com o apoio da
Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM) e da agência de fo-
mento Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq).
O objetivo desse festival é “compartilhar e socializar conhecimentos
e experiências sobre o uso e a produção de vídeos digitais, em Educação
Matemática, com interações entre professores, alunos e tecnologias, e des-
ses com toda a sociedade” (Festivalvideomat, 2023, p. 1). Nesse sentido,
Borba, Souto e Canedo Junior (2022, p. 52) argumentam que o FVDEM
[...] não é apenas um local de pesquisa, mas um espaço virtual
que aproxima a sala de aula da sociedade como um todo. [...]
Estudantes, com orientação de seus professores, foram convidados
a produzir vídeos que poderiam até mesmo resultar em parte
do material a ser estudado, tornando-se, assim, coautores do
currículo escolar.
Trata-se de um evento de âmbito nacional, cuja primeira edição
ocorreu em 2017 e a sétima, em setembro de 2023. Ambas foram sedia-
das na cidade de Rio Claro/SP. Com seis categorias para participação –
Anos Finais do Ensino Fundamental; Ensino Médio; Ensino Superior;
Professores em Ação; e Comunidade em Geral –, o evento contou com a
participação de professores, alunos e comunidade dos variados níveis de
ensino, além de representantes de uma nova categoria inserida neste ano,
a qual traz a inserção da comunidade de Povos Originários e Tradicionais.
O evento é dividido em três etapas: a primeira abarca a divulgação
do evento e a submissão dos vídeos no site do festival (Figura 2), de ma-
neira online; a segunda refere-se ao momento da avaliação dos vídeos pelo
júri especializado, o qual é formado por artistas, cineastas e educadores
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
55
matemáticos. A votação também ocorre por júri popular envolvendo toda
a comunidade; por fim, a terceira etapa diz respeito à cerimônia de pre-
miação que acontece de maneira presencial em alguma instituição parceira.
Nessa atividade presencial, além das premiações, são oferecidas palestras,
mesas redondas e minicursos.
Figura 2: Página inicial do site do FVDEM
Fonte: Captura de tela da página inicial do site do FVDEM (Festivalvideomat, 2023).
Conforme apontado por Carvalho, Costa e Borba (2022), a literatu-
ra aborda a importância da criação de vídeos para um ensino interdiscipli-
nar, atravessando diversas esferas sociais. Nesse viés, o festival, ao promover
um espaço para produções dessa natureza, contribui para uma percepção
mais positiva da matemática na sociedade.
Assim, o Festival de Vídeos Digitais e Educação Matemática repre-
senta um ambiente que promove ativamente a produção de vídeos na sala
de aula de matemática. Nesse contexto, sugerimos que esse festival possa
ser considerado como uma alternativa válida para suscitar reflexões sobre a
produção de vídeos em qualquer campo do conhecimento.
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
56
meTodologia
Para alcançar o objetivo da proposta, seguimos os passos descritos
por Oechsler, Fontes e Borba (2017) referentes à produção de vídeos que
abordam conceitos matemáticos. São eles: a seleção do assunto para o ví-
deo; a criação do script; o processo das filmagens; o uso de programas para
a edição do conteúdo gravado; e a apresentação dos vídeos.
Com base nos autores citados, o presente minicurso foi dividido em
dois momentos: o primeiro se voltou à abordagem das potencialidades da
utilização dos vídeos nos processos de ensino e aprendizagem; o segundo se
ateve ao desenvolvimento de uma atividade prática para produção de víde-
os digitais, abordando tópicos relacionados à Educação Matemática. Para
tanto, utilizamos o aplicativo de edição de vídeos CapCut (Figura 3), que
está disponível para download grátis no computador e em smartphones
(Android e iPhone-IOS), o qual conta também com uma versão online,
que dispensa a necessidade de baixá-lo ser utilizado.
Figura 3: Página inicial do aplicativo CapCut
Fonte: Captura de tela da página inicial do site do CapCut (CapCut, 2023).
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
57
O CapCut é um aplicativo de edição de vídeos acessível que permite
o uso de produções de vídeos prontas e apresenta uma ampla gama de in-
terações para seus usuários, viabilizando a criação de vídeos com facilidade,
cortando, aparando e mesclando clipes de forma intuitiva. Além disso,
esse aplicativo oferece recursos avançados, como: adição de música, efeitos
especiais, sobreposições, legendas, transições suaves; uso de filtros e técni-
cas de edição; e importação de imagens e de áudio. O uso desses recursos
propicia a criação de slides dinâmicos.
No Quadro 1 a seguir, descrevemos as atividades desenvolvidas no
minicurso:
Quadro 1: Cronograma das atividades desenvolvidas e materiais utilizados
Etapas e Horas Atividades desenvolvidas Materiais
utilizados
Momento 1
30/11/23
08h30 às 10h
1º Momento
- Apresentação (10min);
- Roda de Conversa sobre potencialidades da
utilização dos vídeos nos processos de ensino e
aprendizagem (40min);
- FVDEM apresentação (10min);
- Apresentação de softwares de edição (10min);
- Apresentação do CapCut; (20min).
Data show,
celulares, internet e
notebooks.
Momento 2
01/12/23
08h30 às 10h
2º Momento
- Desenvolvimento de atividade prática:
criação de um vídeo abordando temas
matemáticos (15min);
- Elaboração da atividade prática entre grupos
(35min);
- Roda de conversa sobre a produção e mostra
dos vídeos produzidos (40min).
Data show,
celulares, internet e
notebooks.
Fonte: Elaborado pelos autores.
As atividades propostas vão ocorrer em dois momentos, contem-
plando um período total de 1h30 minutos. Os participantes precisarão uti-
lizar celular, smartphone e /ou notebooks. A avaliação se realizará através
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
58
da observação no envolvimento e do progresso nas atividades em relação
ao minicurso.
considerações finais
Esse minicurso foi proposto com o objetivo de discutir a produção
de vídeos digitais por professores e alunos, ampliando para os participantes
potencialidades da utilização dos vídeos nos processos de ensino e aprendi-
zagem. Os vídeos digitais se tornaram “agentes”, na Educação Matemática,
e entendemos que isso se estende também para a educação e a sociedade
em geral.
Ancoramos nossa visão de produção de vídeos em contexto de en-
sino e aprendizagem no construto seres-humanos-com-mídias (Borba et
al., 2023). Nessa perspectiva, desenvolvida por mais de 25 anos, o conhe-
cimento é produzido por coletivos de seres-humanos e não humanos. O
poder de ação não é apenas dos humanos, e sim, também dos objetos, os
quais são produzidos por coletivos de humanos, havendo uma dialética
entre a constituição de ambos. Entendemos que o celular, por exemplo,
foi produzido por humanos-com-tecnologias e, após produzido, passa a
ter agency – agência, “poder de ação” – na produção de conhecimento e de
outras tecnologias. Assim, compreendemos que os vídeos produzidos por
coletivos de professores-alunos-com-celular-capcut passam a ter poder de
ação ao serem finalizados e compartilhados com colegas, ou postados em
redes sociais como o YouTube.
Por meio do minicurso e da atividade prática de produção de um
vídeo curto, esperamos que os participantes possam ampliar seus conheci-
mentos e produzir vídeos ou oportunizar a produção de vídeos para seus
alunos. Trata-se de uma atividade que pode abarcar qualquer conteúdo,
incentivar a criatividade, propiciar a interdisciplinaridade, a autonomia e
possibilitar discussões críticas para sala de aula (Santos et al., 2023).
Em resumo, este minicurso representa uma oportunidade para apro-
fundar a compreensão e a prática da produção de vídeos digitais por pro-
fessores e alunos. Sua realização configura-se como uma oportunidade para
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
59
promover a criatividade e a autonomia na produção de vídeos, os quais
podem atuar como veículos para discussões críticas, contribuindo para os
processos de ensino e aprendizagem, além de incentivar a participação de
outros atores sociais nas próximas edições do Festival de Vídeos Digitais e
Educação Matemática (FVDEM).
agradecimenTos
O presente trabalho foi realizado com o apoio das agências de fomento
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – (Capes)
– Código de Financiamento 001 e Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) e projeto 309992/2020-6.
referências
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60
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61
Formação de professores: notas
para discussão
Afrânio Mendes Catani
A gente não muda a sociedade sem mudar a escola.
É preciso transformar a escola num lugar de descoberta do mundo.
(Roger Waters)
Gostaria de iniciar minha intervenção nesta mesa-redonda destacan-
do, de início, que em 1986 foi publicado o livro Universidade, escola e
formação de professores, organizado por quatro docentes da Universidade de
São Paulo (USP) – Denice Barbara Catani, Hercília Tavares de Miranda,
Luís Carlos de Menezes e Roseli Fischmann –, e que, até hoje, pelo que en-
tendo, perdeu muito pouco de sua relevância e atualidade. É de lamentar
que, infelizmente, grande parte dos autores que contribuíram na coletânea
não se encontra mais entre nós.
Organizada em duas grandes partes (“A dimensão social e política” e
“Formação universitária e política do professor”), a obra contém capítulos
estimulantes de autoria de Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Paul Singer,
Cláudio Salm, Perseu Abramo e Roberto Romano na parte primeira, en-
quanto Luís Carlos de Menezes, Nélio Parra, Miriam Lifchitz Moreira Leite,
Eunice Ribeiro Durham, José Mario Pires Azanha, Jorge Nagle, Cecília
Guaraná e Luiz Eduardo Waldemarin Wanderley escrevem na segunda.
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-611-4.p61-82
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
62
Dá vontade de citar, quase que na íntegra, vários dos textos, escritos
há quase quarenta anos. Em algumas das dimensões abordadas ocorreram
avanços, em outras, houve estagnação. Entretanto, os dilemas, no que se
referem à formação de professores, continuam a inquietar de forma con-
tundente aquela(e)s que se dedicam à temática.
Talvez possamos encontrar auxílio para amainar nossas inquietações
em um artigo de autoria de Umberto Eco, “Por que as universidades?”, que
meu amigo e ex-colega da Unesp de Araraquara, o professor Marco Aurélio
Nogueira, traduziu e teve a gentileza de me enviar há alguns anos já.
Numa prosa saborosa, bem-humorada e extremamente instigante,
em quatro ou cinco páginas, o pensador italiano proferiu, em 20 de setem-
bro de 2013, na Aula Magna de Santa Lucia, Universidade de Bolonha,
Itália, um discurso por ocasião das comemorações pelos 25 anos da Magna
Charta Universitatum.
Eu gostaria de destacar apenas uma parte de suas ideias, aquela que
faz uma ardorosa defesa do valor e da relevância cultural das universidades
no mundo contemporâneo. A base da argumentação de Umberto Eco re-
side na ideia segundo a qual a instituição universitária contribui de forma
decisiva para a defesa inteligente da memória social e para a construção
de identidades culturais. Vale-se do conto de Jorge Luis Borges, “Funes,
o memorioso”, em sua argumentação acerca de um personagem que se
lembrava de tudo:
[...] toda folha que tinha visto desde criança, toda palavra ouvida
no curso de sua vida, todo sopro de vento que lhe havia roçado a
pele, toda frase que lera. E precisamente por causa desta memória
total, Funes era um idiota, paralisado pela incapacidade de filtrar
e descartar os resultados de suas experiências. Nosso inconsciente
funciona porque remove. Se, depois, alguma coisa nos perturba,
pedimos a nosso psicanalista que recupere aquilo que removemos
por ser excessivamente embaraçante. Mas é importante eliminar
todo o resto: a alma é fruto desta memória seletiva; se nossa
memória fosse como a de Funes, seríamos animais sem alma, isto
é, sem identidade. Nossa identidade não é feita somente das coisas
que recordamos, mas também daquilo que conseguimos esquecer
(...). Somente as universidades (e mais em geral, as instituições de
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
63
formação) podem nos ensinar como selecionar. É preciso inventar,
e difundir, uma nova arte da depuração. Caso contrário, sem
uma Enciclopédia Unificada das Ciências, todos terão direito de
organizar sua própria enciclopédia (...). Com tal fragmentação do
conhecimento, os sete bilhões de habitantes do planeta poderão
produzir outros tantos métodos de seleção ideológica e sete bilhões
de línguas diversas, intraduzíveis entre si. A Web poderia se
converter numa Torre de Babel, na qual se falariam não setenta,
mas sete bilhões de línguas individuais (Eco, 2013, p. 5-7).
É claro que a universidade não é uma instância neutra, que em seu
interior há uma luta política incessante pela prevalência de determinada doxa
(Pinto, 2017), uma dada “verdade”. Bourdieu escreveu, por exemplo, que
“[...] cada universo erudito possui sua doxa específica, conjunto de pressu-
postos inseparavelmente cognitivos e avaliativos cuja aceitação é inerente à
própria pertinência” (Bourdieu, 1997, p. 121). Em texto anterior, dedicado
ao mercado de bens simbólicos, não é de forma gratuita que utiliza como
epígrafe um pequeno trecho de Sodome et Gomorrhe, de Marcel Proust : “As
teorias e as escolas, como os micróbios e os glóbulos, se entredevoram e asse-
guram por sua luta a continuidade da vida” (Bourdieu, 1974, p. 99).
Assim, mesmo com todos os embates pelo monopólio do conhecimento
científico legítimo que existe nas universidades e as respectivas batalhas ineren-
tes a esse campo de produção simbólica, é nesse locus, ainda, que se pode apli-
car uma abordagem unificada da diversidade, por meio de sucessivas filtragens.
Por isso temos necessidade do trabalho de especialistas, historiadores
ou arqueólogos: pedimos a eles que ressuscitem conceitos e
experiências que caíram acidentalmente na obscuridade. Com este
ato, a memória coletiva pode fazer com que floresçam novamente
os dados perdidos e pode sistematizá-lo de novo, senão em uma
Enciclopédia Comum, pelo menos em uma enciclopédia setorial
(Eco, 2013, p. 7).
Florestan Fernandes inicia sua exposição comparando o professor
ao proletário, procurando ancorar suas reflexões nos Manuscritos de 1844,
de Marx, uma vez “[...] que o professor foi objetificado, e ainda o é, na
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
64
sociedade brasileira […] ele que é um intelectual, pois não trabalha com
as mãos (Fernandes, 1986, p. 14). O professor, segundo ele, passa por um
processo de brutalização cultural, presente em todos os níveis em que atua,
da pré-escola à educação superior – e isso em uma sociedade subdesenvol-
vida, com profundas desigualdades.
Uma sociedade elitista e fechada, altamente hierarquizada, mas que,
ao mesmo tempo, necessitava do intelectual, acabou por utilizá-lo, vincu-
lando-o à atividade administrativa e política. O autor defende que “[...] o
próprio professor interessava à medida que era um agente puro e simples
de transmissão cultural” (Fernandes, 1986, p. 16). A relação do professor
com o estudante não era criadora, mas simplesmente, a de preservar os ní-
veis alcançados de realização da cultura por imitação, sendo o intelectual,
nesse contexto, domesticado, quer fosse de origem nobre ou de origem
plebeia – automaticamente se qualificava como um componente da elite.
Quando isso não ocorria, como no caso dos professores de primeiras letras,
ele era um elemento de mediação na cadeia interminável de dominação
política e cultural (Fernandes, 1986).
Quando se fundou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, na cria-
ção da Universidade de São Paulo, em 1934, os próprios fundadores tinham
a ideia de uma “renovação das elites”, não se desejando uma revolução cul-
tural, “[...] mas sim se tentar renovar e fortalecer os quadros humanos da
elite paulista, com o objetivo de ganhar no campo da cultura a batalha que
haviam perdido no campo da política(Fernandes, 1986, p. 16).
O professor acaba situando-se nas cadeias mais inferiores do pro-
cesso; ele era aquele que “[...] ia saturar as páginas em branco, que caíam
sob suas mãos, e ia marcá-las com o ferrete daquela sociedade” (Fernandes,
1986, p. 17). No Império havia uma cultura cívica circunscrita, fechada,
enquanto na República predominou uma democracia de oligarcas, restrita,
sendo a cultura cívica acessível apenas para quem faz parte de uma minoria
privilegiada em termos de riqueza, de poder e de saber. “Essas três coisas
eram interdependentes e se interligam” (Fernandes, 1986, p. 18). Era uma
sociedade rústica, “[...] uma sociedade civil na qual o despotismo senho-
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
65
rial ou o mandonismo, com outros componentes, tinham um papel vital”
(Fernandes, 1986, p. 18).
Os primeiros educadores que fogem a esse padrão, ainda rebentos
da burguesia, foram Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, além de mais
alguns poucos. Ambos anteciparam mudanças sociais relevantes numa so-
ciedade capitalista como a brasileira, mas que as classes dominantes até en-
tão brecaram. Destaca o Manifesto dos Educadores (1932), da Escola Nova,
que tentava transferir para o país os ritmos avançados das sociedades eu-
ropeias. “Era como se a Revolução Francesa desabasse sobre nós, no plano
educacional, sem ter desabado no plano econômico e político” (Fernandes,
1986, p. 19).
Florestan afirma que Fernando e Anísio enfrentaram pesada resistên-
cia contra seus projetos de mudança social e contra suas pessoas, orques-
trada pelos centros mais tradicionais da sociedade, em especial, pela igreja
católica, tentavam modificar as concepções elitistas vigentes, que viam a
grande massa como gentinha – e para essa gentinha, a educação deveria ser
a mais elementar e rudimentar possível, com a finalidade de “[...] preparar
máquinas humanas para o trabalho” (Fernandes, 1986, p. 20).
Entretanto, observou-se um grande avanço, dado pela criação da
Escola Normal, em razão dos esforços de Fernando de Azevedo e seus com-
panheiros, concebida com um padrão que poderia ter sido o francês. Uma
consciência utópica, enfim.
Assim, o educando precisa aprender Biologia Educacional,
Psicologia Social, Sociologia Educacional, Didática, Didática
Geral, Didática Especial. Mas o que se vê são compartimentos,
como se isso fosse uma espécie de saleiro. A gente põe um pouco de
vinagre, um pouco de azeite, nenhuma matéria que diga respeito à
capacitação política do professor, para enfrentar e compreender os
seus papéis. O professor, quanto mais inocente sobre estas coisas,
mais acomodável e acomodado (Fernandes, 1986, p. 20).
Enfim, a educação na República deixa de ser uma educação dos
príncipes para ser uma educação da massa dos cidadãos, que continuavam
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
66
a ser ignorados; todavia, a República criava essa obrigação para o Estado,
fazendo com que o professor se convertesse em um agente de ação, indo
além, portanto, daquilo que as elites culturais e econômicas estavam dis-
postas a admitir (Fernandes, 1986, p. 20). Mas o docente deveria “[...]
manter uma atitude de neutralidade ética com relação aos problemas da
vida e com relação aos valores” (Fernandes, 1986, p. 21).
Florestan considera tal postura impossível, pois o especialista, sain-
do da Escola Normal ou da Universidade, acaba por ser, na sala de aula,
na tensão entre cidadão e professor, um “[...] professor cidadão e um ser
humano rebelde” (Fernandes, 1986, p. 22). O sociólogo da USP, que foi
assistente de Fernando de Azevedo, mas não seu aluno, revelou que nun-
ca pensou como ele, embora sentisse grande admiração pelo catedrático.
Destacou que entendia as coisas de uma maneira distinta: para ele, se o
professor quer mudança social, tem de realizá-la em dois níveis: dentro da
escola e fora dela, necessitando unir seu papel de educador ao seu papel
de cidadão. Assim, nessa fusão de papéis, em sala de aula, ele não veria o
estudante como alguém inferior a ele (Fernandes, 1986).
Mas para haver qualquer transformação, tem que haver não uma
pedagogia dos oprimidos, mas “[...] uma pedagogia da des-opressão, da
libertação dos oprimidos” (Fernandes, 1986, p. 24). Para que isso ocorra,
tem que haver mudança – e mudança
[...] implica luta e luta social. Se o conservador quer mudar alguma
coisa, quer fazê-lo para preservar suas posições de poder ou, então,
para ampliá-las, para não correr riscos, o reformista quer mudar
para conquistar posições de poder; por sua vez, o revolucionário
quer mudar porque se identifica com classes que são portadoras de
ideias novas a respeito da natureza, do conteúdo da civilização e da
natureza do homem (Fernandes, 1986, p. 26).
O sociólogo recorda a dissertação de mestrado de Luiz Pereira, seu
orientando e posteriormente professor titular de sociologia na USP, intitu-
lada A escola numa área metropolitana. Nela, relata Florestan, se explora a
situação em que o antigo professor primário trava contato com estudantes
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
67
de origem mais modesta, de populações migrantes, “[...] que transferem do
Nordeste para o Sul suas misérias, deficiências e carências” Fernandes, 1986,
p. 28), e encontra um professor que “[...] não possui formação necessária
para entender, cabalmente, o que lhe compete fazer” (Fernandes, 1986, p.
28), que avalia de forma negativa tais estudantes. Os professores oriundos da
pequena burguesia, da classe média, estavam naquele momento com o hori-
zonte obscurecido pelas noções das classes dominantes, “[...] noções que vêm
daquela concepção mandonista, herdada da sociedade colonial, imperial e
que vicejou na primeira República” (Fernandes, 1986, p. 28).
Em meados da década de 1980, quando o texto foi escrito, Florestan
já salientava que muitos professores aprenderam novos papéis e a atitu-
de de distanciamento para com os alunos foi sendo substituída por uma
atitude de confraternização. Os docentes foram sendo rebaixados em seu
nível social e acabaram por responder a isso positivamente, pois “[...] ao
invés de se considerar degradado, procurou naquele ser humano, que antes
não compreendia, um igual, que apenas está em condições piores e que ele
procura ajudar em termos de cooperação social” (Fernandes, 1986, p. 29).
O professor perde prestígio como profissional e, também, perde ren-
da, além de “[...] perder tempo para adquirir cultura e melhorá-la, a fim de
ser um cidadão ativo e exigente” (Fernandes, 1986, p. 30). Para ser crítico,
ele necessita ter os instrumentos intelectuais para tal, para desenvolver uma
prática que vá além da escola. Florestan conta que, no tempo em que era
assistente na antiga Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da USP, não se
dizia que o professor recebia salário:
Ele tinha proventos. A concepção estamental era tão forte, que ele
se sentia degradado se fosse considerado (ou se se considerasse)
um assalariado. Hoje, não só quer ser assalariado, mas quer lutar
como assalariado, até quer imitar os operários na luta econômica e
política (Fernandes, 1986, p. 30).
Muitos outros aspectos ainda poderiam ser destacados da inter-
venção de Florestan Fernandes, mas entendo que sua contribuição mais
relevante residiu, na época, em problematizar a passagem da situação do
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
68
professor à condição de assalariado e, a partir dessa constatação, que pro-
letariza sua consciência – e portanto, seu modo de ação –, o faz romper
com seus padrões ou enfrentar um complicado processo de marginalida-
de cultural,
[...] porque compartilha de duas formas de avaliação: uma, que é
mais ou menos elitista; e outra, que é mais ou menos democrática
e divergente. Nessa situação-limite, o professor se vê obrigado a
redefinir sua relação com a escola, com o conteúdo da educação,
sua relação com o estudante, com os pais do estudante e com a
comunidade em que vivem os estudantes (Fernandes, 1986, p. 34).
Perseu Abramo (1986), Eunice Durham (1986), Luís Carlos
de Menezes (1986) e Cláudio Salm (1986), na mesma coletânea
(Universidade, escola e formação de professores), destacam questões da má-
xima relevância envolvendo a preparação do pessoal docente nas institui-
ções de educação superior.
Perseu recupera algumas considerações tecidas por Florestan
Fernandes, que sintetizei em parágrafos anteriores, em especial quando se
refere à certa falta de consciência por parte do professorado acerca de sua
posição na estrutura social.
Não que seja imprescindível rotular as pessoas com a sua posição
de classe. Mas é importante, sim, saber qual é o projeto histórico
desse conjunto de cidadãos que têm a função de transmitir
conhecimentos e ideias para milhões de alunos (Abramo, 1986,
p. 80).
Lembra, ainda, que os professores do ensino fundamental muitas
vezes têm salários e condições materiais de vida que se situam abaixo de
certas camadas da classe operária. Entretanto, sua postura ideológica, polí-
tica e cultural é típica dos segmentos médios da população – “classe média-
-média” ou “classe média-alta” –, quase sempre mais dispostos a serem co-
optados “[...] pelos valores ideológicos da burguesia do que a se igualar ou
solidarizar-se com os do proletariado” (Abramo, 1986, p. 80). Claro que
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
69
isso não se aplica à vanguarda política da categoria, mas sim, ao conjunto
da classe.
Na ausência de um novo projeto de educação por parte do magis-
tério, acabaram sendo emparedados e apenas conseguiram se defender da
exploração e da opressão, deixando de propor alternativas educacionais
para a sociedade. Mas, não é supérfluo mencionar, que outros professo-
res tentam implementar propostas pedagógicas, “[...] mini experiências
educacionais, capazes de servir a meia dúzia de famílias da alta burguesia,
como se essas fossem, na verdade, soluções para o problema educacional”
(Abramo, 1986, p. 81).
Levanta a hipótese segundo a qual a categoria encontra-se “atrasada
em relação a um projeto de reforma educacional que se vincule a um projeto
de reforma da sociedade e, não raro, quando membros da própria estrutura
oficial do ensino tentaram implementar algumas mudanças, encontraram
fortes resistências por parte dos professores. Em suma, Perseu Abramo afirma
que talvez falte ao professor assumir sua consciência de classe,
Como diz o professor Florestan Fernandes, qualquer mudança ou
renovação tem fundamentalmente caráter político (...) [tendo] que
fazer uma clara opção política e de classe (...), [sendo] agentes da
burguesia cooptados para conformar e enquadrar as novas gerações
[ou] parte da classe trabalhadora e, portanto, devendo assumir
como seus os valores da classe trabalhadora e não daqueles que os
oprimem (Abramo, 1986, p. 83).
Ao ponderar sobre as limitações das universidades na formação social
do professor, Eunice Durham (1986, p. 150) entende que a universidade
não tem condições de formar o professor do ensino básico de forma ideal:
“[...] ele não vai se formar antes de começar a trabalhar. Não vamos nunca
conseguir com o tipo de curso que somos capazes de dar, com nosso treina-
mento, deixar o professor pronto”. Apenas através de um programa de longo
prazo de contato constante da universidade com os professores que se en-
contram trabalhando é que a formação poderá, na sua visão, ser mais efetiva.
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
70
É, na prática, que o professor sente o problema de sua formação
limitada; “É nesse momento que o saber acumulado na universidade, a
bibliografia existente, passam a ser importantes” (Durham, 1986, p.
151). Mas acrescenta que, certamente, deve-se melhorar a formação dos
docentes e, também, se criar na universidade um lugar, um espaço, que
atenda aos professores já diplomados, criando-se uma dinâmica contínua
e permanente “[...] que implique tanto a vida do professor para a universi-
dade, como a ida da universidade para as escolas” (Durham, 1986, p. 151).
Eunice lembra que, “[...] em qualquer plano a ser desenvolvido, é
importante para o jovem que está se preparando para ser professor, to-
mar consciência da realidade do mercado de trabalho” (Durham, 1986, p.
151). É nessa dimensão que as contribuições de Cláudio Salm se tornam
relevantes, pois se referem à formação profissional. Para ele, “[...] a melhor
profissionalização que podemos dar aos jovens é prepará-los para o mundo
do trabalho que irão enfrentar. Mas o que significa isto?” (Salm, 1986, p.
75). Provavelmente, a imensa maioria vai trabalhar em unidades produ-
tivas ou burocráticas, nem sempre de molde reduzido, cabendo indagar
quais são os pilares básicos dessa produção, desse capitalismo. Tais pilares
“[...] são basicamente dois: de um lado, a ciência, a incorporação crescente
da ciência no processo produtivo e, de outro, complexas hierarquias, onde
as relações de poder são difíceis de captar” (Salm, 1986, p. 75-76).
Portanto, acrescenta Salm, ciência e poder. É nesse binômio que o jo-
vem tem que ser iniciado na escola, “encontrando nela condições para ab-
sorver os princípios e as leis da ciência e do poder”. E isso “não se aprende
olhando, aprende-se estudando. Julgo ser esta a melhor profissionalização
que podemos dar aos nossos jovens: transmitir a eles as bases da ciência e das
articulações e formação do poder em nossa sociedade” (Salm, 1986, p. 76).
A questão da remuneração é pontuada por Eunice Durham, que
ressalta que se o salário estiver baixo, não se irá atrair os mais dotados para
a profissão docente. E já se inquietava ao constatar que eram as faculdades
privadas as responsáveis pela formação da grande maioria dos professores
do ensino básico – em parágrafos posteriores, exploro a questão da remu-
neração, da ação do ensino privado, da educação a distância.
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
71
Luís Carlos de Menezes (1986), em “Formar professores: tarefa da
universidade”, produziu um capítulo questionando as atribuições da aca-
demia nesse quesito e discutindo os limites e possibilidades para que essa
tarefa chegue a bom termo. Inicia rejeitando a ideia segundo a qual o pro-
fessor é um mero ensinador de coisas, um agente social de continuidade.
Para ele, “[...] o profissional do ensino pode se constituir em um agente
de transformação da sociedade em que interage” (Menezes, 1986, p. 118).
Desempenhando função mais ampla, necessita possuir “visão de conjunto
do país, de suas potencialidades e de seus problemas”, assim como ter a “ca-
pacidade de formular pensamentos gerais e abstratos a partir de problemas
concretos”. Mas isso requer “uma formação no sentido social, humanista
(Menezes, 1986, p. 118), coisa que a universidade não tem dado.
Mas, antes, o professor obrigatoriamente deve ter uma competência
técnica e científica na área de sua especialidade. “Se ele souber das coisas
sociais, mas não souber Química, Matemática, Física ou o que quer que
vá ensinar, irá inviabilizar seu papel social pela própria incompetência
(Menezes, 1986, p. 119). Precisa, igualmente, de uma competência peda-
gógica, quer dizer, “[...] uma consciência dos objetivos específicos e gerais
que ele, professor, tem em comum com seu aluno” (Menezes, 1986, p.
119). Todavia, a universidade vem formando professores como uma espé-
cie de tarefa que paga para poder “fazer ciência em paz” (Menezes, 1986,
p. 120), e não como uma de suas obrigações centrais.
Para ele, o aprendizado abstrato deve surgir do saber prático, e não
vice-versa; para que isso ocorra, “[...] o professor precisa ter aprendido na
universidade este conhecimento prático, técnico, que não prescinde do
saber científico, abstrato, mas o completa” (Menezes, 1986, p. 121).
O despreparo docente não lhe passa despercebido, quer aqueles
oriundos das instituições de ensino públicas e, em sua maioria, os ori-
ginários das faculdades privadas, o que exigirá “[...] um esforço especial
e prolongado de recapacitação de professores” (Menezes, 1986, p. 122),
com voltas periódicas à universidade daqueles já formados. Para tal, cada
unidade acadêmica, ou cada campus, necessita ter centros de formação e
atualização de pessoas vinculadas ao ensino.
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
72
Menezes conclui sua análise ponderando que para enfrentar esse con-
junto de problemas, particularmente no que se refere à questão educacional,
a universidade brasileira precisaria modificar sua atitude em dois âmbitos
gerais: internamente, valorizando as atividades didático-pedagógicas dos do-
centes universitários, “[...] até agora desprestigiados em comparação às ativi-
dades científicas ou administrativas” (Menezes, 1986, p. 124); externamente,
tendo a disposição, enquanto instituição, de corresponsabilizar-se “[...] pela
formulação de políticas educacionais, produção de livros-texto, apoio à es-
cola pública, denúncia de irregularidades e fiscalização de qualidade no co-
mércio educacional, coisas até agora consideradas ‘assunto das secretarias de
educação’, ‘problemas do governo’” (Menezes, 1986, p. 124).
Criticando o modo de governar dos socialistas franceses no final da
década de 1990, Pierre Bourdieu escreveu que vários segmentos sociais, em
especial os trabalhadores que se encontravam alocados no que chamava de
mão esquerda do Estado – ou seja, o conjunto dos agentes dos ministérios
ditos “gastadores”, como saúde, educação, previdência, assistência social –,
rebelaram-se contra a maneira como os governantes os tratavam, entenden-
do que eram constantemente iludidos ou desautorizados. O sociólogo fran-
cês acrescentava:
Deveríamos ter compreendido há muito tempo que a sua revolta se
estende muito além das questões de salário, embora o salário que
recebam seja um sinal inequívoco do valor atribuído ao trabalho e
aos trabalhadores. O desprezo por uma função se traduz primeiro
na remuneração mais ou menos irrisória que lhe é atribuída
(Bourdieu, 1998, p. 11).
Priscilla Bacalhau, em uma de suas colunas na Folha de S.Paulo (4
ago. 2023, p. A2), com o título “Quem quer ser professor?”, faz uma sé-
rie de considerações que envolve inúmeras dificuldades enfrentadas, de-
mandas crescentes, baixa valorização, parca remuneração e sentimento de
frustração com a profissão. A percepção geral sobre o ofício de ensinar, por
mais que haja motivação, é que ele não é atrativo:
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
73
Diversas pesquisas mostram que menos de 5% dos jovens
estudantes do ensino médio afirmam querer ser professor. Esses
estudantes que demonstram interesse em ser professor não estão
entre aqueles com melhor desempenho acadêmico. Para os demais,
a baixa remuneração, pouca valorização social e planos de carreira
desestruturados são fatores determinantes para essa falta de interesse
na profissão. (Bacalhau, 4 ago. 2023, A2).
Priscilla prossegue, informando que os poucos que decidem seguir
a carreira enfrentam dificuldades em sua formação. Constata-se que a eva-
são, em especial na área de exatas, atinge 70%, segundo dados do Inep.
A grande incidência de cursos a distância é outro desafio da formação
inicial dos professores. Estes cursos, de forma geral, precisam ter
seus mecanismos de garantia de qualidade da formação revistos, e
os estudantes acabam concluindo a licenciatura sem uma formação
sólida. (Bacalhau, 4 ago. 2023, A2).
Apesar dos poucos incentivos, os que persistem na profissão avan-
çam muito pouco e muito lentamente.
O piso salarial, que vem aumentando desde a criação da lei do piso
nacional em 2008, não é suficiente para garantir uma valorização
digna das demandas da profissão, nem condições mínimas de
trabalho. Além disso, nem o crescente piso salarial pode ser
considerado alto quando se compara com outros profissionais de
ensino superior (Bacalhau, 4 ago. 2023, A2).
Isabel Palhares (2023a), em artigo na Folha de S.Paulo (19 maio 2023),
detalha a pesquisa “Movimento Profissão Docente”, contendo informações
das Secretarias Estaduais de Educação de setembro de 2023. O estudo consi-
dera na análise a remuneração dos professores (expressa em reais) com licen-
ciatura plena e jornada de trabalho ajustada para 40 horas semanais.
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
74
Quadro I: Remuneração de Professores com Licenciatura Plena: Jornada
de Trabalho 40 Horas Semanais
Unidade da Federação Salário Inicial Salário Final
Acre 4.054,00 6.608,00
Alagoas 4.500,00 6.022,00
Amapá 4.917,00 10.013,00
Amazonas 4.749,00 5.455,00
Bahia 5.050,00 6.506,00
Ceará 5.413,00 15.348,00
Distrito Federal 5.497,00 8.260,00
Espírito Santo 4.579,00 6.042,00
Goiás 3.943,00 4.441,00
Maranhão 6.868,00 8.739,00
Mato Grosso 6.329,00 10.064,00
Mato Grosso do Sul 8.381,00 17.132,00
Minas Gerais 3.917,00 5.535,00
Pará 6.957,00 7.349,00
Paraíba 4.230,00 4.764,00
Paraná 4,703,00 5.646,00
Pernambuco 4.680,00 7.002,00
Piauí 3.955,00 4.229,00
Rio de Janeiro 3.333,00 6.579,00
Rio Grande do Norte 5.385,00 8.354,00
Rio Grande do Sul 4.240,00 5.567,00
Rondônia 4.664,00 5.877,00
Roraima 6.103,00 7.418,00
Santa Catarina 5.000,00 ?
São Paulo 5.000,00 13.000,00
Sergipe 4.451,00 ?
Tocantins 4.320,00 6.159,00
Fonte: Palhares, 19 maio 2023a, p. B4
As informações podem ter graus de discrepâncias variados. A ma-
téria informa, por exemplo, que, em Santa Catarina, o salário para quem
tem nível médio é de R$ 3.450,00, atingindo o teto de R$ 8.151,65 para
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
75
os docentes com o título de doutor. Por sua vez, a Secretaria de Educação
do Estado de Sergipe não respondeu às demandas da repórter.
O caso de São Paulo é, no mínimo, estranho, pois, em 2021, o sa-
lário inicial era de pouco mais de R$ 5.000,00 mensais, podendo chegar a
R$ 13.000,00. Entretanto, esse valor é apenas para os concursados, e São
Paulo ficou 9 anos sem abrir concursos. Ressalte-se ainda que 44,6% dos
216.800 docentes, isto é, quase 100.000 professores, possuem contrato
temporário e, portanto, não experimentam a possibilidade de todas as evo-
luções na carreira.
Com exceção de quatro estados da federação – Amapá, Ceará, Mato
Grosso do Sul e São Paulo – que, de acordo com as informações fornecidas,
preveem alterações significativas entre o salário inicial e o final na carreira
do professor; os demais não remuneram a categoria de forma a estimular
a busca para que o profissional tenha estímulo para se atualizar e se empe-
nhar com mais afinco.
Laura Müller Machado, por sua vez, em artigo intitulado “Professores
têm piso salarial maior do que renda de 92% dos pais de seus alunos
(Folha de S.Paulo, 29 jul. 2023), levanta importantes aspectos para a dis-
cussão, começando por afirmar que
um dos muitos desafios dos gestores públicos é saber se a
remuneração está adequada ou não para determinada função.
Para que um trabalho seja exercido com qualidade e alcance os
resultados esperados, a remuneração adequada do trabalhador é
importante (Machado, 2023a, A15).
Todavia, destaca que, apesar disso, os professores se encontram entre
os 8% de maior remuneração entre os trabalhadores no Brasil: “Se usarmos
toda a força de trabalho brasileira, os resultados não serão muito diferentes.
Esquecemos como nosso país é pobre.” (Machado, 2023a, A15). Sendo
assim, eles ganham mais do que 92% dos pais dos seus alunos.
Laura escreveu outro artigo no mesmo jornal, em 13.08.2023, sin-
tomaticamente intitulado “46% dos professores recebem menos que o piso
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
76
salarial nacional”, que, na ocasião, era de R$ 3.840,00. “A dúvida que fica
é se a nossa sociedade, considerando as comparações internacionais e na-
cionais, entende que alcançou um piso satisfatório para a profissão de pro-
fessor.” (Machado, 2023b A26). Discussões interessantes, mostrando que
a média salarial dos professores está há mais de 20% abaixo da média de
outros profissionais com a mesma escolaridade, aparecem em “Professor,
profissão de segunda classe no Brasil” (Machado, 2023c, A3).
No Brasil, o número total de matrículas na graduação é de 9.443.597,
sendo 7.367.080 (78%) na rede privada e 2.076.517 (22%) na rede públi-
ca de ensino. Apenas cinco faculdades privadas concentram 27% de todos
os alunos do ensino superior no país. Juntas, elas detêm mais alunos do
que todas as 312 instituições públicas brasileiras, segundo dados do Censo
do Ensino Superior de 2022. “Para especialistas, a flexibilização das regras
para a abertura de cursos à distância (EaD) beneficiou sobretudo os gran-
des grupos educacionais” (Palhares; Martins, 2023).
É no ensino a distância que as cinco maiores instituições concen-
tram mais matrículas. Segundo Palhares e Martins (2023) sendo que
[...] os 2,5 milhões de alunos da Universidade Pitágoras Unopar
Anhanguera (do grupo Cogna), Centro Universitário Leonardo
da Vinci, Universidade Cesumar, Universidade Estácio de Sá e
Universidade Paulista somam mais de 2,3 milhões de alunos em
cursos à distância, ou 91% do total de seus estudantes.
As regras mais flexíveis favoreceram a concentração dessa modali-
dade, pois os grupos, que já eram grandes, conseguiram oferecer cursos a
custos cada vez mais baixos e foram se fortalecendo.
Em 2012, 29 instituições de ensino concentravam esse mesmo
percentual de 27% dos estudantes em graduação. O número foi
caindo ano após ano até chegar a cinco em 2022. Em 2012, essas
mesmas cinco instituições concentravam 10% das matrículas
de graduação do país, com pouco mais de 716 mil estudantes.
Somadas, elas mais do que triplicaram o número de alunos no
período (Palhares; Martins, 2023).
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
77
A matéria prossegue, ressaltando que foi durante o governo de
Michel Temer, e a partir de 2017, que um decreto concedeu autonomia
para que as instituições de ensino pudessem abrir até 250 polos de ensino
a distância sem a necessidade de aprovação pelo Ministério da Educação
(MEC), como era obrigatório antes. “Em apenas um ano após a regulação
ser afrouxada, o número de polos mais do que dobrou no país, saltando de
6.583 para 15.394.” (Palhares; Martins, 2023).
Mas a informação que é de pouco conhecimento da maioria, in-
clusive daqueles que estudam políticas de educação superior, vem a ser a
proporção alunos/professor:
Centro Universitário Leonardo da Vinci: 2.594
Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera: 1.325
Universidade Cesumar: 861
Universidade Estácio de Sá: 231
Rede privada – modalidade a distância: 171
Universidade Paulista (Unip): 94
Rede pública – modalidade a distância: 34
Rede privada – modalidade presencial: 22
Rede pública – modalidade presencial: 11
(PALHARES; MARTINS, 2023).
Os autores da matéria que estou citando lembram que os dados do
Censo do Ensino Superior mostram que 64,4% dos concluintes em licen-
ciaturas estudaram a distância. Argumentam que “Essa proporção quase
dobrou em uma década, em relação aos 33,8% registrados em 2012. Para
comparação, 15% dos graduados em cursos de bacharelado no ano passa-
do [2022] fizeram a modalidade a distância.” (Palhares; Martins, 2023).
Paulo Saldaña (2023) e Isabel Palhares (2023a), em artigos na
Folha de S.Paulo (respectivamente em 1 jun. 2023 e 25 maio 2023), ocu-
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
78
pam-se da mesma temática, qual seja, a desistência dos alunos dos cursos
de licenciatura.
Cerca de um quinto dos estudantes no último ano dos cursos de li-
cenciatura no país não tem a intenção de trabalhar como professores. Para
especialistas, “a baixa remuneração e as más condições do trabalho docente
fazem com que os concluintes busquem outras áreas para atuar.” (Palhares,
2023a). Os dados são de um questionário aplicado para os estudantes
inscritos no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) de
2021, “edição em que foram avaliadas as licenciaturas das áreas de ciências
humanas, biológicas e exatas.” (Palhares, 2023a).
O documento divulga que, dos 305.215 concluintes de licenciatura
que responderam ao questionário, “19% dizem não ter vontade de atuar
no magistério – 14% afirmaram não querer a docência como principal
função e 5% descartam totalmente a carreira. Outros dizem ainda não
ter decidido sobre seguir na profissão (18%), enquanto 63% pretendem
exercê-la.” (Palhares, 2023a).
Estudo realizado pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de
Ensino Superior (Semesp), com base em dados do MEC, aponta que, se
for mantido o ritmo atual de formados em licenciaturas, a educação brasi-
leira pode ter falta de 235 mil docentes até 2040.
Paulo Saldaña, por sua vez, mostra que os cursos de formação de
professores em matemática, química e física têm taxas de desistência em
torno de 70%, bem superior à média geral do sistema universitário, segun-
do informações tabuladas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (Inep). Nessas áreas, 7 em cada 10 ingressantes em 2012 nes-
sas licenciaturas já haviam abandonado o curso em 2021 (Saldaña, 2023).
Matemática é a área com piores resultados no Brasil: apenas 5%
dos estudantes que terminam o ensino médio em escolas públicas têm
o aprendizado adequado na matéria. Dos cerca de 2 milhões de jovens
que concluem essa etapa do ensino, mais de 1,9 milhão deixam a escola
sem conseguir, por exemplo, resolver problemas de porcentagem ou usar o
Teorema de Pitágoras.” (Saldaña, 2023).
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
79
Das 1, 6 milhão de matrículas em licenciaturas no país, 64,4% estão
em instituições privadas; sete em cada dez são de mulheres. As taxas de
desistência acumulada de alunos em cursos de formação de professores,
no período de 2012-2021, nas redes pública e privada, em %, são as
seguintes:
Pedagogia: 50% Sociologia: 62%
Artes: 55% Língua Estrangeira: 63%
Geografia: 56% Filosofia: 64%
Biologia: 57% Química: 67%
História: 58% Matemática: 68%
Educação Física: 59% Física: 72%
Língua Portuguesa: 69%
O artigo de Paulo Saldaña informa que no ensino médio brasileiro,
hoje, 45% dos professores que lecionam física não têm formação na área
ou sequer têm formação. “Esse índice é de 31% no caso de química e 19%,
em matemática.” (Saldaña, 2023).
Ao mesmo tempo, a distribuição das matrículas de cursos de forma-
ção de professores apresenta-se da seguinte forma, em termos percentuais:
Pedagogia: 47,9% Geografia: 3,2%
Educação Física: 7,4% Letras: Português/Inglês: 2,6%
Matemática: 6% Química: 2,3%
História: 5,6% Física: 1,8%
Letras: 4,9% Outros: 13,5%
Biologia: 4,7%
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
80
A rubrica “Outros” compreende os cursos de Letras Inglês, Artes
Visuais, Filosofia, Música e Ciências Sociais. Em 2021, segundo dados do
MEC, 77% dos alunos de licenciatura se encontravam matriculados na
modalidade EaD.
O presente texto foi aberto com uma epígrafe em que transcrevo
trecho de entrevista de Roger Waters (1943), cantor, compositor e baixista
inglês, ex-membro da banda Pink Floyd, que retirei da Internet em 5 de
novembro de 2023. Encerro-o, também, com outra passagem da mesma
entrevista do artista, aluno na Universidade de Westminster e interno no
Cambridgeshire High School for Boys. Ele não poupou críticas ao sistema
educacional inglês: no seu entender, os estudantes eram oprimidos pelos
professores, que destacavam as fraquezas de cada um – algo detalhado na
ópera rock e Wall (1979), grande êxito da banda.
Seu pai morreu durante a Segunda Guerra Mundial, em Anzio,
Itália, quando Roger tinha apenas 5 meses, tendo sido criado pela mãe,
Mary Waters, professora, que lhe transmitiu o seguinte ensinamento:
Roger, durante toda a sua vida você vai se debater com questões,
problemas, vai ter que se decidir entre as coisas. Quando acontecer,
leia, leia, leia, leia, leia, leia! Até que você saiba tudo sobre a questão
com a qual você está se debatendo. É por isso que a educação é tão
importante. Você tem que ser capaz de ler. Depois de fazer isso,
você terá feito todo o trabalho duro. A próxima parte é fácil. Você
faz a coisa certa… (Waters, 2023).
Em considerações derivadas dos ensinamentos maternos, já incorpo-
rados a seu regime de pensar e de agir, Roger enxerga os professores como
aqueles que prepararam as pessoas, de alguma maneira, para a vida. Para
que isso possa acontecer em perspectiva com possibilidades emancipató-
rias, recomenda aos docentes uma forma de proceder que utiliza exatos
nove verbos em sua ação: “leiam, leiam, leiam; leiam, leiam, leiam; leiam,
leiam, leiam!”
Termino com uma observação de Bourdieu, para quem a única ma-
neira de enfrentar tal situação adversa – como a formação de professores
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
81
e o conjunto de situações limitantes que procurei elencar nos parágrafos
anteriores – reside na organização de movimentos sociais com objetivos
bem definidos, em que os professores logrem fazer sua autossocioanálise:
É fazendo a socioanálise da sua própria experiência que se pode
servir sociologicamente. Aliás, o próprio trabalho de pesquisa é
uma socioanálise (...). Aprende-se muito mais sobre si mesmo... Um
professor aprende mais sobre seu inconsciente estudando o sistema
escolar que estudando a obra de Freud (Catani, 2017, p. 346).
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Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
82
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2023. Disponível: facebook.com/reel/1778442546343291. Acesso em: 19 mar. 2025.
83
A produção de conhecimentos
em Educação: Universidade,
Escola e Formação Continuada de
Professores
Amadeu Moura Bego
Vagner Antonio Moralles
À guisa de inTrodução
Apesar de os cursos de formação continuada de professores serem
muito difundidos no país e regulamentados por uma série de documentos
oficiais, na maioria das vezes, não se configuram como processos que con-
tribuem efetivamente para a formação docente. Ao contrário, historica-
mente, as ações de formação continuada de professores têm se limitado às
funções de atualização profissional pontual, aperfeiçoamento, suprimento
de carências de ordem teórica ou metodológica e/ou preparação para mu-
dança de função na unidade escolar (Amador; Nunes, 2019).
Na literatura da área, os formatos de cursos de formação continuada
de professores são classificados em duas grandes categorias: I) Estruturantes:
frequentemente formatados em cursos pontuais (palestras, conferências e
oficinas) ou de curta duração (10, 20, 30 horas), em que se trabalham
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-611-4.p83-102
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
84
conteúdos estipulados previamente, sem considerar a especificidade de
aprendizado e de contexto de trabalho de cada professor. Ocorrem em
abordagens verticalizadas, nas quais um especialista alheio à unidade esco-
lar orienta o professor sobre o que fazer. São propostas de vertentes tradi-
cional, comportamentalista e/ou tecnicista; II) Interativo-construtivistas:
geralmente são cursos mais longos e/ou projetos escolares maiores, organi-
zados de acordo com os contextos educativos específicos e as necessidades
dos professores, em uma dinâmica dialética, reflexiva, crítica e investigati-
va. Nessas iniciativas, o conhecimento prévio dos professores é considera-
do fundamental (Porto, 2000; Monteiro; Giovanni, 2000).
A grande problemática da primeira perspectiva é trabalhar com te-
máticas específicas em cursos isolados e pontuais. Estas, por serem muito
genéricas e pouco articuladas com o contexto específico de trabalho, difi-
cilmente apresentam utilidade em situações singulares e complexas de sala
de aula. A falha de sua integração com o trabalho docente ocorre pois não
se consideram as formas de aprender e pensar dos professores, a diversi-
dade de desempenho profissional, o ambiente escolar e o local de atuação
profissional (Tricárico, 2001; Imbernón, 2010). Nas palavras de Imbernón
(2010, p. 54), a concepção que fundamenta esses cursos é a de que:
[...] existe uma série de comportamentos e técnicas que merecem
ser reproduzidos pelos professores nas aulas, de forma que, para
aprendê-los, são utilizadas modalidades como cursos, seminários
dirigidos, oficinas com especialistas ou como se queira denominá-
los. Neles, a ideia que predomina é a de que os significados e
as relações das práticas educacionais devem ser transmitidos
verticalmente por especialistas que solucionem os problemas
sofridos por outras pessoas: os professores.
Para Gil-Pérez (2001), esses cursos estruturantes apresentam dois
pontos que contrastam com uma formação continuada de excelência:
I) a ausência de preocupação em se trabalhar as concepções prévias dos
professores, uma vez que as ações profissionais, muitas vezes, são funda-
mentadas em uma “formação ambiental”, um conhecimento adquirido
de forma acrítica pela vivência como aluno e reforçada durante os anos
de escolarização. Para suplantar essas concepções de senso comum, seriam
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
85
necessárias ações formativas direcionadas a tal fim; II) a separação entre
os conteúdos científicos e educativos do contexto real de sala de aula: os
cursos são fundamentados em conteúdos científicos ou complementos de
teorias educacionais, sem se preocuparem com as necessidades específicas
de cada profissional e de cada contexto.
Trabalhar a formação continuada de professores sem uma articu-
lação orgânica entre pesquisa acadêmica e prática de sala de aula pode
reforçar a dicotomia já evidenciada por Gauthier et al. (1998) entre um
saber sem ofício e um ofício sem saberes, especialmente, quando se trata da
produção de conhecimentos nesse campo.
De forma geral, a expressão ofício sem saberes representa uma visão,
de senso comum, segundo a qual a docência não exige uma série de sabe-
res específicos e privativos para seu exercício. Nessa perspectiva ativista,
o trabalho de sala de aula exigiria apenas talento inato, conhecimento do
conteúdo, bom senso, experiência e/ou uma vasta cultura geral.
Já a noção de saberes sem ofício expõe uma frase comumente ouvida
no dia a dia da profissão, a de que o conhecimento produzido na literatura
educacional não se aplicaria concretamente à realidade da sala de aula. A
falta de articulação entre pesquisa e prática pode distanciar o professor
das teorias pedagógicas, suprimindo a possibilidade de incorporá-las à sua
prática; ou pode denunciar o fato de, muitas vezes, as teorias propostas
simplificarem exacerbadamente a complexidade da realidade objetiva de
sala de aula, impossibilitando sua integração ao trabalho docente.
A visão equivocada gerada por essa dicotomia pode contribuir para
que a formação continuada seja concebida como um momento de simples
aquisição e/ou aprofundamento do conteúdo, que não exige uma comple-
xa e dinâmica interação e ressignificação de saberes docentes. Trata-se de
uma perspectiva tanto de abordagem formativa quanto de produção de
conhecimentos acadêmico-científicos, que apresenta mormente um cará-
ter tecnicista e aplicacionista, em que há a ausência de relação horizontal e
colaborativa entre universidade e escola; entre professores universitários e
professores da educação básica.
Por outro lado, diversos autores da área, ao criticarem tal perspectiva,
têm apontado que uma formação continuada de excelência deve propiciar
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
86
condições para que o professor desenvolva e ressignifique seus saberes docen-
tes e produza conhecimentos, por meio da pesquisa de sua própria prática e
levando em consideração as especificidades de seu contexto real de trabalho.
Uma formação com essa potencialidade se efetivaria com base em algumas
características basilares reunidas e sustentadas pela literatura da área.
Com efeito, a proposta deste capítulo é discutir como o conheci-
mento em Educação pode ser produzido dentro das complexas relações
que ocorrem no ambiente escolar e de trabalho docente. Além disso, bus-
ca evidenciar as condicionantes fundamentais para propostas de formação
continuada de excelência que permitam que o professor alcance patamares
cada vez mais elevados de desenvolvimento profissional, bem como a pro-
dução de conhecimentos sobre, na e para a escola e seus principais atores.
escola como espaço social legiTimado da educação formal
Pensar a produção de conhecimentos em Educação reclama a ex-
plicitação do entendimento que se assume sobre Educação Escolar, em
primeira instância, e sobre um dos principais profissionais que ali atuam,
os professores. Assim, a produção de conhecimentos em Educação Escolar
é influenciada, no geral, pela concepção mesma adotada sobre a definição,
as características e as funções da escola.
Historicamente, a escola se legitimou como uma instituição moderna
privilegiada para o exercício da educação formal (Hilsdorf, 2007). Esse esta-
tuto confere características específicas à instituição escolar, no que se refere à
escolarização, que a distância de outros espaços e instituições sociais.
Ora, a Educação, como fenômeno social e universal, não ligada es-
pecificamente a uma instituição, corresponde à prática de formação e hu-
manização dos sujeitos que convivem em sociedade e, por isso, pode se
desenvolver em diversos meios, de diferentes formas e espaços de interação.
Por seu turno, a prática educativa formal que ocorre em uma instituição
específica, a escola, se trata de um processo sistemático e intencional em
que há objetivos pedagógicos definidos consciente e explicitamente. Como
corolário, implica lugares, metodologia, procedimentos, técnicas e condi-
ções prévias criadas deliberadamente (Alves; Bego, 2020). É uma prática
social consciente, explícita e planejada, que visa, de modo efetivo, conduzir
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
87
os estudantes à aprendizagem de um corpus de conhecimentos legitimados
(Bego, 2016; Libâneo, 2013; Saviani, 2010).
É impossível, na sociedade atual, com o progresso dos conhecimentos
científicos e técnicos, e com o peso cada vez maior de outras
influências educativas, a participação efetiva dos indivíduos e grupos
nas decisões que permeiam a sociedade sem a educação intencional e
sistematizada provida pela educação escolar (Libâneo, 2013, p. 16).
Desta feita, a Educação Escolar corresponde ao ensino com propósi-
tos intencionais, práticas sistematizadas e alto grau de organização, que visa
democratizar aos estudantes os conhecimentos sistematizados produzidos
ao longo da história pela cultura letrada e científica. Como tal, o processo
de escolarização formal é inextricavelmente influenciado por condições so-
ciais, políticas, culturais e econômicas (Bego, 2016; Libâneo, 2013).
Essa concepção assumida sobre a Educação Escolar e seu locus, a
escola, tem como consequência a assunção da ação educativa formal como
um fenômeno necessariamente complexo e multifacetado. Multifacetado,
em função das diferentes e divergentes variáveis que incidem sobre o pro-
cesso de ensino e aprendizagem; complexo, pois essas variáveis incidentes
se apresentam na forma de relações cruzadas, interdependentes e simul-
tâneas, resultando na impossibilidade de seu isolamento e manipulação
experimentais, sob o risco de simplificação do processo per se.
O profissional que atua diretamente com o ensino na instituição es-
colar, o professor, ao exercer seu labor, a ação didático-pedagógica, precisa
lidar em seu dia a dia com um fenômeno singular, dinâmico, relacional,
multidimensional, institucional, social e historicamente situado (Bego,
2016). Por isso, a produção de conhecimentos em Educação, em sua on-
tologia, não pode desconsiderar o processo de ensino e aprendizagem, no
contexto da Educação Escolar, em sua totalidade abrangente, conforme
adverte Libâneo (2013).
Entender, pois, o processo didático como totalidade abrangente
implica vincular conteúdos, ensino e aprendizagem a objetivos
sociopolíticos e pedagógicos e analisar criteriosamente o conjunto
de condições concretas que rodeiam cada situação didática
(Libâneo, 2013, p. 58).
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
88
Se o professor, em sua função institucional, lida com o processo di-
dático, as investigações acadêmico-científicas que tenham como foco este
profissional, entre elas, aquelas vinculadas a ações de formação continuada,
não podem ignorar sua totalidade abrangente, sob o risco de reducionismo
e ingenuidade.
Sobejamente, as pesquisas acadêmico-científicas, em sua maior parte
desenvolvidas nos programas de mestrado e doutorado, precisam enfrentar
o desafio, nada trivial, de “[...] desmembrar um tema de pesquisa comple-
xo e um interesse amplo nesse tema em algo que se possa administrar em
um tempo (sempre) limitado com recursos (sempre) limitados [e conduzir
a] resultados que sejam relevantes” (Flick, 2009, p. 66- 67).
Mesmo reconhecendo esse desafio, o que se argumenta aqui, toda-
via, é a necessidade de pesquisadores do campo da formação de professores
procurarem evitar as armadilhas de abordagens de pesquisa que favoreçam
o recorte simplista do processo didático e, consequentemente, a descarac-
terização da atividade profissional do professor. Em geral, tais abordagens
estruturantes, apoiadas na racionalidade técnica e de caráter aplicacionista
(Contreras, 2012), estão associadas a intervenções que envolvem a realiza-
ção de capacitações, cursos e toda sorte de atividades junto aos professores,
com promessas e/ou intenções de produzir melhorias na prática pedagó-
gica e/ou nas aprendizagens dos estudantes. A produção de conhecimento
por meio dessas abordagens, como fartamente compilado na literatura do
campo, acaba reverberando muito pouco no trabalho cotidiano concreto
das escolas e dos professores. O resultado é, como discutido anteriormente,
aquilo já denunciado por Gauthier et al. (1998) , qual seja, a produção de
saberes sem ofício.
Com efeito, quando se toma a produção de conhecimento em
Educação na sua interface com a formação de professores, advoga-se por
abordagens de investigação que privilegiam: a pesquisa como forma de
desenvolvimento profissional e intelectual dos professores, a prevalência
de coletivos organizados sobre indivíduos isolados, bem como a duração
prolongada e a coerência sistêmica (Galiazzi, 2003; Krichesky; Murillo,
2011; Maldaner, 2013).
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
89
Conduzir investigações com essas características envolve grandes de-
safios, sejam eles epistemológicos ou metodológicos. Enfrentá-los envolve
a conscientização e o devido cuidado com diversas tensões que se apresen-
tam na relação entre os diferentes espaços e os atores envolvidos.
Tensões na relação enTre universidade e escola, professores
universiTários e professores da educação básica
Para pensarmos a produção de conhecimentos em Educação no re-
corte da formação de professores, parece ser interessante circunscrever, em
caráter esquemático, as diferentes formas de se conceber o papel da prática
na formação de professores, bem como as tensões que surgem na relação
entre universidade e escola, bem como entre professor universitário e pro-
fessor da Educação Básica.
Porlán e Rivero (1998), ao revisarem diversas concepções epistemo-
lógicas de configurações curriculares da época, no recorte da área de Ensino
de Ciências, propõem um esquema com três grandes diferentes enfoques de
formação de professores e o papel da prática em cada um deles (Figura 1).
Figura 1: Três diferentes enfoques formativos e o papel da prática.
Enfoques Acadêmicos Enfoques Técnicos Enfoques Fenomenolágicos
Teoria
Disciplinas
relacionadas
com os
conteúdos
escolares
Ciências da
Educação
Disciplinas
relacionadas
com os
conteúdos
escolas
Ciências da Ciências da
EducaçãoEducação
Disciplinas
relacionadas
com os
conteúdos
escolas
--------\\ -------
--------\\ -------
--------\\ -------
<-----------------
--------\\ -------
--------\\ -------
Intervenção
Competências
e destreszas
técnicas
Conhecimento
baseados nas
expereiência
Componentes explícitos
Componentes implícitos
Não se consideram
Fonte: Traduzido e adaptado de Porlán e Rivero (1998, p. 31).
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
90
O enfoque acadêmico é caracterizado sobremaneira por procedi-
mentos de adição fragmentada de componentes curriculares, dos quais as
Ciências da Educação são trabalhadas em uma perspectiva absolutista e
racionalista. Nesse enfoque, a dimensão prática não é um componente re-
levante, uma vez que a verdade científica, uma vez apreendida, é o bastante
para a formação profissional. O fundamental para o professor nesse mode-
lo, portanto, é o saber disciplinar, composto pelos saberes curriculares e das
Ciências da Educação (Porlán; Rivero, 1998).
O enfoque tecnicista tem seu assento no desenvolvimento de com-
petências e habilidades funcionais. Logo, ao contrário da desconsideração
do enfoque acadêmico, a prática se reveste de importância na formação
dos professores, enquanto locus de aplicação hierarquizada de prescrições
oriundas do saber científico e tecnológico, com vistas ao treinamento da
ação técnica docente. A prática, nesse enfoque, é essencial para o treina-
mento e desenvolvimento da prática profissional à luz dos conhecimentos
produzidos na academia (Porlán; Rivero, 1998).
Por sua vez, o enfoque fenomenológico, da crítica ao enfoque acadê-
mico, supervaloriza a dimensão prática do conhecimento profissional. Para
esse enfoque, o verdadeiro conhecimento profissional se alcança somente
por meio da experiência concreta no espaço de exercício do ofício, e a
atividade docente compreende o domínio de pautas e guias de ação. Com
essa hipertrofia do aspecto prático para a produção de saberes pedagógicos
legítimos, a dimensão acadêmica das Ciências da Educação acaba por ser
desprestigiada na formação docente (Porlán; Rivero, 1998).
Vale a ressalva dos autores espanhóis de que a ideia de enfoque se
refere às tendências de certas configurações curriculares representadas te-
oricamente em uma categoria analítica. Não se trata, assim, de estruturas
curriculares “puras”, que podem ser univocamente relacionadas a qualquer
curso específico de formação de professores. Contudo, esse esquema com
os três principais enfoques é bastante útil, do ponto de vista analítico, para
pensarmos as tensões que surgem quando da interação entre diferentes
instituições e atores no contexto tanto de ações formativas quanto de in-
vestigações na formação continuada de professores.
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
91
Antes, porém, de debatermos essas tensões, faz-se necessário discutir
as características e representações sociais da universidade. Historicamente,
as universidades se constituíram como instituições de produção do conhe-
cimento acadêmico-científico (Cunha, 2007). Esse estatuto tem sido tão
marcante ao longo das décadas que, muitas vezes, produção de conhecimen-
tos e universidade são tidos como termos equivalentes; ao passo que outros
espaços têm seu reconhecimento social diminuído, ou extinguido, no que
se refere às contribuições para a produção de saberes, como tem sido com
as escolas da Educação Básica. O que, por sua vez, do ponto de vista das re-
presentações sociais (Lefevre; Lefevre, 2006), confere o status de autoridade
tanto à instituição universitária quanto aos profissionais que nela atuam.
Por conta desse status da universidade e de seus profissionais, e con-
siderando-se as diferentes concepções sobre o papel da prática na formação
de professores (Figura 1), a interação entre a universidade e a escola pode
ser marcada por uma série de tensões, a depender do tipo de relação que,
explícita ou implicitamente, se estabelece. Essas tensões podem ser variadas
e em diferentes graus, mas, diante do objetivo deste texto, são destacadas
apenas quatro delas, fundamentadas em dois grandes enfoques – empres-
tando o conceito de Porlán e Rivero (1998), na relação entre universidade
e escola (Figura 2). Ressalva-se, novamente, a ideia de enfoque enquanto
tendências generalistas que sintetizariam teoricamente em categorias algu-
mas práticas sociais.
Figura 2: Esquema com dois grandes enfoques na relação entre
universidade e escola.
Fonte: Elaboração própria.
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
92
Conforme esquematicamente representado na Figura 2, o
primeiro enfoque se configura como as relações verticalizadas entre a
universidades e a escola. Essas relações, mesmo remodeladas por um
discurso progressista, acabam por considerar a escola como espaço de
aplicação ou de experimentação (no sentido positivista do termo). Assim,
conscientemente ou não, despreza-se a escola como instituição histórica,
com seus profissionais, culturas, ritos, ritmos e práticas. Nessa relação, a
universidade, produtora única do conhecimento verdadeiro, prescreve
aquilo que a escola deveria estar fazendo, à luz de qual(is) seja(m) o(s)
referencial(is) da ocasião, e não está.
Desse contexto, mesmo que sutilmente, decorrem as abordagens de
pesquisa e/ou ações formativas de capacitação (como se os profissionais
da escola fossem incapazes), de reciclagem (os professores precisariam de
recuperação da parte reutilizável) ou de treinamento (os atores da escola
não têm as habilidades necessárias). Não obstante, diversas abordagens de
pesquisa têm seu foco em pré e pós-testes, evidenciando as ausências detec-
tadas e a eficiência da intervenção em preenchê-las, conforme os critérios
analíticos, normalmente, definidos a priori.
A sutileza de tal enfoque não permite enxergá-lo embutido em frases
corriqueiras, repetidas ad nauseam, do tipo: “fazer a pesquisa acadêmica
chegar nas escolas”, “os professores não aplicam/conhecem as pesquisas
ou “as práticas escolares estão muito distantes da teoria”.
Entretanto, como se vem argumentando, essas abordagens, por con-
ta das exigências decorrentes dos rigores metodológicos da investigação
científica, tendem a recortar de tal modo o processo didático que o reduzem
ao ponto de o despojar de sua totalidade abrangente. Os conhecimentos
produzidos são tão distorcidos que não se assentam no fenômeno próprio
que alegam apreender. Consequentemente, os professores, envolvidos em
tais iniciativas, tendem a retomar com o tempo suas práticas habituais, em
função justamente de as propostas vivenciadas em tais cursos não serem
produtivas e sustentáveis em seu labor cotidiano.
A mesma lógica, sob esse enfoque, aplica-se à relação entre professor
universitário e professor da Educação Básica. Em geral, o professor
universitário, por sua autoridade como portador do conhecimento
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
93
acadêmico-científico, pode assumir a postura daquele que prescreve como
deveriam se dar as práticas educativas no contexto escolar e, assim, ditar o
que os professores da Educação Básica têm feito de errado.
Propositalmente, a opção pelo emprego dos verbos “prescrever”, “di-
tar” e “dever” tem a intenção de estressar a retórica do enfoque para trazer
à luz suas concepções de fundo. Mesmo com os atenuantes da linguagem
e do formalmente enunciado, diversas ações formativas e pesquisas acadê-
micas realizadas na escola e sobre os professores apresentam, tacitamente,
essas características. Trata-se, em verdade, da supervalorização do conheci-
mento acadêmico em detrimento da prática profissional ou do reconheci-
mento da prática como locus de aplicação técnica, concepções epistemoló-
gicas típicas dos enfoques tradicionais ou tecnicistas (Figura 1).
A despeito da retórica utilizada para ilustrar os aspectos caricaturais
do primeiro enfoque, não queremos aqui desvalorizar a premência das uni-
versidades na produção de conhecimentos acadêmico-científicos. Sabe-se
do papel de vanguarda das universidades brasileiras, sobretudo as públicas,
no que se refere à qualificação do debate e das práticas educacionais em
nosso país (Cunha, 2007); além do fato de essa valorização ser fundamen-
tal para que haja cada vez mais investimentos e credibilidade na Ciência.
Também não queremos desconsiderar a importância de ações formativas
mais pontuais junto aos professores, como os treinamentos específicos para
aprimoramento no uso de tecnologias digitais da informação e comunicação,
manipulação de equipamentos e utensílios técnico-científicos, entre outros.
Além disso, não se trata de negar os achados de pesquisa que denunciam a
escola também como espaço de reprodução de mazelas sociais, de práticas
reprodutivistas, elitistas, preconceituosas e injustas.
Logo, a crítica ao primeiro enfoque não pode degenerar para en-
foques fenomenológicos (Figura 1) em que, ao se hipertrofiar o papel da
prática, acabam redundando e reforçando perspectivas meramente ativistas
e acríticas. Ou ainda que, mesmo levando em consideração o papel das
Ciências da Educação, supervalorizam a reflexão isolada da prática sobre si
mesma, sem embargo de perspectivas críticas, características da racionali-
dade prática (Contreras, 2012).
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
94
As tensões apresentadas entre pesquisa acadêmica e prática profissio-
nal; universidade e escola; professor universitário e professor da Educação
Básica; tradição e inovação intencionam advogar por ações formativas que
produzam conhecimento sobre, na e para a Escola. Em outras palavras,
defende-se abordagens que se pautem no segundo enfoque (Figura 2) de
relações entre universidade e escola; professores universitários e professores
da Educação Básica. Esse enfoque prima pelo estabelecimento de relações
horizontalizadas e colaborativas entre as universidades e as escolas e, por
extensão, entre seus atores.
Assim, em que pese os estatutos sociais e fatores econômicos e cul-
turais, na produção de conhecimentos em educação na sua interface com
a formação de professores, busca-se prezar por uma racionalidade comu-
nicativa (Bego, 2016), na qual universidade e escola são reconhecidas e
reconhecíveis como instituições, bem como professores universitários e pro-
fessores da Educação Básica são tomados sempre como profissionais. Repare
que essas premissas não implicam a ausência da necessidade de melhorias,
qualificações e avanços nas práticas educativas que podem ser propiciados
pela investigação científica; antes, tais premissas sobrelevam o respeito de-
vido a condicionalidades, culturas, sujeitos e histórias implicados no pro-
cesso didático, em sua totalidade abrangente.
Tanto as ações formativas quanto as pesquisas levadas a cabo com base
nesse segundo enfoque demandam uma outra mirada para a escola e seus
profissionais, bem como outros tempos, ritmos e formas de relação a serem
construídos. Contudo, há uma inicial, mas extensa, literatura que vem apon-
tando suas potencialidades e efeitos, a qual frequentemente é retratada como
processos de formação continuada de excelência, articulados à pesquisa.
processos de formação conTinuada de excelência arTiculados À
pesquisa
A necessidade da formação continuada para professores é sustentada,
na literatura especializada, por meio de duas grandes premissas: I) adap-
tação a uma demanda imposta por uma sociedade cada vez mais impacta-
da pelas rápidas evoluções nos conhecimentos científico e tecnológico; II)
necessidade de complementação da formação inicial que, por mais efetiva
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
95
que seja, não é suficiente para desenvolver todos os conhecimentos para a
docência de excelência (Silva; Bastos, 2002).
Em relação à primeira premissa, deve-se levar em conta que o traba-
lho educativo não é autodeterminado, ou seja, está inserido em um contex-
to mais amplo, no qual demandas e deliberações são definidas no âmbito
do Estado. Estas, por sua vez, são fruto de tensões e negociações que ocor-
rem dentro de uma sociedade, historicamente situada (Silva; Cabral, 2016;
Moralles, 2021). Assim, a formação continuada tem como um de seus prin-
cípios basilares contribuir para que o professor adquira e ressignifique saberes
docentes em prol de articular o trabalho educativo aos anseios e decisões de
uma determinada organização social. Hodiernamente, o rápido avanço da
ciência e da tecnologia exige um rol de conhecimentos profissionais diferen-
tes do que, por exemplo, era requerido do professor há 10 ou 20 anos.
Já a perspectiva de complementação da formação inicial pondera
que, devido a características intrínsecas do próprio processo, é impossível
fornecer condições para o desenvolvimento de todos os conhecimentos ne-
cessários para lidar com situações singulares de sala de aula durante a pre-
paração, no curso de graduação, nas instituições de ensino superior (Silva;
Bastos, 2002). Além disso, em que pese o tempo reduzido de formação em
algumas licenciaturas, determinados conhecimentos só podem ser adquiri-
dos e ressignificados ao longo do tempo, por meio da experiência reflexiva,
teoricamente orientada e explícita de resolução de problemas profissionais
reais e contextuais de sala de aula. O refinamento desses conhecimentos
impõe, assim, um longo tempo de vivência na profissão, que apenas os
estágios curriculares não são capazes de proporcionar.
Porto (2000) e Gil-Pérez (2001) defendem essa perspectiva argu-
mentando que um curso de formação inicial que tenha a potencialidade
de desenvolver os conhecimentos imprescindíveis para uma docência de
excelência seria demasiadamente longo. Portanto, a tendência é conceber
a formação continuada como uma complementação indispensável da for-
mação inicial, em um continuum de desenvolvimento profissional docente.
A concepção de formação continuada defendida está centrada, por-
tanto, em uma busca incessante por patamares cada vez mais elevados de
conhecimento e desenvolvimento profissional. Isso se concretiza em um
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
96
processo que perdurará por toda a carreira e que poderá ocorrer isolado
da educação formal, como em cursos certificados, por exemplo (Menezes,
2003; Monteiro; Giovanni, 2000).
Desvincular parte da formação continuada de professores da edu-
cação formal significa valorizar uma importante componente, que pode
ocorrer de forma coletiva dentro da escola, aliada ao projeto educativo des-
ta, podendo envolver também pesquisadores da academia (Nóvoa, 1991;
Imbernón, 2010; Porto, 2000; Monteiro, Giovanni, 2000). Um processo
de formação que ocorre:
[...] em torno dos professores individuais podem ser úteis para a
aquisição de conhecimentos e de técnicas, mas favorece o isolamento
e reforçam a imagem dos professores como transmissores de um
saber produzido no exterior da profissão. Práticas de formação que
tomem como referência as dimensões coletivas contribuem para a
emancipação profissional e para a consolidação de uma profissão
que é autônoma na produção de seus saberes e dos seus valores
(Nóvoa, 1991, p. 28).
Imbernón (2010) amplia a visão de coletividade, propondo uma
concepção de formação que envolva vários agentes sociais em comunidades.
O autor apresenta três grandes categorias de comunidade que vão se tor-
nando mais complexas, a saber: I) comunidade de prática: envolve a apren-
dizagem e o compartilhamento reflexivo de experiências entre docentes;
II) comunidade formadora: diferentemente da anterior, busca a construção
de uma cultura própria, representando determinado grupo de professores;
III) comunidade de aprendizagem: pretende construir um grupo formativo
com o propósito de converter a escola em uma instância de transformação
social, por meio da união entre professores, famílias, associações de bairro,
voluntários, instituições sociais, entre outros.
A estruturação de comunidades pode auxiliar na tentativa de deslo-
car o professor da posição de objeto, posicionando-o como sujeito da sua
própria formação, compondo situações favoráveis para o desenvolvimento
da identidade profissional. Nas palavras de Imbernón (2010, p. 81):
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
97
[...] o futuro da formação continuada passa pela atitude dos
professores de assumirem a condição de serem sujeitos da formação,
inter-sujeitos com seus colegas, em razão de aceitarem uma
identidade pessoal e profissional e não serem um mero instrumento
na mão de outros. A formação deve levar em conta essa identidade
individual e coletiva, para ajudar o desenvolvimento pessoal e
profissional dos professores no âmbito laboral e de melhoria das
aprendizagens profissionais e para ajudar a analisar sentimentos e as
representações pelas quais os sujeitos se singularizam.
Diferentemente do que acontece em ações formativas planejadas em
cursos isolados e com temáticas específicas ou genéricas que não conside-
ram as especialidades e singularidades dos contextos escolares e das formas
de pensar dos professores, uma formação voltada para o desenvolvimento
da identidade docente se alicerça na construção do conhecimento profis-
sional de forma autônoma, por meio da ação-reflexiva sobre problemas
práticos contextualizados que surgem em sala de aula. Isso só é possível
concebendo-se um professor pesquisador de sua própria prática, que tenta
resolver problemas práticos reais, aliando teoria e prática, em um processo
crítico, investigativo e reflexivo (Tricárico, 2001; Imbernón, 2010).
Mais do que apenas pesquisar sua própria prática e compartilhar,
em sua comunidade formativa local, uma formação continuada de profes-
sores de excelência, exige a divulgação dos resultados e hipóteses de suas
experiências entre pares. Entre pares pesquisadores da academia, entre pro-
fessores e a sociedade em geral. Isso pode ajudar a diminuir o isolamento
profissional, o avanço do conhecimento da área e a valorização de saberes
específicos e privativos da docência. Trata-se da materialização sistemati-
zada das reflexões e investigações realizadas que busquem dialogar com a
comunidade acadêmico-científica da área, no sentido de promover a auto-
nomia do professor como aquele profissional que produz conhecimentos
sobre seu ofício.
Todas as características desenvolvidas até este ponto do texto, sobre
uma formação continuada de professores de excelência, estão sumarizadas
em doze características basilares esquematizadas na Figura 3.
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
98
Figura 3: Doze características fundamentais para uma formação
continuada de excelência.
Fonte: Adaptado de Moralles (2021, p. 54).
Moralles (2021, p. 55) complementa essa perspectiva propondo que
a formação continuada deve se:
[...] configurar em um processo de desenvolvimento e
compartilhamento de saberes que visem superar a dicotomia entre
teoria e prática, favorecendo o desenvolvimento de uma profissão
autônoma em seus saberes profissionais e que vise à construção da
identidade docente.
Essas doze características, apontadas como cruciais para a formação
continuada de excelência, foram propostas tendo como âmago o desenvol-
vimento de um processo que permita ao professor alcançar patamares cada
vez mais elevados e sofisticados de seu conhecimento profissional e de sua
atuação pedagógica. Ao aliar pesquisa acadêmica e prática profissional para
resolver problemas prático-profissionais que emergem de seu contexto de
atuação, o docente adquire, intersecciona e ressignifica uma série de sabe-
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
99
res próprios da profissão, o que lhe permite um desempenho de suas fun-
ções profissionais cada vez mais consistente e ajustado ao seu público-alvo.
O embate entre uma formação continuada deficitária, apresentada
na introdução, e uma de excelência, apresentada nesta seção, está sumari-
zado no Quadro 1.
Quadro 1: Características de uma formação continuada deficitária e uma
formação continuada de excelência.
Características
Tipo
Formação continuada deficitária Formação continuada de
excelência
Formatação Estruturante Interativo-Construtivista
Perspectiva Tradicional, comportamentalista e/
ou tecnicista Dialética, reflexiva, crítica e
investigativa
Espaço Apenas cursos de educação formal
ou profissional
Cursos de educação formal ou
profissional e, fundamentalmente,
no ambiente escolar
Estruturação
Desenvolvidos por especialista da
educação, alheios ao contexto de
atuação do professor
Desenvolvida em comunidades
formativas que reúnem
pesquisadores da academia,
professores da escola, a comunidade
e outros atores educacionais e
contextuais
Tempo Cursos isolados de curta duração Estende-se por toda carreira
Temática Temas gerais definidos a priori
Emerge de problemas prático-
profissionais e contextuais do dia a
dia da profissão
Conhecimento
do professor
Não considera os conhecimentos
prévios do professor Organizado em torno dos
conhecimentos prévios do professor
Conhecimento
adquirido
Estritamente teórico, com pouca
interação com a prática profissional
Aquisição e ressignificação de um
rol de conhecimento oriundos da
interação entre pesquisas e prática
profissional
Objetivo
Atualização profissional, suprimento
de carências e deficiências de ordem
teórico-metodológicas ou mudança
de função na carreira
Desenvolvimento do conhecimento
profissional com perspectivas de
alcançar patamares cada vez mais
elevados de atuação profissional
Divulgação Restrito ao contexto individual de
sala de aula de cada professor
Compartilhados com acadêmicos,
professores e com a sociedade em
geral
Fonte: Elaboração própria.
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
100
À guisa de conclusão
O presente capítulo visou problematizar a produção de conhecimen-
tos em Educação, na interface com a temática da formação continuada de
professores, com base no contraste entre dois enfoques epistemológicos e
de relação entre universidade e escola, bem como entre professor universi-
tário e professor da educação básica.
Mesmo reconhecendo o papel e as contribuições de iniciativas
estruturantes para a formação de professores, argumentou-se sobre seu
caráter reducionista quando se trata de permitir que o professor alcance
patamares cada vez mais elevados de desenvolvimento profissional, o que,
em última instância, apresenta repercussões decisivas e perenes no processo
didático. Ademais, denunciaram-se as concepções epistemológicas de fundo
de tais iniciativas e as repercussões para a produção de conhecimentos
acadêmico-científicos que não se coadunam ao ofício de ensinar e,
paradoxalmente, contribuem para seu estado de desprofissionalização.
Por sua vez, advogou-se por abordagens tanto de formação continu-
ada quanto de pesquisa, que tomem como princípio fundante a produção
de conhecimento sobre, na e para a escola. Para tanto, faz-se necessário re-
pensar tempos, ritmos e formas de relação entre universidade e escola e entre
pesquisadores do campo, nomeadamente professores universitários, e pro-
fessores da educação básica. Como se viu, as abordagens interativo-cons-
trutivistas, prezando por relações horizontais e cooperativas em comunida-
des formativas, apresentam diversas características que podem contribuir
significativamente para uma formação continuada de excelência.
A despeito dos desafios impostos por essa nova perspectiva, fica o
chamamento a todos os profissionais envolvidos no processo didático a
repensar as diferentes abordagens de pesquisa, a fim de, ao tomá-lo como
totalidade abrangente, produzir conhecimentos em educação que, de fato,
contribuam para – parafraseando Gauthier e colaboradores (1998) – a
consolidação de um ofício feito de saberes.
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
101
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103
Violências e escola: Dialogando
sobre as possibilidades de
enfrentamento e prevenção
Débora Cristina Fonseca
inTrodução
Nos últimos anos, o mundo e (de modo mais específico) o Brasil têm
convivido com episódios de violência cada vez mais constantes, seja pelo acir-
ramento dos ânimos, pelas diferenças políticas e religiosas que não têm sido
resolvidas pelo diálogo, bem como por situações que adentram as institui-
ções e, de modo mais evidente e impactante, o espaço das escolas. Algumas
perguntas se fazem presentes, tais como: Quando falamos de ataques às es-
colas, de que violências estamos falando? São violências de âmbito pessoal,
ou seja, atacam-se professores, gestores e/ou estudantes? São violências de
natureza psicológica, política, estrutural, econômica? Discriminar parece um
desafio imenso, mas ainda cabem outras questões, tais como: Quem ataca as
escolas? Como as escolas respondem a essas violências? Para subsidiar essas
reflexões é imprescindível perguntar: O que é violência?
Pensar a violência é refletir sobre a complexidade que singulariza o
humano e suas relações com o mundo e com o outro; a violência é uma
questão/problema de todas as sociedades, assim como as manifestações
de violência assumem formas distintas, passando por questões estrutu-
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-611-4.p103-125
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
104
rais da sociedade, por diferentes contextos, culturas, valores e relações
estabelecidas.
No senso comum, por vezes parece simples tratar de indisciplina,
transgressões e violências, sendo esses conceitos tomados como gradações
de um mesmo fenômeno que se intensifica, a depender do espaço social
em que ocorre e de quem são os autores/autores/sujeitos envolvidos. Mas
é preciso cuidar dessa análise, na perspectiva da superação das explicações
superficiais e imediatas.
A análise dos estudos produzidos nos últimos anos mostra que o
tema da violência escolar tem demonstrado novas formas nas práticas dos
sujeitos envolvidos, como nas estratégias de ações que são desencadeadas.
Mas indicam que, de forma geral, a violência escolar se trata de um fenô-
meno complexo, com multiplicidade de sentidos e conceitualmente polis-
sêmico. Passemos a uma breve análise conceitual e histórica.
1. violência, indisciplina, Transgressões ou incivilidades
Uma primeira análise que busque compreender esses fenômenos e
seus desdobramentos, principalmente no campo da educação, evidencia
que a facilidade explicativa aparente é superada por um dilema ético-políti-
co. Constatamos que todos esses conceitos ou fenômenos implicam defini-
ções multifacetadas e se diferenciam em suas manifestações nas diferentes
instituições sociais.
Da aparência à essência, iniciamos por compreender o que tem sido
tomado como indisciplina ou ato indisciplinado: aquele que não está de
acordo com as leis, normas e expectativas estabelecidas por um determina-
do grupo ou comunidade. Nesse sentido, um primeiro dilema se coloca,
principalmente porque cada grupo, comunidade ou indivíduo partilham
de acordos que são decorrentes de um determinado posicionamento histó-
rico, ético e político, nem sempre partilhado igualmente por outros grupos
que compõem, de forma mais específica, por exemplo, o cotidiano das es-
colas. Nesse contexto, o ato ganha conotação individual, como um sujeito
que deliberadamente confronta ou rompe com um status pré-estabelecido
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
105
do que seja o processo educativo. Esse movimento desconsidera toda a his-
tória do sujeito e sua formação humana. Assim, ele passa a ser julgado pelo
que o outro indivíduo (que representa o grupo institucional) entende por
indisciplina, ou seja, pelos sentidos produzidos por sujeitos.
Para Vigotski (2001, p. 465), os sentidos de uma palavra [...] é a
soma de todos os fatos psicológicos que ela desperta em nossa consciên-
cia”. Portanto, os sentidos são considerados como uma formação dinâmi-
ca, fluida e complexa, com várias zonas de estabilidade, estando em rela-
ção dialética com os significados partilhados socialmente. Na relação entre
sentido e significado: “O significado é apenas uma dessas zonas de sentido
que a palavra adquire no contexto de algum discurso e, ademais, uma zona
mais estável, uniforme e exata” (Vigotski, 2001, p. 465).
Sendo assim, no contexto escolar, um palavrão proferido por um
aluno em uma discussão pode não passar de uma malcriação, isto é, um ato
de incivilidade, uma vez que em seu meio social palavras consideradas de
teor moral ofensivo (comumente nomeadas palavrões) fazem parte de seu
cotidiano, mas no contexto escolar, a palavra, em seu significado, ganha
contornos de desrespeito, pois não acompanha as zonas de sentido cons-
truídas pelo aluno. Como afirma o autor, “[...] como se sabe, em contextos
diferentes a palavra muda facilmente de sentido” (Vigotski, 2001, p. 465).
Dessa forma, considerando que o sentido real de uma palavra é in-
constante, seu uso descontextualizado da expectativa escolar ou dos demais
segmentos da escola pode ser desencadeador de conflitos. No contexto da
vivência escolar, por vezes, alguns comportamentos são tomados como vio-
lências, sendo muito tênue e pouco claro o discernimento entre esses fenô-
menos, pois a compreensão do que é ou não violento depende dos sujeitos
que identificam tais fenômenos e lhes atribuem sentido.
Com base nesse pressuposto teórico, passamos a discutir esses con-
ceitos, em uma perspectiva crítica e dialética, considerando a polissemia,
mas também a materialidade do cotidiano escolar.
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
106
1.1. violências e escolas
Procurando examinar concepções sobre violência presentes na so-
ciedade e o significado que esse termo adquire quando a referência é o
âmbito escolar, identificamos que o significado do termo violência, em
geral – e, de modo específico, no âmbito escolar –, está sujeito a debates e
suscita várias interpretações e indagações. No contexto escolar discute-se,
por exemplo, se violência deve ser entendida sob a ótica do código penal e
definida com base no código criminal, ou se deve incluir incivilidades ou
intimidações entre colegas ou mesmo entre alunos e professores.
O fato é que diferentes atos sociais podem ser qualificados como vio-
lência: incivilidades, intimidações, violências simbólicas etc. A distinção
ou a qualificação de um ato como violência e de outro como incivilidade
pode mascarar o que realmente acontece no cotidiano das escolas. Nesse
cotidiano escolar são as microagressões que imperam e, geralmente, geram
a sensação de insegurança.
Historicamente observamos que os primeiros sentimentos de inse-
gurança vividos no contexto das escolas foram explicados por causas exter-
nas, tais como o desemprego dos pais, a família desestruturada ou ausente,
a democratização do acesso à educação escolar com a política do ensino
obrigatório, o bairro onde a escola se localiza, a presença do narcotráfico,
os índices de criminalidade do entorno. Porém, ao se constatar que são as
incivilidades e as microagressões que permeiam de maneira mais constante
o meio escolar, e são elas que geram a sensação de insegurança, constatou-
-se também que as violências ainda se constituem como um fenômeno, tal
como em sociedade, de forma geral, praticado por diferentes atores, sendo
alguns inclusive da própria instituição escolar, e não ocasionado por pesso-
as externas a ela, não sendo primazia dos estudantes, incluindo moradores
ao redor ou ex-alunos.
Iniciando a conceituação, tomamos emprestada a definição proposta
por Alba Zaluar (2004), que considera violência um termo polissêmico e
o define como:
[...] uma força que se torna violência quando ultrapassa um limite ou
perturba acordos tácitos e regras que ordenam relações, adquirindo
assim carga negativa ou maléfica. Portanto, é a percepção do limite
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
107
e da perturbação (e do sofrimento causado) que vai caracterizar um
ato como violento percepção que varia cultural e historicamente
(Zaluar, 2004, p. 229).
Ainda, como pontuado por Arendt (1994), as evidências relativas
aos atos de agressividade e violência devem ser analisadas com cuidado, vis-
to que o ato de violência é sempre uma forma de desobediência relaciona-
da às regras ou acordos sociais, enquanto a agressividade, diferentemente,
refere-se a um processo de subjetivação que se constitui dentro do próprio
processo de construção da subjetividade, uma vez que seu movimento au-
xilia o sujeito a configurar a sua identidade; já na violência, há um processo
de destituição e invalidação do outro.
Ainda no campo sociológico, Sposito (1997, p. 60) entende a vio-
lência como “[...] todo ato que implica a ruptura de um nexo social pelo
uso da força”.
Sendo assim, podemos indicar que a violência se constitui como um
problema comum ao conjunto das sociedades, sendo necessário, na ex-
plicação desse fenômeno, a análise de diferentes fatores, principalmente
quando o contexto é o da instituição escolar.
Para analisar a questão da violência, da indisciplina e das transgres-
sões no contexto escolar, analisamos alguns fatores que indubitavelmente
atravessam o cotidiano escolar, tal como: a exclusão social que se coloca
presente na convivência escolar; a presença do narcotráfico em algumas
escolas das grandes cidades; as relações de exploração de trabalho; as con-
dições familiares; as questões de ordem política; a violência policial; as
práticas autoritárias, entre outros, o que evidencia que não se trata de um
fenômeno que se restringe a determinados espaços ou classe social, como
normalmente se associa à pobreza e consequente criminalização de crian-
ças e principalmente jovens pobres e suas famílias.
Nesse sentido, discutir essa temática envolve a relação da escola com
crianças, adolescentes, jovens e com a comunidade, obrigando as institui-
ções escolares a pensar em suas culturas organizacionais e em seus proces-
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
108
sos pedagógicos, no que se refere às necessidades individuais dos alunos,
sua condição sociocultural e às necessidades da sociedade atual.
No estudo da temática, encontramos diferentes teóricos – Abramovay,
Waiselfisz, Andrade e Rua (2004); Waiselfisz (2007, 2016); Sposito (1998,
2001); Salles, Fonseca e Adam (2016); Checchia (2010); Pino (2005) –
que se debruçaram sobre a análise do contexto escolar, evidenciando-se
que há certa complexidade com relação à definição das violências, ou mes-
mo das violências escolares.
Algumas pesquisas conceituam violência como desrespeito, negação
do outro, violação de direitos humanos, exclusão, corrupção, autoritaris-
mo, desigualdades sociais etc., sendo, em geral, caracterizada por relações
descritas como opressão, intimidação, medo e terror, ou ainda como ato de
brutalidade, física e/ou psíquica, contra alguém ou um grupo.
Entendemos como Debarbieux (2006, p. 93) que “[...] a violência
parece escapar a uma definição única. É necessário dizer que o fenômeno
surge de modo relativo: relativo a uma certa época, a um meio social, a
circunstâncias particulares”. Significa afirmar que “Ela depende de có-
digos sociais, jurídicos e políticos da época e dos lugares onde ela toma
sentido” (Debarbieux, 2006, p. 93); é ainda mais complexo definir a
violência na escola.
Debarbieux (2002, 2005, 2006) e Charlot (2002) ressaltam essa di-
ficuldade, por fazer referência a fenômenos heterogêneos; por essa razão,
há dificuldade de delimitarmos tal conceito. Assim também porque a vio-
lência desestrutura as representações sociais de grande valor para a socie-
dade, tal como as de infância, que estão associadas à inocência, e da escola
como local de paz e tranquilidade.
Apesar da dificuldade, na tentativa de compreensão pedagógica,
Charlot (2002) apresenta a violência em três dimensões: violência na
escola, violência à escola e violência da escola – que não é um fenômeno
novo, mas ganha novas formatações, definida pelo uso da força, pelo
poder e pela dominação.
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
109
No Brasil, Sposito (2001) buscou delimitar o fenômeno da violência
na escola, a partir da década de 1980, quando se registraram modalidades
de violência em torno do espaço educativo, como ações contra o patrimô-
nio, envolvendo pichações e depredações. O debate sobre a violência na
escola, nesse período, estava voltado para estudos de caso e limitavam-se
às pesquisas desenvolvidas pela academia. Em decorrência desses estudos,
a autora definiu a violência como ação que se origina no interior da escola
ou como aquela que tem uma estreita relação com a escola. Portanto, ela
entendeu a violência na escola, naquele período, com base na sua caracte-
rização, reconhecendo-a como ações que danificam o patrimônio escolar e
as relações interpessoais, envolvendo os alunos e seus pares em ações con-
flituosas. Abramovay (2003, p. 93), outra importante estudiosa do campo
sociológico, concebe a violência como
[...] a intervenção física de um indivíduo ou grupo contra a
integridade de outro ou de grupos e também contra si mesmo,
abrangendo desde suicídios, espancamento de vários tipos (...) e
todas as formas de violência verbal, simbólica e institucional.
Entretanto, Charlot (2002), quando apresenta três distinções con-
ceituais sobre a violência no âmbito escolar, coloca a violência na escola
como sendo aquela produzida dentro do espaço escolar, mas que poderia
acontecer em qualquer outro espaço social – ou seja, a violência à escola,
que se relaciona às atividades referentes à instituição (incêndios, agressões
aos professores etc.), e a violência da escola, que se constitui como uma
violência institucional, simbólica, que os alunos suportam e que vem da
maneira como a instituição e seus agentes os tratam.
O autor também distingue a violência das transgressões escolares,
designando essas últimas como um comportamento contrário ao regula-
mento interno do estabelecimento (mas não ilegal do ponto de vista da lei,
sendo assim: absenteísmo, não realização de trabalhos escolares, falta de
respeito etc. Enfim, as transgressões, também nomeadas como incivilida-
des pelo autor,
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
110
[...] não contradizem a lei nem o regimento interno do
estabelecimento, mas as regras da boa convivência: desordens,
empurrões, grosserias, palavras ofensivas, geralmente ataque
quotidiano – e com frequência repetido – ao direito de cada um
(professor, funcionário, aluno) ver respeitada sua pessoa” (Charlot,
2002, p. 437).
Nesse sentido, Aquino (1998a, 2011) alerta para a necessidade de
melhor compreendermos esses termos, principalmente quando são toma-
dos em uma sequência pragmática. Em suas palavras:
Uma precaução no que tange à tipologia das ocorrências implica,
de imediato, a diferenciação entre as noções de incivilidade, de
indisciplina e de violência. Isso porque não é infrequente que os
três vocábulos se apresentem amalgamados sob o mesmo manto
semântico-pragmático de problemas disciplinares. Mais do que por
uma ambiguidade linguística ou um vício formal, os três termos
parecem ser frequentemente compreendidos como se portassem
uma semelhante raiz causal, ou como se se tratasse de uma sucessão
progressiva: da indisciplina à incivilidade, e desta à violência. Não
há razão para sê-lo, a nosso ver (Aquino, 2011, p. 467).
Por outro lado, enquanto pesquisadores na área, entendemos que é
preciso considerar que a compreensão sobre o que é ou não violento de-
pende dos sujeitos que identificam e que atribuem sentidos e significados a
essas atitudes (Vigotski, 2006). Leontiev (1978) considera que os sentidos
fazem parte do conteúdo da consciência e parecem entrar na significação
objetiva, mas alerta que é o sentido que se exprime nas significações, e não
a significação nos sentidos, sendo necessário, portanto, distingui-los:
Quando se distingue sentido pessoal e significação propriamente
dito, é indispensável sublinhar que esta definição não concerne à
totalidade do conteúdo refletido, mas unicamente com aquilo para
que está orientada a atividade do sujeito. Com efeito, o sentido
pessoal traduz precisamente a relação do sujeito com os fenômenos
objetivos conscientizados (Leontiev, 1978, p. 105).
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
111
Compreender os sentidos produzidos pelos professores sobre vio-
lência e, mais especificamente, sobre os registros que efetuam, coloca-nos
o desafio de apreender a constituição histórica dos sujeitos e o desenvol-
vimento de sua consciência. Consideramos não ser possível essa profun-
didade de análise neste texto, mas compreender os sentidos por meio dos
significados que são partilhados nos discursos dos sujeitos envolvidos e
que norteiam sua prática no contexto escolar cotidiano se faz necessário.
Essa apreensão nos permite compreender o significado dos registros que
os professores fazem, por exemplo, nos livros de ocorrências das escolas.
Em geral, quando em nossas pesquisas observamos esses dados, os sentidos
parecem ancorados nas representações de violência, juventude, pobreza e
contexto sociocultural, marcadamente vivenciadas no confronto entre o
aluno esperado pela equipe escolar e aquele que efetivamente adentra as
salas de aula.
Da mesma forma, quando consideramos os estudantes, Baquero,
Lemes e Santos (2001) afirmam que os jovens, marcados por suas vivên-
cias, constroem maneiras peculiares de perceber o mundo em que vivem
e o seu entorno. Conscientes ou não disso, expressam as interpretações de
suas experiências em relação ao lugar que poderia ser o caminho para a
fuga da marginalidade e a promessa de outras possibilidades – revelando
expectativas e decepções nas suas relações com elas, como quando analisa-
mos a trajetória escolar de jovens em conflito com a lei e que cumprem me-
didas socioeducativas. Estes, em sua maioria pobres e moradores de bairros
violentos, não se enquadram nos padrões de aluno esperados pela escola
formal, o que resulta em muitos registros nos livros de ocorrências das es-
colas sem qualquer efeito pedagógico/educativo. Constituem-se, contudo,
como parte da construção de um dossiê que registra a suposta história de
criminalidade dos sujeitos, antes mesmo de os atos violentos terem sido
efetivamente praticados. Diante dessa profecia, parece não restar à escola
outro caminho a não ser o de se defender – e de forma frágil, isto é, com a
ilusão de assim se “proteger”.
Nesse contexto, a violência escolar também incorpora diferentes
perspectivas, entre elas, a violência simbólica, que se manifesta por meio
de regras, hábitos culturais e normas de uma sociedade que já é essencial-
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
112
mente desigual. Segundo Bourdieu (1989), a maneira como são estrutu-
radas as relações hierárquicas no sistema educacional produz as violências
simbólicas.
Tudo isso indica que a violência nas escolas deve ser analisada nos
planos macro e micro das relações, contribuindo para que as explicações
sobre o que desencadeia e motiva atos de violência sejam de diversas or-
dens, passíveis de serem agrupadas em alguns focos explicativos.
1.2 os conTexTos micro e macro como parTe do processo
analíTico
Quando tratamos das incivilidades ou transgressões como formas
de violência mais presentes no cotidiano das escolas, não significa que as
microagressões possam ser minimizadas. A alta incidência de incivilidades
tem forte impacto no clima escolar e nas pessoas envolvidas. A microvio-
lência e as incivilidades podem ter um efeito desestabilizador, indicando
que a violência é tanto uma questão de opressão diária quanto de atos bru-
tais e espetaculares (Debarbieux, 2002). Para Debarbieux (2002, 2005),
reduzir a violência na escola aos parâmetros do prescrito no código jurídico
encerra as vítimas no silêncio e na culpabilização.
Em geral, quando analisamos dados de diferentes escolas, percebe-
mos que são confusos na medida em que são computados como violência
atos de vandalismo, ataques contra as pessoas, autoagressões e/ou ausên-
cia escolar; isso indica que as escolas tendem a registrar aquilo que é sua
preocupação. Transgressões, enquanto desacato ao regulamento escolar, e
incivilidades estão misturadas aos comportamentos cotidianos.
Segundo Dubet (2003, 2004), estudos sobre a violência em contex-
tos de exclusão indicam que a escola tem função socializadora e cívica, mas
que tem perdido sua legitimidade, o que tem sido apontado como um dos
elementos desencadeadores da violência no âmbito escolar.
Concordamos com Charlot (2002) quando afirma que o conflito
nas escolas acontece principalmente por uma tensão que é inerente ao ato
pedagógico. Se por um lado, existe um educador cujo objetivo é despertar
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
113
e promover a atividade intelectual do aluno, por outro, têm-se vários alu-
nos com atividades intelectuais próprias, moldadas ao seu conhecimento
de mundo, suas vivências e seus objetivos particulares. Muitas vezes, os
educadores não conseguem identificar essas particularidades dos alunos,
gerando uma tensão entre as expectativas do educador e do aluno, e con-
sequentes conflitos. Porém, o próprio autor coloca que essa tensão e o
conflito contínuo nem sempre são negativos, visto que essas relações de
poder entre sujeitos podem permitir que os dois lados deixem suas zonas
de conforto e estejam abertos às reflexões particulares e ao entendimento
do próximo.
Falta, em nossa perspectiva analítica, discutir fundamentalmente o
porquê dessas condutas indisciplinares e violentas de estudantes, além de
entender até que ponto isso tudo contribui para que fracassem em sua tra-
jetória escolar (Fonseca; Rodrigues; Antonio, 2012). É preciso considerar
ainda que um dos elementos constitutivos do fracasso escolar se produz
quando não se considera a escola como “espaço de um processo cultural,
de um ethos” (Spozati, 2000, p. 27).
A escola em sua dinâmica deve se relacionar com o território; como
parte do local, deve significar seu trabalho no entendimento de que crian-
ças e adolescentes são cidadãos de um lugar, do bairro, de uma comuni-
dade. A forma como a escola e, principalmente, o professor geralmente
tratam os alunos é considerada uma variável que pode desencadear pro-
blemas manifestos em atitudes, tal como desinteresse, apatia e/ou atitudes
agressivas, evidenciando o processo denominado “inclusão excludente”,
quando os alunos têm suas vagas garantidas, mas vivenciam um proces-
so de desistência da escola, principalmente pela via da humilhação e do
fracasso escolar. Sawaia (1999) denomina esse sofrimento decorrente da
antinomia inclusão-exclusão como ético-político. Segundo a autora, “[...]
retrata a vivência cotidiana das questões sociais dominantes em cada épo-
ca histórica, especialmente a dor que surge da situação social de ser tra-
tado como inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade”
(Sawaia, 1999, p. 104).
Considerando a relação entre a macro e a micropolítica, em um país
como o Brasil, cuja educação está pautada no modelo capitalista, orga-
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
114
nizado com base numa lógica neoliberal, meritocrática e individualista,
é necessário um debate que considere a formação humana dos sujeitos,
mediado pelas diferentes instituições e, de modo mais específico, a escola.
A realidade é subjetivada pelo indivíduo na relação entre o social, que
determina as significações, e o individual, dado pela elaboração e transfor-
mação dessas significações pelo indivíduo, de acordo com suas experiên-
cias pessoais. Há um processo de apropriação da realidade pelo sujeito. O
psiquismo se constrói com as experiências, os conhecimentos, os valores e
as informações, transmitidos pela tradição, pela comunicação, pela mídia,
pela educação e pela ciência (Leontiev, 1978; Vygotsky, 1997). Assim, cada
um se constitui parte da sociedade pelo processo de interiorização e apro-
priação da realidade e pela sua própria atividade (significados e sentidos),
no desenvolvimento do pensamento e da consciência, constituindo assim
o seu modo de compreender o outro e o mundo em que vive, tornando-o
seu mundo.
2. juvenTudes e escola
Segundo Aquino (1998a, 1998b), a concepção de que o jovem está
mais desinteressado tem sido associada aos aparatos tecnológicos e à mídia,
mas essa perspectiva não passa de senso comum, pois a responsabilidade
principal da mídia e dos meios de comunicação está ligada à difusão da
informação e do entretenimento. A mídia pode contribuir, e tem ocupado
o espaço vazio de sentido deixado pelas demais instituições na vida dos jo-
vens, passando de entretenimento a um papel formativo e (des)educativo.
Como possibilidade de enfrentamento a essa nova lógica, a família, a
comunidade e, de modo especial, a escola devem apropriar-se dos diversos
conhecimentos acumulados pelas sociedades, possibilitando ao aluno co-
nhecer o mundo em que vive e, de alguma forma, melhorá-lo. Para Aquino
(1998b), muitas vezes os educadores têm a impressão de que falta interesse
dos alunos naquilo que têm para oferecer, quando, na verdade, existe um
afastamento desses professores e gestores em relação ao novo e ao contem-
porâneo. Não cabe, portanto, culpabilizar alguém ou algo, individualmen-
te, pelo fracasso escolar (Arroyo, 2007), mas podemos refletir sobre como
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
115
a escola tem agido, e como acaba sendo coparticipante nesse processo, pois
ela poderia oportunizar a introdução de novos conhecimentos às novas
gerações de maneira mediada, ou seja, assumindo a função de mediadora
entre a vida cotidiana e não cotidiana (Duarte, 2001), bem como recupe-
rar as tradições deixadas pelas antigas comunidades, colocando-se aberta
ao diálogo de forma reflexiva.
Para atrair os estudantes e romper, ainda que parcialmente, com esse
padrão de escola/prisão, as instituições escolares necessitam estar dispostas
a mudar, no sentido de se tornarem centros culturais, com possíveis espa-
ços de trabalho pedagógico e conhecimento, nos quais os estudantes não
ingressam simplesmente por obrigação e para ter algum tipo de socializa-
ção, e sim, para encontrar o prazer de aprender junto com os colegas e a co-
munidade escolar. O que encontramos, ao contrário, são escolas obrigadas
pelos sistemas de ensino a trabalhar com um número excessivo de alunos
em sala de aula e com falta de objetivos claros de sua função. Como afir-
mado há tempos por Spozati (2000, p. 27), “[...] o modelo vigente reforça
a educação a serviço da exclusão, não da inclusão”.
Nas reflexões de Gadotti (1998, 2013), a escola passa por uma crise
paradigmática que implica a busca de estratégias reflexivas sobre seu papel
social e, acrescentamos, sobre suas condições e qualidade do ensino, o que
é reiterado por análises recentes.
As escolas têm dificuldade de atender às demandas das novas clien-
telas, bem como de incorporar valores e culturas diversificadas. No caso
específico do Brasil, a democratização do acesso ao ensino mascara uma
série de desigualdades inerentes ao próprio sistema. Exemplo disso são as
diferenças das condições de ensino entre estabelecimentos públicos e pri-
vados, bem como entre regiões do país.
Ao referenciar o Brasil, Carrano (2000) discute os pontos de tensão
entre o mundo escolar e o mundo juvenil. A ênfase é colocada no papel do
professor no que diz respeito ao processo de integração desses dois mundos.
O autor reforça que o educador precisa tentar compreender subjetividades,
sentimentos e potencialidades dos alunos, que, antes de serem alunos, são
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
116
jovens que têm gostos e desejos que não devem ser indistintamente repri-
midos pela escola.
O educador atento precisa ser capaz de indagar o que os grupos cul-
turais da juventude têm a nos dizer. Não estariam eles provocando-nos –
de muitas e variadas maneiras – para o diálogo com os sentidos de práticas
culturais que não encontram espaço para habitar a instituição? Aquilo que
consideramos como apatia ou desinteresse do jovem não seria um deslo-
camento de sentido para outros contextos educativos que poderíamos ex-
plorar, desde que nos dispuséssemos ao diálogo? A evasão escolar não seria
precedida de uma silenciosa evasão subjetiva de presença na instituição?
(Carrano, 2000).
A cultura escolar não tem mostrado receptividade à linguagem e às
várias formas de expressão juvenil, além de não colaborar para o aumento do
respeito às diferenças e do sentido de alteridade. Hierárquica e pouco sensível
ao que chega das ruas, das famílias, das formas de ser e querer dos jovens em
suas múltiplas vivências, abstém-se também de promover e elaborar reflexões
críticas sobre o autoritarismo da cultura dominante e de investimentos na
compreensão crítica das culturas que chegam desses contextos. Ao contrário,
reproduz a cultura dominante, nega as “transgressoras”, sem análise crítica,
resultando em um clima escolar negativo. Como já anunciado, na condição
de principal instituição atual na vida dos jovens, pelo tempo e espaço que
ocupa, principalmente para os mais pobres, se a escola não acolhe, outras
organizações, como o tráfico, acolhem e parecem produzir sentido para a
existência social. Como alerta Carrano (2017, p. 415):
As manifestações culturais juvenis, com destaque para as que se
fazem notar pelas mídias eletrônicas, desafiam a instituição escolar
e seus profissionais a criarem canais de interlocução e diálogo com
seus jovens estudantes. Um cotidiano escolar transformado em
comunidade de aprendizagem pode ser o caminho para a superação
de tradicionais hierarquias de práticas e saberes, ainda tão presentes
nas instituições escolares.
É preciso discutir a função social da escola e sua relação com o saber.
Sabemos que é na escola que as relações desiguais ganham força e são as
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
117
crianças e jovens que mais sentem a opressão dos poderes constituídos. A
inércia coloca em risco esses sujeitos, como apontado por Freire (1977).
2.1. educação escolar e a função social da escola
Com a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do
Adolescente (1990) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(1996), a educação passa a ter um novo rearranjo e ordenamento legal.
Consequentemente, a escola passa a assumir um decisivo papel social, ten-
do como objetivo básico, conforme o Art. 1º da LDB, o “[...] pleno desen-
volvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho” (Brasil, 1996).
Tanto é assim que, nos artigos 53 a 57 do ECA, são apontadas, de
forma clara e precisa, as obrigações e incumbências de cada uma das ins-
tâncias – escola, Estado e família – no que se refere ao direito à educação.
Moreira (2016, p. 109), em sua tese de doutorado sobre políticas públicas
destinadas à infância e adolescência, elencou, de forma sistematizada, to-
das as dezesseis obrigações, sendo sete atribuídas à escola, dez ao Estado
e uma aos pais ou responsáveis. Se entendermos que a escola é também
Estado, 17 responsabilidades estão colocadas como fundamentais para a
garantia ao direito à educação de crianças e jovens brasileiros.
Porém, há dois aspectos distintos que precisam ser discutidos quan-
do se fala de educação escolar como direito: o primeiro é o acesso, que se
dá por meio da universalização e da democratização da educação escolar
previstas na LDB (Brasil, 1996); e o segundo é a permanência do aluno no
sistema escolar. No que se refere ao primeiro aspecto, embora os discursos
sobre universalização sejam trazidos desde o século XIX, ainda hoje se lida
com os desafios da universalização do acesso (Schilling, 2014). Ainda que
previsto em lei como um direito, sendo inclusive alguns itens passíveis de
aplicação de penalidades, é sabido que a efetivação desses direitos ainda
não acontece de forma massiva no Brasil.
Se o acesso, mesmo que de forma deficiente, se universaliza, o mes-
mo não se pode dizer da permanência dos alunos no sistema escolar – mas
não qualquer aluno, pois aquele que não permanece tem classe social e cor;
esse aluno são os jovens pobres, em sua maioria negros, ou ainda, aqueles
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
118
que, por outras características, são vítimas de preconceitos e bullying, ou-
tras configurações dessa mesma violência social e institucional.
Para Leão (2006), as desigualdades continuam a se reproduzir e se
multiplicar, o que demonstra a fragilidade da concretização desse direito.
Ainda que prevista no artigo 57 a responsabilidade do poder público de
proporcionar iniciativas no sentido de atender crianças e adolescentes ex-
cluídos do ensino fundamental, o que se tem visto na prática é uma perma-
nente resistência das escolas em aceitar receber esse público.
Por outro lado, há discrepância entre a realidade escolar e as expec-
tativas dos professores. As escolas esperam alunos “ideais” e, na verdade,
o que recebem são indivíduos com diferentes trajetórias e experiências de
vida oriundas de formas de se relacionar produzidas pelas novas formas
de tecnologia, mercados de consumo, grupos culturais e religiosos carac-
terísticos da periferia, que reivindicam, a seu modo, o direito à escuta e
à argumentação. A escola, portanto, vivencia um paradoxo entre o real –
rotina mecanizada – e o potencial – ritmo intenso da universalização das
informações proporcionado pela sociedade contemporânea. Portanto, dia-
leticamente, o tédio também gera angústias que podem facultar mudanças,
já que denuncia uma realidade que é complexa e que deve ser analisada.
Para Rocha (2000, p. 198), “[...] o tédio pode ser compreendido como en-
fraquecimento dos territórios tradicionais existentes que perdem credibili-
dade e consistência, desabamento de antigas territorialidades existenciais”.
Nesse sentido, Duarte (2001) defende que a escola deve assumir o
papel mediador, de modo a conduzir os indivíduos na luta pelas transfor-
mações das relações sociais, por meio da apropriação do conhecimento
historicamente acumulado. Ainda que não dê conta da superação da alie-
nação na sua totalidade, isso abre possibilidades para caminhar num pro-
cesso de transformação social. Para tanto, as atividades pedagógicas devem
produzir nos indivíduos carecimentos de conhecimentos não cotidianos.
Entretanto, o que se tem observado, na maioria das vezes, é uma es-
cola reprodutora de desigualdades, de exclusão e discriminação, que man-
tém privilégios para poucos. Nesse sentido, o saber só pode ser construído
no contexto escolar se forem consideradas as peculiaridades e especifici-
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
119
dades históricas, culturais e sociais, e nas atribuições de sentidos feitos às
vivências desses sujeitos por seus professores/gestores.
Para que ações se concretizem de forma favorável ao desenvolvimen-
to de adolescentes/jovens, e para que haja apropriação de conceitos rele-
vantes em relação a estes, faz-se necessária a compreensão dos interesses e
das expectativas dos sujeitos em função do seu universo sociocultural, pois
como afirma Vigotski (1997), a influência do meio social é fundamental
no processo de aprendizagem e desenvolvimento, consequentemente do
pensamento humano. Assim, é preciso levar em conta o processo de cons-
trução da infância ou adolescência marcado pelas desigualdades e diferen-
ças com as quais os sujeitos estão inseridos na realidade social.
A construção do saber escolar passa também pela formação de pro-
fessores. Em uma perspectiva dialética que compreende que o indivíduo
transforma e é transformado pela cultura, eles devem ter participação ativa
no processo de sua formação. Assim nos colocamos a pensar a relação com
a escola e a prática docente.
Considerando os aspectos de formação humana na perspectiva his-
tórico-cultural de desenvolvimento do psiquismo da criança, como dis-
cutido anteriormente, e dos fundamentos teórico filosóficos da educação
freiriana (Freire, 1987), é necessário refletirmos sobre um processo forma-
tivo que tenha como base o diálogo por meio do qual emergem os saberes,
concepções e experiências dos sujeitos participantes, a fim de que possam,
diante dos desafios, rever as bases que fundamentam sua atuação e avançar,
no sentido de construir uma compreensão mais aprofundada e comparti-
lhada de aspectos importantes para a adequação de seu fazer cotidiano na
interação com crianças e adolescentes no contexto da escola.
A formação e a prática podem, dialeticamente, provocar mudan-
ças nos sentidos produzidos pelos professores, transformando também sua
prática, de modo a considerar os estudantes como sujeitos de direitos da
educação, autônomos, e que carecem da mediação do outro (no caso o
educador) no processo de apropriação e superação por incorporação quali-
tativa do que se trabalha no cotidiano da escola.
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
120
Esse parece ser o desafio: uma formação inicial e continuada para
professores que os estimulem a pensar e refletir sobre suas práticas cotidia-
nas. Essa formação tem papel fundamental na construção de significados
e sentidos sobre o mundo e, no caso específico da escola, na produção
de novos sentidos sobre a atuação dos professores como agentes sociais
e formadores. Entendemos que uma formação capaz de levar à reflexão,
com base nos sentidos produzidos historicamente (Ozella; Aguiar, 2008;
Aguiar; Ozella, 2013) sobre a constituição e desenvolvimento do indiví-
duo, respaldada em referenciais históricos, culturais e sociais, e uma dis-
cussão sobre políticas públicas, que leve a repensar as concepções natura-
lizadas e assistencialistas predominantes (Fonseca, 2008), pode tornar a
prática desses sujeitos mais efetiva junto às escolas e à rede de atendimento.
É preciso lembrar que as escolas são instituições responsáveis por
proteger seus alunos e, dessa forma, também deve ser protegida pelo poder
público (Saviani, 1999).
(in)conclusões:
Retomando o cenário motivador do presente debate, a anunciada
incidência crescente de ataques contra escolas mostra que muitos desses
atos são perpetrados por jovens ligados ou vinculados à própria institui-
ção. Esses eventos refletem as violências presentes na sociedade, assim
como os mecanismos de controle e poder que permeiam nosso convívio
social, exacerbados pela cultura da meritocracia e da busca por validação
nas redes sociais.
A urgência do momento nos demanda ações imediatas, como medidas
policiais e de segurança que, embora possam proporcionar uma sensação
de proteção, levantam questionamentos sobre sua eficácia e autenticidade,
sobretudo se aprofundarmos a reflexão, conforme discorremos neste texto.
Pensamos ser crucial a promoção de um diálogo aberto e contínuo
em cada unidade escolar e comunidade, reconhecendo a multifatorialidade
das violências e a elaboração/adoção de estratégias de acolhimento e pre-
venção dos sofrimentos cotidianos.
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
121
Para enfrentar esses desafios de forma efetiva, é necessário adotar
abordagens coletivas, interinstitucionais e dialógicas, tanto em nível micro
quanto macroestrutural. Destacamos, por fim, a importância de instituição
de práticas democráticas e de educação em direitos humanos nas escolas
(Aguirre, 2018), reconhecendo que os conflitos, por si só, não constituem
violência, mas sim, a falta de reconhecimento do outro e o uso de força
para aniquilá-lo. Essa mudança de paradigma é essencial para construir
ambientes escolares verdadeiramente seguros, inclusivos e promotores do
desenvolvimento humano integral.
Por fim, cabe afirmar que as explicações para a violência e as
consequentes medidas para o seu enfrentamento no meio escolar só têm
sentido quando são pensadas tendo como referência o concreto de uma
dada instituição e de seus atores sociais, professores, estudantes, famílias
e comunidade, não podendo ser utilizadas indistintamente como se cada
medida não se pautasse em um pressuposto que a embasa e a fundamenta.
Freire já apontava, na década de 1960, a necessidade de luta por uma escola
menos excludente e não opressora, e o desenvolvimento de uma educação
política emancipatória, tendo como parâmetro o diálogo, conformado pela
reflexão-ação-reflexão (Freire, 1987).
As formas de enfrentamento da violência não podem se reduzir a um
somatório de medidas parcialmente adotadas para atuar na escola desconsi-
derando-se os pressupostos que as embasam. É preciso estabelecer um pro-
cesso de análise do contexto escolar que passe pela micro e pela macropolíti-
ca; que considere tanto os sujeitos envolvidos em seus processos formativos
quanto a realidade concreta de cada escola. A análise das políticas instituídas,
bem como dos pressupostos sobre as concepções de homem, mundo, apren-
dizagem, desenvolvimento, é de fundamental importância para o planeja-
mento de ações coletivas de ressignificação do espaço escolar e consequente
redução das incivilidades, transgressões ou mesmo violências. Acordos co-
letivos, construídos e reconstruídos no cotidiano, são potentes para que a
escola possa ser, de fato, um espaço de sociabilidade democrática.
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
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Tecnologias digitais no ensino: do
analógico à inteligência artificial
Bruno Silva Leite
Tecnologias e ensino: uma breve inTrodução
A educação é um dos pilares fundamentais do desenvolvimento hu-
mano e social, desempenhando um papel crucial na formação de indivídu-
os capazes de enfrentar os desafios complexos do mundo contemporâneo.
Ao longo dos anos, a educação tem passado por transformações significa-
tivas, impulsionadas principalmente pelas inovações tecnológicas que mol-
dam nossa sociedade.
No mundo atual em que estamos imersos, as tecnologias digitais na
sociedade têm proporcionado mudanças significativas. Na educação se tem
esperado mudanças no processo de ensino, porém a inserção das tecnolo-
gias em sala de aula tem ocorrido de forma tímida. Em alguns casos, há
ainda a resistência de professores, gestores, estudantes etc., mas é impor-
tante lembrar que as tecnologias podem trazer benefícios para a educação,
como a personalização do ensino, acesso a recursos educacionais diversos e
o desenvolvimento de habilidades digitais essenciais para o futuro.
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-611-4.p127-150
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
128
A tecnologia está presente ao nosso redor, ela está no convívio de
muitas pessoas, muitos as utilizam diariamente, quer seja por meio dos
smartphones e computadores ou de algum aparato que foi desenvolvido
para o bem-estar do homem. Ser tecnófobo (pessoa que tem aversão às
tecnologias) ou neoluddita (que se opõe às tecnologias modernas) não é o
melhor caminho para o contexto atual que vivemos, as tecnologias contri-
buem para o desenvolvimento da sociedade e saber utilizá-las em benefício
próprio, é um caminho adequado.
Nesse contexto, você já parou para pensar o que significa
TECNOLOGIA? O que podemos dizer é que as tecnologias criaram novos
espaços de construção do conhecimento (Leite, 2022). Etimologicamente,
tecnologia vem da junção das palavras de origem grega tekne, que signi-
fica “arte, técnica ou ofício” e logos, que representa “conjunto de saberes
(Kenski, 2003). O termo tecnologias tem sido muito empregado em di-
versas áreas educacionais com os mais variados sentidos e significados. As
tecnologias são tão antigas quanto à espécie humana, tecnologia é poder.
Nesse contexto, a tecnologia pode ser definida como:
1. Ciência que estuda os métodos, a evolução e os processos técni-
cos de um determinado ramo de produção industrial ou de mais
ramos: por exemplo, a tecnologia da internet;
2. Conjunto de conhecimentos e princípios científicos que se apli-
cam ao planejamento, à construção e à utilização de um equipa-
mento em um determinado tipo de atividade, se configurando
como um procedimento ou grupo de métodos que se organiza
num domínio específico: por exemplo, a tecnologia médica;
3. Teoria ou análise organizada das técnicas, procedimentos, méto-
dos, regras, âmbitos ou campos da ação humana;
4. Conjunto de ferramentas e as técnicas que correspondem aos
usos que lhes destinamos em cada época.
As tecnologias apresentam, atualmente, duas perspectivas:
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e Tecnologias Digitais
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
129
de Informação e Comunicação (TDIC). O conceito de TIC, segundo
Leite (2015, p. 26), “[...] é utilizado para expressar a convergência entre a
informática e as telecomunicações”. Para Miranda (2007, p. 43), o termo
TIC “[...] refere-se à conjugação da tecnologia computacional ou infor-
mática com a tecnologia das telecomunicações e tem na Internet e mais
particularmente na World Wide Web (WWW) a sua mais forte expressão”.
As TIC agrupam ferramentas informáticas e telecomunicativas como: te-
levisão, vídeo, rádio, internet. As TIC abrangem tecnologias mais antigas
como o jornal, a televisão, o mimeógrafo, o retroprojetor, a fita cassete etc.
O termo TDIC se diferencia das TIC ao fazerem uso, principalmen-
te, das tecnologias digitais, sendo estas o computador, tablet, smartphones e
qualquer outro dispositivo digital que permita, por exemplo, a navegação
na internet (Leite, 2022). Além da internet, que pode ser considerada um
excelente recurso das TDIC, outros também se destacam, como os dispo-
sitivos inteligentes (smartphone, smart TV, smartwatch etc.) que estão cada
vez mais presentes no dia a dia da sociedade da informação. Para uma sim-
ples comparação, utilizamos a televisão. A televisão é um aparelho que per-
mite a reprodução de imagens e som transmitidos instantaneamente por
alguma torre de transmissão. Na televisão, apenas assistimos o que o canal
televisivo quer, somos meros espectadores, no máximo, temos a opção de
mudar de canal. Já a smartTV (em tradução livre: Televisão inteligente),
além da reprodução de imagens e sons que são transmitidos pelo canal te-
levisivo, é possível acessar a Internet, permitindo que o usuário tenha uma
experiência maior em conectividade e muito mais entretenimento, como
plataformas de streamings, além de jogar, fazer videochamadas, comparti-
lhar fotos e vídeos etc.
É importante destacar que TIC e TDIC não são sinônimos de
Tecnologia Analógica e Tecnologia Digital. A tecnologia analógica é
uma tecnologia que ainda utiliza sistemas manuais e não é informatizada.
Em outras palavras, a tecnologia usada no analógico requer um processo
bastante longo para produzir algo. As analógicas usam sinais contínuos e
variáveis para representar informações, enquanto as digitais usam sinais
discretos e constantes para representá-las. As tecnologias analógicas, por
exemplo, armazenam informações em formas físicas, como ondas sonoras
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
130
em discos de vinil, fitas magnéticas em cassetes, mimeógrafo, máquina de
datilografia, vídeo cassete, cinema, telefone fixo, livro etc. Já na tecnolo-
gia digital os dados são transformados em sinais binários (bits), ou seja, a
informação é gravada em sequências de 0 ou 1, os quais representam os
pulsos elétricos armazenados e não a imagem correspondente no real.
No contexto do ensino, as tecnologias devem ser pautadas em três
pilares: Adição, Estratégias e Realidade (Leão, 2011; Leite, 2015). No que
se referem à Adição, as tecnologias estão para serem incorporadas ao pro-
cesso de ensino e aprendizagem e não como substitutos a outros recursos já
existentes (quadro, livros, laboratórios, vídeos etc.) e sim como um recurso
que nos permita adicionar novos formatos à informação a qual desejamos
que seja convertida em conhecimento por parte do estudante. Outro as-
pecto importante é a utilização de estratégias, pois a utilização das tecnolo-
gias no ensino deve vir acompanhada de uma profunda discussão e análise
das estratégias metodológicas, que possam ajudar na construção de uma
aprendizagem significativa para o aluno. Por fim, em relação à realidade
(e ao contexto), é importante que o professor esteja preparado, pois a rea-
lidade da escola que estamos pode mudar e se essas mudanças ocorrem, o
professor deve estar preparado. É preciso que as tecnologias façam parte da
realidade da sala de aula. Hoje o professor pode não dispor de tecnologias
para sua práxis, mas em algum momento esse quadro pode ser modificado,
assim é preciso que o professor esteja preparado para utilizar as tecnologias
nos processos de ensino e aprendizagem.
Os desafios das tecnologias no ensino são inúmeros, porém é preciso
refletir sobre seu papel contexto escolar. É preciso melhorar e transformar
a educação com a integração das tecnologias. Em relação à melhoria, a tec-
nologia tem sido usada como uma ferramenta para substituir diretamente
a prática analógica pela mudança funcional. Devemos partir para o uso da
tecnologia como um recurso para substituir tarefas e permitir práticas fun-
cionais. Já em relação à transformação, a tecnologia tem sido usada para re-
desenhar atividades de forma a possibilitar melhorias significativas. Porém,
devemos pensar na tecnologia para a criação de novas atividades que eram
anteriormente impossíveis de implementar. Aqui, as tecnologias podem
ter “papéis” importantes no processo de construção de conhecimento, não
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
131
sendo utilizada apenas para atividades funcionais, mas que contribua para
uma nova postura do professor e do estudante. Usar as tecnologias sem ter
conhecimento de suas potencialidades de uso é o mesmo que ir para a sala
de aula sem planejamento e nem ideia do que irá fazer (Leite, 2022).
Há um discurso que afirma que a tecnologia democratiza o aces-
so à educação, permitindo que pessoas em qualquer lugar do mundo
tenham acesso a cursos online, materiais educativos e comunidades de
aprendizado. Todavia, para que possamos inserir as tecnologias digitais
no ensino é preciso também mudanças nos aspectos políticos-pedagógi-
cos, de forma a promover uma inclusão digital eficiente. A inclusão di-
gital é considerada como o processo que possibilita a democratização do
acesso às tecnologias digitais, de forma a permitir a inserção de todos na
sociedade da informação (Silva Neto; Silva; Leite, 2021). Por outro lado,
a inclusão digital pode ser definida como alfabetização digital, a partir
da qual indivíduos são instruídos a usar tecnologias em prol da constru-
ção de conhecimento. Sabemos que o desenvolvimento tecnológico não
caminha na mesma velocidade que o desenvolvimento social, isto é, o
desenvolvimento tecnológico sempre estará à frente do desenvolvimento
social. A sociedade não evolui na mesma velocidade em que as tecnolo-
gias digitais avançam.
A inclusão digital só é possível se antes houver uma inclusão social
seguida de uma inclusão escolar. Com a pandemia constatamos que não
houve inclusão digital, que professores e alunos tinham dificuldades com o
uso das tecnologias (Leite, 2020), que as tecnologias eram utilizadas para
lazer, mas quando foi necessário o uso pedagógico, muitos professores não
sabiam o que e como fazer. Na pesquisa de Silva Neto, Silva e Leite (2021),
é retratado os problemas da inclusão digital em uma cidade, porém os
achados se aplicam em diversos municípios do Brasil. É preciso refletir
sobre que políticas públicas são importantes para uma inclusão digital?
ou quais estratégias podemos utilizar para a incorporação das tecnologias
digitais na educação? Inclusão digital não é apenas munir o estudante e/ou
professor de aparelhos tecnológicos (smartphones, tablets etc.).
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
132
Tecnologias analógicas uTilizadas no ensino
As tecnologias sempre estiveram presentes na educação, desde os
primórdios da humanidade, moldando os processos de ensino e aprendi-
zagem. Do ábaco e da escrita cuneiforme aos recursos digitais de hoje, a
busca por aprimorar o processo de ensino com as tecnologias é constante.
Nos dias atuais, como outrora, há uma grande expectativa em rela-
ção às tecnologias de que elas nos trarão soluções rápidas para a melhoria
dos processos de ensino e aprendizagem, consequentemente, melhorando
a educação. Porém, se a educação dependesse somente das tecnologias, já
teríamos encontrado as soluções para essa melhoria há tempos. Sabemos
que a prática pedagógica do professor em sala de aula necessita de constan-
tes atualizações, e para isso a tecnologia poderá ser uma aliada no processo
de construção de conhecimento (Leite, 2019).
A utilização de estratégias didáticas com uso das tecnologias nos pro-
cessos de ensino e aprendizagem vem provocando, dentre outras, reflexões
relativas à forma de se ensinar e de se aprender neste contexto. Os Recursos
Didáticos Digitais (RDD) começaram a aparecer a partir da década de
noventa com a popularização das TIC. Segundo Leite (2015, p. 239), os
RDD “[...] são todos os objetos de aprendizagem, produzidos com o uso
das tecnologias digitais, que auxiliam no processo de aprendizado do in-
divíduo”. Os RDD são componentes presentes no ambiente de aprendi-
zagem que estimulam o estudante e podem ser: objetos, equipamentos,
instrumentos, ferramentas, materiais, CDs e DVDs, que são empregados
no ensino de algum conteúdo (Leite, 2019). Uma característica dos RDD
está na sua reutilização, isto é, todo objeto deve ser desenvolvido com a cla-
reza de que deve possuir todos os requisitos para que possa ser reutilizado
em uma situação diferente, por docentes diferentes.
Diferentes tecnologias e RDD foram (e são) utilizadas no âmbi-
to da sala de aula, algumas são: computador, software, vídeo, multimí-
dia, webquest, sites, aplicativos, smartphones, inteligência artificial etc.
Considerando o pressuposto de que as TIC correspondem às tecnologias
que mediam os processos informacionais e comunicativos das pessoas
(vídeo, software, fita cassete, jornal, rádio, TV etc.) e as TDIC englobam
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
133
equipamentos digitais (computador, lousa digital, smartphone, aplicativos,
internet, dentre outros), apresentamos algumas TIC e TDIC que foram
(ou são) utilizadas no ensino.
Partindo de uma perspectiva de tecnologia analógica, o vídeo é um
recurso bastante acionado no contexto de sala de aula. O vídeo tem sido
utilizado desde a década de 90. Um vídeo é um sistema de gravação e
reprodução de imagens, as quais podem estar acompanhadas de sons, e
que se realiza através de uma banda magnética. Segundo Leite (2019), o
vídeo tem sido uma ferramenta poderosa no ensino, permitindo aos edu-
cadores apresentarem conceitos complexos de forma visual e dinâmica.
Documentários, aulas gravadas, tutoriais e animações são apenas algumas
das formas pelas quais o vídeo foi (e é) utilizado para enriquecer o conteú-
do educacional. Ademais, o vídeo oferece a oportunidade de trazer o mun-
do para a sala de aula, permitindo que os estudantes explorem culturas, lo-
cais e fenômenos naturais de maneira imersiva. O uso de vídeos e imagens,
desde filmes educativos até projetores de slides, enriqueceram as aulas com
elementos visuais e auditivos, tornando-as mais dinâmicas e envolventes.
É importante destacar que o vídeo pode também se configurar como uma
TDIC, uma vez que há produções audiovisuais que fazem uso da internet
e do digital, como por exemplo, os videocasts (um tipo de podcasting) e os
vídeos digitais.
Na visão de Leite (2022), o vídeo tem sido usado de diferentes for-
mas em ambientes de suporte à aprendizagem: para motivação, ilustração
de conceitos ou experiências, como veículo principal de informação, como
uma ferramenta para experiências etc. O vídeo deve estimular o professor a
ler a partir de uma linguagem audiovisual e produzir recursos audiovisuais
motivadores para o processo de ensino e aprendizagem. O uso do vídeo no
ensino exige do professor habilidades para promover condições para que
os estudantes possam discutir sobre o que assistiram, de modo a tornar
aquilo que foi percebido em algo apreendido, consciente e conhecido. O
vídeo amplia as possibilidades de discussões no ambiente da sala de aula
na medida em que pode trazer imagens e sons de situações que, em muitos
casos, não podem estar presentes nem no tempo e nem no espaço da sala
de aula. O vídeo explora o ver, o visualizar, o ter diante de nós as situações,
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
134
as pessoas, os cenários, as cores, as relações espaciais (perto/longe; alto/
baixo; grande/pequeno; etc.).
Assim como o vídeo, as imagens são recursos valiosos para o ensi-
no, pois são capazes de transmitir informações de forma rápida e eficaz.
Gráficos, diagramas, fotografias e ilustrações podem ajudar os estudantes
a visualizar conceitos abstratos, entender processos complexos e reter in-
formações de maneira mais eficiente. Além disso, as imagens podem ser
utilizadas para estimular a criatividade, promovendo discussões e reflexões
em sala de aula.
Outro recurso didático que teve seu ápice nos anos 2000 foi o sof-
tware (e atualmente continua em destaque). O software é um termo téc-
nico que foi traduzido para a língua portuguesa como uma coleção de
instruções e dados que informam ao computador como trabalhar (Leite,
2022). Por um período, muitos educadores estavam focando na produção
de softwares educacionais (Leite, 2019). O uso de software educacional se
tornou cada vez mais comum nas salas de aula, oferecendo uma ampla
gama de recursos e atividades interativas. Desde softwares de simulação
até aplicativos de aprendizado personalizado, esses RDD permitem que os
estudantes explorem conceitos de maneira prática e engajadora. Além dis-
so, o software educacional pode ser adaptado para atender às necessidades
individuais dos estudantes, oferecendo feedback imediato e ajudando no
acompanhamento do progresso acadêmico.
Os softwares podem ser considerados softwares educativos a partir do
momento em que sejam projetados por meio de uma metodologia que os
insiram nos processos de ensino e aprendizagem possibilitando a constru-
ção do conhecimento, desde que sejam fundamentados em metodologias
e objetivos pedagógicos específicos. Eles podem ser classificados conforme
seus objetivos pedagógicos (Leite, 2022):
Tutoria: consiste em uma classe de software para transmissão da
informação de forma organizada, de modo similar a um livro,
guia, tutorial, apostila eletrônica etc. Nesse objetivo o software
busca guiar o estudante de uma determinada área de conheci-
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
135
mento, uma vez que a informação é organizada de acordo com
uma sequência pedagógica especifica;
Exercícios e Práticas: são softwares que apresentam um conjunto
de exercícios para o estudante resolver. O objetivo é que uma
informação seja repassada ao estudante e um software realiza os
questionamentos sobre determinado conhecimento. Por meio
dele, o professor pode apresentar os conceitos em sala de aula e
depois realizar exercícios com os estudantes em que o programa
corrige e destaca os erros, podendo dar exemplos e explicações;
Demonstração: são softwares que possibilitam que leis, teorias,
fórmulas etc. sejam demonstradas. Nestas demonstrações o ní-
vel de interação é baixo, pois o estudante apenas visualiza as
demonstrações;
Programação: permite que professores ou estudantes criem
seus próprios protótipos de programas, sem que tenham que
possuir conhecimentos avançados de programação. Ao progra-
mar o estudante processa a informação, transformando-a em
conhecimento;
Aplicativos: é um tipo de software concebido para desempenhar
tarefas práticas específicas ao usuário para que este possa concre-
tizar determinados trabalhos. É um software desenvolvido para
ser instalado em um dispositivo digital e que pode ter diversos
objetivos pedagógicos dependendo da estratégia proposta pelo
professor;
Multimídia: são sistemas em que a comunicação se dá através
de múltiplos meios de representação de mídia (áudio, imagem,
animação, gráficos e texto). O objetivo é a manipulação de di-
versas mídias na transmissão de uma informação para o estudan-
te. Uma apresentação multimídia pode incluir imagens, vídeos,
sons, gráficos, textos etc.;
Simulação: um simulador é um objeto interativo utilizado para
reproduzir, representar ou imitar um fenômeno ou um processo
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
136
concreto com o auxílio de um sistema computacional, com obje-
tivo de simplificá-los ou uma forma de representar algo abstrato
por meio de um modelo em que se possa alterar variáveis ou
situações. Na simulação é possível simular eventos que não são
possíveis de simular na realidade (orçamento financeiro, inexis-
tência de laboratório, periculosidade da experiência, etc.), mas
que os resultados visuais e/ou experimentais são satisfatórios,
podendo, inclusive, “substituir” a situação real;
Jogos educacionais: utilizam, por exemplo, desafios e competi-
ção como estímulo na aquisição de um determinado aprendiza-
do, com instruções e regras claras.
Cabe ressaltar que, alguns destes tipos de softwares são fundamentados
a partir das tecnologias digitais e que o progresso das tecnologias possibilitou
a criação de softwares interativos, como jogos educativos, multimídias e si-
mulações, que proporcionaram aos estudantes experiências de aprendizado
mais ativas e personalizadas.
Nesse contexto, a separação entre TIC e TDIC nem sempre é tão
simples, temos recursos que iniciaram com as TIC e estão imersos nas
TDIC (atualizaram), enquanto que outros se tornaram obsoletos. Assim, é
preciso analisar qual a característica que a tecnologia apresenta, enquanto
está sendo utilizada.
Tecnologias digiTais uTilizadas no ensino
Com a ascensão da Internet, desde a Web até a Web 3.0 (Leite; Leão,
2015), uma revolução ocorreu na sociedade e, também, na educação. Com
o acesso instantâneo a um universo de informações, plataformas de ensino
online e recursos de comunicação que conectam alunos e professores em
tempo real, o modo que se vê a tecnologia no ensino foi afetado. As infor-
mações estão mais rápidas, não necessariamente corretas, mas estão dispo-
níveis para que o usuário avalie e consuma aquela informação. A internet,
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
137
a inteligência artificial, a robótica e outras inovações moldaram a maneira
como nos comunicamos, trabalhamos, aprendemos e vivemos.
As tecnologias digitais têm sido agentes de transformação na socie-
dade contemporânea, alterando fundamentalmente a forma como inte-
ragimos, comunicamos e aprendemos. Com a expansão da internet e o
desenvolvimento de dispositivos móveis, as informações estão ao alcance
de um simples clique, permitindo que um grande número de pessoas (de
diferentes camadas sociais) tenham acesso a recursos educacionais e cultu-
rais que antes estavam disponíveis apenas para poucos.
Ademais, as tecnologias digitais têm impulsionado uma mudança
de paradigma no modelo educacional, promovendo a personalização do
aprendizado e a flexibilidade no ensino. Plataformas de ensino online, sof-
twares educacionais e aplicativos móveis oferecem a oportunidade de adap-
tar o conteúdo e a metodologia de acordo com as necessidades individuais
de cada estudante, permitindo um aprendizado mais autônomo e eficaz.
Essa abordagem centrada no estudante tem o potencial de romper com
as limitações do ensino tradicional, proporcionando uma educação mais
inclusiva e adaptada aos desafios do século XXI.
As tecnologias e RDD disponíveis se estabelecem como uma alter-
nativa moderna e atrativa para a educação, pois, uma vez inseridos no
contexto pessoal dos estudantes, é capaz de tornar os processos de ensino e
aprendizagem mais dinâmicos aos alunos. O computador, por exemplo, é
(foi) utilizado como um recurso didático pelo professor em sala de aula, vi-
sando enriquecer as situações de aprendizagem e elaboração do saber, cola-
borando para que o estudante construísse seu conhecimento, e que esse co-
nhecimento adquira um grau maior de significação (Gabini; Diniz, 2009).
O fato é que a inserção do computador nas escolas estimulou uma reflexão
em torno da noção de tempo e de espaço, e a importância dessa inserção
tem modificado a postura dos professores em suas práticas pedagógicas.
Ainda não é possível afirmar que o computador se tornou uma tec-
nologia obsoleta, mas é possível inferir que ele tem sido substituído por
tecnologias digitais mais flexíveis. Nos últimos anos, percebemos um au-
mento significativo na utilização de dispositivos móveis para diversas fina-
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
138
lidades. Dispositivos tais como PDAs (Personal Digital Assistants), smar-
tphones, notebooks e tablets são cada vez mais comuns nas mãos das pessoas.
A possibilidade de utilização de dispositivos móveis na educação
permitiu um maior acesso a conteúdos educacionais em qualquer lugar
e a qualquer hora. O impacto é alto, revelando que agora não se aprende
exclusivamente nas paredes da escola, é possível aos estudantes aprenderem
em qualquer lugar e em qualquer momento, além de possibilitarem uma
relação “mais próxima” com os professores.
Com o acesso à internet por meio dos dispositivos móveis, a comu-
nicação entre as pessoas foi expandindo, a possibilidade de conversar com
pessoas distantes geograficamente foi se tornando mais viável com o de-
senvolvimento das redes sociais. As redes sociais têm se estabelecido como
uma parte integrante da vida cotidiana de muitos estudantes e, consequen-
temente, começaram a influenciar também o ambiente educacional. Uma
das principais contribuições das redes sociais na educação é a facilitação
da comunicação e colaboração entre estudantes e professores. Plataformas
como Facebook, Twitter (nomeada de X) e WhatsApp fornecem espaços
para troca de ideias, compartilhamento de recursos e organização de pro-
jetos colaborativos, tornando o processo de aprendizado mais interativo e
participativo. Além disso, as redes sociais têm o potencial de expandir o
alcance do ensino, permitindo que educadores compartilhem conteúdo
educacional com um público mais amplo. Blogs, canais do YouTube e pá-
ginas no Instagram dedicadas à educação fornecem uma plataforma para a
disseminação de informações, tutoriais e discussões sobre diversos temas,
alcançando estudantes que podem não ter acesso a recursos educacionais
tradicionais. Tal possibilidade, incentiva uma democratização do conhe-
cimento e abre novas oportunidades de aprendizado para indivíduos em
diferentes partes do mundo.
No entanto, é importante reconhecer que as redes sociais também
apresentam algumas limitações quando aplicadas à educação. Uma das pre-
ocupações é a questão da privacidade e segurança dos dados dos estudan-
tes. A exposição excessiva na internet pode representar riscos de segurança
e até mesmo de cyberbullying. Além disso, o uso das redes sociais na educa-
ção pode gerar distrações e desviar a atenção dos estudantes do conteúdo
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
139
discutido em aula, especialmente se não houver uma orientação por parte
dos educadores. Portanto, é essencial estabelecer diretrizes claras e promo-
ver uma utilização responsável das redes sociais no contexto educacional,
maximizando seus benefícios enquanto se mitigam seus riscos potenciais.
Por outro lado, as Fake News (notícias falsas) proliferam nas redes
sociais e representam um desafio crescente para a educação. Combatê-las
exige uma ação conjunta entre educadores, pais e alunos para promover
a educação midiática e o desenvolvimento do senso crítico. As fake news
podem distorcer a percepção da realidade e comprometer o processo de
aprendizado dos estudantes. Um dos principais perigos das fake news na
educação é a disseminação de informações incorretas e enganosas, que po-
dem levar os estudantes a adotarem conceitos errôneos e tomarem decisões
baseadas em informações falsas. Isso pode minar a credibilidade das fontes
de informação confiáveis e prejudicar a capacidade dos estudantes de dis-
cernir entre fatos e ficção.
Para combater as fake news na educação, é essencial promover a alfa-
betização midiática e o pensamento crítico entre os estudantes desde cedo.
A alfabetização midiática pode permitir que os estudantes identifiquem
e analisem criticamente as informações que circulam online, verificando
fontes e buscando dados confiáveis. Os professores devem auxiliar os estu-
dantes a avaliarem criticamente as fontes de informação, questionem a ve-
racidade das notícias e buscar múltiplas perspectivas antes de chegar a uma
conclusão. Destarte, é importante incentivar o uso de fontes confiáveis e
verificadas em trabalhos acadêmicos e pesquisas, ajudando os estudantes
a desenvolverem habilidades de pesquisa sólidas e a discernir entre fontes
confiáveis e duvidosas.
Em última análise, o combate às fake news na educação requer uma
abordagem multidisciplinar e colaborativa, envolvendo docentes, estudan-
tes, pais, instituições de ensino e a sociedade como um todo. Ao promover
uma cultura de pensamento crítico, responsabilidade digital e busca pela
verdade, podemos prover aos estudantes com as habilidades necessárias
para navegar no mundo complexo da informação e tomar decisões infor-
madas e fundamentadas.
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
140
Com o advento das tecnologias diversas mudanças ocorreram (com-
portamentais, sociais, éticas etc.), por exemplo, se considerarmos que na
década de 90 era necessário ir ao caixa no banco para realizar uma trans-
ferência entre contas (às vezes, enfrentando filas longas e demoradas), nos
anos 2000 já tínhamos os caixas eletrônicos, que possibilitavam o saque e a
transferência de dinheiro sem ter a necessidade de ir a um caixa de banco.
Recentemente, foi criado o PIX, em que é possível transferir dinheiro de
forma instantânea. Esse é um pequeno exemplo de como as tecnologias
mudaram nosso comportamento. Nesse contexto, a ideia de uma máquina
inteligente que pudesse realizar atividades para os homens já era incorpo-
rada na sociedade. A Inteligência Artificial (IA) já circula há anos, partindo
de uma visão computacional da mente, que, com seus pressupostos funcio-
nalistas, a concebe como um sistema de processamento de informação que
pode ser instanciado em qualquer material.
Mas o que seria Inteligência Artificial? É importante destacar que
inteligência é uma propriedade de organismos, ela depende de um pro-
cessamento analógico e não digital. Entre 0 e 1 (do digital) o cérebro hu-
mano preenche todo este espaço algo que o computador não consegue. A
inteligência pode ser definida como a capacidade de resolver problemas
complexos ou tomar decisões com resultados que beneficiam o individuo.
É um termo amplo que se refere a qualquer tecnologia capaz de reproduzir
um comportamento inteligente. O termo IA foi criado por cientistas de
computação, matemáticos e estatísticos na década de 50 na busca de con-
vencer o pentágono (departamento de defesa americana) a criar maquinas
inteligentes. Segundo Chomsky, a IA não é nem inteligente e nem artificial
(Chomsky; Roberts; Watumull, 2023). Ao invés de utilizarmos o termo
IA, para Chomsky, Roberts e Watumull (2023), deveria ser chamada de
assistência artificial, já que a chamada IA é um programa que pega uma
coleção de coisas que já existem. Inteligência é ser capaz de criar algo novo,
enquanto programas com inteligência artificial não podem criar coisas no-
vas, apenas fazer novas combinações. A IA pode ser considerada como um
assistente inteligente, assim como máquinas de lavar, cafeteiras, etc. que
ajudam as pessoas a realizarem algumas tarefas mais rapidamente e econo-
mizam tempo que poderiam utilizar para outras atividades.
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
141
Em geral, para Enjellina e Rossy (2023), a inteligência é dividida em
dois tipos: natural e artificial. A diferença entre elas pode ser observada no
Quadro 1.
Quadro 1: Diferenças entre Inteligência Natural e Artificial
Inteligência Natural Inteligência Artificial
A Inteligência Natural reside no cérebro
humano. A IA é aplicada a robôs, programas ou
máquinas.
Os humanos pensam naturalmente.
Um sistema que pensa “como um ser
humano”. As informações armazenadas em
um computador são usadas para responder
perguntas e criar um novo relatório.
A inteligência experimenta mudanças na
memória (porque os humanos mudam,
constroem conhecimento).
Tende a ser permanente porque os dados
armazenados permanecerão os mesmos desde
que o criador e o sistema informático não os
alterem.
Tem uma natureza de simpatia e empatia. É neutro porque não vê quem o está usando.
Fonte: adaptado de Enjellina e Rossy (2023)
Na literatura algumas definições de IA são observadas, isso pode
incluir uma ampla gama de tecnologias, desde algoritmos simples que
podem classificar dados até sistemas mais avançados que podem imitar
processos de pensamento semelhantes aos humanos (Leite, 2023). É de-
finida como um amplo ramo da ciência da computação que lida com a
construção de máquinas “inteligentes”, capazes de realizar tarefas que nor-
malmente requerem inteligência humana e carrega um enorme potencial
para novos serviços e produtos (Machado et al., 2023). Segundo Pavlik
(2023, p. 3), a IA se refere “[...] à simulação da inteligência humana em
máquinas que são programadas para pensar e agir como humanos. Essas
máquinas são projetadas para aprender com seu ambiente e experiências e
são capazes de adaptar seu comportamento com base nesse aprendizado”.
Percebam que a literatura destaca que a IA é capaz de imitar, adaptar, re-
produzir, mas não de criar algo novo. Essa observação se constitui o cerne
da IA, ela não é apta para criar, ela consegue aplicar métodos estatísti-
cos (estatística multivariada, redes neurais artificiais etc.) para fazer uma
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
142
mineração de grandes bancos dados e extrair correlações e projeções de
estimativas de futuro. Dessas projeções e correlações geradas pela IA vem
a comparação com o demônio de Laplace. O demônio de Laplace foi um
experimento mental proposto pelo filósofo, físico e matemático francês,
Pierre-Simon Laplace (1749-1827), no qual existiria uma criatura que, a
partir do conhecimento do conjunto de todas as variáveis do passado, seria
capaz de prever o futuro. Assim seria a IA, a partir da grande quantidade de
dados disponíveis na internet, ela é capaz de fazer projeções, correlações e
configurações de quaisquer conteúdos, desde que tenha esse conteúdo em
seu banco de dados.
E onde utilizamos a IA? Nós temos utilizado em muitas situações
os recursos da IA. Por exemplo, no google tradutor, no sistema de GPS,
na criação de legendas no Youtube, na ferramenta de autocompletar do
Google, nas assistentes virtuais etc. Em relação às assistentes virtuais, é
comumente utilizado os chatbots. Os chatbots simulam um ser humano
na conversação por chat e são uma excelente ferramenta de atendimen-
to, pois possibilitam que todo e qualquer usuário seja atendido de ime-
diato, resolvendo ou direcionando para o setor responsável. Isso agiliza o
processo e otimiza o tempo dos colaboradores.O chatboté um programa
de computador projetado para simular conversas com usuários humanos,
especialmente pela Internet (King, 2023). Os chatbots são exemplos de IA
generativa, termo utilizado para a IA que tem capacidade de gerar conte-
údo (texto, imagens, vídeos, áudio, etc.) a partir de uma solicitação, geral-
mente expressa em um texto escrito em linguagem natural. Alguns cha-
tbots conhecidos: ChatGPT, ChatGPT Plus, Bing Chat, Bard (Gemini),
Llama 2 e Claude 2.
inTeligência arTificial e o ensino
Em linhas gerais, o objetivo da IA écriar máquinas que possam ope-
rar com o mesmo nível de capacidade cognitiva que os humanos, ou até
superá-lo em alguns casos.A IA possibilita que máquinas aprendam com
experiências, se ajustem a novas entradas de dados e performem tarefas
como seres humanos. Porém, ensinar, mediar, ser sensível às dificuldades
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
143
do outro são características humanas que o sistema tem dificuldades em
lidar. Por exemplo, a IA pode preparar uma atividade para uma turma do
ensino fundamental, mas terá dificuldades de preparar uma atividade para
uma criança autista ou uma criança que tem altas habilidades.
Como ocorre com toda tecnologia promissora e disruptiva que
aparece e passa a ser inserida no contexto educacional, com a IA não é
diferente, com a sua inserção surgem discursos e posições extremas, tan-
to tecnófilas quanto tecnofóbicas (Peñalvo; Llorens-Largo; Vidal, 2024).
Chomsky, Roberts e Watumull (2023), opinam que a IA generativa mi-
nará nossos objetivos científicos e comprometerá nossos princípios morais
ao incorporar uma compreensão fundamentalmente falha da linguagem e
do conhecimento, enquanto Bill Gates afirma que o desenvolvimento da
IA é tão fundamental quanto a criação do microprocessador, computador
pessoal, Internet e smartphone (Gates, 2023). Já Pierre Lévy, autor conhe-
cido por suas contribuições sobre cibercultura, publicou na rede social X
(twitter.com/plevy) em 12 de janeiro de 2023, que se ainda fosse professor
eu tornaria obrigatório o uso do ChatGPT para redação. Os alunos com
melhores dicas, diálogo com o sistema, escolha do texto e verificação do
conteúdo teriam as melhores notas!” (Levy, 2023).
No tocante às fake News, temos observado postagens com infor-
mações falsas, como, por exemplo, imagens do ex-presidente Trump dos
Estados Unidos preso, ou o presidente da França Emmanuel Macron fu-
gindo de manifestantes. A IA permite que imagens e vídeos falsos sejam
gerados automaticamente. As imagens podem ser construídas por meio
de diferentes ferramentas de IA: MidJourney, Synthesia, Copilot (desen-
volvido pela Microsoft), Dall-E-2 (criada pela Open AI, mesma empresa
do ChatGPT). E não só imagens, mas vídeos passam a ser construídos,
em que a IA reproduz a tonalidade de voz da pessoa e pode construir
uma fala totalmente diferente daquela que foi gravada originalmente. Com
essa facilidade de criação de conteúdo audiovisual os deepfakes começaram
a juntar rostos de celebridades como os de Michelle Obama em vídeos
pornográficos e a publicá-los na Internet (Metz, 2022). E nesse contexto,
questionamos a IA vai criar novas situações? Até que ponto as imagens
serão “seguras”? Como serão as eleições? No que vamos acreditar? São res-
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
144
postas que precisam ser construídas, em que é necessária sua regulação por
parte do Governo federal para evitar que, imagens, vídeos e áudios falsos
sejam divulgados e provoquem prejuízos a sociedade.
Outrossim, a IA será um problema para os professores? Será um
problema na educação? Temos observados casos dos estudantes fraudando
provas, colocando a IA para elaborar relatórios ou construírem trabalhos e
artigos acadêmicos. Como podemos usar ferramentas de IA para melhorar
a educação? Precisamos enxergar como uma oportunidade. Os professores
precisam entender a IA e saber para que ela pode servir. É certo que po-
demos usar a IA para desenvolver uma educação personalizada e levá-la a
lugares onde é difícil chegar com toda uma infraestrutura. Essa pode ser
uma das formas de utilizá-la. Não devemos ter a preocupação de que a IA
irá substituir o professor, pois ela embora consiga interagir, ela não pode
motivar os estudantes, perceber as lacunas existentes durante a construção
do conhecimento dos alunos e por isso não vai substituir os educadores.
Alguns impactos são observados com a IA na educação: 1) Permite
processar grandes quantidades de dados, identificando padrões em diferen-
tes tipos de informações, incluindo linguagem, música e dados visuais; 2)
Permite a criação de recursos educativos que interagem com os estudantes
através do acesso a recursos educativos; 3) Pode ser usada para auxiliar em
tarefas criativas, como a composição musical, a criação de arte visual ou a
resolução de problemas complexos em diversas áreas; 4) Permite adaptar
os recursos pedagógicos de acordo com o perfil individual do estudante.
AUNESCOpublicou oConsenso de PequimsobreInteligência Artificial e
Educação em 2019. O documento (UNESCO, 2019) visa responder às
oportunidades e desafios apresentados pela IA em relação à educação, pro-
pondo 44 recomendações, agrupadas em diferentes aspectos que podem
ajudar a compreender a magnitude da tarefa. Já em 2023 a UNESCO
apresentou um framework de competências da IA para alunos e professo-
res. Em relação aos professores o framework definirá os conhecimentos,
competências e atitudes que os docentes devem possuir para compreender
as funções da IA na educação e utilizar a IA nas suas práticas de ensino de
uma forma ética e eficaz (UNESCO, 2023). No que diz respeito aos estu-
dantes, o quadro de competências em IA irá articular os conhecimentos,
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
145
competências e atitudes que os estudantes devem adquirir para compreen-
der e envolver-se ativamente com a IA de uma forma segura e significativa
na educação e fora dela (UNESCO, 2023).
No que diz respeito aos chatbots, atualmente, os mais utilizados na
educação são o ChatGPT e o Gemini. O ChatGPT é um grande mode-
lo de linguagem (do inglês large language model - LLM), “[...] que gera
sentenças convincentes imitando os padrões estatísticos da linguagem em
um enorme banco de dados de texto coletado da internet” (Stokel-Walker,
2023, p. 620). O ChatGPT é capaz de responder desde perguntas simples
a escrever textos mais complexos, em uma linguagem quase indistinguível
da linguagem humana natural (Leite, 2023). O Gemini é um grande mo-
delo de linguagem do Google AI, treinado em um enorme conjunto de
dados de texto e código. Ele, assim como o ChatGPT, pode gerar texto,
traduzir idiomas, escrever diversos tipos de conteúdo criativo e responder
às suas perguntas de forma informativa.
Na educação o ChatGPT tem sido utilizado para escrever textos,
resumir trabalhos de pesquisa, responder a perguntas, elaborar planos
de aula, dentre outras possibilidades (Leite, 2023). Já com o Gemini os
professores podem usar para criar materiais de aprendizagem interativos,
como questionários e flashcards, bem como para fornecer feedback aos alu-
nos sobre seus trabalhos. Para ilustrar o alcance do ChatGPT e do Gemini
na educação, imagine uma sala de aula, onde cada estudante recebe orien-
tações personalizadas adaptadas às suas necessidades. Graças a IA genera-
tiva isso é possível. O ChatGPT e o Gemini podem atuar como um tutor
pessoal, avaliando o nível de conhecimento, estilo de aprendizado e ritmo
de cada estudante. A partir dos dados obtidos dessa avaliação os chatbots
podem gerar planos de aula personalizados, atividades de prática e mate-
riais auxiliares para a aprendizagem dos estudantes. Além disso, o meca-
nismo de feedback do ChatGPT e Gemini pode fornecer aos estudantes
insights imediatos sobre seu trabalho, permitindo-lhes identificar áreas para
melhoria e acompanhar seu progresso ao longo do tempo.
A IA generativa pode ser utilizada para: i) Escrever um texto sobre
um assunto usando vocabulário que você deseja que seus alunos aprendam
ou revisem; ii) Gerar frases usando uma estrutura gramatical específica
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
146
para fornecer aos seus estudantes exemplos da gramática em contexto; iii)
Os estudantes podem consultar o ChatGPT/Gemini para gerar respostas
alternativas. Aqui é importante frisar que não é que ele responda, mas que
ele forneça respostas alternativas, ampliando as opções do estudante em
construir sua resposta; iv) Traduzir um texto; dentre outras possibilidades.
Temos observado que nem sempre o modelo de linguagem gera a res-
posta que esperávamos. Ao inserirmos um prompt (comando), o ChatGPT/
Gemini apresenta respostas que não atendem às demandas do solicitante.
É necessário aprender a dialogar com a IA generativa. Ao falarmos com um
especialista em determinada área e não fizermos as perguntas apropriadas,
provavelmente o que vai acontecer é que as respostas ou as riquezas das
respostas não vão surgir, é preciso saber dialogar com os chatbots.
Os modelos de Linguagem são fundamentalmente vygotskianos
(Clark, 2023), aprendendo a partir de dados criados e utilizados por nós,
incluindo o aperfeiçoamento através da Aprendizagem por Reforço a partir
do Feedback Humano (RLHF). Os modelos de linguagem (chatbots) utili-
zam a linguagem como fonte mediadora da aprendizagem, semelhante ao
conceito de Vygotsky de um “outro conhecedor”. O “outro conhecedor” é
a IA, e esta ideia é fundamental para a teoria da aprendizagem de Vygotsky,
que enfatiza a interação social e o contexto cultural no desenvolvimento
cognitivo. A IA generativa, como o ChatGPT/Gemini, funciona como um
outro conhecedor” em várias áreas, oferecendo uma aprendizagem perso-
nalizada disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana, demonstrando
paciência, educação, capacidade motivadora e até simpatia. Os chatbots
também funcionam como uma “ferramenta” que faz a mediação através do
diálogo, permitindo que os estudantes construam o seu próprio sentido e
significado, conduzindo o processo de aprendizagem e mantendo-nos na
Zona de Desenvolvimento Proximal.
Por um lado, os modelos de linguagem utilizam um processo de
tentativa e erro para aprender os padrões da linguagem. Segundo Neves
(2023), Chomsky defende que a aquisição da linguagem é um processo
de teste de hipóteses e que as crianças aprendem a língua experimentan-
do diferentes frases e observando a reação daqueles com que interagem.
Desse modo, os chatbotsaprendem” por tentativa e erro. Um exemplo é
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
147
quando a resposta está incorreta e questionamos o modelo de linguagem.
Rapidamente o modelo de linguagem apresenta uma nova resposta, na
tentativa de lograr sucesso, e assim vai processando por tentativa e erro,
até alcançar êxito na sua resposta. Já Piaget, por outro lado, defendia que
a linguagem é aprendida através da experiência. Para Piaget, as crianças
adquirem a linguagem através de um processo de assimilação e acomoda-
ção. Na assimilação, as crianças tentam encaixar a nova informação nas
suas estruturas de conhecimento existentes. Na acomodação, as crianças
mudam as suas estruturas de conhecimento para acomodar a nova in-
formação adquirida. Assim, o conceito de assimilação de Piaget pode ser
visto como um reflexo da forma como os modelos de linguagem utilizam
as suas estruturas de conhecimento existentes para interpretar novas in-
formações e o conceito de acomodação pode ser visto como um reflexo
da forma como os LLM alteram as suas estruturas de conhecimento para
acomodar novas informações.
É importante frisar que a IA não é um substituto para os professores,
pelo contrário, é um recurso promissor que pode contribuir para que
professores se concentrem no processo de construção de conhecimento de
seus estudantes. Destarte, a versatilidade, adaptabilidade e capacidade dos
recursos da IA de personalizar experiências de aprendizagem os tornam
uma ferramenta inestimável para educadores, capacitando-os a aprimorar
as práticas de ensino, promovendo o envolvimento ativo e fornecendo
suporte aos envolvidos.
Finalizando esse capítulo, reapresento a mensagem que o ChatGPT
e o Gemini (na época era chamado de Bard) produziram para os congres-
sistas e foi compartilhada durante a mesa redonda:
Aos professores congressistas do Congresso Nacional de Formação
de Professores, que a jornada de aprendizado e troca de experiências
seja repleta de inspiração e inovação. Que este encontro fortaleça
os alicerces da educação, capacitando-nos a moldar o futuro
com sabedoria e paixão. Juntos, construímos pontes para o
conhecimento e deixamos um impacto duradouro nas vidas que
tocamos. Obrigado por sua dedicação incansável à formação de
mentes brilhantes. Que este congresso seja um marco em nossas
trajetórias educacionais (OpenAI, 2023).
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
148
A formação de professores é um investimento na educação e no
futuro do Brasil. A formação de professores é uma responsabilidade
de todos (Bard, 2023).
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151
Compreendendo o volume
de trabalho dos professores
brasileiros
Gabriela Miranda Moriconi
inTrodução
A valorização dos profissionais da Educação é um dos princípios
que orientam o ensino no Brasil (Brasil, 1988, 1996). Nesse contexto, as
condições de trabalho docente têm sido consideradas um pilar dessa valo-
rização, em conjunto com a remuneração, a carreira e a formação inicial e
continuada (Oliveira, 2020).
Nesse sentido, é essencial reconhecer que condições de trabalho
dos professores são, também, condições de aprendizagem dos estudantes
(Hirsch et al., 2007). Portanto, a garantia da qualidade das condições de
trabalho dos professores deve ter como propósitos, simultaneamente, va-
lorizar os docentes e melhorar as oportunidades de aprendizagem dos seus
estudantes.
De modo geral, as condições de trabalho docente são compreendi-
das como os aspectos que possibilitam a realização do trabalho e que, em
algum grau, orientam o que os professores fazem em sala de aula (Johnson,
2006). Trata-se de um amplo conjunto de fatores que pode tanto envolver
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-611-4.p151-168
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
152
as políticas dos sistemas educacionais quanto estar circunscrito ao contexto
escolar, como as instalações físicas; os equipamentos, materiais e recursos
disponíveis; os diversos tipos de apoio (como pedagógico ou de psicólogos
e assistentes sociais); a liderança da gestão; as culturas, estruturas e proce-
dimentos; as características dos estudantes e da comunidade; entre outros
(Johnson, 2006; Leithwood, 2006; Oliveira; Assunção, 2010).
No Brasil, as condições de trabalho docente têm sido objeto de um
conjunto extenso de pesquisas nas últimas décadas, com destaque para
temas como as jornadas de trabalho, as atividades desempenhadas, a carga
de trabalho e os múltiplos empregos, aqui comumente denominadas de
condições de organização do trabalho docente (Losekan et al., 2022).
Trata-se de uma temática que se aproxima do que Leithwood (2006)
identifica como condições que influenciam o volume da carga de traba-
lho – ou, simplesmente, volume de trabalho – dos professores, tais como
tamanho das turmas, número total de alunos, quantidade e tipo de tarefas
assumidas, bem como tempo gasto e sua distribuição.
Uma das abordagens mais frequentes nos estudos sobre os temas
do volume e da organização do trabalho docente no Brasil se encontra
nos efeitos dessas condições sobre a saúde dos profissionais, com investi-
gações relacionadas à Síndrome de Burnout, estresse ocupacional, ergo-
nomia, além de análises de caráter psicológico (Assunção; Oliveira, 2009;
Moriconi; Gimenes; Príncepe, 2014). Nessas pesquisas, são encontradas
evidências de efeitos negativos de condições desfavoráveis como o trabalho
em múltiplas escolas, o elevado número de turmas e de número total de
alunos, bem como jornadas de trabalho excessivas sobre a saúde, resultan-
do em afastamentos do trabalho por parte dos docentes (Lopes; Pontes,
2009; Rodríguez-Loureiro et al., 2019).
Ao mesmo tempo em que se deve reconhecer a relevância de abor-
darmos as condições de trabalho na perspectiva de seus impactos sobre a
saúde dos professores, é necessário também expandir as investigações para
compreender suas implicações sobre outros aspectos, tais como as práticas
profissionais, ou seja, sobre o trabalho dos professores dentro e fora de sala
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
153
de aula, bem como sobre ações que visam colaborar para o aprimoramento
dessas práticas, tais como as iniciativas de formação continuada.
Esse tipo de análise é importante por diversos motivos. O primei-
ro relaciona-se à garantia do direito à aprendizagem dos estudantes, pois,
como já apontado, condições de trabalho dos professores são, também,
condições de aprendizagem dos estudantes (Hirsch et al., 2007). No mes-
mo sentido, encontra-se o segundo motivo, porque é sabido que, para um
profissional realizar um bom trabalho são necessários três aspectos: (1) ter
conhecimentos, habilidades e atitudes adequadas (saber fazer); (2) ter con-
dições ambientais ou contextuais adequadas (poder fazer); e (3) ter moti-
vação para tanto (querer fazer) (Zanelli; Borges-Andrade; Bastos, 2014).
Ao explorar aspectos que possam favorecer um bom desempenho docente,
busca-se também alcançar impactos positivos para a autoeficácia e a satis-
fação dos professores com seu trabalho.
O terceiro se dá em razão de muitos esforços serem empreendidos
por secretarias de educação para que haja formação continuada docente –
não raro com frustrações de professores participantes, de formadores e de
gestores acerca dos resultados alcançados. Nesse ponto, deve-se destacar
que as secretarias de educação demonstram ter grandes expectativas em
relação à formação continuada docente, pois a consideram uma “[...] con-
dição sine qua non para a melhoria da qualidade de ensino”, associando-a
“[...] ao processo de melhoria das práticas pedagógicas desenvolvidas no
cotidiano escolar para promover a aprendizagem dos alunos” (Davis et al.,
2012, p. 111).
Tendo em vista esse contexto, este texto apresenta algumas evidên-
cias sobre o volume de trabalho dos professores brasileiros e propõe discus-
sões condizentes tanto com suas implicações sobre as práticas profissionais
docentes quanto com a participação desses atores em iniciativas de forma-
ção continuada desenvolvidas por escolas e redes de ensino.
alguns achados sobre o volume de Trabalho docenTe no brasil
Recentemente, desenvolvemos duas pesquisas que oferecem evi-
dências relevantes sobre o volume de trabalho dos professores brasileiros,
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
154
mais especificamente, dos professores dos anos finais do ensino funda-
mental do país.
Na primeira delas foi realizada uma análise comparada do volume de
trabalho dos professores dos anos finais do ensino fundamental entre Brasil,
Estados Unidos, França e Japão. Entre os principais resultados obtidos, po-
demos destacar que os professores dos Estados Unidos, Japão e França atu-
am, via de regra, em apenas uma escola. No Japão e na França, ademais, as
escolas que ofertam os anos finais do ensino fundamental o fazem de forma
exclusiva – portanto, seus professores atuam somente nessa etapa de ensino.
Enquanto isso, no Brasil, 45% dos professores dos anos finais do ensino fun-
damental atuam em mais de uma escola, 30% em mais de uma rede e 61%
em mais de uma etapa (Moriconi; Gimenes; Leme, 2021).
Além disso, observamos que a proporção de tempo que os docentes
relatam passar em sala de aula, em relação ao tempo total de trabalho, é
maior no Brasil: 73%, quando comparado aos Estados Unidos, com 60%,
e à França e ao Japão, com menos de 50%. Chama-nos atenção, também,
que no Brasil 54% dos docentes têm mais de 200 alunos no total, com sig-
nificativa variação entre disciplinas: isso ocorre com 35% dos professores
de matemática e com 60% dos professores de língua estrangeira. Enquanto
isso, no Japão e nos Estados Unidos, os professores atuam, geralmente,
com menos de 200 alunos no total, podendo chegar, no máximo, a 280.
Isso porque os professores dos anos finais do ensino fundamental assu-
mem, no máximo, 7 turmas por período letivo nesses países, sendo mais
comum que assumam 5 ou 6 turmas (Moriconi; Gimenes; Leme, 2021).
No entanto, como é comum no contexto brasileiro, quando os da-
dos referentes ao volume de trabalho são desagregados, observa-se uma
grande heterogeneidade nos resultados entre as diversas redes estaduais e
municipais do país. Essa constatação levou à segunda pesquisa, que teve
como objetivo compreender quais fatores fazem com que a média do nú-
mero total de alunos por professor seja relativamente mais alta ou mais
baixa em diferentes redes de ensino do Brasil (Moriconi et al., 2023).
Como exemplo dessa heterogeneidade, na Tabela 1 a seguir, apresen-
tamos dados referentes a indicadores do volume de trabalho de duas redes
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
155
municipais de ensino do Brasil, sendo que a Rede Municipal A apresenta
alto volume de trabalho docente, enquanto a Rede Municipal B apresenta
baixo volume de trabalho docente, conforme a classificação realizada como
parte da pesquisa. Como se pode observar, embora os professores das redes
municipais do país trabalhem, em média, com 228,6 alunos no total, na
Rede Municipal A, essa média chega a 524,7 alunos por professor, enquan-
to na Rede Municipal B é de apenas 92,6.
Tabela 1: Indicadores do volume de trabalho de professores dos anos
finais do ensino fundamental de duas redes municipais do Brasil
Condições
Conjunto
das Redes
Municipais
Rede
Municipal A
Rede
Municipal B
Média de alunos por professor 228,6 524,7 92,6
Média de alunos por turma 25,9 31,5 15,2
Média de turmas por professor 8,5 16,7 5,3
% de professores em mais de
uma rede 33% 56% 11%
% de professores em mais de
uma escola 45% 74% 11%
Fonte: Elaboração própria com base em dados do Censo da Educação Básica de 2020 (Brasil, 2021).
Por meio das duas pesquisas mencionadas, foi possível identificar
diversos fatores que explicam as diferenças no volume de trabalho dos
professores do Brasil e dos demais países investigados na primeira pes-
quisa, e dos professores das diferentes redes de ensino dentro do Brasil.
Entre eles, podemos destacar as diferenças na contratação e nas atribui-
ções dos professores.
Estados Unidos, França e Japão contratam prioritariamente profes-
sores para uma jornada de tempo integral, em apenas uma unidade esco-
lar, para lecionar em média 28h, 18h e 18h por semana, respectivamente.
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
156
Embora lecionar seja a principal atribuição docente, não é a única: nesses
países é comum que os professores realizem outras atividades que contri-
buam para a comunidade escolar, como por exemplo, coordenar um ano/
série, disciplina ou tema (tal como “comportamento dos alunos”) na escola
(Moriconi; Gimenes; Leme, 2021).
Já no Brasil, os professores podem ser contratados para jornadas de
trabalho dos mais variados tamanhos. Embora existam algumas redes que
contratam professores para jornadas de 40 horas semanais, não permitindo
ultrapassar esse limite, os contratos no país são majoritariamente de tem-
po parcial, possibilitando o acúmulo ou a ampliação de jornadas. Desse
modo, não é raro que a jornada de trabalho semanal total de um professor
passe de 40 horas semanais no país (Moriconi et al., 2023).
Além disso, embora a Lei do Piso defina que pelo menos um terço da
jornada seja reservado para atividades extraclasse, dados de 2022 indicam
que 4 redes estaduais e 26% das redes municipais ainda não a cumpriam
(Brasil, 2022). Há redes brasileiras, inclusive, nas quais os professores atu-
am 44 horas semanais dentro de sala de aula em apenas uma jornada de
trabalho. Além disso, ainda que existam algumas redes que proporcionam
oportunidades para que os professores contribuam em projetos pedagó-
gicos, coordenação de turma e reforço escolar que ultrapasse o tempo das
aulas, é mais comum que sejam contratados somente para lecionar um
conjunto de aulas, com pouco tempo adicional para atividades extraclasse.
No país, é muito presente a visão de professores como “fornecedores de au-
las” para redes de ensino, e não como profissionais de uma unidade escolar
(Moriconi; Gimenes; Leme, 2021).
Existem ainda outros fatores que explicam as diferenças de volume
de trabalho de distintos professores. Um deles é a organização das matri-
zes curriculares: quanto menos aulas por semana são alocadas para um
componente curricular, mais turmas podem ser atribuídas aos docentes
desse componente para completar sua carga horária em sala de aula. Nesse
aspecto, existe um padrão recorrente nas redes de ensino do país, segundo
o qual professores de língua portuguesa e matemática assumem menos
turmas, enquanto os de língua estrangeira, artes e educação física assumem
mais turmas. Outros fatores importantes, nesse sentido, são a demanda
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
157
por vagas e os espaços físicos disponíveis. Há redes em que a infraestrutura
das escolas não é suficiente para atender, de maneira adequada, a demanda
existente por vagas na Educação Básica, fazendo com que sejam alocados
40, 45 alunos por turma. Por outro lado, há territórios em que a população
se encontra muito dispersa, aumentando a necessidade de a rede ofertar o
ensino em escolas pequenas (com turmas de tamanho reduzido e em pe-
quena quantidade), localizadas com maior distância umas das outras. Além
de assumirem poucas e pequenas turmas, essa situação ainda dificulta a
alocação de um docente para lecionar em mais de uma escola (Moriconi
et al., 2023).
Ao evidenciar as diferenças entre o volume de trabalho dos profes-
sores brasileiros e de outros países, bem como entre os professores das di-
versas redes de ensino do Brasil, essas pesquisas chamam atenção para uma
série de fatores – que incluem aqueles que dependem de decisões de polí-
ticas públicas – que diferenciam os limites e as possibilidades encontradas
por distintos professores no exercício de sua profissão. Nesse sentido, faz-se
relevante investigar e aprofundar os conhecimentos que se tem sobre as
implicações das condições de trabalho – em especial, das relativas ao volu-
me de trabalho – dos professores sobre as suas práticas profissionais e seus
resultados – em especial sobre a aprendizagem de seus estudantes.
implicações do volume de Trabalho Às práTicas dos professores
e À aprendizagem de seus esTudanTes
Lecionar em mais de uma escola e rede de ensino são condições
que agregam complexidade ao trabalho docente. Pressupõem que o pro-
fessor, além de assumir suas aulas, se envolva e colabore para a elaboração
e implementação de seus planos e projetos pedagógicos específicos, e que
conheça e lide com necessidades, culturas e formas de trabalho próprias
dessas escolas e redes. Lecionar em mais de uma etapa de ensino demanda,
ainda, conhecimentos sobre o currículo de cada etapa e sobre o desen-
volvimento e aprendizagem em cada faixa etária atendida; e a capacidade
de implementar as respectivas abordagens pedagógicas apropriadas a cada
uma delas (Moriconi; Gimenes; Leme, 2021).
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
158
É raro encontrar estudos sobre como essas condições relativas ao
volume afetam a qualidade do trabalho dos professores. Uma exceção é o
artigo de Elacqua e Marotta (2020), que aborda o caso da rede municipal
do Rio de Janeiro. O estudo concluiu que um aumento no número de
escolas em que o professor atua tem impacto negativo no desempenho
dos seus estudantes, cuja magnitude tende a ser maior para os estudantes
pobres que participam de programas de transferência de renda. Nessa
investigação, os pesquisadores trabalharam com dados referentes aos mes-
mos professores em diferentes situações relacionadas ao número de escolas
em que atuavam. Nesse sentido, seria essencial realizar pesquisas que per-
mitissem compreender as diferenças nas práticas dos professores atuando
em maiores e menores números de escolas. Que mudanças os professores
realizam em suas práticas em decorrência de mudanças em suas condições
de trabalho? Que práticas são mais ou menos afetadas por essas mudanças?
Com relação ao volume de trabalho docente, o aspecto que apa-
rentemente recebeu maior atenção na literatura internacional foi o tama-
nho das turmas com as quais os professores trabalham. Nesse contexto,
os argumentos favoráveis a turmas com menos alunos apontam para a
probabilidade de um ensino mais centrado nos estudantes e mais indi-
vidualizado, com maior possibilidade de inovação, mais facilidade de
engajamento dos estudantes e menos problemas de comportamento em
sala de aula (Hattie, 2009).
Ao analisar essa literatura, Hattie (2009) destaca que, para turmas
acima de 30 alunos, as práticas mais favoráveis à aprendizagem estariam re-
lacionadas a um ensino mais padronizado, com formas mais rígidas de dis-
ciplina, que permitem pouco desvio, muita quantidade de aprendizagem
mecânica, caminhos diretos (sem flexibilidade), passando pelas aulas no
mesmo ritmo. Segundo o autor, nas turmas com 20 a 30 alunos, há maior
possibilidade de agrupá-los de acordo com suas habilidades ou comporta-
mentos, encorajando interações entre pares, promovendo a autorregulação
e alguns ajustes no currículo em resposta às necessidades e interesses dos
estudantes (Hattie, 2009).
No cenário brasileiro, essa literatura é apoiada por evidências de
Oliveira (2010) e Travitzki e Cássio (2017), que corroboram os pareceres
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
159
do Conselho Nacional de Educação (CNE), os quais recomendam que as
turmas dos anos finais do ensino fundamental tenham, no máximo, 30
alunos (Brasil, 2009, 2010). Oliveira (2010) identificou benefícios na re-
dução do tamanho de turmas para, no máximo, 30 alunos, em uma análise
para os anos iniciais do ensino fundamental. Travitzki e Cássio (2017), por
sua vez, observaram que, nos anos finais do ensino fundamental, o número
ótimo seria de 36 alunos por turma para os estudantes de maior nível so-
cioeconômico, enquanto, entre os demais, o ideal seria de 28.
Cabe ressaltar, porém, que esse número máximo de alunos por turma
recomendado depende da etapa de ensino, sendo os números “ideais” me-
nores para o contexto de estudantes mais novos. Blatchford et al. (2003),
por exemplo, obtiveram evidências para o Reino Unido de que turmas
com até 25 alunos são mais favoráveis, sobretudo durante o primeiro ano
do ensino fundamental, e particularmente para aqueles que apresentam
maiores dificuldades e necessidades acadêmicas. Diversos indicadores, tais
como comportamento dos alunos; tempo que professores tinham para pla-
nejar, corrigir tarefas e avaliar; satisfação dos professores com seu trabalho
foram melhores nas turmas de até 25 alunos. Também no que diz respeito
ao início da escolarização, Finn, Suriani e Achilles (2010) produziram um
compilado de evidências de diversos estudos acerca do Tennessees Project
STAR (Student Teacher Achievement Ratio), um experimento de larga
escala para testar a eficácia de turmas menores desde a pré-escola até o 3º
ano do ensino fundamental, realizado no Tennessee, nos Estados Unidos.
Nesse experimento, os alunos foram alocados em turmas pequenas (de 13
a 17 alunos); turmas regulares (de 22 a 25 alunos); ou turmas regulares
(de 22 a 25 alunos) com um professor de apoio. Estudos feitos com base
no experimento demonstraram benefícios das turmas pequenas em todas
as áreas do conhecimento avaliadas, sendo estes maiores para alunos não
brancos ou de áreas urbanas (menos favorecidas economicamente).
Ressalta-se, novamente, a importância de que sejam realizadas pes-
quisas acerca de como o aumento ou diminuição no número de alunos
das turmas afeta as práticas dos professores, tanto no que diz respeito ao
ensino – por exemplo, à alfabetização – quanto em relação à gestão de sala
de aula e à avaliação da aprendizagem. Além dos efeitos dessas mudanças
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
160
nos resultados de aprendizagem dos estudantes, é preciso explorar a etapa
intermediária – como os professores desenvolvem suas práticas sob dife-
rentes condições –, para que se tenha uma compreensão do processo como
um todo.
Ainda que o número de alunos por turma seja relevante, o número
de turmas e, consequentemente, o total de alunos por professor (soman-
do-se todas as turmas) representam de forma mais completa o volume de
trabalho desses profissionais. Lecionar para uma grande quantidade de tur-
mas – em especial se forem de anos/séries distintos – pressupõe maiores
esforços para a preparação das atividades de ensino e aprendizagem para
esses diferentes grupos de estudantes com necessidades, interesses e formas
de aprender específicos. Além disso, lecionar para grande quantidade de
alunos, simultaneamente, dificulta diversas práticas consideradas essenciais
no contexto pedagógico, tais como conhecer os estudantes, planejar ativi-
dades com base em seus conhecimentos e experiências e oferecer devoluti-
vas informativas para que avancem (Consed; Undime; MEC, 2019).
Trata-se de aspectos de grande importância na qualidade do traba-
lho docente, que tendem a não receber atenção no debate nacional, com
exceção do indicador de esforço docente calculado pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que o inclui
(Brasil, 2014).
Sendo relevantes para as práticas profissionais, as condições relativas
ao volume de trabalho docente têm forte potencial para afetar as iniciativas
de formação continuada desenvolvidas por redes de ensino e escolas, rela-
ção que também precisa ser analisada e discutida no contexto brasileiro.
implicações do volume de Trabalho docenTe Às iniciaTivas de
formação conTinuada no brasil
Ao explorarmos as condições relativas ao volume de trabalho dos
professores, é preciso também considerar suas implicações tanto para a
participação dos docentes em experiências de formação continuada quan-
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
161
to para a incorporação dos aprendizados profissionais em suas práticas
pedagógicas.
Existe um conjunto extenso de pesquisas que investigam caracte-
rísticas de iniciativas de formação continuada capazes de colaborar para o
aprimoramento da prática profissional dos professores e, por consequên-
cia, para a melhoria da aprendizagem de seus estudantes. Entre as caracte-
rísticas dessas iniciativas, pode-se destacar a duração prolongada, intensiva,
contínua e com contato frequente com os formadores (Moriconi et al.,
2017). É com a participação em processos formativos com esse tipo de
configuração que os professores terão mais chances de estarem aptos a to-
mar decisões acerca de como aplicar novas formas de ensinar em situações
particulares que vivenciam, bem como a promover mudanças profundas e
sustentáveis em suas práticas (Timperley et al., 2007). Além disso, a dura-
ção prolongada e o contato frequente com os formadores são tidos como
necessários porque o processo de aprendizagem não é linear, nem obriga-
toriamente sequencial e, sim, interativo, devendo prever devolutivas cons-
tantes, para que as novas aprendizagens possam ser reforçadas (Garet et al.,
2001; Timperley et al., 2007).
Para se engajar nesse tipo de formação continuada, uma condição
de trabalho necessária é a garantia de um tempo adequado da jornada de
trabalho docente para as atividades pedagógicas fora da sala de aula, sendo
uma parcela desse tempo destinada à formação continuada. É preciso que
os professores tenham tempo para participar dos encontros formativos e,
também, para estudar e preparar atividades de aprendizagem profissional
como parte dessas iniciativas. Por exemplo, um professor que esteja 44
horas em sala de aula, como no caso citado anteriormente, dificilmente
conseguirá se engajar e aproveitar adequadamente iniciativas de formação
continuada que lhe sejam oferecidas.
Nessa literatura empírica, outra característica de formações conti-
nuadas que contribuíram para a melhoria do trabalho docente é a partici-
pação coletiva dos docentes – de um grupo de professores de uma mesma
escola, etapa de ensino, área ou série/ano (Snow-Renner; Lauer, 2005).
Nesse sentido, os estudos destacam como importante a garantia do apoio
e da interação entre os professores participantes e/ou entre os participantes
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
162
e formadores (Timperley et al., 2007). Isso porque formações continua-
das baseadas na colaboração profissional ajudam os professores a abordar
problemas que vivenciam em seu trabalho, possibilitando a construção
de uma cultura profissional na qual desenvolvem uma compreensão co-
mum dos objetivos de ensino, métodos, problemas e soluções (Garet et al.,
2001). Darling-Hammond, Wei e Andree (2010), ao analisarem sistemas
educacionais com bons resultados, destacam a importância do uso do tem-
po fora de sala de aula para a colaboração e o desenvolvimento profissional
docente, de modo que professores possam trabalhar em conjunto no pla-
nejamento, observação e análise de aulas, por exemplo.
Configura-se como uma condição de trabalho favorável à participa-
ção dos docentes em formações continuadas eficazes, portanto, a oportu-
nidade de que os docentes possam compartilhar esse tempo com colegas
de profissão. Ou seja, que uma parcela desse tempo fora da sala de aula seja
reservada para a participação coletiva em processos de formação e colabo-
ração profissional, em espaços apropriados para tais atividades.
Se cada professor participar de forma isolada de iniciativas de forma-
ção continuada, sem ter contato com os demais participantes após os en-
contros formativos, a implementação dos novos conhecimentos e práticas
em seu contexto ficará ainda mais difícil, devido à falta de apoio e de trocas
para superar os desafios naturais que mudanças de prática demandam.
Por fim, mas não menos importante, é preciso discutir as implica-
ções das condições de trabalho docente, em especial de seu volume de
trabalho, sobre a capacidade dos professores de implementar novos conhe-
cimentos e habilidades desenvolvidos durante a formação, em seu contexto
de trabalho, com seus estudantes específicos.
Por exemplo, uma formação que tenha como objetivo que os pro-
fessores desenvolvam sua capacidade de oferecer devolutivas informativas
e que apoiem a aprendizagem de seus estudantes de forma individualizada
precisa considerar o número total de alunos com os quais esses professores
atuam. Por exemplo, é mais provável que professores que atuam nos anos
iniciais do ensino fundamental com uma ou duas turmas de estudantes,
atendendo cerca de 50, 60 alunos no total, consigam implementar essas
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
163
devolutivas individualizadas em seu contexto, quando comparados a pro-
fessores dos anos finais e do ensino médio, que atuam comumente com
mais de 250 alunos no total.
Guskey (2023) propõe um modelo para avaliar – e também plane-
jar – iniciativas de formação continuada que considera o contexto no qual
essas ações ocorrem e como as afetam, oferecendo bons subsídios para que
as condições de trabalho sejam incluídas nas reflexões acerca dos processos
formativos docentes e sua efetividade.
O modelo proposto por Guskey (2023) contempla cinco níveis, que
avaliam: a reação dos participantes; a aprendizagem dos participantes; o
apoio e mudança institucional; o uso de novos conhecimentos e habilida-
des pelos participantes; e os resultados de aprendizagem dos estudantes.
Trata-se de um modelo em que cada nível se baseia nos anteriores e, por-
tanto, o sucesso em um nível é geralmente necessário para o sucesso nos
níveis subsequentes.
Ele se inicia no nível 1, no qual se busca avaliar se os participantes
gostaram ou não da experiência, se ficaram satisfeitos ou não com ela. Na
sequência, no nível 2, parte-se para avaliar se os participantes desenvolve-
ram os conhecimentos e habilidades previstas, ou seja, se teriam desenvol-
vido a capacidade de implementar as práticas pedagógicas que eram objeto
da formação. Isso não significa, ainda, avaliar se os participantes incorpora-
ram essas práticas ao seu trabalho, em sua(s) escola(s) específica(s) – o que
corresponde ao nível 4 da avaliação. Antes disso, é preciso avaliar, no nível
3, se os participantes contaram com todo o apoio organizacional necessário
para que essa incorporação ocorra, o que inclui as condições de trabalho
adequadas à implementação dessas práticas pedagógicas em seu contexto
específico. O modelo se encerra no nível 5, quando são coletadas evidên-
cias que corroborem a hipótese de que houve melhoria na aprendizagem
dos estudantes (Guskey, 2023).
Na discussão deste texto, cabe destacar especialmente a avaliação de
nível 3. Isso porque é muito comum que iniciativas de formação continu-
ada sejam seguidas de um sentimento de frustração por parte dos respon-
sáveis, por não observarem resultados em termos de mudanças de práticas
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
164
dos professores e, consequentemente, de melhorias na aprendizagem de
seus estudantes. Nesses casos, é igualmente comum que se questione se, de
fato, os professores compreenderam o que foi desenvolvido, ou se concor-
dam com as práticas e se comprometeram com elas. Mas é raro que se ana-
lise, de modo detalhado, as condições nas quais aqueles professores atuam,
o que envolve aspectos relativos ao volume de trabalho, à infraestrutura das
escolas e ao apoio da gestão da escola, por exemplo. O processo de mudan-
ça ou aprimoramento das práticas pretendido com base no engajamento
dos professores em iniciativas de formação continuada depende de condi-
ções favoráveis à implementação das práticas específicas, que são objeto da
formação – portanto, a avaliação da formação precisa considerar se essas
condições estavam presentes nos contextos de atuação dos professores.
Uma forma de incluir as condições de trabalho nas discussões rela-
tivas à formação continuada docente é adotar o planejamento reverso para
desenhar esse tipo de iniciativa, como propõe Guskey (2023).
Tendo em vista que o objetivo final – ou um dos objetivos finais – de
qualquer iniciativa de formação continuada deve ser a melhoria da apren-
dizagem dos estudantes, o autor indica que o primeiro passo do planeja-
mento reverso de uma formação continuada deve ser definir quais aspectos
da aprendizagem dos estudantes se pretende melhorar com ela. Após isso,
o segundo passo seria definir quais as práticas de ensino que os professores
poderiam implementar para ajudar os estudantes a melhorar nesses aspec-
tos específicos. Essas são as práticas de ensino que deveriam ser o objeto da
formação continuada. O terceiro passo, portanto, seria analisar e garantir as
condições necessárias para que os professores implementem essas práticas de
ensino, que serão aprendidas ou aprimoradas por meio de seu engajamento
na formação continuada. Ou seja, este seria o momento de garantir que as
condições de trabalho dos professores que participarão da iniciativa, entre
elas, as relativas ao volume de trabalho: (1) favoreçam um real engajamento
dos professores em processos formativos; (2) favoreçam a incorporação das
práticas que se pretende que os professores aprendam e incorporem ao seu
fazer profissional. Somente depois de garantidas as condições e o apoio insti-
tucional para a futura implementação das práticas é que se deveria considerar
quais conhecimentos e habilidades os professores precisam desenvolver para
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
165
implementar as práticas propostas e passar a desenhar as atividades de apren-
dizagem profissional que serão desenvolvidas com eles, de modo que esses
conhecimentos e habilidades sejam desenvolvidos (Guskey, 2023).
Conforme destaca Guskey (2023), esse processo de planejamento re-
verso é muito importante porque as decisões tomadas em cada nível afetam
profundamente as do nível seguinte. Por exemplo, os resultados em aspec-
tos específicos que se pretende que os estudantes alcancem influenciam os
tipos de práticas pedagógicas que são propostas como objeto da formação.
Do mesmo modo, as práticas pedagógicas que se pretende implementar
influenciam os tipos de condições e de apoio necessários. Dessa maneira,
embora não seja possível garantir que a iniciativa de formação continuada
seja exitosa, aumentam-se as chances de que isso ocorra, obtendo-se maior
conhecimento acerca dos processos formativos – o que pode contribuir no
momento de avaliá-los e aprender com eles.
considerações finais
O presente texto buscou apresentar e discutir alguns achados que
permitem compreender o volume de trabalho dos professores brasileiros,
propondo discussões concernentes às suas implicações sobre as práticas
profissionais docentes e sobre a participação desses atores em iniciativas de
formação continuada desenvolvidas por escolas e redes de ensino.
Longe de esgotar o assunto, com essas discussões pretende-se contri-
buir para desnaturalizar condições de trabalho inadequadas que, por diver-
sas vezes, são encontradas por professores em seus contextos de trabalho no
Brasil. Do mesmo modo, pretende-se contribuir para a compreensão sobre
como essas condições estão distribuídas, bem como sobre suas causas, de
maneira que possamos avançar na compreensão do fenômeno e na propo-
sição de medidas para melhorá-las.
Mais do que respostas, houve um esforço no sentido de apresentar
perguntas que possam instigar e direcionar futuras pesquisas sobre as con-
dições de trabalho dos professores e suas inter-relações com os aspectos
apresentados. Além disso, espera-se que essas perguntas chamem atenção
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
166
dos profissionais das distintas áreas das secretarias de educação, ao refletir e
planejar suas ações: nos recursos humanos ou gestão de pessoas; na gestão
pedagógica e na formação continuada de professores.
Nesse sentido, entende-se ser necessário desenvolver uma visão in-
tegrada dos aspectos que, de alguma maneira, se relacionam e afetam o
trabalho docente, permitindo não somente uma compreensão mais ade-
quada dele enquanto objeto de estudo, mas, especialmente, para favorecer
o desenho e a implementação das políticas que incidem sobre o trabalho
dos professores de maneira articulada e coerente entre si.
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169
Ficções e realidades educacionais:
o desafio de narrar e compreender
a formação e a história da
profissão docente
Dislane Zerbinatti Moraes
“Todo trabalho de pesquisa seria uma tradução do que é estanho
para algo de familiar.
(Marília Amorin, 2004)
O presente texto tem o objetivo de discutir leituras de obras literá-
rias na pesquisa em História da Educação. Inicialmente teceremos algumas
considerações sobre o entendimento do gesto de pesquisar. Ao pensarmos
nos significados do “fazer investigativo”, surge a tentação, principalmen-
te para os iniciantes no ofício, de apoiar-se em livros de metodologia de
pesquisa e coleções de técnicas de pesquisa. Mas a pesquisa é uma prática,
contém elementos de imprevisibilidade e oferece alguns obstáculos à trans-
ferência direta de procedimentos de uma pesquisa para outra.
As discussões contemporâneas sobre modos de pesquisar criticam a
ideia de neutralidade do pesquisador e, por outro lado, de relativismo exa-
cerbado. Alguns modelos inspirados nos estudos bakhtinianos sublinham
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-611-4.p169-190
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
170
que uma das características centrais das ciências humanas é ser uma “ciên-
cia dos discursos”, na medida em que os procedimentos de pesquisa são
atravessados por representações tanto do pesquisador quanto dos sujeitos
que se constituem em seus objetos de estudo. Assim, o pesquisador partici-
pa com sua formação e concepções da construção do “outro” da pesquisa,
transferindo suas convicções para a voz dos entrevistados, idealizando res-
postas, conduzindo resultados.
Marília Amorin compreende o processo de pesquisa como o “lu-
gar do encontro” entre o pesquisador e o seu objeto de pesquisa. Aqui,
as discussões de antropólogos são estrategicamente ilustrativas porque no
contato entre sociedades simples e complexas, ou no momento histórico
de expansão marítima com a Conquista da América, nos séculos XV e
XVI, deparamo-nos com situações que podem servir como acontecimen-
tos exemplares do encontro tenso entre o “eu” e o “outro” nas investigações
em Ciências Humanas. O etnocentrismo tende a aproximar ou distanciar
universos culturais, negando identidades, produzindo interpretações uni-
laterais. Com o choque ou identificação entre culturas diferentes, os riscos
de colonização do “outro”, de imposição de interpretações é grande.
Nessa medida, as metáforas do “encontro”, “acolhimento” e “hospi-
talidade” são férteis em proposições sobre o que é pesquisar e sobre a posi-
ção do pesquisador. A produção de conhecimentos em Ciências Humanas
supõe um esforço de compreensão da alteridade, concebida como reconhe-
cimento de decisivas diferenças entre culturas e entre determinantes so-
ciais. Para que possamos identificar e compreender as diferenças, o “estra-
nhamento” deveria ser parte constitutiva do ato de pesquisar: o importante
é tornar estranho algo que se deseja conhecer. Com o esforço intelectual
do estranhamento, de suspensão de sentidos prévios, cria-se um espaço
de questionamentos, de percepções das singularidades, de configuração de
novos objetos e questões de investigação.
Um dos eixos em que se constrói o conhecimento é o trabalho cons-
tante de reflexão do pesquisador sobre os caminhos da pesquisa, a objetiva-
ção de sua própria subjetividade no encontro com o “outro”. Os cadernos
de campo, a escrita e reescrita da pesquisa seria outro eixo, como rabiscos
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
171
de realidades, acolhimentos e escutas sensíveis intermináveis, inacabadas,
sobre as possibilidades e diálogos entre o conhecido e o desconhecido:
Sem reconhecimento da alteridade não há objeto de pesquisa e isto
faz com que toda tentativa de compreensão e de diálogo se construa
sempre na referência aos limites dessa tentativa. É exatamente
ali onde a impossibilidade do diálogo é reconhecida, ali onde se
admite que haverá uma perda de sentido na comunicação que se
constrói um objeto e que um conhecimento sobre o humano pode
se dar (Amorin, 2004, p. 29).
Ter uma perspectiva de estranhamento pode significar deixar em
suspenso modos tradicionais ou convencionais de tratar fontes, documen-
tos, histórias já contadas, muitas delas já consagradas, nas quais teorias, in-
terpretações e questões apareçam como as únicas possíveis. Principalmente
se nossa concepção de pesquisa em Educação está apoiada no espaço das
práticas cotidianas de dizer, ensinar, aprender, ler, escrever, compreender,
conviver e dar sentidos em conjunto com os estudantes e em contextos
múltiplos de formação e escolarização, as teorias e modos de análise deve-
rão ser construídas no momento de investigação, levando em consideração
os agentes sociais, os diálogos efetuados, os espaços de representações em
disputa, as lógicas de ação.
Como tomar um objeto como romances escritos por professores,
ou nos quais os temas educacionais são matéria ficcionalizada, e não le-
vantarmos hipóteses outras de usos e apropriações que superam as formas
canônicas de ler literatura, ou mesmo adotar pontos de vista de críticos li-
terários ou de historiadores da literatura como única possibilidade de com-
preensão do material analisado? Pensar o objeto livro e as práticas de lei-
tura, isoladas de contextos, usos e práticas é considerar que os leitores não
estão interagindo com a leitura posta em circulação. É claro que a análise
literária do romance, na qual se descortina seu léxico, sua linguagem, os
conteúdos abordados e discursos proferidos, é fundamental como um dos
elementos do ambiente das práticas cotidianas de fruição da leitura. Mas
ainda estamos no âmbito da produção textual dada, e não da apropriação
por leitores segundo uma lógica de transição de sentidos.
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
172
Lemos em Certeau, a propósito dos estudos sobre as práticas coti-
dianas, as quais para o autor devem ser estudadas buscando a sua lógica de
ação e indícios de sua formalização, a consideração:
[...] analisamos um provérbio [por exemplo] como se fosse um
corpus” isolado, isolável, tratado dentro de um laboratório de
sociologia ou de antropologia, quando o problema começa a
partir do momento em que nos interrogamos sobre o uso que as
pessoas fazem dele. Em decorrência, ainda mais importante que a
análise linguística ou temática do provérbio, é a análise da maneira
como, por exemplo, em um bate-papo de aldeia, ele é utilizado no
momento certo, com o interlocutor certo e dentro da circunstância
certa, visando mudar o equilíbrio de uma conversa. O que implica
o problema de uso. Isto é, trata-se da questão do emprego do
provérbio e não da questão da interpretação que dele podemos fazer
quando o isolamos em um laboratório. Assim essa problemática diz
mais respeito à prática do provérbio do que ao provérbio enquanto
tal (Certeau, 1982, p. 4).
A produção cultural, nas palavras de Certeau, é uma atividade de
caça furtiva” em uma “floresta” de rituais e léxicos; um processo de “des-
vio” de sentido, um “golpe” que pode estar sendo feito a um conteúdo ou
expressão (texto e representação), de modo a alterar o equilíbrio de forças
de uma situação (um “saber fazer com”), e não a aplicação de uma defi-
nição quase etnográfica de uma prática cultural separada de seus modos
plurais e intencionais de apropriação no cotidiano.
consTruindo o objeTo de pesquisa
Memórias coletivas e memórias de grupos estão em constante intera-
ção nos textos literários, os quais instituem imagens “clássicas”, sempre re-
tomadas em discursos sobre a escola. É possível dizer que as fontes literárias
refratam e refletem modos de conceber as questões educacionais em cada
época histórica, além de darem pistas sobre quais agentes sociais se mobili-
zam no debate. Encontramos, por exemplo, uma literatura de cunho pro-
fissional tratando de questões sobre a profissão docente, que se estende por
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
173
todo o século XX. São obras escritas por professores e professoras que bus-
cam, por meio da escrita ficcional, discutir e apresentar suas impressões,
críticas e sonhos em relação à profissão. Dialogam com outros discursos
educacionais, que privilegiavam os saberes pedagógicos e a produção cien-
tífica. Utilizam a forma narrativa à maneira de contraponto ao discurso
educacional e acabam por ensejar a exposição da experiência pessoal, como
docentes. Trata-se, como no romance de Dora Lice, O calvário de uma
professora, de l928, de uma estratégia de autoria, que busca a sensibilização
dos leitores e a denúncia das péssimas condições de trabalho e desvaloriza-
ção social da professora normalista. Outros romances apresentam distintos
pontos de vista, associados às respectivas posições no campo social – as de
crianças, corpo técnico, intelectuais; pontos de vistas por meio dos quais
usos e apropriações podem ser identificados, assim como representações
sobre a Educação e as culturas escolares podem ser problematizadas.
Para qualquer compreensão das culturas escolares não podemos ig-
norar a história, visto que a escola é uma instituição na qual confluem
múltiplas estruturas sociais e temporalidades: o tempo que formaliza prá-
ticas (estruturas de longa duração, com ritmos lentos de transformação); o
tempo dos marcos de intervenção política e organização escolar (em con-
junturas de média e curta duração); os tempos dos discursos pedagógicos
e enunciados pelos professores para orientação e tomada de decisões, que
circulam no âmbito das escolas, constituindo-se em saberes engendrados
na prática; muito sensíveis à mudança, aos ritmos rápidos da circulação
de leituras e prescrições, e urgências pedagógicas (Guedes-Pinto, 2010;
Hébrard, 2000).
No processo intrincado de rede de relações entre práticas interiori-
zadas e discursos que instituem novas práticas, descrever – e, mais ainda,
narrar os acontecimentos escolares – pode favorecer compreensões de dis-
cursos, teorias e lógicas dos que atuam nas escolas, sempre referidos como
instâncias do vivido, e pouco reconhecidos por aqueles que somente con-
cebem uma única escrita, a acadêmica, como conhecimento sintetizado,
objetivado e, por essas condições, válido. Como tornar visível e passível de
reflexão, pelos próprios agentes da escola, professores e estudantes, os dis-
cursos produzidos entre as práticas escolares? Como apreender as culturas,
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
174
os discursos e as teorias interagindo na escola, com poderes, abrangências
e implicações distintas?
Anne Marie Chartier (2007, p. 200-201), tratando do trabalho de
teorização sobre as práticas pedagógicas, questiona a ruptura entre o “di-
zer” e o “fazer”, denominando-a “ficção teórica”:
O mal entendido provém, parece-me, do fato de os pesquisadores não
reconhecerem outro discurso que não a escrita teórica, monológica,
objetivante, tendo abolido as marcas de sua enunciação. Ora, os
que atuam na prática falam, mas eles o fazem em redes de trocas
dialógicas permanentes, subjetivas, infindáveis, entrecruzadas. Se
as práticas são mudas, quando elas estão desvinculadas de seus
atores, os que atuam na prática não são mudos. Os pesquisadores
que produzem os textos “teóricos”, por sua vez, esquecem que suas
construções acadêmicas, sejam elas de pesquisa “pura”, “aplicada
ou de “pesquisa-ação”, são o resultado de práticas profissionais
específicas; como praticantes de pesquisa científica, eles próprios
estão presos em redes de trocas institucionais, redes sociais de
trabalho, de poder e de conflitos que lhes permitem articular seus
saberes e seu saber-fazer, seus discursos e seus gestos profissionais.
Eles encontram as mesmas dificuldades para se fazer compreender
por pessoas de outro meio que os professores quando falam de suas
práticas para especialistas.
Partilhando do debate sobre a relevância da explicitação por escri-
to dos discursos produzidos no cenário escolar, localizamos o interesse na
identificação e configuração de metodologias de análise de fontes literárias
relativas ao campo educacional. As expressões literárias aqui propostas fo-
ram objeto de interpretação que procuram captar alguns elementos estru-
turantes do “fazer docente” e da história da profissão, sublinhando-se suas
posições dialógicas, os atos enunciativos e os saberes construídos para ação.
Esses textos ficcionais são caracterizados pela predominância do esti-
lo narrativo, com ênfase nas ações dos personagens e constituindo-se como
drama diretamente associado à temática profissional, no caso do romance
de Dora Lice, ou situações dramáticas nas quais interagem outros agen-
tes sociais: estudantes (poesia e prosa de Drummond e romance de Raul
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
175
Pompéia); projetos de educação e representações do magistério (obras de
José de Alencar).
Para Lukács (1965), o estilo narrativo é mais potente por dar a ver
questões essenciais de um dado momento histórico. O tema ficcional é tra-
tado pelo ponto de vista de personagens em ação, desenvolvendo os “dramas
humanos” em face aos “dramas das instituições”. O estilo descritivo tende a
eliminar as interrelações daquilo que se poderia chamar de estado concreto
das coisas e a vida interior, apresentando um cenário estático, no qual as
personagens desenvolvem o enredo, e não as relações entre esses personagens
e a vida social. Comparando Zola, de tendência estética naturalista, e Balzac,
romântico, na ficcionalização de um mesmo tema de enredo, o teatro, nas
obras Naná e Ilusões perdidas, Lukács (1965, p. 46-47) afirma:
O recinto do teatro é descrito por Zola de maneira cuidadosa e
completa. Primeiro visto da plateia, tudo que acontece nas cadeiras,
nos corredores, no palco....Depois a obsessão zoliana pelo caráter
completo e monográfico passa adiante e um outro capítulo do
romance está dedicado à descrição do teatro visto do palco....Este
caráter completo de inventário não existe em Balzac. O teatro e a
representação, para ele, constituem somente o ambiente em que se
desenvolvem íntimos dramas humanos....os problemas sociais são
aflorados em Zola, mas são descritos apenas como fatos sociais,
como resultados, como caput mortuum da situação....[Para] Balzac,
entretanto, representa o modo pelo qual o teatro se prostitui no
capitalismo. O drama das figuras principais é, ao mesmo tempo, o
drama das instituições no quadro das quais elas se movem, o drama
das coisas com as quais elas convivem, o drama do ambiente em
que elas travam as suas lutas e dos objetos que servem de mediação
às suas relações recíprocas.
Assim, partimos do pressuposto segundo o qual as obras literárias
remetem a práticas culturais vivenciadas pelos escritores e comunidade
de leitores constituindo-se em representações simbólicas de modos de ser,
pensar e agir histórica e socialmente construídas. Portanto, em função das
características polissêmicas, nesses escritos é possível compreender tanto as
motivações de escritores e leitores quanto as dimensões específicas de con-
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
176
flitos entre pontos de vistas, disputas e tensões dos agentes privilegiados
e subordinados no campo educacional e aos processos de sacralização de
memórias sobre a educação. Nesse sentido, trata-se de investir em estudos
sobre o trabalho de constituição e de formalização de tradições e práticas.
Para tanto, efetuam-se análises de representações literárias da história da
escola e dos professores, com o objetivo de compreender as modalidades de
produção, apropriação e conservação de ideias sobre educação.
Procurando apreender esse espaço de questões, o estudo contempla
os seguintes itens: 1) discussão sobre metodologias de pesquisa e de análise
de fontes literárias, aproveitando os aportes historiográficos, sociológicos e
da crítica literária; 2) breve levantamento da produção literária brasileira,
cuja temática é a escola e a profissão docente, e discussão sobre as possi-
bilidades de compreensão dos diálogos efetuados com as ideias do campo
educacional; 3) estudos específicos das obras literárias de José de Alencar,
Raul Pompéia, Carlos Drummond de Andrade e Dora Lice.
doolho móvelÀs perspecTivas meTodológicas
A perspectiva da História Cultural vem predominando nos estudos
de história da educação e, cada vez mais, observamos o renovado interesse
em conhecer o cotidiano e as culturas escolares em suas grandes dimensões
de produção, circulação e apropriação dos saberes e práticas docentes. Uma
historiografia da educação que se volta às histórias do currículo vivido, e
não só prescrito; às reformas educativas e sua aplicação em realidades con-
cretas; a relações entre os agentes escolares, tais como os intelectuais, os
professores em seus fazeres ordinários, os estudantes; evitando, com isso,
abstrações e abordagens generalizantes. Percebe-se o esforço em desvelar
o papel do sujeito no processo de construção da realidade, ou, como diz
Viñao (2004, p. 336), a realidade como construção subjetiva apreendida
por meio do recurso ao “olho móvel”: ao invés de enfatizar as estruturas e
seriação, propõem-se a compreensão dos diferentes lugares subjetivos.
Em consonância ao exposto, o perspectivismo não tem nada de rela-
tivismo subjetivista, mas está fundado na própria realidade social, na qual
o que temos são choques de interesses, de diferentes discursos e dispo-
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
177
sições de estilos de vida coabitando nos espaços de convívio. Bourdieu
(2007), explicando essa complexa representação das relações sociais e os
espaços dos pontos de vista, recomenda ao pesquisador modos de compre-
ensão próprios dos romancistas como Faulkner, Joyce ou Virginia Woolf.
Lembra-se da peça de Patrick Süskind, O contrabaixo:
Imagem particularmente feliz da experiência dolorosa que podem
ter no mundo social todos aqueles que, como o contrabaixista no
meio da orquestra, ocupam uma posição obscura no interior de um
universo prestigioso e privilegiado, experiência tanto mais dolorosa
sem dúvida porque esse universo, do qual eles participam justo o
suficiente para provar seu relativo rebaixamento, está situado mais
alto no espaço global (Bourdieu, 2007, p. 12-13).
A literatura, por exemplo, com seus procedimentos de figuração do
real, recria multiplicidade de vozes, cada uma expressando determinada
ideologia, visão de mundo, posição social, com perspectiva, em diálogo
com outros enunciados, explicitando as tensões e, muitas vezes, o caráter
trágico de posições irreconciliáveis. Para compreender não basta dar razão
(apresentar e explicar) cada ponto de vista separadamente. É necessário
confrontá-los, como eles são na realidade (Bourdieu, 2007). Na produção
cultural, as enunciações são fundamentadas em posições ocupadas no cam-
po social. Em Bakhtin (1993, p. 153):
Pode-se afirmar que na composição de quase todo enunciado do
homem social – desde a curta réplica do diálogo familiar até as
grandes obras verbal-ideológicas (literárias, científicas e outras) –
existe, numa forma aberta ou velada, uma parte considerável de
palavras significativas de outrem, transmitidas por um ou outro
processo. No campo de quase todo enunciado ocorre uma interação
tensa e um conflito entre sua palavra e a de outrem, um processo de
delimitação ou de esclarecimento dialógico mútuo. Desta forma, o
enunciado é um organismo muito mais complexo e dinâmico do
que parece, se não se considerar apenas a sua orientação objetal e
sua expressividade unívoca direta.
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
178
Retomando a discussão proporcionada pela História Cultural, essa
vertente historiográfica volta-se à análise das operações de sentido contidas
em cada documentação, resultantes de esquemas intelectuais de percepção
marcados por estratégias e práticas que tendem à busca de autoridade e
legitimação de condutas:
As lutas de representações têm tanta importância como as lutas
econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um
grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social,
os valores que são seus, e o seu domínio (....). Dessa forma, pode
pensar-se uma história cultural do social – que, à revelia dos
atores sociais, traduzem as suas posições e interesses objetivamente
confrontados e que, paralelamente, descrevem a sociedade tal como
pensam que ela é, ou como gostariam que fosse (Chartier, 1990, p.
17-19).
nas dobras da memória, imagens liTerárias de professores e de
culTuras escolares
Neste trabalho, objetiva-se localizar e contextualizar formas de repre-
sentação literárias sobre a escola e os professores em três romances e uma crô-
nica: Til, de José de Alencar; O Ateneu, de Raul Pompéia; Um escritor nasce
e morre, de Carlos Drummond de Andrade; e O calvário de uma professora,
de Dora Lice. A seleção das fontes foi guiada por vários motivos: dois dos
textos, O Ateneu e Um escritor nasce e morre, integram a seleção por se cons-
tituírem como referência para professores, especialistas e leitores comuns,
formando um repertório histórico-memorialístico sobre o universo escolar,
muito presente no ensino de História da Educação. Til e O calvário de uma
professora foram lembrados por oferecerem tratamento dos temas e pontos
de vista estratégicos aos objetivos aqui propostos, a saber, as possibilidades
e variedades de pesquisas com textos literários. Para os pesquisadores que se
debruçam sobre esses materiais, o desafio da exposição dos caminhos meto-
dológicos é uma constante (Moraes, 1996; Viñao, 2004; Ferro, 2010). Não
podemos, de forma alguma, generalizar as caraterísticas desses materiais,
que, como objetos complexos, conforme já observado, têm sua significação
explicitada caso a caso, no processo de análise:
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
179
De modo geral, pode-se dizer apenas que tais possibilidades
dependem não só do tipo de texto, mas também do texto em
questão e dos objetivos da investigação. Isto é, cada texto ou escrito
deverá ser objeto de uma análise cuidadosa sobre sua produção,
forma textual e conteúdo em função do que se pretenda em cada
caso. Dito isso – ainda que óbvio, nem sempre é levado em conta
(Viñao, 2004, p. 354).
Há textos literários que se transformaram em memória histórica,
quase como mitos históricos, imagens canônicas, emblemáticas, sobre a
história da educação no Império e Primeira República, constantemente
retomados, de modos variados, em manuais pedagógicos de ensino de
Didática, Filosofia e História da Educação, e como fontes para a pesquisa
em História da Educação. Para a história da infância e da escola, podemos
citar: Conto de escola, de Machado de Assis; Cazuza, de Viriato Corrêa;
Infância, de Graciliano Ramos, Menino de engenho e Doidinho, de José Lins
do Rego, entre outros. Em relação às professoras, temos outras obras que
se tornaram paradigmáticas, como a de Ina Von Binzer, Os meus romanos;
A normalista, de Adolfo Caminha; São Bernardo, de Graciliano Ramos.
Em relação aos professores, alguns títulos: O professor Jeremias, de Leo Vaz;
Alegrias, agruras e tristezas de um professor, de Raimundo Pastor; O professor
Policarpo: páginas de bom humor, dedicadas ao magistério, de Máximo de
Moura Santos; e Abdias, de Cyro dos Anjos.
Poderíamos lembrar os usos e modos de compreender certos livros
como “clássicos” da literatura pedagógica. Entende-se por clássico um “livro
que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”, ou “[...] livros que
exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis
e também quando ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como
inconsciente coletivo ou individual” (Calvino, 2009, p. 17-18).
Acrescente-se às reflexões de Calvino um breve aprofundamento da
discussão acerca da produção de memórias, apoiando-nos em Pollak (1989)
e Halbwachs (1990). Os autores ressaltam a importância dos estudos que
analisam os “[...] processos e atores que intervêm no trabalho de constituição
e de formalização de memórias” (Pollak, 1989, p. 4). Dessa forma, aparece
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
180
como relevante não somente a descrição das memórias coletivas, mas o en-
tendimento do seu processo de institucionalização. Memória coletiva, me-
mórias individuais e de grupos concorrentes estão em constante interação,
produzindo imagens muitas vezes divergentes de momentos históricos espe-
cíficos. Os produtores de memória encontram-se em posições sociais distin-
tas e, portanto, constituem representações diferenciadas de sua existência e
concepção de mundo. Pollak, especialmente, identifica a escrita da literatura
como uma forma utilizada pelos autores para fazer emergir e permitir expor
situações traumáticas por meio do gênero do romance de testemunho.
A história da profissão docente e as experiências escolares não são
homogêneas, uma verdade a ser revelada, em que para cada aspecto do
universo escolar encontramos uma representação. Pelo contrário, os mo-
dos de representação do aluno, do professor, da administração escolar, do
conhecimento pedagógico, das práticas e culturas escolares, são objetos de
disputa entre os grupos que pretendem dirigir o campo educacional, “[...]
produzindo processos de sacralização de categorias explicativas aplicadas
ao trabalho docente e, além disso, colaborando para instaurar um apa-
gamento da participação dos professores na delimitação do seu próprio
espaço profissional”, por exemplo (Catani, 1994, p. 77).
auTores, obras, inTenções, conTexTos
A obra de José de Alencar nos remete a discussões e pesquisas sobre a
construção da nacionalidade no período imperial. Pelos sentidos e projeto
literário do autor, entra-se em contato com representações sobre os mundos
da corte, espaço rural, dimensões regionais e com a visão mítica proposta
como solução simbólica às crises sociais de seu momento histórico (Candido,
1969; Bosi, 1992; Ferreira, 2012). Literato e político empenhado,
Dentro do projeto de uma nação livre e soberana, Alencar se
destacou pelo seu empenho singular em promover e criar a cor
local do país e a permanência de suas obras reflete sua importância
representativa na construção da ideia de nação e de pertencimento.
Sentindo-se na obrigação de colaborar para o crescimento de sua
pátria, o tema da educação não poderia jamais ter sido negligenciado
pelo escritor, e realmente não o foi. Valendo-se de suas produções
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
181
para difundir ideias, os romances estudados mostram diferentes
perspectivas sobre o tema da abolição, mas convergem numa
mesma imagem acerca da inferioridade intelectual dos escravos
(Ferreira, 2012, p. 13).
Aos perfis de mulheres, figurados nos romances urbanos, Lucíola
(1862), Diva (1864) e Senhora (1875), e no fulgurante Iracema (1865),
talvez nós possamos incluir a personagem Berta/Til (l872) como mais uma
das visões míticas de mulher, agora sertaneja, na luta entre o Bem e o Mal:
alegoria sertaneja (...) – encarnada nos esforços de uma menina
contra a força bruta de bandidos ou desajustados...guiada pela
força cega das Luzes, a menina sabe tudo sobre as pessoas que
a cercam, sem possuir plena consciência de que sabe. Por isso
protege instintivamente o proprietário João Galvão, da mesma
forma que evita o amor físico de seu filho Afonso, amando-o da
mesma maneira com que ama a irmã dele. Sua principal missão será
eliminar o sofrimento e conduzir as pessoas ao âmbito da Luz. Por
isso se empenha de modo particular no resgate de Brás e de Jão Fera
(Teixeira, 2012, p. 30-31).
Brás é um rapaz de poucos dotes intelectuais, desenhado em cores
da selvageria, “[...] personagem dividida entre o mundo dos homens e dos
bichos” (Teixeira, 2012, p. 28). É violento e irascível, incapaz de com-
preender a carta do abecedário e de se comunicar na linguagem corrente,
escapava da escola e era maltratado pelo professor, Domingão. Berta o
conduz para o universo da linguagem e da comunicação humana; resgata
o lado humano. Faz florescer a civilização no selvagem e é incontornável
a menção ao papel feminino, professora, abnegada, religiosa mãe abstrata,
força mágica na redenção de Brás. No capítulo “O abecê”, a personagem
Berta representa, mais uma vez, a fantasia alegórica ao deixar-se chamar
pelo nome do sinal de acentuação “til” e, ao transformar-se em professora
ideal, criando um processo de identificação entre o “eu” de Brás e o “outro
de Berta, ela o conduz ao mundo da civilização:
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
182
Quis Berta, para livrar o rapaz dos bolos e repelões do mestre,
ensinar-lhe todas as manhãs, e nesse desígnio preparou-lhe uma
carta. Continuaram as cenas da escola; e repetiram-se as visagens
e gaifonas à vista do til; porém desta vez em maior escala, pela
liberdade em que estava o parvalhão do rapaz. No seu afã de imitar
o sinal, que tanto lhe dera no goto, virava cambalhotas e corcoveava
pela grama. (.....) Observando então o pobre sandeu com um dó
profundo, pensava ela que Deus, em sua infinita misericórdia,
concedia a essa alma tão atribulada e sempre confrangida por
terrível angústia, um breve instante de alegria. Nisso o Brás pulando
como um boneco de engonço, passava a ponta do dedo mui de leve
pelas sobrancelhas negras de Berta. (....) Ninguém sabe o que se
passou então no íntimo de Berta, que tinha suas venetas, e de quem
(....), especialmente as pretas velhas da fazenda, atribuíam a uma
influência misteriosa e sobrenatural. Associando-se à lembrança
original do idiota, disse-lhe a menina, ajudando a palavra com
mímica expressiva e apontando a carta. – Eu sou til! Esteve Brás
um instante pasmo e boquiaberto, sem compreender, apesar da
ânsia com que afinal bateu palmas de contente e deitou a pular (...)
(Alencar, 2012, p. 165-167).
Mitos sempre retomados sobre a função social e civilizatória do ma-
gistério, em sua tradição moderna, renascentista; busca de suportes his-
tóricos para o seu projeto de educação dos negros e da população pobre,
em que o romance Til surge como “o romance brasileiro”. José de Alencar
pode ser compreendido nessas e em outras dimensões, dependendo do
contexto de leitura em que nos colocamos. Nessa passagem, há reflexão
sobre o cuidado e o acolhimento como significados da docência; sobre o
processo de aprendizagem e as peculiaridades do pensamento dos estudan-
tes; o valor e o significado simbólico da escrita no século XIX; e; em cote-
jamento com outras fontes – por exemplo, os discursos e textos políticos –,
dá uma medida, à vista de um ponto, do pensamento reformador das elites
no segundo reinado, associando-o às inquietações de um José Bonifácio ou
Nina Rodrigues (Corrêa, 2001; Veiga, 2006).
Constantemente menciona-se o Colégio Abílio e seu diretor como
referências ou modelos para a construção ficcional do autor Raul Pompéia,
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
183
em O Ateneu, publicado em l888. Críticos e historiadores da cultura de-
batem as relações entre a experiência autobiográfica de Raul Pompéia e o
romance. Não é possível reduzir a obra ao reflexo imediato, completo e
acabado do real, pois as mediações assumidas por Raul Pompéia em suas
posições sociais, como literato, político e intelectual, indicam muitas me-
tamorfoses, paralelos, homologias entre intenções poéticas e reflexão sobre
a formação social em seus textos, que, ora se dirigem a uma crítica ao siste-
ma social e político, o qual valoriza a disciplina, a segregação social e a au-
toridade, no Império; ora aos padrões de ensino e formação clássica, com-
posta pela retórica e oratória enrijecida do século XIX; ora a experiências
estéticas inovadoras em relação ao clima poético de sua época (Perrone-
Moisés, 1988). De acordo com Camil Capaz (2001), em Aristarco, não
estaria apenas Abílio, mas muitos de seus “mestres” (Tundisi, 2013), e um
só extrato histórico:
É o mestre a representação do poder no internato, e nele o
romancista colocou em proposital conúbio todos os professores
e bedéis de sua aversão, do primário à faculdade, e não foram
poucos, pois Pompéia sempre viveu às turras com vários deles nos
diversos estabelecimentos que frequentou. Num sentido largo, ele
representa a escola retrógrada, contaminada pela herança colonial
do carrancismo e pela instituição da escravidão que se espalhava
como chaga exposta pela vida social do Império. Em razão disso,
Aristarco não é um diretor, qualquer diretor especificamente
(Capaz, 2001, p. 119 apud Tundisi, 2013, p. 52).
De fato, dessa multiplicidade de camadas de leituras efetuadas por
Raul Pompéia, derivae, de certa forma, explica-se, a seu modo, a posição
de “clássico” da literatura pedagógica –, a variedade de apropriações no
campo educacional da obra do autor: como fonte e objeto de estudo para
as investigações em História da Educação, Filosofia da Educação, Didática
e nos meios educacionais nos cursos de formação de professores. Essas
apropriações denotam o caráter de memória/monumento a que foi reves-
tida. Indicando essa tipologia de leituras, como referência monumental ao
campo educacional, há um paralelo ao modo como os manuais pedagógi-
cos interferem nos processos de circulação de textos no campo educacio-
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
184
nal, muitas vezes, concorrendo “[...] na produção e transmissão da cultura
profissional do professorado” (Silva, 2001, p. 112 apud Tundisi, 2013, p.
130). Nessa condição, as leituras, sempre outras leituras, releituras, provo-
cam os pesquisadores e professores, ensejam o retorno a questões educa-
cionais cristalizadas em épocas anteriores, os desafiam a novas pesquisas.
O estudo dos intelectuais e suas produções, em paralelo às relações
com o Estado brasileiro, constitui-se como espaço privilegiado de compre-
ensão do fenômeno educativo, em seus aspectos de tensões e reações coti-
dianas entre o prescrito e o vivido, ou dito de outra forma, entre modelos
educacionais em conflito. Favorece a compreensão de rupturas e continui-
dades de modos de representação do Brasil e de sua população, no jogo de
ações em campos dinâmicos da organização social.
Carlos Drummond de Andrade escreveu obra poética e em prosa,
crônicas e contos; boa parte dela, na época em que era secretário particu-
lar, chefe de gabinete do Ministro da Educação e Saúde Pública, Gustavo
Capanema, de l934 a 1945, e posteriormente, como chefe da Seção de
História da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(l945-l962). Essas são relações sensíveis pelo contexto, pois as elites têm a
possibilidade de incentivar a formação acadêmica de seus filhos e inseri-los
nas estruturas de poder do Estado. Drummond refletiu sobre isso, quando
foi convidado a escrever a trajetória política do amigo na infância e juven-
tude, Gustavo Capanema:
O intelectual é, por natureza, inclinado à traição. Sua atitude
no mundo é puramente extática e, assim, pode ser perfeita; no
momento, porém, em que se desloca do plano da contemplação
para o da ação, essa atitude corre todos os riscos de corromper-
se (.....) A inteligência apresenta-se quotidianamente em estado
de demissão diante da vida, e é no intelectual que esta tendência
niilista opera com maior agudeza. Não admira, assim, que a família
dos intelectuais tenha trazido uma contribuição tão fraca ao
progresso das instituições políticas, quando chamada a trabalhar
diretamente sobre elas. Essa contribuição é, entretanto, imensa no
domínio do abstrato, como se o intelectual fosse incapaz não só de
concretizar ideias como de pensar a realidade (Andrade, 1941 apud
Schwartzman; Bemeny; Costa, 1984, p. 26).
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
185
É na confluência entre convicções ideológicas e estruturantes
posições ocupadas no funcionalismo público que a experiência escritora de
Drummond acontece. É um acontecimento, pleno de práticas e cotidianos.
As “inquietudes de Drummond” são, ou poderiam ser identificadassem-
pre numa hipótese de tentar compreender o sistema literário que se esta-
belece entre o autor e sua experiência biográfica; a obra e seus processos de
produção e o público – com comunidades de leitores; nessa tensão entre o
intelectual, o escritor e a “coisa pública” (Candido, 1995). Em 1944, aos
42 anos, Drummond publicou, no livro de crônicas Confissões de Minas,
uma autobiografia ficcionalizada, Um escritor nasce e morre.
Nela, narra a história de como Juquita descobriu-se escritor: em uma
aula de Geografia, após uma transgressão, pois escrevia uma narrativa de
viagem, à revelia da professora Dona Emerenciana Barbosa. A época nar-
rada no enredo situa-se em 1911-l912, na qual, pelas informações bio-
gráficas, Drummond frequentava o Grupo Escolar Dr. Carvalho Brito,
em Itabira. Na escrita literária, a matéria histórica serve de inspiração: o
balanço sobre o prestígio da escola em relação à cadeia e à Igreja (“nova de
quatro ou cinco anos, era o lugar menos estimado de todos”); as práticas
escolares transpassadas de utopias escolanovistas; e o seu ponto de vista,
como criança – uma criança que se tornou um escritor e constrói o seu
mito de criação:
A aula era de Geografia e a professora traçava no quadro-negro
nomes de países distantes. As cidades vinham surgindo na ponte
dos nomes, e Paris era uma torre ao lado de uma ponte e de um
rio, a Inglaterra não se enxergava bem no nevoeiro, um esquimó,
um condor surgiam misteriosamente, trazendo países inteiros.
Então, nasci. De repente nasci, isto é, senti necessidade de escrever
(Andrade, 1977, p. 153-154).
A professora era modelar, representativa de um tempo, vários tem-
pos, 1911, 1944, de valorização do conhecimento do aluno, do olhar sobre
suas capacidades. Num feito retórico, a personagem de D. Emerenciana
toma o escrito de Juquita. Espera-se a admoestação. Vem o incentivo que
o “assombra”:
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
186
– Vocês estão rindo do Juquita. Não façam isso. Ele fez uma
descrição muito chique, mostrou que está aproveitando bem as
aulas. Uma pausa, e arrematou:Continue, Juquita. Você ainda
será um grande escritor (Andrade, 1977, p. 154).
Quais sentidos a rememoração romanceada podem assumir? Afirmar
a difusão de um modelo contemporâneo à escrita do texto, de mestra pro-
fessora, especialista, ou recordar o impacto do grupo escolar em uma ci-
dade pequena do interior de Minas e ressaltar a força da professora nor-
malista, ainda pouco reconhecida socialmente? Constituir-se como sujeito
escritor e pensar os elementos de formação que o trouxeram até esse mo-
mento da trajetória? Todas essas hipóteses são válidas em uma documen-
tação como essa, podendo ser observadas na fatura do texto, na economia
textual, completando-se em leituras e em processos de apropriação através
do tempo, cortando as temporalidades, entre mitos e histórias (Eco, 2013).
As fontes literárias entram com mais força no leque de documenta-
ções sobre a História da Educação; em princípio, como objeto de pesquisa
sobre práticas de leitura e escrita, compondo a história do livro e das edi-
ções, e, lentamente, expondo-se como objetos potentes para dar a ver prá-
ticas de ensino, sob pontos de vista menos usuais, como são os das memó-
rias de infância de escritores, professores e intelectuais, que já configuram
um objeto de pesquisa estabelecido. O calvário de uma professora, escrito
em 1927 e publicado em 1928, é um romance peculiar. Produzido por
Violeta Leme, identidade assumida como professora na segunda edição
do livro, em 1952, o romance não se caracteriza por configurar um narra-
dor estranho ao campo. Pelo contrário, Dora Lice é professora normalista
e narra histórias de outras professoras normalistas em escolas urbanas e
rurais. Seu ponto de vista é o de grupos dominados em um campo em
constituição, como o educacional, que passa por um processo de centrali-
zação, teorização, por meio da circulação do pensamento pedagógico e das
Ciências da Educação (Carvalho, 1989). Narra uma estrutura do sistema
escolar que a torna subalterna, que não garante a competência advinda de
um conhecimento prático sobre “como ensinar”. É ficção que busca con-
quistar os leitores, como um romance de tese, ou romances profissionais,
Tempos e narrativas para uma educação democrática: o que pode a formação de professores?
187
semelhantes aos escritos por médicos, engenheiros e advogados no início
do século XX. Esses romances podem ser compreendidos como um meio
de elaboração teórica sobre experiências profissionais pouco reconhecidas,
em que se busca o prestígio de um discurso mais valorizado, como o lite-
rário, para difundir ideias (Moraes, 2011). Vejamos a voz da professora
normalista expressa no romance:
Abrindo as portas das escolas para que vossos olhos vejam o seu
interior, sem o aparato da Espera, outro fim não temos senão
pedir um pouco da atenção para a modesta educadora paulista,
tão duramente tratada. É ela a força máxima que impulsiona
o complicado machinismo da instrução pública. Mas tão
sobrecarregada de deveres, tão premida por feitores, muitas vezes
brutais, já ella está perdendo o ânimo para o trabalho racional
(Dora Lice, 1928, p. 3).
breves considerações finais
Universos repletos de tensões configuram-se nessas páginas literárias,
entre Bertas, Emerecianas, Doras Lices e, por que não lembrar da esposa
de Aristarco, personagem Ema, em contraponto com retratos de profes-
sores, cenas escolares e narrativas historiográficas? Essa documentação nos
desafia em termos metodológicos e em possibilidades de tecer conheci-
mentos sobre a História da Educação. A história da profissão docente e de
experiências escolarescomo referido antes neste trabalho – apresenta-se
pelos agentes envolvidos em perspectivas diferenciadas nos textos autobio-
gráficos, memórias e ficções, em comparação com textos teóricos, sem as
marcas da enunciação. Em busca de modos mais férteis de produzir co-
nhecimentos sobre o “fazer docente”, cabe ao investigador abrir fronteiras
de estudos, “tornar familiar o estranho”, nas palavras de Marília Amorin,
impulsionar voos de imaginação, identificar e inserir novas fontes e ser
cuidadoso no processo de escuta e acolhimento de escritos da prática sobre
a profissão.
Célia Maria Giacheti e Amadeu Moura Bego [Org.]
188
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Sobre os autores
193
afrânio mendes caTani
Graduado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas-SP
(1975), Mestrado e Doutorado em Sociologia pela Universidade de São
Paulo. Livre Docente em Educação e Professor Titular na Faculdade de
Educação da USP. Também é professor no Programa de Pós-Graduação
em Integração da América Latina (PROLAM-USP), onde recebeu o títu-
lo de Professor Emérito em 05/2022. Tem Pós-Doutorado na Middlesex
University London-MDX, Inglaterra (2015-2016). Presidente da
SOLAR-Sociedad Latinoamericana de Estudos sobre América y el Caribe
(1996-1998). Atuou como Coordenador dos GTs Estado e Política
Educacional (1996-1998) e Política de Educação Superior (2010-2013)
da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. Foi
Coordenador Adjunto do Comitê Científico da entidade (2008-2010);
Diretor de Cooperação Interinstitucional (2006-2008) e de Intercâmbio
Interinstitucional (2008-2010) da ANPAE-Associação Nacional de
Políticas e Administração da Educação; Presidente da SOCINE-Sociedade
Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (2013-2015) e Coordenador
do Programa de Pós-Graduação em Educação da FEUSP (2010-2012).
Participante do OBEDUC-Políticas de Expansão da Educação Superior
no Brasil (2012-2016), atua na área de Educação (ênfase em políticas de
educação superior, sociologia da educação e cultura) e de cinema (história
do cinema latino-americano e do cinema português). Integrante da rede de
pesquisa UNIVERSITAS/Br. Pesquisador do CNPq.
194
amadeu moura bego
Licenciado em Química (2005) e mestrado em Química Inorgânica
(2007) pelo Instituto de Química da UNESP, Câmpus de Araraquara, SP;
é doutor em Educação para a Ciência pela Faculdade de Ciências (2013)
da UNESP, Câmpus de Bauru, SP. Tem pós-doutorado em Educação
pela Faculdade de Educação da USP de São Paulo (2017). Atuou como
Professor Visitante na Harvard Graduate School of Education no ano de
2020. Atualmente, é Professor Adjunto do Departamento de Química
Analítica, Físico-Química e Inorgânica (QAFI) e professor do Programa de
Pós-Graduação em Química do Instituto de Química da Unesp, Câmpus
Araraquara, SP. Em 2016, recebeu o Prêmio Professor Rubens Murillo
Marques da Fundação Carlos Chagas como melhor experiência educati-
va inovadora para formação de professores. Atuou como coordenador do
Programa de Mestrado Profissional em Química em Rede (PROFQUI-
Araraquara) entre 2017 e 2021. No período de 2014 a 2018, foi coordena-
dor da área de Química do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência (Pibid) da Unesp de Araraquara. Entre os anos de 2021 a 2023,
foi tutor do Grupo PET Química da Unesp de Araraquara. Atuou como
Assessor da Pró-reitoria de Graduação da Unesp na Gestão 2021-2024.
É membro de Comitê Editorial e árbitro em diversas revistas nacionais
e internacionais das áreas de educação e de educação em ciências, além
de assessor da FAPESP e da Fundação Carlos Chagas (FCC). Tem expe-
riência na área de Ensino de Química e em Formação de professores de
Química, atuando principalmente nas seguintes temáticas: (1) parcerias
público-privadas na educação; (2) Trabalho Docente, Aprendizagem da
Docência e Desenvolvimento Profissional de Professores; (3) processos e
materiais educativos na Educação em Ciências/Química. É líder da Rede
de Inovação e Pesquisa em Ensino de Química (RIPEQ).
ana luiza bernardo guimarães
Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da USP, na área de
Didática, Teorias de Ensino e Práticas Escolares (2016). Mestre em
Educação Escolar (2010), com ênfase em Avaliação da Aprendizagem, pela
195
Universidade Estadual de Londrina. Especialista em Fotografia (2003)
pela Universidade Estadual de Londrina/PR. Especialista em Arte pelo
Instituto de Arte da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” (2013). Licenciada em Educação Artística - Habilitação em Artes
Plásticas pela Universidade Estadual de Londrina (2003). Dirigente
Regional de Ensino da Diretoria Regional de Ensino de Marília, Secretaria
Estadual da Educação de São Paulo (jan/2020 - atual) Atuou como docen-
te e como coordenadora Acadêmica da Licenciatura em Artes Visuais do
Centro Universitário das Faculdades Integradas de Ourinhos - UNIFIO
(2010-2020) Foi membro Titular da Comissão Assessora da Área de Artes
Visuais junto ao INEP/MEC - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais “Anísio Teixeira”, no ciclo avaliativo do ENADE, no triênio
2017-2019. Foi Diretora da Escola Estadual Dr. Clybas Pinto Ferraz, ju-
risdicionada à Diretoria de Ensino - Região Assis / Secretaria da Educação
do Estado de São Paulo (2018-2019). Diretora da EE Prof. Neuza Maria
Marana Feijão, jurisdicionada à Diretoria de Ensino - Região Marília
(atualmente licenciada pois exerce a função de Dirigente Regional de
Ensino). Exerceu a função de docente do quadro efetivo de professores no
Magistério Estadual Paulista (PEB II), na disciplina de Arte, no período de
2004 a 2017, e a função de Diretora do Núcleo Pedagógico da Diretoria
de Ensino - Região Assis, no período de 2015 a 2017. Atua na área de en-
sino e aprendizagem, com ênfase em formação de professores, avaliação da
aprendizagem e ensino de arte. Tem experiência em gestão, atividades de
ensino, pesquisa e extensão no âmbito da Graduação e da Educação Básica.
bernardeTe angelina gaTTi
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade de São Paulo e
Doutorado em Psicologia - Universite de Paris VII - Universite Denis
Diderot, com Pós-Doutorados na Université de Montréal e na Pennsylvania
State University. Docente aposentada da USP, foi professora do Programa
de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação da PUC-SP.
Simultaneamente, foi Pesquisadora Senior na Fundação Carlos Chagas,
aí exercendo os cargos de Coordenadora do Departamento de Pesquisas
196
Educacionais e de Superintendente de Educação e Pesquisa. Foi membro
e presidiu o Comitê Científico - Educação do CNPq e foi coordenadora
da área de Educação da CAPES. Atuou como Consultora da UNESCO e
de outros organismos nacionais e internacionais. Em 2014 assumiu como
Diretora Vice Presidente da Fundação Carlos Chagas, orientando e res-
pondendo pelas ações do setor de Pesquisa e Educação. Participa de comi-
tês científicos de várias revistas nacionais e internacionais. Membro titular
da Academia Paulista de Educação (Cadeira nº 27). Suas Áreas de Pesquisa
são: Formação de Professores, Avaliação Educacional e Metodologias
da Investigação Científica. Em 2016 foi eleita Presidente do Conselho
Estadual de Educação de São Paulo.
bruno silva leiTe
Professor de Química e de Tecnologias no Ensino de Química da
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). É Licenciado
em Química, mestre no Ensino das Ciências e Doutor em Química
Computacional. Atual coordenador do curso de licenciatura em Química
da UFRPE. É docente permanente no programa de pós-graduação
em Ensino das Ciências (PPGEC), no Doutorado em Ensino da Rede
Nordeste de Ensino (RENOEN) e no Programa de Mestrado Profissional
em Química em Rede Nacional (PROFQUI), todos na UFRPE. Coordena
os grupos de pesquisas LEUTEQ (Laboratório para Educação Ubíqua e
Tecnológica no Ensino de Química) e InPraMEC (Investigação de Práticas
Metodológicas no Ensino das Ciências) do diretório de grupos do CNPq
e é pesquisador colaborador do Núcleo SEMENTE e da Rede Latino-
Americana de Pesquisa em Educação Química (RELAPEQ). Na Sociedade
Brasileira de Química (SBQ) é o atual diretor da Divisão de Ensino [man-
dato 2022-2024 e 2024-2026], foi vice-diretor desta mesma divisão [man-
dato 2020-2022], além de ter sido tesoureiro da Regional Pernambuco
[mandatos 2016-2018, 2018-2020]. É atualmente coordenador da se-
ção “Educação em Química e Multimídia” da revista Química Nova na
Escola. Participa com avaliador credenciamento e recredenciamento do
Ministério da Educação (INEP). Foi coordenador [mandato 2019-2021 e
2021-2023] do Programa de Mestrado Profissional em Química em Rede
197
Nacional (PROFQUI-UFRPE). Foi coordenador do Residência peda-
gógica de Química [2018-2020]. Participou da Comissão Avaliadora de
Livros Didáticos de Química do Ministério da Educação no Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD 2021 - Objeto 1, 2 e 3; PNLD 2023 -
Objeto 1 e 2). Foi representante da região nordeste na Comissão Nacional
de Ensino de Química (2016-2018) que contribuiu para a criação da
Sociedade Brasileira de Ensino de Química (SBEnQ) e fez parte da direto-
ria de comunicação da SBEnQ (2018-2020). Atualmente tem pesquisado
no Ensino de Química nas seguintes temáticas: (1) Tecnologias Digitais
no Ensino e Inteligência Artificial; (2) Metodologias Ativas, Aprendizagem
Tecnológica Ativa, Gamificação e Ensino Híbrido; (3) processos e mate-
riais educativos no Ensino de Ciências/Química; (4) Divulgação científica.
Atua como consultor ad hoc de periódicos especializados em Educação
em Ciências/Química, nacionais e internacionais, e agências de fomento
(CNPq, CAPES).
célia maria giacheTi
Professora titular (MS 6) do Departamento de Fonoaudiologia da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho-UNESP-Marília-
SP. Pró-reitora de Graduação da UNESP. (Gestão 2021-24 e Gestão
2025-28). Possui graduação em Fonoaudiologia - Faculdades do Sagrado
Coração (1984), Especialização em Distúrbios da Comunicação Humana
pela Escola Paulista de Medicina(1986), Mestrado em Distúrbios da
Comunicação Humana pela Escola Paulista de Medicina (1992) e douto-
rado em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal
de São Paulo (1996). Livre docente em “Diagnóstico fonoaudiológico
pela Universidade Estadual Paulista-UNESP-Marília-SP (2006). Realizou
estágio de pós-doutorado no Laboratório de Neuropsicofisiologia da
Universidade do Minho, Braga, Portugal, em 2008. Professora e orien-
tadora do Programa de Pós-Graduação em Fonoaudiologia da Faculdade
de Filosofia e Ciências da UNESP-Marília desde 2011. Coordenadora do
Programa de Pós-Graduação em Fonoaudiologia da Faculdade de Filosofia
e Ciências da UNESP-Marília de 01 de janeiro de 2011 até 03 de fevereiro
de 2020. Professora colaboradora e orientadora credenciada no Programa
198
de Pós-Graduação em Ciências (Genética) do Instituto de Biociências
da UNESP-Botucatu-SP no período de 2003 a 2012. Pesquisadora as-
sociada do Setor de Genética Clínica do Hospital de Reabilitação de
Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo desde 1990 até
julho de 2019. Membro pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência
e Tecnologia-INCT-UFSCAR-São Carlos e vice-diretora de pesquisa
desde 2014. Bolsista Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (08/2004 a 02/2008);
(01/03/2010 a 27/02/13), (01/03/2013 a 27/02/16), (01/03/2016 a
27/02/19), (01/03/2019 a 27/02/22) e 01/03/22 a 31/03/25. Líder do
grupo de pesquisa “Avaliação da fala e linguagem”. Coordenadora do
Laboratório de Estudo, Avaliação e Diagnóstico Fonoaudiológico-LEAD,
com sede no Centro Especializado de Reabilitação- CER II e Centro de
Estudos da Educação e Saúde-CEES-UNESP-Marília-SP. Vice-presidente
do Fórum da área 21-CAPES, representando a Fonoaudiologia de
2012/16. Presidente do Fórum da área 21-CAPES de 2017 a agosto de
2019. Membro da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia e vice-presi-
dente (gestão 2014-2017-fev). Sócia titular da Sociedade Brasileira de
Genética Médica. Membro da Rede Nacional de Especialistas em Zika e
Doenças Correlatas- RENEZIKA, desde 2016. Reconhecimento de pes-
quisa Giacheti syndrome: publicada no OMIM em 31/ 08/2009, como
síndrome nova. Editora associada da Revista CoDAS desde 2013 e revista
ACR desde julho de 2015. Nas atividades de ensino, pesquisa e extensão
os temas mais citados são: avaliação fonoaudiológica, diagnóstico fonoau-
diológico, linguagem, genética, síndromes genéticas e Zika-virus.
débora crisTina fonseca
Formada em Psicologia e com Licenciatura pela UNESP/Bauru (1995),
Mestrado e Doutorado em Psicologia Social pela PUC São Paulo e Livre
Docente em Psicologia Social e Educacional pela Unesp (2022). Atualmente
professora Associada (Livre Docente) na UNESP, atuando no Departamento
de Educação /IB Rio Claro e no Programa de Pós em Educação IB/Unesp
Rio Claro (Linha de pesquisa Políticas, Gestão Educacional e Formação
Humana) .Pesquisadora credenciada no Programa de Pós- Graduação
199
em Educação – UFSCAR, São Carlos (no Eixo 2 - Educação em espaço
de restrição e privação de liberdade - Linha Práticas Sociais e Processos
educativos, orientando trabalhos de mestrado, doutorado e doutorado-
Dinter. Coordena o Grupo de Pesquisas GEPEPDH (Unesp), integra do
JOVEDUC (Unesp), o INCIDIR - laboratório Interinstitucional do IPUSP
SP e o Núcleo de Investigação e Práticas em educação nos espaços de res-
trição e privação de liberdade - UFSCar - EduCárceres/UFSCar e integra o
Comitê de Gestão do Observatório de Educação em Direitos Humanos da
UNESP (OEDH/UNESP). Com longa experiência na área de Psicologia
e Educação, com ênfase em Psicologia Social e Educacional, Educação em
Direitos Humanos, atuando nos seguintes temas: Socioeducação, Juventudes,
Violências, Educação em Direitos Humanos, Medidas Socioeducativas
(Jovens em privação e restrição de liberdade), sistema de justiça e privação
de liberdade; Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes;
formação de professores e agentes educativos; EJA. Esteve como professora
visitante na Université Picardie Jules Verne - Amiens- França (Laboratório
CAREF/2021) e no CESDIP- França/ outubro/ 2022. Desenvolve atividades
de Extensão e pesquisa em parceria no projeto institucional “Escaramujo”,
da Facultad de Psicología de la Universidad de La Habana/ CUBA, coor-
denado pela Profa, Ana Hernández Martín, que atua com jovens em con-
flito em vulnerabilidade social. Ainda, através de convênio firmado com a
Universidade do Pinar Del Rio “Hermanos Saiz Montes de Oca”, CUBA,
desenvolve atividades de extensão ligadas à Educação em Direitos Humanos.
Integra a Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos -ReBEDH,
integra a Rede de Pesquisadores e Pesquisadoras da Juventude Brasileira -
JUBRA e a Associação Brasileira de Psicologia Social - ABRAPSO, estando
atualmente como Vice-Presidenta da ABRAPSO Regional SP. Participou de
diferentes órgãos colegiados centrais da UNESP( Conselho Universitário;
Câmara Central de Extensão e Cultura Universitária - CCEC; e no Conselho
de Ensino, Pesquisa e Extensão - CEPE/Unesp). Integra o Conselho do
Programa de Pós- Graduação em Educação/ IB/Unesp, Rio Claro e no PPGE
Ufscar, integra a Comissão de Bolsa. Ainda, desenvolve atividades colabora-
tiva com o Conselho Municipal dos Direitos de Crianças e Adolescentes de
Rio Claro ( apoio em reuniões e Conferências). Como Psicóloga, atua na
Comissão de Ética do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo cola-
borando nas oitivas de processos Éticos pela subsede Campinas. Atualmente
coordena pesquisa FAPESP/Proeduca/2023, orientando diferentes professo-
res e estudantes de graduação e Pós-Graduação e Pós Doc.
denice bárbara caTani
Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo onde fez sua formação (graduação em Pedagogia, mestrado, dou-
torado e livre docência). Pesquisa temas ligados à História da Educação e
Profissão Docente e Formação de Professores. Exerceu os cargos de Chefe
do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada,
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da FEUSP.
Atualmente é professora sênior da FEUSP.
dislane zerbinaTTi moraes
Possui graduação em Ciências Sociais (1980) e em História (1986); mes-
trado em Didática(1996); doutorado em Letras (Literatura Brasileira)
(2003), todos pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professora
doutora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, atuando
principalmente nos seguintes temas: metodologia do ensino de história,
história da educação e historiografia, formação de professores, fontes literá-
rias no ensino de História e na pesquisa em História da Educação. Na área
de História da Educação investiga especialmente a história da profissão
docente por meio de fontes autobiográficas, memórias e romances escritos
por professores; e de outras fontes impressas como os periódicos educacio-
nais. Tem se dedicado aos estudos sobre as relações entre literatura, história
e educação.
eugênio maria de frança ramos
Bacharel (1983) e Licenciado (1984) em Física pela Universidade de
São Paulo, Mestre em Ensino de Ciências (Modalidade Física) em 1990
e Doutor em Educação (Didática) em 1997 pela Universidade de São
201
Paulo. Atualmente é Professor Assistente Doutor da Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Atividades Lúdicas para o Ensino, atuando prin-
cipalmente nos seguintes temas: ensino de física, ensino de ciências, edu-
cação a distância, instrumentação para o ensino de física e formação inicial
e continuada de professores.
gabriela miranda moriconi
Pesquisadora sênior do Departamento de Pesquisas Educacionais da
Fundação Carlos Chagas. Doutora em Administração Pública e Governo
pela Fundação Getulio Vargas, é graduada e mestre em Administração
Pública e Governo pela mesma instituição. Coordena e participa de pes-
quisas sobre políticas educacionais, especialmente em temas relacionados
a docentes da educação básica, tais como formação inicial e continuada,
remuneração e condições de trabalho. Tem experiência em avaliação e in-
dicadores educacionais e na análise comparada de políticas educacionais.
Atua em projetos de pesquisa e assessoria junto a órgãos nacionais, como
secretarias estaduais e municipais de educação, e internacionais como a
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e
o Escritório Regional da Unesco para a América Latina e o Caribe.
Kriscia gobi rosa
Graduação em Fonoaudiologia (2016 - 2019), com bolsa FAPESP (n pro-
cesso 2018/26713-7), pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho - UNESP/Marília. Mestre (2020-2022) em Fonoaudiologia, na área
Distúrbios da Comunicação Humana pela UNESP/ Marília e Doutoranda
(2022-2026) em Ciências da Saúde e Comunicação Humana pela Unesp/
Marilia, com auxílio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES). Foi Professora Substituta junto ao Departamento
de Fonoaudiologia da UNESP/Marília (2024). Membro discente do gru-
po de pesquisa (CNPq) Avaliação da Linguagem e Fala, e do Laboratório
de Estudos, Avaliação e Diagnóstico Fonoaudiológico (LEAD, UNESP
202
- Marília) sob supervisão da Profa Dra Celia Maria Giacheti. Tem experi-
ência na subárea linguagem infantil com ênfase em avaliação e diagnóstico,
atuando principalmente nos temas - desenvolvimento da linguagem oral,
narrativa oral, gêmeos, Transtorno do Espectro Autista e genética.
marcelo de carvalho borba
Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática e
do Departamento de Matemática da UNESP (Universidade do Estado
Paulista) no Brasil, onde coordena o grupo de pesquisa GPIMEM (Grupo
de Pesquisa em Informática, outras Mídias e Educação Matemática).
Pesquisa o uso da tecnologia digital na educação matemática, vídeos
matemáticos produzidos por professores e alunos, educação a distância
online, modelagem como abordagem pedagógica e metodologia de pes-
quisa qualitativa. É editor associado da ZDM, e International Journal
of Mathematics Education e foi, de 2018 a 2022, presidente do Comitê
de Ensino da CAPES, agência financiadora do Ministério da Educação
Nacional no Brasil. Atualmente lidera um projeto da CAPES-PrInt que
promove a internacionalização da pesquisa em tecnologia em educação
matemática no Brasil. Foi palestrante principal no PME-44 (Grupo de
Estudos de Psicologia da Educação Matemática), Tailândia-Virtual (2020);
no Painel Plenário do ICME 14 (Congresso Internacional de Educação
Matemática), realizado em formato híbrido na China (2021); e no ICM-
22 (Congresso Internacional de Matemáticos), que estava originalmen-
te programado para acontecer na Rússia, mas foi realizado virtualmente
(2022). Recebeu o Prêmio Dorothy Stang 2023 em virtude das atividades
extensionistas relevantes que tem desenvolvido na área da Educação da
Matemática.
pamella alesKa da silva sanTos
Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Educação Matemática
da Universidade Estadual de São Paulo-UNESP/Rio Claro. Atualmente
Bolsista pelo programa CNPq. Mestra em ensino de Ciências e Matemática
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da Universidade Estadual de Mato Grosso- UNEMAT Campus Barra do
Bugres-MT (2022). Especialização em Educação Especial- Atendimento
Educacional (2017). Supervisora do Programa de Iniciação a Docência-
PIBID (2018-2019). Graduada em Licenciatura em Matemática pelo
Instituto Federal de Ciência e Tecnologia-Campus Parecis (2015). Bolsista
do Programa de Iniciação à Docência (2014-2015). Tem experiência na
área de Matemática. No ensino Básico e Profissional: Ensino fundamen-
tal, Ensino médio, Ensino técnico Profissionalizante, e Ensino Superior.
Membro do grupo de Pesquisa GEPETD- Grupo de estudos e Pesquisas
em Ensino com Tecnologias Digitais (2020-2022). Atualmente mem-
bro do GPIMEM- Grupo de Pesquisa em Informática e outras mídias da
Universidade Estadual de São Paulo-UNESP/Rio Claro. Áreas de interes-
se: Matemática, Educação Matemática, Tecnologias Digitais e Teoria da
Atividade.
vagner anTonio moralles
Possui graduação em Licenciatura em Química pela Universidade Estadual
Paulista-Instituto de Química de Araraquara (2014), Mestrado Acadêmico
em Química, com ênfase em Química Inorgânica, pela Universidade
Estadual Paulista-Instituto de Química de Araraquara (2017) e Doutorado
em Química, na linha de Ensino de Química, pela Universidade Estadual
Paulista-Instituto de Química de Araraquara (2021). Atualmente é profes-
sor substituto no departamento de Química Analítica, Físico-Química e
Inorgânica da UNESP- Instituto de Química de Araraquara. Tem experi-
ência na área de Química, com ênfase em Química Inorgânica e Ensino de
Química, atuando principalmente nos seguintes temas: Ensino de Química,
Formação Inicial de Professores de Química, Formação Continuada de
Professores de Química, Estratégias Didáticas no Ensino de Química,
Design-Based Research nas Pesquisas Educacionais, Revisões da litera-
tura, Planejamento Didático-Pedagógico, Saberes Docentes, Formação
Continuada de Professores, Luminescência, Cintiladores, Terras Raras,
Filtro Solar, Compostos de Coordenação de Lantanídeos e Compostos
Inorgânicos para Aplicações Medicinais.
caTalogação na publicação (cip)
Telma Jaqueline Dias Silveira
CRB 8/7867
normalização
Elizabete Cristina de Souza de Aguiar
Monteiro
CRB - 8/7963
capa e diagramação
Gláucio Rogério de Morais
produção gráfica
Giancarlo Malheiro Silva
Gláucio Rogério de Morais
assessoria Técnica
Renato Geraldi
oficina universiTária
Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
formaTo
16 x 23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
2025
sobre o livro
o que pode a formação
de professores?
Célia Maria Giacheti & Amadeu Moura Bego
TEMPOS E
NARRATIVAS
PARA UMA
EDUCAÇÃO
DEMOCRÁTICA
Célia Maria Giacheti & Amadeu Moura Bego
TEMPOS E NARRATIVAS PARA UMA EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA
o que pode a formação de professores?
Este livro está organizado por
capítulos e contempla as apresentações
dos conferencistas e palestrantes no VI
Congresso Nacional de Formação de
Professores e XVI Congresso Estadual
Paulista sobre Formação de Educadores,
evento organizado pela Pró-reitoria de
Graduação da Unesp, em consonância
com eixos temáticos, descritos a seguir:
Políticas e práticas de formação inicial de
professores da educação básica; Políticas
e práticas de formação continuada de
professores da educação básica; Políticas
e práticas de formação de professores
alfabetizadores e da educação infantil;
Políticas e práticas de formação de
professores da educação superior; Políticas
e práticas para a formação de professores
na perspectiva de acessibilidade e inclusão;
Inovações e tecnologias educacionais;
Produção, avaliação e usos de materiais
e recursos didáticos; Formação de
professores e relações étnico-raciais;
Gêneros, sexualidades e formação de
professores; Políticas de formação e
desenvolvimento profissional de gestores
da educação básica; Saúde na escola e
formação de professores: bem-estar e
sofrimento na vida escolar.
CAPES ( Processo 88881 . 896.101/2023-01)
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