A UNESP, com seus correlatos de autonomia, gestão democrática e or-
ganização sindical especícos, constitui um objeto de estudo da maior re-
levância, não apenas para a comunidade universitária, como, também, ou
mais ainda, para a sociedade.
Este livro apresenta uma pesquisa de alta qualidade, muito bem documen-
tada, estruturada e exposta, com um objeto de estudo socialmente relevan-
te, ancorada numa problemática e uma defesa convincente das hipóteses
defendidas. Uma investigação que se situa no campo democrático, um
dos temas mais importantes das ciências sociais na sociedade moderna e
contemporânea, quer olhemos para a história passada, quer para o presente
ou para os dias que estão por vir e, que em se tratando da democracia do
autogoverno dos trabalhadores na universidade pública, reveste um caráter
praticamente pioneiro, que deixa um legado de informações e conheci-
mentos para outras investigações.
Sindicato, autonomia e gestão
democrática na Universidade Estadual
Paulista (1976-1996) discute a função do
sindicato dos docentes da UNESP para a
construção da gestão democrática ou auto-
governo da universidade sob a autonomia.
O movimento pela democratização
das estruturas de poder da UNESP desen-
cadeado em 1984 pelas entidades represen-
tativas dos segmentos da comunidade uni-
versitária, que resultou na primeira reforma
democrática da instituição, e a autonomia
outorgada pelo governo estadual às univer-
sidades estaduais paulistas em 1989, consoli-
daram-se como um aspecto do autogoverno
ou da gestão democrática.
A autonomia colocou para a univer-
sidade uma situação qualitativamente dife-
rente daquela que possuía anteriormente,
pois a gestão da universidade tornou-se res-
ponsabilidade da comunidade acadêmica e
sua organização exige escolhas que possuem
implicações institucionais e sociais.
O sindicato dos docentes cumpriu
importante papel na incorporação da co-
munidade universitária na luta contra o
estado ditatorial e pela democratização in-
terna da UNESP. Porém, após a autonomia
continuou utilizando a mesma estratégia e
instrumentos de luta anteriores. Tradicio-
nalmente, esta entidade tem-se concentrado
nas lutas salariais e na reprodução das táticas
de luta vericadas nos sindicatos dos traba-
lhadores em geral. A ADUNESP Seção Sin-
dical depara-se com os mesmos problemas
observados em outros sindicatos, o econo-
micismo e o corporativismo.
A ideia principal trabalhada neste li-
vro é que o sindicato dos docentes deve ade-
quar-se à situação de autonomia e, portanto,
produzir políticas de intervenção na gestão
democrática ou autogoverno da universi-
dade. Em especial indicar modicação nas
relações de trabalho, tendo como centro a
instauração do trabalho coletivo docente e
mudanças na carreira; intervenção na es-
trutura de poder da UNESP por meio dos
órgãos colegiados e espaços de participa-
ção; descentralização dos processos deci-
sórios, que devem ser coletivos; controle
do mandato dos dirigentes eleitos; criação
de espaço comum de intervenção para os
movimentos organizados da universidade;
participação do sindicato no processo de
avaliação; e estreitamento das relações da
universidade com a sociedade. A principal
estratégia de intervenção a ser elaborada
pelo sindicato dos docentes deverá preco-
nizar a participação da comunidade acadê-
mica na determinação das prioridades para
a alocação dos recursos, dentre elas, a polí-
tica salarial.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
CANDIDO GIRALDEZ VIEITEZ
Neusa Maria Dal Ri
NEUSA MARIA DAL RI
SINDICATO, AUTONOMIA E
GESTÃO DEMOCRÁTICA NA
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
(1976-1996)
SINDICATO, AUTONOMIA E GESTÃO DEMOCRÁTICA NA UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA (1976-1996)
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SINDICATO, AUTONOMIA E GESTÃO DEMOCRÁTICA NA
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA (1976-1996)
Neusa Maria Dal Ri
Neusa Maria Dal Ri
SINDICATO, AUTONOMIA E GESTÃO DEMOCRÁTICA NA
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA (1976-1996)
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2024
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS – FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora: Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
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Conselho Editorial
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Neusa Maria Dal Ri
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Auxílio Nº 0039/2022, Processo Nº 23038.001838/2022-11, Programa PROEX/CAPES
Parecerista: Candido Giraldez Vieitez - Professor aposentado pela Unesp – Campus de Marília. Participante ativo
do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia do PPG do campus de Marília.
Capa: Pixabay
Ficha catalográfica
_______________________________________________________________________________________
Dal Ri, Neusa Maria.
D136s Sindicato, autonomia e gestão democrática na Universidade Estadual Paulista
(1976-1996) / Neusa Maria Dal Ri. – Marília : Oficina Universitária ; São Paulo :
Cultura Acadêmica, 2024.
238 p.
CAPES
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-555-1 (Livro Impresso)
ISBN 978-65-5954-556-8 (Livro Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-556-8
1. Universidade Estadual Paulista (Unesp). 2. Universidades e Faculdades – Administração –
1976-1996. 3. Sindicatos. I. Título.
CDD 378.05
_______________________________________________________________________________________
Catalogação: André Sávio Craveiro Bueno – CRB 8/8211
Copyright © 2024, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - Campus de Marília
Sumário
Prefácio | Candido Giraldez Vieitez....................................................................7
Introdução................................................................................................13
Capítulo I - Autonomia Universitária.......................................................29
Capítulo II - Autonomia Como Um Aspecto do Autogoverno.................71
Capítulo III - Sindicato, Autonomia Universitária e Gestão
Democrática...........................................................................................133
Capítulo IV - Política Sindical e Gestão Democrática...........................195
Conclusão..............................................................................................219
Referências.............................................................................................225
7
PREFÁCIO
Como podemos observar pelo título deste livro, da professora Neusa
Maria Dal Ri, a UNESP é seu objeto de investigação. Mas uma UNESP exa-
minada por meio das lentes propiciadas pelas categorias centrais no estudo: o
sindicato docente; a autonomia; e a gestão democrática.
A UNESP, com seus correlatos de autonomia, gestão democrática e
organização sindical específicos, constitui um objeto de estudo da maior rele-
vância, não apenas para a comunidade universitária, como, também, ou mais
ainda, para a sociedade.
A pesquisa examinou o interregno que vai da fundação da UNESP até
1996. No entanto, a problemática imanente ao objeto - ou proposta pela pes-
quisadora - é contemporânea, projetando desafios para a universidade públi-
ca que são até mais prementes hoje, do que ontem. Isso porque a universida-
de pública e gratuita, em praticamente todo mundo - ao menos no Ocidente
capitalista - nunca foi uma unanimidade, de sorte que uma espada sempre
esteve pendente sobre a mesma, a ameaçar sua continuidade. No entanto,
nos dias de hoje, com a ascendência do neoliberalismo, essa ameaça, que
a pesquisa muito bem assinalou, está muito mais presente, como podemos
observar através dos tantos atos ou manifestações privatizantes por parte de
autoridades e políticos importantes. E nem há o que dizer com relação à po-
sição negativa ou potencialmente negativa dessas personagens públicas com
relação à legitimidade da autonomia, da gestão democrática e dos sindicatos.
A UNESP é um objeto de investigação com suas próprias especificidades.
No entanto, o particular é frequentemente uma manifestação muito concreta
do universal. É o que ocorre com a universidade pública, que embora relativa-
mente estendida, é um assunto permanente de debate político entre partidários
e detratores. Desse modo, embora centrada neste objeto específico e delimita-
do, a pesquisa trabalha uma temática de implicação nacional e internacional.
8
O estudo está concebido como uma investigação de caráter histórico-
-empírico na qual sobrelevam três premissas.
A primeira é que os fatos empíricos são fundamentais tanto para a aná-
lise, quanto para garantir a verossimilitude dos resultados da investigação.
Consequente com essa premissa metodológica, a pesquisadora apóia sua análise
numa profusão de dados, sendo os principais fornecidos por entrevistas com
pessoas que vivenciaram os acontecimentos relatados ou que foram agentes
desses acontecimentos, e farta documentação de fontes primárias e secundárias.
Além disso, contabilizamos a utilização de copiosa literatura especializada, bem
como de literatura mais geral. No entanto, a investigadora não é empirista.
Diversamente do que faz em relação à metodologia técnica, a mesma não expli-
cita a metodologia lógica ou paradigma teórico empregado, não porque o mes-
mo não esteja presente na análise da temática, mas porque a teoria se encontra
aqui organicamente imbricada no processo intelectual de análise e síntese, no
processo de reconstrução, explicação e explicitação da realidade examinada.
Um segundo ponto a destacar é o de que a história é fundamental para
a compreensão do objeto examinado, seja como recurso heurístico, seja por-
que certas categoriais sociais - ou conceitos - atuais são o resultado mais ou
menos direto de sua evolução no espaço-tempo.
O terceiro destaque nessa concepção metodológica é a percepção de
que não se pode perder de vista o todo social. Assim, embora a pesquisa esteja
centrada na UNESP, não se encontra encerrada na mesma, uma vez que a in-
vestigação não perde de vista as conexões entre a universidade e a sociedade.
Por exemplo, fica claro na exposição que o movimento pela democratização
da gestão na Universidade, deflagrado em 1984, estava em conexão direta
com a grande campanha nacional pela democratização do Estado que estava
em curso desde fins dos anos 1970.
Em virtude desses procedimentos temos um texto abundantemente
ilustrado com fatos em detalhe, mas, também, estruturado segundo a ampla
perspectiva da teoria utilizada. O resultado é uma demonstração-exposição
muito bem feita e logicamente consistente, mas ao mesmo tempo caracteri-
zada por uma densidade que demanda leitura detida e cuidadosa.
A criação do sindicato docente (inicialmente associação), a obtenção da
autonomia de gestão financeira (outorgada pelo governador) e a instauração
9
da gestão democrática (autogoverno), segundo sustenta a pesquisa, são três
acontecimentos estratégicos da trajetória da UNESP.
Dadas as divergências ideológicas, educacionais, etc. existentes na
Universidade – como na sociedade – a valoração desses acontecimentos nes-
ses termos é desafiante. No entanto, a pesquisadora, ao explicitar sua posição,
desloca o provável debate do terreno das controvérsias cotidianas para o cam-
po mais elevado do embate entre concepções de mundo distintas. A perspec-
tiva na qual se situou este trabalho – afirma a pesquisadora em uma passagem
de sua narrativa - e, consequentemente, a sua hipótese norteadora foi dada
pelo princípio democrático, ou seja, a perspectiva na qual se têm situados os
problemas da democracia como participação e do poder como autogestão, ou
seja, partem sempre do ponto de vista da classe trabalhadora.
Portanto, ao invés de tentar empreender sua análise como sendo neu-
tra em relação às classes sociais e aos conflitos que trespassam a sociedade, a
pesquisadora - diversamente do que é tão frequente – assume claramente o
ponto de vista das classes trabalhadoras, ciente de que a isenção na pesquisa,
um procedimento a ser observado, é algo completamente diferente da supos-
ta e utópica neutralidade do pesquisador em relação ao objeto estudado.
Retomemos, pois, às categorias tomadas como centrais na análise, o
sindicato, a autonomia e a gestão democrática para observarmos que nenhu-
ma delas conta com um conceito correspondente de significado unívoco.
O que temos em cada uma delas é aquilo que alguém já chamou de
ideia-força (uma determinação geral), que é algo tão real quanto pode ser
uma abstração científica. O que significa que seu significado real só se define,
ao menos transitoriamente, na evolução da trama histórica, razão pela qual
na pesquisa essas categorias aparecem historicizadas, como, por exemplo,
a autonomia nas corporações originárias da Universidade, a autonomia no
Estado Absolutista, a autonomia no regime democrático liberal e, finalmente,
a evolução desse conceito nas várias constituições brasileiras até se chegar a
uma de suas possíveis manifestações concretas, a autonomia de gestão finan-
ceira na UNESP e demais universidades estaduais paulistas.
À primeira vista, o sindicato dos docentes parece ser um objeto social
meramente prosaico. No entanto, a sua criação foi consequência das pro-
fundas alterações nas relações de trabalho que ocorreram na Universidade a
10
partir da década de 1970. Portanto, foi ancorado nesses acontecimentos que
o sindicato se instalaria na vida universitária como um componente muito
importante no processo de evolução das relações de trabalho e da política
universitária. E, no entanto, não há consenso quanto ao conceito de sindi-
cato. E, como mostra a pesquisa mediante uma ampla reflexão ilustrada pela
literatura sobre as várias concepções, não há consenso quanto às formas de
organização e atuação desse tipo de organização, nem no interior do próprio
campo ao qual ela pertence, o movimento operário e popular.
O caso da autonomia é semelhante. A pesquisadora defende que a au-
tonomia tanto pode ser favorável quanto contrária à democratização, mas
que a autonomia outorgada à Unesp é de caráter progressivo, ou seja, possi-
bilitou a autogestão, a qual tem como pré-condição a própria manutenção da
universidade pública, uma vez que não há e não pode haver autogoverno dos
trabalhadores na Universidade privada.
A categoria democracia encontra-se numa situação semelhante às de-
mais categorias em questão. A sua determinante geral possivelmente mais
popularizada, para explicitar ao menos uma referência, ainda que abstrata,
talvez seja a fórmula rousseauniana - antitética ao conceito de democracia
liberal -, a qual sustenta que a democracia é o governo do povo, pelo povo,
para o povo. Princípio esse que, por extensão, segundo o pensador italiano
Norberto Bobbio, referenciado na pesquisa, deveria aplicar-se às instituições
da sociedade civil.
Seja como for, estamos de acordo com a tese da autora de que os sin-
dicatos, tanto na universidade quanto em geral, são com frequência uma das
forças que se tem colocado à frente da luta pela democracia ou, talvez, melhor
dizendo, da luta pela democratização, e tanto no mundo do trabalho quanto
no da política.
Como o demonstra a pesquisadora, na UNESP, como ocorre em geral
por toda parte, o sindicato está longe de contar com a adesão majoritária da
comunidade. Mas também aqui, essa situação é mutável, vale dizer, históri-
ca. Os acontecimentos de 1984 e 1989, que respectivamente foram cruciais
para a democratização e autonomia de gestão financeira, provavelmente não
teriam ocorrido sem o papel do sindicato – e demais organizações da comu-
nidade -, que impulsionou e coordenou as lutas então realizadas.
11
O trabalho conclui reconhecendo o papel estratégico do sindicato, bem
como a instauração do autogoverno ou autogestão na UNESP. Entendemos que
a formulação dessa proposição, cheia como está posta e correta em princípio,
expressa mais um recurso de síntese expositiva do trabalho do que de realidade.
Certamente a universidade hoje é autogovernada pelos três segmentos
que compõem a comunidade, docentes, alunos e servidores, ao menos num
certo âmbito da jurisdição administrativa. E, também, concordamos em que
muitos e importantes elementos democráticos foram instaurados.
Porém, a própria pesquisadora indica que se o alcançado é bastante,
não é suficiente, e que a gestão democrática ou autogoverno deveria ser alar-
gado e aprofundado, e antes de tudo sustentado em sua continuidade pela
ação política recorrente do sindicato em colusão com as comunidades, uma
vez que esse status, como a própria pesquisa também indica, não é inamovível.
Na universidade, ao menos por ora, quem está mais bem posicionado
para encetar e impulsionar um movimento com esse objetivo é o sindicato. No
entanto, segundo apurou a investigação, o mesmo encontra-se tolhido por-
que, embora o sindicato no plano organizacional tenha introduzido elemen-
tos inovadores democráticos, no plano conceptivo segue sendo, como a maio-
ria dos sindicatos brasileiros de trabalhadores – se não todos -, um sindicato
tradicional, vale dizer, um sindicato de impostação econômico-corporativa.
Isso significa basicamente duas coisas. Por um lado, o trabalho sindical
segue basicamente orientado pelas lutas salariais, enquanto, por outro, man-
tém uma espécie de identificação egocêntrica com a categoria que representa.
Sobre essa situação, a análise nos apresenta várias explicações. Porém, o
problema central estaria no fato de o sindicato não ter formulado até hoje um
projeto para a universidade (educacional, científico, sócio-político). À falta
deste, o mesmo segue aferrado à questão salarial – essencial, mas insuficiente
–, bem como à defesa da universidade pública quando a conjuntura política
se apresenta como perigo real ou potencial. Apesar de que, esporadicamente
e sem muita convicção, o sindicato também avance esta ou aquela reivindica-
ção relativa ao campo da gestão democrática.
Portanto, esta é uma pesquisa de alta qualidade, muito bem docu-
mentada, estruturada e exposta, com um objeto de estudo socialmente rele-
vante, ancorada numa problemática e uma defesa convincente das hipóteses
12
defendidas. Uma investigação que se situa no campo democrático, um dos
temas mais importantes das ciências sociais na sociedade moderna e contem-
porânea, quer olhemos para a história passada, quer para o presente ou para
os dias que estão por vir e, em se tratando da democracia do autogoverno
dos trabalhadores na Universidade pública, reveste um caráter praticamente
pioneiro, que deixa um legado de informações e conhecimentos para outras
investigações.
Candido Giraldez Vieitez
13
INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos, compartilhamos da vida institucional da
Universidade como aluna de graduação, de pós-graduação e como docente
da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília. Ao mesmo
tempo, vivemos as experiências de representante dos setores que compõem
a comunidade acadêmica, seja como vice-presidente do Centro de Estudos
da Psicologia; secretária-geral e presidente do Centro Acadêmico da Filosofia
da Universidade de São Paulo, Campus de Ribeirão Preto; fundadora e vice-
-presidente da Associação dos Pós-Graduandos da Universidade Federal São
Carlos (UFSCar) e vice-presidente (por um ano) e presidente (por três anos
e meio) da Associação dos Docentes da UNESP - Seção Sindical, Regional
de Marília. Além dos cargos ocupados nas entidades e no sindicato dos do-
centes, participamos, na UFSCar, como representante discente, da Câmara
de Pós-Graduação e, na UNESP, da Congregação do Campus de Marília, por
várias gestões, como representante dos professores, do sindicato e dos coorde-
nadores dos programas de pós-graduação; do Conselho Universitário, repre-
sentando os docentes da mesma Unidade, por duas gestões, do Conselho de
Administração (CADE) e da Câmara de Pós-Graduação (CCPG).
Desempenhamos nossas atividades de presidente do sindicato, membro
de órgãos colegiados superiores, integrante de Comissões, Coordenadora do
Grupo de Apoio Técnico-Administrativo da Direção, Chefe de Departamento
(por três gestões), Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em
Educação do Campus de Marília, num trabalho direto, em níveis diversos e
diferentes, com professores, funcionários e alunos.
Nesse percurso, vivenciamos a autonomia da UNESP, o que nos
propiciou o levantamento de várias questões acerca dos processos decisó-
rios da universidade e da participação da comunidade acadêmica nestes
mesmos processos.
14
A reflexão sobre essas questões levou-nos, inicialmente, à problemática
da gestão da universidade sob a autonomia e, em seguida, ao papel que o sin-
dicato, enquanto entidade representativa da categoria dos docentes poderia
desempenhar sob a mesma situação.
A partir dessa experiência, buscamos realizar um estudo explorando
os aspectos presentes em cada um dos prismas da vida universitária, sob os
ângulos político, acadêmico e administrativo, analisar o conjunto das dimen-
sões inter-relacionadas que a compõe e, além de procurar entender os crité-
rios de gestão da universidade, repensá-los na situação de autonomia. Nesse
contexto, repensar o papel dos sindicatos dos docentes, enquanto órgãos que,
do nosso ponto de vista, também poderiam comprometer-se, efetivamente,
com a construção de uma gestão universitária autônoma e democrática, tor-
nou-se o principal objetivo do presente estudo.
Em nossa trajetória, observamos que os membros das diretorias do sin-
dicato dos docentes, bem como as bases representadas, apesar da rica prática
desenvolvida pela entidade, não têm colocado, com maior ênfase, o sindicato
como objeto de pesquisas e reflexões teóricas mais amplas. Assim, manifes-
tamos, neste estudo, a intenção de poder oferecer aos membros, em especial
aos docentes que dirigem os sindicatos, uma contribuição, em termos de
reflexões, que lhes possibilite detectar ações produtivas e questionar as neces-
sidades e as funções dessas entidades.
Este estudo justifica-se, na medida em que no momento em que foi
realizado, não apenas os sindicatos de docentes, mas todo o sindicalismo em
geral, vivia uma grave crise, aliás, como a sociedade brasileira.
A crise não é privilégio de nossa sociedade. Mas, no Brasil na década
de 1990, essas questões assumiam proporções bastante significativas: crise
de representação; crise de confiança; perda de direitos sociais e trabalhistas
conquistados historicamente pelos trabalhadores; denúncias cotidianas de
corrupções praticadas por membros da administração do Estado; abalo pro-
fundo dos valores tradicionais e da crença nas soluções positivas e nas insti-
tuições. Defrontamo-nos com um quadro adverso, demarcado pela desigual-
dade social, pela miséria, pelo afastamento dos indivíduos da arena política
e dos processos decisórios, por uma falta de legitimidade ética da política e
dos políticos.
15
No que se refere à universidade, talvez a primeira questão que se apre-
senta é a da defesa do seu caráter público. Obviamente, trata-se da defesa da
permanência e expansão dos compromissos governamentais com o ensino
superior. Não ignoramos as referências mais amplas englobando os demais
graus de ensino. Não negamos também que a defesa do ensino público ul-
trapassa a esfera do ensino superior. No entanto, as preocupações imediatas
deste trabalho são, sem dúvida, a ameaça da extinção da gratuidade do ensino
superior público, o projeto neoliberal de transformação das universidades
públicas, a diminuição das verbas destinadas às escolas superiores oficiais, a
proliferação de escolas particulares de baixíssimo nível, além de outros pro-
blemas com que se debate o ensino superior no Brasil.
Com efeito, se a rede de ensino superior hoje é predominantemente pri-
vada (mais de 80%), contrariamente ao que ocorria ainda no final na década de
1950, tal fato se deve à política traçada e implantada pelo Estado que patroci-
nou, por meio, também, de sucessivas autorizações e reconhecimentos, o pro-
cesso de privatização do ensino superior. Esse mesmo Estado vem aligeirando
a rede de ensino superior público e, ao mesmo tempo, subvencionando escolas
particulares que gozam do estatuto de entidade privada de direito público, uma
vez que operam com maciças inversões de recursos públicos.
Na verdade, a tendência do Estado, expressa claramente em seu projeto
para o ensino superior, é criar dois tipos distintos de universidade: a universi-
dade da produção e a universidade do consumo. A primeira seria constituída
por centros de excelência, aos quais seria reservada a tarefa e o privilégio
de desenvolver pesquisas e ministrar os cursos de pós-graduação. A segunda
configuraria a grande maioria das escolas que se dedicaria exclusivamente ao
ensino, como regra, em nível de graduação e, excepcionalmente, ministraria
cursos de extensão e de aperfeiçoamento. Trata-se da dissociação entre a pes-
quisa, o ensino e a extensão.
Do ponto de vista da defesa do ensino superior público, a própria evo-
lução da autonomia universitária deveria ser revista. A Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB) coloca, claramente, a possibili-
dade de desativação de cursos e habilitações, de intervenção na instituição, de
suspensão temporária de prerrogativas da autonomia (Art. 46). No entanto,
o fortalecimento do ensino superior público e a luta em sua defesa passa
16
exatamente pelo fortalecimento da autonomia. Não de qualquer autonomia,
mas daquela que possibilite a evolução de seus elementos democráticos.
Autonomia não significa impermeabilidade a influências externas e sim
a capacidade de autorregulação e adaptação construtiva a demandas e condi-
ções circundantes, pela consolidação de uma cultura institucional e profissio-
nal próprias. Uma instituição acadêmica autônoma e bem constituída deve
ser capaz de articular fontes externas de nível político, econômico e cultural,
sentir as necessidades manifestas pela sociedade mais ampla e responder a
esses condicionantes de acordo com suas próprias regras de probidade e com-
petência e, dessa forma, ampliar seu reconhecimento diante da sociedade e,
consequentemente, fortalecer a sua própria autonomia. Essa situação ideal
deve ser contrastada com a de comunidades fechadas, que são incapazes de
perceber ou responder às sinalizações externas e acabam por se esgotar por
falta de apoio. Ou seja, se a universidade não se abrir à sociedade mais ampla e
não se articular com ela, dificilmente poderá defender-se, corporativamente,
dos ataques do neoliberalismo, e dificilmente incorporará a população na luta
pela defesa do ensino superior público, gratuito, de qualidade e democrático.
A necessidade de a universidade articular-se com a comunidade mais
ampla fica clara quando observamos a relação do Estado com os seus servi-
dores. De acordo com Silva Júnior (1990, p. 19-20), o Estado, relutante e
reticente enquanto empregador e enquanto prestador de serviços estabelece
uma dificuldade adicional aos trabalhadores que emprega: o confronto, fre-
quentemente estimulado, entre as necessidades dos seus trabalhadores e as
dos trabalhadores aos quais os serviços do Estado devem ser prestados. Não
desconhecemos a presteza com que o Estado, representados pelos governos,
se dirige à opinião pública quando, por exemplo, os seus funcionários en-
tram em greve. Os prejuízos causados à população são imediatamente de-
bitados à conta da insensibilidade e da irresponsabilidade dos trabalhadores
em greve. Ou seja, fica evidente a facilidade com que o Estado expõe os seus
trabalhadores à crítica dos trabalhadores em geral. Não se trata apenas desse
fator, mas este também contribui para a evidente dificuldade que existe nas
relações entre os servidores públicos e os outros trabalhadores. Não é à toa
que as nossas reivindicações não penetram os órgãos de representação dos
trabalhadores em geral e que dificilmente conseguimos obter a solidariedade
17
destes em nossas lutas. Do mesmo modo, geralmente as lutas dos servidores
públicos são encaminhadas de forma separada e distante das lutas dos demais
trabalhadores. Essa dificuldade fica patente no interior da Central Única
dos Trabalhadores (CUT), quando os assuntos e os interesses dos servidores
públicos são, muitas vezes, relegados a segundo plano, e quando a Central
demonstra enormes dificuldades no enfrentamento das políticas neoliberais
de desmantelamento dos serviços públicos. Quanto aos trabalhadores da uni-
versidade pública, estes frequentemente priorizam suas questões internas, em
detrimento de sua participação nas questões que dizem respeito ao conjunto
dos trabalhadores.
Obviamente, não estamos querendo minimizar as dificuldades de ordem
material e mesmo política que afetam as entidades que congregam os trabalha-
dores da educação. Mas parece evidente, também, a necessidade que têm essas
organizações de movimentar-se em direção a novos elementos de fundamenta-
ção para as suas ações. Entre estes se incluem, certamente, a solidariedade e a
colaboração recíprocas com as entidades dos trabalhadores em geral.
Pensar a educação pública no Brasil significa pensar, igualmente, a crise
do Estado brasileiro, significa repensar e reinterpretar a relação existente entre
sociedade política e sociedade civil. Ou seja, isto diz respeito, também, às
relações entre o Estado e seus cidadãos e à democracia representativa.
Para Bobbio (1983, p. 72), o sistema representativo tem limites reais e
insuperáveis na sociedade; a soberania do cidadão está limitada pelo fato de
que as grandes decisões que dizem respeito ao desenvolvimento econômico
ou não chegam aos órgãos representativos ou, quando chegam, foram toma-
das em outras instâncias, às quais a imensa maioria dos cidadãos soberanos
não tem qualquer acesso. Mas, mesmo sob este aspecto, o defeito do sistema
de representação não é o de ser apenas representativo, mas, ainda, de não
sê-lo o bastante.
Podemos dizer que uma das faces da crise política atual seja uma crise
do sistema de delegação de poder no qual os cidadãos são divididos em duas
categorias: a grande maioria que vota; e os que supostamente a representa.
No interior mesmo desta democracia apenas representativa, há um em-
brião crescente marcado por uma luta entre duas concepções, uma das quais
o candidato eleito representa: o eleito - elemento do aparelho de Estado e
18
representante da classe burguesa e o eleito - porta-voz, condutor das lutas dos
trabalhadores. É dispensável estendermo-nos acerca da atual correlação de
forças entre os eleitos, mas o fato é que, geralmente, os trabalhadores delegam
seu poder a um representante esperando que este seja o instrumento das dese-
jadas mudanças. Junto ao voto, depositam-se todas as esperanças de verem-se
cumpridas as promessas de melhoria das condições de vida dos trabalhadores,
de resolução dos problemas do sistema de saúde, do sistema educacional etc.
No entanto, os eleitos-representantes exercem um poder discricioná-
rio, livre de qualquer controle democrático real, e, geralmente, em direção
oposta àquela firmada em seus discursos. Assim é que um difuso sentimento
de frustração, impotência e de alienação invade o cidadão-representado, que
não consegue enxergar nenhum poder de intervenção nesse processo, a não
ser o de votar em outro candidato da próxima vez. Esse mesmo processo
pode ser observado no interior das organizações participativas, como as uni-
versidades públicas, por exemplo. Em casos extremos e de crise profunda, os
representados podem até destituir o representante eleito. Mas, posteriormen-
te, o ciclo se reinicia.
É evidente que a atuação do Estado, em todos os campos, é determi-
nada pelo poder político ao qual, nas sociedades de classes, ele se subordina.
Seus investimentos, assim como sua ação política, concentram-se em função
dos interesses do capital e não em funções sociais, embora o contrário seja
o proclamado. Isto ocorre porque, ao contrário do que o discurso ideoló-
gico afirma, o Estado não paira acima das classes como um órgão neutro.
No Brasil, ninguém desconhece o descaso com que são tratadas as institui-
ções, órgãos e serviços destinados ao atendimento da maioria da população.
A incompetência dos serviços públicos, determinada pela própria atuação
do Estado, acaba servindo de justificativa para as privatizações colocadas em
curso pelos governos neoliberais. Entretanto, a população não só escolhe os
dirigentes do Estado, por meio de processo complexo quando pensados os
determinantes econômicos, políticos e culturais, como paga os serviços pres-
tados por este, por meio do recolhimento de impostos e da exploração a que
se submete no nível das relações de produção.
A despeito de tudo isso, quem ainda vem canalizando, de certa forma,
os descontentamentos dos eleitores contra o Estado e seus dirigentes são os
19
órgãos e entidades representativas dos trabalhadores, entre eles os partidos e
os sindicatos.
Contudo, colocamos uma questão: se as associações coletivas e entida-
des representativas, especialmente aquelas mais voltadas para o movimento
popular, podem permitir uma associação construtiva entre manifestações de
base e órgãos representativos, por que elas não poderiam vencer o imenso
hiato que separa completamente essas associações e as instituições do Estado?
Segundo Lojkine (1990, p. 225), para tanto, seria necessário superar o
hiato na consciência das pessoas entre representações sociais e representações
político-partidárias. Ressaltamos a esse respeito o caráter intermediário das
instituições políticas - e intermediário significa para a maioria dos políticos
um instrumento entre o poder estatal e a massa anônima dos cidadãos.
Todavia, se fosse possível inverter-se tal perspectiva, adotando-se o
ponto de vista de lutas pela gestão democrática ou autogestionárias, as ins-
tituições públicas poderiam servir como instrumentos não da realização da
vontade do poder estatal, mas do alcance dos objetivos das lutas populares?
Principalmente quando nos referimos à coisa pública, não deveria verificar-
-se a existência permanente para os servidores assalariados, de um direito à
expressão direta e coletiva dos problemas vinculados ao seu trabalho? Esse
direito à expressão direta consagraria a emergência de um novo poder nas
funções públicas, o de todos os servidores assalariados detentores do direito
de exprimir oficialmente o seu ponto de vista sobre o trabalho.
Ou seja, o que procuramos dizer aqui é que, dada a ampliação dos
setores de serviços, entre eles, o setor de serviços públicos e dada a natureza
do seu caráter público, os seus trabalhadores e seus órgãos de representação
poderiam desenvolver uma reflexão que colocasse em tela a luta pela gestão
democrática. Em alguns setores estatais, como, por exemplo, do judiciário,
da saúde, da educação etc., ocorreu a implantação da autonomia, inclusive a
autonomia de gestão financeira. Como os trabalhadores desses órgãos lidam
com essa autonomia? Quais os projetos que os trabalhadores e suas entidades
possuem para intervir na gestão desses recursos?
A continuar a aprofundar-se, na sociedade, a crise de confiança e a cri-
se de gestão, não estaria colocada, mais adiante, a participação dos cidadãos
como uma exigência fundamental?
20
Para o conjunto da classe trabalhadora, no nível da sociedade, e para o setor
do professorado, juntamente com a comunidade em geral, no nível da educação,
não se colocaria a necessidade de reflexões e de elaboração de seus próprios pro-
jetos visando superar as contradições próprias à ordem capitalista de produção?
Contudo, para superar verdadeiramente a divisão entre as lutas nas ba-
ses, encerradas na defesa sindical de reivindicações econômicas e sociais, e as
lutas nos aparelhos políticos, é preciso, em primeiro lugar, tomar consciência
da dimensão diretamente política das possíveis lutas por uma nova gestão.
Dessa forma, no interior das universidades estaduais paulistas, sob a
autonomia, podemos encontrar as condições propícias ao desenvolvimento
de reflexões direcionadas às lutas pela gestão democrática e a uma nova atua-
ção política dos sindicatos representativos dos docentes.
Essas condições ficam dadas por alguns fatores que incidem sobre a
universidade e o trabalho realizado no seu interior.
O paradigma de organização do trabalho que reinou entre o fim da Segunda
Guerra e os anos de 1970, o taylorismo/fordismo, e a tentativa de sua implantação
na organização do trabalho na universidade, não se consumou de todo.
Os docentes do ensino superior público, exatamente porque ainda
conservam o controle de um conjunto significativo de aspectos inerentes ao
processo de trabalho no qual se vêm envolvidos - pesquisa, ensino e exten-
são - beneficiam-se de um regime de trabalho bastante livre. No entanto, o
controle do processo de trabalho traz consigo potencialidades sociais con-
flitantes, isto é, por um lado pode construir uma base de desenvolvimento
democrático da instituição e, por outro, pode servir de apoio para reforçar
aspectos conservadores de conotação corporativista, pode colocar-se enquan-
to um obstáculo ao desenvolvimento da consciência democrática do setor.
Embora o padrão de organização do trabalho típico à ordem social vi-
gente não tenha sido implantado de todo na universidade, isso não significa a
inexistência de controle sobre esse trabalho e de estrutura administrativa verti-
calizada e hierarquizada. Dessa forma, observamos na universidade a existência
de uma estrutura administrativa dual, ou seja, de um lado é baseada num sis-
tema de órgãos colegiados e, por outro, num sistema burocrático, o que ma-
nifesta fortes indícios de controle do trabalho realizado na instituição. Outros
indícios de controle da universidade podem ser verificados, por exemplo, na
21
prática da indicação e nomeação do reitor e vice-reitor pelo governo estadual,
nas avaliações realizadas sobre o trabalho docente e na constante ameaça que
volta à baila de tempos em tempos, de privatização das universidades públicas.
No entanto, a comunidade universitária nunca deixou de contrapor-se
a esses controles. Num dado momento, a resistência ao controle articulou-se
de forma positiva com uma questão bem mais ampla, qual seja, a luta que
toda a sociedade brasileira vinha travando contra o Estado ditatorial. Esse
movimento adquiriu na Universidade Estadual Paulista (UNESP) duas for-
mas de manifestação: no geral, na incorporação da comunidade acadêmica na
luta pela democratização do Estado e da sociedade; e, no particular, na luta
pela democratização da estrutura de poder interna da universidade.
O movimento de democratização, no nível interno, resultou em medi-
das significativas de democratização da estrutura de gestão. Entretanto, tais
medidas não foram suficientes para provocar um reordenamento profundo
no sistema de poder. O impulso participativo da comunidade acabou re-
sultando na ampliação real da participação e prefigurou a luta pela gestão.
Entretanto, a passagem da prefiguração para a concepção não se completou.
Em 1989, o governo estadual outorgou às universidades públicas a au-
tonomia de gestão financeira. A reforma democrática da UNESP, implanta-
da em fins de 1988, combinada com a autonomia, enfraqueceu a estrutura de
poder de tipo burocrático. Observaram-se grandes avanços como, por exem-
plo, a eleição direta para os cargos majoritários da universidade e a ampliação
da participação da comunidade universitária nos órgãos colegiados e, con-
sequentemente, nos processos decisórios da universidade. Entretanto, não
se seguiu a esse fato, como até poderia ser esperada, uma reflexão capaz de
colocar como meta da comunidade acadêmica a luta pela gestão democrática.
Sob a autonomia, a gestão da universidade passa a ser, pelo menos teo-
ricamente, responsabilidade dos seus próprios trabalhadores. Se descartarmos
a hipótese de uma gestão calcada nos métodos tradicionais, o problema da
gestão e todas as tarefas a ela correspondentes passam a ser de toda a comuni-
dade universitária, em especial dos seus trabalhadores.
Quanto ao sindicato dos docentes, que cumpriu importante papel na
incorporação da comunidade universitária na luta contra a ditadura e pela
democratização interna da UNESP, parece não ter realizado a análise correta
22
da nova conformação da universidade e, consequentemente, continuou uti-
lizando os mesmos instrumentos e estratégia de luta dos anos anteriores.
Tradicionalmente, esta entidade tem-se concentrado nas lutas salariais e
numa certa reprodução das táticas de luta verificadas nos sindicatos represen-
tativos dos trabalhadores em geral. A Associação dos Docentes da UNESP
(ADUNESP) depara-se, também, com os mesmos problemas observados em
outros sindicatos, o economicismo e o corporativismo.
Isto levou-nos à problemática, já mencionada aqui, que, aliada às nos-
sas experiências de ação prática, definiram o objeto do presente estudo.
A autonomia colocou para a universidade uma situação qualitativa-
mente diferente daquela que possuía anteriormente. A partir disso, parece-
-nos que a gestão da universidade, com toda sua diversidade de tarefas, torna-
-se responsabilidade da própria comunidade acadêmica. A organização dessa
gestão, por sua vez, exige que a comunidade e suas entidades representativas
façam escolhas que possuam implicações institucionais e sociais.
Essa polarização leva-nos ao nó da questão: a administração da
Universidade Estadual Paulista e os critérios que embasam a participação no
processo decisório, sob a percepção e a possível intervenção do sindicato dos
docentes na construção de uma gestão democrática ou autogestionária.
A participação não é apenas um fenômeno voltado para a motivação
dos indivíduos no trabalho, nem só uma luta de classe para a melhoria das
condições de vida, sob a perspectiva da participação conflitual, nem simples-
mente um esquema de integração nos processos e nas técnicas administrativas
de uma instituição. Ela é tudo isso, e muito mais; é produto do processo de
conscientização política e, consequentemente, de envolvimento concreto dos
indivíduos nas ações efetivas. Dessa forma, podemos afirmar que a gestão
participativa é aquela que convoca todos os indivíduos a fim de, com plena
consciência, perseguirem e viabilizarem juntos os objetivos definidos de ma-
neira clara e direta pelo coletivo que dela usufruirá.
Assim, o problema de pesquisa foi delimitado da seguinte forma: o sindicato
dos docentes deveria adequar-se à situação de autonomia e, portanto, produzir polí-
ticas de gestão para a universidade? Seria essa uma função do sindicato de docentes?
Diante deste problema, a análise orientou-se por um conjunto de hipóte-
ses, a saber: a) a atuação do sindicato dos docentes da UNESP não tem surtido
23
os efeitos esperados em termos de conquistas de reivindicações no interior da
própria universidade, sobretudo as salariais, pois ainda não estão claras a na-
tureza do processo de trabalho que seus membros executam e a natureza das
determinações que pesam sobre este trabalho; b) a transposição pura e simples
das táticas de luta sindical dos trabalhadores ligados à produção material não é
adequada nem eficaz para a conquista de reivindicações no interior da institui-
ção por parte dos sindicatos das universidades públicas estaduais; e c) é possível
e necessário que o sindicato dos docentes desencadeie um processo amplo, com
a categoria, de discussões, reflexões e construção de um novo projeto de inter-
venção na gestão da universidade, mediante a autonomia.
No decorrer da pesquisa deparamo-nos com dois problemas. O primeiro
diz respeito à escassez de bibliografia sobre o tema, mesmo porque as questões
relativas à autonomia universitária constituem-se em problemática complexa
sobre a qual se ampliam, progressivamente, estudos e pesquisas na área. Quanto
à possível interrelação entre sindicato de docentes, autonomia universitária e
gestão democrática, não localizamos nenhum estudo sobre a problemática.
Resolvemos encarar a ausência de bibliografia e de estudos sobre a
temática de maneira positiva e como uma oportunidade para que pudés-
semos produzir nossas próprias reflexões sobre o tema, tendo por base, na
análise sobre a UNESP e o sindicato dos docentes, documentação da própria
Universidade, documentos e boletins informativos do sindicato e de outras
entidades representativas dos docentes, funcionários e estudantes, e entrevis-
tas concedidas por ex-presidentes da ADUNESP e demais diretores dessa en-
tidade, que tiveram participação atuante no período e fatos estudados. Com
esses dados procuramos reconstruir o processo de fundação e de evolução
política da entidade, bem como sua participação no movimento de democra-
tização da UNESP. Além desses, procuramos constatar o entendimento e a
prática do sindicato diante da decretação da autonomia.
Desse modo, os procedimentos metodológicos utilizados nesta investi-
gação foram a pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e análise de entre-
vistas realizadas pela assessoria de imprensa da ADUNESP.
A pesquisa bibliográfica foi realizada com levantamento e seleção da bi-
bliografia atinente à temática definida, leitura, documentação e análise dos dados.
A pesquisa documental foi realizada com levantamento, seleção, leitura
24
e análise de documentos, sobretudo, de legislações gerais e do Estado de São
Paulo, documentos das universidades estaduais paulistas e dos sindicatos de
docentes, e das entidades representativas dos segmentos dos estudantes e dos
funcionários, além de reportagens em jornais das épocas estudadas, de bole-
tins e panfletos das entidades, dentre outros.
As entrevistas utilizadas e analisadas nesta pesquisa foram realizadas
com ex-presidentes e outros diretores da ADUNESP, e concedidas pelo se-
tor de comunicações do sindicato para esta investigação. As entrevistas fo-
ram realizadas pela Assessora de Imprensa da ADUNESP - Seção Sindical,
para a confecção da Revista da ADUNESP, publicada em setembro de 1996.
No entanto, observamos que para a elaboração da Revista foram utilizadas
apenas partes das entrevistas. Dessa forma, a grande maioria das citações e
informações utilizadas neste trabalho é inédita. Observamos, também, que
a transcrição dessas entrevistas foi entendida, tanto pela pesquisadora como
pela diretoria da ADUNESP - S.S., como documentos pertencentes ao sindi-
cato e que foram colocados à nossa disposição.
Embora este estudo não possa ser definido pela aplicação de méto-
dos como a pesquisa participante ou a pesquisa-ação utilizamos, também,
para delinear nossas reflexões, a experiência que adquirimos nos anos em que
ocupamos o cargo de presidente da ADUNESP - S.S.- Regional de Marília
e daquelas obtidas enquanto representante dos docentes do Campus de
Marília, na Congregação da mesma Unidade, no Conselho Universitário e
no Conselho de Administração da UNESP.
Outro esclarecimento faz-se necessário. Esta pesquisa também não
pode ser definida pela aplicação do método de estudo de caso, propriamente
dito, embora nosso objeto de estudo seja o sindicato dos docentes da UNESP
e a própria gestão desta universidade. Este recorte justifica-se por três razões:
a) selecionamos aquela entidade (ADUNESP) que, durante os anos de atua-
ção, demonstrou conter, em seu interior, princípios de discussão sobre a au-
tonomia e sobre a gestão democrática, bem como a definição de uma política
de intervenção nos órgãos colegiados; b) o movimento de democratização
das estruturas de poder da universidade ocorreu de maneira mais profunda, e
seus estatutos refletem isso, na UNESP; e c) consideramos importante que as
reflexões teóricas estejam, na medida do possível, vinculadas a uma prática,
25
no caso a atuação política e sindical. Dessa forma, julgamos oportuno, pri-
meiro, o fato de a pesquisadora ter sido presidente do sindicato regional e,
segundo, de ter fácil acesso aos membros da entidade, de gestões passadas e
da gestão de 1995-96, o que facilitou a coleta da documentação.
Essas variáveis justificaram a determinação do objeto de estudo. No
entanto, isso não significou que não tivéssemos trabalhado, também, com in-
formações e opiniões advindas dos outros dois sindicatos de docentes, a saber,
da Associação de Docentes da USP (ADUSP) e da Associação de Docentes
da UNICAMP (ADUNICAMP). Imaginamos que as situações que foram
analisadas não se distanciam muito das realidades existentes nas outras uni-
versidades estaduais paulistas. Portanto, as reflexões, conclusões e indicações
que foram desenvolvidas neste trabalho podem ser adequadas à atuação dos
outros sindicatos.
O segundo problema com o qual nos deparamos foi que o pressuposto
do qual partíamos, ou seja, de que a autonomia universitária consistia em um
avanço significativo para se forjarem novas estruturas e relações de poder e
de trabalho na universidade, não era nem de consenso, muito menos óbvio.
Dessa forma, optamos por um aprofundamento do estudo sobre a au-
tonomia universitária. Ao aprofundarmos o estudo sobre este tema, não ti-
vemos a intenção de realizar um resgate histórico do conceito ou de fazer um
estudo do ponto de vista jurídico, embora tenhamos utilizado vários dados
referentes às incorporações ou limitações da autonomia na Constituição e Leis
Brasileiras, pois esses movimentos refletem, também, os embates político-i-
deológicos travados no interior da instituição e na sociedade. Objetivamos,
primeiro, construir um quadro teórico mais consistente e fundamentado e,
segundo, demonstrar que a autonomia universitária nas estaduais paulistas
configurou uma situação peculiar que possibilita a autogestão. Partimos da
hipótese de que a autonomia, de acordo com a definição trabalhada, é ele-
mento potencialmente voltado à capacidade de autogestão nas universidades
estaduais paulistas.
Os estudos e as conclusões a que chegamos nessa fase da investigação
compõem o primeiro capítulo deste trabalho.
No segundo capítulo, procuramos, em primeiro lugar, resgatar a gênese
da Associação dos Docentes da UNESP e analisar os fatos e acontecimentos
26
que desencadearam o movimento de democratização ocorrido nesta instituição
a partir de 1984, seus resultados e a participação da entidade neste processo.
Ainda, procuramos verificar a prática e o entendimento manifestos pelas dire-
torias dos sindicatos de docentes perante a decretação da autonomia. Neste ca-
pítulo, trabalhamos com a hipótese de que o movimento de democratização da
UNESP e a autonomia de gestão financeira consolidaram-se nesta universidade
como um aspecto do autogoverno ou da gestão democrática.
No terceiro capítulo, tivemos como principais objetivos analisar a na-
tureza do processo de trabalho pedagógico-científico, as especificidades do
trabalho docente e as raízes que determinaram o desenvolvimento da política
tradicional dos sindicatos, isto é, o economicismo e o corporativismo. Ainda,
procuramos evidenciar a dinâmica e o caráter diferenciadores do sindicato
dos docentes quando comparados aos dos sindicatos em geral.
Levantar alguns problemas que, provavelmente, o sindicato dos docen-
tes poderá enfrentar na elaboração de políticas de intervenção na gestão da
universidade autônoma e democrática, tornou-se o fundamento do quarto e
último capítulo.
Neste trabalho utilizamos alguns conceitos-chave, fundamentais para o
desenvolvimento das ideias, e parece-nos pertinente explicitá-los.
Processo Decisório: ato ou fato administrativo (político-administrati-
vo) correspondente à série de processos lógicos, psicológicos e praxiológicos,
envolvendo fenômenos individuais e sociais, baseado em premissas fatuais ou
valores, que inclui a escolha de uma posição dentre várias alternativas.
Níveis Decisórios: correspondem aos diversos escalões constituin-
tes da hierarquia decisória da Universidade: instâncias executivas (reitoria,
diretorias e chefias departamentais) e instâncias deliberativas e normativas
(Conselho Universitário e Congregações).
Autogestão: trabalhamos com o conceito de autogestão como uma das
categorias da ciência política. Não como um conceito fechado, mas como
uma sucessão de possibilidades. Assim, autogestão torna-se uma gradação de
autogoverno. Para melhor esclarecermos o conceito e o uso que fizemos dele,
reproduzimos o entendimento de dois autores.
Em sentido restringido, autogestión se refere a la incorporación directa de
los obreros a los órganos básicos que adoptan decisiones en las empresas
27
individuales. Los medios de producción están socializados (son proprie-
dad de la comunidad obrera o de la sociedad entera). En las comunidades
menores directamente, y en las mayores a través de sus delegados del con-
sejo obrero, los trabajadores deciden sobre los asuntos fundamentales de
producción y la distribución de los ingresos. La gestión operativa técnica
está subordinada a ellos, quienes también la controlan. (BOTTOMORE,
1984, p. 58)
Consideramos que a autogestão ou autoadministração, em seu sentido
restringido, é um método de participação avançada. Neste caso, [...] os
trabalhadores não apenas influem na vida da organização, senão que são
eles próprios os responsáveis diretos e imediatos pela tomada de decisões
da organização [...]. (VIEITEZ, 1996, p. 141)
Autonomia: vocábulo de origem grega, a palavra autonomia, devido
a seus radicais - auto, que significa próprio, peculiar, e nomia, que significa
lei, regra - exprime a idéia composta direção própria. “Autonomia é direção
própria daquilo que é próprio.“ (ALMEIDA JÚNIOR, 1912, p. 4)
O conceito de autonomia não é próprio da ciência jurídica. De noção
filosófica passou a instrumento político e, como tal, foi recolhido pelo Direito
devido a seu significativo papel histórico (RANIERI, 1994, p. 13). Os juristas,
entretanto, nunca lhe designaram valor jurídico preciso, de sorte que o termo
autonomia é indistintamente associado a situações, sujeitos, fatos e atos.
Conquanto de modo geral exprima poder de autonormação, o vocábu-
lo é também usado para qualificar atos administrativos; para designar órgãos
com poder de ação independente; para indicar independência financeira (au-
tonomia financeira); para denotar liberdade de julgamento; autodetermina-
ção e, ainda, autogoverno e autoadministração etc.
Como o conceito de autogestão, o de autonomia é trabalhado como
uma gradação possível de autogoverno ou autoadministração. Não tivemos
a preocupação de caracterizar os termos segundo uma teoria ou outra. Não
pretendemos, com isso, esvaziar os conceitos de seus sentidos históricos ou
desconhecer que está abrigado debaixo de certos rótulos um contingente de
realidades. Mas, tivemos a liberdade de utilização dos termos, sem a preocu-
pação de circunscrevê-los nos limites de teorias fechadas.
29
CAPÍTULO I
AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA
Segundo Bobbio (1992), o problema que temos diante de nós não é
filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de
saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamen-
to, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual
é o modo mais seguro de garanti-los, para impedir que, apesar das solenes
declarações, eles sejam continuamente violados.
1. Formulação histórica do conceito
A ideia autonômica é essencialmente política na origem. Sua concep-
ção remonta aos séculos XI e XII, período de renovação da estrutura política
na Europa Ocidental, cuja principal característica foi a delegação do poder,
até então concentrado nas mãos da realeza imperial e detentora de grandes
domínios políticos. O poder baseava-se na propriedade da terra: quem pos-
suía terra possuía liberdade e poder, por isso o proprietário era senhor. Quem
não possuía terra era reduzido à servidão.
Nesse continente, a decadência dos Sacros-Impérios provocou em seus ter-
ritórios a progressiva fragmentação da autoridade pública e, consequentemente,
a instauração de núcleos isolados de poder. A soberania dividiu-se e a autoridade,
que formalmente continuava real, de fato passou a feudal e patrimonial.
Diante das inúmeras ilhas de autonomia com que se depararam, e com as
quais se viam compelidos a conviver para conservar a sociedade cristã unida, a
Igreja e o Sacro-Império Germânico reconheceram aos senhores feudais dessas
regiões (territórios da Alemanha, Itália e Provença) o poder de autonormação.
30
Esse processo resultou da contraposição de duas forças antagônicas, o
universalismo e o localismo.
O universalismo era representado por uma espécie de comunidade es-
piritual, de unidade espiritual do gênero humano, em cujo vértice estavam a
suprema direção espiritual do pontífice e a suprema autoridade do imperador.
O Império, embora reivindicando para si a direção universal da cristandade
e a autoridade moral sobre os reis do Ocidente, já não tinha fundamento
sólido. Era mais uma aspiração ideal que uma organização política unitária.
Seu apoio era de natureza religiosa, regional e relacional à base de suserania
e vassalagem e não territorial. O localismo, produto de rupturas ao longo da
cadeia de poderes, era representado pela autoridade efetiva dos príncipes e
senhores locais, que não aceitavam imposições; e, também, pelas necessidades
da incipiente burguesia, que se tornarão incompatíveis com a organização até
então tradicional na Europa Ocidental, “assecuratórias da autonomia judicial
e administrativa das aglomerações urbanas” (RANIERI, 1994, p. 16).
No plano político emerge uma nova realidade, o reino, instituição nem
local nem universal que se alimenta das duas fontes, tomando para si os pode-
res, representações e pretensões vinculadas ao Império e às faculdades jurisdi-
cionais, militares e demais imunidades de que eram titulares os senhores locais.
Essa é a primeira configuração da ideia autonômica que, por difração
do modelo real, alcança as grandes casas, tornando-as pequenos estados so-
beranos, nos quais se exercia poder derivado daquele originalmente público e
que, portanto, tinha natureza pública.
Embora a autonomia, primitivamente, tenha assumido contornos se-
melhantes à noção moderna de soberania, consoante ao ideário medieval que
a propiciou e a institucionalizou, ela não se apresentou nem ilimitada e nem
soberana. A fórmula rex in regno suo1 era restrita a um espaço físico específi-
1 Fórmula rex in regno, expressão aforística da plenitude potestates reconhecida ao imperador como
rex regnum et princeps principum, dominus et monarcha totis mundi. Em termos políticos, Igreja
e Império, entidades autodenominadas superior em recognocentes, com igualdade de poderes e
jurisdições distintas, reconhecem as autoridades autônomas existentes em suas órbitas como
superior em non recognocentes. (RANIERI, 1994, p. 17). A competência essencial e fundamental
do imperador, neste contexto, resumia-se a duas supremas funções: a de legislador universal em
matérias fundamentais e de interesse comum; e a de supremo e inapelável juiz nas controvérsias
entre Estados, realidades independentes, soberanas, semi-soberanas e autônomas (BOBBIO;
31
co, correspondente a uma circunscrição jurisdicional na qual o direito aplicá-
vel, embora autodeterminado, não podia extrapolar o direito comum vigente
e nem o poder que consentia em sua existência.
Paradoxalmente, a teoria do direito próprio2, concebida e construída
para as necessidades do Império Germânico, facilitou a instauração, nas áreas
em que foi utilizada, das monarquias de direito divino, devido às suas ten-
dências centralizadoras. Assim, a partir do século XIII, em razão da instau-
ração dos grandes reinos no continente europeu, as instituições e franquias
feudais vão sendo progressivamente sufocadas pelo poder ascendente do rei,
perdendo expressão e conteúdo efetivos.
Na Inglaterra, porém, foi observado fenômeno diverso. Desde a con-
quista normanda (1066) até a outorga da Magna Carta (1215), o poder cen-
tral do Estado sempre foi maior que o da nobreza feudal. No decorrer desse
período houve constante oposição entre a autoridade centralizadora da Coroa
e a propensão feudal para o regionalismo. Paralelamente, em razão de neces-
sidades econômicas provocadas pelas Cruzadas, os reis passaram a conceder
cartas de privilégios às cidades em desenvolvimento que, assim, se tornam
livres do sistema de serviços e relações pessoais imposto pelo feudalismo.
A ascensão das cidades (comunas), juntamente com as novas forças
políticas - burguesia e corporações - , distintas das da nobreza mas a estas
associadas, obtiveram com a Carta Magna a limitação do poder real e o for-
talecimento das autonomias locais.3
Em fins do século XIII praticamente todas as cidades inglesas alcançaram
MATTEUCCIE; PASQUINO, 1991, p. 625). Ainda, para Bobbio (1991, p. 215, p. 426), a
teoria atuou na prática na Itália, por meio da luta das investiduras. Por ela foram estabelecidas,
formalmente, as premissas para a ruptura da unidade político-religiosa que ainda regia a vida
política no ocidente. O princípio da recíproca dependência entre Papado e Império será assim
enfraquecido a partir dos séculos XII e XIII.
2 A teoria do direito próprio é o princípio fundamental das monarquias: “O titular do poder não
deve sua competência a qualquer ordem jurídica que lhe seja superior, mas carrega em si o direito
de comandar.” (BURDEAU, 1952, p. 91)
3 A Magna Carta, em virtude de suas previsões, assinalou o ponto mais alto da diversidade política inglesa
e provocou arranjos internos desconhecidos na Europa Continental. Permitiu, igualmente, alianças
políticas que não eram comuns naquela sociedade. “Garantindo a Carta, os barões conquistaram sua
maior vitória, mas para isso, tiveram de agir de um modo que não era estritamente feudal e formar
novos tipos de combinação tanto entre si como com outras classes.” (MORTON, 1970, p. 71)
32
certa autonomia que daria causa ao que, séculos mais tarde, se denominaria
self-government, o regime descentralizado da administração inglesa.
De maneira geral, podemos dizer que o desenvolvimento urbano ocor-
rido no século XII, em quase todo o continente - provocado pelo crescimento
demográfico do Ocidente e pela absorção do contingente de homens que a
melhoria das técnicas agrícolas e o abrandamento das obrigações senhoris ha-
viam deixado livres -, favoreceu a conquista de alguma autonomia pelas cida-
des em formação, a qual, mesmo sob a autoridade do rei, modificou profun-
damente as estruturas econômicas e sociais vigentes a partir do século XIII.
(LE GOFF, 1989, p. 21). Com o desenvolvimento do artesanato urbano e a
divisão do trabalho, a cidade começa a oferecer aos seus habitantes, condições
sociais, econômicas e políticas novas, como o surgimento dos ofícios organi-
zados sob a forma de corporações e detentoras de autonomia interna: a liber-
dade, obtida na maioria das vezes em virtude de negociações e compromissos
que conferiam à comuna certa autonomia refletida em garantias jurídicas,
fiscais e militares para seus habitantes; e a transformação cultural, decorrente
dos outros fatores mencionados, que permitiu a multiplicação das escolas e o
surgimento de um novo tipo de profissional, o intelectual. O intelectual era
um homem de ofício dentre os muitos outros que se instalaram nas cidades,
mas sua tarefa era escrever ou ensinar. Em suma, um homem que tinha pro-
fissionalmente uma atividade de professor ou de sábio.
A noção de autonomia (direção própria daquilo que é próprio), en-
quanto conceito político feudal foi relativizado pelo poder dos reinos. No
entanto, sobreviveu nas cidades européias do século XIII como instrumento
administrativo, nelas encontrando terreno fértil para afirmação, em virtude
de suas estruturas específicas, impregnando-se, ademais, como prerrogativa,
na mentalidade dos cidadãos. (RANIERI, 1994, p. 22).
Sob a influência desse panorama econômico e sociocultural surgiram,
em moldes corporativos, as primeiras universidades do Ocidente.
2. As primeiras universidades ou corporação universitária e o
significado da autonomia
O aparecimento das primeiras universidades data do início do século
XIII. Os especialistas caracterizam a origem da universidade, em diferentes
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países da Europa, como um movimento tendente à secularização. Agregando
mestres e estudantes provenientes das mais variadas regiões, a instituição era
nomeada de universitas vostra, que correspondia ao reconhecimento, perante
candidatos a alunos e professores de várias nacionalidades, de que a institui-
ção era de todos vós. Afirma Jacques Le Goff (1989, p. 60), que o “[...] século
XIII é o século das universidades porque é o século das corporações”. E cor-
poração no sistema medieval significou, essencialmente, o exercício de “[...]
um pequeno monopólio, sobre determinado tipo de trabalho em território
definido” (CLARK, 1977, p. 155).
Foi o corporativismo que distinguiu as universidades medievais de to-
dos os regimes educacionais até então conhecidos e garantiu-lhes a sobrevi-
vência enquanto instituição. No longo processo de institucionalização das
universidades, o que esteve em jogo foi a elaboração social do princípio de
que o saber e a difusão de conhecimentos era um tipo de trabalho específico
cujo exercício, tanto quanto o dos demais ofícios, exigia organização própria
e certa independência em relação aos interesses da Igreja e do Estado.
Segundo Le Goff (1989, p. 74), “[...] nas cidades onde se formam,
as universidades, pelo número e qualidade dos seus membros, manifestam
uma força que inquieta os outros poderes. É na luta, ora contra os poderes
eclesiásticos, ora contra os poderes laicos, que elas conseguem conquistar a
sua autonomia”.
Diante de necessidades de auxílio mútuo, defesa de direitos, discussão
e melhoria das condições de trabalho, mestres e alunos, inseridos no movi-
mento geral de desenvolvimento urbano, lançaram mão dos modelos ime-
diatos de organização do trabalho e vida corporativa. Associaram-se criando
as chamadas universitas estudii, corporações de ofício voltadas à prosperidade
do saber intelectual, à ajuda mútua de seus membros e à organização de sua
profissão. Studium era o estabelecimento de ensino superior; e universitas, a
organização corporativa responsável pelo funcionamento do studium e pela
manutenção de sua autonomia.
Como as demais corporações medievais, as universidades ocuparam
áreas e bairros determinados, gozaram de direito de recrutamento, estabele-
ceram sistema hierárquico de controle de seus membros, organizaram em-
piricamente suas atividades, outorgaram-se estatutos e, além de associações
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profissionais, constituíram importantes confrarias religiosas que, também
neste plano, exerciam controle sobre seus membros. (LE GOFF, 1989, p. 69-
71). Na direção das universidades, de maneira geral, o poder era partilhado
entre os funcionários eleitos e as assembleias gerais. A essa altura, a gestão in-
terna apresentava caracteres incontestavelmente democráticos e era exercida
de maneira autônoma, já que as possibilidades de ingerência exterior estavam
limitadas. (VERGER, 1990, p. 50)
Os funcionários administrativos ocupavam cargos eletivos, sendo o rei-
tor o principal dentre eles. Embora detentor de curto mandato (um trimes-
tre), o reitor tinha amplos poderes na corporação, geria as finanças, possuía
jurisdição civil sobre os membros da universidade, convocava e presidia as-
sembleias, representava a universidade e intervinha na justiça para fazer res-
peitar os privilégios universitários e defender os membros da corporação. No
exercício do mandato sujeitava-se ao controle das assembleias universitárias.
Além da autonomia administrativa, era privilégio das corporações universitá-
rias o direito de greve e secessão, e o monopólio na colação dos graus univer-
sitários. A corporação beneficiava-se, ainda, de isenção de serviço militar e
de taxas locais, e seus membros, mesmo os estrangeiros, encontravam abrigo
nas jurisdições locais leigas e eclesiásticas.
A gestão interna das universidades autônomas da Idade Média é consi-
derada, por alguns autores, extremamente democrática. Contudo, dada a frag-
mentação do poder e as próprias condições de miserabilidade encontradas à
época, a autonomia de um microcosmo social não pode ser considerada um
fenômeno tão diverso assim, mesmo porque não determinava nenhuma modi-
ficação na estrutura de poder social. Tanto que com o advento do absolutismo,
a autonomia praticamente desaparece, como veremos mais adiante. De qual-
quer forma, a universidade nasceu autônoma e este fenômeno, provavelmente,
já trazia em si, de forma embrionária, elementos democráticos. Evidentemente,
o estatuto político e social da autonomia, naquela época, era bem diferente da-
quele que assume na atualidade, enquanto elemento de democratização.
A corporação universitária não foi, porém, uma corporação igual às
outras. Antes de tudo, e principalmente, em razão da natureza das atividades
que desenvolvia e da clientela que atraía, a universidade se sobrepôs ao am-
biente urbano em que nasceu e rompeu o localismo próprio das corporações
35
de ofício (RANIERI, 1994, p. 39). Nas origens a universidade foi univer-
sal. O conhecimento por ela preservado e produzido tinha a aspiração de
se referir a uma verdade universal (tentava propor um sistema coerente de
mundo) e para essa tarefa a liberdade era essencial (DURHAM, 1989, p.2). A
universalidade do saber tem como contrapartida a internacionalização do co-
nhecimento e da comunidade universitária, independentemente de fronteiras
políticas. Essa circunstância, na Idade Média, foi favorecida pela utilização do
latim como língua universal de cultura, o que propiciava o recrutamento de
alunos e mestres de qualquer nacionalidade. Por esses motivos, dentre outros,
as universidades destacaram-se do conjunto das demais corporações de ofício,
transformando-se em instituições sui generis.
No entanto, foi defendendo-se dos antagonismos regionais com a ajuda
da Santa Sé e dos governos nacionais que as universidades lograram se tornar
autônomas, firmando a especialidade de seu ofício e tendo reconhecida sua
especificidade social como instituição. Os papas eram poderosos e lhes con-
cederam sustento, privilégios e autonomia. Os grandes governos nacionais,
por sua vez, sensíveis ao prestígio intelectual e religioso que as universidades
conferiam às cidades onde se estabeleciam, apoiaram igualmente o desenvol-
vimento dessas corporações e concederam-lhes privilégios civis, fiscais e mi-
litares, que efetivamente distanciaram seus membros dos cidadãos comuns.
O melhor exemplo da construção do princípio da autonomia univer-
sitária foi o processo de institucionalização das principais e mais antigas uni-
versidades da Idade Média: a de Paris; e a de Bolonha. A primeira, corpo-
ração de mestres, e a segunda, corporação de alunos, constituíram modelos
universitários básicos e nenhuma de suas derivações, em momento algum,
desfrutou de tanta autonomia quanto elas.
Na universidade de Paris, gestada pela tradição das escolas de teologia
e dialética do século XII,
[...] concentravam-se estudantes provenientes de todos os recantos da
Europa e foi dum conflito entre estudantes [...] e os comerciantes que
resultou o primeiro privilégio real obtido pela corporação de mestres e
estudantes e esse ato assinalou a constituição inicial da Universidade de
Paris (NUNES, 1979, p. 216).
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Nos primeiros anos do século XII, entre 1170 e 1180, a forma em-
brionária dessa associação reclamava autonomia em face da autoridade do
chanceler de Notre-Dame. Em 1231, já como universidade estabelecida, teve
sua independência reconhecida pelo Estado e pelo papa que lhe confirmou a
legitimidade dos estatutos. Até 1250 recebeu outros privilégios, destacando-
-se dentre eles o direito de uso de sinete próprio, símbolo de sua autonomia.
É importante notar que a Universidade de Paris, embora congregas-
se mestres e estudantes, caracterizou-se, de fato, como uma corporação de
mestres, eis que a eles era reservado estatutariamente o poder de iniciativa
e decisão, com exclusividade. Os estudantes eram subalternos dos mestres.
(VERGER, 1990, p. 48) Porém, não há dúvida de que a autonomia da qual
se beneficiou a corporação foi conquista de todos os seus membros, conscien-
tes de que a liberdade era condição fundamental ao exercício pleno de seu
ofício. O espírito associativo intrínseco a essa corporação convertia a insti-
tuição em verdadeiro centro de estudo, no qual o saudável sopro do debate,
da discussão, da crítica, fazia daquele universo acadêmico um foco irradiador
de cultura, de ideias, e até de uma nova sociabilidade que então despontava.
Partilhando o conhecimento, professores e alunos referenciavam-se, a par-
tir de espírito associativo, perante novos códigos, cujas leis eram autonoma-
mente fixadas, nesse colegiado interior à corporação universitária (BOTO;
STANGE, 1995, p. 119).
A Universidade de Bolonha, por sua vez, teve origem basicamente em
uma corporação de estudantes. Tão antiga quanto a instituição parisiense, ca-
racterizou-se por estar sob o controle de reitores egressos das fileiras do corpo
estudantil, prática que posteriormente viria a ser partilhada por outras uni-
versidades italianas. Os professores de Bolonha deveriam prestar juramento
ao reitor da corporação de alunos, reconhecido como chefe da universidade,
e com ele estabelecer seu contrato acadêmico. O poder de iniciativa e decisão
era dos alunos porque estes mantinham a universidade financeiramente.
Por volta de 1230, a Universidade de Bolonha estava definitivamente
estabelecida, desfrutando de privilégios pontifícios e comunais. Sua autono-
mia se manifestava na organização interna, o que lhe assegurava o controle
administrativo e didático, além da autoridade sobre os membros da corpora-
ção e da gestão financeira.
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A universidade autônoma dos estudantes em Bolonha, tão democrática
e não hierárquica, só poderia ter aparecido na Alta Idade Média, em uma
das cidades-estados italianas, e somente no meio da renascença política e
intelectual que sacudia a Europa. (CLARK, 1977, p. 9). O século XII, tanto
quanto o século XX em alguns aspectos, determinaram novas exigências edu-
cacionais: o incremento do comércio e o desenvolvimento da vida urbana,
bem como a necessidade de organizar os embrionários governos nacionais,
exigiram conhecimentos práticos e homens preparados, mormente adminis-
tradores e juristas.
Essas são as linhas gerais da origem e da organização das primeiras
universidades, a demonstrar que o significado primordial da autonomia uni-
versitária designou as mesmas dimensões que, hoje, no Brasil lhe é atribuído,
ou seja, autonomia didática, científica, administrativa e de gestão financeira
e patrimonial.
A propósito, retomando a visão do conjunto, é importante acrescen-
tar que por toda a Europa Medieval o fenômeno universitário apresentou
notável unidade. De um lado, por ter sido inseparável do desenvolvimento
político - local ou nacional - que lhe foi contemporâneo, e também por ter
sido beneficiado pela ação do papado, no que respeita a aspectos jurídicos e
institucionais. De outra parte, e fundamentalmente, em razão da universali-
dade de fins e princípios desde o início manifesta na variedade de organiza-
ções regionais que, apesar da autonomia individual de cada uma delas, não as
conduziu a direções diversas (RANIERI, 1994, p. 45).
Assim, durante o século XIII, as universidades desenvolveram-se, defi-
niram sua organização administrativa e profissional, e encontraram seu apo-
geu enquanto instituições corporativas autônomas.
Do século XIV em diante, os Estados favoreceram a multiplicação das
universidades. No final do século XV, o continente europeu contava com
setenta e cinco universidades, as quais, embora criadas nos moldes do século
XIII e à luz de seus estatutos, passaram definitivamente a desempenhar o
papel de “centros de formação profissional a serviço dos Estados” (LE GOFF,
1989, p. 57), fortemente controlados. Os privilégios universitários agora in-
quietavam os governos. O germe do absolutismo em desenvolvimento re-
duziu a autonomia das universidades, exigindo-lhes a integração no direito
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comum do reino, definido e aplicado pelas jurisdições reais. E como nenhum
sujeito ou entidade corporativa escapava à autoridade do rei - o Estado era
todo poderoso, soberano e reivindicava para si direitos sobre a vida nacional
-, as universidades perderam a internacionalidade, à vista do recrutamento
nacional e regional imposto pelo reino.
Na França, em 1437, o rei suspendeu os privilégios fiscais das univer-
sidades. Em 1445, suspendeu-lhes o privilégio judiciário e colocou-as sob
força do parlamento. Em 1470, exigiu dos mestres e alunos o juramento de
obediência; em 1499, acabou com o direito de greve (RANIERI, 1994, p.
46). Nas comunas italianas que financiavam as universidades, os burgueses
exigiram o direito de recrutar os mestres e determinar o programa a ser minis-
trado. Para tanto, criaram magistrados encarregados dos problemas universi-
tários (VERGER, 1990, p. 137).
As universidades perderam praticamente toda a autonomia. A perda
dessa autonomia coincide com o início de seu período de decadência, pois
sem vitalidade ou força criadora, porque controladas pelo poder estatal, dei-
xaram de atuar no processo cultural. Para Le Goff (1989, p. 60), esse fato foi
consequência de certa inércia institucional.
[...] a organização corporativa congela aquilo que consolida. Consequência
e sanção de um progresso, ela trai um sufocamento e esboça uma decadên-
cia [...]. O intelectual que conquistou seu lugar na cidade [...] se instala
nas estruturas sociais e nos hábitos intelectuais nos quais submergirá.
Esse não foi o fim nem das universidades e nem de sua autonomia.
Historicamente ficou demonstrado que a autonomia não foi fruto de uma
determinada conjuntura, mas sim fator inerente à natureza da instituição
acadêmica que, por meios próprios, soube ademais preservá-la.
A progressiva centralização estatal e seu correspondente processo de bu-
rocratização solaparam, em grande medida, a autonomia das antigas universi-
dades, submetendo-as à supervisão pública e ingerências de outras ordens, em
especial a política. No entanto, a manutenção da estrutura corporativa nas
universidades possibilitou-lhes a preservação de certa autonomia - ainda que
eventualmente em níveis mínimos - devido a seus esquemas organizacionais.
Depois do declínio verificado a partir do século XIV, as ideias liberais
39
do século XIX favoreceram o resgate da autonomia universitária como prin-
cípio inerente à natureza do trabalho acadêmico, afinal consagrado definiti-
vamente no século XX. A exigência da liberdade de ensino e da investiga-
ção científica, a chamada academic freedom, em muito contribuiu para que
as universidades recuperassem certa independência diante do Estado que as
mantinha e controlava (RANIERI, 1994, p. 45).
3. Autonomia universitária no Brasil
O nascimento do núcleo das instituições superiores hoje existentes re-
monta, no Brasil, a 1808, ocasião em que foram criados cursos e academias
destinados fundamentalmente a formar burocratas para o Estado, e especialis-
tas para a produção de bens simbólicos. Como subprodutos, formavam pro-
fissionais liberais. As primeiras a serem criadas no país foram a Academia Real
Militar, em 1810, que oferecia cursos de engenharia; a Academia de Medicina e
Cirurgia do Rio de Janeiro, em 1813; a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios,
em 1816; e as Faculdades de Direito de Olinda e de São Paulo, em 18274.
Observamos o significativo atraso da fundação de universidades no
Brasil em relação aos países da America Latina e da América do Norte. Na
América Latina, as mais antigas fundações foram a de São Domingos (1538),
a de Lima (1551) e a do México (1551); instituídas por decreto real com
estatutos inspirados nos das universidades de Salamanca e de Alcalá, quase
sempre controladas por ordens religiosas, como os dominicanos e jesuítas,
ensinando principalmente Teologia e Direito Canônico. As universidades da
América Latina eram claramente fundações coloniais e missionárias e vinte
delas foram estabelecidas antes da independência, com maior ou menor su-
cesso, nas principais colônias espanholas. No Brasil, não houve nenhuma. Na
América do Norte, as primeiras universidades, sob a forma de colégios, foram
fruto de interesses locais. Tratava-se de formar pastores e administradores de
que necessitavam as colônias inglesas; os primeiros colégios foram Harvard
4 Foram criadas, também, cadeiras isoladas, tais como a cadeira de economia política no Rio de
Janeiro em 1808; o curso de agricultura no Jardim Botânico da Bahia, em 1812; as cadeiras de
história e desenho em Ouro Preto, em 1817, entre outras. Ver CUNHA, Luís. A. A universidade
temporã, p. 100-119.
40
(1636), Williamsburg (1693) e Yale (1701); em 1776 havia nove deles.5
As primeiras universidades ocidentais institucionalizadas na Idade
Média, antes do advento do Estado, já tinham clara a noção de que a autono-
mia, para estas instituições, não era um fim em si mesma, mas um instrumento
para assegurar os fins da universidade, a produção de conhecimento e o ensino.
Hoje, decorridos nove séculos, às universidades públicas e mantidas pelo
Estado, a autonomia legalmente reconhecida garante a possibilidade de auto-
-regulamentação e de eleições de representantes e dirigentes, além de confirmar-
-lhes o compromisso com a produção do saber e a difusão do conhecimento.
No Brasil, de 1911 até a Constituição de 1988, as leis federais refe-
rentes ao ensino superior concederam autonomia a faculdades, institutos e
universidades, a partir de 1920. No entanto, a farta legislação do período
não caracterizou a autonomia como condição para o trabalho acadêmico ou
como princípio educacional, mas sempre como privilégio, que a qualquer
momento poderia ser suprimido. Por outro lado, o movimento dos traba-
lhadores das universidades de docentes e funcionários e o movimento estu-
dantil não colocaram firmemente a luta pela conquista da autonomia ou a
sua defesa, fazendo dessa bandeira uma de suas principais reivindicações. A
autonomia universitária não foi pensada e desenvolvida, nestes termos, nem
pelo Estado nem pelos segmentos que compõem a universidade, o que, sem
dúvida, foi um dos principais motivos que levou à fragilidade do princípio.
Princípio, mais do que normas, são diretrizes interpretativas, são pon-
tos que no direito indicam a conduta jurídica a ser obrigatoriamente adotada.
Atualmente, a previsão constitucional da autonomia universitária assegura
esse sistema de valorização. O art. 207 tem marcante conteúdo ideológico, na
medida em que recepcionou princípio institucional e orienta a competência
legislativa concorrente da União, Estados e Distrito Federal em matéria de
educação (art. 24, IX, da Constituição Federal) e a competência privativa
da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 22,
XXIV) (RANIERI, 1994, p. 62).
Qual o significado e o alcance práticos da previsão constitucional da
autonomia em relação às universidades públicas, em especial em relação às
estaduais paulistas? Qual o avanço institucional que pode ser obtido a partir
5 Ver CHARLE, C.; VERGER, J. História das universidades, p 42.
41
da norma do art. 207 e do decreto nº 29.598? Seriam suficientes para garan-
tir a sobrevivência e o desenvolvimento das universidades estaduais paulistas?
A questão da legalização da autonomia universitária no Brasil possui
marcos significativos anteriores à Constituição Federal de 1988, a saber:
1911, 1931, 1961 e 1968, e a análise destes conduz a uma melhor compreen-
são do conteúdo e aplicação do art. 207 e do decreto estadual nº 29.598.
4. Autonomia para o ensino superior em 1911
Em 13 de dezembro de 1910, quando se discutia no Congresso o pro-
jeto de lei do orçamento da União para o ano seguinte, deputados da bancada
gaúcha apresentaram uma emenda à lei orçamentária, autorizando o executi-
vo a reformar o ensino secundário e superior mantidos pelo governo federal.
Aos estabelecimentos federais de ensino superior, a reforma deveria conce-
der autonomia financeira, disciplinar, pedagógica e administrativa diante do
governo; os candidatos passariam a ser selecionados por exames de admis-
são. Em 1911, o presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca,
promulgou por decreto a Lei Orgânica do Ensino Superior e Fundamental
da República, redigida pelo ministro do interior, o deputado Rivadávia da
Cunha Corrêa. (CUNHA, 1986, p. 180).
Essa reforma geral do ensino secundário e superior (Reforma Rivadávia)
foi fruto de dois movimentos, o da desoficialização e o da contenção da en-
trada no ensino superior de candidatos inabilitados. Ao motivo do mau fun-
cionamento do ensino se acrescentava o dos preceitos doutrinários positivistas
expressados pelo redator da lei. Na exposição de motivos à Lei Orgânica, o mi-
nistro Rivadávia Corrêa aponta ter amparado “esquecidos compromissos repu-
blicanos6, os que determinavam a liberdade profissional. Escreveu ainda que
[...] perdidas as fornadas das condecorações e dos outros ornatos da fidalguia
medieval, o título acadêmico transformou-se no sonho dourado de quase
todas as famílias brasileiras. Os resultados foram a avalanche de matrículas
nos cursos superiores e as imensas levas anuais de doutores e bacharéis.7
6 Relatório do Ministro do Interior Rivadávia Corrêa, de 1910 (apud CUNHA, 1986, p. 183).
7 Ibid., p. 183.
42
A autonomia das escolas superiores e a instituição do exame de admissão
seriam o principal remédio contra esses males e a favor daqueles princípios8.
Dessa forma, a concessão da autonomia foi mais uma resposta positiva
do governo ao movimento de contenção de matrículas nas faculdades, do que
o reconhecimento de sua importância no que concernia ao desempenho das
atividades acadêmicas. Seja como for, delineava-se pela primeira vez, em do-
cumento legal, a ideia da autonomia universitária em três de suas dimensões,
didática, administrativa e financeira.
Determinava o art. 2º da Lei Orgânica que “os institutos, até agora su-
bordinados ao Ministério do Interior, serão, de ora em diante, considerados
corporações autônomas, tanto do ponto de vista didático, como administra-
tivo”. A autonomia didática era explicitada no art. 6º: cabia aos institutos a
organização dos programas de seus cursos. Essa competência, porém, era re-
lativa, na medida em que o diretor da instituição deveria enviar ao Conselho
Superior do Ensino, criado pela própria lei, a cada ano, relatório circunstan-
ciado sobre a “marcha do ensino”, cabendo a este órgão “promover a reforma
e melhoramentos necessários ao ensino” (RANIERI, 1994, p. 69).
A autonomia administrativa, por sua vez, era assegurada pela gerên-
cia dos patrimônios respectivos e pela eleição interna do diretor. Embora
a lei não mencionasse a quem cabia a elaboração e aprovação dos estatu-
tos e regimentos, os artigos 7º, 21º e 60º da Lei Orgânica afirmava que às
Congregações, por força da autonomia garantida aos institutos, cabia “mo-
dificar ou reformar as disposições regulamentares e inerentes à íntima eco-
nomia deles”. (RANIERI, 1994, p. 69-70). O corpo docente era nomeado
pelo governo, com base em proposta da Congregação. A admissão do pessoal
administrativo ficava a cargo do diretor, mas sua função estava exaustivamen-
te elencada na lei.
8 Vinha já do Império, o movimento pela desoficialização do ensino, isto é, pela retração do setor
estatal do ensino superior em proveito do setor privado, praticamente inexistente nesse grau de
ensino. Com a instituição do regime republicano, esse movimento desoficializador, até então
conduzido pelos liberais, veio a ser impulsionado pelos positivistas, que lhes tomaram a bandeira
e ligaram a defesa da liberdade de ensino com a liberdade de profissão, com amplas repercussões
sobre a política educacional posterior a 1910. Conseguiram, na inflexão do movimento pela
desoficialização do ensino, alterar radicalmente o mecanismo de discriminação cultural/social posto
na passagem do ensino secundário para o superior. (CUNHA, 1986, p.176-8).
43
Se, por um lado, a autonomia administrativa era restrita, por outro,
incentivava-se a autonomia financeira, pois as instituições poderiam cobrar
taxas de matrícula, de certidões, de biblioteca, de certificados e contabili-
zar, em nome próprio, porcentagens das taxas de frequência dos cursos, das
inscrições em exames, etc. Já o art. 139 aventava a hipótese de liberdade
total: “aqueles ou aquele dos institutos compreendidos no art. 4° [...] que,
dispondo de recursos próprios e suficientes, prescindirem de subvenção do
Governo, ficarão, por esse fato, isentos de toda e qualquer dependência ou
fiscalização oficial, mediata ou imediata”. (RANIERI, 1994, p. 70).
Parece-nos que o cerne da questão relativa à autonomia das instituições
mantidas pelo Estado se resumia no seguinte: sem independência financeira
não haveria efetiva autonomia.
A Lei Orgânica trouxe ainda outras mudanças, os diretores das faculda-
des passavam a ser eleitos pelas Congregações; os alunos pagavam, com a taxa
de frequência, os cursos oferecidos pelos livre-docentes; os diplomas foram
substituídos por certificados; e estabeleceu-se a obrigatoriedade do exame de
admissão, elaborado e promovido pela própria instituição.
Nos quatro anos de vigência da Lei Orgânica foram criadas nove facul-
dades livres (particulares e estaduais que estavam fora da área de atuação do
Conselho) que, somadas às já existentes, frustraram a política de contenção
de matrículas e de melhoria do ensino. Além disso, as resistências à livre-di-
plomação e à liberdade profissional partiam de todos os lados, inclusive da
burocracia do Estado. Argumentava-se, nos debates no Congresso Nacional,
que os tribunais de justiça continuavam a respeitar os dispositivos legais que
outorgavam privilégios ocupacionais aos portadores de certos diplomas es-
colares (CUNHA, 1986, p. 186). Somadas a essas resistências, no próprio
âmbito das instituições oficiais, a autonomia concedida provocou reações
desfavoráveis, como demonstraram alguns diretores de faculdades observan-
do que, caso os professores aceitem esta situação, fatalmente desoneram o
Estado da responsabilidade no funcionamento e na organização da faculdade
(ALMEIDA JÚNIOR, 1912).
Em 18 de março de 1915, já no governo de Venceslau Brás, foi pro-
mulgado o Decreto 11.630, reorganizando o ensino secundário e superior
em todo o país.
44
As mudanças introduzidas pelo decreto de autoria do ministro da Justiça
e do Interior, Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, foram profundas e de-
sastrosas para a implantação do princípio da autonomia universitária no país.
As principais modificações foram: a) a permanência do Conselho Superior de
Ensino, investido, agora, do caráter de órgão fiscalizador permanente, tanto
dos institutos oficiais quanto daqueles a estes equiparados; b) o orçamento,
ainda que elaborado pela Congregação, deveria ser aprovado pelo Conselho e
homologado pelo ministro da Justiça e Negócios Interiores e as verbas deve-
riam ser aplicadas ao fim a que se destinavam; c) a elaboração do regimento
interno dos institutos oficiais era de competência da Congregação; a aprova-
ção era do Conselho, inclusive em casos de emenda (só permitida a cada dois
anos), com poder de alteração nos pontos em que (o regimento) se achar em
desacordo com as disposições legislativas vigentes; d) quanto à autonomia di-
dática, a aprovação dos programas elaborados pelos recém criados professores
catedráticos9, era de competência da Congregação, bem como a distribuição
das matérias dos cursos. Cabia, entretanto, ao Conselho, aprovar a seriação das
matérias; e) a grande prerrogativa perdida pelos institutos foi o direito de eleger
seus dirigentes. Nos termos do art. 113, os diretores passaram a ser nomeados
livremente pelo presidente da República e foram destituídos de qualquer poder
de iniciativa, passando esses a exercer, tão somente, funções de fiscalização das
quais, anualmente, deveriam prestar contas ao governo por meio de relatório
minucioso de tudo quanto ocorreu no instituto, a respeito da ordem, discipli-
na, observância das leis e do orçamento (art. 114) (BRASIL, 1915).
Em 1925, no governo de Artur Bernardes, foi realizada a última refor-
ma do ensino superior na primeira República, sob inspiração do professor
catedrático da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Juvenil da Rocha
Vaz. A reforma Rocha Vaz visou essencialmente reforçar o controle do gover-
no federal sobre o aparelho escolar, numa tentativa de estabelecer o controle
ideológico das crises políticas e sociais que provocaram a revolução de 1930.
Procurava-se, desta forma, impedir a entrada da política e da ideologia não
oficiais no ensino superior.
9 Foi desse decreto que nasceu a figura do professor catedrático, substituindo a do professor ordinário
da Lei Orgânica. O cargo de professor catedrático era vitalício, como, aliás, todos os cargos mais
elevados do magistério superior, desde 1808. Os catedráticos eram escolhidos por concurso,
concorrendo com tese escrita e nomeados pelo governo.
45
5. Primeiro ato legislativo sobre o sistema universitário em 1931:
o estatuto das universidades brasileiras
A revolução de 1930 levou Getúlio Vargas à chefia do governo provisó-
rio e determinou o início de uma nova era na história do Brasil.
Nos cem anos que antecederam a revolução de 30, a economia brasi-
leira desenvolvia-se integrada ao capitalismo internacional, como exportado-
ra de alimentos e matérias-primas, e importadora de bens industrializados
e combustíveis, até que as contradições geradas por esse desenvolvimento
determinaram a progressiva substituição de importações por manufaturados
locais. A partir de 1937, o Estado assumiu um novo papel, interveio direta e
intensamente na economia, promovendo a industrialização.
No campo político,10 a mudança de fase no desenvolvimento da eco-
nomia implicou, entre outras coisas, na drástica redução do poder, antes
sem sócios, das oligarquias representantes dos latifundiários, em particular
dos cafeicultores paulistas11; a sujeição política das classes trabalhadoras, em
particular dos operários, seu setor mais organizado; a eliminação do setor
insurgente da burocracia do Estado, os tenentes; o aumento de poder da bur-
guesia industrial; a centralização, sem precedentes, do aparelho de Estado; a
repressão às expressões políticas da sociedade civil; a montagem de um regime
político autoritário.
O contexto político e econômico indicado propiciou o surgimento,
na era Vargas, de duas políticas educacionais opostas, a liberal e a autoritária.
A política educacional liberal não resultou de um programa definido
nem teve um desdobramento homogêneo. De acordo com Cunha (1986),
um liberalismo elitista, conforme os interesses sociais e pedagógicos das oli-
garquias, que cedeu lugar, a partir de 1932, a um liberalismo igualitário, con-
vergente com os interesses das classes trabalhadoras e das camadas médias.
A política educacional autoritária teve sua origem nos anos de 1920,
principalmente durante o governo de Artur Bernardes. Medidas tomadas
10 Não pretendemos desenvolver aqui qualquer análise econômica e política da Era Vargas que vá além
de um pequeno resumo que auxilie na localização do contexto, no qual se desenvolveu a política
educacional definida para o ensino superior.
11 O que posteriormente levou à denominada Revolução Constitucionalista de 1932, liderada pelo
estado de São Paulo.
46
neste período, com o objetivo de impedir contestações à ordem social pelos
trabalhadores e por setores da própria burocracia do Estado, como o tenen-
tismo12, foram utilizadas, mais tarde, pelo Estado Novo que estes últimos
ajudaram a construir. A influência das doutrinas fascistas e parafascistas foi
decisiva para a elaboração dessa política.13
Foi durante a vigência dessa política autoritária que se criou uma en-
tidade para congregar os estudantes das escolas superiores de todo o país,
primeiro o Conselho Nacional de Estudantes, depois a União Nacional dos
Estudantes (UNE). A UNE foi resultado da tentativa de cooptação dos es-
tudantes opositores ao autoritarismo, pelo Estado. No entanto, a UNE se
caracterizou, desde o início, por orientações democráticas, conseguindo ra-
zoável espaço político, mesmo durante o Estado Novo. A entidade nasceu
junto com a elaboração de uma política educacional, na mesma linha dos
educadores liberais igualitaristas, então silenciados, mas defendendo posições
muito mais radicais. Os professores não possuíam nenhuma entidade que os
aglutinasse em nível nacional.
Durante o período de 1930 a 1935, os conflitos cruzados entre setores da
burguesia, da burocracia do Estado, de setores das camadas médias e da classe
trabalhadora propiciaram o desenvolvimento contraditório das duas políticas
educacionais, entretanto, o autoritarismo prevalecia na esfera do poder central.
A partir de 1935, a repressão generalizada retirou de cena as ideias edu-
cacionais liberais, “[...] pela prisão, atual ou virtual, de quem as sustentasse.
Uns liberais se calaram, na cadeia ou em casa. Outros aderiram à nova or-
dem” (CUNHA, 1986, p. 231). Dessa época em diante, foi sendo construída
uma estrutura educacional completamente nova, consistente com o regime
autoritário que se iniciava.
De acordo com a política autoritária, no que se refere ao ensino superior
e que interessa mais de perto a este trabalho, sobreveio, em 1931, o primei-
ro ato legislativo sobre o sistema universitário: o Estatuto das Universidades
Brasileiras, vigente por 30 anos e produto da reforma Francisco Campos.
12 Movimento político-militar que se desenvolveu, aproximadamente, entre 1920 a 1935, sob a
liderança dos denominados tenentes, oficiais revolucionários, nem todos de fato tenentes, mas de
baixas patentes.
13 Fosse essa influência direta exercida por autores italianos, portugueses e espanhóis, fosse a indireta,
veiculada pelo fascismo caboclo da Ação Integralista Brasileira (CUNHA, 1986, p. 230).
47
Com efeito, os estatutos, instrumentos da organização didática e admi-
nistrativa de qualquer universidade, deviam ser aprovados pelo Ministério da
Educação e Saúde Pública, só podendo ser modificados pelo mesmo proces-
so, ouvindo-se, ainda, o Conselho Nacional de Educação.
As principais questões colocadas pelo documento eram (BRASIL, 1931):
1) Quanto à escolha de dirigentes, para as universidades federais e esta-
duais, os Conselhos Universitários deveriam elaborar uma lista com os nomes
de três professores do ensino superior para que, dentre eles, o ministro da
educação escolhesse o reitor. Os diretores eram indicados pelos respectivos
governos, dentre listas tríplices de professores catedráticos elaboradas pelas
Congregações e Conselhos Universitários.
2) O Conselho Universitário de cada instituição, presidido pelo reitor,
era composto pelos diretores dos institutos, um representante dos livres-do-
centes e um da Associação dos Diplomados (ex-alunos).
3) Sob o aspecto administrativo, o decreto determinava que, em cada ins-
tituto das universidades, deveria haver um Conselho Técnico-Administrativo,
seu órgão deliberativo, composto por professores catedráticos em exercício na
instituição, escolhidos diretamente pelo ministro da educação.
A autonomia didática e administrativa da universidade era bastante
restrita. A escolha de reitores, diretores e dos membros do Conselho Técnico-
Administrativo de cada instituto por cooptação faria o poder do Estado pe-
netrar até as primeiras instâncias da organização do ensino e da administra-
ção interna. A própria concepção desse Conselho, composto por professores
catedráticos cooptados pelo ministro, foi um meio de diminuir o poder da
Congregação. Ao Conselho foi transferida a maioria das atribuições até então
exercida pela Congregação, tais como a emissão de pareceres sobre assuntos
didáticos; a revisão dos programas de ensino; a autorização para a realização
dos cursos previstos pelo regulamento; a organização do regimento interno
do instituto; a aprovação do estatuto do diretório estudantil etc. Nesse sen-
tido, Francisco Campos, na exposição de motivos do plano de reforma do
ensino superior, reconhecia ser “inconveniente e mesmo contraproducente
para o ensino” conceder às universidades “ampla e plena autonomia didáti-
ca e administrativa”. Preferiu a “orientação prudente e segura da autonomia
relativa, destinada a exercer uma grande função educativa sobre o espírito
48
universitário”, pois a autonomia integral requeria “espírito universitário ama-
durecido, experiente e dotado do seguro e firme sentido de direção e respon-
sabilidade” (CUNHA, 1986, p. 298-9, RANIERI, 1992, p. 80-1). A suposi-
ção da universidade como uma criança indefesa, carente de tutela, era similar
àquela que a ideologia autoritária tinha a respeito do povo como incapaz de
dirigir-se, necessitando de elites que lhe apontassem o caminho.
Em 1933, por meio do Decreto n. 22579 (LEIS DO BRASIL, 1933,
p. 54), o governo federal reafirmou sua interferência nas universidades esta-
duais e nas livres já sujeitas à sua fiscalização.
Atribuiu ao ministro da Educação e Saúde Pública competência para
aprovação de seus estatutos, com as modificações e restrições que se tornas-
sem necessárias. No plano administrativo, revogou a possibilidade de escolha
indireta de dirigentes nas universidades estaduais (que previa a organização
de listas tríplices pelos Conselhos Universitários), determinando que a no-
meação do reitor e as dos diretores dos institutos passava a ser da livre escolha
do presidente do Estado. O Decreto enfatizou ainda a inexistência de qual-
quer autonomia14 nessas universidades, ao exigir a aprovação do ministro da
educação para quaisquer modificações em suas organizações administrativas
ou no regime didático e escolar dos institutos que as compunham.
Na vigência desse Decreto, foi criada, em 25 de janeiro de 1934, a
Universidade de São Paulo (USP). No entanto, como o anteprojeto de cria-
ção da USP fora elaborado por Fernando de Azevedo15, com a colaboração de
outros professores, ela nasceu diferenciada, sob um regime menos rígido do
14 “[...] a ausência de uma política universitária esclarecida e a falta de uma idéia adequada desta
autonomia levaram o legislador à promulgação de uma série de leis que pouco a pouco iam
restringindo a autonomia universitária. [...] Desta forma a autonomia universitária concedida
por Francisco Campos se viu praticamente anulada pela massa de decretos, avisos e portarias que
tinham como objetivo assegurar os altos níveis de nosso ensino superior.” (SUCUPIRA, 1962, p.
75).
15 Em março de 1932, Fernando Azevedo lançou ao povo e ao governo o chamado Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova, no qual clamava pela reconstrução educacional no Brasil. No que
concerne à autonomia da função educacional, denunciava Azevedo que, estando a educação pública
subordinada a interesses menores (caprichos pessoais ou apetites de partidos) seria impossível ao
Estado realizar sua missão nesta área. “[...] daí decorre a necessidade de uma ampla autonomia
técnica, administrativa e econômica, com que os técnicos e educadores [...] tenham assegurados os
meios materiais para poderem realizá-la” (AZEVEDO, 1987, p. 82).
49
que o determinado pelo Estatuto das Universidades Brasileiras.
Em plena era Vargas, o decreto que institucionalizou a criação da USP,
por meio de suas disposições, garantiu à universidade personalidade jurídica
e autonomia científica, didática e administrativa (embora nos limites do de-
creto), e a possibilidade de completa autonomia econômica e financeira, uma
vez constituído um patrimônio com cuja renda se mantivesse.
A autonomia administrativa manifestava-se no oferecimento ao gover-
no do Estado, para fins de indicação do reitor e dos diretores das Unidades
Universitárias, de lista tríplice de nomes elaborada, respectivamente, pelo
Conselho Universitário e pelas Congregações, em franca oposição às deter-
minações do Decreto nº 22579/33. Instituiu-se a representação do corpo
discente no Conselho Universitário; e a aprovação dos estatutos da USP ela-
borado pelo Conselho Universitário ficava restrita ao governo do Estado, não
se mencionando o ministro da Educação e da Saúde Pública.
Em 04 de julho e em 03 de setembro de 1934, os estatutos da USP foram
aprovados, respectivamente, pelo governador, Armando Salles de Oliveira, e
pelo presidente da República. O Decreto Federal de n° 39 (BRASIL, 1934)
introduziu algumas modificações nos estatutos originais, que, por sua vez, já
haviam sido elaborados sem o caráter liberalizante do projeto de criação, de
forma que, embora restasse confirmada a personalidade jurídica e a autono-
mia didática e administrativa da Universidade, essa autonomia, na prática,
voltava a ser bastante limitada por atos como a supressão da elaboração das
listas tríplices para a escolha do reitor e dos diretores.
No conjunto, o Decreto nº 39 cortou o incipiente processo autonô-
mico observado quando da criação da USP. A partir deste, seus estatutos não
mais lhe garantiram a auto-regulamentação e tampouco a escolha, ainda que
indireta, dos seus dirigentes.
O golpe de 1937, que instituiu o Estado Novo, não precisou reformar
a estrutura do ensino superior. O Estatuto das Universidades Brasileiras, de
1931, oferecia toda a normalização para esse grau de ensino. A Constituição
de 1937 não mais distinguiu entre as esferas de competência da União e dos
Estados. Num claro retrocesso, acentuou o grau de intervenção da União na
educação, visando padronizar o ensino superior, por meio de aparelho ideo-
lógico próprio, desconsiderando que a universidade, como indica a própria
50
etimologia da palavra, supõe unidade na variedade, e não uniformidade.
Segundo Fávero (1987, p. 7),
[...] as diretrizes ideológicas que vão nortear a educação no período do
Estado Novo são pautadas pelo caráter fortemente centralizador, o que
vai repercutir nas instituições de ensino superior. Nesse período as uni-
versidades se tornam vítimas de uma organização monolítica do Estado,
sem qualquer autonomia. Há uma exacerbada centralização de todos os
serviços do Estado, decorrendo daí a concepção errônea de que o processo
educativo poderia ser objeto de estrito controle legal.
6. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961
No final da década de 1950, o debate da questão educacional intensifi-
cou-se, como um resultado da mobilização dos educadores e intelectuais em
defesa da escola pública, ameaçada pela campanha de privatização do ensino
patrocinada basicamente pela Igreja Católica e pelos proprietários da rede
privada. Os anos entre 1959 e 1964 são certamente muito ricos consideran-
do-se a profusão de propostas que são formuladas para enfrentar os proble-
mas diagnosticados na universidade brasileira. Estas formulações podem ser
sintetizadas em três propostas denominadas por Veiga (1987) de tradiciona-
lista, modernizante e radical.
A complexidade dos processos e eventos que estavam na raiz da crise
brasileira desta época, dificulta tanto a definição do que pode ser considerado
como fundamental na deflagração e aprofundamento de tensões particulares,
quanto o estabelecimento de alianças dos grupos nelas envolvidos. O pro-
cesso de elaboração das propostas de reforma universitária se deu de forma
similar. As três alternativas emergiram no bojo dos movimentos sociais que
se configuravam por meio de ações e reações de professores universitários, de
intelectuais ligados a associações, como a Associação Brasileira da Educação,
da Campanha de Defesa da Escola Pública, da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência, para citar somente algumas entidades, nas quais críti-
cas, defesas e propostas eram formuladas e divulgadas.
O conflito de poder sobre a universidade brasileira tornou-se mais ób-
vio durante os últimos anos da década de 1950 e nos primeiros da de 1960,
51
quando projetos alternativos de organização do sistema universitário emer-
giram entre os educadores e no aparato de Estado, mobilizando intelectuais,
professores, setores governamentais e estudantes em torno destas propostas.
Em dezembro de 1961, duas leis incorporando duas concepções distintas
foram promulgadas no Brasil. Em 15 de dezembro de 1961, foi criada a
Universidade de Brasília e em 20 de dezembro, a luta de 14 anos em torno
da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) teve como desfecho a promulgação da Lei
4.024, por meio da qual foi consolidada uma estrutura tradicionalista para
a maioria das instituições de ensino superior. Neste mesmo ano, os estudan-
tes universitários, dirigidos pela UNE, haviam desencadeado sua luta por
uma reforma radical da universidade por meio da realização do I Congresso
Nacional de Reforma Universitária. Este Congresso desencadeou uma das
frentes de luta da UNE, a qual se desdobra em propostas de reestruturação
do ensino superior, greves, envio de projetos para o legislativo, manifestações
de rua e mobilização interna nas instituições de ensino.
Salientamos que cada uma das propostas continha um modelo de uni-
versidade bastante diferente e refletia as principais questões que polarizavam
e dividiam os educadores desde os anos 1930, tais como:
1) A questão da autonomia universitária em relação ao poder executi-
vo e aos órgãos normativos a ele vinculados. Os adeptos de uma concepção
liberal democrática defendiam uma estrutura de ensino superior que tivesse
liberdade de decidir sobre os aspectos considerados como fundamentais para
a instituição: estabelecimento do currículo, consignação dos recursos orça-
mentários, definição de critérios para a emissão das credenciais e diplomas.
A esta concepção se contrapunham os herdeiros da tradição autoritária do
Estado Novo, responsáveis pelo sufocamento da USP e da Universidade de
Brasília. Os autoritários defendiam uma única estrutura universitária forte-
mente controlada pelo poder executivo central e órgãos como o Ministério da
Educação e o Conselho Federal de Educação.
2) A estrutura organizacional que deveria presidir o ensino universitá-
rio. A ênfase sobre as escolas profissionais que mantinham uma vinculação
fictícia entre si foi contraposta à ênfase sobre a estrutura considerada como
verdadeiramente universitária, em que escolas, como a Faculdade de Filosofia,
se encarregariam das atividades integradoras de ensino e pesquisa. A clivagem
52
neste caso tendia a colocar em campos opostos professores e estudantes vin-
culados a escolas tradicionais e de prestígio profissional como Medicina,
Engenharia e Direito e os mais voltados para os campos das Humanas, da
Filosofia e da pesquisa científica (VEIGA, 1987, p. 32). Este conflito signifi-
cava, também, a oposição entre uma estrutura tradicionalmente estabelecida
na universidade brasileira, na qual os catedráticos das escolas tradicionais que
praticamente controlavam a estrutura de tomada de decisões e a distribuição
de recursos, e outro grupo de catedráticos proveniente das escolas de menor
prestígio e de professores jovens que reivindicavam espaço decisório e recur-
sos para implementar o ensino mais integrado à pesquisa e uma formação
profissional menos fragmentada.
3) Uma terceira questão era a relativa ao tipo e conteúdo do ensino e
treinamento a serem ministrados pelo ensino superior brasileiro. Demandas
por um ensino inovador e voltado para a realidade nacional e regional e pela
renovação dos cursos profissionais, de modo a serem capazes de criar uma
liderança técnica habilitada a conduzir o país nas sendas do desenvolvimen-
to autossustentado, ganharam contornos mais definidos entre os segmentos
modernizadores do aparato do Estado, assim como entre pesquisadores e
educadores brasileiros16.
A importância do debate sobre a LDB para o público universitário17 no
nível da intelectualidade brasileira, especialmente do movimento universitá-
rio, foi o de generalizar o debate sobre a educação brasileira, uma questão até
então considerada como secundária e restrita aos educadores por treinamento.
As principais questões incorporadas à Lei 4.024 (BRASIL, 1961) foram as seguintes:
16 A partir do final da década de 1950, dois grupos se configuram incorporando as propostas
modernizadoras: um reunido em torno de Darcy Ribeiro, apoiando a criação de uma universidade
moderna e livre dos freios e vícios burocráticos das instituições de ensino superior; outro de
composição predominantemente estudantil, sob o comando da UNE, que propunha um movimento
amplo de reforma que fosse capaz de alterar inclusive a composição social e o caráter de todo o
sistema universitário (VEIGA, 1987, p. 33-4). Quanto aos docentes, estes não se organizavam, na
época, em Associação Nacional. Dessa forma, a intervenção da categoria era realizada por meio de
grupos constituídos em torno de lideranças intelectuais ou por meio de Associações e Movimentos,
como os citados na página 33 deste trabalho.
17 Destacada por Hebert de Souza em entrevista concedida a Laura da Veiga no artigo Os projetos
educativos como projetos de classe: Estado e universidade no Brasil (1954-1964), Educação e
Sociedade, p.34.
53
1) O poder normativo e de controle do Conselho Federal de Educação
(CFE) foi aumentado: o CFE passa a aprovar o funcionamento de escolas
isoladas públicas ou privadas, a credenciar ou não universidades e outras ins-
tituições de ensino superior por meio da aprovação de seus estatutos, assim
como a designar interventores nas universidades.
2) O sistema de cátedra foi mantido por meio de um recurso sutil. O
presidente da República vetou todos os artigos relacionados ao processo de
escolha e seleção de catedráticos, alegando ser esta uma matéria de regimento
interno de cada universidade. O poder de decidir sobre a manutenção ou
não deste sistema foi colocado nas mãos exatamente dos beneficiários pela
estrutura vigente. A menção aos catedráticos aparece somente no artigo que
estabelecia que o diretor das escolas seria escolhido dentre os integrantes de
uma lista tríplice composta por três catedráticos.
3) Reconheceu-se o direito de os estudantes participarem do go-
verno das universidades e das escolas isoladas, integrando seus Conselhos
Universitários, Congregações e Conselhos Departamentais. Embora a repre-
sentação estudantil nos órgãos colegiados tivesse sido assegurada, não fora
especificada a proporção de representantes. O estabelecimento desta propor-
ção e o processo de escolha de representantes estudantis foram considerados
como assuntos de competência interna da universidade. Essa questão veio
a ser objeto de intensas manifestações estudantis, levando à deflagração da
greve nacional de 1/3 entre junho e agosto de 196218.
18 Em 1962, a UNE decreta a greve nacional, numa tentativa de forçar as instituições de ensino
superior a aceitarem sua demanda de 1/3 de representação nos órgãos colegiados. Nos últimos
meses de 1962, a liderança estudantil dedica-se a reavaliar os prós e os contras da greve do 1/3 e,
em 1963, o último Congresso de Reforma Universitária adota uma estratégia de focalizar a luta
em questões mais concretas. Deste Encontro resulta um projeto substitutivo à Lei 4024, no qual
os estudantes advogam a extinção da cátedra e a organização do ensino e pesquisa em torno de
departamentos, a modificação do vestibular, a alteração e planejamento mais rigoroso da aplicação
do orçamento universitário e a representação de 1/3 nos órgãos colegiados. Este substitutivo foi
considerado, pela UNE, como a frente jurídica da luta estudantil, mas não seu objetivo final, pois
no interior da universidade outras tarefas eram consideradas como fundamentalmente vinculadas à
consecução de uma organização universitária mais sensível às demandas dos grupos subalternos e,
no nível nacional, os estudantes comprometiam-se a unir-se com as forças revolucionárias de modo
a fortalecer o movimento de libertação do país do jugo imperialista e do latifúndio e a lutarem por
um vasto programa de reformas de base (CUNHA, 1989, p.138-49, VEIGA, 1987, p.43-6).
54
4) A Lei estabeleceu expressamente em seu art. 80 que as universidades
gozariam de autonomia didática, administrativa, financeira e disciplinar, na
forma de seus estatutos. No entanto, os parágrafos constantes de sua redação
original, nos quais se discriminava o âmbito dessa autonomia, foram vetados
pelo presidente da República.
Na prática, a despeito da previsão formal, a autonomia universitária
foi sendo gradualmente limitada desde os primeiros anos de vigência da Lei
de Diretrizes e Bases, principalmente com relação às universidades federais.
Após 1964, a limitação se acentua. A legislação ordinária, submetida teori-
camente à LDB, volta a ser detalhista e de caráter padronizador visando o
controle sociopolítico das universidades
A Constituição de 1967 manteve a competência privativa da União
para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, sem prejuízo da
competência supletiva dos Estados, respeitada a lei federal, na organização
de seus sistemas de ensino (RANIERI, 1994, p. 93). Manteve igualmente a
previsão de liberdade de cátedra e da livre manifestação de pensamento, esta
última não admitindo a propaganda de subversão da ordem.
As dificuldades que grupos de professores jovens enfrentaram para alcan-
çar qualquer mudança nas suas instituições constituem uma das justificativas
para o apoio dado ao governo autoritário, em 1968, para implantar a reforma
prevista pela Lei 5.54019, apesar de seu caráter impositivo e restritivo à autono-
mia universitária. Para Márcio Quintão20, a reforma de 1968 incorporava várias
demandas dos setores modernizadores universitários: a extinção da cátedra; a
19 Vários estudantes e professores participantes do processo de reestruturação da USP, em 1968,
declararam “ter levado um susto” ou, então, que “reprimiram sua raiva” quando “sentiram” as
propostas das paritárias (comissões) “incorporadas” na reestruturação da USP de 1969; no seu
pensamento absorvido pelo governo, nos níveis estaduais e federal. (CUNHA, 1988, p.166).
Para Cunha (1988, p. 166), a estrutura da universidade projetada era basicamente coincidente
nos projetos governamentais e nos das comissões paritárias de professores e estudantes. Do lado
governamental, pelo menos no plano federal, as linhas mestras daquela estrutura já vinham sendo
definidas desde pelo menos duas décadas atrás. “O mais provável é que os membros das comissões
paritárias tivessem ‘encampado’ as soluções governamentais, e não o contrário, desconhecendo a fonte
do modelo modernizante de universidade, segundo os padrões vigentes nos EUA, hegemônicos na
intelectualidade brasileira, a despeito de toda a oposição aos consultores norte-americanos (Atcon,
MEC-USAID)”.
20 Opinião expressa em entrevista concedida a Veiga (1987, p. 36).
55
integração do ensino e da pesquisa; e a possibilidade de criação do espaço insti-
tucional para a pesquisa científica. Daí não ter encontrado tantas reações entre
certos setores progressistas de várias instituições. Provavelmente estes profes-
sores não estavam atentos à tendência burocratizante e autoritária, subjacente
às políticas pós-64. Paralelamente a esta modernização da universidade foram
criados mecanismos que cada vez mais contrastavam com as próprias atividades
da universidade, reduzindo a autonomia universitária à mera retórica por meio
da imposição de estruturas paralelas de controle político-ideológico.
7. A Lei Nº 5540 de 1968
Sob a égide da Constituição de 1967 foi baixada a Lei nº 5540, de 28 de
novembro de 1968, que fixou normas de organização e funcionamento do en-
sino superior, e que representou a consolidação da reforma universitária iniciada
após 1964, cujo objetivo principal consistia na modernização das universidades21.
No que concerne à autonomia universitária destacamos na Lei as se-
guintes previsões:
1) garante às universidades a autonomia didático-científica, disciplinar, ad-
ministrativa e financeira, a ser exercida na forma da lei e de seus estatutos (art. 3º);
2) estabelece a indissociabilidade entre ensino e pesquisa;
3) estabelece que a organização e o funcionamento das universidades
serão disciplinados em seus estatutos e regimentos, submetidos à aprovação
do Conselho de Educação competente;
4) fixa a escolha do reitor e vice-reitor das universidades públicas, me-
diante a apresentação de lista sêxtupla de nomes, elaborada por um colégio
eleitoral especial, constituído pelo Conselho Universitário e órgãos colegia-
dos máximos de ensino, pesquisa e extensão.
21 Para Anísio Teixeira (1989, p. 108), a necessidade de reorganização do sistema universitário refletia
os problemas nascidos da expansão das universidades, por aglomeração de escolas isoladas, a
reclamar a integração de equipamento e professorado em conjuntos mais amplos, para melhor
aproveitamento de recursos humanos e materiais: em essência, um problema de racionalização dos
serviços de ensino oferecidos pela universidade ampliada e desordenada. Cunha (1988) defende a
tese de que a concepção de universidade calcada nos moldes norte-americanos não foi imposta pela
USAID, com a conveniência da burocracia da ditadura, mas foi buscada desde fins da década de
1940 por administradores educacionais, professores e estudantes, principalmente por aqueles com
um imperativo de modernização e de democratização do ensino superior.
56
A autonomia das universidades foi um dos pontos mais controversos do
processo de tramitação do projeto de lei no Legislativo. O Grupo de Trabalho22
(GT) propôs que as universidades gozassem de “autonomia didático-científica,
financeira e administrativa”, que seria exercida “na forma da lei e dos estatutos”.
Com tal formulação, deslocava essa polêmica questão para uma lei específica.
A Comissão Mista não concordou com essa formulação e resolveu explicitar a
autonomia, acrescentando a autonomia disciplinar. A justificativa da emenda
de autoria do deputado Raymundo Andrade apontava:
A autonomia, além de base orgânica e funcional da instituição de ensino
e de pesquisa, é o seu mais poderoso instrumento de eficiência. A uni-
versidade, para ser eficiente, carece de liberdade de ação e não se pode
subordinar estrita e rigidamente ao poder hierarquicamente superior. [...]
A nossa emenda tem duplo propósito: assegurar a autonomia universitária
e defini-la (CUNHA, 1988, p.279-80).
O presidente da República vetou todos os acréscimos, deixando apenas
a formulação superficial do GT.
A escolha dos dirigentes foi outra questão bastante polêmica e que di-
vidiu as opiniões dos interessados nos destinos do ensino superior. De um
lado, estavam os que defendiam a autonomia para as universidades e estabe-
lecimentos isolados oficiais escolherem seus reitores e diretores e, do outro, os
que reivindicavam maior autonomia para os governadores e para o presidente
da República na suas escolhas e nomeações.
O GT manteve o mecanismo básico de escolha que vigia desde o Estatuto
das Universidades Brasileiras, de 1931, pelo qual o Conselho Universitário apre-
sentava uma lista dos candidatos mais votados para reitor, para que o presidente
da República fizesse a sua escolha. As listas seriam elaboradas em reuniões con-
juntas do Conselho Universitário com órgãos deliberativos da administração
superior para atividades de ensino e pesquisa. Pelo texto do GT, os reitores e
vice-reitores sairiam de listas não mais de três, mas de nove nomes, cabendo sua
nomeação ao presidente da República. Já os diretores e vice-diretores sairiam de
22 Referimo-nos ao Grupo de Trabalho da reforma universitária que propôs um anteprojeto de lei
fixando as normas para a organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a
escola média. Esse anteprojeto de lei desembocou na Lei 5.540/68.
57
listas de seis nomes, ficando sua nomeação a cargo dos reitores das respectivas
universidades (CUNHA, 1988, p. 283).
Essa ampliação da pauta de escolha dos dirigentes, aumentando o nú-
mero de nomes nas listas para reitor e vice-reitor de universidade, diretor e
vice-diretor de instituto, escola ou faculdade, foi a maneira encontrada para
viabilizar o encontro entre as orientações do governo e as de certas correntes
existentes nas instituições oficiais de ensino, naquela conjuntura. O aumento
do número de pessoas nas listas aumentava também a probabilidade de que
houvesse, em cada caso, pelo menos um candidato que correspondesse à ex-
pectativa do governo com respeito à ordem e à disciplina nas instituições de
ensino superior.
Chegando ao Congresso, os artigos que tratavam dessa matéria foram
objetos de várias emendas. Pelo menos duas delas estabeleciam que os diri-
gentes fossem escolhidos pelo Conselho Universitário, sem controle do go-
verno. Em justificativa à sua emenda, dizia o deputado Márcio Moreira Alves:
É a comunidade universitária a única capaz e competente para a escolha
de seus dirigentes. O respeito à autonomia universitária, proclamada no
art. 4º do presente projeto de lei, assim o exige. Permitir-se ao Governo
[...] a escolha em listas [...] é retirar da comunidade universitária a possibi-
lidade de dirigir-se independentemente (CUNHA, 1988, p. 285).
O relator apenas aceitou a emenda que reduzia o número de nomes
nas listas para reitor e vice-reitor de nove para seis, e outra, pela qual a no-
meação dos dirigentes das universidades oficiais, organizadas sob o regime de
fundação, seria feita conforme seus próprios estatutos. A segunda emenda foi
vetada pelo presidente da República que justificou o ato dizendo ser “natural
a escolha de seus dirigentes pelo próprio Governo” (CUNHA, 1988, p. 285).
Comparando-se o farto material que contestava a política educacional
do governo com o das críticas diretas ao Relatório do GT e à Lei 5540, con-
cluímos que diante do projeto pouco ou quase nada houve de contestação.
Florestan Fernandes (1975, p. 203), no início de texto produzido para
comentar sua avaliação do trabalho do GT, afirma que:
É preciso que fique bem claro de antemão, que entendemos a reforma uni-
versitária consentida como uma manifestação de tutelagem política e como
58
mera panacéia. Não podemos aceitá-la porque ela não flui de nossa vontade,
não responde aos anseios que animam as nossas lutas pela reconstrução da
universidade e não possui fundamentos democráticos legítimos.23
No que concerne à possibilidade de autodeterminação, a autonomia
na lei é bastante limitada. Essa limitação foi acentuada pelos atos de exceção
baixados pelo governo militar, sobretudo pelo Ato Institucional nº 5, de de-
zembro de 1968, e pelo Decreto-Lei nº 477, de fevereiro de 1969.
Observa Fávero (1987, p. 8-9) que
[...] a Reforma contribuiu para fortalecer o processo de concentração do
poder autoritário dentro das universidades, através da instalação de novos
mecanismos de poder, monopolizados, em boa parte, por facções das an-
tigas cúpulas que temiam um processo de radicalização e de contestação
contra o regime.
Em síntese, podemos afirmar que, embora o sistema da Lei nº 5540
tenha reconhecido peculiaridades próprias às universidades, propondo-lhes
tratamento jurídico específico e reconfirmando a previsão autônoma, a impo-
sição do regime autárquico ou do fundacional não lhes permitiu organização
flexível, adequada às suas necessidades, mormente no que tange a questões
orçamentárias e financeiras. Na gestão universitária permaneceu o adminis-
trador limitado pelas normas gerais de administração, tanto no que tocava
ao planejamento econômico-financeiro - em termos e disponibilidade real de
recursos orçamentários - como no concernente aos critérios de administra-
ção de pessoal, ressalvada a carreira do magistério superior que se subsume a
legislação própria. Além desses aspectos, Ranieri (1994, p. 97) salienta a im-
possibilidade da criação de cargos e funções, da determinação de seu regime
de remuneração, a impossibilidade de contratação de serviços e de adminis-
tração dos recursos decorrentes.
23 No entanto, observamos que Fernandes (1975, p. 211-12) apoiava várias medidas indicadas pelo
GT, em especial as seguintes: a criação dos mecanismos de captação de recursos; a implantação
do regime de dedicação exclusiva; a proibição para que houvesse preponderância de professores
classificados em determinado nível na composição dos colegiados superiores; participação e
representação estudantil nos órgãos colegiados; entre outras.
59
8. A Constituição Federal de 1988
No período anterior à legislação editada em 1988, observamos que
a sistematização da autonomia universitária levada a cabo pelas legislações
anteriores não valorizou os traços característicos dos entes autônomos. Ao
contrário, salvo algumas exceções de curta duração, como a Lei Rivadávia,
as leis detalhistas24 controlaram e restringiram a ação das universidades, em
especial durante o Estado Novo e no período entre 1964 a 1985.
As universidades públicas foram as mais atingidas por essa política que,
em última instância, as descaracterizou enquanto organizações voltadas ao
ensino, à pesquisa e à extensão, transformando-as, muitas vezes, em repar-
tições públicas centralizadas, extremamente dependentes do órgão governa-
mental mantenedor e passíveis de intervenções administrativas e políticas.
Essa política, como não poderia deixar de ser, refletiu-se no interior das insti-
tuições, chegando mesmo a favorecer a ideia de dependência em detrimento
da ideia de autonomia.
A absorção normativa da autonomia universitária pela Constituição
Federal, contudo, proporciona a reversão desse quadro. Para Ranieri (1994,
p. 106) isso ocorre fundamentalmente porque apenas mediante emenda
constitucional pode ser alterada a outorga autonômica. Esse dado confere
maior segurança e estabilidade às instituições universitárias.
Ainda, para Ranieri (1994, p. 106), a norma do art. 207 da Constituição
é de aplicação imediata e eficácia plena, o que vale dizer que desde sua edi-
ção vinculou a ação do judiciário e a dos poderes legislativos da União e dos
Estados em matéria universitária, bem como a atuação dos Conselhos de
Educação. A universidade sai valorizada e resguardada. Suas potencialidades
podem ser mais bem desenvolvidas, e suas finalidades resguardadas e retoma-
das. O direito que lhe foi deferido é pleno e imediatamente fruível. Qualquer
determinação em contrário, a partir de então, é inconstitucional.
O enunciado do art. 207 da Constituição Federal apresenta que: “As
universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de ges-
tão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade
24 “Uma regulamentação completa e minuciosa é sempre uma receita para a mediocridade no campo
da educação superior“ (SUCUPIRA, 1962, p.79).
60
entre ensino, pesquisa e extensão.” Na Carta, este é o único dispositivo a
cuidar da questão universitária sob o ângulo da autonomia.
Embora econômica quanto à matéria, trata-se de uma norma comple-
ta, no sentido de que contém todos os elementos e requisitos necessários à
sua incidência direta, e de eficácia plena, no sentido de que desde a sua edição
produz, ou tem possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais relativa-
mente aos interesses que regula (SILVA, 1982, p. 60).
Quanto ao significado e aos limites constitucionais específicos, temos
as seguintes análises.
Autonomia didática significa direção própria do ensino oferecido.
Dessa forma, a autonomia didática implica o reconhecimento da competên-
cia da universidade para definir a relevância do conhecimento a ser transmi-
tido e a sua forma de transmissão. Desse pressuposto decorre, logicamente, a
capacidade de organizar o ensino, a pesquisa e as atividades de extensão.
No entanto, no Brasil, a autonomia didática dos institutos de ensino
superior e das universidades sofreu interferência estatal, sob a justificativa da
validade nacional dos diplomas outorgados pelas universidades locais, razão
pela qual o Estado sempre entendeu necessário estabelecer padrões profissionais
também de âmbito nacional. Para Durham (1989, p. 6), vêm daí as exigências
de permissão prévia para abertura de novos cursos, de reconhecimento após
cinco anos de funcionamento, etc.; estabelecidas no intuito de controlar a ofer-
ta de profissionais em certas áreas e de garantir a qualidade de ensino.
Esses mecanismos, entretanto, mostraram-se falaciosos e de pouca efi-
cácia. Haja vista, as inúmeras faculdades abertas em todo território nacional
(durante os anos 1970 e posteriores) e que, embora apresentassem baixíssimo
nível de ensino, tiveram autorizado seu funcionamento e reconhecidos os
diplomas que outorgavam.
No que diz respeito à garantia da qualidade de ensino, o controle ex-
terno deve ser efetivo, pois a liberdade para dirigir o ensino que se reconhece
às universidades não significa soberania nesta área. Supõe, antes, a responsa-
bilidade de oferecer ensino de alta qualidade. É sob esse ângulo (e apenas sob
ele) que se legitima a interferência do poder público na autonomia didática
das universidades, como instância superior de contraste do uso daquela liber-
dade, consoante aos interesses para os quais foi concedida.
61
A autonomia científica ou de pesquisa, conjuntamente com a autono-
mia didática, recoloca a questão da liberdade do conhecimento, “[...] princí-
pio de extração constitucional ex-vi do inciso II, do art. 206: ‘ o ensino será
ministrado com base nos seguintes princípios: [...] liberdade de aprender,
ensinar, pesquisar, e divulgar o pensamento, a arte e o saber’“ (RANIERI,
1994, p. 21).
A autonomia científica confunde-se, dessa forma, com a liberdade aca-
dêmica, ou seja, garantia da produção de conhecimento e da transmissão
do saber essencial às gerações futuras, e que compreende, além da própria
autonomia coletiva, a liberdade pessoal. Autonomia coletiva, que se refere à
autogestão da universidade em matéria de seu peculiar interesse; liberdade
pessoal, garantindo o direito de o docente universitário pesquisar e ensinar o
que ele crê que seja a verdade. No entanto, nem sempre essas duas espécies
de liberdade coincidem. Para Durham (1989, p. 4), a autonomia de pesquisa
[...] consiste na liberdade de estabelecer os problemas que são relevantes
para a investigação, definir a forma pela qual os problemas podem ser
pesquisados e julgar os resultados da investigação por parâmetros internos
ou processo de conhecimento, independentemente dos interesses externos
que contrariem.
Para Rodrigues (1987, p. 19), a autonomia científica é fundamental
para que a universidade se deixe “possuir pelos problemas do povo”.
É necessário que uma universidade autônoma possa se constituir em ins-
trumento de expressão das necessidades de conhecimento dos setores que
hoje são apenas objeto do conhecimento. É necessário que a universida-
de se deixe possuir pelos problemas da população, não como objeto de
reflexão, apiedada e paternalista, mas como questão central que auxilie
a população a encontrar um espaço de sistematização, organização e pro-
moção do conhecimento de si mesma e dos caminhos para a transforma-
ção da sociedade.
A contrapartida da liberdade científica para as universidades vem ex-
pressa na Constituição de 1988, na qual os parágrafos 1º e 2º do art. 218
determinam que “a pesquisa científica e a tecnológica devem ter em vista o
62
bem público e o progresso da ciência, voltando-se preponderantemente para
a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema pro-
dutivo nacional e regional”.
É responsabilidade das universidades desenvolver pesquisas nestas
áreas, utilizando-se da autonomia científica como meio diante da atividade
fim. Legitima-se, sob este ponto de vista, o controle externo exercido pelo
poder público sobre as universidades no nível ientífico, com a observação de
que o contraste deve limitar-se à constitucionalidade e à legalidade do uso
da autonomia, no sentido de cobrar-lhes, especialmente às públicas, o bom
desempenho na área.25
A autonomia científica, no caso das universidades públicas, é o ele-
mento que as especializa e as distingue em comparação com os demais órgãos
do serviço público, em virtude da liberdade e da iniciativa de ação quanto à
determinação da pesquisa em áreas relevantes. Nisso diferencia-se do buro-
cratismo que entrava a administração em geral.
A autonomia administrativa, ou possibilidade de auto-organização,
por sua vez, é que permite que as universidades decidam quanto à regula-
mentação das suas atividades-fim.
A autonomia administrativa é condição e instrumento da autonomia
didático-científica e pressuposto da autonomia de gestão financeira. Consiste,
basicamente, no direito de elaborar normas próprias de organização e fun-
cionamento internas, em matéria didático-científica e de administração de
recursos humanos, materiais; e no direito de escolher dirigentes.
A autonomia constitucionalmente atribuída à universidade não só lhe
confere o poder de autodeterminação, nos limites indicados pela Constituição,
como também a individualiza enquanto instituição auto-organizada. Por es-
sas razões, as normas que edita são lícitas e imperativas em sua órbita de
incidência. Ou seja, com tais atributos, as normas universitárias integram a
ordem jurídica como preceitos de valor idêntico ao da lei formal na escala de
25 A sociedade tem direito de exigir a comprovação da produção científica da universidade, por meio
de mecanismos de avaliação cujos resultados sejam tornados públicos. (DURHAM, 1989, p. 6).
“O exercício da liberdade acadêmica, não tolhe do contribuinte o direito de cobrar e exigir melhor
e mais honesta aplicação dos impostos que paga. E impõe ao poder público o dever de cobrar das
instituições de ensino superior ineficazes, acobertadas pelo ‘manto diáfano da fantasia’, desempenho
`a altura das exigências do país.” (ALMEIDA, 1990, p.3).
63
suas fontes formais, e de idêntica hierarquia em relação às demais normas,
gerais e especiais que disponham sobre matéria de cunho didático-científico,
administrativo e de gestão financeira e patrimonial.
De acordo com Ranieri (1994, p. 125), decorre dessa dupla condição
não hierárquica importante consequência jurídica: a prevalência das decisões
legais da universidade sobre normas exógenas de igual valor, no que respeita o
seu peculiar interesse. Em outras palavras, a legislação universitária, no âmbito
de sua competência, afasta a incidência de normas gerais que não tenham na-
tureza diretivo-basilar, quando invadem sua esfera de incidência. Assim, não
seria tolerável, por exemplo, aceitar que as Assembléias Legislativas Estaduais
promulgassem leis que dispusessem sobre a constituição e funcionamento de
órgãos internos das universidades estaduais públicas.
Este talvez seja o desdobramento mais significativo da autonomia uni-
versitária. A universidade é uma entidade normativa e, como tal, produz di-
reito; suas normas integram a ordem jurídica porque assim determinou a
norma fundamental do sistema.
Outro ponto importante da autonomia administrativa é a liberdade
organizacional manifesta na definição da forma de escolha de dirigentes. Essa
definição reflete o grau de independência e a forma de relacionamento da
universidade com os interesses de grupos político-partidários, econômicos,
religiosos26 e outros alheios à sua natureza específica e, também, revela o cará-
ter democrático ou autoritário do governo da universidade.
A autonomia administrativa manifesta-se, enfim, pela elaboração e
aprovação dos estatutos e regimentos da universidade, independentemen-
te de intervenção governamental, que não seja a do Conselho de Educação
26 Reflete não apenas o relacionamento da universidade com os interesses de grupos externos à
universidade, como, também, a diversidade política, econômica e ideológica de seus membros
internos. Para Kerr (apud RODRIGUES, 1985, p. 60-5), a universidade atual se distingue pela
multidiversidade de doutrinas. “A multidiversidade é uma instituição inconsciente. Não é uma
comunidade apenas, mas várias - a comunidade da graduação e a comunidade da pós-graduação, a
comunidade humanista, a comunidade do cientista social e dos cientistas, as comunidades das escolas
profissionais, a comunidade de todo pessoal não acadêmico, a comunidade dos administradores.
[...] a multidiversidade se compõe de várias nações de estudantes, de professores e ex-alunos. Cada
um tem seu território, uma jurisdição, uma forma de governo, cada um pode declarar guerra aos
outros; alguns têm poder de veto. [...] É uma sociedade pluralista com subculturas múltiplas. A
coexistência é mais provável do que a unidade”.
64
competente, acompanhando a Lei de Diretrizes e Bases, como forma de con-
trole prévio da legalidade.
Autonomia administrativa não significa, entretanto, fazer o que quiser. À
União compete a função ordenadora, por meio da edição da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB). Também o Ministério da Educação e as
Secretarias de Estado podem exercer função ordenadora supletiva, restrita, no
entanto, sob este aspecto, apenas ao controle finalístico da adequada utilização
dos recursos humanos e materiais para a promoção do ensino, pesquisa e exten-
são, na forma da LDB, sem qualquer subordinação hierárquica.
Aqui vale reproduzir a observação de Florestan Fernandes (1987, p.
111) de que
[...] a tutelagem externa não fomenta, ao contrário do que se pensa e do
que se diz, o amadurecimento das universidades. Ela gera a corrupção da
instituição e a irresponsabilidade dos que formam seu corpo de pessoal,
induzidos a julgarem seus atos e decisões a partir de critérios exteriores e
meramente formais. Se o Conselho Federal de Educação deve ter alguma
ingerência na vida das universidades, ela precisaria limitar-se à fixação de
certos requisitos gerais e de determinados objetivos globais, que corres-
ponderiam à necessidade de uma incentivação indireta e da supervisão
dos mínimos compatíveis com a formação de pessoal de nível superior.
Quanto à autonomia de gestão financeira e patrimonial temos que a
ação autônoma das universidades públicas no plano financeiro consiste, basi-
camente, no ato de gerir os recursos públicos que são colocados à sua dispo-
sição. Gerir ou administrar, dirigir, gerenciar implica a capacidade genérica
de elaborar, executar e reestruturar orçamentos; constituir patrimônio e dele
poder dispor.
De acordo com as suas possibilidades econômicas, o limite da atuação
legal da autogestão financeira e patrimonial das universidades está determina-
do pelos fins institucionais e pelas normas gerais de direito financeiro, segun-
do o art. 169, parágrafo único, I e II; e o art. 175, da Constituição Federal, e
de direito administrativo e pelos princípios de moralidade pública.
Dessa forma, a universidade tem liberdade de dispor dos seus recursos
segundo critérios de conveniência administrativa, sem restrições quanto aos
meios. Assim, é lícito às universidades conceder aumentos diferenciados a
65
seus servidores, independente dos percentuais atribuídos ao funcionalismo
em geral; criar cargos próprios; subsidiar restaurante; manter moradia estu-
dantil; alienar os bens imóveis que lhes pertençam; instituir fundações com
bens de seu patrimônio e recursos de seu orçamento; investir em pesquisa etc.
Por outro lado, não lhes é permitido comercializar bens com fins lucrativos;
deixar de obedecer às licitações; financiar projetos estranhos às suas finalida-
des; malversar as verbas públicas.
Embora as atividades das universidades relativas à utilização, geren-
ciamento e administração de verbas, bens e valores públicos sejam passíveis
de controle externo, não significa que, primeiro, haja prejuízo do controle
interno levado a efeito pela própria instituição e, segundo, em face de seu
caráter instrumental, a autonomia de gestão não exija responsabilidade insti-
tucional, o que supõe a verificação interna de demandas, o estabelecimento
de prioridades, de planos de desenvolvimento a médio e longo prazos, bem
como a consequente promoção da democratização interna da universidade.27
Tendo por base a interpretação do art. 207 desenvolvida anteriormente
e a indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão, podemos arriscar
algumas conclusões provisórias.
A primeira é que a autonomia didático-científica, administrativa e de
gestão financeira é autoaplicável28 porque se instala em um território que é
próprio da Universidade na tarefa de produzir, disseminar e estender o co-
nhecimento. O contato com o conhecimento universal dá a senha da autono-
mia, porque se reconhece, no conhecimento que busca a verdade, um modo
superior de ver as coisas. Neste campo, pois, a universidade é autônoma e
autogestionária e ter medo da liberdade é entregar-se à heteronomia.29
27 Na atual conjuntura, mesmo a avaliação de desempenho e de resultado da atividade acadêmica não
pode ser tomada como parâmetro objetivo e único, já que a decisão quanto à alocação de recursos é
de natureza política em razão de fatores variáveis que congregam desde relações de poder, vínculos
pessoais etc., até a fixação de prioridades por regiões, projetos, áreas de pesquisa. A observação é
válida tanto para a dotação de verbas do governo, quanto para a alocação interna em uma ou outra
Unidade Universitária.
28 O Encontro Nacional de Dirigentes de Universidades Públicas, realizado em Belo Horizonte em
dezembro de 1988, afirmou em seu documento final que a autonomia universitária, garantida na
Constituição, é autoaplicável e deve ser exercida de imediato.
29 Na tarefa da produção de conhecimentos, afirma Sucupira (1962, p. 79-80), que ela “[...] não
poderia ser programada ou dirigida por elementos estranhos à própria universidade [...] e quanto
66
A outra conclusão é que a Universidade, como lugar de autonomia,
torna-se autônoma pela capacidade de expressar a universalidade, mesmo
movendo-se em cada área, no campo nômade do particular. A conquista da
autonomia se dá pela senha também de uma produção científica avaliada e
reconhecida, aliada tanto à transmissão do já conhecido como àquela decor-
rência destes conhecimentos estarem a serviço da sociedade.
Por fim, a grande marca do art. 207 é, sem dúvida, o reconhecimento
de que a universidade pública não é um órgão público como os demais. A
Constituição, ao incorporar o postulado da autonomia universitária, fixou
não apenas a especificidade da instituição, como, também, o caráter peculiar
de suas relações com o Estado. Ou seja, a universidade pública em face do
Estado é ente de natureza pública, criada e garantida pelo Estado, detentora
de autonomia com capacidade legislativa, o que lhe garante imunidade à le-
gislação ordinária que não tenha natureza diretivo-basilar.
Apesar do art. 207 ser norma que se inclui na categoria das regulamen-
táveis “operante, porque íntegra e cheia quanto ao bem jurídico que agasalha
(RANIERI, 1994, p. 108) e comporte dados não constantes de seu enuncia-
do; é também uma abstração jurídica que necessita de concretude. A situação
peculiar das universidades estaduais paulistas é o melhor exemplo, e talvez o
único, da eficácia plena e aplicabilidade imediata da norma do art. 207.
9. A Autonomia nas Universidades Estaduais Paulistas
A edição da emenda constitucional (EC) nº 1, de outubro de 1969,
reduziu os âmbitos da autonomia universitária que sobrevivera na lei 5 540.
Dentre a farta legislação relativa ao ensino superior, editada na vigência da
EC/69, são exemplos da política de contenção da autonomia universitária,
decretos como o que tornou obrigatório o ensino da disciplina Estudos dos
Problemas Brasileiros, segundo currículos, programas básicos e metodologia
fixados pelo CFE, nas universidades e nos outros graus de ensino (1969);
o que determinou a integração da educação física no currículo de todos os
graus de qualquer sistema de ensino (1971); o que determinou a apresentação
mais as atividades universitárias se encontram reguladas por lei, quanto mais se elimina a participação
responsável do pessoal docente em sua organização, tanto maior é a rotina, a inércia acadêmica, a
burocratização das atividades que de si exigem um esforço sempre renovado de iniciativa criadora”.
67
de listas sêxtuplas para a escolha de dirigentes das escolas oficiais, de todos
sistemas de ensino (Decreto n. 80.536, de 1977).
Como se tratavam de decretos federais, teoricamente, essas regras es-
tariam dirigidas apenas ao sistema federal de ensino. Na prática, porém, im-
pôs-se a observância de todos os decretos aos três sistemas de ensino, indis-
tintamente. O que não ocorreu sem manifestações e apelações, por meio de
mandados de segurança, com referência à inaplicabilidade de decretos fede-
rais aos estabelecimentos de ensino que não se vinculassem ao sistema federal,
em especial por parte de universidades estaduais30.
Segundo Ranieri (1994), com relação às listas sêxtuplas para a esco-
lha de reitores, em março de 1988, o Supremo Tribunal Federal, por meio
de representação, fixou entendimento no sentido de que a determinação do
número de componentes das listas, não sendo matéria de diretrizes e bases,
escapava à competência legislativa da União, em relação às entidades oficiais
de ensino situadas fora do âmbito federal.
No Estado de São Paulo, a Constituição Estadual vigente em 1979
assegurava, em seu art. 132, que as universidades oficiais seriam organizadas
com observância da legislação estadual, assegurada a sua autonomia nos ter-
mos da lei federal. “Foi com base neste dispositivo que o Tribunal de Contas
do Estado pretendeu fazer incidir sobre a USP, ex-vi do disposto no art.
15, II, do decreto-lei complementar nº 7, de 6 de novembro de 1969 [...]”
(RANIERI, 1994, p. 102) , a aprovação de seu orçamento pelo governador
do Estado. Por esse motivo, a USP impetrou mandado de segurança contra
ato daquele Tribunal. No recurso, o relator consignou que a capacidade de
autonomia financeira31 “[...] é intrínseca à autonomia prevista, sob pena de
não haver motivo para sua previsão legal, visto que não ocorreria ocasião de
ordem prática para sua incidência” (RANIERI, 1994, p. 102). Firmou ainda
que, em sendo a autonomia universitária regulada pela legislação federal, a
legislação estadual não poderia dispor de maneira inversa àquela prevista no
30 “Em se tratando de autonomia didático-científica, reproduzida em regulamentos próprios,
estabeleceram as Cortes que as universidades estaduais tinham liberdade para fixar critérios e
requisitos mínimos em cada curso de graduação e pós-graduação, para avaliação do rendimento
escolar e promoção de seus alunos [...]” (RANIERI, 1994, cit., p.101.
31 Observamos que a lei 5 540 não mencionava a autonomia de gestão financeira. O seu art. 3º
apontava a autonomia didático-científica, disciplinar e administrativa.
68
modelo atribuído às universidades, razão pela qual o orçamento de universi-
dade estadual autônoma independia da aprovação prévia do governador.
Dessa forma, observamos que, enquanto as universidades federais se-
guiram o padrão geral do modelo nacionalmente imposto - centralização
de recursos, poder e decisão -, as universidades estaduais, principalmente as
paulistas (USP, UNESP e UNICAMP), caminharam na direção de uma au-
tonomia mais apropriada às suas finalidades, e da independência em relação
à legislação federal que não tivesse natureza diretivo-basilar.
10. Decreto nº 29 598 de 1989
Em 1988, as universidades estaduais paulistas deflagraram um amplo
movimento, que incorporou docentes, funcionários e alunos, com o slogan
S.O.S. Universidades. Depois de mais de sessenta dias de greve por reivindi-
cações salariais e em defesa do ensino público e gratuito, o governador do
Estado decretou a autonomia de gestão administrativa e financeira das uni-
versidades estaduais. O Decreto nº 29 598, de 02 de fevereiro de 1989, que
dispõe sobre providências visando a autonomia universitária, determina, em
seu art. 1º, que “Os órgãos da Administração Centralizada do Estado adota-
rão procedimentos administrativos cabíveis para viabilizar a autonomia das
Universidades do Estado de São Paulo [...]”; e, em seu art. 2º, que
A execução dos orçamentos das Universidades Estaduais Paulistas, no
exercício de 1989, obedecerá aos valores fixados no orçamento geral do
Estado, do corrente ano, e às demais normas e decretos orçamentários
devendo as liberações mensais de recursos do Tesouro a essas entidades
respeitar o percentual global de 8,4%, da arrecadação do ICMS - quota
parte do Estado no mês de referência.32
32 “[...] relembrar um pouco a origem da decisão de alocar cerca de 10% do ICMS às universidades.
Ela ocorreu há cerca de oito anos, no governo Quércia, que aceitou a reivindicação dos reitores,
em parte porque era uma decisão racional e em parte para transferir as reivindicações salariais dos
funcionários e professores das universidades para os próprios reitores. Além da óbvia expediência
política envolvida nessa decisão, ela começou a tornar real ‘a autonomia com responsabilidade’, que
é o objetivo tradicional das boas universidades.” José Goldemberg, que foi reitor da USP e ministro
da Educação, em As verbas para as universidades paulistas, O Estado de S. Paulo, 4 de junho de
1996, p.2. Convém lembrar, também, que a alocação de verbas próprias para as universidades é
reivindicação antiga de parte do movimento universitário. “A autonomia da universidade crítica
69
O percentual da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias
e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Itermunicipal e de
Comunicação (ICMS), quota parte do Estado, destinado às universidades esta-
duais, foi acrescido de adicional de 0,6%, conforme art. 19, da Lei nº 7 465, de
01 de agosto de 1991. Para o ano de 1993, a Lei de Diretrizes Orçamentárias,
Lei nº 7949, de 16 de julho de 1992, estabeleceu que as liberações mensais
deveriam respeitar, no mínimo, o percentual global de 9% da arrecadação do
ICMS, na forma da sistemática anterior, não se computando na apuração do
percentual indicado as liberações do Tesouro originárias de repasses concedi-
dos a projetos específicos das universidades. No ano de 1994, a Assembléia
Legislativa aprovou a elevação do percentual para 9,57%.
A iniciativa paulista, sem dúvida, dá concretude a uma abstração ju-
rídica, ao designar parcela do ICMS às universidades públicas, com reflexos
diretos sobre a autonomia administrativa e financeira. Esse procedimento
proporcionou às universidades estaduais paulistas uma efetiva possibilidade
de autogestão. Ou seja, a autonomia trouxe um aspecto democrático que
elevou a universidade a um novo patamar de qualidade, no que diz respeito
às experiências de novos processos de gerenciamento econômico-financeiro
e de autogestão.
Acreditamos que o aprofundamento desse processo seria possível, caso
houvesse o envolvimento efetivo da comunidade universitária, especialmente
das entidades organizativas dos três setores, nessa direção.
No próximo capítulo, pretendemos iniciar o desenvolvimento da ideia men-
cionada. Para tanto, parece-nos necessário resgatar a participação da ADUNESP
no movimento de democratização da UNESP, bem como a visão que a entidade
manifestou sobre a autonomia de gestão financeira decretada à mesma.
não poderia provir somente do autogoverno.” Sabiam os membros da Comissão Paritária (USP,
1968) que “[...] os recursos necessários à sua manutenção não poderiam ficar ao sabor dos interesses
extra-universitários. Por isso, reivindicavam que a universidade recebesse diretamente do Estado,
sem a ‘intervenção arbitrária de órgãos intermediários’, um percentual fixo da arrecadação total,
cabendo-lhes decidir livremente sobre a aplicação desses recursos” (CUNHA, 1988, p. 158).
71
CAPÍTULO II
AUTONOMIA COMO UM ASPECTO DO
AUTOGOVERNO
No primeiro capítulo, tentamos mostrar que a autonomia outorgada,
em 1989, às universidades estaduais paulistas deu concretude ao art. 207 da
Constituição e possibilitou a autogestão dessas organizações.
Neste capítulo, tentamos demonstrar que o amplo movimento pela
democratização da UNESP e de suas estruturas de poder, desencadeado pelas
entidades representativas dos três segmentos desta Universidade, em especial
pela ADUNESP, conjuminado com a autonomia de gestão financeira, con-
solidaram-se na instituição como um aspecto do autogoverno ou da gestão
democrática. Defendemos a ideia de que esse movimento em direção ao au-
togoverno ou à gestão democrática é positivo, na perspectiva que estamos
trabalhando aqui, qual seja, da democracia ou do governo democrático.
1. Surgimento da Terceira Universidade Pública Paulista e a Gênese da
Associação dos Docentes
A Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho foi criada
pelo governador Paulo Egydio Martins, por meio do decreto 952, em 30 de
janeiro de 1976. No entanto, o início do processo de criação da terceira uni-
versidade pública paulista remonta aos fins dos anos de 1960.
Em agosto de 1968, docentes, funcionários e estudantes dos Institutos
Isolados promoveram um encontro na cidade de Araraquara que teve como
principal ponto de pauta os resultados do estudo encomendado pelo governo
estadual sobre a situação dessas faculdades. A análise do anteprojeto de lei
72
apresentado pelo Conselho Estadual de Educação, objetivando a organização
de uma nova estrutura para os Institutos Isolados do Ensino Superior do
Estado, estava intimamente ligada à política educacional estabelecida no país,
desde que começaram a vigorar os acordos MEC-USAID.
[...] o projeto não chegou a ser aprovado, apesar de muito discutido. Em
1968, o governador abriu aquilo que ficou sendo chamado de Fórum
de Debates. [Para] que os problemas dessas Faculdades do interior e das
universidades fossem debatidos no interior delas. Atravessamos uma fase
de grande movimentação nas ruas, com passeatas, e o governador chamou
para o contrário, discutir lá dentro. [...] representantes dos vários insti-
tutos. E percebemos que tínhamos os mesmos problemas e que teríamos
uma grande força se trabalhássemos em conjunto. Então começou a sur-
gir a idéia de um movimento conjunto, dando uma personalidade a esse
agrupamento de escolas. Só que isso era quase que uma armadilha. [...]
porque caiu a repressão. Aquilo que o Sodré tinha dito que seria liberdade
de expressão, na verdade funcionou como armadilha: as pessoas se identi-
ficaram e foram perseguidas. (CORRÊA, 1996).33
Um dia após a realização do segundo encontro na cidade de Rio Claro,34
em outubro, a polícia invadiu um sítio em Ibiúna (SP), onde se realizava o
33 A Professora Ana Maria Martinez Corrêa foi criadora e coordenadora do Centro de Documentação e
Memória da UNESP (CEDEM). Para a elaboração deste item, e outros que a seguir, utilizamos, além
de inúmeros documentos, atas, relatórios, jornais etc. publicados pela Associação, dados e informações
retiradas de entrevistas realizadas por Bahjiji Haje, Assessora de Imprensa da ADUNESP - Seção Sindical,
para a confecção da Revista da ADUNESP, publicada em setembro de 1996. No entanto, observamos
que para a elaboração da Revista foram utilizadas apenas partes das entrevistas. Dessa forma, a maioria
das citações e informações utilizadas neste trabalho é inédita. Observamos, também, que a transcrição
dessas entrevistas foi entendida, tanto pela pesquisadora como pela diretoria da ADUNESP - S.S., como
documentos pertencentes ao sindicato e que foram colocados à nossa disposição.
34 “Tivemos um grande movimento nos Institutos Isolados em 68 [...] Estávamos revoltados porque
recebemos aquelas ondas da França. Estávamos pedindo mais autonomia para a universidade, maior
força para os professores, maior poder de decisão para as Congregações. [...] o objetivo era fundar a
Universidade [...] mas uma Universidade autônoma. Redigimos o anteprojeto dessa Universidade,
com os estatutos, as questões mais importantes. [...] Fizemos várias reuniões para depois marcarmos
um Congresso em Rio Claro. [...] Uma das noites foi quando a polícia invadiu aquela reunião de
estudantes em Ibiúna. A gente estava na Faculdade de Filosofia de Rio Claro. [...] O pessoal ficou
bastante amedrontado. Nós decidimos que não sairíamos da Faculdade. Havia boatos de que a
polícia estava lá por perto.” (SAFFIOTI, 1996).
73
XXX Congresso da UNE e prendeu centenas de estudantes e os principais
dirigentes da entidade. O clima de terror e insegurança desencadeado pela re-
pressão da ditadura inviabilizou a discussão e a continuidade do movimento
pelo agrupamento dos Institutos Isolados.
Em novembro, do mesmo ano, foi promulgada a Lei nº 5540, da
Reforma Universitária e de todo o ensino superior e, em dezembro, foi baixado
o Ato Institucional nº 5 (AI-5) que forneceu a cobertura paralegal para uma
nova e tenebrosa fase da ditadura militar que se constituía desde abril de 1964.
Aliás, a repressão às atividades e às pessoas suspeitas de subversão começou
junto com os primeiros movimentos das tropas golpistas. A sede da UNE no
Rio de Janeiro foi incendiada no dia seguinte ao do golpe e, em São Paulo,
os estudantes da Universidade de Mackenzie caçavam, com armas de fogo,
os comunistas nas faculdades vizinhas. Os dirigentes das Ligas Camponesas e
dos sindicatos de trabalhadores rurais foram presos e torturados. As repartições
públicas, as universidades e as empresas estatais passaram a ser vasculhadas por
comissões de investigação em busca de subversivos e corruptos ligados à política
janguista. No primeiro ano do governo ditatorial, 409 sindicatos, 43 federações
e quatro confederações sindicais sofreram intervenções, tendo suas diretorias
destituídas e ocupadas por pessoas nomeadas pelo Ministério do Trabalho. No
fim de março de 1964, já havia a demissão de 10 mil funcionários públicos, 50
mil pessoas encontravam-se sob investigação da polícia política e milhares de
livros e revistas haviam sido apreendidos.
Após o AI-5, sucederam-se anos de muita repressão no país e a discus-
são incipiente sobre o destino dos Institutos Isolados deixou de ser feita pela
comunidade acadêmica, que apenas viria a reorganizar-se, para esse debate, às
vésperas da criação da UNESP.
Entretanto, logo após a reunião de Rio Claro, o governo estadual criou
a Coordenadoria do Ensino Superior do Estado de São Paulo (CESESP),
para coordenar todas as escolas de ensino superior do Estado, com exceção da
USP e da UNICAMP. “Eu acho que a CESESP já era um prenúncio de uma
universidade, de um colegiado. Isso foi em 1969. Em 1970 já é criada uma
legislação própria para os Institutos Isolados.” (CORRÊA, 1996).
Na realidade, a UNESP acabou sendo fruto da reforma da Secretaria
de Educação do Estado. Porque os antigos Institutos Isolados eram
74
vinculados através de uma Coordenadoria, que era a CESESP, à Secretaria
de Educação. Com a implantação da reforma do 1º e 2º graus, feita no
governo Paulo Egydio, teria que haver alguma solução para os Institutos
Isolados. (MARTINS, 1996).
Com a criação da UNESP, no início de 1976, a estrutura e o funcio-
namento dos quatorze Institutos Isolados de Ensino Superior são totalmente
modificados. O processo ocorreu de cima para baixo, sem nenhuma discussão
ou consulta às comunidades acadêmicas,35 promovendo o fechamento de vários
cursos e a transferência de inúmeros docentes de um Campus para outro.
Segundo Nilo Odália (1996), em entrevista, o projeto que estava sendo
estudado pelos docentes, na época, era de uma Federação, pois os “Institutos
Isolados não perderiam sua individualidade nem o seu passado”. Mas não foi
o que ocorreu.
[...] foi um golpe, um movimento diversionista [...]. Logo em seguida
apareceu o projeto dos estatutos e da reorganização dos Institutos Isolados
[...] percebemos que os dois grandes princípios que o norteavam eram,
primeiro, de que não deveria haver duplicação de meios para o mesmo
fim, ou seja, não deveria haver os mesmos cursos em vários Campi, por
exemplo, não poderia haver História em Marília, História em Assis,
História em Franca, princípio este equivocado, porque isso não atendia
à realidade própria, multicampal, tendo em vista que a clientela atendida
pela UNESP era diferenciada, não só em termos sociais ou econômicos,
mas diferenciada geograficamente. Um curso que atende Prudente não
vai atender São José do Rio Preto, repetir o curso lá é natural, porque vai
atender uma outra área geográfica. O segundo princípio, para se ter es-
truturada a universidade, era ligado ao que se falava muito naquela época,
de se ter uma ‘massa crítica’, ter um número suficiente de professores for-
mados quer formalmente quanto intelectualmente para constituir centros
de excelência. [...] Os princípios acabaram sendo aplicados e com grandes
problemas, porque destruíram a Faculdade de Presidente Prudente, que já
35 “Em 1975 estávamos estudando uma forma de fazer a integração dos diversos Institutos Isolados
que tinham uma vida própria. [...] mas havia qualquer coisa que faltava, na medida em que eles
não tinham entre si nenhum tipo de relação [...] No final de 75 [...] nós estávamos estudando
um projeto de Federação daqueles Institutos [...] quando fomos apanhados naquela arapuca, na
armadilha de que havia sido publicado uma Lei que criava a Universidade Paulista”. (ODÁLIA,
1996). O Prof. Nilo Odália foi presidente da ADUNESP na gestão de 1978/80.
75
tinha Sociologia, tinha uma porção de cursos na área de Ciências Sociais,
porque Ciências Sociais já havia em Marília, e por isso cortaram os cursos
de Prudente. No caso de Marília cortaram o curso de Letras, e só manti-
veram o de Assis. Cortaram o curso de História de Marília, sobrevivendo
só o de Assis, e foi uma coisa terrível.
Para Luiz Ferreira Martins (1996), em entrevista, figura central no pro-
cesso de criação da UNESP, a Universidade saiu de uma reunião
[...] que fomos, o então Secretário de Educação, José Bonifácio Coutinho
Nogueira, eu e o governador Paulo Egydio Martins, e chegamos à conclusão
de que a única solução era criar uma universidade, ainda que uma univer-
sidade com características muito próprias [...]. Ainda que nós tivéssemos
consciência de todos os problemas que existiriam, em função da heteroge-
neidade, o problema dos multi-campi que ia existir. (MARTINS, 1996).36
As críticas foram muitas e ferrenhas, o processo era taxado de autori-
tário e ditatorial e os docentes revoltaram-se com o fechamento dos cursos e
com as transferências.37
Mas, para Martins (1996), em entrevista, essas medidas foram
[...] uma necessidade da época. O problema não era criar uma universida-
de nova, era resolver o problema dos Institutos Isolados, que não tinham
autonomia. [...] cada Instituto tinha que disputar junto à Secretaria da
Fazenda o seu orçamento com todas as dificuldades que existem num pro-
cesso administrativo dessa ordem: a benevolência do secretário, o apoio
do governador, e cada Instituto lutando por si só. [...]. Era essa a intenção,
dar autonomia para autogestão. [...] A autonomia veio desde o início,
com a criação. De autogestão. Quem nomeia um professor, quem admite
um funcionário a mais ou a menos é o reitor. Antes era o governador
36 No período que antecedeu a criação da UNESP, Martins era o responsável pela CESESP e tornou-
se, logo após, o primeiro reitor da UNESP.
37 Aquilo foi uma barbaridade. Racharam os cursos de Matemática. Uma parte dos professores foi
mandada, como gado, para Rio Claro, outra parte para Rio Preto. Dizimaram o curso de Sociologia
de Rio Claro. Foi um negócio terrível. [...] quem fica dominando são aqueles que escrevem a
história, pela influência, pelo poder.” (SAFFIOTI, 1996). . “O reitor [Martins], como todos os
homens que trabalhavam oficialmente naquela época, era delegado da ditadura e, então, fazia o que
queria“ (ODÁLIA, 1996, p. 9).
76
nos Institutos Isolados. Qualquer alteração dentro da estrutura dependia
do governo, quando não de lei. Não acontece isso com a universidade e
esse é o aspecto principal. As Federais, por incrível que pareça, não têm.
(MARTINS, 1996).38
A Associação dos Docentes da UNESP surgiu quase que imediatamen-
te após a criação da UNESP. A entidade nasceu a partir das necessidades que
os docentes, anteriormente contratados pelos Institutos, sentiram de resis-
tência e de organização para enfrentar as dificuldades postas pela criação da
própria universidade.39 Para Saffioti (1996), em entrevista, “Com a criação
da UNESP [...] havia um clima de incerteza, de inquietude, de preocupação
entre os docentes. [...] uma vez que os docentes foram marginalizados das
discussões e das decisões relativas à criação da nova universidade.
Nesse sentido, no dia 07 de abril de 1976, foi realizada uma reunião dos do-
centes da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Araraquara para discutir vá-
rios assuntos relacionados à estrutura administrativa da UNESP, particularmente
os relacionados à representação dos professores no Conselho Universitário. Nessa
reunião, o Professor Waldemar Saffioti apresentou uma proposta, que vinha ama-
durecendo desde o início do ano, de criação de uma Associação de Docentes da
UNESP. Após essa reunião, Saffioti visitou outros Campi para discutir com os
docentes a criação e o anteprojeto de estatuto da Associação e a escolha de repre-
sentantes para a assembleia geral de fundação da entidade.
No dia 05 de junho de 1976 foi fundada a Associação dos Docentes
da UNESP, a primeira entidade representativa de docentes do ensino su-
perior criada no país após o golpe de 1964.40 No dia 26 de junho foi eleita
38 No entanto, observamos que, primeiro, a situação de disputa por verbas junto ao governo (com
todos os problemas decorrentes desse ato) não se modificou com a criação da UNESP; apenas que
agora era o reitor que negociava o orçamento global e não os Institutos em separado. Essa situação
apenas foi modificada com a fixação de porcentagem do ICMS para a instituição. E, segundo, que
para Martins (1996), autonomia é autonomia para o executivo (reitor) poder decidir, por si mesmo,
os rumos da universidade. Do nosso ponto de vista, a autonomia ou a autogestão propalada pelo ex-
reitor deve, necessariamente, ter por base a participação efetiva dos membros dos órgãos colegiados
nas decisões e da comunidade universitária nas estruturas de poder da universidade.
39 A ADUNESP nasceu como consequência direta da publicação da Lei que criou a UNESP.
(ODÁLIA, 1996). “Em 1975, retomamos aquela idéia de vamos pensar juntos. Desse pensar junto
é que nasceu a ADUNESP.” (CORRÊA, 1996).
40 “E foi a primeira Associação de Docentes. A ADUSP existia, mas existiu até 64 quando foi fechada
77
sua primeira diretoria composta pelos docentes: presidente, Ulisses Guariba
Neto do Campus de Assis; secretário-geral, Celestino Alves da Silva Júnior
do Campus de Presidente Prudente; e o tesoureiro, Telmo Correia Arrais do
Campus de Assis. Em 14 de outubro do mesmo ano, a ADUNESP foi regis-
trada oficialmente no 1º Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas da
Comarca de Araraquara. (REVISTA DA ADUNESP, 1996, p.8).
A ADUNESP Central, como ficou, mais tarde, conhecida, e as AD’s
Regionais que foram fundadas na maioria dos Campi da UNESP, nasceram
com um claro caráter sindical ou de pré-sindicato, como denominamos as as-
sociações desse tipo. Como veremos mais adiante, o vetor principal dessas enti-
dades, durante a trajetória de luta, foi a reivindicação salarial, aliás, como todos
os outros sindicatos de trabalhadores do Brasil. No entanto, por se tratarem de
pré-sindicatos representativos de docentes do ensino superior, a intervenção da
ADUNESP e das Regionais esteve marcada, também, desde o início, por uma
atuação na área da política universitária, bem como na luta pela democratização
da instituição e da sociedade em geral. Haja vista que o primeiro grande embate
da Associação foi com a reitoria, no momento da aprovação dos estatutos da
UNESP e da escolha de representantes para o Conselho Universitário (CO).
Para oficializar os dois grandes princípios que norteavam a reorgani-
zação dos Institutos Isolados, a reitoria colocou em pauta a aprovação do
primeiro estatuto da universidade e as eleições para representantes no CO,
que, até então, funcionava provisoriamente.
pela ditadura. A ADUSP e a ADUNICAMP reestruturaram-se logo em seguida em função do
nosso exemplo“ (ODÁLIA, 1996). “Quando montamos a Associação, ela foi pioneira, após o golpe
de 1964, no Brasil. Isso deve ser registrado“ (SAFFIOTI, 1996). A ADUNESP nasceu como uma
entidade itinerante, ou seja, ela não possuía uma sede própria, bens ou qualquer infraestrutura e,
no início, não havia uma política de finanças sistemática para custear as atividades desenvolvidas.
A sede da entidade era a casa do presidente e/ou de docentes que participavam do movimento. Por
essa razão, a entidade não possuía, também, nenhum arquivo, este apenas começou a ser organizado
muito tempo depois. Em nossas pesquisas para tentarmos reconstruir a história de sua fundação e
os primeiros anos de funcionamento, descobrimos alguns documentos (poucos) como boletins, ata
de fundação e atas de reuniões espalhados em arquivos nas Regionais de Marília e de Araraquara
e na sede da AD Central. Portanto, para a elaboração deste item pudemos contar com pouco
mais do que as entrevistas realizadas pela Assessoria de Imprensa da Associação e com a Revista
da ADUNESP, de setembro de 1996, que traz como matéria principal uma reportagem intitulada
Resgatando a história e apontando o futuro, e que comemora os 20 anos de fundação da ADUNESP.
78
Para contrapor-se àqueles princípios, fechamento dos cursos e trans-
ferência de docentes, a ADUNESP promoveu reuniões em todos os Campi
para discutir os estatutos e lançou uma chapa com candidatos para o CO
comprometidos com a entidade.41
O lançamento de candidatos para concorrer à representação nos órgãos
colegiados, em especial no CO, efetuado pela primeira diretoria da entida-
de, tornou-se um dos procedimentos tradicionais da Associação. E, se na
primeira eleição a ADUNESP foi derrotada, pois só conseguiu eleger um
representante, mais tarde ela começa a organizar o Chapão da ADUNESP
para os órgãos colegiados, como ficou conhecido. As Regionais disputavam
entre si, na Plenária, a indicação de seus membros para compor o Chapão e,
geralmente, a totalidade dos candidatos é eleita. No entanto, embora consiga
eleger os candidatos, o sindicato não consegue, de fato, a não ser em alguns
momentos críticos, organizar a intervenção política dos seus representantes
no Conselho, o que faz com que a vitória nas eleições não se concretize na
prática política, enquanto uma força que possa dirigir os rumos do colegiado.
Empossado, o primeiro Conselho Universitário eleito aprova quase
que na íntegra o estatuto apresentado pela reitoria. Para Odália (1996), nesse
episódio a Associação cometeu um grave erro: “[...] na minha avaliação houve
um equívoco na nossa atuação, já que nos opúnhamos sem apresentar um
projeto alternativo”.42
41 “O projeto de estatuto devia ser aprovado por um Conselho e houve a eleição para este conselho,
ao que a ADUNESP começou a lutar para colocar os seus representantes [...] mas fomos derrotados
fragorosamente, conseguimos colocar somente um representante [...] Quando houve a votação do
projeto, evidentemente, fomos derrotados em toda a linha.” (ODÁLIA, 1996). “O que a gente
começou a polarizar na gestão do Nilo, na minha com mais força e depois continuou, era a questão
do estatuto, autoritário, fechado, pouco oxigenado em termos de participação democrática. [...]
Mas lembro que tínhamos absoluta minoria no Conselho Universitário. O primeiro professor que
conseguimos eleger foi o Prof. João Francisco Tidei de Lima [...].” (CASALECCHI, 1996). O
professor José Ênio Casalecchi foi presidente da ADUNESP na gestão 1980/82.
42 Ressaltamos a observação feita pelo professor, pois uma das dificuldades que o sindicato enfrenta no
encaminhamento das reivindicações dos docentes é a falta de projetos alternativos e de propostas
e soluções para os problemas detectados. Apontamos essa questão, em diversos momentos e em
várias instâncias, quando ocupávamos o cargo de presidente da ADUNESP –S.S. Regional de
Marília, integrante da Comissão Assessora da AD Central na gestão 1992/94, que acompanhou
as negociações com o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (CRUESP)
na greve de 1994 e participante das reuniões do Fórum das Seis Entidades, que aglutina as
79
Além do equívoco apontado por Odália (1996), outro fator contribuiu
para que a Associação não conseguisse levar a bom termo os seus intentos,
qual seja, a pouquíssima participação dos docentes.43 Ainda sob o regime mi-
litar, a maioria dos docentes tinha medo de participar e achava que não havia
como se contrapor ao governo autoritário.
Por fim, a fala do primeiro presidente da ADUNESP traduz bem
a importância que teve os primeiros anos de funcionamento da entidade,
além, é evidente, daquela ligada à organização e à representação da categoria.
“Embora tivéssemos sido derrotados em várias questões, a semente plantada
naquela mobilização viria a dar frutos alguns anos depois, quando prosseguiu
a luta pela democratização da UNESP”. (GUARIBA NETO, 1996, p.9).
2. Fins dos anos de 1970 e a retomada do movimento sindical
Uma nova época para o sindicalismo brasileiro nasceu no bojo da cri-
se do milagre econômico, quando cessa o aporte de investimentos externos
e o país se torna exportador de capitais, mercê da dívida contraída pelos
generais-presidentes.
Em meados da década de 1970, o país passou a viver um momento em
que os que estavam no poder sabiam que era necessário mudar as instituições,
e os trabalhadores e outros setores da população, não suportando mais as
conseqüências da política implantada pós-golpe, começaram a mostrar o seu
descontentamento.
A chamada frente ampla foi, nessa época, a mais relevante e talvez inútil
demonstração de insatisfação por parte da burguesia com o regime por ela
entidades representativas dos docentes e funcionários das três universidades estaduais paulistas e
a dos trabalhadores do Centro Paulo Souza, no mesmo período. Por considerá-lo de fundamental
importância, voltamos a este tema posteriormente.
43 “Mas, para ser sincero, havia era muita acomodação, os professores não reagiam. Achavam que não
havia jeito. A ADUNESP era coisa de poucos, havia liderança etc., mas era difícil você mobilizar
muita gente.” (CASALECCHI, 1996). “A Associação esteve em estado letárgico durante muito
tempo. [...]. Ficou num estado de catalepsia. Alguns tinham medo de participar. Outros tinham
aqueles problemas de ensino, de pesquisa e havia uma indiferença muito grande. [...] Mesmo com
a problemática de reestruturação, com fechamento dos cursos, nem isso conseguiu mexer com
a comunidade. [...] Houve pequenos e fracos movimentos isolados. [...]. Algumas reuniões não
chegavam a ter quinze participantes.” (SAFFIOTI, 1996).
80
estabelecido. A crise mundial fragilizou a unidade conquistada pós o golpe de
1964 e, para a burguesia, os gabinetes do executivo não mais comportavam a re-
solução de suas cotidianas, mas não fundamentais contradições. Ainda uma vez,
setores da burguesia converteram-se à democracia, resistindo, contudo, a qualquer
mudança mais radical. Tratava-se, como em 1930, de mudar para deixar tudo
como estava. Um caminho lento, gradual e seguro para a reforma institucional.
Desde 1974 que a insatisfação popular, manifesta, sobretudo, no plei-
to eleitoral, ficava patenteada. Ações de protesto estudantil tinham ocorrido
desde 1976. A intelectualidade fazia da Sociedade Brasileira Para o Progresso
da Ciência (SBPC) e das universidades espaços de resistência. Mas foram as
greves operárias de 1978 e 1979, contudo, que marcaram o início da constru-
ção do que veio a ser conhecido como o novo sindicalismo no Brasil.44
Para Alem (1991, p. 64), a luta dos trabalhadores do ABC Paulista
manifestava características que o tempo confirmou. “Não se tratava apenas
de uma ação de protesto econômico, motivado pelo arrocho salarial; era o co-
meço de um necessário acerto de contas com o passado populista, favorecido
pelas mudanças ocorridas na economia e na sociedade brasileira.
Em fins de 1977, o quadro começou a se alterar para a classe operária.
Não mais agüentando o ônus oriundo do arrocho salarial e aproveitan-
do-se de uma denúncia do Banco Mundial, veio à tona o que na prática
se sabia. O Governo tinha usurpado e manipulado através de nefastas
fórmulas matemáticas significativa parcela do salário real dos operários
(especialmente em 1973, quando se diminuiu em 30% o índice de au-
mento salarial) (ANTUNES, 1981, p. 82-3).
Durante as décadas de 1960 e 1970, o implemento de certas tecnologias
criou possibilidades para a intensificação do trabalho. Essa medida aliada ao
uso da rotatividade de força de trabalho como instrumento de controle, o uso
preferencial por trabalhadores pouco qualificados e o rebaixamento dos salá-
rios fizeram com que o nível de exploração do trabalhador se aprofundasse.
44 Novo sindicalismo porque, como resultado das manifestações e movimentos grevistas desencadeados
em 1978/79, os sindicatos colocaram em xeque as leis da ditadura e a própria estrutura sindical
atrelada ao Estado, e renovaram-se. No entanto, com respeito aos procedimentos e encaminhamentos
das questões econômicas, sociais e políticas de interesse dos setores representados, seria esse
sindicalismo tão novo assim?
81
As condições que permitiram que esse implemento se efetivasse foram criadas
pela política aberta de marginalização da classe trabalhadora adotada pelo
regime militar. Não foi apenas a repressão à atividade sindical e à política da
classe operária que delibitou sua capacidade de resistência à superexploração,
mas um conjunto de políticas econômicas, sendo as mais significativas a po-
lítica de arrocho salarial e a institucionalização da instabilidade no emprego
com a instituição do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
A premissa básica para que o controle sobre o trabalhador - verificado
na imposição da disciplina e repressão no trabalho, nas demissões de operários
efetuadas a qualquer momento, no medo do desemprego, no fato dos trabalha-
dores não reclamarem das horas extras ou sobrecargas de trabalho etc. - e para
que o uso da força de trabalho se efetuasse nessas condições era estabelecida,
também, pelas condições políticas da época. A sustentação dessas medidas era
dada pela repressão do Estado sobre o movimento sindical e sobre a militân-
cia de base, assim como pelo funcionamento das instituições e regulamentos
corporativistas referentes às relações de trabalho, que reforçavam o caráter au-
toritário do Estado. O controle exercido pelo aparelho repressivo do Estado
reforçava e articulava-se com o controle exercido na empresa.
Humphrey (1982) relata vários casos, dessa época, em que ocorreram
conflitos entre trabalhadores e patrões e que as empresas recorreram às forças
de segurança oficiais que atuaram em conjunto com as guardas privadas na
repressão aos trabalhadores. A pesquisa de Humphrey (1982) sugere que as
empresas se orientaram no sentido de maximizar sua lucratividade45 pela ex-
ploração intensiva da força de trabalho, o que incluía não apenas a intensifi-
cação do ritmo de trabalho, mas também a contenção salarial e o uso abusivo
de horas extras nem sempre pagas devidamente.
Fleury (1983, p. 96-106) salienta que as gerências que optaram pelo
esquema rotinização/desqualificação estavam interessadas na redução de seus
custos salariais e utilizavam a prática da rotatividade elevada como meio para
obtê-la. Na década de 1970, época em que se fortaleceu a gerência científica
no Brasil, com o mercado em expansão e protegido da competição externa
45 Ainda que o aumento da produtividade seja um dos instrumentos - mas não o único - da maximização dos
lucros, o compromisso das empresas é com a sua lucratividade e não com a produtividade e com a eficiência,
assim como o do capital é com a sua valorização, embora, nos últimos tempos, com a globalização, as
empresas estejam sendo forçadas a rever a questão da eficiência e da qualidade dos produtos.
82
(indústrias de máquinas-ferramentas, entre outras), a obtenção de altos índices
de qualidade não era um aspecto decisivo na ampliação de vendas e lucros.
Naquela conjuntura, a expansão estava garantida para todas as empresas que
operassem com um mínimo de eficiência e as empresas eram estimuladas a
centrar sua estratégia de lucratividade na exploração intensiva do trabalho e na
redução dos custos salariais. A rotinização contribuía não apenas com a redução
da quantidade necessária de força de trabalho qualificada, mas também com a
rotatividade que funcionava como instrumento de submissão dos trabalhado-
res às condições de exploração e como um fator de redução dos salários.
Ressaltamos que no Brasil, como em outros países de regime equivalen-
te, essa situação foi extremamente beneficiada pela existência de um Estado
repressor, que mantinha um férreo controle sobre a classe trabalhadora, seus
sindicatos e organismos políticos, além de sustentar a implantação de uma
política salarial desencadeada pelo governo.
Quanto ao fato de a classe trabalhadora não mais agüentar essa situação,
são claras as palavras de Luís Inácio da Silva (apud ANTUNES, 1981, p.83):
O arrocho salarial fez com que a classe trabalhadora brasileira, após
muitos anos de repressão, fizesse o que qualquer classe trabalhadora do
mundo faria: negar sua força de trabalho às empresas. Era a única forma
que os operários tinham de recuperar o padrão salarial, ou melhor, en-
trar no caminho da recuperação. Eu digo que para nós, do Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, a paralisação não se constituiu
em nenhuma surpresa. Ela estava sendo plantada a anos. O auge foi a luta
pela reposição dos 31% no final de 1977.
“É evidente, portanto, que as greves de maio de 78 resultaram de um
árduo trabalho feito dentro de alguns sindicatos, especialmente o de São
Bernardo, e o seu resultado foi uma magnífica vitória para a classe operária.
(ANTUNES, 1981, p. 83)
De acordo com Vieitez, Dal Ri e Veríssimo (1992), o movimento gre-
vista de 1978 surpreendeu a sociedade, porém, aos inúmeros sindicalistas,
que de um modo ou de outro tiveram a ver com o evento, não causou enleio.
No entanto, por outras razões além daquela apontada por Antunes.
A decisão da primeira greve não se deu por meio dos processos sin-
dicais costumeiros, assim, de certo modo, aparece à sociedade como fato
83
espontâneo. Aparentemente, a greve foi produto genuíno de São Bernardo
do Campo. Porém, apesar do movimento paredista da Scania ter ocorrido
em São Bernardo e do município reunir as condições mais favoráveis para a
eclosão do mesmo,46 os fatores da organização devem ser buscados nos fatos
imediatamente após 1964.
Após o golpe militar de 64, particularmente entre 1969 e 1975, tudo
se passou como se o movimento operário-popular tivesse sido erradica-
do. Entretanto, sob a superfície do tecido social, os trabalhadores e suas
organizações faziam seu trabalho subterrâneo. No momento propício, e
alcançando um certo grau de condensação, o produto de sua obra cata-
cumba cobrou o direito de apresentar-se à plena luz. (VIEITEZ; DAL RI;
VERÍSSIMO, 1992, p. 1)
Os autores defendem a ideia de que o ressurgimento do movimento
operário-popular não ocorreu, como podem pensar alguns, como o renasci-
mento de um fênix contemporâneo, mas sim como produto de um processo
profundamente marcado por uma dinâmica imbricada e interativa de conti-
nuidade e mudanças. As forças nacionalista-democráticas do período anterior
ao golpe foram ceifadas e reprimidas, mas não suprimidas. Assim, durante a
vigência do período militar, além de cuidarem da própria sobrevivência, em-
penharam-se na oposição ao golpe, na reorganização da classe trabalhadora
e na luta pela democratização do país. Papel igual desempenhou as forças
que encarnaram certo tipo de renovação do movimento operário-popular
e que, num dado momento, se aglutinaram sob a bandeira do Partido dos
Trabalhadores (PT). Porém, com uma diferença fundamental: estas forças
não apenas se desenvolveram na luta contra a ditadura, pela democratização
e pela reorganização do movimento operário, mas, também, na luta contra
a hegemonia do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Esta última operação,
no essencial bem sucedida, favoreceu uma distorção na interpretação dos fa-
tos relativos à retomada do movimento de massas no ABC. Frequentemente
46 As causas do fenômeno não foram exclusividade desse município. Ao contrário, as forças vitais
que se encontravam na origem desse primeiro e fundamental impulso possuíam inserção nos
municípios contíguos, remontavam na história aos sujeitos e eventos que precederam o golpe
de 1964 e implicavam não apenas o movimento sindical, mas, também, vários outros tipos de
movimentos: culturais; políticos; e associativo-urbanos.
84
se negligenciou ou mesmo se desconsiderou completamente o papel que as
forças tradicionais de esquerda desempenharam nesse processo.
[...] bem observados os acontecimentos, outro é o quadro que se apresen-
ta. Não apenas as forças ‘tradicionais’ tiveram um papel importantíssimo
nos eventos ocorridos no ABC e naqueles que culminaram na redemocra-
tização - seja por uma intervenção direta, seja pelo legado que deixaram
ao movimento operário-popular - como, também, de certo modo, encon-
tram-se presentes no ‘interior’ das forças renovadas. [...] a renovação apre-
senta uma dívida com as tradições anteriores [...] esta mesma renovação
realizou-se através de um processo que foi, concomitantemente, de assi-
milação e negação das concepções orgânicas e programáticas existentes.
(VIEITEZ; DAL RI; VERÍSSIMO, 1992, p. 1-2).
De qualquer forma, o processo de mobilização nas fábricas e nos sindi-
catos pela reposição salarial, que ocorreu em 1977, preparou o terreno para
que, no início de 1978, os operários iniciassem as paralisações de maio que
atingiram centenas de milhares de trabalhadores metalúrgicos, inicialmente
no ABC e depois se estendendo para todo o Estado de São Paulo. As greves
continuaram e, além das de maio, eclodiram manifestações em junho, julho
e em fins de 1978, época do dissídio coletivo dos metalúrgicos de São Paulo,
Osasco e Guarulhos. Em março de 1979, as greves voltaram com um novo
peso. “Se em 1978 pode-se falar em meio milhão de trabalhadores em gre-
ve, no ano seguinte este quantum atinge a soma de 3.241.500 trabalhadores
[...]” (DIEESE, p. 18 apud ANTUNES, 1981, p. 12). Após mais de dez dias
em greve, o governo decretou a intervenção nos três sindicatos metalúrgicos
do ABC, acreditando que isso esvaziaria o movimento. Deu-se o contrário.
As forças se acumularam, acrescidas da reivindicação da volta das diretorias
sindicais cassadas; a greve continuou ainda mais forte, agora com o apoio de
setores democráticos da sociedade brasileira.
Em 1980, entretanto, as mobilizações sofrem um refluxo, com apenas
800 mil grevistas. Para Antunes (1995, p.12-3), este refluxo deu-se basica-
mente pelas seguintes casualidades: a derrota da greve de 41 dias no ABC
paulista, no início de 1980; a acentuação do quadro recessivo, jogando a
ação dos trabalhadores para o universo da preservação do emprego; a in-
trodução da designada nova política salarial do governo que introduziu a
85
semestralidade nos reajustes dos salários, criou a sistemática do INPC para
a correção salarial, estabeleceu faixas salariais diferenciadas e possibilitou a
negociação salarial direta, a título de produtividade.
No entanto, ficou para o sindicalismo brasileiro a retomada da força
da classe trabalhadora que, no movimento de 1978/79, colocou em xeque a
legislação sindical repressiva, rompendo na prática com a Lei n. 4330, Lei
Antigreve, e iniciando uma atuação que visava, no limite, romper com a estru-
tura sindical atrelada ao Estado. Além disso, o movimento dos metalúrgicos
preparou o terreno para futuras participações políticas, pois, posteriormente,
iniciou-se uma nova fase de amplo movimento de massas, incorporado por
inúmeras outras categorias, como a dos funcionários públicos, professores,
bancários, médicos etc., segmentos médios da sociedade que passaram, com
o fim do milagre econômico, a sofrer com o ônus da exploração, proletarizan-
do-se cada vez mais rapidamente.
É nesse cenário de fase ascensionista do movimento de resistência de-
mocrática que, a partir de 1979, os docentes do ensino superior dão passos
firmes na construção do seu movimento nacional.
Corria o ano de 1978 e “Em julho, convocados por um cartaz colocado
pela Adusp, na secretaria da 30º Reunião da SBPC, dezessete ADs de vários
estados, reuniram-se pela primeira vez” (BALDIJÃO, 1981, p. 7).
Entretanto, as razões que levaram à organização dos docentes em nível
nacional remontam, como no caso das outras entidades, ao período do golpe
de 1964 e época posterior. Do nosso ponto de vista, são elas, até que se faça
melhor juízo, a repressão desencadeada pela ditadura sobre a Universidade e
sobre o corpo docente, aguilhoando a luta pela democratização da sociedade
e da instituição; a expansão significativa do ensino superior, criando uma base
para a organização do movimento em nível nacional; e o arrocho salarial, do
qual os docentes do ensino superior não escaparam.
Para impor as políticas antissociais, a serviço da reprodução do capital
e da dominação sobre a maioria, foi necessário à ditadura eliminar a resistên-
cia também de educadores e estudantes. Foi assim que se abateu uma odiosa
perseguição político-ideológica contra o corpo docente das universidades,
com aposentadorias compulsórias, demissões e cassações brancas. Instituiu-
se a triagem ideológica para a admissão de professores e enquistaram-se as
86
Assessorias de Seguranças e Informações nos gabinetes das reitorias. Instalou-
se o clima de delação pusilânime e da denúncia sem direito à defesa. Foi uma
época sombria para a Universidade, conforme documentos de denúncias pro-
duzidos pelo movimento docente ou por perseguidos políticos.47 A onda de
repressão atingiu duramente, também, os estudantes.
No campo educacional, esse expurgo foi, também, uma preparação das
condições para a imposição da legislação autoritária, que trazia a concepção for-
mulada pelos consultores da United States Agency for International Development
(USAID). No caso da Universidade, em 1968, como vimos anteriormente,
a Lei 5540 da Reforma Universitária foi imposta pelo regime, sem qualquer
participação da comunidade acadêmica. Sua implantação foi assegurada, em
parte, pela ameaça de punições a professores e estudantes, que se colocassem
contrários a essa Lei, por meio do decreto 477/69, além do AI-5.
Nessa mesma época, encontrava-se em curso um aumento expressivo na
demanda por matrículas no ensino superior. A insuficiência das vagas desem-
boca na crise dos excedentes, ou seja, alunos aprovados por nota no vestibular,
mas não classificados por falta de vagas. A principal solução encontrada pelo
governo (implantaram-se outras, além dessa), depois do movimento levado a
cabo pela UNE, foi a abertura e o incentivo para a expansão de vagas no setor
privado ou a privatização acelerada e, por isso mesmo desqualificada, do ensino
superior. A participação da rede pública de ensino superior que era de 59,6%,
em 1962, cai para 36% em 1977 (ORTIZ, 1981, p. 12).48 De acordo com
Maciel (1991, p.70), em quinze anos, de 1962 a 1977, enquanto o número de
matrículas na rede pública teve uma expansão de 642,5%, o da rede privada
expandiu em 1.681,5%, ou seja, seu crescimento foi 2,6 vezes maior.
A expressiva expansão do número de matrículas no ensino superior
passou a exigir um número crescente de docentes para as tarefas de ensino
47 A esse respeito ver O livro negro da USP - O controle ideológico na universidade, editado pela
ADUSP em 1978; Universidade e repressão - Os expurgos na UFRGS, editado pela ADUFRGS e
L&PM, em 1979; e de Aluisio Pimenta, Universidade: a destruição de uma experiência democrática,
editado pela Editora Vozes em 1985, entre outros.
48 De acordo com a avaliação de alguns entrevistados pela AI da ADUNESP-S.S., a estratégia de
fechamento de cursos que funcionavam nos antigos Institutos Isolados, em 1976, teve como objetivo,
também, abrir espaço para o ensino superior privado. O fato é que várias escolas particulares acabaram
abrindo os mesmos cursos fechados pela UNESP, aproveitando a demanda existente nas regiões.
87
de graduação e, em certo sentido, estimulou a implantação da pós-graduação
a partir de 1965.49 Com efeito, a reestruturação da carreira docente exigin-
do dos professores os títulos de mestre e de doutor, garantiu aos cursos de
pós-graduação um grande número de alunos. Por isso mesmo, os cursos re-
ceberam um significativo apoio financeiro das agências de fomento, o que fa-
cilitou a pesquisa científica obrigatoriamente desenvolvida neles. Esse parece
ser um elemento importante de consolidação qualitativa das Instituições de
Ensino Superior (IES) públicas, as quais, até o início dos anos 1990, concen-
travam cerca de 80% dos cursos de pós-graduação do país.
Fruto desse processo de evolução,
[...] o Sistema de Ensino Superior do Brasil chega a 1978 com um total
de 875 IES, sendo 65 Universidades (7,4%) e 810 Escolas Isoladas ou
Federações de Escolas. Do total de IES, 228 (26%) eram públicas e 647
(74%) eram particulares. [...]. Em 1980 estavam em atividades nessas IES,
110.000 professores, dos quais 68.000 trabalhando em Universidades e
42.000 em Escolas Isoladas e Federações. (MACIEL, 1991, p. 70).
O arrocho salarial imposto pelo governo nesse período, as condições de
repressão e arbítrio e o aumento quantitativo da categoria, em nível nacional,
constituíram a base para o movimento de organização e luta que culminou com
a criação da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES).
A reunião das AD’s, ocorrida em julho de 1978, foi o catalisador que
deu início à revitalização do trabalho desenvolvido nas associações e ao cres-
cimento do movimento docente, par e passo com o crescimento da luta de
resistência democrática contra o autoritarismo.
Simultaneamente com suas lutas econômicas, o movimento operário
começou a forçar as barreiras políticas impostas pela ditadura. Esse processo
de luta contribuiu enormemente para o desvendamento, aos olhos das mas-
sas populares, da inexistência das liberdades mais elementares. Dessa forma,
não só os sindicatos, mas, também, um número crescente de entidades da
sociedade civil foi assumindo as lutas mais gerais contra a ditadura. Foi o
49 Evidentemente, o programa de implantação da pós-graduação no país, pelo governo militar,
teve outros objetivos além do destacado aqui, inserindo-se num projeto muito mais amplo de
investimento nacional.
88
que ocorreu, por exemplo, com o movimento pró-anistia, que empolgou e
envolveu importantes setores do professorado. Assim, uma bandeira de luta
do movimento docente foi a da reintegração, no meio acadêmico, dos profes-
sores e cientistas atingidos por atos de exceção.
Em 15 de outubro de 1978, dia do professor, o general João Batista
Figueiredo foi escolhido, pelo colégio eleitoral, como futuro presidente da
República. A escolha de mais um general para ocupar a presidência, com
um mandato de seis anos, ocorre em um momento difícil para o regime, que
estava às voltas com cisões internas, com desgaste externo crescente e com os
sinais de uma crise econômica que logo iria acelerar a desagregação das bases
de sustentação do governo militar.
Na tentativa de aquietar os descontentamentos manifestos pela sociedade,
e como resultado das lutas em curso, o governo militar optou por encaminhar
algumas reformas políticas há muito reivindicadas pela oposição, tais como a re-
vogação do AI-5, substituído pelas salvaguardas constitucionais; o abrandamento
da Lei de Segurança Nacional e a distensão lenta, gradual e segura.
Em 1979, ao invés de aquietar-se, o movimento operário-popular ga-
nhou novo fôlego. Em fevereiro desse mesmo ano, realizou-se, em São Paulo,
o I Encontro Nacional de Associações de Docentes (ENAD), com a presença
de 24 AD’s e 03 Comissões Pró AD’s, cuja carta lida na abertura afirmava que
a democratização da Universidade Brasileira está subordinada ao processo
geral de democratização da Sociedade Nacional.” (MACIEL, 1991, p. 71).
Após realizar uma análise crítica da reforma universitária e do autorita-
rismo vigente na universidade, da instabilidade funcional e do arrocho sala-
rial imposto à maioria dos docentes, a plenária aprovou documento que sin-
tetizava as principais propostas apresentadas no Encontro (MACIEL, 1991,
p. 71). Dentre elas, destacamos:
a) a articulação nacional das AD’s e a coordenação das lutas pela auto-
nomia universitária;
b) o exercício e o controle, pela comunidade universitária como um
todo, do governo da universidade;
c) a luta sistemática e organizada pela reintegração dos docentes afasta-
dos do trabalho por expurgo, cassação ou aposentadoria;
d) liberdade, autonomia e unidade sindical;
89
e) reajuste salarial imediato, no mínimo de 70%;
f) contra a expansão do ensino particular e pela contínua expansão da
gratuidade do ensino e pelo aumento de verbas para a educação;
g) análise crítica e diagnóstica das diversas IES, com promoção de de-
bate nacional sobre o assunto, com vistas à formulação de um programa para
transformação do sistema educacional brasileiro;
h) colaboração com o movimento brasileiro pela anistia;
i) agilização de informações, trocas de documentos e estudos de formas
alternativas de uma organização nacional.
Estavam lançadas as ideias básicas que iriam nortear a trajetória do
movimento docente.
Em São Paulo, nos meses de janeiro e fevereiro de 1979, pouco antes da
posse de Paulo Maluf no governo estadual, incorporaram-se ao movimento as
associações ligadas ao serviço público. A Associação do Professorado das Escolas
Oficiais do Estado de São Paulo (APEOESP) desencadeia a discussão com suas
bases e, logo após, começa uma ampla greve dos servidores públicos estaduais.
Participando desde o início, a ADUNESP50 torna-se presença importante na
organização dessa luta. Participou ativamente, por meio de seu presidente, de
uma Coordenadoria Geral que se reunia em caráter permanente, e que foi cria-
da para encaminhar a greve. Nas palavras do presidente da entidade na época,
Nilo Odália (1996), em entrevista, afirmou que o movimento “foi uma coisa
surpreendente, pois todo o funcionalismo parou, inclusive as três universidades”.
A reivindicação geral era de 70% de reajuste salarial mais RS 2 mil.
Após 41 dias, o movimento foi encerrado com a concessão, por parte do go-
verno, dos RS 2 mil. Para as universidades, além dos 2 mil, veio um reajuste
salarial de 30%, o que gerou certo desconforto entre as categorias.
Em março de 1979, o governo federal decretou a intervenção no
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Essa intervenção apenas seria revogada
50 “Depois de 1978, com a greve do ABC, ela começou a influir sobre as Associações ligadas ao serviço
público, e em 1979 começamos a nos reunir [...] pensando em como as Associações poderiam liderar
um movimento, no interior do serviço público, de defesa do serviço público, de melhoria salarial
e outras reivindicações. [...] Mas foi uma greve muito difícil, durou três meses, nós não tínhamos
experiência, foi uma época muito conturbada da ditadura, havia problemas na comissão geral, na
CGT (Coordenadoria Geral dos Trabalhadores do Serviço Público), tínhamos representantes de
todos os partidos, especialmente aqueles que estavam clandestinos.” (ODÁLIA, 1996).
90
em maio, mês em que o presidente da República enviou ao Congresso, pro-
jeto de lei revogando os decretos 228/67, 477/69 e os artigos 38 e 39 da Lei
5540/68. Ainda, em maio de 1979 realizou-se, em Salvador, o XXXI Congresso
da UNE que teve como principal objetivo a reconstrução da entidade.
Em setembro de 1979, em Salvador, realizou-se Reunião Extraordinária
das AD’s, com a participação de 31 entidades, dentre as quais a ADUNESP que
participou com dois representantes da sua diretoria. A Reunião reafirmou os te-
mas gerais de luta definidos no I ENAD e decidiu lutar contra o pacote Portella,
sustando a remessa ao Congresso dos Projetos de Autarquia Especial e Escolha de
Dirigentes e propôs a reformulação ao Anteprojeto de Reestruturação da Carreira.
Como resultado da Reunião, marcou-se para o dia 26 de setembro um
Dia Nacional de Reivindicações Salariais, Trabalhistas e de Carreira nas IES,
com paralisação de atividades, onde fosse possível. Propuseram-se ações de
pressão sobre o Congresso Nacional e discussões sobre os projetos alternati-
vos de organização do ensino superior e da universidade, e convocou-se o II
ENAD para o período de 25 a 29 de fevereiro de 1980, em João Pessoa.
Em fevereiro, realizou-se o II ENAD com a participação de cerca de
180 docentes, representando 38 AD’s. Esse Encontro marcou uma mu-
dança qualitativa do movimento. O elevado número de participantes con-
jugado com o excelente nível de organização desembocou em resultados,
tais como: divulgou-se, pela primeira vez, amplo dossiê sobre demissões
de docentes (79/80), especialmente dirigentes ou militantes do movimen-
to em Institutos do Ensino Superior Particular; as AD’s das Autarquias e
Fundações chegaram a um consenso sobre o índice de reajuste salarial a ser
reivindicado, abrindo perspectivas para uma campanha salarial unificada;
adotou-se a reivindicação do reajuste semestral para os docentes; marcou-se
um dia nacional de luta pelo reajuste salarial (17/04) unificando todas as
AD’s; marcou-se o dia 1º de maio como prazo para a resposta do governo às
reivindicações; criou-se um Comitê de Defesa do Ensino Público e Gratuito;
deliberou-se pela luta por eleições diretas para os cargos diretivos das IES.
Avançou-se, também, o nível político e organizativo da Comissão Nacional
das Associações Docentes (CNAD) atribuindo-lhe responsabilidades na di-
reção do movimento docente, fixando-se a contribuição financeira mensal
91
das ADs e criando uma secretaria executiva para sediá-la.51
Perante a morosidade da resposta do governo para as reivindicações,
marcou-se um Encontro Nacional Extraordinário das AD’s (ENEx AD), em
julho. Nesse Encontro houve um recorde de 49 AD’s participantes, eviden-
ciando a ampliação e o fortalecimento do movimento docente (MD). Neste
Encontro, também, o MD concluiu que a criação de uma entidade nacional
era a melhor forma para garantir o avanço e a unidade do movimento. Assim,
foi deliberada a convocação do Congresso de Fundação da ANDES, que foi
realizado em São Paulo, em 1981.
Entre o ENEx AD e o Congresso, realizou-se uma semana nacional de
mobilização, entre 8 e 15 de setembro. Foi o início da primeira greve nacional
dos docentes das IES Autárquicas, e um dos motivos do pedido de demissão
do ministro Portella.
No dia 19 de fevereiro de 1981, na cidade de Campinas, os 287 delega-
dos credenciados ao Congresso decidem, por unanimidade, fundar a ANDES.
O plenário do Congresso Nacional de Docentes Universitários decide que
a ANDES será uma Associação Nacional, autônoma em relação ao Estado
e às administrações universitárias, sem caráter político-partidário, para
expressar as reivindicações e as lutas dos professores nos planos econômi-
co, social, cultural e político, tanto em campanhas trabalhistas, como na
defesa de uma política educacional que atenda às necessidades populares.
(MACIEL, 1991, p. 75).
No dia 20 de fevereiro foi eleita a diretoria encarregada de conduzir as
lutas dos docentes e de dar os passos necessários para consolidar a organização
e o reconhecimento jurídico da ANDES. Abriu-se, assim, um novo período
para o movimento docente do ensino superior no Brasil.
Observamos que, desde o início, o movimento docente assume uma
postura nitidamente sindical e classista, que reivindica melhores salários e
condições de trabalho, e nisso se aproxima da tradição sindical, pois a luta
econômica é a principal tarefa que os sindicatos de docentes vêm assumindo.
Ao mesmo tempo, alia essa característica à posição de lutar contra as políticas
51 As deliberações do II ENAD constam em Maciel (1991, p. 73). O professor Osvaldo Maciel foi o
primeiro presidente da ANDES.
92
que submetem a universidade e a educação a um processo de esvaziamento
econômico e de mediocridade burocrática e coloca como questões do mo-
vimento, como podem ser verificadas pelos itens a e b do documento do I
ENAD, a autonomia universitária e o governo da universidade exercido pela
própria comunidade acadêmica. E nisso as Associações pré-sindicais distan-
ciam-se da postura clássica dos sindicatos dos trabalhadores em geral. Se as
associações, posteriormente transformadas em sindicatos, aprofundaram ou
não essas questões, é outra questão.
No entanto, esse caráter visivelmente sindical assumido pelas associações
de docentes, não foi, e de certo modo não é até hoje, consenso no meio do pro-
fessorado. No Congresso de fundação da ANDES, se houve consenso acerca
das bandeiras democráticas gerais e daquelas referentes à defesa da universidade
e do ensino público e gratuito, o mesmo não ocorreu quanto às concepções
acerca do caráter sindical da entidade que estava sendo criada. Ao contrário,
havia uma acentuada divergência entre os defensores de uma estrutura fede-
rativa - de uma entidade de entidades - e os que a ela se opunham, propondo
uma Associação Nacional que rompesse com as características do sindicalismo
oficial, fortemente identificado com as práticas fisiológicas e clientelistas do
peleguismo sindical. Essas duas correntes divergiam, também, quanto à direção
a ser eleita para conduzir a ANDES. A primeira, identificada com a concepção
de entidade federativa, propunha a eleição provisória de um colegiado de dire-
ção e, a segunda, que acabou prevalecendo, defendia a eleição de uma diretoria.
Essas divergências acabaram desembocando em duas candidaturas à presidên-
cia, embora estas tenham se composto na plenária da eleição.
Mas, se na plenária de fundação da ANDES, as divergências ficaram
no nível das diferentes concepções sindicais, e não se a entidade tinha ou não
um caráter sindical, por outro lado, sempre houve no movimento docente
resistências localizadas quanto a este caráter.
São vários os fatores que incidem sobre a estrutura e a forma que to-
maram as associações de docentes. Vale lembrar que tanto na época em que a
ADUNESP foi criada, em 1976, quanto na que foi fundada a ANDES, em
1981, anteriores à Constituição de 1988, a estrutura sindical oficial não con-
templava os servidores públicos com o direito à organização sindical, ou seja,
para esse tipo de trabalhador não era permitida a organização de sindicatos.
93
Mas, a partir do final dos anos 1970, com a crescente mobilização desses
setores, o impedimento legal começou a chocar-se com as necessidades de or-
ganização e de defesa dos interesses manifestas por diversas categorias dos ser-
vidores públicos. Conseqüência inevitável: ocorreu um crescente movimento
de retomada das entidades que existiam antes do golpe de 64 e o de criação
de novas, se não de sindicatos, de associações que na verdade desempenha-
vam papel muito semelhante àqueles. Entretanto, por serem associações,
nasceram, em primeiro lugar, desatreladas da estrutura sindical oficial - os
seus filiados não possuíam, portanto, os direitos reconhecidos aos filiados de
sindicatos - e, em segundo, como entidades livres e autônomas, sem alguns
vícios observados nos sindicatos tradicionais. Esse fator incidiu sobre o tipo
de organização adotado pelas associações, elas demonstraram uma espécie de
renovação. Mas não foi o único. Outros fatores devem ser acrescidos a este,
os que decorrem da situação de classe dos docentes (setores médios) e aqueles
que decorrem da própria situação profissional ou, dito de outro modo, da
natureza do processo de trabalho do docente da universidade.
3. O movimento pela democratização do estado e da universidade
Nos anos de 1983 e 1984, diretas urgentes, pra reitor e presidente era a pa-
lavra de ordem gritada em centenas de manifestações das comunidades universi-
tárias, o que refletia o clima político que dominava a UNESP e o país a exigirem
democratização das estruturas de poder. A campanha denominada Diretas Já,
deflagrada pelos partidos de oposição e por inúmeras entidades representativas
dos trabalhadores, refletia o anseio por mudanças da população brasileira.
A UNESP vivia sob o peso das medidas autoritárias implantadas nos
vinte anos de ditadura militar: fechamento de cursos; transferência de docen-
tes; estatutos autoritários; restrições à representação das categorias nos órgãos
colegiados e à participação da comunidade universitária nas decisões internas
da universidade.
O mandato de Armando Octávio Ramos, segundo reitor da UNESP
indicado pelo governador, terminava em março de 1984. Em junho de 1983,
iniciou-se o processo de escolha para o novo reitor que, de acordo com a Lei
94
vigente52, deveria sair de uma lista sêxtupla organizada pelo colégio eleitoral.
No dia 29 de junho, o CO publicou a Resolução UNESP 036/83, a qual previa
uma consulta à comunidade. Em novembro de 1983, o reitor declarou que:
Desta forma, o colégio eleitoral, ao escolher a lista sêxtupla para reitor,
tomará conhecimento, por força da Resolução nº 36/83, das três listas
oferecidas pelas três partes da comunidade universitária. [...] É ocioso di-
zer que a Resolução dá à consulta poder de sugestão e não de decisão [...]
(RAMOS, 1983, p.2).
O movimento pela democratização e por eleições diretas para os cargos
executivos da universidade iniciou-se em agosto de 1983, no Campus de
Assis. De acordo com Salgado (1996),
[...] houve uma movimentação muito grande da comunidade da UNESP.
Um movimento que ultrapassou os limites do Estado de São Paulo, que re-
percutiu no Congresso Nacional, no Senado, que foi, aliás, iniciado aqui em
Assis, em 1983. Eu fui candidato [...] eu sei que naquela época era obriga-
tória a formação de uma lista de seis nomes para, dali, o reitor escolher um
diretor da Unidade. [...] Eu fui o mais votado entre os estudantes, entre os
professores e entre os funcionários. Com uma diferença muito grande com
relação ao segundo colocado. E aí começou o movimento de democratiza-
ção, pedindo que o mais votado fosse o escolhido. (SALGADO, 1996).53
Composta a lista sêxtupla, a comunidade esperou que o nome mais
votado fosse indicado pelo reitor para dirigir a Unidade. Contrariando essa
escolha, o reitor, Armando Ramos, indicou outro nome. A Unidade defla-
grou uma greve que durou sessenta e quatro dias, mas que não sensibilizou a
reitoria, ao contrário, gerou represálias por parte do reitor.54
52 O estatuto da UNESP, promulgado em 1977, previa a elaboração, pelo colégio eleitoral, de lista
tríplice, da qual deveria sair o nome do reitor que seria indicado pelo governador. No entanto, nesse
mesmo ano instituiu-se a Emenda Constitucional à Lei 5540, que determinava a apresentação de
listas sêxtuplas para a escolha de dirigentes das escolas oficiais de todos os sistemas de ensino.
53 O professor Antônio Quelce Salgado foi presidente da ADUNESP na gestão 1984/86.
54 “Infelizmente, não conseguimos reverter o quadro, pois o Armando bancou o durão e até ameaçou
demitir docentes e punir alunos numa sindicância interna que durou muitos meses. [...]. Mas o
pessoal sentia no ar que aqueles eram os primeiros trechos de um caminho que nos conduziria à
democracia.” (SALGADO, 1996).
95
Em novembro de 1983, canalizando a insatisfação da categoria, a
ADUNESP resolveu promover uma eleição para reitor na comunidade.55
Inscreveram-se dois candidatos: Nilo Odália, ex-presidente da ADUNESP; e
William Saad Hossne, docente da Faculdade de Medicina de Botucatu e ex-rei-
tor da Universidade Federal de São Carlos, cargo ao qual chegou após ter sido
indicado pela comunidade daquela Universidade para compor a lista de escolha.
A eleição direta desencadeada pela ADUNESP empolgou a comunidade
e foi assumida, também, pelo Diretório Central dos Estudantes da UNESP
(DCE) e pela Comissão Central de Funcionários da UNESP. A campanha dos
candidatos não foi antagônica, ao contrário, os dois viajavam juntos e parti-
ciparam de inúmeros debates, nos quais o enfoque principal da discussão era
dirigido à democratização da universidade e de seus órgãos colegiados.56
Após as eleições, as entidades representativas dos três segmentos apura-
ram os votos. Entre os docentes, Saad obteve 952 votos (55%) e Odália 622
(36%). Entre os funcionários, os resultados são parecidos, com Saad obtendo
1801 votos (66,2%) e Odália 655 (24,1%). Os estudantes também indica-
ram Saad em primeiro, com 4642 votos (62,7%) e Odália em segundo com
2513 votos (33,9%).57
De dezembro de 1983 a janeiro de 1984, o CO promoveu nova con-
sulta, considerada oficial, agora com os seus candidatos em campanha. Entre
eles encontrava-se o reitor, Armando Ramos, que era inelegível, pois , embora
o estatuto da UNESP que vigorava na época fosse omisso a esse aspecto,
o parágrafo primeiro do artigo 7º da Lei Estadual nº 956/76, que criou a
UNESP, proibia a reeleição para os cargos de reitor e vice-reitor.
Tentando ganhar os votos dos funcionários, a reitoria concedeu alguns
direitos que estavam sendo reivindicados; procedimento que surtiu efeito,
55 “[...] a ADUNESP fez algo realmente inusitado por aqui criando um chamado processo de consulta
para saber quem deveria ser o próximo reitor”. (AYER, 1996). O professor Reinaldo Ayer diretor
da ADUNESP nas gestões de 1980/82 e 1984/86.
56 “Foi um movimento incrível, porque esses dois professores, o professor Nilo e o professor Saad, com
suas assessorias, percorreram toda a Universidade [...] houve debates, houve mais que um debate, os dois
caminhavam sempre juntos, não havia um fenômeno de oposição. O que havia [...] era um processo de
arejamento, de democratização da Universidade. E o que se tinha como mote maior da campanha era
que a Universidade deveria ser democratizada através de seus órgãos colegiados”. (AYER, 1996).
57 Boletim conjunto da ADUNESP, DCE e ASUNESP, novembro de 1983.
96
pois Armando Ramos foi o mais votado neste segmento.
Terminada a consulta, constatou-se nova vitória do professor Saad.
Entre os docentes, ele obteve 64,6%, contra 30,6% de Otávio Ramos. Entre
os funcionários, Saad perdeu por apenas um voto, (1771 a 1770). Os estu-
dantes consagraram Saad com 69,2% da votação.58 Na média ponderada, cal-
culada pela ADUNESP, Saad obteve 57,3% do total de votos, contra 28,5%
do então reitor que ficou em segundo lugar.
No dia 15 de fevereiro, de 1984, alguns dias após a apuração dos votos,
o Colégio Eleitoral foi convocado às pressas e elaborou uma lista sêxtupla que
excluía os nomes dos mais votados pela comunidade, Saad e Odália. Em seus
lugares figuravam na lista candidatos que haviam obtido menos de 1% dos votos.
Em Boletim (1984, p. 1) conjunto publicado logo após pela ADUNESP,
Comissão dos Funcionários e DCE estava a resposta das entidades: “Em
nome da nossa dignidade e do futuro democrático da UNESP, devemos rea-
gir e responder a mais este ato de violência da reitoria. Não podemos aceitar
esta afronta”; “Você gosta de servir de palhaço?”.
Dois dias depois da deliberação do CO, uma caravana, com cerca
de 800 pessoas, dirigiu-se a São Paulo e lotou o auditório do Palácio dos
Bandeirantes. A expectativa era pelo posicionamento do governador, André
Franco Montoro, sucessor de Maluf, e que canalizara, em sua eleição, o des-
contentamento da população com o governo anterior e as esperanças de
democratização. Montoro prometeu aos presentes que o “[...] governo de
São Paulo encontrará meios legais e legítimos para fazer triunfar a justiça na
UNESP, possibilitando a esta Universidade o encontro de sua verdadeira au-
tonomia”. (FOLHA DE S. PAULO, 1984, p. 21). Mas levou tempo até que
a solução fosse encontrada.
Terminado o mandato de Octávio Ramos, e depois de rápida passagem
do vice-reitor, Rafael Lia Rolfsen, pela reitoria59, o CO deu posse a Manuel
Nunes Dias, pró-reitor em exercício, em 26 de março. Notório represen-
tante da repressão durante os anos de 1970, Dias havia enfrentado sérios
58 Comunicado com os resultados da consulta distribuído em reunião do CO, em meados de 1984.
59 “O clima de tensão chegou ao auge ontem em todos os Câmpus da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), quando terminou o mandato do reitor Rafael Lia Rolfsen, sem que o governo do Estado
tivesse definido qualquer posição sobre o impasse criado há 41 dias [...]” (FOLHA DE S. PAULO,
1984, p. 23).
97
problemas durante sua gestão como diretor da Escola de Comunicações e
Artes (ECA) da USP. Sua indicação foi vista pela comunidade acadêmica
como provocação.
A UNESP viveu, até julho de 1984, em clima de agitação constante.
Foram desencadeadas centenas de manifestações; cartas abertas e abaixo-as-
sinados percorreram todos os Campi, a imprensa do país cobriu os fatos co-
tidianamente, houve ocupações da reitoria e de diretorias de vários Campi e
longos períodos de greves.
Na verdade, esse movimento foi fruto da polarização entre três setores:
os malufistas ligados à ditadura e encastelados na reitoria e no CO; a comuni-
dade universitária que exigia a posse de Saad e a democratização da UNESP; e
o governo Montoro que, sob a aparência de tentar uma solução que aplacasse
os ânimos das duas outras partes, tinha interesses de, ao mesmo tempo e por
vias legais, derrotar os malufistas e ampliar o espaço de poder dos peemedebistas.
Em março, o CO, tentando impor a sua lista sêxtupla, revogou a
Resolução 36/83.
Por 25 votos contra 8, o Conselho Universitário da UNESP revogou ontem
a Resolução 36/83, que previa a consulta [...]. Na nota escrita [pela reitoria],
considera-se que ‘infelizmente, a Resolução foi incompreendida por facções
dentro e fora da UNESP, que procuraram confundi-la com eleições diretas
e poder decisório, na tentativa de torná-la instrumento de desestabilização
da Universidade, das leis e regulamentos, originando distúrbios, desordens
e indisciplina [...]’. (FOLHA DE S. PAULO, 1984, p. 21).
O reitor em exercício, Manuel Dias Nunes, impetrou mandato de se-
gurança e, alegando que a postura do governo estadual de não acatar a lista
sêxtupla era ilegal, pediu a nomeação de um interventor para a UNESP. O
Colégio Eleitoral, querendo impor sua lista, chamou para si a autonomia uni-
versitária. Nesse momento, a comunidade universitária teve que defender o
estatuto, instrumento legal que dava o direito ao poder público (governador)
de escolha do reitor e vice-reitor. Essa contradição, bem como a necessidade
de mudança estatutária que viesse atender aos anseios da comunidade interna
da UNESP, foi expressa em artigo na Folha de S. Paulo, na coluna Opinião
(1984, p.2):
98
Fica, pois, o governo do Estado de S. Paulo em um impasse, pois se acei-
tar a lista sêxtupla da UNESP, se torna conivente com um procedimento
autoritário, e se a recusa, viola os regulamentos vigentes. Entre o legítimo
e o legal, a única alternativa é a revisão dos estatutos da Universidade.
As assembleias dos três segmentos da UNESP e as manifestações as-
sumem um caráter gigantesco e, em abril, ocorre a primeira greve geral. Em
maio, o Colégio Eleitoral recusa-se formalmente a compor nova lista. Em se-
guida, cerca de 150 estudantes ocupam a reitoria, na Praça da Sé. Em junho,
os Campi param novamente e os alunos ocupam as diretorias dos Campi de
Assis, Botucatu, Ilha Solteira, Marília, Rio Claro, São José do Rio Preto e do
Instituto de Artes, em São Paulo. Ocorreram vários incidentes entre os estu-
dantes e os policiais que tentaram desalojá-los.
Em julho de 1984, o governador Franco Montoro apresentou a sua
solução para o confronto: nomeou para reitor pro-tempore o professor Jorge
Nagle, docente da área de educação, do Campus de Araraquara, por meio do
Decreto n. 144, de 31 de julho de 1984. Os representantes das entidades e
grande parte da comunidade apoiaram essa medida. A expectativa era a de
que o Prof. Nagle assumisse o cargo e preparasse o terreno para a posse de
Saad. No entanto, não foi o que ocorreu.
No dia 16 de janeiro de 1985, Nagle convocou o Colégio Eleitoral para
a elaboração de nova lista sêxtupla. Nessa lista figurou, além de seu próprio
nome, o do Prof. Saad. Contrariando as expectativas da maioria, o governador,
Franco Montoro, nomeou Nagle como reitor definitivo e, de acordo com ma-
térias veiculadas nos jornais da época, tomou essa decisão de imediato.
O governador Franco Montoro, efetivou ontem, no final da tarde, o profes-
sor Jorge Nagle no cargo de reitor titular da UNESP. Montoro recebeu on-
tem mesmo a lista sêxtupla elaborada pelo colégio eleitoral da Universidade,
das mãos do então reitor pro-tempore Jorge Nagle e foram necessários dez
minutos para efetivá-lo no cargo que vinha exercendo desde o início de
agosto do ano passado. (ESTADO DE S. PAULO, 1985, p. 4).
A escolha do educador Jorge Nagle, e não do médico William Saad
Hossne, para ocupar regularmente a Reitoria da UNESP, provocou vee-
mentes protestos de representantes de professores, funcionários e alunos
99
[...]. Foi o que anunciaram ontem Antônio Quelce Salgado, presidente da
Associação dos Docentes da UNESP, Bento Guerreiro Júnior, membro do
Diretório Central de Estudantes da UNESP (DCE) [...] e o Coordenador
da Comissão Central de Funcionários da UNESP, Acádio Paulino.
(FOLHA DE S. PAULO, 1985, p.3).
Além dos membros das entidades, vários setores manifestaram-se pe-
dindo a renúncia de Nagle, mas a sua nomeação era irreversível.
Com o grupo malufista fora da reitoria e com a nomeação de um rei-
tor que se postava contrário ao regime vigente, em seu mandato Nagle pode
promover algumas mudanças na universidade, a mais significativa seria a re-
formulação dos estatutos da UNESP.
De acordo com os estudantes, em carta-programa para a eleição do
Diretório Central dos Estudantes da UNESP (DCE, 1985, p. 4), Nagle
Convocou eleições para o DCE, que indicará os representantes estudantis
no C.O., de onde estavam afastados há quatro anos. Nomeou elementos
indicados pela comunidade para integrar uma comissão para reestrutu-
rar a UNESP, modificando seus estatutos e sua estrutura retrógrada num
Congresso Democrático [...]. ‘Um novo estatuto pode, por exemplo,
aumentar para 1/5 nossa representação nas Congregações e no C.O.’.
(Chapa concorrente ao DCE ‘UNESP: democracia já’). A Chapa ‘DCE -
Avançar na Luta’ reivindicava ‘Posse imediata do Prof. Saad; realização do
Congresso da Universidade que seja paritário, autônomo e representativo,
e soberano; representação paritária nos órgãos colegiados.
4. O novo Estatuto da UNESP e a reforma democratizante
O paradigma de organização do trabalho que reinou entre o fim da
Segunda Guerra e começo dos anos de 1970, a gerência científica, em cujo
núcleo se encontra a burocracia, e a tentativa de sua implantação na organi-
zação do trabalho nas escolas de 1º e 2º graus não se consumou totalmente.
Quanto às universidades, tais tentativas apenas as tangenciaram. Os docen-
tes, exatamente porque ainda conservam o controle de um conjunto significativo
de aspectos inerentes ao processo de trabalho no qual se vêm envolvidos - pesquisa,
ensino e extensão - beneficiam-se de um regime de trabalho bastante livre.
100
No entanto, a inexistência, na universidade, de um padrão de organiza-
ção do trabalho típico à ordem vigente não significa que a classe dominante
não tenha se preocupado com o problema e que não tenha tentado impor tal
padrão à mesma. A existência de uma estrutura administrativa dual de poder,
baseada num sistema de colegiados, por um lado, e num sistema burocrático,
por outro, constitui um forte indício da disposição da classe dominante em
submeter ao seu controle o trabalho na universidade. Esses indícios podem
ser verificados, também, como vimos anteriormente, na nomeação dos rei-
tores pelos governos, na alocação de verbas feitas de forma indiscriminada e
com critérios políticos, nos métodos impostos de avaliação do trabalho do-
cente e na ameaça constante de privatização das universidades públicas ou de
implantação do ensino pago.
Entretanto, tais esforços não deixaram de deparar-se com a resistên-
cia e a oposição dos trabalhadores da universidade. Estes não permaneceram
indiferentes às ameaças às suas conquistas trabalhistas e procuraram sempre
resistir a esse controle.
Num dado momento, a resistência ao controle no trabalho articulou-se
de um modo construtivo com uma questão muito mais ampla, qual seja, a
luta que a sociedade brasileira vinha travando contra o Estado ditatorial. Esse
movimento adquiriu na Universidade Estadual Paulista (UNESP)60 duas
formas de manifestação: no geral, a luta pela democratização do Estado e
da sociedade e, no plano interno, a luta pela democratização das estruturas
de administração que também se encontravam transfixadas pelo autoritaris-
mo. (PROPOSTA DA ADUNESP PARA A REFORMA ACADÊMICO-
ADMINISTRATIVA, 1991, p.5)
Dessa forma, em 1984, quando as entidades e a comunidade univer-
sitária ainda discutiam a sucessão para reitor, outro debate começou a tomar
forma: a elaboração de novos estatutos para a Universidade. Em novembro
de 1984, o reitor pro-tempore, Jorge Nagle, convocou o processo estatuinte
e promoveu um Simpósio, no Campus de Botucatu, do qual participaram
360 delegados dos três segmentos da comunidade universitária. De acordo
com o Informativo UNESP (1984, p. 1), o Simpósio envolveu dois dias de
60 Utilizamos aqui o exemplo do movimento ocorrido na UNESP, no entanto, observamos que as
outras universidades estaduais paulistas percorreram trajetória semelhante.
101
amplos debates em torno de cinco tópicos: a) Objetivos da Universidade; b)
Relações com a sociedade e com o Estado; c) Estrutura de Poder; d) Regime
de Trabalho e Carreira (funcionários e professores) e Assistência Estudantil;
e) Ensino, Pesquisa e Extensão de Serviços à Comunidade. Reunidos em gru-
pos, cada um dos segmentos, separadamente, discutiu os cinco tópicos e, na
plenária final, foram apresentados pelos relatores os resultados das discussões.
Os relatos foram encaminhados por escrito à Comissão Central para que esta
os ordenasse e os enviasse para discussão com toda a comunidade.
Nesse Simpósio foram apresentadas propostas pelo setor estudantil,
tais como: “paridade, desde o Conselho Universitário, descendo toda a hie-
rarquia até os Conselhos de Departamentos. A eleição direta e paritária para
todos os cargos diretivos da UNESP é essencial” (TOLA, 1984, p. 5). As
propostas, em termos de estrutura de poder, dos funcionários e docentes,
priorizaram as eleições diretas para reitor e vice-reitor, diretor e vice-diretor e
chefe e vice-chefe de departamentos, além de reivindicarem a adoção de uma
política salarial.
Em documento publicado pela ADUNESP, em 23 de maio de 1985,
intitulado A ADUNESP e a reestruturação da universidade, no qual a enti-
dade representativa dos docentes apresentou ao setor as propostas para o
Congresso de Reestruturação, além das propostas citadas, aparecem outras,
tais como: sufrágio universal na escolha dos dirigentes universitários;61 reti-
rada de critérios de titulação para a escolha de dirigentes; todo o poder de
deliberação aos órgãos colegiados, e aos dirigentes as funções executivas e
de representação; subordinação da ação de chefes de departamento, diretor
e reitor, respectivamente, ao Conselho Departamental, à Congregação e ao
Conselho Universitário; subordinação das políticas técnico-administrativas
aos órgãos colegiados, para se evitar a concentração de poder nas mãos dos
super funcionários; defesa do princípio da descentralização e a maior auto-
nomia possível às diferentes instâncias da administração; crítica à confusão
entre extensão de serviços, decorrente das funções de ensino e pesquisa, com
prestação isolada de serviços, a partir de demandas de mercado; supressão
61 “Na escolha dos dirigentes universitários urge resgatar o sufrágio universal, livremente exercido sem
qualquer forma de tutela, como o mais adequado meio de exercício democrático.” (A ADUNESP
E A REESTRUTURAÇÃO DA UNIVERSIDADE, 1985, p. 2).
102
da primazia que as atividades de pesquisa ocupam na avaliação do docente,
devendo esta ser avaliada por todas as atividades desenvolvidas; desvinculação
da ótica elitista que tem associado os títulos acadêmicos à aquisição de poder
político na universidade; entre outras.
Podemos observar que, quando comparadas com as propostas dos outros
setores, as defendidas pela Associação, à época, eram as mais radicais e as que
propunham um profundo reordenamento na estrutura de poder da universidade.
Após o Simpósio em Botucatu, a Comissão Organizadora da
Reestruturação, presidida pelo Prof. José Ênio Casalecchi, redigiu uma pré-
-minuta de estatuto para a Universidade. Assim, convocou-se o Congresso
de Reestruturação da UNESP que ocorreu nos meses seguintes, em várias
etapas, nos Campus de Araraquara e de Jaboticabal.
Na primeira etapa do Congresso, em Araraquara, realizada nos dias 15
e 16 de maio de 1985, foi aprovada uma comissão paritária, composta ini-
cialmente por cinco membros de cada segmento, encarregada de elaborar um
anteprojeto de estatuto. Com o avanço das discussões, realizou-se nova etapa
do Congresso, no dia 28 de junho.
No dia 23 de julho, na reitoria, instalou-se a Comissão de Redação do
Anteprojeto de Estatuto da UNESP, composta por nove membros, três repre-
sentantes de cada segmento. Entre os docentes figuravam Nilo Odália, ex-pre-
sidente da ADUNESP, Antonio Quelce Salgado e Reinaldo Ayer de Oliveira,
respectivamente, presidente e secretário geral da Associação na gestão que esta-
va em curso. Integravam ainda a Comissão, juristas conhecidos como Dalmo
Dallari, Hélio Bicudo e Carlos Simões. Estiveram presentes, também, no ato de
instalação da Comissão, de acordo com dados da ata da primeira reunião62, o
vice-reitor em exercício, Paulo Milton Barbosa Landim, e os professores Telmo
Correia Arrais e José Ênio Casalecchi, o primeiro Chefe de Gabinete da Reitoria
e, o segundo, Coordenador da COTRU, ex-presidentes da ADUNESP.
A Comissão trabalhou com vários materiais, pois, além daqueles que
resultaram das etapas do Congresso, havia cinco grupos articulados entre
os Campi sistematizando as propostas advindas dos três setores e que, pe-
riodicamente, remetiam à Comissão os textos de conclusão. Foram criadas
62 Ata da solenidade de instalação e da 1a. Reunião da Comissão de Redação do Anteprojeto do
Estatuto da UNESP, realizada no dia 23 de julho de 1985.
103
Comissões Locais dos Trabalhos de Reestruturação compostas pelos dele-
gados dos setores docente, discente e técnico-administrativo, em todos os
Campi da UNESP e que enviavam seus relatórios à Comissão de Redação. A
própria Comissão subdividiu-se em três grupos para dar conta dos cinco tó-
picos definidos pelo Simpósio, tendo por base, também, os estatutos da USP
e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Em 1986, a Comissão Central submeteu o Anteprojeto do Estatuto
da UNESP à aprovação da comunidade universitária, por meio de plebisci-
to realizado entre os dias 26 e 29 de agosto. A grande maioria dos votantes
(73,3%) optou pelo sim. (JORNAL DA UNESP, 1986, p. 10).
Neste momento, instala-se uma grande polêmica em torno do novo
estatuto. Alegando que “[...] o conjunto das propostas apresentava muitos
pontos conflitantes, devido a diferentes concepções dos diversos segmentos
e grupos.” (REVISTA DA ADUNESP, 1986, p. 17), o reitor, Jorge Nagle,
indica uma comissão paritária, com a participação de juristas, e a encarrega
de apresentar um anteprojeto de estatuto. O anteprojeto elaborado por esta
comissão ficou conhecido como o substitutivo Nagle. No final de 1987, o
anteprojeto é enviado ao CO que, discutindo item por item, levou um ano
para aprová-lo.
As críticas vieram de todos os lados. Salgado (1996), em entrevista,
relata que
O estatuto que nós organizamos, que a comunidade organizou foi alta-
mente modificado pelo Conselho Universitário, pelos membros da ad-
ministração que estavam na época, o Sr. Nagle e companhia. E nós nos
sentimos traídos. Houve muita discussão, muita discordância etc., mas,
nós não tínhamos a força que precisaríamos ter para impor aquele estatuto
que [...] a comunidade, na sua mais ampla representação, [...] elaborou.63
Para Woiski (1996), “[...] desapareceu, virou pó o original do estatuto
da comunidade. [...] lemos todo o substitutivo Nagle e achamos que era um
63 “[...] no fim ocorreu o seguinte, o professor Nagle, lógico, se cercou das pessoas que o apoiavam, das
pessoas com quem convivia, [...] essas pessoas, no fundo, articularam um substitutivo do estatuto
que tinha saído do Congresso de Jaboticabal. Na realidade, a universidade não tem o estatuto
aprovado [pela comunidade]. Tem um outro estatuto. Não considero isso uma traição, considero
apenas um problema do poder, quem está no poder, como exerce esse poder”. (AYER, 1996).
104
retrocesso brutal no processo de democratização. [...] o substitutivo Nagle
recuperava em grande parte o autoritarismo do estatuto original [...].64
Ainda, para Veríssimo (1996),
O que tentaram fazer foi uma junção dos dois processos. [...] Eu, como
aluna, participei de todo esse processo, invadi diretoria, invadi reitoria
etc. [...] Eu me lembro que era como se eles tivessem feito um estatuto de
gabinete. Pegaram os ‘iluminados’, que é como eles se consideravam, parte
daquele estatuto elaborado pela assembléia, pela comunidade e reapresen-
taram, num novo substitutivo.65
Ainda, houve polêmicas e críticas com respeito à posição que a
ADUNESP assumiu nesse episódio. Para Woiski (1996), em entrevista,
Estava se discutindo o estatuto e se passou a discutir somente sobre o subs-
titutivo Nagle, com o apoio massivo mesmo da diretoria da ADUNESP.
[...] O pessoal egresso da ADUNESP foi capturado para a incorporação
na institucionalidade, indo parar em cargos de gabinete.
“Porque ela [ADUNESP] se apresentava para a gente como nossa re-
presentação de classe, mas ao mesmo tempo, assumindo uma postura que
por debaixo do pano’ referendava o substitutivo apresentado pelo próprio
Jorge Nagle.” (VERÍSSIMO, 1996).
“Determinado grupo confundia essas coisas. Não conseguia delimitar
claramente qual o papel da ADUNESP, qual a relação com o reitor e como é
que essas coisas se colocavam. [...] etapa, em que podia se confundir AD com
a reitoria.” (MENDONÇA, 1996).66
No entanto, não foi essa a avaliação realizada pela professora Lúcia Lodi (1996),
presidente da Associação em 1988, quando o anteprojeto de estatuto tramitava no CO.
64 O professor Emanuel Rocha Woiski foi presidente da ADUNESP - S.S. na gestão 1994/96 e vice-
presidente na gestão 1996/98. O Prof. Woiski na época dos acontecimentos foi delegado de sua
Unidade e, dessa forma, teve uma participação intensa nas discussões do estatuto
65 A professora Maria Valéria Barbosa Veríssimo foi vice-presidente da ADUNESP - S.S. na gestão
1992/94. Observamos que na época dos acontecimentos, a Profa. Maria Valéria era aluna da
UNESP e participou intensamente do processo de discussão do estatuto.
66 A professora Sueli Guadalupe de Lima Mendonça foi presidente da ADUNESP - S.S. na gestão
1992/94 e vice-presidente na gestão 1994/96.
105
Eu digo que apesar de ter sido um processo complicado, como há avalia-
ção nesse sentido, porque não se respeitaram as deliberações do Congresso
[...] Eu entendo que ainda que as deliberações do Congresso não tenham
sido rigorosamente obedecidas, fui uma responsável pela redação final
das deliberações e pondero que havia algumas inviáveis do ponto de vista
da legislação que estava vigendo, havia algumas contradições internas no
conjunto das decisões que foram sendo tomadas. [...] Em que pese que
aquilo [deliberações do Congresso] foi filtrado, a comissão filtrava, e a
gente votava. Por exemplo, uma colega de Botucatu ficava bravíssima,
dizendo que o Congresso tinha deliberado de determinada forma e, claro,
deliberou, mas aquilo estava sujeito à interpretação da comissão, tomando
a forma de estatuto, acabava tendo que se submeter à legislação que estava
vigendo, à redação final [...]. Acho que a Universidade ganhou só com a
discussão de como organizar a vida [...] nos seus vários aspectos.67
Entretanto, no ano em que o Estatuto foi discutido e votado no CO,
por meio de representantes no órgão colegiado e, também, por intervenção
da própria diretoria da ADUNESP68, foram enviadas várias emendas ao subs-
titutivo e algumas foram aprovadas, o que contribuiu para democratizar o
texto final.
67 A professora Lúcia Helena Lodi foi presidente da ADUNESP nas gestões de 1988/90 e 1990/92.
68 Essa intervenção fica evidente pelas propostas aprovadas em reuniões de plenárias e de diretoria da
ADUNESP, como demonstram os boletins informativos da entidade. “Houve consenso geral quanto
à necessidade de a ADUNESP influir sobre o processo em curso no C.O. [de votação do estatuto].
(BOLETIM DA ADUNESP, 1988, p. 1). “No dia 21 de julho, segundo convocação prévia dos
conselheiros e representantes das AD’s Locais, a ADUNESP Central reuniu-se em sua sede com o
propósito de definir algumas linhas de ação com respeito à elaboração do Estatuto ora em curso.
[...]. Levando em conta a presença da nossa representação no CE concluiu-se que seria oportuno e
estratégico tentar uma negociação com o Reitor em torno dos pontos definidos. [...]. A audiência
com o Prof. Nagle ocorreu no dia 10 [...]. Como resultado desse encontro foi possível chegar a um
acordo sobre os seguintes pontos: 1 - eleição para diretor de unidade e chefe de departamento (não
paritária); 2 - eleição dos representantes docentes para os colegiados independente da titulação,
exceto para órgãos técnicos; 3 - participação dos colegiados no processo de elaboração, aprovação e
acompanhamento dos respectivos orçamentos (departamento, congregação, C.O.); 4 - participação
de representantes da sociedade nas congregações a critérios destas; 5 - escolha do reitor mediante
lista tríplice, pelo Colégio Eleitoral através de consulta à comunidade acadêmica.” (BOLETIM DA
ADUNESP, 1988, p. 1-2) Observamos que, apesar da negociação, nem todas as propostas foram
aprovadas, como, por exemplo, a definida no item 5. A consulta à comunidade para escolha do
reitor não é prevista no Estatuto.
106
Apesar da polêmica que se instalou e das críticas, inclusive de que a
ADUNESP, neste processo, esteve mais ao lado da reitoria do que da co-
munidade, é fácil perceber que um dos fatores determinantes da aprovação
do substitutivo Nagle, em detrimento das deliberações do Congresso, foi a
posição elitista e de resguardo do poder dos docentes. Não foi por outro
motivo que a proposta de proporção majoritária de docentes, em relação aos
demais segmentos em conjunto, na escolha de diretor e vice-diretor, levada
ao CO em meio às discussões do estatuto, foi aprovada. Em novembro de
1988, quando o CO discutia as regras para as próximas eleições para reitor
e vice-reitor, ao contrário do que estava previsto, em vez de os conselheiros
analisarem o documento que a comissão paritária, indicada pelo Conselho
para formular uma proposta traria para a apreciação do CO, chegaram duas
propostas distintas. A comissão desfez-se e o documento apresentado pelos
segmentos discente e técnico-administrativo defendia a paridade na consulta,
porém, os docentes reivindicavam que sua participação tivesse maior peso,
3/5 contra 1/5 e 1/5 para os outros dois segmentos. Durante a reunião, uma
nova proposta foi votada e prevaleceram os pesos de 2/4, 1/4 e 1/4 para pro-
fessores, funcionários e alunos, respectivamente.69 Nas eleições para reitor e
vice-reitor, realizadas em novembro de 1996, quando parecia que a discus-
são sobre a paridade já estava esgotada frente ao ocorrido em 1992, parcelas
significativas dos docentes e algumas AD’s Regionais, sobretudo as de Ilha
Solteira e de São José do Rio Preto, questionaram a posição da AD Central
e do próprio Colégio Eleitoral que se posicionaram a favor do voto paritário
proporcional. Aliás, temos dúvida de que se a discussão fosse ampliada e com
intensa participação da categoria, se esta realmente referendaria a posição
assumida pelo sindicato desde as eleições de 1992.
Na verdade, se bem observados os fatos e a conjuntura política da época,
69 “‘Está claro que o princípio que preserva a influência majoritária dos professores representa o
desejo da maioria. Não podemos negar que há alguns professores que defendem a paridade, mas
a posição da ADUNESP é a de defender o ideal da maior parte dos docentes’, afirma Candido
Vieitez. Aparecido de Jesus Cecílio Cabreira, tesoureiro da ASUNESP, rebate: ‘Os docentes é que
terão o poder de eleger o próximo reitor. Os funcionários não terão nenhum poder de decisão’, diz.
Embora a quase totalidade das cadeiras do C. O. estejam sendo ocupadas por pessoas eleitas pelo
voto da comunidade, o presidente do DCE invoca a questão da representatividade: ‘ O Conselho
está fora de sintonia com a comunidade universitária. [...]’ “ (JORNAL DA UNESP, 1988, p. 11).
107
parece-nos que a crítica efetuada por uma corrente política da ADUNESP de
que “[...] parte do pessoal egresso da ADUNESP foi capturada pela institu-
cionalização” (WOISKI, 1996),70 não se sustenta. Ao contrário do que pensa
o ex-presidente do sindicato, não foi a reitoria que cooptou os diretores egres-
sos da entidade, mas foi a própria Associação, por meio de seus ex-diretores e
dos da gestão que estava em curso, que fez o reitor.71
Em 1982, pela primeira vez pós-golpe de 1964, por meio de eleições
diretas, assumia o governo do Estado um candidato do partido de oposição,
do PMDB. Observamos que, na época, vários partidos de esquerda, que sob a
ditadura operavam de forma clandestina, incorporaram-se ao PMDB e tinham
seus candidatos para a Assembleia e para a Câmara, eleitos sob essa sigla, como,
por exemplo, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partido Comunista do
Brasil (PCdoB) e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Esses
partidos tiveram relativa influência no governo Montoro, sobretudo o PCB.
No entanto, as forças políticas de direita dominaram por certo tempo,
ainda, vários órgãos e instituições do próprio Estado. Em 1984, como pu-
demos verificar anteriormente, era essa a situação da UNESP, cuja reitoria,
algumas diretorias de Unidades e parte do Conselho Universitário eram com-
postos por membros indicados pelo governo Paulo Maluf. Na transição, o
embate e a articulação entre essas forças foram inevitáveis, possibilitando que
um grupo de docentes da UNESP, sob a influência do PCB, pudesse não só
rearticular e dirigir a Associação como, também, indicar o reitor.72
70 “O atual presidente da Adunesp, Emanuel Rocha Woiski, questiona o papel cumprido pela
entidade no final do processo que levou ao novo estatuto da Unesp. Ele considera como ‘nebulosa
a atuação da Associação. [...] Para ele, houve uma ‘transição pelo alto’, responsável por uma certa
desconfiança’ da categoria em relação à Associação naquele momento. Ele faz um paralelo com as
‘Diretas, já!’, quando ‘as aspirações das massas foram canalizadas e controladas pelas elites, que se
recompuseram às custas da destruição da vontade popular’. Na Unesp - emenda Woiski - ‘houve
um abandono pragmático das aspirações da comunidade em troca do que a direção da Adunesp
considerou como mal menor’ “ (REVISTA DA ADUNESP, 1996, p. 19). “‘Eu me envolvi bastante
na gestão Jorge Nagle’, reconhece Lúcia Helena Lodi, ressaltando que isso ocorreu com ela e outros
colegas porque viam avanços que poderiam ser conquistados. ‘E a maior parte destas expectativas
foi suprida’, conclui.“ (REVISTA DA ADUNESP, 1996, p. 19).
71 De acordo com nossa visão, parece clara a influência que os ex-diretores da ADUNESP tiveram na
indicação do reitor. No entanto, o Prof. Woiski tem razão quando aponta a confusão que houve, em
determinado momento, entre membros da Associação e direção da UNESP.
72 “Porque nesse momento quem ganhou a eleição para governador foi o professor Montoro. E ele
108
Com o grupo Nagle, como ficou posteriormente conhecido na UNESP,
no poder, outro embate avizinhou-se, aquele que decorreu das diferentes visões
entrou com todo o pessoal das Universidades, o Paulo Renato, o Serra, o André, pessoas que nos
ajudaram muito. [...]. E isso permitiu que nós tivéssemos um acesso ao Palácio dos Bandeirantes
que não tínhamos antes. [...]. Nós não podíamos indicar ninguém nesse momento, porque estavam
lá o reitor e o vice-reitor. A tese foi de discutir tudo isso e depois fazer com que os mandatos de cada
um deles desaparecessem. Quando acabou o mandato do Armando assumiu a reitoria o professor
Lia Rolfsen. Nessa ocasião é que começamos a fazer as indicações. [...]. Nessas discussões com o
secretário do governo Montoro, que era muito atirado e queria resolver as coisas rapidamente, ele
propôs que desconsiderassem os dois nomes indicados, do professor Saad e do professor Ramos,
indicados pelos blocos opostos, em luta, já que o governador não poderia favorecer nenhum dos
dois lados. Um terceiro nome seria mais imparcial, não estando envolvido na luta. [...]. E em
seguida o secretário pediu que pensássemos num terceiro nome. [...] Um dia o Paulo Renato me
telefonou dizendo da necessidade de indicar o terceiro nome rapidamente. Eu conversei com o Zé
Ênio e indicamos o Jorge Nagle que não tinha todo aquele passado de luta que tínhamos, sendo
um nome mais isento e, ao mesmo tempo, era uma pessoa muito competente profissionalmente,
tinha sido diretor por vários períodos. Ele foi nomeado, tomou posse ‘pró-tempore’. Foi difícil,
tivemos que invadir a reitoria para tomar posse. [...] Levamos um advogado do Palácio para fazer
a ata, tomamos a reitoria em cinquenta pessoas. [...]. Nós permanecemos na reitoria, eu e o Jorge,
eu como Chefe de Gabinete. [...] Foi muito difícil, porque tivemos que reformular todos os órgãos
colegiados da Universidade para preparar a eleição da lista sêxtupla. Depois dos seis meses, me
parece que em dezembro de 84, ou janeiro de 85, tínhamos trabalhado os votos. [...] Foram vários
os candidatos. Realmente, basicamente deveria ser ele. O Nagle ganhou.” (ODÁLIA, 1996). “
Isso no governo Montoro. E como estava com todo um processo de renovação (Montoro e Maluf),
próximo das Diretas Já, havia todo esse clima no país [...]. Roberto Gusmão na época era secretário
do governo e chegou-se ao ponto de beco sem saída. [...] até que se chegou a uma solução negociada
que era a designação do pró-tempore [...] foi designado o professor Jorge Nagle. Foi uma tentativa
de conduzir a universidade a uma nova unidade e conseguiu.” (ARRAIS, 1996). O professor
Telmo Arrais foi presidente da ADUNESP na gestão 1982/84. “[...] a gente, um grupo de oito
ou nove pessoas, [...] eu, alguns diretores e tínhamos doutor e auxiliar de ensino, que eram da
Adunesp, alguns diretores que resistiram e levaram o professor Jorge Nagle para a reitoria, quando o
Montoro entrou, na gestão do professor Telmo.” (CASALECCHI, 1996). “[...] porém eram poucas
as pessoas de partidos dentro do movimento. O grupo, por exemplo, e isso eu sempre discutia
de maneira franca, aberta, com o Nilo, o José Ênio, ou seja, que eram as pessoas mais ligadas ao
Nagle, que havia muito uma conotação de PMDB. Era um pessoal muito PMDB, eu tinha essa
discussão com eles [...] O Guariba fez parte do governo Montoro, o Ulisses, o Zé Ênio, o Nilo. O
Zé Ênio sempre foi do PC. O Tidei, esse pessoal era do PC. O Zé Ênio, passado esse movimento
de democratização, eu acho que era a pessoa que mais entendeu a questão.” (AYER, 1996). “Mas o
grupo do Nagle foi Adunesp, foi direção durante muito tempo. [...] A Lúcia, o Geraldo Balestriero,
o Telmo, o Nilo Odália, o Ulisses [...] são aí dez anos. São todas as direções. É grupo Nagle “.
(MENDONÇA, 1996).
109
de universidade e de sua democratização, uma manifesta pela reitoria e seus
apoiadores e, outra, manifesta por setores do corpo docente e discente, que ga-
nhou forma no Congresso de Reestruturação, cujos resultados já comentamos.
Mas, é fato também que a derrota que a comunidade sofreu na questão
dos estatutos resultou em polêmicas por muito tempo. Na prática, embora não
formalmente, em 1992 e 1996, as eleições para reitor e vice-reitor e, em algu-
mas Unidades, para diretor e vice-diretor, foram paritárias, reflexos das pressões
exercidas pelos três setores. Também não foi por obra do acaso que entre 1990
e 1991, quando estava em pauta a luta por mais verbas para as universida-
des na época da votação da LDO, setores dos três segmentos questionaram
a falta de transparência orçamentária da reitoria. As entidades congregaram
as insatisfações dos segmentos e a ADUNESP acabou levando para o CO a
proposta, advinda do setor docente, de realização de uma auditoria ampla na
Universidade. A proposta não foi aprovada no Conselho, entretanto, desen-
cadeou um interessante debate que culminou com o início de uma Reforma
Acadêmico-Administrativa, com o intuito de reavaliar a universidade a partir
de contribuições advindas da comunidade acadêmica. Para receber essas contri-
buições, a reitoria indicou uma Comissão de Sistematização das propostas. A
Associação realizou, nos dias 14 e 15 de maio de 1991, no Campus de Marília,
o Simpósio da ADUNESP sobre a Reforma Acadêmico-Administrativa. A propos-
ta final que resultou desse Fórum e que foi enviada à Comissão, apresentada
originalmente pela diretoria da ADUNESP Regional de Marília, trazia ques-
tões interessantes acerca de pontos como a gestão democrática, descentraliza-
ção administrativa, etc. A Comissão de Sistematização recebeu várias propostas
advindas de Congregações, grupos de docentes, Departamentos. No entanto, o
tempo passou, o Prof. Arthur Roquete de Macedo assumiu a reitoria, e o pro-
cesso foi esvaziado. As poucas resoluções tomadas acerca da Reforma fugiram,
novamente, da expectativa da comunidade.
Em 1994, na campanha salarial, novamente a comunidade questionou
a falta de transparência orçamentária do executivo e, novamente, surgiu a
proposta de auditoria. Certa insatisfação histórica, resultante da pendência no
encaminhamento da elaboração dos estatutos, acabava desembocando, geral-
mente, em propostas e questionamentos em todas as datas-base, votações da
LDO e processos de escolha dos dirigentes.
110
Embora o estatuto aprovado no CO não tenha refletido exatamente o
que saiu do Congresso de Reestruturação, sobre uma questão todos concor-
dam,73 este se constitui em um dos mais avançados e democráticos quando
comparado com o de outras universidades. Dessa forma, a nosso ver, tanto o
processo de elaboração deste Estatuto, quanto a indicação do Prof. Nagle para
a reitoria proporcionaram significativo avanço democrático para a UNESP.
Não pretendemos, com esta análise, esgotar essa discussão, mas pince-
lar as principais variáveis que influenciaram os acontecimentos. Restam-nos,
agora, indicar, com maior precisão e de maneira comparativa, as principais
modificações realizadas no estatuto.74
Em vista do deliberado pelo Conselho Universitário, em sessão de 15
de dezembro de 1988, e pelo Conselho Estadual de Educação, em sessão de
25 de janeiro de 1989, e com base no art. 207 da Constituição, o reitor da
UNESP, por meio da Resolução UNESP de 21 de fevereiro de 1989 aprova o
Estatuto da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Em 03
de março de 1989, pelo Decreto de nº 29 720, o governador do Estado, no
uso de suas atribuições legais e considerando a autonomia didático-científica,
administrativa e de gestão financeira e patrimonial, assegurada às universida-
des pelo art. 207 da Constituição, aprova o mesmo Estatuto.
Vejamos algumas das modificações mais importantes introduzidas por
este Estatuto e, consequentemente, pela primeira reforma acadêmico-admi-
nistrativa, quando confrontados o Estatuto vigente no período entre 1977
73 “Digo que o resultado desse trabalho foi de avanço, que o estatuto da UNESP é um dos mais
avançados [...]“ (LODI, 1996). “Mas, hoje, mesmo com estas mudanças que trouxeram muitos
dissabores na comunidade, nós temos, seguramente, o estatuto mais democrático da universidade
brasileira“ (SALGADO, 1996). “[...] tanto é que a universidade foi dotada de um estatuto muito
melhor que o que existia.” (AYER, 1996). “Eu acho que a Unesp acabou sendo um avanço, porque,
depois da gestão do professor Jorge Nagle, quando conseguimos discuti-la, mudar o estatuto,
melhorou muito a situação.” (CASALECCHI, 1996).
74 Para a elaboração deste item trabalhamos com os seguintes documentos: Estatuto da UNESP, Decreto
nº 9.449, de 26 de janeiro de 1977; Parecer do Conselho Estadual de Educação nº 845/80, que alterou
o Estatuto e o Regimento Geral da UNESP, aprovado em 28 de abril de 1980; Anteprojeto do Novo
Estatuto da UNESP, sistematizado pela Comissão de Redação; Boletim Informativo do DCE Helenira
Resende da UNESP, de junho de 1985, com as principais deliberações do Congresso de Reestruturação;
Propostas de Alteração do Anteprojeto do Estatuto da UNESP apresentadas pela reitoria; e Substitutivo
ao Anteprojeto do Estatuto da UNESP apresentado pela Reitoria, em julho de 1987.
111
e 1989, as propostas advindas do Congresso de Reestruturação e aquelas
encaminhadas pelo Substitutivo da Reitoria.
Quanto aos órgãos da administração central, foram criados novos co-
legiados a partir da suposição de que isto constituiria um fator de democrati-
zação. São órgãos da administração central: o Conselho Universitário (CO);
os conselhos centrais, Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão Universitária
(CEPE) e o Conselho de Administração e Desenvolvimento (CADE),
e a reitoria. (Cap. I, art. 16, p. 9). Tanto o Anteprojeto do Congresso de
Reestruturação como o Substitutivo da Reitoria propunham apenas o CO,
o CEPE e a reitoria como órgãos da administração central. O CO, instância
superior da universidade, de caráter normativo e deliberativo, tem como atri-
buições traçar as diretrizes gerais e exercer a jurisdição superior da universi-
dade; definir as diretrizes básicas do ensino, da pesquisa e da extensão univer-
sitária; planejar o desenvolvimento das atividades da universidade, definindo
metas e estratégias, com avaliação das respectivas repercussões orçamentárias;
aprovar a proposta orçamentária da UNESP. (Art. 17 e 18, p.10).
Quanto à composição dos órgãos colegiados, a proposta do Congresso
de Reestruturação previa para o CO os seguintes membros: reitor, seu presiden-
te nato; vice-reitor, com direito a voz; os diretores das Unidades Universitárias
e um representante por segmento de cada Unidade. Da mesma forma, a pro-
posta de composição das Congregações e Conselhos Departamentais seguia o
mesmo princípio geral, o da paridade (p. 19-22). Já a proposta do Substitutivo
da Reitoria para a composição do CO incluía, além do reitor e do vice-reitor,
o segundo com direito a voto e dos diretores das Unidades, os pró-reitores de
graduação, de pós-graduação e pesquisa, e de extensão universitária e assuntos
comunitários; os presidentes dos conselhos regionais; cinco representantes das
categorias docentes, por núcleo regional; um representante da FAPESP; um
representante das Associações Patronais; um representante das Associações dos
Trabalhadores; representação do corpo discente e do corpo técnico administra-
tivo, na proporção de 1/5 do total dos membros (p. 17-18) As propostas para
as Congregações e Conselhos Departamentais eram correlatas.
A proposta aprovada pelo CO75 foi, basicamente, a encaminhada pelo
75 Por meio da Resolução UNESP, n. 59, de 2.12.92 e do Decreto n. 36.470, de 28 de janeiro de
1993, que aprova alterações do Estatuto da UNESP, o Pró-Reitor de Administração (Pró-Reitoria
112
Substitutivo, diferenciando-se apenas no que diz respeito à representação do-
cente. A categoria conseguiu aprovar a participação de um representante por
Unidade Universitária, independente da titulação (Cap. I, Seção I, p. 9 e 10).
Para as Congregações e Conselhos Departamentais, no entanto, a representa-
ção docente continuou vinculada à titulação, ou seja, um representante para
cada categoria (Cap. III, Seção I, p. 16 e Seção III, p. 19).
Observamos que de acordo com o estatuto anterior, de 1977, a repre-
sentação docente no CO tinha por base a titulação, sendo três representan-
tes dos professores titulares e um representante para cada uma das demais
categorias; o corpo discente participava na proporção de 1/10 do total dos
membros e o corpo técnico-administrativo tinha apenas um representante no
órgão. As Congregações e Conselhos Departamentais eram estruturados da
mesma maneira, com a diferença de que os funcionários não tinham nenhu-
ma representação nesses colegiados.
Quanto à escolha de dirigentes, o estatuto anterior previa, no art. 21
e 22 (p.10), que reitor e vice-reitor seriam nomeados pelo governador, me-
diante lista tríplice de professores titulares, organizada pelo CO. Da mesma
forma, os diretores e vice-diretores de Unidades eram nomeados pelo reitor,
e os chefes e vice-chefes de Departamentos, pelo diretor, a partir de listas
tríplices organizadas, respectivamente, pelas Congregações e pelos docentes
dos Departamentos. Para a direção de Unidades, a titulação exigida era de
titular e para as chefias de Departamentos, as listas deveriam ser elaboradas
contendo os nomes dos docentes de maior titulação. (art. 41, par. 1º, p. 13)
A proposta apresentada pelo Anteprojeto do Congresso de
Reestruturação (1986, p.14) apontava que
O reitor e vice-reitor, nomeados pelo governador, com mandato de quatro
anos, serão eleitos por voto direto e secreto [...] por funcionários, alunos
e docentes, [...] cada segmento terá o peso de 1/3 na eleição [...], pode-
rão ser candidatos ao cargo de reitor, qualquer docente, independente de
titulação.
As propostas para a escolha das direções das Unidades e para as chefias
de Departamentos seguiam os mesmos princípios.
que foi criada em 1992) passou a integrar o Conselho Universitário.
113
A proposta do Substitutivo da Reitoria mantinha, basicamente, o mes-
mo mecanismo de escolha para reitor, diretores e chefes de departamento
vigentes no estatuto de 1977, modificando-o apenas em dois pontos: a lista
tríplice para reitor deveria ser organizada pelo Colégio Eleitoral, composto
pelo CO, CEPE e CADE e rebaixava a titulação necessária para ocupar os
cargos de diretor e chefe de departamento de titular para doutor (p. 14, 21
e 24). Observamos, aqui, um grande retrocesso do Substitutivo, quando
comparado à proposta do Congresso, em termos de abertura à participação
da comunidade na escolha dos dirigentes.
O Estatuto aprovado em 1989, em seu art. 30, determina que o reitor
e o vice-reitor serão nomeados pelo governador, com base em listas trípli-
ces elaboradas por Colégio Eleitoral especial, constituído pelo CO, CEPE e
CADE, a partir de relação de nomes de professores titulares, indicados pelas
Congregações das Unidades Universitárias. No entanto, como o Estatuto não
determina a forma de consulta à comunidade universitária para a elaboração
das listas, as eleições para esses cargos têm sido realizadas por meio do voto
direto. A eleição para escolha do reitor e vice-reitor para a gestão 1993/1996
e para a de 1997/2000 foram diretas e paritárias proporcionais, ou seja, cada
um dos três segmentos da universidade teve o peso de um terço na votação.
Da mesma forma, as eleições para a direção das Unidades Universitárias e
chefias de departamento têm sido realizadas de forma direta e, em alguns
Campi da UNESP, com paridade proporcional.
Este talvez tenha sido um dos maiores avanços, em termos da democra-
tização da universidade, proporcionado pelo movimento.
A reforma acadêmico-administrativa efetuada na UNESP, em 1989,
caracterizou-se por ter no seu centro uma intencionalidade de democratiza-
ção. Entretanto, um rápido exame, sob o ângulo da própria democratização e
o da gestão da universidade, nos mostra os limites dessa reforma.
Embora medidas significativas de democratização da estrutura de ges-
tão tenham sido implantadas, como a modificação dos estatutos, estas não
foram suficientes para provocar um reordenamento profundo na direção da
reestruturação do sistema de poder e tomada de decisão.
Do ponto de vista da legalidade institucional, os organismos de toma-
da de decisões, os órgãos colegiados, passaram a ocupar o primeiro plano na
114
estrutura de poder. A rigor, o Conselho Universitário é a instância máxima
de deliberação da universidade. Na prática, porém, o executivo (reitor e
diretores), em articulação com os funcionários tecno-burocráticos superiores
detêm a supremacia política. Um exemplo vivo dessa concentração de po-
der pode ser verificado no fato de que, apesar de o CO ser o órgão máximo
de deliberação, este não tem ascendência real sobre três questões cruciais da
universidade: a elaboração de planos diretores político-administrativos; a alo-
cação dos recursos orçamentários; e a política salarial. A amálgama desses três
elementos forma a pedra angular de qualquer política de gestão, no entanto,
a maior parte do coletivo dos trabalhadores da instituição fica alijada da dis-
cussão e da decisão sobre esses aspectos.
Apesar de a comunidade universitária ter imposto as eleições diretas
para os cargos majoritários, a garantia institucional desse processo ainda está
por ser alcançada, já que, formalmente, os estatutos e normas não preveem
eleições diretas para reitor e diretores. Além disso, o poder, mesmo nas dire-
torias eleitas com amplo apoio da comunidade, é exercido, no cotidiano, com
base na estrutura verticalizada.
Fica evidente, portanto, a ambiguidade de poderes. A comunidade uni-
versitária conquistou um espaço democrático que se refletiu nas eleições, mas
não se desdobrou na gestão da reitoria e das unidades universitárias. Dessa
forma, segue latente uma contradição entre o acesso ao poder e o seu exercício.
Embora a comunidade tenha conseguido garantir algumas propostas
do movimento, incorporadas ao estatuto ou à prática democrática, não con-
seguiu superar os limites de uma autonomia e uma democracia que ainda são
formais. O principal ponto que asseguraria uma maior participação ficou em
aberto, ou seja, o controle da comunidade sobre a gestão e os organismos de
poder da universidade.
Observamos que a reforma ampliou a participação de professores e
funcionários nas instâncias acadêmicas e prefigurou a gestão como objeto
inerente ao trabalho a ser realizado pelo coletivo, no entanto, essa não se
completou. Não apenas como consciência da coletividade, mas, sobretudo,
porque não se traduziu em novas estruturas administrativas reais.
Dessa forma, a situação objetiva e subjetiva do trabalhador coletivo na
universidade não é a de empreendedor coletivo, responsável pelo conjunto
115
do trabalho realizado na instituição, perante si mesmo e perante a sociedade.
Ao contrário, a sua situação continua a ser, antes de tudo, a situação de um
coletivo assalariado que, como tal, encontra-se por definição jurídica, social,
econômica e funcional, dissociado dos presumíveis interesses da instituição
como coletividade organizada e autônoma.
A partir de agosto de 1988, as entidades deflagraram um amplo movi-
mento pela reposição salarial com assembleias, atos, panfletagens e uma longa
greve. Trata-se do movimento que ficou conhecido como SOS Universidade.
E, ocupadas com a campanha salarial, a comunidade acadêmica e as entida-
des esqueceram-se dos estatutos.
5. Avanços e retrocessos: os desafios da autonomia universitária
5.1. A autonomia concedida não foi e não é consenso
O consenso e a aglutinação das forças dos movimentos em torno da
defesa da autonomia outorgada, em 1989, são apenas aparentes. O debate e
a polêmica instalaram-se no momento em que o governo estadual decretou
a autonomia de gestão financeira para as estaduais paulistas e ressurgiu, com
nova força, quando o MEC arquitetou um projeto de autonomia financeira
para as Instituições de Ensino Superior. As principais críticas e discordâncias
podem ser observadas nas falas de alguns dirigentes, da época, das principais
entidades representativas dos docentes do ensino superior.
Para Newton Lima Neto (1991, p. 12), a concepção oficial de autono-
mia é, no mínimo, equivocada.
Além de equivocada, uma vez que a Constituição define que as universi-
dades gozam, dentre outras, da autonomia de gestão financeira, ou seja, de
administração financeira dos recursos e não de autonomia financeira, a in-
terpretação revela que a política global de descompromisso do Estado com
a educação superior pública, patrocinada pelo regime autoritário, conti-
nua mais viva do que nunca. Através dessa política, a universidade fica
atrelada ao poder econômico, perde irremediavelmente sua autonomia,
e aprofunda seu divórcio com o conjunto da população trabalhadora de-
sassistida e marginalizada. O confinamento, por decreto, dos orçamentos
116
das estaduais paulistas a insuficientes 8,4% do ICMS (Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços) é resultante dessa política. 76
A questão da autonomia é sedução para nós [...], sobretudo para nós reito-
res das universidades federais [...] as federais não têm ‘mesada’, as estaduais
têm [...] é óbvio que eu gostaria de ter autonomia para ter os recursos
pingando para poder fazer planejamento, análise de custo, [...] Qual é
a questão que temos que discutir aqui [...] dentro de um Seminário de
autogestão [...]. E o reitor da Universidade Federal de São Carlos vem
aqui para por dúvida sobre o seguinte: será que a autonomia vai fortale-
cer as federais [...] a exemplo do que aconteceu até recentemente com as
estaduais paulistas [...] esse expandir o sistema federal de ensino superior
[...] da sua qualidade, ou seja, mantendo ensino, pesquisa e extensão in-
dissociáveis? [...]. Ou será que a autonomia [...] não vai simplesmente
patrocinar, de maneira muito mais eficiente, usando uma terminologia
do Banco [Mundial], o desmonte do sistema? Esta é a questão que está
colocada para nós e, portanto, não dá para assumir que autogestão de per
se será uma coisa positiva, ela poderá ser o suicídio, o desmonte, o fim do
sistema. [...] tem que qualificar autonomia [...] de que autonomia estamos
falando. [...]. Cada universidade por si vai ter um orçamento, mais ou me-
nos [...] à semelhança do que acontece no Estado de São Paulo [...] cada
uma vai ter seu quadro de pessoal com capacidade de autonomia para
contratar e demitir, salário para estabelecer, [...]. Conquanto o Bernardo
[assessor da reitoria da UNESP] tem razão de que a situação no Estado
de São Paulo é diferente hoje de anos anteriores, com o que eu concordo
e assisto e acho que é a mesma estratégia [...] a situação é exatamente a
mesma, a lógica neoliberal é absolutamente a mesma de redução do pa-
pel das universidades públicas, dos recursos das universidades públicas,
mas conquanto isso seja uma verdade conjunturalmente, a relação entre
as universidades paulistas e o governo e o legislativo é completamente
diferente há anos, porque no Congresso Nacional nós não conseguimos
absolutamente nada. (LIMA NETO, 1996).77
Também para Helena Freitas (1991, p. 37-8), a autonomia concedida
76 O professor Newton Lima Neto foi presidente da ANDES - S.N. e reitor da Universidade Federal
de São Carlos.
77 Newton Lima Neto, I Simpósio Nacional Universidade-Empresa sobre Participação e Autogestão,
realizado na UNESP, Campus de Marília, Mesa-Redonda A experiência de auto-adminstração das
Universidades Públicas, dia 19 de junho de 1996.
117
pelo governo estadual seria mais uma demonstração de falta de compromisso
para com o ensino superior público.
[...] autonomia universitária. Palavra presente nos últimos discursos do
Governo Federal e defendida pelos setores mais conservadores que sempre
a ela se opuseram, essa autonomia nada tem a ver com a antiga e histórica
reivindicação da comunidade universitária na década de 60 e tão necessá-
ria para o pleno desenvolvimento científico e acadêmico das instituições
de ensino superior. Na verdade, tal como está proposta, ela é, a exemplo
da autonomia concedida às universidades públicas paulistas, mais uma
cortina de fumaça a encobrir o descompromisso para com o ensino supe-
rior público. [...]. A recente polêmica em torno da questão da fixação de
um percentual destinado à arrecadação do ICMS e as discussões levadas
a efeito pelos diferentes setores internos e externos às Universidades têm
revelado uma radicalização no que diz respeito à solidificação do pensa-
mento liberal de esvaziamento das funções do estado no financiamento da
educação superior.78
De uma parte, o governo se propõe a conceder às instituições uma quan-
tia fixa de recursos para seu sustento. Retrai, nessa ponta, o montante de
seus gastos. Para o governo, autonomia significa gastar menos. Para as
instituições de ensino e pesquisa, a autonomia implicará a busca de outras
fontes de financiamento [...]. É importante avaliar de quanto será a dimi-
nuição dos recursos. [...]. Como então os administradores universitários
resolverão os problemas salariais de suas instituições, já que contarão com
menos recursos? [...]. Consta da proposta de autonomização a intenção
de quebrar o corporativismo interno. Leia-se quebrar a espinha dorsal da
ANDES-S.N., da FASUBRA-Sindical e - por que não? - da ANDIFES.
Desta maneira, a autonomização pretende atingir um leque de objetivos.
Desde racionalizar - leia-se diminuir recursos - e centralizar o processo de
avaliação, até destruir o corporativismo interno - leia-se destruir os movi-
mentos organizados. (DAL ROSSO, 1992, p. 7-8).
Apesar das controvérsias, uma questão é indiscutível: a definição de
um montante fixo de recursos para as instituições e a discricionariedade no
seu uso, modificou substancialmente a situação funcional das universidades
estaduais paulistas.
78 A professora Helena Freitas foi presidente da ADUNICAMP na gestão de 1987/90.
118
Aqui cabe uma digressão. Não se trata simplesmente de discutir se a do-
tação orçamentária é suficiente ou não. O problema não está na insuficiência
ou não dos recursos, mas, sim, na urgência em administrar os recursos aloca-
dos a partir de uma responsabilidade plena perante a comunidade interna, a
sociedade e ao próprio Estado, e se essa responsabilidade será do coletivo dos
trabalhadores ou apenas dos dirigentes. O percentual das estaduais paulistas
passou do insuficiente 8,4% do ICMS (quota parte do Estado) de 1989, ao
insuficiente (porém mais elevado) 9,57% em 1994, reafirmado em 1996 e
anos posteriores, e não se observaram, durante esses anos, modificações subs-
tanciais na política administrativa e financeira desencadeadas pelas reitorias
dessas universidades, no sentido de invibializarem as atividades de ensino,
pesquisa e extensão. Ao contrário, as três universidades estaduais saíram for-
talecidas desse processo e continuaram expandindo, de maneira quantitativa
e qualitativa, as ofertas de serviços. O problema coloca-se no fato de que,
embora as administrações continuem a viabilizar essas atividades, continuam,
também, a privilegiar a alocação de recursos nos itens investimento e custeio
em detrimento de uma política salarial que valorize os recursos humanos; a
praticar clientelismo, fisiologismo e mandonismo, muitas vezes privilegiando
os aliados políticos na distribuição de recursos às unidades universitárias; e
a centralizar o poder de decisão em prejuízo de uma maior participação do
coletivo nos rumos das universidades.
É fato, porém, que a autonomia de gestão financeira modificou a si-
tuação anterior, na qual os reitores não podiam planejar, orçar ou estabelecer
planos, pois não se sabia quanto e quando os recursos seriam repassados.
Estancou-se aquela situação em que os reitores das universidades estaduais
tinham que ir, periodicamente, negociar com o governo a suplementação de
verbas, reivindicação que era ou não atendida dependendo das trocas políticas,
da crise econômica ou do mau humor do governador.
Dessa forma, várias questões que antes implicavam responsabilidades apenas
para os dirigentes dessas universidades, ficam pós-autonomia, potenciadas pela livre
disposição na utilização dos recursos. A problemática principal, aqui colocada, não
pode ser reduzida à insuficiência dos recursos, mas diz respeito à gestão da uni-
versidade e, consequentemente, à distribuição desses recursos, ou seja, em última
instância, se a instituição será ou não governada pelos próprios trabalhadores.
119
Desse ponto de vista, a tarefa dos movimentos organizados e suas entida-
des é a construção do autogoverno ou da gestão democrática na universidade.
Entretanto, no movimento docente, a problemática da gestão não se
encontra suficientemente amadurecida. Embora seja fato que a autonomia
tenha proporcionado outro enfoque às discussões sobre a gestão, o que se
pode verificar em reivindicações por uma maior participação nos processos
decisórios, pela transparência orçamentária, pela paridade nas eleições e por
um processo eleitoral democrático, por exemplo, a luta salarial ainda é o vetor
principal dos debates no sindicato.
Se há uma questão que sempre se fez presente na vida universitária brasileira
ela se chama autonomia. Reivindicada com maior ou menor ênfase, depen-
dendo apenas do período histórico-educacional, a autonomia da universi-
dade tornou-se mesmo quase que uma palavra mágica: uma vez pronuncia-
da com o devido encanto, teria o dom de resolver, se não todos, pelo menos
a maioria dos problemas da academia. Pois bem, a autonomia chegou. [...].
Essa novidade, no entanto, não foi festejada pela universidade. [...]. A inten-
ção manifestada pelo governador Orestes Quércia, no dia 25 de novembro,
de tornar autônomas a UNESP, UNICAMP e USP, provocou reações na
comunidade universitária que podem ser caracterizadas, no mínimo, como
estranhas. A palavra autonomia, que sempre esperou o momento de ter um
ponto de exclamação como parceiro, acabou ganhando a companhia de um
incômodo ponto de interrogação. (UNESP, 1988, p. 4).
Quando o governo manifestou a intenção de conceder a autonomia
para as universidades estaduais, solicitou a posição destas sobre o assunto.
Os reitores da UNESP e da UNICAMP formaram comissões compostas por
representantes dos docentes, dos funcionários e dos estudantes, solicitando
sugestões sobre a forma como a autonomia deveria ser estabelecida. As enti-
dades dos segmentos universitários pouco tinham a dizer. Embora o movi-
mento universitário, historicamente, tenha reivindicado a autonomia da uni-
versidade, essa questão sempre foi tratada de modo genérico. As Associações
e Diretórios não tinham nenhum projeto ou proposta elaborada sobre o prin-
cípio e, até que se organizassem para discutir, o decreto já estava pronto.
Os presidentes das Associações e dos Diretórios Acadêmicos, no
mês anterior à decretação da autonomia, posicionaram-se demonstrando
120
preocupações quase que unicamente com o montante de verbas que seria
destinado às universidades e com os salários das categorias.79 Quanto aos
funcionários e suas entidades, o tema parecia bastante alheio a eles.
Das três Associações, a que demonstrou uma preocupação maior com
a autonomia foi a ADUNESP. A entidade formou uma comissão de estu-
dos sobre a autonomia que produziu alguns textos para o setor. Demonstrou
preocupações, também, com a participação dos órgãos colegiados neste pro-
cesso, e com o fortalecimento da esfera executiva no interior da universidade,
sem, contudo, passar pelo controle dos colegiados ou do movimento.
Já deve estar suficientemente claro para todos nós que o Decreto que
outorgou autonomia à Universidade representa um divisor de águas na
sua história. Assim sendo, é incompreensível que, até o momento, o ór-
gão colegiado soberano da Universidade, assim como os demais órgãos
colegiados, não se tenham reunido para discutir esse ato, nem tenham
participado do processo de negociação e tampouco dos desdobramentos
subseqüentes relativos ao mesmo. (ADUNESP, 1989a, p. 2).
Alertamos os colegas para a grande importância desta eleição que, sob o
regime de autonomia e do novo estatuto, irá preencher os cargos nos ór-
gãos colegiados centrais. É de fundamental importância a participação do
movimento docente no processo de decisão nos órgãos colegiados, uma
vez que sob a autonomia, a esfera executiva no interior da Universidade se
fortaleceu. (ADUNESP, 1989b, p. 1).
79 “Lúcia Helena Lodi, presidente da Adunesp. Ela adverte: ‘É preciso que fique claro: ao propor
autonomia administrativa e, principalmente, econômica, o governo não estará se desobrigando
de assumir seus encargos de responsabilidade em relação à Universidade. [...]. Francisco Miraglia,
presidente da Adusp, [...] acredita que a verba para pagamento de pessoal tem que ser destinada,
especificamente para esse fim, pelo governo do Estado. ‘A questão da sustentação da universidade
continua sob a responsabilidade do Executivo, e é ilusão pensar que, a partir dessa autonomia,
seremos nós a conduzir a questão da política salarial’, afirmou. [...]. José Vitório Zago, da
Adunicamp, lembra o problema de antigos docentes da universidade, hoje aposentados. ‘Se o
governo está gastando cerca de 80% do orçamento destinado às universidades só com o pagamento
do pessoal, tem que garantir mais verbas para outras áreas [...]’. [...]. É Zago ainda quem fala que
os docentes de Campinas não gostaram da maneira como apareceu a discussão sobre autonomia
da universidade. ‘Esse afogadilho, essa pressão para que o projeto fique definido até o dia 28 de
dezembro, em plenos festejos de final de ano, nos enche de apreensão’, disse“. (UNESP,1988, p. 5).
O curso dos acontecimentos demonstrou que o presidente da ADUSP estava enganado.
121
Quanto à ADUSP e à ADUNICAMP, eram conhecidas as posições
contrárias a essa autonomia assumidas pelas entidades.
Entretanto, a partir de agosto do mesmo ano, os boletins da ADUNESP
não trouxeram mais nenhuma discussão sobre a autonomia e, com o passar do
tempo, as Associações, ao invés de confrontar-se com o Palácio, na luta salarial,
passaram a ter um embate direto com o Conselho de Reitores das Universidades
Estaduais Paulistas (CRUESP), denominado agora de o novo patrão.
Historicamente, as lutas do movimento docente pela autonomia con-
centraram-se, fundamentalmente, em dois itens. Em primeiro, a luta pela
reintegração dos professores cassados e afastados dos cargos durante a di-
tadura, ou seja, pela anistia e, ao mesmo tempo, pela eliminação, dentro
da universidade, de qualquer censura ou discriminação de natureza filosófi-
ca, religiosa, ideológica, política, étnica e sexual. E, em segundo, a luta pela
democratização interna das universidades. As batalhas têm-se voltado para
a garantia de princípios democráticos de gestão, como a participação dos
segmentos na escolha dos dirigentes, a transparência administrativa e a con-
solidação do vínculo entre autonomia e democratização. Um exemplo desses
enfoques pode ser encontrado nas principais conclusões a que chegaram o III
Congresso da USP e o Plebiscito sobre a Autonomia e o Trabalho Acadêmico,
realizados em novembro de 1987.
Há tarefas imediatas na luta pela autonomia: 1) garantir uma política sa-
larial adequada e negociações representativas através das atuais associações
e futuros sindicatos; 2) lutar pela democratização interna das universi-
dades e pelo respeito às eleições de executivos, inclusive a de reitor; [...].
(ADUSP, 1987, p. 12).80
As outras quatro conclusões a que chegaram, diziam respeito à garantia
de verbas para o ensino público e ao aperfeiçoamento do regime autárquico,
contudo, formuladas de maneira bastante genéricas. Talvez, um dos movi-
mentos que mais questionou o poder no interior da universidade tenha sido
o desencadeado pelas comissões paritárias, em 1968/69, na USP, produzindo
vários documentos sobre o assunto.
80 - Documento com as discussões e resoluções do III Congresso da USP e do Plebiscito sobre
Autonomia e Trabalho Acadêmico, realizados em novembro de 1987.
122
Os reitores das três universidades estaduais também receberam a notí-
cia do decreto relativo à autonomia com muita cautela.
O Vice-Reitor em exercício da UNESP, Paulo Landim, não escondeu uma
certa apreensão ao citar o filósofo francês Jean-Paul Sartre, para quem
‘liberdade traz responsabilidade’. ‘À medida em que formos ganhando au-
tonomia, poder de decisão, iremos também multiplicar as nossas respon-
sabilidades’, fez questão de frisar. (UNESP, 1988, p.4).
O reitor da USP, José Goldemberg, defendeu a criação de um Conselho
que atuaria como uma espécie de mecanismo externo de controle da univer-
sidade, no sentido de verificar se o que estava sendo produzido pela comu-
nidade universitária atendia efetivamente às necessidades da sociedade. Esse
Conselho teria, ainda, a função de escolher o reitor a partir de uma lista
preparada pela instituição.
‘Não sou favorável que a universidade escolha seu reitor, pois ela não pode
ser soberana a ponto de se auto-regular e estabelecer suas prioridades inter-
nas.’ Ele teme que, com a autonomia, as reivindicações dos grupos internos
sejam muito mais extremados do que são agora (UNESP, 1988, p.4).
O movimento universitário das estaduais paulistas era uma das princi-
pais alavancas de fortalecimento do movimento dos servidores públicos es-
taduais diante do governo do Estado. Dessa forma, a intenção do governo
estadual, ao outorgar a autonomia, teve dúplice finalidade: a primeira foi a
de livrar-se do confronto direto com o movimento universitário por ocasião
das campanhas salariais; e, a segunda, a de fragmentar o movimento do fun-
cionalismo público em nível estadual.
No entanto, estes talvez não tenham sido os únicos motivos. No go-
verno Quércia, a influência dos partidos de esquerda que se incorporaram ao
PMDB era, ainda, bastante visível. Ocupando postos e secretarias do gover-
no, o PCB, por exemplo, pode desenvolver alguns projetos considerados pro-
gressistas e avançados. Aventamos a hipótese de que, apesar das acusações de
envolvimento do governador em casos de corrupção etc., a convivência, até
antiga, com os militantes dos partidos de esquerda e o certo espaço que es-
tes ocuparam em seu governo, proporcionou a esta administração uma marca
123
progressista e de modernidade. A decretação da autonomia estaria neste campo.
A comissão que estudou e elaborou a sugestão de como deveria ser implanta-
da a autonomia foi composta, além dos reitores das universidades estaduais,
Paulo Landim, da UNESP; Paulo Renato Costa Souza, da UNICAMP; e José
Goldemberg, da USP; por Jorge Nagle, secretário da Ciência e Tecnologia;
Frederico Mazzucchelli, secretário do Planejamento; Alberto Goldman, da
Coordenadoria de Programas do Governo; e Roberto Rollemberg, da Secretaria
do Governo. O presidente da Comissão, Jorge Nagle, ex-reitor da UNESP, de-
clarou, na época, que: “Essa iniciativa representa, além de seu pioneirismo e
de seu caráter revolucionário, o que de mais importante ocorreu na história do
ensino superior brasileiro dos últimos tempos”. (UNESP, 1988, p.5).
De qualquer forma, o decreto trouxe novas implicações para a vida da
universidade. Da autonomia decorreu uma maior responsabilidade das uni-
versidades em relação aos seus planos de atividade e de aplicação de recursos,
o que obrigava a existência de órgãos internos capazes de planejar de forma
cada vez mais rigorosa e confiável.
5.2. A autonomia e a democratização da universidade: da resistência à
democratização da gestão
Com o golpe militar de 1964, a classe dominante inaugurou um novo pe-
ríodo de expansão da economia e de reorganização do Estado. Tratou, também, de
reordenar as instituições, tentando adaptá-las às novas necessidades econômicas.
Desde a metade dos anos de 1950, a economia brasileira havia ingressado
numa nova fase, criando novas demandas de trabalho técnico e intelectualmen-
te qualificado. Foi necessário, então, forjar a reforma universitária, que viria dez
anos depois, para adaptar a universidade ao novo modelo de acumulação.
O processo de concentração de renda, mercado e capital, potencializado
a partir de 1964, dificultou as possibilidades de ascensão da classe média via
poupança, investimento ou exercício de uma profissão liberal. Embora a procu-
ra pelo diploma de curso superior, como instrumento de ascensão social, fosse
uma prática antiga das famílias de classe média no Brasil, essa busca aumentou
consideravelmente a partir de 1964. Em consequência, o crescimento das ma-
trículas resultou insuficiente diante de uma procura cada vez maior.
O atendimento da demanda por mais vagas implicava, necessariamente,
124
num grande aumento das despesas públicas com a educação de nível supe-
rior, já que a oferta das escolas privadas, na época, era contida. Por outro lado,
o aumento da taxa de expansão de vagas resultaria numa massa adicional de
profissionais que não seria facilmente absorvida pelo mercado, cabendo ao se-
tor público o ônus de criar oportunidades artificiais de trabalho. No entanto,
esse fator adicional também comprometeria o esforço do Estado na concen-
tração de capital, cujo objetivo não era financiar as aspirações das camadas
médias, mas sim subsidiar a expansão das empresas privadas. Era necessário,
portanto, encontrar uma forma de expandir o sistema educacional com o
mínimo de investimento de dinheiro público.
A resposta veio na reestruturação do sistema de ensino, em particular
do nível superior, e a reforma universitária foi eleita como ponto central.
Iniciou-se a implantação da reforma imediatamente após as manifestações
estudantis de 1968, silenciadas por uma série de decretos e ações repressivas.
A reforma privilegiou o papel da universidade como formadora de téc-
nicos e operadores de tecnologia, o que pode ser verificado pelo grande in-
centivo dado aos cursos da área tecnológica e pela associação universidade e
pesquisa. Ao mesmo tempo, para reduzir os gastos com o setor, fomentou-se
a expansão da rede particular de ensino superior e se introduziu, nas univer-
sidades públicas, uma série de medidas visando otimizar os recursos materiais
e humanos. A criação de departamentos, matrículas por disciplinas, sistema
de créditos e a instituição dos cursos básicos foram peças fundamentais dessa
reestruturação organizacional. Quanto à expansão da rede privada, principal
solução encontrada para absorver a crescente demanda de vagas na educação
superior, o papel do Estado foi decisivo, seja por meio da transferência de
verbas públicas para este setor - na forma de subsídios -, seja pela redução das
exigências legais para a criação de novos cursos. A outra forma de contenção
da demanda foi a criação de cursos profissionalizantes no ensino médio.
A reforma universitária, sob o pretexto de uma dinamização científica,
rebaixou e fragmentou o conhecimento, buscando, principalmente por meio
do controle da pesquisa, subordinar o conhecimento e a produção científicos
às necessidades de adequação tecnológica das empresas e do aparelho estatal.
No plano administrativo, a reforma procurou enquadrar as relações de
trabalho, no interior da universidade, à sistemática que presidiu o modelo
125
implantado e juridicamente consagrado no serviço público com a aplicação
da Lei da Reforma Administrativa. Este modelo, ao mesmo tempo em que
buscava afastar certos entraves que dificultavam o processo de acumulação e
a consolidação de um novo sistema empresarial, objetivava estimular o de-
senvolvimento de uma administração pública mais eficaz do ponto de vista
da racionalidade econômica.
Ao lado da legislação, que atribuía aos dirigentes universitários e ao
MEC o poder de desligar estudantes e demitir docentes e funcionários técni-
co-administrativos, a reforma promoveu uma intensa centralização e vertica-
lização das estruturas de poder. A nomeação dos reitores pelo presidente da
República, o rígido controle na distribuição de recursos, a incorporação de
disciplinas nos currículos, a transferência para o MEC de inúmeras atribui-
ções que antes eram da comunidade universitária, em especial dos órgãos co-
legiados, demonstram, de forma clara, o controle e a centralização do poder.
Com uma implantação desigual e, até mesmo contraditória, a refor-
ma tecnocrática para a universidade brasileira, a exemplo do que ocorreu no
sistema de ensino de 1º e 2º graus, não foi efetivada de todo, esbarrando em
quatro obstáculos principais: a) a dissociação entre os interesses mais imedia-
tos da economia e das empresas e a pesquisa desenvolvida na universidade e
sua sustentação; b) os limites da expansão econômica brasileira; c) a resistên-
cia dos trabalhadores da universidade em perder suas prerrogativas laborais;
d) e, por último, as especificidades do trabalho realizado na universidade.
Com o fim do milagre econômico, a universidade pós-reforma entrou em
crise, o que se acentuou depois de 1979. Esta crise manifestou-se numa escas-
sez, sem precedentes, de recursos financeiros para a instituição. Tanto que, nos
últimos anos do governo militar, a demanda por suplementações de verbas, ao
lado da luta contra a ditadura e pela democratização interna das universidades,
foi o principal móvel das reivindicações do movimento universitário.
A incapacidade do mercado brasileiro de absorver os profissionais re-
cém-formados apontava para um relativo esgotamento deste canal de ascen-
são das camadas médias. A evasão nos cursos e a procura de atividades que
não requeriam o diploma universitário foram dois indícios da perda deste
papel social da universidade.
O governo da Nova República surge como uma resposta de setores da
126
classe dominante à crise do regime militar e coloca, ao lado da modernização
das instituições, iniciativas de contenção dos avanços dos movimentos so-
ciais. A proposta de pacto social é a síntese da política desse governo.
Pela primeira vez, desde a reforma universitária, e de acordo com essa
política, a classe dominante propôs uma reestruturação profunda do ensino
superior. A proposta que veio do MEC, no período de Marco Maciel, ficou
conhecida como Projeto GERES.
Para o sucesso daquele projeto, era fundamental que a Comissão de Alto
Nível se legitimasse como espaço de conciliação das diferentes expressões
políticas da comunidade universitária. A recusa de entidades, como a
ANDES e a FASUBRA-Sindical, em depositar credibilidade numa rees-
truturação conduzida pelas classes dominantes, acabou inviabilizando-a.
De outro lado, o Governo Sarney mostrou-se incapaz de levar adiante
a ‘modernização’ do aparelho de estado. (MALDONADO, 1995, p. 8).
O Projeto GERES foi lançado em meio à greve nacional de 1986 e,
dentre outros objetivos, tentava cooptar o funcionalismo das universidades
acenando com uma isonomia para o setor. Nessa fase, o governo tenta rees-
truturar o ensino superior por meio da participação da comunidade. Mais
tarde, tenta impor o Projeto sem qualquer mediação e, por último, sem su-
cesso, o ministro, Hugo Napoleão, se vê na contingência de abandonar qual-
quer proposta para o ensino superior.
Os impasses dessa transição refletiram-se diretamente nas polêmicas
que tiveram como palco o plenário do Congresso Constituinte, em 1988.
A partir da formação do centrão, as polêmicas e um caráter retrógrado da
Carta apareceram com maior nitidez. Embora o projeto da Comissão de
Sistematização tenha mantido, em linhas gerais, a situação do ensino, com
algumas concessões às reivindicações de cunho popular, nos pontos relativos
à autonomia e à democratização, houve, sem dúvida, progressos.
6. Sobrevivência do ensino superior público e as restrições
impostas à autonomia
As lutas encaminhadas pela comunidade universitária resultaram numa re-
lativa ampliação da autonomia e democratização da instituição. Talvez o momento
127
mais importante dessas lutas tenha sido o das eleições diretas, em 1985/86, de
diversos reitores, alguns deles apoiados pelos movimentos e comprometidos com
muitas de suas reivindicações. A demonstração de força do movimento mais im-
portante foi a capacidade de impor, na maioria das IES onde foram realizadas
eleições diretas, a nomeação dos candidatos mais votados. O MEC viu-se obriga-
do a referendar essa ampliação significativa da autonomia universitária e de maior
participação da comunidade nos processos decisórios.
No entanto, anterior ao tema da gestão efetivada pelos próprios traba-
lhadores, coloca-se, para a comunidade acadêmica, o problema da sobrevi-
vência da universidade pública e gratuita.
A classe dominante, por meio da implantação do projeto neoliberal
via governo de Fernando Henrique Cardoso, com posse em 1995, além de
solapar a maioria dos direitos conquistados pelos trabalhadores, privatizou o
maior número possível de empresas e instituições públicas. Neste contexto, a
universidade pública apareceu como um dos principais alvos da privatização,
proposta elaborada em nome da justiça social e da racionalização de recursos.
Os governos federal e estadual operacionalizaram, de forma concreta,
a limitação da autonomia garantida no art. 207 e a abertura do caminho
para a privatização.
Em 21 de dezembro de 1995, por meio do Decreto-Lei nº 9 192, o
governo federal alterou dispositivos da Lei nº 5 540, de 1968, que regula-
mentava o processo de escolha dos dirigentes universitários. O art. 1º estabe-
lece que: a) o reitor e vice-reitor de universidade federal serão nomeados pelo
presidente da República e escolhidos entre professores dos dois níveis mais
elevados da carreira ou que possuam título de doutor, cujos nomes figurem
em listas tríplices organizadas pelo respectivo colegiado máximo, ou outro
colegiado que o englobe, instituído especificamente para este fim, sendo a
votação uninominal; b) os colegiados a que se refere o inciso anterior, consti-
tuídos de representantes dos diversos segmentos da comunidade universitária
e da sociedade, observarão o mínimo de setenta por cento de membros do
corpo docente em relação a das demais categorias; c) em caso de consulta
prévia à comunidade universitária, nos termos estabelecidos pelo colegiado
máximo da instituição, prevalecerão a votação uninominal e o peso de setenta
por cento para a manifestação do pessoal docente em relação a das demais
128
categorias; d) os diretores de unidades universitárias federais serão nomeados
pelo reitor, observados os mesmos procedimentos dos incisos anteriores.
Em sessão realizada em 06 de março de 1996, o Conselho Estadual
de Educação aprovou e dispôs sobre a aplicação da Lei 9.912 aos estabeleci-
mentos de ensino superior jurisdicionados no Sistema de Ensino do Estado
de São Paulo.
Foi inquietante, também, a iniciativa do governo federal no sentido de
procurar alterar, por emenda aditiva, o artigo 207 da Constituição, já citado
neste trabalho, acrescentando a expressão “nos termos da lei”. Dessa forma,
esse governo pretendeu deixar em suspenso a autonomia garantida no artigo.
Essa iniciativa perigosa excluiu a autonomia, no mínimo por algum tempo,
com riscos de desvirtuamento dos princípios vigentes. Além disso, abriu pos-
sibilidade de alterações futuras que poderão comprometer aquilo que está
estabelecido como princípio básico na Constituição.
Quanto à escolha dos reitores e vice-reitores das universidades e dire-
tores e vice-diretores das unidades universitárias ficou evidente o retrocesso
imposto à autonomia administrativa, em termos da democratização da insti-
tuição. Embora a lista tríplice, para nomeação dos dirigentes, figure na lei e
nos estatutos das universidades, é fato conhecido que inúmeras universidades
federais realizavam eleições diretas para reitor, desde 1985, e em algumas com
voto paritário proporcional. Estabelecer em setenta por cento o peso do voto
dos docentes e impor que a votação seja uninominal teve o sentido de restrin-
gir e controlar, por força da lei, a participação da comunidade universitária
nos processos decisórios internos.
Quanto às universidades estaduais paulistas, dada a autonomia garan-
tida pelo Decreto Estadual 29.598 e o fato de que a Lei 9.192 legisla sobre o
sistema de ensino federal, elas puderam decidir, por si mesmas, se adequavam
ou não os seus estatutos às novas disposições,81 embora o CEE tenha aprova-
do a adequação à Lei.
81 “Conforme estabelecido pelo Conselho Estadual de Educação, no parágrafo único da Deliberação
nº 3/96, cabe à UNESP, no exercício de sua autonomia, decidir, a partir das informações dadas
neste parecer, se é o caso de alterar os dispositivos estatutários e regimentais que regulamentam a
escolha de seus dirigentes (Reitor e Vice-Reitor) e dos dirigentes de suas Unidades (Diretor e Vice-
Diretor).” Sandra J. Miranda, Assessora Jurídica Chefe da UNESP, em parecer de nº 55/96 acerca
da interpretação e aplicação da Lei Federal nº 9.192/95, 22 de abril de 1996, fls. 14.
129
Entretanto, em 20 de dezembro de 1996, foi sancionada a Lei nº
9.394, que estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional. Afirma o
parágrafo único, do Art. 56 que: “Em qualquer caso, os docentes ocuparão
setenta por cento dos assentos em cada órgão colegiado e comissão, inclusi-
ve nos que tratarem da elaboração e modificações estatutárias e regimentais,
bem como da escolha de dirigentes”. (DO, 1996). E, dessa vez, por tratar-se
de lei diretivo basilar, não houve alternativa às universidades estaduais, a não
ser a de adequarem-se às normas estabelecidas.
Outro fato inquietante e que ameaçou a autonomia de gestão financei-
ra e patrimonial das estaduais paulistas foi o congelamento de verbas promo-
vido pelo governo Covas, que tomou posse em 1995. O projeto de lei que
dispôs sobre as diretrizes orçamentárias para o exercício de 1997 (LDO), en-
viado pelo governo do Estado à Assembleia Legislativa, determinava no artigo
4º, parágrafo 1º, que: “os valores dos orçamentos das Universidades Estaduais
serão fixados na proposta orçamentária do Estado para 1997, devendo as
liberações mensais dos recursos do Tesouro respeitar, no mínimo, percentual
global de 9,57%” do ICMS”; e, no parágrafo 2º, que: “em termos absolutos,
o percentual de 9,57% está limitado ao valor real arrecadado em 1995, des-
tinando-se do valor excedente a tal montante, 25% para as Universidades”.
O governo estadual tentou reeditar a mesma medida de contenção de verbas
para as universidades, já aplicada no ano de 1995, quando apresentou o pro-
jeto de LDO para o exercício de 1996.82 Caso esta medida fosse aprovada e,
se entre 1995 e 1997, a arrecadação de ICMS do Estado crescesse 15%, seria
possível prever que o orçamento das universidades estaduais ficaria em 8,6%
do ICMS em 1997.
Ao mesmo tempo, o deputado estadual, Vaz de Lima, apresentou a
Emenda de nº 1616, ao projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, para
82 “Nem os mais pessimistas esperavam o golpe de misericórdia aplicado no orçamento dos campi pelo
governo Covas. Aconselhado por auxiliares que não possuem responsabilidade para com a pesquisa
e o ensino, o governador, diante das aporias financeiras temporárias aplicou às universidades o
único método que parece conhecer. Diminuem os recursos do Estado? Arranque-se verbas de quem
possui menor poderio político [...]. A LDO foi aprovada na Assembleia Legislativa, no dia 1º de
junho último, com um corte violento dos recursos para as universidades. Mantém-se o percentual
de 9,57% do ICMS, mas limitado ao que foi recolhido em 1995, mais 25% do valor excedente a
tal cifra.” (ROMANO, 1995, p. 3).
130
o ano de 1997, que, se aprovada, instituiria o ensino pago nas universidades
públicas estaduais. Na justificativa à Emenda, afirma o deputado: “Num mo-
mento em que a crise financeira do Estado se ressalta, torna-se necessário e
indispensável o estudo sobre a possibilidade de pagamento para os que cursam
o ensino superior nas Universidades Públicas”. As universidades continuariam
públicas, mas o ensino seria pago. “Aqueles que não podem pagar devem rece-
ber bolsas, sob forma de crédito educativo, ou seja, que o aluno pague por elas
depois de formado e empregado“. (S.L., nº 2.237, 1996). Em suma, ao Estado
caberia o controle das universidades, mas este se desobrigaria de financiá-las.
Movidos pela campanha salarial, data-base de 1996, e pelas duas propos-
tas para a LDO de 1997, os três segmentos das universidades estaduais paulistas
deflagraram um forte movimento de resistência com greves, assembleias reali-
zadas de forma conjunta em várias Unidades, articulação com os deputados e
idas de caravanas para a Assembleia Legislativa, como forma de pressão, nos
dias em que as propostas foram discutidas e na votação final. Devemos observar
que os reitores, em especial o da UNESP, apoiaram esse movimento, no que se
referia à luta contra as medidas propostas para a LDO. O que não significou
que, após a derrota do governo na votação, os administradores tenham modifi-
cado a sua postura na negociação salarial com os sindicatos.
Essas reflexões devem-se à falta de respeito manifestada no CRUESP pela
comunidade acadêmica, durante a reunião técnica que se realizou no dia 10
de julho de 1996. Os professores em geral, com os funcionários e alunos,
ficaram com a certeza de manobra política, apenas para deter as intenções
do governo na última LDO. O deboche de apresentar - sem comunicação
anterior - uma ‘tabela nova’ de gastos, a atitude zombeteira e os risos dos
assessores, tudo isto aprofundou a crise de confiança nos que se imaginam
donos da universidade, quando são apenas pares que, temporariamente,
exercem o mando. [...]. A perda de legitimidade, que segue a falta de respei-
to e de diálogo, surge muito rápido. (ROMANO, 1996, p. 3).
Nos dizeres de Romano (1996), há ainda muitos pontos importan-
tes a enfrentar em conjunto: a Lei Orgânica das Universidades; o confronto
com o privatismo do governo; a opinião pública hostil diante da academia,
incluindo os seus reitores; e a campanha virulenta da imprensa. Isso indicava
que os reitores não poderiam enfrentar estes desafios sem a comunidade, e se
131
não pensavam em enfrentá-los estariam negando as responsabilidades de seu
cargo e tornando-se cúmplices do desmantelamento das universidades.
Portanto, ficava clara a urgência de reorientar as relações entre o
CRUESP e a comunidade universitária, entre as reitorias e os sindicatos, no
sentido de democratizá-las. E, aos sindicatos, cabia o reconhecimento de que
as motivações econômicas, que ainda dominam os debates em seu interior,
são insuficientes e estreitas, sendo necessário voltar-se às questões que envol-
vem os aspectos administrativos, pedagógicos e científicos da universidade.
Em outras palavras, aos elementos que integram a gestão da universidade.
7. Autonomia e as teias da participação
Tendo demonstrado o pressuposto da potencialidade da autonomia,
cabe-nos refletir, de forma mais aprofundada, sobre estas questões:
1) A autonomia colocou para a universidade uma situação qualitativa-
mente diferente daquela que esta possuía anteriormente. A partir disso, a gestão
da universidade torna-se responsabilidade da própria comunidade acadêmica.
2) A universidade e a comunidade acadêmica parecem não perceber as
implicações políticas, sociais e científicas no status da autonomia. Em par-
ticular, não perceberam que a autonomia implica a realização de opções, as
quais, em última análise, poderão conduzir seja ao fortalecimento da univer-
sidade pública, gratuita e democrática, seja aos métodos de gestão autoritária
e burocrática, em última instância, à privatização.
3) Diante da autonomia teriam os sindicatos a pretensão e condições
para contribuir e viabilizar um projeto democrático de gestão?
Quanto às primeiras questões, observamos que a comunidade universi-
tária tenha dificuldades de perceber a nova situação colocada pela autonomia
e de posicionar-se de imediato em relação à gestão da universidade, mesmo
porque a comunidade não possui uma prática de lutas e encaminhamento de
propostas sobre este tema.
Na universidade, como em qualquer outra organização, poucos traba-
lham de olho no produto final, a maioria visa diretamente ao salário e livrar-se
do fardo da tarefa rotineira.
O assalariado - ao contrário do que ocorre com o proprietário - não se
identifica totalmente com a empresa ou instituição na qual trabalha. Não vê
132
a si próprio como responsável pelos destinos da organização, que não o obje-
tivo para o assalariado, mas um meio para a percepção de seu salário.
Porém, o movimento pela democratização das estruturas de poder da
universidade, que desembocou na reforma estatutária, combinado com a au-
tonomia, não traz em si, também, um movimento de democratização das re-
lações de trabalho? Se as entidades representativas dos segmentos da universi-
dade encaminhassem essa questão, a gestão não estaria colocada logo a seguir?
Com referência à terceira questão, a ADUNESP - Seção Sindical tem-se
caracterizado por uma combatividade em defesa dos interesses da categoria e
por uma postura que valoriza a participação dos associados na luta pela demo-
cratização da universidade e da sociedade em geral. Com referência à democra-
tização das estruturas da instituição, o sindicato dos docentes tem demonstrado
uma preocupação maior com a intervenção nos órgãos colegiados. No entanto,
a entidade defronta-se com os mesmos problemas observados nas outras orga-
nizações de mesmo tipo, o economicismo e o corporativismo.
O economicismo manifesta-se na dificuldade da ação sindical subtrair-
-se à força gravitacional imperativa da luta salarial. Antes da autonomia
universitária, esse fato colocava um óbice de tipo ‘trade-unionista’ à ativi-
dade sindical. Hoje, depois da autonomia, esse mesmo óbice impede que
o sindicato cultive uma abordagem mais inclusiva da vida universitária,
absolutamente imprescindível para uma política de auto-administração.
(VIEITEZ, 1992, p. 20).
Por que a comunidade universitária e os sindicatos não se colocaram
a questão do desenvolvimento das potencialidades democráticas da autono-
mia? Por que, sob a autonomia universitária, a questão do governo das uni-
versidades estaduais paulistas não ganhou importância?
Entendemos que as características que entravam o trabalho do sindica-
to chocam-se com os objetivos de uma nova abordagem e intervenção sindi-
cais e deverão ser ultrapassadas, caso a entidade proponha a construção de um
projeto democrático de gestão. Afinal, democratizar a universidade, no que
diz respeito ao seu interior, significa encontrar uma maneira do corpo uni-
versitário participar de seus processos de decisão. E não há nenhuma forma
de viabilizar essa democratização que não passe pela gestão da universidade.
133
CAPÍTULO III
SINDICATO, AUTONOMIA
UNIVERSITÁRIA E GESTÃO
DEMOCRÁTICA
No capítulo anterior, tentamos demonstrar que o movimento de de-
mocratização da UNESP e a autonomia erigiram-se, na instituição, como um
aspecto do autogoverno dos trabalhadores da universidade, no sentido de um
movimento positivo e democrático.
Pretendemos, neste capítulo, trabalhar a ideia de uma possível ade-
quação da política sindical voltada à construção da gestão democrática ou
autogoverno. Nesse sentido, a principal tarefa do sindicato de docentes seria
a de elaborar uma política de intervenção na gestão. Entretanto, para de-
senvolver essa política, o sindicato deverá enfrentar alguns obstáculos que
dificultam a sua atuação. Os mais significativos seriam romper o corporati-
vismo e o economicismo verificados nesta entidade, e superar os principais
óbices que se colocam ao desenvolvimento da consciência democrática do
setor representado.
1. Natureza do trabalho pedagógico-científico ou
processo de produção pedagógico-científica
Segundo Saviani (1987, p. 79-82), tentar compreender o significado
do trabalho em educação pela via da polarização entre trabalho produtivo
e trabalho improdutivo é laborar um equívoco. Essa via de análise parece
inadequada, pois tanto podemos ter um trabalho em educação que gera mais-
-valia (ensino privado), como um que não gera mais-valia (ensino público).
134
Ou seja, na medida em que o conceito de trabalho produtivo não deriva de
seu conteúdo, mas sim de sua forma social, podemos ter na educação um
trabalho produtivo ou um trabalho improdutivo, sem que estejamos, neces-
sariamente, diante de processos de trabalhos diversos em seu conteúdo.
Um trabalho de idêntico conteúdo pode ser produtivo ou improdutivo
[...] Uma cantora que canta como um pássaro é uma trabalhadora impro-
dutiva, na medida em que vende o seu canto é uma assalariada ou uma
comerciante. Porém, a mesma cantora contratada por um empresário que
a põe a cantar para ganhar dinheiro é uma trabalhadora produtiva, pois
produz diretamente capital. Um mestre-escola que ensina outras pessoas
não é um trabalhador produtivo. Porém, um mestre-escola que é contra-
tado com outros para valorizar, mediante o seu trabalho, o dinheiro do
empresário da instituição que trafica com o conhecimento é um trabalha-
dor produtivo. (MARX, 1985, p. 115).
Para Saviani (1987, p. 80), a contraposição seria aquela formulada en-
tre trabalho material e trabalho não material. Para desenvolver essa propo-
sição utiliza a passagem do Capítulo VI Inédito de O Capital, na qual Marx
(1985) discute a presença do modo de produção capitalista na produção não
material. Passagem esta de igual conteúdo à outra, em Teorias da Mais-Valia,
utilizada por Paro (1990, p. 139) na discussão sobre o mesmo tema.
A produção imaterial, mesmo quando se dedica apenas à troca, isto é,
produz mercadorias, pode ser de duas espécies:
1. Resulta em mercadorias, valores de uso, que possuem uma forma autô-
noma, distinta dos produtores e consumidores, quer dizer, podem existir
e circular no intervalo entre produção e consumo como mercadorias ven-
dáveis, tais como livros, quadros, em suma, todos os produtos artísticos
que se distinguem do desempenho do artista executante. A produção ca-
pitalista aí só é aplicável de maneira muito restrita, por exemplo, quando
um escritor numa obra coletiva - enciclopédia, digamos - explora exaus-
tivamente um bom número de outros. Nessa esfera, em regra, fica-se na
forma de transição para a produção capitalista, e desse modo os diferentes
produtores científicos ou artísticos, artesãos ou profissionais, trabalham
para um capital mercantil comum dos livreiros, numa relação que nada
tem a ver com o autêntico modo de produção capitalista, e não lhe está
ainda subsumida, nem mesmo formalmente. E a coisa em nada se altera
135
com o fato de a exploração do trabalhador ser máxima justamente nessas
formas de transição.
2. A produção é inseparável do ato de produção, como sucede com todos
os artistas executantes, oradores, atores, professores, médicos, padres etc.
Também aí o modo de produção capitalista só se verifica em extensão re-
duzida e, em virtude da natureza dessa atividade, só pode estender-se a al-
gumas esferas. Nos estabelecimentos de ensino, por exemplo, os professo-
res, para o empresário do estabelecimento, podem ser meros assalariados;
há grande número de tais fábricas de ensino na Inglaterra. Embora eles
não sejam trabalhadores produtivos em relação aos alunos, assumem essa
qualidade perante o empresário. Este permuta seu capital pela força de
trabalho deles e se enriquece por meio desse processo. O mesmo se aplica
às empresas de teatro, estabelecimento de diversão, etc. O ator se relaciona
com o público na qualidade de artista, mas perante o empresário é traba-
lhador produtivo. Todas essas manifestações da produção capitalista nesse
domínio, comparadas com o conjunto dessa produção, são tão insignifi-
cantes que podem ficar de todo despercebidas. (MARX, 1980, p. 403-4).
Partindo da proposição de que no trabalho educacional o produto não
é separado do ato de produção, Saviani (1987, p. 81-2) afirma que:
A atividade de ensino, a aula, por exemplo, é alguma coisa que supõe ao
mesmo tempo a presença do professor e a presença do aluno. Ou seja, o
ato de dar aulas é inseparável da produção desse ato e do consumo desse
ato. A aula é, pois, produzida e consumida ao mesmo tempo: produzida
pelo professor e consumida pelos alunos. Consequentemente, ‘pela própria
natureza da coisa’, isto é, em razão da característica específica inerente ao ato
pedagógico, o modo de produção capitalista não se dá, aí, senão em algumas
esferas. De fato, em algumas esferas, de maneira limitada, ele pode ocorrer,
como acontece, por exemplo, com os chamados ‘pacotes pedagógicos’: nes-
se caso uma aula pode ser produzida e convertida em pacote (cassete) que
pode ser adquirido como mercadoria. Ocorre, então, a pergunta: essa ten-
dência é generalizável? À luz das considerações anteriores, minha hipótese
de resposta à essa questão é negativa. Tal tendência não pode se generalizar
simplesmente porque ela entra em contradição com a natureza própria do
fenômeno educativo. Em consequência, do ponto de vista pedagógico, ela
não pode se dar senão de forma subordinada, periférica.83
83 Aqui cabe uma ponderação. É evidente que o modo de produção capitalista está generalizado, é ele
136
Paro (1990, p. 140) concorda com as colocações de Saviani de que o
tipo de trabalho não material que tem lugar na escola caracteriza-se pela pre-
sença do consumidor no ato de produção, no entanto, alerta para o fato de
que essa presença não está, necessariamente, ligada a uma não separação entre
produção e produto. A análise do papel do educando no processo educativo
escolar não pode restringir-se à sua condição de consumidor. No processo
pedagógico, o educando não apenas está presente, mas também participa das
atividades que se desenvolvem, ou seja, o processo não pode ocorrer sem a
sua participação. Essa participação ocorre na medida em que o aluno entra no
processo ao mesmo tempo como sujeito da educação e como objeto. Nesse
sentido, não se pode considerar o produto da educação escolar como sendo
simplesmente a aula. O processo ensino aprendizagem, ou a aula, pressupõe
a não passividade do aluno, que é um aspecto determinante da própria na-
tureza do processo pedagógico. Entendida a educação como apropriação de
quem determina as relações sociais e, por outro, é por elas determinado. Isto, entretanto, não pressupõe
sua generalização absoluta. A subsunção real ao capital implica a emergência de uma categoria histórica
específica do modo de produção capitalista: a mais-valia relativa, haurida pelo capitalista via aumento
da produtividade da força de trabalho sem diminuição proporcional da jornada de trabalho, o que
diminui o valor da força de trabalho e o tempo de trabalho necessário, aumentando a taxa de mais-valia.
Mas um escritor, por seu turno, tem seu próprio ritmo de trabalho. Neste caso, é difícil revolucionar
a técnica para aumentar sua produtividade; logo, é improdutivo economicamente (embora possa não
sê-lo socialmente), participando de uma produção não-capitalista de mercadorias. Sua subsunção
ao capital é formal, como a dos serviços domésticos, músicos, atores etc. Este fato levou Saviani a
criticar qualquer distinção entre trabalho produtivo e improdutivo relacionado ao fazer pedagógico,
pois, afirma o autor, essa distinção teria o efeito prático de dividir os professores, de um lado, os
das escolas públicas e, de outro, os das particulares, além do que é equivocada. Para Secco (1995, p.
61), a colocação de Saviani é correta para o trabalho economicamente produtivo. Mas, Saviani não
atenta para o trabalho socialmente produtivo, que acrescenta valor de uso, ou seja, relacionado ao
quantum do valor agregado ao produto social. “Desse ponto de vista a produção de bens supérfluos
é ‘improdutiva’, assim como a produção material de armamentos, pois nada acrescenta à apropriação
da natureza pelos homens (processo de trabalho) e nem corresponde às necessidades ‘ontológicas’ dos
homens. [...]. Excetuados os serviços, cujo efeito útil consiste na sua própria execução e que agregam
valor de uso aos produtos (transporte de mercadoria, distribuição etc.), todos os demais podem até
ser economicamente produtivos, mas como sua subsunção ao capital é formal, sua importância reside
apenas na sua produtividade social [...] produtos que satisfazem necessidades humanas indispensáveis
para a própria reprodução da sociedade, embora sua produtividade seja imensurável e desprezível
para a contabilidade da riqueza social. Tais necessidades humanas, por outro lado, são históricas e
crescentes.” (SECCO, 1995, p. 61-2).
137
um saber historicamente acumulado, e sendo a escola uma das agências que
provêm educação, a consideração de seu produto não pode restringir-se ao
ato de aprender. Neste ato o indivíduo apropria-se de um saber que nele é
incorporado, mas existe algo que permanece para além do ato de produção.
“Não acontece, por conseguinte, que o resultado da educação escolar seja
produzido pelo professor e consumido imediata e completamente pelo aluno,
sem deixar nenhum vestígio.” (PARO, 1990, p. 144). Consideramos que, se
a educação foi efetiva, o educando sai do processo diferente de como entrou.
Essa diferença não é mero acréscimo, mas transformação na personalidade,
atitudes, postura etc. do aluno e que se constitui no produto do processo
pedagógico escolar.
É importante constatar que esse conceito amplo de produto da escola leva
a admitir a separação entre produção escolar e seu produto. É claro que
essa separação não se verifica da forma absoluta em que se dá a produção
material: enquanto nesta há um intervalo entre produção e consumo, de
tal forma que o produto se destaca completamente da produção, no caso
da escola, o consumo se dá imediatamente, mas [...] Tal consumo não se
dá apenas imediatamente, mas se prolonga para além do ato de produção,
por toda a vida do indivíduo. (PARO, 1990, p. 144-5).
Já tivemos oportunidade, em trabalho anterior (DAL RI, 1987, p. 71-
9), de afirmar que uma das diferenças marcantes entre o processo de produção
material e o processo de produção pedagógica é que no primeiro o desenvol-
vimento da base técnica adequada ao capital torna o trabalho humano, ime-
diatamente aplicado à produção, uma coisa supérflua, uma vez que elimina o
controle e o saber operários, enquanto que na produção pedagógica o saber
ainda se constitui em um dos elementos centrais do processo de trabalho. Não
um saber geral, mas um conjunto de saberes que concretiza o ato pedagógico.
Nesse sentido, a implantação do ensino tecnocrático não foi nada mais,
nada menos, do que a tentativa de objetivação do trabalho pedagógico. Com
essa concepção de ensino, o trabalho pedagógico seria de tal forma parcela-
do, que o processo poderia ser autonomizado em relação aos produtores. O
objetivo dessa proposta foi o de, assim como na produção material, garantir
a eficiência e a produtividade do processo independentemente dos trabalhado-
res da educação. De maneira semelhante à indústria, formou-se um corpo de
138
técnicos especializados que deveria conceber, controlar, coordenar e planejar
o processo, e este deveria ser executado pelos professores. Uma das vantagens
seria a introdução, também no ensino, da rotatividade da força de trabalho, ou
seja, a substituição de um executor não acarretaria em prejuízos ao processo.84
Tentou-se implantar no trabalho pedagógico a mesma objetivação que
ocorre no processo de produção da indústria capitalista, em lugar de subor-
dinar o processo de trabalho ao trabalhador, ela subordina o trabalhador ao
processo de trabalho.
Para Saviani (1987, p. 83), “Isso, porém, não podia se efetivar porque,
[...] o modo de produção capitalista não se aplica aí senão de maneira limitada”.
Já comentamos, em itens anteriores, que a implantação dessa proposta
não obteve sucesso total. Na verdade, ela que pretendia a racionalidade e a
organização, produziu exatamente o contrário: a irracionalidade e a desorga-
nização, além disso, fragmentou o campo pedagógico introduzindo a descon-
tinuidade do processo. (SAVIANI, 1987, p. 83). Soma-se a esses prejuízos,
o de desvalorização do trabalho dos professores, já que estes foram reduzidos
a meros executores, o que proporcionou um achatamento ainda maior dos
salários da categoria.
Em relação ao ensino de 1º e 2º graus é evidente a perda que essa
concepção significou para os professores. Já em relação ao ensino superior, a
introdução dessa visão teve significados diferentes. A tendência da Reforma
Universitária (Lei 5540/68), ao acentuar o binômio ensino-pesquisa afirman-
do ser o ensino superior indissociável da pesquisa (art. 2º), era a de inverter
a tendência tradicional, ou seja, deslocar o eixo do ensino para a pesquisa,
convertendo a pesquisa na atividade nuclear do nível superior, de tal modo
que o ensino dela decorresse. A mesma Lei, reconhecendo ser a organização
universitária condição indispensável para que o ensino superior fosse nortea-
do na pesquisa, determinou que esse nível de ensino, como regra, deveria ser
ministrado em universidades (art. 2º). Em que pese essa declaração, sabemos
que, sob a égide da Lei 5540, as inúmeras autorizações e reconhecimentos
84 A visão tecnocrática se manifestou por meio de um conjunto de mecanismos, tais como a instrução
programada, que apesar de duramente criticada, foi largamente utilizada em inúmeros cursos de
nível superior, em especial em escolas particulares, o tele-ensino, o micro-ensino, as máquinas de
ensinar, o enfoque sistêmico, enfim, uma série de instrumentos pedagógicos surgidos e inspirados
nessa concepção pedagógica.
139
de cursos concedidos pelo Conselho Federal de Educação converteram em
regra do ensino brasileiro os institutos isolados. Na prática, e a despeito da
Lei, o resultado foi, em primeiro lugar, a não implantação da pesquisa como
atividade nuclear do ensino superior - já que esta praticamente inexiste nos
institutos isolados e sequer é predominante na maioria das universidades - e,
em segundo, o empobrecimento do ensino.
Assim, se tomarmos, por um lado, as escolas superiores privadas e, em
parte, as escolas públicas isoladas, veremos que a situação destas assemelha-se
àquela que ocorre nas escolas públicas de 1º e 2º graus: professores horistas;
classes superlotadas; rotatividade dos docentes, etc. De outro lado, nas uni-
versidades, especialmente as públicas, passou a predominar a ideia segundo a
qual a universidade deveria ser o lugar dos especialistas. Dessa forma, os pro-
fessores deveriam ser contratados em tempo integral com dedicação exclusiva
e realizar pesquisas, também organizadas racionalmente, o que definiria a
sua característica de especialista. Essa foi uma das causas do aumento da
burocratização da atividade docente na universidade. Mas, burocratizou-se
colocando o ensino em segundo lugar.
Se antes de 1968, a base de funcionamento da universidade era mais
próxima do que ocorria no ensino de 1º e 2º graus, isto é, as escolas superiores
também funcionavam no regime de hora-aula, pela via do contrato em tempo
integral, a diferença entre os dois níveis de ensino aumentou, proporcionando
um maior usufruto de prerrogativas no interior das universidades, no sentido
de que os seus docentes têm um regime laboral notadamente mais livre.
No entanto, diante dessas experiências, poderíamos perguntar: qual a
razão fundamental do fracasso na implantação do ensino tecnocrático? Seria
apenas o fato de que o saber ainda é relevante no processo de trabalho peda-
gógico? Qual o papel desempenhado pelo saber nesse processo?
Na produção material, no sistema de propriedade privada dos meios de
produção, como resultado da divisão do trabalho que ocorre via separação en-
tre trabalho manual e intelectual, verificamos a perda do saber, a deformação
e a alienação do trabalhador individual. E quanto mais a divisão do trabalho
avança e aumentam as capacidades produtivas coletivas, consequentemente,
mais restrita se torna a atividade produtiva de cada indivíduo, ou seja, o tra-
balho é frequentemente desqualificado. Assim, para esse processo, o trabalho
140
qualificado torna-se cada vez mais dispensável.85 Aí, o saber, enquanto instru-
mento, separa-se do trabalhador individual e aparece, tanto corporificado nas
máquinas, como nos departamentos de concepção, planejamento e controle
das empresas.
No processo de produção pedagógico, o saber apresenta-se sob a forma
de conhecimentos, técnicas e métodos relacionados às maneiras que pode
assumir no processo didático. Não só esse, mas também uma espécie de saber
que se comporta como matéria-prima, que se incorpora ao produto final, o
saber historicamente acumulado. De acordo com Paro (1990, p. 147), esse
saber não permanece apenas no ato de produzir a educação, mas ultrapassa
esse processo de forma análoga à da matéria-prima na produção material,
que entra no processo de produção como matéria-prima e sai como parte
componente do produto.
A restrição da aplicabilidade do modo de produção capitalista na escola se
dá fundamentalmente porque, no processo de produção pedagógico, está
envolvido também, e principalmente, um tipo de saber cuja natureza não
é meramente instrumental, e que funciona, em vez disso, como matéria-
-prima no processo. Ou seja, a dificuldade de aplicação plena do modo
de produção capitalista, aí, reside exatamente no fato de que este tipo de
saber, em virtude de sua natureza de matéria-prima não pode alienar-se do
processo de produção. (PARO, 1990, p. 148).
Verificamos que na produção material, por meio da divisão do traba-
lho, torna-se possível a separação entre concepção e execução, ou seja, o que
é concebido em um momento pode ser executado em outro, e o que é conce-
bido por um indivíduo pode ser executado por outro, sem que o outro tenha
necessariamente compreensão do processo. Com o trabalho pedagógico, o
85 Não estamos desconhecendo que a introdução de novas tecnologias e de novas formas de
organização no processo de produção industrial tem provocado impacto no mundo do trabalho.
Não desconhecemos as mudanças marcadas pela microeletrônica e seus desdobramentos em
termos de informatização, automação e robotização do sistema produtivo; mudanças no campo
da microbiologia, e suas implicações no campo da engenharia genética, biotecnologia etc., e que a
adoção dessas novas tecnologias leva à necessidade de trabalhadores que apresentem qualificação.
No entanto, dado o caráter restritivo, heterogêneo e não coetâneo deste processo de inovações,
apenas um pequeno grupo apresentaria o perfil qualificado, restando no outro pólo, um enorme
contingente de trabalhadores descartáveis e desqualificados.
141
processo se dá de forma diferente: o saber não pode ser expropriado de todo
do trabalhador, sob pena de descaracterizar-se o próprio processo.
Na relação educativa o professor detém o controle do processo de tra-
balho que realiza, é ele quem planeja, elabora e executa. No entanto, o capital
criou várias formas indiretas para pressionar também esse controle, como,
por exemplo, as avaliações do trabalho docente (do produto e não do pro-
cesso), as substituições dos professores na aplicação de avaliações dos alunos,
a subordinação do professor aos especialistas em educação, as imposições de
programas (na forma e no conteúdo) e de planejamentos do processo de en-
sino etc. Essas pressões exercidas pelo capital sobre o controle que o professor
detém do processo de trabalho aliadas a outras formas de pressão, como as
baixas remunerações, péssimas condições de trabalho etc., levaram à precari-
zação do trabalho docente.
No caso da produção científica, essa relação é ainda mais difícil de ser
estabelecida, até em função da diversidade de áreas em que atuam os docentes
pesquisadores. Uma coisa é realizar pesquisas na área da educação e, outra, é
encaminhá-las no desenvolvimento de novas tecnologias, por exemplo. Mas,
parece-nos que aqui também as relações do modo de produção capitalista
ocorrem de maneira periférica, pois o produto das pesquisas tanto pode estar
separado do produtor e ser colocado à venda, como estar colado a ele. De
qualquer forma, o saber também não pode ser totalmente expropriado do
docente pesquisador no ato de produção, não se pode separar a ideia inven-
tiva de seu idealizador e, no caso das universidades públicas, há uma media-
ção diferenciada da instituição entre o pesquisador, a produção científica e o
mercado. Ou seja, o pesquisador pode ser contratado por uma empresa e ser
um trabalhador produtivo que gera mais-valia, mas esta não é a situação do
docente da universidade pública.
Na organização dos trabalhadores na escola pública não há, também,
a observância de um princípio fundamental do capitalismo. De acordo com
Silva Júnior (1990, p. 16-7),
Pensada como um local de trabalho, essa instância da sociedade política
que é a escola pública brasileira apresenta uma curiosa e sugestiva carac-
terística. O Estado ‘racionalizador’ a que ela se vincula e a ‘administra-
ção científica’ que ele afirma promover não parecem preocupados com a
142
observância de um princípio básico da organização capitalista do trabalho
desde seus primórdios: a reunião e a permanência dos trabalhadores em
um único local durante sua jornada de trabalho.
O que o cotidiano das escolas públicas apresenta é a sua desfiguração
como local de trabalho, uma vez que seus trabalhadores frequentemente dis-
tribuem sua jornada de trabalho por diferentes locais, o que reduz sobrema-
neira o tempo de permanência em cada local.
Embora os autores citados tenham desenvolvido reflexões e considera-
ções acerca das escolas públicas de 1º e 2º graus, muito do que se constatou
do trabalho executado pelos professores desses níveis de ensino é válido tam-
bém para os docentes da universidade.
Ao transpor essas reflexões para o ambiente universitário, a primeira
coisa que nos chama a atenção é que o docente da universidade86, além de
desenvolver o trabalho pedagógico, desenvolve o científico, o de extensão e,
parcela significativa da categoria, desenvolve, também, o administrativo, sem
haver necessidade de ser especialista nesta área. A carreira do docente na uni-
versidade pressupõe a perspectiva do trabalho múltiplo, ou seja, a execução
de atividades relativas ao ensino, à pesquisa, à extensão e à administração e
coordenação. Porém, os trabalhadores não são reunidos em um único local
para executar essas tarefas e nem as realizam coletivamente, ao contrário, na
maioria das vezes, o trabalho é artesanal e individual, isto é, a carreira docente
é progressiva e individual.
Grande parte do trabalho a ser realizado pelo docente não significa
(principalmente para aqueles ligados às áreas de ciências humanas),87 neces-
sariamente, a sua permanência no local de trabalho e muito menos a reunião
com outros trabalhadores do mesmo tipo.88 Preparar aulas, corrigir provas e
trabalhos dos alunos, orientar alunos, escrever artigos, coletar dados para a
pesquisa, preparar palestras etc., são trabalhos que tanto podem ser realizados
86 Referimo-nos, aqui, ao docente da universidade pública, em especial ao docente das estaduais paulistas.
87 A permanência no local de trabalho de forma diferenciada, entre os docentes das áreas de ciências
humanas e ciências exatas e naturais, ocorre, sobretudo, pela própria natureza do objeto e temática
de pesquisa. Para os pesquisadores das ciências exatas e naturais, na maioria das vezes, é necessário o
manejo de equipamentos e o uso de laboratórios, o que o induz a permanecer por um maior espaço
de tempo na Unidade.
88 Observamos que, apesar disso, o trabalho docente é subsumido ao capital de qualquer forma.
143
na universidade, em casa ou no município vizinho. O docente trabalha sozi-
nho e no local que quiser.
Os trabalhadores da produção material reúnem-se em seu cotidiano de
trabalho e têm interesses e objetivos em comum, no que se refere ao trabalho.
Os professores universitários, ao contrário, têm interesses e objetivos diver-
sos. A não ser aqueles mais gerais, por exemplo, garantir a qualidade do en-
sino e da pesquisa e perceber salário digno, que interesses comuns podem ter
profissionais tão diversos e que, portanto, realizam atividades diversas, como
engenheiros, médicos, dentistas, filósofos, pedagogos, advogados e artistas,
apenas para citar algumas áreas?
As considerações efetuadas neste texto têm importância não apenas
teórica, mas principalmente prática, quando vistas sob o ângulo da organiza-
ção e lutas dos docentes. Como organizar e elaborar um projeto político com
a categoria quando o trabalhador coletivo não se constitui?
Dessa forma, a organização do trabalho docente, levada a cabo pelo
sindicato, é objetada, primeiro, pelo aspecto individual da realização do tra-
balho e, segundo, porque esse aspecto afeta de perto a participação do pro-
fessor na vida da universidade e nas atividades desenvolvidas pela entidade.
Se o trabalhador não se encontra em seu local de trabalho cotidianamente
e não está reunido com os outros trabalhadores, como convocá-lo para dis-
cutir os problemas da categoria em assembleias e reuniões gerais? É comum
observarmos, principalmente nas Regionais da ADUNESP que congregam
os docentes da área de ciências humanas, a discussão para marcar o dia das
assembleias gerais. O que motiva a escolha da data e do horário para a reu-
nião, muitas vezes, é menos a emergência dos problemas a serem tratados,
do que se no dia escolhido teremos mais ou menos docentes na Casa, isto
é, no local de trabalho. Ao fazer a escolha do melhor dia e horário para a
assembleia, além de verificar se há um contingente significativo de traba-
lhadores na Casa, a Associação deve observar, também, se não há, conco-
mitantemente, reuniões de departamentos, de Congregação, de Comissões
Assessoras, Eventos Científicos etc., pois todas essas atividades acadêmicas
e administrativas concorrem com a assembleia, e algumas podem ficar sem
público, geralmente, as reuniões do sindicato. Não há uma ação dos do-
centes no sentido de paralisação de todas as atividades para participarem da
144
assembleia, coisa tão comum entre os trabalhadores da produção e mesmo
na categoria dos funcionários da universidade.
Na fábrica, quando os trabalhadores entram em greve e param a produ-
ção, entendemos perfeitamente o que isto quer dizer, no entanto, na univer-
sidade, parar a produção é coisa muito diferente. Mesmo quando a categoria
realiza greve, isso não significa parar todas as atividades, geralmente greve
significa paralisar as atividades de ensino e parte das atividades de extensão.
É comum ouvir de docentes que não podem parar as suas pesquisas, pois
dependem de prazos, perderiam meses de trabalho, etc. Também é bastante
comum os docentes continuarem participando das reuniões de órgãos cole-
giados e comissões, especialmente as convocadas pela reitoria, mesmo estan-
do em greve É raro o encaminhamento, nas assembleias, de propostas do tipo
parar toda a burocracia da universidade para sensibilizar o reitor, ou para que
o CRUESP receba os sindicatos e responda às suas reivindicações, pois o do-
cente que participa da administração e demais colegas têm outros interesses,
muitas vezes individuais, que dependem dessa participação, tais como, pare-
ceres em processos, liberação de verbas, aprovação de projetos, entre outros.
O que queremos observar aqui é que devido às especificidades des-
se trabalho múltiplo, os professores da universidade são colocados em uma
situação de defesa dos seus interesses particulares e individuais. Já dizíamos
que os trabalhadores da educação colocam-se na defesa dos seus interesses
desvinculados dos interesses dos trabalhadores em geral. Parece-nos que na
universidade essa questão se aprofunda. Os trabalhadores são colocados em
uma situação de defesa dos seus interesses individuais e particulares, não só
em detrimento dos interesses dos trabalhadores em geral, mas em detrimento
dos interesses gerais de sua própria categoria.
Se o trabalhador da produção fura uma greve, geralmente o faz ou por-
que discorda da greve, politicamente falando, ou porque teme perder o seu
emprego. Dificilmente os docentes que furam greves o fazem por uma dis-
cordância político-ideológica, embora isso também ocorra, e muito menos
por medo de perder o emprego. Os motivos que, frequentemente, levam a
essa atitude são do tipo problemas pessoais, ou seja, o docente, caso entre em
greve, não poderá repor as aulas porque tem apresentação de trabalho em
Congresso, programou o período para coleta de dados da pesquisa ou marcou
145
uma viagem para o começo das férias.89
Dessa forma, o confronto é deslocado para um campo pantanoso, no
qual as argumentações de cunho político ou ideológico surtem pouco ou
nenhum efeito.
Queremos observar, também, que as preocupações manifestas não têm
ainda frequentado o cotidiano dos sindicatos da categoria. Não há no inte-
rior dessas entidades um processo de reflexão sobre a natureza do trabalho
que seus membros executam e sobre as determinações que pesam sobre esse
trabalho. Concordamos com Silva Júnior (1990, p. 20), quando este afirma
que “[...] a simples transposição das táticas de luta sindical dos trabalhadores
ligados à produção material não é adequada nem eficaz para a conquista de
reivindicações no interior do aparelho do Estado”. Se pensarmos na universi-
dade sob a autonomia, essa ineficácia fica ainda mais patente.
Entretanto, essas temáticas não frequentam as discussões encaminha-
das pelos sindicatos de docentes. As pautas não incorporam discussões acerca,
por exemplo, das especificidades do trabalho docente, da teoria do Estado,
do poder político que orienta a ação do Estado, e mesmo da finalidade da
universidade pública. Quando essas discussões ocorrem, são sempre encami-
nhadas de forma bastante genérica.
As formas de trabalho na universidade, por terem se constituído como
amplo movimento de trabalho individual, acabam dificultando a própria or-
ganização desse trabalho. Nem os trabalhadores podem se organizar e nem
são organizados pelos moldes clássicos determinados pelo taylorismo/fordis-
mo. No entanto, há a necessidade de organização, e os docentes só poderiam
se organizar do ponto de vista autônomo, por si mesmos, ou seja, do ponto
de vista de seus próprios interesses.
No capítulo anterior, tentamos demonstrar que a decretação da autono-
mia conjuminada com o amplo movimento de democratização da universi-
dade desencadeado pela comunidade acadêmica e tendo à frente as entidades
89 Nos anos em que presidimos a ADUNESP- S.S. - Regional de Marília e durante as greves que
ocorreram nesse período era comum docentes virem até a presidência para justificar os motivos que
os levaram a dar aulas, algumas vezes fora dos portões do Campus. Em todos os casos, os motivos
relacionados eram sempre do tipo pessoal. Geralmente, os docentes que discordavam da greve,
enquanto melhor forma de luta para a obtenção de melhorias salariais, defendiam suas posições nas
assembleias, mas eram raros os casos em que essa divergência levasse a furar as greves.
146
representativas dos três setores, consolidou-se, em especial na UNESP, como
um aspecto do autogoverno. Defendemos a ideia de que esse movimento
em direção ao autogoverno ou à gestão democrática é positivo e que deveria
haver uma adequação da política sindical a essa situação.
Observamos que o paradigma fordista/taylorista burocrático impreg-
nou toda a sociedade e, dessa forma, todas as organizações. Ele alcançou
também a universidade, sobretudo o setor técnico, embora de maneira par-
cial. Mas, ao mesmo tempo, permanecemos ainda com uma concepção e
uma prática de trabalho individual e artesanal. Esse acontecimento visto de
outra perspectiva aponta para o fato de que esse método de trabalho tem se
tornado insuficiente e ineficiente. Não há como ignorar que, principalmente
nas áreas das ciências naturais e exatas, o trabalho começa a ocorrer de forma
coletiva. Um claro indício desse fato são os vários grupos de pesquisa e grupos
acadêmicos constituídos na universidade. Outro indício a ser destacado são
as várias publicações coletivas, o que demonstra, pelo menos em tese, que esse
trabalho tem sido realizado em equipe.
Assim, se o sindicato realmente tiver a intenção de desenvolver uma
política em direção ao autogoverno ou à gestão democrática, terá que, ne-
cessariamente, desenvolver uma reflexão adequada para repensar as questões
da organização do trabalho e da carreira, pois profissionais centrados sobre
si mesmos apresentam enormes dificuldades em compreender uma forma de
organização coletiva.
Não defendemos uma organização que propicie o controle e o enquadra-
mento, de tipo burocrático, do trabalhador. Mas, no caso do trabalho docente,
deveríamos encontrar maneiras de organizar o trabalho coletivo, que, ao mesmo
tempo, propiciem um espaço para a individualidade. De qualquer forma, esse
processo resultaria, provavelmente, em outra visão de carreira e de trabalho.
A universidade parece viver essa contradição de forma latente, aliás,
como em todo processo de mudança, pois, ao mesmo tempo em que intro-
duz o trabalho coletivo, por meio da institucionalização dos grupos acadêmi-
cos, coloca um grande entrave para que isso se consolide, quando cristaliza a
estrutura de carreira. Não apenas a estrutura da carreira, mas acrescentamos
outros fatores, como a recompensa e o incentivo que são dados ao docente,
quando a universidade preserva perfeitamente o individualismo. No entanto,
147
para além da influência do paradigma que ainda é dominante, ou seja, da bu-
rocracia e do neotaylorismo, o tema da organização do trabalho e todas suas
derivações, quais sejam, a estrutura de carreira, o regime de trabalho, como
esse trabalho é recompensado e incentivado, deveria ser repensado, inclusive
pelo sindicato.
Por meio da realização do trabalho de tipo artesanal, muitas vezes ob-
tém-se excelentes resultados, alguns brilhantes, no entanto, esse método de
trabalho tem-se demonstrado insuficiente perante a grandeza das tarefas a se-
rem enfrentadas. As tarefas hoje a serem executadas, tanto na área das ciências
naturais como na das ciências humanas, estão transcendendo o alcance das
forças individuais e parece que deveríamos somar essas forças.
Perante essas considerações, podemos perceber que não é sem razão,
embora esse não seja o único fator, mas certamente significativo, que nós, do-
centes, ainda temos um sindicato assemelhado ao de ofícios. O sindicato de
ofícios morreu em torno da década de 1920, com o desenvolvimento do ca-
pitalismo, mas o setor docente ainda tem um sindicato desse tipo, mantendo,
inclusive, uma profunda divisão interna entre as categorias dos trabalhadores
da universidade. Se fizermos uma comparação simples com outros sindica-
tos, como, por exemplo, de metalúrgicos, verificaremos que este representa
e aglutina no seu interior, desde o peão, o trabalhador do chão da fábrica, até
aqueles da administração e do setor técnico que trabalham nas indústrias me-
talúrgicas, e essa organização dá-se em todos os níveis. Não existe na univer-
sidade um sindicato dos trabalhadores da universidade e sim o sindicato dos
docentes, a associação dos funcionários, o sindicato dos funcionários, além
do que vários docentes ainda são filiados aos seus sindicatos profissionais, o
de psicólogos, de engenheiros, sociólogos etc.
Há ainda uma questão sem a qual essa discussão não teria razão de ser.
O individualismo e o pequeno artesanato individual, não se constituem em
entraves para o desenvolvimento docente, no sentido do desenvolvimento
de sua consciência democrática? Ou melhor, essa forma de organização do
trabalho docente não seria um entrave para o desenvolvimento da gestão
democrática na universidade?
À luz das considerações anteriores, nossa resposta a essa pergunta é
afirmativa. E se o sindicato refletir sobre a questão da autogestão, da gestão
148
democrática, haverá modificações profundas nesta área. Não só no que se
refere à organização do trabalho docente, que deveria ocorrer de uma for-
ma que possibilitasse o desenvolvimento individual, mas que introduzisse de
maneira ampla o trabalho coletivo, mas, também, no que se refere à maneira
como o trabalhador obtém a sua formação, os títulos, a estrutura da carreira,
a recompensa financeira etc. O sindicato teria que lutar para propor impor-
tantes modificações na estrutura atual.
No limite, há a necessidade de se instaurar o trabalho coletivo, intro-
duzindo modificações no sistema de avaliação do trabalho do docente pes-
quisador, na produção dos trabalhos científicos, nos concursos e nas provas
para obtenção de titulações e graus, entre outras. Isto, porém, não tem sido
considerado como relevante para a política sindical. Haja vista que nas pro-
postas apresentadas pelas entidades, sobretudo pela ANDES - S.N., no que
diz respeito às discussões da organização do trabalho e da estrutura de carrei-
ra, jamais apareceu a questão do trabalho coletivo ou modificações de fundo
na estrutura da carreira.
2. Sindicato: política tradicional e a crise do sindicalismo
2.1. Sindicato e política tradicional
Já dizíamos que a organização e as especificidades do trabalho docente
são fatores que podem influenciar a posição e a consciência democrática do
setor. Ou seja, o trabalho individual, o pequeno artesanato, poderia colocar
um óbice ao desenvolvimento da consciência democrática dessa categoria.
Dizíamos, também, que a organização da categoria, realizada pelo sin-
dicato dos docentes tem sido marcadamente corporativista e economicista,
aliás, como todo o sindicalismo, o que denominamos de política tradicional
do sindicato. Mas, constatar a existência desses dois elementos não signifi-
ca, por si só, uma explicação. Para tanto, seria necessário elaborarmos uma
análise da dinâmica histórica do sindicalismo, isto é, determinar as fontes
objetivas e subjetivas desses fenômenos.
Dessa forma, pretendemos aqui, não elaborar uma análise completa
dessa dinâmica, até porque isso ultrapassaria os limites deste texto, mas fazer
149
uma tentativa de levantar algumas hipóteses explicativas, na forma de indi-
cações dos principais fatores, que incidindo sobre a atuação da organização
resultaram nessas marcas do sindicalismo.
O principal instrumento de que a classe trabalhadora dispõe para per-
seguir os seus objetivos continua sendo o partido. A seu lado, e talvez com-
petindo com ele, encontram-se os sindicatos. Dessa forma, do ponto de vista
da organização e da representação da classe trabalhadora, teríamos uma dupla
instrumentação, ou seja, a luta desencadeada pela classe trabalhadora contra
o capital teria duas frentes, o sindicato e o partido.
De acordo com Touraine (1966, p. 60), todas as teorias sociológicas,
até as mais comprometidas com a crítica, pressupõem uma função ambi-
valente do movimento operário decorrente da circunstância deste haver-se
animado internamente por uma dupla natureza: ser ao mesmo tempo gru-
po específico, empenhado em uma ação de defesa dos próprios interesses
particulares; e elemento primário - junto a outros - do sistema das decisões
econômicas da sociedade global e, por fim, condicionado pela situação real
de poder que pode conquistar nesta. Como primeira consequência desta su-
posta índole dicotômica do movimento operário, sua ação deveria articular-
-se necessariamente em dois planos diferentes: o econômico, por meio do
sindicato; e o político, por meio do partido. Isto não quer dizer que entre
os dois planos de lutas não se estabeleçam contínuas interações, pelas quais,
ainda que conceitualmente sejam mantidas esferas de ação, pode-se chegar ao
que Touraine (1960, p. 60-61) denomina de “politização apolítica” do “sin-
dicato de controle”. Essa politização corresponderia ao sindicalismo que se
desenvolveu nos países industrializados, nos quais a classe operária, ainda sem
haver conquistado o poder, tem tão amplo acesso a ele, que o pode impug-
nar “na medida em que aspire transformá-lo”. No entanto, alerta Touraine
(1960) que um acesso prolongado ao poder tende a incorporar o sindicalismo
em um sistema de decisões econômicas e transformá-lo em um instrumento
de controle dos próprios trabalhadores, pois induz os mesmos a submeterem-
-se às exigências de determinadas políticas econômicas.
Baglioni (1966) apresenta um esboço do sindicalismo de competência
muito mais simples e menos ambicioso em sua estrutura, ainda que provenha
do mesmo marco conceitual. Suposta a separação entre esfera econômica e
150
esfera política, ao sindicato compete, com os demais grupos sociais organi-
zados e não organizados, assegurar aos associados condições de trabalho e de
vida mais satisfatórias que as que poderiam ser obtidas mediante o livre jogo
das instituições, e colaborar com a manutenção do sistema jurídico-social re-
conhecido como legítimo, estimulando suas capacidades democráticas, com
a mediação das forças políticas quando necessária.
Entretanto, vale a pena ressaltar os dizeres de Vittorio Foa (1969) sobre a
proposta do sindicalismo de competência. Afirma Foa (1969) que a separação
esquemática entre a luta econômica e a luta política, a luta na fábrica e a ação
parlamentar; o relegar o sindicato a tarefas reivindicatórias imediatas, conduz
ao esgotamento dessas mesmas lutas reivindicatórias e, de todos os modos, à
sua restrição corporativa, que o priva de comunicabilidade com a classe social,
o isola e prepara a sua subordinação ao poder capitalista burguês na fábrica e na
sociedade. Acerca desta perspectiva, afirma ainda Vittorio Foa (1969) que até
o embate mais intenso pode ser facilmente reabsorvido quando está encerrado
no âmbito gremial e se ataca contradições efetivas, porém secundárias (contra-
dições entre salários e preços, entre o nível dos salários e o nível do lucro, entre
opressão na fábrica e liberdade externa, etc.), deixando de lado a contradição
fundamental inerente à estrutura capitalista de produção da sociedade.
As descobertas da sociologia sobre a dupla natureza do movimento
operário e, consequentemente, da necessidade de uma dupla instrumentação
da luta de classes não são originais e nem tão científicas como parecem.
Para Tomasetta (1972, p.261), uma vez mais a ideologia sobrepõe-se à
investigação científica, pois somente na aparência essas descobertas apoiam-
-se nos fatos e na experiência histórico-empírica. Atrás dos fatos encontra-se
a estrutura típica da organização do conhecimento impulsionada pela cultura
burguesa, a qual erige como princípio universal o sistema da divisão do tra-
balho que o capitalismo aplica, a fim de produzir não só a mercadoria, mas,
também, os conceitos. Daí provém a nítida delimitação entre a esfera política
e a esfera econômica, entre Estado e sociedade, entre sociedade e fábrica.
Dessa divisão das esferas depreende-se que as ações dos grupos sociais, que,
como as classes, assumem uma pluralidade de funções, têm que se diversificar
necessariamente segundo o âmbito particular no qual se inserem.
Tudo isto, entretanto, forma uma parte da história do movimento
151
operário. A explicação da dupla natureza deste, como indica Tomasetta
(1972), está na ideologia e não na ciência. Para entendê-la seria necessário
refazer o caminho da social-democracia alemã e russa.
De fato, essa polêmica remonta aos históricos embates entre os opor-
tunistas (Bernstein) e os radicais de esquerda (Luxemburgo), entre os econo-
mistas (Martynov) e os bolcheviques (Lenin).
A II Internacional fundada na França, em 1889, constituiu-se em uma
união de partidos social-democratas autônomos organizados de forma fede-
rativa. Essa diversidade de organização refletiu-se no seu pluralismo doutri-
nário. Dessa forma, conviviam as ideias marxistas defendidas pelo Partido
Social-Democrata Francês, com a ideia da formação de um partido operário
independente, pleiteada pelo russo Plekhanov.
A estruturação da social-democracia, em 1889, deu-se atendendo às
peculiaridades nacionais. Na Bélgica, o Partido Operário apresentava-se
como uma federação que englobava as seções socialista, sindical e coopera-
tivista, enquanto que na Inglaterra predominava o movimento sindical por
meio dos trade unions, que, desejando participar do parlamento, deu origem
ao Partido Trabalhista.
Porém, esse pluralismo permitiu a emergência e o predomínio do
Partido Social-Democrata alemão, inspirador da social-democracia mundial,
como, mais tarde, na III Internacional, o Partido Comunista Soviético seria
o grande modelo a ser seguido.
A discussão sobre as opções que a social-democracia oferecia aos tra-
balhadores é profundamente atual, pois a social-democracia não desapareceu
com o fim da II Internacional. Bem antes disso, por meio de seus teóricos
conhecidos como revisionistas, Kautsky e Bernstein, entre outros, adotara a
luta parlamentar como espaço privilegiado de oposição, o gradualismo por
meio das reformas parciais e a conquista de direitos sociais como sua finalida-
de. A célebre frase de Bernstein (1911) sintetiza bem essa opção: o fim não é
nada, o movimento é tudo.
Segundo Tratemberg (1989), Bernstein era o autêntico ideólogo re-
presentante da social-democracia e tinha, no Parlamento alemão, um gran-
de aliado, Georg Wolmar. Wolmar defendia a ideia de que o socialismo
poderia ser realizado por meio de uma lenta evolução orgânica, afirmava a
152
importância das reivindicações imediatas, especialmente a legislação sobre a
proteção ao trabalho, o direito de associação e a supressão de impostos sobre
vários produtos de consumo. Bernstein designava aos sindicatos uma função
determinista denominada de enterradores do capitalismo, ou seja, as lutas
sindicais deveriam servir precisamente para aumentar, de maneira gradual,
a massa dos salários (em nível nacional) e diminuir o correspondente aos
lucros, até o desaparecimento do capitalismo.
Na sua primeira polêmica contra Bernstein, Rosa Luxemburgo (1986,
p. 36) já desmascarava o ceticismo oportunista e amedrontado da corrente
representada por ele, face à revolução “como um absurdo político que parte
de uma evolução mecânica da sociedade e pressupõe como condição prévia à
vitória da luta de classes um ponto do tempo determinado, exterior e inde-
pendente da luta de classes”.90
Depois de haver polemizado contra a posição oportunista de Bernstein,
Luxemburgo desencadeou um embate contra a coalização Bebel-Legien (o
primeiro, chefe do partido e, o segundo, do sindicato) que pretendia reduzir
a luta política à defesa das instituições burguesas (oposição a um eventual
ataque ao sufrágio universal) e separar dela as lutas econômicas que deveriam
ocorrer nas fábricas, por iniciativa dos sindicatos.
Luxemburgo (1986, p. 38) afirma que “Não há duas lutas de classes, da
classe proletária, distintas, uma econômica e outra política, mas sim uma única
luta de classes dirigida, ao mesmo tempo, à redução da exploração na sociedade
burguesa e à supressão dessa exploração e da própria sociedade burguesa”.
A ideia da dupla natureza do movimento operário já havia conquistado
tanto a maior parte das burocracias partidárias e sindicais, na Alemanha, quan-
do aqueles que, por motivos técnicos, afirmavam haver dois aspectos da luta de
classes, e que no tranquilo curso da prolongada experiência parlamentar eram
separados um do outro. Entretanto, Luxemburgo (1986) insistia que, apesar
90 “[...] a partir do momento em que não se considera a revolução como momento do processo mas
como acto isolado, separado da evolução de conjunto, o que há de revolucionário em Marx terá
necessariamente que aparecer como um regresso ao período primitivo do movimento operário,
ao blanquismo. E com o princípio da Revolução, em consequência da dominação categorial da
totalidade, é todo o sistema do marxismo que se desmorona. A crítica de Bernstein é, até na sua
qualidade de crítica oportunista, demasiado oportunista, para denunciar, neste aspecto, todas as
suas consequências.” (LUKÁCS, 1983, p. 44).
153
disso, não representavam duas ações que ocorriam paralelamente, mas sim duas
fases das etapas da luta de classes pela emancipação da classe operária.
Rosa Luxemburgo (1986) explicou como essa teoria, denominada de
paridade dos direitos entre sindicato e partido, não tinha nascido de uma
raiz sã, mas se baseava na ilusão advinda do período considerado normal da
sociedade burguesa, durante o qual a luta política reduzia-se à luta parlamen-
tar. Entrementes, tanto a luta parlamentar como a luta sindical se davam
exclusivamente no terreno do regime burguês. Para Luxemburgo (1986), por
este motivo, e de acordo com a índole do regime, as ações constituíam-se
em um trabalho político e um trabalho econômico do presente. A tarefa do
partido, representante dos interesses futuros do movimento operário, era a de
reunificar a única luta de classes, encaminhada para a destruição do regime
social burguês.
A teoria da ‘paridade dos direitos’ dos sindicatos e da social-democracia
não é, por conseguinte, um mero erro teórico, uma mera confusão, mas
expressa a conhecida tendência da ala oportunista da social-democracia
que pretende reduzir de fato a luta política da classe operária à luta parla-
mentar, e transformar a social-democracia, de partido revolucionário, em
partido pequeno burguês. (LUXEMBURGO, 1986, p. 138).
Por outro lado, na Rússia reinava um clima de luta generalizada contra
o absolutismo e a opressão czarista.
Já em 1899, Lenin (1961, p. 360), ao discutir a aplicação do Programa
Social-Democrata na Rússia, criticava a posição dos economistas.
Quais são, pois, as questões principais que surgem ao aplicar à Rússia
o programa comum para todos os social-democratas? Já dissemos que
a essência desse programa consiste na organização da luta de classe do
proletariado e na direção dessa luta, cujo objetivo final é a conquista do
poder político pelo proletariado e a estruturação da sociedade socialista.
A luta de classe do proletariado compõem-se da luta econômica (contra
capitalistas isolados ou contra grupos isolados de capitalistas pela melho-
ria da situação dos operários) e da luta política (contra o governo, pela
ampliação dos direitos do povo, isto é, pela democracia e pela ampliação
do poder político do proletariado). Alguns social-democratas russos (entre
154
eles, pelo visto, os que editam o jornal Rabotchaia Misl)91 consideram
incomparavelmente mais importante a luta econômica, chegando quase a
afastar a luta política para um futuro mais ou menos distante.
No entanto, dado o clima de agitação e luta que se desencadeou na
Rússia czarista, os economistas de Martynov ou os Martynov, formas como
Lenin e os bolcheviques os denominavam, não podiam subestimar o signifi-
cado político das lutas operárias.
Em sua polêmica com o Iskra, sustentada nas colunas de Rabocheie
Dielo92, os Martynov empenhavam-se em afirmar que “A luta política da
classe operária é apenas a forma mais desenvolvida, mais ampla e efetiva
da luta econômica” (RABOTCHEIE DIELO apud LENIN, 1961, p. 79)
e que “Atualmente, apresenta-se aos social-democratas a tarefa de impri-
mir à própria luta econômica, tanto quanto possível, um caráter político”.
(RABOTCHEIE DIELO, p. 42 apud LENIN, 1961, p. 79). Os economistas
partiam de uma convicção, insistentemente repetida, de que “A luta econô-
mica é o meio mais amplamente aplicável para incorporar as massas à luta
política ativa”. (MARTYNOV, p.11-17 apud LENIN, 1961, p. 79).
Lenin (1961) criticava essa posição e questionava que sentido concreto,
real, teria nos lábios de Martynov, o fato de apresentar ante a social-democra-
cia a tarefa de imprimir à própria luta econômica um caráter político. Ainda,
aponta que,
A luta econômica é a luta coletiva dos operários contra os patrões para
conseguir condições vantajosas de venda da força de trabalho, para me-
lhorar as condições de vida e de trabalho dos operários. Essa luta é, ne-
cessariamente, uma luta profissional, porque as condições de trabalho
são extremamente variadas nos diferentes ofícios e, portanto, a luta pela
91 Rabotchaia Misl (O Pensamento Operário): jornal dos economistas publicado de outubro de 1897
a dezembro de 1902.
92 Iskra (A Faísca): jornal ilegal russo fundado por Lenin, em 1900. Sob a direção de Lenin e com
sua participação direta, a Iskra manteve uma enérgica luta contra os economistas e elaborou o
projeto de programa do Partido. Em novembro de 1903, quando Plekhânov (que também fazia
parte da redação) caiu nas posições do menchevismo, Lenin abandonou a Iskra. Desde então,
no Partido, chamava-se de velha Iskra, a Iskra leninista e bolchevique, e de nova Iskra, a Iskra
menchevique. Rabocheie Dielo (A Causa Operária): revista dos economistas, órgão da União de
Social-Democratas Russos no Estrangeiro. Editada em Genebra, com interrupções, de 1891 a 1902.
155
melhoria dessas condições tem que se fazer, obrigatoriamente, por ofí-
cios (pelos sindicatos no Ocidente, por associações profissionais de caráter
provisório e por meio de volantes na Rússia, etc.) (LENIN, 1961, p. 82,
grifos do autor).93
Lembramos que na Rússia, nessa época, os sindicatos eram ilegais.
Portanto, para Lenin (1961, p. 82-3), imprimir à “própria luta econômica
um caráter político” significava procurar a consecução dessas mesmas reivin-
dicações profissionais, dessa mesma melhoria das condições de trabalho nos
ofícios por meio de “medidas legislativas e administrativas”. Era justamente o
que sempre fizeram e faziam todos os sindicatos operários.
Olhai a obra do casal Webb, verdadeiros eruditos (e ‘verdadeiros’ oportu-
nistas) e vereis que os sindicatos operários ingleses, há muito tempo, com-
preenderam e realizam [essa] tarefa [...] há muito tempo, lutam pela liber-
dade de greve, pela supressão de todos os obstáculos jurídicos que se opõem
ao movimento cooperativo e sindical [...]. (LENIN, 1961, p. 82-3).
Lenin (1961, p. 83, grifo do autor) ainda comenta que por trás da
aparência “[...] ‘terrivelmente’ profunda e revolucionária, oculta no fundo
a tendência tradicional de rebaixar a política social-democrata ao nível da
política trade-unionista”. De fato, a Robocheie Dielo designava ao partido a
missão de exigir do governo medidas legislativas e administrativas contra a
exploração econômica, o desemprego, a carestia, etc., da mesma forma como
os trade-unionistas haviam lutado por uma promulgação de leis sobre a pro-
teção das mulheres e das crianças, pela melhoria das condições de trabalho
mediante uma legislação sanitária e industrial e pelo direito de greve. Na
verdade, resgata a antiga tese dos economistas, segundo a qual em um re-
gime autocrático, à burguesia corresponde a luta política até a conquista da
democracia, enquanto que o proletariado deve limitar-se à luta econômica.
Martynov propõe uma só atuação, no entanto, com a inserção do partido no
programa de lutas políticas da burguesia para obter reformas legislativas que
93 A fim de evitar interpretações errôneas assinalamos que na exposição que se segue entendemos
por luta econômica (segundo o uso estabelecido entre nós) a ‘luta econômica prática’, que Engels
chamou [...] ‘resistência aos capitalistas’ e que nos países livres se chama luta gremial, sindical ou
trade-unionista.” (LENIN, 1961, p. 77).
156
consolidem os resultados das conquistas econômicas obtidas por meio das
greves. Segundo Lenin (1961, p. 83), ”‘[...] imprimir à própria luta econô-
mica um caráter político’ não tem absolutamente nenhum outro conteúdo [a
não ser] a luta pelas reformas econômicas”.
De acordo com Lenin (1961), a social-democracia revolucionária sem-
pre incluiu e continuava incluindo, na órbita de suas atividades, a luta pelas
reformas. Contudo,
[...] utiliza a agitação ‘econômica’ não só para reclamar do governo toda
classe de medidas, como também (e em primeiro lugar) para exigir que
deixe de ser um governo autocrático. Além disso, considera seu dever
apresentar ao governo essa exigência não só no terreno da luta econômica,
mas também no terreno de todas as manifestações em geral da vida social
e política. Numa palavra, como a parte ao todo, subordina a luta pelas re-
formas à luta revolucionária pela liberdade e o socialismo (LENIN, 1961,
p. 83, grifo do autor).
Martynov e os economistas parecem cometer o mesmo erro que os
oportunistas, qual seja, o de trabalharem com uma visão determinista e me-
cânica acerca da passagem do capitalismo para o socialismo. Além disso, con-
fundem o conteúdo de classe das reformas com a consciência de que elas
devem representar o resultado de uma só luta de classe, a luta do proletariado
pela destruição do capitalismo.
No entanto, observamos que Lenin e os bolcheviques, por um lado, ao
designar a luta política pelo socialismo unicamente como tarefa do partido e,
por outro, ao contraporem-se aos economistas e, acertadamente, desvendar
o conteúdo trade-unionista e reformista por trás das posições defendidas por
eles, continuaram, ao privilegiar a luta política sobre a econômica, a separar
as duas formas de luta. Ou seja, a separação das duas formas de luta persiste
em seu raciocínio quando exalta a primazia do político e quando retira dos
sindicatos a possibilidade de também serem órgãos de luta política, embora,
não necessariamente social-democrata, como na discussão da época.94 Parece-
94 Para os bolcheviques, o trabalho político a ser realizado nos sindicatos deveria ser encaminhado pelos
social-democratas criando-se células partidárias no interior das organizações. “[...] mas os social-
democratas devem formar dentro dessas associações grupos de Partido e, através de prolongado e
sistemático trabalho entre eles, conseguir que sejam estabelecidas as mais estreitas relações entre eles
157
nos que esta visão consolidou-se no interior do PCUS e na III Internacional,
tendo consequências até a atualidade.
Outros teórico-políticos, dentre eles Gramsci, Bordiga e Lukács, tam-
bém polemizaram em torno das funções do sindicato e do partido e, no caso,
dos conselhos de fábrica.
Gramsci, que tinha uma concepção antieconomicista do marxismo,
embora, na época, marcada por motivos idealistas e voluntaristas, saudou
com grande entusiasmo a Revolução Russa, na qual via uma clara manifesta-
ção de que a vontade humana coletiva - e não as leis objetivas, entendidas de
modo mecanicista - era a verdadeira força motriz da história.
Em 1919, Gramsci começou a editar, em Turim, o semanário L’Ordine
Nuovo juntamente com Tasca, Togliatti e Terracini. Desde 1914 militava no
Partido Socialista Italiano, em cujo seio combatia tanto o reboquismo político
da corrente reformista, particularmente forte entre o grupo parlamentar e as
direções sindicais, quanto a formulação fatalista e mecanicista do marxismo
da corrente maximalista.
Gramsci, nesta época, colocava-se como objetivo prioritário o exame
da realidade italiana para observar se existia nela, ainda que em gérmen, os
fundamentos de uma organização operária que fosse análoga aos sovietes rus-
sos, que pudesse servir de ponto de partida e suporte para a criação de uma
democracia operária e de um Estado socialista. Ele crê descobrir esse gérmen
nas Comissões Internas de Fábrica, que já vinham se constituindo desde 1906
e o Partido Social-Democrata. [...]. A experiência do movimento operário internacional e do da
Rússia ensina que, desde o começo mesmo da atuação das referidas organizações operárias (sindicatos,
cooperativas, clubes, etc.), é necessário conseguir que cada uma dessas entidades seja um baluarte do
Partido Social Democrata. A reunião convida todos os militantes do Partido a levarem em consideração
essa importante tarefa [...]” (SOBRE AS RESOLUÇÕES DA REUNIÃO DO CC DO POSDR
COM UM GRUPO DE MILITANTES RESPONSÁVEIS DO PARTIDO, 1913 apud LÊNIN,
1961, p. 242). “Os sindicatos representam um progresso gigantesco da classe operária nos primeiros
tempos do desenvolvimento do capitalismo, uma vez que significam a passagem da dispersão e da
impotência dos operários aos rudimentos da união de classe. Quando a forma superior de união
de classe dos proletários começou a desenvolver-se, o partido revolucionário do proletariado [...], os
sindicatos começaram a manifestar fatalmente certos traços reacionários, certa estreiteza gremial, certa
tendência ao apoliticismo, certo espírito rotineiro, etc. [...] o desenvolvimento do proletariado [...]
nem podia realizar-se [...] senão por meio dos sindicatos e por sua ação conjunta com o partido da
classe operária.” LÊNIN, 1920 apud LÊNIN, 1961, p. 282).
158
na Itália. Embora fruto da auto-organização operária, de um movimento que
tinha seu ponto de partida numa iniciativa de base, as Comissões de Fábrica
apresentavam ainda, segundo Gramsci, alguns limites que deveriam ser su-
perados se quisesse transformá-las a forma primordial da nova democracia
operária. (COUTINHO, 1973 apud GRAMSCI; BORDIGA, 1973, p. 9).
No entanto, o que queremos destacar aqui, não é tanto a posição de Gramsci
sobre as Comissões de Fábrica, mas sim a que desenvolveu, na época, acerca do
partido e, principalmente, do sindicato, embora as concepções estejam interligadas.
Para o Gramsci de L’Ordine Nuovo, o verdadeiro processo da revolu-
ção proletária não podia ser identificado com o desenvolvimento e a ação das
organizações revolucionárias de tipo voluntário e contratual, como o parti-
do político e os sindicatos profissionais, organizações nascidas no campo da
democracia burguesa e da liberdade política. Essas organizações, que repre-
sentavam uma doutrina que interpretava o processo revolucionário e previa
o seu desenvolvimento, enquanto órgãos reconhecidos pelas grandes massas
como um seu reflexo e um seu aparelho embrionário de governo, eram e
sempre mais se tornariam os agentes diretos e responsáveis pelos sucessivos
atos de libertação que toda a classe trabalhadora tentará no curso do processo
revolucionário. Todavia, essas organizações não representavam esse processo,
elas não poderiam superar o Estado burguês, não abrangiam e nem poderiam
abranger todo o variado pulular de forças revolucionárias que o capitalis-
mo desencadeia no seu proceder implacável de máquina de exploração e de
opressão. (GRAMSCI, 1920 apud GRAMSCI; BORDIGA, 1973, p.92).
No entanto, Gramsci, já nesta época, fazia uma clara distinção entre o
papel do partido e o dos sindicatos na revolução.
Os partidos socialistas adquirem sempre mais um perfil francamente revo-
lucionário e internacionalista; os sindicatos, no entanto, têm a tendência a
representar a teoria e a tática do oportunismo reformista, e a tornarem-se
meramente nacionais. Disso nasce um estado de coisas insustentável, uma
condição de confusão permanente e de fraqueza crônica para a classe traba-
lhadora [...]. (GRAMSCI, 1919 apud GRAMSCI; BORDIGA, 1973, p.51).
Para Gramsci, os sindicatos organizavam os operários de acordo com os
princípios da luta de classes e eles foram as primeiras formas orgânicas desta
159
luta. Os organizadores sempre disseram que somente a luta de classes poderia
levar o proletariado à sua emancipação, e que a organização sindical tinha
exatamente a finalidade de suprimir o proveito individual e a exploração do
homem pelo homem, pois sua finalidade era eliminar o capitalismo.
Mas os sindicatos não puderam alcançar imediatamente essa finalidade
e para isso dirigiram todos os seus esforços à finalidade imediata de me-
lhorar as condições de vida do proletariado, pedindo salários mais altos,
menos horas de trabalho, um corpo de legislação social. Os movimentos
sucederam-se aos movimentos, as greves às greves, a condição de vida dos
trabalhadores tornou-se relativamente melhor. Mas todos os resultados,
todas as vitórias da ação sindical têm suas bases em origens antigas: o
princípio da propriedade particular permanece intacto e forte, a ordem da
produção capitalista e a exploração do homem pelo homem permanecem
intactos e, aliás, complicam-se em formas novas. (GRAMSCI, 1919 apud
GRAMSCI; BORDIGA, 1973, p.51-2).
De acordo com Gramsci, a jornada de oito horas, o aumento salarial, os
benefícios da legislação social não atingem o lucro; os desequilíbrios que a ação
sindical imediatamente determina no estudo do lucro recompõem-se e encon-
tram uma sistemática nova no jogo da livre concorrência para as nações de eco-
nomia mundial. Ou seja, o capitalismo reverte sobre as massas amorfas nacionais,
ou sobre as massas coloniais, as despesas gerais majoradas da produção industrial.
Assim, a ação sindical revela-se absolutamente incapaz de superar, no seu domí-
nio e com os seus meios, a sociedade capitalista, revela-se incapaz de conduzir o
proletariado à atuação da finalidade elevada e universal a que inicialmente tinha
se proposto.” (GRAMSCI, 1919 apud GRAMSCI; BORDIGA, 1973, p.52).
Para Gramsci, o meio, portanto, não é conveniente ao fim, e como o
meio não é mais do que um momento do fim que se realiza, que acontece,
deve-se concluir que o sindicalismo não é meio para a revolução, não é um
momento da revolução proletária, o sindicalismo não é revolucionário, a não
ser pela possibilidade gramatical de unir as duas expressões. Para Gramsci
(1919 apud GRAMSCI; BORDIGA, 1973, p. 62),
O sindicalismo revelou-se nada mais do que uma forma da sociedade capi-
talista, não uma potencial superação da sociedade capitalista. Ele organiza
160
os operários não como produtores, mas como assalariados, isto é, como
criaturas do regime capitalista de propriedade privada, como vendedores
da mercadoria trabalho.
No entanto, as posições de Gramsci, aqui delineadas, têm que ser enten-
didas na própria dinâmica histórica da época. Sob o influxo da revolução russa
e alemã, e do movimento operário italiano, Gramsci, Lukács e Karl Korsh apa-
recem repletos de entusiasmo revolucionário, vendo na tomada do poder pelos
bolcheviques e na revolução alemã o início da revolução em escala internacio-
nal. Entre 1917 e 1921, na Europa, desenvolveu-se a luta de classes, levando
a uma redefinição da social-democracia. A ala da direita, na sua tentativa de
sobrevivência, apoia o capitalismo e, para isso, reprime a revolução socialis-
ta na Alemanha. No mesmo sentido trabalha a social-democracia austríaca
preocupada com a criação de comissões de fábrica num espírito de conciliação
de classe, fora e acima da luta de classes. Já para os líderes da ala direita da
social-democracia alemã e para os reformistas do socialismo italiano, a história
era a realização de uma lei objetiva que eles diziam conhecer, ou seja, quando
as contradições sociais amadurecessem, a revolução se daria. E o termômetro
para medir a temperatura social era, para os reformistas, a intervenção no par-
lamento. O adiamento das vitórias definitivas pela via parlamentar da social-
-democracia, o debate entre o gradualismo de Bernstein e seu crítico Kaustsky,
o impacto da revolução russa e do anarcossindicalismo levaram a um quase
desprezo aos partidos que compunham a II Internacional. Assim, termos como
antirreformismo, audácia e revolução apareciam no sindicalismo revolucioná-
rio influenciado por Sorel. Além desses fatores, a emergência da revolução russa
propiciava o surgimento do leninismo, não apenas como uma interpretação
de Marx, mas também como a única interpretação vitoriosa, e que trazia um
sólido conceito de organização e de partido.
A polêmica Bordiga-Gramsci, como as críticas de Lukács ao mo-
vimento dos conselhos de fábrica de Turim e os escritos de Korsch contra
Gramsci, abordavam as divergências sobre as relações conselho-sindicatos,
conselho-partido político e soviete-partido. Dividido o debate no movimen-
to operário internacional entre Luxemburgo e Lenin, entre o comunismo de
conselhos ou a hegemonia do partido, aparecia notoriamente a tendência a
enfatizar a hegemonia deste último.
161
Assim, enquanto os editores de L’Ordine Nuovo apresentavam as co-
missões de fábrica como alternativa aos sindicatos, os partidários de Kaustsky
apresentavam os sindicatos como núcleo privilegiado da ação operária aos
quais as comissões deveriam submeter-se. Isso, de acordo com Tragtenberg
(1981, p. 16), levou, na Alemanha, ao enfrentamento entre os conselhos de
fábrica e os sindicatos, nos fins de 1920, no Congresso Nacional de Conselhos
de Fábrica, no qual estes se subordinavam em nível local e nacional aos sin-
dicatos, que estavam nas mãos da maioria reformista, constituindo-se os con-
selhos em base da estrutura sindical. Com isso queria-se evitar o paralelismo
organizatório: conselho de fábrica de um lado; e sindicato do outro.
O fato é que, na Itália, os conselhos tomaram a vanguarda das lutas
entre 1919 e 1920, e, embora atraíssem a maioria da seção socialista de Turim
e de elementos anarquistas, ficaram isolados do resto do país, em meio aos
ataques da burguesia italiana e sem apoio dos sindicatos.
Bordiga, em sua polêmica com Gramsci, fundamenta suas críticas aos
conselhos na teoria e na prática bolchevique. Por isso, Bordiga, ante seus
críticos, em artigo publicado no soviete, em junho de 1919, afirmava ser
necessária no debate sobre conselhos de fábrica, partido e ditadura do prole-
tariado, a observação de uma preliminar: a conquista do poder político pela
classe trabalhadora. Bordiga (1973) adverte, também, acerca da confusão
entre soviete e sindicato de uma categoria profissional. Enquanto o sindicato
tem como objetivo a defesa dos interesses econômicos do trabalhador como
categoria profissional, o soviete é o espaço que o proletariado ocupa como
componente de uma classe social que conquista e exerce o poder político e
social, na medida em que os interesses globais dos trabalhadores são comuns
a todos, independente do ofício que exerçam. Para Bordiga (1973), o ver-
dadeiro instrumento de luta do proletariado encaminhado à conquista do
poder político é o partido de classe. Enquanto existir o estado burguês, os
conselhos de fábrica e os sindicatos apenas podem ser órgãos nos quais traba-
lha o partido de classe e nada mais que isso.
O verdadeiro instrumento da luta da libertação do proletariado, e an-
tes de mais nada, da conquista do poder político, é o partido de classe
comunista. [...]. Afirmar [...] que [conselho e sindicato] antes da queda
da burguesia já são órgãos, não somente de luta política, mas de preparo
162
econômico-técnico do sistema comunista, não é mais do que um puro e
simples retorno ao gradualismo socialista: este, chame-se reformismo ou
sindicalismo, está definido pelo erro de que o proletariado possa se eman-
cipar ganhando terreno nas relações econômicas, enquanto o capitalismo
ainda detém, como Estado, o poder político. (BORDIGA, 1920 apud
GRAMSCI; BORDIGA, 1973, p. 67).
Quanto a Gramsci, logo após o fracasso prático do movimento dos
conselhos, inicia um processo autocrítico e, assim, já nos últimos números
do L’Ordine Nuovo, em fins de 1920, emerge claramente a centralidade da
questão do partido e a necessidade de construção de um novo partido operá-
rio. Em janeiro de 1921, Gramsci encontra-se entre os fundadores do Partido
Comunista Italiano. E, dessa forma, há também certa redefinição do papel
do sindicato.
Gramsci, em Ordine Nuovo, em número publicado em junho de 1920
(apud GRAMSCI, BORDIGA, 1973, p. 105-6), afirma que os comunistas
querem que o ato revolucionário seja consciente e responsável, e querem,
também, que a escolha do momento de desencadear a ofensiva operária fique
para a parte mais consciente e responsável da classe operária, aquela parte que
é organizada no Partido Socialista e que participa mais ativamente da vida da
organização. Por isso, os comunistas não podem querer que o sindicato perca
sua energia disciplinadora e sua concentração sistemática. Os comunistas,
constituindo-se em grupos organizados permanentemente nos sindicatos e
nas fábricas, devem transportar aos sindicatos e às fábricas as concepções, as
teses e a tática da III Internacional; “devem influenciar a disciplina sindical
e determinar os fins, devem influenciar as deliberações dos Conselhos de
Fábrica e devem fazer com que os impulsos à rebelião, que derivam da si-
tuação que o capitalismo cria para a classe operária, tornem-se consciência
e criação revolucionária”. Afirma, ainda, que os comunistas do Partido têm
o maior interesse, porque sobre eles pesa a maior responsabilidade histórica,
em suscitar, com sua ação incessante, entre as diversas instituições da classe
operária, relações de compenetração e de natural interdependência que vivifi-
quem a disciplina e a organização com o espírito revolucionário.
A mudança na posição de Gramsci, que pode ser observada aqui, se-
ria apenas uma correção tática, ou uma bolchevichação do autor? De acordo
163
com Merli (1967 apud TOMASETTA, 1972, p. 164), Gramsci teria sido
o verdadeiro fundador, na Itália, do bolchevismo, o braço e o cérebro dessa
internacional e gigantesca operação stalinista que marcaria durante decênios
a estrutura e a mentalidade dos partidos e militantes comunistas.
Para nós, pouco importa se Gramsci foi bolchevique e stalinista, e se
foi, não há aqui nenhuma crítica implícita, ou se esteve continuamente divi-
dido entre a espontaneidade controlada de Rosa Luxemburgo e o centralismo
democrático de Lenin.95 O que queremos demonstrar e, desse ponto de vista,
Merli tem toda razão, é como a ideologia bolchevique, as teses e a tática da
III Internacional influenciaram, não apenas a mentalidade e a prática dos
militantes comunistas, mas também a produção teórico-crítica e a prática
sindical no mundo.
Em suma, partimos da constatação de que os sindicatos, no desenvol-
vimento do seu trabalho, abdicaram da visão de conjunto da sociedade e,
em consequência, de organizarem-se postulando uma participação integral
do setor que representa nessa mesma sociedade. Tanto é que os sindicatos,
em sua história mais recente, não colocam de forma clara a questão do poder
na empresa e na sociedade, a não ser em determinados momentos e em ex-
periências esparsas. Ao contrário, tanto no encaminhamento das principais
lutas como no das questões cotidianas, os sindicatos têm trabalhado com um
95 Mesmo porque, desde o período mais intenso do Ordine Nuovo (que, convém comentar, tem seu
início com o artigo Democracia Operária), artigos de Gramsci apareciam centrados nos esquemas
mais rígidos do centralismo leninista. “O Estado socialista já existe potencialmente nas instituições
de vida social, características da classe trabalhadora explorada. Ligar essas instituições, coordená-
las e subordiná-las numa hierarquia de competências e de poderes, centralizá-las fortemente,
também se respeitando as necessárias autonomias e articulações, significa criar desde já uma
verdadeira democracia operária [...]. É necessário dar uma força e uma disciplina permanente a estas
energias desordenadas e caóticas, absorvê-las, compô-las e potenciá-las, fazer da classe proletária e
semiproletária uma sociedade organizada que se eduque, que faça a própria experiência, que adquira
uma consciência responsável pelas obrigações que cabem às classes chegadas ao poder do Estado.
[...] O Partido deve continuar a ser o órgão de educação comunista, a chama da fé, o depositário
da doutrina, o poder supremo que harmoniza e conduz à meta as forças organizadas e disciplinadas
da classe operária e camponesa.” GRAMSCI, A. Democracia operária. Ordine Nuovo, 21 de junho
de 1919. In: GRAMSCI, A., BORDIGA, A (1973, p. 34-5). Ressaltamos a evidente contribuição
teórica dada por Gramsci e a sua concepção pluralista da sociedade capitalista. Ao assimilar a teoria
do partido, Gramsci não abandona as preocupações democráticas da época anterior, e talvez resida
aqui uma das principais razões da profunda originalidade da sua síntese teórica na maturidade.
164
recorte da realidade, isto é, com certa perspectiva de elaboração da sociedade
que desemboca, comumente, na luta econômica. Essa perspectiva de trabalho
tornou-se uma autolimitação da política sindical.
Nossa tese, a esse respeito, é simples. Parece-nos que a ideologia bol-
chevique teve um importante papel na consolidação dessa visão do trabalho
sindical, na medida em que ela coloca, como pudemos demonstrar, que os
sindicatos, dados os seus limites, não poderiam desenvolver uma concepção
política da sociedade e, consequentemente, colocarem em xeque a estrutura
capitalista de poder. Apesar das polêmicas com os economicistas, o bolchevis-
mo, na medida em que inverte as posições das duas esferas de atuação, colo-
cando a primazia na luta política, continuou trabalhando com uma visão que
separa a luta política da luta econômica. Dessa forma, o sindicato continua
sendo aquele órgão responsável em encaminhar a luta da classe operária, no
que diz respeito às reivindicações por melhorias salariais e por melhores con-
dições de trabalho. A tarefa de desenvolver a concepção política da sociedade
e a organização social que atenderia aos interesses do proletariado é delegada
exclusivamente ao partido. E é por meio da política partidária que se daria a
intervenção política nos sindicatos. Estes seriam os baluartes do partido, ou
as correias de transmissão para se fazer chegar às grandes massas os ideais de
transformação da sociedade.
Sem dúvida nenhuma, o partido ainda é aquele órgão que tem me-
lhores condições de elaborar e encaminhar a luta política e um novo projeto
social, contudo, isso não pode ser uma exclusividade sua. Não pode haver,
pois, organismos revolucionários por uma virtude de forma, existem somente
forças sociais revolucionárias pela direção em que atuam, e estas forças resu-
mem-se em órgãos que lutem com um programa. Os sindicatos não pode-
riam também elaborá-lo?
Um segundo elemento que, do nosso ponto de vista, influenciou a
prática tradicional dos sindicatos foi o sucesso que os partidos social-demo-
cratas e, consequentemente, uma enorme massa de sindicatos, tiveram com o
desenvolvimento de suas políticas compensatórias.
Até por volta de 1914, a social-democracia apresentava-se como o mo-
vimento socialista numericamente mais forte e organizado. Possuía um movi-
mento sindical estruturado, que compreendia uma vasta rede de cooperativas
165
de consumo, ampla rede de jornais e revistas, teatros, salas de concertos, mo-
vimento feminino, organizações esportivas e movimento da juventude.
Com o agravamento da situação internacional e início da Primeira
Guerra Mundial, ganhou expressão na social-democracia alemã uma corren-
te da esquerda radical sob a liderança de Rosa Luxemburgo. Luxemburgo,
opondo-se ao voto dos créditos de guerra dado pela social-democracia, articu-
lou-se com outros comunistas, promovendo a Conferência de Zimmerwald,
na qual foi definida a posição de luta contra a guerra e pela transformação
revolucionária da estrutura capitalista da sociedade. Após a Primeira Guerra,
movimentos revolucionários eclodem na Alemanha, e a esquerda da social-
-democracia é destruída pelo Estado, cujo Primeiro-Ministro, Gustav Noske,
era social-democrata.
Nesta época, foi grande a ilusão parlamentar, segundo a qual bastava
eleger a maioria de deputados para aprovar-se, no parlamento, as leis de so-
cialização. A inviabilidade prática dessa proposta, a vitória da revolução russa
e a eclosão da I Guerra levaram a II Internacional à falência.
Apesar da revolução russa, e da capacidade de tornar-se um partido de
massas e de reconstruir sua máquina de propaganda, o Partido Comunista
Alemão não obteve o monopólio da representação dos trabalhadores. A so-
cial-democracia, adaptada às exigências do capitalismo, tinha grande influên-
cia sobre as massas operárias alemãs.
Após a Segunda Guerra, a social-democracia alemã e a internacional re-
tomam um papel de destaque no mundo. Sob uma crise econômica mundial,
nos países de capitalismo desenvolvido, como Alemanha Ocidental, França
e Suécia, entre outros, a burguesia não podia recorrer às formas abertas de
repressão para controlar e disciplinar os trabalhadores. A solução social-de-
mocrata surgiu como a de menor custo social e político, mantinha-se um
discurso de esquerda, com uma linguagem anticapitalista e antiautoritária, e
uma prática mais próxima ao conservadorismo.
Após 1959 (Congresso de Bad Godesberg), a social-democracia alemã
deixou de preocupar-se com a luta de classes e autodefiniu-se, não como um
partido de classe, e sim como um partido popular que aceitava a economia
de mercado e declarava-se partidário do socialismo democrático, em franca
oposição ao comunismo.
166
A social-democracia alemã teve uma influência internacional. De acordo
com Tragtenberg (1989, p. 29-30), essa influência deu-se através da Fundação
Friedrich Ebert, de cujos cursos de formação política participavam, anual-
mente, mais de cem mil pessoas. No fim dos anos 1980, no órgão diretivo da
Fundação encontravam-se diretores de multinacionais, como da Volkswagen,
do grupo siderúrgico Hoesch, da indústria Krupp e membros como o presi-
dente do Banco dos Sindicatos, sendo este o principal suporte financeiro do
partido Social-Democrata e da Confederação dos Sindicatos Alemães.
O imperialismo alemão, através da social-democracia, atinge a África, manten-
do um centro de formação sindical em Zâmbia, com 196 vagas em internato
e 105 seminários anuais, devido à importância desse país na África meridional.
Madagascar, Quênia e Sudão receberam, igualmente, centros de formação sin-
dical. Em 1975, a Fundação Friedrich Ebert organizou em Bonn um seminário,
cujo tema central foi a África do Sul. (TRAGTENBERG, 1989, p. 30).
A social-democracia ainda tem forte influência em vários outros países,
como por exemplo, Portugal, Espanha e França e no movimento sindical do
mundo todo.
E, por último, dentre as indicações que fazemos aqui, apontamos o ele-
mento que talvez tenha sido o mais importante na determinação da política
tradicional do sindicato: o taylorismo/fordismo96. Isto é, a grande vitória do
taylorismo/fordismo sobre o movimento operário que retirou do horizonte
dos trabalhadores a possibilidade do autogoverno e que fragilizou, de certo
ponto de vista, a intervenção sindical.
Quando Henry Ford introduziu, em 1914, o dia-trabalho de oito ho-
ras e cinco dólares como recompensa para os trabalhadores da linha auto-
mática de montagem de carros, muitos processos de trabalho fordista já se
encontravam estabelecidos. A separação entre gerência, concepção, controle
96 Entendemos o fordismo enquanto processo de trabalho organizado a partir de uma linha de
montagem, como desenvolvimento da proposta taylorista, no sentido de que busca o auxílio dos
elementos objetivos do processo (trabalho morto), no caso a esteira, para objetivar o elemento
subjetivo (trabalho vivo). O fordismo caracteriza o que poderíamos chamar de socialização da
proposta de Taylor, pois, enquanto este procurava administrar a forma de execução de cada trabalho
individual, o fordismo realiza isso de forma coletiva, ou seja, a administração pelo capital da forma
coletiva, pela via da esteira.
167
e execução e, consequentemente, de relações hierárquicas e de desqualificação
no processo de trabalho, já estava bem avançada em muitas indústrias, aliás,
iniciada desde a manufatura, como aponta Marx (1982, p. 284):
À medida que fomenta até o virtuosismo as condições parciais e detalhis-
tas à custa da capacidade conjunta de trabalho, a manufatura converte
em especialidade a ausência de toda formação. A escala hierárquica do
trabalho se combina com a divisão pura e simples dos trabalhadores espe-
cializados e peões.
O que havia de diferente em Ford era a sua visão de que a produção
de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da
força de trabalho e uma nova psicologia, isto é, um novo tipo de sociedade
racionalizada, moderna e populista.
O taylorismo/fordismo apenas pode disseminar-se de fato após a
Segunda Guerra Mundial. Basicamente, houve dois obstáculos para que isso
não se desse antes. Primeiro, a resistência dos trabalhadores a submeterem-se
a longas horas de trabalho rotinizado e que exigia pouco das habilidades ma-
nuais tradicionais e, segundo, as barreiras calcadas nos moldes e mecanismos
de intervenção estatal. Dessa forma, foi necessária uma enorme mudança,
tanto no papel do Estado, como nas relações de classe (que se inicia nos anos
de 1930) para acomodar a disseminação do taylorismo/fordismo na Europa.
O Estado teve de assumir novos (Keynesianos) papéis e construir novos
poderes institucionais; o capital corporativo da lucratividade segura; e
o trabalho organizado teve de assumir novos papéis e funções relativos
ao desempenho nos mercados de trabalho e nos processos de produção.
(HARVEY, 1992, p. 125).
O equilíbrio de poder tenso, mas mesmo assim firme, que prevalecia
entre os principais atores dos processos de desenvolvimento capitalista - o
trabalho organizado, o grande capital corporativo e o Estado-nação -, e que
formou a base de poder da expansão do pós-guerra, não foi alcançado facil-
mente, ao contrário, resultou de anos de luta.
A derrota dos movimentos operários radicais que ressurgiram após a
Segunda Guerra, por exemplo, preparou o terreno político para os tipos de
168
controle do trabalho e de compromisso que possibilitaram o implemento do
taylorismo/fordismo. De acordo com Armstrong, Glyn e Harrison (1984, p.
129-38), foram preparados ataques às formas tradicionais, orientadas para
os ofícios, e radicais de organização do trabalho nos territórios ocupados do
Japão, da Alemanha Ocidental e da Itália e, também, nos territórios livres da
Grã-Bretanha, da França e Países Baixos. Nos Estados Unidos, os sindicatos
tinham poder no mercado, com o reconhecimento, em Lei, de que os direi-
tos de negociação coletiva eram essenciais para a resolução do problema da
demanda efetiva, em troca do sacrifício causado pelo campo da produção.
Nos anos após a guerra, os sindicatos tiveram que se debater com inúmeros
ataques, por uma pretensa infiltração comunista e terminaram por ser sub-
metidos a uma disciplina legal incorporada em Lei promulgada no auge do
macarthismo. Com os sindicatos sob controle, os interesses da classe capita-
lista puderam resolver o que Gramsci denominara problema de hegemonia
e estabelecer uma base aparentemente nova para as relações de classes condi-
zentes ao taylorismo/fordismo. Gramsci (1989, p. 381-2) afirmou que
[...] as experiências realizadas por Ford e a economia feita pela sua em-
presa através da gestão direta do transporte e do comércio da mercadoria
produzida, economia que influiu sobre o custo de produção, permitiu
melhores salários e menores preços de venda. A existência dessas condi-
ções preliminares, racionalizadas pelo desenvolvimento histórico, tornou
fácil racionalizar a produção e o trabalho, combinando habilmente a força
(destruição do sindicalismo operário de base territorial) com a persuasão
(alto salários, benefícios sociais diversos, propaganda ideológica e política
habilíssima) para, finalmente, basear toda a vida do país na produção. A
hegemonia vem da fábrica e, para ser exercida, só necessita de uma quan-
tidade mínima de intermediários profissionais da política e da ideologia.
Há polêmicas sobre a profundidade dessas novas relações de classe, mas,
de todo modo, isso por certo variou muito de país para país e até de região
para região. Para Harvey (1992, p. 128), nos Estados Unidos, por exemplo,
os sindicatos ganharam considerável poder na esfera da negociação coletiva
nas indústrias de produção em massa do Meio Oeste e do Nordeste, preser-
varam algum controle dentro das fábricas sobre as especificações de tarefas,
sobre a segurança e as promoções, e conquistaram importante poder político,
169
embora nunca determinante, sobre questões, como benefícios da seguridade
social, salário mínimo e outras facetas da política social. Mas adquiriram e
mantiveram esses direitos em troca da adoção de uma atitude cooperativa no
tocante às técnicas fordistas de produção e às estratégias corporativas cogna-
tas para aumentar a produtividade.
Braverman (1981) alerta para o fato de que o problema perpétuo de
acostumar o trabalhador a sistemas de trabalho rotinizados, inexpressivos e
degradados nunca pode ser completamente superado. Entretanto, as orga-
nizações sindicais foram cada vez mais acuadas, muitas vezes por meio do
exercício do poder estatal repressivo, para trocar ganhos reais de salários pela
cooperação na disciplina dos trabalhadores, de acordo com o sistema taylo-
rista/fordista de produção.
Em suma, a melhoria das condições de vida dos trabalhadores parece
ter levado a teoria sindicalista, de cunho revolucionário, à falência. “Aumenta
a força material, esmorece ou desaparece completamente o espírito de con-
quista”, debilita-se o impulso vital, “à intransigência heróica sucede a prática
do oportunismo”, a prática “do pão e da manteiga”, como diria o Gramsci
(1920) de L’Ordine Nuovo.
2.2. Acumulação flexível e a crise contemporânea do sindicalismo
Nas últimas décadas, nos países de capitalismo avançado, ocorreram
profundas mudanças no mundo do trabalho, com repercussões diretas nas
suas formas tradicionais de representação, dadas pelos sindicatos e pelos par-
tidos políticos. Podemos dizer que há uma aguda crise, que se inicia no século
XX, que atinge de maneira avassaladora o mundo do trabalhador, da materia-
lidade e da subjetividade do ser que trabalha.
Novos processos de trabalho emergiram, nos quais o cronômetro e a
produção em série e de massa, típicos do taylorismo/fordismo, são substi-
tuídos, até certo ponto, pela flexibilização da produção, pela especialização
flexível, por novos padrões de busca de produtividade, por novas formas de
adequação à lógica do mercado. (HARVEY, 1992, ANNUNZIATO, 1989,
CLARKE, 1991, CORIAT, 1992).
A acumulação flexível, de acordo com Harvey (1992, p. 140), é mar-
cada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na
170
flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos pro-
dutos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de
produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços
financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de
inovação comercial, tecnológica e organizacional.
A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvi-
mento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando,
por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado ‘setor de servi-
ços’, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até
então subdesenvolvidas [...]. Ela também envolve um novo movimento que
chamarei de ‘compressão do espaço-tempo’ [...] no mundo capitalista - os
horizontes temporais da tomada de decisões privada e pública se estreita-
ram, enquanto a comunicação via satélite e a queda dos custos de transporte
possibilitaram cada vez mais a difusão imediata dessas decisões num espaço
cada vez mais amplo e variegado. (HARVEY, 1992, p. 140).
Os poderes aumentados de flexibilidade e mobilidade permitem que os
capitalistas exerçam uma maior exploração do trabalho sobre uma força de tra-
balho enfraquecida, porque viu o desemprego aumentar de forma desmarcada.
A acumulação flexível parece implicar níveis relativamente altos de desemprego
estrutural, “[...] rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos mo-
destos (quando há) de salários reais [...] e o retrocesso do poder sindical - uma
das colunas políticas do regime fordista”. (HARVEY, 1992, p. 141).
O mercado de trabalho, por exemplo, passou por uma total reestru-
turação. Diante da volatilidade do mercado, do aumento da competição e
do estreitamento das margens de lucro, os capitalistas tiraram proveito do
enfraquecimento do poder sindical e da grande massa de força de trabalho
excedente - desempregados e subempregados - para impor regimes de con-
trato de trabalho mais flexíveis. Mesmo para os empregados regulares, foram
impostas jornadas de trabalho diferenciadas que obrigam os empregados a
trabalharem bem mais em períodos de pico de demandas. Ainda ocorre a
aparente redução do emprego regular em favor do crescente uso do trabalho
em tempo parcial, temporário, subcontratado e o informal.
É difícil esboçar um quadro claro perante a diversidade dessas mudan-
ças, ou seja, novas experiências de interação social; a intervenção direta dos
171
trabalhadores caminham, lado a lado, com as formas mais retrógradas de
trabalho semi-escravo, desregulamentação social e intensificação do tempo
de trabalho.
Há divergências nas análises realizadas pelos estudiosos e pesquisadores
sobre o tema.
Para Sabel e Piore (1984), por exemplo, a especialização flexível seria a
expressão de uma processualidade que teria possibilitado o advento de uma
nova forma produtiva que articula, de uma lado, um significativo desenvolvi-
mento tecnológico e, de outro, uma desconcentração produtiva baseada em
empresas médias e pequenas artesanais. Esta simbiose, na medida em que
se expande e generaliza, supera o padrão fordista até então dominante. Esse
novo paradigma produtivo expressaria também, segundo os autores, um mo-
delo produtivo que recusa a produção em massa, típico da grande indústria
fordista, e recupera uma concepção de trabalho que, sendo mais flexível, es-
taria isenta da alienação do trabalho intrínseca à acumulação de base fordista.
Muitas críticas foram feitas a esses autores mostrando, de um lado, a
impossibilidade de generalização desse modelo e, de outro, o caráter epidér-
mico dessas mudanças. Clarke (1991) alega que a tese original da especia-
lização flexível não é universalmente aplicável, pois traz incoerências entre
seus vários elementos e não se sustenta empiricamente quando se refere à
superação do mercado de massa e à incapacidade de esta produção adequar-
-se às mudanças econômicas, bem como à suposta correlação entre a nova
tecnologia e a escala e as formas sociais de produção. Reafirma a ideia de que
a especialização flexível acarretou a intensificação do trabalho e consiste em
um meio de desqualificá-lo e desorganizá-lo. Mas sua proposição é polêmica
quando afirma que o fordismo é dotado de dimensão flexível, capaz, portan-
to, de assimilar todas as mudanças em curso, ou seja, “[...] os princípios do
fordismo já se demonstraram aplicáveis a uma gama extraordinariamente am-
pla de contextos técnicos” (CLARKE, 1991, p. 128). Por fim, Clarke (1991,
p. 150) conclui que “A crise do fordismo não é nada de novo; é apenas a mais
recente manifestação da crise permanente do capitalismo”.
Annunziato (1989) também critica a formulação que defende as posi-
tividades e o avanço da especialização flexível. Annunziato (1989) contesta o
entendimento de Sabel e Piore (1984), que vislumbram a produção artesanal
172
como um meio necessário para a preservação do capitalismo e, quando os au-
tores, referindo-se aos Estados Unidos, apontam uma democracia americana
dos pequenos produtores. Annunziato (1989, p. 99-100) contesta esta pro-
posição, dizendo que o fordismo dominou a economia dos EUA, à medida
que teve um processo de trabalho taylorizado e dotado de uma hegemonia
capitalista, que penetra no interior das organizações de trabalhadores, sindi-
catos e partidos políticos.
Distanciando-se tanto daqueles que falam em novos processos produtivos
inteiramente distintos das bases fordistas, quanto daqueles que não vêem novas
e significativas transformações no interior do processo de produção de capital,
Harvey (1991) reconhece a coexistência e a combinação de processos produ-
tivos, articulando o fordismo com processos flexíveis, artesanais e tradicionais.
As provas de uma crescente flexibilidade (subcontratação, emprego tem-
porário e atividades autônomas etc.) em todo o mundo capitalista são
simplesmente demasiado claras para que os contra-exemplos de Pollert
[1988] tenham credibilidade. Também considero surpreendente que
Gordon [1988], que antes fizera uma defesa razoavelmente forte da tese
de que a suburbanização da indústria fora em parte motivada por um de-
sejo de aumento do controle do trabalho, reduza a questão da mobilidade
geográfica a uma questão de volumes e direções do comércio internacional
(HARVEY, 1991, p. 178).
Para Harvey (1991, p. 178) a insistência de que não há nada essen-
cialmente novo no impulso para a flexibilidade e de que o capitalismo segue
periodicamente esses tipos de caminhos é por certo correta, já que uma lei-
tura cuidadosa de O Capital de Marx sustenta essa afirmação. O argumento
de que há um agudo perigo de se exagerar a significação das tendências de
aumento da flexibilidade e da mobilidade geográfica,
[...] deixando-nos cegos para a força que os sistemas fordistas de produção
implantados ainda têm, merece cuidadosa consideração. E as consequên-
cias ideológicas e políticas da superacentuação da flexibilidade no sentido
estrito de técnica de produção e de relações de trabalho são sérias o bastante
para nos levar a fazer sóbrias e cautelosas avaliações do grau do imperativo
da flexibilidade. Se, afinal, os trabalhadores estiverem convencidos de que
os capitalistas podem incorporar práticas de trabalho mais flexíveis mesmo
173
quando eles não o podem, a disposição de luta dos trabalhadores por certo
será enfraquecida. Mas considero igualmente perigoso fingir que nada mu-
dou, quando os fatos da desindustrialização e da transferência geográfica de
fábricas, das práticas mais flexíveis de emprego do trabalho e da flexibilidade
dos mercados de trabalho, da automação e da inovação de produtos olham a
maioria dos trabalhadores de frente. (HARVEY, 1992, p. 179).
De qualquer forma, o resultado mais brutal dessas transformações parece
ser o aumento sem precedentes, após a Segunda Guerra, do desemprego estru-
tural que atinge o mundo industrializado. Podemos dizer, de maneira sintética,
que há uma processualidade contraditória que, por um lado, reduz o operaria-
do industrial e fabril e, por outro, aumenta o subemprego, o trabalho precário e
o assalariamento no setor de serviços. Incorpora o trabalho feminino e exclui os
mais jovens e o mais idosos. Há, portanto, um processo de maior heterogenei-
zação, fragmentação e complexificação da classe trabalhadora. Evidenciamos,
também, uma tendência que leva a uma maior qualificação do trabalho e, ao
mesmo tempo, aponta para um nítido processo de desqualificação dos traba-
lhadores, o que acaba configurando um processo contraditório que super qua-
lifica em vários ramos produtivos e desqualifica em outros. 97
97 As possibilidades de aplicação da microeletrônica criaram novas práticas para o processo de automação
com consequências significativas para a alteração do trabalho humano. A automação baseada na
eletromecânica opera com equipamentos cujo comando vem embutido na máquina e não pode
ser modificado. Este comando substitui e esvazia a capacidade de reflexão dos trabalhadores, cujas
funções se reduzem a abastecer a máquina, vigiá-la e outras operações tão simples que só exigem
capacidades humanas elementares. Esta automação é provocadora de grande rotatividade da força
de trabalho adequada à produção em grande escala, mas disfuncional para as necessidades de
flexibilidade e diversificação dos produtos que caracterizam o mercado da sociedade tecnizada. Com
a aplicação da microeletrônica, os equipamentos tornam-se flexíveis, ou seja, o comando encontra-se
externo à máquina e esta pode ser programada para diversas finalidades, o que oportuniza atender
à crescente diversificação do mercado. No entanto, para manter e ter acesso à programação destas
máquinas necessita-se de uma parcela de trabalhadores com maior qualificação. Com a flexibilização
funcional parece emergir um novo perfil de qualificação da força de trabalho. Estariam, a princípio,
postas exigências como: posse de escolaridade básica; capacidade de adaptação a novas situações, de
compreensão global de um conjunto de tarefas e funções conexas, capacidade de abstração e de seleção,
interpretação de informações, entre outras. Haveria também um estímulo à atitude de abertura para
novas aprendizagens e criatividade para o enfrentamento de imprevistos. Todavia, é conveniente
ressaltar que se encontram também, neste caso, trabalhadores reduzidos às funções mais elementares
de preparação e vigilância do equipamento. É o caso, por exemplo, dos trabalhadores diretos que
174
Não é o caso, de estendermo-nos apresentando dados e exemplos acer-
ca das últimas colocações, isto é, deste múltiplo e contraditório processo em
curso no mundo do trabalho. Apenas indicamos que vários autores, com
visões e conclusões diferenciadas, vêm pesquisando e demonstrando essas
tendências, como, por exemplo, Shaff (1990), Gorz (1990), Offe (1991),
Lojkine (1990), entre outros.
Do ponto de vista das relações de trabalho, o grau de transformações
tem sido intenso, a ponto de alguns analistas da questão a tratarem como
uma crise da sociedade do trabalho, ou como marco do fim da classe operária,
como, por exemplo, Kurz (1992), Offe (1989), Gorz (1990), entre outros.
Não abriremos uma discussão sobre essa temática. Apenas indicamos
que as tendências, em curso, quer em direção a uma maior intelectualização
do trabalho fabril ou ao incremento do trabalho qualificado, quer em direção
à desqualificação, à subproletarização ou à proletarização pós-moderna, como
definem alguns autores, não nos permitem concluir pela perda da centralidade
da categoria trabalho no universo de uma sociedade produtora de mercadorias.
Na verdade, o que ainda temos a discutir, acerca desta temática, e que
nos interessa de perto, são as repercussões que essas mudanças tiveram no
movimento dos trabalhadores. Mais particularmente, que resultados essas
metamorfoses tiveram nas ações de classe dos trabalhadores, em seus órgãos
de representação, como os sindicatos? Ou seja, quais as evidências, dimen-
sões e significados da crise contemporâneas dos sindicatos?
Como uma das expressões mais evidentes desta crise, podemos destacar a
crescente diminuição das taxas de sindicalização, especialmente a partir de 1980.
Em um estudo sobre o fenômeno da dessindicalização elaborado por
J. Visser (1993, p. 61-2) são detalhadas as informações que corroboram as
tendências das taxas de sindicalização. Diz o autor que, entre 1980 e 1990,
na maioria dos países capitalistas ocidentais industrializados, a taxa de sindi-
calização, ou seja, a relação entre o número de sindicalizados e a população
executam funções simples, como observar alarmes, luzes de painéis, execução de ações previamente
estabelecidas segundo os técnicos etc. Em suma, a adoção das novas tecnologias e de novas formas
de trabalho levariam, de um lado, a uma elevação da qualificação média da força de trabalho, mas,
dado o caráter restritivo, capital-intensivo e heterogêneo deste processo, essa elevação da qualificação
restringir-se-ia apenas a um pequeno grupo de trabalhadores. E, de outro, levaria também à formação
de um enorme contingente de trabalhadores descartáveis e totalmente desqualificados.
175
assalariada, tem decrescido. Na Europa Ocidental em seu conjunto, excluída
a Espanha, Portugal e Grécia, a taxa reduziu de 41% em 1980 para 34%
em 1989. Incorporando-se aqueles três países citados, as taxas seriam ainda
menores. O autor ainda cita o Japão, cuja taxa caiu de 30% para 25%, e os
Estados Unidos, cuja redução foi de 23% para 16%, no mesmo período.
Entre 1979 e 1985, o número de filiados ao Trade Union Congress (TUC),
central sindical inglesa, declinou de 12,2 milhões para 9,5 milhões filiados,
uma queda de 25%.
A tendência à dessindicalização, entretanto, não pode ser confundida
com uma uniformização do sindicalismo. Na Suécia, por exemplo, na década
de 1990, mais de 80% dos assalariados eram sindicalizados. Junto com a
Bélgica e a Áustria, compreende o campo dos países com maiores índices de
sindicalização. A Itália, a Grã-Bretanha e a Alemanha formam um grupo de
países intermediários, e a França, a Espanha e os EUA estão na retaguarda,
seguidos pelo Japão, Países Baixos e Suíça (VISSER, 1993, p. 61).
Outro elemento demonstrativo da crise sindical pode ser encontrado
no distanciamento existente entre os trabalhadores estáveis, de um lado, e
aqueles que resultam do trabalho precarizado, de outro. Com o aumento do
abismo social no interior da própria classe trabalhadora, reduz-se fortemente
o poder sindical, historicamente vinculado aos trabalhadores estáveis e, até
agora, incapaz de aglutinar os trabalhadores parciais, temporários, precários,
da economia informal etc. Com isso, começa a desmoronar o sindicalismo
vertical, herança do fordismo e mais vinculado à categoria profissional, mais
corporativo. Este tipo de sindicalismo, afirma Antunes (1995b, p. 62),
[...] tem se mostrado impossibilitado de atuar como um sindicalismo mais
horizontalizado, dotado de uma abrangência maior e que privilegie as es-
feras intercategorias, interprofissionais, por certo um tipo de sindicalismo
mais capacitado para aglutinar o conjunto dos trabalhadores, desde os
estáveis até os precários, vinculados à economia informal etc.
O processo de fechamento de fábricas e de desindustrialização gera
também uma situação complicada para o sindicalismo. Setores da classe
operária centrais na tradição do movimento operário, como os metalúrgi-
cos, os mineiros e os operários da construção naval, entre outros, são hoje,
176
numericamente, bem menos expressivos. Os sindicatos de base mais ampla
estão, agora, localizados no setor de serviços e, em quase todos os países
centrais, os sindicatos de servidores públicos são os de maiores dimensões.98
Dessa forma, a mudança de perfil da classe trabalhadora reflete-se também
em uma nova heterogeneidade sindical. A imagem do operário industrial
típico, o peão de macacão, já não identifica o conjunto da classe, e a cultura
sindical associada àquela imagem já não dá conta da nova heterogeneidade.
Outra consequência das transformações em curso, no âmbito sindical,
foi a intensificação da tendência neocorporativista, que procura preservar os
interesses do operariado estável, vinculado aos sindicatos, em detrimento dos
setores que compreendem o trabalho precário, terceirizado etc. Não se trata de
um corporativismo estatal, como conhecemos no Brasil, México, Argentina99 e
outros, mas de um corporativismo setorial, atrelado quase que exclusivamente
ao universo da categoria, cada vez mais excludente e fragmentado e que se
intensifica frente ao processo de fragmentação dos trabalhadores, ao invés de
procurar novas formas de organização sindical que atenda e articule amplos
e diferenciados setores que hoje compreendem a classe trabalhadora. Tem-se
verificado uma ampliação dessa modalidade de corporativismo.
Embora as raízes da transição do fordismo para a acumulação flexível
sejam, evidentemente, profundas e complicadas, é possível observarmos, em-
bora a casualidade não seja tão fácil de determinar, o movimento em direção
ao individualismo exacerbado. Para começar, o movimento mais flexível do
capital acentua o novo, o moderno, o fugaz, ou seja, o contingente da vida
moderna, em vez dos valores mais sólidos que foram implantados na vigên-
cia do fordismo. Em consequência, a ação coletiva tornou-se mais difícil, e
98 “Considerando-se apenas o setor privado, em meados da década de 1980, os não-manuais
representavam, na Áustria, 22% de todos os sindicalizados; na Dinamarca, 24%; na Alemanha, 18%;
na Holanda, 16%; na Noruega, 17%; na Suécia, 23%; na Suiça, 25%. Na Alemanha, atualmente,
de cada três sindicalizados, um é de ‘classe média’, enquanto na Noruega e na Holanda estima-se
que a metade dos trabalhadores sindicalizados não exerça uma profissão manual. Na França, onde a
crise do sindicalismo é especialmente forte, a proporção de não-manuais (setores privado e público)
entre os sindicalizados é superior a 50%, na Noruega, é de 48%, na Grã-Bretanha, de 40%, de 36%
na Suécia, de 35% na Áustria, de 32% na Dinamarca, de 20% na Itália.” (RODRIGUES, 1993,
p.3 apud ANTUNES, 1995b, p. 63).
99 Mesmo nestes países há um avanço do corporativismo setorial, bastando observar os acordos
coletivos que os sindicatos dos metalúrgicos, do Brasil, vêm realizando.
177
essa dificuldade tem constituído a meta central do impulso de incremento
do controle sobre o trabalho. O individualismo exacerbado encaixa-se neste
quadro geral como condição necessária, porém não suficiente, da transição
do fordismo para a acumulação flexível. Afinal, foi principalmente por in-
termédio da irrupção da formalização de novos negócios, da inovação e do
empreendimento que muitos dos novos sistemas de produção vieram a ser
implantados.
A crescente individualização das relações de trabalho, que desloca o
eixo das relações entre capital e trabalho da esfera nacional para os ramos de
atividades econômicas e destes para o universo da empresa, do local de traba-
lho, isto é, para uma relação cada vez mais individualizada, tem levado a certo
tipo de sindicalismo, o chamado sindicalismo de empresa ou sindicato-casa.
Essa tendência, que se originou na Toyota e que se expandiu mundialmente,
tem-se constituído em elemento nefasto para o sindicalismo, pois o torna
mais vulnerável e subordinado ao comando patronal. A realocação do poder e
das iniciativas para o universo das empresas dá-se em prejuízo dos sindicatos,
pois essa manifestação do capital reduz o sindicalismo ao universo microcós-
mico e individualiza e personaliza a relação capital e trabalho.
Além das considerações feitas, parece evidente, também, o esgotamen-
to dos modelos sindicais vigentes que optaram pelo sindicalismo de partici-
pação e que agora contabilizam prejuízos, sendo o mais evidente o desem-
prego estrutural que ameaça implodir os próprios sindicatos. Esse fato obriga
o movimento sindical a novamente lutar pela preservação de alguns direitos
sociais mínimos e pela redução da jornada de trabalho como caminho possí-
vel, no plano da imediatidade, visando diminuir o desemprego. Com a crise
do Welfare State e a desmontagem das conquistas sociais da fase social-demo-
crata, não é difícil imaginar o impasse no qual se encontra este tipo de sindi-
calismo. Nos últimos tempos, a via participacionista, que vincula e subordina
a ação sindical aos condicionantes impostos pela classe dominante, e que se
atém às reivindicações mais imediatas e pactuadas com o capital, tem obti-
do resultados extremamente raquíticos e, muitas vezes, negativos, quando se
considera o conjunto da classe trabalhadora.
Para Antunes (1995a, p. 38-9, p. 53-4, 1995b, p. 152-4), a crise pode
ser demonstrada pela atuação de duas vertentes do sindicalismo brasileiro.
178
A primeira, representada pela Força Sindical, com forte dimensão política e
ideológica, que preenche o campo sindical da nova direita, da preservação da
ordem, da sintonia com o desenho do capital globalizado, que nos reserva o
papel de país montador, sem tecnologia própria, sem capacitação científica,
dependente dos recursos externos. A Força Sindical opera, no nível sindical,
como uma espécie de mescla entre o neoliberalismo, predominante, e man-
tendo pontos de contato com a direita da social-democracia.100 E, a segunda,
é representada pela CUT, na qual o quadro também é de grande apreensão,
pois ganha cada vez mais força na Articulação Sindical, a postura de abando-
no de concepções socialistas e anticapitalistas, em nome de uma acomodação
dentro da ordem, daquilo que se diz ser o possível. O culto à negociação, às
câmaras setoriais, ao programa econômico para gerir pelo capital a sua crise,
insere-se num projeto de maior fôlego, cujo oxigênio é dado pelo ideário e
pela prática social-democrática. Trata-se de uma crescente definição políti-
ca e ideológica no interior do movimento sindical. É uma postura cada vez
menos respaldada numa política de classe e cada vez mais apoiada numa
política “para o conjunto do país, o país integrado do capital e do trabalho
(ANTUNES, 1995a, p. 53).
Ainda, para Antunes (1995a, p. 54), há muitas razões para se recusar
esse caminho. Primeiro, porque a crise do sindicalismo social-democrata, no
centro, é expressão da crise que atingiu os países que implantaram o Welfare
State. Segundo, que se a crise vivenciada no interior daqueles países centrais
tem acarretado perdas sociais agudas aos trabalhadores, “será factível pensar
na sua implementação aqui entre nós, onde as condições de miserabilidade
são ainda muito mais intensas?” Ou seja, será imaginável que, na era da glo-
balização, os capitalistas façam concessões reais, no sentido de, pela via da
100 “Mas eu diria que todo sindicato que se preze faz parte da reprodução capitalista. Por que qual é o
objetivo do sindicato? É lutar para vender a mão-de-obra pelo preço mais alto possível. [...] acho que
está havendo no Brasil uma certa reação à excessiva política partidária existente nos sindicatos. [...].
Nossa reação é, de certa forma, para estilhaçar. E pode parecer alguma coisa como o sindicalismo
norte-americano. Mas o meu ideal de sindicato não é nem o norte-americano, mas o alemão. São
os sindicatos mais fortes, mais potentes.” (MEDEIROS, 1987 apud ANTUNES, 1995a, p. 63-4).
Observamos que a fundação da Força Sindical contou com o apoio de cerca de trezentos sindicatos,
duas Confederações e vinte Federações, e desde 1991 caminha no sentido de consolidar o projeto
neoliberal do sindicalismo de resultado.
179
negociação, permitir avanços sociais fortes neste lado do mundo? Entretanto,
é essa direção que a CUT vem dando ao movimento sindical brasileiro.
Um exemplo dessa atuação sindical pode ser encontrado na negociação
realizada pela CUT, quando da apresentação, pelo governo FHC, do pro-
jeto de reforma previdenciária.101 O presidente da CUT, Vicente de Paula
da Silva, apresentou-se para negociar a reforma, avalizando e agilizando a
tramitação da proposta que o Executivo apresentara ao Legislativo ainda no
primeiro semestre de 1995. O governo FHC, que em 1995 acusara a CUT
de ser um obstáculo corporativista às reformas econômicas e ao desenvolvi-
mento do país na era moderna, nesse momento recebeu Vicentinho de braços
abertos, elevando-o à categoria de seu mais importante interlocutor junto à
sociedade civil.
O resultado da negociação, como era de se esperar, foi que, após as
conversações, o projeto governamental permaneceu praticamente inalterado
e continuou a tramitar no Legislativo. Para o governo podem ser contabili-
zadas várias vitórias: o projeto avançou no Legislativo, difundiu-se a imagem
do presidente como um líder disposto ao diálogo, e a CUT, que parecia ser o
principal obstáculo às reformas, dividiu-se ainda mais com várias discussões
internas sobre o caráter e o conteúdo do acordo. Mesmo porque, o presi-
dente da CUT, ao negociar os interesses imediatos da classe trabalhadora,
privilegiou os interesses do setor privado, garantindo a aposentadoria pro-
porcional, o que secundarizou ou mesmo prejudicou, tanto os funcionários
públicos, a quem o presidente ora dizia defender, e ora denominava-nos, a
exemplo dos conservadores, de marajás, quanto o enorme contingente de
trabalhadores precarizados, ao aceitar a tese da aposentaria por tempo de
contribuição. Ainda temos que observar que por trás do presidente da CUT
não havia qualquer movimento de massas ou consulta às bases que sustentas-
se ou legitimasse as posições negociadas. O que havia era somente o apoio da
maioria da direção nacional da CUT à realização do acordo. Após dois meses
de repercussão das negociações, a Central anunciou que os termos do acordo
101 Marcelo Badaró Mattos escreveu um interessante artigo intitulado “Sindicatos e dilemas das
democracias contemporâneas: reações sindicais às propostas recentes de reforma previdenciária na
França e no Brasil”, Universidade e Sociedade, n. 12, p. 85-90, 1997, no qual faz uma comparação
dos encaminhamentos de luta efetuados pelo sindicalismo francês e brasileiro, diante das propostas
de reforma previdenciária apresentadas pelos governos dos dois países.
180
não tinham sido respeitados no relatório da matéria do Legislativo.
Pouco tempo depois do malsucedido acordo da previdência, a CUT
assinou, conjuntamente com a FIESP, uma proposta de reforma tributária.
Nessa oportunidade, o presidente da CUT anunciou o nascimento de um
novo sindicalismo, disposto ao diálogo e à resolução negociada dos conflitos
entre capital e trabalho. Já tecemos inúmeros comentários, neste texto, acerca
do caráter tradicional desse tipo de política, denominado pela Central de
novo sindicalismo.
Por último, observamos uma tendência crescente de burocratização e
institucionalização dos sindicatos, que se distanciam dos movimentos sociais
autônomos, optando por uma atuação cada vez mais integrada à instituciona-
lidade, com o objetivo de ganhar legitimidade e estatuto de moderação, e que
se distanciam cada vez mais de ações anticapitalistas. Essas entidades sindicais
constituíram-se e consolidaram-se enquanto organismos defensivos e, portan-
to, têm se mostrado incapazes para desenvolver uma ação para além do capital.
Dessa forma, começam a ganhar maior expressão movimentos sindicais
que estão adotando uma política alternativa, que questionam a ação eminen-
temente defensiva, praticada pelo sindicalismo tradicional. Antunes (1995b,
p. 67) cita o exemplo dos Comitati di Base (Cobas), que surgiram a partir de
1980, na Itália, em setores ligados ao ensino público, aos controladores de
vôo, aos ferroviários e em alguns núcleos do operariado industrial. Os Cobas
têm questionado fortemente os acordos realizados pelas centrais sindicais,
especialmente a Confederazione Generale Italiana del Lavoro (CGIL), de
tendência ex-comunista, que em geral têm pautado sua ação em uma política
sindical moderada.
Outro exemplo, citado por Mattos (1997, p. 88-90), é o dos sindicatos
franceses no encaminhamento da luta contra a proposta de reforma da previ-
dência social pública apresentada ao Legislativo pelo governo. Neste episódio,
as lideranças dos trabalhadores foram chamadas a negociar após três semanas de
greves e manifestações de massa, em todo o país, que paralisaram os transportes
e vários outros serviços públicos, em pleno inverno e às vésperas do Natal de
1995. Assim mesmo, a população solidarizou-se com os grevistas e apoiou suas
reivindicações. A onda de greves contra as reformas foram decididas e encami-
nhadas não pela estrutura sindical estabelecida, mas em grandes assembleias
181
de base fortificadas por passeatas que chegaram a reunir mais de um milhão
e trezentas mil pessoas. “[...] os dirigentes das centrais sindicais sentaram-se à
mesa de negociações como porta-vozes de suas bases e só poderiam legitimar-se
representando fielmente as propostas que delas se originaram.” (MATTOS,
1997, p. 88). Parece-nos que as greves dos trabalhadores em serviços públicos,
da França, transcenderam os seus objetivos econômicos mais imediatos e trans-
formaram-se em um grande movimento popular de descontentamento contra
a situação geral e a política governamental. E os sindicatos no encaminhamen-
to desta luta estiveram atrelados às reivindicações e à representação de amplas
bases e não de interesses corporativistas e setoriais. Fica evidente que, neste
movimento, houve uma retomada, pela via da greve, de formas de organização,
solidariedade e militância típicas de uma lógica de ação coletiva de classe, o que
vários analistas julgavam mortas e enterradas.
3. Sindicato de docentes: política tradicional e política universitária
Já chamamos a atenção, no capítulo II, para o caráter diferenciador do
sindicato de docentes, em especial da ADUNESP. Por ser uma Associação,
embora desde a sua fundação, em 1976, tenha se organizado e desempenha-
do as funções de um sindicato, a ADUNESP nasceu livre e autônoma quan-
do comparada à estrutura sindical vigente no país naquela época.
Imaginamos que esse caráter diferenciador seja fruto principalmen-
te de dois fatores. Primeiro, as Associações surgem ou são recriadas em um
momento da conjuntura, no qual o clima no país era de reconstrução das
entidades de massas, de luta contra a ditadura e de certa abertura política.
O segundo deriva exatamente da condição profissional e de classe do setor
representado e das especificidades do trabalho docente. As especificidades
desse trabalho, e o significativo controle que os docentes ainda detêm sobre o
processo de trabalho, fizeram com que a categoria estivesse muito mais pró-
xima dos oficiais trabalhadores, das primeiras décadas do século XX, do que
dos operários da indústria moderna. Dessa forma, a organização coletiva dos
docentes surge com fortes traços de uma corporação de ofícios, manifestados,
por exemplo, na ênfase dada às liberdades individuais, à autodeterminação
profissional, à dignidade pessoal, à participação na vida social e na da orga-
nização e um forte corporativismo. Haja vista que a ADUNESP, ao invés de
182
aglutinar e organizar os trabalhadores por ramos de atividade, como o fazem
os sindicatos industriais, associa somente os docentes da UNESP, ficando de
fora os demais setores públicos e privados do mesmo ramo. No âmbito da
organização, somente os docentes podem se filiar a este sindicato, deixando
de fora os outros trabalhadores da Universidade. Além disso, há outro critério
para a filiação, o da base territorial, pois cada Campus da UNESP possui uma
Associação Regional, e não é possível a nenhum docente filiar-se diretamente
à ADUNESP Central que, teoricamente, aglutina e dirige todas as Regionais.
Teoricamente e na prática, as Regionais possuem ampla liberdade de organi-
zação e até de atuação ideológico-política.
Outro fator a ser destacado diz respeito tanto à organização formal da
entidade como à sua própria dinâmica, no que tange às decisões e encaminha-
mento das lutas e à consulta às bases. Apesar de o sindicato ter uma diretoria
central, eleita por voto direto de todos os filiados às AD’s Regionais, o órgão
máximo de deliberação, no nível do executivo, não é a diretoria e sim a Plenária
da ADUNESP. A Plenária é constituída por um membro da AD Central, o
presidente ou, na sua ausência, por outro diretor, que preside o órgão, e por
um representante de cada AD Regional, o presidente ou outro membro en-
viado para representar a Regional, não necessariamente membro da diretoria
local. Apesar de o estatuto prever, além destes, mais um delegado de cada AD
Local, escolhido em assembleia, na prática, não se observa essa representação.
Verificamos, assim, que a direção principal do sindicato é efetuada por um co-
legiado mais amplo e representativo do que a diretoria executiva.
Outro aspecto da dinâmica da entidade a ser ressaltado é o processo
de discussão e de decisão política, levado a cabo pela categoria. Nenhuma
decisão política importante, como os movimentos grevistas, por exemplo, é
tomada antes de serem consultadas todas as assembleias dos coletivos regio-
nais. As propostas da diretoria da ADUNESP Central, ou do Fórum das Seis
Entidades, são remetidas a cada AD Regional, que deverá discutir e consultar
suas bases, por meio de assembleias locais. Após essas consultas, as propos-
tas advindas de cada AD Regional são remetidas para a Central, quando,
então, a Plenária discutirá e tomará a decisão final, sempre tendo por base a
deliberação da maioria. Esse processo que, aparentemente parece ser moroso
e complicado, na realidade, destaca a importância estratégica da base nessa
183
estrutura sindical diferenciada. Ou seja, é uma prática que instituiu instân-
cias de representação mais imediata, direta e inclusiva do trabalhador coletivo
e, portanto, desse ponto de vista, mais democrática.
Esses traços, aliados ao da alta taxa de sindicalização verificada no se-
tor (em algumas Regionais chegam a ser de mais de 90%), fazem com que a
ADUNESP apresente uma prática e um caráter não convencionais, diferencia-
dos das práticas tradicionais de outros sindicatos. Esse caráter deriva-se, prova-
velmente, da situação profissional específica deste coletivo de trabalhadores e
das condições dadas pela conjuntura, quando da criação deste sindicato.
Verificamos, também, que essas formas de organização e de funciona-
mento não são privilégios da ADUNESP. Outros sindicatos representativos
da categoria docente organizam-se de maneira muito semelhante, como por
exemplo, a ADUSP e o próprio sindicato nacional, a ANDES.
Evidentemente, a origem dessas entidades e as suas bases objetivas são
diferentes das dos sindicatos da produção material. Os docentes universitá-
rios, em sua maioria, originários da classe média, apresentam uma dinâmica
e uma prática distintas das de outros trabalhadores. Da mesma forma, a en-
tidade que os representa tende a refletir, em sua atuação, as determinações
imanentes a essa classe social, determinações de ordem sócio-econômica, po-
lítica e cultural.
Os docentes sempre foram assalariados. Entretanto, na prática, as es-
pecificidades do trabalho intelectual (individual e artesanal), a formação e as
condições de emprego fazem com que os professores universitários aproxi-
mem-se da situação dos profissionais liberais. Esses fatores também levam a
uma prática sindical mais participativa e mais democrática.
Mas, a despeito dessas determinações e do caráter diferenciador das
Associações de Docentes, observamos que a trajetória dessas entidades não
foi tão diferente daquela percorrida pelos outros sindicatos. Ao contrário, até
pelo fato das Associações terem surgido muito depois, a tendência foi a de
repetir as mesmas táticas de luta encaminhadas pelos outros órgãos.
A ADUNESP, juntamente com as outras entidades, lutou pela demo-
cratização da universidade. No entanto, essa diretriz política não se consolidou
enquanto vetor principal da atuação do sindicato. E, apesar de consolidar-se
como entidade representativa de trabalhadores intelectuais, da educação, a
184
principal luta desencadeada pela Associação foi a luta econômica, ou seja, as
campanhas salariais.
Parece que alguns fatores influíram para determinar essa atuação. O pri-
meiro fator talvez esteja ligado à própria transformação da entidade em sindi-
cato. A Constituição promulgada em 1988 contemplou os servidores públicos
com o direito à organização sindical. Nos anos de 1989 e 1990, a ANDES,
transformada em sindicato nacional, desenvolveu um amplo processo de orien-
tação e de discussão com todas as associações de docentes, no sentido de tam-
bém transformá-las em sindicatos. O processo de legalização e formalização do
sindicato, bem como o de filiação à CUT e, consequentemente, de inserção
no movimento sindical geral, fizeram com que as entidades de docentes se
aproximassem dos parâmetros sindicais mais tradicionais. De certa forma, essas
entidades integraram-se à estrutura sindical oficial. Porém, é preciso notar que,
apesar disso, a ADUNESP não perdeu a sua orientação básica e diferenciadora
já descrita anteriormente. Assim, ao mesmo tempo em que a transformação
da entidade em sindicato foi positiva, pois propiciou à categoria alguns direitos
reconhecidos em lei e possibilitou a integração desse setor num processo mais
abrangente de definição política e de articulação com os movimentos em nível
nacional, também lhe colocou certo limite, aquele derivado da aproximação da
entidade à política sindical tradicional.102
102 Esse autolimite pode ser verificado em várias práticas que foram introduzidas na entidade após a
transformação em sindicato. Era comum, por exemplo, após movimentos de democratização, a
Associação negociar ou diretamente com o reitor e assessorias ou por meio dos representantes nos
órgãos colegiados quase todos os problemas que se davam no nível das relações de trabalho e de
direitos trabalhistas. Partia-se do pressuposto de que o reitor, os diretores etc., por serem colegas e
não patrões entenderiam e, dependendo do problema, concordariam com as reivindicações, pois,
em última instância, eles também eram atingidos pelos problemas. Tanto que a ADUNESP não
possuía assessoria jurídica. Imediatamente após a transformação em sindicato, essa visão começou
a ser modificada. Era comum, nas reuniões da Plenária, e outras da ADUNESP, colocações como
“Nós, nem sindicato somos ainda”; “Temos que adequar a nossa luta à luta dos trabalhadores.
Existem muitos direitos trabalhistas, etc. que os trabalhadores já conquistaram há muito tempo, e
nós sequer as tangenciamos.”; “Precisamos introduzir no nosso sindicato a prática de ir à Justiça
reivindicar nossos direitos. Estamos muito atrasados em relação aos outros sindicatos.” A partir
disso, a ADUNESP instituiu uma assessoria jurídica e, depois disso, movem-se inúmeras ações
de cunho trabalhista contra a Universidade. Esse movimento, embora positivo porque ampliou
os direitos dos trabalhadores da universidade, contraditoriamente, veio acompanhado de certo
abandono de algumas práticas anteriores e a Associação acabou perdendo um espaço significativo
185
O segundo fator deriva, provavelmente, da influência que os comu-
nistas, ou simpatizantes, e outras forças da esquerda tiveram na criação e
desenvolvimento da ADUNESP. A concepção de trabalho sindical derivada
da tradição operária, que já discutimos no item anterior, foi de certa forma
imprimida a esta entidade, até porque não havia uma experiência históri-
ca própria à organização do setor docente. Entretanto, a implantação das
concepções típicas ao sindicalismo tradicional na ADUNESP apenas pode
ocorrer de forma também limitada e, pela própria origem e base objetiva
da entidade, não ocorreu em todas as esferas. Como já indicamos, a origem
social e a situação profissional dos docentes levavam a que estes cultivassem
alguns valores, como a expressão da individualidade, a participação, a auto-
determinação e certa índole contestatória peculiar ao intelectual de ofício
e ao ambiente da universidade. Esses valores contrapunham-se, claramente,
a diversas práticas observadas na tradição sindical. Por certo, esses fatores
levaram à inadequação dos docentes às práticas mais centralizadoras e man-
donistas observadas na cultura política.
Por fim, embora o sindicato de docentes tenha características diferen-
ciadas dos outros sindicatos, observamos, ao mesmo tempo, na atuação da
entidade, fortes influências da tradição do movimento operário. Assim, ao
lado da defesa do ensino público e gratuito, a luta pelas melhorias das condi-
ções de trabalho e por melhores salários foram e continuam sendo as princi-
pais diretrizes da atuação sindical da ADUNESP.
O sindicato de docentes sempre foi combativo e defendeu os interesses
imediatos da categoria. Nesses anos todos, sob a autonomia, têm sido grandes
e difíceis os embates entre o Fórum das Seis e o CRUESP. Contudo, o Fórum
nunca conseguiu, mesmo porque nunca colocou mais firmemente essa tare-
fa como sendo do sindicato, elaborar uma política salarial alternativa à do
CRUESP e, ao mesmo tempo, convincente. Para isso seria necessário conhe-
cer profundamente a gestão da Universidade e propor alternativas. O movi-
mento que se verifica é o mesmo, o CRUESP propõe baseado no seu projeto,
e o sindicato discorda. Mas para o fortalecimento da gestão democrática da
nos órgãos colegiados, por exemplo. Não sabemos dizer, com certeza, se foi essa nova ótica que
levou o sindicato a enxergar os reitores, mais do que antes, como patrões, ou se a própria gestão
da reitoria, de 1992/96, de certa forma levou a isto. O fato é que o confronto entre o movimento
docente e a reitoria, principalmente nas campanhas salariais, contou com essa nova variável.
186
universidade isso não basta, essa é a política tradicional. Não basta ao sindica-
to, sob a autonomia universitária e se este quiser avançar para além do projeto
neoliberal, ser um órgão de resistência e defensivo.
Aprendemos a resistir e a lutar contra o autoritarismo que vigorou du-
rante anos neste país. Mas, a tarefa colocada parece ser outra, qual seja, a de
construir a democracia ou, mais especificamente, a gestão democrática ou o
autogoverno. No entanto, a construção da gestão democrática e a ampliação
dos espaços democráticos demandam propostas viáveis, envolvimento, res-
ponsabilização e participação nas vísceras das organizações. Faz-se necessário
que os setores democráticos pensem os problemas de dentro e por dentro das
estruturas. Não basta, sob a autonomia, embora muitas vezes seja necessário,
enxergar os dirigentes universitários apenas como patrões e bater duro neles.
Não basta ao sindicalismo ver as questões de planejamento, orçamento, po-
lítica salarial, política pedagógica etc. como se fossem assuntos apenas patro-
nais, que nada têm a ver com os assuntos dos trabalhadores.
Há duas tendências no movimento docente que dificultam o avanço
do trabalho sindical. De um lado, ocorre a predominância da luta por me-
lhores salários. A absorção do sindicato neste embate acaba enfraquecendo
as outras bandeiras de luta, como, por exemplo, pela universidade pública,
gratuita e de boa qualidade para todos; por mais verbas para a educação; por
um sistema de saúde de qualidade; pela democratização dos órgãos internos
da universidade etc. Essas reivindicações e palavras de ordem são justas, mas,
geralmente, são encaminhadas de forma genérica. O sindicato poderia, além
de propagandeá-las, elaborar estratégias para operacionalizá-las. E, por outro
lado, a tendência ao individualismo observado no setor. A categoria reclama
da falta de condições de trabalho, da falta de livros, de laboratórios, da fal-
ta de financiamento para as atividades científicas, da burocracia etc. Mas a
maioria dos docentes não participa de assembleias e reuniões para discutir
com os colegas um movimento de resistência aos ataques às universidades
públicas e, principalmente, para discutir formas de luta inovadoras. Disso
tudo resulta um marasmo generalizado, permeado por descontentamentos
e revoltas parciais, geralmente desencadeadas na época da data-base. Desse
modo, o movimento dificilmente consegue formular propostas globais, a não
ser a exclusão de uma ou outra medida tomada por um órgão deliberativo ou
187
pelas direções de Unidades e reitoria da Universidade.
O movimento de democratização desencadeado na UNESP, nos anos
1980, incorporou à prática da comunidade as eleições diretas para os cargos
majoritários. Entretanto, o sindicato, até hoje, não formalizou uma proposta
de organização de um processo eleitoral democrático para todos os cargos
executivos da universidade. Propostas estas que poderiam incorporar tópicos
contendo a proibição do uso da máquina que favorece certos candidatos,
igualdade de condições para os candidatos disputarem as eleições, ética nas
eleições etc. Não estamos nos referindo a propostas pontuais elaboradas nos
momentos que antecedem as eleições, deixadas sempre de lado porque as
regras já estão definidas.
O sindicato de docentes congrega profissionais de diversas áreas, pro-
fissionais da educação. Uma das questões formulada de forma generalizante,
mas que a categoria sempre defendeu na universidade pública é a indissocia-
bilidade entre o ensino, pesquisa e extensão. O governo Fernando Henrique
Cardoso não apenas defendeu, como, também, tentou implantar a sua con-
cepção de universidade privatizante. O governo federal, por meio da ação do
Ministério da Educação, desejou instituir, no país, dois tipos de universidade:
uma para a pesquisa; e outra para o ensino superior. Porém, se defendemos
a indissociabilidade das funções, temos que demonstrar, na prática, que essa
proposta é nefasta e que compromete profundamente a qualidade do traba-
lho executado na universidade.
Por que será que essa proposta do governo tomou corpo e tem resso-
nâncias hoje, muito mais do que há anos? Porque os paradigmas estão obso-
letos e é preciso colocar outros no lugar. Por exemplo, como se discute hoje
a organização departamental e curricular da universidade? Continuamos, na
universidade, vivendo um tempo em que se separam ciências humanas de
ciências exatas. Talvez essa separação signifique, hoje, no máximo um jargão
positivista do século XIX, mas esta ainda é a referência da universidade para
a elaboração e organização de seus cursos e seus currículos, ou seja, para a
elaboração do saber.
É necessário, também, redimencionar os cursos de graduação, enten-
dendo-se que é possível fazer educação de qualidade aproximando-se e en-
trelaçando-se com a sociedade. Embora, neste ponto, a universidade tenha
188
avançado, ela ainda permanece isolada da comunidade. Como podemos ter
apoio da população se esta não sabe o que a universidade pensa? A universida-
de, enquanto instituição, tem grande dificuldade em posicionar-se perante a
sociedade, sobre os problemas mais diversos. Outros órgãos, como, por exem-
plo, a OAB, a CUT, a SBPC etc., posicionam-se a respeito de inúmeros pro-
blemas, de toda ordem, e a respeito de vários projetos, governamentais ou não.
Mas a universidade, enquanto instituição, não tem essa prática. O sistema de
ensino público de 1º e 2º graus vive, hoje, uma grave crise. Qual a participação
da universidade pública, não de grupos de docentes, departamentos etc., mas
da instituição, no sentido de contribuir para a resolução desse problema?
O próprio sindicato de docentes, sob a autonomia ou o autogoverno da
universidade, não colocou em questão a natureza social da intervenção da uni-
versidade, isto é, a sua função social. Dá-se por assentado que o ensino público,
gratuito e a pesquisa realizada na universidade são produtos em si mesmo demo-
cráticos, inclusive na forma em que se encontram. Mesmo no plano pedagógico,
o sindicato de docentes nunca se preocupou em tentar introduzir uma formação
democrática para os alunos, voltada para a formação mínima do cidadão.
Essas preocupações não frequentam o cotidiano do sindicato de do-
centes. Contudo, o sindicato poderia discutir o dia-a-dia do saber, da ciência,
da tecnologia, da organização cultural, por fim, do modelo de universidade.
O ensino deve ser público e gratuito, como proclama o sindicato? Sim, mas
o que queremos desta universidade pública e gratuita? E o que é qualidade?
O sindicalismo brasileiro teve, na década de 1980, se pudéssemos fazer
uma contabilização desse período, um saldo positivo. Houve um enorme mo-
vimento grevista; ocorreu uma expressiva expansão do sindicalismo dos assa-
lariados médios e do setor de serviços; o sindicalismo rural avançou; houve
o nascimento de centrais sindicais, como a CUT e a própria ANDES- S.N.;
efetivou-se um avanço na luta pela autonomia e liberdade dos sindicatos em
relação ao Estado; verificou-se um aumento do número de sindicatos, sobres-
saindo-se a presença de organizações de funcionários públicos; indicações
estas que configuram um quadro favorável para o sindicalismo.
No entanto, paralelamente a esse processo, nos últimos anos da década
de 1980, acentuavam-se as tendências econômicas, políticas e ideológicas que
inseriram o sindicalismo brasileiro na onda regressiva.
189
A automação, a robótica e a microeletrônica, desenvolvidas dentro de um
quadro recessivo intensificado, deslancharam um processo de desproletariza-
ção de importantes contingentes operários, de que a indústria automobilística
é um forte exemplo. As propostas de desregulamentação, de flexibilização, de
privatização acelerada, de desindustrialização, tiveram, no neoliberalismo do
projeto Collor, forte impulso. (ANTUNES, 1995b, p. 151).
Esta nova realidade acuou o sindicalismo no país, que se encontrava,
de um lado, diante da emergência de um sindicalismo neoliberal, sintonizado
com a onda mundial conservadora, da qual a Força Sindical é o melhor exem-
plo e, de outro, diante das próprias lacunas teóricas, ideológicas e políticas
no interior da CUT, o que dificultou enormemente o avanço qualitativo,
ou seja, a passagem de um período de resistência, como nos anos de luta
contra a ditadura, para um momento superior, de elaboração de propostas
econômicas e políticas alternativas, contrárias ao padrão de desenvolvimento
capitalista existente, propostas que pudessem contemplar o conjunto da clas-
se trabalhadora. Neste momento, além da combatividade do período ante-
rior, seria necessária a articulação de uma análise da realidade brasileira com
uma perspectiva crítica e anticapitalista que proporcionasse ao sindicalismo
os elementos necessários, tanto para resistir ao ideário neoliberal quanto à
acomodação social-democrata, que, apesar da sua crise no centro, toma cor-
po rapidamente no movimento sindical brasileiro, apresentando-se como a
única alternativa para se fazer frente ao neoliberalismo.
A universidade e os sindicatos de docentes não ficaram imunes a esse
movimento verificado na estrutura produtiva e no sindicalismo em geral. Já
indicamos, neste texto, que o modelo burocrático taylorista/fordista que se
consolidou nas organizações, apenas tangenciou a universidade. No entanto,
isto não quer dizer que sobre o trabalho docente não pese nenhuma espécie
de controle. Ao contrário, na UNESP, por exemplo, a implantação e fun-
cionamento da Comissão Permanente de Regime de Trabalho (CPRT) é o
melhor exemplo do controle que se efetiva sobre o trabalho docente. A CPRT
é um órgão de assessoramento que está diretamente subordinado ao reitor e
cujos membros e presidente são indicados por ele. O trabalho desenvolvido
pela Comissão integra a avaliação e pareceres acerca de planos de atividades
e projetos de pesquisa que são elaborados de três em três anos, por todos os
190
docentes; relatórios de atividades e de pesquisa de cada triênio; pedidos de
afastamento e respectivos relatórios; acompanhamento do período de estágio
probatório; entre outros. Entretanto, chamamos a atenção para dois fatores
essenciais na atuação deste órgão. Primeiro, que realiza uma avaliação com
caráter estritamente individual e pontual do docente, e não do trabalho cole-
tivo desenvolvido via departamentos, grupos de pesquisa ou grupos acadêmi-
cos e, segundo, que se centra claramente no controle e vigilância do docente,
valorizando muito mais o cumprimento dos prazos, do que o mérito das ati-
vidades de ensino, pesquisa e extensão. Considerando-se que é muito raro o
reitor não acompanhar o parecer da Comissão, percebemos o controle de tipo
burocrático, que a Comissão exerce sobre o docente e o poder que esse órgão
possui. Ainda, há vários casos, de todos conhecidos, de perseguição pessoal
movidos por membros desse órgão e que, apesar da intervenção do sindicato,
em sua maioria, resultaram em corte do tempo integral de docentes.
Em 1994, a proposta de flexibilização do trabalho também chegou à
UNESP, porém de forma diferente daquela que se observou na indústria. Não
se tratava aqui de inserir uma polivalência no trabalho realizado pelo profes-
sor, aliás, de todo, já bastante polivalente e múltiplo, mas sim de flexibilizar o
regime de trabalho. Assim é que, nesse mesmo ano, a CPRT apresentou um
conjunto de documentos contendo uma série de propostas de regulamentação
do trabalho dos docentes. O primeiro objetivo colocado pela Comissão no
documento introdutório acabou delineando o projeto de universidade por trás
das propostas, pois colocava grande ênfase nos serviços de extensão. Propôs a
CPRT que o instrumento a ser utilizado nos serviços de extensão seja a Rede
UNESP, o que significa uma Universidade que busca inserção no mercado,
como vendedora de projetos ou prestadora de assessorias grandes ou pequenas.
No entanto, alertamos para o fato de que há grande diferença entre prestação
de serviços, troca de serviços e venda de serviços, e que a última implica, neces-
sariamente, em fazer o que quer o comprador. Essa proposta tratou, portanto,
de uma absorção acrítica do modelo neoliberal de universidade que vem pro-
vocando consequências funestas em sua implantação, como, por exemplo: a)
as Fundações, cuja justificativa básica para sua criação é a de agilização na ma-
nipulação de recursos, acabam por possuir vida paralela à da Instituição, sem
prestar contas a quem quer que seja, servindo, muitas vezes, de instrumento
191
para lavagem de dinheiro público, tornando-o privado; b) com a tentativa de
inserção da universidade no setor produtivo, passa-se a ter como preocupação
central colocar a universidade a serviço da empresa privada, o que significa,
em última instância, contribuir para o lucro capitalista, em detrimento das de-
mandas sociais, tidas, na visão liberal, não como investimento do Estado, mas
como custo. Por fim, se a extensão de serviços desligar-se da produção científica
e do ensino, como requer o projeto do governo federal, teremos um serviço go-
vernamental de assistência social (saúde, alfabetização etc.) ou uma agência de
fomento às empresas (treinamento de pessoal, projetos, assistência técnica etc.),
e não a indissociabilidade das três funções da universidade pensada e vinculada
às necessidades da sociedade em que se insere.
Na perspectiva apontada, seria de se refletir se a pesquisa e o ensino vêm
sendo suficientemente favorecidos pelas ações institucionais. Conhecemos a
resposta. Não apenas há poucos estímulos, como a baixa remuneração dos
docentes coloca-os em uma situação sem saída, a não ser a adoção do projeto
que tem por finalidade captar recursos externos privados, para complementar
os declinantes recursos públicos da universidade. Concluímos, portanto, que
a flexibilização do trabalho docente, da forma como vem se desenvolvendo,
contribui, primeiro, para dispersar ainda mais os docentes por vários locais de
trabalho e, segundo, para fragmentar ainda mais a luta coletiva, pois os do-
centes acabam buscando saídas isoladas e individuais para os baixos salários
percebidos na universidade. Os trabalhadores cada vez participam menos do
sindicato e das assembleias e começam a achar o seu lugar na universidade,
que é o da flexibilização. Além disso, a flexibilização do regime de trabalho
tem contribuído, também, para legalizar uma situação há muito tempo cons-
tatada na universidade, qual seja, a de fraudação do Regime de Dedicação
Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP).
A ADUNESP Central e algumas Regionais, nos anos de 1994 e 1995, tenta-
ram apresentar várias críticas a essa proposta da CPRT que foi remetida para todas
as Unidades e discutida em praticamente todas as Congregações. No entanto, o
resultado da votação no CO, que aprovou a proposta com pouquíssimas modifi-
cações, mostra como se conformaram as forças favoráveis e desfavoráveis à flexibili-
zação do regime de trabalho docente. No CO, órgão composto de mais ou menos
oitenta membros, nesse momento, a proposta obteve apenas três votos contrários.
192
Neste contexto, de fragmentação e dispersão do coletivo de traba-
lhadores, fica muito difícil para os sindicatos de docentes, sobretudo para a
ANDES - S.N., terem o mesmo poder de mobilização dos anos anteriores. A
universidade está mudando rapidamente e um dos fatores da mudança está
na própria renovação do corpo docente. Muitos professores estão se aposen-
tando e novos quadros estão adentrando a universidade, com novas expecta-
tivas. Quanto aos antigos quadros, também demonstram certo cansaço das
inúmeras greves desencadeadas no período anterior. Esse desgaste é provo-
cado principalmente pela política governamental, a política do vencer pelo
cansaço, ou seja, o movimento docente pode se manifestar, mas os governos
estaduais e federal não atendem as reivindicações. Por esses motivos, as en-
tidades de docentes, em especial a ANDES, necessitam elaborar propostas
e políticas novas. O sindicato nacional precisa aprofundar a crítica ao neo-
liberalismo. Para Vieira Feres (1993, p. 84) o pior do neoliberalismo não é
a política econômica, mas a cultura individualista e de competitividade que
cria. “Esta cultura entra não só na cabeça, mas no coração das pessoas. E para
reverter esse processo é preciso discutir outros pressupostos, outro tipo de
cultura, o que significa um projeto coletivo”.103
O desafio parece ser o de recuperar o coletivo, a utopia, não como algo
impossível de ser alcançado, mas como ideia de uma revolução processual e
permanente. Parece ser necessário também desmistificar a ideia, que ganha
inúmeros sindicatos, de que a política é a arte de realizar o possível. O impos-
sível possível seria criar cultura ou recuperar alguns valores, que foram tão ca-
ros à classe operária, e que estão sendo soterrados pelo movimento do capital.
Por que não podemos criar ou recuperar a cultura da solidariedade no lugar
da cultura da competitividade e da individualidade reafirmada pelo capital?
Resta-nos, ainda, fazer uma última indicação. Obviamente, a partici-
pação a que nos referimos no início destas colocações não diz respeito à parti-
cipação que vincula e subordina a ação sindical aos condicionantes impostos
pelo capital, que adere à cultura e ao projeto neoliberal. Referimo-nos a uma
participação que crie alternativas a estes.
Contudo, esse parece ser um grande nó da atuação sindical. Como fazer
avançar reformas não reformistas, isto é, de cunho democrático? É possível
103 - A professora Maria José V. Feres foi presidente da ANDES, na gestão 1984/86.
193
fazer avançar reformas que não sejam de cunho liberal, de cunho capitalista?
As reformas social-democratas também tiveram um cunho anticapi-
talista, tanto que hoje presenciamos as reações neoliberais de desmonte das
conquistas sociais e trabalhistas da classe operária. Mas, apesar disto, as re-
formas social-democratas não conseguiram atingir a essência do capitalismo.
Para atingi-la é necessário ultrapassar a aparência e atacar o seu cerne, ou seja,
as relações de produção na sua totalidade (produção, distribuição, troca e
consumo). Isso seria possível?
O que chamamos hoje de autogoverno ou autogestão na universidade,
por exemplo, trabalha apenas com um aspecto das relações de produção. Tem
sido, pois, um movimento unilateral. A despeito deste fato, consideramos
esse movimento positivo. Mas, teríamos espaço real para o crescimento de
movimentos autogestionários, primeiro nos locais de trabalho e, depois, na
sociedade? Há a necessidade de reflexão sobre esses questionamentos, pois a
única autonomia que pode interessar aqui é a autonomia capaz de alimentar
o processo democrático.
Para a comunidade universitária e para as suas entidades representativas
estão, ainda, colocadas três questões, cujas respostas são pré-requisitos, não
apenas para a construção de um projeto estratégico de universidade, como
para o avanço das lutas imediatas:
a) As entidades representativas dos três setores e a própria comunidade
universitária não foram capazes, até o momento e na maioria dos casos, de
assegurar o controle dos mandatos dos dirigentes universitários eleitos, man-
tendo ao mesmo tempo sua independência frente às estruturas de poder da
universidade. Os sindicatos, na universidade, não têm conseguido realmente
uma autonomia frente aos dirigentes. Ficam, na maioria das vezes, amarrados
à política desencadeada e implantada pelas reitorias.
b) Para as entidades faltou uma definição clara da relação com os or-
ganismos de poder e, superada a fase de resistência, produzir políticas de
gestão da universidade. Os sindicatos não desenvolveram a capacidade de
intervir na gestão cotidiana da Universidade, tanto no nível da reitoria como
no das Unidades. Os sindicatos tentam uma política de intervenção somente
nos momentos de crise. Isso ocorre fundamentalmente porque os sindicatos
não têm elaborado um projeto de universidade e, consequentemente, uma
194
política de gestão. Dessa forma, objetivos e metas não ficam claros.
c) Para os movimentos organizados estão colocadas duas tarefas ime-
diatas: a superação do corporativismo; e a construção de um espaço comum
de intervenção na Universidade.
Há inúmeras implicações do deslocamento da atuação sindical diante
da autonomia. Mas a questão que se coloca de imediato é: seriam os movi-
mentos e suas entidades capazes de romper os limites do processo de demo-
cratização e garantir o exercício do poder pelo coletivo de trabalhadores?
195
CAPÍTULO IV
POLÍTICA SINDICAL E GESTÃO
DEMOCRÁTICA
Na atual conjuntura, parece haver uma retomada das aspirações, por
parte dos trabalhadores, de uma participação mais direta e efetiva nas organi-
zações e no Estado. Aspirações que, em tempos passados, estiveram bastante
vivas no movimento operário-popular. A reflexão sobre essas aspirações le-
vou, na atualidade, a uma retomada dos estudos sobre a autogestão.
Outros acontecimentos históricos parecem estar contribuindo para o
reposicionamento do tema da autogestão, como uma possibilidade histórica
que deve ser considerada: a crise da social-democracia e do Welfare State; o
desmoronamento dos países socialistas; e a nova revolução industrial.104
A nova revolução industrial, cujas características principais foram
104 Ao longo do século XX, a classe trabalhadora passou a ocupar um espaço político decisivo,
especialmente no que se refere ao peso dos partidos de base trabalhadora nos processos eleitorais e
na composição de governos no período do pós-guerra. Em versões social-democratas, socialistas ou
trabalhistas, a ascenção destes partidos ao poder (muitas vezes em alianças) possibilitou a construção
de políticas compensatórias de distribuição de renda e seguridade social. O questionamento desta
matriz política pelo neoliberalismo não encontrou respostas adequadas por parte de segmentos
da esquerda, que ou aderiu às políticas antiestatais ou criticou apenas aspectos isolados do
neoliberalismo, gerando uma perda de referencial político para boa parte dos trabalhadores. De
certa forma, a fragilidade atual dos social-democratas e trabalhistas deve-se, também, ao desmonte
do referencial central de outro segmento expressivo da esquerda, os comunistas, com a queda
dos regimes do Leste Europeu. Uma das interpretações possíveis do espaço político que a social-
democracia e o Welfare State ocuparam, no pós-guerra, é a que atribui seus avanços ao fato de
apresentarem-se como alternativa perante a ameaça comunista. De qualquer forma, o vazio político
deixado pelas diversas carências de projetos da esquerda no continente europeu, e no mundo todo,
é, sem dúvida, um aspecto agravante da situação atravessada pelas organizações sindicais. Mas cria,
também, novos espaços para reflexões acerca das possibilidades para além do capital.
196
apontadas no capítulo anterior, não cria por si mesma instituições e ou orga-
nizações autônomas dos trabalhadores, autogestionárias ou prefiguradoras da
gestão democrática. Mesmo observando a nova situação da classe operária,
não podemos ter a ilusão de que o capital, por si mesmo, possa superar o
assalariamento. Porém, processa-se uma contradição, pois, por um lado, a
empresa capitalista não pode prescindir do assalariamento. Por outro, para
fazer face à complexidade crescente das novas tecnologias, da globalização, da
competição no mercado etc., a empresa necessita que o trabalhador se modi-
fique numa espécie de empreendedor, o que, aparentemente, não é realizável
sem a participação e autonomia de parte dos envolvidos no processo.
É este novo e diferenciado potencial de participação que leva alguns ana-
listas a formularem a hipótese de que seria o momento propício para se relançar
um renovado movimento autogestionário. A intervenção estaria com os traba-
lhadores e com suas organizações coletivas, e a tarefa consistiria em partir das
estruturas de participação capitalista para, num processo de superação, avançar
em direção a formas de participação mais avançadas e gestões autônomas.
[...] seria um grande equívoco acreditar que nada mudou, porque a revolu-
ção informacional obriga o capitalismo a brincar incessantemente com fogo
ao revolucionar as suas próprias normas, a sua própria cultura, na tentativa
de salvar o essencial - ou seja, o seu sistema de exploração. Assim, experiên-
cias de interação social, de intervenção e de expressão diretas caminham
lado a lado com as formas mais retrógradas de ‘desregulamentação social’,
de ‘flexibilização’ dos empregados e de intensificação do tempo de traba-
lho. Lança-se, pois, um desafio crucial ao movimento operário. Não aceitar
este desafio, atendo-se às lutas sociais defensivas, significaria perder uma
oportunidade histórica relevante, justamente no momento em que o siste-
ma capitalista ainda não se mostrou capaz de, claramente, encontrar uma
solução durável para a crise atual. Cabe indagar, porém, por quanto tempo
esta situação pode perdurar, especialmente se o movimento revolucionário
não se revelar apto para oferecer uma alternativa viável ao neotaylorismo à
japonesa, mobilizando todas as inteligências na empresa em função de um
projeto autogestionário. (LOJKINE, 1990, p. 19-20).
Outro modo por meio do qual a ideia de autogestão dos trabalhadores
tem-se mantido viva é a produção e reprodução de empresas ou organizações
autogeridas. Essas organizações podem ser encontradas em vários países do
197
mundo, como, por exemplo, na Argentina, Espanha, Itália, Brasil e Estados
Unidos, dentre outros. No Brasil, as organizações desse tipo adquiriram, nos
últimos tempos, certa expressão econômica, social e cultural.
Com o objetivo de facilitar a coordenação dessas organizações foi
criada, no Brasil, no 1º Encontro Nacional dos Trabalhadores em Empresas
de Autogestão, realizado em fevereiro de 1994, a Associação Nacional dos
Trabalhadores em Empresas de Autogestão (ANTEAG), que, em julho de
1996, congregava trinta e três empresas. Nesse mesmo ano, a ANTEAG reali-
zou um estudo de viabilidade de aproximadamente cinquenta novos projetos,
o que significava, em tese, a geração de mais de dez mil empregos.
Podemos afirmar, ao menos potencialmente, que dentre as organiza-
ções autogovernadas ou autoadministradas encontram-se as universidades
estaduais paulistas. A estrutura de gestão destas organizações apresenta ca-
racterísticas próprias, que as distinguem das organizações que se constituem
no setor da produção propriamente dita. Contudo, como demonstramos nos
capítulos anteriores, a partir do movimento de democratização e da auto-
nomia de gestão financeira, estas universidades podem ser enquadradas na
categoria de organizações autogeridas ou de autogestão restringida, de acordo
com a definição que estamos utilizando neste trabalho.
A comunidade universitária da UNESP não lutou pela autogestão. Mas
lutou pela democratização desta instituição e pela democratização das suas es-
truturas de poder. A comunidade e as entidades representativas dos segmentos
não colocaram clara e conscientemente, nesta luta, a questão da gestão da uni-
versidade ou a do autogoverno. Mas, a luta pela democratização não traz em si
mesma, potencialmente, a gestão da universidade pelos próprios trabalhadores?
Parece-nos que a situação das estaduais paulistas, sob a autonomia, é
clara. Alguém, em sã consciência, poderia colocar como reivindicação dos
trabalhadores da universidade a devolução da gestão desta para o Estado,
após anos de autonomia? O sindicato poderia colocar essa bandeira de luta?
É essa a aspiração da comunidade?
Os elementos trabalhados até aqui, conduzem-nos à resposta: é evidente que
uma bandeira de luta como esta não obteria a menor ressonância na comunidade.
Contudo, se não está colocada a possibilidade de devolução da gerên-
cia da universidade para o Estado, qual é a possibilidade de evolução desta
198
autonomia? Qual é a posição do sindicato, e do setor representado, sobre a
autogestão da universidade? Estes são favoráveis ou não a essa autogestão? E,
se forem favoráveis, quais seriam as políticas que o sindicato poderia elaborar
e defender para a autogestão? O sindicato tem tido uma posição bastante dú-
bia a esse respeito advinda do fato de que essa questão não figurou nas pautas
de discussão da entidade.
Não há como elaborar uma avaliação conclusiva, mas não há nada que
interdite a elaboração de algumas hipóteses, a partir da observação dessa ex-
periência inédita e que ainda está em curso.
Com efeito, verificamos na UNESP a ampliação de espaços democrá-
ticos, de participação dos trabalhadores na estrutura de poder, mormente nos
órgãos colegiados.105 Além disso, observamos a tendência de instauração, nes-
ta Universidade, de formas de expressão e de intervenção mais direta dos tra-
balhadores, como, por exemplo, a Comissão Permanente de Administração
para assessorar o diretor, composta por funcionários e docentes, que vigo-
rou em algumas Unidades e que foi incorporada à nova estrutura de carreira
dos trabalhadores técnico-administrativos; o Grupo de Apoio Técnico para
Assessorar a Direção em Assuntos Administrativos (GAT- Projeto Qualidade),
integrado por docentes e funcionários do Campus de Marília; o Grupo de
Assessoria da Direção, da Unidade de Assis etc.
Concretamente, como o movimento universitário tem reagido a estes
espaços? Como as entidades dos três setores, em especial a dos docentes, têm
conciliado suas antigas práticas com as aspirações de participação demons-
tradas no movimento de democratização? Como fazer avançar essa luta sem
intervir na gestão? Parece-nos que esta intervenção, para o movimento uni-
versitário, não é uma opção facultativa, ao contrário, é uma necessidade. A
comunidade universitária e suas entidades representativas podem escolher
105 Além daqueles aspectos trabalhados no item 6, do capítulo II, poderíamos citar aqui o fato, por
exemplo, de que na Congregação do Campus de Marília participam a ADUNESP Regional, por
meio do presidente, ou na ausência deste, por um outro diretor da entidade, desde 1994 e, em
1996, incorporaram-se a este órgão representantes do Diretório Acadêmico e do SINTUNESP,
base local. As entidades têm direito a voz. Essa proposta, original da ADUNESP Regional de
Marília, foi encaminhada em outras Unidades e, posteriormente, passou a integrar a configuração
das Congregações e CO. Ficou evidente a importância da participação das entidades nos órgãos de
decisão máxima das Unidades.
199
vários caminhos, mas se escolherem o da democracia e o da defesa e do de-
senvolvimento da universidade pública, a intervenção é inevitável.
1. Sindicato e autogestão
Neste debate, a primeira questão que se coloca é: o sindicato tem o que fazer
na autogestão? Qual a função do sindicato no autogoverno ou na gestão democrática?
Aqui, novamente devemos voltar à história do movimento operário,
pois esta questão não é original. Na revolução russa, após a tomada do poder
pelo proletariado, os bolcheviques colocavam questões muito parecidas com
esta acerca da função do sindicato diante do Estado Operário.
De acordo com o informe de Lenin (1961) ao II Congresso de Sindicatos
de toda a Rússia, realizado em janeiro de 1919, o partido designava ao sindi-
cato as tarefas de “contabilidade, de fixação das normas de rendimento e de
unificação de organizações”. No entanto, ao lado destas, “levanta[va-se] uma
tarefa mais elevada e importante: ensinar as massas a administrar, ensinar
não por meio de livros, conferências e comícios, mas através da experiência”.
Lenin (1961, p. 276-7) dizia ainda que “Esta tarefa, por ser difícil, parece
irrealizável”. Mas que, de toda forma, poderiam
[...] ensinar as massas trabalhadoras [...] uma obra como a de dirigir o
Estado e a indústria, [...] desenvolver o trabalho prático, destruir o que
durante séculos se inculcou nas massas trabalhadoras: o funesto precon-
ceito de que a obra de dirigir o Estado é uma obra de privilegiados, o
preconceito de que isto é uma arte especial.
Quase um ano depois, instalou-se no Partido Comunista da Rússia
uma polêmica, entre Lenin e Trotski, sobre o papel e as tarefas dos sindicatos.
Trotski sustentava a ideia de que a defesa dos interesses materiais e es-
pirituais da classe operária não era uma incumbência dos sindicatos em um
Estado operário. Questionava Trotski (apud LÊNIN, 1961, p. 292): “Para
que e ante de quem defender a classe operária se não há burguesia e o Estado
é operário?” Lenin (1961, p. 292-3) contra-arrazoava que
[...] já assinalamos que nosso Estado é operário com uma deformação
burocrática. [...] Pois bem, será que diante desse tipo de Estado, que
200
praticamente se consolidou, nada têm os sindicatos a defender? Pode-se
dispensá-los na defesa dos interesses materiais e espirituais do proletariado
organizado em sua totalidade? Esta seria uma opinião completamente er-
rada do ponto de vista teórico. [...]. Nosso Estado de hoje é tal que o pro-
letariado organizado em sua totalidade deve defender-se, e nós devemos
utilizar estas organizações operárias para defender os operários em face de
seu Estado e para que os operários defendam nosso Estado.106
Lenin também colocava outra questão que consideramos bastante atual
sobre a discussão do governo efetuado pelos próprios trabalhadores e a função
do sindicato. Lenin (1961) afirmava que apesar dos sindicatos, sob o Estado
operário, organizarem a classe dirigente, dominante, governante, ao Estado,
e só a este, cabia exercer a ditadura de classe que aplica a coerção estatal. Mas
o sindicato, nas palavras de Lenin (1961, p. 281),
[...] não é uma organização estatal, não é uma organização coercitiva, é
uma organização educadora [...] uma escola de administração e comunis-
mo. [...] Pelo lugar que ocupam no sistema da ditadura do proletariado, os
sindicatos estão situados, se é justo dizer assim, entre o Partido e o poder
do Estado. [...] está longe esse futuro [em] que os sindicatos serão uma
interrogação, nossos netos terão que enfrentar isso.
Embora, naquele momento, o partido tenha cerrado fileiras em torno
das posições leninistas, sabemos que, com o tempo, os sindicatos foram in-
corporados à administração estatal e exerceram, de certa forma, as tarefas de
coerção e de disciplinamento dos operários.
A autogestão pressupõe que os trabalhadores sejam os responsáveis di-
retos e imediatos pela tomada de decisões na organização. A representação e a
participação do trabalhador na organização autogerida é direta. Dessa forma,
aparentemente, esse tipo de organização social não cria a necessidade de me-
canismos de defesa do trabalhador. A inserção do trabalhador no metabolismo
da organização se daria, em última instância, por ele mesmo. No entanto, o
106 Sobre os sindicatos, o momento atual e os erros de Trotski. Discurso de Lenin na Sessão Conjunta
de delegados ao VIII Congresso dos Sovietes e de membros do Conselho Central dos Sindicatos
da Rússia e do Conselho de Sindicatos de Moscou militantes do PC da Rússia. 30 de dezembro de
1920 (LENIN, 1961, p. 292-3).
201
princípio teórico da autogestão de que o trabalhador é ele mesmo o agente
direto na organização não é nada simples. Aqui não se trata apenas de uma par-
ticipação dirigida à construção de uma organização social voltada aos interesses
dos trabalhadores, mas, sobretudo, de uma participação dirigida à destruição
dos valores burgueses e do antigo sistema de produção. Uma participação nega-
tiva, no sentido de contrapor-se a um sistema ordenado de valores alheios aos
verdadeiros interesses dos produtores e, ao mesmo tempo, uma participação
positiva, no sentido de contribuir para a consolidação de um novo sistema. A
participação na autogestão, da mesma forma que nas estruturas capitalistas,
constitui-se em um fenômeno que traz em si a contradição.
O campo experimental da autogestão resulta, todavia, demasiado
restringido e limitado para que possamos extrair dele indicações ou gene-
ralizações com um grau suficiente de validade. Mesmo assim, parece que, a
exemplo da própria experiência russa, a função do sindicato na autogestão
continua sendo de defesa dos trabalhadores, no entanto, de defesa dos traba-
lhadores na sua própria autogestão e, ao mesmo tempo, de defesa do desen-
volvimento desta autogestão.
No entanto, o problema que se coloca para nós é a função do sindica-
to no autogoverno da universidade. Aqui, como em outras organizações, o
sindicato continua cumprindo as suas funções tradicionais de defesa do tra-
balhador, acrescidas, talvez, daquelas de participante e contribuinte na cons-
trução da gestão democrática.
Presenciamos, nos últimos tempos, no interior da UNESP e nas demais
estaduais paulistas, certo retrocesso em termos da democratização nos órgãos
decisórios. A tônica desse retrocesso foi dada, sobretudo, pela última gestão
(1992-1996) que, em boa medida, centralizou o poder de decisão no nível do
executivo, desenvolveu uma política de barganha com os diretores, negociou
cargos com os funcionários em troca de apoio político e, para parcela desse
mesmo setor, no qual obteve a maioria dos seus votos nas eleições, conce-
deu reestruturações de carreira, o que se constituiu em pequenos aumentos
salariais velados e diferenciados. Embora o último reitor tenha mantido, ao
longo de sua gestão, uma postura perante a sociedade, o governo estadual e
a Assembléia Legislativa de defesa da autonomia universitária e dos interes-
ses da instituição, sua relação com o movimento universitário organizado,
202
principalmente nas campanhas salariais, foi bastante difícil. Talvez o pior re-
trocesso tenha sido aquele advindo do não cumprimento dos estatutos, em
especial no que se refere à discussão da proposta orçamentária da UNESP.
O executivo, nesta gestão, chamou para si todas as responsabilidades e, con-
sequentemente, todo o poder de decisão acerca dos rumos da universidade
em termos de investimento, planejamento e alocação de recursos, deixando
de fora dessa discussão o órgão máximo da UNESP, que apenas discutiu o
orçamento de maneira formal.
Os dirigentes, no autogoverno, não podem se encastelar no poder. Da
mesma forma que o CRUESP não pode continuar fechado corporativamen-
te, sem ouvir a comunidade. Quanto aos sindicatos, caberia a função de
vigiar, fiscalizar e intervir no desenvolvimento desse autogoverno, num mo-
vimento para além da corporação. Entretanto, essa tarefa fica difícil de ser
realizada quando o sindicato não definiu, de forma clara, uma política de
intervenção na gestão.
2. Referências de uma política sindical para a gestão democrática
Ao leitor que espera como resultado deste trabalho, um projeto de uni-
versidade ou soluções para o trabalho desenvolvido pelo sindicato de docen-
tes, logo alertamos de que não se trata disso. Não temos as soluções e muito
menos um projeto que dê conta de resolver os problemas que a universidade
autônoma e o sindicato de docentes enfrentam.
Assim, pretendemos terminar este estudo apontando alguns proble-
mas que, imaginamos, o sindicato deverá enfrentar na construção da gestão
democrática, e não com as possíveis soluções. Até, porque, a elaboração de
indicações no sentido de uma receita para a atuação sindical seria, de todo,
inútil, pois a política define-se mesmo é na prática.
Há outro desvio que também não queremos cometer: confundir o sin-
dicato com a administração da universidade, ou seja, tentar entrelaçar o tra-
balho sindical com o dos dirigentes universitários. Mesmo naqueles casos em
que os dirigentes, reitores ou diretores de Unidades, são eleitos com amplo
apoio da comunidade e as suas propostas ganham a simpatia do sindicato, as
diferenças entre as duas instâncias de atuação devem ficar claras. Assim, não
é função do sindicato elaborar e operacionalizar medidas administrativas e
203
muito menos exercer a coerção e impor o respeito à norma legal. O sindicato
deve ser autônomo em relação às direções, e isso é válido tanto para a elabo-
ração como para a implantação das políticas sindicais.
Pretendemos, nos próximos tópicos, levantar, de acordo com as discus-
sões que travamos até o momento, algumas indicações possíveis para a atua-
ção sindical nas universidades estaduais paulistas, em especial para a UNESP.
Retomamos, assim, três questões enunciadas no final do último capí-
tulo, as quais o sindicato poderá enfrentar: a produção de políticas de gestão;
o controle dos mandatos dos dirigentes eleitos; e a superação do corporativis-
mo-economicismo dos movimentos universitários organizados.
A atuação sindical necessita de uma categoria norteadora. Na sociedade
capitalista, o problema dos salários deverá permanecer como um dos pilares
da luta sindical. No caso da universidade, sob a autonomia, e do sindicato de
docentes, a categoria principal a ser trabalhada, nesta situação, inclusive na luta
por salários dignos, parece ser a categoria da distribuição dos recursos. A distri-
buição, é evidente, não pode ser vista aqui, a exemplo da sociedade em geral, de
uma forma isolada, mas sim articulada com as outras categorias da produção.
2.1. Excelência e responsabilização
O sindicalismo nunca conseguiu enfrentar, adequadamente, questões
como as da eficiência, da qualidade no trabalho e da responsabilização so-
cial.107 Mas, parece evidente que se nós quisermos trabalhar com seriedade
107 Lojkine (1990, p. 128) coloca que hoje o patronato defronta-se com um problema, qual seja, de um
lado, sente a necessidade de globalizar a linguagem, de não subestimar a capacidade de compreensão
e de avaliação dos assalariados e, por outro, precisa levar em conta as reticências, a desconfiança
dos assalariados e dos sindicatos diante de qualquer objetivo de mobilização coletiva em torno da
produtividade. “[...] e, lamentavelmente, ainda hoje, a noção de produtividade não poderia ser
colocada no proscênio - para a hierarquia e para os sindicatos, a palavra funcionava como pomo
de discórdia.” Richard Chaput, diretor da Associação para a prevenção e a melhoria das condições
de trabalho. Jornadas de estudos da Sociedade Francesa de Psicologia. Quelles motivations ao
travail?, p. 56, em Lojkine (1990, p. 128). “[...] incorporamos a noção intrínseca de melhoria da
produtividade na organização das ERACT [Equipes de Estudos para a Melhoria das Condições
de Trabalho], mas sem o dizer. Desde 1970, queremos superar a noção intrínseca de melhoria das
condições de trabalho, e devo confessar hoje que nos inspiramos em Maquiavel. Todos sabem o que
é preciso ‘servir’ a uma causa que um dia será reconhecida como necessidade vital: utilizar uma parte
deste pensamento [...]” Intervenção de J. Hodebourg, Cahiers d’anthroponomie, n. 3, CNRS,
204
numa organização autogerida, conceitos como o de excelência e o de respon-
sabilização deverão ser redefinidos.
Na universidade autônoma e democrática fica aparente outro proble-
ma: como mobilizar os docentes e os funcionários para atingir um novo pa-
tamar de qualidade no trabalho, de uso dos recursos e de aproveitamento
dos recursos físicos e humanos? Como realizar essa tarefa se, mesmo sob a
autonomia, os trabalhadores não se sentem responsáveis pela instituição e
muitas vezes sequer pelo trabalho que realizam? Quais são os parâmetros de
eficiência e de responsabilização? Para a empresa capitalista há um avaliador
externo e imediato: a competição de mercado. E as pressões, de toda ordem,
exercidas sobre os trabalhadores, mormente nestes tempos de desemprego,
acabam surtindo algum efeito. No entanto, para a universidade pública não
há, efetivamente, esse avaliador, não há uma inserção no mercado e na divisão
do trabalho, e quanto aos servidores, estes são estáveis.
Contudo, para ganhar eficiência seria necessário reorganizar o trabalho
desenvolvido na universidade pública. Não podemos desconhecer a falta de
envolvimento, a desmotivação e a insatisfação com o trabalho demonstradas
por docentes e funcionários. Aqui, como na empresa, não se pode subesti-
mar o entrelaçamento profundo que vincula a crise de motivação e crise de
eficiência ou de qualidade do trabalho. Mas, como responsabilizar e motivar
trabalhadores que, apesar de estáveis no emprego, não vêm muita esperança
quanto ao seu futuro profissional e têm o seu poder aquisitivo cada vez mais
rebaixado? Já é fato constatado nas organizações que processos de reorganiza-
ção do trabalho, que minimamente funcionaram, sempre estiveram acompa-
nhados de progressos equivalentes nas escalas salariais e nas classificações de
carreira. Aliás, esses são uns dos motivos principais pelos quais os docentes,
por exemplo, apesar da baixa remuneração e das dificuldades, continuam
1985, em Lokine (1990, p. 128). Encontra-se nesta declaração cínica, dirigida a psicólogos de
empresas experientes em maquiavelismo gerencial, todas as características da operação estratégica:
globalização, antecipação e dissimulação. A dissimulação, porém, não visava aos temas explícitos
escolhidos pelos círculos de qualidade franceses - temas que deveriam motivar, estimular a adesão
consensual -, mas aos resultados econômicos pretendidos: os ganhos de produtividade. Ora, como
mobilizar os trabalhadores em torno de problemas que, até hoje, sempre se revelaram uma fonte de
exploração acrescida? Para que eles aceitariam novas formas de auto-exploração? A resistência aqui
parece ser natural. Mas e quando se trata do autogoverno?
205
elaborando e defendendo suas teses, ou seja, continuam produzindo porque
têm a perspectiva de certo progresso na carreira.
A responsabilização e o envolvimento supõem, por certo, a motivação
e se esta não pode ser reduzida ao interesse financeiro, também não é viável
fora de um ambiente material que proporcione certa segurança. Sem a segu-
rança material, não emergem as necessidades de autorrealização e de reco-
nhecimento que despertam e alimentam a motivação para o trabalho, como
bem já o demonstraram a psicologia e a sociologia. Disto depreende-se que
se a universidade autônoma quiser ganhar eficiência e comprometimento dos
assalariados com o trabalho, alguma forma de remuneração adequada deverá
ser estabelecida, ou seja, é necessária a revisão da política salarial implantada
nos últimos tempos.
Como conciliar, na universidade, a vontade política expressa mediante
a autonomia com a exigência técnica de produção? Este nó não pode ser
desatado sem se efetuar algumas opções fundamentais que contemplem, na
universidade pública, a relação eficiência e democratização, a aquisição de
um novo conceito de trabalho e a responsabilização como condições para as
novas relações que devem ser desenvolvidas na organização.
À universidade autônoma colocam-se vários desafios, especialmente os
apontados. Da mesma forma, para o sindicato parece ser fundamental a re-
flexão sobre a forma de produção do trabalho docente, entretanto, pensada
em um novo patamar qualitativo que, ultrapassada a práxis de resistência, e
sob a autonomia, elabore propostas que possam articular satisfação e condi-
ções de trabalho, remuneração adequada e democratização. Contudo, não há
como fazer emergir uma nova forma de produção do trabalho docente sem,
simultaneamente, intervir-se na distribuição dos recursos. Da perspectiva do
trabalhador docente e da democratização das relações de trabalho, não há
como interferir em uma categoria independentemente da outra.
2.2. As lutas pela gestão são lutas imediatamente políticas?
O desafio organizacional e os poderes na universidade
Afirmamos, no início deste capítulo, que a estrutura organizacional da
universidade diferencia-se daquela das empresas. Isto ocorre em termos, pois
206
também na universidade observa-se a estrutura verticalizada e hierarquizada.
A universidade possui, por um lado, uma descentralização vertical e,
por outro, uma descentralização horizontal. A primeira denota a delega-
ção de poderes de decisão da cúpula estratégica (executivos) para a base, por
meio, principalmente, dos órgãos colegiados, enquanto que a descentrali-
zação horizontal consiste na transferência de poder a pessoas situadas fora
da linha hierárquica. A situação fica ainda mais confusa pela diferenciação
verificada entre a estrutura de carreira dos funcionários, mais verticalizada e
hierarquizada, quando comparada a dos docentes, mais horizontalizada.
Entretanto, no nível vertical, podemos distinguir um continuum de
mecanismos de ligação que vão desde a estrutura funcional mais clássica,
fundada numa pirâmide hierárquica tradicional, até a estrutura diferenciada
conformada por áreas de atuação, que implicam poderes a várias comissões
fixas (como, por exemplo, CADE, CEPE, Comissões de Ensino, de Pesquisa,
de Extensão, Conselhos de Curso, CPRT etc.) e temporárias, de grupos de
trabalho ou de projetos que aglutinam profissionais para a realização de uma
tarefa específica. Além disso, diferentemente das empresas, esses poderes são
delegados aos órgãos e estes, invariavelmente, são compostos por rodízios de
pessoas, ou seja, periodicamente mudam-se os componentes das comissões.
Até aqui, aparentemente, não há nada de muito revolucionário, tipo
semelhante de estrutura, com a manutenção principalmente das unidades
temporárias e dos grupos de projetos, é utilizada por várias empresas hoje
preocupadas em adaptar a sua política comercial à evolução dos mercados.
O que há de novo para ser destacado é que o tipo de estrutura organi-
zacional consolidado na universidade cria uma dupla estrutura de autoridade,
de poder. Essa duplicidade de poder pode ser visualizada na contraposição
existente entre o executivo, de um lado, e o legislativo, isto é, os órgãos cole-
giados máximos, de outro. Essa contraposição à linha hierárquica tradicional
viola o princípio de continuidade da cadeia de autoridade, destruindo a sim-
plicidade da estrutura.
Talvez, para a literatura clássica da organização, isto seja uma blasfê-
mia. Para os sindicatos e para o movimento universitário, porém, isto poderia
ser um bom meio para refletir sobre a estrutura de poder na universidade e
um modo para modificá-la.
207
É fato que essa forma organizacional cria várias ambiguidades, pois ao
deslocar-se do padrão clássico, que é, por exemplo, remeter todos os proble-
mas a um responsável único, essa estrutura cria um sistema de confronto de
poderes que gera alguns problemas: a) o conflito de objetivos e responsabili-
dades entre os executivos e os colegiados - aqui não ocorre como na estrutura
tradicional, um muro que protege o quadro responsável e que sustenta o seu
controle indiscutível sobre um conjunto de operações, ao contrário, quase
tudo é discutível, pelo menos teoricamente. b) o problema da manutenção de
um frágil equilíbrio de poder entre os responsáveis. c) o desalento ou stress -
esse tipo de organização pode se revelar estressante, não apenas para os que,
em determinado momento, são os responsáveis, para os quais as funções ou
cargos são fontes de insegurança e conflito, mas também para os temporaria-
mente subordinados. A subordinação a vários e rotatórios superiores hierár-
quicos conduz ao conflito de papéis ou à ambiguidade de papéis. Fica difícil,
muitas vezes, determinar as responsabilidades. d) a crise de autoridade veri-
ficada não apenas, mas, principalmente entre os docentes, os quais vêm nos
chefes de departamento muito mais como um colega, do que o responsável
por uma unidade acadêmico-administrativa. e) os custos da administração e
da comunicação - cada vez mais precisa-se de comunicação e de informação.
Para a universidade, os recursos despendidos para reunir os integrantes de
órgãos e comissões são bastante altos. E, mesmo assim, a disseminação da
informação é bastante precária.
Embora, com todos os problemas apontados, e outros que deixamos
de citar, há um aspecto inovador, dado por este tipo de organização, que
o sindicato poderia trabalhar. Ou seja, é a oportunidade de formação e de
acesso, de ampla parcela dos setores, às funções de gestão e de cooperação.
Diferentemente das empresas convencionais, nas quais as responsabilidades
são monopolizadas por uns poucos quadros, a organização verificada na uni-
versidade pode permitir uma participação massiva de todos os trabalhadores,
tanto em cargos de responsabilidade como em funções de gestão. A reflexão
sobre a estrutura de poder diferenciada da universidade deveria ser ponto
de destaque na atuação sindical, bem como a elaboração de uma política de
intervenção nesta gestão.
208
Participação na estrutura organizacional: limite organizacional e financeiro
Para o sindicato, a principal estratégia de gestão seria aquela que opor-
tunizasse a intervenção direta na distribuição dos recursos e, consequente-
mente, na elaboração da política salarial.
Evidentemente, uma modificação nessa distribuição ocasionaria modi-
ficações na própria produção do ensino, da pesquisa e da extensão, embora
não de caráter determinante, ou seja, não se modificaria o modo de pro-
dução, mesmo porque a organização da distribuição está determinada pela
organização da produção.108
Contudo, enquanto os recursos econômicos forem relativamente escas-
sos e, ao que tudo indica serão escassos por muito tempo, a questão-chave é
a determinação das prioridades no uso destes recursos. A escassez relativa não
implica automaticamente um tipo específico de prioridade.
No que se refere à distribuição, a situação que está posta hoje, no au-
togoverno da universidade, é a de que a maior parte dele não é chamada a
posicionar-se sobre o assunto. Os órgãos colegiados e demais comissões não
participam - e, na verdade, realmente são excluídos - das decisões acerca da
alocação de recursos e das negociações salariais, isto é, da gestão financeira da
universidade. O executivo tem o poder de decisão sobre estas questões.
A universidade pós-autonomia tem feito um relativo esforço no senti-
do do controle de gastos. Mas, embora o controle de gastos seja fundamental,
ele tem ocorrido em detrimento de critérios orçamentários, que deveriam
ser estabelecidos para cumprimento de metas e implantação de projetos e de
programas. Na verdade, esse relativo esforço tem sido de controle sobre os
desperdícios de material, de recursos físicos, de recursos humanos (há normas
mais rígidas para contratação) e, principalmente, sobre os custos dos salários.
Assim, observamos, há algum tempo atrás, campanhas incentivadas pela
108 Marx (1973, p. 15) afirma que os modos e relações de distribuição aparecem apenas como
o reverso dos agentes de produção. Um indivíduo que participa na produção sob a forma de
trabalho assalariado, participa sob a forma de salário nos produtos e nos resultados da produção. A
organização da distribuição está totalmente determinada pela organização da produção, não apenas
no que se refere ao objeto - somente podem distribuir-se os resultados da produção -, mas também
no que se refere à forma, já que o modo determinado de participação na produção determina as
formas particulares da distribuição, o modo sob o qual se participa da distribuição.
209
reitoria, para a economia de luz, água, telefone, material, gastos com diárias,
viagens etc. Verificaram-se, depois de algum tempo, que os resultados da eco-
nomia eram quase que insignificantes e que a comunidade não se engajara na
campanha. Vários fatores interferiram na não aderência da comunidade, mas,
talvez, os mais significativos sejam aqueles que colocam em xeque os desper-
dícios financeiros, o poder de decisão de poucos e a distribuição dos recursos.
Isto é, não há como engajar a comunidade em uma luta contra os desperdícios
de material, que é coisa bastante grave na universidade, e a retração nas con-
tratações deixando intocados os desperdícios financeiros e as economias privi-
legiadas sobre os custos salariais (privilegia-se a contenção nos gastos salariais).
Vários exemplos alicerçados na indignação da comunidade perante as
decisões do executivo levam-nos às afirmações que fizemos, como, por exem-
plo, a compra de amplo terreno para a futura construção da sede da UNESP,
em São Paulo; as construções de modernos prédios para a administração,
nas Unidades que detêm a hegemonia política no interior da organização;
ou ainda os enormes gastos realizados, sobretudo pela reitoria, com viagens,
diárias mal explicadas etc. Como justificar os investimentos e desperdícios
financeiros perante a comunidade, quando as condições de trabalho (ensino,
pesquisa e extensão) e os salários encontram-se tão defasados? Parece difícil,
para os servidores, engajarem-se nessa campanha e defenderem os investi-
mentos quando eles são custeados pelos seus próprios salários. Afinal, estas
prioridades foram consideradas a partir de que tipo de ótica e por quem?
Para a tomada desse tipo de decisões, nem a comunidade, nem o órgão cole-
giado máximo de deliberação da universidade são consultados.
A distribuição, ou seja, a principal estratégia da gestão, afeta, de ma-
neira substancial, a política dos salários, pois os níveis salariais certamente
dependem de como os recursos são alocados e administrados.
O CRUESP tem definido como um ideal a ser alcançado - mas, na
verdade, já cumprido, na maioria das vezes, - a alocação de 75% do orça-
mento global no item folha de pagamento. Pois bem, essa pode ser uma meta
preciosa para a universidade, quando pensada sob o ponto de vista dos inves-
timentos em outras áreas, que não na de recursos humanos.
O Fórum das Seis Entidades e o movimento dos trabalhadores das três
universidades estaduais paulistas têm-se, ano a ano, confrontado com essa
210
distribuição. Esses confrontos têm levado a inúmeras greves, como a de 1994,
por exemplo, que durou quase dois meses, mobilizações e negociações sem,
no entanto, obterem os aumentos salariais requeridos.
Aqui não podemos deixar de fazer um comentário. À primeira vista,
parece bastante estranho que, em uma organização autogerida, os dirigentes
eleitos e a comunidade, apesar dos diversos canais abertos para participação e
discussão, necessitem resolver as tensões internas com movimentos grevistas,
por um lado, e com a intransigência e medidas autoritárias e punitivas, por
outro. Obviamente, determinar todos os fatores que incidem neste confron-
to não é nada simples. Mas, observamos que a maioria dos docentes e dos
funcionários coloca-se na data-base, muito mais preocupada com o salário
do que com qualquer autonomia financeira ou experiência de autogestão. No
entanto, essa postura do coletivo de trabalhadores não pode ser compreen-
dida, exclusivamente, como desinformação ou alienação, no que se refere ao
processo pelo qual passam as estaduais paulistas. Na prática, quando os rei-
tores chamam para si toda a responsabilidade sobre a gestão da universidade,
limitando a participação das entidades e dos órgãos colegiados na discussão
de questões cruciais - alocação de recursos, planejamento e política salarial -,
estão reforçando esse tipo de comportamento por parte do coletivo.
Na realidade, ficam evidentes as limitações do gerenciamento tradicional
para lidar, ao mesmo tempo, com as questões administrativas do dia-a-dia, que
exigem soluções rápidas, e um sistema de consulta e participação que, por sua
própria natureza, é lento e difícil de articular. Concomitantemente, podemos
perceber uma cultura tecnocrática, comum a qualquer organização moderna,
na qual o executivo da universidade, legitimado por meio do voto da comuni-
dade, é visto como detentor de um saber competente. O eleitor, por sua vez,
espera que essa competência resulte na situação que ele considera ideal. Se isto
não ocorrer, basta votar em outro candidato. Não lhe ocorre empenhar tempo
e esforço para entender as nuanças do processo de gestão da universidade e
propor-se a participar ativamente dele. Esse é um limite que precisa ser rom-
pido para que a intervenção na gestão possa efetivar-se. Sem a participação e o
interesse da comunidade por esses assuntos, o processo não pode avançar.
Embora tivéssemos indicado a prevalência do órgão colegiado máximo
nas decisões, acreditamos que a discussão e a determinação das prioridades
211
não podem ficar somente a cargo do CO. Conquanto represente uma enorme
ampliação na forma como as decisões são tomadas hoje, ainda assim é bas-
tante restritiva quando considerada a totalidade da comunidade universitária.
Além do que continuamos a nos defrontando com dois outros problemas
bastante conhecidos. O primeiro diz respeito aos vários mecanismos de con-
trole e de pressão sobre o CO, dos quais o executivo dispõe e os utiliza para
aprovar suas propostas. O segundo diz respeito à hegemonia exercida, no
interior do colegiado, por parte de grupos e segmentos da organização, advin-
dos, geralmente, das Unidades mais fortes. Na universidade, essa hegemonia
faz com que a alocação de recursos ocorra de maneira totalmente desigual, ou
seja, os investimentos de peso comumente são efetuados naquelas Unidades
que possuem o maior poder político. Evidentemente, porque não há quase
nenhum controle da comunidade sobre o executivo, a maioria dessas decisões
sequer passa pelo órgão colegiado. É necessário destacar, entretanto, que as
correlações de forças e as articulações, observadas no interior do órgão cole-
giado, refletem a cultura política brasileira, e encontram-se próximas àquelas
evidenciadas no parlamento.
Faz-se necessário, portanto, no autogoverno da universidade, ampliar os
processos democráticos que podem garantir a participação de toda a comuni-
dade universitária na definição das prioridades e na elaboração orçamentária.
Para aumentar o poder de decisão da comunidade, em todos os níveis e
nas questões que de fato interessam, o orçamento global, o planejamento fi-
nanceiro e a política salarial deveriam ser discutidos e decididos, anualmente,
pelos órgãos colegiados superiores, tais como CADE, CEPE, Congregações e
CO. Periodicamente, a Assembleia Universitária deveria discutir os mesmos
temas e definir metas e prioridades para a universidade.
Entretanto, aqui, apresenta-se outro problema. A abertura pura e sim-
ples das discussões não garante a intervenção efetiva das pessoas nas decisões,
se elas não possuírem condições individuais e coletivas para tanto. É provável
que os técnicos e especialistas dominem discussões como estas. Duas medidas
podem ser introduzidas para contrabalançar essa ingerência. A primeira seria
a elaboração dos orçamentos alicerçada em procedimentos didáticos, que te-
nham por objetivos o esclarecimento dos itens e tornar as peças acessíveis a
todos. A segunda refere-se ao acesso dos representantes aos instrumentos de
212
poder, ou seja, que estes detenham o conhecimento e aprendam a manipular
os instrumentos gerenciais e de funções de gestão.
Em suma, a organização autogerida deve caracterizar-se pelo poder de
seus membros para estabelecer, por meio de processos democráticos, a aloca-
ção a priori dos recursos existentes para atender a um dado número de neces-
sidades consideradas prioritárias: no caso da universidade pública, não apenas
às necessidades ditas internas, mas também, e fundamentalmente, àquelas
necessárias à realização da sua função social.
Provavelmente exista um temor do executivo em relação a propostas
como esta. Se bem pensadas as coisas, quais seriam as consequências para a
universidade, em termos de eficácia econômica de curto ou médio prazos, de
taxas de crescimento, de investimentos em itens não prioritários do ponto
de vista econômico, do controle de gastos etc.? Ou, dito de outro modo, a
comunidade, se elevada a esse poder de decisão, não inviabilizaria o funcio-
namento da universidade? Essas são questões que sempre aparecem acerca do
tema e não são de fácil resolução. No entanto, se quisermos salários dignos,
isto provavelmente repercutirá em outras áreas. Talvez não haja recursos para
que a universidade continue crescendo, do modo atual, ou para investir em
vários projetos. Mas isto não justifica a falta de discussão. O coletivo da uni-
versidade, os reitores e as entidades devem decidir como a universidade deve
crescer e como compatibilizar esse crescimento com os salários.
Mas, talvez, o temor das consequências negativas seja infundado.
Obviamente, a comunidade é composta por especialistas de toda ordem, que
se põem a pesquisar e a refletir sobre vários problemas econômicos, políticos
e financeiros da sociedade e de organizações dos tipos mais diversos. O que
os impediria, abertos os devidos espaços para a participação, de refletirem
sobre os problemas da sua própria autogestão e propor soluções? No entanto,
mesmo que o temor não seja infundado, as pessoas, na autogestão, devem ter
o direito democrático e o poder de colocar as suas prioridades na distribuição
dos recursos. E esta é a essência da questão.
Subsequentemente à discussão da distribuição e das prioridades, o sin-
dicato poderia introduzir outros temas relacionados à produção do ensino, da
pesquisa e da extensão, como por exemplo: a instauração do trabalho coletivo
na universidade; o questionamento da flexibilização do regime de trabalho; a
213
prestação de serviços; a avaliação da universidade; a proposta de uma política
pedagógica que privilegie a formação do cidadão, entre outros.
Estatutos e dinâmica dos colegiados
Uma das lutas prioritárias que o sindicato de docentes poderia enca-
minhar, juntamente com a comunidade e as outras entidades representativas,
é a de mudança dos estatutos da UNESP. Faz-se necessário incorporar aos
estatutos as práticas democráticas já estabelecidas na comunidade, como, por
exemplo, as eleições diretas e paritárias para reitor e vice-reitor. Da mesma
forma, precisamos aprofundar as discussões sobre as eleições para outros car-
gos, como o de diretores e vice-diretores, chefias de departamento etc., que,
em algumas Unidades, têm sido, além de diretas, paritárias. Evidentemente,
nestes casos deverá haver um diálogo com a legislação vigente. No entanto, a
LDB não deveria ser um obstáculo para o início de uma nova reestruturação
acadêmico-administrativa na universidade.
As mudanças que ocorreram nos estatutos, nos últimos tempos, foram
pontuais, unilaterais e não privilegiaram a participação da comunidade, ao con-
trário, colocaram-se como uma restrição a ela. Como exemplo, poderíamos
citar a modificação do art. 103, que diz respeito à Assembleia Universitária.
No parágrafo primeiro deste mesmo artigo, estava previsto que a Assembleia
Universitária, presidida pelo reitor e composta por representantes dos três seg-
mentos, deveria reunir-se ordinariamente, a cada quatro anos, para manifes-
tar-se sobre as atividades desenvolvidas pela Universidade, bem como sobre a
programação futura. Essa foi uma das propostas caras ao movimento de rees-
truturação da UNESP e que havia sido incorporada ao estatuto.
Na gestão de 1992/96, a Assembleia deveria ter sido convocada. Na
época, de acordo com a reitoria, não havia condições para a realização desta
atividade. A reitoria e o CO, diante do problema acharam mais fácil mudar
a norma, do que cumpri-la. Aliás, procedimento bastante utilizado pelos go-
vernantes deste país: toda vez que uma lei não lhes convém, basta mudá-la.
Entretanto, neste episódio, não houve reação, nem por parte dos repre-
sentantes, nem das entidades representativas dos três segmentos.
Outra proposição sobre a qual os sindicatos e o DCE poderiam re-
fletir e elaborar uma estratégia para operacionalizá-la seria a participação,
214
com direito a voz e voto, das entidades no CO e nas Congregações de todas as
Unidades, o que também demandaria modificações nos estatutos. Defendemos
essa participação, pois parece evidente que, primeiro, as entidades são legítimas
representantes dos trabalhadores e dos alunos da universidade e, segundo, que
o ponto de vista do movimento universitário organizado poderia dar a esses
órgãos outro tipo de dinâmica e outra visão política dos problemas.
Entretanto, o controle mais efetivo dos mandatos dos dirigentes elei-
tos seria aquele que propiciasse, dentro dos recursos regimentais cabíveis, a
simplificação dos mecanismos para revogação do mandato do executivo. Na
greve de 1994, algumas AD’s Regionais colocaram claramente a proposta de
impeachement dos reitores. O fato de a proposta não ter tido repercussão no
processo de greve revela que, enquanto os reitores utilizaram todos os recur-
sos regimentais e políticos disponíveis para sufocar o movimento, chegando
até a demissão de servidores, o coletivo não soube explorar, com a mesma
intensidade, suas possibilidades de ação. Embora essa proposição demande
reflexões apuradas, porque não se trata aqui de indicar a derrubada de reitores
a qualquer momento e por qualquer motivo, o coletivo deveria pensar sobre
os processos e os mecanismos possíveis de controle desses mandatos. No caso
do país o impeachement é matéria constitucional, na universidade esses pro-
cessos e mecanismos podem ser matéria estatutária.
Outra questão é aquela que diz respeito às reuniões dos órgãos colegia-
dos. Estas deveriam ser abertas à comunidade interna e externa. Não há nada
que justifique a prática de realização de reuniões secretas verificada nestes
órgãos, mesmo porque os assuntos discutidos e votados são do interesse de
todos. E, afinal, se os representantes eleitos estiverem discutindo as questões
com suas bases e sendo porta-vozes das decisões, não há nada a temer.
Do mesmo modo, as reuniões abertas, observados o respeito aos mem-
bros dos órgãos e à ordem, poderiam ser uma forma de coibir as pressões
efetuadas pelo executivo sobre o legislativo no debate e no confronto de posi-
ções. Por outro lado, a fiscalização dos representados sobre os representantes
eleitos seria mais direta e efetiva. Além disso, as informações essenciais sobre a
universidade, geralmente, são transmitidas na abertura das reuniões, por meio
da palavra do dirigente, tanto no CO, como nas Congregações. Raramente
os representantes ou membros dos colegiados discutem essas informações de
215
forma adequada com os setores. A possibilidade de a comunidade assistir a
essas reuniões poderia, também, agilizar o processo de acesso e disseminação
das informações.
2.3. Espaço comum de intervenção
Já ressaltamos, neste trabalho, o desafio crucial que representa, para o
movimento universitário, a superação das divisões corporativistas dos setores
da universidade.
Entretanto, aglutinar os setores por novos critérios de gestão financeira
que se coloquem contrários ao desperdício financeiro, à economia nos custos
com salários e pela distribuição dos recursos seria também uma via para supe-
rar a separação existente entre os trabalhadores da universidade. Por isto mes-
mo, poderia ajudar na construção de uma nova identidade coletiva comum
a todos os assalariados da universidade, docentes e técnico-administrativos,
em torno da intervenção comum na gestão e nas funções de cooperação e de
participação na universidade.
Para além das divisões categoriais ou sindicais, as novas aproximações
democráticas e a elaboração de proposições em favor de novos critérios de
gestão, articulada pelos setores de forma conjunta, podem reunir todos os
trabalhadores em torno de uma proposta que ultrapasse a divisão tradicional
(de ação sindical e política) verificada entre os trabalhadores. Pode-se, assim,
construir de maneira alternativa uma estratégia de gestão que organize e coor-
dene a resposta de todos os assalariados da universidade. Esta nova agrupação
poderia apoiar-se em atuações conjuntas em todos os espaços de intervenção
já estabelecidos, como os órgãos colegiados, as comissões permanentes de ad-
ministração, as comissões assessoras etc., mas, também, em espaços informais
criados pelas necessidades da luta em defesa da universidade pública e da me-
lhoria salarial, como os comandos de greve, ou novos a serem criados, como
o conselho intersindical etc. Para a elaboração de políticas de gestão podería-
mos retornar aqui ao paralelo que estabelecemos entre a dupla estrutura de
poder existente na universidade e aos questionamentos da linha hierárquica.
Aparentemente, os dois setores, docentes e funcionários, têm muito
mais desavenças do que metas em comum. De um lado, querelas de chefias,
questionamento sobre as funções e responsabilidades, críticas dos funcionários
216
acerca do regime de trabalho bastante livre dos docentes, questionamento do
poder que os docentes exercem na universidade, negociações de carreira em
separado, de outro, aglutinações esparsas e momentâneas, geralmente em tor-
no das campanhas salariais.
Mas a mobilização de todos os assalariados pela construção da gestão
democrática contribuiria para outra conformação institucional, possibilitan-
do a diminuição das barreiras e das divisões culturais entre os segmentos.
2.4. Avaliação e inserção na sociedade
Para que a universidade pública possa atuar com clareza e eficácia é fun-
damental a elaboração de um planejamento que supere a forma improvisada
e amadorística de administrar-se, que assistimos historicamente. Precisamos
ter clareza do que desejamos construir a curto, médio e longo prazos. Para
isso, é necessário que a universidade conheça suas virtudes e defeitos, seus
acertos e erros. É para isso que serve a avaliação
O Exame Nacional de Cursos instituído pelo governo federal em 1996,
comumente chamado de Provão, realiza a avaliação dos cursos pelos resulta-
dos de desempenho, ou seja, não se constitui em uma avaliação de processo,
mas sim em uma avaliação de produto e mal realizada. No entanto, é essa
avaliação que credencia ou descredencia as universidades.
Muito se tem discutido, proposto e escrito acerca da avaliação da uni-
versidade. Não pretendemos desenvolver uma discussão sobre os tipos de
propostas de avaliação, seus pressupostos ou objetivos. Isso ultrapassaria os
limites deste texto. Nossa intenção é a de indicar que o sindicato, embora não
seja o único elemento, deveria ser um dos principais a preconizar e a elaborar
uma estratégia para a avaliação da universidade.
Essa ideia não é, absolutamente, de consenso, nem entre os membros
da academia e nem entre os que participam do sindicato de docentes.
Muitos já argumentaram que a avaliação é uma atividade de natureza
acadêmica institucional e, deste modo, nenhum movimento representativo,
nem o movimento docente, poderia assumi-la ou exemplificar sua realização.
Trata-se de situação muito diferente, por exemplo, de outras bandeiras de
luta, como a da democratização da universidade. Nesta sim a participação do
sindicato é essencial.
217
Outro motivo que dificultou a inserção do sindicato nesta discussão foi
aquele advindo da campanha desencadeada pelos governos federal e estaduais
de desmoralização da universidade. Estes governos, na tentativa de impor a
sua proposta de avaliação, desqualificaram previamente os docentes para a
discussão deste processo. Qualquer questionamento, encaminhado pelo se-
tor, passou a ser agressivamente identificado, com a ajuda da mídia, como
incompetência e improdutividade ou como defesa de interesses corporativos
de incompetentes e improdutivos. Desmascarar essa tática e a ideologia em
que ela se ampara não é tarefa fácil, nem cômoda.
Contudo, há um ponto essencial que nos faz colocar firmemente a ne-
cessidade da inserção e da liderança dos sindicatos de docentes no processo de
avaliação. Qual seja, todo e qualquer processo de avaliação institucionaliza o
padrão de desempenho embutido na avaliação, o qual traz em si o padrão de
instituição desejado ou requerido. Em uma palavra, todo processo de avaliação
da universidade tem por trás de si um modelo desta instituição. Desse modo,
há possibilidade de transformar a avaliação da universidade em um mecanismo
para implantar ou fortalecer um dado modelo ou uma política educacional.
Tendo isto em vista, é conveniente enfatizar que a discussão aparentemente
técnica de avaliação (quem avalia? como? o quê? para quê?) encobre e mascara
o modelo tomado, de fato, como padrão de referência para a avaliação. Dessa
forma, devemos colocar no centro das atenções a associação íntima entre a ava-
liação acadêmica e um determinado projeto de universidade.
Se assim é, fica evidente que o sindicato de docentes da UNESP poderia
preconizar uma estratégia de avaliação, visando o autogoverno da universidade.
A avaliação é um sistema de prestação de contas à sociedade e isso se
traduz em um problema político e não técnico. Para prestar contas, é eviden-
te, a universidade precisa mostrar-se à sociedade Se a instituição depende de
recursos públicos e deve utilizar adequadamente esses recursos, que a socie-
dade coloca a seu dispor, deve, também, estar subordinada a um controle pú-
blico. Mas, como não devemos confundir controle público com burocrático,
a universidade requer controle coletivo, seja de parte dos representantes do
povo, seja de parte de seus próprios membros. Esse controle coletivo faz-se
mais necessário, ainda, após a autonomia. A autonomia que liberou, de certa
forma, a universidade das teias e da vigilância do Estado, implica, pois, em
218
deixar que ela se organize a partir de suas próprias experiências, de sua vida
interna, para, em seguida, submeter-se a procedimentos internos e externos
de avaliação. Autonomia e avaliação formam um binômio inseparável.
Nesse sentido, o corporativismo da universidade e de seus segmentos
tende a empobrecer a instituição. Até certo ponto, a luta corporativa é ne-
cessária. Lenin (1961) afirmou que as coisas não caem simplesmente porque
sofrem pressões de fora, mas sim porque são frágeis internamente, pois, se
têm força interna, elas reagem. A luta corporativa contribui para o fortaleci-
mento interno, quando docentes lutam pelas condições mínimas para a sua
corporação. Mas, quando a luta se reduz à luta corporativa, ela perde seu
sentido universal. E, dificilmente, o autogoverno da universidade avançará se
não se articular com outras formas políticas e econômicas da sociedade. Disto
depreende-se que a universidade precisa fazer parte do metabolismo social,
político, econômico e cultural da sociedade, ou seja, deve inserir-se, de forma
democrática, na divisão do trabalho e nas categorias da produção global.
A universidade deve defender a democracia, a democracia interna e,
sobretudo, a democracia social.
219
CONCLUSÃO
Deixar as conclusões para a iniciativa do leitor seria, sem dúvida, o
modo mais coerente de reafirmar a premissa, segundo a qual, no âmbito
social, a totalização apenas pode ser produto da práxis coletiva. No entanto,
existe também uma práxis teórica que acompanha o estudioso, desde o prin-
cípio até o fim, e deve-se justificá-la minimamente.
A perspectiva na qual se situou este trabalho e, consequentemente, a
sua hipótese norteadora foi aquela dada pelo princípio democrático, ou seja,
a perspectiva na qual se têm situados os problemas da democracia como par-
ticipação e do poder como autogestão, ou seja, partem sempre do ponto de
vista da classe trabalhadora.
O nosso raciocínio, até certo ponto otimista, foi direcionado pelo de-
sejo de propor uma hipótese que pudesse permitir a reflexão e o exame de
alguns problemas a serem enfrentados, no futuro, pelo sindicato de docentes
(ADUNESP) sob a autonomia da universidade, sem deixar, no entanto, de
pensar na sua intervenção no presente.
Para balizar essa ideia de intervenção, partimos de alguns pressupostos
que poderiam ser resumidos nas seguintes proposições: a autonomia de ges-
tão financeira, outorgada em 1989, possibilitou, às universidades estaduais
paulistas, a autogestão; o movimento de democratização das estruturas de po-
der da UNESP desencadeado, em 1984, pelas entidades representativas dos
três segmentos da comunidade universitária e a autonomia consolidaram-se
na instituição, como um aspecto do autogoverno ou da gestão democrática,
conformando-se, assim, uma situação positiva do ponto de vista democrático.
Esses pressupostos levaram-nos à ideia principal, trabalhada na investiga-
ção, de que deveria ocorrer uma adequação da política sindical à gestão democrá-
tica. Ou seja, o sindicato de docentes deveria comprometer-se com a construção
do autogoverno da universidade, elaborando políticas de intervenção na gestão.
220
O movimento de democratização, iniciado na UNESP em 1984, e que
teve à frente as entidades representativas dos três setores da universidade, lu-
tou, em primeiro lugar, pelas eleições diretas para reitor e, em segundo, pela
democratização das estruturas de poder da universidade, resultando em um
novo estatuto para a instituição, que descentralizou o poder e ampliou a par-
ticipação da comunidade universitária nos órgãos colegiados. Este movimen-
to aliado aos condicionantes da autonomia de gestão financeira prefigurou a
luta pela gestão da universidade.
Analisando a situação objetiva e subjetiva do docente na universidade
e as formas de organização do seu trabalho, identificamos alguns problemas
que estariam colocados para o sindicato na operacionalização da tarefa de
produzir políticas de gestão. Dentre eles, os principais seriam o economicis-
mo e o corporativismo do setor e da entidade e as especificidades do traba-
lho docente, individual e artesanal. Tentamos, ao fazer um resgate histórico
das origens da política sindical tradicional, demonstrar que essas marcas do
sindicalismo têm raízes profundas advindas, em especial, de três fatores: a
ideologia bolchevique e as tese da III Internacional; o sucesso da implantação
das políticas compensatórias da social-democracia; e a vitória do taylorismo/
fordismo sobre a classe operária. Identificamos também que o entrelaçamen-
to desses fatores e a situação na qual o capital colocou a massa trabalhadora
fizeram com que os seus órgãos de representação, mormente os sindicatos,
se consolidassem enquanto organismos corporativistas e economicistas, de-
senvolvendo uma prática de resistência ao capital. Porém, a partir dos anos
1980, acentuaram-se as tendências econômicas, políticas e ideológicas que
inseriram o sindicalismo brasileiro em uma crise. A nova revolução indus-
trial, as propostas de desregulamentação do trabalho, de flexibilização, de
privatização dos órgãos públicos e os ataques do neoliberalismo às conquistas
sociais e trabalhistas da classe trabalhadora, conformaram uma nova realidade
social. Essa nova realidade, aliada à práxis de resistência, acuou o sindicalis-
mo e dificultou-lhe enormemente o avanço qualitativo, ou seja, a passagem
de um período de resistência para um momento superior, de elaboração de
propostas econômicas e políticas alternativas ao padrão de desenvolvimento
capitalista. A universidade e os sindicatos de docentes não ficaram imunes a
esse movimento verificado na estrutura produtiva e no sindicalismo em geral.
221
Ao analisar a estrutura organizacional e a dinâmica próprias do sindica-
to de docentes da UNESP concluímos que, dadas as condições de classe social
e profissional desse setor e aquelas dadas pela conjuntura à época da fundação
das Associações de Docentes, este possui características que o diferenciam dos
sindicatos em geral. Os principais elementos diferenciadores seriam as prá-
ticas que instituíram instâncias de decisão e de representação mais imediata,
direta e inclusiva do coletivo de trabalhadores e, desse ponto de vista, mais
democráticas. No entanto, concluímos, também, que, apesar do caráter e das
práticas diferenciadoras da entidade, isto não fez com que sua trajetória de
lutas fosse tão diferente da dos outros sindicatos. Observamos que o sindicato
de docentes da UNESP sempre teve, e continua tendo, como ponto principal
da sua atuação as campanhas salariais, ou seja, a luta econômica.
Dessa forma, ao sindicato de docentes, se houver a identificação e a
elaboração de novas táticas de luta que almejem a intervenção na gestão da
universidade, será necessário não apenas refletir sobre estes problemas, mas
como ultrapassá-los, criando, inclusive, novos espaços comuns de interven-
ção conjunta com os outros segmentos da instituição.
Mesmo que a situação do autogoverno na universidade não esteja
ainda madura, tudo indica que há possibilidades de evolução no sentido de
aprofundar-se a autonomia, pois a única autonomia que nos interessa aqui é
aquela que possibilite o aprofundamento do processo democrático.
Nesse sentido, parecem vitais para o desenvolvimento do autogoverno
da universidade e para a elaboração de políticas de gestão pelo sindicato, as
seguintes proposições: modificação do trabalho e das relações de trabalho dos
docentes, tendo como centro a instauração do trabalho coletivo e modificações
profundas na carreira; intervenção na estrutura de poder da universidade por
meio dos órgãos colegiados e outros espaços de participação; descentralização
dos processos decisórios que devem ser coletivos; integração das três entida-
des representativas dos segmentos aos órgãos colegiados máximos; controle do
mandato dos dirigentes eleitos; discussão e apresentação de propostas, pelo sin-
dicato, para políticas científica, tecnológica e pedagógica; avaliação da universi-
dade; estreitamento das relações com a sociedade em geral, entre outras.
A principal estratégia de intervenção a ser elaborada pelo sindicato
de docentes deverá preconizar a participação da comunidade acadêmica na
222
discussão e na determinação das prioridades acerca da alocação de recursos,
ou seja, a categoria norteadora da política de gestão é aquela que permite a
definição, por parte da comunidade universitária, da distribuição de recursos.
Em suma, o significado e a produção dessas novas políticas de atuação
sindical devem estar alicerçados em um novo projeto de universidade que
consiga, ao mesmo tempo, colocar o debate ideológico no seu devido lugar e
refletir os anseios da comunidade como um todo.
Por fim, mesmo que não estejam maduras as condições para a transição
autogestionária da sociedade, parece ser o conjunto de lutas que a tenham
como escopo que pode bloquear e reverter a dinâmica que hoje compele o
movimento do capital a rumar para a barbárie. Nem toda crise é fecunda, a
crise da sociedade, a crise da educação etc., podem fazer com que a própria
sociedade comece a apodrecer, se um novo projeto social não for capaz de
recompor novas identidades sociais e novos sistemas de valor.
Constatamos, no fim de século, que os principais vetores que encar-
naram as propostas alternativas para a ordem do capital estão próximos do
colapso: a social-democracia, com seu reformismo gradual; e a vertente bol-
chevique dos partidos comunistas. O reformismo limitado e adaptador já
provou ser insuficiente para a superação da ordem capitalista. Quanto à revo-
lução insurrecional, é sempre uma possibilidade, pois é história. Mas, para
que a superação venha a realizar-se, talvez sejam necessárias uma vontade e
uma iniciativa políticas que, mediante novos padrões organizativos, possam
mobilizar e autodirecionar as massas para empreender a construção de uma
ordem societária que erradique as bases estruturais da ordem capitalista - a
propriedade privada dos meios de produção, a lógica do capital e as me-
diações societárias centradas no mercado. Tais vontades, iniciativa criativa
e padrões organizativos, provavelmente, deverão descartar o reformismo li-
mitado, mas implantar reformas que abram caminho para a socialização da
economia e do poder político.
Reforma e revolução, teoricamente, não são termos incompatíveis.
Entre eles há a mesma relação que existe entre tática e estratégia. A incompa-
tibilidade reside no plano concreto, quando as reformas não são concebidas
como etapas de aproximação ao objetivo estratégico ou como instrumento
capaz de acirrar as contradições que emergem nas relações travadas entre os
223
diferentes elementos associados ao sistema, mas sim convertidas no novo ob-
jetivo da ação política ou na prevalência do momento tático sobre o estraté-
gico até que se perde de vista o fim último da luta de classes. Fazer avançar
reformas não reformistas, ou seja, de cunho democrático, é o grande desafio.
Trata-se de resgatar o coletivo e instaurar a revolução processual e perma-
nente, ou trata-se de uma complexa processualidade que sintetize em um só
tempo todas as dimensões do que Marx chamou de época de revolução social.
O fato de que estas vontade e iniciativa políticas e os seus novos pa-
drões organizativos não estejam à vista pode configurar uma conjuntura an-
gustiante para nós. Mas, derivar desta constatação o fim da história é uma
ousadia que colide com tudo o que conhecemos dos processos sociais. Os
homens podem optar pela barbárie, mas é bem pouco provável que o façam,
pela razão de que essa escolha leva-os ao imobilismo, o que se coloca contrá-
rio à sua própria natureza.
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WOISKI, Emanuel Rocha. Entrevista concedida à Assessoria de
Imprensa da ADUNESP - Seção Sindical. São Paulo, 17 jul. 1996
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno – CRB 8/8211
Normalização
Taciana Oliveira
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
A UNESP, com seus correlatos de autonomia, gestão democrática e or-
ganização sindical especícos, constitui um objeto de estudo da maior re-
levância, não apenas para a comunidade universitária, como, também, ou
mais ainda, para a sociedade.
Este livro apresenta uma pesquisa de alta qualidade, muito bem documen-
tada, estruturada e exposta, com um objeto de estudo socialmente relevan-
te, ancorada numa problemática e uma defesa convincente das hipóteses
defendidas. Uma investigação que se situa no campo democrático, um
dos temas mais importantes das ciências sociais na sociedade moderna e
contemporânea, quer olhemos para a história passada, quer para o presente
ou para os dias que estão por vir e, que em se tratando da democracia do
autogoverno dos trabalhadores na universidade pública, reveste um caráter
praticamente pioneiro, que deixa um legado de informações e conheci-
mentos para outras investigações.
Sindicato, autonomia e gestão
democrática na Universidade Estadual
Paulista (1976-1996) discute a função do
sindicato dos docentes da UNESP para a
construção da gestão democrática ou auto-
governo da universidade sob a autonomia.
O movimento pela democratização
das estruturas de poder da UNESP desen-
cadeado em 1984 pelas entidades represen-
tativas dos segmentos da comunidade uni-
versitária, que resultou na primeira reforma
democrática da instituição, e a autonomia
outorgada pelo governo estadual às univer-
sidades estaduais paulistas em 1989, consoli-
daram-se como um aspecto do autogoverno
ou da gestão democrática.
A autonomia colocou para a univer-
sidade uma situação qualitativamente dife-
rente daquela que possuía anteriormente,
pois a gestão da universidade tornou-se res-
ponsabilidade da comunidade acadêmica e
sua organização exige escolhas que possuem
implicações institucionais e sociais.
O sindicato dos docentes cumpriu
importante papel na incorporação da co-
munidade universitária na luta contra o
estado ditatorial e pela democratização in-
terna da UNESP. Porém, após a autonomia
continuou utilizando a mesma estratégia e
instrumentos de luta anteriores. Tradicio-
nalmente, esta entidade tem-se concentrado
nas lutas salariais e na reprodução das táticas
de luta vericadas nos sindicatos dos traba-
lhadores em geral. A ADUNESP Seção Sin-
dical depara-se com os mesmos problemas
observados em outros sindicatos, o econo-
micismo e o corporativismo.
A ideia principal trabalhada neste li-
vro é que o sindicato dos docentes deve ade-
quar-se à situação de autonomia e, portanto,
produzir políticas de intervenção na gestão
democrática ou autogoverno da universi-
dade. Em especial indicar modicação nas
relações de trabalho, tendo como centro a
instauração do trabalho coletivo docente e
mudanças na carreira; intervenção na es-
trutura de poder da UNESP por meio dos
órgãos colegiados e espaços de participa-
ção; descentralização dos processos deci-
sórios, que devem ser coletivos; controle
do mandato dos dirigentes eleitos; criação
de espaço comum de intervenção para os
movimentos organizados da universidade;
participação do sindicato no processo de
avaliação; e estreitamento das relações da
universidade com a sociedade. A principal
estratégia de intervenção a ser elaborada
pelo sindicato dos docentes deverá preco-
nizar a participação da comunidade acadê-
mica na determinação das prioridades para
a alocação dos recursos, dentre elas, a polí-
tica salarial.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
CANDIDO GIRALDEZ VIEITEZ
Neusa Maria Dal Ri
NEUSA MARIA DAL RI
SINDICATO, AUTONOMIA E
GESTÃO DEMOCRÁTICA NA
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
(1976-1996)
SINDICATO, AUTONOMIA E GESTÃO DEMOCRÁTICA NA UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA (1976-1996)
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