Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
Aline Cristine Ferreira Braga do Carmo
ameaças, retrocessos e resistências
O PROCESSO DE DESCARACTERIZAÇÃO DO PROJETO
EDUCACIONAL DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO NO CONTEXTO
DE ASCENSÃO ULTRANEOLIBERAL
O PROCESSO DE DESCARACTERIZAÇÃO DO PROJETO EDUCACIONAL DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO NO
CONTEXTO DE ASCENSÃO ULTRANEOLIBERAL Aline C.F. B. do Carmo
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O PROCESSO DE DESCARACTERIZAÇÃO DO PROJETO
EDUCACIONAL DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO NO
CONTEXTO DE ASCENSÃO ULTRANEOLIBERAL:
AMEAÇAS, RETROCESSOS E RESISTÊNCIAS
Aline Cristine Ferreira Braga do Carmo
Aline Cristine Ferreira Braga do Carmo
O PROCESSO DE DESCARACTERIZAÇÃO DO PROJETO
EDUCACIONAL DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO NO
CONTEXTO DE ASCENSÃO ULTRANEOLIBERAL:
AMEAÇAS, RETROCESSOS E RESISTÊNCIAS
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2024
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS – FFC
UNESP - campus de Marília
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Pedro Angelo Pagni
Auxílio Nº 0039/2022, Processo Nº 23038.001838/2022-11, Programa PROEX/CAPES
Parecerista: Profª Dra. Erika Porceli Alaniz (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul)
Ficha catalográfica
_______________________________________________________________________________________
Carmo, Aline Cristine Ferreira Braga do.
C287p O processo de descaracterização do projeto educacional da rede federal de educação no contexto de
ascensão ultraneoliberal: ameaças, retrocessos e resistências / Aline Cristine Ferreira Braga do Carmo. – Marília :
Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2024.
321 p.
CAPES
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-549-0 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-550-6 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-550-6
1. Formação profissional. 2. Neoliberalismo. 3. Ensino médio. I. Título.
CDD 373.424
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Catalogação: André Sávio Craveiro Bueno – CRB 8/8211
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Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - Campus de Marília
Nossa tarefa no campo escolar é a luta pela derrubada da
burguesia, e declaramos abertamente que a escola fora da
vida, fora da política, é uma mentira e uma hipocrisia.
Nós, ao longo de todo o nosso trabalho civilizató-
rio, não podemos ficar com o velho ponto de vista
da educação apolítica, não podemos colocar o tra-
balho cultural fora da ligação com a política.
Tal pensamento dominou a sociedade burguesa.
Chamar a educação de “apolítica” ou neu-
tra não passa de uma hipocrisia da burguesia, isto
não é outra coisa senão enganar as massas.
A burguesia que domina, ainda agora, em todos os países
burgueses, entretém as massas exatamente com este engodo.
Lenin em Discurso no Primeiro Congresso de Toda a
Rússia sobre Educação em 25 de agosto de 1918.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AI-5 - Ato Institucional n.5 de 1968 no período de golpe de estado no Brasil.
ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade
ANDES - Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
ANPOCS Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais
APHS - Aparelhos Privados de Hegemonia
ART. - Artigo de Lei
BNCC - Base Nacional Comum Curricular
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
CNE - Conselho Nacional de Educação
CEFETS - Centros Federais de Educação Tecnológica
CNPQ - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CF - Constituição Federal
CGU - Controladoria Geral da União
CLT - Consolidação das Leis de Trabalho
CONIF - Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal
COVID - 19 - Vírus SARS-CoV-2 (Coronavírus).
DE - Dedicação Exclusiva
DCNEM - Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
DCNEPT - Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional e
Tecnológica
DIFES - Desenvolvimento da Rede de Instituições Federais de Educação Superior
EAD - Educação à distância
EB - Educação Básica
EBTT- Ensino Básico, Técnico e Tecnológico
EC - Emendas Constitucionais
EF - Educação Federal
EM - Ensino Médio
EMI - Ensino Médio Integrado
EJA - Educação de Jovens e Adultos
EP - Educação Profissional/ Educação Politécnica
EPT - Educação Profissional e Tecnológica
ES - Ensino Superior
FED - Federal Reserve Bank
FIC/FICs- Formação Inicial e Continuada
FIES - Fundo de Financiamento Estudantil
FHC - Fernando Henrique Cardoso
FGTS - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FMI - Fundo Monetário Internacional
FONASEFE - Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais
FUNDEB - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IF/IFs - Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia
IFFar - Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia Farroupilha
IFETS - Institutos Federais de Educação Tecnológica
IFCE - Instituto Federal do Ceará
IFMA - Instituto Federal do Maranhão
IFBA - Instituto Federal da Bahia
IFNMG - Instituto Federal do Norte de Minas Gerais
IFMT - Instituto Federal do Mato Grosso
IFRO - Instituto Federal de Rondônia
IFPA - Instituto Federal do Pará
IFPE - Instituto Federal de Pernambuco
IFPI - Instituto Federal do Piauí
IFPR - Instituto Federal do Paraná
IFRR - Instituto Federal de Roraima
IFRN - Instituto Federal do Rio Grande do Norte
IFSC - Instituto Federal de Santa Catarina
IFSP - Instituto Federal de São Paulo
IGP-M - Índice Geral de Preços do Mercado
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
IPCA - Índice Nacional de Preços ao Consumidor
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
LDB - Lei de Diretrizes da Base da Educação Nacional
LOA - Lei Orçamentária Anual
MEC - Ministério da Educação
MDB - Movimento Democrático Brasileiro
MP - Medida Provisória
MPC - Modo de Produção Capitalista
MPL - Movimento Passe Livre
PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais
PDF - Projeto de Decreto Legislativo
PDT - Partido Democrático Trabalhista
PEC - Programa de Emendas à Constituição
PIB - Produto Interno Bruto
PFL - Partido de Frente Liberal
PL - Projeto de Lei
PHC - Pedagogia Histórico Crítica
PMDB - Partido Movimento Democrático Brasileiro
PNAID - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNLD - Programa Nacional do Livro e do Material Didático
PNP - Plataforma Nilo Peçanha
PPPs - Parcerias público-privadas
PRIORE - Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego
PROUNI - Programa Universidade Para Todos
PRONATEC - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira
PSL - Partido Social Liberal
PSOL - Partido Socialismo e Liberdade
PT - Partido dos Trabalhadores
RAP - Relação Aluno Professor
REUNI - Programa de Apoios e Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais
REQUIP - Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão
Produtiva
RF - Rede Federal
SINASEFE - Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica,
Profissional e Tecnológica
SIOP - Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento
SEB - Secretária de Educação Básica
SESU - Secretária de Educação Superior
SETEC - Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
STF - Supremo Tribunal Federal
TCU - Tribunal de Contas da União
TV IFBA - TV do Instituto Federal da Bahia
UF/UFs - Universidades Federais
UFF - Universidade Federal Fluminense
UFBA - Universidade Federal da Bahia
UFLA - Universidade Federal de Lavras
UNB - Universidade de Brasília
UNESCO - A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
Sumário
Introdução 15
1. A Rede Federal Como Política Pública Educacional do Governo do
Partido dos Trabalhadores 31
2. Construção do Ultraneoliberalismo: Respostas as Crises do Modo de
Produção e Seus Desdobramentos na Educação Federal 73
3. A Tentativa de Descaracterização do Ensino Médio Integrado Pela Via da
Contrarreforma: a Grande Ameaça Ultraneoliberal à Rede Federal 127
4. As Tentativas de Desmantelamento da Rede Federal: do Projeto a
Concreticidade da Mercantilização das Instituições 179
5. Ataque à Autonomia Institucional da Rede Federal: Entre Ataques e
Resistências 233
Conclusões 289
Referências Bibliográficas 305
15
INTRODUÇÃO
O marxismo nos dá não apenas a análise das relações
sociais existentes, não somente o método para a análise da
atualidade para revelar a essência dos fenômenos sociais e
interpretar suas relações mútuas, mas também o método de
ação para a transformação do existente na direção definida
e fundamental pela análise. (PISTRAK, 2018p. 48).
A pesquisa apresentada neste livro decorre da minha tese de doutora-
do, defendida em 2023, no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Faculdade de Filosofia e Ciências - Campus Marília, Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp).
Os anseios por compreender o funcionamento da Educação Básica, no
período neoliberal, mobilizaram minhas investigações, viabilizando a arti-
culação entre os conhecimentos das Ciências Sociais e os conhecimentos da
Educação, com vistas a melhor compreender a educação, a escola, o trabalho
docente e as políticas educacionais efetivadas no Brasil.
Foi como professora de Sociologia do Instituto Federal de Mato Grosso,
a partir de 2016, que a temática da Educação Profissional e Tecnológica
(EPT) passou a compor os meus interesses de pesquisa, sendo que iniciei um
processo de aprofundamento dos estudos acerca da EPT de nível médio no
Brasil, do funcionamento e das características da Rede Federal.
Neste processo de aprofundamento, foi possível compreender que o
projeto de educação que alicerçava a Rede Federal, propunha uma integra-
ção entre o trabalho e a educação no processo de formação dos estudantes,
no entanto, o trabalho como princípio educativo, buscando “formar para a
vida e para o trabalho” — lema da Rede Federal, e amplamente presente na
16
documentação oficial, esbarravam nos limites da sociedade de classes e nas
contradições de uma política educacional alicerçada na conciliação de classes.
Diante destas constatações nascia em 2016 o interesse de ampliar as
compreensões acerca do funcionamento da educação brasileira em esfera fe-
deral, pois se compreendia a importância, as possibilidades e os limites de
uma educação coordenada pelo Estado brasileiro. Esta percepção partia das
análises de Marx (2012), as quais expressam que o Estado deve ser garantidor
da oferta de educação pública, por leis, recursos e formação de professores, no
entanto, evidencia a incompatibilidade do Estado como educador do povo,
dado que este não deveria influenciar a formação dos sujeitos, mas sim, o
povo é quem deveria influenciar a educação do Estado. No Brasil, historica-
mente vimos o Estado e os interesses, que o governo em exercício representa,
determinando a forma e o conteúdo da educação.
Paralelo a este interesse pessoal de compreender a EPT Federal, o Brasil,
em 2016 vivenciou um Golpe de Estado articulado entre Temer, as frações da
burguesia brasileira, parlamentares e a grande mídia, iniciando uma reforma
profunda do Estado brasileiro que afetaria todas as áreas sociais, políticas e
econômicas. Diante destas transformações do Estado, compreendia no prin-
cipiar de 2018 que o Brasil estava iniciando um período de recrudescimento
do neoliberalismo, o qual foi intitulado nesta pesquisa, de ultraneoliberal,
resultando em retiradas de direitos sociais, limitações orçamentárias, cercea-
mento de liberdades e da autonomia das instituições, as quais careciam de
análise para a compreensão dos impactos deste período político-econômico
na educação brasileira.
A busca por compreender as transformações vividas pela Rede Federal
de Educação Ciência e Tecnologia (Rede Federal) — composta por 38 IFs,
Colégio Pedro II, Cefet MG e Cefet RJ — no contexto atual, desdobra-se
de uma preocupação com a existência desta institucionalidade no contexto
reverso de avanço ultraneoliberal.
A análise da Rede Federal, no contexto atual, passa invariavelmente pela
compreensão exposta por Manfredi (2002), de que a Educação Profissional e
Tecnológica (EPT) é um campo em disputa e negociação entre os diferentes
sujeitos que compõem a sociedade. Historicamente, a EPT no Brasil vivenciou
momentos de avanços na qualidade, quantidade e momentos de retrocessos,
17
sendo que estes estão intimamente atrelados ao desenvolvimento do modo de
produção e ao mundo do trabalho disponível em cada tempo histórico.
A educação brasileira possui em seu histórico uma dualidade estrutural,
a qual expressa as contradições da sociedade de classes e seus antagonismos. A
dualidade na educação brasileira já foi analisada por diferentes autores, den-
tre eles destacamos Manfredi (2002), Frigotto (1989, 2009, 2017), Ramos e
Frigotto (2016), Frigotto; Ramos; Ciavatta (2005), Kuenzer (2004, 2007),
Ramos (2006, 2011), Ciavatta (2008), dentre tantos outros.
Presente na escola capitalista, a dualidade estrutural, expressa os limites
da sociedade de classes, havendo uma fragmentação da educação e da escola,
com percursos diversos para a classe trabalhadora e outro para a burguesia.
Marx (2012), ao analisar a sociedade de classes assevera que nesta estrutura
não é possível uma educação igual a todos os sujeitos, pois a estrutura de
classes determina e condiciona o modelo e as formações demandadas. A edu-
cação possível fica limitada pela posição que o indivíduo ocupa na divisão
social do trabalho.
Nesta dualidade estrutural, Nosella (1995), expressa que há uma di-
ferenciação entre a escola voltada ao pensamento e a escola voltada ao pra-
ticismo, e estas diferenças representam as divisões do sistema educacional
na sociedade capitalista. Assim, tem-se uma escola direcionada a formar os
sujeitos que conduzirão a produção e uma escola voltada aos sujeitos que
executarão as tarefas.
No caso brasileiro, esta dualidade ficou ainda mais evidente com a exis-
tência de escolas de formação profissional e as escolas de formação propedêu-
tica, voltadas a atender os sujeitos conforme a sua classe e sua função na estru-
tura social. Historicamente, o EM propedêutico era destinado aos indivíduos
que seguiriam os estudos no Ensino Superior (ES), já o ensino técnico-pro-
fissional era direcionado aos membros das classes subalternas. Havendo uma
distinção clara entre a escola voltada à burguesia e a escola voltada à classe
trabalhadora. Frigotto, Ramos e Ciavatta (2005), destacam que na educação
de nível médio a dualidade estrutural fica ainda mais evidente, e que há um
dilema entre a formação para a continuidade dos estudos, ou para o trabalho.
Conforme a escola se estrutura apenas para o atendimento do modo
de produção, não há fundamento pedagógico e preocupação com a formação
18
humana. Kuenzer (2007), pondera que a existência da escola dual é determinada
pelas transformações no modo de produção, na relação entre trabalho-educação,
de cada tempo histórico e tem aspectos de fundo político e não pedagógico.
Diante de uma conjuntura histórica de dualidade estrutural, em que
a formação da classe trabalhadora se efetiva no epicentro da luta de classes,
logo, se apresenta como limitante, surgem debates, lutas e proposições para
a construção de uma educação que transcenda estas limitações, garanta uma
formação integral do ser humano, e se coloque como uma alternativa ao mo-
delo de educação capitalista. A proposição da educação para uma sociedade
que perspective transformações sociais profundas, deve no mínimo, exigir
“[…] escolas técnicas (teóricas e práticas) combinadas com a escola pública
(MARX, 2012, p. 38)”.
Como alternativa à educação do capital, construiu-se a proposição teó-
rica e o projeto de educação integrada. A superação da dualidade, somente
é possível a partir de uma escola assentada em pressupostos unitários, com
a articulação entre os conhecimentos gerais/propedêuticos e conhecimentos
profissionalizantes, articulando teoria e prática, objetivando a formação de
todas as dimensões humanas e omnilateral do ser social.
Desde a década de 1980, o país intensificou os debates acerca da neces-
sidade de uma educação integrada para o EM, perspectivando a construção
de um modelo educacional que viesse transcender a dualidade. No entanto,
na década de 1990, com Fernando Henrique Cardoso (FHC) e a efetivação
de uma política assentada no aprofundamento da autocracia burguesa e de
democracia restrita, iniciou-se uma série de ações que buscavam barrar este
avanço democrático para a EPT, das quais destacamos a LDB n.º 9.394/96
(BRASIL, 1996) e o Decreto n.º 2.208/1997 (BRASIL, 1997). A possibi-
lidade de outro modelo educativo foi interrompida pelo avanço neoliberal.
As proposituras de reforma da educação, efetivadas por FHC garantiram o
atendimento aos interesses do capital, tanto na oferta da mão de obra, como
no aprofundamento da mercantilização da EPT.
Com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva (PT), em 2002, os inte-
lectuais da esquerda progressista, passam a pressionar o governo para a reto-
mada de um projeto educacional, que possibilitasse um melhor atendimen-
to à classe trabalhadora pela via da EPT, buscando a revogação do Decreto
19
n.º 2.208/1997. Atendendo as pressões do campo progressista, em 2004, o
Governo revogou o decreto anterior e sancionou o Decreto n.º 5.154/2004,
o qual possibilitava a integração e oferta do Ensino Médio Integrado (EMI).
A publicação do Decreto n. º5.154/2004 foi acompanhada de esperan-
ças de que, enfim, o país iniciaria um movimento de superação da dualidade
estrutural e histórica. O governo e os intelectuais progressistas que contribuí-
ram para a elaboração de uma política de integração compreendiam que a san-
ção do Decreto ampararia a construção de uma política educacional unitária.
Paralelamente, acenava para a elevação da importância da EPT de nível médio
e para o desenvolvimento das políticas de Estado coordenadas pelo PT.
Possibilitada a integração em 2004, o PT iniciou uma política educacio-
nal que reavivou as instituições federais ofertantes de EPT no país, de modo a
possibilitar que estas encampassem um projeto de viabilizar a referida integra-
ção. Enfatizamos a promulgação da Lei n.º 11.195/2005 (BRASIL, 2005), que
viabilizou a criação de novas instituições federais. Neste cenário, foi sancionada
a Lei n. º11.892/2008 (BRASIL, 2008), a qual criou os Institutos Federais de
Educação Ciência e Tecnologia e ampliou a já existente Rede Federal.
Olhando para a história recente da EPT, o período vivido entre 2008 a
2015 possibilitou a sensação de que enfim estava ocorrendo avanços quanto a
qualidade socialmente referenciada e a abrangência da educação profissional
brasileira, em especial, pois o país vivera um período de expansão de uma
Rede Federal que possibilitaria o acesso a uma educação de qualidade em
regiões esquecidas historicamente. Esta percepção que rondava o país, não
era uma sensação ilusória, de fato o Brasil caminhava neste período para a
construção de uma política pública de educação que alteraria a concepção
de EPT, porém evidenciamos que se trata de uma política liberal e não uma
política revolucionária.
Esta nova institucionalidade passou a viabilizar a existência do EMI,
no entanto, ainda que pretensamente ofertante de uma formação integral, a
Rede Federal está circunscrita nos limites do capital e de uma política conci-
liatória, a qual não conseguiu garantir a oferta de uma formação omnilateral,
está só é possível em uma sociedade “para além do capital”.
Sendo que, a história não segue um curso linear e evolutivo, mas sim per-
cursos de contradições, avanços e retrocessos, esta política que se apresentava
20
como uma possibilidade concreta de melhoria do EM, pela consolidação e
formato do EMI, de verticalização do ensino e interiorização, a partir de
2016, passou a vivenciar um período de retrocesso e descaracterização da
proposta inicial. Analogamente a Furtado (1992), é possível ponderar que a
Rede Federal vivencia uma “Construção Interrompida”. Ou seja, o projeto
e a política pública que estava em construção desde 2008, foi abruptamente
interrompida nos anos ultraneoliberais. Diferentes foram as estratégias que
perspectivavam descaracterizar a recente e expandida Rede Federal, de modo
a almejar que estas instituições ofertem, apenas, formações fragmentárias.
Nesta “construção interrompida”, o futuro da Rede Federal, no contexto ul-
traneoliberal, tal qual o do Brasil, é incerto e repleto de descontinuidades.
Este movimento de descaracterização da Rede Federal deve ser pensado
de modo associado aos arranjos políticos vividos no país após a crise institu-
cional iniciada em 2013 e aprofundada nos anos subsequentes, aqui denomi-
nados de ultraneoliberais — 2016 a 2022, e o que parecia consolidado para a
EPT nacional foi paulatinamente sofrendo abalos sistêmicos.
A categoria ultraneoliberalismo, é uma categoria em construção por di-
ferentes intelectuais, dada sua contemporaneidade. Desta forma, neste traba-
lho nos valemos prioritariamente das contribuições de Saraiva (2017), Silva;
Pires; Pereira (2019), Safatle (2018; 2019); Leher (2019a, 2019b, 2019c,
2019d, 2021), mas sem desconsiderar as formulações em processo constitu-
tivo de pesquisadores que partilham este tempo histórico.
A partir da defesa de que o Brasil está vivenciando a materialização
do ultraneoliberalismo, é prerrogativa apresentar algumas das características
centrais deste, sendo elas: o aprofundamento do receituário neoliberal, com
o recrudescimento da competitividade, individualização, mercantilização da
vida – com destaque à educação, ampliação da exploração da classe trabalha-
dora e devastação de direitos sociais. No referido período é possível observar,
segundo Leher (2021), a radicalização da diminuição do papel do Estado en-
quanto garantidor de direitos sociais. Em paralelo há à ampliação da atuação
do papel do Estado no atendimento das frações mais reacionárias da burgue-
sia e do mercado. Safatle (2019), destaca que o ultraneoliberalismo no Brasil
é resultado das articulações da extrema-direita, decorrente de seus anseios de
maximização da acumulação de capital.
21
Ressalta-se que, há uma naturalização da violência, autoritarismo e cri-
minalização da ciência. Leher (2019b), afirma que o período ultraneoliberal
abarca um forte irracionalismo e um movimento anti-intelectualista e este
acompanha a proposição de políticas públicas para a educação dos trabalha-
dores. Diante do exposto, a caracterização do período ultraneoliberal, dire-
ciona a compreender a indissociável relação entre a economia, a política e
sociedade. O ultraneoliberalismo aprofunda as contradições sociais em busca
da ampliação da acumulação de capital e exploração da classe trabalhadora.
Estes elementos conjunturais devem ser pensados à luz da luta de clas-
ses. Segundo Marx e Engels (2015), a história de todas as sociedades é a
história da luta de classes. Desta forma, a análise de uma sociedade inserida
no modo de produção capitalista, como a sociedade brasileira, passa pelas
determinações históricas dos antagonismos de classes sociais e seus conflitos.
A EPT brasileira vivenciou e vivencia as intensificações e arrefecimentos da
luta de classes como demonstraremos ao longo deste texto.
Nos últimos dois governos federais (Temer e Bolsonaro), o processo
de acirramento da luta de classes ficou ainda mais evidente. Na conjuntura
ultraneoliberal, os véus que encobriam a realidade foram desfeitos e a luta de
classes ficou ainda mais evidente. Desta forma, todas as apreensões acerca da
Rede Federal perpassam as minúcias e particularidades da luta de classes.
A análise da educação não pode ser feita desconexa da análise do tra-
balho disponível e pretendido. Quando pretende-se analisar a educação e um
modelo educacional em voga, bem como sua função na sociedade, é essencial
desvelar o papel do trabalho nesta sociedade. O modo como o trabalho está
posto muito expressa a estruturação do modo de produção e da formação
humana efetivada. Conforme exposto em Lombardi (2010, p. 20), “[...] a
educação (e o ensino) é determinada, em última instância, pelo modo de
produção da vida material; isto é, pela forma como os homens produzem sua
vida material, bem como as relações aí implicadas […]”. Diante do que se
apresenta, o modo como os homens produzem e estruturam a vida material e
simbólica é determinado pelas condições materiais as quais estão submetidos.
As categorias, trabalho e educação, estão atreladas e a análise de uma, à luz
da outra possibilita o entendimento do real e do concreto, e assim será feito
neste texto.
22
A escola e a educação de um dado tempo histórico, é fruto das contra-
dições de sua época, e assim sendo, buscou-se com este livro compreender os
caminhos da política de EPT no Brasil, com ênfase na Rede Federal, o que
demanda análise da historicidade e dos projetos de sociedade que estão histo-
ricamente em disputa no país.
Lombardi (2010), destaca ser impraticável compreender as problemá-
ticas educacionais quando desconectadas da realidade social, política e eco-
nômica, visto que, são estes condicionantes que permitem a interpretação do
conteúdo e da forma que educação assumiu e assumi nas diferentes sociedades.
Utiliza-se ao longo do texto, o conceito de contrarreforma a partir da
teoria gramsciana, em que a contrarreforma não objetiva a construção do
novo, mas sim a restauração do antigo, através da conservação e da restau-
ração. Essencial destacar que, apesar de o caráter conservador de uma con-
trarreforma, esta é apresentada pelos sujeitos que a formulam como parte do
progresso e do moderno. O movimento de contrarreforma vivenciado pela
sociedade brasileira após 2016, acentuou o projeto liberal e emerge enquanto
representação do avanço rumo à modernização. No entanto, aqui neste tra-
balho estas são compreendidas como um passo em direção ao passado, am-
pliação da dominação burguesa e restauração da precarização mercantilizada
da escola da classe trabalhadora.
As contrarreformas da educação, na sociedade do capital, acontecem
sempre que a classe trabalhadora amplia o tempo de permanência na escola
e amplia o acesso ao conhecimento socialmente produzido pela humanida-
de. Quando há o alargamento do acesso ao conhecimento disponível à classe
trabalhadora, ocorre o tensionamento das relações sociais e da relação capital
— trabalho e então efetivam-se contrarreformas, que pretendem retroceder os
poucos avanços educacionais, como a que vem sendo vivida no tempo presente.
As contrarreformas ultraneoliberais, foram analisadas nesta pesquisa
como desdobramentos da ditadura do capital financeiro. Novaes e Okumura
(2022), defendem que o Brasil vivencia uma ditadura do capital financeiro,
sendo que esta condição foi determinante na década de 1990 para a am-
pliação da mercantilização da educação. Compreendemos que a ditadura do
capital financeiro está cada vez mais presente na sociedade ultraneoliberal e
impõe limitações para a formação humana.
23
Dito isto, iniciamos os apontamentos das especificidades da pesquisa.
Objetivando compreender a conjuntura a qual está inserida à Rede Federal,
tivemos como guia condutor a questão: quais são as incidências e as con-
sequências do avanço ultraneoliberal no Brasil para a existência do projeto
educacional que alicerça a Rede Federal? Para responder esta indagação inicial
manteve-se a opção por realizar uma pesquisa metodologicamente assentada
no materialismo histórico dialético.
Buscou-se desvelar os encaminhamentos legais, políticos, orçamentá-
rios e ideológicos direcionados para a EPT ofertada na Rede Federal, mas
sem ter em mente a necessidade de estabelecer uma resposta única e inques-
tionável deste momento histórico, mas sim possibilitar a compreensão deste
emaranhado de condições estruturais que envolvem o objeto de estudo.
O texto terá como elemento condutor a relação entre trabalho e edu-
cação. É contundente compreender que esta relação é indissociável, pois a
concreticidade do trabalho que conduz e por vezes determina os direciona-
mentos para a educação. Gramsci (1978), evidencia ser a materialidade con-
creta que define os rumos da educação e da formação da classe trabalhadora
em consonância ao regime de acumulação vigente.
No plano macro, o marco temporal da pesquisa está situado entre 2003
a 2022, sendo que, o foco da pesquisa, está direcionado ao entendimento do
período ultraneoliberal no Brasil (2016 a 2022), e os desdobramentos deste
período na Rede Federal. Optou-se por este enfoque, pois conforme expresso
em Santos e Orso (2020), as políticas educacionais, aprovadas nos últimos
anos no Brasil, especialmente, após o golpe empresarial, jurídico, midiático
e parlamentar contra a presidente Dilma Rousseff - PT, o país experimentou
consequências de projetos educativos que têm deteriorado, empobrecido e
afastado ainda mais a educação de sua dimensão emancipadora.
O Brasil vivencia desde 2016 a intensificação de reformas de âmbito
nacional para o conjunto dos trabalhadores, e estas passam desde a Educação
Básica (EB), a exemplo da Reforma do Ensino Médio - Lei n.º 13.415/2017
(BRASIL, 2017a), até o cotidiano efetivo do trabalhador, a exemplo, a
Reforma Trabalhista - Lei n.º 13.467/2017 (BRASIL, 2017b), ambas expres-
sões da intensificação da luta de classes no país e de como a relação entre a
educação e o trabalho caminham em paralelo. O que observa-se no tempo
24
histórico presente é uma ampliação do pensamento hegemônico burguês que
compreende a educação como mecanismo de adestramento da classe traba-
lhadora e a educação como mercadoria, o que intensifica a “ditadura do capi-
tal financeiro” (NOVAES; OKUMURA, 2022).
De modo a melhor delimitar os caminhos que serão percorridos nesta
leitura faz-se necessário esclarecer os objetivos e métodos utilizados na elabo-
ração da pesquisa.
A pesquisa possuí como objetivo geral, analisar os impactos, influên-
cias e desdobramentos do avanço da política ultraneoliberal (2016 a 2022) na
Rede Federal de Educação Ciência e Tecnologia.
Com vista a atingir o objetivo a pouco anunciado, tivemos como
objetivos específicos: 1. Examinar as características da política nacional
e da política educacional que viabilizara a expansão da Rede Federal e a
criação dos Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia nos anos
2000. 2. Identificar as principais ações de materialização do avanço ultra-
neoliberal e seus desdobramentos na formação da classe trabalhadora. 3.
Problematizar acerca da incompatibilidade existente entre o modelo edu-
cacional de formação humana, proposto pela Rede Federal de Educação,
e o modelo proposto pela contrarreforma do Ensino Médio. 4. Analisar a
autonomia, o financiamento e a conjuntura material da Rede Federal no
contexto ultraneoliberal.
A pesquisa contou com os seguintes procedimentos metodológicos, 1.
Pesquisa bibliográfica e 2. Pesquisa documental, sendo que, os documen-
tos foram analisados pelo viés do materialismo-histórico-dialético, buscou-se
mesclar, documentos oficiais e técnicos.
Lavoura e Ramos (2020), expressam que deve se compreender que para
a realização de uma pesquisa a partir do método dialético, é primordial a
ascensão do abstrato ao concreto, do universal ao particular. Considerando,
que, este movimento ascendente possibilita a compreensão dos elementos
que compõe a essência do objeto de pesquisa.
Adentrado o estabelecimento das caracterizações metodológicas, reafir-
ma-se que a análise se efetivou com vistas a assegurar que categorias caras ao
referencial teórico adotado, como o trabalho e a contradição, fossem coloca-
das na centralidade e na condução da pesquisa.
25
Sendo um trabalho assente no materialismo histórico dialético, a abor-
dagem metodológica utilizada foi dialética, logo, realizando a mescla entre
qualitativa e quantitativa, tendo em vista que estas não se separam, mas sim
complementam-se na análise e compreensão do objeto de pesquisa, rompen-
do com as possíveis dicotomias metodológicas.
Para garantir os princípios da pesquisa foi utilizado como técnicas e
instrumentos 1. A pesquisa bibliográfica — com a utilização de livros, capí-
tulos de livros, artigos, teses e dissertações; 2. A pesquisa documental, com
a utilização de fontes primárias, ou seja, utilizando-se diretamente os docu-
mentos, as leis, o orçamento, os projetos e os decretos, sendo que a interpre-
tação destes se fazem a partir da análise da pesquisadora. Foram utilizadas
também as fontes secundárias, ou seja, a utilização de dados já sistematizados
por outros pesquisadores, como gráficos, a sistematização de dados do IBGE,
da Plataforma Nilo Peçanha e demais relatórios orçamentários produzidos
por outros pesquisadores, sites, notas oficiais e as redes sociais das institui-
ções, órgãos e sujeitos envolvidos na pesquisa.
A mescla destas duas fontes, a primária e a secundária viabilizou com-
preender este momento da história nacional e em especial da história vivida
pela Rede Federal. Na pesquisa documental direciona-se o olhar para a docu-
mentação oficial, técnica e legal dos Governos Federais direcionadas e que in-
terferiram nas instituições pertencentes à Rede Federal, como Leis, Decretos,
Medidas Provisórios, Emendas Constitucionais, Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, Site governamental, site do CONIF, sites do Sindicato Nacional
dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica
(SINASEFE), portal do MEC, Redes Sociais do Governo Federal e os dados
compilados pela Plataforma Nilo Peçanha.
A análise documental dos sites do MEC, SINASEFE e CONIF possi-
bilitou verificar as diretrizes, encaminhamentos e enfoques dado pelos refe-
ridos gerenciamentos. Os documentos oficiais foram analisados com detalhe
e atenção, de modo a propiciar a compreensão das propostas de alteração da
EPT. Na referida análise, buscou-se encontrar categorias que sejam recor-
rentes e que acabam por direcionar a formação pretendida pelos Governos
ultraneoliberais e suas contrarreformas.
Foram utilizadas as entrevistas e lives disponibilizadas nas plataformas
26
digitais, dos sindicatos vinculados à Rede Federal, dos movimentos sociais de
defesa da Rede Federal, entrevistas com os representantes do Ministério da
Educação (MEC) e com Reitores eleitos e não empossados.
A combinação de diferentes materiais para a coleta de dados viabilizou
a compreensão das diretrizes e direcionamentos dos governos ultraneoliberais
para a educação ofertada na Rede Federal. Apesar desta combinação, destaca-se
a opção por priorizar a documentação oficial, pois se partiu da ideia que os
governos ultraneoliberais de âmbito federal, iniciaram uma sequência de dire-
cionamentos legais que buscavam conduzir o processo de descaracterização da
Rede Federal desde 2016, com vistas que esta voltasse a ocupar o local de ofer-
tante de educação profissionalizante fragmentada, logo reforçando e retoman-
do a dualidade. Compreendeu-se que há uma sequência lógica e processual nos
documentos oficiais elaborados pelos representantes do ultraneoliberalismo.
O texto está organizado em cinco capítulos onde se consideram as con-
tradições e a totalidade do modo de produção e seus desdobramentos na so-
ciedade. Considerando a história, a reconfiguração da teoria liberal, o avanço
de uma crise estrutural do capital, e as construções sociais postas como saídas
e alternativas para a atual fase de desenvolvimento do modo de produção.
Estes capítulos se encadeiam e devem ser lidos em uma sequência, tendo
em vista a pretensão que ao término da leitura seja possível compreender as
nuances caracterizadoras da Rede Federal e como o avanço da política ultra-
neoliberal perspectiva descaracterizar o projeto iniciado na primeira década
dos anos 2000.
O capítulo 1 —A Rede Federal como política pública educacional do
Governo do Partido dos trabalhadoresbusca, de modo introdutório, apresen-
tar a perspectiva política, econômica e social que orientou os governos de
coalização, conduzidos pelo PT, analisando como estas concepções de socie-
dade garantiram a necessidade e a viabilidade de expansão da Rede Federal de
Educação e criação dos Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia
por meio da Lei 11.892/2008 (BRASIL, 2008).
Na busca de desvelar a política pensada e executada pelo PT primei-
ramente analisou-se a ascensão do PT ao poder do Executivo nacional, a
política social e a perspectiva política econômica. Posteriormente apresen-
tamos a concepção de Educação Profissional e Tecnológica (EPT) elaborada
27
pelos intelectuais do campo progressista e como esta concepção de educação
desdobrou-se na materialização da Rede Federal (2008 a 2016). Para a com-
preensão desta política pública voltada para a EPT, analisamos as diretrizes e
documentos legais que foram elaborados no período petista e que garantiram
a criação de uma nova institucionalidade. Atribuímos neste capítulo que há
uma relação indissociável entre o projeto de país elaborado e executado pelo
PT, a expansão da Rede Federal e a criação dos IFs, sendo que, a criação desta
institucionalidade foi mais um expoente da conciliação de classes promovida
pelo PT — garantindo simultaneamente a oferta de educação pública, gra-
tuita e de qualidade aos trabalhadores e em paralelo, garantia o atendimento
as demandas do capital.
No capítulo 2, “Construção do ultraneoliberalismo: respostas as crises
do modo de produção e seus desdobramentos na educação federal, buscamos
apresentar as características do momento histórico o qual denominamos de
ultraneoliberalismo no Brasil e como esta nova configuração política-econô-
mica-social reformulou o Estado brasileiro e impactou a EPT ofertada na
Rede Federal. Não seria possível meramente caracterizar os anos de 2016
a 2022 como ultraneoliberais, para melhor delimitar para o leitor e viabili-
zar comparações entre os momentos históricos do Brasil, fizemos uma breve
contextualização do neoliberalismo, expondo suas características, princípios,
receituário e historicidade no Brasil, em esfera geral, mas também os impac-
tos na educação. Com o advento do neoliberalismo, o país passou a vivenciar
uma nova sociabilidade, e esta foi determinante para a construção de pensa-
mentos ainda mais conservadores e retrógrados, o que viabilizou as condições
para o avanço de uma concepção societária ainda mais precária e destrutiva
para a classe trabalhadora — o ultraneoliberalismo.
A insatisfação nacional frente ao projeto de desenvolvimento do PT
era uma realidade concreta, e a extrema-direita soube se apropriar desta in-
satisfação para a construção de um projeto de país ultraneoliberal o qual
compromete-se unicamente com as pautas do capital. A análise da política
neoliberal e ultraneoliberal é feita a partir da ideia marxiana de que o capital
vivencia crises cíclicas, e dada as contradições deste modo de produção, o país
e o mundo vivenciam na contemporaneidade uma crise estrutural do capital,
a qual reverbera em todas as esferas sociais, mas nesta pesquisa centramos os
28
impactos desta crise para a formação da classe trabalhadora. De modo a com-
preender o tempo presente, analisamos as materializações do ultraneolibera-
lismo — pela via legal e as tentativas de retirada de direitos dos trabalhadores,
com vistas a manutenção da autocracia burguesa.
Toda a análise do presente capítulo nos encaminha para compreender
que diante da crise estrutural o país vem passando por um processo de pre-
carização da vida da classe trabalhadora, o que demanda a formação de uma
mão de obra pouco intelectualizada, para executar trabalhos simplistas.
No capítulo 3, “O processo de descaracterização do Ensino Médio Integrado
pela via da contrarreforma: a grande ameaça ultraneoliberal à Rede Federal,
aprofundamos nos aspectos característicos do período ultraneoliberal, pen-
sando os desdobramentos desta nova configuração do modo de produção ca-
pitalista na educação e na Rede Federal. Apresentamos, neste capítulo, que a
contrarreforma do EM se torna diametralmente oposta à concepção de EMI,
o qual segundo a Lei n.º 11.892/2008 (BRASIL, 2008) deve ser a oferta ma-
joritária na Rede Federal.
A concepção de EMI que está na base material da Rede Federal al-
meja a formação integral do ser humano — porém, como já ressaltado, a
proposta esbarra nos limites da sociedade de classes, já a proposta formativa
da contrarreforma ultraneoliberal busca formar unilateralmente os homens
e conter os avanços da proposta da Rede Federal. Na busca de garantir a
contrarreforma e seus impactos na EPT e na Rede Federal, foram formu-
lados pelos Governos ultraneoliberais diferentes instrumentos jurídicos que
garantam este modelo de formação não integral, dos quais destacamos a
Lei n.º 13.415/17,(BRASIL, 2017), A Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM),
o Referencial Curricular dos Itinerários Formativos (RCIF) e as Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Profissional e Tecnológica (DCNEPT),
os quais serão analisados e interpretados nesta pesquisa e serão compreendi-
dos como materializações do ultraneoliberalismo voltado para à educação.
No capítulo 4, “O processo de desmantelamento da Rede Federal a par-
tir da descaracterização do Ensino Médio Integrado: do projeto a concreticidade
da mercantilização das instituições, analisamos as materializações da política
ultraneoliberal no funcionamento da Rede Federal. O foco prioritário deste
29
capítulo é evidenciar o processo de ampliação da mercantilização da Rede
Federal, as sucessivas reduções orçamentárias e as tentativas pelos representan-
tes dos governos ultraneoliberais de regatar a dualidade nos processos forma-
tivos ofertados pela Rede Federal. Em busca de demonstrar o avanço da mer-
cantilização na Rede Federal. São apresentados alguns dos mecanismos e ações
de precarização do trabalho docente, a redução do quantitativo proporcional
no número de matrículas nos cursos de EMI, o avanço de matrículas em cur-
sos de curta duração de qualificação profissional, modelo Formação Inicial e
Continuada (FIC) e os direcionamentos de cerceamento pela via orçamentária.
O capítulo 5, “Ataque a autonomia institucional da Rede Federal: entre
resistências e ataques”, objetiva expor a relação existente entre a retirada da au-
tonomia das instituições pertencentes à Rede Federal e o avanço do ultraneo-
liberalismo. O conceito de autonomia universitária será apresentado neste
momento da pesquisa como alicerce para a produção científica e garantia de
manutenção do papel social da educação.
Apresentamos de modo mais detalhado o processo intenso de tenta-
tivas de retirada da autonomia das instituições pertencentes à Rede Federal
no contexto ultraneoliberal pela escolha dos dirigentes — pela efetivação e
tentativas de intervenções federais na nomeação dos Reitores. Paralelamente
é exposto às ações de resistência, de caráter contra-hegemônico realizadas em
defesa da Rede Federal por alunos, servidores, reitores, sindicatos e represen-
tantes políticos, demonstrando que, apesar do avanço da ofensiva ultraneoli-
beral, ainda há resistência por parte da sociedade civil organizada.
Encerramos esta introdução alertando para o não esgotamento da te-
mática neste trabalho, mas sim que esta pesquisa almeja introduzir os deba-
tes e reflexões dos desdobramentos do ultraneoliberalismo na recente Rede
Federal, alertando para os mecanismos de descaracterização desta institucio-
nalidade como intento de ampliação da dominação burguesa.
31
1.
A REDE FEDERAL COMO POLÍTICA
PÚBLICA EDUCACIONAL DO GOVERNO
DO PARTIDO DOS TRABALHADORES
A Rede Federal de Educação vivenciou sua maior expansão no período
dos Governos Petistas (2002 a 2016), com ênfase no curto período de 2009
a 2015 com o projeto de criação dos Institutos Federais de Educação Ciência
e Tecnologia (IFs).
Iniciamos esta seção compreendendo que a Rede Federal, pela figura
dos IFs, é um projeto umbilicalmente vinculado ao Partido dos Trabalhadores
(PT) e por assim o ser, para efetivar a caracterização da Rede Federal é prer-
rogativa expor as características do projeto de país pensado e executado pelo
PT em seus governos.
A política pública educacional que originou os IFs está firmada na Lei
n. º11.892/2008 (BRASIL, 2008), a partir desta, fica evidente que as insti-
tuições pertencentes à Rede Federal têm a formação para o trabalho como
elemento preponderante, priorizando o Ensino Médio Integrado (EMI), mas
de modo verticalizado (atuando da Educação Básica à Pós-Graduação).
A opção pelo EMI demonstrava-se progressista e vislumbrava outra
formação humanizadora aos trabalhadores, pois segundo Moura e Lima
Filho (2018, p. 123),
A concepção de EMI remete ao mesmo tempo, ao sentido de compreen-
der como unidade a relação das partes no seu todo, a relação entre os
diversos conhecimentos, quebrando falsas dicotomias como as que se refe-
rem ao geral e ao específico, bem como a integração entre agir e conhecer,
teoria e prática.
32
A proposta educacional para a última etapa da EB que emergiu, na pri-
meira década dos anos 2000, na Rede Federal objetivava garantir a oferta de
uma educação integrada, devendo possibilitar aos estudantes a compreensão
da realidade como todo integrado.
Exposto isto, para efetivar a caracterização da Rede Federal, realizare-
mos uma análise dos documentos e legislações que balizaram o projeto, pois o
entendimento destes é determinante para compreender a base legal e teórica
da Rede Federal e que garantiram os direcionamentos para a construção desta
nova institucionalidade. Ao longo desta análise documental, pontuaremos al-
guns dos limites e contradições da concretização do projeto. A compreensão
dos instrumentos legais é primordial para o entendimento de uma política
pública de âmbito nacional como a Rede Federal.
1.1 A política econômica petista: o cenário do
projeto de expansão da Rede Federal
A análise conjuntural de uma sociedade não pode ser feita em des-
conexão com a sua historicidade concreta e pretérita, pois é a partir destes
elementos históricos e estruturais, os quais se encadeiam de modo dialético,
que a compreensão do momento atual é viabilizada.
Em relação ao objeto de pesquisa, compreendê-lo na sua atualidade
exige a análise da política efetivada no Governo Lula, pois foi no transcurso
deste momento histórico que a Rede Federal se fortaleceu e expandiu, es-
tando este projeto educacional vinculado ao projeto político e econômico
construído na primeira década dos anos 2000.
A chegada ao poder de Lula, foi cercada de um grande entusiasmo pe-
las classes subalternas, pois, se concebia que finalmente um membro da classe
trabalhadora ocupava o mais importante cargo da República brasileira, logo
acreditava-se que os interesses desta classe finalmente estariam na agenda das
políticas públicas nacionais, no entanto, este entusiasmo foi engolido por
uma política econômica e social de conciliação de classes, a qual articulava os
interesses e práticas neoliberais a políticas sociais.
Anderson (2011), evidencia que após a chegada do PT através da figura
carismática de Lula, o entusiasmo social e político, pelo acesso de um operário
a Presidência, transformou-se em melancolia, dado a conjuntura econômica
33
herdada de seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, acompanhada do
endividamento internacional do país. A dívida pública havia duplicado, taxas
de juros acima de 20% e uma intensa desvalorização da moeda.
Tendo em vista esse cenário econômico caótico, Lula optou por uma
saída por dentro da ordem, com vista a recuperar a confiabilidade interna-
cional do país e os investimentos, e assim, nomeou uma equipe econômica
ortodoxa para o Banco Central e para o Ministério da Fazenda, a qual daria
continuidade com o projeto neoliberal iniciado na década anterior. A opção
de Lula propiciou uma elevação na taxa de juros ainda maior e sucessivos
cortes nos investimentos públicos, atingindo, assim, um elevado superávit
primário e a elevação nas taxas de desemprego. A partir desta escolha, de
atuar pela lógica do capital, dois anos após a posse, em 2004, o país retoma o
crescimento, mas sem de fato cumprir com as promessas de melhoria concre-
ta da vida da classe trabalhadora.
Sampaio Jr. (2012), evidencia que o país passou a vivenciar, no que se
refere a política federal, uma terceira via, sendo esta, “uma espécie de versão
ultra light da estratégia de ajuste da economia brasileira aos imperativos do
capital financeiro. (SAMAPAIO JR., 2012, p. 680)”. A postura da terceira
via buscava meramente conciliar o crescimento com uma suposta equidade,
no entanto, não questionava os antagonismos desta propositura política eco-
nômica, desconsidera a perda da autonomia e soberania nacional em nome
de uma pretensa competitividade internacional.
O governo Lula, efetivou um modelo continuísta e de favorecimento
da burguesia. Na esfera econômica, reproduziu a manutenção do status quo,
favorecendo o grande capital. Filgueiras e Golçalves (2007), defendem que
a política econômica adotada, efetivou um modelo liberal periférico, man-
tendo o alinhamento com a política econômico de FHC, aprofundando os
ajustes fiscais, com metas de inflação e câmbio flutuantes.
A partir de 2004 ocorre um significativo crescimento do PIB Brasileiro.
O país obteve em 2004 o melhor desempenhos do PIB da década, chegando
na marca de 5,2% (IBGE,2005), no ano de 2005 apresentou um crescimento
do PIB de 3,2% (IBGE, 2006) e 2006 registrou um novo crescimento de
4% (IBGE, 2007), deste modo, ao fim do primeiro mandato acumulou um
crescimento de 12,4% do PIB nacional.
34
Estas taxas de crescimento são desdobramentos de toda uma conjuntu-
ra internacional de crescimento econômico de escala global. Anderson (2011,
p.28), assevera que,
O salto se deveu essencialmente a boa sorte no exterior. Esses foram os
anos em que a demanda chinesa por duas das exportações mais valiosas
do Brasil, soja e minério de ferro, decolaram, em meio a um aumento
exorbitante no preço das commodities. Nos EUA, onde as taxas de juros
eram mantidas artificialmente baixas por parte do FED, para impedir que
a bolha financeira nos Estados Unidos estourasse, o “Greenspan Put” criou
um fluxo de importações de capital barato disponível para o Brasil.
Essa onda de crescimento, que primordialmente devia-se a fatores ex-
ternos, era favorável ao Brasil, e ao Governo Lula. Conforme ocorria o cres-
cimento da economia nacional, ampliava-se a demanda de mão de obra e,
consequentemente, a ampliação nas taxas de emprego, alterando o cenário de
trabalho e de consumo.
Filgueiras e Golçalves (2007), destacam que a conjuntura econômi-
ca era extremamente favorável para diferentes setores, sendo este cenário
de crescimento internacional, o maior responsável pelo bom desempenho
econômico brasileiro. No referido período a taxa de crescimento da renda
mundial esteve na média de 4,9%, o mundo todo vivenciava um processo de
expansão econômica.
Compete evidenciar, que as taxas do crescimento econômico brasilei-
ro, estão intimamente vinculadas, também, ao aumento no quantitativo de
exportações vinculadas a produtos primários, com ênfase nas commodities. As
exportações de produtos primários, em decorrência da ampliação do comér-
cio internacional, inserem/reafirmam o Brasil em um papel de subalternidade
na divisão internacional do trabalho, propiciando uma especialização retró-
grada. Esta posição no comércio mundial resultou na ampliação das exporta-
ções e ampliou o acumulo das reservas nacionais.
A partir deste posicionamento produtivo internacional, perdeu-se nes-
se momento a oportunidade de efetivamente industrializar o país, o que seria
um ganho a longo prazo. A política governamental petista, evidentemente,
teve acertos, revertendo quadro de debilidade econômica, reverteu o déficit
35
primário da economia para superávit, mas não efetivou os investimentos ne-
cessários que poderiam retirar o Brasil da condição de dependência.
Filgueiras e Golçalves (2007), expressam que a redução da dívida exter-
na veio acompanhada da elevação da dívida interna que possuía taxas de juros
mais elevadas e menores prazos para o pagamento, resultando na elevação dos
superávits fiscais e no aumento das quantias de recursos públicos transferidos
para o setor rentista nacional. A substituição do endividamento foi favorável
aos bancos brasileiros, sendo a burguesia bancária fortalecida.
O papel assumido pelo país no comércio internacional, somado a uma
política de conciliação com o capital nacional, corroboraram para a visão
favorável do país no cenário internacional, o que resultou na ampliação dos
investimentos internacionais e reconquista da confiabilidade, tornando o
Brasil o local ideal para investimentos externos. O clima de instabilidade
dos primeiros dois anos de Governo, aparentemente cederam espaço para
um entusiasmo econômico e social, em decorrência da aceleração econômica,
estabilidade da moeda, acumulação do capital nacional e as possibilidades de
efetivação de uma política intervencionista no âmbito da esfera social.
A modesta retomada do crescimento econômico, após quase três décadas
de estagnação, a lenta recuperação do poder aquisitivo do salário após
décadas de arrocho, a ligeira melhoria na distribuição pessoal da ren-
da, o boom de consumo financiado pelo endividamento das famílias e
a aparente resiliência do Brasil perante a crise econômica mundial dão
um lastro mínimo de realidade à fantasiosa falácia de que, finalmente, o
Brasil estaria vivendo um ciclo de desenvolvimento. O chamado neode-
senvolvimentismo seria, assim, uma expressão teórica desse novo tempo.
(SAMPAIO JR, 2012, p. 679)
As conjunturas, atribuíam uma aparente situação de estabilidade, segu-
rança e crescimento, o que gerava a sensação de que enfim o país vivenciava
o tão sonhado e esperado desenvolvimento nacional. Aparentava-se um novo
momento histórico, no entanto, o PT não havia de fato se desvencilhado do
velho, do neoliberal, do conservador e do arcaico, mas a aparência ludibriava,
e foi determinante do sucesso temporal do PT.
No campo social, o Governo Lula, paralelamente acenava com pro-
postas que agradavam à população, em especial, os grupos mais vulneráveis
36
da classe trabalhadora. “Desde o início, Lula havia se comprometido a aju-
dar os pobres, de onde ele viera. Um acordo com os ricos e poderosos seria
necessário, mas a miséria tinha que ser tratada de modo mais sério do que
no passado (ANDERSON, 2011, p. 28)”. O Governo Lula, buscou honrar
com a proposta de campanha, de redução da miséria no país, deste modo,
encampou diferentes projetos e programas, que passaram pela esfera da ali-
mentação, da saúde, educação e moradia, para reduzir a pobreza no país e, é
esse compromisso, que validava e justificava a adesão continuísta neoliberal e
as vinculações com o capital rentista.
Em outubro de 2003, cria através de Medida Provisória o Programa
Bolsa Família, este pode ser caracterizado como o grande programa de go-
verno de coalização conduzido pelo PT no campo social, o qual se consolida
como o responsável pela diminuição da fome e retirada das famílias da situa-
ção de extrema pobreza. O programa vinculava o recebimento do benefício à
matrícula escolar e ao acompanhamento médico e vacinal das crianças.
O programa de transferência direta de renda retirou milhões de pessoas
da condição de extrema pobreza, inseriu os beneficiários na vivência da escola e
da saúde pública, sendo estes os resultados mais práticos do programa e parale-
lamente fez os valores recebidos circularem na economia do país. Mais uma vez,
foi uma alternativa na ordem, garantindo a manutenção das estruturas sociais
com um pequeno remanejamento de renda entre a própria classe trabalhadora,
mas sem efetivamente solucionar a desigualdade social no Brasil.
Ainda no campo social, Lula propiciou a elevação real do salário-míni-
mo, a efetivação do Programa Minha Casa Minha Vida, ampliação do acesso
ao crédito pessoal e imobiliário e ampliou o padrão de consumo da classe
trabalhadora. Esse conjunto de políticas econômicas vinculadas ao crédito
e renda dos brasileiros, acelerou o mercado interno, ampliou a demanda de
consumo, os postos de empregos em diferentes setores e o consumo pessoal
das famílias.
Na esfera educacional, o país presenciou a elevação nos índices de aces-
so à Universidade por meio dos programas PROUNI, Cotas, REUNI e FIES,
no plano da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) o país vivenciou a
expansão e consolidação da Rede Federal de Educação e a criação da institu-
cionalidade dos IFs.
37
As conquistas sociais, tão caras ao Governo Lula eram recorrentemente
atribuídas, enquanto possibilidade e um desdobramento, ao “sucesso” econô-
mico do Governo.
O Governo, em seus dois mandatos, consolidava um projeto de conci-
liação das classes antagônicas que vivenciam historicamente as problemáticas
nacionais. A política de conciliação de classes que oscilava entre a manuten-
ção de um modelo econômico neoliberal e avanços nos direitos sociais, se
deve ao fato do PT ter cedido frente ao seu histórico projeto social, em nome
da chamada governabilidade e manutenção do poder.
Sampaio Jr. (2012), evidencia que a política econômica que se estruturou
no Brasil, na Era Lulo-Petista, possibilitou uma defesa da ordem e da lógica
capitalista, da continuidade de um modelo neoliberal. Falaciosamente, pro-
picia a exaltação de aspectos positivos de um modelo econômico e ocultação
dos aspectos negativos deste, promovendo uma euforia acrítica ao crescimento
e modernização, centrados nos padrões de consumo, condições que levaram a
constituição de uma relação indissociável entre crescimento e barbárie.
A partir deste breve panorama, adentramos a um importante debate
acerca do governo petista, a perspectiva desenvolvimentista, o governo de
coalização, conduzido pelo PT, se apresentava como os articuladores de um
novo desenvolvimento nacional, e esta visão será aqui analisada, pois, relacio-
na-se com o existir da Rede Federal.
O governo petista, não conseguiu de fato romper e se desvencilhar de dois
aspectos centrais limitantes para o desenvolvimento, segundo Hadler (2020, p.
59), “[...] a obtenção do desenvolvimento ficam condicionados à superação da
dupla articulação’ que está na base da reprodução das estruturas subdesenvol-
vidas: a dependência externa e a segregação social.” O Brasil nunca conseguiu
se desvencilhar destes dois aspectos que limitam o desenvolvimento nacional e
estes estavam na base social brasileira, mesmo com governos centro-esquerda.
A Era Lulo-Petista não efetivou de fato um processo desenvolvimentis-
ta no país, tal qual anunciado pelas lideranças petistas, mas sim ocorreu um
período de neodesenvolvimentismo, pois, conforme expresso por Sampaio Jr.
(2012, p. 679),
O desafio do neodesenvolvimentismo consiste, portanto, em conciliar
os aspectos “positivos” do neoliberalismo — compromisso incondicional
38
com a estabilidade da moeda, austeridade fiscal, busca de competitividade
internacional, ausência de qualquer discriminação contra o capital inter-
nacional — com os aspectos “positivos” do velho desenvolvimentismo —
comprometimento com o crescimento econômico, industrialização, papel
regulador do Estado, sensibilidade social.
A política do PT, efetivou o neodesenvolvimentismo, em meio a con-
ciliação de elementos antagônicos, difundiu que o processo de crescimen-
to econômico nacional possibilitaria o mitigar das desigualdades sociais, e
deste modo erroneamente, conceitos essenciais na construção de um Estado
Nacional fortalecido foram tratados como homogêneos, ou seja, o crescimen-
to e o desenvolvimento foram tratados de modo único.
O crescimento econômico de fato se efetivou, ampliando o papel
internacional do Brasil, porém, este crescimento não resultou em de-
senvolvimento econômico-social. Que é incompatível com o desenvol-
vimentismo, tendo em conta, que esta perspectiva pressupõe, segundo
Sampaio Jr. (2012), a necessidade de mudanças estruturais, com vistas
a superar o subdesenvolvimento, para tanto esta perspectiva deve bus-
car adotar uma agenda política de enfrentamento ao imperialismo e a
efetivação de reformas estruturais que possibilitem o fim da segregação
social, do latifúndio e os imensos privilégios da burguesia que recorren-
temente se beneficia da miséria.
A política econômica materializada pelo PT não possibilitou o mitigar
das desigualdades, o país permanecia com grandes abismos sociais. Graças a
política conciliatória e os programas sociais ocorreu a diminuição do quanti-
tativo populacional de pessoas em extrema pobreza, mas sem de fato promo-
ver a diminuição das desigualdades.
Conforme expresso por Filgueiras e Golçalves (2007), a política adota-
da se encarregava de amortizar, conformar e desarticular a classe trabalhadora
ao passo que garantia a expansão e acumulação do capital rentista. A política
econômica efetuada, centrava-se no consumo, o que possibilitava, momen-
taneamente, que a classe-que-vive-do-trabalho pensasse estar de fato inserida
no universo social que historicamente lhe foi negado, todavia esta inserção
pode ser denominada como um “canto da sereia”, ilusório e efêmero, pois
a inserção da classe trabalhadora aos bens de consumo foram ainda mais
39
benéficos para a acumulação de capital pela burguesia, mantendo os abismos
sociais que caracterizam o capitalismo brasileiro.
Destaca-se que os governos de coalização, conduzidos pelo PT, viven-
ciaram duas problemáticas centrais, primeiro não efetivou um projeto real de
distribuição de renda, o qual retiraria a burguesia de seu posto de intocabi-
lidade, limitando-se a um processo de distribuição de renda entre a própria
classe trabalhadora. A segunda grande problemática foi a não institucionali-
zação das poucas conquistas aos bens sociais para a classe trabalhadora. O PT
à frente da Presidência, garantiu o acesso aos bens individuais, no entanto,
não consolidou os bens sociais essenciais para a manutenção da vida classe
trabalhadora, como saúde e educação, os quais foram atacados nos governos
ultraneoliberais, e serão detalhados a seguir.
A política de conciliação de classes, igualmente, secundarizou a clas-
se trabalhadora, não garantindo acesso aos bens sociais universais de forma
longínqua, pública e institucionalizado. Filgueiras e Golçalves (2007), desta-
cam que o PT abandonou a luta pelos direitos universais, configurando uma
ruptura com as próprias bandeiras históricas do partido. Transferiu diferentes
direitos e bens sociais universais a setores privados que intensificaram a mer-
cantilização de elementos fundamentais para o ser humano, a exemplo, men-
ciona-se a expansão dos setores educacionais privados através de programas
como FIES no Ensino Superior (ES) e o PRONATEC na EPT, tornando a
educação mais rentável ao capital.
Apesar desta intensificação da mercantilização educacional, no perío-
do petista, neste momento histórico houve um elevado aporte de recurso
para a ampliação da Rede Federal a partir de 2008, pois compreendia esta,
como essencial para o fortalecimento nacional. Assumindo, conforme ex-
presso no Documento Oficial do MEC “Centenário da Rede Federal de
Educação Tecnológica” um “valor estratégico para o desenvolvimento nacio-
nal (BRASIL, 2010, p. 07)”, e à medida que o PT acreditava liderar um
projeto desenvolvimentista, carecia desta estrutura educacional para o aten-
dimento dos novos anseios e papéis econômicos.
Ao passo que o crescimento se efetivava, que ocorria a modernização
do agronegócio, que as exportações se faziam uma realidade nacional e que
as indústrias internacionais aqui se instalavam, o país demandava de mão
40
de obra qualificada. O país se vê diante da necessidade formativa de mão de
obra, sendo o fortalecimento da Rede Federal uma alternativa para atender
ao posicionamento do Brasil no mercado internacional.
O fortalecimento e a expansão da Rede Federal, através da criação dos
IFs sistematiza a propositura econômica e social pretendida pelos governos de
coalização, conduzidos pelo PT, garantindo educação gratuita e de qualidade
e simultaneamente garantindo a formação dos trabalhadores que atuariam
nos Arranjos Produtivos Locais (APLs).
Diante do que se apresenta, é possível depreender que a expansão da
Rede Federal e a criação dos IFs, coaduna com o projeto econômico que estava
em curso, o qual demandava de um desenvolvimento no campo da ciência e
da tecnologia, capaz de acompanhar as demandas do país no mercado interna-
cional. Constitui-se uma Rede de Educação Federal, que deveria formar com
qualidade à classe trabalhadora, que viria a atuar nas empresas que ingressaram
e investiram no Brasil e que poderia vir a atender as novas demandas nacionais
no setor das commodities e seus múltiplos desdobramentos tecnológicos.
Os Governos da Era Lulo-Petista concebem que a educação, inovação,
ciência e tecnologia seriam os elementos necessários para a efetivação de um
projeto econômico nacional. Na esfera da conciliação de classes, estratégia tão
recorrente neste período da história brasileira, a Rede Federal se coloca como
um alento de educação com qualidade socialmente referenciada, para uma pe-
quena parcela da população e se apresenta como um modelo formativo que po-
deria vir a constituir uma mão de obra qualificada no nível médio para atender
aos interesses do capital internacional que se desenvolviam no Brasil.
O projeto que alicerça a Rede Federal e, em especial, a criação dos IFs
em 2008, sustentava o projeto conciliatório e pretensamente desenvolvimen-
tista. Diante da importância desta proposta para o projeto de país em curso,
inicia-se a próxima seção analisando a concepção para a educação profissional
que balizou a Rede Federal no início dos anos 2000.
1.1.1 A concepção de EPT nos governos petistas:
diretrizes, orientações e determinações legais
A concepção de Educação Profissional que aflora no contexto da Era
Lulo-Petista, se consolidou a partir de leis e documentos, que fundamentariam
41
este projeto educacional. Iniciado os anos 2000, sob o governo de coalização,
conduzido pelo PT, no campo educacional retoma-se o debate acerca da in-
tegração e o desmonte desta com o Decreto n.º 2.208/97. (BRASIL, 1997).
Entidades civis e políticas vinculadas à educação profissional debatiam
a necessidade de revogação do referido Decreto e retomada da concepção de
integração, sendo que, este debate se estendeu até julho de 2004 e desdo-
brou-se no Decreto n.º 5.154/2004 (BRASIL, 2004b). Buscava-se com o
decreto de 2004 recuperar a ideia de integração, em sentido formal, pedagó-
gico, filosófico e dialético, sem que nenhuma dimensão ficasse secundarizada
na formação, seja ela geral ou técnica.
Analisaremos alguns documentos, com vista a compreender a visão que
emerge acerca do processo de formação da classe trabalhadora e como a for-
mação profissional poderia vir a contribuir com o papel do Brasil no cenário
internacional. Estes revelam as proposituras que afloraram com o Governo
PT, ficando evidente, que a EPT ganharia centralidade para a efetivação de
um projeto, supostamente desenvolvimentista.
Partimos dos dispositivos legais de 2004, sendo o primeiro “Políticas
Públicas para a Educação Profissional e Tecnológica” (BRASIL, 2004a) pu-
blicado em abril de 2004. Neste documento legal é explicitado a utilização
da EPT como auxiliar ao processo de desenvolvimento, conforme expresso,
Assim, a educação profissional e tecnológica tem de ter, necessariamente,
a intencionalidade estratégica do desenvolvimento, recusando, pois, re-
duzir o seu alcance a mera adaptação da formação escolar e paraescolar a
necessidades dos empregadores, das forças vivas, do mercado de trabalho,
sempre imprecisamente esclarecidas, o que vem a ser, em regra, definido
em função do estado conjuntural de diversas relações de força (BRASIL,
2004a, p. 05),
O governo e a equipe do MEC perspectivavam construir um modelo
de EPT que auxiliasse no desenvolvimento, devendo esta formação não ter
unicamente os interesses dos empregadores e do capital, mas também pro-
piciar uma formação de qualidade para uma parcela da classe trabalhadora.
Este documento auxiliou o governo, enquanto estratégia de longo al-
cance, contribuindo para as articulações e ações do Governo, do MEC e da
42
SETEC. Segundo o documento, a EPT deveria ter como princípio o “[...]
compromisso com a redução das desigualdades sociais, o desenvolvimento
socioeconômico, a vinculação à educação básica e a uma escola pública de
qualidade. (BRASIL, 2004a, p. 06)” Assim, a EPT auxiliaria no fortaleci-
mento da cidadania, atuando, de modo articulado, com outras políticas pú-
blicas, voltadas ao desenvolvimento do país.
A partir da leitura do documento, observa-se que há uma intenciona-
lidade clara de fortalecimento da EPT no Brasil, uma tendência de valoriza-
ção da formação profissional de nível médio, integração da EB à Educação
Profissional e expansão da Rede Federal.
Assim sendo, a educação profissional, passa a estar alicerçada nos se-
guintes pressupostos, “[…] integração ao mundo do trabalho, interação com
outras políticas públicas, recuperação do poder normativo da LDB, reestru-
turação do sistema público de ensino médio técnico e compromisso com a
formação de valorização dos profissionais de educação profissional e tecnoló-
gica. (BRASIL, 2004a, p. 06)”. Conforme expresso no corpo do documen-
to, a EPT não mais pode ser vista, e pensada em desvinculação com outros
setores sociais, devendo esta estar integrada as particularidades do mundo do
trabalho e as políticas sociais que orientavam e organizavam a sociedade.
A necessidade de reconstruir a EPT sob outro prisma, deriva das mo-
dificações do cenário internacional, no que tange o avanço das forças produ-
tivas do capital. Assim,
[…] emerge a necessidade de se construir uma política educacional que
integre a formação profissional ao campo de um sistema nacional de edu-
cação, universalizado e democratizado, em todos os níveis e modalidades.
Nesse âmbito, a educação profissional e tecnológica deverá ser concebida
como um processo de construção social que ao mesmo tempo qualifique
o cidadão e o eduque em bases científicas, bem como ético-políticas, para
compreender a tecnologia como produção do ser social, que estabelece
relações sócio-históricas e culturais de poder.
Assim, a educação desponta como processo mediador que relaciona a base
cognitiva com a estrutura material da sociedade, evitando o erro de se
transformar em mercadoria e de considerar a educação profissional e tec-
nológica como adestramento ou treinamento. (BRASIL, 2004a, p. 07)
43
A EPT dos anos 2000 acompanha as novas demandas do mercado, a
educação ofertada passa a estar centrada nos processos científicos que alicerçam
e sustentam a produção, de modo a formar um sujeito trabalhador que com-
preenda as diferenças sociais e produtivas. Destacam, no texto, que não com-
pete efetivar uma educação profissional e tecnológica meramente para o treina-
mento e adestramento do trabalhador, mas sim, que compreenda as diferentes
facetas formativas e sociais necessárias para a vida e para o mundo do trabalho.
O documento evidencia, ainda, que a formação profissional, não pode,
de modo algum, substituir a educação básica e não deve estar restrita ao trei-
namento para o mercado,
[...]a vinculação da educação profissional e tecnológica à educação básica
gerará diversas modalidades de construção do processo educativo na tota-
lidade onde a formação será essencial como elemento indispensável para
o exercício pleno da cidadania, fornecendo ao indivíduo meios adequados
para progredir no trabalho. (BRASIL, 2004a, p. 22)
Evidenciam, no corpo do texto, a ideia de educar para a vida toda e
para o desenvolvimento de todas as dimensões do ser humano, a partir da
integração, como central para a constituição dos sujeitos.
A mudança no discurso federal acerca da EPT no início dos anos 2000,
não expressava meramente as intencionalidades do governo, mas aglutinava
debates e reflexões das décadas precedentes. Sendo que a mudança proposta,
[...] impõe-se ao atual governo a reconstrução do traçado de uma po-
lítica pública para a educação profissional e tecnológica que resgate as
contribuições acadêmicas geradas nas últimas décadas, as experiências ins-
titucionais e de grupos comunitários, explorando os espaços legislativos e
corrigindo as distorções havidas durante esse percurso com vistas a eleger
e a realizar algo consolidado, consistente, de maneira transparente e parti-
cipativa. (BRASIL, 2004a, p.09)
O governo Lula, em seu primeiro mandato, destaca a necessidade de
reorganizar a EB, a partir das contribuições dos pesquisadores da área educa-
cional. Tornando possível a retomada da concepção de Educação Integrada
e um modelo de educação que não limitante ao treinamento aligeirado e
44
utilitarista para o mercado de trabalho.
No que se refere à Integração, o documento explicita que, “Sem a es-
treita ligação à educação básica, a educação profissional correrá sempre o ris-
co de se tornar mero fragmento de treinamento em benefício exclusivamente
do mercado e dos interesses isolados dos segmentos produtivos”. (BRASIL
2004a, p.11-12). A compreensão de uma EP apartada da EB não contempla-
ria os debates sociais, acadêmicos e cientifícos. A integração foi posta como
elemento norteador das mudanças que ocorreriam no principiar dos anos
2000 para a EPT.
Tendo em vista, como já evidenciado, que o governo Lula baseava-se
em uma política de conciliação de classes, uma política educacional unica-
mente centrada nos interesses da burguesia, como a que estava em voga até
2004, não era significativa e interessante, deste modo, fazia-se necessário a
formulação de uma política educacional que promovesse a conciliação de
classes, também na esfera educacional, e assim resgata-se a concepção de uma
EPT centrada na Integração, que rompa com a dualidade e atenda as deman-
das do mercado.
Esta nova concepção formativa para a EPT está em consonância ao
desenvolvimento das forças produtivas do capital, as quais careciam de uma
formação de mão de obra que compreenda as transformações, avanços cien-
tíficos e tecnológicos que organizam o sistema produtivo, como é possível
observar no texto,
Dessa forma, novas formas de relação entre conhecimento, produção e
sociedade se constituem, em face das transformações científicas e tecnoló-
gicas que afetam a vida social e produtiva. Impõe-se, portanto, um novo
princípio educativo que busque progressivamente afastar-se da separação
entre as funções intelectuais e as técnicas com vistas a estruturar uma for-
mação que contemple ciência, tecnologia e trabalho, bem como atividades
intelectuais e instrumentais. (BRASIL, 2004a, p.08)
Ainda que o papel do Brasil na divisão internacional do trabalho seja
de subordinação, para que este arranjo no processo produtivo se mantenha, é
necessário um novo trabalhador, o qual seja mais bem formado em suas dife-
rentes dimensões. Surge, na via documental, a concepção de trabalho como
45
princípio educativo e a necessidade de um educar, centrado em conhecimen-
tos científicos, no estímulo ao pensar, ao agir, ao criar e ao dirigir.
Devendo, a formação ofertada pela EPT, possibilitar a formação de um
trabalhador desenvolvido em diferentes dimensões do ser humano. “Exige-se,
pois, a formação de caráter técnico-científico e sócio-histórico; a articulação
entre os sistemas de ensino, as agências formadoras e o mundo do trabalho
(BRASIL, 2004a, p.09).” A formação profissional e tecnológica, deve suscitar
que este profissional se constitua intelectualmente e tecnicamente, em um
projeto educacional alternativo.
O documento corrobora com o entendimento que a terminologia
educação profissional”, ao longo da história do Brasil, acabou sendo redu-
cionista, sendo necessário construir um novo paradigma para a EPT. Assim
“[...] novos rumos devem ser traçados com relação à educação profissional
e tecnológica que exigirão oportunamente opção de conceitos básicos, cor-
reção de rumos e o reordenamento de práticas. (BRASIL, 2004a, p. 11)”.
Atribuindo, ao Governo Federal, reformular, reestruturar e alterar a visão
social acerca da EPT. Esta política da EPT necessitava de orçamento, aparato
legal e jurídico para sua permanência enquanto política pública de integração
na educação básica.
O Ensino Médio, sendo o grande objeto do documento, e do governo,
enquanto formação estratégica, deve “[...]estabelecer a relação entre o conhe-
cimento e a prática de trabalho. Trata-se de explicitar como o conhecimento
(objeto específico do processo de ensino), isto é, como a ciência se converte
em potência material no processo de produção”. (BRASIL, 2004a, p.13).
Devendo a ciência e o conhecimento escolar, apropriado pelos estudantes, ser
transformado e ressignificado para a produção e para o trabalho.
A EPT, como Política Pública dos anos 2000, se sustenta em dois pi-
lares, a crença no possível desenvolvimentismo nacional e nos avanços tec-
nológicos que se anunciavam em um contexto de mundialização do capital.
Partindo do pilar de desenvolvimento tecnológico, é necessária uma forma-
ção humana que possibilite que os sujeitos se apropriem desta tecnologia,
enquanto processo de transformação socioeconômica. Em uma sociedade
sumariamente tecnológica, faz-se necessário a oferta de uma educação em
consonância com esta tendência mundial, demandando de uma educação
46
profissional que transcenda a linearidade do treino para a empregabilidade e
instrumentalização (BRASIL, 2004a).
A tecnologia é evocada no texto como um elemento condutor das
aprendizagens, pois esta é constantemente demandada pelo próprio capital.
Balizar a EPT pela via da tecnologia é posto como um dos alicerces da recons-
trução da formação profissional país, pois,
[...] a educação tecnológica não se distingue pela divisão entre eles, mas
pelo caráter global e unificado da formação técnico-profissional, intima-
mente vinculada à educação, bem como integrada aos pressupostos mais
amplos da consciência crítica do trabalhador e da construção da cida-
dania. É um aprendizado constante, necessário à compreensão das bases
técnico-científicas, como elemento indispensável para contribuir em prol
do desenvolvimento econômico e social do País. (BRASIL, 2004a, p.16)
Novamente relacionam que o bom desenvolvimento das bases educacio-
nais e tecnológicas são cruciais para o desenvolvimento nacional. Com vistas a
este desenvolvimento, o documento direciona as políticas públicas subsequen-
tes a articular este viés da tecnologia, à educação e ao mundo do trabalho.
Estabelecem que a separação entre o pensar e o fazer não mais pode
conduzir a Educação brasileira, sendo necessário “[...] a aquisição de funda-
mentos científicos e tecnológicos das diferentes formas de trabalho que unifi-
cam o pensar e o fazer na construção de atividades inteligentes e produtivas”.
(BRASIL, 2004a, p. 22).
O documento “Políticas Públicas para a Educação Profissional e
Tecnológica”, finaliza sua exposição expressando a necessidade de efetivação
de uma política de expansão da EPT, comprometida com a elevação dos ní-
veis de escolaridade da população, com vistas a democratização da educação
e superação das desigualdades.
Erroneamente, estabelece que a educação teria a função de transforma-
ção da estrutura social desigual, pois atribui que grande parte das desigualda-
des são derivações da organização educacional dual. Não era suficiente alterar
o sistema educacional, ou uma parcela deste, como o caso da Rede Federal,
mas sim fazia-se necessário a reestruturação das relações de produção, a trans-
formação social profunda do modo de produção e das instituições brasileiras.
47
Inicia-se a análise do segundo grande documento de reformula-
ção da EPT e que alicerçou a reconstrução da Rede Federal, o Decreto n.º
5.154/2004 (BRASIL, 2004b). Este estabelece a possibilidade de Integração
entre a Educação Básica e a Educação Profissional, buscando possibilitar al-
guns dos aspectos contidos no documento analisado (BRASIL,2004a).
O Decreto n.º 5.154, expõe uma nova propositura para a educação,
concatenando as lutas da década anterior pela melhoria na educação e as ex-
pectativas de outra formação de nível médio para a classe trabalhadora com o
EMI. Ramos (2011, p. 775), evidencia que,
Ao defenderem a proposta de Ensino Médio integrado, resgatam fun-
damentos filosóficos, epistemológicos e pedagógicos da concepção de
educação politécnica e omnilateral e de escola unitária baseado no pro-
grama de educação de Marx e Engels e de Gramsci. Tais fundamentos
convergem para uma concepção de currículo integrado, cuja a for-
mulação incorpora contribuições já existentes sobre o mesmo tema,
pressupõe a possibilidade de se pensar um currículo convergente com
os propósitos da formação integrada — formação do sujeito em múl-
tiplas dimensões, portanto omnilateral e da superação da dualidade
estrutural da sociedade e da educação.
O Decreto n.º 5.154/2004, possibilitava um currículo para o EM ca-
paz de propiciar o dimensionamento das partes com a totalidade, a partir de
uma compreensão dialética e histórica da realidade no transcurso do processo
de ensino e aprendizagem. A partir deste documento a formação geral e a
formação específica do estudante de nível médio poderiam se efetivar a partir
da matrícula única — possibilitando a oferta do EMI.
O referido decreto viabiliza a integração, mas não elimina a oferta
da formação concomitante e subsequente, no entanto, privilegia e resgata
a formação integrada, o que já se apresenta como um avanço para o desen-
volvimento da EPT, em especial, pois insere nos marcos regulatórios legais,
debates acerca da formação politécnica para os filhos da classe trabalhadora
que adentram a EP. O que permitiria o acesso aos saberes historicamente
produzidos e uma possibilidade de o acesso ao ES.
Deste modo, pode-se dizer que o Decreto n.º 5.154/2004,
48
[...] é a consolidação da base unitária do ensino médio, que comporte a
diversidade própria da realidade brasileira, inclusive possibilitando a am-
pliação de seus objetivos, como a formação específica para o exercício
de profissões técnicas. Em termos ainda somente formais, o Decreto nº.
5.154/2004 tenta restabelecer as condições jurídicas, políticas e institu-
cionais que se queria assegurar na disputa da LDB na década de 1980.
Daqui por diante, dependendo do sentido em que se desenvolva a disputa
política e teórica, o “desempate” entre as forças progressistas e conservado-
ras poderá conduzir para a superação do dualismo na educação brasileira
ou consolidá-la definitivamente (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS,
2005, p. 11)
O Decreto, não resolveu todos os impasses para a EP, sendo apenas um
avanço, mas direcionou para significativas transformações que se efetivaram
no transcurso dos anos seguintes, mudanças estas que garantiram a ampliação
e o fortalecimento da Rede Federal.
A possibilidade de efetivação da integração, está descrita no Art. 4. do
Decreto,
§ 1.º A articulação entre a educação profissional técnica de nível médio e
o ensino médio dar-se-á de forma: I - integrada, oferecida somente a quem
já tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de
modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio,
na mesma instituição de ensino, contando com matrícula única para cada
aluno (BRASIL, 2004b).
Ainda que como possibilidade, deve ser compreendida como uma mo-
dificação substancial, possibilitando uma educação em sentido ampliado. O
Decreto n.º 5.154/2004 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação n.º
9.394/96 (BRASIL, 1996) em seus Art. 36, 39, 40 e 41 e efetivamente inse-
riu a Educação Profissional como parte da EB.
Na sequência do detalhamento histórico que viabilizou a Rede Federal,
destacamos que o ano de 2004, contou também, com uma reestruturação
do MEC, sendo criada a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
(SETEC/MEC), a qual ficou responsável por articular, gerir e organizar a
oferta e estruturação da EPT no país.
Em 2005, já iniciada a gestão mais longa do Ministério da Educação
49
da Era Lulo-Petista, tendo à frente do MEC Fernando Haddad (2005-2012),
em 18 de novembro é promulgada a Lei n.º 11.195, que estabelece a expan-
são da oferta de educação profissional a partir da criação de novas unidades
de ensino (BRASIL, 2005). Esta revogou a Lei n.º 8.948/1994 (BRASIL,
1994) a qual em seu Art. 3.º § 5.º proibia a criação de novas unidades fede-
rais de educação profissional.
A partir da Lei n.º 11.195/2005, inicia-se a primeira fase do plano de
expansão da Rede Federal de EPT e inicia-se a construção novas unidades
nos estados da federação, os quais não possuíam escolas federais de educação
profissional, tal qual Acre, Amapá, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal.
Nesta 1.ª fase do plano de expansão ocorre a interiorização da Rede Federal e
construção de unidades em zonas periféricas dos grandes centros, contabili-
zando um total de quarenta e duas unidades.
O plano de expansão contou com uma 2.ª fase em 2007, a qual preten-
dia inserir unidades de ensino profissional em localidades remotas do país. A
partir do lançamento e execução dos Planos de Expansão, ocorre a formata-
ção da estrutura física necessária para a construção de uma Rede Federal de
Educação Tecnológica, aqual servia como suporte a um projeto político-eco-
nômico o qual pautava os direcionamentos do Governo Federal.
Ainda em 2007, é publicizado um novo Decreto que auxiliaria
a construção da política de EPT, sendo o Decreto n.º 6.095 de 24 de
abril de 2007 (BRASIL, 2007a) — o qual será analisado na próxima se-
ção — este apresentava as diretrizes para o processo de integração das
instituições federais tecnológica, com vista à constituição dos Institutos
Federais de Educação Ciência e Tecnologia no âmbito da Rede Federal.
Segundo o Art. 1.º do Decreto, o MEC articularia o processo de criação
dos Institutos Federais (IFs), bem como conduziria o processo de inserção
destas instituições em diferentes localidades do país, sendo estas autar-
quias autônomas (BRASIL, 2007a).
Na sequência foi lançado pela SETEC/MEC o Documento Base, inti-
tulado “Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino
Médio” (BRASIL, 2007b), de autoria de Dante Henrique Moura, Sandra
Regina de Oliveira Garcia e Marise Nogueira Ramos. Este sistematiza a pro-
positura para EPT que orientou a expansão da Rede Federal e a criação dos
50
IFs nos anos subsequentes. Evidenciando que o governo priorizaria a oferta
de EPT de nível médio.
Este documento, veiculado pela SETEC/MEC, direcionava à adesão
ao EMI como caminho para a consolidação de um modelo formativo exitoso
para a última etapa da EB. Possibilitando uma formação integral,
[...], ou seja, que contemple o aprofundamento dos conhecimentos cien-
tíficos produzidos e acumulados historicamente pela sociedade, como
também objetivos adicionais de formação profissional numa perspectiva
da integração dessas dimensões. Essa perspectiva, ao adotar a ciência, a
tecnologia, a cultura e o trabalho como eixos estruturantes, contempla as
bases em que se pode desenvolver uma educação tecnológica ou politécni-
ca e, em simultâneo, uma formação profissional stricto sensu exigida pela
dura realidade socioeconômica do país (BRASIL, 2007b, p. 24).
Estava no bojo do Documento Base a necessidade de garantir o proces-
so de socialização dos conhecimentos historicamente produzidos pela huma-
nidade, vislumbrando uma formação ampliada.
A concepção que fica explicita com o documento é a de que esta solução
de vincular a Educação Geral com Educação Específica de nível médio é um ele-
mento condicionante para uma formação unitária, em um tempo futuro. “Essa
solução é transitória (de média ou longa duração) porque é fundamental que se
avance numa direção em que deixe de ser um luxo o fato de jovens das classes
populares poderem optar por uma profissão após os 18 anos. (BRASIL, 2007b,
p. 24)”.Os formuladores da proposta, entendiam a transitoriedade desta, logo
compreendiam seus limites na lógica do modo de produção capitalista, mas tam-
bém concebiam a inovação da mesma enquanto avanço formativo para viabilizar
a formação de qualidade para a classe trabalhadora. A formação integrada de nível
médio contribuiria para formação humana da classe trabalhadora.
Para a efetivação da política educacional, fez-se necessário a articula-
ção com outras políticas setoriais e a outros ministérios do Estado brasileiro,
dentre eles o Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério de Ciência e
Tecnologia, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Saúde e
Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio.
Estes ministérios são responsáveis por articular e efetivar políticas públi-
cas estruturais da sociedade brasileira, deste modo, as políticas para a educação
51
deveria dialogar e complementar as ações ministeriais. Considerando que o
processo de formação dos jovens não é posto e visto como um fim, mas sim
uma etapa crucial para aperfeiçoamento de diferentes setores nacionais que
compõe o pretenso projeto desenvolvimentista.
Portanto, ao se pensar no ensino médio integrado como política pública
educacional é necessário pensá-lo também na perspectiva de sua contribui-
ção para a consolidação das políticas de ciência e tecnologia, de geração de
emprego e renda, de desenvolvimento agrário, de saúde pública, de desen-
volvimento da indústria e do comércio, enfim, é necessário buscar o seu pa-
pel estratégico no marco de um projeto de desenvolvimento socioeconômi-
co do estado brasileiro, o que implica essas interrelações com, no mínimo,
as políticas setoriais acima mencionadas. (BRASIL, 2007b, p. 29)
O EMI, enquanto política pública, foi compreendido como estratégi-
co para outros diferentes setores da sociedade, e deveria conduzir a recons-
trução do EM, tal qual é posto em toda a documentação oficial do período.
Considerando a importância do EMI e que este é concebido como uma política
pública de cunho estratégico, o Governo Federal, evidencia em sua documenta-
ção a importância do fortalecimento e consolidação da Rede Federal, devendo
esta ofertar o máximo de vagas possíveis e paralelamente ser referência para os
outros sistemas de ensino ofertantes de educação técnica de nível médio.
Para a consolidação desta política pública, fica expresso no Documento
Base, a necessidade de reconstruir os quadros de professores efetivos, “[...]
dado que não se poderá trabalhar nessa perspectiva curricular com professo-
res contratados precariamente/temporariamente”. (BRASIL, 2007b, p. 33).
A política pública para a EPT do início dos anos 2000 deveria contar com
quantitativos de concursos significativos capazes de suprir a demanda de do-
centes e a oferta de educação de qualidade.
Segundo o Documento Base, o fazer docente na EPT deveria ser orien-
tado pela indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, sendo crucial,
“[...] a profissionalização do docente da educação profissional e tecnológica:
formação inicial e continuada, carreira, remuneração e condições de traba-
lho”. (BRASIL, 2007b, p. 35). O trabalho docente, em todos os níveis care-
cem destes elementos, porém, ao inserir estes pressupostos na documentação
oficial para a EPT, evidencia-se que a formação profissional pretendida, não
52
mais se limita ao pragmatismo utilitário, o que possibilita avanços na ruptura
com a dualidade estrutural.
Outro aspecto presente no documento, o qual nos permite compreen-
der as intencionalidades iniciais da proposta e as tratativas de desmonte desta
política a partir de 2016, é a concepção de formar sob bases humanísticas. O
documento, [...] expressa uma concepção de formação humana, com base na
integração de todas as dimensões da vida no processo educativo, visando à
formação omnilateral dos sujeitos (BRASIL, 2007b, p. 40).
A formação dos sujeitos na base integrada deve propiciar uma forma-
ção completa, aqui tratada como omnilateral, ou seja, que articule a ciên-
cia, o trabalho e a cultura de modo indissociável. Devendo, esta concepção,
direcionar o projeto de política pública para a EP. Também evidenciava a
necessidade de utilização do trabalho como princípio educativo, com vistas
a superar a dicotomia e dualidade entre trabalho manual e intelectual, e o
desenvolvimento das diferentes dimensões do ser humano.
A educação integrada deveria possibilitar o desenvolvimento e com-
preensão do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura, tendo em conta
que estas se fundem no processo de apropriação e transformação do mundo
pelo conjunto dos homens.
Compreender a relação indissociável entre trabalho, ciência, tecnologia
e cultura significa compreender o trabalho como princípio educativo, o
que não significa “aprender fazendo”, nem é sinônimo de formar para o
exercício do trabalho. Considerar o trabalho como princípio educativo
equivale dizer que o ser humano é produtor de sua realidade e, por isso, se
apropria dela e pode transformá-la. Equivale dizer, ainda, que nós somos
sujeitos de nossa história e de nossa realidade. (BRASIL, 2007b, p. 45)
A proposta teórica elaborada para a EPT, almejava a formação do sujei-
to em primeira instância, a incorporação destes trabalhadores pelo mercado
deveria ser um desdobramento e um resultado da formação completa e de
qualidade socialmente referenciada ofertada.
Assim, “[...] formar profissionalmente não é preparar exclusivamente
para o exercício do trabalho, mas é proporcionar a compreensão das dinâ-
micas sócio-produtiva das sociedades modernas, com as suas conquistas e
53
os seus revezes, e também habilitar as pessoas para o exercício autônomo e
crítico de profissões, sem nunca se esgotar a elas (BRASIL, 2007, p. 45). A
EPT, com ênfase no EMI, não deve formar apenas para o mercado, no entan-
to, não pode ignorar a realidade, a concreticidade econômica que cerca esta
proposta educacional.
Pretendia-se garantir uma formação geral que permitisse a apreensão
das ciências e dos saberes sistematizados necessários ao trabalhador e que se-
riam ressignificados para a apreensão das técnicas necessárias para a produção,
nesta indissociabilidade, o sujeito apreenderia a atuar de modo autônomo e
consciente na dinâmica produtiva. “Nisso se assenta a integração entre ensino
médio e educação profissional, garantindo-se uma base unitária de formação
geral, gerar possibilidades de formações específicas (BRASIL, 2007b, p.47).
Para a efetivação de uma política pública educacional de Estado, que
tinha o EMI como elemento condutor, fez-se necessárias medidas concretas,
em especial no que tange estrutura física, quadro de servidores, orçamento e
legislações específicas. Ficou estabelecido que esta política pública necessitou
de três grandes elementos “a) a instituição de quadro próprio de professores,
com a realização de novos concursos; b) a consolidação de planos de carreira
em que seja prevista a dedicação exclusiva dos professores e a melhoria sa-
larial; e c) a melhoria da estrutura física, material e tecnológica das escolas
(BRASIL, 2007b, p.55). Somente a partir destes elementos, tornou-se plau-
sível a efetivação de uma política para a EPT, compatível com as diretrizes do
Documento Base, sendo que estes devem ser os elementos mínimos para a
oferta de uma educação alicerçada em pressuposto humanístico.
O último aspecto que evidenciamos no Documento Base é que esta
política pública, deveria contribuir,
[…] para o desenvolvimento das capacidades de, ao longo da vida, inter-
pretar, analisar, criticar, refletir, rejeitar ideias fechadas, aprender, buscar
soluções e propor alternativas, potencializadas pela investigação e pela res-
ponsabilidade ética assumida diante das questões políticas, sociais, cultu-
rais e econômicas (BRASIL, 2007b, p. 49)
A proposta, sistematizada em 2007 pelos intelectuais da SETEC/MEC,
buscava propiciar uma educação com qualidade socialmente referenciada
54
para um contingente da classe trabalhadora. No entanto, esta propositura
educacional, progressista e de fundamento marxista, esbarrou em políticas
de governo assentadas na conciliação de classes. Ficando a proposta limitada
pelo seu próprio tempo histórico. Entretanto, não se deve desconsiderar os
avanços para alunos, servidores e trabalhadores, formados a partir da efetiva-
ção desta política.
Para finalizar esta historicização, adentramos o ano de 2008, momento
decisivo para o fortalecimento da Rede Federal, tendo como primeiro mo-
mento a publicação da Lei n.º 11.741/2008, a qual alterou a LDB vigente
com ênfase em dois aspectos, incluiu a Seção IV-A no capítulo II, inserção que
versa especificamente acerca da EP no EM e alterou o título do capítulo III,
o qual passou a ser denominado, “Da Educação Profissional e Tecnológica”.
As referidas modificações apresentadas perspectivavam “[...] redimensionar,
institucionalizar e integrar as ações da educação profissional técnica de nível
médio, da educação de jovens e adultos e da educação profissional tecnológi-
ca”. (BRASIL, 2008a).
A partir da Lei n.º 11.741/2008, na seção IV-A, a EP passou a estar efeti-
vamente incorporada à EB, estando vinculada a sua etapa final. Transformação
essencial para o desenvolvimento de uma proposta de EPT integrada ao EM.
Evidencia-se, também, no dispositivo legal, que a formação na última etapa da
EB deveria promover, em primeira instância, a formação geral do educando,
podendo prepará-lo para o exercício de profissões técnicas, ocorre uma mudan-
ça substancial, com a priorização da educação humana.
Finalizando o ano de 2008, em 29 de dezembro, foi promulgada a
Lei n.º 11.892, a qual “Institui a Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia, e dá outras providências (BRASIL, 2008b).” Deste modo, con-
forme o Art. 1.º,
Art. 1º Fica instituída, no âmbito do sistema federal de ensino, a Rede
Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, vinculada ao
Ministério da Educação e constituída pelas seguintes instituições:
I - Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia -Institutos
Federais;
II - Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR;
55
III - Centros Federais de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca
- CEFET-RJ e de Minas Gerais - CEFET-MG;
IV - Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais.
Parágrafo único. As instituições mencionadas nos incisos I, II e III do
caput deste artigo possuem natureza jurídica de autarquia, detentoras de
autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e
disciplinar. (BRASIL, 2008b)
A partir deste momento a Rede Federal passou a estar regulamentada e
existir pela via da legalidade, sendo um dos grandes projetos políticos educa-
cionais da Era Lulo-Petista, o qual sustentaria a perspectiva desenvolvimen-
tista que orientava o Governo Federal.
Antes de adentrarmos nas especificidades da Lei n.º 11.892/2008, faz-
-se necessário uma breve contextualização de seus antecedentes, que será feita
na seção seguinte, de forma a comprovar a hipótese, já exposta neste texto, de
que a EPT ofertada na Rede Federal foi estruturante para o projeto de país
pensado pelo governo de coalizão liderado pelo PT.
1.2 O nascimento da nova institucionalidade da Rede Federal
O entendimento da Rede Federal a partir de 2008, não pode estar
apartado da historicidade da EPT federal brasileira, pois as histórias e os his-
tóricos se mesclam. Ainda que a Rede Federal seja uma instituição centenária,
datada de 1909 com o Decreto n.º 7.566/1909 de Nilo Peçanha com a cria-
ção das escolas de Aprendizes e Artífices (EAA), sua atuação era pequena no
país até o início dos anos 2000. No ano de 2008 o país vivenciou a institucio-
nalização e ampliação da Rede Federal, com a criação dos Institutos Federais
de Educação Ciência e Tecnologia (IFs) e a ampliação da Rede Federal de
Educação Profissional Científica e Tecnológica (RFEPCT).
Para compreender a atual institucionalidade da Rede Federal em meio
ao processo de descaracterização, é necessário elencar a importância dos anos
2007 e 2008, sendo estes cruciais para a criação dos IFs e ampliação RFEPCT.
Nos referidos anos foi de fato desenhada, na esfera legal, a possibilidade de
alteração da política pública para a EPT federal.
Partiremos do Decreto n.º 6.095/2007 (BRASIL, 2007a), este deve
ser compreendido como o marco inicial da nova institucionalidade da Rede
56
Federal, o qual vislumbrava a integração das instituições federais de educação
tecnológica, com vistas à constituição dos Institutos Federais de Educação
Ciência e Tecnologia. O decreto expressava a necessidade de criação dos IFs a
partir das já existentes instituições federais de educação tecnológica.
Conforme expresso no Decreto n.º 6.095/2007, em seu Artigo 3.º,
O processo de integração terá início com a celebração de acordo entre
instituições federais de educação profissional e tecnológica, que formali-
zará a agregação voluntária de Centros Federais de Educação Tecnológica
- CEFET, Escolas Técnicas Federais - ETF, Escolas Agrotécnicas Federais
- EAF e Escolas Técnicas vinculadas às Universidades Federais, localizados
em um mesmo Estado (BRASIL, 2007a)
Vislumbrava-se em 2007, a propositura da integração da Rede Federal
por adesão voluntária das instituições já existentes à nova institucionalidade
da EPT federal, conduzida pela SETEC/MEC. O processo de chamamento
à adesão acenava com a possibilidade de ampliação orçamentária, novas uni-
dades e com o fortalecimento da Rede Federal.
O Decreto n.º 6.095/2007 anunciava que o projeto de implantação
dos IFS e expansão da Rede Federal deveria ter como elemento norteador
os APLs e o mapeamento das potencialidades locais, conforme o Art.4.º do
mesmo (BRASIL, 2007a).
Os Planos de Desenvolvimento Institucional (PDI), de cada institui-
ção, deveriam caminhar em consonância com as demandas dos setores pro-
dutivos onde seriam instalados os novos campus dos IFs. Devendo as novas
instituições, a partir do aproveitamento da estrutura física e de pessoal já exis-
tente nas instituições pertencentes a pequena, mas significativa Rede Federal,
atender de modo mais ágil e eficaz às demandas produtivas e de mão de obra
das regiões do país, com a oferta e difusão de educação, ciência e tecnologia.
A proposta balizante da política pública para a EPT, ainda que assenta-
da dentro de um governo de centro-esquerda, nasce atrelada às demandas do
mercado e ao atendimento aos APLs. Propositura que é compreendida nesta
pesquisa como contraditória, pois subordinaria a educação e a formação huma-
na aos desígnios do capital, logo inviabilizando a efetivação de uma educação
integral, tal qual evidenciada no início dos anos 2000 e já expostas neste texto.
57
Como é de conhecimento, não bastava apenas a lei impositiva para a
criação das novas instituições, fazia-se necessário garantir a adesão dos su-
jeitos envolvidos na proposta. O governo, intermediado pelo MEC e pela
SETEC, buscou convencer as instituições já existentes aderirem à nova insti-
tucionalidade, e assim o fizeram.
As instituições de educação tecnológica federal já existentes viam a
possibilidade de ampliar sua atuação, elevando seu status, através da adesão
voluntária à Rede Federal, capitaneada pelo projeto dos IFs. Ocorrendo con-
cordância massiva das instituições, um processo conhecido no campo acadê-
mico de IFetização.
Fogem a esta regra, de adesão massiva, apenas os CEFET-Rio e
CEFET-MG que não viam vantagens institucionais na adesão ao projeto,
pois eram instituições já consolidadas em suas regiões, ofertantes de cursos de
Graduação, Pós-Graduação e de nível médio, desta forma mantiveram suas
nomenclaturas iniciais com vistas a futuramente pleitearem a transformação
para Universidades Tecnológicas, tal qual Universidade Tecnológica Federal
do Paraná (UTFPR), porém apesar da não adesão nominal foram mantidas
na Rede Federal, no que concerne estrutura, organização, funcionamento e
financiamento.
Em continuidade ao percurso que resultou na expansão da Rede
Federal, em 2008, há a propositura do Projeto de Lei, o PL n.º 3.775/2008,
de autoria do Poder Executivo, o qual propunha a implantação dos Institutos
Federais de Educação Ciência e Tecnologia a partir da integração e reorga-
nização dos CEFETs, ETFs e EAFs, vinculadas às Universidades Federais,
com o objetivo de difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos como
suporte à produção local.
O PL tramitou primeiramente na Câmara dos Deputados, sendo apre-
sentado em 23/07/2008. Nesta casa sofreu algumas alterações pontuais, mas
sem alteração substancial do conteúdo, tendo sido aprovado com facilidade.
Na sequência o texto seguiu para apreciação no Senado Federal, como PL n.º
177/2008, onde foi aprovado sem alterações.
Destaca-se que a celeridade na tramitação do PL decorre do pedido de
Urgência Constitucional, encaminhado pelo chefe do executivo, por meio
da mensagem n.º 604/2008, à Câmara dos Deputados. O que demonstra o
58
grau de interesse da Presidência da República na ampliação e consolidação da
Rede Federal de Educação Científica e Tecnológica — reforçando a hipótese
levantada na seção anterior, de que a Rede Federal foi pensada para alicerçar
e viabilizar o projeto político, econômico e social pensado pelo PT
A estrutura contida no PL, que vislumbrava a criação dos IFs e expan-
são da Rede, tinha o modelo dos CEFETs como base diretiva, haja vista que
estes já realizavam uma educação verticalizada, atuando em diferentes níveis
e seguimentos da formação humana.
Na propositura do PL havia como justificativa para a criação destas
instituições as demandas do setor produtivo, logo o projeto nasce ligado às
demandas do mercado e por ele se justifica. Ainda que se tenha no campo do
discurso a preocupação com a ampliação da formação de qualidade da classe
trabalhadora, havia como perspectiva os interesses do mercado e do projeto
de país pretendido à época pelo governo federal.
Pontuamos esta situação como a primeira grande contradição da futura
Rede Federal, pois de um lado tinha-se a intencionalidade de formação hu-
mana integral, do outro usava-se o mercado como justificativa e argumento
para a efetivação e aprovação do projeto, havendo dois projetos de sociedade
distintos em disputa e conduzidos por um único governo.
O aceno a duas perspectivas distintas de sociedade, aqui entendido
como contradição, foi o que garantiu a aprovação rápida do projeto inicial,
confirmado o caráter conciliatório das atuações políticas do PT.
Salienta-se que, na ocasião da votação do PL na Câmara, o deputado fede-
ral, Ex-Ministro da Educação Paulo Renato, se posicionou contrário ao projeto,
questionando o papel que deveria ser ocupado pelas instituições ofertantes de EPT.
[...] as escolas técnicas deveriam cuidar da educação profissional. Não
necessitavam copiar a estrutura das universidades federais, não necessi-
tavam dispor da autonomia universitária de que dispõem as universida-
des federais. Não precisavam de uma superestrutura para criar mais bu-
rocracia nas instituições federais. Elas precisam de mais vinculação com
o mercado de trabalho, precisam de mais vinculação com o mundo do
trabalho. Não deviam simplesmente criar superestruturas acadêmicas, que
vão desvirtuá-las ainda mais, afastá-las ainda mais do mercado de traba-
lho. (RENATO, PAULO, Parecer publicado no Diário da Câmara dos
Deputados, 6/11/2008, p.49.681)
59
O Ex-Ministro da Educação, do governo Fernando Henrique, com-
preendia que as Instituições ofertantes de educação profissional deveriam res-
tringir-se à oferta de formação técnica de nível médio atreladas ao mercado
de trabalho. Reforçando a necessidade de oferta de educação dual e tecnicista.
Ainda que pactuando desta perspectiva, a qual foi a diretriz de suas políticas
para a EPT quando à frente do MEC, votou favorável ao PL.
Costa e Marinho (2018), expressam que a tramitação do PL que ori-
ginou a criação dos IFs ocorreu de modo aligeirado, estando muito centra-
do na aprovação da Lei e não na operacionalização da política educacional.
Primeiramente objetivou o apoio e a aprovação do PL para posteriormente
pensar as necessidades e pormenores que garantiriam a aplicabilidade.
O período de apreciação do PL nas duas casas legislativas foi considera-
velmente rápido, tendo durado apenas cinco meses até a sua aprovação final,
ocorrendo sua transformação na Lei Ordinária n.º 11.892 de 29 de dezem-
bro de 2008. Com a institucionalização da RFEPCT, as antigas instituições
pertencentes à Rede Federal passam a estar subsumidas a um novo estatuto
jurídico e administrativo.
A promulgação da Lei n.º 11.892/2008, é o ponto estruturante para a
reorganização e reconfiguração da Rede Federal. A referida lei possibilitou a
materialização de um projeto de inserção de unidades e instituições de EPT
em todos os estados do Brasil durante um curto período (2009 a 2015).
Após a aprovação da Lei o país inicia um movimento de garantia da ex-
pansão da Rede Federal, dava-se continuidade ao plano de expansão lançado
em 2005 e já mencionado neste capítulo. A partir de 2007 o país se vê diante
da efetivação da fase 2 do Plano de Expansão, em que propunha a criação
de 150 novas unidades. Na fase 3 do Plano de Expansão, lançado no ano de
2011, tinha-se a expectativa de criar 208 novas instituições federais até 2014.
Como resultado, a estes planos de expansão, referendados pela Lei n.º
11.892/2008, a Rede Federal saltou de um quantitativo de 144 instituições
em 2008, para 642 instituições em 2017. Resultando na construção de 498
novas instituições de EPT em todo o território nacional. A expansão das insti-
tuições entre 2009 a 2015, pode ser considerada o maior projeto de Educação
Profissional já visto no país, quantitativa e qualitativamente.
O governo compreendia que para a efetivação de uma política pública
60
educacional da magnitude da proposta era necessário aporte de recursos, e
isto de fato se concretizou. Ao término do Governo Lula o orçamento glo-
bal do MEC foi triplicado, saindo de R$ 17,4 bilhões em 2004, para R$
51 bilhões em 2010, “Isso quer dizer que o orçamento triplicou em termos
nominais e dobrou em termos reais”. (HADDAD, 2010). Evidente que a
totalidade da pasta foi afetada por esta ampliação orçamentária, mas dada
a magnitude do projeto, um grande contingente de recursos foi destinado à
instalação e manutenção da Rede Federal.
O Governo Federal ao instituir a Rede Federal perspectivava alocar em
um mesmo marco regulatório as diferentes instituições ofertantes de EPT, o
que facilitaria pela ótica da política pública, a padronização da oferta, forma-
to e orçamento.
No entanto, a proposta governamental esbarrou nas disparidades das
próprias instituições já existentes e das recém-criadas. As instituições da Rede
passam a ter temporalidades e marcas históricas muito dispares. “A Lei n.º
11.892, de 29/12/2008, que criou os IFs de fato engendra uma memória
secular. Assim, os IFs em sua realidade institucional convivem com a memó-
ria de longa, média e curta duração. Juntam-se memórias de um século, de
algumas décadas, e de menos de uma década”. (FRIGOTTO, 2018b, p.132).
Não se trata apenas de temporalidades distintas, mas de concepções
e modos diversos de compreender a formação profissional, alocadas em um
mesmo marco regulatório, logo, desdobrando-se em dificuldades de institu-
cionalidade e identidade. Acerca da identidade e caracterização, destacamos
que os elementos característicos e diferenciais da Rede Federal, como a ver-
ticalidade, a estrutura multicampi e a descentralização, ainda que potencial-
mente benéficos, também se apresentam desafiadores para a construção efeti-
va de um perfil institucional. Estes elementos — temporalidade e identidade
tornava frágil a ideia de rede e facilita a descaracterização da mesma efetivada
no período ultraneoliberal.
Com o propósito de garantir a efetividade e aplicabilidade da Rede
Federal, em 24 de março de 2009, o Conselho Nacional das Instituições
da Rede Federal de Educação Cientifica e Tecnológica (CONIF), surge na
esfera nacional para substituir o antigo Conselho dos Dirigentes dos Centros
Federais de Educação Tecnológica (CONCEFET). A partir de 2009 passam
61
a estar representados os dirigentes das 41 instituições que compõe a recém-
-criada Rede Federal como tentativa de articular as decisões, posicionamentos
e organizar a Rede Federal pela via dos representantes máximos.
Desde a institucionalização do CONIF a Rede Federal começa a pers-
pectivar ações mais articuladas, para que esta estrutura não se limite a uma
institucionalidade burocrática, mas se efetive enquanto prática concreta para
as instituições.
Destaca-se que existem lacunas e contradições entre o projeto pensado e
idealizado no campo das ideias da política pública e o que de fato se materiali-
zou frente um contexto de conciliação de classes no país. É notório, na história
recente da Rede Federal, que a política da EPT transitava entre a garantia e
promoção de uma educação de qualidade aos filhos da classe trabalhadora, as
demandas do mercado e a necessidade de elevação da escolaridade dos trabalha-
dores mais marginalizados das estruturas do capitalismo brasileiro.
A datar da Lei n. º11.892/2008 e seus desdobramentos, a EPT ofer-
tada na Rede Federal passa a vivenciar padrões elevados de qualidade, desde
o nível médio até a pós-graduação. A partir dos aportes de recursos a Rede
Federal passa a ter as condições que possibilitam a qualidade socialmente
referenciada. Conforme Frigotto (2018a, p. 31),
A qualidade da educação dá-se, por outra parte, dentro das condições
materiais objetivas que envolvem infraestrutura física com espaços educa-
tivos, laboratórios, material pedagógico; corpo docente, trabalhadores téc-
nico-administrativos, serviços e pessoal de apoio que atuem numa única
escola e com plano de carreira regulamentado. No caso do corpo docente,
é crucial o nível e a qualidade de sua formação, distribuição do seu tempo
entre atividades em sala de aula e tempo de estudo, organização de mate-
riais, orientação de projetos e monografias de final de curso, participação
em reuniões [...]
As instituições pertencentes à Rede Federal, como será demonstrado ao
longo de todo o texto, asseguraram estas condições materiais que alicerçariam
a qualidade socialmente referenciada. Tendo ao longo de seu breve histórico,
ampliado o número de servidores, garantido planos de carreira e salários,
instaurado o regime de trabalho com Dedicação Exclusiva (DE) e garantido
a ampliação de estrutura física.
62
Realizaremos na sequência uma análise das principais legislações e do-
cumentos elaborados pelo Governo entre os anos de 2008 e 2010 os quais
avalizariam e garantiriam a Rede Federal, sua institucionalidade, perspectivas
governamentais e o projeto em rede.
1.3 Diretrizes e instrumentos legais que
viabilizam a política educacional
As legislações, formuladas entre 2008 e 2010, objetivam construir
as bases teóricas e diretivas da Rede Federal, estes instrumentos tinham a
perspectiva da relação entre trabalho e educação, a integração e a superação
de uma educação dual e empobrecida. Analisaremos nesta seção a Lei n.º
11.892/2008 (BRASIL, 2008) e o documento “Os Institutos Federais: Uma
revolução na Educação Profissional e Tecnológica”. (PACHECO, 2010).
É válido salientar que o texto de Pacheco (2010), pretensamente intitu-
la que a Rede Federal propiciou uma revolução na EPT nacional, no entanto,
compreendemos, que a atuação da Rede Federal, em especial com a criação
dos IFs, não promoveu uma revolução, mas sim promoveu mudanças pon-
tuais a uma parcela da EPT. O projeto de expansão da Rede Federal, ainda
que fundamental para a propositura de mudanças para a formação da classe
trabalhadora, não propiciou ações revolucionárias dado todos os limites, já
expostos, do projeto de país em que a política pública estava assente.
A Rede Federal em 2008, foi construída perspectivando-se um modelo
de integração para a política da EPT. Ciavatta (2008), evidencia que a ideia de
formação integrada que adentrava as políticas públicas educacionais no início
dos anos 2000 tinha em seu alicerce a superação do dualismo educacional,
para tanto inseria a concepção de superação da ideia de formar um conjunto
de homens fragmentados historicamente pela divisão social do trabalho.
Trata-se de superar a redução da preparação para o trabalho ao seu aspecto
operacional, simplificado, escoimado dos conhecimentos que estão na sua
gênese científico-tecnológica e na sua apropriação histórico-social. Como
formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao
adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do
mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um país, integrado
dignamente à sua sociedade política. (CIAVATTA, 2008, p.82).
63
A ideia formativa, que se eleva nos anos 2000, pretendia possibilitar
formação humana ao nível técnico, centrada na apropriação dos saberes his-
toricamente produzidos e necessários para a formação completa de homens
que atuariam no mundo do trabalho.
A Lei n.º 11.892 de 2008 (BRASIL, 2008), estabelece as finalidades, objeti-
vos, bases legais e jurídicas para a construção efetiva de um Rede Federal de Educação
Tecnológica e cria os Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia.
Com o propósito de compreender as primeiras diretrizes postas para a
Rede Federal se analisará alguns dos aspectos fundamentais acerca da Lei n.º
11. 892/2008, os quais impactam a existência do EMI e a EP efetivada no
interior das instituições.
Com a Lei n.º 11. 892/2008 foram criados trinta e oito Institutos
Federais de Educação Ciência e Tecnologia (IFs), conforme expresso no Art.
5.º. As instituições de ensino que compõe a Rede Federal, são instituições di-
versas, espalhadas pela territorialidade brasileira, submetidas, regulamentadas
pelo MEC e são mantidas economicamente pelo Estado.
A noção de Rede Federal, consolidada com a Lei n.º 11.892/2008,
pode ser pensada como central para o Governo Lula, dado que a partir da
existência de uma Rede educacional colaborativa, complementar, identitária
e similar no território, passaria a ser possível a implementação de um projeto
desenvolvimentista nacional nas diferentes regiões, propiciando a formação
dos trabalhadores em consonância aos APLs.
Na análise do dispositivo legal n.º 11. 892/2008, chegasse ao Art. 2.º,
em que estabelece,
Art. 2.º Os Institutos Federais são instituições de educação superior, bási-
ca e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta
de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de en-
sino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos
com as suas práticas pedagógicas, nos termos desta Lei (BRASIL, 2008).
O artigo estabelece que a Rede deverá ofertar educação profissional e
tecnológica, atuando enquanto instituições de educação básica, profissional
e ensino superior, logo seriam instituições que obrariam em diferentes níveis
de ensino, condição que tornam a Rede Federal, na figura dos IFs, única
64
considerando a diversidade de atuação. O artigo garante que estas atuem em
diferentes níveis de ensino, o que avaliza uma significativa heterogeneidade,
com a intenção de contemplar todas as demandas que surgiriam em uma re-
gionalidade a qual a instituição esteja inserida. Possibilitando que diferentes
níveis de formação dialoguem e complementem-se.
Outro aspecto evidenciado neste trecho da lei, é a ideia de descentrali-
zação da oferta de formação, sendo estas instituições multicampi, elas trans-
cendem o espaço dos grandes centros e passam a ser instaladas em diferentes
localidades do país. A inserção da exigência de diferentes campus, garante
legalmente, a democratização da educação entre as regiões.
Em relação à concepção pluricurricular, exposta na Lei n.º 11.
892/2008, está prevista que o processo formativo deverá respeitar as particu-
laridades locais, assim sendo, campus e instituições teriam autonomia para a
escolha e composição de seus currículos para que a formação profissional ali
realizada de fato atendesse as demandas locais, desde que respeitada as parti-
cularidades legais da Rede Federal.
O Art. 6.º da lei explicita o caráter de oferta da educação profissio-
nal em diferentes formatos, com vistas ao desenvolvimento local regional e
nacional. A oferta da educação profissional se efetiva a fim de formar verti-
calmente profissionais que possam atuar e atender os APLs. Sendo que a for-
mação profissional deveria desenvolver processos educativos e investigativos
capazes de formar profissionais que atendessem as problemáticas do mercado,
bem como gerar soluções a este mercado e as demandas regionais. O Inciso
II evidencia que a proposta educacional da Rede Federal, aloca a pesquisa na
centralidade. A pesquisa científica é um processo educativo, e é apresentada
como o guia que possibilita a aprendizagem e se efetiva a partir das demandas
sociais e econômicas.
A Lei n.º 11.892/2008, em seu Art. 6.º, também estabelece que as
instituições deverão ter a responsabilidade de atuação na esfera de produção
científica e tecnológica, devendo,
V — Constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciên-
cias, em geral, e de ciências aplicadas, em particular, estimulando o desen-
volvimento de espírito crítico, voltado à investigação empírica;
VI — Qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino
65
de ciências nas instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação
técnica e atualização pedagógica aos docentes das redes públicas de ensino;
VII — Desenvolver programas de extensão e de divulgação científica e
tecnológica (BRASIL, 2008)
Estas instituições devem ser centros de excelência formativa, promotores
e produtores de ciência, estreitando laços com as comunidades, pela via da ex-
tensão, não ficado a formação ofertada condicionada ao mecanicismo técnico
e ao praticismo. Apesar destas instituições terem a educação profissional como
objetivo final, pelo dispositivo legal, assegura a formação geral, a formação
científica e importância social da socialização das produções científicas desde
a EB, sendo estas instituições referências na proposta de formação integrada.
A medida em que a lei evidencia que os IFs devem produzir ciência,
auxiliar na formação dos professores e formar de modo integrado, evidencia a
importância que a educação ganhou no projeto de nação que estava em cons-
trução. Não estamos aqui desconsiderando que este projeto possuía traços
utilitaristas, desenvolvimentistas e de conciliação de classe, porém é notório
que a educação, em especial a federal adquiriu um novo status e importância,
um novo papel e formato.
Ainda no Art. 6.º consta no Inciso VIII que os IFs devem ter como
finalidade “realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o
empreendedorismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico e tec-
nológico” (BRASIL, 2008), neste trecho temos um claro direcionamento de
uma categoria a qual vinculam-se as Pedagogias do Capital, sendo ela o em-
preendedorismo, esta terminologia é destacada na Rede Federal desde a sua
criação e por ser uma finalidade, acaba estando presente no desenvolvimento
formativo dos estudantes, sendo exposta como positiva pelo conjunto legal.
É possível depreender que a formação dos estudantes, posta pela Lei
n.º 11.892, apesar de resgatar pressupostos que se assemelham a conceitos
marxistas, como a noção de formação integral do ser humano, suporte da
ciência para o desenvolvimento dos sujeitos, ela traz em seu bojo terminolo-
gias do capital, reforçando a interpretação de que a Rede Federal alicerça uma
educação e formação que tende a auxiliar o projeto de conciliação de classes.
A Lei n.º 11.892/2008, garante a existência do tripé ensino pesquisa
e extensão desde a EB, com a integração, a verticalização do ensino e enfim,
66
objetivando uma formação humana mais completa para a parcela da popula-
ção que desenvolver sua formação na Rede Federal.
Acerca do Tripé ensino, pesquisa e extensão, este fica ainda mais evi-
dente no Art. 7.º da lei, onde versa acerca dos objetivos dos IFs, sendo eles,
I — Ministrar educação profissional técnica de nível médio, prioritaria-
mente na forma de cursos integrados, para os concluintes do ensino fun-
damental e para o público da educação de jovens e adultos;
II — Ministrar cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores,
objetivando a capacitação, o aperfeiçoamento, a especialização e a atua-
lização de profissionais, em todos os níveis de escolaridade, nas áreas da
educação profissional e tecnológica;
III — realizar pesquisas aplicadas, estimulando o desenvolvimento de so-
luções técnicas e tecnológicas, estendendo seus benefícios à comunidade;
IV — Desenvolver atividades de extensão de acordo com os princípios
e finalidades da educação profissional e tecnológica, em articulação com
o mundo do trabalho e os segmentos sociais, e com ênfase na produção,
desenvolvimento e difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos;
V — Estimular e apoiar processos educativos que levem à geração de tra-
balho e renda e à emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvi-
mento socioeconômico local e regional; e
VI — Ministrar ao nível de educação superior[...] (BRASIL, 2008)
Nos Incisos I, III e IV ficam asseguradas a existência do ensino, pes-
quisa e extensão no cotidiano da instituição, devendo estas atuarem de modo
interligado e relacionado. A formação dos estudantes deve prioritariamente
ser integrada, de modo que os processos formativos sejam mais amplos e
possíveis de efetivação das finalidades da instituição. A pesquisa científica, é
compreendida no inciso III, como basilar para o desenvolvimento humano,
para o desenvolvimento de uma dada comunidade, sendo que sem o aperfei-
çoamento e efetivação desta as forças produtivas ficam estagnadas. Possibilitar
que estudantes da EB estejam inseridos em dinâmicas de pesquisa é essencial
para compreenderem o mundo.
O Inciso V evidencia a ideia de que a oferta de educação ampla, ali-
cerçada no tripé ensino, pesquisa e extensão, vertical e integral, garantem o
trabalho e a renda e que estes são essenciais para a emancipação dos sujeitos.
A concepção de emancipação, posta pela equipe de gestão do Governo Lula,
67
concebia que a emancipação dos sujeitos estava intimamente vinculada ao
consumo, assim, a garantia de uma educação de qualidade garantiria acesso
ao mundo do trabalho, o que supriria as demandas emergentes desenvolvi-
mentistas, garantiria renda aos sujeitos e acesso ao consumo.
A proposta que surge nesta lei, e nas materializações do governo de coa-
lização, conduzido pelo PT, tinha a concepção de emancipação condicionada
aos limites do capital, logo apesar de avanços de um modelo formativo, como
os IFs, este não superou e, sequer, pretendia a superação da lógica burguesa.
Conforme expresso na lei, pensava a necessidade de garantir que uma parcela
da classe-que-vive-do-trabalho galgasse postos de trabalho, na lógica burguesa.
O Art. 8.º assegura que o principal foco e a principal oferta, quanto
ao quantitativo de vagas dos IFs, deve ser o EMI. Estando na lei a seguinte
descrição: “No desenvolvimento da sua ação acadêmica, o Instituto Federal,
em cada exercício, deverá garantir o mínimo de 50% (cinquenta por cento)
de suas vagas para atender aos objetivos definidos no inciso I do caput do art.
7.º desta Lei [...]” (BRASIL, 2008), a prioridade das instituições é o EMI, as
demais vagas poderão dividir-se em cursos de Licenciaturas, Pós-Graduação,
Concomitantes, Subsequentes e Formação Inicial Continuada (FIC).
No Art. 11.º, fica estabelecido que os IFs devem possuir um Reitor e
cinco Pró-Reitores, sendo que estes passam a responder pela instituição, e estes
compõem o órgão executivo da Reitoria. No que tange os processos de escolhas
dos dirigentes das instituições, estes ficam estabelecidos pelos Art. 12.º em re-
lação à Reitoria e o Art. 13.º quanto as Direções Gerais. Ficando assegurada a
existência de eleições, por consultas à comunidade acadêmica, estas consultas
serão guiadas pelo princípio da paridade entre os segmentos docentes, técnicos
e discentes, cada um dos seguimentos representa 1/3 dos votos.
A lei garante que a comunidade deve participar da consulta eleitoral e
competindo ao Presidente da República nomear a Reitor o candidato mais
votado e posteriormente este nomear os diretores mais votados de cada um
dos campi, mantendo a escolha democrática.
Com esta legislação, efetivava-se no país as bases jurídicas e legais que
suplementariam uma Rede Federal em todo o território brasileiro, a qual
contribuiria para a continuidade de um projeto de país no transcurso da Era
Lulo-Petista.
68
Encerrando a análise documental que estrutura as bases da recons-
trução da Rede Federal, iniciamos a análise do documento intitulado Os
Institutos Federais: Uma revolução na Educação Profissional e Tecnológica,
publicado em 2010 (PACHECO, 2010), publicado pela SETEC/MEC. O
documento, de autoria de Eliezer Pacheco, então Secretário de Educação
Profissional e Tecnológica do MEC, sistematizava as características da políti-
ca pública para a EPT e expunha os direcionamentos para a nova versão da
formação humana.
No documento de 2010, novamente, é expresso que a Rede Federal se-
ria um dos pilares do Governo Petista, auxiliando na formação dos trabalha-
dores e no desenvolvimento nacional. Suprindo as demandas que emergiriam
frente aos avanços do capital no país. O documento é otimista, no âmbito
da formação humana que deveria se efetivar na Rede Federal, não pensando
viabilidades de interrupção com o modo de produção vigente.
Destaca-se que o texto inicialmente expõe que a política para EPT
pensada e traçada pelo PT, é parte constituinte de um projeto político demo-
crático e popular, deste modo, se anunciam como executores de uma “nova
história” para a EPT nacional. O documento destaca que “Nos recusamos a
formar consumidores no lugar de cidadãos, a submeter a educação à lógica do
capital, colocando o currículo como instrumento do simples treinamento de
habilidades e técnicas a serviço da reprodução capitalista (PACHECO, 2010,
p. 08)”, evidenciando um comprometimento, teórico, com a formação dos
sujeitos. A apresentação mascara a intencionalidade da conciliação de classe
presente na política pública em análise.
Se realça, que apesar da equipe teórica e técnica que auxiliaram na
formulação do projeto de EPT, da primeira década dos anos 2000, serem
pesquisadores da educação alicerçados na teoria marxista e gramsciana, estes
estavam limitados por um governo federal que não rompera com o neolibera-
lismo, e sim que incorporou seus aspectos “positivos” e os associam com a po-
lítica conciliatória. Logo, apesar de o documento e o modelo se pretenderem
como possíveis rupturas, estes não efetivam alternativa ao neoliberalismo.
Embora, em Pacheco (2010), haver uma ênfase de que o PT na área
educacional se contrapôs ao neoliberalismo, isto não se efetivou de fato.
A política EPT demandou uma ampliação do papel do Estado, exigindo
69
investimentos estatais e um Estado grande, no entanto, não é possível consi-
derar que esta ação caracteriza uma descontinuidade com o neoliberalismo,
visto que as políticas públicas não devem ser analisadas de modo isolado.
Expressa-se em Pacheco (2010), que há a intencionalidade de formar
um contingente de trabalhadores de modo amplo, alicerçado na ciência, no
trabalho, na cultura e nas artes, com vistas a constituir um projeto de socieda-
de mais igualitária, sendo que as instituições da Rede Federal devem ser pen-
sadas como espaços estratégicos, polos de cultura, ciência, ensino e pesquisa,
permanentemente abertos para a comunidade.
O processo de formação pretendido pela SEETEC e expresso pelo en-
tão secretário da pasta buscava associar a formação dos sujeitos ao mundo
do trabalho, destacando que “Nosso objetivo central não é formar um pro-
fissional para o mercado, mas sim um cidadão para o mundo do trabalho, o
qual poderia ser tanto técnico, como um filósofo, um escritor, ou tudo isso
[...] (PACHECO, 2010, p. 10-1)”, diante do exposto, compreendemos que a
proposta para a Rede Federal deveria romper com a compreensão excludente
em que a classe-que-vive-do-trabalho não poderia vir a desempenhar ativida-
des de cunho intelectual e artístico.
A formação, tal qual expressa, deveria propiciar uma formação integral
e plena dos sujeitos. Sedo que a educação da Rede Federal deveria possibilitar
que os sujeitos pudessem vivenciar diferentes dimensões da vida humana, a
partir de diversas atividades formativas.
Outro aspecto importante no documento, é a adesão à concepção de
aluno enquanto sujeito histórico e que como tal necessita acessar os saberes
que o circundam para modificar aspectos sociais e econômicos que os circun-
da, Pacheco (2010, p. 11), pondera que,
A Rede Federal, por sua excelência e vínculos com a sociedade produtiva,
tem condições de protagonizar um Projeto Político-Pedagógico inovador,
progressista e capaz de construir novos sujeitos históricos, capazes de se
inserir no mundo do trabalho, compreendendo-o e transformando-o na
direção de um novo mundo possível, capaz de superar a barbárie neo-
liberal e restabelecer o ideal da modernidade de liberdade, igualdade e
fraternidade, sob a ótica das novas possibilidades abertas à humanidade
neste princípio de século.
Os Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia são a síntese
70
daquilo que de melhor a Rede Federal construiu ao longo de sua história
e das políticas de educação profissional e tecnológica do governo federal.
São caracterizados pela ousadia e inovação, necessárias a uma política e
um conceito que buscam antecipar aqui e agora as bases de uma escola
contemporânea do futuro e comprometida com uma sociedade radical-
mente democrática e socialmente justa.
A Rede Federal é compreendida no documento como espaço de supera-
ção de exclusões sociais, ao passo que concebia a possibilidade de uma formação
profissional potencializadora de humanidade. Visão importante para perspectivar
uma formação ampla e pela via da integralidade do ser humano, porém sumaria-
mente romantizada no contexto contraditório da crise estrutural do capital.
A SETEC/MEC e seus intelectuais apresentavam a EPT realizada na
Rede Federal como uma alternativa a condição histórica de subalternidade da
classe trabalhadora, sendo a educação pensada enquanto compromisso social
com os setores historicamente alijados dos processos de desenvolvimento,
modernização e formação de qualidade. Sendo os IFs, pensados, como es-
paços privilegiados de conhecimento e democratização da intelectualidade.
Diante do conjunto de legislações e documentos aqui analisados, in-
fere-se para o governo, com a consolidação dos IFs e fortalecimento da Rede
Federal,
Vislumbra-se que se constituam um marco nas políticas educacionais no
Brasil, pois desvelam um projeto de nação que se pretende social e eco-
nomicamente mais justa. Na esquina do tempo, essas instituições podem
representar o desafio a um novo caminhar na produção e democratização
do conhecimento. (PACHECO, 2010, p. 16)
Estava no horizonte dos formuladores desta política pública um projeto
de país mais justo, e concebia-se que grande parte desta justiça seria atingida
pela promoção de uma educação de qualidade. Apesar de a política pública de
expansão da Rede Federal e posterior criação dos IFs, ser compreendida como
progressista nesta pesquisa, diante da democratização da educação de qualidade,
da ciência e da cultura, também não pode ser vista de modo romantizada, como
aparece nos documentos, e como revolucionária, dados os limites da sociedade
burguesa e o papel histórico assumido pelo governo de coalização do PT.
71
Observa-se ao analisar as leis, documentos e decretos que englobam
a expansão da Rede Federal e a construção dos IFs, na primeira década dos
anos 2000, que havia uma fetichização destes e que, erroneamente, atribui-se
a estes instrumentos legais a responsabilidade e possibilidade de melhoria da
EPT federal. Inicialmente, é fundamental alertar que não se pode atribuir
a uma política a responsabilidade de transformação social, em especial uma
política pensada no interior das articulações do Estado burguês.
A partir das colocações de Novaes e Okumura (2022), é possível de-
preender que as propostas educacionais elaboradas pelo PT realizaram uma
revolução dentro da ordem”. Ou seja, as transformações educacionais para a
EPT e para Rede Federal foram realizadas por dentro da legalidade do Estado
burguês, não havia o interesse em superar a ordem capitalista.
Ponderamos que na política educacional do PT, em especial no que
concerne à Rede Federal e seus processos expansionistas, atribuiu à educação
o papel de transformação social, mas sem alterar as estruturas da sociedade de
classes. Erroneamente atribuindo à escola a responsabilidade de solucionar as
contradições históricas do país, o que em si, fragilizou a proposta e a política
que se materializou na Rede Federal.
O projeto de política educacional em que está circunscrita à Rede
Federal é cercado de contradições, que transitam entre o anseio de construção
de uma educação para a classe trabalhadora para além da dualidade e os an-
seios de constituição de um projeto de país modernizante e conservador. Esta
contradição entre o atendimento a uma formação que pensa a possibilidade
de garantia de formar trabalhadores a partir dos pressupostos da formação
integral e a necessidade de atendimento aos interesses do capital e seus repre-
sentantes, esteve e está presente em todo o histórico da efetivação da política,
acarretando problemas na identidade e na concepção de ser humano que se
pretendia formar no interior da Rede Federal.
A Rede Federal emerge de uma proposta de educação que se pretendia
progressista, porém tal como se desdobrou e materializou-se confirmava o ca-
ráter conciliatório do governo, logo não garantiu uma educação efetivamente
integral dos homens, mas sim integrada no sentido formal.
Encerra-se esta seção do texto compreendendo que a política e o pro-
jeto do Governo Lula para a EPT desdobraram-se no cotidiano da Rede
72
Federal — do projeto a materialidade na sua primeira década — como uma
saída liberal para a formação da classe trabalhadora, com uma proposta e
um ensino bem estruturado, com qualidade, orçamento e infraestrutura, mas
voltado ao atendimento do mercado e aos APLs.
Ainda que cercada de elementos contraditórios, a potencialidade in-
trínseca à Rede Federal de promoção de educação integral e integrada aos
homens da classe trabalhadora é compreendida pelo ultraneoliberalismo e
seus representantes como algo a ser silenciado e descaracterizado, o que foi
ocorrendo de modo progressivo no decorrer dos anos ultraneoliberais.
O próximo capítulo se encaminha de modo a compreender as nuances,
caminhos e características do ultraneoliberalismo e como este volta-se para a
EPT ofertada na Rede Federal e almeja descaracterizar a Rede Federal em sua
totalidade, mas em especial a sua principal tipologia de cursos, o EMI.
73
2.
CONSTRUÇÃO DO
ULTRANEOLIBERALISMO: RESPOSTAS
AS CRISES DO MODO DE PRODUÇÃO
E SEUS DESDOBRAMENTOS
NA EDUCAÇÃO FEDERAL
Compreendemos que o Brasil vivenciou a partir de 2016 um período
denominado ultraneoliberalismo, o qual será descrito no transcurso deste ca-
pítulo, no entanto, antes de caracterizar o chamado período ultraneoliberal
tornou-se necessário analisar e descrever o momento anterior, o neolibera-
lismo no Brasil, passando pela compreensão do receituário ideológico e seus
desdobramentos na educação nacional.
Tomamos como ponto de partida que o período neoliberal no Brasil se
iniciou na década de 1990 e encerrou em 2015, sendo que, a partir de 2016 o
país adentrou a fase do ultraneoliberalismo. Ao longo do período neoliberal o
país viveu primeiramente o momento de implantação acelerada do receituá-
rio na década de 1990, com o pacote de políticas de minimização do Estado e
flexibilização da vida. E nos anos 2000, vivenciou um neoliberalismo abran-
dado pela lógica da conciliação de classes do PT.
Apesar das diferenças de modo de organização e atuação do neolibera-
lismo entre as décadas de 1990 e o início dos anos 2000, em ambos os perío-
dos ocorreu a efetivação do modelo neoliberal, promovendo problemáticas
para a classe trabalhadora.
Ainda que circunscrito no espectro neoliberal, o governo de coaliza-
ção, conduzido pelo PT, dado a política de conciliação de classes, arrefeceu
74
ofensiva neoliberal. Diante deste abrandar, após 2013 a burguesia nacional
passou a demandar a retomada do neoliberalismo avassalador, abrindo espaço
para a fase ultraneoliberal.
Para compreender as transformações do liberalismo no Brasil, recor-
remos a Novaes e Okumura (2022), os quais afirmam que após a década de
1990 vivencia-se uma metamorfose do modelo ditatorial, sendo que o país
encerrou na década de 1980 a Ditadura empresarial militar e adentrou uma
fase de ditadura do capital financeiro, iniciando assim, um período de mer-
cantilização da educação decorrente da mundialização do capital. Esta nova
modalidade ditatorial impactou e impacta diretamente as transformações da
ideologia liberal e estão na base do ultraneoliberalismo.
Partindo do exposto iniciaremos uma breve caracterização do ideário
neoliberal, passando pelas consequências na formação humana, até adentrar-
mos na conjuntura atual de avanço ultraneolberal e seus desdobramentos na
Rede Federal.
2.1 O receituário neoliberal: análise introdutória
das características e dos e fundamentos
Iniciamos esta seção tendo como centralidade a perspectiva marxiana
a qual assegura que as crises no interior da sociedade capitalista são cíclicas.
Todavia, o capital busca constantemente alternativa as crises através de refor-
mulações. Neste sentido “Cada limite aparece como barreira a ser superada
(MARX, 2011, p.540)”, na própria lógica do sistema, não garantindo ou
perspectivando a transposição das contradições do modo de produção.
[…] o capital põe todo limite desse gênero como barreira e, em conse-
quência, a supere idealmente, não se segue de maneira nenhuma que a
superou realmente, e como toda barreira desse tipo contradiz sua determi-
nação, sua produção se move em contradições que constantemente têm de
ser superadas, mas que são também constantemente postas. Mais ainda. A
universalidade para a qual o capital tende irresistivelmente encontra bar-
reiras em sua própria natureza, barreiras que, em um determinado nível
de seu desenvolvimento, permitirão reconhecer o próprio capital como a
maior barreira [...] (MARX, 2011, p.543).
75
A dinâmica do capitalismo não reconhece que as incongruências do sis-
tema produtivo levam a irreconciliáveis contradições, mas sim, vislumbram
uma perene e eterna superação de barreiras que se manifestam no plano social
e econômico. Esta busca “eterna” resultou e resulta, em diferentes momentos
históricos, na mudança estrutural e da ideologia do capitalismo.
A observar que a grande corrente ideológica e teórica que sustenta
o capitalismo é o liberalismo, conforme emergem as crises do capital e do
modo de produção capitalista, esta ideologia guia sofre abalos, reformulações
e transformações para assegurar a manutenção e perpetuação do capitalismo
e acumulação de capital.
Destaca-se que as reformulações centrais do liberalismo clássico1 são o
keynesianismo e welfare state2 — enquanto resposta à crise de 1929 (reformu-
lações que não aprofundaremos haja vista o distanciamento desta ao nosso
objeto), o neoliberalismo — como resposta à crise estrutural do capital da
década de 1970 e mais recentemente o ultraneoliberalismo — com finalidade
de conter a crise do capitalismo global financeirizado.
Ao longo da história, observa-se que as últimas duas reformulações do
liberalismo e as respostas dadas pelos representantes do capital as crises, são
globais e cada vez mais intensas e ofensivas para com a classe trabalhadora.
Acerca da ofensiva do capital, Mészáros (2011, p. 800), evidencia que na
estrutura do capital “Seu modo normal de lidar com contradições é intensi-
ficá-las, e transferi-las para um nível mais elevado, deslocá-las para um plano
diferente, suprimi-las quando possível, e quando elas não puderem mais ser
suprimidas exportá-las para uma esfera ou um país diferente.” Este processo
de intensificação das crises e dos avanços do capital, não ficam circunscritos
1 A fim de compreender o liberalismo clássico torna-se essenciais algumas leituras basilares deste,
sendo Locke (1994), Montesquieu (1996), Rousseau (2008) e Smith (1979). Mencionamos estes,
dado que através da leitura e análise destes autores é possível compreender a concepção de Estado,
Economia e Sociedade dos autores liberais. Mas compete aqui evidenciar que Smith (1979) introduz
a concepção de liberalismo econômico, o qual foi o mais difundido e partilhado pela sociedade
capitalista, logo acabou por balizar as formulações teóricos posteriores do liberalismo. Esta visão do
liberalismo econômico clássico mascara os conflitos e contradições oriundos da lógica capitalista,
mistifica o mercado e as relações sociais e evidencia um Estado estruturado para a reprodução do
Capital em suas múltiplas facetas e esferas.
2 Ver as contribuições de Arretche (1996) e Dardot; Laval (2016) os quais exemplificam características
pontuais das teorias de salvamento ao capital a partir da crise do fim da segunda década do século XX.
76
a esfera econômica, mas também adentram as esferas sociais e políticas, pois
as crises do capital não são diluídas nos limites da economia, mas necessitam
reorganizar todas as frações da sociedade.
Diante da intensificação das contradições e das crises, o capital intensi-
fica a ofensiva ao campo social, para beneficiar o grande capital e a manuten-
ção da acumulação. Intensificando a miséria, as desigualdades e precarização
do trabalho. Este movimento ficou evidente no neoliberalismo e aprofunda-
-se no ultraneoliberalimo. Reformulam-se teorias liberais, com vistas a ade-
quação aos diferentes momentos históricos.
O período denominado neoliberal, apesar de ter suas primeiras for-
mulações teóricas nos anos 1940, é efetivamente datado em relação à aplica-
bilidade prática, a década de 1970, onde o mundo vivenciou uma profunda
crise. Evidencia-se que,
O termo “neoliberalismo” é recente, data do ano de 1945, e é utilizado,
em geral, para denotar a adesão à doutrina liberal de tradição anglo-saxã
que afirma ser a liberdade do indivíduo dentro da lei a melhor forma de
alcançar, por métodos pragmáticos, a prosperidade e o progresso. O cerne
dessa noção é a defesa do capitalismo de livre mercado. O Estado somente
deve intervir para restabelecer a livre concorrência econômica e a iniciati-
va individual. (LEHER; MOTTA, 2012, p. 578)
A diretriz teórica que sustenta o neoliberalismo ganhou terreno fértil
com o avanço da crise estrutural do capital, sendo que em nome de um pre-
tenso progresso defendem o livre mercado e a intervenção mínima do Estado.
Nesta lógica, o Estado assume o papel de promotor das regras que viabiliza-
riam a concorrência e recuperação do capital burguês.
Mészáros (2011), destaca que o processo iniciado nos anos 1970 de cri-
se do modo de produção, difere-se das crises cíclicas e de caráter provisório,
tal qual expostas na teoria marxiana, tendo em vista que possui agora caráter
universal, desdobra-se em impactos globais, o tempo de duração é alongado
e extenso e por fim, pode ser caracterizada como uma crise permanente que
atinge diferentes esferas do modo de produção capitalista. Como desdobra-
mento, “[…] tudo o que o sistema poderia realizar seria transformar uma
de suas crises periódicas mais ou menos temporárias e conjunturais em uma
77
crise estrutural, crônica, afetando diretamente, pela primeira vez na história,
toda a humanidade” (MÉSZÁROS, 2011, p. 632), afetando a economia e as
diferentes instituições sociais.
A partir deste período histórico as contradições do capital vão progres-
sivamente manifestando-se como irreconciliáveis, frente as configurações já
conhecidas do modo de produção, demandando a reformulação de teorias
capazes de auxiliar no processo de superação do esgotamento das estruturas
do capital, e neste bojo surge o neoliberalismo como alternativa que possi-
bilitou, através do resgate de pressupostos do liberalismo clássico, o auxílio
necessário para a manutenção da ideologia liberal.
Os primeiros governos que se valeram de concepções neolibe-
rais foi Augusto Pinochet, no período de ditadura no Chile (1973-1990),
Margareeth atcher, no Reino Unido (1979 –1990) e Ronald Reagan, nos
Estados Unidos (1981 – 1989). Cada um destes expoentes se encarregou de
viabilizar a adoção e efetivação concreta do ideário neoliberal, assegurando a
diminuição do papel do Estado, garantindo o aparto estatal para o benefício
do mercado, ressignificando o processo de acumulação, em especial pela flexi-
bilização favorável ao capital e ampliando as desigualdades através da criação
de impostos e retiradas de direitos sociais.
O receituário neoliberal, após a aplicabilidade real nestes três países,
a partir da década de 1970, ganhou visibilidade e garantiu a universalização
deste modo de organização da vida. Nota-se que, estes três governos, foram
expositores para a difusão do modelo para o mundo.
As crises do sistema do capital e a adesão ao neoliberalismo modifica-
ram progressivamente o modo de organização da vida, alterando as relações
sociais, trabalhista, econômicas e educacionais, buscando alternativas para a
manutenção do modo de produção.
Dardot e Laval (2016), asseguram que o neoliberalismo, produz no
conjunto social, mudanças não apenas de aspectos econômicos e políticos,
mas das próprias subjetividades, e o fazem por meio da introdução da ra-
cionalidade do mercado e da racionalidade empresarial a toda à existência
humana. Sendo que,
Essa norma impõe a cada um de nós que vivamos num universo de com-
petição generalizada, intima os assalariados e as populações a entrar em
78
luta econômica uns contra os outros, ordena as relações sociais segundo o
modelo do mercado, obriga a justificar desigualdades cada vez mais pro-
fundas, muda até o indivíduo, que é instado a conceber a si mesmo e a
comportar-se como uma empresa (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 14).
A concepção de individualização e de livre mercado gestado pelo receituá-
rio neoliberal institui uma prerrogativa de organização da vida a partir dos desíg-
nios do mercado. Cada sujeito passa a estar sob o crivo contraditório da compe-
titividade de um modelo empresarial transposto para a vida social. Atravessando
e gestando a vida dos sujeitos, direcionando políticas públicas e definindo novos
modos de relações e subjetividades humanas, direcionando as sociedades ociden-
tais a uma organização social orientada pelos preceitos da mercadorização.
Nesta nova racionalidade fortaleceu-se a noção de liberdade individual,
alicerçada no ideário, errôneo, da igualdade entre os sujeitos. Contudo, no neo-
liberalismo é a liberdade do capital e do livre mercado que prevalece e avivasse.
Mészáros (2011), assevera que a premissa das oportunidades iguais é
avassaladora para o futuro da maioria dos sujeitos, sendo que esta falácia é
professada em jornais, discursos e políticas. A igualdade de oportunidades
será inviabilizada enquanto houver o domínio do capital em qualquer uma
de suas variáveis, pois enquanto os imperativos deste sistema permanecerem
determinando as formas e os limites da reprodução sociometabólica não ha-
verá a tão professada e igualmente falaciosa, igualdade de oportunidade.
Como a promessa de “oportunidades iguais” é utilizada como desvio mis-
tificador pela ideologia dominante, permanecendo para os que aspiram a
uma oportunidade tão impalpável como um sonho impossível, é grande a
tentação de virar as costas para esta questão da igualdade e procurar van-
tagens relativas para as porções mais ou menos limitadas de homens ou
mulheres em posição estruturalmente subordinada. É isso que é o artifício
ideológico oco da “igualdade de oportunidade” tenciona obter prometen-
do um avanço em direção a uma condição cuja realização está negando e
ao mesmo tempo excluindo a possibilidade de uma ordem social equitati-
va (MÉSZÁROS, 2011, p. 301)
O discurso da igualdade de oportunidades como pressuposto de justiça
para a efetivação da concorrência, adentra o campo ideológico, buscando a
79
criação de consensos em torno do tema, sendo que a educação é progressiva-
mente utilizada para este fim.
O neoliberalismo normatizou a lógica do capital, metamorfoseou o ca-
pitalismo, naturalizando as irreconciliáveis contradições, possibilitando que
as relações humanas estejam submetidas aos desígnios e jugos do capital. As
esferas da vida humana passaram a estar absorvidas e imbricadas pelos inte-
resses de reprodução do capital, inclusive a educação. Diante deste panorama
introdutório, adentraremos à análise do neoliberalismo no Brasil.
2.2 O neoliberalismo no Brasil: uma nova
sociabilidade para a organização social
No Brasil o receituário neoliberal ganha espaço na década de 1990,
em especial nos anos de condução do executivo nacional pelo presidente
Fernando Henrique Cardoso-FHC, neste período o país presenciou mudan-
ças estruturais as quais garantiriam aplicabilidade do ideário neoliberal.
Frigotto (2009), afiança que no transcurso dos oito anos do governo de
Fernando Henrique o país optou pela adesão a um capitalismo dependente
de cunho neoliberal, no período o Brasil passou por uma profunda reforma
do Estado e por processos de privatizações3, opção esta que garantiu ao país
um processo de desenvolvimento desigual e combinado. Ampliando desi-
gualdades, a exclusão e a dependência.
O guia para a implementação do neoliberalismo no Brasil esteve alicer-
çado no Consenso de Washington e demais Organismos Internacionais, ga-
rantindo assim a reprodução e adesão do desenvolvimento parcial, dependen-
te e combinado. As orientações do Consenso de Washington tomadas como
verdade buscavam discutir e orientar as reformas tomadas como necessárias
na América Latina, sendo estas centradas,
3 As privatizações no período neoliberal tiveram intensificação no período FHC, contando com
o apoio da LEI Nº 9.491, DE 9 DE SETEMBRO DE 1997 a qual alterava o programa de
desestatização. Durante o governo FHC o país teve mais de 100 empresas privatizadas em nome
da abertura ao capital internacional e da falácia da concorrência que melhoraria a eficiência dos
serviços. Soares (2004) evidencia que no período de 1991 a 2002 o país privatizou 165 empresas,
apesar dos movimentos privatizantes terem iniciado no Governo Collor, é no período FHC que o
processo de privatização ganhou força no país, sendo que entre 1997, 1998 e 1999 o país deixou de
controlar 123 estatais.
80
[…] em primeiro lugar um programa de rigoroso equilíbrio fiscal a ser
conseguido por reformas administrativas, trabalhistas e previdenciárias
tendo como vetor um corte profundo nos gastos públicos. Em segundo
lugar, impunha-se uma rígida política monetária visando a estabilização.
Em terceiro lugar, a desregulamentação dos mercados tanto financeiro
como do trabalho, privatização radical e abertura comercial (SAVIANI,
2013, p. 428).
Estes direcionamentos que primeiramente possuíam caráter exógeno
e impositivo ao Brasil, foram a partir da década de 1990 sendo progressiva-
mente incorporados e assumidos pela burguesia nacional e pelas elites econô-
micas. Garantindo assim, um espaço frutífero para a expansão do neolibera-
lismo brasileiro.
Antunes (2005), destaca que o avanço neoliberal no país na década de
1990, sob o comando do executivo de FHC era composto de uma postura do país
dócil e subserviente ao capital financeiro mundial, centrado nas privatizações, no
entreguismo, na desindustrialização, no desemprego, na precarização dos direitos
do trabalho, desmonte previdenciário e desregulamentação do trabalho.
A ofensiva neoliberal inviabilizava o fortalecimento econômico do país,
buscando adequação à mundialização do capital. “E quanto mais se desestru-
turava e se fragilizava internamente o país, mais ele se tornava dependente do
cassino financeiro internacional. FHC foi servil para os de fora e truculento
para os de baixo aqui de dentro […] (ANTUNES, 2005, p. 38)”, uma postura
que atendia aos interesses da burguesia nacional.
A adesão ao neoliberalismo do Brasil, tem de ser compreendida, como
uma opção política, apresentada como a única alternativa viável ao crescimento
econômico. A aceitação irrestrita ao ideário neoliberal rompia com as possibili-
dades de avanços concretos no campo social e instaurava um período de limites
econômicos para a classe trabalhadora e abonança para a burguesia nacional.
Acerca do principiar do neoliberalismo, Antunes (2005, p. 37) assevera que,
FHC iniciou, em 1994, simultaneamente ao processo de estabilização
monetária, um receituário programático que teve como consequência
mais nefasta o início da desmontagem do parque produtivo do país. O
programa Collor, eliminando seu traço aventureiro e bonapartista, foi im-
plementado pelo outro Fernando, com a racionalidade burguesa de um
81
país cuja burguesia foi sempre destituída de qualquer sentido progressista.
O resultado foi um monumental processo de privatização, desindustria-
lização, “integração” servil e subordinada à ordem mundializada, conver-
tendo-nos em país do cassino financeiro internacional.
FHC já em seu primeiro mandato, garantiu que o país adentrasse em
definitivo ao receituário neoliberal, a atuação do presidente e seu corpo mi-
nisterial comparavam-se as deliberações dos países pioneiros do neoliberalis-
mo após a década de 1970, bastando ver a celeridade dada para a implemen-
tação da nova política econômica e social.
A ofensiva neoliberal, não parou no primeiro mandato de FHC, e no
segundo aprofundou as condições de precarização para a classe trabalhado-
ra, as diretrizes que guiavam o então governo utilizava-se das práticas “bem
sucedidas” aos interesses do capital do primeiro mandato, mas acrescida da
elevação de impostos, subordinação irrestrita ao FMI, ampliação da precari-
zação do trabalho e da desindustrialização.
A adesão ao neoliberalismo nos anos 1990 não garantiu o desenvolvi-
mento do capitalismo brasileiro, considerando que nunca esteve no horizon-
te da política neoliberal fortalecer os países periféricos, mas sim mantê-los
nos ciclos de dependência.
Como citam Teixeira e Pinto (2012), o receituário neoliberal, adota-
do no Brasil, demonstrou afinidades com a concepção de desenvolvimento
dependente-associado efetivado pela crença no progresso para a periferia a
partir do avanço capitalista e na crença de que o desenvolvimento capitalista
da periferia somente se efetivaria a partir da abertura do mercado interno ao
capital estrangeiro.
A opção pelo capitalismo dependente-associado e de subordinação do
país frente ao capital internacional, resultou no aprofundamento da depen-
dência afirmam Teixeira e Pinto (2012), e asseveram ainda que os arranjos
econômicos organizados por FHC centrados na dependência e articulação
entre o sistema econômico e político internacional, resultou na ampliação do
papel da fração bancária-financeira do capital - este grupo passou a deter a
hegemonia do bloco de poder4 que governa o país.
4 A fim de compreender as minucias da noção de bloco de poder, recomenda-se a leitura de Poulantzas
(1977), em que define que a noção de Bloco de Poder é uma especificidade do modo de produção
82
A incorporação dos setores financeiros na tomada de decisões nacio-
nais não modificou e estruturou apenas aspectos econômicos, mas sim estes
grupos detentores de poder político e econômico, passaram a deliberar e dire-
cionar as políticas públicas nacionais para todos os setores sociais do país, ga-
rantindo assim, a completa subordinação do social ao capital. Direcionando
as ações governamentais, políticas e econômicas as diretrizes ditadas pelas
frações bancárias de âmbito nacional e internacional.
Estando o país na condição de subalternidade frente ao capital interna-
cional que vivenciava o aprofundamento de sua crise estrutural, o país se via
constantemente abalado pelas inconstâncias do mercado financeiro interna-
cional de modo a driblar os desdobramentos da crise, elevava as taxas de juros
e minimizava os gastos públicos. Mészáros (2011), destaca que o sistema
do capital tende a homogeneizar as diferentes esferas, transpondo modos de
produção e acumulação, mas do ponto de vista do capital, a ‘benção da homo-
geneização pode desdobrar-se na ‘maldição da interdependência’.
No Brasil a perspectiva homogeneizante do capitalismo, de fato des-
dobrou-se em uma ‘maldição’, foi notória no campo econômico, mas afetan-
do prioritariamente as classes subalternas, vivenciando as problemáticas da
fome, miséria e desemprego.
Acerca dos desdobramentos externos no Brasil, frente o receituário
neoliberal Teixeira e Pinto (2012) ressaltam que entre 1995 a 2002 o país
teve uma explosão da dívida pública externa e interna, quedas brutais na
economia, representadas pela queda do PIB, exteriorização fiscal e altas taxas
de desemprego5.
capitalista, e da luta de classes, estando situada nas relações das frações da classe dominante no interior
do Estado Capitalista. A noção de Bloco de Poder abarca o jogo entre as forças potencialmente
dominantes presentes no capitalismo, mediante sua atuação e domínio sobre as estruturas do Estado
capitalista. Estando esta conceituação atrelada ao anseio de hegemonia e unidade política do Estado. O
Bloco de Poder apoia e sustenta os processos de dominação que se evidenciam na sociedade de classe.
Na sociedade brasileira, com o advento do neoliberalismo, a hegemonia das frações da burguesia, em
especial a burguesa bancária e financeira, tornou-se evidente, sendo que este grupo passou a atuar de
modo preciso e enfático no processo de organização da sociedade brasileira.
5 Segundo a Série histórica IBGE o país encerra do ano de 2002 com uma taxa de desemprego
em 10,5. Observa-se que havia um crescimento ascendente nas taxas de desemprego no período
FHC e que após 2003 inicia-se um período de queda das taxas de desemprego, no findar de 2010
(término dos dois mandatos de Lula) o Brasil possuía uma taxa de desemprego em 5,3. As taxas de
83
Tornou-se no advento do neoliberalismo, naturalizado o país recorrer a
recursos externos, garantindo assim, a ampliação do endividamento nacional.
Como resultado o Brasil presenciou o avanço das mais diferentes mazelas so-
ciais e em paralelo à ampliação da redução do Estado, considerando que este
estava comprometido unicamente com o capital.
Como resultado deste “modelo”, toda riqueza que aqui se produz acaba
sendo substancialmente canalizada para o pagamento da dívida externa (e
interna) monumental, consequência da forma subordinada e dependente
de (des) integração do país a chamada mundialização. Desprovido de so-
berania, o país torna-se prisioneiro de um “modelo” que tem sido respon-
sável pelo aumento da precarização social, intensificação do desemprego
estrutural, explosão da violência e da criminalidade, descontrole completo
da corrupção, sendo que a lista das nossas mazelas e iniquidades seria in-
terminável. (ANTUNES, 2005, p. 96).
Conforme o neoliberalismo consolidava-se o país via a ampliação das
mazelas sociais e atuação de um Estado comprometido, exclusivamente, aos
interesses do capital.
No Brasil, o ideário neoliberal assegurou que as políticas de Estado
caminhassem em consonância com a nova proposta de sociabilidade. O
Estado passou a atuar de modo omisso frente as problemáticas sociais e de
modo grandioso frente ao fortalecimento do mercado, utilizando todas as
suas forças e potencialidade para garantir a reprodução e expansão do capital,
propiciando a sustentabilidade material do sistema capitalista, resultando no
aprofundamento da desigualdade social, concentração de renda, desemprego
e da miséria.
O Estado neoliberal aprofunda uma atuação para o atendimento da
burguesia e seus interesses. Aqui chegamos a Marx e Engels (2015), onde
defendem que o Estado moderno é o comitê que administra os negócios da
burguesia. Tal qual no período de escrita supracitada, no período neoliberal o
Estado atua para negociar e garantir os intentos de uma única classe.
desemprego seguem baixas no governo Dilma, tendo atingido seu menor índice da série histórica
(2002-2016) em dezembro de 2014 com uma taxa de 4,3, voltam a crescer as taxas de desemprego
a partir de 2015 com o avanço da crise institucional e política que afetará o país. Em fevereiro de
2016 a taxa de desemprego atinge 8,2.
84
A estrutura de um Estado neoliberal demonstrava-se incompatível com
a sociedade brasileira, a exemplo dos abismos sociais e a miserabilidade his-
tórica, o que abriu espaços para que outras forças políticas mais progressistas
surgirem no país. “A primeira geração do neoliberalismo na região engendrou
condições para a chegada ao governo de forças políticas que compunham o
largo espectro da centro-esquerda até forças com origem na esquerda, ainda
que com muitos matizes (LEHER, 2019b, p. 59)”. Os primeiros desdobra-
mentos do neoliberalismo, trouxeram consequências econômicas e de ordem
social, abrindo possibilidade de ascensão de governos de centro-esquerda
como os Governos do PT.
O processo de aparente esgotamento do modelo neoliberal, garantiu
uma falsa percepção de realidade, de que seria possível a construção de gover-
nos ao menos de centro-esquerda, capazes de equalizar as mazelas neoliberais.
Essa leitura ao longo da história mostrou-se equivocada,
[…] o esgotamento da primeira onda neoliberal nos anos 1990, seguido
da ascensão de governos progressistas ocorrida em seguida, criou a ilusão
de que o neoliberalismo havia passado. Produziu também um efeito com-
plementar: chamou nossa atenção para o lado das reformas econômicas e
seus impactos, retirando a nossa atenção do lado obscuro do neoliberalismo
— sua ligação política com os conservadores, seu significado ideológico e os
métodos pelos quais se propaga e resiste. Não levamos a sério o fato de o li-
beralismo econômico retornar como um movimento de resistência mundial
às teses progressistas e não ter compromisso com a democracia, mas apenas
com a instauração do livre mercado […] (FREITAS, 2018, p. 14)
O país não havia de fato superado o neoliberalismo com a eleição do
governo de coalização do PT em 2002, e o modelo neoliberal não havia se
esgotado. A eleição de Lula em 2002 inseriu o país em uma lógica de neo-
liberalismo abrandado, mas que não efetivou a superação do receituário ou
silenciou os obscurantismos neoliberais.
As forças representantes do grande capital nunca se contentaram com
a ascensão de governos de centro-esquerda, ainda que o PT garantiu a ma-
nutenção de um neoliberalismo conciliatório que resultou no crescimento
econômico do país.
Apesar de o Brasil vivenciar, pós 2003 uma aparência democrática,
85
avanços sociais, econômicos, e uma conciliação de classes interessante para
a conformação da classe trabalhadora, a burguesia brasileira não perdera de
vista que um governo de conciliação de classes seria meramente transitório.
Não bastava apenas vivenciar um neoliberalismo abrandado, era necessário
intensificá-lo e isto somente seria possível pela manutenção de acordos com
frações autoritárias da burguesia resultando na guinada ultraneoliberal em
2016, o qual falaremos adiante.
2.2.1 O avanço neoliberal na educação brasileira
Diante desta truculência que foi a onda neoliberal no Brasil dos anos
1990 e seus desdobramentos, é imprescindível pensar as repercussões desta
nova concepção de organização do capitalismo na esfera educacional, consi-
derando que a Educação é parte imperiosa para a adesão, incorporação e dis-
seminação da ideologia. Destacaremos algumas das características da política
neoliberal para a educação na década de 1990.
No contexto de expansão da crise estrutural do capital a Educação,
[…] tornou-se instrumento daqueles estigmas da sociedade capitalista:
fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à maquinária produ-
tiva em expansão do sistema capitalista, mas também gerar e transmitir
um quadro de valores que legitima os interesses dominantes.” Em outras
palavras, tornou-se uma peça do processo de acumulação do capital e de
estabelecimento de um consenso que torna possível a reprodução do in-
justo sistema de classes (SADER, 2008, p.15).
A Educação, enquanto categoria ampla, passa a ser utilizada no con-
texto neoliberal, como instrumento de manutenção e reprodução do capital,
com vistas ao atendimento e perpetuação das estruturas de classe. O Estado
brasileiro da década de 1990 se vê diante da tarefa de difundir o ideário
neoliberal, de modo a formar homens capazes de atender o novo mundo do
trabalho que se anunciava e privilegiando a dinamicidade do mercado.
O receituário neoliberal carecia ser internalizado pelos seres sociais,
para que estes o vivenciassem e o defendessem, deste modo o Estado usa
de seu aparato de poder para difundir este novo formato de reprodução do
capital, por meio também da educação, elaborando políticas públicas que
86
garantiriam a formação humana pela perspectiva mercadológica. A fórmula
neoliberal adentrou a educação buscando reestruturar as bases legais, intro-
duzir concepções ideológicas centradas no individualismo, na concorrência e
nos processos de mercantilização e mercadorização da vida.
Desponta na legislação da década de 1990 um processo de reestrutura-
ção e reforma da educação, o qual foi progressivamente reduzindo a educação
a um fragmento do mercado, em consonância aos Organismos internacionais
alinhados ao grande capital.
Dentre as principais legislações que abarcam esta perspectiva de mer-
cadorização para a Educação está a Lei de Diretrizes e Bases n.º 9.394/1996,
os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de 1997, fortemente influen-
ciado pelo Relatório de Jacques Delors-UNESCO. O Plano Nacional de
Educação de 1998, pautado nas exigências dos Organismos Internacionais —
em especial a partir do documento resultante da Conferência de Jontien. As
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação. No âmbito da EPT seguiu
as diretrizes do Banco Mundial, com vistas a ampliar a oferta e reduzir custos
— propositura esta que resultou no já mencionado Decreto n.º 2.208/97 e
promulgou a Lei n.º 8.948/1994 que proibia a criação de novas instituições
ofertantes de EPT. No que tange as Instituições Federais de Ensino Superior,
responsabilizou-se por reduzir o financiamento, colocando a inviabilidade
destas instituições no horizonte6.
As reformas educacionais neoliberais apareciam como justificativa a
adequação da Educação ao mercado. As justificativas para as mudanças edu-
cacionais no contexto da década de 1990 no Brasil, centravam-se na preocu-
pação de adequar a formação dos trabalhadores as novas exigências globali-
zantes e flexibilizadas.
6 Depreende-se que o modo como o Governo FHC atuou junto as Universidades e Instituições
Federais de Educação perspectiva colocar esta etapa educacional em condições de precariedade até
que estas não mais conseguissem a manutenção de suas atividades, a fim de posteriormente transferi-
las para a iniciativa privada. O que nos permite compreender, no que tange a Educação Básica o
Governo FHC não perspectiva a privatização, mas sim a difusão da perspectiva neoliberal, o que
por consequência resultava em uma educação pública esvaziada e deficitária, pois pela perspectiva
do Capital pretende-se uma formação fragmentária que possibilite a flexibilização, mas no campo
do Ensino Superior o processo de retirada do Estado enquanto aquele que oferta a formação e
transferência destas instituições ao mercado era algo evidente.
87
Em paralelo às reformas e transformações legais observam-se mudanças
na esfera do discurso governamental que passou a “[…] assumir no próprio
discurso o fracasso da escola pública, justificando sua decadência como algo
inerente à incapacidade do Estado de gerir o bem comum. Com isso se advo-
ga, também no âmbito da educação, a primazia da iniciativa privada regida
pelas leis de mercado” (SAVIANI, 2013, p. 428).
Duarte (2011), defende que há uma epistemologia implícita ao ideá-
rio neoliberal e esta foi ao longo da década de 1990 sendo incorporada na
educação brasileira, esta é uma derivação da teoria do economista Frederick
Hayek (um dos principais expoentes do neoliberalismo) e que possui a noção
de individualidade como essência do liberalismo. Hayek estabelece que o in-
dividualismo é o elemento central e condutor da sociedade ocidental e o que
viabiliza a efetivação das liberdades.
À medida que a individualização é potencializada na educação neoliberal,
os sujeitos vão progressivamente se afastando de noções de totalidade e coletivi-
dade, iniciando um processo de formação centrado no eu fragmentado, a partir
de pedagogias e modelos centrados no individualismo. Laval (2019), ressalta que
ao passo que é fortalecido relações pedagógicas inspiradas no individualismo e
ligadas a elementos econômicos a escola vai progressivamente amoldando a con-
figuração neoliberal e o processo educacional torna-se utilitarista em seu cerne.
A construção da cultura individualista acaba estando na base dos siste-
mas educacionais. Na fase de crise estrutural do capital, estava em pauta efeti-
var formações que permitiam a adequação dos sujeitos para as complexidades
da crise. No bojo do processo de individualização estabeleceu-se o postulado
das competências, alicerçado no discurso da individualizante e da igualdade.
Mészáros (2011), afirma que há uma questão ideológica presente na
ideia de igualdade de oportunidades. Nas políticas educacionais, esta noção
foi reavivada e inserida nas escolas como um mecanismo estruturante para a
nova fase do capitalismo.
O neoliberalismo não perspectiva a igualdade entre os homens, tendo
em vista que esta teoria concebe que os homens são por essências desiguais,
logo devem se apropriar das competências disponíveis para competir no mer-
cado, sendo o regulador social, garantindo a expansão da culpabilização pelo
acesso ou não ao mundo do trabalho.
88
A política educacional em ascensão constituiu a chamada escola neo-
liberal, “[...] a escola neoliberal é um processo que, à medida que progride,
destila contradições de diferentes ordens” (LAVAL, 2019, p. 277). As con-
tradições da estrutura do capital foram sendo enraizadas da educação nacio-
nal, manifestando assim problemáticas intransponíveis na lógica capitalista.
O processo formativo que derivaria do arcabouço legal da década neolibe-
ral suscitava a formação de sujeitos passiveis de serem incorporados em um
mercado em crise. As competências pretendidas e adquiridas nos processos
formativos, são as que tendem a tornar os sujeitos partes da engrenagem do
capital e do mercado.
O Brasil viu a consolidação da Pedagogia das Competências que con-
catena as demandas do capital. Acerca desta concepção pedagógica Ramos
(2006), destaca que a organização da educação por competências efetiva-se a
partir de promover a flexibilização e a adaptação dos estudantes ao mercado
de trabalho, e o faz a partir da construção de valores compatíveis com a ins-
tabilidade da vida.
A pedagogia das competências, que é a desejada pelo neoliberalismo
e também pelo ultraneoliberalismo — a qual será abordada ainda neste ca-
pítulo, almeja educar os homens para adequar-se, sendo uma pedagogia
consonante com as desestruturações imediatistas do capital, e do mercado.
Formatando a educação, para criar sujeitos com competências, aceitação,
adaptação e subordinação do capital.
No bojo da Pedagogia das competências, surge no Brasil o lema apren-
der a aprender, sendo uma sistematização das pedagogias do capital, Duarte
(2011) ressalta que o “lema aprender a aprender” que aparece na educação do
país, não é uma especificidade do Brasil, mas sim um fenômeno do capitalis-
mo globalizado, sendo que este é a representação da concepção liberal-bur-
guesa de ser humano, de sociedade e de educação. Este modelo pedagógico
apresenta-se como democrático, mas é autoritário e componente da violência
simbólica do capital, valoriza a individualização, inclusive nos processos de
aprendizagens, desconstruindo a importância das relações sociais no processo
de constituição dos sujeitos históricos.
O “lema aprender a aprender”, tão difundido na atualidade, remete ao
núcleo das ideias pedagógicas escolanovistas. Com efeito, desloca o eixo
89
do processo educativo do aspecto lógico para o psicológico, dos conteúdos
para os métodos, do professor para o aluno, do esforço para o interesse;
da disciplina para a espontaneidade, configurou-se uma teoria pedagógica
em que o mais importante não é ensinar e nem mesmo aprender algo,
isto é, assimilar determinados conhecimentos. O importante é aprender a
aprender, isto é aprender a estudar, a buscar conhecimentos, a lidar com
situações novas (SAVIANI, 2013, p. 431).
Todo o processo de aprendizagem pela lógica do aprender a aprender
centra-se no individualismo e “esforço pessoal”, desconsiderando a historici-
dade contida na ciência da educação e nos processos de aprendizagem, en-
quanto fenômeno coletivo, social e histórico.
A primeira sistematização da proposta do aprender a aprender, que
adentrou o Brasil, está contida no Relatório de Jacques Delors publicado no
Brasil em 1998, intitulado “Educação um tesouro a descobrir” (DELORS,
1998), o documento tem sua primeira versão em 1996 sendo o resultado
do relatório produzido pela UNESCO com vistas a estabelecer as diretrizes
internacionais e globais para a educação. O referido documento sistematiza
as proposituras da UNESCO de uma educação flexível, centrada nas peda-
gogias do capital desde a EB até o ES, sendo a espinha dorsal do documento
a concepção expressa em sua segunda parte, o qual se organiza a partir dos
pilares do aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos,
aprender a ser.
A educação brasileira após a publicação do documento em 1998 passa
a ser reestruturada em conformidade as diretrizes educacionais internacionais
em consonância ao avanço neoliberal brasileiro.
O Relatório difundido nos anos 1990 pelo MEC — que tinha a sua
frente o Ministro Paulo Renato, apresentava qual seria o direcionamento da
educação nacional, ou seja, a completa adesão ao receituário da UNESCO.
Na medida que um documento internacional adentra o país através do MEC,
este torna-se um modelo a ser seguido, e assim o foi.
A concepção pedagógica que se manifesta nas legislações brasileiras da
época centradas no aprender a aprender e na pedagogia das competências,
perspectivava auxiliar na formação de sujeitos capazes de constantemente
adquirirem novos saberes, se reinventar, levando em considerando a crise
90
estrutural do capital, que já atingira o Brasil. Ramos (2006), evidencia que
a perspectiva da pedagogia das competências é um mecanismo útil para a
formação dos sujeitos para vivenciarem a instabilidade da vida ofertada pelo
modo de produção capitalista.
A noção de competências está baseada em uma noção unilateral da
vida. Os estudantes brasileiros passaram a serem formados com vistas ao
atendimento exigido pela estrutura do capital internacional e que almejava
formar um contingente de trabalhadores cada vez mais passível de viven-
ciarem a exploração. Saviani (2013, p.432), ressalta que “[…] o ‘aprender a
aprender’ liga-se à necessidade de constante atualização exigida pela neces-
sidade de ampliar a esfera da empregabilidade.” Difundiu-se na sociedade
esta nova concepção pedagógica, com vista a constituir um contingente de
trabalhadores “empregáveis”.
Dado esta subordinação da educação ao mercado, retoma-se a refle-
xão de Minto (2011) em que apresenta o termo “educação da miséria” com
o intuito de referir-se ao desenvolvimento da educação no Brasil desde a
Revolução Burguesa brasileira, a educação da miséria [...] representa o ho-
rizonte histórico em que a educação pode se realizar numa formação social
sobre a, qual a irradiação do Modo de Produção Capitalista (MPC) impõe li-
mites estruturais, que não permitem o desenvolvimento de experiências edu-
cacionais autônomas e emancipadoras para as maiorias. (MINTO, 2011, p.
08). A educação não conseguiu historicamente no país desenvolver-se centra-
da na formação dos sujeitos, mas sim todas as etapas e processos educacionais
se deram a partir das determinações do capital. Os avanços formativos que
por ventura vieram a ocorrer no país não tinham como finalidade a formação
humana, mas sim os interesses do mercado.
Com o advento das políticas neoliberais para a educação brasileira,
há uma intensificação da miserabilidade educacional. A escola neoliberal,
enquanto espaço de formar homens para a empregabilidade, não almeja o
desenvolvimento das potencialidades humanas, inviabilizando processos de
emancipação dos homens.
A empregabilidade pretendida no período neoliberal, é aquela centrada
nos pressupostos de reestruturação produtiva, pensando uma formação a par-
tir da flexibilização e desregulamentação das relações de trabalho. Mészáros
91
(2011, p. 330), assevera que regras flexíveis nada mais são do que “[...]a precari-
zação da força de trabalho no mais alto grau praticável, na esperança de melho-
rar as perspectivas de acumulação lucrativa do capital, enquanto se finge uma
preocupação com a garantia dos empregos e com a redução do desemprego”.
Estando a força de trabalho em um contexto profundo de precarização
desde o principiar da crise estrutural, no Brasil da década de 1990, tornou-
-se proeminente e comum a construção de diretrizes legais educacionais de
modo a conformar os sistemas de educação ao modelo de flexibilização do
trabalho e acumulação flexível.
O país se apresentava no cenário internacional como o exemplo de ade-
são ao receituário, estando a educação tomada pelas concepções de mercado-
rização. Laval (2019), defende que o Brasil estava na vanguarda da implemen-
tação da escola neoliberal, caracterizado pela intervenção maciça do capital no
ensino, primeiramente no ES, mas posteriormente afetando todos os níveis.
A efetivação de uma educação pública no Brasil esteve ameaçada pelo
avanço neoliberal, sendo a classe-que-vive-do-trabalho a mais afetada. Minto
(2011), afirma que o período histórico marcado pelo neoliberalismo buscou
desconstruir todos os avanços e conquistas da classe trabalhadora contra o
capital, sendo que estas conquistas foram sendo progressivamente reconver-
tidas a favor do capital e em prol da ideologia burguesa. O neoliberalismo
diluiu direitos historicamente conquistados e propiciou a incorporação dos
direitos sociais e constitucionais em possibilidades de ampliação e reprodu-
ção do capital.
Como desdobramento da adesão ao receituário neoliberal, ocorreu a
omissão do Estado frente a gestão da educação, resultando na propagação
de discursos e falas centrados na incapacidade deste organizar e estruturar
a oferta educacional, condição esta que abriu caminho para construção de
consensos em torno da premissa de que a iniciativa privada teria as melhores
condições para ofertar este “serviço” — discurso aprofundado no período
ultraneoliberal como falaremos na sequência.
A concepção expressa na CF em seu Art. 208 acerca da educação como
direito público subjetivo e para todos (BRASIL, 1988), é incompatível ao
neoliberalismo. Laval (2019) destaca a ideia de que a educação para todos é o
contraponto do elemento-chave da educação neoliberal — o individualismo.
92
Assim o sendo, as legislações brasileiras da década de 1990 foram possibili-
tando que em um curto prazo a ideia de educação para todos se esvaísse7 ou
fosse inviabilizada.
Esta construção do neoliberalismo iniciada nas décadas mencionadas,
passando pela economia, política, sociedade, com ênfase na educação, sedi-
mentaram o terreno para a efetivação de um novo momento de renovação
liberal de salvamento do capitalismo brasileiro, o período ultraneoliberal, o
qual caracterizaremos adiante.
2.3 Passagem do neoliberalismo para o ultraneoliberalismo
O neoliberalismo, enquanto transformação da teoria liberal, cumpriu
seu papel, frente o capitalismo global, ou seja, promoveu a reorganização dos
países em torno do capital, do mercado, da acumulação de capital e do lucro.
Reconfigurou o modo de ser, viver e pensar dos seres sociais.
No Brasil, garantiu que o país se consolidasse enquanto um capitalis-
mo tardio e retrógrado, beneficiando as frações da burguesia, no entanto, o
receituário e estrutura neoliberal, ainda que muito eficientes ao capitalismo
brasileiro, encontravam uma barreira a ser transposta, os direitos conquista-
dos pelas lutas sociais e previstos na CF de 1988.
Os direitos sociais e constitucionais se apresentavam como entraves
para a ampliação do lucro e privilegiação da burguesia. Somando a uma crise
permanente e estrutural do capital, que afetava o Brasil e o mundo, a bur-
guesia conservadora e autocrática, demandava de um novo modelo de orga-
nização política, econômica e social, é, então, que o país passa a intensificar
as agruras já vividas, no neoliberalismo, nasce então, o que convencionamos
denominar de ultraneoliberalismo.
Acerca da ascensão ultraneoliberal, Moura e Lima Filho (2017, p. 111)
advogam que,
[…] alberga um conjunto de medidas, em curso ou em elaboração, cujo
7 Em 10 de agosto de 2021 o então Ministro da Educação Milton Ribeiro em entrevista ao programa
Sem Censura, disse “[…] A universidade deve ser para poucos”, ou seja, em menos de trinta anos
o projeto iniciado na década de 1990 se concretizara. O contexto pós-golpe escancarou o ideário
neoliberal de uma educação pública utilitarista, individualista e para poucos.
93
objetivo é reconfigurar o Estado brasileiro no sentido de torná-lo ainda
mais mínimo” no que se refere às garantias dos direitos sociais e “mais
máximo” para regular os interesses do grande capital nacional e interna-
cional, especialmente o financeiro/especulativo. Trata-se, assim, de uma
nova fase de radicalização do neoliberalismo, que visa perpetrar um golpe
contra a classe trabalhadora mais pobre do País, alcançada pelas políticas
públicas inclusivas das duas primeiras décadas deste século.
A fase de radicalização do neoliberalismo, está assente no conserva-
dorismo, e reflete o movimento de acumulação do capital no contexto de
expansão da hegemonia do capital financeiro. Desta forma, a constituição
de um modelo político-econômico que melhor atenda este intento era uma
urgência para as frações da burguesia.
O Brasil, no período aqui analisado, estava diante da devastação ultra-
neoliberal, esta ofensiva ataca diretamente os direitos sociais que deveriam ser
ofertados pelo Estado, dentre eles, damos ênfase à educação. A devastação ul-
traneoliberal tende a destruir a estrutura estatal e concretizar o que Sampaio
Jr. (2020) denominou de reversam colonial. Ocorrendo um processo de in-
tensificação da dependência econômica e uma “autocolonização”, garantindo
a ampliação do processo de acumulação por parte da burguesia.
O período ultraneoliberal potencializou as características do neolibe-
ralismo e as associou ao conservadorismo. O ultraneoliberalismo, de modo
dialético, consolidou-se pelas atuações e organizações da extrema-direita e,
fortaleceu a ampliação desta extrema-direita. Ressalta-se que, a direita bra-
sileira, pode ser definida como multifacetada, com diferentes correntes e
perspectivas, a referida afirmação está alicerçada nas contribuições de Sader
(1995) e Lowy (2015).
Sendo que, estas diferenças facetas da direita, passam a se articular em
torno das pautas de defesa da desigualdade, no questionamento do papel
do Estado, na defesa irrestrita da minimização do mesmo na garantia dos
direitos sociais, no questionamento das estruturas burocráticas do Estado e
da política, ao nacionalismo e as pautas moralistas, abrindo espaço para uma
extrema direita, condutora de políticas e ações ultraneoliberais.
Lowy (2015), destaca que o avanço do conservadorismo e do irracio-
nalismo encontram terreno fértil, sempre, que o país vivencia momentos de
94
crises social e econômica, nestas ocasiões as contradições e tensões ficam mais
evidentes, o que tende a contribuir direta, ou, indiretamente para a promo-
ção apologista ao modelo capitalista. Paralelo ao avanço conservador, o país
presencia o levante de pautas moralistas, que atribuem a elementos morais
as crises nacionais. No Brasil, do período ultraneoliberal, a extrema-direita,
soube cooptar as insatisfações populares, frente as contradições oriundas da
crise criada socialmente, para construir um modelo organizacional que se
colocaria contrário, a classe trabalhadora.
Safatle (2019), assegura que o Brasil, vivenciava uma política de extre-
ma-direita, alicerçada no militarismo e conservadorismo. Estas características
políticas, vividas no Brasil entre 2016 a 2022, viabilizou a concretização da
política ultraneoliberal.
A partir da análise do período ultraneoliberal, constatamos que, além
do aprofundamento do receituário neoliberal, o grande diferencial deste, em
relação ao período anterior, é a introdução da naturalização da violência, do
autoritarismo e o afastamento da ciência e da intelectualidade, como carac-
terísticas do Estado.
Apesar de o período ultraneoliberal ser marcado pela presença da vio-
lência e do autoritarismo, é essencial destacar, que essa faceta autoritária, foi
propiciada e facilitada pelas próprias estruturas do modelo neoliberal. O neo-
liberalismo é um modelo propício de construção e ascensão dos obscurantis-
mos, conservadorismos e retrocessos, dado a valorização intensa do capital
em detrimento das necessidades humanas da classe trabalhadora.
Freitas (2018), assevera que há uma face autoritária no neoliberalis-
mo, e esta foi esquecida pela esquerda brasileira. Este esquecimento criou
no país as possibilidades de ascensão de um movimento obscurantista, con-
servador e autoritário, e em nome do mercado, viabilizou a efetivação do
modelo ultraneoliberal, que se apresenta como nova face e razão do capi-
talismo. O autoritarismo e conservadorismo que balizam o ultraneolibera-
lismo são resgatados com vistas a garantir a ampliação da acumulação de
capital pela burguesia.
O neoliberalismo e suas proposituras propiciaram um terreno fértil
para a ascensão da extrema-direita e este grupo foi decisivo para a efetivação
de um projeto de neoliberalismo exacerbado e autoritário no Brasil.
95
Para garantir a adesão ao modelo ultraneoliberal, foram necessárias altera-
ções profundas na estrutura do Estado para a manutenção e reprodução do capi-
tal, e estas se manifestaram por proposições legais e novas concepções de forma-
ção humana, lideradas pelos interesses privados da extrema-direita conservadora.
Com o ultraneoliberalismo8 “O Brasil entrará no panteão dos países
em que o neoliberalismo é mais extremado e brutal. Considerando as profun-
das desigualdades sociais e o lugar das políticas públicas do Estado na redução
das assimetrias sociais é de supor que a crise social ganhará uma nova escala
no país. (LEHER, 2021, p. 26)”. Com a escalada do ultraneoliberalismo o
país aprofunda ainda mais suas misérias históricas e o movimento de crise
estrutural que reverbera diretamente na classe trabalhadora.
Todos os movimentos da história possuem uma processualidade e en-
cadeamentos, com o ultraneoliberalismo não diferiu, compreender esta his-
toricidade é essencial para a compreensão do tempo presente.
A consolidação do ultraneoliberalismo no Brasil possui como marco
histórico, a publicização do documento “Uma Ponte para o Futuro” publi-
cado em 29 de outubro de 2015 pela fundação Ulysses Guimarães e PMDB
(PMDB, 2015). O documento se apresenta como uma plataforma de cam-
panha pró-Golpe. Onde os autores anunciam quais seriam as ações após a
efetivação do golpe contra a Presidente Dilma Rousseff. Evidenciando a reto-
mada da autocracia burguesa de modo intensificado e distante da perspectiva
de conciliação de classes. Em 2015 a direita nega por completo o projeto de
conciliação de classe iniciado em 2003.
O presente documento sistematiza o projeto de intensificação do neoli-
beralismo no Brasil a qual se efetivaria por uma profunda Reforma do Estado
brasileiro a partir de mudanças constitucionais e estruturais, tendo como foco
a modificação da CF de 1988, com o propósito de dirimir os direitos sociais
nela presente e o papel do Estado na garantia de prestação do serviço público.
Devendo, a partir de PMDB (2015), o Estado atuar unicamente para garan-
tir a efetivação dos interesses diretos do capital e das frações da burguesia.
8 Desde a efetivação do Golpe de 2016 e a intensificação do conservadorismo na política nacional,
autores como Saraiva (2017), Silva; Pires; Pereira (2019), Safatle (2018; 2019); Minto (2018)
passaram a denominar esta nova fase do neoliberalismo nacional de ultraneoliberalismo, a fim de
caracterizar os novos moldes do modelo político-econômico que está sendo construído. Sendo um
conceito em construção.
96
O documento apresentado pelo PMDB cumpria um papel oposto a
um documento igualmente importante e que marcou a história nacional,
“Carta ao Povo Brasileiro” (SILVA, 2002) lançada em 22 de junho de 2002
por Lula em meio a sua campanha eleitoral. Na presente carta, o PT e Lula
garantiram que o governo, em caso de vitória, pela via da conciliação, contro-
laria os conflitos de classes, garantiria o mínimo necessário para o apaziguar
da classe trabalhadora ao passo que se valeria do Estado para a preservação e
expansão do capital.
As promessas de conciliação de classes contidas na carta de 2002, e
já expostas no capítulo anterior, foram cumpridas ao longo dos treze anos
de mandato do partido com Lula (2003 – 2010) e Dilma (2011 – 2016),
os conflitos de classes foram minimizados, através de políticas compensató-
rias para a classe trabalhadora, tornando esta classe adaptável a dinamicidade
burguesa. Cumprida as promessas, as frações da burguesia se articulam, com
apoio da grande mídia e concretizam o Golpe contra a Presidente Dilma e
negam a política de conciliação classista.
No episódio do Golpe de 2016 a burguesia brasileira confirmou seu
papel histórico no Brasil, ou seja, o não comprometimento com a democra-
cia. Freitas (2018), evidencia que para a burguesia a democracia é desejável,
no entanto, não é uma condição essencial. Sendo as rupturas democráticas
aceitas sempre que benéficas ao capital e sua expansão. As frações da bur-
guesia brasileira, compreendiam em 2016, a necessidade de ruptura com os
direitos constitucionais para garantir a expansão e a reprodução do capital.
A queda de Dilma, por meio do Golpe de Estado, apesar de concretiza-
do em 2016, foi sendo construído de modo mais articulado e organizado pela
burguesia desde 2013. Compreendemos que a construção do consenso, em
torno da pauta de ruptura democrática, tendo como instrumento o Golpe de
Estado, possui uma íntima relação com “As Jornadas de junho”.
O país vivenciava em 2013 um momento inicial de crise institucional,
econômica e de popularidade do Governo Dilma, as quais juntas e trabalha-
das pelas frações da burguesia ocasionaram em um aprofundamento da crise
iniciada em 2008. Leher (2019b), destaca que o ano de 2013 foi decisivo
no processo de ascensão do ultraneoliberalsimo no Brasil, com a queda dos
preços das commodities, deterioração da balança comercial, somados a uma
97
crise econômica, resultando na queda do crescimento econômico, elevação
da inflação e crise política potencializada pelas Jornadas de junho. Estes ele-
mentos construíram um cenário de crise e incerteza que inviabilizou a gover-
nabilidade de Dilma.
As Jornadas de junho são cruciais para a compreensão do momento
atual de ultraneoliberalismo no Brasil. Revisitando a história recente, pode-se
afirmar que houve de fato uma apropriação pela direita de um movimento
social legítimo, o Movimento Passe Livre (MPL), que lutava pela mobilidade
urbana e gratuidade do transporte público nas grandes cidades do país. Em
2013, este movimento iniciou mobilizações para frear o aumento da tarifa
do transporte público na cidade de São Paulo, sendo a concentração destes
protestos na Avenida Paulista, as convocações para os atos se efetivavam pelas
Redes Sociais.
Os três primeiros protestos realizados na cidade de São Paulo, mo-
tivados pelo aumento de 0,20 centavos da tarifa, eram retratados pela mí-
dia como desordeiros e sofriam certa repressão policial. O quantitativo de
manifestantes foi se ampliando gradativamente, apesar do modo pejorativo
como a grande mídia retratava os protestos, no entanto, o cenário se alterou
no quarto dia de manifestações, no dia 13/06/2013, “O ato convocado pelo
MPL transformou-se em um cenário de guerra onde apenas um dos lados
estava armado” (BRAGA, 2013, p. 51). Os manifestantes, jornalistas e estu-
diosos presentes foram fortemente reprimidos e atacados pelas forças polícias,
e esta ação foi amplamente retratada nas mídias.
Dada a repercussão midiática, o que estava circunscrito a luta justa pelo
transporte público na cidade de São Paulo, ganhou apoio popular e se espa-
lhou por diferentes cidades do país, mas tendo agora uma pauta heterogênea,
heterodoxa e difusa. Singer (2013), destaca que as manifestações ocorreram
em mais de 350 cidades mobilizando milhões de pessoas, o que obrigou a
revogação dos aumentos das passagens, ameaçava a efetivação da Copa das
Confederações e ameaçavam a popularidade e a governabilidade de Dilma.
É esta mudança de enfoque da mídia que oportunizou que os gru-
pos de direita se apropriassem do movimento e o tornasse um movimento
apartidário”, com uma agenda heterodoxa que concatenava as insatisfações
de diferentes locais do país, centrava-se em um patriotismo e nacionalismo
98
exacerbado, e, que tinha como a grande solução a retirada de Dilma do poder
executivo. Ao longo dos protestos emergiram frases como “O gigante acor-
dou”, “O ato é do povo e não dos partidos”, frases em cartazes com trechos
do Hino Nacional, e o uso de camisetas amarelas representando a noção de
nacionalismo e patriotismo.
Com o crescimento das manifestações, ampliou-se a apropriação pelos
grupos de extrema-direita do movimento, os quais passaram a controlar e
conduzir os protestos. O que antes era articulado pelo MPL foi rapidamente
apropriado por grupos de direita que viriam a constituir o Movimento Brasil
Livre (MBL). Neste processo tomaram a esquerda como a grande inimiga e
fomentadora da corrupção nacional, possibilitada pela ampliação dos gastos
públicos, com programas sociais.
O movimento iniciado em 2013 é legítimo em seu principiar conside-
rando que,
[…] as massas tomaram as ruas a fim de exigir o cumprimento daqui-
lo que, em 1988, foi prometido pela Constituição brasileira: o direito à
saúde e à educação públicas, gratuitas e de qualidade; o direito ao lazer,
à moradia e à mobilidade; o direito a um salário que garanta condições
dignas de vida para todos. O governo federal sabe bem que o atual modelo
não chegou nem perto de entregar o que foi encomendado. (BRAGA,
2013, p. 58)
Ressaltamos que a população saiu às ruas para cobrar que os direitos
constitucionais fossem assegurados, mas esses direitos eram os alvos e care-
ciam ser desmontados para assegurar a reprodução do capital pelas frações da
burguesia. Desta forma, houve um processo de apropriação da manifestação
popular pela direita oportunista, que subverteu a pauta de reivindicações, e
construiu uma luta contrária a corrupção seletiva do PT.
Esta reconfiguração do jogo político, liderada pela extrema-direita,
construiu o principiar da polarização que viria a acompanhar o Brasil até os
dias atuais, passando pelas manifestações pró-golpe de 2015 e que foi deter-
minante para legitimação do Golpe de 2016, para a eleição de Bolsonaro e a
aprovação de medidas de ruptura constitucional.
Apesar de subverter a pauta inicial, ganhar apoio da grande mídia e
99
alcançar expressivo apoio popular, não era o bastante para a tomada do poder
pela burguesia em 2013. O governo Dilma buscou alternativas para reverter
a queda de governabilidade que havia sido expresso nas Jornadas de junho.
Leher (2019b), aborda que Dilma reafirmou seu compromisso com os pilares
macroeconômicos, manteve uma matriz econômica de isenções de tributos
aos grandes grupos econômicos entre 2013 e 2014.
Dilma aderiu a uma política de austeridade e intensificação de políticas
neoliberais com vistas a sua aceitação pelo mercado e em nome da gover-
nabilidade. Ainda que a presidente tenha aceitado aprofundar o receituário
neoliberal, não foi suficiente para agradar frações da burguesia que reivindi-
cavam a repatriação do governo. A possibilidade de políticas de concessão
de direitos sociais não mais eram aceitáveis, sendo necessário a interrupção
completa com os governos de coalizão do PT, possibilitando o avanço da
extrema-direita.
Contrariando as expectativas das frações burguesas, Dilma participou
das eleições em 2014 e garantiu sua vitória no 2.º turno com 51,64% dos
votos contra o candidato do PSDB Aécio Neves com 48,36% dos votos, fato
este, que desagradou o grande capital nacional e de parcela significativa da
população, que já havia sido cooptada pelos falsos consensos.
Saad Filho e Moraes (2018) ressaltam que apesar da vitória de Dilma
nas eleições de 2014 as frações da burguesia demonstravam desconfiança e
descontentamento com a Presidente, sendo que este movimento de descon-
tentamento teve como principal representante condutor e articulador a Fiesp,
a entidade não mais acreditava na condução econômica do país pelo Governo
Dilma e incitavam possibilidades de substituição do Governo.
A articulação da Fiesp, somada ao apoio da grande mídia e a constru-
ção de narrativas do discurso de incoerência, corrupção dos governos petistas,
crescimento exorbitante do Estado e a insatisfação popular levaram a cons-
trução do golpe de 2016, o qual recolocaria o país nas mãos por completo das
frações da burguesia, sem mais a necessidade da conciliação classista promo-
vida pelos governos de coalização, conduzidos pelo PT.
Moura e Lima Filho (2017), ponderam que em nome da governabili-
dade os governos de coalizão do PT foram firmando alianças com os setores
mais à direita e mais conservadores, os quais aceitaram a aliança em virtude
100
da popularidade dos governos, e ao passo que o PT perdia apoio popular,
estes setores mais à direita, almejavam abandonar o papel de coadjuvante e
assumir a primeira pessoa no governo, para instituir e consolidar um neoli-
beralismo radicalizado.
No bojo deste movimento de crise institucional e de levante das frações
da burguesia, representada pela extrema-direita, o país viu surgir ao longo
da segunda década dos anos 2000 grupos que concatenaram os ideários que
fundamentaram a construção do ultraneoliberalismo, sendo o Movimento
Nas Ruas que posteriormente transforma-se no Movimento Vem pra Rua,
Movimento Avança Brasil, MBL e na educação o Movimento Escola sem
Partido. Estes movimentos buscavam construir a ideia de que são expres-
sões da vontade espontânea da população, denominam-se apartidários ou
suprapartidários, liberais, conservadores, levantam a bandeira contrária a cor-
rupção, a necessidade de diminuição do Estado e a ampliação de Parcerias
Público Privado (PPP).
O Golpe de 2016 ocorreu, pois, a burguesia acreditava ser viável e
necessário iniciar um novo projeto de intensificação neoliberal, capaz de am-
pliar a acumulação de capital e retirar todos os direitos possíveis de uma classe
que agora encontrava-se marginalizada e fragilizada o bastante para não apre-
sentar resistência a um projeto de exploração de barbarização da vida.
A consolidação da concepção ultraneoliberal que desponta no contexto
pós-golpe, segundo Freitas (2018, p. 13), “remonta ao nascimento de uma
nova direita’ que procura combinar o liberalismo econômico (neoliberal, no
sentido de ser uma retomada do liberalismo clássico do século XIX) com
autoritarismo social.” Manifesta-se uma nova direita, com contornos de in-
tensificação dos pressupostos liberais e neoliberais, uma direita totalmente
descomprometida com a democracia.
Apresentada por Freitas (2018), a nova direita, é neste trabalho, com-
preendida como uma direita extremada, que potencializou seus aspectos
autoritários, conservadores e que cooptou as insatisfações dos trabalhadores
para garantir a acumulação de capital e ampliação de abismos sociais.
A “nova direita”, concatena elementos retrógrados, autoritários, conser-
vadores, interesses do mercado, interesses religiosos e a violência. Santos e Orso
(2020), ponderam que neste período ocorre a ruptura com os elementos que
101
sustentam a sociedade moderna, centrados na razão. A Burguesia brasileira, ca-
minha para retrocessos e negativa da própria razão moderna, e esta concepção
burguesa, vem desmontando de modo endógeno as instituições democráticas.
Frente a ruptura com a razão moderna, propiciada pelo avanço ul-
traneoliberal, pontuamos que no referido período, os direitos, inclusive os
constitucionais, estão ameaçados em nome do fortalecimento do capital, da
nova direita extremada e suas frações burguesas. Casimiro (2018), destaca
que o Brasil vem nos últimos anos presenciando a ascensão de uma políti-
ca de cunho reacionária, dominado por sujeitos que se intitulam de novos
liberais, os quais buscam a retomada de conceitos do liberalismo clássico,
até adentrarem uma política de intervenção econômica mínima. Não mais
cabendo ao Estado assegurar a democracia, mas sim garantir as liberdades
únicas do mercado.
Após a chegada de Michel Temer ao poder executivo, o Brasil volta a
ter no cargo máximo um homem branco, representante da elite brasileira,
pertencente à burguesia, aceito pelo mercado, com boas influências políticas,
econômicas e que atuaria em prol dos interesses de sua classe e das frações que
a compõe, sem mais acordos e concessão.
A condução golpista de Michel Temer à presidência é o resultado do
acirramento da luta de classes no país. Representa a manobra mais ardil da
burguesia brasileira em conservar seu espaço no poder político, reestrutu-
rando dessa forma a própria hegemonia que, outrora, mostrou-se ameaçada
pelas políticas sociais dos governos do Partido dos Trabalhadores (SANTOS;
MALANCHEN, 2017). A chegada de Temer ao poder em 2016 é legitimada
e justificada pela necessidade de reorganizar o Estado brasileiro, e para tanto
se encarregou de efetuar políticas capazes de reverter a ampliação do Estado
ocasionada pelas ações do PT.
A construção da narrativa de que o Estado estava em profunda crise,
decorrente dos atos do PT, é um discurso ideológico que tomou conta do país
desde 2013 e que legitimava os sucessivos ataques aos direitos dos trabalha-
dores. Ao atribuir um único culpado por personificação, desconsideram-se
as problemáticas da crise estrutural do capital, salienta as positividades do
capitalismo e demonstra que este apenas carece de ajustes pontuais. Leher
(2019b), ressalta que esta estratégia do ultraneoliberalismo é essencial para
102
a defesa de que o modo de produção capitalista, é a única alternativa válida
para a humanidade e para que assim permaneça são necessários sacrifícios,
em especial dos trabalhadores. O ultraneoliberalismo, exige o sufocamento
da classe-que-vive-do-trabalho em nome da “salvação econômica
O Golpe de 2016 foi legitimado pelo resultado do pleito eleitoral de
2018, Leher (2019b, p. 63), destaca que,
Jair Bolsonaro foi eleito com menos de 40% do total de eleitores registra-
dos como presidente da República. A sua agenda econômica foi elaborada
pelo bloco no poder e está referenciada na narrativa de que a crise é finan-
ceira, mas não decorrente do modus operandi do rentismo; antes, decorre
do excesso de gastos públicos não financeiros, motivados, também, segun-
do sua peculiar narrativa, pela corrupção do PT.
A partir de 2018, o Brasil em definitivo estava inserido no ciclo eco-
nômico, político e social ultraneoliberal. A proposta de governabilidade eco-
nômica de Bolsonaro esteve alicerçada na teoria de Hayek e na Escola de
Chicago, na sua vertente radical, tendo como principal executor o Ministro
da Economia Paulo Guedes, o qual se intitula um liberal clássico.
O processo eleitoral de 2018 demonstrou-se como o “ovo da serpen-
te”, bastando ver que a democracia e sua processualidade matou as próprias
potencialidades democráticas. Instituindo um período que podemos caracte-
rizar como intensificação da democracia restrita, este conceito já formulado
em Fernandes (2005), demonstra que a concepção de democracia restrita é
próxima e definidora da sociedade brasileira, sendo que a democracia apenas
é válida para os membros da burguesia e é negada para o restante da popula-
ção pertencente a classe trabalhadora.
O período de eleição em 2018 garantiu a efetivação para a classe tra-
balhadora do que Fernandes (1995), denominou de subalternização cultural,
mental e ideológica à burguesia, garantindo assim um movimento de alie-
nação social, e o trabalhador induzido pela burguesia em um processo de
burguerização votou contra si mesmo.
Passa a ser desenvolvido no Brasil, um governo que pode ser caracteriza-
do como governo de subalternidade internacional, autoritário, privatista, anti-
popular e anti-nacional, inviabilizando o desenvolvimento das potencialidades
103
nacionais de cunho industrial e dificultando o protagonismo do Brasil no ce-
nário internacional, por meio do desmonte, da incipiente, indústria nacional,
desmantelamento do parque industrial e fuga das multinacionais do país9, in-
tensificando a condição de exportador de produtos primários.
O governo Bolsonaro ao longo dos seus quatro anos de mandato, cum-
priu o compromisso firmado com as frações da burguesia, em prol da acu-
mulação de capital e ruptura com os direitos sociais e constitucionais para
a classe trabalhadora. Tendo dado continuidade ao projeto ultraneoliberal
iniciado e conduzido por Temer.
Sob a presidência de Bolsonaro, a democracia brasileira se tornou pro-
gressivamente mais restrita, e voltada “aos de cima”, sendo que “aos de baixo
restou uma política econômica precária e instável. Como reflexos mais ime-
diatos desta ampliação da precarização da vida pela via econômica, destaca-
mos a elevação das taxas de desemprego, uma inflação crescente (4,31% ano
de 2019, 4,52% ano de 2020, 10,06% em 2021 e 5,79% em 2022), elevação
abrupta do IGPM — caracterizando o aumento dos preços do mercado in-
terno, - ponderamos que este indicador regula a elevação dos aluguéis, no
acumulado do ano de 2020 chegou a elevação de 23,14%, tornando os pre-
ços dos aluguéis impraticáveis para a classe trabalhadora, permanecendo este
índice em alta em 2021 (17,78%). Um crescimento irrisório do PIB, sendo
1,14% em 2019, queda de -4,1% em 2020, com uma retoma incipiente de
4,6% em 2021 e 2,9% em 2022.
A fome voltou a estar no horizonte dos brasileiros, atingindo em 2021
o marco de 19,3 milhões de brasileiros que passam fome e estão em condição
de insegurança alimentar (VIGISAN, 2021.) Ao longo do Governo ultraneo-
liberal de Bolsonaro, o país volta a ter um contingente de pessoas em situação
de miséria e insegurança alimentar.
É possível caracterizar que o denominado período ultraneoliberal é uma ra-
dicalização do período neoliberal, o qual não viabiliza/objetiva segurança e oferta de
direitos sociais para a classe trabalhadora. Santos e Orso (2020, p. 165) destacam, que
9 Segundo Rocha (2021), entre os anos de 2019 e 2021 treze empresas multinacionais encerraram
suas atividades no Brasil. A fuga das empresas do Brasil se deve a instabilidade e os riscos da
política brasileira atual. O processo de retirada das empresas do Brasil intensifica a crise estrutural
do emprego, conforme o levantamento do IBGE (2021), referente ao segundo trimestre de 2021
atinge 14,1% da população o que corresponde 14,4 milhões de desempregados no Brasil.
104
A burguesia brasileira não suportou o processo de democratização, ainda
que frágil, de direitos sociais que o Partido dos Trabalhadores conduzira
por doze anos de governabilidade no Brasil. A ruptura com esse processo
de conquistas, especialmente para a população mais pobre, significou um
movimento de retrocesso, que tem trazido consequências desastrosas para
a classe trabalhadora, além de colocar o Estado a serviço, explicitamente,
dos interesses das grandes corporações financeiras.
O ultraneoliberalismo, pode ser compreendido, como a resposta das
frações da burguesia aos avanços em direitos sociais aos trabalhadores, e como
resposta imediata, nega direitos básicos “aos de baixo” e utiliza a estrutura do
Estado para o atendimento dos interesses burgueses.
Nos governos de fundamentação ultraneoliberal tenta-se pela via legal
eximir por completo o papel do Estado no que tange os direitos sociais, com
interesses em desmontar e na sequência privatizar todas as esferas da vida
humana. O programa de Estado que está em voga inviabiliza a efetivação da
CF de 1988 em especial ao que tange os direitos sociais.
Na política ultraneoliberal brasileira o processo de ruptura constitu-
cional é o elemento condutor. O Estado se vale de seu próprio aparato para
desconstitucionalizar direitos, criando leis, Emendas Constitucionais (EC) e
Projetos de Emendas Constitucionais que garantam a progressiva diminuição
do seu papel na oferta dos direitos constitucionais.
No curto período de 2016 a 2022 o país conseguiu retroceder uma
parcela significativa dos direitos conquistados após o início do processo de
redemocratização. O Brasil vivenciou parcialmente um estado de exceção —
e de intensificação das contradições do mundo capitalista.
2.4 As materializações ultraneoliberal no Brasil: primeiras aproximações
É preciso pactuar que existem determinações materiais do ultra-
neoliberalismo no Brasil, ou seja, não se trata apenas de uma perspectiva,
de posicionamento, mas sim refere-se a conjunturas e materializações.
Trataremos nesta seção de pontuar alguns dos aspectos centrais de mu-
danças / tentativa de mudanças de legislações que asseguraram o avan-
ço desta perspectiva, para demonstrar a ofensiva ultraneoliberal, tendo
em vista que esta estruturação impacta de modo direto a organização do
105
Estado, nas condições de trabalho e na formação pretendida, necessária e
ofertada à classe trabalhadora.
O ultraneoliberalismo possui elementos materiais e ideológicos. Sendo
que a ideologia é central para referendar as transformações da sociedade.
Conforme expresso em Marx e Engels (2007), a burguesia, que é a classe
dominante, controla os meios de produção e os meios de disseminação do
conhecimento, e desta forma, apresentam as ideias da burguesia como sendo
universais ao conjunto dos homens. Observamos que no período ultraneoli-
beral, há uma constante tentativa de difundir, para o conjunto dos homens,
as ideias e as concepções de mundo que estruturam a vida da burguesia, como
se esta fosse a realidade possível a todos.
Difundir as ideias da burguesia é importante para a reprodução do
capital e para o controle da classe trabalhadora. Essas ideias são postas como
universais e eternas aos seres sociais e este anseio foi e é fundamental para
a concretização ultraneoliberal. “As ideias dominantes não são, nada mais,
do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, são as relações
materiais dominantes apreendidas como ideias; portanto, são a expressão das
relações que fazem de uma classe a classe dominante […] (MARX; ENGELS,
2007, p. 47).” Quando propagadas são a cristalização dos anseios e das práti-
cas sociais da burguesia e possuem uma materialidade histórica.
As condições materiais e concretas de uma sociedade produzem as
ideias de uma época, e estas carecem de ser internalizadas pelo conjunto dos
homens. Sendo que a ideologia, apresentada pela burguesia como universal,
é a expressão dos intentos materiais desta classe.
Marx e Engels (2007), apresentam que a ideologia é uma força material
que subjuga os seres humanos, sendo uma força estranha que controla o con-
junto dos homens. Conduzindo para a reprodução de formas de agir e pensar
que legitimam o controle burguês.
Diante do avanço ultraneoliberal no Brasil, tornou-se necessário a dis-
seminação desta configuração ideológica capaz de atender esta nova organi-
zação da sociedade e do Estado brasileiro, legitimando as materializações da
ampliação das contradições da sociedade.
A ideologia, tal qual expressa no pensamento marxiano, simula e oculta
a realidade, naturalizando as contradições históricas e sociais. Este mascarar
106
é basilar para o avanço ultraneoliberal e para a efetivação de uma ofensiva
contra os direitos dos trabalhadores.
O capitalismo em sua fase atual, de adequação a crise estrutural, carece
da construção de uma ideologia que o legitime, usa-se então dos elementos
econômicos, políticos, sociais e infraestruturais para garantir a propagação
deste novo campo axiológico.
Conforme expresso em Perrusi (2015, p. 428),
A ideologia, pois, seria construída politicamente no capitalismo. A for-
mação da ideologia é vivenciada e estruturada pelos indivíduos concretos
no processo social da produção material da sociedade, mas elabora-se na
atividade política. E é na política, que se constitui o tempo da ideologia.
Sendo, a formação da ideologia um movimento político, é notório que
as forças políticas passam a integrar e a constituir estratégias que viabilizem
tal construção e internalização de modo eficaz e efetivo. Dado a celeridade
que o movimento ultraneoliberal impetrou ao país, as movimentações para
construções ideológicas estão sendo formuladas.
Buscando captar os movimentos do real, com o objetivo de compreen-
der as materializações do ultraneoliberalismo no Brasil, realizamos uma aná-
lise pontual das legislações que almejam a precarização do mundo do traba-
lho, para então posteriormente adentrarmos nas materializações na educação
no capítulo seguinte, com ênfase na Rede Federal. Para demonstrar que na
ideologia burguesa ultraneoliberal há uma relação direta e indissociável entre
trabalho e educação, sendo a educação alicerçante para a universalização das
perspectivas ultraneoliberais.
A materialidade alicerça e referenda a produção de ideias de um tem-
po histórico. Havendo assim uma relação dialética entre a materialidade e as
ideias produzidas e difundidas no tempo presente.
2.4.1 As legislações que propiciaram o avanço ultraneoliberal no
Brasil: do orçamento a precarização das condições de trabalho
O projeto ultraneoliberal carecia de expressões materiais da ideolo-
gia, e assim se efetivou, a primeira materialização, pós-Golpe de 2016, foi
107
a Emenda Constitucional (EC) n.º 95 de 15 de dezembro de 2016 (Brasil,
2016). Esta foi aprovada no Governo Temer, instituindo um novo regime
fiscal, sendo resultado da PEC 241 na Câmara de autoria do poder executivo,
e da PEC 55 no Senado.
Em ambas as casas a proposta foi aprovada com tranquila maioria,
na Câmara a proposta obteve 366 votos favoráveis e 111 votos contrários
em primeiro turno e 359 votos favoráveis e 116 contrários em segundo tur-
no, tendo sido aprovada e enviada para apreciação e votação no Senado. No
Senado, a PEC 55 obteve em primeiro turno 55 votos favoráveis e 14 votos
contrários, já em segundo turno com 53 votos favoráveis e 16 contrários.
Seguindo para sansão presidencial.
A EC 95 durante sua tramitação foi nomeada pela oposição de PEC da
morte’ e PEC do ‘fim do mundo’, constituindo um regime fiscal incompatível
com o Estado brasileiro garantidor de direitos, estando em descompasso e dis-
sonância com o interesse público e da população brasileira. Com a EC 95, está-
vamos diante da consolidação de um país ainda mais excludente, com a dimi-
nuição dos direitos sociais e das políticas públicas de atendimento à população.
Em síntese, a EC 95, impede o aumento dos gastos públicos pelas
próximas duas décadas, o que necessariamente, inviabiliza que o Estado ga-
ranta a efetivação de direitos fundamentais para os próximos anos, dado que
não mais será possível investimentos reais nas diferentes áreas como Saúde,
Educação, Segurança, Assistência social dentre outras.
Leher (2021, p. 13), assevera que a EC n.º 95/2016 “[...] é a matriz da des-
construção de todas as políticas sociais da Constituição de 1988.” Garantindo,
a partir da implementação desta, um caminho viável e plausível para mudanças
em direitos fundamentais da CF, essenciais para a vida da classe trabalhadora,
e o fazem em prol da garantia de manutenção e defesa dos interesses privados.
A EC 95 garantiu a primeira reforma estrutural do Estado brasileiro
no nível orçamentário, sendo um grande retrocesso da garantia de direitos
fundamentais no nível nacional. Os gastos públicos estariam congelados ao
patamar de 2017 até 2037, o único “aumento” seria em conformidade com a
inflação, ou seja, haveria ao longo dos anos a redução significativa dos inves-
timentos públicos nas áreas essenciais, ocorrendo um processo de desfinan-
ciamento desses serviços.
108
Ponderamos que a EC 95, não garante elevação real do gasto público,
desconsidera as especificidades brasileiras, as projeções de aumento popula-
cional e as possibilidades de crescimento econômico do país. Em um contex-
to de aprofundamento da crise estrutural do capital, de aprofundamento das
desigualdades e de precarização da vida da classe trabalhadora, dado os an-
seios de ampliação do lucro e acumulação de capital, a redução significativa,
da atuação do Estado, afeta diretamente o existir dos trabalhadores.
Diversas são as mazelas que o referido congelamento ocasiona, mas
focalizando na educação que é nosso objeto, pondera-se que o congelamento
dos gastos públicos tende a desfinanciar e inviabilizar a educação pública.
Moura e Lima Filho (2017), afirmam que se a EC 95, nos moldes como foi
proposto em 2016, tivesse existido entre os anos de 2002 a 2015, o processo
de expansão e interiorização da Rede Federal e das Universidades Públicas,
além de outras medidas vinculadas à educação, seriam inviabilizados. O que
nos permite concluir, que neste projeto de radicalização do neoliberalismo,
que tem a EC 95 como sua primeira materialidade, o direito à educação
pública, em especial voltada a classe trabalhadora, está sendo negado ou in-
viabilizado, com vistas a manter a educação como um patrimônio privado da
burguesia em suas diferentes frações.
O não investimento em educação, relega o país a uma posição de es-
tagnação no âmbito da ciência, da pesquisa e da tecnologia, o que tende, a
relegar o país a manter estruturas de dependência científica e intelectual, e,
em paralelo, empobrece as possibilidades de apreensão dos conteúdos histo-
ricamente produzidos, como será demonstrado a seguir.
As instituições produtoras de ciência, tecnologia, pesquisa e inovação,
tal qual a Rede Federal e as Ufs, nesta conjuntura, ficam restritas, no que
tange suas capacidades produtivas e intelectuais, já que, a pesquisa carece de
investimento real para se fazer. Ao passo que, o ultraneoliberalismo avançava,
centrado na austeridade e irracionalidade, o país vivenciava um processo de
tentativas de desintelectualização, empobrecimento e esvaziamento da edu-
cação, desta forma, precarizando a efetivação de formações humanas em sen-
tido amplo desde a EB.
Como continuidade, ao projeto ultraneoliberal em curso, centrado na
falácia de que o Estado estava com gastos elevados, logo vivia uma crise de
109
financiamento, o que demandava Reformas do Estado, em 2017 o país vê a
efetivação de uma Reforma Trabalhista — Lei n.º 13.467 de 13 de julho de
2017 (BRASIL, 2017) e a tentativa de aprovação da Reforma da Previdência,
ambas propostas por Temer e pelo ministro da fazenda Henrique Meirelles.
A Reforma Trabalhista foi aprovada em 2017, já a Reforma da
Previdência teve um caminho um pouco mais longo para a aprovação, fican-
do a cargo do Governo Bolsonaro e Paulo Guedes em 2019, através da EC
103 de 12 de novembro de 2019 (BRASIL, 2019). Ainda que separadas por
um espaço temporal, ambas caminham na mesma direção, precarização das
condições de trabalho. Possibilitando retrocessos quanto ao acesso aos direi-
tos trabalhistas, retirando garantias essenciais dos trabalhadores.
As reformas do Estado, que afetavam, diretamente, o cotidiano da clas-
se trabalhadora, rompiam com os direitos históricos e constitucionais, em
nome de uma modernização das relações trabalhistas. A suposta moderniza-
ção, nada mais é do que a intensificação da precarização e flexibilização das
relações de trabalho.
O país no período ultraneoliberal passa a intensificar, pela via legal, os
processos de exploração do trabalho, deste modo, remontamos o pensamento
de Marx (2015), o qual pondera que, o trabalho explorado é a fonte, prio-
ritária, de acumulação de capital, sendo que, a criação de valor, está atrelada
ao grau de exploração do trabalho em um tempo histórico, assim, “[…] o
tesouro só é transformado em capital por meio da exploração do trabalho
(MARX, 2015, p. 612).
A sociedade brasileira, observou no período ultraneoliberal, o avanço
de medidas, políticas e proposições que intensificariam os processos de explo-
ração do trabalho e precarização da vida da classe trabalhadora, objetivando
ampliar as margens de lucro e rentabilidade das frações da burguesia, articu-
ladas em torno das pautas da extrema-direita.
Em conformidade com o projeto de ataque e desmonte dos direitos da
classe trabalhadora, em 2021, no epicentro do governo Bolsonaro, o país se
vê diante da eminência de uma nova Reforma trabalhista, que passou a ser
denominada de Minirreforma trabalhista na Câmara dos Deputados, a qual
se encarregaria de ampliar a exploração do trabalho. A mesma é um desdo-
bramento da MP n.º 1.045 de 27 de abril de 2021 (BRASIL, 2021).
110
A MP n.º 1.04510 de autoria do poder executivo chegou a Câmara no
mês de maio, com 25 artigos, dos quais versavam sobre “[…] o Novo Programa
Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medi-
das complementares para o enfrentamento das consequências da emergência
de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus
(COVID-19) no âmbito das relações de trabalho (BRASIL, 2021b)”.
Após intensos e acelerados debates entre os líderes do Governo, Centrão
e Partidos de Oposição, o texto sofreu mudanças substanciais, sendo que,
após a inserção dos itens que versavam especificamente acerca da minirrefor-
ma trabalhista, o texto foi aprovado em 12 de agosto de 2021 com um total
de 94 artigos.
Dentre as muitas mudanças trazidas pela proposta aprovada pela Câmara
e enviada ao Senado, destacamos a criação de três novos programas que versam
sobre o emprego, sendo 1. Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no
Emprego (PRIORE), 2. Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação
e Inclusão Produtiva (REQUIP) e 3. Programa Nacional de Prestação de Serviço
Social Voluntário. A proposta elaborada pela Câmara, ainda alterava a CLT e
o Código de Processo Civil. Estes programas, propunham a ampliação da ex-
ploração do trabalho e, por consequência, tal qual expresso em Marx (2015), a
intensificação da exploração do trabalho é essencial para a ampliação do lucro
e acumulação do capital. Elementos que motivaram a adesão da burguesia ao
Golpe em 2016 e ao ultraneoliberalismo.
Conforme expresso na MP n.º 1.045/21, haveria, em caso de apro-
vação no Senado, uma ampliação da flexibilização das relações trabalhistas
10 No período em que ocorreu a votação da MP 1.045 e sua minirreforma trabalhista, todos os olhares
da sociedade estavam direcionados para a Câmara, mas não a fim de fiscalizar a aprovação de um
MP que impactaria a vida de trabalhadores, mas em virtude da votação da retomada do Voto
Impresso, fomentada pelo Presidente Bolsonarro e seus apoiadores. Toda a sociedade civil estava
concentrada em compreender o retrocesso do Voto Impresso e auditável que se anunciava através
da PEC 135/2019 de autoria de Bia Kicis (PSL-DF) – a qual foi derrotada em 10 de agosto de
2021 e arquivada em virtude de 229 votos favoráveis e 218 votos contrários a PEC e uma abstenção
(SIQUEIRA, 2021). Considerando a aprovação da minirreforma, podemos depreender que a
votação da PEC foi mais uma estratégia do governo e sua base aliada para tirar o foco de uma
reforma de fato impactante para a classe trabalhadora que passou na Câmara sem resistência e
mobilização das entidades civis, enquadrando-se assim na política adotada pelo então presidente da
Câmara de atropelo e celeridade nas decisões importantes.
111
— com contratos precarizados em especial para os jovens — primeiro em-
prego. Resultaria na perda de alguns direitos históricos, dentre eles redução
da alíquota do FGTS11 e 13.º salário a estes trabalhadores.
A partir da análise da MP, em especial na esfera do PRIORE, fica evi-
dente que a intencionalidade do governo é precarizar ainda mais as relações
de trabalho no principiar do emprego e no findar da carreira, deste modo, de-
preende-se que a propositura é compatível com a precarização vigente na for-
mação dos jovens de nível médio, que será analisada nos capítulos seguintes.
Há coerência e continuidade nas propostas ultraneoliberais que versam
acerca da formação dos trabalhadores e da vivência do mundo do trabalho
precarizado, as propostas, em esfera educacional e no mundo do trabalho,
articulam-se para garantir a intensificação da exploração e inviabilização da
superação das contradições.
O outro programa que surge com a MP 1045 e que impacta direta-
mente a vida dos jovens trabalhadores é o REQUIP. Este programa foi in-
cluído na MP pelo relator Christino Aureo (PP-RJ). Conforme expresso no
texto referente ao REQUIP no “Art. 69 Os beneficiários que concluírem os
programas de qualificação profissional com aproveitamento, será concedido
pela entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica o certi-
ficado de qualificação profissional.
O REQUIP seria destinado aos jovens entre 18 a 29 anos, os jovens-
-estudantes seriam inseridos nas rotinas empresariais e receberiam uma bolsa
remuneração, no valor meio salário mínimo, o que equivaleria em 2021 a
R$ 550,00, este valor seria pago em parceria entre a empresa e o governo.
Conforme a proposta, a jornada de trabalho deveria ser de 22 horas sema-
nais e por não configurar uma relação trabalhista, mas sim, uma modalidade
de auxílio, não resultaria em recolhimento de FGTS, 13.º salário e INSS.
O período do contrato não poderia ultrapassar 24 meses, logo um trabalho
temporário precarizado ao jovem.
A proposta evidenciada e formulada pelos representantes do capital
que ocupavam a Câmara, perspectiva a intensificação da exploração da força
11 Nos contratos de trabalho atuais as empresas recolheram 8% de FGTS ao mês, pelo PRIORE
as microempresas passariam a recolher 2%, as pequenas empresas 4% e para as médias e grandes
empresas 6%.
112
de trabalho jovem, para que o trabalhador venda a um preço baixo e incom-
patível, com a produção fruto de seu trabalho. Busca-se pela intensificação
da crise estrutural do capital, cooptar as diferentes esferas de subjetividade do
trabalhador, e a diluição dos direitos trabalhistas.
Marx (2013), assevera que o trabalhador na relação do modo de pro-
dução capitalista apenas pode vender a sua própria força de trabalho, visto
que está desprovido da posse de qualquer outro meio de produção. Sendo as
relações cada vez mais precarizadas, tal qual os dias atuais, o trabalhador ten-
de a vender a preços irrisórios sua força de trabalho, para garantir o subsistir,
resultando na intensificação dos processos de exploração.
Em um país em que há a intensificação da fome e da miséria, como já
evidenciado neste trabalho, a inserção, ou a proposição de programas como
REQUIP e PROEP relegam à adesão, por parte da classe trabalhadora, de
modos de trabalho desumanos e precários, de modo a garantir a manutenção
da vida destes trabalhadores.
A relação que se materializa e se almeja por parte da burguesia na socie-
dade ultraneoliberal brasileira, é de intensificação da exploração da classe que
vive do trabalho. Novamente recorrendo a Marx (2013), depreende-se que a
exploração da força de trabalho assalariada é a condição básica da acumulação
e da produção de mais-valia, para tanto o capital recorrentemente transforma
a força de trabalho em mercadoria.
Com o avanço do ultraneoliberalismo, o país foi progressivamente,
presenciando a intensificação do trabalho enquanto mercadoria e as tentati-
vas de precarização, pela via legal, do cotidiano do trabalho.
Sendo no capitalismo o trabalho mercadorizado, passa por sucessivos
processos de desvalorização da força de trabalho, que se apresentam desde a
formação deste trabalhador até o cotidiano do trabalho, para garantir a am-
pliação da exploração pelo capital. Na proporção que há a desvalorização do
valor pago ao trabalhador, a manutenção do tempo de trabalho e ampliação
da jornada há a majoração da exploração.
Os representantes das frações da burguesia, paralelamente propunham
alterações no cotidiano vivido do trabalhador e na formação deste trabalha-
dor, como será exposto no capítulo seguinte.
O pacote proposto pela Câmara, concatenava o conjunto de ações
113
iniciadas no Brasil em 2016, viabilizando a ascensão irrestrita do ultraneoli-
beralismo e seu ataque cotidiano a classe trabalhadora, articulando os dife-
rentes interesses das frações burguesas que apoiaram o Golpe de 2016, sendo
que, a proposta, se aprovada no Senado, materializaria e daria continuidade as
proposições burguesas de retirada de direitos da classe-que-vive-do-trabalho.
A proposta foi votada no Senado em 1 de setembro de 2021, sendo
a mesma rejeitada pelos Senadores, o resultado da votação foi 47 contrários
e 27 favoráveis a MP n.º 1.045/2021, sendo a mesma arquivada. Esta foi
uma derrota emblemática para o Governo e para o representante máximo do
ultraneoliberalismo no Senado. Ainda que tenha sido rejeitada e arquivada,
compreendemos ser relevante mencioná-la, pois sistematizava as intenciona-
lidades precarizantes para o mundo do trabalho, em especial para a juventude
da classe trabalhadora.
A negativa do Senado à MP n.º 1.045/2021 não deve ser compreen-
dida como uma vitória da classe trabalhadora, mas sim, deve ser analisada
como uma derrota parcial a agenda ultraneoliberal. No entanto, não era pos-
sível nenhuma utopia, pois apesar de negar parcialmente o levante ultraneo-
liberal, dada sua radicalização autoritária nos anos de 2020 e 2021, as frações
mais intelectualizadas da burguesia no Senado permaneciam alinhadas a uma
agenda de Reformas do Estado e desconstitucionalização dos gastos públicos.
Depreende-se que, as frações da burguesia articulavam-se para garantir
a precarização da vida dos trabalhadores, tendo o governo federal a época,
como o seu principal articulador. Evidente que, esta ofensiva teve vitórias e
derrotas e ainda que não materializadas em plenitude, demonstra os interes-
ses dos detentores do capital e seus representantes em precarizar o existir dos
trabalhadores desde a juventude.
Após esta análise de proposituras de reformas vinculadas ao trabalho,
inicia-se a análise dos encaminhamentos e tentativas de desconstitucionaliza-
ção do gasto público e diminuição do Estado, essenciais e caracterizadores do
período ultraneoliberal.
No processo de desconstitucionalizar o gasto público no país12, entrou
12 Segundo a EC 95 sempre que o Estado atingir o teto dos gastos ocorre o congelamento dos salários
dos servidores públicos, o que resulta anualmente em perdas salariais reais. Não obstante, também
durante a Pandemia da COVID-19, o Congresso aprovou a Lei Complementar 173, sancionada
pelo presidente em 27 de maio de 2020, a qual em nome do controle dos gastos emergenciais,
114
em vigor a EC 109 de 15 de março de 2021 (BRASIL, 2021a), a qual está
vinculada à EC 95 e viabiliza cortes mais agressivos dos gastos públicos quan-
do as despesas primárias se aproximassem do patamar de 95% de modo a não
ultrapassar o teto dos gastos. Possibilitando o corte de salários de servidores,
redução de salários e não cumprimento de despesas obrigatórias.
Na EC 109, fica estabelecida a necessidade de utilização de mecanis-
mos de ajuste fiscal com progressiva redução dos gastos. Para tanto, limita-se
a realização de concursos, o aumento dos gastos públicos, ajustes salarias,
criação de novos cargos ou funções, alteração na estrutura da carreira e am-
pliação de despesas obrigatórias.
Conforme as determinações da EC 109, o Estado brasileiro fica limi-
tado a uma condição de subsistência, e que no curto prazo de tempo tende a
inviabilizar a existência e a manutenção de um Estado garantidor.
Estas medidas, previstas na EC 109, dialogam com o avanço da crise
estrutural do capital, com a necessidade de ampliação do capital pela burguesia
e a utilização do aparato do Estado para o atendimento das demandas de acu-
mulação da burguesia. Reduzindo a atuação do Estado e abrindo espaço para o
avanço da iniciativa privada na oferta dos serviços essenciais. Neste sentido, o
Estado se omite e é minimizado em relação ao atendimento da classe trabalha-
dora e é maximizado para o atendimento da burguesia e do mercado.
Além deste conjunto de reformas ultraneoliberais e reestruturantes do
Estado brasileiro, no ano de 2021 inicia a tramitação da PEC-32 (Reforma
administrativa). Segundo Leher (2021), com a aprovação do texto da PEC
ocorrerá a destruição do serviço público e o Estado brasileiro passa a ser sub-
sidiário. Ou seja, o Estado passa a atuar meramente nas esferas que não são
de interesse da iniciativa privada.
A partir da proposição da PEC-32, o Estado afasta-se de cumprir o pa-
pel, a ele estabelecido, na CF de 1988, por consequência, ampliaria sua fun-
ção de mediador dos interesses da burguesia e do capital. O Estado brasileiro,
afeta diretamente os servidores públicos. Em seu Art. 8º estabelece o congelamento dos salários
até dezembro de 2021, inviabiliza a criação de novos cargos e limita a reestruturação das carreiras
(Brasil, 2020). Mas as perdas salarias não iniciaram com os pretextos da Pandemia, estas vem
ocorrendo desde 2017, quando ocorre o último aumento salarial na esfera Federal. Conforme Leher
(2021) em janeiro de 2017 80% dos servidores federais tiveram reajuste salarial, sendo este o último
reajuste, isto significa uma perda real de 30% pelo IPCA e 63% pelo IGP-M.
115
cumpriria o que já foi anunciado por Marx e Engels (2015), de atuar para
o atendimento dos interesses e dos negócios da burguesia, desconsiderando,
assim, as necessidades e demandas dos trabalhadores.
Ressaltamos que, a proposta da PEC-32, partiu do poder Executivo,
mais precisamente do Ministério da Economia, e tem como intuito primeiro,
transmudar o papel do Estado, garantindo que este esteja reduzido ao máxi-
mo, para garantir a ampliação da atuação da iniciativa privada na promoção
de “serviços”, antes ofertados prioritariamente pelo Estado.
A questão do Estado subsidiário, afeta os servidores públicos, objeti-
vando a diminuição dos gastos com folha de pagamento e garantindo que os
servidores do Estado estejam alinhando aos interesses dos governos ultraneo-
liberais, à época conduzido por Bolsonaro.
A PEC 32, busca por meio da construção do Estado subsidiário, a
ampliação da atuação das frações da burguesia no Estado, garantindo assim
a transferência de recursos públicos para os setores privados, rompendo em
definitivo com os direitos constitucionais e, relega, uma parcela significativa
da população, à miserabilidade e ao abandono. Em outubro de 2022, a PEC
ainda não havia sido apreciada pelo plenário da Câmara, no entanto, já havia
sido analisada nas comissões e encontrava-se “Pronta para Pauta no Plenário
desde junho de 2022.
Pensando os aspectos orçamentários e o papel do Estado, retomamos
brevemente, o debate do fundo público13.
No contexto das sociedades capitalistas, o fundo público, administrado
pelo Estado, acabou por ser o elemento decisivo para a acumulação e repro-
dução do capital e para o atendimento e oferta de políticas sociais de atendi-
mento à classe trabalhadora. Sendo que, a disputa pelo fundo público, pode
ser compreendida como um dos expoentes da luta de classes.
Neste jogo de disputa pela repartição do fundo público, conforme ex-
presso em Oliveira (1998) compete ao Estado a administração dos conflitos das
classes antagônicas, com vistas a garantir os processos de reprodução do capital.
Sendo o fundo público disputado ao longo de toda a historicidade do país.
O fundo público se torna ainda mais objeto de disputa em momentos
de crise, estando o Brasil no epicentro de uma crise estrutural do capital, este
13 Para melhor compreensão do tema sugerimos a leitura de Oliveira (1990; 1998; 2013; 2018).
116
ganha centralidade nos debates e nas disputas pelo financiamento de políti-
cas sociais e na defesa salvacionista do capital. Conforme Oliveira (1998), o
fundo público é elemento central para o desenvolvimento do capitalismo,
garantindo simultaneamente a acumulação primitiva e o atendimento aos
mais pobres.
A captação do fundo público é elemento decisório em uma sociedade
de capitalismo tardio como o Brasil, os dois polos antagônicos da luta de
classes recorrentemente disputam os fundos, mas frente a hegemonia bur-
guesa, esta classe e suas frações, acabam por captar de modo mais decisório os
fundos, com vistas a garantir a acumulação de capital.
O país vivenciou a intensificação pela disputa do fundo público, onde o
mercado e os detentores de capital passaram a receber um maior auxílio, pro-
teção e seguridade pelo Estado em detrimento do bem-estar social, ocorrendo
um processo de financeirização da riqueza e redução das políticas sociais.
No Brasil ultraneoliberal, a disputa pelo fundo público foi vencida
pelas frações da burguesia, sendo que esta classe passou a captar o maior
contingente dos recursos públicos, com o intuito de garantir a acumulação
de capital e sua proteção social. A estrutura do Estado, em esfera legal e
organizacional foi neste período, pensada para garantir que os membros da
burguesia consigam, manter seus processos de acumulação de modo inten-
sificado e em paralelo há um abandono dos membros das classes subalternas
pelo Estado.
O Estado brasileiro vivencia um contexto de crise e contradição no que
tange o seu papel, e nesta crise, o caráter coercitivo do Estado foi sendo apro-
fundado. Os limites da coerção iniciam na esfera orçamentária, nas disputas
pelos fundos públicos e pode vir a estender-se em diferentes esferas sociais e
do Estado, como na intervenção no funcionamento de Instituições Públicas
— a exemplo as intervenções nas escolhas dos reitores de UFs e IFs, que será
abordado no capítulo 05.
A intensificação da atuação coercitiva do Estado, vislumbra efetivar,
uma profunda, reforma do Estado brasileiro, amplia as características au-
tocráticas da burguesia nacional e viabiliza a acumulação do capital pelas
frações da burguesia, garantindo, assim, as condições de implementação do
receituário ultraneoliberal e diminuição de direitos sociais.
117
As proposituras de reformas do período ultraneoliberal, são desdobra-
mentos diretos da EC 95. Estas são postas como essenciais para a efetivação
da responsabilidade fiscal, porém, para além da responsabilidade fiscal, estas
asseguram o favorecimento da burguesia no contexto de acirramento da crise
estrutural do capital.
Salientamos que, o conjunto de proposições e reformas, supostamente
em nome da responsabilidade fiscal, objetivam a ampliação das condições
de exploração dos trabalhadores, sendo que os direitos sociais foram sendo
diluídos ao longo dos anos ultraneoliberais. Apesar de, as reformas do Estado,
terem sido iniciadas no período Temer, vivenciaram uma intensificação ultra-
neoliberal no período Bolsonaro.
Leher (2021), defende que há um propósito político ultraneoliberal,
no governo Bolsonaro, que é a extinção ou a fragilização dos direitos sociais
e das políticas distributivas, sendo que todas as mazelas ocasionadas por este
governo, são acobertadas pelos setores dominantes, em nome da responsabi-
lidade fiscal e acumulação de capital. Iniciou-se, no país com o advento do
ultraneoliberalismo, um período de liberalização da barbárie social, onde a
responsabilidade fiscal se sobrepões a qualquer outro direito.
As frações da burguesia nacional, apoiaram o Golpe em 2016, e apoiam
as medidas de reforma do Estado que o sucederam, pois, estas reformulações
asseguram os privilégios de classe e aprofundam os abismos sociais desta es-
trutura social.
O modelo ultraneoliberal demanda de um aprofundamento da auto-
cracia burguesa, para tanto, ocorreu no país, movimentos de fragilização de-
mocrática e ampliação das desigualdades. Movimento histórico conduzido e
apoiado por “Uma classe dominante que mantém seus privilégios mediante
um Estado autoritário, clientelista e nepotista e pela permanente estratégia
preventiva em face à luta da classe trabalhadora, mediante ditaduras e golpes
de Estado (FRIGOTTO, 2021, p. 638).” A burguesia brasileira, graças a sua
historicidade, não se opõe em se aliar ao autoritarismo desde que renda o
suficiente para manter seus privilégios de classe.
Seria errôneo desvincular a ascensão do ultraneoliberalismo ao Golpe
de 2016, haja vista que estes fazem parte de um mesmo movimento da his-
tória nacional, o qual transformou profundamente as estruturas do Estado,
118
tornando este, ainda mais satisfatório ao atendimento dos interesses do capi-
tal. Ambos, são facetas do mesmo movimento, conduzido por uma burgue-
sia, que não mais estava disposta a conceder direitos e governar pela coaliza-
ção e conciliação classista.
Segundo Leher (2019b), o modo como o país passou a ser organizado
e conduzido no período ultraneoliberal, encaminha para o acirramento da
autocracia burguesa, aprofundando ainda mais as contradições, a dependên-
cia e o esvaziamento científico. Efetivando o desmonte e sufocamento de
diferentes entidades e órgãos que representam a ciência e a pesquisa no Brasil,
dribla-se a realidade concreta, as evidências científicas em nome de dissemi-
nação de realidades paralelas alinhadas aos interesses do capital.
A perspectiva autocrática, nos últimos anos, foi intensificada, sendo
que esta é uma condição essencial e balizadora do período ultraneoliberal.
2.4.2 A autocracia burguesa: e seu papel na era ultraneoliberal
Como mencionado anteriormente, o Brasil vivencia o acirramento da
autocracia burguesa, assim, é crucial definirmos esta categoria, para poste-
riormente avançar na análise nacional contemporânea.
O entendimento da autocracia burguesa, presente no país desde o sé-
culo XX, está atrelado ao desenvolvimento do capitalismo no Brasil e com os
limites da democracia. Conforme Fernandes (1977), o Brasil possuí um ca-
pitalismo de desenvolvimento periférico, sendo estruturado a partir de uma
falsa democracia. Havendo uma democracia restrita no país, a qual atende
unicamente os interesses da burguesia.
Neste sentindo, na esfera das decisões políticas do Estado, são prioriza-
dos os interesses da classe burguesa. Não havendo compromisso da política e
do Estado com os pressupostos democráticos, dado que “A democracia não só
é dissociada da autoafirmação burguesa, como ela seria um tremendo obstá-
culo a categoria de autoprivilegiamento que as classes burguesas se reservaram
[…] (FERNANDES, 1977, p. 348)”. Apenas os interesses de um grupo ou
uma classe são colocados como necessários e condutores das tomadas de de-
cisões, e por consequência os interesses da classe trabalhadora são ocultados.
Tendo o Estado brasileiro sido monopolizado pela burguesia e esta-
va organizado em pilares de democracia restrita, tinha-se o cenário para a
119
construção plena da autocracia burguesa, onde o Estado estaria a serviço des-
ta classe e em defesa de seus interesses.
A essencialidade da autocracia burguesa no Brasil, reside na predis-
posição de produzir ditaduras de classe. A burguesia brasileira desconfigura
o papel do Estado, com o intuito de assegurar a sua dominação. O Estado
assumi um caráter despótico, burguês e reacionário.
Com o advento da autocracia burguesa no Brasil, no período da
Revolução Burguesa brasileira14, o país passou a ter reformulado as estruturas
e funções do Estado com o objetivo de garantir a efetivação de uma demo-
cracia restrita e de privilégios.
O Estado se diferencia e, ao mesmo tempo, satura sua estrutura constitu-
cional e funcional de uma maneira tal que fica patente ou que se pratica,
rotineiramente, uma democracia restrita ou se nega a democracia. Ele é,
literalmente, um Estado autocrático e oligárquico. Preserva estruturas e
funções democráticas, mas para os que monopolizam, simultaneamente,
o poder econômico, o poder social e o poder político, e usam o Estado
exatamente para criar e manter uma dualidade intrínseca da ordem legal e
política, graças à qual o que é oligarquia e opressão para a maioria subme-
tida, é automaticamente democracia e liberdade para a minoria dominan-
te (FERNANDES, 1977, p. 350).
Passa a estar organizado, o Estado, com uma aparente democracia, mas
que em suma nega a democracia aos de baixo, ao passo que monopoliza a sua
estrutura para o atendimento dos de cima. A autocracia burguesa é um modo
de dominação conveniente ao capitalismo dependente.
O Estado autocrático burguês, mescla elementos da democracia libe-
ral, aparência inicial de democracia, com elementos ditatoriais e autoritários,
sendo que estas combinações de concepções e práticas políticas são efetivadas
com o propósito de assegurar a manutenção da ordem.
A burguesia e suas frações buscam preservar os seus privilégios por
meio da autocracia, com interferência constante nas tomadas de decisões po-
líticas, econômica e social.
14 Para melhor compreender este período, indicamos a leitura da obra A Revolução Burguesa no Brasil
de Fernandes (1977).
120
As classes burguesas não querem (e não podem, sem se destruir) abrir
mão: das próprias vantagens e privilégios; dos controles de que dispõem
sobre si mesmas, como e enquanto classes; e dos controles de que dis-
põem sobre as classes operárias, as massas populares e as bases nacionais
das estruturas de poder; As vantagens e privilégios estão na raiz de tudo,
pois se as classes burguesas realmente “abrissem” a ordem econômica, so-
cial e política perderiam, de uma vez, qualquer possibilidade de manter
o capitalismo e preservar a íntima associação existente entre dominação
burguesa e monopolização do poder estatal pelos estratos hegemônicos da
burguesia (FERNANDES, 1977, p. 363-4)
Pela perspectiva da autocracia burguesa, se compreende que toda a
estrutura do Estado passa estar a serviço, unicamente, dos interesses desta
classe. A organização, a configuração e os direcionamentos caminham para
assegurar a manutenção da dominação burguesa.
O Brasil por ter processos de desenvolvimento histórico truncado com
seu passado conservador, escravocrata e retrógrado vivenciou desde o prin-
cipiar do período republicado um modo de organização político centrado
nos interesses das frações da burguesia, logo o país tem em seu histórico um
alinhamento à autocracia burguesa que nunca se diluiu na historicidade bra-
sileira, ainda que em dados momentos ocorreram processos de tentativas de
democratização, mas que nunca se efetivaram em plenitude.
A burguesia brasileira, vale-se recorrentemente de ações antipopulares
e antidemocráticas para a preservação de suas frações, a exemplo vemos os
sucessivos golpes de Estado vivenciados no Brasil, como o Golpe de 1930 que
impediu a posse de Júlio Prestes, o Golpe do Estado Novo em 1937, o Golpe
de 1945 que marca o fim da Era Vargas, Golpe Militar de 1964 e o Golpe de
2016 que resultou na deposição de Dilma Rousseff, os quais todos tiveram o
apoio e o aparato da burguesia.
Fernandes (1977), evidencia que o Estado autocrático burguês tem
como finalidade conter a continuidade de processos revolucionários, desta-
ca que a gênese autocrática ficou ainda mais evidente a partir do Golpe de
1964 e ganhou força ao longo dos anos militares. Durante o período da
Ditadura empresarial-militar, em meio as rupturas democráticas, os interesses
121
das frações da burguesia foram plenamente atendidos pelo Estado Militar15,
sendo o aparato estatal utilizado para a perpetuação dos privilégios.
Após o findar da Ditadura empresarial-militar, advindo os movimentos
de redemocratização da sociedade, pretendia-se o corte com a autocracia bur-
guesa, porém, as movimentações das forças antagônicas no Brasil não foram su-
ficientes para garantir a superação desta. Nem sequer, a CF de 1988, tida como
democrática, cidadã e participativa, foi capaz de romper com a já enraizada au-
tocracia burguesa, considerando que preservou no texto elementos repressivos
existentes na ditadura, como a autonomia militar, o uso repressivo das forças do
Estado, que poderiam ser utilizados novamente em favor da burguesia.
Estes elementos somados a uma profunda subordinação do Estado ao
capital e aos interesses hegemônicos, garantiriam ainda que em um regime
democrático, o Estado continuasse a utilizar toda a sua estrutura para ga-
rantir o princípio elementar da autocracia, que o interesse de um grupo se
sobressaia à vontade da coletividade.
A burguesia brasileira autocrática atua de modo autoritário para a ma-
nutenção e preservação do modo de produção, e “[…] nos põem diante da
problemática da ditadura de classes total e absoluta, quando ela é controlada
pela burguesia e com vistas, exclusivamente, à continuidade do capitalismo e
do Estado capitalista (FERNANDES, 1977, p. 359)”. Ainda que dentro de
um contexto político tido como democrático após 1988 o país se viu diante de
uma constante organização autocrática com intensificações e arrefecimentos.
Se evidencia que a autocracia burguesa no Brasil permaneceu existindo
mesmo no decorrer de governos progressistas. No período dos governos de
coalização, conduzidos pelo PT, dado a política conciliatória, era mais com-
plexo observar as particularidades da autocracia burguesa, no entanto, com o
advento ultaneoliberal conduzido pela extrema-direita, a autocracia burguesa
ficou ainda mais proeminente no país.
Após a instauração do Golpe de 2016 e da eleição de 2018 a qual con-
duziu Bolsonaro ao poder, o país se viu diante de um novo aprofundamento
autocrático burguês, rompendo com garantias constitucionais e democráti-
cas. Os governos que passaram a conduzir o país, garantiram a instauração de
15 Para melhor compreender as nuances do Golpe de 1964, ver Dreifuss (1987) na obra 1964: a
conquista do Estado: ação, política, poder e golpe de classe.
122
um estado de progressiva corrosão democrática.
Durante estes primeiros anos ultraneoliberais, tem-se no Brasil, gover-
nos que concatenam os interesses de um grupo social, no caso a burguesia
articulando os interesses políticos econômicos desta fração, com o aparato
militar, somada a uma tentativa populista de incorporação de um apoio po-
pular dos grupos conservadores.
O processo de atrair as massas enquanto apoio popular, se efetiva a
partir do que Laval (2019) caracteriza como a captura das subjetividades.
No Brasil, se valeu da fragilidade e marginalidade da classe trabalhadora para
constituir uma base de apoio a Bolsonaro, que depositava neste uma esperan-
ça messiânica de renovação, o que garantiu a este a eleição em 2018, no en-
tanto, após a ascensão ao poder, abandona a massa que o elege, para retornar
suas direções para o fortalecimento de uma autocracia burguesa.
Ressalta-se que o período denominado de ultraneoliberalismo, em es-
pecial no seu recente apogeu – período Bolsonaro, ainda que circunscrito no
tempo histórico da democracia brasileira, a tomada do poder se faz pela via
democrática e supostamente há manutenção das instâncias que a compõe,
conta com uma especificidade que é a tentativa constante de ruptura demo-
crática, sendo que as ameaças se fazem em constância.
No período atual, apesar de aparente democracia, o Brasil vê a dilui-
ção das instituições democráticas, como já demonstrado neste capítulo, pelo
desmonte constitucional e institucional. O aprofundamento da autocracia
burguesa no país ocorreu a partir das eleições de 2018 — uma eleição centra-
da em autoritarismo, violência, personificação do poder, a criação fetichizada
de um líder menosprezando a própria democracia e simpatizante de modos
de atuação violentos e repressivos —, propiciando uma lenta corrosão da já
frágil democracia aqui existente.
A autocracia brasileira atual não aceita a democracia, menospreza a
relação dos três poderes, trata todos os críticos como inimigos que necessitam
ser silenciados. A democracia vem sendo corroída por dentro, eliminando a
oposição, a ciência e as tentativas de questionamento às deliberações do go-
verno. Ocorrendo uma destruição progressiva do aparato democrático, ape-
sar de manter o principal elemento característico da democracia que é a par-
ticipação popular nas eleições. No período de aprofundamento da autocracia,
123
vivido no Brasil entre 2018–2022, ocorre a personificação do poder16, pelo
chefe do Executivo.
Na autocracia burguesa o governo usa o próprio poder para alterar
leis para favorecer a si e aos grupos que o interessam. A exemplo é possível
mencionar o orçamento secreto amplamente alardeado no ano de 2022, as
vésperas da corrida eleitoral, a promessa de ampliação de vagas para o STF, as
sucessivas, e já ditas Reformas do Estado, a redução da taxação de impostos
aos empresários, isenção de impostos a importação de artigos de luxo como
veleiros, jet skis, dirigíveis, planadores e flexibilização das regras ambientais.
Em sua essência autoritária e reacionária, a autocracia, possuí uma ten-
dência de proteção dos membros de sua classe por recorrentes ditaduras de
classes. Aderindo mecanismos controversos para se manter no poder, assim,
[…] a autocracia burguesa coloca seu ideal de Estado em conexão histó-
rica com o fascismo e o nazismo. O Estado não tem por função essencial
proteger a articulação política de classes desiguais. A sua função principal
consiste em suprimir qualquer necessidade de articulação política espon-
tânea nas relações entre as classes, tornando-a desnecessária, já que ele
próprio prescreve, sem apelação, a ordem interna que deve prevalecer e
tem de ser respeitada (FERNANDES, 1977, p. 345).
Ocorre a autoproteção da burguesia por meio do uso de toda a estru-
tura político, econômico e social. O Estado passa a ser utilizado para garantir
as potencialidades de acumulação de capital.
Este processo de alteração das leis em prol de si e dos grupos que re-
presentam, ficou evidente no país nos governos Temer e Bolsonaro, os quais
atuaram para intensificação da autocracia burguesa por meio da corrosão
da CF e dos Direitos Sociais e Trabalhista — através da EC 95, Reforma
16 Ao longo dos anos do Governo Bolsonaro, diversas foram as falas que representam a concepção
bolsonarista de ausência de limite do próprio poder, a exemplo destaca-se a fala professada pelo
presidente em 20 de abril de 2020, no “cercadinho”, onde o presidente diz “Eu sou a Constituição”,
após severas críticas da mídia e da sociedade civil de sua participação e convocação de um protesto
de nuances antidemocráticas, que clamava pelo fechamento do Congresso, do STF, o retorno do
AI-5 e chamando seus apoiadores a “lutarem pelo Brasil” incitando a uma guerra civil. A fala
professada no dia 20/02/20 demonstra o desprezo do Presidente a CF de 1988 e sinaliza sua
perspectiva personalista e autocrática. A fala sistematiza a postura do Presidente no dia 19/04/20 e
todo o seu governo. https://istoe.com.br/o-arroubo-autoritario
124
Trabalhista, Reforma da Previdência, Reforma do EM — a qual será debati-
da no próximo capítulo, dentre outras reformas que caminham e culminam
na retirada de direitos da classe trabalhadora e que são benéficas ao grande
capital e a burguesia.
A partir da leitura de Fernandes (1977), depreende-se que em uma
sociedade de capitalismo dependente, o poder do Estado, não pode em hipó-
tese algum ser partilhado com as classes populares. O golpe de Estado vivido
no Brasil em 2016, deve ser compreendido como uma ação de retomada
do poder e frear o avanço das classes populares, acesso aos seus direitos e ao
próprio Estado.
A burguesia autocrática nunca aceitou de fato esse partilhar do poder
do Estado com um representante da classe trabalhadora, ainda que este tenha
feito concessões profundas para atender aos interesses burgueses. A elite bra-
sileira sempre busca frear os avanços progressistas, ainda que estes sejam por
dentro da ordem como no período de 2003 a 2016.
Ao longo do período dos governos de coalização, conduzidos pelo PT,
o Brasil ainda vivenciara os aspectos da autocracia burguesa, porém com
características progressistas. Dado a política conciliatória, observou-se um
enfraquecimento da autocracia burguesa, na medida que o Estado garantia
acesso dos de baixo aos direitos sociais, como demonstrado no capítulo an-
terior. O PT não conseguiu ou pretendeu romper em definitivo com a auto-
cracia burguesa brasileira.
O Brasil nunca conseguiu superar o conservadorismo, apenas viven-
ciou momentos de arrefecimento, e estes foram rapidamente interrompidos
pela burguesia e suas atuações autocráticas. Estes dilemas do conservadoris-
mo inviabilizaram o avanço de uma sociedade democrática de fato.
Finalizamos este capítulo pontuando que a eleição de Bolsonaro, a quem
atribuímos o maior quantitativo de políticas ultraneoliberais, como a consequên-
cia e não causa, dado a historicidade de democracia restrita, ditadura de classe e
força ideológica, construída socialmente pela burguesia. O Brasil vive o aprofun-
damento da autocracia burguesa e está sendo governado por um autocrata.
Desta forma, o Golpe dado por Temer e a ascensão de Bolsonaro trata-se
de mais um episódio da autocracia burguesa, e por assim o ser, de intensificação
do modelo liberal, com vistas a manutenção dos privilégios da burguesia.
125
O período ultraneoliberal, em especial no decorrer do Governo Bolsonaro,
o país intensificou a autocracia burguesa, e em paralelo efetivou uma autocracia
educacional com uma democracia restrita na educação, fortemente caracteriza-
da por decisões autoritárias, verticalizadas, promovendo cortes e cerceamentos
orçamentários e promovendo intervenções no cotidiano educacional.
Diante deste contexto de avanço autocrático, adentra-se a análise desta
conjuntura na Educação Federal. Há um recrudescimento da crise do Estado-
burguês e este desdobra-se na formação da juventude por meio das Reformas
Educacionais de Estado, assim, asseveram Motta e Frigotto (2017, p. 365),
O momento brasileiro é de uma crise aguda que insere medidas econô-
micas e políticas ofensivas que afetam fundamentalmente nossos muitos
milhares de jovens da classe trabalhadora. E as Jornadas de junho e as ocu-
pações das escolas e universidades públicas indicam que irrompeu a luta
de classes. Com isso, as burguesias dominantes asseveram os mecanismos
de controle social por meio dos vários aparelhos do Estado em “união pes-
soal” com seus respectivos aparelhos privados de hegemonia e com orga-
nismos internacionais, introduzem um conjunto de políticas públicas que
conformam a conjuntura (como veremos em seguida) e buscam cimentar
a ideologia necessária para se consolidarem no poder e salvaguardarem
os ganhos do capital. Por esse motivo, torna-se determinante introduzir
reformas na educação — ressaltamos, pública —, em que se situa a grande
massa de jovens da classe trabalhadora para administrar a “questão social”
e criar as condições favoráveis para a expansão do capital.
O processo de desmonte do Estado brasileiro em favor do capital deman-
dou a reformulação da educação brasileira, mas observa-se que as mudanças
mais profundas se efetivam no Ensino Médio, pois pela concepção autocrata
atual que se tem para o Brasil, a oferta de uma educação de nível médio já seria
suficiente para o atendimento da fase atual do capitalismo brasileiro.
Formulam reformas que intensificam a precarização dessa formação,
propicia a inserção de um contingente de jovens fragmentados em um mun-
do do trabalho ainda mais precarizado, garantindo assim a ampliação da ex-
ploração do trabalho desde a juventude. Por consequência afastará cada vez
mais os estudantes da classe trabalhadora do Ensino Superior, tornando a
educação brasileira cada vez mais dual e elitista.
127
3.
A TENTATIVA DE DESCARACTERIZAÇÃO
DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO
PELA VIA DA CONTRARREFORMA: A
GRANDE AMEAÇA ULTRANEOLIBERAL
À REDE FEDERAL
“[…] a Universidade deveria, na verdade, ser para
poucos, nesse sentido de ser útil à sociedade.
Ministro da Educação Milton Ribeiro.
Inicia-se este Capítulo com a referida frase, pois compreendemos que o
processo de transformação da última etapa da EB que está materializando-se,
irá alterar toda a oferta educacional no país e faz parte de um projeto mais
amplo de sociedade que se tornava ultraneoliberal, pautado na autocracia
burguesa. A frase dita pelo então Ministro da Educação Milton Ribeiro no
programa Sem Censura, exibido em 9 de agosto de 2021, explicita estar em
curso um projeto de afastamento da classe trabalhadora da universidade, e o
condicionamento desta classe a uma educação técnico-profissional esvaziada,
pouco especializada e capaz de abarcar as demandas precarizantes do atual
mercado de trabalho.
A reforma ultraneoliberal, como evidenciada no Capítulo anterior,
dado suas características, almeja alinhar a educação às demandas do capital,
e afastar a classe trabalhadora do acesso ao conhecimento. Smith (1979),
anunciava que a educação dos trabalhadores, ainda que ofertada pelo Estado,
128
deveria se efetivar em doses homeopáticas. Os membros da classe trabalha-
dora, deveriam a partir desta concepção teórica, que muito influencia o pen-
samento burguês brasileiro e seus intelectuais orgânicos, acontecer de modo
incipiente, em pequenas doses, garantindo o mínimo para a realização de
uma função na divisão do trabalho e esta percepção vem sendo intensificada
com a contrarreforma.
Com o intuito de atendimento aos interesses do capital, o Brasil vem
presenciando uma série de reformas na educação da classe trabalhadora desde
2016, as quais objetivam garantir que a formação pública ofertada esteja em
consonância ao receituário ultraneoliberal.
Dentre as reformas, que aqui trataremos de contrarreforma, focaliza-
remos nas voltadas ao EM, pois estas podem impactar na oferta da principal
tipologia de cursos ofertados pela Rede Federal, que é o EMI. Realizamos
tal afirmação, alicerçados nas contribuições de Moura e Lima Filho (2017,
p. 120), estes afirmam que, “A reforma ataca diretamente a concepção de
formação humana integral e conduz o EM a uma lógica mercadológica, fran-
camente regressiva […]”. O EMI, ofertado na Rede Federal, esbarra nos li-
mites da contrarreforma, sendo estas, duas políticas sumariamente diferentes,
quanto a procedimentos, intencionalidades e objetivos de formação humana.
Para compreender as mudanças na política educacional do EM e que re-
verbera na viabilidade de manutenção da Rede Federal, se analisou nesta seção
a Lei n.º 13.415/2017 (BRASIL, 2017), A Base Nacional Comum Curricular
(BRASIL, 2018a), as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio-
DCNEM (BRASIL, 2018b), os Referenciais Curriculares Para a Elaboração
dos Itinerários Formativos-RCEIF (2018c), e as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Profissional e Tecnológica-DCNEPT. (BRASIL,
2021). Este conjunto de legislações que iniciam no Governo Temer e são
consolidadas no Governo Bolsonaro, compreendem as principais diretrizes e
determinações para a transformação da última etapa da EB. Estas caminham
para a mesma direção, que é a formação de uma classe trabalhadora flexível,
apartada da ciência e distante da Universidade.
A análise das contrarreformas direcionadas à educação básica, que se-
rão tratadas neste capítulo, terá como guia a crítica à flexibilização curricular
e a transposição dos princípios da acumulação flexível do setor produtivo
129
para a esfera educacional. Estes princípios de didatização do mercado para o
cotidiano educacional tornou-se a característica prioritária das contrarrefor-
mas ultraneoliberais e ampliam a mercantilização da educação.
A política educacional que estava em curso mesclava os interesses do
capital com a onda conservadora que se espalha no país. Frigotto (2017), de-
fende que no centro dos avanços conservadores na educação, ocorre o avanço
de grupos empresariais, que tem a escola e a educação como novos mercados,
e assim se apropriam destes e progressivamente vão direcionando a agenda
educacional e moldando o ser humano/trabalhador que se espera. O conjun-
to de Reformas busca reconfigurar o perfil e a subjetividade do ser humano
que trabalha, iniciando a atuação de transformação conservadora na EB.
3.1 A proposta ultraneoliberal do “Novo Ensino Médio” em oposição ao
principal modelo de ensino da Rede Federal - o Ensino Médio Integrado
Para entender os desdobramentos da Reforma ultraneoliberal direcio-
nada ao EM, é preciso compreender três elementos indissociáveis, sendo pri-
meiro que a Lei n.º 13.415/2017 que consolida a Reforma do EM, institu-
cionalizou uma nova organização curricular, segundo a BNCC foi elaborada
para alterar o conteúdo desta etapa da EB e por fim o conjunto de documen-
tos complementares que atuam para garantir que a forma e o conteúdo do
Novo EM estejam assegurados no país a partir de competências nas diferentes
redes de ensino.
Pontuamos, que as mudanças para o EM que tende a reverberar na Rede
Federal como demonstrado nas próximas sessões, se efetivam para o atendi-
mento do mercado de trabalho e do capital, estando apartada de anseios efeti-
vos de melhoria da qualidade social da educação. Sendo, esta contrarreforma
ultraneoliberal, a consolidação da Reforma Empresarial na educação de nível
médio, iniciada na década de 1990, detalhada em Freitas (2018).
Na contemporaneidade, com as contrarreformas ultraneoliberais para o EM,
todas as características da pedagogia das competências — presente no Brasil desde
a década de 1990 e já descrita no capítulo 2 — são retomadas, sendo estas coroadas
com a padronização rebaixada da formação com o modelo de Novo EM.
Leher (2019), pondera estar em curso no Brasil um projeto de edu-
cação com bases pedagógicas utilitárias, fundamentado na teoria do capital
130
humano e na influência do capital, perspectivando constituir uma pedago-
gia potencializadora de solução de conflitos pela difusão do ethos do capital
emocional, pela resiliência e aceitação do contraditório. Com o discurso da
pedagogia das competências se articula políticas de negação ao direito a es-
cola pública de qualidade, por consequência, a negação do Projeto de Rede
Federal e EMI.
As mudanças na esfera educacional que ocorreram após o Golpe de
2016, foram iniciadas com o retorno dos intelectuais da burguesia ao MEC.
Este grupo já havia atuado nos governos de FHC, e no pós-Golpe foram
liderados pelo então Ministro da Educação Mendonça Filho e pela Secretária
Executiva da pasta Maria Helena Guimarães Castro. Motta e Frigotto (2017),
defendem que se tratava de um golpe contra a educação brasileira, e Maria
Helena Guimarães Castro articulou as primeiras proposições educacionais
ultraneoliberais para o EM.
Pontuamos que, a proposta de “Novo EM” de 2016, foi pensada pelos
intelectuais orgânicos da burguesia. Os intelectuais são os condutores de um
momento histórico, estes compõem os direcionamentos das diferentes clas-
ses, atuando na construção de consensos. Conforme expresso por Gramsci
(1999), os movimentos da história se efetivam primeiramente através dos
intelectuais, dos organizadores e dirigentes.
Os intelectuais da burguesia utilizaram da estrutura do Estado brasilei-
ro para viabilizar uma propositura educacional para o EM capaz de assegurar
formações a partir dos princípios da acumulação flexível. Objetivando a cria-
ção de consensos em torno da existência de um empobrecimento educacional
pela via da flexibilização curricular, para tanto, formularam políticas benéfi-
cas à burguesia e a reprodução de capital.
Estando em voga, uma propositura educacional, pensada pela burgue-
sia para a formação da classe trabalhadora. Pautada na noção de competências
e habilidades — retomadas da década de 1990, distanciada de conhecimen-
tos, cientificidade e compreensão de totalidade. As contrarreformas educa-
cionais devem ser compreendidas como a continuidade do Golpe de 2016, e
conduzida, por uma burguesia autocrática e conservadora.
Frente a imbricada relação do então governo com os interesses da
burguesia e do capital, destacamos que o Governo Temer e seus intelectuais
131
contaram com o apoio irrestrito e influência determinante da burguesia na
construção da proposta do “Novo EM”.
O setor privado, que aqui será denominado representantes dos
Aparelhos Privados de Hegemonia-APHs, foram decisórios para a confecção,
aprovação e agora aplicabilidade do Novo EM, sendo que os interesses de
flexibilização curricular e uma formação alicerçada nos pressupostos da acu-
mulação flexível estiveram na base da proposta educacional.
Os representantes dos APHs que apoiaram e fomentaram o Novo Ensino
Médio, estavam articulados pelo Movimento Todos pela Base Nacional Comum,
tendo como principais representantes mantenedores: Fundação Leman, Fundação
Maria Cecília Souto Vidigal, Instituto Natura, Instituto Unibanco, Itaú Educação
e Trabalho, além destes, consta como apoio institucional Fundação Roberto
Marinho, Instituto Ayrton Senna, Todos pela Educação, Abrave, Cempec,
Comunidade educativa Cedac, Consed, Uncme e Undime.
No campo descritivo “Quem Somos” contido no site Movimento
Todos pela Base, estes se autointitulam como “Somos uma rede não gover-
namental e apartidária de pessoas e instituições, que desde 201317 se dedica
à construção e implementação de qualidade da BNCC e do Novo Ensino
Médio (MOVIMENTO PELA BASE – grifos nossos)”. Apesar de aparen-
temente o Movimento voltar-se para a construção da BNCC, é evidente a
preocupação prioritária com o EM, já na caracterização do grupo. Propondo
um modelo formativo mais compatível com as demandas do capital para a
última etapa da EB.
Com vista a adequar a formação as demandas empresariais, os repre-
sentantes dos APHs começaram a construir junto ao imaginário social, a
necessidade de reformular a educação para de torná-la mais próxima à vida
dos jovens e ao mercado.
O site do movimento Todos pela Base, efetiva um detalhamento das
“beneficies” da proposta do Novo EM que se efetivaria a partir da BNCC,
apresentando infográficos, modelos e direcionamentos que viabilizariam a
implementação da política educacional nos diferentes cantos do país. Estes
17 O marco temporal de início do processo organizacional do Movimento Pela Base, corrobora com a afirmação,
por nós realizada neste trabalho em capítulo anterior, que o ano de 2013 é simbólico e determinante para o
processo de organização da burguesia brasileira, em sua ofensiva contra a classe trabalhadora, ruptura com
uma política conciliatória e início da organização de uma política ultraneoliberal.
132
documentos e propagandas estão disponíveis pela plataforma Porvir Educação
e Instituto Inspirare, os quais contam com patrocínios de grandes empresas
como Fundação Telefônica Vivo, Faber Castel, “APDZ” Educação e Tecnologia,
Arvore, Chess Matec, Cloe, Conexia Educação, Edify, Eduten, Microsoft,
Hotmart, Instituto Significare, Instituto Unibanco, LIV-Laboratório de
Inteligência de Vida, Mentalidades Matemáticas Brasil e Se Junta.
Estudando as empresas que patrocinaram e fomentaram a propagação,
desde 2013, de um Novo Ensino Médio com uma BNCC, é possível pon-
tuar que a contrarreforma para a Política Educacional de Nível Médio, teve
influência direta dos representantes dos APHs.
A partir desta informação, e analisando a conjuntura nacional em
meio ao avanço ultraneoliberal que ocorria em paralelo, somos direcionados
a compreender que a proposta de Novo EM e BNCC são mecanismos de di-
fusão dos ideários do capital, perspectivando a formação de gerações da classe
trabalhadora, a partir dos ideários empresariais, centrados na subserviência e
suas derivações, de modo a garantir a maximização do processo de exploração
da classe-que-vive-do-trabalho, tal qual será descrito nas páginas seguintes.
Consideramos necessário pontuar que, apesar de a Reforma do EM ter
sido materializada no governo Temer, os anseios para a efetivação desta são
anteriores. As primeiras movimentações para a efetivação da Reforma do EM
ocorreram em 2012, na Câmara dos deputados, sendo que os debates de revi-
são do EM foram iniciados pouco tempo após a homologação das Diretrizes
para um EM mais progressista de 2011. O que nos permite concluir, que
desde o avanço das propostas mais progressistas para a educação, iniciadas em
2003, as frações da burguesia já se articulavam para a reversão e manutenção
de estruturas educacionais dualistas e empobrecidas.
A burguesia brasileira autocrata, historicamente, se interessa pela temá-
tica educacional, sempre que por meio da educação se torna possível promover
a difusão dos ideários liberais burgueses, mantendo a estrutura de dominação
e ampliando as possibilidades de exploração, porém travestido de interesse e
preocupação com a qualidade da formação. No caso das documentações que
versam acerca da proposição da contrarreforma ultraneoliberal esta estratégia
se mantém e se comprova, dado o grande contingente de empresas que orbi-
tava em torno dos direcionamentos da política pública.
133
Zank e Malanche (2020), expressam que o setor empresarial que se
articula em torno dos debates da BNCC, se apropriaram das problemáticas
educacionais, como universalização, qualidade, direito à educação, acesso à
escola e a profissionalização, e organizaram um discurso que legitimaria a
reorganização curricular em consonância aos interesses do mercado. A pro-
posição de reorganização curricular dialoga com os interesses do capital e não
com as necessidades de melhoria da última etapa da EB, tendo em vista que,
esta propositura está assente na proposta de flexibilização curricular, por meio
do esvaziamento de conteúdos e a transposição de terminologias empresariais
e princípios da acumulação flexível do setor produtivo para a esfera educacio-
nal, o que acarreta, em consequências precarizantes para a formação humana.
Com vistas a comprovar tais colocações, iniciaremos a caracterização e análise
das documentações da contrarreforma ultraneoliberal para a educação.
3.1.1 A estrutura e concepções da contrarreforma do Ensino Médio: a relação
indissociável da Lei n.º 13.415 de 2017 e Base Nacional Comum Curricular
Iniciamos esta seção pontuando que a Lei n.º 13.415/2017 (BRASIL,
2017), que legaliza a contrarreforma do EM, é coerente com a conjuntura
nacional de avanço de um Estado que estava se tornando ultraneoliberal e
que almeja a redução dos direitos sociais.
A transformação ultraneoliberal da educação, contou com um conjun-
to de legislações para a alteração da última etapa da EB as quais colocaram
em pauta a manutenção do modelo de educação integrada, presente e carac-
terizador da Rede Federal.
A proposição da lei, está assente no discurso que o EM necessitava torna-
-se eficiente, dinâmico, flexível e compatível com as necessidades do mercado,
desta forma, as diferentes redes de ensino deveriam ser reorganizadas a fim
de atender esta nova realidade. Para tanto, os formuladores da propositura da
contrarreforma do EM difundiram a ideia de que o EM deveria se estruturar
a partir da flexibilização, dos itinerários formativos e no protagonismo juvenil.
O texto da lei é apresentado como algo modernizante e um avanço
para a última etapa da EB. Concordamos com a concepção de que a contrar-
reforma do EM produz retrocessos para a formação humana e desconsidera
os avanços históricos para a formação do trabalhador, sendo ela,
134
Imbuída do caráter ideológico instrumental, esta é conduzida como pro-
cesso natural de modernização — fetichizada pelo determinismo tecno-
lógico-inovador —, despida de relações de poder e sem historicidade. Ou
seja, a história de luta voltada para a supressão do dualismo estrutural
do Ensino Médio foi rasgada; não há sujeitos históricos, e sim alunos
abstratos, jovens trabalhadores deslocados de suas condições objetivas e
materiais reais. (MOTTA; FRIGOTTO, 2017, p.357).
Ao formalizarem a contrarreforma, no ano de 2017, através do instru-
mento legal desconsideraram-se os avanços e lutas históricas pela superação
do dualismo estrutural e passou-se a tratar os sujeitos históricos da apren-
dizagem de modo homogenizado, para atender aos setores produtivos no
contexto de acumulação flexível.
Retomando, a historicidade da Lei n.º 13.415/2017, esta é um des-
dobramento da MP 746 de 2016 proposta no início do Governo Temer.
Ressaltamos a contradição e complexidade que circundou este instrumento
legal, dado que o mesmo propunha, mudanças estruturais na última etapa da
EB, e apesar da complexidade, foi tratada de modo acelerado e sem debates,
demonstrando o caráter autoritário característico do ultraneoliberalismo.
A aprovação aligeirada da contrarreforma do EM efetivou-se com vis-
tas a garantir um modelo educacional retrógrado e composto de elementos
limitantes para a última etapa da EB. A propositura autoritária da Reforma
do EM traz em seu bojo as demandas mais conservadoras presentes na socie-
dade brasileira, aliadas aos pressupostos do mercado,
Trata-se, assim, de um movimento que tem na caneta do executivo a sua
objetividade, mas, na verdade representa a vontade de conservadores na
sociedade brasileira. A contra-reforma é expressão do pensamento conser-
vador, valendo-se de uma lógica economicista e pragmática expressiva de
nosso capitalismo dependente, em um tempo de hegemonia neoliberal e
cultura pós-moderna; a cultura do fragmento, do imediato, do utilitário
e do enxuto. Trata-se de uma política que liofiliza a educação básica reti-
rando-lhe conteúdo de formação científica e ético-política que se esperaria
numa sociedade que tem as pessoas e não o mercado como a razão da
política pública (RAMOS; FRIGOTTO, 2016, p.37).
A proposta de alteração do EM via MP, incluía no cotidiano educacional
135
os princípios da acumulação flexível do setor produtivo para a esfera educa-
cional, a formação humana passou a ser guiada pela lógica da flexibilização
do currículo e da dinamicidade econômica do mercado, dialogando com os
interesses dos setores empresariais, já mencionados neste texto.
O caráter pouco democrático que circunda a contrarreforma do EM
remete a outros momentos da história brasileira, os quais necessariamente
utilizam-se das negativas e limitações ao acesso aos conhecimentos científicos
para a classe trabalhadora. Ramos e Frigotto (2016), reiteram que a Reforma
do EM decorrente da MP 746 propicia um triplo retrocesso para a educação
brasileira, resgatando aspectos da Reforma Capanema, elaborada no contexto
da Ditadura Militar em que não havia equivalência entre o ensino secundário
regular e o ensino secundário industrial, comercial e agrícola para o ingresso
no ES; retroage à Lei n.º 5.692/1971 a qual estabelecia uma compulsorieda-
de precária ao ensino técnico profissional e por fim, remete ao contexto da
década de 1990 das políticas de Paulo Renato de Souza, retomando de modo
intensificado o Decreto n.º 2.208/1997, aprofundando a dualidade entre for-
mação profissional e EB.
A contrarreforma ultraneoliberal, é regressiva e busca desmontar os
avanços para a formação da classe trabalhadora, conquistados historicamente.
A junção destes três retrocessos coloca a última etapa da EB em uma situação
de vulnerabilidade. Alinhado à formação, apenas, as demandas do capital.
Apesar do debate da Reforma do EM existir desde 2012, é no findar de
2016, durante o governo Temer, que o país passou a conviver com a propositu-
ra de um “Novo EM” de modo intensificado, para além dos debates nas casas
legislativas, o país se deparou com estratégias de mobilização da opinião pú-
blica, com a utilização de mídias sociais e propagandas nos veículos de comu-
nicação de massa. Gramsci (2007a), expressa que a opinião pública é o ponto
de encontro entre a sociedade civil e a sociedade política, sendo, a formação da
opinião pública denominada de consensos. Com o intuito de garantir a pro-
dução de consensos e aceitação do novo modelo educacional que atenderia os
interesses do capital, a opinião pública foi, então, sendo mobilizada.
Destacamos que apenas no ano de 2016, para garantir o apoio da po-
pulação, o MEC gastou R$ 1,8 milhão para a produção de duas peças publi-
citárias de 60 segundos cada e imagens veiculadas na imprensa. A primeira
136
propaganda reforça a concepção de protagonismo juvenil, é conduzida por
um ator representando um estudante de ensino médio, que se dirige a pro-
fessora, pede autorização e inicia a explicação do Novo Ensino Médio para a
turma, tendo como conteúdo,
Ai galera, você já conhece o novo ensino médio? Essa proposta que está
todo mundo comentando por aí? Sabia que esta proposta foi inspirada nas
experiências de vários países? Países que tratam a educação como priorida-
de. E que ela vai deixar o aprendizado muito mais estimulante e compatí-
vel com a realidade dos jovens de hoje?
Pois é, além de aprender o conteúdo obrigatório, essencial para a formação de
todos e que será definido pela Base Nacional Comum Curricular, já em dis-
cussão, eu vou ter liberdade de escolher entre quatro áreas do conhecimento
para me aprofundar. Tudo de acordo com a minha vocação e com o que eu
quero para a minha vida. E para quem prefere já terminar o ensino preparado
para começar a trabalhar, poderá optar por uma educação técnica profissional,
com aulas teóricas e práticas (MEC, PROPAGANDA 1, 2016).
Diante da peça publicitária, podemos pontuar que o governo buscava
difundir, junto à população, uma falsa ideia de preocupação com a qualidade
da formação dos jovens. Em paralelo ressaltar o protagonismo dos jovens em
suas escolhas no cotidiano educacional, o que supostamente tornaria o EM
mais próximo das demandas da juventude.
Na continuidade da produção de consensos, o Governo em, 26 de de-
zembro de 2016, encerra o ano com a seguinte propaganda televisiva,
Novo Ensino Médio, quem conhece aprova.
Eu escolho o que vou estudar? Então é claro que eu aprovo.
Minha vocação? Então, sim, eu aprovo.
Eu quero.
Eu aprovo.
Com o Novo Ensino Médio, você tem mais liberdade para escolher o que
vai estudar, de acordo com a sua vocação. É a liberdade que você queria
para decidir o seu futuro.
Quem conhece o Novo Ensino Médio aprova.
A propaganda evidenciava que para aprovar a nova estrutura do EM
137
bastava a população conhecer a proposta, demonstrando que não havia in-
coerências, falhas e conflitos que orbitavam em torno da mesma. A propa-
ganda que contava com um jogo de luzes e diversos jovens “aprovando” o
novo modelo foi veiculado na grande mídia e nos canais oficiais do MEC,
sendo que na página do Youtube do MEC a mesma contava com a seguinte
descrição para o vídeo,
O Novo Ensino Médio é uma proposta de reformulação da estrutura
curricular que contempla duas grandes mudanças: a flexibilização do
currículo escolar de acordo com o interesse do aluno e o aumento do
número de escolas em tempo integral com a ampliação gradual da jorna-
da escolar. O aluno poderá optar por uma modalidade acadêmica ou
por uma de formação técnica e profissional. O principal objetivo dessa
iniciativa é criar uma estrutura inicial para que seja possível ofertar um
ensino médio mais atrativo para os jovens, dando a eles a liberdade de
escolher seus percursos, de acordo com seus projetos de vida (BRASIL
- MEC, 26 de dezembro de 2016 – Grifos nossos).
A propaganda e a descrição orbitam em torno da concepção falaciosa
de que ao flexibilizar a qualidade e a liberdade se ampliariam. Fica evidente
a ênfase na ideia de protagonismo juvenil e formações duais, conforme os
destaques da descrição do vídeo.
A base do discurso do governo girava em torno da necessidade de supe-
ração da ineficiência do EM, pois o mesmo era inchado, dado o quantitativo
de disciplinas, e desconexo das demandas dos jovens. Sendo o EM ineficien-
te, careceria de reformulações urgentes e estruturais.
Salientamos, que ao promovem o discurso de ineficiência de todo o EM
ofertado no país, na mídia e para a sociedade civil, os contrarreformadores ne-
gligenciaram e omitiram a proposta exitosa de EM existente no país, o EMI,
prioritariamente ofertado na Rede Federal, conforme exposto por Moura e
Lima Filho (2016), o EMI está concentrado, quanto sua oferta, nas instituições
pertencentes à Rede Federal e o crescimento deste modelo ocorreu de modo
mais significativo no país na segunda década dos anos 2000. Estas instituições
propiciam uma formação integrada entre EB e EP e apresentam resultados
expressivos na formação, no ensino, na extensão e na pesquisa.
As instituições pertencentes à Rede Federal, assentam seu modelo de
138
educação a partir dos pressupostos de uma formação integral, como evidenciado
no capítulo 1 e frente esta característica garantem aos seus estudantes, conforme
expresso por Moura e Lima Filho (2017), que obtenham resultados expressivos
no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e no Programa Internacional de
Avaliação de Alunos (Pisa). No entanto, esta especificidade do EMI ofertado na
Rede Federal, não foi exposta para a sociedade civil e foi desconsiderada no pro-
cesso de tramitação da lei. O que demonstra que não estava no cerne da proposta
da contrarreforma a efetiva melhoria da qualidade, mas sim o rebaixamento da
educação com a adequação ao receituário ultraneoliberal.
O texto proposto no Governo Temer garantia, de fato um “Novo EM”,
concatenando os interesses do capital, ao conservadorismo e vinculado ao con-
texto de intensificação da crise estrutural do capital. Após cinco meses em 16
de fevereiro de 2017 a MP 746/2016 foi convertida na Lei n.º 13.415/2017,
alternando a estrutura curricular do EM e a LDB 9.394/96 (BRASIL, 1996).
A lei viabilizou um empobrecimento de conteúdos e da qualidade do
EM e a percepção de que há um rebaixamento da EB, é confirmado quando
na Lei n.º 13.415/2017, por meio do art.º 35A, que referenda a fragmenta-
ção do currículo do EM e neste destacamos os parágrafos seguintes,
§2.º A Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio in-
cluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação física, arte, socio-
logia e filosofia.
§3.º O ensino da língua portuguesa e da matemática será obrigatório
nos três anos do ensino médio, assegurada às comunidades indígenas,
também, a utilização das respectivas línguas maternas.
§4.º Os currículos do ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o es-
tudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em
caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a dispo-
nibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino
(BRASIL, 2017 – Grifos nossos).
A obrigatoriedade disciplinar nos três anos fica restrita as disciplinas de
Língua Portuguesa, Matemática e Língua Inglesa, as demais disciplinas tor-
nam-se apêndices formativos e em especial, Artes, Educação Física, Filosofia e
Sociologia perdem a condição de disciplinas e passam a ser tratadas como es-
tudos e práticas. Logo, não mais precisam ser ofertadas enquanto disciplinas.
139
Pistrak (2015), evidencia a importância dos estudos em Ciências
Sociais para garantir a formação de sujeitos em suas diferentes dimensões,
capazes de compreender a realidade, a economia, a política e as dinâmicas
sociais e para a compreensão da totalidade. Em governos autoritários, como
os ultraneoliberais no Brasil, esses saberes são negados, banidos e condenáveis
na escola burguesa. A estrutura curricular do novo EM garante uma utilidade
prática e necessária para a efetivação de trabalhos simplistas realizados na ló-
gica da produção capitalista, apartada do desenvolvimento artístico, crítico,
intelectual, estético e físico, afastamentos imprescindíveis para a ampliação
da exploração do trabalhador.
Ainda no Art.º 35A aparece no parágrafo 5º um aspecto inédito na
legislação educacional, “§ 5º A carga horária destinada ao cumprimento da
Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a mil e oito-
centas horas do total da carga horária do ensino médio, segundo a definição
dos sistemas de ensino. (BRASIL, 2017 Grifos nossos)”, fica estabelecido
um “máximo” um “teto” de carga horária. Historicamente o Brasil sempre
possuiu instrumentos legais que garantiram o “mínimo” em relação à carga
horária, o qual corresponderia ao mínimo necessário para a garantia do direi-
to à educação. Ao estabelecer um limite máximo de carga horária, a Lei n.º
13.415/2017, consolida e institucionaliza a noção de aprendizagens mínimas
à classe trabalhadora, negando em definitivo, a esta classe, o direito e o acesso
aos conhecimentos historicamente produzidos.
A Lei n.º 13.415/2017 é ambígua — apresentando a possibilidade de
integração, mas a estrutura é de desintegração do EM — e acena para a
educação integral, no entanto, a compreensão de Ensino Integrado que está
presente na lei, difere da noção de EMI que está em construção desde 2004
e que orienta a Rede Federal. Segundo Ferreti (2021), a concepção de edu-
cação presente na Reforma do EM, não se assenta na concepção de educação
integrada, mas sim aproxima-se da pedagogia das competências, dado que
alicerça a educação nos aspectos individualizantes.
A concepção de educação integral, que inspira o projeto da Rede
Federal perspectiva uma educação que forme o ser humano inteiramente. Já
a proposta contida na Lei n.º 13.415/2017, é centrada em uma formação re-
lativista e limitada por três disciplinas obrigatórias, portanto, desefetiva o ser
140
humano, viabilizando uma formação unilateral e fragmentada dos homens.
No processo de descaracterização e fragmentação do EM, foi criado na
lei os “Itinerários Formativos”, estes compõem a parte diversificada dos currícu-
los, sendo responsáveis por “no mínimo” 1.200 horas da formação dos estudan-
tes. A Lei n.º 13.415/2017, define em seu Art.º 36 que serão ofertados cinco
itinerários formativos, sendo linguagens e suas tecnologias; matemática e suas
tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais
aplicadas e formação técnica profissional (BRASIL,2017). Desde o período
pré-lei foi transmitido a sociedade civil, por propagandas nas grandes mídias a
ideia de que estudante a partir do “Novo” EM teriam liberdade para escolher
o itinerário mais próximo aos seus interesses, garantindo assim mais liberdade
e autonomia aos estudantes, evidente, que a autonomia limitada do mercado.
Acerca dos itinerários formativos, elementos estruturantes da contrar-
reforma, Moura e Lima Filho (2018, p. 124), defendem que,
Reafirmamos que a centralidade da reforma está na constituição de cinco
itinerários formativos, sendo inclusive o mais divulgado como elemento
de propaganda ideológica a flexibilidade do currículo e do protagonismo
conferido aos estudantes pela possibilidade de escolha de um dos itinerá-
rios. No entanto, por trás desse argumento reside a concepção mais re-
gressiva da reforma, evidenciando-se o aligeiramento do EM pela redução
curricular; a perda da concepção de EM como etapa final da EB.
À medida que fica instituído a concepção dos itinerários formativos,
ocorre o direcionamento para a desintegração da EB, estando os conheci-
mentos básicos necessários limitados e cerceados.
A propositura de fragmentação do Ensino Médio — BNCC e
Itinerários Formativos, fragiliza a EB, pois reduz as disciplinas e os conteúdos
que serão efetivamente apropriados pelos estudantes. A ideia de itinerários
formativos afasta-se de uma formação a partir das diferentes ciências que
alicerçam a humanidade, para privilegiar e tornar base, apenas, disciplinas
úteis ao pragmatismo capitalista — português, matemática e inglês. As outras
ciências ficam negligenciadas.
Ao passo que os conhecimentos vão sendo progressivamente negados
na última etapa da EB, os contrarreformadores ultraneoliberais, garantem
141
a retirada do direito constitucional à educação para todos, previsto na CF
de 1988. Não mais estará disponível a possibilidade de acessar os saberes
básicos e necessários para a compreensão da totalidade, ampliando, assim, as
desigualdades no país. Cumpriu-se, no texto legal da contrarreforma do EM
a promessa realizada no Golpe de 2016 de progressivamente restringir e, ou
eliminar direitos constitucionais à classe trabalhadora.
Acerca do 5.º itinerário — formação técnica profissional, ocorre uma
precarização da formação profissional, a Lei n.º 13.415/2017 estabelece que
a formação deverá ser pela via da habilitação profissional — cursos de longa
duração e pela qualificação profissional com cursos de curta duração, poden-
do este ser ofertado em parceria com empresas, outras instituições e institui-
ções que ofertem educação a distância. (BRASIL, 2017). Grabowski e Kuenzer
(2021), expressam que a Reforma de 2017 ao criar o 5.º itinerário ressignificou
a relação entre trabalho e educação na perspectiva conservadora, sendo que,
Neste itinerário se permitirá tudo, desde o aproveitamento da aprendiza-
gem profissional, desenvolvimento em parceria com as empresas empre-
gadoras, incluindo a etapa de práticas em ambiente real de trabalho no
setor produtivo ou em ambientes simulados, bem como cursos básicos
de qualificação profissional, cursos livres, palestras motivacionais, certifi-
cações intermediárias diversas, inclusive obtidas na modalidade EaD sem
garantia de qualidade (GRABOWSKI; KUENZER, 2021, p.176)
Estas especificações e direcionamentos esvaziam a educação profissional,
tornando-a demasiadamente praticista, apartada da ciência e da EB. A proposta
de formação profissional, presente na Reforma do EM, assegura um princípio
útil as necessidades do tempo presente, com uma formação média, fragmen-
tada e superficial. A relação entre educação e trabalho, nesta conjuntura, se
materializa, mas para a ampliação da exploração futura do trabalhador.
Ferretti (2021), assevera ser preciso atenção quanto a composição de
educação profissional que está posta pela Reforma, pois a organização curricu-
lar proposta pela lei, aprofunda a dualidade entre a formação geral-básica e a
educação profissional, tendo uma estrutura que contribui para o aligeiramento,
propondo uma redução de carga horária e viabiliza o reconhecimento da oferta
de cursos à distância ou cursos de curta duração, em diferentes contextos.
142
A Lei n.º 13.415/2017, enquanto expressão ultraneoliberal, busca bar-
rar as conquistas educacionais para a formação da classe trabalhadora, em
construção desde 2004. Conquistas que possibilitaram uma política pedagó-
gica que integrou o EM, mas sem que a formação profissional seja um mero
apêndice, substituta ou compensatória da EB e que inseria no horizonte da
classe o acesso ao ES e não apenas as vivências exploratórias do trabalho.
Moura e Lima Filho (2018), validam que a proposta dos itinerários for-
mativos retoma e aprofunda a dualidade estrutural histórica, presente na educa-
ção de uma sociedade cindida em classes sociais, reduzindo a formação ao fazer
em detrimento dos conhecimentos científico-tecnológico e sócio-histórico. A
formação da classe trabalhadora vai progressivamente sendo esvaziada e empo-
brecida, estando condicionada aos ditames e princípios da acumulação flexível.
No processo de precarização e empobrecimento da formação da classe
trabalhadora, fez-se necessário pontuar que a contrarreforma do EM alterou
as especificidades da docência, alterando o Art.º 61 da LDB, estabelecendo
que na EB o ensino poderá ser ofertado, por “IV-profissionais com notório
saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, para ministrar con-
teúdos de áreas afins à sua formação ou experiência profissional [...] (BRASIL,
2017)”, a concepção de notório saber adentra a EB como possibilidade, ini-
cialmente para a formação profissional.
Ferretti (2021), expressa que na medida que a lei prevê que profissio-
nais com notório saber atuem na formação, fica viabilizado que a educação
profissional seja ofertada por profissionais que não dominem os saberes espe-
cíficos da educação — do ponto de vista teórico-filosófico e prático, propi-
ciando uma formação mecanicista.
Desconsiderando todas as características necessárias para a atuação dos
profissionais de educação, a ideia do notório saber é introduzida no texto
com naturalidade. Ocorrendo assim, uma desprofissionalização e desvalori-
zação do trabalho docente.
À partida, o notório saber afetaria somente o 5.º itinerário, porém, à
medida que este é institucionalizado — e a Lei n.º 13.415/2017 rompe com
as fronteiras disciplinares, poderá a longo prazo demandar que profissionais
que atuam no campo da BNCC, lecionem disciplinas distintas de sua forma-
ção, posto o amplo espectro do “notório saber”.
143
A docência pelo notório saber, não propicia a melhoria da oferta edu-
cacional, como anunciado pelos contrarreformadores como parte da justi-
ficativa da reforma, mas fragiliza, ainda mais, a formação e os processos de
ensino-aprendizagem.
Diante do exposto, defendemos que Reforma do EM não está voltada
para a revisão dos aspectos pedagógicos do EM, de modo a melhorar quali-
dade social da educação, mas sim está assente na reformulação dos aspectos
socioemocionais, com vistas ao controle das dimensões emocionais da juven-
tude e viabilidade da ampliação da exploração, e estes ficam bastante eviden-
tes no texto da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
A BNCC já estava no horizonte das políticas educacionais desde a dé-
cada de 1990, porém somente em 2018 é finalizada. O documento final,
desconsiderou os avanços e mudanças para o EM materializadas com o EMI
ocorridas ao longo dos anos 2000, a exemplo da Lei n.º 13.415/2017.
Segundo Santos e Orso (2020), a aprovação da BNCC, que se deu no
contexto pós golpe, se revela como um ataque direto e intencional à escola
e aos conhecimentos produzidos historicamente pelo conjunto dos homens.
O texto alterou a educação nacional, promovendo o afastamento dos saberes
sistematizados e da ciência do contexto educacional.
É útil expressar que as mudanças trazidas pela BNCC não reconfigu-
ram apenas a EB, mas, toda a educação nacional, como expresso no próprio
documento,
[…] a BNCC integra a política nacional da Educação Básica e vai con-
tribuir para o alinhamento de outras políticas e ações, em âmbito fede-
ral, estadual e municipal, referentes à formação de professores, à avalia-
ção, à elaboração de conteúdos educacionais e aos critérios para a oferta
de infraestrutura adequada para o pleno desenvolvimento da educação
(BRASIL, 2018a, p. 08).
A BNCC, como política nacional, altera toda a educação brasileira,
passando pelos conteúdos de toda à educação básica, até a formação de pro-
fessores e, direcionando políticas públicas para educação. Mas, o foco, são as
mudanças estruturais para o nível médio.
A justificativa para a BNCC do nível médio convergia com a justificativa
144
elucidada na propositura da reforma do EM, ou seja, o discurso da ineficiên-
cia, como exposto,
O Ensino Médio é a etapa final da Educação Básica, direito público sub-
jetivo de todo cidadão brasileiro. Todavia, a realidade educacional do País
tem mostrado que essa etapa representa um gargalo na garantia do direito
à educação. Entre os fatores que explicam esse cenário, destaca-se o de-
sempenho insuficiente dos alunos nos anos finais do Ensino Fundamental,
a organização curricular do Ensino Médio vigente, com excesso de com-
ponentes curriculares, e uma abordagem pedagógica distante das culturas
juvenis e do mundo do trabalho (BRASIL, 2018a, p. 461).
A justificativa se movimenta na colocação de que o EM é insuficiente,
não garante bons resultados e atribui-se esse cenário ao excesso de disciplinas
e a uma abordagem pedagógica que não contempla os jovens e o mundo do
trabalho contemporâneo.
Criou-se um imaginário visando consensos, de que para melhorar a
qualidade da educação era necessário, torná-la flexível e próxima de expe-
riências vividas dos estudantes, sendo que “[…] o discurso da qualidade
educacional é atribuído apenas à reorganização curricular, contexto onde as
necessidades materiais das escolas, dos trabalhadores em educação e especial-
mente das condições de vida dos estudantes são ignoradas pelas políticas pú-
blicas” (ZANK; MALANCHEN, 2020, p. 134), a BNCC, apresentada pelos
representantes empresariais dos APHs, tem uma justificativa simplista, que
perspectiva o falseamento do real e trata as diferentes realidades como únicas.
Frente os interesses do capital, na reformulação do EM, elaborou-se
uma política pública completamente distante das condições materiais dadas
da educação brasileira, não sendo pautado os aspectos sociais e históricos que
estruturam a escola. Desconsiderando as condições de trabalho dos docentes,
as condições de precarização da juventude, o financiamento e centrou-se,
exclusivamente, nos aspectos individuais, para enfatizar um dos princípios
do liberalismo clássico.
A ideia de um individualismo e individualização no processo forma-
tivo, tão próprios da teoria liberal e suas derivações, é central e essencial na
contrarreforma ultraneoliberal na educação, pois o individualismo exacerba-
do, rompe com a concepção de entendimento do ser como sujeito coletivo.
145
A educação ultraneoliberal, centrada no individualismo, opõe-se à educação
que pensa a humanização do ser social e tem o trabalho como princípio edu-
cativo norteador, tal qual a pretendida na Rede Federal.
A individualização, manifestou-se na BNCC, também pela ideia do pro-
tagonismo juvenil na tomada de decisões. A concepção de protagonismo juvenil,
como alternativa, foi sendo fortalecida e tomada como a justificativa para a con-
trarreforma, como é possível observar no próprio site do MEC em que afirmam,
Quais serão os benefícios para os estudantes com a nova organização
curricular? O Novo Ensino Médio pretende atender às necessidades e às
expectativas dos jovens, fortalecendo o protagonismo juvenil na medida
em que possibilita aos estudantes escolher o itinerário formativo onde de-
sejam aprofundar seus conhecimentos. Um currículo que contemple uma
formação geral, orientada pela BNCC, e também itinerários formativos
que possibilitem aos estudantes aprofundar seus estudos na(s) área(s) de
conhecimento com a(s) qual(is) se identificam ou, ainda, em curso(s) ou
habilitações de formação técnica e profissional, contribuirá para maior
interesse dos jovens em acessar a escola e, consequentemente, para sua
permanência e melhoria dos resultados da aprendizagem.
A mera possibilidade de escolha não assegura a melhoria da qualidade da
última etapa do EM, e como mencionando por Moura e Lima Filho (2018),
a documentação da contrarreforma não viabiliza e ou propõe mudanças na
estrutura educacional, apenas no conteúdo do EM. Assim, o discurso da indi-
vidualização tende a desresponsabilizar o Estado, e culpabilizar os indivíduos.
Está implícito na contrarreforma, pela Lei n.º 13.415/2017 e na
BNCC, mascarado de protagonismo, a redução ou negação do acesso ao co-
nhecimento à classe trabalhadora, a partir de redução de conteúdos e dis-
ciplinas. Rompendo, também na educação, com os pressupostos da razão
moderna. Santos e Orso (2020, p. 168), destacam que “[…] um projeto de
educação pautado na ciência, sistematizada historicamente, passaram a ser
atacadas, em favorecimento de uma formação sustentada pelo viés ideológi-
co, mercadológico, religioso, pragmático e utilitarista”. Institucionalizando
uma perspectiva educacional flexibilizada, com flexibilização curricular, or-
ganizada a partir de aspectos mercadológicos, socioemocionais e com a dida-
tização do empreendedorismo, como será exposto.
146
A política educacional ultraneoliberal para o EM, é a expressão do
avanço do irracionalismo, estando fundamentada em uma perspectiva forma-
tiva utilitarista, subjetiva e pragmática, que adentra documentos, ações, pos-
turas e falas governamentais. A perspectiva irracional e de negligenciamento
de conteúdos não se restringe a documentação legal, ela também aparece
no discurso oficial do governo. Uma exemplificação deste processo foi a fala
do Presidente Bolsonaro acerca dos livros didáticos, distribuídos nas escolas
públicas, “Os livros hoje em dia, como regra, são um montão de amontoa-
do de muita coisa escrita. Tem que suavizar […]” Presidente Jair Messias
Bolsonaro, 03/01/2020.
A fala do presidente direciona para a compreensão do que os governos
ultraneoliberais buscam para o EM, ou seja, um relativismo que se desdobra
na redução de conteúdos como caminho para uma suposta modernização da
educação. Relativiza-se e, busca “suavizar” conteúdos, como estratégia de es-
vaziamento dos conteúdos historicamente produzidos. Duarte (2018), atesta
que há um avanço de um obscurantismo na educação brasileira, o qual afasta
a educação de pressupostos racionalista, negando as conquistas e avanços da
humanidade, com o intuito de garantir a manutenção da dominação burguesa.
Analisando o esvaziamento de conteúdos, é prerrogativa pontuar breve-
mente o PNLD 2021, pois este é o coroamento da contrarreforma, garantindo
o fechamento da proposta educacional através dos Livros Didáticos, convergin-
do com a forma e com o conteúdo do Novo EM. No ano de 2021 escolas de
todo o país, inclusive as pertencentes a Rede Federal se deparara com o Novo
PNLD, composto por livros estruturados em consonância a BNCC.
Para o EM o processo de escolha foi fragmentado em dois momentos,
escolha do Objeto 1 e Objeto 2. No primeiro momento, as escolas deve-
riam optar pela adesão ou negativa do Objeto 1 composto por livros que
versavam sobre o Projeto de Vida e Projeto Integrador, ambos alicerçados
na concepção de flexibilização de conteúdos, empreendedorismo, criativi-
dade, problemáticas cotidianas, no tão evocado protagonismo juvenil. Já
no segundo momento na escolha do Objeto 2, as escolas receberam livros
por áreas de conhecimento, apartados das especificidades das disciplinas.
O esvaziamento de conteúdo é apresentado como encaminhamento para
o alcance da interdisciplinaridade, mas, compreendemos neste trabalho,
147
como o empobrecimento do conteúdo da formação. O PNLD faz parte de
um projeto ideológico de educação18.
A Rede Federal, representada pelo CONIF, posicionou-se contrária ao
PNLD de 2021. Em nota, em 3 de agosto de 2021, recomendou a não ade-
são pelas instituições,
[…] com a Reforma do Ensino Médio, a implementação da Base Nacional
Curricular Comum e a consequente necessidade de adequações curricula-
res dos sistemas de ensino nacionais, o PNLD acabou trilhando um novo
caminho, colocando em xeque um projeto que, apesar dos desafios ine-
rentes a todos os materiais didáticos, ainda tinha em seu horizonte a opção
por uma educação emancipadora.[...] o PNLD 2021 altera radicalmente a
organização e a abordagem dos mais distintos componentes curriculares,
ampliando a percepção de uma ameaça contundente à formação integral
tão almejada pela sociedade brasileira e ofertada com excelência por todas
as instituições da Rede Federal. […] os livros do PNLD, especialmente os
relativos ao objeto 2, mostram-se extremamente problemáticos no atendi-
mento aos pressupostos basilares da Rede Federal, comprometendo fron-
talmente os princípios demandados pela formação integral e de qualidade.
Sugerindo uma preocupante indistinção entre o protagonismo e o indi-
vidualismo competitivo, entre a preparação para o mundo do trabalho e
a legitimação de relações precarizadas sob a égide do empreendedorismo,
entre a interdisciplinaridade e a dissolução da identidade de saberes his-
toricamente constituídos, as obras parecem não assegurar minimamente
uma abordagem capaz de contribuir para a formação humanística, cien-
tífica e tecnológica de nossos estudantes (CONIF – NOTA OFICIAL 03
DE AGOSTO DE 2021).
O CONIF, a partir das características do PNLD 2021, afirma que
este é incompatível com a proposta de formação humana que alicerça a
Rede Federal, devendo este programa ser negado como estratégia de re-
sistência de defesa do EMI ofertado na Rede Federal. O posicionamento
do CONIF frente o PNLD, nos permite afirmar a incompatibilidade da
18 Não será abordado neste as especificidades do PNLD, dado que não é o objeto do trabalho,
no entanto, como busca-se neste capítulo o entendimento do desmonte da proposta de EMI,
menciona-se o Programa a fim de demonstrar a institucionalização em todas as Redes de ensino da
proposta de contrareforma ultraneoliberal.
148
contrarreforma do EM com a formação pretendida e efetivada nas institui-
ções pertencentes à Rede Federal.
A política da contrarreforma aprofunda a democracia restrita, pois
negam o acesso ao conhecimento historicamente produzido à classe traba-
lhadora. Duarte (2020), ressalta que a política em curso almejava impedir
a socialização dos saberes sistematizados, para impedir a democratização da
cultura científica, artística e filosófica. Inviabilizando a compreensão das con-
tradições impetradas pela sociedade de classes sumariamente utilitarista e que
aprofunda as contradições no período ultraneoliberal.
Para negligenciar e negar o acesso aos saberes sistematizados, a contrar-
reforma do EM aderiu a um relativismo pós-moderno, útil às mudanças ace-
leradas decorrentes da crise do capital. Na BNCC, Brasil (2018a, p. 462), é
estabelecido que a formação da juventude deve ser organizada para enfrentar
os desafios que “Nesse cenário cada vez mais complexo, dinâmico e fluido, as
incertezas relativas às mudanças no mundo do trabalho e nas relações sociais
[…]” são impetradas para a juventude em formação. A política pública edu-
cacional, que foi estruturada no período ultraneoliberal, tinha como respon-
sabilidade, garantir a adaptação e individualização da juventude.
Desde o principiar do documento da BNCC é evidenciado que esta
deverá auxiliar na superação da fragmentação das políticas públicas. Frente
seu caráter relativista, utilitarista, simplista e de ruptura com a socialização
das diferentes ciências produzidas pela humanidade, compreendemos que a
BNCC busca padronizar a oferta educacional, com um nivelamento mínimo
e rebaixado, afetando todas as redes de ensino, inclusive a Rede Federal.
Salientamos que a Rede Federal é afetada, pois, caminha em sentido
oposto a proposta de nivelamento rebaixado presente na contrarreforma,
considerando que quando lançado o projeto dos IFs, este foi pensado para
ser um modelo de elevado padrão de qualidade, a ser seguido pelos sistemas
de ensino, pautado na integração e em diferentes propostas desenvolvimento
humano, como já evidenciado no texto. A política que emerge da contrar-
reforma do EM, não aceita a existência de um EMI, pois objetiva a desinte-
gração no interior das escolas, e por assim o ser, a propositura que alicerça a
Rede Federal e que foi exposta no capítulo 1 deste trabalho são antagônicas a
política educacional ultraneoliberal.
149
Em entrevista ao canal TV IFBA em 20 de maio de 2021, o ex-minis-
tro da Educação Fernando Haddad, afirmou que, a proposta, o sonho dos
IFs que apareceu em 2006 durante sua gestão do MEC, perspectivava elevar
a qualidade da educação de nível médio, em formato de Rede, pela via da
verticalização e garantia da qualidade social da educação, qualidade esta que
serviria de exemplo para as demais redes do país, um modelo a ser seguido no
que tange projeto político pedagógico de educação profissional que garantisse
a formação integrada para um contingente populacional. Afirma,
[…] nós temos a qualidade dos países mais desenvolvidos do mundo no
Instituto Federal. Então, aquela ideia de criar um paradigma de quali-
dade no Brasil, espalhado no Brasil, que pudesse servir de referência de
inspiração, de exemplo, não é para copiar não, mas se quiser copiar pode,
mas às vezes você toma como padrão e cria em cima, muda alguma coisa.
Então, o que nós queríamos era provar que os educadores brasileiros sa-
bem educar quando tem os recursos, infraestrutura correta, quando tem
a carreira correta, quando são valorizados, quando os estudantes são esti-
mulados ninguém precisa não aprender, não existe o ser humano que não
possa aprender, nós nascemos com o aparato mental para aprender […]
(HADDAD, 20 DE MAIO DE 2021)
Diante da entrevista fica evidente, que o projeto que sustenta e fomentou
a Rede Federal compreendia a necessidade de construir um modelo de educação
que viabilizasse o acesso aos conhecimentos, formando os estudantes, a partir de
um elevado patamar de qualidade, com condições materiais, físicas, humanas e
estruturais, que possibilitariam o desenvolvimento humano dos estudantes, o que
demandaria recursos e investimentos para se manter. O EMI ofertado na Rede
Federal, está assente na concepção que, “[…] remete ao mesmo tempo ao sentido
de compreender como unidade a relação das partes no seu todo, a relação entre
os diversos conhecimentos, quebrando falsas dicotomias como as que se referem
ao geral e ao específico, bem como a integração entre agir e conhecer, teoria e
prática. (MOURA; LIMA FILHO, 2018, p. 123)”.
A Rede Federal e o EMI existente, são incompatíveis com a política
unilateral e alicerçada em competências da BNCC e do Novo EM que se
estrutura para romper com a possibilidade de educação que forme, ou almeja
formar, o ser humano integralmente.
150
A contrarreforma assenta-se na formação por competências, sendo este ter-
mo evocado diversas vezes nos documentos, no caso específico da BNCC com-
petência é definida como, “[…] a mobilização de conhecimentos (conceitos e
procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e
valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício
da cidadania e do mundo do trabalho. (BRASIL, 2018a, p. 08).” Estabelecem
que os estudantes, devem desenvolver competências que garantam, meramente,
a vivência cotidiana e simples centrada em aspectos emocionais e psicológicos.
A BNCC evidencia que tem como foco o desenvolvimento de com-
petências nos estudantes. Destacando que, esta opção pelo desenvolvimento
das competências, está em consonância aos organismos internacionais e ava-
liações em larga escala.
Ao adotar este enfoque, a BNCC indica que as decisões pedagógicas de-
vem estar orientadas para o desenvolvimento de competências. Por meio
da indicação clara do que os alunos devem “saber” (considerando a consti-
tuição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do
que devem “saber fazer” (considerando a mobilização desses conhecimen-
tos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da
vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho),
a explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento
de ações que assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC
(BRASIL, 2018a, p.13)
A BNCC por ser organizada a partir da pedagogia das competências
nega os conteúdos, e prioriza a necessidade de organização da escola a partir
das experiências dos estudantes e conhecimentos “úteis”. Nesta perspectiva,
o conhecimento torna-se coadjuvante, dado a importância sumária atribuída
ao cotidiano, ao subjetivo e aos processos individuais.
Duarte (2013), cita que é essencial que os homens se apropriem das
objetivações humanas não cotidianas, as objetivações genéricas para si,
tal qual a ciência, a filosofia, as artes e todas as formas de conhecimento
elaborado e sistematizado produzido pela humanidade, para que, então,
desenvolvam e vivenciem a individualidade para si, os homens se formam
de modo dialético, a constituição do gênero humano necessita da apro-
priação da cultura e objetivação das produções humanas. A medida em
151
que a BNCC foca na cotidianidade utilitarista, o processo de formação
torna-se deformação humana.
O superdimensionamento do cotidiano é intencional, impedindo que
os sujeitos consigam compreender a realidade para além da aparência dos
fenômenos. Evidenciam que aspectos do cotidiano carecem de ser superiori-
zados na escola e os conhecimentos sejam negados aos trabalhadores e perma-
neçam como patrimônio da burguesia.
Ramos (2006), já ponderava que na lógica da pedagogia das compe-
tências, a escola pública, tende a perder o compromisso com a transmissão de
conhecimentos científicos socialmente construídos e universalmente aceitos.
O resgate e aprofundamento da pedagogia das competências, na era ultraneo-
liberal, descaracteriza a escola como espaço de apropriação de conhecimentos
e tornando-a subjetivista e relativista para a classe trabalhadora.
A BNCC expõe que a escola deve estar organizada para atender as
expectativas individuais rotineiras, não perspectivando a criação de novas ne-
cessidades nos estudantes. Acerca do conhecimento circunscrito ao cotidia-
no, Duarte (2013, p. 213), expõe,
Não se trata apenas de que a escola deve colocar os alunos em contato
com os conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos, mas que a escola
deve produzir nos alunos a necessidade de apropriação permanente desses
conhecimentos em níveis cada vez mais elevados. A escola enriquecerá o
aluno à medida que produza nele necessidades formativas que não surgem
espontaneamente na vida cotidiana. A função da escola não é, portanto, a
de adaptar o aluno a necessidades da vida cotidiana, mas de produzir nele
necessidades mais elevadas de objetivação do gênero humano.
Conforme a escola limita-se a responder expectativas já postas, não pos-
sibilita que o estudante transcenda o campo do imediato e efetiva apenas um
caráter adaptativo simplista o qual não garante o desenvolvimento dos homens.
A perspectiva simplista, individualista e do cotidiano — próprio da pe-
dagogia das competências é o direcionamento pedagógico dos reformadores e
é destacado no texto da BNCC, concepção que dialoga com as diretrizes dos
organismos internacionais, pois,
No novo cenário mundial, reconhecer-se em seu contexto histórico e
152
cultural, comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico, participativo, aberto
ao novo, colaborativo, resiliente, produtivo e responsável requer muito
mais do que o acúmulo de informações. Requer o desenvolvimento de
competências para aprender a aprender, saber lidar com a informação
cada vez mais disponível, atuar com discernimento e responsabilidade nos
contextos das culturas digitais, aplicar conhecimentos para resolver pro-
blemas, ter autonomia para tomar decisões, ser proativo para identificar
os dados de uma situação e buscar soluções, conviver e aprender com as
diferenças e as diversidades. (BRASIL, 2018a, p.14, Grifos nosso)
A partir deste trecho, são evidenciados aspectos salutares para a forma-
ção humana necessária no contexto da sociedade ultraneoliberal. A resiliên-
cia, a produtividade, a colaboração e a capacidade de aprender a aprender
são colocadas como essenciais para o novo ser humano. Estes elementos são
postos como imprescindíveis para a escola EM reformada.
As terminologias do setor produtivo foram sendo diluídas e introduzi-
das no documento base da educação brasileira, pautando a formação huma-
na, em definitivo, pelos anseios do capital
Frente a força das frações da burguesia que apoiaram a contrarreforma,
no texto da BNCC, reaparece a noção de igualdade educacional, no que
concerne aos conteúdos, o que nos permite problematizar sobre a falácia da
igualdade, debatida no Capítulo 2, a igualdade, em si, é incompatível com a
sociedade capitalista, no entanto, os sujeitos, tendem a ser ludibriados pela
força da ideologia, com uma falsa ideia de igualdade meritocrática.
A BNCC dialoga com a Lei n.º 13.415/2017, ou seja, estabelece que
no EM serão priorizadas as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática
ao longo dos três anos do EM, as demais ciências e disciplinas ficam diluídas
em áreas de conhecimento e sem seriação estabelecida. Este direcionamento
político e ideológico fica explícito na figura a seguir, extraída da BNCC.
153
Figura1: Estrutura do Novo EM
Fonte: BRASIL, 2018a, p. 32
A partir da figura, ponderamos que há um preconizar disciplinar e este é
um mecanismo de formatação da educação. Objetivando a instrumentalização
dos trabalhadores para realizar e executar um trabalho simplista, e ainda almeja
a ampliação de melhores resultados nas avaliações de larga escala e ranqueamen-
to. Saviani (2020, p. 23), acerca da BNCC, reflete que “[…] no Brasil, tudo
indica que a função dessa nova norma é ajustar o funcionamento da educação
brasileira aos parâmetros das avaliações gerais padronizadas”. A estrutura do
“Novo EM” não se preocupa com uma formação em sentido ampliado e sim
almeja uma formação restritiva para o atendimento dos interesses do capital.
Apesar de o documento expressar que o EM será organizado a partir das
quatro áreas de conhecimento, apenas Língua Portuguesa e Matemática pos-
suem habilidades estabelecidas, as demais disciplinas, estão diluídas em áreas,
sem direcionamentos claros, sem indicação de carga horária ou seriação, aden-
trando a uma organização centrada na flexibilização curricular, que nada mais é
do que o esvaziamento dos conteúdos e das especificidades científicas.
154
Diante da privilegiação das disciplinas de Língua Portuguesa e
Matemática, as demais disciplinas ainda existentes, História, Geografia,
Sociologia, Filosofia, Biologia, Física, Química, Artes, Educação Física e
Língua estrangeira, estão subsumidas nas grandes áreas, mas sem direciona-
mentos e especificações dos saberes mínimos necessários.
Enquanto um documento base, a BNCC deveria especificar de modo
fácil e direto os conhecimentos científicos essenciais que deveriam ser ga-
rantidos, apresentando a seriação e os conteúdos mínimos, para que de fato
acontecesse a ampliação da qualidade, mas ao invés de cumprir esta função,
realiza a transposição dos princípios da acumulação flexível, formando traba-
lhadores úteis ao mercado e ao ultraneoliberalsimo.
A BNCC institucionaliza o esvaziamento de conteúdos, pois a fase
atual do capitalismo brasileiro, necessita de trabalhadores pouco intelectua-
lizados e que acessem conhecimentos limitados. Pela lógica ultraneoliberal e
seus contrarreformadores, à escola compete o papel de desenvolver as habi-
lidades e competências para a efetivação de trabalhos simplistas e não mais a
socialização de conhecimentos.
O papel da escola para os ultraneoliberais é oposto ao da escola eviden-
ciado por Saviani (2013), este ressalta que a escola deve garantir a socialização
dos saberes sistematizados, que superem o aspecto fragmentário, assistemá-
tico e pragmático do cotidiano, sendo estes os saberes que auxiliem na pro-
dução de humanidade, devendo transcender a reprodução do cotidiano, e a
compreensão da realidade para além das percepções imediatas.
No entanto, tal qual vem sendo posto, demandando e estruturado pela
contrarreforma, a escola passará a meramente difundir conhecimentos do
capital, de esfera socioemocionais, para a produção de resiliência dos estu-
dantes, acrescido de uma base teórica de português e matemática garantindo
saberes necessários para a atuação no mercado de trabalho precário.
As competências e habilidades que devem ser desenvolvidas, segundo
a BNCC, ficam expressas na figura a seguir e já direciona para a análise dos
itinerários formativos, sendo estes a característica central do novo EM.
155
Figura 2: Competências gerais da Educação Básica
Fonte: BRASIL (2018a, p.468)
Fica evidente que apenas Língua Portuguesa e Matemática possuem
competências e habilidades específicas a serem desenvolvidas na EB. É pri-
mordial ressaltar, que não está sendo feita a crítica a existência destas discipli-
nas, posto a importância delas para o processo de compreensão da produção
humana. A crítica decorre da necessidade de a EB garantir a socialização de
todas as ciências e de seus saberes específicos.
Ainda sobre da Figura 2, destacamos que a BNCC não apresenta as
especificações de quais disciplinas de fato estarão presentes na formação das
Áreas de Ciências da Natureza e na Área de Ciências Humanas. Deste modo,
ocorre, o que já estava anunciado na Lei n.º 13.415/2017, uma ruptura com
fronteiras disciplinares e a transformação de disciplinas em estudos e práticas.
A trivial garantia de que grandes áreas estejam presentes na formação
— na parte comum BNCC ou nas partes diversificadas, não asseguram que
os estudantes entrarão em contato com as especificidades de cada uma das
disciplinas, propiciado uma formação generalista sem ao menos viabilizar ou
estabelecer uma possibilidade de apreensão dos conhecimentos necessários
para a formação dos sujeitos, fragilizando o EM.
Conforme expresso no próprio texto da BNCC, “Em lugar de preten-
der que os jovens apenas aprendam o que já sabemos, o mundo deve lhes ser
apresentado como campo aberto para investigação e intervenção quanto a
156
seus aspectos sociais, produtivos, ambientais e culturais. (BRASIL, 2018a, p.
463)”. A lógica presente neste trecho, além de florear a negativa aos saberes
historicamente produzidos, reaviva os pressupostos do aprender a aprender.
Duarte (2011), enfatiza que o lema do aprender a aprender assenta-se
em quatro posicionamentos: 1) primeiro as aprendizagens que se fazem sozi-
nhas pelo indivíduo, sem a transmissão da escola são melhores e mais desejá-
veis; 2) sendo importante que o aluno desenvolva um método de aquisição de
conhecimentos do que aprender o que já foi descoberto por outras pessoas;
3) que corresponde ao que toda a atividade educativa deve ser organizada a
partir dos interesses do estudante; e por fim 4) mostra que toda a educação
deve ser organizada para garantir o preparo dos indivíduos para uma socie-
dade dinâmica e acelerada. Estes quatro posicionamentos são observáveis na
contrarreforma e seus documentos.
Apesar desta perspectiva do aprender a aprender estar inserida no cená-
rio nacional desde a década de 1990, compreendemos que com o avanço das
políticas ultraneoliberais, ocorreu um resgate desta, assim a BNCC, Reforma
do EM e demais documentações que alicerçam a contrarreforma, partem des-
ta concepção de educação, sistematizando e consolidando a proposta frente a
formação de nível médio da classe trabalhadora.
Este movimento de “reforma educacional”, assentado na ideia de flexi-
bilização curricular do EM, é coerente com o contexto de crise estrutural do
capital. Pois, em um país que possuí uma taxa de desemprego na casa de 13%
da população (IPEA, 2021) e 9,3% da população (IPEA, 2022), torna-se um
imperativo garantir formações mais flexíveis, mais precárias e desqualificadas,
para acompanhar a ampliação da escassez de postos de trabalho e ampliação
da informalidade — a taxa de empregos informais no período ultraneolibe-
ral, 2016 a 2022, segundo o IBGE (2022) manteve-se próximo aos 40% da
população, variando de 38,6% em 2016 a 39,6% em 2022 e atingindo o seu
maior índice em 2021 com 40,1% da população economicamente ativa.
Acerca das instabilidades para o mundo do trabalho e sua relação com à
educação e a contrarreforma do EM, Motta e Frigotto (2017, p. 362), afirmam
que “A falácia de estimular o Ensino Médio para qualificar para o trabalho de-
para-se com a falta de emprego no mercado de trabalho para a quase totalidade
desses jovens.” O Novo Ensino Médio caminha em torno da necessidade de
157
adequar a formação da juventude ao cenário atual do mercado de trabalho,
garantindo formações mínimas e tornando os estudantes empregáveis.
Esta conjuntura de incerteza para a juventude-estudante ficou evidente
na BNCC,
Em relação à preparação básica para o trabalho, que significa promover
o desenvolvimento de competências que possibilitem aos estudantes in-
serir-se de forma ativa, crítica, criativa e responsável em um mundo do
trabalho cada vez mais complexo e imprevisível […] explicitar que a
preparação para o mundo do trabalho não está diretamente ligada à pro-
fissionalização precoce dos jovens – uma vez que eles viverão em um mun-
do com profissões e ocupações hoje desconhecidas, caracterizado pelo uso
intensivo de tecnologias –, mas à abertura de possibilidades de atuação
imediata, a médio e a longo prazos e para a solução de novos problemas.
(BRASIL, 2018a, p. 465, Grifos nossos)
A incerteza posta como garantia futura, demanda que o EM propicie
uma formação superficial, flexível e imediatista, que assegure empregabilida-
de em postos de trabalho simplistas e precários, sendo esta demanda atendida
pela estrutura de itinerários formativos, que representa a parte diversificada
do currículo. Há um fundamento pós-moderno na contrarreforma e seus
documentos, centrado na fluidez e imprevisibilidade, e a escola compete ca-
pacitar o estudante, ainda que com cursos de curta duração, para a solução
de problemas de modo criativo e individual.
A escola reformada pelas reformas ultraneoliberais de nível médio, per-
de atributo de espaço privilegiado de socialização do conhecimento, com
caráter coletivo, para tornar-se um espaço de construções individuais a par-
tir de uma “resiliência” individualista, essencial para lógica liberal-burguesa.
Segundo a BNCC, a escola deve “[...] assegurar aos estudantes uma formação
que, em sintonia com seus percursos e histórias, faculte-lhes definir seus pro-
jetos de vida, tanto no que diz respeito ao estudo e ao trabalho como também
no que concerne às escolhas de estilos de vida saudáveis, sustentáveis e éticos
(BRASIL, 2018a, p.463). Advogam na BNCC que a escola passará a ser um
lócus privilegiado de flexibilização do currículo e dos indivíduos, positivando
a plasticidade no que tange os conteúdos e o não desenvolvimento das po-
tencialidades humanas.
158
A concepção individualista e de liberdade individual é referendada com
os cinco itinerários formativos responsáveis por 40% da carga horária total do
EM. Estes são postos na BNCC como estratégicos para a flexibilização do EM,
[…] os itinerários formativos, previstos em lei, devem ser reconheci-
dos como estratégicos para a flexibilização da organização curricular do
Ensino Médio, possibilitando opções de escolha aos estudantes. Aliás, a
flexibilidade deve ser tomada como princípio obrigatório pelos sistemas e
escolas de todo o País, asseguradas as competências e habilidades definidas
na BNCC do Ensino Médio, que representam o perfil de saída dos estu-
dantes dessa etapa de ensino (BRASIL, 2018a, p. 471)
Sendo esta flexibilização a consolidação da redução dos conteúdos que
deveria ser utilizada para a socialização de conhecimentos básicos. Ainda que
essa noção tenha sido incorporada pela lógica ultraneoliberal, enquanto si-
nônimo de modernização, captamos, que se trata de um profundo retrocesso
para a formação da juventude.
As concepções de flexibilização e individualização são constituintes para
o reforço do ideário da contrarreforma do EM, e conduzem para o “protago-
nismo juvenil”, que é necessário em um contexto de omissão do Estado frente
a garantia dos direitos sociais, como ocorrido no período ultraneoliberal. A
perspectiva do protagonismo pode ser exemplificada pela imagem a seguir.
Figura 3: Propaganda do Novo EM
Fonte: Página oficial do Ministério da Educação no Instagram. Publicado em 29/11/2021.
159
Diante da imagem, e das análises aqui expostas, percebe-se que ao lon-
go do período ultraneoliberal há uma propagação do ideário liberal burguês
de liberdade e protagonismo juvenil. A imagem sintetiza a política em curso,
que busca aparentar democracia pela lógica dos itinerários, mas que desmon-
ta a educação pública.
A BNCC destaca que a proposta trazida pela Reforma do EM, ao inse-
rir o protagonismo juvenil como guia, busca substituir o modelo antigo, que
pensava uma possibilidade única ao EM.
Essa nova estrutura valoriza o protagonismo juvenil, uma vez que prevê a
oferta de variados itinerários formativos para atender à multiplicidade de in-
teresses dos estudantes: o aprofundamento acadêmico e a formação técnica
profissional. Além disso, ratifica a organização do Ensino Médio por áreas
do conhecimento, sem referência direta a todos os componentes que tradi-
cionalmente compõem o currículo dessa etapa (BRASIL, 2018a, p. 467).
Neste trecho do documento, evidencia-se o protagonismo e em paralelo
se confirma a ruptura das fronteiras disciplinares, buscando evidenciar que o
estudante será colocado na centralidade das decisões e que, enfim, o EM pas-
sará a ser mais enxuto, eficiente e em consonância a nova realidade nacional.
Pela dinâmica dos interesses do estudante, retira-se da cotidianidade es-
colar conhecimentos essenciais para assimilação da realidade, ampliam-se as
desigualdades de acesso aos conhecimentos e as possibilidades de ingresso da
classe trabalhadora ao ES. Lavoura e Ramos (2020, p. 55) afirmam que “[…]
a centralidade conferida aos interesses dos estudantes é um argumento ideo-
lógico que ajuda a justificar a reiterada negação do direito à escola da classe
trabalhadora, em especial, das frações mais empobrecidas.” Sendo, mais uma
atuação contrária a classe-que-vive-do-trabalho, porém exposta com aparên-
cia modernizante e democrática.
Os dois instrumentos legais e documentais, analisados nessa seção, nos
permitiram compreender que os interesses do capital foram plenamente atendi-
dos no sentido formal, os representantes dos APHs conseguiram garantir uma
base jurídica de empobrecimento da formação humana, essencial para o período
de precarização da vida. No entanto, faltavam ainda instrumentos legais para via-
bilizar a plenitude desta política e estes serão analisados na próxima seção.
160
3.2 A documentação complementar para a contrarreforma do Ensino
Médio e seus desdobramentos na formação ofertada na Rede Federal
Diante da necessidade de garantir uma formação de nível médio limi-
tada pelo aspecto fenomênico e incapaz de compreender as contradições e a
totalidade, presenciamos a promulgação de diferentes documentos legais que
orientariam a implantação do “Novo Ensino Médio”. Analisaremos de modo
articulado as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM),
o Referencial Curricular dos Itinerários Formativos (RCIF) e as Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Profissional e Tecnológica (DCNEPT).
Este compilado de documentos reverbera diretamente na Rede Federal, po-
dendo alterar o projeto que buscava reduzir a dualidade educacional.
As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM) fo-
ram atualizadas através da Resolução n.º 3 de 21 de novembro de 2018, estan-
do alinhada as demandas pretendidas pela Reforma do EM e pela BNCC. As
DCNEM, objetivam consolidar o pacote de políticas ultraneoliberais voltadas
à formação de nível médio. Neste momento, serão destacados alguns pontos
que foram aprofundados pelas DCNEM e que são essenciais para o ajuste cur-
ricular e alinhamento da formação aos princípios da acumulação flexível.
Pontuamos, que as DCNEM reforçam o aprofundamento da dualida-
de educacional pretendida pela contrarreforma para o EM, ao versar sobre os
itinerários. No art. 6.º define,
III — itinerários formativos: cada conjunto de unidades curriculares ofer-
tadas pelas instituições e redes de ensino que possibilitam ao estudante
aprofundar seus conhecimentos e se preparar para o prosseguimento
de estudos ou mundo do trabalho de forma a contribuir para a constru-
ção de soluções de problemas específicos da sociedade (BRASIL, 2018, p.
02, Grifos nossos)
Ao estabelecer que pelos itinerários o estudante, já na EB, se opta por
aprofundar estudos ou o preparo para a empregabilidade, necessariamente
nega-se aos estudantes da classe trabalhadora a possibilidade de apreender e
compreender as diferentes ciências que estão na base da produção. Tornando,
assim, a formação da juventude trabalhadora limitada.
161
A ampliação da precariedade da vida da classe trabalhadora e progressi-
va retirada de direitos sociais promovidas por políticas ultraneoliberais, con-
diciona os membros desta classe a formar-se precocemente em virtude da
necessidade de garantir a subsistência, negando a estes o direito à educação
básica, enquanto direito subjetivo.
Ainda no Art. 6.º, destacamos o inciso VI, que versa sobre as compe-
tências e define “competências: mobilização de conhecimentos, habilidades,
atitudes e valores para resolver as demandas complexas da vida cotidiana,
de pleno exercício da cidadania e mundo do trabalho (BRASIL, 2018b, p. 02
— Grifos nossos)”. A noção de competências acarreta uma formação acientí-
fica, limitada ao que o estudante já conhece, não gerando novas necessidades
de aprendizagem. Duarte (2013), cita que a escola deve ter o papel de criar
demandas, e o modo como as DCNEM são apresentadas, mostra que esse
compromisso se limita.
O processo formativo fica restrito ao plano do cotidiano e suas soluções
imediatas. A não criação de novas necessidades, faz com que a escola mera-
mente reproduza uma rotina limitante.
Ao privilegiar o cotidiano, a interrupção com a transmissão de conhe-
cimentos e os interesses dos estudantes como elementos estruturantes da edu-
cação, condiciona a escola a um espaço de conformação e cerceamento de
conhecimentos. Saviani (2012), ressalta que a estratégia dos contrarreformu-
ladores da educação, de ter os interesses dos estudantes no centro da proposta
pedagógica, é um mecanismo de negligência do conhecimento aos estudan-
tes. Esta estratégia é retomada sempre que se perspectiva reduzir o acesso dos
trabalhadores às diferentes ciências.
A política educacional vigente secundariza o conhecimento e os saberes
sistematizados no contexto da EB, e por assim o ser, as DCNEM definem que,
As aprendizagens essenciais são as que desenvolvem competências enten-
didas como conhecimentos em ação, com significado para a vida, expres-
sas em práticas cognitivas, profissionais e socioemocionais, atitudes e
valores continuamente mobilizados, articulados e integrados, para resol-
ver demandas complexas da vida cotidiana, do exercício da cidadania e
mundo do trabalho (BRASIL, 2018, p. 04 – Grifos nossos).
162
As aprendizagens essenciais da escola, não mais, são os saberes cientí-
ficos, e como posto em Saviani (2012), a escola vai abandonando seu papel
de socialização dos saberes historicamente produzidos. Passa a estar limitada
por experiências pessoais, práticas e úteis ao capital. O conhecimento siste-
matizado, perde espaço na contrarreforma ultraneoliberal, de modo a formar
a partir do desenvolvimento de características socioemocionais.
A documentação oficial que se releva no contexto ultraneoliberal, apro-
funda as problemáticas já observadas no neoliberalismo, como a relativiza-
ção ao conhecimento, tornando este, ainda mais, patrimônio da burguesia.
Elaborada após 2016, essa documentação sistematiza e reforça a negação do
ato de ensinar e de garantias do acesso aos saberes historicamente produzidos.
Posta pelos ultraneoliberais, a relativização do conhecimento, aparece
em toda a contrarreforma, e fica evidenciada no Art.º 12, parágrafo 2.º das
DCNEM, ao expor que os itinerários formativos possuem eixos estruturan-
tes, sendo eles, I investigação científica, II processos criativos, III mediação
e integração sociocultural e IV empreendedorismo. Devendo os itinerários,
necessariamente, serem organizados em torno de um ou mais eixos.
A perspectiva de eixos estruturantes, reaviva os quatro pilares do apren-
der a aprender, exposto na seção anterior, relegando os 40% da formação dos
jovens a aspectos generalistas e úteis ao contexto de acumulação flexível e de
precarização da vida dos trabalhadores, é neste cenário que, segundo o “novo
EM” está inserida a formação técnica profissional.
Diante das características da contrarreforma, a formação profissional, obri-
gatoriamente, está inserida no 5º itinerário. Pontuamos que o Itinerário Técnico
profissional, passa a ser organizado pela perspectiva de eixos estruturantes e a for-
mação profissional está circunscrita nos limites da crise estrutural do capital, com
formações flexíveis e pela superficialidade dos instrumentos legais.
Moura e Lima Filho (2018), afirmam que o 5.º itinerário afeta direta-
mente a Rede Federal, pois não é cogitado e preconizado uma formação am-
pla, para além da dualidade, que conceba a formação geral e formação para
o trabalho, mas apenas a formação centrada em competências, fragmentos
de conhecimentos que possibilitem um possível ingresso em um mercado de
trabalho. E por assim o ser, o modelo estruturante da Rede Federal não se faz
mais necessário ou viável, dado que as demandas formativas atuais são de um
163
trabalhador simplista, que pouco pense sobre si, sobre a classe e o mundo do
trabalho e meramente esteja disponível para a empregabilidade incerta.
O 5.º itinerário abarca as diferentes formações profissionais, podendo
estas, conforme a contrarreforma, serem realizadas tanto no ambiente escolar,
como no ambiente de empresas. Há uma excessiva permissividade quanto as
possibilidades, modos de oferta e realização da formação profissional. Esta
nova compreensão descaracteriza o projeto em curso desde 2004, o qual al-
mejava a educação integrada, realizada predominantemente na Rede Federal.
O conjunto do texto em análise direciona para a constituição de uma
valorização das aprendizagens cotidianas em detrimento da socialização dos
saberes historicamente acumulados, tanto na formação básica quanto nos
itinerários formativos, sendo que no Art.º 17, parágrafo 8.º das DCNEM
fica definido que “As áreas de conhecimento devem propiciar ao estudante a
apropriação de conceitos e categorias básicas e não o acumulo de infor-
mações e conhecimentos, estabelecendo um conjunto de saberes integrados
e significativos”. (BRASIL, 2018b, p. 10 — Grifos nossos). Está posto, sem
dubiedades, que o estudante deve saber o mínimo, o básico, não estando em
pauta, que se aproprie da ciência que alicerça a produção.
Para a compreensão do processo de reformulação da escola institucio-
naliza recorremos a concepção expressa em Lavoura e Ramos (2020), de que
para a lógica do capital, o conhecimento erudito deve pertencer à burguesia
e o conhecimento comum a classe trabalhadora. Assim, o processo de ensino
e aprendizagem da mesma, especialmente nas escolas públicas, passa a se or-
ganizar a partir de experiências pessoais e individuais.
Nas DCNEM no Art.º 27 é retomado a necessidade do desenvolvi-
mento das premissas do aprender a aprender, como estratégia de construção
da autonomia dos estudantes. Ocorrendo uma associação, complexa, de au-
tonomia com neglicenciamento da aprendizagem. A negativa de acesso ao
conhecimento é a realidade posta, porém apresenta-se nas Diretrizes que esta
irá garantir maior autonomia aos estudantes, referendando o que já estava
posto na BNCC e Lei n.º 13.415/2017.
Em busca de institucionalizar uma formação simplista e que aprofunde
a dualidade, as DCNEM, prevê a oferta de cursos experimentais, concessão
de certificados intermediários de qualificação profissional: “Na organização
164
do itinerário de formação técnica e profissional podem ser ofertados tanto
habilitação profissional técnica quanto qualificação profissional, incluindo-
-se programa de aprendizagem profissional em ambas as ofertas” (BRASIL,
2018b, p. 9). A formação dos trabalhadores passa a ser gestada por processos
reducionistas, estando previstas diferentes possibilidades formativas, porém,
restritivas no que se refere a compreensão de todo.
A possibilidade de formações intermediárias para os estudantes que
optarem pelo 5º itinerário, evidencia o anseio dos contrarreformadores e seus
patrocinadores — representantes dos APHs, em aligeirar a formação dos es-
tudantes de nível médio da classe trabalhadora, para que estes sejam incorpo-
rados mais precocemente no mercado de trabalho.
A proposição de aligeirar a formação, já é problemática, mas ressal-
tamos um ponto trazido no início deste capítulo, o anseio das frações da
burguesia, de afastar a classe trabalhadora do acesso ao ES, à medida que os
estudantes têm suas formações aligeiradas pelo itinerário técnico profissio-
nal para a incorporação ao mercado de trabalho precarizante, estes tiveram
e terão conhecimentos essenciais e básicos negados, logo ficando distantes
de acessar as cadeiras das Universidades, como expresso pelo ex-ministro da
Educação Milton Ribeiro.
Este conjunto de documentos para a formação de nível médio do perío-
do ultraneoliberal, em especial no que concerne à formação profissional, são in-
compatíveis com o projeto educacional realizado nas instituições pertencentes à
Rede Federal, em especial pelo resgate irrestrito da dualidade, pelo negligenciar
da formação profissional, pelo afastamento da ciência do cotidiano escolar e
pela fragmentação dos conhecimentos, restringindo, assim, as especificidades
da integração entre saberes técnicos e conhecimentos gerais.
Em complementariedade aos documentos e leis vigentes que viabilizam
a Reforma Ultraneoliberal na educação do EM, é publicizado o Referencial
Curricular dos Itinerários Formativos – RCIF (BRASIL, 2018c), os itinerá-
rios formativos, como já mencionado na BNCC são estratégicos para os con-
trarreformadores, pois por meio destes é de fato viabilizada a flexibilização
curricular e, também compreendemos que o internalizar de modos de flexibi-
lização das relações de trabalho e os princípios da acumulação flexível, assim
sendo, carecem de uma documentação específica para direcionar a formação.
165
Conforme a imagem do RCIF fica expresso serem objetivos dos itine-
rários formativos,
Figura 4: Objetivos dos Itinerários Formativos
Fonte: BRASIL, 2018c, p. 04
Três pontos merecem destaque na imagem que sistematiza os objetivos
dos itinerários, 1. O reforço a dualidade, contida no primeiro quadro que
afirma “As áreas de conhecimento e/ou à Formação Técnica”, impetrando
uma escolha entre dois modos formativos distintos. 2. A associação dos con-
ceitos de “educação integral” à lógica do capital, o que esvazia o conceito e a
concepção formativa na medida que associa a educação integral a um projeto
de vida atrelado a lógica individualizante do capital e 3. Aprofunda uma res-
ponsabilização dos sujeitos acerca das contradições.
Os objetivos postos pelo RCIF, ampliam o processo de naturalização
da crise estrutural do capital, vislumbra a sujeição dos indivíduos frente as
contradições, irreconciliáveis da lógica do capital, difunde uma ideia superfi-
cial de autonomia humana — limitada pelo individualismo e, não menciona,
como objetivo, o processo de ensino e aprendizagem das diferentes ciências.
Dado que os itinerários correspondem a no mínimo 1.200 horas da
carga horária do EM, depreende-se que ao menos 40% da carga horária
abandona os conhecimentos básicos para centrar-se em processos de inter-
nalização da lógica burguesa. Perspectivando a construção de projetos de
vida individuais, apartados da cientificidade, baseado em experiências indi-
vidualistas, alicerçados em uma falsa ideia de criatividade como alternativa a
166
dinamicidade do capital, desenvolvendo habilidades que façam os estudantes
agirem com “[...] empatia, flexibilidade e resiliência […]” (BRASIL, 2018c,
p. 10 — Grifos nossos).
Ainda estabelecem que os estudantes devem ser ensinados a “Reconhecer
e utilizar qualidades e fragilidades pessoais com confiança para superar desa-
fios e alcançar objetivos pessoais e profissionais agindo de forma proativa e
empreendedora e perseverando em situações de estresse, frustração, fra-
casso e adversidade”. (BRASIL, 2018c, p. 10 — Grifos Nossos). O conjun-
to das habilidades dos itinerários associados às competências gerais da BNCC
é um receituário do conformismo pós-moderno, centrado em adequar à ju-
ventude trabalhadora para a dinamicidade ultraneoliberal de ampliação da
exploração do trabalho.
Há no RCIF um direcionamento para que a educação garanta que
os sujeitos se compreendam como os únicos responsáveis pelas mudanças e
transformações sociais, as habilidades devem versar sobre transformações a
partir de ações individuais.
O Referencial insere, também, a necessidade de os estudantes serem
criativos para inovar em alternativas de renda e de condução da vida. A criati-
vidade e proatividade que emerge nesta contrarreforma do EM, é a demanda-
da pela lógica empreendedora, necessária ao capital, em um contexto de crise
estrutural do capital e com relações de trabalho precárias e flexíveis.
O empreendedorismo é adotado como a alternativa possível e que pre-
cisa ser didatizada e internalizada pelos jovens, competindo à escola, criar
espaços, por meio dos itinerários, capazes de ampliar visões empreendedoras.
A lógica do empreendedorismo, aprofunda aspectos do liberalismo clássico,
como individualismo, competitividade, livre concorrência e ampliação do
Estado mínimo, estes são imprescindíveis para o avanço ultraneoliberal.
A perspectiva do empreendedorismo, fortemente retomada neste pe-
ríodo, também, desmobiliza a concepção de classe trabalhadora, consideran-
do que difunde a noção de sujeitos isolados, para além dos condicionantes
políticos, econômicos e sociais. Falseando o real, com a ideia de pertencimen-
to à burguesia. No texto da RCIF, empreender é apresentado como a única
alternativa viável à juventude, em um empreendimento de si o qual falseia as
contradições derivadas da ausência de emprego.
167
Presente nos itinerários formativos, o empreendedorismo é central para
o projeto educacional que está em curso, estando atrelado ao que os contrar-
reformadores denominam de Projeto de vida, e almeja a difusão e internali-
zação de “inciativas” empreendedoras.
Enquanto eixo estruturante, o empreendedorismo, que deve orientar
a formação dos estudantes, é justificado no RCIF da seguinte forma: “Para
participar de uma sociedade cada vez mais marcada pela incerteza, volatili-
dade e mudança permanente, os estudantes precisam se apropriar cada vez
mais de conhecimentos e habilidades que os permitam se adaptar a diferentes
contextos e criar oportunidades para si e para os demais” (BRASIL, 2018c).
Não competindo ao espaço escolar garantir a apropriação das ciências, mas
sim, mobilizar estratégias que permitam, aos membros da classe trabalhado-
ra, desenvolver atitudes empreendedoras capazes de gerar renda, naturalizan-
do, assim, os processos de exploração da classe trabalhadora.
Este encaminhamento da política educacional ultraneoliberal, conver-
ge com a desagregação do mundo do trabalho, com o capitalismo de plata-
forma — ausente de direitos e de qualquer garantia, para os trabalhadores. O
processo de resignação e aceitação das contradições torna-se uma prerrogativa
essencial para a reprodução do capital no período ultraneoliberal.
Em relação a precarização do mundo do trabalho, nos valemos das con-
tribuições de Antunes (2018b), este ressalta que na fase atual do capitalismo há
um processo de uberização do trabalho e do trabalhador, resultando na criação
de um precariado. Decorrente da ampliação das condições de exploração da
força de trabalho, da informalidade e da eliminação dos direitos trabalhistas.
No contexto de ampliação da precarização, é essencial a propagação de
um receituário alicerçado na aceitação e empreendedorismo. Com a contrar-
reforma, este receituário adentra, em definitivo a EB e na documentação de
nível médio, fica evidente o uso do espaço escolar para a propagação de uma
legitimidade exploratória.
Assim, no RCIF há um direcionamento para que a formação pelos
itinerários transite entre o ensinar empreender, conduzir para a expansão de
criatividade e intervenção sociocultural voltada ao capital. Estas concepções
são trazidas pelo documento como as alternativas pedagógicas mais elaboradas
e modernizantes em detrimento da socialização dos saberes sistematizados.
168
Continuando a análise da sequência histórica das alterações que rever-
beram na oferta do EMI na Rede Federal, em 5 de janeiro de 2021 foi pu-
blicizada a atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Profissional e Tecnológica-DCNEPT (BRASIL, 2021).
A gênese das DCNEPT de 2021 estabelece uma relação indissociável
com a Reforma do EM, pois estas completam e finalizam a contrarreforma,
em âmbito legal, assegurando o conjunto de leis e normas que institucionali-
zam o novo EM. Inserindo a precarização proposta pelas reformas ultraneo-
liberais na formação na educação profissional de nível médio e essa Diretriz
afeta de modo direto a Rede Federal de Educação.
Compete salientar que, as DCNEPT não versam apenas sobre a formação
de nível médio, mas abarca toda a EPT, desde os cursos FIC (Formação Inicial
Continuada) aos cursos de Pós-Graduação Profissionais, no entanto, centramos
o foco neste trabalho para as alterações direcionadas a formação de nível médio.
A concepção que alicerça as DCNEPT de 2021, também tem como
fundamento as pedagogias do capital, assegurando pela via documental, que
seja ofertado um processo formativo, compatível a conjuntura econômica
presente e alinhado ao modo de produção.
Apesar de ser possível, com um olhar mais atento, compreender o alinha-
mento do documento às pedagogias do capital, ocorre a inserção de conceitos,
enquanto palavras, que se opõe a esta pedagogia hegemônica. Categorias e con-
ceitos opostos são apresentados como sinônimos ou complementares, tal qual
será apresentado. Esta ação adentra um campo estratégico de mascarar o do-
cumento, dificultando a interpretação e desmobiliza movimentos antagônicos.
Estando presentes conceitos como formação humana, trabalho como
princípio educativo, autonomia, relação teoria e prática, educação integral,
pesquisa e ciência como princípios pedagógicos — próprios de concepções
educacionais críticas. Estes foram introduzidos tangencialmente de modo a
mascarar a intencionalidade de ampliação da dualidade, da fragmentação e
da precarização da formação do trabalhador. Há uma mescla de conceitos
alinhados a formação humana emancipatória com elementos alinhados ao
capital e a ideologia burguesa, tais como empreendedorismo, protagonismo,
competências, desenvolvimento socioemocionais.
Duarte (2011), endossa que os intelectuais a serviço do capital, são
169
mestres na arte de utilização de termos vagos, que escamoteiam os interesses
ideológicos pelo uso e defesa da liberdade individual e da mitificação da ima-
gem do indivíduo empreendedor e criativo.
Esta mescla de conceitos antagônicos fica evidente na análise das
DCNEPT de 2021, em especial em seu Art. 3.º quando estabelece os princí-
pios norteadores da Educação Profissional e Tecnológica, onde aparecem em
um mesmo artigo os conceitos trabalho como princípio educativo, pesquisa
como princípio pedagógico, indissociabilidade entre educação e prática social,
indissociabilidade entre pesquisa e prática e em paralelo os conceitos do capital
como flexibilização, habilidades socioemocionais, competências e a autonomia
alinhada a necessidade de abrandamento do ensino. (BRASIL, 2021).
Apesar da miscelânea de conceitos presentes no artigo supracitado, res-
salta-se como a incompatibilidade mais latente, o uso da categoria trabalho
como princípio educativo em um texto alinhado aos pressupostos ultraneoli-
berais, que almeja eliminar o trabalho como potencialidade de humanização.
A perspectiva do trabalho enquanto princípio educativo, pressupõe que esta
educação esteja alicerçada no processo de apropriação dos conhecimentos
historicamente produzidos pela humanidade, para que estes sujeitos com-
preendam a especificidade e a ciência que alicerça o trabalho, garantindo
assim a formação omnilateral. A materialização e idealização do “Novo EM”
é a negativa e o negligenciamento do conhecimento aos estudantes da classe
trabalhadora, logo é inaceitável o uso do conceito trabalho como princípio
educativo dentro desta proposta pedagógica.
As atuais DCNEPT, almejam uma formação unilateral para a classe
trabalhadora formada na EPT. O processo de formação deve centrar-se no
desenvolvimento de aspectos socioemocionais do estudante, articulando a
formação aos setores produtivos locais e suas demandas, a partir da concep-
ção de itinerários formativos e com estruturas flexíveis (BRASIL, 2021).
Nas novas Diretrizes, dado o anseio de ampliação da dualidade, a forma-
ção profissional é colocada como um apêndice desconexo da EB. A formação
técnica abandona a ciência coletiva e social da produção, para garantir um de-
senvolvimento unilateral e individual do estudante. Definindo em seu Art. 6.º
Educação Profissional e Tecnológica pode se desenvolver em articula-
ção com as etapas e modalidades da Educação Básica, bem como da
170
Educação Superior ou por diferentes estratégias de formação continuada,
em instituições devidamente credenciadas para sua oferta ou no ambiente
de trabalho. (BRASIL, 2021 Grifos nossos)
O presente artigo direciona para a ruptura com o projeto de constru-
ção de um EMI, encaminhando para o fim da integração, dado que o 5.º
itinerário poder-se-á realizar em qualquer espaço e ser compreendido como
componente da formação técnica-profissional.
No caminho de precarização da formação profissional, as DCNEPT de
2021, referendam a possibilidade formativa sob o prisma da qualificação pro-
fissional — cursos intermediários de curta duração e os cursos de habilitação
profissional, já expostos nas documentações precedentes.
Ressaltamos que a habilitação profissional pressupõe cursos de longa du-
ração, o qual assegura de fato a formação em uma área específica, no entanto, a
proposta formativa prevista na era ultraneoliberal de crise estrutural, viabiliza a
qualificação como alternativa barateada e superficial. Definindo que,
§ 2º A qualificação profissional como parte integrante do itinerário da
formação técnica e profissional do Ensino Médio será ofertada por um
ou mais cursos de qualificação profissional, nos termos das Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), desde que ar-
ticulados entre si, que compreendam saídas intermediárias reconhecidas
pelo mercado de trabalho (BRASIL, 2021).
O estudante ao cursar esse itinerário de número 5 poderá obter duas
formações muito distintas, ainda que ambas pertencentes ao mesmo itinerário,
ou seja, ao término do EM poderá ter concluído um curso que garantirá um
diploma e uma habilitação de curso técnico ou, simplesmente, realizar ao longo
do EM cursos de qualificação, ou seja, um conjunto de cursos de curta dura-
ção, que não garantirá a este uma formação específica ao nível técnico. Logo,
este estudante pautado no pressuposto de uma falsa autonomia e liberdade,
professados pelo discurso ultraneoliberal, sairá do EM sem ter apreendido os
conteúdos básicos desta etapa de formação e também não terá conhecimentos
técnicos suficientes que garantam o ingresso no mundo do trabalho. Acerca dos
cursos de qualificação profissional, fica expresso nas DCNEPT que,
171
§ 2º A qualificação profissional como parte integrante do itinerário da for-
mação técnica e profissional do Ensino Médio será ofertada por meio de
um ou mais cursos de qualificação profissional, nos termos das Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), desde que ar-
ticulados entre si, que compreendam saídas intermediárias reconhecidas
pelo mercado de trabalho (BRASIL, 2021).
Podendo por este modelo, a formação técnica de nível médio tornar-se
ainda mais esvaziada e ilusória ao jovem, que não terá ao menos o mínimo
para entrar no mercado de trabalho e não terá condições, dado a negação do
acesso ao conhecimento, de adentrar ao ES.
No Art.º 16 das DCNEPT, os cursos de formação técnica profissio-
nal poderão ser ofertados de modo integrado, concomitante, concomitan-
te intercomplementar e subsequente (BRASIL, 2021). Diante desta mul-
tiplicidade formativa e do contexto ultraneoliberal, depreendemos que
o EMI, e por consequência a Rede Federal, passam a estar sob ameaça,
haja vista os aspectos orçamentários necessários para a sua manutenção.
A contrarreforma e o presente artigo, buscam igualar o EMI a formações
mais fragmentárias e que tendem a ter custos reduzidos, como desdobra-
mentos da precarização.
Evidenciamos, que no conjunto legal e documental que versa sobre o
Novo EM o itinerário técnico profissional é posto como sinônimo de Educação
Profissional, no entanto, estes são diametralmente diferentes, e neste bojo
há uma tentativa normativa de igualar para o imaginário da sociedade civil
a formação de EMI, ao Concomitante, Concomitante Intercomplementar
e aos FIC. Acerca deste mecanismo homogenizante dos contrarreformado-
res, Ferretti (2021), destaca que a educação profissional foi tratada de modo
único nas DCNEPT. As especificidades, diferenças e características de cada
modelo foi, deliberadamente, ocultada no documento.
A partir deste ocultamento e da análise realizada neste trabalho, é pos-
sível conjecturar, que os contrarreformadores ultraneoliberais objetivavam
que a formação de nível médio em âmbito profissional, restrinja-se ao con-
comitante, concomitante intercomplementar e aos FICs, rumando para a
oferta de cursos de qualificação profissional e não cursos de habilitação pro-
fissional, pois a qualificação é menos onerosa ao Estado e de fácil oferta dada
172
a já existente estrutura das instituições de EPT, com ênfase na Rede Federal,
como será evidenciado no Capítulo 4.
Atualmente a Rede Federal se estrutura a partir da oferta, prioritária
e majoritária, do EMI, como já mencionamos, no entanto, as DCNEPT,
viabilizaram as possibilidades de ruptura com este modelo formativo. Em
paralelo, impulsionam à adesão pela Rede Federal a modelos mais aligeira-
dos e baratos para a formação, como os programas “Novos Caminhos” e o
“Qualifica Mais”.
A proposta que emergiu fragmenta a formação de nível médio, am-
plia e aprofunda a dualidade e contradizem, sumariamente, a perspectiva de
formação integrada, o que impacta diretamente na estrutura e composição
das instituições pertencentes a Rede Federal, em especial os IFs. Negar ou
dificultar a oferta de EMI passa a estar na base das reformas ultraneoliberais
e nas suas leis, decretos e diretrizes estruturantes. O projeto de Rede Federal,
fica comprometido, dado a nova proposição das DCNEPT, que apesar de
não colocar de modo explícito a busca pela eliminação do EMI, encaminha
toda a formação profissional para a negação deste modelo educacional que se
encontra, ainda em construção no país.
Destaca-se, que há o endossamento da formação em serviço na docu-
mentação referente ao Novo EM sendo posta como carga horária da EB. A
proposta das DCNEPT possibilita a contabilização do trabalho explorado
como carga horária da EB. Retirando o tempo de apropriação dos saberes do
período de formação dos estudantes e os inserindo na dinamicidade explora-
tória do emprego como fonte de aprendizagem. A formação de nível médio,
assentada no modelo de Novo EM, em especial pelo 5.º itinerário, passará a
ser lócus de fornecimento de mão de obra barata e superexplorada.
Ressaltamos que entre os Art.º 40 a 44 estão garantidas as definições
para a oferta da formação técnica profissional pela modalidade EAD, inclu-
sive na EB. Este retrocesso formativo, aparece nas Diretrizes como positivo,
moderno e viável, pois se vive o cenário de demanda da flexibilidade e do uso
irrestrito das tecnologias.
No que concerne os anseios de minimização do Estado, privatização e mer-
cantilização da educação — professados pelos ultraneoliberais, a EAD atende
todos os requisitos, viabilizando a queda na qualidade do ensino-aprendizagem,
173
a transferência de fundos públicos e a redução dos custos educacionais, pois um
mesmo professor pode atingir um contingente maior de estudantes, o que ten-
de a tornar os coeficientes aluno-professor mais condizentes com as demandas
expostas no Relatório do Banco Mundial de 2017, o qual propõe como alter-
nativa para a redução dos gastos com educação,
Permitir o aumento da razão aluno-professor nas escolas mais ineficien-
tes para, gradualmente, chegar a níveis de eficiência por meio da não re-
posição dos professores que se aposentarem. Em média, a fronteira de
eficiência seria atingida no ensino fundamental até 2027 se os professo-
res aposentados não forem repostos; no ensino médio, a fronteira seria
atingida até 2026. Somente esta medida economizaria até 0,33% do PIB
(BANCO MUNDIAL, 2017).
Observa-se uma tendência e um direcionamento do Banco Mundial para a
redução dos gastos públicos com e educação, incluído os quantitativos de docen-
tes, e estes vão gradualmente se materializando a partir das Reformas ultraneoli-
berais para a Educação de nível médio, com o rebaixamento da qualidade, frag-
mentação, retirada de disciplinas, negativa de acesso a conteúdo, precarização da
formação, resgate de competências, habilidades e notório saber. No que concerne
à Rede Federal estes direcionamentos de inserção da EAD já se materializam em
algumas instituições da Rede Federal e serão expostos no próximo capítulo.
Para finalizar a análise, é essencial pontuar, que a contrarreforma ultra-
neoliberal além de almejar modificar a subjetividade do homem que trabalha
desde a EB, tem em seus documentos a viabilidade da privatização, como me-
canismos dos empresários captarem o fundo público. A privatização da forma-
ção acontece, prioritariamente, pela efetivação das Parcerias Público-Privado
(PPP), as quais garantem a transferência de recursos do fundo público para a
iniciativa privada — destacamos que estas parcerias cresceram no período dos
governos de coalização do PT, na era ultraneoliberal estas foram ainda mais
reivindicadas nos documentos legais. Nas DCNEPT foi recorrentemente apre-
sentado as possibilidades de PPP. Para que os empresários da educação consi-
gam captar cada vez mais recursos públicos para a oferta do 5.º itinerário.
No entanto, não é uma exclusividade das DCNEPT o direcionamen-
to para a privatização via PPPs, apareceu no Relatório do Banco Mundial
174
(2017) e se estendeu em todos os documentos e legislações nacionais poste-
riores. Sendo, esta apresentada como a alternativa possível para a educação
nacional, em um contexto de redução dos gastos com direitos sociais — visto
a EC 95, e ampliação dos gastos públicos com a reprodução do capital.
Ponderamos, que esta possibilidade posta na documentação ultraneoli-
beral, é mais um mecanismo de garantir que o Fundo Público seja transferido
para a iniciativa privada. A disputa pelo fundo público, como demonstrado
no capítulo anterior à luz do pensamento de Oliveira (1998), é histórica no
Brasil, e no período ultraneoliberal, observamos que neste campo de disputa,
as frações da burguesia estão sendo privilegiadas pela estrutura do Estado
para esta captação.
Compreendemos a partir da análise crítica da documentação, que o
“Novo EM”, contribuí na constituição da nova racionalidade do trabalho.
Garantindo o que Antunes (2018a), denomina de novos caminhos para a
servidão. Em que o trabalhador se torna resignado e passível frente as mazelas
do capital, onde se torna empreendedor de si mesmo em um processo de
autoexploração. A nova realidade posta para o mundo do trabalho, frente a
ofensiva ultraneoliberal, é a aniquilação dos direitos trabalhistas, constituin-
do uma massa proletária sem direitos, que aceita de modo pacificado estas
problemáticas. Cabendo a escola garantir a pacificação desta classe.
A reformulação da educação, com ênfase na última etapa da EB agrada
o capital, pois aprofunda o processo de interdição do acesso ao conteúdo
sistematizado à classe trabalhadora, retirando do cotidiano formativo, saberes
e conteúdo que não são consideradas pelas avaliações externas, deste modo a
classe trabalhadora concluirá a EB sabendo o básico para a realização de um
trabalho precarizado, logo sabendo ler, escrever e contar.
Em continuidade, o grande capital regozija-se com a Reforma, pois ao
negar o acesso ao conhecimento no interior da escola, esta passa a ter outro
papel social, adentrando nos aspectos emocionais, sendo denominando, pela
contrarreforma, de socioemocionais, o espaço da escola torna-se lócus do
controle das ações, percepções e emoções, sendo mais um momento de apo-
deramento de subjetividade do trabalhador.
Alves (2011), expressa que na atual fase do capitalismo, de reestruturação
produtiva, há um processo de alargamento dessa captura da subjetividade do
175
ser humano que trabalha, sendo uma nova forma de controle da classe traba-
lhadora, este movimento de cerceamento dos homens que vivem do trabalho
adentra as diferentes áreas da vida em sociedade, transpondo valores empre-
sariais para a dinamicidade da vida social, utilizando jargões presentes na em-
presa para organizar e redefinir a escola, a vida social e o mundo do trabalho.
Na escola, e na contrarreforma posta para a educação brasileira, é notório este
movimento, podendo ser compreendida como uma vertente elementar desta
captura das subjetividades humanas e condicionamento das ações sociais.
Neste movimento, há uma constância da difusão dos ideários burgue-
ses, também pela via educacional, e assim, confirma-se que “As ideias da clas-
se dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é
a força material dominante da sociedade é, em simultâneo sua força espiritual
dominante (MARX; ENGELS, 2007, p. 47)”, sendo que toda a reestrutura-
ção da contrarreforma do EM atua para a propagação das ideias que alicerçam
a burguesia e seus processos de dominação. A perspectiva burguesa orientou a
contrarreforma educacional, de modo a privilegiar os interesses desta classe e
buscou-se com esta reformulação legitimar a dominação burguesa.
Foram criados mecanismos de controle da juventude e consequente-
mente da classe trabalhadora, a partir, da estrutura da escola, do formato do
EM, difundindo os preceitos da individualização, do empreendedorismo, do
aprofundamento da meritocracia e de uma falsa noção de flexibilidade mo-
dernizante. Saviani (2007), corrobora que as alterações nas legislações edu-
cacionais, no contexto do capitalismo brasileiro, são efetivadas com vistas a
constituir comportamentos flexíveis nos indivíduos, os quais garantem que
estes se ajustem as condições postas pela sociedade. Analisando esta citação,
à luz das reformas ultraneoliberais, depreende-se que a busca pela adaptação
e flexibilização dos sujeitos tornam-se ainda mais intensas, dado os condicio-
nantes necessários para a manutenção e estruturação da sociedade ultraneo-
liberal, alicerçado na precarização da vida, reformar a educação e reformar a
Rede Federal torna-se uma urgência burguesa.
É categórico que há uma crise do trabalho, e essa se apresenta para a
juventude, deste modo é essencial que a escola garanta não a apropriação
dos saberes historicamente produzidos, que possibilitem a apreensão de uma
realidade complexa e contraditória, conforme a proposta balizadora da Rede
176
Federal, mas sim, que a escola assegure uma formação simplista, centrada na
resiliência e resignação, para aceitar e se adaptar. Por esta razão que na do-
cumentação da contrarreforma e em especial na BNCC a palavra resiliência
aparece como uma competência de extrema importância para os estudantes
a ser desenvolvida.
Por fim, observamos que a reformulação da educação de nível médio, con-
templa o capital, pois reduz os custos educacionais e atendem as recomendações
do Banco mundial. É um processo de barateamento do custo da educação, con-
dizente com a EC 95, a eliminação de fronteiras disciplinares propicia a longo
prazo a redução de docentes, pois não mais há uma organização curricular por
disciplinas e sim por grandes áreas de conhecimento. Esse processo de precari-
zação do trabalho docente, decorrente da expansão de carga horária, ampliação
da relação aluno-professor, afetará as diferentes redes de ensino e no caso das
instituições vinculadas à Rede Federal, resultará na inviabilização, da realização de
um dos elementos centrais que é a efetivação de um ensino integrado alicerçado
no Ensino, Pesquisa e Extensão. Leher (2019), também afirma que nesta nova
estrutura pedagógica os docentes vão sendo restringidos, perdendo seu papel de
intelectuais para tornarem-se executores de tarefas pedagógicas.
Esclarecemos que a Reforma do EM não tem preocupação pedagógica,
mas sim preocupação econômica, tanto na perspectiva formativa, quanto na
redução de custos com a educação. Por assim o ser, o projeto da Rede Federal
carece de ser desmantelado no que tange a proposta, na oferta do EMI, na
realização de pesquisa e extensão e na autonomia, temáticas abordadas no
capítulo seguinte.
Na medida que se pretende baratear a oferta educacional, até o empo-
brecimento absoluto, não mais é viável a manutenção de um modelo edu-
cacional desde a EB assentado na qualidade socialmente referenciada, com
valorização profissional, plano de carreira dos servidores, infraestrutura, pes-
quisa, extensão e assistência estudantil. A Rede Federal e o projeto basilar des-
ta, o EMI, estão, então, fragilizados frente a contrarreforma, pois a formação
da Rede Federal não se pensa fragmentária, mas ampla e caminha para uma
formação diversa dos estudantes.
De modo geral, é possível refletir que a contrarreforma do EM propí-
cia o avanço da mercantilização e mercadorização da educação, aprofunda a
177
dualidade, empobrece a formação humana e incentiva o avanço da privatiza-
ção da educação, por meio da captação do fundo público. No que concerne
a EP de nível médio, propõe aligeiramento da formação, esvaziamento de
conteúdos e sentidos, e tenta direcionar e utilizar a estrutura educacional da
Rede Federal para a oferta de uma educação de baixa qualidade social.
Nesta conjuntura, a educação pensada pelos contrarreformadores ob-
jetivam tornar a educação, ainda mais, um produto-mercadoria, para a adap-
tação dos sujeitos a crise estrutural do capital, atuando como um mecanismo
de exclusão social.
Diante deste contexto de contrarreforma, de crise do capital, avanço
ultraneoliberal, depreende-se que as frações da burguesia brasileira que insti-
tucionalizaram e pensaram o Novo EM, objetivavam a descaracterização da
Rede Federal, para que esta retorne ao seu papel do início do século XX de
formação de Aprendizes e Artífices, e não de formação de sujeitos históricos
formados a partir dos pressupostos científicos, artísticos, filosóficos e profis-
sionais, e para tanto, buscar-se-á a retirada da autonomia das instituições per-
tencentes à Rede Federal, como será abordado no Capítulo 5 e o desmonte
orçamentário e pedagógico exposto no Capítulo 04, visando o sufocamento
do projeto iniciado na primeira década dos anos 2000 que se propunha en-
quanto um modelo de formação humana de qualidade à classe trabalhadora.
Esta precarização do EM será analisada no próximo capítulo, mas sem
perder de vista todo o processo autocrático burguês que foi intensificado no
período ultraneoliberal e que almeja precarizar a formação do trabalhador e
para tanto afetando ou buscando afetar de modo decisivo a formação de EMI
que se efetiva no interior das paredes estruturais da Rede Federal de Educação.
179
4.
AS TENTATIVAS DE DESMANTELAMENTO
DA REDE FEDERAL: DO PROJETO
A CONCRETICIDADE DA
MERCANTILIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES
Diante do exposto no capítulo anterior, a existência de uma educação
assentada nos moldes da Rede Federal, é incompatível com as determinações
da contemporaneidade do capital, pois esta instituição possui as potenciali-
dades e condições para a difusão da ciência, da história e da cultura, elemen-
tos centrais para a humanização dos sujeitos e que estão sendo negados no
período ultraneoliberal e pelas contrarreformas educacionais.
Antes de adentramos na exposição e análise das tentativas e materia-
lizações ultraneoliberais para a formação da Rede Federal, compreendemos
necessário evidenciar que o EMI ofertado na Rede Federal, é compreendido
neste trabalho como exitoso, pois viabiliza que os estudantes acessem diferen-
tes possibilidades formativas. Conforme expresso por Ramos (2011, p. 775),
a proposta de EMI resgata os “[...] fundamentos filosóficos, epistemológicos
e pedagógicos da concepção de educação politécnica e omnilateral e de escola
unitária baseado no programa de educação de Marx e Engels e de Gramsci”.
A Rede Federal, que tem as sementes da formação unitária, está ali-
cerçada na compreensão de formação do homem por inteiro, a partir de um
modelo de formação de nível médio que superasse a sobreposição de conteú-
dos e disciplinas, visto que estes componentes devem se encontrar de modo
consciente com vistas a formar o sujeito na sua completude, como men-
cionado nos capítulos 1 e 3, o que é diametralmente oposto a proposta dos
ultraneoliberais para a formação de nível médio.
180
O desenvolvimento de diferentes dimensões que vislumbre a formação
humana, deve estar respaldado, segundo Ramos (2011), no trabalho como
princípio educativo, na ciência e na cultura. Elementos que orientam a for-
mação humana de nível médio ofertada pela Rede Federal, via EMI. Todavia,
esta concepção formativa encontra limites de efetivação, dado as legislações e
diretrizes do período ultraneoliberal, como exposto no capítulo 03.
A proposta e o projeto da Rede Federal pretendiam a superação da
dualidade e da fragmentação. Ramos (2021), pondera que a construção do
projeto de EMI não se fez a partir de concepções idealistas, mas sim a partir
das contradições da realidade concreta e tinha como objetivo se opor ao pro-
jeto de escola dual e unicamente técnica.
Buscávamos, então, pela mediação da educação, construir um projeto de
formação humana que elevasse todas as pessoas à condição de dirigentes; à
condição de se apropriar do conhecimento produzido historicamente pela
sociedade, de tal forma que pudessem tanto compreender a realidade, que é
construída pelos próprios sujeitos, quanto transformá-la. Essa transforma-
ção se faz pela própria ação humana, mediante o trabalho, a incorporação e
a ampliação da cultura. Com isto, a educação escolar deveria habilitar todos
os sujeitos à continuidade dos estudos a níveis cada vez mais superiores,
bem como à atividade de trabalho como meio necessário e intrínseco à pro-
dução de existência humana sob determinadas relações sociais de produção
e contra essas mesmas relações (RAMOS, 2021, p. 67)
Para além da superação da dualidade limitante, a proposta educacional
que balizou a Rede Federal e o EMI pensava, nos limites e nas contradições
do capital, possibilidades de formação para a classe trabalhadora. No entanto,
a contrarreforma que está em curso, retoma o velho, o dualismo, a máxi-
ma liberal da individualização e busca retroceder os avanços educacionais.,
inclusive, defini limitações mais significativas para a continuidade da Rede
Federal, como foi pensada e desenhada em 2008.
O Novo EM se pauta na desintegração, na hierarquização de conteú-
dos e no desenvolvimento unilateral dos estudantes, uma proposta compatí-
vel ao ultraneoliberalismo. Grabowski e Kuenzer (2021, p. 180), asseveram
que na atual conjuntura,
181
[…] não há por que disponibilizar um Ensino Médio que abranja as
relações entre ciência, trabalho e cultura de forma plena contemplando
com rigor todas as áreas de conhecimento e desenvolvendo competências
cognitivas complexas que viabilizem o desenvolvimento da capacidade de
crítica e da autonomia ética e estética, na perspectiva de formação omini-
lateral e emancipatória.
O contexto ultraneoliberal não necessita de uma proposta formativa
que desenvolva as diferentes dimensões humanas, mas sim, demanda uma
proposta que limite o existir dos indivíduos, que condicione e conforme para
o aprofundamento das contradições e essa concepção foi orientativa para a
elaboração das reformas da educação de nível médio após 2016. Por esta
razão, houve tentativas de descaracterização da Rede Federal, com vistas a
rescindir o projeto de formação que está se fortalecendo, ainda que cercado
de contradições.
Salientamos que a contrarreforma em um primeiro momento afeta as
Redes Estaduais, dado o quantitativo de matrículas na última etapa da EB,
conforme disponibilizado no Censo Escolar 2021, as escolas Federais absor-
vem 191.523 matrículas de EM ao passo que as Redes estaduais absorvem
6.721.181 matrículas de EM. Ainda que em primeira instância seja dire-
cionada às Redes Estaduais, a Rede Federal está sendo impactada, pois, a
burguesia não aceitaria que em um momento de profunda intensificação da
precarização da educação, um modelo exitoso de formação humana existisse
em um mesmo marco temporal. Para tanto, foi direcionando à adesão da
contrarreforma, como demonstrado ao longo deste capítulo.
O movimento de precarização da formação de nível médio e seus des-
dobramentos na Rede Federal está vinculado com o processo de ampliação
da mercantilização da educação no Brasil ultraneoliberal. Assim sendo, nos
deteremos, à análise da categoria mercantilização e sua expressão na atualida-
de da Rede Federal.
Enquanto fenômeno social, a mercantilização, é um processo e será en-
tendida, neste trabalho, à luz do pensamento de Marx (2013), ou seja, como
uma derivação e produto das relações e do modo de produção que antagoniza
a relação entre capital e trabalho e que por consequência, viabiliza diferentes
formas de alienação.
182
Compreendendo a mercantilização a partir de Marx (2013), evidencia-
mos que nas sociedades, onde reina o modo de produção capitalista, a riqueza
está assente nas mercadorias, a mercadoria é algo exterior e que satisfaz as
necessidades humanas — biológicas ou sociais. A burguesia, enquanto de-
tentora dos meios de produção, tem a posse da mercadoria, beneficia-se dela
e garante processos de reprodução do capital.
A mercadoria, enquanto produto do trabalho, é elemento essencial
para a acumulação de capital. Neste sentido, o modo de produção vigente,
carece de transformar as diferentes dimensões que constituem à vida huma-
na em mercadoria. Os componentes da vida humana passam a ser tratados,
produzidos e efetivados pela lógica da mercadoria. As diferentes dimensões
da vida são incorporadas pela dinamicidade do mercado.
A educação, é transformada em uma mercadoria. No modo de produ-
ção capitalista torna-se essencial garantir a subordinação das diferentes esferas
que circundam a vida humana à lógica do capital, com vista a garantir a am-
pliação da extração de mais-valia, reprodução do capital e a alienação do ser
social. Mészáros (2008), assevera que a educação, na lógica do capital, acaba
subsumida pela lógica do mercado, e reproduz formas de alienação atuando
para a internalização dos pressupostos do capital.
O mercantilizar da vida, retira da educação as possibilidades de hu-
manização dos sujeitos que realizam esta atividade vital, mas dado as espe-
cificidades do capital e seu modo de reprodução no período ultraneoliberal,
não há preocupação com a desefetivação dos seres humanos, desde que este
movimento garanta a ampliação das margens de lucro às frações da burguesia
que apoiaram o golpe e a contrarreforma do EM.
Há diferentes caminhos que viabilizam a mercantilização da educação,
desde o orçamento até mesmo alterações na estrutura das instituições, e por
estes, objetiva-se baratear custos, reduzir a qualidade e garantir a internaliza-
ção da lógica burguesa. Na conjuntura ultraneoliberal, observou-se o avanço
da mercantilização em direção à Rede Federal, com vistas a descaracterizá-la e
afastá-la dos pressupostos que alicerçam a proposta dos IFs e da Rede Federal.
Recordamos que a mercantilização da educação, é decorrência de um
processo e avanço das forças do capital, o qual veio sendo desenvolvido no
Brasil de modo mais intensificado desde a década de 1990, mas que foram
183
potencializados no período ultraneoliberal, conforme demonstramos no ca-
pítulo 3, na análise da influência dos representantes dos APHs na contrarre-
forma do EM.
Em relação a mercantilização, Frigotto (2021. p. 641), ressalta que des-
de a década de 1990 a educação no Brasil vive o dilema de ser compreendida
como um negócio,
A ofensiva contra a educação pública no Brasil tem assim um duplo ob-
jetivo: controle ideológico que se expressa na defesa do ensinar sim, mas
educar não e abrir espaço a empresas educacionais privadas para vender
ensino e, mediante parcerias, serviços e materiais escolares ao setor pú-
blico. Esse processo iniciou, especialmente, nas contrarreformas e polí-
ticas de educação dos oito anos da gestão de Paulo Renato de Souza no
Ministério da Educação.
Em diálogo com a colocação, afirmamos que a ofensiva mercantilista à
educação, vem cumprindo, desde a década de 1990, com seu papel histórico
de assegurar a acumulação de capital para a burguesia, não tendo sido, esse
processo, interrompido durante os governos de coalização liderados pelo PT
e agora no período ultraneoliberal sofrem um aprofundamento com proposi-
turas regressivas para a formação humana.
No movimento de mercantilização da educação, é notório, o uso da
estrutura e dos recursos do Estado para o atendimento às frações burguesas,
no período ultraneoliberal e sua contrarreforma de nível médio, esta relação
entre o Estado e o capital, foi aprofundada, sendo que toda a política pública
foi pensada e efetivada para o atendimento exclusivo da burguesia.
Esta conjuntura referenda o pensamento de Fontes (2010), o qual
destaca ser possível somente compreender o processo de mercantilização da
educação à medida que se investiga a relação dialética entre capital e Estado.
No Brasil, desde a ascensão neoliberal, esta relação foi sendo intensificada e
na era ultraneoliberal vive seu apogeu. O entendimento da contrarreforma
do EM e a ofensiva contra a Rede Federal e ao EMI somente é viabilizado a
partir do entendimento desta relação dialética, como feito até aqui.
Evidenciamos que a mutação promovida pela contrarreforma do EM
que aprofunda a dualidade educacional e fragiliza a formação retirando
184
conteúdos básicos da formação humana, é o elemento condutor das tentati-
vas de aprofundamento da mercantilização na Rede Federal e precarização do
EMI, entre os anos de 2016 a 2022.
A institucionalização do Novo EM, como mecanismo de remodula-
ção — via formação da classe trabalhadora, dialoga com as metamorfoses do
mundo do trabalho do período ultraneoliberal, e neste sentido, vislumbra a
desintegração do EMI ofertado na Rede Federal. Torres (2021), pondera que
o EMI está sendo desconfigurado e desmontado por um processo de desesco-
larização da EPT, consequência da estrutura do novo EM.
À medida que a contrarreforma desescolariza a EPT, com a estrutura
do 5.º itinerário, e que as instituições pertencentes à Rede Federal, com ên-
fase os IFs, tem como proposta prioritário o EMI, estas passaram a ser, pro-
gressivamente, atacadas de modo que todas as ofertas de EPT no país estejam
centradas em princípios de adequação dos trabalhadores e não mais no EMI,
como modelo, pois se objetivava um sujeito desintegrado.
Em busca de comprovar tais afirmações, são analisadas ao longo deste
capítulo os diferentes caminhos que garantiram a ampliação da mercantiliza-
ção da Rede Federal, vislumbrando apenas os aspectos econômicos e quan-
titativos para a formação ofertada nessas instituições e os direcionamentos
para inviabilizar a oferta de um EMI tal qual pensado pelos intelectuais que
formularam a proposta de Rede Federal no início dos anos 2000.
4.1 As materializações da contrarreforma
ultraneoliberal na Rede Federal
Observa-se desde a tomada do poder pelos representantes únicos do capi-
tal, em 2016, tentativas recorrentes de descaracterizar a Rede Federal, devido à
qualidade do ensino, sua abrangência e especialização do corpo de servidores que
atuam já na EB. A oferta da EPT realizada na Rede Federal, alinhada à concepção
diretiva de formação integrada, não dialogam com as demandas de ampliação da
exploração da classe trabalhadora pretendida pelo ultraneoliberalismo.
Para compreender como uma política de cunho ultraneoliberal, tende
a interferir nas características e ofertas do ensino na Rede Federal, analisamos
os dados sistematizados na Plataforma Nilo Peçanha (PNP), no período de
2017 a 2022.
185
A escolha por este período temporal para a coleta de dados ocorreu,
pois, o ano de 2017 é o marco inicial das políticas pensadas e colocadas em
práticas pelos agentes e intelectuais do ultraneoliberalismo para a reforma da
estrutura do Estado brasileiro.
O primeiro ponto de análise são os percentuais legais, previstos na lei
de criação dos IFs, e sua materialidade na era ultraneoliberal, a partir dos
dados da Tabela 1.
Tabela 1: Percentuais Legais
PERCENTUAIS LEGAIS
Ano Profissional – Técnico Formação de Professores ProEJA
% % %
2017 64,7 9,5 2,4
2018 62,4 13,7 2,38
2019 60,9 14,6 2,17
2020 57,2 15,2 2,13
2021 52,3 15,7 1,85
2022 53,4 14,9 2,03
Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir dos dados ex-
postos na Plataforma Nilo Peçanha em 2022.
A partir dos dados globais da Rede, é possível absorver que o percen-
tual legal, 50 % para cursos profissionais de nível médio, prioritariamente
EMI, foi assegurado, no entanto ao longo dos anos ultraneoliberais é evi-
dente que houve uma queda significativa na oferta deste, aproximando-se do
mínimo exigido por lei. Ainda que a lei esteja sendo atendida, há uma di-
minuição quantitativa de formações de nível médio assentada nos princípios
de humanização dos homens. Em paralelo, evidenciamos que os percentuais
legais de 20% para cursos de formação de professores e 10% para a forma-
ção em ProEJA, estão significativamente menores do que os exigidos por lei,
demonstrando que a proposta e o desenho elaborado para a Rede Federal em
2008, não estão se materializando.
Diante desta informação, compreendemos necessário verificar as tipo-
logias de cursos e seus percentuais no mesmo período, conforme os dados da
Tabela 2.
186
Tabela 2: Cursos ofertados na Rede Federal
PERCENTUAL DE TIPO DE CURSOS OFERTADOS
Ano Profissional –
Técnico longa duração FIC Graduação Pós-Graduação
% % % %
2017 54,67 14,73 25,31 3,73
2018 51,91 12,7 29,54 4,26
2019 46,93 18,01 28,52 5,14
2020 30,68 45,08 20,05 3,28
2021 32,84 40,93 21,43 3,88
Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir dos dados ex-
postos na Plataforma Nilo Peçanha em 2022.
É possível observar que apesar de ao longo da consolidação do pe-
ríodo ultraneoliberal haver a manutenção da oferta dos cursos, a formação
Profissional-Técnico, onde se enquadra o EMI, foi progressivamente perden-
do espaço e percentual de oferta. Sendo que a partir de 2020 ocorre a primei-
ra efetiva inversão acerca dos percentuais de tipologia de cursos.
Diante da tabela também é possível depreender que há um crescimen-
to nos percentuais de cursos na modalidade FIC, porém uma redução nas
outras categorias de EPT em especial na educação profissional-técnica de
longa duração e pequenas quedas nos cursos de graduação e pós-graduação.
Demonstrando a tentativa ultraneoliberal de que a Rede Federal volte a ocu-
par um papel de oferta única de cursos profissionalizantes de curta duração.
Objetivando uma formação direcionada à empregabilidade necessária a atual
fase do capital.
Ao ampliar significativamente a oferta apenas de cursos FIC, vai pro-
gressivamente, descaracterizando o papel das instituições pertencentes à
Rede Federal na oferta de educação pública e de qualidade aos trabalhadores,
centrada nas dimensões do ensino, da pesquisa e da extensão. Pois, dado a
brevidade dos cursos FIC, não é possível propiciar a apropriação de saberes
aprofundados e que passam pelas dimensões necessárias à formação humana.
Lima (2016), destaca que há um tempo necessário para a formação
profissional, o qual deve ser composto por tempo produtivo e tempo edu-
cativo e que há uma tendência de diminuição dos tempos necessários para
a formação humana. Com o avanço do ultraneoliberalismo, assentado nos
187
princípios da mercantilização e voltado apenas a quantitativos, os tempos
necessários à formação, exposto por Lima, ficam inviabilizados, pois, a educa-
ção, em especial a ofertada no âmbito da EPT, fica restrita a utilidade prática.
Ao reduzir os tempos necessários, forma-se para um trabalho simplista,
de maneira fragmentada e precarizada, o que circunscreve à educação mera-
mente nas necessidades econômicas e do mercado, reforçando a tendência
mercantilista para a educação.
Destaca-se que a redução dos tempos necessários a uma formação hu-
mana que humanize ser humano, não é exclusividade do ultraneoliberalis-
mo. Desde os governos petistas já havia um processo, do que Lima (2016),
denominou de redução dos tempos necessários para a formação, em especial
com a inserção de programas como o PRONATEC, que também propiciava
uma formação simplista, direcionada para a indústria e para o atendimento
imediato do mercado.
No entanto, o PRONATEC não tinha a mesma dimensão no quantita-
tivo de matrículas que as propostas atuais de formação precarizada possuem,
e este era secundário para a Rede Federal. Na conjuntura ultraneoliberal, bus-
ca-se fortalecer a formação simplista como a única possível para a Rede Federal
com ênfase na EB. Esta afirmação se faz a partir dos dados coletados nessa pes-
quisa e do Relatório “EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA:
SÉRIE HISTÓRICA E AVANÇOS INSTITUCIONAIS 2003-2016” da
SETEC-MEC, os dados do relatório expressam que, entre 2011 e 2015, fo-
ram realizadas 4.580.624 matrículas via PRONATEC, sendo que a Rede
Federal ofertou, no mesmo período, apenas 680.041 matrículas, números
semelhantes às matrículas em cursos FIC em 2020.
Em apenas um exercício ultraneoliberal, o ano de 2020, a Rede Federal
ofertou, numericamente, o quantitativo de matrículas de cinco anos do
PRONATEC, de formações precárias e de curta duração. O que nos possi-
bilita afirmar que esta Instituição vivencia um processo de descaracterização.
Os dados apresentados analisam a totalidade da Rede Federal, porém
compete destacar que esta inversão nos percentuais em 2020 e elevação no
número de matrículas em cursos FIC não aconteceu em todas as instituições,
mas sim, ficou concentrada em cinco instituições, IFCE, IFRS, IFSUL, IFSC
e IFSP, como detalharemos a partir dos dados da Tabela 03.
188
A adesão a política ultraneoliberal simplista e mercantilizada para a EPT,
por parte de algumas instituições, demonstra-se como uma realidade para a
institucionalidade e relaciona-se com a escassez orçamentária, que será exposta
neste capítulo. Em um quadro de contingenciamento a adesão a formações
rápidas garante a adequação da Rede Federal a nova racionalidade do capital.
Diante da ampliação na oferta de um curso, por consequência há uma
elevação no número de matrículas nesta modalidade. Em números absolutos os
percentuais, trazidos na tabela anterior, são sistematizados da seguinte forma,
Tabela 3: Número de matrículas por cursos ofertados na Rede Federal
QUANTITATIVO DE MATRÍCULAS – CURSO
TÉCNICO 19 FIC
2017 571.371 151.979
2018 507.552 135.876
2019 486.173 184.328
2020 469.042 679.635
2021 507.053 623.440
2022 531.530 559.139
Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir dos dados ex-
postos na Plataforma Nilo Peçanha, 2022.
É possível observar que há uma manutenção nos quantitativos de ma-
trículas nos cursos técnicos de longa duração e uma ampliação muito signi-
ficativa no quantitativo de matrículas FIC. A partir dos dados globais, ob-
servamos uma tendência de adequação da institucionalidade as demandas do
ultraneoliberalismo de formações precárias.
Ponderamos que do total de 679.635 matrículas em cursos FIC no ano de
2020, 433.536 matrículas estão concentradas no IFCE, IFRS, IFSUL, IFSC e
IFSP – instituições que tiveram os aumentos mais expressivos. Sendo que, apenas
o IFRS concentrou 372.946 dessas matrículas, com a oferta de cursos FIC online
em larga escala, denominados “Curso Online Aberto e Massivo (MOOC)”, este
formato de curso não viabiliza a interatividade e são autoinstrucionais, sendo, a
materialização da massificação de formações aligeiradas, mercantis e superficiais.
19 Na PNP os cursos de longa duração são enquadrados como cursos Técnico – incluindo os cursos de
EMI, Concomitante, Subsequente e PRO-EJA.
189
Apesar de a oferta de cursos FIC ter sido concentrada em algumas
instituições da Rede Federal, demonstra a possibilidade de adesão desta insti-
tucionalidade aos pressupostos limitantes do ultraneoliberalismo. O contex-
to político e econômico promove e incentiva esta formação e diante de um
contexto de avanço conservador, de contingenciamento orçamentário e am-
pliação da relação entre Estado e capital, há uma tendência, ocorrendo a ma-
nutenção do ultraneoliberalismo, de que as instituições, progressivamente,
propiciem formações cada vez mais compatíveis a crise estrutural do capital.
Com o avanço da oferta dos cursos FIC e os direcionamentos dos con-
trarreformadores de eliminação do EMI, vistos anteriormente, apresentare-
mos os dados referentes ao número de ingressantes nas modalidades FIC e
EMI, na Rede Federal,
Tabela 4: Número de Ingressantes na Rede Federal por Tipologia de Cursos
NÚMERO DE INGRESSANTES
2017 2018 2019 2020 2021 2022
EMI 69.495 72.027 74.740 75.487 66.921 73.620
FIC 115.837 118.532 167.022 643.846 540.417 497.194
Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir dos dados ex-
postos na Plataforma Nilo Peçanha, 2022.
A partir da tabela, que concatena a série histórica ultraneoliberal, do
número de ingressantes no EMI e o número de ingressantes em cursos FIC,
fica explícito que ao longo dos anos houve uma redução aproximada de 4%
nos ingressantes no EMI, sendo aproximadamente a metade concentrados
no IFRS e IFSUL e uma elevação aproximada de 360% no número de in-
gressantes nos cursos FIC, se compararmos os números de 2017 e 2021. EM
2022 o número de ingressantes no EMI volta a crescer, porém o número de
ingressantes em cursos FIC permanece elevado na Rede Federal.
Há uma tendência de ampliar a oferta dos cursos de curta duração,
deixando os cursos de longa duração, em especial o EMI em uma secunda-
riedade. A prioridade da Rede Federal em ofertar uma educação mais ampla
para a classe trabalhadora vai se desmontando. Sendo esta condição um dos
avanços ultraneoliberais na Rede Federal. Os dados comprovam, o que le-
vantamos no principiar desta pesquisa, de que os contrarreformadores da
190
educação ultraneoliberal almejam que a Rede Federal voltasse a ocupar o
papel de ofertante, prioritária de formações superficiais, técnicas, práticas e
utilitárias, a exemplo dos cursos FIC.
A perspectiva de formação via FICs tende a ser homogeneizada,
pois, trata de uma formação de curta duração, pode ser facilmente alinha-
da a perspectiva empreendedora e a adequação momentânea e efêmera as
demandas de um mercado de trabalho que altera constantemente suas
necessidades, tal qual está posta em toda a documentação da contrarre-
forma apresentada no capítulo 3. Esta ampliação dos cursos FIC e suas
respectivas matrículas resulta em uma subordinação da Rede Federal aos
interesses incertos do capital.
Salientamos que o modelo de cursos FIC dialoga com a contrarreforma
ultraneoliberal do EM e sua documentação, posto que nela está assegurando
que o 5.º itinerário poderá ser composto por cursos de curta duração, que
garantirão qualificação profissional. A ampliação dos cursos FICs na Rede
Federal, além de atender os trabalhadores do mundo do trabalho, poderá
atender aos estudantes do EM que optarem em suas instituições, pelo 5.º iti-
nerário. Dado que as Redes estaduais não possuem as condições para a oferta
do 5.º itinerário, logo carecem de outras instituições que possam ofertá-lo.
Conforme o Guia de Implementação do Itinerário Formativo Técnico
Profissional (IFTP), o 5.º Itinerário poderá ser ofertado em parcerias com insti-
tuições públicas ou privadas, sendo que “[…] as instituições parceiras que ofer-
tarão o Itinerário da FTP devem ser reconhecidas pela sua expertise na oferta
de educação profissional”. (BRASIL, 2022, p. 59). Tendo em vista a estrutura,
abrangência e interiorização da Rede Federal, estas se tornam perfeitamente
aptas” para firmar parcerias e ofertar o IFTP, por assim ser, há um desenho da
política pública ultraneoliberal, para que estas parcerias se efetivem.
No que se refere as parcerias que estão previstas no conjunto de leis do
Novo EM, Ferretti (2021), demonstra que a lei que versa sobre o Novo EM refe-
re-se constantemente a parcerias com outros sistemas de ensino, o que demonstra
que o legislador, compreende a incapacidade dos sistemas estaduais em oferecer a
formação do 5.º itinerário, resultando em um movimento de incentivar parcerias
com outras instituições, sendo que faltam condições objetivas para a oferta deste
chamado 5.º itinerário nas escolas de EM das Redes Estaduais.
191
As escolas públicas de EB das redes estaduais, dado suas condições es-
truturais, não conseguem oferecer a educação profissional, e com isso es-
tabelece o reforço da dualidade — núcleo comum ofertado nas escolas de
educação básica e ensino profissional em outra instituição, sem haver uma
integração e diálogo entre estas formações, ficando estas em campos distintos.
Neste sentido a Rede Federal e outras instituições privadas ofertantes de EPT
estão avalizadas para disponibilização em um tempo futuro.
Fica estabelecido pelo conjunto de legislações que versam sobre o Novo
EM que as instituições que aderirem às parcerias para a oferta do 5.º Itinerário
receberão recursos adicionais por estas matrículas, pois com a nova Lei do
FUNDEB, haverá computo duplo de matrículas para a oferta do Itinerário
Técnico Profissional, como evidenciaremos de modo mais detalhado no pró-
ximo tópico. Conforme o Guia de Implementação do IFTP:
[…] as instituições públicas de ensino parceiras, autarquias ou fundações
públicas, que ofertam o itinerário poderão receber, da Secretaria de Estado
responsável pelas ofertas da EPT, o valor da matrícula de cada estudante.
A seleção e remuneração dos parceiros ofertantes exigem critérios, confor-
me estipulados no Inciso II e nos parágrafos § 1.º e § 2.º do Art. 23 do
Decreto n.º 10.656/2021 (BRASIL, 2022, p. 65)
Os valores pagos às instituições parceiras serão de responsabilidade das
Secretárias de Educação dos Estados e será proporcional a carga horária de
curso ofertada, variando entre os cursos de qualificação profissional e de ha-
bilitação profissional.
As parcerias não estão materializadas na totalidade da Rede Federal,
mas precisam ser compreendidas como uma ameaça real, pois a Rede Federal
vem enfrentando um sufocamento orçamentário, que será demonstrado a
seguir e que está diretamente relacionado a EC 95. Esta proposta de parcerias
para a oferta do 5.º Itinerário, apresentada pelo Governo Federal passa a ser
vista como viável e garantidora das instituições no plano do imediato.
O período ultraneoliberal impede que as instituições vivenciem os
tempos necessários para repensarem sua atuação e suas práticas, e a ausência
de orçamento impetrada as instituições pertencentes à Rede Federal, é neste
trabalho, compreendida como estratégica para propiciar o aprofundamento
192
da dualidade na educação brasileira. Esta perspectiva vem guiando a reforma
da EPT e marca um profundo retrocesso na luta em defesa da Rede Federal.
Outro aspecto que merece análise para entendermos o movimento de
toda a reformulação da EPT e do EM para atender os interesses e demandas
do capital, são o número de matrículas. A Rede Federal presenciou no ano de
2020 uma ampliação alarmante de matrículas totais, e quando comparada a
série histórica, depreende-se que a elevação transcende a regularidade, con-
forme será demonstrado na tabela que segue,
Tabela 5: Série histórica de matrículas
NÚMERO DE MATRÍCULAS
2017 2018 2019 2020 2021
1.031.798 964.593 1.023.303 1.507.476 1.523.346
Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir dos dados da Plataforma Nilo Peçanha, 2022.
Observa-se que houve em 2020 um aumento exponencial no número de
matrículas, comparada a média dos anos anteriores, com uma elevação de cerca
de quinhentas mil matrículas. Apesar de o secretário e Educação Profissional
e Tecnológica do MEC (Setec/MEC), Tomás Dias Sant’Ana ter destacado no
ato de lançamento dos dados de 2020 da PNP, que este aumento corresponde
a um retorno à sociedade, é essencial frisar que a ampliação de matrículas está
atrelada a oferta de cursos de curta duração e distante da proposta que norteou
a expansão da Rede Federal e posteriormente o projeto dos IFs.
A ampliação no número de matrículas não assegura a ampliação da
Rede Federal. No principiar da política a ampliação deveria ser vinculada a
possibilidades de formação múltipla, integrada, verticalizada e assentada em
padrões de qualidade socialmente referenciada.
Conforme os dados já anunciados neste texto, não ocorreu uma
ampliação das vagas, mas apenas a expansão em uma categoria de curso
ofertado pela Rede Federal, sendo este o curso mais precarizado que
compõe a estrutura desta e que se permanecer sendo ampliado, a lon-
go prazo, tende a descaracterizá-la. Os FICs, deveriam ser utilizados
como complemento de formação para as comunidades, e não o curso
predominante no que tange quantitativos reais e percentuais como vem
ocorrendo na era ultraneoliberal.
193
Destacamos, que apesar da expansão no número de matrículas no período
ultraneoliberal, não ocorreu a ampliação de unidades, logo, não ocorreu o cresci-
mento real da Rede Federal. O aumento no número de matrículas e de unidades
deve caminhar em paralelo, caso se perspective a qualidade educacional.
A relação entre matrículas e unidades esteve na base da propositura de
expansão da Rede Federal, primeiramente, ocorrendo a expansão de unida-
des para posteriormente a ampliação dos quantitativos de matrículas. Desde
o lançamento da proposta de criação dos IFs objetivava-se atingir a meta de
mil campus, sendo as matrículas desdobramentos positivos. Em entrevista
Haddad afirmou,
Foi aí que em 2006 convoquei todos os dirigentes dessas 140 unidades
para um bate-papo em Brasília, oferecendo a eles uma oportunidade úni-
ca, que o destino me permitiu apresentar, fazer dessas 140 unidades a base
do que seriam os IFS hoje celebrados no Brasil inteiro, com a meta, sem
prazo muito fixado de chegar a 1000 unidades […] (HADDAD, 20 DE
MAIO DE 2021)
Não havia um prazo pré-estabelecido para chegar as mil unidades, mas
sabia-se da necessidade de atingir este número para de fato garantir um quan-
titativo expressivo de estudantes e comunidades atendidas pelo padrão e qua-
lidade pretendida para a Rede Federal.
O avanço no número de unidades no decorrer do período de Governo
PT foi significativo, como demonstrado no capítulo 1. Ao longo de 14 anos,
do PT à frente da presidência, foram criadas 504 novas unidades, com um
crescimento constante ao longo dos períodos de expansão, no entanto, esta
crescente é abruptamente interrompida pelo avanço ultraneoliberal.
O processo de ampliação da Rede Federal pode ser elucidado pelo grá-
fico a seguir.
194
Gráfico 1: Série Histórica do avanço de Unidades da Rede Federal
Fonte: Relatório Educação Profissional e Tecnológica: Série his-
tórica 2003 a 2016 (BRASIL, 2016, p. 25)
Atualmente a Rede Federal está distante de atingir a meta inicial, de
mil unidades, pois ao longo dos anos ultraneoliberais não houve incentivos
governamentais para a ampliação significativa de unidades / campus / centros
de referência da Rede Federal. Durante o período ultraneoliberal a “expan-
são” esteve restrita a matrículas, concentradas na modalidade EAD, tal qual
exposto na tabela a baixo,
Tabela 6: Relação número de Unidades, matrículas e modalidade
PANORAMA GERAL DA REDE FEDERAL
2017 2018 2019 2020 2021
Número de unidades de ensino
pertencentes à Rede Federal 644 646 653 654 656
Número de matrículas em
cursos FIC - Presencial 103.297 102.088 93.487 37.366 32.478
Número de matrículas
em cursos FIC - EAD 48.682 33.791 90.841 642.269 590.968
Número de matrículas em
curso técnico integrado 223.893 236.700 246.684 256.230 284.070
Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir dos dados da Plataforma Nilo Peçanha, 2022.
195
Iniciamos a análise da Tabela 6 pelo quantitativo de unidades. Os
números de unidades englobam Campus, Campus Avançado e Centros de
Referência, todos vinculados às suas respectivas Reitorias. No período ul-
traneoliberal ocorreu um processo de estagnação na criação de novas unida-
des. Entre 2016 a 2021 foram criadas apenas doze unidades, mas não foram
criadas ou incorporadas novas instituições. Em relação à média de expansão
anterior e as proporções continentais do país, consta-se ser este um número
baixo e incipiente.
O projeto iniciado em 2008, como um desdobramento da expansão da
Rede Federal iniciada em 2005, perspectivava a ampliação desta institucionali-
dade, com vista a atender mais estudantes a partir de referências de qualidade e
o atendimento das comunidades. Mas com o advento do ultraneoliberalismo,
essa proposta foi sendo ameaçada, pois, não mais se perspectivava a ampliação
da formação de qualidade para o atendimento das demandas locais.
As doze unidades criadas são decorrência de movimentações das insti-
tuições e não uma política pública, pois o Estado ultraneoliberal, ainda mais
mínimo, não viabilizava a ampliação do gasto público com a garantia do
direito constitucional à educação.
A ampliação de matrícula desvinculada da ampliação de unidades, ex-
pressa na tabela, está concentrada, majoritariamente, nos cursos FIC, na mo-
dalidade EAD, o que não necessita de espaços físicos. A educação enquanto
produto-mercadoria, torna-se, meramente, quantitativa, apartada de quali-
dade e atrelada as demandas do capital e do mercado. Divergindo do papel
que deveria ser ocupado pela Rede Federal.
Diante dos dados acerca da oferta dos cursos FIC, é evidente que ao
longo dos anos analisados, há uma ampliação expressiva do oferecimento da
EAD e a redução na oferta presencial. Dado que deve considerar a pandemia
do COVID-19, porém concordamos com Antunes (2022), o qual expressa
que a EAD pode ser caracterizada como o grande desdobramento e experi-
mento do capitalismo pandêmico. Mesmo após o arrefecimento da pande-
mia, a oferta de EAD permaneceu presente nestas e em outras instituições.
A modalidade EAD é adotada na Rede Federal como a nova estratégia
para absorção de vagas e recursos ainda que em um contexto de contingen-
ciamento. A maior alteração — elevação da EAD ou redução do presencial
196
aconteceu no ano de 2020, abrindo o caminho para a efetivação de um pro-
jeto de precarização da formação ofertada pela EPT.
O avanço da EAD é tão intenso que a partir de 2019 é inserida uma
aba na PNP que diferencia a Relação Aluno Professor (RAP) presencial da
RAP EAD, o que evidencia o crescimento da modalidade à distância. Sendo
uma alternativa para não percepção da realidade de precarização e desmonte
da Rede Federal, pois apesar de cortes orçamentários, limitações de concursos
e precarização do trabalho dos servidores, tem-se uma aparência, pela via do
discurso, de que a Rede Federal está em processo de expansão.
Dado que a própria lei de criação dos IFs pondera a necessidade de
enfatizar a oferta de vagas no EMI, é essencial compreender se há uma ele-
vação dos cursos de EMI que acompanha o avanço dos FICs. Diante dos
números globais, depreende-se que ao longo dos anos ultraneoliberais, houve
um avanço expressivo nas matrículas e quantitativos de cursos FICs, e há
uma elevação mínima nas matrículas de EMI. O Foco principal da Rede que
seria o EMI vai perdendo espaço para um modelo de formação mais rápido,
quantitativo e barateado.
Ainda que a elevação dos cursos FICs tenha sido concentrada em cinco
instituições, como já destacado, a análise global dos dados expostos na PNP,
nos possibilita pontuar que globalmente não houve um acompanhamento
no crescimento dos cursos de EMI na mesma proporção do crescimento dos
FICs, o que descaracteriza a política pública dos anos 2000.
A adesão, por parte de algumas instituições da Rede Federal, ao modelo
educacional no formato FICs, é decorrente de três fatores, sendo a ampliação
da mercantilização da educação, a escassez de recursos e a existência de forças
conservadoras dos representantes do capital na Rede Federal, fator este que,
também, possibilitou ações autoritárias e coniventes com as intervenções,
que serão expostas no próximo capítulo.
O FIC é o modelo formativo mais compatível ao ultraneoliberalismo e
sua concepção de formação, enquanto deformação para a exploração, barateia
e aligeira a oferta educacional. Assim sendo, observa-se que no período em
análise, ocorreu uma secundarização das outras formações possíveis na Rede
Federal. Os outros segmentos formativos passaram a sofrer graves retrocessos,
tal qual expresso na reportagem divulgada no site institucional do CONIF,
197
[...] a oferta de cursos Técnicos, de graduação e pós-graduação registra-
ram um revés de 35%, 30% e 37%, respectivamente no comparativo de
2020 com 2019. Nesse período, também caiu o gasto de matrícula por
aluno, que era de R$ 15.741,98 para 15,419,28 e aumentou a razão de
matrícula por professor, que era 24,24 em 2019 para 24,92 em 2020.
(ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CONIF, 2021).
A reportagem expressa que, no ano de 2020, período de expansão dos
FICs, a Rede Federal vivenciou um recrudescimento do ultraneoliberalismo.
Os cursos de longa duração, com qualidade e verticalização foram sucateados
- reduzidos, quanto a oferta, sofreu perdas substanciais no financiamento e
ampliou a razão aluno-professor.
Estes elementos, dialogam com o processo de ampliação da mercanti-
lização e com a descaracterização da função social da Rede Federal e dos IFs,
pretendida pelos ultraneoliberais. Promovendo a formação de um trabalha-
dor a partir de pressupostos do fragmentário e distantes da compreensão da
realidade enquanto todo integrado.
Frente este revés vivido na Rede Federal nos anos ultraneoliberais, e
analisando de modo articulado a contrarreforma do EM, podemos pontuar,
que estas instituições enfrentam o desafio de garantir a oferta de formações de
qualidade, em especial as de nível médio, pois a conjuntura do ultraneolibe-
ralismo impetra limites para formações de qualidade e de longa duração para
a juventude da classe trabalhadora.
O EMI, como a proposta de maior qualidade socialmente referenciada,
vivida na educação nacional, foi ameaçado pelo avanço ultraneoliberal, como
demonstrado na Tabela 1 – já analisada, a formação de profissional técnica –
onde está inserido o EMI, ainda que atenda os 50% exigidos por lei, sofreu
ao longo do período uma redução de aproximadamente 10%.
Posto que a contrarreforma do EM possibilita que diferentes ti-
pos formativos, presentes no 5.º itinerário, se enquadrem como Educação
Profissional, esta ação é uma tendência organizativa que visa mascarar a eli-
minação e desmonte da concepção de EMI. Desta forma, o modelo de EMI
fica ainda mais ameaçado com a aplicabilidade do Novo EM.
198
4.2 A ofensiva ultraneoliberal direcionada aos servidores da educação:
tentativas e materializações para a descaracterização da Rede Federal
A Rede Federal quando vivencia o processo de consolidação após a
expansão e a criação dos IFs, tinha como direcionamento e característica a
valorização e planos de carreiras, no que tange seu corpo de profissionais —
Docentes e Técnicos. Os servidores da educação passaram a ocupar um papel
central e estratégico para a efetivação desta política pública, sendo estes os
executores que definiriam o padrão de qualidade pretendido.
O Governo da época compreendia a necessidade de expansão dos
quantitativos de profissionais da educação para assegurar o Tripé que alicer-
çava a proposta — Ensino, Pesquisa e Extensão, e garantir condições de ofer-
ta de educação de qualidade. Neste anseio se tornam públicos dois decretos
que assegurariam a ampliação do contingente de servidores para atender as
instituições nascentes.
Segundo o Relatório elaborado pelo SETEC-MEC em 2010 através
dos “[…] Decretos n.º 7.311 e n.º 7.312/2010, criaram Banco de Professor
Equivalente (BPEq) e Quadro de Referência dos Servidores Técnicos
Administrativos em Educação (QRTAE) (BRASIL, 2016, p.27)”, estes dois
decretos garantiram a possibilidade de as instituições pertencentes à Rede
Federal realizarem concurso público a recomposição de seus efetivos de ser-
vidores em consonância as novas demandas institucionais, pautados nos
pressupostos da Lei n.º 11.892/2008. “Na prática, de imediato, a medida
ampliou o banco e o quadro de referência, permitindo que as instituições
contratem, via concurso público, pelo menos 2.800 professores e 1.800 téc-
nicos administrativos”. (BRASIL, 2016, p. 28).
A política pública emergente acenava com a possibilidade de constru-
ção de um corpo de servidores com condições dignas de trabalho, capazes de
se efetivarem, por meio de sua atividade vital, entretanto, esta possibilidade
vem sendo diluída com ofensiva ultraneoliberal.
Salientamos que, na Rede Federal há uma relação simbiótica entre os
Técnicos e os Docentes, sendo que, ambas as categorias atuam para o atendi-
mento dos estudantes e das comunidades. Neste momento da pesquisa, cen-
tramos o olhar para alguns aspectos pontuais da carreira e atuação docente,
199
pois os dados desta categoria nos permitem visualizar de modo mais signifi-
cativo o processo de precarização da formação humana em curso.
Pensando a perspectiva de elevação de matrículas, abordada na seção
anterior, atrelada a descaracterização da EPT e o processo de recrudescimen-
to do neoliberalismo, é necessário analisar a situação dos docentes na Rede
Federal. Com esse objetivo, analisamos as séries históricas relacionadas ao
quantitativo de docente e do coeficiente Aluno-Professor (RAP).
Apresentamos as próximas três tabelas para construir um panorama da
situação atual do trabalho docente na Rede Federal, devendo analisá-las de
modo indissociável.
Tabela 7: Professores Efetivos na Rede
QUANTITATIVO TOTAL DE PROFESSORES EFETIVOS
2017 2018 2019 2020 2021
39.444 40.723 41.827 41.793 42.039
Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir dos dados da Plataforma Nilo Peçanha, 2022.
Diante destes dados, e acrescido dos anteriores acerca das matrículas e RAP
(exposta na sequência), é possível depreender que o crescimento no número de
docentes não acompanhou o número de matrículas. Evidenciando um movimen-
to de precarização e sucateamento do trabalho dos professores da Rede Federal.
Ao longo do período ultraneoliberal, em busca da diminuição dos gas-
tos públicos com direitos sociais, o país presenciou a escassez de concursos
públicos para docentes e isto se confirma no baixo crescimento do corpo
docente da Rede Federal exposto na Tabela 7. Esse movimento de estagnação
é acentuado a partir de 2019, não havendo avanços significativos.
Para a Rede Federal permanecer atuante na esfera do ensino, pesquisa
e extensão, cumprindo o papel histórico que lhe foi legado, é básico a am-
pliação no número de servidores atuantes na produção de conhecimento e
efetivação do tripé que alicerça estas instituições.
Conforme os governos ultraneoliberais cerceiam a expansão no quan-
titativo de docentes, precariza-se os que já estão inseridos na Rede Federal,
limitando a atuação destes ao ensino e inviabilizando que os estudantes vi-
venciem as múltiplas possibilidades de formação incentivadas pelas institui-
ções pertencentes à Rede Federal.
200
A falta de ampliação no número de docentes e ampliação no número de
matrículas, faz-se necessário analisar a RAP da Rede Federal. A meta para estas
instituições é uma relação 20 alunos por professor, no entanto, esta não vem
sendo contemplada desde 2016. Conforme série histórica observa-se que,
Tabela 8: Coeficiente Aluno-Professor
RAP - RELAÇÃO ALUNO PROFESSOR REDE FEDERAL
2016 2017 2018 2019 2020 2021
19,4 21,61 23,7 24,24 24,92 25,03
Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir dos dados da Plataforma Nilo Peçanha
– 2017 a 2021 e com os dados do Censo escolar da educação 2016 – INEP
A partir dos dados, é possível afirmar que vem ocorrendo uma amplia-
ção do quantitativo de alunos por professor ao longo do avanço ultraneoli-
beral, aumentando a carga horária de trabalho e o número de alunos por tur-
ma. Intensificando a precarização do trabalho docente e impondo limitações
acerca da oferta de uma educação assentada em pressupostos de formação
integrada e que desenvolva diferentes dimensões humanas.
Garantir a precarização do trabalho docente, é neste estudo compreen-
dida, como uma das estratégias de descaracterização e desmonte do ensino
realizado no interior da Rede Federal, dado a especificidade das condições de
trabalho que foram pensadas no momento de criação da política pública. À
medida que o trabalho docente vai sendo precarizado torna-se mais comple-
xo a produção de resistências contra os avanços e degradações do capital que
afetam diretamente à educação e à Rede Federal20.
Os docentes atuantes na Rede Federal, em virtude da ampliação de
suas jornadas no ensino, ficam limitados na produção e realização da pes-
quisa e da extensão, voltadas para a produção de bem úteis à humanidade. A
precarização do trabalho docente na Rede Federal coaduna com o avanço do
irracionalismo caracterizado no capítulo 2.
Salientamos que o corpo docente que vivencia a precarização, via
20 Destacamos que ao longo do período ultraneoliberal a Rede Federal não conseguiu articular, em
esfera nacional, nenhum movimento de Greve para pressionar e frear a ofensiva contrária à educação
pública, gratuita e de qualidade. Entre 2016 a 2022 a Rede Federal conseguiu organizar apenas
algumas paralisações com duração de um dia. A última grande greve da Rede Federal ocorreu em
2015, ainda no Governo Dilma.
201
ampliação da RAP, jornada de trabalho e inviabilização da realização da pes-
quisa e extensão é especializado, sendo majoritariamente composto por pro-
fessores mestres e doutores, conforme a tabela,
Tabela 9: Formação dos Docentes da Rede Federal
NÚMERO DE DOCENTES POR TITULAÇÃO
2017 2018 2019 2020 2021
GRADUAÇÃO 1.425 1.476 853 653 523
ESPECIALIZAÇÃO 6.302 6.279 5.156 4.502 4.049
MESTRADO 20.655 21.389 21.527 21.506 21.346
DOUTORADO 10.915 11.408 14.283 15.123 16.077
Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir dos dados da Plataforma Nilo Peçanha, 2022.
Conforme ocorre a precarização destes profissionais, é impossibilitado que
um grupo de professores pesquisadores e extensionistas atuem em prol do de-
senvolvimento das diferentes regiões em que estas instituições estão inseridas. A
educação vai sendo guiada unicamente pela lógica economicista e pragmática,
ampliando, assim, as agruras do capitalismo dependente (FERNANDES, 1977).
Evidenciamos que o número de professores altamente qualificado que
já atuam na EB, demonstra o grau de excelência que orienta e alicerça a Rede
Federal, enquanto projeto e política pública. Este grau de especialização so-
mente é possível por estas instituições propiciarem aos profissionais planos de
carreira e salários compatíveis com as suas formações.
Faz parte deste projeto educacional, assegurar aos docentes um regime de
trabalho centrado em Dedicação Exclusiva (DE), ou seja, que os docentes pos-
sam atuar unicamente dentro de suas instituições no ensino, na pesquisa e exten-
são, voltada para a formação dos estudantes e desenvolvimento das comunidades.
Majoritariamente os docentes da Rede Federal enquadram-se no regi-
me DE, conforme a tabela que segue e analisada à luz das Tabelas 8 e 9,
Tabela 10: Docentes em regina DE
QUANTITATIVO DE PROFESSOR EM REGIME DE DEDICAÇÃO
EXCLUSIVA (DE)
2017 2018 2019 2020 2021
37.296 38.555 40.035 40.149 40.462
Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir dos dados da Plataforma Nilo Peçanha
202
Ao garantir o regime de trabalho DE aos docentes já na EB, permitiu
o desenvolvimento de atividades educacionais mais aprimoradas, capazes de
desenvolver as diferentes dimensões dos estudantes. Possibilitando ao traba-
lhador da educação, os tempos necessários, para a tomada de consciência de
si e do trabalho.
O trabalho, enquanto atividade vital, ganha outros contornos na di-
nâmica da DE, viabilizando as condições objetivas para o atendimento das
necessidades humanas. Por meio do trabalho, segundo Marx (2013), ocorre
a criação de elementos materiais e simbólicos socialmente necessários para a
sobrevivência da humanidade. O trabalho docente tinha, nesta proposta, as
potencialidades de efetivação de um trabalho útil e não estranhado.
A capacitação dos docentes e o regime DE são elementos que diferem
à Rede Federal das outras redes de ensino de EB, sendo a contrarreforma
ultraneoliberal irracionalista, anticiência e fragmentária, não se faz necessário
a manutenção de um contingente de trabalhadores da educação capacitados
e intelectualizados para a oferta da formação pragmática demandada pelo
ultraneoliberalismo, assim, precariza-se o cotidiano dos docentes.
Sob os imperativos do ultraneoliberalismo o trabalho docente vai se
estranhando e perdendo a função de produzir elementos socialmente úteis à
humanidade. O ultraneoliberalismo, ao passo que amplia a mercantilização
da educação, vai impetrando limites ao trabalho realizado pelos docentes,
ocorrendo, segundo Marx (2009), o processo de alienação do trabalhador
da educação, dado que este não se reconhece no produto de seu trabalho. O
professor precarizado, pela lógica ultraneoliberal, não domina a completude
de sua atividade produtiva e não mais se efetiva em seu processo de trabalho.
É entendível que a Rede Federal tem como principal atividade a carga
horária de ensino, no entanto, compõe a característica da instituição, a prática
de pesquisa e extensão, mas na medida que vai sendo alargada a carga horária
de trabalho em ensino, não há espaço para que estes docentes consigam dedi-
car-se a realização do tripé que alicerça a instituição, o que vai descaracterizan-
do a instituição e tornando o trabalho docente cada vez mais estranhado.
Em busca de assegurar o aprofundamento do estranhamento do traba-
lho docente, em 18 de novembro de 2020 foi publicada a Portaria n.º 983, a
qual regulamenta o trabalho docente no âmbito da Rede Federal de Educação
203
Ciência e Tecnologia, alterando as determinações acerca da regulamentação
do trabalho docente dos professores EBTT previstas na Portaria n.º 554 de
20 de junho de 2013 e revoga a Portaria n.º 017 de 2016.
A Portaria n.º 983 necessita ser interpretada como uma ameaça con-
creta aos docentes e a própria Rede Federal, pois impacta, diretamente na
atuação social desta instituição e é oposta aos documentos legais criadores
desta institucionalidade.
Uma ampliação significativa da carga horária docente, ficou estabeleci-
da na Portaria n.º 983/2020, a partir desta os docentes em regime de 40 horas
ou DE deverão lecionar no mínimo 14 horas por semana, já os docentes em
regime de 20 horas deverão atuar no mínimo em dez horas por semana. Visto
que a hora-aula na Rede Federal é de 50 minutos, a Portaria n.º 983/2020
estabelece que os docentes atuem com um mínimo de 17 aulas semanais.
Posto que para cada hora lecionada serão acrescidos até uma hora adi-
cional para a preparação de aulas e planejamento, a portaria, restringe a ati-
vidade docente apenas ao ensino, o que rompe com a concepção inicial da
Rede Federal, em que os docentes devem efetivar ensino, pesquisa e extensão.
Os docentes que assumirem uma carga horária de vinte horas semanais
(24 aulas) terão toda a sua carga horária semanal comprometida, não haven-
do espaço para a realização de outras atividades fundamentam uma formação
de qualidade.
Em um contexto de construção do resgate a dualidade, garantir que os
docentes estejam consumidos pelas atividades de ensino, afastados da pesquisa,
das demandas sociais é central para implementação do projeto educacional ul-
traneoliberal de nível médio, e minimizar a correlação de forças e a resistência.
A Portaria n.º 983 amplia a carga horaria semanal e insere no cotidia-
no docente da EBTT a obrigatoriedade do registro eletrônico de frequên-
cia. Esta nova normativa para a EBTT afasta ainda mais a atividade destes
profissionais da equiparação aos docentes do ES. Podemos afirmar que essa
proposta de diferenciação dos docentes da Rede Federal aos docentes do ES,
aprofunda a dualidade educacional, expondo que aos docentes EBTT não
compete a realização de pesquisa, mas sim a formação em consonância ao
capital. Ocorrendo o que Leher (2019), denominou de desintelectualização
do trabalho do educador.
204
Fica estabelecido na Portaria n.º 983 a EAD, sendo esta equiparada a
carga horária do presencial. A introdução da EAD como parte integrante da
Rede Federal tende a reduzir o quantitativo de docentes necessários e reduzir
o seu papel à “mediação pedagógica”, logo descaracterizando a atuação desses
trabalhadores pela via do reducionismo.
Esta modalidade de ensino vem sendo exposta na portaria como algo
cercado de positividade e modernidade, ocorrendo uma fetichização da EAD.
“O fetiche da tecnologia consiste, pois, em mascarar o que resulta de relações
sociais e, como tal, estas é que determinam seu sentido coletivo ou antisso-
cial” (FRIGOTTO, 2021, p. 643). A oferta da EAD fragiliza o processo de
ensino e aprendizagem, para as diferentes pessoas envolvidas no processo, no
entanto, para os ultraneoliberais, que almejam aprofundar a mercantilização
da educação, apresenta-se como uma alternativa viável e aplicável.
A presente Portaria n.º 983, deveria ter entrado em vigor em 1 de de-
zembro de 2020, porém, desde a sua publicação, vem encontrando movimen-
tos de resistência na Rede Federal, no CONIF, nos Sindicatos — SINASEFE
e ANDES e no parlamento. Como síntese das motivações da resistência, em
nota, o CONIF, destaca o seu caráter arbitrário e como esta tende a impedir
o trabalho de excelência realizado na Rede Federal,
A Portaria em questão, ademais de trazer uma série de retrocessos, quando
comparada à antiga regulamentação (Portaria n.º 17), foi construída sem
um prévio diálogo com os dirigentes das instituições da Rede Federal, que
sempre estiveram abertos e disponíveis para contribuir de forma positiva
para a elaboração de novas normativas que beneficiem a comunidade acadê-
mica. Em relação aos novos parâmetros estabelecidos para a regulamentação
das atividades docentes, o Conif acredita que estes devem ser revistos e, a
Portaria 983 deverá ser revogada até que haja entendimento quanto às horas
necessárias para o pleno desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa
e extensão, de modo a não prejudicar o funcionamento integral das ativida-
des acadêmicas, evitando prejuízos irreparáveis à formação dos estudantes,
bem como à capacitação e às atividades dos docentes.(CONIF – NOTA
OFICIAL SOBRE A PORTARIA n.º 983 – 25/11/2020)
A partir da apreciação da nota, depreende-se que, há um consenso entre
as instituições representadas pelo CONIF, acerca da necessidade de revogação da
205
portaria e um debate ampliado sobre a carga horária de trabalho docente, a partir
da Lei criadora dos IFs e do cumprimento do papel social da Rede Federal.
Após um ano de embates, em 1 de dezembro de 2021 as entidades con-
seguiram o adiamento da portaria. Em nota, o CONIF, em 2 de dezembro
de 2021, afirmou que,
Nesta semana, após um novo encontro com o secretário da Setec/MEC,
Tomás Dias Sant’Ana, os conselheiros do Conif foram informados que o
ministério irá prorrogar até julho de 2022 os efeitos da portaria. A decisão
acata um pleito do Conselho, que inclusive reiterou o seu pedido de pror-
rogação da implementação da Portaria por ofício em 18 de novembro. A
dilatação do prazo dá à Rede Federal mais tempo para se debruçar sobre a
normativa. O Conif segue firme no diálogo e trabalho por normativas que
garantam sempre a melhoria dos processos de gestão de suas instituições.
(CONIF, NOTA: ADIAMENTO DOS EFEITOS DA PORTARIA n.º
983/2020 – 02/12/2021)
Apesar desta decisão ser recebida com entusiasmo pela comunidade,
é essencial compreender que não se trata de uma revogação, mas sim um
adiamento do início da vigência da mesma. Esta portaria compõe o ciclo de
ataques à Rede Federal, a sua estrutura e a sua função social coordenada pelos
representantes do ultraneoliberalismo.
Este adiamento, além da pressão do CONIF, contou com o auxílio im-
prescindível do Projeto de Decreto Legislativo-PDL n.º 483/2020 proposto
por André Figueiredo do PDT, apresentado em 20/11/2020, na sequência a
este foram apensados os PDL n.º 484/2020, PDL n.º 485 e PDL n.º 487. A
condução e o relatório acerca do PDL inicial e seus apensos ficou a cargo do
deputado Glauber Braga do PSOL, ficando destacado pelo relator que,
Não há dúvida de que, contrariamente à Portaria n.º 554, de 2013, que
tem conteúdo abrangente de diretrizes gerais, a Portaria n.º 983, de 2020,
que se apresenta como complementar à primeira, entra em grau de de-
talhamento normativo que avança sobre essa autonomia assegurada em
lei aos institutos federais. Caracteriza-se, no caso, a ocorrência de exorbi-
tância, por parte do Poder Executivo, de seu poder regulamentar. Sob o
ponto de vista do mérito educacional, a aplicação da Portaria pode des-
figurar, de modo indesejável, a atuação harmônica dos institutos federais
206
nos campos do ensino, da pesquisa inovadora e da extensão (PARECER
DO PDL n.º 483 -RELATOR GLAUBER BRAGA - 22/11/2021)
Conforme o texto do relator a Portaria n.º 983/2020 afeta a autonomia
das instituições e pode de fato garantir o processo de desconfiguração da Rede
Federal que vem sendo sistematicamente reiterado por diferentes caminhos
no transcurso da consolidação do ultraneoliberalsimo. O parecer do relator
foi aprovado na Comissão de Educação em 1 de dezembro de 2021, contan-
do com os votos contrários, dos deputados Tiago Mitraud (Novo) e Paula
Belmonte (Cidadania), ambos políticos alinhados aos pressupostos ultraneo-
liberais. Na sequência o PDL seguiu para apreciação na CCJ da Câmara dos
Deputados, tendo como relatora a Deputada Sâmia Bonfim (PSOL), até o
mês de novembro de 2022 o PDL encontra-se na Comissão de Constituição
e Justiça e de Cidadania, sendo determinado, em 01/02/2022 pela mesa di-
retora o apensamento do PDL.
Não obstante de todas as manifestações e oposições, frente à Portaria
n.º 983, até novembro de 2022 esta não havia sido revogada, logo as insti-
tuições deverão se organizar para colocá-la em prática de modo a garantir a
segurança jurídica. O que demonstra a força das frações da burguesia ultra-
neoliberal que se beneficiam do processo de precarização do trabalho e do
empobrecimento da formação da classe-que-vive-do-trabalho.
A ampliação da carga horária docente em sala de aula, é compatível as
sucessivas tentativas de reduzir a Rede Federal a ofertante do 5.º itinerário.
Nesta dinâmica o corpo de docentes especializado que hoje integra à Rede
Federal tende a ser subutilizado, minando a produção de pesquisas por estes
e contribuindo para a redução da produção científica no país, reforçando o
papel subalterno que o Brasil ocupa na dinâmica do capitalismo dependente.
Em continuidade ao projeto de descaracterização da Rede Federal,
analisaremos na sequência os cerceamentos orçamentários impetrados pelo
Governo Federal, compreendendo estes como continuidade a precarização
do ensino já exposta.
207
4.3 Os limites do orçamento: aspectos do
recrudescimento ultraneoliberal
Apresentaremos nesta seção dados extraídos do Relatório “O orçamen-
to da Educação, Ciência e Tecnologia no Brasil: 22 anos de avanços e retro-
cessos” publicizado pela ANPOCS (Associação Nacional de Pós-graduação
e Pesquisa em Ciências Sociais), do Raio-X da Educação publicizado pela
Câmara dos Deputados e dados sistematizados pela pesquisadora.
Inicia-se com a apresentação da série histórica do MEC, pois o orça-
mento destinado à Rede Federal é uma derivação e desdobramento do orça-
mento do MEC. A partir deste é possível perspectivar, em dados numéricos,
o orçamento global destinado à educação em diferentes momentos da histó-
ria nacional.
Reis (2015), evidencia que ao longo dos Governos do PT houve um
crescimento significativo no orçamento do MEC, em especial para o finan-
ciamento da Educação Básica,
[…] no período de 2003 a 2014, houve um crescimento das despesas
nas subfunções correlacionadas à Educação Básica, quando comparadas
ao PIB e às despesas da União em todas as funções. Tal crescimento foi
verificado especialmente a partir do ano de 2007. Em 2003, os recursos
destinados à Educação Básica representavam, em termos proporcionais,
0,19% do PIB e 0,38% das despesas da União (todas as funções) e, em
2014, passaram a representar 0,50% do PIB e 1,26% das despesas da
União, um crescimento de 163,16% e 231,58%, respectivamente. Do
ponto de vista financeiro, as despesas da União com a Educação Básica
saltaram de R$ 6,302 bilhões, em 2003, para R$ 28,771 bilhões, em
2014, um crescimento de 356,52%. (REIS, 2015, p. 184)
Destacamos que o crescimento orçamentário na EB a partir de 2007,
converge com a política expansionista da Rede Federal. Elucidar a questão
orçamentária torna-se necessário, tendo em vista que a educação passa impre-
terivelmente pelo financiamento, o orçamento é o elemento garantidor para
as liberdades institucionais.
As informações trazidas pelo autor, podem ser confirmadas a partir do
gráfico 2,
208
Gráfico 2: Orçamento do Ministério da Educação (2000-2022)
Fonte: Dados extraídos do SIOP e compilado por LUZ; FERES & GERSHON (2022).
Diante do gráfico, observa-se que a partir de 2007 inicia-se uma crescen-
te orçamentária, sendo que esta foi interrompida, com o início do processo de
estagnação orçamentária no ano de 2014 — ano de aprofundamento da crise
institucional produzida pelas frações da burguesia conservadora, que resultou
no ultraneoliberalismo. No ano de 2016, ocorreu a primeira queda orçamen-
tária mais brusca, iniciando um período de redução sucessiva do orçamento
global do MEC — vinculado a perversa EC 95, exposta no capítulo 2.
A queda orçamentária inicia-se no momento de ampliação das arti-
culações que resultaram no Golpe de 2016, e dialogam com os anseios ul-
traneoliberais de redução do papel do Estado na garantia de direitos sociais.
Desde a ascensão dos governos ultraneoliberais, é notório os cortes e reduções
orçamentárias para a pasta da educação.
Focalizando no período ultraneoliberal mais intenso, gestão Bolsonaro
(2019-2022), ressaltamos que o valor do orçamento em 2019 é semelhante
ao orçamento de 2014. Considerando os aspectos inflacionários, elevação de
matrícula, entre outros fatores, pondera-se que estes valores são insuficientes.
No ano de 2020 — pandemia da COVID-19, o MEC registra o início de
uma queda brutal no orçamento que se aprofunda no ano de 2021. Já no ano
de 2022 tem se uma recuperação do orçamento, se comparado ao orçamento
irrisório dos anos de 2020 e 2021, porém, apesar da recuperação orçamen-
tária, o valor destinado à pasta em 2022 assemelha-se ao valor orçamentário
209
de 2013, comprovando a ideia de Leher (2021), de que o Estado brasileiro,
no período ultraneoliberal, foi tornando-se restritivo e subsidiário. O Estado,
foi desfinanciando a educação, logo, restringindo um direito constitucional.
O gráfico a seguir demonstra o percentual de investimentos histórico
destinado no orçamento global do MEC, pois é crucial verificar dentro deste
montante qual o percentual que é revertido em investimentos, e são estes que
viabilizam a ampliação no número de vagas, melhoria da qualidade, novas
obras, reformas, aquisição de materiais, dentre outros.
Gráfico 3: Porcentagem de investimento do Ministério da Educação (2000-2022)
Fonte: Dados extraídos do SIOP e compilado por LUZ; FERES & GERSHON (2022).
Diante deste gráfico, fica evidente que no período concernente aos
mandatos do PT — momento de expansão da Rede Federal, a pasta da
Educação vivenciou um crescimento em ritmo acelerado no percentual dos
investimentos. Atingindo seu pico histórico no ano de 2014, e após este ano
inicia-se a fase regressiva, sendo que em 2015 mantêm o percentual de 17%
de investimentos e após 2016 inicia-se o período de queda que perdurou até
2021, chegando à margem de 8%, percentual mantido em 2022.
Estes números simbolizam a redução dos investimentos na educação,
como mais uma das características dos governos ultraneoliberais, centrados
no irracionalismo, desfinanciamento e negação do direito à educação. O
210
investimento se torna irrisório, não propiciando a melhoria, expansão e am-
pliação da educação pública aos trabalhadores.
Segundo os dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento
(SIOP), acerca dos valores destinados a investimentos, no ano de 2014 a
pasta atingiu R$ 21,2 bilhões — pico histórico, no ano de 2015 ocorre uma
queda simbólica para R$ 19,3 bilhões, em 2016 a queda é acentuada com
apenas R$ 8 bilhões, após este ano as quedas foram sucessivas, atingindo seu
menor índice em 2021 com R$3,1 bilhões e no ano de 2022 R$3,4 bilhões.
Em proporções numéricas, é evidente que a educação no país, na his-
tória recente, vivencia um de seus momentos mais complexos, pois ainda
que haja a necessidade gritante de investimentos para a ampliação e melhoria
da educação existente no país, faz parte do projeto ultraneoliberal esvaziar a
pasta e diminuir substancialmente os recursos de investimentos.
Ainda buscando compreender os aspectos mais ampliados do cenário
nacional posto pelos ultraneoliberais para a educação, apresentamos os valo-
res destinados aos investimentos em Pesquisa, Ciência e Tecnologia no Brasil
— essenciais para o desenvolvimento nacional e, que também vivem nos
últimos anos um progressivo recrudescimento.
Gráfico 4: Orçamento Ministério em Ciência e Tecnologia (2000-2022)
Fonte: Dados extraídos do SIOP e compilado por LUZ; FERES & GERSHON (2022).
211
O Ministério da Ciência e Tecnologia, viu ao longo do avanço do ul-
traneoliberalismo, seu orçamento sendo depreciado. Vivenciou uma elevação
orçamentária pontual em 2017, mas que foi sendo progressivamente rever-
tida nos anos seguintes, chegando ao ano de 2022 com um orçamento que
assemelhasse aos valores de 2004. As perdas orçamentárias, desde 2018, difi-
cultam o desenvolvimento de ciência e tecnologia, elementos essenciais para
o desenvolvimento nacional e aprofundam o capitalismo dependente.
Ainda na esfera da pesquisa, quando se compila os dados orçamentá-
rios das duas principais agências de fomento do país CAPES e CNPQ, as
quedas são evidentes. Segundo dados extraídos do SIOP e compilado no
relatório (LUZ; FERES JÚNIOR E GERSHON, 2022), a CAPES21 atinge
seu pico de recursos em 2015, quando atinge o patamar de R$ 8,5 bilhões,
após este momento vivenciou quedas substanciais e em 2021 o seu menor or-
çamento, apenas R$1,8 bilhão. O CNPQ inicia um período de crescimento,
atingindo seu pico em 2013 com um orçamento de R$ 2,7 bilhões, após este
ano inicia uma sequência de reduções e atinge a pior marca orçamentária em
2021 com apenas R$ 0,5 bilhão. Ao longo do avanço ultraneoliberal o país
passou por reduções bruscas no orçamento da pesquisa o que demonstra a
falta de investimento em áreas estratégicas para o desenvolvimento nacional.
Leher (2019b), evidenciou que no período de autoritarismo ultraneoli-
beral a ciência, a universidade, a educação e os docentes foram sendo progres-
sivamente atacados. Neste movimento antagônico e opositor a cientificidade,
torna-se prerrogativa, desfinanciar a investigação científica.
Há uma tendência entre os ultraneoliberais de garantir a diminuição do
papel do Estado no que tange os investimentos sociais e em paralelo dificultar
21 A título de informação é importante nomear os representantes da CAPES, desde abril de 2021 está
à frente da entidade Cláudia Mansani de Toledo – está é uma defensora das Universidades Privadas,
sendo reitora e herdeira do Instituto Toledo de Ensino, conhecido como Centro Universitário
de Bauru, instituição que formou em Direito o Ministro da Educação Milton Ribeiro. Cláudia
tem interesses pessoais e privados no desmonte da educação pública, logo o estrangulamento do
público fortalece o privado. A atual presidente da CAPES ocupou o lugar de Benedito Guimarães
Aguiar Neto, autodeclarado criacionista e nomeado pelo Ministro Abraham Weintraub em janeiro
de 2020. O primeiro presidente da CAPES do governo Bolsonaro foi Anderson Correia, o qual
foi indicado pelo Ministro Velez Rodriguez e deixou o cargo no findar de 2019 para assumir a
reitoria do ITA, após uma ação tida como golpista pela comunidade do ITA, dado que para que sua
candidatura acontecesse foi necessário alterar as regras eleitorais da instituição.
212
que a educação pública — seja na EB, no ES, seja na pesquisa ou na inovação
— passe pelas mãos dos trabalhadores e filhos de trabalhadores deste país.
Retirar recursos da pesquisa, torna a pesquisa científica no país, ainda mais
elitizada e própria da burguesia. A Rede Federal que possuí a pesquisa como
princípio educativo fica limitada pelos cortes na área científica.
Os dados expostos inicialmente buscaram demonstrar a conjuntura nacional,
agora adentram-se as informações específicas do orçamento e investimentos na Rede
Federal. Iniciaremos apresentando a série histórica de investimentos na Rede Federal,
anterior ao período ultraneoliberal para posteriormente traçar comparativos.
Gráfico 5: Série Histórica orçamento (2003 a 2015)
Fonte: Relatório Educação Profissional e Tecnológica: Série his-
tórica 2003 a 2016 (BRASIL, 2016, p. 27)
O gráfico acima demonstra a evolução orçamentária da Rede Federal,
com dados atualizados pela inflação (IPCA) de 2016. A Rede Federal iniciou
a gestão Lula em 2003 com 1,7 bilhão e em 2015, ano anterior ao Golpe,
com um orçamento de 10,6 bilhões de reais. O crescimento foi exponencial,
com uma elevação aproximada de 500% entre 2003 a 2015.
Este crescimento constante que foi observado nos treze anos apresen-
tados no gráfico foi interrompido com o avanço ultraneoliberal, conforme os
dados que serão expostos.
Na sequência apresentaremos alguns dados extraídos do Raio-X da
Educação da Câmara dos Deputados referente aos anos de 2015 a 2021,
todos os dados deste relatório estão atualizados pelo IPCA acumulado até
junho de 2021. Inferimos que ao longo desse período houve uma estagnação
213
nos valores destinados ao Grupo orçamentário em que se enquadra a Rede
Federal, não ocorrendo nenhum avanço orçamentário neste grupo de despe-
sas (RAIO-X DA EDUCAÇÃO, 2021).
Observa-se no Raio-X da Educação, que desde 2015 há uma estagna-
ção nos valores autorizados e pagos pela Rede Federal, não havendo a amplia-
ção de investimentos e acompanhamento do número de matrículas. Como
já demonstrado nesse capítulo, as matrículas na Rede Federal elevaram-se ao
longo dos anos, o que demanda, necessariamente, ampliação do orçamento a
fim de garantir a qualidade educacional, o que não ocorreu, atestando assim,
uma sobrevida orçamentária a estas instituições.
O orçamento das instituições de ensino pode ser dimensionado a par-
tir da análise do cálculo/referência do gasto por matrículas no ano corrente,
sendo estes dados essenciais para a compreensão dos avanços e retrocessos das
instituições na via orçamentária. O valor do orçamento carece de ser analisa-
do à luz do quantitativo de matrículas e dos valores investidos em cada uma
destas para compreender o panorama financeiro institucional.
Compreender o valor direcionado a cada matrícula é importante, pois
permite perceber se está ocorrendo crescimento ou diminuição no orçamento
global das instituições, o que permite analisar o grau de importância atribuí-
do no exercício à educação. Apresentamos a seguir a série histórica referente
ao custo por matrícula a partir dos valores reais de cada ano corrente e o valor
atualizado pelo IPCA de novembro de 2022.
Tabela 11: Série Histórica custo da matrícula
VALOR GASTO POR MATRÍCULA
2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021
Valor
real 11.338,38 15.463,11 16.811,30 14.533,94 15.700,84 15.787,02 15.437,81 15.896,23
Valor
atua-
lizado
18.035,03 22.264,12 22.624,16 19.025,01 19.753,51 19.233,12 18.029,45 16.765,45
Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir dos dados da Plataforma Nilo Peçanha – 2017 a
2021 e referente ao período 2014 a 2016 a partir dos dados do Censo da Educação, 2022.
Observa-se a partir da análise dos valores atualizados, que há uma
redução progressiva nos gastos por matrículas, sendo que a partir de 2017
214
inicia-se um período de quedas que é acentuada a partir de 2020. Não ocor-
rendo a recomposição das perdas inflacionárias. Esta situação é decorrente da
EC 95, já apresentada no capítulo 2, a qual impetra a asfixia orçamentária as
instituições garantidoras do acesso aos direitos sociais aos trabalhadores.
As informações apresentadas na Tabela 11 expressam a materialização
do avanço ultraneoliberal pela via do recrudescimento orçamentário. A edu-
cação carece de recursos e investimentos para estar assente em padrões de
qualidade socialmente referenciada, portanto, se não há alocação de recursos
necessários há um processo de desmonte da educação. Com a estagnação
orçamentária a Rede Federal não possui previsibilidade acerca do recurso or-
çamentário, o valor do ano anterior não está de fato preservado e assegurado
em um contexto de intensiva diminuição orçamentária22.
Em busca de comprovar o avanço da redução orçamentária, será expos-
to uma série histórica dos valores empenhados entre 2013 a 2021. Ainda que
se tenha optado neste trabalho por priorizar os dados do período ultraneoli-
beral — a partir de 2016, agora se retorna ao ano de 2013, para observar a
regularidade e irregularidade de elevação dos percentuais, com o intuito de
traçar um comparativo entre momentos da história dos IFs.
Tabela 12: Série Histórica Orçamento empenhado na Rede Federal
- Valores atualizados pelo IPCA/novembro 2022.
SÉRIE HISTÓRICA VALORES EMPENHADOS - EM BILHÕES
GOVERNO DILMA GOVERNO TEMER GOVERNO BOLSONARO
2013 13.353.638 2017 17.956.527 2019 21.816.375
2014 14.717.368 2018 19.532.445 2020 21.209.043
2015 15.462.945 2021 19.505.370
2016 16.233.115 2022 15.398.95023
Fonte: Tabela elaborada pela pesquisadora a partir dos valores dispo-
nibilizados pelo TCU e Plataforma Nilo Peçanha, 2022.
22 A ofensiva e o desfinanciamento da educação não é uma exclusividade da Rede Federal, mas
sim é uma realidade que vem sendo intensificado no transcurso do avanço ultraneoliberal após a
aprovação da EC do Teto dos gastos. O orçamento global do MEC vem sofrendo quedas expressivas
desde 2019 – primeiro ano do governo Bolsonaro, sendo que em termos reais, o orçamento da pasta
em 2021 foi menor dos últimos doze anos. Para mais informações ver https://www.inesc.org.br/
balanco-do-orcamento-2019-202-revela-desmonte-generalizado-de-politicas-sociais-diz-inesc/
23 Valor empenhado até setembro de 2022.
215
Ao observar a presente série histórica do orçamento, fica evidente que ao
longo dos Governos Dilma e Temer os valores empenhados pelas instituições
pertencentes à Rede Federal vivenciaram um crescimento contínuo, no entan-
to, após o início do Governo Bolsonaro, período mais intenso do ultraneoli-
beralismo, há um recrudescimento dos valores empenhados. O que comprova
as manifestações do CONIF e dos sindicatos da Rede Federal, que está ocor-
rendo, nos últimos anos, um processo de asfixia orçamentária das instituições.
A partir dos dados disponíveis na PNP em janeiro de 2023 é possível cons-
tatar que proporcionalmente e percentualmente o orçamento da Rede Federal
foi gradualmente sendo reduzido quando analisado em relação a dotação orça-
mentária do ano anterior, ocorrendo uma elevação em 2014 de 30%, em 2015
de 27,14%, em 2016 de 15,22%, em 2017 de 15,83%, em 2018 de 8,07%, em
2019 de 10,24%, em 2020 de 4,31%, em 2021 de 3% e em 2022 de 4,4%.
Em relação a liquidação das despesas empenhadas os dados se tornam
ainda mais alarmantes, quando analisamos os valores pagos no que se refere
ao ano anterior temos o seguinte cenário: em 2014 uma elevação de 4,15%,
2015 elevação de 7,04%, 2016 elevação de 5,54%, 2017 elevação de 8,02%,
2018 elevação de 2,08%, 2019 elevação de 2,69%, 2020 redução de 3,95%,
2021 redução de 3,03% e 2022 uma redução de 29,68%. A partir desta
informação é possível observar um recrudescimento, o desfinanciamento e
mercantilização destas instituições de ensino. O que reforça a secundarização
da educação, da ciência e da tecnologia nos governos ultraneoliberais.
Estas informações demonstram a estagnação do orçamento global, agora
focalizamos o olhar para as despesas correntes das instituições federais de ensino,
sendo que estas são segmentadas entre primárias, investimentos e discricionárias.
Tabela 13: Série Histórica dos percentuais orçamentários da Rede Federal
PERCENTUAIS DOS GASTOS DA REDE FEDERAL
2016 2017 2018 2019 2020 2021
PESSOAL 73,58 78,8 78,7 84,33 86,45 87,28
INVESTIMENTO 5,76 3,1 3,7 3,3 3,16 2,83
OUTROS
CUSTEIOS 15,89 13,6 16,6 12,37 10,38 9,89
Fonte: Elaborada pela autora dados extraídos plataforma Nilo Peçanha
2017 a 2021 (os dados de 2016 foram extraídos do TCU), 2022.
216
Os dados da tabela demonstram que no processo de estagnação orça-
mentária a área mais afetada, negativamente, são os investimentos. No ano
de 2017 ocorre uma queda quanto ao percentual de investimentos e poste-
riormente uma estagnação na casa dos 3%. Em 2021 o valor destinado aos
investimentos têm uma nova queda pontual chegando a 2,8%.
À medida que a Rede Federal vivencia o processo de estagnação or-
çamentária esta opta por restringir a alocação de recursos em despesas não
obrigatórias, a redução nos investimentos limita a atuação, a expansão e a
melhoria das unidades já existentes.
Salientamos que há outra problemática nesta disponibilidade de gastos
e orçamento, pois a Rede Federal passa por uma sobrevida, tendo grande par-
te de seus recursos voltados as despesas obrigatórias, em especial com os paga-
mentos de servidores. Para a manutenção desta institucionalidade é essencial
disponibilizar orçamento para o pagamento das despesas obrigatórias, os in-
vestimentos e outros custeios, devendo estes caminharem de modo articulado
e em consonância ao número de matrículas e isto não está sendo efetivado.
Tendo em vista o cenário de asfixia orçamentária para a Rede Federal,
está ocorrendo ao longo dos anos ultraneoliberais, a elevação do percentual
do recurso utilizado com o pagamento de pessoal como expresso na tabela
em análise. Esta elevação percentual não representa elevação de salários ou
aumento no número de trabalhadores.
Segundo as organizações sindicais — SINASEF e FONASEFE o sa-
lário dos servidores da Rede Federal está com uma defasagem em 2022 de
19,99%, sendo essencial a recomposição salarial em caráter emergencial.
Diante desta defasagem salarial, a elevação de custos com o pagamento de
pessoal demonstrada na tabela não representa de fato elevação salarial dos
servidores, os quais estão com salários congelados, mas sim, que diante da
retração dos recursos, o pagamento dos salários absorve quase a totalidade
dos recursos.
O congelamento dos salários dos servidores públicos estende-se a todo
funcionalismo público federal e está assegurado pela EC n.º 109 de 15 de
março de 2021, sendo resultado da PEC 186 — materializações do ultraneo-
liberalismo, que auxiliam na precarização do trabalho dos trabalhadores da
Rede Federal.
217
A redução do orçamento restringe a atuação das instituições, pois se faz
necessário os pagamentos dos servidores, e diante da escassez de recursos, não
sobram verbas suficientes e necessárias para investimentos e despesas de ordem
discricionária e que são essenciais para a garantia da efetivação do projeto que
alicerça a Rede Federal. Já está ocorrendo uma redução real do orçamento das
despesas primárias e discricionárias, compreendidas como materializações do ul-
traneoliberalismo e da descaracterização da Rede Federal, pois não propiciam a
manutenção, assentada em qualidade, do projeto educacional da Rede Federal.
No que concerne as despesas primárias e discricionárias, conforme o
relatório do Raio-X da Educação (2021), ocorreu uma queda de 37,5% dos
valores autorizados entre o período de 2015 e 2021. A Rede Federal foi pro-
gressivamente perdendo sua capacidade deliberativa de aplicação dos recursos
voltados para a manutenção da Rede Federal.
Salienta-se que, conforme se retira ou reduz as verbas discricionárias,
limita a autonomia na tomada de decisões acerca dos investimentos e dos
gastos institucionais. As verbas discricionárias englobam a assistência estu-
dantil, pesquisa, extensão, água, luz, limpeza e demais auxílios que garantem
a permanência institucional. Os orçamentos de despesas discricionárias são
primordiais para que as instituições continuem funcionando, conforme as
necessidades e anseios das comunidades em que estão inseridas e atendem.
Condizente à análise do Raio-X da Educação (2021), entre 2015 a
2021, a garantia da autonomia de decisões financeiras das instituições ficou
cerceada. a tomada de decisões discricionárias em conformidade com as de-
mandas locais das instituições. As perdas orçamentárias são compatíveis com
o avanço ultraneoliberal, demonstrando o descomprometimento das frações
conservadoras da burguesia ultraneoliberal com a educação.
É essencial que as instituições tenham assegurado as verbas discricioná-
rias, para que seus orçamentos sejam pensados e aplicados em conformidade
com as demandas locais e institucionais, e ser de fato garantida a autonomia
administrativa e financeira, presente na Lei n.º 11.892/2008 a qual foi men-
cionada no capítulo 1. As verbas discricionárias são a garantia de autonomia
financeira e ao serem reduzidas comprometem a efetividade, a característica e
a existência da Rede Federal e rompe com a legislação desta institucionalidade.
O descomprometimento dos representantes do ultraneoliberalismo
218
com o financiamento da educação, sintetiza o avanço da mercantilização, em
que a educação e todas as suas dimensões tornam-se uma mercadoria, que
necessita ser barateada. Mascarenhas (2005), ao retratar o avanço da mer-
cantilização e mercadorização da educação, expressa que está na base desse
processo tornar as instituições de ensino federal, mais ágeis, eficientes, menos
caras e cultivar a mentalidade empresarial.
O processo de mercadorizar a educação a incluindo na lógica empre-
sarial vem se consolidando de modo avassalador no transcurso da Era ul-
traneoliberal. O orçamento vem sendo deteriorado, buscando garantir uma
educação inserida na lógica da produtividade.
Ao analisar os dados do orçamento do MEC e da Rede Federal, ob-
serva-se que ao longo dos governos ultraneoliberais não houve avanços no
que tange o crescimento real do orçamento, o que é possível observar é uma
elevação de valores correntes que não acompanham os índices inflacionários
e os quantitativos de novos estudantes.
Os dados numéricos, expostos até aqui, evidenciam a intensificando
do processo de mercantilização da educação. Nesta perspectiva, segundo
Mancebo (2013, p. 32),
[...] deve-se argumentar que esse mercado educacional pode ser, em última
instância, explicado pelas tendências apontadas por Marx na sua radio-
grafia do modo de produção capitalista. A radiografia indica a existência
de uma atração irresistível que converte todos os objetos (no nosso caso
simbólico) e atividades úteis ao homem em mercadoria [...] assim, todas as
dimensões da vida e também da produção do conhecimento científico e a
formação só tem valor se guardarem valor de troca, se forem conversíveis
em outra mercadoria, se enfim puderem ser mercantilizados e/ou pude-
rem criar um homem cuja sociabilidade esteja afeita a esta lógica.
A educação mercantilizada não compreende a educação como processo
de formação humana que perspective a formação integral do ser humano,
mas sim, a concebe como gasto, como mercadoria e que deve assegurar a
internalização da lógica produtiva e da sociabilidade burguesa. No período
ultraneoliberal, o processo de mercantilizar a educação, alinha as políticas pú-
blicas para a efetivação da maximização da acumulação de capital e redução
dos gastos do Estado com este direito constitucional.
219
No movimento de avanço da mercantilização, no principiar do
Governo Bolsonaro, instituições federais de ensino se deparam com um con-
tingenciamento, que se anunciava como um possível corte no orçamento das
instituições, o qual correspondia em 30% do total das verbas discricionárias.
Verbas que como demonstrado, desde o principiar das estruturas do Golpe
de 2016, vinham sofrendo quedas.
O primeiro anúncio de cortes orçamentários ocorre no dia 30 de abril
de 2019 — início da gestão do Ministro da Educação Abraham Weintraub.
Em entrevista, ao Jornal “O Estado de São Paulo”, o ministro anunciou que
reduziria o orçamento de três instituições federais sendo a UFF, UFBA e
UNB, alegando que estas eram improdutivas e realizavam “balbúrdia”.
A fala repercutiu de modo negativo e rapidamente recebeu críticas de
diferentes setores. Em virtude da situação, ainda no dia 30 de abril, o então
Secretário de Educação Superior — Arnaldo Lima Júnior, anunciou que não
se tratava de um corte focalizado, e sim um contingenciamento em toda a
pasta e em toda administração pública.
O anúncio de contingenciamento efetivo, ocorre em 2 de maio. Foi
editada a Portaria n.º 144/2019 da Secretaria Especial da Fazenda, onde fi-
cam explícitos os valores contingenciados por pastas até atingir o montante
de R$3,6 bilhões, sendo que o contingenciamento foi legitimado e justifi-
cado pelo Governo Bolsonaro como decorrente da queda de arrecadação.
Embora afetou diferentes Ministérios, o MEC foi a Pasta mais atingida, com
o bloqueio de R$ 1,6 bilhão, que iniciaria no segundo semestre de 2019.
O processo de contingenciamento foi denunciado por diferentes
Universidades e Institutos Federais, sendo que, estas instituições alegavam
a impossibilidade de manutenção do atendimento prestado as comunidades
acadêmicas no decorrer do segundo semestre caso não houvesse o desblo-
queio da verba. O contingenciamento na área educacional gerou levantes em
todo país em defesa da educação e recomposição do orçamento.
A partir desta publicização do possível contingenciamento iniciou-se
um movimento contra-hegemônico de resistência e pressão que buscava a
recomposição orçamentária das instituições federais de educação. Estes mo-
vimentos serão abordados no capítulo seguinte com vistas a compreender a
resistência da sociedade civil frente o avanço ultraneoliberal.
220
O período ultraneoliberal, marcado pelo tratamento da educação como
mercadoria barateada, inseriu a Rede Federal na esfera da incerteza, sendo
que ao longo dos anos de 2020 a 2022 anunciava corte nos momentos de
aprovação da LOA, congelamentos e contingenciamentos. Não havia certeza
institucional assegurada à Rede Federal no campo orçamentário. O ano de
2022 foi emblemático neste aspecto da instabilidade econômica.
No dia 27 de maio de 2022 a Rede Federal foi surpreendida com um
bloqueio linear de 14,5% do seu orçamento, no dia seguinte ao anúncio as
instituições já podiam observar o bloqueio em seus sistemas orçamentários.
O valor estimado para este bloqueio era de R$ 350 milhões, afetando as des-
pesas discricionárias e a assistência estudantil. Segundo nota do CONIF, o
bloqueio comprometeria o funcionamento das instituições da Rede Federal.
A maior preocupação do Conselho e dos dirigentes da Rede Federal sem-
pre foi e sempre será com seus estudantes. Com mais de um milhão de
estudantes, dos quais aproximadamente 70% estão em situação de vulne-
rabilidade social, com renda familiar de até 1,5 salários mínimos, uma res-
trição orçamentária dessa magnitude afetará, principalmente, a qualidade
do ensino ofertado para os estudantes da Rede Federal, aumentando ainda
mais as desigualdades entre aqueles que têm condição de pagar uma men-
salidade e aqueles que não têm (CONIF – Nota Contrária ao Bloqueio,
28 de maio de 2022)
A partir desta nota é possível observar que os bloqueios, cortes e con-
tigenciamentos ameaçam que os estudantes oriundos da classe trabalhadora
acessem os saberes historicamente produzidos e amplia a desigualdade exis-
tente no país. Sendo a educação concebida como mercadoria, não se pensa o
seu papel ou a sua qualidade social, mas centra-se no interesse de barateamen-
to e alinhamento aos princípios da acumulação flexível.
Após articulações do CONIF, Sindicatos, Parlamentares e pressões sociais,
em 8 de junho foram desbloqueados 7,3% dos valores. No entanto, ainda esta-
vam contingenciados 7,2% dos valores (representava R$184 milhões). Em 9 de
junho, foi anunciado pelo Governo Federal, que 3,6% do montante bloqueado
seriam totalmente retirados das instituições e remanejados para outras despesas
do Governo, em especial com o Plano Safra (2022-23) — o qual beneficiaria a
fração da burguesia do agronegócio, logo configurava um corte de fato.
221
Quanto a este, se evidencia que apesar das pressões e articulações, até o
mês de novembro de 2022 a Rede Federal não havia conseguido reverter na
íntegra o corte anunciado no primeiro semestre.
Em 5 de outubro de 2022, há o anúncio de um novo contingencia-
mento do orçamento destinado às Instituições Federais de Ensino, totalizan-
do R$ 328 milhões. Na Rede Federal, o bloqueio contabilizaria R$ 147 mi-
lhões. Conforme o CONIF, este somado ao corte orçamentário já impetrado
no ano, as instituições da Rede Federal vivenciariam um corte próximo a R$
300 milhões.
Após dois dias de pressões, com protestos, manifestações e repercus-
são na mídia, o Ministério da Educação, anunciou o desbloqueio das verbas
do segundo corte de 2022. Este recuo, não simbolizava uma minimização
na mercantilização e tentativa de descaracterização da educação ofertada na
Rede Federal, mas sim teve influência dos interesses eleitorais de reeleição
de Bolsonaro, interesses frustrados pela vitória de Luiz Inácio Lula da Silva,
confirmada em 30 de outubro de 2022.
No entanto, no findar de novembro a Rede Federal foi surpreendida
com um novo contingenciamento. Faltando apenas trinta e quatro dias para
o encerramento do ano e do Governo Bolsonaro, o MEC, anunciou uma
restrição orçamentária de R$122 milhões nos valores de empenho das insti-
tuições — salienta-se que este bloqueio afetava as UFs e IFs.
Ao longo dos anos de Governos ultraneoliberais, a Rede Federal se
deparou com sucessivos bloqueios e estes, frente as resistências, foram totais
ou parcialmente revertidos, mas diante das datas demasiadamente próximas
do prazo máximo de empenho fiscal, ressaltamos que o bloqueio de novem-
bro de 2022 configurava um corte efetivo, no já defasado orçamento das
Instituições. Conforme expresso em Nota Pública do CONIF,
No entanto, um bloqueio tão próximo ao final do ano - com destaque
para o fato de que o MEC estipulou que o prazo máximo para empenhar
despesas é o dia 09/12-, é considerado como corte pelos gestores. Corte,
uma vez que por essa regra, depois do dia 09/12 a instituição não poderá
mais empenhar ou terá que aguardar uma nova janela. Soma-se a isso
a insegurança, caso o bloqueio vire um corte definitivo (CONIF, 28 de
novembro de 2022).
222
Diante deste novo cenário, a Rede Federal estava novamente sem a
segurança orçamentária básica e necessária para a manutenção de suas ati-
vidades. O bloqueio em questão afeta as despesas vinculadas à manutenção
das instituições, dificultando o pagamento de serviços básicos como energia
elétrica, água, funcionários terceirizados — limpeza e segurança, a assistência
estudantil, bolsas de pesquisa e extensão, e insumos.
No dia 30 de novembro o Governo editou o Decreto n.º 11.269 que
autorizava o Ministério da Economia a ampliar e rever os cronogramas de
despesas do Governo Federal, expandindo assim o prazo para empenho até
15 de dezembro para as despesas discricionárias.
Na sequência, no dia 1 de dezembro no período da manhã ocorreu o
desbloqueio dos limites de empenho, possibilitando, assim, a ampliação do
prazo para que as instituições realizassem o empenho das despesas já execu-
tadas ou com vencimento até o findar do ano corrente, exceto para as despe-
sas discricionárias, objeto primeiro do Decreto n.º 11.269. No entanto, no
período da tarde os limites Financeiros das Instituições pertencentes a Rede
Federal fora novamente contingenciada, o que impediria o pagamento das
despesas das unidades. No período da noite ocorreu o bloqueio total dos
valores discricionários.
O valor bloqueado das contas da Rede Federal chegara a R$ 208 mi-
lhões, o que representa o equivalente a 8% do valor destinado a estas institui-
ções na LOA. Se analisarmos esta nova perda orçamentária acrescida ao corte
realizado em junho, e já detalhado neste capítulo, a Rede Federal somaria
uma perda orçamentária de R$ 392 milhões, no ano de 2022.
O clima de incerteza e instabilidade passou a tomar conta destas insti-
tuições no findar de novembro e início de dezembro, demonstrando o com-
pleto descaso do Governo Federal, com a educação e com a Rede Federal. O
clima de insegurança e descaso vivida nos últimos anos foi acentuado em 1 de
dezembro, conforme Nota Pública do CONIF acerca da situação,
Vale esclarecer que, na data de ontem (1/12), três fatos ocorreram em
menos de 12 horas: o governo anunciou o desbloqueio dos limites de
empenho e orientou as gestões a empenharem o que fossem possível; en-
tretanto, no período da tarde, os limites do chamado Financeiro, foram
zerados (tal fato impede o pagamento das despesas das unidades). À noite,
223
a Rede Federal foi surpreendida com mais uma ação: o bloqueio total do
orçamento discricionário, ou seja, o congelamento dos valores que seriam
utilizados para o pagamento das despesas não-obrigatórias. A situação é
extremamente grave. As contas das instituições estão zeradas (CONIF, 02
de dezembro de 2022)
As instituições da Rede Federal não conseguem permanecer existindo
frente este novo cenário de restrição orçamentária. Sem a garantia dos paga-
mentos de despesas de manutenção a oferta de educação de qualidade fica
seriamente comprometida. O CONIF anuncia que algumas instituições não
conseguiriam efetivar os pagamentos dos serviços já prestados.
Embora as empresas prestadoras de serviços não terem a garantia de re-
cebimento e isto preocupar as instituições, dado que estas garantem o forne-
cimento dos serviços, a grande preocupação do CONIF é com os estudantes,
em Nota Pública destacam que,
O impacto será sentido amplamente em todas as áreas das instituições,
contudo, o maior prejudicado continuará sendo o estudante que, inclusi-
ve, não receberá seu auxílio estudantil. Diante de um contexto orçamen-
tário crítico, o Conif tem atuado junto à sociedade civil e ao Congresso
Nacional, principalmente junto à Comissão de Educação da Câmara
Federal, para a reversão de tal situação. Adicionalmente, o Conselho tem
somado forças com outras entidades, na tentativa de solucionar esse im-
passe orçamentário (CONIF, 02 de dezembro de 2022).
O CONIF reiterou sua preocupação com a manutenção das institui-
ções no ano de 2022 e destacou a necessidade de reversão do contingen-
ciamento/corte como urgente e inegociável. Novamente as articulações em
âmbito coletivo se fazem necessárias para a reversão do desmonte e descarac-
terização das instituições.
A proposta que balizou a expansão da Rede Federal pensa um modelo
educacional, assentado em qualidade, e para tanto, é essencial o acesso aos
recursos que assegurem a manutenção do padrão de qualidade institucional,
permitindo o ensino, a pesquisa, a extensão, o auxílio aos estudantes e o
atendimento as comunidades. Ao passo que os governos ultraneoliberais im-
petram a ampliação da mercantilização, limites e asfixia orçamentária, ocorre
224
materializações do processo de descaracterização desta institucionalidade.
Frente os dados expostos ponderamos que há um movimento de asfixia
orçamentária da Rede Federal o qual busca forçá-la a aderir novas formas e
mecanismos de capitação de recursos e em paralelo um movimento que afeta
diretamente os servidores da educação — com congelamento dos salários e
alargamento da jornada de trabalho. Estes movimentos políticos e econômi-
cos são articulados e essenciais para a adesão da Rede Federal à contrarrefor-
ma do EM, ao resgate da dualidade e descaracterização da oferta do EMI.
Neste enredo de descaracterização da Rede Federal, analisaremos como
encerramento deste capítulo as possibilidades de utilização do recurso do
FUNDEB no interior das instituições de EPT federais, anunciados como
alternativa positiva pelos reformadores ultraneoliberais, mas que é compreen-
dida, nesta pesquisa, como um avanço rumo ao aprofundamento da dualida-
de e da mercantilização da Rede Federal.
4.4 Direcionamentos para o aprofundamento da
dualidade: vínculos com a escassez orçamentária
Para compreender a construção política de resgate e aprofundamento
da dualidade e as tentativas de descaracterização da Rede Federal, enquanto
ofertante de educação integrada, é imprescindível analisar duas ameaças le-
gais elaboradas pelos ultraneoliberais, o Decreto n.º 10.656 de 22 de março
de 2021 de caráter interministerial, envolvendo o Ministério da Economia,
na figura de Paulo Guedes, o Ministério da Educação representado por
Milton Ribeiro e pelo executivo representado pelo Presidente Jair Bolsonaro
e a Portaria n.º 733 de 16 de setembro de 2021, a qual “Institui o Programa
Itinerários Formativos”.
Estes dois documentos dialogam entre si, pois referendam as possibi-
lidades de parcerias entre as redes de ensino para a oferta do 5.º itinerário,
colocam a Rede Federal como prioritária para as parcerias e precisam ser
analisados à luz do processo de adequação da educação aos pressupostos da
acumulação flexível, como estratégia de ampliação da exploração da classe
trabalhadora em um tempo futuro.
O Decreto n.º 10.656/2021 “Regulamenta a Lei n.º 14.113, de
25 de dezembro de 2020, que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e
225
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação” (BRASIL, 2021a). Estabelecendo que os recursos do FUNDEB
poderão ser captados pelas instituições da Rede Federal a partir da oferta do
5.º itinerário. A adesão é posta como convite e não como obrigatoriedade.
É possível depreender, que ao apresentar a possibilidade de captação
dos recursos do FUNDEB pela Rede Federal, a partir da oferta do 5º itinerá-
rio, torna-se evidente o intento do governo ultraneoliberal, em assegurar que
a contrarreforma do EM de fato se materialize. Como exposto por Ferretti
(2021), as redes estaduais não possuem capacidade de ofertar o 5.º itinerário.
Assim sendo, carecem do suporte de outras instituições.
O Decreto n.º 10.656 de 2021 intensifica as tentativas de descaracteri-
zação da Rede Federal, pois de modo indireto direciona estas instituições a se-
rem meras ofertantes do 5.º itinerário, almejando a ruptura com a concepção
de educação integrada. Está no bojo deste documento o aprofundamento da
dualidade educacional, por meio da proposição de retomada de uma concep-
ção de educação tecnicista e pragmática. Em paralelo ocorre a anulação dos
avanços e conquistas da formação de nível médio integrada.
Não bastava a instalação de uma política, via decreto, centrada em
um falso convite para adesão à contrarreforma, pois a Rede Federal possui
autonomia didática pedagógica, prevista na Lei 11.892/2008. Os contrar-
reformadores, desde 2016, elaboraram mecanismos que inviabilizariam esta
autonomia, criando uma política de entraves da oferta do ensino integrado,
passando por legislações, diretrizes e orçamento, como já demonstrado.
O “convite” à Rede Federal em ofertar o 5.º itinerário fica expresso nos
artigos, n.º 22, 23 e 25, sendo este motivado pelos aspectos orçamentários.
A possibilidade de parcerias, restringe-se a aspectos econômicos e utilitários,
não em aspectos pedagógicos.
O Artigo 22, estabelece que para a distribuição dos recursos do
FUNDEB será admitida o computo duplo de matrícula dos estudantes,
a partir da oferta do itinerário de formação técnica profissional (BRASIL,
2021a). Em um contexto de contingenciamentos e dos limites impetrados
pela EC 95, a Rede Federal poderia ampliar sua captação de recursos, porém,
ofertando formações alinhadas aos anseios do ultraneoliberalismo e distante
de sua concepção didático, filosófica e pedagógica criadora.
226
Compreendemos que a asfixia orçamentária, exposta na seção anterior,
faz parte de uma estratégia de utilização da estrutura física e de pessoal da
Rede Federal, por parte dos representantes da política ultraneoliberal, para
fornecer um contingente de trabalhadores flexíveis e adaptáveis.
Em caso de adesão, por parte das instituições pertencentes à Rede
Federal, em ofertar apenas o 5.º itinerário, ocorre o rebaixamento da forma-
ção ofertada na instituição e a ruptura com os princípios da integração e o
aprofundamento da dualidade.
No tocante das parcerias, fica expresso no Artigo 23 que,
Art.º 23 II - em relação a instituições públicas de ensino, autarquias e
fundações da administração indireta, conveniadas ou em parceria com
a administração estadual ou distrital direta, o cômputo das matrículas
referentes à educação profissional técnica de nível médio articulada, pre-
vista no inciso I do caput do Art.º 36-B da Lei n.º 9.394, de 1996, e
das matrículas relativas ao ensino médio oferecido com o itinerário de
formação técnica e profissional, previsto no inciso V do caput do Art.º 36
da referida Lei.
§ 1.º Os convênios ou parcerias de que tratam o inciso II do caput serão
estabelecidos prioritariamente com instituições especializadas na oferta
de educação profissional e tecnológica.
§2.º Consideram-se instituições especializadas em educação profissional
e tecnológica aquelas que tenham como finalidade principal, definida
em seus atos constitutivos, atuar nessa modalidade educacional, como
as da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica
(BRASIL, 2021a Grifos nossos).
O decreto estabelece que os convênios deverão firmar-se prioritaria-
mente com as instituições públicas especializadas em educação profissional,
a exemplo a Rede Federal, posto sua especialização na formação técnica.
Salientamos que ao evidenciar a excelência da Rede Federal na formação téc-
nica, a documentação omite e negligencia os avanços e conquistas do EMI,
e vislumbra reavivar a ideia limitadora, de que esta instituição forme apenas
pelo viés tecnicista e pragmático.
Apesar de haver um direcionamento para a utilização da estrutura
da Rede Federal, é evidente que esta não conseguirá absorver a totalidade
dos estudantes do país que optarem pelo 5.º itinerário. Assim, a iniciativa
227
privada passa a absorver este contingente de estudantes residuais não atendi-
dos pela estrutura da Rede Federal, ocorrendo a transferências dos recursos
do fundo público, historicamente em disputa, para o setor privado. Segundo
Grabowski e Kuenzer (2021), este processo de flexibilização viabilizada pelas
reformas garante que grandes grupos empresariais atuem na EB.
Há uma relação entre o decreto e os demais instrumentos da contrar-
reforma, as quais estão vinculadas aos interesses dos representantes dos APHs
e as frações da burguesia de alinhar a formação da classe trabalhadora a atual
fase do capitalismo.
A Rede Federal ao ser conclamada pelo Decreto a atuar na oferta do
5.º itinerário, através de parcerias, tende a garantir o objetivo central do pro-
jeto educacional dos governos ultraneoliberais, que é a ampliação do número
de matrículas na EP de nível Médio. Na entrevista concedida por Milton
Ribeiro, em 9 de agosto de 2021, ao programa Sem Censura o Ministro
afirmou que os “Institutos Federais são a vedete do futuro”, devendo garantir
a formação de mão de obra e ao fazer, conter o acesso ao ES a exemplo da
formação profissional realizada na Alemanha24.
Em relação à oferta do 5.º itinerário pela Rede Federal, fica expresso
no artigo 25 que,
Art.º 25. As instituições da Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica deverão informar, no mínimo, semestralmente
à rede estadual de educação qual é sua capacidade de absorção de matrí-
culas para cursos concomitantes de educação profissional técnica de nível
médio na forma de convênio ou de parceria que implique transferência
de recursos previstos no inciso II do § 3.º do Art. 7.º da Lei n.º 14.113,
de 2020.
§ 1.º As matrículas efetivas de que trata o caput deverão ser registradas no
Sistema de Informações da Educação Profissional e Tecnológica - Sistec.
§ 2.º As parcerias firmadas deverão ser disponibilizadas no sítio eletrônico
da instituição da Rede Federal e conter, no mínimo, o número de matrí-
culas pactuadas e efetivadas e o valor anual médio recebido por matrícula
(BRASIL, 2021a)
24 Para melhor compreender a proposta de educação profissional na Alemanha sugerimos a leitura
Brazorotto (2020) - Origem e destino: o ensino médio profissionalizante no Brasil e na Alemanha.
228
A Rede Federal deverá adequar-se para a ampliação de cursos conco-
mitantes, de modo a acessar recursos de outra fonte pagadora. A viabilida-
de de acesso aos recursos do FUNDEB pela via das parcerias com as Redes
Estaduais, pela oferta do 5.º itinerário, emerge como uma possibilidade de
manutenção para a Rede Federal, em um contexto de sucessivos cortes, con-
tingenciamentos e desfinanciamento da educação. Esta possibilidade desca-
racteriza a concepção de formação que viabilize a compreensão da realidade
enquanto todo integrado e caminha para a descaracterização da proposta pe-
dagógica inicial, pois, secundariza a oferta do EMI e aprofunda a dualidade
que objetivava-se superar no início dos anos 2000.
Em continuidade a análise da política ultraneoliberal e seus desdobra-
mentos na Rede Federal, analisaremos a seguir a Portaria n.º 733/2021.
De modo geral, a Portaria n.º 733 direciona a implementação do
Novo Ensino Médio no país, para promover a concretização dos Itinerários
Formativos e estabelecer as diretrizes para a efetivação deste modelo forma-
tivo. Conforme cronograma do MEC, os Itinerários Formativos deveriam
estar inseridos no cotidiano escolar a partir de 2022.
Diversos são os aspectos presentes na portaria, no entanto, a ênfase
neste texto será direcionada para a proposição de “integração das redes”.
Competindo ao “Programa Itinerários Formativos” e ao MEC mediar os pro-
cessos e as relações para assegurar acordos e parcerias entre as redes de ensino,
para a implementação do Novo Ensino Médio.
Há um entendimento pelos contrarreformadores da necessidade de
utilização da estrutura física e de pessoal da Rede Federal para o atendimento
desta concepção de educação e formação humana alinhada aos princípios da
acumulação flexível.
A Portaria n.º 733 define que “São objetivos do Programa” em seu art.
5.º inciso VII “promover a integração das redes de educação estaduais e fede-
ral, para ampliar a capacidade de oferta dos itinerários formativos do Novo
Ensino Médio”. Sendo as parcerias entre as redes de ensino alternativas para
a garantia de oferta de uma política educacional desintegradora para a última
etapa da EB.
A fase atual do capitalismo brasileiro carece de aprofundar o processo de
exploração do trabalho, necessitando formar sujeitos que não compreendam
229
as facetas da realidade, as contradições e vivenciem formações fragmentárias.
Neste sentido, a desintegração do EM é uma demanda do ultraneoliberalismo,
e para tanto, a política pública em curso, vislumbrava garantir uma formação
via BNCC, limitante nas escolas estaduais e uma formação técnica fragmen-
tária nas instituições ofertantes do 5.º itinerário, o que reforça a afirmação de
Torres (2021), de que ocorria a tentativa de desescolarização da EPT.
Estando em pauta um processo de flexibilização curricular como me-
canismo de escamoteamento da realidade. Duarte (2020, p. 37) ressalta que
“[…] para compreender a realidade, as pessoas precisam apropriar-se do saber
sistematizado que ultrapassa os limites do manejo pragmático das coisas e
alcança os processos de movimento da realidade em sua forma mais ampla e
mais profunda”. No entanto, o que se anuncia nas documentações analisadas
nesta pesquisa, para a última etapa da EB, incluindo a Rede Federal é a ne-
gação da compreensão do real, dos saberes sistematizados e das contradições,
com a finalidade de que a classe trabalhadora esteja circunscrita a adaptação,
essencial para a reprodução do capital.
Posto que a estrutura posta pela política pública ser, desintegradora,
dual e precarizante, aparece na Portaria n.º 733 no art.º 19, que o proces-
so de integração entre as redes estaduais e a Rede Federal, é uma impor-
tante estratégia para o fortalecimento das aprendizagens (BRASIL, 2021b).
As aprendizagens mencionadas na portaria, são socialmente úteis ao capital,
compreendendo a educação como mercadoria.
Para o capital a educação é determinada pelos aspectos econômicos e li-
mitada a formar mão de obra. Saviani (2014), assevera que no processo de mer-
cantilização da educação, ocorre a valorização econômica da educação e que
tende a limitar-se à questão de formação de mão de obra, estritamente vincula-
da ao desenvolvimento econômico. Perdendo seu caráter ontológico formativo.
Em busca de alinhar, em definitivo a formação ao capital, a Portaria n.º
733 estabelece que o MEC desenvolverá atividades que integrem as redes, articu-
lando a Secretária de Educação Básica (SEB), a Secretária de Educação Superior
(SESU) e a Secretária de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), em
parceria com o Conselho Nacional de Educação (CNE), promovendo,
I — Elaboração de normativos necessários para a integração entre as redes;
II — Criação de fóruns de integração entre equipes técnicas;
230
III — Elaboração de modelos de documentos para viabilizar parcerias
entre as redes;
IV— Coordenação de harmonização entre os instrumentos normativos
de escrituração escolar; e
V — Orientações e apoio técnico para interoperabilidade entre os siste-
mas das redes federais e redes estaduais. (BRASIL, 2021b)
A estrutura do Estado será utilizada para mediar e garantir que a parce-
ria entre as redes aconteça, viabilizando a oferta do 5.º itinerário e atendendo
aos interesses das frações da burguesia que se beneficiam da institucionaliza-
ção deste modelo formativo.
Apesar do Art.º 19 da Portaria n.º 733 mencionar possibilidade de par-
ceria com a SESU, ao analisar o Art.º 20 é evidente que o foco de parcerias se
efetivará entre as Redes Estaduais e a Rede Federal, devendo estas atuarem em
unicidade de modo a garantir a formação técnica e fragmentária aos jovens
da classe trabalhadora.
O que desde a Reforma do Ensino Médio (BRASIL, 2017) mostrava-se
como uma possibilidade, a funcionalidade utilitarista e precarizada da Rede
Federal, é em definitivo, possibilitada com a Portaria n.º 733, o que justifica
as sucessivas tentativas de intervenção na autonomia, na caracterização e no
orçamento da Rede Federal.
Atentando-se a falta de estrutura das Redes Estaduais e que a Rede
Federal está presente por todo o país, estas proposituras caminham para a
utilização do corpo docente especializado e dos espaços físicos para a oferta
do 5.º itinerário, tornando a Rede Federal um apêndice do projeto de defor-
mação dos jovens trabalhadores da Reforma do EM.
Destarte, o ensino da classe trabalhadora sofrerá abalos que aprofun-
darão a já conhecida dualidade, sendo este esvaziado e aligeirado, o que nos
remete a Saviani (2012, p. 54) “[…] o ensino das camadas populares pode
ser aligeirado até o nada, até se desfazer em mera formalidade”. O ensino da
classe trabalhadora, dentro desta proposta se transforma em uma formalidade
necessária ao capital e a Rede Federal, a partir desta Portaria, poderá torna-se
um apêndice de uma formação útil ao capital.
A contrarreforma ultraneoliberal, não foi plenamente materializa-
da na Rede Federal, pois, esbarra na autonomia legal assegurada a esta
231
institucionalidade. Os instrumentos legais e os limites orçamentários foram
impetrados pelos ultraneoliberais, mas para a plena adequação da formação
ofertada na Rede Federal aos pressupostos do capital, os contrarreformadores
perceberam a necessidade de atacar a autonomia destas instituições.
Fechamos este capítulo com a fala do ex-ministro Fernando Haddad
acerca da autonomia da Rede Federal, a qual será detalhada adiante.
Eu quero lembrar vocês que os Institutos Federais, tem até mais auto-
nomia que as universidades, por exemplo no Instituto Federal não tem
lista tríplice, é uninominal, a presidente simplesmente pública no diário
oficial a nomeação. O Bolsonaro tentou intervir nos Institutos nomeando
interventores e perdeu no Supremo Tribunal Federal, pois uma das carac-
terísticas da lei, como eu afirmei, foi construída coletivamente é de que
nós colocamos da Lei que a comunidade que escolhe o seu dirigente má-
ximo e isso não tem dado muito pano para manga né o Bolsonaro tem se
rebelado contra a lei e tem sofrido derrotas e essa lei é tão forte justamente
por ter sido construída de baixo para cima, não foi construída de cima
para baixo foi construída da base da das antigas escolas técnicas até chegar
no Ministério da Educação e nós criarmos a figura do Instituto federal na
legislação brasileira (HADDAD, 20 DE MAIO DE 2021).
A autonomia institucional, ao longo do período ultraneoliberal, apre-
sentou-se como uma barreira a ser transposta para a consolidação de uma po-
lítica pública de ataque ao direito constitucional à educação, e será analisada
no capítulo seguinte.
233
5.
ATAQUE À AUTONOMIA INSTITUCIONAL
DA REDE FEDERAL: ENTRE
ATAQUES E RESISTÊNCIAS
Frente as características do ultraneoliberalismo, o país vem vivenciando
um movimento de retirada da autonomia das instituições federais de edu-
cação. Compreendemos que a autonomia, enquanto categoria e princípio
ampliado, engloba, o orçamento, os procedimentos pedagógicos, a condução
política e as organizações internas.
Esta compreensão da autonomia está fundamentada no pensamento
Chauí (2003), esta assegura que a autonomia institucional corresponde ao
poder e ao direito de escolha das normas de formação, docência e pesquisa,
sendo necessária autonomia intelectual, autonomia institucional e autonomia
de gestão financeira. A autonomia, é o conjunto de garantias que certificam
a existência e a liberdade de direcionamento das instituições educacionais, e
esta percepção é o que conduz esta análise.
Para compreender o processo de limitação da autonomia das institui-
ções pertencentes à Rede Federal, usaremos neste primeiro momento do ca-
pítulo a categoria autonomia universitária. A opção por esta referência analí-
tica decorre de quatro aspectos, sendo, 1. Haver um quantitativo significativo
e maior número de referências que debatem a Autonomia Universitária as
quais alicerçam a análise e permitem compreender as particularidades da re-
dução de autonomia na Rede Federal; 2. O fato que no transcurso do avanço
ultraneoliberal, todas as instituições de ensino, sejam elas as pertencentes
exclusivamente ao Ensino Superior ou à Rede Federal, estão sendo impacta-
das com o processo de redução da autonomia; 3. Apesar de a Rede Federal
234
ofertar Educação Básica, as instituições que a compõem equiparam-se às
Universidades, dados os seus instrumentos legais; 4. A Rede tem assegurada,
em sua lei de criação, a autonomia.
Desde o principiar da Universidade no Brasil, década de 1930, os de-
bates acerca da autonomia são trazidos à compreensão, pois é esta que garante
o fazer científico. A autonomia de acordo Leher (2019c), é uma prerrogativa
para a existência e permanência das instituições, para continuarem produ-
zindo, pesquisando e garantindo a produção científica. Sem a presença da
autonomia a legitimidade da cientificidade fica seriamente comprometida.
Analisamos a autonomia como categoria conceitual, os movimentos
ultraneoliberais que objetivavam restringir a autonomia das instituições
pertencentes à Rede Federal e os movimentos de resistência em defesa da
institucionalidade.
5.1 Autonomia universitária: prerrogativa
para a continuidade da ciência
As instituições públicas de ensino possuem um papel social-históri-
co, o qual relaciona-se com a produção científica e com o desvelamento da
realidade, mas para assim o ser, segundo Leher (2019b), a autonomia deve
ser uma prerrogativa inegociável. Ainda que, devendo ser inegociável, não é
absoluta. No contexto da sociedade de classes, a autonomia está situada nos
antagonismos de classes, passando, constantemente, processos de ameaças ou
resistências, para adequar a formação aos anseios das frações burguesas.
A autonomia universitária, reivindicada nas sociedades burguesas mo-
dernas, vivencia correlação de forças, estando condicionada aos avanços e
retrocessos democráticos. Tal qual exposto por Silva (2009, p. 21-2),
O nível de autonomia das instituições em cada país vincula-se, geralmen-
te, a ampliação dos processos democráticos de decisões em todas as or-
ganizações sociais, ao alargamento dos processos de controle social e a
consolidação das instituições do Estado Democrático de Direito. Mais do
que isto relaciona-se com o desenvolvimento de uma cultura democrática,
tratando-se, portanto, não apenas de um processo jurídico, mas também
político-cultural.
235
A autonomia institucional somente é possível em períodos de plenitu-
de democrática, a ampliação ou diminuição da autonomia relaciona-se com
os avanços e retrocessos democráticos. No Brasil ultraneoliberal, marcado
pelo autoritarismo, conservadorismo e autocracia burguesa, a autonomia foi
inserida no paradigma da instabilidade.
A categoria autonomia universitária como conhecemos, em esfera le-
gal, é recente no Brasil, estando circunscrita ao período “democrático” —
pós-ditadura empresarial militar. Esta somente é compreendida como um
direito constitucional em 1988. Este preceito é introduzido na legislação bra-
sileira na CF de 1988, ficando expresso no Art.º 207 que “As universidades
gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira
e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão”. (BRASIL, 1988). As Universidades passaram, desde en-
tão, a possuir prerrogativa legal para buscar e defender sua autonomia nas
decisões e deliberações.
Com a existência da autonomia, as instituições de ensino podem pro-
duzir, debater e pesquisar para além dos limites do capital, dos interesses
privados e dos interesses de grupos hegemônicos, garantindo a possibilidade
destas instituições, de fato, estarem voltadas a produção de bens socialmente
úteis à humanidade. Segundo Leher (2019b),
Historicamente, a autonomia é sustentada como um valor universal para
garantir espaços públicos de produção e socialização do conhecimento,
livre de ingerências indevidas dos governos, igrejas e interesses particula-
ristas, sobretudo os econômicos e dos dispositivos de poder contra a vida.
(LEHER, 2019b, p. 44)
A autonomia, enquanto valor universal, viabiliza que a produção cien-
tífica esteja atrelada aos interesses e demandas sociais, não estando restrita por
interesses privados, mercantilistas e governamentais.
Apesar de o Brasil ter assegurada no texto constitucional de 1988 a
autonomia universitária, dadas as construções históricas do país, suas raízes
de conservadorismo burguês, e como dito no capítulo 3, o caráter autocrático
da burguesia brasileira, hoje a autonomia, é frágil, limitada e constantemente
ameaçada. Os processos de ruptura com a autonomia universitária no Brasil
236
ocorrem sempre que as frações da burguesia compreendem ser necessário ade-
quar as instituições de ensino aos ditames e preceitos burgueses, e alinhá-los
aos interesses subservientes do capital, com vistas a ampliar a mercantilização.
Em virtude da produção científica e da socialização dos saberes his-
toricamente produzidos, as Universidades, segundo Chauí (2003), são ins-
tituições estreitamente vinculadas às transformações sociais, econômicas e
políticas. Frente este papel social possível, estas instituições somente podem
vivenciar a plenitude da autonomia no interior de uma sociedade, que tenha
as garantias democráticas asseguradas.
Dito isto e em consonância com as análises realizadas nesta pesquisa,
a qual afirmam que a democracia brasileira é essencialmente frágil, restrita e
atrelada à autocracia burguesa (FERNANDES, 2005), a autonomia univer-
sitária, é, constantemente, questionada, vivenciando períodos de avanços e
retrocessos, que se vinculam aos desdobramentos políticos e as estratégias de
reestruturação do capital.
A partir do ano de 2016, as tentativas de interferência na autonomia,
ficaram mais evidentes, no entanto, não podemos desconsiderar que, his-
toricamente, as frações da burguesia já almejavam intervir na dinâmica das
universidades, a fim de alinhá-la aos interesses do capital.
Ainda que a autonomia universitária somente tenha sido constitucio-
nalizada em 1988, é importante destacar que nos períodos anteriores, de exa-
cerbação do autoritarismo, a existência e a autonomia das instituições de
ensino também estiveram sob ameaça. Sendo o caso mais emblemático o pe-
ríodo da Ditadura Empresarial-Militar. Destacamos que este período merece
atenção, pois além da sua importância histórica, elementos e características
deste foram resgatadas durante o período ultraneoliberal para favorecer os
ataques as instituições de ensino.
Leher (2019b), destaca que logo após o Golpe de 1964, uma das pri-
meiras deliberações foi atacar a autonomia universitária as afastando de re-
ferenciais nacionais-desenvolvimentistas. Com a emergência da Ditadura
Empresarial-Militar, as Universidades foram atacadas em seus preceitos de
racionalidade e cientificidade.
Os diferentes sujeitos que vivenciavam a intelectualidade universitária,
foram apontados e postos como inimigos a serem combatidos. Buscava-se
237
compreender todos os sujeitos e estrutura universitária como oponentes a
serem eliminados. Analogamente, podemos pontuar que este sentimento e
ação foi resgatado no período ultraneoliberal, como demonstrado, em falas e
ações dos agentes governamentais.
No período militar, segundo Dreiffus (1987), a autonomia da universi-
dade foi desmontada e desconfigurada, com vista a condicionar o espaço uni-
versitário aos anseios políticos e ideológicos do regime ditatorial. No processo
de aparelhamento das universidades ocorre o afastamento dos debates sociais e
a eliminação de temas de pesquisa que possibilitem que a universidade cumpra
seu papel social, assumindo um papel único, de espaço garantidor de pesquisas
direcionadas aos interesses conservadores do Estado capitalista militar.
Durante a ditadura empresarial militar no Brasil fez a universidade ser
obrigada a assumir um papel utilitarista, sendo este essencial para o processo
de acumulação e concentração de capital no país. Um país de capitalismo
periférico, como já dito no segundo capítulo, com estruturas retrógradas e
conservadoras, necessita aparelhar a universidade para que esta produza em
consonância a manutenção do status quo, e para que assim seja, é essencial a
ruptura com a autonomia.
Este aparelhamento das Universidades no período militar possuí ele-
mentos comuns com a contemporaneidade autoritária ultraneoliberal, em
ambos os períodos foi construída a narrativa de que as instituições de educa-
ção são pouco eficientes e um reduto dos intelectuais da esquerda, carecendo
de intervenções que garantam o resgate da eficiência e a construção da neu-
tralidade. Como desdobramento destas narrativas, separadas por um tempo
histórico, tem-se a utilização dos espaços de produção do conhecimento para
o atendimento dos interesses da iniciativa privada, elitização da educação e
reprodução do modo de acumulação vigente.
Avançando nas ameaças a autonomia, pontuamos que a década de
1990 e o período ultraneoliberal, marcam momentos em que o país viven-
ciou estratégias de reestruturação do capital, logo, a autonomia foi sofrendo
abalos, e estes serão expostos na sequência.
Com relação aos anseios de interferência na autonomia universitá-
ria na década de 1990, Leher (2019c), assevera que as tentativas de inter-
ferência e fragilização da autonomia universitária, eram consonantes aos
238
direcionamentos do Banco Mundial e das entidades representativas dos seto-
res econômicos — que consideravam estas instituições pouco eficientes, não
inovadoras, onerosa ao Estado e demasiadamente politizadas. Objetivando
adequar estas instituições à realidade do avanço neoliberal.
De modo curto, podemos historicizar que, na década de 1990,
com Collor e Fernando Henrique Cardoso, as tentativas de cerceamento
da autonomia universitária ficaram proeminentes e foram acompanha-
das das tentativas de Reforma do Estado, compatíveis ao avanço neoli-
beral. A primeira proposta vem a público com Collor, em 10 de outubro
de 1991, por meio da PEC 56 (BRASIL,1991). Propunha a desregula-
mentação do Estado, proposta contida pelas lutas sociais e mobilizações
dos servidores públicos e consolidação do impeachment do Presidente
da República em 1992.
Dada a brevidade do mandato de Collor, as ofensivas de Reforma do
Estado, e limitações da autonomia universitária, ficaram mais a cargo de FHC
e seu Plano Diretor de Reforma do Estado, conduzido por Bresser Pereira.
Destacamos dois episódios marcantes na ofensiva neoliberal de retirada da
autonomia das Universidades conduzidos por FHC.
A primeira ação foi a PEC 370 de 1996 a qual “Modifica o Art.º 207
da Constituição Federal” (BRASIL, 1996)”, alterando a autonomia finan-
ceira das instituições de ensino superior. Com esta proposta, vislumbrava
alinhar as Universidades para o atendimento dos interesses econômicos e
mercantilistas, desconsiderando o papel social da educação na sociedade.
A proposta de alteração da autonomia financeira do governo FHC,
conforme expresso por Leher (2019d), desdobrou-se em intensas lutas e gre-
ves dos servidores das Universidades contrários à proposta, o que forçou o
abandono desta pelo governo federal. Neste momento da história, as entida-
des civis conseguiram frear o processo de redução da autonomia financeira.
Ainda que as forças progressistas, tenham saído vitoriosas nesta dis-
puta, este movimento contra-hegemônico não foi capaz de garantir, que no
contexto de reestruturação do capital, a autonomia universitária permaneces-
se intocável pelas forças do capital.
No findar de 1995, o governo FHC atacou ferozmente a autonomia
universitária com a promulgação da Lei n.º 9.192 de 21 de dezembro de
239
1995 (BRASIL, 1995), que versava acerca da nomeação dos dirigentes máxi-
mos das UF. A lei estabelecia em seu art.º 1 que,
[...] A nomeação de Reitores e Vice-Reitores de universidades, e de
Diretores e Vice-Diretores de unidades universitárias e de estabelecimen-
tos isolados de ensino superior obedecerá ao seguinte:
I - o Reitor e o Vice-Reitor de universidade federal serão nomeados pelo
Presidente da República e escolhidos entre professores dos dois níveis mais
elevados da carreira ou que possuam título de doutor, cujos nomes figu-
rem em listas tríplices organizadas pelo respectivo colegiado máximo, ou
outro colegiado que o englobe, instituído especificamente para este fim,
sendo a votação uninominal (BRASIL, 1995).
A partir da Lei n.º 9192/1995, foi referendado, no período “democrático”,
uma ação arbitrária, que viabilizava a não nomeação do Reitor eleito por suas
respectivas comunidades. O processo de posse e nomeação dos Reitores das UFs,
ficaria discricionário ao Presidente da República desde que respeitada a lista trípli-
ce, ou seja, lista com os três candidatos mais votados pelas comunidades.
A autonomia deliberativa das comunidades, acerca do dirigente da ins-
tituição, se rompe, estando avalizado a possibilidade destas nomeações serem
conduzidas por interesses privados, e utilizadas como mecanismo de controle
e defesa dos interesses do Presidente da República em exercício e seus aliados,
desconsiderando as vontades, as demandas e as particularidades das respecti-
vas comunidades acadêmicas.
O processo eleitoral nas universidades refere-se à escolha de um pro-
jeto político, pedagógico e de governo para a instituição de ensino. A não
nomeação do projeto vitorioso é um imperativo autoritário de cerceamento
de escolha, resquício da Ditadura Empresarial-Militar, o qual foi reafirmado
e institucionalizado em 1995, avalizando as intervenções que ocorreram du-
rante o governo FHC e no período ultraneoliberal.
Retomando o período ultraneoliberal, salientamos que as tentativas de
retirada da autonomia das instituições de educação, dialoga primeiramente
com o aprofundamento da mercantilização da educação, alinhado aos prin-
cípios da acumulação flexível e a negativa do direito à educação aos trabalha-
dores. Também, tem por finalidade o aprofundamento do irracionalismo e a
ruptura com a razão moderna.
240
As Universidades atuam como centros de pesquisa, debate e reflexão
racional, e, assim o sendo, colocam-se ou podiam se colocar contrárias ao
avanço do irracionalismo retrógrado que rondava o país, logo a restrição de
autonomia, é vista pelos ultraneoliberais como necessária. Neste sentido,
Leher (2019c), reitera que,
O problema de fundo, no tempo atual, decorre do fato de que a autonomia
universitária protege formas de legitimação do conhecimento – inscritas
nos domínios da epistemologia – que são incompatíveis com as proposi-
ções e narrativas (fake news e pós-verdade) utilizadas pelas forças adeptas
da autocracia. Por não trabalharem com a verdade, recusam a legitimidade
da universidade, e operam a difusão de narrativas diretamente pela inter-
net, colocadas em circulação em suportes como Twitter e WhatsApp, que
não possuem qualquer esfera de validação e legitimação do conhecimento.
Impulsionadas por corporações, essas mensagens foram decisivas no pro-
cesso eleitoral brasileiro de 2018. (LEHER, 2019c, p. 215-6)
Em diálogo com a citação, pontuamos que em um período de avanço
do irracionalismo e de ataques à educação e à ciência, a autonomia universitá-
ria tornou-se o elemento garantidor da validação do conhecimento, essencial
para a compreensão e desvelamento das contradições. Sendo, então, a auto-
nomia, uma barreira ao avanço do irracionalismo ultraneoliberal.
A garantia da autonomia universitária é incompatível com o avanço
do ultraneoliberalismo, levando-se em conta que com a autonomia as insti-
tuições atuam pelo postulado da ciência, podem se colocar contrárias a fake
news, questionar o autoritarismo, defender a ciência e combater o irraciona-
lismo negacionista.
Para que as Universidades atuem pelo postulado da racionalidade cien-
tífica é essencial a manutenção da indissociabilidade entre o ensino, pesquisa e
extensão, assegurado na CF de 1988. Para que isto ocorra é prerrogativa que as
instituições tenham acesso aos recursos orçamentários. No entanto, as políticas
ultraneoliberais, alicerçadas na EC n.º 95, na minimização do Estado e no
desmonte das políticas de atendimento aos direitos sociais, as instituições de
ensino, inclusive a Rede Federal, não tem esta indissociabilidade assegurada.
Os sucessivos cortes orçamentários, debatidos no capítulo anterior,
dialogam e fazem parte do processo ultraneoliberal de retirada da autonomia
241
das instituições de ensino. As restrições orçamentárias limitam a tomada de
decisões institucionais e dificultam a efetivação da indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão, que são essenciais para a continuidade da atuação
pelo postulado da racionalidade científica.
Representantes do ultraneoliberalismo, compreenderam que ao res-
tringir o orçamento educacional, limita-se a atuação social das instituições,
precariza-se os processos formativos e a atuação dos trabalhadores educacio-
nais. A autonomia vai sendo ferida, via orçamento, porém com a aparência
de preocupação com o gasto público. Este falseamento do real, reduz as resis-
tências, essenciais para o combate à ofensiva contra a autonomia.
Sobre a relação autonomia e orçamento, Chauí (2003, p. 13), afirma que
“[…] a autonomia é inseparável da elaboração da peça orçamentária anual, pois
é esta que define prioridades acadêmicas de docência e pesquisa, metas teóricas
e sociais, bem como as formas dos investimentos dos recursos.”. O aspecto orça-
mentário torna-se, então, prerrogativa para o existir autônomo das instituições
universitárias, e, por assim o ser, as Instituições Federais de Educação — Rede
Federal e UFs, vivenciaram entre 2016 a 2022 a dilapidação de seus orçamentos.
A redução do orçamento, como vem ocorrendo na Rede Federal e foi demons-
trado no capítulo 4, é um mecanismo de interferência e restrição de autonomia.
A autonomia universitária nunca esteve na agenda do debate nacional
das frações burguesas. Da mesma forma que nunca esteve na esfera do deba-
te burguês garantir uma Universidade ou Instituições de Ensino de âmbito
nacional, que garantissem a efetivação de pesquisa de fato atrelada as contra-
dições derivadas de um modo de acumulação destrutivo como o vivido no
Brasil. Viu-se no passado ditatorial e é observado no tempo atual avanços
no desmonte da autonomia das instituições de ensino como mecanismo de
garantia de preservação da estrutura social excludente e contrária aos interes-
ses da classe trabalhadora. Inicia-se a próxima seção compreendendo alguns
destes ataques à autonomia da Rede Federal na era ultraneoliberal.
5.2 As ações intervencionistas na Rede Federal:
ataques à autonomia da Rede Federal
A descaracterização da Rede Federal está se efetivando na própria le-
galidade institucional do Estado ultraneoliberal, as prerrogativas do Estado
242
democrático de direito e seus ritos legais são utilizados contra a democra-
cia e contra os cidadãos, estabelecendo leis e instrumentos jurídicos capazes
de atuarem na constituição de um Estado desprovido de direitos sociais. As
interferências contra a autonomia institucional do período atual, diferente
do período ditatorial, de ruptura completa com a legalidade democrática, se
efetiva assentado na processualidade legal estabelecida pelo Estado burguês.
Retiram-se direitos, no entanto, este processo é posto como democrático,
mascarando o autoritarismo das tomadas de decisões.
Para compreender as sucessivas tentativas de descaracterização da Rede
Federal e ofensiva contra a autonomia institucional destas, analisamos o Projeto
de Lei (PL) n.º 11. 279 de 2019, a Medida Provisória (MP) n.º 914 de 2019 e
a Medida Provisória (MP) n.º 979 de 2020, e seus desdobramentos nas insti-
tuições. A análise destes instrumentos legais foi realizada à luz da historicidade
havendo como premissa que estes se articulam para a promoção da precarização
da educação ofertada no interior da Rede Federal, com vistas a dificultar a efe-
tivação de uma proposta educação que compreenda o aluno como ser social e
que repense que este apreenda a realidade para além da aparência.
Tendo em vista os movimentos dialéticos da história, relacionamos o
PL n.º 11.279/2019, a MP n.º 914/2019 e a MP n.º 979/2020 com os as
materializações do ultraneoliberalismo, já debatidas no capítulo 2, sendo a
EC n.º 95/2016, a EC n.º 109/2021, a PEC 32 dentre outros componen-
tes estruturantes da Reforma do Estado brasileiro que estava em curso, os
quais afetam diretamente a viabilidade, o financiamento e existência destas
Instituições Federais de Ensino.
A interpretação dos instrumentos legais, elaborados no período ul-
traneoliberal, será realizada a partir do conceito de superestrutura (MARX;
ENGELS, 2007). Sendo que a formulação destas legislações, que compõe a
estrutura jurídica-política da superestrutura, fazem parte das estratégias da
burguesia para a manutenção de seu domínio e controle ideológico e material
da classe trabalhadora
Iniciamos a análise a partir da ofensiva aos trabalhadores contidos
no PL n.º 11.279 de 2019 (BRASIL, 2019a), sendo este a última ação do
Governo Temer para a educação em 2018. No apagar das luzes, em 28 de
dezembro de 2018, o então Ministro da Educação Rossieli Soares elaborou
243
um projeto que alterava substancialmente a Lei de Criação dos Institutos
Federais (BRASIL, 2008).
A proposta, que convergia com a construção da contrarreforma do EM
e com os anseios ultraneoliberais, foi apresentada à Câmara em 3 de janeiro
de 2019, nos primeiros dias do Governo Bolsonaro. Objetivando inserir, em
definitivo, no interior da Rede Federal os conceitos e termos da racionalidade
administrativa e princípios da acumulação flexível, semelhantes ao utilizado
por empresas e iniciativa privada, deste modo, a oferta da educação enquanto
direito constitucional, previsto no art.º 205 da CF de 1988 (BRASIL, 1988)
ficaria comprometido. Pela proposta os IFs perderiam sua especificidade de
ofertar educação verticalizada e ampliada visando o bem-estar comum e so-
cial, para ofertar um serviço único ao capital.
Com este elemento jurídico, propunha o retorno da dualidade educa-
cional, ficando as instituições pertencentes à Rede Federal, relegadas a oferta
de uma educação simplista, técnica e utilitária. O que garantiria formações
compatíveis a fase atual do capitalismo brasileiro.
O PL n.º 11.279/2019, buscava alterar a lei de criação dos Institutos
Federais em quatro aspectos essenciais sendo: 1) o desmembrar de instituições;
2) alterar o quantitativo mínimo de vagas por modalidade de ensino; 3) propor
mudanças para a candidatura e eleição de Diretor Geral e Reitor; e 4) ampliar o
número de vagas e cargos sem ampliação de orçamento. Os pontos expostos na
PL em seu conjunto descaracterizam a Rede Federal e buscavam retirar a essencia-
lidade presente na Lei n.º 11.892/2008, para fragilizar este modelo educacional e
restringir a especificidade institucional alicerçada no Ensino, Pesquisa e Extensão.
O primeiro ponto que merece breve análise no PL n.º 11.279 é no Art.
5º o desmembramento do IFSP — através da criação do Instituto Federal do
Centro Paulista e Instituto Federal do Oeste Paulista, e a criação do Instituto
Federal do Sul da Bahia, pelo desmembramento do Instituto Federal da Bahia
e do Instituto Federal Baiano. Mediante o PL seriam “criados” três novos IFs,
porém sem a ampliação de orçamento e pessoal necessário, tal qual é siste-
maticamente reiterado no PL. Criando assim, novas instituições, a partir da
fragmentação e precarização das já existentes.
A proposta de reordenamento, contida no PL, se efetivou sem a previ-
são orçamentária necessária a uma expansão institucional. Esta proposição de
244
ampliação sem a disponibilidade de recursos, está atrelada a EC n.º 95/2016,
que determinava o congelamento dos gastos públicos e institucionalizou, no
campo econômico, a minimização do Estado na garantia dos direitos sociais.
Ressaltamos que a criação de três novas instituições sem ampliação orçamen-
tária, promovia uma falsa ideia de expansão e comprometia a oferta educa-
cional assentada nos pressupostos de qualidade balizadores da Rede Federal.
Destacamos que na sequência do texto o PL propõe a descaracteriza-
ção da essencialidade dos IFs, ao propor a alteração da proporcionalidade
das matrículas, atacando o cerne dos IFs que é a oferta prioritária de EMI.
Conforme expresso em na Lei n.º 11.892/2008 em seu art. 7.º no inciso I:
é finalidade primeira ministrar educação profissional técnica de nível médio,
prioritariamente na forma de cursos integrados, para os concluintes do ensi-
no fundamental e para o público da educação de jovens e adultos” (BRASIL,
2008). Conforme o PL n.º 11.279 é finalidade dos IFs “Art. 7.º inciso I - mi-
nistrar educação profissional técnica de nível médio, para os concluintes
do ensino fundamental e para o público da educação de jovens e adultos”.
Comparando os dois trechos, depreende-se que o PL retira a prioridade
da oferta do EMI, e ao fazê-lo almeja garantir apenas a formação profissional-
-técnica de nível médio, pretendendo que os IFs atuassem na formação de mão
de obra especializada, pelos princípios tecnicista e mecanicista. Resgatar a dua-
lidade, como proposto no projeto de lei, asseguraria que os IFs abandonassem a
formação humana assentada nos princípios do desenvolvimento integral e hu-
manizador, para garantir uma formação limitada pelo capital e suas demandas.
O PL propõe a institucionalização da formação pretendida para o aten-
dimento do capital financeiro, e dos segmentos da burguesia que apoiaram a
tomada do poder por Temer e que se beneficiam com o avanço ultraneolibe-
ral materializado no Governo Bolsonaro.
No Art. 7.º o PL n.º 11.279 propôs que os IFs, em relação à pós-
-graduação stricto sensu, ofertem apenas cursos de mestrado e doutorado
profissional. Deste modo, retiraria do âmbito da Rede Federal a formação
de pós-graduação stricto sensu acadêmica, e colocaria os programas de pós-
-graduação na esfera da utilidade prática para o atendimento exclusivo ao
mercado e arranjos produtivos locais. As pesquisas centradas em aspectos so-
ciais, voltada as demandas da sociedade, cederiam espaço, para a efetivação
245
de pesquisas úteis ao capital. Pelo PL a Rede Federal, enquanto produtora de
conhecimento, estaria limitada ao atendimento do mercado local.
Seguindo a propositura do PL, é exposto no art. 8º que os IFs em
cada exercício deveriam garantir 70% das matrículas em cursos de educação
profissional técnica de nível médio. Apesar de haver a ampliação na oferta de
vagas de nível médio, dado o avanço do ultraneoliberalismo, o caráter gené-
rico do texto do artigo, as articulações para a Reforma do EM e a retirada
do EMI da finalidade primeira dos IFs, é plausível afirmar, que o PL tinha
como intenção, ampliar o número de estudantes da classe trabalhadora com
formação técnica de nível médio.
Desse modo, a juventude trabalhadora realizaria uma formação precari-
zante e precoce, alicerçado nas demandas do mercado, mas apartada do ensino
científico, o que os afastaria do acesso ao ES, reforçando a dualidade histórica.
No entendimento da proporcionalidade das vagas em cada exercício,
o texto do PL suprimia os atuais 20% de matrículas destinadas à formação
de professores, o que por fundamento desobrigaria a oferta de Licenciaturas.
Reforçando a concepção de que os IFs deveriam formar técnicos e garantir a
qualificação profissional de trabalhos considerados úteis ao capital, e na ótica
ultaneoliberal, a educação não representa um trabalho socialmente útil.
Ao propor a retirada das licenciaturas do interior dos IFs, o fim dos
cursos acadêmicos de pós-graduação e o fim do EMI, buscava o desmante-
lamento da política que originou os IFs em uma tentativa de romper com
a verticalidade, com o EMI e a indissociabilidade do Ensino, Pesquisa e
Extensão, almejando que a Rede Federal seja reconfigurada e refuncionaliza-
da enquanto lócus formativo para o mercado de trabalho flexível, que amplia
as taxas de exploração do trabalho.
O PL n.º 11.279 propunha, também, a alteração dos Art.º 12 e 13 da
Lei n.º 11.892/2008, os quais versam sobre os critérios de escolha dos dirigentes
— Reitor e Diretor Geral, estabelecendo critérios mais rígidos para as candida-
turas. Dentre os critérios, destacamos a exigência de comprovação como gestor
na Educação Profissional Tecnológica, sendo quatro anos para Reitor e dois anos
para diretor e comprovação de curso de formação para o exercício de cargo ou
função de gestão em instituições da administração pública para os Diretores. Estes
critérios limitariam a alternância de poder necessária as gestões democráticas.
246
Após a propositura do PL n.º 11.279, foram iniciadas articulações via
CONIF, de modo a garantir o arquivamento do mesmo. Em Ofício Circular
n.º 52/2019 — CONIF de 21 de fevereiro de 2019, o Conselho requereu
à Casa Civil para que esta, solicite o retorno do PL para o Executivo, com o
intuito de encerrar sua tramitação na Câmara dos Deputados, dado o caráter
autoritário, unilateral, ausência de debates junto aos Dirigentes no CONIF,
o não respeito as especificidades das formações ofertadas na Rede Federal e
a não compreensão das instituições federais de ensino como espaços de pes-
quisa e inovação.
Em 1 de março de 2019 o então Ministro da Educação Vélez Rodriguez
apresenta à Câmara o pedido de retirada da PL, dando como justificativa,
[…] submeto à apreciação de Vossa Excelência a retirada do projeto de lei
em questão, para permitir uma reavaliação sistêmica do tema no âmbito
deste Ministério, de modo que considere as possibilidades de aprimora-
mento aventadas no Congresso Nacional, harmonizando-as com os moti-
vos determinantes de sua concepção, para reapresentação em momento
oportuno. (PEDIDO DE RETIRADA DO PL MEC - BRASIL, 2019
– Grifos nossos).
Ainda no pedido de retirada o MEC destaca que o PL deve ser re-
visitado pelo prisma da racionalização administrativa e geográfica, logo
deve buscar a redução de custos operacionais e a otimização da força de
trabalho. Para tanto deve ser feito a reavaliação geográfica, para evitar so-
breposição de instituições, reavaliação da viabilidade econômica e finan-
ceira por meio da prática da revisão do quantitativo de cargos e funções, a
análise das demandas de criação de novos Institutos, e ponderar a amplia-
ção do percentual mínimo de cursos técnicos e os critérios de candidatura
de Diretores Gerais e Reitores.
Estes elementos, expostos no documento enviado à Câmara, evidencia-
vam que o Governo Bolsonaro não estava negando um projeto de transforma-
ção e descaracterização dos IFs, mas que gostaria de aprofundar, inserir elemen-
tos e apresentar uma nova proposta, como já mencionado aqui “em momento
oportuno”. Em 18 de março foi publicado no Diário Oficial da União (DOU)
o pedido de retirada de tramitação do PL na Câmara dos Deputados.
247
Pontuamos que a proposição do PL estava em harmonia com a
Reforma do EM, com os limites financeiros postos pela ancora fiscal da EC
n.º 95/2016 e com o avanço do ultraneoliberalismo, como ataque a vida
da classe trabalhadora, iniciadas no Governo Temer. No PL estavam conca-
tenados os anseios ultraneoliberais para a formação da classe trabalhadora
realizada na Rede Federal, sendo que, ao longo dos quatro anos subsequentes,
diferentes dimensões deste projeto foram sendo inseridas na cotidianidade da
Rede Federal, porém de maneira mais fragmentada do que a proposta agluti-
nada por Temer e sua equipe.
O Governo Bolsonaro retirou o PL de pauta, mas nunca abandonou os
pressupostos orientativos deste, sendo que toda a sua política de tentativa de
descaracterização da Rede Federal foi progressivamente inserindo as propo-
situras do PL. Compreendemos que essa escolha do Governo Bolsonaro foi
estratégica — primeiro, pois aparentemente atendeu ao pedido e articulações
do CONIF no principiar de 2019, o que garantiria a aparência de diálogo
com a esfera educacional e também perspectivava diminuir as resistências
A análise do PL não pode perder de vista, que estava implícita, a tenta-
tiva de precarização da formação dos trabalhadores e que para assim o ser, ne-
cessitava restringir a autonomia deliberativa, pedagógica e orçamentária destas
instituições. Estas ofensivas à autonomia estavam previstas no projeto de lei.
Os ataques a autonomia institucional da Rede Federal não se encerram
com a retirada do PL n.º 11.279, mas sim, as tentativas de retiradas de auto-
nomia foram intensificadas durante o Governo Bolsonaro, com vistas a res-
tringir a autonomia institucional e condicionar a formação humana realizada
na Rede Federal, dentre os quais destacamos as intervenções nas escolhas dos
Reitores eleitos – debatida na próxima seção e a proposta de reordenamento
da Rede Federal em 2021.
No findar do mês de agosto de 2021, toda Rede Federal foi surpreen-
dida com uma proposta de reordenamento, que pode ser definida de modo
sucinto como uma divisão dos Institutos Federais já existentes. A referida
proposta do Governo Bolsonaro é muito semelhante à Proposta do Governo
Temer de 2018, contida no PL n.º 11.279.
O reordenamento pretendido em 2021, como todas as ações dos go-
vernos ultraneoliberais, são consolidadas no autoritarismo, truculência, na
248
precarização da formação, nos anseios de restrições da autonomia institucio-
nal, na escassez de recursos e não parte de um amplo debate.
O movimento de alteração da estrutura da Rede Federal, via reordena-
mento, se efetivou a partir de proposta elaborada pelo Executivo. Reitores de
dez IFs receberam um convite, via e-mail, para participar de uma reunião no
Ministério da Educação, que aconteceu no dia 30 de agosto de 2021, tendo
como tema “O processo de reordenamento da Rede Federal de EPT”, que
presumia criação de 10 novos Institutos Federais.
O e-mail foi direcionado para os Reitores do IFSP, IF Sertão PE, IFPE,
IFBA, IF Baiano, IFMA, IFCE, IFPR, IFPI, IFPB e IFPA, devendo os Reitores
comparecer em Brasília para apreciarem a proposta, na data solicitada.
Destaca-se que a proposta de reordenamento não havia sido previamente
apresentada para o CONIF. O MEC ao enviar o convite não considerou as es-
pecificidades e a concepção da Rede Federal, enquanto institucionalidade cole-
tiva, apresentando uma proposta de fragmentação a partir de interesses unilate-
rais do Governo e objetivando cooptar preferências individuais das Instituições.
Está na base desta ação do Governo o desmantelamento da concepção de
rede, o que tende ao enfraquecimento desta institucionalidade, como expresso
no capítulo 1, estava em processo de construção de identidade. Agregar interes-
ses individuais, fragiliza as possibilidades de defesa da autonomia, o que torna
mais possível a adequação destas Instituições aos interesses do capital.
O convite para análise do reordenamento rapidamente espalhou-se
nos grupos digitais de Servidores, Estudantes e Reitores, divulgação esta que
cooptou o Reitor do IFRO. Esta instituição não estava contemplada pela
proposta inicial de reordenamento do MEC, mas o Reitor solicitou a inclu-
são da instituição, tal qual expresso no site institucional do IFRO25,
O Ministério da Educação propôs a composição de novos Institutos
Federais em 10 estados do Brasil. O Instituto Federal de Rondônia, para
oportunizar aos seus Professores, Técnicos Administrativos em Educação e
25 A Reitoria do IFRO iniciou a consulta pública, mas contrariando as expectativas da Reitoria
as comunidades - discentes, docentes e técnicos administrativos, rejeitaram a proposta de
reordenamento, obtendo um resultado de 28,1% de votos favoráveis, 68,9% contrários e 3% de
abstenções (PORTAL IFRO, 2021). Diante da negativa da comunidade o IFRO enviou o seu
parecer ao MEC em 20 de setembro contrário ao reordenamento.
249
Estudantes uma possibilidade de análise, solicitou a inclusão de Rondônia
no conjunto dos estados em que poderá (ou não) ocorrer uma reorgani-
zação da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.
(PORTAL IFRO, 2021)
Diante da solicitação, o MEC incorporou o IFRO. A proposta passou
a conter onze novos IFs que poderiam passar por um processo de reordena-
mento, que atacaria a autonomia institucional.
O reordenamento foi exposto na reunião do dia 30 de agosto de 2021
e formalizado por meio do Ofício Circular n.º 85/2021/GAB/SETEC/
SETEC-MEC, o qual descrevia os trâmites da nova configuração da Rede
Federal a partir da criação dos novos IFs e estabelecia um prazo de vinte dias
para que os Reitores debatessem com suas comunidades a adesão, devendo
considerar a distribuição dos novos campus a partir de critérios geográficos.
Apresentada de modo simplista e aligeirada, a proposta de reorde-
namento aparece sem aprofundamento e sem a ampliação orçamentária
necessária que um processo de desmembramento ou criação de novas
instituições demandaria. O país ainda vivenciava os limites impetrados
pela EC n.º 95, logo, a criação de novas instituições estaria restrita pelo
orçamento já existente, que conforme já anunciado, vivenciava quedas,
cortes e contingenciamentos.
A proposta de reordenamento garantiria a fragmentação dos escassos
recursos orçamentários, mas em paralelo ampliaria os custos com a criação
das estruturas de novas reitorias, restringindo ainda mais os recursos que se-
riam divididos entre as instituições da Rede Federal. Ampliando as restrições
de autonomia, por conseguinte expandindo a precarização institucional.
Conforme expresso na nota pública divulgada pelo CONIF em 8 de
setembro de 2021,
A proposta, que prevê a criação de dez novas reitorias e reorganiza a dis-
tribuição territorial dos campi em alguns estados, não contempla a cria-
ção de novos campi, novas ofertas de cursos e de matrículas, além de a
determinação do prazo de 20 dias para tal discussão - fixado pelo MEC
para manifestação dos reitores -, ser insuficiente para exaurir um tema tão
estrutural (CONIF, 2021).
250
Na reunião de 30 de agosto de 2021 no MEC, a propositura de reor-
denamento feita aos Reitores é incompatível com o modo de organização e
funcionamento da Rede Federal, que deve ser pensada e organizada coletiva-
mente pelo princípio de organização em rede. A proposta foi feita em reunião
isolada com apenas alguns Reitores e demandava uma devolutiva das institui-
ções em um período curto, o que inviabilizaria e inviabilizou o debate amplo,
crítico e consciente junto das comunidades, aos sindicatos e com o CONIF.
A proposta vislumbrava “criar” novos IFs, inserindo novos onze
Reitores, os quais seriam indicados pelo Presidente e coadunariam com as
propostas educacionais do Governo Federal e com a contrarreforma da EPT.
Estes reitores ocupariam lugar de fala e voto no CONIF, alterando a correla-
ção de forças e deliberação deste Conselho, de modo a alinhar as deliberações
destas instituições aos princípios do ultraneoliberalismo e das frações da bur-
guesia que representam.
O reordenamento da Rede Federal e a tentativa de mudança da corre-
lação de forças no conselho dos reitores, é compreendida neste trabalho como
uma tentativa de aprofundamento da autocracia burguesa, debatida no capí-
tulo 2. Objetivando a intervenção na autonomia e o favorecimento exclusivo
de interesses políticos e econômicos das frações da burguesia.
Mudar a correlação de forças no CONIF é interessante ao ultraneolibe-
ralismo, pois este é uma instituição deliberativa da institucionalidade. Conta
com a participação de 41 Reitores, 38 Reitores de IFs, 2 Reitores do CEFET
e um Reitor do Colégio Pedro II, que elaboram os direcionamentos da Rede
Federal. No site institucional encontra-se a seguinte descrição,
Missão: Fortalecer as instituições da Rede Federal, por meio da sua arti-
culação e representação política, em benefício da educação profissional,
científica e tecnológica pública, gratuita e de qualidade socialmente re-
ferenciada; Visão Ser reconhecido nacional e internacionalmente como
articulador da educação profissional, científica e tecnológica inovadora e
inclusiva; Valores: União, gestão democrática, sustentabilidade, equidade,
transparência, ética e solidariedade. (CONIF, 2021).
Pretendendo o comprometimento com uma educação profissional
científica e tecnológica, pública e socialmente referenciada, este conselho
251
constantemente se posiciona contrário aos ataques realizados pelo Governo
Federal em relação ao desmonte, descaracterização, cortes orçamentários e
intervenções na Rede Federal.
Frente a força do Conselho existia interesse político nesta proposta de
reordenamento, os possíveis novos Reitores, possivelmente, estariam alinha-
dos ao projeto ultraneoliberal e corresponderiam a 1/5 dos votos e delibera-
ções no CONIF.
Como todas as ações de tentativas de ataque a autonomia institucional
do período ultraneoliberal, apesar do fundo autoritário, é apresentada nos
ritos legais e aparece como fictícia melhoria para a educação.
Pensando que o projeto de reordenamento aparece pela primeira vez no
findar do período Temer, através do PL n.º 11.279 e que foi retirado de pauta
a pedido do Governo Bolsonaro, e posteriormente reapresentado pelo MEC,
é necessário pensar as intencionalidades deste movimento. Salientamos que a
proposta de Reordenamento reaparece no cenário nacional, tal qual expresso
por Vélez Rodriguez (ex-ministro da Educação), no momento do pedido de
retirada do PL n.º 11.279/2019, “[...] reapresentação em momento oportu-
no” (BRASIL, 2019a). Chegando o tal momento oportuno às vésperas da
nova corrida presidencial de 2022”.
Um Governo que pretendia a reeleição, que não efetivou melhorias,
expansão ou avanços para a Rede Federal, mas sim garantiu retrocessos, con-
forme exposto no capítulo anterior e que resultou em levantes dos estudan-
tes e servidores, como será exposto adiante, compreendeu que ao efetivar o
reordenamento garantiria a propaganda de expansão que supostamente seria
estratégica para um período eleitoral.
A expansão da Rede Federal é uma demanda imprescindível para a de-
mocratização do acesso a uma educação de qualidade socialmente referencia-
da, no entanto, a expansão necessita ser feita de modo coerente e compatível
com a própria estruturação e concepção pedagógica motriz da Rede Federal.
Dessa maneira, não basta promover uma falsa expansão, apenas com caráter
político, mas sim é imprescindível consolidar as instituições já existentes.
Conforme nota do CONIF para a efetivação do reordenamento é necessário,
Recomposição orçamentária da totalidade da Rede; Conclusão das obras
em andamento; Ampliação do Banco de Professor-Equivalente e do
252
Quadro de Referência, do pessoal docente e técnico-administrativo, res-
pectivamente; Complementação do quadro de pessoal para todas as uni-
dades em cada Instituição de Ensino, independente do reordenamento,
observada a Portaria MEC n.º 246/2016, em especial para os campi que se
encontram em situação de vulnerabilidade; Manutenção do atual sistema
de escolha dos dirigentes das instituições, como previsto na lei vigente,
com eleição direta e paridade no voto dos segmentos que compõem nossas
comunidades; Defesa da Lei n.º 11.892 de 2008, haja vista notáveis expe-
riências exitosas, ao longo dos últimos doze anos, aliado a um aprimora-
mento de nossas relações com os arranjos produtivos, sociais e culturais, no
entorno de cada um de nossos 670 campi; Priorização da oferta dos cursos
técnicos integrados ao ensino médio, diferencial da Rede Federal para uma
educação cidadã, que prepara o aluno, não apenas para o mercado, mas
essencialmente para o exercício da cidadania; Manutenção da proporciona-
lidade de vagas prevista no Art. 8º da Lei n.º 11.892/2008, de modo a asse-
gurar os vetores do ensino, da pesquisa, da extensão e da inovação; Proposta
de reordenamento, amplamente discutida junto ao CONIF e à comunida-
de acadêmica dos Institutos envolvidos, com observância das especificidades
de cada Instituto e região; Garantia de orçamento anual mínimo necessário
ao pleno funcionamento em todas as unidades, com revisão do orçamento
consignado para o presente exercício; Garantia de estrutura, composição
de pessoal, orçamento de custeio e de pessoal das novas Reitorias; Consulta
à comunidade dos campi que passarão a cada nova reitoria, indicando ao
cargo de Reitor(a) servidor(a) da casa por ela escolhido(a); Cumprimento
do mandato dos atuais diretores de campus; Autonomia das atuais reitorias
na condução, supervisão, orientação e implantação do reordenamento; e
Impacto do teto de gastos, estabelecido na Emenda Constitucional 95, que
estrangula ainda mais o orçamento de funcionamento e investimento da
Rede Federal. (CONIF, 2021)
Sem a garantia de elementos estruturantes a proposta de reordenamen-
to encontrou resistência junto ao CONIF e as Instituições que compõe a
Rede Federal. É essencial estruturar e consolidar as instituições existentes,
o que será viável somente quando os limites do Estado ultraneoliberal e da
EC n.º 95 forem definitivamente superados, pois, a consolidação das insti-
tuições pressupõe aporte de recursos e orçamentos, para assegurar que estas
continuem efetivar ensino, pesquisa e extensão e a garantia do fazer científico
(LEHER, 2019c)
253
A recusa à proposta apresentada pelo Executivo, foi progressivamente,
sendo construída na Rede Federal. Em plenária organizada pelo SINASEFE
Nacional em 17 de setembro de 2021, da qual participaram membros da ban-
cada parlamentar, representada pelas parlamentares Deputada Alice Portugal,
Deputada Fernanda Melchionna, Deputada Maria do Rosário, Senador Jean
Paul, representantes sindicais e 8, dos 11, Reitores convidados para a reunião
no MEC — não participaram da plenária os Reitores do IFSP, IFRO e IFPA.
Todos os participantes, de forma enfática, se colocaram contrários ao reor-
denamento e as políticas intervencionistas na Rede Federal promovidas pelo
Governo Bolsonaro.
Ao longo dos 20 dias para consultas as comunidades, houve notas e
manifestações das comunidades e entidades representativas, com o objetivo
de tentar barrar o projeto, sendo um período de movimentações intensas
para a construção de movimentos contra-hegemônicos. Após transcorrido os
vinte dias para a realização de consultas as comunidades, das onze Reitorias
que participariam do reordenamento, dez se posicionaram contrárias ao reor-
denamento, dado as devolutivas de suas respectivas comunidades. Apenas a
Reitoria do IFSP apresentou uma nota dúbia, gerando dúvidas quanto sua
adesão ou negativa do reordenamento, ainda que a comunidade tenha se
posicionado contra a proposta, após consulta pública.
Frente a falta de clareza de orçamento e do aparente interesse político
de aparelhamento do CONIF, a proposta de reordenamento foi negada pelas
comunidades. A negativa pelas instituições decorre desta ser compreendida
como um enfraquecimento das instituições já existentes.
Compreende-se que tanto o PL n.º 11.279, quanto a Proposta de
Reordenamento são consonantes, encaminhando mais uma tentativa de in-
tervenção na autonomia institucional e de descaracterização da Rede Federal,
como espaço de formação humana com qualidade socialmente referenciada.
Para então consolidar uma Rede Federal limitada pelo tecnicismo e pelas
demandas de formação de mão de obra para um capital em crise estrutural.
O que observamos no ano de 2021 com a proposta de reordenamento,
e em paralelo aos debates já travados até aqui, temos a confirmação do pensa-
mento de Mészáros (2011), no contexto de crise estrutural intensificam-se as
mazelas vivenciadas pela classe trabalhadora, precarizando a vida, a formação,
254
o trabalho e as relações, para que esta estrutura garanta condições de reprodu-
ção renovação e reconfiguração do capital.
Os ataques a autonomia da Rede Federal, objetivam a reconfiguração
da formação dos trabalhadores, com vistas a adequar os processos formativos
ao contexto desagregador da crise estrutural do capital. As intervenções na
autonomia institucional da Rede Federal, seja via orçamento, precarização da
formação, precarização do trabalho docente, flexibilização curricular, tentati-
vas de descaracterização institucional e proposta de reordenamento, dialoga
com a concepção filosófico e pedagógica que orientou o Novo EM e busca
utilizar a estrutura de excelência da Rede Federal para a formação do traba-
lhador que atuará no contexto de crise estrutural do capitalismo, segundo
Lavoura e Ramos (2020), alicerçada na concepção de homo economicus.
No contexto de crise estrutural, as relações se tornam ainda mais cor-
rosivas e degradantes para a classe trabalhadora, a lógica do capital é posta
como o guia condutor da vida e do Estado. O processo de formação humana
fica condicionado as necessidades da crise estrutural do capital, demandando
a formação para um trabalhador que atuará em um mundo do trabalho inós-
pito, sem direitos sociais, sem emprego e sem garantias de existir.
Para certificar essa descaracterização e precarização, observou-se ao lon-
go do período ultraneoliberal as ações e tentativas intervencionistas na auto-
nomia das instituições, como serão expostas a seguir, analisamos, no entanto,
que estas enfrentaram mobilizações de resistência como analisaremos a seguir.
A proposta de reordenamento, desdobramento do PL n.º 11.279, não
fora consolidada, no entanto, se enquadra no grupo de tentativas de desca-
racterização e de interferência na autonomia institucional, na sequência ana-
lisaremos, outras materializações da restrição de autonomia da Rede Federal,
expressa na não nomeação dos Reitores eleitos.
5.3 A escolha dos dirigentes: uma intervenção
estratégica para o avanço utlraneoliberal
Como exposto no principiar deste capítulo, para a garantia da autono-
mia de uma instituição de ensino diversos elementos carecem de ser assegu-
rados, dentre eles pontuamos de suma importância a nomeação do dirigente
escolhido por suas comunidades.
255
A Rede Federal, diferente das UFs (que possuem a legalidade da lista
tríplice), tem garantida pelo Decreto n.º 6.986 de 20 de outubro de 2009
(BRASIL, 2009), a nomeação pelo Presidente do candidato mais votado e
escolhido pelas comunidades acadêmicas. Esse Decreto estabelece a garantia
da autonomia da Rede Federal quanto a escolha de seus dirigentes máximos,
no entanto, os governos ultraneoliberais buscaram aplicar alternativas e sub-
terfúgios para a subversão desta prerrogativa legal.
Ao longo do período ultraneoliberal recorrentes tentativas interven-
cionistas na direção das Instituições pertencentes a Rede Federal ocorrera.
Tendo em vista que os governos ultraneoliberais buscam restringir a ordem
democrática, mas utilizando os próprios mecanismos e procedimentos da or-
dem burguesa, observou-se um avanço autoritário pela utilização de Medidas
Provisórias (MP), sendo decisões unilaterais que atendem aos interesses do
Executivo e seus grupos aliados. Apesar de as MPs possuírem um caráter
antidemocrático, são legítimas e viáveis no Estado burguês brasileiro e foram
amplamente utilizadas nos governos ultraneoliberais.
Dentre as MPs que afetaram diretamente a autonomia da Rede Federal
destacamos a MP 914 (BRASIL, 2019b) e a MP 979 (BRASIL, 2020), ambas
versavam sobre a escolha dos dirigentes máximos das instituições, buscando al-
ternativas autoritárias para romper com o Decreto n.º 6.986. (BRASIL, 2009).
A MP 914 de 24 de dezembro de 2019, “Dispõe sobre o proces-
so de escolha dos dirigentes das universidades federais, dos IFs e do
Colégio Pedro II” (BRASIL, 2019b), estabelecendo que a nomeação
do dirigente ficasse a cargo da vontade presidencial, tal qual expres-
so no Art. 6.º “O reitor será escolhido e nomeado pelo Presidente da
República entre os três candidatos com maior percentual de votação
(BRASIL, 2019b). No entanto, a legislação que sustenta as instituições
pertencentes à Rede Federal garante a nomeação imediata do candidato
mais votado no pleito eleitoral.
Ao instituir o critério de lista tríplice e nomeação vinculada à vontade
presidencial, há a tentativa de ruptura com as legislações criadoras dos IFs, e
com a característica democrática da Rede Federal, retirando a autonomia das
instituições, desrespeitando a escolha da coletividade, tornando o cargo de
Reitor um instrumento de controle do Governo.
256
Outra importante alteração de retrocesso apontada na MP 914 é a
retirada da proporcionalidade entre os seguimentos nos pleitos, afastando a
Rede Federal de eleições paritárias. Determinava que nos pleitos eleitorais os
pesos 70% docentes, 15% Técnicos Administrativos e 15% Estudantes. O
que garantiria a revogação do Art.º 12 da Lei de Criação dos IFs (BRASIL,
2008) o qual estabelecia o peso de 1/3 para cada um dos três seguimentos que
compõe a comunidade acadêmica.
Em concordância com Tragtenberg (2004), o modelo paritário tem a
potencialidade de igualar as forças dos três seguimentos e ampliar a demo-
cracia. Buscando a equiparação entre os diferentes sujeitos que compõe as
instituições de ensino e respeitando suas especificidades.
Conforme o texto da MP 914 ficava estabelecido em seu Art.º 7 possibi-
lidades e caminhos que viabilizariam a intervenção do presidente na escolha de
Reitores pró-tempore, os chamados intervencionistas, “[...] II —na impossibi-
lidade de homologação do resultado da votação em razão de irregularidades ve-
rificadas no processo de consulta” (BRASIL, 2019b). Garantindo, pela via legal
os processos intervencionistas, disfarçados de democracia, para afastar Reitores
eleitos que não sejam da mesma concepção ideológica do atual governo.
Manifestou-se em Nota Pública contrário à MP, o CONIF no dia 26
de dezembro. Assim sendo, CONIF (2019) destaca que a MP n.º 914/2019
“[…] surge na contramão da democracia, fere a lei de criação dos institutos
federais (Lei n.º 11. 892/2008) e, de forma inadequada, se sobrepõe à auto-
nomia das instituições”.
O CONIF pontuou que a MP 914 representava um aprofundamento
antidemocrático, retrocedia em pleitos eleitorais paritários, à democracia e à
autonomia, sendo imprescindível buscar alternativas para reverter a MP em
prol da manutenção exitosa da Rede Federal.
A temática da MP n.º 914/2019 não dispunha requisitos necessários
para se fazer indispensável, não havia urgência legal para a alteração da le-
gislação, mas sim existia o intuito e o interesse de encontrar caminhos que
viabilizassem a intervenção nas Instituições de Ensino Federal. Os represen-
tantes do ultraneoliberalismo, que buscavam precarizar a formação ofertada e
alinhar as instituições da Rede Federal aos desígnios do capital, pretendiam a
redução progressiva da autonomia institucional, como estratégia de controle.
257
A MP foi submetida ao Congresso e fora estruturada uma Comissão
Mista para apreciação do texto, nesta comissão foram propostas 204 Emendas,
dada a inconsistência do texto a mesma não entrou na pauta de votações per-
manecendo na mesa diretora da Câmara até 1 de junho de 2020, quando
perdeu validade e seu caráter de lei.
Dado que a, MP não foi aprovada no Congresso, o Governo ficava
proibido de propor o conteúdo desta para a apreciação novamente pelos pró-
ximos 180 dias. No entanto, em 9 de junho de 2020, as Instituições Federais
de Ensino foram surpreendidas com uma nova ameaça a sua autonomia na es-
colha dos dirigentes, com a proposta da MP n.º 979/2020. (BRASIL, 2020).
O Governo Federal, valendo-se da Pandemia do COVID-19, propôs
um novo modelo intervencionista o qual, “Dispõe sobre a designação de di-
rigentes pro-tempore para as instituições federais de ensino durante o perío-
do da emergência de saúde pública de importância internacional decorren-
te da pandemia da covid-19 [...]” (BRASIL, 2020). Diante do descontrole
da Pandemia do COVID-19 no Brasil, garantir que as Instituições Federais
de ensino não realizassem eleições no transcurso da Pandemia garantiria ao
Governo, possibilidade de intervenção em, pelo menos, sete reitorias que já
haviam previsão de realização de Consultas as Comunidades em 2020, dado
o encerramento dos mandatos — IFMA, IF Sudeste MG, IFNMG, IFMT,
IFFar, IFRR e IFSP.
Apesar de propor um severo ataque à autonomia institucional, a MP
979 foi devolvida à casa civil, em 18 de junho de 2020, considerando que ela
versava sobre o mesmo assunto da MP n.º 914/2019, logo rompia com os
preceitos legais. Ainda que MP 914 Brasil (2019b) e a MP 979 Brasil (2020)
caíram em desuso, não estando mais em vigor, estas configuram tentativas na
esfera política e legal de interferências na autonomia das Instituições perten-
centes à Rede Federal26,.
26 Destaca-se que não apenas a Rede Federal que está vivenciando processos intervencionistas, as
Universidades Federais também estão passando por tais situações, assim agrupamos, com vistas
a elucidação a cronologia intervencionista Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD),
Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Universidade Federal do Recôncavo
Baiano (UFRB), Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Centro
Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (CEFET-RJ), Universidade Federal do Ceará
(UFC), Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Universidade da Integração Internacional
258
Em paralelo a estas tratativas, supostamente legais, o governo atuou,
a partir de 2019, para garantir as intervenções em três instituições da Rede
Federal, o CEFET-Rio, IFRN e IFSC. Instituindo de modo autoritário, pro-
cessos administrativos e fomentando critérios que inviabilizavam as posses
dos dirigentes eleitos. Criaram subterfúgios pseudo-legais para descumprir
a legislação vigente — Lei 11.892/2008 (BRASIL, 2008) e o Decreto n.º
6.986 (BRASIL, 2009) nos pontos que versam sobre as eleições e autonomia
das instituições.
O Governo Federal se valeu de subterfúgios para inserir Reitores inter-
ventores. Na Rede Federal a primeira intervenção de fato ocorreu no CEFET-
Rio, em agosto de 2019. A eleição ocorreu em abril e o resultado havia sido
confirmado pela comissão eleitoral em maio. O processo intervencionista ini-
ciou após a chapa derrotada no pleito questionar o resultado da eleição. Em
sequência foi instaurado um processo de averiguação das eleições, resultando
na não nomeação do Reitor eleito Maurício Motta e a nomeação de um in-
terventor em agosto.
Para legitimar a intervenção, aparentar cumprimento democrático, o
Governo publicou o Decreto n.º 9.908 de 10 de junho de 2019, que esta-
belece “[…] a designação de Diretor-Geral pro tempore de Centro Federal
de Educação Tecnológica, de Escola Técnica Federal e de Escola Agrotécnica
Federal, na hipótese de vacância do cargo” (BRASIL, 2019c). O referido
Decreto foi elaborado como uma resposta à situação de incerteza criada no
interior do CEFET-RJ acerca da posse do dirigente.
O MEC justificava a intervenção pela necessidade de averiguação do proces-
so eleitoral, o qual havia sido denunciado e questionado pelo perdedor do pleito.
Em 16 de agosto de 2019, o MEC nomeou o interventor Maurício Aires
Vieira como dirigente do CEFET-Rio, baseado no Decreto n.º 9.908/2019.
Salientamos que o interventor não pertencia ao quadro de servidores da insti-
tuição, ampliando e agravando o quadro intervencionista. Para cumprimento
da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES),
Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Instituto Federal de Santa Catarina
(IFSC), Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), Universidade Federal do Semi-Árido
(UFERSA), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Sul e
Sudeste do Pará (Unifesspa), Universidade Federal da Paraíba (UFPB), e nas duas últimas semanas
as Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade Federal Sergipe (UFS).
259
da autonomia, as instituições devem ser conduzidas por representantes eleitos
e que pertençam ao quadro de servidores, a fim de compreender e assegurar
que as especificidades da instituição sejam respeitadas.
A intervenção durou dezenove meses até a posse oficial do dirigente elei-
to, que ocorreu apenas em 25 de março de 2021. A Instituição ao longo desse
período teve a liderança de três interventores Maurício Aires Vieira, Marcelo
Sousa Nogueira e Maurício Castanheira das Neves, situação que gerava incerte-
za frente aos rumos da Instituição pela intervenção e transitoriedade.
Continuidade e constância são requisitos para a condução de uma instituição
de ensino para que projetos sejam realizados, a troca constante, pelo governo, de-
monstrava o descomprometimento dos interventores com os rumos da instituição.
Ao longo do período intervencionista a comunidade do CEFET-Rio
posicionou-se pela garantia da nomeação do dirigente eleito, como defesa da
autonomia institucional.
Menciona-se o momento em que no CEFET-Rio, estudantes e ser-
vidores se uniram para protestar contra a posse e início das atividades do
Interventor em 19 de agosto de 2019, conforme fotos que seguem.
Figura 5: Gabinete Direção do CEFET - Rio
Fonte: Foto/Reprodução/Redes-sociais em 19/08/2019.
260
Figura 6: Organização dos Estudantes Saguão Reitoria CEFET-Rio
Fonte: Foto/Reprodução/Redes-sociais em 19/08/2019.
Figura 7: Protesto Fora Interventor
Fonte: Foto/JAV/Rio em 23/08/2019.
Figura 8: Protestos no Campus Maracanã – RJ.
Fonte: Foto por Fernanda Rouvenat /G1 em 23/09/2019.
261
A comunidade do CEFET-Rio, não conseguiu reverter a intervenção e
a posse dos interventores, no entanto, destacamos a importância destes mo-
vimentos em defesa da autonomia da instituição, sendo estes movimentos,
contra-hegemônicos, estratégicos para estabelecer resistências e demonstrar a
organização política da comunidade educacional.
Na sequência intervencionista, em 2020 a Rede Federal se depara com
duas novas intervenções no IF Santa Catarina (IFSC) e IF Rio Grande do
Norte (IFRN). No findar de 2019 ocorreram consultas as comunidades acer-
ca da escolha dos reitores no IFSC e IFRN, sendo eleitos pelas comunidades
Maurício Gariba e José Arnóbio respectivamente.
Em 20 de abril de 2020, ambas as instituições sofrem intervenção,
os Reitores eleitos foram notificados pelo MEC que suas nomeações não se
concretizariam, dado que respondiam por processos de sindicância em suas
instituições. Resultando na nomeação dos reitores interventores, denomina-
dos pelo Governo de pro-tempores.
O processo de intervenção do IFRN ocorreu através da nomeação de
Josué Moreira em 20 de abril de 2020, este não havia participado do pleito
eleitoral. É importante destacar duas curiosidades, 1. o interventor é filiado
ao partido PSL desde 2018, partido alinhado ao bolsonarismo. 2. ainda que
o interventor não tenha participado da eleição para a Reitoria em 2019, este
apoiou o então candidato à reitoria José Ribeiro de Souza Filho, o qual rece-
beu apenas 3,2% dos votos, o que garantiu a este o 3.º lugar no pleito. Após a
intervenção, José Ribeiro de Souza Filho, foi nomeado ao cargo de pró-reitor
de ensino da instituição.
O quadro do IFRN evidencia as articulações e tentativas de apropria-
ção da estrutura institucional para o atendimento dos interesses dos sujeitos
alinhados ao ultraneoliberalismo.
O reitor eleito José Arnóbio, vitorioso na eleição de 2019, esteve im-
pedido de tomar posse por responder a uma sindicância administrativa, que
se iniciou enquanto este ocupava o cargo de Diretor Geral do Campus Natal
Central e cedeu a estrutura do Campus para a realização de um evento da
Arquidiocese de Natal — intitulado Fé e Política, em 12 de julho de 2019.
Durante o evento circulou no interior da instituição a frase “Lula Livre”, fo-
ram utilizados cartazes e panfletos. Representantes do MBL e do Movimento
262
Escola Sem Partido fotografaram o evento e efetivaram a denúncia acarretan-
do abertura da sindicância administrativa em fevereiro de 2020.
Pontua-se que a defesa alega que o Campus apenas cedeu o espaço,
buscando garantir a ligação da Instituição com a comunidade, não tendo
envolvimento direto com as frases e falas manifestadas pelos membros da
Arquidiocese. Segundo José Arnóbio, durante o processo de averiguação hou-
ve pouca clareza e informações dificultando as estratégias de defesa.
A comunidade estudantil e os servidores se colocaram majoritariamen-
te em defesa da posse do reitor eleito do IFRN, endossando a campanha
político-jurídica para a nomeação. No período da intervenção as entidades
civis organizadas se mobilizaram para pressionar o Governo Federal para a
nomeação do Reitor Eleito, apresentaremos alguns destes momentos.
No dia 11 de agosto, após três meses de intervenção, o IFRN vivenciou
um dos momentos mais complexos da intervenção. Nesta data, estudantes e
servidores do IFRN convocaram um ato na Reitoria para demonstrar a insa-
tisfação da comunidade e defender a autonomia institucional. Durante o Ato
o interventor acionou a Polícia Militar (PM) a qual agiu com elevado grau de
violência contra os estudantes conforme registros disponibilizados pelas en-
tidades. Segundo a reportagem do Jornal Potiguar Notícias, em 11 de agosto
de 2020, durante a ação da PM, “Além de spray de pimenta, alunos foram
agredidos fisicamente. […] Telefones celulares também foram confiscados.
A ação truculenta da PM em articulação com o interventor foi noticiada e
recebida com estranheza pela comunidade, dado o grau de violência direcio-
nado aos estudantes, inclusive da EB — EMI e servidores.
A postura do interventor coaduna com os comportamentos caracteri-
zadores do ultraneoliberalismo, centrados no autoritarismo, violência, ata-
ques as manifestações democráticas e opostos aos trabalhadores, a educação e
a cientificidade. Utiliza-se, a exemplo do período militar, a força policial para
coibir as livres manifestações, como estratégia de silenciamento e combate
aos pressupostos democráticos.
Posteriormente, o SINASEF-RN se reuniu com o SINASEF Nacional
e Diretoria do CONIF, em 26 de agosto de 2020, com o intuito de articu-
lar as lutas coletivas em defesa da instituição e de sua autonomia. Frente a
violência impetrada pelo interventor, alinhado ao ultraneoliberalismo, seria
263
necessário ações mais pontuais, coletivas e em esfera institucional.
Na sequência de organizações o SINASEF-RN convocou dois Atos em
defesa da Instituição, conforme imagens a baixo.
Figura 9: Folder Ato de 17 de setembro de 2020
Fonte: Divulgado por SINASEF–RN em 2020.
Figura 10: Folder Ato de 23 de setembro de 2020
Fonte: Divulgado por SINASEF-RN em 2020.
264
Os protestos convocados pelo SINASEF-RN, foram deliberados em
Assembleia Geral dos servidores da Instituição, ambos buscavam demonstrar
para a comunidade os impactos da gestão interventora de Josué Moreira, para
a oferta de uma educação de qualidade, pública, laica e autônoma. Objetivava
que estes protestos, segundo o SINASEF, se materializassem como atividades
de resistência coletiva em defesa do IFRN. Apresentaremos mediante fotos,
alguns momentos deste movimento.
Figura 11: Primeiro dia de protestos
Fonte: Site SINASEF-RN
Figura 12: Ato de resistência em defesa do IFRN
Fonte: Site SINASEF – RN
Figura 13: Protesto Educação como direito de todos
Fonte: Site SINASEF–RN
265
Figura 14: Encerramento do Ato de 17 de setembro
Fonte: Site SINASEF-RN
Figura 15: Protesto - Intervenção é coisa da ditadura
Fonte: Site SINASEF-RN
A partir da realização dos protestos e das fotos aqui trazidas, ficou evi-
dente que o Reitor eleito contava com o apoio da comunidade e que este
coletivo, ainda que limitado pela pandemia da COVID-19, compreendia a
necessidade e urgência de organizar movimentos de resistência e lutas em
defesa da autonomia da Rede Federal.
Após uma longa batalha político-jurídica, em 11 de dezembro de
2020, por decisão judicial proferida pela 4.ª Vara Federal, José Arnóbio con-
seguiu o direito a sua nomeação, sendo a primeira decisão judicial favorável
à Rede Federal, no âmbito da nomeação dos reitores eleitos e a autonomia
institucional. Sendo uma decisão judicial, a mesma foi cumprida pelo MEC.
266
A nomeação de José Arnóbio para a reitoria ocorreu em 21 de dezembro de
2020 com data retroativa de 18 de dezembro de 2020.
No que concerne à outra intervenção em curso, destacamos que a in-
tervenção no IFSC se efetivou pela nomeação de André Dala Possa, que ha-
via participado do pleito eleitoral em 2019, ficando em segundo lugar. Este
permaneceu no cargo até a posse do reitor eleito, ainda que sob pressão da
comunidade e das entidades representativas.
A negativa de posse, segundo Maurício Gariba, se deu a partir de uma
articulação da antiga gestão do IFSC, o MEC e a Controladoria Geral da
União (CGU), referente a um processo de sindicância, instaurado pela antiga
reitoria contra Maurício Gariba em 2018, referente a instalação de catracas
para o Campus Florianópolis, que ocorreu entre os anos de 2011 a 2013,
período em que este era o Diretor Geral do campus.
Às vésperas da eleição de 2019 a reitoria abriu uma sindicância e en-
viou todo o processo para a CGU de Santa Catarina, a qual encaminhou
o processo para Brasília, todos os trâmites da Reitoria e da CGU de Santa
Catarina, ocorreram sem o conhecimento de Maurício Gariba, o qual foi
apenas notificado desta sindicância, em janeiro de 2020, após a sua eleição.
A partir das informações obtidas com Maurício Gariba, acerca do
modo escuso como foi realizada a abertura da sindicância, que impediria sua
posse, ponderamos que novamente os representantes alinhados ao ultraneoli-
beralismo, se valeram de ritos legais para justificar ações truculentas, violen-
tas, autoritárias, com o intuito de ferir a autonomia institucional.
O IFSC vivenciou uma intervenção longa, sendo que apenas em 9 de
agosto de 2021 o Reitor Maurício Gariba foi finalmente nomeado, tal qual
nas outras instituições, o processo de intervenção contou com resistência de
servidores e estudantes.
As mobilizações no IFSC foram majoritariamente organizadas de modo
digital, tendo sido realizadas três semanas de debates intituladas “Semana de
Luta pela Democracia no IFSC” com primeira edição em agosto de 2020, a
segunda em dezembro de 2020 e a terceira em março de 2021, todas orga-
nizadas pela Resistência Estudantil Contra os Cortes na Educação (RECCE)
e pelo Conselho de entidade de base Elenira Oliveira Vilela IFSC (CEB) em
suas redes sociais. Estes eventos disponibilizaram palestras e mesas redondas
267
de intelectuais e estudiosos da educação, debates entre membros do movi-
mento estudantil e sindicatos, viabilizou o encontro dos reitores eleitos e
não empossados, sendo que estes expuseram de forma detalhada os condi-
cionantes que inviabilizavam suas posses, relatos e dados que, também, após
averiguação, foram utilizados como fonte de dados na pesquisa.
Em meio a estas semanas de debates virtuais, em setembro de 2020, fora
convocado Ato Público contrário a intervenção, conforme imagens a seguir.
Figura 16: Plenária Virtual IFSC
Fonte: RECCE
Figura 17: Ato Público IFSC
Fonte: RECCE
268
As organizações e atos em defesa do IFSC foram mais pontuais e espe-
cíficos a canais digitais, em virtude da Pandemia do COVID-19, e poderiam
articular as diferentes Instituições que sofriam processos intervencionistas,
objetivando atuar como canal de denúncia do autoritarismo sofrido. A ins-
tituição foi a última da Rede Federal a superar a intervenção e garantir que
a vontade da comunidade e sua autonomia fossem efetivamente cumpridas.
Nos três casos apresentados, ocorreram mecanismos que perspecti-
vavam intervir nas Instituições, desconsiderando critérios de presunção de
inocência, com processos jurídicos e administrativos escusos, desconexos de
temporalidade, circunstanciais, tendenciosos e que protelavam a garantia le-
gal da nomeação do candidato mais votado pelas comunidades.
Estas intervenções geraram um clima de incerteza em toda a Rede
Federal, pois em todos os pleitos eleitorais que ocorria ou futuramente acon-
teceriam pairava no ar o questionamento se as vontades das comunidades
seriam respeitadas. A não nomeação de um Reitor é algo grave, pois altera
toda a dinâmica institucional, é esta figura que nomeará diretores, pró-reito-
res e toda a equipe de trabalho que alicerça a instituição. Sem a garantia da
nomeação dos Reitores eleitos, tal qual no orçamento detalhado no capítulo
anterior, as instituições passam a atuar no âmbito da incerteza e da inseguran-
ça, ficando sua autonomia ameaçada.
As lutas em defesa da autonomia das instituições federais e garantia
das nomeações dos primeiros colocados nas eleições não se restringiu a esfera
civil. Em 26 de maio de 2021 o Supremo Tribunal Federal (STF) deliberou
acerca da derrubada das intervenções na Rede Federal, visto que as mesmas
são inconstitucionais.
Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 6.543 foi ajui-
zada pelo PSOL, em tentativa de defesa da Rede Federal, com ênfase na
intervenção realizada no CEFET-Rio, por meio da derrubada do Decreto n.º
9.908/2019. A ação tinha como relatora Cármen Lúcia, sendo que sete dos
Ministros votaram acompanhando a relatora, o único voto a favor das inter-
venções foi do Ministro Kassio Nunes Marques — ressalta-se que este era o
único Ministro do STF indicado por Bolsonaro e que manifesta decisões ple-
namente alinhadas ao ultraneoliberalismo e aos interesses antidemocráticos
do Governo Federal.
269
A ADI n.º 6.543, STF (2021, p. 33) profere a seguinte decisão, “O
Tribunal, por maioria, julgou procedente o pedido para declarar a incons-
titucionalidade do parágrafo único e do caput do Art. 7.ºA do Decreto n.º
4.877/2003, acrescentado pelo Decreto n.º 9.908/2019, nos termos do voto
da Relatora, vencido o Ministro Nunes Marques […]”.
O voto da relatora acerca da inconstitucionalidade do Decreto basea-
va-se conforme expresso em STF (2021) na afronta da autonomia, da gestão
democrática no ensino público, na isonomia, na impessoalidade e na propor-
cionalidade, elementos estes previstos, garantidos e demandados pela CF e
ainda ressalta a falta de determinantes e especificações quanto aos requisitos
que podem resultar no impedimento de posse e não estabelece o tempo de
duração do mandato do reitor pró-tempore. Elementos que tendem a gerar
grau elevado de discricionariedade, deliberações unilaterais e rupturas com os
ritos democráticos que são essenciais para as Instituições e para a sociedade.
Diante do resultado, o Governo Bolsonaro, por intermédio do MEC,
ficou impedido de intervir no resultado das eleições das comunidades, de-
vendo obrigatoriamente nomear o primeiro colocado das eleições. Sendo que
esta decisão se estende para as outras Instituições pertencentes à Rede Federal
de Educação. A decisão do STF (2021) foi crucial para impor limites nas
intervenções e ataque a autonomia, com relação à escolha de reitores e ruptu-
ras com a normalidade democrática que faz parte da estrutura legal da Rede
Federal de Educação.
A ofensiva contra a autonomia da Rede Federal não foi silenciada com
a deliberação jurídica, o autoritarismo ultraneoliberal permaneceu atuando
para fragilizar a institucionalidade, sendo que a problemática do orçamento
permaneceu viva nos anos de 2021 e 2022 e acrescida da proposta de reorde-
namento, como abordados na seção anterior.
5.4 Os movimentos contra-hegemônicos
opositores ao desmonte da Rede Federal
Apesar das ações de cerceamento e descaracterização promovidas pelo
Governo Federal, observam-se tentativas pontuais de resistências dos setores
da sociedade civil. O processo de construção de resistência da sociedade ci-
vil organizada demostra que não foi construído em plenitude os consensos
270
necessários para o completo desmonte e destruição da EPT ofertada na Rede
Federal de Educação, tal qual objetivado pelos representantes das frações da
burguesia. As resistências foram essenciais para o frear a ofensiva autoritária, fi-
nanceirizada e mercantilizada, contrárias a educação em geral e à Rede Federal.
A análise desta seção deve se efetivar à luz dos capítulos precedentes,
que demonstram os movimentos ultraneoliberais para a precarização e desca-
racterização da Rede Federal.
Partimos da apresentação das mobilizações de 2019. O ano de 2019 foi
palco para a construção de mobilizações em defesa da Rede Federal, em sua
maioria fomentadas pelos ataques à autonomia orçamentária, iniciaram-se
mobilizações contra-hegemônicas em defesa da institucionalidade da Rede
Federal, da recomposição orçamentária e autonomia financeira.
A primeira ação que perspectivava frear a redução da autonomia da
Rede Federal, no período ultraneoliberal, acontece por dentro da institucio-
nalidade da política burguesa, com a reconstrução da Frente Parlamentar em
Defesa dos Institutos Federais de Ciência e Tecnologia.
A Frente se reuniu em fevereiro de 2019 e tinha como objetivo
garantir a autonomia e as garantias básicas de existência da Rede Federal.
Dentre as principais pautas se destaca, as lutas pela recomposição do or-
çamento, estímulo as Emendas Parlamentares para a Rede Federal, a re-
versão da EC n.º 95, acompanhamento da política de consolidação dos
campus existentes, continuidade da expansão, revogação da Portaria n.º
028/2017 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, a
aprovação da política nacional da assistência estudantil para os Institutos
Federais, mobilização contra o PL n.º 11279/2019, dentre outras deman-
das. Na ata de instalação da Frente ficou estabelecido que em 8 de maio
haveria uma reunião ampliada entre a Frente, a diretoria do CONIF e
Reitores a fim tratar acerca das demandas de resistência.
No mês de março de 2019 foi protocolado na Câmara dos Deputados
o Requerimento n.º 871, elaborado pelo Deputado Reginaldo Lopes – PT,
para o Registro da Frente Parlamentar em Defesa dos Institutos Federais de
Educação Ciência e Tecnologia.
As entidades representativas, as quais destacamos CONIF, Comissão
de Educação e Frente Parlamentar articulavam-se pela recomposição do
271
orçamento, pois sem as prerrogativas orçamentárias seriam inviáveis a exis-
tência e manutenção das Instituições.
Compreendia-se no momento, que o orçamento minimizado — como
demonstrado no capítulo anterior, seria insuficiente, carecendo de uma reor-
ganização das destinações da União à Rede Federal. No entanto, o movimen-
to foi surpreendido, com o já mencionado, contingenciamento de 2 de maio.
No dia 8 de maio de 2019, conforme previsto na ata de criação da
Frente, foi iniciado o ciclo de atuação e reuniões da Frente Parlamentar com
as entidades representativas da Rede Federal e com os representantes do
Governo Federal, porém agravados pelo contingenciamento, tornando as lu-
tas mais imediatas e pontuais. A primeira reunião teve como temática a rever-
são do contingenciamento de 30% do orçamento de despesas discricionárias.
Os primeiros quinze dias do mês de maio de 2019 contaram com di-
versas reuniões e ações lideradas pelo CONIF e parlamentares, para dialo-
gar com o então secretário de Educação Profissional e Tecnológica do MEC,
Ariosto Antunes Culau27 e com o então Ministro Abraham Weintraub. As
reuniões objetivavam pressionar e demonstrar o papel social, educacional e
estratégico da Rede Federal, bem como a impossibilidade de continuidade
desta em um contexto de contingenciamento orçamentário.
Os diálogos foram travados e estabelecidos com os representantes do
Governo responsáveis pela pasta da educação, no entanto, eram infrutífe-
ros, pois nestas negociações era transmitido aos Reitores e representantes da
Frente Parlamentar que não estava ocorrendo um corte, mas sim um con-
tingenciamento que poderia ser revertido em momento oportuno, logo a
problemática orçamentária permanecia presente e se apresentava limitante.
Ainda que a possibilidade de recomposição orçamentária existisse,
27 Compreende-se neste trabalho a necessidade de personificar os agentes que atuam na materialização
da política ultraneoliberal.. Culau é um economista e servidor de carreira vinculado ao Ministério
da Economia, este assumiu a SETEC em abril de 2019 e ficou no cargo até setembro de 2020,
na sequência assumiu a Secretária Wandemberg Venceslau Rosendo dos Santos, este também
economista, e possuí atuação na elaboração de políticas públicas junto ao ministério da economia,
posteriormente em 01 de julho de 2021 Tomás Dias Sant’Ana tornou-se o novo Secretário da
SETEC, este possuí graduação em Ciência da Computação e é servidor de carreira da UFLA.
É válido mencionar que os três secretários que atuam na efetivação e materialização da política
ultraneoliberal para a EPT possuem formações distantes de compreensões pedagógicas.
272
voltamos a ideia expressa neste texto que a educação carece de planejamento,
não sendo possível atuar no âmbito das incertezas. É essencial previsibilidade
para um projeto de qualidade.
No anseio de garantir uma educação pública de qualidade, o CONIF
iniciou uma agenda de trabalhos em defesa do orçamento da Rede Federal,
sendo que a primeira ação foi a convocação do Secretário Ariosto Antunes
Culau para participar da 95.º Reunião do CONIF, realizada no dia 7 de maio.
No mesmo dia, os membros do Conselho, realizaram reuniões com Senadores
de seus respectivos estados para abordar a problemática orçamentária.
No dia seguinte, 8 de maio, os Reitores realizaram reuniões com os Deputados
Federais de seus respectivos estados e na sequência ocorreu reunião com a Frente
Parlamentar em defesa dos Institutos Federais. E dia 10 de maio ocorreu uma reu-
nião da diretoria do CONIF com o Ministro Abraham Weintraub.
As reuniões lideradas pelo CONIF com o MEC e parlamentares que
ocorreram entre os dias 7 a 10 de maio buscavam alterar a correlação de for-
ças e as intencionalidades governamentais que circundavam a Rede Federal,
no entanto, estes debates esbarravam na força e nas intencionalidades dos
agentes do ultraneoliberalismo.
Pontuamos que na reunião dos dirigentes do CONIF com a Frente
Parlamentar o então Presidente do Conselho afirmou que,
Nossas articulações deveriam ser para buscar mais recursos para a con-
solidação e expansão de nossas unidades, no entanto, estamos numa
peregrinação de reuniões e conversas para tentar converter o que estava
aprovado e previsto na Lei Orçamentaria Anual (LOA). Com o bloqueio,
a manutenção de nossos projetos de pesquisa, extensão e inovação cor-
rem riscos. Temos compromisso com servidores, alunos e a comunidade
(JERÔNIMO RODRIGUES DA SILVA – PRESIDENTE DO CONIF
E REITOR IFG - 09/05/2019).
Diante deste registro, fica evidente a impossibilidade de manutenção
dos trabalhos da Rede Federal em esfera nacional, tendo em vista que desde
2016 vivenciava quedas orçamentárias inencomiáveis com a atuação, tama-
nho e finalidades da Rede Federal. As quedas orçamentárias expressadas, de-
monstram que com o avanço do ultraneoliberalismo, as instituições garanti-
doras de ensino foram negligenciadas e inseridas na lógica da economicidade,
273
com vistas a diminuir o gasto do Estado com a oferta e garantia do direito
constitucional à educação. A situação orçamentária destacada, é um dos des-
dobramentos e materializações da EC n.º 95 que limita o orçamento social e
restringe os gastos obrigatórios.
A fala do então Presidente do CONIF elucida a necessidade de recom-
posição, ao menos do valor mínimo, já sucateado, previsto na LOA, tendo
em vista que estes montantes não mais estão assegurados com o contingen-
ciamento. Destaca-se também, que diante esta limitação orçamentária, ficava
assegurado apenas o ensino, havendo a ruptura com o tripé estruturante da
Rede Federal. Rompendo assim, com a caracterização da instituição, que se
assenta em formações mais amplas de ensino, pesquisa, extensão e inovação.
Em continuidade à agenda do CONIF, em 9 de maio, o coordenador
da Câmara de Administração do CONIF, Charles Okama, em reunião com o
secretário de Educação Profissional e Tecnológica do MEC, Ariosto Antunes
Culau, afirmou que,
Já reduzimos e tentamos minimizar as consequências de adequações orça-
mentárias de anos anteriores. Não é possível fazer mais nada daqui adian-
te. Necessitamos de esclarecimentos consistentes e da manutenção do
diálogo para reverter o bloqueio. Precisamos de recursos para continuar
atendendo à comunidade (CHARLES OKAMA – 09/05/2019).
O que o coordenador expressa demonstra que sem a garantia orça-
mentária não é possível manter e preservar a qualidade e continuidade dos
serviços às comunidades que são atendidas pela Rede Federal.
Finalizando o dia 9 de maio, o CONIF torna público a “Nota oficial
sobre o bloqueio do orçamento”. A nota expressa preocupações quanto aos
custos com matrículas, excelência da educação ofertada na Rede Federal e a
urgência para a recomposição orçamentária. Destacamos o seguinte trecho
da Nota Oficial,
O Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) imprime esforços para re-
verter o bloqueio de 30% do orçamento das instituições federais de ensino
– aproximadamente R$ 900 milhões – que representam de 37% a 42%
dos recursos de custeio previstos para o funcionamento das unidades.
274
Nessa perspectiva, todas as providências possíveis e necessárias têm sido
adotadas pelo colegiado desde o anúncio da medida pelo Ministério da
Educação (MEC), em 30 de abril. […] a agenda construída pelo Conif
prioriza o diálogo para que as atividades sejam continuadas e as unidades
recebam o fomento necessário para a manutenção dos resultados de pes-
quisa, inovação e transferência de tecnologia. Nesse sentido, referências
e estatísticas oficiais dos quatro últimos exercícios registram simultanea-
mente o aumento das ofertas e a redução do orçamento.
Portanto, é legítima a afirmação de que as instituições já adotaram todos
os redimensionamentos e adequações factíveis no que se refere a serviços
essenciais como energia elétrica, água, internet, alimentação, limpeza, ma-
nutenção, vigilância e outros.
Assim sendo, o colegiado acredita na compreensão do Poder Executivo e
defende a reversão do bloqueio de modo a evitar a possibilidade de judi-
cialização (NOTA OFICIAL CONIF – 09 DE MAIO DE 2019)
A Nota socializada pelo CONIF expressa a preocupação e insatisfação
do Conselho frente o avanço do contingenciamento e demonstram que a Rede
Federal atua centrada em pressupostos de qualidade do ensino, pesquisa e ex-
tensão. À medida que os representantes do ultraneoliberalismo introduzem as
restrições orçamentárias, a proposta de educação que alicerça a institucionali-
dade fica ameaçada, o que aqui é entendido como mais uma materialização da
descaracterização da Rede Federal, enquanto proposta político-pedagógica.
Salientamos que o CONIF desde 2017 vem demonstrando preocu-
pação e travando embates em defesa do orçamento da Rede Federal, consi-
derando que apesar da elevação no número de matrículas, observa-se uma
progressiva redução orçamentária, condição esta que foi potencializada com
o contingenciamento de 2019.
Posteriormente em 11 de junho ocorreu uma audiência pública na
Câmara dos Deputados, com a participação do CONIF e versava sobre a
urgência de reversão do contingenciamento, em reportagem disponível na
página do Conselho foi expresso que,
O presidente do Conif aproveitou a oportunidade para detalhar a tra-
jetória de queda dos recursos destinados à Rede Federal. De 2014 a
2019, houve redução de 59% nos investimentos e de 90% nos valores
liberados na Lei Orçamentária Anual (LOA). “Mesmo com a diminuição
275
orçamentária, nossas instituições aumentaram a oferta de cursos para
atender a demanda da sociedade, mas precisamos reverter o contingencia-
mento” (ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO CONIF – 11/06/2019)
A fala do presidente do CONIF, sintetizada nesta reportagem, reforça o
que já se anunciou neste trabalho, acerca dos sucessivos cortes orçamentários
efetivados desde que as tramas do Golpe de 2016 começaram a se desenhar
no interior da política nacional. Apesar das restrições impostas, graças ao
corpo de servidores, estas instituições permaneceram ofertando educação às
comunidades. Não basta atender, é preciso atender nos padrões de qualidade
socialmente necessário, e para tal, é essencial a garantia plena dos recursos.
O corte orçamentário e o clima de instabilidade intensificado a partir
de 2019, precisa ser analisado a partir de Oliveira (1998), e sua compreensão
de que o fundo público, historicamente em disputa pelas classes antagônicas,
é compreendido pelas frações da burguesia nacional como essenciais para
o fortalecimento do capitalismo. Com o advento do ultraneoliberalismo, o
fundo público que transitava entre o atendimento aos interesses da burguesia
e o atendimento aos mais pobres, perde progressivamente esta característica,
passando este a limitar-se aos interesses da burguesia, o que incluí a oferta de
contingentes de trabalhadores precarizados formados a partir da flexibilização
curricular, alinhados aos princípios da acumulação flexível e a ruptura com
formações assentadas em padrões de qualidade. Com o avanço do ultraneo-
liberalismo, vem ocorrendo um processo de desfinanciamento da educação.
As mobilizações em torno do contingenciamento continuaram, foi
então que em 2 de julho ocorreu uma nova audiência pública, esta promo-
vida pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, tendo a pre-
sença de representantes do governo como — Weber Tavares da Silva Júnior,
diretor substituto da Diretoria de Desenvolvimento da Rede Federal de
Educação Profissional, Científica e Tecnológica da Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica (SETEC) do MEC, Wagner Vilas Boas diretor
de Desenvolvimento da Rede de Instituições Federais de Educação Superior
(DIFES), da Secretaria de Educação Superior (SESU) do MEC, mas também
contou com a presença de representantes que defendem a Rede Federal e
da qualidade da educação dentre eles destacam-se o presidente do CONIF
Jerônimo Rodrigues da Silva, o presidente da Andifes Reinaldo Centoducatte,
276
e a vice-presidente do PROIFES Luciene Fernandes. Nesta audiência ficaram
nítidas as concepções diferentes entre os dois grandes grupos antagônicos que
ali estavam, estes posicionamentos expressam-se nas falas que seguem.
Na fala do presidente do CONIF, foi destacado a qualidade de atuação
da Rede Federal, os marcos da expansão e que se refere a um modelo único
de educação pública, ainda evidenciando que até o ano de 2015 as demandas
orçamentárias eram asseguradas pelo governo federal, porém após este ano
inicia-se um período de decréscimo, compatível ao avanço ultraneoliberal,
que se apresenta limitante. Apesar das restrições, afirmou,
Não paramos de crescer – alcançamos o patamar de um milhão de ma-
trículas, e fizemos os ajustes necessários para continuar ofertando nossos
serviços com qualidade” […] os números das nossas instituições são ex-
celentes, entretanto, poderiam ser melhores, mas isso depende de novos
e mais investimentos porque somos propulsores do desenvolvimento hu-
mano. Esta já é a quinta audiência pública da qual participo neste pri-
meiro semestre e manifesto aqui a imprescindibilidade de avançarmos nas
discussões, tratar, por exemplo, da consolidação da Rede (JERÔNIMO
RODRIGUES DA SILVA – PRESIDENTE DO CONIF – 02/07/2019).
Esse discurso é uma defesa à institucionalidade da Rede Federal a qual
carece de ao menos a manutenção de investimentos para permanecer atuan-
do, expandindo e atendendo com qualidade a população que vivência as pos-
sibilidades formativas desta.
No mesmo evento, Weber Tavares falou em nome do governo, reafir-
mando que,
Reitero que julgo incorreto a utilização do termo corte, pois o que ocorreu
foi um contingenciamento, ou seja, uma indisponibilidade temporária de
recursos em razão de questões econômicas do País. O orçamente da Rede
Federal é de R$ 16,7 bilhões e, desse total, apenas sob R$ 2,45 bilhões
interveio o decreto do ministério. Estamos discutindo contingenciamen-
to, mas a urgência dele é setembro ou outubro e o MEC está à disposi-
ção para dialogar e esclarecer questões pendentes nesse sentido (WEBER
TAVARES JÚNIOR – SETEC – 02/07/2019)
A fala do secretário tenta trabalhar o ludibriar dos presentes, expondo a
277
possibilidade e o vir a ser do desbloqueio. Relegando a oferta educacional ao
âmbito do improviso inviabilizando planejamento. “A escola é a instituição
criada com o objetivo de socializar saberes e conhecimentos historicamente
acumulados, mas também construir outros. Assim, ela tem o papel de criar
condições para os (as) estudantes se apropriarem da cultura, até mesmo re-
inventando-a. (CARA, 2019, p. 26)” e para assim ser se torna essencial o
planejamento e o orçamento garantidos. Em um contexto ultraneoliberal, o
que se observa é a restrição do direito ao acesso a uma educação de qualidade
e socializadora de cultura científica à classe-que-vive-do-trabalho.
O processo que se anunciava de redução orçamentária, desde o início das
tramas do Golpe de 2016, almejava a negativa do direito à educação aos traba-
lhadores. A perspectiva de qualidade era secundarizada em meio ao avanço da
mercantilização, o único parâmetro que se avistava e se avista na era ultraneo-
liberal, para a educação, é o parâmetro econômico e a efetivação de adequação
da formação humana aos ditames do capital, como dito por Saviani (2012), a
educação restringe-se a mera formalidade, útil ao capital. Para os ultraneolibe-
rais, não são necessários “gastos” elevados com formação de qualidade.
Paralelo a estes movimentos na institucionalidade e legalidade burgue-
sa, iniciaram-se mobilizações nacionais que foram intituladas de Tsunamis da
Educação, contando com mobilizações, protestos e passeatas em todo país e
nas redes sociais.
O primeiro grande protesto aconteceu em 15 de maio de 2019 este dia
foi denominado Dia Nacional de Greve na Educação, ocorrendo manifestações
em todos os estados do país, posteriormente, em 30 de maio, aconteceu o se-
gundo dia de greve pela Educação, participaram dos Atos predominantemente
estudantes da EB, ES, sindicatos e servidores da educação. Os manifestantes se
colocavam contrários ao contingenciamento das instituições federais, o qual
refletia o processo de mercantilização da Educação Pública Federal.
Vale salientar que a organização que fomentou as manifestações con-
trárias ao corte orçamentário partira da estrutura do movimento estudantil
da Rede Federal, com o suporte dos servidores, apoiados pelo CONIF e por
Parlamentares em defesa da Rede Federal. Estando estes segmentos voltados
a reverter a ofensiva contrária à Educação Pública materializada com o pri-
meiro contingenciamento.
278
Reuniu-se neste momento do texto algumas imagens que elucidam as
movimentações e manifestações da sociedade civil, demonstrando a abran-
gência e as pautas de reivindicações que orientavam os grupos atuantes nos
protestos. Buscou-se demonstrar com as fotos a pluralidade e diversidade
que alicerçava a luta e a defesa das instituições federais de ensino, mas tendo
como foco as imagens relacionadas à Rede Federal.
Figura 18: Protesto com pista fechada pelos manifestan-
tes na Avenida Faria Lima em São Paulo-SP.
Fonte: Wellington Valsechi/TV Globo, 2019.
Figura 19: Manifestantes participam de ato contra cor-
tes na educação na Candelária, no Rio de Janeiro.
Fonte: REUTERS/Pilar Olivares, 2019.
279
Figura 20: Estudantes e professores fazem protesto con-
tra bloqueios na educação em Pretolina-PE.
Fonte: Paulo Ricardo Sobral/ TV Grande Rio, 2019.
Figura 21: Estudantes realizam protesto contra cortes na
Educação no Largo do Rosário em Campinas-SP
Fonte: Alessandro Torres/Futura Press/Estadão Conteúdo, 2019.
Figura 22: Estudantes e professores fazem protesto contra bloqueios na educação em Boituva-SP
Fonte: Jamie Rafael/TV TEM, 2019.
280
Figura 23: Estudantes e professores fazem protesto contra bloqueios na educação em Natal-RN
Fonte: Mariana Rocha/Inter TV Cabugi, 2019.
Figura 24: Estudantes e professores fazem protesto con-
tra bloqueios na educação em Nova Cruz-RN.
Fonte: Fonte: Daniel Barbosa, 2019.
Figura 25: Estudantes e professores fazem protesto con-
tra bloqueios na educação em João Pessoa -PB
Fonte: Walter Paparazzo/G1, 2019.
281
Figura 26: Protesto conta bloqueios na educação em Uberlândia-MG.
Fonte: Paulo Borges/G1, 2019.
Figura 27:Manifestantes participam de protesto contra cortes na educação em Goiânia-GO
Fonte: Rodrigo Gonçalves/G1, 2019.
Observa-se diante destas imagens a pluralidade do movimento em de-
fesa da Educação e contrário aos cortes crescentes feitos pelo Governo, sendo
possível perceber a presença de estudantes secundaristas da Rede Federal,
estudantes das UFs e diversos sindicatos. Ocorre em torno deste movimento
articulação de diferentes sujeitos e entidades, dado a compreensão que não se
282
trata de algo exclusivo de uma instituição, mas sim que afetava o conjunto do
seguimento educacional e por consequência toda a sociedade.
A defesa da educação pública se torna ainda mais necessária em um
contexto de recrudescimento das forças do ultraneoliberalismo, onde a edu-
cação vai sendo ainda mais mercantilizada e conduzida a partir dos pressu-
postos do mercado. A presença de uma multiplicidade etária e de instituições
é simbólico, pois demonstra que as lutas transcendem perspectivas unilaterais
e individualizadas das instituições.
Figura 28: Estudantes protestam contra os cortes em fren-
te ao Colégio Pedro II no Rio de Janeiro.
Fonte: Guilherme Silva/Mídia Ninja, 2019.
Figura 29: Manifestação contra cortes da educação em São Paulo-SP.
Fonte: Fábio Tito/G1, 2019.
283
Figura 30: Manifestação contra cortes na educação em São Paulo-SP
Fonte: Fábio Tito/G1, 2019.
Figura 31: Manifestantes protestam contra bloqueios na Praça
Afonso Pena em São José dos Campos -SP
Fonte: Lucas Lacaz Ruiz/Estadão Conteúdo, 2019.
Figura 32: Estudantes e professores protestam contra bloqueio na edu-
cação na Esplanada dos Ministérios em Brasília-DF
Fonte: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo, 2019.
284
Figura 33: Manifestantes protestam na Praça Santos Andrade em Curitiba-PR
Fonte: Sidney Júnior/Arquivo pessoal, 2019.
Figura 34: Estudantes e professores protestam contra bloqueios na educação em Piracicaba-SP
Fonte: Sidney Júnior/Arquivo pessoal, 2019.
Figura 35: Estudantes e professores fazem protesto con-
tra bloqueios na educação em Pretolina-PE
Fonte: Emerson Rocha / G1 Petrolina, 2019.
285
Figura 36: Estudantes e professores fazem protesto contra blo-
queios na educação em Belo Horizonte-MG
Fonte: Reprodução TV Globo, 2019.
Figura 37: - Mobilização de estudantes e professores do IFPB em Sousa na Paraíba-PB.
Fonte: Beto Silva/TV Paraíba, 2019.
Figura 38: - Estudantes protestam contra cortes na educação em Jataí-GO
Fonte: Ana Paula Azevedo/TV Anhanguera
286
Reuniu-se fotos de alguns protestos realizados nos dias 15 e 30 de maio
de 2019 contrários aos cortes, ao contingenciamento e ao desmonte da edu-
cação. Estudantes de todo país levantaram-se contrários a política educacio-
nal que se anunciava para a Rede Federal e UFs e o fizeram perspectivando
a recomposição orçamentária, dado que se compreende que apenas pela ga-
rantia de orçamento é possível perspectivar a permanência destas Instituições
centradas em ensino, pesquisa e extensão com vistas a manutenção da quali-
dade socialmente referenciada.
Estes protestos, conjuntamente com as movimentações políticas garan-
tiram o recuo e recomposição orçamentária. Não rompia com as ameaças à
autonomia, impetradas pelo ultraneoliberalismo, que tinham como diretriz a
precarização da formação dos trabalhadores.
Em meio a resistências que se materializavam em agendas e protestos,
em 18 de outubro de 2019, o MEC anunciou o fim do contingenciamen-
to com o desbloqueio total dos valores. Em virtude da força política das
Instituições Federais de Ensino, as verbas foram descontingenciadas, mas a
partir de um remanejamento do próprio orçamento do MEC.
Ao longo destes meses que passou por mobilizações, articulações e dois
grandes protestos o estado de luto pelo enfraquecimento da educação federal,
gradualmente foi sendo reconfigurado e tornou-se verbo lutar. Um movi-
mento de luta pelo direito constitucional pela educação.
Esta condição de vigia e de embate em defesa da educação, emergente
no ano de 2019, foi silenciada pelos desafios da pandemia de COVID-19, e o
movimento adormeceu, assim como tantas outras esferas da sociedade, e em
meio a não resistência dos movimentos sociais, em virtude da situação epi-
demiológica se percebeu ao longo dos anos de 2020, 2021 e 2022 tentativas
de desfacelamento da Rede Federal, como demonstrado neste e nos capítu-
los anteriores. A impossibilidade de organização e de mobilização garantiu a
efetivação da fala do Ministro do Meio Ambiente Ricardo Sales em reunião
ministerial, do dia 22 de abril de 2020, amplamente divulgada pela mídia,
Precisa ter o esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tran-
quilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de covid,
e ir passando a boiada, ir mudando todo o regramento e simplifican-
do normas, de Iphan, de Ministério da Agricultura, Ministério do Meio
287
Ambiente, ministério disso, ministério daquilo […] (RICARDO SALLES
- MINISTRO DO MEIO AMBIENTE – 22/04/2020, grifo nosso)
A “boiada” de fato passou em todas as áreas e ministérios, e no que tan-
ge as instituições federais de educação pertencentes a Rede Federal o principal
impacto foi a redução da autonomia por meio do declínio orçamentário e as
tentativas recorrentes de intervenções e de precarização da educação ofertada.
Em conclusão, retomamos o pensamento de Chauí (2003), o qual as-
severa que as universidades são reflexos diretos das estruturas sociais. Deste
modo, se a democracia se expande, há a expansão da autonomia universitária,
mas se a democracia retrocede, a autonomia universitária também sofre aba-
los sistêmicos. Dado o caráter autoritário e caracterizado por princípios de
aprofundamento da autocracia burguesa, o período marcado pelo aprofun-
damento do neoliberalismo, propiciou fragilização da democracia, e assim
sendo, a autonomia das instituições de ensino foi constantemente atacada.
O caráter autônomo das instituições de ensino, estão condicionados
aos arranjos sociais e políticos da sociedade. Diante de um contexto de retro-
cessos democráticos como os vividos no Brasil ultraneoliberal, a garantia da
autonomia está comprometida, ocorrendo diferentes estratégias de redução
da liberdade institucional.
289
CONCLUSÕES
Alcançadas as considerações finais, obtemos o prognóstico de que não
há intenção de esgotar, nesta obra o objeto em análise, em especial, pois a
temática da Rede Federal no contexto de avanço ultraneoliberal é recente e
está em processo constitutivo. Esta pesquisa almejou introduzir os debates e
reflexões do avanço do ultraneoliberalismo na recente Rede Federal, alertan-
do para os mecanismos de descaracterização desta institucionalidade como
intento de ampliação da dominação burguesa.
A Educação Profissional e Tecnológica (EPT) no Brasil, enquanto te-
mática mais abrangente, constantemente é tema de pesquisas, o que demons-
tra a relevância desta para a educação nacional e sua vivacidade, logo haverá
elementos para investigação e novos aprofundamentos.
Diante da conjuntura que foi posta no horizonte da sociedade brasilei-
ra, desde o levante e consolidação do Golpe, a partir de 2016, com o avanço
do ultraneoliberalismo, todas as estruturas sociais da esfera do direito à classe
trabalhadora foram colocadas sob ameaça, sendo que a escola, inevitavelmen-
te, vivenciou tais retrocessos. Diante desta conjuntura, a reforma da educação
torna-se, um imperativo categórico, do modelo social que estava sendo for-
jado no Brasil. A educação foi sendo progressivamente atacada, em especial
a analisada neste trabalho, a EPT de nível médio, ofertada na Rede Federal,
com vistas a precarizar a formação da classe trabalhadora.
No principiar deste trabalho e conforme anunciado, trazíamos como
questão de pesquisa a seguinte indagação: “Quais são as incidências e as con-
sequências do avanço ultraneoliberal no Brasil para a existência do projeto
educacional que alicerça a Rede Federal?”. Frente a esta questão foi possível
depreender em um primeiro momento que há uma incompatibilidade entre
o projeto educacional da Rede Federal e o avanço ultraneoliberal, sendo que
não é possível a manutenção do modelo educacional da Rede Federal, tal qual
290
pensado em sua criação no principiar dos anos 2000, no tempo histórico do
ultraneoliberalismo. Por assim o ser, esta institucionalidade sofreu diferentes
tentativas e ataques por parte dos representantes do ultraneoliberalismo em
busca de garantir o aprofundamento e a retomada plena da dualidade e da
oferta de formações fragmentárias no interior das instituições ofertantes de
EPT da Rede Federal.
Esta pesquisa teve com objetivo geral analisar os impactos, influências e
desdobramentos do avanço da política ultraneoliberal (2016 a 2022) na Rede
Federal de Educação Ciência e Tecnologia.
Em busca de atender este amplo objetivo, delimitamos quatro ob-
jetivos específicos 1. Examinar as características da política nacional e da
política educacional que viabilizara a expansão da Rede Federal e a cria-
ção dos Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia nos anos
2000. 2. Identificar as principais ações de materialização do avanço ultra-
neoliberal e seus desdobramentos na formação da classe trabalhadora. 3.
Problematizar acerca da incompatibilidade existente entre o modelo edu-
cacional de formação humana, proposto pela Rede Federal de Educação,
e o modelo proposto pela contrarreforma do Ensino Médio. 4. Analisar a
autonomia, o financiamento e a conjuntura material da Rede Federal no
contexto ultraneoliberal.
Ao longo de quatro anos, os objetivos foram satisfatoriamente alcança-
dos. A pesquisa em seu princípio contava com duas hipóteses principais que
se mesclam e eram indissociáveis, sendo 1. Que o avanço ultraneoliberal se
apresentava como uma verdadeira ofensiva à manutenção dos direitos sociais
mínimos para a classe trabalhadora e 2. O projeto educacional que alicerça
a Rede Federal é incompatível com as características do período ultraneoli-
beral. As hipóteses levantadas foram sendo progressivamente confirmadas a
medida em que se realizou os estudos dos documentos legais, as proposituras
de leis, os decretos e análises dos dados numéricos de matrículas, orçamentos
e tipologia de cursos ofertados na Rede Federal.
Neste entremeio investigativo, observou-se uma estruturação social de
intensificação, dos processos de sucateamento da classe trabalhadora, eviden-
ciando o acirramento da luta de classes. A burguesia carece de uma escola que
caminhe em paralelo à desagregação e mortificação da classe trabalhadora,
291
pois, quanto mais estranhado e precarizado o mundo do trabalho, mais estra-
nhada é a formação humana.
O ultraneoliberalismo exposto na primeira hipótese foi materializado
na sociedade brasileira a partir das alianças realizadas pelas frações da burgue-
sia em busca da manutenção da autocracia burguesa e ampliação da explora-
ção da classe trabalhadora.
O projeto estruturante da Rede Federal, mesmo restrito em um amplo
espectro de limitações postas pelas irreconciliáveis contradições do capital e da
sociedade de classes, ainda permite e vislumbra que os estudantes se formem
compreendendo as diferentes ciências e sem a hierarquização entre EB e EP.
Ao longo da pesquisa a hipótese exposta na introdução, de que o Brasil
está vivenciando um progressivo ataque aos direitos da classe trabalhadora
na era ultraneoliberal, confirmou-se, pois foi possível observar que diferen-
tes direitos foram sendo progressivamente apartados do cotidiano da classe
trabalhadora. No cerne de retirada de direitos, verificou-se a comprovação
da segunda hipótese, de que no período ultraneoliberal, ocorreram diversas
tentativas e materialização para a descaracterização do projeto educacional
que alicerça a Rede Federal de Educação.
No transcurso, das tentativas e descaracterização realizadas nos anos ul-
traneoliberais, buscou-se o resgatar da dualidade educacional e a ruptura com
a proposta teórica de constituição de um modelo educacional que se preten-
dia integrado para a classe trabalhadora. Concluímos durante a pesquisa que
os governos de cunho ultraneoliberal apresentaram “reformas educacionais
e interferências que objetivavam garantir a oferta de uma formação humana
empobrecida, mínima, aligeirada e superficial para a classe trabalhadora des-
de o EM com tentativas de desmonte da principal tipologia de cursos oferta-
dos pela Rede Federal o EMI.
A perspectiva de “Construção interrompida” usada nesta pesquisa, a partir
das contribuições de Furtado (1992), foram confirmadas ao analisar as tentativas
e materializações da descaracterização da Rede Federal ocorrida ao longo dos anos
ultraneoliberais. O país presenciou, no campo da EPT, um direcionamento de
desmonte do EMI, um desmonte de algo que ainda estava em construção.
O projeto de EMI ofertado na Rede Federal, que ganhou força a partir
da primeira década dos anos 2000, não possuía a força, solidez e vitalidade
292
necessárias, o que facilitou a atuação de contrarreformas de cunho ultraneoli-
beral. Fato este, que permite concluir que o EMI ofertado na Rede Federal —
ainda que positivo e progressista, não concretizou todas as potencialidades,
que estavam na base da proposta educacional e na documentação oficial do
início da política pública, mas ainda assim, tornou-se alvo de tentativas de
desmonte no período ultraneoliberal.
A Reforma do Estado brasileiro, no período ultraneoliberal, é por fun-
damento uma reforma classista, a qual vislumbra a retirada de direitos da classe
trabalhadora em todas as esferas, precarizando ainda mais o existir e, em contra-
partida, garantindo a ampliação do capital e o fortalecimento da burguesia. O
projeto de país que está em curso é de ataque à classe trabalhadora, pois quanto
mais nefastas forem as condições de vida desta classe, maiores são as possibili-
dades de exploração. Leher (2019), também ressalta que este projeto contrário
à classe trabalhadora, que se concretiza no governo Bolsonaro, alicerça-se em
uma postura truculenta e irracionalista, sendo que esta postura adotada é uma
estratégia essencial para a elevação das taxas de lucro do país, assim se garante
um projeto social privatista e de defesa das prerrogativas burguesas.
Conforme o ultraneoliberalismo avançava no Brasil, o país vivenciava a
lapidação de direitos sociais e ampliação da precarização da vida. Sendo que este
avanço ultraneoliberal é compreendido como um desdobramento e uma res-
posta das frações da burguesia nacional ao aprofundamento da crise estrutural.
O modo como o ultraneoliberalismo se efetivou no mundo, em espe-
cial no Brasil, deve ser compreendido como irresponsável no que tange às
garantias sociais. “O sistema socioreprodutivo que seja incapaz de considerar
as consequências de seu avanço, exceto em uma escala míope e dentro de
lapsos muito breves, só pode ser descrito como um sistema de irresponsabili-
dade institucionalizada (MÉSZÁROS, 2011, p. 978)”. Negando sua respon-
sabilidade frente às mazelas sociais, desdobrando-se em crises profundas nas
diferentes dimensões da vida social.
O período ultraneoliberal carrega todas as características avassaladoras
do receituário neoliberal, as aprofundam, e insere aspectos anticientíficos,
irracionalistas, violentos e autoritários nas tomadas de decisões. A ofensiva
ultraneoliberal, ao aprofundar o neoliberalismo, o faz para garantir o atendi-
mento pleno aos interesses das frações da burguesia e, para tanto, rompe com
293
princípios constitucionais e ataca ferozmente a dignidade da classe-que-vive-
-do-trabalho, tornando a democracia brasileira ainda mais restrita.
A perspectiva de democracia restrita, expressa por Fernandes (2005),
esteve presente na historicidade do capitalismo dependente do Brasil. Com o
advento ultraneoliberal esta problemática foi intensificada, e os poucos avan-
ços em direitos sociais para “os de baixo” promovidos pelo neoliberalismo
abrandado do PT, foram repatriados pela burguesia.
Para a efetivação desta democracia restrita, acompanhamos ao longo
dos primeiros anos ultraneoliberais (2016 a 2022) movimentos de reformu-
lações do Estado brasileiro por contrarreformas. No campo específico da edu-
cação, com ênfase na EPT, salientamos que está em curso contrarreformas
educacionais para adaptar a educação para este novo Estado que vem sendo
reformado. A educação profissional passa a ter como elemento norteador
uma nova sociabilidade, a sociabilidade de um mundo do trabalho flexível,
sem direitos e precarizado. A formação que a burguesia almeja com a reforma
da EPT e com a Reforma do EM, efetiva-se para coadunar com precarização
do trabalho. As tentativas de reformulação da Rede Federal, foram efetivadas,
para adequá-la ao projeto em curso.
Diante todas as análises expostas até aqui, podemos considerar que o
capitalismo no período ultraneoliberal, em definitivo, perdeu seu “caráter ci-
vilizatório”, mostrando-se como uma estrutura social destrutiva ao ser huma-
no e benéfica ao capital e sua acumulação. Materialidade que nos leva a con-
cordar com o pensamento de Alves (2013), o qual destaca que o capitalismo,
em nosso tempo histórico, vivencia uma fase de barbárie social do capital.
No atual contexto de crise estrutural do capital, em um período de
capitalismo globalizado, observa-se que as contradições do capital estão acen-
tuadas, e estas desdobram-se no processo de precarização da vida do ser hu-
mano que trabalha. O avanço da crise estrutural exige uma reconfiguração de
toda a estrutura do Estado “democrático” liberal, para garantir a reprodução
do modo de produção, e, neste anseio, observa em um país de capitalismo
dependente como o Brasil, a destruição progressiva de direitos, ameaçando o
existir dos trabalhadores.
A crise estrutural do capital, apresenta-se como a realidade deste tem-
po histórico, sendo esta intransponível na lógica do capital, no entanto, os
294
representantes do capital atual para a reformulação desse modo de produção,
com vistas a encontrar alternativas às crises. Entretanto, Mészáros (2015),
nos alerta acerca das dificuldades e, até mesmo, da impossibilidade de supe-
ração da crise estrutural do capital na lógica liberal burguesa. As contradições
do Estado burguês, e de suas sucessivas reformulações demonstram o esgota-
mento destrutivo desse nosso tempo histórico.
Neste cenário, as diferentes esferas da vida humana adentram uma fase
de barbárie social, no período recente do país, com a ascensão do ultraneo-
liberalismo, o Brasil presenciou os desdobramentos da crise estrutural que
afetou a vida da classe trabalhadora.
Com o advento do ultraneoliberalismo, buscou-se criar as condições
materiais compatíveis com as contradições do capital, deste modo reformu-
lou-se também a educação e em paralelo buscou-se recaracterizar o papel da
Rede Federal na sociedade brasileira. Observamos com o trabalho de pes-
quisa, que a perspectiva que está posta para a reforma da EPT e para a Rede
Federal é a concretização da barbárie social, buscando a ressignificação para
adequação a fase do capitalismo e a conformação do trabalhador para a vida
contraditória do capital.
Neste aprofundamento da crise estrutural vivenciamos reformas pro-
fundas em toda a educação, diante desta, e após as análises contidas nesta
pesquisa, concluímos que o projeto ultraneoliberal para a educação dos traba-
lhadores, em especial de nível médio, objetiva condicionar esta classe a uma
formação técnica profissional, pouco especializada, e em paralelo diminuir o
contingente de estudantes que acessarão o ES.
A proposta dos contrarreformadores está organizada em torno de com-
petências, que dilui os saberes e os conteúdos de modo a favorecer as aprendiza-
gens necessárias para a reprodução do capital e viabilizar formações de nível mé-
dio precárias e que não transcendam ao imediatismo cotidiano e programático.
O que estas contrarreformas educacionais do período ultraneoliberal
almejaram era a transformação plena da educação aos ditames do capital,
para a adaptação dos sujeitos. Os pressupostos da acumulação flexível e suas
terminologias são introduzidos na educação e nas suas legislações do período
ultraneoliberal. Santos e Orso (2020), ponderam que a escola não pode ser
compreendida como uma empresa à serviço do capitalismo, mas, sim, que
295
a escola, em especial a pública, deve atuar como espaço de resistência para
garantir que a escola efetive o seu papel social de socialização dos saberes his-
toricamente produzidos.
A transposição de terminologias do capital, como princípios para a for-
mação humana, é notório, nas análises documentais ultraneoliberais do período.
Sendo, conforme a citação a cima, a escola e a educação tratadas como empresas
à serviço dos interesses das frações da burguesia e da reprodução do capital.
Diante deste anseio, permaneceu evidente, no processo investigativo,
o anseio dos contrarreformadores ultraneoliberais em romper com os princí-
pios da integração, hierarquizando ciências, fragmentando o conhecimento
e inviabilizando a compreensão do todo. Pois, a formação alicerçada na in-
tegração, possuí “O currículo integrado elaborado sobre essas bases não hie-
rarquizam os conhecimentos nem os respectivos campos das ciências, mas os
problematiza em suas historicidades, relações e contradições” (CIAVATTA;
RAMOS, 2012, p. 310). Para o modelo ultraneoliberal, é essencial uma so-
ciedade desintegrada em suas diferentes dimensões, carecendo, de uma edu-
cação desintegrada em todas as Redes de Ensino Pública.
Observamos que o projeto centenário da Rede Federal se viu sob o
risco da inviabilidade em apenas seis anos de avanço ultraneoliberal, demons-
trando a voracidade deste tempo histórico, e o fazem pela via dos ataques
à autonomia, ao orçamento e os princípios pedagógicos. Frente as análises
documentais, realizadas nesta pesquisa, foi possível constatar que o principal
foco da contrarreforma educacional ultraneoliberal na Rede Federal mate-
rializou-se com as tentativas de desmonte do EMI, por consequência, com o
aprofundamento da dualidade.
Com o advento das contrarreformas educacionais, o que vem se ob-
servando a partir de 2016 são as tentativas de desmonte do projeto que pre-
tendia uma educação integrada, e o resgate da dualidade. Com proposições
legais de efetivação de uma educação aligeirada, centrada no ensino de técni-
cas e habilidades que garantam a empregabilidade para a classe trabalhadora,
e uma educação de fundo propedêutico, centrada em conteúdos que garanta
o prosseguimento na formação acadêmica para a burguesia.
As contrarreformas para a educação, que se efetivaram, no transcur-
so da era ultraneoliberal, garantem as bases legais para a efetivação de uma
296
educação alienante, que não possibilite a compreensão da realidade enquanto
todo integrado, mas que garantam formações unilaterais, condizentes com as
demandas dos avanços da crise estrutural do capital.
Ao longo deste trabalho, ainda que se analisem os avanços promovidos
pela introdução da possibilidade e efetividade do EMI na Rede Federal, sa-
bendo que esta política garantiu avanços significativos para a educação brasi-
leira no período concernente 2004 a 2016, compreendemos que as políticas
públicas de Estado, ainda que progressistas, não solucionaram ou pretende-
ram solucionar as problemáticas da sociedade de classes.
A formulação de políticas públicas pode propiciar a diminuição das
disparidades sociais, garantem acesso a direitos, mas tendo em vista que
partem e são elaborados pelo Estado burguês, propiciam a manutenção
da estrutura do Estado e dos privilégios burgueses. No caso analisado, não
difere, mesmo o PT desenvolvendo uma política educacional exitosa e
significativamente benéfica aos sujeitos que dela participaram, bem como
para as sociedades que as instituições estão inseridas, ainda esteve suma-
riamente atrelada ao capital.
Inferimos que a Rede Federal, frente as suas características e instrumen-
tos legais, potencialmente poderia vir a ser um lócus de formação integral.
Neste sentido, Frigotto (2018b), pondera que a proposta da Rede Federal
tem em seu interior os germens da politecnia e da formação omnilateral, no
entanto, dadas as contradições e limites do tempo histórico, a proposta deve
ser entendida “[…] como travessia contraditória e, em certo sentido, ambí-
gua (FRIGOTTO, 2018b, p.130)”. Ao longo de toda a análise, este contra-
ditório e ambiguidade foram pensadas enquanto fragilidades e limites para o
projeto que estava vivenciando ataques ultraneoliberais.
Elencou-se de forma introdutória que, apesar da concepção que alicer-
çou a expansão da Rede Federal e posterior criação dos IFs, estar atrelada a
uma perspectiva progressista, como demonstramos ao longo dos capítulos,
esta política pública nunca foi revolucionária, dado que promoveu apenas
transformações por dentro da própria estrutura do Estado burguês. Ainda
que não revolucionária, garantiu avanços qualitativos na formação da classe
trabalhadora, o que por si só é incompatível com a estrutura conservadora e
autocrática da sociedade brasileira.
297
Tendo em vista esta percepção e concepção, de que uma política públi-
ca burguesa, não desmantela a estrutura contraditória da sociedade de clas-
ses, analisamos de modo histórico e dialético a Rede Federal a partir de sua
concepção, estrutura, desenho, objetivos, até adentrarmos o momento de
descaracterização da proposta inicial realizada no período denominado de
ultraneoliberalismo e suas contrarreformas educacionais.
É notório e essencial mencionar que apesar de a Rede Federal, en-
quanto projeto de política pública dos anos 2000, ter assegurado avanços na
EPT, avanços significativos e essenciais para a formação humana, esta institu-
cionalidade, na prática, afastou-se parcialmente de sua proposta inicial, pois
os limites do capital eram muitos. Assegura-se que este projeto, colocado
em prática nos governos de coalização, conduzidos pelo PT, apresentou uma
proposta liberal para a EPT. Ainda que pela via da integração e do currícu-
lo integrado, às ideologias liberais burguesas, como o empreendedorismo e
a inovação sempre estiveram na base das instituições pertencentes à Rede
Federal, sendo isso a grande contradição destas instituições.
Mesmo que a proposta de EPT dos governos petistas fosse liberal e
arraigada de contradições, esta não dialoga com o que os ultraneoliberais
perspectivam para a formação da classe trabalhadora, o que gerou processos
e tentativas de descaracterização destas instituições como as observadas ao
longo desta pesquisa.
A propositura elaborada de EMI do Governo Lula, enquanto propos-
ta liderada pela Rede Federal de Educação, vislumbrava a efetivação de uma
educação unitária, tal qual posta na teoria marxista. No entanto, a proposta
por si só, não conseguiu superar os limites da divisão do trabalho presente na
sociedade brasileira e, desta forma a propositura de educação integral federal
para o EM, foi sendo fragilizada, em meio aos avanços avassaladores do capital.
A proposta de expansão da Rede Federal e criação dos IFS em 2008,
partiu da concepção de escola unitária e formação omnilateral, contudo, na
sugestão desconsideraram o elemento decisivo para a efetivação de uma edu-
cação de fato integral e omnilateral, que era a superação da sociedade capi-
talista e os limites da divisão do trabalho, postos pela lógica burguesa. Não
basta modificar os modos como a educação se efetiva, é crucial alterar os mo-
dos de produção da vida social. Obstante, a política de conciliação de classes
298
realizada na Era Lulo-Petista, nunca se propôs a superar a lógica burguesa,
mas, sim, inserir elementos de direitos sociais capazes de atuar como pacifi-
cadores dos antagonismos.
A política de conciliação de classes, a qual sustentou os governos petistas,
tornou-se demasiadamente incomoda para as frações da burguesia brasileira,
considerando que esta classe, resultado de um capitalismo atrasado e retró-
grado, negou historicamente qualquer avanço no que tange a direitos sociais
para a classe trabalhadora, e foi esta insatisfação das frações da burguesia que
levaram ao poder os governos de ultradireita que inseriram na agenda nacional
uma política econômica e social ultraneoliberal que introduziu na dinâmica na-
cional uma agenda de retrocessos e desmontes gradualmente direitos galgados
pela classe-que-vive-do-trabalho, dentre eles, incluímos a educação, a saúde, a
segurança, o emprego, a moradia e em última instância a própria vida.
Indica-se que a proposta da Rede Federal vivenciou tentativas de desca-
racterização no período ultraneoliberal, pelas constantes tentativas de retirada
da autonomia institucional, pelas propostas de desmonte do EMI, ampliação
na oferta dos cursos FIC, pela redução do orçamento global, com a redução
do orçamento direcionado para investimentos e despesas discricionárias, e as
sucessivas restrições na garantia e manutenção do ensino, da pesquisa e da
extensão, fatos estes que buscam relegar a Rede Federal ao papel de ofertante
de educação profissional tecnicista para viabilizar a formação de nível médio
fragmentada e dual proposta pelo Novo Ensino Médio, especialmente com a
oferta do 5.º itinerário — Técnico Profissional.
A contrarreforma do EM, que afeta todas as redes de ensino, pois é
necessária ao capital e suas estruturas, e almeja o empobrecimento das forma-
ções dos trabalhadores.
Assim como exposto, afirmamos que a Rede Federal foi sendo progres-
sivamente atacada, com vistas a tornarem-se meros espaços de oferta do 5.º
itinerário formativo, rompendo com a perspectiva de Integrado e inviabili-
zando formações mais amplas que atendam a legislação criadora, e garantam
a formação a partir do ensino, pesquisa e extensão. Tais ataques se configuram
e se efetivam, pois, qualquer perspectiva de formação mais ampla e huma-
nizadora, é negada pelo capitalismo periférico existente no Brasil e qualquer
alternativa de ampliação do papel da escola e ampliação da qualidade social
299
da formação da juventude trabalhadora é entendida como um desperdício,
na atual fase do capitalismo.
Desta forma, a política pública que viabilizou a expansão da Rede
Federal e na sequência a criação dos IFs, garantindo interiorização, verticali-
zação, investimentos e recursos, foi compreendida pelos contrarreformadores
ultraneoliberais, como útil para a materialização do Novo EM, podendo ser
utilizada para o atendimento da formação empobrecida e desintelectualizada
de mão de obra para o atendimento ao grande capital.
Referente ao processo de descaracterização da Rede Federal no período
ultraneoliberal, constamos que os intelectuais do capital e representantes da
burguesia se valeram da redução orçamentária, portarias, decretos e retirada
de autonomia, para viabilizar que a Rede Federal atuasse, em consonância,
à atual fase contraditória do capitalismo. No entanto, por sua capilaridade
e seus instrumentos legais próprios a Rede Federal, tem condição de resistir
às contrarreformas, assim como as poucas instituições federais de educação
resistiram ao Decreto n.º 2.208/97 não negociando a qualidade da EPT e o
papel social da Rede Federal.
A correlação de forças, em torno do Novo EM, pode vir a ser vencida,
se a Rede Federal compreender o seu papel e força social e resistir enquanto
institucionalidade. Manter a estrutura de rede, é essencial, para que as ofen-
sivas ultraneoliberais, de tentativa de utilização da estrutura da Rede Federal,
para a deformação humana não se materializem As instituições pertencentes
à Rede Federal, necessitam atuar coletivamente, e não encontrar saídas indi-
viduais, para uma sobrevida, impetrada, pelos limites orçamentários.
Estas instituições podem negar a contrarreforma, balizadas por sua lei
de criação, que garante um projeto de instituição pela via da autonomia fi-
nanceira, pedagógica, patrimonial. Esta autonomia é o que diferencia a Rede
Federal na Reforma do EM das redes estaduais. Ainda que a Reforma do EM
e a BNCC sejam uma realidade para todas as escolas da última etapa da EB,
a Rede Federal tem as condições estruturantes e objetivas de resistência. As
saídas somente se tornam viáveis pela institucionalidade, mas, para isso ocor-
rer, é imprescindível que as políticas educacionais sejam analisadas para além
da aparência e ocorra a atuação destas instituições, de fato como rede, com
alternativas coletivas, progressistas e orientadas pelo CONIF.
300
A Rede Federal não pode se ludibriar pelos discursos do mercado,
que acenam momentaneamente com a possibilidade de recursos, como as
Parcerias Público Privadas, projetos como o Future-se - lançado em 2019,
Programa Novos Caminhos, Programa Qualifica mais, entre outros. As con-
dições objetivas postas pelas reformas ultraneoliberais certamente limitam
a atuação da Rede Federal, mas, não é possível resistir se estes programas
ultraneoliberais e contrarreformuladores adentrarem as instituições e forem
endossados, pelos jargões do capital que estiveram sempre na Rede Federal
como o empreendedorismo e a inovação.
É preciso recorrentemente e diariamente relembrar as especificidades da
lei de criação dos IFs, pois esta abriga e respalda a luta em defesa da autonomia
institucional e, em paralelo, recuperar a noção de rede, para proteger a institu-
cionalidade desta contrarreforma, que afeta prioritariamente a oferta do EMI,
mas desdobra-se em todos os outros níveis e segmentos que a compõe.
A Rede Federal, com suas especificidades, possui as condições para im-
plementar um currículo enquanto rede, alicerçado nos princípios pedagógi-
cos e filosóficos que basearam a formulação da política educacional, centrados
na formação integral do ser humano. No entanto, o grande limite para esta
alternativa é que, apesar do fundamento teórico, que alicerça a Rede Federal,
estar assente em uma teoria crítica e progressista, estas instituições não se en-
carregaram ao longo dos seus primeiros dez anos de garantir a formação dos
docentes, pautada nesta concepção pedagógica, que sustenta a legislação dos
IFs, o que abriu caminho para sujeitos históricos alinhados e coniventes às
perspectivas retrógradas, limitantes e liberais de educação.
Esqueceu-se no projeto de criação dos IFs de um princípio fundamen-
tal exposto em Marx (2007), de que o educador precisa ser educado. Não
bastava apenas viabilizar as condições estruturais, objetivas e subjetivas, para
ocorrer uma educação que buscasse a formação do ser humano em diferentes
dimensões, como a possível na Rede Federal, mas, sim, era necessário educar
os educadores para que o desenvolvimento de humanidade acontecesse.
Era necessário viabilizar que os educadores compreendessem o aspec-
to revolucionário presente nas instituições, e, nesse aspecto, houve muitas
falhas, e estas falhas permitem o avanço das pedagogias do capital no in-
terior da Rede Federal e as ações golpistas. A escassez de uma consciência
301
dos pressupostos filosóficos e pedagógicos é aqui compreendida, como um
elemento propulsor para a legitimação e adesão de parte dos docentes a uma
proposta de educação limitante, como a que está em curso.
Ainda que a Rede Federal tenha, como demostrado nesta pesquisa, um
contingente elevado de servidores especializados e altamente qualificados,
não houve um processo de esclarecimento do papel social da Rede Federal.
A falta de clareza, a tornou vulnerável, e suscetível a incorporação de um
projeto alinhado aos anseios ultraneoliberais, que aprofundam a dualidade
educacional no país.
O período ultraneoliberal, ao efetivar tentativas de descaracterização
da Rede Federal, precarizam o cotidiano destas instituições, o que tende a di-
recioná-las a buscar recursos para sua sobrevivência com parcerias, mas neste
processo, sua principal característica que é a formação integrada e verticaliza-
da vai sendo secundarizada.
Evidentemente este movimento contou com resistências, e estas foram
essenciais para minimizar os avanços e ofensivas ultraneoliberais, porém neste
curto espaço de 2016 a 2022, a Rede Federal vivenciou tentativas e materiali-
zações de descaracterizações e retrocessos. As lutas e resistências aconteceram
por sujeitos que compreendiam a necessidade de manter, uma instituição des-
te porte, garantindo educação gratuita e de qualidade aos trabalhadores, uma
educação não dual e não limitada por um mercado de trabalho precarizante.
Diante da concepção ontológica da categoria trabalho, a partir da teoria
marxiana, averigua-se, que as reformas ultraneoliberais para a educação, des-
montam a concepção de trabalho enquanto categoria fundante do ser humano,
pois, pensa um trabalho de reprodução mecanicista, logo retira do ser humano,
já em sua formação inicial, a compreensão de totalidade e da ciência que rege a
produção. Desse modo, toda a estrutura que alicerça a formação profissional no
Brasil, pela via da contrarreforma da EPT afasta-se da concepção e da categoria
trabalho tal qual pensada por Marx, distanciando as possibilidades de formação
do conjunto dos homens, fundamentada na humanização.
A formação propiciada pela EPT, reformada pelo ultraneoliberalismo,
caminha na contramão do que foi expresso em Marx (2009), sobretudo, no
que tange à percepção de que o ser humano deve efetivar sua liberdade por
e na produção. A perspectiva educacional que está em curso busca anular a
302
liberdade do ser social que pertence à classe trabalhadora, na educação e no
trabalho, sendo a fonte primária de desefetivação do ser.
Consideramos que as reformas ultraneoliberais na educação não concebem
o aluno como sujeito histórico, não centra o processo de aprendizagem no sujeito
histórico, mas, sim, compreende os alunos como um sujeito-mercadoria, dada
a priorização da cultura do mercado e os aspectos subjetivos e socioemocionais.
Podemos apontar que a principal consideração desta pesquisa, é que
a política de contrarreforma ultraneoliberal desdobra-se na Rede Federal, a
partir das tentativas de desmonte da especificidade desta institucionalidade,
retirando desta a possibilidade de formação das diferentes dimensões hu-
manas, pela tentativa de desmantelamento do EMI, pela precarização das
condições de trabalho dos docentes, pela imposição de um novo currículo
assentado na desintegração, e direcionamento legal e orçamentário para que
estas instituições atuem apenas como ofertante do 5.º itinerário do “Novo
Ensino Médio”.
O projeto ultraneoliberal que foi sendo construído, entre 2016 a 2022,
para a Rede Federal, não objetiva a extinção dessas instituições, mas sim al-
mejava a descaracterização da formação ofertada, de modo a adequá-la às
exigências da crise estrutural do capital.
A EPT, enfrenta o desafio de se efetivar em uma sociedade fundada na in-
tensificação da exploração. Assim sendo, a formação pretendida nesses espaços
pelos contrarreformuladores é uma educação que garanta e viabilize a explora-
ção destrutiva. Não há espaço no contexto ultraneoliberal para um projeto de
educação que problematize ou vislumbre a formação integral dos estudantes.
Salientamos, também, como alertado ao longo do texto, que houve
pressões por parte dos contrarreformadores para que a Rede Federal abando-
nasse seu projeto inicial, e aderisse às políticas de formação mais simplistas
e tecnicistas, e o fazem 1. Pela restrição orçamentária, 2. Pelos contingencia-
mentos, 3. Pela precarização do trabalho docente — com as possibilidades
de ampliação de jornada de trabalho, 4. Com a inserção da EAD, 5. pelas
tentativas de intervenção na escolha dos dirigentes e 6. Pela possibilidade de
capitação de recursos pelas parcerias com a oferta do 5.º itinerário formativo.
A contrarreforma estruturou as condições de asfixia orçamentária,
pedagógica e de autonomia, para forçar a Rede Federal a abandonar o seu
303
projeto inicial, de anseio formativo integrado, para uma sobrevida com a
oferta de formações duais. Estando condicionada aos desdobramentos da his-
tória da Rede Federal, tendo em vista que as parcerias para a oferta do 5.º
itinerário tendem a concretizar-se a partir de 2023, no entanto, o que ob-
servamos na análise das diretrizes governamentais nos últimos seis anos nos
permite afirmar que a intencionalidade era a garantia da adesão ao projeto
desformativo ultraneoliberal.
As Instituições pertencentes à Rede Federal não correspondem as ex-
pectativas do grande capital e dos empresários que orbitam em torno da
educação, pois ainda que circunscrito e limitado pelas relações de classe da
sociedade burguesa, ainda é o modelo de formação mais exitoso presente
na história brasileira, no que concerne a atribuir dignidade para a forma-
ção dos trabalhadores, possibilitando a estes acessarem os conteúdos, que,
historicamente, eram de propriedade da burguesia. Não é de interesse dessa
burguesia autocrática ter uma classe trabalhadora formada sob os paradigmas
científicos, dado que o papel relegado a ela é de uma atividade de trabalho
prática e mecanicista, logo o pensamento e a ciência que alicerçam a indústria
precisam, pela concepção burguesa, serem retiradas da escola.
A reforma do EM e suas ramificações, não pode ser compreendida ape-
nas como uma Reforma Educacional e apartada das demais construções da
sociedade brasileira após 2016, mas, sim, deve ser compreendida como uma
reforma profunda voltada à classe trabalhadora.
Tem-se como conclusão que a Reforma do EM, por configuração, é
incompatível com a proposta de EMI que alicerça a Rede Federal, sendo a
presente contrarreforma mais um dos ataques direcionados pelos governos
ultraneoliberais à classe-que-vive-do-trabalho, dado que limita o acesso da
classe trabalhadora a uma educação pública, gratuita e de qualidade.
Os encaminhamentos ultraneoliberais almejavam relegar a Rede
Federal a ofertante de formação profissional mecanicista, mas os movimentos
dos membros da Rede Federal conseguiram manter viva a estrutura, ainda
que de modo precarizado.
O ano de 2022 se encerrou com a esperança de que haverá o arrefecimen-
to da Era ultraneoliberal, com a derrota de Bolsonaro nas urnas, no entanto,
apesar de derrotado o principal representante público do ultraneoliberalismo,
304
o país, ainda, enfrentará nos próximos anos, um Congresso Nacional, com-
posto majoritariamente por representantes do receituário ultraneoliberal.
Sendo, o Brasil, um país de presidencialismo de coalizão, somente o tempo e
a análise da história futura poderá responder se o país e as políticas progres-
sistas conseguirão arrefecer o avanço ultraneoliberal.
Não compete a este trabalho encerrar a análise do ultraneoliberalismo
na educação e, em especial, na Rede Federal, sendo que a interpretação do
avanço e do retrocesso do ultraneoliberalismo uma temática que deverá per-
manecer nas pesquisas seguintes desta e de outros pesquisadores nas análises
do Estado brasileiro.
Devemos pensar a necessidade de uma educação efetivamente emancipa-
dora, no entanto, esta não se efetivará no interior da sociedade capitalista. No
modo de produção vigente apenas é possível a luta por uma educação mais dig-
na e que garanta a apropriação dos conhecimentos historicamente produzidos.
Uma educação centrada nos princípios marxianos somente é possível
em outra conjuntura social, em outro modo de produção. A formação om-
nilateral dos homens somente se efetiva em uma sociedade radicalmente di-
ferente e que aloque os processos formativos dos homens na centralidade da
vida, e permita a materialização da educação politécnica aliando a teoria e a
prática em todos os ramos da produção.
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das Disposições Constitucionais Transitórias e institui regras transitórias
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SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno – CRB 8/8211
Normalização
Livia Pereira
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
Aline Cristine Ferreira Braga do Carmo
ameaças, retrocessos e resistências
O PROCESSO DE DESCARACTERIZAÇÃO DO PROJETO
EDUCACIONAL DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO NO CONTEXTO
DE ASCENSÃO ULTRANEOLIBERAL
O PROCESSO DE DESCARACTERIZAÇÃO DO PROJETO EDUCACIONAL DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO NO
CONTEXTO DE ASCENSÃO ULTRANEOLIBERAL Aline C.F. B. do Carmo
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