Gabriela da Silva Disner é Psicóloga gradua-
da na Universidade de Marília - UNIMAR e
Pedagoga graduada na Faculdade de Filoso-
a e Ciências da UNESP, campus de Marília.
Mestra em Educação pelo Programa de Pós-
-Graduação em Educação da FFC/UNESP,
na linha de Psicologia da Educação: Proces-
sos Educativos e Desenvolvimento Huma-
no, desenvolvendo atividades de pesquisa
na área de Psicologia da Educação. Possui
experiência em Psicologia da Educação e
da Saúde, é especialista em Psicopedagogia
Clínica e Institucional, e em Saúde Men-
tal e Atenção Psicossocial pelo INDEP, em
Psicopedagogia e Psicologia Hospitalar pelo
CRP/SP. Possui aprimoramento em Psico-
logia Hospitalar pela Faculdade de Medicina
de Marília - FAMEMA. Atualmente, está se
especializando em Intervenção na Autole-
são, na Prevenção e na Posvenção ao suicí-
dio pelo Instituto VitaAlere..
MORTE E LUTO NA ESCOLA
Gabriela Disner
Esse livro é fruto de um olhar sensível sobre a necessidade de
abordagem de temas considerados tabu no ambiente escolar.
Frente à questões relacionadas à perda e à morte evidenciadas
pela pandemia da Covid-19, mas não somente, o presente tra-
balho descreve as noções de crianças do ensino fundamental
acerca da morte e do luto, além da recepção de responsáveis e
professores em acolher essa temática dentro da escola. Os re-
sultados evidenciaram as ideias apontadas pelas crianças, bem
como a falta de preparo e domínio para tratar da morte e do luto
sentida pelos professores. Os pais e responsáveis se mostraram
favoráveis a temática ser abordada na escola por educadores, de
modo que o ambiente escolar possa proporcionar as crianças o
acolhimento necessário acerca de suas vivências relacionadas
a morte e ao luto. A partir dos relatos coletados pela pesqui-
sadora Gabriela, com aporte psicopedagógico, é possível pen-
sar em estratégias de integração da temática na escola, levando
em consideração o que é entendido pelas crianças, e também
o olhar dos pais e professoras. A presente obra traz resultados
pioneiros em uma área de pesquisa ainda pouco desbravada,
embora necessária, no Brasil.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio 0039/2022
Processo 23038.001838/2022-11
MORTE E LUTO NA ESCOLA:
Noções de crianças do ensino fundamental
Gabriela da Silva Disner
Gabriela da Silva Disner
MORTE E LUTO NA ESCOLA:
Noções de crianças do ensino fundamental
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2024
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
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Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
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Auxílio Nº 0039/2022, Processo Nº 23038.001838/2022-11, Programa PROEX/CAPES
Parecerista: Camila Fernanda da Silva (Unicamp)
Capa: Rafaela de Siqueira Alencar
Ficha catalográfica
D612m Morte e luto na escola: noções de crianças do ensino fundamental / Gabriela da
Silva Disner. Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2024.
127 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-506-3 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-507-0 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-507-0
1. Epistemologia genética. 2. Ensino fundamental. 3. Crianças e morte. 4. Luto em
crianças. I. Título.
CDD 155.937
Catalogação: André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Copyright © 2024, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
À memória de Júlia Disner, Deltina da Silva,
Débora Badeloti de Andrade e Bárbara Miranda Carvalho.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, aos mortos que vivem em mim: Raimundo
Pereira da Silva, Deltina Pereira da Silva, Júlia Disner, Maria Dalceno
Licatti, Débora Badeloti e Bárbara Carvalho.
À minha orientadora Eliane Giachetto Saravali e à
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES).
A minha professora de Inglês e grande amiga Estela Mesquita
e ao Igor Burle, que acolheram meus desabafos e dificuldades, sempre
me incentivando e compartilhando comigo suas experiências.
As grandes amigas que durante todo o processo me
incentivaram e acreditaram em mim, Camila Fernanda da Silva e
Lívia Maria Souza Soares: vocês estiveram perto no momento mais
difícil da minha vida, serei eternamente grata pelos momentos felizes,
e mais ainda pelos de fragilidade que pude contar com o carinho e
com a amizade de vocês.
Ao Raul Aragão Martins e ao Leandro Augusto dos Reis por
fazerem parte da minha banca de qualificação de forma cuidadosa,
respeitosa e enriquecedora.
A minha mãe, Marlene da Silva Disner, que sempre me
incentivou a estudar, sendo também a minha primeira grande
incentivadora na vida. Ao meu Marido, Lucas Bonato Licatti, por ter
sido acima de tudo, meu grande amigo e parceiro de vida.
A minha psicóloga Nilva Galetti e ao meu psiquiatra José
Belon, que foram o meu suporte e se dedicaram com afinco aos
cuidados que precisei.
A minha amiga Jéssica Gomes, que esteve torcendo por mim
em todo o processo, me fortalecendo com a sua amizade leal, me
protegendo com sua sabedoria e conselhos, e principalmente, me
nutrindo de afeto verdadeiro.
E por fim, a Fernanda Carneiro, que por tantos anos, tem
sonhado comigo vivências maravilhosas, me guiando para uma
vivência de alma e espiritualidade, minha amiga em vida, minha
ligação mais profunda para além dela.
SUMÁRIO
Prefácio | Camila Fernanda da Silva Bandeira................................11
Introdução....................................................................................15
Capítulo 1. O conhecimento social à luz da epistemologia
genética.........................................................................................19
1.1 Jean Piaget e sua influência nos estudos acerca da construção do
conhecimento social
1.2 colaborações de estudos sobre a criança diante da morte pautados
na epistemologia genética
Capítulo 2. Morte e cultura: um panorama histórico......................29
2.1 a morte e sua vertente cultural
2.2 a morte no ocidente
Capítulo 3. O luto.........................................................................43
3.1 teóricos clássicos
3.2 a visão contemporânea acerca do luto e a diferenciação do modelo
proposto por fases
3.3 luto atípico e outras definições
Capítulo 4. A criança em luto no cenário escolar.............................55
4.1 o luto na criança
4.2 a morte e o luto na escola
4.3 morte e luto num contexto de pandemia
Capítulo 5. Aspectos metodológicos..............................................73
5.1 problema e objetivo de pesquisa
5.2 delineamento
5.3. Instrumentos
Capítulo 6. Resultados e discussão.................................................81
6.2 adultos responsáveis
6.3 crianças
6.4 levantamento de materiais para acolhimento no contexto escolar
Capítulo 7. Considerações finais..................................................117
Referências..................................................................................121
Sobre a autora..............................................................................127
11
PREFÁCIO
[...] e tão difícil é dizer a um coração menino que a morte gera a vida,
vida e morte são como a palma e as costas da mão...
Os olhos dos meninos são tão sábios no seu olhar,
eles ensinam-nos tanto no cristal mágico da sua inocência.
Inocência da vida e da morte, comovente sabedoria.
(ARAÚJO, 2010)
Falar sobre a vida pode até nos parecer uma tarefa complexa.
A explicação sobre o que é a vida ou o que ela significa envolve um
emaranhado de concepções que dificilmente conseguiríamos
quantificar e, tampouco, definir qual das percepções poderia se
mostrar mais assertiva ou adequada. Afinal, a vida é múltipla!
A tentativa de definir com exatidão algo tão efêmero já se faz
complicado, quiçá pensar num contraponto que, além de difícil, nos
desequilibra de uma forma ainda mais intensa. Pensar a morte é
desconcertante. Falar sobre os sentidos que o fim da vida ocupa em
nosso imaginário, muitas vezes, nos inquieta de uma maneira quase
que inexplicável e, ao mesmo tempo, nos emudece.
O luto, por consequência, pensado sob qualquer olhar, faz
com que um total desconforto nos arrebate. Quando esse processo de
luto é considerado a partir da ótica de uma criança, aquilo que já nos
parecia extremamente desconcertante, ganha conotações ainda
maiores. Afinal, na nossa sociedade o fim da vida e a morte continuam
a ser encarados como tabus. Se nós, adultos, já falamos pouco sobre o
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-507-0.p11-14
12
assunto, nossas crianças, ainda menos. Raras ou nenhuma vez há
espaço para partilhas sobre esse tema...
A realidade, entretanto, é que a morte faz parte da vida.
Verdade, essa, nem sempre fácil de entender ou aceitar em particular
quando atinge ou envolve um pequenino. O livro que aqui se
apresenta traz de maneira sensível os dados de uma importante
pesquisa de Mestrado a respeito de concepções variadas sobre a vida e
a morte, sobre a sua natureza, sobre a sua aparente falta de sentido e
sobre a dificuldade que temos em as compreender.
Profusamente construído por uma psicóloga, pedagoga,
professora da Educação Infantil e, dedicada pesquisadora, este livro,
nos convida a refletir sobre a necessidade de conhecer como crianças,
familiares e professores, concebem e encaram o processo do luto, a
fim de lançar as bases para um diálogo entre adultos e crianças sobre
a vida e a morte, permitindo-lhes interpretar tais elementos segundo
suas próprias estruturas, dando-lhes sentido e, dessa forma,
encaminhar os sujeitos envolvidas para uma melhor aceitação dessa
realidade.
Aceitei o convite de prefaciar essa obra com muita satisfação,
entusiasmo e, acima de tudo, gratidão em poder apresentar esta
importante construção; de perceber a generosidade da autora em
tratar o tema com tanto zelo e estima em cada capítulo; de poder
aprender mais sobre algo que me gera desequilíbrios cognitivos e me
desperta a vislumbrar novos caminhos para reflexões desse teor com
meus próprios alunos de modo a não afugentar e, tampouco castrar,
os pensamentos genuínos de nossos pequenos, mesmo em relação a
assuntos tão delicados.
Nossas crianças, de acordo com o momento de
desenvolvimento que vivenciam, interpretam a realidade social da
qual fazem parte de maneira ímpar. Em linhas gerais, ao “digerir” os
13
diferentes conteúdos presentes nessa realidade, a criança expõe
maneiras interessantes de explicar questões e fenômenos. Há uma
riqueza de significações e ressignificações nas falas infantis que
demonstram o quão ativas são no processo de construção do
conhecimento.
A autora deste livro, sabe de toda essa valiosa elaboração e, de
maneira profícua, tece uma jornada de conexão com a temática do
luto e a perspectiva da Epistemologia Genética piagetiana, fato que
nos fica claro, a partir do momento que mergulhamos nesta tão
interessante leitura.
Meu desejo ao leitor: que você possa encontrar nesta obra,
recursos para refletir sobre o fim e o princípio, a respeito dos ciclos e,
por consequência, ter melhores condições de se abrir à comunicação
e ao diálogo referente à vida, à morte e ao luto, de forma respeitosa,
segura e sensível. Que você, leitor, se nutra daquilo que, raras vezes,
encontramos em livros e materiais destinados a nós, professores da
infância, no que tange esse tema.
Que as vozes e os olhares dos nossos pequeninos sejam sempre
focos de nosso cuidado a atenção...
Que neste livro encontremos doses de sabedoria... que seja um
processo construtivo, potente e transformador. Boa leitura!
Camila Fernanda da Silva Bandeira
Doutora em Educação/UNESP
Professora da Educação Básica
Outubro/Primavera de 2023
14
15
INTRODUÇÃO
Considerando a morte uma temática complexa que carece de
ser abordada em seu aspecto afetivo, cognitivo e social, esse estudo
teve como problemática as ideias que crianças possuem sobre a morte
e o luto, e como professores e familiares se relacionam com essas
questões em contextos familiares e escolares.
O luto por morte é uma experiência profunda e dolorosa de
se enfrentar; apesar da existência de estudos sobre esse tema, ele é um
tabu. Ainda que a morte seja uma certeza no ciclo vital, trata-se de
um tema doloroso e carregado de angústias, que é muitas vezes
evitado e indesejado. Quando se trata de crianças vivenciando esse
processo, a situação costuma ser ainda mais delicada; há resistência e
dificuldades nos adultos, responsáveis pelo cuidado dessas crianças,
em se aproximar e considerar os questionamentos, expressões de
emoções, sentimentos e curiosidades levantadas. Por vezes, adultos
acabam inibindo e impossibilitando a construção de um
conhecimento acerca dessa experiência pelas crianças, impedindo,
dessa forma, que elas possam construir novos sentidos sobre a
finitude.
O interesse da autora em realizar esse estudo une diversas
experiências anteriores; a aproximação com o luto por morte surge
desde o primeiro estágio na graduação em Psicologia, realizado em
uma Clínica de Fisioterapia no setor de Pediatria, no qual houve
contato com um paciente que foi a óbito e com os seus familiares;
também no período de especialização em Psicologia Hospitalar houve
experiência com perdas de pacientes por morte e intervenção junto a
familiares enlutados. O tema, que de início parecia algo a ser evitado,
16
foi sendo cada vez mais encontrado em cenário de estágio e trabalho,
tanto na esfera clínica, quanto hospitalar e, finalmente, escolar. A
aproximação com uma criança enlutada na escola surgiu no estágio
realizado na graduação em Pedagogia. Foi possível notar, nesse
cenário, a dificuldade dos profissionais em lidar com os relatos da
criança sobre perda por morte e seus sentimentos.
A partir da aproximação com a Epistemologia Genética,
ampliou-se ainda mais o interesse por esse tema, principalmente com
o aprofundamento em estudos sobre a construção do conhecimento
social que se caracterizam, entre outros, por darem voz aos pequenos
e por compreenderem como os mesmos se apropriam de noções
compartilhadas socialmente. Avaliando o quanto é importante para o
desenvolvimento humano o conhecimento social e a conjuntura
mundial atual, que enfrenta a pandemia de COVID-19, justifica-se a
importância de promover a construção do conhecimento sobre a
morte em crianças que vivenciaram o luto nesse momento histórico.
Franco (2015) menciona que, em ocasiões de morte e perda,
as pessoas vivenciam o luto, um processo em que as emoções e
sentimentos são compostos por dor e sofrimento, seguidos por uma
transformação subjetiva e marcante, diferente do que acontece em
uma vivência com um grau de sofrimento considerado leve e tolerável.
Sendo assim, quando se trata de acolher as crianças em relação a
experiências com a morte, é importante compreender também como
ocorre esse processo de vivência e também elaboração do luto.
Em obra clássica, Kübler-Ross (1987) apresenta cinco estágios
do processo de luto: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a
aceitação. Com o objetivo de estudar essas etapas do processo em
pacientes terminais, a autora descreve como cada fase pode ser
vivenciada, mas não necessariamente de forma ordenada.
17
O contato com suas obras, e também seus relatos de perdas
pessoais em sua biografia que a levaram a se tornar uma estudiosa em
busca de um olhar humanizado para a morte, serviram de norte e
coragem para a persistência em pesquisar algo considerado pesado e
de difícil interesse de aproximação, ainda nos dias de hoje.
Considerando que a quebra de barreiras e a aceitação desse tema são
aspectos essenciais para o legítimo interesse em acolher comunidades
enlutadas e colaborar para que os sentimentos acerca da morte e do
luto sejam verdadeiramente amparados, ainda que possam ser por
vezes dolorosos, profundos e intensos.
Apesar do receio com a temática que se origina nos adultos, é
importante que essa barreira em relação ao tema seja rompida por
parte dos educadores, pois, ao contrário do que por vezes é suposto
pelo senso comum, essa demanda de acolhimento ao luto em
contextos de perdas e mortes não necessita ser realizada apenas por
psicólogos. Estudos internacionais realizados por Parkes, fundador do
Cruse (espaço de capacitação para voluntários cuidadores do luto), e
também estudos brasileiros realizados por Franco (2021), mostram,
com a devida fundamentação e rigor científico que, para acolher o
luto, independente da formação inicial, profissionais que adquirem
conhecimento teórico, capacitações, especializações, e formações
continuadas, quando utilizam de intervenções validadas, podem ter a
devida colaboração e importância no acolhimento e apoio com
comunidades enlutadas na expressão de seus sentimentos, validando
o luto, que por vezes não é reconhecido na nossa sociedade em
diferentes cenários, inclusive em escolas.
O olhar para a morte pode ser diferente conforme a cultura e,
nesse sentido, pode ser abordado como um tema de conhecimento
social à luz da Epistemologia Genética. Além disso, é importante que
se tenha como pressuposto que, para falar sobre morte no cenário
18
escolar, é importante compreender como se dá também o processo do
luto, pois, apesar de se tratar de temas diferentes, eles se relacionam.
No cenário pandêmico da COVID-19, temas relacionados à
morte e também a outras perdas que culminam na vivência do luto
levantaram novos questionamentos, pois além do luto individual
vivenciado por situações de morte, o luto coletivo esteve presente, não
relacionado às mortes expostas pela mídia, mas também às perdas,
como o afastamento gerado pelo isolamento social, com modificações
nas interações sociais inclusive em cenários escolares. Compreender
como as crianças entendem a morte após todo esse impacto cultural
gerado pelo cenário pandêmico traz dados importantes sobre como
acolher a temática em ambientes escolares. Parkes (2009) reporta que em
situações de luto por catástrofes e desastres ocorre um impacto no que
chamou de “mundo presumido”, e, nesse sentido, as pessoas impactadas
por perdas complexas como no cenário pandêmico, passam por um luto
traumático que abala suas bases de segurança, causando angustia, medo
e sensação de desorganização e desamparo. Simultaneamente, vivemos
uma busca e impulso por adaptação diante de um novo normal imposto,
que mudou drasticamente a realidade vivenciada por todos.
É possível que as ideias acerca da morte tenham mudado em
crianças que vivenciaram a pandemia da COVID-19? Pensando que o
abalo do mundo presumido também alcançou o cenário escolar, e que
foi necessário o retorno dessas crianças para esse espaço após vivenciarem
lutos diversos, essa proposta de estudo buscou identificar como essas
crianças compreendem a morte e acolher seus sentimentos,
proporcionando assim a validação do luto que resultou dessa experiência
traumática. Nesse sentido, a presente pesquisa teve como objetivo
compreender as ideias que crianças possuem sobre a morte, bem como
analisar como professores e familiares se relacionam com questões
envolvendo o luto e a infância respectivamente em seus contextos escolar
e familiar.
19
CATULO 1
O CONHECIMENTO SOCIAL À LUZ DA
EPISTEMOLOGIA GENÉTICA
1.1 Jean Piaget e Sua Influência nos Estudos Acerca da Construção
do Conhecimento Social
Nos trabalhos e nas colaborações de Jean Piaget (1896-1980),
o aspecto social é apresentado em duas formas que se relacionam e,
leva-se em conta que para compreender o desenvolvimento do sujeito,
são consideradas a construção um sujeito mutualmente epistêmico e
psicológico. Piaget (1979) considerou que estudar a construção do
conhecimento e compreender seu funcionamento é de grande
importância, tanto para o aspecto cognitivo e intelectual, como para
o campo afetivo dos sujeitos.
Apesar das colaborações de Jean Piaget (1896-1980) não
apontarem especificamente o conhecimento social, esta não se trata
de uma questão sem importância em suas obras, pois, apesar da teoria
enfatizar as equilibrações acerca das construções individuais, as
mesmas não são isoladas das solicitações sociais, como alguns críticos
de sua teoria apontam erroneamente (SARAVALI; GUIMARÃES;
MELCHIORI; GUIMARÃES 2014).
Segundo Delval (2002a), na construção do conhecimento
social, as crianças se apropriam do que vivenciam em seu entorno,
como na família, na escola, nos meios de comunicação e demais
20
instituições que frequentam. Para que isso ocorra, elas lançam diversas
interpretações e hipóteses. O componente de transmissão é apontado
por Delval (2002a) como importante nessa construção de
conhecimento, no entanto, não é suficiente para que os sujeitos
construam noções e ideias menos estereotipadas a respeito do mundo
social em que estão inseridos, inclusive no que diz respeito às crianças
que estão nesse processo de evolução e desenvolvimento cognitivo.
Em relação ao cenário escolar, um dos principais objetivos é
o de possibilitar a construção de interpretações cada vez mais
complexas dos fenômenos sociais. No entanto, a visão que se costuma
passar sobre tais conhecimentos é por vezes pobre e esquemática,
limitada a poucas características dispersas e fatos que não se
relacionam. Em contrapartida, se queremos sujeitos autônomos,
ativos e participantes, é de evidente importância que aprendam a
perceber e analisar fenômenos pertencentes a seu mundo e à sociedade
em que estão inseridos (DELVAL, 2002a).
Para explicar como as crianças elaboram o mundo que estão
inseridas desde quando se encontram no estádio sensório-motor,
Piaget (1979) enfatiza a importância da assimilação e da acomodação
feitas pelos sujeitos na interação com o mundo. O mundo se torna
objeto de conhecimento, ainda que tenham, a princípio, um
pensamento egocêntrico que lhes permite encarar o que os cerca como
fenômenos e ações que ocorrem em torno do seu próprio eu central,
acreditando que são responsáveis por dirigir esses acontecimentos.
Sendo assim:
Durante as primeiras fases, com efeito, a criança percebe as coisas
à maneira de um solipsista que se ignorasse a si próprio como
sujeito e somente conhecesse as suas próprias ações. Mas, à
medida que se processa a coordenação dos seus instrumentos
intelectuais, a criança descobre-se ao situar-se como objeto ativo
21
entre os outros, num universo que lhe é exterior (PIAGET, 1979,
p. 328)
Sendo assim, durante o processo das primeiras etapas do
desenvolvimento das crianças, a acomodação se mantém no que
Piaget (1979) apontou como superfície da experiência, tanto no
sentido físico, como no aspecto social.
No entanto, com a evolução de seu desenvolvimento, a
criança passa a não se apegar somente à aparência do que percebe em
seu entorno, pois devido às coordenações de acomodações ao objeto
combinadas com assimilações vivenciadas pela experiência de uma
inteligência sensório motora, é possibilitada a construção de um
universo prático e coerente para o sujeito “[...] já não se trata mais de
agir apenas, mas de descrever, não de prever, mas de explicar [...]”
(PIAGET, 1979, p. 355).
Em suma, o pensamento se principia por um contato de
superfície com as realidades percebidas em relação ao exterior por
acomodação de uma experiência imediata, para posteriormente ser
corrigida por assimilações relacionadas a razão, que vão gerar uma
experncia científica. Assimilação e acomodação se tornam, ao longo
do desenvolvimento e da evolução do sujeito, cada vez mais
complementares uma da outra.
Piaget (1947) desenvolveu um estudo que apresenta a noção
que as crianças atribuem à palavra “vida”, e por essa palavra ser
familiar às crianças, conta com resultados mais claros do que quando
perguntados sobre verbos como “sentir”, por exemplo. As
justificativas lógicas no primeiro exemplo são dadas de formas mais
ricas pelos sujeitos. Nesse estudo, Piaget apresentou quatro estágios
que abarcam concepções com aspectos semelhantes, no entanto, os
sujeitos de cada estágio possuem diferentes idades.
22
No primeiro estágio, a vida é assimilada às atividades do
sujeito, é considerada no que exerce atividade, movimento, ou até
mesmo a tudo que apresenta alguma utilidade ou função. O segundo
estágio se caracteriza pela atribuição de vida ao movimento. Assim,
riachos e o fogo, por exemplo, são entendidos pelas crianças como
vivos por se movimentarem. No terceiro estágio, a vida é atribuída ao
objeto próprio, surge o animismo infantil. Por fim, no quarto estágio
a vida também já é direcionada para animais e plantas, no entanto,
Piaget (1987) adverte que apenas crianças com média acima de 11 e
12 anos atingiram esse estágio.
Delval (2002b) e Saravali, Guimarães, Melchiori e Guimarães
(2014) demonstram que o conhecimento social não é simplesmente
penetrado no pensamento e nas noções que as crianças fazem acerca
do mundo de forma imposta através da transmissão, e que o papel
ativo de quem está a conhecer esse mundo social é um componente
eficaz e indispensável. Dessa forma, a assimilação que o sujeito faz
acerca de informações transmitidas compõe um aspecto que agrega de
modo significativo a construção de suas ideias sobre o mundo social.
A transmissão é um componente existente quando se pensa
em conhecimento social pois, através dos adultos e até mesmo das
crianças com quem o sujeito interage no ambiente escolar, a
linguagem tem seu papel, é por meio dela que os pequenos recebem
relatos e interagem com a cultura que os cercam, por vezes é dessa
forma que lhes são transmitidos em instituições educacionais todo o
conhecimento acerca de uma sociedade. No entanto, é sempre
importante evidenciar que os sujeitos não assimilam todo o
conhecimento que lhes é transmitido por um locutor externo, mas
sim quando é possibilitado que eles próprios construam esse
conhecimento (DELVAL, 2002a).
23
Jean Piaget começou seus estudos sobre o pensamento da
criança no início dos anos 20. Foi um estudioso formado em biologia
e posteriormente inclinou seu interesse pelo trabalho clínico, trazendo
grandes colaborações para a área de psicologia e pedagogia (PIAGET,
1970). O método clínico-crítico elaborado por ele não se manteve
sempre igual, pois Piaget o adaptava aos problemas que abordava.
Trata-se de um método de pesquisa, por meio de interrogatório, que
investiga como as crianças pensam, sentem, agem e percebem, seja
por meio de palavras ou de ações (DELVAL, 2002b).
Utiliza-se de uma intervenção sistemática do entrevistador
conforme a atuação, as respostas, ações e explicações do sujeito
quando colocado diante de uma situação-problema que deve resolver
e fornecer uma explicação para, a partir disso, observar o que ocorre
e analisar de forma elucidativa o resultado. Uma característica
importante do entrevistador é a habilidade de perguntar e estar atento
à conduta do sujeito e à relação com as suas capacidades mentais.
Para avaliação das realidades sociais, Delval (2002b) apontou
três níveis para serem levados em consideração no momento de análise
do conhecimento social que os sujeitos fazem. Em suma, no nível I as
explicações são baseadas nos aspectos mais visíveis e costumam ser
explicadas pelo sujeito de forma pouco aprofundada, por vezes
repetindo o que foi transmitido pelos adultos. No nível II, os conflitos
são compreendidos melhor, embora ainda ocorra dificuldade em
considerar explicações distintas e complexas. No nível III, os aspectos
não visíveis também passam a ser considerados na esfera social e
possibilidades distintas passam a ser consideradas. Explicações mais
complexas e articuladas são apresentadas pelos sujeitos.
É necessário que se chegue ao entendimento de que por maior
que possa ser o domínio dos educadores acerca de determinada
temática na sociedade, é essencial que seja levado em conta que o
24
sujeito é o maior responsável pela construção de seu próprio
conhecimento. Em colaborações de Delval e Vila (2008) e Torres
(1979), as investigações acerca do tema sobre a morte possibilitaram
verificar como esse conceito é construído e ambos apontaram níveis
diferentes que abarcam características específicas sobre esse conceito
em crianças, estudos esses que serão apresentados no tópico seguinte.
1.2 Colaborações de Estudos Sobre a Criança Diante da Morte
Pautados na Epistemologia Genética
Considerando o exposto anteriormente, compreendemos que
olhar para a temática da morte e do luto à luz da epistemologia
genética pode ser compreendido como uma construção social. Delval
e Vila (2008) e Torres (1979), desenvolveram estudos sobre as ideias
de crianças diante da morte, seguindo o referencial piagetiano. Delval
e Vila (2008), ao estudarem concepções sobre a morte em crianças,
objetivaram compreender a concepção de divindade, a ideia de
existência de uma vida após a morte, e o que ocorre após a morte.
Para tanto, aplicaram em crianças uma entrevista centrada em três
pontos fundamentais: “O que é a morte e o que acontece quando
alguém morre?”, “O que é alma?”, “O que acontece com animais e
plantas quando morrem?”. Segundo a análise dos autores, foi possível
observar a existência de três grandes níveis de compreensão sobre as
questões pesquisadas.
No nível 1, todos os sujeitos já ouviram falar algo sobre a
morte; os mais novos não expressam de forma muito clara sobre o que
é, ou o que acontece a partir da morte, apesar de saberem que existe.
Na maioria dos casos, são repetidas algumas ideias que foram
transmitidas a eles, como partes de conversas que foram ouvidas, mas
não compreendidas em sua totalidade. A morte costuma ser descrita
25
como algo muito distante, exceto quando já ocorreu no meio familiar.
Também são relatados sentimentos relacionados como a tristeza nos
que ficam. No entanto, não descrevem o fenômeno de forma ampla,
pois não são capazes de falar a respeito da morte em todas as
dimensões, além de não compreenderem sua natureza irreversível e
repercussões. Em relação ao que ocorre após a morte, no geral,
costumam responder sobre ida ao céu, não compreendem muito bem
o que é alma, falam sobre céu e inferno e a importância de se
comportarem bem, além de trazerem a figura de Deus mais associada
à bondade do que à punição e vingança. Em relação à morte de
plantas e animais, algumas respostas falam sobre a existência ou
inexistência de alma. Em suma, não há descrições complexas, nem
conceitos bem definidos, os relatos costumam ser sucintos (DELVAL;
VILA, 2008).
No nível 2, as crianças permanecem com a ideia de céu e
inferno após a morte, porém já é possível notar algumas mudanças no
sentido de relatos mais claros relacionados à alma, aparece a ideia de
separação de alma e corpo e crenças sobre o corpo ficar na terra e a
alma ir para o céu; os sujeitos compreendem a alma com o princípio
vital. Essa característica de falar sobre a alma ir para o céu se estende
para explicações acerca da morte de animais e plantas. Aparecem
relatos de céu para os animais, enquanto a maioria não aponta essa
possibilidade de céu para as plantas. As opiniões acerca desse aspecto
aparecem bem divididas entre existir ou não a possibilidade de plantas
e animais irem para o céu. Aparecem ainda relatos sobre céu e inferno
e alguns sujeitos duvidam da existência do inferno. Surgem também
dúvidas sobre a existência de uma vida após a morte (DELVAL;
VILA, 2008).
No nível 3, as explicações dos sujeitos são bem mais claras e
explícitas, passam a refletir sobre o que foram ensinados, enfrentam
26
contradições e surgem dúvidas que de início não são capazes de
responder, mas que se manifestam no decorrer da entrevista. Há os
que repetem o que foi transmitido a eles, mas de forma mais
articulada que nos níveis anteriores. O autor separa dois grupos: o dos
conformistas (que apresentam dúvidas, mas inclinam suas respostas
na direção do que foi transmitido a eles) e o dos críticos (que
sustentam suas dúvidas ainda que não sejam capazes de resolvê-las).
No nível 3, ocorrem também maiores discrepâncias em
relação à existência do inferno, questão essa que já havia sido notada
no nível anterior. Aqui, o inferno perde o caráter de um lugar físico,
aparece mais como um lugar impreciso, imaterial, as almas podem
vagar em qualquer lugar. Em relação a morte de animais, sugerem que
vão para um céu específico, sugerem algum tipo de pós vida, mas não
são muito claros. Também há resistência à ideia de que a morte possa
resultar em um fim preciso, em um desaparecimento absoluto, eles
tentam se apegar à ideias de continuidade da existência, mas não
sabem descrever precisamente como pode ser, e apesar das explicações
religiosas transmitidas, alguns sujeitos passam a questionar a
possibilidade de uma finitude absoluta (DELVAL; VILA, 2008).
Torres (1979) foi pioneira no estudo de luto de crianças no
Brasil. Destacando-se como única pesquisadora desse tema com
crianças no país na década de 70, foi influenciada pelos estudos de
Jean Piaget (1896-1980). Em sua pesquisa utilizou de instrumentos
para avaliar o conceito de morte, o qual denominou “instrumento de
sondagem do conceito de morte. Focou no conceito de morte
biológica, avaliando três dimensões: extensão, significado e duração.
Nesse mesmo estudo, aplicou tarefas em modelos piagetianos.
Ao realizar a análise das respostas dos sujeitos, após a aplicação
do instrumento de sondagem do conceito de morte, Torres (1979)
aponta uma relação do período de desenvolvimento cognitivo em que
27
o sujeito se encontra e a evolução do conceito de morte, definindo
três níveis no desenvolvimento do conceito de morte. Concluiu em
sua pesquisa uma relação entre o desenvolvimento cognitivo e uma
evolução do conceito de morte.
No nível 1, ainda não se estabelece de maneira clara e aberta
a oposição entre animados e inanimados, mesmo quando identificam
os seres que morrem e os que não morrem. Os sujeitos ainda não
alcançaram um grau de compreensão que permita reconhecer a
existência de uma categoria de seres inorgânicos, que não morrem por
não possuírem vida. Também é característica deste nível a
incapacidade das crianças em separar a morte da vida, isto é, as
mesmas admitem vida na morte, não a compreendendo como um
fenômeno definitivo (TORRES, 1979).
No nível 2, as crianças apresentam progresso na capacidade
de distinguir seres animados de inanimados, mas ainda encontram
dificuldades em dar explicações lógico-categoriais de causalidade.
Também passam a realizar oposição entre vida e morte, não
relacionam a vida com aspectos de consciência da pessoa morta;
definem a situação a partir de aspectos perceptivos, como a
imobilidade do morto. Entretanto, ainda não há explicações
biologicamente mais complexas. A morte, nesse nível, passa a ser
entendida como condição definitiva e permanente. Esse nível se
relaciona com características dos sujeitos que se encontram no estádio
das operações concretas.
No nível 3, os sujeitos passam a compreender de forma clara
e ampla a distinção entre animados e inanimados, reconhecendo a
morte como fenômeno que atinge a todos os seres animados.
Explicações biologicamente essenciais passam a ser consideradas e
ocorre o entendimento da morte como processo natural e próprio da
etapa final da vida, compreendido como a cessação da vida corporal.
28
As explicações dadas são amplas, envolvem generalizações e foco na
paralisação de órgãos essenciais. No entanto, um alto nível de
abstração não esteve presente nem mesmo nessa etapa. Esse tipo de
conceituação, para a autora, é característico das operações formais.
A construção do conhecimento social dos sujeitos se relaciona
também com o que assimilam acerca do meio que estão inseridos,
sendo assim, o próximo capítulo busca apresentar um panorama
histórico acerca de como a morte pode ser compreendida e encarada
de formas diversas dependendo da cultura e do momento histórico
em que o sujeito está inserido.
29
CATULO 2
MORTE E CULTURA:
UM PANORAMA HISTÓRICO
2.1 A Morte e Sua Vertente Cultural
O enfrentamento da morte, em seu aspecto cultural, pode ser
notado de formas variadas e diferenciadas, pois cada povo tem o seu
ritual específico em relação ao luto e suas explicações acerca da morte
(MCGOLDRICK, 1995). Sendo assim, a percepção da morte
engloba fatores sociais e culturais, e em diferentes momentos
históricos, foi agregando formas variadas de rituais e diferentes modos
de cuidado com pessoas vivendo contextos de perdas (KOVÁCS,
2021a). A morte, em nossa cultura, muitas vezes é representada por
símbolos e características assustadoras, como é o caso da representação
da mulher envolvida por escuridão, com uma foice e coberta por um
manto. Elzirick, Polanczyk, Elzirik (2001), apoiados em uma
interpretação psicanalítica do fenômeno, relacionam essa figura
amedrontadora e aterrorizante com a projeção dos impulsos mais
agressivos dos moribundos, representando algo de seu passado que
tenham agido contra ou destruído, como castigos por supostas
condutas que podem ser consideradas ruins, tornando-se, dessa
maneira, algo insuportável. Para os autores, a morte desperta muitas
fantasias inconscientes e, consequentemente, respectivas defesas
contra elas, sendo essas fantasias denominadas do tipo persecutório.
30
Em contrapartida, também é possível notar em nossa cultura que a
morte pode ser compreendida como oportunidade de reencontro com
pessoas queridas, sendo possível refazer laços perdidos e recriar um
mundo desaparecido.
De acordo com Kübler-Ross (1987, p. 14) “quando
retrocedemos no tempo e estudamos culturas e povos antigos, temos
a impressão de que o homem sempre abominou a morte e
provavelmente sempre a repelirá.”. A autora popularizou os estudos
sobre a morte e as etapas do luto na obra clássica “Sobre a Morte e o
Morrer” (KÜBLER-ROSS, 1987). No ano de 1969, já dizia que
quanto mais a ciência avança, mais se teme e se nega a morte
propriamente dita. Segundo a autora, essas manifestações podem ser
expressas de diversas maneiras, e apontou alguns exemplos, como a
pessoa morta ser apontada apenas como em repouso de sono, como
se estivesse apenas dormindo. Outro exemplo importante diz respeito
à quando se nega a verdade sobre a morte para as crianças, afastando
as mesmas de vivenciar o luto com os demais familiares, pedindo para
que se retirem e impedindo a manifestação da tristeza e ansiedade do
momento, e também perdendo as chances de perceberem outras
manifestações dos pequenos diante do contexto de morte.
Em relação às manifestações culturais diante das vivências
acerca da morte, McGoldrick (1995) atenta para o cuidado com
imposições de rótulos de anormalidades, pois cada povo carrega os
seus próprios costumes, que podem ser semelhantes ou muito
distintos uns dos outros. Para exemplificar, a autora cita famílias
negras e irlandesas que costumam ver a morte como a mais
significativa transição do ciclo de vida, onde em ambas as culturas os
membros não medem esforços para apoiar e estar junto durante o
velório de entes queridos e familiares. Nas famílias negras sulistas dos
Estados Unidos, é comum que se gaste muito dinheiro com flores,
31
bandas e canto nos funerais, e os mesmos podem ser adiados por
vários dias com o intuito de que todos os familiares possam estar
presentes. Também é comum que os irlandeses gastem com bebidas
e arranjos. No entanto, essas duas culturas se diferem no que diz
respeito ao manejo da experiência emocional; os negros tendem a
expressar a tristeza de forma mais direta, enquanto os irlandeses
manifestam pouco sentimento e tendem a levar a experiência do
velório associada a uma festa com embriaguez e piadas
(MCGOLDRICK,1995).
McGoldrick (1995) também exemplifica que em
determinadas tribos indígenas do Alaska, pessoas agonizantes
escolhem participar ativamente de todo o planejamento do momento
compreendido como a passagem da vida para a morte que, nesse
cenário, é visto como uma evidente oportunidade de poder de decisão
e de respeito pela escolha. No entanto, também há culturas que
temem e optam por esconder a morte, como na cultura ocidental. A
morte acaba por se tornar um tabu, dificultando o processo de
elaboração e adaptação da perda, por vezes tornando este momento
mais solitário e complexo.
Essa atitude de evitar acaba por se repetir nos momentos da
morte propriamente dita, como também nos acontecimentos que
sucedem esse fenômeno marcante, como os rituais de despedida que
se compõe de eventos como o velório, o enterro, além de também
influenciar na forma como o luto se manifesta. O medo da morte, em
algumas culturas, ocorre por não ser possível saber como será o
encontro com tal situação e nem quando ou em que momento
específico ocorrerá e o que representará, além de ser um evento que
se busca evitar e combater durante todo o processo de vida
(ELZIRICK; POLANCZYK; ELZIRIK, 2013).
32
Esse medo está presente a todo momento no funcionamento
mental do sujeito, e isto significa que todos estão sujeitos a vivenciar
esse receio. No entanto, não está a todo instante consciente, pois se o
oposto ocorresse, tornaria dificultosa a capacidade do ser humano de
exercer suas atividades normalmente. Para que não sejam
constantemente conscientes, esses medos são reprimidos de maneira
adequada para que possam permitir que a pessoa continue vivendo
confortavelmente (ELZIRICK; POLANCZYK; ELZIRIK, 2013).
Pelo menos em alguns momentos, para que a ansiedade
causada pelo conhecimento de nossa morte seja aliviada, procuramos
manter a convicção interna de que somos mais fortes do que todos os
perigos que nossa sociedade “moderna e civilizada” pode nos infligir
e, dessa forma, somos exceções que a morte não irá abater
(ELZIRICK, POLANCZYK, ELZIRIK, 2013). Segundo os autores,
é importante que ocorra a integração do entendimento da morte à
estrutura da personalidade, pois esse processo é importante para o
desenvolvimento do sujeito. Carências e falhas nesse aspecto podem
ser prejudiciais ao desenvolvimento humano, ou seja, sem essa
adaptação, existe uma maior contribuição para o surgimento de
transtornos emocionais.
2.2 A Morte no Ocidente
Ariès (1914-1984) foi um historiador que pesquisou a morte
no ocidente e usou o termo “morte domada” para se referir à morte
típica da época medieval em que há participação da pessoa na própria
morte, ou seja, a pessoa sabia que morreria e dessa forma se preparava
para esse momento. Os estudos de Ariès (2017-1975), em relação à
morte domada, se iniciam com a busca em responder como se dava
esse fenômeno nos cavaleiros mais antigos, retratado em romances da
33
época medieval. O autor verificou que os cavaleiros eram advertidos,
portanto, não se admitia e nem era honrável que não soubessem ou
não fossem avisados de que iriam morrer. Caso contrário, haveria o
entendimento que se trataria de uma morte terrível e humilhante,
como em contextos de mortes súbitas ou de pestes, nas quais havia a
cultura de que as pessoas não fossem mais mencionadas nem
lembradas.
Nesse período histórico, também era comum a perda da vida
nas guerras e por doenças, sendo prevista e de fato enfrentada de
maneira mais próxima. As pessoas adoecidas com risco iminente de
morte, ou moribundas, como eram conhecidas na época,
participavam da escolha e do planejamento de seus rituais e a morte
era aguardada no leito, onde eram recebidas visitas de parentes,
amigos e pessoas importantes, tornando essa passagem um evento
público até mesmo para as crianças. Era comum o temor de morrer
sem antes receber gratidão e homenagem das pessoas queridas
(KOVÁCS, 2002). Segundo Kovács (2021a), as características mais
marcantes da morte domada dizem respeito à simplicidade dos rituais.
As cerimônias se tratavam de eventos públicos nos quais o sujeito
tinha domínio do seu próprio processo de morrer, sendo a morte um
fenômeno aceito que lhe pertencia, não sendo visto com repulsa, mas
sim reconhecido e aceito como fatalidade, e o maior medo era a
solidão nesse momento de finitude. “A morte domada é familiar, faz
parte da vida, é pública e está presente desde o século V, até os dias
de hoje, atualmente convivendo com outras perspectivas, que
pretendem afastar a morte da vida das pessoas, tornando-a um evento
distante” (KOVÁCS, 2021a, p. 8).
Na colaboração de Ariès (2017), a morte domada é citada
como uma vivência de maior enfrentamento e aceitação, pois,
sabendo que sua finitude estava próxima, o moribundo simplesmente
34
preparava-se para a tomada de providências acerca de sua própria
condição de morte e, por consequência, se dispunha a cumprir o que
foi denominado pelo autor como os “últimos atos do cerimonial
tradicional”. O primeiro ato se tratava do lamento da vida, em que se
fazia uma evocação dos seres amados e dos pertences conquistados.
Era um momento de tristeza, porém discreto. Ou seja, tratava-se de
uma vivência de nostalgia da própria vida. O segundo ato era o
momento de busca do perdão das pessoas que fizeram parte de algum
contexto conflituoso na trajetória da pessoa agonizante, estas
costumavam ir ao encontro e rodear o leito na busca de resolução e
diminuição da angústia da pessoa que viria a falecer. Até este
momento, são apontadas também duas importantes conclusões: a
primeira é que a morte era esperada no leito; a segunda, que se tratava
de uma cerimônia pública e organizada. Também era desejado que os
parentes, amigos, vizinhos, e até mesmo as crianças estivessem
presentes no processo de despedida.
Sobre a participação ativa das crianças nesse momento, é
possível notar comparações discrepantes com as barreiras colocadas e
o cuidado excessivo acerca dessas vivências com as crianças nos
tempos mais atuais. Os ritos de morte nesse período histórico eram
simplesmente aceitos e cumpridos, com pesar, porém sem expressão
de inconformidade.
Apesar da proximidade com o fenômeno, os antigos desse
contexto histórico apresentavam um grande temor: a volta dos mortos
após a morte. Por esse motivo, eram valorizadas as tumbas, onde os
mortos eram mantidos à distância, pois havia o receio de que suas
almas retornassem para perturbar os vivos. Nos séculos XVII e XVIII,
surge também o medo do enterro de pessoas vivas, o horror de
despertar dentro do túmulo ainda com vida; por conta disso começam
35
a surgir rituais que atrasam os enterros, como os velórios com duração
de 48 horas (KOVÁCS, 2002).
Segundo Kovács (2002), o significado da cor preta no
Ocidente relacionava-se à demonstração de medo dos mortos; era a
cor do disfarce para confundir o demônio que caçava outras pessoas
vivas, e por esse motivo também continha o véu, que tinha em seu
significado a proteção. O preto também podia servir de alerta para as
pessoas reconhecerem os enlutados e manifestarem o devido respeito,
evitando falar sobre situações que pudessem causar constrangimento
ou mágoa. Essa cor trazia em seu simbolismo também a noite, a falta
de cor, podendo ser usada na expressão de dor, sofrimento e
lembrança de que houve uma perda. No entanto, essa não era a única
cor que representava o luto. Em algumas culturas também eram
usadas as cores violeta, branco e amarelo. Em relação aos túmulos
tratava-se de um local de identificação e marcação de onde se encontra
o corpo e eram representados por modelagens estatuárias e esculturas
e, mais recentemente, por fotografias da pessoa morta.
Ariès (2017) sinaliza que partindo da Idade Média até a
metade do século XIX, houve mudanças em relação ao enfrentamento
da morte que ocorreram de forma lenta. No entanto, nesse período
foi possível verificar uma mudança marcante que denominou como
“morte interdita”. Nesse momento histórico, a morte passa a ser algo
do qual se tenta poupar o próximo, ocultando as pessoas de saberem
quando essa possibilidade existe, como em casos de esconder a
verdade sobre os que estão em estado grave de adoecimento; em suma,
nesse contexto, a verdade passa a ser vista como problemática, dando
lugar e espaço para a mentira.
Sendo assim, a primeira motivação para a mentira passar a ser
tão presente em questões envolvendo a morte foi a tentativa de poupar
o outro, o próximo, de lidar com a dor de encarar a sua própria
36
possibilidade de finitude. No entanto, essa atitude da qual o princípio
é a intolerância em relação à morte do outro, se ampliou e deu espaço
para um sentimento diferenciado e característico da modernidade,
que está em negar a morte não somente para quem está prestes a
morrer, mas também para a sociedade, que cada vez mais se esquiva
de sentimentos relacionados a perda e à tristeza e a morte passa a ser
compreendida como uma inimiga a ser combatida.
Kovács (2002) cita que no século XX ocorre na cultura um
tipo de eliminação do luto, pois as dores e as vivências desse processo
passam a ser escondidas pela população. Ocorre dessa forma uma
cobrança de controle, pois não é suportável para as pessoas o
confronto e o enfrentamento dos sinais da morte. O termo “morte
interdita” é usado para se referir à situação de morte que passa a ser
cada vez mais presente no final do século XX e começo do século XXI.
Nesse cenário, o acontecimento passa a depender de um acordo entre
familiares e médicos, não vivenciado mais de forma natural. Nesse
contexto de morte interdita, é comum que o paciente seja privado de
seu processo de morrer de forma natural, sendo transferido para um
caráter de morte no cenário hospitalar. A morte passa a ser relacionada
com fracasso e impotência (KOVÁCS, 2003).
Outro marco da morte interdita é a promoção da atitude de
esconder a possibilidade de morte, visando uma ausência de
consciência acerca do que está acontecendo. Dessa forma, evita-se que
sentimentos intensos sejam expressados, já que a consequência de
tentar negar a morte dificulta o controle das emoções, pois não se sabe
o que há de ser feito com sentimentos de medo, raiva, aflições e choros
intensos, e segundo Kovács (2003), o que hoje é compreendido como
uma boa maneira de morrer, em contradição com outras épocas
citadas anteriormente, é a morte repentina durante o sono, tão
indesejada no início do levantamento histórico aqui realizado. O
37
desejo de falecer rapidamente e dormindo é um exemplo de morte
interdita, porém, apesar de ser uma forma cobiçada de morte, é cada
vez mais rara devido às interferências da medicina altamente
tecnológica, que buscam alcançar o prolongamento da vida.
Na morte interdita, há a mentalidade de que escondendo a
situação e promovendo o paciente ignorante de seu quadro de saúde,
evita-se que a pessoa sofra, e que com isso também ocorra o
impedimento do sofrimento de seus familiares e de pessoas próximas.
Um exemplo desse contexto diz respeito ao silêncio em relação ao
estado de saúde da pessoa gravemente adoecida na tentativa de fingir
que tudo vai bem, o que não costuma ser efetivo, pois apesar de toda
essa encenação, a pessoa passa a perceber seu estado através de seu
corpo ou do que ocorre a sua volta, mas se vê coagida a fingir não
saber para não preocupar nem causar sofrimento aos outros. É
importante pontuar que esse tipo de situação de manutenção do
segredo torna difícil a comunicação, um elemento tão importante e
acolhedor desse momento. O uso de calmantes também costuma ser
um recurso usado para promover a calma e a passividade e,
consequentemente, evitar o constrangimento e a preocupação dos
mais próximos (KOVÁCS, 2003).
É evidente que, nesse cenário de morte interdita, há uma
conjectura de que a morte rompe com uma expectativa de que a vida
precisa ser sempre feliz e leve, ou pelo menos, aparentar ser. A dor, a
tristeza, e o pesar do próximo passam a ser evitados ao máximo, ocorre
um distanciamento, logo dificulta a possibilidade de proximidade e
acolhimento com os que sofrem. Isso se estende para a forma como
são realizados alguns rituais de despedida, que acabam por evitar
transparecer o pesar.
Do ponto de vista geográfico, a morte interdita é presente
principalmente no Ocidente, mais especificamente nos Estados
38
Unidos, e exerce influência também sobre outros países. O principal
objetivo parece ser a eliminação do luto, simplificando os funerais e
visando cerimônias cada vez mais rápidas. Aparecem também os
serviços funerários, com o objetivo de aliviar a carga familiar e
terceirizar os cuidados com tudo o que engloba o velório e com as
disposições dos corpos. Nesses serviços ofertados, é notório que
maquiagens buscam deixar uma impressão mais parecida com a de
pessoas vivas, na tentativa de preservar uma boa lembrança. Esses
serviços também podem oferecer cuidados psicológicos e espirituais,
e já existe como exemplo uma casa de funeral em São Paulo
(KOVÁCS, 2021a).
Na modernidade, a “morte escancarada” se torna cada vez
mais presente. Esse termo é usado por Kovács (2003) para se referir à
morte exposta e invasiva, que se alastra no cotidiano moderno e
adentra a vida das pessoas por meio da violência. Como exemplos,
temos os casos de homicídios, suicídios e acidentes, que atingem
principalmente, mas não somente, comunidades mais vulneráveis e
regiões periféricas, sendo negros e jovens parte principal do grupo de
risco. Nesse modelo de “morte escancarada”, há risco da banalização
da morte, pois ocorre com muita frequência no dia a dia. Kovács
(2021a) atenta para o fato de que, apesar da morte escancarada e
violenta ser frequente, não pode ser compreendida como banal, pois
suas consequências comprometem profundamente quem é atingido,
trazendo à tona sentimentos relacionados a desamparo e
vulnerabilidade.
Com o avanço da tecnologia, a morte violenta também invade
as pessoas através de noticiários, por vezes sensacionalistas, visando
expor tragédias para alcançar uma maior audiência, por meio da
televisão e das redes sociais. Essas tragédias são transmitidas em
grande número e em tempo real, no entanto, existe uma maior
39
preocupação partindo desses meios de comunicação em propagar
imagens impactantes acerca da morte, do que com palavras,
orientações e reflexões importantes (KOVÁCS, 2021b).
Kovács (2002) aponta também para o surgimento dos
“cuidadores do luto”, termo utilizado para se referir aos profissionais,
e também aos voluntários, que se capacitam para acolher e disseminar
a tarefa de autorização de expressão do luto. O psiquiatra Coulin
Murray Parkes (1998) do Reino Unido, foi o principal mentor desse
movimento ao criar o Cruse, uma instituição responsável por
capacitar voluntários, que após terem um treinamento, se dedicam
aos cuidados com enlutados. No Brasil, universidades também se
abriram a essa proposta. O Laboratório de Estudos sobre a Morte, da
USP, fundado por Maria Júlia Kovács e Nancy Vaiciunas, e o
Laboratório de Estudos sobre o Luto, na Pontifica Universidade de
São Paulo, coordenado por Maria Helena Pereira Franco, são duas
importantes referências.
Em meados do século XX, na década de 60, surge a tentativa
de reumanizar a morte como um marco importante; uma
colaboradora importante para esse contexto foi a psiquiatra e
pesquisadora Elizabeth Kübler-Ross, que dedicou sua vida a buscar
uma maneira mais humanizada de acolher esse fenômeno. Suas
propostas revolucionárias chocaram-se com a forma de morte
interdita e inovaram a forma de encarar a morte na metade do século
XX, repercutindo também no século XXI (KOVÁCS, 2002).
Elizabeth Kübler-Ross (1926 – 2004) foi uma médica psiquiatra que
se popularizou por propor um olhar humanizado para a morte. Ciente
do tabu que o tema carregava no cenário onde trabalhou com
pacientes em cuidados paliativos e em seu tempo histórico, a médica
se dedicou aos estudos acerca dos processos psicológicos associados à
morte com o objetivo de transformar o afastamento da temática e
40
promover maior aproximação e acolhimento tanto dos profissionais
responsáveis pelos cuidados com pessoas em risco de morte, como dos
próprios pacientes e familiares.
Segundo Kovács (2002), os estudos de Kübler-Ross
promovem a problematização em relação a morte interdita, que
encara a morte em seu caráter vergonhoso, oculto e de fracasso, e
propõe a busca da reaproximação do modelo da morte domada,
entendida como mais humanizada, que promove maior amparo por
se tratar de um evento familiar e público, e que pode ser
compartilhado com pessoas próximas. Apesar das ideias de Kübler-
Ross serem recebidas com resistência em seu contexto histórico e não
terem sido aceitas com facilidade, foram propostas seguidas de ações
inovadoras, que favoreceram formas de cuidado e atendimento,
considerando a morte um componente significativo da existência. Em
sua prática profissional, Kübler-Ross realizou workshops com o tema
morte e morrer, e constatou que os estudantes eram mais ativos na
busca por esse conhecimento específico, atraindo não somente
aqueles da área da saúde, mas também estudiosos da teologia, que
buscavam algum amparo pois se sentiam confusos sobre essa temática.
Além disso, pacientes gravemente enfermos também se dispunham a
participar e falar abertamente sobre suas experiências, o que foi visto
com cautela e desconfiança por médicos do hospital onde eram
realizados esses eventos. Nesse contexto de suspeita, a pesquisadora
foi repreendida por diversas vezes e até mesmo acusada por colegas de
profissão de estar explorando os doentes, pois havia muita resistência
em se falar sobre e aceitar a morte no cenário hospitalar (KOVÁCS,
2002).
No ano de 1969, Kübler-Ross recebeu um convite para
escrever um livro que viria a ser um clássico da área de tanatologia.
Sua obra denominada On Death and Dying”, colaborou com a
41
reflexão acerca da morte em uma perspectiva mais acolhedora e
humanizada, e alcançou grande prestígio, influenciando profissionais
e estudiosos interessados no entendimento do processo de morrer e
nos estudos sobre tanatologia até os tempos de hoje, sendo
considerada uma autora clássica. Em sua edição brasileira mais
recente, traduzida com o título “Sobre a Morte e o Morrer, Kübler-
Ross (1987), apresenta resultados de seus estudos acerca do temor da
morte, atitudes que observou diante da morte e do morrer, a
esperança presente no processo, algumas entrevistas com seus
pacientes em fase terminal, reações de estudiosos diante do seminário
“Sobre a Morte e o Morrer”, orientações sobre terapia com pacientes
em fase terminal e, por fim, apresentou fases do processo de morrer,
que mais tarde se popularizaram como as fases do luto por todo o
mundo e faladas até os dias de hoje em vários cenários, como
hospitais, universidades, e até mesmo em espaços religiosos. Sua meta
foi disseminar a ideia de que todas as pessoas possam ter uma morte
digna, sendo acolhidas, respeitadas, compreendidas e amparadas
durante esse momento de finitude.
É possível notar que a cultura ocidental costuma negar a
morte durante a vida, como se em algum momento não fosse preciso
entrar em contato com ela. No entanto, quanto mais é negada em
vida, maior costuma ser a fragilidade diante da morte. Assim, nossa
sociedade lida de várias maneiras com o processo de finitude da vida,
no qual estão presentes também os aspectos culturais relacionados a
este momento, como os cultos de funerais, desde a preparação do
corpo, velórios, e o que antecede a morte por doenças graves que se
encontram em hospitais.
Observa-se que as culturas, de uma forma geral, lidam de
diversas maneiras com a morte em diferentes formas de rituais de luto
e justificativas em relação a seu significado, a seguir, serão
42
apresentadas as formas de luto em suas conceituações, etapas e
modificações mais recentes, assim como os teóricos clássicos e
contemporâneos que estudaram e apresentaram esses conceitos.
43
CATULO 3
O LUTO
3.1 Teóricos Clássicos
Como já descrito no capítulo anterior, Kübler-Ross (1987) se
dedicou ao estudo do processo de morrer. Esse processo foi descrito
por ela como constituído por cinco etapas, sendo elas: negação, raiva,
barganha, depressão e aceitação. Apesar de inicialmente descrever
essas etapas relacionadas a pessoas que estavam diante da possibilidade
de morte, a autora relacionou posteriormente essas etapas a processos
de perda, desta forma estabelecendo ligação com o luto e passando a
serem reconhecidas como “as fases do luto” em vários países e
cenários.
Em relação a essas fases, na denominada negação, acontece a
recusa da circunstância, acompanhada de resistência e dificuldade em
aceitar a morte. Trata-se de uma defesa temporária perante a notícia
impactante, permitindo que a pessoa se recomponha com o decorrer
do tempo. A segunda fase é marcada por revolta, sentimento de
frustração, irritabilidade e a busca de um culpado. É esperado e
comum que nessa etapa a pessoa apresente hostilidade relacionada à
equipe que se responsabilizou pelos cuidados da pessoa falecida e com
os familiares que não conseguiram evitar o ocorrido indesejado, que
é compreendido como injusto. Na terceira fase, com o nome
barganha, ocorre a busca de negociação e promessas como forma de
44
esperança de uma cura. Na fase denominada depressão, a tristeza se
manifesta e a pessoa enlutada lamenta profundamente pela perda da
vida. É comum nesse período que se pense no que foi deixado de ser
realizado, nos desejos não alcançados, e surgem os questionamentos e
aflições no sentido de como a vida seguirá para os que ficam. Por fim,
na quinta e última fase, apresentada por Kübler-Ross (1987) como
aceitação, há a certeza do fato da morte e a pessoa segue a vida com a
ressignificação da vivência. A autora atenta para o fato de que as fases
podem não seguir necessariamente a ordem exata em que estão
apresentadas em sua obra, podendo ocorrer variações dependendo de
cada pessoa, porém, defendeu com rigor o argumento de que pessoas
podem alcançar a aceitação quando recebem apoio para enfrentar as
fases mais delicadas aqui descritas.
Outro teórico clássico com colaborações importantes para os
estudos sobre o luto foi John Bowlby (1907-1990), psiquiatra
inicialmente voltado para o interesse em psicanálise, que se interessou
em estudar como ocorrem os vínculos afetivos. O autor buscou
compreender a proposta de Melanie Klein, no entanto, acabou por se
distanciar da psicanálise que tem como principal norte o inconsciente,
para focar na formação de vínculos com crianças e seus pais em
vivências reais, não tendo mais como foco as fantasias do
inconsciente. Após importantes estudos com esse novo norte, o autor
ficou conhecido como fundador da “Teoria do Apego”.
Desde o princípio de sua carreira como psiquiatra e
psicanalista, John Bowlby se interessava com bastante entusiasmo
pelas reações que as crianças tinham em contextos de separação dos
adultos responsáveis ou na presença de estranhos. Convencido de que
essas reações eram causadas por vivências reais e não somente
resultantes de conflitos psíquicos inconscientes, como era defendido
pela psicanálise, o autor acabou por buscar respaldo em diferentes
45
correntes da psicologia, e também fora dela. O estudioso somou tanto
em sua experiência e trabalho clínico, como com suas pesquisas,
conhecimentos referentes ao comportamento animal, a ciência
evolucionária e etológica, a psicologia cognitiva, dos sistemas e do
desenvolvimento, a psicanálise, além de outras teorias vinculares,
como a Winicottiana, para que pudesse compreender e mapear o
comportamento desde a primeira infância até o percurso de todo o
desenvolvimento humano.
Com o devido rigor científico, com ajuda de toda a sua
equipe, pode registrar minunciosamente milhares de horas de
observações diretas de crianças em suas interações com figuras de
apego em seus respectivos lares e, até mesmo na Clínica Tavistock
localizada em Londres, onde Bowlby atuou como clínico, pesquisador
e supervisor (CASELLATO, 2020). Como resultado de seus estudos
sistematizados, as experiências de amor e luto, manifestações
entendidas como particulares e subjetivas, foram registradas para
serem analisadas, posteriormente quantificadas e também qualificadas
e compreendidas dentro de uma proposta de estrutura conceitual, que
na atualidade permite que profissionais de diversas áreas em todo o
mundo possam atuar preventivamente em contextos de formação e
rompimento de vínculos, além de tratar vínculos frágeis e vulneráveis,
ofertando suporte, acolhimento, amparo, e até tratamento quando
necessário, em contextos de rupturas de vínculos e processos de luto.
Bowlby (2002) propôs estilos de apego a partir de como
crianças vivenciam os primeiros vínculos com seus cuidadores, nesse
sentido, dependendo de como esses primeiros vínculos foram
formados, também influenciarão futuramente modos de rompimento
destes vínculos. Crianças que tiveram a construção de um vínculo
onde seus cuidadores atenderam incondicionalmente suas
necessidades com a devida atenção e compreensão, formam um tipo
46
seguro de apego, enquanto crianças que tiveram cuidados
disfuncionais ou suas necessidades negligenciadas em algum sentido
terão como resultado apegos inseguros, que podem ser os tipos
evitativo, ansioso, desorganizado e ambivalente. Esses diferentes tipos
de apegos seguros e inseguros, terão influência direta na forma do luto
ser vivenciado, tanto em seus aspectos físicos, como emocionais e
cognitivos (BOWLBY, 2004).
Bowlby (1997) apresenta o curso do luto dividido em quatro
fases, sendo elas:
1- Fase de torpor ou aturdimento, que usualmente dura de
algumas horas a uma semana e pode ser interrompida por acessos
de consternação e (ou) raiva extremamente intensas.
2- Fase de saudade e busca da figura perdida, que dura alguns
meses e, com frequência, vários anos.
3- Fase de desorganização e desespero.
4- Fase de maior ou menor grau de desorganização (BOWLBY,
p.115, 1997).
Segundo o autor, é possível observar na fase de torpor a
ausência da disposição para aceitar a perda. Nessa primeira fase, os
sujeitos podem se apresentar aparentemente tranquilos em alguns
momentos na tentativa de evitar e negar a dor, e ter esse período de
calma interrompido por picos de sentimentos agudos de raiva e
angústia. A segunda, fase relativa à saudade e à busca pela figura
perdida, é descrita como um período que perdura aproximadamente
uma ou duas semanas após o momento da perda. Nessa etapa, a
pessoa passa por episódios em que se vê ciente do acontecido e passa
a ter aflições intensas, crises de choro acompanhadas ao mesmo tempo
de pensamentos e lembranças relacionadas à pessoa perdida. Essa fase
também é marcada pela sensação de presença real da pessoa que
47
morreu e culmina em agitação e ansiedade. É comum nesse momento
que sons e ruídos sejam decifrados ou entendidos como possibilidade
de volta ou manifestação da pessoa que faleceu, gerando o impulso
em busca da figura que foi perdida. Na fase denominada pelo autor
como desorganização e desespero, a pessoa experimenta a sensação de
aceitação da realidade do fato e, por fim, na última fase apresenta
alguma organização diante do contexto perda ou, em contrapeso,
pode se deparar com dificuldades ainda maiores para se organizar e
dar continuidade à vida sem a pessoa perdida.
Dando seguimento e unindo-se a John Bowlby em estudos
sobre o luto, o pesquisador e psiquiatra Coulin Murray Parkes
desenvolveu estudos importantes sobre vínculos afetivos e perdas.
Baseando-se na teoria do apego, Parkes estudou com profundidade
como se formam os vínculos e a influência que esses modelos de
formação têm no contexto de perda e nos sentimentos durante o luto,
tornando-se também um escritor clássico sobre a temática.
Parkes (1998) defende que é importante que se estude os tipos
de sintomas que surgem no luto com a finalidade de identificar as
particularidades percebidas como complicadoras desse processo. O
autor se refere a formatos de luto atípicos, também denominados na
literatura como luto complicado e luto patológico, nos quais os
sintomas observados são culpa intensa e persistente, ataques de pânico
perturbadores e uma particular manifestação de hipocondria, na qual
o enlutado apresenta sintomas parecidos com os da doença da pessoa
que foi a óbito. Parkes (1998) sugere que ataques de pânico e
ansiedade são motivados por desamparo e solidão, acompanhados de
lembranças dolorosas e saudosas da pessoa morta, quando em razão
da ausência de apoio aos enlutados, sucediam-se crises de falta de ar,
sensação de choque e expressões somáticas acompanhadas por
sentimentos de pavor e medo. O autor também relata exemplos em
48
que pacientes em contato com as lembranças desencadeavam ataques
com tremores, palpitações, transpiração excessiva e dores no
estômago, sintomas esses que, quando persistentes, culminaram em
depressão, isolamento do enlutado, conflitos internos e externos,
agitação, tensão, e descontrole do pensamento, tornando visível a
intensidade da angústia e o medo excessivo de enfrentar o luto e a
angústia de separação em uma perspectiva considerada preocupante e
grave.
Elizabeth Kübler-Ross (1926 2004), John Bowlby (1907-
1990) e Coulin Murray Parkes (1928); são autores de obras que se
tornaram referências clássicas e com colaborações importantes acerca
do luto. Suas pesquisas são consideradas por estudiosos do fenômeno
ainda nos tempos atuais com o devido reconhecimento e prestígio.
3.2 A Visão Contemporânea Acerca do Luto e a Diferenciação do
Modelo Proposto Por Fases
Os modelos de luto propostos por fases citados anteriormente
foram e ainda são de grande importância para estudiosos e
profissionais que lidam com a temática. No entanto, na
contemporaneidade, pesquisadores tem buscado alinhar a vivência do
luto com a realidade histórica atual, e, para isso, buscam considerar
aspectos culturais, sociais e populacionais (FRANCO, 2021a). Nesse
sentido, um novo olhar para a vivência desse fenômeno aparece,
denominado “modelo do processo dual do luto”, proposto pelos
psicólogos Stroebe e Schut (1999). Inicialmente, esse modelo foi
sugerido em contextos de luto entre parceiros, passando depois a ser
aplicado também em variados contextos de luto que visam a
restauração da identidade. No modelo dual, parte-se da ideia de que
49
há dois eixos importantes a serem praticados: o enfrentamento em
direção à perda e o enfrentamento direcionado à restauração.
O enfrentamento da perda está relacionado ao momento de
acolhimento com a dor da perda, da vivência inevitavelmente
dolorosa e da busca pelo ente querido perdido, além da necessidade
de busca de laços afetivos e apoio e reflexões sobre a vida e a morte.
O enfrentamento direcionado à restauração busca a reorganização do
cotidiano do sujeito e a busca por novas atividades e adaptações
necessárias. Nesse momento é importante elaborar estratégias de
enfrentamento das situações de estresse e dificuldades frente à perda.
A oscilação é um elemento presente na proposta de modelo
dual do luto de Stroebe e Schut (1999), que diz respeito à dinâmica
de alternância entre ambos os enfretamentos de perda e de
restauração, sendo um aspecto importante para o enlutado incluir o
passado, viver a perda no presente e encontrar esperança apesar da
perda no futuro, além de possibilitar a reflexão, internalização e
simbolização do vínculo com o sujeito perdido.
Segundo Franco (2021a), os estudos de Stroebe e Schut
(1999) evidenciaram a necessidade de sintonizar a vivência do luto
com as vivências da vida cotidiana para analisar seu impacto e os
conflitos que podem ocorrer. Portanto, na contemporaneidade, o
foco principal está na distinção do luto como vivência que resulta de
uma perda e a integração e consideração de necessidades adaptativas,
do luto que necessita de atenção maior e específica em relação àqueles
que afeta, levando em consideração fatores de risco e modos de
proteção.
Apesar dessa nova visão para o luto, o modelo proposto com
fases se mantém ao longo da história até os dias de hoje, ainda que
haja inovações em definições e descrições desse fenômeno.
50
3.3 Luto e Outras Definições
Tanto o luto proposto por fases como o luto no modelo do
processo dual, são compreendidos como um processo normal
vivenciado após situações de perda, porém, alguns modelos foram
apresentados na literatura como atípicos, complicados e até mesmo
como patológicos. É importante compreender que a vivência do luto
é apontada por sentimentos e emoções muitas vezes tidas como
“negativas”. Comumente ocorre a tentativa de que esses sentimentos
sejam evitados, reprimidos e até mesmo invalidados pelas pessoas
próximas ao enlutado, ou até pelo próprio sujeito que se encontra em
luto, porém esse movimento pode facilitar o desenvolvimento de um
luto complicado.
Parkes (1998) indica em seus estudos os termos “luto crônico”
e o “luto adiado, alertando que estes podem ser disparadores para o
surgimento da ansiedade constante e perturbadora, ataques de pânico
e de autoacusações insistentes originadas por sentimento de culpa,
além de sintomas somáticos. O luto crônico foi assim denominado
por se manifestar de modo persistente mesmo anos após a perda.
Nesse sentido, a pessoa permanece se ocupando com pensamentos
dolorosos e lembranças associadas à pessoa falecida de forma sofrida e
profunda, em alguns casos manifestando também agitação e
agressividade. A intensidade do luto crônico pode ocasionar o
isolamento do enlutado e o afastamento de amigos e parentes, mesmo
após muito tempo da perda por morte. Já no denominado luto
adiado, o que advém é o adiamento do processo, podendo levar
semanas ou até mesmo mais tempo entre a perda da morte e o início
das manifestações do luto, nesses casos específicos os enlutados se
mostram fragilizados e perdidos, e quando não amparados podem
51
encontrar maiores dificuldades, sendo presumível que a depressão se
manifeste.
Outro termo importante de ser mencionado diz respeito ao
“luto antecipatório”, que é utilizado para se referir ao processo
vivenciado após a revelação de um diagnóstico que trará modificações
para a condição de vida da pessoa, doenças que ameaçam a vida e
exigem enfrentamento das perdas relacionadas a fragilidade da saúde
e adaptações importantes podem servir de exemplo para ilustrar essa
vivência; nesse sentido o luto antecipatório é vivenciado a partir do
momento do diagnóstico em diante (FRANCO, 2021b).
A terminação “luto não reconhecido” foi um termo utilizado
pela primeira vez por Kennedy Doka (1989/2002) e se refere as
perdas não legitimadas e não reconhecidas na sociedade. Franco
(2021) contextualiza que nesse tipo de luto, é identificada uma
postura de censura da sociedade ou até mesmo uma resistência ou não
aceitação do próprio enlutado, os sentimentos em relação ao luto são
impossibilitados de serem expressos abertamente. Nesse caso
específico de luto, ocorre um esfriamento e uma quebra na empatia
que, infelizmente, é presenciada facilmente no ocidente
contemporâneo, que desqualifica vínculos em suas diferentes
características, pois se não há reconhecimento da dedicação e
importância que o outro atribui a seus vínculos, quando este for
rompido não será possível que se reconheça e valide o seu significado
e sentido para o próximo, colocando este em uma posição de
desamparo e invalidação de sua dor. Além disso, trata-se de um
contexto em que não há a compaixão necessária no reconhecimento
de uma aflição e angústia legítima diante de uma perda significativa.
O individualismo e o egocentrismo impedem a empatia para com os
enlutados não reconhecidos, esse esfriamento da empatia parte de um
pré-julgamento pessoal; esse infeliz contexto faz com que crianças,
52
animais de estimação, bebês não nascidos, amigos virtuais, idosos,
ídolos, profissionais de saúde, professores, e muitos outros casos de
perdas significativas para o enlutado, componham uma categoria que
não é considerada e pertencente de um vínculo real, verdadeiro e
legítimo. Franco (2021) sinaliza que como consequência dessa atitude
de censura social, o enlutado não reconhecido busca se ajustar e
perpetua esse não reconhecimento, acreditando ser esse o melhor
modo de lidar, sem saber que isso traz mais deformações do que
ajustes, dificultando o seu processo de enfrentamento e
autoconhecimento diante da perda sofrida.
O “luto coletivo” é um termo utilizado para se referir ao luto
que impacta todo um grupo, toda uma comunidade, ou a sociedade.
O sentimento de pertencimento do enlutado para com os demais
membros caracteriza esse aspecto de coletividade, e essa modalidade
de luto pode ser vivenciada tanto de forma privada como pública.
Apesar de se diferenciar do luto individual por seu caráter coletivo e
ser mais breve que o primeiro, essa vivência é importante e deve ser
considerada pelo profissional que acolhe comunidades enlutadas
(FRANCO, 2021b).
Nesse sentido, é importante apontar aqui uma preocupação
comumente encontrada com pessoas que lidam com o acolhimento
de pessoas em luto, seja ele entendido como normal ou atípico: o
medo de acionar gatilhos. Gatilhos mentais são compreendidos como
agentes externos capazes de desencadear reações desagradáveis ou,
“emoções negativas”. Entendendo o luto como um processo legítimo
e que fatalmente é vivenciado em um contexto de perda significativa,
seria adequado que se prive ou até mesmo se controle o sentimento
alheio diante de possíveis lembranças ou situações que lembrem a
perda na tentativa de evitar que essas emoções e sentimentos
angustiantes sejam sentidos, ou pelo menos, não expressados? Cabe
53
aqui uma reflexão da autora desta dissertação. Como passar por uma
experiência tão profunda e desoladora, sem contato com nada externo
que remete ao enlutado a perda? Evitar locais, engolir o choro, não
falar, se afastar, isolar, silenciar... seria esse o melhor caminho? Trata-
se de um caminho perigoso... silenciar a dor na busca de controlar
que emoções negativas sejam expressas é como desautorizar o sentir.
O luto precisa ser sentido, respeitado e quando há manifestações de
reações dolorosas e desagradáveis, essas precisam ser acolhidas, e não
controladas e impedidas de serem expressas... caso contrário, o
desamparo vivido pode ser devastador e a possibilidade de
complicações no luto pode ser maior, como já verificado por
estudiosos da temática aqui mencionados.
Quando se fala em luto atípico, é importante discorrer
também sobre os “vínculos contínuos”, e evidenciar que estes não
constituem fator complicador, pois integram o processo do luto e
possibilitam a construção de significados e novos sentidos após a
perda. É importante pontuar que a tentativa do enlutado de manter
o vínculo contínuo após estabelecer um novo sentido a essa perda que
marcou sua trajetória de vida, não pode ser entendida ou condenada
como anormal, como se o normal fosse ignorar por completo a
existência e o fato da morte. Essa acusação é comum, porém
equivocada, pois os vínculos contínuos exigem do enlutado empenho
para aceitar a realidade da morte e a busca pela construção de novos
significados e formas de manter a memória da pessoa querida que foi
perdida (FRANCO, 2021a).
54
55
CATULO 4
A CRIANÇA EM LUTO NO CENÁRIO ESCOLAR
4.1 O Luto na Criança
Quando crianças vivenciam o luto, ocorrem particularidades
que acabam por tornar esse contexto mais complexo e delicado; isso
porque crianças costumam se deparar com as resistências, bloqueios,
constrangimento e dificuldades dos adultos ao redor e de seus
responsáveis. Esses adultos podem apresentar medos e receios ao
acolher e abordar os pequenos considerando suas dúvidas,
sentimentos e questionamentos, por vezes, não suportando as
expressões de emoções dolorosas (TORRES, 1999).
Kovács (2021b) menciona que o processo de luto é vivenciado
pelas crianças e que a expressão dos pequenos não costuma se limitar
a palavras, pois lançam mão de recursos da sua realidade da infância,
como desenhos, brinquedos e jogos, que abarcam o campo lúdico,
procurando um adulto de referência na busca de apoio. É essencial
que os pequenos encontrem nesse adulto acolhimento,
reconhecimento e legitimação de seus sentimentos, esclarecimento de
dúvidas e questionamentos, para que o mundo interior da criança aos
poucos se organize após o impacto da perda vivenciada.
Franco e Mazorra (2007), apoiadas em um referencial teórico
psicanalítico e nos estudos de Bowlby sobre o luto, desenvolveram um
estudo clínico qualitativo que investigou as fantasias de crianças
enlutadas pela morte de pai, mãe ou ambos, e a relação dessas fantasias
56
com a elaboração do luto. Foram feitos estudos de casos com meninos
e meninas, de três a oito anos, que haviam sido encaminhados para
psicoterapia em uma clínica-escola. Como instrumentos para a
investigação, utilizaram entrevistas com o genitor sobrevivente ou
com o adulto que ficou responsável pela criança, uma entrevista
familiar, três entrevistas lúdicas e a aplicação do procedimento de
desenhos-estórias. Nesse estudo, o sentimento de desamparo parece
ser o predominante para a mobilização das fantasias na criança, o que
se relaciona com o fato da morte de um ou de ambos os genitores
gerar um sentimento de profunda ameaça em sua sobrevivência física
e emocional. Isso é agravado pelo fato de que além de ter que lidar
com a perda dos genitores, a criança perde também o contexto
familiar anterior, pois a família vai precisar se reorganizar após o
ocorrido e está fragilizada. Outro sentimento que aparece é o
abandono, pois a criança costuma sentir-se abandonada pela pessoa
que morreu.
Fantasias semelhantes podem ser consideradas em diferentes
crianças, mas também há fatores específicos que as tornam
particulares para cada uma delas, e apontam que essa variabilidade
parece estar associada aos seguintes aspectos:
- Momento de desenvolvimento da criança: psicossexual,
cognitivo e modo de funcionamento egóico;
- Condições circundantes ao evento da morte: tipo da morte;
como aconteceu;
- Dinâmica familiar antes e após a morte;
- Modo como a família lidou com a morte: informação fornecida
e possibilidade de fazer perguntas; possibilidade de participar do
luto familiar, espaço na família para o luto poder ser vivido;
- Lugar determinado para a criança na família, antes e após a
morte;
57
- Relacionamento da criança com o genitor falecido e demais
membros da família (FRANCO; MAZORRA, 2007, p. 509).
É importante considerar o desenvolvimento psicossexual,
cognitivo e o funcionamento do ego da criança, além de compreender
que as fantasias refletem o processo de elaboração do luto e que
conhece-las possibilita o entendimento de sentimentos, sintomas e
comportamentos relacionados à elaboração desse processo, além
disso, a importância da atenção à família sempre que há uma criança
enlutada, pois a elaboração do luto da criança vincula-se ao processo
de elaboração do luto da família, e nesse contexto de morte de um
membro, o sistema familiar vivencia um período de crise e
desorganização (FRANCO; MAZORRA, 2007).
Sengik e Ramos (2013) realizaram um estudo sobre a
concepção de morte na infância, a partir de falas de quatro crianças
na faixa etária de três a quatro anos, encaminhadas para avaliações
psicológicas nos anos de 2008 a 2011. Concluíram que quando se
trata da discussão acerca da morte pairam angústias, silenciamentos e
inseguranças, principalmente no que se refere ao estabelecimento de
um diálogo com o sujeito.
Mazorra (2005) assinala que autores que buscaram estudar a
concepção de morte em crianças e que foram influenciados por
estudos piagetianos, como Torres (1999), apontam uma ligação
estreita entre o desenvolvimento cognitivo e a compreensão infantil
da morte. O entendimento que a criança tem acerca da morte pode
estar relacionado com estádios do desenvolvimento cognitivo. As
crianças mais novas entendem o fenômeno como algo temporário,
não compreendendo a finitude, conferindo, dessa forma, vida à
situação de morte. No estádio operatório concreto, ocorre na criança
a diminuição do egocentrismo e apresenta um conceito de morte já
58
mais próximo de um adulto, passando a entender a possibilidade da
mortalidade e finitude, inclusive de sua própria. Nas operações
formais, o conceito de morte já pode alcançar níveis mais amplos e
abstratos, como por exemplo, pensar nesse fenômeno em seus
aspectos existenciais, sendo possível a elaboração de teorias diversas.
Mazorra (2005) também sinaliza que, no estádio das operações
concretas e nas operões formais, o sujeito pode estar na
adolescência, período em que também pode ocorrer a tentativa de
negação da morte no sentido de desaf-la. Nesse caso, o adolescente
mesmo sabendo da possibilidade de sua própria morte, pode se
colocar em situações de risco na tentativa de testar os seus limites,
sendo importante o cuidado e atenção com esse público no sentido
de prevenção.
Na tentativa de evitar suas próprias angústias em relação à
morte, adultos acabam optando pelo silêncio quando em contato com
crianças enlutadas, sustentam a falsa argumentação de que a criança
não conseguiria compreender, no entanto, os estudos realizados
comprovam que as crianças entendem a morte e o silencio dos adultos
as inibe a ponto de o interpretarem como um sinal de que não podem
expressar sentimentos e nem fazer perguntas. Ao desmistificar e
orientar adultos que acolhem crianças enlutadas, Torres (1999)
sugere que explorar e responder, de forma sincera e acolhedora, as
dúvidas é melhor do que deixar que medos não expressados atuem na
imaginação da criança. No entanto, também propõe que as melhores
respostas são as que podem ser retiradas das experiências das crianças,
respeitando o seu nível cognitivo.
Em relação a participação das crianças em rituais de despedida
e velórios, Kovács (2021) defende que a morte não deve ser escondida,
pois apesar de se tratar de um momento doloroso, os pequenos devem
encontrar nesse contexto o apoio familiar que necessitam, essa
59
proximidade com entes queridos é uma oportunidade de suporte e
apoio. Nesse sentido, menciona também que o contexto social dos
rituais fúnebres tem papel importante no processo de elaboração do
luto, já que participando desse momento junto à família, a criança se
sentirá cuidada, ao contrário do que muitas vezes é suposto
erroneamente de que é desnecessário e só aumentará a dor e o
sofrimento.
4.2 A Morte e o Luto na Escola
O luto é um processo vivenciado por todos, compreender as
peculiaridades desse feito é essencial no ambiente escolar pois trata-se
de entender um importante processo da nossa existência. Ainda que
seja um local que promove a aprendizagem e a vida, esse cenário não
está imune de sofrer impactos de mortes e outros tipos de perdas.
Segundo Naletto (2005), é importante que educadores,
quando em contato com alunos enlutados, compreendam que abrir
espaço para expressão da dor é importante, validando dessa forma o
luto dos pequenos, sendo esse um grande desafio. Para tanto, é
importante partir do ponto que ainda que pareça mais fácil ignorar a
dor e distrair as crianças, essa atitude não é saudável, é impossível que
a rotina seja retomada normalmente e achar que a angústia presente
vai simplesmente desparecer.
É importante que os educadores tenham ciência de que de
fato não se trata de uma proposta fácil de ser realizada, pois o contato
com essa temática gera tristeza, choro, revolta, ou seja, expressões
esperadas dos sentimentos que compõe o luto. E, isso é normal. No
entanto, é importante que exista o entendimento e a segurança do
educador de que acolher esses sentimentos assim como expressá-los é
importante, necessário e saudável.
60
Naletto (2005) também atenta para a questão de que crianças
procuram um adulto de referência para esclarecer suas dúvidas sobre
a morte e os professores tem um importante papel nesse momento.
Verificando as inseguranças que podem aparecer por parte dos
educadores, a autora destaca o receio diante de diferentes opiniões
familiares, inclusive divergências em explicações religiosas e o receio
de gerar conflito. Em casos como esses, sugere que os alunos sejam
incentivados pelos professores a perguntarem aos seus pais o que
pensam e explicar que existem diferentes formas de lidar com esse
tema, além de também orientar os pais a darem explicações aos filhos
acerca do que pensam, incentivar que os pequenos se socializem uns
com os outros e trocarem diferentes pontos de vista dando a
oportunidade de todos falarem, promovendo o conhecimento das
explicações e crenças diferenciadas de cada um.
Kovács (2002) apresenta propostas para inclusão do tema
morte no ambiente escolar em instituições regulares e na formação
dos educadores. Segundo a autora, o tema morte necessita ser
repensado na instituição de ensino e sugere a inclusão de temáticas
como a morte, o luto e formas de acolhimento à criança na formação
do educador. É importante que educadores entrem em contato com
a sua própria visão acerca da morte e sejam acolhidos em suas
angústias, para que dessa forma se sintam mais preparados e seguros
para lidar com a criança diante da morte.
O acolhimento do tema sobre a morte pode ser indicado para
várias fases do desenvolvimento humano, desde que se reverencie as
especificidades de cada etapa, sobretudo no que diz respeito à infância
e adolescência. É essencial que seja expandido o escopo dessa temática
em uma sociedade que se depara com a morte escancarada e interdita
no seu cotidiano, esses espaços podem e devem envolver os cenários
escolares. Kovács (2021b) sinaliza que, para que a inclusão do tema
61
seja realizada no ambiente escolar, é necessário mais do que uma
fórmula pronta. Deve-se partir inicialmente de uma abertura que
além de facilitar, promova reflexões e debates sobre esse tema.
Nesse contexto pós-pandêmico em que as crianças passaram
por diversas perdas e culminaram em lutos diversos, tanto coletivos
quanto individuais, é importante que os educadores tenham em
mente que o acolhimento e escuta dos sentimentos acerca da morte e
também de experiências diversas de perdas no geral é imprescindível.
A iniciativa de propor que o assunto seja conversado em sala com a
turma toda pode estimular a solidariedade dos demais colegas, que
também podem ter a oportunidade de compartilhar seus sentimentos.
É comum que educadores tenham receio de falar sobre a morte
quando se deparam com crianças enlutadas nas escolas, costumam ser
resistentes e receosos em abordar o tema e acabam tendo modos de
silenciar ou não responder as dúvidas na tentativa de proteger a
criança. Segundo Kovács (2021), esse comportamento pode ser
compreendido como manifestação de defesas desses profissionais, no
entanto, essa postura não ajuda e nem possibilita que alunos tenham
compreensão do que é a morte.
Sengik e Ramos (2015), considerando que a morte faz parte
do desenvolvimento humano e que se trata de um tema delicado,
desenvolveram um estudo com o objetivo de discorrer sobre a
temática ser abordada no contexto escolar, por meio de obras
literárias. Os autores realizaram a análise e discussão da obra Os dois
irmãos” de Wander Piroli, que foi escolhida pelo Programa Nacional
Biblioteca da Escola (PNBE-2010), para compor acervos da
Educação Infantil. As discussões foram limitadas aos aspectos verbais
e visuais, partindo da forma como o enredo abarca simbolicamente a
morte e a perda, e, além disso comtempla a ausência, o abandono e a
separação. Ainda nesse estudo, foi indicado que a literatura infantil
62
solicita a construção de conhecimentos, provocando a atribuição de
significado partindo das vivências dos leitores. A escolha apropriada
de literatura sobre essa temática ajuda a criança a lidar com situações
específicas e conflitivas como a morte, que podem ser tratadas de
forma simbólica, promovendo a construção do conceito de morte,
além de construir significações acerca do que esse tema remete. Outro
aspecto apontado, se refere ao pouco comparecimento do tema morte
no ambiente escolar quando se trata da infância, devido à dificuldade
e à insegurança dos adultos em abordarem e falarem sobre o assunto.
No entanto, os autores atentam para o fato de que silenciar as crianças
sobre o que pensam e sentem em relação à morte, acreditando que
dessa maneira vão minimizar a dor das que se depararam com uma
perda significativa, é um equívoco.
A escola deve ser um espaço que promova interação e permita
que as crianças falem do que sentem a respeito das leituras que fazem,
inclusive sobre temáticas consideradas difíceis. A obra literária usada
é um instrumento que possibilita que a criança pense e também
conheça os seus sentimentos e questionamentos, entrando em contato
com sua percepção em relação à morte. Além da morte propriamente
dita, experiências de perda, falta e abandono são vivenciadas por várias
crianças, independente da condição social, sobretudo, na
contemporaneidade. Filhos que não conhecem um ou ambos os
genitores, ou criados por outros familiares ou pessoas, também
podem ser beneficiados com a abordagem do conflito, além disso, é
possível preparar melhor crianças que possam enfrentar ao longo de
suas vidas emoções semelhantes (SENGIK; RAMOS, 2015).
Em relação às propostas de inclusão do tema na escola, Kovács
(2012) sugere acolhimento, escuta empática, criação de espaços para
sensibilização, reflexão e esclarecimento de dúvidas, além da expressão
de sentimentos. A participação da comunidade escolar em rituais de
63
despedida e apoio aos familiares, atividades em dias de finados,
elaboração de materiais didáticos sobre a morte, uso de literatura,
vídeos, filmes e encaminhamento para profissionais especializados,
quando verificada a necessidade, também foram condutas propostas.
Essas atividades podem levar os alunos a se conhecerem em diferentes
formas de lidar culturalmente com essa temática, inclusive pensando
características familiares de encarar a morte apoiadas em diferentes
costumes e religiões. O feriado de finados é uma boa oportunidade de
inserir esse tema em sala de aula, já que faz parte do mundo social em
que os alunos estão envolvidos. Reflexões acerca do porquê esse dia
existe, explicações acerca dos velórios e diversos costumes nos rituais
de despedidas e a possibilidade de prestar homenagens para pessoas
queridas que foram perdidas são algumas atividades propostas por
Kovács (2021b). Com isso, é possibilitado o resgate de memórias
especiais, o compartilhamento dos alunos de suas experiências e
sentimentos uns com os outros e a reflexão de como cada pessoa vive
uma experiência diferente acerca dessa temática.
É essencial que professores estejam atentos de forma
cuidadosa à experiência da criança e sejam ouvintes atenciosos,
acolhedores e compreensivos, além de levarem em consideração o seu
estádio cognitivo. Cuidado, reflexão e competência são importantes
para que não se crie uma barreira defensiva, é importante levar em
conta que não há receita de bolo para abordar o luto na escola, no
entanto, abertura pessoal, sensibilidade e preparo do educador são
ferramentas essenciais para que o acolhimento das crianças em relação
a vivências e sentimentos em torno da morte seja efetivo. Levando em
conta que é evidente a necessidade de preparo dos profissionais de
escola, Kovács (2012) sugere essa preparação em dois aspectos:
cognitivos (palestras informativas, explicações e esclarecimentos) e
emocionais (cuidados psicológicos e sensibilização).
64
Franco (2021b) refere que, para o acolhimento de uma perda,
independente da formação básica do profissional, é necessário
oferecer cuidados que tenham sua fundamentação em práticas
validadas, além de ter a compreensão da pluralidade dos afetados pela
perda. Complementa ainda a importância de três aspectos
fundamentais para o profissional, sendo eles o autoconhecimento em
relação às próprias vivencias de luto e concepções acerca da morte,
ética e conhecimento teórico sobre o tema, que pode ser adquirido
com cursos de especialização, aperfeiçoamento, grupos de estudos,
supervisão, palestras, eventos científicos e cursos breves e focais.
O autoconhecimento é indispensável para o profissional que
acolhe demandas relacionadas ao luto, pois, é um fato que em cada
história pessoal há passagens e vivências com perdas, e elas impactam
e repercutem nos projetos e significados. Caso essas vivências pessoais
sejam negadas e não enfrentadas, podem ocorrer projeções e ações
distorcidas visando a proteção de uma dor pessoal e isso pode
dificultar a abertura do profissional para acolher o sujeito enlutado;
como consequência, pode ocorrer o distanciamento da escuta e o
esfriamento da capacidade empática. Em suma, o autoconhecimento
anda de mãos dadas com a ética na atuação profissional de
acolhimento do luto (FRANCO, 2021b).
Seria fundamental que temas relacionados a morte e o luto
estivessem incluídos na formação do profissional da educação, pois,
muitos terão ao longo de sua trajetória situações de morte e luto em
seu cotidiano do trabalho, como acabou ocorrendo atualmente
devido ao contexto de Pandemia. Portanto, conhecer as competências
necessárias para quem trabalha com demandas de morte e luto é
indispensável para o trabalho de acolhimento dessa temática no
ambiente escolar, além disso, é importante adquirir conhecimento
teórico sobre o fenômeno. É essencial que os educadores também
65
sejam acolhidos e estejam cientes da sua própria vivência pessoal
acerca da morte e do luto, para que não se criem barreiras e evitação
quando em contato com alunos curiosos acerca da morte, ou a
mesmo, enlutados.
Levando em consideração que todos foram atingidos pelo
contexto pandêmico da COVID-19, e pensando que se tratou de
variados tipos de luto, tanto coletivos como individuais, é importante
verificar como alunos, professores e até mesmo familiares foram
acolhidos e o que pensam acerca dessa vivência que atingiu cenários
diversos, incluindo as escolas.
4.3 Morte e Luto num Contexto de Pandemia
O tema luto tem ganhado interesse de estudiosos nas áreas de
psicologia, medicina, direito, enfermagem, e ainda muito
recentemente na educação. Em relação ao contexto brasileiro, é
importante levar em conta as diferentes etnias e origens presentes na
identidade brasileira; isso significa que é indispensável considerar as
diversas comunidades existentes e a aproximação com toda essa
diversidade. É importante destacar que essa diversidade não diz
respeito somente às religiões disseminadas e professoradas no Brasil,
embora seja um aspecto importante a ser levado em consideração.
Também estão presentes aspectos sociológicos, avaliando que em
meados do século XX, importantes transformações culturais
ocorreram, como mudanças nas estruturas familiares e em relação aos
papéis desses membros no núcleo familiar e na sociedade, além de
preconceitos que foram problematizados e revistos (FRANCO,
2021b).
No século XXI, os estudos acerca do luto se intensificaram e
se ampliaram, os contextos passaram a ser diversos, abrindo espaço
66
para novas perspectivas de atuação de apoio às comunidades enlutadas
e suas demandas e necessidades específicas de adaptação. Em relação
aos estudos sobre o luto no Brasil, Franco (2021a) aponta que avanços
já podem ser percebidos desde os anos 2000, pois universidades,
centros de pesquisas e espaços de formação profissional produzem
conhecimento sistematizado e buscam a promoção desses estudos
científicos para a população leiga sobre temáticas que se relacionam
com perdas e luto.
Um questionamento importante acerca do luto no Brasil e no
contexto pandêmico foi levantado por Franco (2021a), que se
preocupou em responder se nesse momento histórico o luto mudou.
Segundo a autora, considerando a maneira como as pessoas se
vinculam na atualidade e o modo como esses vínculos se rompem,
seja em condição de morte propriamente dita, ou não, a resposta é
sim, pois existem mudanças significativas no modo como a
construção dos vínculos se dá nos tempos atuais.
Em relação a forma que os vínculos se dão na atualidade, o
sentido que se dá às conexões de intimidade entre as pessoas e a
necessidade de um determinado tempo para essa construção, se
confronta com o tempo que é vivenciado às pressas, de modo
acelerado. Ainda que nesse contexto de pressa, é possível que pessoas
se vinculem, e não somente se relacionem. Partindo dessa reflexão,
Franco (2021a) defende que é necessário repensar como são
considerados os vínculos construídos na modernidade, pois apesar de,
por vezes, serem interpretados erroneamente como superficiais, esses
vínculos podem sim ser genuínos, ainda que edificados de modo
acelerado e impaciente diante de situações de crises. Nesse sentindo,
na atualidade, formas de vivenciar o luto que eram impensáveis há
não muito tempo, ganham espaço e, ainda que possam ser lutos não
reconhecidos, como em casos de enlutados por perdas de quem
67
conheciam no formato virtual, e ainda que tenham surgido
possibilidades de uso da tecnologia para pessoas se conectarem, a
mesmo em velórios virtuais e rituais de homenagem via online, esses
vínculos são legítimos e devem ser considerados, assim como as
consequências desse rompimento.
Com o cenário pandêmico iniciado em 2020, as atitudes e
comportamentos das pessoas mudaram de forma repentina e intensa
por decorrência dos cuidados necessários para evitar a transmissão do
vírus. Isolamento, rompimentos, perdas, mortes, caos, conflitos,
medos, desgastes e exaustão fizeram parte desse contexto caótico e
inesperado. Pandemias provocam mortes em grande quantidade em
uma velocidade rápida, isso gera várias implicações psicológicas, como
no cenário brasileiro com a COVID-19, medidas restritivas foram
tomadas na tentativa de conter a disseminação e contágio, dentre elas
o isolamento social, restrições de viagens, uso de máscara e
distanciamento corporal, esse contexto inclusive impediu que pessoas
adoecidas e até que vieram a falecer, estivessem amparadas de perto
por familiares e amigos, dificultando a conexão com sua rede
socioafetiva. Também foram prejudicados os rituais de luto, as
despedidas entre doentes e seus respectivos familiares também foram
comprometidas, impossibilitando compartilhamento de questões que
não puderam ser solucionadas e pedidos de perdão, questões
extremamente importantes em processos de morte e luto (KOVÁCS,
2021a).
O luto alcançou proporções antes inimagináveis no Brasil e
no mundo, e além de ser vivenciado em seu aspecto subjetivo e
individual, foi também vivenciado coletivamente, nesse sentido,
trata-se do luto coletivo que alastrou a sociedade. Sobre o luto
coletivo, Franco (2021b) argumenta que o mesmo pode ser
vivenciado em seu aspecto público, mas também em seu sentido
68
privado. Isso significa que, mesmo em contexto de isolamento e
afastamento, o luto coletivo esteve presente, pois é a noção de
pertencimento de um grupo, de uma coletividade que o define.
Um aspecto importante a ser destacado é que a pandemia foi
devastadora em várias esferas e impulsionou uma transformação
rápida diante da fragilidade em que a população se encontrava.
Partindo desse ponto, será necessário repensar assuntos relacionados
a humanidade e seus impactos em curto e longo prazo que se originam
desse período de crises complexas, que integrou muitas perdas, muitos
lutos em suas variedades que serão vividos de forma pública ou
privada, e isso pode durar um longo tempo, já sendo possível notar
que já ocorreram e ainda podem ocorrer muitas mudanças e
adaptações.
Parkes (2009) é incisivo ao afirmar que todo luto é
traumático, mas que em certa medida alguns acabam por ser mais
traumáticos e de difícil adaptação que outros e usou o termo perda do
“mundo presumido”, para se referir a perda da segurança causada por
rompimentos de vínculos significativos e o abalo consequente desse
ocorrido. Sejam esses rompimentos por morte ou não, é importante
compreender o quanto esse acontecimento pode minar os vínculos
mais seguros, do mesmo modo que pode alcançar também perdas
múltiplas. Isso ocorre frequentemente, pois dificilmente as pessoas
estão preparadas quando se chocam com uma perda importante, mas
nem sempre resultam em lutos problemáticos e atípicos,
principalmente quando amparados com o devido apoio e suporte que
fortalece uma base segura para o enfrentamento desse processo. Em
contextos de desastres, o mundo presumido é severamente impactado,
como ocorreu no cenário pandêmico, que causou crises e inseguranças
de toda ordem.
69
Apesar de ainda ser cedo para ter uma dimensão completa do
que essa crise sanitária mundial trará de consequências a longo prazo,
alguns aspectos já podem ser mencionados no que diz respeito ao luto,
como as perdas por morte, perdas da segurança, a perda inerente ao
distanciamento físico e de convivência social, perda da saúde nos
aspectos físicos e mental, perda econômica, impedimento e ausência
de funerais que possibilitavam rituais de despedida e riscos de lutos
ambíguos e complicados.
Um fator importante de ser pontuado em relação ao luto no
Brasil, é a rede de apoio. Essa rede, constituída de sistemas, pessoas e
instituições, é diferente por exemplo da rede encontrada em um país
como a Inglaterra. Compreender qual a visão que o enlutado tem
dessa rede e se ela é existente é indispensável. Na Inglaterra, a rede de
apoio não é tão voltada para o âmbito familiar, já no Brasil, por
influência e vestígios de uma cultura patriarcal, o sistema familiar
costuma ter grande peso, além disso a instituição religiosa também
costuma ser buscada como amparo no cenário brasileiro. Em relação
aos recursos oferecidos pelo Estado, são considerados escassos e isso
leva a comunidade enlutada em busca de uma rede de apoio informal.
Ainda que tenham ocorrido significativas mudanças culturais em
relação às estruturas familiares, o que é considerado pelo enlutado
como família tem grande destaque e importância (FRANCO, 2021a).
Nesse sentido, na legislação, o luto não reconhecido está evidente,
pois só se tem o direito de se afastar do trabalho pessoas que se
encontram em uma estrutura familiar patriarcal e monogâmica,
deixando de fora desse direito pessoas que se encontram em outro
modelo familiar; além disso amigos queridos, madrinhas, padrinhos,
não são considerados e caso a pessoa tenha uma perda nesse sentido e
necessite se ausentar do trabalho, terá seu salário descontado.
70
Com o isolamento e aumento da interação das pessoas pela
internet, a vivência do luto em seu aspecto público foi ainda maior
que do luto em seu aspecto privado. Além disso, profissionais
capacitados para o suporte e apoio a comunidades e pessoas enlutadas,
tiveram que encontrar meios de oferecer esse atendimento no formato
virtual, pois estavam impossibilitados em sua maioria de atender
presencialmente. Foi necessário compreender que se tratava de uma
vivência do luto com “contornos próprios”, modificações foram
necessárias e houve a necessidade de rever o que já se sabia e pensar
em novas estratégias a partir dali.
Outro ocorrido marcante desse contexto, foi a
impossibilidade de velórios presenciais. O velório tem uma
importância cultural muito significativa, e tirar dos enlutados essa
vivência gerou grandes possibilidades de risco no sentido do
desenvolvimento de um luto complicado. Na tentativa de amenizar
os danos, velórios e rituais de despedida online foram sugeridos por
profissionais da área. A ausência de possibilidade de ver ou se conectar
com pessoas adoecidas e que vieram a falecer antes e depois do
momento do óbito também foi percebido como um fator de risco
para o luto complicado (FRANCO, 2021b).
Em relação às crianças, o tema se tornou mais presente em
suas vidas, já que a morte escancarada tomou conta do cotidiano da
população brasileira em geral. O acesso à internet, as notícias da TV,
e os meios de comunicação em geral ocorreram de modo indisfarçável
e em um ritmo avassalador, as vezes sem possibilitar a elaboração.
Nesse contexto, o tema atravessa a vida das crianças de forma brusca,
e acaba por se tornar companheira sem limites e invasiva no cotidiano
dos pequenos. Um conflituoso paradoxo paira em torno do fato de
que apesar dessa proximidade intensa com a morte que crianças foram
submetidas, ao mesmo tempo podem ter sido reprimidas através o
71
silenciamento encenado por adultos a sua volta; conviveram com essa
realidade diariamente, mas, ao mesmo tempo, foram impedidas de
expressar o sofrimento (KOVÁCS, 2021a).
Considerando que o cenário pandêmico teve como um dos
marcos principais o desafio com as adaptações indispensáveis não só
dos enlutados, como também dos profissionais responsáveis pelo
acolhimento, suporte e cuidado das pessoas em luto, foi necessário
analisar o que era possível ser realizado levando em conta as barreiras
impostas e diversas dificuldades para que, dessa forma, fosse possível
lidar com esse momento histórico e angustiante que se alastrou na
sociedade.
72
73
CATULO 5
ASPECTOS METODOLÓGICOS
5.1 Problema e Objetivo de Pesquisa
Considerando a morte como um tema complexo que necessita
ser abordado em seu aspecto afetivo, cognitivo e social, acrescida da
demanda da perda de um aluno por acidente, além do contexto de
perdas pela COVID-19 a presente pesquisa teve como problemática
quais as ideias que crianças possuem sobre a morte e o luto, e como
professores e familiares se relacionam com questões envolvendo o luto
e a infância respectivamente em seus contextos escolares e familiares.
Assim, o objetivo deste trabalho foi compreender as ideias que
crianças possuem sobre a morte, bem como analisar como professores
e familiares se relacionam com questões envolvendo o luto, a morte e
a infância. Para tanto, buscamos identificar como ocorre a construção
do conhecimento social acerca da morte em crianças encaminhadas
por professores do ensino fundamental, investigar como professores e
pais de alunos encaminhados compreendem o acolhimento das
crianças enlutadas e a discussão acerca da morte no ambiente escolar
e apresentar recursos materiais que auxiliam no acolhimento dessa
temática e que possam ser utilizados por educadores em contextos
escolares.
74
5.2 Delineamento
Foi realizado um estudo de caso com abordagem qualitativa,
utilizado para a análise do objeto em seu contexto real apoiando-se
em múltiplas fontes de evidências, incorporando a subjetividade do
pesquisador e se enquadra numa lógica de construção de
conhecimento, sendo uma estratégia importante quando se trata de
um contexto que se entrecruza com conjuntos complexos de variáveis,
além de abarcar constantemente um caráter interpretativo. O
trabalho foi desenvolvido em uma escola de Ensino Fundamental I,
sob autorização da Secretaria de Ensino do município de Marília, São
Paulo. Participaram do estudo quatro alunos do 2º ano, de 7 a 8 anos,
indicados pela equipe escolar como os mais impactados pela perda de
um colega de sala, três professoras diretamente envolvidas com os
alunos (professora responsável pela sala, professora de artes, e
professora de inglês), e quatro adultos responsáveis (um por cada
criança).
A escola disponibilizou para os momentos de coleta com as
crianças um espaço ao ar livre, silencioso e em contato com a natureza,
havia cadeiras em torno de uma bela árvore rodeada por areia. Para a
entrevista com as professoras e com os responsáveis pelas crianças, a
escola disponibilizou uma sala fechada e silenciosa. O Comitê de
Ética e Pesquisa (CEP) da FFC da Unesp de Marília deu seu parecer
APROVADO (número 5.690.288) para o projeto de pesquisa, porém
anteriormente solicitou que fosse disponibilizada uma psicóloga para
acompanhamento das etapas de entrevista caso fosse necessário
atendimento psicológico devido a fragilidade emocional que sujeitos
enlutados participantes da pesquisa poderiam apresentar. Como a
autora é psicóloga, a solicitação foi prontamente atendida.
75
Os participantes passaram por acolhimento psicológico após
a coleta das entrevistas. No caso das crianças, também foram
disponibilizados materiais lúdicos (livros, baralhos de acolhimento e
jogos) para auxiliar na expressão e esclarecimento das dúvidas, além
da escuta e apoio psicológico. Na primeira etapa, foi realizado um
levantamento das crianças percebidas pelos professores como mais
impactadas pelas perdas e/ou por morte vivenciadas no período
pandêmico, com ajuda da direção escolar. No entanto, durante esse
processo, a equipe gestora informou a morte de um aluno em
contexto de acidente após o retorno das aulas presenciais e, com
anuência da pesquisadora, optou por encaminhar alunos dessa turma.
Assim, os quatro alunos estavam regularmente matriculados no
segundo ano do Ensino Fundamental e além de terem vivenciado o
contexto de pandemia da COVID-19, estavam diante de uma
vivência de perda por morte ainda mais recente, de um colega da
turma.
Na segunda etapa, foram realizadas entrevistas piloto, e em
seguida, três professoras que também ministravam aulas na turma dos
sujeitos analisados foram selecionadas e entrevistadas. Em uma
terceira etapa, foi realizado contato com os adultos responsáveis pelas
crianças, com a finalidade de explicar a proposta e esclarecer dúvidas,
além de verificar possíveis resistências e promover esclarecimentos e,
por fim, convidá-los a participar da pesquisa respondendo a uma
entrevista semiestruturada. Foi entregue aos participantes o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido e o Termo de Assentimento à
participação das crianças na pesquisa. Com as assinaturas
devidamente coletadas e autorizações fornecidas, a terceira etapa foi
realizar a entrevista semiestruturada, pautada no Método Clínico-
Crítico Piagetiano (Piaget, 1947), com a finalidade de compreender
a noção das crianças encaminhadas sobre a morte e o luto.
76
A análise dos dados coletados teve caráter descritivo e
interpretativo, as respostas das crianças foram classificadas segundo
níveis propostos por Delval e Vila (2008), e as respostas das
professoras e dos responsáveis foram analisadas buscando mostrar o
que pensam e compreendem acerca do tema ser abordado no cenário
escolar e como se relacionam com a morte e o luto.
5.3. Instrumentos
5.3.1 Entrevista Semiestruturada Para os Professores
A entrevista aplicada aos professores visa compreender o que
pensam acerca do tema ser abordado no cenário escolar e a respeito
desse acolhimento ser realizado por educadores.
É composta pelas seguintes questões norteadoras:
Você se sente preparado para lidar com o tema morte/luto
com a criança?
Você já teve alguma formação ou capacitação sobre esse tema?
Qual o seu ponto de vista acerca desse tema ser abordado no
ambiente escolar?
Qual a sua opinião sobre o professor atuar no acolhimento da
morte e do luto?
5.3.2 Entrevista Semiestruturada Para os Responsáveis
Questionário para os pais, visando compreender como o tema
é abordado na família e verificar o que os pais pensam a respeito do
tema ser abordado no cenário escolar. A entrevista com os adultos
responsáveis pelas crianças foi composta das seguintes questões:
Como o tema morte e luto é abordado na família?
77
Qual o histórico de perda da criança?
Quais as crenças e suporte/rede de apoio que a família tem?
O que você pensa a respeito do tema morte e luto ser
abordado na escola?
Como você entendeu essa proposta de pesquisa?
Existe alguma dúvida?
5.3.3 Entrevista Semiestruturada Para as Crianças
O roteiro da entrevista inicialmente contava com apenas sete
perguntas inspiradas nos estudos de Delval e Vila (2008), que foram
ampliadas a partir do contato com crianças enlutadas por perda de
uma professora na mesma escola em que essa pesquisa foi realizada.
Não se tratam das mesmas crianças selecionadas para essa pesquisa
pois o ocorrido aconteceu após a seleção. O acolhimento dessas
crianças foi realizado pela pesquisadora desse estudo, e esse contato
nos levou a ampliar as perguntas do roteiro. Além disso, foram
realizadas entrevistas piloto com crianças com a mesma faixa etária,
inicialmente com uma outra figura, que nos levou a preocupação de
não induzir as crianças com estereótipos sobre a morte. Nesse sentido,
optamos pela figura do Ciclo da Vida sem uma representação direta
sobre a morte, apresentada a seguir.
78
Figura 1. “O Ciclo da Vida Humana”.
Fonte: Depositphotos. Disponível em: https://www.bing.com/images/ search
A figura foi disponibilizada para a criança, de modo a permitir
o manuseio e a observação, e após esse primeiro contato da criança
com a imagem, foi perguntado o que ela compreende a respeito dessa
figura, o que ela percebe sobre esse desenho. Partindo do que a criança
respondeu, foram feitas as próximas perguntas do roteiro.
O que acontece depois?
O que é a morte?
O que acontece quando alguém morre?
*(caso fale de céu inferno, perguntar se pode acontecer algo
diferente) *
Todo mundo morre?
Os animais morrem?
Homem morre?
Mulher morre?
Criança morre?
Planta morre?
Pedra morre?
Da para saber se alguém está vivo ou morto? Como?
79
Os mortos se movem ou não? Por quê?
Os mortos respiram? Por quê?
Os mortos podem se levantar? Por quê?
Os mortos falam? Por quê?
Os mortos escutam quando alguém fala com eles? Por quê?
Depois de um tempo, o que acontece com o corpo de quem
morreu?
O que as pessoas sentem quando alguém morre?
O que as pessoas fazem quando alguém morre?
Para onde levam quem morre?
Podemos falar sobre a morte?
Como você se sente quando fala sobre a morte?
Você sabe o que é o luto?
Como as pessoas ficam quando estão de luto?
80
81
CATULO 6
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A seguir, serão apresentados os resultados das entrevistas das
professoras, que expressaram suas principais preocupações em relação
aos desafios do tema morte e luto ser abordado por educadores na
escola, dos responsáveis pelas crianças acerca da própria visão acerca
da temática e de como encaram a importância do tema ser acolhido
na escola, e os trechos das entrevistas com as crianças que
possibilitaram a classificação dos níveis, sugeridos por Delval e Vila
(2008), além de algumas características encontradas nos níveis
propostos por Delval (2002).
6.1 Professoras
Em relação às entrevistas realizadas com as professoras, alguns
aspectos foram analisados, destacados e apresentados a seguir, a saber:
formação e capacitação, o que pensam acerca do tema ser acolhido na
escola pelo professor, ações escolares que já tenham presenciado sobre
a temática, e as principais preocupações e desafios percebidos através
dos relatos. As professoras entrevistadas foram Sônia (43 anos,
pedagoga e professora do 2º ano do ensino fundamental), Zilda (50
anos, professora de inglês) e Regina (68 anos, professora de artes).
Nas perguntas relacionadas à formação, orientação ou
capacitação, isto é, as perguntas do questionário semiestruturado
82
descrito no Capítulo 5, notamos que nenhuma das professoras relatou
ter passado por alguma capacitação ou orientação sobre a temática ao
longo de sua trajetória profissional, embora tenham vivenciado e
presenciado contextos de perda dos alunos que acompanham.
No que se refere às perguntas sobre o que pensam a respeito
do professor acolher o luto e da temática sobre a morte ser discutida
na escola, verificamos que as professoras consideram a possibilidade
de a intervenção ser realizada por educadores, mas apresentam
algumas ressalvas e preocupações, como podemos observar nos
excertos a seguir.
Ah, eu acho que é importante porque, assim, eles tem a gente como
uma referência muito importante. Eles chegam, é... [pausa] no
primeiro momento, igual eu mesma, eu sempre dou espaço pra eles
falarem como foi o final de semana deles, eles tem a necessidade de
falar. Sônia, 43 anos, pedagoga e professora do 2º ano do
Ensino Fundamental.
A professora Sônia se colocou a favor de que o acolhimento
da morte e do luto na escola seja realizado pelo professor, pois se
considera uma referência importante para as crianças, reconhecendo
a potência e a importância da atuação do educador nesse contexto
doloroso.
[...] é só que eu acho que é importante, sim, ter discussão sobre isso
na escola. Porque eles passam a maior parte do tempo com a gente,
né, do que com a própria família, né. Eu falo assim, durante a
semana, por ser período integral, eles passam a maior parte do tempo
com a gente, podemos ajudar.” -Sônia
Zilda opinou ser a favor somente em casos de preparo do
profissional através de capacitações, pontuando que o despreparo não
83
é interessante, e que também acredita que, sem o devido preparo,
pode acabar por ser prejudicial e gerar insegurança no momento de
abordar a temática com os alunos. Por esse motivo, disse que em
situações como essa, se coloca mais como uma ouvinte.
Desde que ele esteja preparado, capacitado. Se não, não tiver
capacitação, não é legal. Porque como eu também não estou, muitas
vezes em vez de ajudar, vou atrapalhar.
[...]
Eu tenho que estar preparada, conhecer o assunto, e saber falar. É
como você me dar um tema, e eu não saber abordar ele. Em vez de
ajudar, eu vou atrapalhar. Eu sempre penso assim, se eu não sei o
assunto, melhor me calar, ou ser ouvinte, né.-Zilda, 50 .anos,
formada em Letras e professora de inglês
Em relação ao tema ser abordado no cenário escolar, relatou
que seria ótimo, e espera também que ocorra acolhimento dos
professores e familiares. No entanto, apontou que nem sempre os
professores conseguem ouvir a família.
“Ótimo, porque precisa. Porque não só a... [pausa] os professores, né,
precisam acolher a família também, né. Ótimo, perfeito. Porque aí...
porque muitas vezes eles não tem aonde isso... gritar um socorro, né?
E aí com vocês ao lado, porque o que a gente precisa às vezes é falar,
e aí vocês vão estar ouvindo, e muitas vezes dando opiniões, né, isso
pra quem está preparado é... [pausa] é a única coisa que ajuda, né?
Nesse momento, porque... [respira] nós professores, a gente às vezes
comenta, mas a gente não ouve a família, não dá pra ouvir a
família, né.” -Zilda
“Ah, eu acho legal, porque o pedagogo tá mais preparado pra lidar
com a criança, né. É, O professor tá mais próximo pra lidar com a
criança, eu acho. Acho ótimo fazer isso, porque quando a gente
ensina principalmente anos iniciais, eles absorvem bem, né, essas
84
coisas, né. E... eu não veria nenhuma incógnita pra... isso, assim
como quando não quer envolver religião. Porque tem muito, existe
muito esse, é... [pausa] nós não podemos falar de religião, né, na
escola. Nós não podemos falar de sexo na escola. [Pausa] Fica tudo
meio... né? Meio por baixo do pano, né, mas devia ser mais aberto
isso, acho que em países mais evoluídos, eu acredito que se fale mais
sobre isso. Prepara mais, porque os nossos alunos, nossos alunos vão
ser adolescentes daqui um tempo, eles saem com 12 anos daqui.
Então, muitas meninas já menstruam, né, então já conhecem, uma
outra fase. Os meninos também com os hormônios, quinto ano, a
gente vê as brincadeiras deles. Então eu acho que, acho que essa parte
o governo deveria mudar, colocar no currículo isso, sabe? Tanto sobre
a morte, como sobre sexo... sobre como filhos, também. [Pausa] Essas
coisas mais profundas da vida, que funcionariam muito bem, né,
aparece também dentro da escola... Não é? Inclusive fazer
direcionado para os pais também, que a gente vê aqui um monte de
pai que... [ri] né? Pai e mãe que, no caso essa escola, é difícil essa
escola. Essa escola é ótima pra fazer pesquisa [ri].” -Regina, 68 anos,
formada em Letras e Arquitetura e mestre em Cinema.
Regina se mostrou a favor da temática ser abordada na escola,
com ressalvas para a importância de ter uma capacitação para ter mais
segurança e domínio. Ratificou também a importância de o tema ser
direcionado e alcançado também pelos adultos responsáveis pelos
alunos.
“[...]É legal isso, acho bom porque... a gente, se a gente faz alguma
capacitação, geralmente, aí a gente tem condições de... direcionar
melhor, né.”-Regina
A possibilidade de ações em prol acolhimento de crianças
enlutadas e formação sobre a temática por parte dos professores em
contextos escolares foi algo considerado importante e possível de ser
realizado pelas professoras entrevistadas, no entanto, a ausência de
85
capacitação, o desconhecimento e a falta de preparo geram
insegurança e preocupação de que as intervenções ocorram de modo
efetivo.
No que diz respeito às ações escolares abordando a temática
“morte e luto”, a professora Sônia relatou que não presenciou ações
específicas em relação ao luto nas escolas em que já trabalhou, nem
propostas que discutam questões acerca da morte. Também apontou
que não houve ação específica acerca do acolhimento do luto de
professores e nem de alunos durante o período de isolamento e nem
no retorno às atividades presenciais. No entanto, relatou que houve
acolhimento em tutorias de temas gerais trazidos pelos alunos,
embora sem um projeto específico.
“Não, mas a gente conversava com eles sempre porque aqui na escola
a gente tem um... [pausa] uma parte do dia que a gente faz, que
chama tutoria. Nessa tutoria, a gente ouve muito os alunos. Cada
professor fica com um grupo de alunos, não necessariamente os alunos
deles, e nessa tutoria a gente conversa, a gente abre espaço para eles
estarem se abrindo. Não somente de quem havia falecido ou perdido,
mas de qualquer situação que acontece na casa deles. É o momento
que a gente dá para eles serem ouvidos.” -nia
Já a professora Zilda, relatou não ter presenciado ou
vivenciado ações específicas em escolas que já trabalhou, tampouco
que houve ação específica acerca do acolhimento do luto de
professores e nem de alunos durante o período de isolamento e ao
retorno às atividades presenciais. Também relatou que não há
preocupação nem oferta do Estado no que diz respeito a essa
demanda.
“Não. É... [pausa] porque assim, é difícil falar [pausa] porque não
teve. Não é que não teve, é que assim, é muito difícil o estado oferecer
86
isso pra gente. É como você falar isso pra mim, que eu preciso estar
capacitada pra falar sobre isso, mas... se não for você agora, vir falar
com a gente... [pausa] voluntária, não é isso? Para você fazer sua
pesquisa. Você acha que o governo manda alguém pra gente? Tipo,
pandemia, a gente precisava estar preparado pra trabalhar com a
pandemia... mesmo trabalhando, tendo capacitação. Não, a gente
que... que... que busca força pra trabalhar, como ensinar,
metodologia, como acolher o aluno, é a gente que busca, mesmo, é a
gente que se prepara. Para o... [pausa] o educando, né, ele... [pausa]
ele se prepara, o... [pausa] O educador pra ensinar, e o educando pra
aprender. Cada um deles se prepara sozinho, não é isso mesmo?” -
Zilda
A professora Regina também disse nunca ter visto, em sua
trajetória profissional, ações direcionadas para o acolhimento desse
tema na escola, e não se recorda de nenhuma ação realizada nesse
sentido no contexto da pandemia da COVID-19. Apesar de terem
realizado tutoria, esse tema não foi trabalhado especificamente.
“Eu não tô lembrada se a gente fez alguma coisa bem direcionada,
eu acho que não, tenho a impressão que nós não fizemos. Se fizemos,
eu esqueci [ri].”
[...]
“Talvez, aqui na escola, [pausa] a gente tenha... [pausa] eu ia falar
a tutoria, mas não, a tutoria foi esse ano. Nós tamo falando pós
pandemia mesmo, né?”
[...]
“Não, eu nunca vi.” -Regina
Podemos notar através dos relatos que há ausência de ações
específicas para o acolhimento do luto em contextos educacionais
presenciadas na trajetória profissional por parte das professoras, tanto
no quesito histórico, em experiências anteriores, como em sua
87
realidade de trabalho atual, ainda que o tema tenha atravessado
significativamente a realidade de toda a comunidade escolar, tanto
por alunos, como por educadores e demais funcionários, no cenário
alastrador gerado pela pandemia da COVID-19, como também em
outros casos específicos de perda e morte.
“Então, essas crianças, no caso, devido a elas terem uma aproximação
bem frequente, e também, eu acredito que profunda, devido a eles
serem amigos, muitos ficaram fragilizados. Muitos quiseram estar
indo no enterro, mas só um que foi, e que a mãe pôde estar levando,
né, e ele ficou o tempo todo do ladinho do caixão dele [pausa e chora].
E, seria mais o emocional, mesmo, deles.” -Sônia
A principal preocupação trazida no relato da primeira
professora entrevistada diz respeito ao estado emocional dos alunos
impactados pela morte do colega.
“[...] Ninguém... [pausa] para pra... o governo, assim... [pausa] é
que eu sou do estado, para pra vir falar “não, vamos fazer uma
capacitação com esse professor, pra depois trabalhar com ele”. Não,
deixa a gente, a gente que busca. Agora sim, temos o centro de mídia,
que tá sendo muito bom, e preparam a gente pra algumas aulas, pra
alguns... [pausa] assim, acho que esse ano foi bem melhor. Foi bem
melhor porque, mesmo sendo online, dá uma bagagem pra gente.
Espero que venha mais, né?” -Zilda
Nesse relato, podemos notar que há uma queixa da professora
em relação ao desamparo e suporte do governo para oferecer
acolhimento e capacitação sobre o tema aos professores. Ela também
afirmou que não teve contato com ações específicas para acolher a
temática na escola em sua trajetória profissional.
88
“Eu penso assim, é... tudo que falamos aqui a escola deveria dar,
mas difícil porque às vezes não tem nem o básico. É a educação
básica, higiene básica. A gente procura, mas eles não tem uma
matéria, né. [Pausa] A gente tem muita matéria em termo de
convivência, isso o governo se preocupa, principalmente em como
conviver com os seus colegas e tal, né... mas... eu acho que o básico
devia vir mesmo, a gente devia incentivar, e sempre tá, é... [pausa]
focado no básico. Até regras de se portar à mesa, sabe? Esse tipo de
coisa. Né? Higiene pessoal, tudo. [Pausa] Educação, né? “Muito
obrigada”. A gente fala tudo isso, né, mas se tivesse alguma coisa
mais direcionada. Se tem, eu não sei, porque o meu é arte, né. Mas
se tem alguma coisa mais direcionada nesse sentido que você trouxe,
eu não convivo e nem conheci essa matéria, tá bom? [Ri]” -Regina
A última professora entrevistada relatou que não presenciou
ações específicas em escolas que já trabalhou anteriormente e
tampouco acompanhou alguma ação específica acerca do
acolhimento do luto de professores e alunos durante o período de
isolamento, nem mesmo no retorno as atividades presenciais no
contexto de pandemia.
A partir da análise dos dados coletados nas entrevistas com as
professoras, foram percebidos alguns desafios para a inserção da
temática no cenário escolar e na atuação dos professores quando se
trata de falar e acolher temas relacionados à morte, ao luto e às perdas.
Os aspectos, como coletados em cada relato, serão apresentados a
seguir.
89
Quadro 1. Aspectos desafiadores para a inserção e atuação do professor no tema
“morte e luto” no cenário escolar.
Professora
Aspectos destacados
Sônia.
Ausência de capacitação e formação sobre a temática.
Luto da própria professora.
Ausência de acolhimento da demanda do luto dos professores.
Os lutos decorrentes da pandemia da COVID-19 atingiram os
alunos e também os professores, porém foram abafados e diante
da morte acidental de um aluno, passaram praticamente
despercebidos.
Presente o luto não reconhecido em alunos e professores.
Desamparo diante do luto.
Zilda
Não há suporte do governo para oferecer acolhimento e
capacitação sobre o tema aos professores.
Ausência de capacitação e formação sobre a temática, ausência
de ações que acolha também o luto dos professores.
Regina
Ausência de uma disciplina ou inserção curricular dessa temática
específica.
Não há suporte do governo para oferecer acolhimento e
capacitação sobre o tema aos professores.
Ausência de suporte psicológico para os professores fornecido
pelo Estado.
Tabus acerca da temática sobre a morte (tal como os tabus
acerca da sexualidade).
Fonte: elaborado pela autora.
A partir do que foi levantado, é importante que se considere
as questões apontadas pelas professoras para encontrar soluções e
intervenções adequadas como perspectivas futuras, levando em
consideração que essas questões precisam ser pensadas e analisadas do
ponto de vista que permita a qualidade das intervenções práticas. A
formação e capacitação do educador é um dos aspectos mais
solicitados, e seria de extrema importância para que o acolhimento
90
pudesse ser realizado com competência e preparo. Além disso, o
cuidado com o acolhimento dos próprios profissionais também é
essencial.
6.2 Adultos Responsáveis
Em relação às entrevistas realizadas com os adultos
responsáveis, serão apresentados a seguir os aspectos relatados em
relação ao histórico de perdas das crianças, a forma como a família
lida com a morte e as principais crenças e suporte. Por fim, será
descrita a opinião dos adultos responsáveis acerca do tema ser
abordado no cenário escolar. Em situações em que foi verificada a
fragilidade emocional dos responsáveis enlutados em relação às perdas
que os mesmos também tiveram e se recordaram durante a entrevista,
houve acolhimento e suporte após a finalização da entrevista.
“Então, é... na realidade, durante a pandemia, nós não tivemos
nenhuma perda significativa assim, perto da nossa família. Então,
né... e também, ele tem sete anos, ele não participou de nenhuma
morte que foi tão próxima. Já foi em velório de tio, de membro da
igreja, tudo, mas até tão próximo, que fizesse ele sofrer, assim, não.
Mas, eu percebi que ele ficou bem, assim, arrasado. É... no dia que
eu vim buscar ele na escolinha, ele falou que o amiguinho dele tinha
morrido, ele chorou bastante. A professora falou que ele chorou
muito, que ele pegou o ursinho que tem na sala, ficou abraçando
como se fosse o amiguinho dele. É... ele quis ir no velório, eu
perguntei pra ele se ele queria ir lá, né? Ele falou que queria despedir
do amigo dele, que ele não teve essa oportunidade, que foi acho que
no final de semana, parece. E aí ele queria ir lá despedir do
amiguinho. Então nós fomos, tudo. Lá ele não quis chegar... na hora
que chegou lá, ele não quis se aproximar do caixão. E ele foi, abraçou
a professora que tava lá, abraçou a mãe... a avó, a mãe dele, né. Mas
ele não quis, só no final que ele chegou um pouco perto, assim, mas
91
já saiu. Foi essa reação que ele teve, né, na notícia e no enterro. No
enterro, na hora, também, ele chorou bastante.”
[...]
“Tive. Tive perdas, mas eu acho que... nunca conversei com ele a
respeito, assim, tão... tão a fundo.” -Karen, mãe de Felipe
Karen, mãe de Felipe, relatou que apesar de já ter tido contato
com perdas anteriores, a primeira perda percebida com maior impacto
em seu filho foi a do amigo da escola, e, embora ela já tenha
vivenciado perdas significativas, isso não costumava ser conversado de
forma aprofundada com o filho.
Bia, mãe de Rodrigo, foi entrevistada em seguida. Antes
mesmo da entrevista começar a ser gravada, Bia estava se apresentando
fragilizada, chorou e relatou a perda de uma filha ainda na gestação,
sendo que na semana seguinte à entrevista esse ocorrido completaria
um ano. Também informou os impactos que essa perda repercutiu
em sua vida e na convivência e relação com seu filho, que, segundo
ela, se apresenta “revoltado, agressivo, distante”. Relatou também que
desde a perda da filha tem pensamentos de profunda tristeza, medo,
e falas sobre sentir que “não consegue mais aguentar”. Relatou
histórico de ideação suicida logo após a perda, com melhora
progressiva recente. Topou ser entrevistada e após a entrevista, houve
escuta e acolhimento psicológico. Em relação ao histórico de perda da
criança, a mãe respondeu:
“Essa da irmã dele que é a primeira, e depois em... vamo ver, em
novembro, outubro minha avó também faleceu.”
[...]
“Da minha filha, ele ficou bem agressivo. Nervoso, começava a falar
que queria a irmã dele. E da minha avó, ele nem tanto.” -Bia, mãe
de Rodrigo
92
Em relação a essa mãe, especificamente, foi possível verificar
através do relato e acolhimento após a entrevista que ela tem passado
por um luto não reconhecido, e que essa vivência impacta também
sua relação com o filho, que além da perda da irmã, sente também a
condição de fragilidade emocional que sua mãe está passando, além
de também ter sido impactado pela morte do amigo da turma.
O pai de Eric, Luís, quando entrevistado, discorreu
brevemente sobre o histórico de perda do filho, trazendo a perda da
avó como uma experiência marcante e sentida pela criança, por se
tratar de uma avó próxima e responsável por seus cuidados, sendo
lembrada até hoje pela criança, anos após a perda.
“Sim, da minha sogra, já faz uns quatro anos, mais ou menos.”
[...]
“Ah, foi difícil. Ele sofreu bastante porque era ela quem cuidava
dele. Até hoje, quando passa em frente ao cemitério, ele fala que “a
vovó tá enterrada lá.” -Luís, pai de Eric
Segundo o pai, a criança quis participar do momento do
velório e enterro de sua avó e isso foi permitido pela família. Nos dias
atuais, relatou que o filho se encontra bem e que recorda a
experiência, cultivando as lembranças.
“Ele via as crianças, os outros primos, familiares e os parentes
chorando, e ele também chorava muito. Mas como ele era muito
apegado à avó, ele quis participar do velório, e a gente levou. Então,
até hoje ele fala que a avó tá lá, e hoje ele tá bem, quando passa no
cemitério não chora mais, fala que é lá que a vovó está.” -Luís
“Eu... eu aprendi, eu vivenciei a [indistinguível]. Minha mãe
vivenciou o falecimento da mãe dela. Após isso, teve o falecimento de
93
uma tia minha, que faleceu aos 19 anos, gestante. Morreu ela e o
bebê. [Indistinguível, voz embargada]” Nádia
Nádia, mãe de Sérgio, a última mãe entrevistada, trouxe um
histórico de perda conhecido, mas não vivenciado pela criança, que
ainda não era nascida quando sua mãe perdeu uma irmã que gestava
uma menina. Após essa perda, a avó materna de rgio adoeceu, e os
cuidados psicológicos e psiquiátricos passaram a fazer parte constante
da rotina familiar, pois a entrevistada relatou ter ficado responsável
por esse acompanhamento e cuidado da avó que não se recuperou
mais de um quadro severo de depressão. A mãe salientou que essa
vivência era conhecida da criança, que sempre presenciou esses
cuidados.
“O Sérgio ainda não tava... era vivo. O luto que o Sérgio conheceu
foi perante o pai dele, mesmo.” -Nádia
Segundo Nádia, Sérgio perdeu seu pai de forma abrupta e
inesperada recentemente. A criança estava sem responder e sem falar
com o pai por motivos de conflitos familiares, e a mãe relatou que,
após presenciar uma discussão onde o pai a ofendeu com um
xingamento, ele passou a não responder mensagens e evitava ver o pai,
fator esse que tornou o luto da criança ainda mais doloroso.
“Teve do coleguinha da escola, né. Da sala dele.”
[...]
“Ele ficou triste, tinha dias que ele queria ir lá no cemitério, aí eu
explicava que não ia dar pra ver o amiguinho, que o amiguinho
tava com Jesus, mas que ele podia toda noite orar pro amiguinho,
conversar com o amiguinho, né.” -Nádia
94
Além da morte recente do pai, a criança também vem
enfrentando o luto pela perda do amigo da escola. A mãe procurou
suporte e atendimento psicológico na rede, mas disse ainda aguardar
a vaga. Além disso, relatou que a criança tem tido hábitos alimentares
preocupantes, “descontando” na comida e engordando bastante.
“Isso. [Indistinguível] esses dias agora, no posto, pedi pra ter psicólogo
também, né, porque tá difícil. Esse povo não confia aqui, né, no
posto. Aí eu pedi ajuda, e fiquei, né, pra pesagem. Ele engordou dez
quilos depois que o pai morreu.” -dia
A família de Felipe, por meio do relato de sua mãe, reconhece
suporte familiar para lidar com vivências acerca da morte. Conta com
crença religiosa cristã, e, inicialmente, foi relatado que o apoio veio
mais da família, para posteriormente a criança passar por uma
neuropsicóloga, que identificou e apontou no relatório de avaliação
aspectos como angústia de separação relacionada à perda. A criança
também passou por médico e avaliação neuropsicológica, por
recentemente ter sido diagnosticado com Transtorno de Déficit de
Atenção com Hiperatividade (TDAH). Por todas essas motivações,
foi encaminhada para atendimento multiprofissional no Caps Infantil
pelos profissionais citados.
“Eu deixo um ambiente mais livre, pra ele poder se expressar, às vezes
eu pergunto como que ele se sente, né. Apesar que agora, nem tanto,
mas mais naquele mês, assim, que foi mais, que eu percebi. Eu deixo
ele falar. Não critico, eu falo “isso, filho, pode chorar, tem que chorar
mesmo, é bom que limpa a alma”. Brinco com ele, né? Pra ele ficar
mais à vontade, mesmo.”
[...]
“Sim, nós somos cristãs, né, então o que ele aprendeu desde quando
ele nasceu, né, e que a gente vem ensinando, é que há uma separação
95
do corpo e do espírito. São duas... duas coisas ali, então há uma
separação. E quando é abaixo de oito anos, eles são... anjos, assim.
Então, eu falei pra ele que tava tranquilo, que ele foi pro paraíso,
ele ia reencontrar os parentes dele... Então, que ele tava bem, que ele
não ia sentir mais dor, que ele não ia sentir mais tristeza. E assim, é
o que a gente ensinou pra ele, e lembrou ele pra ele ficar mais
tranquilo, também. [...] A minha família tenta dar uma força...
uma pra cada pessoa.” -Karen
A segunda mãe entrevistada, Bia, relatou que em família
tentam apoiar um ao outro. Apesar de tentarem se conformar com a
fatalidade da morte, aponta como um fator complicador o fato de
serem uma família grande com muitas crianças, evidenciando que,
quando se trata de lidar com a morte com crianças, a situação se torna
ainda mais difícil do seu ponto de vista.
“Ah, a gente entende que a gente tem que estar preparado pro final,
né? Um dia a morte chega pra todo mundo. Mas, como nós tem
bastante criança complicado... [...] Nós é em sete irmão. [Pausa]
Acho que cada um... bom, eu tenho um, minha irmã tem dois,
minha outra irmã tem mais dois, aí número, eu acho que é umas
dez criança, eu acho.” -Bia
Em relação ao suporte e aos recursos que a família tem para
lidar com as perdas e lutos que vivenciam, ela respondeu que não há,
mas que tentam encontrar essa força por meio da fé, indo para a igreja.
“Não, nós não tem... ah, nós tenta ir pra igreja, mas o que nós acha
que vale é a fé, né.-Bia
“[Pausa] Esse tema não é muito conversado. [Pausa longa]. É um
tema visto com dificuldade, mas não é muito conversado. Ficamos
sem saber muito o que dizer, as vezes nem conseguimos dizer alguma
96
coisa. Que nem ontem mesmo, eu no velório do meu amigo que
conheço desde moleque, encontrei lá um primo meu, conversando
que o amigo dele se matou semana passada também, dois velórios
bem próximos. A gente não sabe nem o que falar, só fica em choque.
-Luís
O pai de Eric., Luís, relatou que a temática em família não
costuma ser conversada e é vista com dificuldade, sendo um assunto
que ele próprio não conseguiu conversar com profundidade com o
filho. Relatou que em relação a suporte e apoio, conta mais com
amigos do que com familiares, devido ao distanciamento que há com
assuntos relacionados a morte no ciclo familiar.
“O suporte que a gente tem é mais de amigos eu acho né. Hoje mesmo
passei por essa experiência de morte repentina, e é sempre muito foda,
meu. Nem dá pra acreditar. Eu tenho fé, acredito em Deus, tento
me apegar a Deus, mas é sempre muito difícil e triste. Hoje eu fiquei
muito mal e ontem também, fui no velório de um amigo e estou fraco
até agora. Ele tinha 42 anos, teve um infarto repentino. Ele é, eu
trabalho pra ele, mas conheço desde criança, então eu fiquei lá até o
enterro. Encontrei um primo lá que falou sobre a morte de um outro
amigo, e que foi suicídio. É muito triste pensar sobre a morte, mas a
gente tem que aceitar, que é uma coisa que acontece com todo
mundo. Tô aqui falando com você e achando difícil, mas também é
um jeito da gente conseguir acreditar e aceitar. Também não é fácil
falar. Então, como suporte a gente conta mais com os amigos mesmo,
mais até do que com a família. E eu acredito em Deus, e que a pessoa
vai estar em um lugar melhor, que vão ficar até melhor que a gente.”
-Luís
Durante a entrevista, o entrevistado estava com a voz
embargada e fez muitas pausas em sua fala, principalmente ao falar de
sua crença e suporte. Após a entrevista, foi feito acolhimento
psicológico devido à questão das perdas sofridas recentemente. Luís
97
relatou que no dia anterior esteve no velório de um amigo de infância
que também é colega de trabalho, logo, também estava enlutado.
“As pessoas da minha família não lidam muito bem com isso, não.”
[...],
“É que a minha tia faleceu quando ela tinha 19 anos e tava gestante,
ela e o bebê faleceu.”
[...]
“Então, depois disso minha mãe começou a sentir depressão, todo
final de semana ela ficava mal, todo nosso domingo era no cemitério,
foram muitos longos anos assim.” -Nádia
Segundo Nádia, o histórico familiar de Sérgio já é marcado
por uma perda difícil antes mesmo do nascimento dele., e a família é
impactada até hoje por essa vivência, principalmente pela avó, que
após o ocorrido adoeceu, mas só passou a ter cuidados e suporte
psicológico tempos depois.
Em relação a como esse tema era conversado com Sérgio., a
mãe relatou que conversou algumas vezes sobre o ocorrido e que a
família conta com crenças cristãs para explicar a vivência sobre a
morte.
“Falamos poucas vezes... que a gente... tem pessoas que fica velhinho,
que Jesus leva, outros que acaba ficando doente, que Jesus leva,
também... que a gente sofre, mas a gente tem que entender que eles
foram pra um lugar melhor, né, que as pessoas vivem na terra, e
daqui alguns anos a gente vai se encontrar com eles. Cada um tem o
seu tempo e o seu dia, uma data certa no livro da vida, né. É assim
que eu falo com ele, porque não tem outro jeito de explicar, né?”
[...]
“A maioria da família, eles são católica, né. Eu que vou, mesmo, na
igreja evangélica.
Mas que todos nós somos crentes de Deus, né. Que
a nossa religião é Deus. Que as pessoas tem religião diferente mas no
98
final só um principal, que é Deus, né? E é buscar ele, mesmo.” -
Nádia
Em relação a outras formas de suporte para lidar com
situações de perda, a mãe relatou que a avó contou com
acompanhamento psicológico por alguns anos para lidar com as
consequências emocionais da morta da filha grávida, sendo esse
ocorrido algo marcante na história familiar até os dias de hoje.
“No caso, minha mãe passou por alguns anos no psicólogo, né. Depois
que desencadeou os transtornos dela, né.”
[...]
“Depressão no começo, mas agora no caso dela não é mais só a
depressão, né, é transtorno de borderline. Personalidade.” Nádia
“Importantíssimo. Eu acho que tinha que falar mais... É... eu acho
que tem que tomar um certo cuidado, porque principalmente tem
pessoas que não tem religião, então tem que saber como informar,
porque tem família que não quer que a criança seja doutrinada por
uma religião dentro da escola, e isso tem que ser respeitado. Mas,
assim, eu ainda nem faço ideia de como abordar isso dentro de uma
escola pra crianças, né? [Ri] Eu faço ideia de, sei lá, um hospital, um
paciente adulto, mas com criança é um pouco difícil. Então, acho
importantíssimo ter uma base científica assim, comprovada nesse
tipo de intervenção, para não confundir a cabeça das crianças.” -
Karen
Karen relatou considerar importante o acolhimento do tema
no cenário escolar e que acredita ser necessário falar mais sobre o
assunto. No entanto, ressaltou algumas questões como os cuidados
acerca das crenças religiosas, de modo a não levar a algum tipo de
doutrinação, além de demonstrar que desconhece como o assunto
pode ser abordado na escola, também apontou que considera
99
importante o embasamento científico para que as intervenções sejam
realizadas de modo eficaz.
“Ah, eu acho bom, que nem isso aconteceu [indistinguível] ... nunca
soube de uma criança que faleceu na escola, também, mas quando
aconteceu ele chegou bem abalado também desse menininho, que ele
falou que era amigo dele, que ele conhecia. Ele já chegou falando,
nem deu oi nem nada, ele chegou já falando.” -Bia
A segunda mãe entrevistada, Bia, relatou achar bom que o
tema seja abordado no cenário escolar e exemplificou com o que
houve no contexto em que seu filho está inserido, pois vivenciou a
perda de um amigo da sala, situação que o abalou significativamente.
Além disso, somado o fato de a mãe ter perdido uma filha na gestação
e isso ainda ter forte impacto na vida da criança e de toda a família.
Em relação ao que pensa acerca de temas relacionados à morte
e ao luto serem abordados na escola, Luís se mostrou receptivo e
reconheceu a importância, exemplificando com o que ocorreu com o
próprio filho diante da perda de um amigo. Disse considerar uma
possibilidade de ajuda aos alunos que podem estar tristes com o
ocorrido e precisam lidar com a fatalidade no dia a dia, além de, por
vezes, isso também ser uma dificuldade para os pais.
“Acho importante. É importante que as crianças saibam sobre a
morte, e alguém pra conversar quando estão tristes, quando
aconteceu aquilo com o menino, eu não sabia muito bem como
conversar quando o amiguinho faleceu no acidente na esquina.
Quem conversou mais com ele foi a mãe, que ele tem mais contato
com a mãe porque mora com ela. Mas não vejo problema nenhum
nesse tema ser abordado na escola. Acho importante porque às vezes
os pais não sabem muito bem, também, como conversar, né. Que
nem nessa situação que aconteceu dentro da escola, de um coleguinha
100
morreu, as crianças sofreram bastante, perguntaram bastante, a
gente nem sabe o que é bom falar, então é bom que isso seja
conversado com eles na escola que ajuda eles também a passar por
isso.” -Luís
“Eu acho bom. Porque, assim, ajuda também, né? Porque às vezes a
gente não consegue ter esse apoio, é muito difícil conseguir uma
psicóloga ou alguém que entenda disso. É bem difícil. É que nem eu
conversei aqui, é bem difícil pra conseguir vaga com um psicólogo.
Aí eu consegui só no nutricionista ... pra ajudar na comida, né?
Descontou na comida. Aí eu falei pra ele [indistinguível] bem
gordinho, né? Fazer um exercício, né, pra ver se anima ele, sabe?
Porque ele não toca muito no nome do pai, sabe? -Nádia
Nádia relatou que acha bom o tema ser abordado na escola, e
também a dificuldade encontrada para apoio para essa demanda na
rede, pois vagas com profissionais da psicologia são escassas e difíceis
de conseguir. Agradeceu o acolhimento realizado na escola com a
criança e identificou que seu filho está precisando de ajuda para lidar
com o luto pelo qual está passando.
“Eu até gostei. Tá precisando, porque se você não fosse conversar com
ele aquele dia, eu nem sei o que teria sido, sabe, até agradeço do
fundo do coração, porque aqui no posto é muito difícil, sabe? E ás
vezes, por mais que for indicar demora, ele fala pouco mas ele precisa
de ajuda.” -Nádia
6.3 Crianças
Em relação às entrevistas realizadas com as crianças, após a
coleta houve um momento de acolhimento individual para cada um
deles, onde puderam falar sobre como se sentem em relação à
temática, foram disponibilizados livros e baralho de acolhimento
101
sobre o luto para que utilizassem caso os interessasse e facilitasse
alguma forma a expressão.
Rodrigo (7 anos) e Eric (8 anos) foram sujeitos que
apresentaram respostas com características apontadas por Delval e
Vila (2008) como constituintes do nível I. Podemos dizer que as
respostas são baseadas em aspectos visíveis em relação a morte, no
geral, são levados em consideração mais aspectos físicos para
identificar ideias acerca da morte e do luto, o levando em
consideração aspectos ocultos e mais complexos desse conceito. Um
exemplo nesse sentido está na resposta porque eles tem que ficar
deitado, senão ele não vai ser morto”.
Rodrigo:
Aqui é quando ele era pequeno, aqui quando ele tava,
quando ela tava crescendo. E aqui quando ela ficou maior, e aqui
ela tava maior ainda, e aqui mais ainda, e mais e mais, e ela ficou
velhinha. [...] Que ela vai crescendo.
Eric:
Ela fica velhinha.
E o que acontece depois que ela fica velhinha?
Rodrigo
:
Morre?
Eric
:
Morre.
E o que é a morte?
Rodrigo:
É uma pessoa que leva elas pro caixão.
Eric:
Morte é quando alguém morre.
E o que acontece quando alguém morre?
Rodrigo:
Vai pro céu.
Eric:
Vai pro céu.
Vai pro céu? E pode acontecer alguma coisa diferente?
Rodrigo:
Não.
Eric:
Não.
E todo mundo morre?
Rodrigo:
Sim?
Eric:
[Som de afirmação].
102
Os animais, eles morrem?
Rodrigo: [Pausa] Sim.
Eric: Os animais também.
E um homem?
Rodrigo:
Sim.
Eric: Homem também.
E uma mulher?
Rodrigo:
Sim.
Eric: Também.
E a criança?
Rodrigo:
Sim.
Eric:
Também morre.
E uma planta, morre?
Rodrigo:
Sim.
Eric:
Também.
E uma pedra?
Rodrigo: Não.
Eric: o.
E por que a pedra não?
Rodrigo:
[Pausa] Porque ela é mais forte.
Eric:
Porque ela é dura e não tem vida.
E dá pra saber quando alguém tá vivo ou tá morto?
Rodrigo:
Dá.
Como?
Rodrigo:
Vendo se ela tá viva no hospital.
No hospital? E tem mais alguma forma de ver se ela tá viva ou tá
morta? Como você sabe se a pessoa tá viva ou tá morta?
Eric:
Levando ela pro UPA.
Levando ela pro UPA? Tem mais alguma forma?
Eric: Não.
E dá pra saber quando alguém tá vivo ou quando alguém tá
morto?
Eric:
[Pausa] Não.
Não dá pra saber?
103
Eric: Não.
Existe alguma diferença entre elas? Entre uma pessoa viva e uma
pessoa morta?
Eric:
É, sim.
E quais as diferenças que você percebe?
Eric:
É que... ela não fala, fica com o olho fechado e não anda e não
mexe.
E os mortos, eles se movem?
Rodrigo:
Não.
Eric:
Não.
Por quê?
Rodrigo:
Porque eles tá morto.
Eric:
Porque eles morreram.
E os mortos respiram?
Rodrigo:
Não.
Eric: Também não.
Por quê?
Rodrigo: Porque eles vão estar morto e não conseguem respirar.
Eric: Porque, porque quando eles morrem, não dá pra respirar.
Eles podem se levantar?
Rodrigo:
Não.
Eric: [Som de negação].
Por quê?
Rodrigo: Porque eles tem que ficar deitado, se não eles não vai ser
morto.
Eric:
Porque não dá pra eles se mexer.
E eles podem falar?
Rodrigo:
Não.
Eric:
Não.
Por quê?
Rodrigo:
Porque eles tão mortos.
Eric:
Porque não dá pra mexer a boca.
E os mortos escutam quando alguém fala com eles?
Rodrigo: Não.
Não? Por quê?
104
Rodrigo:
Porque eles tão mortos já.
E eles conseguem escutar quando alguém tá falando com eles?
Eric:
Sim.
É? Por quê?
Eric:
Porque quando ele morre, ele vai pro céu e ele ouve tudo que
você fala.
E, depois de um tempo, o que acontece com o corpo de quem
morreu?
Rodrigo: Vira um esqueleto.
Eric: Ele vira osso.
Acontece mais alguma coisa?
Rodrigo:
[Pausa] Não.
Eric:
Não.
E o que as pessoas sentem quando alguém morre?
Rodrigo:
Dó.
Eric:
Fica triste.
E sentem mais alguma coisa?
Rodrigo: Saudade.
Eric: Sente triste, fica muito triste.
E pra onde levam quem morre?
Rodrigo:
Céu?
Céu? Tem mais algum lugar que levam a pessoa quando ela
morre?
Rodrigo:
Não.
Como que é o céu?
Rodrigo:
Azul, com branco. Com as nuvens brancas.
E como é lá, você sabe?
Rodrigo:
Não.
E para onde levam quem morre, você sabe?
Eric:
Pro túmulo.
Pro túmulo?
Eric:
Pro cemitério.
E como é o cemitério, você já foi em um?
Eric:
Já, no enterro da minha avó.
E como era lá?
105
Eric:
Tinha um montão de túmulo, tinha um montão de... de pessoa
morta lá. Tava um montão de negócio escrito.
Mais alguma coisa que você viu lá?
Eric:
Eu vi os moço que cuidava de lá, ficava olhando.
E a gente pode falar sobre a morte?
Rodrigo:
Sim.
Eric: Pode. [...] Porque, é... não, acho que não. [...] Porque quando
alguém morre, ninguém gosta que lembre da pessoa que morreu. [...]
Porque aí fica triste.
E como você se sente quando fala sobre a morte?
Rodrigo:
Nada.
Eric: Eu fico triste. [...] Porque a morte vai... eu já perdi o meu
amigo, e já perdi minha avó. Aí quando eu falo sobre isso, eu fico
triste às vezes. [...] Às vezes eu me sinto normal e às vezes triste.
Você sabe o que é luto?
Rodrigo: Não.
Eric: Não sei.
Você sabe como as pessoas se sentem quando elas ficam de luto?
Rodrigo:
Não.
Você tem alguma dúvida?
Rodrigo:
Não.
Eric:
Não.
Você gostaria de falar mais alguma coisa?
Rodrigo:
Não.
Eric:
[Som de negação, voz mais baixa] Acho que não.
No Nível I em que os sujeitos apresentados se encontram, o
mundo social é baseado nas aparências, o fenômeno social que
envolve a morte é percebido pela criança de maneira estereotipada, há
ausência no entendimento dos processos de causa e consequência da
morte, a criança se baseia principalmente no que pode ver, sendo
difícil explicar aspectos mais complexos e abstratos que envolvem a
morte e o luto.
106
Em relação ao aluno Felipe (7 anos), e ao aluno Sérgio (7
anos), faremos uma breve descrição do caso e de como foram
realizados o acolhimento, suporte, apoio e encaminhamento após a
entrevista. Felipe foi encaminhado e apontado pela professora como
o mais impactado pela morte do colega, pois, segundo ela, os dois
eram muito próximos. A professora disse ter presenciado momentos
em que o aluno apresentou autoagressão, “se mordia na sala após o
evento de morte por vários dias, era o amigo mais próximo da criança
que faleceu, recebeu recentemente diagnóstico de TDAH por uma
equipe multiprofissional” A informação de que a criança tem sido
acompanhada por profissionais e recebeu diagnóstico de TDAH
também foi confirmada pela mãe. Além disso, ela relatou que
sofrimento em situações em que a criança precisa estar longe dos
familiares, e que em análise e relatório da neuropsicóloga que o
acompanha, houve apontamento de “angústia de separação e
dificuldade intensa com a perda do amigo”.
A criança solicitou acolhimento psicológico após a entrevista,
dizendo que precisava desabafar. Durante o processo, relatou culpa
persistente pelo ocorrido, disse ter receio de conversar sobre a morte
porque percebe que as pessoas ficam tristes, mas ainda assim disse que
precisava desabafar, negando inclusive o uso de materiais como livros,
baralhos e jogos que estavam disponíveis para abordar o assunto,
afirmando que preferia conversar sobre o assunto, e dizendo que “só
de falar e desabafar, já se sentia melhor”.
A conduta realizada foi a avaliação do estado mental, a
verificação do humor ansioso coerente ao afeto, acolhimento, escuta
ativa e qualificada, apoio, contenção da angústia, orientações e
esclarecimentos acerca do luto. Foi verificada a importância de
continuidade de acompanhamento e indicação para encaminhamento
107
psicológico individual, devido a verbalização de “vontade de morrer”,
além de apresentar culpa intensa acerca de expressão de sua dor.
A criança relatou apoio familiar, mas disse se preocupar em
incomodar ou falar demais sobre o assunto com seus entes queridos.
Relatou também grande preocupação com a perda da irmã mais velha,
“medo de que ela morra” e que percebe ela “muito triste, tão triste
todos os dias no quarto, que parece que ela também perdeu um
amigo”.
O luto da criança é relatado pela mãe, pela professora, e
verificado durante entrevista e acolhimento com características que
são apontadas no luto complicado, pois na entrevista e
posteriormente no acolhimento, houve relatos de culpa persistente,
necessidade de desabafar, medo de falar sobre sua tristeza e viciar
(segundo relato da criança no momento de acolhimento, há um medo
constante de que falar sobre sua tristeza perante a perda e isso se tornar
algum tipo de vício, pois em alguns momentos que se expressou,
recebeu essa explicação de pessoas com quem convive, “se eu falar
disso, posso acabar viciando nisso)”, além de relatos de angústia
intensa e ideações acerca do desejo de morrer, seguidos de pedidos de
ajuda.
Seguindo a ética necessária com essa questão, foi realizado o
acolhimento após a entrevista, a criança solicitou mais encontros
individuais e houve essa disponibilidade por parte da pesquisadora.
Foi realizada também orientação familiar e indicação para
atendimentos individuais devido ao luto complicado que a criança
vem passando e pelas demais demandas e sofrimentos apresentados.
Após a entrevista, mãe relatou que a criança foi encaminhada
para atendimento multiprofissional, no Centro de Atenção
Psicossocial Infantil (CAPS Infantil), e que já havia sido encaminhado
para acompanhamento desse serviço pela psicóloga que o filho passou
108
recentemente para avaliação neuropsicológica e que está aguardando
o filho ser atendido pela equipe, inclusive por psicólogo clínico.
A partir da análise da entrevista, aplicada para compreender
as noções que Felipe tem acerca da morte e do luto, foi possível
observar que ele se encontra no Nível II proposto por Delval e Vila
(2008), assim como apresenta também características do nível II
apresentadas por Delval (2002). Podemos destacar os seguintes
aspectos desse nível, nesse caso específico:
Compreende a universalidade da morte.
Já diferencia animados de inanimados.
Reconhece, ainda que de forma não tão complexa, os
conflitos e as causas que podem levar alguém a falecer e não se
centra apenas em uma explicação de cada vez, há uma tentativa
de relacionar explicações diversas para o conflito percebido e
apresentado, compreende também as consequências da falência
dos órgãos, reconhece a morte biológica como irreversível, nesse
sentindo, entente que não há possibilidade de um corpo voltar a
vida depois de morto.
Ao longo da entrevista apresenta tentativa de considerar
diferentes pontos de vista, estabelece seus próprios critérios, e
também reflete acerca desses critérios que ele mesmo apresenta.
Considera os aspectos visíveis, no entanto, os não visíveis
também começam a ser considerados e há a tentativa de interligar
e relacionar esses aspectos, ainda que de maneira não tão direta.
A criança também passa a compreender as diferenças sociais
quando relata diferentes costumes acerca da morte, como
possibilidade de enterrar e também de cremação.
Busca considerar e relacionar as semelhanças e também as
diferenças entre os costumes acerca da morte.
109
Em relação a descrição do caso, é válido descrever que Sérgio
apresenta histórico recente de morte do pai. A escola solicitou
acolhimento prévio pois a criança estava demonstrando sofrimento
preocupante, pois além da perda do colega de sala, posteriormente
perdeu seu pai.
A criança topou participar da entrevista após as devidas
instruções, no entanto, vive um processo de luto preocupante e
doloroso. No acolhimento relatou sentimento de tristeza e
dificuldade para falar sobre a perda, preferindo o uso de um baralho
de acolhimento do luto para apontar sobre o que sentia, verbalizar
ficava mais difícil.
A conduta realizada no acolhimento foi de escuta ativa e
qualificada, avaliação do estado mental onde apresentou humor
deprimido congruente ao afeto, contenção da angústia, apoio e
orientações. Também foram utilizados como recursos materiais o
baralho de acolhimento e literatura infantil sobre o tema, ambos
escolhidos pela criança.
A seguir, segue a apresentação dos trechos da entrevista das
crianças que se encontram no Nível II, já agrupadas, para facilitar a
compreensão.
E., então sobre essa figura que você está segurando: o que você
entendeu sobre ela?
Felipe:
Que primeiro a criança, ela é... ela tá pequena, aí ela vai
crescendo, crescendo, crescendo até ficar velha.
E o que acontece depois que fica velha?
Felipe:
Morre.
Sérgio, olhando para essa figura, o que você pode me falar sobre
ela?
110
rgio: [Pausa; pega a figura com as duas mãos, olha por um tempo,
e encara novamente a entrevistadora, sem resposta]. O que você
entendeu sobre essa figura?
rgio:
Eu entendo que algumas coisas são fácil, algumas são difícil.
E o que seria fácil?
rgio:
Fácil tipo aproveitar a vida...
Fácil seria aproveitar a vida, e então, o que é difícil?
rgio:
Perder alguém que você ama.
Você acha que é difícil perder alguém que você ama.
rgio:
[Som de afirmação]
O que você acha difícil na perda?
rgio:
Muitas coisas.
É? Você quer falar sobre essas coisas?
rgio: [Pausa; gesto de afirmação]
E o que são essas muitas coisas difíceis?
rgio: Os sentimentos. A morte.
E o que é a morte?
Felipe:
O que é a morte? É um lugar, é uma coisa que a gente não
tem volta.
rgio:
Triste. Todo mundo... falece. [...] Deixa muitas pessoas
muito triste.
E o que acontece quando alguém morre?
Felipe:
Fica triste.
Acontece mais alguma coisa quando alguém morre?
Felipe:
A pessoa vai pro caixão?
Tem mais alguma coisa?
Felipe:
Não sei. Aí eles enterram? [...] Aí eles enterram. [...] Depois
eles tampa.
E todo mundo morre?
Felipe:
Morre.
rgio:
Não. [...] Com algumas pessoas.
Os animais morrem?
Felipe:
Morrem.
rgio: Sim.
E um homem?
Felipe:
[Som de afirmação]
111
rgio:
[Gesto de afirmação].
E a mulher?
Felipe: [Som de afirmação]
rgio:
Também morre.
E a criança?
Felipe:
[Som de afirmação] [...] Quando a criança tá em estado de
depressão, uma coisa assim, ela pode acabar se matando, mesmo.
rgio:
Sim.
E uma planta?
Felipe:
Uma planta também pode morrer, se ficar sem água, ou ficar
muito tempo no sol.
rgio:
Pode também.
E a pedra? Uma pedra morre?
Felipe:
[Som de negação]
rgio:
Não.
Não? Por quê?
Felipe:
Por causa que ela é dura e ela sobrevive até pra sempre. [...]
E porque ela não tem vida.
rgio: Porque não tem vida.
E dá pra saber quando alguém tá vivo ou tá morto?
Felipe:
Dá. [...] Se a pessoa tá viva, ela tá feliz e tá andando, se ela
tá morta, ela tá no caixão e não tá mais ali.
rgio: Sim. [...] A pessoa não fala com você.
E os mortos, eles se movem?
Felipe:
Não. [...] Por causa que eles tão morto.
rgio: Não. [...] Porque eles tão mortos.
Eles respiram?
Felipe:
Respiram, não. Por causa que o pulmão já parou, né?
rgio:
Não. [...] Porque tá morto.
Eles podem se levantar?
Felipe:
Não. [...] Por causa que eles tão morto e os ossos deles tão
fracos, e eles tão... por causa que o coração já parou? E o cérebro não
tem, ele não sabe o que fazer, então ele desligou e... [indistinguível].
rgio:
Não. [...] Porque eles perderam a vida.
E eles falam?
Felipe:
Não. [...] Por causa que as cordas vocais deles já era.
112
rgio: Não. [...] Porque eles morreram.
E quando a gente fala sobre eles, eles podem ouvir? Eles escutam
quando alguém fala com eles?
Felipe:
Não. [...] Por causa que eles tão mortos, e também por causa
que eles, eles não conseguem ouvir por causa que se eles conseguissem
ouvir, o cérebro estaria mandando uma mensagem pro ouvido, mas
na verdade, o ouvido não tá ouvindo nada, então ele foi lá... o
cérebro vai lá... e ele não permite.
rgio: Não. [...] Porque eles tão mortos.
Depois de algum tempo, o que acontece com o corpo de quem
morreu?
Felipe:
Ela vira cinza? [...] É... as cinzas, elas... joga no mar.
[Pausa] Ou queima, por aí.
rgio:
Vira osso.
E o que as pessoas sentem quando alguém morre?
Felipe:
Tristeza, tristeza, raiva. De vez em quando... quando meu
amigo morreu, eu fiquei triste e fiquei com raiva, por causa que, pra
mim, eu senti uma culpa enorme.
Por que você sentiu culpa?
Felipe:
Por causa que eu não tava lá naquele momento... eu podia
tá lá pra ajudar, mas só que eu não tava lá pra ajudar. Por causa
que eu não sabia onde é que ele tava... e eu só fui descobrir depois
que ele morreu. Quando a professora falou.
E o que as pessoas sentem quando alguém morre?
rgio:
Tristeza.
Tristeza. Elas podem sentir outras coisas?
rgio:
Sim.
O quê?
rgio:
Outro sentimento.
Sentimentos? Você sabe me dizer quais, além da tristeza?
rgio:
Não.
E o que as pessoas fazem quando alguém morre?
Felipe: Elas... elas enterram. Ou chora.
rgio:
Não sei. [...] Fica quieto.
E você sabe pra onde levam quem morre?
Felipe: Cemitério.
113
rgio:
Não.
E a gente pode falar sobre a morte?
Felipe:
Fala que
não. [...] Por causa que se não você... por causa que
se não você vai viciar naquilo e vai começar a falar bastante.
Quando eu falava bastante, eu falava bastante de morte, até que aí
eu parei, por causa que eu já tava começando a ficar triste, essas
coisas assim.
rgio: Pode.
E como você se sente quando você fala sobre a morte?
Felipe:
[Pausa] Não sei.
rgio: Triste. [...] Não sei como explicar.
Você sabe o que é o luto?
Felipe: [Pausa] Não sei.
rgio: [Gesto de afirmação].
Então, você sabe como as pessoas ficam quando elas tão de luto?
Felipe:
Não sei.
rgio: Vários sentimentos difíceis. [...] Triste.
Foi verificado através de suas respostas, que a
Sérgio
apresenta
características apontadas no Nível II, tal como Felipe mas destacamos
os seguintes aspectos desse caso específico:
Considera os aspectos visíveis acerca da morte, no entanto os
não visíveis também passam a ser reconhecidos e integrados nas
respostas, as respostas são relacionadas com sentimentos mais
complexos, ainda que exista alguma dificuldade para nomear os
sentimentos integrantes do luto, a criança tem compreensão de
que o luto envolve sentimentos diversos.
Associa morte e a perda como algo difícil de se passar, faz
reflexões acerca da vida e da morte associando com sentimentos e
apontamentos mais reflexivos e filosóficos acerca do que é fácil e
difícil nesse contexto de perda de um vínculo importante.
114
Apesar de contarmos com duas crianças com situações e
vivências mais complexas de perda e luto, são justamente essas que se
apresentaram em um nível mais elaborado. Nesse sentido, apesar da
experiência dolorosa com a perda associada ao modo como são
impactadas afetivamente sobre essa experiência, pode ter
proporcionado a elas desequilíbrios cognitivos que levaram a uma
reflexão e entendimento mais aprofundado acerca da morte e do luto
em relação as crianças de Nível I.
Nesse sentido, é importante pensar ações de acolhimento para
que a criança passe pela experiência com a morte, que apesar de ser
inevitavelmente dolorosa, pode ser também devidamente amparada e
acolhida. É importante considerar que, apesar de difícil, a experiência
também possa ser encarada como aprendizado acerca de questões da
vida, proporcionando essa reflexão mais aprofundada, inclusive em
espaços escolares. O preparo do educador, tal como a atenção com a
rede de apoio e demais cuidados necessários (questões psicológicas
que podem ser devidamente encaminhadas para os cuidados do
profissional de psicologia, por exemplo) podem fazer diferença
significativa na vida das crianças.
6.4 Levantamento de Materiais Para Acolhimento
no Contexto Escolar
No quadro a seguir são apresentados recursos materiais que
foram disponibilizados às crianças no momento posterior à entrevista,
para auxiliar no acolhimento caso necessário e escolhido pela criança.
Não se trata de resultados de intervenções aplicadas e apresentadas
nesse estudo, mas sim de sugestões de recursos que podem auxiliar no
momento de apoio acolhimento. Importante mencionar que esses
115
materiais selecionados também podem ter implicações pedagógicas
quando utilizados em sala de referência por professores na escola.
Desse modo, tais recursos também podem ser utilizados por
educadores em contextos escolares na intenção de acolher e inserir a
temática da morte e do luto, de modo a facilitar a inserção de forma
lúdica e auxiliar o acesso cuidadoso ao tema de maneira adequada. As
diferentes formas de mídia apresentadas literatura, música, filmes,
jogos possibilitam que a criança escolha aquilo que lhe é mais
familiar e possibilitam ao professor incorporar o tema em atividades
já existentes no cotidiano escolar.
Quadro 2. Relação de materiais a serem utilizados no acolhimento da morte e do
luto no ambiente escolar.
Literatura
infantil
“O dia em que o passarinho não cantou”, L. Mazorra e V.
Tinocco;
“Lembrança de aniversário”, G. Casellato;
“A história de uma folha”, L. Buscaglia;
O pequeno filósofo: o que é a morte?”, M Piquemal e T.
Baas;
“Menina Nina”, Ziraldo;
“Quando a saudade brilhar”, G. Marcondes;
“O vovô não vai voltar?”, C.B. Neufeld e A.H. Reis;
“O medo da sementinha”, R. Alves;
“Os dois irmãos”, W. Piroli e O. Moraes;
“Começo, meio e fim”, Frei Betto;
“A coisa brutamontes”, R. Penzani;
“O pontinho da saudade”, S.R. Casadei;
“O livro do adeus”, T. Par;
“Rose e o balão perdido”, A. Michaels;
Jogos e Cards
Fale Mais Sobre Isso loja Estímulos
Acolhimento Luto e Perdas;
Baralho Luto na Infância.
116
Música
“Marcha Fúnebre”, Chopin.
Filmes
“Viva a vida é uma festa”;
“O dia que o passarinho não cantou”.
Fonte: elaborado pela autora.
Como já apontado por Sengik e Ramos (2015), a literatura
infantil relacionada ao tema luto e morte, pode ser um importante
recurso pedagógico que pode ser utilizado por professores em
contextos escolares, por meio dos contos, podem surgir discussões,
dúvidas, relatos compartilhados, e por meio da escuta ativa e do
acolhimento, o professor pode promover a interação dos colegas e o
aprendizado acerca da temática.
Através das literaturas apresentadas no quadro 2, o educador
também pode identificar crianças que estão em sofrimento e
incentivá-las a se expressarem acerca dos seus sentimentos, tendo
como principal norte de intervenção a escuta, a empatia e
acolhimento. Além disso, quando devidamente capacitado, também
pode realizar orientações acerca dos processos envolvidos no luto e
utilizar da literatura infantil para ajudar a criança a compreender esse
processo e os sentimentos envolvidos, sempre com uma postura
acolhedora frente aos pequenos.
Além disso, para promover o acolhimento da tetica no
contexto escolar, os professores também podem utilizar cards, jogos,
músicas e filmes como recursos materiais relacionados com a
temática, para desse modo colaborar promovendo a reflexão, o
compartilhamento de pontos de vista e vivencias diversificadas entre
colegas, o acolhimento e o aprendizado através das ideias que podem
respectivamente ser compartilhadas pelas crianças a partir do contato
com esses recursos.
117
CATULO 7
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa teve como motivação central
compreender as ideias que crianças possuem sobre a morte, bem como
analisar como professores e familiares se relacionam com questões
envolvendo a morte, o luto e a infância, respectivamente em seus
contextos escolar e familiar.
Como já abordado anteriormente no referencial teórico aqui
mencionado, a morte e o luto podem ser encarados como tabu em
nossa sociedade. Além de serem variadas as formas de encarar e lidar
com esse processo indesejado, especialmente quando se trata de
crianças o vivenciando a dificuldade é ainda maior devido ao receio e
à associação com a dor inevitavelmente desencadeada por esse
acontecimento que, fatalmente, acaba por vezes fazendo parte da vida
e adentrando os cenários escolares.
À luz de teóricos influenciados pela epistemologia genética,
foram encontrados estudos brasileiros acerca de como crianças
compreendem aspectos relacionados à morte considerando o
desenvolvimento cognitivo dos sujeitos, aspecto importante a ser
levando em consideração quando se trata de acolher e compreender
crianças que vivenciam experiências de perda e simultaneamente
convivem e se relacionam umas com as outras em contextos escolares.
As noções sociais construídas por parte dos alunos entrevistados
possibilitam a reflexão acerca de como essa vivência também pode se
118
tornar construtiva e fonte de aprendizado, ainda que seja associada a
uma experiência dolorosa. Conhecer suas ideias e noções, e
simultaneamente dar voz às crianças enlutadas é de extrema
importância para a expressão e acolhimento do luto, além de
possibilitar estratégias e ações por parte dos educadores que
aprofundem os conhecimentos e reflexões dos pequenos acerca das
perdas, da morte e da vida, ampliando também o repertório cultural
que envolve o tema.
Todos os entrevistados, professoras, adultos responsáveis e
crianças, tinham histórico de perda, não somente no contexto de
pandemia da Covid-19, mas também perdas prévias e posteriores a
esse episódio caótico. Isso deixa evidente que essa demanda faz parte
da vida dos sujeitos, e apesar de ser uma vivência presente e frequente
na história de cada um, pode ser compreendida como corriqueira,
passar como despercebida e banal pelo cotidiano, e evidentemente,
isso ocorre também no contexto escolar, que acaba por vezes
silenciando, ou até mesmo ignorando completamente essas demandas
na tentativa equivocada de negar ou poupar a dor relacionada ao
tema. Em compensação, a angústia continua presente, mesmo que
emudecida nas perdas coletivas decorrentes da pandemia, tal como a
perda coletiva de um aluno integrante da escola que impactou não
somente os colegas, mas toda a comunidade escolar. É importante que
se possibilite a reflexão acerca do papel da escola em contexto de
perdas e no reconhecimento e acolhimento da comunidade enlutada,
que inclui não somente os alunos, mas também toda a equipe escolar,
e até mesmo os familiares das crianças. Essa tríade, quando bem
alinhada e orientada, pode favorecer significativamente para uma
forma mais acolhedora e segura de lidar com a morte e o luto.
Além disso, a capacitação dos profissionais da educação para
acolhimento do luto e das questões que envolvem a perda e a morte
119
pode colaborar de maneira significativa no apoio e suporte de crianças
enlutadas ou curiosas em relação aos temas da finitude, da morte, e
da vida, assim como promover maior segurança desses profissionais
quando se confrontam com essa realidade compreensivelmente
evitada, porém presente nas vivências cotidianas, muitas vezes
silenciada e negligenciada. Pensar formas de inserir a temática na
formação e capacitação de educadores, tal como os recursos
pedagógicos e materiais de suporte para essa prática são aspectos
sugeridos para futuros estudos. Neste estudo as professoras
entrevistadas se apresentaram abertas à possibilidade, mas
reconheceram a dificuldade, a falta de suporte e o desconhecimento
de uma prática fundamentada, o que por vezes gera insegurança
quando em confronto com a temática na escola.
Em relação à atuação dos educadores no acolhimento do luto
e das questões acerca da morte na escola, ainda existe uma insegurança
quanto a capacitação e preparo para lidar com o tema. No entanto,
acolhimento, escuta ativa, apoio, garantir o direito da criança se
expressar para lidar com a angústia, além de fornecer orientações
adquiridas através de capacitação que proporcione um conhecimento
adequado acerca dos processos que envolvem situações de morte e
luto são ações que podem ser realizadas pelo educador no ambiente
escolar. Ainda, com o auxílio de recursos como literatura infantil,
músicas, jogos e vídeos relacionados ao acolhimento do tema, o
educador está munido das ferramentas necessárias ao suporte.
Em casos que a demanda extrapole a atuação do pedagogo, o
encaminhamento para o profissional de psicologia clínica deve ser
realizado para trabalho em equipe, e ainda que a criança inicie
acompanhamento psicológico, é fundamental que o pedagogo
continue consciente de seu papel no acompanhamento e acolhimento
contínuo durante o processo de elaboração do luto ainda que a criança
120
já esteja em psicoterapia. Ambos os profissionais podem e devem ser
complementares no apoio a criança enlutada.
Por fim, com esse estudo, foi possível verificar o impacto
social imediato da pesquisa, pois, ao proporcionar acolhimento e
escuta de sujeitos enlutados que, no geral, estavam sem suporte para
desabafar e serem atendidos referente acerca de suas dores, angústias,
expressões e dúvidas acerca das perdas vivenciadas, proporcionou o
sentimento de amparo. Falas dos próprios sujeitos relacionadas a
gratidão e reconhecimento da importância do olhar e da aproximação
de temas relacionados a morte e luto, demonstram isso, além de
evidenciar que os mesmos reconhecem os benefícios imediatos que
foram proporcionados por meio da escuta qualificada e da acolhida.
121
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127
SOBRE A AUTORA
Gabriela da Silva Disner é psicóloga (UNIMAR) e pedagoga
(UNESP), mestre em educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da FFC/UNESP. Atualmente, é professora de educação
infantil no município de Marília, São Paulo. Participou do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Aprendizagem e Desenvolvimento na
Perspectiva Construtivista (GEADEC UNESP) entre 2020 e 2023.
Possui experiência em Psicologia da Educação e da Saúde, é
especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional, e em Saúde
Mental e Atenção Psicossocial pelo INDEP, em Psicopedagogia e
Psicologia Hospitalar pelo CRP/SP. Possui aprimoramento em
Psicologia Hospitalar pela Faculdade de Medicina de Marília -
FAMEMA. Desenvolve seus estudos acerca da morte e do luto sob
uma perspectiva psicopedagógica.
128
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno – CRB 8/8211
Normalização
Kamilla Gonçalves
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
Gabriela da Silva Disner é Psicóloga gradua-
da na Universidade de Marília - UNIMAR e
Pedagoga graduada na Faculdade de Filoso-
a e Ciências da UNESP, campus de Marília.
Mestra em Educação pelo Programa de Pós-
-Graduação em Educação da FFC/UNESP,
na linha de Psicologia da Educação: Proces-
sos Educativos e Desenvolvimento Huma-
no, desenvolvendo atividades de pesquisa
na área de Psicologia da Educação. Possui
experiência em Psicologia da Educação e
da Saúde, é especialista em Psicopedagogia
Clínica e Institucional, e em Saúde Men-
tal e Atenção Psicossocial pelo INDEP, em
Psicopedagogia e Psicologia Hospitalar pelo
CRP/SP. Possui aprimoramento em Psico-
logia Hospitalar pela Faculdade de Medicina
de Marília - FAMEMA. Atualmente, está se
especializando em Intervenção na Autole-
são, na Prevenção e na Posvenção ao suicí-
dio pelo Instituto VitaAlere..
MORTE E LUTO NA ESCOLA
Gabriela Disner
Esse livro é fruto de um olhar sensível sobre a necessidade de
abordagem de temas considerados tabu no ambiente escolar.
Frente à questões relacionadas à perda e à morte evidenciadas
pela pandemia da Covid-19, mas não somente, o presente tra-
balho descreve as noções de crianças do ensino fundamental
acerca da morte e do luto, além da recepção de responsáveis e
professores em acolher essa temática dentro da escola. Os re-
sultados evidenciaram as ideias apontadas pelas crianças, bem
como a falta de preparo e domínio para tratar da morte e do luto
sentida pelos professores. Os pais e responsáveis se mostraram
favoráveis a temática ser abordada na escola por educadores, de
modo que o ambiente escolar possa proporcionar as crianças o
acolhimento necessário acerca de suas vivências relacionadas
a morte e ao luto. A partir dos relatos coletados pela pesqui-
sadora Gabriela, com aporte psicopedagógico, é possível pen-
sar em estratégias de integração da temática na escola, levando
em consideração o que é entendido pelas crianças, e também
o olhar dos pais e professoras. A presente obra traz resultados
pioneiros em uma área de pesquisa ainda pouco desbravada,
embora necessária, no Brasil.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio 0039/2022
Processo 23038.001838/2022-11