Este livro apresenta um compilado de
pesquisas signicativas, resultado de dis-
sertações de mestrado e teses de dou-
torado desenvolvidas no Programa de
Pós-Graduação em Educação da Facul-
dade de Filosoa e Ciências da UNESP,
campus Marília. Os textos aqui reuni-
dos oferecem um olhar detalhado sobre
a história da educação rural e do ensino
secundário no Brasil, articulados às li-
nhas de pesquisa do Grupo de Estudos
e Pesquisas sobre Cultura e Instituições
Educativas (GEPCIE).
A primeira parte da obra dedica-se à
história da educação rural, um tema fre-
quentemente negligenciado, mas que,
nas últimas duas décadas, tem ganhado
maior visibilidade. A pesquisa sobre a es-
colarização dos trabalhadores do campo,
as políticas de expansão da educação ru-
ral, as Escolas Normais Rurais e a circu-
lação de ideias pedagógicas são aborda-
dos com rigor e profundidade. O projeto
em rede nacional “Formação e Trabalho
de Professoras e Professores Rurais no
Brasil” destaca-se como um esforço co-
laborativo signicativo, reunindo pes-
quisadores de 18 instituições de ensi-
no superior brasileiras, com o apoio do
CNPq.
Os capítulos iniciais tratam de casos es-
pecícos, como a formação de profes-
sores rurais no Piauí e em Pernambuco,
e exploram tanto o contexto histórico
quanto os desaos enfrentados pelas es-
colas e seus educadores. A utilização de
narrativas orais e a análise de congressos
normalistas ilustram a riqueza e a com-
plexidade da formação docente no meio
rural.
A segunda parte do livro foca na histó-
ria do ensino secundário no Brasil, um
nível de ensino que, até meados do -
culo XX, foi reservado à formação das
elites e cuja democratização foi lenta e
desigual. A expansão do ensino secun-
dário em estados como São Paulo, que
se destacou pela criação de ginásios e
colégios públicos, é contrastada com
outras regiões do país, revelando as dis-
paridades e desaos enfrentados.
Os capítulos nais exploram temas
como a evolução do currículo de ci-
ências naturais e biologia no ensino
secundário e as reformas educacionais
em Pernambuco, sempre com um olhar
crítico e fundamentado em extensa
pesquisa documental.
Organizado pelas historiadoras da edu-
cação Rosa Fátima de Souza Chaloba,
Noely Costa Dias Garcia e Kalline Laira
Lima dos Santos, este livro não apenas
desperta o interesse de pesquisadores e
educadores, mas também oferece uma
perspectiva histórica rica e detalhada
sobre as questões educacionais em di-
versas regiões do Brasil. A obra destaca
a diversidade e as inter-relações entre
o local, o nacional e o global, trazendo
à tona uma abordagem metodológica
que valoriza tanto os grandes eventos
quanto os pequenos indícios que com-
põem a história da educação no país.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio 0039/2022
Processo 23038.001838/2022-11
DIVERSIDADES REGIONAIS E EDUCACIONAIS EM PERSPECTIVA HISTÓRICA (1930-1970)
Rosa Fátima de Souza Chaloba
Noely Costa Dias Garcia
Kalline Laira Lima dos Santos
(Organizadoras)
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DIVERSIDADES REGIONAIS E EDUCACIONAIS
EM PERSPECTIVA HISTÓRICA (1930-1970)
Rosa Fátima de Souza Chaloba
Noely Costa Dias Garcia
Kalline Laira Lima dos Santos
(Organizadores)
Rosa Fátima de Souza Chaloba
Noely Costa Dias Garcia
Kalline Laira Lima dos Santos
(Organizadores)
DIVERSIDADES REGIONAIS E EDUCACIONAIS EM
PERSPECTIVA HISTÓRICA (1930-1970)
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2025
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS – FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora: Dra. Ana Clara Bortoleto Nery
Vice-Diretora: Dra. Cristiane Rodrigues Pedroni
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Edvaldo Soares
Franciele Marques Redigolo
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Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Henrique Tahan Novaes
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Alonso Bezerra de Carvalho
Ana Clara Bortoleto Nery
Claudia da Mota Daros Parente
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Daniela Nogueira de Moraes Garcia
Pedro Angelo Pagni
Auxílio Nº 0039/2022, Processo Nº 23038.001838/2022-11, Programa PROEX/CAPES
Parecerista: Profa. Virgínia Pereira da Silva Ávila. (Universidade Federal de Pernambuco)
Capa: Kalline Laira Lima dos Santos
Ficha catalográfica
____________________________________________________________________________________________________
D618 Diversidades regionais e educacionais em perspectiva histórica (1930-1970) / Rosa
Fátima de Souza Chaloba, Noely Costa Dias Garcia, Kalline Laira Lima dos Santos
(organizadores). – Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2025.
181 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-602-2 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-601-5 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-601-5
Apoio: CAPES
1. Educação – História. 2. Ensino normal. 3. Educação rural. 4. Ensino secundário. I. Título.
CDD 370.109
_______________________________________________________________________________________
Catalogação: André Sávio Craveiro Bueno – CRB 8/8211
Copyright © 2025, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - Campus de Marília
Sumário
Apresentação | Rosa Fátima de Souza Chaloba........................................................7
Prefácio | Simone Burioli ............................................................................13
As Escolas Normais Regionais no Piauí e a Formação Ofertada Para os Professores
Rurais de 1940 a 1960........................................................................................15
Maria Do Perpetuo Socorro Castelo Branco Santana
A Interiorização das Escolas Normais Rurais e Regionais no Estado de
Pernambuco, Entre 1928 e 1946.........................................................................35
Manuela Garcia De Oliveira
Contando Histórias: Narrativas de Professor e Professoras Rurais Como Fonte de
Pesquisa no Campo da História da Educação (1940 a 1970)...............................51
Noely Costa Dias Garcia
Os Congressos Normalistas de Educação Rural e a Formação de Professores
Primários Rurais Paulistas (1945 a 1951)............................................................69
Kamila Cristina Evaristo Leite
“Os Pés Descalços do Rurícola”: As Recomendações da Unesco Para a Educação
Rural no Brasil e México (1936 - 1958)..............................................................87
Rony Rei Do Nascimento Silva
Ilka Miglio De Mesquita
Ana Clara Bortoleto Nery
Ensino Secundário em Pernambuco: Reflexões Sobre Identidade, Políticas e
Projetos Educacionais (1955-1969)..................................................................109
Kalline Laira Lima Dos Santos
Rosa Fátima De Souza Chaloba
Sobre o Estudo da Expansão dos Ginásios e Colégios Estaduais no Estado de
São Paulo Entre os Anos de 1930 e 1971: Procedimentos Metodológicos de
Pesquisa............................................................................................................125
Carlos Alberto Diniz
Entre a Tradição e a Renovação: Percurso da Disciplina Escolar História Natural e
Biologia no Ensino Secundário (1946-1961).....................................................157
Tiago Rodrigues Da Silva
Rosa Fátima De Sousa Chaloba
Autoras e autores...............................................................................................177
7
APRESENTAÇÃO
Este livro reúne resultados de relevantes pesquisas frutos de dissertações
de mestrados e teses de doutorado desenvolvidas no âmbito do Programa de
Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp,
campus Marília. Os textos compreendem estudos de cunho histórico arti-
culados a duas linhas de pesquisa do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre
Cultura e Instituições Educativas (GEPCIE): História da Educação Rural e
História do Ensino Secundário. O cenário de fundo é a problematização das
desigualdades regionais e educacionais que têm marcado fortemente a traje-
tória da escola pública no país.
A atenção dada à educação rural não é por acaso. Há muito secundari-
zada nas pesquisas em Educação e em História da Educação, a escolarização
dos trabalhadores do campo vem ganhando visibilidade maior nas últimas
duas décadas. No campo da História da Educação, muito contribuíram os
estudos sobre a história da escola primária que pôs em relevo os diferentes
tipos de escolas que atenderam diferentes grupos sociais. No início da década
de 2000, o interesse dos historiadores da educação se voltou para a institucio-
nalização da escola primária e a criação dos grupos escolares nos diferentes es-
tados brasileiros. O debate acerca dessa produção assinalou o quanto foi lenta
a expansão desse tipo de escola moderna, mesmo nas áreas urbanas de muitas
regiões brasileiras. As pesquisas indicaram que a escola isolada urbana e rural
foi, em muitos casos, a responsável pela escolarização de boa parte das crian-
ças brasileiras que tiveram acesso à escola na primeira metade do século XX.1
1 Ver, entre outros: SOUZA, Rosa Fátima; PINHEIRO, Carlos Ferreira; LOPES, Antonio de Pádua
Carvalho (Orgs.). História da Escola Primária no Brasil: Investigação em perspectiva comparada
em âmbito nacional. Aracaju: EDISE, 2015. Souza, Pinheiro, Lopes, 2015; Souza, Bencostta,
Silva, 2018; Furtado, Schelbauer, Corrêa, 2019; SOUZA, R. F.; BENCOSTTA, M. L.; SILVA,
V. L. G. Imagens da escola primária no Brasil (1920-1960). Florianópolis: Udesc, 2018, 179 p.;
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-601-5.p7-12
8
A educação rural tornou-se, portanto, um objeto de pesquisa incontornável.
Uma importante historiografia sobre o tema vem sendo produzida nos últimos
anos, como têm apontando os balanços bibliográficos realizados por (ÁVILA,
2018; LIMA, 2020; COSTA; SOUZA-CHALOBA, 2020). Além das escolas
isoladas e das políticas para a expansão da educação rural, outros temas foram
visitados como as Escolas Normais Rurais e a circulação de ideias e modelos
para a educação rural no país e em perspectiva transnacional.
Vale reconhecer a importância que teve para o fortalecimento des-
sa linha de investigação o projeto em rede nacional intitulado Formação e
Trabalho de Professoras e Professores Rurais no Brasil: RS, PR, SP, MG, RJ, MS,
MT, MA, PE, PI, SE, PB, RO (décadas de 40 a 70 do século XX) que objetivou
analisar a profissionalização docente no Brasil buscando compreender as po-
líticas públicas empreendidas em âmbito nacional e estadual para a formação
do magistério rural e as formas de recrutamento, carreira, salários e condições
de trabalho das professoras (res) que atuaram nas escolas primárias rurais. O
projeto contou com o financiamento do CNPq e a equipe de trabalho foi
constituída por pesquisadores doutores e estudantes de pós-graduação e de
graduação de 18 (dezoito) instituições de ensino superior brasileiras (UNESP-
SP, UNISANTOS, UFU-MG, UEM-PR, PUC-PR, UFGD – MS, UFMT
– MT, UFRRJ-RJ, UFPI-PI, UFPB-PB, UPE-PE, UFPE – PE, UNIR-RO,
UPE-PE, UNIT-SE, Faculdade de Ciências e Tecnologia de Birigui – SP,
IFMA-MA, UCS-RS).2
Os textos reunidos neste livro que tratam da educação rural estão vin-
culados ao referido projeto de pesquisa. Parte dos trabalhos se dedicaram à
formação dos professores rurais no estado de São Paulo e parte aos modelos,
conhecimentos e ideias que circularam no Brasil e no exterior.
O segundo conjunto de textos que compõem esta coletânea incidem
sobre a história do ensino secundário no Brasil. Nível de ensino destinado à
formação das elites até meados do século XX, a expansão e democratização
do secundário foi lenta e desigual. No grupo de estudos GEPCIE, a inves-
tigação sobre o secundário tem priorizado aspectos da expansão examinada
FURTADO, A. C.; SCHELBAUER, A. R.; CORRÊA, R. L. T. (orgs.). Itinerários e singularidades
da institucionalização da escola primária no Brasil (1930-1961). Maringa: UEM, 2019.
2 Projeto financiado pelo CNPq (Processo n° 405240/2016-3, vigência 19/06/2017 a 18/06/2020)
e coordenado por Rosa Fátima de Souza Chaloba.
9
na perspectiva dos atores políticos, especialmente os deputados responsáveis
pela apresentação de projetos de lei para criação de escolas nas respectivas
Assembleias Legislativas Estaduais. São Paulo foi um dos primeiros estados
do país a impulsionar a expansão dos ginásios e colégios públicos a partir da
década de 1940. A expansão neste estado foi sem precedentes para a época
e contou com a participação dos atores políticos em âmbito estadual e mu-
nicipal. Em outros estados brasileiros, como Pernambuco, esta expansão foi
significativamente mais lenta e dependeu muito da ação dos municípios.
É desses contrastes e diferenças que se nutre este livro.
O primeiro capítulo As Escolas Normais Regionais no Piauí e a
Formação Ofertada para os Professores Rurais de 1940 a 1960” , apresen-
ta um recorte da tese de doutorado da autora Maria do Perpetuo Socorro
Castelo Branco Santana. O foco está na análise da formação de professores
nas Escolas Normais Regionais no Piauí durante as décadas de 1940 e 1960.
A pesquisa explora o contexto de surgimento da primeira Escola Normal
Regional no Piauí, bem como a formação oferecida nessa instituição. O estu-
do destaca o papel dessas escolas como estratégia para aumentar a escolariza-
ção da população rural, que não tinha condições de buscar ensino secundário
em outros estados.
No segundo capítulo “A Interiorização das Escolas Normais Rurais e
Regionais no Estado de Pernambuco, Entre 1928 e 1946”, a autora Manuela
Garcia de Oliveira investiga a história da formação de professores primá-
rios rurais em Pernambuco durante as décadas de 1928 a 1946. O capítulo
aborda as políticas de instalação das Escolas Normais Rurais e Regionais no
estado, contextualizando-as com eventos históricos dos governos de Getúlio
Vargas. A pesquisa utiliza uma variedade de fontes documentais para analisar
o processo de implementação dessas escolas e sua contribuição para a forma-
ção de professores no meio rural.
Saindo do nordeste e indo para os ares paulistanos, o terceiro capí-
tulo “Contando Histórias: Narrativas de Professores Rurais como Fonte de
Pesquisa no Campo da História da Educação (1940 a 1970)”, de Noely Costa
Dias Garcia, apresenta os resultados de uma investigação sobre a história da
formação, ingresso e trabalho de professores de escolas primárias rurais em
São José do Rio Preto/SP, no período entre 1940 e 1970. O estudo utiliza
10
abordagens da história oral e analisa as narrativas de professores rurais como
fonte de pesquisa. Os resultados destacam a formação inicial dos professores
no curso normal, as dificuldades enfrentadas no trabalho com classes multisse-
riadas e a construção da prática pedagógica no meio rural ao longo do tempo.
O quarto capítulo Os Congressos Normalistas de Educação Rural e a
Formação de Professores Primários Rurais Paulistas (1945 a 1951)de Kamila
Cristina Evaristo Leite, trata dos Congressos Normalistas de Educação Rural
que ocorreram em São Paulo entre 1945 e 1951, analisando as discussões
sobre a formação de professores para escolas primárias rurais. Os congres-
sistas reconheciam a importância de reorganizar os programas de ensino das
escolas normais para incluir saberes agrícolas, como noções de agricultura, e
discutiam formas alternativas de capacitação, como cursos de especialização
agrícola e cursos rápidos de férias. Sugeriu-se também a criação de Escolas
Normais Rurais como uma experiência para avaliar sua real necessidade. Os
congressos foram fundamentais para discutir a formação docente rural em
São Paulo, envolvendo tanto professores em formação como professores das
escolas normais.
No quinto capítulo dessa coletânea temos o trabalho dos autores Rony
Rei do Nascimento Silva, Ilka Miglio de Mesquita e Ana Clara Bortoleto
Nery, Os Pés Descalços do Rurícola’: As Recomendações da UNESCO para
a Educação Rural no Brasil e México (1936 - 1958)”, no qual analisam como
as recomendações da UNESCO entre 1936 e 1958 influenciaram as políti-
cas de educação rural no Brasil e no México. Utilizando a metodologia da
História Conectada, o texto destaca a circulação de modelos pedagógicos en-
tre esses países, com base em pesquisa documental e bibliográfica. Os autores
concluem que a aproximação histórica entre a UNESCO, Brasil e México
evidenciou as concepções defendidas por meio das recomendações, abordan-
do temas como administração, organização, currículos, recursos para educa-
ção pós-primária, pessoal docente e cooperação internacional.
Carlos Alberto Diniz, no sexto capítulo, no texto “Sobre o estudo da
Expansão dos Ginásios Estaduais no Estado de São Paulo entre os anos de
1930 e 1971: procedimentos metodológicos de pesquisa”, chama a atenção
para o processo de expansão do ensino secundário no Estado de São Paulo,
iniciado na década de 1930,que segundo ele, foi algo impressionante e inédito
11
até então na história da educação brasileira. Entre os anos de 1930 e 1947
foram criados 58 ginásios em diversos municípios do interior paulista, com
a contrapartida material dos municípios e a participação dos Interventores
Federais. Tal processo, acentuado extraordinariamente após o fim da ditadu-
ra Vargas com o restabelecimento do Poder Legislativo e, por conseguinte,
da ação dos deputados estaduais que viam na escola secundária uma grande
oportunidade política, possibilitou a criação de 74 ginásios públicos nas mais
diversas localidades paulistas entre 14 de março de 1947 e 31 de janeiro de
1963. Já entre 31 de março de 1963 a 15 de março de 1971, período marcado
precipuamente pelo início da ditadura militar, foram criadas cerca de 1.106
escolas públicas estaduais de ensino médio, desse montante, 502 ginásios
e 320 colégios. Dito isto, este texto discute os procedimentos metodológi-
cos adotados no mapeamento que realizamos acerca da expansão da rede de
ginásio públicos paulistas entre os anos de 1930 e 1971, período marcado
por mudanças profundas no ordenamento político. Para tanto, recorremos
ao arcabouço teórico da Nova História Política, além do trabalho de Pierre
Bourdieu sobre a noção de campo. Entre os resultados desse estudo podemos
apontar o ritmo acelerado – e em boa parte desordenado – da expansão do
ensino secundário paulista, marcado especialmente pelo sobrepujamento do
critério político em detrimento de critérios educacionais e demográficos.
Tiago Rodrigues da Silva e Rosa Fátima de Souza Chaloba, no sétimo
capítulo traz o texto “Entre a tradição e a renovação: percurso da disciplina
escolar história natural e biologia no ensino secundário (1946-1961)”, que
discute a produção da disciplina escolar história natural e biologia na escola
secundária entre os anos de 1942 a 1961, a partir dos debates na Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Foi realizada uma pesquisa
documental, utilizando como fontes os programas de ensino, legislação, texto
da época e artigos da Revista Ciência e Cultura, periódico oficial do SBPC.
Houve uma forte presença de biologistas e professores que formavam uma
comunidade disciplinar que privilegiava o ensino de biologia, com ênfase na
Biologia Geral, Zoologia e Botânica, em detrimento do ensino de história
natural, que incluía a Mineralogia e Geologia no currículo oficial de 1946 e
1951. A partir da Lei de Diretrizes e Bases de 1961, os autores observam a
construção de um currículo vinculado com as Ciências Biológicas. A pesquisa
12
contribui na compreensão das disputas e debates pelo ensino de história na-
tural e biologia em meados do século XX.
No capítulo oito, a pesquisa de Kalline Laira Lima dos Santos e Rosa
Fátima de Souza Chaloba, Ensino Secundário em Pernambuco: reflexões
sobre identidade, políticas e projetos educacionais (1955-1969), explora o
discurso do educador Aderbal Jurema sobre a necessidade de reforma edu-
cacional no ensino secundário em Pernambuco nos anos 1950, juntamente
com os projetos realizados pelo Centro Regional de Pesquisas Educacionais
do Recife. Estes projetos incluem um grupo experimental de orientação pro-
fissional com alunos do Colégio Estadual de Pernambuco e um levantamen-
to de dados sobre o ensino técnico na região, visando identificar áreas com
maior demanda por escolas e programas.
Rosa Fátima de Souza Chaloba
Referências
ÁVILA, Virgínia P. da S. Educação em perspectiva histórica. Pensar a
Educação em Revista, ano 4, v. 4, n. 2, jul./set., 2018. Disponível em:
EDUCAÇÃO-RURAL-EM-PERSPECTIVA-HISTÓRICA.pdf (pensarae-
ducacao.com.br). Acesso em: 27 ago. 2022.
COSTA, Odaleia Alves; SOUZA-CHALOBA, Rosa Fátima. A produção
sobre formação e trabalho de professores rurais em dissertações e teses
(2001-2018). In: SOUZA-CHALOBA, Rosa Fátima de Souza; CELESTE
FILHO, Marcioniro; MESQUITA, Ilka Miglio de. (org.). História e me-
mória da educação rural no século XX. São Paulo: Cultura Acadêmica,
2020, p. 81-111.
LIMA, Sandra C. Fagundes. Balanço da produção sobre o tema formação e
trabalho de professores rurais nos anais do Congresso Brasileiro de História
da Educação (CBHE): 2000-2007. In: SOUZA-CHALOBA, Rosa Fátima
de Souza; CELESTE FILHO, Marcioniro; MESQUITA, Ilka Miglio de.
(org.). História e memória da educação rural no século XX. São Paulo:
Cultura Acadêmica, 2020, p. 45-80.
13
PREFÁCIO
A diversidade, substantivo feminino, que nos chama para tudo aquilo
que é diverso, múltiplo e que aparece em oposição ao que é homogêneo, é a
característica maior deste livro organizado por três historiadoras da educação,
Rosa Fátima de Souza Chaloba, Noely Costa Dias Garcia e Kalline Laira
Lima dos Santos. O tema já desperta interesse de muitos pesquisadores e
pesquisadoras, mas a peculiaridade maior desta obra é que ela apresenta um
olhar histórico para as questões educacionais em diversas regiões, sejam em
terras paulistas, piauienses, pernambucanas e avança até espaços exteriores ao
Brasil, aventando as recomendações internacionais para a questão da educa-
ção rural na América.
O regional e o local provocam inter-relações com o nacional e o global,
e estas interfaces são apresentadas aqui justamente para que possamos olhar
em perspectiva. Carlo Ginzburg, um dos grandes precursores da chama mi-
cro-história italiana, já mostrava com habilidade em seu texto mais exemplar,
um pouco do olhar micro, contando a história do moleiro Menocchio, nO
queijo e os vermes. O caminho narrado no livro passa pelos arquivos docu-
mentais, mas passa também pela forma como este moleiro lia e interpretava
as páginas impressas, e isso denunciava o seu universo cultural mais amplo,
aproximando-o das questões macro. O que Ginzburg faz é narrar esta histó-
ria, que pode ser vista apenas como literatura, mas que, no fundo, é também
um grande tratado metodológico sobre a pesquisa histórica.
O professor Henrique Lima (2010)1 coloca Ginzburg como um “es-
pecialista em diferença”, isto é, alguém cujo trabalho parte exatamente do
1 Henrique Espada Lima é professor Associado do Departamento de História da Universidade
Federal de Santa Catarina e estudioso das questões sobre Micro-história. Escreveu o capítulo sobre
Carlo Ginzburg no livro Historiadores de nosso tempo (Lopes, Marcos Antônio; Munhoz, Sidnei.
Editora Alameda, 2010).
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-601-5.p13-14
14
fascínio respeitoso por aquilo que é diverso, por isso este pesquisador italiano
torna-se uma referência aqui para nós, não só com a história de Menocchio
mas também como sua postura investigativa em “Mitos, emblemas e sinais”,
criando o que entendemos ser um método de conhecimento denominado de
paradigma indiciário, ressaltando partes da investigação nem sempre muito
vistosa, e que podem ser evidenciadas por meio de vestígios.
A educação rural tem se guiado por marcas no tempo e pode ser enten-
dida como parte desses novos temas de pesquisa que vem ganhando força no
campo da historiografia da educação a partir de sinais demarcado por grupos
de pesquisas como o GEPCIE, que acena para desdobramento relevantes
acerca da temática, destoando por vezes, de questões já assentadas no campo
da História da Educação. Os pesquisadores e pesquisadoras que compõem
este grupo tem se movimentado para realizar pesquisas voltadas à educação
neste espaço, utilizando novas fontes e novos problemas, mas também convi-
dam a olhar cada singularidade, cada elemento inesperado, como um ponto
de partida para uma investigação histórica mais profunda.
A diversidade está presente neste livro em muitos âmbitos. É resultado
de pesquisas desenvolvidas em níveis de mestrado e doutorado e feita por
pesquisadores e pesquisadoras de muitas localidades, o que enriquece as múl-
tiplas realidades educacionais com as quais podemos articular e que provoca a
pensar no âmbito micro e macro dentro da pesquisa histórica. Não se faz ne-
cessário elencar aqui, capítulo por capítulo, a variedade de cada um, isso foi
feito na apresentação da obra, mas cabe sim, ressaltar o empenho desses pes-
quisadores e pesquisadoras em abarcar estudos sobre diferentes modalidades,
seja na formação de professores, na estruturação e expansão das escolas rurais.
Um livro robusto e diverso, que certamente contribui para o campo da
História da Educação. Desejo que os capítulos te façam pensar em novas e
diversas educações.
Simone Burioli
Londrina, inverno 2024
15
AS ESCOLAS NORMAIS REGIONAIS NO
PIAUÍ E A FORMAÇÃO OFERTADA PARA
OS PROFESSORES RURAIS DE 1940 A 1960
Maria do Perpetuo Socorro Castelo Branco Santana1
Introdução
Entre os anos de 1940 e 1960, o Brasil era um país, no qual mais
de 80% da população residia na zona rural (SANTANA, 2011). Paralelo
a esse quadro, o país viveu uma fase de desenvolvimento, culminando em
mudanças econômicas, sociais e políticas. O poder público preocupado com
o crescimento do país, centra suas ações na industrialização, iniciando esse
processo a partir da capacitação profissional, o que induziu a população a
procurar por uma melhor qualificação.
Esta situação, pressionou as autoridades federais e estaduais a buscar
uma expansão do sistema educacional, levando o Governo Federal a atribuir
para si, a responsabilidade de definir estudos, planos e metas, a serem ela-
borados e aplicados para viabilização de ações, com propósito de alavancar
o desenvolvimento do Brasil, ao tempo, que via a necessidade de reverter os
baixos índices do nosso sistema educacional, no que se refere a quantidade de
escolas e professores com formação adequada e alfabetização.
Desde 1930, percebe-se nos discursos dos governadores do Estado do
Piauí, por meio das mensagens governamentais, que a discussão sobre a for-
mação de docentes estava presente não apenas no meio político, como tam-
bém no meio intelectual. Ambos estavam preocupados com a expansão do
1 Professora. Doutora da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) / Piripiri / Piauí /
mariaperpetuo@prp.uespi.br
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-601-5.p15-33
16
Ensino Primário, que estava vinculada a esse fato, ou seja, o Ensino Primário
só poderia se expandir se houvesse a formação de professores.
Nesse sentido, como aponta a mensagem do governador José da Rocha
Furtado, no final da década de 1940, emerge no país uma política educacio-
nal traçada por dois caminhos: ampliação do Ensino Primário, uma vez que
este era colocado como elemento primordial para desenvolvimento do país; e
formação de professores primários, devido ao déficit desse nível de ensino es-
tar ligado a ausência de um corpo docente em número suficiente para atender
a essa demanda. Na mensagem governamental, percebeu-se que,
No ano de 1948, o Estado do Piauí, assinou, com o Ministério da
Educação e Saúde, três acordos especiais, sendo uma para prosseguimento
da Campanha de Educação de Adultos, iniciada em 1947; um para cons-
trução de 80 prédios destinados às Escolas Primárias Rurais, e um para
construção e equipamento de Escolas Normais Rurais (PIAUÍ, p. 23, 1949).
Considerando o conjunto de políticas educacionais apresentadas para
o Brasil na década de 1940, centralizou-se, neste trabalho, o olhar na efetiva-
ção das políticas de construções de Escolas Normais Rurais, mencionadas na
mensagem acima. Isso deve-se ao fato de que essas edificações representariam
a institucionalização e a ampliação da formação de professores no Ensino
Normal para atuarem no ensino primário rural do Piauí.
Segundo os jornais “O Dia” da década de 1940 no Piauí, essa falta de
formação do professorado era um dos elementos que influenciou o abandono
dos bancos escolares pelos alunos do meio rural, pois os professores não rece-
biam durante sua formação um preparo pedagógico adequado para atuarem
nessas localidades. A partir da constatação desse aspecto, para esse trabalho
surgiu a seguinte inquietação: Em que contexto surgiu a primeira escola nor-
mal regional do Piauí e que formação ela oferecia para os professores rurais?
Para tanto, busca-se compreender em que contexto surgiu a primeira
Escola Normal Regional do Piauí e que formação era ofertada nessa escola
nas décadas de 1940 a 1960. Em relação o recorte temporal justifica-se ini-
cialmente por que na década de 1940, ser o momento de um maior inves-
timento no Ensino Primário, com a criação do Fundo Nacional do Ensino
Primário (FNEP) pelo Decreto-Lei n. 4.958, de 14 de novembro de 1942,
17
que também instituiu o Convênio Nacional do Ensino Primário para coo-
peração entre a União e os governadores dos Estados, Territórios e Distrito
Federal para ampliação e melhoria do sistema escolar primário de todo o país.
Nesse cenário, há um financiamento na construção de prédios escolares para
o ensino primário e, consequentemente, a institucionalização da formação de
professores de ensino primário rural, por meio da construção de prédios para
escolas normais rurais.
Além disso, a promulgação das Leis Orgânicas do Ensino: Decreto-
Lei n. 8.529, de 2 de janeiro de 1946 (Lei Orgânica do Ensino Primário);
e Decreto-Lei Federal n. 8.530, de 02 de janeiro de 1946 (Lei Orgânica do
Ensino Normal). A década de 1960 foi escolhida para o recorte final da pes-
quisa por ser o período de extinção da Escola Normal Regional de Floriano
– a primeira Escola Normal Regional do Piauí – por meio da incorporação
pela Lei 2. 878 da sede da Escola Normal Monsenhor Lindolfo Uchôa a sede
do Ginásio Pedagógico e extinguindo nessa instituição o nível de 1º ciclo.
A metodologia se deu a partir da análise de um levantamento biblio-
gráfico, documental (Mensagens Governamentais, Relatório da Instrução
Pública, Leis e Decretos). A análise foi fundamentada em Alberti (2005),
Bezerra (2015), Bosi (1994), Burker (1994), Freitas (2002), Lourenço Filho
(2001), Lopes (1996; 2001) Santana (2008; 2011). Para melhor compreen-
são desse trabalho dividimos ele em duas partes: a primeira Intitulada “A po-
lítica de formação de professores rurais no Piauí de 1940 a 1960” e “A Escola
Normal Regional de Floriano: o “nascimento” do ensino regional no Piauí”.
A política de formação de professores rurais no Piauí de 1940 a 1960
Segundo Brito e Werle (2006), na História da educação brasileira exis-
tem espaços de formação de professores, que apesar de relevantes na his-
toriografia, ainda são poucos estudados, como as Escolas Normais Rurais/
Regionais. Para as autoras, estas escolas juntamente com as instituições nor-
mais compõem um conjunto extenso e diferenciado, no que se refere à for-
mação de professores no Brasil, em especial, no século XX. Na literatura que
aborda esta temática, observou-se que quando se trata sobre formação de
professores em um espaço formal, a mesma ficou relegada e não possuía uma
política padronizada e sólida.
18
Isso possibilitou que essas escolas ficassem muitas vezes a cargo da ini-
ciativa privada, devido ao longo período que o país ficou ausente “de uma
legislação nacional para a educação escolar o que desencadeou uma diversida-
de de sistemas de ensino, que institucionalizou formas e espaços igualmente
diversos de formação docente” (BEZERRA, 2015, p.114).
Nesse sentido, as Escolas Normais Rurais - instituições que em mui-
tos estados, como Ceará, Paraíba e Pernambuco já estavam sendo implan-
tadas desde a década de 1930 - tinham o objetivo evidente de “formar” as
populações rurais e não apreender a formação da elite brasileira. Assim, no
momento em que se pensa uma narrativa para estas escolas no Piauí, faz-se
necessário definir o que se idealizava sobre rural e/ou regional no Estado
e saber se as Escolas Normais Regionais tinham as mesmas finalidades das
Escolas Normais Rurais.
Werle (2012) ressalta, que essas instituições foram pensadas no século
XX, entre as décadas de 1930 a 1950, com a finalidade evidente de formar
professores que fossem exercer sua profissão na maioria das vezes em escolas que
teriam uma sala de aula, consequentemente somente um professor: as escolas
isoladas. Essas escolas eram muitas vezes localizadas na zona rural dos muni-
cípios, onde atuavam os professores formados nas Escolas Normais Regionais.
No Piauí, na década de 1930, a discussão sobre a formação de profes-
sores primários rurais se dava acerca da crise no Ensino Primário, vinculada
a carência de professores diplomados e ao grande número de professores
leigos nesse nível. Contudo, apesar de perceberem esses problemas educa-
cionais, nada sobre eles foi mencionado no Estado. Nenhuma providência
foi tomada, sendo justificadas pelos governantes com a crise financeira que
assolava o estado.
A partir de 1946, a Lei Orgânica do Ensino Normal (LOEN), ao tem-
po que adotou para Ensino Normal dois ciclos de ensino, instituiu uma nova
nomenclatura para as escolas de formação de professores, que no primeiro
ciclo passaram a ser chamadas de Escolas Normais Regionais, por isso, muitas
vezes na literatura existe uma confusão em relação às Escolas Normais Rurais.
No mesmo período, o Estado distribuiu auxílios a dezesseis estados e quatro
territórios para construção de 51 prédios de Escolas Normais Rurais (ENR),
totalizando 120 milhões de cruzeiros.
19
O Piauí recebeu verba para construção de três dessas escolas, no entan-
to, apesar de não terem funcionado como Escolas Normais Rurais funciona-
ram, a partir de 1947, com a nomenclatura de Escola Normais Regionais.
Conforme a Lei nº 8.530/46, parágrafo 1 do Capítulo I, no rural e/ou re-
gional “O ensino de trabalhos manuais e das atividades econômicas da re-
gião obedecerá a programas específicos, que conduzam os alunos ao conhe-
cimento das técnicas de produção e ao da organização do trabalho da região
(BRASIL, 1946).
Sendo assim, as escolas aqui implantadas deveriam seguir essa normati-
va, sendo importante definir o que se pensava sobre um ensino regional neste
período. Para Mendonça “A regionalização do ensino, preceito de ordem me-
todológica e social, é para ambos, criança e povo, condição indispensável da
própria compreensão, pois o povo e a criança, para abrangerem a realidade,
precisam recebê-la através da região” (1968, p.15).
Por isso, torna-se importante refletir o que seria o regional no Piauí.
Esse Estado teve duas zonas econômicas e sociais: o sertão e a beira-rio. Pensar
então, o ensino para esses espaços era pensar dentro de suas especificidades,
ou seja, o ensino deve se diversificar conforme o lugar, no caso, o Sertão
piauiense (PIAUÍ, 1942).
Assim, conceber o ensino no sentido regional para o Piauí, foi pensar
o ensino para o homem sertanejo, segundo Benedito Martins no texto “O
Piauí e o Nordeste”, “Essas diretivas e tendências poderão resumir-se na ins-
tituição e equipamento de um tipo de escola, e na execução de uma prática
de ensino em relação imediatamente coaduna a terra, ao homem e ao regime
habitual da atividade (PIAUÍ, 1942, p.39), ou seja, deveriam desenvolver
competências necessárias para um maior aproveitamento social e individual.
Desse modo, em relação às Escolas Normais Regionais no Piauí fo-
ram identificadas três instituições desse tipo normatizada pelo Decreto- Lei
8.530/46, o qual no Estado foi adaptado por meio do Decreto-Lei Estadual
1.402 de 1946. As Escolas Normais Regionais vieram para amenizar a si-
tuação do professorado não diplomado, que como aponta Lourenço Filho
(2001), constituía-se no Brasil, um número bastante acentuado. Estas escolas
foram implantadas uma em Floriano, onde existia uma instituição de Ensino
Normal (2º ciclo), outra, na cidade de Piripiri e a última, em Gilbués.
20
Mapa 01 - Escola Normais Regionais do Piauí
Fonte: Brasil, 1965.
Entre o ano de 1947 a 1959, as Escolas Normais Regionais foram criadas
e implantadas e como se observa no mapa 1, uma localizava-se no Norte do
Estado - Piripiri - próxima a zona litorânea, também conhecida como região
dos cocais na zona fisiográfica do agreste, que foi contemplada com a constru-
ção de 32 prédios de escolas primárias rurais. A outra instituição de Ensino
Normal Regional ficava localizada na região centro-sul do Estado, mais preci-
samente na região do médio Parnaíba e teve nesse mesmo período, a construção
de 25 prédios de instituições de Ensino primário rural. A terceira e última es-
cola, encontrava-se no sul do Piauí na zona fisiográfica do Planalto, a qual teve
14 prédios escolares primários construídos na zona rural2.
Nesse sentido, como as Escolas Normais vieram para formar professores
primários com o devido preparo para atuarem na zona rural, pode-se supor o
porquê de as Escolas Normais terem sido implantadas nesses locais. Floriano,
apesar de estar na zona fisiográfica do médio Parnaíba, fica perto da zona fisio-
gráfica que recebeu maior quantidade de edifícios escolares rurais, sendo assim
a demanda de professores para essa zona seria bem maior, significando que esse
espaço necessitaria de um número bem maior de professores primários.
2 Para melhor compreensão sobre a construção dos prédios escolares primários na zona rural e sua
quantidade por zona fisiográfica, ver SANTANA, Maria do Perpetuo Socorro Castelo Branco. A
Constituição da rede escolar e a prática das professoras primárias na zona rural do Piauí nos
anos de 1940 a 1970. 178f, Dissertação (Mestrado em educação) – Universidade Federal do Piauí,
Teresina, 201l, p.82.
21
Da mesma forma aconteceu em Piripiri, que situada na zona fisiográfica
do sertão, recebeu o segundo maior número de prédios escolares rurais, con-
cluindo assim que a construção e implantação das Escolas Normais Regionais
nos locais estabelecidos vieram para contribuir e formar professores diplomados
que atuassem nesses locais. Vale salientar, que essas Escolas Normais recebiam
na sua comunidade escolar pessoas vindas de outros estados, como Maranhão,
Ceará e Bahia, pois o Piauí faz fronteiras com os respectivos estados e as escolas
ficavam localizadas nos municípios próximos a essas fronteiras.
Outro ponto de destaque é que durante a investigação dessas escolas foi
possível observar que em Piripiri e Gilbués não existia instituição com nível
de escolarização mais elevado, isto é, nesses municípios existiam somente
as escolas primárias. Quando a população terminava este nível de ensino,
tinham que ir para outro local para dar continuidade ao processo de esco-
larização, sendo isso, muitas vezes difícil para alguns, principalmente para
as mulheres, como se evidencia na fala de uma das alunas entrevistadas ao
relatar sobre seu processo de escolarização,
Era a única opção que nós tínhamos em Gilbués né? Era a única ou fazia
o normal regional ou saia de lá e naquela época era muito jovem e os
pais não permitiam que as mulheres saíssem para estudar né? Para estudar,
porque os meus irmãos saíram foram para Corrente, meus dois irmãos,
mas a gente era mulher, você sabe naquela época a condição da mulher era
bem submissa né? principalmente aos pais né? aí eu fiz o normal regional,
mas era uma coisa que eu gostava de fazer sabe [...] (LOUZEIRO, 2021).
Conforme a fala da entrevistada, essas escolas funcionavam nos muni-
cípios, durante alguns anos, como as únicas instituições com nível maior de
escolarização – isto é, o Ensino Secundário. Sendo assim, muito dos discentes
ingressavam nas Escolas Normais Regionais do Piauí por falta de opção de
um Ensino Secundário a nível ginasial, seja ele estadual, municipal ou parti-
cular, o que talvez possa explicar a presença dos discentes do sexo masculino
nessas escolas, como é o caso da Escola Normal Regional de Gilbués, uma vez
que era única opção que eles tinham para dar continuidade a seus estudos.
No momento, em que as alunas entrevistadas, foram questionadas
sobre o porquê de terem escolhido estudar nas Escolas Normais Regionais,
22
evidenciou-se em suas narrativas, ser esta a única alternativa para alcançarem
um maior nível de escolarização. No caso da Escola Normal Regional de
Floriano, a aluna escolheu a instituição porque ofertava um ensino gratuito.
É porque aquela escola era uma escola pública, é do Estado, e só tinha
naquela época o ginásio Santa Teresinha que era de pagamento, do doutor
Sobral, e o Primeiro de Maio já existia também, mas ai era pago, pago
viu, ai eu não tinha condição financeira para estudar pagando sabe[...]
(AQUINO, 2022).
Estudar nessas instituições era considerado um privilégio, pois a maio-
ria das Escolas Secundárias de 1º ciclo (curso ginasial), quando implantadas
nas cidades, eram particulares, o que tornava um obstáculo o acesso a elas.
Além disso, mesmo nas instituições da rede estadual ou municipal, uma boa
parte da população ficava fora dos bancos escolares desse nível de ensino, de-
vido à realização do exame de admissão para ingressarem nos ginásios ou nas
Escolas Normais Regionais do Piauí, como salienta a participante da pesquisa
em sua fala quando relata sobre seu ingresso na escola,
Normal Regional, quando eu terminei o primário em Jerumenha, fui es-
tudar em Floriano, nessa escola, eu fiz o teste, passei em segundo lugar no
teste, porque era como se fosse um vestibular assim, é... [...], mas o nome
é exame de admissão, eu fiz, na Escola Normal Regional de Floriano, [...]
(AQUINO, 2022).
Portanto, para ampliar sua escolarização, a população mais carente do
Brasil passava por diversos processos de seleção, que iam desde questões sobre
valores morais e financeiros até os educacionais, uma vez que para ingres-
sar no Ensino Secundário (1ºciclo) eram necessários como pré-requisitos, o
Ensino Primário e o exame de admissão.
Contudo, como esse nível de ensino passava por diversos problemas
nos municípios, uma grande parte da população ficava impossibilitada de
cursar o nível ginasial mesmo nas escolas públicas, pois a maioria ficava re-
provada nesse exame. Nesse contexto, surgiu a primeira escola de Ensino
Normal Regional que para muitos municípios do Piauí funcionavam como
forma de ampliar sua escolarização.
23
A Escola Normal Regional de Floriano:
o “nascimento” do ensino regional no Piauí
Floriano, situada na região do centro-sul piauiense, está localizada a
240 km de Teresina que é a capital do Estado. Até a metade do século XX -
em 1950 - este município possuía uma população de 33.786 habitantes, sen-
do 16.138 do sexo masculino e 17.648 do sexo feminino. Dessa parcela da
população florianense, 73% localizavam-se na zona rural. Comparado com
a porcentagem que o Piauí possuía na zona rural que era de 83,6%, Floriano
mostrava-se menos rural que o Estado em sua totalidade. Sendo assim, dos
49 municípios existentes nesse período no Estado, somente seis possuíam
uma população superior à de Floriano. Além disso, a cidade de Floriano na
década de 1950 foi a terceira mais populosa do Piauí (IBGE, 1959).
Em relação à economia, Floriano tinha como base a pecuária e a expor-
tação de produtos extrativistas, como por exemplo a cera de carnaúba, coco
babaçu e borracha de maniçoba. No que diz respeito à lavoura, o município na-
quele período, não produzia o suficiente para o consumo de sua população, re-
correndo aos estados vizinhos, principalmente ao Maranhão, para se abastecer.
Nessa mesma década, o município de Floriano era considerado o mais
importante centro comercial da região do Médio Parnaíba, isso devido sua
eminente posição geográfica. O município comandava todo movimento do
Vale do Parnaíba do sudeste do Maranhão até o sudoeste do Piauí (IBGE,
1959). Segundo Lopes (2001, p.89), essa condição fazia com que Floriano
tivesse estreito relacionamento comercial com Parnaíba, o que desencadeou a
mobilização em torno da implantação de seu Liceu e de sua Escola Normal”.
Floriano deu seu passo inicial na expansão do setor educacional, com
a criação do Liceu e da Escola Normal Municipal no ano de 1929, pela Lei
Municipal nº 125/29, sendo estes os primeiros estabelecimentos de Ensino
Secundário no município. Conforme Demes (2002, p.511), “Anexo ao Liceu
e a ele subordinado administrativamente, funcionava um Curso Normal
para moças que além das disciplinas básicas ministrava Trabalhos Manuais,
Desenhos e Música a cargo, respectivamente, das professoras Quinó Gomes,
Hercília Camarço e Maria Oliveira (Oeiras)”.
O Liceu, de acordo com as fontes analisadas como a revista zodíaco
24
e o histórico da Escola Lindolfo Uchôa, funcionou durante pouco tempo.
Segundo Demes (2002), o motivo do fechamento dessa instituição foi a au-
sência de gabinete de Física, Química e História Naturaes, fazendo com que
o Liceu encerrasse suas atividades e a Escola Normal se desvinculasse deste.
A instituição de Ensino Normal de Floriano foi equiparada a Escola
Normal Oficial do Estado em 1931 e funcionava no mesmo prédio que o
Liceu até o ano de 1946, pois a partir do Decreto – Lei nº 1.402 de 27 de
janeiro de 1947 que “Dispõe sobre a adaptação do sistema de ensino normal
do Estado” (DIÁRIO OFICIAL, 1947), passou a funcionar como Escola
Normal Regional de Floriano.
Essa escola, como normatizava a Lei do Ensino Normal, passou a for-
mar os regentes de Ensino Primário que deveriam atuar prioritariamente
nas escolas primárias rurais. Na Enciclopédia dos Municípios Brasileiros de
1959, pode-se identificar um dos prédios que funcionou a ENR de Floriano
como se observa na figura abaixo:
Figura 1 - Escola Normal Regional de Floriano
Fonte: IBGE, 1959.
Apesar da fotografia estar um pouco desfocada, percebe-se que o prédio
era majestoso para o contexto daquele período, representando a modernização
da cidade e do ensino em Floriano. Nesse sentido, como assinala a participante
da pesquisa que estudou nesse estabelecimento de ensino, muitas pessoas es-
colhiam essa instituição por ser uma escola pública, porém buscavam estudar
25
nela pelo status que esta instituição de Ensino Normal tinha naquele período.
A referida instituição foi mantida durante seu funcionamento pelo mu-
nicípio, recebendo subvenção do Estado, como mostrou o Art. 1º do Decreto
– Lei nº 1.044 de 1945, no qual “Eleva para Cr$ 100.000 (Cem mil cruzei-
ros), a partir de janeiro de 1946, a subvenção anual concedida pelo Estado à
Escola Normal Municipal de Floriano” (PIAUÍ, 1945, p.5). Nesse contexto,
apesar de ser um estabelecimento de ensino municipal durante sua primeira
fase - funcionando como uma escola de Ensino Normal - na sua segunda fase,
recebe ajuda financeira do Estado para a sua manutenção.
Isso também foi observado na Lei n° 333 de 12 de novembro de 1955,
na qual o prefeito de Floriano “Orça a receita e fixa a despesa no município
de Floriano, para o exercício de 1956”. Assim, no referido ano para instrução,
mas especificamente, para a ENR de Floriano, de acordo com a (figura 2), se
tem a seguinte previsão orçamentária:
Figura 2 - Previsão Orçamentária para Escola Normal Regional de Floriano de 1956
Fonte: Livro de leis orçamentárias da Câmara Municipal de Floriano de 1955.
Percebeu-se, pela lei orçamentária, que a maior receita em relação a
ENR de Floriano, refere-se ao professorado, tendo em vista que para o ano
de 1956, o município gastou 81.000,00 (oitenta e um mil cruzeiros). Além
das despesas expostas na (figura 2), a prefeitura municipal de Floriano ainda
tinha despesa com fiscalização do curso Normal Regional – 10.000,00 (dez
mil cruzeiros) – e com aluguel do prédio que a escola ocupava, pois, a mesma
26
até o presente ano ainda não tinha sua sede própria, tendo na sua receita uma
previsão de gasto em torno de 6.000,00 (seis mil cruzeiros).
Ainda em relação ao aluguel, no qual funcionava a escola podemos afe-
rir que nesse mesmo ano o prefeito municipal de Floriano, Sebastião Martins
de Araújo Costa, sanciona e promulga o aumento do aluguel por meio da
Lei municipal nº 362 de 21 de março de 1956, como assina o Art. 1º da Lei
citada acima, que diz:
Art.1º Fica o Dr. Prefeito Municipal de Floriano autorizado a elevar para
1.200,00 (hum mil e duzentos cruzeiros), a partir de janeiro do corrente
ano, o aluguel do prédio onde funciona o Curso Normal Regional de
Floriano (CÂMARA MUNICIPAL DE FLORIANO, 1956).
Dessa forma, do período que se iniciou seu funcionamento como
Escola Normal em 1929 e, posteriormente, a partir de 1947, como Escola
Normal Regional, essa instituição de ensino funcionava em um prédio aluga-
do pelo município, prática comum naquele período no Estado. Entretanto,
Lopes (1997) aponta no início do ano de 1950 que houve a iniciativa para
construção de uma sede própria, porém a escola foi terminada somente em
1960 e inaugurada em novembro de 1961.
Figura 3 - Registro fotográfico da inauguração do prédio da Escola
Normal Regional de Floriano.
Fonte: Lopes (1997, p. 36).
Nesse registro, encontram-se pessoas importantes tanto para o cenário
político como para a sociedade piauiense no geral, como por exemplo o go-
vernador Chagas Rodrigues, o Pe. Pedro, Francisco Antão (os dois últimos,
da esquerda para direita), que fizeram parte desse momento da memória da
27
história do ensino do município. A escola foi construída numa área bem
ampla, de acordo com o registro de imóvel, retirado no cartório Carvalho em
Floriano, a área tinha 10.800 m² (dez mil e oitocentos metros quadrados).
Figura 4 - Unidade Escolar Lindolfo Uchôa (antiga Escola Normal Regional de Floriano)
Fonte: Acervo particular da pesquisadora
Observou-se nas análises, o fato de que o prédio anterior já representa-
va uma instituição imponente para o município, a sede própria da ENR de
Floriano acaba por simbolizar nesse período a modernização e o progresso
do Ensino Normal no Piauí. Durante as pesquisas, foi possível ter acesso a
um documento que se refere à Lei nº 21 de 08 de maio de 1967, na qual a
prefeitura de Floriano autoriza a doação do prédio com sua área e o terreno
ao Governo do Estado do Piauí, no qual funcionava a Escola Normal.
Percebe-se, que a Escola Normal Regional de Floriano funcionou como
tal até o ano de 1965, pois no histórico escolar da Unidade Escolar Mons.
Lindolfo Uchôa, no dia 16 de fevereiro de 1966, esta escola foi transforma-
da em Ginásio Pedagógico de Floriano e posteriormente, após a doação do
prédio e do terreno da instituição por meio da Lei 2.878 de 17 de junho de
1968, foi incorporada à rede estadual. Considerando-se desde a data de mu-
dança desta escola para o estabelecimento do Ensino Normal Regional até
a sua estadualização como Ginásio pedagógico, têm-se 21 anos de história
na formação de professores primários regentes de ensino. Segundo Camelo
(2016), essa escola era,
[...] primordial, pois se apresenta como uma escola que delimita a educa-
ção na cidade. E esta delimitação não é só histórica mais também geográfi-
ca, pois seu alcance se estende para as cidades próximas (Picos e Amarante)
e para as distantes (Corrente), bem como para o estado vizinho. Deste
28
modo, a escola se incorpora à identidade da cidade, que passa a ser difun-
dida como um polo educacional, reverberando numa autoimagem positi-
va para o seu povo (CAMELO, 2016, 38).
No trabalho da autora foi identificada a placa de formatura com os
concludentes do ano de 1954 do Curso Normal Regional, porém como a di-
gitalização da imagem não está clara não foi possível uma melhor visualização
e identificação dos alunos. Entretanto, nos livros biográficos, teve-se acesso
a nomes de professores que atuaram na Escola Normal Regional de Floriano
como também de alunos que frequentaram essa instituição.
Outra fonte, na qual se pode identificar professores e que corroborou
com os livros biográficos, foi um livro de Portaria da Escola Normal Regional,
o qual nomeava os professores para ministrarem aulas nessa instituição. Dessa
forma, foi possível verificar quais os professores que passaram por essa escola
e as disciplinas que eles ensinavam como: Noções de Fisiologia e anatomia;
Ciências Naturais; Noção de Higiene; Matemática; Português; Desenho;
História do Brasil e História Geral; Canto Orfeônico e Trabalho manuais.
Portanto, apesar de não ter sido possível o acesso aos documentos es-
colares, constatou-se, diante do levantamento feito sobre o funcionamento
da Escola Normal Regional de Floriano, que essa instituição durante duas
décadas formou regentes de ensino primário que contribuíram tanto para o
processo de escolarização do Ensino Primário do município como para o de
municípios circunvizinhos e de outros estados.
Assim, na construção da historiografia das instituições de ensino re-
gional pode-se perceber alguns pontos comuns entre elas. Primeiro, as ENR
instaladas nos municípios representavam muitas vezes o maior nível de esco-
larização que tinha naquele local e nas regiões vizinhas. Quando começaram
a ser implantadas no Estado, no ano de 1947, quase não se tinham Escolas
Secundárias com cursos ginasiais. Por isso, nos municípios que tinham essas
escolas, elas cumpriam esse papel.
Outro ponto levantado na análise das fontes foi que as escolas só fun-
cionaram até a metade da década de 1960. O terceiro ponto foi que o Ensino
Normal Regional além de representar a ampliação da escolarização para ju-
ventude piauiense, principalmente a feminina, influenciou também no pro-
cesso de interiorização do Ensino Normal, possibilitando a muitos discentes
29
continuarem seus estudos cursando o 2º Ciclo ou o conhecido pedagógico.
Os Cursos Normais Regionais do Piauí seguiam a legislação nacio-
nal – o Decreto-Lei 8.530/46 – e as orientações estaduais pelo Decreto-Lei
1402/47, uma adaptação da nacional. Desse modo, as disciplinas não eram
ofertadas aleatoriamente, pois seguiam um padrão ou um perfil de professor
que o Estado ansiava para Escola Primária Rural. Nesse sentido, Goodson
(1997) entende que o currículo escrito é quem define a padronização de re-
cursos como financeiro, avaliativos, materiais e outros.
Segundo o autor, “[...] o currículo escrito proporciona-nos um teste-
munho, uma fonte documental, um mapa variável do terreno: é também um
dos melhores roteiros oficiais para a estrutura institucionalizada da educação
(GOODSON, 1997, p.20). Nesse sentido, nas pastas que contém os proces-
sos dos alunos se teve acesso a fichas, as quais tinham informações sobre as
disciplinas ofertadas nas escolas, os históricos e algumas observações, como a
relatada abaixo, que traz informações sobre o currículo oferecido nos primei-
ros anos da Escola Normal Regional de Piripiri.
A Escola Normal Regional Sagrado Coração de Jesus de Piripiri-Piauí ti-
nha a equivalência de Ginásio e Normal para formação de Regente do
Ensino Primário. Por essa razão, o Currículo da referida escola apresen-
ta as disciplinas do Curso Ginasial e as disciplinas específicas do Curso
Normal Regional.
Corroborando com a observação na ficha da discente, no documen-
to n. 52 publicado pelo INEP em 1950, o currículo encontra-se de acordo
com as normas recomendadas pela Lei. Assim, é possível observar no quadro
abaixo, que as três Escolas Normais Regionais do Piauí - Floriano, Piripiri e
Gilbués - concentraram inicialmente as disciplinas de formação geral e no
último ano, as disciplinas de formação específica.
Portanto, identificou-se, que a referida escola estava em conformidade
com o Decreto-Lei, e que as disciplinas se dividiam em três grupos: uma de
formação geral que eram: português, matemática, ciências naturais, histó-
ria e geografia; Um segundo grupo, encontram-se as disciplinas de Desenho
e caligrafia, Canto orfeônico, Trabalhos Manuais e Economia domésti-
ca, Educação física, Trabalhos Manuais e atividade econômica da região e
30
desenho. Para Chaloba (2022), atividades específicas ao meio rural ficaram
limitadas à disciplina de Trabalhos Manuais e atividade econômica da região
e o último grupo está relacionado às disciplinas de Desenho, Educação fí-
sica, Recreação e jogos, Noções de higiene, Anatomia e fisiologia humana,
Psicologia e Pedagogia, Didática e Prática de Ensino e denominado, em mui-
tos trabalhos que abordam essa temática, como um grupo com disciplinas de
formação específica, que são ofertadas sobretudo nas últimas séries.
Considerais Finais
Destarte, como as fontes assinalam, as Escolas Normais a nível ginasial
surgem primeiramente com a nomenclatura de Escolas Normais Rurais, mas
observou-se que essa denominação se limitou aos documentos emitidos pelas
instituições. A escola de Floriano surgiu inicialmente como Escola Normal,
ofertando o curso de 2º ciclo em 1929 e em 1947, com a promulgação do
Decreto-Lei Estadual nº 1.402, ofertou o Ensino Normal Regional, isto é, a
formação de professores regentes de ensino primário.
Nos documentos dessa instituição a que se teve acesso, não ficou explí-
cito o porquê da mudança de ciclos de ensino, sendo que o estabelecimento
de ensino passou a ser conhecido como “Escola Normal Regional de Floriano,
atendendo a toda população da cidade e de municípios vizinhos.
Entende-se, dessa forma, que no Piauí a política nacional de formação
de professores rurais funcionou muito mais como uma ampliação de escola-
rização para a parcela da população que não tinha condições financeiras de
se deslocar para outros estados ou municípios, onde era ofertado o Ensino
Secundário a nível ginasial. Nessa perspectiva, não se pode afirmar que a
formação de professores rurais no Piauí seguiu a perspectiva de formação de
professores que se tinha a nível nacional.
Portanto, ao se analisar o projeto de formação de professores presente
nas Escolas Normais Regionais do Piauí, em termos de organização pedagó-
gica, percebeu-se que o currículo ofertado nessas instituições nos três primei-
ros anos era baseado numa formação mais geral, destinando ao último ano
uma formação mais específica, como as disciplinas de psicologia e pedagogia,
didática e prática de ensino, evidenciando-se uma formação geral sobre uma
formação mais específica.
31
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33
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35
A INTERIORIZAÇÃO DAS ESCOLAS
NORMAIS RURAIS E REGIONAIS1
NO ESTADO DE PERNAMBUCO,
ENTRE 1928 E 1946
Manuela Garcia de Oliveira2
Introdução
No trabalho preparatório de um movimento rural e sério, não será jamais
demasiado, insistir na formação de professores rurais. Desde que aperce-
bemos, convenientemente, do sentido da escola rural e da sua diferença
da simples escola comum – pelo admirável avanço objetivo dos ideais
daquela, – compreenderemos facilmente que, não será mestre qualquer, o
mestre adequado às duras e importantíssimas tarefas ruralista. (JORNAL
DO PROFESSOR, ANO I, N.2, Recife, 15 de abril de 1955).
Os sentidos da escola rural diferentes da escola comum, como apon-
tado acima no fragmento do Jornal do Professor, foi uma percepção de mo-
delos de escolas distintas oriundos da dualidade de representação do campo
e cidade, bem como em uma tentativa de progresso e estabilização da econo-
mia pela atividade agrícola, uma vez que o Brasil era caracterizado como um
1 Optou-se neste texto o uso da nomenclatura em iniciais maiúsculas Escola Normal Rural e Escola
Normal Regional para demarcação de uma política e por questões estilísticas textuais.
2 Manuela Garcia de Oliveira Graduada em Letras/Língua Portuguesa e Mestre em Educação pela
Universidade de Pernambuco (UPE), Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Cultura e
Instituições Educacionais (GEPCIE). E-mail: manuela.garcia@unesp.br
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-601-5.p35-50
36
país potencialmente rural. Para esse novo sentido de escola – a rural –, não
somente uma estrutura modelar e alteração curricular estava no cerne das
discussões, mas sobretudo “um mestre adequado às duras e importantíssimas
tarefas ruralistas”, como destaca o jornal de classe trabalhista de Pernambuco.
Nos primeiros trintas anos do século XX, especificadamente 1910 a
1930, surge no Brasil instituições de ensino agrícola que estavam ligadas ao
Ministério da Agricultura e, com a ampliação do debate em torno de uma
ruralização3 do ensino, se iniciam experiências nos ensinos primário, secun-
dário e magistério.
Para o Movimento de ruralização do ensino4 deveriam haver institui-
ções que, na prática, cumprissem um propósito rural, uma vez que, escolas
mesmo situadas em áreas rurais não configurariam uma escola primária rural
(MORAES, 2019). Nessas proposições, alguns modelos de instituições fo-
ram materializando a experiência da ruralização, como as escolas primárias
sob modelo de Grupos Escolares Rurais e Escolas Típicas Rurais; na formação
de professores, destinavam-se às Escolas Normais Rurais. Além dessas insti-
tuições, tinham-se outros meios propulsores do ideário do ruralismo, como
as Semanas Ruralistas, inspiradas nas missões culturais mexicanas e a criação
de Clubes Agrícolas (MORAES, 2019). Esse conjunto modelar de institui-
ções para os espaços rurais do Brasil foram sendo criados paulatinamente, em
conformidade às características da região e legislação estadual, uma vez que
ao longo das décadas de 1920 e 1930 cada estado federativo provia sua legis-
lação e orçamento próprios, em tese, configurando-se em assimetrias tanto
em termos de oportunidades educacionais, quanto na constituição da forma-
ção dos professores.
3 É salutar ressaltar que embora os termos ruralização e ruralismo hodiernamente se refiram a grupos
partidários conservadores, tendo alguns deles que seguem ideologias fascistas, aqui a orientação
terminológica de ruralismo brasileiro no período histórico em tela é referente a um “movimento
político integrado”, de acordo com Mendonça (2017), que pensava em várias frentes a questão da
vocação agrícola do país, uma delas, a educação.
4 Para Moraes, o Movimento pela Ruralização do Ensino “atuou nas áreas da economia, da política
e da cultura, em diferentes regiões do Brasil, defendendo e colocando em prática sua concepção de
escola ruralizada”, ligados por sua vez a um ruralismo brasileiro, ideia que projetava e compreendia
o país como potencialidade rural. A autora também explica que opta por usar ruralismo de ensino
em seus trabalhos e diferencia do termo “Ruralismo pedagógico”, sendo este uma nomenclatura que
foi apropriada pelas pesquisas do século XX.
37
Essas assimetrias foram refletidas no estado de Pernambuco. De acor-
do com o Anuário Estatístico de Pernambuco, até o ano de 1929 o estado
provinha de um total de 12 instituições, sendo 9 femininas e três para ambos
os sexos. Desse total, no período mencionado, apenas uma era pública – tra-
tava-se da Escola Normal Oficial -, as demais particulares e, no que se refere
à localização, a maior parte delas se concentravam na capital, deixando com
isso, o interior sem a escolarização. Diante disso, para que o estado conseguis-
se expandir e interiorizar a formação do magistério rural, buscou organizar o
sistema administrativo da educação em todos os níveis, movimento também
realizado nas outras regiões do país.
Mesmo com iniciativas políticas, legais e pedagógicas para a concretiza-
ção de um país ruralista, no âmbito educacional público, sobretudo na esco-
larização dos professores para o rural, a materialização de investimentos foi ca-
racterizado pela sua ausência (PINHEIRO, OLIVEIRA e SANTANA, 2020).
A história da escolarização de Pernambuco no século XX ainda é lacunar
e tem sido estudada predominantemente por uma perspectiva da história das
instituições. Os que dizem respeito ao recorte da educação rural, apontam, com
maior ou menor ênfase, para o desenvolvimento da formação rural no estado de
Pernambuco, via Escola Normal Rural (BANDEIRA, 2018; BERNARDES,
2018; COSTA, 2023). Alguns, relacionando pouco com o movimento na-
cional, no que diz respeito à política deliberada pela Lei Orgânica do Ensino
Normal para a formação rural; outros5, pouco recuperando a trajetória a edu-
cação rural do país, assim como poucos estudos em perspectiva histórico-e-
ducacional sobre as políticas dos professores rurais que privilegiassem todo o
estado, que analisasse como ressoava o ruralismo em Pernambuco.
Saliento que, pesem os últimos estudos científicos em rede6, no campo
da História da Educação, que privilegiaram o rural - ou os rurais do Brasil – e
avançaram na produção do conhecimento, indicando dentre vários aspectos,
uma “efêmera trajetória das Escolas Normais Rurais no Brasil e a diversidade
5 Vide estudos mais amplos, de análise de reformas, mas sem foco da educação rural: Sellaro (2000),
Lima (2004), Pessoa (2014) Ramos (2014) Santos (2021).
6 Como por exemplo, o projeto de pesquisa Formação e Trabalho de Professora e Professores Rurais
no Brasil: RS, PR, SP, MG, RJ, MS, MT, MA, PE, PI, SE, PB RO que contou com pesquisadores
de 18 instituições e em seus resultados parciais foram expedido livro com 14 textos analíticos, além
de mesas em eventos, publicações individuais, teses e dissertações, publicações em periódicos.
38
de instituições e programas de formação” (CHALOBA et al., 2021, p. 18),
historicizo neste texto uma das regiões localizada no Nordeste do país que é
demarcada por uma recente implantação da pós-graduação, o que implicada
também, na sistematização em larga escala de mais pesquisas sobre o tema.
Com isso, este texto também é um contributo para aprofundar as iniciativas
das Escolas Normais Rurais e as Regionais7 tanto em seu interior como exte-
rior “para a construção de uma cartografia mais abrangente dessas instituições
em cada um estado brasileiros” (CHALOBA et al., 2021, p. 20).
A análise se organiza textualmente com a discussão das primeiras ini-
ciativas do magistério rural, seguindo para a materialização da política de
Escolas Normais Rurais no estado de Pernambuco e as experiências em ou-
tros estados do Brasil. Em seguida trata da lenta interiorização do magistério
público rural via política da Escola Normal Rural e Regional, mostrando os
possíveis motivos dessa tardia criação, bem como a quantidade de escolas
criadas e a opção de Pernambuco por uma política de instituições sob orga-
nização de congregações da Igreja Católica.
Das iniciativas de institucionalização da formação de professores
rurais via escolas normais rurais e regionais
Antes mesmo da existência concreta de escolas para o magistério ru-
ral, no estado de Pernambuco, primeiro foi instituído por Antônio Carneiro
Leão a sua regulamentação, compondo uma das partes principais da Reforma
educacional Ato n.º 1.239 de 27 de dezembro de 1929, cuja a escola e o
professor estão circunscritos como pilares da nova educação pernambucana.
A proposta da reformulação da educação que foi solicitada no final da gestão
de Estácio Coimbra8, à época governador do estado de Pernambuco, seguiu
uma estratégia de ser aplicada gradativamente, procurando facilitar as poste-
riores regulamentações.
7 O termo Escola ou Curso Normal Rural refere-se às iniciativas registradas na documentação
estadual e discussão de 1930. Com a criação da Lei Orgânica de 1946, o modelo passou a ter como
nomenclatura Escola ou Curso Normal Regional. (PINHEIRO, OLIVEIRA e SANTANA, 2020).
8 Estácio de Albuquerque Coimbra nasceu em Barreiros, Pernambuco; advogado, oligárquico, político,
ocupando quase todos os tipos de cargos do executivo e legislativo. Mais detalhes da carreira política,
acessar:http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/estacio-de-albuquerque-coimbra.
39
Na verdade, antes da implantação dos Cursos Normais Rurais e os
Regionais na década de 1930, a formação se dava na Escola Normal Oficial,
localizada em Recife e, os professores que eram nomeados para trabalhar
no interior pernambucano, complementavam seus estudos na Escola Rural
Modelo Alberto Torres (COSTA, 2003). Elaborada para sanar essa deman-
da, a Reforma de Carneiro Leão não chegou a ser concretizada na época e,
com a mudança das lideranças governamentais, em 1933, Carlos de Lima
Cavalcante orienta o então Diretor Técnico de Educação, Annibal Bruno,
a instituir a Lei Orgânica do Instituto de Educação por meio do Decreto n.
182, de 25 de março, que por sua vez buscou seguir a linha mestra da reforma
de Carneiro Leão, porém ampliando-a.
Após a Lei Orgânica de 1933, no ano seguinte foi possível acompanhar,
no periódico Diário de Pernambuco e relatórios de governo, instituições sob
administração de congregações religiosas católicas solicitando à Diretoria
Técnica de Educação, equiparação de seus cursos normais para a implan-
tação de um currículo do magistério de formação rural. Essas solicitações
aconteceram porque a legislação previa também subvenções, garantindo par-
cerias com essas instituições, bem como uma rápida implantação das Escolas
Normais Rurais no estado.
Entrecruzando os documentos Diário de Pernambuco, relatórios de
governo Carlos de Lima Cavalcanti, (1934 -1936) e Oportunidades de for-
mação do magistério primário (INEP- MEC- 1958), foi possível identificar
que até 1937, com pedidos de equiparações e subvenções sob acordos polí-
ticos, Pernambuco possuía 6 (seis) instituições de magistério rural particula-
res e 1 (um) municipal, todas com o currículo modelar de Escolas Normais
Rurais.
Quadro 1: Quantidade de Escolas Normais Rurais de 1930 a 1937.
Ano Pública (Estadual e municipal) Mantenedora
1935 Escola Normal Rural N. S. de Lourdes – Gravatá Municipal
Ano Particular Mantenedora
Escola Normal Regional N. S. Auxiliadora Congregação das Filhas de
Maria Auxiliadora
Escola Normal Rural Santa Doretéia, Pesqueira Congregação das Irmãs de
santa Doretéia
40
1930 Escola Normal Rural Sagrado Coração, Caruaru Associação Instrutora
Missionária
1937 Escola Normal Rural Santa Cristina, Nazaré da
Mata
Congregação das Damas de
Instrução Cristã
Escola Normal Rural N. S. das Graças Congregação Franciscana
N. S. Do Bom Conselho
Escola Normal Rural “N.S. de Lourdes”, Palmares Congregação Franciscana
N. S. Do Bom Conselho
Fonte: Elaborado pela autora conforme o Diário de Pernambuco, relatório de governo Carlos de
Lima Cavalcanti, (1934 -1936) e Oportunidades de formação do magistério primário (INEP-
MEC), 1958.
O processo de pedido de equiparação das escolas tinha prazo de um
ano, no qual, para aprovação, avaliava a estrutura arquitetônica, o corpo do-
cente e a implantação da proposta curricular. Muitas instituições religiosas
católicas já conseguiam equiparação em prazo hábil, pois sua grande estru-
tura fisíca, imponente e adaptável ao trato agrícola, facilitava a implantação,
como é o caso da Escola Normal Rural Stella Maris, localizada no município
de Triunfo, sertão pernambucano.
Imagem 1: Frente parcial da Escola Normal Rural Stella Maris (s/d).
Fonte: arquivo privado ex-aluna da instituição.
As escolas que aderiam ao modelo de formação ao magistério rural
usavam em suas justificativas como critério de conversão a potencialidade
agrícola e econômica local, ou a necessidade de desenvolvê-la, como é o
41
caso das instituições localizadas no sertão e muitas vezes sem o olhar do
poder público.
Quatro anos após a reformulação educacional do estado, Agamenon
Magalhães, ao assumir a Interventoria, concebe que a educação deveria se-
guir os princípios conjuntos entre Igreja e a Escola, a Família e a Profissão
(PERNAMBUCO, 1940, p.5) e reformula mais uma vez a estrutura educa-
cional do estado. Para isso, o Interventor estabeleceu novas diretrizes para
educação, sobretudo com uma base de pré-orientação agrícola e industrial,
caracterizando com isso uma nova fase na formação do magistério rural. As
Escolas Normais Rurais ampliam, com a reformulação, o tempo de curso
e inserem disciplinas voltadas à indústria rural em sua base curricular. Não
era sem razão às abrutas modificações, pois a orientação vocacional para a
formação agrícola suplantou em um novo sentido de trabalho rural, o de
especialidades técnicas para a diversificação das plantações e, principalmente,
a mecanização do campo.
No que diz respeito à quantidade de Escolas Normais Rurais existentes
durante o período de 1937 a 1946, ou seja, a partir da nova ordem e sentido de
ruralização no estado de Pernambuco, foi possível identificar pelo entrecruza-
mento das matérias do Diário de Pernambuco, relatório e mensagens de gover-
no, e documento do Inep, que algumas Escolas, em sua maioria, continuaram
ofertando o curso normal rural, havendo apenas mudanças de denominação,
passando a serem intitulada de escola normal regional. Dessa modificação,
também foi possível notar a adesão de mais 3 três instituições católicas aderin-
do o currículo de Escola Normal Rural, totalizando até o final do governo de
Agamenon Magalhães, 9 (nove) escolas para o magistério rural.
Os movimentos de institucionalização de escola rural foram tam-
bém resguardados nos termos da lei nos anos de 1940, surgindo então: Lei
Orgânica do Ensino Primário (Decreto-Lei n. 8.529, de 2 de janeiro de
1946), a Lei Orgânica do Ensino Agrícola (Decreto-Lei n. 9.613, de 20 de
agosto de 1946), para ensino profissionalizante, e a Lei Orgânica do Ensino
Normal (Decreto-Lei n. 8.530, de 2 de janeiro de 1946), intervindo na for-
mação das professoras das escolas primárias urbanas e rurais. Tais legislações
que foram estabelecidas a nível nacional propiciaram uma organização do
sistema educativo escolar a nível nacional, bem como impactaram em um
42
novo sentido de formação rural e políticas de criação e financiamento para
maior parte do país.
Quanto à presença de instituições de magistério rural públicas, passarei
a discuti-las a seguir.
A lenta interiorização do magistério rural público em Pernambuco
Como foi mencionado anteriormente, os fundos de apoio dados pelo
INEP no início dos anos 1940 foram possibilidades de garantia da interio-
rização do magistério rural no estado, mesmo sendo por vias de instituições
particulares. Várias instituições católicas particulares se beneficiaram desse
suporte concedido pelo INEP, como é o caso da Escola Normal Regional
Savina Petrilli, de Ribeirão, localizada na Zona da Mata; a Escola Normal
Rural Santa Teresinha, município Altinho, Zona Agrestina dentre outras.
A década de 1930 até metade de 1940, a experiência de implantação da
política de Escolas Normais Rurais foi marcada por uma instabilidade de re-
formas educacionais, seja pelo precoce rompimento da reforma de Carneiro
Leão, ou na reforma ampliada de Anibal Brunno, bem como reformas da
interventoria de Agamenon Magalhães. As mudanças governamentais colo-
cavam sempre as instituições em um estágio de experienciar as normativas re-
gimentais e curriculares com tímidos avanços na criação massiva consolidada
de Escolas Normais Rurais pelo estado.
No gráfico 1, abaixo, é possível identificar essa instabilidade traduzida
em números, conforme os períodos em que mais se implantaram a política de
Escolas Normais Rurais, entre as décadas de 1930 a 1950.
43
Gráfico 1: Número de Escolas Normais Rurais e Regionais criadas entre as
décadas de 1930 a 1950.
Fonte: Elaborado pela autora entrecruzando dados do Diário de Pernambuco, relatório de
governo Carlos de Lima Cavalcanti, (1934 -1936) e Oportunidades de formação do magistério
primário (INEP- MEC), 1958.
Entre as décadas de 1940 a 1950, o gráfico mostra o aumento de
Escolas Normais Regionais, nomenclatura demarcada pela política da época,
seguindo a Lei Orgânica do Ensino Normal, pelo Decreto-Lei n. 8.530, de
2 de janeiro de 1946, na qual estabeleceu um modelo curricular de caráter
técnico e profissionalizante para todo o Brasil. Tal legislação não modificou
somente a nomenclatura da política passando de Rural para Regional, mas
instituiu organicidade a nível nacional, previu orçamentos, sobretudo para
instituições públicas.
De acordo com Andrade (2021), o Ministério da Educação e Saúde
em 1941 formou uma comissão cuja finalidade era criar uma proposta de
Anteprojeto de Decreto-Lei para realizar um estudo e pensar a formação de
professores para todos os estados. Nesse estudo estava contemplado o magis-
tério rural, no qual a instituição responsável por sua formação passaria a de-
nominar-se Escola Normal Regional, modelos considerados “ideais à implan-
tação nas áreas interioranas devido ao baixo custo relativo e à facilidade de
organização, o que permitiria sua rápida generalização em todos os Estados
da Federação” (ANDRADE, 2021, p. 174).
Somente em 1946 a legislação foi aprovada e publicada. O Decreto-
Lei nº 8.530 estabeleceu as bases de organização do ensino normal no Brasil
44
na qual se cria a Escola Normal Regional. Nesse dispositivo legal, o Curso
Normal Regional ofertaria “tão somente o primeiro ciclo de ensino normal”,
na qual formaria regentes de ensino primário (BRASIL, 1946).
A tardia aprovação do texto legislativo justifica a lenta criação de Escolas
Normais Regionais públicas no estado de Pernambuco. Aproximadamente
vinte anos após a existência da primeira fase da política de Escolas Normais
Rurais no estado é que vai ser criada o magistério público rural. Foram cria-
das Escola Normal Regional de Floresta, Salgueiro e Afogados da Ingazeira,
respectivamente nos anos 1954, 1955, 1956.
Portanto, percebeu-se na análise das fontes que a política para o ma-
gistério rural, instrumentalizadas pelas Escolas Normais Rurais e Regionais
foi implantada e interiorizada por vias particulares. Do total de 20 Escolas
Normais para a formação rural, 3 (três) foram de iniciativas públicas, sob
organização de instituição católica; uma sendo Municipal, Escola Normal
Regional “Nossa Senhora de Lourdes” de Gravatá; e as demais, particulares
sob administração da Igreja Católica atuando nos rumos do rural no estado
de Pernambuco.
Considerações finais
Este texto dedicou-se a uma história da formação de professores primá-
rios rurais do estado de Pernambuco, delimitando-se às políticas de instalação
das Escolas Normais Rurais e as Regionais, no contexto das décadas de 1928
a 1946 do século XX. Essa política, orientada em suas discussões iniciais pelo
ruralismo do ensino, buscou implantações diferentes no ensino primário e
normal nos estados brasileiros. Em Pernambuco, o magistério rural ganha
notoriedade na reforma elaborada por Antônio Carneiro Leão, pelo Ato de
nº 1.239 de 27 de dezembro de 1928, mas ganha legitimidade institucional
consoante prédio e currículo adaptados pelas mãos Anibal Brunno, ao am-
pliar em 1933 uma nova reforma educacional seguindo algumas orientações
do texto de Carneiro Leão. A rápida implantação da experiência de Escolas
Normais Rurais no estado de Pernambuco ganhou notoriedade e legitimida-
de por servir de base a outros estados brasileiros, escolha democraticamente
deliberada no I Congresso de Ensino Regional.
Quanto ao processo de interiorização das experiências de Escolas
45
Normais Rurais e Regionais, foi marcado por equiparações de instituições
normais particulares religiosas confessionais, da Igreja Católica que tinha seus
prédios funcionando como Escolas Normais Livre e Ginásios, em maior par-
te. Nesse sentido, a interiorização do magistério rural direcionou-se às regiões
agrestinas e sertanejas, movimentos esses marcados por convênios firmados
com o governo do estado e a busca de subvenções para ampliar a oferta de
escolarização para o ensino secundário e normal e consequentemente garantir
sua expansão e interiorização.
Uma interiorização lenta, pode-se considerar, até os anos de 1940.
Lenta por diversos fatos, mas destaco aqui 2 (dois) preponderantes: desali-
nhamento orçamentário de uma política nacional, fato de não ter uma po-
lítica com orçamento próprio, sobretudo, porque as instituições eram priva-
das; disputas parlamentares pelos orçamentos e destinação de instalação das
públicas. Ao longo dos desdobramentos dessas políticas, analisando as mu-
danças e finalidades dos rurais, foi-se revelando modelos de escolas dentistas
dentro do próprio estado.
Foi possível identificar 20 Escolas Normais Regionais, de caráter re-
ligiosa confessional. Após os anos 1940, houve uma interiorização e expan-
são por meios dos fundos de investimento e subvenção apoiados pelo INEP,
uma estratégia usada para aumentar o acesso à escolarização em seus diversos
níveis e garantir a escolarização de magistério de moças pobres. Em contra-
partida, não se pode deixar de indagar os incentivos públicos às instituições
particulares religiosas a fim de suprir ainda uma demanda por instituições
tanto em nível estadual como em nível federal, o que adiou implantação de
instituições de magistério rural públicas.
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DIÁRIO DE PERNAMBUCO, n. 286, anno 109, 18 de Janeiro 1934.
Biblioteca Nacional Hemeroteca Digital.
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, n. 5, anno 110, 06 de Janeiro de 1935a.
Biblioteca Nacional Hemeroteca Digital.
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, n. 5, anno 110, 06 de Janeiro de 1935b.
Biblioteca Nacional Hemeroteca Digital
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, n. 125, anno 110, 25 de Maio de 1935c.
Biblioteca Nacional Hemeroteca Digital.
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DIÁRIO DE PERNAMBUCO, n. 31, anno 114, 15 de Novembro de
1938a. Biblioteca Nacional Hemeroteca Digital.
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, n. 37, anno 114, 22 de Dezembro 1938b.
Biblioteca Nacional Hemeroteca Digital.
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1938c. Biblioteca Nacional Hemeroteca Digital.
51
CONTANDO HISTÓRIAS:
NARRATIVAS DE PROFESSOR E
PROFESSORAS RURAIS COMO FONTE DE
PESQUISA NO CAMPO DA HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO 1940 A 1970
Noely Costa Dias GARCIA1
Introdução
Este capítulo apresenta os resultados da pesquisa de doutorado em
Educação, intitulada Vozes esquecidas do sertão paulista: formação e trabalho
de professoras e professores de escolas primárias rurais da região de São José do
Rio Preto/SP entre 1940 e 1970, defendida no Programa de Pós-Graduação
em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de
Filosofia e Ciências, Marília/SP.
O tema de investigação inscreve-se nos estudos do campo da História
da Educação, no âmbito da educação rural, que buscou analisar, por meio
das narrativas de professoras e professor, aspectos da formação, ingresso e
trabalho nas escolas rurais estaduais pertencentes à Diretoria de Ensino do
município de São José do Rio Preto/SP, entre 1940 e 1970, tendo em vista, a
escassez de trabalhos sobre a temática e a necessidade de conhecer a realidade
do estado de São Paulo, que possui características diferentes em relação aos
demais estados brasileiros.
Neste sentido, a pesquisa tomou como base a Metodologia da História
1 Professora efetiva da Educação Básica – Ensino Fundamental I, na rede Municipal de Ensino de
Paranaíba -MS, Paranaíba, Mato Grosso do Sul, Brasil. E-mail: noelycdgarcia@terra.com.br.
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-601-5.p51-68
52
Oral, por ser um procedimento metodológico que se propõe a ouvir e regis-
trar vozes até então esquecidas, que podem, por meio de narrativas, revelar
o passado e o presente, uma vez que rememorar é, sem dúvida, trazer à tona
lembranças de experiências vividas, com a “[...] finalidade de criar fontes his-
tóricas” (Freitas, 2006, p. 19).
Sob este ponto de vista, no ato de escuta das narrativas, Silva (2002, p.
429) lembra que antes de “[...] nos apropriarmos de nossa capacidade narrati-
va (contarmos histórias), nós ouvimos histórias”. Entretanto, por se tratar da
reminiscência do passado, buscou-se analisar os relatos admitindo-se distor-
ções e contradições entre o ato de recordar e o de esquecer. Assim, as narrati-
vas foram entendidas como representações construídas sobre a percepção de
uma realidade, onde, muitas vezes, “[...] a memória se orienta para o passado
e avança passado adentro por entre o véu do esquecimento. Ela segue rastros
soterrados e esquecidos, e reconstrói provas significativas para a atualidade
(Assmann, 2011, p. 53). Neste caso, cabe dizer que os relatos não são cópia
do real, mas uma reconstrução feita com base nele.
Desse modo, neste texto, o corpus documental do estudo foi constituí-
do por entrevistas realizadas com 10 professores (9 professoras e um profes-
sor) que exerceram a docência em escolas rurais no período delimitado para
o estudo. Além das fontes orais, foram analisados Leis e Decretos (estaduais
e federais), sobre as normatizações do ingresso na carreira do magistério pri-
mário no estado de São Paulo.
Sendo assim, as narrativas são apresentadas de modo a revelar aspectos
de formação para o magistério rural, bem como, compreender as formas de
ingresso na profissão e como foram desenvolvidas as práticas docentes nas
classes multisseriadas.
A contribuição das escolas normais para a docência no meio rural
A via normalista de formação docente no estado de São Paulo, embo-
ra adotada já a partir de 1846 com a criação da primeira Escola Normal2,
na Capital do Estado, permaneceu ao longo do século XX com o padrão
2 A criação da primeira Escola Normal teve um começo incerto, tendo sido criada três vezes até que
passasse a funcionar regularmente no final de 1880 (Garcia, 2022).
53
de organização e funcionamento das Escolas Normais Oficiais3, Livres 4 e
Municipais5, conforme pode ser verificado no Quadro 1.
Quadro 1 - Escolas Normais no estado de São Paulo (1880-1967)
Ano de
criação
Nº de escolas
por ano Modalidade de Escola Normal
188061 Oficial Secundária
1894 1 Oficial Secundária
1896 1 Oficial Primária
1902 1 Oficial Primária
1906 1 Oficial Primária
1910 2 Oficial Primária
1911 1 Oficial Secundária
1912 2 Oficial Primária
1928 13 Livre
1930 2 Livre
1931 1 Livre
1932 1 Livre
1933 1 Livre
1934 1 Livre
1938 2 Oficial e Livre
1939 11 Oficial (5) e Livre (6)
1940 1 Livre
1941 3 Oficial
1944 10 Livre
1945 14 Oficial (7) e Livre (7)
1946 8 Oficial (7) e Livre (1)
1947 20 Oficial (14) e Livre (6)
1948 13 Oficial (8) e Livre (5)
1949 8 Municipal (1) e Livre (7)
1950 31 Oficial (23) e Livre (8)
3 As Escolas Normais Oficiais eram criadas e mantidas pelo Estado.
4 As Escolas Normais Livres eram mantidas pelas iniciativas particulares e municipais.
5 As Escolas Normais Municipais eram mantidas pelos municípios
6 Esta Escola Normal foi criada em 1946, fechada em 1867, reabertura em 1875, fechamento em
1878, até sua reabertura no final de 1880 (Garcia, 2022).
54
Ano de
criação
Nº de escolas
por ano Modalidade de Escola Normal
1951 14 Oficial (5) e Livre (9)
1952 37 Oficial (5), Municipal (5) e Livre
(27)
1953 53 Oficial (25), Municipal (5) e Livre
(23)
1954 45 Oficial (11), Municipal (4) e Livre
(30)
1955 16 Oficial (3) e Livre (13)
1956 25 Rural7 (1), Oficial (1), Municipal
(4) e Livre (19)
1957 14 Oficial (3), Municipal (5) e Livre
(6)
1958 21 Oficial (16) e Livre (5)
1959 6 Oficial (5) e Livre (1)
1960 13 Oficial (9) e Livre (4)
1961 25 Oficial (17) e Livre (8)
1962 12 Oficial (10), Municipal (1) e Livre
(1)
1963 17 Oficial (16) e Livre (1)
1964 26 Oficial (10), Municipal (1) e Livre
(15)
1965 31 Oficial (19), Municipal (4) e Livre
(8)
1966 21 Oficial (1), Municipal (6) e Livre
(14)
1967 9 Oficial
Fonte: Elaborado pela autora com base em Garcia (2022).
De acordo com os dados, fica evidente, portanto, que a formação do
professor primário para as escolas rurais paulistas teve um encaminhamento
bastante peculiar. Apesar das iniciativas e propostas de criação de instituições
para formar o professor para o meio rural terem se fortalecido, entre 1930
e 1960, a partir da tendência educacional propagada por alguns educadores
7 Pode-se dizer, que Sud Mennucci conseguiu criar legalmente uma escola normal rural pública, em
1956, em Piracicaba, entretanto, não efetivou a sua instalação (Souza, 2017).
55
brasileiros, relacionada ao Movimento pela “ruralização do ensino8, tal como,
foi defendido pelo educador ruralista Sud Mennucci9, de que o professor do
meio rural deveria ser formado nas Escolas Normais Rurais ou pelas Escolas
Normais Regionais, para que pudessem atender às necessidades da população
do campo, os dados evidenciam que não foram criadas Escolas Normais Rurais,
tampouco, Escolas Normais Regionais no estado de São Paulo.
Nota-se, portanto, que o estado de São Paulo não adotou as políticas10
de formação especializada para o meio rural, contudo, fez investimentos na
criação da escola normal, assim como, a rede privada, para formar o profis-
sional que atuaria nas escolas primárias rurais.
É preciso ressaltar, quanto a isto, que diferente da maior parte dos esta-
dos brasileiros que criaram escolas normais regionais (de 1º grau), no estado de
São Paulo, foram criadas 534 escolas normais, conforme os dados apresentados
no Quadro 1. A propósito, é nesse cenário que, pode-se afirmar, não se criou
a Escola Normal Rural em virtude da existência de um elevado número de
escolas normais públicas e particulares, como pode ser analisado no Gráfico 1.
Gráfico 1 - Número de estabelecimentos de ensino normal no estado de São Paulo (1880-1967)
Fonte: Elaborado pela autora com base em Garcia (2022).
8 Neste texto optou-se em utilizar o termo “ruralização do ensino”, com base no estudo de Moraes (2019).
9 Sud Mennucci foi um dos principais representantes das propostas ruralistas no país. Quando
ocupou o cargo de diretor geral do ensino de São Paulo, procurou reformar o ensino primário e o
normal em conformidade com suas ideias (Souza; Ávila, 2015).
10 De acordo com Souza (2017, p. 181), as políticas “[...] implementadas pelo governo federal para
contenção do fluxo migratório e saneamento do interior, a expansão do ensino primário nas zonas
rurais de iniciativas dos governos estaduais e municipais e as políticas nacionais para a educação rural”.
56
É diante desse cenário estatístico que se pode dar visibilidade às políti-
cas de criação e expansão do ensino normal para a formação de professores no
estado de São Paulo. Sem dúvida, pode-se considerar este estado com o maior
número de estabelecimentos de ensino normal no Brasil, o que demonstra o
grande número de normalistas.
Em realidade, o estado de São Paulo não criou uma escola normal
rural, mas efetivou cursos de especialização para os professores rurais, pre-
dominando a formação de professores com princípios citadinos, ao invés de
princípios ruralizados. Nessa perspectiva, a opção do estado foi formar o pro-
fessor comum.
Diante do exposto, os números comprovam que os docentes que lecio-
navam nas escolas de ensino público primário paulista, entre as décadas de
1940 e 1970, se comparados a outras regiões do Brasil, eram em sua maioria
habilitados para o exercício do magistério, situação diferente de outras re-
giões do país, por exemplo, Sergipe (Siqueira, 2019) e Minas Gerais (Assis,
2018) que assumiram a figura do professor leigo.
A esse respeito, considerando, pois, o conjunto das narrativas analisa-
das dos professores que lecionaram nas escolas primárias rurais da região de
São José do Rio Preto/SP, entre 1940 e 1970, pode-se confirmar que todos
tinham formação no curso normal, como se verifica no Quadro 2.
Quadro 2 - Formação dos professores das escolas rurais da região de
São José do Rio Preto no Curso Normal
Identificação Nome da Escola
Normal/localidade
Conclusão
do Curso
Normal
Curso
Superior
Formação
específica
para o
meio rural
Maria Alvarez
Romano
Colégio Anglo Latino
(São Paulo/SP) 1948 o Não
Nilce Apparecida
Lodi Rizzini
Instituto de Educação
Monsenhor Gonçalves
(São José do Rio Preto/
SP)
1953 Pedagogia o
Ivanilde Afonso
Prudêncio
Colégio Estadual e Escola
Normal de Mirassol/SP 1957 Pedagogia o
Irce Elias Pires da
Costa
Colégio Estadual e Escola
Normal de Mirassol/SP 1959 Pedagogia o
57
Yara Aparecida
Aude
Colégio Estadual e Escola
Normal Drº Paraízo Ca-
valcante (Bebedouro/SP)
1960 Pedagogia o
Jorge Salomão
Instituto de Educação
Monsenhor Gonçalves
(São José do Rio Preto/
SP)
1965 Pedagogia o
Maria Inês Magnani
Salomão
Instituto de Educação
Monsenhor Gonçalves
(São José do Rio Preto/
SP)
1965 Geografia o
Maria Nirce Previ-
dente Sanches
Colégio Estadual e Escola
Normal Capitão Porfirio
de Alcântara Pimentel
(Monte Aprazível/SP)
1966 o Não
Sônia Aparecida
Azem
Instituto de Educação
Monsenhor Gonçalves
(São José do Rio Preto/
SP)
1967 Pedagogia o
Palmira Miqueletti
Marra
Instituto de Educação
Monsenhor Gonçalves
(São José do Rio Preto/
SP)
1968 Geografia o
Fonte: Elaborado pela autora com base nos relatos orais.
Com base nos dados, além da habilitação no curso normal, a maioria
dos professores, demonstrou uma continuação na carreira do magistério; ti-
nham habilitação em curso superior, por outro lado, não tiveram formação
específica que atendesse aos princípios da ruralização do ensino no meio ru-
ral. Nesse sentido, a formação inicial capacitou o professor para a docência
nas escolas rurais?
Para a professora Maria Alvarez não ajudou o tanto quanto precisava. A
sua prática foi influenciada pela vivência enquanto criança no meio rural, ao
relatar que “[...] até os sete, oito anos de idade eu morava no sítio. Aí eu peguei o
que eu já sabia. Então eu tinha uma certa experiência. De como plantar as coisas,
na época do milho, na época do arroz, na época da mandioca”. Neste caso, as
experiências vivenciadas são incorporadas no exercício da docência.
A formação não satisfazia essencialmente às condições que a prática
docente demandaria, como relata Maria Nirce ao expor que “[...] só o diploma
58
não bastava mesmo”. Partilhando da mesma concepção, a professora Maria
Inês relata que aprendeu a dar aula na escola rural dando a cara para bater”.
Para ela, a formação inicial dava uma noção, “não aprendia na época a dar
aula, você tinha noção”.
Por outro lado, a narrativa da professora Ivanilde assegurou que a for-
mação inicial auxiliou na sua prática docente para o magistério rural, mas
enfatizou que aprendeu muito com o próprio meio, “Às vezes você aprende
muito com o meio que você está trabalhando. Mas é lógico que você tem aquela
base, aquela bagagem da escola. Mas o meio te ensina muito também.
No mesmo ínterim, a professora Irce Elias admitiu que sua formação
inicial auxiliou na docência no meio rural. Além disso, afirmou que aprendeu
com a vida e com os alunos, “[...] quando a gente vai para uma escola isolada
a gente é xucra (risos). Vai aprender fazendo, não tem especialização, não tem
nada que orienta”.
Como se pode notar, mesmo com a formação no curso normal, as narra-
tivas dos professores no estado de São Paulo, aproximam-se da realidade vivida
pelos professores leigos, com o mínimo de conhecimentos escolares, que leciona-
ram em escolas rurais de Sergipe (Siqueira, 2019) e Minas Gerais (Assis, 2018).
Diante disso, a formação inicial não foi tudo, tendo em vista que os
relatos afirmaram que não capacitava o professor em sua totalidade para
ingressar nas escolas primárias rurais, todavia, admitindo as concepções de
Tardif (2014), de que desenvolveram os saberes docentes no fazer cotidiano,
na troca de experiências e com a realidade enfrentada no meio rural.
“Então vamos para o sertão, vamos dar aula!”11:
ingresso no magistério rural
No estado de São Paulo, assim como nos demais estados brasileiros, a
escola do meio rural era constituída de classes multisseriadas, de difícil acesso,
com prédios precários, regida por um único professor, funcionando como es-
colas isoladas ou de emergência. A rigor, o professor da escola rural trabalhava
isolado, levado a desviar parte de suas funções, tal como, preparar a merenda
e a limpeza do estabelecimento.
11 Frase proferida pela professora Maria Inês Magnani Salomão (2019).
59
Diante disso, para suprir a ausência de professores nestes estabeleci-
mentos, uma das estratégias12 utilizadas pelo governo estadual, foi instituir
legislações13 educacionais para que a primeira nomeação do docente fosse
no meio rural. Com tal procedimento, pretendia-se resolver o problema de
provimento das escolas mais distantes e mal localizadas no estado.
Dessa forma, após concluir o curso normal, um dos critérios para ini-
ciar na carreira do magistério público no estado de São Paulo, foi a aprovação
no concurso de ingresso, o qual sujeitava a admissão do professor em escolas
isoladas ou de emergência, sendo condicionada a remoção após 200 (duzen-
tos) dias de exercício. Há que se considerar que essa proposta do governo se
mostrou fracassada, isso porque, os professores continuavam nas escolas ru-
rais apenas no período obrigatório e, assim que possível, solicitavam remoção
para outras localidades.
Diante dessa realidade, as narrativas dos professores da região de São
José do Rio Preto comprovam que, após diplomarem normalistas, era neces-
sário ir para o sertão se quisesse ingressar na carreira docente.
A professora Ivanilde Prudência lembrou que seu início, em 1959, em
escolas rurais, foi decorrente da exigência da época, porque era “[...] O início
para todos e foi uma chance que eu tive de ter a minha escola”.
Assim também foi o começo da professora Yara Aparecida Aude. O
ingresso em 1961, no meio rural, representou para ela “[...] a oportunidade de
recém-formada. Oportunidade de ganhar dinheiro. Oportunidade de trabalhar.
O meu objetivo era dar aula”. Ao que tudo indica, o início na escola rural
ocorreu em razão da condição de ser recém-formada, assim como a necessi-
dade de ganhar dinheiro.
12 A utilização do conceito de estratégias está fundamentada nos estudos de Certeau (2012).
13 Sobre a legislação paulista acerca do ingresso na carreira docente no estado de São Paulo, ver, entre
outras: Lei nº 930, de 13 de agosto de 1904 – modifica varias disposições das leis em vigor sobre
instrução pública do Estado; Decreto nº 5.804, de 16 de janeiro de 1933 – institui a carreira no
magistério público primário; Decreto nº 5.884, de 21 de abril de 1933 – institui o Código de Educação
do Estado de São Paulo; Decreto nº 6.197, de 9 de dezembro de 1933 – introduz modificações na
carreira do magistério primário; Decreto nº 6.947, de 6 de fevereiro de 1935 – consolida disposições
anteriores na carreira do magistério primário; Decreto-Lei nº 12.427, de 23 de dezembro de 1941
– consubstancia novas disposições relativas à carreira do magistério público primário, e dá outras
providências; Lei nº 7.378, de 31 de outubro de 1962 – dispõe sobre o concurso de ingresso e
reingresso no magistério público primário do Estado e dá outras providências.
60
Os relatos da professora Irce Elias revelaram que seu início no meio
rural ocorreu porque era necessário melhorar sua pontuação para ter melhor
classificação para ter aulas atribuídas, pois até mesmo fora de São José do Rio
Preto não era fácil pegar nada”.
Tal afirmação vem ao encontro da narrativa da professora Maria Inês
Magnani Salomão. Depois que se diplomou, ela relatou que aula era só no
sertão, já que nas cidades havia poucas escolas e já estavam ocupadas por
professores efetivos. Com isso, o único jeito era “pôr o pé na estrada e dar aula
longe”. A necessidade de conseguir uma sala para trabalhar, de juntar pontos
para concorrer a uma vaga na cidade, no próximo ano, a levaram para o ma-
gistério rural:
[...] No sertão você pegava aula fácil.... Eu não tinha ponto nenhum, era re-
cém-formada. Não adianta concorrer com... Aqui lecionava 1 ano já ganham
dez pontinhos, já passava na sua frente. Então a gente ia para o sertão fazer
pontos, para depois voltar. Depois surgiu o concurso de ingresso e se você tivesse
aqueles pontos juntava com o concurso. Mas a gente não tinha nada, ponto
nenhum. Então vamos para o sertão, vamos dar aula! (Maria Inês Magnani
Salomão, 2019).
Sem dúvida, nessa narrativa, fica evidente, além da necessidade de tra-
balhar, os desafios em querer ser professora. Enfrentar o mundo. Aprender a
viver em outro ambiente.
Em 1972, ao ingressar no magistério rural, a professora Sônia Aparecida
Azem, relatou que o motivo que a levou para as escolas rurais foi a pontuação,
pois mesmo com o curso superior, declarou que não havia muitas escolas em
São José do Rio Preto com vagas já que “[...] fiz minha inscrição pra lecionar
na zona urbana, não tinha e caí na rural”.
Em que pese a situação sobre a pontuação, o ingresso no meio rural era
uma exigência da legislação estadual, sendo a pontuação fundamental para o
critério de classificação. De fato, as escolas primárias rurais foram a única opção
de iniciar a carreira docente no estado de São Paulo.
Isto posto, os relatos confirmam o ingresso no magistério dos professo-
res da região de São José do Rio Preto, em escolas primárias rurais, por meio
de concurso, sendo nomeados como professores substitutos. Iniciar como
61
professor substituto no meio rural foi uma das estratégias apropriadas pelos
docentes, com o intuito de acumular pontos e conseguir, nos anos seguintes,
melhor classificação para escolher uma escola mais próxima do centro urbano.
Em contrapartida, vale considerar, porém, que diferentemente dos de-
mais estados brasileiros, no estado de São Paulo havia muitos professores
formados. Com isso, entende-se que a ausência desse profissional nas escolas
rurais levou o governo a criar leis de ingresso para levar o professor para o
meio rural.
Modos de ensinar no meio rural
Mesmo sem formação específica para lecionar no meio rural, as nar-
rativas demonstraram, como sinaliza Certeau (2012), que os professores in-
ventaram, constituíram e improvisaram práticas tomando por base modos e
usos da cultura, de um jeito próprio de fazer nas escolas rurais, no interior do
estado de São Paulo.
As classes organizadas no formato multisseriadas colocavam os docen-
tes diante da necessidade de organizar o tempo e o espaço escolar para asse-
gurar o desenvolvimento das atividades pedagógicas. Os relatos evidenciam,
de diversas maneiras, como os professores faziam para ensinar os alunos de
acordo com a série/ano em que estavam matriculados. Nesse sentido, a divi-
são do tempo foi uma das táticas14 utilizadas pela professora Irce Elias, “São
três séries numa classe só. Aí você tem que dividir seu tempo, enquanto esse está
fazendo tal coisa, você está explicando pra esse e o outro está fazendo outra coisa e
assim a gente tinha que dividir tempo”.
A divisão em turma, de certa forma, pode ser entendida como uma
forma de facilitar o trabalho docente, de modo a conseguir atender as neces-
sidades de cada série, tendo em vista, alunos de diferentes idades e níveis de
aprendizagem no mesmo espaço.
Quanto ao programa de ensino nas escolas rurais, este deveria ser, basi-
camente, prático e encaminhado com o objetivo de ensinar a ler, a escrever, a
contar, a cultivar hábitos de higiene e a fixar o homem ao meio em que vivia,
adaptando as necessidades locais (Souza; Ávila, 2015).
14 A utilização do conceito de táticas está fundamentada nos estudos de Certeau (2012).
62
Sendo assim, os relatos confirmam que não havia, entretanto, uma
diferenciação para o ensino nas escolas primárias urbanas e rurais. Nesta
perspectiva, as práticas docentes foram constituídas a partir de um currículo
de base comum, contemplando as matérias de Língua Pátria, Matemática,
Estudos Sociais, Ciências, Saúde e Educação Moral e Cívica (Garcia, 2022).
Diante disso, as reminiscências do passado incidiram sobre a lembrança
de atividades desenvolvidas no ensino das disciplinas de Matemática e Língua
Portuguesa, que possivelmente foram as que predominaram em meio às prá-
ticas escolares, pois, como bem lembrou a professora Ivanilde Afonso, “nas
escolas rurais se cobrava mais o ensino das disciplinas de Matemática e Português”,
afirmando que se os alunos não conseguissem ler e escrever não adiantava.
De modo semelhante foi narrado pela professora Palmira Miqueletti,
ao evidenciar a predominância do ensino de Português e Matemática, ressal-
tando que trabalhava “[...] mais a parte da alfabetização. A escrita e a leitura.
Matemática, principalmente, as quatro operações”.
Ao rememorar as práticas pedagógicas com seus alunos, o professor
Jorge Salomão explicita a utilização de recursos do meio rural para o ensino
da Matemática em classe multisseriada. Relatou que “aproveitava o campo, a
roça para inventar os problemas”. Ainda, destacou que gostava muito de fazer
experiências com os alunos: “Tirava a água do poço e levava uma caneca de 1
litro para transformar litro em metro cúbico e metro cúbico em litro. Media volume,
comprimento, largura, altura e eles ali tirando água do poço para fazer experiência”.
À vista do exposto, a prática narrada se configurou, conforme Escolano
Benito (2017), baseando-se no que Certeau (2012) nomeou, ao estudar a
invenção do cotidiano escolar, como as “artes do fazer”, isto é, as regras ope-
ratórias que surgem da experiência, no trato com as pessoas e as coisas.
A importância de trabalhar a tabuada com os alunos, independente da
série em que estão, foi lembrado pela professora Maria Nirce. Como recurso,
destaca a utilização de palitos e gravetos:
Desde pequenininhos a gente trabalhava a tabuada. Trabalhava muito, mui-
to, muito. Não era só a decoração. Já fui aprendendo nos cursos que a gente
tinha que mostrar pra criança quantos montinhos se faz... por exemplo... 2X2,
né... Pega dois motinhos de 2... explicava. Pegava muito palitinhos... Eles já
traziam os palitinhos prontos, tiravam de gravetinhos e vinham trazendo para
63
gente na sala de aula, para poder trabalhar. Estudava muito tabuada com
eles, muito mesmo, tinham que aprender né, senão não sabiam fazer conta
né... (Maria Nirce Previdentes Sanches, 2019).
A prática realizada evidencia a maneira de se ensinar com o modo que
se tinha aprendido. Neste caso, pode-se dizer que a relação com o saber suge-
re uma interação com o espaço escolar e no conhecimento de seu meio.
No que se refere ao ensino da disciplina de Português, a professora
Ivanilde Afonso descreveu como trabalhava com os alunos na primeira série.
No 1º ano a gente tinha que começar na alfabetização. Nas primeiras aulas
você dava muito... para eles treinar as mãozinhas... aqueles risquinhos nas
linhas. Fazia assim. Assim, não lembro como chamava isso. Aí começava na
alfabetização... a, b, c, d... O A era... (pausa), aí você ensinava bem a letra
A. Até eles mentalizarem. Aí você ia para o B. O B eu não lembro se era boi...
ainda mais que era sítio. A gente não fixava muito o oi, era o B. O B de boca.
O C era de casa. O C da casa. O S não chamava atenção era o C. O D do
dado. O E do elefante. O F da faca e assim ia. (Ivanilde Afonso Prudêncio,
2020, grifos do autor).
Diante dessa narrativa, entende-se que o método15 utilizado pela pro-
fessora para alfabetização visava ensinar o aluno a aprender as letras na
ordem alfabética e a soletração. Diante disso, o conjunto das narrativas
demonstrou a forma como cada professor entrevistado foi construindo no
dia a dia a sua prática pedagógica no meio rural. Rememoraram momen-
tos significativos de como desenvolveram táticas para driblar os desafios
inerentes da inexperiência do início de carreira para ensinar os alunos das
escolas rurais, pois, como bem recordou a professora Irce Elias “quando a
gente vai para uma escola isolada a gente é xucra. Vai aprender fazendo. Você
vai aprender com a vida, com as crianças”.
15 Os métodos de alfabetização, de acordo com Mortatti (2000, p. 94), podem ser “[...] classificados
em dois tipos básicos: [...] sintético (da ‘“parte”’para o “todo”) e analítico (do ‘todo’ para a ‘parte’).
Dependendo do que foi considerada a unidade linguística a partir da qual se devia iniciar o ensino
da leitura e escrita e do que se considerou ‘todo’ ou ‘parte’, ao longo da história da alfabetização no
Brasil, foi-se sedimentando a seguinte subdivisão classificatória desses métodos: métodos sintéticos
(de marcha sintética): alfabético, fônico, silábico; e métodos analíticos (de marcha analítica):
palavração, sentenciação, historieta, conto”.
64
Com relação à realização de práticas educativas agrícolas nas escolas
rurais, a professora Maria Alvarez relata o cultivo de jardim e da horta escolar.
[...] eu fazia na frente da escola, como se fosse um jardim. Com rosas, flores, com
tudo isso. Ensinava também, às vezes. Vamos fazer um canteiro também de al-
face. Fazia um canteirinho. Pequeno, só para dar exemplo. As crianças jogavam
a sementinha, depois a terra por cima. Até os sete, oito anos de idade eu morava
no sítio. Aí eu peguei o que eu já sabia. Então eu tinha uma certa experiência.
De como plantar as coisas, na época do milho, na época do arroz, na época da
mandioca. A gente tinha sim. Para falar a verdade, tinha. Porque eu morei no
sítio até 9 anos. Então a gente convivia com aquelas pessoas da roça. Imitação
dos meus pais, de outras pessoas. (Maria Alvarez Romano, 2019).
À vista do exposto, é perceptível o valor da experiência advinda do
tempo em que morou com os pais na fazenda, uma vez que contribuiu para
que Maria Alvarez pudesse realizar o plantio de jardim e horta com seus
alunos. Diante disso, pode-se dizer que o cotidiano da sala de aula foi um
dos lugares em que os saberes experienciais16 dos professores foram produzi-
dos, pois, embasados no exercício de suas funções e nos saberes oriundos da
formação profissional no curso normal, desenvolveram um estilo próprio de
ensinar no meio rural.
Sendo assim, os relatos orais revelaram que o ensino na escola primária
rural se assemelhou à escola primária comum para todos, independentemen-
te de onde ela se localiza, visando à alfabetização para ler, escrever e contar.
Considerações Finais
O estudo colocou em evidência como a formação de professores no
estado de São Paulo se distancia da realidade de outras regiões no Brasil.
A notável expansão do ensino normal significou, entre outros aspectos, o
grande investimento tanto da esfera pública quanto privada para capacitar o
professor. Por outro lado, o grande número de professores diplomados, por
sua vez, tornou-se um fator de afastamento desse profissional no meio rural,
de modo que a admissão de professores nas escolas rurais converteu-se em um
16 O conceito de saberes experiências, segundo Tardif (2014), refere-se aos conhecimentos adquiridos
ao longo de suas experiências práticas no trabalho.
65
dos grandes problemas da educação pública paulista.
Diante disso, uma das estratégias dos poderes públicos foi criar meca-
nismo para compulsar a docência no campo, sujeitando contagem de pontos,
às provas de títulos, entre outras inciativas. Isto posto, o ingresso do magisté-
rio primário no estado de São Paulo esteve diretamente associado à docência
nas áreas rurais. Somente após o interstício de até dois anos poderia pleitear
vagas em concurso de remoção.
Ainda, os relatos dos próprios professores, revelaram como o meio rural apre-
senta características diferentes e nuances próprias, de modo que cada um utilizou
um pouco de suas próprias estratégias e táticas para ensinar no meio rural. As prá-
ticas de ensino foram constituídas a partir de um currículo de base comum, que
muitas vezes se ensinava como se tinha aprendido ou pelos saberes experienciais.
Sendo assim, de igual modo, tanto os professores qualificados no esta-
do de São Paulo, quanto os não-qualificados (leigos), como apresentado nos
estudos de Assis (2018), em Minas Gerais, e de Siqueira (2019), em Sergipe,
precisaram inventar e criar diariamente táticas de ensino no enfrentamento
das diferentes situações que surgiram no cotidiano da escola rural para pro-
mover a escolarização das crianças do meio rural.
Referências
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das professoras das escolas rurais do município de Uberlândia-MG (1950 a
1980). 2018. 205 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade
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da memória cultural. Tradução de Paulo Soethe. Campinas: Editora da
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memória e arqueologia. Campinas: Alínea, 2017.
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f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências,
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Introduz modificações na carreira do magistério primário. São Paulo: Alesp,
1933c. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/de-
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Consolida disposições anteriores na carreira do magistério primário, ins-
tituído pelo Decreto nº 3.884, de 21 de abril de 1933 e alternado pelo
Decreto nº 6. 197 de 9 de dezembro de 1933. São Paulo: Alesp, 1935.
Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decre-
to/1935/decreto-6947-06.02.1935.html. Acesso em: 15 mar. 2021.
SÃO PAULO (Estado). Decreto-Lei nº 12.427, de 23 de dezembro de
1941. Consubstancia novas disposições relativas à carreira do magistério pú-
blico primário, e dá outras providências. São Paulo: Alesp, 1941. Disponível
em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto.lei/1941/decre-
to.lei-12427-23.12.1941.html. Acesso em: 15 mar. 2021.
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2015.
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São Paulo. Entrevista concedida a Noely Costa Dias Garcia. São José do
Rio Preto, 18 maio 2019.
Ivanilde Afonso Prudêncio. Relato oral sobre formação e docência rural
em São Paulo. Entrevista concedida a Noely Costa Dias Garcia. São José
do Rio Preto, 08 jan. 2020.
Jorge Salomão. Relato oral sobre formação e docência rural em São
Paulo. Entrevista concedida a Noely Costa Dias Garcia. São José do Rio
Preto, 25 maio 2019.
Maria Alvarez Romano. Relato oral sobre formação e docência rural em
São Paulo. Entrevista concedida a Noely Costa Dias Garcia. São José do
Rio Preto, 04 mar. 2019.
Maria Inês Magnani Salomão. Relato oral sobre formação e docência
rural em São Paulo. Entrevista concedida a Noely Costa Dias Garcia. São
José do Rio Preto, 25 maio 2019.
Maria Nirce Previdentes Sanches. Relato oral sobre formação e docência
rural em São Paulo. Entrevista concedida a Noely Costa Dias Garcia. São
68
José do Rio Preto, 04 mar. 2019.
Nilce Aparecida Lodi Rizzini. Relato oral sobre formação e docência rural
em São Paulo. Entrevista concedida a Noely Costa Dias Garcia. São José
do Rio Preto, 09 jan. 2020.
Palmira Miqueletti Marra da Silva. Relato oral sobre formação e docência
rural em São Paulo. Entrevista concedida a Noely Costa Dias Garcia. São
José do Rio Preto, 18 maio 2019.
Sônia Aparecida Azem. Relato oral sobre formação e docência rural em
São Paulo. Entrevista concedida a Noely Costa Dias Garcia. São José do
Rio Preto, 04 maio 2019.
Yara Aparecida Aude. Relato oral sobre formação e docência rural em
São Paulo. Entrevista concedida a Noely Costa Dias Garcia. São José do
Rio Preto, 21 set. 2019.
69
OS CONGRESSOS NORMALISTAS DE
EDUCAÇÃO RURAL E A FORMAÇÃO
DE PROFESSORES PRIMÁRIOS RURAIS
PAULISTAS 1945 A 1951
Kamila Cristina Evaristo LEITE1
Durante as décadas de 30 e 40 do século XX, houve uma grande
discussão a respeito da educação rural, da ruralização do ensino das esco-
las primárias e da formação de professores para lecionar em áreas rurais no
Brasil. Os debates foram realizados em diferentes eventos, como Congressos,
Conferências e Semanas Ruralistas, visando fomentar a discussão sobre temas
relevantes da vida rural (economia, educação e produção agrícola). A discus-
são sobre a “educação ruralizada”, que foi cunhada pelos ruralistas do ensino,
pretendia estimular às atividades agrícolas e despertar o gosto pelas atividades
agrícolas nas crianças rurais (Moraes, 2020).
O Movimento pela ruralização do ensino foi uma ação educacional
voltada para o homem rural, para fixá-lo à terra, combater o êxodo rural e
incentivar uma abordagem educacional diferente das praticadas nas cidades.
Moraes (2014; 2020) aponta que, entre 1930 e 1950, no Brasil, houve dois
tipos de propostas pedagógicas para o campo: o ensino comum, com destaque
para as Escolas Isoladas localizadas em áreas rurais, e o Ensino Típico Rural,
que se organizava em Grupos Escolares Rurais, Granjas Escolares e Escolas
Típicas Rurais. O segundo tipo de ensino era fundamentado nas ideias do
Movimento pela Ruralização do Ensino.
Para Moraes (2020), os ruralistas do ensino não consideravam, por
1 Mestra e Doutora em Educação pela Unesp/Marília. Professora Coordenadora na Secretaria
Municipal de Educação de Rio Claro–SP.
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-601-5.p69-86
70
diversas razões, as escolas rurais existentes adequadas para o meio em que
estavam inseridas. Muitas delas estavam situadas no campo e não tinham
práticas de ensino relacionadas ao meio agrícola. Sendo assim, o Movimento
defendia a ruralização das escolas, a partir das suas concepções de ensino,
criticando as escolas primárias existentes e as caracterizando como estabeleci-
mentos de ensino exclusivamente urbanos.
Em contraposição a essa escola urbanocêntrica, como apontado, os ru-
ralistas do ensino defendiam uma escola que fosse ruralizada, isto é,
adaptada e específica - em termos de programa de ensino e de instalações
arquitetônicas - para populações de áreas rurais. Defendiam, ainda, que
a formação de professores destinados a essas escolas também fosse rurali-
zada, pois, em última análise, seria principalmente a atuação docente em
consonância com os princípios dos ruralistas do ensino que tornaria a
escola primária rural efetivamente ruralizada. Noutras palavras, não seria
suficiente um ou outro quesito isoladamente, pois ambos eram imprescin-
díveis (Moraes, 2020, p.143).
Dessa forma, as ações do Movimento pela Ruralização do Ensino
concentravam-se, inicialmente, na criação de uma formação de qualidade
para o professor rural que lecionaria nas escolas primárias rurais. Para tanto,
investiram-se em Escolas Normais Rurais para a difusão das propostas do
Movimento. Em conformidade com os estudos de Moraes (2020), as esco-
las normais rurais foram criadas em quantidade inferior às Escolas Normais
Comuns existentes em diferentes regiões do país, sendo as normais rurais
mais numerosas em alguns estados da região nordeste e sul do Brasil.
Em relação ao estado de São Paulo, em 1933, por meio do Decreto n.º
6.047, de 19 de agosto, criou-se uma Escola Normal Rural no município de
Piracicaba, na região central do estado. A instituição, no entanto, só começou
a funcionar em 1956, com o Decreto n.º 25.781, de 27 de abril, delongando-
-se 23 anos para iniciar a formação de docentes para as áreas rurais.
A escola normal rural foi idealizada por Sud Mennucci, o principal
representante e propagador do Movimento pela ruralização do ensino no
Brasil. Com a ausência da instituição normal rural, outras iniciativas foram
organizadas para capacitar o professor primário, no estado de São Paulo,
como os Cursos de Especialização Agrícola e os Cursos Rápidos de Férias.
71
Entre 1933 e 1956, momento da criação e implementação da Escola
Normal Rural de Piracicaba, diversos debates, favoráveis e contrários à es-
cola, sucederam-se e, os Congressos Normalistas de Educação Rural, foram
espaços de discussões sobre a temática, e contribuiu para a implementação do
estabelecimento de ensino no ano de 1956.
Busca-se neste capítulo evidências de debates em Congressos
Normalistas de Educação Rural, sobre o ensino ruralizado em escolas primá-
rias rurais e, sobretudo, dados referentes à formação de professores primários
rurais. As fontes selecionadas para este estudo compreendem textos jornalís-
ticos, folhetos do 1º e 2º Congresso Normalista de Educação Rural e as teses
apresentadas no 3º Congresso Normalista de Educação Rural2.
Os Congressos Normalistas de Educação Rural
Os Congressos Normalistas de Educação Rural, certames ocorridos em
quatro edições entre 1945 e 1951, em cidades do interior do estado de São
Paulo (Campinas - 1945, Piracicaba - 1947, Casa Branca - 1949 e São Carlos
- 1951), tinham o propósito de reunir sujeitos favoráveis ao ensino rural e
representantes de escolas normais para debater a Educação Rural paulista,
visando, essencialmente, incentivar o conhecimento sobre o meio rural aos
futuros professores primários.
[...] os congressos bienais das escolas normais não têm a pretensão de
querer solucionar o problema da educação no meio rural, cujas raízes eco-
nômicas e demográficas são profundas, mas conseguem interessar os futu-
ros professores paulistas no importante assunto, dando-lhes, de eloquente
maneira, a consciencia do problema, ao mesmo tempo que sugerem me-
didas para a melhoria das condições educacionais do homem do campo.
(Documentos […], 1951, p.30).
Considerados como um empreendimento inédito no Brasil, segundo
2 As teses do 3º Congresso Normalista de Educação Rural, realizado em Casa Branca, em 1949, foram
encontradas no acervo pessoal do Prof. João Chiarini, educador e participante do Movimento pela ruralização
do ensino, no estado de São Paulo. Ele também foi membro da Comissão Pró-Instalação da Escola Normal
Rural de Piracicaba, que definiu e organizou o funcionamento do estabelecimento de ensino. Seu arquivo
pessoal pertence ao Centro Cultural Martha Watts, localizado na cidade de Piracicaba–SP.
72
as fontes analisadas, os Congressos Normalistas de Educação Rural, abordavam
diferentes temas relacionados à zona rural, com destaque para a formação de
professores primários rurais e as escolas primárias rurais, ressaltando as carac-
terísticas relacionadas ao ensino ruralizado. Os congressos reuniam professores
das escolas normais e alunos em formação para o magistério primário, para
estudar e discutir os problemas do ensino rural, com o intuito de despertar nos
futuros docentes, o gosto e a identificação com os assuntos rurais.
No Quadro 1, são apresentados os dados sobre os Congressos
Normalistas de Educação Rural, ocorridos nos anos de 1945, 1947, 1949 e
1951, em cidades do interior do estado de São Paulo.
Quadro 1: Congressos Normalistas de Educação Rural
Congresso Local Escola
Normal Data Delegações
I Congresso Nor-
malista de Educação
Rural
Campinas
Escola Nor-
mal “Carlos
Gomes
22 a 27 de
outubro de
1945
25 Escolas
Normais
II Congresso Nor-
malista de Educação
Rural
Piracicaba
Escola
Normal “Sud
Mennucci
23 a 27 de
outubro de
1947
47 Escolas
Normais
III Congresso Nor-
malista de Educação
Rural
Casa Branca
Escola
Normal “Dr.
Francisco
omaz de
Carvalho
18 a 22 de
outubro de
1949
64 Escolas
Normais
IV Congresso Nor-
malista de Educação
Rural
São Carlos
Escola Nor-
mal
“Dr. Álvaro
Guião
22 a 27 de
outubro de
1951
65 Escolas
Normais
Fonte: O Estado de S. Paulo; Folheto dos I e II Congresso Normalista de Educação Rural (1948)
Os Congressos Normalistas de Educação Rural começaram com a ini-
ciativa da Associação dos Antigos Alunos da Escola Normal “Dr. Francisco
Tomás de Carvalho”, de Casa Branca, e da Associação dos Ex-alunos da
Escola Normal “Carlos Gomes”, de Campinas e eram patrocinados pelo
Departamento de Educação do estado de São Paulo. Os eventos aconteciam
bienalmente e, ao todo, foram realizados quatro congressos.
Cada escola normal compunha uma delegação que eram compostas,
73
em média, por quatro estudantes e dois professores da instituição escolar.
Além das delegações, participavam, também, outros sujeitos, como delega-
dos de ensino, diretores de escolas normais, professores primários e secundá-
rios, autoridades políticas, estaduais e municipais e membros do Movimento
pela ruralização do ensino, que, na sua maioria, integravam a organização do
evento ou eram os palestrantes.
No primeiro Congresso, sediado na cidade de Campinas, participaram
25 delegações, enquanto, no último congresso, que ocorreu em 1951, na
cidade de São Carlos, o número delegações aumento expressivamente, com
o total de 65 escolas normais. O evento era aberto à participação de todos os
estabelecimentos do ensino normal - as Escolas Normais Oficiais (públicas),
as Escolas Normais Livres (privadas) e as Escolas Normais Municipais.
Ao observar o aumento de escolas normais nos congressos, é possível
identificar alguns fatores, como os investimentos na divulgação do evento
e a abordagem do tema, que estava em constante discussão naquele perío-
do. Mas, é importante mencionar, também, a expansão do ensino normal.
Conforme os dados apresentados por Leite (2024), em 1945, ano do primei-
ro Congresso Normalista de Educação Rural, existiam 87 escolas normais
no estado de São Paulo. No último congresso, realizado em 1951, os cur-
sos normais haviam expandido para 135 escolas normais paulistas. Embora
nem todos os estabelecimentos normalistas existentes no estado de São Paulo
estiveram presentes nos eventos mencionados, infere-se que, ao analisar as
fontes, contemplavam-se escolas normais de todas as regiões administrativas
do estado paulista.
Cada Congresso Normalista de Educação Rural era composto por um
temário que determinavam os assuntos a serem discutidos no congresso em
específico. No Quadro 2, nota-se os temas abordados nos quatro congressos.
74
Quadro 2 - Temário dos Congressos Normalistas de Educação Rural3
I Congresso Nor-
malista de Educa-
ção Rural
II Congresso Nor-
malista de Educação
Rural
III Congresso Normalista
de Educação Rural
Temário
A saúde da crian-
ça no meio rural;
formação do
professor para a
zona rural; povoa-
mento, assimilação
de imigrantes e seus
descendentes; o
problema demográ-
fico e a escola rural;
o prédio escolar na
zona rural. carreira
do professor rural;
assuntos gerais.
Alfabetização de
adultos na zona
rural; exame das
conclusões do I
Congresso de Ensino
Rural, realizado
em Campinas, em
outubro de 1945;
possibilidade de
adaptação imediata
dos programas das
escolas normais pau-
listas ao exercício do
magistério no meio
rural; assuntos gerais.
Exames das conclusões dos
Congressos Normalistas de
Campinas e Piracicaba, especial-
mente as referentes à formação
e carreira do professor rural;
estudo objetivo de “Escolas
Típicas Rurais e Grupos Esco-
lares Rurais” e das atividades
de caráter ruralista das escolas
rurais comuns; subsídios para
legislação sobre o ensino e
educação rural; o programa
e livro didático para a escola
rural; critério objetivo para
conceituação dos termos “rural”
e “urbano” quando aplicados a
uma definição de populações e
estabelecimentos de ensino.
Fonte: Folhetos dos 1º e 2º Congressos Normalista de Educação Rural; O Estado de S. Paulo.
Cada ponto do temário representava uma comissão que deliberava
sugestões para o aperfeiçoamento do assunto discutido. Nessas comissões,
alguns representantes das escolas normais apresentavam as suas teses (textos
desenvolvidos em alguma disciplina ou em parceria com um docente das
escolas normais) e eram discutidas coletivamente, entretanto, as discussões e
sugestões, não significava uma transformação imediata.
Assim, Nunes (1949, p.7) pontua sobre as teses discutidas nos
Congressos Normalista de Educação Rural:
Os congressos educacionais, como o seu nome indica, são certames nos
quais os competentes apresentam teses relativas ao melhor modo de serem
tratadas, resolvidas e focalizadas todas as questões do ensino.
Discutem-se nessas assembléias educacionais todos os problemas e, às ve-
zes, importantes teses são apresentadas (Nunes, 1949, p.7).
3 Não foi possível identificar os temas abordados no IV Congresso Normalista de Educação Rural.
75
As teses apresentadas, nesses congressos, conforme Nunes (1949), eram
significativas, mas, muitas delas ficavam apenas no discurso, sem efeito para o
aprimoramento da educação.
Tudo muito bem e bastante interessante; porém, na maioria dos casos, as
belas teses ficam apenas com os seus efeitos oratorios e as suas formosas
e inspiradas flores de retorica. Infelizmente, apesar de bôa vontade dos
seus inspirados autores, permanecem infecundas, inuteis e estereis, sem,
absolutamente, deixar qualquer fruto.
São flores, apenas, de adorno, não tendo o polen fecundo da realidade e
da vida (Nunes, 1949, p.7).
Como apresentado no Quadro 2, os temários dos congressos conti-
nham assuntos relevantes para as áreas rurais, no entanto, as discussões esta-
vam mais próximas de informações para o futuro professor normalista do que
debates que gerassem políticas públicas e educacionais para os habitantes da
zona rural. A exemplo, pode se citar as excursões que os normalistas realiza-
vam para produzir as teses discutidas nos congressos e que contribuíam para
a aproximação dos futuros professores com o meio rural.
No primeiro congresso, a delegação da Escola Normal de Mococa, con-
tribuiu para a discussão do certame ao explanar informações, orientações e pes-
quisas realizadas sobre o professor primário rural em início de carreira. Dados
coletados após excursões realizadas pelos alunos para conhecimento da zona ru-
ral. No Grupo Escolar Rural de Itaiquara, os normalistas de Mococa, puderam
observar e produzir trabalhos monográficos sobre os problemas da escola rural,
a serem apresentados no I Congresso Normalista (Primeiro […], 1945, p.8)4.
A exemplo de Mococa, o professor Tercio Emerique sublinhou a neces-
sidade de tornar o professor rural mais eficiente e o Congresso Normalista de
Educação Rural seria um espaço de estudo sobre a temática.
4 Teses apresentadas pelos alunos da Escola Normal de Mococa: Nicanor Xavier da Cunha, Maria
Vilma Soares, Maria ereza de Abreu, Maria do Carmo Pinheiro e Tereza Silva, sob a orientação
do prof. José Francisco de Camargo - Monografia do Grupo Rural de Itaiquara; Grupo de alunos
do Curso Profissional da Escola Normal de Mococa - Situação do Professor na Zona Rural
(CONGRESSO, 1948, p. 22-23).
76
Depositamos grandes esperanças no proximo Congresso de Campinas,
principalmente nos seus resultados em beneficio da didatica. O intercam-
bio de idéias, de planos de ação e o conhecimento de realidades novas, di-
ferentes das que nos rodeiam - exercerá influencia sobre todos os espiritos.
Creio mesmo que o exito completo, da reunião já está assegurado. Alem
disso, com o apoio oficial dado ao certame, podemos estar certos de que
estamos sendo ouvidos pelas autoridades imprimir nova feição á atividade
de formação profissional do mestre (Primeiro […], 1945, p.8).
Dessa forma, as teses apresentadas nos congressos foram elaboradas a
partir da experiência dos alunos das escolas normais e da observação em esco-
las primárias rurais. As excursões pedagógicas, proporcionavam ao estudante
a oportunidade de se familiarizarem com a realidade rural, ambiente em que,
futuramente, iniciariam a sua carreira profissional no magistério primário. Os
dados coletados eram transformados em teses e apresentadas nos Congressos
Normalistas de Educação Rural, para serem discutidas pelos pares.
As escolas normais já estão reunindo elementos para sua participação no
Congresso. Os normalistas realizam visitas à zona rural, tirando fotogra-
fias, levando cartas, confeccionando graficos, entrevistando lavradores e
professores rurais. Dessa maneira, cada escola normal estará em condições
de bem informar o congresso a proposito do que há de característico no
meio rural da sua zona de influencia (1ª congresso […], 1945, p.9).
As teses apresentadas para estes congressos faziam parte das atividades
realizadas nas escolas normais paulistas, proporcionando à experiência dos
alunos nas escolas primárias rurais. Essas vivências estavam atreladas a uma
formação para o conhecimento dos futuros docentes nas escolas em que ini-
ciariam a sua trajetória profissional no magistério primário. Nos congressos,
é notório o incentivo às atividades de pesquisa e estudos do meio rural, por
parte das escolas, como uma forma de proporcionar uma formação para o
professor que lecionaria na zona rural.
Contudo, nem todas as escolas conseguiam realizar essas ações e muitas
delas, dependiam de quem estava na direção e dos professores que fossem
simpatizantes ao Movimento pela ruralização do ensino.
77
A formação dos professores primários rurais paulistas nos Congressos
Normalistas de Educação Rural
Em São Paulo, um dos principais estados do país, a formação de pro-
fessores rurais deu-se de maneiras distintas de outras localidades, conforme
apontado por Chaloba (2017) e Basso (2018). Foram identificadas algumas
iniciativas de capacitação de professores primários para as áreas rurais do es-
tado de São Paulo, algumas delas mais promissoras do que outras. Dentre as
instituições de ensino e os cursos de formação, destacam-se: a Escola Normal
Rural (formação inicial); os Cursos de Especialização Agrícola e os Cursos de
Férias (formação em serviço). Essas modalidades de ensino foram amplamen-
te discutidas nos Congressos Normalistas de Educação Rural.
A Escola Normal Rural de Piracicaba foi criada em 1933, por meio do
Decreto n.º 6047, de 19 de agosto, pelo então diretor do ensino público pau-
lista, Sud Mennucci. No texto da lei previa-se a criação de uma Escola Normal
Rural, no município de Piracicaba, interior do estado e cidade natal de Sud,
como também, outras providências para o ensino primário rural, instituin-
do alguns estabelecimentos e instituições de ensino rurais, como os Grupos
Escolares Rurais, as Escolas Isoladas Vocacionais e os Clubes Agrícolas.
Nessa Escola Normal Rural, formar-se-ia o professor com consciência
agrícola e afeição para o mundo rural. Seria um educador contrário aos hábitos
citadinos, promoveria um ensino pautado no amor pela terra, para fixar a po-
pulação rural no campo, sem seduzi-los com elementos e a cultura das cidades.
A formação docente específica para a zona rural, era, segundo Moraes
(2020), um dos focos das ações do Movimento pela ruralização do ensino, sendo
o ponto fulcral do projeto. Para os ruralistas da educação, ter docentes sem co-
nhecimentos e identidade com o campo, era, na visão deles, manter os mestres
com os mesmos hábitos citadinos que os cursos normais já ensinavam há anos.
Constata-se que, ainda que os ruralistas do ensino apresentassem propos-
tas direcionadas ao ensino primário rural, a ênfase de suas iniciativas era a
formação de professores ruralizados, nas tão defendidas Escolas Normais
Rurais, pois os professores formados nessas Escolas colocariam em prática
e contribuiriam para a difusão e a implementação das propostas desse
Movimento (Moraes, 2020, p.140-141).
78
Assim, Sud Mennucci lançou, no estado de São Paulo, os pilares da
formação do professor rural, em estabelecimentos de ensino com especifica-
ções físicas e pedagógicas, com duração de sete anos de estudos e em formato
de internato. Para isso, estruturou o curso normal rural em pré-normal, com
rudimentos da agricultura e um curso normal, com conhecimentos pedagó-
gicos (Pedagogia, didática, psicologia), conhecimentos clássicos (português,
aritmética, história do Brasil) e saberes para o campo (agricultura, zootecnia,
higiene, puericultura). Conforme o educador: “[...] sob um tríplice ponto de
vista: o pedagógico, o higiênico ou talvez melhor, o sanitário, e o agrícola
(Mennucci, 1946, p.141).
Este modelo de instituição para formar professores rurais foi ampla-
mente discutido no Brasil e, a partir de diferentes perspectivas educacionais,
a formação para professores rurais se configurou de diferentes formas, tendo,
oficialmente em 1946, com a Lei-Orgânica do Ensino Normal, que previa
instituições de ensino para formar o professor primário em diferentes graus
de ensino, uma organização em Escolas Normais Regionais, para formar
o professor regente e que atuaria em escolas primárias rurais e as Escolas
Normais, que capacitaria o professor primário.
No entanto, a normal rural de Piracicaba não se consolidou de ime-
diato e levou 23 anos para funcionar. Em 1956, com a intervenção política
e educacional de Sólon Borges dos Reis, então diretor do departamento do
ensino paulista, a comissão Pro Instalação foi criada para colocar a escola em
funcionamento e concretizar o projeto iniciado por Sud Mennucci no início
da década de 1930.
Durante um período de 23 anos, com diversas táticas, tentou-se imple-
mentar a Escola Normal Rural de Piracicaba e aprimorar a capacitação de pro-
fessores primários rurais no estado de São Paulo e os Congressos Normalistas
de Educação Rural, como dispositivos e estratégia para a discussão do ensino
rural, foram essenciais para essas iniciativas.
No decreto n.º 25.781, de 27 de abril de 1956, fica evidente, nas con-
siderações que dispõe sobre a instalação da normal rural, que, os Congressos
Normalistas de Educação Rural, a partir da comissão técnica e os debates em
plenárias, não se pronunciaram a favor de escolas normais rurais no estado de
São Paulo, mas, sugeriram a instalação desse estabelecimento de ensino como
79
uma experiência e, caso surtisse efeito, tornar-se-ia um tipo de estabelecimen-
to de ensino no estado.
Sobre este ponto, analisou-se que, no II Congresso Normalista de
Educação Rural, ocorrido em Piracicaba, em 1947, nos assuntos gerais, havia
a sugestão de criação de Escola Normal Rural, como experiência, como tam-
bém, a formação em cursos de aperfeiçoamento e cursos rápidos de férias. Isso
não significou que os congressistas eram contrários à normal rural, visto que,
muitos sujeitos que eram adeptos da ruralização do ensino (Sud Mennucci,
ales Castanho de Andrade, Sólon Borges dos Reis, entre outros), participa-
ram e auxiliaram na realização do evento. Entretanto, as discussões, as comis-
sões, as plenárias e os votos dos participantes, definiam a escolha da maioria,
entendendo assim que, dentro do próprio movimento, havia convergências
e as escolas normais, participantes, entendiam que a formação do professor
rural, poderia, sim, se dar nos cursos normais existentes.
A exemplo dessa informação, identificou-se a seguinte fala do Deputado
Estadual Cid Franco, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo:
Ora, os congressos nunca tiveram mentores. Isso representaria um “capitis
dominutio” para o culto professorado paulista que deles tem participado.
Para revelar a independencia que debatem e votam os professores paulis-
tas, nos congressos das escolas normais, basta assinalar o fato verificado em
Campinas, quando Sud Mennucci, que era na ocasião Diretor Geral do
Departamento de Educação e Vice-Presidente de Honra do Congresso,
não encontrou manifestação favorável das comissões técnicas e do plená-
rio, a sua conhecida ideia de que a Escola Normal Rural constituiria a cha-
ve do problema da educação do homem do campo. Quanto nos membros
da atual Comissão Executiva, não sei de um só que se tivesse manifestado
publicamente sobre o assunto, expressando a sua opinião pessoal. Não será
por ter o governo federal, em determinada administração, se pronuncia-
dos a favor da construção de prédios para algumas escolas normais rurais,
que os congressos e o próprio Departamento de Educação, do Estado, e
qual como órgão técnico reclama autonomia, se vejam na obrigação de,
desafiados por um comentarista, se colocarem compulsoriamente a favor
da ideia (Cid Franco, 1951, p.).
Importante salientar que, os congressos eram espaços de discussão e de-
bates sobre o tema da Educação Rural. Apesar de terem sido organizados por
80
sujeitos do Movimento pela ruralização do ensino, havia, conforme a análise
das fontes, opiniões divergentes e a compreensão de que, para a existência da
Escola Normal Rural, seria necessário um estudo para que ela funcionasse.
Dentre os congressos realizados, as comissões pontuavam bastante so-
bre a reorganização dos programas de ensino das escolas normais e a inserção
de conteúdo para o meio rural, como a cadeira de Economia Rural. “[...]4.
- que se realize a revisão do programa das Escolas Normais, tendo por base a
investigação e o estudo do meio rural, visando a formação de nova mentalida-
de5 dos futuros professores primários” (Congresso […], 1948, p.30).
Das opções existentes, a implementação da Escola Normal Rural e/ou
a remodelação dos programas de ensino, ficou evidente que os congressistas
acreditavam que era mais fácil repensar o modelo de ensino já existente e não
criar um novo tipo de escola. Na época, década de 1940 e 1950, discutia-se
sobre a expansão desenfreada e excesso de escolas normais no estado de São
Paulo. Dessa forma, existiam grupos de educadores que eram contrários à
criação de novos estabelecimentos de ensino para formar professores, como
meio de frear a expansão dos cursos normais, principalmente os cursos per-
tencentes as Escolas Normais Livres, de iniciativa privada. Com isso, ao invés
de inaugurar um novo tipo de instituição de ensino, sugeriu-se a reformula-
ção dos programas de ensino, inserindo conteúdos sobre o meio rural.
Nas escolas normais, as disciplinas de higiene e puericultura, aproxima-
vam-se de saberes relacionados ao meio rural, porém, o Movimento pela rura-
lização do ensino, observava que existia a necessidade de inserir conteúdo de
noções agrícolas aos programas de ensino, com o propósito de orientar e criar
no professor primário uma identidade, ou como denominava o Movimento,
uma mentalidade/consciência agrícola, que transformaria o educador em um
sujeito ruralista e constituiria um professor com feições agrícolas.
Conforme os discursos proferidos e os estudos realizados por Sud
Mennucci, a funcionalidade das escolas normais rurais era construir nos pro-
fessores primários uma mentalidade/consciência agrícola, para incentivar o
docente a promover um ensino ruralizado e a criar nos habitantes das zonas
rurais um amor à terra, fixando-os a ela. Por isso, a discussão principal dos
5 Importante destacar que, os termos, consciência e mentalidade agrícola são empregados e aparecem
nos textos e fontes utilizadas para esta pesquisa, não sendo um conceito da autora deste texto.
81
ruralistas do ensino era a criação de escolas normais rurais.
O professor rural distinguir-se-ia do professor urbano, teriam conheci-
mentos pedagógicos, sanitários e agrícolas (Mennucci, 1946, p.141). Para os
ruralistas da educação, o professor que lecionava em áreas rurais não era bem
preparado e tinha hábitos citadinos, incentivando os moradores do campo a
migrar para as cidades. Muitos desses docentes, por não ter uma identidade
com as regiões agrícolas, acabavam por abandonar o cargo de professor pri-
mário ou, assim que possível, pediam remoção para as escolas urbanas.
Conforme o pensamento de Sud Mennucci, os professores formados pela
escola normal rural teriam um perfil diferenciado, seriam hostis à vida cita-
dina, preocupar-se-iam com a eficiência do campo, líderes dos núcleos em
que estavam inseridos, consultores técnicos para todos os problemas rurais,
um incentivador de experiências inovadoras no campo e também interveria
nas questões médicas, extinguindo os charlatões e curandeiros existentes nos
bairros rurais. O ensino nas normais rurais estaria além dos saberes comuns
do magistério primário, para a zona rural, necessitava-se formar um profes-
sor polivalente em assuntos agrícolas (Leite, 2024, p.71)6.
Assim, os congressistas, debatiam se deveria existir uma Escola Normal
Rural, com características específicas para formar o professor primário rural,
ou se a Escola Normal urbana, que predominava na época, teria como prin-
cípio formar, indistintamente, professores para as áreas urbanas e para as áreas
rurais. Diante dessas questões, a formação de professores primários rurais foi
um tema recorrente nos Congressos Normalistas de Educação Rural.
No I Congresso Normalista de Educação Rural (1945), foram apre-
sentadas 25 teses com o tema sobre a formação e o professor rural; no II
Congresso Normalista de Educação Rural (1947), 12 teses foram debatidas;
e no III Congresso Normalista de Educação Rural (1949), 14 teses foram
analisadas pelas delegações. Não foi possível localizar as teses apresentadas no
último congresso, em 1951.
No I Congresso Normalista de Educação Rural sugeriram-se alguns
pontos relacionados à formação docente rural, como um serviço de pesqui-
sa, em âmbito social e pedagógico, para organizar os sistemas escolares e os
6 Doutorado em Educação, finalizado em março de 2024, ainda não consta no repositório da
Universidade Estadual Paulista Unesp.
82
programas de ensino para a zona rural, como também a necessidade de uma
seleção vocacional dos candidatos ao magistério rural, como princípio de
que cursariam o magistério rural apenas os aspirantes ao magistério rural que
realmente tivessem interesse ou aproximações com o campo.
Ainda, no primeiro congresso, pedia-se a revisão dos programas de en-
sino das escolas normais, a extensão da prática de ensino de alunos-mestres,
para conhecer de perto a realidade do campo e a criação de cursos de férias,
destinados aos professores formados, como meio de aperfeiçoamento do co-
nhecimento sobre a zona rural.
Após uma análise dos documentos, é perceptível que, nos congressos
seguintes, houve discussões mais aprofundadas de algumas sugestões apre-
sentadas no primeiro evento. O I Congresso Normalista de Educação foi um
momento de abertura e despertar de interesse por parte de diferentes escolas
normais de São Paulo, sobre a temática da educação rural.
Em 1947, no II Congresso Normalista de Educação Rural, a terceira
comissão do certame discutiu sobre a adaptação de programas das escolas
normais ao exercício do magistério no meio rural, concluindo que, os pro-
gramas de ensino, existentes na época, poderiam ser adaptados e constar de
conteúdos necessários para o ensino no campo, isto é, os congressistas, en-
tendiam que não havia uma necessidade eminente de se instalar uma escola
normal rural, os cursos normais existentes seriam suficientes para formar o
professor primário rural, para isso, bastava-se adaptar o programa de ensino.
Pontuaram, também, que a prática de ensino deveria acontecer em es-
colas típicas rurais e realizar excursões e estudos das populações rurais. Os
cursos normais seriam divididos em dois segmentos, um curso profissional
com vertentes ruralistas e outro curso normal com conteúdos urbanos.
4. - Convém criar-se um curso paralelo ao atual Curso Profissional, cujos
programas serão adaptados, contendo matérias especializadas rurais, e
cuja frequência e trabalhos práticos indicarão os alunos de real pendor
ruralista, permitindo a exclusão dos que não revelem tal vocação.
5. - Os alunos excluídos desse curso paralelo anexo poderão continuar o
Curso Profissional, recebendo diploma que não os habilite no campo; par-
te das bagas das escolas urbanas se destinarão a professores não ruralistas e
parte à remoção dos que já fizeram seu estágio mínimo na roça (Congresso
[…], 1948, p.35).
83
No transcorrer dos quatro congressos, evidencia que a formação dos
professores primários rurais deveria se manter nas escolas normais comuns,
com alteração dos programas de ensino e a inserção da prática de ensino em
escolas típicas rurais, como forma de aproximar o futuro professor à realidade
do ensino rural. A Normal Rural seria, sim, implementada, mas como uma
experiência, deduzindo-se que, os próprios congressistas ao se reunirem para
discutir sobre o magistério rural, buscaram diferentes estratégias para formar
o professor primário, sendo em cursos de aperfeiçoamento agrícola, cursos
rápidos de férias, na reorganização do programa de ensino dos cursos normais
e, em última instância, na Escola Normal Rural.
Outro ponto relevante que merece destaque neste texto são as discus-
sões nos Congressos Normalistas de Educação rural sobre a carreira do pro-
fessor primário rural, reivindicando a melhoria nas condições de trabalho e a
gratificação consoante as especificidades do meio rural, o que demonstrava a
relevância do docente rural na educação das crianças rurais.
13. - que se adote o princípio de justiça, capaz, ao mesmo tempo, de
contribuir para maior estabilidade do professor na zona rural, dando-lhe,
além de seus vencimentos, gratificação proporcional ao seu desconforto,
isto é, correspondente ao estágio da escola ou ainda, aquela referente ao
trabalho realizado fora do horário escolar, por imperiosa necessidade do
meio onde atue (Congresso […], 1948, p.31).
Assim, nesses congressos as discussões aconteciam em torna da temá-
tica da educação rural, mas, enfatizava-se a formação do professor primário
para o meio rural, como também as condições de trabalho. Ao aderirem ao
evento, as escolas normais paulistas debatiam sobre uma instituição de ensi-
no inexistente no estado, mas que tentava por diferentes meios (políticos ou
educacionais) concretizar-se.
No entanto, ao final da década de 1960, os reformadores do ensino
definiram que as instituições de ensino paulista, primária ou secundária, a
qual pertencia o curso normal, teriam que desenvolver um ensino básico e
comum, eliminando assim as pretensões do Movimento pela ruralização do
ensino ao promover um ensino ruralizado.
84
Considerações
A análise das fontes (jornais, folhetos e teses) revela que os Congressos
Normalistas de Educação Rural eram instrumentos e estratégias que auxilia-
vam na discussão da Educação Rural e na formação e na carreira do professor
primário rural no estado de São Paulo, uma vez que, ao apresentarem teses
sobre o tema, incentivavam os futuros professores a estudarem o meio rural, a
partir de excursões e experiências no campo. Essas ações previam a superação
da hostilidade ao meio rural, uma das principais questões que o Movimento
pela ruralização do ensino enfatizava, como a falta de identidade e de cons-
ciência agrícola para o meio em que docentes primários seriam inseridos após
a conclusão do curso normal.
As discussões apresentadas nos congressos tiveram um impacto signifi-
cativo nas políticas educacionais para o campo, tendo em vista a instalação da
Escola Normal Rural de Piracicaba, embora de forma experimental. Com essa
experiência, esperava-se a transformação e a inserção dos conhecimentos espe-
cíficos ao meio rural, proporcionando saberes agrícolas ao professor primário
rural, que seria, conforme os ideais do Movimento pela ruralização do ensino,
um docente com identidade, afeição e propagador das coisas boas da terra.
Os congressos foram realizados em apenas quatro edições, entre 1945
e 1951, não sendo possível definir, com exatidão, por quais motivos as reu-
niões não continuaram, mas, infere-se, a partir das fontes, que, no penúltimo
congresso, ocorrido em Casa Branca, em 1949, já se apresentavam discussões
de ordem financeira para a realização do evento, apontando que os congres-
sos geravam altos custos aos cofres públicos, sendo uma justificativa para a
interrupção dos congressos em anos posteriores, haja vista que, as discussões
sobre o ensino rural e a formação de professores rurais continuou até a década
de 1960, período em que o Movimento pela ruralização do ensino começa a
diminuir as discussões sobre o ensino rural.
Referências
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Paulo, ano LXXI, n.23.274, p. 9. 09 ago.1945. Disponível em: https://acer-
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em: 04 abr. 2024.
85
BASSO, Jaqueline Daniela. O Ruralismo Pedagógico no estado de São
Paulo nas Décadas de 1930 e 1940: as escolas normais, os cursos de
especialização, as escolas técnicas e os clubes agrícolas. 2018. 203 f. Tese
(Doutorado) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de São Carlos,
São Carlos, 2018. Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/bitstream/
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CHALOBA, Rosa Fátima Souza. A formação de professores primá-
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CONGRESSO Normalista de Educação Rural. Folheto. São Paulo, 1948.
(Acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba).
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87
“OS PÉS DESCALÇOS DO RURÍCOLA”:
AS RECOMENDAÇÕES DA UNESCO
PARA A EDUCAÇÃO RURAL NO BRASIL E
MÉXICO 1936  1958
Rony Rei do Nascimento SILVA1
Ilka Miglio de MESQUITA2
Ana Clara Bortoleto NERY3
Notas iniciais
O homem do campo é antes de tudo um sujo. Não que o queira, mas
porque não sabe viver limpo e não sabe porque não lhe ensinaram isso.
Os pés do rurícola sustentam a nudez consequente à sua ignorância, as
suas pernas desprotegidas constituem para os répteis e insetos, uma presa
indefesa. Desde pequeno o rurícola habitua-se a andar descalço. Mesmo
possuindo calçado, ele só o usa aos domingos ou dias de festa para ir à
cidade. Voltando dela, no meio da estrada, o camponês retira o calçado
para não gastar. (BRASIL, 1955, p. 12).
Na contramão da exaltação de Euclides da Cunha, que acreditava em
Os Sertões ser o sertanejo, antes de tudo, um forte, o nosso cientista social
parafraseia o escritor para explicar da forma que acredita a mais dramática a
sua tarefa imprescindível de fazer com que um homem grosseiro, um homem
1 Universidade Tiradentes (Unit)/Aracaju/Sergipe/Brasil/ Email: rony.nascimento@souunit.com.br
2 Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC)/Ilhéus/Bahia/Brasil/ Email: ilkamiglio@gmail.com
3 Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (FFC-
UNESP)/Marília/São Paulo/Brasil/ Email: ana-clara.nery@unesp.br
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-601-5.p87-107
88
que trivialmente vive em meio à sujeira, repteis, insetos, desvalido, use o
sapato que possui – mas que reserva apenas para os domingos! Essa epígrafe
nos ajuda a compreender como as recomendações da Unesco, no período
entre 1936 e 1958, interferiram nas políticas de educação rural no Brasil e no
México4, ao mesmo tempo em que oferece em poucas linhas muito de como
os políticos, educadores e intelectuais viam o seu objeto de intervenção, a
leitura da Revista da Campanha Nacional de Educação Rural só aprofunda a
sensação de: “[...] drama, tragédia, apatia, realidade penosa, triste, primiti-
va, atrasada, desassistida, ignorante, doente - termos usados recorrentemente
para definir o homem e o território no qual vão intervir ou estão intervindo.
(SCHVARZMAN, 2018, p. 6). A fotografia abaixo mostra uma turma de
crianças de uma escola rural mexicana com os pés descalços, que evidencia
certa similaridade com a realidade brasileira:
Figura 1- Alunos de uma escola rural mexicana com os pés descalços
Fonte: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC)
No México e no Brasil, a educação pública assumiu projetos de forma-
ção de uma nação, baseada nos pressupostos modernizadores e civilizatórios,
4 Este texto deriva da tese de doutorado “Radiaciones continentales”: circulação de modelos
educacionais para a educação rural no espaço Brasil-México (1940-1950) e do Projeto Nacional
Formação e Trabalho de Professoras e Professores Rurais no Brasil: RS, PR, SP, MG, RJ, MS, MT, MA,
PE, PI, SE, PB, RO (décadas de 40 a 70 do século XX).
89
o “Jeca Tatu5” brasileiro assim como “Periquillo Sarniento6” mexicano, por
sua vez, representavam um entrave nesse processo. Ambos são anti-heróis
nacionais, personificados na literatura no século XIX e XX e representavam o
atraso nacional, por retratarem a situação do homem indolente, roto, doente,
preguiçoso, trapaceiro, relegado pelos poderes públicos à privação econômi-
ca, social e educacional. Assim, fazia-se necessário: [...] modernizar las mentes
de los campesinos para que dejaran de ser sucio, flojos, apáticos, supersticio-
sos, amantes de los juegos de azar, desobedientes e indiferentes al patriotismo
y al progreso. (CIVERA, 2011, p. 305).
A educação deveria ser capaz de fazer com que o “Jeca Tatu” e o
“Periquillo Sarniento” se transformassem em um trabalhador, saudável, dis-
ciplinado e produtivo. Nesse contexto, a escola rural foi concebida enquanto
uma agência modernizadora do homem e do seu trabalho, e, mais do que
isso, propunha-se a formar na população uma nova forma de pensar. No
caso brasileiro assim como no mexicano, fazia-se necessário formar nos alu-
nos uma nova mentalidade por intermédio da escola rural. Segundo Silva e
Mesquita (2018a), esse processo consistia em:
[...] iniciativas de moldar a escola primária em conformidade com o meio
para a proposição de uma escola de caráter especificamente rural, ou seja,
com desígnios, infraestrutura, programas de ensino e professores especia-
lizados que pudessem criar nas crianças uma nova mentalidade agrícola,
isto é, o apreço pela vida rural compreendendo a importância da ativi-
dade agrícola para o desenvolvimento econômico e social [...]. (SILVA;
MESQUITA, 2018a, p. 28).
Vale destacar, que no caso brasileiro, segundo Silva e Mesquita (2018b),
o meio rural era marcado pelo uso de: “[...] instrumentos ultrapassados no
trabalho agrícola; as condições impróprias de salubridade das moradias; o
êxodo; a escassez de recursos médicos, sanitários e higiênicos; a carência de
rodovias e estradas.” (SILVA; MESQUITA, 2018b, p. 1347). Nesse contexto,
5 A figura do Jeca Tatu foi criada por Monteiro Lobato em 1918, em sua obra Urupês, composta por
14 histórias embasadas no cotidiano do trabalhador rural paulista. Posteriormente esse personagem
foi representado no cinema por Mazzaropi, no filme Jeca Tatu (1959).
6 El Periquillo Sarniento é um romance do escritor mexicano José Joaquín Fernández de Lizardi
publicado pela primeira vez em 1816, durante a Guerra da Independência do México.
90
fazia-se necessário realizar uma mudança substancial na comunidade rural,
em fase disso foram elaboradas recomendações pela Unesco com o objetivo
de elevar o nível de vida das populações rurais do mundo.
No caso da América Latina, conforme ressaltaram Civera, Alfonseca
e Escalante (2011), a necessidade de assegurar o acesso dos setores rurais à
educação exige que “[...] la escuela rural deje de ser también um tema margi-
nal dentro de la historiografia.” (CIVERA, 2011, p. 5). Segundo os autores
na coletânea Campesinos y escolares: la construción de la escuela em el campo
latino-americano (siglos XIX y XX):
[...] la educación rural, incluso en la época del desarrollo de pedagogías
rurales durante la primera mitad del siglo XX, ha tenido un lugar secun-
dario en la formación y consolidación de los sistemas de educación públi-
ca, a pesar de su importancia como elemento de control social, de unifica-
ción cultural y de formación de mano de obra, en sociedades (CIVERA;
ALFONSECA; ESCALANTE, 2011, p. 13).
Em consonância com essa perspectiva, as autoras Teresa González
Peres e Oresta López Pérez ao apresentarem a coletânea Educación rural en
iberoamérica: experiência histórica y construcción de sentido, asseveraram que:
“[...] la marginación la educación y desarrollo de las comunidades rurales ha
sido la marca de la continuidade en las realidades latinoamericanas.” (PERES;
PÉREZ, 2009, p. 12), uma vez que:
[...] la pobreza y la precariedad campesina, aparecen en los estudios de
educación rural como una constante, los testimonios de los sujetos que
vivieron la experiencia rural [...], muestran un panorama que ha cambia-
do significativamente en las últimas décadas, con la transición a la demo-
cracia y los benefícios del desarrollo, pero en los países latinoamericanos,
pese a las revoluciones y movilizaciones sociales, se mantiene la polariza-
ción de clases, la pobreza rural y la marginación a los pueblos originarios.
(PERES; PÉREZ, 2009, p. 27).
Nesse sentido, este texto, pretende contribuir para compreender o con-
texto de privações e precariedade que marca o meio rural, sobretudo, pelo
atualmente fechamento das escolas no meio rural, conforme apontado pe-
los dados estatísticos do Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e
91
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), demonstrando que entre os
anos de 2003 e 2013 foram fechadas 32.484 escolas rurais no Brasil, e aber-
tas 11.290 escolas urbanas, apontando também que cerca de 2,7 milhões de
crianças migram diariamente do campo para estudar na cidade. Para melhor
compreender os problemas em matéria de “Educação Rural” é necessário ter
a compreensão história de que:
[...] la escuela rural fue y es una institución con alta potencialidad de cam-
bio cultural en las comunidades, susceptible a la construcción de sentido
social y político, más allá de lo estrictamente pedagógico. Son institucio-
nes que hacen visibles los saberes campesinos, los espacios para discutir las
novedades tecnológicas de fuera, los sitios de las resistencias a los modelos
centralistas y a las políticas educativas, tanto como el lugar para revisar
las promesas y experimentar nueva formas de gestión. (PERES; PÉREZ,
2009, p. 28).
Neste texto, a noção de “circulação de modelos pedagógicos
(CARVALHO, 2011) foi utilizada enquanto matriz interpretativa para auxi-
liar na compreensão de aspectos relacionados à difusão de modelos educacio-
nais, que permite apreender as intervenções da Unesco no Brasil e México,
tendo em vista a circulação de ideias e sujeitos (políticos, educadores e inte-
lectuais) em congressos, impressos, recomendações e documentos norteado-
res das políticas educacionais, levados a cabo pela Unesco.
Essa noção é, então, utilizada como: [...] ferramenta de descrição e
análise, um modelo exige que os elementos que o compõem sejam alocados
na rede de relações que o constituem. (CARVALHO, 2011, p. 188). Somado
a essa noção, volto-me para as contribuições da vertente historiográfica que se
convencionou denominar História Conectada. Essa referência historiográfica
consiste em teoria/método que une dois ou mais pela abertura do diálogo,
proporcionando encontros pelo olhar. Neste texto, assumi a tarefa do his-
toriador encarregado de “[....] exumar as ligações históricas ou, antes, para
ser mais exato, a de explorar as connected histories.” (GRUZINSKI, 2003,
p. 19). Para tanto, tive que me tornar em uma: “[...] espécie de eletricista
encarregado de restabelecer as conexões internacionais e intercontinentais.
(GRUZINSKI, 2003, p. 19).
92
As recomendações da Unesco e pautas de intervenção no meio rural
As recomendações da Unesco consistem em diretrizes gerais que dis-
põem sobre diversas temáticas, inclusive a educação rural. As recomenda-
ções mais emblemáticas para a educação rural deram-se nos anos de 1936
(Recommendation nº. 8), por meio do Bureau Internacional de Educação,
e 1958 (Recommendation nº. 47), o que representou, portanto, as ações
políticas voltadas para a educação rural, já nos primeiros documentos da
Organização. Segundo Werle, López e Triana (2018): “Es interesante asimis-
mo considerar que se trataba de que la naciente Unesco y por tanto existía un
conjunto de retos para la aplicación de estas recomendaciones para los estados
de América Latina.” (WERLE; LÓPEZ; TRIANA, 2018, p. 24). De acordo
com Civera e Rico (2018): “[...] las Conferencias de educación convocadas
por el Bureau International de l´Éducation en 1936 y 1958 a propósito de la
organización de la enseñanza rural y de las posibilidades de acceso a la educa-
ción en estos espacios.” (CIVERA; RICO, 2018, p. 19). A 1ª Recomendação,
referente ao ano de 1936, período em que a Unesco ainda não havia sido es-
truturada, fez parte de um contexto de efervescências políticas e econômicas
que marcaram o período que antecedeu à Segunda Guerra Mundial.
A Recomendação nº 8 foi publicada em 13 de julho de 1936, por oca-
sião do Bureau Internacional de Educação, convocou em Genebra a 5ª sessão
da Conferência Internacional sobre Educação Pública, a qual publicou, sobre
a organização da educação rural. Tal documento é composto por 15 reco-
mendações aos Ministérios da Instrução Pública dos países signatários, an-
tecedidas de considerações gerais sobre as especificidades da educação rural.
Nesse sentido: [...] se recepcionaban las propuestas de las agencias in-
ternacionales como OEA y UNESCO, que efectuaban diversas recomenda-
ciones para América Latina en cuanto a la difusión de educación especiali-
zada para el medio rural. (GUTIÉRREZ, 2009, p. 273). As considerações
feitas pela Unesco revelam a preocupação com o fenômeno do êxodo rural,
fazendo referência à relevância de se organizar uma vida com mais qualidade
no meio rural por meio do aperfeiçoamento de técnicas agrícolas e das pró-
prias condições advindas da civilização moderna. Tal documento parte do
pressuposto de que:
93
[...] pelo contrário, a escola rural, sem pretender dar um ensino puramente
agrícola, poderia e deveria permitir às crianças dos países compreender a
importância e a dignidade social e intelectual da vida camponesa e dar-lhes
o conhecimento científico fundamental que é hoje necessário para a prática
inteligente das vocações rurais. (UNESCO, 1936, p. 17, Tradução livre)7.
Tal recomendação previa o oferecimento de um ensino que extrapolas-
se o caráter agrícola, com vistas para uma formação generalizada e científica
que contemplasse as vocações rurais. O documento responsabilizava a escola
rural pela saída dos jovens do meio rural, na medida em que, sem o objetivo
de oferecer um ensino agrícola, não criava nas crianças uma mentalidade ba-
seada na compreensão da importância e da dignidade social e intelectual da
vida no meio rural. As primeiras recomendações estabelecem o princípio da
equidade em relação à instrução, à organização, ao currículo e aos professores
no meio urbano e rural. Segundo o documento, a educação: “[...] dada às
crianças nas escolas rurais não deve ser de forma alguma inferior àquela dada
às crianças nas escolas urbanas, e que deve permitir que elas passem para as
escolas secundárias.” (UNESCO, 1936, p. 18, Tradução livre)8. Nessa pers-
pectiva, a escola rural deveria ofertar saberes e práticas consideradas funda-
mentais para o desenvolvimento de uma atividade rural inteligente.
As primeiras recomendações prescritas nesse documento contempla-
vam diversos aspectos relacionados à educação rural, a saber: Equidade na
educação ofertada no meio urbano e rural; Oportunidade de um aluno do
meio rural ingressar no ensino secundário; Reparar as condições de desvanta-
gem que existissem nas escolas rurais em relação às escolas do meio urbano;
Adequação dos currículos, bem como da organização escolar, tendo em vista
as condições locais; Instituições escolares do meio urbano e rural mantidas
pelo mesmo ministério, a fim de que uma escola não se sobressaísse em de-
trimento de outra; Professores rurais com habilidade para ensinar de forma
7 at, on the contrary, the rural school, without aiming at giving a purely agricultural teaching, could
and should enable country children to understand the importance and the social and intellectual
dignity of peasant life, and should give them the fundamental scientific knowledge which is nowadays
necessary for the intelligent practice of rural vocations. (UNESCO, 1936, p. 17).
8 1) at it should be an accepted principle that the education given to the children in rural schools
should not be in any way inferior to that given to the children in urban schools, and that it should
permit them to pass into secondary schools. (UNESCO, 1936, p. 18).
94
a utilizarem as vocações locais próprias do meio rural, com o de desenvolver
nos discentes o apreço pela vida rural; Oportunidade para que os alunos da
escola rural pudessem utilizar-se de saberes científicos, não puramente agrí-
colas, tendo em vista uma prática lucrativa de sua vocação.
Nessa Recomendação há o primeiro indício da nucleação9 das escola-
res, executada anos depois no Brasil e no México, como se ler na recomen-
dação 10: “[...] um esforço deve ser feito para reduzir o número de escolas
de um único professor, tanto quanto possível, pelo fornecimento de escolas
centrais ou consolidadas.” (UNESCO, 1936, p. 19, Tradução livre)10. Em
continuação com as primeiras recomendações, essas também contemplavam
diversos aspectos relacionados à educação rural, a saber: A constituição de
escolas rurais capazes de oportunizar uma educação integral, por isso, fazia-
-se necessário um número reduzido de alunos; Erradicação de escolas uni-
docentes, por meio de escolas localizadas em lugares estratégicos, incluindo
transporte e refeição; Formação sem distinção de professores do meio rural e
urbano; Oferta de treinamento voltado para o ensino agrícola ou doméstico
destinado para homens ou mulheres que almejassem especializar-se no pós-
-escolar ou continuar o trabalho no meio rural; Consentimento de melhora-
mentos especiais para professores rurais, devido aos inconvenientes e desvan-
tagens de viver no meio rural; Facilitação de atividades extracurriculares ou
pós-escolares relacionadas à escola rural.
9 O termo nucleação está ligado à noção de organizar em núcleos. Tratando-se do processo pelo
qual passaram as escolas rurais brasileiras, apontam-se algumas definições. Vasconcellos (1993)
elucida que a nucleação se estabelece quando: “[...] as escolas pequenas são fechadas e seus alunos
são transferidos para a nova escola agrupada, que é reformada especialmente para tal fim. A nova
escola elimina a multisseriação e apresenta condições físicas e pedagógicas normalmente superiores
às verificadas nas escolas isoladas e de emergência.” (VASCONCELLOS, 1993, p. 66). Em outro
estudo organizado por Silva, Morais e Bof (2006), o processo de nucleação é conceituado como:
“[…] um procedimento político-administrativo que consiste na reunião de várias escolas isoladas
em uma só, desativando ou demolindo as demais e que tem como princípio fundamental, a
superação do isolamento e abandono, ao qual as escolas rurais isoladas experimentam e vivenciam
em seu cotidiano, com o objetivo de oferecer aos alunos rurais uma escola de melhor qualidade.
(SILVA, MORAIS, BOF, 2006, p. 117).
10 10) at an endeavour should be made to reduce the number of single teacher schools as far as
possible by the provision of central or consolidated schools. (UNESCO, 1936, p. 19).
95
As recomendações da Unesco estavam inseridas em uma periodização
em que, esse organismo internacional esteve direcionado em difundir uma
imagem em favor da paz e da segurança nacional e mundial, priorizando a
vulgarização de um pensamento ideológico e de um discurso. Ao analisar os
documentos constitutivos da Unesco e buscando apreender a sua influência
na política educacional brasileira mexicana, reconhece que, no período entre
1945 e 1959 (período em que ocorreram as Conferências Internacionais de
Educação), esse organismo se valeu de um conjunto de princípios basilares e
de recomendações para a educação, que priorizou a construção de um pen-
samento ideológico e de um discurso generalista, subjetivo, sedutor e, por
vezes, abstrato próprio do processo de restruturação do capitalismo mundial,
sobretudo, no mundo ocidental pós Segunda Guerra Mundial. Nesse senti-
do, vinculou-se a esse discurso, a formação ética e moral do ser humano, em
consonância com o pensamento liberal, presente na Declaração Universal dos
Direitos do Homem.
Os documentos resultantes das Conferências Internacionais de
Educação entre 1945 e 1959, estavam articulados ao contexto histórico, so-
cial, político e econômico do período, idealizados a partir das particulari-
dades percebidas em cada país membro “[...] e socializadas por seus repre-
sentantes durante as sessões, caracterizando, portanto, a relação multilateral
adotada entre a UNESCO e os países membros.” (GOMIDE, 2012, p. 226).
A Unesco e suas recomendações evidenciou também uma fragmentação em
seu pensamento expresso nas recomendações específicas para o ensino pri-
mário, os manuais de ensino, a inspeção escolar, a formação do professor
primário e a entrada da mulher na educação.
Com isso, a Unesco iniciou à definição de um pensamento hegemô-
nico e consensual entre os países signatários, com defesa da escolarização
primária para a população brasileira, e da escolarização secundária, Curso
Normal, para a formação dos professores. A Unesco partiu da premissa de
que a educação é fundamental para a sociedade, na medida em que mediou a
organização escolar propondo objetivos, princípios, prioridades políticas ou
valores éticos e morais em consonância com o período histórico posterior à
Segunda Guerra Mundial, num processo contraditório e ao mesmo tempo
fortalecedor do modo de produção capitalista.
96
O conjunto de leis educacionais brasileira da década de 1940, es-
pecialmente a Lei Orgânica do Ensino Normal, convergiu com as diretri-
zes estabelecidas pela Unesco no período, sobretudo, nos temas referentes
à formação de professores rurais, normatizando a manutenção dos Cursos
Normais Regionais. Por sua vez, a Lei Orgânica do Ensino Primário também
apresentou concordância com a Recomendação nº 8 da Unesco no tocante à
adequação da organização escolar, tendo em vista as condições locais, ainda
que, a Recomendação orientasse também quanto à adequação do currículo a
tais condições, o que não se observou na lei do período, aspecto que só veio
aparecer na LDBEN 9.394/1996.
Nesse contexto, a partir da década de 1950, segundo Gomide (2012),
a Unesco, por meio dos seus documentos, aponta recomendações, direcio-
namentos e orientações que estabelecem relações com a política educacional
brasileira e sua proposta de formação de professores rurais. O Projeto Maior
n. 1 da UNESCO11 definiu objetivos para educação nos países da América
Latina, entre eles:
(a) generalização e melhoria do ensino primário rural, especialmente nas
áreas rurais; (b) reforço qualitativo e quantitativo do pessoal docente de
grau primário, em particular os mestres rurais, mediante formação re-
gular de novos mestres e aperfeiçoamento dos professores em exercício.
(UNESCO, 1958, p. 54).
De acordo com pressupostos da Unesco a educação de base surgiu da
necessidade de proporcionar aos indivíduos: “[...] o mínimo de conhecimentos
teóricos e técnicas indispensáveis a um nível de vida compatível com a digni-
dade humana e com os ideais democráticos” (BRASIL, 1959, p. 21). Também
acontecimentos emblemáticos se deram nesse período histórico. Acordos foram
firmados e viagens foram realizadas, pois a partir de então, os intelectuais bra-
sileiros estariam articulados às recomendações compiladas pela Unesco. Entre
eles, estavam Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e o próprio Lourenço Filho.
11 O Projeto Maior n. 1 da UNESCO é relativo à generalização e à melhoria do Ensino Primário na
América Latina, no período de 1957 a 1969. Trata-se de um documento apresentado na Conferência
Regional sobre Educação Primária Gratuita e Obrigatória da América Latina e na Segunda Reunião
Interamericana de Ministros de Educação, realizadas em Lima, no Peru, de 28 de abril a 8 de maio
de 1956. A esse respeito, ver Gomide (2012).
97
A recomendação 47, datada de 7 de julho 1958, por ocasião da
Conferência em Genebra era composto por 47 recomendações que estavam
aglutinadas em sete categorias, todas com o objetivo de oportunizar o mesmo
nível de educação das crianças do meio rural e urbano. Tais categorias esta-
vam agrupadas da seguinte maneira: 10 recomendações, para a administra-
ção, 11 recomendações para a organização, 6 recomendações para os currícu-
los, programas e métodos, 2 recomendações para os recursos para a educação
pós-primária, 7 recomendações para a educação de adultos, 8 recomendações
para o pessoal docente e 3 recomendações para a cooperação internacional.
Tal documento partia de pressupostos que consideravam as diferenças pree-
xistentes entre o mundo rural e urbano, pois segundo a Unesco:
[...] a posição das crianças rurais em alguns países está em franca contradi-
ção com o princípio da escolarização primária gratuita e obrigatória para
todos, estabelecido no artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos; Considerando que a desigualdade de oportunidades educa-
cionais, da qual muitas crianças de países são de fato vítimas, constitui
uma injustiça que pede urgentemente um remédio; Considerando que a
crescente semelhança do país com o modo de vida urbano, especialmente
onde foram introduzidos melhores métodos de transporte e técnicas de
comunicação, torna-se imperativo dar às crianças rurais oportunidades
educacionais iguais àquelas oferecidas às crianças urbanas. (UNESCO,
1958, p. 191, Tradução livre)12.
Na mesma esteira da Recomendação nº 8, a Recomendação nº 47
mencionou a preocupação com as desvantagens das crianças do meio rural
em relação as do meio urbano, tendo em vista a desigualdade de oportunida-
des educacionais que essas crianças enfrentavam, pois a crescente semelhança
do rural com o modo de vida da cidade, o aprimoramento dos meios de
12 Considering that the position of rural children in some countries is in open contradiction with the
principle of free and compulsory primary schooling for all, laid down in article 26 of the Universal
Declaration of Human Rights; Considering that the inequality of educational opportunity of which
many country children are in fact the victims constitutes an injustice which urgently calls for a
remedy; Considering that the increasing similarity of the country to the urban way of life, especially
where improved transport methods and communication techniques have been introduced, makes
it imperative to give rural children educational opportunities equal to those provided for urban
children (UNESCO, 1958, p. 191).
98
transporte e comunicação, tornava-se imperativo ofertar também oportunida-
des iguais a todas as crianças. Segundo Celeste Filho: “A Unesco defendia, no
fim da década de 1950, que a educação rural e a educação urbana deveriam ser
equivalentes.” (CELESTE FILHO, 2019, p. 4). Tais considerações explicita-
ram também o regime de cooperação internacional, com o objetivo de ajudar
a proporcionar facilidades para a educação rural em todos os países signatários.
Esse grupo de recomendações previa a realização de atividades de natu-
reza práticas, como escotismo, clubes de jovens agricultores, grupos de estudo
locais, entre outros, meios para dar continuidade à ação educativa desenvolvida
nas escolas rurais. Recomendou-se, nos países com condições, a elaboração de
livros e materiais didáticos especificamente voltados para as escolas rurais. O
documento ainda fez menção à formação de professores em serviço em escolas
rurais, orientando que essa pudesse ser feita pela radiodifusão educativa e tele-
visão, pois “[...] para haver mudança da mentalidade exigia-se a construção de
um(a) novo(a) professor(a)” (SILVA; MESQUITA, 2016a, p. 135).
No tocante aos recursos para a educação pós-primária, o documento faz
menção à importância das instalações arquitetônicas e materiais no meio rural,
não exclusivamente para o nível primário, mas também deveria ser ampliada
a educação geral e técnica, sempre que viável. E, quando isso não fosse possí-
vel, que os serviços necessários pudessem ser situados em localidades, de modo
acessível às pessoas da comunidade rural. Reconheço que muitas escolas situa-
das no meio rural eram muitas vezes, sem: “[...] higiene, mal localizadas, com
piso ordinário, de terra batida. No entanto, não eram apenas as escolas que
possuíam estas características, muitas casas de moradores se constituíam com as
mesmas condições físicas.” (SILVA; MESQUITA, 2016b, p. 35).
As recomendações da Unesco também se preocuparam em dispor so-
bre o tema da educação de adultos do meio rural. Segundo esse grupo de
recomendações: “30) Os jovens que trabalham na terra após o final da es-
colaridade obrigatória devem ter a oportunidade de seguir cursos de conti-
nuação a tempo parcial destinados a prosseguir a formação geral iniciada na
escola e a melhorar a formação profissional dos alunos.” (UNESCO, 1958,
p. 196)13. Esse grupo de recomendações estava preocupado com a forma-
13 30) Young people who take up work on the land after the end of compulsory education should
be given the opportunity to follow part- time continuation courses aimed both at continuing the
99
ção profissional dos adultos, prevendo a construção de centros de educa-
ção rural que difundissem por meio do cinema, rádio, televisão, bibliote-
cas, etc., informações necessárias. Atividades como essas eram desenvolvidas
junto ao Centro Regional de Educação Fundamental para a América Latina
(CREFAL), Pátzcuaro, Michoacán, México.
No caso brasileiro, também houve iniciativas voltadas para o cinema
educativo, especialmente voltado para a Educação de Adultos. Os filmes res-
pondiam a problemas candentes localizados pelos profissionais da Campanha
Nacional de Educação Rural (CNER)14, levada a cabo no período de 1952 a
1963. Nesse contexto, com a evolução de:
[...] suas atividades e a consequente aquisição de novas experiências, a
CNER compreendeu que a diferenciação frisante dos aspectos panorâ-
micos e do elemento humano exibidos nos filmes estrangeiros apresenta-
va problemas na assimilação do conteúdo dos mesmos à mentalidade do
caboclo rural brasileiro. Para o melhor êxito em seus trabalhos cumpri-
ria que a CNER passasse a produzir seus filmes segundo as necessidades
rurais brasileiras e de acordo com esse ambiente. E foi o que sucedeu,
procurando conjugar seus esforços com o Instituto Nacional de Cinema
Educativo, para a produção de filmes educativos, especialmente relacio-
nados com os problemas rurais do Brasil e para servirem de elemento
assimilador no trabalho educativo de seus técnicos junto às comunidades.
(BRASIL, 1959, 89 e 92).
Os temas desses filmes versavam sobre: “[...] saneamento básico, no-
ções de higiene pessoal, como lavar as mãos, usar sapatos, mas também
general educa- tion begun at school and at improving the pupils’ vocational training. (UNESCO,
1958, p. 196).
14 Quanto à sua organização interna, a CNER possuía cinco setores, a saber: Coordenação, controle
de documentação; Estudo e pesquisas; Treinamento e formação de líderes; Missões rurais; Difusão
educativa, cultural e informativa. Tal campanha também realizou um levantamento do que
já se vinha sendo feito. Foi instituída em 9 de maio de 1952, no segundo governo de Getúlio
Vargas (1951 – 1954) e tendo como Ministro da Educação e Saúde, Dr. Ernesto Simões Filho.
A campanha circulou por diversos Estados brasileiros com uma equipe inicialmente formada por
sociólogos rurais, médicos sanitaristas, agrônomos, veterinários, geógrafos, cinegrafista, rádio-
técnico, motoristas, e também foram mobilizados assistentes sociais. A equipe ofertava cursos de
aperfeiçoamento para professores rurais, educadores de base, auxiliares de enfermagem, auxiliares
rurais, líderes rurais, entre outros. A este respeito, ver Barreiro (1989).
100
cuidados com a água contaminada e suas consequências, como as verminoses.
(SCHVARZMAN, 2018, p. 10). O enfoque dos filmes variava, assim como
variou também o seu resultado. Há filmes mais técnicos, que parecem se dirigir
aos professores, e outros mais didáticos para um público amplo. A publicação
do e UNESCO Courier intitulada “Brazil to Prepare Films On World Co-
operation” mostra as iniciativas brasileiras para produção de filmes educativos:
Brasil prepara filmes para cooperação mundial
A Comissão Nacional Brasileira da Unesco (IBEOC) está planejando uma
série de filmes que mostrarão como nações e povos estão trabalhando juntos
em todo o mundo e ilustra o papel e objetivos da Unesco. Especialistas
vão trabalhar na coleta de material para a produção desses filmes. Quando
concluído, os filmes terão a maior distribuição possível no Brasil. Isso foi
anunciado após uma reunião especial da Comissão Brasileira que se reuniu
em julho no Rio de Janeiro. A Comissão também aprovou propostas de M
Lourenço Filho e Dr. Levi Carneiro. Presidente, pela produção de gravações
sobre cooperação internacional que serão transmitidas pelas redes de rádio
brasileiras. Outros itens do programa da Unesco discutidos pela Comissão
foram o ensino da compreensão internacional nas escolas brasileiras, edu-
cação polular de adultos, tradução dos clássicos e relatórios de progresso do
Instituto Amazônia Hylean. Alvaro Lins, secretário da Comissão Nacional,
chegou em Paris em 3 de setembro para uma visita de um dia à Casa da
Unesco, durante a qual discutirá planos para uma cooperação mais estreita
entre o Uneseo e o IBECC. O Dr. Levi Carneiro também deve visitar a
Unesco em breve.15 (THE UNESCO COURIER, 1948, p. 8)
15 Brazil to Prepare Films On World Co-operation - e Brazilian National Commission for
Unesco (lBEOC) is planning a series of films which will show how nations and peoples are working
together throughout the world and illustrate the! role and aims of Unesco. Specialists are going to
work gathering material for the production of these films. When uitimately completed, the films
will be given the widest possible distribution in Brazil. is was announced following a special
meeting of the Brazilian Commission which met during July in Rio de Janeiro. e Commission
also approved proposals made by M Lourenço Filho and Dr. Levi Carneiro. President, for the
production of recordings on international cooperation which will be broadcast over Brazilian radio
networks. Other items in Unescos programme discussed by the Commission were the teaching of
international understanding in Brazilian schools, adult and popular education, translation of the
classics and progress reports on the Hylean Amazon Institute. Alvaro Lins, Secretary of the National
Commission arrived in Paris on September 3 for a tem day visit to Unesco House during which he
will discuss plans for closer Uneseo-IBECC co-operation. Dr. Levi Carneiro is also expected to visit
Unesco shortly. (THE UNESCO COURIER, 1948, p. 8)
101
A produção de filmes educativos pela Unesco consistia em um dos
recursos para educar as populações rurais. No Brasil, especialmente, com o
inicio da CNER, mais especificamente a partir de 1954 começa a produção
de filmes no Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) sob a dire-
ção de Humberto Mauro com a assistência técnica de Chicralla Haidar em
Higiene Rural – Fossa Seca16 e A captação da água17. O preparo e conservação
de alimentos18 é de 1955 assim como Silo Trincheira19 e Higiene doméstica20.
Em 1956 é concluído Construções rurais21. Em 1958 A vida em nossa mãos
de Chicralla Haidar. E por fim Mauro volta a dirigir para a CNER Poços
Rurais22, em 1959. A maioria desses filmes se dirigia prioritariamente ao pú-
blico masculino, pois trata diretamente de medidas que implicam “[...] cons-
truções de poços artesianos, de silos para armazenamento de forragens, de en-
canamentos de bambu para levar água às comunidades.” (SCHVARZMAN,
2018, p. 10). Tratava-se ainda construções de casas em alvenaria, substituin-
do a, segundo a CNER, perigosa construção em pau a pique, tradicional por
séculos no Brasil. O preparo e conservação de alimentos se dirige às mulheres.
Concomitante ao caso mexicano, cabe destacar a colaboração do go-
verno por meio do Instituto Latinoamericano de Cine Educativo (ILCE):
“[...] destinado a la preparación de modernos materiales de enseñanza, y la
posibilidad de coordinar con los fines del Proyecto la obra del CREFAL,
sobre cuya orientación y desarrollo futuros estamos cambiando impresiones
con las autoridades educativas de este país.” (UNESCO, 1960, p. 21-22).
Em 1952, a Unesco produziu um filme intitulado Introduction to Crefal23, em
Pátzcuaro, para mostrar aspectos culturaris, econômicos e sociais dessa
16 http://www.bcc.org.br/filme/detalhe/014837
17 http://www.bcc.org.br/filme/detalhe/018633
18 http://www.bcc.org.br/filme/detalhe/014718
19 http://www.bcc.org.br/filmes/ince?title=Silo+Trincheira&field_ano_value=
20 Único dos filmes da Campanha que não tem cópia para exibição.
21 http://www.bcc.org.br/filmes/ince?title=Constru%C3%A7%C3%B5es+rurais&field_ano_value=
22 http://www.bcc.org.br/filmes/ince?title=Po%C3%A7os+Rurais&field_ano_value=
23 Esse filme foi produzido pela CREFAL em parceiria com a Unesco, em Patzcuaro, México. O filme
narra o cotidiano de moradores de uma pequena comunidade rural ao redor do lago Patzcuaro,
no México, local do Centro Regional de Alfabetização Funcional nas áreas rurais da América
Latina. Disponível em: https://digital.archives.unesco.org/en/collection/films-and-videos/detail/
f0575426-d839-11e8-9811-d89d6717b464. Acessado em: 25/10/2019, às 15: 48.
102
população majoritariamente indigena e pescadora, cujos olhares transpare-
ciam uma mistura de curiosidade e espanto, conforme a fotografia abaixo:
Figura 2- Cinema educativo no CREFAL Pátzcuaro, Michoacán, 1951
Fonte: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC)
As recomendações da Unesco consideravam importante o investimen-
to em comunicação, especialmente pelo rádio. No caso brasileiro, especial-
mente na década de 1940 e 1950, surgiram programas patrocinados pelos
Ministérios da Agricultura e de Educação e Saúde, dentre eles a Comissão
Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais - Cbar -, cujos ob-
jetivos, inspirados pela Unesco, destacavam a importância da educação do
homem rural. Para tanto, a Cbar destacava a necessidade de coordenar vários
sistemas de informação e divulgação como cursos rápidos, imprensa, rádio,
cinema, semanas ruralistas e clubes agrícolas.
Em vários países do mundo, estudos, recomendações da Unesco e, es-
pecialmente pela: “Conferencia de Radiodifusión Internacional: celebrada
en Washington aceptó también un buen número de recomendaciones de la
Unesco sobre el empleo de la radio en favor de la paz y en pro de la alfabeti-
zación.” (EL CORREO DE LA UNESCO, 1949, p. 2). Assim, destacavam a
importância dos meios audiovisuais e a utilização de instrumentos de difusão
rápida simultânea e de longa distância. Segundo, Werle (2011), nos países
em vias de desenvolvimento, com falta de professores, de livros, de locais
apropriados para ministrar educação: “[...] os meios audiovisuais poderiam
prestar grandes serviços, possibilitando a difusão das informações de caráter
103
prático relativas à agricultura, à saúde, ao planejamento familiar e a assuntos
ligados ao desenvolvimento comunitário” (WERLE, 2011, p. 139). De acor-
do com publicação do jornal e UNESCO Courier:
A necessidade de preparar e fornecer dados organizações de radiodifu-
são promover o desenvolvimento da educação pelo rádio foi enfatizado
no ano passado pela Subcomissão de Rádio da Unesco e da Comissão
de Necessidades técnicas na imprensa, cinema e rádio. Seguindo suas
recomendações, a Unesco abordou algumas das organizações de rádio,
com ampla experiência no campo, para obter informações sobre todos
os aspectos da radiodifusão escolar, para que esse conhecimento pudesse
ser transmitido a outras nações que desejassem iniciar novos serviços ou
expandir os existentes24. (THE UNESCO COURIER, 1949, p. 4)
Outro ponto importante da Recomendação nº 47 foi à formação do
pessoal docente. Esse grupo de recomendações especificou as orientações aos
países em que os professores primários rurais eram formados separados ou
juntamente com os professores urbanos, esclarecendo que tanto os professores
rurais, quanto os professores urbanos teriam o mesmo estatuto profissional.
Para os países onde os professores primários rurais fossem treinados separada-
mente, não deveria haver diferença nesta formação em relação aos professores
urbanos. Caso houvesse, deveriam ser tomadas medidas para remediar esta
situação, por meio de cursos férias, capacitações, treinamentos, etc.
Nos países onde todos os professores recebessem a mesma formação,
aqueles que atuariam em escolas rurais deveriam estar familiarizados com os
problemas deste contexto e com os métodos de ensino nas escolas de profes-
sor único. O documento alertou para que pudessem ser tomadas medidas a
fim de proteger o professor rural de qualquer sentimento de isolamento, as-
sim como lhe fossem oferecidas vantagens particulares (alojamento, subsídios
especiais, instalações para a educação de seus filhos e de sua própria cultura
24 e need to prepare and supply data to broadcasting organizations in order to promote the development
of education by radio was stressed last year by the Radio Sub-Commission of Unescos Commission
on Technical Needs in Press. Film and Radio. Following up its recommendations, Unesco approached
some of the radio organizations, having thorough experience in the field, for information on every
aspect of school broadcasting, so that this knowledge could be passed on to other nations wishingto
start new services or expand existing ones. (THE UNESCO COURIER, 1949, p. 4)
104
geral e profissional, etc.), além das mesmas oportunidades de crescimento na
profissão, já que as condições de vida nas áreas rurais poderiam ser menos
favoráveis e as atribuições do professor que atuasse nesse meio, mais difíceis.
Recomendou-se que o recrutamento de professores para o meio rural
pudesse atrair candidatos devidamente qualificados e, sempre que necessário,
fossem abertas aulas complementares ou secundárias. Além disso, devido a
importância de campanhas de alfabetização, educação básica, pós-secundário
e educação de adultos, fazia-se necessária uma equipe especial que ainda ti-
vesse conhecimento da psicologia social e sociologia rural. No tocante a coo-
peração internacional, o documento previa que a atenção das organizações
internacionais e de seus países-membros interessados na extensão da educa-
ção deve ser atraída para a conveniência de incluir em seus projetos a questão
de continuar: [...] aumentar sua ajuda aos países subdesenvolvidos, permitin-
do que esses países forneçam material e instalações técnicas para a educação
de crianças em áreas rurais. (UNESCO, 1958, p. 198)25.
Por fim, o documento faz menção à cooperação internacional, en-
fatizando a importância de que fossem realizadas conferências regionais
com o objetivo de que cada grande região pudesse se adequar aos pressu-
postos dessa Recomendação. Nessa direção, a aproximação histórica entre a
Unesco, o Brasil e o México, durante as décadas de 1940 e 1950, evidenciou
as concepções defendidas por meio das recomendações, sobretudo, com a
“Recommendation nº. 8” e a “Recommendation nº. 47” para educação rural,
voltadas para os temas da administração, organização, currículos, programas
e métodos, recursos para a educação pós-primária, educação de adultos, pes-
soal docente e cooperação internacional.
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109
ENSINO SECUNDÁRIO EM
PERNAMBUCO: REFLEXÕES SOBRE
IDENTIDADE, POLÍTICAS E PROJETOS
EDUCACIONAIS 19551969
Kalline Laira Lima dos SANTOS1
Rosa Fátima de Souza CHALOBA2
Preâmbulo do ensino secundário
Esse capítulo propõe duas discussões interligadas, a primeira consiste
no discurso do educador Pernambucano Aderbal Jurema que analisa os di-
ferentes tipos de ensino e sua utilidade como elemento cultural na formação
da identidade da juventude assinalando sua problemática em busca de uma
necessária reforma educacional para o ensino secundário em Pernambuco
nos anos 50 do século XX. A segunda trata das realizações de projetos pelo
Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Recife3, o primeiro com alu-
nos do Colégio Estadual de Pernambuco, por um período de 10 me-
ses onde se realizou uma formação com adolescentes engajados com um
1 Doutoranda em Educação Programa de Pós -Graduação em Educação, pela Faculdade de Filosofia
e Ciências (FFC), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marília, São Paulo, Brasil. E-mail:
kalline.lima@unes.br. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação FFC da Unesp,
Campus de Marília, São Paulo, Brasil. E-mail: rosa.souza@unesp.br
2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação FFC da Unesp, Campus de Marília, São
Paulo, Brasil. E-mail: rosa.souza@unesp.br
3 O Centro do Recife foi um dos “braços” do Centro Brasileiro de Estudos Educacionais (CBPE),
órgão do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), subordinado ao Ministério de
Educação e Cultura, criado em 1955 por Anísio Teixeira (então diretor do INEP) com apoio da
Unesco. (Meucci,2015).
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-601-5.p109-123
110
sistema educacional predominantemente humanístico intitulado Grupo
Experimental de orientação profissional, e o segundo projeto, um levanta-
mento de dados realizado pela Divisão de Pesquisas sociais, intitulado, O
Ensino Técnico em Pernambuco, que pretendia institui o planejamento e a
alocação de recursos educacionais, ajudando a identificar áreas com maior
demanda por escolas e programas. Não pretendemos analisar minuciosamen-
te esses projetos, é um estudo inicial de estrutura de ensino que estava a ser
constituído no estado.
Objetiva-se com ambas as discussões um ponto de encontro que o
Ensino Secundário estava vivenciando nesse período da história da educação
no Brasil: identidade, currículo, dualidade e formação. O que o estado de
Pernambuco, juntamente com seus educadores e atores sociais discutiam a
cerca dessa tendência de ensino?
Tanto o ensino secundário quanto a categoria de dualidade educacio-
nal, foi, e tem sido temas controversos e amplamente debatidos por diver-
sos atores dentro do campo educacional no Brasil. Isso inclui educadores,
pesquisadores, entidades acadêmicas e científicas, bem como representantes
do Estado, como atores do sistema educacional, Ministério da Educação e
Cultura (MEC), Secretarias Estaduais de Educação, Conselho Nacional de
Educação, entre outros.
Além disso, as políticas educacionais, incluindo reformas no ensino
secundário, frequentemente são objeto de controvérsia entre os diferentes
atores envolvidos.
Questões como a necessidade de uma educação mais inclusiva, o papel
da educação técnica e profissionalizante, a distribuição de recursos educacio-
nais e a formação dos professores, são apenas algumas das áreas em que os
debates em torno do ensino médio4 e da dualidade educacional são frequen-
tes. Historicamente a educação secundária no Brasil foi alvo constante de re-
formas e contrarreformas no Plano do Estado, desde sua institucionalização.
Como também, historicamente a administração desse nível de ensino gerou
4 Durante o texto iremos tratar do termo ensino médio ou ensino secundário de acordo com a discussão
do momento, como também, das fontes analisadas. A obra Ensino Secundário no Brasil perspectivas
históricas, esclarece que ensino secundário constitui um termo genérico para abarcar múltiplas
possibilidades de formação: liceus, ateneus, ginásios, colégios, escolas técnicas e profissionalizantes nos
grandes centros e no interior distante e desabitado do Brasil (CASTRO, 2019, p. 15).
111
dificuldades de natureza como: os fins da educação secundária, seu currículo
e seus programas.
No Brasil, a etapa média de escolarização voltada à juventude, que per-
mitia o acesso aos cursos superiores, recebeu várias denominações ao longo de
sua história: instrução secundária, ensino secundário, educação secundária,
curso ginasial, curso secundário fundamental. De acordo com Nascimento
(2021), o termo ensino secundário foi utilizado em vários contextos nos últi-
mos séculos, fazendo com que os pesquisadores se colocassem numa posição
mais atenta com relação à evolução semântica utilizada para esse termo. O
adjetivo secundário surgiu a partir dos debates educacionais provocados com
a Revolução francesa por volta de 1840, tendo um sentido duplo: o grau
intermediário entre o primário e o superior e o de se destinar à formação das
classes abastadas.
As instituições de ensino secundário receberam, em cada período, deno-
minações diferentes: Liceu, Colégio e Ginásio. O nome utilizado para o
ensino secundário pela Reforma Benjamin Constant, de 1890, foi curso
médio; em 1901, a nova reforma educacional, Epitácio Pessoa, denomi-
nou ensino secundário; a reforma posterior, Rivadávia, de 1911, deu o
nome de curso fundamental; pela Reforma Maximiliano, de 1915, o en-
sino secundário passou a chamar-se curso gymnasial; em 1925, com a
Reforma Rocha Vaz, voltou o nome ensino secundário. (PESSANHA,
ASSIS, BRITO,2014, p.116).
Essas mudanças de denominação refletem não apenas as diferentes
abordagens e prioridades em relação à educação secundária ao longo do tem-
po, mas também as influências das reformas educacionais e dos ideais peda-
gógicos predominantes em cada período específico da história do Brasil.
Com o advento da Segunda República (1930-1937) e o Estado Novo
do Governo Vargas (1937-1947) teremos no país um momento de inten-
sos debates e reformas sobre a educação secundária e sua utilidade, assim
como mudanças no currículo refletindo sua identidade. Seja com a reforma
do Francisco Campos5 no qual propõe uma nova identidade para a educação
5 Reforma do Ensino Secundário e do Ensino Superior o decreto 19.851 em 11 de abril de 1931,
o ministro da educação Francisco Campos traçou novos rumos para o ensino secundário e para o
ensino superior.
112
secundária, no qual, em sua proposta a educação secundária não deveria ser
vista apenas como uma etapa intermediária para o ingresso no ensino supe-
rior, mas sim como uma oportunidade crucial para cultivar as capacidades
de apreciação, julgamento e pensamento crítico que são essenciais em todas
as áreas da vida e de trabalho. Além disso, ressalta a importância do ensi-
no secundário no treinamento da inteligência para formular problemas de
maneira precisa e buscar soluções adequadas, habilidades que são valiosas
independentemente de os estudantes continuarem seus estudos ou entrarem
diretamente no mercado de trabalho após a conclusão do ensino.
Ou mesmo no pensamento e ideias pedagógicos do ministro Gustavo
Capanema ao traçar um currículo técnico com os decretos das leis Orgânicas.
Durante o Estado Novo eram evidentes a industrialização e as mudanças so-
cioeconômicas em curso no país, nos quais foram fatores determinantes para
a reavaliação e priorização do ensino secundário. sob o governo de Getúlio
Vargas, houve uma série de reformas na educação, incluindo no ensino se-
cundário. O ministro da educação Gustavo Capanema a partir de 1942 ins-
titui vários decretos-lei 6.
De acordo com Filho (2015) este aspecto da legislação educacional dos
tempos Capanema” é, aliás, altamente discriminatório em relação às cama-
das populares e consagrava o já conhecido “dualismo” do sistema educacional
brasileiro. Expressa nesse momento como: O ginásio e colégio secundários às
elites condutoras”; o ensino técnico-profissionalizante, “às massas a serem condu-
zidas”. (Filho, 2005, p. 13).
A década de 50 do século XX no estado de Pernambuco, não é muito
diferente de outros estados brasileiros e das diretrizes de reformas educacio-
nais do Ministério da Educação, onde circulavam debates acerca da utilidade
do ensino secundário, críticas ao seu acesso, qualidade e reformas estabeleci-
das pelos estados.
De acordo com Souza (2008), devido a intensa expansão do secundá-
rio nas décadas de 50 e 60 do século xx, os problemas desse ramo de ensino
6 Quatro decretos são editados durante o Estado Novo: a) Decreto-lei 4.073, em 30 de janeiro de
1942 (Lei Orgânica do Ensino Industrial); b) Decreto-lei 4.048, em 22 de janeiro de 1942, cria
o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), c) Decreto-lei 4.244, em 9 de abril de
1942 (Lei Orgânica do Ensino Secundário) e d) Decreto-lei 6.141, em 28 de dezembro de 1943
(Lei Orgânica do Ensino Comercial).
113
tiveram que ser reformulados. A crítica de intelectuais e educadores em re-
lação a desordenada expansão sem um comprometimento da qualidade do
ensino foi tema de um debate promovido por Anísio Teixeira e Florestan
Fernandes na década de 1950. Novamente na roda discussão a educação se-
cundária toma novos rumos.
No estado de Pernambuco a expansão do ensino secundário ocorreu
tardiamente, seus primeiros indícios de expansão são vistos a partir do final
da década de 50. Mas ao mesmo tempo a presença de educadores e atores
políticos discutindo a finalidade do ramo, centros de pesquisas educacionais
propondo projetos e políticas para o mesmo era atuante.
Em Pernambuco, Santos (2021) menciona que a expansão dos ginásios
envolveu diversas instâncias a serem compreendidas. Tratava-se de um desejo
do imaginário social de ascensão na educação dos filhos? Criava-se para uma
educação de formação profissional? Estabeleceu-se com a crescente necessi-
dade do ensino primário? A História da Educação brasileira ainda não conse-
guiu esclarecer as lacunas que nossa educação ainda carrega, além das grandes
diferenças regionais que nosso país constitui e suas desigualdades alimentadas
por décadas na sociedade por ausência de políticas e reformas educacionais.
Mas é necessário ampliar o debate sobre esse tema que suscita sempre novas
problemáticas a serem pensadas não somente na atualidade, mas desde o sé-
culo anterior com novos olhares e novas fontes.
Preposição de um educador
O professor Aderbal Jurema7 foi um intelectual que trouxe debates in-
teressantes sobre o ensino médio (ao qual ele denomina) em um artigo intitu-
lado: Tendências do Ensino Médio publicado no ano de 1955 na Revista de
Educação de Pernambuco. Suas premissas partem de: problemas e indecisões
em relação à orientação humanística ou pragmática do currículo, ensino se-
cundário a uma “tábua de lavar roupa”, sugerindo que as críticas e questões
enfrentadas nesse sistema são repetitivas e não conseguem produzir mudanças
7 Advogado formado pela Faculdade de Direito do Recife, seria posteriormente ali professor. Diretor
do Serviço de Informação Agrícola do Ministério da Agricultura (1946-1947) e secretário do
ministro João Cleofas de Oliveira, além de Secretário de Educação nos governos de Etelvino Lins e
Cordeiro de Faria.
114
significativas, nìvel de oportunidades para esse ramo de ensino e experiências
de outros países com seus sistemas de ensino secundário. Reflexões e debates
que estavam no cerne da política educacional na época, o educador busca
marginar seus diversos termos que convencionamos chamar de ensino mé-
dio: ensino médio humanístico, de cultura geral, ou ensino médio pragma-
tista de cultura técnica.
Como já abordamos anteriormente as reformas da educação secun-
dária, no contexto dos anos 50, e a sua estrutura do sistema educacional
brasileiro incluía o ensino secundário como um nível intermediário entre o
ensino primário (fundamental) e o ensino superior. Esse ensino secundário
era dividido em duas partes: o ginásio e o colegial (clássico e científico). O gi-
násio compreendia os primeiros quatro anos do ensino secundário, enquanto
o colegial englobava os três anos finais. Essa divisão totalizava sete anos de
educação secundária. Essa estrutura do ensino secundário, influenciada pelo
decreto da Lei Orgânica de Capanema, refletia uma abordagem mais tradi-
cional da educação brasileira, com uma divisão clara entre os diferentes níveis
de ensino e uma ênfase na preparação para o ensino superior como objetivo
final para muitos alunos.
Jurema apresenta em sua discussão as seguintes reflexões em relação ao
sistema nível do ensino:
Nesta altura, vale perguntar: qual ou quais os objetivos do curso secundário?
Formação, no jovem, de uma cultura de nível médio? Possibilitá-lo apenas
ao ingresso nas escolas superiores? Se nos detivermos na primeira pergunta,
não será fácil conceituar satisfatoriamente o que os diversos povos e nações
entendem por cultura de nível médio ou quais as tendências predominantes
nessa cultura de nível médio. E quanto à segunda pergunta. não precisa ser
respondida porque o curso secundário tem sido, não somente no Brasil,
como na maioria dos países cultos, o corredor, a passagem direta para os
cursos superiores. Raro o jovem, em qualquer país do mundo, que hoje em
dia não ingressa no curso secundário com o desejo apenas de poder chegar
ao vestíbulo da escola superior. Daí a pressa de percorrê-lo, de chegar na
frente, como se o curso secundário fôsse uma maratona intelectual e não um
curso de formação humanística. Humanística, aqui, no seu sentido moder-
no, ou seja, o de integrar o estudante, após a sua conclusão, no «habitat».
(JUREMA, Revista Educação e Cultura Recife, 1955, p.73)
115
As questões apresentadas por Jurema é, pensarmos qual a relação do
ensino secundário com as transformações da vida moderna, e questiona se
o ensino está acompanhando essas mudanças ou se está ignorando-as. Ele
aponta que a chamada “cultura técnica”, ou seja, o conhecimento e as habi-
lidades relacionadas aos avanços científicos e tecnológicos, são fundamentais
para a vida doméstica e social dos indivíduos contemporâneos. Em síntese, o
que ele nos apresenta é uma discussão cultural do currículo, crítica a cultura
geral8 que o ensino secundário foi constituído, e aponta como o curso se-
cundário tem reagido adequadamente às mudanças nas condições de vida das
pessoas. incorporando ao ensino, habilidades técnicas e promovendo uma
educação que prepare os alunos para enfrentar os desafios e aproveitar as
oportunidades da sociedade moderna.
Em relação aos níveis de oportunidades desse nível Jurema (1955) nos
apresenta uma crítica se realmente estamos proporcionando uma educação que
atenda às necessidades dos jovens que vivem em áreas rurais e industriais, como
das zonas agrícolas e parques industriais no interior do estado de Pernambuco.
Já em 1768 o presidente do parlamento francês, Monsieur Kolland, pro-
clamava que “cada um deverá ter a oportunidade de receber a educação
que se adapte as suas necessidades”. Será que estamos proporcionando aos
jovens do interior do estado uma educação que se adapta as suas necessi-
dades? E o que dizer das escolas secundarias localizadas nas zonas agríco-
las c nos parques industriais? O conceito de igualdade de oportunidades
deve ser tomado no seu tom absolutamente genérico ou com o cuidado
restritivo do lucido Monsieur Rolland, quando a frente do parlamento
francês tentou uma reforma de ensino para o seu velho e admirável país?
(JUREMA, Revista Educação e Cultura,1955, p.75).
Esse cenário de oportunidades recai no que Santos (2021) em seu tra-
balho apresenta, que no estado de Pernambuco houve um política de zo-
neamento educacional, onde ocorria um planejamento de zonas prioritárias
por grupos. De acordo com a pesquisadora Cavalcanti (1960), compunha
o grupo I municípios prioritários para o ensino colegial, ginasial, centros
de juventude e centros politécnicos. Os municípios que estavam no grupo
8 SOUZA, Rosa Fátima de. História da organização escolar e do currículo no século XX. Ensino
primário e secundário no Brasil. São Paulo: Editora Cortez. 2008.
116
I se localizavam na área litorânea, e principalmente na cidade do Recife. E
quanto, aos municípios que não estavam no grupo prioritário, essas depen-
diam de cidades-polos da zona do Agreste. As cidades-polo consistiam em
localidades onde havia maior escolarização, como era o caso da cidade de
Caruaru, Limoeiro, Garanhuns e Arcoverde, localizadas na zona do Agreste,
e que recebiam por sua relevância alunos e alunas das cidades circunvizinhas.
Portanto, havia a dificuldade de instituições de ensino secundário em
determinadas regiões, restringindo assim o acesso de adolescentes a esse nível,
gerando um deslocamento para outro município, que incluía gastos socioe-
conômicos que nem toda família podiam arcar, além, dos limites de conclu-
são do mesmo.
A nossa tradicional educação secundaria está sendo ampliada no seu sen-
tido material, aumentando assim o quociente das possibilidades. mas o da
igualdade de oportunidades se encontra preso a condição dos desníveis
econômicos gritantes cm nossa sociedade atual. Se, por um lado, vemos
aumentar o prestigio social do curso secundário, (JUREMA,1955, p.77).
A questão do prestígio social atribuído às escolas de humanidades e
universidades em comparação com outras formas de ensino, como o ensino
técnico e prático é ainda discutida na análise do educador. Ao qual ele apre-
senta a presença de uma mentalidade elitista na educação. Essa disparidade
de prestígio social é vista como um problema, pois limita as oportunidades
educacionais e perpetua desigualdades sociais. O autor propõe diversificar as
oportunidades educacionais.
Essa proposta se direciona a uma equiparação da educação secundária
a outros cursos do mesmo nível, e ao mesmo tempo uma crítica a estrutura
que o ensino secundário brasileiro estava estruturado, um ensino técnico e
profissionalizante considerado subsistema marginalizado e estigmatizado e
ensino secundário que correspondia aos ginásios e colégios.
Jurema (1955), apresente que a proposta de equiparação ainda não
é uma realidade de vários países, mas destaca, a Inglaterra e a Rússia que
elevaram seus cursos. No contexto inglês em 1944 as duas primeiras séries
do curso secundário foram niveladas aos demais cursos técnicos do país. A
Rússia com cursos populares e programas educacionais específicos acessíveis
117
aos alunos. Portanto, essas informações que Jurema nos apresente, onde suge-
re que tanto na Inglaterra quanto na Rússia, houve esforços para diversificar
e adaptar os programas educacionais para atender às necessidades variadas
dos alunos, incluindo aqueles interessados em cursos técnicos ou em áreas
específicas de estudo. Para entender melhor esses contextos que Jurema nos
apresenta, é necessário observar a evolução do sistema educacional de ambos
os países, que não cabe nessa discussão.
Jurema (1955), parte de preceitos que outros intelectuais da educação
estavam discutindo nesse mesmo período. A exemplo do Jaime de Abreu ao
definir o que seria o “ensino secundário moderno”:
O chamado ensino secundário moderno (grifo no original), que é uma
inovação na educação inglesa e se destina à maioria dos estudantes secun-
dários, ministra uma educação variada, compreende várias modalidade,
adaptáveis às aptidões e capacidades individuais e aos ambientes sociais
dos alunos. É um ensino que se volta para a interpretação do mundo
moderno e que prepara para a vida, em seu mais largo sentido (Abreu,
1955, p.182).
O Centro Regional de Pesquisas Educacionais e seus projetos
A preocupação em relação a formação humanística no sentido moder-
no da palavra aplicada ao ensino secundário, não era apenas estrito ao pen-
samento do educador Aderbal Jurema. Podemos identificar essa preocupação
no projeto desenvolvido pelo Centro Regional de Pesquisas Educacionais do
Recife, das Classes Experimentais de Orientação Profissional que foi desen-
volvida pela pesquisadora Zaida Cavalcanti com 20 adolescentes do 1º ano
científico do Colégio Estadual de Pernambuco.
De acordo com Cavalcanti (1962) a Orientação Profissional requer
um procedimento técnico e o humano profundamente vinculados à situação
real do sistema educacional e à realidade social vivenciada pela comunidade
naquela ocasião. Seus preceitos baseavam-se em:
1. Que o adolescente está engajado em um sistema educacional predo-
minante humanístico, cuja estrutura não proporciona ao aluno os
118
meios essenciais para a realização de uma experiência vocacional que
lhe permita escolher depois de dois anos da escola secundária, qual
o caminho que o conduzirá ao tipo do atividade profissional ou o
ocupacional que responda melhor aos seus interesses, possibilidades
e aptidões.
2. Que o adolescente está se desenvolvendo em um período de evolução
da sociedade caracterizado pela luta entre padrões culturais resultan-
tes de estruturas económicas e relações de produção, em processo do
superação e, novos padrões que vao surgindo em virtude das modi-
ficações que vão se processando em tais estruturas e relações de pro-
dução pela dinâmica e os fatores do transformação. (CAVALCANTI,
Caderno Região e Educação, 1962, p. 22).
Apesar do cerne do projeto não ser a equivalência do ensino secun-
dário, a proposta tinha como objetivo um programa de palestras que possi-
bilitava os jovens a compreender o mundo do trabalho e suas perspectivas.
O projeto contou com o período de 10 meses e ocorria na sede do Centro
Regional de Pesquisas do Recife. A justificativa da escola do Colégio Estadual
Pernambuco foi pela diversidade do alunato, e por ser um dos colégios de
maior referência do estado de Pernambuco.
Abaixo podemos observar os temas e palestras desenvolvidos durante
a orientação:
Programas do palestras para o Grupo Experimental:
Objetivos do GJ, para o problema da Escolha Profissional, organiza-
ção do GE. Sistema do trabalho.
Variações sensíveis no panorama do trabalho, Aumento das oportu-
nidades profissionais.
Desenvolvimento do Nordeste e o aumento de oportunidades de
trabalho.
Características da Sociedade Industrial
Treino o competência, como fatores do status.
Mercado de trabalho.
Competência como fator de ajustamento pessoal.
Relações Humanas na Indústria o Comércio
Racionalização do Trabalho.
Perspectiva de treino profissional no segundo ciclo.
(CAVALCANTI, Caderno Região e Educação, 1962, p. 25).
119
Em 1955, o mundo do trabalho estava passando por mudanças sig-
nificativas devido à industrialização, urbanização e avanços tecnológicos.
Portanto, fornecer orientação e informações sobre as perspectivas de emprego
e as habilidades necessárias para o mercado de trabalho era uma preocupação
legítima para o momento. O que não anula a discussão do currículo para o
nível de ensino também. O Centro Regional de Pesquisas Educacionais do
Recife adotou uma política de muitos projetos que dialogavam com o técnico
e o cientifico, tanto na elaboração dos projetos, nas formulações dos cursos.
Um outro projeto de tendências para a educação secundária foi propos-
to pela Divisão de Pesquisas sociais, “O Ensino Técnico em Pernambuco
em 1970, o objetivo foi realizar um levamento nos órgãos que tinha res-
ponsabilidade por esse segmento de ensino (SUDENE, SENAI, PRIPMOI
-Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra, Comissão Estadual do
Ensino Médio). (Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Recife,1970).
Na década de 1970, no estado de Pernambuco, o Ensino Técnico tam-
bém experimentou um crescimento gradual na matrícula, refletindo as ten-
dências observadas em nível nacional. Houve um aumento na demanda por
cursos técnicos, indicando uma valorização crescente dessa modalidade de
ensino na região. A análise dos dados sobre o Ensino Técnico em Pernambuco
foi realizada através de consultas a publicações do CEPEM e do IBGE, que
forneceram quadros e mapas detalhados mostrando a distribuição desses cur-
sos por município, área e zona educacional. Observou-se que, assim como
em outras partes do país, nem todos os estabelecimentos rotulados como
“Colégios” ou “GinásiosTécnicos atendiam aos critérios necessários para
essa classificação. Alguns deles eram marcados como secundários nas fichas
do IBGE, mesmo que utilizassem termos como “Industrial” ou “Comercial”
em seus nomes.
A Matrícula vem crescendo gradativamente no Ensino Técnico. Fato so-
cial que se observa em relação e esse fenômeno, e a queda paulatina do
preconceito existente no período contra o Ensino Técnico. O crescimento
de Demanda de Matrícula ne Escola Técnica Federal de Pernambuco pode
ser o exemplo concreto para o que afirmamos. Conseguimos organizar
uma série de Quadros (7) relativos ao Ensino Técnico consultando as pu-
blicações de CEPEM e com dados relativos a 66 ou 67, Em relação e
120
1969, apuramos na inspetoria do Ensino Industrial 2 quadros sobre a rede
Federal, e no IBGE os Mapas de apuração por Tipo de Ensino, Unidades,
Municípios, etc. que seguem em 5 folhas de cópias fotostática.
O Mapa colorido ilustrativo mostra claramente e situação de Pernambuco
em relação ao Ensino Técnico por Município, Area e Zona Educacional.
Deve ser observado que muitos, ou aliás, quase todos os Colégios ou
Ginásios Técnicos não possuem condições de ensino que os devem“
enquadrar como tais, tanto que na ficha do IBGE às vezes é assinalada
quadricule secundário, quando o nome do Estabelecimento contém 0
“Industrial” ou “Comercial”, ou então nada é assinalado, ou ainda, ne-
nhuma especialização é indicada, Tais educandários tem o mínimo exi-
gido por lei, quando tem apenas alguns, e entre eles, a Escola Técnica
Federal, o Colégio Agamenon Magalhães e Escola do SENAC podem ser
excluídas desse observação. (Cadernos Região e Educação, 1970, Recife).
Abaixo, podemos observar um dado preliminar de matrícula e estabele-
cimentos segundo o ramo de ensino e sua entidade mantenedora.
Fonte: Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Recife,1970.
No levantamento da pesquisa, além da distribuição por matrícula, fo-
ram adotados instrumentos como o quadro “Proporção dos Grupos da Idade
entre 11 a 18 anos do Censo Escolar de 1960 e Projeção 68/71/76/77” e o
Mapa de Pernambuco segundo as Áreas e Zonas Educacionais. Esses instru-
mentos foram utilizados para analisar a distribuição da população em idade
escolar em diferentes faixas etárias e regiões de Pernambuco. O objetivo era
121
compreender a demanda por educação em diferentes áreas geográficas e pla-
nejar políticas educacionais adequadas às necessidades da população.
Não pretendo aprofundar detalhadamente sobre esses projetos neste
capítulo, pesquisas futuras serão tratadas das discussões, projetos e dados re-
lativos ao ensino secundário no estado de Pernambuco. A proposta é iniciar
um debate que estava na pauta das políticas educacionais brasileiras.
Considerações finais
Esse estudo inicial revelou uma série de debates e propostas que mol-
daram o ensino secundário da época em Pernambuco. Mergulhou em discus-
sões interligadas que abordam desde a reflexão sobre a identidade cultural até
a implementação de projetos educacionais inovadores, como também análise
social para constituição da política de ensino secundário.
As transformações do ensino secundário ao longo dos anos refletiram
não apenas as mudanças sociais e econômicas, mas também as reformas edu-
cacionais e os ideais pedagógicos predominantes. As diversas denominações
atribuídas ao ensino secundário ao longo da história do Brasil demonstram
as diferentes abordagens e prioridades em relação a esse nível de ensino que
impactaram na formação de diversos jovens pernambucanos no seguimento
de sua formação. Necessário destacar que essas mudanças estavam associadas
a educação e economia como pauta de desenvolvimento de sociedade pelos
governos e por órgãos técnicos.
O pensamento de Aderbal Jurema ressoou com preocupações sobre a
relação do ensino secundário com as transformações da vida moderna e a ne-
cessidade de preparar os alunos para enfrentar os desafios da sociedade con-
temporânea. Ele propôs uma diversificação das oportunidades educacionais
para equiparar o ensino secundário a outros cursos do mesmo nível. Mesmo
que no campo do ideal, ao qual ele mesmo afirma: Como, então, lutar contra
tudo isto, munidos apenas do idealismo um tanto imaginário de um Quixote
diante dos moinhos de vento que lhe pareciam gigantes? (Jurema,1955).
Os projetos desenvolvidos pelo Centro Regional de Pesquisas
Educacionais do Recife refletiram a preocupação em fornecer orientação pro-
fissional aos jovens em um contexto de mudanças significativas no mundo
do trabalho. A análise dos dados sobre o Ensino Técnico em Pernambuco
122
destacou o crescimento gradual dessa modalidade de ensino na região, indi-
cando uma valorização crescente. Mas as lacunas investigativas da expansão
desse ramo de ensino seguem sem estudos que possam nos indicar que iden-
tidade a política do ensino secundário no estado foi se formulando. Os dados
preliminares do projeto tendências do ensino técnico nos indica algo.
Em síntese, o período entre 1955 e 1969 foi marcado por deba-
tes intensos e propostas inovadoras que orientou o ensino secundário em
Pernambuco. “olhar para as fontes” continua sendo uma caminhada para en-
tender a política do ensino secundário no estado Pernambuco.
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123
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blicos (1948-1963) / Kalline Laira Lima dos Santos. – Marília: Oficina
Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2021.
125
SOBRE O ESTUDO DA EXPANSÃO DOS
GINÁSIOS E COLÉGIOS ESTADUAIS
NO ESTADO DE SÃO PAULO ENTRE OS
ANOS DE 1930 E 1971: PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS DE PESQUISA
Carlos Alberto DINIZ1
Introdução
As seguintes interrogações percorreram nossos estudos2 sobre a expansão
do ensino secundário: como ocorreu a expansão do ensino secundário do Estado
de São Paulo, especialmente entre as décadas de 1930 e 1970? Qual a política edu-
cacional3 do governo do Estado de São Paulo de expansão da rede de ginásios e
colégios adotada nesse período? Quais atores políticos participaram desse processo?
Sob uma perspectiva quantitativa, esse processo de expansão iniciado
na década de 1930 era algo sem precedentes até então na história da educa-
ção brasileira. Há que se destacar que existem estudos4 que abarcam ques-
tões relacionadas ao ensino secundário no Estado de São Paulo das décadas de
1 Etec Sylvio de Mattos Carvalho – Unidade 103 do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula
Souza (CEETEPS). Matão/SP/Brasil, caco.diniz.1979@gmail.com; carlos.diniz@etec.sp.gov.br.
2 Vide Diniz (2012, 2017, 2021).
3 Em nossos estudos partimos do conceito de política educacional atribuído por Cunha (1980),
Saviani (1987, 2008), Romanelli (2014), Freitag (1980), Marcílio (2014), ou seja, às decisões e
ações – ou a falta destas – tomadas pelo Poder Público, ou seja, pelo Estado, em relação à educação,
sobretudo pública.
4 Vide Beisiegel (1964), Nunes (1979), Sposito (2002), Nadai (1991), Bontempi Jr. (2006), Perez
(2006), Souza (2008a, 2008b, 2009, 2010, 2011a, 2011b, 2012).
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-601-5.p125-155
126
1940 a 1970. Apesar disso, notamos no âmbito da historiografia da educação
paulista, uma lacuna que carecia ser preenchida referente à atuação dos atores
políticos envolvidos na expansão da rede de estabelecimentos de ensino secun-
dário: interventores federais, lideranças políticas locais, deputados estaduais e
governadores que compuseram o campo político entre 1930 e 1971; e foi nessa
seara em que debruçamos nossos estudos, iniciados no curso de Mestrado em
Educação Escolar (2010-2012) e que prosseguiram ao longo do doutoramento
(2014-2017) e estágio pós-doutoral (2019-2020) em educação.
Logo, este texto aborda à luz do arcabouço teórico da Nova História
Política, além do trabalho de Pierre Bourdieu sobre a noção de campo, os pro-
cedimentos metodológicos adotados no mapeamento que realizamos acerca
da expansão da rede de ginásio públicos paulistas entre os anos de 1930 e
1971, período marcado por mudanças profundas no campo político paulista.
Este texto está dividido em duas partes: a primeira discorre brevemen-
te sobre os procedimentos metodológicos adotados – especialmente as fontes
utilizadas – no desenvolvimento desse estudo, apresentados sob um critério
cronológico haja vista as mudanças no ordenamento político ocorridas nesse
período. Na segunda parte, apontamos as potencialidades e/ou limitações das
fontes utilizadas nesse estudo, sobretudo dos projetos de lei apresentados por
deputados e governadores ao plenário da Assembleia Legislativa do Estado de
São Paulo (Alesp), uma vez que a sistemática de criação de escolas, instituída
no final da década de 1940, passava pela promulgação de lei aprovada na Alesp.
Com efeito, no entendimento deste texto tal divisão possibilita com-
preender melhor o trabalho de pesquisa que realizamos entre 2010 e 2020,
sob orientação da Profa. Dra. Rosa Fátima de Souza Chaloba, e que nos per-
mitiram proporcionar nossa contribuição à historiografia da educação brasi-
leira e paulista, em permanente construção.
Procedimentos metodológicos para mapeamento da expansão
do ensino secundário paulista (1930-1971) à luz do conceito
de campo político de Bourdieu
Em 1930 foi criado o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde
Pública e Francisco Campos, nomeado Ministro dessa Secretaria de Estado,
logo em 1931, introduziu uma reforma educacional com vistas a consolidar
127
e dar uma organicidade ao ensino secundário com o caráter de que somente
esse nível de ensino permitiria o acesso ao ensino de nível superior, além de
outros aspectos como, por exemplo, a regulamentação do trabalho docente,
em termos de salários, jornada de trabalho. Contudo, outro aspecto impor-
tante dessa reforma foi a possibilidade de equiparação oficial, concedida pelo
recém-criado ministério por meio de inspeção federal, a todos os estabele-
cimentos de ensino secundário, restrita até então ao Colégio Pedro II e aos
ginásios públicos estaduais e municipais, favorecendo a expansão do ensino
secundário em todo o território nacional.
Cabe também destacar que desde a Lei Orgânica do Ensino Secundário
(decreto-lei n. 4.244, de 9 de abril de 1942), o ensino secundário constitui
ramo do ensino médio caracterizado pelo ensino de cultura geral e tal moda-
lidade de ensino era ministrada em dois ciclos: o ginasial (com duração de 4
séries anuais) e o colegial (com duração de 3 séries anuais, no mínimo), com
exame de admissão na primeira série do curso ginasial. Os estabelecimentos
de ensino secundário, denominados ginásios, objeto de toda nossa pesquisa,
ofereciam apenas o primeiro ciclo do secundário, isto é, o curso ginasial, e
a designação de colégio era atribuída aos estabelecimentos que ofereciam os
dois ciclos ou somente o segundo ciclo (Souza, 2008a). No ano de 1971,
com a promulgação da lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971, o curso ginasial
foi agrupado com o ensino primário, constituindo o ensino de 1º grau com
duração de oito anos letivos, e o curso colegial foi transformado em ensino
de 2º grau, constituído de três ou quatro séries anuais. Consequentemente,
foram eliminadas da legislação educacional brasileira, a partir de então, as
denominações dos estabelecimentos de ensino ginásio e colégio.
Logo, o termo ginásio oficial se refere à escola pública, ou seja, manti-
da pelo Estado (nesse caso, pelo governo estadual) que oferecia o curso ginasial,
ou seja, o primeiro ciclo do ensino secundário. Esclarecemos, pois, que tanto o
termo ginásio oficial quanto os termos: ginásio público ou ginásio estadual utili-
zados nesse trabalho se referem a um mesmo tipo de estabelecimento de ensino.
Para desenvolvermos nossos estudos acerca da expansão do ensino
secundário no Estado de São Paulo recorremos ao aporte teórico da Nova
História Política, além do trabalho de Pierre Bourdieu sobre a noção de cam-
po, que nortearam a análise de todo o corpus documental constituído, entre
128
outras fontes: a) da legislação educacional do Estado de São Paulo desse pe-
ríodo; b) das mensagens dos governadores dirigidas aos deputados estaduais
da Alesp; c) dos projetos de lei de criação de escolas que tramitaram na Alesp;
d) planos de governo; e) relatórios estatísticos produzidos a partir dos censos
realizados pelo Instituto Brasileiro Geográfico Brasileiro (IBGE); e, f) repor-
tagens de jornais.
A escola, em todo recorte histórico adotado nesta reflexão, ocupa um
lugar de destaque especialmente para camadas médias e populares, vista por
estas como representação de modernidade, cultura e, sobretudo, via de acesso
a melhores condições de vida. Portanto, o campo da história política é de
extrema relevância, uma vez que este articula todo o social, que, no limite
deste trabalho, pode ser vislumbrado a partir da crescente demanda pelo en-
sino secundário no Estado de São Paulo. Nesse ponto, ao que tange à história
política, Rémond (2003, p. 24) afirma que,
À medida que os poderes públicos eram levados a legislar, regulamentar,
subvencionar, controlar a produção, a construção de moradias, a assistên-
cia social, a saúde pública, a difusão da cultura, esses setores passaram, uns
após os outros, para os domínios da história política. Com isso desabou a
principal objeção a esse tipo de história: como sustentar ainda que o po-
lítico não se refere às verdadeiras realidades, quando ele tem por objetivo
geri-las? A prova disso está na atração cada vez maior que a política e as
relações com o poder exercem sobre agrupamentos cuja finalidade primei-
ra não era, contudo, política: associações de todos os tipos, organizações
socioprofissionais, sindicatos e igrejas, que não podem ignorar a política.
No Estado de São Paulo, a ação dos atores políticos se dava por di-
versos cenários e contextos: a) para os políticos locais, as instituições de en-
sino secundário, normal e superior representavam prestígio para o municí-
pio, revelando o grau de cultura da localidade e, portanto, revelavam-se um
empreendimento altamente lucrativo do ponto de vista simbólico (Souza;
Diniz, 2014); b) já para os Interventores Federais (na Era Vargas) ou para
os governadores (no período da redemocratização e no início da ditadura
militar), a criação das escolas nos mais diversos municípios e/ou a estaduali-
zação dos estabelecimentos já existentes, criados em boa parte como ginásios
municipais, podia ser considerada como uma estratégia de forte influência
129
nos mais diversos redutos locais, tanto para fins ideológicos, políticos e/ou
eleitorais; c) para os deputados estaduais, que voltaram a atuar após o fim da
Era Vargas, desempenhavam um papel primordial, pois a criação de ginásios
e colégios dava-se, por um lado, no sistema de criação de escolas instituído
no final da década de 1940, o qual passava pela promulgação de lei aprovada
na Alesp. Por outro lado, havia os interesses eleitorais dos deputados que
também ensejavam manter sua influência nos seus redutos.
Nesse viés, o conceito de campo político de Pierre Bourdieu (Bourdieu,
1996, 2011)5 contribuiu na análise da participação desses atores dos Poderes
Executivo e Legislativo na expansão do ensino secundário no Estado de São
Paulo, ocorrida no período já mencionado. Para esse autor, o campo político
[...] é um microcosmo, isto é, um pequeno mundo social relativamente au-
tônomo no interior do grande mundo social. Nele se encontrará um grande
número de propriedades, relações, ações e processos que se encontram no
mundo global, mas esses processos, esses fenômenos se revestem aí de uma
forma particular. É isso o que está contido na noção de autonomia: um
campo é um microcosmo autônomo no interior do macrocosmo social. [...]
significa que tem sua própria lei, seu próprio nomos, que tem em si próprio
o princípio e a regra de seu funcionamento. (Bourdieu, 2011, p. 195).
Com regras próprias de funcionamento – inerentes a um campo –,
o campo político que se configurava em território paulista, principalmen-
te a partir do fim da ditadura de Getúlio Vargas e o início do período da
redemocratização, propiciava a interlocução tanto dos deputados estaduais
quanto os governadores paulistas que procuravam manter e/ou ampliar sua
posição nesse campo, a exemplo das comissões permanentes da Alesp, cujas
vagas eram disputadas pelos deputados haja vista a sua função deliberativa no
que concernia à aprovação (ou não) dos projetos de lei submetidos à Alesp,
ou ainda mediante o veto parcial ou total do Poder Executivo a projetos de
lei outrora aprovados pelo Poder Legislativo, ou ainda a derrubada do veto
do governador pela própria Assembleia Legislativa aprovando proposituras
rejeitadas pelo Executivo. Nessa conjuntura, as disputas que evidentemente
existiam redefiniam a estrutura desse campo enquanto estado de relação de
5 Sobre o conceito de campo político, ver também Catani et. al, 2017.
130
forças entre os agentes envolvidos nele, cujo resultado incidia diretamente
na expansão acelerada e desordenada de ginásios e colégios e, consequente-
mente, no atendimento das reivindicações que emanavam dos municípios,
considerados redutos eleitorais pelos deputados e governadores.
Portanto, em nosso entendimento, mapear a criação de ginásios e co-
légios públicos no Estado de São Paulo, verificando-se a participação dos
agentes políticos, é indispensável para melhor entendimento do cenário con-
figurado entre os anos de 1930 e 1971 e, por conseguinte, compreender a po-
lítica educacional de expansão do ensino secundário no Estado de São Paulo.
Conforme assinalamos em estudo anterior (Diniz, 2012), entre os anos
de 1930 e 1947 foram criados 58 ginásios (vide Figura 1) em diversos muni-
cípios do interior paulista. O mapa apresentado a seguir mostra claramente a
rapidez com que o processo de expansão do ensino secundário tomava parte
da geopolítica do Estado de São Paulo e que se acentuaria incisivamente no
período da redemocratização, se considerarmos o fato que até 1930 havia
apenas três ginásios públicos: o do município da capital (São Paulo), o de
Campinas e o de Ribeirão Preto.
Figura 1: Municípios paulistas com ginásios públicos criados até 14 de março de 1947.
FONTE: Diniz (2017, p. 19).
A partir do exame da criação do Ginásio Municipal da cidade de Matão,
datada de 31 de dezembro de 1940, e transformado em Ginásio Estadual de
Matão em 1947, amplamente noticiada pelo jornal local A Comarca – criado
em 04 de janeiro de 1925 e que circula semanalmente até os dias de hoje,
131
– além dos processos que deram origem aos projetos de lei da Assembleia
Legislativa do Estado de São Paulo referentes ao estabelecimento de ensino
em questão, entre outras fontes, tais documentos nos conduziram aos decretos
de criação de ginásios disponibilizados no repositório da Alesp6. Tais decretos
nos permitiram averiguar que dos 58 ginásios oficiais criados entre 1930 e
1947, 55 tiveram participação dos municípios para que sua instalação se efe-
tivasse, ou seja, 95% do número total de estabelecimentos criados, levando-
-nos a concluir que tal sistemática traduzia uma efetiva política educacional,
chamando-nos à atenção ao fato de que parte dessas escolas foram instaladas
em municípios que à época possuíam (e, em alguns casos, até hoje possuem)
pouca representatividade socioeconômica perante o Estado, em detrimento a
outros municípios que possuíam maior relevância e que não haviam até então
sido contemplados com um estabelecimento de ensino secundário.
Com o fim do Estado Novo e o início do período de redemocratiza-
ção do país, os deputados estaduais passaram a ter papel fundamental para
submeter ao plenário da Alesp, dentre tantas reivindicações dos municípios,
propostas de criação ginásios e/ou colégios públicos. Nessa seara, em outro
estudo (Diniz, 2017) mapeamos a criação de outros 474 ginásios públicos
em diversos municípios paulistas (vide Figura 2) entre 15 de março de 1947
e 31 de janeiro de 1963, período que abrangeu os governos de Adhemar
Pereira de Barros (de 14/03/1947 a 31/01/1951), Lucas Nogueira Garcez
(de 31/01/1951 a 31/01/1955), Jânio da Silva Quadros (31/01/1955 a
31/01/1959) e de Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto (de 31/01/1959
a 31/01/1963), atores políticos imprescindíveis no processo de expansão do
ensino secundário nesse estado.
6 Disponível em https://www.al.sp.gov.br/norma/pesquisa.
132
Figura 2: Municípios paulistas atendidos com ginásios públicos até 31/01/1963.
FONTE: Diniz (2017, p. 113).
Quanto ao recorte histórico adotado na tese de doutoramento (Diniz,
2017), ou seja, 14 de março de 1947 a 31 de janeiro de 1963, tal escolha
se deu, em primeiro lugar, em função das quatro primeiras legislaturas da
ALESP do período da redemocratização – ocorridas concomitantemente aos
quatro governos já citados – que, à luz do pluripartidarismo e dentre outros
aspectos, possibilitou uma maior intervenção dos deputados na vida política,
além do processo de urbanização e industrialização do Brasil – ocorrido de
forma intensa no Estado de São Paulo.
Nesse contexto, faz-se primordial considerar as pressões populares, tanto
na capital quanto nos demais municípios paulistas, no que concerne à amplia-
ção da oferta do ensino secundário, especialmente do primeiro ciclo, ou seja,
do curso ginasial, mas também de colégios e escolas normais. Isto posto, a
opção pelo mapeamento da expansão dos ginásios oficiais se deu fundamental-
mente em função do número considerável de estabelecimentos públicos cria-
dos no período estudado no Estado de São Paulo, se comparado ao número de
colégios, escolas normais e escolas técnicas, ora também expressivo7.
Somados ao arcabouço teórico adotado para o desenvolvimento desse
estudo em que mapeamos a criação de 474 ginásios oficiais. Para tanto, na
etapa inicial desse trabalho, solicitamos ao setor técnico da Alesp responsável
7 Vide Brasil, 1962.
133
pela conservação dos projetos de lei, uma listagem de todos os projetos de lei
de criação de ginásios públicos apresentados em seu plenário no recorte his-
tórico adotado para esse estudo. Dessa forma, mapeamos 948 projetos de leis
de criação de ginásios oficiais apresentados na Assembleia Legislativa paulista.
Com base nessa informação, comparamos tal quantidade de proposições apre-
sentadas com as leis promulgadas entre 1º de março de 1947 e 31 de janeiro
de 1963 pelo Poder Executivo estadual e constatamos o montante de 349
propostas bem-sucedidas que culminaram na criação de 474 escolas ginasiais
em vários municípios paulistas: 346 ginásios por projetos de lei apresentados
por deputados estaduais; 62 ginásios por proposta da Comissão de Educação
e Cultura; e 66 ginásios por proposição do próprio Poder Executivo estadual.
Na sequência, procurando entender melhor a potencialidade dos pro-
jetos de lei como fontes primárias tendo em vista o objetivo desse estudo,
organizamos tais documentos a partir da distribuição geográfica dessas es-
colas em todo o território paulista. Para isso utilizamos a divisão geográfica
por regiões fiscais estabelecidas no governo Adhemar de Barros entre os anos
de 1947 e 19518, por tal configuração estar mais próxima da atual divisão
administrativa estadual.
Diante desse montante de 349 projetos de lei, entre outros critérios
possíveis9, optamos por selecionar para fins de análise os projetos de lei apre-
8 Vide São Paulo, 1947b; São Paulo, 1948; São Paulo, 1949. Outras legislações que tratam desse assunto:
a) Decreto n. 20.557, de 6 de junho de 1951. Regulamento a Lei n. 1.004, de 4 de maio de 1951,
que dispôs sôbre elevação do número de Regiões Fiscais do Estado e deu outras providências. Disponível
em: http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1951/decreto-20557-06.06.1951.html.
Acesso em: 10 fev. 2016; b) Decreto n. 32.038, de 30 de abril de 1958. Transfere municípios de
uma para outra região fiscal do Estado. Disponível em: http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/
decreto/1958/decreto-32038-30.04.1958.html. Acesso em: 10 fev. 2016; c) Decreto n. 42.142, de 2
de julho de 1963. Estabelece nova divisão das regiões das Delegacias Regionais de Fazenda. http://www.
al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1963/decreto-42142-02.07.1963.html. Acesso em: 10 fev.
2016; d) Lei n. 7.631, de 13 de dezembro de 1962. Dispõe sôbre elevação do número de Regiões Fiscais
do Estado e dá outras providências. Disponível em: http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/
lei/1962/lei-7631-13.12.1962.html. Acesso em: 10 fev. 2016.
9 Entre outros critérios possíveis de serem adotados nesse estudo, destacamos a possibilidade de
análise a partir de uma determinada região fiscal do interior paulista, ou desta comparada com
uma outra região fiscal do interior ou com a região metropolitana. Nesse percurso chegamos a
cogitar ainda a possibilidade de analisar os ginásios criados em governos exercidos por grandes
adversários políticos, a saber: Adhemar de Barros e Jânio Quadros. Contudo, adotamos o critério
134
sentados na ALESP dos 10 deputados10 que mais tiveram projetos de lei de
criação de ginásios aprovados, critério este que totalizou 133 projetos que
seriam estudados. Contudo, ao realizarmos o levantamento desse repertório
documental in loco (ou seja, no arquivo da ALESP), verificamos que 19 do-
cumentos11 não se encontravam disponíveis para consulta. De todo modo, os
114 documentos que foram disponibilizados para consulta nos possibilita-
ram demonstrar as relações existentes entre os partidos políticos, bem como
dos deputados entre si, ou ainda, de ambos com o Poder Executivo Estadual,
com vistas à sanção de seus projetos outrora apresentados.
De igual maneira, as mensagens dos governadores paulistas apresenta-
das anualmente no dia 14 de março à Assembleia Legislativa se mostraram
fontes extremamente relevantes para o desenvolvimento dessa pesquisa. Nas
palavras de Araújo, Souza e Pinto, as mensagens dos governadores são,
[...] uma forma de comunicação oficial entre o Poder Executivo e o Poder
Legislativo, e são resultantes do exercício da administração pública.
[...] em termos de conteúdo, tais Mensagens procuram realizar um ba-
lanço administrativo de parte do Poder Executivo sobre os andamentos
administrativos do governo, sob a sua responsabilidade, e geralmente se
constituem como relatório de atividade governativa, o que envolve des-
crições, justificativas, balanços, além de conclamações, apelos, avaliações,
explicitação de objetivos e de anseios de ordem administrativa, bem como
de projetos ou expectativas para o ano vindouro, ou mesmo para um futu-
ro menos imediato. (ARAÚJO; SOUZA; PINTO, 2013, p. 107).
Outra fonte imprescindível nesse estudo foram os relatórios dos censos
realizados pelo IBGE, bem como as sinopses estatísticas do ensino secundá-
rio. Com efeito, tais documentos ofereceram uma gama de informações que
nos permitiram compreender a realidade política e socioeconômica das diversas
de analisar a partir de projetos de lei apresentados pelos 10 deputados que tiveram mais êxito na
criação de ginásios públicos, considerando a possível capilaridade da atuação destes em várias das
regiões fiscais, aspecto esse que pude constatar no decorrer da pesquisa.
10 Referimo-nos aos deputados Francisco Scalamandré Sobrinho, Aloysio Nunes Ferreira, Amadeu
Narciso Pieroni, Antônio Oswaldo do Amaral Furlan, Athié Jorge Coury, João Mendonça Falcão,
Anselmo Farabulini Júnior, Bento Dias Gonzaga, Germinal Feijó e José Santilli Sobrinho.
11 Conforme informado pela Divisão de Pesquisa Jurídica da ALESP quando da consulta feita in loco
dos Projetos de Lei.
135
regiões do Estado de São Paulo, apontando, entre outros aspectos, as razões
pelas quais a população pressionava por melhorias infraestruturais nos municí-
pios, principalmente no que se refere à ampliação da oferta do ensino secundá-
rio. Além desses documentos, cabe-nos aqui ressaltar os arquivos do tipo shape
(.shp), disponíveis no site do IBGE, necessários a elaboração dos mapas que
nos possibilitaram uma melhor compreensão da magnitude desse vertiginoso
processo de expansão dos ginásios públicos por todo o Estado de São Paulo.
Já na pesquisa realizada durante o estágio pós-doutoral, cujo objetivo
foi analisar como se deu a expansão de ginásios e colégios estaduais públicos
no Estado de São Paulo ocorrida entre 31 de março de 1963 a 15 de março de
1971, período esse marcado pelo bipartidarismo e pelos os primeiros anos da
ditadura militar – especialmente a partir da edição do Ato Institucional n. 5
(AI-5), em 13 de dezembro de 1968 que, entre outros aspectos, determinou o
recesso parlamentar, ou seja, a suspensão da atividade legislativa em âmbitos
federal, estadual e municipal – verificamos que no Estado de São Paulo fo-
ram criadas cerca de 1.106 escolas públicas estaduais de ensino médio; desse
montante, 502 ginásios e 320 colégios, mediante consulta à legislação dispo-
nibilizada no site da Alesp.
Nessa nova conjuntura pós-AI-5, onde o Poder Executivo passou
a assumir toda a política educacional de expansão do ensino secundário –
até então disputada com os deputados estaduais –, verificamos a atuação
do Conselho Estadual de Educação (CEE), recém-criado, e da Secretaria
Estadual de Educação (SEE) na definição dos critérios que seriam adotados a
partir de então para a criação de escolas nos municípios paulistas.
Isto posto, além dos 37 projetos de lei de criação de escolas apresen-
tados na Alesp, selecionados a partir do mesmo critério adotado na pesquisa
desenvolvida anteriormente, também analisamos 28 decretos de criação de
ginásios e colégios promulgados pelo Poder Executivo durante o recesso par-
lamentar decorrente da edição do AI-5. Outrossim, foram analisadas ainda
três mensagens de governadores: a do governador Adhemar de Barros, apre-
sentada à Alesp em 14 de março de 1966; a do governador Roberto Costa
de Abreu Sodré, remetida na abertura da sessão legislativa de 1967; e a do
governador Laudo Natel, apresentada em 31 de março de 1971.
Contudo, à medida que tais fontes documentais foram sendo estudadas,
136
verificou-se a necessidade de cotejá-las com outras legislações e documen-
tos como, por exemplo, resoluções internas da ALESP, o Pladi – Plano de
Desenvolvimento Integrado12, além de legislações que trataram da criação,
organização e funcionamento do CEE, e os dois volumes do Plano Estadual
de Educação do biênio 1970-1971, permitindo-nos assim um melhor enten-
dimento do processo de expansão dos ginásios e colégios em âmbito paulista
no período em questão e, concomitantemente, a identificação dos dois mo-
mentos distintos nesse breve período: o primeiro, anterior à edição do AI-5,
em que verificamos a existência de disputa acirrada entre o Poder Legislativo
e o Poder Executivo, evidenciado pelo número expressivo de vetos deste úl-
timo a proposituras aprovadas na Alesp; e o segundo momento, a partir da
edição do AI-5, onde o Poder Executivo, como já dissemos, encampou toda
a política educacional de expansão do secundário, utilizando-se das diretrizes
definidas pelo CEE e pela SEE.
Potencialidades e limitações das fontes utilizadas para estudo da
expansão do secundário no Estado de São Paulo
Por outro lado, tal documento pode ter sido elaborado a partir de su-
gestão do próprio deputado, autor do projeto, em acordo com os líderes po-
líticos locais para evidenciar a importância que tal reivindicação representava
em âmbito municipal, uma vez que “as pequenas cidades do interior encon-
traram no deputado estadual um agente situado em posição privilegiada para
o encaminhamento de suas reivindicações no campo da educação secundária
(BEISIEGEL, 1964, p. 157). Ademais, há que se afirmar que a população
valorizava a execução de melhorias na infraestrutura nas localidades onde
residia e, desse modo, pressionava o poder local (prefeito e/ou vereadores)
para que atuasse em favor dos interesses da população. Esses, por sua vez, se
12 O Pladi – Plano de Desenvolvimento Integrado - trata-se de um documento norteador que tinha
por objetivo enunciar as diretrizes do governo de Adhemar de Barros para o Estado de São Paulo.
Dividido em três partes, o Pladi apresentava uma análise da população e da economia paulista com
projeções até o ano de 1970 e, nessa direção, a relação das necessidades que deveriam ser atendidas
no triênio 1964-1966. A segunda parte, com base nas projeções apresentadas, trazia as diretrizes
do Poder Executivo para o atendimento das demandas ora arroladas. Na terceira e última parte, é
exposto o programa do governo estadual para o período em questão. Vide São Paulo, 1964a.
137
viam compelidos a buscar apoio na esfera estadual, a partir dos deputados,
firmando e/ou fortalecendo alianças políticas com vistas a garantir o prestígio
político para ambos:
Encontram-se também [...] pressões que vereadores e prefeitos enfren-
tam nos subsistemas políticos locais, traduzidas em reivindicações que in-
cluem escolas secundárias e às quais o político municipal deve atender sob
pena de perda de prestígio diante de seus representados. Há referências
à valorização, pelas populações locais, de “melhoramentos” públicos que
condensariam as suas expectativas de “progresso” para o município: estra-
das, pontes, repartições públicas ainda não existentes, ou novos edifícios
destinados à cadeia, ao fórum, à escola, etc. [...] reportam-se o desenvolvi-
mento de expectativas que expressam novos padrões de sucesso sócio-eco-
nômico, relacionados a carreiras no funcionalismo público, nas profissões
liberais, no magistério ou nas burocracias privadas, todas elas importando
em grau de escolaridade posterior ao curso primário, e traduzindo a va-
lorização da escola secundária como canal de ascensão para as camadas
menos favorecidas ou mesmo de manutenção de posições para as camadas
médias da sociedade local. (BEISIEGEL, 1964, p. 183).
As justificativas contidas nos projetos de lei revelam ainda aspectos in-
teressantes no embate político em torno da expansão do ensino secundário
entre o final da década de 1940 e o início da década de 1960. Produzidas
dentro de uma lógica de Estado por agentes políticos que se utilizavam de
uma retórica argumentativa inerente do jogo político, os deputados (e tam-
bém o Poder Executivo), recorriam às mais variadas situações encontradas
nos municípios para justificar a necessidade da criação de ginásios públicos
nas mais diversas localidades paulistas, notadamente: o crescimento popula-
cional em ritmo acelerado, sobretudo na capital; a dificuldade em transportar
alunos para outros municípios próximos que tinham estabelecimentos se-
cundaristas; a representação do ginásio oficial enquanto símbolo de moder-
nidade e possibilidade de ascensão social; etc. Nesse ponto, há que se destacar
que as justificativas contidas em vários projetos de lei vinham acompanhadas
de abaixo-assinados preenchidos por munícipes, ofícios de líderes políticos
locais, relatórios contendo dados estatísticos das localidades, fotografias e
plantas prediais, com o intuito de evidenciar a capacidade dos municípios,
138
especialmente os do interior, em atender a contrapartida material exigida
pelo Estado para que tais solicitações fossem deferidas, mas também para
indicar os inúmeros benefícios que a implantação do curso ginasial propor-
cionaria para tais comunidades.
Não resta dúvida que as justificativas contidas – mas também a sua falta
– nos projetos de lei apresentados na ALESP que objetivavam a criação de esco-
las ginasiais, nos oferecem elementos esclarecedores sob o viés historiográfico,
permitindo-nos compreender as semelhanças e disparidades, sobretudo pelo
prisma capital versus interior, marcados por manobras distintas ocorridas em
gestões distintas de governadores que pertenciam a um mesmo partido políti-
co, como é o caso do PSP de Adhemar de Barros e Lucas Nogueira Garcez. Por
esse viés, destaco ainda o crescimento acelerado do número de estabelecimen-
tos de ensino na gestão do populista Jânio Quadros que, atendendo meramente
aos seus interesses políticos, proporcionou uma expansão do curso ginasial sem
se preocupar com a qualidade do ensino que seria ofertado.
Com efeito, a sistemática adotada pelo Poder Executivo na expansão
da rede de ginásios e colégios estaduais, especialmente no que tangia ao veto
a PLs apresentados e aprovados na Alesp, ou ainda no contundente intervalo
de tempo desigual destinado à tramitação dos PLs apresentados, acirrava ain-
da mais as disputas que existiam e que definiam a estrutura do campo político
que se configurava no Estado de São Paulo, enquanto relação de forças en-
tre os agentes envolvidos nele, mesmo sob o sistema bipartidário que surgiu
em 1965. Bom exemplo disso pode ser atribuído ao fato que constatamos
referente à expansão do ensino secundário entre os anos de 1963 e 1971:
dos 37 PLs selecionados para a pesquisa, verificamos que o Poder Executivo
vetou totalmente 12 proposituras13 e, parcialmente, três PLs14, representando
40% da amostragem. Os vetos parciais concentravam-se, sobretudo, na a)
não oferta do ensino médio (ginasial ou colegial), no período noturno, em
grupos escolares, considerados inadequados ao funcionamento de um ginásio
e/ou colégio; b) não criação de ginásios em distritos e/ou bairros de municí-
pios que já possuíam ginásios e/ou colégios estaduais; e c) na inexistência de
13 Referimo-nos aos PLs n. 1.335/1961, n. 148/1963, n. 1.137/1963, n. 3.114/1963, n. 655/1964, n.
741/1964, n. 1.484/1964, n. 140/1965, n. 449/1965, n. 678/1965, n. 1.657/1965 e n. 327/1966.
14 Referimo-nos aos PLs n. 1.122/1963, n. 1.759/1963 e n. 2.783/1963.
139
prédio próprio para a instalação dos estabelecimentos de ensino solicitados.
Porém, nos chamaram atenção outras duas fontes analisadas e que foram uti-
lizadas como argumentos nos vetos emitidos pelos governadores Adhemar de
Barros e Abreu Sodré, até então inéditos no processo de expansão da rede de
ginásios e colégios no Estado de São Paulo: a resolução n. 8/63, do Conselho
Estadual de Educação, e a lei n. 9.728, de 09 de fevereiro de 1967.
A resolução n. 8/63 do Conselho Estadual de Educação, que estabele-
ceu normas para a expansão do sistema estadual de ensino médio, objetivava
disciplinar a criação e instalação de ginásios, colégios, escolas normais e ins-
titutos de educação em território paulista. Por sua vez, a lei n. 9.728, de 09
de fevereiro de 1967, que estabelecia a criação de 50 ginásios e 20 colégios,
atribuía ao Conselho Estadual de Educação a definição das localidades onde
seriam instalados tais estabelecimentos.
Ao que tudo indica, a resolução n. 8/63 do Conselho Estadual de
Educação punha obstáculos à criação de ginásios e colégios nos municípios
do interior e litoral paulista, enquanto a lei n. 9.728, de 09 de fevereiro de
1967, atingia a capital. Insatisfeitos, os parlamentares, contrariando os ve-
tos do Poder Executivo, criavam ginásios e colégios, à luz do artigo 25, da
Constituição Estadual15, acirrando ainda mais a disputa pela efetivação dos
seus projetos de lei.
Logo, os projetos de lei permitem mapear quantitativamente as inicia-
tivas de proposições de criação de ginásios e colégios apresentados por depu-
tados, pelos governadores e pela Comissão de Educação e Cultura. Dessa ma-
neira, é possível arrolar municípios atendidos com ginásios e colégios oficiais
criados por proposta (Projetos de Lei) dos poderes Legislativo e Executivo,
verificar o número de escolas criadas por ano e a incidência da atuação dos
deputados em relação a criação de estabelecimentos de ensino. O cruzamento
desses dados com o pertencimento aos partidos políticos e pleitos eleitorais
enseja uma análise dos redutos eleitorais e a importância da escola no jogo
político estadual. Além disso, é possível identificar projetos bem-sucedidos
(transformados em lei) e malsucedidos, os municípios beneficiados ou não
com a criação de escolas públicas e a distribuição geográfica da expansão das
escolas secundárias.
15 Vide São Paulo, 1947a.
140
Por outro lado, no seu limite para reflexão sobre o campo político, os
projetos de lei não trazem consigo os debates ocorridos no âmbito do interior
das comissões responsáveis pela análise dos projetos de criação dos ginásios
oficiais, o que certamente seria um elemento muito importante para eviden-
ciar ainda mais a relação de forças existente nesse campo que se configurava
desde então, bem como eventuais acordos informais que se estabeleciam pri-
vilegiando determinados deputados e partidos políticos em detrimento de
outros. Logo, na maioria dos projetos analisados, consta apenas o parecer de
cada comissão, muitas vezes redigido de maneira sucinta e semelhante para
distintas proposições, sugerindo assim um caráter meramente proforma. Em
outras palavras, os projetos de lei não nos possibilitam identificar eventuais
negociações e conchavos que marcavam esse cotidiano, bem como as tensões
partidárias e as interferências de outros atores políticos, principalmente de
prefeitos e do próprio governador do Estado.
Todavia, é perceptível uma disputa conjuntural existente, sobretudo
entre deputados estaduais, que envolvia os municípios do interior paulista,
na qual a contrapartida material ao Estado era um fator determinante na
criação de ginásios oficiais nessas localidades, tornando-se elemento presen-
te na política educacional de expansão do ensino secundário no território
paulista, constituído inicialmente à época dos interventores federais e, por
conseguinte, possibilitando-nos mapear os municípios atendidos (e, muito
provavelmente, redutos eleitorais) desses atores políticos.
Ademais, é mister ressaltarmos que as mensagens dos governadores for-
mam, quando reunidas, outra fonte imprescindível para compreendermos a
expansão do ensino secundário paulista. Geralmente bem redigidas em ter-
mos de conteúdo, as mensagens dos governadores representavam muito mais
do que um mero atendimento a um preceito constitucional. Tendo em vista
os objetivos dos nossos estudos, as mensagens se mostraram incompletas no
que se referem à enunciação de uma política pública voltada para o campo
educacional, sistematizada a partir de critérios preestabelecidos que pudes-
sem nortear a atuação dos atores políticos envolvidos no processo de expan-
são dos ginásios oficiais em âmbito paulista. Por esse viés, constatamos que o
contido em tais documentos no que tange à educação se limitou a apresentar
um balanço do que foi realizado no exercício anterior, sobretudo no que se
141
refere à ampliação da oferta de matrículas no ensino primário, secundário,
industrial, rural, educação de jovens e adultos, etc., bem como à construção,
ampliação e/ou reforma de prédios escolares, serviços dentários e de saúde
escolar, entre outros aspectos.
Ao mesmo tempo, as mensagens dos governadores analisadas aponta-
vam quais ações e/ou investimentos que o Poder Executivo estadual pretendia
realizar em curto e médio prazo, porém, não apresentava o modus operandi de
como iria executar suas intenções na área educacional, sobretudo no que con-
cerne à expansão da rede de escolas públicas, dentre essas, os ginásios e colé-
gios. Por certo, o não detalhamento da maneira como seria operacionalizada
o aumento da oferta do ensino secundário era um elemento importantíssimo
desse jogo político, afinal, para os deputados estaduais e lideranças políticas
locais, saber em que áreas (educação, saúde, segurança, infraestrutura, etc.)
o Poder Executivo estadual pretendia direcionar mais incisivamente sua pla-
taforma de governo, sinalizava quais reinvindicações apresentadas poderiam
ter mais êxito no plenário da ALESP, tornando-se invariavelmente objetos de
maior ou menor mobilização nesse campo.
Contudo, as mensagens dos governadores analisadas indicaram outras
fontes relevantes para nosso estudo. Em sua mensagem dirigida em 14 de
março de 1966 aos parlamentares da Alesp, o então governador Adhemar
de Barros reafirmou – pautado no percentual considerável dos recursos or-
çamentários calculados para o setor educacional – o lugar de destaque que
o ensino secundário possuía na agenda do Pladi (Plano de Desenvolvimento
Integrado), elaborado para o triênio 1964-1966, e, por conseguinte, no cam-
po político paulista. Dividido em três partes, o Pladi apresentava uma aná-
lise da população e da economia paulista com projeções até o ano de 1970
e, nessa direção, a relação das necessidades que deveriam ser atendidas no
triênio 1964-1966. A segunda parte, com base nas projeções apresentadas,
trazia as diretrizes do Poder Executivo para o atendimento das demandas ora
arroladas. Na terceira e última parte, encontrava-se o programa do governo
estadual para o período em questão (SÃO PAULO, 1964a).
O mesmo ocorreu na gestão do governador Carvalho Pinto, que apre-
sentou seu Plano de Ação do Governo do Estado – PAGE, cuja ideia foi
apresentada em linhas gerais em sua primeira mensagem à ALESP:
142
O Plano terá por base as necessidades dos diversos setores da Administração,
verificada mediante exposição justificada e sugestões das Secretarias de
Estado, relativamente à necessidade ou interêsse, do ponto-de-vista social,
econômico ou administrativo, da obra ou serviço a ser executado. (SÃO
PAULO, 1959b, p. 39).
Orçado em Cr$ 100.000.000.000,00 para o quadriênio 1959-1962,
o PAGE foi elaborado por um Grupo de Planejamento e apresentado por
Carvalho Pinto à ALESP sob a forma de projeto de lei e promulgado em
17 de novembro de 195916. Desse montante que seria aplicado em diversas
áreas e proporções, com exceção da projeção de investimento em rodovias
(19,8% do montante), a área da educação, pesquisa e cultura ficou com o
maior percentual de recursos elencados no PAGE, 14,7% do total, ou seja,
Cr$ 14.682.000.000,00. Dessa soma, Cr$ 2.429.000.000,00 (a preços de
1959), seriam destinados ao ensino secundário e normal, ou seja, 16,54%,
distribuídos da seguinte maneira: nenhum investimento em 1959; Cr$
829.000.000,00 no ano de 1960; Cr$ 800.000.000,00 no ano de 1961; e
outros Cr$ 800.000.000,00 no ano de 1962.
Outro conjunto de fontes – não menos importantes – refere-se aos
relatórios de Recenseamento Geral do Brasil, produzidos pelo IBGE, que
dispõem de informações relevantes que nos permitiram compreender o
crescimento populacional e a urbanização crescente de diversos municí-
pios paulistas sob diversos prismas socioeconômicos, culturais, religiosos e
demográficos. Entretanto, os dados dos censos realizados em 1950 e 1960,
especialmente os que tratam de aspectos educacionais, são apresentados de
maneiras diferentes, o que dificulta a realização de uma análise comparativa,
levando-nos a recorrer a outras fontes produzidas pelo próprio IBGE como,
por exemplo, as Sinopses Estatísticas do Ensino Médio, para melhor com-
preender a população educacional existente à época.
Obviamente, tais fontes podem ser cotejadas entre si, mas também
com outras fontes, especialmente a legislação educacional vigente à épo-
ca. Dentre diversas legislações utilizadas em nossos estudos, destacamos o
Código de Educação do Estado de São Paulo de 1968 e a lei n. 10.038, de
05 de fevereiro de 1968, promulgadas pelo Poder Executivo paulista após a
16 Vide: São Paulo, 1959a; Pinto, 1959.
143
edição do AI-5 e por ele usufruídas para dar prosseguimento na expansão do
ensino público no Estado de São Paulo, uma vez que a Alesp foi fechada pelo
Ato Complementar n. 47, de 7 de fevereiro de 1969, e reaberta em 20 de maio
de 1970 a partir do Ato Complementar n. 85. Nesse interregno, a criação de
escolas ficou sob exclusividade do Poder Executivo que, por sua vez, recorria ao
Conselho Estadual de Educação e à Secretaria Estadual de Educação que apon-
tavam quais as localidades que deveriam ser contempladas, atendendo, assim,
ao disposto aos artigos 8º e 9º da lei n. 10.038, de 05 de fevereiro de 1968, que
dispunha sobre a organização do sistema de ensino do Estado de São Paulo, e
ao artigo 2º do Código de Educação do Estado de São Paulo de 1968:
Artigo 8.º - Compete à Secretaria da Educação planejar, executar e verifi-
car os resultados das atividades do poder público ligadas aos problemas de
educação e do ensino na área estadual, velando pela observância da legis-
lação respectiva e pelo cumprimento das resoluções do Conselho Estadual
de Educação.
Artigo 9º - O Conselho Estadual de Educação terá a composição e as
atribuições previstas pela Lei n. 9.865, de 9 de outubro de 1967, além de
outras que lhe venham a ser outorgadas por lei. (SÃO PAULO, 1968a).
Artigo 2.º - Ao Poder Público estadual compete definir, modificar e desen-
volver a política educacional do Estado.
§ 1.º - O Conselho Estadual de Educação, ouvidos os órgãos competentes
das Universidades e da Secretaria da Educação, expedirá normas para exe-
cução da política educacional.
§ 2.º - A Secretaria da Educação e as Universidades estaduais são responsáveis
pela execução da política educacional do Estado. (SÃO PAULO, 1968b).
Por sua vez, o Código de Educação do Estado de São Paulo apontava
nesse momento para a criação de um Plano Estadual de Educação:
Artigo 17 - O Conselho Estadual de Educação elaborará e manterá atua-
lizado o Plano Estadual de Educação, destinado a garantir a igualdade de
oportunidades educacionais à população de todo o território, e o harmô-
nico desenvolvimento sócio-econômico e cultural do Estado.
Artigo 18 - O Plano Estadual de Educação deverá levar em conta, no senti-
do de compatibilizá-las para a execução da política educacional do Estado,
as iniciativas educacionais públicas ou privadas. (SÃO PAULO, 1968b).
144
Decretado em 7 de outubro de 196917, o Plano Estadual de Educação
apresentava a política educacional do Estado de São Paulo, acompanhado
de um programa de ação a ser desenvolvido no biênio 1970-1971, elabo-
rado pelo Conselho Estadual de Educação, pelas universidades estaduais e
Secretarias de Educação e de Economia e Planejamento, a partir de um diag-
nóstico da situação educacional de 1956 a 196818.
Abrangente, o programa de ação destinado ao ensino médio, organiza-
do em seis áreas de atuação, que englobava desde a expansão da rede de en-
sino e a oferta do ensino supletivo de nível médio à formação de professores
primários, entre outros aspectos, deixava clara a intenção do Poder Executivo
em expandir consideravelmente a oferta dos ciclos ginasial e colegial em todo
o Estado de São Paulo. Ao mesmo tempo, a política educacional em vigência
seria estabelecida a partir de uma divisão de papéis a serem desempenhados
pelo Estado e pelos municípios, especialmente no que se referia à contrapar-
tida material destes para o Estado, estabelecida desde a década de 1930 pelos
interventores federais.
Pautado em indicadores como, por exemplo, o número de matrículas
do ensino secundário, que cresceu entre os anos de 1956 e 1968, 347% no
ciclo ginasial e 378% no ciclo colegial, foram traçadas metas quantitativas
para os anos de 1970 e 1971:
Tabela 1: Meta quantitativa de matrículas do Plano Estadual de Educação (biênio 1970-1971)
para o ensino médio no Estado de São Paulo
Especificações Ciclos Anos
1970 1971
Matrículas gerais 1º Ciclo 847.200 978.300
2º Ciclo 289.500 319.600
Novas Matrículas (acréscimo em relação
ao ano anterior)
1º Ciclo 68.800 131.100
2º Ciclo 31.000 29.700
Conclusões de curso 1º Ciclo 104.600 144.100
2º Ciclo 66.000 77.800
Novos professores 1º Ciclo 3.400 5.600
17 Cf. São Paulo (1970e, 1970f).
18 Tal intervalo refere-se apenas ao ensino médio, objeto deste estudo.
145
Especificações Ciclos Anos
1970 1971
2º Ciclo 1.600 1.700
Novas salas de aula 1º Ciclo 720 1.380
2º Ciclo 290 300
FONTE: São Paulo (1970f, p. 216).
Em 1969, enquanto o Plano Estadual de Educação estava sendo elabo-
rado, foi criado apenas um ginásio em todo o Estado de São Paulo, no mu-
nicípio de Pindamonhangaba19. Concomitantemente – e nos anos seguintes
–, também por meio de decretos, o Poder Executivo sancionava – em menor
grau, se comparado ao número de escolas que seriam criadas nos últimos
anos do governo de Abreu Sodré –, a desapropriação de imóveis e o recebi-
mento, por doação, de imóveis localizados em diversos municípios paulistas
para a construção de escolas.
Porém, no ano de 1970 foram criados 315 ginásios e 219 colégios. Nesse
momento, chamou-nos à atenção a expressiva quantidade de ginásios e colé-
gios criados em um número reduzidíssimo de decretos. Por exemplo, decreto
n. 52.374, de 30 de janeiro de 1970 (143 ginásios); decreto 52.400, de 26 de
fevereiro de 1970 (49 colégios); decreto n. 52.582, de 18 de dezembro de 1970
(117 colégios); decreto n. 52.597, de 30 de dezembro de 1970 (165 ginásios).
Há que se destacar também que todos os decretos desse período indicavam quais
localidades estavam sendo contempladas, tanto na criação de ginásios quanto na
transformação de ginásios já existentes em colégios, indicando, preliminarmen-
te, a efetividade do trabalho da Secretaria Estadual de Educação e do Conselho
Estadual de Educação. Contudo, de fato todos os municípios contemplados nos
decretos atendiam de fato aos critérios ora estabelecidos na legislação educacional
paulista vigente à época? Os decretos não trazem tais informações, apenas criam
as escolas, e essa limitação dessa fonte importantíssima nos impele a checar dados
estatísticos ou outras fontes – que não foram mapeadas no escopo desse estudo
– que comprovem (ou não) a adoção sistemática de critérios ora definidos pelo
CEE e pela SEE, ou se o critério político continuou a prevalecer a exemplo do
que ocorrera entre as décadas de 1930 e 1960.
19 Vide São Paulo (1969).
146
Por fim, recorremos ao jornal A Comarca em busca de evidências que
comprovassem a relação União-Estado-Município em torno da expansão do
ensino secundário na década de 1940, e como essa realidade era apresentada
à população através da imprensa escrita. No que tange à representação dada
pelo jornal enquanto documento que pode vir a ser utilizado em pesquisas de
viés historiográfico, Campos (2009, p. 16) adverte que,
[...] não apenas a escrita da história é a representação do que aconteceu,
mas as próprias fontes que permitem essa escrita o são. A narrativa his-
toriográfica, que é representação, almeja substituir o passado, que é, em
última instância, inatingível, por meio de fontes que também substituem
o fato ocorrido, representando-o. [...] Pode se compreender, por conse-
guinte, que não apenas os jornais – ou qualquer outro tipo de fonte – são
documentos parciais.
Partindo dessa prerrogativa, constatamos em Diniz (2012) que a atua-
ção da imprensa escrita local que, desde a fase embrionária do então Ginásio
Municipal e perpassando pelas transformações institucionais que culmina-
ram com a instalação do Instituto de Educação em Matão, restringiu-se ex-
clusivamente em enaltecer o papel desempenhado por tais atores políticos,
sejam eles o Prefeito, o Interventor Federal ou os deputados estaduais, omi-
tindo-se da sua função primordial de esclarecer a população quanto ao déficit
educacional que se mantinha no município, evidenciando, por conta disso,
ter servido a grupos políticos ao longo do recorte histórico estudado. De todo
modo, tal jornal ainda teve um papel importante em reforçar a representação
social do Ginásio Estadual de Matão enquanto estabelecimento de ensino
destinado a uma pequena parcela de matonenses, seja noticiando cerimônias
promovidas pela escola como, por exemplo, de formaturas, ou ainda trans-
mitindo comunicados sobre exames de admissão e descrição detalhada dos
modelos de uniforme escolar (de uso obrigatório), entre outros.
Considerações finais
Nesse texto procuramos discutir os procedimentos metodológicos adota-
dos no mapeamento que realizamos acerca da expansão da rede pública de en-
sino secundário no Estado de São Paulo entre os anos de 1930 e 1971, à luz do
147
aporte teórico da Nova História Política, além do trabalho de Pierre Bourdieu
sobre a noção de campo, que nortearam a análise das fontes ora utilizadas.
Como dissemos, realizamos três estudos, abarcando períodos diferen-
tes (1930-1947, 1947-1963 e 1963-1971), porém subsequentes, marcados
por profundas transformações socioeconômicas e na estrutura política brasi-
leira e paulista, influenciando diretamente o campo político e suas relações.
As diversas fontes utilizadas nos permitiram vislumbrar tais transformações e
como elas impactaram no contexto educacional, especialmente no que tange
à expansão do ensino médio em todo o território paulista. Ao mesmo tem-
po, todas apontaram, dentro das suas peculiaridades, para dois pontos em
comum: em primeiro lugar, a importância da escola, mormente o ginásio e o
colégio para a população em geral, elegendo-a como símbolo de modernida-
de, cultura e, mais do que isso, meio indispensável para ascensão social e me-
lhores condições de vida. Tal entendimento, na ótica das lideranças políticas
locais, especialmente dos municípios do interior, precisava ser materializado
no menor intervalo de tempo possível, pois a obtenção de um ginásio e/ou
colégio público significava prestígio não apenas aos municípios, mas, sobre-
tudo, para seus próprios governantes. Noticiadas em jornais e/ou canalizadas
em formato de projeto de lei submetido à apreciação da Alesp, as demandas
pela escola secundarista vindas de todas as parte do Estado de São Paulo
provocaram diversos embates entre os Poderes Executivo e Legislativo, que
viam na criação de ginásios, colégios – e muito provavelmente outros tipos de
estabelecimento escolares que não foram objeto do nosso estudo como, por
exemplo, as escolas normais e escolas profissionalizantes – um grande opor-
tunidade política de se manterem no poder. Em segundo lugar – e decorrente
do primeiro ponto – é o crescimento vertiginoso da rede de escolas secunda-
ristas públicas no Estado de São Paulo ocorrido nesse período, especialmente
do ciclo ginasial, se compararmos com todos os demais estados brasileiros,
independentemente de todas as condições materiais e humanas adversas nas
quais esses estabelecimentos de ensino foram criados.
Ademais, destacamos que à medida que determinadas fontes foram
analisadas, especialmente os projetos de lei que tramitaram na Alesp e as
mensagens dos governadores, tomamos conhecimento de outras fontes im-
prescindíveis no mapeamento e na análise acerca da expansão do ensino
148
secundário no Estado de São Paulo, como por exemplo, o Pladi, o PAGE
e o Plano Estadual de Educação de 1968. Ao mesmo, alguns dos projetos
de lei estudados também apontaram tentativas, no âmbito da Alesp, para
se estabelecer critérios estatísticos que deveriam ser considerados na criação
de escolas, de modo que fossem atendidos prioritariamente os municípios
com demanda educacional comprovada. Tais tentativas foram rapidamente
suprimidas pelas pressões exercidas pelos deputados estaduais que, em nosso
entendimento, estavam preocupados tão somente em atender seus redutos
eleitorais do que traçarem uma política educacional de Estado racionalizada,
com o intuito evidente de manterem seu prestígio e garantir sua eleição nos
pleitos seguintes.
Não resta dúvida que cada uma das fontes analisadas tem sua potenciali-
dade informativa que nos permitiram uma análise aprofundada da expansão do
ensino secundário paulista ocorrida entre os anos de 1930 e 1971, mas também
apresentam suas limitações e, nesse contexto, obviamente faz-se necessário o
cotejamento entre elas e, delas com outras fontes que não compuseram o corpus
documental da nossa pesquisa, haja vista o objetivo de cada pesquisador.
Fato é que a realização de estudos em torno da expansão do ensino
secundário no Estado de São Paulo ocorrida a partir da década de 1930, à luz
do campo político, nos parecer promissor sob o viés historiográfico, pois pos-
sibilita-nos compreender o papel dos atores políticos tanto locais (prefeitos,
vereadores e outras lideranças locais) quanto em nível estadual (interventores
federais, governadores, deputados estaduais, comissões permanentes da Alesp
responsáveis pela análise dos projetos de lei de criação de ginásios e colégios
públicos) e as estratégias adotadas por estes que, somadas ao ritual legisla-
tivo de tramitação dos projetos de lei – cujo vai-e-vem por si só já indica a
relação de forças existentes no âmbito do legislativo estadual – nos aponta
que, conhecer bem as regras do jogo (ou seja, de todo o processo legislativo),
possibilitava ao agente político (o jogador) a definir as estratégias necessárias
para alcançar seus objetivos. Já bem afirmava Bourdieu:
Com bons sentimentos, faz-se má política. É preciso aprender a usar de
evasivas e subterfúgios, aprender os artifícios, as relações de forças, como
tratar os adversários... [...]
Mais profundamente, o que é importante é o aprendizado de todos esses
149
saberes e de todas essas habilidades que lhe possibilitam comportar-se nor-
malmente, isto é, politicamente, em um campo político, que lhe abrem a
possibilidade de participar no que habitualmente se chama de “a política
politiqueira”. Essa percepção do jogo político é o que faz com se possa
negociar um compromisso, que se silencie a respeito de algo que habitual-
mente se diria, que se saiba proteger discretamente os amigos, que se saiba
falar aos jornalistas... (BOURDIEU, 2011, p. 200).
Nos “bons sentimentos” de boa parte desses agentes políticos, impres-
cindíveis no processo de expansão do ensino secundário, camuflavam seus
interesses particulares objetivando a manutenção das suas posições enquanto
jogadores desse jogo. Exemplo disso incide, como já dissemos, no fato da ins-
talação de ginásios oficiais em municípios que possuíam (e até hoje possuem)
pouca representatividade socioeconômica perante o Estado, em detrimento a
outros municípios com maior relevância e que, por sua vez, não foram con-
templados à época com um estabelecimento de ensino secundário. Isto posto,
da influência exercida pelos atores políticos determinadas em função das suas
posições na estrutura de relação de forças peculiar desse campo no momento
considerado, ditava o ritmo e os municípios que atendessem o interesse dos
seus interlocutores.
Ademais, fora do âmbito interno da ALESP, essa “política politiqueira
– nas palavras de Bourdieu –, ou seja, clientelista, que se configurava, além
de procurar responder às reivindicações das populações, servia aos Poderes
Executivo e Legislativo estadual para negociar e/ou renovar o apoio dos líde-
res políticos locais e vice-versa, honrando compromissos outrora assumidos
e/ou assumindo compromissos traduzidos sob a forma de investimentos, ob-
jetivando a manutenção desses redutos eleitorais, cuja esquematização nossa
pesquisa não teve a pretensão de abarcar. Em outras palavras, é nessa con-
juntura política que a expansão da rede secundarista de escolas públicas se
desenvolveu no Estado de São Paulo, que nos foi possível conhecer por meio
das fontes que utilizamos e que, ainda necessitam de outros estudos para res-
pondermos a questões ainda pouco investigadas – ou que ainda sequer foram
investigadas – na historiografia da educação paulista.
150
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157
ENTRE A TRADIÇÃO E A RENOVAÇÃO:
PERCURSO DA DISCIPLINA ESCOLAR
HISTÓRIA NATURAL E BIOLOGIA NO
ENSINO SECUNDÁRIO 19461961
Tiago Rodrigues da SILVA1
Rosa Fátima de Sousa CHALOBA2
Introdução
A constituição da disciplina escolar história natural e biologia no ensino
secundário pode ser investigada por diferentes vias: objetos escolares, livros
didáticos, história de vida de professores e periódicos. Neste cenário, têm-
-se diversas pesquisas, tais como, Selles (2007), Campagnoli e Selles (2008),
Marandino, Selles e Ferreira (2009) e Cassab (2011). Também se destaca as
contribuições da pesquisa de Krasilchik (1972) sobre a renovação do ensino
de biologia no estado de São Paulo em fins dos anos 1960.
Contudo, tais estudos parecem, em sua maioria, não considerar o cará-
ter de documento histórico de revistas científicas ou pedagógicos na história
das disciplinas escolares, aspecto que, segundo Catani e Bastos (2002), per-
mite a constituição de um corpus documental para compreensão dos modos
de funcionamento e legitimidade de vários aspectos da educação. Nesse sen-
tido, pensar a construção do ensino de biologia a partir da atuação de um
campo científico-educacional é o ponto de atuação deste trabalho. Para a
1 Mestre em Educação pela Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) da Universidade Estadual
Paulista (Unesp), Campus de Marília, São Paulo, Brasil. E-mail: tiagoroiz.silva@gmail.com
2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação FFC da Unesp, Campus de Marília, São
Paulo, Brasil. E-mail: rosa.souza@unesp.br
https://doi.org/10.36311/2025.978-65-5954-601-5.p157-175
158
discussão aqui proposta, parte da constituição da Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência (SBPC), fundada em 1948 na cidade de São Paulo.
A trajetória da SBPC representa uma experiência de organização e conso-
lidação do campo científico nacional. Assim, homens e mulheres expressavam
que “o progresso da Ciência decorre de uma série de fatores, dentre os quais
se coloca em primeiro plano o bom ensino científico” (SBPC, 1951, p. 229).
Nessa trama, na segunda metade do século XX, vários professores e cientistas
saíram na defesa de uma renovação e expansão do currículo científico na escola
secundária como parte integral de modernizá-la para valorizar a formação de
cientistas. Diante disso, a intenção do capítulo é colocar em pauta os debates
sobre o ensino de história natural e biologia que foram publicados e circulados
na Revista Ciência e Cultura, periódico da SBPC criado em 1949.
Nas décadas de 1950/60, a renovação da disciplina escolar biologia
integrou dois movimentos entrelaçados. Em primeiro, as mudanças pedagó-
gicas e sociais exigidas pela expansão dos ginásios e colégios, conforme Souza
(2008). Em segundo, o movimento de renovação do ensino das ciências, que
buscava valorizar a experimentação científica na aprendizagem dos alunos e
atualização dos currículos, conforme Krasilchik (1987) e outros.
O presente capítulo tem como objetivo analisar a renovação da disci-
plina escolar história natural e biologia no ciclo colegial do ensino secundário
a partir dos debates promovidos e publicados pela SBPC no período de 1946
a 1961. Esse recorte temporal compreende a data de publicação do Decreto-
Lei n. 9.054, de 12 de março de 1946, a qual substituiu a disciplina biologia
pela história natural na Lei Orgânica do Ensino Secundário até a promulga-
ção da Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que fixou as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB), que permitiu a consolidação da discipli-
na escolar biologia no país.
Enquanto principais fontes, faz-se uso de publicações de artigos e edi-
toriais da Revista Ciência e Cultura, da mesma maneira que os cadernos das
reuniões anuais da SBPC para mapear os debates e palestras sobre a renovação
do ensino de biologia. Ademais, legislações e programas oficiais da escola se-
cundária, bem como publicações da época, tais como, jornais e livros didáticos.
Reunindo um significativo contingente de artigos, o periódico foi entendido
como produto do campo científico-educacional para dar-se a ver, assimilar e
159
construir o mundo social da ciência, tecnologia e ensino das ciências.
A análise da disciplina escolar se dá a partir de Chervel (1990) e
Goodson (2018). Para o primeiro autor, o conceito é mobilizado para iden-
tificar que o ensino de história natural e biologia não é apenas uma expressão
das ciências de referências, mas uma construção criada pela cultura escolar
com finalidades sociais e linguagens específicas da escolarização. Já a leitura
de Goodson (2018) permite compreendê-la como um conjunto de entidades
que disputam tradições, saberes e recursos para legitimá-las.
Para desenvolver as reflexões, parte-se da teoria da construção social do
currículo (Goodson, 2018). O olhar através dos debates, disputas e padrões
legitimados para o currículo prescrito do ensino de história natural e biologia
amplia a percepção de entender as suas concepções, tensões, permanências e
mudanças nas tradições curriculares: acadêmica, utilitária e pedagógica. Essas
tradições se expressam nos currículos e selam alguns elementos que estão em
movimento na constituição sócio-histórico da disciplina escolar.
Problematizando o processo de exclusão e inclusão de disciplinas esco-
lares no currículo, trabalha-se com o conceito de comunidade disciplinar de
Goodson (2018). Isto é, de grupos sociais formados por professores, educado-
res e cientistas que mobilizaram recursos, estratégias e discursos para assegurar a
legitimidade do ensino de história natural e biologia. Sendo assim, é compreen-
dido como um campo social, ou seja, um espaço “de produção cultural e este
mundo social absolutamente particular” (Bourdieu, 2004, p. 169).
O capítulo se divide em quatro partes. A primeira sintetiza a constitui-
ção do campo científico da SBPC, bem como a comunidade disciplinar de
professores e biologistas na Revista Ciência e Cultura. A segunda parte explora
os programas oficiais do ensino de história natural e biologia da escola secun-
dária. A terceira analisa os debates e tendências da renovação da disciplina
escolar nas décadas de 1950/60. As considerações finais apontam para outros
desdobramentos da pesquisa.
O campo científico e a comunidade disciplinar de biologia na SBPC
Em 1948, a SBPC foi fundada por um grupo de 60 cientistas na cidade
de São Paulo. Entre os responsáveis pela criação, destaca-se Paulo Sawaya,
José Reis e Maurício Rocha e Silva, que comandaram a diretoria e secretária
160
nos anos 1950/60. Os fundadores estavam ligados, sobretudo, ao trabalho
cientifico nas Ciências da Saúde e Natureza. Entre as áreas da Biologia, os
profissionais eram das mais variadas especialidades, dentre elas, a Bioquímica,
Genética, Zoologia, Citologia, Fisiologia Animal e Botânica. Não por aca-
so, o setor de Biologia foi responsável pelo controle da associação científica
(Fernandes, 2000).
É possível compreender a SBPC como um campo científico. É com-
preendê-la como um microcosmo relativamente autônomo do macrocosmo.
É captá-la como um lugar de “relações de forças que implicam tendências
imanentes e probabilidades objetivas” (Bourdieu, 2004, p. 27). Deste modo,
é um campo social com regras, valores, normas e autonomia, que realizou
uma ampla defesa pelos interesses da comunidade científica nacional, tais
como, a profissionalização dos cientistas e a valorização da ciência no pro-
gresso do país.
A mobilização da SBPC foi fundamentada em dois instrumentos: re-
uniões anuais e a Revista Ciência e Cultura. O primeiro com o objetivo de
realizar a integração de todas as atividades científicas do Brasil. Além da apre-
sentação de trabalhos e palestras em diversas áreas, as reuniões anuais conso-
lidaram os simpósios especializados como centros de debates sobre a ciência
e como utilizá-la na resolução de problemas nacionais. Nesse caso, por exem-
plo, a constituição dos Simpósios do Ensino das Ciências3.
Com lugar de destaque no processo de concepção do movimento de
renovação do ensino das ciências no país, o Instituto Brasileiro de Educação,
Ciência e Cultura/Comissão Estadual de São Paulo (IBECC/SP) comandou
os simpósios na SBPC. No período entre 1946 e 1965, constatou-se 87 co-
municações orais, das quais 65 foram sobre programas e métodos de ensino, e
22 acerca do trabalho e formação docente. Sobre o ensino de história natural
e biologia, identificou-se 22 artigos apresentados.
A SBPC expressava que o bom ensino das ciências não deveria ser
extenso, rígido e mnemônico, mas aquele prático e capaz de despertar as
3 Foram identificados os seguintes simpósios: Ensino e Instituições Científicas (1952), Ensino de
ciências (1957), O ensino das ciências experimentais (1958), As ciências nas classes experimentais
(1959), Ensino de história natural (1960), O ensino de citologia na escola secundária (1962), O
ensino experimental da fisiologia animal e vegetal na escola secundária (1963) e Métodos modernos
do ensino de ciências no nível secundário (1964).
161
vocações científicas (SBPC, 1951). Por isso, biologistas e professores consti-
tuíram uma série de discursos e práticas para conferir uma necessária renova-
ção do ensino de história natural e biologia. Isso é verificado nas páginas da
Revista Ciência e Cultura.
De forte capital científico, a revista nasceu com o desejo de equilibrar
dois pontos: a difusão social da ciência e a publicação de pesquisas. Com al-
gumas exceções, a sua periodicidade era quadrimestral. Entre os anos de 1949
a 1965, foram publicados 17 volumes em 64 números. Frequentemente, o
periódico era sumarizado em 8 seções: 1) pesquisas recentes; 2) notas ori-
ginais; 3) comunicações; 4) comentários; 5) ensino; 6) homens e institui-
ções; 7) livros e revistas; e 8) noticiários. Assim, entre artigos de Ciências da
Natureza e Saúde, no período de 1949 a 1965, foram publicados 149 artigos
sobre aspectos do ensino secundário e universitário, bem como de outros
temas correlacionados à educação e ciência.
Dentre as questões da escola secundária, as publicações sobre o ensino
das ciências abordavam os currículos, materiais didáticos e trabalho docen-
te. É possível verificar um maior número de publicações sobre a disciplina
escolar história natural e biologia, atingindo 30 artigos. Isso por conta da
hegemonia e capital simbólico da Biologia na SBPC. Nesse sentido, com-
preende-se o periódico como recurso utilizado pelo campo profissional, que
buscava consolidação e legitimação.
A Revista Ciência e Cultura foi um espaço ocupado por professores e
biologistas para disputar uma hegemonia de discursos e práticas do ensino de
história natural e biologia. Essa comunidade disciplinar era formada por pro-
fissionais de capital científico de departamentos universitários da Botânica,
Biologia Geral, Fisiologia e Zoologia. Pode-se citar os professores Alarich R.
Schultz, Aluízio José Gallo, Amélia Domingues de Castro, Celso Abbade
Mourão, Erasmo Garcia Mendes, Felix Rawitscher, Maria Ignes Rocha e
Silva, Oswaldo Frota-Pessoa, Paulo Sawaya, Renato Basile, Walter Narchi
e Warwick E. Kerr. Para Krasilchik (1987), esses biólogos eram vistos como
fontes das ideias e tendências para transformar a disciplina escolar.
A comunidade disciplinar também foi composta de professores do IBECC/
SP: Isaias Raw, Maria José Lessa da Fonseca, Myriam Krasilchik, Nicia W. de
Magalhães e Norma Maria Cleffi; e de escolas públicas ou privadas: Carlos Nobre
162
Rosa, José Maria G. de Almeida Júnior e Vail Ferreira da Silva. Apesar de ampla,
a comunidade disciplinar estava unida com o objetivo de “manter a estabilidade
e promover o ensino da disciplina” (Goodson, 2018, p. 20).
Contudo, os professores universitários dominaram os debates sobre
a renovação do currículo e métodos de ensino. Através das publicações no
periódico da SBPC, pode-se analisar como o ensino de história natural e
biologia foi referenciado, debatido e planejado na renovação do ensino das
ciências. Com isso, verificar as ideias e práticas que correspondiam ao ideário
de uma nova e moderna disciplina escolar.
Estabilidades e mudanças nos programas oficiais de ensino
Nas primeiras reformas republicanas da escola secundária, o ensino de
história natural concentrava-se nos estudos da Botânica, Zoologia, Geologia
e Mineralogia. Com relação ao governo provisório de Getúlio Vargas, foi es-
tabelecido uma nova reforma do ensino secundário por meio do Decreto n.
18.890, de 18 de abril de 1931 e Decreto n. 21.241 de 4 de abril de 1932. A
Reforma de Francisco Campos conferiu alterações na organização e estrutura
pedagógica em nível nacional, que cristalizou a disciplina escolar história na-
tural nos dois ciclos: fundamental (5 anos) e complementar (2 anos).
O objetivo da disciplina escolar era “proporcionar aos alunos o conhe-
cimento das formas vivas e inertes do mundo objetivo, atuais e passadas, nas
suas incessantes transformações e em suas relações mútuas” (Bicudo, 1942, p.
175). No entanto, no ciclo complementar, que era obrigatório para os can-
didatos às universidades, prevalecia uma dualidade: de um lado, a prescrição
do ensino de biologia geral para o curso Jurídico; no outro, o ensino de histó-
ria natural para os cursos de Medicina, Farmácia, Odontologia, Engenharia,
Arquitetura e Química Industrial.
Para além dos termos utilizados, a maior diferença consistia na ordem ló-
gica da seleção cultural dos saberes prescritos nos programas oficiais, conforme a
Portaria do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), de 17 de março de
1936. A finalidade da disciplina escolar biologia geral justificava-se pelo “alto in-
teresse cultural, uma apreciação geral da evolução histórica da Biologia e da razão
de ser dos sistemas taxonômicos” (Bicudo, 1942, p. 274). Sendo assim, composta
pela Bioquímica, Genética, Citologia, Anatomia, Fisiologia, Ecologia e Evolução.
163
Contudo, diante dos impasses, chega-se à consolidação do ensino de
história natural na Reforma Campos. Para Santos (2013), um reflexo da tra-
dição do Colégio Pedro II no comanda dos programas de ensino e do capital
simbólico da comunidade disciplinar, que era formada, sobretudo, por mé-
dicos, farmacêuticos e outros profissionais liberais formados na tradição da
História Natural. Essa comunidade disciplinar pode ser verificada nos estudos
sobre a disciplina escolar no Seminário de Olinda e Ginásio Pernambucano
no final do século XIX e início do XX (Farias, 2020); e no quadro docente
de escolas da Capital, Campinas e Ribeirão Preto no estado de São Paulo na
Primeira República (Cameski, 2020).
Em 1942, o Estado Novo promulgou a Lei Orgânica do Ensino
Secundário, o Decreto-lei n. 4.244, de 9 de abril de 1942. A Reforma Gustavo
Capanema, então ministro da educação e saúde pública, manteve os dois ci-
clos: o ginasial, com duração de quatro anos, e o colegial, com dois cursos
paralelos (clássico e científico), de três anos. Conforme a lei, o curso clássico
tinha como objetivo uma formação intelectual na filosofia e letras antigas e o
curso científico para o estudo das ciências (Brasil, 1942).
A Reforma Capanema excluiu a disciplina escolar história natural do
currículo, substituindo-a pela biologia. O programa oficial de ensino foi pu-
blicado pela Portaria Ministerial n. 171, de 13 de março de 1943, sendo or-
ganizado pela Zoologia, Botânica, Biologia Geral e Higiene, que eliminou a
Geologia e Mineralogia. Outra novidade foi a exclusão das noções elementa-
res da Evolução darwiniana, mantendo apenas a prescrição do Lamarckismo
(INEP, 1952). O objetivo era compreender a ciência na “visão sintética dos
seres vivos em suas relações uns com outros e com o meio em que vivem
(Leitão, 1940, p. 5).
Todavia, o ensino de história natural retornou aos currículo pelo
Decreto-Lei n. 9.054, em 12 de março de 1946. A contrarreforma de Ernesto
de Sousa Campos, ministro da educação e saúde pública da época, resta-
beleceu a Geologia e Mineralogia no ensino secundário; o baixo status da
Biologia Geral; e a fixação de novos programas de ensino. A disciplina esco-
lar foi definida para o estudo das “formas vivas e inertes do mundo objeti-
vo, focalizando, de modo conveniente e oportuno, as suas relações mútuas
e interdependências, e em particular, a sua influência sobre a vida humana
164
(Bicudo, 1942, p. 457). Nota-se uma continuidade com o conceito estabele-
cido pela Reforma Campos.
O retorno do ensino de história natural buscou restabelecer a tradição
da Geologia e Mineralogia na disciplina escolar. Isso com o objetivo de des-
pertar as vocações científicas pata compreender e impulsionar uma formação
brasileira na exploração dos recursos naturais do país (O ensino..., 1946, p.
04). A regulação ocorreu por meio de duas portarias ministeriais: a primeira,
n. 244, de 25 de março, que expediu os programas de ensino; e a segunda, n.
367, de 28 de maio, de 1946, que determinou as instruções metodológicas
do trabalho docente. O currículo prescrito era composto pela Mineralogia,
Geologia, Botânica, Biologia Geral e Zoologia. O novo programa trouxe no-
vamente as teses evolutivas do Darwinismo, mas também manteve os princí-
pios básicos de Higiene e Eugenia.
Com esses aspectos, as tensões entre o currículo oficial e o pensamento
educacional do campo científico foram publicadas na SBPC. Por conseguin-
te, Rawitscher (1949) criticou o predomínio de uma tradição acadêmica no
ensino de botânica. Seguindo a mesma perspetiva, Sawaya (1949a) argumen-
tou da rigidez, desarmonia, extensão e desatualização do currículo oficial.
O autor ressaltou que a disciplina escolar deveria ser composta apenas pela
Zoologia, Botânica e Biologia Geral, excluindo a Mineralogia, Geologia e
Higiene. Para o biologista,
A cadeira de História Natural, no segundo ciclo do ensino secundário,
compreende principalmente: Botânica, Zoologia e Biologia Geral. Com
o programa mais reduzido, incluem-se ainda duas disciplinas: Geologia e
Paleontologia, Mineralogia e Petrografia. Não cabe discutir a questão da
possibilidade, nos tempos atuais, da formação de naturalistas, nem a de
haver, no curso secundário, lugar destas duas últimas disciplinas (Sawaya,
1949a, p. 40).
Na SBPC, outra mobilização da comunidade disciplinar foi a reali-
zação de uma reunião entre professores da escola secundária e biologistas
da Universidade de São Paulo (USP)4. A partir de debates e relatos sobre os
4 A SBPC realizou nos dias 16 e 17 de agosto de 1949, na Biblioteca Municipal de São Paulo, a
primeira reunião de professores universitários e secundaristas do ensino de ciências e história natural
165
métodos ativos, entendia-se que “as aulas práticas representavam indícios evi-
dentes e animadores de uma renovação dos métodos de ensino da H. Natural”
(Sawaya, 1949b, p. 214). Também se verificava os vários elementos que en-
volviam a atmosfera adversa da disciplina escolar no final dos anos 1940, tais
como, a extensão e rigidez dos currículos e livros didáticos. (Sawaya, 1949b).
O currículo passou por outra reforma no Governo de Getúlio Vargas
(1951-1954). O objetivo era torná-lo mínimo e promover uma autonomia
na seleção dos conteúdos. Nesse sentido, conforme a Portaria Ministerial n.
966, de 2 de outubro de 1951, o ensino de história natural foi composto
pela Biologia, Mineralogia, Geologia, Botânica, Zoologia e Higiene (INEP,
1951). No entanto, para a diretoria da SBPC, conforme Frota-Pessoa (1953,
p. 47), esse programa era de “funesta influência na formação dos estudantes -
de tal modo são eles pregados de defeitos, falhas e incongruências”.
A comunidade disciplinar pontuou sete erros no currículo: 1) falta de
ordenação; 2) concisão e imprecisão; 3) valorização inadequada de certos as-
suntos; 4) ambiguidade; 5) anacronismo; 6) diferentes programas entre o
curso científico e clássico; e 7) Falhas. Por exemplo, a Genética e Evolução
estavam “com um atraso de 50 anos [...] resume-se o programa em duas pa-
lavras, ‘Lamarckismo’ e ‘Darwinismo’, duas teorias, das quais, a primeira está
abandonada e a segunda é apenas parcialmente válida” (Frota-Pessoa, 1953,
p. 48). O fato era que professores e biologistas constituíam uma concepção
do ensino de biologia da qual faziam parte, uma disciplina escolar no seu
universo acadêmico e escolar.
Nas estabilidades e mudanças dos programas de ensino, é preciso levar
em conta os deslocamentos epistemológicos da disciplina escolar, levando
em consideração a História e Filosofia da Biologia. Nesse sentido, Santos
(2013) defende a tese que a disciplina escolar nos anos 1930/40 oscilou entre
dois paradigmas: naturalista e biológico. Com essa perspetiva, pontua-se a
diferença entre os termos história natural e biologia, que estavam com uma
conotação de aspectos e objetivos científicos e sociais do currículo.
Assim, os programas de ensino da Reforma Francisco Campos (1932)
e Contrarreforma de Ernesto Campos (1946 e 1951) estavam pautados no
do estado.
166
pensamento biológico fisicalista5, ou seja, na tradição da História Natural
para“descrever os costumes dos animais, seu desenvolvimento e sua evolução,
as relações entre as espécies” (Jacob, 1983, p. 186). O interesse encontrava-se
nos estudos das estruturas e funções dos organismos, bem como das relações
com o meio natural, que incluía a Geologia e Mineralogia. Por outro lado,
na Reforma Gustavo Capanema, o programa de ensino (1943) pautou a dis-
ciplina escolar no pensamento biológico organicista6, tendo a Teoria Celular
na estruturação do currículo.
A Biologia Geral estudava a emergência e fundação dos princípios mi-
crobiológicos, citológicos, embrionários, histológicos, genéticos e evolutivos
dos organismos. Conforme Jacob (1983, p. 186), “não basta mais observar
os seres vivos. É preciso analisar suas reações químicas, estudar as células e
desencadear os fenômenos”. Dessa maneira, o programa de ensino (1943)
apontou para o fortalecimento de uma Biologia que descartou o fisicalismo e
legitimou o pensamento biológico organicista, a fim de compreender a cito-
logia, fisiologia, nutrição, reprodução e classificação das espécies.
Ao analisar as publicações sobre a disciplina escolar Revista Ciência e
Cultura a partir da lente do pensamento biológico, é possível perceber o traba-
lho duplo dos debates promovidos pela comunidade disciplinar na SBPC. Por
um lado, reforçar a ideia de uma História Natural desatualizada e, por outro,
incutir uma Biologia no currículo da escola secundária, bem como promovê-la
como ciência moderna e experimental. Algo que foi demarcado, por exemplo,
nos artigos de Sawaya (1949b, 1953, 1956). Neste cenário, o papel da comuni-
dade disciplinar nas mudanças curriculares (Goodson, 2018).
Renovação e legitimação da disciplina escolar biologia
O movimento pela renovação do currículo científico nas décadas de
1950/60 mobilizou professores, associações científicas, agências e institutos de
5 No campo da epistemologia da Biologia, até meados do século XX, o fisicalismo é uma corrente
filosófica que compreendia os organismos vivos como animais-máquinas, ou seja, nada difente da
matéria inanimada e redutível às leis da Física e Química (Mayr, 2005).
6 Como resposta ao fisicalismo e vitalismo, a partir dos anos 1920, a corrente filosófica do
organinicismo compactua com o holismo e a organização existente entre os vários níveis de
complexidade celular dos organinismos vivos (Mayr, 2005).
167
educação, ciência e cultura no âmbito internacional e nacional. Nesse cenário,
o IBECC/SP como a principal referência brasileira, que contava com finan-
ciamento de Secretarias Estaduais da Educação e autarquias do Ministério da
Educação, tais como, o INEP e a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão
do Ensino Secundário (CADES)7.
Um dos grandes expoentes desse amplo movimento foram: os kits de
ciências, lançados a partir de 1950. O material consistia no caixote de ma-
deira portátil com equipamentos básicos de um laboratório. Buscava-se con-
templar duas finalidades: 1) iniciar a renovação dos métodos de ensino pelos
alunos; e 2) incentivar a experimentação nos professores da escola secundária.
Assim, convencê-los de realizar “experiências mais importantes, com material
mais simples, quase improvisado” (IBECC/SP, 1968, p. 5).
A partir da projeção nacional dos kits, o IBECC/SP especializou o
material para cada disciplina escolar do currículo científico. O kit de biolo-
gia era uma maleta portátil que integrava um conjunto de materiais de uma
experimentação, tais como, placas de Petri, tubos de ensaio, lâminas histoló-
gicas, reagentes de cultura microbiana, bandejas, pinças e tesouras anatômi-
cas (Frota-Pessoa, 1960). Com uma prática guiada, os professores e alunos
deveriam redescobrir os saberes da Biologia e validá-la como uma ciência
experimental e neutra.
Com a necessidade de fortalecer uma atmosfera de circulação e consu-
mo dos kits de ciências, o IBECC/SP e a SBPC promoviam a realização de
férias e concursos científicos com alunos do ensino secundária, bem como a
necessária instalação de clubes de ciências, ou seja, “uma das melhores inicia-
tivas para o desenvolvimento do gosto pelos estudos científicos nos estudan-
tes de hoje, futuros cientistas de amanhã” (Ciência e Cultura, v. 3, n. 4, p.
231, 1951). Para a renovação do ensino de biologia, destaca-se, por exemplo,
o clube de história natural do Colégio Estadual de Jaboticabal, São Paulo,
criado, em 1945, por Carlos Nobre Rosa.
No simpósio de Ensino das Ciências, realizado na IX reunião anual da
SBPC (Rio de Janeiro, RJ/1957), o professor afirmou que o clube era para
7 Em 1953, o orgão foi criado com objetivo de desevolver e renovar o ensino secundário no país.
Detre as ações, a publicação da Revista Escola Secundária, no período de 1957 a 1961, e manuais
didáticos como, por exemplo, Didática de História Natural, de Oswaldo Domiense de Freitas,
publicado em 1958.
168
organização e a manutenção de um laboratório e de um museu de História
Natural no nosso Colégio” (Rosa, 1960, p. 36). Sendo assim, os alunos de-
senvolviam uma série de atividades práticas como, por exemplo, a coleta de
material biológico em excursões ao litoral de São Paulo. Assim, no período de
1945 a 1959, o clube de história natural realizou 14 excursões com cerca de
“600 exemplares diferentes coletados pelos próprios alunos” (Rosa, 1959, p.
38). Com patrocínio do IBECC/SP, boa parte dessa coletânea compôs o livro
Animais de nossas praias, publicado em 1963.
O clube de história natural ganhou visibilidade no circuito do cam-
po científico-educacional de São Paulo. Nesse sentido, a diretoria da SBPC
expressava o interesse de divulgar as práticas escolares de uma Biologia
Experimental comandas pelo professor Carlos Rosa. O objetivo era “divul-
gá-las e que poderiam ser multiplicadas com a adoção de no mínimo, uma
aula prática, por semana” (Rosa, 1957, p. 236). Contudo, também havia uma
compreensão acerca da carência de equipamentos básicos nas escolas para co-
leta e preparo de material biológico (Narch, 1960). Além disso, relacionados
entre si, a ausência de um treinamento docente para renovação do ensino das
ciências e bibliografia atualizada.
Nesse caminho, o IBECC/SP criou o Centro de Aperfeiçoamento da
Técnica do Ensino de Ciências (CATEC), em 1959, com o objetivo de ofer-
tar cursos, palestras e oficinas aos professores para renovação dos métodos de
ensino e atualização do currículo. Isso, conforme a SBPC, era necessário para
apresentar “as noções complementares necessárias para que o ensino da ciên-
cia seja atualizado” (Ciência e Cultura, v. 3, n. 4, p. 321, 1951). Nas décadas
seguintes, vários foram os cursos ofertado, tais como, estudo e práticas de
insetos, técnicas laboratoriais e radiobiologia (Cursos...1960).
A atualização de livros e manuais de ensino era outra demanda da co-
munidade disciplinar. Uma das dificuldades estaria nos novos conceitos e
descobertas da Biologia como, por exemplo, a estrutura dupla-hélice do áci-
do desoxirribonucleico (DNA), descoberto por Francis Crick, James Watson
e Maurice Wilkins, em 1953. Para solucionar isso, propunha-se a utilização
de “boas revistas para professores de ciências (Cultus8, Ciência e Cultura)”
8 Periódico para divulgação científica e desenvolvimento do ensino científico nos cursos secundários.
Publicado, inicialmente, pelos professores do Colégio Anglo-Latino, de São Paulo, em 1949, e
169
(Frota-Pessoa, 1956, p. 64). Dentro dessa perspectiva, são diversas as publica-
ções na SBPC sobre os avanços da Biologia como, por exemplo, a Bioquímica
(Bacila, 1956; Mourão, 1963).
Cabe reforçar, ainda, a tensão pela falta de livros didáticos modernos.
Sobre esse aspecto, a partir da Campanha do Livro Didático e Manuais de
Ensino (CALDEME)9, em 1953, o INEP inicia uma série de debates en-
tre cientistas brasileiros para constituir novos livros didáticos para o ensi-
no secundária. Com relação à disciplina escolar biologia, foram publicadas
duas obras: em 1959, Botânica na escola secundária de Alarich R. Schultz;
e Biologia na escola secundária de Oswaldo Frota-Pessoa, em 1960. Para o
INEP, esse obra representava “um papel decisivo na renovação dos métodos
e dos programas de ensino de biologia em nosso país” (Abreu, 1960, p. 05).
Em artigo na Revista Ciência e Cultura, o professor Alarich R. Schultz
buscou atribuir o ensino de botânica na formação cultural e moral, mas sem
deixá-lo de fora dos limites da tradição acadêmica (Schultz, 1960). Por sua
vez, na obra de Frota-Pessoa, existe uma domínio da Evolução, Ecologia e
Genética. Sendo assim, considerado à época, um material inovador e mo-
derno para “adquirir uma boa base em Biologia e saber o que essa ciência
realmente é” (Cunha, 1961, p. 148). Roquete (2011) analisou a obra nas
décadas de 1960/70. Assim como o autor, nota-se uma forte defesa da Teoria
Sintética da Evolução na atualização do currículo.
Verifica-se, uma retórica entre os biologistas, em maior ou menor me-
dida no INEP e SBPC: o afastamento de uma disciplina escolar de pensa-
mento biológico naturalista para um pensamento biológico evolucionista. A
pretensão do campo científico era definir o ensino de biologia na lógica das
Ciências Biológicas. Isso é aprofundado e legitimado com o desenvolvimento
e autonomia das ciências de referências nos centros universitários. O grande
objetivo era marcar uma percepção única de princípios básicos e unificadores,
que não podem ser aplicáveis ao mundo inanimado (Mayr, 2005).
A promulgação da LDB/1961, que manteve os dois ciclos da escola se-
cundária, foi outra razão pela qual a renovação do ensino de biologia ganhou
alguns anos depois, editado e incorporado pelo IBECC/SP. Com periodicidade trimestral, a revista
foi publicada de 1949 a 1963.
9 O INEP,em 1952, criou a CALDEME com o objetivo de fomentar debates e a criação de livros
didáticos para renovar os programas e métodos de ensino da escola secundária.
170
impulso. Isso por conta da descentralização do currículo que, segundo Souza
(2008), a União abriu mão do forte controle que exercia nos ginásios e co-
légios. Entre as diretrizes do Conselho Federal de Educação (CFE), as in-
dicações do ensino de ciências físicas e biológicas no plano de disciplinas
obrigatórias básicas, ou biologia como disciplina obrigatória complementar
(Brasil, 1969).
No entanto, a preferência pela seleção da disciplina escolar era dos
Conselhos Estaduais de Educação (CEE). No currículo prescritivo, por
exemplo, a Resolução do CEE/SP n. 7, de 23 de dezembro de 1963, tornou
obrigatória a disciplina escolar biologia nas três séries do ciclo colegial (São
Paulo, 1963). Em Pernambuco, Farias (2020) identificou a Resolução do
CEE/PE n. 6, de 27 de fevereiro de 1964, que indicou a obrigatoriedade do
ensino de biologia nos três anos do segundo ciclo. No Paraná, o CEE, por
meio da Resolução n. 26, de 7 de dezembro de 1965, determinou o ensino
de biologia no currículo (Paraná, 1965).
No conjunto de fatores, dentre eles, a flexibilidade do currículo pro-
movida pela LDB/61 e a autonomia das Ciências Biológicas conquistada a
partir dos anos 1960, a disciplina escolar história natural caiu no ostracismo,
que era tencionado pelo campo científico. Por conseguinte, deu-se o processo
de sua extinção e substituição gradual pela biologia no currículo da escola
secundária nas décadas de 1960 a 1980. Com diferentes olhares, isso também
é verificado nas pesquisas de Krasilchik (1972), Marandino, Selles e Ferreira
(2009), Cassab (2011), Roquete (2011), Farias (2020), dentre outros.
De modo amplo, para dar conta das mudanças pretendidas pelo pelos
biologistas, a disciplina escolar passou pelas transformações mais decisivas do
século XX, dentre elas, as traduções e adaptações da versão verde (Ecologia
e Evolução) e azul (Fisiologia e Bioquímica) do projeto Biological Sciences
Curriculum Study (BSCS) entre as décadas de 1960/70: Ecologia: uma unida-
de de estudo, publicado em 1963; outra adaptação da obra, que foi dividida
em três volumes e lançada entre 1972 e 1975; e a versão azul dividida em
dois volumes, com edições publicadas a partir de 1962. Essa com mais de
340 mil exemplares entre 1962 e 1972 (Krasilchik, 1972). Em todos os ca-
sos, as obras do BSCS colaboraram na construção do discurso de renovação
do ensino de biologia no país e, principalmente, na consolidação de uma
171
disciplina escolar entrelaçada com as Ciências Biológicas, sendo fundamen-
tada no neodarwinismo.
Considerações Finais
A consolidação de uma comunidade disciplinar de biologistas e pro-
fessores na SBPC permitiu o fortalecimento de uma defesa do ensino das
ciências, em geral, e da biologia, de modo particular, como ferramenta para
valorização da ciência no currículo da escola secundária, bem como o valor
social das Ciências Biológicas na formação dos jovens. Além disso, as disputas
e debates pelos programas oficias produziram posições divergentes no campo
científico-educacional. Sendo assim, as mudanças na nomenclatura e seleção
de conteúdos do ensino de história natural com pensamento fisicalista, que
incluía a Zoologia, Botânica, Anatomia, Geologia e Mineralogia, ora biologia
com o pensamento biológico, que excluía as Ciências da Terra;
Tornou-se possível verificar o lugar ocupado pela disciplina escolar
biologia no currículo da escola secundária e mobilizar uma escala de análise
entre o trânsito dos programas oficiais e as mudanças epistemológicas e me-
todológicas que estavam em disputas pela comunidade disciplinar no campo
científico-educacional. Essa que buscou renovar o ensino de biologia e tor-
ná-lo moderno, experimental e neodarwinista. Simultaneamente, permitiu
uma visão panorâmica de objetos e livros didáticos que buscaram a renovação
e consolidação da disciplina escolar nas décadas de 1950/60. Isso possibilita
ampliar as perspetivas de novas pesquisas.
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AUTORAS E AUTORES
Ana Clara Bortoleto Nery: Professora Titular da Universidade Estadual
Paulista– UNESP. Docente da Graduação e do Programa de Pós-graduação
em Educação, campus de Marília. Investigadora da área de História da
Educação nos seguintes temas: biblioteca escolar, escola normal e impren-
sa periódica. Autora do livro A Sociedade de Educação de São Paulo (Ed.
Unesp, 2009) e de artigos e capítulos de livros publicados em importan-
tes meios. É líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração da
Educação e Formação de Educadores – GEPAEFE. Membro da ISCHE e
da SBHE (Sociedade Brasileira de História da Educação). Editora de Seção
da revista Cadernos CEDES. Bolsista 1D Pq/CNPq. Cf.: http://lattes.cnpq.
br/2576247757923028. E-mail: ana-clara.nery@unesp.br.
Carlos Alberto Diniz é Doutor em Educação pela Faculdade de Filosofia e
Ciências da Unesp – Câmpus Marília. Possui Pós-Doutorado e Mestrado em
Educação Escolar pela Faculdade de Ciências e Letras da Unesp – Câmpus
Araraquara. Graduado em Pedagogia pelo Centro Universitário Uniseb e em
Tecnologia em Processamento de Dados pela Fatec - Faculdade de Tecnologia
de Taquaritinga. Docente da Etec Sylvio de Mattos Carvalho - Unidade 103
do Centro Paula Souza desde outubro de 2003, exerce atualmente a função de
Coordenador Pedagógico nessa instituição, onde também desempenhou as fun-
ções de Diretor de Escola, Coordenador de Curso das Habilitações Profissionais
de Técnico em Eletrônica e Técnico em Mecatrônica e Orientador de Estágio.
Ilka Miglio de Mesquita Professora de História com Estágio Pós Doutoral
em História da Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG); Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp); Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia
178
(UFU); Especialização em História Moderna e Contemporânea pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Atualmente
é Professora visitante na Universidade de Santa Cruz (UESC), Ilhéus-BA,
Programa de Pós-Graduação em Educação Mestrado e Doutorado Profissional
(PPGE), Departamento de Ciências da Educação (DCIE). E-mail: ilkami-
glio@gmail.com; immesquita@uesc.br Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.
br/4750940229067933 Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5071-2415
Kalline Laira Lima dos Santos é Graduada em História pela Universidade de
Pernambuco, Campus Petrolina (2016). Mestra em Educação pelo Programa
de Pós-graduação em Educação UNESP- Faculdade de Ciências e Filosofia,
Marília, São Paulo. Tem interesse nos estudos sobre História e Historiografia
da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: educação média,
filosofia da educação, nova história política, educação e políticas públicas e
história moderna e social da educação.
Manuela Garcia de Oliveira é Graduada em Letras/Língua Portuguesa e
Mestre em Educação pela Universidade de Pernambuco (UPE), Doutora
em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(UNESP). Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Cultura e
Instituições Educacionais (GEPCIE). E-mail: manuela.garcia@unesp.br CV:
http://lattes.cnpq.br/5037045494505166 ORCID: 0000-0002-8462-6216
Maria Socorro Castelo Branco Santana Possui graduação em Pedagogia
pela Universidade Federal do Piauí (2008) ; É Mestre em Educação pela
Universidade Federal do Piauí(2011) e Doutora em Educação (2023) pelo
Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista -
Campus de Marília. É professora efetiva dedicação exclusiva da Universidade
Estadual do Piauí no curso de Pedagogia. Foi coordenadora do curso de
Licenciatura Plena em Pedagogia do Campus Antônio Giovanne Alves de
Sousa e foi coordenadora de área do PIBID. Trabalha especificamente com
história da educação rural.
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Noely Costa Dias Garcia, Licenciada em Pedagogia pela Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul/ UEMS. Licenciada em História pelo
Centro Universitário Faveni (UNIFAVENI). Especialista em Educação,
Linguagem e Sociedade pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul/
UEMS. Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Mato Grosso
do Sul/UEMS. Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho/UNESP-Marília. É professora efetiva da Educação
Básica – Ensino Fundamental I na rede Municipal de Ensino de Paranaíba/
MS.É integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Cultura e Instituições
Educacionais (GEPCIE). Desenvolve pesquisas sobre formação de professo-
res e história da educação rural. ORCID:0000-0001-6405-7899
Rony Rei do Nascimento Silva, professor Titular I da graduação e do
Programa de Pós-graduação em Educação (PPED), da Universidade
Tiradentes (Unit). Professor Substituto da Universidade Federal de Sergipe
(UFS). Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio
Mesquita Filho”- Unesp, Campus Marília (2021). Email: rony.rei@unesp.br
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2195-9459
Rosa Fátima de Souza Chaloba é docente da Universidade Estadual Paulista
(UNESP) – Brasil e investigadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico – CNPq. É vice-presidente da Associação Brasileira
de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd/ Região Sudeste (gestão
2023 – 2025). Atua como membro do Comitê de Área de Ciências Humanas
e Sociais da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Mestre em Educação pela Unicamp e Doutorado em Educação pela USP.
Realizou o doutorado sanduíche na Universitat Autónoma de Barcelona e
pós-doutorado na School of Education – University of Wisconsin – EUA.
Professora Visitante na Universidad de Santiago de Compostela, Universidade
de Lisboa e no Colegio de San Luis, Centro Público de Investigación del
Consejo Nacional de Ciencia y Tecnología, México. Investiga os seguintes
temas: cultura escolar, história da educação (ensino primário e secundário),
história do currículo, cultura escolar e patrimônio histórico educativo.
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Tiago Rodrigues da Silva é Mestre em Educação pelo Programa de Pós-
Graduação - Unesp - Faculdade de Filosofia e Ciências - Marília-SP. Formação
em Ciências Biológicas - IFMA/Timon. Atua principalmente nos seguintes
temas: história e memória de instituições escolares (primária, secundária e
normal), história do currículo e das disciplinas escolares (ensino de ciên-
cias e biologia). E-mail: tiagoroiz.silva@gmail.com CV: http://lattes.cnpq.
br/7913297134958091 ID: https://orcid.org/0000-0002-8325-7340
Kamila Cristina Evaristo Leite Graduada em Pedagogia pela Universidade
Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, campus de Araraquara. Mestre
(bolsista CAPES) e Doutora em Educação pela Faculdade de Filosofia e Ciências
Unesp-Campus de Marília, membro do Grupo de Pesquisa História do Ensino
de Língua e Literatura no Brasil (GPHELLB) e Grupo de Estudos e Pesquisa
sobre Cultura e Instituições Escolares (GEPCIE). Professora Coordenadora
Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos, na Secretaria Municipal
de Educação de Rio Claro. Desenvolve pesquisa na área da Educação; História
da Educação; Formação de Professores; Educação Rural.
Simone Burioli Pós-doutora em Educação pela Universidade Estadual
Paulista (UNESP-Araraquara, 2020), doutora em Educação pela Universidade
Estadual de Maringá (UEM, 2016), mestra em Educação pela Universidade
Estadual de Maringá (UEM, 2009), possui graduação em Pedagogia pela
Universidade Estadual de Maringá (UEM). É professora Associada do
Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL
2010-Atual), na área de História da Educação e também professora do
Programa de Pós-Graduação em Educação da UEL. Faz parte do Laboratório
de Ensino e Pesquisa em História da Educação - LEPHE/UEL e do projeto
MEL - Museu Escolar de Londrina. Comissão de Pesquisa do Departamento
de Educação (2022-2024). É Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em
História da Educação, Culturas e Práticas - GEPHECP. É membro da SBHE
(Sociedade Brasileira de História da Educação) Tem experiência na área de
Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: história da educa-
ção, instituições educativas, educação rural, fontes, arquivos escolares, im-
prensa pedagógica, pesquisa educacional e formação de professores. Email:
prof.simone@uel.br
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno – CRB 8/8211
Normalização
Taciana Oliveira
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
Este livro apresenta um compilado de
pesquisas signicativas, resultado de dis-
sertações de mestrado e teses de dou-
torado desenvolvidas no Programa de
Pós-Graduação em Educação da Facul-
dade de Filosoa e Ciências da UNESP,
campus Marília. Os textos aqui reuni-
dos oferecem um olhar detalhado sobre
a história da educação rural e do ensino
secundário no Brasil, articulados às li-
nhas de pesquisa do Grupo de Estudos
e Pesquisas sobre Cultura e Instituições
Educativas (GEPCIE).
A primeira parte da obra dedica-se à
história da educação rural, um tema fre-
quentemente negligenciado, mas que,
nas últimas duas décadas, tem ganhado
maior visibilidade. A pesquisa sobre a es-
colarização dos trabalhadores do campo,
as políticas de expansão da educação ru-
ral, as Escolas Normais Rurais e a circu-
lação de ideias pedagógicas são aborda-
dos com rigor e profundidade. O projeto
em rede nacional “Formação e Trabalho
de Professoras e Professores Rurais no
Brasil” destaca-se como um esforço co-
laborativo signicativo, reunindo pes-
quisadores de 18 instituições de ensi-
no superior brasileiras, com o apoio do
CNPq.
Os capítulos iniciais tratam de casos es-
pecícos, como a formação de profes-
sores rurais no Piauí e em Pernambuco,
e exploram tanto o contexto histórico
quanto os desaos enfrentados pelas es-
colas e seus educadores. A utilização de
narrativas orais e a análise de congressos
normalistas ilustram a riqueza e a com-
plexidade da formação docente no meio
rural.
A segunda parte do livro foca na histó-
ria do ensino secundário no Brasil, um
nível de ensino que, até meados do -
culo XX, foi reservado à formação das
elites e cuja democratização foi lenta e
desigual. A expansão do ensino secun-
dário em estados como São Paulo, que
se destacou pela criação de ginásios e
colégios públicos, é contrastada com
outras regiões do país, revelando as dis-
paridades e desaos enfrentados.
Os capítulos nais exploram temas
como a evolução do currículo de ci-
ências naturais e biologia no ensino
secundário e as reformas educacionais
em Pernambuco, sempre com um olhar
crítico e fundamentado em extensa
pesquisa documental.
Organizado pelas historiadoras da edu-
cação Rosa Fátima de Souza Chaloba,
Noely Costa Dias Garcia e Kalline Laira
Lima dos Santos, este livro não apenas
desperta o interesse de pesquisadores e
educadores, mas também oferece uma
perspectiva histórica rica e detalhada
sobre as questões educacionais em di-
versas regiões do Brasil. A obra destaca
a diversidade e as inter-relações entre
o local, o nacional e o global, trazendo
à tona uma abordagem metodológica
que valoriza tanto os grandes eventos
quanto os pequenos indícios que com-
põem a história da educação no país.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio 0039/2022
Processo 23038.001838/2022-11
DIVERSIDADES REGIONAIS E EDUCACIONAIS EM PERSPECTIVA HISTÓRICA (1930-1970)
Rosa Fátima de Souza Chaloba
Noely Costa Dias Garcia
Kalline Laira Lima dos Santos
(Organizadoras)
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