Esta obra é o resultado de uma pesquisa realizada durante o Mestrado em
Educação da autora e traz apontamentos sobre a articulação entre edu-
cação e trabalho, um dos princípios pedagógicos do MST, no âmbito do
Colégio Estadual do Campo Iraci Salete Strozak, localizado em Rio Boni-
to do Iguaçu, interior do Paraná. O Colégio Strozak é uma das principais
escolas do MST, que implementa a Pedagogia do Movimento aliada aos
Complexos de Estudos, de Pistrak e aos Ciclos de Formação Humana, de
Paulo Freire.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
ROMPENDO A CELA DE AULA: educação e trabalho no MST
ELLEN FELICIO DOS SANTOS
ROMPENDO A CELA DE AULA:
Ellen Felicio dos Santos
educação e trabalho no MST
ROMPENDO A CELA DE AULA:
educação e trabalho no MST
ELLEN FELICIO DOS SANTOS
Ellen Felicio dos Santos
ROMPENDO A CELA DE AULA:
educação e trabalho no MST
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2024
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS – FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Edvaldo Soares
Franciele Marques Redigolo
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Henrique Tahan Novaes
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Alonso Bezerra de Carvalho
Ana Clara Bortoleto Nery
Claudia da Mota Daros Parente
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Daniela Nogueira de Moraes Garcia
Pedro Angelo Pagni
Auxílio Nº 0039/2022, Processo Nº 23038.001838/2022-11, Programa PROEX/CAPES
Parecerista: Claudio Rodrigues da Silva (UEMS)
Capa: Fachada do Colégio Strozak (arquivo pessoal da autora)
Ficha catalográfica
_______________________________________________________________________________________
Santos, Ellen Felicio dos.
S237r Rompendo a cela de aula: educação e trabalho no MST / Ellen Felicio dos Santos. – Marília : Oficina
Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2024.
131 p. : il.
CAPES
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-508-7 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-509-4 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-509-4
1. Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra. 2. Pedagogia. 3. Educação rural.
4. Trabalhadores rurais. I. Título.
CDD 379.173
_______________________________________________________________________________________
Catalogação: André Sávio Craveiro Bueno – CRB 8/8211
Copyright © 2024, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - Campus de Marília
Aos trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra dos
assentamentos de Rio Bonito do Iguaçu no Paraná.
Quem não se movimenta,
não sente as correntes que o prendem.
Rosa Luxemburgo
Sumário
PREFÁCIO | NEUSA MARIA DAL RI 11
INTRODUÇÃO 17
CAPÍTULO I
RESISTÊNCIA POPULAR E MOVIMENTOS SOCIAIS 23
CAPÍTULO II
O MST, A EDUCAÇÃO E O TRABALHO 47
CAPÍTULO III
O COLÉGIO ESTADUAL DO CAMPO IRACI SALETE STROZAK 69
CAPÍTULO IV
ARTICULAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO NO COLÉGIO
STROZAK: COMPLEXOS DE ESTUDO E CICLOS DE FORMAÇÃO
HUMANA. 97
CONCLUSÃO 119
REFERÊNCIAS 123
11
PREFÁCIO
Embora sua gênese seja anterior, o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) foi criado oficialmente em 1984, no eclipse da dita-
dura militar. Após alguns anos de crescimento, o MST ganhou notoriedade
no Brasil e internacionalmente e, hoje, é um dos maiores e mais conhecidos
movimento social da América Latina.
No início, o MST congregou pessoas interessadas em obter terra como
meio de trabalho e renda, tais como ex-pequenos proprietários, assalariados
rurais e urbanos, posseiros, meeiros e outros segmentos de trabalhadores da
terra destituídos de propriedade. À medida que foi crescendo, o MST conti-
nuou organizando esses tipos de trabalhadores, porém, a eles somaram-se os
que obtiveram a terra por meio da luta, ou seja, os assentados.
Os acampamentos formados quando se ocupa a terra e os assentamen-
tos derivados da reforma agrária são as organizações básicas do MST. Nelas
as famílias estão organizadas por meio dos núcleos de base, brigadas, coorde-
nações eleitas e assembleias gerais para a tomada de decisões. De cinco em
cinco anos ocorre o Congresso Nacional, a instância superior de decisão do
MST, que discute e aprova o programa e as linhas políticas para o próximo
quinquênio, e a cada dois anos são realizados os Encontros Nacionais para
discussão de tarefas mais específicas. As várias instâncias do Movimento têm
autonomia para realizarem as discussões e tomadas de decisões de acordo
com as problemáticas regionais e/ou locais.
A ocupação de terras devolutas ou improdutivas e os assentamentos
geraram um fenômeno diferenciado no MST que designamos de territoriali-
zação. A partir de seu território o Movimento cria e desenvolve o que meta-
foricamente denominamos de economia política do MST.
A economia política tem uma posição estratégica na reprodução
do Movimento. Além de ser a base de subsistência dos assentados, ela
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-509-4.p11-16
12
possibilitou a construção dos sistemas cooperativista e educacional do
MST, dentre outras ações.
O interesse pelo MST como parceiro em atividades e como objeto de
estudo é um fato. A origem desse interesse encontra-se no acontecimento de
que o MST é altamente organizado, desenvolveu diferentes táticas de luta e
contribuiu para trazer de volta à história um tema que parecia superado pelo
progresso, qual seja, a luta pela terra e reforma agrária.
O MST adquiriu notoriedade por várias razões: por sua presença em
todo o território nacional; por suas táticas e métodos de luta; pela audá-
cia com que tem enfrentado as políticas neoliberais; por suas campanhas de
solidariedade com os mais pobres; por suas características de movimento
altamente organizado e, certamente, pelos resultados que vem obtendo na
produção agrária e na educação. A condição de organizador da educação
e de uma economia política específica, dentre outros atributos, contribuiu
para instigar o interesse sociológico em relação ao MST. Além disso, há outro
aspecto bastante importante.
Em geral, movimentos sociais e outras organizações de trabalhadores
têm ideias próprias a respeito de como a sociedade deve organizar a educação
e o trabalho. Partidos políticos e sindicatos ligados aos trabalhadores, por
exemplo, usualmente têm uma visão própria sobre a educação e o trabalho e,
geralmente, organizam palestras, cursos livres de qualificação, mesas de deba-
tes etc. sobre os assuntos. O mesmo acontece com vários outros movimentos
sociais. Contudo, não é comum que organizações populares coloquem em
prática suas ideias a respeito desses temas. Neste quesito, o MST apresenta
uma condição diferenciada. As ações iniciadas e consolidadas no transcurso
de quarenta anos de lutas pela reforma agrária permitiram ao MST construir
uma espécie de economia política, que abarca milhares de famílias assen-
tadas e acampadas. E, concomitantemente à constituição dessa economia,
o Movimento também construiu uma rede de escolas próprias ou sob sua
influência, que denominamos de sistema educacional do MST.
Para atender ao grande contingente de famílias que vivem nos acam-
pamentos e assentamentos, o MST criou cursos de alfabetização de jo-
vens e adultos, cursos técnicos de nível médio e médio integrado, como
Administração de Cooperativas, Saúde Comunitária, Agroecologia, e cursos
13
de nível superior, como Pedagogia da Terra, Letras, Licenciatura em Educação
do Campo, Ciências Agrárias, Agronomia, Veterinária, Direito, Geografia e
História, e ainda gerencia inúmeras escolas públicas de educação básica, que
estão em seus territórios.
A partir de um esforço reflexivo teórico-prático, o MST criou uma
pedagogia própria, denominada Pedagogia do Movimento, que é diferente da-
quela que predomina na escola estatal oficial. Essa Pedagogia é decorrente,
principalmente, do fato de o Movimento ser um lutador político e de sua
conexão com a economia política desenvolvida nos assentamentos.
A Pedagogia do Movimento apresenta princípios filosóficos e pedagógi-
cos, bastante distintos dos comumente encontrados em outras teorias. Desses
princípios, destacamos os mais importantes e que são aplicados em suas escolas:
a educação para a transformação social; a gestão democrática e a auto-organiza-
ção dos estudantes; e o vínculo entre ensino e trabalho produtivo.
Com referência à educação para a transformação social, algumas ca-
racterísticas se sobressaem no fazer pedagógico. A educação do MST é uma
educação de classe, ou seja, voltada para o fortalecimento do poder popular
e para a formação de militantes para as organizações de trabalhadores e para
o MST. Em última instância, objetiva desenvolver com os estudantes a cons-
ciência de classe. Além disso, essa educação está organicamente vinculada ao
Movimento. Nas palavras do Movimento: a maior escola é o próprio MST.
Disso deriva que, embora teoria e prática devam caminhar juntas, a prática
precede a teoria. Para desenvolver a consciência crítica é necessário desen-
volver sujeitos capazes de intervir e transformar a realidade material, ou seja,
passar da crítica à intervenção na realidade.
A organização e a gestão da escola são elementos fundamentais de
qualquer sistema ou unidade de ensino, pois, dependendo de como elas se
processam, a vivência na escola pode ser democrática ou não. Para viven-
ciar a democracia, o MST propõe para as suas escolas a gestão democrática
e a auto-organização dos alunos. Para o Movimento, a gestão democrática
compreende dois pontos fundamentais: a direção coletiva dos processos pe-
dagógicos; e a participação dos envolvidos no processo de gestão escolar. A
direção coletiva de cada processo pedagógico implica a participação efetiva da
comunidade na gestão da escola, bem como a relação desta com o conjunto
14
de escolas ligadas ao Movimento e sua subordinação crítica e ativa aos seus
princípios. Para o MST, a direção coletiva é uma forma de garantir a partici-
pação de todas as pessoas na tomada de decisões, de dividirem-se as tarefas e
as funções de acordo com as qualidades e as aptidões pessoais e, também, de
superação do paternalismo e do presidencialismo. O Movimento entende por
auto-organização o direito dos estudantes se organizarem em coletivos, com
tempo e espaço próprios, para analisar e discutir as suas questões, elaborar
propostas e tomar decisões com o objetivo de participarem como sujeitos da
gestão democrática do processo educativo e da escola. A principal instância
de decisão é a assembleia geral, da qual participam os envolvidos no processo
pedagógico, professores, alunos, funcionários das escolas, pais e comunidade
local.
Um dos princípios norteadores da pedagogia e da organização escolar
do MST é o estabelecimento do vínculo entre o ensino e o mundo do traba-
lho. A ligação entre ensino e trabalho produtivo nas escolas do Movimento
ocorre da seguinte forma.
Nos cursos desenvolvidos nas escolas do MST aplica-se a denominada
pedagogia da alternância, ou seja, os cursos são organizados em etapas, cada
uma delas constituídas por dois tempos: tempo escola e tempo comunidade.
O tempo escola é o tempo no qual os alunos desenvolvem um conjunto
de atividades teóricas do curso e a participação na gestão escolar. O tempo
comunidade é o tempo no qual os alunos retornam aos acampamentos ou
assentamentos realizando trabalhos produtivos vinculados ao curso ou dele-
gados pelas instâncias do MST.
Os estudantes trabalham também durante o tempo escola no qual fi-
cam na instituição. Eles atuam em três setores básicos: a) na manutenção e
conservação da escola; b) nas unidades de produção; c) na gestão coletiva da
escola. Um dos trabalhos mais importantes que os alunos realizam é a gestão
da escola, a qual é compartilhada com professores e funcionários. Convém
ressaltar que o trabalho realizado nas escolas pelos alunos não é uma simu-
lação laboratorial, mas trabalho real que de algum modo se articula com a
economia. Entretanto, o seu significado é ao mesmo tempo educativo, cum-
prindo, assim, uma das premissas da abordagem pedagógica do MST que é a
de ligar organicamente o ensino e o trabalho.
15
E é exatamente sobre esta temática que o livro intitulado Rompendo a cela
de aula: educação e trabalho no MST, de Ellen Felício dos Santos, se debruça.
No estudo desta temática, Santos procurou desvendar como o MST
operacionaliza a articulação entre educação e trabalho produtivo ou útil,
em especial, tendo como objetos empíricos o Colégio Estadual do Campo
Iraci Salete Strozak, do Assentamento Marcos Freire, e a Escola Itinerante
Herdeiros do Saber, do Assentamento Herdeiros da Terra de 1º de Maio,
localizados no município de Rio Bonito do Iguaçu, Estado do Paraná.
A pesquisa de Ellen Felício dos Santos apresentada agora ao público é
relevante por vários motivos.
Primeiro porque tem como objeto de estudo uma temática importan-
te, cujo projeto foi elaborado e implantado por um movimento social, que
almeja uma formação crítica e emancipatória para os seus membros.
Segundo porque em sua análise, a autora coloca em destaque os princí-
pios filosóficos e pedagógicos da educação do MST, em especial a visão teóri-
co-prática do vínculo entre educação e trabalho do Movimento, que difere da
visão burguesa, já que seus objetivos estão voltados para a classe trabalhadora.
E, por fim, porque a pesquisa possui rigor científico e está sendo apre-
sentada em um momento econômico-político e, sobretudo, educacional ain-
da dramático para o país. Dentre as várias ações dos desgovernos que co-
mandaram o país no período de 2016-2022, encontram-se a tentativa de
eliminação dos pequenos proprietários rurais, a perseguição atroz ao MST, e
a destruição da educação e suas instituições, em especial o encerramento dos
Programas Educacionais voltados para os povos do campo. Desse ponto de
vista, apresentar um estudo que coloca em epígrafe a experiência educacional
de um movimento social que luta por reforma agrária, educação pública para
todos, justiça e igualdade é também um ato de resistência.
Os atributos positivos deste livro o elevam a uma leitura de referência
para os leitores e leitoras interessados no tema da educação do MST.
Verão de 2024
Neusa Maria Dal Ri
17
INTRODUÇÃO
Este livro é fruto de pesquisa realizada no âmbito do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp/
Marília, durante realização do curso de mestrado em educação. A pesquisa
contou com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) e foi orientada pela Professora Doutora
Neusa Maria Dal Ri, responsável pelo projeto mais amplo em que a pes-
quisa está integrada, denominado Educação democrática e movimentos sociais:
antecedentes da pedagogia do trabalho associado, Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) do Brasil e Ejército Zapatista de Liberación Nacional
(EZLN) do México Fase III (Dal Ri, 2018). O referido projeto tem por ob-
jetivo investigar as origens das proposições educacionais da pedagogia do
trabalho associado e identificar os elementos democráticos introduzidos por
movimentos sociais da classe trabalhadora. Trata-se de estudo de cunho bi-
bliográfico, documental e empírico que retoma as proposições educacionais
dos movimentos dos trabalhadores do séc. XIX, analisando-as e comparan-
do-as com as proposições de movimentos atuais, em especial as do MST, do
Brasil, e do Movimento Zapatista (MZ), do México.
Como parte do projeto fase I, Silva (2014) realizou pesquisa que ob-
jetivou responder se havia princípios educativos comuns ou gerais entre as
proposições educacionais e suas aplicações realizadas nas escolas e associações
do MST, dos Owenistas e do Movimento Cartista. Os dados levantados pelo
autor contribuíram para a confirmação da tese aventada por Dal Ri (2012)
de que os Movimentos analisados possuem princípios educativos comuns
e transcendentes, tais como: a) elaboração e implementação de um projeto
próprio de educação; b) negação dialética da educação escolar hegemônica
estatal; c) implementação da gestão democrática nas associações e escolas dos
Movimentos; d) ações visando formar os próprios educadores; e) articulação
18
entre ensino e trabalho produtivo; f) constituição e veiculação de uma con-
cepção de mundo concernente a cada Movimento e à classe trabalhadora.
Dando continuidade à pesquisa e participando do projeto aludido na
fase II, Silva (2019) investigou os principais princípios teórico-práticos edu-
cacionais do MZ, do México, e do MST, do Brasil, com o objetivo de iden-
tificar e cotejar os princípios educativos que embasam as ações educacionais
desses Movimentos e que foram enunciados por Dal Ri (2012, 2015). O
autor respondeu à seguinte questão investigativa: Há princípios educativos
comuns ou gerais entre as proposições educacionais e suas aplicações ou ex-
periências realizadas nas escolas do MZ e do MST? Os resultados da pesqui-
sa confirmaram que os princípios pesquisados são intrínsecos aos projetos
educativos do MZ e do MST, todavia, com idiossincrasias, tanto em termos
teóricos, quanto em termos práticos.
MZ e MST são Movimentos que estão em atuação, envolvem am-
plos contingentes de trabalhadores de dois dos principais países da América
Latina, possuem diferentes perspectivas político-ideológicas e com diferentes
composições, em termos étnico-culturais. Repercutem e são reconhecidos
nacional e internacionalmente. Nesse sentido, os projetos de Dal Ri (2012,
2015, 2018) inovam por seus objetivos, que propõem, em especial, o coteja-
mento de diferentes movimentos sociais de trabalhadores, contribuindo para
o registro sistematizado e para a análise de aspectos históricos da auto-orga-
nização de setores das classes trabalhadoras (Silva, 2019).
A pesquisa de Silva (2019) apresenta os princípios de forma cotejada, po-
rém, numa perspectiva panorâmica e, apesar de os dados apresentados serem de
extrema relevância, os apontamentos podem ser aprofundados, trazendo o de-
talhamento em termos teóricos e práticos da operacionalização dos princípios.
Santos (2018) analisou um dos princípios aventados por Dal Ri (2012,
2015) e também cotejados por Silva (2014, 2019), com a intenção de res-
ponder a seguinte questão: Como ocorre a articulação do ensino com o tra-
balho produtivo na Pedagogia do MST? Com apoio em Dal Ri (2004), a
análise dos dados apontou que no MST essa articulação ocorre por meio
de três dimensões: 1. Educação ligada ao mundo do trabalho; 2. Trabalho
como princípio educativo; e 3. Pedagogia da alternância como método peda-
gógico. Essa pesquisa contribuiu com análise de um princípio específico na
19
conjuntura de atuação de um dos Movimentos analisados, o MST.
É com a contribuição desses dados que esse livro foi elaborado, dan-
do continuidade à investigação anterior (Santos, 2018) e contribuindo com
dados para a conclusão do projeto mais amplo. Dessa forma, analisamos a
articulação entre educação e trabalho produtivo, em termos operacionais,
considerando experiências de articulação desse princípio no MST.
Em levantamento bibliográfico não encontramos trabalhos que se de-
brucem especificamente sobre essa temática, o que demonstra a originalidade
e ineditismo dos projetos mais amplos (Dal Ri, 2012, 2015, 2018) e da pro-
posição desta pesquisa, pois os dados apresentados pelas pesquisas de Silva
(2014, 2019) mostram a necessidade de pesquisas que considerem, de forma
aprofundada e individualizada, os princípios analisados.
Em termos operacionais investigamos como ocorre a articulação entre
educação e trabalho produtivo no âmbito do Colégio Estadual do Campo Iraci
Salete Strozak, localizado no Assentamento Marcos Freire, em Rio Bonito do
Iguaçu, no estado do Paraná. O nome do Colégio é uma homenagem à Iraci
Salete Strozak, que fez parte do Setor de Educação do MST e lutou para que
a educação acontecesse em áreas de reforma agrária. O Colégio Strozak possui
um Projeto Político Pedagógico (PPP) solidamente pautado nos princípios da
Pedagogia do MST, colocando em prática o Sistema de Complexos, desenvol-
vido por Pistrak e os Ciclos de Formação Humana, de Paulo Freire.
Para compreendermos como ocorre a articulação entre educação e tra-
balho produtivo utilizamos como procedimentos metodológicos as pesquisas
documental, bibliográfica e empírica.
A pesquisa empírica foi realizada por meio da observação e aplicação de
entrevistas semiestruturadas, individuais e coletivas, realizadas no período de
01 de novembro a 03 de dezembro de 2021. As entrevistas foram realizadas
pessoalmente e via aplicativo Google Meet. A observação foi realizada durante
visita ao Colégio Estadual do Campo Iraci Salete Strozak, no Assentamento
Marcos Freire, e na Escola Itinerante Herdeiros do Saber, no Assentamento
Herdeiros da Terra de 1º de Maio, ambas localizadas no município de Rio
Bonito do Iguaçu, interior do estado do Paraná.
Durante a pesquisa empírica o trajeto até as escolas foi realizado junta-
mente com os docentes, estudantes e funcionários no transporte escolar, que
20
sai da rodoviária de Rio Bonito para as escolas do campo da região, levando
os docentes, gestores e funcionários e que, durante a viagem, realiza paradas
para embarque dos estudantes.
São escolas localizadas em regiões de difícil acesso e o trajeto com au-
tomóvel fica inviável por diversos fatores, dentre os quais estão o desgaste do
veículo e o perigo de atolamento. Nos dias da realização da visita, foi possível
experimentar um pouco do que passam esses trabalhadores e estudantes dia-
riamente. O transporte é barulhento e conversar dentro do ônibus é quase
impossível. Além disso, por se tratar de estradas de terra, quando o tempo
está seco a poeira toma conta da paisagem. É uma viagem desconfortável, que
dura aproximadamente 40 minutos.
Ao final do período da manhã, alguns docentes embarcam no ôni-
bus para Rio Bonito, saindo do Colégio Strozak, e se dirigem ao Colégio
Itinerante Herdeiros do Saber. Para isso é preciso fazer uma baldeação, um
trajeto que dura cerca de 30 minutos. Ao final do período da tarde, o ônibus
volta para Rio Bonito e, no trajeto, os estudantes desembarcam próximo aos
seus lotes.
Chegando ao município de Rio Bonito do Iguaçu, uma parte dos
docentes se dirige até os seus veículos, que passam o dia estacionados na
Rodoviária, e se organizam em grupos para voltarem ao município de
Laranjeiras do Sul, onde residem.
Ao todo foram realizadas dez entrevistas, três delas via Google Meet e sete
realizadas durante a visita ao Colégio. As pessoas entrevistadas via Google Meet
foram Marlene Sapelli (assessora pedagógica), Ana Cristina Hammel (ex-dire-
tora do Colégio Strozak, que participou da implementação dos Complexos de
Estudos com Ciclos de Formação Humana) e Rudison Ladislau (professor efe-
tivo do Colégio Strozak e ex-diretor). Durante o período de observação, foram
entrevistadas sete pessoas, sendo a atual diretora do Colégio Strozak, Jucélia
Castelari Luppesa, uma aluna do Núcleo Setorial de Comunicação Katlyn
Kayane da Silva Santiago, uma funcionária da Escola Itinerante Herdeiros do
Saber I, que é mãe de aluno e assentada, Teresa de Fátima Dias, duas professoras
contratadas pelo processo seletivo simplificado, Jaqueline Boeno D’ávila e ou-
tra que preferiu não se identificar, e dois professores, sendo um efetivo, Nilton
Silva, e um contratado pelo processo seletivo, Tiago Prestes.
21
As entrevistas ajudaram a compreender o funcionamento do Colégio,
seu projeto educativo e os avanços e limites de sua proposta. Foi possível co-
letar os subsídios necessários para compreender a conjuntura de atuação e a
realidade concreta do Colégio na região de Rio Bonito do Iguaçu.
Um dos canais de divulgação dos acontecimentos e projetos relaciona-
dos ao MST é o site oficial do Movimento
1
, que é uma importante base para
o levantamento das bibliografias e documentos relacionados à sua Pedagogia.
Dentre os documentos analisados destacamos “Escola, trabalho e cooperação
(MST, 1994) e “Princípios da educação no MST” (MST, 1996) que, apesar
de serem documentos escritos há mais de 25 anos, continuam norteando o
trabalho pedagógico nas escolas do MST. No que diz respeito ao Colégio
Strozak, dois documentos se destacam, o Projeto Político Pedagógico (PPP)
(Strozak, 2020) e o Plano de Estudos do Colégio (Strozak, 2013). O PPP
reflete a operacionalização do Plano de Estudos, documento que sistematiza
um conjunto de decisões do coletivo escolar com o objetivo de fornecer aos
educadores os elementos necessários para definir a amplitude e a profundi-
dade dos conteúdos que devem ser ensinados, os objetivos formativos e de
ensino, as expectativas de desenvolvimento, as indicações das relações que
esses conteúdos e objetivos têm com a vida cotidiana dos estudantes.
O grupo de pesquisa Organizações e Democracia da Faculdade de
Filosofia e Ciências contribuiu para com a pesquisa bibliográfica de forma
significativa, pois alguns dos trabalhos publicados com resultados de pesqui-
sas desenvolvidas pelos integrantes do grupo, tais como, artigos, dissertações,
teses, capítulos de livros e livros fazem parte do referencial teórico.
A base Scielo foi selecionada para a busca de materiais e retornou ini-
cialmente 317 pesquisas com títulos relacionados ao termo MST e para um
recorte mais elaborado utilizamos os termos: 1. MST e 2. Educação, que
retornou 42 resultados, dentre as obras selecionadas, destacamos Sapelli
(2017). Quando pesquisamos os termos 1. MST e 2. Trabalho, foram en-
contradas 83 obras, dentre as quais selecionamos Janata (2015). Ao pesqui-
sarmos os termos: 1. MST; 2. Educação; e 3. Trabalho, a pesquisa retornou
19 resultados e selecionamos Souza (2021). Ao pesquisarmos os termos: 1.
1
O sítio está localizado nos seguintes endereços eletrônicos: www.mst.org.br e www.
reformaagrariaemdados.org.br/biblioteca
22
MST; 2. Trabalho; e 3. Produtivo, a pesquisa retornou apenas 2 resultados,
demonstrando a necessidade de pesquisas que se debrucem especificamente
sobre a temática.
Para a compreensão do princípio de articulação entre educação e tra-
balho produtivo, a conjuntura de atuação e nascimento do MST, os motivos
para elaborar um projeto próprio de educação, além dos documentos e bi-
bliografias já citados, foram selecionadas algumas obras que foram lidas para
pesquisas anteriores, indicadas por colegas pesquisadores e encontradas em
buscas na internet ou em livrarias virtuais.
No que se refere ao Colégio Strozak e sua conjuntura de atuação, foi
importante historicizar o Colégio e sua importância para o conjunto de esco-
las do campo do estado do Paraná e sua amplitude no diz respeito à categoria
de escola-base. Para isso, compreendemos ser fundamental discorrer sobre o
MST e sua importância na luta pela Reforma Agrária no cenário atual e na
sua conjuntura de nascimento.
Dessa forma, este livro está dividido da seguinte maneira: No primei-
ro capítulo apresentamos a conjuntura política e econômica de fundação e
atuação do MST, apontando particularidades do Movimento. No segundo
capítulo apontamos o valor do trabalho e sua importância para a formação do
ser humano, além de discorrermos sobre a educação em seu sentido amplo e
como se tornou institucionalizada. No terceiro capítulo tratamos a história e
atuação do Colégio Estadual do Campo Iraci Salete Strozak e a organização
do trabalho pedagógico com o Sistema de Complexos de Estudo e os Ciclos
de Formação Humana. No quarto e último capítulo apresentamos formas de
articulação entre a educação e trabalho que acontecem no Colégio Strozak.
23
CAPÍTULO I
RESISTÊNCIA POPULAR E
MOVIMENTOS SOCIAIS
2
O processo de gestação e de fundação do MST ocorreu em um período
de grande efervescência política no Brasil, marcado pela luta contra a dita-
dura civil-militar vigente desde o golpe de 1964 e que teve fim em 1985. Os
militares tomaram o poder por meio de uma aliança política civil-militar e
destituíram o presidente João Goulart. Foi um período de grande persegui-
ção aos movimentos sociais e, conforme Fernandes (2000), os movimentos
camponeses foram aniquilados e os trabalhadores passaram a ser perseguidos,
humilhados, assassinados, exilados etc.
As políticas adotadas pelo governo da ditadura civil-militar ocasiona-
ram o aumento da desigualdade social, com o favorecimento da concentração
de renda e intensificação da concentração fundiária, tornando cada vez mais
grave a questão agrária.
No final dos anos de 1970 e início de 1980, sindicatos, entidades e mo-
vimentos sociais de trabalhadores se reorganizaram e desencadearam a luta
pela democratização do país e por melhores condições de vida e trabalho. O
MST fez parte desse processo e foi um dos herdeiros do processo histórico de
resistência e de luta pela terra (Caldart, 2012).
2
De acordo com Dal Ri (2017), do ponto de vista acadêmico, não há um consenso entre os
pesquisadores em relação ao conceito de movimento social (MS), mas, de maneira geral, estudiosos
o usam para denominar organizações estruturadas com a finalidade de criar formas de associação
entre pessoas e entidades que tenham interesses em comum, para a defesa ou promoção de
certos objetivos perante a sociedade. São, portanto, formas de ação coletiva com algum grau de
organização. Segundo a autora, para o marxismo, os MS emergem das contradições fundamentais
da sociedade em seus aspectos econômicos, políticos e culturais.
24
Conjunturalmente, o fim da ditadura civil-militar no Brasil coincide
com o avanço do neoliberalismo na América Latina, depois que os governos de
Margareth atcher, na Inglaterra, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos,
passaram a difundir mundialmente o projeto de expansão econômica que,
principalmente, desregulamentava as leis trabalhistas (Vieira; Roedel, 2002).
O neoliberalismo é um fenômeno complexo e, conforme Duménil e
Lévy (2006), definiu um novo curso para o capitalismo mundial. Os autores
afirmam que depois de acontecimentos, como a Grande Depressão e a Segunda
Guerra Mundial, o poder e a renda da classe capitalista foram diminuídos e que
com a crise dos anos de 1970 e o crescimento da inflação, essa classe passou a
acumular perdas. Nesse intermeio, o neoliberalismo surge como uma possibili-
dade para restauração dos níveis de acumulação do capital.
Para Duménil e Lévy (2006, p. 3),
Entre a Segunda Guerra Mundial e o começo dos anos 1970, o 1% mais
rico das famílias dos EUA tinha mais de 30% da riqueza total do país;
durante a primeira metade dos anos 1970, essa porcentagem tinha caído
para 22%. O neoliberalismo foi um golpe político cujo objetivo era a res-
tauração desses privilégios. A esse respeito, foi um grande sucesso.
Na América Latina, a implantação do projeto neoliberal precarizou
ainda mais as condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora, afetan-
do fortemente as organizações de trabalhadores com a repressão dos atos de
resistência e a criminalização dos movimentos sociais (Dal Ri, 2010).
O capitalismo neoliberal na América Latina modificou a situação sócio-
-econômica da região. As suas ações e políticas exerceram forte efeito,
maiormente, sobre as classes trabalhadoras que tiveram um agravo de suas
condições de vida e trabalho, as quais já eram muito difíceis mesmo antes
da implantação do projeto neoliberal (Dal Ri, 2010, p. 8).
A ofensiva do capital desencadeou uma gestão econômica de mercados
desregulamentados
3
que, por sua vez, culminou no desmonte das conquistas
sociais das classes trabalhadoras (Vieitez; Dal Ri, 2009, 2010).
3
Processo que elimina as restrições e travas legais à atividade financeira. A partir dos anos de 1980,
diversos países deram início ao processo de desregulamentação dos seus mercados financeiros.
25
De acordo com Vieira e Roedel (2002, p. 29), o enfraquecimento das
organizações de trabalhadores pode ser considerado como um boicote à atua-
ção dos sindicatos e da classe trabalhadora.
Este boicote podia se traduzir, por exemplo, na cobrança de elevadas mul-
tas aplicadas pela Justiça do Trabalho, no Brasil, aos petroleiros durante a
greve de 1995. Ou ainda, no constante emprego da mídia para desquali-
ficar os movimentos sindicais e transformá-los, perante a opinião pública,
em representações arcaicas, autoritárias, incapacitadas ao convívio na mo-
derna sociedade de consumo.
Foi um período em que ideologias capitalistas foram disseminadas
com o domínio da mass media4e os movimentos populares foram esvaziados
(Vieitez; Dal Ri, 2009).
Mesmo com as subjetividades dos tempos e espaços, a resistência popular
é histórica e insurge na luta contra questões estruturais e não apenas conjun-
turais. Com o avanço da política neoliberal na América Latina, diversos movi-
mentos sociais emergiram, colocando em foco as lutas da classe trabalhadora.
No Equador a população obrigou os presidentes Bucarán, em 1997, e
Gutierrez, em 2005, a deixarem o poder. Na Bolívia, em 2000, por meio
da guerra da água a população se confrontou com a privatização dos ser-
viços de água, o que gerou dezenas de mortos e centenas de feridos. Em
2003, ocorreram os movimentos contra as privatizações na área de energia
e a guerra do gás iniciada em El Alto onde ocorreu o massacre da popula-
ção no denominado outubro negro do mesmo ano. Em 2005, as massas
populares derrubaram o presidente Lozada e o seu sucessor Mesa. Em
2001, na Argentina, que viveu grave crise econômica, social e financei-
ra, com alto índice de desemprego que atingiu também a classe média,
as movimentações populares culminaram com a renúncia do presidente
De La Rúa. Essa mesma tendência às manifestações populares de revolta
e reivindicativas foi verificada nas populações de Oaxaca e Chiapas, no
México, nos estudantes do Chile, nos trabalhadores da Colômbia e nos
camponeses do Peru (Dal Ri, 2010, p. 9).
Zibechi (2003) afirma que pelas frestas que o modelo de dominação
4
Em tradução livre ‘mídias de comunicação de massa’.
26
neoliberal abriu, os Movimentos constroem um novo mundo. Para Dal Ri
(2017) são Movimentos diferentes dos anteriores por suas formas de organi-
zação e funcionamento e não por questões ou problemáticas sociais que os
movem. Para a autora são os Novos Movimentos Sociais (NMS), que toma-
dos por formas originais de organização promovem o princípio fundamental
da prática democrática, recusando a hierarquia vertical, promovendo formas
de cooperação e solidariedade, e resgatando valores e culturas esmagados pelo
capital” (Vieitez; Dal Ri 2009, p. 6).
Na América Latina, os Movimentos que surgiram apresentam carac-
terísticas diferenciadas, além de rejeitar as formas clássicas de organização,
promovem modificações no que diz respeito as formas de deliberação e dis-
tribuição do poder (Dal Ri, 2017). Essas modificações tornam a educação
crucial para os NMS.
Um desses Movimentos é o MST, que surge rejeitando formas tradicio-
nais de organização e promove não só modificações nas formas de delibera-
ção, distribuição do poder e participação, como também nas formas de luta
e enfrentamento ao setor agrário capitalista.
O MST tem uma longa trajetória de luta. Fundado oficialmente em
1984 em Cascavel no Paraná, o Movimento é a continuidade das ações de
resistência de Movimentos anteriores, como os Quilombolas, a Guerra de
Canudos, a Guerra do Contestado, o Cangaço, a Revolução Farroupilha, a
Sabinada, a Balaiada, a Cabanagem dentre outras.
Algumas organizações têm papel fundamental na formação do MST,
tais como as Ligas Camponesas, o Movimento dos Agricultores Sem Terra
(Master), as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e a Comissão Pastoral da
Terra (CPT).
As Ligas Camponesas datam da década de 1950 e têm uma participa-
ção fundamental na história de luta pela terra no Brasil. Durante a década de
1950, os agricultores alugavam (pagavam o foro) as terras que haviam sido
abandonadas por seus donos. Em 1955, os donos do Engenho Galileia, em
Vitória de Santo Antão, município de Pernambuco, aumentaram o preço
do aluguel e teve início uma mobilização dos trabalhadores. Os trabalhado-
res passaram a ser representados por Francisco Julião, do Partido Socialista
Brasileiro (PSB), e a organização ficou conhecida como Liga Camponesa da
27
Galileia. Com o passar do tempo outras Ligas surgiram e foram se espalhan-
do pelo país, com o lema Reforma Agrária na lei ou na marra. Mas, esse po-
sicionamento era contrário ao do PSB, do qual Julião fazia parte, e também
contrário ao da Igreja Católica, pois tanto um quanto outro se posicionavam
a favor de uma reforma agrária por etapas e com indenização em dinheiro e
títulos aos proprietários (Fernandes, 2000; Morissawa, 2001). Com o golpe
de 1964, tanto as Ligas Camponesas quanto outros Movimentos foram ex-
terminados (Fernandes, 2000).
O Master surgiu no final da década de 1950, no município de
Encruzilhada do Sul, no estado do Rio Grande do Sul. Em 1962, o Master
organizava acampamentos e sua inovação foi que, enquanto movimentos so-
ciais da época lutavam por suas terras, o Master passou a organizar os traba-
lhadores para conquistá-la (Fernandes, 2000; Morissawa, 2001). O Master
cresceu com o apoio do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), mas com a
derrota do PTB nas eleições, o governo estadual, algumas instituições e enti-
dades acabaram atacando-o e enfraquecendo-o (Morissawa, 2001).
As CEBs foram criadas pela Igreja Católica na década de 1960 e a
CPT surgiu em 1975. As CEBs se baseavam nos princípios da Teologia da
Libertação
5
e se tornaram importantes espaços de organização e luta para
as classes trabalhadoras, contra as injustiças e por seus direitos. Morissawa
(2001, p. 105) destaca que “Os teólogos da libertação fazem uma releitura
das Sagradas Escrituras da perspectiva dos oprimidos e condenam o capitalis-
mo, considerando um sistema anti-humano e anticristão”.
Para Dal Ri (2004), a CPT provavelmente foi a organização que mais
imediatamente contribuiu para a formação do MST. Para Morissawa (2001,
p. 105), a CPT foi “[...] importante instrumento de desmascaramento das
políticas e projetos dos militares, e permanece sendo espaço central na orga-
nização e projeção das lutas pela conquista da terra.” A CPT se espalhou por
todo o país, crescendo e adquirindo novas formas, de acordo com as necessi-
dades locais, e apoiando vários movimentos sociais (Canuto, 2012).
No início da década de 1980, a CPT iniciou debates e encontros
com diversas lideranças da luta pela terra no país. Durante essas reuniões, as
5
É uma interpretação acerca dos ensinamentos bíblicos de Jesus Cristo que procura ensinar formas
de libertar os homens das condições econômicas, políticas e sociais injustas.
28
lideranças avaliavam os diversos movimentos existentes, apresentavam causas
e limites das lutas, trocavam informações, analisavam as alianças estabeleci-
das, discutiam a participação dos sindicatos e as articulações necessárias para
melhorar a organização dos trabalhadores.
Quando o modelo agrário mais concentrador implementado durante a
ditadura civil-militar culminou no grande êxodo rural, na exportação da pro-
dução, no uso intensivo de venenos e concentração de terra e dos subsídios
para trabalhar nela, o pequeno produtor foi excluído. Ao final da década de
1970 com a intensidade das contradições desse modelo agrícola, centenas de
agricultores ocuparam as granjas Macali e Brilhante no Rio Grande do Sul,
em 1979. Em 1981, no Rio Grande do Sul surgiu um novo acampamento,
a Encruzilhada Natalino, que se tornou símbolo da luta de resistência agre-
gando em torno de si a sociedade civil na luta por um regime democrático.
Na época da Encruzilhada Natalino, o MST criou um Boletim para divulgar
a Encruzilhada e solicitar apoio. O Boletim repercutiu nacional e internacio-
nalmente, agregando diversas lideranças de luta pela terra.
Foram diversos eventos realizados ao longo do tempo e que acabaram
por resultar na realização do 1º Encontro Nacional, em Cascavel, estado do
Paraná, nos dias 20, 21 e 22 de janeiro de 1984, que marca oficialmente o
nascimento do MST (Morissawa, 2001).
Em janeiro de 1985 o MST realizou o 1º Congresso Nacional, com o
lema ‘Ocupação é a única solução’ e nos anos seguintes outros Congressos
foram realizados reunindo quantidades significativas de trabalhadores se tor-
nando o maior espaço de decisão do MST.
Após 40 anos de existência o MST continua em atividade e está orga-
nizado em 24 estados brasileiros nas cinco regiões do país, computando cerca
de 450 mil famílias assentadas, que conquistaram a terra por meio da luta e
organização dos trabalhadores rurais.
Foi o acampamento Encruzilhada Natalino que marcou o início do
período de gestação do MST que, desde então, tem como uma das princi-
pais ações a ocupação de terras. Ao constatarem que organizar os trabalha-
dores, divulgar suas ideias e esperar para que a reforma agrária se realizasse
por via parlamentar não seria o suficiente, o Movimento passou a ver a ocu-
pação como uma das possibilidades de enfrentamento ao grande latifúndio
29
improdutivo e como forma de pressionamento do Estado.
Ao ocuparem um latifúndio improdutivo, que não é a terra em que
os trabalhadores necessariamente serão assentados, os trabalhadores se orga-
nizam no acampamento que, para Belo e Pediowski (2014), é fundamental
nas ações de desenvolvimento econômico-social dos assentamentos do MST,
pois é nele que se desenvolvem formas de cooperação e coletividades que são
preconizadas pelo Movimento.
Ao se organizarem em um acampamento, os sujeitos passam a ser um
coletivo na luta pela reforma agrária, o que abre espaço para a construção de
uma nova identidade para os acampados. Dessa forma, a construção dessa nova
identidade é parte de um processo de aprendizagem que se inicia com a ocu-
pação e por meio dela são transmitidos os valores ancorados no princípio da
solidariedade. Portanto, a ocupação não é apenas uma ação para pressionar o
Estado, não é apenas uma forma de luta, mas um ato educativo, que possibilita
que durante a luta pela terra, as famílias aprendam a se organizar de forma co-
letiva e solidária. Para Belo e Pediowski (2014), trabalhar de forma cooperada,
colaborativa ou associada não é algo simples, pois requer uma completa mu-
dança nas formas de organização do trabalho e dos meios de produção.
Fernandes (2012) afirma que os acampamentos podem parecer ajun-
tamentos desorganizados de barracos, contudo, há disposições específicas
em decorrência da topografia do terreno, das condições de desenvolvimento
da resistência ao despejo e das perspectivas de enfrentamento com jagunços.
Majoritariamente, os acampamentos se organizam em arranjos circulares ou li-
neares e os Sem Terra organizam a horta, escola, farmácia e um local para a rea-
lização de assembleias. Logo depois de organizarem o acampamento, são cria-
das as comissões de organização para atender às necessidades dos acampados.
Ao organizar um acampamento, os sem-terra criam diversas comissões ou
equipes, que dão forma à organização. Delas participam famílias inteiras
ou parte de seus membros. Essas comissões criam as condições básicas
para a manutenção das necessidades dos acampados: saúde, educação, se-
gurança, negociação, trabalho etc. (Fernandes, 2012, p. 24).
A vida nos acampamentos ensina novas formas de viver, pois incorpo-
ra práticas coletivas na vida dos sujeitos, como manifestações, assembleias,
30
coordenação de comissões de trabalho etc. Essas práticas instrumentalizam
e organizam os acampados na luta por direitos fundamentais, ensinando-
-os a conviver coletivamente. Dal Ri (2004) aponta que a ocupação é um
dos traços mais importantes e característicos do MST e Fernandes (2012)
afirma que o MST nasceu da ocupação de terra e por meio da ocupação o
Movimento se reproduz, espacializando a luta pela terra.
Para Caldart (2012), o sentido educativo do MST extrapola os limites
de sua luta pela questão agrária e altera a constituição dos sujeitos sociais que
o constituem.
Podemos afirmar que os Sem Terra se constituem como um novo sujeito social,
no sentido de sujeito coletivo que passa a participar dos embates sociais.
Mas, quando se trata de afirmar que o MST forma sujeitos, isso nos remete
a pensar nesse sujeito, no singular, como constituído de diversos sujeitos,
no plural. Porque daí podemos falar nos Sem Terra como sendo as mulhe-
res Sem Terra, as crianças Sem Terra, ou os Sem Terra de origens étnicas
e culturais diferentes; ou podemos falar dos Sem Terra acampados e dos
Sem Terra assentados, e assim por diante... Há identidades diversas que
se combinam na formação dessa identidade social mais ampla (Caldart,
2012, p. 38, grifos da autora).
Quando os trabalhadores e trabalhadoras escolhem participar do MST,
não o fazem necessariamente por ter uma consciência dos valores projetados
pela luta, e essa é uma preocupação do Movimento, que passa “[...] a consi-
derar como tarefa central a formação das pessoas, exatamente na perspectiva
de ajudá-las a perceber conscientemente como pressionam as novas circuns-
tâncias que criaram através da sua participação na luta e na sua identificação
como Sem Terra” (Caldart, 2012, p. 62). Esse é um processo educativo.
Os sujeitos que participam de experiências como a ocupação e o acam-
pamento internalizam hábitos, posturas, convicções, valores, expressões de vida
social que aos poucos se transformam em cultura, com os processos de forma-
ção, com vivências educativas específicas para cada indivíduo (Caldart, 2012).
Estamos tratando de processos de formação, o que significa considerar con-
tinuidades e descontinuidades, em um movimento que quase nunca é
linear e geralmente se apresenta com múltiplos sentidos entrecruzados.
31
Há quem tenha entrado no MST através da vivência que aqui vai aparecer
por último. Outros que talvez não cheguem a vivenciar diretamente todos
os processos. Há, pois, também a herança de aprendizados, embora nada
substitua a experiência direta em cada uma das ações que definem a atuação
do MST. As vivências educativas de que aqui se trata não são necessaria-
mente as ações realizadas pelo MST com uma intencionalidade pedagógica
e cultural. São aquelas ações próprias da materialidade principal da atuação
do Movimento, em uma relação direta com os momentos de sua história de
luta. É dessa materialidade que se gesta o seu sentido sociocultural e educa-
tivo mais profundo, e que dizem respeito aos aprendizados que já integram
o modo de ser Sem Terra e aos poucos se transformam em uma cultura que
carrega em si alguns pressentimentos de futuro. E isso nem tanto por inventar
práticas ou criar novos ideais libertários, mas muito mais por recuperar cer-
tos tesouros do passado, especialmente algumas matrizes de rebeldia popular
organizada que possibilitam devolver ao povo sua condição de sujeito da
história (Caldart, 2012, p. 167-68, grifos da autora).
Ao projetar mudanças na forma como as pessoas se posicionam diante
da realidade do mundo, a ocupação de terra gera um aprendizado na forma-
ção do sujeito e o acampamento também tem seu papel pedagógico, na me-
dida em que forma um coletivo para a luta. No acampamento a organização
se dá por meio dos Núcleos de Base, constituídos entre dez e trinta famílias.
Através dos núcleos se organizam a divisão de tarefas, as discussões e os estu-
dos para a tomada de decisões sobre os próximos passos de luta. As tarefas são
planejadas e avaliadas na assembleia geral, instância máxima de deliberação
(Caldart, 2012) dos acampamentos e assentamentos.
Por meio das ocupações o MST exerce uma pressão pela reforma agrá-
ria. O Código Penal Brasileiro (Brasil, 1940) classifica como invasão o ato de
se instalar na propriedade de outro em proveito próprio, esbulho possessório,
o que é cabível de pena. A ocupação é classificada como a ação massiva de
ocupar um território não para proveito próprio, mas para fazer pressão políti-
ca para que o governo aplique a lei e desaproprie o território em questão, que
não cumpre a sua função social. Além disso, o proprietário é indenizado e a
terra distribuída para a reforma agrária.
Conforme Dal Ri (2004), a ocupação enquanto práxis organizacio-
nal do Movimento forma um microcosmo social em que a comunidade se
32
organiza para solucionar os problemas elementares da vida social. Esses pro-
blemas elementares, no caso dos movimentos sociais, podem requerer forma-
ção técnica e, no caso do MST, tanto formação técnica quanto a formação
de quadros estão a cargo da educação, o que faz dela um desafio constante.
Quando o latifúndio improdutivo passa a ser um assentamento, o MST
multiplica seus espaços de resistência e territórios camponeses, dando início
à construção de uma nova forma de organização (Fernandes, 2012). Assim
que são assentadas, as famílias iniciam uma produção com mais complexida-
de e sistematização do que a que acontecia no acampamento. Obviamente,
com muitas dificuldades, pois a grande maioria dos assentados não possui os
recursos necessários para iniciar uma produção imediata.
Para Silva (2019), ainda que os acampamentos acomodem algumas
atividades de produção econômica, essa produção acontece sem os elementos
básicos necessários. Já nos assentamentos, com a posse definitiva da terra, e
sem riscos de perda de plantios ou investimentos, que podem acontecer no
acampamento com a desocupação ou expulsão dos Sem Terra, inicia-se uma
produção mais sistematizada e complexa.
Acampamento e assentamento são as duas modalidades de territórios
do MST. Mas, nem todos os assentamentos da reforma agrária são do MST,
ou nem sempre os Sem Terra são a maioria dos assentados. Nesses casos, os
desafios do MST para implementar seus objetivos e princípios, tal como a
Pedagogia do Movimento, nesses territórios aumentam (Silva, 2019).
Os assentamentos possuem realidades diferentes, é o que apontam
Caldart (2012) e Silva (2019). Enquanto alguns assentamentos são peque-
nos, com cerca de vinte ou trinta famílias, outros chegam a quinhentas ou
seiscentas. Enquanto alguns estão em terras de boa qualidade e já prontas
para o plantio, outros estão em áreas com terras de má qualidade, de difícil
acesso e sem infraestrutura, chegando a não ter suprimento de água, energia,
saneamento básico etc., o que influencia diretamente a produção.
A produção econômica nos assentamentos da reforma agrária varia con-
forme diversos fatores, entre eles: qualidade e quantidade de terras; tem-
po de existência do assentamento; nível de organização dos assentados;
infraestrutura e equipamentos para produção, processamento e armaze-
namento; forma de produção, de processamento e de comercialização
33
(coletiva ou individual); tipos de produtos; disponibilidade de assenta-
dos em condições de produzir; perfil dos assentados (filiação a diferentes
Movimentos), faixas etárias, número de populações, domínio de técnicas
de produção agropecuária ou agroindustrial; questões logísticas (veículos
e estradas para transporte); acesso a pontos de venda, entre outros fatores
(Silva, 2019, p. 249).
Há um conflito, nos acampamentos e assentamentos, no que se refere
à escolha entre formas individuais e formas coletivas de organizar a produ-
ção. Caldart (2012, p. 198) aponta que este conflito se dá pelo “[...] perfil a
ser assumido pelo assentamento diante da lógica capitalista onde se insere.
Ou seja, o conflito reflete a decisão de aceitar a exploração do mercado, re-
produzindo a mesma lógica da produção agrícola que gerou sua condição de
sem-terra, ou buscar alternativas de uma inserção autônoma no mercado.
Para Caldart (2012), a produção e o trabalho aparecem como formas
pedagógicas sobre as quais se educam os sujeitos. Enquanto o MST avan-
çava em sua organização e crescia em números e em organização, o capital
neoliberal se difundiu pelo campo. Em 1990, o MST completou 6 anos e a
ofensiva do capital no campo foi impulsionada pelo modelo da Revolução
Verde, concebido como um pacote tecnológico.
[...] a Revolução Verde foi concebida como um pacote tecnológico – insu-
mos químicos, sementes de laboratório, irrigação, mecanização, grandes
extensões de terra – conjugado ao difusionismo tecnológico, bem como a
uma base ideológica de valorização do progresso. Esse processo vinha sen-
do gestado desde o século XIX, e, no século XX, passou a se caracterizar
como uma ruptura com a história da agricultura (Pereira, 2012, p. 687).
1.1 A REVOLUÇÃO VERDE E O AGRONEGÓCIO
A economia da Revolução Verde é configurada pela concentração ou
posse da terra por corporações transnacionais; por fusões e aquisições no ramo
das sementes, dominação da produção e distribuição de sementes transgêni-
cas e agrotóxicos; pela ausência de autonomia dos produtores; e pelo avanço
do capital financeiro no campo. São corporações agroindustriais guiadas pelo
34
tripé semente transgênica
6
, agrotóxicos e máquinas pesadas que acabam por
consolidar uma estrutura de poder e dominação no meio rural denominada
agronegócio
7
(Dal Ri; Novaes, 2015).
[...] o cultivo da terra pelos agricultores com base na fertilização do solo pela
matéria orgânica realizado por milênios foi sendo substituído pela utiliza-
ção de substâncias químicas, orientada por técnicos e vendedores, levando
à adubação química industrial. A seleção de variedades vegetais, realizadas
desde o início da agricultura, passou a ser controlada em laboratórios, com
a seleção de linhagens vegetais que passaram a ser chamada de variedades
melhoradas’. Também ocorreram transformações da matriz energética de
produção, com a introdução do motor de combustão interna, no lugar da
tração animal, fonte de energia de base renovável da agricultura tradicio-
nal camponesa. Foram modificações radicais e que transformaram a base
da agricultura: o conhecimento milenar prático do próprio agricultor foi
substituído pelo conhecimento científico; os ciclos ecológicos locais, pau-
tados nos recursos endógenos, foram substituídos por insumos exógenos
industriais; o trabalho que era realizado em convivência com a natureza
foi fragmentado em partes – agricultura, pecuária, natureza, sociedade –, e
cada esfera passou a ser considerada em separado, quebrando-se a unidade
existente entre ser humano e natureza (Pereira, 2012, p. 688).
A Revolução Verde é um reflexo da economia política e desencadeia
a concentração de terras; o aumento da mercantilização e proletarização do
campo; o aumento do desemprego no campo; a degradação dos solos; o com-
prometimento da qualidade e quantidade dos recursos naturais; a devastação
das florestas e campos nativos; o empobrecimento da diversidade genética
dos cultivares, plantas e animais; a contaminação da água e dos alimentos
consumidos pela população; o aumento das alergias, mortes e invalidez; den-
tre outras consequências (Dal Ri; Novaes, 2015).
Na atualidade, com a ajuda da mass media, o agronegócio tem ganhado
popularidade e papel de destaque quando o assunto é o campo. A campanha
publieditorial Agro é tech, agro é pop, agro é tudo, desenvolvida e propagada
pela Rede Globo de Televisão, desde junho de 2016, dissemina a ideologia do
agronegócio como a forma moderna e correta de se viver o campo.
6
Plantas geneticamente modificadas (Augusto, 2012).
7
Discorremos sobre o agronegócio no capítulo 2.
35
Contudo, estudos, como o de Santos et. al. (2019), afirmam que o
agronegócio é o responsável por um aumento significativo da desigualdade
social e econômica na zona rural e pelo desencadeamento de problemas de
saúde de consumidores e de agricultores. Além disso, o agronegócio tem sido
o grande responsável pela redução dos recursos naturais, por conta da polui-
ção dos rios e da degradação do solo. Ainda assim, o agronegócio se mantém
como um dos setores mais dinâmicos da economia brasileira, amplamente
apoiado pelos governos brasileiros.
Fato significativo é que o agronegócio possui representantes diretos e
indiretos no Senado e na Câmara dos deputados, conhecidos como Frente
Parlamentar da Agropecuária (FPA) ou bancada ruralista que, em 2018, con-
tou com 207 parlamentares, o que representa um percentual de 40%. Essa
porcentagem significativa de representantes do agronegócio defende políticas
de apoio ao setor e atua para barrar temas como reforma agrária, legislação
ambiental, conservação do meio ambiente e demarcação de terras dos povos
originários, dentre outros (Santos et. al., 2019).
Apesar de na história do Brasil não ter tido um governo que se preocu-
passe com a questão agrária a ponto de resolvê-la, o governo de Jair Messias
Bolsonaro, eleito em 2018, foi uma ameaça a qualquer movimento de luta, fos-
se ele indígena, quilombola, camponês, negro, feminista etc. No caso dos con-
flitos no campo, os dados são impressionantes. De acordo com a CPT (2021)
8
,
foram documentadas e sistematizadas 1.576 ocorrências de conflitos por terra
em 2020 no Brasil, o maior número registrado desde 1985, quando a CPT
passou a documentar e contabilizar os casos. Os números se tornam ainda mais
alarmantes se levarmos em conta que em 1985 o Brasil havia acabado de sair da
ditadura civil-militar e, portanto, enfrentava uma época de embates contínuos.
Os números de 2020 superam em 25% os conflitos de 2019 e 57,6%
dos conflitos de 2018. Ao todo, 171.625 famílias estiveram envolvidas nesses
conflitos, que se referem a casos de pistolagem, expulsões, despejos, ameaças
de expulsão, ameaça de despejo, invasão, destruição de roças, casas e bens
(CPT, 2021) e assassinatos.
8
Disponível em: https://www.cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/conflitos-no-campo/5717-o-
estado-do-para-lidera-o-ranking-de-ocorrencias-de-conflitos-de-terra-no-brasil-em-2020. Acesso
em: 02 ago. de 2021.
36
Em 2020 foram 1.608 conflitos, dentre os quais 62,5% ocorreram na
Amazônia Legal, contabilizando ao todo 1.001. A CPT denunciou um au-
mento da violência contra grupos e comunidades camponesas, com execu-
ções judiciais de reintegração de posse suspensas. Só no estado do Pará, em
2020, foram 5.218 famílias vítimas de grilagem, um aumento de 175% em
relação a 2019, quando foram registrados 1.896 casos.
De acordo com Silva (2019), diversos casos de ameaças, agressões psi-
cológicas e físicas, prisões, torturas e assassinatos de Sem Terra, em especial de
lideranças, foram registrados na história do MST, além de invasão e destrui-
ção de acampamentos, assentamentos e outras instalações.
O Brasil é conhecido internacionalmente pelas violações dos Direitos
Humanos de lutadores sociais, em especial de lideranças vinculadas a movi-
mentos sociais de lutas pelo direito à terra, que é mais amplo que a posse da
terra, e de defesa da natureza em perspectivas críticas. Há registros de diversas
vítimas de ameaças ou de efetivas agressões físicas e, em diversos casos, de
assassinatos, seja por integrantes das forças oficiais, seja por pistoleiros a servi-
ço especialmente de grandes proprietários de terras. Desde o surgimento do
Movimento – sem desconsiderar que não é uma exclusividade desse período
– registram-se diversas medidas governamentais de menor repercussão que
afetam as classes trabalhadoras, especialmente dos trabalhadores rurais, assen-
tados da reforma agrária ou não. As mudanças de táticas do MST impactam
na educação, considerada indissociável de suas lutas, em especial pelo acesso à
terra e por outras demandas do Movimento, sejam as mais imediatas e pon-
tuais, sejam as mais amplas e mediatas (Silva, 2019, p. 243).
Se em outros governos, o Movimento precisou lutar para inserir a dis-
cussão da reforma agrária na agenda política, durante o período de mandato
do Governo Bolsonaro, grandes inimigos da reforma agrária receberam im-
portantes cargos no governo, o que significou uma grande reviravolta para os
movimentos populares.
Ricardo Salles e Nabhan Garcia
9
, por exemplo, são representantes de
9
Ricardo Salles, advogado, tentou se eleger deputado federal com uma campanha que insinuava o
uso de balas de pistola para conter o MST e, após isso, foi convidado para ser Ministro do Meio-
Ambiente. Atualmente está sendo investigado por retirada e venda ilegais de madeiras de florestas do
país. Luiz Antônio Nablan Garcia, ruralista, presidiu a conservadora União Democrática Ruralista
(UDR) e foi indicado para a secretaria especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura
37
grandes proprietários e do agronegócio, tais como a poderosa Confederação
da Agricultura e Pecuária (CNA) e a União Democrática Ruralista (UDR)
de Nabhan Garcia. Ricardo Salles foi nomeado ministro do Meio Ambiente
e, em reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020, tornada pública pelo
Superior Tribunal Federal (STF), afirmou que o momento de pandemia era
propício para passar a boiada, se referindo à possibilidade de aproveitar a cala-
midade sanitária no país e a atenção da mídia para os casos de Covid-19 e de-
liberar medidas em favor do agronegócio. Em junho de 2021, após a abertura
da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19, Salles foi exonerado.
Entre 2016 e 2017, o governo Temer destinou R$ 183,8 bilhões de
créditos aos grandes produtores rurais para o financiamento de suas ativida-
des, e para a linha de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF) a verba programada para os anos de 2017 a
2020 foi de R$ 30 bilhões (Santos et. al., 2019), fato que demonstra como os
grandes produtores são beneficiados em detrimento da Agricultura Familiar.
A campanha Agro é pop, agro é tech, agro é tudo dissemina a ideia de que
os números do agronegócio são positivos para o país, contudo, o que ocorre é
exatamente o contrário. De acordo com Santos et. al (2019), a agricultura de
base familiar representa 74% da mão de obra no campo e é responsável por
70% dos produtos agrícolas colocados no mercado de alimentos do país, ain-
da que possua a menor parcela de terras agricultáveis do território nacional,
somando apenas 24,3%. Esses dados mostram a disparidade entre o crédito
concedido a ambos os setores e a importância de cada um deles para o abaste-
cimento do mercado interno, além de demonstrar o processo de invisibilida-
de da agricultura familiar que ocorre pela desnaturalização do modo de vida e
produção dos camponeses, propagando as ideias de uma agricultura familiar
arcaica ao mesmo tempo em que propaga o agronegócio como produtor de
mercadorias moderno e dinâmico (Santos et. al., 2019).
Além da campanha já citada, emissoras de TV não só difundem como
elaboram o conteúdo que objetiva valorizar o agronegócio no país, são exem-
plos, o Canal do Boi, Canal Rural, Canal Terra Viva e o programa Globo
Rural da Rede Globo de Televisão que surgiram entre o final do século XX e
início do século XXI (Santos et. al., 2019).
do Ministério da Agricultura, também a favor de acabar com o MST utilizando armas de fogo.
38
A diferença entre agricultura familiar e agronegócio é explicada por
Alentejano (2012). Para o autor a diferença está no entendimento do agro.
Para o agronegócio a terra é uma mercadoria e pode ser transacionada livre-
mente. Já a agricultura entende a terra como condição para existência.
Em 2020, enquanto a pandemia de Covid-19 atingiu a economia, a
política, a natureza e impôs efeitos severos sobre a vida dos trabalhadores
mais pobres, o MST lançou um plano com medidas emergenciais para a
construção da reforma agrária, com propostas de democratização do acesso
à terra, distribuição de riquezas e defesa dos direitos dos povos do campo
e da floresta. A proposta tem como um dos seus eixos centrais assentar as
famílias acampadas, desempregadas e das periferias das cidades e, para isso,
requer a desapropriação de latifúndios improdutivos, especialmente nas áreas
próximas aos centros urbanos. Como aponta Stropasolas (2020), durante a
pandemia de Covid-19, em 2020, no Paraná, 70 acampamentos do MST
abrigavam 10 mil famílias, dentre os quais 25 enfrentavam o risco de despejo,
contudo, foi no Paraná que o MST teve uma das atuações mais expressivas
na distribuição de alimentos para a população mais vulnerável. De março a
setembro de 2020 foram distribuídas mais de 155 mil toneladas de alimentos
agroecológicos. Para o autor, isso deixa visível o paradoxo entre a produção de
alimentos da agricultura familiar e a produção do agronegócio.
Corporações detêm o controle financeiro e impõem o agronegócio e a mono-
cultura como modelos de produção. Essas empresas ocupam extensões de terra e usam
agrotóxicos que provocam desequilíbrio e desgaste da biodiversidade (Dal Ri, 2019).
O MST trabalha na contramão do agronegócio e, em 2014, apresentou
o Programa Agrário do MST, que aponta como alternativa viável a Reforma
Agrária Popular (RAP), que deve começar com a democratização da proprie-
dade da terra e que deve organizar a produção de uma forma diferente, ou
seja, deve priorizar a produção de alimentos agroecológicos para o mercado
interno e culminar com um modelo econômico que distribua renda e respeite
o meio ambiente.
A reforma agrária é pauta em diversos países do mundo. Segundo Dal
Ri (2019), é um tema redivivo, mas não apenas por causa do MST ou de
outras organizações congêneres e sim porque grande parte dos trabalhadores
não se conforma com o modelo da Revolução Verde e com o agronegócio.
39
1.2 REFORMA AGRÁRIA POPULAR
O programa de reforma agrária do MST (2014) é popular e analisa as
condições do campo na atual conjuntura frente ao desenvolvimento do capi-
talismo e atualiza os objetivos do Movimento.
O projeto requer mudanças nas formas de organização da produção e,
por conseguinte, nas relações de trabalho estabelecidas no campo, colocando
como foco a produção agroecológica, tendo em vista a produção de alimentos
saudáveis para a população brasileira. São mudanças estruturais no sentido
de construir uma matriz produtiva que resista ao agronegócio. O programa
da RAP (MST, 2014) incentiva o desenvolvimento de uma produção agrí-
cola limpa, sem uso de agrotóxicos e, portanto, com planejamento e mode-
lo tecnológico com enfoque agroecológico, que implica o uso dos recursos
naturais de forma a garantir o bem de toda a população, sem prejudicar a
terra, desperdiçar ou contaminar água, utilizar-se de queimadas etc., além
de incentivar a formação de associações e cooperativas criadas e geridas pelos
próprios trabalhadores.
De acordo com Sapelli, Leite e Bahniuk (2019), o MST já possui expe-
riências neste sentido, apesar de a maioria ainda estar submetida às relações
com cooperativas que não atuam nessa perspectiva. Organizadas pelo MST
no Paraná, os autores destacam a Cooperativa de Produção Agropecuária
Vitória Ltda (Copavi), no Assentamento Santa Maria, em Paranacity, e a
Cooperativa de Trabalhadores Rurais e Reforma Agrária do Centro-Oeste
do Paraná Ltda (Coagri). Para o MST (2014), não cabe discutir a reforma
agrária sem antes lutar por um modelo agrícola de produção.
Para o MST, a produção agroecológica é o modelo de produção esco-
lhido. A agroecologia pode ser considerada como um conjunto de conheci-
mentos baseados em saberes e valores culturais dos povos originários e cam-
poneses que são incorporados aos princípios ecológicos e às práticas agrícolas
(Guhur; Toná, 2012).
No Brasil, a partir de 1989, o termo agroecologia passou a ser utilizado
com a publicação do livro Agroecologia: as bases científicas da agricultura
alternativa, de Miguel Altieri (1989). Nos anos de 1990, as organizações não
governamentais passaram a disseminar o termo e no final dos anos de 1990
40
e início dos anos 2000, movimentos sociais populares do campo incorpora-
ram o debate agroecológico à agenda. A agroecologia orienta as práticas de
aproveitamento de energia solar através da fotossíntese, manejo do solo como
um organismo vivo, manejo de processos ecológicos, cultivos múltiplos e sua
associação com espécies silvestres, com o objetivo de elevar a biodiversidade
dos agro ecossistemas e para desenvolver uma agricultura sustentável e produ-
tiva, contribuindo para um novo paradigma produtivo (Guhur; Toná, 2012).
Na atualidade, a concepção de agroecologia está se ampliando, prin-
cipalmente com a prática de movimentos sociais, que a percebem, além de
técnica, como “[...] parte de sua estratégia de luta e de enfrentamento ao
agronegócio e ao sistema capitalista de exploração dos trabalhadores e da
depredação da natureza” (Guhur; Toná, 2012, p. 65).
No caso do MST, conforme Betin (2019), cada vez mais assentados
e acampados incorporam o conceito de agroecologia e conseguem o selo de
certificação de produtos orgânicos para suas produções, contudo, é impor-
tante destacar que a maioria dos integrantes do MST trabalha com agrotóxi-
cos, pois foi assim que aprendeu e se acostumou. Uma mudança nesse senti-
do requer aprendizado e técnica, o que desemboca em uma tarefa educativa
maior para o MST. Na atualidade o MST (2021) calcula que mais de 50 mil
famílias Sem Terra implementam práticas agroecológicas.
A disseminação de produtos produzidos pelo MST acontece por meio
de cooperativas e a capacitação técnica é prioridade para atender essa deman-
da. Dessa forma o Movimento faz parcerias educacionais, como, por exem-
plo, a parceria com a espanhola Mondragon, uma das maiores cooperativas do
mundo (Betin, 2019).
A produção do MST o coloca em patamares internacionais. No Rio
Grande do Sul, por exemplo, o Instituto Riograndense do Arroz (IRGA),
aponta que os assentados do MST são os maiores produtores de arroz orgâ-
nico da América Latina (Betin, 2019). A produção é vendida para empresas
como Solstbio para ser exportada a países como Estados Unidos, Alemanha,
Espanha e Nova Zelândia, além de parte ser comercializada em feiras e mer-
cados sob o selo Terra Livre (Betin, 2019).
Em São Paulo, a principal referência é a loja Armazém do Campo, que
comercializa produtos vindos dos assentamentos e que serve como vitrine do
41
Movimento para a classe média urbana. Além disso, por meio de cooperativas,
os produtos orgânicos produzidos pelo Movimento chegam à merenda de várias
escolas públicas municipais e estaduais, ação sancionada pela lei 11.947/2009
(Brasil, 2009) que estabelece que 30% dos recursos financeiros devem ser utili-
zados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar
e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações (Betin, 2019).
O Movimento alcançou patamares significativos como produtor, mas
a produção orgânica não acontece em todos ou em grande parte dos acam-
pamentos e assentamentos do MST, contudo, o Movimento realiza gran-
des esforços nesse sentido. O programa da RAP se vincula a uma proposta
de mudança não só da produção de alimentos, mas da produção da vida,
como é o caso da educação, pois ao mesmo tempo em que empreende ações
de pressão e negociação com o governo para obtenção do acesso à terra, o
Movimento cria programas voltados para a formação e qualificação técnica
de seus membros.
APONTAMENTOS SOBRE AS LUTAS PELA REFORMA AGRÁRIA
A necessidade ou não de uma reforma agrária para o país é uma dis-
cussão que sempre esteve em voga nas agendas de governo do país. Em 1985,
durante o governo de José Sarney, abriu-se expectativa para a realização de
uma reforma agrária com o Plano Nacional da Reforma Agrária que previa a
aplicação do Estatuto da Terra
10
e o assentamento de 1,4 milhão de famílias
(MST, 2021).
Em novembro de 1989, o Brasil realizou sua primeira eleição direta
pós-ditadura e Fernando Collor de Melo foi eleito presidente. Antes de sofrer
um processo de impeachment, em 1992, em seu curto mandato, Collor in-
tensificou a repressão contra os Sem Terra. O vice-presidente, Itamar Franco,
assumiu o cargo e durante seu governo foi aprovada a Lei Agrária (Lei 8.629)
(Brasil, 1993) que reclassificava as propriedades rurais de acordo com a regu-
lamentação da Constituição Federal de 1988 (MST, 2021).
Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), eleito em
1994, o êxodo rural aumentou, pois os bancos atuavam contra os pequenos
10
Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964.
42
agricultores endividados. Ainda no governo FHC aconteceram dois dos
maiores massacres do Brasil na segunda metade do século XX: Corumbiara,
em Rondônia em 1995, e Eldorado dos Carajás, no Pará, em 1996. Nesse
período, foram divulgados dados sobre os assentamentos implementados.
Contudo, o MST (2021) destaca que os assentamentos que o governo FHC
divulgou como sendo criados durante o seu governo, na verdade foram as-
sentamentos clonados de governos anteriores e governos estaduais. Ao final
do mandato, nem mesmo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra) sabia quantos assentamentos foram criados na época.
Em 1997, o MST iniciou a Marcha Nacional por Emprego, Justiça
e Reforma Agrária. O objetivo era chegar à cidade de Brasília no dia 17 de
abril, exatamente um ano após o Massacre de Eldorado dos Carajás. Três
colunas partiram de diferentes pontos do país, uma com integrantes dos es-
tados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com apro-
ximadamente 600 pessoas; outra com aproximadamente 400 pessoas vindas
de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Bahia, partindo da cidade
de Governador Valadares; e a terceira com militantes do Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul, Rondônia, Goiás e Distrito Federal, com 300 pessoas. Cada
percurso foi de aproximadamente 1000 km, percorridos a pé.
Quando chegaram a Brasília, os Sem Terra foram recebidos por cer-
ca de 100 mil pessoas. A marcha tinha por objetivo pedir a punição dos
responsáveis pelo massacre e celebrar o primeiro Dia Internacional de Luta
por Reforma Agrária. Nesse mesmo dia, a exposição de fotos de Sebastião
Salgado
11
foi inaugurada em todos os estados do Brasil e em mais de 100
países do mundo, e na inauguração foram lançados o livro Terra e o CD de
Chico Buarque que acompanha o livro
12
.
Em 1999, a grande mobilização foi a Marcha Popular pelo Brasil,
coordenada pela Central Única dos Trabalhadores e pelo MST, dentre outras
11
Sebastião Salgado é um fotógrafo brasileiro reconhecido internacionalmente por seu trabalho
documental. Fugiu da ditadura no Brasil em 1969 e voltou 10 anos depois. Suas fotografias
receberam reconhecimento em diversos lugares do mundo. Disponível em https://brasil.elpais.
com/brasil/2019/05/20/eps/1558350781_612997.html. Acesso em: 18 ago de 2021.
12
Os três artistas doaram todos os direitos autorais deste trabalho ao MST. O dinheiro arrecadado
auxiliou na construção da Escola Nacional Florestan Fernandes, uma escola de formação política,
localizada no município de Guararema, em São Paulo.
43
organizações. De acordo com o MST (2021), cerca de mil trabalhadores cami-
nharam até Brasília, em defesa do Brasil, por terra, trabalho e democracia. Foi
um ano negativo para os Sem Terra (MST, 2021), pois cerca de 942 pequenas
propriedades desapareceram, ou seja, perderam espaço para o agronegócio.
No ano 2000 foi realizado o IV Congresso Nacional do MST, com mais
de 11 mil pessoas vindas do Brasil e do mundo. Os dados apontam que nos
anos 2000, o MST atuava em 23 estados do país e já havia alcançado 1,5 mi-
lhão de pessoas organizadas, 350 mil famílias assentadas e 100 mil vivendo em
acampamentos. O MST computava 1.500 escolas públicas nos assentamentos
e 150 mil crianças matriculadas, com cerca de 3.500 professores e professoras.
Luiz Ignácio Lula da Silva foi eleito presidente da república do Brasil
em 2002. De acordo com o Movimento (2021), havia uma forte expectativa
por parte dos Sem Terra de que a reforma agrária finalmente se tornasse uma
realidade. No entanto, o modelo agrário-exportador se acentuou e, para o MST
(2021), o território do país foi dividido em grandes extensões de terra para cul-
tivo de monoculturas, como soja, cana-de-açúcar, celulose e pecuária extensiva.
Incentivada pelo governo Lula, a aquisição de terra por estrangeiros atingiu
níveis nunca antes registrados e o agronegócio, por meio do financiamento
público, cresceu, explorando a terra, os recursos naturais e o trabalho.
Em 2004 aconteceu o Massacre de Felisburgo, em Minas Gerais, no
Acampamento Terra Prometida. Na época, a fazenda estava ocupada há dois
anos pelo MST. Adriano Chafik, dono da fazenda Nova Alegria, invadiu o
acampamento com 17 pistoleiros atirando aleatoriamente, ateando fogo nos
barracos, plantação e escola. Cinco homens morreram
13
e vinte pessoas fica-
ram gravemente feridas. As duzentas famílias perderam suas casas e a escola
durante o ataque.
Em 2014, o Brasil tinha Dilma Rousself como presidenta e o MST rea-
lizou o VI Congresso Nacional, em Brasília, sob a consigna Lutar, Construir
Reforma Agrária Popular! representando a síntese das tarefas, dos desafios e do
papel do Movimento. Aproximadamente 16 mil pessoas de 23 estados do Brasil
e Distrito Federal participaram, além de cerca de 1.000 crianças Sem Terrinha.
Com o passar do tempo, o MST foi ganhando notoriedade por várias
13
Iraquia Ferreira da Silva, 23 anos; Miguel José dos Santos, 56 aos; Juvenal Jorge da Silva, 65 anos;
Francisco Ferreira Nascimento, 72 anos; Joaquim José dos Santos, 48 anos, trabalhadores do campo.
44
razões, dentre as quais Dal Ri (2019) destaca a audácia com que tem enfrenta-
do as políticas neoliberais, por suas táticas e métodos de luta, por sua presen-
ça em todo o território nacional, por suas características de movimento alta-
mente organizado e pelos resultados que apresenta na educação e na produção
agrária. Essa organização bastante complexa possui centros educativos, como,
por exemplo, a Escola Nacional Florestan Fernandes e o Instituto Josué de
Castro; cooperativas, como a Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória
Ltda (Copavi) e a Cooperativa de Trabalhadores Rurais e Reforma Agrária do
Centro-Oeste do Paraná Ltda (Coagri), ambas no estado do Paraná; além de
firmar ações para o fortalecimento da educação pública dos acampamentos
e assentamentos. O Movimento organiza encontros, marchas, congressos e
cuida da comunicação por meio de suas revistas, jornais, site oficial, editoras,
rádios, páginas na internet etc. E, como resultado dessa atuação multilateral,
o MST se organiza de forma complexa e articulada, subdividida e com ins-
tâncias de representação em níveis local, regional-estadual, estadual, regional
e nacional (Fernandes, 2012).
De acordo com Carter (2010, p. 308), a luta na terra amplia o horizonte
político do MST e acarreta mudanças qualitativas, que informam e comple-
mentam a análise de classe do Movimento. “A luta pela reforma agrária passou
a ser compreendida como parte da luta por uma transformação maior”.
As ações do MST extrapolam os interesses locais da luta pela terra e in-
corporam reivindicações em escala planetária, tais como, combate às semen-
tes transgênicas, desenvolvimento sustentável, agroecologia, biodiversidade,
educação, saúde, produção, luta contra o aquecimento global etc., além de
incorporar temas, tais como, a construção de um projeto popular que enfren-
te o neoliberalismo, a defesa do ensino público de qualidade, a articulação de
movimentos sociais do campo e da cidade, a luta pela preservação ambiental
etc. (Belo; Pediowski, 2014).
Esse é um processo que acontece de forma dialética, pois ao lutar pelo
acesso à terra, o MST gera novas demandas que, por sua vez, extrapolam o
Movimento e requerem inovações. A luta pela terra traz importantes con-
quistas, mas traz também novos desafios, o que para Carter (2010) marca o
passo da luta pela terra à luta na terra.
No que diz respeito à educação, o MST conta com o Coletivo Nacional
45
de Educação, composto pelos Coletivos Estaduais de Educação. O Coletivo
Nacional é composto por representantes estaduais e objetiva lutar por políti-
cas públicas para exigir do Estado o direito a escolas e à educação.
47
CAPÍTULO II
O MST, A EDUCAÇÃO E O TRABALHO
Quando tratamos a educação, em seu sentido amplo, é importante ter-
mos em mente que o termo diz respeito às várias instâncias da vida social, não
se restringindo apenas à escola e à família. Ao contrário, a educação ocorre no
encontro dessas instâncias com outras, tais como, a mídia, a religião, grupos,
partidos políticos, movimentos sociais etc.
Os processos educativos são definidos a partir de interesses sociais,
econômicos, étnicos, religiosos e políticos (Sapelli; Leite; Bahniuk, 2019).
Aníbal Ponce, em Educação e luta de classes (2010), faz uma análise histórica
sobre as mudanças nas formas de educar as pessoas desde as comunidades pri-
mitivas até as tendências educacionais contemporâneas
14
. Nas comunidades
primitivas a educação acontecia de forma espontânea e integral e não existia
uma instituição destinada a ensinar e nem pessoas específicas designadas a
desempenhar essa função. As crianças aprendiam cotidianamente, nas tarefas,
nas vivências e nas relações. A educação era derivada da estrutura homogênea
do ambiente social e tinha ligação com os interesses comuns do grupo. À
14
“Coletividade pequena, assentada sobre a propriedade comum da terra e unida por laços de
sangue, os seus membros eram indivíduos livres, com direitos iguais, que ajustaram as suas vidas às
resoluções de um conselho formado democraticamente por todos os adultos. Homens e mulheres,
da tribo. O que era produzido em comum era repartido com todos, e imediatamente consumido.
O pequeno desenvolvimento dos instrumentos de trabalho impedia que se produzisse mais do que
o necessário para a vida cotidiana e, portanto, a acumulação de bens” (Ponce, 2010, p. 17). De
acordo com Oliveira (1987, p.11), “As formações primitivas correspondem em grande parte àquelas
formações que constituem a base do Neolítico, compreendidas, no entanto, quanto ao avanço de
suas condições de reprodução da vida material. São conhecidas também como comunidades tribais,
estudadas por Marx e Engels como representantes da última etapa das sociedades sem classes,
dotadas de ‘formas primitivas de economia’ (caça, pesca, criação, primeiras formas de agricultura)”.
48
medida que a sociedade se dividiu em classes, essa educação se modificou. A divi-
são do trabalho se ampliou e aos poucos as tarefas se dividiram entre os que admi-
nistravam/organizavam o trabalho e os que executavam o trabalho. Os excedentes
produzidos possibilitaram as trocas e o trabalho escravo. Com o passar do tempo,
a função de organizador se tornou hereditária e a propriedade comum passou a
constituir posse das famílias que a administravam e defendiam. Essas famílias se
tornaram mercadoras de produtos e de escravos. Foi nesse momento histórico
que, de acordo com Ponce (2010, p. 26), a educação passou a ser dicotômica e
“[...] os fins da educação deixaram de estar implícitos na estrutura total da comu-
nidade”. Com uma nova organização social, os conhecimentos necessários para
manter a estrutura passaram a ser propriedade de famílias. O saber passou a ser
hereditário e as funções foram elevadas ao nível de patrimônio. A educação que
acontecia de modo coletivo, passou a acontecer de diferentes formas e, sempre, de
acordo com o lugar que se ocupava na produção (Ponce, 2010).
Com o passar do tempo a escola se tornou a responsável por disseminar
o conhecimento e depois de institucionalizada passou a difundir e reforçar
os privilégios de uma classe sobre a outra, tendo como dogma pedagógico a
conservação do status quo. Na análise de Ponce (2010), espartanos, atenien-
ses, gregos, romanos etc., se utilizaram de formas dicotômicas de educar a
população, cada qual de acordo com suas necessidades e de acordo com seus
objetivos, pois a classe dominante tem consciência do seu papel social e para
se manter dominante adapta a educação aos fins que objetiva.
A classe dominante tenta fazer “[...] com que a massa laboriosa aceite
essa desigualdade de educação como uma desigualdade imposta pela natureza
das coisas, uma desigualdade, portanto, contra a qual seria loucura rebelar-se
(Ponce, 2010, p. 36). Nesse sentido, a educação desempenha importante papel,
pois inserida na sociedade capitalista, inevitavelmente tem o caráter classista.
Em se tratando da educação escolar, Vieitez e Dal Ri (2017, p. 175)
apontam que várias funções são desempenhadas pela escola capitalista, den-
tre as quais se destacam a preparação da força de trabalho para o mercado,
a legitimação da ordem social por meio da ideologia disseminada e outros
mecanismos e a transmissão de conhecimentos culturais e científicos. Para
os autores “A escola reproduz a estrutura social e ensina a cada indivíduo, de
acordo com a origem de classe, o seu lugar na sociedade, até porque a escola
49
para os trabalhadores é uma e a escola para as elites é outra”. Isso significa
que quando tratamos da educação formal precisamos levar em conta que os
ideais pedagógicos de uma sociedade são pensados para atingir determinados
objetivos pré-estabelecidos. Ou seja, não há neutralidade quando se trata de
um projeto pedagógico.
A educação acontece em várias instâncias da sociedade, mas a escola
enquanto instituição de educação oficial é a principal instância de dissemi-
nação dos ideais pedagógicos da classe dominante em uma sociedade. Esses
ideais são formulações pensadas e elaboradas para alcançar um determinado
objetivo e caminham lado a lado com as relações de produção da sociedade
em que está inserido (Dal Ri, 2004; Morissawa, 2001; Ponce, 2010).
Não há dúvidas de que a escola possui um papel relevante na formação
dos sujeitos que a compõem. É na escola que o conhecimento produzido his-
toricamente deve ser disseminado, discutido e conhecido, contudo, essas não
são as únicas funções sociais da escola no capitalismo. A educação oferecida
pelo Estado às massas reproduz as condições de existência social, formando
as pessoas para ocuparem postos ou lugares oferecidos pela estrutura social.
Apesar disso, a escola não pode ser considerada a única e nem a principal res-
ponsável pela reprodução da ordem social e nem pode sozinha ser considera-
da capaz de transformar essa realidade, pois não se aprende ou se desenvolve
socialmente apenas na escola (Santos et. al., 2021).
Na sociedade capitalista, as práticas disciplinares ensinadas pela escola,
para autores como Tragtenberg (1985), são orientadas para controlar o corpo
do cidadão, por meio de exercícios de utilização do tempo, espaço, movimen-
to, gestos e atitudes, buscando produzir corpos submissos e dóceis, práticas
que ajudam a manter o status quo. Dessa forma, na escola, em menor escala,
as relações de poder existentes na sociedade são reproduzidas, avançando em
seu poder de dominação com punição e ensinamentos que desencadeiam a
aceitação do que foi imposto (Santos et. al., 2021).
A educação contemporânea, da forma como está caracterizada nos siste-
mas de ensino, é o resultado de uma evolução histórica que se encontra
particularmente ligada ao desenvolvimento do modo de produção capi-
talista, da evolução da ciência e da cultura e da dinâmica conflituosa das
classes sociais (Vieitez; Dal Ri, 2000, p. 14).
50
A partir da década de 1970 observa-se o aprofundamento da crise do
capital em todo o mundo, marcada por uma intensidade que levou o capi-
tal a se reproduzir de forma destrutiva (Mészáros, 2002). A crise provocou
elevados níveis de inflação e desemprego, reduzindo as taxas de crescimento
econômico e diminuindo a acumulação do capital (Santos; Paixão, 2014).
Com o objetivo de superar a crise, na década de 1980, a classe dominante
empregou estratégias que alteravam o modelo de organização do trabalho
e da produção, além de criar um conjunto de normas e valores sociais para
aumentar a produtividade e a obtenção do lucro. Essas ações acabaram por
orientar a forma de organizar o trabalho e a educação na sociedade atual. O
trabalho se tornou mais alienado e explorado e a educação se tornou mer-
cadoria, com a implementação de padrões empresariais ao plano educacio-
nal. Teve início um processo de reestruturação do capitalismo. Essa fase se
caracterizou pela mundialização do capital que direcionou a edificação de
novas formas de acumulação do capital e dos mecanismos que envolvem a
sua regulamentação, introduzindo a informática e novas tecnologias ligadas à
microeletrônica. Foi um processo consolidado por iniciativas conduzidas por
corporações capitalistas, chancelado pelo Fundo Monetário Internacional
(FMI) e pelo Banco Mundial (BM), com o objetivo de recuperar as taxas de
lucros que foram abaladas pela crise. Nesse intermeio os países dependentes
foram transformados em prestadores de serviços, transferidores de dinheiro a
título de pagamento da dívida externa e de suas renegociações com os países
centrais, redesenhando a geopolítica mundial (Santos; Paixão, 2014).
No Brasil, durante o governo FHC, o BM passou a orientar as reformas
educacionais no país e passou a difundir que por meio da educação é possível
curar os males econômico-sociais como o desemprego, a pobreza e a exclusão
(Batista, 2011). Assim como outros organismos de ação multilateral, o BM
possui ideários que se difundem rapidamente. Esses organismos geralmente são
instituições que formulam, recomendam, financiam e supervisionam as polí-
ticas educacionais dos países signatários, tendo por objetivo capacitar a força
de trabalho para se adaptar de forma subalterna às reestruturações do capital,
inclusive para a realização de atividades do setor informal (Batista, 2011).
Dentre os organismos de ação multilateral mais atuantes destaca-
mos as ações da Organização para a Educação, a Ciência e a Cultura das
51
Nações Unidas (UNESCO), Comissão Econômica para a América Latina
(CEPAL), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Organização
Internacional do Trabalho (OIT) (Batista, 2011). São agências de cunho mo-
netário, comercial, financeiro e creditício que formulam as recomendações
para as políticas públicas para os países periféricos e semiperiféricos.
Para os males como o desemprego, a pobreza e a exclusão, os ideários
dessas instituições apontam a educação profissional, a qualificação, capaci-
tação ou adestramento como soluções para os países periféricos, através do
desenvolvimento das habilidades necessárias para moldar o trabalho flexível
e adaptável (Batista, 2011). Nesse sentido, a escola toma um papel central,
pois sob a égide das agências orienta as massas de acordo com o lineamento
ideológico e as necessidades do capital, intervindo no PPP, no currículo, nas
formas de gestão e organização da escola.
As agências transformaram a educação em um negócio lucrativo e para
o alcance dos objetivos inseriram mudanças na política e na economia mun-
dial pela doutrina neoliberal. Uma das formas de atuação são as conferên-
cias realizadas para selar os acordos, tais como a Conferência Mundial sobre
Educação para todos (1990), Conferência de Cúpula de Nova Délhi (Índia,
1993) e Cúpula Mundial de Educação para Todos (Dakar, 2000).
No caso da Declaração de Jomtien, em 1990, foram 155 países repre-
sentados por seus governantes que a subscreveram e a aprovaram, compro-
metendo-se em assegurar que a educação das crianças, jovens e adultos fosse
de qualidade. O Brasil foi um dos países signatários com a maior taxa de
analfabetismo do mundo e convidado a desenvolver ações para impulsionar
as políticas educacionais ao longo da década, não apenas na escola, mas na
família, comunidade, meios de comunicação, por meio do fórum consultivo
coordenado pela UNESCO (Frigotto; Ciavatta, 2003). O Brasil aderiu às re-
comendações expedidas pela Conferência Mundial da Educação para Todos
e outros eventos patrocinados pela Unesco e BM, e com isso as políticas edu-
cacionais passaram a ser orientadas por essas agências.
Em 1999, ações que incidiam sobre a transferência de responsabilidade
da oferta de políticas sociais da esfera pública para as instâncias de natureza
privada foram desencadeadas. Essas ações possibilitaram que o Estado se afas-
tasse de suas obrigações e repassasse verbas públicas às empresas de natureza
52
privada para cumprirem o papel que é do Estado (Adrião; Peroni, 2011).
Mesmo com a Lei nº 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) (BRASIL, 1996), que tem como um dos princípios a gestão
democrática na escola, por exemplo, leis e decretos que apoiam, por inúmeras
frentes ou vias, as parcerias público-privadas acabaram por interferir direta-
mente na autonomia das instituições educacionais e dos sistemas de ensino.
Essas políticas públicas em educação atuam em benefício das agências em
detrimento da autonomia da educação pública, deixando de lado os aponta-
mentos dos que atuam na educação, como professores e diretores de escola.
Ao aderir às recomendações das agências por meio das políticas educa-
cionais nacionais, a escola passa a ser um espaço aberto à agenda do capital,
que interfere, por meio dos empresários, deliberadamente na educação das
mais variadas formas, inculcando nos alunos os seus dogmas e cultivando o
status quo, direcionando o ensino para o trabalho assalariado e, na atualida-
de, para o empreendedorismo.
O trabalho tem relação direta com a maneira como as pessoas se com-
portam e se organizam socialmente e tem participação ativa na consolidação
da cultura dos povos. E assim como a educação, o trabalho não é atemporal,
tampouco neutro.
Em O capital, principal obra de Marx (2013), a categoria trabalho ga-
nhou centralidade. Conforme o autor, é somente por meio do trabalho que
o ser humano pode se constituir como ser social, pois por meio do trabalho
o homem transforma a natureza e é transformado por essa ação. A ação do
homem sobre a natureza é intencional e planejada, e isso o diferencia dos
demais seres vivos. O homem planeja sua ação no campo das ideias e depois
atua sobre a natureza para alcançar o que planejou. Nesse entremeio, através
do trabalho no meio natural, o homem desenvolve técnicas e habilidades. E é
nesse processo que se constrói como ser social (Marx, 2013).
Mediando a relação entre homem e natureza, o trabalho desenvolve
mudanças sobre a natureza e sobre o próprio homem. Essas mudanças, de
geração em geração, se acumulam gradativamente e refinam as habilidades
humanas e o desenvolvimento das técnicas e conhecimentos, possibilitando a
transformação do meio social e natural.
Friederich Engels (1876) em “O papel do trabalho na transformação
53
do macaco em homem aponta como o trabalho desempenhou um papel
fundamental nas mudanças físicas e cerebrais que ocorreram no desenvolvi-
mento do ser humano, desde sua forma mais primitiva. Além de uma fonte
de riqueza, o trabalho é “[...] a condição básica e fundamental de toda a vida
humana. E em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho
criou o próprio homem” (Engels, 1876, p.5). O autor detalha como por meio
do trabalho o ser humano passou a andar ereto, deixando as mãos livres para
adquirir destreza, habilidade e flexibilidade para criar ferramentas. Os órgãos
dos sentidos foram desenvolvidos à medida que o cérebro se desenvolvia, com
clareza de consciência, capacidade de abstração e de discernimento cada vez
maiores, num desenvolvimento gradual, chegando ao ponto de o homem ser
capaz de construir um importante elemento: a sociedade.
Mudanças na vida em sociedade são recorrentes na história. A caça e
a pesca, o uso do fogo e a domesticação de animais são processos que per-
mitiram que o homem pudesse viver em qualquer clima, espalhando-se pela
superfície da Terra. Essa dinâmica de vida do homem gerou novas demandas
de trabalho e com elas novas atividades que levaram o homem a aprender a
executar operações mais complexas e a se aperfeiçoar a cada geração. Caça,
pesca, agricultura, fiação, tecelagem, elaboração de metais, olaria, navegação,
comércio e os ofícios, junto às artes e às ciências são elementos que foram
agregados ao trabalho. A sociedade passou a ser dominada por essas criações
e o rápido progresso deixou de ser atribuído ao trabalho das mãos e passou a
ser atribuído à cabeça, ao desenvolvimento do cérebro (Engels, 1876).
Os homens levaram milhares de anos para aprender que suas formas
de produzir acarretariam consequências aos ambientes natural e social. Nos
séculos XVII e XVIII, homens trabalharam para criar a máquina a vapor
sem saber que este instrumento subverteria as condições sociais (sobretudo
na Europa) e concentraria a riqueza nas mãos de uma minoria, privando a
maioria da população de toda a propriedade, permitindo que a burguesia
dominasse social e politicamente o proletariado (Engels, 1876).
Quando Marx (2010, 2013) escreveu sobre o trabalho ontológico, tra-
tou do trabalho mediador entre o homem e a natureza, que humaniza o ho-
mem e o transforma em um ser social. A sua análise do trabalho na sociedade
capitalista, sob as bases da propriedade privada, aponta um trabalho para a
54
produção de mercadorias, com o único objetivo de obter lucro a partir da
exploração da classe trabalhadora. Nesse contexto, de acordo com o autor, o
homem se separa da verdadeira essência do trabalho e é levado a vender sua
força de trabalho, que se transforma em mercadoria.
Na forma como a sociedade capitalista está organizada, o trabalho é um
instrumento de opressão e desumanização e o trabalhador se torna escravo de
seu trabalho, possuindo uma relação de estranhamento com ele.
Para pensarmos o trabalho na sociedade contemporânea precisamos
refletir sobre os elementos centrais do processo de transformações do capita-
lismo financeiro e mundializado que, de acordo com Raposo (2020), são a
precarização e a superexploração do trabalho.
Laudares (2006), por exemplo, afirma que com as políticas neoliberais
implementadas na década de 1990, o trabalhador foi inserido numa nova
concepção de empregabilidade e foi colocado como responsável pelo sucesso
da empresa em que trabalha e que somente dele depende a permanência no
seu emprego ou ocupação. É o exemplo de uma sociedade em que o dono
da empresa lucra e o trabalhador, além de produzir, age para que a empresa
obtenha sucesso e assim possa manter o seu salário.
Ao tratar o processo de terceirização das grandes indústrias brasileiras,
Lima (2011) afirma que a terceirização foi o meio pelo qual se reduziu o qua-
dro do setor produtivo e muitos trabalhadores foram despejados do mercado
de trabalho formal, fazendo crescer o trabalho autônomo que assumiu um
papel central na condução do empreendedorismo no país.
A análise de Raposo (2020) traz novos elementos para essa discussão, o
autor afirma que, na atualidade, o trabalho se manifesta precarizado e super
explorado através de novas modalidades de terceirização e flexibilização do
contrato de trabalho, que possibilita o trabalho monitorado e controlado por
novos dispositivos.
Abílio (2020) corrobora a análise e afirma que, principalmente na
América Latina, o trabalho está caracterizado por informalidade, terceiriza-
ção, pela extensão do tempo de trabalho e pelo rebaixamento do valor da
força de trabalho. A precarização do trabalho coloca o trabalhador numa rela-
ção em que, sem vínculo empregatício e sem qualquer direito trabalhista, ele
passa a assumir os riscos de sua ocupação, como os motoristas de aplicativo,
55
que arcam com as despesas e dividem os lucros com o dono do aplicativo. É
a uberização do trabalho.
Com essa breve análise é possível afirmar que o capitalismo não com-
porta apenas o assalariamento e vem superando suas formas de exploração do
trabalhador, com a precarização do trabalho de forma rápida e violenta.
No contexto de reconfiguração das forças de subordinação do homem
ao capital, o Estado aparece como regulador e implementador de políticas
socialmente compensatórias. Nunca houve pleno emprego no capitalismo,
que necessariamente requer a existência e manutenção de um exército de
reserva. Mas Lisboa (1999) considera novas a potência e a generalidade que
acentuam as tendências de exclusão, pois a reestruturação industrial trouxe à
tona a ideia de que pior do que a miséria de ser explorado pelos capitalistas
é a desgraça de não ser explorado de forma nenhuma e ser um excluído da
economia. Ao mesmo tempo em que o capitalismo se renova, guarda a sua
essência. “O que temos assistido não é exatamente o desaparecimento do
trabalho, mas sua mutação” (Lisboa, 1999, p. 57).
A precarização do trabalho é um fenômeno que se acentua desde a dé-
cada de 1970 em resposta à crise estrutural do capital. Em 2020, a emergên-
cia da pandemia de SARS-CoV-2 (Covid-19) agravou, também, a questão da
saúde dos trabalhadores. Estudos, como o de Souza (2021), constatam que as
dimensões da precarização do trabalho se acentuaram nesse período estabele-
cendo vínculo com a pandemia.
A precarização, o home office e a uberização são determinados por Souza
(2021) como componentes que se destacam na conjuntura econômico-po-
lítica. No caso da pandemia de Covid-19 os trabalhadores precisaram criar
formas de garantir o seu sustento e a grande maioria se submeteu a formas de
trabalho precarizado.
Com base em documentos de órgãos oficiais brasileiros e de institui-
ções de defesa do trabalho, o autor (Souza, 2021) analisou as principais de-
cisões ou acontecimentos relacionados ao complexo do trabalho no estágio
inicial da pandemia. No mundo do trabalho uma das principais repercussões
está relacionada à questão do emprego. O Governo Federal implementou
Programas que aparentemente foram criados para beneficiar e garantir o em-
prego, contudo, serviram para uma maior precarização do trabalho no país.
56
Uma das estratégias foi a Medida Provisória 927, de 22 de março de 2020,
que permitiu a suspensão dos contratos de trabalho por quatro meses sem
pagamento dos salários, além do prolongamento da carga horária trabalhada,
sem aumento das remunerações, e custeio por parte dos trabalhadores de seus
equipamentos de proteção individuais.
Souza (2021) aponta que a precarização do trabalho nas atuais condições
dificulta ainda mais a construção de identidades coletivas, além de pulverizar e
enfraquecer entidades como sindicatos, quando aumenta o número de catego-
rias profissionais e coloca cada um em seu sindicato competindo entre si.
No campo, os trabalhadores no Brasil tem sido alvo de ações do agro-
negócio que objetivam a acumulação do capital, além de devastar os recursos
naturais e assolar os seres humanos para perpetuar o latifúndio. A presença do
agronegócio no campo representa a ampliação da desigualdade socioeconô-
mica e da violência, pois seu desenvolvimento se baseia no trabalho assalaria-
do e na produção de monocultivos em larga escala, forçando a concentração
fundiária. Com isso, os trabalhadores são submetidos a uma superexploração,
com extensas jornadas de trabalho e baixa remuneração (Leite, 2017).
O agronegócio tem promovido um ideário que busca hegemonizar seu
projeto político de classe, distorcendo os efeitos e causas do seu modelo. Esse
ideário penetra a escola pública agindo diretamente no fazer pedagógico com
materiais didáticos que submetem a escola pública aos interesses das empre-
sas do agronegócio. No contexto de reconfiguração das forças de subordina-
ção do homem ao capital, o Estado aparece como regulador e implementador
de políticas socialmente compensatórias.
Para o MST a escola deve ser ligada a outro PPP e ao pensar a escola, o
MST pensou uma pedagogia própria: a Pedagogia do Movimento. O proces-
so de elaboração dessa pedagogia teve início com as discussões nos Encontros
Nacionais do Movimento que agregavam elementos trazidos de todos os esta-
dos do país por meio dos seus representantes estaduais e municipais.
Em 1990, um dos encontros do Coletivo Nacional de Educação do MST
estabeleceu que a proposta educacional do MST seria elaborada por escrito, com
o acúmulo das experiências e das discussões. Para facilitar esse processo, foi esta-
belecido o uso de princípios pedagógicos e filosóficos que poderiam orientar o
trabalho em diversos territórios do MST sem normatizá-lo (Caldart, 2012).
57
A síntese dos objetivos e princípios da educação no MST inicialmente
teve como parâmetro os estudos de Paulo Freire e de alguns pensadores e edu-
cadores socialistas, como Krupskaya, Pistrak, Makarenko e José Martí, com o
objetivo de que essas teorias se entrelaçassem à prática dos sujeitos Sem Terra.
Durante a elaboração da proposta pedagógica do MST, frentes de atuação
foram se ampliando e foi preciso refletir sobre a formação de educadores, a
alfabetização dos jovens e adultos, a educação infantil etc. A ampliação fez
com que a luta por escola e a proposta pedagógica fossem compreendidas
como novas dimensões no Movimento (Caldart, 2012).
O conceito de escola, por exemplo, foi ampliado. De acordo com
Caldart (2012, p. 276), o sentido dessa ampliação “[...] está na progressiva
compreensão de que ela deve ser vista não apenas como um lugar de apren-
der a ler, a escrever e a contar, mas também de formação dos sem-terra como
trabalhadores, como militantes, como cidadãos, como sujeitos.” Essa é uma
mudança que requer o estabelecimento de vínculo entre a escola e as expe-
riências educativas do cotidiano do Movimento, tais como, lutas, organiza-
ção, produção, mística etc. Portanto, a escola deve estar vinculada à vida. É
nesse sentido que a educação se torna uma necessidade para o MST.
De acordo com Caldart (2012), estar na escola fazendo parte dela e não
apenas para conseguir algo dela, como um emprego ou um diploma é o processo
de ocupar a escola. A ocupação da escola, no sentido literal, está na busca pelo es-
paço específico para a formação escolar, mas o Movimento ocupa a escola quando
extrapola os muros da escola e produz nos sujeitos a necessidade de aprender.
No período de gestação do MST, ainda nos primeiros acampamentos, fo-
ram as mães, professoras e religiosas que perceberam a necessidade de um atendi-
mento pedagógico para as crianças. Essas mulheres começaram a reunir as crian-
ças e explicar o que estava acontecendo e os motivos de sofrerem ações violentas
com experiências repressoras, por exemplo. As atividades desenvolvidas eram
canto, desenho, encenações etc. A preocupação com as crianças aumentou com
o passar do tempo, pois eram cerca de 760 crianças que há muito tempo estavam
sem escola e a luta passou a ser frente aos órgãos públicos (Caldart, 2012).
A escola é a continuidade da luta do Movimento que ocupa a terra.
Caldart (2012, p. 244-245) afirma que ocupar a terra e ocupar a escola são
duas ações do mesmo processo.
58
O nascimento do MST traz a marca de um outro jeito: ocupar a terra,
criar o fato político e então fazer audiências, negociar, prosseguir a luta.
Em relação à escola, o processo não foi diferente. As famílias sem-terra
começaram reivindicando escolas, seja para os acampamentos ou para os
assentamentos. Como negociar geralmente não era suficiente, logo a pa-
lavra de ordem do conjunto passou a valer também para a questão das
escolas: ocupar é a única solução? A forma é que até podia ser um pouco
diferente: ocupar a escola significava primeiro organizá-la por conta pró-
pria, começar o trabalho e os registros formais já sabidos como obriga-
tórios, mesmo que em condições materiais precárias, e então iniciar as
negociações com os órgãos púbicos para sua legalização. Às vezes esse se
transformava, então, no momento da ocupação literal: se a legalização
tardasse muito, secretarias de educação poderiam ser ocupadas, marchas
poderiam ser realizadas, e de preferências de forma massiva, envolvendo
todas as pessoas que tivessem alguma relação com a escola em questão: a
comunidade, as professoras e as crianças, repetindo a cada ação o círculo
da história que lhes permitiu assumir esta condição de sujeitos: somos Sem
Terra sim senhores e exigimos escola para nossos filhos!
Enquanto o Movimento organizava a luta por escola nos acampamen-
tos e assentamentos, foi desenvolvendo a proposta pedagógica para essa es-
cola. Em 1992, o Movimento lançou o Boletim da Educação n.1, “Como
deve ser uma escola de Assentamento” (MST, 1992). Esse documento foi
muito usado e sua edição esgotada. O MST decidiu escrever um novo texto
sobre a educação inserindo as reflexões, recriações e novos entendimentos que
haviam sido construídos através das práticas pedagógicas vivenciadas desde o
último boletim, e lançaram o documento Princípios da Educação do MST,
Caderno da Educação n. 8 (MST, 1996), que apresenta ideias/convicções
para o trabalho com educação no Movimento.
O documento (MST, 1996) apresenta os princípios da educação do
MST dividindo-os em princípios filosóficos e pedagógicos. Os princípios fi-
losóficos dizem respeito à visão de mundo e às concepções gerais em relação
à pessoa humana, à sociedade e ao que o MST entende por educação. Os
princípios pedagógicos dizem respeito ao jeito de pensar e fazer a educação
para concretizar os princípios filosóficos (MST, 1996).
Quando o MST (1996, p. 5) trata a educação, está considerando “[...]
a educação uma das dimensões da formação humana, entendida tanto no
59
sentido amplo da formação humana, como no sentido mais restrito de for-
mação de quadros para a nossa organização e para o conjunto das lutas dos
trabalhadores.
De acordo com o documento (MST, 1996), os princípios filosóficos são:
1. Educação para a transformação social: esse princípio é o horizonte
que define o caráter de educação no MST e dele saem algumas
características essenciais da proposta de educação do Movimento.
Tais como:
Educação de classe – tem relação com uma educação que em últi-
ma instância visa fortalecer o poder popular e a formação de mili-
tantes para as organizações dos trabalhadores e para o MST. Visa
desenvolver nos educadores e nos educandos a consciência de classe
e a consciência revolucionária;
Educação massiva - ligada ao direito de todos à educação;
Educação organicamente vinculada ao Movimento Social – uma
educação que se adequa a dinâmica das necessidades do Movimento
e participa ativamente dos processos de mudanças;
Educação aberta para o mundo – ligada ao entendimento de que
a educação deve abrir horizontes, ajudar a projetar o futuro, “[...]
precisa nos ajudar a continuar rompendo as cercas” (MST, 1996,
p. 7);
Educação para a ação – é a compreensão de que além de desen-
volver a consciência revolucionária é preciso desenvolver sujeitos
capazes de intervir e transformar a realidade material, a chamada
consciência organizativa, em que as pessoas passam da crítica à in-
tervenção da realidade;
Educação aberta para o novo - à educação é atribuída a responsabi-
lidade de ajudar na compreensão das novas relações que vão surgin-
do tanto nos processos políticos quanto nos processos econômicos
amplos em que o Movimento se insere. São relações interpessoais e
sociais que requerem novos valores, novos posicionamentos diante
da realidade;
Portanto, este primeiro princípio filosófico tem relação com a constru-
ção de novas relações sociais e o efetivo papel da escola nesse processo.
60
Educação para o trabalho e a cooperação: A educação e a escola
devem estar ligadas à luta pela Reforma Agrária e também aos de-
safios da implementação de novas relações de produção no campo
e na cidade;
Educação com/para valores humanistas e socialistas: Está relacio-
nado ao cultivo em seus educandos e educadores dos valores que
têm relação com o processo de transformação da pessoa humana e
sua liberdade;
Educação como um processo permanente de formação e transfor-
mação humana: Esse princípio tem relação com a capacidade do
ser humano de mudar e transformar-se num processo educativo;
2. Os princípios pedagógicos, que têm por objetivo efetivar os prin-
cípios filosóficos, são:
Relação entre prática e teoria: Diz respeito à capacidade de articu-
lar com competência teórica e prática, ligando o que se aprende
com a própria vida;
Combinação metodológica entre processos de ensino e de capaci-
tação: Além de relação a teoria e a prática é preciso introduzir os
processos de ensino e capacitação, em que se aprende como fazer
e em outros momentos se faz para depois tomar o conhecimento
sobre a ação;
A realidade como base da produção do conhecimento: Este princí-
pio tem relação com o entendimento de que a realidade é o mundo
que nos cerca e não somente o que os olhos podem alcançar;
Conteúdos formativos socialmente úteis: É o entendimento de que
os conteúdos não são a parte mais importante do processo edu-
cativo, são instrumentos ligados ao ensino e à capacitação e que,
portanto, precisam ser escolhidos adequadamente, pois não é uma
escolha neutra, tem a ver com os objetivos educacionais e sociais
mais amplos do MST;
Educação para o trabalho e pelo trabalho: Para o MST vincular
trabalho e educação é uma condição para a realização de seus ob-
jetivos políticos e pedagógicos. Essa vinculação pode ser entendida
por meio das dimensões da educação ligada ao mundo do trabalho
61
e do trabalho como método pedagógico.
Educação ligada ao mundo do trabalho – diz respeito à necessidade
de a escola se ligar às exigências dos processos produtivos que estão
cada vez mais exigentes e complexos;
O trabalho como método pedagógico - A dimensão do trabalho
como método pedagógico tem relação com o entendimento de que
a articulação entre o estudo e o trabalho é fundamental;
Vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos:
A educação é política, pois se envolve num projeto de transforma-
ção ou de conservação social e vincular organicamente os processos
educativos e processos políticos significa fazer a política adentrar os
processos pedagógicos;
Vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômi-
cos: Os processos que dizem respeito à produção, à distribuição e
ao consumo e de serviços necessários ao desenvolvimento da vida
humana em sociedade são o que o MST chama de processos eco-
nômicos. As relações econômicas são as que movem as sociedades
e educam as pessoas e se a educação tem a ver com a formação de
consciências, é preciso vinculá-la com os processos econômicos;
Vínculo orgânico entre educação e cultura: As escolas e os cursos
de formação precisam ser espaços privilegiados para viver e produ-
zir cultura;
Gestão democrática: É preciso compreender que estudar a demo-
cracia não é o suficiente, é preciso vivenciar espaços de participação
democrática e a escola é um lugar importante para isto;
Auto-organização dos estudantes: Expressão tomada de Pistrak,
auto-organização se refere a uma participação autônoma com um
tempo e espaço para que os alunos se encontrem, discutam e to-
mem suas decisões tanto relacionadas às questões próprias do cole-
tivo dos estudantes quanto relacionadas à gestão da escola;
Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos edu-
cadores/das educadoras: Parte da concepção de que os princípios
pedagógicos defendidos pelo MST só podem ser colocados em prá-
ticas se realizados por meio da cooperação;
62
Atitude e habilidades de pesquisa: Neste princípio o MST se refere
a pesquisa que investiga a realidade, na busca por compreender o
que ainda não entendem e conhecer o desconhecido;
Combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais:
O processo educativo acontece primeiramente no indivíduo, mas
no sentido onilateral só ocorre quando o indivíduo estiver com
outras pessoas, de preferência seus iguais;
3. Os princípios servem para nortear os projetos políticos e pedagógi-
cos das escolas do MST, mas cada escola possui suas especificidades
e pode inserir nelas elementos que considerem pertinentes. Apesar
de a Pedagogia do Movimento ser uma pedagogia própria do MST,
o Movimento (1999) aponta que não se trata de uma nova peda-
gogia, mas se trata de colocar em movimento pedagogias já exis-
tentes. Dessa forma, a Pedagogia do Movimento é constituída por
pedagogias como:
Pedagogia da luta social – construída com base no entendimento
de que a luta educa para uma postura de enfrentamento e transfor-
mação. Ela é capaz de movimentar e transformar a própria peda-
gogia, pois o Movimento se constitui na luta e ao mesmo tempo a
conforma (Caldart, 2012).
Ou seja, a luta está na base da formação dos sem-terra, e é a vivência dela
que constitui o próprio ser do MST, trazendo presente a própria possibilidade
da vida em movimento, onde o que hoje é de um jeito, amanhã já pode ser
diferente, ou até já estar mesmo de ponta-cabeça (Caldart, 2012, p. 335).
Pedagogia da organização coletiva - que diz respeito à descoberta do
passado em comum para a criação de um mesmo futuro coletivo.
Pedagogia da terra - tem relação com o entendimento de que a re-
lação do ser humano com a terra pode ensinar que as coisas aconte-
cem processualmente. O MST não se contenta em lutar pela terra,
ele almeja alterar o modelo de desenvolvimento da agricultura e do
campo como um todo (Caldart, 2012).
Pedagogia do trabalho e da produção – essa Pedagogia brota do
valor do trabalho para garantir a qualidade de vida social e no pa-
pel que ele desempenha ao identificar o Sem Terra como classe
63
trabalhadora.
Pedagogia da cultura – tem a ver com o jeito de viver dos Sem
Terra, com o jeito como conduzem a vida e como cultivam os va-
lores e os ideais do MST. É uma matriz pedagógica que necessaria-
mente deve estar misturada às demais.
Há cultura na pedagogia da luta, na pedagogia da organização coletiva,
na pedagogia da terra e da produção, na pedagogia da história. Porque a
cultura, tal como está sendo entendida aqui, não é uma esfera específica
da vida ou um tipo particular de ação, mas sim o processo através do
qual um conjunto de práticas sociais e de experiências humanas (por vezes
contraditórias e com pesos pedagógicos diferentes entre si) aos poucos,
lentamente, vai se constituindo em um modo de vida [...] que articu-
la costumes, objetos, comportamentos, convicções, valores, saberes, que
embora díspares e por vezes até contraditórios entre si, possuem um eixo
integrador ou uma base primária que nos permite distinguir um modo de
vida de outro, uma cultura de outra (Caldart, 2012, p. 365).
Pedagogia da escolha – Brota das escolhas individuais e como
elas são movidas por uma construção social e, portanto, coletiva.
Quando se reconhece que as escolhas e as tomadas de decisão en-
sinam os sujeitos, se reconhece que cultivar valores e refletir sobre
eles é uma forma de aprender a dominar impulsos, influências e a
ser mais coerente com aquilo que se fala e aquilo que se faz.
Pedagogia da história – essa Pedagogia está baseada no cultivo da
memória e ligada à compreensão do sentido da história não apenas
resgatando-a, mas cultivando e produzindo-a.
Pedagogia da alternância – essa Pedagogia é produzida em expe-
riências de escolas do campo que buscam a integração entre a es-
cola e a família e a comunidade do estudante. Diz respeito a dois
tempos especificamente, porém, há casos em que pode haver ou-
tros tempos estabelecidos. Tempo aula, que diz respeito ao tempo
em que o estudante permanece na escola; e Tempo Comunidade,
diz respeito ao tempo que o estudante volta para sua casa/comuni-
dade para colocar em prática aquilo que aprendeu. A Pedagogia da
alternância possibilita a troca de conhecimentos teóricos e práticos
64
e é capaz de fortalecer os laços familiares e o vínculo dos educandos
com as comunidades assentadas.
2.1 O TRABALHO NO MST
Na Pedagogia do MST o trabalho é categoria central, um requisito para
que o Movimento alcance os seus objetivos (MST, 1994, 1996).
A tese da união do ensino com o trabalho produtivo remonta às análi-
ses de Marx e Engels sobre a educação, que mantiveram, durante os mais de
40 anos em que trabalharam juntos, uma insistência quanto à necessidade de
unir o ensino com o trabalho produtivo na educação da classe trabalhadora
(Dal Ri, 2004).
Segundo Dal Ri (2004), Marx argumentava que era necessário retirar
a educação das jovens gerações das mãos do Estado burguês e da Igreja para
que ela se tornasse um instrumento de transformação da sociedade moder-
na. Essa tese aponta a importância da escola no processo de formação para
o trabalho real. As teses sobre a união do ensino com o trabalho produtivo
foram recuperadas por Lênin e operacionalizadas na constituição do novo
sistema educacional após a Revolução Russa por alguns pensadores e educa-
dores soviéticos, em especial Moisey Pistrak, Anton Makarenko e Nadezhda
Krupskaya que desenvolveram experiências práticas em escolas soviéticas e
aplicaram a tese da união do ensino com o trabalho produtivo, elaborando
teorias voltadas ao tema da politecnia.
Pistrak apresentou no livro Fundamentos da Escola do Trabalho
(2008), escrito na década de 1920 e inserido no contexto das lutas pela cons-
trução e consolidação do socialismo na União Soviética a construção de uma
pedagogia marxista ligada ao desenvolvimento dos fenômenos sociais inter-
pretados do ponto de vista do materialismo-histórico. O autor apontava para
a importância de o professor ser capaz de criar o método mais adequado para
desenvolver a aptidão das crianças e ao tratar da educação escolar, desenvol-
veu um sistema de organização do material educativo em complexos, que
consiste em tomar um objeto de estudo examinado por alguma disciplina ou
série de disciplinas congêneres e ao redor dele reunir o material educativo.
Esse sistema de organização foi denominado por Pistrak (2008) de Sistema
de Complexos de Estudos.
65
Makarenko foi um educador ucraniano que desenvolveu o conceito e
a prática do coletivismo, pois acreditava que a educação deveria estar voltada
para o coletivo e que a autogestão era a grande educadora das massas.
Quando o MST (1994, 1996) pensa o trabalho, ele também pensa o mun-
do da produção, porém de forma diferente das relações capitalistas de trabalho.
No caso das relações capitalistas de produção, o trabalho produtivo é
aquele que gera mais-valia, e o trabalho improdutivo, o que não gera mais-va-
lia, como, por exemplo, trabalhos ligados ao Estado, como de administração,
de educação, de cozinha, de secretaria etc. De acordo com o MST (1994),
alguns tendem a pensar que se o que gera riqueza é o trabalho produtivo,
então este é mais educativo, porque é mais valorizado. O Movimento afirma
que esse pensamento está equivocado, pois: 1. Não existe trabalho só manual
ou só intelectual e somente juntando manual e intelectual há educação; 2.
Numa perspectiva de sociedade igualitária, todo trabalho necessário para ga-
rantir qualidade da vida social é produtivo, seja ele qual for.
Dessa forma, neste texto o termo trabalho produtivo se refere à ativida-
de necessária para garantir a qualidade da vida social na coletividade do MST,
pois essa é a perspectiva do Movimento.
O MST liga a educação ao mundo do trabalho organizando a escola para
que o trabalho seja o seu pilar fundamental. Para que essa dimensão aconteça, o
MST (1992; 1994) elaborou um currículo combinando os objetivos político-
-econômicos do Movimento com as condições de cada território. Inicialmente
é feito um levantamento de dados sobre o território e são levantadas as tarefas
que precisam ser realizadas e, após isso, é iniciado o planejamento. Geralmente
são atividades ligadas aos trabalhos domésticos, trabalhos ligados à gestão da
escola, à produção agropecuária, trabalhos ligados à cultura e à arte etc. Em se-
guida é elaborado o currículo adequado às necessidades específicas combinadas
com os objetivos mais amplos do Movimento, tratando o mundo do trabalho
e da produção por meio da seleção de conteúdos.
O MST (1996) aponta que a escola deve ser a responsável por propor
as experiências de trabalho e acompanhá-las para que sejam educativas, de
forma que os estudantes:
Desenvolvam o amor pelo trabalho, especialmente pelo trabalho
no meio rural;
66
Entendam o valor do trabalho como produtor de riquezas;
Saibam diferenciar as relações de exploração das relações igualitá-
rias de construção social pelo trabalho;
Superem a discriminação entre o valor do trabalho manual e do
trabalho intelectual, sendo educados para ambos;
Exerçam trabalhos mais educativos do ponto de vista técnico e da
superação das relações de exploração e de dominação;
Vinculem mais diretamente as escolas com a busca de soluções para
os problemas enfrentados nos acampamentos e assentamentos;
Desenvolvam habilidades, comportamentos, hábitos e posturas ne-
cessários aos postos de trabalho que estão sendo criados através dos
processos de luta e de conquista das áreas de Reforma Agrária.
Ao combinar o estudo com o trabalho produtivo, o MST (1996) instru-
mentaliza outras dimensões da Pedagogia e coloca o trabalho como uma prática
privilegiada que é capaz de provocar necessidades de aprendizagem, o que tem
a ver com o princípio da relação entre prática e teoria, com a construção de ob-
jetos de capacitação e com a ideia de produzir conhecimento sobre a realidade.
O trabalho enquanto princípio educativo tem relação com a convicção
do Movimento (1994) de que todo trabalho é educativo, mesmo sob os mol-
des do capitalismo. O trabalho pode educar para uma prática coletiva ou para
uma prática competitiva, por exemplo.
O número de dimensões que o trabalho consegue articular vai deter-
minar se ele é mais ou menos educativo. Para ser considerado plenamente
educativo seus principais elementos são: 1. A apropriação dos resultados do
trabalho; 2. Gestão democrática dos processos de trabalho; 3. Compreensão
do que se está fazendo, para que e para quem (MST, 1994).
O trabalho é educativo quando influencia a consciência das pessoas e
a forma como elas entendem o mundo e se posicionam diante da realidade.
Para o Movimento (1994) um dono de banco e um agricultor que vai ao
banco pedir um empréstimo, enxergam o mundo de formas diferentes. Isso
se dá por conta da dimensão forte que é o trabalho na formação da persona-
lidade. O trabalho é educativo, pois produz conhecimento e cria habilidades.
Parte do conhecimento científico da humanidade foi formulado para tornar
a relação com a natureza mais facilitada e enriquecedora para o ser humano.
67
À medida que se domina a técnica ou a tecnologia necessária para o trabalho,
esses conhecimentos são disseminados e ampliados.
O trabalho é educativo, pois provoca necessidades humanas superiores.
O trabalho está voltado ao atendimento das necessidades básicas e permite o
aumento do círculo de objetos e de pessoas nos relacionamentos. Esse círculo
aumenta as necessidades, pois além da simples necessidade de comer, aparece
a necessidade de comer bons alimentos. Assim como aparecem as necessida-
des de caráter mais cultural: ler, conhecer lugares, frequentar festas, aprender
cada vez mais sobre o que nos cerca, sobre o mundo em geral etc. Quanto
maiores e mais complexas as necessidades, maiores os motivos para se quali-
ficar no trabalho (MST, 1994).
Os vários espaços em que o trabalho é realizado são considerados edu-
cativos. Dessa forma, atividades que envolvam as várias fases do processo
produtivo são consideradas experiências educativas por meio do trabalho, tais
como: 1. Atividades na área da escola; 2. Atividades na área da produção; 3.
Atividades na família; 4. Atividades de trabalho voluntário; 5. Atividades na
administração da escola.
Mas o trabalho não está ligado somente ao ensino, e sim à educação,
em seu sentido amplo e, por isso, a articulação com o trabalho produtivo
que acontece na escola, extrapola os seus muros. Segundo Caldart (2012),
a Pedagogia do Movimento não cabe na escola, mas a escola cabe nela, não
como um modelo pedagógico, mas como um jeito de ser escola, uma postura
diante da tarefa de educar, um processo pedagógico, um ambiente educativo.
Ao elaborar a Pedagogia do Movimento, baseada em princípios educativos,
o MST consegue nortear as escolas dos assentamentos e acampamentos, sem
métodos que as enquadre em um modelo padronizado, permitindo a cons-
trução autônoma de suas propostas de trabalho em cada território de atuação.
Algumas escolas possuem autonomia, outras não, algumas possuem mais re-
cursos que outras, tanto recursos financeiros, quanto de pessoal, de estrutura
física, organizacional etc.
Dentre as escolas do MST, o Colégio Iraci Salete Strozak conseguiu
não só elaborar, mas colocar em prática parte de sua proposta pedagógica na
luta travada com o Estado para manter um PPP baseado nos princípios da
educação do MST.
69
CAPÍTULO III
O COLÉGIO ESTADUAL DO CAMPO
IRACI SALETE STROZAK
Imagem 1 – Fachada do Colégio Strozak
Fonte: arquivo pessoal da autora (2021)
A história do Colégio Strozak entrelaça-se à história da luta pela terra e
por educação na região do médio centro-oeste do estado do Paraná.
De acordo com Sapelli, Leite e Bahniuk (2019), a empresa Giacomet-
Marodin Indústria de Madeiras S/A é um latifúndio madeireiro que há déca-
das grilou mais de 100 mil hectares de terra na mesorregião Centro-Oeste do
Paraná. Com a grilagem a empresa passou a explorar a mata nativa e o plantio
de extensas áreas de pinus e eucalipto, abrangendo os municípios de Quedas
do Iguaçu, Rio Bonito do Iguaçu, Nova Laranjeiras e Espigão Alto do Iguaçu.
70
As terras de Rio Bonito do Iguaçu que sempre se caracterizaram por
fertilidade do solo foram alagadas pela construção de uma Usina Hidrelétrica
que, dentre outros problemas, causou a expulsão das famílias para outras
regiões e prejuízos ambientais na fauna e flora da região (Hammel; Silva;
Andreetta, 2007).
Em março de 1996, quando Jaime Lerner governava o estado do
Paraná, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), dois grandes acampa-
mentos se estabeleceram às margens da Rodovia BR-158, entre os municípios
de Saudade do Iguaçu e Laranjeiras do Sul. Em abril, os trabalhadores saíram
em direção às duas extremidades do latifúndio da Giacomet-Marodin rumo à
ocupação. Essa ocupação estava localizada em um ponto estratégico, às mar-
gens da BR-158 e próximo à sede da fazenda. O local ficou conhecido como
Buraco, a maior ocupação já registrada no país, com cerca de 3 mil famílias,
contabilizando 12 mil pessoas.
O Buraco recebeu esse nome também por sua estrutura. Durante a
pesquisa empírica, conhecemos o espaço geográfico do Buraco enquanto pas-
sávamos pela BR-158 e foi possível perceber que se trata de uma cratera às
margens da rodovia.
Apesar de ser um ponto estratégico, viver em um buraco acarreta certos
problemas de higiene, saúde e alimentação, principalmente com a aglomera-
ção de pessoas. É o que relatam Hammel, Silva e Andreetta (2007) quando
afirmam que com a superlotação os problemas cresciam cada vez mais.
Os acampados chegaram à decisão de ocupar o local chamado Portão,
uma guarita com vários pistoleiros que protegiam a entrada da fazenda. Cerca
de 150 pessoas se organizaram e tomaram a guarita e levaram os pistoleiros às
autoridades do município de Laranjeiras do Sul e ocuparam a sede da fazenda
(Hammel; Silva; Andreetta, 2007).
As pessoas que estavam no Buraco estavam passando fome, pois não
tinham como plantar alimentos, por se tratar de uma área de preservação
ambiental. Assim, ao ocuparem a sede da fazenda, com o lema É necessário
plantar!, deram início ao plantio de milho, feijão e verduras. Em janeiro de
1997, um grupo que trabalhava na área que seria desapropriada foi atacado
por pistoleiros. No ataque foram assassinados o jovem Vanderlei das Neves e
o senhor José Alves dos Santos, acusados de caçarem em área proibida. Havia
71
marcas de sangue no chão que comprovavam que os corpos haviam sido ar-
rastados 100 metros para dentro da mata (Hammel; Silva; Andreetta, 2007).
O episódio repercutiu negativamente nacional e internacionalmen-
te e a empresa Giacomet-Marodin mudou sua denominação para Araupel.
Conforme Hammel, Silva e Andreetta (2007, p. 64), mais de 1500 famílias
ocuparam o que foi o latifúndio da empresa Giacomet-Marodin e uma aná-
lise pode demonstrar o desenvolvimento e crescimento do município após a
ocupação, com a instalação de cooperativas, lojas e bancos, pois “Os assenta-
dos movimentam não apenas o comércio local, mas o de toda a região.
O município não é mais o mesmo, aquele pequeno vilarejo com cerca de
6.000 pessoas que até 1996 possuía um imenso latifúndio, contribuindo
timidamente para o desenvolvimento local, hoje conta com aproximada-
mente 20.000 mil pessoas que movimentam a economia local e regional
(Hammel; Silva; Andreeta, 2007 p. 65).
A luta pela terra e pela reforma agrária avançou nos anos 1990, como
já mencionamos, e nessa época cresceu também a reivindicação por políticas
públicas para Educação do Campo e no campo. O MST no Paraná passou a
reivindicar as terras sob o domínio da Araupel, por serem terras pertencentes
à União e por não cumprirem sua função social.
Em 1996, aproximadamente 3.500 famílias se organizaram para ocu-
par a fazenda Giacomet-Marodin e conquistaram parte da terra em 1997,
com uma área de cerca de 25 mil hectares, que deu origem ao Assentamento
Ireno Alves dos Santos, com 934 famílias, e ao Assentamento Marcos Freire,
com 578 famílias assentadas. Os dois Assentamentos concentraram cerca de
7 mil pessoas e passaram a ser a base da economia do município de Rio
Bonito do Iguaçu. Em 2004 foi conquistado o Assentamento Celso Furtado,
em Quedas do Iguaçu e, em 2005, o Assentamento 10 de Maio em Rio
Bonito do Iguaçu (Sapelli; Leite; Bahniuk, 2019).
Em 2014, ainda havia 35 mil hectares de terra que estavam ilegal-
mente em posse da Araupel e a partir de um acampamento provisório no
Assentamento Ireno Alves dos Santos, aproximadamente 5 mil pessoas ocu-
param em 17 de maio a Fazenda Rio das Cobras, em Rio Bonito do Iguaçu.
Somente em 2017, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região anulou os
72
títulos de propriedade da madeireira Araupel ocupadas pelo MST e confir-
mou a prática da grilagem.
Dos 13.545 habitantes do município de Rio Bonito do Iguaçu, 10.339
são do meio rural e atualmente cultivam, também de forma agroecológica,
uma diversidade de frutas, de verduras, hortaliças, mandioca, feijão, abóbora
e milho, criam galinhas, porcos e algumas cabeças de gado. De acordo com
Sapelli, Leite e Bahniuk (2019), dois grupos possuem certificação para produ-
tos orgânicos e um terceiro grupo já encaminhou o pedido para também ser
certificado. Em 2017 o feijão enlatado da merenda escolar foi substituído pelo
feijão orgânico produzido coletivamente pelas famílias do Acampamento.
No caso do Assentamento Marcos Freire, onde está localizado o
Colégio Strozak, há de acordo com Janata (2015), cerca de 578 famílias as-
sentadas que estão organizadas em onze comunidades. A maior comunidade
é a Centro Novo, com cerca de 120 famílias.
Mesmo com o intenso processo de luta pela terra, no Assentamento
Marcos Freire, 80% dos moradores compraram os lotes e não participaram
do processo de ocupação, o que enfraqueceu o vínculo com o MST no de-
correr dos anos.
A educação sempre foi prioridade nos Acampamentos e Assentamentos
do MST. Desse modo, primeiramente uma escola foi adaptada no galpão da
Sede da Fazenda, em 1997, a escola Vanderlei das Neves. O Estado colocou
como condição para autorizar o funcionamento da escola a emissão de posse da
terra aos assentados pelo Incra. Precariamente a escola oferecia o ensino para os
anos iniciais e finais, se dividindo em duas com a Escola José Alves dos Santos.
Quando os assentados foram para os seus lotes individuais, a escola
precisou se estabelecer em uma área central com o objetivo de atender aos es-
tudantes de todo o assentamento. Sem ajuda para custear transporte, meren-
da e a construção de salas, os assentados, educadores e educandos mudaram
a extensão da escola José Alves para Vila Velha, uma antiga vila residencial
onde os funcionários da Usina Hidrelétrica de Salto Santiago viviam.
Essas mudanças ocorreram em 1998, mas os assentados precisaram se
organizar para atender às exigências da Secretaria Estadual da Educação do
Paraná, que queria impedir o funcionamento do novo colégio.
O nome do Colégio é uma homenagem a Iraci Salete Strozak, militante
73
que fazia parte do Setor de Educação do MST e lutava para que a educação
acontecesse no assentamento. Iraci faleceu num acidente de ônibus, em 21 de
novembro de 1997, no trajeto entre Laranjeiras do Sul e Cantagalo, na BR 277.
O Colégio, aos poucos, recebeu doação de mobiliários, armários e car-
teiras e, em 2000, passou a funcionar em dois períodos (matutino e vesper-
tino) com oito turmas. Surgiu então a necessidade de mudar para um espaço
maior. Pensando que num lugar mais baixo teriam mais facilidade com a
questão da água o Colégio foi para Vila Velha.
Receberam a doação de quinze casas de madeira da Gerasul, e como a
prefeitura recusou-se a fazer o transporte, contrataram caminhões e pessoas para
desmanchar, mesmo sem saber se teriam condições de pagar pelos serviços presta-
dos. Conforme a escola se constituía, os docentes se formavam, planejavam suas
aulas levando em conta a conjuntura de atuação e os sujeitos do processo.
No ano de 2003, o Colégio Strozak mudou-se definitivamente para
a Comunidade Centro Novo, Assentamento Marcos Freire, município de
Rio Bonito do Iguaçu, onde permanece. O Colégio fica a aproximadamen-
te 25 quilômetros da sede do município e a 8,5 quilômetros da BR 158.
Atualmente a estrutura do Colégio é composta por oito salas de aula, la-
boratório de ciências, de informática, biblioteca, sala de multiuso, cozinha,
refeitório, banheiros, sala de direção, coordenação pedagógica, sala de educa-
dores, secretaria, almoxarifado e uma pequena sala de artes e educação física.
Imagem 2 – Corredor que dá acesso às salas de aula e onde é realizada a mística
Fonte: arquivo pessoal da autora (2021)
74
Imagem 3 – Sala dos professores
Fonte: arquivo pessoal da autora (2021)
Em 2004 o Colégio Strozak foi escolhido para ser a escola-base das
Escolas Itinerantes (EIs) do MST no Paraná. A escolha se deu pela locali-
zação do Colégio e por estar situado em um dos maiores Assentamentos da
América Latina e pelo trabalho desenvolvido.
No estado do Paraná, a quantidade de acampamentos abriu uma nova
demanda, que foi a necessidade da criação de escolas para os acampamentos.
Contudo, essas escolas precisariam acompanhar os estudantes em sua situa-
ção de itinerância. As EIs são fruto dessa trajetória de luta pela terra, por
reforma agrária, por educação e por escola.
As EIs surgiram e permanecem com a precariedade de estrutura física
e do efetivo de professores, pois lidam com contratos precarizados, profis-
sionais sem formação adequada para o trabalho no Movimento e com uma
organização de tempos educativos imposta pelo Estado que não condiz com
a proposta do Movimento. Isso é o que apontam Sapelli, Leite e Bahniuk
(2019) quando afirmam que para o Estado do Capital não há interesse em
financiar uma escola que o questione e o desafie, e disso decorre a precarie-
dade dessas escolas.
A primeira experiência com uma escola itinerante aconteceu antes da
fundação do MST, em um acampamento na Encruzilhada Natalino, no esta-
do do Rio Grande do Sul, em 1982, com cerca de 600 famílias. Essa escola só
foi legalizada em 1984, com a efetivação do Assentamento Nova Ronda Alta.
A segunda experiência foi na Fazenda Annoni, no município de
75
Sarandi, também no estado do Rio Grande do Sul. Ambas as escolas não fo-
ram legalizadas antes, como escolas de acampamento, pois somente em 1996
o Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul aprovou a escola
itinerante como uma experiência pedagógica (Sapelli; Leite; Bahniuk, 2019).
As experiências das EIs do Rio Grande do Sul serviram de exemplo
para a organização do MST em outros estados do país, tais como Goiás,
Santa Catarina, Alagoas e Piauí. No Paraná houve uma experiência em 1999,
no acampamento em frente ao Palácio Iguaçu, em Curitiba. O Movimento
estava acampado para protestar contra a repressão e perseguição política do
governo Jaime Lerner aos trabalhadores Sem Terra e a falta de políticas em
relação à reforma agrária. Nessa ocasião, os trabalhadores Sem Terra organi-
zaram uma escola que funcionou durante 14 dias e foi batizada como Escola
Itinerante Terra e Vida (Sapelli; Leite; Bahniuk, 2019).
De acordo com o PPP (Strozak, 2020) do Colégio Strozak, em 2004,
quando o Setor de Educação do MST e a Coordenação de Educação do
Campo da Secretaria Estadual de Educação solicitaram que o Colégio fosse
a escola-base das EIs do Paraná, existiam cerca de 67 acampamentos com
aproximadamente 13 mil famílias acampadas, o que representava uma gran-
de quantidade de crianças. Por meio da resolução nº. 614/2014, o Conselho
Estadual de Educação autorizou a implantação das EIs e no mesmo ano,
foram organizados os processos de autorização para o funcionamento da
Educação Infantil, 1º e 2º Ciclos de Ensino Fundamental e a mantenedora
assumiu o financiamento dos recursos físicos, humanos, e a capacitação de
educadores no programa de formação permanente, mas na época não houve
cumprimento da promessa, tornando o trabalho muito precarizado, e até os
dias atuais, de acordo com o PPP, o repasse financeiro é insuficiente.
Quando o Colégio Strozak passou a ser a escola-base das EIs, a deman-
da de trabalho cresceu significativamente, pois deixou de atender apenas os
seus educandos e passou a atender mais de dois mil educandos com o mes-
mo quadro de pessoal (Sapelli; Leite; Bahniuk, 2019). Em 2005 eram nove
EIs, chegando a 118 turmas e 2.642 educandos. Em 2006 eram doze EIs.
Contudo, as EIs estavam espalhadas por todo o estado do Paraná e a distância
da escola-base era uma dificuldade para realização do trabalho.
Com a dificuldade para a escola-base acompanhar o trabalho das EIs,
76
em 2007, a Secretaria de Estado da Educação do Paraná criou outra escola-ba-
se no município de Querência do Norte (Strozak, 2020). Portanto, em 2008,
o Colégio Estadual do Campo Centrão, situado no Assentamento Pontal do
Tigre, passou a ser também escola-base das EIs, abrangendo as escolas loca-
lizadas ao noroeste e norte do estado. A Escola Centrão manteve a proposta
de referência para as EIs a partir da experiência do Colégio Strozak, ou seja, o
sistema de Complexos de Estudo e os Ciclos de Formação Humana (Sapelli;
Leite; Bahniuk, 2019). O Colégio Centrão permaneceu como escola-base
até dezembro de 2011, quando por conta de problemas estruturais, o Setor
de educação do MST decidiu que o Colégio Strozak deveria voltar a ser a
escola-base das nove EIs em funcionamento (Sapelli; Leite; Bahniuk, 2019).
O custeio das despesas com o pessoal das EIs, desde 2004, é pago
por meio de um convênio entre o Governo do Paraná e a Associação de
Cooperação Agrícola e Reforma Agrária do Paraná (Acap). Os recursos repas-
sados à Acap são destinados a pagar salários, encargos sociais, 13º salário etc.
Anteriormente, os trabalhos de serviços gerais, preparação da merenda, servi-
ço administrativo, serviços de biblioteca etc., eram prestados voluntariamen-
te pela comunidade. Acordado o convênio, esses postos de trabalho passaram
a ser remunerados. O convênio foi um avanço, mas com ele ampliou-se a
fiscalização e o excessivo controle pela Secretaria Estadual da Educação, que
desgastou as comunidades escolares com o excesso de burocracia (Sapelli;
Leite; Bahniuk, 2019).
Em 2015, algumas funções foram extraídas do convênio e os postos
de trabalho precisaram ser cobertos por meio da autogestão comunitária e
coletiva, dificultando a realização de projetos. Outra dificuldade diz respeito
aos atrasos no repasse das parcelas mensais do recurso financeiro, o que deixa
os trabalhadores que permanecem sem salários na data correta (Sapelli; Leite;
Bahniuk, 2019).
Em 2014, houve duas grandes ocupações na região Centro do Estado
do Paraná, uma no município de Rio Bonito do Iguaçu e outra em Quedas
do Iguaçu. A ocupação de Rio Bonito do Iguaçu deu origem ao acampa-
mento Herdeiros da Terra de Primeiro de Maio, com cerca de 3 mil famílias
acampadas. Neste mesmo ano, teve início a organização da Escola Itinerante
Herdeiros do Saber, que os acampados construíram. O primeiro espaço
77
ocupado ficou conhecido como Herdeiros I e deu origem à Escola Itinerante
Herdeiros do Saber I. O espaço do alojamento de uso dos funcionários da
empresa ex-proprietária do latifúndio, passou a ser da Escola Herdeiros do
Saber II. No espaço conhecido como Lambari, próximo ao rio Lambari,
originou-se a escola Herdeiros do Saber III e no espaço conhecido como
Guajuvira, que recebeu esse nome devido às árvores nativas, construiu-se a
Escola Herdeiros do Saber IV (Strozak, 2020).
Quando o Incra autorizou que as famílias se espalhassem pela terra
para produzir alimentos garantindo o sustento familiar, os assentados se mu-
daram para seus lotes. Nesse momento, as escolas foram reorganizadas ofere-
cendo educação infantil, anos iniciais e finais do ensino fundamental e ensino
médio na Escola Herdeiros I, e educação infantil e anos iniciais na Escola
Herdeiros II (Strozak, 2020).
Em 2017, houve um processo de descentralização das EIs e a Secretaria
Estadual da Educação do Paraná indicou para cada EI uma determinada
escola-base, localizada em cada município. Dessa forma, a partir de 2018,
o Colégio Strozak passou a ser a escola-base apenas da Escola Itinerante
Herdeiros do Saber.
Ana Hammel, que trabalhou no Colégio Strozak de 2003 a 2013,
como professora, coordenadora e diretora, intermediando as relações entre o
Estado e as EIs, com o objetivo de efetivar as políticas públicas que garantis-
sem o PPP, afirma que a tese do Estado é a de que a descentralização facilitaria
o processo de escola-base, mas na realidade isso não se concretiza, pois escolas
não vinculadas ao MST têm outro Projeto, o que implica que vincular as
EIs à outra escola-base significa vinculá-la a um PPP incompatível com os
objetivos do MST. Na atualidade a distribuição das EIs pode ser visualizada
no seguinte mapa.
78
Imagem 4 – Registro fotográfico de um mapa em exposição na sala dos professo-
res do Colégio Strozak sobre a distribuição das EIs do estado do Paraná.
Fonte: arquivo pessoal da autora (2021)
Há uma movimentação constante das EIs. Algumas permanecem mui-
tos anos em funcionamento no mesmo território, enquanto outras circulam
dentro do município de origem ou entre municípios do Estado, como é o
caso da Escola Itinerante Carlos Marighela. Outras são transformadas em
escolas de assentamento ou encerram suas atividades.
Não é só na relação com as EIs que o Colégio tem enfrentado dificulda-
des e pressões do Estado. A professora Jaqueline Boeno D’ávila, afirma que o
Estado está cada vez mais pressionando e redimensionando a forma da escola.
[...] o próprio planejamento, a nossa proposta é por complexos de estu-
dos, mas o Estado determina que a gente utilize a BNCC e o Referencial
Curricular, então como você pensa que a escola tem autonomia pedagógica
para pensar sua proposta, mas o Estado direciona esta proposta pedagógica?
Então, assim, parece que a gente vai na contramão, a gente constrói, a gente
pensa uma proposta curricular, mas o Estado vem e intervêm, ele muda, ele
altera aquela forma que a gente pensou, então por mais que a gente avance
em termos pedagógicos o Estado dá esse direcionamento (D’ávila, 2021).
A professora enfatiza que a escola consegue avançar na proposta em ter-
mos teóricos, mas há impasses, pois o Estado intervém e direciona o projeto
79
pedagógico da escola.
Em 2020, o Colégio Strozak atendia a um total de 362 estudantes na
escola base; 504 alunos na Herdeiros I e 54 alunos na Herdeiros II Guajuvira,
totalizando 1120 estudantes (Strozak, 2020). Teresa Fátima Dias (2021), as-
sentada e mãe de aluno, em entrevista afirma que ajudou a construir a escola
Herdeiros I, pregando as tábuas que hoje formam os barracões que servem
como salas de aula. “Isso tudo aqui fomos nós que construímos, os acampa-
dos né [...] nós chegamos a pregar, até eu mesma, subia aí nas escadas, pre-
gava, arrumava, fomos nós que construímos a escola. Então, por isso que eu
digo, essa escola é nossa.
Imagem 5: Salas de aula da Escola Itinerante Herdeiros do Saber I
Fonte: arquivo pessoal da autora (2021)
Dias (2021) afirma que o coletivo participa de outras atividades junto
às crianças da escola, tais como plantio de árvores, pintura das salas etc. Para
organizar a realização das tarefas são feitos grupos de trabalho compostos
por pais, funcionários e professores e, dessa forma, as ações são mobilizadas.
São trabalhos educativos para os participantes, pois ensinam novas formas
de se relacionar com o trabalho que se institui de forma coletiva. É uma for-
ma de articulação entre educação e trabalho produtivo no que diz respeito
à organização coletiva e à produção de bens e serviços. Além disso, a fala da
entrevistada aponta que no trabalho realizado instituiu-se a posse da escola:
nós construímos e ela é nossa.
80
Imagem 6: Salas de aula da Escola Itinerante Herdeiros do Saber I
Fonte: arquivo pessoal da autora (2021)
A Escola foi construída em forma de ciranda. No centro as crianças
plantaram árvores e grama, mas o solo do acampamento foi castigado pelo
plantio de pinus, o que dificulta o crescimento das plantas. Em entrevista, o
professor Tiago Prestes afirma que quando a terra estava em negociação para
que as famílias fossem assentadas, ficou acordado que o pinus seria extraído
pela própria empresa, pois ela seria beneficiada com a venda da terra e tam-
bém com o trabalho da destoca.
[...] quando eles tiram todo pinus ficam só os tocos e quem paga pra fazer
a destoca? São os acampados que estão ali. Tem que fazer toda a destoca,
todo o processo de recuperação do solo, porque pinus acaba com o solo.
Perceba que aqui na frente tem essa grama que faz dois anos que foi plan-
tada e não vai pra frente, porque o pinus acaba com o solo (Prestes, 2021).
Para uma comunidade de agricultores essa é uma questão fulcral. Como
tirar o seu sustento de uma terra improdutível? O solo de todo o assentamen-
to precisa de recuperação, pois foi maltratado por anos de produção de pinus
sem interrupção. Essa necessidade desencadeia ações por parte dos assenta-
dos, que sem condições de desenvolverem o solo e conseguirem o próprio
sustento recorrem ao arrendamento de terras. Dessa forma, parte dos lotes do
acampamento trabalha com a terra arrendada, pois é uma forma de limpar
o solo, tendo em vista que o arrendatário faz a destoca para o uso, fertiliza e
corrige o solo. Todavia, quando arrendam a terra, não têm mais como viver
da terra e precisam deixar o campo e ir para a cidade para poder trabalhar.
81
Isso mostra que conquistar a terra é apenas o início de uma luta muito maior,
que é a de viver nela e dela.
Na escola a realidade é de salas de aulas precárias, com mobiliário pa-
drão. As paredes são de madeira e o teto coberto com telha deixam o ambien-
te quente e escuro.
Imagem 7: Interior de uma sala de aula da Escola Itinerante Herdeiros do Saber I
Fonte: arquivo pessoal da autora (2021)
De acordo com o Plano de Estudos do Colégio Strozak (Strozak,
2013), a matriz fundamental do trabalho pedagógico deve ser o vínculo entre
a escola e a vida. Esse vínculo se materializa por meio das matrizes formativas
do trabalho, da luta social, da cultura e da história. O Colégio aponta suas
concepções a respeito de cada uma dessas matrizes em seu Plano de Estudos.
A matriz formativa do trabalho traz uma concepção ampla, que en-
tende o trabalho como atividade humana criadora, construtora do mundo e
do próprio ser humano. Essa matriz se refere, portanto, à luta para converter
todos os seres humanos em trabalhadores com a intencionalidade de um tra-
balho voltado para a associação de produtores livres, com formas complexas
e abrangentes de cooperação entre os camponeses. Essa intencionalidade no
dia a dia da escola pode ser sintetizada em alguns pontos básicos:
- Ambiente educativo organizado pelo princípio da atividade (todos tra-
balhando) e da relação entre teoria e prática;
- Inserção dos estudantes em diferentes formas de trabalho socialmente
útil, considerando as características de cada idade e as condições obje-
tivas da escola e de seu entorno. Podem ser atividades domésticas ou de
auto-serviço na própria escola, podem ser trabalhos sociais no acampa-
mento ou assentamento, podem chegar a ser atividades produtivas com os
82
estudantes mais velhos (8º e 9º anos).
- Nessas atividades, das mais simples às mais complexas, importa garantir
o exercício real da organização coletiva do trabalho, em diferentes formas
e crescendo em níveis de exigência.
- Destacamos que pela potencialidade formadora específica da relação
com a terra devemos garantir que nossos estudantes tenham, já nos anos
finais do ensino fundamental, alguma experiência de trabalho agrícola (na
escola ou fora dela), visando inclusive potencializar o estudo e a relação de
apropriação social e não exploradora da natureza. Havendo possibilidades
na escola ou no seu entorno, os estudantes devem desenvolver ou se en-
volver em experiências que lhes permitam compreender o que são práticas
agroecológicas, mais simples ou complexas, conforme a realidade local e
os vínculos que a escola possa desenvolver nessa perspectiva.
- É importante ter em vista as possibilidades de inserção dos estudantes
mais velhos em processos produtivos (agro)industriais geridos por traba-
lhadores – ainda que seja em determinado período apenas, como ‘estágio’,
trabalho de campo, trabalho de ’férias escolares’, se isso implicar em ir
para outro local que não o acampamento ou assentamento onde os estu-
dantes moram/estudam.
- O trabalho humano em geral, os processos produtivos do campo em
particular e a participação dos estudantes no trabalho devem ser objeto
de estudo científico na escola por meio das disciplinas de ensino ou de
outras atividades curriculares que se possa organizar para isso (Strozak,
2013, p. 13-14).
Dessa forma, o Colégio abrange a matriz formativa do trabalho ao tra-
balho humano geral, com o objetivo de que os estudantes se organizem em
torno do trabalho de forma que suas experiências os envolvam com os proces-
sos locais, desde as práticas mais simples até as mais complexas.
A matriz formativa da luta social é a convicção de que a luta social edu-
ca as pessoas, o que significa afirmar que o ser humano se constitui também
nas atitudes de inconformismos e não apenas nos processos de conformação
social. É uma matriz ligada à formação para o estado permanente de luta, que
é algo que a escola precisa garantir (Strozak, 2013).
Formar-se para estar em estado permanente de luta (característica de
lutadores e militantes de movimentos sociais) não é algo que seja da natureza
da tarefa educativa da escola garantir, mas ela pode ajudar a cultivar a visão
83
de mundo e a postura cotidiana intencionada pela atuação nas diferentes ma-
trizes formadoras, e também pelo vínculo com outros processos educativos.
No dia a dia da escola o trabalho com essa matriz requer:
- Trabalhar o ambiente educativo de modo que exija e ajude a desenvolver
uma postura cotidiana que inclua como aprendizados: pressionar as cir-
cunstâncias para que sejam diferentes do que são construindo a convicção
de que nada é impossível de mudar; projetar o futuro (dimensão de pro-
jeto, de utopia); construir parâmetros coletivos que orientem cada ação
na direção do projeto; desenvolver o sentimento de indignação diante
das injustiças e de buscar contestar e enfrentar as situações que desumani-
zam; capacitar-se para tomada de posição e de decisões, para fazer análise
da realidade, para querer construir e para agir de forma organizada [...]
(Strozak, 2013, p. 14).
Diferente do acontece na escola oficial, que cultiva a aceitação passiva
dos acontecimentos, o trabalho com a matriz formativa da luta social almeja a
contestação, a indignação e o enfrentamento, tomando decisões para analisar
a realidade e construindo formas de ação que possam modifica-la.
A matriz formativa da organização coletiva está ligada à criação de tra-
ços fundamentais que a participação em uma organização coletiva cria no ser
humano. Para o MST é fundamental a formação de seres humanos que sejam
lutadores e construtores; que identifiquem o que precisa ser construído e os
melhores caminhos para que a construção seja feita. A participação em uma
organização cultiva um modo de vida coletivo e ensina hábitos e habilidades
para o trabalho coletivo e a atividade organizada. Essa é uma matriz que se
realiza articulada às matrizes da luta social e do trabalho. No dia a dia da es-
cola essa intencionalidade pode ser sintetizada nos seguintes aspectos:
- Participação ativa dos estudantes e da comunidade na construção da
vida escolar. Nosso objetivo (processual) é chegar a formas cada vez mais
coletivas de gestão e de organização do trabalho da escola (envolvendo os
estudantes).
- Garantir que as práticas de trabalho socialmente necessário realizadas na
escola ou por sua intermediação sejam desenvolvidas através de uma or-
ganização coletiva do trabalho, que se complexifique à medida que avance
a idade dos estudantes e a formação dos educadores na mesma direção.
84
- Desenvolver atividades que exijam processos de auto-organização dos
estudantes. Pode-se começar com esse exercício em atividades pontuais
ou específicas até se chegar a construir a auto-organização como base da
participação dos estudantes no processo de gestão coletiva da escola.
- Deve também ser nosso objetivo que os estudantes se envolvam na rea-
lização de tarefas coletivas orgânicas ao MST ou a outras formas de orga-
nização de trabalhadores que os estudantes integrem, visando qualificar
sua capacidade organizativa de forma combinada à sua formação para o
trabalho social e a militância política (Strozak, 2013, p. 15).
A auto-organização possui um papel fulcral no PPP do Colégio Strozak,
contudo, os limites impostos pela realidade concreta, inclusive com a pan-
demia, são demasiados. A professora do Colégio Strozak, D’ávila (2021),
filha de assentados, relata que percebe uma regressão nas questões referentes
à auto-organização.
[...] já teve momentos que a gente teve grupo de teatro, grupo de hip-hop,
a gente tinha núcleos setoriais, auto-organização da juventude, então parece
que a juventude tinha uma consciência política do seu papel dentro da esco-
la e ela contribuía para construir essa escola. Parece que hoje a nossa juven-
tude está [...] não é que tá morna, mas parece que está estagnada, no sentido
de que ela não percebe a importância dela dentro da escola. O aluno não
reconhece qual é o papel dele na escola. [...] parece que eles não conseguem
enxergar qual o papel deles nessa escola. Mas, se a gente pegar a história do
Iraci tem algumas coisas que a gente conseguiu manter, dentro da condição
de pandemia e de cortes de recursos com a educação. A gente consegue fazer
bastante coisa, que outras escolas não conseguem. A gente consegue fazer
uma resistência dentro de um espaço e de uma condição histórica que não
nos permite avançar. A gente consegue fazer um trabalho significativo.
O que a professora aponta é que grupos que promoviam a participação
e a discussão da juventude na escola promoviam a consciência política do pa-
pel dos jovens na escola e que com o fim desses grupos a juventude deixa de se
sentir parte desse ambiente, deixando de participar de sua construção. Ainda
assim, a professora percebe que o que tem sido feito no Colégio Strozak tem
um valor significativo para a vida dos jovens.
A matriz formativa da cultura tem relação com o entendimento da
85
cultura como experiência humana de participação em processos de trabalho, de
luta, de organização coletiva na construção de um determinado modo de vida
que produz e reproduz conhecimentos. O Plano de Estudos (Strozak, 2013)
aponta que ao educar as pessoas é preciso “[...] considerar o peso formador
da cultura em suas diferentes manifestações. E em nossa realidade atual a in-
tencionalidade pedagógica com essa matriz deverá incluir o cultivo em nossos
estudantes da identidade de trabalhadores [...]” (Strozak, 2013, p. 16).
O trabalho com essa matriz tem em sua raiz a crítica à cultura hege-
mônica na sociedade capitalista e o cultivo de parâmetros de relações sociais
e de hábitos cotidianos, que expressem e consolidem os objetivos sociais, po-
líticos e humanos. Para isso é importante intensificar os processos específicos
de apropriação de conhecimentos produzidos pela humanidade ao longo da
história e de produção de novos conhecimentos que a realidade atual exija.
Alguns dos aspectos básicos dessa matriz são:
- Ajudar a guardar a raiz do Movimento, ajudando no cultivo de sua me-
mória coletiva e na formação de sua consciência histórica. Foi aprendendo
do passado que o MST se fez como é: aprendendo dos lutadores que vie-
ram antes, cultivando a memória de sua própria caminhada; trabalhando
sua mística, simbologia e traços da identidade Sem Terra. Esses elementos
precisam compor o ambiente educativo de nossas escolas.
- Também é muito importante hoje, pelos desafios do projeto de Reforma
Agrária Popular do MST, ajudar no enraizamento crítico e na recriação do
modo de vida camponês, que inclui conhecer os traços do modo campo-
nês de fazer agricultura, os conhecimentos que se produz e se utiliza nela,
as tradições culturais, as relações sociais típicas de famílias e de comuni-
dades de camponeses.
- Planejar situações que desenvolvam valores, postura, hábitos: referência
de relações sociais e de convivência coletiva; desenvolvimento da afetivi-
dade e da criatividade (Strozak, 2013, p. 16).
A matriz formativa da história aponta que o ser humano se forma
transformando-se ao transformar o mundo, ou seja, no movimento que faz
a história. E a sua dimensão educativa está no próprio Movimento. Ao pro-
jetar o futuro, a partir das lições do passado cultivadas no presente, se faz a
história. A perspectiva histórica é importante para o MST, para se manter
86
como um lutador do povo. A escola objetiva o enraizamento dos sujeitos no
Movimento debatendo o vínculo entre passado, presente e futuro, incluin-
do a discussão e a clareza sobre o projeto de vida humana, de sociedade e a
contradição que existe no desenvolvimento histórico. A escola pode ajudar
levando em conta os aprendizados básicos e necessários:
[...] compreender a nossa própria vida como parte da história; respeitar a
história; aprender a ver cada ação ou situação numa perspectiva histórica,
quer dizer, em um movimento entre passado, presente e futuro, e com-
preendê-las em suas relações com outras ações, situações, uma totalidade
maior (Strozak, 2013, p. 17).
O trabalho com essa matriz passa por alguns aspectos prioritários e são eles:
- Trabalhar com atividades que permitam estabelecer a relação entre me-
mória e história.
- Exercitar a análise do movimento da realidade em situações da vida (co-
tidiano e realidade mais ampla): aprender a observar o movimento de
transformação nos diferentes fenômenos, da natureza e da sociedade.
- Trabalhar as contradições como noção prática, que aos poucos pode se
desenvolver como compreensão teórica. O que move uma realidade são
suas contradições; sem contradições não há movimento; não há desen-
volvimento; não há transformação, não há história. – ‘As coisas opõem-se
umas às outras e completam-se umas às outras’ (expressão chinesa). No
dia a dia da organização coletiva da vida escolar é possível ir aprendendo
métodos de análise e de atuação que permitam conviver com o contradi-
tório e superar contradições antagônicas.
- Cultivo de valores e convicções: ‘costume’ de movimento (disponibilida-
de à ação militante, às lutas, aos processos); postura diante das contradi-
ções e dos conflitos, transformação como perspectiva.
- Tratar a história como uma ciência de estudo fundamental, encontrando
métodos adequados de fazer esse estudo, ancorando-o no movimento do
dia a dia da escola, que pode ser trabalhada como uma grande oficina de
fazer e aprender história. (...)
O processo educativo nas escolas é enquadrado em objetivos, tempos e
espaços pré-determinados, aprisionando-o. O trabalho com as matrizes for-
madoras projeta o processo educativo para além do que está posto.
87
O desenvolvimento multilateral do ser humano não pode ser trabalhado
efetivamente na escola sem que se rompa com a forma escolar porque ela
foi pensada desde uma matriz cognitivista, centrada exclusivamente na
sala de aula e tendo como base de concepção metodológica a separação
entre conhecimentos escolares e vida concreta. Para assumir essa concep-
ção de educação que defendemos e abrigar o trabalho com as matrizes
formadoras e a realidade atual a escola precisa ser transformada: na sua
matriz formativa e nas relações sociais constituintes de sua organização do
trabalho. Essa transformação implica em pensar o ambiente educativo da
escola descentrado da sala de aula, ou seja, a escola inteira (espaços, tem-
pos e relações) deve ser intencionalizada para educar, incluída nesse todo
a sala de aula (algo que pode ser facilitado pela organização do trabalho
pedagógico em diferentes tempos educativos). E fazer isso considerando
a adequação entre nossos objetivos de educação (formativos e de ensino)
e os diferentes ciclos de desenvolvimento humano, respeitando as carac-
terísticas próprias a cada idade, tanto do ponto de vista intelectual como
físico e afetivo (Strozak, 2013, p. 18).
Nesse processo de transformação da forma escolar há a construção de
estudos que garantem o ensino de conteúdos relacionados ao estudo da rea-
lidade atual. O Plano de Estudos (Strozak, 2013) aponta que é um desafio
construir uma forma de organização como a vislumbrada pelos documentos
do MST, articulando coerentemente a concepção de educação e os elementos
das matrizes formativas. Geralmente, a escola está comprometida com fun-
ções de exclusão e subordinação, porém, no caso do Colégio Strozak, o seu
objetivo é vivenciar relações em sintonia com os princípios da sociedade que
almeja construir e, portanto, é preciso proporcionar situações democráticas
para formar a juventude que vai construir uma sociedade baseada em novas
formas de relações sociais.
As bases desta nova forma escolar incluem a garantia do acesso ao co-
nhecimento e da vivência de novas relações no interior da escola e entre a
escola e a vida. Uma escola que possui um estreito vínculo com a vida social
e contato direto com o trabalho socialmente necessário. As tarefas de autos-
serviço, prestadas aos outros e a si mesmo, em hortas, em oficinas, com o uso
de metal, madeira, ou em atividades preparatórias e adjacentes ao trabalho
produtivo que tem relação econômica são modalidades de trabalho presentes
no Plano de Estudos.
88
Para que a escola se vincule aos variados tipos de trabalho é preciso
que todos os integrantes da escola conheçam adequadamente a realidade,
as possibilidades educativas, as lutas e sua organização social. É importante
submeter as relações internas da escola à uma transformação, que altere a
lógica de poder existente, com o objetivo de horizontalizar as relações entre
educandos e educadores. Horizontalizar as relações é dar a oportunidade para
os estudantes viverem a escola, tomando decisões a respeito da organização
da vida escolar, opinando e decidindo quando necessário. Nesse processo,
ser representado não é suficiente, é preciso que os estudantes conduzam os
processos na escola com apoio e orientação dos educadores profissionais, mas
é fundamental que os processos nos quais esses estudantes estejam inseridos
impliquem responsabilidade real pelo cumprimento de objetivos que afetam
a vida de todos.
A principal instância de decisão da escola é a Assembleia Escolar, que
funciona como um dos mecanismos participativos, que exercitam a capaci-
dade de organização e de decisão dos estudantes. A Comissão Executiva da
Assembleia é outra instância, composta por estudantes coordenadores dos
Núcleos Setoriais, que se encarregam de aspectos da vida escolar. A terceira
instância são os Núcleos Setoriais.
Os Núcleos Setoriais agrupam estudantes para articularem ações e reali-
zarem trabalhos para executar demandas em porções da realidade. O Colégio
Strozak possui quatro Núcleos Setoriais: 1. Núcleo setorial de embelezamen-
to interno; Núcleo setorial de embelezamento externo; 3. Núcleo setorial de
comunicação; 4. Núcleo setorial de apoio ao ensino.
Strozak (2013) propõe uma troca semestral de coordenadores dos
Núcleos Setoriais como uma atividade rotativa entre a experiência de coor-
denar e de ser coordenado, como garantia de participação política efetiva dos
estudantes tornando o processo mais democrático.
Além de a liderança ser rotativa, o documento também indica a necessi-
dade da rotatividade da participação por diferentes Núcleos Setoriais para que
esses estudantes vivenciem a responsabilidade em diversos aspectos da vida.
No caso da Escola Herdeiros do Saber I, há demanda estudantil pela
criação de Núcleos Setoriais que ainda não estão organizados de forma siste-
matizada. É o que aponta Prestes (2021) em entrevista:
89
Os estudantes daqui eles são os irmãos mais novos dos ex-integrantes do
coletivo da juventude que eram do acampamento, que realmente era mui-
to forte e muito atuante quando o acampamento estava aqui, esse acam-
pamento aqui... mas quando acampamento né, quando as famílias não
tinham ido pros lotes ainda, então existiu um coletivo da juventude com
muita força, muito atuante, então eles faziam diversas ações, tanto dentro
do acampamento nas escolas, quanto participavam em eventos fora, assim
[...] era uma juventude muito bem fortalecida e esses alunos que estão
demandando agora são irmãos desses que participavam desse momento.
Então, eles têm alguma chama que está fazendo assim, cadê?
Os Núcleos Setoriais prestam contas à Comissão Executiva e a Comissão
Executiva presta contas à Assembleia Geral, que deve ocorrer no início e no
final de cada semestre. A Assembleia dever contar com a participação de to-
dos os envolvidos com a escola, o que inclui a comunidade. A Assembleia, a
Comissão Executiva e os Núcleos Setoriais são possibilidades formativas dos
estudantes no desenvolvimento de sua auto-organização.
D’ávila (2021), professora que já foi aluna do Colégio, afirma que as
atividades acontecem conforme há determinação de práticas de trabalhos,
ou seja, quando há a necessidade da realização de uma certa tarefa um grupo
de estudantes e docentes é convocado para realizá-la. Contudo, a unificação
entre a escola, comunidade, funcionários e professores, as vezes é insuficiente
para manter os projetos e programas, pois a conjuntura nacional, de certa
forma, enfraqueceu as parcerias e os projetos em nível federal que permi-
tiam a formação dos estudantes, desestabilizando o diálogo com a juventude,
deixando na escola apenas aquilo que é garantido em outras escolas, como
professores e funcionários para a carga horária básica. Além disso, a pandemia
ajudou a modificar o relacionamento entre escola e estudantes.
O trabalho realizado no Colégio Strozak requer um redimensionamen-
to dos tempos na escola que precisa prever o exercício da autonomia dos es-
tudantes. Dessa forma, para atingir os objetivos, o Colégio reorganiza os seus
tempos, setorizando o dia da escola em tempos educativos. A viabilização dos
tempos educativos requer um tempo mais longo na escola, como a escola de
tempo integral, por exemplo. Os tempos sugeridos no Plano de Estudos são:
1. Tempo Abertura – um momento coordenado pelos Núcleos
Setoriais da escola em que a coletividade se encontra para vivenciar
90
a mística. Durante este tempo deve ocorrer a conferência dos
Núcleos e das turmas com as palavras de ordem, entoar o hino
nacional, música ou apresentações previamente agendadas. Neste
tempo podem ser feitos informes e a equipe responsável pela mís-
tica desenvolve a atividade. Durante a pesquisa empírica a mística
realizada pelos estudantes ocupou o tempo de uma aula, ou seja,
para ser realizada a atividade, a professora cedeu o tempo de aula,
entendendo ser a atividade parte de processo de aprendizagem.
2. Tempo Trabalho - um momento organizado pelo Núcleo Setorial
de Apoio ao Ensino em articulação com os educadores e os Núcleos
Setoriais de Trabalho, Saúde e Cultura. Tem por objetivo exercitar
a divisão social do trabalho, estabelecendo uma interdependência
entre a necessidade do trabalho de cada um e a continuidade da
vida da coletividade. Este momento é implementado em duas ho-
ras diárias e realizado por turmas, associado à idade dos estudantes
e ao trabalho socialmente necessário externo à escola.
3. Tempo Leitura – um momento organizado a partir das leituras
planejadas para cada turma, com o objetivo de construir o gosto
e a disciplina pela leitura. Pode ser efetivado de várias formas, em
momentos de grupos, momentos coletivos ou de forma individual.
Deve ser acompanhado pelo Núcleo Setorial de Leitura.
4. Tempo Reflexão Escrita – um tempo educativo diário de 20 minu-
tos dedicado à manutenção pessoal da leitura que cada integrante
da coletividade realiza do processo de vivência em coletividade, dos
aprendizados relevantes, do que foi discutido nos diferentes tem-
pos educativos e da apropriação do conhecimento.
5. Tempo Cultura – tempo destinado ao cultivo e à reflexão sobre
expressões culturais diversas e à complementação da formação po-
lítica e ideológica do conjunto da coletividade. Todo mês a coletivi-
dade realiza um planejamento deste tempo educativo organizando
as atividades do Núcleo Setorial de Cultura.
6. Tempo Aula – um momento diário destinado à execução das dis-
ciplinas do planejamento curricular, conforme cronograma das au-
las. Este tempo educativo está sob responsabilidade dos educadores
91
e do Núcleo Setorial de Ensino. É o maior tempo educativo, de-
vendo respeitar as determinações oficiais sobre ele. Acontece mes-
clado aos demais tempos educativos, com aulas acontecendo tanto
no período da tarde quanto nos períodos da manhã ou da noite.
7. Tempo de Estudo – é um tempo destinado à iniciativa de estudo
dos educandos, em que se desenvolvem atividades de pesquisa, e
realizam os trabalhos encaminhados pelas disciplinas. bem como
estudos coletivo e/ou individuais. Neste tempo, que pode ocorrer
uma ou mais vezes na semana, podem aparecer iniciativas criati-
vas de grupos de educandos procurando estudar sobre assuntos de
interesse comum, de curiosidades, e pode ser dedicado à escrita
espontânea. O Tempo Estudo é definido junto com os educadores
das disciplinas específicas, os quais informam o Núcleo Setorial de
Ensino que trata de organizar o tempo e cobrar os resultados. A
duração deste tempo é fixada de acordo com o conjunto das ativi-
dades propostas pelos educandos e pelos educadores, não extrapo-
lando o limite. Este tempo também inclui a realização de estudos
etnográficos na região.
8. Tempo Oficina – é um momento destinado às atividades que
contribuem para o processo de ensino e aprendizagem acerca da
cooperação, de habilidades manuais, cognitivas, motoras entre ou-
tras. Neste tempo podem ser devolvidas oficinas de artesanato, de
danças, de esportes, de ginástica, de construção de materiais (brin-
quedos, materiais didáticos etc.) de música e outras possibilidades.
Inclui também trabalhos mais elaborados com metal e madeira que
permitam exercitar a organização científica do trabalho. A execu-
ção de cada oficina é mediada de acordo com a disponibilidade e
com a capacidade de cada responsável, sendo dirigida tanto pelos
educandos, pelos educadores da escola, como por voluntários da
comunidade ou por convidados.
9. Tempo Notícia – é o tempo para acompanhar noticiários, seja pela
televisão, rádio ou jornais impressos e fazer o debate sobre as infor-
mações obtidas. É planejado pelo Núcleo Setorial de Comunicação.
Faz parte dele também a edição do Jornal Escolar.
92
10. Tempo de Estudo Independente Orientado – é o tempo destinado
a acompanhar os estudantes que estão com alguma dificuldade de
compreensão em algum aspecto. A duração deste tempo é fixada pelo
educador da disciplina em que o educando apresenta a dificuldade.
11. Tempo dos Núcleos Setoriais – é um momento que faz parte do
processo de gestão da coletividade e acontece duas vezes na semana.
12. Tempo Abertura e Outros Tempos – acontece com o objetivo de
discutir os diversos aspectos relevantes da vida na escola, desde a
organização da escola, funcionamento dos Núcleos, estruturas físi-
cas, reivindicações e proposições, ou seja, um espaço para a consti-
tuição do Núcleo de Base.
13. Tempo dos educadores – reservado para o encontro dos educa-
dores, para estudarem, planejarem e acompanharem o desenvolvi-
mento do conjunto dos estudantes. Possui um cronograma fixo e
as atividades não estão submetidas à deliberação, pois podem ser
alteradas de comum acordo. A escola define dentro do regime de
trabalho a possibilidade de planejamento coletivo, com vista a po-
tencializar o tempo dos educadores.
Já apontamos que as sociedades propõem uma educação de acordo
com os seus objetivos de formação para a população. Caldart e Freitas (2017)
apontam que no caso da Revolução Russa, o plano educacional objetivava
preparar um novo homem e uma nova mulher para viver em uma sociedade
sem classes. Nesta nova organização social, os coletivos atuaram como uma
peça fundamental, os sovietes e a educação tiveram a tarefa de preparar a
juventude ativa para participar na vida coletiva. Isto implicava que os tra-
balhadores se tornassem proprietários da produção, extinguindo as classes
sociais. Os objetivos da educação após a revolução se expandiram a partir
dessa necessidade. O trabalho se tornou o centro da organização do sistema
educativo. “Pela porta de entrada do trabalho, chega-se, por suas conexões, à
vida, à auto-organização (pessoal e coletiva) e ao conhecimento sistematizado
– em estreita ligação com o estudo da atualidade – que em última instância
valida a forma e o conteúdo da nova escola” (Caldart; Freitas, 2017, p. 15).
Portanto, não era uma questão apenas de alteração dos conteúdos trabalha-
dos na escola, mas o jeito, a forma da escola, suas práticas e suas conexões
93
sociais, as relações de trabalho e de poder que precisavam ser modificadas
(Caldart; Freitas, 2017).
Guardadas as devidas diferenças, é isso que o Colégio Strozak tenta im-
plementar em sua prática pedagógica, baseando-se metodologicamente nos es-
tudos e fundamentos da escola do trabalho de Pistrak, que atuou liderando por
duas décadas a construção da escola e o desenvolvimento de uma pedagogia
marxista na extinta União Soviética. Doutor em Ciências Pedagógicas, pro-
fessor e membro do Partido Comunista desde 1924, Pistrak viu na revolução
socialista de outubro a possibilidade da criação da nova escola do trabalho.
Para Pistrak (2008) o trabalho na escola soviética só poderia ser fei-
to com uma teoria pedagógica revolucionária, pois é a teoria que precede a
prática revolucionária e dessa forma, a teoria marxista deveria ser assimilada
como um instrumento ativo de transformação da escola. Além disso, seria
necessário que a teoria comunista viesse junto a uma prática ativa quando
em alguma medida cada professor fosse um ativista social. “O domínio do
método marxista é mais da metade da tarefa em relação ao domínio das ideias
comunistas da educação” (Pistrak, 2008, p. 36).
Dessa forma, a escola deveria estar ligada às finalidades da educação
comunista na época, o que incluía: 1. A ligação com a atualidade; e 2. Auto-
organização dos estudantes.
Quando Pistrak se refere à ligação da escola com a atualidade, se refere
ao que gira em torno da revolução social, pois era o contexto em que a esco-
la estava inserida, mas também à fortaleza capitalista e a necessária revolução
mundial. Para dominar a atualidade seria necessária a unificação do ensino em
torno de grupos de fenômenos como objetos de estudo, concentrando o ensino
ao redor de um eixo, ou seja, o denominado Sistema de Complexos de Estudos.
Além da ligação da escola com a atualidade, a auto-organização é am-
plamente trabalhada por Pistrak, que designa à escola a função de formar,
ampliar e dirigir os interesses da criança, criar interesses coletivos, organizar
e unir as crianças em torno de interesses vivos, por meio do coletivo infantil.
Outra forma de auto-organização tem relação com as ocasiões em que as
crianças se organizavam ao redor de alguma coisa e a realizavam coletivamen-
te, como uma excursão, sarau, exposição, trabalho escolar etc., e também a
autodireção escolar.
94
Os dois aspectos: atualidade e auto-organização, determinam o caráter da
escola do trabalho soviética; ambos decorrem de uma só ideia básica, de
uma só compreensão marxista e revolucionária das tarefas da escola em
nossa época histórica de desenvolvimento tão rápido.
A organização da escola nesta base cria para as crianças um ambiente sóli-
do e saudável no qual se desenvolverá um espírito social forte, de trabalho,
jovial e animado nas futuras gerações (Pistrak, 2008, p. 55).
Na base do trabalho escolar, os tipos de trabalho considerados ade-
quados para o momento da escola soviética eram: 1. Autosserviço pessoal e
coletivo; 2. Participação no trabalho social externo à escola, que não exige
qualificação especial; 3. Trabalho agrícola; 4. Trabalho produtivo na fábrica;
5. Trabalho cuja natureza é de serviço.
O que Pistrak apontou para a escola da revolução foi que ao ligar a
escola com o trabalho, os conhecimentos científicos seriam gravados profun-
damente, pois a necessidade de tais conhecimentos seria incontestável e cor-
responderiam às finalidades principais da escola, ajudando na concretização
de seus objetivos.
No caso do MST há elementos que o impedem de realizar a proposta tal
como foi pensada por Pistrak, pois diferentemente do que acontecia na época
da revolução na extinta União Soviética, o MST luta para construir na escola
pública capitalista as bases de uma Educação do Campo que tenha como pi-
lar fundamental a Pedagogia do Movimento. Além disso, o MST enfrenta o
agronegócio com a força da agricultura familiar, de base agroecológica.
O Colégio Strozak propõe formas de inserir a Pedagogia Socialista em
seu PPP, mas encontra entraves impostos pelo Estado. No caso do Colégio,
os tempos formativos precisam ser modificados, e há necessidade de aumento
de carga horária para a realização do trabalho com os estudantes. Contudo,
aumento na carga horária implica aumento de disciplinas e mais cobran-
ças a respeito daquilo que o Estado considera importante. Como fazer os
alunos permanecerem mais tempo na escola sem a custódia do Estado? Os
professores não têm como permanecer mais tempo no Colégio, pois saem de
uma escola para outra sem pausa e não há monitores ou pessoas contratadas
para realizarem oficinas ou atividades extras. Até mesmo atividades como a
95
mística
15
são realizadas no tempo de aula, ou seja, ela só acontece se o profes-
sor dispensar alguns minutos da sua aula para tal. Caso contrário, a organiza-
ção e realização da mística não encontra espaço na escola.
Nesse sentido percebemos a dificuldade de realização da proposta pelo
MST e o quão significativo é que o Colégio Strozak ainda consiga realizá-la,
mesmo que parcialmente.
15
“No MST, mística refere algo intangível, é a qualidade de confiança, coragem e firmeza ante
situações favoráveis ou adversas da luta pela terra. Mística é também o nome dado a cerimônias
com características rituais realizadas precipuamente com intuito motivacional. Entretanto, longe
de limitar-se ao encorajamento dos militantes, tais cerimônias desempenham importantes funções
políticas e organizativas, com relevância atestada por serem atividades prescritivas, objeto de
regulação e reflexão especializada. Embora tarefa de equipes rotativas, altamente valorizada, ela é
considerada competência de militantes experientes, especialmente do setor de formação política.
No MST mística é: a) uma qualidade ou valor; b) uma prática ritual; c) um “princípio organizativo
e c) um “método de trabalho de base”.2 Em suas múltiplas dimensões, como veremos, a mística é
veículo e expressão da cosmologia do MST, desempenhando papel político fulcral na articulação de
suas instâncias organizativas e na propulsão da ação coletiva sem-terra” (Chaves, 2022, p.3).
97
CAPÍTULO IV
ARTICULAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E
TRABALHO NO COLÉGIO STROZAK:
COMPLEXOS DE ESTUDO E CICLOS
DE FORMAÇÃO HUMANA.
Quando Pistrak (2008) tratou da educação escolar, desenvolveu um
sistema de organização do material educativo em Complexos, que consiste
em tomar um objeto de estudo examinado por alguma disciplina ou série
de disciplinas congêneres e ao redor dele reunir o material educativo. Pistrak
denominou esse trabalho pedagógico de Sistema de Complexos de Estudos.
O Colégio Strozak é uma escola que coloca em prática a Pedagogia
do Movimento e adota a metodologia de Complexos de Estudo e Ciclos de
Formação Humana, baseado nos estudos e nas experiências da Pedagogia
Soviética e de Paulo Freire (Strozak, 2020).
Os passos para aplicação dos Complexos são, basicamente, os seguintes:
escolher um objeto de estudo, o tema e subtema do Complexo fazendo as re-
lações dos Complexos entre si; selecionar o enfoque do estudo para cada tema
do Complexo; organizar o trabalho dos estudos sobre o tema do Complexo.
A escolha do tema dos Complexos se encontra no plano social, pois deve ser
um conteúdo socialmente significativo e importante para a compreensão da
realidade atual. E o Complexo funciona como uma unidade de trabalho, que
ocorre de forma interdisciplinar.
Para realizar o trabalho com o Complexo, inicialmente é necessária
uma pesquisa sobre a realidade do mundo dos estudantes, que permita a
compreensão de sua realidade profundamente. O estudo deve perpassar várias
dimensões da vida, tais como o trabalho material, as formas de organização
98
vigentes, as lutas e anseios da comunidade, as fontes educativas disponíveis,
dentro e fora da escola. A escola se torna, portanto, um centro cultural e de
pesquisa que permite o estudo, a compreensão e a transformação da vida
cotidiana (Strozak, 2020).
O trabalho aparece como método geral na unidade do Complexo, mas
se incluem também as bases das ciências e das artes, os processos de desen-
volvimento da auto-organização dos estudantes inseridos em seus objetivos
formativos e os métodos específicos de domínio das disciplinas envolvidas no
Complexo (Strozak, 2013).
O Plano de Estudos e o PPP apontam que o Complexo não é um mé-
todo de ensino, mas uma unidade curricular que tem por objetivo integrar a
ação das variadas disciplinas para que o estudante compreenda e transforme
uma determinada porção da realidade.
De acordo com Leite (2017), porção da realidade pode ser compreen-
dida como aspectos da prática social que em alguma medida determinam a
vida social, como o trabalho, por exemplo.
Em entrevista, a ex-diretora do Colégio Strozak, Ana Hammel (2021)
afirma que é importante compreender o quão profundo é a proposta do
Sistema de Complexos.
[...] mexer na organização da escola, na estrutura, já é um processo muito
rico assim. Você olhar para essa forma escolar e poder reorganizar ela e po-
der pensar a partir de outra lógica que não seja essa lógica da seriação, da
cela da aula, ou simplesmente trabalhar a cognição. Olhar pra essa forma
escolar, do jeito que a criança aprende, do jeito de ensinar, já é um proces-
so muito rico. Só que não basta a gente mexer nisso, se a gente também
não mexer no currículo como um todo. Só que mexer no currículo não é
mexer no conteúdo, mas é nessa forma. E aí a gente diz que o Complexo
de Estudo, ele é mais uma estrutura metodológica, uma forma de a gen-
te organizar o conhecimento com um vínculo com a realidade, com o
trabalho como o motor central. É entender que a gente educa de várias
formas, mas o trabalho é educativo, a cultura, essa inserção, essa relação na
auto-organização. Então o Complexo nos possibilita colocar isso, como o
ser humano aprende e ensina (Hammel, 2021).
Entendemos, portanto, que os Complexos de Estudos possibilitam
99
uma reorganização do trabalho pedagógico, para que ele tenha ligação com a
realidade concreta da escola e dos estudantes.
As aprendizagens esperadas são direcionadas pelos objetivos formativos
de ensino e não pelo domínio de um trabalho propriamente dito. Não se
trata de inserir a criança em trabalhos, mas sim na prática social do traba-
lho para garantir correlação com a vida e dando sentido à aprendizagem. É
a compreensão da realidade que eleva o nível dos êxitos esperados em cada
Complexo, tanto do ponto de vista do ensino quanto do ponto de vista
dos objetivos formativos. O Plano de Estudos aponta que para introduzir o
Sistema de Complexos no Colégio, o trabalho pedagógico precisa estar orga-
nizado para contemplar um conjunto de Complexos semestralmente. Esses
Complexos devem articular as atividades teórico-práticas realizadas a partir
das diferentes disciplinas. Para exemplificar, usaremos o Plano de Trabalho
elaborado para o 6º ano, que para o segundo semestre reúne um conjunto de
quatro Complexos desenvolvidos a partir das seguintes porções da realidade:
1. A luta pela Reforma Agrária; 2. Manejo dos ecossistemas; 3. Autosserviço;
4. As formas de organização coletiva dentro e fora da escola.
A partir dessas porções da realidade as disciplinas devem ser planeja-
das para orientar o trabalho produtivo. Os componentes curriculares devem
observar os objetivos formativos, que são: 1. Exercitar a expressão oral e es-
crita; 2. Utilizar conceitos na compreensão de questões da realidade concreta;
3. Formular conceitos simples desde fenômenos da realidade; 4. Exercitar
o raciocínio lógico; 5. Demonstrar postura de curiosidade intelectual; 6.
Desenvolver capacidade de observação da realidade e percepção dos proble-
mas da vida; 7. Aprender a elaborar hipóteses de solução diante de problemas
da prática; 8. Aprender procedimentos básicos de pesquisa para aprofunda-
mento e comprovação de hipóteses ou posições sobre fatos; 9. Saber fazer
análises e compor sínteses (mentais e escritas); 10. Desenvolver a capacidade
de discernir sobre os vários lados de uma situação ou questão antes de tomar
decisões e de agir; 11. Apropriar-se de tecnologias de produção e uso social;
12. Praticar valores de solidariedade, cooperação, responsabilidade, empa-
tia, honestidade humildade, respeito e outros, demonstrando hábitos e emo-
ções de vida coletiva: disposição e entusiasmo de colaborar para o bem-estar
dos outros; 13. Demonstrar disponibilidade para ações de militância social/
100
política; 14. Desenvolver a capacidade de iniciativa e de agir organizadamen-
te diante de problemas; 15. Desenvolver hábitos de trabalho individual e
coletivo; 16. Aprender algumas habilidades técnicas relacionadas a trabalhos
socialmente úteis; 17. Compreender a lógica da cooperação ou da organiza-
ção do trabalho coletivo a partir de participação (na escola ou fora dela) em
formas de trabalho que envolvam as atividades de planejamento, execução e
balanço crítico coletivo; 18. Conhecer as formas de organização da produ-
ção e do trabalho no campo, compreendendo o atual contraponto de lógicas
entre agronegócio e agricultura camponesa, e sua relação com as lutas sociais
dos movimentos sociais camponeses da atualidade; 19. Cultivar a memória e
a identidade de trabalhador, camponês, Sem Terra; 20. Valorizar a produção
cultural e fazer a análise crítica da atuação da indústria cultural e das tradições
culturais; 21. Desenvolver a cultura corporal, possibilitando ampliar a cons-
ciência, a expressividade, o respeito e o cuidado com o corpo; 22. Consolidar
hábitos de higiene e de cuidados com a saúde; 23. Desenvolver a sensibilidade
estética, a criatividade e a capacidade de expressão artística; 24. Desnaturalizar
as relações de opressão, demonstrando consciência e indignação diante de in-
justiças e situações de exploração entre os seres humanos e da natureza; 25.
Realizar as atividades com comprometimento e autodisciplina posicionando-se
criticamente diante delas; 26. Desenvolver a afetividade, ampliando gradativa-
mente o equilíbrio emocional; 27. Estabelecer/perceber relações entre conteú-
dos de ensino, atividades práticas e questões da realidade atual; 28. Perceber as
conexões que ligam entre si os fenômenos, naturais e sociais, compreendendo,
pelas questões da prática, o que são contradições, o que é movimento e como
acontecem as transformações na natureza, na sociedade.
Um dos quatro Complexos do 6º ano (2º semestre) foi organizado a
partir da porção da realidade A luta pela reforma agrária. De acordo com o
Plano de Estudos (Strozak, 2013, p. 67), “Essa luta envolve não só a necessi-
dade de acesso à terra como meio de produção, mas é uma luta por condições
adequadas para viver e produzir, o que implica em moradia, acesso à tecnolo-
gia, viabilização da circulação e venda da produção e outros.
Em cada Complexo são envolvidos alguns componentes curriculares.
No caso do Complexo 1 foram envolvidos os componentes Educação Física,
Língua Estrangeira Moderna, Espanhol, História e Geografia e Matemática.
101
Cada componente possui justificativa, conteúdos, objetivos de ensino, que
devem se ligar aos objetivos formativos, pré-requisitos, metodologias e ava-
liação para o trabalho com o Complexos.
O componente curricular de História, por exemplo, apresenta o tra-
balho com os seguintes conteúdos: América pré-colonização, povos pré-co-
lombianos, povos indígenas e a colonização do Brasil, primeira civilização e
o modo de produção escravista; Egito, Mesopotâmia, Grécia, Roma, Índia,
China e Povos Africanos.
Como objetivos de ensino, o Plano de Estudos (Strozak, 2013) elen-
ca: Conhecer os diferentes modos de produção dos povos indígenas Pré-
Colombianos; Perceber como o processo de colonização condiciona a produ-
ção da existência da América e do Brasil; Identificar o modo de produção e
organização social nas sociedades escravistas: Ásia e África; Entender a orga-
nização da sociedade colonial.
Cada educador tem autonomia para desenvolver a sua disciplina de acordo
com as suas inclinações metodológicas, a que introjetou ao longo de sua formação
teórica e prática. Contudo, espera-se que os educadores interliguem as relações de
significação das aprendizagens com a luta pela terra. Essa forma de organização se
repete nos demais complexos, perpassando por todas as disciplinas.
A organização do trabalho por Complexos implica uma organização do
currículo específica, como mostramos. Quando o educador é contratado para
trabalhar no Colégio ou na escola itinerante, precisa se adaptar a essa nova
forma de organização do trabalho pedagógico. É um projeto diferenciado
que se distancia da proposta da Secretaria Estadual de Educação do Paraná,
logo, um desafio para esses profissionais. Contudo, é nessa nova forma de
organização que podemos perceber a articulação da educação com a realidade
concreta da vida dos estudantes e com a Pedagogia do Movimento, principal-
mente com os eixos que são avaliados em cada disciplina de cada Complexo.
O Plano de Estudos aponta que a avaliação requer dos estudantes a
demonstração de atitudes e vivências relacionadas aos temas trabalhados, tais
como “Demonstrar na organização coletiva no acampamento/assentamento
e na escola práticas mais solidárias” (Strozak, 2013, p. 60); “A partir do lu-
gar em que vive, o educando identifique e compreenda as bases das relações
de trabalho;” (Strozak, 2013, p. 83); “Estabelecer relações entre o modo de
102
produção europeu e os indígenas (Incas, Maias e Astecas), estabelecer rela-
ções entre as técnicas Incas de armazenamento e cultivo das sementes e as
realizadas dentro do acampamento” (Strozak, 2013, p. 84); “A partir do lugar
em que vive, o educando já identifica e compreende as bases das relações de
trabalho (quem trabalha, com o que trabalha e porque trabalha) [...]” (Strozak,
2013, p. 100); “O educando identifica, relaciona e diferencia as formas de
ocupação e uso do solo, em particular para agricultura pecuária, extrativismo,
desde o lugar em que vive, assim como, em diferentes paisagens e regiões brasi-
leiras.” (Strozak, 2013, p. 111); “Utilizar regra de três para operações diversas:
para comparar preços, para montagem de receituários de adubos orgânicos e
agroecológico.” (Strozak, 2013, p. 144); “Utilizar cálculos algébricos para abs-
trair dados no planejamento da propriedade, da comunidade e da produção.
(Strozak, 2013, p. 144); “Levar os educandos e educandas a serem sujeitos ar-
ticulados com a família e comunidade para melhorar as condições de produção
ao mensurar dados e produzir de forma planejada utilizando escalas, medidas
dos ângulos e porcentagem.” (Strozak, 2013, p. 145); “Estudar e mensurar
dados da reforma agrária no Brasil.” (Strozak, 2013, p. 194).
Os objetivos são mensuráveis e quando alcançados fazem sentido na
vida dos estudantes, podendo fazer diferença imediata na sua convivência
familiar e comunitária.
Organizar o trabalho pedagógico por meio dos Complexos envolve
uma mudança na perspectiva teórica de educação, mas não só isso. É preciso
uma reorganização dos tempos e espaços da escola e na forma como os estu-
dantes serão avaliados. O Sistema de Complexos requer um tempo maior
de trabalho e o fechamento das médias é semestral e não trimestral, como
acontece nas escolas estaduais do Paraná. Além disso, não são atividades ava-
liativas que valerão notas e serão as responsáveis pelo processo avaliativo de
cada estudante. Os docentes elaboram pareceres descritivos sobre o processo
de aprendizagem e acompanham o avanço de cada estudante.
O Conselho de Classe é participativo e os pais têm acesso ao Parecer
Descritivo
16
para que possam compreender o processo de aprendizagem de seus
filhos. Dias (2021) afirma que, no Colégio Strozak, os pais têm grande influên-
16
Trata-se de um documento detalhado em que o professor precisa descrever os momentos de
aprendizagem em que constam os saltos qualitativos do aluno no processo de ensino-aprendizagem.
103
cia sobre a proposta pedagógica, dando opiniões, sugestões e propondo mudan-
ças e que no Conselho os pais ficam cientes do processo de aprendizagem das
crianças e também de seu comportamento e participação. A criança também
está presente no Conselho e pode se manifestar. Dessa forma, o Conselho de
Classe Participativo constrói formas de melhorar o processo de aprendizagem
dos estudantes em parceria com a família e comunidade docente.
Essa forma de organização da proposta pedagógica é o que resultou
na fala de Dias (2021) no capítulo anterior, quando afirma que a escola é
de todos. O pertencimento não tem relação com a estrutura física da escola,
ou com sua localização apenas, esse pertencimento é pedagógico e cultural
também. Todos são responsáveis por manter a escola funcionando bem para
que nela os estudantes possam conhecer mais sobre suas próprias realidades e
fazer a diferença em suas comunidades.
Além dos Complexos de Estudo, a organização do Colégio Strozak
ocorre por meio dos Ciclos de Formação Humana (CFH), com base nos es-
tudos de Paulo Freire. Os CFH apresentam uma nova forma de organização
dos tempos e espaços. Por exemplo, no Colégio Strozak o Ensino Médio é
concentrado no período da manhã, as turmas do Ensino Fundamental no
período da tarde, e as turmas do curso de formação docente alternam entre
ambos os períodos. Os CFH propõem que os estudantes que atingirem o
aproveitamento necessário ao final do ciclo avancem para o ciclo imedia-
tamente seguinte e aqueles que não atingirem sejam encaminhados para a
classe intermediária, que faz parte do PPP do Colégio Strozak e não gera
matrícula no Sistema Estadual de Registro Escolar (SERE).
A proposta é que ao fazer parte da Classe Intermediária, o estudan-
te possa alcançar o aproveitamento previsto para o ano e que assim possa
avançar no ciclo, eliminando características de retenção existentes na rede
estadual. É uma classe entre uma turma e outra que tem por objetivo ajudar o
estudante a superar as dificuldades que impedem seu pleno desenvolvimento.
A classe intermediária é organizada em torno de áreas, tais como a
Linguagem, Ciências da Natureza e Ciências Sociais e cada área tem 5 horas/
aula semanais. Quando o estudante é encaminhado para a classe interme-
diária, a família opta pela participação do estudante e assume apoiá-lo para
superar seus limites em um trabalho conjunto com a escola.
104
Os CFH modificaram a forma de o professor organizar o seu trabalho,
pois, enquanto na escola oficial o aluno que não atingiu o objetivo (nota) é
reprovado, o projeto pedagógico dos Ciclos indica uma intermediação e o
estudante continua no processo educativo.
Os documentos analisados, apontam que há um avanço teórico, mas
que há dificuldades em sua aplicação. Uma das professoras entrevistadas, que
preferiu não ser gravada nem identificada na entrevista, aponta que a propos-
ta do Colégio Strozak é ótima, mas por ser diferenciada, é de difícil apropria-
ção e quando alguns professores começam a se apropriar dela, o ano letivo
termina e nem sempre esses profissionais retornam para a escola.
Contudo, a diretora do Colégio, Jucélia Castelari (2021), aponta que
nem sempre isso é algo negativo, pois professores que estão há muito tempo
no Colégio podem recusar a se apropriar dos conhecimentos e não integrar
os Complexos ao trabalho pedagógico da forma como o Colégio propõe, en-
quanto novos professores podem desempenhar um excelente trabalho nesse
sentido, mesmo sem vínculo efetivo no cargo.
Um dos professores entrevistados, Tiago Prestes (2021), afirmou que
já conhecia a proposta dos Complexos de Estudos e do CFH por ter sido
estagiário por meio do Programa de Iniciação à Docência no Colégio e que,
após formado e convocado no Processo Seletivo para professor, optou por
trabalhar no Colégio Strozak e no Colégio Itinerante Herdeiros do Saber I.
A escolha pessoal do professor se deveu à sua integração com a proposta do
Colégio, contudo, em entrevista ele aponta algumas dificuldades na inserção
dos Complexos ao trabalho pedagógico:
É uma boa proposta, mas ela tem algumas limitações, ela tem muitas limi-
tações, porque a gente não consegue fazer com que os estudantes sintam
pertencentes à escola e que o comprometimento com os estudos deles é
[...] reflete não só na vida deles como estudantes, mas no desenvolvimento
dos lotes deles. Eu até procuro mostrar pra eles, por exemplo, eu trabalho
aqui a disciplina de matemática, eu tento mostrar pra eles, por exemplo,
cálculo de área e perímetro, o quanto que aprender cálculo de área e pe-
rímetro pode ser importante para eles dentro da propriedade deles sabe,
o quanto que eu vou produzir num metro quadrado, o quanto que eu
preciso fechar, quanto de tela, por exemplo, que eu preciso fechar pra
fazer uma horta, sabe [...] e eu tento o máximo trazer o conteúdo de uma
105
maneira que eles consigam adaptar dentro da realidade deles. Mas, mesmo
assim, eles não têm esse comprometimento com a realidade deles. Para o
professor é preciso fazer um resgate, um resgate histórico, para entender o
significado da escola, e tudo o que ela representa (Prestes, 2021).
Apesar de o Colégio ter seu PPP específico e uma proposta elaborada
e aprovada pela Secretaria Estadual de Educação, não pode se desvincular da
proposta curricular do Estado. Com a necessidade de implementação da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), o Colégio tem encontrado novos desa-
fios no que se refere à organização do trabalho pedagógico. Até 2019, o Colégio
não havia implementado em seu projeto a BNCC, mas a partir de 2020 a Base
foi incorporada à, tendo como base o Referencial Curricular do Paraná. “A adap-
tação ocorreu a partir da construção coletiva para atender a especificidade do con-
texto das escolas inseridas em áreas de Reforma Agrária” (Strozak, 2020, p. 10).
De acordo com Hammel (2021), a BNCC retira elementos fundamen-
tais da filosofia, sociologia, história etc., trazendo de forma muito amarrada
o que deve ser trabalhado com os estudantes. “Nosso grande problema da
BNCC é como ela trata a questão das disciplinas no currículo. Para nós, por
exemplo, a gente já trabalhava com uma matriz mais equitativa [...] que não
é esse número que tem na BNCC.” Outra preocupação de Hammel (2021) é
a questão das propostas dos itinerários formativos.
Outra questão que está posta é o processo de luta que a gente está fazen-
do, o último que acompanhei o Paraná estava propondo para as escolas
do campo paranaenses a formação no agronegócio na escola, e Escola
Itinerante e o Colégio Iraci já falaram que não querem né, e que eles pos-
sam oferecer a agroecologia na escola. Mas quem vai dar a formação para
esses professores que não têm formação na rede? O Paraná vai garantir o
espaço para que eles tenham formação? E se o estudante não quiser fazer a
agroecologia ele vai ter a opção de escolher outro itinerário? Então quando
chega no chão da escola, as questões têm várias variantes que nem sempre
o Estado considera. Então isso acaba sendo um problema, então quando
a escola tem um corpo docente que é capaz de lidar com as adversidades,
conseguindo mesmo diante de um modelo precário, imposto, como é a
BNCC [...] têm resistência, eles têm discutido, eles se reúnem, eles fazem
proposta, questionam o Estado e isso é um processo educativo, não só
para os alunos, mas também para os professores.
106
É possível perceber que mesmo com a organização e elaboração de um
PPP que contemple as bases para uma formação significativa para os alunos
do Colégio, há um entrave entre as possibilidades e a realidade concreta. Um
exemplo é que quando o Colégio Strozak propõe o rompimento da escola em
séries, está avançando sua proposta para além da progressão continuada, que é
a proposta de outras Secretarias Estaduais e Municipais. Mas para que a adoção
dos Ciclos seja válida, necessita de uma mudança significativa nas concepções
que sustentam as práticas pedagógicas e a consolidação das mesmas.
Não se trata de uma reorganização da estrutura curricular, mas sim do
modelo de ensino, pois o que prevê a organização em Ciclos são os agrupamen-
tos referências e os reagrupamentos. Agrupamentos são as turmas de origem
em que os estudantes estão matriculados. Reagrupamentos são novas turmas,
que se formam a partir das necessidades e potencialidades que são identificadas
nos estudantes e serão utilizadas como forma de recuperação de ensino. Os
agrupamentos trazem a concepção de que as diferenças são necessárias para a
efetivação do processo educativo. Com os agrupamentos e reagrupamentos a
escola é colocada em movimento e cria tempos e espaços de aprender.
Uma das implicações mais concretas da organização dos CFH é que
são necessários registros mais qualitativos do que quantitativos da avaliação
e a participação dos estudantes e dos educadores na organização dos sujeitos
na escola e nos Conselhos de Classe Participativo. Um registro mais qualita-
tivo é uma das marcas do Colégio, que avalia os seus estudantes por meio do
Parecer Descritivo. Contudo, até mesmo a elaboração dos Pareceres pode ser
um problema no contexto de escola, pois o tempo de alguns professores não
colabora para o cumprimento da proposta. É o que destaca o professor Tiago
Prestes (2021):
[...] o Parecer ele tem uma intencionalidade de te dar uma dimensão so-
bre o aprendizado do educando. Só que como a gente, pra gente ter um
salário um pouco melhor, a gente tem que pegar muitas aulas né, então a
gente não consegue dar o acompanhamento e atenção devido pros edu-
candos. Então assim, se pegar o Parecer que a gente produz e pegar o
Parecer por exemplo, dos professores dos anos iniciais tem uma diferença
muito grande, eles têm um acompanhamento, eles estão todos os dias ali,
conversando com os mesmos estudantes, eu não. De manhã estou numa
turma, de tarde estou em outra, de tarde estou em outra, outro dia eu
107
estou em outra escola, eu trabalho em duas escolas, mas tem professora
que trabalha em 5, 6 escolas, sabe. Então a gente não consegue dar um
acompanhamento e dar a atenção devida para fazer a avaliação daquele
educando, a gente não consegue fazer isso.
A professora D’ávila (2021) afirma que a proposta tem limitações e que
o Estado a ataca por todos os lados.
Até a própria relação com o Estado é difícil. Igual na Escola Iraci e aqui na
Itinerante, até a formação pedagógica e a formação continuada o Estado
direciona, não tem como a gente fazer algo diferente, trabalhar outras
perspectivas, trazer a Universidade, trazer outros pesquisadores porque
sempre o Estado determina o conteúdo dessas formações, então por mais
que a gente tenha, esteja, dentro de um assentamento que tenha uma his-
tória de luta, é um território de luta, de conquista, mas a gente ainda não
consegue fazer uma educação diferenciada, porque o Estado intervém, o
Estado direciona, ele limita também. Então a gente ainda dentro dessa
relação com o Estado, a gente não consegue avançar. E é claro, a forma da
escola também dificulta, por que essa forma ainda? As aulas, cinco aulas,
que tem que estar em sala de aula. Como que a gente rompe com a cela de
aula ne? Que tem que estar tudo fechadinho ali, né? A gente não consegue
pensar a auto-organização da juventude, pensar a questão do trabalho. O
trabalho que de uma certa forma pode ser realizado na própria escola, que
tem conhecimento também, conteúdo escolar, só que normalmente essa
forma ela já vem pronta e delimitada. É assim que se faz escola. E a gente
gostaria de fazer uma outra escola ainda. Só que dentro dessa relação com
o Estado a gente não consegue.
A fala da professora mostra que o avanço teórico do Colégio também
é fruto de muita luta, pois com as constantes intervenções do Estado, a pró-
pria organização da proposta é um desafio e colocá-la em prática um desafio
maior ainda.
O Plano de Estudos aponta para uma elaboração curricular que combina
os objetivos político-econômicos do Movimento com as condições da sua rea-
lidade. Quando tratamos do ensino, nos referimos a ações específicas na escola.
Mas a educação é ampla e a escola ao propor a articulação com o trabalho, não
fica restrita aos seus muros. No caso do Colégio Strozak, as suas ações ecoam
para o Assentamento Marcos Freire e para a cidade de Rio Bonito do Iguaçu.
108
A professora D’ávila (2021) afirmou que o desmonte da máquina pú-
blica dificulta as possibilidades da escola. Trabalhos ligados à arte e cultura
que contavam com a participação de formadores no contraturno escolar, por
exemplo, foram cortados. Logo, a escola fica dependente de voluntariado ou
trabalho extra não remunerado de professores, o que dificulta ou inviabiliza a
realização de parte da proposta.
O MST (1996) afirma que a escola deve ser responsável por propor ex-
periências de trabalho e acompanhá-las para que sejam educativas. No campo
teórico, o professor Nilton José Costa Silva (2021), do Colégio Strozak, em
entrevista, explicou que em sua disciplina faz um debate específico com os
estudantes para que compreendam o valor do trabalho e a importância dele
na vida do ser humano.
Aqui a gente procura trabalhar a questão de que os alunos, aqueles que
queiram né, se mantenham no campo, mas que ele tenha a condição e o
entendimento de que ele pode fazer disso algo melhor pra ele. Não por
ser do interior, por ser uma escola do interior que ele vai ser menos do
que aquele, uma possibilidade menor do que aquele que está na cidade.
Mas na realidade a gente vê isso né? Geralmente as escolas da cidade têm
uma estrutura, uma condição, uma estrutura melhor do que as escolas do
campo. Mas essa relação com o trabalho, a gente procura trabalhar isso
com eles, da importância do trabalho, mas não aquele trabalho, vamos
dizer assim, aquele trabalho como um escravo, vamos dizer assim entre
aspas né. O trabalho como uma coisa natural, uma coisa que as pessoas
precisam, mas tem que ser prazeroso pra você, pra tua sobrevivência, pra
que você faça aquilo que você gosta também. A gente trabalha dentro
dessa perspectiva.
O professor afirma que na atualidade há dificuldades, diferença na luta,
certo distanciamento entre as famílias e os professores. Mas, mesmo assim,
afirma que a escola avançou pedagogicamente. O professor diz que vale a
pena trabalhar no Colégio e que não abre mão, pois sente que pode fazer
a diferença na vida das pessoas e na proposta da escola, debatendo, dando
opinião, sendo ouvido, sendo criticado e é isso que ele tenta ensinar aos alu-
nos. O debate do professor em sala de aula aponta para a concepção de que
o trabalho faz parte da construção do sujeito. Para o professor, os debates
109
em que os estudantes do Colégio são envolvidos e a proposta de trabalho
pedagógico formam os estudantes para lidar com questões da realidade e isso
implica uma articulação do pensamento que os diferencia de estudantes de
outras escolas.
4.1 EDUCAÇÃO E TRABALHO PRODUTIVO
NO COLÉGIO STROZAK
Ao combinar a educação com o trabalho, o MST (1996) estabelece o
trabalho como prática que provoca a aprendizagem e teoricamente obser-
vamos isso no Plano de Estudos do Colégio, em objetivos formativos, tais
como: 1. desenvolver hábitos de trabalho individual e coletivo; 2. aprender
técnicas relacionadas a trabalhos socialmente úteis; 3. compreender por meio
do trabalho coletivo a partir de participação na escola ou fora dela, a lógica
da cooperação ou da organização do trabalho coletivo; 4. conhecer as formas
de organização da produção e do trabalho no campo.
No campo prático, uma das atividades de destaque da articulação entre
educação e trabalho produtivo foi a construção de uma cisterna para aca-
bar com o problema de distribuição de água na escola. A professora D’ávila
(2021) revela que o Colégio Strozak sofria com a falta de água do município
e que, a partir de discussões e com a ajuda de uma universidade, os estudantes
foram inseridos no trabalho coletivo da escola e da comunidade para a cons-
trução da cisterna. De acordo com a professora, as discussões giraram em tor-
no da organização pedagógica para aliar a demanda ao Complexo de Estudo.
Dessa forma, o Colégio desenvolveu um trabalho que uniu teoria e prática,
para que os alunos não apenas participassem da construção da cisterna, mas
planejassem sua construção.
[...] surgiu a ideia de construir uma cisterna pra captar água, para quando
faltar água a escola ter esse recuso, ter um reservatório. Daí eu lembro que
a gente dizia: Essa cisterna tem que ser fruto de um trabalho coletivo da
escola e da comunidade, não basta alguém vir de fora e construir a cisterna
para gente, a gente quer construir a cisterna. E foi muito bacana, envolveu
professores, os alunos participaram, os alunos que ajudaram a medir, a
projetar, a bater cimento, a construir a própria cisterna. [...] e daí era isso,
pra nós o trabalho tinha que ter um sentido, os alunos vão aprender o
110
que? área, perímetro, quantidade? E em Artes o que a gente vai fazer? vai
contar a história através de paisagem, retrato. Daí parece que pra nós tinha
que ter um sentido o trabalho.
A construção da cisterna envolveu os alunos em ações organizadas para
sanar uma demanda da comunidade. Como dissemos anteriormente, a articu-
lação entre educação e trabalho produtivo extrapola os muros da escola. E a fala
da professora mostra como as ações se organizam em torno de uma demanda.
Para a construção da cisterna foram necessários conhecimentos que os
alunos desenvolveram enquanto trabalhavam. Construir uma cisterna não
é uma tarefa que vem atrelada aos materiais didáticos de escolas do ensino
básico. Foi uma oportunidade que surgiu no Colégio Strozak e os estudantes
puderam aprender na prática e desenvolver suas habilidades específicas.
Quando o Colégio organiza esse tipo de atividades coloca em prática
o que o MST (1996) aponta como tarefa das escolas do Movimento, ou seja,
vincular mais diretamente as escolas com a busca de soluções para os problemas
enfrentados nos acampamentos e assentamentos. Pistrak (2008) afirmou que o
trabalho realizado pelos estudantes na escola deve ser o trabalho necessário para
as pessoas e que os conhecimentos científicos trabalhados para a realização des-
ses trabalhos devem corresponder às finalidades principais da escola. Em uma
ação como foi a construção da cisterna, além de ser um trabalho necessário,
muitos conhecimentos científicos foram trabalhados com os estudantes.
Enquanto a cisterna organizou um trabalho em prol de uma demanda
específica, o trabalho no Jornal do Colégio é uma atividade permanente rea-
lizada pelo Núcleo Setorial de Comunicação, responsável pela organização,
produção e distribuição do Jornal Frutos da Luta. A elaboração do Jornal é
um dos elementos em que podemos perceber a materialização da articulação
entre educação e trabalho produtivo.
O professor e ex-diretor do Colégio, Rudison Luiz Ladislau (2021), em
entrevista, afirmou que o Jornal tem vários objetivos, dentre os quais está a
divulgação do trabalho pedagógico e comunitário realizado no Colégio e pelo
Colégio. Outro objetivo é a escrita, pois geralmente a escola ensina a cópia
e não a produção e o Jornal possui o intuito de ajudar a produção de auto-
ria, além de produzir conhecimento e material pedagógico. Outro objetivo
do Jornal destacado pelo professor é o trabalho de base com a comunidade,
111
mantendo o vínculo entre a escola e a comunidade, com cerca de mil famí-
lias. Outro importante elemento é o fator histórico de um material escrito
sobre a escola, assentamentos e acampamentos diante da grandiosidade da
sua história no município de Rio Bonito.
O Jornal Frutos da Luta resgata os sujeitos da história do assentamento.
Os estudantes participam do processo de produção do Jornal desde o levanta-
mento das possíveis reportagens até a redação, envio para a gráfica e distribuição.
Imagem 8 – Capa do Jornal Frutos da Luta
Fonte: Blog do Colégio Strozak disponível em: https://jornalfrutosdaluta.blogspot.
com/2019/10/colegio-iraci-salete-fez-lancamento-de.html Acesso em 20 fev de 2022.
Antes da pandemia, os alunos foram à gráfica para conhecer o traba-
lho da produção de um jornal e com o objetivo de acompanhar o processo
como um todo. Contudo, a incidência da pandemia estagnou o projeto. De
112
acordo com o professor Ladislau (2021), ao participarem do processo gráfico
de produção do Jornal, os estudantes enxergam as contradições existentes no
meio das comunicações.
Depois de impresso, o Jornal é entregue aos estudantes do Colégio Strozak e
para todas as escolas do Assentamento, o que inclui escolas municipais e estaduais,
além de ser enviado para a Universidade Federal da Fronteira Sul, em Laranjeiras
do Sul, para o Setor de Educação do MST, para a Câmara dos Vereadores, para a
Prefeitura de Rio Bonito e para o centro comercial de Rio Bonito.
Uma das características da produção do Jornal é que as notícias não
são cópias de outras, como ocorre em veículos midiáticos. O Jornal Frutos da
Luta produz notícias de interesse do Assentamento e que são fruto da realida-
de da população assentada. Os educadores também escrevem algumas notí-
cias, mas a organização e produção do Jornal ficam a cargo dos estudantes do
9º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, mas, também,
há produções de estudantes do 5º ano, por exemplo, caso encontrem algo que
seja pertinente à edição, como um desenho ou uma poesia.
O professor Ladislau (2021) relatou que o jornal adquire uma propor-
ção importante na vida dos estudantes, pois a produção escrita é uma dimen-
são educativa difícil de ser trabalhada e o jornal cumpre essa tarefa.
A aluna Katlyn Kayane da Silva Santiago (2021), que faz parte do
Núcleo Setorial de Comunicação, matriculada no Ensino Médio do Colégio,
assentada desde a infância, trabalha no Jornal desde 2019. De acordo com a
aluna, a equipe responsável pelo Jornal é composta por alunos, que dividem
as tarefas de digitação, notícias e diagramação do Jornal. Santiago (2021)
relatou que os encontros acontecem às terças-feiras para organizar as tarefas,
mas, caso haja necessidade os estudantes se organizam em outras datas.
De acordo com Santiago (2021), depois de finalizada a diagramação, o
Jornal é enviado para a gráfica, que imprime os exemplares e os disponibiliza
aos estudantes para distribuição.
Depois de cada término do jornal, depois de ser enviado pela gráfica,
eles distribuem aqui no Colégio para os alunos, professores, funcionários,
todos. E também aconteceu uma vez que eu lembro quando eu estava
no primeiro ano que dois alunos subiram no ônibus de meio dia pra su-
bir lá no Rio Bonito, na cidade, no centro, distribuiu um pouco, para
113
conhecerem um pouquinho do nosso trabalho. E daí depois disso, eu
acho que mais ou menos uma semana a gente já começa a procurar as
reportagens, na próxima semana já fazendo né, procurando todas as infor-
mações necessárias para ir fazendo o próximo (Santiago, 2021).
Primeiramente os alunos observam o que pode vir a ser notícia, como
um espaço que necessita de calçamento, uma mística interessante, a história de
um aluno etc. E depois reúnem as informações e passam a organizar o levan-
tamento de dados e a implementação no Jornal. Santiago (2021) afirma que o
Jornal trouxe experiências positivas e ajudou a melhorar o desempenho escolar:
[...] nossa eu mudei totalmente sabe, tipo eu comecei a pensar mais, eu
comecei a analisar mais o meu comportamento, comecei a ter espírito de
liderança, de ajuda, de empatia, de muito autoconhecimento. E daí come-
cei a pesquisar e querer saber mais, e fiquei bem curiosa para tudo quanto
é tipo de assunto. Diagramação também aprendi bastante, diagramação,
fazer texto, sabe tipo, elaborar bem certinho o texto, diferenciar o texto,
como precisa ser o texto jornalístico sabe. Eu por exemplo, aprendi a fazer
os textos que precisa fazer para o professor, eu aprendi a fazer no Jornal,
nas reportagens aprendi como fazia. Então creio que isso ajuda muito
também, como posso dizer, saber que tem aquela responsabilidade com
alguma coisa, se sentir importante, ah o meu trabalho tá sendo valorizado,
tipo sabe, é muito bom.
A aluna afirma que o jornal é importante por informar a comunidade
sobre os acontecimentos no Assentamento e sobre o que acontece no Colégio.
É no Colégio que há oportunidade para os estudantes entenderem seu valor e
como se inserem na sociedade, pois compreendem como as coisas realmente
são e não só como elas parecem.
O desenvolvimento do trabalho com o Jornal está ligado ao processo
cultural em que os alunos precisam estar inseridos, pois nesse processo culti-
vam a identidade Sem Terra e permanecem na luta.
Um outro projeto que articula a educação ao trabalho é o Centro da
Memória, que tem por objetivo manter a história da construção do assenta-
mento em exposição.
O Centro da Memória desenvolve com os estudantes o projeto
Tecendo Arte, que objetiva gerar renda para as mulheres do assentamento,
114
que costuram bolsas e fazem artesanatos variados para venda em feiras, como
a Jornada da Agroecologia, em Curitiba, a Feira de Economia Solidária
Agroecológica e em eventos de Universidades. Além do Tecendo Arte, os
estudantes também fazem parte do projeto Centro da Memória Terra e Povo,
que foi criado com o objetivo de recolher e organizar materiais para exposi-
ções sobre a história do Assentamento desde a época do Buraco. Inicialmente
os estudantes fizeram um resgate oral com os membros de suas famílias e
junto a isso recolheram material que pudesse ajudar a contar a história, tais
como jornais, fotos, utensílios etc.
Além do Centro da Memória, foi lançado um livro com as entrevistas
cedidas pelos assentados. Os estudantes com ajuda dos docentes escreveram
os textos e funcionários do Colégio digitaram o material, com um trabalho
coletivo em prol de um mesmo objetivo.
O trabalho envolve várias Matrizes da Pedagogia do MST e articula
ações educativas. A vivência dos estudantes com as trabalhadoras os insere
diretamente no processo produtivo e nisso há grande potencial educativo
(Ladislau, 2021).
Imagem 9 - Capa do livro Memórias literárias do acampamen-
to Buraco e Assentamentos de Rio Bonito do Iguaçu – Paraná
Fonte: arquivo pessoal da autora (2021)
115
Durante a divulgação da Festa da Colheita, estudantes se organizaram
para embelezar os pontos de ônibus do assentamento, envolvendo profes-
sores, assentados e estudantes. A ação foi a de pintar os pontos de ônibus e
propagar a arte no assentamento. Durante a atividade os assentados atuavam
como profissionais e os estudantes como aprendizes. O projeto de embeleza-
mento dos pontos de ônibus partiu de discussões e envolveu outras escolas do
assentamento. Foram levantadas as demandas e as pessoas necessárias para a
realização do trabalho, tais como pessoas que dominam a técnica do desenho,
para auxiliar os estudantes. O professor Ladislau (2021) também destacou
o trabalho com muralismo no Colégio, em que estudantes aprendem com
voluntários a realizar o trabalho no assentamento e na escola.
Imagem 10- Foto de um mural no Colégio Strozak
Fonte: arquivo pessoal da autora (2021)
Ladislau (2021) afirma que no Colégio Strozak os estudantes participa-
vam de oficinas, geralmente com temas relacionados à pintura, diagramação
do Jornal, muralismo, oratória e agroecologia. Mas essas ações diminuíram
com o passar do tempo.
Os trabalhos realizados pelos alunos do Colégio Strozak articulam um nú-
mero significativo de dimensões e envolvem os alunos, mas não têm como horizon-
te um rendimento econômico. Os trabalhos realizados pelos alunos são organizados
em prol de benefícios coletivos, como o caso da cisterna para captação de água, da
horta, do embelezamento dos pontos de ônibus e do Centro da Memória.
116
Em entrevista, Hammel (2021) afirmou que a proposta do Colégio é
para que os estudantes compreendam que estudar é um trabalho e deve ser
desenvolvido com zelo e responsabilidade.
Escrever uma notícia para o Jornal, cuidar da horta ou jardins, ajudar
na construção da cisterna, deve fazer parte do cotidiano dos estudantes, mas
eles também devem compreender o quão importante é saber geografia, his-
tória, matemática etc. Essas atividades envolvem os estudantes em processos
que os ensinam para que serve o que aprendem na escola. Ao usar a matemá-
tica para calcular quantos metros de tela são necessários para fechar a horta
do Colégio, ou quantos litros de tinta serão usados para embelezar os pontos
de ônibus etc., os estudantes aguçam parte de seu conhecimento para modi-
ficar a própria realidade.
De acordo com o professor Silva (2021) em suas aulas de história ele tem
por objetivo mostrar aos estudantes as contradições existentes no mundo do traba-
lho capitalista, pois somente quando eles as percebem é que podem modificá-las.
De uma forma geral eu trabalho dentro dessa perspectiva, de mostrar tudo
aquilo que o trabalho proporciona ao trabalhador e o que que o resultado
disso também proporciona pra ele. As vezes a pessoa não tem esse entendi-
mento, de que ela trabalha, trabalha, trabalha, e de repente você não tem
acesso a muitas coisas que você ajuda a produzir. Então a gente procura
mostrar nesse aspecto, que o trabalhador, qualquer que seja ele, tem que
ser valorizado. O que leva uma profissão a ter um determinado valor e
uma outra profissão, valor monetário no caso, e outra não? No caso valor
social, a gente tenta mostrar para eles que todos são importantes dentro da
sociedade, mas daí já vem a questão, que é de praxe, mas por que o médico
ganha tanto e daí fulano ali ganha tanto? Aí a gente procura mostrar isso.
A sociedade que nós vivemos faz isso, ela direciona, o médico é doutor, ele
tem um valor. Mas que valor é esse? Que valor é esse dentro da sociedade?
Todos nós temos uma função e uma função específica e importante, agora
por que o valor monetário é dado diferença? E não é só a questão da mo-
netarização, do dinheiro, da questão econômica né, porque daí isso é uma
consequência né, e é a consequência de você ter um padrão de vida ou
não. Então de repente a pessoa tá sofrido, trabalha feito um condenado,
não tem acesso a muitas coisas, aquela vida sofrida, e o outro que trabalha
talvez um pouco menos, com todos os privilégios que é possível, que o
dinheiro possa trazer, então eu trabalho, mas o trabalhador fica as vezes
117
desmotivado, não adianta estudar, não adianta trabalhar, fazer o que? Mas
a gente precisa mostrar que através da organização, do conhecimento,
você pode ir mudando essa realidade, é demorado né? Mas a gente tem
que acreditar nisso, e eu acredito.
No caso dos estudantes do Colégio Strozak, as atividades de trabalho
não os beneficiam economicamente, contudo, estão aprendendo a lidar com
a organização do trabalho de forma coletiva. Docentes, estudantes, assenta-
dos e funcionários se unem em torno do coletivo.
A Pedagogia do MST não cabe na escola, por isso nem sempre a escola
consegue realizá-la totalmente. A escola avança, mas está presa na fôrma da
escola oficial e luta contra os tempos, espaços e recursos limitados. Ao propor
uma nova organização política, o Colégio Strozak organiza o trabalho da
maneira como entende que seus estudantes devam compreender o trabalho,
para o bem coletivo, afirmando que o trabalho está para além da questão
econômica, mas faz parte da vida como um todo.
Ao introduzirem os alunos em práticas de trabalho que envolvem o
coletivo e não apenas a economia, o trabalho toma nova concepção para os
estudantes e por meio da inserção deles nos processos de luta e de expressão
cultural, uma personalidade voltada para o coletivo vai sendo construída.
119
CONCLUSÃO
Com base nos dados apresentados, podemos afirmar que a proposta pe-
dagógica do Colégio Strozak está solidamente construída sobre os princípios
da Pedagogia do Movimento e que implementa, dentro de suas possibilida-
des, o Sistema de Complexos de Estudos e os Ciclos de Formação Humana.
O Plano de Estudos do Colégio aponta diversas modalidades de tra-
balho para serem desenvolvidas, tais como autosserviço, tarefas socialmente
necessárias, oficinas etc. Além destas tarefas, a proposta aponta tempos edu-
cativos que são formativos, e que implicam a realização de trabalhos pelos es-
tudantes, o que necessariamente inclui mudanças na organização do trabalho
pedagógico. Um dos entraves para articular a educação ao trabalho produtivo
no Colégio é que o Estado organiza, por exemplo, aulas de 50 minutos cada,
e essa organização interfere nos tempos educativos que o Colégio propõe.
Além dos Complexos de Estudo, o Colégio organiza os Ciclos de
Formação Humana que intencionam que a escola recomponha os conteúdos
que os estudantes não assimilaram enquanto seguem os estudos regulares, por
meio da classe intermediária.
Outro desafio para o Colégio é a implementação da Base Nacional
Comum Curricular, que propõe os Itinerários Formativos para que os estu-
dantes escolham o que querem estudar. Contudo, os Itinerários propostos
têm ampla ligação com o agronegócio, que está em desacordo com os princí-
pios da Pedagogia do Movimento e da RAP.
Das atividades práticas de articulação entre educação e trabalho pro-
dutivo, constatadas por meio das entrevistas, temos a construção da cisterna
para o assentamento, que colocou em prática os conhecimentos teóricos em
prol de um benefício coletivo; o Jornal Frutos da Luta, que está ligado ao
processo cultural em que os alunos precisam estar inseridos, pois nesse pro-
cesso cultivam a identidade Sem Terra e permanecem na luta; o Centro da
120
Memória, com projetos que vinculam os estudantes às questões econômicas;
embelezamento, que une oficinas e trabalho socialmente necessário.
Os trabalhos realizados pelos alunos do Colégio Strozak articulam um
número significativo de dimensões e os envolvem em trabalhos reais, e que
apesar de não terem por horizonte uma remuneração financeira imediata,
são trabalhos educativos em prol de benefícios coletivos. São trabalhos que
beneficiam o coletivo e ensinam os estudantes a gerir democraticamente os
processos, o que os aproxima do Trabalho Associado (TA), pois se no capita-
lismo o trabalho é subordinado ao capital de diversas formas, há experiências
de organização de trabalhadores que resistem a essa subordinação.
Com base nas experiências acompanhadas, afirmamos que as práticas de
articulação entre educação e trabalho no Colégio remetem às Organizações do
Trabalho Associado (OTAs), que se organizam a partir de empresas falidas (ou
com ameaça de falência) ou empresas que foram formadas pela decisão de um co-
letivo de trabalhadores. Obviamente não é o caso do Colégio Strozak, mas a forma
como preparam os estudantes para gerirem democraticamente os projetos, para a
participação de todos de forma democrática, para participação em Assembleias e
para o trabalho em benefício coletivo nos remete a essas Organizações.
Na literatura o TA aparece como uma expressão equivalente a cooperativas
de trabalhadores ou populares. Vieitez e Dal Ri (2001, 2010) apontam que o
trabalho associado diz respeito a uma determinada variante transitória, que apre-
senta um potencial de impulsionar a mudança social e que não necessariamente
toma forma de cooperativa, apesar de as cooperativas estarem presentes nele.
É nesse sentido que a articulação da educação com o trabalho produti-
vo, no Colégio, pode se aproximar dessas experiências, pois as relações edu-
cam intencionando impulsionar a mudança e a construção de novas formas
de se relacionar, tendo o Movimento como educador coletivo.
Nas OTAs, controlar econômica e administrativamente as unidades de
produção é uma maneira de os trabalhadores salvarem os seus postos de traba-
lho e criarem novos postos presididos por uma perspectiva social que não a ca-
pitalista. “Quando os trabalhadores se juntam para engendrar um empreendi-
mento de trabalho associado da estaca zero, temos um movimento de negação
das relações de produções capitalistas” (Vieitez; Dal Ri, 2009, p. 114).
Geralmente, as OTAs se constituem em meio a um processo de luta
121
social e têm por características elementos que as diferenciam das empresas ca-
pitalistas. Uma análise de Vieitez e Dal Ri (2009) aponta que do ponto de vista
da socialização da pessoa ou da educação é possível afirmar que a vivência das
relações democráticas nas OTAs é em si mesma uma atividade educativa.
O TA possui uma dimensão pedagógica que para Vieitez e Dal Ri (2009,
p. 77) é subversiva, pois questiona a tese burguesa de que a organização da pro-
dução deve estar nas mãos dos capitalistas, já que o argumento liberal afirma
que isso ocorre “[...] não porque estes sejam detentores da propriedade, mas por
razões de ordem humana e técnica” (Vieitez; Dal Ri, 2009, p. 77-78).
Enquanto sob os moldes do trabalho assalariado os saberes permanecem
fragmentados, cabendo aos empresários ou diretores a sua unificação, o TA
torna a unificação função do trabalhador coletivo que se apropria dos elemen-
tos parciais do processo de trabalho e dos elementos que envolvem aspectos
da economia política da produção (Vieitez; Dal Ri, 2009). De acordo com
Dal Ri (2004), quando alguns movimentos sociais, como o MST, articulam a
educação e o trabalho, se utilizam de formas de TA e concebem essas relações
de trabalho e de produção como parte de uma nova formação, pois o trabalho
pode tanto educar para novas relações sociais como para sua permanência.
Podemos afirmar que o avanço teórico do MST é maior do que ele
consegue realizar em sua realidade concreta, mas o fato de propor teorica-
mente é o primeiro passo para alcançar seus objetivos. Contudo, já afiramos
anteriormente neste texto que a Pedagogia do MST não cabe na escola, por
isso nem sempre a escola consegue realizá-la totalmente. O Colégio avança,
mas está preso na fôrma da escola oficial e luta contra os tempos, espaços e
recursos limitados. É no tensionamento com o Estado que a escola se torna
um instrumento de resistência.
Ao introduzirem os alunos em práticas de trabalho que envolvem o
bem comum e não apenas a questão econômica, o trabalho toma novas pro-
porções na concepção desses estudantes e passa a ser um meio de inserção
desses estudantes nos processos de luta e de expressão cultural, que ajuda a
construir uma personalidade voltada para a coletividade e não para o indivi-
dualismo, além de possuir um caráter de classe.
Nossa pesquisa apontou que o MST enfrenta muitos obstáculos para
implementar sua proposta pedagógica por meio dos Complexos de Estudo e
122
dos Ciclos de Formação Humana, desde precarização na estrutura do Colégio
até a falta de pessoas para colocar a proposta em prática.
As EIs são uma grande conquista para o Movimento, porém como são
mantidas pelo Estado, diversas ocorrências documentadas mostram a negli-
gência do governo em relação financiamento para a manutenção e melhorias.
Além disso, a proposta pedagógica das EIs ou da escola-base não é de amplo
conhecimento de professores formados pelo Estado, e quando são seleciona-
dos para trabalharem em escolas no/do MST, por meio de concursos públicos
ou processos seletivos, os professores em grande parte apresentam resistência
ou desconhecimento das teorias propostas.
Em 2021 o MST contabilizou 400 mil famílias que conquistaram a
terra por meio da luta e da organização dos trabalhadores, e que após a con-
quista da terra permanecem organizadas, 160 cooperativas em atuação, 120
agroindústrias e 1.900 associações. São números surpreendentes se levarmos
em consideração que no país, além de não haver políticas efetivas de reforma
agrária, registram-se medidas governamentais que cerceiam os trabalhadores
e afetam sua organização, formas de luta e sobrevivência.
Para além do que o MST consegue realizar, a sua educação é uma estra-
tégia, um recurso de luta e resistência, pois exerce um tensionamento cons-
tante com o poder estatal, no que diz respeito à formação de professores, ao
currículo formal e às condições político-pedagógicas.
123
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SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno – CRB 8/8211
Normalização
Taciana Oliveira
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
Esta obra é o resultado de uma pesquisa realizada durante o Mestrado em
Educação da autora e traz apontamentos sobre a articulação entre edu-
cação e trabalho, um dos princípios pedagógicos do MST, no âmbito do
Colégio Estadual do Campo Iraci Salete Strozak, localizado em Rio Boni-
to do Iguaçu, interior do Paraná. O Colégio Strozak é uma das principais
escolas do MST, que implementa a Pedagogia do Movimento aliada aos
Complexos de Estudos, de Pistrak e aos Ciclos de Formação Humana, de
Paulo Freire.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
ROMPENDO A CELA DE AULA: educação e trabalho no MST
ELLEN FELICIO DOS SANTOS
ROMPENDO A CELA DE AULA:
Ellen Felicio dos Santos
educação e trabalho no MST