objetos a partir de seus usos sociais. As ma-
nipulações e apropriações decorrentes desse
jogo tornam-se base para a gênese do plano
ideativo, propiciando à criança se separar
do campo sensorial e emergindo ao plano
das ideias. O jogo protagonizado fomenta a
apropriação da cultura humana e propicia o
desenvolvimento de funções psíquicas supe-
riores, especialmente da imaginação, auto-
controle da conduta e função simbólica da
consciência. Ao decorrer das páginas do li-
vro, arma-se a premissa de que períodos
diferenciados de desenvolvimento ao longo
da infância. Nesse decurso, o período prece-
dente torna-se base para o novo período em
gestação, signicando que a comunicação
emocional possibilita a formação de coorde-
nações sensório-motoras, essenciais ao novo
período em surgimento, isto é, a atividade
objetal manipulatória, mediante a qual se
assentam as bases para o desenvolvimento
do jogo protagonizado, no período pré-es-
colar. A vida ativa da criança em sociedade
torna-se determinante para o processo de
desenvolvimento das capacidades psíquicas
humanas, contribuindo para o processo de
humanização na infância.
Resultante de dissertação concluí-
da junto ao Programa de Pós-Graduação
em Educação da Unesp, Marília, S.P., este
livro apresenta contribuições teórico-cien-
tícas sobre o jogo protagonizado e seu
valor à formação humana da criança. Traz
ao debate questões relativas à atuação ati-
va da criança em sua relação com a cultu-
ra material e imaterial desde o nascimento
e ao papel igualmente ativo do professor na
Escola de Educação Infantil. As atividades
precedentes ao jogo protagonizado contri-
buem para sosticar modos de pensar, agir
e reconstituir papéis sociais no período pré-
-escolar, considerando que, em cada período
de seu desenvolvimento, a criança tem uma
necessidade peculiar de se relacionar com o
mundo. No primeiro ano de vida, a comu-
nicação emocional direta se efetiva como
atividade por meio da qual o adulto apresen-
ta à criança o mundo composto de estímulos
e de relações sociais mediante o toque, fala,
olhar e ao ofertar uma gama de objetos a ela.
Por meio dos sentidos, a criança relaciona-
-se com aspectos da cultura humana, perce-
bendo as características externas dos obje-
tos e estimulando o sistema sensorial. Essas
manipulações primárias contribuem para o
desenvolvimento da atividade objetal ma-
nipulatória, possibilitando apropriações da
função social dos objetos. Ao usar os objetos
como os adultos o fazem, a criança se apro-
pria da função social (para que foi criado),
entretanto o lado operacional de uso sua
forma utilitária – apresenta-se complexa. A
criança sabe para que serve a escova de cabe-
lo, mas usar esse objeto adequadamente para
pentear o seu cabelo, o cabelo da boneca ou
da mãe, exige domínio de técnicas para ma-
nipular o objeto escova. Nos primeiríssimos
anos da vida, a criança vai sosticando seu
conhecimento sobre o mundo, o qual se tor-
nará base essencial para o jogo protagoni-
zado, quando a criança começa a utilizar os
Bases para o desenvolvimento do jogo protagonizado na infância e a teoria de Elkonin
Este livro decorre de pesquisa de mestrado em Educação concluída junto ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesp, Campus de Marília,
São Paulo. Em suas páginas, sintetiza contribuições teórico-cientícas
essenciais aos processos inicial e continuado de formação das professoras e
professores da Escola de Educação Infantil, trazendo traz ao debate questões
relativas às situações educativas dirigidas à atuação ativa da criança em sua
relação com a cultura material e imaterial desde o nascimento e ao papel
igualmente ativo do professor. Nesse processo educativo escolar, as atividades
precedentes ao jogo protagonizado são mobilizadoras do movimento de
formação e sosticação de funções psíquicas superiores, as quais criam as bases
necessárias para o desenvolvimento de outras capacidades humanas na idade
pré-escolar, especialmente da imaginação, autocontrole da conduta e função
simbólica da consciência. Esse movimento propicia o processo paulatino e
essencial à criança de separação do campo sensorial e a emergência do plano
das ideias. Essa conquista se efetiva mediante o jogo protagonizado, o qual
se torna fonte de aprendizagens e desenvolvimento cultural das crianças
pré-escolares. Argumenta-se que cada período de desenvolvimento na
infância torna-se base para o novo período em gestação, signicando que
a comunicação emocional possibilita a formação de coordenações sensório-
motoras, essenciais ao novo período em surgimento, isto é, a atividade
objetal manipulatória. Mediante esta atividade, assentam-se as bases para o
desenvolvimento do jogo protagonizado, no período pré-escolar. A vida ativa
da criança em sociedade torna-se, portanto, determinante para o processo de
desenvolvimento das capacidades psíquicas humanas, contribuindo para a
humanização na infância.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
Favinha e Lima
BASES PARA O DESENVOLVIMENTO DO JOGO
PROTAGONIZADO NA INFÂNCIA
E A TEORIA DE ELKONIN:
um estudo bibliográfico
Maria Aparecida Zambom Favinha
Elieuza Aparecida de Lima
Maria Aparecida Zambom Favinha
Elieuza Aparecida de Lima
BASES PARA O DESENVOLVIMENTO DO JOGO
PROTAGONIZADO NA INFÂNCIA
E A TEORIA DE ELKONIN:
um estudo bibliográfico
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2024
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS – FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Edvaldo Soares
Franciele Marques Redigolo
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Auxílio Nº 0039/2022, Processo Nº 23038.001838/2022-11, Programa PROEX/CAPES
Parecerista: Tatiana Schneider Vieira de Moraes (Unesp - Rio Claro)
Capa: Gustavo Fogaça
Ficha catalográfica
Favinha, Maria Aparecida Zambom.
F274b Bases para o desenvolvimento do jogo protagonizado na infância e a teoria de
Elkonin: um estudo bibliográfico / Maria Aparecida Zambom Favinha, Elieuza Aparecida
de Lima. – Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2024.
174 p. : il.
CAPES
Inclui bibliografia
ISBN
ISBN
1. Elkonin, D. B. (Daniil Borisovich), 1904-1984. 2. Educação de crianças. 3. Jogos
infantis. I. Lima, Elieuza Aparecida de. II. Título.
CDD 371.397
Catalogação: André Sávio Craveiro Bueno – CRB 8/8211
Copyright © 2024, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Conselho do Programa de Pós-Graduação em
Educação - UNESP/Marília
Henrique Tahan Novaes
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Alonso Bezerra de Carvalho
Ana Clara Bortoleto Nery
Claudia da Mota Daros Parente
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Daniela Nogueira de Moraes Garcia
Pedro Angelo Pagni
978-65-5954-552-0 (Digital)
978-65-5954-551-3 (Impresso)
DOI: https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-552-0
AGRADECIMENTOS
A Deus por ter me dado vida e saúde para a conclusão deste
trabalho.
Ao meu marido, Marcelo Favinha, e minha filha, Mariana Z.
Favinha, pessoas insubstituíveis na minha vida. Sempre com carinho
e colaboração, eles me proporcionaram momentos de estudo. Minha
eterna gratidão!
Aos professores das disciplinas que cursei, cada um deixou sua
contribuição para a conclusão desta pesquisa.
Aos grupos de estudos: GEPEDEI – Grupo de Estudos e Pesquisa
sobre Especificidades da Docência na Educação Infantil e Implicações
Pedagógicas da Teoria Histórico-Cultural. As valiosas discussões co-
laboraram para minha formação e entendimentos sobre a Teoria
Histórico-Cultural.
Às professoras Amanda Valiengo, Cláudia Aparecida Valderramas
Gomes e Maria Sílvia Rosa Santana e ao professor José Carlos Miguel,
pela leitura atenta e criteriosa do meu trabalho. Os apontamentos e
sugestões foram significativos e respeitosos, contribuindo para o meu
processo de formação humana.
À minha querida orientadora Elieuza Aparecida de Lima, como
foi gratificante conviver com você durante estes 2 anos! Sua delicadeza,
palavras sutis e orientação nunca serão esquecidas. Os laços entre pro-
fessora e aluna foram fecundos de aprendizagem e amizade. Agradeço
por confiar em meus estudos.
Lista de Quadros e Gráficos
Quadro 1 – Banco de Dissertações e Teses da Capes 25
Quadro 2 – Banco de Dissertações e Teses da Capes (título, ano e tipo de
pesquisa) 27
Quadro 3 – Busca por expressões SciElo 28
Quadro 4 – Busca por expressões “Portal de Periódicos da Capes 31
Quadro 5 – Biblioteca Eletrônica Científica on-line SciElo e Portal de
Periódicos da Capes 32
Quadro 6Corpus reunido centralizado por região e outros aspectos 41
Quadro 7 – Referências de trabalhos em português do autor Daniil
Borissovitch Elkonin com base nos dados de Lazaretti, 2013. 60
Quadro 8 – Referências de trabalhos em inglês do autor Daniil Borissovitch
Elkonin com base nos dados de Lazaretti (2013) 61
Quadro 9 – Referências de trabalhos em espanhol do autor Daniil
Borissovitch Elkonin com base nos dados de Lazaretti (2013) 62
Quadro 10 – Processo de desenvolvimento 117
Quadro 11 – Atividade humana 120
Quadro 12 – Afeto/cognição 122
Quadro 13 – Atividade principal do período pré-escolar 124
Quadro 14 – Atividades precedentes essenciais ao jogo protagonizado 127
Quadro 15 – Linha acessória de desenvolvimento e 129
linha central de desenvolvimento 129
Quadro 16 – Falta de clareza conceitual e teórica dos professores 134
Quadro 17 – Intervenção pedagógica para complexificação 137
do jogo protagonizado 137
Quadro 18 – Papel do professor 140
Quadro 19 – Mediação 147
Quadro 20 – Zona de desenvolvimento iminente 151
Quadro 21 – Papel da escola 153
Quadro 22 – Essencialidade do jogo protagonizado 157
Gráfico 1 – Resultado da busca 33
Gráfico 2 – Quantidade de trabalhos científicos por ano 33
Gráfico 3– Quantidade de trabalhos referente aos eixos de discussão 36
Gráfico 4 – Porcentagem de publicações por região 37
LISTA DE SIGLAS
EEI - Escola de Educação Infantil
EMEI - Escola Municipal de Educação Infantil
GEPEDEI - Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Especificidades da
Docência na Educação Infantil
THC - Teoria Histórico-Cultural
Sumário
PREFÁCIO | Amanda Valiengo..................................................................13
1. INTRODUÇÃO E ASPECTOS DO CAMINHO PERCORRIDO.....17
1.1 Detalhamentos da revisão dos conhecimentos produzidos na área....................25
1.2 Uma leitura descritiva dos dados bibliográficos reunidos..................................37
2. CONTRIBUIÇÕES DE DANIIL BORISSOVITCH ELKONIN........47
2.1 Aspectos da vida e obra de Daniil Borissovitch Elkonin....................................52
2.2 A Teoria do Jogo: aspectos históricos e epistemológicos....................................68
2.2.1 Origem histórica do jogo protagonizado............................................73
2.2.2 Bases para o jogo protagonizado: aproximações..................................78
2.2.3 Jogo protagonizado: aspectos conceituais............................................99
2.2.3.1 Esfera da realidade e os papéis sociais assumidos pela criança...............102
2.2.3.2 Formação da consciência moral da criança e desenvolvimento
infantil......................................................................................................106
2.2.3.3 Os desdobramentos das ações com os objetos no jogo
protagonizado...........................................................................................110
3. OS EIXOS DE DISCUSSÕES: UM OLHAR SOBRE OS DADOS
BIBLIOGRÁFICOS................................................................................117
3.1 O valor do jogo protagonizado para o desenvolvimento humano...................119
3.2 Intervenção e práticas pedagógicas..................................................................134
3.3 O que dizem os eixos de discussões?...............................................................157
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................165
REFERÊNCIAS......................................................................................171
13
PREFÁCIO
E, já que aqui estamos, Bia, vamos viver juntos o teu período de
levezas, pois então eu poderia inflar em teu juízo o ar das brin-
cadeiras, e te colocar sobre meus ombros, para que tenhas, como
toda criança, a ilusão de que alcançarás com as tuas mãos as estre-
las, vamos viver essa era que dói pela sua brevidade e pelo encanto
das coisas simples [...]
(Carrascoza, 2017, p. 49)
Fazer o prefácio do livro “Bases para o desenvolvimento do jogo
protagonizado na infância e a teoria de Elkonin: um estudo bibliográfi-
co”, escrito pelas professoras e pesquisadoras Maria Aparecida Zambon
Favinha e Elieuza Aparecida de Lima é, para mim, viver junto com as
autoras, e companheiras de trabalho e vida, a esperança pelo “encanto
das coisas simples”, possíveis quando vivenciamos com as crianças as
bases do jogo protagonizado e o próprio jogo, também chamado de
brincadeira de faz de conta.
Na linda trilogia do Adeus de João Anzanello Carrascoza, no pri-
meiro volume: caderno de um ausente, o pai conta as relações com sua
filha Bia e podemos viajar nas criações humanizadoras possíveis quando
uma criança nasce e vai se apropriando da cultura humana e, ao mesmo
tempo, nos tocando com seu olhar tão curioso que pode ser expresso no
encontro das/com/pelas brincadeiras.
No senso comum, muitas vezes, acreditamos que a criança já nasce
brincando, mas para Elkonin e os estudiosos da Teoria Histórico-Cultural
isso não acontece, nos humanizamos nas relações que estabelecemos des-
de bebês e vamos aprendendo e conhecendo a cultura humana. Nesse
contexto, o jogo protagonizado é uma forma da criança experimentar,
se apropriar, imitar e ampliar a cultura humana. Mas se o bebê aprende
14
a brincar, quais são as bases para o desenvolvimento do jogo protagoni-
zado? Qual é o papel da professora de Educação Infantil para sofisticar e
possibilitar um meio para favorecer as melhores aprendizagens?
Fomos aprendendo que os primeiros anos de vida são os mais
importantes do ponto de vista do desenvolvimento humano e o livro,
que pode ser lido nas próximas páginas, desvela um assunto ainda tão
nebuloso para nós: as bases para o desenvolvimento do jogo protagoni-
zado: atividade que se torna principal em uma parte da infância.
O estudo bibliográfico apresentado contribui para a área da
Educação, especialmente a Educação Infantil. É destinado às professo-
ras e às pesquisadoras da área e nos incita a vislumbrar práticas educati-
vas mais humanizadoras e conscientes da necessidade de compreender o
desenvolvimento da criança, respeitando o direito de brincar.
As pesquisadoras, autoras deste livro, têm se empenhado em apro-
fundar e ampliar os conhecimentos acerca da temática em diferentes
momentos: nas pesquisas, no grupo de estudos e pesquisa GEPEDEI
- Grupo de Pesquisa Especificidades da Docência na Educação Infantil,
liderado pela professora Elieuza Aparecida de Lima, nos eventos orga-
nizados, nas formações iniciais e continuadas de professoras, nas vivên-
cias nas escolas de Educação Infantil. De alguma maneira, direta ou
indiretamente esse livro representa um pouco desse percurso e, agora,
também podemos conhecer um pouco de todo esse movimento e con-
tribuições das autoras para colocar a brincadeira e suas bases em lugar
de destaque.
Ao lermos este livro, fica evidente e escancarada a carência de
trabalhos relativos à temática (como as próprias autoras mostram) e
nos faz questionar: por que com tantos avanços científicos na área da
Educação os estudos sobre o jogo protagonizado, teorizado por Elkonin
são tão escassos e nas escolas as crianças brincam tão pouco? Por que
mesmo estando explícito nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil, que as interações e as brincadeiras devem permear
todas as práticas da/na Educação Infantil, isso ainda não é uma realida-
de na maioria das escolas?
Conhecer mais sobre a teoria do jogo, formulada por Elkonin,
15
um pesquisador da Teoria Histórico-Cultural, possibilita nos aprofun-
darmos nas contribuições sobre o jogo protagonizado e suas bases como
condição teórica que podem iluminar e melhorar nossas proposições
teórico-metodológicas nas práticas da Educação Infantil.
Convido você a descobrir isso neste livro para que possamos viver
mais momentos de leveza, colocando as crianças sobre nossos ombros
para que cheguem até as estrelas! Que tenham condições de viver suas in-
fâncias se afetando positivamente pelos relacionamentos com outras pes-
soas, podendo tocar, experimentar todas as qualidades dos objetos, seus
usos sociais e possam brincar muito revolucionando as formas de viver!
Amanda Valiengo
Universidade Federal de São João del Rei
17
1.
INTRODUÇÃO E ASPECTOS DO
CAMINHO PERCORRIDO
A conclusão pedagógica a que se pode chegar com base nisso
consiste na afirmação da necessidade de ampliar a experiência da
criança, caso se queira criar bases suficientemente sólidas para
a sua atividade de criação. Quanto mais a criança viu, ouviu e
vivenciou, mais ela sabe e assimilou: quanto maior a quantidade
de elementos da realidade de que ela dispõe em sua experiência –
sendo as demais circunstâncias as mesmas -, mais significativa e
produtiva será a atividade de sua imaginação.
(Vigotski, 2009b, p. 23)
A escolha do objeto de estudo e do problema da pesquisa ar-
ticula-se com minha experiência docente nos anos iniciais do Ensino
Fundamental e na Educação Infantil. Como professora da rede particu-
lar, com sistema apostilado de ensino, percebia dificuldade em ofertar
às crianças as diferentes linguagens de modo integrado (música, artes,
obras de artes, obras literárias, dentre outras) e vivenciar o jogo prota-
gonizado. Ao ingressar, em 2011, na Rede Municipal de uma cidade
do interior do estado de São Paulo, atuando como professora de Escola
Municipal de Educação Infantil (EMEI), deparei-me com outras possi-
bilidades de ações pedagógicas, possíveis para a criança se apropriar da
cultura material e imaterial de maneiras diversificadas.
O excerto provoca e defende a essencialidade de a criança
18
experimentar e participar ativamente de todo processo educativo, desse
modo, concebida como protagonista, capaz e em constante desenvolvi-
mento. A possibilidade de a criança ver, ouvir, vivenciar, tatear, sentir,
impulsiona e amplia seu repertório cultural, tornando-a candidata à
humanização, mediante o processo educativo. Nesse sentido, a proba-
bilidade de sofisticação do jogo protagonizado depende da ampliação
de ricos artefatos culturais desde os anos iniciais da vida, especialmente
os três primeiros.
Em 2016, quando assumi o cargo de Professora Coordenadora,
almejava a possibilidade de as crianças pré-escolares vivenciarem os jogos
protagonizados, e isso me despertou o interesse em aprofundar os estudos.
Nessa perspectiva, retornei à universidade e engajei-me em dois
grupos de pesquisa: GEPEDEI – Grupo de Estudos e Pesquisa sobre
Especificidades da Docência na Educação Infantil e Implicações Pedagógicas
da Teoria Histórico-Cultural. Os estudos me revelaram concepções de
criança, Educação Infantil, infância e de desenvolvimento humano,
oriundas da Teoria Histórico Cultural (THC).
As leituras, estudos e reflexões possíveis nessas participações apro-
ximaram-me de uma teoria explicativa da natureza do desenvolvimento
humano e do papel da escola na formação de homens e mulheres capa-
zes de se transformarem e também serem agentes de mudanças na socie-
dade. Trata-se da Teoria Histórico-Cultural, que se traduz em princípios
e teses cientificamente elaboradas por pesquisadores, tais como Elkonin
(1960a, b; 1986a, b; 1987a, b; 2009a, b, c; 2010; 2017), Lísina (1987),
Vénguer (1987), Zaporózhets (1987), Vénguer e Vénguer (1993),
Mukhina (1995), Vygotsky (1995; 1996), Vigotski (2009a; 2009b;
2010; 2018; 2021), Leontiev (2004; 2010), Luria (2010), Vigotskii
(2010), que entendem o desenvolvimento humano como histórico e
social. Em seus argumentos, está o pressuposto científico segundo o
qual aprendemos a ser humanos, participando da vida em sociedade e
nos relacionando com o mundo, composto de ricos artefatos culturais
historicamente acumulados e de outras pessoas.
O interesse pelo objeto de estudo instigava-me, ao fazer com que eu
percebesse a falta de clareza conceitual dos professores em efetivamente
19
ofertar às crianças o jogo protagonizado, propiciando o desenvolvimen-
to humano, especialmente da imaginação, autocontrole da conduta e
função simbólica da consciência. O desconhecimento de intervenções
e práticas pedagógicas obstaculiza o jogo protagonizado, nisso reside a
necessidade de superação do pragmático e da espontaneidade.
A Teoria Histórico-Cultural defende o desenvolvimento humano
nas e pelas relações sociais, assim, as intervenções pedagógicas podem
possibilitar a complexificação no jogo. Ao nascer, a carga genética que
herdamos não é suficiente para o pleno desenvolvimento, e o meio so-
cial pode se tornar fonte de ampliação do repertório cultural. Nessa
perspectiva, desde o começo da vida, a criança apropria-se de conheci-
mentos. Vale, no entanto, ressaltar o argumento formulado por Vigotski
(2018): o desenvolvimento humano é a unidade entre a personalidade e
o meio social. Isso significa que não basta o meio social estar repleto de
ricos materiais: essencial é que a criança se relacione ativamente com es-
ses bens culturais, tornando-os patrimônios de sua individualidade. Em
continuidade, Elkonin (2009a, p. 82) ressalta a origem social do jogo:
“[...] da origem histórica do jogo protagonizado e da assimilação de suas
formas tem uma importância fundamental para a crítica das concepções
biologizantes do jogo infantil. Os fatos apresentados mostram com su-
ficiente clareza que o jogo é de origem social”.
A partir do exposto, depreendemos que a possibilidade de a crian-
ça sofisticar o jogo protagonizado no período pré-escolar vincula-se às
atividades precedentes ao jogo, como Vigotski (2009b, p. 22) enfatiza:
“[...] quanto mais rica a experiência da pessoa, mais material está dis-
ponível para a imaginação dela [...]” e Elkonin (2009a, p. 231) reitera:
“[...] todas as premissas fundamentais do jogo se apresentam durante o
desenvolvimento da atividade da criança com os objetos sob os auspí-
cios de adultos e em atividade conjunta com estes”.
Nesse sentido, a pesquisa ora apresentada se ampara nesses funda-
mentos teóricos e na seguinte argumentação: na relação com uma diver-
sidade de artefatos culturais e com as pessoas de seu entorno - portado-
ras de experiências históricas e sociais acumuladas, desde o nascimento,
a criança pode se tornar agente do processo de desenvolvimento das
20
funções psíquicas. Estas capacidades são aprendidas e nos distinguem
dos outros animais, dentre as quais memória, pensamento, imaginação,
autocontrole da conduta, função simbólica da consciência, fala, aten-
ção. Elas são possíveis de se desenvolverem na atuação em jogos prota-
gonizados e outras atividades humanas ao longo da infância.
Com essas ideias, o estudo ora apresentado tem como objetivo
geral: analisar aspectos conceituais da teoria de Elkonin, com vistas a
refletir sobre as bases essenciais para o desenvolvimento do jogo prota-
gonizado na idade pré-escolar. Em consonância com esse objetivo geral,
apresentam-se os objetivos específicos: discutir sobre o papel do profes-
sor e da escola da infância no processo de criação de condições efetivas
para a apropriação de bases essenciais do desenvolvimento humano,
especialmente as relacionadas ao jogo, nos anos iniciais da vida e siste-
matizar elementos capazes de provocar e orientar a atividade intelectual
do professor, tendo em vista a compreensão do valor e possibilidades do
jogo protagonizado.
Afirmamos nossa compreensão e os direcionamentos deste estu-
do nos escritos de Elkonin (2009a, p. 258-259) – “[...] o caminho de
desenvolvimento do jogo vai da ação concreta com os objetos à ação
lúdica sintetizada e, desta, à ação lúdica protagonizada [...]” – ao consi-
derarmos que as possibilidades vividas e mediadas pelo adulto nas ativi-
dades precedentes configuram o caminho do jogo.
Essa premissa, articulada às contribuições de Elkonin (1960a, b;
1986a, b; 1987a, b; 2009a, b, c; 2010; 2017) e de outros estudiosos
da Teoria Histórico-Cultural, fomenta o problema da pesquisa: Quais
as contribuições da Teoria de Elkonin para a compreensão de aspectos
conceituais que caracterizam as bases essenciais para o desenvolvimento
do jogo protagonizado na idade pré-escolar e, no conjunto, para a for-
mação humana?
Na direção desse problema, argumentamos que o papel do professor se
torna essencial ao êxito do desenvolvimento e complexificação desse jogo por
meio de intervenções diretas – considerando a composição de relações adul-
to-criança, criança-criança – e indiretas, tais como aquelas relativas à organi-
zação do espaço, tempo e materiais. Conforme Lazaretti (2016, p. 135-136):
21
[...] a intervenção do professor pode ser a de incrementar com ma-
teriais, recursos, conhecimentos a respeito dessas atividades labo-
rais compartilhando com as crianças, brincando junto, instigan-
do o enredo, levantando hipóteses de direcionamento das ações e
operações. A brincadeira compartilhada permite a participação do
professor não apenas como alguém que pode dirigir, mas de viven-
ciar com as crianças e perceber como elas vêm construindo seus co-
nhecimentos a respeito do que envolve as funções de trabalho nas
atividades produtivas dos adultos, incrementando e enriquecendo
o conteúdo de valores e regras sociais que são fundamentais para
se relacionar com o mundo circundante, em direção à almejada
formação humana.
Em harmonia com esse excerto, o papel do professor torna-se
essencial. Ao instigar, provocar, argumentar e convidar a criança a par-
ticipar de toda organização social (espaço, tempo, materiais e a relação
professor/criança), possibilitam-se desafios e impulsiona-se o desenvol-
vimento. Essa função social e política do professor é aprofundada e
enriquecida mediante processos formativos de sua profissionalidade,
que lhe possibilitam ampliar a clareza conceitual referente à atividade
principal dos pré-escolares, assim como de outras atividades por meio
das quais a criança aprende e se desenvolve.
A criança almeja e aprecia a presença do professor, como relata-
do nas pesquisas experimentais de Elkonin (2009a). Os pesquisadores
são incluídos nos jogos pelas crianças, assumindo determinados papéis
sociais ou, até mesmo, para sanar dúvidas referentes ao desenrolar da
ação lúdica.
Com isso, as escolas de Educação Infantil necessitam criar si-
tuações, espaços, tempos e possibilidades de estudos para que os pro-
fessores e demais educadores possam compreender e efetivar o jogo
protagonizado. A legislação regulariza essa atividade para a criança pe-
quena, como, por exemplo, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (Brasil, 2009b, p.7) consideram o brincar:
Uma atividade muito importante para a criança pequena é a brin-
cadeira. Brincar dá a criança oportunidade para imitar o conhecido
22
e para construir o novo, conforme ela reconstrói o cenário neces-
sário para que sua fantasia se aproxime ou se distancie da realidade
vivida, assumindo personagens e transformando objetos pelo uso
que deles faz.
Outro documento que materializa o brincar como direito inego-
ciável da criança da Educação Infantil é “Critérios para um Atendimento
em Creches que Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças
(Campos; Rosemberg, 2009). O documento sinaliza a necessidade de
as crianças vivenciarem brincadeiras e jogos protagonizados, “Nossas
crianças têm oportunidade de desenvolver brincadeiras e jogos simbó-
licos” (Campos; Rosemberg, 2009, p.21). No material em questão, o
jogo protagonizado (destacado como jogo simbólico no documento)
diferencia-se de outras brincadeiras e carece de ser acrescido nos pla-
nejamentos dos professores como prática pedagógica intencional. Em
defesa desse direito, Costa (2017, p. 251) ressalta: “A legislação está
ao nosso lado! Cabe a nós fazermos valer o que tanto demoramos para
construir. É nosso compromisso com aqueles que lutaram por nossos
direitos antes de nós e nossa responsabilidade para com quem ainda não
sabe e não pode lutar por seus próprios direitos!”
Diferentes documentos legais (Brasil, 2009a; Brasil, 2009b;
Campos; Rosemberg, 2009) sinalizam o valor do jogo protagonizado
como fundamental para o desenvolvimento humano. Para a efetivação do
jogo protagonizado, torna-se essencial a intervenção do professor, liber-
tando as crianças das amarras da reprodução mecânica de ações aleatórias.
O jogo protagonizado propicia à criança tomar consciência dos papéis so-
ciais assumidos, possibilitando a ela refletir e superar condutas alienantes
impostas pela sociedade. Nessa perspectiva, segundo Szymanski e Colussi
(2020, p. 18): “[...] brincar de faz de conta não é fazer de conta que se
brinca”, requer conduta educacional e intencional do professor.
Com base no exposto, as reflexões componentes deste livro decor-
rem de pesquisa acadêmico-científica em nível de mestrado desenvolvi-
da junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (PPGE-Unesp-Marília/SP),
23
sob orientação da Profa. Dra. Elieuza Aparecida de Lima e vinculada aos
grupos de pesquisas já supracitados integrados à mesma universidade.
O livro está organizado em quatro seções. A primeira delas é esta
introdução, contendo aspectos do caminho percorrido referentes aos
conhecimentos produzidos na área. O corpus reunido na pesquisa bi-
bliográfica denota a escassez de trabalhos científicos referentes a esse
arcabouço teórico, totalizando onze trabalhos incluídos no estudo. Essa
carência de trabalhos científicos, cujo corpus se materializa em artigos,
dissertações e teses, parece se justificar, dentre outros motivos, pela
escassez de estudos originais traduzidos do autor focado na investiga-
ção. De aproximadamente 115 trabalhos escritos em russo, em portu-
guês, foram localizados apenas dois, segundo Lazaretti (2013). O livro
“Psicologia do jogo” (Elkonin, 2009) configura-se como praticamente
a única obra mais usada e citada em trabalhos científicos.
A segunda seção se denomina “Contribuições de Daniil
Borissovitch Elkonin”. Esse célebre psicólogo soviético perpassou por
momentos delicados em sua vida pessoal e profissional. Da totalida-
de de trabalhos escritos pelo autor em russo, em português, temos 2
traduções: “Lembranças do amigo e companheiro”, presente no livro
“Leontiev e a Psicologia Histórico-Cultural: um homem em seu tem-
po”, organizado por Mário Golder, em 2004, e “Psicologia do jogo
(Lazaretti, 2013). No Brasil, esse autor é conhecido praticamente pelo
exemplar: “Psicologia do jogo”, publicado originalmente em russo, em
1978, e, no Brasil, em 1998, 20 anos após a primeira edição, sendo
traduzido direto daquele idioma (Lazaretti, 2013).
Os trabalhos materializados traduzidos, segundo dados de
Lazaretti (2013), envolvem 2 trabalhos em língua portuguesa (supraci-
tados), 10 em língua espanhola e 14 em língua inglesa. Para composi-
ção da dissertação, que é base para a organização deste livro, foi locali-
zada a totalidade dos textos do autor em língua espanhola e, em língua
portuguesa, foi incluído o livro “Psicologia do Jogo” (Elkonin, 2009a).
Com isso, a carência de materiais traduzidos pode contribuir para que
pesquisadores brasileiros tenham dificuldade em estudar, compreender
e refletir sobre o pensamento desse pesquisador.
24
Em complemento na seção 2, refletimos pressupostos da Teoria
do Jogo, compreendendo aspectos históricos e epistemológicos. Em
cada período de desenvolvimento, novas formas de pensar e compreen-
der o mundo emergem, considerando que o processo educativo e con-
dições de vida concreta da criança propiciam mudanças qualitativas e
possibilitam o avanço do desenvolvimento das funções psíquicas. As
atividades precedentes ao jogo são potentes para o pleno desenvolvi-
mento do jogo protagonizado, no período pré-escolar. A comunicação
emocional direta com os adultos possibilita a formação de coordenações
sensório-motoras, essenciais ao novo período em surgimento. No perío-
do objetal manipulatório, formam-se as bases para o desenvolvimento
do jogo protagonizado no período pré-escolar, considerando que, sem
saber manusear um objeto, não é possível agir com ele, incluindo a for-
ma utilitária e lúdica. No jogo protagonizado, a criança aprende a agir
no plano ideativo (plano das ideias), a partir das apropriações sensoriais
e objetais vivenciadas nos períodos precedentes.
Em continuidade, a seção 3 estabelece diálogos com os trabalhos
localizados e reunidos na pesquisa bibliográfica, os quais foram sistema-
tizados e agrupados em eixos de discussões. No primeiro eixo “O valor do
jogo protagonizado para o desenvolvimento humano”, selecionamos os
trabalhos de Colussi (2016), Benin, Bran e Goçalves (2016), Gonçalves
(2017), Silva (2019) e Szymanski e Colussi (2020). Em relação ao se-
gundo eixo de discussões, os trabalhos de Marcolino (2013), Barros,
Marcolino e Mello (2014), Barbosa et al (2018), Brigatto (2018), Sena
(2018) e de Godoy (2019) contribuíram para a composição e reflexões
apresentadas com o título “Intervenção e práticas pedagógicas”.
Diante do exposto, depreendemos a necessidade de desenvolver a
investigação, considerando a carência de pesquisas publicadas ampara-
das na teoria de Elkonin (2009a) e a escassez de manuscritos traduzidos
desse notável pesquisador. A partir dessa constatação, o presente estudo
pode contribuir para a difusão do pensamento científico de Elkonin
(2009a), perspectivando clareza conceitual do professor sobre o valor do
jogo protagonizado para o desenvolvimento humano. O fortalecimento
conceitual e metodológico do professor pode potencializar e sustentar
25
práticas pedagógicas impulsionadoras, com o propósito de contribuir
para o desenvolvimento da atividade criativa da criança.
O jogo possibilita desenvolvimento profícuo na criança. Ao assu-
mir um papel social, ela transmuta para a situação fictícia, com regras
de condutas, conteúdos, objetos, falas, isto é, intersecta linguagens, im-
pulsionando seu desenvolvimento. O papel social fundamenta as situa-
ções lúdicas, como ressalta Elkonin (2009a, p. 204):
[...] O papel determina o conjunto das ações realizadas pela criança
na situação imaginária. Também é o adulto, cuja atividade a criança
reproduz. Assim, o objeto da atividade da criança no jogo é o adul-
to, o que o adulto faz, com que finalidade o faz e as relações que
estabelece, ao mesmo tempo, com outras pessoas.
Para a efetividade do jogo, o papel do professor consiste em pro-
piciar situações efetivas possibilitando a reconstituição “do que o adulto
faz”, potencializado o desenvolvimento sistêmico das crianças. O jogo
possibilita o desenvolvimento da imaginação, autocontrole da condu-
ta e função simbólica da consciência, especialmente funções psíquicas,
propícias a serem desenvolvidas no período pré-escolar.
Com base nessas considerações introdutórias, no próximo item,
tecemos reflexões sobre o objeto da pesquisa, com o intuito de mostrar
avanços e consensos referentes ao assunto.
1.1 Detalhamentos da revisão dos conhecimentos
produzidos na área
Para reunião de trabalhos científicos referentes à pesquisa “Bases
para o desenvolvimento do jogo protagonizado na infância e a teoria de
Elkonin: um estudo bibliográfico”, escolhemos algumas bases digitais,
com o intuito de selecionar o material teórico a ser incluído no estudo.
O Banco de Dissertações e Teses da Capes (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) foi uma das bases acadê-
micas revisitadas. Além dela, a Biblioteca Eletrônica Científica on-line
SciElo e o Portal de periódicos CAPES foram utilizados como fontes
26
digitais para as buscas, seleção e reunião de artigos, dissertações e teses
científicas referentes ao assunto.
O recorte temporal estabelecido para a revisão bibliográfica foi
o ano de 2009, considerando a Resolução nº 5, de 17 de dezembro de
2009 (Brasil, 2009), que instituiu a revisão das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil. Esse documento marca e regu-
lamenta, em âmbito nacional, reflexões e estudos sobre: currículo da
Educação Infantil, concepção de criança, práticas pedagógicas que re-
querem a organização de espaço, tempo e material e outros aspectos
relevantes específicos sobre a infância. Trata-se de marco relacionado à
construção da identidade da Educação Infantil no Brasil, com a pers-
pectiva de contribuir para o processo político e histórico e de eviden-
ciar documentos legais que reconheçam e busquem garantir a Educação
Infantil como espaço coletivo de relações sociais para a formação da
criança pequena. O ano final para as buscas foi o de 2020, por ser o
ano de ingresso no Programa de Pós-Graduação e, portanto, o início
da pesquisa.
Para a efetivação das buscas em todas as bases digitais, Banco de
Dissertações e Teses da Capes, Biblioteca Eletrônica Científica on-line
SciElo e no Portal de periódicos CAPES, os descritores utilizados – com
aspas e sem aspas – foram:
Infância OR desenvolvimento AND jogo protagonizado,
Criança AND jogo protagonizado,
Educação AND jogo protagonizado,
Infância AND jogo protagonizado,
Educação infantil AND jogo protagonizado,
Elkonin AND jogo protagonizado.
Com o propósito de ampliar e atingir um número significativo
de trabalhos produzidos, outras terminologias substituíram jogo pro-
tagonizado, como: jogo de papéis sociais, brincadeiras de faz de conta e
brincadeiras de papéis sociais
A fim de refinar e delimitar as buscas nas bases de dados, utili-
zamos critérios de inclusão e exclusão de títulos. Fixamos como crité-
rios de exclusão as pesquisas de outras áreas não pertencentes ao campo
27
da Educação Infantil, à Teoria do Jogo de Elkonin (2009a) e ao recorte
temporal. Acerca dos critérios de inclusão, delimitamos aqueles trabalhos
referentes ao recorte temporal estabelecido, artigos avaliados por pares e
a existência de um ou mais dos descritores no título ou em seus resumos.
Para localização dos trabalhos, usamos os operadores booleanos
AND e OR, colaborando para o afunilamento da temática, articulado
com os descritores.
As pesquisas encontradas em todas as bases digitais foram organi-
zadas pela pesquisadora em arquivos distintos, bem como os trabalhos
encontrados foram sistematizados. Vários trabalhos foram localizados
em duplicidade, com descritores distintos, e alguns também fora do
recorte temporal. Em relação à brincadeira, encontramos títulos afetos
à área da Educação Física, a outro viés teórico (Piaget), como parte da
legislação e direito da criança, a munícipios distintos que integram o
brincar em seus currículos e também à compreensão do docente refe-
rente a essa metodologia. Essas pesquisas foram suprimidas.
Num primeiro momento, utilizamos os descritores: Infância OR
desenvolvimento AND jogo protagonizado, Criança AND jogo pro-
tagonizado, Educação AND jogo protagonizado e Infância AND jogo
protagonizado. Nenhum item foi localizado com esses descritores e suas
alternâncias de terminologia – jogos de papéis sociais, brincadeira de faz
de conta e brincadeiras de papéis sociais. Diante desse cenário, as pesqui-
sas prosseguiram com os outros descritores.
No Banco de Dissertações e Teses da Capes, o quadro 1 abaixo
apresentado evidencia o número de trabalhos referente a cada descritor.
Quadro 1 – Banco de Dissertações e Teses da Capes
Seleção de Teses e Dissertações - Capes – 2020
Descritores de busca
Mestrado e
Doutorado
Referente ao
tema
Educação infantil AND jogo prota-
gonizado
2.675 Tese (1)
28
Seleção de Teses e Dissertações - Capes – 2020
Descritores de busca
Mestrado e
Doutorado
Referente ao
tema
Educação infantil AND brincadeiras
de faz de conta
2.904
Dissertação
(2)
Tese (1)
Educação infantil AND brincadeiras
de papéis sociais
2.671
Dissertação
(1)
Educação infantil AND jogos de
papéis sociais
3.045 0
Educação infantil AND Elkonin 2.696
Dissertação
(2)
Total 13.991
Dissertação
(5)
Tese (2)
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
Do total (13.991) de buscas com os diferentes descritores, a se-
leção dos trabalhos pautou-se nos critérios de exclusão e inclusão e a
revisão dos dados localizados se estendeu da primeira à vigésima página
com cada descritor, nas diferentes bases digitais.
No conjunto de dissertações selecionadas, reunimos duas pesqui-
sas bibliográficas e três de campo. Em complemento ao quadro 1, evi-
denciamos no quadro 2 os títulos encontrados no Banco de Dissertações
e Teses da Capes referentes a cada descritor, como ano, tipo de pesquisa
e autores:
29
Quadro 2 – Banco de Dissertações e Teses da Capes (título, ano e tipo de pesquisa)
Dissertações - Capes – 2020
Descritores de
busca
Título da dissertação
Ano e
pesquisa
Autores
Educação
infantil AND
brincadeiras de
faz de conta
A intervenção peda-
gógica na brincadeira
de papéis em con-
texto escolar: Estudo
teórico-prático à luz da
psicologia Histórico-
-Cultural e pedagogia
Histórico-Crítica.
2018
Pesquisa de
campo
BRIGATTO,
F. O.
As práticas pedagó-
gicas dos professo-
res pré-escolares na
promoção dos jogos
de papéis sociais à luz
da Psicologia Históri-
co-Cultural.
2019
Pesquisa de
campo
GODOY, G.
do N.
Educação
infantil AND
brincadeiras de
papéis sociais
O desenvolvimento
da imaginação e a ati-
vidade da criança em
idade pré-escolar.
2019
Pesquisa bi-
bliográfica
SILVA, M.
C. da
Educação
infantil AND
Elkonin
Contribuições dos
jogos de papéis para o
desenvolvimento das
funções psicológicas
superiores.
2016
Pesquisa de
campo
COLUSSI,
L.G.
Jogo na Educação
Infantil: As contri-
buições de Elkonin e
Rubinstein.
2017
Pesquisa bi-
bliográfica
GONÇAL-
VES, S.R.S.
30
Teses - Capes – 2020
Descritores de
busca
Título da tese
Ano e
pesquisa
Autores
Educação
infantil AND
jogo protago-
nizado
A mediação pedagógi-
ca na educação infan-
til para o desenvolvi-
mento da brincadeira
de papéis sociais.
2013
Pesquisa de
campo
MARCOLI-
NO, S.
Educação
infantil AND
brincadeiras de
faz de conta
A dialética entre a
intervenção pedagó-
gica no jogo de papéis
e o desenvolvimento
psíquico da criança
contemporânea em
idade pré-escolar.
2018
Pesquisa de
campo
SENA, S.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
Na sequência, são apresentadas as combinações de descritores e
buscas efetivadas na Biblioteca Eletrônica Científicaa on-line Scielo e no
Portal de Periódicos da Capes.
Na Biblioteca Eletrônica Científica on-line SciElo, seguindo o uso
de todos os descritores já mencionados, sinalizamos dois artigos publi-
cados em revistas (Quadro3).
Quadro 3 – Busca por expressões SciElo
SciElo – 2020
Descritores de busca
Total encon-
trado
Referente ao
tema
Educação infantil AND jogo protago-
nizado
1
1
(repetido)
Educação infantil AND brincadeiras
de faz de conta
0 0
31
Educação infantil AND brincadeiras
de papéis sociais
1
1
(repetido)
Educação infantil AND jogos de pa-
péis sociais
2 2
Elkonin AND jogos de papéis sociais,
Elkonin AND jogo protagonizado,
Elkonin AND brincadeiras de faz de
conta,
Elkonin AND brincadeiras de papéis
sociais
1
1
(repetido)
Total 5 2
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
O artigo “A teoria do jogo de Elkonin e a educação infantil”
(Barros; Marcolino; Mello, 2014) foi localizado com todos os descri-
tores, exceto na busca com o descritor Educação infantil AND brinca-
deiras de faz de conta. O segundo artigo selecionado nesse portal tem
como título “Relações entre os jogos de papéis e o desenvolvimento
psíquico de crianças de 5-6anos”, a partir dos descritores Educação in-
fantil AND jogos de papéis sociais.
A última reunião de dados foi no Portal de Periódicos da Capes.
As buscas foram iniciadas com os descritores Educação infantil AND
jogo protagonizado, com os quais localizamos dois artigos pertinen-
tes ao assunto. Destes, um é repetido e foi localizado na Biblioteca
Eletrônica Científica on-line SciElo. O outro, articulado à pesquisa,
tem como título “O uso do jogo protagonizado na educação infantil”
(Barbosa et al., 2018).
A seguir, com Educação infantil AND brincadeiras de faz de con-
ta, selecionamos cinco trabalhos. O artigo científico “Pipocas pedagógi-
cas na Educação Infantil: as conversas entre as crianças dizem muito aos
educadores” aponta a essencialidade da observação do professor nos diá-
logos entre as crianças, possibilitando identificar ações pedagógicas com
a possibilidade de promover o desenvolvimento humano. O trabalho
“Formação Continuada na Educação Infantil: interface com o brincar”
32
sinaliza o brincar como campo de estudo em construção. A formação
continuada contribui para o trabalho pedagógico do professor, possibi-
litando obstaculizar ações pautadas em práticas escolarizantes.
A pesquisa “Compreensão de professoras acerca das brincadeiras
de faz-de-conta e das culturas infantis” direciona o olhar pedagógico
para as brincadeiras, com o intuito de o educador compreender a re-
levância dessa atividade, como especificidade da Educação Infantil. O
trabalho intitulado “Processos de significação sobre a família em brin-
cadeiras de crianças em Acolhimento Institucional” convida as crianças
a brincar de “família” e, a partir das filmagens, traz reflexões sobre re-
lações horizontais e verticais reconstituídas no jogo pelas crianças, me-
diante a sua condição concreta de vida.
Os quatro trabalhos supracitados não apresentam o arcabouço
teórico relativo à Teoria do Jogo de Elkonin (2009a), aspecto funda-
mental descrito no critério de exclusão, portanto sem relação com esse
objeto de estudo. Somente a pesquisa “A importância do brincar na
educação infantil um novo olhar sobre esta disciplina” (Benin; Bran;
Goçalves, 2016) contribui com a pesquisa em pauta e o trabalho foi
incluído nesta investigação.
O próximo descritor, Educação infantil AND brincadeiras de pa-
péis sociais, sinalizou o trabalho “Recriações de papéis sociais sobre fa-
mília no brincar de crianças pequenas” em que, a partir de várias cenas
filmadas de brincadeiras livres no contexto escolar, um episódio empíri-
co foi escolhido para descrição. Os dados gerados na pesquisa apontam
papéis perceptíveis e interpretados pelas crianças, relativos ao seu con-
texto familiar concreto. A abordagem teórica não se refere à Teoria do
Jogo de Elkonin (2009a), acarretando, por isso, a exclusão do trabalho.
Com as expressões Elkonin AND jogos de papéis sociais, Elkonin
AND jogo protagonizado, Elkonin AND brincadeiras de faz de conta e
Elkonin AND brincadeiras de papéis sociais, finalizamos nossas buscas,
encontrando dois trabalhos repetidos referentes ao tema, que aparece-
ram com outros descritores.
O quadro 4 apresenta a combinação de descritores referentes a
trabalhos encontrados, entretanto nem todos foram selecionados devido
33
aos critérios de exclusão – pesquisas de outras áreas não pertencentes ao
campo da Educação Infantil, à Teoria do Jogo de Elkonin (2009a) – e
ao recorte temporal 2009 – 2020.
Quadro 4 – Busca por expressões “Portal de Periódicos da Capes
Portal de Periódicos da Capes – 2020
Descritores de busca
Total
encontrado
Referente ao
tema
Educação infantil AND jogo protago-
nizado
2
(um repetido)
1
Educação infantil AND brincadeiras
de faz de conta
5 1
Educação infantil AND brincadeiras
de papéis sociais
1 0
Educação infantil AND jogos de pa-
péis sociais
0 0
Elkonin AND jogos de papéis sociais,
Elkonin AND jogo protagonizado,
Elkonin AND brincadeiras de faz de
conta,
Elkonin AND brincadeiras de papéis
sociais
2
2
(repetidos)
Total 10 2
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
A sistematização dos artigos científicos revelou que dois são re-
ferentes à pesquisa de campo, assim denominados: “O uso do jogo
protagonizado na educação infantil” (Barbosa et al., 2018) e “Relações
entre os jogos de papéis e o desenvolvimento psíquico de crianças de
5–6 anos” (Szymanski; Colussi, 2020). Outros dois artigos, “A teoria
do jogo de Elkonin e a educação infantil” (Barros; Marcolino; Mello,
2014) e “A importância do brincar na educação infantil um novo olhar
sobre esta disciplina” (Benin; Bran; Goçalves, 2016) são de caráter des-
critivo, qualificando-se como estudos bibliográficos.
34
A seleção dos artigos dos portais SciElo e Periódicos da Capes
apresenta-se no quadro 5, descrito de maneira sintetizada, elencando os
títulos, ano, tipo de pesquisa e autores.
Quadro 5 – Biblioteca Eletrônica Científica on-line SciElo e Portal de Periódicos da Capes
Artigos científicos - SciElo – 2020
Descritores de
busca
Título da
dissertação
Ano e
pesquisa
Autores
Educação
infantil AND
jogos de papéis
sociais
A teoria do jogo de
Elkonin e a educa-
ção infantil
2014
Pesquisa
bibliográfica
BARROS, F.C.M.
de; MARCOLI-
NO, S.; MELLO,
S.A.
Relações entre os
jogos de papéis e o
desenvolvimento
psíquico de crian-
ças de 5–6 anos
2020
Pesquisa de
campo
SZYMANS-
KI, M. L. S.;
COLUSSI, L. G.
Artigos científicos - Periódicos da Capes – 2020
Educação
infantil AND
jogo protagoni-
zado
O uso do jogo
protagonizado na
educação infantil
2018
Pesquisa de
campo
BARBOSA, K.R.
de S et al
Educação
infantil AND
brincadeiras de
faz de conta
A importância do
brincar na edu-
cação infantil um
novo olhar sobre
esta disciplina
2016
Pesquisa
bibliográfica
BENIN, S.M.B.;
BRAN, G.P.do
A.; GOÇALVES,
M.P.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
O gráfico 1 sintetiza a busca das pesquisas científicas materiali-
zadas em artigos, dissertações ou teses. Como os dados sistematizados
apontam, há uma escassez de trabalhos científicos, referentes à Teoria
do Jogo de Elkonin (2009a). A investigação também nos revelou uma
quantidade maior de pesquisas científicas em nível de Mestrado. Dessa
forma, sinaliza a necessidade de ressignificar a temática em nível de
35
Doutorado, entendendo que o assunto é atual e essencial para necessá-
rias reflexões sobre a educação e o desenvolvimento das crianças.
Gráfico 1 – Resultado da busca
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
Em vista do número reduzido de trabalhos científicos e verifi-
cando os anos de produções, a primeira publicação encontrada foi em
2013, no 4º ano do recorte temporal dessa pesquisa (2009-2020). Em
2015, fica evidente a ausência de investigação científica. O ano mais fe-
cundo de produções foi o de 2018, com a divulgação de três trabalhos,
materializados em um artigo, uma dissertação e uma tese. A organiza-
ção desses estudos encontra-se descrito no gráfico 2.
Gráfico 2 – Quantidade de trabalhos científicos por ano
Fonte:Elaborado pelas autoras (2022).
A análise temporal dos trabalhos científicos evidencia que, desde
36
2016, o número de trabalhos produzidos vem se mantendo de maneira
singela, com pelo menos um ao ano. É possível notar que o assunto
é atual, com potencialidade de estudos, argumentações e reflexões no
cenário científico.
Ao findar a seleção e reunião de produções científicas, destacamos
os pesquisadores contemporâneos, localizados nesses estudos descriti-
vos, materializados em textos: Marcolino (2013), Barros, Marcolino e
Mello (2014), Colussi (2016), Benin, Bran e Goçalves (2016), Gonçalves
(2017), Brigatto (2018), Sena (2018), Godoy (2019), Silva (2019),
Barbosa et al. (2019) e Szymanski e Colussi, (2020). Esses estudiosos
poderão contribuir para reflexões acerca das bases essenciais, com a pos-
sibilidade de sofisticar o jogo protagonizado no período pré-escolar. A
potência dessas contribuições pode ser especialmente retratada mediante
as considerações de Lazaretti (2011). De acordo com a pesquisadora:
[...] no conjunto dos escritos do Elkonin, encontramos uma pro-
dução fecunda e desafiadora, e percebemos o quanto este autor é
um clássico do pensamento psicológico, entretanto um nome pra-
ticamente desconhecido entre os pedagogos e psicólogos, sobretu-
do, na área infantil, no Brasil. [...] (Lazaretti, 2011, p. 259).
Ao longo dessa seleção e reunião de materiais, foi possível perce-
ber a carência de trabalhos relativos ao assunto em pauta na investiga-
ção apresentada, o que parece justificar o estudo, considerando, dentre
outros aspectos: conhecer mais profundamente o pensamento científico
de Elkonin (2009a) sobre o jogo protagonizado e contribuir para am-
pliar a clareza conceitual sobre o assunto. Esses elementos, especialmen-
te, motivam-nos a refletir acerca do percurso investigativo.
Com essas ideias, firmamos a necessidade desse movimento de
leituras e reflexões para apropriação e ressignificação de conceitos a par-
tir da revisitação constante do material bibliográfico selecionado, de
modo a compreender os fundamentos teórico-metodológicos, advindos
da Teoria do Jogo de Elkonin (2009a).
37
1.2 Uma leitura descritiva dos dados bibliográficos reunidos
A partir do corpus reunido, as leituras dos trabalhos científicos de-
dicaram-se a identificar inicialmente aspectos de aproximações, sistema-
tizando possíveis articulações existentes entre eles (Lima, Mioto, 2007).
De modo geral, em sintonia com Lima e Mioto (2007) e com
princípios da Teoria Histórico-Cultural, compreendemos que se apro-
priar, refletir e discutir aspectos do que já se produziu pode contribuir
para entendimentos sobre consensos e avanços do conhecimento em
determinado assunto. Nesse sentido, é possível incorporar aspectos das
produções científicas em busca da tessitura de conhecimentos atuais.
A sistematização dos trabalhos científicos produzidos potenciali-
za caminhos possíveis à pesquisa. Nas palavras de Vigotski (2009b, p.
42), “A criação é um processo de herança histórica em que cada forma
que sucede é determinada pelas anteriores”. Nisso reside a sociabili-
dade do ser humano em estabelecer relações com os outros e com o
meio, no processo de apropriação e objetivação dos elementos da cul-
tura humana.
A leitura dos trabalhos revelou temas específicos. Marcolino
(2013), Barros, Marcolino e Mello (2014) e Brigatto (2018) argumen-
tam sobre o valor da mediação pedagógica de maneira direta ou indireta
para o desenvolvimento do jogo protagonizado.
A pesquisa de Gonçalves (2017) analisa a atividade de jogo segun-
do os estudos de Rubinstein (1977) e Elkonin (2009a) e destaca breve
contexto histórico desses estudiosos. De acordo com a autora, o jogo, o
estudo e o trabalho, para Rubinstein (1977), são atividades principais que
movem o desenvolvimento psíquico. Conforme aponta o estudo da pes-
quisadora, Elkonin (1987b) caracteriza como atividades principais e mo-
tivadoras do desenvolvimento humano: a comunicação emocional direta,
a atividade objetal manipulatória, o jogo protagonizado, a atividade de
estudo (infância), a comunicação intima pessoal (adolescência) e a ativi-
dade profissional/de estudo (juventude/adulto). Para Gonçalves (2017),
Rubinstein (1889-1960) pertence à primeira geração de estudiosos da
psicologia marxista e Elkonin (1904-1984), à segunda geração.
38
Já os trabalhos de Colussi (2016), Benin, Bran e Goçalves (2016)
e Szymanski e Colussi (2020) enfatizam a contribuição do jogo de pa-
péis sociais para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Os trabalhos de Barbosa et al (2018) e Godoy (2019) evidenciam
a percepção dos docentes quanto ao jogo protagonizado, a sua relação
com a prática e sua efetivação na rotina educativa das crianças.
Sena (2018) analisa e interpreta se as interferências pedagógicas
no jogo de papéis sociais contribuem para o desenvolvimento psíqui-
co da criança, bem como a possibilidade de mensurar o nível de jogo
praticado pela criança. Por fim, dos textos que compõem o corpus da
pesquisa bibliográfica, o trabalho de Silva (2019) evidencia a relação
dos jogos de papéis sociais e o desenvolvimento da imaginação.
A partir da leitura desses onze trabalhos, é possível agrupá-los em
eixos de discussões referentes a:
O valor do jogo para o desenvolvimento humano: Colussi
(2016); Benin, Bran e Goçalves (2016); Gonçalves (2017); Silva (2019)
e Szymanski e Colussi (2020);
Intervenções e práticas pedagógicas: Marcolino (2013); Barros,
Marcolino e Mello (2014); Barbosa et al (2018); Brigatto (2018); Sena
(2018); e Godoy (2019).
No gráfico 3, sintetizamos a quantidade de trabalhos referente
aos eixos de discussão:
Gráfico 3– Quantidade de trabalhos referente aos eixos de discussão
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
39
Na sequência, no gráfico 4, representamos a porcentagem de pu-
blicações por região, contemplando os dois eixos de análise:
Gráfico 4 – Porcentagem de publicações por região
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
O estado de São Paulo representa 64% das publicações, com 7
trabalhos referentes aos 2 eixos de análise: 6 relacionados a “intervenções
e práticas pedagógicas” e 1 ao “valor do jogo para o desenvolvimento
humano”. Com porcentagem de 18%, o estado do Paraná representa 2
trabalhos com reflexões acerca do “valor do jogo para o desenvolvimen-
to humano”. A seguir, Santa Catarina representa 9% do total, centrado
no eixo “o valor do jogo para o desenvolvimento humano”. Por fim, 1
trabalho sem identificação de região, pertencente à vertente do “valor
do jogo para o desenvolvimento humano”, totalizando os 9% restantes.
Em relação ao eixo “o valor do jogo para o desenvolvimento hu-
mano”, verificamos trabalhos publicados a partir de 2016, uma dis-
sertação (Colussi, 2016) e um artigo (Benin; Bran; Goçalves, 2016).
No ano seguinte, uma dissertação (Gonçalves, 2017) e, após 2 anos, a
dissertação de Silva (2019) potencializa a discussão. Em 2020, o artigo
(Szymanski; Colussi, 2020) menciona recortes dos dados tratados na
dissertação de 2016. A dissertação de Gonçalves (2017) pertence ao
programa de pós-graduação de uma universidade privada e as demais
dissertações e o artigo (Szymanski; Colussi, 2020) são provenientes de
universidades estaduais e de programas de pós-graduação em educação.
40
Os trabalhos aqui reunidos nesse eixo provêm do interior do estado do
Paraná, do interior do estado de Santa Catarina e do interior do estado
de São Paulo, mas não foi possível localizar a identificação geográfica do
artigo (Benin; Bran; Goçalves, 2016).
Referente ao segundo eixo analisado, “Intervenções e práticas
pedagógicas”, o primeiro trabalho foi publicado em 2013 (Marcolino,
2013) e, no ano seguinte, um artigo (Barros; Marcolino; Mello, 2014).
Em 2018, localizamos um artigo (Barbosa et al, 2018), uma dissertação
(Brigatto, 2018) e uma tese (Sena, 2018). Finalizando, em 2019, a lo-
calização da dissertação de Godoy.
Desses dados, percebemos ausência de trabalhos nos anos de 2015
a 2017. Em 2018, o artigo (Barbosa et al, 2018) provém de uma univer-
sidade particular do estado de São Paulo; o artigo (Barros; Marcolino;
Mello, 2014) e as outras pesquisas, de universidades públicas, referentes
ao interior do mesmo estado. As duas teses (Marcolino, 2013; Sena,
2018) e duas dissertações (Brigatto, 2018; Godoy, 2019) pertencem a
programas de pós-graduação em educação.
A partir da seleção e organização em eixos de discussões, destaca-
mos aspectos essenciais dos estudos reunidos como corpus da pesquisa,
analisados na terceira seção deste livro.
Os estudos alocados no eixo 1 destacam elementos teóricos fun-
damentais ao exercício de reflexão proposto nesta pesquisa, sendo possí-
vel destacar que, do nascimento aos 5, 6 anos, ao participar, agir e atuar
nas relações sociais com outras pessoas e objetos da cultura, a criança
se apropria de características especificamente humanas. Trata-se de um
período da vida essencial para a formação e o aperfeiçoamento de capa-
cidades humanas sofisticadas de percepção, pensamento, fala, memória,
autocontrole da conduta e de formas variadas de expressão.
O desenvolvimento dessas capacidades humanas é um processo
dialético, intersectando o movimento dos mundos objetivo e subjetivo.
Esse processo pode ser fomentado em diferentes situações e aspectos.
Um deles se refere à oferta de possibilidades para que a criança possa,
por meio de sua atividade (se comunicando, manipulando, brincando,
se movimentando), se apropriar do sentir, tatear, ouvir e perceber o
41
mundo construído culturalmente e historicamente pelo homem.
A partir do exposto, no próximo eixo de análise, contemplamos
aspectos essenciais do papel do professor para a formação humana,
mencionados em duas vertentes: intervenção pedagógica e práticas pe-
dagógicas. Como processo ativo condicionado pelo desenvolvimento
social, o processo educativo pode evidenciar o valor do jogo para o de-
senvolvimento humano, fomentando lugar, tempo, contextos e mate-
riais para sua efetivação. O ato educativo concretiza-se nas intervenções
criança/professor/cultura e em práticas pedagógicas potencializadoras,
na conquista precípua de provocar avanços no desenvolvimento huma-
no em suas máximas possibilidades.
Os estudos referentes ao eixo 2 evidenciam que a intervenção
docente, como defende a teoria Histórico-Cultural, pode potencializar
a criação de condições favoráveis a aprendizagens e desenvolvimento
humano. Isso significa que, mediante processos educativos, cada pessoa
estabelece ao longo da vida relações com seu meio social concreto e,
nesse processo, aprende a ser humana.
O planejamento de práticas docentes e a intervenção pedagógica
constituem tarefas didáticas dirigidas à planificação, complexificação e
realização das ações docentes voltadas à criação de condições educativas
favoráveis ao desenvolvimento humano na infância, em níveis cada vez
mais elevados. Nessa perspectiva, o jogo protagonizado requer o olhar
intencional, atento e observador do professor, porque se trata da ativi-
dade que guia o desenvolvimento humano em crianças entre 3 e 6 anos
de idade, também conhecidas como pré-escolares.
Como defende Godoy (2019), é um processo educativo plane-
jado e vivido em todo o período da criança na escola. Em diferentes
atividades, especialmente, na idade pré-escolar, na realização do jogo
protagonizado, a criança pode ampliar suas possibilidades de aprendi-
zados e desenvolvimento humano. “No geral, as atividades didáticas são
planejadas e as brincadeiras, que são por sua vez a atividade principal da
criança e que possibilitará as maiores transformações no seu desenvolvi-
mento, são livres e sem direcionamento” (Godoy, 2019, p. 23).
42
Essas argumentações potencializam reflexões relacionadas à ne-
cessidade de planejamento e desenvolvimento de processos educativos
orientados em compreensões científicas sobre criança, aprendizagem, de-
senvolvimento humano, escola, atividade humana (dentre elas, o jogo
protagonizado), Educação Infantil e papel do professor na formação de
crianças pequenas. No seio da escola, a criação de condições de tempos,
espaços, materiais e situações essenciais à atividade infantil pode provo-
car a atividade da criança, por meio da qual ela poderá se apropriar de
níveis mais sofisticados de ação, pensamento, linguagem e sentimentos,
por exemplo. Vale argumentar que essas intervenções didático-pedagógi-
cas são pensadas para ampliar as referências e conteúdos dos jogos, assim
como os materiais para se jogar e os tempos necessários para isso.
Em harmonia com o outro eixo, compreendemos que discutir e
orientar a atividade intelectual do professor para compreender o valor
e as possibilidades de desenvolvimento do jogo protagonizado torna-se
essencial. As condições concretas de vida da criança, o processo educa-
tivo e atividades motivadoras de desenvolvimento das formas superiores
de pensar, agir e estar no mundo são reflexões possíveis para potenciali-
zar a inteligência e personalidade da criança na Educação Infantil.
Dentre todos os trabalhos analisados nos eixos de discussões, des-
tacamos em comum que todos trazem contribuições de Elkonin (2009a)
e que, especialmente, os trabalhos de Colussi (2016) e Gonçalves (2017)
revelam aspectos bibliográficos do pesquisador.
No quadro 6, exemplificamos o corpus reunido centralizado por
região e caracterizando as pesquisas em diferentes aspectos: título, eixos
de discussão, ano, tipo de abordagem metodológica e universidade a
que estão vinculados.
43
Quadro 6 – Corpus reunido centralizado por região e outros aspectos
Estado de São Paulo
Título
Eixo de
discussão
Ano
Tipo de
abordagem
metodoló-
gica
Universi-
dade
A mediação peda-
gógica na educa-
ção infantil para
o desenvolvimen-
to da brincadeira
de papéis sociais.
Intervenção e
práticas peda-
gógicas
2013
Pesquisa de
Campo
Tese
Pública
A teoria do jogo
de Elkonin e a
educação infantil
Intervenção e
práticas peda-
gógicas
2014
Pesquisa
bibliográfica
Artigo
Pública
O uso do jogo
protagonizado na
Educação Infantil
Intervenção e
práticas peda-
gógicas
2018
Pesquisa de
Campo
Artigo
Particular
A intervenção
pedagógica na
brincadeira de
papéis em contex-
to escolar: Estudo
teórico-prático à
luz da psicologia
Histórico-Cultu-
ral e pedagogia
Histórico-Crítica.
Intervenção e
práticas peda-
gógicas
2018
Pesquisa de
Campo
Dissertação
Pública
44
A dialética entre
a intervenção
pedagógica no
jogo de papéis
e o desenvolvi-
mento psíquico
da criança con-
temporânea em
idade pré-esco-
lar.
Intervenção e
práticas peda-
gógicas
2018
Pesquisa de
Campo
Tese
Pública
As práticas
pedagógicas
dos professores
pré-escolares na
promoção dos
jogos de papéis
sociais à luz da
Psicologia Histó-
rico-Cultural.
Intervenção e
práticas peda-
gógicas
2019
Pesquisa de
Campo
Dissertação
Pública
O desenvolvi-
mento da imagi-
nação e a ativida-
de da criança em
idade pré-escolar.
O valor do jogo
para o desen-
volvimento
humano
2019
Pesquisa
bibliográfica
Dissertação
Pública
Estado do Paraná
Contribuições
dos jogos de pa-
péis para o desen-
volvimento das
funções psicológi-
cas superiores.
O valor do jogo
para o desen-
volvimento
humano
2016
Pesquisa de
Campo
Dissertação
Pública
45
Relações entre os
jogos de papéis
e o desenvolvi-
mento psíquico
de crianças de 5-6
anos
O valor do jogo
para o desen-
volvimento
humano
2020
Pesquisa de
Campo
Artigo
Pública
Estado de Santa Catarina
Jogo na Educa-
ção Infantil: As
contribuições
de Elkonin e
Rubinstein.
O valor do jogo
para o desen-
volvimento
humano
2017
Pesquisa
bibliográfica
Dissertação
Particular
Região não identificada
A importância
do brincar na
educação infantil
um olhar sobre
esta disciplina
O valor do jogo
para o desen-
volvimento
humano
2016
Pesquisa
bibliográfica
Artigo
Não locali-
zado
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
É possível averiguar que, em cada região, há o predomínio de de-
terminado eixo de discussão. No estado de São Paulo, foi possível veri-
ficar estudos sobre intervenções e práticas pedagógicas de 2013 a 2019.
Em 2019, emergiu outra fonte de pesquisa, relacionada ao valor do
jogo para o desenvolvimento humano. Nos estados do Paraná e Santa
Catarina, centralizou-se o assunto concernente ao valor do jogo para
o desenvolvimento humano. Diante desse cenário, compreendemos a
necessidade de clareza conceitual de cada região para avançar, a níveis
qualitativos, o processo de humanização desde os bebês.
Após a leitura e análise descritiva dos trabalhos científicos, é pos-
sível enfatizar a potência desses estudos para a pesquisa apresentada nes-
te livro. Localizamos um número pouco significativo de contribuições
científicas especialmente dedicadas ao tema de investigação. Todas as
produções analisadas recorrem aos experimentos de Elkonin (2009a).
46
Lazaretti (2011, p.10) enfatiza a ausência de trabalhos acerca des-
se pesquisador. De acordo com ela:
[...] a inserção desses trabalhos ainda é tímida, haja vista que a gran-
de maioria está em língua espanhola ou inglesa. Mais tímida ainda
é a entrada de Elkonin no Brasil. Tendo somente um livro traduzi-
do e publicado em nosso idioma [...]. Essa ausência de mais obras
traduzidas para o português dificulta o estudo de suas ideias pelos
pesquisadores brasileiros. Prova disso está em levantamento realiza-
do no qual constatamos um número reduzido de teses, dissertações
e periódicos nacionais na área da psicologia e educação que citam o
autor ou se embasam nele.
Em concordância com a estudiosa, o número reduzido de traba-
lhos apresentados nesta seção evidencia o valor das pesquisas sobre o
autor e os conhecimentos por ele produzidos.
O conhecimento do material selecionado como corpus da pes-
quisa discutida neste livro sinaliza possibilidades de, na próxima seção,
tecer aspectos da vida e obra de Elkonin e aspectos históricos e episte-
mológicos sobre a Teoria do Jogo, na perspectiva de sofisticar o jogo
protagonizado no período pré-escolar.
47
2.
CONTRIBUIÇÕES DE DANIIL
BORISSOVITCH ELKONIN
O jogo, por direito, ocupou um lugar importante na prática das
instituições pré-escolares soviéticas. Não há mais necessidade
de demonstrar que a brincadeira tem grande significado para o
desenvolvimento de crianças em idade pré-escolar. [...]
(Elkonin, 1987a, p 83)
1
A essencialidade do jogo protagonizado defendida por Elkonin
(1987a) no excerto revela a necessidade de os professores e as escolas
de Educação Infantil intensificarem ações docentes, espaço e tempo
possíveis para as crianças vivenciarem essa atividade, possibilitando o
desenvolvimento da inteligência e personalidade.
Considerando o excerto, na realidade brasileira, será que os do-
cumentos legais preconizam orientações para reflexões sobre o lugar do
jogo protagonizado nas escolas de Educação Infantil?
A legislação brasileira legitima o direito à brincadeira para
as crianças de 0 a 5 anos de idade, período que constitui a primei-
ra etapa da Educação Básica no Brasil. Para exemplificar, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Brasil, 2009a, p. 25)
1
El juego ha ocupado, por derecho, un importante lugar en la prática de las instituciones
preescolares sovieticas. Ya no hay necessidad de demonstrar que el juego tiene gran
significación para el desarrolo de los niños en edad preescolar. [...]
48
regulamentam, como eixo do currículo, as “interações e a brincadei-
ra” e, como objetivo da proposta pedagógica, alguns direitos (Brasil,
2009a, p.18):
A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve
ter como objetivo garantir à criança acesso a processos de apropria-
ção, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de
diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à
liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à
convivência e à interação com outras crianças.
O documento elenca direitos da criança, dentre eles a brinca-
deira. Com base na THC, podemos inferir que o jogo protagonizado
é um tipo sofisticado de brincadeira, caracterizando-se como atividade
principal das crianças pré-escolares.
Em acréscimo a essa afirmativa, nessa atividade, a mediação do
professor pode se encaminhar para duas vertentes: a de perpetuar si-
tuações de alienação, isto é, a reprodução dos papéis sociais tal e qual a
sociedade determina; ou a de superação de atitudes alienadas, portanto,
contribuindo para a humanização da criança, valorizando modos diver-
sificados de pensar, agir e sentir o mundo. A possibilidade de a crian-
ça reelaborar as percepções e experiências vivenciadas do seu entorno,
materializa-se graças ao processo educativo do professor em diversificar
temas, rodiziar papéis sociais, sofisticar os conteúdos, organizar espaço,
materiais e tempo para a efetivação do jogo protagonizado.
Associadamente, o documento “Critérios para um atendimen-
to em creches que respeite os Direitos Fundamentais das crianças
(Campos; Rosemberg, 2009) preconiza o brincar como direito ine-
gociável e fundamental na Educação Infantil. Nele, consta o direito
da criança de desenvolver brincadeiras e jogos simbólicos (Campos;
Rosemberg, 2009). Segundo esse documento, a garantia do direito às
brincadeiras e aos jogos pode orientar possibilidades de atividade in-
fantil e, também, potentes intervenções docentes, tendo a observação
como estratégia pedagógica no jogo protagonizado e no livre brincar.
A criança, ao brincar livremente, pode declarar possíveis temas a
49
serem propostos para concretização dos jogos, como também represen-
tar posturas humanizadas ou alienantes, advindas do meio social con-
creto. Em relação aos papéis sociais alienados, o professor intervém,
possibilitando à criança tomar consciência dos seus atos. Claro que a
criança pré-escolar não possui pleno entendimento dos papéis sociais
alienados reconstituídos, porém, mediante a intervenção do professor,
constitui a gênese dessa consciência crítica com a possibilidade de for-
mar sujeitos questionadores e atuantes na sociedade. Nesse sentido, o
brincar consiste em atividade livre para a criança, entretanto, para o
professor, uma atividade potente de sentido e significado, impulsionan-
do o desenvolvimento de práticas docentes aos motivos, desejos e von-
tades de conhecimentos das crianças.
A liberdade aparente da criança em protagonizar atividades pro-
dutivas do seu meio social concreto é controlada por regras e condutas
determinadas pelo papel social assumido e por mediações do professor.
Nessa perspectiva, a liberdade é ilusória (Vigotski, 2021), isso porque
a criança age, pensa, executa, controla sua conduta com consciência,
mediante apropriações de bens culturais com os quais se relaciona no
mundo externo. Nesses bens, estão os papéis sociais assumidos e as re-
lações estabelecidas socialmente entre as pessoas. A criança assume o
papel social do adulto, não obstante permanece criança e aprende, per-
cebe suas ações, condutas e modos diferenciados de manusear objetos.
Em relação a isso, Elkonin (1987a, p. 86)
2
reitera:
O paradoxo fundamental do jogo é que, sendo uma atividade ma-
ximamente livre, estando sob o poder das emoções, é a fonte do
desenvolvimento do caráter voluntário e da consciência, por parte
da criança, de suas ações e de seu próprio eu.
A liberdade aparente presente no jogo possibilita à criança re-
constituir papéis sociais, assumir funções e agir mediante a atividade
2
La paradoja fundamental del juego consiste en que, siendo una actividad máximamente libre,
encontrándose bajo el poder de las emociones, es la fuente del desarrollo del carácter voluntario
y de la toma de consciencia, por parte del niño, de sus acciones y de su proprio yo.
50
produtiva humana, conforme a sua condição social de vida. “Assim,
então, o jogo constitui uma escola peculiar de limitação dos impulsos
imediatos, uma escola de perseverança (obviamente relativa) e de subor-
dinação às obrigações que foram assumidas” (Elkonin, 1987a, p. 98)
3
.
A criança, ao se subordinar às obrigações (Elkonin, 1987a), se
aproxima do mundo da realidade. Ao assumir o papel social de um
médico, protagoniza ações previamente apropriadas da sua realidade
concreta referente à profissão, representando condutas humanas e utili-
zando objetos pertencentes à profissão. Assim, elucida Vigotski (2009b,
p.99-100): “A brincadeira é a escola da vida para a criança; educa-a
espiritual e fisicamente. Seu significado é enorme para a formação do
caráter e da visão de mundo do futuro homem”.
A compreensão da essencialidade dessa prática pedagógica inten-
cional exige apropriação teórico-prática pelos professores em processos
formativos, para evidência do lugar e do papel do jogo protagonizado
na humanização das crianças. O jogo possibilita à criança estabelecer
relações sociais, adquirir autonomia e recriar o mundo, constituindo o
seu “eu”. É fonte de desenvolvimento e de modos individuais de pensar
e agir conscientemente com as pessoas e objetos presentes no mundo
(Elkonin, 1987a).
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (Brasil, 2009a, p. 7):
Em especial, têm se mostrado prioritárias as discussões sobre como
orientar o trabalho junto às crianças de até três anos em creches e
como assegurar práticas junto às crianças de quatro e cinco anos
que prevejam formas de garantir a continuidade no processo de
aprendizagem e desenvolvimento das crianças, sem antecipação de
conteúdos que serão trabalhados no Ensino Fundamental.
Com identidade própria, a Educação Infantil torna-se espaço
3
Asi, pues, el juego constituye una peculiar escuela de limitación de los propios impulsos
inmediatos, escuela de perseverancia (claro que relativa) y de subordinación a las obligaciones
que se han asumido.
51
coletivo de convívio social, de descoberta de mundo, de experimentação,
de conviver com a natureza, de desenvolver funções psíquicas como a
fala, memória, pensamento, autocontrole da conduta e imaginação, de
apropriar-se de valores e expressar os sentimentos; ou seja, a Educação
Infantil constitui-se como lugar/tempo para formação de características
essenciais para o processo de humanização da pessoa, desde bebês.
Nessa direção, a antecipação de conteúdos do Ensino Fundamental
obstaculiza o desenvolvimento da descoberta de mundo e das funções
psíquicas, centrando-se em mecanizações e reproduções infrutíferas
para a criança. Apressar a alfabetização significa abreviar a infância, des-
respeitando os direitos das crianças contidos nos documentos legais.
Em harmonia com essas ideias, de acordo com Vigotski (2021, p. 212):
“[...] O adiantamento da realização de seus desejos é difícil para a crian-
ça pequena [...]”. A criança quer brincar, explorar, descobrir e não ficar
copiando letras, ou realizando um projeto idealizado somente pelo pro-
fessor. Trata-se de um processo de participação conjunta com o profes-
sor, como parceiro mais experiente, em situações em que a criança tem
condições efetivas de explorar elementos culturais (material e imaterial)
desse mundo.
Diante do exposto, compreendemos que o jogo se torna essencial
nas EEIs, percebendo-se o “grande significado para o desenvolvimento
de crianças em idade pré-escolar” (Elkonin, 1987a, p 83). Ademais, o
jogo torna-se imprescindível para a criança adentrar a atividade de estu-
do: “[...] a evolução prepara a transição para uma fase nova, superior, do
desenvolvimento psíquico, a transição para um novo período evolutivo
(Elkonin, 2009a, p. 421).
Apoiado na Teoria Histórico-Cultural, Elkonin (2009a, p. 36-
37) defende o jogo de caráter social, histórico e econômico marcado
pela sociedade atual: “[...] A base do jogo é social devido precisamente a
que também o são sua natureza e sua origem, ou seja, a que o jogo nasce
das condições de vida da criança em sociedade”.
As contribuições e pesquisas experimentais de Elkonin (2009a)
materializam entendimentos teóricos sobre o jogo protagonizado. Esse
pesquisador russo, desde o começo da década de 1930, se debruça sobre
52
conceitos e compreensões a respeito da temática. As argumentações se-
guintes corroboram os aspectos de vida e obra desse colaborador e dis-
cípulo de Vigotski (Lazaretti, 2011).
2.1 Aspectos da vida e obra de Daniil Borissovitch Elkonin
Daniil Borissovitch Elkonin (1904-1984), juntamente com
Vigotski (1896 – 1934), Leontiev (1903-1979), Davidov (1930-1998),
Galperin (1902-1988) e Zaporozhets (1905-1981), contribuiu com
pesquisas e trabalhos científicos perspectivando a formação do homem
novo, social e concreto, compreendendo que sua essência é constituída
nas relações sociais. Com essa lógica, o pesquisador Lev Semiónovich
Vigotski (1896-1934) e seus colaboradores tecem discussões sobre o
desenvolvimento a partir de pressupostos histórico-sociais. Na essência
desses pressupostos está o argumento de que o homem aprende a ser
humano nas e por meio das relações sociais. Ao participar ativamente
da vida em sociedade e se relacionar com o mundo composto de ricos
artefatos culturais historicamente acumulados e no convívio com outras
pessoas, atribui sentido a tudo o que vive, apropriando-se e objetivan-
do-se de bens culturais
Elkonin (2009b, p. 187)
4
retrata o afetamento científico e emo-
cional por Lev Semionovich Vigotski (1896-1934):
Não é a primeira vez que eu falo de Lev Semionovich Vigotsky e
devo dizer que em cada ocasião em eu apresento algum dado ou
conferência dedicada a seus trabalhos, sempre fico muito nervoso.
Isso porque colaborei com ele nos últimos anos de sua vida: tra-
balhávamos juntos, eu era muito próximo dele, o conhecia muito
bem, e em certo sentido era seu amigo, se é possível chamar amiza-
de as relações entre um professor e um aluno.
4
No es la primera vez que me corresponde hablar acerca de Lev Semionovich Vigotsky y debo decir
que en cada ocasión em que participo com algún informe o conferencia dedicada a sus trabajos,
siempre me pongo muy nervioso. Esto se debe a que colabore com él durante los últimos años de
su vida: trabajamos juntos, estaba muy cerca de él cococí muy bien, en certo sentido era su amigo,
si es possible lhamar amistad a las relaciones entre um maestro y um alumno.
53
O excerto nos provoca a refletir sobre seu empenho de vivificar a
herança científica do seu professor. Em suas próprias palavras: “[...] ao ler
as obras de Lev Semionovich Vigotsky, sempre tenho o sentimento de
que não compreendi tudo” (Elkonin, 2009b, p. 187, tradução nossa)
5
.
A influência de Vigotski (1896 – 1934) na intelectualidade de
Elkonin (2009b) possibilitou uma esfera de interesses, argumentações,
hipóteses e rigorosa e criteriosa busca por entender regularidades do de-
senvolvimento sistêmico e histórico do ser humano. A proximidade de
ambos fecundou amizade e ideias científicas, particularmente quando
Vigotski ia a Leningrado ministrar palestras e em situações de corres-
pondência por meio de cartas (Elkonin, 2009a).
A complexidade de suas ideias desvela a genialidade de Vigotski
como compositor de elementos essenciais da ciência psicológica. De
acordo com Luria (2010, p. 21), a vitalidade e potencialidade de seus
estudos e textos são originais, atuais e expressivos de sua mente genial:
Não é exagero dizer que Vigotskii era um gênio. Ao longo de mais
de cinco décadas trabalhando no campo da ciência, eu nunca en-
contrei alguém que sequer se aproximasse de sua clareza de mente,
sua habilidade para expor a estrutura essencial de problemas com-
plexos, sua amplidão de conhecimentos em muitos campos e sua
capacidade para antever o desenvolvimento futuro de sua ciência.
Como afirmado, o legado científico de Vigotski (Luria, 2010)
contribui efetivamente para responder inquietações de Elkonin (1960a,
b; 1986a, b; 1987a, b; 2009a, b, c; 2010; 2017) sobre o desenvolvimen-
to humano. Estudiosos de uma vertente psicológica histórico-cultural
postulam que a natureza humana é biológica e social. Esta natureza
social constitui-se mediante a atividade do sujeito, no seio das relações
sociais. Dessa ótica, o sujeito é histórico, social, concreto e, dependendo
da sua relação com o mundo da arte, da semiologia e com as forças pro-
dutivas humanas, constitui sua consciência. Nesse sentido, a vida social
5
Al mismo tempo, durante la lectura de las obras de Lev Semionovich Vigotsky siempre
tengo la sensación de que no lo comprendo todo.
54
concreta e o processo de educação determinam a consciência do sujeito,
como ser genérico, pertencente à classe humana.
Nas palavras de Elkonin (2009b, p. 190, tradução nossa),
6
Eu chamo isso de abordagem não clássica em psicologia. A partir
deste ponto de vista, Vigotsky é o fundador da psicologia não clás-
sica, a psicologia que representa a ciência sobre como, do mundo
objetivo da arte, do mundo dos instrumentos, do mundo de toda
a produtividade, nasce e surge o mundo subjetivo de um indivíduo
em particular.
Em harmonia com o exposto, seguimos com a apresentação de
aspectos da vida e obra de Daniil Borissovitch Elkonin, compreenden-
do a psicologia não clássica como possibilidade de uma psicologia e
uma pedagogia substanciadas em princípios da THC.
Numa retomada temporal e histórica, o começo da década de
1930 marca o início da relação afetiva e intelectual entre Vigotski e
Elkonin (2009a). Nessa época, Elkonin conhece Vigotski e se torna seu
discípulo, como assim se intitulava orgulhosamente (Lazaretti, 2011).
A convivência entre ambos foi breve, considerando a morte prematura
de Vigotski, em 1934.
Esse preâmbulo inicial situa, breve e pontualmente, aspectos da
história do encontro e da relação pessoal e acadêmica desses dois estu-
diosos russos. Na sequência, nosso exercício é o de contemplar aspectos
da vida e obra produzida por Daniil Borissovitch Elkonin (1904-1984).
Os dados reunidos nesta seção são apropriados da estudiosa
Lazaretti (2011; 2013). As contribuições do seu livro “D. B. Elkonin:
vida e obra de um autor da psicologia histórico-cultural” (Lazaretti,
2011) e do texto “Daniil Borissovitch Elkonin: a vida e as produ-
ções de um estudioso do desenvolvimento humano” (Lazaretti, 2013)
6
Yo denomino a esto la aproximación no clásica en la psicologia. Desde este punto de vista,
Vigotski es el fundador de la psicologia no clasica, la psicologia que representa la ciencia acerca
de como, desde el mundo objetivo del arte, del mundo de los instrumentos, del mundo de
toda la productividad, nasce y surge el mundo subjetivo de un individuo en particular.
55
fundamentam aspectos sistematizados nessa exposição sobre a vida pes-
soal e profissional desse pesquisador russo.
Trata-se de célebre psicólogo soviético, nascido em 29 de feverei-
ro de 1904, em Peretshepino (província de Poltava, Ucrânia), e falecido
em 04 de outubro de 1984, em Moscou. Ao longo de sua vida adulta,
como ele mesmo proferia, foi um dos últimos moicanos da primei-
ra geração da Escola de Vigotski ou da Psicologia Histórico-Cultural
(Lazaretti, 2013; Colussi, 2016; Gonçalves, 2017).
Em 1914, de acordo com Lazaretti (2011), Elkonin (1904-1984)
inicia seus estudos no seminário de Poltava, por um período de 6 anos.
A difícil situação econômica da família foi o cume para abandonar os
estudos, no período de 1920 a 1922. Em 1922, por interesse em re-
tornar aos estudos, ingressa como ajudante de cursos políticos e mili-
tares, tornando-se também professor de ex-delinquentes, em Poltava
(Gonçalves, 2017).
Segundo Lazarretti (2013) e Gonçalves (2017), pelo bom traba-
lho desenvolvido como professor, em 1924, Elkonin (2009a) foi convi-
dado a continuar seus estudos na Faculdade de Psicologia do Instituto
de Educação Social, posteriormente, Instituto Estatal de Pedagogia de
Herzen, em Leningrado. Em 1927, graduou-se em Psicologia e inicial-
mente dedicou-se por 2 anos à área da fisiologia.
O seu início como paidólogo
7
e professor no ambulatório profi-
lático da Estrada de Ferro Outubro, em 1929, fez com que ele se des-
vinculasse do laboratório de fisiologia. Nesse mesmo ano, tornou-se do-
cente na área de paidologia, em Leningrado, no Instituto Pedagógico de
Herzen, onde se formou. Atuou nessa instituição no período de 1929 a
1937 (Lazaretti, 2011; Gonçalves, 2017).
Na década de 1930, Elkonin (2009a) mostra interesse pelo jogo
infantil, quando contemplava suas filhas brincando e pela sua participa-
ção e proferição de palestras em conferências sobre psicologia infantil no
Instituto Pedagógico de Herzen. Nesses momentos, teve oportunidade
7
Estudo da criança em toda a sua complexidade, a partir de pontos de vista da sociologia, da genética,
da psicologia, da fisiologia e da pedagogia (ELKONIN, 2007 apud LAZARETTI, 2011, p. 28).
56
de se aproximar de Vigotski (1896 – 1934), como destacado anterior-
mente, conhecendo-o e se tornando seu discípulo (Lazaretti, 2011).
O próprio pesquisador (Elkonin, 2009a, p. 1-2) relata um episó-
dio com suas filhas, em que, após preparar o mingau de sêmola, do qual
elas não gostavam e se negavam a comer, para não as obrigar a degustar,
sugeriu uma brincadeira. Em suas palavras:
[...] propus brincarmos de “jardim-de-infância”. Aceitaram a ideia
com gosto. Vesti um guarda-pó branco e transformei-me em edu-
cadora; elas puseram seus pequenos aventais para se converterem
em educandas. Começamos a brincar, repetindo o que se faz nos
jardins-de-infância, passeamos, dando duas voltas ao redor da sala;
lemos; e por fim, chegou a hora do almoço. Uma das meninas as-
sumiu as funções de empregada e pôs a mesa. Eu, no meu papel de
educadora, ofereci-lhes o mesmo mingau. Sem o menor protesto,
mostrando-se até satisfeitas, comeram até ver o fundo dos pratos e
ainda pediram mais. [...]
Esse exemplo anuncia um dos momentos potencializadores do in-
teresse de Elkonin (2009a) em pesquisar os jogos infantis na sua comple-
xidade, tema que também interessava a Vigotski. Nos anos subsequentes,
1931 e 1932, Vigotski, ao ministrar palestras e conduzir cursos de pós-
-graduação no Instituto, em Leningrado, se aproxima cada vez mais de
Elkonin (2009a). Nessa época, interessado pela psicologia e pedagogia
infantil, Elkonin se torna seu auxiliar (Lazaretti, 2013; Colussi, 2016).
No final de 1932, Elkonin (2009a, p. 3) expõe suas conjecturas
iniciais sobre o jogo infantil, tendo o apoio somente de Vigotski, como
relata o próprio autor:
Em fins de 1932, expus as minhas conjecturas aos estudantes e
numa conferência no Instituto Pedagógico Herzen de Leningrado.
Os meus critérios formam alvos de uma crítica bastante dura; o
único que apoiou as teses fundamentais foi Liev Semiónovitch
Vigotski (que naquela época vinha a Leningrado realizar conferên-
cias e dirigir os cursos de pós-graduação), com quem eu trabalhava
como auxiliar.
57
No ano de 1933, Vigotski ministra conferências, em Leningrado,
sobre psicologia do pré-escolar e jogos (Elkonin, 2009a). A partir des-
sas conferências, os estudos de Elkonin despontaram. Como elucida o
autor (2009a, p. 3-4):
Vigotski expôs o problema com a amplitude e a profundidade que
lhe eram próprias, apresentando-o como o problema central para
entender o desenvolvimento psíquico na idade pré-escolar. Foi nas
ideias expressas por Vigotski nessas conferências que apoiei minhas
pesquisas posteriores sobre a psicologia do jogo.
A partir do excerto, compreendemos que a Teoria do Jogo de
Elkonin (2009a) apoia-se em princípios teóricos de Vigotski, a partir de
1933, e, como afirma Linaza (2009a), essa teoria poderia ser rebatizada
como Teoria de Vigotski-Elkonin, em reconhecimento à contribuição
de cada um desses autores (Elkonin, 2009a).
A convivência entre os dois pesquisadores durou pouco mais de
4 anos, devido à morte prematura de Vigotski, em 1934. No funeral de
Vigotski, Elkonin (2009a) tem seu encontro pessoal com Leontiev, que
se tornou um grande amigo e de investigações, como retratam Lazaretti
(2011) e Gonçalves (2017).
Em 1936, Elkonin (1904-1984) sofre uma dura perda. Ele ocu-
pava o cargo de diretor do Instituto de Paidologia de Leningrado, do
qual foi despedido devido ao fechamento dessas instituições. Como
exemplifica Lazaretti (2011, p. 42):
[...] na Rússia, proibiram-se os paidólogos de trabalharem, em es-
pecial, na área da prática escolar. Isso se refletiu como um freio no
desenvolvimento da psicologia infantil, visto que a psicologia se
torna uma ciência de gabinete e a paidologia personificada na prá-
tica, não teve mais espaço e as instituições que se dedicavam a este
trabalho foram fechadas. [...]
O psicólogo soviético se deparou com duas situações desagradá-
veis, perdeu o cargo de diretor e teve a negação da sua primeira tese,
58
intitulada “Psicologia Infantil”. A partir desse cenário, foi obrigado a
exercer outra ocupação para sustentar sua família. Ele passou a pintar e
vender tapetes de paredes no mercado (Lazaretti, 2013; Colussi, 2016).
De 1937 a 1941, Elkonin (1904-1984) trabalhou em classes ini-
ciais na escola onde estudavam suas filhas. O diretor, seu conhecido,
assegurou-lhe o emprego. Esses anos foram essenciais para suas investi-
gações práticas, pesquisando sobre aprendizagem da leitura e escrita em
crianças em idade escolar. Seu trabalho de excelência o condecorou nos
anos de 1938 a 1940, com produções de livros para ensino da leitura e
da escrita e cartilhas para as regiões do Extremo Norte (Lazaretti, 2013).
Seu trabalho o tornou conhecido no contexto escolar soviético
e mais tarde rendeu-lhe mais publicações. De acordo com os dados de
Lazaretti (2013), destacam-se: Questões Psicológicas da Formação da
Atividade de Estudo na Idade Escolar (1961); Investigação Psicológica da
Aprendizagem dos Conhecimentos na Escola Primária (1961); Análise
Experimental do Ensino Primário para a Leitura (1962); As possibilida-
des Intelectuais dos Escolares nas Séries Iniciais e o Conteúdo de Ensino
(1966); A Relação do Ensino e o Desenvolvimento Psíquico (1969);
Problemas Psicológicos em Relação ao Ensino pelo Novo Currículo
(1971); Psicologia de Ensino Escolar nas Séries Iniciais (1974); Como
Ensinar as Crianças a Ler (1976).
Diante desse cenário, o estudo referente ao jogo infantil ficou
para segundo plano. Em 1941, trabalhando como professor dos anos
iniciais, preparou sua segunda tese de doutorado, dessa vez sobre o de-
senvolvimento da linguagem oral e escrita nos escolares. Sua defesa foi
às vésperas da Segunda Guerra Mundial e novamente não conseguiu
seu título de doutor (Lazaretti, 2011).
Como descrito por Lazaretti (2011), com o início da guerra em
1941, o pesquisador ingressa no exército soviético como voluntário e,
em 1945, ao final da guerra, foi condecorado tenente-coronel. Nessa
ocasião, recebeu a trágica notícia de que sua esposa, Nemanova, e suas
filhas Natasha e Gália, não sobreviveram ao Cerco de Leningrado
(Colussi, 2016). Lamentavelmente, após o infortúnio, Elkonin (1904-
1984) almejava ser dispensado do exército no final da guerra, o que não
59
aconteceu. Sequencialmente, começou a lecionar e organizar o Curso
de Psicologia Militar Soviética. Nesse momento, retoma seus estudos
teóricos e experimentais sobre a psicologia infantil.
Com sua permanência no exército, em 1952, o tenente-coronel
Elkonin (1904-1984) foi acusado de supostos erros, com julgamento
marcado para o dia 03/03/1953. Com a morte de Stálin (1878-1953),
não foi julgado e foram revogadas as acusações contra ele. No exército,
dedicou-se à elaboração da sua terceira tese de doutorado, intitulada
«Psicologia Infantil (desenvolvimento da criança desde o nascimento
até os 7 anos)”, e, finalmente, em 1960, ele a defende e é condecorado
com seu título de doutor (Lazaretti, 2011). O título concretizou-se 24
anos após a sua primeira defesa, em 1936.
A partir de 1955, de forma lenta, a psicologia foi se reestruturan-
do e, na década de 1960 a 1970, ela se fortaleceu no campo acadêmico
(Lazaretti, 2011).
A partir desses elementos da trajetória de vida de Elkonin (1904-
1984), é possível perceber que, mesmo diante das adversidades que a vida
lhe trouxe, suas pesquisas e trabalhos foram se desenvolvendo e se forta-
lecendo. Os dados de Lazaretti (2013) indicam uma fecunda produção
intelectual por mais de 50 anos, totalizando por volta de 115 trabalhos,
todos em russo. Os trabalhos traduzidos para outras línguas são poucos,
comparados à totalidade de materiais publicados e ao potencial desse in-
telectual, o que pode denotar a dificuldade de compreensão de suas ideias
(Lazaretti, 2011). Como afirmamos, nas páginas seguintes, os quadros 7,
8 e 9 revelam a contribuição de seus escritos em línguas distintas.
Quanto ao jogo infantil, Elkonin (2010) tinha consciência de um
dever não cumprido. Desde 1930, com o início das pesquisas e conjec-
turas sobre o tema, durante décadas, as discussões, argumentações e re-
flexões foram estagnadas, devido aos equívocos da sua vida profissional
e pessoal, como sintetiza Lazaretti (2013, p. 213):
[...] em 1948, ele publica – em parceria com os colegas Frádkina,
Vartchavskaia, Guerchenon, Konnokova, Lukóv e Slávina - o pri-
meiro texto intitulado “Questões Psicológicas da Brincadeira na
60
Idade Pré-Escolar”, no qual são apresentados os primeiros resulta-
dos de sua investigação. Esse estudo foi concluído em 1978 com a
publicação do livro “Psicologia do jogo”. [...]
Esse livro foi lançado quase 50 anos depois, em 1978, em russo,
com o título “Psicologia Igri”, pela Editorial Pedagógica, de Moscou.
Em 1998, é publicada a primeira edição traduzida direto do russo, no
Brasil. O livro é dividido em seis capítulos. O primeiro capítulo, intitu-
lado “O objeto das pesquisas é a forma da atividade lúdica das crianças”,
traz contribuições de vários pesquisadores acerca do vocábulo “jogo”.
O conceito de jogo para Elkonin (2009a) engloba a criança em sua
totalidade. O papel social (representar um outro sujeito) e suas ações
(exemplos de atuação) constituem unidade indivisível para o desenvol-
vimento humano. Nas próprias palavras de Elkonin (2009a, p. 20) “[...]
No homem, é jogo a reconstrução de uma atividade que destaque o seu
conteúdo social, humano: as tarefas e as normas das relações sociais”. O
pesquisador evidencia que as teorias biológicas não estabelecem relação
com a base social do jogo, enfatizando que as relações sociais são a ori-
gem do jogo protagonizado.
No segundo capítulo, “Acerca da origem histórica do jogo pro-
tagonizado”, o autor ressalta o surgimento do jogo, em decorrência do
afastamento das crianças do mundo do trabalho. A mudança de lugar
da criança na sociedade alterou a relação social dela com seu meio cir-
cundante e com os adultos. Dessa forma, o jogo não é natural, mas
decorrente da construção histórica da humanidade.
Com o título “Teoria do jogo”, o livro prossegue para o terceiro
capítulo. O conteúdo incorpora contribuições de vários pesquisadores,
interpretando o jogo em épocas distintas. Dentre os estudiosos destaca-
mos alguns, como: Groos (1861-1946), Stern (1871-1938), Claparède
(1873-1940), Freud (1856-1939), Buhler (1879-1963), Piaget (1896-
1980), Koffka (1886-1941) e outros. Elkonin (2009a) defende a su-
peração de concepções biologizantes e naturalistas abordadas pelos
pesquisadores quase em sua totalidade. A colaboração dos psicólogos
soviéticos dialoga com esses estudiosos defendendo o caráter social e
61
histórico. Segundo o autor do livro (2009a, p. 204): “A peculiaridade
mais importante dos trabalhos dos psicólogos soviéticos no campo da
psicologia infantil é, antes de tudo, a superação das teorias naturalistas
e ‘profundas’ do jogo”. Encerrando os três capítulos iniciais do livro, é
possível notar o percurso histórico e teórico do tema em pauta.
O quarto capítulo intitula-se “Origem do jogo na ontogenia”. A
partir desse capítulo, o autor inclui dados experimentais. Ele argumenta
as ações do seu neto Andrei e reafirma a potencialidade das relações so-
ciais e dos processos educativos para efetivação e evolução do jogo pro-
tagonizado. Na compreensão do pesquisador: “A origem do jogo prota-
gonizado possui uma relação genética com a formação orientada pelos
adultos, das ações com os objetos na primeira infância” (Elkonin, 2009a,
p.216). As atividades precedentes ao jogo protagonizado tornam-se base
para o desenvolvimento humano, quando há oferta de elementos cultu-
rais diversificados e relações com parceiros mais experientes.
O quinto capítulo, “O desenvolvimento do jogo na idade pré-
-escolar”, o maior da obra, contém 163 páginas. A partir das bases na
primeira infância, o processo de evolução das atividades lúdicas torna-se
possível mediante processo educativo. A complexificação das situações
lúdicas não é inata, como enfatiza o autor (2009a, p. 270): “Tudo isso
acontece sob a direção de adultos e não de maneira espontânea”. O
capítulo engloba as contribuições teóricas do autor justificadas com ex-
perimentos científicos.
O último capítulo traz o título “O jogo e o desenvolvimento psí-
quico”. A finalização da obra ressalta a essencialidade do jogo para o
desenvolvimento das capacidades psíquicas. Ao brincar, a criança con-
trola a sua conduta, ativa a memória, a atenção, o pensamento e outros
processos essenciais para se humanizar.
Nas palavras de Elkonin (2009a, p. 10), verificamos a vitalidade
da teoria centrada em dados experimentais a partir do capítulo 4:
Nesses capítulos, utilizaram-se dados das pesquisas experimen-
tais realizadas com base nas ideias formuladas há mais de 40 anos
pelo notável psicólogo soviético Vigotski. Os dados experimentais
62
desses capítulos foram sendo reunidos antes de nossa concepção
de jogo tomar corpo definitivamente. Eles constituíram-se na base
sobre a qual se formaram os nossos critérios teóricos.
Ao longo da obra, Elkonin (2009a) evidencia várias vezes a co-
letividade. Ele descreve a carta recebida de Vigotski, em 1933, e a de
Leontiev, em 1936, contribuindo com argumentos e sugestões para o
jogo infantil.
Além do livro “Psicologia do jogo”, outro texto se apresenta em
língua portuguesa: “Lembranças do amigo e companheiro”, presente no
livro “Leontiev e a Psicologia Histórico-Cultural: um homem em seu
tempo”, organizado por Mário Golder, em 2004. Como revela o qua-
dro 7, dois trabalhos desse eminente psicólogo foram traduzidos para o
português (Lazaretti, 2013).
Quadro 7 – Referências de trabalhos em português do autor Daniil Borissovitch Elkonin
com base nos dados de Lazaretti, 2013.
Referências do autor Daniil Borissovitch Elkonin
1
ELKONIN, D. B. Psicologia do jogo. São Paulo: Martins Fontes,
1998
2
ELKONIN, D. B. Lembranças do amigo e companheiro. In: GOL-
DER, Mario (Org.). Leontiev e a Psicologia Histórico-Cultural: um
homem em seu tempo. São Paulo: Xamã, 2004. P. 77-85
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022) com base nos dados de Lazaretti (2013).
Em inglês, somam-se 14 trabalhos traduzidos, referentes aos anos
de 1963 a 1999. As produções reúnem-se no quadro 8 (Lazaretti, 2013):
63
Quadro 8 – Referências de trabalhos em inglês do autor Daniil Borissovitch Elkonin
com base nos dados de Lazaretti (2013)
Referências do autor Daniil Borissovitch Elkonin
1
ELKONIN, D. B. e psichology of mastering tha elements of
Reading. In SIMON & J. SIMON (Eds.) Educational psychology
in the U. S.S.R. London: Stanford C. A: Stanford University Press,
1963.
2
ELKONIN, D. B. e problem of instruction and development in
the Works of L. S. Vigotsky. Soviet Psichology. New York: Armonk,
n. 3, 1967.
3
ELKONIN, D. B. Some results of the study of the psychological
developmente of preschool age. In: COLE, M.; MALTZAMN,
I. Handbook of contemporary soviet psychology. London: Basic
Books, 1969. p. 163-208.
4
ELKONIN, D. B.Symbolics and its functions in the plays of chil-
dren. In: HERRON, R. E.; SMITH-SUTTON, B. (Orgs.) Child’s
play. New York: Ed. John Wiley & Sons, 1971. p. 221-231.
5
ELKONIN, D. B. URSS [Psicologia da leitura]. In: DOWNING,
John (Org.). Comparative Reading. Cross-national studies of be-
havior and process in Reading and writing. New York: Maemillan,
1973. p. 551-579.
6
ELKONIN, D. B.; ZAPOROZHETS. Foreword. In: ELKONIN,
D.B.; ZAPOROZHETS, A. (Orgs.). e psychology of prescholl
children. Cambridge, MA: MIT Press, 1974. p. XV-XXIII.
7
ELKONIN, D. B. Development of speech. In: ELKONIN, D. B.;
ZAPOROZHETS, A. (Orgs.). e psychology of prescholl chil-
dren. Cambridge, MA: MIT Press, 1974. p. 111-187.
8
ELKONIN, D. B.; ZAPOROZHETS, A.V.; V. P. ZINCHENKO.
Development of thinking. In: ELKONIN, D. B.; ZAPOR-
OZHETS, A. (Orgs.). e psychology of prescholl children. Cam-
bridge, MA: MIT Press, 1974. p. 186-255.
9
ELKONIN, D. B., ZAPOROZHETS, A.; GALPERIN, P. Prob-
lems in the psychololy of actividad. Journal of Russian and East
European Psychology, Armonk/NY. v.33, n.4, p. 12-32, jul. /aug.
1995.
64
10
ELKONIN, D. B. How to teach children to read. Journal of
Russian na East European Psychology, Armonk/NY. v.37. n. 6, p.
93-117, nov./dec. 1999a.
11
ELKONIN, D. B. On the structure of learning activity. Journal of
Russian na East European Psychology, Armonk/NY, v.37, n. 6, p.
84-92, nov./dec. 1999c.
12
ELKONIN, D. B. On the theory of primary education. Journal of
Russian na East European Psychology, Armonk/NY, v.37, n. 6, p.
71-83, nov./dec. 1999b.
13
ELKONIN, D. B. e development of play in preschoolers. Jour-
nal of Russian na East European Psychology, Armonk/NY, v.37, n.
6, p. 31-70, nov./dec. 1999d.
14
ELKONIN, D. B. Toward the problem of stages in the mental
development of children. Journal of Russian na East European Psy-
chology, Armonk/NY, v.37, n. 6, p. 11-30, nov./dec. 1999e.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022) com base nos dados de Lazaretti (2013).
Em língua espanhola, Lazaretti (2013) reúne 10 trabalhos, publi-
cados entre os anos de 1969 e 1996, conforme destacado no quadro 9.
Quadro 9 – Referências de trabalhos em espanhol do autor Daniil Borissovitch Elkonin
com base nos dados de Lazaretti (2013)
Referências do autor Daniil Borissovitch Elkonin
1
ELKONIN, D. B. Característica general del desarrollo psíquico de
los niños. In: SMIRNOV, A. A. et al. Psicologia. México: Grijalbo,
1969a. p. 493-503.
2
ELKONIN, D. B. Desarrollo psíquico del niño desde el nascimien-
to hasta el ingreso en la escuela. ln. SMIRNOV, A. A. et al. Psicolo-
gía. México: Grijalbo, 1969b. p. 504- 522.
3
ELKONIN, D. B. Desarrollo psíquico de los escolares. ln: SMIR-
NOV, A. A. et al. Psicologia. México: Grijalbo, 1969c. p. 523 -
560.
65
4
ELKONIN, D. B. Acerca del problema de la periodización del de-
sarrollo Psíquico en la edad infantil. In: ILIASOV, I. I.; LIAUDIS,
V. Y. (Orgs.). Antologia de la psicologia pedagógica y de las edades.
La Habana: Pueblo y Educación, 1986a. p. 34-41.
5
ELKONIN, D. B. La unidad fundamental de la forma desarrollada
de la actividad ludicra. La naturaliza social del juego de roles. ln:
ILIASOV, I. I.; LIAUDIS, V.Y. Antologia de la psicologia peda-
gógica y de las edades. La Habana: Pueblo y Educación,1986b. p.
74-78.
6
ELKONIN, D. B. Las cuestiones psicológicas relativas a la formaci-
ón de la actividad docente en la edad escolar menor. In: ILIASOV,
I. I.; LIAUDIS, V.Y. Antologia de la psicologia pedagógica y de las
edades. La Habana: Pueblo y Educación,1986c. p. 99-101.
7
ELKONIN, D.B. Problemas psicológicos del juego em la edad
pré-escolar. In: DAVIDOV, V.; SHUARE, M. (Orgs). La psicologia
evolutiva y pedagógica en la URSS. Antología. Moscú: Progreso,
1987a. p. 83-102
8
ELKONIN, D.B. Sobre el problema de la periodizacion del desar-
rollo psíquico em la infancia. In: DAVIDOV, V.; SHUARE, M.
(Orgs). La psicologia evolutiva y pedagógica en la URSS. Antología.
Moscú: Progreso, 1987b. p. 104-123.
9
ELKONIN, D.B.; ZAPORÓZHETS, A.; GALPERIN, P. Los
problemas de la formación de conocimientos y capacidades em los
escolares y los nuevos métodos de enseñanza en la escola. In: DAVI-
DOV, V.; SHUARE, M. (Orgs). La psicologia evolutiva y pedagógi-
ca en la URSS. Antología. Moscú: Progreso, 1987c. p. 300-315
10
ELKONIN, D. B. Epílogo. In: Vigotski, L. Obras escogidas, Tomo
IV. Madri, Visor: 1996.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022) com base nos dados de Lazaretti (2013).
A totalidade dos textos citados no quadro 9, produzidos pelo
autor Daniil Borissovitch Elkonin em língua espanhola, foi localiza-
da para composição desta dissertação. Em língua portuguesa, Elkonin
(2004) não foi localizado. Assim, a estruturação da pesquisa apresenta-
da centrou-se nos manuscritos do autor traduzidos em língua portugue-
sa e espanhola.
66
Na sequência, destacamos alguns aspectos referentes à vida e
obra de Elkonin (1960a, b; 1986a, b; 1987a, b; 2009a, b, c; 2010;
2017), principalmente em relação ao jogo infantil, centrados em prin-
cípios da Teoria Histórico-Cultural. Como já apontado, o texto sobre a
Psicologia do Jogo demorou a ser publicado. A insistência dos colegas
instigou Elkonin (2009a) a escrever o livro e, praticamente 6 anos antes
da sua morte (04/10/1984), o livro foi lançado em russo (1978).
Consciente da natureza limitada dos trabalhos sobre psicologia do
jogo infantil e, além disso, ocupado nestes últimos anos com outros
problemas da psicologia infantil, tardei muito em decidir escrever
este livro. Só pela insistência de meus colegas, em primeiro lugar,
de Galperin, Zaporózhets e Leontiev, empreendi este trabalho.
(Elkonin, 2009a, p. 9).
No Brasil, após 20 anos da sua publicação em russo (1978), é
publicada a primeira versão (1998), constituindo material fecundo para
reflexões essenciais sobre uma educação humanizadora. As contribui-
ções de Elkonin (1960a, b; 1986a, b; 1987a, b; 2009a, b, c; 2010;
2017) são inúmeras e podem potencializar o cenário científico brasi-
leiro. No entanto, a limitação de obras traduzidas para o português
dificulta o acesso ao entendimento da amplitude de seu pensamento
intelectual, já que, no Brasil, não é comum conhecer outras línguas.
A escassez de publicação de trabalhos teóricos desse estudioso no
Brasil nos direciona a estudar mais sobre a potencialidade das atividades
humanas – especialmente o jogo protagonizado e daquelas que a prece-
dem – para a constituição da natureza social do homem.
O conjunto de textos localizados de Elkonin (1960a, b; 1986a, b;
1987a, b; 2009a, b, c; 2010; 2017) fomenta reflexões sobre a essenciali-
dade do jogo protagonizado como atividade propulsora de aprendizagens
e desenvolvimento humano das crianças pré-escolares. As relações sociais,
a atividade humana e o processo educativo possibilitam a ampliação de
repertórios culturais ao longo da vida de cada pessoa. Nesse sentido, na in-
fância, as atividades precedentes ao jogo se tornam essenciais para a com-
plexificação dos conteúdos a serem desenvolvidos no período pré-escolar.
67
Nessa lógica de discussões, Elkonin (2009a, p. 35) evidencia o
valor das relações sociais desde o nascimento:
O singular impacto que a esfera de atividade humana e das relações
entre as pessoas produz no jogo evidencia que, apesar da variedade
de temas, todos eles contêm, por princípio, o mesmo conteúdo, ou
seja, a atividade do homem e as relações sociais entre as pessoas.
Na direção dessa argumentação científica, a discussão e análise
dos dados reunidos na pesquisa focam-se em dois eixos elencados a
partir da leitura dos onze trabalhos selecionados. Nas reflexões, afirma-
mos a imprescindibilidade dos processos educativos vividos na escola,
materializados em intervenções pedagógicas e práticas motivadoras de
desenvolvimento, possibilitando à criança uma diversidade de encon-
tros e apropriações de conhecimentos humanos, essenciais à sofisticação
do jogo, para a formação humana ao longo da infância.
De acordo com Elkonin (1960, p. 493, tradução nossa)
8
: “[...]
esse desenvolvimento se dá sob a influência determinante das condi-
ções de vida e educação, em correspondência com o meio ambiente e
sob a influência dirigente dos adultos”. Desse modo, entendemos que a
possibilidade da gênese do desenvolvimento da inteligência e persona-
lidade do homem, desde a mais tenra infância, são as relações humanas
por meio das quais ele pode agir ativamente com outras pessoas e com
os objetos da cultura. Com a intenção de agir conscientemente para o
êxito do processo de apropriação das qualidades que caracterizam cada
pessoa (desde seu nascimento) como humano, o professor assume seu
lugar protagonista, projetando e desenvolvendo situações potencializa-
doras de atividades provocadoras de aprendizagem e de humanização ao
longo da infância e em outros níveis de escolaridade.
Na direção desses pressupostos, compreendemos a necessidade de
debruçarmos nos estudos da teoria do jogo, como apresentamos a seguir.
8
Este desarrollo se efectúa bajo la influencia determinante de las condiciones de vida y de la
educación, en correspondencia con el medio ambiente y bajo la influencia directriz de los adultos.
68
2.2 A Teoria do Jogo: aspectos históricos e epistemológicos
O desenvolvimento infantil não é determinado por fases ou eta-
pas previamente definidas, o foco não é caracterizar a idade cronológica.
A relação determinada da criança com a realidade circundante, o pro-
cesso de educação e ensino mediado pelo adulto e a atividade humana
possibilitam transformações qualitativas no cérebro humano, esculpido
ao longo da infância, mediante a atividade social. Em relação a essa
questão, Elkonin (1960a, p. 502, tradução nossa)
9
sintetiza:
As forças motrizes do desenvolvimento psíquico que atuam mutua-
mente são o lugar ocupado pelo indivíduo na sociedade entre as de-
mais pessoas, as condições de vida, as exigências que lhe apresenta
a sociedade, o caráter da natureza da atividade que realiza e o nível
de desenvolvimento alcançado em cada momento dado.
Nessa perspectiva, torna-se essencial compreender quais aspec-
tos da realidade orientam o desenvolvimento infantil em um ou outro
período e como tornar a relação da criança com o mundo, compos-
to de objetos e pessoas, profícua para evoluir de um período a outro.
A passagem de um período de desenvolvimento a outro depende das
apropriações realizadas pelas crianças, possibilitando saltos qualitativos
no psiquismo infantil e se configurando em um processo espiral, cons-
tituído de avanços e retrocessos entre a atividade principal emergindo e
a atividade precedente.
Elkonin (1986a;1987b) caracteriza como atividades principais e
orientadoras, possíveis de transformações psíquicas na criança, a co-
municação emocional direta, a atividade objetal manipulatória, o jogo
protagonizado, a atividade de estudo (infância), a comunicação intima
pessoal (adolescência) e a atividade profissional/de estudo (juventude/
adulto). Em cada período da vida e do desenvolvimento humano, há
9
Las fuerzas motrizes del desarrollo psíquico que actúan mutuamente son el lugar ocupado
por el individuo en la sociedad entre las damás personas, las condiciones de vida, las
exigencias que le presenta la sociedad, el carácter de la actividad que realiza y el nivel de
desarrollo alcanzado en cada momento dado.
69
uma atividade principal, que direciona o desenvolvimento da criança,
propiciando transformações psíquicas. Nessa atividade, a criança esta-
belece uma relação autêntica (sente, percebe, toca) com a realidade cir-
cundante, o que possibilita a ela se apropriar dos elementos culturais do
mundo. Nesse sentido, o desenvolvimento do psiquismo como proces-
so único e integral, mediante a relação ativa criança/objeto e criança/
pessoa (criança ou adulto) presente no mundo exterior, possibilita o
desenvolvimento subjetivo.
Em acréscimo, é válido argumentar que a apropriação das fun-
ções psicológicas depende da unidade afeto/cognição, isto é, as relações
permeadas de afetos, propicia o desenvolvimento cognitivo e vice-versa.
Nas palavras de Martins (2013, p. 244):
A unidade afetivo-cognitiva que sustenta a atividade humana de-
manda, então, a afirmação da emoção como dado inerente ao ato
cognitivo e vice-versa, uma vez que nenhuma emoção ou sentimen-
to e, igualmente, nenhum ato do pensamento, podem se expressar
como “conteúdos puros”, isentos um do outro.
A intersecção do afetivo e o cognitivo afeta a criança de corpo,
mente e emoção, formando uma unidade. As atividades principais, in-
tersectadas entre si, dividem-se em dois grupos. No primeiro grupo,
prevalece a esfera motivacional, ou das necessidades, predominando a
relação criança/adulto, para apropriações de normas e condutas huma-
nas. Os períodos referentes a essa esfera correspondem à comunicação
emocional direta, jogo protagonizado e comunicação íntima pessoal
(adolescência). O primeiro grupo torna-se base para, no segundo gru-
po, a criança estabelecer relação com os objetos e perceber modos di-
versificados de agir, sentir e utilizar, apropriando-se das possibilidades
técnicas operacionais. A unidade afetivo/cognitivo possibilita à criança
se apropriar de conteúdos socialmente constituídos pela humanidade.
Como Elkonin (1987b, p. 122, tradução nossa)
10
sintetiza:
10
[...] en el desarrollo infantil tienen lugar, por uma parte, períodos en los que predominan
los objetivos, los motivos y las normas de las relaciones entre las personas y, sobre esta base,
70
[...] no desenvolvimento infantil têm lugar, por uma parte, perío-
dos nos quais predominam os objetivos, os motivos e as normas
das relações entre as pessoas e, sobre esta base, o desenvolvimento
da esfera motivacional e das necessidades; por outra parte períodos
nos quais predominam os procedimentos socialmente elaborados
de ação com os objetos e, sobre esta base, a formação das forças in-
telectuais, cognitivas das crianças, suas possibilidades operacionais
técnicas.
A alternância do desenvolvimento entre o “mundo dos adultos
sociais” e o “mundo dos objetos sociais” não significa a estagnação da
criança em relação, a pessoas ou objetos. Ao atuar com os objetos, sem
a criança perceber, o adulto permanece como modelo orientador de
suas ações e atitudes. Nessa perspectiva, Elkonin (1987b, p. 116-117,
tradução nossa)
11
nomeia como “fetichismo objetual” o seguinte:
Claro que o domínio destas ações é impossível sem a participação
dos adultos que as mostram às crianças, que as cumprem junto com
estes. O adulto atua somente como elemento, ainda que o mais
importante, da situação da ação objetal. A comunicação emocional
direta com ele passa aqui a segundo plano e em primeiro plano
aparece a colaboração prática. A criança está ocupada com o obje-
to e com a ação com ele. [...] se observa um peculiar “fetichismo
objetual”: é como se a criança não percebesse o adulto, o qual está
oculto” pelo objeto e suas propriedades.
el desarrollo de la esfera motivacional y de las necesidades; por outra parte, períodos em
los que predominan los procedimientos socialmente elborados de acción com los objetos
y sobre esta base, la formación de las fuerzas intelectuales cosnoscitivas de los niños, sus
possibilidades operacionales técnicas.
11
Claro que el domínio de estas acciones es imposible sin la participación de los adultos que
las muestran a los niños , las cumplen junto com éstos. El adulto actúa sólo como elemento,
aunque del mais importante, de la situación, de la acción objetal. La comunicación emocional
directa com él passa aqui a segundo plano y em primer plano aparece la colaboración
práctica. El niño está ocupado com el objeto y con la acción com él. [...] se observa um
peculiar “fetichismo objetal”: es como si el niño no advirtiera al adulto, el que está “oculto
por el objeto y sus propiedades.
71
A criança comprometida em manusear os objetos não percebe a
presença do adulto direcionando-a para apropriar-se do modo social
e técnico/operacional. Ademais, sem a participação conjunta adulto/
criança, torna-se impossível apropriar-se das propriedades dos objetos.
Os dois mundos presentes na realidade circundante das crianças
tornam-se essenciais e constituem-se como linha central de desenvol-
vimento, expressando-se na atividade principal predominante, e linha
acessória de desenvolvimento, revelando-se na atividade principal prece-
dente (Vygotski, 1996), num movimento espiral ascendente de avanços
e retrocessos, como já citado.
O jogo protagonizado na esfera das motivações e necessidades
evidencia a relação homem/homem como atividade predominante no
período pré-escolar. Elkonin, (2009a, p. 8) esclarece a essencialidade de
relações sociais como fontes para o conteúdo desse jogo:
[...] no jogo da idade pré-escolar influem, sobretudo, o âmbito das
atividades humanas e as relações entre as pessoas, e que o seu con-
teúdo fundamental é o homem - a atividade do homem e as rela-
ções entre os adultos -, em virtude do que o jogo é uma forma de
orientar nas missões e motivações da atividade humana [...]
A partir da investigação de Koroliova (1957), citado por Elkonin
(2009a), é possível compreender a essencialidade das relações humanas
como potencializadoras de desenvolvimento nesse momento da infân-
cia. Um exemplo, trazido no texto de Elkonin (2009a), sinaliza que
crianças estavam numa viagem a uma casa de campo e puderam obser-
var e vivenciar impressões numa estação ferroviária: pessoas subindo e
descendo, o barulho do trem, compra de passagens com seus pais no
guichê e outros atributos. A educadora, ao presenciar os comentários e
a relação afetiva com a viagem, sugeriu a brincadeira, mas a atividade
não aconteceu, mesmo oferecendo objetos (trem, guichê e distribuição
de papéis). A educadora sugeriu uma excursão à estrada de ferro, as-
sim as crianças observaram todo o funcionamento in loco. Ao retorna-
rem, apresentaram desenhos com formas claras do trem, do guichê, do
72
carrinho de carregar as bagagens, porém o jogo não fluiu. Após as férias
das crianças, nova excursão foi organizada. Nesse momento, as crianças
observaram todo o trabalho humano referente à estrada de ferro, do
maquinista, do chefe da estação, do carregador de malas, dos cabinei-
ros, dos varredores limpando o trem e a plataforma, a postura dos pas-
sageiros ao subir e descer do trem e outros aspectos referentes ao tema.
Após várias tentativas, o jogo prosperou e perdurou por vários dias.
Diante do processo ilustrado, depreendemos a relação do jogo com o
mundo dos adultos sociais”, porque, nas palavras de Elkonin (2009a,
p. 34): “[...] as crianças só começaram a brincar depois de saber o que as
pessoas faziam, como trabalhavam e que relações se estabeleciam entre
elas no processo de produção”.
Nesse sentido, a relação homem/homem constitui fator essencial
para a possibilidade de as crianças desenvolverem o jogo protagonizado,
contudo não aniquila a relação homem/objeto social, vivenciada no pe-
ríodo precedente. Ademais, durante a objetivação de um determinado
tema, as crianças poderão sentir necessidade de explorar novos objetos
que elas não dominam e sobre os quais necessitam de orientação. O
adulto, como parceiro mais experiente, medeia a relação, apresentando
procedimentos de ação com os objetos e, consequentemente, a conduta
e normas humanas de uso. Em relação a isso, Elkonin (1987b, p. 115,
tradução nossa)
12
complementa “[...] a atividade da criança dentro dos
sistemas ‘criança-objeto-social’ e ‘criança-adulto-social’ representa um
processo único no qual se forma sua personalidade”.
Assim, os períodos precedentes alicerçam a objetivação de possí-
veis ações com objetos no período subsequente. A comunicação emo-
cional direta com os adultos possibilita a formação de coordenações
sensório-motoras, essencial ao novo período em surgimento. No perío-
do objetal manipulatório, formam-se as bases para o desenvolvimento
do jogo protagonizado no período pré-escolar, considerando que, sem
saber manusear um objeto, não é possível agir com ele, incluindo a
12
[...] la actividad del pequeno dentro de los sistemas “niño-objeto-social” y “niño-adulto-
social” representa um processo único en el que se forma su personalidade.
73
forma utilitária e lúdica. No jogo protagonizado, a criança aprende a
agir no plano ideativo (plano das ideias), a partir das apropriações sen-
soriais vivenciadas nos períodos precedentes.
As proposições apresentadas sobre a periodização do desenvol-
vimento infantil constituem aspectos para seguir com entendimentos
sobre a origem histórica do jogo protagonizado.
2.2.1 Origem histórica do jogo protagonizado
O lugar ocupado pela criança na sociedade articula-se com a ori-
gem do jogo protagonizado e reflete nossas compreensões de quem seja
a criança. As concepções de criança e infância são dinâmicas, cíclicas e
não lineares. Ao pensar sobre infância e criança, compreendemos que
são entendimentos sociais e, em cada tempo histórico, recebem uma
ênfase valorativa. Conforme Elkonin (2009a, p. 48), o lugar ocupado
pela criança na sociedade correlaciona os conteúdos dos jogos:
[...] sobre o lugar que a criança ocupa na sociedade, nas diversas
fases do desenvolvimento histórico; e, por outra, de dados sobre o
caráter e o conteúdo dos jogos infantis nesses mesmos períodos. A
natureza dos jogos infantis só pode compreender-se pela correlação
entre eles e a vida da criança na sociedade.
Essas formulações de Elkonin (2009a) firmam o entendimento
de que concepções de infância e criança se alteraram ao longo da histó-
ria, mudando a relação da criança com a sociedade. Em virtude disso,
ao longo da história, a infância foi vista como um período de vida em
que as crianças eram: “adulto em miniatura”, “tábula rasa”, “folha em
branco a ser preenchida”, “possuidora de características inatas”. Nos
dias contemporâneos nossas compreensões e defesas se dirigem a con-
ceber a infância como período especial e único da vida, essencial para
uma educação que humanize as crianças desde bebês, desenvolvendo
nelas capacidades especificamente humanas.
No decorrer dos anos, a criança ocupou lugar diferenciado na
sociedade. Nas sociedades primitivas, participava ativamente do labor
74
produtivo dos adultos, não havia a distinção criança/adulto. Como ex-
plica Elkonin (2009a, p. 57):
Os traços característicos da criança que vive no ambiente dessa so-
ciedade, sua autonomia precoce e a ausência de uma fronteira níti-
da entre as crianças e os adultos são uma consequência natural das
condições de vida dessas crianças e de seu lugar real na sociedade.
Nesse tipo de sociedade, a criança engendrava-se cedo no labor
dos adultos e brincava pouco. Em relação a isso, Elkonin (2009a, p. 58)
afirma que: “[...] as crianças que vivem numa sociedade de nível relati-
vamente baixo de desenvolvimento não têm jogos protagonizados”. Vale
ressaltar a ausência de jogos não pelo caráter de baixa intelectualidade
das crianças, mas devido ao seu lugar ocupado na sociedade. Desde a
tenra idade (de 3 ou 4 anos), a criança agregava-se no mundo produtivo
dos adultos, coletando raízes, ou participando de formas rudimentares
de plantio, ou caçando animais. A ausência de fronteira entre criança/
adulto possibilitava a independência em tomadas de decisões e liberda-
de de atuar como e com os adultos, apropriando-se e objetivando-se de
aspectos do trabalho humano. Cabe destacar que a inserção precoce da
criança no trabalho conjunto com os adultos não se tratava de explo-
ração infantil, mas do lugar ocupado por ela nesse tipo de sociedade.
Com o surgimento de formas complexificadas de ferramentas e
avançando o processo da agricultura e da pecuária, a divisão do trabalho
é alterada. De acordo com Elkonin (2009a, p. 60): “[...] Com a mudan-
ça do caráter da produção na sociedade, operou-se uma nova divisão do
trabalho”. Nesse sentido, a criança é impulsionada a operar com objetos
de trabalho dos adultos de tamanho reduzido, não idênticos aos dos
adultos, próximo das condições reais.
De igual modo, a presença do adulto torna-se essencial para ensi-
nar os modos de uso do objeto. Os objetos por si só não trazem impreg-
nados neles seus modos de uso, dessa forma, necessitam do adulto para
ensinar seus modos operantes e sociais de uso. Toda ação com os objetos
apresenta dualidade. O aspecto operacional relaciona-se às propriedades
75
físicas do objeto, “como usar”. O aspecto social, refere-se ao seu modo
social de uso, “para que foi criado”. Nesse sentido, o processo de edu-
cação possibilita à criança dominar o aspecto social primeiramente, en-
quanto o modo operante é mais complexo e requer maior domínio das
suas propriedades. Paulatinamente, o objeto de tamanho reduzido é
substituído conforme o crescimento da criança, possibilitando melhor
apropriação do aspecto operacional. Elkonin (2009a, p. 68-69) reitera:
“Os equipamentos vão mudando paulatinamente, passando do tama-
nho reduzido, adaptado às mãos infantis, para o tamanho natural que
os adultos utilizam, e as condições dos exercícios vão se aproximando
cada vez mais do trabalho produtivo”.
A mudança social da criança utilizando objeto de modo reduzido
torna-se possível mediante o adulto como pivô central - portador de expe-
riências culturais –, exibindo as potencialidades do objeto. Nesse tipo de
sociedade, é possível perceber indícios de situação lúdica, ao agir com os
objetos como os adultos e comemorar conquistas ou lamentar fracassos:
É possível que as crianças tenham introduzido no processo de assi-
milação desses instrumentos dos adultos alguns elementos de jogo:
a emulação, a alegria por seus acertos e êxitos etc., mas isso de
maneira nenhuma convertia em jogo uma atividade dirigida no
sentido da assimilação dos modos de manejar os instrumentos de
trabalho. (Elkonin, 2009a, p. 68).
A partir do excerto, é possível perceber dois pontos de vista: pri-
meiramente o treino para melhor usar a ferramenta e, posteriormen-
te, o afetamento despertado nas crianças em relação às conquistas ou
insucessos. As ações realizadas pelas crianças, tais como um toco re-
presentando uma raposa ou um pequeno pau, um peixe nadando, in-
dicam o desejo de querer realizar as mesmas coisas que o adulto e agir
como tal, tendo-o como referência. O tempo livre da criança ao treinar
a pontaria, referente à caça ou pesca, torna-se essencial para manusear e
dominar as propriedades das ferramentas. Na sequência, o afetamento
emocional de alegria, tristeza, em relação à atividade vivenciada. Sendo
assim, emergem indícios de jogo protagonizado, como enfatiza Elkonin
76
(2009, p. 69): “[...] Assim, pode haver implícitos nesses exercícios ele-
mentos de jogo protagonizado”.
Nesse momento histórico, manifesta-se a necessidade de a criança
aprender o manejo das ferramentas para engajar-se no mundo produ-
tivo dos adultos. A ferramenta torna-se o centro e pouco se percebe a
reconstituição da atividade produtiva do adulto, os exercícios limitam-
-se aos modos de usos do objeto. Na sociedade primitiva, a criança se
inseria diretamente na atividade laboral do adulto. Nesse contexto, o
alvo para adentrar-se nas forças produtivas do trabalho humano mudou
para o domínio do uso da ferramenta.
Em continuidade, a evolução das ferramentas contribui para nova
mudança no sistema de relações da criança com a sociedade. Para exem-
plificar, a enxada podia ser reconstituída em tamanho reduzido e fazer a
função de uso na aparência e no modo social, entretanto, a agricultura
de arado tornou-se inviável no modo de uso reduzido. Nas palavras de
Elkonin (2009a, p. 77):
Não se podia jungir a ele um boi nem lavrar. É possível que jus-
tamente nessa fase do desenvolvimento da sociedade aparecesse o
brinquedo no sentido próprio da palavra, como objeto que só re-
presentava a ferramenta de trabalho e os equipamentos ou utensí-
lios da vida dos adultos.
Ao longo da história, o lugar da criança na sociedade e a concep-
ção de infância alteraram-se. A complexidade das ferramentas possibi-
litou o prolongamento da infância, distanciando a criança do mundo
produtivo dos adultos. A inviabilidade de apropriar-se dos modos de
usos das ferramentas possibilitou às crianças viverem por si mesmas,
assim comunidades infantis emergiram (Elkonin, 2009a). Nessas co-
munidades, surgiu a possibilidade de o jogo manifestar-se.
Das sociedades primitivas às contemporâneas, a peculiaridade
percebida ao longo do processo evolutivo consiste na presença efeti-
va do papel do adulto exteriorizando o mundo constituído de objetos
materiais e imateriais, desde as ferramentas elementares presentes nas
77
sociedades menos desenvolvidas até as complexas do mundo atual. O
adulto insere a criança na sociedade e na cultura criada historicamente
para que ela aprenda e se desenvolva, afirmando o desenvolvimento
humano como processo de apropriação e objetivação de modos diver-
sificados de agir e se relacionar com os objetos e pessoas, superando a
naturalidade e espontaneidade de seus modos de pensar e agir.
Ao longo do exposto, depreendemos a essencialidade do processo
de educação e ensino por parceiros mais experientes com o intuito de a
criança se apropriar de formas e condutas sociais do seu tempo para o
desenvolvimento da inteligência e personalidade e tornar-se autônoma.
Como enfatiza Elkonin (1960, p. 498, tradução nossa)
13
:
O desenvolvimento psíquico das crianças se dá no processo de educa-
ção e ensino realizado pelos adultos, que organizam a vida da criança,
criam condições específicas para o seu desenvolvimento e transmitem
a experiência social acumulada pela humanidade no período anterior
de sua história. Os adultos são os portadores dessa experiência social.
Graças aos adultos, a criança assimila um amplo círculo de conheci-
mentos adquiridos pelas gerações anteriores, aprende as habilidades
socialmente desenvolvidas e as formas de comportamento que foram
criadas na sociedade. À medida que assimilam a experiência social,
diferentes capacidades são formadas nas crianças.
O amplo círculo de conhecimentos adquiridos pelas gerações an-
teriores (Elkonin, 1960) formula o caráter social do jogo. Desde a so-
ciedade primitiva, com a participação ativa da criança na produção do
trabalho humano, até a sociedade contemporânea, a criança apropria-se
de conhecimentos, com a mediação dos adultos, tendo, nessas relações
13
El desarrollo psiquico de los niños tiene lugar en el proceso de educación y enseñanza
realizado por los adutlo, que organizan la vida del niño, crean condiciones determinadas
para su desarrollo y le transmiten la experiencia social acumulada por la humanidad en el
periodo precedente de su historia. Los adultos son los portadores de esta experiencia social.
Gracias a los adultos el niño asimila on amplio círculo de conocimientos adquiridos por las
generaciones precedentes, aprende las habilidades elaboradas socialmente y las formas de
conducta que se han creado en la sociedad. A medida que asimilan la experiencia social se
forman en los niños distintas capacidades
78
e atividades, a possibilidade de desenvolver funções psicológicas huma-
nas. O aparecimento do jogo constata-se pela necessidade de a criança
querer agir e participar da força produtiva humana, assim o afastamen-
to da criança dessa atividade a instiga a agir e participar do proces-
so de trabalho do homem, mediante a situação lúdica. Assim Elkonin
(2009a, p. 78) argumenta: “Não é possível determinar com exatidão o
momento histórico em que apareceu o jogo protagonizado. Pode ser
diferente entre os povos, segundo as condições de sua existência e as
formas de passagem de uma fase inferior a outra superior”.
Com exatidão não se sabe sobre o aparecimento do jogo protagoni-
zado, em consonância ao já exposto, compreendemos diferentes concep-
ções de infância, criança e sociedade, de tempos em tempos, no percurso
histórico da humanidade. A origem vincula-se a mudanças sociais, políti-
cas, econômicas, filosóficas e teóricas do mundo, em constante renovação.
Essas ideias são sintetizadas na premissa de que a vida é troca
social. O ser humano é um produto histórico, social e da sociedade
em que vive, em um determinado tempo. Essa argumentação subsidia
cientificamente, dentre outras questões, possibilidades de planejamen-
to, organização, desenvolvimento e avaliação de práticas educativas em
que a escola seja cenário para a vida vivida entre e com as pessoas desde
o começo da vida.
Na sequência, descrevemos aspectos do desenvolvimento do jogo
protagonizado desde a ontogenia, com especial atenção ao surgimento do
jogo protagonizado e ao lugar ocupado pela criança na comunidade escolar.
2.2.2 Bases para o jogo protagonizado: aproximações
A possibilidade de evolução das atividades lúdicas depende do
lugar ocupado pela criança na comunidade escolar. Nos dias atuais, há
consenso científico de que criança é protagonista, capaz, curiosa pelas
coisas do mundo e ativa nas relações com a cultura e com as pessoas
(professores, crianças e demais educadores na EEI).
Com essa compreensão, as relações autênticas com adultos e en-
contros instigantes com a cultura constituem situações potencializadoras
79
de aprendizagem e de desenvolvimento humano. Essas relações viven-
ciadas no meio social concreto, possibilitam a apropriação de funções
interpsíquicas, contribuindo com o desenvolvimento das funções in-
trapsíquicas, conquistadas como patrimônio pessoal. De acordo com
Vigotski (2009a, p. 331): “[...] O fundamental na aprendizagem é jus-
tamente o fato de que a criança aprende o novo”. Em acréscimo a esse
argumento, Elkonin (1960a, p. 503, tradução nossa)
14
corrobora: “A
missão do pedagogo é fazer avançar o desenvolvimento psíquico das
crianças, formar o novo em seu desenvolvimento psíquico, facilitar o
desenvolvimento do novo”.
Em cada período de desenvolvimento novas formas de pensar e
compreender o mundo emergem, considerando que o processo educativo
e condições de vida concreta da criança propiciam mudanças qualitati-
vas e possibilitam o avanço do desenvolvimento das funções psíquicas.
Conforme elucida Vigotski (2009a, p. 333): “A pedagogia deve orientar-
-se não no ontem, mas no amanhã do desenvolvimento da criança.
Para somar a essas assertivas, Elkonin (1960a, p.503, tradução
nossa)
15
assevera:
[...] O pedagogo não pode apenas levar em conta o nível de de-
senvolvimento existente. Deve orientar-se para as perspectivas de
desenvolvimento, especialmente para os mais próximos, e, por eles,
orientar todo o desenvolvimento da criança. Somente conhecen-
do bem o que é próprio das crianças de uma determinada idade
e o que pode ser acessível a elas, sob determinadas condições, no
próximo estágio de desenvolvimento, tanto de suas perspectivas
imediatas quanto do futuro próximo da criança, o pedagogo pode
direcionar real e verdadeiramente a evolução da criança.
14
La misión del pedagogo es hacer adelanatar el desarrollo psiquico de los niños, formar lo
nuevo en su desarrollo psiquico, facilitar el desarrollo de lo nuevo.
15
[...] El pedagogo no puede solamente del nivel de desarrollo existente. Debe orientarse hacia
las perspectivas del desarrollo, sobre todo hacia las más próximas, y, rigiéndose por ellas,
dirigir todo el desarrollo del niño. Solamente sabiendo bien lo que es próprio de los niños de
uma edad determinada y lo que les puede ser accesible, en condiciones determinadas, en el
grado siguiente del desarrollo, tanto de sus perspectivas próximas como del futuro próximo
del niño, el pedagogo puede dirigir real y verdadeiramente la evolución del niño.
80
Conforme o exposto até aqui, o jogo protagonizado possibilita
desenvolvimento à criança: no ato de brincar e reconstituir uma situa-
ção lúdica, ela se apropria de condutas humanas. Segundo Vigotski
(2021, p. 235), “A relação entre a brincadeira e o desenvolvimento deve
ser comparada com a relação entre a instrução e o desenvolvimento”.
Nesse sentido, argumentamos acerca do valor do jogo protagonizado
como atividade principal da criança pré-escolar, como o conjunto de
ações motivadoras de aprendizagens que impulsionam o desenvolvi-
mento humano na infância. Ao vivenciar desafios e problematizações
na situação lúdica, a criança organiza o pensamento e age mediante
novas possibilidades de relações, com pessoas ou objetos. Assim, quanto
maiores as apropriações precedentes, mais ricas as objetivações no jogo.
Como explicita Elkonin (1986a;1987b), as atividades principais e
orientadoras possíveis de transformações psíquicas na criança precedentes
ao jogo são: a comunicação emocional direta e a objetal manipulatória.
Com o nascimento, a criança transmuta da vida intrauterina para
a vida social. A relação homem-homem (Elkonin, 2009a) inicia-se com
a atividade principal denominada comunicação emocional. Ao nas-
cer, o mundo composto de estímulos e relações sociais deflagra-se ao
bebê, que, como garantia de sobrevivência, inicia a vida com reflexos
incondicionados de alimentação, defesa e orientação (Elkonin, 1960b).
Logo, o bebê, ao sentir algo encostado em sua boca, realiza movimento
labiais; ao se deparar com um foco de luz, fecha os olhos; ao ouvir um
som estridente movimenta a cabeça; ao sentir incômodo, chora. Nesse
sentido, os reflexos incondicionados garantem a sobrevivência biológica
do ser humano, ademais, sem a presença do adulto, o bebê não sobre-
vive, comprometendo a continuidade da espécie humana. O bebê é
maximamente dependente do adulto, “maximamente social” (Vygotski,
1996, p. 285). Toda relação do bebê com as pessoas, incluindo os cuida-
dos biológicos de troca de fralda, banho, constituem-se relações sociais,
mediadas pelas pessoas.
A formação dos reflexos condicionados possibilita apropriações
culturais ao bebê, que, mediante o estímulo externo e a relação com as-
pectos da cultura humana, por meio dos sentidos (tato, audição, visão,
81
olfato e paladar), torna-se candidato ao desenvolvimento, em conjunto
com o adulto. O primeiro reflexo condicionado refere-se à alimenta-
ção: quando a mãe pega o bebê para amamentar, ele se aquieta, faz
movimentos com a cabeça à procura dos seios da mãe e inicia o pro-
cesso de sucção. Subsequentemente outros reflexos condicionados se
encaminham: o auditivo, o visual etc. Vale ressaltar, esses reflexos são
aprendizagens sociais, assim, a possibilidade de desenvolvimento de-
pende da relação do bebê com as pessoas, o que Vigotski (1996, p. 264)
denomina de “situação social de desenvolvimento”.
Nesse sentido, a gênese das primeiras impressões acerca do mun-
do, por meio dos órgãos da percepção, é vivenciada pelas crianças em si-
tuações em que o adulto conversa com ela e anuncia o que será feito, por
exemplo, nos momentos de troca de fralda, banho, dentre outros, pro-
piciando situações potenciais de desenvolvimento. O contrário disso,
pode ser danoso aos bebês. A relação adulto/bebê, de maneira sensível,
afável, respeitosa, acarreta a este a possibilidade de perceber o mundo
pelas sensações externas. O começo da vida sedimenta e projeta as bases
para toda a história da vida da criança, possibilitando condições para
que ela aprenda e se desenvolva, como afirma Elkonin (1960b, p. 504,
tradução nossa)
16
: “Com o aparecimento de reflexos condicionados de
quase todos os órgãos da percepção, termina o período do recém-nasci-
do”. Assim, novas condições de vida possíveis ao desenvolvimento são
asseguradas ao bebê, mediante a relação com as pessoas.
O desenvolvimento do sistema sensorial torna-se base para os
movimentos das mãos. O adulto, ao posicionar um objeto no campo
de visão do bebê, possibilita que este fixe o olhar, contemple e acompa-
nhe os movimentos do adulto com o objeto. Nas palavras de Elkonin
(2009a, p. 208): “O desenvolvimento dos sistemas sensoriais antecipa-
-se ao da esfera dos movimentos das mãos. Os movimentos da crian-
ça ainda são caóticos, ao passo que os sistemas sensoriais já se tornam
relativamente dirigíveis”. Graças à visão, o bebê percebe os objetos e
16
Com la aparición de los reflejos condicionados de casi todos los órganos de la percepción se
termina el período del recién nacido.
82
sente-se estimulado a querer pegá-los. O desejo de alcançar o objeto
contribui para o desenvolvimento motor e possibilita aprimorar os mo-
vimentos das mãos e do corpo ao virar-se em direção ao objeto e, poste-
riormente, sentar-se para manipulá-lo. A relação do adulto com o bebê
ao ofertar uma gama de objetos em um ambiente – “chão” – preparado,
limpo e aconchegante, fomenta e potencializa o desenvolvimento das
sensações, aguça os movimentos do corpo e das mãos, corroborando a
ampliação da percepção tátil e o ato de agarrar.
Nas palavras de Elkonin (1960b, p. 506, tradução nossa)
17
:
[...] com a palpação das próprias mãos no início, e dos cobertores
e cobertas posteriormente. A palpação, com sua observação visual
simultânea, aliada à ação de direcionar as mãos em direção ao ob-
jeto visualmente fixado, leva ao fato de que, por volta dos cinco
meses, a criança pode apreender coisas. Este movimento tem um
significado extremamente importante para o desenvolvimento da
criança. No ato de agarrar são formados os elementos fundamentais
da coordenação visomotora.
O desenvolvimento do bebê é ampliado, paulatinamente, quan-
do o adulto qualifica o ambiente culturalmente, com objetos de cores
variadas, diversidades de sons, texturas, cheiros, obras de artes, tendo a
criança como sujeito participante. Ao oferecer uma gama de objetos ao
alcance do campo de visão dos bebês, os adultos estimulam o seu siste-
ma sensorial e os movimentos das mãos, simultaneamente.
Em sintonia com o exposto, Elkonin (1960b, p. 506, tradução
nossa)
18
exemplifica: “Pegar é a primeira ação dirigida da criança e a ori-
gem de diferentes manipulações com objetos”. O ato de pegar constitui
17
Con la palpación de sus propias manos al comienzo, y de las mantillas y cobertores después.
La palpación, con su observación visual simultánea, uniéndose a la acción de dirigir las
manos hacia el objeto fijado visualmente, conduce a que, aproximandamente a la edad
de cinco meses, el niño puede coges cosas. Este movimiento tiene una significación
extraordinariamente importante para el desarrollo del niño. En el acto de coger se forman
los elementos fundamentales de las coordeinacciones motoras visuales.
18
Coger es la primera acción dirigida del niño y el origen de distintas manipulaciones con los
objetos.
83
ação complexa para o bebê, e a concretização dessa ação está vinculada
ao adulto ofertar objetos ao alcance daquele. Caso contrário, o bebê se
ocupará, nos momentos acordado, em permanecer explorando as partes
do corpo, como pés, e sugando os dedos das mãos, obstaculizando o
desenvolvimento da percepção. A possibilidade de estabelecer relação
com diferentes objetos evolui a coordenação olho-mão (visomotora),
emergindo os movimentos reiterativos e o “complexo de animação
(Elkonin, 2009a). O bebê, ao fixar o olhar em determinado objeto, ex-
cita-se, comunicando-se, mediante sorrisos, balbucios, movimentos de
pés e mãos, com o adulto. Assim, com as sensações (boas, ruins, gosto-
sas, agradáveis...), o bebê atribui sentido participando da comunicação
sem palavras. Com essa lógica de compreensão, conclui-se que o bebê
tem um desenvolvimento máximo nas relações sociais com os adultos
presentes em seu entorno, e, mínimo na comunicação – uma notória
contradição no primeiro ano de vida (Vygotski, 1996).
Em relação a esse momento, Lísina (1987, p. 288, tradução nossa)
19
explica:
[...] Os componentes do complexo de animação servem como base
para que a criança comece a diferenciar o meio circundante a pes-
soa adulta (concentração), realizar a comunicação mímica (sorriso)
especificamente vocal (vocalizações pré-linguísticas) com o adulto
e atrair ativamente ao adulto à comunicação (excitação motora).
O bebê atrai o adulto e comunica-se com ele sem palavras, de uma
forma extremamente emocional, e, precisamente, graças a isso, participa da
relação. Ao falar de maneira afável, o adulto possibilita ao bebê condições
afetivas, comunicativas e intelectivas, necessárias para a criança conhecer
e desejar agarrar os objetos. O ato de agarrar os objetos introduzidos pelo
adulto propicia o desenvolvimento de movimentos diversos. Conforme
Elkonin (1960b, p. 506, tradução nossa)
20
, os movimentos são intensos:
19
[...] Los componentes del complejo de animación sirven de base para que el bebé comience
a difereciar en el medio circundante a la persona adulta (concentración), realizar la
comunicación mimica (sonrisa) y especificamente vocal (vocalizaciones prelinguisticas) com
el adulto y atraer activamente al adulto a la comucación (excitación motora).
20
Al principio el niño palmotea con su mano sobre los objetos, después los agita, los golpea
84
[...] a criança bate palmas nos objetos, depois os sacode, bate em algo
e os passa de uma mão para outra. Pouco a pouco esses movimentos
se unem e formam uma cadeia de ações repetidas e variadas com os
objetos. Se desenvolve também o exame dos objetos. A criança pode
olhar por muito tempo para o objeto com o qual manipula.
A formação da cadeia de ações repetidas com os objetos cons-
titui-se em movimentos reiterativos e concatenados, portanto, ambos
os movimentos não se diferem um do outro. Sob a base da percepção,
o bebê investiga as propriedades externas dos objetos em cadeia, bate
no objeto, sacode, transfere de uma mão a outra, sem a preocupação
com a função social do objeto (para que foi criado). Isso significa que
o desenvolvimento sensório-motor e a relação com os adultos se so-
bressaem nesse período. Assim, o bebê, ao manipular os objetos em
cadeia de movimentos, centra-se em descobrir as sensações externas do
objeto e de receber a aprovação do adulto. O caráter social e emocional
permeia a relação do bebê com o adulto, com isso, mediante novas
manipulações com os objetos, as ações se ampliam, potencializando o
desenvolvimento. No entendimento de Elkonin (2009a, p 211), “As
reações reiterativas e encadeadas, que acompanham o exame do objeto
que se manipula, são justamente as ações fundamentais que a criança
dessa idade faz com os objetos”.
As ações reiterativas e encadeadas constituem ações essenciais para os
bebês explorarem os objetos, possibilitando apropriações psíquicas de sentir,
ouvir, cheirar, diferenciar, mediante o tateamento externo do objeto. O que
sustenta o exame do objeto? Esse exame e a motivação das ações reiterativas e
encadeadas são sustentados pela novidade. Nessa perspectiva, compreende-se
que a novidade não se reduz exclusivamente a um objeto nunca visto pelo
bebê, mas também à novidade descoberta em determinado objeto já tateado,
como um som, ou um cheiro, não percebido de imediato.
contra algo y los pasa de una mano a otra. Poco a poco estos movimientos se unen unos
a otros y forman una cadena de repetidas acciones variadas con los objetos. Se desarrolla
también el examen de los objetos. El niño puede mirar, durante mucho tiempo, el objeto
con que manipula.
85
Como Elkonin (1960b, p. 506, tradução nossa)
21
sintetiza:
A base do desenvolvimento de movimentos repetidos e em cadeia
das mãos, e do exame prolongado dos objetos, é a reação orientada
para a pesquisa ao “novo”. A criança manipula mais tempo com
objetos que são novos para ela e com aqueles que na manipulação
mostram alguma qualidade que é nova para ela. A mesma coisa
acontece com a contemplação das coisas.
A novidade cativa o bebê e a orientação investigadora para a no-
vidade centra-se no adulto, permeando as relações de descobertas essen-
ciais sobre o objeto. O bebê, ao ser motivado por um adulto a analisar
um buraquinho feito na pelúcia de um urso, desenvolve a atividade de
concentração, percepção e atenção e, por um tempo, focará o interesse
em pôr e tirar o dedo do buraquinho. Essa novidade instiga novas ações
e movimentos com o objeto. Todo o processo depende da presença do
adulto, possibilitando a relação dos bebês com os objetos. O adulto sus-
cita novos atributos aos objetos já conhecidos, como também introduz
objetos novos para ação investigadora. A atitude do adulto em conjunto
com o bebê, nas manipulações primárias com os objetos, possibilita o
desenvolvimento das coordenações sensório-motoras. Essas manipula-
ções primárias, de acordo com Elkonin (2009a, p. 215), não caracteri-
zam jogo protagonizado:
Denominamo-las exercícios elementares para operar com as coisas,
nas quais o caráter das operações é dado pela construção especial
do objeto. Durante essa manipulação exercita-se uma série de pro-
cessos essenciais para o desenvolvimento ulterior, sobretudo das
coordenações sensório-motoras. Dessas manipulações primárias
surgem, diferenciando-se, outros tipos diversos de atividade.
21
La base del desarrollo de los rnovimientos repetidos y en cadena de las manos, y del examen
prolongado de los objetos, es la reacción de orientación investigadora sobre lo “nuevo”.
El niiio rnanipula más tiempo con los objetos que son nuevos para él y con los que en
la manipulación muestran alguna cualidad que para él rs nueva. Esto mismo pasa con la
contemplacíón ele las cosas.
86
Em sintonia com o excerto de Elkonin (2009a), as manipulações
com os objetos e o ato de preensão contribuem para o desenvolvimen-
to ulterior. Nesse período, o adulto propicia ao bebê as premissas de
pegar, executar movimentos e perceber a materialidade dos objetos. Ao
perceber, o bebê sente e, ao sentir, executa ações positivas ou negativas,
provenientes da percepção refletiva do objeto. “Em todas essas situações
o centro é o adulto” (Elkonin, 2009a, p. 210).
Em sintonia com o exposto, Mukhina (1995, p 84) endossa:
As ações que a criança assimila orientada pelo adulto criam a base
de seu desenvolvimento psíquico. Assim, já no primeiro ano se ma-
nifesta claramente a lei geral do desenvolvimento psíquico, segun-
do a qual processos e qualidades psíquicos de formam na criança
sob a influência decisiva das condições de vida, da educação e do
ensino.
Para Elkonin (2009a), os “exercícios elementares” nesse período
perspectivam aprendizagens para o futuro desenvolvimento, a relação
direta criança-adulto cede lugar à indireta criança-ações com objetos-
-adulto” (Elkonin, 2009a, p. 215). Dessa forma, a manipulação ele-
mentar dos objetos sob a orientação do adulto não deve ser chamada de
jogo protagonizado.
Esse entendimento contribui para argumentações acerca de que,
desde o primeiro ano de vida, o adulto, ao incitar a exploração de uma
gama de objetos, propicia distinguir propriedades pertinentes aos obje-
tos (duro, mole, formas, tamanho): sem a apropriação desses atributos,
torna-se dificultada a formação de imagens e a percepção referente às
propriedades externas do objeto.
Em relação a esse assunto, Mukhina (1995, p. 99) afirma:
Os dedos adaptam-se paulatinamente à forma e ao tamanho quan-
do já estão sobre o objeto, “amoldando-se a suas propriedades: so-
bre a bola a mão se crispa, sobre o cubo ela se acomoda nas bordas.
O objeto “ensina” a mão a levar em conta suas propriedades. E o
olho? Ele, por sua vez, “aprende” da mão.
87
Diante do exposto, é necessário compreender o papel dos adultos
para ampliar a relação da criança com os objetos desde a tenra idade. No
primeiro ano de vida, o bebê depende do adulto para o acesso direto aos
objetos, devido à inacessibilidade do sistema motor. A impossibilidade,
no momento, de se manter ereto, torna inviável a ele ter acesso direto
aos objetos. Quando começa a andar, como acentua Elkonin (1960b,
p. 508, tradução nossa)
22
, a criança “[...] agora não somente pode olhar
para eles, mas pode se aproximar e agir com eles. [...]”.
Nesse momento, a criança adentra um novo período de desen-
volvimento, denominado objetal-manipulatório. De acordo com
Mukhina (1995, p. 104), esse período caracteriza conquistas relevan-
tes às crianças: “As conquistas mais importantes da primeira infância
e determinantes do progresso psíquico da criança são o andar ereto, o
desenvolvimento da atividade objetal e o domínio da linguagem”.
O andar ereto permite autonomia e ampliação na manipulação
dos objetos: ao caminhar de um cômodo ao outro, dentro de casa ou
nos espaços da escola, é possível perceber a criança se desviando de mó-
veis, abrindo e fechando porta, sentindo texturas de parede ou piso, no-
tando obstáculos pelo caminho (sapatos pela casa, brinquedos, escada),
dentre outros. Nesse sentido, o percurso torna-se fonte de descoberta de
mundo e os encontros com os objetos possibilitam apropriações da fun-
ção social (a porta foi criada para abrir e fechar e separar um ambiente
do outro). As diferentes vivências nesse entorno ampliam o desenvolvi-
mento da funcionalidade do objeto e da linguagem.
Na atividade precedente, a criança não interage com o adulto de
forma verbal, ela se comunica de maneira não verbal, mediante os sen-
tidos de tocar, olhar e cheirar. Vigotski (2009a) explica que, nos primei-
ros meses de vida, o grito, o riso, o balbucio, o gesto, são caracterizados
como momentos iniciais da fala, conceituando-a como pré-intelectual
e seu pensamento como pré-verbal. A fala e o pensamento caminham
dissociados nesse período, são processos autônomos. As condições ex-
ternas são as que possibilitam ao bebê se comunicar – como o típico
22
Ahora no solamente puede mirarlos, sino que puede acercarse y actuar con ellos.
88
balbucio –, estimulam a língua, lábios e movimentos diversos da boca.
A criança, em continuidade, passa a conhecer e estabelecer relações com
objetos apresentados pelos adultos. Ela começa a compreender pergun-
tas simples como: Onde está a boca? Olha a boneca? Desse modo, a
criança reconhece os objetos pelas palavras, sem o domínio da fala e o
desenvolvimento do pensamento (Mukhina, 1995).
A descoberta fenomenal de que tudo tem nome intelectualiza a
linguagem na infância. Segundo essa lógica, a “fala se torna intelectual
e o pensamento verbal” (Vigotski, 2009a, p.133). O pensamento e a
fala, que, no período precedente, eram dissociados, agora se encontram
e se cruzam (Vigotski, 2009a). Mediante ações concretas com os obje-
tos de empilhar, abrir, fechar, encaixar, a criança pensa e desenvolve o
seu pensamento. Daí argumentarmos que “[...] o pensamento verbal só
é possível como aspecto dependente do pensamento concreto direto
(Vigotski, 2009a, p.363). Desse modo, a criança, com a possibilidade
de se apoiar no adulto como referência de seus exemplos e de suas atitu-
des concretas, age, pensa e se apropria da função social do objeto.
Essas apropriações e as novas inserções no mundo dos objetos, e
em sua relação ativa com eles, vão mobilizando capacidades psíquicas
em formação ou em desenvolvimento, satisfazendo seus anseios de co-
nhecimento e criando novos.
De acordo com Lísina (1987, p. 285, tradução nossa)
23
:
A limitação das possibilidades da criança durante a ação com os
objetos e sua pouca experiência para usá-los de maneiras diferen-
tes determinam a necessidade da criança por ajuda de adultos.
Precisamente por esse motivo, as qualidades do trabalho do adulto
adquirem aos olhos das crianças, na primeira infância, uma força
estimuladora especial, por elas as crianças entram em comunicação
com os adultos.
23
La limitación de las possibilidades del niño durante la acción com los objetos y su escassa
experiência para utilizarlos de diferente manera condicionan la necesidad del niño en la
ayuda del adulto. Precisamente por eso las cualidades de trabajo del adulto adquieren a los
ojos de los niños, em la primera infância, uma fuerza estimulante especial, por ellas los niños
entran em comunicación con los adultos.
89
Em consonância ao exposto, discorremos que, como parceiro que
introduz a criança no seio da cultura historicamente acumulada, o adul-
to apresenta o uso social dos objetos e seu nome sonoro. Nesse sentido,
as relações entre adulto e criança unem a linguagem oral à linguagem
dos sentidos (tocar, cheirar, ouvir e ver). Nessas situações em que as
crianças compreendem o uso social do objeto, pensam e estabelecem re-
lações com ele e com o adulto, há uma fusão de três elementos: criança,
objeto e adulto. Tais situações são eventos sociais em que a criança tem
a atitude de contemplar, analisar, perceber, sentir e descobrir as pro-
priedades dos objetos (externas e internas), seus usos sociais e nomes.
Nesses eventos, o adulto apresenta a função social do objeto, revelada
na forma e conteúdo desses materiais. Assim, torna-se essencial o adulto
ensinar os modos de uso dos objetos, pois estes não trazem impregna-
dos os modos de uso e para que foram criados:
Denominamos ações com os objetos os modos sociais de utilizá-los
que se formaram ao longo da história e agregados a objetos deter-
minados. Os autores dessas ações são os adultos. Nos objetos não
se indicam diretamente os modos de emprego, os quais não podem
descobrir-se por si sós à criança durante a simples manipulação,
sem a ajuda nem a direção dos adultos, sem um modelo de ação.
O desenvolvimento das ações com os objetos é o processo de sua
aprendizagem sob a direção imediata dos adultos. (Elkonin, 2009a,
p. 216).
Nesse sentido, segundo o autor, ao manipular os objetos, a criança
defronta com duas vertentes: o esquema geral de manipulação e o lado
operacional da ação. O esquema geral de manipulação consiste em usar
os objetos referentes a sua ação social (para que foi criado) e o lado opera-
cional da ação (como usar), ou seja, operar com os objetos utilizando suas
propriedades. Assim, o esquema geral de ação se refere à significação do
objeto e o lado operacional expressa-se no como fazer para usar: a criança
sabe como se lava roupa (significado), usa sabão, água, escova, contudo, o
lado operacional ainda é complexo e exige domínio das capacidades téc-
nicas para realizar com excelência. Nesse sentido, nasce a situação lúdica,
90
sobre a qual Elkonin (2009a, p. 221) acrescenta: “[...] A atividade com os
objetos, tomados apenas quanto ao seu significado, é precisamente o jogo
objetivado das crianças de tenra idade”.
Para elucidar, Elkonin (2009a, p. 218) relata um episódio do seu
neto Andrei, destacando as duas vertentes de ações:
Andrei brinca com bola, que vai para debaixo de um armário.
Estende-se no chão e procura alcançá-la com a mão. Após uma sé-
rie de tentativas infrutíferas, pede-me ajuda. Vou com ele ao quar-
to contíguo e apanhamos um pau comprido. Estendemo-nos os
dois no chão, procuramos alcançar juntos a bola e conseguimos.
Depois, toda vez que a bola ou outro objeto qualquer se encontra
fora do alcance de sua mão, Andrei corre para mim e diz: “Vovô,
o pau”. Quando lho dou, estende-se no chão e procura alcançar
sozinho o objeto. Suas tentativas ainda são muito imperfeitas do
ponto de vista operacional e fracassam com frequência empurrando
o objeto ainda mais para o fundo. Após várias tentativas, implora-
-me: “Vovô, você!” Isso significa que lhe recupere eu a bola. Juntos
os dois, agarrando ambos o pau, alcançamos o objeto.
De acordo com o episódio, podemos constatar domínio do es-
quema geral, isto é, da significação. O pau serve para alcançar um obje-
to, numa situação complicada de se pegar. O lado operacional de uso,
ou seja, a forma utilitária de uso, apresenta-se complexa. Andrei tenta,
porém, com ações infrutíferas. A execução com eficácia da forma uti-
litária demanda maiores apropriações para dominar o uso da proprie-
dade do objeto. A gênese da situação lúdica se revela, a criança sabe
para que serve o objeto (significado) e o lado operacional se encontra
embrionário. A compreensão do significado do objeto potencializa o
desenvolvimento da situação lúdica, possibilitando à criança desvelar
características das propriedades dos objetos (quente, frio, grande) e/ou
estados emocionais de pessoas (alegre, doente, triste).
Como explica Elkonin (2009a, p. 224), há indícios da situação
lúdica na primeira infância: “[...] Edia (2;5) dá de comer à boneca num
púcaro vazio, dizendo: ‘Isto é marmelada, come’. A menção de estados
91
imaginários da boneca (‘ela está doente’), de propriedades dos objetos
(‘a sopa está quente’, ‘a marmelada está boa’) [...]”. Ao mencionar atri-
butos dos objetos, ou das pessoas, a criança valida a apropriação dos
significados dos objetos do mundo, material e imaterial.
Vale ressaltar a essencialidade do adulto, contribuindo para apro-
priação e objetivação desse processo. A criança, absorta no objeto e nos
modos de uso, não se apercebe da presença do adulto, vê os objetos
com os olhos dos adultos, ‘como através de um cristal’” (Elkonin,
2009a, p. 403). Isso significa que as ações com os objetos possibilitam
a relação afetiva com o adulto, dito de outra maneira, o objeto envolve
a relação adulto/criança. Desse modo, o adulto é o centro em todas as
situações (Elkonin 2009).
Nessa perspectiva, o adulto como modelo exerce caráter essencial
na orientação investigadora dos objetos. A criança almeja posiciona-
mentos positivos ou negativos dos adultos, nesse sentido, ao mediar
e estimular as ações, estes contribuem para a apropriação de condutas
sociais do gênero humano. A atividade conjunta sustenta-se na relação
prática dos usos dos objetos e no trato pessoal com a criança.
O exemplo seguinte denota aspectos da discussão em andamento:
Andrei não sabe descer do sofá. Tenta fazê-lo de cabeça ou de lado.
Sua avó ensina-o a descer. Dá-lhe a volta, colocando-o de frente
para o encosto, com os pés para fora. Andrei desce então um pé e
depois outro. A avó não deixa de lhe ir dizendo, ao mesmo tempo:
Assim, assim! Nas tentativas seguintes, a avó já se limita a ampará-
-lo, ajudando-o a fazer os movimentos respectivos e estimulando-o:
Assim, assim! Você é um craque! (Elkonin, 2009a, p. 217).
O referido exemplo revela a mediação da avó ao orientar o neto a
descer do sofá, ao ir dizendo “assim, assim”. A atitude caracteriza a re-
lação prática e orientação de modos de agir, como também o incentivo
e aprovação da ação, o trato pessoal: “Assim, assim! Você é um craque”.
Ao manusear os objetos, paulatinamente, a criança amplia o
conhecimento e desenvolve ações complexificando os modos de uso
desses materiais. Como já afirmado, nesse processo de conhecimento
92
objetal, o adulto torna-se essencial, possibilitando o avanço das ações
para compreensão do esquema geral (significação), potencializando o
modo operacional a níveis qualitativos. A ação objetal possibilita a com-
preensão do seu significado no jogo, como afirma Mukhina (1995, p.
117): “A criança na primeira infância age inicialmente com o objeto e
mais tarde compreende o significado do objeto no jogo”. Nesse sentido,
a criança necessita compreender a priori o significado do objeto, para
posteriormente utilizá-lo de maneira lúdica. A significação e o modo
utilitário precedem a utilização do objeto na atividade lúdica.
Nessa perspectiva, a atividade conjunta com o adulto possibilita à
criança se apropriar do esquema geral (uso social do objeto). Referente
a essa assertiva, Elkonin (1960b, p. 508, tradução nossa)
24
sintetiza:
Na etapa inicial de aprendizagem das ações com os brinquedos
a criança reproduz os atos indicados pelos adultos somente com
aqueles objetos e naquelas condições em que os haviam mostrado.
Se o adulto mostrou à criança como tem que dar de beber à boneca
com um barril, ao começo ela dará de beber à boneca somente com
o barril e não utiliza outras coisas; se lhe mostraram como se dá de
comer ao gatinho ou ao cachorrinho, ela dará de comer somente a
estes “animais”.
Ao aprender a dar de beber à boneca com o barril, a criança con-
cretiza a ação, tal qual o adulto, com a mesma boneca e o mesmo obje-
to. “[...] os objetos ditam a ela o que fazer – a porta induz-lhe o querer
abri-la e fechá-la [...]” (Vigotski, 2021, p. 222). As atitudes do adulto e
o uso do objeto impulsionam as ações das crianças. Processualmente, a
criança generaliza, isto é, utiliza outros objetos para concretizar a ação
para dar de beber (copo, taça, caneca) a outros brinquedos ou pessoas
24
En la etapa del parendizaje de las acciones con los juguetes el niño reproduce los actos
indicados por los adultos solarmente con aquellos objetos y en aquellas condiciones en
que se los habian mostrado. Si el adulto le ha mostrado al niño cómo hay que dar de beber
a la muñeca con un barrilito, al comienzo él le dará de beber a la muñeca solamente con
el berrilito y no utiliza otras cosas; si le habian mostrado cómo se da comer al gatito o al
perrito, él dará de comer solarmente a estes “animales”.
93
(urso de pelúcia, mãe). Nas palavras de Mukhina (1995, p. 138): “A
generalização dos objetos segundo sua função surge primeiro na ação,
para depois fixar-se na palavra. Os primeiros portadores da generaliza-
ção são os objetos. [...]”.
Em acréscimo, Elkonin (1960b, p. 508, tradução nossa)
25
teoriza:
Porém, posteriormente, as ações se generalizam e executadas não
apenas com aqueles objetos que lhe foram mostrados, mas também
com outros semelhantes. Agora a criança dá de beber não só ao
cachorrinho e ao urso, mas também ao cavalo, à boneca e ao cubo
de madeira; e não apenas com o barril com o qual lhe haviam mos-
trado a ação, mas também com a xícara, com o copo etc.
A evolução das ações possibilita à criança dois tipos de transfe-
rências: o ato de generalizar, ou seja, processo de agrupamento mental
de objetos e ações com as mesmas características (Mello; Souza, 2018,
p. 240), já supracitado; e o processo de substituição de um objeto por
outro, “separa-se o objeto do esquema de atuação” (Elkonin, 2009a, p.
224). A criança substitui um objeto por outro na ausência do objeto
real a ser utilizado no momento da ação.
Elkonin (1960b, p. 508-509, tradução nossa)
26
exemplifica a uti-
lização de objetos substitutos: “[...] Assim, por exemplo, um palito de-
sempenha as funções de colher, de faca ou de termômetro e, de acordo
com isso, as ações que são realizadas com ele são as de alimentar, cortar
ou medir a temperatura”. A criança, ao conhecer o objeto e sua fun-
cionalidade, compreende o sentido para o qual o objeto foi criado e o
significado do seu uso. Ao explicar um objeto, a criança integra o nome
25
Sin embargo, posteriormente, las acciones se generealizan y se ejecutan no sólo con aquellos
objetos que se le habían mostrado, sino también con otros parecidos. Ahora el niño le da
de beber no solamente al perrito y al oso,sino también al caballo, a la muñeca y al cubo
de madera; y no solamente con el barrilito con el que le habían mostrado la acción, sino
también con la taza, con la copa, etc.
26
Así, po ejemplo, un palito ejerce las funciones de cuchara, de cuchillo o de termómetro y, de
acuerdo con esto, las acciones que se realizan con él son las de dar de comer, cortar o medir
la temperatura.
94
dele como uma das suas propriedades: “carro” assim se chama porque
tem quatro rodas; “motocicleta”, porque tem duas rodas. Dito de outra
forma, ela se apropria do objeto nos aspectos sonoros e semânticos da
palavra, um todo inseparável. A palavra e seu significado são integra-
dos, sendo assim, mediante a possibilidade de intervenções educativas,
o percurso do desenvolvimento avança. A separação da palavra do sig-
nificado concreto renasce à medida que a criança se desvincula da reali-
dade (Vigotski, 2009a). Antes de atuar com o objeto, a substituição de
um objeto por outro é complexa à criança nesse período, como Elkonin
(2009a, p 225) enfatiza: “[...] A criança nunca pôs a um objeto uma de-
nominação lúdica, antes de ter realizado com ele a respectiva ação [...]”.
Para Elkonin (2009a), o processo paulatinamente avança, a crian-
ça manipula, explora as propriedades externas, apropria-se do uso social
(significado), transfere a utilização do objeto para outros contextos (ge-
neraliza) e substitui um objeto por outro. A evolução das apropriações
se constitui essencial para a formação de imagens reflexivas do objeto.
Vale ressaltar que é um processo contínuo de aprendizagens em conjun-
to com os adultos, por meio do processo de ensino, educação e ativida-
de. Nesse sentido, demarca indícios da gênese do jogo protagonizado,
na primeira infância.
Nesse período, a criança foca nas ações com os objetos. Desse
modo, a escolha de um objeto substituto desvincula-se da semelhança
ao objeto a ser representado. A escolha dos objetos substitutos difere
dos brinquedos temático (boneca, jogos de cozinha e outros), que já
possuem caráter direcionado de modos de uso, centrando-se em ele-
mentos da natureza (pau, pedra, folhas) ou peças de jogos.
Mais uma vez, um experimento relatado por Elkonin (2009a, p.
226) acresce às discussões expostas:
[...] Lida (2;4) brinca durante muito tempo com uma boneca: pri-
meiro faz-lhe um curativo, depois dança com ela etc. Ao ver um
palito de fósforo sobre a mesa, apanha-o, passa-o pela cabeça da
boneca e diz: “penteia nenê”, mostra o palito de fósforo à educado-
ra e diz: “nenê chique” (cortar o cabelo da boneca), volta a mostrar
95
o palito e diz: “tesoura”, passando o palito pela cabeça da boneca,
como se lhe cortasse o cabelo.
A partir do relato de Elkonin (2009a), compreendemos o inte-
resse da criança em realizar ações com os objetos. O objeto substituto
ora é pente, ora é tesoura, e não caracteriza semelhança ao objeto real.
Outro aspecto, de acordo com o referido excerto, é a ausência de re-
constituições da atividade humana e o fato de que as ações se concreti-
zam sem lógica real com a vida humana (faz curativo, dança, penteia e
corta cabelo). Elkonin (2009a) caracteriza os vários atos realizados pela
criança, como ações soltas, ela utiliza o brinquedo temático (boneca) e
reproduz ações aprendidas anteriormente, dito de outra maneira, cer-
tifica-se da apropriação da ação. Nisso reside, indícios de ações lúdicas,
e, a depender do processo educativo, as ações evoluem para escolha do
papel social, isto é, reconstituir um trabalho humano e adotar um nome
representando a profissão.
O ato de escolha de um nome como representante da profissão
sucede o ato de autonomear-se como autora da ação. Ao colocar o seu
nome executando as ações, a criança caracteriza o domínio da apro-
priação da ação a ser representada e a compreensão de ser “ela mesma
protagonista da ação. A criança se percebe como autora e toma cons-
ciência da ação, nesse período o “eu individual” não se desvincula dela
para torna-se o “eu fictício”. O jogo configura-se no domínio das ações
pela criança.
As intervenções do adulto possibilitam a evolução do jogo, como
complementa Elkonin (2009a, p. 227):
Lida (2;3), durante a contemplação de umas grandes estampas que
a educadora segura em suas mãos, pede-lhe que as entregue. A edu-
cadora entrega-as, dizendo: “Você será a tia Ânia”. Lida profere em
seguida: “Lida é Ânia. Sente-se no lugar da educadora e copia deti-
damente suas palavras e gestos”.
A criança, ao se nomear como “Ânia” e copiar as palavras e
gestos da educadora, não caracteriza a adoção do papel social. Nesse
96
momento, a criança se preocupa em comparar as ações que realiza com
os atos dos adultos, à procura de possíveis semelhanças. Ao se deparar
com o pedido da criança em querer manusear as estampas, a educadora
potencializa o processo, positivando a atitude e incentivando a adoção
do seu nome. Nesse sentido, Elkonin (2009a, p. 227) esclarece: “Ao
adjudicar-se um nome próprio e ressaltar as suas próprias ações, por um
lado, e ao encontrar semelhança entre seus atos e os atos dos adultos, o
que se manifesta pela adoção de um nome próprio sugerido, por outro
lado, prepara-se o aparecimento do papel no jogo. [...]”. A criança ao
adjudicar-se do seu nome, compara e busca semelhanças em reconsti-
tuir ações de um adulto orientador, constituindo-se indícios de papel
social no jogo, com a possibilidade de transmutar-se para o “eu fictício”,
desenvolvendo funções psíquicas de autocontrole, memória, atenção,
dentre outras.
Sob a possiblidade de processos educativos e atividade conjunta
da criança com o adulto, percebem-se dois fatores de desenvolvimento
do papel social. Ao destacar um brinquedo dos restantes, dando-lhe
um nome, como descreve Elkonin (2009a, p. 227): “[...] Volódia (2;6),
quando deitou a boneca perto de outra boneca, grande, na cama, onde
a primeira dorme, senta a segunda numa cadeira à beira da dormente e
diz, com um sorriso nos lábios, à educadora: ‘Esta é a babá’”. A criança,
ao denominar uma boneca como babá, denota apropriar-se do signifi-
cado do trabalho de uma babá, colocando-a sentada. Contudo, a ati-
vidade humana centra-se no objeto, a criança atua como coadjuvante,
manipulando instrumentos da cultura humana.
O segundo fator refere-se à fala, a criança muda sua voz e realiza
diálogos entre as bonecas, como exemplifica Elkonin (2009a, p. 228):
“Volódia (2;11) coloca duas bonecas cara a cara e fala com elas: ‘Bom
dia, Kólia, já estou aqui’”. Como argumentado, o foco se caracteriza no
objeto e é comum depararmo-nos com uma criança brincando, falando
consigo mesma ou com os objetos, uma linguagem incompreensível
aos outros, mas perfeitamente compreensível a ela. Trata-se da lingua-
gem egocêntrica. Essa linguagem gradativamente torna-se linguagem
interior. A criança vocaliza situações, as quais são repletas de sentido
97
para ela. É o momento de transição do externo (interpsíquico) para o
interno (intrapsíquico): a linguagem e a tomada de consciência evo-
luem, visto a possibilidade de desenvolvimento humano nesse período
da vida. Subsequentemente, emerge a fala protagonizada, articulada, a
fala do personagem a ser reconstituído.
Paulatinamente, as situações lúdicas e o papel social evoluem, do
estado inicial de um ato: dar banho na boneca, com movimentos repe-
titivos e constantes, para duas, três ações. A complexidade das ações,
torna-se possível mediante o processo de generalização. Ao conhecer
novas funções nos objetos, constituem-se frutíferas ações, potenciali-
zando os conteúdos e o desenvolvimento dos papéis sociais nos jogos.
Para Elkonin, (2009a, p. 229):
A criança executa com um mesmo objeto três ações, e não uma
nem duas; dá de beber à boneca com a pequena xícara, em seguida
despeja sobre a cabeça dela o conteúdo da mesma xícara, como se a
borrifasse. O típico desta etapa dos jogos é que lhes falta ainda essa
continuidade lógica que se registra na vida, assim como o fato de
que também podem repetir-se várias vezes. Por exemplo, Olga (2;3)
toma a temperatura da boneca: coloca-lhe um palito sob a axila,
retira-o, olha e diz: “está com febre”; depois, volta a pôr, a retirar e
a olhar de novo a temperatura, já sabida.
O excerto ressalta o domínio de uso do objeto, como sua trans-
posição para outros contextos (generalização), considerando ausência
de continuidade lógica com a vida real. A continuidade lógica da vida
possibilita à criança compreender o mundo, impregnar-se de cultura e
apropriar-se dos modos de uso dos objetos e das relações humana, em
conjunto com o adulto, portador de experiências culturais. O exemplo
dado por Elkonin (2009, p. 229-230) evidencia essa argumentação:
Volódia (2;11) coloca a boneca numa gaveta que faz de banheira,
dá-lhe banho, toma-a nos braços e fala assim: “Kátia tomou banho,
agora vai dormir”; e deita-a em seguida na caminha. Aqui, ao ato
de dar banho segue-o o de pôr na cama, com a mesma continuida-
de com que essas ações se realizam na vida.
98
A partir do referido experimento, conclui-se que a criança utili-
zou objeto substituto, a boneca possui denominação nominal e as ações
lúdicas correspondem a lógica da vida. Assim, a estrutura da ação lúdi-
ca, na primeira infância, de acordo com Elkonin (2009a, p. 230) corres-
ponde ao trânsito “[...] da ação univocamente determinada pelo objeto,
passando pela utilização variada deste, para as ações ligadas entre si por
uma lógica que reflete a lógica das ações reais na vida das pessoas. Isso
já é ‘o papel em ação’”.
Cabe destacar, como discutido, que a ênfase é a manipulação di-
reta dos objetos, atividade mediante a qual a criança tem possibilidades
de ampliar o conhecimento sobre eles. Quando a criança age com os
objetos, sua base de referência é o adulto, assim, reconstitui as ações e
atitudes dele em relação àqueles. Nesse processo, o pensamento infantil
surge e se aperfeiçoa mediante a percepção e ações que a criança realiza
com os objetos. Isso significa que a criança pensa quando age e paulati-
namente se apropria da função social dos objetos. Essa apropriação dá
condições para que ela possa agir mediante esse uso social em outras si-
tuações. Dito de outra forma, a atividade objetal-manipulatória emerge
no mundo dos objetos, tendo o adulto como parceiro que introduz a
criança no seio da cultura historicamente acumulada, possibilitando às
ações refletirem a lógica da vida real.
De acordo com Mukhina (1995, p. 115), “No jogo dramático,
a reprodução das ações objetais passa para segundo plano, enquanto a
reprodução das relações sociais e de trabalho toma a dianteira. Dessa
forma a criança como ente social satisfaz sua necessidade básica de co-
municar-se e de conviver com o adulto”.
Essa inter-relação entre a criança e o adulto, que anuncia
todas as categorias do objeto, só é possível pela comunicação so-
cial. Vale, assim, enfatizar que a necessidade de troca verbal é
criada pelo adulto, que nomeia, aponta e apresenta o mundo dos
objetos e das palavras às crianças. Ao pegar um prato na mão, a
criança pode manuseá-lo de infinitas maneiras, porém, somente
com a presença do adulto, o objeto vivifica as funções sociais de
uso, impregnado de cultura humana. A colaboração do adulto e a
99
participação ativa da criança possibilita a ela avançar a níveis sofis-
ticados de desenvolvimento.
Assim, a atividade objetal manipulatória passa para o segundo
plano, tornando-se linha acessória de desenvolvimento, e o jogo prota-
gonizado permanece em primeiro plano, como linha central de desen-
volvimento (Vygotski, 1996). Ao dominar as ações com objetos, emer-
ge a necessidade de a criança reconstituir a atividade produtiva humana
e objetivar os modos de uso do objeto, logo, um processo complexo de
desenvolvimento de evolução das ações lúdicas e da concatenação das
ações refletidas pela lógica da vida das pessoas. Dessa forma, a estrutura
dos jogos, segundo Elkonin (2009a, p. 234), sofre mudanças:
[...] A própria estrutura dos jogos sofre também grandes mudanças:
vai dos jogos sem enredo, compostos por uma série de episódios
frequentemente desconexos, sem ligação entre si, até converterem-
-se entre as crianças de três ou quatro anos, em jogos com um argu-
mento determinado, o qual vai se complicando e desenvolvendo de
maneira cada vez mais metódica. [...]
Diante do exposto, compreendemos o trânsito das ações com os
objetos na primeira infância como essencial para o desenvolvimento
do papel social com ações concatenadas à vida real, na ulterior ativi-
dade. No período do jogo protagonizado, os objetos cedem lugar às
reconstituições do trabalho humano. O adulto, portador das atividades
sociais, torna-se orientador para a criança apropriar-se das relações so-
ciais, regras de condutas e objetivar o trabalho humano, possibilitando
o desenvolvimento do mundo das ideais do psiquismo.
2.2.3 Jogo protagonizado: aspectos conceituais
No período precedente ao jogo protagonizado, a oferta de ob-
jetos, o acesso e a manipulação deles possibilita o desenvolvimento do
campo sensorial da criança quando ela apalpa, cheira e sente as proprie-
dades externas das coisas deste mundo. As manipulações e apropriações
tornam-se base para a gênese do plano ideativo, propiciando à criança
100
separar-se do campo sensorial, emergindo o plano ideativo (plano das
ideias). Nessa perspectiva, a criança age, a partir daquilo que tem em
mente, por exemplo: ao apreciar uma história, a percepção auditiva é
aguçada e a criança vai formando ideais do cenário, do personagem,
com isso, enriquecendo o mundo das ideias. De igual forma, o jogo
protagonizado possibilita enriquecer o plano ideativo, a criança, ao pro-
tagonizar, reconstitui ações e condutas referentes ao trabalho humano,
por meio de situações lúdicas reais, promovendo o desenvolvimento de
sua inteligência e personalidade.
Em harmonia com o exposto, Elkonin (2009a, p. 109) explica
sobre o valor do jogo protagonizado: “[...] O jogo não é um exercício; é
desenvolvimento. Nele aparece o novo, ele é o caminho para o estabele-
cimento de novas formas de organização da conduta, formas necessárias
em virtude da complexidade crescente das condições de vida”. Como
possibilidade de desenvolvimento do plano ideativo, o jogo potencializa
o psiquismo e cria novas formas de agir, pensar, imaginar e de auto-
controlar sua conduta. Ao protagonizar determinado papel, a criança
se esforça em reconstituir a situação lúdica original referente às apro-
priações que o meio social concreto possibilitou a ela. As relações en-
tre crianças/adultos e crianças/crianças potencializa o psiquismo. Nesse
sentido, refuga-se a ideia naturalista, considerando o jogo como forma
de exercícios, pressupondo reiteração de movimentos ou de condutas
humanas. O jogo possui uma técnica lúdica original, um produto de
construção histórica do lugar ocupado pela criança na sociedade e fruto
das objetivações criativas das crianças.
Elkonin (2009a, p. 81) complementa:
[...] o jogo protagonizado possui uma técnica lúdica original: a subs-
tituição de um objeto por outro e com ações por eles condicionadas.
Não conhecemos com suficiente exatidão como as crianças apren-
diam essa técnica nas fases de desenvolvimento da sociedade em que
o jogo se apresentava como forma peculiar da vida das crianças.
101
O excerto anterior possibilita reflexões distintas: o termo jogo pro-
tagonizado defendido por esse pesquisador e a técnica lúdica original.
A técnica lúdica original (Elkonin, 2009a) vincula-se ao adulto
como colaborador para apresentar objetos culturais com a possibilidade
de ampliar a atividade criadora das crianças. As condições materiais de
vida e o processo de educação possibilitam à criança atribuir sentido ao
mundo vivenciado concretamente, mediante as relações com os objetos
e pessoas. Os aspectos hauridos da realidade humana podem ser recons-
tituídos pela criança mediante a situação lúdica. O meio social concreto
da criança e processos educativos a instigam à ação, desmitificando a es-
pontaneidade ou naturalidade infantil, nas palavras de Elkonin (1986a,
p.36, tradução nossa)
27
: “A eliminação da concepção naturalista do de-
senvolvimento psíquico requer uma mudança radical no critério man-
tido nas inter-relações da criança e da sociedade”.
Nessa perspectiva, ao conhecer os modos de usos dos objetos e
querer atuar como o adulto, a criança age mediante a situação de ficção
e vivifica seus desejos ao executar os mesmos atos dos adultos na forma
de jogo protagonizado. É nesse sentido que o termo jogo protagonizado
defendido por Elkonin (2009a) articula-se com a inspiração das crian-
ças na arte dramática dos adultos. A reconstituição dessa arte infantil
vincula-se à participação ativa da criança no mundo dos adultos:
As danças rituais dramatizadas, nas quais a ação representativa con-
vencional estava muito em voga, existiam nessas sociedades, e as
crianças participavam diretamente nelas ou presenciavam-nas. Por
isso, pode-se supor com pleno fundamento que as crianças her-
daram a técnica lúdica das formas primitivas de arte dramática.
(Elkonin, 2009a, p. 81-82).
Com essa compreensão, o valor da arte de protagonizar envolve
a participação ativa da criança em todo o processo de educação, possi-
bilitando a ela imitar, imaginar e recriar algo novo, isto é, combinar o
27
La eliminación de la concepción naturalista sobre el desarrollo psiquico, exige el cambio
radical del criterio mantenido sobre las interrelaciones del niño y la sociedad.
102
velho de novas maneiras (Vigotski, 2009b). A efetividade dessa atuação
requer do professor envolver a criança desde a criação dos materiais até
a organização do espaço e tempo.
Em relação a essas assertivas, Vigotski (2009b, p. 100) explica:
Podemos analisar a brincadeira como a forma dramática primei-
ra que se diferencia por uma especificidade preciosa, qual seja, a
de congregar, numa só pessoa, o artista, o espectador, o autor, o
decorador e o técnico. Na brincadeira, a criação da criança tem o
caráter de síntese, suas esferas intelectuais, emocionais e volitivas
estão excitadas pela força direta da vida, sem tensionar, ao mesmo
tempo e excessivamente, o seu psiquismo.
Como argumentado pelo autor, o valor de protagonizar aspectos
da força produtiva do trabalho humano requer que o professor possa
analisar as tomadas de decisões da criança excitadas pela força direta
da vida, isto é, observar o processo de desenvolvimento do jogo prota-
gonizado, e não o produto final. Ao averiguar e contemplar as crianças
organizando-se para compor cenários, distribuir objetos decorativos ou
mesmo utilitários, cria condições para que elas interajam e vivenciem a
arte historicamente construída pelos homens. A materialização de todo
processo encarna-se nos gestos, atitudes tomadas, manipulação dos ob-
jetos e troca dialógica com os participantes, um cenário artístico, social
e real. Como enfatiza Elkonin (2009a, p. 167): “É importante saber
que o jogo está, apesar de tudo, na esfera da realidade”.
2.2.3.1 Esfera da realidade e os papéis sociais assumidos pela criança
Na esfera da realidade e como atividade peculiar, o jogo prota-
gonizado contém regras implícitas determinadas pela sociedade, uma
vez que o desenvolvimento do tema ou argumento e do conteúdo se
vinculam a condições concretas de vida da criança. Tendo por base esse
entendimento, o processo de criação da criança torna-se possível me-
diante a realização de um desejo irrealizável no momento, por exemplo,
o desejo de ser médico. Ao assumir o papel social de médico, a criança
103
assume as normas sociais inerentes ao papel e manipula objetos neces-
sários como representantes dessa profissão (Elkonin, 1967a). A força
propulsora para assumir determinado papel social emerge da própria
vida real da criança em sintetizar suas ações volitivas, intelectuais e emo-
cionais (Vigotski, 2009b). Dito de outra maneira, o trabalho humano
é reconstituído a partir da situação concreta de vida da criança e mate-
rializado mediante ações criativas das mais variadas formas de criação,
dentre as quais o jogo. Mediante o processo educativo, ao se relacionar
com uma gama de elementos culturais e com pessoas, a criança pode
sofisticar formas de criação mais complexas.
Depreendemos, assim, que o trabalho humano precede o jogo e
a arte, em relação à evolução da espécie humana (filogênese). Nas pala-
vras de Elkonin (2009a, p 17): “[...] o jogo não pode aparecer antes do
trabalho, nem da arte, mesmo em suas formas mais primitivas”.
A arte e o trabalho são objetivações humanas e a reconstituição de
ações produtivas do gênero humano torna-se possível após a compreen-
são dos aspectos utilitários do fenômeno. A priori o homem apropria-se
do objeto do ponto de vista prático e subsequente do aspecto estético.
A função utilitária e orientadora do objeto no plano individual (onto-
genético) possibilita ao homem reconstituir o objeto em forma criativa,
materializando ideias, emoções e sentimentos subjetivos. Nesta lógica,
Elkonin (2009a, p.17) relaciona a arte ao jogo da seguinte maneira:
“[...] a origem da arte, mas também a do jogo, como tipos de atividade
com base genética comum”.
Ao protagonizar, o julgamento da criança é único e se apoia em
experiências do mundo cotidiano, vivenciado e composto por regras
implícitas, impostas pela sociedade. De igual maneira, os jogos esporti-
vos constituem-se de regras socialmente determinadas, contudo explíci-
tas. Para Elkonin (2009a, p. 19):
Ao serem repetidas uma infinidade de vezes na atividade coletiva
real, foram se destacando paulatinamente as regras das relações hu-
manas que levaram ao êxito. A sua reconstituição sem fins utilitá-
rios reais forma o conteúdo do jogo esportivo. Mas o jogo de papéis
104
também tem esse mesmo conteúdo. Aí está a sua semelhança. A
diferença reside unicamente em que essas regras ou normas das re-
lações entre as pessoas aparecem de maneira mais ampla e concreta
no jogo de papéis.
A criança brinca pelo desejo de brincar, e não com o intuito de
produzir algo. A reconstituição sem fins utilitários reais presente em
ambos os jogos, esportivos e protagonizados torna-se possível mediante
as relações sociais humanas. A reconstituição das atividades produtivas
humanas possibilita à criança (plano ontogênese) compreender com
sentido as normas e regras dos adultos, incluindo-se como partícipe do
gênero humano na sociedade (plano filogênese). Ao assumir um papel
e agir como tal, a criança assume as regras implícitas e, nesse sentido,
o “eu individual” encarna no “eu fictício”, considerando que as regras
e ações determinadas pelo meio social orientam o pensar, agir e sentir
dela no mundo. Como defende Elkonin (2009a, p. 144): “[...] o senti-
do central do jogo protagonizado são as relações sociais entre os adultos
ou entre a criança e os adultos. A maioria dessas situações estimula a
criança a reconstituir as relações e a destacar as que mais lhe importam
no momento dado”. E conforme teoriza Vigotski (2021, p. 231), por
meio dessa atividade, “[...] são possíveis as maiores conquistas da crian-
ça que, amanhã, se transformarão em seu nível real, em sua moral”.
A reconstituição da relação que mais lhe importam no momento
dado (Elkonin, 2009a) representa o papel social assumido durante a
brincadeira, ademais o papel social constitui a “unidade fundamental
do jogo” (Elkonin, 2009a, p. 3). O papel social como unidade comple-
xa possibilita a relação de todos os aspectos do jogo, ou seja, direciona
os tipos de ações, as regras de conduta, os objetos a serem utilizados,
portanto, o papel social é a totalidade complexa do jogo. De acordo
com Vigotski (2018, p. 40) unidade é parte de um todo indivisível:
“[...] a unidade é definida pelo fato de que é a parte de um todo que
contém, mesmo que de forma embrionária, todas as características fun-
damentais próprias do todo”. Nessa lógica, a atividade humana produ-
tiva reconstituída pelas crianças, o conteúdo, as ações e as regras contêm
105
propriedades de um todo complexo, isto é, do papel social. A criança
afetada e motivada em assumir determinado papel social apropria-se de
condutas humanas e dos aspectos técnico-operacionais pertinentes ao
papel social.
Em relação ao exposto, Elkonin (2009a, p. 28-29) destaca aspec-
tos concatenados na estrutura do jogo:
[...] Em primeiro lugar, os papéis assumidos pelas crianças: chefe de
estação, maquinista, bilheteira, dona da cantina e passageiros; em
segundo, as ações lúdicas de caráter sintético e abreviado mediante
as quais as crianças interpretam os papéis adotados e estabelecem
relações recíprocas; em terceiro, o emprego lúdico dos objetos (as
cadeiras, que são o trem; as bonecas, que são as filhas; os papéis recor-
tados, que fazem as vezes de dinheiro, passagens, etc); e, por último,
as relações autênticas entre as crianças, exteriorizadas nos diálogos,
perguntas e réplicas com que se orienta o transcurso do jogo.
Em sintonia com essa assertiva, compreende-se que o papel social
assumido pela criança determina suas ações. O papel social e as ações
tornam-se inseparáveis para evolução do jogo, considerando a indisso-
ciabilidade dos aspectos afetivos-motivacionais e técnico-operacionais
(Elkonin, 1986a). A criança bilheteira assumiu o papel social de vender
passagens e, para representar a profissão, rasgou papéis em pedaços pe-
quenos e grandes, diferenciando os tamanhos para as passagens e o di-
nheiro, sentou-se numa mesa, colocou um cartão “Venda de passagens
(escrito pela educadora), organizou seu guichê à espera dos compra-
dores, estabelecendo relações com as crianças na compra de passagens
e diálogos durante o jogo. Como destaca Elkonin (2009a, 27): “[...]
De repente, Bóris diz, caindo em si: - Os passageiros não estão com as
passagens e está na hora de o trem sair! – Os passageiros correm para o
guichê, entregam papeizinhos a Bárbara e adquirem passagens”.
A partir dessa exemplificação, parecem evidenciadas as apro-
priações da criança representando o papel social de “bilheteira”. No
transcorrer da brincadeira, após a saída do trem, a bilheteira (Bárbara),
percebendo-se inútil no momento, sem vender passagens, demonstrou
106
desejo de dirigir-se à cantina para comprar comida.
Nas palavras de Elkonin (2009a, p. 38):
Bárbara remexe-se na cadeira, olha para a cantina, mas não sai do
lugar. Depois volta a olhar na direção da cantina, observa a educa-
dora e pergunta: - E eu, quando posso comprar comida? Agora não
tem ninguém – diz, a título de justificativa. Leonid responde-lhe:
- E por que não vai? Vá e pronto. – Bárbara olha para os lados,
na eventualidade de aparecer algum passageiro que deseje comprar
passagem, e corre até a cantina. Compra rapidamente e regressa
voando ao guichê.
A postura de olhar para os lados e verificar a ausência de pessoas
comprova a motivação do papel social assumido e o conhecimento so-
bre a atividade humana – primeiro atender os clientes – após a saída
para a cantina. Ademais, a criança possui domínio das regras implí-
citas no papel social. Ao comprar rapidamente e regressar voando ao
guichê, baseia-se no modelo orientador previamente apropriado e, ao
olhar para os lados, na eventualidade de aparecer algum passageiro, no
modelo verificativo dessa ação. As funções dos modelos orientador e
verificativo caracterizam a conduta arbitrada, segundo Elkonin (2009a,
417): “[...] Entendemos por conduta arbitrada a que se apresenta em
conformidade com um modelo (independente de se dar em forma de
ato de outra pessoa ou de regra manifesta) e que se verifica por confron-
tação com tal modelo”.
2.2.3.2 Formação da consciência moral da criança
e desenvolvimento infantil
As duas funções presentes, relativas aos modelos orientador e ve-
rificativo, são complexas à criança. As regras implícitas contidas nos
jogos protagonizados possibilitam à criança controlar seus desejos ime-
diatos seguindo as condutas impostas pelo papel social. Nesse sentido,
as regras latentes presentes nos jogos propiciam à criança o controle
dos impulsos e o desenvolvimento da consciência, apropriando-se de
107
condutas humanas.
Elkonin (1960b, p. 521-522, tradução nossa)
28
enfatiza o valor
do jogo para formação da consciência moral da criança em conjunto
com o adulto, portador de experiências culturais:
Todas as peculiaridades individuais da personalidade das crianças são
formadas em função das condições de vida e do trabalho educacio-
nal que é feito com elas. A consciência moral da criança pré-escolar
começa a se desenvolver a partir da assimilação das regras de conduta
e da generalização das avaliações que os adultos fazem do compor-
tamento das crianças. O aparecimento dessas avaliações morais pri-
márias que determinam a atitude em relação a uma pessoa é uma
premissa indispensável para a educação moral na idade pré-escolar.
O jogo possibilita o desenvolvimento das regras de conduta e,
mediante o papel social, a criança controla os desejos imediatos, subor-
dinando suas ações e condutas ao papel social. A reflexão constante da
criança, entre realizar os desejos imediatos e seguir as regras impostas
pelo papel social, gera contradição, possibilitando a ela pensar e se apro-
priar de formas diversificadas de condutas humanas, desenvolvendo a
consciência. Ao reconstituir um modelo orientador e certificar-se da
função verificativa (comprovação da imitação do modelo), a criança
baseia-se no adulto ou em outras crianças participantes do jogo.
A gênese verificativa inicia-se no jogo. Como reitera Elkonin
(2009a, p. 420):
[...] a função verificativa ainda é muito débil e continua requeren-
do, com frequência, o respaldo da situação e dos participantes no
jogo. Aí está a origem da debilidade dessa função nascente; mas o
28
Todas las particularidades individuales de la personalidad de los niños se forman en
dependencia de las condiciones de vida y del trabajo educativo que se hace com ellos. La
conciencia moral del niño preescolar comienza a desarrollarze partiendo de la asimilación
de las reglas de conducta y de que se generalicen las valoraciones que hacen los adultos de la
conducta de los niños. La aparación de estas valoraciones morales primarias que determinan
la actitud hacia una persona es una premisa indispensable para la educación moral en la edad
preescolar.
108
valor do jogo consiste em que essa função nasce aí. É precisamente
por isso que se pode considerar que o jogo é escola de conduta
arbitrada.
A comprovação da imitação do modelo requer o respaldo do
adulto ou dos próprios companheiros de jogo, validando o protagonis-
mo referente ao papel social. O adulto, como parceiro mais experiente,
propicia às crianças vivenciarem condutas de respeito, de tolerância, de
escolhas e tantas outras posturas morais, constituindo fontes de desen-
volvimento. Nesse sentido, a atuação orientadora torna-se essencial e
possibilita à criança adentrar um mundo de relações sociais humaniza-
doras e repleto de temas ou argumentos, a serem reconstituídos a partir
do interesse momentâneo da criança.
A realidade concreta e as relações estabelecidas pelos homens no
mundo são diversificadas. As condições históricas, o lugar onde vive,
o processo educativo, a mediação do professor e a classe social consti-
tuem fatores determinantes para o surgimento do tema ou argumento.
Elkonin (2009a, p. 35)
29
sintetiza o entendimento:
[...] O tema do jogo é o campo da realidade reconstituído pelas
crianças. [...], os temas dos jogos são extremamente variados e refle-
tem as condições da vida da criança, as quais mudam conforme as
condições de vida em geral e à medida que a criança vai ingressado
num meio mais vasto a cada novo dia de sua vida, com o que se
ampliam seus horizontes.
A realidade da criança possibilita o aparecimento de temas ou ar-
gumentos a serem reconstituídos. Em complemento, citamos Elkonin,
que ressalta (2009a, p. 295): “[...] A esfera de atividade que se reflete no
jogo é o tema ou argumento [...]”. A partir dos temas hauridos da rea-
lidade circundante, o professor, ao observar as falas, interesses ou ques-
tionamentos das crianças, possibilita a sofisticação dos conteúdos com
contações de histórias, textos científicos, excursões, entrevistas com pro-
fissionais, ampliando o repertório cultural e propiciando apropriações
29
Em Elkonin (1986b, p. 77) é possível localizar o mesmo excerto em língua espanhola.
109
potencializadoras de desenvolvimento. Nesse sentido, compreendemos
a necessidade de sofisticar a realidade concreta da criança e de poten-
cializar as relações entre as pessoas, com a possibilidade de ampliar e
diversificar os temas, como elucida Elkonin (2009a, p. 319) “[...] O
jogo não é um mundo de fantasia e convencionalismo, mas um mundo
de realidade, um mundo sem convencionalismo, só que reconstituído
por meios singulares”.
Os conteúdos não são uniformes, as objetivações das relações
humanas dependem das apropriações e percepções da criança sobre o
mundo, nesse sentido as situações lúdicas representadas pelas crian-
ças nos jogos dependem das relações humanas apropriadas. Elkonin
(1960b, p. 512, tradução nossa)
30
elucida o conteúdo explicitando a
essencialidade das relações humanas nesse período de vida da criança:
O jogo com argumento, por seu conteúdo, é a reprodução do que a
criança vê ao seu redor na vida e atividade dos adultos e, ao mesmo
tempo, é uma atividade especial independente da criança. Esse tipo
de jogo oferece às crianças a possibilidade de fazer em aspecto real,
ou seja, o que fazem os adultos, o que ainda não é acessível a elas.
Nesse sentido, Mukhina (1995, p.157) salienta: “Quanto mais
ampla for a realidade que as crianças conhecem, tanto mais amplos e
variados serão os argumentos de seus jogos. [...] O conteúdo do jogo é
o que a criança destaca como aspecto principal nas atividades dos adul-
tos”. Assim, compreendemos a essencialidade de ampliar o repertório
cultural da criança, mediante intervenções do adulto, incrementando
os conteúdos de relações humanas autênticas e objetais, com a possibi-
lidade de avanços qualitativos ao pleno desenvolvimento do jogo.
Conforme Elkonin (2009a, p. 258-259) menciona, o caminho
para o desenvolvimento do jogo emerge nas ações objetais:
30
El juego con argumento, por su contenido, es la reproducción de lo que el niño ve a su
alrededor en la vida y actividad de los adultos, y, al mismo tiempo, es una especial actividad
independiente del pequeño. Este tipo de juego oferece a los niños la posibilidad de hacer
aquello que en aspecto real, o sea como lo hacen los adutos, aún no le es accesible.
110
[...] o caminho de desenvolvimento do jogo vai da ação concreta
com os objetos à ação lúdica sintetizada e, desta, à ação lúdica pro-
tagonizada: há colher; dar de comer com a colher; dar de comer
com a colher à boneca; dar de comer à boneca como a mamãe; tal
é, de maneira esquemática, o caminho para o jogo protagonizado.
Nessa lógica da ação concreta com os objetos à ação lúdica pro-
tagonizada, a criança percorre um longo período de desenvolvimen-
to infantil permeado de conteúdo e relações distintas das crianças em
compreender o mundo. As premissas para o desenvolvimento do jogo
protagonizado dependem da ação concreta da criança com os objetos,
sob a mediação do adulto, na primeira infância. Nesse período, o con-
teúdo e o papel social são impulsionados pelo objeto. A criança recons-
titui movimentos monótonos e repetitivos, certificando-se da apropria-
ção do uso social do objeto.
2.2.3.3 Os desdobramentos das ações com os objetos
no jogo protagonizado
O processo educativo possibilita à criança ampliar o sistema de
ações com os objetos e transpor o limite para mais atos. A evolução
das ações e a correspondência com a realidade concreta possibilita mu-
dança no sentido da relação da criança com o mundo circundante. A
criança, além de “dar de comer com a colher, dá de comer com a colher
à boneca” (Elkonin, 2009a, p. 258-259), portanto refuta-se a ideia de
reconstituição tal e qual a realidade do adulto. Se assim o fosse, o jogo
seria mera reconstituição mecânica, sem significado e reelaboração das
vivências apropriadas pelas crianças. Embora a criança conheça vários
aspectos referentes ao papel social assumido, ela os organiza e combina
as impressões da realidade, segundo seus anseios, “a imaginação em ati-
vidade” (Vigotski, 2009, p.17).
Para Elkonin (2009a, p. 243), “No jogo, as ações realizadas pelas
crianças sujeitam-se ao argumento e ao papel. A sua execução não é um
fim em si; possuem sempre um sentido auxiliar e limitam-se a representar
o papel com caráter sintético, abreviado e integro [...]”. Nesse sentido,
111
as ações são reconstituídas de maneira sintética e abreviada. Quando a
criança assume o papel de um médico, por exemplo, atribui um sentido
pertinente à representatividade dessa profissão, especialmente em ações
em que coloca a mão na testa de um paciente e o diagnostica com febre,
ou usa um pedaço de pau como um termômetro. A transposição de sig-
nificados nos modos de agir (assumir um papel social), ou na substitui-
ção de um objeto por outro, possibilita uma contradição vivenciada pela
criança. O real (ótico) e sua significação no jogo se separam e, ao trans-
nomeá-lo, seu uso social o acompanha. Isso significa que o perceptivo se
separa do significado e se transforma em imagem.
Cumprindo essa lógica, a substituição de um objeto por outro
modifica o campo semântico (sentido/objeto) e visual. A criança age
com o novo sentido que atribui ao objeto. Substituir um objeto por
outro assim como assumir um papel social e representá-lo fidedigna-
mente são indícios de apropriações das ações humanas, sujeitadas ao
argumento e ao papel social.
Diante do exposto, sintetizamos a simbolização por duas verten-
tes nos jogos protagonizados: a substituição de um objeto por outro e
a assunção de papel social. A transposição de um objeto por outro ani-
quila o convencionalismo e flexibiliza o esquema geral de manipulação
do objeto (para que foi criado), já a reconstituição de um papel social
envolve ações sintetizadas e abreviadas, reveladoras de relações entre as
pessoas e a atividade produtiva humana.
A duplicidade de simbolização possibilita a inserção da criança de
maneira cada vez mais complexa no sistema de inter-relação humana.
As ações ampliam-se e os papéis sociais encaminham a criança a seguir
as condutas implícitas essenciais para o pleno desenvolvimento.
No jogo protagonizado de maneira dinâmica, o papel social assu-
mido possibilita à criança internalizar as regras de condutas, mediante a
realidade objetiva, no processo de apropriação e objetivação dos signos
da cultura humana. Ao “dar à boneca o que comer como a mamãe”
(Elkonin, 2009a, p. 258-259), a criança reconstitui atos apropriados do
modelo orientador (mãe) para conduzir suas ações.
112
A representação do argumento e do papel enche o jogo. O impor-
tante para as crianças é o comprimento dos requisitos do papel e
subordinam a estes todas as suas ações lúdicas. Surgem regras in-
ternas não escritas, mas obrigatórias para os que jogam, provenien-
tes do papel e da situação lúdica. Quanto mais desenvolvido está
o jogo, tanto maior é o número de regras internas [...] (Elkonin,
2009a, p. 243).
As ações das crianças durante o jogo tornam-se subordinadas às
regras do papel social. Sem perceber, a criança brinca seguindo regras
implícitas contidas no papel social, o qual, mediante as ações objetivas,
possuem regras de condutas determinadas em relação aos objetos e pes-
soas. O dentista necessita ser cordial com seus pacientes e determina-
dos objetos representativos da profissão possuem lugar certo, incabível
guardar um espelho dentário dentro de uma geladeira. Nesse sentido,
a infração de determinada regra durante o jogo às vezes é percebida
por alguma criança, como ao comentar “na vida não é assim” (Elkonin
2009a, p. 298), o que denota domínio da regra. Assim, Vigotski (2021,
p. 219) afirma ser “[...] impossível supor que a criança possa se com-
portar numa situação imaginária sem regras, assim como se comporta
numa situação real”.
As regras latentes dos jogos protagonizados possibilitam o desen-
volvimento das funções psíquicas. A contradição entre a regra do papel
social e o desejo imediato de querer agir possibilita o desenvolvimento
de condutas morais de respeito, atenção, tolerância, pertencentes ao
gênero humano. Em relação a isso, Elkonin (2009a, p. 420) explica:
pode-se dizer que, no jogo, a criança passa a um mundo desenvolvido
de formas supremas de atividade humana, a um mundo desenvolvido
de regras das relações entre as pessoas. [...]”.
Nesse sentido, compreendemos a liberdade ilusória (Vigostki,
2021) da criança ao protagonizar determinado papel social. O papel
social repleto de regras possibilita modos diferenciados de entender o
mundo, composto por regras socialmente determinadas entre as pes-
soas. Ademais, os jogos com regras, por exemplo “gato e rato”, possuem
regras patentes e situação lúdica. A conduta do gato sair – fazendo miau
113
– para procurar ratos direciona as crianças para incorporar as respectivas
atitudes: o gato pode falar e os ratos precisam ficar quietos para não se-
rem achados. Nesse sentido, as crianças incorporam o argumento e cor-
rem como gatos ou ficam quietos como ratos. De acordo com Elkonin
(2009a, p. 367):
[...] a introdução do argumento acelera a objetivação das ações e
ajuda a dirigi-las. Nisso se apoia o mecanismo fundamental que
faz com que a introdução do argumento ou da dramatização eleve
a capacidade de dirigir as ações e, por conseguinte, o acatamento
das regras.
A base dos jogos “gato e rato” e “esconde-esconde” consistem em
correr, permanecer calado e não se delatar. Contudo, no jogo “escon-
de-esconde”, a conduta das crianças diverge e elas tendem a se delatar
e falar o lugar do esconderijo. O que acontece entre ambos? A ausência
de situação lúdica no jogo “esconde-esconde” torna complexo para as
crianças o controle das regras expostas. Em síntese, Elkonin (2009a, p.
371) explica: “a introdução do argumento modifica o comportamento
no sentido do acatamento da regra”. Consoante com essa explicação,
para Vigotski (2021, p. 220), “Qualquer brincadeira com situação ima-
ginária é, ao mesmo tempo, brincadeira com regras e qualquer brinca-
deira com regras é brincadeira com situação imaginaria”.
Como temos afirmado, o jogo possibilita o desenvolvimento das
regras de condutas, implícitas no papel social assumido pela criança.
Ao assumir determinado papel social, estimula-se a alteração de rela-
ção com os companheiros, assim “[...] Cada um dos companheiros de
jogo atua em relação ao outro a partir da sua nova posição convencio-
nal” (Elkonin, 2009a, p. 411). Exemplificando: a relação de professor
e criança, assumido por duas crianças, devem ter ações coordenadas
com os papéis sociais a serem representados, como também o uso dos
objetos. O carvão usado como riscador, representando o giz, necessita
ser visto pela criança como giz e até supostamente enxergar cor, caso o
professor relate a cor ao escrever na lousa. Elkonin (2009a) denomina
114
esse processo de descentramento cognoscitivo. A possibilidade de enxergar
o colega em posturas, ações e tomadas de decisões condizentes com o
papel social deflaga modos diferentes de relacionar-se, potencializando
as relações sociais e desenvolvendo a inteligência e personalidade.
Em complemento, Elkonin (2009a, p. 407) ratifica:
O jogo protagonizado dá lugar a que a criança abandone as suas
posturas – devidas à visão que lhe foi proporcionada por seu quarto
infantil, individual e específico – e adote a do adulto. A própria
adoção de um papel pela criança e a mudança, com ele relacionada,
dos sentidos dos objetos incorporados ao jogo, constitui uma mu-
dança constante de uma postura por outra.
O jogo protagonizado como atividade peculiar da EEI possui
possibilidades inesgotáveis de relações entre as pessoas, em comparação
ao jogo vivenciado em casa, no quarto infantil, individualmente e, na
maioria das vezes, com um único brinquedo ou a companhia de um
amigo imaginário. Cabe à escola organizar espaço, tempo, materiais e
oportunizar relações com as crianças, para o desenvolvimento do jogo,
complexificando os temas, papéis sociais e conteúdos. Elkonin (1960b,
p. 514, tradução nossa)
31
complementa:
O jogo de ação desenvolvido é sempre um jogo coletivo. Somente
em seus graus mais baixos de desenvolvimento pode ser individual.
No jogo de ação, as crianças costumam reproduzir o trabalho dos
adultos, e isso, como se sabe, é sempre coletivo. Por isso, o jogo,
como forma especial de reproduzir a vida dos adultos, também é
coletivo. O jogo coletivo é uma forma de vida coletiva acessível às
crianças em idade pré-escolar.
31
El juego de acción desarrollado es siempre un juego colectivo. Solamente en su grados más
inferiores de desarrollo puede ser individual. En el juego de acción los niños corrientemente
reproducen el trabajo de los adultos, y éste, como es sabido, es siempre colectivo. Por esto
el juego, como forma especial de reproducir la vida de los adultos, también es colectivo. El
juego colectivo es una forma de vida colectiva accesible a los niños de edad preescolar.
115
Vale, assim, enfatizar que a necessidade de relações é criada pelo
adulto, que nomeia, aponta e apresenta o mundo dos objetos e das pes-
soas às crianças. A colaboração do adulto e a participação ativa da criança
possibilita a ela avançar a níveis sofisticados do desenvolvimento humano.
Na direção desses pressupostos, a seguir, voltamos nossa atenção
a reflexões sobre os eixos de discussões, considerando o corpus de traba-
lhos localizados e reunidos sobre a temática estudada.
117
3.
OS EIXOS DE DISCUSSÕES:
UM OLHAR SOBRE OS DADOS
BIBLIOGRÁFICOS
Os processos psíquicos e as qualidades da personalidade são
formados durante a infância e continuam a mudar e se refinar ao
longo da vida do indivíduo. A sua formação é um autêntico pro-
cesso de desenvolvimento do psiquismo e não uma manifestação
daquilo que aparentemente já existe, no momento do nascimento,
de forma velada. Esse desenvolvimento se dá sob a influência de-
terminante das condições de vida e educação, em correspondência
com o meio ambiente e sob a influência dirigente dos adultos.
(Elkonin, 1960a, p.493, tradução nossa)
32
Em sintonia com o excerto de Elkonin (1960a), a escola, ao or-
ganizar os espaços e materiais intencionalmente e se relacionar com a
criança, contribui para fomentar situações motivadoras do desenvolvi-
mento psíquico infantil. Portadores de experiência social, os adultos (re-
presentados por professores e demais educadores na EEI) são essenciais
32
Los processos y cualidades psiquicos de la personalidade se forman durante la infancia
y continúan cambiando y perfeccionándose a lo largo de toda la vida del individuo. Su
formación es un auténtico proceso de desarrollo de la psiquis y no una manisfestación de
aquelle que al parecer existe ya, en el momento de nacer, en forma encubierta. Este desarrollo
se efectúa bajo la infleuncia determinante de las condiciones de vida y de la educación, en
correspondencia con el medio ambiente y bajo la influencia directriz de los adultos.
118
para sofisticar o processo educativo das crianças.
A formação de um autêntico processo de desenvolvimento da
personalidade e da inteligência depende da influência de experiências
sociais, em relações sociais em que os adultos sejam mediadores de pro-
cessos em que a criança amplia e aperfeiçoa funções psíquicas em níveis
superiores. Com essa compreensão, a efetividade do processo educativo
revela o professor como intelectual capaz de criar condições objetivas
para a atividade infantil, por meio da qual cada criança aprende a agir e
pensar de modo cada vez mais elaborado. Vale ressaltar a essencialidade
do processo mediador, ultrapassando os conceitos aparentes e superfi-
ciais do objeto de estudo, penetrando na essencialidade do fenômeno
(Martins, 2013).
Como parceiro mais experiente, o professor organiza o processo
educativo para que as crianças possam acessar, apropriar-se e objetivar
uma diversidade e riqueza de elementos culturais, auxiliando na educa-
ção dos seus modos de uso. Nesse sentido, enfatizamos, a essencialidade
de uma sólida base teórica e de processos formativos para direcionar os
modos de pensar e agir desse profissional, intersectando seu profissiona-
lismo a sua prática pedagógica. Como afirmam Costa, Mello e Pederiva
(2017, p. 12): “[...] Quando dizemos que a ‘teoria, na prática, é outra’,
referindo-nos a uma teoria que não concretiza, o que temos de fato, não
é uma teoria, mas um discurso sobre uma teoria”.
A discussão dos onze trabalhos selecionados é realizada a partir
de agrupamentos em dois eixos: o valor do jogo protagonizado para o
desenvolvimento humano e intervenções para as práticas pedagógicas.
Os nossos estudos possibilitaram discutir o papel do professor na EEI
e contribuir acerca de ações docentes intencionalmente projetadas ao
desenvolvimento humano nos anos iniciais da vida.
Nos subitens a seguir, esforçamo-nos para dialogar com as autoras
e autores, reconhecendo as intervenções e práticas pedagógicas como
essenciais ao processo de ampliação do repertório cultural da criança,
na perspectiva de sofisticar o jogo protagonizado no período pré-escolar
para o pleno desenvolvimento das funções psíquicas na EEI.
119
3.1 O valor do jogo protagonizado para o desenvolvimento
humano
Neste eixo, dialogamos com Colussi (2016), Benin, Bran e
Goçalves (2016), Gonçalves (2017), Silva (2019) e Szymanski e Colussi
(2020). Essas estudiosas argumentam sobre o valor do jogo para o de-
senvolvimento humano, conforme revelam os excertos extraídos de seus
trabalhos, nos quadros descritos em itálico, para distinguir de outras
citações destacados neste livro.
Os aspectos extraídos dos trabalhos foram organizados seguindo
as seguintes temáticas: processos de desenvolvimento, atividade huma-
na, afeto/cognição, atividade principal do período pré-escolar, ativida-
des precedentes essenciais ao jogo protagonizado, linha acessória de de-
senvolvimento e central de desenvolvimento, as quais serão detalhadas
na sequência.
Na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural, o processo de de-
senvolvimento humano não é linear e se compõe no contexto social
em determinado tempo histórico e cultural. As autoras trazem valiosas
contribuições para as reflexões pretendidas nesta seção (quadro 10):
Quadro 10 – Processo de desenvolvimento
Com o desenvolvimento histórico, cultural e tecnológico hu-
mano, as necessidades biológicas, ainda que vitais, quando
garantidas tornam-se secundárias, e as atividades humanas,
na maioria das vezes, passam a ser provocadas por necessida-
des sociais (Colussi, 2016, p. 39).
[...] Porém essa subjetividade, não é somente desenvolvida a
partir das relações, mas também pelos objetos criados pelos
homens em determinada época, que são disponibilizados as
crianças, estas interagem com esses objetos construindo tam-
bém dessa forma, significados sociais, inerentes a sua consti-
tuição enquanto sujeitos socioculturais (Benin; Bran; Goçal-
ves, 2016, p. 58).
[...] Contudo, o desenvolvimento biológico não corresponde
à formação/constituição da criança em sua totalidade, mes-
mo porque o aspecto biológico se caracteriza como um com-
120
ponente do desenvolvimento que sofre as determinações da
condição social do indivíduo. Na verdade, o que caracteriza
o homem é sua condição de ser social, o que é em parte deter-
minado pela sua condição biológica, mas em unidade e cada
vez mais posta sob o domínio das condições sociais (Gonçal-
ves, 2017, p. 18).
A psicologia histórico-cultural compreende o desenvolvimen-
to do psiquismo humano como um fenômeno histórico em
inter-relação com o desenvolvimento histórico-social da ati-
vidade dos indivíduos, sendo esta a geradora das caracterís-
ticas que diferem os seres humanos dos outros animais. Neste
sentido, no que concerne aos estudos acerca do psiquismo hu-
mano, a referida psicologia emerge a partir da tese central
que postula como fulcral a natureza social e cultural deste
psiquismo (Silva, 2019, p. 20).
[...] Sobre a base biológica constituída pelo organismo, as
experiências vividas ao serem apropriadas interferem e re-
dimensionam possibilidades, interesses e necessidades típicas
de cada criança, a qual apresenta, por isso mesmo, modos
próprios de atuação nas relações que a envolvem (Szymanski;
Colussi, 2020, p. 3).
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
Os excertos corroboram os princípios já afirmados ao longo deste
livro: o homem é um ser social. A possibilidade de humanização da pes-
soa decorre das relações dela com a realidade circundante. Nas palavras
de Leontiev (2004, p 279): “[...] o homem é um ser de natureza social,
que tudo o que tem de humano nele provém da sua vida em sociedade,
no seio da cultura criada pela humanidade”.
Em relação às possibilidades de formação humana na infância, o
meio social e a participação ativa da criança nas relações sociais impul-
sionam o processo de desenvolvimento da inteligência e personalidade
nos anos iniciais da vida. Isso significa que a carga genética recebida
ao nascer não nos humaniza. Essa compreensão busca superar a ideia
biologizante sobre o desenvolvimento humano como sendo a-histórico
e natural, determinado pelo processo de crescimento. De outro modo,
121
firma-se a premissa de que, nas relações sociais, a criança se apropria
de artefatos culturais elaborados por gerações anteriores e se humaniza.
Nesse sentido, as funções biológicas não são suficientes para desenvolver
as funções psíquicas superiores, como formas de memória, percepção
voluntária, concentração, autocontrole da conduta, fala, pensamento
lógico – funções que distinguem os seres humanos dos animais. Trata-se
de processo complexo de apropriação e objetivação de elementos cultu-
rais, mediados por adultos portadores de experiências culturais.
A dialeticidade entre apropriação e objetivação potencializa o de-
senvolvimento humano, elevando-o a níveis complexos. Nas palavras
de Vygotski (1995, p. 141, tradução nossa)
33
:
[...] se trata de um complicado processo dialético que se distingue
por uma complexa periodicidade, pela desproporção no desenvol-
vimento das diversas funções, pelas metamorfoses ou transforma-
ções qualitativas de umas formas em outras, por um entrelaçamen-
to complexo de processos evolutivos e involutivos, pelo complexo
cruzamento de fatores externos e internos, por um complexo pro-
cesso de superação de dificuldades e de adaptação.
O desenvolvimento das funções psíquicas, pelas transformações
qualitativas de umas formas em outras (Vygotski, 1995), torna-se pos-
sível mediante atividade humana, especialmente aquela orientadora das
principais mudanças nesse desenvolvimento. Trata-se da atividade guia
ou principal
34
. Na infância, a necessidade da criança de se relacionar
com outras pessoas e com a realidade circundante fomenta apropriação
de conhecimentos, mediante processos de ações e operações. As ações
33
[...] se trata de um complejo proceso dialéctico que se distingue por una complicada
periodicidad, la desproporción en el desarrollo de las diversas funciones, las metamorfosis
o transformación cualitativa de unas formas en otras, un entrelazamiento complejo de
procesos evolutivos e involutivos, el complejo cruce de factores externos e internos, un
complejo proceso de superación de dificultades y de adaptación.
34
Utilizaremos a denominação “atividade principal”, conforme tradução de Maria da Pena
Villalobos do texto de: LEONTIEV, A.N. Os princípios psicológicos da brincadeira pré-
escolar. In: Vigotskii, L. S, Luria, A.R, Leontiev, A.N. Linguagem, desenvolvimento,
aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2010, p.119-142.
122
constituem parte integrante da atividade e as operações se caracterizam
como modos de executar as ações (Colussi, 2016). O processo educa-
tivo possibilita a superação das ações primárias oriundas da situação
concreta de vida da criança, em ações mediatizadas, vivenciadas no co-
letivo, sob a orientação do professor. Este profissional se torna essencial
para sofisticar o conteúdo das ações, isto é, modos de agir, pensar e
atuar diante da realidade. O movimento dialético do mundo interno
e externo, mediado por um parceiro mais experiente, pode potenciali-
zar uma educação desenvolvente, ampliando a consciência de adultos
e crianças.
Conforme os excertos abaixo, destacados no quadro 11, a quali-
dade dos processos educativos envolve clareza conceitual sobre o que é
atividade, como conjunto de ações humanas que possibilita a apropria-
ção e objetivação de conhecimentos.
Quadro 11 – Atividade humana
A atividade constitui-se por ações, ou seja, não há atividade e
nem sua objetivação sem ações. Para que as ações se efetivem
são necessárias diferentes operações, por isso elas são o modo
e as tarefas de execução que tornam possível a realização de
determinada ação (Colussi, 2016, p. 35).
Ao considerar a atividade principal da criança em cada pe-
ríodo de desenvolvimento, compreendemos que a aprendiza-
gem promove o desenvolvimento, logo requer uma organi-
zação do ensino que considere esse fato, uma vez que cria
possibilidades de formação como ser humano de pouca idade.
Nessa lógica, a criança é capaz de se apropriar dos elementos
culturais, desde que a organização do ensino considere as ne-
cessidades específicas de cada período de existência, permea-
das pela constituição histórica e social da criança (Gonçalves,
2017, p. 26).
[...] a atividade da criança é conceito imprescindível à teoria
da periodização, pois é a atividade que requer determinadas
capacidades psíquicas e por isso a forma. [...] determinada
atividade possui um caráter mais decisivo em dado período
do que outras (Silva, 2019, p. 84).
[...] a consciência não resulta unicamente do mundo subje-
123
tivo, nem tampouco é resultado de um processo apenas bio-
lógico, uma vez que ela se forma nas relações do sujeito com
o mundo à sua volta. Trata-se de um movimento dialético,
no qual, ao mesmo tempo em que a consciência vai amplian-
do-se, amplia-se a representação interna do mundo externo
— apropriação que depende da atividade do sujeito. Essa
consciência regula a forma como o sujeito realiza a própria
atividade (Szymanski; Colussi, 2020, p. 3).
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
Uma das questões provocadas pelas argumentações dos autores
nos excertos acima é como o conceito de atividade pode se tornar base
para as discussões em torno do papel social e lugar do jogo protagoniza-
do na idade pré-escolar, assim como nos provoca a pensar sobre as ati-
vidades principais anteriores a esse momento da infância, que organiza
as bases essenciais ao seu surgimento.
De acordo com os estudos de Leontiev (2010, p. 122):
Chamamos atividade principal aquela em conexão com a qual
ocorrem as mais importantes mudanças no desenvolvimento
psíquico da criança e dentro da qual se desenvolvem processos
psíquicos que preparam o caminho da transição da criança para
um novo e mais elevado nível de desenvolvimento.
Não é qualquer fazer realizado pelas pessoas (o que envolve as
crianças) que pode ser denominado como atividade principal, isto é,
aquela que impulsiona e dá novos contornos ao desenvolvimento, pro-
vocando mudança qualitativa no psiquismo infantil. Em cada período
da vida e do desenvolvimento humano, há uma atividade principal, que
direciona o desenvolvimento da criança, propiciando transformações
psíquicas (Elkonin, 2009c). A criança se desenvolve quando estabelece
uma relação de qualidade com o mundo, composto por pessoas e obje-
tos. Nas relações vivenciadas, a criança atribui sentidos ao que vê, sente,
cheira, fala, mediante o encontro do afetivo e o cognitivo.
124
No quadro 12, há proposições orientadoras do exposto acima, de
acordo com estudos selecionados para investigação:
Quadro 12 – Afeto/cognição
[...] o objeto afeta o sujeito e, nessa relação particular entre
sujeito e objeto, a imagem do real reflete as propriedades ob-
jetivas do objeto e as singularidades dessa relação. Por isso,
qualquer relação entre sujeito e objeto, é afetada por compo-
nentes afetivos em razão da unidade entre afeto e cognição
(Colussi, 2016, p. 71-72).
Com o desenvolvimento das propriedades afetivas, cogniti-
vas, motoras e sociais, a criança busca cada vez mais inse-
rir-se nas atividades propostas pelos adultos, como forma de
compreender o mundo e integrar-se [...] (Benin; Bran; Go-
çalves, 2016, p. 60).
Construindo, transformando e destruindo a criança expressa
seu imaginário, sua afetividade e desenvolve-se intelectual-
mente (Gonçalves, 2017, p. 26).
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
A relação afeto/cognição move o desenvolvimento. A interseção
do afetivo e cognitivo motiva a atividade humana, potencializando a
necessidade da criança de se apropriar de novos conhecimentos, evi-
denciando “vivências afetivas nucleadas por emoções e vivências afetivas
nucleadas por sentimentos” (Martins, 2013, p. 260). Os sentimentos
influem decididamente no processo de desenvolvimento humano, com
a possibilidade de obstaculizar ou impulsionar a aprendizagem. Trata-se
de vivenciar a atividade com o envolvimento do corpo, mente e emo-
ção, essencial ao processo de humanização.
No período pré-escolar, a atividade motivadora do uso e da mobi-
lização de processos psíquicos na criança denomina-se jogo protagoni-
zado. A necessidade de a criança se apropriar de normas e condutas so-
cialmente humanas manifesta-se, e mediante o jogo protagonizado, ela
realiza desejos irrealizáveis no momento. A apropriação de atividades
produtivas humanas é desvelada nos jogos protagonizados e as situações
fictícias refletem as condições concretas da vida da criança.
125
Nas palavras de Elkonin (2009a, p. 35)
35
: “O conteúdo do jogo
é o aspecto característico central, reconstituído pela criança a partir da
atividade dos adultos e das relações que estabelecem em sua vida social
e de trabalho”. O conteúdo do jogo protagonizado é social e, depen-
dendo da apropriação individual, a criança interpreta, julga, aceita ou
rechaça a atividade humana. Conforme o mesmo autor:
Claro que o caráter concreto das relações entre as pessoas repre-
sentadas no jogo é muito diferente. Essas relações podem ser de
cooperação, de ajuda mútua, de divisão de trabalho e de solicitu-
de e atenção de uns com outros; mas também podem ser relações
de autoritarismo, até de despotismo, hostilidade, rudeza etc. Tudo
depende das condições sociais concretas em que vive a criança.
(Elkonin, 2009a, p. 35)
36
.
Isso significa que o jogo protagonizado revela apropriações e re-
lações afetivas da criança, provenientes do seu meio social concreto. Ao
protagonizar atitudes de machismo, ela se orienta em condutas perten-
centes a situações vivenciadas em sua vida, externalizando aspectos des-
se modelo de homem. Tais atitudes contribuem para possíveis condutas
autoritárias em relação à mulher, como menosprezá-la, por exemplo. O
papel do professor como propulsor de intervenções pedagógicas poten-
tes ao desenvolvimento humano não se limita a aceitar que a criança
reitere atitudes cotidianas. Ao contrário, consiste em intervir qualita-
tivamente nas objetivações das crianças, a fim de mobilizar aspectos
cognitivos, comportamentais e afetivos humanizadores. Esse processo
orienta a formação de funções psíquicas de pensar, agir, falar e controlar
a conduta na infância.
Elkonin (1960b, p.513, tradução nossa)
37
:
35
Em Elkonin (1986b, p. 77) é possível localizar o mesmo excerto em língua espanhola.
36
Em Elkonin (1986b, p. 77-78) é possível localizar o mesmo excerto em língua espanhola.
37
El contenido de los juegos de argumento tiene una significación educativa importante. Por esto
hay que observar con cuidado a qué juegan los ninõs. Hay que darles a conncer aquellas facetas
de la realidad cuya reproducción en los juegos puede ejercer una influencia educativa positiva
y distraerlos de la representación de aquello que puede desarrollar cualidades negativas.
126
O conteúdo dos jogos de argumento tem um significado educacio-
nal importante. Por esse motivo, é necessário observar atentamente
do que as crianças brincam. Eles devem estar cientes daquelas fa-
cetas da realidade cuja reprodução em jogos pode exercer uma in-
fluência educacional positiva e distraí-los da representação do que
pode desenvolver qualidades negativas.
A influência educacional positiva do professor torna-se necessá-
ria para superação de reconstituições humanas de autoritarismo, des-
potismo, hostilidade, rudeza (Elkonin, 2009a), possibilitando uma
formação humana mais harmônica. Como defendido ao longo desta
dissertação, na Educação Infantil, não cabe o espontaneísmo, baseado
na reprodução de aspectos do cotidiano. As intervenções do professor
podem ser mais exitosas e favorecer o desenvolvimento pleno da criança
quando busca superar atitudes alienadas, preconceituosas, dominadas
pela mídia ou simplesmente adaptadas aos padrões determinados pela
sociedade. O papel da escola consiste em possibilitar à criança situações
para apropriação de novas atitudes humanas propulsoras de criações
criativas da realidade objetiva, valorizando atitudes de cooperação, aju-
da mútua, divisão de trabalho e solicitude e atenção de uns com outros
(Elkonin, 2009a).
Ao representar aspectos do mundo do adulto, a criança age se-
gundo suas capacidades históricas, sociais e culturais, mediadas pelo
professor. No quadro 13, os autores argumentam sobre o jogo como
atividade principal do período pré-escolar e de caráter social.
Quadro 13 – Atividade principal do período pré-escolar
Para o desempenho dos papéis de adultos, a criança apropria-
-se do sentido social das atividades produtivas humanas e sua
conduta é guiada pela internalização dos padrões sociais que
percebe em seu meio. Consequentemente, a criança reconhece
suas capacidades e potencialidades, expõe suas opiniões acer-
ca da sociedade em que vive, demonstra seus sentimentos, co-
munica-se, revela sua consciência na busca de humanizar-se
(Colussi, 2016, p. 80).
[...] no período pré-escolar, a principal atividade das crian-
127
ças passa a ser os jogos e as brincadeiras. Ao realizarem essas
brincadeiras as crianças utilizam do mundo concreto dos
adultos que assimilou nas outras fases de seu desenvolvimen-
to, para que possa concretizar através dessa atividade, essas
ações (Benin; Bran; Goçalves, 2016, p. 59).
[...] na idade pré-escolar o jogo é a atividade que cumpre o
papel de ser principal ou dominante para o desenvolvimento
psíquico. Isso sugere ao educador que oportunize o brincar
das crianças, não sendo apenas uma ação de segunda cate-
goria, que possa ser interrompida ou abreviada, introduzida
provisoriamente na rotina das crianças para cobrir a falta do
que fazer [...] (Gonçalves, 2017, p. 26).
[...] a brincadeira de papéis sociais, por sua natureza social,
por ter como conteúdo as relações sociais e por sua estrutura
na qual a criança precisa agir como adulto sem dominar as
operações, demanda a criação de uma situação imaginária.
Isso porque está posta uma contradição que só se resolve para
ela a partir da criação de uma situação imaginária: ela quer
agir como os adultos, mas não domina, nem pode dominar,
as operações necessárias a estas ações (Silva, 2019, p. 133).
[...] A principal característica da atividade lúdica no jogo
de papéis é o fato de a criança elaborar uma situação fictícia
para representar um papel de adulto, conforme o sentido que
ela lhe atribui, transferindo as significações de um objeto a
outro (Szymanski; Colussi, 2020, p. 7).
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
A base do jogo é social, isso posto, a partir da situação concreta
de vida e das relações sociais, a criança brinca, representando esferas
diversificadas do trabalho humano. Assim, Elkonin (2009a, p. 80) es-
clarece a tese mais importante do jogo protagonizado, sua origem social
e histórica:
[...] esse jogo nasce no decorrer do desenvolvimento histórico
da sociedade com resultado da mudança de lugar da criança no
sistema de relações sociais. [...] é de origem e natureza sociais. O
seu nascimento está relacionado com as condições sociais muito
128
concretas da vida da criança em sociedade e não com a ação de
energia instintiva inata, interna, de nenhuma espécie.
Ao brincar, a criança age, resolve problemas, argumenta, con-
trola sua conduta e mobiliza funções mentais e práticas, orientadoras
na constituição de funções tipicamente humanas. Isso significa que, ao
proporcionar encontros e relações da criança com pessoas e bens da cul-
tura, é possível oferecer condições de ela ser afetada por eles. Esse envol-
vimento ativo e desenvolvente da criança pode ser pensado desde a or-
ganização dos espaços, tempo e materiais de maneira intencionalmente
dirigida à formação humana, por meio da criação de possibilidades de
atividade e aprendizagens no interior da escola de Educação Infantil.
A partir das atividades precedentes ao jogo protagonizado, forma-
-se a base essencial às vivências em situações lúdicas no período pré-es-
colar. Ao explorar as características externas dos objetos e compreender
seu modo de uso, a criança aprende a agir com ele, mediante processo
educativo do professor. Nessa perspectiva, o jogo protagonizado tor-
na-se mais rico quanto maior a possibilidade de a criança explorar e se
relacionar com o mundo circundante, o que se inicia desde a manipula-
ção dos objetos no primeiro ano de vida e as aprendizagens decorrentes
da atividade de comunicação emocional.
Por volta do quinto ou sexto mês de vida, a manipulação de ob-
jetos é essencial ao processo de desenvolvimento humano: “[...]. Sem
saber sustentar um objeto na mão é impossível qualquer ação com ele,
incluindo a lúdica” (Elkonin, 2009a, p 207). Por meio dessa ativida-
de, a criança aprende a coordenação sensório-motora, a saber: cor, tex-
tura, forma e implicitamente o valor histórico e social dos objetos. Em
continuidade, Elkonin (2009a, p. 214) explica: “As ações da criança de
um ano são estimuladas pela novidade dos objetos e sustentadas pelas
novas qualidades dos objetos que vão sendo descobertas durante a sua
manipulação. O esgotamento das possibilidades de novidades implica a
cessação das ações com o objeto”.
Com esse entendimento, conclui-se que o adulto ao oferecer ob-
jetos novos, diversificados, ou instigar algo não percebido pela criança
129
em objetos parcialmente tateados, propicia condições para potencializar
a percepção e o exame do objeto, ampliando o desenvolvimento das
funções psíquicas e o repertório cultural das crianças, possibilitando a
sofisticação dos jogos no período pré-escolar.
Nesse sentido, afirmamos a essencialidade das atividades prece-
dentes ao jogo protagonizado, em harmonia com os excertos dos auto-
res citados no quadro 14:
Quadro 14 – Atividades precedentes essenciais ao jogo protagonizado
As crianças a partir dos cinco meses de idade começam a
manipular objetos dados pelos adultos, porém, antes de ocor-
rer essa manipulação, ocorre a observação e exame do objeto
entregue, ou outra atividade sensorial, a atenção ou o som
emitido. A criança explora todas as possibilidades desse ob-
jeto, por isso, a atenção dada a ele possui pouca duração e
a troca dos mesmos deve ocorrer em pouco tempo, por outro
que permita a criança explorá-lo de formas distintas (Benin;
Bran; Goçalves, 2016, p. 59).
[...] ainda que a manipulação realizada pelo bebê não seja
uma brincadeira é fundamental destacar que ela é essencial
no desenvolvimento das operações com os objetos. É esta ma-
nipulação, ainda que primária e elementar, que “abre cami-
nho” para o futuro desenvolvimento da atividade do período
posterior. [...] nada no desenvolvimento ontogenético emerge
de repente ou de maneira natural e espontânea. Tudo guar-
da profundas relações tanto com o desenvolvimento passado
quanto com o futuro (Silva, 2019, p. 97).
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
A passagem de um período de desenvolvimento a outro é com-
plexa, marcada por necessidades e motivos diferenciados. Como proces-
so dinâmico, cada período se torna premissa para o posterior. O lugar
ocupado pela criança na sociedade e sua relação com as pessoas e ob-
jetos culturais possibilitam o desenvolvimento ontogenético (Elkonin,
1960). Nesse sentido, argumentamos sobre a função social dos proces-
sos educativos escolares para potencializar novas aprendizagens infantis,
130
desenvolvendo a consciência da criança. Sobre essa questão, Leontiev
(2010, p. 67) teoriza:
[...] a mudança do tipo principal de atividade e a transição da crian-
ça dê um estágio de desenvolvimento para outro correspondem a
uma necessidade interior que está surgindo, e ocorre em conexão
com o fato de a criança estar enfrentando a educação com novas ta-
refas correspondentes a suas potencialidades em mudança e a uma
nova percepção.
Ao se relacionar com um meio social sofisticado e mediado por
um adulto portador de experiências culturais, a criança altera suas per-
cepções de agir e compreender o mundo. A vida da criança é multifa-
cetada, sendo assim, compreendemos a necessidade de relações autênti-
cas – criança/adulto/cultura –, tornando-se possível a origem de novos
motivos de conhecimentos, complexificando a consciência. A gênese de
uma nova atividade principal não anula a precedente, ademais, poten-
cializa o repertório de conhecimento.
Nessa lógica, a relação criança/adulto, essencial ao bebê, deixa de
ser primordial para a criança na primeira infância, emergindo a relação
criança/objeto social” (Elkonin, 1987b, p. 113), alterando o sistema de
relações sociais da criança. Posteriormente, a criança se interessa pelas
atividades produtivas humanas e o sistema “criança/adulto” (Elkonin,
1987b, p. 114) entra em cena. O jogo protagonizado nasce da neces-
sidade de a criança protagonizar atividades produtivas do mundo dos
adultos. A relação criança/adulto e os modos profícuos de agir com os
objetos, como os adultos fazem, evidenciam a forma evoluída do jogo.
Como caracteriza Elkonin (2009a, p.34):
Assim, a base do jogo protagonizado em forma evoluída não
é o objeto, nem o seu uso, nem a mudança de objeto que o
homem possa fazer, mas as relações que as pessoas estabelecem
mediante as suas ações com os objetos; não é a relação ho-
mem-objeto, mas a relação homem-homem. E como a recons-
tituição e, por essa razão, a assimilação dessas relações trans-
correm mediante o papel de adulto assumido pela criança, são
131
precisamente o papel e as ações organicamente ligadas e ele
que constituem a unidade do jogo.
A realidade concreta da criança transparece no papel e nas ações
reconstituídas no jogo protagonizado. Os temas protagonizados, como
médico, dentista, professora, são coerentes com a apropriação das re-
lações da criança com o mundo do trabalho humano. A compreensão
sofisticada do trabalho humano potencializa o conhecimento de novos
conteúdos, refletindo em patamares superiores à reconstituição do pa-
pel, reorganizando as funções psíquicas e desenvolvendo a inteligência
e personalidade da criança.
A mudança no sistema de relações (homem-objeto para homem-
-homem) altera os modos de a criança se relacionar com o mundo e
reorganiza as funções psíquicas. A nova relação constitui-se em linha
central de desenvolvimento, relacionada à atividade principal, que surge
e se aperfeiçoa paulatinamente. E o que deixa de interessar à criança
torna-se linha acessória de desenvolvimento. Esse movimento não é linear
nem estático, acontece mediante avanços e retrocessos entre as linhas de
desenvolvimento: acessória e central. A linha central, como principal
em um determinado período, no seguinte torna-se acessória, e vice-ver-
sa. A dialeticidade entre as duas linhas movimenta e aperfeiçoa toda a
estrutura psíquica da criança (Vygotski, 1996).
Quadro 15 – Linha acessória de desenvolvimento e
linha central de desenvolvimento
A atividade que dirige o desenvolvimento e promove o apa-
recimento de novas formações numa etapa, será coadjuvante
na etapa seguinte. Isso porque serve de base para outra ati-
vidade principal que promove o surgimento de outras for-
mações e características no sujeito. Trata-se, pois, do aspecto
dialético e de movimento constante no processo de humani-
zação que se reflete no caráter dinâmico das relações sociais.
Novos significados das relações pessoais e sociais aparecem e
estão sempre em mudança. As vivências se ampliam, novos
sujeitos aparecem e diferentes mediações são realizadas. Com
isso, o sentido dessas novas experiências, resulta na formação
132
da personalidade das crianças, como síntese de múltiplas de-
terminações (Gonçalves, 2017, p. 25-26).
Ainda nesta perspectiva, a formulação da proposição acerca
das linhas centrais e acessórias de desenvolvimento é funda-
mental no que diz respeito ao surgimento das atividades-
-guias na ontogênese. Nenhuma atividade emerge repen-
tinamente no desenvolvimento infantil; ao contrário, elas
surgem, inicialmente, como linha acessória na atividade que
lhe precede ou como ação no interior desse sistema de ativida-
de. Neste sentido, o essencial a destacar deste princípio teórico
é que parece evidente que nenhuma atividade simplesmente
se manifesta à medida do crescimento ou maturação orgâni-
ca como determinação inata ou ainda como dado inerente
a uma suposta condição natural infantil. [...] (Silva, 2019,
p. 85-86)
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
Como destacado no quadro 15, os estudos de Gonçalves (2017)
e Silva (2019) contribuem para ampliarmos as reflexões antecedentes,
considerando que a linha central de desenvolvimento se destaca em
cada atividade principal, mediante as condições sociais de vida e educa-
ção. Nessa atividade, há a possibilidade de estruturação das capacidades
psíquicas em níveis cada vez mais sofisticados, como as formas de per-
cepção, atenção, memória, pensamento, dentre outras. O desenvolvi-
mento da consciência como um todo, em cada período de vida, diferen-
cia uma capacidade que ocupa lugar de dominância em relação a todas
as outras capacidades. Dito de outra maneira, a capacidade dominante
guia o desenvolvimento das demais, sem perder as particularidades de
toda a consciência (Elkonin, 2009a; Vigotski, 2018).
Nessa perspectiva, Elkonin (2009a, p. 23)
38
escreve:
[...] toda atividade e também o jogo não é exceção, pode decom-
por-se numa soma de faculdades: percepção + memória + pensa-
mento + imaginação; talvez seja possível, inclusive, determinar com
38
Em Elkonin (1986b, p. 74) é possível localizar o mesmo excerto em língua espanhola.
133
certo grau de precisão o peso de cada um desses processos nas diver-
sas etapas de desenvolvimento de um ou outro jogo. Não obstante,
decomposto em elementos, o jogo perde totalmente a sua origina-
lidade qualitativa como atividade peculiar da criança, como forma
especial de sua vida e de sua vinculação à realidade circundante.
Ao longo do percurso de desenvolvimento da criança, há funções
psíquicas determinantes em desenvolvimento. Como sujeito ativo no
processo de educação, a criança se relaciona com o mundo, aproprian-
do-se das funções psíquicas vinculadas a toda consciência. Desde a ten-
ra idade, ao fixar o olhar em um objeto, ao apreender a função social de
um copo, ao calçar um sapato, a criança realiza ações práticas externas,
com a possibilidade de desenvolvimento de ações internas. Ao vivenciar
concretamente o externo, o conteúdo interno torna-se possível.
Dessa forma, funções psíquicas são mobilizadas, como: a per-
cepção, ao sentir o objeto e perceber cor, textura, forma, grandeza; a
memória, ao recordar atitudes de um adulto, ações com um objeto ou
recontar uma história; o autocontrole da conduta, ao assumir um papel
e se portar como tal, ao controlar o seu corpo numa brincadeira; a aten-
ção, ao representar o papel da maneira tal qual observou. Nessa pers-
pectiva, ao longo do desenvolvimento do jogo protagonizado, funções
psíquicas são mobilizadas e aperfeiçoadas (Colussi, 2016; Benin, Bran,
Goçalves, 2016; Silva, 2019; Szymanski, Colussi, 2020).
Diante do exposto, entendemos o processo de desenvolvimento
humano, mediante apropriação (internalização) da cultura humana por
meio das relações sociais mediadas por parceiros mais experientes. O
modo como cada pessoa objetiva (exterioriza) a cultura depende dos
meios da sua apropriação. Isso significa que cada sujeito ressignifica de
maneira particular os elementos culturais, dependendo da sua condição
concreta de vida e das relações que estabelece. Em síntese, o desen-
volvimento das funções humanas em níveis cada vez mais complexos
depende do processo de apropriação e objetivação da cultura, mediante
processos de vida e educação.
134
No contexto educativo, o jogo protagonizado possibilita à crian-
ça objetivar suas apropriações, estabelecer trocas sociais, complexificar
conhecimentos e desenvolver funções especificamente humanas. Para
sua efetividade, o papel do professor consiste em propiciar situações
efetivas para o máximo desenvolvimento das potencialidades das crian-
ças. Como afirma Elkonin (2009a, p. 270), “Tudo isso acontece sob a
direção de adulto e não de maneira espontânea”.
Nessa perspectiva, um dos desafios da escola de crianças pequenas
é materializar condições concretas para a efetivação do jogo protagoni-
zado e, nesse processo, constituir situações para que haja aprendizagens
propulsoras de desenvolvimento humano na infância pré-escolar.
No conjunto dos dados sistematizados na pesquisa bibliográfica,
estão aqueles relativos a práticas docentes e intervenções pedagógicas
do professor. Com base neles, na sequência, o exercício de reflexões
envolve aspectos dessas práticas e de processos de formação inicial e
continuada sofisticados, para pensarmos a atividade docente dirigida às
máximas possibilidades de desenvolvimento das crianças na EEI.
A seguir, continuamos as discussões dos dados, dedicando-nos
especialmente ao eixo “intervenção e práticas pedagógicas”.
3.2 Intervenção e práticas pedagógicas
Nesta subseção, elencamos os estudos de Marcolino (2013),
Barros, Marcolino, Mello (2014), Barbosa et al (2018), Brigatto
(2018), Sena (2018) e Godoy (2019) para tecermos as argumentações
sobre a temática. Em relação a ela, questionamos: será que os professo-
res concebem a função do jogo protagonizado para o desenvolvimento
das funções psíquicas superiores? Será que a escola e o professor criam
condições efetivas para a apropriação das bases do jogo protagonizado?
Os professores organizam espaço, tempo e materiais para a efetivação
do jogo protagonizado?
Os aspectos extraídos dos trabalhos selecionados foram organizados
em quadros com as seguintes temáticas: falta de clareza conceitual e teóri-
ca dos professores, intervenção pedagógica para complexificação do jogo
135
protagonizado, papel do professor, mediação, zona de desenvolvimento
iminente, papel da escola. Essas temáticas são detalhadas na sequência.
O exercício das reflexões se orienta para pensarmos a atividade
profissional do professor, com a perspectiva de compreender o jogo pro-
tagonizado como possibilidade de desenvolvimento da inteligência e
personalidade das crianças no período pré-escolar. Elkonin (2009a, p.
80) certifica a valoração dessa atividade:
Com o jogo protagonizado, começa também um novo período
no desenvolvimento da criança, o qual pode ser justificadamen-
te denominado de período dos jogos protagonizados e recebeu na
moderna psicologia infantil e pedagogia o nome de período de de-
senvolvimento pré-escolar.
Como intelectual e detentor de suas práticas pedagógicas, o pro-
fessor necessita enraizar-se em processos formativos, fundamentados
em uma teoria com base filosófica e política para direcionar o seu fazer
pedagógico. Todos os atos educativos do professor são efetivados com
base em suas compreensões do que seja a infância, a escola infantil, o
desenvolvimento humano, o valor do jogo como potencializador das
funções psicológicas superiores e o lugar ocupado pela criança no pro-
cesso de aprendizagem. A compreensão dessas concepções pelos peda-
gogos demanda processos de formação inicial e continuada, para instru-
mentalizar formas mais sofisticadas de pensar, agir e sentir do professor.
A carência em relação a compreensão mais ampliada do professor
sobre as especificidades docentes pode fragilizar suas escolhas pedagógi-
cas e verticalizar o processo educativo: o professor propõe e as crianças
executam. Nas palavras de Elkonin (1987a, p. 84-85, tradução nossa)
39
:
39
Todo pedagogo sabe que es mucho más difícil organizar y estimular el juego creativo de los niños
pré-escolares que cualquier outra ocupación, Estas dificultades están ligadas ante todo con que,
en la organización del juego, el papel y las funciones del pedagogo no son tan claros y no están
tan definidos como en otras tareas. Las dificultades para organizar el processo de juego creativo, la
incapacidade del educador para encontrar su lugar em el juego infantil y dirigirlo llevan, a veces, a
que el pedagogo en lugar del juego creativo (el cual frecuentemente provoca alteración del orden,
ruído, etc) prefiera organizar tareas en las que todo transcurre tranquila y facilmente.
136
Todo pedagogo sabe que é muito mais difícil organizar e estimular
o jogo criativo das crianças pré-escolares do que qualquer outra ocu-
pação. Estas dificuldades estão ligadas, antes de qualquer coisa, na
organização do jogo, o papel e as funções do pedagogo não são tão
claros e nem estão tão definidos quanto em outras tarefas. As dificul-
dades para organizar o processo de jogo criativo, a incapacidade do
educador para encontrar seu lugar no jogo infantil e dirigi-lo levam,
às vezes, a que o pedagogo no lugar do jogo criativo (o qual frequen-
temente provoca alterações de ordem, ruídos etc.) prefira organizar
tarefas em que tudo transcorra tranquilo e facilmente.
A falta de clareza conceitual do professor compromete seu traba-
lho pedagógico, centrando-o em práticas sem sentido, reprodutivas, co-
nhecidas como orientadas pelo senso-comum. As concepções da nova
psicologia infantil e pedagogia (Elkonin, 2009a, p. 80), ancoradas nos
pressupostos da teoria Histórico-Cultural, potencializa um programa de
formação docente por meio da qual o professor aprende e se percebe
como ser inacabado (Freire, 2020) e consciente de seus atos pedagógicos.
O jargão popular “a teoria na prática é outra” caracteriza a falta
de clareza teórica para conduzir as escolhas metodológicas do professor
e efetivar o jogo protagonizado na escola da infância. Ampliemos as
discussões a partir dos destaques do quadro 16:
Quadro 16 – Falta de clareza conceitual e teórica dos professores
A ênfase da escola de Educação Infantil para manter as crianças
quietas, sentadas e caladas parece ser maior do que a preocupação
com o desenvolvimento das relações pessoais e o conhecimento do
mundo (Marcolino, 2013, p. 125).
Isso nos revela que ou os professores não possuem clareza do que seja
o jogo protagonizado e, portanto, de sua contribuição no processo
do desenvolvimento psíquico, ou que, de fato, para eles existem mo-
mentos em que o jogo livre é necessário, e por isso tão importante
quanto o jogo protagonizado (Barbosa et al, 2018, p. 1110).
[...] há uma confusão teórica acerca da temática da brincadeira
infantil e, principalmente, das brincadeiras de papéis na realidade
das escolas de educação infantil brasileiras, sendo necessário produ-
zir e difundir entre o professorado estudos que tratem das possibi-
137
lidades de intervenção pedagógica no que diz respeito à elaboração
da temática e ao planejamento de momentos de brincadeira de
papéis sociais em ambiente escolar (Brigatto, 2018, p. 14).
[...] O professor da Educação Infantil não tem sido formado para
pensar, planejar, preparar os espaços, organizar os materiais e, tão
menos, para praticar o ato da intervenção pedagógica indireta e
direta, no brincar infantil; sem descaracterizar esse fenômeno, de
modo a fazer valer os atributos que o elevam ao status de ativi-
dade-eixo da Educação Infantil, e de guia, no desenvolvimento
psíquico da criança contemporânea em idade pré-escolar (Sena,
2018 p. 30).
O processo educativo enquanto ação intencional, consideramos re-
levante que os professores reconheçam a importância do jogo para
o desenvolvimento psíquico da criança, para que consciente do seu
papel, sejam capazes de qualificar as ações de brincadeira no in-
terior da escola, além de promover intervenções na atividade da
criança que visem à sua humanização (Godoy, 2019, p. 57).
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
Os excertos descritos anteriormente contribuem para refletirmos
sobre as ações de professores determinadas pelo espontaneísmo e/ou
pela escassez de conhecimento sobre o jogo protagonizado como ativi-
dade principal, potencializadora do desenvolvimento da inteligência e
personalidade da criança. Especialmente, provoca-nos a discutir o valor
da relação professor-criança, assim como sobre as intervenções educa-
tivas intencionalmente organizadas e voltadas ao êxito do desenvolvi-
mento da inteligência e personalidade da criança.
O protagonismo do professor e da criança, no contexto da escola
da infância, perspectiva superar uma educação verticalizada. Esta ani-
quila o protagonismo das crianças, valorizando práticas reprodutivas
centradas no interesse do professor, desvalorizando a potência das práti-
cas sociais realizadas na escola com a atuação infantil ativa.
A mudança de relação do professor com a criança, pautada na
horizontalidade, constitui um patamar de respeito e de igualdade.
Convidada a participar, a criança vivencia o externo, elaborando seus
conceitos e hipóteses. Nesse processo, o professor instiga o conhecimento
138
com perguntas e suposições e intervém quando necessário para ampliar
as condições lúdicas.
Nessa perspectiva, a intervenção do professor para a sofisticação
do jogo protagonizado torna-se essencial para potencializar o contro-
le da conduta (ao representar um papel social), a comunicação (com
pertinência ao papel social a ser representado), formas sofisticadas de
pensamento e outras funções psíquicas superiores. A apropriação e ob-
jetivação dessas funções são aprendidas durante a vida, mediante pro-
cesso de educação, e nos diferenciam dos animais, inserindo-nos como
partícipe do gênero humano.
Elkonin (1987a, p. 89, tradução nossa)
40
evidencia a intervenção do pro-
fessor efetivamente para ampliar repertórios e sofisticar os jogos protagonizados:
Se tal é o desenvolvimento da brincadeira, é natural que a direção
pedagógica não passe por alto este curso fundamental. A tarefa do
pedagogo consistirá em não manter artificialmente as crianças em
estados já superados e, pelo contrário, favorecer a diferenciação da
regra dentro do papel por meio do desdobramento paulatino da
situação lúdica, a diminuição dos acessórios utilizados (sua redução
ao mínimo para logo prescindir deles por completo).
No processo educativo, ao complexificar o jogo com ações inves-
tigativas referentes à resolução de situações-problema, ou resolver o que
usar na ausência de objetos para a realização de ações e/ou apresentar
novos objetos para desafiar a criança a pensar, agir, sentir, é possível
potencializar e mobilizar funções psíquicas superiores. Nessa direção, a
possibilidade do desenvolvimento do psiquismo vincula-se a condições
efetivas de participação da criança nas atividades e nas intervenções pe-
dagógicas, mediante processo de apropriação e objetivação.
40
Si tal es el desarrollo del juego, resulta natural que la dirección pedagógica del mismo no
passe por alto este curso fundamental. La tarea del pedagogo consistirá en no mantener
artificialmente a los niños em los estádios ya superados y, por el contrario, favorecer la
diferenciacón de regla dentro del rol, por médio del repliegue paulatino de la situación
lúdica, la disminución de los acesorios utilizados (su reduccion a un mínimo para luego
prescindir de ellos por completo)
139
No quadro 17, Marcolino (2013), Barros, Marcolino, Mello
(2014), Barbosa et al (2018), Brigatto (2018), Sena (2018) e Godoy
(2019) corroboram a efetividade das intervenções para evolução dos
conteúdos e temas desenvolvidos no jogo protagonizado.
Quadro 17 – Intervenção pedagógica para complexificação
do jogo protagonizado
A brincadeira, em seu conteúdo e estrutura, expressa processos
concretos de desenvolvimento das crianças de três a seis anos,
perante os quais, um conjunto de ações e intervenções espe-
cíficas (uma mediação), podem impulsionar seu desenvolvi-
mento (Marcolino, 2013, p. 24).
Da mesma forma, intervenções do professor são fundamentais
para o desenvolvimento do papel. A apresentação dos objetos
(com o que se brinca), o cenário (onde se brinca), as ações e
relações interpretadas na brincadeira (como se brinca) devem
ser alvo da atenção dos educadores que lidam com as crianças
pequenas (BARROS; Marcolino; Mello,2014, p. 103).
O fortalecimento do jogo protagonizado como recurso peda-
gógico na pré-escola resulta não somente em um ambiente
lúdico, mas nas intervenções sistemáticas do mediador adulto
(Barbosa et al, 2018, p. 1105).
[...]Sempre acordado ao tema, caracteriza-se pela diretivida-
de da intervenção pedagógica do professor, com vistas a enri-
quecer e complexificar essa forma de atividade, por sugestões
e demonstrações práticas oportunas e adequadas, ligadas à
inclusão nas tramas manifestadas, de objetos substitutos e de
personagens genéricos centrais e complementares (Sena, 2018
p. 117).
Há uma possibilidade de desenvolvimento de uma consciência
crítica das relações sociais que depende particularmente da inter-
venção do professor na brincadeira, esse desenvolvimento revela-se
como uma das mais importantes evoluções do psiquismo [...] (Go-
doy, 2019, p. 55).
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
Elkonin (2009a) sofistica as ideias argumentadas acima sobre a
essencialidade da intervenção pedagógica, descrevendo a visita de uma
140
educadora e suas crianças ao Jardim Zoológico. Na primeira visita, as
crianças concentraram-se nos animais, observando os hábitos alimen-
tares, comportamentos e características deles. Ao retornar à escola, o
jogo protagonizado não fluiu, visto que o foco da visita se desvinculou
do trabalho humano e das relações entre as pessoas. Nas palavras de
Elkonin (2009a, p. 31): “[...] a educadora, certa de que as crianças co-
meçariam a brincar de ‘jardim zoológico’, levou para a sala do grupo
brinquedos com figuras dos animais que tinham visto durante a excur-
são. Mas o jogo não se produziu no outro dia, nem nos dias seguintes”.
Na segunda visitação ao Jardim Zoológico, a educadora mediou a
atenção das crianças na observação do trabalho humano do bilheteiro, do
porteiro, dos visitantes, dos cuidadores de animais, dos cozinheiros no pre-
paro dos alimentos para os animais, enfim, em forças produtivas humanas,
nas relações homem/homem e na realidade circundante. Após a interven-
ção pedagógica, as crianças vivenciaram o jardim zoológico na escola, re-
constituindo as relações humanas. Elkonin (2009a, p. 32) assim descreve:
Algum tempo depois da segunda excursão, as crianças começaram
a brincar por sua própria conta de “jardim zoológico”, no qual não
faltava nada: bilheteria, porteiro, mamães e papais com filhos, guia,
varredores, uma “cozinha de feras” animais, uma enfermeira com
veterinário, um diretor etc. Todos esses personagens iam introdu-
zindo-se pouco a pouco no jogo, que durou vários dias, complican-
do-se e enriquecendo-se cada vez mais.
A intervenção direta da educadora, em direcionar a observação
das crianças para as atividades produtivas humanas e as relações que
estabelecem, possibilitou o desenvolvimento do jogo protagonizado. A
complexificação do jogo não se reduz somente a essa intervenção di-
reta. A esfera dos objetos, organização de espaço, tempo e repertórios
culturais referentes ao tema, em níveis sofisticados, constituem as inter-
venções indiretas. Qual intervenção possibilita maior desenvoltura no
jogo? Ambas as intervenções contribuem com a possibilidade de am-
pliar o tema e os conteúdos do jogo em níveis qualitativos. Em relação
a essa questão, Elkonin (2009a, p. 34) esclarece:
141
É perfeitamente natural que as crianças não formassem de imediato
ideias bastantes exatas, e que o educador tivesse de ampliar e por-
menorizar, durante o jogo e em conversas subsequentes, durante
jogos didáticos e ao ler para elas obras literárias, o que elas pensam
das pessoas mais velhas, do trabalho e das relações dos adultos.
A partir do exposto, inferimos a essencialidade do professor, como
parceiro intelectual, ao propiciar práticas educativas e intervenções pe-
dagógicas com diversos artefatos culturais produzidos pelo homem,
possibilitando condições de desenvolvimento das funções psicológicas
superiores. A observação caracteriza também fonte de intervenções,
quando há ações educativas intencionalmente dirigidas à relação com a
cultura mais elaborada, em que o adulto seja portador da forma ideal,
anunciando um repertório cultural rico e diversificado.
Como temos argumentado, o desenvolvimento do humano em
cada pessoa não é natural, porque o que caracteriza a humanidade em
cada homem se constitui a partir das condições concretas de vida, edu-
cação e atividade. Quando há ofertas de possibilidades de a criança
vivenciar elementos culturais do mundo social, tais como os diálogos
entre as pessoas, teatro, contos literários, cinemas, contos de fadas, poe-
sias, ela mobiliza e amplia seu repertório linguístico, artístico, social,
por meio de vivências ricas e diversificadas.
Esse processo educativo humanizador e complexo é explicado por
Vigotskii (2010, p.114), ao formular a lei fundamental desse desenvolvimento:
Todas as funções psicointelectuais superiores aparecem duas vezes no
decurso do desenvolvimento da criança: a primeira vez, nas atividades
coletivas, nas atividades sociais, ou seja, como funções interpsíquicas:
a segunda, nas atividades individuais, como propriedades internas do
pensamento da criança, ou seja, como funções intrapsíquicas.
As funções psíquicas humanas surgem primeiramente no social,
na relação com as pessoas, e, posteriormente, tornam-se patrimônio
individual, como uma função interna, função psíquica. Essa argumen-
tação subsidia cientificamente, dentre outras questões, possibilidades
142
de planejamento, organização, desenvolvimento e avaliação de práticas
educativas para a complexificação do jogo protagonizado.
Quadro 18 – Papel do professor
O professor pode também sugerir temas. Ao observar que os
temas da brincadeira repetem-se em demasia tornando-se
monótonos, propor novos temas para as crianças. A sugestão
de novos temas deve sempre levar em conta que as crianças
devem conhecer os papéis e achá-los interessantes. Assim aler-
ta-se para o fato de que sugerir um tema não se trata somente
da enunciação dele, mas fundamentalmente de apresentar os
papéis para as crianças (Marcolino, 2013, p. 106).
[...] intervenção do professor na criação das condições ade-
quadas para a constituição deste jogo protagonizado, tais
como sugestão de temas, a discussão dos conteúdos, a adequa-
ção dos materiais e dos espaços; entretanto, estudos empíri-
cos devem ser realizados com intuito de verificar as melhores
formas dessa intervenção pedagógica, com objetivo de melhor
possibilitar o desenvolvimento do papel, unidade fundamen-
tal do jogo (Barros, Marcolino, Mello, 2014, p. 104).
É importante que os professores incluam em seu planejamen-
to pedagógico momentos destinados à realização do jogo pro-
tagonizado com intuito de desenvolver as funções psicológicas
superiores de seus alunos e o autodomínio da conduta (Bar-
bosa et al, 2018, p.1110).
Além disso, cabe a esse professor intervir de forma indireta
e direta nessa espécie de atividade, com vistas a promover o
avanço do nível do jogo de papéis e, por consequência, o de-
senvolvimento psíquico da criança contemporânea em idade
pré-escolar (Sena, 2018, p. 32).
O papel do professor no jogo consiste em propor uma seleção
de temas para a brincadeira e distribuir conjuntamente os
papéis, discutindo ou apresentando o conteúdo de cada papel
antes da brincadeira [...] (Godoy, 2019, p. 63).
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
Uma das tarefas essenciais do professor é propor temas varia-
dos para ampliar o repertório cultural. As crianças delimitam os temas
143
(brincar de médico, professor e outros) e distribuem os papéis sociais
entre si, contudo o enriquecimento e ampliação do horizonte cultural
na infância pré-escolar pode complexificar os temas. Nesse sentido, me-
diante ações educativas intencionalmente voltadas para isso, os temas
são ampliados e diversificados a partir de ofertas de diferentes fontes de
conhecimento.
Elkonin (1987a, p. 102, tradução nossa)
41
postula e orienta a
intervenção do professor referente ao tema, conteúdo e papéis sociais
assumidos pelas crianças.
Na eleição do tema do jogo o pedagogo deve estimular os que dão
a possibilidade de introduzir um conteúdo sobre a base do qual
seja possível a educação comunista. Ali onde as crianças levam ao
jogo sobrevivências da existência e as relações já caducas, a tarefa do
pedagogo consiste em fazê-lo novo por seu conteúdo. Deve pensar
detidamente quais relações devem ser substituídas para excluir do
jogo tudo o que tenha uma influência educativa negativa.
Um determinado tema pode afetar as crianças e o jogo perdu-
rar por vários dias. Nesse processo, é possível rodiziar os papéis sociais
entre as crianças e inserir conteúdos complexos. Como revela Elkonin
(2009a, p. 35)
42
, “[...] o conteúdo do jogo revela a penetração mais ou
menos profunda da criança na atividade dos adultos [...]”.
A essencialidade de as crianças reconstituírem papéis sociais di-
versos revela possibilidades distintas de desenvolvimento das funções
psicológicas superiores. A saber, reconstituir o papel de médico requer
condutas e ações pertinentes, distintas do papel de paciente. A media-
ção do professor pode, assim, criar condições educativas para que a
41
En la elección del tema del juego el pedagogo debe estimular los que dan la possibilidade
de introducir um contenido, sobre la base del cual sea posible la educación comunista. Allí
donde los niños llevan al juego sobrevivências de la existência y las relaciones ya caducas, a
tarefa del pedagogo consiste en hacerlo nuevo por su contenido. Debe pensar detenidamente
que relaciones deben ser substituídas para excluir del juego todo lo que tenga uma influencia
negativa.
42
Em Elkonin (1986b, p. 77) é possível localizar o mesmo excerto em língua espanhola.
144
criança se expresse, avance em seus pensamentos e em seus níveis de
consciência. Como reitera Elkonin (1987a, p. 102, tradução nossa)
43
,
deve-se ajudar as crianças a encher de conteúdo os papéis assumidos
no jogo, esforçando-se para conseguir com que as regras de comporta-
mento estejam, no possível, ligadas ao papel pelo conteúdo e não sejam
somente convencionais”.
Outra possibilidade de ação interventiva do professor, está nas
atitudes negativas, como egoísmo, autoritarismo, racismo, machismo
para atitudes de solidariedade, igualdade e humanizadoras. De maneira
significativa, o jogo possibilita e contribui para a criança vivenciar va-
lores, desenvolvendo atitudes polidas, propriamente humanas: o falar
baixo ao atender um cliente, o saber respeitar e dar a vez a uma pessoa
deficiente, por exemplo. Elkonin (2009a, p. 421) sintetiza: “[...] O jogo
é escola de moral, não de moral na ideia, mas de moral na ação”.
A escolha de papéis sociais pelas crianças torna-se outro aspecto
relevante para intervenções educativas quando necessárias. As crianças
atuantes e extrovertidas logo se despontam e escolhem papéis sociais
principais no jogo, como motorista, professor; e os papéis sociais se-
cundários, como passageiro, aluno, ficam à mercê das crianças menos
ativas. Ao rodiziar os papéis sociais, cada criança pensa e age referente
ao papel social a reconstruir, mobilizando diferentes funções psíquicas e
externa modos diversificados de atuar. Além disso, condutas negociáveis
e democráticas podem ser aprendidas quando a criança respeita a vez do
colega ou vivencia uma eleição para escolha dos papéis sociais.
Sobre essa questão, Elkonin (1987a, p. 102, tradução nossa)
44
argumenta:
43
Debe ayudar a los niños a llevar de contenido los roles assumidos em el juego, esforzándose
por lograr que las reglas de comportamento, en lo posible, ligadas con el rol por el contenido
y no sean sólo convencionales.
44
En la dirección del juego el pedagogo también debe prestar atención a la distribución de
los roles entre los niños, tratando que no haya uniformidad. Es indispensable hacer que
los niños menos activos pasende cumplir roles secundários a assumir roles principales y
estimular a los niños, acostumbrados a jugar los roles principales, a que cumplan también
funciones poco importantes en el juego. Cuando se eligen los accesorios para el juego no se
debe sobrecargarlo con detalles supérfluos; hay que limitarse a los objetos indispensables y
suficientes para cumplir las acciones que se desprenden del rol dado.
145
Na direção do jogo o pedagogo também deve prestar atenção na dis-
tribuição dos papéis entre as crianças, tratando para que não haja
uniformidade. É indispensável fazer com que as crianças menos ati-
vas passem de cumprir papéis secundários a assumir papéis principais
e estimular as crianças, acostumadas a jogar os papéis principais, a
cumprir também funções pouco importantes no jogo. Quando se
elegem os acessórios para o jogo, não se deve sobrecarregá-lo com
detalhes supérfluos; é preciso limitar-se aos objetos indispensáveis e
suficientes para cumprir as ações que se desprendem do papel dado.
A intervenção direta do professor em negociar os papéis sociais,
ajustar escolha de temas e enriquecer os conteúdos de valores huma-
nos materiais ou imateriais torna-se essencial quando se busca sofisticar
o envolvimento das crianças nas brincadeiras na EEI. As intervenções
indiretas, a saber, de bastidores, como organização do espaço, tempo,
materiais estruturados e não estruturados, também são fundamentais ao
pleno desenvolvimento do jogo. Como postula Elkonin (1987a), dosar
os materiais, sem sobrecarregar com detalhes supérfluos, potencializa
o pensar e agir para escolha de objetos substitutos: um pedaço de pau
pode vir a ser um termômetro, na ausência do objeto real.
A partir do exposto, compreendemos o papel do professor com
intervenções diretas e indiretas efetivamente determinantes para o de-
senvolvimento humano. Para o êxito delas, afirmamos a efetividade de
processos formativos contínuos, que possam contribuir com a apropria-
ção de conhecimentos científicos, que ampliam a formação intelectual
do professor. Ao se libertar da concepção de que “sempre foi assim” e
materializar sua ação docente em fundamentos teóricos, torna-se pos-
sível a superação do esvaziamento de seu trabalho. As atitudes do pro-
fessor vinculam-se ao seu modo de compreender e agir no mundo, por
isso a necessidade de se apoiar num aporte teórico que lhe possibilite
ver além das aparências e desconfiar do “sempre foi assim”. O apro-
fundamento teórico contribui para mudanças do lugar ocupado pelo
professor no contexto educativo, libertando-o das amarras da alienação,
que engessam e esvaziam seu fazer e seu pensar.
Como portador de experiências históricas, apoiado em um aporte
146
teórico, o professor pode organizar e conduzir deliberadamente situa-
ções em que a criança vivencie ricos encontros com a cultura, criando
possibilidades de envolvimento infantil, em atividades capazes de mobi-
lizar e qualificar os processos psíquicos desde o nascimento. Em relação
a essa possibilidade, Elkonin (1960, p. 499, tradução nossa)
45
expõe:
O adulto lhe ensina a manusear as coisas e, no decorrer do apren-
dizado, a criança não só conhece as qualidades dos objetos, mas
também assimila a experiência da humanidade para usá-los na prá-
tica. Ao lidar com as coisas, ele não apenas adquire novos conhe-
cimentos, mas também novas habilidades e novas capacidades são
formadas nele, como resultado ele sobe em seu desenvolvimento a
um nível superior e recebe a possibilidade de adquirir uma expe-
riência mais complicada, bem como para estabelecer relações mais
complexas com a realidade.
A possibilidade de a criança adquirir uma experiência mais com-
plicada (Elkonin, 1960), isto é, aprender o novo, decorre do processo
de colaboração do adulto. Ao participar ativamente de todo processo
educativo, a criança imita modos de agir e manusear os objetos, igual
ao adulto. As experiências vivenciadas no coletivo e em colaboração de
parceiros mais experientes possibilitam o desenvolvimento da consciên-
cia da criança, quando há ofertas de bens culturais materiais e imateriais
mais elaborados. Sobre essa questão, Vigotski (2009b, p. 36) reitera:
“[...] as percepções externas e internas, que compõem a base da nossa
experiência. O que a criança vê e ouve, dessa forma, são os primeiros
pontos de apoio para sua futura criação”. Com esse entendimento, de-
preendemos que as atividades precedentes ao jogo podem potenciali-
zar o desenvolvimento da imaginação no período pré-escolar a níveis
45
El adulto le enseña cómo hay que manejar las cosas, y en el curso del aprendizaje el niño no
solamente conoce las cualidades de los objetos, sino que asimila también la experiencia de la
humanidad para utilizarlos en la práctica. Al manejar las cosas no solamente adquiere nuevos
conocimientos, sino también nuevas habilidades y se forman en él nuevas capacidades, como
resultado de lo cual se eleva en su desarrollo a un más alto nivel y recibe la posibilidad de
adquirir una experiencia más complicada, así como de establecer relacienes más complejas
con la realidad.
147
sofisticados, mediante essa relação com as pessoas e a cultura.
Em continuidade, Vigotski (2009a, p. 331) contribui para o entendimento:
[...] Na criança [...] o desenvolvimento decorrente da colaboração
via imitação, que é a fonte do surgimento de todas as propriedades
especificamente humanas da consciência [...] a possibilidade de que
a colaboração se eleve a um grau superior de possibilidades intelec-
tuais, a possibilidade de passar daquilo que a criança consegue fazer
para aquilo que não consegue por meio da imitação.
Vigotski (2009a) evidencia a necessidade de intervenção pedagó-
gica para o desenvolvimento das funções psíquicas em níveis superiores.
Mediante a mediação do professor, a criança sofistica suas atitudes. Ao
ser apresentada à criança uma escova de cabelo, primeiramente ela a
explora indiscriminadamente (bate, chacoalha). A mediação educativa
possibilita ações transformadoras na relação da criança com o objeto
(escova). Nesse sentido, a depender do processo de apropriação, a crian-
ça desenvolve nova necessidade de uso do objeto, a saber, aprende a usá-
-lo para pentear o cabelo e conhece a função social do objeto. Esse pro-
cesso educativo humaniza a relação da criança com o mundo, composto
por objetos, e caracteriza a forma elementar do jogo protagonizado,
segundo Elkonin (2009a, p.221): “A atividade com os objetos, tomados
apenas quanto ao seu significado, é precisamente o jogo objetivado das
crianças de tenra idade”.
Na primeira infância, a criança objetiva o modo social dos ob-
jetos e reconstitui ações impulsionadas pelo caráter social deles, isto é,
para o qual foram criados. Os objetos ditam o que a criança deve fazer
e, insistentemente, ela repete várias vezes o seu modo social de uso, para
validar a apropriação (Vigotski, 2021). Por meio de processos educati-
vos dirigidos à ampliação das possibilidades de ações infantis, a criança
é convidada a utilizar o objeto em outros contextos, como pentear o
cabelo da boneca, do urso de pelúcia etc. Isto é, generaliza e utiliza o
objeto em contextos diversos.
Nesse sentido, compreendemos a imprescindibilidade das ativi-
dades precedentes ao jogo, mediadas pelo professor com o intuito de
148
ampliar o processo criativo e possibilitar a sofisticação do jogo. Nas
palavras de Vigotski (2009b, p. 10): “Não se cria do nada. A particu-
laridade da criação no âmbito individual implica, sempre, um modo
de apropriação e participação na cultura e na história”. A mediação
possibilita à criança aprender os modos diferenciados de agir e estar no
mundo, contudo, sua internalização apresenta-se como única e irrepe-
tível de cada ser. Assim, a imitação torna-se pessoal, de como a criança
internalizou e vivenciou a realidade.
Em acréscimo, Vigotski (2009b, p. 17) elucida:
É claro que, em suas brincadeiras, elas reproduzem muito do que
viram. Todos conhecem o enorme papel da imitação nas brinca-
deiras das crianças. As brincadeiras infantis, frequentemente, são
um eco do que a criança viu e ouviu dos adultos. No entanto, esses
elementos da experiência anterior nunca se reproduzem, na brinca-
deira, exatamente como ocorreram na realidade. A brincadeira da
criança não é uma simples recordação do que vivenciou, mas uma
reelaboração criativa de impressões vivenciadas. É uma combinação
dessas impressões e, baseada nelas, a construção e aos anseios da
criança. Assim como na brincadeira, o ímpeto da criança para criar
é a imaginação em atividade.
A reelaboração criativa das impressões vivenciadas possibilita à
criança criar algo novo. A capacidade de reelaborar e “combinar o velho
de novas maneiras” (Vigotski, 2009b p. 17) torna-se possível, mediante
a mediação do professor. Vale ressaltar que não se trata de reprodução
na íntegra de algo já visto pelas crianças, portanto de uma combinação
de elementos apropriados e reconstituídos de maneira singular. O pro-
fessor, ao mediar a relação da criança com a cultura, interpõe-se, cons-
tituindo uma tríade criança/professor/cultura, potencializando e provo-
cando conhecimentos qualitativos no processo educativo das crianças.
Trata-se da intencionalidade prévia do professor em aguçar, provocar e
perceber as curiosidades das crianças, referentes ao meio circundante.
Para Martins (2013, p. 46), ao discutir o trabalho docente, a:
149
[...] mediação é interposição que provoca transformações, encerra
intencionalidade socialmente construída e promove desenvolvi-
mento, enfim, uma condição externa que, internalizada, potencia-
liza o ato de trabalho, seja ele prático ou teórico.
Nesse sentido, inferimos a necessidade de o professor intencio-
nalmente mediar o jogo protagonizado, inserindo repertórios culturais
materiais, imateriais, temas e conteúdos diversificados, como também
potencializando as argumentações das crianças. Ao protagonizar diferen-
tes aspectos dos adultos (uso de objetos e especificamente as relações hu-
manas) com sofisticação, a criança vivencia avanços qualitativos no seu
psiquismo. Como elucida Elkonin (2009a,169): “É uma das vias fun-
damentais de constituição das formas supremas das exigências especifi-
camente humanas. Está orientado para o futuro e não para o passado”.
No quadro 19, os autores respaldam a essencialidade da me-
diação pedagógica.
Quadro 19 – Mediação
[...] a mediação pedagógica que possibilita o desenvolvimen-
to da brincadeira contém ações e intervenções que incidem
sobre o papel e suas ações (Marcolino, 2013, p. 23).
[...] Da mesma forma, é fundamental que as crianças possam
interpretar uma ampla gama de papéis. Frise-se que o papel
contém os valores da sociedade atual, impregnada de precon-
ceitos, portanto a intervenção do professor precisa auxiliar a
criança na reflexão crítica sobre esses valores (Duarte, 2006)
(Barros, Marcolino, Mello, 2014, p. 103).
O jogo só irá promover desenvolvimento psíquico significa-
tivo se houver a mediação do professor, para que a criança
amplie suas experiências de mundo (Barbosa et al, 2018,
p.1104).
[...] segundo a Escola de Vigotski, o desenvolvimento da
criança é resultado da apropriação dos bens culturais, que
demanda a mediação do adulto (no caso da educação escolar,
do professor), o que significa dizer conquistas de neoforma-
ções psíquicas [...] (Brigatto, 2018, p. 17).
Percebemos que o processo de humanização se subordina e
150
depende da dupla mediação – do signo e do outro, como
portador da significação. Ao integrar esse trâmite, o jogo de
papéis gera formas culturais específicas de desenvolvimento.
Contudo, tal afirmação não remete ao entendimento de que
essas manifestações sejam linearmente apropriadas. Boronat
(1995), Arce e Jacomeli (2012), Arce e Martins (2012) e
Martins (2010), entre outros, recomendam que todas as de-
mais atividades humanas, o brincar deve estar articulado
a outras espécies de atividade e à vida objetiva da criança,
de sorte que somente assim os elementos culturais mobiliza-
dos podem ser reiterados, aprimorados, incorporados e, em
processo continuo e permanente, instrumentalizar as funções
psíquicas envolvidas (Sena, 2018, p. 33).
Para que a brincadeira de jogos de papéis sociais se
caracterize de fato como atividade geradora de novas for-
mações psíquicas, precisa complexificar-se em forma e conte-
údo e isso não ocorre sem a devida mediação pedagógica. [...]
(Godoy, 2019, p. 81).
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
Os excertos contribuem para o entendimento da natureza so-
cial do psiquismo: as funções psicológicas primeiramente vivenciadas
no social, interpsíquico, podem se tornar individuais, intrapsíquico
(Vigotskii, 2010), mediante processo mediado. Com essa compreensão,
é possível refutar o caráter inato e teorias biologizantes, considerando
que o ser humano se desenvolve a partir de relações sociais autênticas
vivenciadas. Como sintetiza Elkonin (2009a, p. 172):
[...] o processo do desenvolvimento [...] como processo que transcorre
em forma de relações em desenvolvimento, de comunicação, interação
e atividade conjunta da criança com os adultos, e o próprio estudo
do processo de desenvolvimento como fator que leva rigorosamente
em conta o caráter dessa interação; e em caso ideal, como ordenação
consciente do sistema de relações entre a criança e os adultos e, com
sua mediação, da interação entre a criança e o mundo das coisas.
151
A criança percebe, sente, significa e está no mundo, desde o nas-
cimento. A mediação educativa possibilita novas maneiras de percepção
e ressignificação desse mundo composto de elementos culturais e pes-
soas. Nessa perspectiva, ao mediar a relação da criança com o mundo, o
professor pode instigar e potencializar os temas e conteúdos dos jogos,
possibilitando a humanização e transformações qualitativas dessa rela-
ção criança/mundo. Estão aí potencialidades para se centrar no amanhã
do desenvolvimento da criança, não no ontem, mas na zona de desen-
volvimento iminente
46
.
Ao atuar na zona de desenvolvimento iminente, o professor cria
condições para potencializar o novo à criança. Segundo Vigotski (2009a,
p. 331): “[...] o que a criança é capaz de fazer hoje em colaboração con-
seguirá fazer amanhã sozinha”. Em sintonia com Vigotski (2009a), é
essencial que se projete ao futuro do desenvolvimento infantil, partindo
do que a criança já sabe, mas não parando aí. Essa assertiva nos provoca
a pensar e a refletir o quanto é infrutífero subestimar o desenvolvimento
da criança. Quando a concebemos como capaz, argumentativa, ques-
tionadora e protagonista de suas ações, criamos contextos educacionais
para que a criança seja tratada assim e ocupe um lugar em que ela seja
ativa. Em defesa dessa concepção, em relação ao jogo protagonizado,
são organizadas situações para a criança reconstituir atividades huma-
nas, referentes a sua situação concreta de vida.
O jogo protagonizado é movimento e a brincadeira possibilita à
criança vivenciar condutas, falas e organizar o seu pensamento em ní-
veis sofisticados. Nesse período, a consciência surge em forma de ação e,
mediante os processos internos, a criança age no mundo externo. Dito
46
Usaremos o termo zona de desenvolvimento iminente, segundo tradução de Prestes
(2010). O termo pode ser encontrado como zona de desenvolvimento imediato ou zona de
desenvolvimento proximal. De acordo com Prestes (2010, p. 173) “[...] defendemos que a
tradução que mais se aproxima do termo zona blijaichego razvitia é zona de desenvolvimento
iminente, pois sua característica essencial é a das possibilidades de desenvolvimento, mais
do que do imediatismo e da obrigatoriedade de ocorrência, pois se a criança não tiver a
possibilidade de contar com a colaboração de outra pessoa em determinados períodos de
sua vida, poderá não amadurecer certas funções intelectuais e, mesmo tendo essa pessoa, isso
não garante, por si só, o seu amadurecimento
152
de outra forma, a criança age não por aquilo que vê, mas por aquilo
que tem em mente, referente a sua condição concreta de vida. Nessa
perspectiva, inferimos na essencialidade do jogo, como afirma Vigotski
(2021, p. 235) a brincadeira é fonte de desenvolvimento:
A brincadeira é fonte de desenvolvimento e cria a zona de desenvol-
vimento iminente. A ação num campo imaginário, numa situação
imaginária, a criação de uma intenção voluntária, a formação de
um plano de vida, de motivos volitivos, tudo isso surge na brin-
cadeira, colocando-a num nível superior de desenvolvimento, ele-
vando-a para a crista da onda e fazendo dela a onda decúmana do
desenvolvimento na idade pré-escolar, que se eleva das águas mais
profundas, porém relativamente calmas.
Ao vivenciar uma situação imaginária, a criança não deixa de ser
criança; ela assume um papel social e deixa de agir com condutas re-
ferentes ao seu “eu” para vivenciar condutas referentes ao papel social
assumido, agindo com processos internos. Em relação a essa assertiva,
Elkonin (1987a, p. 93, tradução nossa)
47
complementa: “Assim, então,
estabelecemos que a criança, assumindo o papel de adulto, assume as-
sim o cumprimento de certas funções e normas sociais, inerentes a uma
dada pessoa como representante de uma determinada profissão”.
Nesse sentido, compreendemos a essencialidade da mediação do
professor para sofisticar os conteúdos dos jogos ao ofertar uma gama de
elementos culturais e intervir de maneira direta (questionando, sugerin-
do temas, argumentando, perguntando) e de maneira indireta (organi-
zando espaço, tempo e materiais), possibilitando o desenvolvimento da
inteligência e personalidade da criança.
Para compor o quadro 20, elencamos contribuições de autores re-
ferentes ao eixo “o valor do jogo protagonizado para o desenvolvimento
humano” juntamente com os autores pertencentes a esse eixo, amplian-
do as discussões sobre a zona de desenvolvimento iminente.
47
Assim, então, estabelecemos que a criança, assumindo o papel de adulto, assume assim
o cumprimento de certas funções e normas sociais, inerentes a uma dada pessoa como
representante de uma determinada profissão.
153
Quadro 20 – Zona de desenvolvimento iminente
A situação imaginária no jogo de papéis pode ser determinante
para o enriquecimento da imaginação infantil, ampliando a
zona de desenvolvimento iminente, responsável pelo desenvol-
vimento mental prospectivo e por conduzir a criança à apro-
priação dos conhecimentos científicos. Desse modo, o jogo de
papéis é uma forma de humanização e de apropriação cultural
produzido pelo gênero humano. (Colussi, 2016, p. 126).
[...] podemos adiantar que as atividades da criança em meio
à cultura (material e imaterial) transforma o funcionamento
da base natural de seu psiquismo, de sorte a criar uma zona
de desenvolvimento iminente, a qual gera nela a necessidade
de utilizar objetos como significantes de outros objetos; recons-
tituir as ações de algum personagem genérico, colocando-se no
lugar (no ponto de vista) desse personagem, se descentrando; e
a regular sua conduta, comportando-se como se fosse maior e
mais capaz do que realmente é (Sena, 2018, p. 49).
Cabe ressaltar, porém, que o fato de a atividade-guia criar
uma zona de desenvolvimento iminente, isto é, antecipar
aquilo que ainda não é realidade no desenvolvimento infan-
til, não significa que não haja necessidade de um trabalho
educativo. Aquilo que é iminente só se torna real a partir de
condições concretas de educação [...] (Silva, 2019, p. 169).
Ao desejar viver o que os adultos vivem, as crianças colocaram-
-se imaginariamente na zona de desenvolvimento iminente,
indo além das suas possibilidades reais no momento, o que fez
com que elas “funcionassem” melhor, isto é, fossem mais ativas
à medida que novas interações ocorriam, possibilitando-lhes
um desenvolvimento mental prospectivo. [...] tendo como ati-
vidade-guia o jogo de papéis, é encaminhar-se para o futuro,
para o “vir a ser” do psiquismo infantil. Por isso, ao abrir o
espaço e o tempo necessário para que os jogos de papéis surjam,
o professor promove as premissas básicas para o novo período do
desenvolvimento psíquico, no qual a atividade de estudo será a
atividade-guia. Enfim, brincar de faz de conta não é fazer de
conta que se brinca (Szymanski; Colussi, 2020, p. 18).
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
154
A partir das contribuições dos autores no quadro 20 e do expos-
to, reiteramos a essencialidade da mediação do professor, ao ampliar o
repertório cultural da criança, com o intuito de expandir possibilidades
de apropriações e objetivações de conhecimentos. Ademais, as relações
crianças/crianças e crianças/adultos possibilitam situações de apren-
dizagens e desenvolvimento complexos. Segundo Vigotski (2009a, p.
331-332): “Na fase infantil, só é boa aquela aprendizagem que passa à
frente do desenvolvimento e o conduz”.
Nessa perspectiva, um dos desafios da escola de crianças pequenas
é materializar condições concretas para a efetivação do jogo protagoni-
zado. Ao ofertar tempo, espaço e materiais, observar, participar e me-
diar, o professor cria condições para que a criança esteja “numa altura
equivalente a uma cabeça acima da sua própria altura” (Vigotski, 2021,
p. 235). Assim, o jogo oferece possibilidades inesgotáveis de desenvol-
vimento à criança, necessitando, contudo, que o professor identifique
temas, sofistique os conteúdos e problematize situações, ampliando o
repertório cultural da criança e humanizando-a.
Nesse processo de reflexões sobre o papel do professor, sobres-
sai o da escola como instituição social, histórica, viva, dinâmica e em
movimento. A escola se vincula à vida, nesse sentido, torna-se irreal
desvincular a criança do seu meio social concreto. As ações educativas
amparam-se como ponto de partida na vida concreta da criança, segun-
do Vigotski (2010, p. 456):
No fim das contas só a vida educa, e quanto mais amplamente ela
irromper na escola mais dinâmico e rico será o processo educativo.
O maior erro da escola foi ter se fechado e se isolado da vida com
uma cerca alta. A educação é tão inadmissível fora da vida quanto
a combustão sem oxigênio ou a respiração no vácuo. Por isso o tra-
balho educativo do pedagogo deve estar necessariamente vinculado
ao seu trabalho criador, social e vital.
Ao pensar na escola fora do contexto social e da vida, como con-
ceber o espaço, tempo e lugar para o jogo protagonizado? Ao longo
desta subseção defendemos o jogo protagonizado como reconstituição
155
da atividade produtiva do homem, mediante sua condição concreta de
vida. Elkonin (2009a, p. 8) certifica que: “[...] o jogo de papéis é de
origem social e, por consequência, o seu fundo também é social [...]”.
Nessa perspectiva, a educação não acontece fora da vida, as crianças re-
constituem com sentido e significado atividades humanas procedentes
do seu meio social concreto. Uma escola assim pensada é centrada no
social, propiciando às crianças espaço, tempo e materiais, intervenções
e práticas docentes cada vez mais humanizadoras.
No quadro 21, há excertos por meios dos quais podemos pen-
sar uma escola centrada no direito da criança de brincar, enfatizando a
identidade da Educação Infantil como período para o desenvolvimento
das funções psicológicas superiores.
Quadro 21 – Papel da escola
Para que a brincadeira de papéis sociais possa ocorrer na es-
cola de Educação Infantil é importante criar um ambiente
favorável para ela. A construção de cenários cria um ambien-
te favorável à brincadeira de papéis sociais, na medida em
que sugere temáticas (Marcolino, 2013, p. 180).
Assim, trata-se de criar condições para que essa atividade possa
se desenvolver com qualidade. A organização e o uso dos am-
bientes na escola infantil e a gestão do tempo aí vivido pelas
crianças constituem parte dessas condições fundamentais. Por
isso é essencial um tempo livre diário que as crianças possam
gerir de forma autônoma, escolhendo como atividade o jogo
protagonizado (Barros, Marcolino, Mello, 2014, p. 103).
O brincar de forma espontânea e livre pode e deve estar pre-
sente na vida da criança pequena, porém em ambiente esco-
lar devem-se priorizar momentos de brincadeiras planejadas,
com objetivos de ensino para as crianças, afinal brincar tam-
bém é algo que se aprende (Brigatto, 2018, p. 76)!
Destacam o brincar como um de seus direitos fundamentais, de
sorte a determinarem que, articulada aos processos interativos,
essa atividade deve figurar como atividade-eixo, no contexto
educacional das creches e pré-escolas (Sena, 2018, p. 186).
O aprendizado escolar deve produzir algo novo no desenvol-
vimento da criança, deste modo, a prática pedagógica deve
156
estar fundamentada em mediar situações para que a criança
aprenda, isso ocorre, por exemplo, na promoção de brincadei-
ras, atividades e momentos que promovam a apropriação de
novos conhecimentos (Godoy, 2019, p. 16).
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
Tendo em vista a defesa da escola como lugar de ofertas de con-
dições efetivas para o pleno desenvolvimento do jogo protagonizado,
Elkonin (2009a, p. 421) ratifica a essência dessa atividade principal na
formação de homens sociais ajustados:
O jogo também se reveste de importância para formar uma coletivi-
dade infantil bem ajustada, para inculcar independência, para educar
no amor ao trabalho, para corrigir alguns desvios comportamentais
em certas crianças e para muitas coisas mais. Todos esses efeitos edu-
cativos se baseiam na influência que o jogo exerce sobre o desenvolvi-
mento psíquico da criança e sobre a formação da sua personalidade.
A partir do exposto, compreendemos a imprescindibilidade da
EEI, potencializar a atividade de professores e crianças, tornando-se
promotora de aprendizagens e desenvolvimento desde o nascimento,
pautando-se na premissa de que “[...] a criança nasce com apenas uma
aptidão: a aptidão para formar aptidões a partir da experiência social
[...]” (Costa; Mello, 2017, p. 13). Nessa perspectiva, o papel da escola
da infância torna-se essencial para formar aptidões humanizadoras em
cada período de vida da criança, mediante o processo educativo.
Para a efetividade dessa escola que humaniza, amplia-se a neces-
sidade de processos formativos dos docentes, que os instrumentalizem
para composição de práticas educativas voltadas ao pleno desenvolvi-
mento das crianças.
Diante disso, argumentamos sobre a necessidade de relação da
criança com o adulto para aquela se tornar partícipe do gênero huma-
no. Isso significa que os adultos são portadores de experiências culturais
e podem criar condições efetivas para que a criança possa se apropriar
de conhecimentos e se humanizar. Como postula Elkonin (1986a, p.
157
37, tradução nossa)
48
: “[...] o adulto se apresenta à criança como porta-
dor de novos procedimentos cada vez mais complexos de ação com os
objetos, e de padrões e medidas socialmente estabelecidos necessários
para se orientar na realidade que o cerca”. Sendo assim, a criança é
produto da sociedade em que vive, em determinado tempo histórico,
mediante relações com o adulto e a cultura.
Na sequência, são apresentadas reflexões sobre os dois eixos, afir-
mando a essencialidade do papel do professor, considerando sua autoria
docente, materializada em ações de planejamento, realização e avaliação
de atividades, com a possibilidade de criar condições efetivas ao pleno
processo de humanização das crianças.
3.3 O que dizem os eixos de discussões?
Como destacado anteriormente, os trabalhos selecionados e siste-
matizados foram agrupados em dois eixos temáticos de discussão, nos
quais foram alocadas onze produções científicas que explicitam, no con-
junto, questões sobre o papel e o valor do jogo como atividade potencia-
lizadora da ativação e desenvolvimento das funções psíquicas superiores.
É possível depreender desses trabalhos que, para a efetivação das
máximas possibilidades de constituição humana na infância torna-se
essencial a composição de uma EEI em que seus agentes (crianças e
adultos) assumam lugares ativos, com a perspectiva de trabalhos colabo-
rativos e o compromisso de formação de inteligências e personalidades,
mediante um currículo humanizador, capaz de ofertar as melhores es-
colhas docentes. Segundo Akuri, Lima (2017, p. 127): “[...] [trata-se da
defesa de] um currículo que expresse nossas melhores escolhas docentes
– elegendo os elementos da cultura a serem apresentados às crianças e
colocando-os a serviço de vivências intencionalmente planejadas [...]”.
Sob essa perspectiva, o professor, como protagonista desse currí-
culo humanizador, materializa, em práticas, como compreende, trata e
48
[...] de esta manera, el adulto se presenta ante el niño como portador de nuevos
procediminentos cada vez más complejos de acción con los objetos, y de patrones y medidas
socialmente establecidos y necessarios para orientarse en la realidad circundante.
158
vive com as crianças de modo cada vez mais desenvolvente, ao organizar
espaços, tempo e materiais (mediação indireta) e ao se relacionar com as
crianças (mediação direta), atendendo às necessidades de conhecimento
e instigando novas aprendizagens infantis.
Em continuidade com Akuri e Lima (2017, p. 128):
Para a composição desse currículo humanizador, é essencial que
tenhamos clareza de nosso papel como protagonista que organizam
o tempo, o espaço, as relações e as vivências para promover o pro-
tagonismo infantil, que conheçamos e desfrutamos a cultura mais
elaborada a fim de melhor estabelecer e mediar a relação ativa de
comunicação da criança com essa cultura, considerando as formas
como, em cada idade, ela melhor se relaciona com o mundo, apren-
de e se desenvolve.
Sob essa assertiva, compreendemos a necessidade de o professor
se relacionar com as crianças em todos os momentos, apresentando o
mundo de forma plena, com o intuito de proporcionar apropriações
complexas de relações com pessoas e elementos culturais. Por meio da
brincadeira intencionalmente potencializada – considerando formas de
mediação direta e indireta – em todos os períodos do desenvolvimento
(comunicação emocional, manipulação objetal e jogo protagonizado)
as crianças vivenciam maneiras diversificadas de desenvolver funções
psíquicas superiores. Isso significa que, em cada momento da vida é
essencial fomentar premissas e modos sofisticados de inteligências e per-
sonalidades das crianças.
Especialmente no período pré-escolar, as funções psicológicas
como imaginação, autocontrole da conduta e função simbólica da
consciência tornam-se possíveis de serem desenvolvidas por meio do
jogo protagonizado. A criança reconstitui esferas do trabalho produtivo
humano e, ao representar, pode desenvolver funções psicológicas típi-
cas. Nesse período, as ações determinantes correspondem à adoção de
papéis sociais (dos adultos) para agir a partir deles.
Vigotski (2021, p. 213) explica sobre a nova função possível de
ser formada e desenvolvida no período pré-escolar:
159
[...] A imaginação é o novo que está ausente na consciência da
criança na primeira infância, absolutamente ausente nos animais
e representa uma forma especificamente humana de atividade da
consciência; como todas as funções da consciência, forma-se origi-
nalmente na ação. A velha fórmula segundo a qual a brincadeira de
criança é imaginação em ação pode ser alterada, afirmando-se que
a imaginação nos adolescentes e escolares é a brincadeira sem ação.
Ao protagonizar um papel, a criança reconstitui situações concre-
tas de vida, objetivando as apropriações que tem em mente, e não da-
quilo que vê. A saber, a criança não é médica e sabe que não é, mas age
e imagina que é. Assim, assume a conduta profissional e escolhe, para
manusear, objetos representativos referentes à profissão, tais como um
graveto para ser termômetro e as bonecas ou amigos para serem pacien-
tes. Nisso consiste a imaginação em ação, a criança age independente
daquilo que vê (Vigotski, 2021).
Em harmonia com as discussões antecedentes, compreendemos
o papel e o valor do jogo protagonizado expressados nos trabalhos que
constituem o corpus da pesquisa, conforme apresentação no quadro 22:
Quadro 22 – Essencialidade do jogo protagonizado
[...] a mediação para o desenvolvimento da brincadeira de papéis
sociais na Educação Infantil é sempre uma ação humanizadora
da criança pequena, pois possibilita o desenvolvimento das funções
psíquicas especificamente humanas (Marcolino, 2013, p. 185).
Contudo, o brincar, também favorece as escolas para esti-
mular o público infantil a se movimentar (gastar energia,
testar seus limites físicos e psicológicos e sociais). O faz de
conta, pode ser considerado como uma brincadeira, na qual
ocorre desenvolvimento de inúmeros fatores, pois, esse tipo de
atividade requer da criança muita imaginação e criativida-
de. Quando a criança alcança o estágio em que ela deixa de
fazer relações simples para as complexas suas ações vão exte-
riorizando a sua vivência de forma lúdica e nesse momento
ocorre no desenvolvimento psicológico, processos mentais su-
periores importantes numa correlação durante a brincadeira.
Dessa forma, pode-se entender que as brincadeiras do faz de conta,
160
são muito importantes para que a criança desenvolver de forma
natural. As brincadeiras infantis, em especial tornaram-se social-
mente importantes (Benin; Bran; Goçalves, 2016, p. 69).
Por não compreenderem a importância do brincar como ati-
vidade guia para o desenvolvimento psíquico da criança na
etapa pré-escolar, por meio da qual se desenvolvem processos
psicológicos que promovem a transição para um novo e mais
elevado nível de desenvolvimento, as professoras deixam de
oportunizar preciosos momentos para o brincar e de mediar
situações que desafiem as crianças a verbalizar durante as
brincadeiras (Colussi, 2016, p. 23).
[...] ao reafirmar a importância da escola de Educação In-
fantil, Arce (2007) assevera que o principal direito a ser res-
peitado nesse ambiente é do conhecimento propulsor do de-
senvolvimento infantil. Reconhecer e direcionar a importância
desse direito e da escola, como lugar privilegiado da infância
nos nossos tempos, exige de nós, profissionais de educação, a
compreensão e comprometimento de que é no âmbito da edu-
cação escolar que, de modo formal, pedagógico, intencional e
sistemático, a experiência social da humanidade torna-se a ex-
periência pessoal da criança (Gonçalves, 2017, p. 23).
A realização do jogo protagonizado com crianças pré-escolas
só tem a agregar no desenvolvimento psíquico delas. A neces-
sidade das crianças consiste em reproduzir as funções e tarefas
que os adultos exercem no seu dia a dia. É importante que os
professores incluam em seu planejamento pedagógico momen-
tos destinados à realização do jogo protagonizado com intuito
de desenvolver as funções psicológicas superiores de seus alunos
e o autodomínio da conduta. (Barbosa et al, 2018, p. 1110).
[...] as crianças também fazem uso da brincadeira de papéis
em outros lugares que não a escola, deve-se ter como norte a
função e especificidade da educação escolar, isto é, a brinca-
deira realizada no âmbito escolar não pode (nem deve) ser
igual à que a criança faz fora da escola; pois é preciso que seja
uma brincadeira rica em conteúdo (Brigatto, 2018, p. 31)!
Assim, compete às escolas de Educação Infantil e aos profes-
sores dessa etapa educativa, garantirem ao brincar a posição
de instrumento docente e recurso discente, a fim de que os
161
processos de ensino e de aprendizagem possibilitem à criança
se apropriar dos conhecimentos, das habilidades, dos traços
culturais da comunidade à qual pertence e do respectivo có-
digo ético-moral, que progressivamente baliza a formação
da sua personalidade. Ao assegurar esse processo, o professor
pré-escolar cumpre sua função social de contribuir para com
o alcance do desenvolvimento do psiquismo infantil em suas
máximas possibilidades. Na esteira desse raciocínio, a ade-
quada intervenção pedagógica justifica e dota de sentido a
real função social da escola e do professor dessa etapa educa-
tiva (Sena, 2018, p. 189).
[...] podemos destacar a dupla importância dos jogos de pa-
péis sociais: a possibilidade de as crianças apropriarem-se da
experiência cotidiana da produção da vida material incluin-
do as relações afetivo-emocionais e de quanto temos na escola
a possibilidade de produzir mediações que lhes assegurem a
chance de reproduzir vivências não cotidianas, ligadas a ou-
tras esferas da produção do humano (Godoy, 2019, p. 16).
A função imaginativa é requerida pela atividade-guia da
idade pré-escolar, a saber, a brincadeira de papéis sociais.
[...] é esta atividade que demanda da imaginação da criança
mais do que qualquer atividade tinha outrora demandado e
permite o desenvolvimento da imaginação a patamares an-
tes inalcançados. Isto porque a brincadeira exige da criança
aquilo que suas atividades anteriores ainda não haviam exi-
gido (Silva, 2019, p. 71).
[...] Destaca-se, assim, não só a importância do professor como
mediador, mas a necessidade de compreender o desenvolvimento
humano como objeto central para a organização dos processos edu-
cativos que realmente promovam e efetivem o desenvolvimento da
criança [...]. Trata-se da compreensão de que tais jogos promovem
aprendizagem a serviço do desenvolvimento do pensamento, da
atenção voluntária, da memória lógica, da linguagem, da ima-
ginação, dos sentimentos, entre outras funções psíquicas, e ainda
possibilitam à escola um olhar para as crianças pelo que elas são,
pensam e sentem (Szymanski; Colussi, 2020, p. 18).
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
162
As argumentações dos trabalhos apontam a necessidade de in-
tervenções pedagógicas e ampara o jogo protagonizado como produto
social e histórico. Como já defendido, o ser humano é produto histó-
rico e social, desenvolve-se ao estabelecer relações autênticas no coleti-
vo, com a possibilidade de tornar essas vivências individuais, mediante
processos mediados de educação. Essa compreensão pode orientar o
profissional de Educação Infantil a propor, revisitar e instigar práticas
educativas multifacetadas, compreendendo que as relações humanas
que a criança estabelece com o mundo, ao perceber, apreciar, sentir,
pensar, potencializam a apropriação da realidade humana em sua intei-
reza e complexidade.
Nessa perspectiva, o jogo protagonizado vivenciado na EEI pode
contribuir efetivamente para a passagem do pensamento objetivo infan-
til para formas superiores. Nas palavras de Elkonin (1960b, p. 514-515,
tradução nossa)
49
:
No jogo se formam tipos superiores de percepção, processo verbal,
imaginação, e a efetiva passagem do pensamento objetivo para ou-
tras formas mais abstratas. Porém, a enorme importância do jogo
para o desenvolvimento de todas as facetas da personalidade da
criança só pode influenciar se tiver uma boa direção pedagógica.
A direção pedagógica pode diferenciar o jogo realizado na escola e fora
dela. Cabe à EEI e ao profissional ofertar variadas atividades intencionais, dentre
as quais desenhos, modelagens, contação de histórias (diversidades de gêneros
literários), observações de fenômenos da natureza e tantas outras, garantindo
direitos sociais das crianças e possibilitando o pleno conhecimento de mundo.
Afinal, as crianças de hoje passam a maior parte do tempo brincando, não obs-
tante, somente o jogo protagonizado, sob a intervenção do professor, possibilita
mudanças qualitativas na psique infantil (Mukhina, 1995).
49
En el juego forman tipos más elevados de la percepción, del processo verbal, de la
imaginación, y se efectúa el paso del pensamiento objetivo a otras formas más abstractas.
Sin embargo, la enorme importancia del juego para el desarrollo de todas las facetas de la
personalidad del niño unicamente puede influir si tiene una buena dirección pedagógica.
163
A intervenção do professor no jogo protagonizado pode possi-
bilitar a ampliação das aprendizagens das crianças, superando atitudes
alienadas, próprias de uma sociedade capitalista, constituindo condi-
ções para que a infância seja momento de desenvolvimento de modos
de pensar e a refletir sobre seus atos.
Com esse entendimento, a criança brinca e, enquanto age, ex-
perimenta o mundo apropriando-se e objetivando-se de elementos da
cultura do mundo material e imaterial, mediante o jogo protagonizado.
O brincar ativa, em conjunto, processos mentais relativos à percepção,
memória, pensamento e imaginação, por exemplo.
Particularmente, contribui para a passagem do pensamento obje-
tivo para formas mais abstratas (Elkonin, 1960b) por meio da brinca-
deira. De acordo com Mukhina (1995, p 166):
O pré-escolar começa a estudar brincando. O estudo é para ele uma
espécie de jogo dramático com determinadas regras. A criança assi-
mila, sem dar conta, os conhecimentos elementares. Para o adulto,
o estudo é algo muito diferente do jogo. Influenciada pelo adulto, a
criança vai mudando de atitude: o estudo passa a ser algo desejado.
Ao mesmo tempo, cresce sua capacidade de estudar.
O jogo contribui para desejar o estudo, ao brincar a criança vi-
vencia de maneira autêntica as diferentes linguagens: plástica, oral,
escrita, conhecimento científico e outras, sem fragmentação. Citando
caso análogo, ao reconstituir o papel de médico, desenha a placa do
consultório, escreve a receita e sofistica a oralidade ao se relacionar com
o paciente. O conjunto de linguagens impulsiona o desejo de estudar,
visto a real função dos conteúdos desenvolvidos na situação lúdica.
Ao concluir a seção, depreendemos que fecundas formas de in-
tervenção docente no processo de desenvolvimento das crianças pode se
expressar por meio da organização do meio social. A partir da realidade
concreta das crianças, das curiosidades e necessidades de conhecimen-
tos, o processo educativo pode se tornar cada mais humanizador.
Nas palavras de Vigotski (2010, p. 448):
164
Sobre o professor recai um novo papel importante. Cabe-lhe tor-
nar-se o organizador do meio social, que é o único fator educativo.
Onde ele desempenha o papel de simples bomba que inunda os
alunos com conhecimento pode ser substituído com êxito por um
manual, um mapa, uma excursão. Quando o professor faz uma
conferência ou explica uma aula, apenas em parte está no papel de
professor: exatamente naquele que estabelece a relação da criança
com os elementos que agem sobre ela. Onde ele simplesmente ex-
põe o que já está pronto.
Com Vigotski (2010), compreendemos a essência de o professor
centrar suas ações docentes nas curiosidades das crianças, como ponto
de partida, possibilitando a ampliação de conhecimentos com sentido e
significado. Nessa perspectiva, torna-se profissional sensível, no proces-
so de perceber temas distintos para diversificar os jogos protagonizados
e incrementá-los com conteúdos sofisticados e ampliados, com o intui-
to de fomentar o desenvolvimento de formas diversas de pensar, agir,
sentir e resolver problemas.
A partir do meio social concreto das crianças, os temas emer-
gem, exigindo a efetiva atividade docente por meio de ações sensíveis,
participativas e responsáveis por tornar a criança um sujeito ativo, que
vivencia hipóteses e tateios no e do mundo, instigada a se apropriar de
novos conhecimentos.
A seguir, nas considerações finais, tecemos retomadas e resultados
das reflexões da pesquisa ora apresentada.
165
CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] A própria estrutura dos jogos sofre também grandes mu-
danças: vai dos jogos sem enredo, compostos por uma série de
episódios frequentemente desconexos, sem ligação entre si, até
converterem-se, entre as crianças de três ou quatro anos, em jogos
com um argumento determinado, o qual vai se complicando e
desenvolvendo de maneira cada vez mais metódica [...]
(Elkonin, 2009a, p. 234)
Este livro, intitulado “Bases para o desenvolvimento do jogo pro-
tagonizado na infância e a teoria de Elkonin: um estudo bibliográfico”,
buscou sistematizar um referencial teórico dirigido à discussão acerca de
atividades humanas que precedem e formam as bases e as possibilidades
de complexificação do jogo protagonizado no período pré-escolar.
Elkonin (2009a) evidencia a história do jogo protagonizado a
partir do excerto acima e esclarece a essencialidade das bases para o seu
desenvolvimento. A partir dos princípios da Teoria Histórico-Cultural,
inferimos que a constituição do homem acontece no seio das relações
sociais, mediante processos educativos. Desde seu nascimento, a criança
torna-se candidata à humanização. No entanto, ser herdeira dos bens
culturais produzidos pelo gênero humano não garante as apropriações
essenciais a sua humanização.
Na escola, não basta organizar espaços, tempo e materiais sem
a legítima relação da criança com os elementos da cultura – dentre os
quais está a própria composição das relações humanas. Torna-se essen-
cial que a criança seja agente deste processo em que, aprende e vive
166
as relações humanas como base essencial para potencializar os temas e
conteúdos de seus jogos.
Esses subsídios teóricos, ao longo do livro, articulam-se em seções. A
seção 1 contribui com aspectos sobre a essencialidade do objeto de estudo
e a necessidade de clareza conceitual do professor, com a perspectiva de
ampliar o acesso das crianças ao repertório cultural desde o nascimento.
Na primeira seção, evidenciamos o processo de localização dos
trabalhos já produzidos sobre o assunto. O corpus reunido na pesqui-
sa bibliográfica denota a escassez de trabalhos científicos referentes a
esse arcabouço teórico, totalizando apenas onze trabalhos. Os trabalhos
localizados e selecionados totalizam quatro artigos, cinco dissertações
e duas teses. A investigação também revelou uma quantidade maior
de pesquisas científicas em nível de Mestrado. Dessa forma, sinaliza a
necessidade de ressignificar a temática em nível de Doutorado, enten-
dendo que o assunto é atual e essencial para necessárias reflexões sobre
a educação e o desenvolvimento das crianças.
A seção 2 evidencia aspectos da vida e obra de Elkonin (1960a,
b; 1986a, b; 1987a, b; 2009a, b, c; 2010; 2017), a origem histórica
do jogo, aproximações referentes às bases para o jogo protagonizado e
aspectos conceituais do jogo. Elkonin (2009a), desde a década de 1930,
debruçou-se no estudo sobre o jogo infantil, com o intuito de defender
a origem histórica e social do jogo. O aparecimento do jogo é difícil de
ser investigado, dessa forma dados sinalizam sobre o lugar ocupado pela
criança na sociedade e sobre o conteúdo desenvolvido nesse período
(Elkonin, 2009a).
Nas sociedades primitivas, a criança se engendrava desde a tenra
idade (de 3 ou 4 anos) no labor produtivo dos adultos. A inserção desde
cedo no labor produtivo dos adultos possibilitava o desenvolvimento
da autonomia e de decisões em atuar como os adultos. Vale ressaltar a
ausência de trabalho infantil, portanto do lugar ocupado pela criança
nesse tipo de sociedade.
Com o desenvolvimento das ferramentas, o lugar da crian-
ça na sociedade altera-se. Surge nova divisão de trabalho e a criança
opera ferramentas de tamanho reduzido. Para o uso e domínio dessas
167
ferramentas, as crianças necessitavam de tempo livre para treinar o uso
funcional. Assim, é possível entender que, ao exercitar o uso de tais fer-
ramentas, emergem indícios de jogo protagonizado. Nesses exercícios
rudimentares de uso, a criança se compara ao adulto: “[...] ao manejar
um instrumento de trabalho de tamanho reduzido, o rapaz executa uma
ação parecida à do adulto e, por conseguinte, permite supor que se
compare ou talvez se identifique com o caçador ou o pastor adulto, com
seu pai ou seu irmão mais velho” (Elkonin, 2009a, p. 69).
A complexificação do manejo das ferramentas contribui para
nova mudança no sistema de relação da criança com a sociedade. A im-
possibilidade de manejar as ferramentas distancia as crianças do labor
produtivo dos adultos, possibilitando o aparecimento do brinquedo e
o prolongamento da infância. As crianças, sem ação direta ao labor dos
adultos, integram-se em comunidades infantis, potencializando o de-
senvolvimento do jogo.
Nessa perspectiva, Elkonin (2009a, p. 397) defende o jogo de
natureza social: “Sabemos não ser essa afinidade relativa à natureza bio-
lógica, mas à social da criança, à necessidade que ela sente desde muito
cedo de se comunicar com os adultos, necessidade que se converte em
tendência para levar uma vida comum com eles”. O jogo de natureza
social e histórica, ao longo do tempo, articula-se à arte dramática da
vida dos adultos, e a reconstituição das atividades produtivas humanas
centra-se na necessidade de a criança se comunicar com os adultos e
executar os mesmos atos, apropriando-se da cultura humana. Elkonin
(2009a, p. 25) complementa: “[...] A origem do jogo está no anseio de
pôr em prática uma ideia atraente: daí, como se verá mais adiante, a
similaridade entre o jogo e a arte em geral”.
A gênese da natureza social de desenvolvimento deflagra com o
nascimento. Os processos educativos, sob a direção do adulto, poten-
cializam o desenvolvimento sensorial do bebê. A apropriação da cultura
material e imaterial do mundo torna-se possível pelos órgãos sensoriais,
e a atividade possível de transformação psíquica denomina-se comuni-
cação emocional. A ênfase desse período é a relação homem/homem.
O adulto comunica-se com o bebê, sem palavras, mediante ações, e
168
possibilita o acesso dos bebês aos objetos. Os encontros afetivos com
os objetos, em conjunto com o adulto, propiciam o desenvolvimento
sensório-motor e os movimentos das mãos. A princípio, bate no objeto,
sacode, transfere de uma mão para outra, sem a preocupação com a
função social, constituindo uma cadeia de movimentos, reiterativos e
encadeados. Elkonin (2009a) denomina esses movimentos como “exer-
cícios elementares”, não denominando como jogos protagonizados. Em
continuidade, Elkonin (2009a, p. 215) afirma: “Essa é, primordialmen-
te, uma atividade com os objetos em que se aprendem ações planejadas
pela sociedade, e uma ‘exploração’, na qual a criança busca o novo”.
A possibilidade de “buscar o novo” depende do adulto, para aces-
so direto aos objetos, assim, paulatinamente, a relação da criança com o
mundo se altera. A necessidade de descobrir o uso social do objeto (para
que foi criado), com o avanço da linguagem e com o desenvolvimento
do andar ereto, potencializa a criança para adentrar o novo período de
desenvolvimento denominado objetal-manipulatório.
O foco da criança centra-se no uso dos objetos, alterando a rela-
ção para criança/objeto social (Elkonin, 1987b). A criança, ao manusear
os objetos, implicitamente o adulto torna-se essencial para demonstrar
os modos de uso e, dessa forma, como modelo orientador, possibilita à
criança investigar os elementos culturais do mundo. Nesse período, o
desejo é atuar com os objetos como os adultos. Referente a essa asser-
tiva, Elkonin (2009a, p. 404) sintetiza: “Objetivamente, isso significa
que a criança vê o adulto, sobretudo, pelo lado de suas funções”.
Aos poucos as ações das crianças com os objetos vão se comple-
xificando e, ao se apropriar do uso social dos objetos, constituem-se
assim as premissas para o jogo protagonizado, já na primeira infância. A
atividade conjunta com os adultos, e mediante o processo de educação,
possibilita à criança dois tipos de transferência com os objetos: o ato
de generalizar, isto é, usar o objeto em outros contextos, ampliando o
modo social, e o ato de substituir um objeto por outro. Cabe destacar,
um processo complexo, de apropriação e objetivação da cultura huma-
na, mediado pelos adultos, portador de experiências culturais.
169
A evolução das apropriações constitui-se essencial para formação
das imagens subjetivas do objeto, contribuindo para o desenvolvimen-
to da inteligência e personalidade. As ações com os objetos, graças aos
modos de transferência (generalização e substituição de um objeto por
outro), possibilitam o domínio dos modos de uso dos objetos, amplian-
do os atos, de um, referente a sua função social, para dois, três, corro-
borando com a sofisticação das ações lúdicas e o aparecimento do papel.
Diante do exposto, compreendemos as premissas do jogo prota-
gonizado na atividade objetal-manipulatória, segundo destaca Elkonin
(2009a, p. 230): “Assim, no final do primeiro período da infância,
preparam-se as premissas fundamentais para a transição para o jogo
protagonizado”.
Ao conhecer os modos de uso dos objetos e querer atuar como o
adulto, a criança age mediante a situação de ficção e vivifica seus desejos
ao executar os mesmos atos dos adultos na forma de jogo protagoniza-
do. Nesse sentido, a relação altera-se com os adultos – criança/adulto
– e o foco centra-se na reconstituição do trabalho produtivo humano.
A realidade concreta de vida da criança possibilita o desenvolvimento
de temas ou argumentos e o desenvolvimento do conteúdo dos jogos
depende das apropriações e percepções da criança sobre o mundo, desse
modo as situações lúdicas representadas pelas crianças nos jogos depen-
dem das relações humanas apropriadas.
Na seção 3, a contribuição dos 11 trabalhos localizados e sistema-
tizados incrementou o diálogo com os eixos de discussões, intitulados “o
valor do jogo protagonizado para o desenvolvimento humano” e “inter-
venção e práticas pedagógicas”. As sofisticadas reflexões com as autoras
e autores vivificaram possíveis argumentações sobre o objeto de estudo.
Essas discussões evidenciam o valor das investigações sobre o
jogo protagonizado, pautadas nas contribuições de Elkonin (1960a, b;
1986a, b 1987a, b; 2009a, b, c; 2010; 2017), como já supracitado, de-
vido ao número reduzido de trabalhos reunidos e a imprescindibilidade
de clareza conceitual dos professores referente ao assunto.
A pesquisa corrobora reflexões pertinentes às atividades prece-
dentes, com a possibilidade de incrementar o repertório cultural das
170
crianças no período pré-escolar, agregando-se aos índices de produções
escassas. Nessa lógica, estudos posteriores contribuirão para ampliar en-
tendimentos e consensos sobre o assunto, pois, como evidencia Elkonin
(2009a, p. 401): “A importância do jogo protagonizado no desenvolvi-
mento ainda foi muito pouco estudada”.
Essas ideias fortalecem o argumento acerca do alargamento e
clareza conceitual e metodológica do professor como bases para uma
atuação educativa potencializadora do desenvolvimento do jogo prota-
gonizado na EEI, fundamentando premissas para o desenvolvimento da
inteligência e personalidade das crianças.
O jogo contribui para o desenvolvimento das funções psicológi-
cas superiores, especialmente da imaginação, autocontrole da conduta e
função simbólica da consciência, possibilitando à criança separar-se do
campo sensorial, emergindo ao plano das ideias.
O papel social assumido pela criança no jogo protagonizado re-
presenta a totalidade complexa, ou seja, quando afetada e motivada a
assumir determinado papel social, apropriando-se de condutas huma-
nas e dos aspectos técnicos-operacionais, intersecta os aspectos afetivos
e cognitivos desse papel representado. Ao protagonizar, o julgamento da
criança é único e, a partir da reorganização das impressões da realidade
objetiva, torna-se possível objetivar de maneira criativa nas situações de
jogo protagonizado. Nesse processo, a atuação docente perspectiva in-
tervir qualitativamente nas objetivações das crianças, a fim de mobilizar
aspectos cognitivos, comportamentais e afetivos humanizadores.
Diante do exposto, inferimos a essencialidade de estudos sobre
o jogo protagonizado como fator determinante, instrumentalizando
conceitual e metodologicamente o professor, para que crie condições
efetivas para aprendizagens motivadoras de desenvolvimento humano
na infância por meio do jogo protagonizado, aliado às atividades pro-
dutivas como desenho, música, dança, por exemplo (Mukhina, 1995).
Nesse sentido, o jogo é compreendido como atividade principal
das crianças pré-escolares e fomenta o desenvolvimento integral na in-
fância, em um processo em que crianças se apropriam da cultura hu-
mana e se integram como partícipes do gênero humano por meio dele.
171
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SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno – CRB 8/8211
Normalização
Kamilla Gonçalves
Diagramação
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Capa
Gustavo Fogaça
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
objetos a partir de seus usos sociais. As ma-
nipulações e apropriações decorrentes desse
jogo tornam-se base para a gênese do plano
ideativo, propiciando à criança se separar
do campo sensorial e emergindo ao plano
das ideias. O jogo protagonizado fomenta a
apropriação da cultura humana e propicia o
desenvolvimento de funções psíquicas supe-
riores, especialmente da imaginação, auto-
controle da conduta e função simbólica da
consciência. Ao decorrer das páginas do li-
vro, arma-se a premissa de que períodos
diferenciados de desenvolvimento ao longo
da infância. Nesse decurso, o período prece-
dente torna-se base para o novo período em
gestação, signicando que a comunicação
emocional possibilita a formação de coorde-
nações sensório-motoras, essenciais ao novo
período em surgimento, isto é, a atividade
objetal manipulatória, mediante a qual se
assentam as bases para o desenvolvimento
do jogo protagonizado, no período pré-es-
colar. A vida ativa da criança em sociedade
torna-se determinante para o processo de
desenvolvimento das capacidades psíquicas
humanas, contribuindo para o processo de
humanização na infância.
Resultante de dissertação concluí-
da junto ao Programa de Pós-Graduação
em Educação da Unesp, Marília, S.P., este
livro apresenta contribuições teórico-cien-
tícas sobre o jogo protagonizado e seu
valor à formação humana da criança. Traz
ao debate questões relativas à atuação ati-
va da criança em sua relação com a cultu-
ra material e imaterial desde o nascimento
e ao papel igualmente ativo do professor na
Escola de Educação Infantil. As atividades
precedentes ao jogo protagonizado contri-
buem para sosticar modos de pensar, agir
e reconstituir papéis sociais no período pré-
-escolar, considerando que, em cada período
de seu desenvolvimento, a criança tem uma
necessidade peculiar de se relacionar com o
mundo. No primeiro ano de vida, a comu-
nicação emocional direta se efetiva como
atividade por meio da qual o adulto apresen-
ta à criança o mundo composto de estímulos
e de relações sociais mediante o toque, fala,
olhar e ao ofertar uma gama de objetos a ela.
Por meio dos sentidos, a criança relaciona-
-se com aspectos da cultura humana, perce-
bendo as características externas dos obje-
tos e estimulando o sistema sensorial. Essas
manipulações primárias contribuem para o
desenvolvimento da atividade objetal ma-
nipulatória, possibilitando apropriações da
função social dos objetos. Ao usar os objetos
como os adultos o fazem, a criança se apro-
pria da função social (para que foi criado),
entretanto o lado operacional de uso sua
forma utilitária – apresenta-se complexa. A
criança sabe para que serve a escova de cabe-
lo, mas usar esse objeto adequadamente para
pentear o seu cabelo, o cabelo da boneca ou
da mãe, exige domínio de técnicas para ma-
nipular o objeto escova. Nos primeiríssimos
anos da vida, a criança vai sosticando seu
conhecimento sobre o mundo, o qual se tor-
nará base essencial para o jogo protagoni-
zado, quando a criança começa a utilizar os
Bases para o desenvolvimento do jogo protagonizado na infância e a teoria de Elkonin
Este livro decorre de pesquisa de mestrado em Educação concluída junto ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesp, Campus de Marília,
São Paulo. Em suas páginas, sintetiza contribuições teórico-cientícas
essenciais aos processos inicial e continuado de formação das professoras e
professores da Escola de Educação Infantil, trazendo traz ao debate questões
relativas às situações educativas dirigidas à atuação ativa da criança em sua
relação com a cultura material e imaterial desde o nascimento e ao papel
igualmente ativo do professor. Nesse processo educativo escolar, as atividades
precedentes ao jogo protagonizado são mobilizadoras do movimento de
formação e sosticação de funções psíquicas superiores, as quais criam as bases
necessárias para o desenvolvimento de outras capacidades humanas na idade
pré-escolar, especialmente da imaginação, autocontrole da conduta e função
simbólica da consciência. Esse movimento propicia o processo paulatino e
essencial à criança de separação do campo sensorial e a emergência do plano
das ideias. Essa conquista se efetiva mediante o jogo protagonizado, o qual
se torna fonte de aprendizagens e desenvolvimento cultural das crianças
pré-escolares. Argumenta-se que cada período de desenvolvimento na
infância torna-se base para o novo período em gestação, signicando que
a comunicação emocional possibilita a formação de coordenações sensório-
motoras, essenciais ao novo período em surgimento, isto é, a atividade
objetal manipulatória. Mediante esta atividade, assentam-se as bases para o
desenvolvimento do jogo protagonizado, no período pré-escolar. A vida ativa
da criança em sociedade torna-se, portanto, determinante para o processo de
desenvolvimento das capacidades psíquicas humanas, contribuindo para a
humanização na infância.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
Favinha e Lima