PROFESSORAS DE GERAÇÕES DISTINTAS
(1938-1985) FRENTE ÀS REPRESENTAÇÕES
IMPOSTAS SOBRE MULHERES NA
DOCÊNCIA
Ana Laura Bonini Rodrigues de Souza
uma análise histórica
Ana Laura Bonini Rodrigues de Souza é Mes-
tra em Educação (2021) e também douto-
randa no Programa de Pós-Graduação em
Educação na Faculdade de Filosofi a e Ci-
ências, da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), campus de Marília - SP. É Bacha-
rela em Direito pelo Centro Universitário
Eurípedes de Marília (UNIVEM, 2017), e
licenciada em Pedagogia (UNESP, 2023).
Tem como interesse de pesquisa os seguin-
tes temas: Educação, História da Educação,
Direitos Humanos das mulheres, represen-
tações culturais de professoras e branqui-
tude. É integrante do Grupo de Estudos e
Pesquisas HiDEA-Brasil, História das dis-
ciplinas escolares e acadêmicas no Brasil
(Saberes, práticas e culturas escolares e aca-
dêmicas), do NUDISE - Núcleo de gênero
e diversidade sexual na Educação, e, LIEG
- Laboratório Interdisciplinar de Cultura e
Gênero, todos na Unesp/campus de Marília.
Contato: ana.bonini@unesp.br
Professoras de gerões distintas (1938-1985) frente às representações impostas sobre mulheres na docência
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
PROFESSORAS DE GERAÇÕES DISTINTAS
(1938-1985) FRENTE ÀS REPRESENTAÇÕES
IMPOSTAS SOBRE MULHERES NA DOCÊNCIA:
Uma análise histórica.
Ana Laura Bonini Rodrigues De Souza
Ana Laura Bonini Rodrigues de Souza
PROFESSORAS DE GERAÇÕES DISTINTAS
(1938-1985) FRENTE ÀS REPRESENTAÇÕES IMPOSTAS
SOBRE MULHERES NA DOCÊNCIA:
Uma análise histórica.
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2024
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Edvaldo Soares
Franciele Marques Redigolo
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Henrique Tahan Novaes
Aila Narene Dahwache Criado Rocha
Alonso Bezerra de Carvalho
Ana Clara Bortoleto Nery
Claudia da Mota Daros Parente
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Daniela Nogueira de Moraes Garcia
Pedro Angelo Pagni
Auxílio Nº 0039/2022, Processo Nº 23038.001838/2022-11, Programa PROEX/CAPES
Parecerista: Flávio Santiago - pesquisador no Grupo de Estudos e Pesquisa Sociologia da Infância e Educão
Infantil (GEPSI/ USP) e no Grupo de Pesquisas e Estudos em Geografia da Infância (GRUPEGI)
Capa: Fotos de Diva Rodrigues de Souza e Helena Cristina Bonini (fotógrafa: Iraceles Ishii dos Santos)
Ficha catalográfica
Souza, Ana Laura Bonini Rodrigues de.
S729p Professoras de gerações distintas (1938-1985) frente às representações impostas
sobre mulheres na docência: uma análise histórica / Ana Laura Bonini Rodrigues de
Souza. Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2024.
163 p. : il.
CAPES
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-514-8 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-515-5 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-515-5
1. Educação. 2. Mulheres na educação 1938-1985. 3. Professoras. 4. Trabalho
feminino. I. Título.
CDD 372.21
Catalogação: André Sávio Craveiro Bueno C
RB 8/8211
Copyright © 2024, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Dedico às mulheres que viveram
para que eu pudesse viver hoje.
SUMÁRIO
PRECIO | Rosane Michelli de Castro.............................................9
INTRODUÇÃO..........................................................................13
CAPÍTULO 01: OS INDÍCIOS DO SURGIMENTO DE UMA
“SUBCULTURA” FEMININA....................................................41
1.1. Relatos orais de professoras (1938-1985): uma repartição cultural
1.2. O momento histórico vivido: mulheres docentes (1938-1985)
1.3. Movimentos de resistências na docência feminina: indícios de uma
subcultura
CAPÍTULO 02: HISTÓRIA ORAL E SUBJETIVIDADES DE
MULHERES NA DOCÊNCIA NA ESCOLA BRASILEIRA.......89
2.1. Aspectos dos processos identitários de mulheres na sociedade
2.2 A representação das mulheres e do trabalho doméstico como “nada
2.3. Caminhos de vida e atuação ao encontro de uma identidade
CAPÍTULO 03: MULHERES PROFESSORAS E OS
ARQUÉTIPOS MATERNAIS IMPOSTOS SOCIALMENTE:
VIVÊNCIAS E AS QUESTÕES DE GÊNEROS PERMEANDO
OS LUGARES E PODERES EM NOSSA SOCIEDADE...........129
3.1. Características geracionais de enfrentamento das mulheres docentes na
sociedade
CONCLUSÃO...........................................................................147
REFERÊNCIAS.........................................................................153
SOBRE AUTORA......................................................................153
9
PRECIO
A pesquisadora, sua história e uma história de mulheres na
docência. Parafraseando De Certeau (1979), a pesquisadora e a
operação historiográfica, e à luz da formulação teórica desse
pesquisador, busquei compreender o “lugar de fala” da pesquisadora
Ana Laura Bonini Rodrigues de Souza e, então, ler, reler e ousar tecer
orientações para as investigações e decorrente escrita de sua
dissertação de mestrado (Souza, 2021), cujos resultados são
publicados neste livro, sob o título Professoras de gerações distintas
(1938-1985), frente às representações impostas sobre mulheres na
docência: uma análise histórica, o qual me coube a honrosa tarefa deste
prefácio.
Jovem e como ela mesma afirma, sempre “ávida por justiças
sociais” tornou-se bacharela em Direito, bailarina, cantora e, nessa sua
trajetória por sua identidade de mulher, mulher parda, mulher parda
brasileira/latina-americana, encontrou-se com a docência, com a
pesquisa sobre mulheres docentes, firmando-se como professora
feminista e mestra em Educação.
Com essa trajetória e intenso envolvimento com teórica/os e
abordagens interseccionais de gênero, raça e sociais, as investigações
da autora foram motivadas por questionamentos acerca de
representações de professoras brasileiras de gerações distintas sobre o
olhar da comunidade escolar acerca das mulheres na docência.
Procedeu a um recorte temporal delimitado entre 1938 e 1985,
respectivamente, data mais antiga e menos antiga de ingresso no
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-515-5.p9-12
10
magistério, dentre as datas de ingresso das professoras participantes e,
finalmente, encontrou-se com o objeto de sua investigação, a saber:
representações de mulheres brasileiras na docência. Esse objeto impôs
uma perspectiva investigativa pautada na “História Cultural das
micro histórias presentes em nossa sociedade, pois, em consonância
com Oliveira (2018, p. 132) “[...] as histórias escritas precisam mudar
de figura, de forma e de gênero radicalmente, para romper silêncios e
apagamentos duradouros. [...]” (Souza, 2021, p. 20).
E, então, mediante a análise de relatos orais, da escuta de vozes
de professoras de gerações distintas, a autora elaborou e compôs uma
dissertação autoral, saturada de indagações sobre aspectos que
envolvem a vida cotidiana, sobre valores sociais e culturais vivenciados
por essas professoras, os quais trouxeram a necessidade de reflexão e
escrita sobre gênero, classe, raça/cor/etnia, idade, entre outros
aspectos.
Após esses primeiros elementos introdutórios, no capítulo 1
são apresentados “os movimentos metodológicos para a elaboração da
repartição cultural (De Certeau, 1979), a partir da coleta dos relatos
orais das professoras participantes da pesquisa, além de questões
abrangentes dos indícios do surgimento de uma subcultura, à luz da
categoria “bourdiana”. Nos capítulos 2 e 3 são apresentados resultados
das análises de aspectos dos relatos, desde o “lugar de fala” da autora,
em busca de representações das mulheres na docência na escola e
sociedade brasileiras, permeadas por arquétipos socialmente
impostos.
Finalmente, são apresentadas conclusões reveladoras de que,
tanto a autora, quanto as “[...] participantes da pesquisa desenvolvida,
[cujos resultados compõem este livro] são exemplos de parte de
construções históricas da luta das mulheres.
11
“Suas tentativas de perseguirem seus sonhos, idas e vindas em suas
escolhas, continuaram a existir, mesmo após perdas ou barreiras
superadas ou não, por serem mulheres. A força das mulheres está na
continuidade de sua luta, dentro das possibilidades dadas, do
cansaço, do consciente e inconsciente em resistir.(SOUZA, 2021,
p. 38).
Pelo exposto, é que faço um carinhoso convite à leitura deste
livro, cuja relevância reside, entre outros aspectos, na busca de
permitir que a pesquisa histórica continue a encontrar trajetórias e
pessoas de lugares sociais distintos, evidenciando possibilidades de
tantas outras escolhas de existência humana em nossa sociedade.
“Com todo amor que há no mundo”...
Marília-SP, 30 de dezembro de 2023.
Rosane Michelli de Castro
UNESP Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Filosofia e Ciências FFC
Câmpus de Marília.
Referências
DE CERTEAU, Michel. A operação histórica. In: LE GOFF,
Jacques; NORA, Pierre (Orgs.). História: novos problemas. 2. ed.
Trad. Theo Santiago. Rio de janeiro: Francisco Alves,1979.
SOUZA, Ana Laura Bonini Rodrigues de. Professoras de gerações
distintas (1938-1985), frente às representações impostas sobre
mulheres na docência: uma análise histórica. 151f. Dissertação
(Mestrado em Educação). PPGE-UNESP/FFC-Marília, Marília,
2021. Orientadora: Dra. Rosane Michelli de Castro.
12
13
INTRODUÇÃO
Sermos mulheres juntas não era suficiente.
Nós éramos diferentes.
Sermos garotas lésbicas juntas não era suficiente.
Nós éramos diferentes.
Sermos negras juntas não era suficiente.
Nós éramos diferentes.
Sermos mulheres negras juntas não era suficiente.
Nós éramos diferentes.
Sermos lésbicas negras juntas não era suficiente.
Nós éramos diferentes.
Demorou algum tempo até percebermos que nosso lugar
Era a casa da diferença ela mesma,
Ao invés da segurança de qualquer
Diferença em particular.
(Audre Lorde
1
)
1
Audre Lorde foi uma escritora americana de descendência caribenha, feminista, lésbica e
ativista na luta pelos direitos humanos. Escreveu romances que abordam temáticas como
feminismo e opressão, além de direitos humanos. Sua obra poética foi publicada a partir da
década de 60. Os temas mais abordados em sua obra são amor, traição, nascimento, classe
social, idade, raça/cor/etnia, sexualidade, gênero e saúde, haja vista que veio a falecer devido
a um câncer de mama. Sua poesia é um espaço também em que ela se afirma como lésbica e
feminista negra. Lorde desafiou feministas brancas, questionando seu ponto de vista sobre
questões raciais, e se tornou uma voz lésbica negra isolada dentro do movimento feminista,
apontando as opressões a que as mulheres brancas submetiam as mulheres negras. Ela se
descreve assim: “Eu sou definida como a outra em todos os grupos de que participo. A
forasteira, tanto pela força como pela fraqueza.” Sua poesia é forte e reflete conflitos internos
e externos advindos de sua condição de mulher negra em uma sociedade marcada pelo
machismo e pelo racismo. Nem dentro do movimento feminista ela tinha apoio, pois
apontava as fragilidades desse movimento e a necessidade de se tratar de questões relativas à
realidade das mulheres negras, que eram completamente ignoradas. Audre foi uma das
precursoras do movimento feminista interseccional. (Anunciada, 2015) Disponível em:
https://www.geledes.org.br/a-poesia-de-audre-lorde/
14
O descobrimento do feminino, do sentir-se mulher,
assumindo o feminismo para a minha vida como luta diária foi uma
construção que começou de maneira consciente quase imperceptível
por mim em minhas relações sociais. O caminhar pelas artes liberta
fez-me compreender que essas experiências constituem a base
essencial de ideias e indagações para a elaboração deste livro.
As artes sempre se fizeram presentes em minha vida e o
encontro com as danças orientais, nas modalidades de dança do ventre
e cigana, me proporcionaram maior ênfase em relação aos femininos
que foram “machucados” por uma vida na sociedade em que vivemos,
construída sob a voz de homens. Essas feridas abertas causadas pelas
ausências enfáticas de vozes de mulheres foram percebidas em minha
ancestralidade, sendo eu mulher negra de pele clara ou parda, com
privilégios brancos, fruto de uma relação de mestiçagem, tive
dificuldades para encontrar minhas origens.
Muito se discute sobre as que se classificam como negras de
pele clara, ou seja, pessoas pardas, porém, no Brasil, essa classificação
existe e se faz legítima, sendo que uma criança, filha de um homem
negro com uma mulher branca, pode vir a nascer negra de pele retinta
ou branqueada, as também chamadas de pardas ou morenas do Brasil,
as quais possuem fenótipos negros marcados em seus corpos, como
cabelo, boca, nariz... Em concordância com Rosa (2015), senti
dificuldades com relação à minha identidade racial, pois, assim como
a autora ressalta, eu também [...] quando criança notava algumas
diferenças (raça/cor/etnia/classe), mas não conseguia compreender
muito bem. Algumas crianças tinham o mesmo tom de pele que eu,
no entanto [...] essas crianças também não eram zoadas por terem o
nariz largo.
Importa mencionar nesta introdução um fato ocorrido na
infância, o qual foi sendo melhor analisado com meus aprofunda-
15
mentos sobre questões que envolvem as mulheres construídas
socialmente.
Esse fato aconteceu quando minha professora do antigo Pré-
III, mulher branca e loura, realizou várias cenas de um teatro do conto
de fadas “A Branca de Neve” e três meninas foram escolhidas para
serem as bruxas: eu, parda ou negra de pele clara, com nariz largo, na
época, e cabelos cacheados, outra colega, negra de pele retinta e com
traços afro mais marcados em sua pele mais escura, nariz largo e cabelo
crespo e uma menina branca, porém, com os cabelos crespos e
armados. Aliás, nós três éramos meninas gordas, o que proporciona a
reflexão das intersecções de opressões entre gênero, raça e corpos fora
do padrão magro europeu.
Vivências como a mencionada evidenciaram, para mim, a
classificação das pessoas feita pela sociedade e, também, ampliaram a
minha percepção quanto ao fato de ser uma mulher não branca, com
privilégios brancos socioeconômicos, os quais não me livraram do
racismo. Conforme Rosa (2015):
O fato de assumir a minha identidade negra, não significa que
eu seja igual a todos as outras pessoas negras do mundo. As
especificidades existem e precisam ser respeitadas. É lógico que
uma pessoa com a pele escura sofre mais com o racismo do que
eu, e o que não quer dizer que eu não sofra também, mas em
escala diferente.
Sendo assim, foram percebidos, desde a infância, padrões de
beleza impostos para as mulheres; para ser bela como uma princesa
era necessário ser branca e ter traços mais finos, europeus, ser magra,
dentre tantas outras percepções e vivências envolventes que
culminaram numa cirurgia plástica que fiz no nariz, no final da
adolescência.
16
Assim, ser “bruxa”, novamente, não seria cogitado e passando
por esses processos de preconceitos estruturais em nossa sociedade,
envolvendo gênero e tantas intersecções, levaram-me a refletir sobre
questões raciais e sociais. Akotirene (2019) ressalta a impossibilidade
de se estudar gênero sem a intersecção. Para essa pesquisadora: “[...]
Somente a análise interseccional destacou a forma com que as
mulheres negras sofrem a discriminação de gênero, dando múltiplas
chances de interseccionar esta experiência. [...]” (Akotirene, 2019, p.
65).
Ávida por justiças sociais, tornei-me bacharela em Direito e,
caminhando sempre ao lado das artes, obtive a experiência do sexismo
sentida em quase seis anos de trabalho como cantora de música
popular brasileira em bares, restaurantes e afins, recebendo menos da
metade de cachês recebidos por homens e tantas outras questões por
ser mulher. Assim, comecei a me interessar por estudos sobre Direitos
Humanos das Mulheres, bem como conheci o Núcleo de Direitos
Humanos da Faculdade de Filosofia e Ciências FFC
UNESP/Câmpus de Marília, onde, no ano de 2017, comecei a
participar das reuniões, coordenadas pela Profa. Dra. Tânia Sueli A.
M. Brabo.
A proximidade com a área da Educação começou a acontecer,
quando do meu reconhecimento de que ninguém melhor do que a
educadora
2
para ofertar condições para o desenvolvimento da pessoa
no exercício da cidadania, rompendo, portanto, as paredes da sala de
aula e exercendo, integralmente, o direito a Educação, ou seja, um
direito fundamental de todos e todas, como é exposto no artigo 205
da Constituição Federal de 1988: “[...] A educação, direito de todos
e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
2
Utilizarei durante todo o livro os termos professoras e alunas, ou seja, os genéricos
femininos, como forma de enfatizar a presença das mulheres na Educação.
17
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho. [...]” (BRASIL, 1988, p. 34).
A Educação é definida como fundamental na Lei Máxima,
outorga o dever e responsabilidade às professoras para atender de
forma efetiva o desenvolvimento da pessoa, dando acesso e ampliando
visões de um mundo livre de preconceitos e amarras sociais.
Além de relevância para a pesquisadora e para a pesquisa
educacional, o presente tema desta obra tem relevância na atual
circunstância política do Brasil, que desde 2018 já assinalava para com
as discussões em torno do estudo de gênero das escolas. No entanto,
é crível salientar que tais estudos atendem a atual Constituição
Federal
3
e nem mesmo um espírito de conservadorismo, que ainda
assola o Brasil pós um governo de extrema direita (2019-2022), pode
ser capaz de fazer com que o país submerja a presente questão a ser
estudada, protegendo os estudos de gênero de possíveis alvos de
especulações com caráter religioso e com envolvimento em
preconceitos de senso comum. Apesar da conjuntura política
extremista que deixou seus resquícios com relação ao descaso para
com professoras da Educação Básica brasileira, principalmente, é
cabível acreditar nas Educadoras do Brasil, às quais, conscientes ou
não, carregam consigo suas trajetórias de vivências como mulheres em
3
Art. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV - Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.
Art. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
(Grifo nosso)
(in:http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaTextoSigen.action?norma=579494&id=16434
803&idBinario=16434817) Acesso em: dez/2017.
18
suas variadas intersecções, promovendo o aprendizado não apenas
conteudista, mas de uma vida vivida como mulher.
A circunstância vivida no Brasil é de extrema importância; os
direitos humanos, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
e a Constituição Federal, estabelecem elos entre a cidadania e a
dignidade da pessoa humana com a função social da escola. Desse
modo, segundo consta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional:
Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos
sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações
culturais.
Art. 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do
trabalho e à prática social.
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes
princípios:
I Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a
cultura, o pensamento, a arte e o saber; III pluralismo de ideias
e de concepções pedagógicas; IV respeito à liberdade e apreço
à tolerância. (Brasil, 2015, p. 09).
Barreiro e Martins (2016) salientam as desigualdades de
gênero e as explicações de cunho religioso, como também, a
ocorrência da subalternização das mulheres em suas atividades ou
profissões, afirmando a importância do papel da educadora em atuar
no âmbito Direito-sócio-cultural da aluna, não constituindo apenas
um mero executor de lições programáticas, mas sim, uma formadora
de educandas com poder reflexivo crítico próprio, fazendo valer
aludida Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A noção de
19
natureza surge como uma política estratégica, sendo possível, por
meio dela, legitimar uma série de desigualdades e direitos,
acondicionando o gênero feminino, constituídos socioculturalmente,
ao ambiente privado.
Ponderando questões envolventes em gênero, educação e
direito, com relação às mulheres e sua dignidade como pessoa humana
sócio-histórica, em uma sociedade envolvida de valores
preconceituosos e patriarcais, Safiotti (1987), aduz que patriarcais
remete aos caracteres dominantes e exploratórios para com as
mulheres. O que é percebido nesta obra é a não exclusão de teorias
desenvolvidas, assim como demarcadas temporalmente pelas ondas
feministas, pois, houve a percepção no decorrer de minha pesquisa e
escrita de que elas dialogam entre si e uma não existiria sem a outra.
As vozes múltiplas de mulheres, dialogando pela equidade, foram
necessárias para a construção de tantas correntes feministas existentes.
Essas teorias resultantes de lutas pelas vidas das mulheres são
figurativamente representadas por ondas, principalmente quando
ocorre uma primeira imersão nos estudos de gêneros, as idas e vindas
são necessárias para que as compreensões aconteçam.
Aliás, mencionadas ondas demarcam teoricamente as lutas de
mulheres, mas já se sabe que mulheres lutam desde muitos séculos
atrás, antes dessas demarcações teóricas que irei apresentar.
Sobre as “Ondas do feminismo, Louro (2014) relembra os
caminhos dos feminismos se iniciando na chamada primeira onda
com interesses de mulheres brancas e de classe média, em meados de
1930, já por volta de 1960, na segunda onda quando volta-se mais
para a teoria e na terceira onda por volta de 1980/ 1990, quando
volta-se para questões do plano micro, abordando questões das
chamadas minorias com relação aos direitos, quando grupos diversos
reaparecem num “[...] contexto de efervescência social e política, de
20
contestação e transformação que o movimento contemporâneo
feminista ressurge [...]” (Louro, 2014, p. 20):
[...] quando se refere ao feminismo como um movimento social
organizado, esse é usualmente remetido, no Ocidente, ao século
XIX. Na virada do século as manifestações contra discriminação
feminina adquiriram uma visibilidade e uma expressividade
maior no chamado “sufragismo”, ou seja, no movimento voltado
para estender o direito do voto às mulheres. Com uma amplitude
inusitada, alastrando-se por vários países ocidentais (ainda que
com força e resultados desiguais, o sufragismo passou a ser
reconhecido, posteriormente como “primeira onda” do
feminismo. [...] seus objetivos mais imediatos estavam ligados aos
interesses das mulheres brancas e de classe média. [...] será no
desdobramento da denominada “segunda onda”, aquela que se
inicia no final da década de 1960 que o feminismo [...] irá se
voltar para questões teóricas [...] será engendrado e
problematizado o conceito de gênero. (Louro, 2014, p. 18-19).
No entanto, apesar de fazer menção às referidas ondas, frisa-
se que quando mencionadas, é necessário enfatizar a existência,
anterior a elas, de luta de mulheres em diversos lugares do mundo, ou
seja, apesar de possuir um intuito facilitador de raciocínio teórico para
com as lutas das mulheres, há a necessidade de atenção para não se
generalizar, com a consciência histórica dos planos macros e micros.
As vidas de lutas de mulheres, não se iniciaram com primeira onda,
assim como os assuntos emergidos, como já mencionados, dialogam
atemporalmente, quando se estuda no plano micro. Sendo assim,
apesar de determinadas ondas demarcarem territórios iniciais no
Norte do planeta, Mourano (2020) menciona que a pensadora Maria
Lacerda de Moura, brasileira, nascida em Minas Gerais, em 1887, em
sua obra Renovação (1919), já refletia sobre a condição feminina e a
21
Educação no Brasil, com propostas de que uma Educação
democrática e dialética para a libertação da condição subjugada das
mulheres, assim como aludia à igreja católica como sendo uma das
mantenedoras de mencionada condição feminina. Inclusive,
Mourano (2020) ressalta que Maria Lacerda de Moura criticava a luta
pelo sufrágio feminino em perda de questões inerentes à vida das
mulheres, já que possuía o entendimento de que o direito ao voto,
abrangeria apenas pequena parte, e não, todas as mulheres.
Mourano (2020, p. 182) ressalta que a pensadora Maria
Lacerda de Moura:
[...] falava, em meados de 1920, sobre a sujeição das mulheres e
a condição feminina, denunciando o quanto a mulher era escrava
dos dogmas e das concepções da sociedade da época. A partir de
1970, o movimento feminista fala do patriarcado como uma
formação social em que os homens detêm o poder, ou seja, de
dominação masculina ou opressão das mulheres.
Dessa forma, pensando criticamente as mencionadas ondas
feministas, assim como o patriarcado, o qual, não é negado nessas
linhas, mas entendido como a reprodução desse modelo social
imposto às pessoas brasileiras, às latinas-Americanas, compreendendo
o patriarcado como um marcador colonial, conforme Hollanda
(2020).
O modelo patriarcal exercido no Brasil navegou pelos mares
de norte a sul, com imposições culturais europeias aos povos
originários de Brasil e as pessoas negras escravizadas trazidas
forçosamente de África, as quais foram colocadas frente ao
branqueamento.
Mulheres sofrem opressões pelo fato de serem mulheres. Sobre
isso, Piscitelli (2002) salienta a relação da opressão feminina com o
22
corpo, suas funções reprodutivas, iniciando a desigualdade sexual
compartilhada entre as mulheres e reproduzida pelas pessoas das
comunidades em que estão inseridas, inclusive pelas mulheres sobre
si mesmas “[...] da qual se deriva a identidade entre elas [...] ancorada
na biologia e na opressão por parte de uma cultura masculina.
(Piscitelli, 2002, p. 8).
Assim como Piscitelli (2002) menciona Gayle Rubin,
afirmando que o termo gênero já era utilizado, mas foi quando Rubin
(1975) conceituou gênero que esse termo ganhou força; “[...] Rubin
definiu o sistema sexo/gênero como o conjunto de arranjos através
dos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em
produtos da atividade humana e, nas quais estas necessidades sociais
transformadas são satisfeitas. [...]” (Piscitelli, 2002, p. 8).
Sobre a relevância dos direitos relativos à humanidade das
mulheres, é crível salientar a sua fragilidade de existência, sobretudo
em tempos de ditadura, como ocorreu no Brasil, entre 1960 e finais
da década de 1970, em que a categoria feminina, também torturada
pelo sistema de repressão, enfrentou a discriminação de gênero do
sistema repressor (TELES, 2015), sobretudo em seu local de trabalho.
Mediante esse fato histórico, evidencia-se a importância e a
conscientização das educadoras sobre as representações que as pessoas
e autoridades do seu entorno, sobretudo em seus locais de trabalho,
têm sobre seus direitos, sua condição de mulheres professoras
brasileiras e a sua função social.
Diante desses argumentos, surgiu o seguinte questionamento:
quais representações que professoras brasileiras de gerações distintas
relatam sobre o olhar da comunidade escolar acerca das mulheres na
docência?
O recorte temporal da pesquisa que culminou neste livro foi
delimitado entre 1938 e 1985, respectivamente, data mais antiga e
23
menos antiga de ingresso no magistério, dentre as datas de ingresso
das professoras participantes.
Nesse recorte foi articulada a referida temática numa
perspectiva plural e interseccional, com os elementos que emergirem
dos relatos orais das professoras participantes, por vezes, inseridas em
diferentes contextos legais e morais, ou seja, na perspectiva de uma
História Cultural das microhistórias presentes em nossa sociedade,
pois, em consonância com Oliveira (2018, p. 132) “[...] as histórias
escritas precisam mudar de figura, de forma e de gênero radicalmente,
para romper silêncios e apagamentos duradouros. [...]”.
O questionamento motivador desta pesquisa, sobre
representações de professoras brasileiras de gerações distintas
relataram sobre o olhar da comunidade escolar acerca das mulheres
na docência, toca questões relativas à categoria de gênero, em sua
representação de construção cultural (SCOTT, 1995), sendo
entendido em minha pesquisa como uma construção sociocultural na
perspectiva da constituição histórica colonial da sociedade patriarcal
brasileira. O patriarcado se faz presente reproduzindo-se na sociedade
brasileira. O privilégio da Educação de qualidade é para poucas e
professoras e alunas da periferia sofrem, ainda mais, com o descaso
com relação aos desprovimentos de uma renda justa.
O fato de ser mulher em uma sociedade com valores
patriarcais é um motivo de preconceito, ser mulher negra, cabe mais
um tipo, ser mulher negra e pobre, aumenta às variáveis de exclusão,
desse modo, vamos imaginar as lutas diárias de uma mulher trans
4
,
negra e pobre. No entanto, na seara da presente pesquisa, realizada
com professoras brancas, é cabível salientar Carneiro (2004) sobre a
diversidade existente entre as brancas do Brasil:
4
Pessoas trans são aquelas que não se identificam com o sexo biológico que nasceram.
24
Brancos não. São individualidades, são múltiplos, complexos e
assim devem ser representados. Isso é demarcado também no
nível fenotípico em que é valorizada a diversidade da
branquitude: morenos de cabelos castanhos ou pretos, loiros,
ruivos, são diferentes matizes da branquitude que estão
perfeitamente incluídos no interior da racialidade branca,
mesmo quando apresentam alto grau de morenice, como ocorre
com alguns descendentes de espanhóis, italianos ou portugueses
que, nem por isso, deixam de ser considerados ou de se sentirem
brancos. A branquitude é, portanto, diversa e multicromática.
No entanto, a negritude padece de toda sorte de indagações.
Sobre uma possibilidade de diálogo com e indagações sobre
aspectos que envolvem a vida cotidiana, possibilidade de colocar em
pauta valores sociais e culturais vivenciados por pessoas esquecidas
socialmente pelas detentoras de poder, e os quais trazem a luz a
necessidade de discussão sobre gênero, classe, raça/cor/etnia, idade,
etc., tem-se, numa abordagem histórica, segundo Burke (2005), a
chamada Nova História Cultural.
São inúmeras as possibilidades de viver e a consciência sobre
tais vivências múltiplas e são cabíveis em uma educação em
perspectiva feminista interseccional com a percepção da
descolonialidade presente em ser mulher, brasileira e professora. Essa
percepção da colonização das mulheres é comum à todas viventes no
Brasil. Assim, analisando sob a perspectiva da Nova História Cultural,
discutida inicialmente ao Norte e por homens brancos, podem ser
trazidas para o diálogo sobre mulheres brasileiras, as quais,
branqueadas, em suas respectivas subculturas, iniciaram o processo de
apropriação do magistério, feminizando-o, iniciando, nessa perspec-
tiva o processo de democratização da escola.
Sendo assim, trago minhas vivências como uma pesquisadora
parda ou negra de pele clara, pesquisando mais a fundo e encontrando
25
a consciência de que mulheres pretas e pardas já trabalhavam em
outras posições e assumiam cargos de chefas de famílias, conforme
Gonzalez (1988). Dessa forma entende-se também que não se pode
negar a abertura de outros caminhos para as mulheres brasileiras em
referida categoria de raça/cor/etnia e classe no campo sócio-laboral do
magistério, apesar dos diversos enfrentamentos e resistências ocor-
ridos contemporaneamente.
Vale enfatizar que uma pesquisa sobre mulheres professoras
como uma análise histórica, requereu o posicionamento do lugar
ocupado pela pesquisadora, já que esse lugar também influenciou o
decorrer do trabalho. De Certeau (1995, p. 18) ressalta a
compreensão da “[...] história como uma operação [...] compreendê-
la com relação entre um lugar [...] e procedimentos de análise. É
admitir que a história faz parte da realidade [...] que pode ser captada
enquanto atividade humana”. O autor (De Certeau, 1995) acrescenta
que “[...] A operação histórica se refere a combinação de um lugar
social e de práticas científicas.” (De Certeau, 1995, p. 18). O lugar
que a sociedade constrói interfere na prática científica e esse
movimento constrói novas reflexões.
Nothaft, Lisboa, Kleba e Bambirra (2019) trazem a
abordagem descolonial como algo que supera a colonialidade, sendo
buscado no termo “des” o rompimento com a colonização e ressalta
que:
Os termos descolonial ou descolonialidade são preferidos por
autoras latino-americanas como Rita Laura Segato (2011), María
Lugones (2004), Yuderkis Espinosa Miñoso (2014), Ochy
Curiel, entre outras, que partem do questionamento das ideias
de centro e periferia ou de norte e sul direcionando o olhar para
a complexidade do mundo, a diversidade cultural, simbólica,
linguística e política das reações anticoloniais que questionam
26
velhos modelos imperialistas. Nesse sentido, marcamos o nosso
posicionamento pela adoção da terminologia “descolonial” e
descolonialidade” justamente para assinalar o caminho de luta
contínua pela identificação e visibilização das mulheres, em
particular das latino-americanas e negras que ocupam “lugares
de exterioridade e vêm tensionando construções alternativas.
(Nothaft, et. al., 2019, p. 152).
Ser latina-Americana, mulher brasileira e professora, permite
caminhar pelas linhas interseccionais e descoloniais com a consciência
de saber as origens das mulheres viventes no cone Sul e percebendo,
também, as subculturas femininas mencionadas por Burke (2005),
subculturas essas que caminharam por séculos ante uma cultura de
homens e conseguiu o espaço na docência.
Perante essa construção social, o conceito de gêneros caberá
na presente pesquisa, considerando-os como “[...] tudo o que
socialmente se construiu sobre os sexos.” (Louro, 2014, p. 25). Araújo
(2000, p. 69), por sua vez, aponta em diferentes contextos políticos e
econômicos e salienta a ampliação da luta e resistência das mulheres
para com o conceito de gêneros com relação a perspectiva política,
não sendo mais um problema apenas das mulheres, promovendo as
modificações nos “[...] lugares, práticas e valores dos atores em geral,
[...] fornecendo um espaço para a subjetividade na construção e
reprodução dos lugares e significados socialmente identificados com
o masculino e o feminino.” (Araújo, 2000, p. 69). Os estudos de
gêneros nos permitem caminhar pela subjetividade de ser mulher e a
sua colonialidade, opressões das visíveis e invisíveis.
Lélia Gonzalez, mineira, nascida em 1935, contribui com seus
estudos para uma perspectiva histórico-cultural da formação do Brasil
e da América, criando o conceito de Amefricanidade, ou seja,
afrocentrando a história. Gonzalez (1988) afirma que, com a
27
colonização europeia, o patriarcado também foi trazido à América.
Dessa forma, assumindo a amefricanidade seria colocar os olhos para
a própria realidade, ou seja, nossa experiência histórica-cultural,
libertando-nos de reproduções imperialistas e, assim, nos tornando
pessoas ativas de nossas próprias histórias (Gonzalez, 1988). A
propósito, partindo da perspectiva do feminismo descolonial, as
reflexões iniciais direcionaram para a percepção quanto a ausência de
mulheres negras professoras e a branquitude presente em seus corpos,
no recorte temporal da pesquisa que foi desenvolvida, tendo em vista
a necessária intersecção de gêneros, classe e raça/cor/etnia e no caso
de uma pesquisa desenvolvida no Brasil com professoras que estão
dentro de um processo colonial de branqueamento.
A pretensão da caminhada pelas subjetividades das mulheres
em âmbito interseccional (gêneros, classe, raça/cor/etnia) parte do
reconhecimento da criação do movimento feminista, organizado por
mulheres brancas a partir do século XIX no Ocidente e a exclusão das
denominadas outras, ou seja, as não brancas e de classe social
desfavorecidas.
É importante salientar que essas perspectivas interseccionais e
descoloniais são aliadas e desenvolvidas no feminismo negro e
caminham nessa proposta de pesquisa na variante interseccional,
sendo que a descolonialidade envolve essas mulheres professoras
escolhidas para relatar suas vivências, por serem brasileiras e resultados
do percurso de branqueamento ocorrido no país, podendo, assim,
contar com privilégios brancos para chegar até a seara da docência.
A interseccionalidade, na pesquisa desenvolvida, cujos
resultados ora apresento neste livro, se faz com maior presença nas
questões relativas à classe e geração, demonstrando as permanências e
mudanças para com as vivências das mulheres professoras durante o
recorte temporal procedido. Para tanto, tangencio a
28
interseccionalidade com relação à raça/cor/etnia, pois é necessário
abordar as posições sociais, também e essencialmente, a partir da
branquitude das professoras. Pretendi apenas tal tangenciamento, por
acreditar que essa questão envolveria um estudo mais aprofundado, o
qual avançaria aos limites tempo/espaciais de um mestrado, do qual
resultou este livro.
Conforme Akotirene (2019, p. 97), “[...] a
interseccionalidade descarta análises competitivas de quem sofreu
primeiro, ajuda a enxergar as opressões e o reconhecimento de que
algumas são mais dolorosas que outras, mas não deixam de ser
opressões [...]”. A autora (Akotirene, 2019, p. 18) ressalta
interseccionalidade “[...] como conceito da teoria crítica de
raça/cor/etnia cunhado pela intelectual afro-estadunidense Kimberlé
Crenshaw [...]”. A propósito, Crenshaw (2012, p. 9) salienta que “[...]
uma das razões pelas quais a interseccionalidade constitui um desafio
é que, francamente, ela aborda diferenças dentro da diferença [...]”, o
que caminha ao encontro da pesquisa desenvolvida com mulheres
professoras brasileiras de diferentes gerações.
Quijano (2006) ressalta gênero como uma das formas de
opressão colonial, sendo as noções de homens e mulheres existentes
no Brasil a partir da colonização portuguesa, e aborda raça/cor/etnia
como categoria básica de segregação:
[...] as relações intersubjetivas e culturais entre a Europa [...] e
o restante do mundo foram codificadas num jogo inteiro de
novas categorias: Oriente-Ocidente, primitivo-civilizado,
mágico/mítico-científico, irracional-racional, tradicional-
moderno. (Quijano, p.122, 2006).
Acrescenta-se que a própria Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, na França, quando criada, ignorou a igualdade
29
entre os sexos, demonstrativo de uma história, de nossos
colonizadores, tendo seus efeitos reproduzidos no Brasil, marcada por
resistência e luta das mulheres, a qual não pode ser regredida.
No Brasil, há exemplos de feministas que buscavam o
exercício da cidadania das mulheres, inconformadas, segundo Brabo
(2015), com as desigualdades submetidas, relembrando os nomes de
Nísia Floresta (1810-1885) e Bertha Lutz (1894 1976), as quais
buscaram, respectivamente, educação igualitária, criando um
currículo igual para meninos e meninas e a luta pelo voto feminino,
como também pela igualdade de direitos de homens e mulheres no
país.
Leão e Ribeiro (2013) apresentam resultados de pesquisa
realizada com alunas de Pedagogia, com o apontamento favorável à
necessidade das futuras professoras e professores adquirirem
conhecimentos na esfera dos estudos sexuais. Sendo assim,
correlaciono os estudos da sexualidade e de gêneros com o combate à
discriminação e à violência de gêneros e, igualmente, com a atual
conjuntura política do nosso país. Daí a pertinência desse tema que
foi pesquisado, o qual permitiu análises e questões de relevância para
a sociedade e, principalmente, às mulheres que lutam diariamente,
vivenciando os mais diversos tipos de opressões e violências
5
. Ainda,
a pesquisa que resultou esta obra, justifica-se, frente às leis favoráveis
aos Direitos humanos das mulheres, a Constituição Federativa do
Brasil (1988) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948),
5
A violência sexista é um sério problema que atinge milhões de mulheres no mundo toda e,
de maneira intensa, no Brasil. É uma das mais cruéis faces do machismo. A opressão pode
ocorrer sobre qualquer uma, em qualquer lugar: em casa, na rua, no transporte, no local de
trabalho e lazer. A situação é tão grave que em 2015 a Organização Mundial da Saúde (OMS)
passou a considera-la uma epidemia mundial e uma das mais frequentes violações dos
Direitos Humanos.” (SindSaúde SP).
30
no tocante a importância das questões de gênero que se constroem no
âmbito educacional.
Ribeiro (2019), pesquisadora na área de Filosofia Política,
questiona quem pode falar numa sociedade patriarcal e racista, onde
o discurso legitimável é o do homem branco e heterossexual. Para ela,
outras vozes que não são consideradas a norma-padrão são ignoradas,
fazendo valer o regime de autorização discursiva, impedindo que os
considerados “outros” não tenham direito a voz, estando incluídas
mulheres, negros, indígenas e LGBTQIA+.
6
A pesquisadora (Ribeiro,
2019) aponta que o direito à voz não se opõe ao direito de emissão da
palavra, mas sim no sentido de existência, de pensar discurso, uma
maneira muito mais ampla de discutir poder de fato. Acrescenta
também que, quando se fala em lugar de fala, objetiva-se o lugar
social, poder dentro da estrutura e não da vivência; todos têm lugar
de fala, dada sua importância na discussão crítica e o olhar para o
outro, porém, não se deve confundir com a representatividade política
(Ribeiro, 2019).
De Certeau (1995, p. 27) salienta a importância de se inserir
na história, assumindo seu lugar:
Tomar a sério seu lugar, ainda não é explicar a história. Nada do
que aí se produz ainda foi dito. Mas é a condição para que
qualquer coisa, que não seja nem lendária (“ou edificante”), nem
atópica (sem pertinência), possa ser dita. Sendo a negação da
particularidade do lugar o próprio princípio da ideologia, ela
exclui toda teoria. Além disso, instalando o discurso num não-
lugar, proíbe a história de falar da sociedade e da morte, ou seja,
de ser história.
6
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans, Queer, Intersexos, Assexuais e outras.
31
Assim, entre os lugares sociais e representativos, nem todas
compreendem e/ou vivenciam tal representatividade política, na
perspectiva da existência das relações sociais de sexo, envolventes de
classe e raça/cor/etnia. Por isso a necessária consciência da
pesquisadora para com seu lugar ganha importância, com a
possibilidade maior de olhar para as ausências e presenças de
consciência sobre ser mulheres em uma sociedade reprodutora de
valores patriarcais, das professoras participantes desta pesquisa.
Essa discussão é posta por Falquet (2008), ao mencionar que
a desvalorização do trabalho considerado feminino não remunerado
no interior familiar, a criação das crianças e o trabalho sexual, e da
extensão do labor privado, fora das categorias mencionadas, mas
realizado pelas mulheres, inviabilizam a luta pela representatividade
política da mulher.
Ressaltando que a discussão de identidade de gênero em lócus
interseccional, não o enxergando isoladamente, mas com a “[...]
articulação do gênero à classe social, raça/cor/etnia, etnia, diferentes
culturas, meio rural, meio urbano, geração, religiões(Zago; Paixão,
2013, p. 449- 450), Carvalho, entrevistada pelas autoras Zago e
Paixão relata, também, as vivências de gênero sobre a distinção de
homens e mulheres atuantes na docência, mencionando
características escolares, nas creches e Educação Infantil, as quais são
socialmente construídas e pensadas como femininas, mesmo que
realizadas por homens, sendo decrescente a presença do feminino na
docência em relação à progressão dos anos iniciais da Educação Básica
(Zago, Paixão, 2013).
O feminino associado à ideia do cuidar, tanto nos espaços
públicos, quanto no espaço privado, ainda é muito presente em nossa
sociedade patriarcal. Conforme Safiotti (1987), na sociedade
capitalista, o patriarcado não pode ser resumido à ideologia machista,
32
sendo um sistema amplo de exploração, salientando como objetos de
exploração do homem, as mulheres, tanto as que trabalham em seus
lares, quanto as assalariadas. Sofrendo as diversas discriminações,
incluindo as raciais,[...] fica patente a dupla dimensão do
patriarcado: a dominação e a exploração.” (Safiotti, 1987, p.51).
Sendo as questões de gêneros problemas das mulheres, assim
como dos homens, Safiotti (1987) argumenta que é inapropriado o
pensamento de lutas específicas em separação das gerais, nas qual não
se encaixam a democracia. Essa pesquisadora (Saffioti, 1987) afirma
a impossibilidade de existência de um Estado Democrático de
Direito, quando as famílias componentes da sociedade são
estruturadas para a atribuição de poder para um homem, o “chefe da
família”, colocando a mulher-mãe e seus filhos para a obediência “[...]
ao todo-poderoso machão, quaisquer que sejam os conteúdos de suas
ordens e opiniões. [...]” (Saffioti, 1989, p. 89). Jules Falquet, em
entrevista (Cisne; Gurgel, 2014), alude as feministas materialistas na
perspectiva da divisão sexual do trabalho, definindo mulheres e
homens por suas posições na organização do trabalho, dissertando
sobre a existência de classes sociais dos sexos, a qual inclui dominação
e exploração.
As teorizações das pesquisadoras mencionadas, relativas ao
gênero, revelam uma tradição de estudos sobre essa temática que
caminha ao encontro da possibilidade de diálogo com Marx (2004,
p. 88), que disserta que “[...] a opressão humana inteira está envolvida
na relação do trabalhador com a produção, e todas as relações de
servidão são apenas modificações e consequências dessa relação. [...]”.
Porém, pretendo caminhar para além dessa perspectiva marxista, pois,
a partir da divisão de classes, também é possível vislumbrar a
percepção de que foram abertos caminhos (CISNE, 2018), lutas
internas, que não podem ser desmerecidas sem a devida valoração de
33
aprofundamento social e científico. Ou seja, há a possibilidade e a
necessidade de compreender a sociedade em que vivemos, com seu
modelo patriarcal-racista-capitalista, numa perspectiva a exemplo dos
estudos sobre o feminismo interseccional, buscando compreender as
dimensões das questões de gênero sócio-culturalmente produzidas.
Na perspectiva dos estudos sobre feminismo interseccional, a
finalidade é a de compreender a estrutura de inseparabilidade do “[...]
racismo, capitalismo e cisteropatriarcado(Akotirene, 2019, p.19),
propondo a existência de diferenciações, envolvendo gêneros com
raça/cor/etnia, classe.
Já com relação à ideia de classe profissional, Bruschini e
Amado (1988) focam suas argumentações na ideia de que a
consciência de classe e a adequada formação pedagógica para com a
profissão de professora, para que as professoras, conscientes das
alusões mencionadas, possam agir como profissionais, “[...] buscando
o aprimoramento de sua formação, reivindicando melhores condições
de trabalho, [...] pleiteando salários mais justos, através de sua
participação em seu órgão de classe (Bruschini; Amado, 1988, p. 11).
Ao encontro dessas formulações, Demartini e Antunes (1993)
afirmam que as diferenciações relativas aos gêneros nos currículos
culminavam em diferenças salariais, citando a Lei da Educação de
1827 em seu artigo 6º e 12º, os quais declaravam a limitação legal
para as mulheres com relação ao aprofundamento no ensino de
aritmética e à inclusão do ensino de economia doméstica para as
professoras, sendo as docentes devidamente nomeadas pelos
presidentes em conselho, de acordo com seus conhecimentos
demonstrados em exames, somadas ao reconhecimento de sua
honestidade.
A sexualização das mulheres foi cunhada culturalmente,
observada desde longínquos tempos de submissão, bem como sua
34
inferioridade pelo motivo de ser mulher, e era prevista legalmente, o
que enfatiza que as violências por motivo de gênero são questões
atuais, as quais precisam ser compreendidas em suas “raízes”
estruturais.
“[...] Historiadoras feministas tentaram não apenas tornar as
mulheres ‘visíveis’ na história, mas também escrever acerca do passado
sob um ponto de vista feminino [...], como disserta Burke (2005, p.
101) sobre aspectos da Nova História Cultural. A propósito Burke
(2005) menciona as microhistórias com suas significações e
construções próprias, as quais são necessárias para a compreensão
político-sócio-cultural da sociedade em que se vive.
Carvalho (2012, p. 403) afirma que “[...] as diferenças ou
semelhanças entre os sexos e as interações e relações de poder entre
homens e mulheres [...] são articuladas a outras hierarquias e
desigualdades de classe, raça/cor/etnia, idade etc”. Assim, é nessa
perspectiva que desenvolvi a pesquisa, cujos resultados apresento
neste livro, em busca de trazer à lume relatos de professoras que
viveram, em diferentes momentos históricos da profissão docente, o
cotidiano de lutas e conquistas político-sociais próprias do momento
histórico em que exerceram a docência no magistério público. E, estão
presentes no desenvolvimento da pesquisa questões relativas às classes
sociais e laboral docente, e a discussão de raça/cor/etnia, abordando a
branquitude das professoras e seus privilégios na formação e ocupação
da docência feminina, além do fator comum em serem mulheres
brasileiras.
Em consonância com Cardoso (2010, p. 611), “[...]
branquitude é um lugar de privilégios simbólicos, subjetivos, objetivo,
isto é, materiais palpáveis que colaboram para construção social e
reprodução do preconceito racial, discriminação racial “injusta” e
racismo [...]”. Sendo assim, acredito que será possível um diálogo
35
entre os lugares e privilégios de raça/cor/etnia e classe ocupados pelas
professoras entrevistadas e o lugar ocupado por esta pesquisadora que
possui privilégios sociais brancos, mas possui marcas de racismo por
ser não branca.
Por todo o exposto, o objetivo geral da pesquisa apresentada,
foi delineado em analisar relatos orais de professoras de gerações
distintas (1938-1985), acerca de como essas professoras reagiam
frente às representações impostas socialmente sobre mulheres na
docência.
Ainda, foram objetivos específicos da pesquisa: analisar
aspectos das representações das mulheres na docência na escola
brasileira, à luz da Nova História Cultural, iniciando, portanto, do
lugar de fala desta pesquisadora na seleção das participantes da
pesquisa; compreender aspectos emergentes dos relatos orais das
participantes, quanto às suas vivências, vestimentas, atividades
artísticas, dentre outras, como mulheres professoras e os arquétipos
maternais designados à elas, os quais ressaltam as questões de gênero,
permeando os lugares e os poderes em nossa sociedade, e as quais
sinalizam para contextos também diversos em suas lutas e conquistas
político-sociais; e, finalmente, analisar aspectos dos relatos que
indicam a revolução silenciosa feminina das mulheres entrevistadas
no campo docente, ou seja, questões relacionadas aos salários e
prestígio profissional.
Ainda, nesta introdução, apresento aspectos dos percursos
metodológicos da pesquisa, na perspectiva da Nova História Cultural
aliada à História Oral.
Entende-se que o delineamento metodológico pertinente é o
da história oral temática, porque possibilitou, ingressar no assunto
pesquisado, provocando, como mencionado, uma perspectiva plural
e interseccional com os elementos que emergirem dos relatos orais das
36
participantes, professoras aposentadas entrevistadas, por vezes
inseridas em diferentes contextos legais e morais. Portanto, e também
como mencionado, na perspectiva de uma História Cultural das
microhistórias da vida na docência presentes em nossa sociedade.
Esse procedimento metodológico possibilitou um encontro
com o objeto do projeto, relatos de professoras aposentadas que
atuaram nas redes públicas da Educação Básica em diferentes
tempos/momentos históricos.
Em consonância com Louro (1990), a história oral se
encontra com a história das mulheres, podendo nos levar a
descobertas de fatos que foram diminuídos pela narrativa tradicional.
Além do mais, em nossa cultura, homens frequentemente não
externalizam suas subjetividades, ou seja, as fragilidades: “[...] e às
mulheres é consagrado esse domínio. Além de características
subjetivas, um outro elemento a idade pode alterar esta
"classificação de domínios" e permitir uma reconstituição histórica
mais rica.” (Louro, 1990, p.24).
A propósito, pelo conjunto de professoras participantes da
pesquisa, foi possível identificar a presença de, pelo menos, três
gerações distintas de professoras. A ideia de gerações está relacionada
com a possibilidade de as experiências/vivências das professoras mais
velhas sinalizarem para as continuidades e as rupturas dessas
experiências/vivências, a partir das apropriações ou reproduções feitas
pelas professoras mais jovens.
A escolha de professoras que atuaram no magistério,
sobretudo público, foi procedida considerando o fator de
funcionarização, o qual, segundo Nóvoa (1991) remete, entre outros
aspectos, à ideia de dado conjunto de profissionais que, ao mesmo
tempo, vivem o dilema e a contradição de se constituírem sob uma
mesma hierarquia norteadora de suas práticas e experiências, mas são
37
de um tipo especial, considerando a especificidade do trabalho
docente, trabalho intelectual, que requer autonomia de pensamento
para nortear essas mesmas práticas e experiências.
Assim, para Thompson (1992, p.17):
[...] a história oral pode dar grande contribuição para o resgate
da memória nacional, mostrando-se um método bastante
promissor para a realização de pesquisa em diferentes áreas. É
preciso preservar a memória física e espacial, como também
descobrir e valorizar a memória d[as pessoas]. A memória de um
pode ser a memória de muitos, possibilitando a evidência dos
fatos coletivos.
É possível afirmar que essa perspectiva teórica permite a
compreensão de diferentes olhares, sensações e opiniões de pessoas de
uma comunidade e sobre o mesmo assunto, como também distintas
formas de lidar com a questão/tema da pesquisa desenvolvida, as
mulheres na docência, sendo a comunidade escolar um ambiente de
multiplicidade de saberes e vivências, porém que exige um
alinhamento de ideias, presumivelmente, representativas do coletivo,
considerando sua constituição social, cultural e política. Para
Halbwachs (2004, p. 85), “[...] toda memória é coletiva, e como tal,
ela constitui um elemento essencial da identidade, da percepção de si
e dos outros.
A história não pode ser definida como um rio em tempos de
seca, não é rasa, mas pelo contrário, se constrói em sua profundidade
e, quanto mais fundo penetramos nela, maiores e mais detalhadas
serão as histórias que poderemos encontrar, analisando microscopi-
camente a composição da sociedade.
38
Para Freitas (2006, p. 69), o trabalho com história oral deve
enfatizar também as “[...] experiências e representações do indivíduo
inserido num contexto social [...]”:
Para alguns historiadores tradicionais, os depoimentos orais são
tidos como fontes subjetivas por nutrirem-se da memória
individual que, às vezes, pode ser falível e fantasiosa. No entanto,
em História Oral o entrevistado é considerado, ele próprio, um
agente histórico. Nesse sentido, é importante resgatar sua visão
acerca de sua própria experiência e dos acontecimentos sociais
dos quais participou. Por outro lado, a subjetividade está
presente em todas as fontes históricas, sejam elas orais, escritas
ou visuais. O que interessa em História Oral é saber por que o
entrevistado foi seletivo ou omisso, pois esta seletividade tem o
seu significado. (Freitas, 2006, p.67)
Na perspectiva de Thompson (2001), em A história vista de
baixo, projeta-se caminhar ao encontro da Nova História Cultural
(BURKE, 2005), enfatizando, como mencionado, o valor à vida do
cotidiano, colocando o foco na história integral, ressaltando as
subculturas, ou seja, como acontece a história de pessoas comuns. Da
mesma maneira, também Burke (2005) se remete aos estudos de
Caroline Bynum, a qual, inspirada em obras feministas escreveu sobre
as diferenças entre os discursos masculinos e femininos, sobretudo os
de caráter masculino prescritivo, com atenção às vozes que por muito
tempo não teriam sido ouvidas, representadas, predominantemente,
pelas vozes femininas. Burke (2005) disserta sobre a necessidade de
distinção das visões masculinas e visões femininas e afirma que[...]
visões femininas eram o tempo todo encenadas na vida cotidiana, no
processo de construção do gênero. [...]” (Burke, 2005, p. 108). Daí a
opção para a constituição do grupo de participantes da pesquisa
restrita às mulheres na docência e às representações dessas mulheres
39
sobre o cotidiano, no qual estiveram inseridas, portanto, pelas suas
representações culturais resultantes das situações a elas impostas,
socialmente.
Segundo Chartier (1988), as vivências e ou experiências
pessoais, sobretudo às vistas de baixo, podem ser tomadas como uma
representação edificada culturalmente (Chartier, 1988) e, no caso de
mulheres, por vezes, com a ausência da representatividade política, no
conjunto das lutas presentes na sociedade. Conforme Sá (2011, p.
38), “[...] o importante é não só analisar o conteúdo, mas também o
emissor e o destinatário da mensagem cultural [...]”, entrecruzando
com dados e informações de um conjunto documental, correlacio-
nando-os às histórias de vida, entrecruzamento necessário para se
compreender “[...] a naturalização de situações opressivas cotidianas.
[...]” (Chartier, 1988, p.146).
Daí que, à luz da bibliografia especializada sobre os vários
aspectos que tocam a temática da pesquisa, os quais explicitei nestas
linhas, foram realizadas as análises dos dados e informações coletadas
por meio dos relatos das participantes da pesquisa, e, para o alcance
de cada um dos objetivos específicos delineados, elaborei os demais
capítulos deste livro.
40
41
CAPÍTULO 01
OS INCIOS DO SURGIMENTO DE UMA
“SUBCULTURA” FEMININA
Neste capítulo são apresentados os movimentos
metodológicos para a elaboração da repartição cultural, a partir da
coleta dos relatos orais das professoras participantes da minha
pesquisa, além de questões abrangentes dos indícios do surgimento de
uma subcultura, à luz da categoria “bourdiana”.
A escolha dessas participantes da pesquisa, mulheres docentes,
foi realizada da seguinte forma: professoras, sobretudo do magistério
público, do Estado de São Paulo, aposentadas, que exerceram a
docência no recorte temporal delimitado em 1938 à 1985,
respectivamente, data mais antiga e menos antiga de ingresso no
magistério, dentre as datas de ingresso das professoras participantes.
Cabe destacar que tal escolha aconteceu com o auxílio de uma
cadeia de informantes”, a partir de um método de escolha nominado
bola de neve (Vinuto, 2014, p. 203). “[...] O tipo de amostragem
nomeado como bola de neve é uma forma de amostra não
probabilística, que utiliza cadeias de referência [...]”. Assim, a partir
de indicações pelas próprias professoras primeiramente encontradas e
dispostas a participarem da pesquisa, reuni as seguintes professoras:
42
Quadro 1 Professoras, participantes da pesquisa
7
B: 55 anos Professora aposentada da rede pública estadual do interior
paulista 1ª geração
E: 60 anos Professora aposentada da rede pública estadual do interior
paulista 1ª geração
V: 76 anos Professora aposentada da rede pública estadual do interior
paulista 2ª geração
R: 90 anos Professora aposentada da rede pública municipal do interior
paulista 3ª geração
M: 92 anos Professora aposentada da rede pública estadual do interior
paulista 3ª geração
S: 99 anos Professora aposentada da rede pública estadual do interior
paulista 3ª geração
Fonte: Elaboração da autora
8
.
Segundo Meihy (2000, p. 25), história oral é: “[...] um
recurso moderno usado para a elaboração de documentos,
arquivamento e estudos referentes à experiência social de pessoas e de
grupo. Ela é sempre uma história do tempo presente e também
reconhecida como história viva.”
As histórias das pessoas ganham espaço, dependendo de onde
são reveladas, pois o que há em comum aproxima o grupo que dela se
apropria. Em decorrência do crescimento de trabalhos desenvolvidos
sobre história oral, os museus e arquivos têm sido alimentados,
7
A fim de ser preservado o anonimato, os nomes das professoras foram identificados pelas
suas iniciais.
8
Os relatos das professoras denominadas S e M serão resumidos nesta obra em respeito à
normativa da Comissão de Publicação sob orientação do Escritório de Pesquisa. Caso tenha
interesse em consultar os relatos na íntegra, consulte a referência: SOUZA, A. L. B. R. de.
Professoras de gerações distintas (1938-1985), frente às representações impostas sobre
mulheres na docência: uma análise histórica. 2021. Dissertação (Mestrado em Educação)
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Marília, 2021. Disponível em:
https://repositorio.unesp.br/handle/11449/204332
43
portanto, é necessário pensar sobre a valorização no sentido mais
amplo da palavra, considerando que “[...] documentação oral é mais
que história oral, é todo e qualquer recurso que guarda vestígio de
manifestações de oralidade [...]” (Meihy, 2000, p.12).
Existem três modalidades de história oral, a de vida, temática,
a tradição oral, além de existir basicamente três tempos nas narrativas
de história oral. Em nossa pesquisa, tratar-se-á da história oral
temática.
Dos tempos nas narrativas da história oral, temos o primeiro,
chamado de “tempo antigo”, quando as narrativas fogem da linha do
tempo; o segundo chamado de “tempo das mudanças essenciais”, são
assim chamados, pois é o momento dos acontecimentos
determinantes e centrais; e, o terceiro momento, porém não menos
importante é o “tempo da narração”, o instante que ocorre o
depoimento do entrevistado. Desses tempos, a pesquisa se valerá do
segundo chamado de “tempo das mudanças essenciais” ou
permanências sobre o tema central da pesquisa. É também conhecido
como “tempo dos acontecidos”, fatos concretos da vida das pessoas.
Os relatos orais, de onde serão identificados os dados e
informações necessários para a análise, foram coletados por meio de
entrevistas do tipo semi-estruturada.
Particularmente com relação à entrevista do tipo semi-
estruturada, ressalta-se o fato de ela constituir-se em um instrumento
que possibilita a obtenção dos dados e informações em maior
profundidade e abrangência, diferentemente da estruturada com
questões mais fechadas.
A primeira etapa desse tipo de entrevista é a sua preparação
que se compõe de: elaboração dos roteiros da entrevista semi-
estruturada; pré-teste (com outras professoras que cumpriram os
critérios de escolha das participantes); preparação e obtenção da carta
44
de cessão de direitos sobre a gravação dos depoimentos; elaboração do
aparelho eletrônico de gravação.
Nessa etapa, cabe enfatizar a importância da relação de
confiança que a pesquisadora-entrevistadora a ser estabelecida com as
entrevistadas.
Segundo Zago (2003), sem ser instaurada uma situação de
interação entre entrevistadoras e entrevistadas, corre-se o risco de não
atingir os objetivos projetados.
Trat a-se, ainda, de reafirmar as vantagens da utilização de
aparelhos que gravam as entrevistas, pois, tais instrumentos
proporcionam, conforme Zago (2003) que as entrevistadoras fiquem
mais livres para a condução das questões, favorecendo, assim, a relação
de interlocução e o avanço nas problematizações. Além disso, na etapa
posterior a de coleta de dados e informações, que é a da transcrição
“ipsis litteris, tais instrumentos permitem o reexame do conteúdo das
entrevistas, por várias vezes e de maneira minuciosa. A etapa posterior
foi a de coleta de dados e informações mediante a aplicação das
entrevistas semi-estruturadas. Após, foi realizada a fase das
transcrições “ipsis litterisdesses dados e informações. Cabe ressaltar
que, nesse trabalho de transcrição, a preocupação foi a de efetuar a
passagem do estágio oral para o escrito, o mais fielmente possível,
visto que nessa fase importou dar visibilidade às peculiaridades de
cada entrevista e entrevistada. Entretanto, conforme Meihy (2000, p.
89), é certo que, mesmo com todos os esforços empreendidos, a
transcrição de palavra por palavra, como a que será buscada, não
corresponderia à realidade da narrativa, pois, infelizmente, “[...] uma
gravação não abriga lágrimas, pausas significativas, gestos, o contexto
do ambiente [...]. Além do mais, há as entonações e as palavras de
duplo sentido.” (MEIHY, 2000, p. 89). Após essa fase de transcrição
“ipsis litteris, considerada como a primeira transcrição, o texto,
45
contendo tal transcrição, foi enviado para as participantes
entrevistadas para conferência.
Então, foi solicitada a carta de cessão de direitos sobre esse
texto já conferido pelas entrevistadas e foi feita uma segunda
transcrição dos depoimentos, agora a definitiva.
O texto com essa transcrição definitiva constituiu uma
primeira “repartição cultural”, conforme De Certeau (1979), a qual
apresento a seguir.
1.1. Relatos orais de professoras (1938-1985):
uma repartão cultural
Fundamentada em De Certeau (1979), nomeei de “repartição
cultural”, o que corresponderia ao que ficou muito conhecido nas
pesquisas como “instrumento de pesquisa”.
Segundo Bellotto (1979, p. 1), os instrumentos de pesquisa
“[...] constituem-se em vias de acesso do historiador ao documento,
sendo a chave da utilização dos arquivos como fontes primárias da
História.” Segundo Grespan (2008, p. 51), tal trabalho é “[...]
fundamental à pesquisa, pois remetem o consulente, com maior ou
menor precisão, às fontes disponíveis.
Entretanto, para a pesquisa histórica, a definição do
historiador francês De Certeau (1979) avança em relação à definição
de Belotto (1979), da área da Arquivologia e, portanto, com objetivos
das arquivistas, à medida em que a ideia de “repartição cultural” está
associada ao ato de trabalhar com história de e com sujeitos e objetos,
o qual, a partir de um “lugar” de fala, modifica e rearranja tais sujeitos
ou objetos em busca de transformar o que estaria em um estado
primeiro (condição ou acervo) em acervo cultural.
46
Em história, tudo começa com o gesto de selecionar, de reunir,
de, dessa forma, transformar em “documentos determinados
objetos distribuídos de outra forma. Essa nova repartição cultural
é o primeiro trabalho. Na realidade ela consiste em produzir tais
documentos, pelo fato de recopiar, transcrever ou fotografar esses
objetos, mudando, ao mesmo tempo, seu lugar e seu estatuto.
Esse gesto consiste em “isolar” um corpo, como se faz em Física.
Forma a “coleção”. Faz com que as coisas sejam construídas em
sistema marginal”, como diz Jean Baudrillard; faz com que
sejam exilados da prática para estabelece-los como objetos
abstratos” de um saber. Longe de aceitar os “dados”, ele os
constituiu. O material é criado por ações combinadas que o
repartem [...] (De Certeau, 1995, p. 31-32).
De Certeau (1995) ressalta que essa “coleção” obteve, por
anos, a denominação de cópia, porém, em sua visão, a “coleção” seria
uma reformulação a partir do objeto ou situação estudada, a
possibilidade de estudos de várias histórias, a partir de lugares e
culturas diferentes.
Nessa perspectiva, ao encontro do quadro teórico-
metodológico da pesquisa, é pertinente referir à sistematização dos
relatos das professoras feitos para operar na pesquisa como uma
primeira “repartição cultural”, a qual foi possível constituir-se, de
acordo com todos os aspectos teórico-metodológicos e os objetivos da
pesquisa mencionados, em quadros intitulados a partir da reunião dos
vários excertos dos relatos de acordo em temáticas que esses excertos
pareceram sugerir. Assim, foi possível elaborar três quadros (Quadro
2, 3 e 4), com os seguintes eixos temáticos: 2º - “O lugar de onde eu
falo”: Percepções de branquitude como privilégio docente. 3º -
Mulheres professoras e os arquétipos maternais impostos socialmente:
vivências e as questões de gênero permeando os lugares e poderes em
nossa sociedade. 4º - Ser professora e suas motivações: privilégios de
47
classe, condições de trabalho e salários. Com esse material, constituí
o Apêndice A - Relatos das professoras participantes Primeira
repartição cultural” da pesquisa
9
.
A todo o trabalho de “repartição cultural”, precedeu a revisão
de literatura específica sobre a temática, tendo em vista a necessidade
de buscar estabelecer possíveis relações entre os aspectos da
investigação proposta e alguns dos estudos que, no conjunto, podem
ser tomados como representantes do conhecimento sistematizado
sobre o assunto em questão. Esse trabalho foi necessário reunir
estudos publicados no formato de artigo de periódicos, de
comunicações científicas, de dissertações, de teses e de livros. Tal
trabalho foi realizado junto ao site do Google Scholar
(http://scholar.google.com.br/), do Scielo (http://www.scielo.org/
php/index.php) e do banco de teses e dissertações Capes.
Ainda, como não haveria de ser diferente em uma investigação
científica, já que em tal revisão de literatura buscou-se conhecer e ou
revisitar a produção acadêmico-científica da área, situando a
investigação, nesse conjunto da produção sobre a temática.
Também, com esse trabalho que antecedeu àrepartição
cultural”, foi possível reunir a bibliografia especializada referente aos
vários aspectos que envolvem a temática e à luz da qual pude realizar
as análises desses aspectos identificados nos relatos e com os quais
elaborei, como mencionado, os quadros acima, mediante eixos
temáticos. Ao final da pesquisa e em texto final de dissertação, os
9
Referido apêndice pode ser consultado em: SOUZA, A. L. B. R. de. Professoras de
gerações distintas (1938-1985), frente às representações impostas sobre mulheres na
docência: uma análise histórica. 2021. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Marília, 2021. Disponível em:
https://repositorio.unesp.br/handle/11449/204332
48
quadros apresentados compuseram um apêndice da pesquisa
10
, e os
excertos dos relatos das participantes foram trazidos apenas nas
análises, no corpo deste livro.
Com cada um dos eixos temáticos que intitularam os quadros
com excertos dos relatos das participantes, elaborei os capítulos deste
livro.
1.2. O momento histórico vivido:
mulheres docentes (1938-1985)
As mulheres professoras escolhidas para relatar suas vivências
socioculturais no recorte temporal de 1938 1985, período em que
estas atuaram na docência, inicia-se no Brasil na denominada,
constitucionalmente, 2ª República, com a Constituição de 1934, e
finda-se na chamada 5ª República, período em que regia a
Constituição de 1967. No presente recorte temporal, essas professoras
vivenciaram diversos momentos históricos, entre idas e vindas, já que
a história não acontece de maneira linear, dialogando entre si,
demonstrando as lutas de mulheres presentes nas três gerações vividas
pelas participantes das entrevistas para a elaboração deste livro.
Anterior às vivências docentes demarcadas entre 1938-1985,
Teles (1993) salienta vidas de resistências de mulheres na 1ª República
(1889-1930), aportando nos diálogos geracionais e culturais de uma
sociedade que interessaram para a pesquisa que foi desenvolvida,
que Teles (1993) menciona professoras que corroboraram com
10
Referido apêndice pode ser consultado em: SOUZA, A. L. B. R. de. Professoras de
gerações distintas (1938-1985), frente às representações impostas sobre mulheres na
docência: uma análise histórica. 2021. Dissertação (Mestrado em Educação)
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Marília, 2021. Disponível em:
https://repositorio.unesp.br/handle/11449/204332
49
conquistas femininas, como a professora Deolinda Dalho, a qual
fundou o partido feminino republicano com a defesa específica de
“[...] que os cargos públicos fossem abertos a todos brasileiros sem a
distinção de sexo. Em 1917, no Rio, ela promoveu uma passeata com
quase 100 mulheres, pelo direito ao voto.(Teles, 1993, p.43).
Conforme Hilsdorf (2003), as transições republicanas no
Brasil se deram em coexistência conflituosa com o regime
monárquico, entre 1870 e 1920. Entre as transformações do período
respectivo, não ocorreram só novos ideais, mas a materialização desses
períodos na sociedade, afirmando interesses. Escolhas por imigrantes
em substituição ao trabalho escravo, culminando na marginalização
social, ainda maior, do povo negro à margem social, e os novos
pensamentos republicanos, a urbanização, as ideias de
descentralização do poder, levaram ao 15 de novembro para a
proclamação da República.
A educação foi de suma importância aos olhares republicanos,
sendo definida no texto de Hilsdorf (2003, p.60) como “Educação
pelo voto e pela escola”, ou seja, a educação seria o nascimento dos
cidadãos progressistas, os quais, alfabetizados poderiam exercer o
voto, ou seja, percebe-se a intencionalidade em instruir a população
até um nível, o da escrita e leitura do próprio nome e da contagem de
números, seguro aos detentores de poder, o que, infelizmente, ainda
que sob um currículo mais diversificado, acredito ocorrer até os
tempos atuais.
Portanto, escolas eram para os considerados cidadãos e
cidadãs, centralmente homens brancos e da elite. Com relação às
mulheres, era permitido instruir-se, porém, em acordo com a lei da
educação de 1827, com o acréscimo da matéria de prendas domésticas
e restritas aos saberes de ler, escrever e contar, além da diferenciação
de as mulheres serem ensinadas por mestras, as quais eram
50
consideradas auxiliares, inferiores aos professores, os quais detinham
a posição de funcionários públicos.
Com relação à educação feminina, é interessante ressaltar
Rangel Pestana (HILSDORF, 2003), bacharel em Direito, educador,
político e jornalista, que propôs uma escola popular para meninos e
meninas, com foco cientifico, sendo uma escola laica e gratuita que
funcionava nos períodos diurno e noturno, atendendo também as
pessoas que trabalhavam.
O paradoxo para com a educação feminina foram os avanços
e estagnações no mesmo espaço temporal para essa categoria, já que
no discurso republicano a educação feminina era considerada um
avanço para a modernização para a sociedade brasileira, incluindo
mais os conteúdos científicos nessa nova proposta de educação. Mas,
na prática, as mulheres continuavam a aprender na escola, danças e
bordados, caminhando para o “final felizesperado socialmente, o do
casamento.
Discussões para a promoção de alterações quanto à situação
feminina em nossa sociedade brasileira ocorreram no período de
transformação do sistema político Monarquia República, mas ainda
havia continuidades quanto às marginalizações dos grupos não tidos
como cidadãos como o dos negros e das mulheres, grupos desprovidos
de renda e do direito ao voto, os quais hoje, apesar de serem
assegurados pelas letras formais da Lei Máxima brasileira (CF/1988),
ainda lutam por suas dignidades e cidadania.
Teles (1993) também relembra Maria Lacerda de Moura, a
qual também já foi trazida às linhas dessa escrita, como uma
pensadora anarquista
11
sobre os estudos envolvidos de questões de
11
Hilsdorf (2003) ressalta que, para os anarquistas, os princípios básicos para uma educação
seriam a liberdade e solidariedade e ressalta que os libertários tinham uma relação com a
educação de formação humana e transformação social, não para o atendimento ao progresso
51
mulheres. Juntamente com Bertha Lutz, bióloga, com ideais afins,
“[...] fundaram no Rio de Janeiro a Liga para a Emancipação
Internacional da Mulher
12
, um grupo de estudos cuja a preocupação
principal era batalhar pela igualdade política das mulheres” (Teles,
1993, p. 44) e acrescenta que:
A década de 20 foi privilegiada no que diz respeito às lutas e
propostas de mudança. [...] Surge a Federação Brasileira pelo
progresso Feminino, que vai dar impulso à luta da mulher pela
conquista do voto. Organizada por Bertha Lutz, a federação
tinha por objetivo promover a educação da mulher e elevar o
nível de instrução feminina; proteger as mães e a infância; obter
garantias legislativas e práticas para o trabalho feminino; auxiliar
as boas iniciativas da mulher e orientá-la na escolha de uma
profissão; estimular o espírito de sociabilidade e cooperação entre
mulheres e interessa-las pelas questões sociais e de alcance
público; Assegurar a mulher direitos políticos e preparação para
o exercício inteligente desses direitos; estreitar os laços de
amizade com os demais países americanos. (Teles, 1993, p. 44).
Essas lutas deram base para que o direito ao voto viesse a
tornar realidade na década de 1930, com a Constituição de 1934 e
Teles (1993, p. 46), trazendo em suas linhas novas demandas como
questão do trabalho feminino e na proteção à maternidade e às
crianças” e, para tanto, a elaboração do Estatuto da Mulher por Bertha
Lutz.
Com a burguesia ganhando força capital, o início do trabalho
assalariado e a exploração da classe de operárias e operários, a maioria
entendido no capitalismo.
12
Apesar da união entre Bertha Lutz e Maria Lacerda de Moura para com objetivos pró-
mulheres, elas acabaram por se distanciar, já que Maria Lacerda de Moura pensava que havia
questões mais importantes para a vida das mulheres, que apenas o direito ao voto para apenas
uma parcela destas (Mourano, 2020).
52
de imigrantes, Teles (1993) ressalta a marginalização dos escravos que
foram libertos e as suas vidas impostas às condições de viventes às
margens sociais. Ainda, essa pesquisadora (Teles, 1993) ressalta a
presença de mulheres negras como chefas de família e as constantes
lutas enfrentadas por mulheres operárias: “Nessa época, a mulher
negra teve um papel preponderante ao garantir sozinha a
sobrevivência de sua família, quando apenas ela conseguia um serviço
remunerado.” (Teles, 1993, p. 41). A autora aduz que, nesse período,
algumas operárias denunciaram a exploração de seus patrões e pediam
a redução da jornada de trabalho para oito horas, em um manifesto
publicado no Jornal Anarquista Terra Livre: “A vitória dos homens foi
completa: oito horas, mulheres ficaram com nove horas e meia.
(Teles, 1993, p. 42).
Para Hirata e Zarifian (2009), refletindo a relação do trabalho
assalariado e trabalho em níveis escravagistas, comparando a chibata
com as “lentes” capitalistas, ou seja, o tempo trabalhado, o
desenvolvimento das trabalhadoras e trabalhadores e seus respectivos
produtos que são dos detentores de poder, a opressão teria sido
redobrada no meio social, sobretudo à luz das relações sociais entre
sexos. Mas, mulheres e homens e suas respectivas relações com o
trabalho assalariado resultaram em opressões. Porém, no caso das
mulheres, o tempo de trabalho redobrara, já que elas ainda possuem
o trabalho doméstico diário, com uma relação social dos sexos,
associado ao amor e afeto à família. Dessa forma, a busca pela ascensão
social das mulheres mediante o trabalho, ante ao sistema capitalista,
as oprimiu ainda mais e, no caso de mulheres professoras da Educação
sica, principalmente em níveis inicias, aumenta quando soma-se a
busca pela ascensão social, o salário com caracteres complementares e
as características de afeto e cuidado, delas esperados socialmente: “
Relega-se à esfera econômica e o trabalho assalariado ao seu triste
53
destino, enquanto se busca num hipotético espaço público o
engendramento da elevação moral.” (Hirata, Zarifian, 2009, p. 255).
Sendo assim, é possível desmistificar a cordialidade dos
homens para com as mulheres, pois, mesmo nas classes médias e altas,
mulheres eram manipuladas em todos os setores sociais.
Igualmente, as questões gênero perpassam as classes sociais,
logrando maior ou menor espaço de discussão e resistência de acordo
com o lugar ocupado e outros aspectos que envolvem raça/cor/etnia,
idade e tantas outras possíveis intersecções
13
.
Esse período foi de muita luta, com mulheres à frente, pelos
direitos iguais, cada uma dentro de suas possibilidades, e essas
professoras, participantes da pesquisa desenvolvida, são exemplos de
parte de construções históricas da luta das mulheres. Suas tentativas
de perseguirem seus sonhos, idas e vindas em suas escolhas,
continuaram a existir, mesmo após perdas ou barreiras superadas ou
não, por serem mulheres. A força das mulheres está na continuidade
de sua luta, dentro das possibilidades dadas, do cansaço, do consciente
e inconsciente em resistir.
Hilsdorf (2003) ressalta a ideia de reconstruir a nação nos
anos de 1930, o que ocasionou diversas mudanças também no campo
educacional, desmitificando a revolução de 1930 como um
movimento da burguesia industrial, mas sim, diversificado, com
13
Nessa análise envolvente de trabalho feminino e docência, é possibilitada o surgimento de
questões trazidas também por Carvalho (2020) que reflete o trabalho docente feminino,
principalmente nos anos iniciais da Educação Básica, envolvente de questões que abrangem
classe e branquitude, já que menciona mulheres brancas, de classe média a alta, com vida
doméstica, sendo um “divisor de águas” entre o que é público e o que é privado. Já, mulheres
negras, deixavam suas vidas domésticas para cuidar da vida doméstica de mulheres brancas e
de classes “superiores”. A autora (Idem, 2020), então, traz o questionamento sobre a
feminilidade, o afeto, o cuidado tradicionalmente esperado na docência em seus anos iniciais,
também, como uma relação para com mulheres brancas iniciando a profissão docente nos
primórdios da feminização do magisrio.
54
vários grupos e interesses diferentes envolvidos, como o movimento
operário, classes médias viventes nas cidades, elites civis e os chamados
velhos oligarcas. Reforça também as influências da igreja e dos
militares e em contraponto a aprovação da constituição de 1934,
abordando temas como família, cultura e educação, como resultado
desse movimento diverso, que atendeu interesses diversos.
A constituição de 1934 (Hilsdorf, 2003, p. 98) propôs “[...] a
descentralização das competências administrativas, percentual
mínimo de aplicação de verbas públicas do ensino como obrigatórias,
o ensino religioso católico facultativo, educação musical, moral e
cívica[...]”
O período vivido por essas mulheres docentes abarcou a Era
Vargas (1930-1945), a República Populista (1945 1964) e a
Ditadura (1964-1985)
14
. Podendo notar nas vozes das docentes, as
14
A escola, nesse período era compreendida pelo Estado como mecanismo de controle e
conformação, ou seja, seria a ação do Estado para controlar a sociedade com a inserção de
um conjunto de valores conservadores. Ocorrendo o golpe em 1937 com a Era Vargas até
1945; a reabertura política em 1946, com Dutra, Getúlio Vargas, novamente, Jucelino e
nio, ocorrendo novamente um golpe em 1964 pelos militares, com a reabertura política
com mais uma nova Constituição em 1988 (HILSDORF, 2003). Nesse recorte temporal,
uma crítica válida que é trazida ao texto de Hilsdorf (2003) coloca-se sobre a LDB de 1961,
ressaltando a ambiguidade, contendo as propostas de “currículos flexíveis e de mecanismos
democratizantes (Idem, 2003, p.111) e o conservadorismo presente nas escolas nos anos de
46 a 64. A autora (Idem, 2003) salienta que a atenção para com o povo que foi o sucesso
desse período. Sendo um período de percepção da necessidade de mobilização das massas,
apelos populares e sindicatos, e da forte industrialização e latifúndios, sendo a constituição
de 1946 com caráter também de apelo democrático, ocorreram reformas na educação com a
Lei de 1961 que podem ser consideradas também desqualificadoras de uma educação de
qualidade. Dentre as boas ações com esse movimento das massas, foi para com a educação
de adultos e o método de alfabetização de quarenta horas de Paulo Freire, os movimentos
culturais etc, porém, com um desmonte da organização institucional elaborada no Estado
Novo, questões como quantidade de alunos em salas de aulas, infraestrutura e aprovações
foram precarizadas. Por outro lado, com períodos noturnos de aula e outras proposições
podem ser entendidas como inclusivas. Nota-se um modelo populista desorganizado, com
55
diferentes presenças e ausências de percepções sobre as ocorrências
durante tais períodos ocorridos no Brasil.
Nascida na década de 1940, branca, heterossexual, casada,
professora classificada na 2º geração, 76 anos, mãe de uma filha e dois
filhos, V”, ressalta suas percepções:
Pesquisadora: Entendi. Sua mãe era dona de casa?
V: Minha mãe, não. A minha mãe se viu viúva com quatro filhas,
o meu pai trabalhava na MOB de Bauru, noroeste do Brasil. Ele
era chefe de capítulo, então, ele tinha uma formação. Nas horas
vagas ele era locutor de rádio, tinha uma voz lindíssima! E minha
mãe nunca precisou trabalhar. Mas aí, quando ela se viu viúva e
sem uma formação... Porque nunca imaginava... Porque meu pai
tinha uma vida assim: foi criado muito bem, eles tinham o
cinema local, o hotel... Então minha mãe, entre aspas, casou-se
muito bem com meu pai. E meu pai era um homem lindo,
inteligente... Mas aí ela se viu “E agora, não tenho formação...”.
Pesquisadora: Sim.
V: A pensão que foi deixada para minha mãe... Foi preciso entrar
o... Como é que ele chama? Minha mãe chama o Getúlio Vargas
que era ditador, até! De pai dos pobres. Porque ele ajudou, na
época, as pensionistas! Porque elas tinham um salário, na época,
que mal dava para comprar o leite das crianças e aí foi feito um
movimento e elas ganharam e ele ajudou as pensionistas, no caso
a minha mãe.
Ocorre que a Era Vargas não trouxe apenas avanços, mas
retrocessos nas mentalidades do povo brasileiro, conforme Hilsdorf
(2003), com o intuito de controle social pela escola e com a imposição
de ideias de família tradicional e mulheres como tendo seus lugares
tentativas de resoluções de problemas sociais que demandam tempo para se teoriza-los, assim
como para com a execução (HILSDORF, 2003).
56
como mães e nos lares. O reforço do nacionalismo trouxe a criação de
órgãos federais como o Ministério da Saúde e Educação e o Conselho
Nacional de Educação. Porém, com relação à escola, percebe-se que
se distanciava de um processo de formação e se aproximava de um
instrumento de construir pessoas submissas e obedientes ao Estado,
sem vontade própria, “tudo pela nação”. Os pobres teriam escolas
voltadas à mão de obra barata, o ensino técnico e às elites para com
escolas formais, com conteúdos favoráveis e a altura de pessoas
propensas a cursarem uma faculdade no futuro.
E essa mentalidade de aprendizado como algo transmitido
pela docente e recebido pela aluna sem questionamentos, de forma
silenciosa e submissa, pode ser notada durante a entrevista com “R”
que é filha de imigrantes Sírios, refugiados de guerra que vieram para
o Brasil recomeçar a vida, assim como iniciou o exercício da docência
ainda sem diploma, com apenas 16 anos de idade, em 1946, na cidade
de Avencas, interior de São Paulo:
Pesquisadora: E... Sabe o que eu queria saber, a senhora deu aula
na época da ditadura, né. Como que era...?
R: Não, nessa época eu dei aula! Na década de 60, eu dava aula
no Bezerra de Menezes. Sabe como? Naquela época os alunos
eram disciplinados, não se ouvia um barulho e eles estavam ali
para aprender mesmo, era a coisa mais gostosa que tinha era dar
aula, porque os alunos queriam aprender. O diretor do segundo
grupo... Até a dona Emérita acho que deu aula lá, hen... Não, a
dona Marinha.
Sobre o ideário de aprendizado baseado na reprodução de
professora-aluna, em disciplina corporal, sem a dialética, conforme
trazido no relato de “R”, Saviani (2013) justifica, mencionando a
articulação de um regime ditatorial que teria ocorrido também na
Educação, ajustando-a ao modelo rígido, assim como aos “reclamos
57
postos pelo modelo econômico do capitalismo
15
de mercado [...]”
(SAVIANI, 2013, p. 364).
Teles (1993, p. 47) traz em suas linhas, o nascimento da
“União Feminina [...] sob direção dos comunistas com o objetivo de
derrubar o governo Vargas e implantar um governo popular. Suas
adeptas eram principalmente intelectuais e operárias, em 1934, e
também no golpe e implantação da ditadura no Brasil em 1937 por
Getúlio Vargas. Sobretudo, salienta a colaboração de muitas mulheres
em todos esses movimentos políticos e socioculturais, e demonstra a
lentidão com que se deram as modificações de regulamentações
legislativas para com as mulheres,
Enquanto a constituição de 1934 não admitia a discriminação
por sexo, a de 1946 não tratou da questão. Mas condenou o
preconceito racial. Grande polêmica foi travada em torno da
definição do casamento como monogâmico e indissolúvel, para
evitar qualquer possibilidade posterior de liberar o divórcio.
Completada a legislação reacionária, não foram reconhecidos os
direitos do filho adulterino. Não concederam ao analfabeto o
direito de voto, o que excluiu do direito de escolher os
governantes, e, mais ainda, de serem eleitas, mais de 10 milhões
de mulheres, que eram analfabetas (TELES, 1993, p. 48-49)
15
A precariedade do trabalho docente também relaciona-se ao capitalismo que não valora
professoras em todo o tempo de labor, já que estas trabalham para além das horas/aula,
preparando atividades, refletindo e compreendendo cada dificuldade encontrada por suas
alunas. Sendo assim, a relação de cuidar e afeto trazidos da vida doméstica para os anos
iniciais da Educação Básica, e, com o trabalho da escola em um mundo capitalista colabora
para com a desvalorização do trabalho docente, conforme Carvalho (2020), a qual menciona
um estudo feito por Pereira (CARVALHO apud PEREIRA, 1969) em que mulheres
comparavam a escola como um segundo lar, sendo o cuidado e o afeto entendido por elas
como naturais de seu sexo. E a autora (Idem, 2020) ressalta que em 1999 encontrou essas
mesmas características nas falas de professoras que entrevistou.
58
Nos anos de 1940, mais especificamente em 1947 cria-se a
“Federação das Mulheres do Brasil (FMB), cuja a primeira presidente
foi Alice Tibiriçá. [...] A FMB se propunha impulsionar a ação das
mulheres e debater questões de seu interesse, seus direitos, a proteção
à infância e a paz mundial (TELES, 1993, p. 49).
Nos anos de 1950 e 1960, a luta continuou:
[...] tendo até mesmo se realizado em 1954 uma conferência
sobre os direitos da mulher na América Latina. Temos que
lembrar mulheres como Angelina Gonçalves, operária comunista
assassinada no 1º de maio de 1950, no Rio Grande do Sul, e
Zélia Magalhães, também comunista, assassinada no Rio de
Janeiro em 1949, em um comício contra a Lei de segurança
nacional. As mulheres trabalhadoras reivindicavam a extensão
dos direitos trabalhistas às mulheres do campo, organizavam
campanhas pela sindicalização da mulher e para que elas
participassem também nas direções dos sindicatos. Em 1963
realizou-se o Encontro Nacional da Mulher trabalhadora. Foi
defendido salário igual para trabalho igual e seu temário tratava
entre outras coisas, da aplicação efetiva das leis sociais e
trabalhistas a favor da mulher. Quanto aos problemas mais
específicos, lutava-se contra a discriminações da mulher no
Código civil., propondo-se então a anulação dos artigos
discriminatórios à mulher casada. (TELES, 1993, p. 51)
“Com o Golpe de 1964 essas associações femininas
praticamente desapareceram, voltando a tomar impulso a partir de
1975, com o ano internacional da mulher.” (TELES, 1993, p. 51).
Teles (1993) relata esse período como extenuo às mulheres, as quais
continuaram dispostas à dupla jornadas de trabalho, sem direitos, e,
caso engravidassem seriam demitidas e se já estivessem grávidas não
seriam contratadas, não possuindo saídas às mães que necessitavam
59
trabalhar e deixar seus filhos para irem em busca de empregos e
sobrevivência:
Conciliar o papel de trabalhadora fora de casa com a maternidade
torna-se um verdadeiro malabarismo. Para começar o
empresariado não admite mulher grávida. Se engravida já
trabalhando, ou é demitida, ou quando tiver o filho não terá
onde deixa-lo. (...) com o desenvolvimento industrial e
tecnológico, e a ampliação do mercado de trabalho, é normal o
ingresso massivo das mulheres nas escolas, igualando-se aos
homens sem, contudo, serem favorecidas profissionalmente. A
maioria delas é incorporada nas carreiras ditas femininas.
Quando passam a ocupar espaços anteriormente reservados aos
homens, ocorre um acentuado rebaixamento de salários para
ambos os sexos. Assim estão as mulheres no período considerado
o “auge do milagre econômico”. O Brasil sagrava-se tricampeão
mundial no futebol em 1970, enquanto a classe média exibia em
seus carros os adesivos “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Mas a
insatisfação popular podia ser medida pelos votos nulos ou em
branco. (TELES, 1993, p. 58-59).
E essa insatisfação para com a vida e suas relações, sejam
econômicas, sociais ou culturais, podem ser notadas nas falas das
professoras que foram classificadas como da primeira geração dessa
pesquisa, “E” e “B”, iniciando seus respectivos exercícios docentes na
década de 1980, o que possibilita ver os entraves às suas formações
como pessoas com o silenciamento e a restrição dada especialmente
às mulheres, não apenas como professoras, mas no decorrer da vida
desde pequenas como estudantes, como ressalta B e E,
respectivamente:
60
B.: Não. Nenhum prestígio. Tanto é assim, que os cursos de
especializações, depois de muitos anos que nós fizemos a
especialização, psicopedagogia, aí que nós fomos percebendo a
necessidade de tá... porque ninguém chegava... Não era como
hoje que tem os cursos online, que ia na escola, se falava, era
divulgado. Não, antigamente não. Antigamente ninguém pedia
nada, ninguém falava pra gente fazer nada, ninguém incentivava,
ninguém mostrava.
Pesquisadora: E para as crianças vocês ensinavam questão de
sexualidade, menstruação... Nada né?
B.: Não, não podia falar...
Pesquisadora: Ainda mais nessa época... Por que era a época da
ditadura né? 64, quando você nasceu, vinte e poucos anos para
frenteo é muito...
B.: Sim. Sim. 64, quando eu nasci, sim. Mas assim, não. A
minha época de escola era uma época, assim, muito fechada, né,
onde a gente não tinha liberdade de falar nada. Ninguém abria a
boca.
Pesquisadora: Você já sabia o que você queria...?
E.: Já sabia... que eu queria fazer faculdade, não sabia o quê né...
Pesquisadora: Ah tá...
E.: A minha mãe falou assim né: Bom, faz o colégio, né, continua
na escola pública, você não precisa trabalhar, depois da faculdade
você vê... Eu falei: Não! Eu vou estudar, me preparo três anos, e
começo a trabalhar... Assim fiz... Fiz os três anos de
administração... Eu não gostei da parte... Já não gostava muito
de matemática.... Aí com administração de empresa, calculo,
gráfico, estatística, aquela “coisarada”... não é isso que eu quero...
Eu sempre gostei de ciências, no ensino médio eu continuei
gostando de ciências, aí eu falei: Bom, vou pra ciências, vou pra
biologia. Porque, ali a faculdade que tem é muito antiga... a
faculdade de filosofia hoje não é mais esse nome, mas é Faculdade
De Filosofia, Ciências e Letras Nossa Senhora do Patrocínio...
Filosofia tinha sido suspendida por causa que vivíamos uma
ditadura militar, que era um ensino que eu já não tive no médio,
61
justamente porque já tinha sido suspenso... E história passou pra
quê? Organização social e política, que ficou ciências sociais. [...]
A gente cresce numa ditadura militar. Tudo cerceado, muito
velado.
E.: Venho de uma escola pública, desde o primário, que naquela
época era primário, de primeira à quarta série, e escolas públicas
totalmente diferenciadas da que são hoje... Por que?... Vivemos
em plena ditadura militar, então eu tive aulas de educação moral
e cívica, organização social e política, a disciplina era uma coisa
muito rígida.... aquela coisa que formar uma fila pra entrar pra
sala de aula...
E.: Eu tive uma educação... artes, eu tive artes... Eu aprendi
bordar...
Pesquisadora: Ah, na artes aprendeu a bordar...
E.: ... eu aprendi a tricotar, e aprendi como uma professora
mais emancipada, que hoje é oitava série... nem é oitava série, é
nono ano, agora... Hoje é oitava série, naquela época, eu aprendi
a fazer trabalho em palitos de madeira... Que eram coisas muito
mais interessantes, que os meninos tinham as artes. Eles faziam
artes com bambu, com palitos de sorvete, e nós ali naquele...
Pesquisadora: Tricotando...
E.: Tricotando...
Nos relatos trazidos às professoras, podemos notar, como a
sociedade caminha em idas e vindas em relação às conquistas sociais,
assim como se percebe nas vidas dessas mulheres, o efeito de
condições imperiais, impostas às mulheres viventes daquele período,
com as quais, as mulheres entrevistadas (1938-1985) vivenciaram. A
castração à inteligência das mulheres para além-lar, o silenciamento
de suas vozes, e até as escolhas de suas profissões dialogam com a
história de resistência e luta de mulheres que as antecederam. Dessa
forma, apresento no próximo subtítulo, as representações culturais
dessas mulheres professoras, a partir de suas vozes, na escola brasileira
do interior paulista.
62
1.3. Movimentos de resistências na docência feminina:
indícios de uma subcultura
Neste subtítulo apresento resultados de uma discussão sobre
o movimento de resistências das mulheres entrevistadas no campo
docente, consciente ou inconscientemente, e essa movimentação
remete à categoria bourdiana “estratégia”, sendo utilizado o quadro 4
denominado “Aspectos de uma revolução silenciosa das mulheres:
privilégios de classe, condições de trabalho e salários”.
Frisa-se o conhecimento e concordância com as enfáticas
críticas feministas francesas contrárias, principalmente com relação a
obra Dominação masculina de Bourdieu (2002), o qual não fez
menção à tantas obras já existentes, escritas e pensadas por mulheres
na mesma temática.
Porém, enfatizo o encontro oportuno nas linhas de Bourdieu
(2002) a reflexão sobre relações entre os sexos e a sociedade, com
relação às estratégias aderidas para as construções e movimentações
dos corpos sexuados sócio-culturalmente. Também é importante
ressaltar que dialogaremos Bourdieu com Foucault estritamente no
que concerne a esse ponto em comum com relação a estratégia, pois
há o vislumbre dos distanciamentos entre os dois autores.
Segundo Garcia (1995, p.80), “[...] em tempos nos quais as
opções de profissionalização para as mulheres eram restritas, parece
que o investimento escolar consistiu na estratégia por excelência de
realização dos seus desejos e conquista de uma determinada posição
social [...]”.
Conforme a autora (GARCIA, 1995, p. 80):
[...] lembrando Bourdieu (1983 b), que as “escolhas profissionais
ou em termos de formação profissional [...] constituíram antes
estratégias de investimento em campo profissional onde as
63
possibilidades de obtenção de vantagens e lucros simbólicos eram
maiores do que em outros campos, em virtude de um habitus
constituído, sobretudo pela condição sexual e formação escolar e
profissional. Utiliza-se aqui o conceito de estratégias com o
sentido que lhe é atribuído por Bourdieu (1983b. 1990ª) e
estreitamente ligado ao conceito de campo. As estratégias são
estendidas pelo autor como ações inteligíveis, mas não
necessariamente inteligentes ou resultantes de um “calculo”
racional e “cínico” que orientam as “escolhas” e os “interesses dos
agentes em função de um habitus adquirido e das possibilidades
que um determinado campo oferece para a obtenção e
maximização dos lucros específicos em jogo no campo em
questão [...]
Assim, em se tratando da aparente hegemonia no campo
docente na Educação Básica das mulheres professoras, é possível se
pen-la como indícios de uma suposta dominação da cultura pela
subcultura, abordando a escola como um espaço social, onde todos
aprendem, com apropriações culturais a partir das subjetividades dos
indivíduos.
As mulheres foram obrigadas a reagir a imposições
masculinas, caminhando nos cotidianos do exercício dos poderes
(FOUCAULT, 1982), criando assim, suas próprias culturas.
Dessa forma, exercitando os poderes em suas relações
cotidianas (FOUCAULT, 1982), com suas representações culturais,
reagem até hoje às imposições coloniais do patriarcado.
Sendo a Educação uma incisiva forma de luta pela igualdade
(MARINI, 1991), a iniciação do professorado de categoria feminina
foi uma forma de resistência das mulheres docentes, umaestratégia”,
com a possibilidade de dar libertação à sua cultura feminina,
posicionando-se como docente transmissora de conhecimentos e
cultura. A sala de aula possibilitou sua ascensão, mas também, mas
64
contribuiu com um discurso de desvalorização de uma carreira por ser
de maioria feminina, presença do poder no plano micro. Como
afirma Foucault (1982, p. 83), nada é mais material, nada é mais
físico, mais corporal que o exercício do poder [...]”.
Segundo Marini (1991, p. 351):
A partir dos anos cinquenta, cada vez mais mulheres se
confrontam com o preconceito da inferioridade do sexo que
pensavam ter finalmente vencido, graça/cor/etnias aos seus
estudos. O paradoxo não está, pois, do lado delas, mas na
situação que lhes é criada. Não teria a discriminação
simplesmente se deslocado?
O ser mulher sobrepõe ao lugar social ocupado, já que,
independentemente da posição social, estando em lócus laboral ou nos
lares, as mulheres sempre serão mulheres. A tendência é a de que
perpetue esse processo em curso de construção histórica relativa ao
sexo feminino, alinhando-se no que condiz às resistências
(FOUCAULT, 1982, p. 135):
Para resistir, é preciso que a resistência seja como o poder. Tão
inventiva, tão móvel, tão produtiva quanto ele. Que, como ele,
venha de "baixo" e se distribua estrategicamente” [...] há uma
possibilidade de resistência. Jamais somos aprisionados pelo
poder: podemos sempre modificar sua dominação em condições
determinadas e segundo uma estratégia precisa.” (FOUCAULT,
1982, p. 135).
Bourdieu (2002) ressalta o mundo social e suas divisões pelo
sexo, arbitrárias, e que produzem efeitos simbólicos de legitimações
sociais conscientes e inconscientes, o que vai se “naturalizando” com
o passar do tempo, referidas divisões. Mas, também, frisa que sempre
65
onde há essa dominação simbólica, a resistência é factual. Refere-se
aos órgãos sexuais dos homens e mulheres, em contexto
exemplificativo como cheio e vazio, respectivamente. Ou seja, faz
menção a ereção masculina, quando o órgão dobra de tamanho,
mostrando força e poder, assim como, as hipóteses ditas sobre as
mulheres possuir um “pênis invertido”, trabalhando o interno e
externo como possibilidades dessa simbologia de poder. Dessa forma,
sendo o feminino o interno, carregando corporalmente suas
características de submissão.
Bourdieu (2002) traz o exemplo das mulheres e suas vaginas,
assim como, os tabus envolvidos socialmente. No campo social, os
órgãos genitais femininos são reduzidos a objetos internos, menores,
de submissão, diferentemente dos homens, os quais simbolicamente
têm em seus falos, suas “potências”. Bourdieu (2002) comenta a
objetificação da vagina que se dá nos modos de vestimentas indicados
como mais ou menos vulgares para as mulheres, exemplificando com
as saias de cintura alta e os modos de sentar. Caminhando para além
desse pesquisador (BOURDIEU, 2002), pode-se refletir sobre a
aversão social, tanto masculina, quanto feminina, com relação aos
cheiros naturais e menstruação que ocorrem socioculturalmente para
com os órgãos genitais femininos, o que possibilita a reflexão das
opressões diárias vividas por mulheres, pelo fato de serem mulheres
em uma sociedade que impulsiona o sexo masculino como maior.
Dessa forma, a construção social arbitrária do sexo biológico
culmina nas representações socioculturais corporais, dando vida aos
dominadores, às submissões e insubmissões (BOURDIEU, 2002),
com o entendimento de que é a relação dada simbolicamente pela
sociedade ao corpo e não o corpo inicialmente para todo o
desdobramento das diferenciações sexuais, as quais refletem em todos
os aspectos socioculturais nas vidas das pessoas, inclusive na divisão
66
sexual do trabalho, com relação às mulheres professoras, em questão.
“Essas maneiras de usar o corpo, profundamente associadas à atitude
moral e à contenção que convêm às mulheres, continuam a lhes ser
impostas, como que à sua revelia, mesmo quando deixaram de lhes
ser impostas pela roupa.” (BOURDIEU, 2002, p. 31). Ou seja, as
imposições sociais aos sexos impregnam nos corpos, conforme
Bourdieu (2002), as estratégias simbólicas usadas pelas mulheres para
com a dominação masculina, ainda às mantém em dominação, devido
aos fins buscados com os princípios voltados às visões androcêntricas
sociais, acabando por “confirmar” a inferioridade e submissão em ser
mulheres na sociedade.
Dessa forma, assim como o poder que é fortificado em um
corpo social”, reproduzido na sociedade e permeando as culturas e
subculturas, a resistência segue o mesmo fluxo, nascendo dos
cotidianos, como é possível observar nos relatos das professoras
participantes da pesquisa em andamento. Daí, a percepção das três
gerações, resistências conscientes e inconscientes em ser mulheres e
professoras.
Pesquisadora: Você gostava mesmo [...] é[...]
E: Da Biologia [...] é[...] laboratório, e comecei a me interessar
muito pela parte de vegetais... a botânica, ... gostava bastante...
Bom, aí fui aí nessa época eu estava namorando... é... não tem
como não falar do pessoal, porque o pessoal vai interferir em todo
o lado profissional[...]
E: Então [...] nessa época eu tava namorando.. não, eutava
noiva [...]
Pesquisadora: E você trabalhou de dia e estudou a noite?
E: A noite[...] É pesado [...]
Pesquisadora: É[...] É pesado [...]
E: Embora você seja jovem também extenua...
Pesquisadora: Nossa, é!
67
E.: Bom, e nessa época eu tava namorando, e aí depois acabei
vendo que não ia dar muito certo. Esse namoro já tinha cinco
anos [...] Falei: Não vai dar certo esse trem [...] Ele era muito
castrador, eu sempre fui muito livre. Eu sou de personalidade
livre [...]
Pesquisadora: E mesmo assim, durante a faculdade, você
conseguiu ficar com ele[...]
E: Eu consegui namorar [...] Dei umas ciscadas ali fora, mas eu
consegui [...]
Quando na epígrafe, E” salienta sobre as interferências das
vivências pessoais no âmbito profissional, demonstra a consciência da
relação de movimento subjetivo que parece ocorrer no campo social.
Ao assumir-se com personalidade livre, seu corpo, o que ela é
materialmente, a forma como foi criada, todo seu pensar crítico que
aborda liberdade, ou seja, suas resistências culturais, E dialogou
também em sala de aula com suas alunas.
De Certeau (1998, p. 258) salienta as vozes do corpo que
através de legendas e fantasmas, que continuam povoando a vida
cotidiana, por citações sonoras, mantém-se toda uma tradição do
corpo. Pode-se ouvir, mas não ver.” Sendo assim, fazendo alusão ao
corpo feminino e suas representações, nota-se os tabus, tradições e
costumes, outrora leis, se fazendo presentes na contemporaneidade,
no corpo das mulheres. De Certeau (1998, p. 233) afirma que as leis
e suas construções sociais são como “o sistema mecânico de uma
articulação social” e ressalta os elementos de implementação e fixação
de um discurso social, o qual se demonstra em carne, ou seja, nos
corpos, sob a égide de uma representação da sociedade; as repetidas
falas e costumes ganham forças legislativas em cada tempo e são
reproduzidas pelos corpos vivos, ante a imposição com o simbolismo
da força Legal. Tal processo proporciona a percepção de que esses
68
discursos sociais caminham por gerações em diferentes corpos,
demonstrando a força individual dos corpos, sobretudo às
resistências, não aceitando total e completamente o que é rígido,
ressaltando vozes que ganhando mais amplitude quanto mais se
permite ouvir.
As representações culturais se fazem presentes nos corpos e
vozes das mulheres, reagindo às imposições. Conforme De Certeau
(1998, p. 242), as experiências são diversas e não podem definir-se
apenas a grito de prazer ou de dor, [...] É escrita pelo sistema social”.
Por isso, seria necessário procurar, do lado dos gritos, aquilo
que não é ‘refeito’ pela ordem da instrumentalidade escriturística”.
16
As transformações e inércias com relação a padrões impostos
que se reproduzem de geração em geração, perpassam o meio social.
A propósito, Teles (2007, p. 88) afirma que “a idade média
caracterizou-se pela misoginia [...] prevalecia o poder de vida e morte
dos homens sobre as mulheres [...]”, e “a legislação medieval concebia
o casamento como um ato de compra [...] adultério feminino
16
Dessa forma, entendendo mulheres e suas relações de gênero em uma perspectiva de
construção cultural e, no Brasil, no qual foram impostas reproduções coloniais, podemos
relembrar Olympe de Gouges, europeia, lutadora pelos direitos das mulheres e seus
respectivos reconhecimentos como cidadã, em 1791, na França, com a proposta de uma
Declaração dos Direitos da Mulher e da cidadã com o intuito de igualdade para com a
declaração dos Direitos do Homem e do cidadão (1789), a qual não fazia sequer menção às
mulheres, culminou em sua morte, sendo guilhotinada em 1793 com o escopo de não
valorizar as virtudes de seu sexo feminino, sendo adjetivada como desnaturada, o que
demonstra, as reações quanto ao “corpo social” determinantemente masculino naquele
tempo e espaço, quanto ao lugar das mulheres do Norte no planeta, desde suas primeiras
lutas por reconhecimento como pessoa humana, sendo desvalorizadas e oprimidas para que
assim se estabelecessem nos comandos patriarcais. (USP, 2018) Disponível em:
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-
anteriores%C3%A0cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-
at%C3%A9 1919/declaracao-dos-direitos-da-mulher-e-da-cidada-1791.html.
69
condenado de maneira violenta”, sendo mencionada, também, a
ausência das capacidades políticas e jurídicas (TELES, 2007).
Isso porque, a cidadania cabia aos homens
17
, mulheres foram
usadas, humilhadas e construídas historicamente como objetos de
pouco valor, os quais podiam ser usados e jogados nas valas dos
cemitérios e para sempre silenciadas, quando não mais serviam para a
sociedade.
Dialogando com o contexto histórico em que mulheres do
Brasil foram submetidas, podemos notar na fala da professora
aposentada “R” um entendimento de valoração da profissão que
enxerga a submissão das alunas à figura docente de sua época como
um grande respeito de reconhecimento às docentes, assim como
elogios do Diretor de ensino e vontade dos pais em colocarem suas
filhas na turma em que “R” ministrava suas aulas, o amor e a visão
maternal docente está bem incrustrado em suas vivências:
R.: Eu fui dar aula e fui muito bem sucedida, fui muito bem
sucedida mesmo, eu me lembro como se fosse hoje, que saudade
daquela época, que saudade dos meus alunos. E era uma classe
que não podia matricular mais que quarenta, mas, minha classe
devido a promoção da minha classe, os pais só queriam por os
filhos na minha classe. Então eu tinha quarenta alunos
matriculados e doze alunos ouvintes, ao todo eram cinquenta e
dois alunos[...]
R: É... E ele escreveu no livro de ata, coisas maravilhosas! No
livro de ata! E escreveu, falou assim que minha classe era
classificada, ele deixava como classificada como classe modelo de
Marília! E esse livro de ata eu sinto até hoje porque logo que eu
17
Inclusive, é importante salientar que no Brasil, apenas em 1962, com a criação do Estatuto
da Mulher Casada (Lei n. 4.212/1962), mulheres que eram casadas não precisariam mais de
autorização do marido para com as atividades laborais fora do lar, em 1974 foi possível que
mulheres portassem cartões de crédito e a lei do divórcio só aconteceu em 1977. Disponível
em: https://nossacausa.com/conquistas-do-feminismo-no-brasil/
70
me casei, e a Marta Félis, você se lembra dela? Ela deu aula
naquela escola também... E escreveu uma cartinha para mim se
eu tinha ficado com o livro de ata e eu falei “Não, eu não fiquei”
e ela disse que era porque entrou ladrão na escolinha e carregou
tudo quanto é coisa e o livro de ata! E ele escreveu uma folha
enorme só falando bem e bem, bem [...]
R: É... Mas, viu, é uma mudança muito grande... Porque antes,
os alunos respeitavam o professor, o professor era o professor
mesmo! na classe! E hoje eu vejo que está tudo mudado e não é
a mesma coisa, então a gente tinha prazer em dar aula. O padre
ia na entrada da minha escola, era o padre Luciano. Ele ia na
escola para ver, porque eu cantava para as crianças... Eu cantava
aquela música “o peixe vivo” e ele adorava ver eu cantando para
as crianças! E foi minha vida, dei aula no Bezerra, em diversas
escolas públicas, sempre com muito amor, fazendo de tudo pelas
crianças, eu até inventava musiquinha para as crianças. Aí eu
comecei a compor!
Segundo Nóvoa (1991), o complexo processo da escola pode
ser compreendido nas movimentações das relações sociais, normas e
representações dos lugares sociais tomados em variados momentos.
Sendo assim, importa frisar a trajetória histórica que mulheres
caminharam com relação à docência, concernente as efetivações nos
cursos normais, assim como, questões relativas à aceitação de rendas
com caráter complementar, o que exemplifica a fala de “R, quando
não leva em consideração o fator remuneração, para serem bem
sucedidas em um emprego. Saffioti (2013) analisa a entrada de
mulheres no Ensino Superior em 1929 e 1930, mencionando a
concentração das mulheres em “certos ramos do ensino menos
valorizados socialmente” (Idem, 2013, p. 310) e exemplifica que, com
relação à profissão de farmacêutico, a entrada das mulheres teria sido
um dos motivos de sua decadência: “A maior concentração feminina
nesses ramos do ensino, notadamente no ramo farmacêutico,
71
encontra explicações no processo de desvalorização social.
(SAFFIOTI, 2013, p. 310). Dessa forma, algumas profissões,
conforme a análise da autora (SAFFIOTI, 2013), caíram em desvalor
devido a maior participação feminina, e ressalta que o maior número
feminino no ensino “foi do ensino profissional normal” (SAFFIOTI,
2013, p. 313). Tais reflexões permitem o surgimento de alguns
questionamentos, com relação a desvalorização da profissão docente
nos anos iniciais da Educação Básica. Já que as relações de gênero
envolvem toda a relação sociocultural entre os sexos, e a Educação
sica possuir em sua maioria a presença de mulheres, é possível
refletir e contextualizar sobre a Educação em seus anos iniciais da
infância, ser desvalorizada por nossos colonizadores europeus, e,
conforme Hilsdorf (2003) dada a inexistência de uma escola com foco
de ensino em ler, escrever e contar. Então, às mulheres foram as
responsáveis pela desvalorização da profissão docente em seus anos
iniciais da Educação Básica Brasileira ou a profissão docente primária,
já desvalorizada por nossos colonizadores, foi o único espaço
permitido às mulheres do Brasil? É uma questão que tangencia nossa
discussão.
Conforme Vianna (2011), a desvalorização salarial e
condições precárias laborais, não apenas na seara docente, mas em
tantas outras ocupações majoritariamente femininas, culminam em
situação de “desencanto” para as docentes.
Saffioti (2013) ressalta que a procura pelo curso Normal se
deu devido ao fato de existirem poucos cursos ginasiais e, além disso,
esses cursos eram mistos, ou seja, tanto para moças, quanto para
moços e, a tradicionalidade do momento, preocupada com a
reputação das jovens, levou-as, juntamente com suas mães e pais, a
procurar o curso normal:
72
[...] Com efeito, em 1964, as mulheres representavam 95,24%
dos alunos das escolas normais de todo país [...] a escola normal
uma instituição educacional destinada a qualificar força de
trabalho para uma profissão de base intelectual, o que assinalava
como canal de ascensão social, ela conferia também a seus alunos
uma cultura geral desvinculadas de preocupações utilitárias. Na
medida em que preenchia esta segunda função, a escola normal
era procurada por moças sem intenções de desempenhar as
atividades profissionais a que lhes daria direito o título de
normalistas e que a ela acorriam em busca de uma cultura geral
mais ou menos equivalente ao ensino secundário. (SAFFIOTI,
2013, p. 313-314).
Elias (1994) permite-nos o pensamento da plasticidade
estrutural que a sociedade está envolvida, sejam pelas suas estruturas
físicas ou psicológicas, desenhando o modo social de ação e omissão
pela história da humanidade, movimentação que se pode observar nas
trajetórias das mulheres professoras, participantes da pesquisa, e suas
representações nos determinados modelos sociais em seus respectivos
tempos, os quais refletiam e ainda refletem na forma escolar.
Vicent, Lahine e Thin (2001, p. 09) dissertaram sobre a forma
escolar, como sendo “a unidade de uma configuração histórica
particular, surgida em determinadas formações sociais, em outra
época, e ao mesmo tempo em que outras transformações [...]” É
possível afirmar que a escola e a sociedade, juntas, constituem o social,
portanto, sujeitos às transformações das representações impostas
socialmente.
Para Bourdieu (2002), essas imposições são reproduzidas
socialmente em âmbito histórico a partir de estruturas dominantes,
sendo representadas corporal e estruturadamente por homens, igreja,
família, Estado e escolas. Essas estruturas de poder possuem forças
invisíveis, ou seja, simbólicas e irão se sobrepor aos corpos sexuados.
73
Sendo assim, essas reproduções sociais, tornam-se, com efeito, um
conjunto de práticas, às quais podemos caracterizar em dialogo com
Burke (2005) como cultura. A cultura andocêntrica permeando todas
relações sociais e impregnando em seus corpos sexuados, assim,
movimentando resistências inerentes às subculturas.
Com efeito, conforme Saffioti (2013), mesmo em épocas de
ideais pré-republicanos, do Brasil, as mulheres eram impedidas
socialmente de cursar o ginásio, devido aos tabus da Coeducação entre
os sexos, assim como, os homens que cursavam, obtinham ao final do
curso, a titulação favorável à docência primária. Porém, devido a
maioria feminina entre as normalistas, o primário foi sendo
exclusivamente dominado por estas e abandonado pela maioria dos
homens, os quais, com o curso ginasial, poderiam caminhar para um
curso superior, o que só foi permitido às mulheres com o decreto-lei
n. 1.190 de 04 de abril de 1939, migrar para área de humanas com a
titulação de normalista, o que explica os reflexos temporais que
dialogam com a população brasileira até hoje, sobre grande maioria
feminina nos cursos de humanas, assim como à docência primária.
Referido decreto:
[...] dá a organização à faculdade Nacional de Filosofia, é
assegurado aos normalistas o direito de ingresso em alguns dos
cursos ministrados nessas faculdades: Pedagogia, Letras
Neolatinas, Letras Anglo-gêrmanicas, Letras clássicas, Geografia
e História. Até mesmo aos professores não portadores do
diploma da Escola Normal se estendia o direito. A Lei Orgânica
do Ensino Normal, dividindo esse curso em dois ciclos o curso
de regentes do ensino primário e o curso de formação de
professores primários apenas ratifica um direito já assegurado
aos normalistas pelo decreto Lei nº 1190. Para efeito de matrícula
nos cursos superiores, somente em 1953 seria atingida mais
ampla equivalência dos cursos de nível médio. Mas, então, já
74
estaria nitidamente traçada a tendência de impelir a mulher,
elemento predominante das escolas normais, à realização de
cursos superiores que a encaminhariam ao magistério nas escolas
de grau médio. (SAFFIOTI, 2013, p. 321-322).
A Lei Orgânica, seria a do Ensino Secundário decreto-Lei:
n. 4.244 de 09 de abril de 1942, mencionada às linhas de Saffioti
(2013), compreendendo-se como um retrocesso para com os direitos
à categoria feminina:
“[...] discriminou as mulheres e desferiu um golpe no processo
de aceitação social da coeducação em curso [...] sugere que a
educação da mulher se faça em classes especiais, isto é, em classes
exclusivamente femininas [...] evidenciando-se nas expressões
natureza da personalidade feminina” e a “missão da mulher no
lar”. A contradição reside no fato de que o curso secundário era
o único a permitir o ingresso direto nos cursos superiores. [...]
De outra parte, as normalistas, cuja a formação era
marcadamente profissional (embora, é verdade, um certo cunho
maternal encobrisse sob o rótulo da profissão) teriam que
aguardar alguns anos a fim de obterem todas as vantagens
conferidas pelo curso secundário no que tange ao ingresso aos
cursos superiores. (SAFFIOTI, 2013, p. 320-321).
Nas falas deM”, podemos notar o peso social carregado por
ser mulher, já que ela tinha o sonho de cursar Medicina, realizando o
colegial científico no Makenzie, mas desistiu, demonstrando em sua
fala a facilidade de aceitação, dada a não aprovação de seu pai naquele
caminho pouco percorrido por mulheres na época... Sendo assim,
concluiu o Normal, realizou um curso superior na área de humanas
e, com uma bolsa de Estudos, fez um intercâmbio na França, já que
seus pais possuíam instrução, o que possibilita refletir o caminho de
75
estudos de “M” com maior apoio do que de outras mulheres menos
favorecidas financeiramente.
O paradoxo de emancipação e barreiras impostos às mulheres
na docência são notados nas falas das professoras entrevistadas. S
vivenciou o desprestígio da docência, quando ressalta que atuou como
professora na roça e era maltratada, tendo que entrar pelos
fundos/cozinha da casa por ordem da dona do local. E a comida que
recebia da esposa do administrador da fazenda era leite.
S era uma jovem professora quando trabalhou em fazenda,
vivenciando uma desvalorização envolvendo questões de gênero,
sendo que, mesmo sendo mulher igualmente aS”, a dona da casa
grande a desvalorizava por sua classe laboral, até porque,
economicamente “S” e sua irmã “M não eram desqualificadas social-
mente, possuindo apoio familiar econômico, como podemos notar
em suas falas a ausência de preocupação salarial para com o exercício
docente, apesar de mencionar o fator economicamente insatisfatório
e o não recebimento do salário, quando é questionada sobre o porq
de ter sido professora, coloca o gostar sem mais explicações à frente,
demonstrando uma profissão de lócus mulheril construída
historicamente.
Pois bem, o diálogo com as professoras classificadas, na
pesquisa, como da terceira geração do recorte temporal estabelecido,
leva ao seguinte questionamento: Mas, quem eram as mulheres que
procuravam a carreira docente de Ensino Primário?
E as autoras Saffioti (2013) e Hilsdorf (2003) nos levam à
compreensão de que essas mulheres eram da elite brasileira e,
consequentemente, brancas, em sua maioria, já que as mulheres
negras ficaram à margem social desde a abolição em 1888, e desde o
início da República em 1889 aos anos crescentes de 1900, elas apenas
foram oportunizadas aos serviços domésticos, comércios em nível
76
ambulantes de rua e industriais, sempre com direitos a menos da
classe masculina. Mas, essas mulheres possuíam a desvalorização
comum por serem mulheres. Conforme Saffioti (2013, p. 345):
A concepção do trabalho feminino como um trabalho subsidiário
favorece a oferta e aceitação de salários mais baixos que os
masculinos. A menor qualificação da força de trabalho feminina,
quer entendida meramente em termos de qualificação técnica,
quer compreendida como um conjunto de traços de
personalidade voltada para a realização do êxito econômico, é
grandemente responsável pelo fato de a mulher desempenhar as
funções com pior remuneração. Esses fatores de transitoriedade
com que é encarado o trabalho feminino continuam operando
na sociedade brasileira de tal modo que a relação entre os salários
masculinos e femininos, era em 1960, bastante próxima da
verificada em 1920. O elemento feminino rareava nas posições
bem mais remuneradas em todos os gêneros de atividades
econômicas.
E essa desvalorização econômica do trabalho das mulheres
alinha-se ao histórico educacional imposto a elas. Sendo assim, seria
interessante relembrar que, em consonância com Hilsdorf (2003), a
divisão política do Brasil se constituiu em três períodos, sendo eles:
Colônia (1500 1808), Império (1822 1889) e República (a partir
de 1889). A República teve como marco a laicidade do Estado em
1889, sendo até 1918, classificada como 1ª República. Porém, esses
marcos devem ser entendidos com a cautela de que as mudanças
sociais não ocorrem a partir de datas específicas, mas sim, com as
vivencias e resistências sociais.
De acordo Hilsdorf (2003), no Brasil Colônia, a escola ficou
nas mãos da Igreja, ou seja, com os jesuítas, com a existência de escolas
77
de Ensino Secundário para a formação de meninos brancos, da elite
com a finalidade de cursar Ensino Superior na Europa.
Para o ensino anterior ao Secundário, existiam as escolas de
primeiras letras que ocorriam em ambiente doméstico, para quem
obtivesse posses para bancar um professor, ou as próprias mães
ensinavam os filhos o básico de ler e escrever. Em 1770 ocorreram as
reformas pombalinas com o intuito de quebrar a ligação entre escola
e igreja, corroborando com o ensino público de função estatal e, nessa
época, foram criadas faculdades de Direito e Medicina nas cidades
mais numerosas do Brasil, como Recife, Salvador, São Paulo e Rio de
Janeiro. Em tempos de Império, é importante frisar novamente a
primeira Lei da Educação em 1827, a qual colaborou com a entrada
das meninas em sala de aula e deu significado para a escola com o
Ensino Superior, Ensino Primário, Escola Normal e Ensino
Secundário. Com tantos avanços, o Brasil caminhou para a
República! O atual modelo escolar com salas de aula, um professor
por sala e espaços alternativos de aprendizagem que se deu em 1893
em São Paulo. (HILSDORF, 2003)
Com relação ao contexto histórico educacional brasileiro, o
que é importante frisar é que, desde os tempos de Brasil como
Colônia, é a ausência referida para com a ideia de escola para a
Infância, baseada no aprendizado de ler, escrever e contar, atividade
que era realizada no âmbito do lar, sendo que apenas pessoas com
posses contratavam professores para seus filhos pequenos. A educação
jesuítica calcava-se na catequização para o ensino. Em 1759 os jesuítas
são expulsos e o primeiro ministro português, o mencionado Marquês
de Pombal inicia o conjunto de reformas que incluem a Educação, já
que para um ilustrado a cultura é essencial.
Conforme Hilsdorf (2003), nesse momento, o foco estava não
mais no latim. Mas, na língua materna, o português, na utilidade e
78
aplicação educacional, criou-se o concurso público para professor,
iniciaram as aulas régias, ou seja, o professor régio, funcionário
público que possuía permissão e era contratado pelo Estado para
lecionar; os alunos do Ensino Secundário precisavam percorrer os
locais em que os professores ministravam suas aulas para matérias
determinadas, não existia um professor para todas as disciplinas, pois,
o Estado não construiu prédios escolares, mas, fornecia certa quantia
para o professor alugar um local para sobreviver e praticar a profissão
docente. Pode-se notar a precarização docente no que concerne ao
financeiro, ser professor era apenas, foco de presgio intelectual e
cultural. Nesse momento, também não se falava em professoras ou
alunas, as quais eram excluídas do saber, criadas para a maternidade,
a não ser em raros casos, as meninas eram ensinadas a ler e escrever
por necessidade de vida (HILSDORF, 2003).
Dessa forma, há a compreensão de que o Ensino Primário já
era desvalorizado economicamente desde o Brasil em tempos de
colônia, cunhando suas razões existenciais a necessidade de pessoas
pró-ativas à Educação Primária, aos prestígios intelecto-culturais, ou
seja, a ideia da vocação ao estudo e magistério, possibilitando a
percepção de suas raízes com a relação profunda com o ato de doação.
Assim, moldada em padrões com interesses políticos, a
educação constitui-se e constitui culturas e contextos sociais, por
vezes, ultrapassados:
Dizer que os docentes são funcionários é uma afirmação que não
é contestada por ninguém. Entretanto, ela é insuficiente se não
se acrescenta que eles são funcionários de um tipo particular.
Com efeito, a profissão docente é muito ligada às finalidades e
aos objetivos; ela é fortemente carregada de uma intenciona-
lidade política. Os docentes são portadores de mensagens e se
alinham em torno de ideais nacionais. Os docentes devem ser
79
vistos sob a dupla perspectiva da integração e da autonomização:
de um lado eles estão submetidos a um controle ideológico e
político [...] por outro, eles têm os meios necessários à produção
de um discurso próprio. Ora, como escreve Pierre Bourdieu,
produzir um discurso próprio significa transformar a coerção em
adesão “livre”, esta última tornando-se o “refúgio da primeira.
(NÓVOA, 1991, p.122-123).
Essa transformação mencionada, de coerção em adesão,
possibilita uma analogia com o movimento de mulheres professoras
que passaram a exercer a docência como possibilidade de saírem do
ambiente coercitivo do próprio lar.
Bourdieu (2002) ressalta a força da violência simbólica
exercida sobre as mulheres no que concerne também à divisão sexual
do trabalho, elucidando que as estratégias utilizadas pelas mulheres,
no caso professoras, colaboraram para que elas se mantivessem em
subordinação, já que esse poder simbólico, atuante sobre os sexos é
construído por toda a sociedade. Assim, a divisão sexual do trabalho
tem suas origens nas divisões das atividades produtivas como ideias de
trabalho, mesmo nos tempos pré-capitalistas e, com a cultura
andocêntrica, mulheres ainda representam o “interno”, ou seja,
mantenedoras de atividades não remuneradas, como cuidar, limpar e
manutenção de gerar filhos, enquanto os homens centrando atenção
em atividades de provedores, ou seja, o externo, o que tem maior
valor.
Dessa forma, o exercício da docência por mulheres não pode
deixar de ser considerado como uma luta feminina histórico-cultural
por sua emancipação, tanto econômica, como intelectual e
principalmente cultural, culminando à docência com seus caminhos
iniciados no prestígio sócio-cultural, para a dominância do campo
educacional, principalmente Primário e Fundamental, no contexto
80
histórico-cultural de lutas pela liberdade feminina. Sendo assim, a
desvalorização econômica continuou, como sempre existiu, e arrisca-
se a possibilidade da reflexão de que o prestígio social na formação de
pedagoga diminuiu até os tempos contemporâneos, devida a
dominação do campo por mulheres, o que também permite uma
segunda reflexão: a grande relação da desvalorização das mulheres
professoras dos anos iniciais, ou seja, atuante na Educação Básica,
com a desvalorização inicial da infância, ante à historicidade do Brasil,
mencionada nessas linhas, com relação a desvalorização para com os
estudos iniciais de aprendizado, valorando apenas o Ensino
Secundário, culminando para com a desvalorização das profissionais
de Ensino Básico como um todo. Dada a possível reflexão que até os
dias atuais, a cobrança das escolas, assim como dos pais e mães, para
com, muitas vezes, a preparação precoce da criança e adolescente para
o ingresso no Ensino Superior.
B”, professora classificada na primeira geração, sendo a mais
nova, exemplifica em sua fala a busca pela docência como um ato de
amar o ensino, às crianças, com toda sua dedicação demonstrada,
assim como a tradição cultural em mulheres para com a profissão
docente. Percebe-se também, a desvalorização social da infância e da
docência, tanto socialmente como economicamente:
B: [...] E assim, eu sofri muita exclusão, eu fui muito excluída da
família porque professor não tinha valor nenhum...
Pesquisadora: Entendi.
B: ... naquela época, mesmo os pais, eles não incentivavam a
gente ser professor. Então, eles não viam assim, um futuro, eles
não viam um progresso para a vida, não via uma utilidade. Eles
achavam assim, que não era uma profissão que ia dar muito
retorno... Nem financeiro, nem emocional para o ser humano,
então era uma profissão muito desvalorizada...
Pesquisadora: Nenhum prestígio?
81
B: Não. Nenhum prestígio. Tanto é assim, que os cursos de
especializações, depois de muitos anos que nós fizemos a
especialização, psicopedagogia, aí que nós fomos percebendo a
necessidade de tá... porque ninguém chegava... Não era como
hoje que tem os cursos online, que ia na escola, se falava, era
divulgado. Não, antigamente não. Antigamente ninguém pedia
nada, ninguém falava pra gente fazer nada, ninguém incentivava,
ninguém mostrava.
[...]
Pesquisadora: É como se não trabalhasse?
B.: É! Hoje, assim, as pessoas tentam né, valorizar um pouco mais
o professor. Mas assim, não é uma profissão... é... valorizada
como médico, dentista, na sociedade não é. Era muito
marginalizada mesmo
Burke (2005) aborda o feminismo como uma luta pela
independência das mulheres, possuindo “implicações igualmente
amplas para a história cultural, pois estava preocupada, tanto em
desmascarar os preconceitos masculinos, como em enfatizar a
contribuição feminina para a cultura, praticamente invisível na
grande narrativa tradicional. (BURKE, 2005, p. 65).
Esse pesquisador menciona Bynum (1987), a qual estudou os
simbolismos, as mulheres e suas formas específicas de crítica e
subversão aos homens, em consonância à microhistória abordada pela
Nova História Cultural, possibilitando estudos e compreensões da
categoria feminina como uma entidade específica, ou seja, com
significados, história e cultura própria.
É possível refletir essa tradição da cultura própria feminina,
quando “Bcompreende as mudanças com relação ao conceito de
família pelo tempo, seus reflexos diretos na escola, assim como, apesar
de seu pai, ter exercido a docência no âmbito da filosofia, entende a
82
profissão como admirável, porém de pouco valor socioeconômico, e,
mesmo assim, caminhou para a profissão docente:
Pesquisadora: E seus pais apoiaram você a ser professora?
B.: Não... apoiavam, assim... eles não achavam... Na realidade
assim, eles não viam muito futuro em ser professora né... Porque
meu pai era professor...
Pesquisadora: Ah, ele era professor...
B.: Meu pai era, ele deu aula muitos anos em Ocauçu. Apesar de
meus pais naquela época terem fazenda, terem sítio, eles tinham
tudo... Mas meu pai não gostava da terra, então meu pai gostava
de dar aula, era o que meu pai gostava. E meu pai deu aula...
Pesquisadora: Do quê?
B.: Meu pai deu aula de latim, que meu pai morou na Espanha.
Meu pai deu aula de latim, meu pai dava aula de filosofia, meu
pai dava aula de antropologia, meu pai é... Depois ele deu aula
em Ocauçu muitos anos, muitos anos, pro ginásio...
Pesquisadora: E mesmo ele sendo professor, ele não queria que
vocês fossem né... Não achava que...
B.: É... ele queria né, que a gente fizesse... Assim, ele admirava
né, mas ele queria que nós tivéssemos uma outra profissão, né,
que tivesse um retorno melhor, que ganhasse mais...
Pesquisadora: Entendi...
B.: ... e aí nós partimos pra essa área da Educação, né, comecei a
trabalhar...
Pesquisadora: e sua mãe?
B.: Então, minha mãe, ela... ela achava... ela assim, ela admirava,
ela tinha assim um certo gosto né, da gente ser professora, ser
educador... Mas ela achava também que era uma profissão que
não tinha muita remuneração, que era muito sofrida, né... Então
ela admirava o médico né, claro né... então ela sempre falava...
mas naquela época não tinha muito assim, dos pais chegarem pro
filho e falar: ‘Olha, vai fazer medicina que é melhor. Não, a gente
escolhia, eles não opinavam muito né... A gente tinha o nosso...
é... liberdade de escolha. Não era que nem é hoje que o pai... as
83
vezes o pai e mãe que escolhe a profissão do filho... Não, você vai
fazer isso que ganha dinheiro... Não, antigamente não...
[...]
B: né. Hoje em dia mudou muito o conceito de família, né,
mudou muito o conceito da vida. Então hoje a criança chega na
escola, ela tem mil assim, é... mil necessidades que não é a escola,
né, não é aquela aula que você preparou, Às vezes você vai com
uma prática de aula toda quadradinha, lá, só que você chega lá,
pra ela aquilo não interessa de nada, não é aquilo que ela quer...
Não é... Você está dando aula aí vem uma criança: ‘Ô prô, meu
pai foi preso ontem, entrou polícia na minha casa ou o pai drogado
vem trazer a criança na escola...
A ideia de Burke (2005), sobre as construções das culturas em
plano micro, torna possível o encontro de um caminho percorrido da
integração das pessoas com o ambiente físico e social, nas reproduções
individuais e coletivas, o qual pode ser definido como cultura. Para
Nóvoa (1991), as representações político-sociais são geracionalmente
reproduzidas, trazendo os conceitos de memória e código social, os
quais, interdependentes, constroem a cultura:
Esta memória funciona como um verdadeiro código social que
mantém a integridade do sistema social e da ordem, que reforça
a identidade do grupo, que regula as trocas entre os diferentes
grupos sociais, as modificações do ambiente e também às
circunstancias próprias a seu processo de reprodução. (NÓVOA,
1991, p.109).
Dessa forma, Nóvoa (1991, p.110) afirma que o ato incisivo
de educar culturalmente é recente, sendo uma prática despercebida e
antiga de educação, sendo a cultura passada pelas gerações como uma
forma de “impregnação cultural”, sendo importante a sua menção à
questão da civilidade dos costumes de Elias (1994) que “[...] impõe
84
um domínio do corpo e a interiorização progressiva de um conjunto
de regras morais que vão agir sobre o comportamento individual dos
homens [e mulheres].” (NÓVOA, 1991, p.112).
Portanto, mediante os relatos das professoras, foi percebido
que elas construíram suas trajetórias no sentido de romperem
estereótipos e padrões construídos culturalmente para estarem na
docência, expondo e materializando suas ideias e conhecimentos,
aspectos de suas vidas elaboradas na cultura em que se inseriram,
mesmo na ausência de representatividade política, a qual as persegue,
também na escola.
Existe, talvez, uma outra razão que torna para nós tão gratificante
formular em termos de repressão as relações do sexo e do poder:
é o que se poderia chamar o benefício do locutor. Se o sexo é
reprimido, isto é, fadado à proibição, à inexistência e ao
mutismo, o simples fato de falar dele e de sua repressão possui
como que um ar de transgressão deliberada. Quem emprega essa
linguagem coloca-se, até certo ponto, fora do alcance do poder;
desordena a lei; antecipa, por menos que seja, a liberdade futura.
(FOUCAULT, 1988, p.11).
Burke (2005) dialoga com Foucault (1988), mencionando a
microfísica do poder, ressaltando a ideia dos poderes nas esferas
micros, nas tantas culturas existentes, salientando os diferentes
discursos, baseados nas posições sociais de controle e poder, suas
afirmativas e negações como construtores culturais.
Sendo assim, pode-se observar a vivência cotidiana das
mulheres professoras de forma paradoxal, a qual tenta romper padrões
patriarcais e machistas, por vezes consciente e outras nem tanto, em
virtude da naturalização, muitas vezes, das opressões contra as
mulheres na sociedade. A propósito, Chartier (1988, p.146)
85
menciona o “abafamento das participantes pela sujeição cultural o que
se encontra com a naturalização de situações opressivas cotidianas.
Para Nóvoa (1991), o lugar dos profissionais da Educação se
alia com seus lugares ocupados na sociedade, pois, para ele “[...] os
docentes não vão somente responder a uma necessidade social de
educação, mas também cr-la. [...] personificam também as
esperanças de mobilidade social de diferentes camadas da população.
(NÓVOA, 1991, p.123).
Ficou e ainda está a cargo das mulheres professoras a maior
responsabilidade de luta pela contra as correntes patriarcais, já que, ao
encontro de Nóvoa (1991), o exercício do professorado não se dissocia
do lugar ocupado nas relações de produção, e, ainda mais, de poder.
Diariamente, as mulheres professoras quebram padrões, saindo de
seus lares, para exercerem a profissão de educar, se recriam social e
interiormente, mediante às condições de trabalho no campo
econômico e cultural:
A feminização do magistério foi um fenômeno verificado desde
o início da República no Estado de São Paulo. A maior parte do
corpo docente dos grupos escolares era composto por mulheres,
no início do século. [...] A feminização do magistério acabou por
vencer barreiras morais. (SOUZA, 1998, p. 51).
Sendo a carreira docente uma das únicas possíveis para as
mulheres no século XIX, muitas seguiram esse caminho, tornando o
Ensino Primário da época como espaço de atuação, majoritariamente,
feminino, aspecto que evidencia que não foram apenas às barreiras
morais que foram enfrentadas pela categoria feminina. Também, o
enfrentamento aconteceu frente às barreiras econômicas, a
desvalorização salarial que as perseguia, não na mesma proporção que
86
os homens, já que seus vencimentos como professoras possuíam a
adjetivação de renda suplementar (NÓVOA, 1991, p. 126-127).
As representações das barreiras morais e econômicas e o fato
de serem mulheres colocou as professoras em patamares diferenciados
em lócus laboral, sendo obrigadas, culturalmente, a viver
paradoxalmente sua profissão, ou seja, aparentemente livres, porém
em privação, já que o caminho da emancipação para as mulheres tem
se delineado como de opressão.
Compreendendo a ideia de Foucault (1988) sobre controle e
poder, percebe-se os discursos das mulheres que são percebidas no
meio social como menores, frente o universo masculino, historica-
mente construído e de enaltecimento do poder controlador físico e
emocional das mulheres.
Frente às posições sociais inferiorizadas, construindo suas
próprias culturas, as mulheres professoras buscam emancipação, em
constante luta no ambiente escolar.
À luz de De Certeau (1995, p. 195), é possível afirmar que se
trata de uma subcultura, pois, por subcultura esse pesquisador
compreende que pode ser definida como a cultura de um subgrupo,
uma minoria com implicações sociais ratificadas em suas próprias
características, ou seja, com interesses próprios.
Sobre isso, é possível mencionar Foucault (1988, p. 151) que
afirma que:
É verdade que há uma diferença de qualidade entre essas
unidades sociais: o problema da mulher não é o problema do
bretão, nem o do consumidor [...] Mas encontros e analogias
desenham-se em pontilhados. Eles tendem a constituir uma
pluralidade de grupos não centralizados e colocam o problema
global da estrutura da sociedade.
87
Os interesses de cada grupo ultrapassam e permeiam os
lugares sociais, nos permitindo os processos de constituições de lutas
culturais, por vezes silenciosas, as quais caminham em movimentos
de idas e vindas em relação aos direitos sociais ao mesmo tempo, como
é o caso das mulheres professoras.
88
89
CAPÍTULO 02
HISTÓRIA ORAL E SUBJETIVIDADES DE
MULHERES NA DOCÊNCIA NA ESCOLA
BRASILEIRA
Neste capítulo apresento resultados das análises de aspectos
dos relatos que constituíram o Quadro 2 - O lugar de onde eu falo”:
Percepções de branquitude como privilégio docente, centralmente
sobre representações das mulheres na docência na escola brasileira, à
luz da Nova História Cultural, iniciando, portanto, do lugar de fala
desta pesquisadora na seleção das participantes da pesquisa, além de
compreender aspectos emergentes dos relatos orais das participantes
quanto à atividade profissional, atividade artística, vestimenta ou
outras que emergirem dos relatos orais, os quais remetem a diferentes
momentos e experiências históricas de vida e da profissão docente,
sinalizam para contextos também diversos em suas lutas e conquistas
político-sociais cotidianas.
Essa temática centrada em história de mulheres, situadas na
história social narrada a partir da cultura de homens, parece ter
coerência se abordada mediante a metodologia da História Oral. Isso
porque não serão as presenças, mas as ausências que serão o ponto de
partida para essas histórias, as quais somente podem ser identificadas
a partir de relatos das próprias mulheres.
90
Nesse sentido, nos relatos das mulheres professoras que
constituíram o Quadro 2 mencionado e com os aportes teóricos da
História oral, acredito ser possível identificar a noção de construção
identitária que ocorre durante toda a vida dessas mulheres professoras,
principalmente de uma mulher e, no caso da presente pesquisa, Latina
Americana, com a marca do privilégio da branquitude em sua pele,
que se descobre como ser humano criado em um mundo de homens.
Mesmo que não mencione com completa consciência, situações
opressivas cotidianas, foram vivenciadas pelo fato de ser mulher, mas
serão notadas as indignações, discordâncias e concordâncias com os
fatos contados, trazendo questões identitárias à reflexão de ser
mulheres professoras na sociedade brasileira.
2.1. Aspectos dos processos identitários de mulheres na sociedade
“Mressalta qu teve uma vida tão agitada de trabalho que por
vezes, não sabia quem mais era. Não se reconhecia e escolheu a
profissão docente, imaginando que dar aulas como professora no
ginásio lhe proporcionaria um salário melhor, porém, apesar de ter
maior remuneração de atuantes na Educação Básica, ainda era pouco
para o sustento.
Como mencionado, a escolha dessas mulheres docentes, assim
como a de “M
18
, 92 anos, Professora aposentada da rede pública
estadual do interior paulista, com quem dialogo na epígrafe acima, foi
realizada da seguinte forma: Professoras, sobretudo do magistério
público, do Estado de São Paulo, aposentadas. O recorte temporal da
pesquisa foi delimitado após o encontro com essas professoras,
considerando data mais antiga e menos antiga de ingresso no
18
A fim de ser preservado o anonimato, os nomes das professoras serão identificados pelas
suas iniciais.
91
magistério, dentre as datas de ingresso das professoras participantes.
Assim, foi delimitado o recorte temporal de 1938 a 1985,
respectivamente.
Também como ressaltei, tal seleção passou por um primeiro
momento de localização dessas professoras com o auxílio de uma
cadeia de informantes”, indicações pelas próprias professoras
primeiramente encontradas e dispostas a participarem da pesquisa, até
o momento, conforme o Quadro 1 Professoras, participantes da
pesquisa (p. 26), o qual reproduzo abaixo para facilitar a identificação
das participantes.
Quadro 1 Professoras, participantes da pesquisa
19
B: 55 anos Professora aposentada da rede pública estadual do interior
paulista 1ª geração
E: 60 anos Professora aposentada da rede pública Estadual do interior
paulista 1ª geração
V: 76 anos Professora aposentada da rede pública estadual do interior
paulista 2ª geração
R: 90 anos Professora aposentada da rede pública municipal do interior
paulista 3ª geração
M: 92 anos Professora aposentada da rede pública estadual do interior
paulista 3ª geração
S: 99 anos Professora aposentada da rede pública estadual do interior
paulista 3ª geração
Fonte: Elaboração própria.
Mas, e sobretudo, a escolha dessas participantes surge dos
questionamentos de pesquisa, considerando o meu “lugar de fala”,
mulher, parda, jovem pesquisadora e bacharela, mas, ainda e sempre,
92
que, às vezes “não sabe mais quem é”, assim como “M e tantas outras
mulheres.
Nascida em 1938, “M é filha de um pai que foi tropeiro e
uma mãe do lar, viúva e mãe de um filho e uma filha. Foi escolhida
para essa pesquisa e classificada na 3º geração de professoras
entrevistadas e a mais antiga classificação. Essa professora parece nos
evidenciar ausências, as quais busquei identificar para trilhar os
caminhos metodológicos da pesquisa, cujos resultados ora materializei
neste livro, alinhando-as a vida dessas mulheres, as quais, como tais,
viveram e cresceram, sendo o outro. Sendo o “outro” o ser mulheres,
e nessa ausência do ser, o que seria ser mulheres e mães, mulheres e
solteiras, mulheres e professoras?
Essa possibilidade de “não saber mais quem é” nos caminhos
de vidas de mulheres que sofrem imposições de serem tantas, são na
realidade, apenas uma. Essa possibilidade é característica da vontade
dessas mulheres em se encontrarem realmente com o que as liga com
suas respectivas essências, caminhando ao encontro da história oral,
cujas especificidades são capazes de evidenciar tal possibilidade,
potencializando-as.
Nesse sentido, as subjetividades que envolvem ser e existir
como mulher, alinham-se à história oral, o que possibilita a ação social
de uma pesquisadora que caminha em um trabalho de historiadora,
frente à história viva, valorando histórias de mulheres. Trata-se,
conforme Thompson (1992, p.41), de “uma das contribuições sociais
essenciais que se pode ser dada pelo historiador oral, quer em projetos,
quer introduzindo citações diretas na história escrita, é ajudar a fazer
com que pessoas comuns confiem na própria fala.
Segundo Thompson (1992, p. 22):
93
A história oral não é necessariamente um instrumento de
mudança; isso depende do espírito com que seja utilizada. Não
obstante, a história oral pode certamente ser um meio de
transformar tanto o conteúdo quanto a finalidade da história.
Pode ser utilizada para alterar o enfoque da própria história e
revelar novos campos de investigação; pode derrubar barreiras
que existam entre professores e alunos, entre gerações, entre
instituições educacionais e o mundo exterior, e na produção da
história, sejam livros, museus, radio ou cinema pode devolver
às pessoas que fizeram e vivenciaram a história um lugar
fundamental, mediante suas próprias palavras.
Desse modo, as motivações do uso do processo metodológico
da história oral nas pesquisas científicas sobre mulheres possibilitam
dar voz às que foram, por tempos, “forçadas” a se calarem; exercita a
confiança e autoestima feminina, além da contribuição com a
construção histórica da sociedade em que vivemos. Sobre isso, Louro
(1990), afirma a importância do trabalho da história oral com as
mulheres, ao encontro da valorização feminina, por séculos
subordinada às vozes masculinas.
Para Thompson (1992), a história deve ser ação, ou seja,
inconformista com os fatos, para que assim as mudanças possam
acontecer, tornando-se o mais democrática possível, as entrevistas,
rompendo fronteiras sociais, como de classe, gênero, raça/cor/etnia,
geração, assim como com o universo acadêmico.
Nesse sentido, estudos
20
afirmam que mulheres são vistas
como “outro”, sendo subjugadas por séculos, e no caso de mulheres
20
Fez parte dos nossos estudos uma bibliografia complementar com um olhar de valoração
de estudos feministas em suas variáveis vertentes apresentadas teoricamente nas denominadas
ondas” feministas. Pois acreditamos na perspectiva da não exclusão de pesquisas envolventes
de gênero, já que teorias feministas vão sendo pensadas e caminham conforme a os
progressos, retrocessos e estagnações sociais, por vezes à frente. Beauvoir (1980), traz a ideia
94
brasileiras, carregam consigo às “bagagens coloniais” (AKOTIRENE,
2019), sendo assim, foram criadas em uma cultura que as ensinou a
agir e viver subjetivamente para suas respectivas sobrevivências.
Caminhando pelas linhas do ser” e “existir” como mulheres
(BEAUVOIR, 1980), construíram suas respectivas caminhadas. A
propósito, Possas (2001, p. 116) ressalta que “[...] os discursos e as
imagens podem ser analisados pelo que representam ainda no
imaginário coletivo social”, sendo assim, pode-se dialogar com
Beauvoir (1980) sobre questões fisiológicas entre homens e mulheres
e entende que o quê os constrói nessa relação são os costumes
impostos socialmente:
Finalmente, uma sociedade não é uma espécie: nela, a espécie
realiza-se como existência; transcende-se para o mundo e para o
futuro; seus costumes não se deduzem da biologia; os indivíduos
nunca são abandonados à sua natureza; obedecem a essa segunda
natureza que é o costume e na qual se refletem os desejos e os
temores que traduzem sua atitude ontológica. Não é enquanto
corpo, é enquanto corpos submetidos a tabus, a leis, que o sujeito
toma consciência de si mesmo e se realiza. [...] A sujeição da
mulher à espécie, os limites de suas capacidades individuais são
fatos de extrema importância; o corpo da mulher é um dos
elementos essenciais da situação que ela ocupa neste mundo. Mas
não é ele tampouco que basta para a definir. Ele só tem realidade
das mulheres como “o outro” e a construção da sociedade para com os sexos. Também,
apresenta a discussão sobre ser e existir como mulheres. E, Ribeiro (2019) continua a
discussão da ideia sobre “ser” e ressalta a menoridade posta às mulheres ante situações
históricas. Akotirene (2019) salienta a interseccionalidade necessária para um estudo com
mulheres e as diferenciações postas, principalmente, pelas “bagagens coloniais” que carregam
mulheres brasileiras, por exemplo, quando denomina o “atlântico como um lócus de opressões
cruzadas” (AKOTIRENE, 2019, p.20). Sendo assim, mulheres são discriminadas por serem
mulheres e dentro da categoria de mulheres há sobreposições (RIBEIRO, 2019) de
desigualdades.
95
vivida enquanto assumido pela consciência através das ações e no
seio de uma sociedade; a biologia não basta para fornecer uma
resposta à pergunta que nos preocupa: por que a mulher é o
Outro? (BEAUVOIR, 1980, p. 56 -57)
Dessa maneira, compreende-se, com Beauvoir (1980), que a
existência das mulheres se constrói pela compreensão do que é ser
mulheres no meio social, dos tabus e imposições de uma sociedade
que reproduz valores patriarcais.
Ao início do patriarcado, advindo dos colonizadores europeus
e imposto aos povos residentes do Brasil, Lerner (1990) ressalta que
quando homens e mulheres eram nômades, ainda não existia a relação
de poder entre ambos os sexos, já que o objetivo dos grupos humanos
era de proteger uns aos outros contra animais selvagens e ocorrências
da natureza. Porém, com a propriedade privada, as mulheres foram
colocadas estritamente na função reprodutora, gerando mais filhos
para a continuação da vida e trabalho, e o homem saiu para a caça e
outras atividades fora do âmbito privado, sendo essa o início da
trajetória das sociedades de classes, conforme LERNER (1990).
Porém não podemos entender tal forma de relação entre os sexos de
maneira totalizadora, para tanto, caminhamos para além da trajetória
de relações de poder que o autor menciona (Lerner, 1990), já que, as
localidades e culturas influíram em cada grupo social de formas
específicas.
A partir de então, ocorreu um desequilíbrio entre o feminino
e masculino e, conforme Saffioti (2015) esse desequilíbrio pode ser
justificado quando menciona Jung (SAFFIOTI apud JUNG, 1992)
com relação ao desequilíbrio entre animus e anima, princípios
masculino e feminino, respectivamente, enfatizando que todos os
seres humanos possuem esses dois princípios, refletindo que “o par da
diferença é a identidade” (SAFFIOTI, 2015, p. 39) numa sociedade
96
como a brasileira que é multicultural, essas identidades deveriam
coexistirem em equilíbrio para o exercício real democrático.
Conforme a autora:
Ou seja, o patriarcado, quando se trata da coletividade, apoia-se
nesse desequilíbrio resultante de um desenvolvimento desigual
de animus e de anima e, simultaneamente o produz. Como todas
as pessoas são a história de suas relações sociais, pode-se afirmar
da perspectiva sociológica, que a implantação lenta e gradual da
primazia masculina produziu o desequilíbrio entre animus e
anima em homens e mulheres, assim como resultou deste
desequilíbrio. Ora, a democracia exige igualdade social. Isto não
significa que todos os socii, membros da sociedade, devam ser
iguais. [...] lamentavelmente, porém, em função de não se haver
alcançado o desejável degrau de democracia, há uma intolerância
muito grande em relação às diferenças. (SAFFIOTI, 2015, p. 39)
Sendo assim, para além da compreensão da origem patriarcal
a partir da propriedade privada, essas relações aconteceram de
diferentes formas nas variadas localidades do planeta Terra, podendo
salientar terras Africanas
21
e Brasileiras
22
, antes do processo de
colonização Europeu instaurado no Brasil, o que justifica a
importância eloquência de que há uma pluralidade de entendimento
para com as relações que envolvem opressões entre os sexos e, nessa
pesquisa, apesar de abarcarmos patriarcado como ordem da sociedade
construída e baseada no controle social sexista, conforme Saffioti
21
Conforme Akotirene (2019, p. 77-84) nas epistemologias africanas,o macho não é a
norma. [...] As mulheres negras têm umbigos diferentes e seus cordões foram cortados em
contextos diferentes
22
Rezutti (2018) relata a existência de tribos apenas de mulheres no Brasil, e conta que
estas retiravam um dos seios para facilitar o manuseio dos arcos e flechas. Em referida tribo,
essas mulheres usavam os homens apenas para a procriação e após tal feito, os matavam,
assim como matavam bebês que nasciam com o sexo biológico masculino.
97
(2015), não negligenciamos outros pontos de vistas para além dessa
definição, pois a história dessas mulheres foi construída na
pluralidade, ou seja, diversas relações de opressão, diversas histórias e
lugares ocupados.
Com relação à opressão advinda de um sistema envolvente de
sexo e gênero, Almeida (2020) menciona a pesquisadora Rubin
(1975):
Rubin também rechaça o uso do termo patriarcado, pois este
seria apenas um dos modos históricos de exercer a dominação
masculina, e defende o termo sistema de sexo-gênero, que
permite ver como a desigualdade se forma em diversas sociedades
e épocas distintas. Para ela, usar o termo patriarcado como
sinônimo de opressão feminina é um equívoco conceitual do
próprio feminismo. (ALMEIDA, 2020, p. 36).
Rubin (1975) entende o termo patriarcado com especifici-
dade destinada à “pais e patriarcas” (Rubin, 1975, p. 14) e que esse
poder que são submetidas às mulheres deveria dar o enfoque ao poder
coletivo dos homens. Assim, mediante referidas conceituações, é
crível compreender que o patriarcado ou sistema sexo e gênero, são
relações prejudiciais tanto aos homens, como mulheres.
Ante as duas abordagens envolvidas no referido conceito, o
enfoque desse poderio coletivo de homens acontece independente-
mente da posição de ser ou não pai, mas sim, de nascer biológica-
mente como homem ou se reconhecer como um, o qual foi criado
por uma sociedade que reproduz mencionados valores sexistas,
advindos dos colonizadores do Brasil.
Nunes (2019, p.60) entende os valores patriarcais como
trazidos ao Brasil com o processo de colonização:
98
O patriarcado está culturalmente reconhecido e instituído
oficialmente na negação de direitos políticos às mulheres, bem
como na restrição de sua liberdade de inserção nos espaços
públicos definidos socialmente; sistematizado na realidade do
continente europeu, essa ordem sociocultural generificada
transfere-se para o território brasileiro no período colonial,
quando esse se encontra sob o domínio do Estado e direito
português, na figura de seus agentes mandatários e na execução
do texto jurídico que o representa. O direito português está
reafirmando uma valoração moral que desqualifica o feminino,
em que o feminino é alienado de si mesmo quanto às posições
que ocupa e/ou poderá ocupar, é impedido de deliberar quanto
às condições materiais e simbólicas de sua existência enquanto
agente. (NUNES, 2019, p. 60).
Podemos perceber a força colonizadora patriarcal na
sociedade brasileira até mesmo em relações homoafetivas femininas,
quando uma das parceiras toma a posição de homem em perspectiva
heteronormativa, exercendo a função de provedora ou do poder de
mandos e desmandos sobre a outra companheira, o que leva a reflexão
que o patriarcado foi incrustado como uma característica em ser ou
sentir-se homem, vivente de uma sociedade com padrões heteronor-
mativos, os quais permeiam até mesmo relações homoafetivas.
O sistema sexo/gênero de Rubin (1975) traz reflexões da
sociedade, pairando sobre a sexualidade e a transformando no que
necessita: “Um “sistema de sexo/gênero”, numa definição preliminar,
é uma série de arranjos pelos quais uma sociedade transforma a
sexualidade biológica em produtos da atividade humana, e nos quais
essas necessidades sexuais transformadas são satisfeitas.” (RUBIN,
1975, p.3).
Ser mulheres é reproduzir, em concordância com Possas
(2001), sem qualquer crítica, mencionados valores construídos pela
99
história imposta às mulheres. Dessa forma, seria necessária a
consciência de existência como mulher, em concordância com
Beauvoir (1980).
Trazendo à lume a consciência de existência, seria não negar,
também, a existência de outras condições vivenciadas para com as
mulheres viventes no Sul do planeta, anteriormente à invasão
europeia. Afinal o que é ser mulher? É definida pela carne que
constitui o corpo? Pelos hormônios? Por uma construção cultural?
Para Rubin (1975, p. 10), “sexo é sexo, mas o que interessa em matéria
de sexo é igualmente determinado e obtido culturalmente.
Penso que o trabalho de dar visibilidade aos sujeitos anônimos e
excluídos da história seja apenas um aspecto, pois devem ser
captados com um novo olhar do historiador sobre o passado, não
para enfatizar o caráter de repetição dos fatos e de natureza
pedagógica, mas para desconstruir os mitos sobre a presença da
mulher que reforçaram a construção do imaginário, ora de
culpabilidade, ora de sua inferioridade intelectual. Ao fazer a
releitura do passado, a partir de situações concretas e colhendo
todos os fragmentos e indícios possíveis, é possível observar as
mulheres improvisando outros papéis, enfrentando as normas
prescritas e revelando formas distintas de estar presentes no
cotidiano e na sociedade. (POSSAS, 2007, p. 70)
Possas (2007) salienta que mulheres constroem suas próprias
histórias e assim entendemos que também são construtoras de suas
respectivas culturas. Ao olharmos para o cotidiano e vivências de
mulheres e diferentes realidades, podemos identificar as quebras de
padrões e fazer a leitura de uma história universal construída por
homens; é possível vislumbrar a forte presença feminina e suas
subjetividades para resistir e existir.
100
2.2. A representão das mulheres e do trabalho
doméstico como “nada
“S, professora aposentada classificada na 3ª geração, com 99
anos de idade, solteira e irmã de “M”, iniciou a profissão da docência
nos finais dos anos 30 do século XX e, em seus relatos, apresenta
definições para as atividades naturalizadas como de mulher,
desqualificando-as em relação aos outros trabalhos valorizados
socialmente, quando “S” foi questionada sobre as profissões de seu
pai e mãe, ressaltou que o pai era tropeiro e sua mãe era “nada”, era
do lar.
A representação das mulheres e do trabalho doméstico como
nada, na epígrafe referida por “S, ante a noção de construção
identitária que ocorre durante toda a vida, principalmente de
mulheres, mesmo que inconscientemente, descobrindo-se como
pessoas criadas em um mundo de homens, demonstra em suas falas
que situações opressivas cotidianas foram vivenciadas pelo fato de ser
mulher e foram notadas pela pesquisadora deste trabalho; as
indignações, discordâncias e concordâncias com os fatos contados,
trazendo questões identitárias à reflexão de ser mulheres professoras
na sociedade brasileira. Meihy (2002, p. 73) salienta a identidade
como “[...] um fator original redefinindo mediante uma herança
cultural submetida a situações desafiadoras.
Louro (2014, p. 21) salienta sobre os lugares socialmente
permitidos às mulheres e por consequência, desvalorizados:
[...] É preciso notar que essa invisibilidade, produzida a partir de
múltiplos discursos que caracterizaram a esfera do privado, o
mundo doméstico, como o “verdadeiro” universo da mulher, já
vinha sendo gradativamente rompida por algumas mulheres.
Sem dúvida, desde há muito tempo, as mulheres das classes
101
trabalhadoras e camponesas exerciam atividades fora do lar, nas
fábricas, nas oficinas e nas lavouras. Gradativamente, essas e
outras mulheres passaram a ocupar também escritórios, lojas,
escolas e hospitais. Suas atividades, no entanto, eram quase
sempre (como são ainda hoje, em boa parte) rigidamente
controladas e dirigidas por homens e geralmente representadas
como secundárias, “de apoio, de assessoria ou auxílio, muitas
vezes ligadas a assistência, ao cuidado ou à educação. As
características dessas ocupações, bem como a ocultação do
rotineiro trabalho doméstico, passavam agora a ser observadas.
[...] (LOURO, 2014, p. 21).
Essa marca identitária em ser mulheres foi construída
historicamente, conforme Piscitelli (2002), pois a subordinação
feminina permeia entre vários tempos históricos e lugares do globo
terrestre, além de afirmar essa situação das mulheres como algo
construído socialmente, “Portanto, alterando as maneiras como as
mulheres são percebidas, seria possível mudar o espaço social por elas
ocupado.” (PISCITELLI, 2002, p.2).
Sendo assim, a partir de memórias individuais, as subjetivi-
dades em existir e ser mulher, suas microhistórias, se encontraram
numa vertente histórica, uma das tantas realidades vividas por
mulheres e, assim, essa construção e análise científica de suas falas e
subjetividades, além de documentos e objetos particulares que foram
encontrados durante a entrevista, poderão enaltecer as vozes femini-
nas que foram caladas, por tanto tempo [...]. Conforme Thompson
(1992, p. 25) “[...] uma vez que a experiência de vida das pessoas de
todo tipo possa ser utilizada como matéria-prima, a história oral
ganha nova dimensão” e menciona a possibilidade da pesquisadora
poder caminhar ao encontro do descobrimento de suas próprias
questões e evidências conforme o desenvolvimento da pesquisa,
encontrando documentos que seriam perdidos em uma história que
102
não ampliasse ao plano micro, como por exemplo documentos
particulares como cartas, fotografias, escritas de poesias, etc.
Podemos parafrasear: O que é uma mulher do lar? Uma fêmea
da espécie. Uma explicação é tão boa quanto a outra. Ela só se
transforma numa criada, numa esposa, numa escrava, numa
coelhinha da Playboy, numa prostituta, num ditafone humano
dentro de determinadas relações. Apartada dessas relações, ela já
não é a companheira do homem mais do que o ouro é dinheiro...
etc. O que são, então, essas relações pelas quais uma mulher se
transforma numa mulher oprimida? (RUBIN, 1975, p. 2)
Sociedade e cultura caminham juntas; algo como ação e
reação (CHARTIER, 1988), ganhando força e capacidade de
transformação social.
No tangente às mulheres, ante imposições de uma sociedade
marcada pelo poderio dos homens, foi necessário caminhar
socialmente em sua própria cultura, a qual se pode dizer que apesar
de nascida em um meio social machista, criou meios de sobrevivência
e também abriu caminhos para mudanças sociais. Burke (2005)
denominou como subculturas, essas reações ante à cultura de maior
poder social, sendo a classificação “sub” não com significância de
menoridade de importância, mas sim, com significações de
diversidade cultural, sendo esta explanação cultural detentora de força
e justificativa da importância da história oral e sua validade.
Para Freitas (2006, p. 67), a importância das pesquisas com
relatos orais acontece na percepção das omissões e seleções das
participantes entrevistadas e salienta que “a subjetividade está presente
em todas as fontes históricas, sejam elas orais, escritas ou visuais.
103
E essa subjetividade das fontes ocorre de acordo com o olhar
de cada pesquisadora
23
, pois uma mesma história pode ser contada de
várias maneiras. Daí, desse “lugar” de fala ser possível nova repartição
cultural, segundo De Certeau (1995), quando uma pesquisadora se
depara com as fontes, perante sua construção histórica cultural.
Thompson (1992) ressalta quanto às intenções de
documentos oficiais escritos majoritariamente por homens, o que
também pode justificar a importância da história oral e das evidências
que ela proporciona, não somente à esta, mas para tantas pesquisas,
principalmente às com enfoque nas microhistórias e sobre mulheres.
Para esse pesquisador (Idem, 1992, p. 145) “ [...] o material de
entrevistas gravadas, todos eles representam, quer a partir de posições
pessoais ou de agregados, a percepção social dos fatos; [...] com essas
formas de evidencia, o que chega até nós é o significado social [...]”
Dessa forma, os relatos de mulheres que atuaram na docência,
também ganham validade, ressaltando suas histórias, a vida cotidiana
de mulheres e suas lutas. Nos estudos de Akotirene (2019), mulheres
são constantemente desvalorizadas em suas conquistas sócio-culturais
sob olhares patriarcais. Dessa forma, durante as entrevistas com
mulheres professoras para a formulação dessas escritas, foi dada voz às
suas reações ante o que foi imposto socialmente à essas mulheres com
o intuito de ampliar o olhar da história geral da sociedade,
englobando pessoas que foram deixadas à margem e silenciadas
perante uma sociedade valorizadora dos mandos e desmandos do
macho e das posições de famílias que seguem um padrão
heteronormativo, para a autora (Idem, 2019); são “produtores de
avenidas identitárias [...] o racismo, o capitalismo e o
23
Utilizarei pesquisadora no feminino, enfatizando o meu lugar de mulher no campo
científico, assim como, enaltecendo a presença de mulheres na pesquisa.
104
cisheteropatriarcado
24
” (AKOTIRENE, 2019, p. 19). A respeito de
padrões que “naturalizam” opressões cotidianas, Louro (2014) relata
que a escola também é reprodutora de tais naturalizações “[...] a tarefa
mais urgente talvez seja exatamente essa: desconfiar do que é tomado
como natural. Afinal, [...] é preciso aceitar que “naturalmente” a
escolha dos brinquedos seja diferenciada segundo o sexo? [...]”
(LOURO, 2014, p. 67)
Foi percebida a forte relação entre ser mulheres com os
serviços de cuidar, trabalhos estes realizados por mulheres, em sua
maioria, e desvalorizados pelo mesmo motivo.
QuandoSrefere-se à uma mulher do lar, como “nada”, é
possível a percepção do que foi cunhado em seu ser sobre ser mulher
na sociedade em que vivemos. Além de ser mulher, é necessário mais.
Sempre se espera mais de uma mulher, mas, dentro dos limites
impostos a classe feminina, ser professora é um exemplo do paradoxo
vivido por mulheres, as quais, possuem liberdades e ao mesmo tempo
encontram barreiras sociais.
Para Butler (2018, p. 21):
Se alguém “éuma mulher, isso certamente não é tudo o que esse
alguém é; o termo não logra ser exaustivo, não porque os traços
predefinidos de gênero da “pessoa” transcendam a parafernália
especifica de seu gênero, mas porque o gênero nem sempre se
constituiu de maneira coerente ou consistente nos diferentes
contextos históricos, e porque o gênero estabelece intersecções
com modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de
identidades discursivamente constituídas. Resulta que se tornou
24
Quando dizemos que uma pessoa é “cis”, ela segue a vida em concordância com seu sexo e
gênero, sendo assim, cisheteropatriarcado enfatiza a sociedade como segregadora de padrões
fora da heterossexualidade e patriarcais.
105
impossível separar a noção de “gênero das intersecções políticas
e culturais em que invariavelmente ela é produzida e mantida.
As mulheres presentes nessa pesquisa “soltam” a voz,
mostrando que seus caminhos não foram de obediência e submissão,
mas de luta, indignação e coragem de seguir, viventes em diferentes
contextos históricos culturais de suas respectivas gerações.
2.3. Caminhos de vida e atuação ao encontro de uma identidade
“E”, classificada como da primeira geração das mulheres
participantes dessa pesquisa, nascida na década de 50, mãe solo fruto
de adoção, filha, também adotiva, de um pai que era gerente de posto
de gasolina e sua mãe exercia os trabalhos do lar. “E” é casada com
uma mulher e se considera bissexual. Em suas falas percebe-se a
vontade de mudar o mundo com seus próprios atos. Foi criada com
liberdade de escolha e expressão e escolheu a área da Educação pelo
seu gosto pelo estudo, porém, anterior ao caminho das aulas,
percorreu outras áreas de atuação, às quais lhe deram experiências de
vida sobre as significâncias em ser mulheres para a atuação em sala:
Pesquisadora: E sobre você sendo mulher, professora... O que
você sente assim, das pessoas, da sociedade...?
E.: Eu sinto “Tá certo a sua profissão você tem que ser professora”.
Agora quando eu trabalhei com a cultivo de plantas de mudas de
árvores nativas eu lidava com peão de roça... Menina...
Pesquisadora: Eles não te ouviam…
E.: Eles não ouviam, mas eu sei mandar...
106
“E” relata os desafios encontrados por ser mulher e o consenso
em ser mulher professora. Sendo assim, nota-se a grande relação do
corpo das mulheres e do corpo docente da Educação Básica ser
feminino, em sua maioria. Piscitelli (2002) menciona variadas
vertentes feministas sobre as significações de mulheres e suas
construções e ressalta mulheres ligadas à subjetivação do corpo, termo
nascido no feminismo radical, ou seja, são construções sociais e
sofrem opressão por suas experiências em serem mulheres, todas,
independentemente de qualquer outro fator, entendendo a necessária
observância das vidas cotidianas das mulheres para a compreensão das
violências sofridas pelo fato de serem mulheres. Essa formulação
dialoga com Rubin (1975) que entende a cultura sobrepondo a
natureza no que tange à diferença sexual, ou seja, “no que se refere à
diferença sexual, a cultura se sobrepõe à natureza. Na perspectiva da
pesquisadora, se a natureza fornece “dados”, esses dados mostrariam
que a “diferença” é, sobretudo, cultural.” (RUBIN, 1975 apud
PISCITELLI, 2002, p. 9). E no que foi percebido com relação às
mulheres inseridas nessa pesquisa, é possível afirmar que tiveram seus
corpos subjetivados às imposições de uma cultura machista, por vezes,
ressoando em suas falas o poder dos machos. Apesar dessas mulheres
terem criados suas próprias linhas de vida, estavam submetidas à uma
sociedade que valoriza e que é reprodutora das vontades de homens.
O corpo das mulheres também aprendeu a obedecer às
imposições sociais, mas ele dialoga e, por vezes, grita para ser ouvido
ante a estrutura social e dominantemente masculina existente.
Porter (1992) ressalta sobre o corpo e a construção cultural
que são impostas à ele “chegamos nus ao mundo, mas logo somos
adornados não apenas com roupas, mas com a roupagem metafórica
dos códigos morais, dos tabus, das proibições e dos sistemas de valores
107
que unem a disciplina aos desejos, a polidez ao policiamento.
(PORTER, 1992, p. 325). Sendo assim o pesquisador aborda a ideia
do corpo como possuindo “uma presença suprimida.” (Idem, 1992, p.
326), ou seja, permite a reflexão que a matéria corpo é “engolida” pela
cultura.
“R, filha de imigrantes Sírios, refugiados de guerra que
vieram para o Brasil recomeçar a vida como comerciantes. “R” é mãe
de duas filhas e um filho, professora aposentada classificada na terceira
geração, começou a dar aula com 16 anos de idade, em 1946, na
cidade de Avencas, interior de São Paulo, e só obteve diploma como
professora com 45 anos de idade, 1975, na associação de Ensino na
cidade de Marília/ SP.
R: É... Mas eu dei um ano aula em Avencas e depois eu vim para
Marília, eu fui estudar com os padres. Com os padres em latim,
porque eu precisava aprender latim, porque eu estava estudando
na época... O latim era necessário e o francês também, então eu
fui estudar com os padres, com o padre Luciano, com o padre
Izidório... E aí o padre Luciano falou para o padre Izidório “essa
menina tem muito jeito, ela é calma, tem muito jeito para dar
aula, nós estamos precisando de uma professora na escola
paroquial”, aí eu falei “mas eu não sou formada, eu dei aula já,
mas eu não sou formada”... “não, nós precisamos, você eu acho
que daria uma excelente professora”.
“Rnasceu em uma família que possuía valores com padrões
heteronormativos e sexistas, ou seja, viver conforme as regras sociais
impostas à cada sexo, criando uma separação entre os sexos , como
lembra “Papai dizia que mulher tinha que saber bordar, costurar e
fazer comida”, e também trouxe em sua fala valores que se encontram
108
maternalmente com o ofício de ser professora: “E no final do ano,
passavam todos, porque eu tinha um verdadeiro amor pelo ensino!”.
Dessa forma, a corporificação em ser mulheres e a construção
cultural de sua condição feminina, percorreu a sua competência em
formar suas alunas, resumindo em amor e cuidados maternais. Para
Teles (2018, p. 178), “[...] a feminização do cuidado é histórica e se
mantém como se fosse naturalizada [...] E para haver um efeito
transformador é preciso [...] de políticas de equidade de gênero.
Chagas (1995) salienta as imposições que constroem às
mulheres em seus atos, desejos, corporificando-as ante o poder
masculino, classificando mulheres como “o outro”, diante de um
poder do macho com reproduções que caminharam de Norte a Sul
do planeta: “é na ambiguidade desses processos que se criam
possibilidades de vida intensa, não inteira para as mulheres.
(CHAGAS, 1995, p. 127). Dessa forma, o feminino passa à frente de
qualquer modo de agir. Primeiramente a professora é mulher; logo, o
amor e a docilidade do feminino, construídos socialmente, devem
estar presentes, anterior a qualquer profissão, fato evidenciado na fala
de “R”, situando o amor à frente de sua competência como docente.
Vianna (2002, p. 90) menciona sobre a organização da
sociedade e questões da feminilidade e profissões escolhidas:
Nossa socialização interfere na forma como nós homens e
mulheres nos relacionamos, interfere nas profissões que
escolhemos e na maneira como atuamos. Não se trata de afirmar
que sempre foi assim ou que é inerente à nossa “natureza”. Trata-
se, sim, de afirmar que as expressões da masculinidade e da
feminilidade são historicamente construídas e referem-se aos
símbolos culturalmente disponíveis em uma dada organização
social, às normas expressas em suas doutrinas e instituições, à
subjetividade e às relações de poder estabelecidas nesse contexto.
109
R”, como mulher à frente de seu tempo, quebrou padrões e
valores tradicionais, enfrentando como mulher, colocando seu corpo
à prova de mencionados padrões da cultura maior dominante, a qual
oprimia as mulheres de diferentes formas:
C
25
: Ah, e deixa eu falar uma coisa que me veio em mente agora.
Quando a senhora dava aula no Bezerra, na época, as mulheres
não usavam muito calças compridas como hoje, né. E a minha
mãe começou a usar calças compridas e os homens da família
ficaram indignados!
R: Falavam que só mulher da zona que usavam calça comprida.
Então, o Vanderlei falou para mim há pouco tempo... Você
conheceu o Vanderlei?
C: O irmão do meu pai.
[...]
Pesquisadora: E a senhora nem ligava para os comentários?
R: Não, depois ele ficou sabendo. Ele é o cunhado que sempre
gostou muito de mim, sabe. Como cunhada, né! E ele de vez em
quando lembra disso e que ficou sabendo que escola tinha que ir
de calça comprida e depois ele contou essas coisas para mim.
Mulheres que partiram rumo à Educação, como professoras,
ultrapassaram limites impostos ao seu sexo socialmente construído,
enfrentando diversos preconceitos, caminharam na profissão,
dominando a categoria com o feminino posto à prova, ou seja, apesar
da atividade de ser professora caminhasse ao lado das adjetivações do
ser mulher, a categoria conseguiu sua dominância nesse espaço laboral
não doméstico. Dessa forma, colocaram as subjetividades de seu
25
Filha de “R”, é importante ressaltar a percepção das filhas sobre vivências de suas mães,
das dificuldades encontradas dentro e fora da família pelo fato de ser mulher ante ao que era
socialmente imposto.
110
corpo frente ao professorado, o que contribuiu para com que outras
mulheres pudessem encarar o socialmente imposto aos seus corpos.
Bruhns (1995, p. 79) elucida questões relativas às mulheres
com conceitos de decência e indecência “os quais variam em
diferentes culturas”, sendo questões de vestimentas fortemente
impostas, independentemente das partes corporais, fazendo com que
o pudor percorra os corpos das mulheres de acordo com a cultura em
que nasceram.
Essa pesquisadora (Idem, 1995) também salienta a questão da
religião e controle dos corpos femininos, colocando Eva como sendo
criada para ser a companheira de Adão, o qual foi feito do barro e ela,
por sua vez, da costela dele, sendo apenas uma parte deste, não
possuindo origem própria, o que é uma questão a se refletir.
Para Chagas (1995, p.127-128):
Parto então do lugar de um social inacabado, marcado pela
desigualdade e pela irreverencia das possibilidades múltiplas de
construção de vida, permeado por relações de poder que
circulam, transitam disformes, fazem agir, imprimem sobre o
corpo marcas da cultura, produzem regimes da verdade, discursos
sobre o sexo, o futuro, a vida e a morte, a mulher e o homem.
Esse social de vida intensa e de morte da cidadania num mesmo
movimento é cruel com o corpo e, portanto, produtor de
realidade. [...] O poder circula, produz modos de subjetivação,
enuncia formas múltiplas de existência, de conduzir a vida, de
seduzir o outro para o consumo de mercadorias, de arte, de
drogas de todas as espécies e de vida.
O corpo das mulheres possui suas particularidades. A questão
da reprodução transforma os corpos não apenas materialmente, mas
subjetivamente também, as emoções se modificam, fazendo presente,
ainda mais, as suas subjetividades.
111
O lugar praticado pelas mulheres no ambiente docente
enfrentou muitas barreiras com relação ao modo de lidar nas relações
profissionais e domésticas, além da compreensão dos homens e até
mesmo de mulheres nesse espaço.
Segundo Teles (2018, p. 164):
As feministas protagonizam a oposição da sociedade patriarcal
que impõe a maternidade compulsória ditada pela heteronor-
matividade que coloca como destino das mulheres o ser mãe.
Nasceram para ser mães e cuidadoras, e é assim que a sociedade
as vê. A naturalização da maternagem tem sido, ao longo de
décadas e décadas, criticada e questionada. As feministas
colocaram e reafirmam a maternidade como uma construção
social, histórica e política. A maternidade tem uma função social
e deve ser assumida também por toda a sociedade. [...] Não é por
acaso que a criança malcriada é tratada num sentido pejorativo,
comofilha da mãe” [...]
Nesse sentido, “V”, sempre teve como objetivo ser a melhor
e conseguir “vencer na vida”, com uma ideia de meritocracia
marcante.
Esforçou-se ao máximo para conseguir, como filha mais velha,
suprir a falta do pai em sua casa, o qual faleceu aos 33 anos:
V.: ...Eu fechava a porta e eles ficavam desesperados, alucinados atrás
da mãe... com a babá e ela não sabia o que fazia ... então eles foram
muito privados, meus três filhos...
Pesquisadora: Não, mas você assim... você se cobrava?
V.: Nossa Senhora! Eu ia chorando!!! Para Quintana no ônibus eu ia
chorando... nossa!
Pesquisadora: Mas ao mesmo tempo você amava a sua profissão... E
você não... Então não tinha como...
112
V.: Demais! Chegava lá, eu esquecia o problema... Assim, os
supervisores eram de Tupã, teve um dia que eu faltei, eu estava
grávida, e ele foi fazer uma visita na escola e eu não tava.
Pesquisadora: Nossa!
V.: Tinha faltado, nossa, foi uma coisa! Deixou um termo de
ocorrência
Pesquisadora: Mas você gravida e ele nem ligou né, que era esse,
né, o motivo...
V.: Não, deixou um termo de ocorrência... Na escola lá de
Quintana:...
Pesquisadora: ... Não existia essa desculpa, estar grávida...
V.: o!Eu não encontrei a professora”... Nossa, aquilo acabou a
minha vida, porque eu era certinha, no dia que eu precisei faltar, eu
não lembro se foi por causa das crianças ou se foi por causa de mim
mesma, mas foi assim, eu tava num final de gravidez e ele foi...
“[...] o corpo feminino fala no espaço do invisível e cria sentindo
para além das significações massificantes e homogeneizadoras. Às
mulheres foi definido o espaço privado para falar com o corpo, e sua
linguagem estabelece outra ordem [...]” (CHAGAS, 1995, p. 129).
Sendo assim, mulheres pensam e agem diferentemente de
homens no mesmo tempo/espaço e essas variáveis construídas
subjetivamente pelo social falocêntrico tiveram e ainda têm que
compreender que os espaços permitem diferentes corpos em
atividade. Mulheres docentes que estão grávidas, ainda continuam
sendo docentes, mesmo com suas transformações corporais, assim
como continuam sendo mulheres e necessitam de um olhar humano
para com suas subjetividades femininas.
Dessa maneira, “Srelaciona as mulheres que não possuem
um emprego formal como nada; “R” julgada por suas vestes, as quais
lhe permitiam mais conforto na lida com as crianças da escola; “V”,
existindo como se uma gravidez não pudesse alterar seu corpo e tendo
que trabalhar como se não estivesse grávida, sem a possibilidade de
113
justificativas de falta no trabalho em um final de gravidez; “E”, com
a percepção de manutenção das mulheres como professoras em uma
sociedade machista, exercendo durante sua carreira, outras profissões
como chefe de homens e percebendo a resistência destes pelo fato de
ela ser uma mulher. Mesmo assim, não perdeu a própria credibilidade
em sua competência. Ainda, “M”, resumindo todas essas situações e
outras invisíveis aos olhos sócio-culturalmente criados e ensinados em
uma sociedade machista, quando diz não saber mais quem é, nos
permite a reflexão das subjetividades femininas e suas lutas, e do que
está gravado no imaginário social e as realidades sobre ser mulher.
Conforme Chagas (1995, p. 133) “Mulheres que fazem do
corpo uma máquina de guerra, saltitam sobre/saltos altos, equilibram
a vida a duras penas e constroem formas de existências inimagináveis,
únicas, singulares.
Sendo assim, esse exercício de uma vida de ser mulheres
envolve questões abrangentes de gênero. Conforme Scott (1995, p.
86): “(1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais
baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma
forma primária de dar significado às relações de poder”, ou seja, o
sexo é sócio-culturalmente construído.
E essas relações caminham pelas classes sociais, pelas cores das
peles das mulheres, por suas idades, em continuações, rupturas e
permanências que estruturam histórias de ser e existir como mulher.
Assim como as professoras que participaram com seus relatos
orais para a elaboração desse texto, a pesquisadora percorre caminhos
de resistência por ser mulher, principalmente por meio da arte, a
dança do ventre e dança cigana fazem parte de quem é desde 2014,
quando se permitiu aceitar seu corpo, desconstruindo padrões
socialmente impostos. Os caminhos do ventre pairavam suas ideias
114
desde pequenininha, mas só aceitou a liberdade que a dança traz para
mulheres quando se permitiu não ter medo de expor quem é.
Assim como esta pesquisadora, algumas das professoras
também percorreram caminhos artísticos ao lado da profissão
docente:
E.: A arte me ajuda demais a me encontrar. Terminei meu
noivado. Meus pais numa boa, cinco anos, estado novo. Mulher
vai ficar mal falada, pipipi papapa. Que fique falada, foda-se.
Dane-se. Minha mãe falou: O noivado era seu, o noivo era seu, se
não acha que não vai dar certo...
Pesquisadora: É...
E.: Então, tudo lindo, tá tudo ótimo. Bom, esse noivo começou
a me encher o saco, ficar me perseguindo, tal... Indo em casa,
fazer escândalo...
Pesquisadora: Para terminar, ele...
E.: Não, eu terminei! Porque ele chegou pra mim: Eu não gosto
que você faça teatro. Eu falei: Ah, o que é que eu posso fazer? E eu
vivia nas festas do teatro.
Pesquisadora: Sim...
E.: Um dia ele chegou para mim e falou assim: Você vai ter que
escolher: O teatro ou eu. Falei: Ah...
Pesquisadora: O teatro.
E.: O teatro, tchau. Bati a porta do carro, e saí... E assim foi, que
eu faço teatro até hoje. A gente vai falar sobre isso...
“E” é enfática com relação à importância da arte em sua vida,
trazendo a força da liberdade e menos culpa em escolher o que é
melhor para si mesma, dificuldades pesadas que mulheres encontram
ao longo de suas vidas. “Edeu aulas de Ciências e Biologia, e possui
consciência da necessidade do feminismo para com os direitos das
mulheres, inclusive de Educação sexual, na década de 1980,
115
demonstrando facilidade em conversar com alunas e alunos sobre,
desmistificando tabus.
Dessa forma, encontramos nas falas das professoras
participantes dessa pesquisa, questões envolventes de gênero, as quais
caminharam por seus lares, trabalhos, por suas vidas.
E, cada uma a sua forma resistiu e existiu dentro das
possibilidades vividas e, por vezes, as recriando conforme suas
vontades e necessidades. Conforme Scott (1992, p. 67-68), “o
feminismo assumiu e criou uma identidade coletiva de mulheres,
indivíduos do sexo feminino com um interesse compartilhado no fim
da subordinação, da invisibilidade e da impotência, criando igualdade
e ganhando um controle sobre seus corpos e suas vidas.”
“E” trabalhou por 12 anos em uma escola agrícola, no interior
de São Paulo, com meninos internos na faixa etária de 15 a 18 anos e
ganhou o respeito como docente, consciente das dificuldades que
encontraria por ser mulher jovem dando aula para meninos:
E: Os adolescentes eram internos...Então o que acontece?
Meninos de 15, 16 e até 18 anos, internado, era um horror. Eles
estão longe de casa, desamparados, sentindo-se desamparados...
Pesquisadora: O comportamento era...
E: O comportamento...Perante a sociedade da época... Isso foi
1985... perante a sociedade da época, era um horror... falavam:
Você vai aguentar a escola agrícola? Falava: Preciso! E vou dar
aula de Biologia, porque Ciências eu sabia que era para os
pequenos. Eu não tenho empatia com os menores. Falei, bom,
entrei nessa turma que são os cinquentões hoje... dois grupos de
1985 até hoje nós nos encontramos, eu tenho eles no Whatsapp...
“E” gostava de estudar e de ensinar. Assim, mostra a
consciência na competência de exercer a profissão docente,
respeitando suas preferências nas idades maiores de seus alunos e
116
alunas. E também percebe, diferentemente das demais entrevistadas,
a maior presença e importância para a categoria feminina de mulheres
na direção, e traz ao diálogo a ausência de mulheres negras nos cargos
de docência:
Pesquisadora: E você teve discriminação por ser mulher dando
aula nessa escola?
E.: A gente tinha muitas mulheres, engenheiras, agrônomas,
veterinário... o cargo de direção era de uma mulher...
Pesquisadora: Nossa!
E.: Era de uma mulher! E foi minha professora de educação
física...
Pesquisadora: Sim... Isso já é em 85...
E.: Isso em 85... É... Tinha umas professoras... agora negra?
Nenhuma! Nós tínhamos o que trabalhava no almoxarifado, um
negro, professor de Educação física.
Pesquisadora: Serviço físico...
E.: Na cozinha, duas negras...
Pesquisadora: Sim... Morena, dando aula, também não. Negra
de pele retinta... Você percebia esse colorismo ou não?
E.: Percebia... Já estava começando a melhorar... A perceber que
tinha...
Pesquisadora: Já tinha morena, assim, dando aula...
E.: Tinha morena... Já estava começando a ficar diferente...
Aquela visão mais alienada já estava mudando... Estava
começando a perceber, porque que não... começando a perceber
que os alunos, a grande maioria era branca...
Pesquisadora: Branca... é...
E.: Por que também tinham que ser mantidos dentro da escola...
Eles não vinham de uma família pobre... A gente tinha, abre
aspas aí, a gente tinha a ideia de que pobre era o negro, né?
117
“E” aparenta uma mulher livre! Sempre envolvida nas Artes.
Anterior a ser professora, viajou pelo Brasil, vendendo artesanatos nas
praias de Salvador- BA e Rio de Janeiro-RJ.
Trabalhou em empresas em São Paulo e quando decidiu ficar
mais tranquila, se fixar em um lugar, resolveu exercer a profissão
docente. Essa experiência de liberdade e de ser mulher, com seus
privilégios abrangentes de raça/cor/etnia e classe, deu-lhe segurança
na vida como mulher. Nos relatos de “E”, são perceptíveis as
experiências e consciência com relação às questões de gênero levadas
para a sala de aula, a qual permitiu o exercício subjetivo de Educação,
já que os corpos e suas posições socioculturais, dialogam com as
alunas.
Recapitulando a trajetória histórica do conceito de gênero,
conforme Facchini (2018), no Brasil, a abordagem se iniciou entre
1970 e 1990, e traz como acontecimentos importantes e favoráveis
para a propagação desse estudo à redemocratização do Brasil, a maior
visibilidade às violências contra às mulheres, com a criação de
delegacias de defesa das mulheres (1960), e, a epidemia do HIV/Aids
(1980). Porém, a primeira vez que foi usada a categoria de gênero,
pensando a relação do sexo biológico dado ao nascimento das pessoas,
foi em 1958 por Robert Stoller que era um psicanalista estadunidense
que estudava a questão das pessoas transsexuais.
E nos anos 1970, estadunidense também, Gayle Rubin
(1975) pensava questões envolventes de gênero como um “sistema
sexo e gênero”, enfatizando sua autonômica e a negativa de explicação
apenas em questões econômicas:
Para ela, essa organização estaria relacionada aos sistemas de
parentesco, entendidos como formas culturais específicas de
organização dos fatos relacionados à produção, e que estariam
118
baseados na divisão do gênero, na heterossexualidade obrigatória e
no controle da sexualidade da mulher (FACCHINI, 2018, p. 43).
E a partir dessa trajetória estadunidense, a autora (Idem,
2018) ressalta a perspectiva feminista que aborda questões de gênero,
como sendo bem citadas, em sua maioria, no Brasil como Joan Scott
e Judith Butler, entre 1980 e 1990. Gênero, para Judith Butler, não
se separa do biológico (FACCHINI, 2018, p. 44) “o sexo, desde
sempre foi gênero, pois é a partir de categorias sociais, marcadas por
convenções e relações de poder, que nós tomamos contato e podemos
perceber diferenças anatômicas e/ou fisiológicas.
Outrossim, para Scott (1992) gênero é compreendido como
categoria analítica e descritiva das relações, entre homens e mulheres,
abordando sociedade e cultura e, sendo usada a categoria de gênero,
primeiramente, para análise das “diferenças entre os sexos, foi
estendida à questão das diferenças dentro da diferença”. Conforme
Facchini (2018, p. 44) no entendimento de Scott:
Quando se fala em “diferenças percebidas entre os sexos”, está se
referindo a algo que é do campo social, contrapondo-se à ideia
de uma diferença que seja estritamente biológica ou que anteceda
o social. Ela não nega as diferenças anatômicas ou fisiológicas
entre homens e mulheres, mas enfatiza que as relações de poder
estão relacionadas ao modo como essas diferenças são percebidas
pelas sociedades humanas, e aí está seu foco de análise.
(FACCHINI, 2018, p. 44).
Ou seja, quando mencionamos “mulheres” englobamos a
pluralidade existente entre elas, e assim, podemos concluir com a
autora (SCOTT, 1992), gênero, como um conceito de uma categoria
de análise que também aborda mulheres em suas variadas intersecções
com raça/cor/etnia, classe e gerações. Digo, também, pois, quando
119
gênero é trazido à lume, não se frisa apenas, por exemplo, mulheres,
mas, vislumbra-se também, as masculinadades, binariedade e não-
binariedade, ou seja toda a relação existente entre os sexos
26
.
A questão das diferenças dentro da diferença trouxe à tona um
debate sobre o modo e a conveniência de se articular o gênero
como uma categoria de análise. Uma dessas articulações serve-se
do trabalho nas ciências sociais sobre os sistemas ou estruturas do
gênero; presume uma oposição fixa entre os homens e as
mulheres, e identidades (ou papéis) separadas para os sexos, que
operam consistentemente em todas as esferas da vida social.
(SCOTT, 1992, p.88).
Essas diferenciações a partir das pluralidades de mulheres, faz
identificar às necessárias intersecções na abordagem dos estudos de
gênero, com relação a classe, raça/cor/etnia, geração, orientação
sexual, etc.
Saffioti (2015) ressalta a existente relação de poder que norteia
homens e mulheres, englobando questões de raça/cor/etnia, classe e
gênero. E, exemplifica essas intersecções com os casamentos entre
homens negros e mulheres brancas, com tentativas de equalizar as
desigualdades ou sobreposição de poder, já que aquele ganha por ser
homem e essa perde por ser mulher, porém, a questão racial o
inferioriza perante a esposa loura. Sendo essa relação prejudicial às
mulheres negras que ficam, em sua maioria, solteiras.
26
Para Vianna (2011) o sistema binário caminha para além do ser homem e mulher,
estendendo-se por exemplo no que é ser uma professora e um professor na sociedade em que
vivemos e ressalta que “Essa dicotomia cristaliza concepções do que devem constituir
atribuições masculinas e femininas e dificulta a percepção de outras maneiras de estabelecer
as relações socias” (VIANNA, 2011, p. 109). A autora (Idem, 2011) ainda frisa sobre o ato
de cuidar, o qual é entendido socioculturalmente como uma característica feminina, como
algo envolvente de compromisso moral.
120
A autora (Idem, 2015) também menciona as diferenciações
corporais e seus entendimentos históricos socioculturais,
relacionando o pênis do homem com a significação de poder, ou seja,
o phallus, e o corpo das mulheres como sendo amor em sua
integridade, já que elas possuem a sexualidade no corpo inteiro:
Assim, falar em zonas erógenas para as mulheres, não é correto, pois
todo seu corpo é. Poder-se-ia também afirmar que o corpo das
mulheres é inteiramente amor, na medida em que erógeno deriva do
Eros, deus do amor, na mitologia grega.” (SAFFIOTI, 2015, p. 33-
34). A ausência do poder e a supremacia do amor presente no corpo
das mulheres foi mais uma das justificativas históricas de subjugação
de mulheres.
Saffioti (2015) frisa rivalidades invejosas entre homens e
mulheres, com relação à maternidade, a força psicológica e física das
mulheres, mesmo que abafadas nos séculos, justificadas inversamente
por Freud, como inveja do phallus dos homens, pelas mulheres,
descrito pela autora como “o maior misógino da humanidade” (Idem,
2015, p. 34).
Dessa forma, Saffioti (2015) traz à reflexão do sexismo e sua
profunda relação com a estrutura social de poder que atinge tanto
homens como mulheres: “No fundo, parece que ambos, homens e
mulheres, casam-se com o poder. Se esta hipótese for verdadeira, é
possível encontrar o homem-ser-humano e a mulher-ser-humano em
meio a tanto poder?” (SAFFIOTI, 2015, p. 33)
As professoras encontradas para essa pesquisa são em sua
totalidade brancas, em sua maioria heterossexuais e de classe média,
culminando na percepção das ausências das mulheres pretas e pardas.
Almeida (2020, p. 34) aborda o conceito de gênero como um
fato construído culturalmente e cita regiões diferentes da África, as
quais possuíam diferentes relações concernentes à comportamentos
121
de homens e mulheres, em oposição aos Estados Unidos, ou seja, no
Ocidente, em que a feminilidade se concretizou como um padrão a
ser seguido por mulheres. As relações de gênero se modificam entre
diferentes culturas, porém, “E”, apesar de viver no Brasil, colonizado
e reprodutor de valores patriarcais, parece ter construído seus
caminhos com coragem e determinação de uma mulher dona de si.
E: Bom, eu saia de casa dez horas da manhã, porque eu ia de
carona... Esticava uma plaquinha “Itu-São Paulo”... Descia na
pista, descia na Castelo, depois eu pegava um ônibus urbano, ia
pro centro de Itapevi, ou pegava uma outra carona e ia pro centro
de Itapevi. Depois do outro lado da plaquinha “São Paulo-Itu”...
Descia na Castelo de novo...
Pesquisadora: E paravam bastante? Você não tinha medo... Se
fosse homem...
E: Nunca tive medo...
Pesquisadora: E nunca aconteceu nada...
E: Não... (risos) Mesmo em 2006...
Pesquisadora: Mas os caras não te cantavam...?
E: Não! Não tinha jeito... Como que eu ia dar aula em Itapevi,
morando em Itu, pagando aluguel, com um filho de doze anos,
pagando ônibus?
“E”, mulher branca e brasileira, professora e bissexual,
fazendo parte da chamada classe média paulista, criada de forma livre,
podendo fazer suas próprias escolhas, viveu e vive intensamente como
mulheres que possuem privilégios de liberdades que antes eram de
posse da classe masculina, sendo um exemplo da necessária atenção às
resistências presentes nas subculturas femininas (BURKE, 2005),
além da valentia ancestral de mulheres do Brasil, frutos de uma
mistura cultural. E as culturas trazidas e tentadas ao esquecimento
não devem ser esquecidas, pois existem corporificadas nas ausências
percebidas ou não, seja nos antepassados ou nos próprios corpos não
122
brancos desqualificados, ou até mesmo como foi percebido nessa
pesquisa: na ausência. Onde estavam as professoras negras?
A branquitude entre as professoras no recorte temporal
escolhido chamou a atenção e com os relatos orais foi encontrada a
necessidade de um diálogo entre Norte e Sul, não apenas (re)fazendo
uma apropriação dos saberes de nossos colonizadores, mas,
promovendo trocas de forma não exclusiva, abordando questões
trazidas pelo feminismo interseccional, o qual é necessário mencionar
que possuí suas raízes no feminismo negro, mas pode ser trabalhado
na pesquisa em andamento pelo fato das intersecções de
raça/cor/etnia com relação a branquitude em comum das professoras
e de classe.
“V é filha de professor e uma mãe do lar. Como já
mencionado nessas linhas, seu pai faleceu cedo, aos 33 anos, e sua mãe
teve que trabalhar fora de casa para o fornecimento do sustento da
família. Sua mãe trabalhou como servente da escola em que “V” e suas
irmãs estudavam, dando exemplo de força e superação para as
meninas. Por ser a filha mais velha, “V” construiu seus objetivos a fim
de prover a mãe:
V: Sério, bem? Então, mas eu sempre fui, não digo excelente, mas
procurei ser... Porque é uma questão compensatória. Eu era
rimo de família”, eu era a mais velha, então eu precisava ser uma
boa aluna e porque eu já enxergava lá longe. Eu precisava ajudar
a minha mãe. Qual era meu sonho? Tirar minha mãe de servente
da escola. Eu queria isso para mim. Eu sempre fui uma aluna
dedicada! No magistério foi a mesma coisa. Aí chegou no
magistério, deixa eu te contar uma coisa, teve o exame e na
primeira demanda eu o passei. Eu chorei tanto de ficar com o
olho desse tamanho e a minha mãe disse “para, tem tanta coisa
para fazer...”, mas, eu falava que “não mamãe, eu não tenho esse
tempo”.
123
“V demonstra em suas falas o peso carregado durante sua
vida em sempre ser a melhor.
Como irmã mais velha, ela se sentia responsável pela mãe e
pelas irmãs quando o seu pai faleceu. “Vtinha apenas seis anos de
idade e se construiu na ideia de prover a mãe, para poder retirá-la do
serviço “além-casa”:
V”: Aí eu peguei a primeira nota e fui trabalhar na São João. Aí
vinham me buscar de charrete, eu pegava meu dinheiro
limpinho, entregava na mão da minha mãe e minha mãe “Ah,
mas eu não vou sair da escola, isso aí é temporário”, mas eu “o,
nem se for para eu trabalhar em qualquer outro lugar! Mãe, eu
não tenho vergonha da senhora, mas é muito sofrido para você!
Você tem que cuidar de nós”, eu falava, e foi... Aí ela aceitou. Aí
minha mãe pediu as contas e eu nunca mais parei. Aí eu fiz o
magistério, como falei para você e trabalhei como professora. E
no mesmo ano, no período da tarde, eu era estagiária e você
perguntou sobre diretoras, os dois grupos escolares eram
diretores, não havia mulher na direção.
“V conseguiu seu primeiro emprego como professora no
lugar em que queria, na Fazenda São João, no interior de São Paulo.
O interesse em trabalhar nessa fazenda era em que o dono
disponibilizava uma charrete para buscar a professora. Dessa forma,
ela não teria gastos com condução. Com esforço, ela afirmou ter
conseguido quase tudo o que almejava:
Pesquisadora: E você levava a profissão, V., como... como que eu
posso dizer isso? Você levava só como trabalho ou como também
um ato de amor? Vocação... eu tenho vocação para ser
professora...
124
V: Olha, super vocação, mas se eu te contar uma coisa, você pode
nem entender como eu fui tão, com tanta devoção no
magistério... até hoje eu sou assim
V: Até hoje eu sou assim... é que eu, quando eu vim para Marília,
eu morava numa casa cuja menina que fazia fisioterapia em São
Paulo, em escola particular, e ela vinha só nas férias... ela tinha
umas amizades que as meninas namoravam os moços da
FAMEMA... três delas. Eu ficava babando... “Mas porque que eu
não posso fazer medicina?” ... Bom, naquele tempo era pago,
começava por aí, não podia. E segundo, era integral, e eu não
podia, precisava ajudar a aminha mãe...
Pesquisadora: Porque você foi para ciências... Então tem a ver...
você sempre teve vontade...
V: Para você ver... sempre, sempre era biologia e ciências que eu
queria fazer né, aí eu nunca pude, então como eu sonhei com isso
e eu vi que não havia possibilidade... tanto é que quando o And
entrou na medicina, meu filho mais velho, eu dei todo apoio e
eu me realizei nele, porque ele também, como eu, era também
um apaixonado pela medicina. Ele fez Odontologia, foi
trabalhar, mas ele sonhava com a medicina dia e noite, ele nunca
largava isso.
O que impossibilitou “V de fazer medicina foi sua classe
social e a necessidade de prover de sua mãe. Dessa forma, ela
encontrou caminhos em ser professora de Biologia e Ciências para se
aproximar do sonho que não conseguiu alcançar apenas com esforço.
Mulheres professoras detêm poderes aparentes de subjetivi-
dades à cultura masculina, já que a profissão docente às permitiu
contato com a intelectualidade, abrindo portas para o mercado de
trabalho. Sendo assim, às subjetividades relativas à cultura do poderio
do macho, em ser professora, possibilitou a ocupação de cargos como
de chefas de família, ou seja, a chance de serem donas de si, de adquirir
bens.
125
Por essas linhas envolvidas de chances de liberdade, falamos
de mulheres brancas, até porque, segundo Gonzalez (2020, p. 40) “as
negras e as indígenas são as testemunhas vivas dessa exclusão” e
anterior a possível ascensão das mulheres com a feminização do
magistério, já existiam as mencionadas chefas de família
(GONZALEZ, 1988), sendo percebida no recorte temporal dessa
pesquisa, datado em 1938-1985, a ausência de mulheres negras
presentes no professorado brasileiro.
Os lugares sociais das mulheres que estão na pesquisa em
andamento possuem em comum serem mulheres professoras,
brasileiras, do interior de São Paulo e a branquitude, interseccio-
nalizando com os distanciamentos e aproximações percebidas perante
às diferentes classes sociais e as gerações.
Questões relativas ao gênero pairam essas classes sociais. É,
portanto, possível fazer referência às vivencias de mulheres em uma
cultura masculina, a qual foi construída ao longo da história da
humanidade.
Dessa forma, é possível a reflexão de que o mundo com
características patriarcais, sexistas e machistas, as quais foram
reproduzidos em âmbito Norte Sul do globo terrestre, possui
questões a serem compreendidas ante as reações femininas às
opressões impostas diante do elemento segregação, o vácuo
construído socialmente e existente até os dias atuais, entre homens e
mulheres.
Burke (2005) disserta sobre a ideia de representação como
uma construção da sociedade ante à situações impostas socialmente e
os modos de compreensões distintas de diversos pontos de vistas
pessoais entre a sociedade, desmitificando assim, a ideia de
representação como uma cópia, mas sim, como reações construídas
mediante vivencias pessoais, “[...] Historiadoras feministas tentaram
126
não apenas tornar mulheres “visíveis” na história, mas também
escrever acerca do passado sob um ponto de vista feminino” (BURKE,
2005, p.101).
Com base em Prins (1992), mesmo revelando a grandiosidade
das subjetividades, a história oral também revela as dificuldades
encontradas por historiadoras para trabalhar com a palavra não
escrita. “Mas os historiadores são pessoas alfabetizadas par excellence e
para eles a palavra escrita é soberana” (PRINS, 1992, p. 169). Essa
abordagem de superioridade para com documentos escritos encontra-
se com a força colonial e, nesse sentido, com relação ao Brasil, sendo
formado por povos originários desta terra, os renomeados índios,
pretas e pretos trazidos de África e colonizados por Europeus, pode-
se notar o esquecimento quanto à importância oral para o não
apagamento de histórias dos indígenas e de africanas(os).
A oralidade na tradição Africana se faz muito presente e
Oyewùmí (2017), ressaltando a imposição de visões ocidentais
perante a cultura africana, generalizando suas histórias e ressalta a
existência de rainhas e não definição de gênero em vários termos,
como traz o exemplo dessa ocorrência, na cultura africana em nomes
próprios, o que dificultaria para uma historiadora ocidental, além da
dificuldade de tradução, a interpretação da existência de rainhas e,
possivelmente, vestindo o véu representativo de sua cultura para
prever a possibilidade maior dessas autoridades serem homens:
Por consiguiente, cuando Johnson escribió, por ejemplo, que la
corona competía a Aganju, hijo de Ájàká, o que Onigbogi era
uno de los hijos de Oluaso, posiblemente tradujo la palabra
Yorùbá o󰈨 mo󰈨 al inglés “hijo”. Esta palabra debió haberse
traducido como “hija o hijo de” o “hermano o hermana de” (en
el caso de hermanos y hermanas de diferentes generaciones,
quien era más joven se calificaba como o󰈨 mo󰈨 de quien tenía más
127
edad). De hecho, en este contexto, la mejor traducción de o󰈨 mo󰈨
sería “descendiente de o pariente de”. También debe señalarse
que no había indicios del ana sexo de la descendiente o el
descendiente: con frecuencia tampoco los había del de la madre
o del padre y, dado que alguien podía heredar.
27
(OYEWÙMÍ,
2017, p.168).
Os diferentes olhares devem ser enfatizados, pois, ao se
analisar um fato ou uma história de outras pessoas, é necessária a
consciência de onde a pesquisadora fala, ou seja, o seu lugar. Uma
pesquisadora com lentes ocidentais, ao traduzir histórias de África,
desconhecendo como lá são as relações de gênero, possivelmente
interpretará como se sente nessa relação, na tradição em que foi
criada. Dessa forma, percebe-se a importante de ouvir outras vozes e
com a tentativa de desprendimento de sua própria cultura para outras.
Com certeza é um trabalho árduo. Porém, é necessário para que haja
menor possibilidade de “criar uma história em um vácuo cultural”,
como menciona Oyewùmí (2017, p. 174):
Muchos historiadores e historiadoras contemporáneas parecen
estar creando la historia en un vacío cultural; si pusieran atención
a otras instituciones, valores y prácticas culturales, sería evidente
que algunas de sus presuposiciones más elementales necesitarían
de una explicación.
28
27
Portanto, quando Johnson escreveu, por exemplo, que a coroa competia com Aganju, filho
de Ájàká, ou que Onigbogi era um dos filhos de Oluaso, ele possivelmente traduziu a palavra
Yorùbá o󰈨 mo󰈨 para o inglês “filho”. Esta palavra deveria ter sido traduzida como "filha ou filho
de" ou "irmão ou irmã de" (no caso de irmãos e irmãs de diferentes gerações, quem era mais
jovem era qualificado como o󰈨 mo󰈨 de quem era mais velho). De fato, neste contexto, a melhor
tradução de o󰈨 mo󰈨 seria “descendente ou parente de”. Deve-se notar também que não havia
indicações do sexo da prole ou da prole: freqüentemente também não havia sinais da mãe ou
do pai e, já que alguém poderia herdar (tradução nossa)
28
Muitos historiadoras e historiadores contemporâneos parecem estar criando história em
128
Sendo assim, a consciência de uma pesquisa com mulheres
brancas, brasileiras e suas respectivas classes sociais e gerações se faz
valer no presente caminhar deste estudo com mulheres professoras.
Prins (1992, p. 169) classifica os meios de comunicação existentes em
diferentes culturas, “culturas orais, culturas escritas e culturas
compostas”, sendo que as culturas que se compõem tanto da oralidade
como da escrita, possuem a dominância de poder dos registros
escritos, o que é fato excludente de vozes que também são importantes
para construções históricas.
Em acordo com Fernández (2000, p. 40) “Las feministas
necesitamos tanto la deconstrucción como la reconstrucción
29
”. Dessa
forma, a consciência do movimento feminista ter se iniciado com
mulheres brancas e de classe média, o ganho de força das minorias de
direitos na década de 1980, são fatos que se aliam a Nova História
Cultural (BURKE, 2005) com atenção às vidas cotidianas e a
movimentação dos poderes que circundam as sociedades, demons-
trando as representações culturais exercidas pelas mulheres.
Na próxima capítulo, apresento resultados das análises de
aspectos dos relatos que constituíram o Quadro 3 Mulheres
professoras e os arquétipos maternais impostos socialmente: vivências
e as questões de gênero permeando os lugares e poderes em nossa
sociedade.
um vácuo cultural; Se prestassem atenção a outras instituições, valores e práticas culturais,
seria evidente que alguns de seus pressupostos mais elementares precisariam de uma
explicação. (tradução nossa)
29
As feministas necessitam tanto da desconstrução como da reconstrução. (tradução nossa).
129
CAPÍTULO 03
MULHERES PROFESSORAS E OS ARQUÉTIPOS
MATERNAIS IMPOSTOS SOCIALMENTE:
VIVÊNCIAS E AS QUESTÕES DE GÊNEROS
PERMEANDO OS LUGARES E PODERES EM
NOSSA SOCIEDADE
Neste capítulo apresento o resultado das análises dos relatos
das participantes, os quais constituíram o Quadro 3 (APÊNDICE A),
com o mesmo título deste capítulo, porém, sempre dando
continuidade a abordagem de cada um dos aspectos emergentes desses
relatos, sempre do “lugar de fala” desta pesquisadora.
Assim, logo de início apresento caracteres geracionais de
enfrentamento das mulheres docentes na sociedade brasileira.
3.1. Características geracionais de enfrentamento das mulheres
docentes na sociedade
B.: Hoje em dia se tem diretoras, coordenadoras... e naquela
época não... [...] E assim, a gente percebe que a mulher... Ela tem
assim, um olhar bem mais sensível do que o homem, né... Para
muitas coisas... Tanto é que na escola que eu trabalhava, fizeram
concurso e entrou diretores de outras cidades... Bauru, Marília...
[...] E aí, o quê que aconteceu, é... as coordenadoras que
ensinavam eles, que vão guiando eles, que vão mostrando o
caminho porque eles não sabem fazer nada sozinhos. Eles não
130
conseguem, eles não têm aquela visão, sabe, aquela visão sensível.
[...] A mulher é mais sensível, e outra, ela é muito assim, de
conversar com as pessoas né... O homem, ele é muito assim, no
geral, né... [...] a mulher, ela vê o problema de cada um, ela tenta
conciliar... o homem não...
Pesquisadora: Isso é da criação né? Você acha que é da criação?
B. Ah, eu acho que sim, porque o homem, ele é muito mais
suscinto, muito mais objetivo, mas nessa objetividade, eu acho
assim, é uma objetividade negativa. Porque não é uma coisa
positiva. Porque essa objetividade do homem, o que acontece...
algumas coisas acabam se perdendo. Às vezes umas coisas na
escola, planos, planejamentos, muitas atitudes ou mudanças que
tem que acontecer não acontecem por conta dessa atitude
masculina, você entendeu? Porque eles não dão abertura...
Pesquisadora: Entendi...
B: Mas hoje em dia mudou...
Pesquisadora: Então você prefere mulher na direção...
B: Ah, eu prefiro mulher na direção. Com certeza.
“B é mulher professora aposentada, possui 55 anos de idade,
é mãe de uma filha e trabalhou na rede pública estadual do interior
Paulista, sendo classificada nesta pesquisa como a primeira geração
encontrada, iniciando o exercício da docência na década de 80.
É filha de uma mãe que foi do lar e um pai que exerceu a
profissão da docência. Essa professora tem um olhar sensível para com
o ensino, percebe a necessidade das alunas em trazer suas inquietações
emocionais para a sala de aula e, devido a essas percepções, além de
possuir o diploma do curso Normal e de Pedagogia, buscou mais
profundidade nos estudos para colaborar com a sua profissão, fazendo
um curso de Psicopedagogia.
“B chamou atenção por trazer à lume uma questão que
permeia socialmente às mulheres professoras, a sensibilidade feminina
construída historicamente.
131
Mulheres professoras encontraram na docência uma das
possibilidades de resistir à cultura machista imposta socialmente, e
caminham entre os nuances dos poderes e resistências. Lagrave (1991,
p.506 - 507) enfatiza:
Ora, no mundo da educação e do trabalho, a lei da alternância
não tem peso: as posições dominantes são sempre ocupadas por
homens, as posições desvalorizadas por mulheres. Por exemplo,
uma profissão feminizada já não se masculiniza [...] quando as
mulheres progridem numa profissão ou numa disciplina, os
homens abandonaram-na, ou já antes a tinham abandonado.
Não é uma situação de rivalidade, nem sequer de justa
concorrência, é um abandono silencioso. [...] Exorta-se os
homens ao trabalho para suprirem as necessidades da família a
troco de um salário complementar. Os homens fazem uma
carreira e as mulheres abandonam o lar. [...] O século XX
escreveu, portanto a história da entrada maciça das mulheres na
educação e no salariado, mas eivada de uma desigualdade das
possibilidades escolares e da não miscibilidade das profissões. Ele
continua assim, a escrever através de variações, mas também de
invariantes, a história da vulgar segregação.
Sobre posições dominantes entre homens e mulheres, essas
relações se fazem e desfazem cotidianamente e podemos notar em suas
linhas (LAGRAVE, 1991), as possibilidades históricas dadas as
mulheres, e, agora, podemos refletir as sobreposições de desigualdades
pela construção histórica de ser mulheres nas relações de poder, em
concordância com Ribeiro (2019).
S” e “M” iniciaram suas atuações na docência nas décadas de
1930 e 1950, respectivamente, e, essas mulheres mostram que o peso
social imposto às mulheres nos dias atuais tem raízes que às
impediram de seguir seus sonhos, já que “S tentou fazer um curso de
132
aviação na cidade de Marília -SP, mas acabou sendo impedida pela
mãe, e teve que seguir carreira docente.
Além de S”, sua irmã M também possuía outras vontades
que caminhavam na contramão da docência, pois, realizou colegial
científico no Mackenzie na cidade de São Paulo e apesar de querer
cursar medicina, acabou não realizando o exame do vestibular.
M queria fazer Medicina e conseguiu fazer colegial
científico no Mackeinze, sendo a única mulher da sua turma, porém,
também seguiu a carreira docente. Mas, após passar um tempo
atuando na escola com pequenos, atual Educação Infantil, passou a
atuar também com adolescentes, atualmente, à Educação Básica II,
realizando após o então Curso Normal e o Colegial Científico, o curso
de Letras, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília,
nomeada FAFI, atualmente a Faculdade de Filosofia e Ciências de
Marília FFC/UNESP-Campus de Marília.
Mulheres e Educação, um caminho construído historica-
mente, de forma que a proibição se modificou em uma espécie de
permissão assistida” ou com limites demarcatórios, como salienta
Foucault (1982).
Pensando em lugares e representações culturais das mulheres
professoras, muito há para se investigar e refletir sobre a cultura de
resistência e luta das mulheres. Para tanto, os relatos orais são
fundamentais. A propósito, numa investigação de abordagem
histórica e mediante relatos orais, Chartier (1988) observa a linha
tênue entre as fontes, como, por exemplo, entre os documentos
oficiais e documentos produzidos a partir de relatos e propõe a
seguinte reflexão: “O que é provar em história?” (CHARTIER, 1988,
p. 85). Isso porque acredita na necessidade de não investir em passos
rígidos, propondo se pensar na flexibilização, o que se pode refletir ao
abordar aspectos dos cotidianos de mulheres professoras de variadas
133
gerações, classes sociais e suas individualidades e coletividades ao
reagir às imposições sociais, mediante os vários tipos de fontes.
Dessa forma, ao encontro das representações culturais das
mulheres professoras, de suas próprias histórias cotidianas, ou seja, as
microhistórias, Meihy (2002) ressalta como um bom par metodoló-
gico a história oral, a qual permite a continuidade de experiências,
sendo um documento que se produz com pessoas vivas “Ela é sempre
uma história do tempo presente e também reconhecida com história
viva” (MEIHY, 2002, p.13), possibilitando, assim, a ampliação do
olhar para além das histórias dos detentores de poder, as chamadas
histórias oficiais, salientando o autor (Idem, 2002) que os embates
com relação ao científico e a história oral são desmistificados quando
é exatamente nas subjetividades dos relatos em que a pesquisa toma
corpo: “Há dois alvos para atacar a cientificidade da história oral: 1)
o caráter de documento feito por relatos orais; e 2) as derivações
naturais da transferência do estágio oral para o escrito.” (MEIHY,
2002, p.47).
Conforme Meihy (2002, p.47),
“[...] mora na emoção e mesmo na paixão de quem narra a
subjetividade que interessa à história oral.” E acrescenta que a
objetividade reclamada da história oral é a mesma que deve ser
cobrada de qualquer outro documento escrito pois limitações
idênticas permeiam a produção de documentos oficiais” (Idem,
2002, p. 48).
Freitas (2006, p. 62) ressalta a importância da singularidade
da história oral e que o “discurso oral natural e espontâneo é muito
mais detalhado e expressivo, ao passo que o discurso escrito é mais
forma, elaborado e estereotipado” e ilumina questões a respeito de
memórias, principalmente de pessoas mais velhas, as quais são
134
participantes da pesquisa, cujos resultados parciais ora são
apresentados. Freitas (2006), embasada em autores da Neurociência e
Psicologia, afirma que as memórias antigas são sempre as mais
preservadas e detalhadas, além do mais, a pesquisa com base em
história oral, também busca nas linhas ditas, fatos relatados que por
vezes são inconscientes de seus pesos históricos, de seus significados
formais.
Validamente as afirmações de Meihy (2002) dão sentido às
microhistórias, além de marcar as histórias oficias, com as
subjetividades. Dessa forma, consideramos os documentos históricos
oficiais como fontes complementares da pesquisa, ante a validade dos
relatos orais e das histórias no plano micro que majoritariamente não
são contadas e existem às sombras dos maiores.
Salientando o entrecruzamento da história oral com as
representações, o que se pode perceber nas representações culturais,
nessa pesquisa com mulheres professoras, conforme Freitas (2006)
recordar é reviver integralmente o passado. A relação entre o autor e
o conteúdo de sua lembrança é privilegiada, reforçando-se a
importância do que é lembrado” (FREITAS, 2006, p.64).
Nesse sentido, apresento Neste capítulo as discussões
metodológicos sobre a importância da pesquisa histórica mediante
relatos orais, de maneira a ressaltar às reações diversas de mulheres em
suas épocas de atuações na docência, dependendo dos meios sociais
viventes, sobretudo no que diz respeito aos arquétipos maternais
impostos socialmente às mulheres professoras, além das vivências
dessas mulheres, mutuamente, entre suas respectivas profissões
docentes e com o trabalho doméstico não remunerado, pois, tanto em
tempos de mudanças, quanto naquilo que é denominado de
constâncias de pensamento, não sendo constituídas com as vozes de
todos, melhor dizendo de todas, não representam parcelas sociais
135
minoradas no âmbito de dada cultura dominante. A propósito, nos
relatos que compõem o Quadro 3, com os quais compus esta capítulo,
é possível afirmar que, muitas dessas mulheres que trabalharam para
sustentar famílias, tiveram atitudes consideradas “inapropriadas” para
mulheres de suas respectivas épocas, com atitudes e vontades
concebidas pelo feminismo, distanciando-se e mesmo não se
considerando feministas.
Vejamos “Rem quem se observa forte presença do ideal do
que chama de “vocação” e “amor” para com o ensino e com a profissão
professora. Parece que, inconscientemente, entende a necessidade do
ensino integral das alunas e alunos, não apenas conteudística. Porém,
quando surge a questão sobre respeito e violência contra as mulheres
por serem mulheres, em sua compreensão é um assunto não tão
polêmico e conduz a discussão como um problema em âmbito geral:
Pesquisadora: Que lindo!! Dona “Ra senhora também ensinava
sobre cidadania e respeito nas aulas?
R: Ah, eu ensinava sim!
Pesquisadora: E como que era? Respeito com o mais velho,
respeito com o próximo?
R: Ah, isso sempre! Sempre falava sobre a educação, sobre [...]
Então, tinha assim, nas minhas aulas, cada mês tinha um tema
para ser desenvolvido com as crianças.
Pesquisadora: Eu perguntei isso para a senhora porque hoje tem
professoras que ensinam sobre o respeito [...] Que agora estão
mais visíveis mulheres que apanham em casa, então tem
professoras que ensinam a respeitar as meninas, né. E eu queria
saber se na época da senhora tinha isso...
R: Ah, eu ensinava! Na época eu fazia um apanhado de tudo.
Pesquisadora: E a senhora acha importante esse ensino de
respeito a mulher?
R: Nossa, muito importante! Tem que respeitar sim, o respeito
aos mais velhos. Porque muitos não respeitam os mais velhos.
136
Tem que respeitar de um modo geral, não só os mais velhos,
todos! Todos aqui somos iguais, eu falava. Até porque eu tinha
alunos excepcionais na minha classe. Não há diferença.
R: Então, Ana Laura foi muito bom ter relembrado tudo! Ah, e
eu fazia questão! Os meus alunos até plantavam feijão numa
latinha para ver o desenvolvimento.
Os relatos, portanto, são essenciais como documentos em
pesquisa histórica com mulheres, e em nossa, particularmente, pois,
conforme Meihy (2002, p. 51) “história oral se apresenta como forma
de captação de experiências de pessoas dispostas a falar sobre aspectos
de sua vida. Quanto mais elas contarem a seu modo, mais eficiente
será seu depoimento” e salienta a memória como aspecto importante
da história oral, frisando a relação memória, indivíduo e sociedade e
seus aspectos envolvidos.
Meihy (2002, p. 56) menciona a ligação da história oral com
categorias da memória como “classe social, etnia, gênero e
circunstância histórica”, salientando que essas categorias funcionam
de forma coletiva, ou seja, se entrecruzam, dando vozes e caminhando
por tais categorias, quebrando o silêncio das não ouvidas, pois, “as
histórias escritas precisam mudar de figura, de forma e de gênero
radicalmente, para romper silêncios e apagamentos duradouros.
(OLIVEIRA, 2018, p. 132). Dessa forma, pesquisando mulheres
professoras brasileiras, de diferentes gerações, caminharemos
interseccionalizando essas categorias.
Além disso, trabalhando com vertente da história oral
temática, conforme Meihy (2002), tem sido possível a observação dos
relatos das mulheres entrevistadas com o foco em ser mulheres e
professoras e, a partir deste ponto em comum, ampliar o olhar para
com as aproximações e distanciamentos vividos por elas, também
considerando a possibilidade de analisar tais aproximações e
137
distanciamentos mediante outros documentos sobre mulheres
professoras.
Demartini (1993) salienta as mudanças no final do Império
sobre a maior admissão de mulheres na Escola Normal e justifica essa
feminização como única opção das mulheres continuarem os estudos,
já que o ensino secundário não era permitido a elas. Sendo assim,
interessadas em carreira docente, ou não, a elas era dada essa única
opção de continuação acadêmica. A propósito, é possível afirmar que,
em São Paulo, a mulher só teve real acesso à Escola Normal em 1875,
com a criação de uma capítulo feminina anexa ao seminário das
Educandas.” (DEMARTINI, 1993, p.06).
Com relação à maioria feminina no Ensino Primário da
época, conforme Bruschini e Amado (1988), isso também adveio com
a construção sócio-cultural do sexo biológico feminino, já que a
feminilidade e a crença das mulheres possuírem características
maternais, posicionou-as com competência para o ato de cuidar de
crianças no então Ensino Primário, com pequenas, desvalorizando a
educação desde a mais tenra idade, construindo a ideia de serventia
única e simplesmente de cuidados nos primeiros anos de vida das
crianças pequenas, e não como um direito da criança.
Mulheres professoras encontravam muitas dificuldades em
suas trajetórias profissionais devido, também às suas escolhas pessoais
de casamento e ou maternidade (DEMARTINI, 1993), o que não
ocorria com os homens, os quais construíam suas carreiras, muitas
vezes por meios políticos com extrema facilidade, como é possível
demonstrar em entrevista apresentada por Demartini (1993, p.09):
“Muitas vezes o inspetor me ofereceu: ‘O senhor não quer ser diretor
de escolas reunidas de tal lugar, assim, assim?’ Então, a gente era
promovido.
138
Sobre a maior valoração do homem no campo educacional
M”, comentou que sempre houveram diferenças entre homens e
mulheres na escola e que sentia essa diferença principalmente na
valorização dos alunos por professores homens.
R e “M são classificadas na mesma geração de professoras
participantes da pesquisa 3ª geração. Em seus relatos pode-se
observar ausências e presenças de compreensões sobre questões com
relação ao respeito para com as mulheres. Essas segregações a respeito
das construções das carreiras e o exercício da profissão docente
ressaltam uma feminização da profissão docente e do ingresso de
mulheres na academia, mediante o Ensino Normal de formação de
professoras, como foi mencionado. Esse fato pode ser vislumbrado
como um processo falacioso em seu início, visto a tentativa de
ocultação das desigualdades sexuais quanto ao acesso à espaços,
ofertando oportunidades paradoxas e regalias ao sexo de maior
prestígio no constructo sociocultural.
Entretanto, sendo a escola também um espaço que possui
finalidades, objetivos e histórias vivas de pessoas em decorrência do
ato de ensinar e aprender em diferentes e momentos temporais, ela é
uma instituição que também e essencialmente é cara social e
culturalmente. Conforme Frago e Escolano (2001, p.75) “o espaço
não é neutro, sempre educa” e, ante essa percepção é possível o
questionamento: essa educação seria para quem e com qual objetivo?
Possuindo a noção de lugar como a estabilidade da ordem dos
elementos em suas diversas relações, sendo sua respectiva prática ou
materialização denominada como espaço, ao encontro de De Certeau
(1995), docentes e alunas (os) aprendem em suas vivências e
representações, construindo e caminhado por espaços já demarcados,
sendo as noções de história e cultura de grande valia ao aprendizado
de transformações e estagnações das denominadas subculturas das
139
minorias, ou seja, das vozes abafadas no decorrer do tempo, no caso,
das mulheres.
A escola passou por fases de dominação (NÓVOA, 1991) e
ainda passa. Nesse sentido, existiram tempos históricos marcantes
quanto à constante supervisão dos mestres por seus entes dominantes,
sendo possível afirmar que, apesar da caracterização burocrática
inserida no processo de escolarização, ainda “[...] é a escola que
incumbe o trabalho de reprodução das normas e de transmissão
cultural.” (NÓVOA, 1991, p. 114).
A geração que “B foi classificada na docência, obteve maior
percepção da necessária dialética entre professora e aluna para uma
educação que não apenas seja conteudista:
B: É[...] Eu escolhi né, eu optei por ser professora porque naquela
época os pais, assim, não incentivavam a gente a fazer a escolha
das profissões. Eu comecei a fazer o magistério, e eu, assim, eu
me identifiquei demais... é... em trabalhar com crianças, mas
assim, eu fiz um trabalho voluntário antes de começar o
magistério, e eu me identifiquei demais com o trabalho
voluntário... é... de ajudar as crianças assim, e perceber... o que
mais me chamou atenção, o que elas precisavam, né... o que elas
tavam sentindo do que elas precisavam, porque a escola tinha o
conteúdo, como até hoje a escola tem... Só que assim, cada uma
tinha uma necessidade, cada uma tinha uma prontidão, e então
eu fiz um estágio antes de ingressar, com uma professora, que ela
me ofereceu, e ela me falou que... ela... ela assim... ela me ajudou
muito porque lá tinham crianças que tinham muitas necessidades
especiais, então foi a partir dali que eu comecei... eu fazia esse
estágio, e eu comecei a pegar o gosto pelo magistério, né... eu
comecei assim... me identificar com o magistério de ver que eu
podia ajudar as crianças, mas assim, não só com o conteúdo da
escola, mas o emocional da criança. Então quando a gente
percebe as crianças individualmente, que a gente vê que elas... é...
140
Antigamente elas iam na escola, elas tinham um problema
emocional, mas elas iam mais para ouvir, não iam para falar, hoje
é o contrário. Hoje a criança vai na escola para buscar uma
resposta para seus conflitos, é diferente de antigamente.
Antigamente, até na minha época, né, de escola...
Sendo assim,Bdemonstra inclinação para com o trabalho
social com pessoas, alinhando a escolha da docência como profissão
em sua aptidão com trabalhos voluntários, o que evidencia a
característica, ainda marcante de doação para com a profissão
docente. Porém, em seus relatos também fica demonstrada um
percurso da Educação para além do conteúdo e em direção ao
pensamento crítico-social, às percepções das necessidades de formação
das crianças e jovens como seres humanos que compreendem suas
realidades. Nesse sentido, Chartier (1991, p.184) ressalta a
pluralidade de “clivagens” existentes nas sociedades, abordando para
além das classes sociais, salientando as representações das pessoas que
compõem o meio social com ausências e presenças, ou seja, no
entendimento de ausências seria “uma distinção clara entre o que
representa e o que é representado; de outro é a apresentação de uma
presença, a apresentação pública de uma coisa ou pessoa.” Chatier
(1988) afirma que as ausências ficam mais no campo da simbologia,
da moral e as presenças mais com relação à substituição do ser ou
objeto, sendo próximos ou não em suas semelhanças, sendo que, em
um uso descabido das representações, essas não se apresentam como
devem ser, mas “teatralizando” a vida cotidiana, fazendo com que a
pessoa real não exista perante os outros, apenas sua imagem
construída para a sociedade. Assim, “[...] a representação transforma-
se em máquina de fabricar respeito e submissão” (CHARTIER, 1991,
p. 185-186). E, é nesse sentido que é possível afirmar que as
representações das mulheres que são reproduzidas até os dias atuais,
141
no tocante às suas próprias culturas, foram construídas, nessa
movimentação de ações e reações ante às imposições sociais.
Burke (2005, p. 43) ressalta o termo cultura e enfatiza que,
primeiramente, era colocado à referência das “Artes e Ciências.
Depois, foi empregado para descrever seus equivalentes populares [...]
Na última geração, a palavra passou a se referir a uma ampla gama de
artefatos e práticas”, culminando à aproximação do termo cultura
com a Antropologia e caminhando ao encontro da Nova História
Cultural. Dessa maneira, a ênfase recaiu sobre as sociedades, seus
diálogos, contradições, aparências construídas e realidades vividas.
Burke (2005) apresenta a ideia de subculturas com foco nas
pluralidades, trazendo como exemplo à diversidade humana como
homens, mulheres, jovens e idosos e salienta “pode ser mais
esclarecedor pensar em termos de culturas ou ‘subculturasfemininas
mais ou menos autônomas ou demarcadas.” (BURKE, 2005, p. 41).
Esse olhar amplo e aberto às individualidades coloca-se ao
dispor das histórias não contadas e silenciadas pelos tempos, às
denominadas microhistórias propostas por Burke (2005), as quais,
por sua vez, são grandes, mas, banalizadas em um mundo que
enalteceu e ainda assim o faz, em relação às histórias dos detentores
de poder, podendo citar aqui às vozes masculinas.
Mulheres carregam suas bagagens históricas desvalorizadoras
e culturas intrínsecas, com caracteres próprios de resistência, luta e
coragem (AKOTIRENE, 2019) e, correlacionado à Nova História
Cultural, com enfoque nas microhistórias (BURKE, 2005), existentes
apesar de posições sociais às margens das histórias de maior eloquência
que permeiam as culturas.
Em consonância com De Certeau (1998, p.201-202)
compreende-se como definição de lugar e espaço que “[...] um lugar
é, portanto, uma configuração instantânea de posições. Implica uma
142
indicação de estabilidade. [...] em suma, o espaço é um lugar
praticado.” (DE CERTEAU, 1998, p.202).
Refletindo o paradoxo da escola como emancipadora e ao
mesmo tempo limitadora, ou seja, primordialmente como sendo
única opção possível de uma mulher continuar seus estudos,
inquietação aflorou-se no que tange ao lugar das mulheres professoras.
Dessa forma, percebe-se a luta das docentes posta em suas
respectivas condições ante a perspectiva de ser mulheres e do lugar
ocupado e construído historicamente. Refletindo sobre o lugar das
mulheres professoras como pessoas históricas, construídas em uma
sociedade de homens, a qual desde longínquos tempos escolheu onde
as mulheres deveriam estar, Louro (2014) disserta sobre
representações das professoras, sendo estas opostas a um reflexo real,
como um “espelho”, mas caminhando ao encontro de uma construção
do que será real, a partir de então, atingindo essas mulheres que estão
sob a ação dessas construções impostas.
Louro (2014) ressalta que a construção das representações das
mulheres professoras aconteceu pelos homens, ligando à elas uma
extensão da maternidade desde o início, até mesmo para as que não
atingiram o “objetivo de ser mulher”, o qual era a procriação e a
constituição de uma família como prerrogativas às professoras
mulheres professoras que ficaram sem a proteção de um provedor;
sem o casamento, porém, professora, ocupação próxima à caridade.
Louro (2014, p. 103) menciona também as contraposições
das representações e caracteriza como “formas culturais de nos
referirmos aos sujeitos (e a nós mesmos), pois, as representações nos
dão sentido e certamente se transformam e se distinguem histórica
e socialmente”, apresentando, tanto as mulheres, quanto os diversos
grupos que possuem algo em comum na sociedade.
143
A definição de lugar atrela-se com as condições históricas
coletivas e individuais, ou seja, com as diversas culturas existentes. De
Certeau (1998, p. 201-202) menciona lugar e espaço, sendo o
primeiro definido como “ordem (seja qual for) segundo a qual se
distribuem os elementos nas relações de coexistência [...] Um lugar é,
portanto, uma configuração instantânea de posições. Implica uma
indicação de estabilidade.” E, o segundo, como a prática do lugar, ou
seja, reflexo do lugar “em suma, o espaço é um lugar praticado.” (DE
CERTEAU, 1998, p. 202).
Essas demarcações iniciadas com os lugares socioculturais e
reproduzidas nos espaços são estruturas estáveis que têm a capacidade
de permear por séculos nas culturas humanas, passando pelas
resistências e lutas, transformando-se em suas maneiras de se
apresentar, mas, mantendo a existência. É o que se pode observar nas
questões relativas ao gênero, sendo uma construção cultural do sexo,
conforme Scott (1995), sendo essas questões referentes às relações
humanas, demonstrando às relações hierarquizadas entre homens e
mulheres, ou até entre os mesmos sexos, conforme Teles (2007).
Por sua vez, Louro (2014) salienta o paradoxo construído em
ser mulheres professoras, próximo ao mundo masculino, no que se
refere a subsistência, porém falha pelo fato de ser uma mulher, com
casa e filhos, ressaltando o poder envolvente nas representações.
Portanto, “o que é importante notar é que nelas sempre estão
implicadas jogos de poder, melhor dizendo, elas estão sempre
estreitamente ligadas ao poder.” (LOURO, 2014, p. 106).
Dessa forma, nessa movimentação em que o lugar das
mulheres professoras se constrói, é possível o diálogo com Foucault
(1982, p. 81), quando ele menciona a existência de um “corpo social”
sobre a ligação do poder com o corpo: “Ora, não é o consenso que faz
144
surgir o corpo social, mas a materialidade do poder se exercendo sobre
o próprio corpo dos indivíduos.
Assim, para esse pesquisador (Idem,1982), os poderes se
articulam nos cotidianos, no plano micro e se fortalecem nessa
articulação, e esse corpo social, no que concerne às mulheres, pode ser
evidenciado nas práticas sexistas, machistas e patriarcais cotidianas,
ganhando força quando construído socialmente e caminhando pelas
reproduções por mulheres, assim como, perdendo força quando
atacado por estas; “o que tornava forte o poder passa a ser aquilo por
que ele é atacado... O poder penetrou no corpo, encontra−se exposto
no próprio corpo” (FOUCAULT, 1982, p.82).
Essas instabilidades demarcadas pelos poderes que se
movimentam nos corpos denominados de femininos e masculinos
caminham ao encontro do lugar de hoje ocupado pelas mulheres que
foi projeto de uma construção histórica colonial. Dessa forma,
Ribeiro (2019), com ênfase nas mulheres negras, ressalta a necessidade
de interseccionalizar, ou seja, englobando mulheres e seus lugares,
com classe e raça/cor/etnia.
Conforme Foucault (1982, p. 82) o poder “pode recuar, se
deslocar, investir em outros lugares [...] e a batalha continua. [...] A
cada movimento de um dos dois adversários corresponde o
movimento do outro [...] É preciso aceitar o indefinido da luta”, o
que permite o encontro com Ribeiro (2019) que, analisando vozes
diversas em relação aos seus lugares e espaços, aportando-se da ideia
de discurso de Foucault, afirma que se trata de “um sistema que
estrutura determinado imaginário social, pois estaremos falando de
poder e controle” (2019, p. 55).
Caminhando pelas linhas estruturais da sociedade, Ribeiro
(2019) ressalta a importância da posição social, gênero, raça/cor/etnia
e classe para a valoração ou não de seu discurso, o que se pode
145
interpretar como sendo um “elemento que permite justificar e
mascarar uma prática que permanece muda; pode ainda funcionar
como reinterpretação desta prática” (FOUCAULT, 1982, p. 137),
permitindo um encontro à Nova História Cultural (BURKE, 2005),
caminhando além, ao interior da estrutural social, percebendo o
micro, as construções e valorações nos grupos sociais, nas subculturas
das mulheres.
É possível refletir com Marini (1991) a ideia de cultura
feminina e o seu posicionamento de uma construção pelas mulheres
de sua própria cultura, com limitações demarcadas e impostas. Essa
pesquisadora menciona cultura como sendo construída pelos homens
que demarcavam limites impositivos às mulheres.
Essa percepção, em primeiro momento, pode parecer afastar-
se da ideia de subcultura de Burke (2005), o qual coloca subcultura
como ramificações de cultura, ou seja, as culturas no plural, com a
ideia de diversidade, porém, a indagação que circunda é: realmente as
mulheres possuíam sua própria cultura diversa livremente? Ao
encontro do pensamento desse pesquisador (Idem, 2005), são
percebidas as diferenças culturais femininas e masculinas, os nuances
femininos de sobrevivência em um mundo de homens. Mas, não se
podem negar uma leitura possível e necessária sobre a necessidade de
sobrevivência feminina encontrada em sua subcultura. Uma
inquietante observação nas linhas de Marini (1991, p. 355) faz
perceber o necessário entendimento e importância do lugar ocupado
pelas mulheres: “[...] não foram às mulheres que quiseram se
constituir como uma categoria a parte; esta posição foi-lhes sempre
imposta”. Nesse sentido, Marini (1991) ressalta a razão dos homens,
pura e simplesmente por o sê-lo e a falta desta para com a categoria
feminina, o que caracteriza a imposição social que permeou a história
das mulheres, a qual reflete e se reproduz e se reinventa de geração em
146
geração, como na pesquisa por mim desenvolvida e neste livro
apresentada.
147
CONCLUSÃO
Relacionando o meio social e laboral com a Educação, em
consonância com a vinculação que consta na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional
30
(BRASIL, 2015), assim como com o respeito
à liberdade humana, a temática de “mulheres na docência” abordada
nas linhas deste livro, foi construída permeando os diálogos
socioculturais, nas movimentações de ações e reações (CHARTIER,
1988), com enfoque no plano das microhistórias (BURKE, 2005) a
partir dos relatos orais das professoras que participaram dessa
pesquisa.
Os caminhos femininos podem ter sido impostos por
homens, mas, o desenvolver do caminhar, os “túneis” e “pontes
foram construídos por elas próprias. No presente livro, mulheres são
entendidas e enxergadas como pessoas humanas, com vivências
histórico-culturais, com culturas próprias. Sendo assim, ante a
primeira questão posta ao início do projeto de pesquisa que culminou
nessas escritas “quais representações que professoras brasileiras de
gerações distintas relatam sobre o olhar da comunidade escolar acerca
das mulheres na docência?”, as mulheres professoras participantes
mostraram a partir de suas falas, às suas histórias “por elas mesmas” e
as ausências e presenças de consciências sobre suas próprias histórias.
A relação de socialização entre homens e mulheres, para
Vianna (2011) culminam em interferências e modos de atuações nas
profissões escolhidas por ambos sexos, o que encontra-se com os
30
N º 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
148
relatos trazidos à lume, que demonstraram vivências socioculturais de
mulheres Latinas Americanas, brasileiras, professoras, intersecciona-
lizadas em classe social e geracional, com o ponto de encontro na
branquitude e classe laboral, com consciências e inconsciências sobre
o que é ser mulheres no meio social, construindo assim, os caminhos
de resistência, o que encontra com o primeiro objetivo específico
trazido pela pesquisadora que a partir de seu lugar de fala (DE
CERTEAU, 1979) pôde compreender a interseccionalidade em seus
distanciamentos e aproximações entre as professoras participantes.
E esses caminhos abriram espaços para que mulheres negras,
indígenas, trans, lésbicas, entre tantas outras, pudessem seguir a
profissão docente. Uma profissão iniciada meio a tantos tabus, dada a
historicidade cultural sexista da feminização do magistério, com
relação à vestimentas, modos de conduta, características físicas etc, foi
mobilizada pelas próprias mulheres, no que concerne ao impacto
corporal feminino em grande maioria nos anos iniciais da Educação
Básica.
Dessa forma, sendo o segundo objetivo específico
desenvolvido neste livro para compreender aspectos emergentes dos
relatos orais das participantes quanto às suas vivências, vestimentas,
atividades artísticas, dentre outras como os arquétipos maternais
socialmente impostos às mulheres professoras, que ressaltam as
questões de gênero, permeando os lugares e os poderes em nossa
sociedade, e as quais sinalizam para contextos também diversos em
suas lutas e conquistas político-sociais, os corpos das mulheres que
desde tempos longínquos com permanências contemporâneas que
ainda é subjugado, no entanto, mulheres professoras conseguiram se
massificar em um ambiente laboral intelectual. A subcultura feminina
lutou estrategicamente por seu espaço corpo-socio-cultural.
149
Digo corpo, pois este é lido socialmente há séculos como
frágil, em sua carne e mente, impuro em suas características naturais
procriativas, justificando às incompetências físicas e intelectuais
destinadas às mulheres. Com relação as imposições sociais às mulheres
brasileiras com o patriarcado reproduzido de Norte a Sul, estas, não
às impediram de reagir e movimentar a estrutura de poder
masculinizada, possibilitando assim, a criação de uma subcultura
feminina que resiste até nossos ares contemporâneos. O que alude ao
último e terceiro objetivo desenvolvido com base em analisar aspectos
dos relatos que indicam a revolução silenciosa feminina das mulheres
entrevistadas no campo docente.
Os encontros com as participantes dessa pesquisa, ficarão
guardados na mente e coração, tanto da pesquisadora como de sua
orientadora, dada a riqueza e profundidade das trocas de vivências nos
diálogosde mulher para mulher” no momento das entrevistas e
reflexões destas. Encontros esses que possibilitaram diálogos e
reflexões com De Certeau (1979), sendo de grande valia a
minuciosidade dada as vozes dessas mulheres, a partir do lugar de fala
da pesquisadora, oportunando a dialética entre vivências e teorias,
partindo da reflexão de que todas as pessoas carregam em seus seres,
suas histórias das relações sociais, em acordo com Saffioti (2015).
Os relatos de todas as mulheres professoras que participaram
da pesquisa resultante neste livro, foram de grande valia para
compreensões do que é ser mulheres em uma sociedade capitalista e
que reproduz valores patriarcais. Sempre esperando mais das
mulheres, apesar de enxerga-las como “menos”.
S, classificada na terceira geração, com 99 anos, chamou
atenção quando referiu-se a sua mãe, mulher do lar, como “nada.
Pois, mulheres carregam esse “nada” em suas bagagens históricas, o
nada” foi socialmente colocado junto à elas, e, esse vazio histórico de
150
ser mulher, corrobora com o paradoxo de liberdade e barreiras morais
postas às mulheres docentes. O ambiente escolar naturalizou opres-
sões às mulheres professoras e também gerou uma movimentação de
poderes socioculturais conforme Foucault (1982), possibilitando
assim as representações culturais existentes no cotidiano laboral das
docentes, o que é exemplificado quando ouvimos os relatos de “E”,
professora classificada na primeira geração, com 60 anos, dizendo
sobre a percepção de sua profissão de professora estar certa
socialmente, porém, entusiasma-se ao contar que trabalhou com
peões de roça e que apesar deles não a ouvirem, ela sabia mandar.
Foram percebidas, entre as três gerações encontradas na
pesquisa, a força de luta e resistência feminina, usando de estratégias
para com o poderio do macho, para caminhar socialmente. Porém,
essas estratégias aparentes de dominação do campo docente da
Educação Básica em seus anos iniciais, pela subcultura feminina não
ocorreram de formas completamente conscientes, já que se iniciou
mais como uma fuga da opressão doméstica (HILSDORF, 2003),
sendo que a escola também é uma instituição que reproduz conforme
Bourdieu (2002), simbolicamente, opressões com relação aos sexos
socialmente construídos.
Como observado em outros momentos, durante a escrita
deste text, o movimento da feminização do magistério, ocorreu com
mulheres da elite, consequentemente brancas, em sua maioria, tendo
as negras, anteriormente, já caminhado por processos minizantes em
questões tanto de valor social quanto monetário em seus trabalhos,
logo após a abolição.
Ou seja, a questão da branquitude presente na classe de
professoras inicialmente e seus desdobramentos sociais afetaram
diretamente como se deu o processo de representações culturais das
docentes, já que as atividades de cuidar, de afetuosidades e não
151
necessidade de rendas superiores a questões complementares, são
caracteres postos inicialmente com a feminização do magistério por
mulheres elitizadas.
Além do mais, a proposta pesquisa culminou na percepção de
que a luta das mulheres não pode ser apartada da luta das crianças,
dada características mencionadas, assim, como da desvalorização para
com a infância desde o Brasil colônia, conforme Hilsdorf (2003), fato
histórico que também se perpetua no meio sociocultural
contemporaneamente.
Sendo assim, a busca das mulheres pela elevação moral em um
espaço público (HIRATA, ZARIFIAN, 2009), especificamente à
docência exercida na Educação Básica, mais especificamente nos seus
anos iniciais, às submeteram ainda mais nas relações opressoras de
poder. A subcultura feminina, desde o início da feminização do
magistério, vive o paradoxo de ser e existir como mulheres em uma
sociedade que valora maior poder aos homens.
Dessa forma, expectativa é a de que, a investigação realizada,
abordando a subcultura feminina e suas representações culturais no
ambiente docente, venha a integrar o conjunto dos estudos sobre as
temáticas que envolvem, os quais, embora realizados com os
diferentes enfoques e considerando os vários aspectos que envolvem a
temática central, oferecem relevante contribuição para a análise e
interpretação aprofundada desses vários aspectos e para o
fortalecimento desse campo de pesquisa histórica.
152
153
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163
SOBRE AUTORA
ANA LAURA BONINI RODRIGUES DE SOUZA
Doutoranda no programa de Pós-Graduação em Educação na Faculdade de
Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus
de Marília - SP (2022), onde também realizou seu mestrado em Educação
(2021). É Pedagoga (Unesp, 2023), Bacharela em Direito pelo Centro
Universitário Eurípedes de Marília (UNIVEM, 2017). Tem como interesse
de pesquisa os seguintes temas: Educação, História da Educação, Direitos
Humanos das mulheres, representações culturais de professoras, relações de
gêneros e a branquitude. Faz parte do corpo editorial da Revista do Instituto
de Políticas Públicas de Marília IPPMar. É integrante do Grupo de
Estudos e Pesquisas HiDEA-Brasil-História das disciplinas escolares e
acadêmicas no Brasil (Saberes, práticas e culturas escolares e acadêmicas), do
NUDISE - Núcleo de gênero e diversidade sexual na Educação, e, LIEG -
Laboratório Interdisciplinar de Cultura e Gênero, todos na Unesp/campus
de Marília. Contato: ana.bonini@unesp.br.
164
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Normalização
Kamilla Gonçalves
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
PROFESSORAS DE GERAÇÕES DISTINTAS
(1938-1985) FRENTE ÀS REPRESENTAÇÕES
IMPOSTAS SOBRE MULHERES NA
DOCÊNCIA
Ana Laura Bonini Rodrigues de Souza
uma análise histórica
Ana Laura Bonini Rodrigues de Souza é Mes-
tra em Educação (2021) e também douto-
randa no Programa de Pós-Graduação em
Educação na Faculdade de Filosofi a e Ci-
ências, da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), campus de Marília - SP. É Bacha-
rela em Direito pelo Centro Universitário
Eurípedes de Marília (UNIVEM, 2017), e
licenciada em Pedagogia (UNESP, 2023).
Tem como interesse de pesquisa os seguin-
tes temas: Educação, História da Educação,
Direitos Humanos das mulheres, represen-
tações culturais de professoras e branqui-
tude. É integrante do Grupo de Estudos e
Pesquisas HiDEA-Brasil, História das dis-
ciplinas escolares e acadêmicas no Brasil
(Saberes, práticas e culturas escolares e aca-
dêmicas), do NUDISE - Núcleo de gênero
e diversidade sexual na Educação, e, LIEG
- Laboratório Interdisciplinar de Cultura e
Gênero, todos na Unesp/campus de Marília.
Contato: ana.bonini@unesp.br
Professoras de gerões distintas (1938-1985) frente às representações impostas sobre mulheres na docência
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11