ςPISTεμEs
FEMιNISTAS E
A PSILOGιδ DO
DESεnVOlVIμσnTo
EPISTEMEs FEMINISTAS E A PSICOLOGIA DO DESEnVOLVIMEnTo
leonardo lemos de souza
LEONδRDO LeMOS DE SOUZA
percursos na pesquisa sobre
gêneros, sexualidades e juventudes
Raquel Gonçalves Salgado
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
“Permito-me a ousadia de sintetizar esta
obra, em sua intensa provocação e desa-
fio para a psicologia e a educação: seu
mote é transformar em problemas os
processos de colonização da juventude
empreendidos pela psicologia do desen-
volvimento em sua ambição de descrev-
er e prescrever um regime de inteligibili-
dade da vida e do sujeito. Assim, gêneros,
sexualidades e juventudes são pontos
da travessia, pelos quais Leonardo
transita ao se deparar e interrogar a
produção teórica em série e também
histórico-social e política – de corpos e
subjetividades para o funcionamento da
engrenagem patriarcal e racista, estru-
turante da sociedade brasileira, sem
deixar de sinalizar para as possibilidades
de desalinho do tracejado dessas
normativas.
Neste livro Leonardo Lemos de Souza busca mapear o
modo como as epistemes feministas, enquanto crítica do
conhecimento, interrogaram a pesquisa em Psicologia do
Desenvolvimento. Esse mapeamento foi feito a partir da
análise do percurso de 15 anos de pesquisas que abordam
a juventude atravessada pelos marcadores de gêneros e
sexualidades. Faz isso a partir da interlocução com as
críticas feministas e queer sobre a ciência e o gênero na
produção de conhecimento, estabelecendo temas e
metodologias articuladas aos saberes situados e intersec-
cionais. Nesse sentido, gênero passa a ser um interrogador
da pesquisa em Psicologia do Desenvolvimento, desde
uma perspectiva performativizada (não binária e não
determinista) de positivação das diferenças, que borra e
revê os conceitos de natureza e cultura, e as suas decor-
rentes implicações éticas da/na pesquisa sobre jovens,
gêneros e sexualidades. No itinerário de pesquisas apresen-
tadas vão se desvelando esses entrelaçamentos com as
metodologias narrativas e situadas, as quais buscam
processos simétricos de pesquisa sobre temas como amor,
violências e tecnologias. Com isso, são desenhadas
possíveis contribuições desse percurso para se pensar a
pesquisa sobre sexualidades e gêneros, a partir de marca-
dores etários, como a juventude. Interrogam-se como os
feminismos e os estudos queer contemporâneos agenciam
a produção de políticas de escrita e pesquisa em psicologia
mais simétricos, problematizando o sujeito universal racio-
nal, adulto, heterossexual, branco, cisgênero.
EPISTEMES FEMINISTAS E A PSICOLOGIA
DO DESENVOLVIMENTO:
percursos na pesquisa sobre gêneros, sexualidades e
juventudes
Leonardo Lemos de Souza
Leonardo Lemos de Souza
EPISTEMES FEMINISTAS E A PSICOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO:
percursos na pesquisa sobre gêneros, sexualidades e juventudes
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2024
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
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Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
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UNESP/Marília
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Claudia da Mota Daros Parente
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Daniela Nogueira de Moraes Garcia
Pedro Angelo Pagni
Auxílio Nº 0039/2022, Processo Nº 23038.001838/2022-11, Programa PROEX/CAPES
Parecerista: Maria Cláudia Santos Lopes de Oliveira - UNB (Instituto de Psicologia)
Capa: João Maiolini
Ficha catalográfica
Souza, Leonardo Lemos de.
S729e Epistemes feministas e a psicologia do desenvolvimento: percursos na pesquisa
sobre gêneros, sexualidades e juventudes / Leonardo Lemos de Souza. Marília :
Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2024.
238 p.
CAPES
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-470-7 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-471-4 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-471-4
1. Juventude. 2. Feminismo. 3. Psicologia do desenvolvimento. 4. Teoria do
conhecimento. I. Título.
CDD 136.5
Catalogação: André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Copyright © 2024, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Às crianças e jovens cujas vidas
foram roubadas por ousarem
expressar seus desejos fora da norma.
A função de um intelectual não é dizer aos outros o que eles devem fazer,
Com que direito o faria? Lembrem-se de todas as profecias, promessas,
injunções e programas que os intelectuais puderam formular durante os
últimos séculos, cujos efeitos agora se veem. O trabalho de um intelectual
não é moldar a vontade política dos outros; é, através das análises dos
campos que são os seus, o de interrogar, novamente as evidências e os
postulados, sacudir os hábitos, as maneiras de fazer e de pensar, dissipar as
familaridades aceitas, retomar a avaliação das regras e das instituições e, a
partir dessa nova problematização (na qual ele desempenha seu trabalho
específico de intelectual), participar da formação de uma vontade política
(na qual ele tem seu papel de cidadão a desempenhar).
(Michel Foucault, Ditos e Escritos, Vol V, 2004, p. 249).
Todas as narrativas culturais ocidentais a respeito da objetividade são
alegorias das ideologias das relações sobre o que chamamos de corpo
e mente, sobre distância e responsabilidade, embutidas na questão da
ciência para o feminismo. A objetividade feminista trata da
localização limitada e do conhecimento localizado, não da
transcendência e da divisão entre sujeito e objeto. Desse modo
podemos nos tornar responsáveis pelo que aprendemos a ver.
(Donna Haraway, Saberes Localizados, 1995, p. 21)
[…] precisamos aprender a pensar de maneira diferente sobre nossa condição
histórica; precisamos nos reinventar. Este projeto transformador começa com
a renúncia aos hábitos de pensamento historicamente estabelecidos que, até
agora, têm fornecido a visão “padrão” da subjetividade humana.
(Rosi Braidotti, Diferença, diversidade e subjetividade nômade, 2002, p. 9)
SUMÁRIO
PREFÁCIO | Raquel Pereira Gonçalves..........................................11
I LOCALIZAÇÕES E SABERES NA PESQUISA SOBRE GÊ-
NEROS, SEXUALIDADES E JUVENTUDES...........................15
II EPISTEMES FEMINISTAS, PSICOLOGIA E O GÊNERO
NA CRÍTICA DA CIÊNCIA MODERNA.................................25
2.1 Epistemes feministas e a produção do conhecimento
2.2 Problemas de gênero no debate feminista e queer
2.3 Feminismos, saberes localizados e interseccionalidades
III PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO, FEMINISMOS
E OS ESTUDOS DE GÊNERO: DESLOCAMENTOS EPIS-
TÊMICOS...................................................................................47
3.1 Psicologia, ciência e a crítica feminista
3.2 Gênero e feminismos nos estudos em psicologia do desen-
volvimento
IV JUVENTUDES, GÊNERO E MORALIDADE: PISTAS DAS
EPISTEMES FEMINISTAS NA PROBLEMATIZAÇÃO DA RE-
LAÇÃO COGNIÇÃO E AFETIVIDADE...................................69
4.1 Jovens e violência: estudos sobre as relações entre juízos, va-
lores e ação moral
4.2 Gênero e moralidade na juventude contemporânea: estudos
a partir de situações de homofobia e sexismo em contextos edu-
cativos
V JUVENTUDES, AMOR E VIOLÊNCIA: NATUREZA E
CULTURA TENSIONADOS NOS ESTUDOS SOBRE GÊNE-
ROS E SEXUALIDADES..........................................................123
5.1 Experiências amorosas nas diferentes expressões de gêneros e
sexuais da juventude contemporânea
5.2 Gêneros e sexualidades desde conhecimentos localizados:
narrativas e cartografias sobre amor, tecnologias e violências
VI DESLOCAMENTOS PROVOCADOS PELAS EPISTEMES
FEMINISTAS NA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO:
PENSAR A PESQUISA COM JOVENS...................................195
REFERÊNCIAS.........................................................................209
11
PREFÁCIO
Prefaciar este livro, que reúne a trajetória de vida acadêmica
de um professor e pesquisador como Leonardo Lemos de Souza, é
tarefa inquietante e prazerosa que não se contenta em transitar
unicamente pelos conceitos porque a vida do autor não está fora do
conhecimento que se desenrola e se desdobra na obra em questão.
Conheço Leonardo (Léo) sob muitos aspectos amigo-
irmão, professor, pesquisador, parceiro de pesquisa e de docência.
Para efeitos deste texto, reservarei as palavras para dizer do professor
e pesquisador, ressalvando que, com esta escolha, os matizes dos
demais perfis de Leonardo não se retiram desse escopo, mas, ao
contrário, nele se misturam formando uma espécie de amálgama.
Isto porque sua história de docência e pesquisa transpira vida.
Leonardo não produz conhecimentos sobre objetos de estudo
inertes, estanques, distanciados, neutros. Seu processo intelectual é
movido por implicações afetivas, sociais; é um movimento político.
Nesse fluxo, Leonardo, em sua trajetória no Campus de
Rondonópolis da Universidade Federal de Mato Grosso
atualmente Universidade Federal de Rondonópolis , de onde o
conheci e quando iniciou sua imersão nos estudos de gênero e
feministas, em diálogos com a psicologia e a educação, não hesitou
em desdobrá-los em cursos de formação de professores/as das redes
públicas de ensino. Deixou, nesse território, o marco histórico da
coordenação das primeiras formações em gênero e diversidade na
escola em Mato Grosso e, com isto, corporificou em práticas
pedagógicas as teorias e os conceitos trabalhados em pesquisas.
https://doi.org/10.36311/2024.978-65-5954-471-4.p11-14
12
Nesta obra, Leonardo dedica-se ao debate crítico-reflexivo
sobre gêneros, sexualidades e juventudes como interrogantes
necessários para a psicologia do desenvolvimento em seu afã de
perscrutar a vida. Tarefa árdua, se considerarmos a tradição desse
campo na produção de normativas que se desdobram em modos de
ser esquadrinhados em etapas da vida. Nesta obra, Leonardo vai ao
encontro de uma das angústias de Walter Benjamin (1985) ao
denunciar, com os pés fincados no território da psicologia do
desenvolvimento, a marcha imposta pelo progresso que faz da vida
um tempo homogêneo. Nessa marcha, o passado coleciona e guarda
fatos estanques e o presente tem a tarefa de preparar para o futuro
apontado como expectativa da certeza, da coerência e do
aperfeiçoamento. No tempo homogêneo, as diferenças, o
imprevisível e o inesperado se calam. Leonardo não se curva às
narrativas sedimentadas, uniformes e hegemônicas de um
“desenvolvimento feliz de uma sintaxe lisa” como nos diz Jeanne
Marie Gagnebin (2013, p. 99) , tão habituais e recorrentes na
psicologia do desenvolvimento. No trajeto da contracorrente, ele
segue as fraturas e o descontínuo porque assume um compromisso
ético-político com o cuidado e o acolhimento das diferenças.
Permito-me a ousadia de sintetizar esta obra, em sua intensa
provocação e desafio para a psicologia e a educação: seu mote é
transformar em problemas os processos de colonização da juventude
empreendidos pela psicologia do desenvolvimento em sua ambição
de descrever e prescrever um regime de inteligibilidade da vida e do
sujeito. Assim, gêneros, sexualidades e juventudes são pontos da
travessia, pelos quais Leonardo transita ao se deparar e interrogar a
produção teórica em série e também histórico-social e política de
corpos e subjetividades para o funcionamento da engrenagem
patriarcal e racista, estruturante da sociedade brasileira, sem deixar
13
de sinalizar para as possibilidades de desalinho do tracejado dessas
normativas.
Termino este prefácio com palavras das epígrafes que abrem
esta obra porque muito expressam e compõem sentidos que são
tecidos nas reflexões inquietantes que costuram o texto: sacudir os
hábitos; dissipar o que se consolida como estatuto de verdade;
quebrar binarismos rígidos natureza e cultura, mente e corpo,
razão e afeto, sujeito e objeto, masculinidade e feminilidade ;
responsabilizar-se pelo que aprendemos a ver. Michel Foucault e
Donna Haraway são interlocutores potentes de Leonardo nesta
empreitada, como se pode notar nos textos iniciais em epígrafe,
porém é ele quem torna essa potência no exercício de fazer ecoar as
diferenças na psicologia do desenvolvimento.
Rondonópolis, 12 de dezembro de 2023.
Raquel Pereira Gonçalves
Referências
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas: magia e técnica, arte e
política. 2. ed. v. 1. São Paulo: Brasiliense, 1985.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e narração em Walter
Benjamin. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2013.
14
15
I.
LOCALIZAÇÕES E SABERES NA PESQUISA
SOBRE GÊNEROS, SEXUALIDADES E
JUVENTUDES
Neste trabalho proponho apresentar a sistematização de um
conjunto de pesquisas que coordenei e orientei ao longo de 15 anos
(2003 a 2017) de vida em e nas universidades em seus diversos
percursos acadêmicos. Estes percursos foram se tecendo como frutos
de um conjunto de acontecimentos e encontros produzidos ao longo
de minha atividade como pesquisador e docente na Universidade,
estas pesquisas podem ser analisadas como apresentando um
itinerário, no qual a produção de um programa de investigação foi
sendo anunciado e construído.
Um percurso é um caminho a ser percorrido ou já
percorrido. Ele se refere também ao ato de movimentar-se,
percorrer. Ao localizar-me num percurso no plano do trabalho
intelectual, tenho a intenção de descrever momentos da organização
desse trabalho que se conectam por um fio em que são tecidos
sentidos entre os momentos seguintes e os passados. Ele foi sendo
traçado em decorrência de questionamentos, conflitos, problemas
que se produziam ao longo da pesquisa que davam abertura para
outros problemas e a tentativa de inventar novos caminhos para
compreendê-los.
Não tenho a intenção de finalizar o caminho, nem negar os
desvios de rota, necessários para que pudessem ser inventadas outras
16
possibilidades. O que apresento é um percurso que se pretende
possibilidade de aberturas, de outros fluxos de pensamento sobre a
psicologia do desenvolvimento, desde perspectivas críticas da
ciência, que se aproximam dos feminismos. Assim, não se pretende
aqui encerrar a atividade de pesquisar, mas mostrar como foi sendo
sistematizado um campo e um programa de pesquisa que chega,
neste momento, num lugar que se abre para outras rotas. Como um
rizoma (DELEUZE e GUATARRI, 2011), não há hierarquias e
origens no que se apresenta, mas conexões, redes, tecidas nos fluxos
de pensamento em busca da compreensão dos fenômenos que vão
sendo interrogados.
O trabalho intelectual envolve essa interrogação constante
sobre as evidências, como me ensina Michel Foucault (2004). Por
vezes, a autoria tem o caráter de propriedade, de posse, algo que
vincula o advento da escrita impressa com o capital e
individualizada. Uma escrita autocentrada em sujeito é fonte
discurso e não efeito dele (FOUCAULT, 2014). Entretanto, a
autoria aqui tem o sentido de coletividade, nunca é feita só. A
escrita, por sua vez, efeito do produto da tentativa de expressar e
organizar as ideias de um autor, é polifônica. Mas é preciso situar de
onde se fala quais conexões estão presentes nessa polifonia.
O que se escreve aqui tem a perspectiva de um
conhecimento situado (HARAWAY, 1995). Significa que estão
imbricados na produção deste conhecimento elementos (sociais,
históricos, biológicos, afetivos, econômicos etc.) que me atravessam
e privilegiam as conexões em rede. Assim, como sugerido pelas
feministas, quero me posicionar desde um lugar e de seus
desdobramentos nos contextos em que se põem a circular. Ao
mesmo tempo, este conhecimento não trata de um relativismo, que
cairia na armadilha das identidades; e não é objetivista, que, de
17
outro modo, seria a favor de uma pretensa neutralidade e assepsia
epistêmica na busca de uma verdade.
Assim, quem escreve está do gênero masculino, de
sexualidade dissidente da heteronormativa, pai, professor,
pesquisador de universidade pública. Assumo a necessidade de um
conhecimento a partir de posicionamentos móveis e do
distanciamento apaixonado, como proposto por Donna Haraway
(1995). Por isso, de onde pesquiso e escrevo, como atividade e
ofício, me coloco momentaneamente num lugar, em iminente
deslocamento. Minha tentativa de conhecer e criar conexões e redes
exige certo distanciamento, que está na iminência de se romper, pelo
envolvimento encarnado com o que se pretende conhecer.
O fato de me localizar neste lugar pode gerar a pergunta:
porque os feminismos? Em dias de embate identitário que vivemos,
penso que os feminismos contemporâneos nos sugerem as alianças,
as políticas de afinidades (LÓPEZ PENEDO, 2008). Estas alianças
se recusam a construir muros, alguns dos quais os próprios
feminismos, em certa altura, levantaram ou ignoraram a sua
presença. O que me refiro como política de afinidades ou de
coalisões, tem a finalidade de construir laços entre aqueles que, de
alguma maneira, em diversas e diferentes intensidades, desde seus
lugares de saberes, experiências e ações vivem como exclusão diante
de hegemonias do sexo, da sexualidade, do gênero, da cor da pele, da
classe social, do intelecto, da idade etc. Defendo que as alianças são
necessárias para o combate a qualquer política de extermínio das
diferenças que se justificam pelos argumentos de um grupo
específico considerado superior aos outros. Significa, também, para
alguns desses aliadxs, reconhecer seus privilégios diante de outrxs
aliadxs, e combater as formas de desigualdades produzidos pelo
discurso da diferença como recurso para justificar as mesmas.
18
Penso o que foi delineado neste texto como uma tentativa de
fazer parte de coalizões. Ele, o texto, está em processo, com a
intenção de disparar outras conexões e promover um movimento
contestatório sobre os sistemas de conhecimento e as maneiras de
ver (HARAWAY, 1995), produzidos e gestados pela psicologia
acerca da pluralidade de gênero e sexual que rompe com as normas e
trajetórias estabelecidas. As pretensões contidas nele se desenrolam
diante de um conjunto de experimentações de alguém que escreve
tendo passado pela infância e juventude. Nessa passagem viu um
mundo em que essa pluralidade é constantemente punida e
patologizada a partir de uma série de dispositivos de controle: a
escola, a família, a comunidade. Muitos deles forjados pelas ciências,
especialmente pela psicologia.
A psicologia na sua tentativa de se constituir como ciência,
buscou estabelecer um objeto, métodos e técnicas que justificassem
uma abordagem objetiva e bem definida de seu campo de
conhecimento (ROSE, 2011). Estes caminhos produzidos na/pela
psicologia se baseiam nos fundamentos de uma ciência que, nos
postulados da neutralidade e da objetividade, operam um conjunto
de ações para investigar os fenômenos psicológicos, como a
disjunção para encontrar a regularidade e a universalidade dos
fenômenos (MORIN, 2000).
Estes postulados e operadores são tomados como referências
para a psicologia do desenvolvimento a qual busca, nas regularidades
e na universalidade dos processos de mudança, ao longo das
trajetórias de vida, a produção de generalizações. Um dos seus
objetivos é proporcionar referências para intervenções na educação,
na saúde e na assistência social. Segundo Lewis (1999), alguns
modelos explicativos produzidos por esta psicologia têm negado as
rupturas e descontinuidades nos processos envolvidos no desenvolvi-
19
mento humano, desdobrando-se em teorias e técnicas que
patologizam e criam determinismos sobre a vida.
Num nível epistêmico, a relação sujeito e objeto nesses
modelos tem fronteiras bem definidas, que ora tem no sujeito a
fonte de todo conhecimento sobre os objetos, ora nas relações entre
sujeito e objeto ora no objeto como disparador da atividade do
conhecer. O debate clássico entre construcionistas e construtivistas é
um exemplo que coloca em questão as relações entre sujeito e objeto
do conhecimento (KELLER, 1996; GLASERSFELD, 1996).
Outra cisão estabelecida pelo discurso da modernidade está
na relação entre natureza e cultura. Baseada nos modelos clássicos
das ciências, apropriados pela psicologia, existe a afirmação da ideia
de que a natureza e cultura são polos opostos que explicam
comportamentos e os processos psicológicos do sujeito com
unilateralidade ou com relações deterministas e de localização
binária. A natureza é influenciada pela cultura quando manipulada e
dominada por ela e a cultura é produto do humano, da sua
consciência e razão que lhe confere poder de transformar.
A dicotomia que também parte de pressupostos da ciência
moderna é a relação entre razão e afeto. Considerada também polos
opostos, estes fenômenos psicológicos foram, na tradição cartesiana,
compreendidos a partir de uma mutualidade que envolve
subordinação: Ora as emoções e os afetos dominam a razão, da
ordem do incontrolável, ora a razão é quem deve dominá-los para
poder transformar a natureza.
No itinerário delineado neste trabalho, existe a busca por
referenciais teóricos e metodológicos de investigação que pudessem
dar visibilidade às formas de produzir conhecimento a partir da
crítica de alguns desses fundamentos modernos. Percebo que a
psicologia, em especial a psicologia do desenvolvimento, com a qual
20
me dedico a trabalhar, tem mantido relações intrínsecas com esse
modelo de pesquisa da ciência moderna. Refiro-me à sua
aproximação constante com as ciências naturais que operam com
uma concepção de sujeito e de conhecimento mantenedora da cisão
natureza e cultura, razão e afeto a partir da visão naturalística
moderna do desenvolvimento humano em que a trajetória é linear,
contínua e progressiva.
Bruno Latour, em Jamais fomos Modernos (1994), afirma que
a modernidade produziu uma linguagem sobre a ciência que operava
para purificar os fatos. Nessa tentativa de purificá-los, estavam em
jogo outros atores queo somente o cientista, mas uma rede de
ações de humanos e não-humanos que produziam os fatos e que
escapavam aos princípios da ciência moderna. O projeto de ciência
da modernidade, atrelada à valorização de um modelo de sujeito,
racional e autônomo, torna-se inviável. Jamais fomos modernos pois
a modernidade, na tentativa de operar sobre a realidade, nega o
hibridismo do saber e dos fatos. Insiste então em uma racionalidade
científica utópica baseada na purificação dos fatos, que centraliza no
humano (Homem) todo destino e explicação dos fenômenos do
conhecer.
Autores como Bruno Latour (1994;2012), Donna Haraway
(1991;1995), Rosi Braidotti (2015), Michel Foucault (1987) e
Edgar Morin (2000) alertam sobre essa ciência que expurga o
aleatório, o acaso, o afeto, o cuidado, o não-humano, o
incontrolável que se materializam em alguns grupos e pessoas:
mulheres, crianças, jovens, velhos, loucos, criminosos, colonizados,
negros, travestis, homossexuais, animais, bactérias, vírus. Impera a
ideia de um sujeito abstrato que é marcado pela cor branca, do sexo
masculino, racional, com senso de justiça, autônomo e livre. Esta
abstração exclui outros como agentes produtores de conhecimento,
21
fazendo da ciência moderna androcêntrica, branca, ocidental, do
hemisfério norte, heterosexista e cisnormativa.
Estes tensionamentos são produzidos principalmente pela
crítica feminista da ciência. Tentarei demonstrar uma sistematização
de minha produção como pesquisador que foi se articulando com as
demandas feministas de uma ciência que rompa com o
androcentrismo, sexismo, heterosexismo e racionalismo. Escolhi
desenvolver essas críticas em pesquisas no campo da psicologia que
trabalham com os marcadores etários: a psicologia do
desenvolvimento.
Para tanto, apresento no segundo capítulo o campo de
estudos críticos feministas sobre a ciência moderna. Terei como
intercessores autorias feministas e outras que fazem a crítica da
ciência moderna que questionam os conceitos de sujeito e de
conhecimento. A crítica a estes conceitos é realizada a partir da
discussão no interior dos feminismos do gênero e seu papel no
contexto da produção de uma epistemologia feminista. A proposta
trazida por estas perspectivas é pensar gênero como um dipositivo de
problematização da ciência.
A partir desta interlocução, no terceiro capítulo são
apresentadas suas implicações das epistemes feministas, ao eleger o
gênero como objeto de estudo, na psicologia, em especial na
psicologia do desenvolvimento. Situo a constituição da psicologia do
desenvolvimento como área da psicologia e como ciência; a
construção de um campo de estudos sobre o gênero e os feminismos
como crítica dos fundamentos da pesquisa em psicologia do
desenvolvimento. Finalizo com a possibilidade dois eixos nos
estudos de gênero e os feminismos na produção de conhecimento
em psicologia do desenvolvimento.
22
Em seguida, proponho a análise destes dois eixos
problematizadores da psicologia do desenvolvimento diante dos
feminismos e os estudos de gênero, que são: as relações entre
cognição e afeto, entre natureza e cultura. Estas relações são
debatidas no contexto de produção de pesquisas realizadas e
orientadas por mim sobre juventudes, gêneros e sexualidades, cujos
argumentos e resultados apresento nos capítulos quatro e cinco
1
.
Neles também são discutidos o contexto das críticas sobre as
dicotomias, universalismos e dualismos que sustentam teorias sobre
essas relações; são apresentados os resultados e a análise das
contribuições teóricas e metodológicas na pesquisa com jovens.
No quarto capítulo, apresento minha incursão nos estudos
sobre a moralidade humana a partir das relações entre cognição e
afetividade. O conjunto de trabalhos discutidos são frutos de
discussões seminais desde o mestrado e minha tese de doutorado,
bem como de pesquisas desenvolvidas nos primeiros anos após o
doutoramento (2003 a 2011). Neles faço uma incursão no interior
da psicologia moral no debate sobre o papel do gênero, da
afetividade e da cultura na construção da personalidade moral. Este
tema gera questionamentos a respeito da perspectiva cognitivo-
evolutiva que valoriza uma abstração do sujeito moral centrado,
universalizado e masculino, com os temas: do campo teórico (juízo)
e prático (ação); da ética da justiça e da ética do cuidado; do
1
Nestes dois capítulos serão utilizados trechos de textos publicados em periódicos
científicos e de trabalhos ainda inéditos que foram desdobramentos de pesquisas
desenvolvidas no período. Por serem parte de discussões que estiveram constantemente
presentes nas nossas reflexões posteriores sobre os estudos sobre juventude, psicologia do
desenvolvimento e as epistemes feministas, optamos por não realizar a autocitação direta,
considerando-os parte constituinte da proposta que ora apresentamos, com algumas
alterações que se fizeram pertinentes. Entretanto, eles serão apresentados no início do texto
com a correspondente referência completa no final desta tese.
23
relativismo e do universalismo; conteúdo e forma no modo de
conhecer e dos julgamentos éticos.
Estas pesquisas foram desenvolvidas a partir da Teoria dos
Modelos Organizadores do Pensamento que se fundamenta em
leituras articuladas com os feminismos, de crítica ao patriarcado, e
dos novos paradigmas em ciência (complexidade). Seu debate estava
centrado na busca de uma leitura e análise da cognição humana que
integre aspectos operatórios e de conteúdos (valores, cultura e
afetividade) no modo como interpretamos e agimos sobre a
realidade.
No quinto capítulo, apresento um rol de investigações
realizadas de 2012 até 2017, a partir de perspectivas críticas
feministas de base interseccional e pós-estruturalista. Trata-se de
desdobramentos em relação às leituras anteriores sobre o gênero na
ciência e nos movimentos sociais, que abrem espaço para novas
perspectivas teóricas e metodológicas sobre a pesquisa e o
conhecimento.
Alguns trabalhos elencados no quarto capítulo se apoiam em
argumentos dos estudos de gênero como determinado cultural-
mente, estabelecendo territórios (dualismos) bem demarcados nas
diferenças entre homens e mulheres. O movimento feminista das
décadas de 60 e 70 ainda buscava a valorização destas diferenças e o
direito ao respeito desta diferença e isto reverbera no campo das
mulheres nas ciências.
As leituras trabalhadas no grupo de pesquisas do quinto
capítulo, questionam o gênero como determinado biologicamente e
culturalmente, bem como o uso do termo gênero para designar
somente um tipo de mulher: branca, classe média, heterossexual,
cisgênera, mãe biológica. Trazem, portanto, para a discussão, outros
elementos que se aproximam da composição plural dos gêneros com
24
outros marcadores, tais como: idade, classe social, raça/etnia,
sexualidade. Os estudos queer, gays e lésbicos passam a ser
interlocutores em investigações sobre a juventude e o tema do amor
em intersecção com as sexualidades, os gêneros e as tecnologias;
estudos sobre jovens travestis e a experiência escolar; os estudos
sobre jovens e masculinidades em interface com a violência.
Nas investigações apresentadas no quinto capítulo, portanto,
o gênero é um conceito problematizador das relações entre natureza
e a cultura na produção do conhecimento (HARAWAY, 1991;
BUTLER, 2003; BRAIDOTTI, 2015). Há a eliminação das
fronteiras duras e trabalha-se com borramentos de terrórios em que
dicotomias como sujeito e objeto do conhecimento são desfeitas e
retira-se a centralização no humano-homem. É aberto uma nova
frente no uso de novas metodologias de investigação que
acompanham essa crítica. O uso das narrativas de vida aliados ao
método de inspiração cartográfica abriram espaço para a
interlocução com outros campos do saber como a filosofia e os
estudos sobre linguagem (DELEUZE e GUATARRI, 2011;
GUATARRI e ROLNIK, 2011; BAKHTIN, 2006; BENJAMIN,
1994).
No sexo e último capítulo realizo considerações sobre o
percurso desenvolvido ao longo destes 15 anos de pesquisas e está
dividido em três momentos. No primeiro, analiso as pesquisas
desenvolvidas para a compreensão das subjetividades juvenis em
interface com os gêneros e as sexualidades. Por fim, analisamos e
defendemos as contribuições que as epistemes feministas tem
oferecido ao campo de estudos teórico e metodológico da psicologia
do desenvolvimento, bem como a possibilidade de um programa de
pesquisa que aprofunde na interlocução desses campos do saber.
25
II.
EPISTEMES FEMINISTAS, PSICOLOGIA E O
GÊNERO NA CRÍTICA DA CIÊNCIA MODERNA
2.1 Epistemes feministas e a produção do conhecimento
O feminismo tem suas origens nos fins do século XVIII, na
reivindicação das mulheres pela igualdade na educação, no direito ao
voto e no casamento. Considerado a primeira onda feminista,
aparece como movimento de contestação da condição da mulher na
sociedade capitalista ocidental, cultura patriarcal e androcêntrica que
impõe uma organização social, política e econômica na qual o
homem é o centro do comando e detém o poder nas decisões em
vários setores da vida: na família, no trabalho, na escola e na
política. A mulher é excluída da vida social e política da sociedade
em que vive, e sua existência é relegada à vida doméstica, ao mundo
privado, sem participação efetiva no mundo público, que é
privilégio dos homens (BIROLI e MIGUEL, 2014).
A primeira onda feminista reivindica necessidade de inserção
das mulheres no mundo da racionalidade, pela oportunidade de
estudos, como forma de estender o direito das mulheres de acesso a
outras necessidades. Melhor dizendo, estender o direito da mulher
branca de classe economicamente dominante, portanto ainda não no
sentido de abarcar mulheres inseridas em outras categorias como as
negras, lésbicas, pobres e jovens.
Um segundo momento do movimento feminista acontece
nos fins da década de 60 dando a ele um não só um caráter político
26
e social, mas também de ampla construção teórica, configurando um
campo de estudos os estudos feministas (LOURO, 1997).
Militantes e estudiosas como Simone de Beauvoir, Betty Friedan e
Kate Millet travam debates intensos sobre a condição da mulher na
vida pública e privada. Desde a liberação sexual da mulher com o
advento da pílula anticoncepcional e seu acesso a uma participação
relativa nos campos da política e da ciência a mulher passa a ganhar
certa visibilidade nesses cenários, tornando-se o gênero um
sinônimo dos estudos sobre o feminino.
No entanto, os estudos feministas se radicalizam e fazem a
crítica do gênero na ciência ressaltando a importância de ir além das
descrições e denúncias, e voltam-se para as explicações sobre as vidas
e experiências de mulheres na economia, no campo jurídico, na
política (RAGO, 1998). A construção do campo de estudos da
mulher em diversas áreas: na Literatura, na Linguística, na
Psicanálise, na Antropologia, na História, na Sociologia e na
Psicologia leva ao questionamento sobre os rumos desse tema,
destacando o papel das ciências na fomentação de práticas sexistas.
Uma questão colocada é: situar a mulher no centro do debate não é
desviar o olhar sobre as condições e relações de produção do
feminino e do masculino na sociedade?
Há, de certo modo, uma denúncia das desigualdades na
condição de vida e trabalho da mulher, mas também a celebração de
características ditas “femininas” em oposição às masculinas. Nega-se
o caráter relacional do gênero, reforçando um lugar essencialista do
feminino e do masculino. A crítica volta-se para a necessidade de se
pensar produção do gênero deslocada da diferença entre os sexos,
mas também nas suas condições e relações simbólicas de produção
(SCOTT, 1995). As críticas a uma literatura da mulher, uma
história da mulher e uma psicologia da mulher trazem à tona
27
generalizações abusivas e o dualismo na relação social de gênero.
Assim, o gênero torna-se uma categoria de análise e objeto de
debates conceituais.
O feminismo torna-se um movimento de crítica ao
androcentrismo, ao patriarcado e os seus produtos, como a ciência
moderna (BENHABIB e CORNELL, 1987). O predomínio do
termo gênero nos estudos feministas acontece na década de 80.
Tendo com inspiração leituras baseadas na psicanálise, na crítica
literária, na linguística, no construcionismo social e na filosofia
crítica da diferença (Gilles Deleuze, Jacques Lacan, Michel
Foucault, Jacques Derrida) são trabalhos de feministas como Julia
Kristeva, Luce Irigaray e Hèléne Cixous
2
que levam à rejeitação da
ideia de uma estrutura básica e comum nas distinções entre gêneros
e interrogam as práticas científicas e acadêmicas de produção de
conhecimento.
Neste contexto, as críticas do feminismo à ciência
denunciam o caráter ideológico, machista, sexista e racista na
produção do conhecimento. Estas críticas ainda se fundamentam
nas leituras sobre as relações de poder e subordinação das mulheres
pelos homens, e o decorrente predomínio da visão masculina-
universal-racional-branca-heterossexual-ocidental-primeiro mundo-
civilizada de produzir conhecimento.
Esta visão é a visão moderna de ciência que é forjada, como
aponta Latour (1994), pela negação dos hibridismos e a produção de
2
Podemos destacar algumas obras importantes para o feminismo destas autoras:
KRISTEVA, Julia. Powers of horror: an essays on abjection. Columbia University Press:
New York, 1982; IRIGARAY, Luce. Speculum of the other woman. Ithaca: Cornell
University Press, 1985; CIXOUS, Helene. The laugh of medusa. In: WHAROL, R.;
HERDNL, D. (eds.) Feminisms: an anthology of literary theory and criticism. New
Brunswick/New Jersey: Rutgers University Press, 1991, p. 334-349.
28
práticas de purificação dos fatos
3
. Ademais, prevalece o discurso de
uma racionalidade cartesiana de distinção e dissecação dos
fenômenos, isolando-os do contexto de significação e impondo uma
interpretação desde uma única perspectiva. O crédito da conquista
de se chegar à Verdade é dado ao sujeito cognoscente, centrado no
Homem (homem-humano) que domina a racionalidade, é
consciente e tem autonomia para agir. A este sujeito é dada, ainda, o
direito de impor o seu modo conhecer. Seu modelo passa a ser
valorizado, copiado, repetido, subjugando outros alternativos e
ocupando o topo na hierarquia de condições de possibilidades de
existir mais que esses outros.
Esta visão opera sobre perspectivas racionalistas que pensam
nos princípios de objetividade e de neutralidade como a forma
legítima de produzir conhecimento, excluindo perspectivas
intuitivas, implicadas e a subjetividade encarnada no conhecer. Além
disso, ampliam o debate para se pensar as fronteiras produzidas
sobre o público e o privado, sujeito e objeto, razão e afeto, natureza
e cultura, mantidas pela visão moderna de ciência.
A intenção de produzir uma epistemologia feminista se
fundamenta nessas críticas à ciência de pretensões universais
baseadas na abstração do sujeito do conhecimento. Kenneth Gergen
(1993) afirma que, nos campos de investigação de diferentes áreas
(antropologia, sociologia, psicologia) a crítica feminista vem
sinalizando diversos equívocos no modo de condução da pesquisa
3
Para Bruno Latour (1994), as práticas de purificação são aquelas que criam zonas
ontológicas distintas, as de humanos e não-humanos as coisas do homem e as coisas da
natureza. Os híbridos são as composições, as redes de relações entre as coisas que não se
pode negar nas práticas de purificação. Segundo Haraway (1995) Latour não é um
feminista notável, mas poderia tornar-se um com leituras como a que faz sobre o
laboratório como máquina de produção de fatos e verdades sobre o mundo e nós mesmos.
Mais análise sobre este aspecto (não) feminista da obra de Latour está delineado no texto
Bruno Latour, guerra e paz: persurcsos e contornos feministas, de Delphine Gardey (2014).
29
que implicam também no questionamento de seus fundamentos.
Dentre elas, destacam-se duas críticas: a) a da condução dos
resultados em função das hipóteses formuladas previamente pelos
cientistas; b) as teorias científicas serviam a determinadas posições
androcêntricas ou estruturas de poder.
Entretanto, Harding (1993) alerta que as muitas tentativas
de utilizar de abordagens tradicionais como o marxismo, a
hermenêutica, a epistemologia empiricista, a psicanálise, o descons-
trutivismo, o funcionalismo, o estruturalismo, a fenomenologia, não
foram soluções para a construir uma epistemologia feminista. Para
ela, ao mesmo tempo, essas abordagens se aplicam e não se aplicam
às mulheres e às relações de gênero. Alguns conceitos oriundos das
abordagens tradicionais ficam obscurecidos pelas leituras feministas,
e algumas experiências femininas ficam obscurecidas à luz de outros
conceitos.
A crítica de Harding se insere num conjunto de outras que
nos explicitam argumentos duros em relação aos feminismos que até
então queriam se apropriar de teorias não-feministas. Alerta-nos ela
que
“tudo aquilo que tínhamos considerado útil, a partir da
experiência social de mulheres brancas, ocidentais, burguesas e
heterossexuais, acaba por nos parecer particularmente suspeito,
assim que começamos a analisar a experiência de qualquer outro
tipo de mulher. As teorias patriarcais que procuramos estender
e reinterpretar não foram criadas para explicar a experiência dos
homens em geral, mas tão-somente a experiência de homens
heterossexuais, brancos, burgueses e ocidentais.” (HARDING,
1993, p. 7-8)
O feminismo, oriundo de um determinado grupo de
mulheres que tem o privilégio de poder dizer e formular teorias,
acaba por reproduzir, na teoria e na prática política, a experiência
30
patriarcal. Essa crítica por dentro do feminismo, feita por Sandra
Harding e outras feministas contemporâneas como Donna
Haraway, Isabelle Stengers e Rosi Braidotti, é impactante no modo
de conceber o conhecimento sua produção. O conhecimento passa a
não estar localizado no sujeito universal mulher ou homem -; a
relação entre saber e poder passa a ser analisada de maneira a
considerar as redes de sua produção e manutenção, desde diferentes
perspectivas.
A proposta de produzir uma epistemologia, uma teoria ou
um modo de pensar feminista, é um problema indicado por Rago
(1998), Harding (1993), Haraway (1991; 1995) pois querer a
hegemonia é controlar o pensamento, é ocupar o lugar do
dominador. Harding, por exemplo, sugere que a teoria feminista
não deve ser uma “ciência normal”, que simule um mundo estável e
partir de categorias analíticas estáveis. Pelo contrário, argumenta que
a vida social e o mundo são instáveis e incoerentes, uma teoria
feminista deveria construir categorias em constante mudança para
possibilitar o conhecimento e viabilizar práticas sociais.
Desse modo, também não concordamos com esta
intencionalidade de algumas perspectivas dos estudos feministas
quando procuram formas específicas de analisar experiências de
homens e mulheres a partir, exclusivamente, das regularidades e de
categorias que permitem registrá-las. A proposta deste modelo era
empreender uma epistemologia feminista ou uma teoria feminista
unificada e geral da experiência das mulheres. O que, segundo vimos
pelas próprias feministas, é uma ilusão.
Assim, sugerimos para efeito do nosso trabalho, no lugar do
termo epistemologia feminista o uso do termo episteme. Pensamos
mais no tensionamento que os feminismos provocam na ciência,
fazendo-a rever-se, deslocando-se para novos rumos metodológicos e
31
conceituais, exigindo a produção de outros conceitos, outras
linguagens, outras formas de produzir conhecimento. Sem ser um
saber subordinado nem dominante, mas um intercessor importante
no processo de produção de conhecimento.
Por isso preferimos o termo episteme, em vez de
epistemologia. Este último está mais próximo da construção de bases
e condições do conhecimento, uma teoria do conhecimento que
busca de um caminho da Verdade sobre o conhecer (HARDING,
1987). O feminismo tentou estabelecer uma epistemologia nestes
termos, adaptando leituras das abordagens tradicionais, ou tentando
estabelecer uma teoria social geral inserindo a perspectiva feminista.
Harding (1987) sugere que existem três propostas
epistemológicas nos feminismos: o empirismo feminista; a ciência
alternativa ou pós-moderna.; a alternativa feminista. Todas
pretendendo ser críticas da ciência moderna, ou a “má ciência”,
como ironiza Harding.
O empirismo feminista, que busca no argumento de mais
mulheres na ciência aumenta a possibilidade de objetividade no
conhecimento científico. O fato de mulheres (e homens feministas)
serem cientistas amplia a capacidade de emitir juízos de valores mais
próximos da realidade. No entanto, para a autora ele tem três
problemas: a) ele não considera a identidade social da/o
pesquisador/a como relevante na produção dos resultados de
pesquisa; b) as metodologias empregadas se aplicam às justificativas
e não às descobertas, isto é, a metodologias não são produzidas com
base na problemática em estudo; c) manutenção da lógica de
investigação androcêntrica, levando à generalizações.
A ciência alternativa ou pós-moderna, para Harding, reúne
proposições fundamentadas numa releitura feminista do marxismo,
substituindo o proletariado como categoria de análise pela de
32
mulheres; um segundo grupo de proposições que é cética no modo
de refletir o mundo, como espelho, no fundamento da ciência pelo
iluminismo. A crítica, neste sentido, é feita em um diálogo
ambivalente as críticas do modernismo, como as desconstrucio-
nistas, psicanalíticas, estruturalistas e semióticas. Ela aponta como
crítica a esta epistemologia: a) o relativismo que gera dúvidas em
relação as posições de poder e privilégios de determinados grupos
dominados, geradora de uma falsa consciência; b) uma certa
tendencia a ver de maneira transcendental a fragilidade humana; c)
rejeição de uma política ativa diante dos problemas sociais.
Problemas que aproximam esta leitura do pensamento iluminista e
burguês que o feminismo se opõe.
A alternativa feminista, por sua vez, recorre a outras
epistemologias libertadoras. Valorizam as experiências concretas de
mulheres, as suas relações com os trabalhos manuais e mentais, uma
abordagem relacional e contextual do conhecimento. A proposta
alternativa feminista renuncia a uma explicação unitária das
experiências sociais, e deseja a solidariedade em torno de objetivos
comuns. Para Harding (1987), ela indica as condições históricas das
questões a serem superadas, sem gerar teorias universais.
Entretanto, nos aproximamos mais proposições das
alternativas feministas (HARDING, 1987 e 1993; HARAWAY,
1991 e 1995) que recusam essa tentativa de produzir uma teoria
social geral ou de uma teoria do conhecimento universal. Estas
leituras alternativas se aproximam mais do que podemos chamar de
episteme, termo que preferimos utilizar este trabalho e que pode ser
melhor definido pelas palavras de Michel Foucault (1987) em As
palavras e as coisas:
33
"não se tratará, portanto, de conhecimentos descritos no seu
progresso em direção a uma objetividade na qual nossa ciência
de hoje pudesse se reconhecer;
o que se quer trazer à luz é o
campo epistemológico, a
epistéme
onde os conhecimentos,
encarados fora de qualquer critério referente ao seu valor
racional ou a suas formas objetivas, enraízam sua positividade
e manifestam assim uma história que não é a de sua perfeição
crescente, mas antes, a de suas condições de possibilidade;
neste relato, o que deve aparecer são, no espaço do saber, as
configurações que deram lugar às formas diversas do
conhecimento empírico.
Mais que de uma história no sentido
tradicional da palavra, trata-se de uma "arqueologia"
(FOUCAULT, 1987, p. 11 grifos nossos).
A episteme trata então do pano de fundo do conhecimento
produzido, das condições de sua produção e manutenção, de suas
implicações políticas e éticas. Não se refere a sua proposição como
Verdade desde a justificativas lógicas e filosóficas ou a proposição de
métodos e técnicas como critérios de validação e objetividade. As
epistemes feministas
4
, portanto, seriam os saberes construídos
historicamente pelo movimento feministas e estudiosas feministas
acerca de conceitos relevantes para situá-las diante das opressões do
mundo. É o modo feminista de pensar sobre a realidade e sobre o
mundo desde uma perspectiva de gênero (relacional) que nos
interessa, assim como os deslocamentos provocados, por esse modo
de pensar, na ciência, em especial, na psicologia do desenvol-
vimento.
Como vimos, a crítica feminista fez observações
contundentes sobre alguns dualismos na ciência moderna (razão e
emoção; natureza e cultura; sujeito e objeto), mas pouco foram as
aproximações aos dualismos presentes na discussão sobre gênero e
4
Em alguns momentos, ao longo do texto, utilizaremos o termo epistemologia feministas
devido ao seu uso pelas autoras feministas que trabalhamos.
34
sexo (HARDING, 1993). Nas próximas linhas trataremos de pensar
como este debate sobre o gênero e sexo, desamarrado da matriz
biológica e dos determinismos culturais, promove também rupturas
nos modelos de conhecer a partir da emergência de outras categorias
necessárias para pensar os conhecimentos sobre a realidade e nós
mesmos.
2.2 Problemas de gênero no debate feminista e queer
O movimento feminista mais contemporâneo, da década de
1980 até a atualidade, provoca uma revisão dos valores que
direcionavam as questões das mulheres. Promoveu uma frente de
ações que visava a desconstrução aos determinismos biológicos
científicos, que essencializavam a mulher, provocando binarismos e
excluindo as diversas mulheres. Seus questionamentos advêm de
reivindicações do próprio movimento feminista que a partir da
questão: quem é o sujeito do feminismo? (BUTLER, 2003;
BRAIDOTTI, 2004) Tensionou as questões de gênero localizadas
numa categoria específica de mulher: branca, classe média,
heterossexual, ocidental etc.
Este deslocamento acabou por produzir uma série de
reflexões acadêmicas de mulheres feministas (lésbicas, negras, latinas,
trans) na direção de uma epistemologia feminista que abarcasse as
diferenças como potência e, ao mesmo tempo, o gênero como uma
ferramenta de análise crítica da realidade e delas mesmas. Assim, o
gênero não passa a ser um conceito exclusivo para tratar das questões
referentes às mulheres cis (correspondência entre sexo biológico e
expressão de gênero) e com outras interseccionalidades.
35
Apresentaremos neste momento algumas leituras dos estudos
feministas e queer
5
sobre esse debate no intento mapear o modo
como se pensa o gênero e seus efeitos críticos sobre as relações
sujeito e objeto, natureza e cultura, razão e afeto. Estas considerações
abrem espaço para repensar o uso do gênero na pesquisa e nas
teorizações em psicologia (AZEREDO, 2010).
Um primeiro conjunto de autoras como Joan Scott, Gayle
Rubin, Judith Butler, Teresa de Lauretis, nos auxiliam no modo
como podemos pensar as articulações entre os conceitos de gênero e
sexo de modo a romper com dimensões binaristas e deterministas da
vida erótica
6
.
Joan Scott (1995) parte das discussões sobre gênero como
categoria de análise destacando seu caráter sociocultural e histórico.
Introduz esse papel ao gênero ao criticar os estudos que se pautam
na distinção entre os sexos marcada por explicações biológicas.
Nessas explicações afirma-se uma a-historicidade do termo gênero,
que define as relações entre os sexos nos moldes do patriarcado
demarcadas apenas pela diferença sexual anatômica
a partir da
5
A teoria queer, ou o que denomina-se perspectiva queer acerca dos gêneros e das
sexualidades, é um conjunto de ideias que se desdobram das produções de autores
contemporâneas feministas e dos estudos gays e lésbicos que se vinculam às contribuições
do pós-estruturalismo francês e dos Estudos Culturais norte-americanos. Desde esta origem
emergência, trata-se de politizar a sexualidade e afirmar modos de vida considerados
desviantes. Ela surge em meio ao enfrentamento das políticas conservadoras em relação aos
pacientes com AIDS nos Estados Unidos na década de 80 do século XX. A atribuição da
disseminação da doença era atribuída ao modo de vida homossexual, considerado
promíscuo e desviante. Algumas manifestações e a organização de movimentos sociais
enfrentaram esses rótulos em busca de direitos, indo para as ruas se mostrar e fazer mostrar
em toda a sua diferença (SAEZ, 2007).
6
O termo erótico é uma alternativa ao termo sexualidade para pensar a incursão do social
na vida afetiva vinculada ao sexo. Uma tentativa de rompar com o uso do termo
sexualidade para referir-se a sexo, ou ao ato sexual em si mesmo. Sugere-se o termo erótico
como algo destaca a complexidade da vida sexual, afetiva e social.
36
divisão sexual do trabalho e das ideias evolucionistas sobre as
exigências para a reprodução biológica da espécie.
As considerações sobre os estudos de gênero, realizadas por
Scott, se dão no campo da Historiografia. Ela busca trazer para o
campo da história o gênero como categoria de análise integrando as
diferentes posições dentro da Historiografia e dos estudos feministas.
Dessa forma ela define o gênero como “(1) ... um elemento
constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas
entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar
significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, p. 86).
A obra de Joan Scott, que faz uma crítica dura ao
patriarcado, é seminal em muitas discussões sobre o debate do
gênero nos feminismos e nas ciências humanas. Embora esta leitura,
tenha aberto o espaço para a crítica dos discursos biologizante e
dualista do sexo e do gênero outras propostas produziram uma
radicalidade nesta episteme. A chamada perspectiva queer é tomada
como frente de investigação pelas ciências sociais e pela filosofia,
empreendendo uma crítica à naturalização das sexualidades e dos
gêneros, questionando binarismos, essencalismos e universalismos.
Tal crítica se ancora na problematização das hierarquias baseadas nas
diferenças entre os sexos, produzindo práticas discursivas sexistas,
geralmente colocando as mulheres na condição de subordinadas em
relação ao discurso do masculino e a crítica aos fundamentos da vida
social baseada somente na heternormatividade dada como
obrigatória, implicando em excluir outras formas de vivências e
expressões de gêneros e das sexualidades dissidentes das normas na
sociedade e na cultura.
Teresa de Lauretis (1994) é a primeira em um artigo a
abordar o termo teoria queer em sua obra. Sua preocupação rata da
necessidade de superar o conceito de gênero baseado na diferença
37
sexual. Por um lado, esta base levou a construir um pensamento
feminista baseado na binaridade, remetendo à essência da mulher e
por outro reforça uma epistemologia feminista baseada na crítica ao
patriarcado, cujo sujeito é oposição ao masculino. Ao contrário,
necessita abarcar um sujeito gendrado que está num campo social
heterogêneo, atravessado por questões de raça, sexo, classe.
Esta autora ainda contribui a pensar o gênero como uma
tecnologia. Como representação e autorrepresentação o gênero é
produto e processo de diferentes tecnologias sociais como o cinema,
os discursos e práticas sociais cotidianas. O gênero é relacional, se
refere a uma representação de uma relação, a de pertencer a uma
classe (ampliação do termo para além do sexo). Isto é, ela se remete a
ideia de pertencer a algum lugar.
Quando o que é “privado” se torna “público”, ou “põe a
cara no sol”, é estigmatizado, vigiado, violentado, exterminado.
Travestis e putas a luz do dia devem ser invisibilizadas. A noite é seu
lugar. As mulheres estão dentro e fora da representação do que é ser
mulher num modelo androcêntrico e patriarcal. Puta/esposa/
infértil/ parideira/ mãe/ negação de maternidade/doméstica/trabalha
fora de casa.
O deslocamento da mulher/mulheres no conceito de gênero
pelos feminismos, segundo Lauretis, provoca uma contradição
irreconciliável: dentro e fora do gênero, dentro e fora da
representação. Aproximações e distanciamentos com o patriarcado,
o androcentrismo e a heterocisnormatividade.
Gayle Rubin (2003) nos sugere pensar as dimensões
interseccionais que envolvem a produção de uma hierarquia de
valores sobre o sistema sexo-gênero e nos apresenta as diversas
composições acerca das sexualidades e gêneros. Ela nos indica que
nas bordas do círculo, seus limites exteriores, estão o que é mau,
38
anormal, não natural: homossexuais, promíscuos, sadomasoquistas
etc. Estes ficam longe da parte encantada e saudável do círculo, que
se refere ao sexo heterossexual, monogâmico, pro criativo, em dupla,
sem pornografia.
Aquelxs que fogem da norma estabelecida nesse caminho do
sistema sexo-gênero vão ocupando as bases da pirâmide ou as bordas
do círculo como menos favorecidos no contexto sócio-político-
econômico de uma sociedade. Neste lugar estão o que a sociedade
define como população abjeta: travestis, transsexuais, negras pobres
lésbicas, gays negros pobres; sadomasoquistas etc, São aqueles que,
por fugirem da norma, produzem efeitos de normalização,
legalização e controle das suas sexualidades.
O resultado da operatividade do sistema sexo-gênero é
esmiuçado em Tráfico de Mulheres uma economia política do sexo
(1993), no qual Rubin sugere pensarmos no sistema sexo-gênero
como um conjunto de arranjos através dos quais uma sociedade
transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade
humana, e na qual estas necessidades sexuais transformadas são
satisfeitas” (p. 2).
Pensemos desde uma hierarquia baseada no sistema sexo -
gênero, que é representativa da diferença sexual as identidades de
gênero e suas práticas sexuais devem corresponder: sexo biológico
feminino mulher identificação com modos, valores, afetos,
pensamentos considerados exclusivamente femininos (cuidado,
sensibilidade, delicadeza, etc.); sexo biológico masculino homem
identificação com modos, valores, afetos e pensamentos
considerados exclusivamente masculinos (razão, força, agressividade,
insensibilidade, etc.).
Interessante notar que as migrações das populações eróticas
descritas por Rubin nos Estados Unidos e Europa nas décadas de 60
39
a 80, mencionadas no início deste texto, indicam como ao se
deslocar da periferia ao centro, estas comunidades provocaram
efeitos de práticas de controle das sexualidades. A necessidade de
estar no urbano centro para existir (economicamente, socialmente e
afetivamente) provocou efeitos de anulação e controle. As expressões
sexuais e de gêneros periféricas e da periferia não podem existir na
centralidade, nem social, nem geográfica. Devem existir de maneira
apócrifa e no gueto, voltadas para si mesmo com os mecanismos de
regulação dada pelos dispositivos de controla (leis, violência,
opressão).
Judith Butler (2003) insere na problematização sobre o
conceito de gênero nos feminismos outra dimensão no sistema sexo-
gênero, o desejo. Na ideia proposta de pensar um sistema sexo-
gênero-desejo, no qual se produzem pluralidades de existências.
Assim, uma pessoa pode nascer do sexo masculino, com gênero
feminino e ser lésbica.
O conceito de gênero de Judith Butler interroga os
binarismos e determinismos produzidos pela ordem discursiva
normatizadora (da heterossexualidade, do androcentrismo, etc.).
Para ela o gênero é um ato performativo intencional em que se
subvertem a ordem estabelecida e produzindo significados sobre o
masculino e feminino. Há um tensionamento sobre a relação
natureza (da qual a origem dos sexos provém) e a cultura (na qual o
gênero poderia esta alocado e somente seria a expressão do dado
natural). O gênero seria aprisionado pelo sexo nesse caso. No
entanto, para Butler, ele se desloca, flui, performatiza outras
possibilidades de existência.
Assim como Gayle Rubin (1993;2003) e Teresa de Lauretis
(1994) as proposições de Judith Butler (2003) tentam produzir
40
também uma crítica aos feminismos baseados nas diferenças sexuais
estabelecidas pelo sistema sexo-gênero.
A ideia de performatividade insere o gênero no plano da
discursividade e da experiência (não submissão da gendricidade a
matricialidade biológica). Esta ideia permite-nos de fato falar em
expressões de gênero, subvertendo o conceito de gênero colado à
identidade e libertando ele das amarradas dos dualismos explicativos
(natureza e cultura) e dos binarismos (masculino e feminino). O que
interessa a Butler é uma leitura difusa e não da gênese do gênero. O
foco está em como ele escapa, atravessa e se vincula a instituições e
práticas ao longo do tempo e quais os efeitos de verdade que isso
produz. Pensar o corpo é uma alternativa para Bulter (2011) para se
pensar o gênero. Para ela o corpo não pode existir fora de uma
discursividade do gênero, e a materialidade do corpo existe, mas só a
aprendemos a partir do discurso generificado.
Haraway (1995) discorda da potencialidade do conceito de
gênero isolado por vezes ele é isolado inclusive do sexo. Quando
junto o sexo torna-se a matéria-prima para o gênero (desvelar-se
homem ou mulher, masculino ou feminino). Pensar na produção
das corporalidades pode ser uma via para superar os dualismos
incitados pelos conceitos tradicionais de gênero e de sexo. A
metáfora do ciborgue (HARAWAY, 2009) é um recurso da autora
para descolonizar o pensamento de dualismos, universalismos e
essencialismos.
Num quadro geral da discussão sobre o gênero no
feminismo, ele provocou questionamentos sobre o pensamento
ocidental de tradições e costumes e da própria ciência. As autorias
que destacamos defendem a capacidade dos feminismos provocar
deslocamentos a partir da reformulação dos problemas inicialmente
interpelados pelas mulheres sobre as suas experiências. Isso implica
41
em produzir deslocamentos nos modos de pensar, sentir e agir,
articulando-os com outros mundos, como o da poesia, literatura,
sentimentos, emoções, do teatro, da música, das tecnologias de rede,
da biologia, da ecologia.
2.2 Feminismos, saberes localizados e interseccionalidades.
A produção de saberes vindo das experiências de mulheres,
dispararam outras ideias sobre os modos de fazer ciência, pensar a
realidade. As políticas de localização engendradas, a partir destes
feminismos, abrem espaço para o questionamento de conceitos,
pressupostos, explicações, métodos de análise sobre os fenômenos
sociais.
Tais políticas epistêmicas se dedicam a questionar as ciências
produzidas na centralidade masculinista, heterossexual e cisgênera.
Tratarei aqui de algumas autoras feministas que promovem rupturas
epistêmicas nas ciências modernas com suas ideias: as contribuições
de Donna Haraway, Gayatri Spivak e Gloria Anzaldua. Não
trabalharei aqui com as legitimidades deste ou daquele feminismo,
mas com as potencialidades conceituais que eles podem nos oferecer
para abordar nossa proposta de pensar as epistemes feministas em
sua relação com a pesquisa em psicologia do desenvolvimento. As
leituras escolhidas, dentre outras, nos oferecem interlocuções com o
material produzido a ser analisado no terceiro capítulo deste
trabalho.
O conceito de saberes localizados, formulado por Haraway,
advém de discussões no interior dos estudos feministas que buscam
descolar a visão centrada no Homem. O adjetivo de conhecimento
objetivo ficou restrito à visão masculinista excluindo todas e todos
que estivessem fora do antropocentrismo. A proposta de alguns
42
feminismos, como de Haraway (1995) é reabilitar o conceito de
objetividade.
“Os olhos têm sido usados para justificar uma realidade
perversa esmerilhada à perfeição na história da ciência
vinculada ao militarismo, ao colonialismo e à supremacia
masculina de distanciar o sujeito cognoscente de todo e de
tudo no interesse do poder desmesurado”. (HARAWAY, 1995,
p. 19)
A objetividade feminista significa saberes localizados. Ao
contrário da objetividade que, segundo ela, está relacionada a
homem, branco, europeu, ocidental do norte. Para Haraway (1995),
a objetividade do feminismo é corporificada, tem nome e lugar. A
proposta é se desvincular dos modelos renascentistas e de des-
corporificação que forjaram a ciência, que seja utilizável e não
incocente. Haraway quer
“...uma escrita feminista do corpo que enfatize metaforicamente
a visão outra vez, porque precisamos resgatar sentido para
encontrar nosso caminho através de todos os truques e poderes
visualizadores das ciências e tecnologias modernas que
transformaram o debate sobre a objetividade. Precisamos
aprender em nossos corpos, dotados das cores e da visão
esteroscópica dos primatas, como vincular os objetivos aos
nossos instrumentos teóricos e políticos de modo a nomear
onde estamos e onde não estamos, na dimensão dos espaços
mental e físico que mal sabemos nomear. Assim, de modo não
muito perverso, a objetividade revela-se como algo que diz
respeito à corporificação específica e particular e não,
definitivamente, como algo a respeito da falta visão que
promete transcendência de todos os limites e
responsabilidades.” (HARAWAY, 1995, p. 20-21)
43
A perspectiva parcial é a que promete a visão objetiva de
fato. É ela que se abre, se coloca implicada com o que produz,
responsável pela parcialidade que se impõe pelo lugar que ocupa.
Assim, recusa a divisão sujeito e objeto assim como todas as outras
cisões impostas pela transcendência, resulta em considerar que “...a
objetividade feminista trata da localização limitada e do
conhecimento localizado” (HARAWAY, 1995, p. 21).
Haraway avança em dizer que do contrário, um
conhecimento não localizado é irresponsável, no sentido de ser
incapaz de prestar contas com o que produz. Mas ela toma
precauções. Apesar de considerar de grande valor ver desde “as
periferias e dos abismos” (HARAWAY, 1995, p. 22), ela alerta que
não devemos ter uma atitude romantizada, devemos empreender a
crítica desde baixo. A preferência sobre a perspectiva dos subjugados
se deve por ser mais transformadora do mundo, mas que requer
habilidade dos corpos e das linguagens.
O problema do relativismo sobre o qual pode pesar este
posicionamento esbarra no fato de tratar-se de questões mais éticas e
políticas do que epistemológicas. Portanto, os saberes localizados
valorizam os pontos de vista e lugar de quem fala sobre determinada
experiência, corporificada, situada. Ao fazer isso, se responsabiliza
pelos efeitos que tem e pela qualidade e intencionalidade do que se
diz.
Pensamos que desde esses preceitos, as expressões de gênero
e sexuais têm o que dizer para a sociedade sobre o lugar que
(não)ocupam no conjunto de sistemas e operacionalidades sobre
seus corpos, sexo e desejo em diferentes experiências.
O mesmo quando este lugar é configurado a partir dos
conteúdos a serem trabalhados pelo currículo escolar. Quando eles
compõem planos e práticas pedagógicas que exigem
44
posicionamentos que implicam em tratar ética e politicamente as
experiências de transexuais, transgêneros, lésbicas, gays e bissexuais,
nas suas pautas: direitos, violências, história.
Com Haraway, potencializamos os saberes e as expressões de
gêneros e sexuais que são ditos desde as periferias do sistema.
Periferias diante das hegemonias discursivas sobre gêneros e
sexualidades: masculinista, heteronormativa, sexista, cisgênera.
Entretanto, a insistência em invisibilizar e/ou exterminar essas
periferias não é viável, pois eles constituem o sistema, não podem ser
excluídos, dizem de dentro. Ao mesmo tempo, a periferia aqui é um
lugar de atravessamento que deve se autocriticar, se deslocar para
outras possibilidades de interlocução, sem perder a sua localização,
sua encarnação no mundo de onde fala.
Os feminismos pós-coloniais também têm contribuído com
sua crítica aos modelos hegemônicos de pensar e conhecer. O
deslocamento provocado por eles nos leva para a latinidade, para a
intersecção, para as epistemologias do sul global, com a crítica aos
saberes colonizadores e também aos pós-colonialistas europeus e
brancos
7
. Esta ruptura incorpora à visão do saber localizado de
Donna Haraway outros elementos.
Propondo uma visão desde as periferias, dos lugares
subalternizados pelo discurso colonizador, Gayatri Spivak (2010)
por exemplo, argumenta que deve ser problematizada a ideia de
representação. Falar por si mesmo ou ser representado pela crítica ao
discurso hegemônico é perigoso para também não produzir opressão
7
Segundo Nogueira (2017), a perspectiva interseccional nos feminismos pode ser
localizada nos questionamentos do feminismo multirracial que questiona as generalidades
do feminismo radical (branco e heterossexual). A teoria interseccional estuda as relações
entre diversos marcadores identitários na explicação dos sistemas de opressão,
discriminação e violência. Dentro da proposta de um feminismo interseccional podemos
indicar os trabalhos propositivos de McCall (2005) e Brah (2006).
45
e anulação do lugar de fala. A crítica também deve ser constante
para não tratar o Outro como objeto de conhecimento.
Spivak atenta também para o perigoso uso das culturas desde
o lugar do colonizador. A crítica radical por vezes se apropria de
culturalidades tornando-as objeto de conhecimento e
essencializando estas culturas como retratos de uma diferença que
nem sempre, quem a retrata como representativa de algum grupo,
consegue dar conta da complexidade envolvida e nas singularidades
que escapam a essa essência construída.
Chegamos na ideia de uma interseccionalidade que torna-se
outra leitura possível desde os feminismos pós-coloniais.
Considerando que esta perspectiva a partir da abordagem mestiça de
Gloria Anzaldua. Em seu texto Borderlands/La frontera: the new
mestiza (1987 apud COSTA e AVILA, 2005) ela mistura idiomas e
formas textuais para expressar os deslocamentos provocados pelos
lugares diferentes que ocupa. Sua proposição é levar
epistemologiamente para outros rumos o feminismo da diferença,
incorporando inerseccionalidades na narrativa crítica feminista com
novas textualidades. Ela traz todo um universo simbólico chicano e
indígena sobre a mulher (lésbica, indígena, chicana, americana,
negra…) que rompe com as formas eurocêntricas dessa
interpretação. Figura entre-lugares que tensionam momentos de
submissão e outros de transgressão, de nomadismo e pertencimento,
num exercício constante de interrogar-se e afirmar-se. Contra os
binarismos e as dicotomias, são deslocamentos contínuos, mestiços,
que borram as fronteiras. A tradução impetrada no modo de existir,
trai, corrompe hegemonias, entra no fluxo de interstícios, numa
episteme que rompe as assimetrias centro-periferia.
46
“Como mestiza, eu não tenho país, minha terra natal me
despejou; no entanto, todos os países são meus porque eu sou a
irmã ou a amante em potencial de todas as mulheres. (Como
uma lésbica não tenho raça, meu próprio povo me rejeita; mas
sou de todas as raças porque a queer em mim existe em todas as
raças.) Sou sem cultura porque, como uma feminista, desafio as
crenças culturais/religiosas coletivas de origem masculina dos
indo-hispânicos e anglos; entretanto, tenho cultura porque
estou participando da criação de uma outra cultura, uma nova
história para explicar o mundo e a nossa participação nele, um
novo sistema de valores com imagens e símbolos que nos
conectam um/a ao/à outro/a e ao planeta. Soy un amasamiento,
sou um ato de juntar e unir que não apenas produz uma
criatura tanto da luz como da escuridão, mas também uma
criatura que questiona as definições de luz e de escuro e dá-lhes
novos significados.” (ANZALDUA, 1987, p. 80-81 apud
COSTA e AVILA, 2005)
As contribuições de Spivak e Anzaldua nos oferecem
possibilidades de produzir perspectivas de leituras periféricas que
não essencializam os lugares de fala. A crítica de Spivak (2010) sobre
a subalternidade na produção de conhecimento denuncia a opressão
dos saberes colonizadores e a necessária autocrítica do lugar de fala
para não repetir a opressão. Anzaldua provoca o deslocamento desses
lugares em interstícios, nômades. Promove mestiçagens que deslizam
entre sujeição e transgressão. Ambas apostam na crítica das
hegemonias e da valorização do periférico crítico de si mesmo e/ou
nômade, tendo marcadores diversos.
47
III.
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO,
FEMINISMOS E OS ESTUDOS DE GENERO:
DESLOCAMENTOS EPISTÊMICOS
3.1 Psicologia, ciência e a crítica feminista
As aproximações dos feminismos com vários campos da
ciência, provocaram mudanças ontológicas, epistemológicas e
metodológicas. As relações da Psicologia com os feminismos têm
uma história que está relacionada a explicações das diferenças entre
homens e mulheres. Estas vão desde perspectivas biologizantes. a
ausência das mulheres e do gênero nos estudos em psicologia até as
perspectivas interseccionais e críticas que abordamos na seção
anterior (SAAVEDRA e NOGUEIRA, 2006; PORTUGAL e
JACÓ-VILELA, 2012).
A Psicologia, na sua intencionalidade de se tornar uma
ciência buscou a construção de um corpo teórico e metodológico
unificado alicerçado na tradição experimentalista das ciências
modernas (FIGUEIREDO e SANTI, 1999; ROSE, 2011). Nesta
proposta, acabou por incursionar nos estudos sobre as diferenças
entre homens e mulheres, cujos resultados corroboravam
perspectivas sexistas da superioridade masculina sobre a feminina,
bem como da naturalização das explicações destas diferenças a partir
do discurso da biologia.
Percorrendo o caminho traçado por Saaverda e Nogueira
(2006) sobre os feminismos e a psicologia pode ser afirmado que
48
desde o final do século XIX até os anos de 1930
8
, a psicologia se
apropriou de referências metodológicos e de explicões da biologia
para estabelecer as explicações das diferenças entre homens e
mulheres. Os estudos concentravam-se no estabelecimento de
explicações pela fisiologia do corpo e na anatomia cerebral das
diferenças intelectuais e motoras. Assim, mulheres tinha um cérebro
menor e com menos circunvoluções que o homem o que indicavam,
menos complexidade e, portanto, apontavam para menos domínio
da consciência e de comportamentos baseados na racionalidade. As
mulheres estariam menos aptas ao trabalho acadêmico, por exemplo,
também dada as suas condições físicas durante o período menstrual,
o que atestaria ainda mais sua vocação para a maternidade do que
para o trabalho intelectual. Sobre a motricidade, as explicações
atestavam que o homem, por conta de sua constituição muscular e
celular, tinham mais força, rapidez, precisão em movimento amplos
e de deslocamento no espaço e a mulher mais domínio da
coordenação motora de precisão específica, manual. Estas, em
função das origens evolutivas da função de nutrição, tinham sua
fisiologia caracterizada como anabólica, lenta e cumulativa,
incapacitando-a para tarefas físicas mais duras.
Mesmo diante destas explicações, Saaverdra e Nogueira
(2006) sinalizam que autorias femininas como as de Helen
Thompson Wooley e Letta Stetter Hollingworth
9
foram críticas,
8
O período indicado trata de um recorte desde a leitura da Psicologia norte-americaca. A
obra de Portugal e Vilela (2012) apresenta um conjunto de textos que tratam das questões
de gênero na história da psicologia em diferentes países, além da América do Norte:
Espanha, Brasil, Argentina, Alemanha.
9
As autoras citam os trabalhos de Letta Stetter Hollingworth e de Helen Thompson
Wooley que questionam as hipóteses que depreciam as capacidades da mulher nos
trabalhos de Stanley Hall (Adolescence: its psychology and its relations to physiology,
anthropology, sociology, sex, crime, religion, and education, Vols. 1-2. Norwalk, CT:
Appleton-Century-Crofts, 1904) e Edward Lee Torndike (The contribution of psychology
to education. The Journal of Educational Psychology, Teachers College, Columbia
49
apontando inconsistências nas explicações entre hereditariedade e
meio social. Argumenta da necessidade de se investigar o papel das
questões sociais (educação e divisão social do trabalho) envolvidas
nas produções destas diferenças.
Já a partir dos anos de 1930, segundo Morawski (1987,
apud SAAVEDRA e NOGUEIRA, 2006)
10
, o interesse é deslocado
dos estudos sobre a cognição e a motricidade para as diferenças de
personalidade de homens e mulheres, devido a dificuldade em
chegar-se a leituras consistentes destas diferenças. As explicações são
tratadas em termos de habilidades e competências vinculadas aos
sexos. Com isso, surgem as teses dos papeis dos sexos nas
configurações familiares, configurações familiares e funcionalidade
dos papéis feminino e masculino, respectivamente de expressividade
(de sentimentos, afeto, cuidado) das mulheres e de
instrumentalidade (resolução de problemas, assertividade,
praticidade) dos homens. Ainda, estudos preocupados em
desenvolver medidas de avaliação de não correspondências entre
sexo biológico com sexo psicológico, com implicações para explicar
as homossexualidades e os problemas de ajustamento.
11
Segundo
University. 1, 5-12, 1910): HOLLINGWORTH, Letta S. Function al periodicity: an
experiment al study of th e me nt al a nd motor abilities of women during menstruation.
Contributions to Education, No. 69. Teachers College, Columbia Univ ersity, 1914.
HOLLINGWORTH, Letta S. Variability as related to sex differe nces in achie v eme nt: a
critique. American Journ al of Sociology, 19, 510-530, 1914. WOOLEY, Helen Thompson.
Th e mental traits of sex: an experiment al investigation of the normal mind in me n and
wome n. Chicago: Th e University of Chicago Press, 1903. WOOLEY, Helen Thompson.
A review of the rece nt literature on th e psychology of se x. Psychological Bulle tin, 7, 335-
342, 1910.
10
MORAWSKI, Jill G. Th e troubled quest for masculinity, femininity and androgyny. In
SHAVER, Philip e HENDRICK, Clyde (Eds.), Review of person alit y and social psychology:
sex and gender. New York: Sage Publications, 1987, p. 44-69.
11
As autoras citam como exemplos destes trabalhos: PARSONS, Talcott & BALES, Robert
F. F amily , socialization and int er action process. New York: Free Press, 1995; TERMAN,
Lewis M. e MILES, C.C. (1936). Sex and Personality. New Haven, CT: Yale University
Press, 1936.
50
Saavedra e Nogueira, estas discussões ainda permanecem até os anos
de 1970, com pesquisas com as mesmas finalidades.
Neste contexto, ainda estão presentes a busca de categorias
universais e estáveis, com explicações localizadas nos atributos
individuais e no argumento da inferioridade da mulher. Nestes
contextos, a psicologia reforçava papéis sexuais normativos e justifica
práticas opressivas e discriminatórias com base nas diferenciações
produzidas por suas explicações. Relacionam a mulher à exclusiva
competência do trabalho doméstico, dos cuidados e com a
maternidade, recusando a ela a ocupação de outros espaços como de
ter educação e de ocupar cargos e funções que exigem capacidades
superiores às delas. A articulação da psicologia com as ciências
experimentalistas e positivistas legitimavam as diferenças e
construíam discursos das diferenças entre homens e mulheres
alinhados à biologia evolutiva e a uma episteme da ideia de
distanciamento de sujeito e objeto de conhecimento, bem como a
SAAVEDRA e NOGUEIRA, 2001, 2006; PREHN e HÜNING,
2005.
Num segundo momento, o feminismo ocupa maior espaço
no debate sobre a ciência, definindo para uma maior politização e
leitura de questões sociais (PREHN e HÜNING, 2005). Para
Saavedra e Nogueira (2006) entre as décadas de 1970 e 1990 temos
vinte anos de debate entre as feministas na psicologia sobre as
teorias, metodologias e implicações políticas na pesquisa sobre
mulheres e o gênero e o sexo como categorias de análise.
O debate é gerado pelas posições de que as diferenças
afirmadas pelas perspectivas psicológicas até então produzidas
deviam ser analisadas de maneira crítica, pois generalizam as
competências de homens e mulheres, sem considerar o interior das
diferenças entre os sexos. Ademais, as feministas se concentraram
51
nos seguintes esforços: a) estabelecer argumentos da crítica da forma
de investigação que reforça a igualdade, e não a diferença, que
legitima desigualdade; b) argumentos para justificar as diferenças; c)
valorização das diferenças com base na crítica à universalidade.
As feministas na psicologia estavam preocupadas em
produzir investigações que combatessem a desigualdade baseada nas
diferenças de gênero, produzindo argumentos sobre as semelhanças
(intelectuais, afetivas, éticas) entre homens e mulheres. Quando a
diferença era demarcada as explicações sobre ela tendiam a
estabelecer relações com os processos de socialização vividos pela
mulher (PREHN e HÜNING, 2005; SAAVEDRA e NOGUEIRA,
2006; NOGUEIRA, 2001). Articuladas com as ideias dos
movimentos sociais, a intenção em produzir uma crítica social e
política das diferenças, em determinado momento da história dos
feminismos na ciência psicológica, volta-se para reforçar as
características individuais, de atributos femininos, inclusive em
forma de intervenção a partir de referenciais como a perspectiva
comportamental e da aprendizagem social.
Saavedra e Nogueira (2006) destacam a emergência da
valorização das características específicas na personalidade das
mulheres, acreditavam, poderiam resgatar a visibilidade e a inserção
em contextos de visibilidade de trabalhos e ações das mulheres. As
pesquisas de Carol Gilligan (1993) e de Nancy Chodorow (1978)
são exemplos destes trabalhos, assim como o de Sandra Bem (1974),
que constrói o conceito de androginia como forma de modelo de
saúde do funcionamento mental, em que haveria certo equilíbrio
entre habilidades e competências masculinas e femininas na maneira
de lidar com situações pessoais e interpessoais. Sexo e gênero se
mantem distintos nestas leituras, sendo o primeiro como algo
natural, biológico, e o outro como social e cultural.
52
É a partir dos anos de 1990 que a psicologia começa a se
apropriar das discussões feministas da terceira onda. Diante da
impossibilidade de manter um discurso sobre a verdade das
diferenças entre homens e mulheres até então produzidas, a
psicologia se aproxima das discussões feministas sobre gênero que
ora o pensam como determinado social e culturalmente, ora como
produto das relações de poder, ora como expressão da da
subjetividade baseada na performatividade dos discursos sobre os
papeis femininos e masculinos. Estas perspectivas são contra os
essencialismos que sustentariam as diferenças estruturais de
personalidade de homens e mulheres. Trata-se de ter a linguagem e
o discurso como objetos de análise, afirmando a produção do gênero
nas relações e não centrado no indivíduo, uma invenção das
sociedades humanas que regula as construções sobre as
masculinidades e feminilidades em crianças, jovens, adultos e velhos.
As perspectivas pós-modernas retomam a politização da produção de
conhecimento (SAAVEDRA e NOGUEIRA, 2006; HARDING,
1994).
A passagem de uma perspectiva das mulheres na psicologia
(essencialista, universalista, binária) para uma perspectiva Feminista
(relativista, crítica, interseccional) atenta às diversas formas de
opressão de diferentes mulheres, e não de uma única mulher, leva à
revisão, não são somente teóricas, mas tem implicações
metodológicas e de intervenção (BURMAN, 1998; GERGEN,
2001).
Uma leitura das epistemes, e suas implicações na construção
de práticas e metodologias, presentes nessas análises sobre as relações
entre os feminismos e os estudos de gênero na psicologia pode ser
53
realizado a partir do trabalho de Nogueira (2001)
12
, em que localiza
duas posições ou domínios emergentes nos programas de estudos
psicológicos de gênero: uma empiricista e outra pós-moderna.
O programa empiricista é predominante em Psicologia e se
refere ao modelo tradicional de pesquisa em que as cientistas
“identificam o sexismo e o androcentrismo como vieses sociais que
podem ser corrigidos pela estrita adesão às normas da pesquisa
científica” (NOGUEIRA, 2001, p. 139). Nesta, duas abordagens
emergem: a essencialista e a da socialização. Na abordagem
essencialista, sexo e gênero são equivalentes, uma propriedade
estável, inata e bipolar da diferenciação sexual. Desse modo, ela
determina a expressão e a qualidade dos comportamentos humanos
como a cognição, a afetividade e o julgamento moral, por exemplo.
Na abordagem socializante, muda-se o foco da biologia para a
socialização, situando o gênero como produto das relações sociais do
contexto de vida do indivíduo. Portanto, para essa perspectiva, o
gênero é uma característica aprendida e modelada, não sendo de
origem inata.
As duas abordagens merecem críticas, e concordamos nestas
com Nogueira (2001), já que a primeira localiza na biologia a
origem das características de gênero e a segunda, apesar de ressaltar o
caráter cultural e social do gênero, utiliza a polarização convencional
do feminino e do masculino. Ele refere-se também a propriedades
fundamentais e persistentes do gênero separadas da experiência de
vida (não necessariamente de origem biológica). A prescrição e a
modificação do comportamento de gênero são outros aspectos que
podem ser criticados. Sendo possível a modificação do
comportamento de gênero, a tendência é utilizar os conceitos
12
Nogueira se inspira nas proposições de Harding (1987), como apresentamos neste mesmo
capítulo no intem 2.1, propondo-a para a analisar a psicologia.
54
formulados para modelar comportamentos femininos e masculinos
estereotipados e correspondes ao esperado pelo sexo biológico.
Por fim, a análise histórica do gênero na Psicologia, de
acordo com Rutherford (2012) sugere uma abertura às novas
propostas epistêmicas que rompem com determinismo e do
dualismo oferecido pelo programa de pesquisas do modelo
empiricista. Este último valoriza a busca de uma verdade geral e
absoluta, já o primeiro se pretende abarcar a experiência humana e o
poder nas relações de gênero.
Até o momento tratamos de Psicologia em geral, mas em
alguns campos específicos os feminismos e as perspectivas queer tem
ganhado força. A psicologia social é um deles. Os estudos de
Adriano Nuernberg et al (2011), Jesus e Galinkin (2015) e Santos et
al (2016), destacam o papel da psicologia social na apropriação dos
feminismos. Estes estudos, juntos, avaliaram a produção científica
da psicologia no Brasil nas últimas três décadas e a psicologia social
figura como principal articuladora das ideias feministas, produzindo
discussões teóricas e metodológicas.
Nogueira (2001 e 2004) apresenta um dos princípios
propostos da psicologia social a partir dos feminismos: uma
psicologia crítica na produção de teorias e métodos, comprometidas
com a transformação social. O uso da crítica à ciência pelas
mulheres e o conceito de gênero problematizado pelas discussões
feministas desde a segunda onda (década de 1960) até a atualidade,
desembocam no desenvolvimento de práticas e teorias que deem
visibilidade às mulheres e denunciem o androcentrismo. Assim, os
métodos e as teorias em psicologia estariam impregnados de
corporeidade e da concretude dos objetos com que as quais se
ocupam.
55
Adotar esta perspectiva de é posicionar-se política e
eticamente diante do que se investiga e analisar os fenômenos de
maneira a considera a complexidade em que são produzidos. Trata-
se não de operar com dualismos e determinismos polarizados na
explicação, mas de ampliar a visão para a multiplicidade de
elementos que compõe o que se quer conhecer. A necessidade de se
produzir outras linguagens, roteiros, métodos e narrativas sobre as
experiências de mulheres, homens, gays, lésbicas, heterossexuais,
travestis e transexuais.
Azeredo (2010), Teixeira-Filho et al (2013), Borges (2014)
sugerem a ruptura dos estudos de gênero em psicologia com estes
cânones. Azeredo (2010) aposta na análise de narrativas literárias
sobre as experiências com o gênero como forma de rasgar a
psicologia que teoriza sobre a universalidade e a binaridade do
gênero. Já em Teixeira-Filho et al (2013) encontramos um conjunto
de textos que dão visibilidade às dissidências sexuais e de gênero,
apostando no queer como estratégia para romper com os discursos e
práticas homogeneizantes. Borges (2014) indica que uma
apropriação das perspectivas feministas e queer pela psicologia social
é envolta de tensões e desafios dado o fluxo de debates constante
destas propostas. De qualquer modo, estas perspectivas provocam a
psicologia em buscar autonomia e a contestar as rotas normativas, na
direção de políticas subversivas das teorizações e das práticas psi.
Como vimos, a Psicologia tem se apropriado das epistemes
feministas para o desenvolvimento de pesquisas e práticas em
diversos campos, notadamente da psicologia social. Dentre os
campos de investigação, a Psicologia do Desenvolvimento é outro
que tem se apoiado em leituras feministas para uma revisão dos
modelos de pesquisa quando da crítica do gênero nos processos de
56
investigação e teorização sobre os tempos da vida e os processos de
mudança (BURMAN, 1995; 1998).
Pretendo apresentar no próximo capítulo um percurso
decorrente de 14 anos de pesquisas desenvolvidas e orientadas por
mim sobre juventudes, gêneros e sexualidades, em que se
estabeleceram aproximações e distanciamentos das epistemes
feministas e queer. Este movimento do pensamento, que foi se
materializando nas escolhas dos objetos, métodos e fundamentos
epistemológicos na pesquisa em psicologia do desenvolvimento,
produziu um campo de tensões que ainda estão presentes entre esta,
o gênero e os feminismos.
3.2 Gênero e feminismos nos estudos de psicologia do
desenvolvimento
Nos capítulos anteriores apresentei a construção do campo
dos estudos feministas e as decorrentes críticas às ciências, que
produziram um conjunto de epistemologias ou epistemes feministas.
Abordei ainda o fato de que psicologia é um dos campos em
Ciências Humanas que tem se apropriado dos feminismos,
desenvolvendo métodos e teorias que provocaram a revisão de
posicionamentos sobre a relação sujeito e objeto na produção do
conhecimento.
Entretanto, estas apropriações se deram de maneiras
diferentes em cada uma das áreas específicas da Psicologia. Na
Psicologia Social, por exemplo, como vimos, há uma extensa
literatura produzida a partir da apropriação dos estudos de gênero e
feministas como crítica de modos de intervenção tradicionais sobre
problemas sociais e a incorporação de teorias de gênero que
valorizam as experiências das(os) sujeitas(os). Sobre a Psicologia do
57
Desenvolvimento, pode-se localizar a influência dos feminismos
com as preocupações iniciais em descrever as diferenças entre as
habilidades e competências psicológicas de homens e mulheres,
como demonstrado por Rutherford (2012) e Saavedra e Nogueira
(2006).
A Psicologia do desenvolvimento tem e teve um papel
fundamental na construção da ciência psicológica (MOTA, 2005;
DESSEN e COSTA JÚNIOR, 2005; DESSEN e GUEDEA,
2005). Atuou como dispositivo de práticas e teorias acerca do sujeito
e seus processos de mudança. Para estes autores é unânime a
definição de que o estudo do desenvolvimento humano trata de
investigar os processos de mudança ao longo das trajetórias de vida
do indivíduo.
Mota (2005) sugere, com base em Cairns (1983), a
emergência da psicologia do desenvolvimento em quatro momentos
no contexto europeu e norte-americano. Um momento denominado
de formativo entre o final do século XIX e as primeiras décadas do
século XX, em que surgem um conjunto de estudos sobre os
processos psicobiológicos, a psicologia da personalidade e o
desenvolvimento cognitivo de crianças. Logo após viria uma
primeira fase, em que há a institucionalização da psicologia do
desenvolvimento humano com os estudos de Santley Hall sobre a
adolescência e envelhecimento
13
e sobre a adolescência sobre a de
preocupação história da psicologia do desenvolvimento humano.
No pós segunda guerra mundial têm-se um novo momento
em que os estudos voltam-se para as preocupações com o
desenvolvimento de crianças, focando nas variáveis que criam os
desvios de rota (patologias) e aquelas que podem promover o
desenvolvimento de maneira saudável. Na segunda metade do século
13
HALL, G. Stanley. Senescence the last half of life. Lighniting Source, (1922/2008)
58
XX até o final da década de 1980, há uma ampliação dos estudos a
partir de métodos experimentais e longitudinais com ênfase nas
teorias da aprendizagem social, comportamentalista e um retorno
dos estudos da psicologia genética piagetiana. Após esse período,
maior ênfase em aspectos interdisciplinares, ampliando as análises a
partir da abordagem do ciclo vital (BEE,1997) e da bioecologia do
desenvolvimento humano (BROFRENBRENNER, 2011),
considerando influências de novos paradigmas na ciência, como a
teoria sistêmica.
A Psicologia do Desenvolvimento tem revisto teorias e
métodos diante das necessidades produzidas pelas próprias pesquisas
e pelas críticas sobre os fundamentos epistemológicos e
metodológicos nas ciências naturais e sociais (DESSEN e
GUEDEA, 2005; SIFUENTES, DESSEN e OLIVEIRA, 2007). As
críticas realizadas mencionam a necessidade de novos modelos
explicativos sobre as mudanças nas trajetórias de vida. Primeira-
mente, sugerem ampliar os estudos sobre outros tempos da vida,
deixando a concentração dos estudos nos primeiros anos de vida até
a adolescência, para a abordagem do ciclo vital (Life Spam Theory) e
a incorporação da perspectiva sistêmica, considerado os sistemas
complexos envolvidos na ontogenia dos processos evolutivos.
De acordo com Sifuentes, Dessen e Oliveira (2007) estas
leituras atuais questionam o processo evolutivo como único e
sugerem a ideia de trajetórias probabilísticas, baseadas nas relações
entre variáveis de influências diversas, sobre as mudanças no curso
da vida. Ainda há os que criticam a relação destas concepções de
desenvolvimento a partir do contexto histórico que configura
necessidades e valores que tem implicações sociopolítico e
econômicas (LOPEZ NIETO e DOMENCQ, 2017).
59
Alguns princípios são destacados como sendo eixos
fundamentais da ciência do desenvolvimento humano que exige
uma abordagem interdisciplinar e, por consequência, sugerem o uso
deste termo em vez de psicologia do desenvolvimento humano. Para
Magnusson e Cairsn (1996 apud DESSEN e GUEDEA, 2005)
destacam-se sete princípios que norteiam as pesquisas sobre o
desenvolvimento humano: a)funcionamento e desenvolvimento
psicológico integrado (maturação, experiência e cultura); b)
dinâmica contínua em interação com diversos contextos sociais e
culturais; c) influências recíprocas entre subsistemas (cognitivo,
afetivo, emocional, fisiológico, morfológico, conceitual e
neurobiológico); d) regularidade no funcionamento psicológico; e)
aceleração ou retardo nos processos de mudança; f) organização
hierárquica: de sistemas elementares a mais complexos; g)
transformações resultam de ações internas e externas aos organismos.
Estes princípios revelam profundas influências de aspectos
biológicos (evolutivos), atualizados ou não, sobre as teorias
psicológicas do desenvolvimento humano (DESSEN e COSTA
JÚNIOR, 2005). Mais do que rechaçar estas leituras como um
componente importante de explicações do processo, penso que elas
devem não dirigir as explicações, mas estar em diálogo com as
leituras sociais, econômicas, políticas e históricas que envolvem as
experiências das(os) sujeitas(os) no curso de suas vidas. Estes
princípios, embora pareçam considerar os aspectos contextuais do
desenvolvimento humano e sua flexibilidade em termos de
trajetórias, ainda mantém a preocupação principal com as descrições
de regularidade e as explicações das mudanças em termos
multifatoriais (de implicação determinista), bem como de um
modelo de inicio e chegada no desenvolvimento psicológico durante
as trajetória de vidas.
60
Mesmo considerando as contribuições destas perspectivas
como mais dinâmicas, que incorporam elementos como o acaso e os
desvios de rota no curso da vida, o pano de fundo epistêmico ainda
trabalha com determinismos e dualismos em algumas explicações.
Ao longo dos trabalhos de mestrado e doutorado (LEMOS-de-
SOUZA, 2003 e LEMOS-de-SOUZA, 2008) foi possível entrar em
contato com leituras de alguns temas emergentes, os quais vem de
encontro à estas abordagens, e se coalizam com epistemes
contemporâneas, situando novos problemas e temas para a
Psicologia do Desenvolvimento, a partir das problematizações
históricas e epistemológicas de teorias caras a este campo.
Podemos elencar, dentre eles, os debates sobre as relações
entre cognição e afeto (SASTRE e MORENO, 2000; ARANTES,
2003) seja sobre o debate entre biologia e cultura nos processo de
desenvolvimento (BURMAN, 1995 e 1998; CASTRO, 1996;
LEWIS, 1999), seja sobre as redefinições de conceitos como os de
cognição e atenção (MILLER, 2006; KASTRUP, 2004), de tempo e
vida (LEWIS, 1999; KASTRUP, 1999). Todas elas implicadas em
situar as produções destes temas em relação à normatização de
sujeitos em instituições, bem como os processos históricos e
políticos que envolvem essa produção.
Assim, a partir dos marcadores etários infância, adolescência,
juventude e velhice, a Psicologia do Desenvolvimento construiu um
programa em que definiu normas sobre as trajetórias do sujeito ao
longo do tempo especialmente em relação aos processos cognitivos,
linguísticos, afetivos, perceptivos, morais e outros que dimensionam
o sujeito domínios de compreensão binários, lineares, regulares e
universais (CASTRO, 1996; LEWIS, 1999; BURMAN 1995;
BROUGHTON, 1987).
61
Lewis (1999) faz uma crítica aos modelos de
desenvolvimento humano, baseado em teorias organicistas, que
excluem o acaso e uma noção de temporalidade que tem a ver com a
experiência da(o) sujeita(o). Contratando a ideia de
desenvolvimento como fotografia e narrativa, sugere esta última
como uma metáfora mais ética e com flexibilidade para promover
mudanças, desde um modelo contextual, diante de determinismos
sobre dificuldades ou atrasos no desenvolvimento. A narrativa, de
acordo com as bases conceituais de uma psicologia cultural e
contextual, surge como estratégia para ressignificar a complexidade
das trajetórias de vida. Kastrup (1999) sugere uma releitura da
cognição a partir do resgate de conceitos filosóficos dados por Henri
Bergson e Gilles Deleuze, bem como, críticas aos modelos
deterministas sobre os processos de mudança. Michael Lewis e
Virgina Kastrup e inserem o acaso e a inventividade como elementos
componentes dos processos vitais de mudança; trazem os desvios de
rota, as descontinuidades, como processos que não podem ser
patologizados e sim considerados viáveis de manter a atividade vital.
Outras leituras, desde perspectivas teórico críticas do
contexto anglo-saxão (BROUGHTON, 1987, BURMAN, 1995),
nos oferecem uma releitura das principais teorias e controvérsias
teóricas na Psicologia do Desenvolvimento, produzindo
problematizações sobre a questão etária: as idades como referência
de práticas e teorias, bem como a crítica sobre a produção neoliberal
das trajetórias de vida baseada numa teleologia e em etapismos.
Criticam a natureza evolucionista desta disciplina e suas vinculações
com a perspectiva moderna de ciência que opera disjunções e
simplificações de relações entre eventos, tensionando as relações
sujeito e objeto, natureza e cultura.
62
Burman (1995), especialmente, nos mostra como estas
abordagens constituem poderosos recursos discursivos na regulação
das mulheres e famílias, marginalizando a classe trabalhadora e as
minorias étnicas, normalizando as configurações familiares
ocidentais, de classe média e mães patologizadoras
14
. Nesta obra, a
autora empreende leituras críticas das principais teorias de
desenvolvimento humano, trabalhando a construção discursiva
sobre a criança, a adolescência e suas características psicológicas
baseadas em princípios universais, descontextualizados, que excluem
as vozes de crianças e adolescentes em suas especificidades culturais,
étnicas, de gênero, sociais e econômicas.
Esta área da psicologia tem como um dos eixos
fundamentais para delinear suas explicações acerca dos processos de
mudança as relações natureza e cultura. Esta relação é explicada a
partir dos alicerces da ciência moderna, que polariza e cria um
infindável debate sobre estes domínios e seus efeitos uns sobre os
outros, mas desde o modelo de explicação moderno. Se
aproveitando dos métodos das ciências naturais, sem os quais não se
legitima como ciência para deixar de lado a história especulativa e
filosófica que tenta expurgar de sua constituição, a Psicologia do
Desenvolvimento é disciplina que trabalha com estas linhas duras na
intenção de promover uma ciência psicológica.
Seu modo de produzir conhecimento e as implicações deste
na produção de práticas psi tem fundamentado políticas públicas no
campo da educação, da assistência social e da saúde que produzem,
14
Em 2015 foi publicado na Feminist & Psychology (Deconstructing Developmental
Psychology 20 years on: Reflections, implications and empirical work, 2015, n. 25 v. 3)
um número comemorativo dos 20 anos da publicação de Descostructing the Developmental
Psychology, de autoria de Erica Burman. O presente livro tem o mérito de ser um dos que
inauguram as perspectivas críticas sobre os fundamentos epistemológicos dos estudos do
desenvolvimento humano, considerando perspectivas pós-estruturalistas e feministas.
63
muito mais exclusões e efeitos despontencializadores de forma de
vida. Aproxima os desvios de rota patologias e outras anomalias que
geram práticas de retomada de caminhos reguladores e
normatizadores da vida. Seja nas explicações biologizantes,
localizadas no corpo, na célula, no gene ou no cérebro, seja nas
explicações contextuais, culturais, de valores ela purifica.
Sem generalizar a disciplina nestes procedimentos e
fundamentos, este é o modo como a Psicologia do Desenvolvimento
vem se configurando em mais de 100 anos de sua existência, quando
a busca pelas regularidades dos processos de mudança na criança
disparou modos de fazer e saber sobre a mesma e, consequente-
mente, criaram estratégias de controle e normatização da vida
(FOUCAULT, 1988; BURMAN, 1995).
Destacamos neste grupo as críticas ao programa da
Psicologia do Desenvolvimento àqueles que partem do gênero como
dispositivo de problematização da ciência do desenvolvimento
humano. Especialmente os trabalhos de Gilligan (1993) nos
chamaram a atenção como um exemplo do gênero, a partir da
perspectiva feminista, como crítico da modernidade contida no
programa da Psicologia do Desenvolvimento.
Rosser e Miller (2003) apresentam em seu estudo as
contribuições de dez teorias feministas (liberal, pós-moderna,
existencialista, essencialista, radical, psicanalítica, étnica africana-
americana, pós-moderna, pós-colonial e ciberfeminista) para a
perspectiva de estudos na psicologia do desenvolvimento humano.
Entretanto, as incursões feitas pelas autoras apontam que estas
teorias não exploram em profundidade as possibilidades epistêmicas
dos feminismos sobre os processos de mudança. Em geral, apontam
que estas leituras lutam por uma explicação dos processos de
mudança que considerem as experiências de meninas e mulheres.
64
O trabalho de Miller (2006) sugere uma imersão dos
feminismos sobre os estudos dos processos de mudança nas
diferentes idades. Nele faz uma crítica aos estudos feministas como
adultocêntricos, destacando a necessidade de se realizar mais estudos
sobre outros marcadores etários. Seu trabalho incursiona sobre a
crítica de três referenciais importantes nesta disciplina: o
sociocultural, o piagetiano e a core-knowledge theory
15
e tece
considerações sobre as contribuições destas teorias do
desenvolvimento mais recentes sobre o feminismo, na intenção de
uma outra teoria que fundamente questões dos feminismos.
Em artigo sobre a teoria feminista e o desenvolvimento
cognitivo de crianças Miller e Scholnick (2015), parte de princípios
destacadores por Burman (1995) sobre a crítica feminista da
psicologia do desenvolvimento, para o estudo da cognição em
crianças. Seus argumentos se aliam e leituras importantes dos
feminismos sobre o conhecimento: a perspectiva contextual que
parte da experiência concreta das crianças, escapando de uma
afirmação genérica, abstrata e universal das funções cognitivas das
crianças, que nas ciências do desenvolvimento tradicional o final é o
modelo do funcionamento cognitivo da criança branca,
euroamericana. Decorrente dessa visão, os modelos de intervenção
parental e educacionais, que visam o desenvolvimento da cognição,
se deslocam das necessidades concretas das crianças.
Jacklin e MacBride-Chang (1991) tem como onjetivo pensar
como o gênero foi e tem sido trabalhado nas produções sobre
15
A core knowledge theory tem como pressuposto teórico que existem capacidades básicas
inatas para conhecer e aquelas que são adquiridas. Se preocupa em diferenciar estes tipos de
capacidades sobre diferentes aspectos psicológicos, inclusive os papéis de gênero. Existem
muitos estudos dedicados a investigar a cognição, a linguagem e a resolução de problemas.
Uma perspectiva de análise é a comparação destas capacidades inatas e adquiridas com
outros as capacidades de outras espécies (para um quadro mais preciso da core knowledge
theory ver SPELKE, 2000).
65
Psicologia do Desenvolvimento? Sobre este tema discutiram os
efeitos dos feminismos na Psicologia do Desenvolvimento, mas
especificamente sobre o tema da construção de diferentes papéis
sexuais e de gênero, de modo a sit-los longe de binarismos. No
entanto, vale-se de referenciais construídos no interior da própria
Psicologia do Desenvolvimento por algumas feministas.
O trabalho de Miller situa como contribuições aos
feminismos contemporâneos conceitos contidos no programa duro
da Psicologia do Desenvolvimento cunhados na ciência moderna. O
trabalho de Jacklin e MacBride-Chang, faz o mesmo caminho, ao
ter como referências para as explicações sobre o gênero, as pesquisas
construídas em bases estruturalistas.
Worrel (2000) busca compreender as epistemes feministas
na Psicologia e o papel de uma psicologia feminista, em oposição a
uma psicologia da mulher, na construção de novos métodos,
técnicas, objetos e objetivos na psicologia. Nesta perspectiva de
feminização da psicologia, Worrel, destaca a potencialidade de
construções teóricas mais próximas das experiências de mulheres,
como as de Sandra Bem e Carol Gilligan.
Erica Burman (1998) apresenta um contraponto a Worrel.
Para contribuir ainda às críticas feministas ao estudo do
desenvolvimento humano pela psicologia apresenta uma a
necessidade de desconstrução da própria psicologia feminista. No
fluxo dos debates no interior dos próprios feminismos, entende que
alguns deles reforçam binarismos e lugares demarcados de cisão
entre o masculino e o feminino, oferecendo a necessidade de
desconstruir uma ideia de disciplina ou área como psicologia
feminista, pois ela pode tender a operar com as dicotomias e
determinismos produzidos o modelo racionalista e moderno de
ciência.
66
Sabemos que há um predomínio, na Psicologia, da produção
de pesquisas sobre os feminismos e o gênero na psicologia a partir
do programa empiricista (NOGUEIRA, 2001). Este se refere ao
modelo tradicional de pesquisa em que as cientistas “identificam o
sexismo e o androcentrismo como vieses sociais que podem ser
corrigidos pela estrita adesão às normas da pesquisa científica
(NOGUEIRA, 2001, p. 139). Neste, duas abordagens emergem: a
essencialista e a da socialização. Na abordagem essencialista, sexo e
gênero são equivalentes, uma propriedade estável, inata e bipolar da
diferenciação sexual. Desse modo, ela determina a expressão e a
qualidade dos comportamentos humanos como a cognição, a
afetividade e o julgamento moral, por exemplo. Na abordagem
socializante, muda-se o foco da biologia para a socialização, situando
o gênero como produto das relações sociais do contexto de vida do
indivíduo. Portanto, para essa perspectiva, o gênero é uma
característica aprendida e modelada, não sendo de origem inata.
Algumas críticas podem ser feitas a estas abordagens de
acordo com Nogueira (2001). A primeira localiza na biologia a
origem das características de gênero e a segunda, apesar de ressaltar o
caráter cultural e social do gênero, utiliza a polarização convencional
do feminino e do masculino. O empiricismo refere-se também a
propriedades fundamentais e persistentes do gênero separadas da
experiência de vida (não necessariamente de origem biológica). A
prescrição e a modificação do comportamento de gênero são outros
aspectos que podem ser criticados. Sendo possível a modificação do
comportamento de gênero, a tendência é utilizar os conceitos
formulados para modelar comportamentos femininos e masculinos
estereotipados e correspondes ao esperado pelo sexo biológico.
Por fim, Nogueira aposta no denominado programa pós-
moderno das ciências, no qual se busca a rejeição do determinismo e
67
do dualismo oferecido pelo programa de pesquisas do modelo
empiricista. Este último valoriza a busca de uma verdade geral e
absoluta, já o primeiro “aceita a multiplicidade, a incoerência e o
paradoxo, tudo o que os paradigmas positivistas sempre excluíram”
(NOGUEIRA, 2001, p. 145). Sobre ambos, existem implicações na
produção de práticas psi. As produções de cada uma delas podem e
tem fundamentado políticas públicas no campo da educação, da
assistência social e da saúde. Tanto podem romper quanto manter
modelos que produzem muito mais exclusões e efeitos
despontencializadores de forma de vida.
Diante deste quadro sobre psicologia do desenvolvimento,
gênero e feminismos, parecem ser abertas duas rotas. Uma delas é
pensar a psicologia do desenvolvimento desde as epistemes
feministas e problematizar os fundamentos teórico e metodológicos;
o modo de fazer e pensar a pesquisa. Outra é traçar como o gênero,
sendo objeto de problematização dos estudos (pós)feministas e
queer, pode ser teorizado a partir de aproximações com os
marcadores etários numa perspectiva da mudança. Este primeiro é o
que propomos ao analisar o nosso prõprio percurso como
pesquisador neste trabalho. No entanto o segundo, é também uma
nova frente, ao considerarmos as formulações atuais dos feminismos
e dos estudos queer, tanto do ponto de vista teórico quanto
metodológico na psicologia do desenvolvimento. A interseciona-
lidade (OLIVEIRA, 2010), por exemplo, também tem sido conceito
estratégico para contemplar as necessidades dos temas e problemas
elencados pelas pesquisas sobre/com gêneros e os feminismos.
No próximo capítulo será proposto um itinerário das
pesquisas com a finalidade de mapear e problematizar a produção da
Psicologia do Desenvolvimento, considerando as contribuições dos
estudos de gênero e feministas. Proponho analisar a um conjunto de
68
trabalhos produzidos e orientados por mim dentre os anos de 2008
e 2016, no sentido de apontar as aproximações e distanciamentos do
empiricismo feminista, da ciência ou ponto de vista feminista, e da
alternativa feminista (HARDING, 1987; 1993) no campo da
psicologia do desenvolvimento. Desde essas leituras possíveis busca-
se também a produção de outros modos de saber/fazer pesquisa em
psicologia, assumindo perspectivas políticas e éticas que se
aproximam de demandas referendadas também pelos marcadores
etários.
69
IV.
JUVENTUDES, GÊNERO E MORALIDADE: PISTAS
FEMINISTAS NA PROBLEMATIZAÇÃO DA
RELAÇÃO COGNIÇÃO E AFETIVIDADE
16
Neste capítulo tratarei de comentar as pesquisas que realizei
e orientei sobre o campo da psicologia moral, tendo como foco os
jovens
17
. Denomino esta primeira fase como aquela em que o gênero
operou como elemento crítico da psicologia do desenvolvimento
humano, trazendo à tona a perspectiva de gênero, desde as
mulheres, pressupondo a correspondência sexo-nero nas
investigações, enquanto categoria mais cultural e biológico-sexual do
que performática, portanto mais próxima das considerações
empiricistas feministas. O interesse por este campo de investigações
surgiu desde minhas incursões sobre a psicologia genética piagetiana.
Compreender como o conhecimento social era possível no sujeito e
ainda como esse conhecimento era constitutivo da possibilidade do
sujeito ético, tornava um campo de investigações desafiador diante
16
Como já explicitado no capítulo I deste texto, apresentarei textos já publicados e outros
ainda inéditos sobre estas pesquisas. Alguns textos m extensas análises quantitativas com
gráficos e tabelas. Não é minha intenção retomar estes dados desta mesma maneira na
íntegra. Comentarei as pesquisas realizadas a partir dos dados qualitativos decorrentes das
análises das pesquisas e destacarei aqueles que são mais pertinentes à proposta deste
trabalho.
17
Optamos por utilizar o termo juventude, em vez de adolescência, para identificar o
tempo da vida que foi nossa preocupação de estudos por todo este tempo. Tal propósito
deve-se ao campo epistemológico de questionamento sobre a adolescência diante da sua
captura pela psicologia, psicanálise, criminologia e psiquiatria (COIMBRA, BOCCO e
NASCIMENTO, 2005). Estas questões serão discutidas ao longo do texto, principalmente
no capítulo VI.
70
das realidades vividas naquele momento na sociedade brasileira: a
violência cometida e vivida por adolescentes e jovens.
As pesquisas que apresentarei foram pensadas e produzidas a
partir do contexto vivido no início dos anos 2000, com mais de dez
anos de Estatuto da Criança e do Adolescente. Naquele momento
havia um debate intenso em diversos setores da sociedade sobre o
adolescente autor de infração. Os altos índices de violência
cometidos por jovens e as dificuldades em se efetivar as medidas
socioeducativas como forma alternativa à exclusividade da privação
de liberdade, geravam estudos e pesquisas sobre o perfil do jovem
autor de infração, os contextos de educação necessários para a
construção de valores éticos, estudos sobre o contexto social produz
e mantém a violência.
A psicologia era inquirida a dar respostas a esta realidade de
adolescentes e jovens. Nas suas diferentes áreas de investigação, eram
várias as explicações e sempre procurando compreender o sujeito
que comete delitos por múltiplos fatores. A terminologia adolescente
infrator ou delinquente era problematizada, pois era um adjetivo
que atribuía ao adolescente e ao jovem uma essência violenta, algo
que está relacionado ao caráter. O discurso crítico corrente era a de
se pensar ele como em processo, em desenvolvimento, portanto, em
construção.
Por estes anos ainda, destaca-se um movimento crescente de
discussão sobre a violência de gênero e a homofobia na escola
estavam em pauta. As discussões que desembocaram na lei Maria da
Penha(Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006) e das políticas
públicas de combate à homofobia
18
na sociedade (notadamente na
18
Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB (Gays, Lésbicas,
Transgêneros e Bissexuais) e de Promoção da Cidadania de Homossexuais “Brasil sem
Homofobia” foi um documento publicado em 2004 para o delinear políticas públicas de
71
educação escolar), ganharam fôlego e foram gatilhos de uma série de
pesquisas, dentre as quais algumas que se transformaram em
publicações (LEMOS de SOUZA, 2008; LEMOS de SOUZA,
2004; LEMOS de SOUZA et al, 2010; ANDRADE e LEMOS de
SOUZA, 2012; LEMOS de SOUZA, 2012). As juventudes tornam-
se foco de políticas públicas de intervenção na saúde, na educação,
na segurança, no trabalho (NOVAES e VANNUCHI, 2003).
A psicologia moral, como campo que trata da construção do
sujeito ético ou moral, poderia trazer contribuições importantes,
tanto para conhecer o funcionamento do sujeito moral quanto para
fornecer pistas para a produção de processos e contextos educativos
que possibilitassem a construção de valores democráticos.
Incursionei nesse campo buscando estas pistas para compreender o
funcionamento psicológico dos jovens que cometem delitos no
mundo contemporâneo, sofrem e cometem homofobia e violência
de gênero. Especificamente, quais os valores, sentimentos e juízos
envolvidos nas suas decisões diante de conflitos morais, bem como o
papel do gênero nessas decisões.
Adentrar nesse campo da psicologia é se deparar com um
universo de debates sobre várias questões teóricas e metodológicas.
Tendo grande contribuição das perspectivas cognitivo-evolutivas
(PIAGET, 1932/1994; KOHLBERG, 1992), a psicologia da
moralidade, nessa perspectiva buscava a ideia de um sujeito moral
universal definido pela racionalidade como meio e a justiça como
valor central das decisões morais. Sustentava a ideia de uma
promoção da cidadania LGBT. Desdobrou-se em ações no campo da saúde, da educação e
da segurança pública. No entanto, com as políticas de banimento dos gêneros e das
sexualidades perpetradas pelas bancadas de cunho religioso radial e de extrema direita
foram deixando de se tornar prioridade de governo, nunca sendo, de fato, uma política de
estado.
72
progressão evolutiva da moralidade, descrita em tendências, estágios
ou etapas, com um telos no qual uma excelência moral era descrita.
As interrogações provocadas por esta perspectiva foram
realizadas por vários autores que vão desde releituras para ampliação
dos conceitos de moralidade e sujeito proposto, até as críticas pós-
modernas (CAMPBELL e CHRISTOPHER, 1996). Algumas
destas leituras tem as contribuições de epistemes feministas nos
resultados e metodologias desenvolvidas pelos pesquisadores da
moralidade, nas quais a ciência moderna, a racionalidade, a justiça e
universalismo produziram um modelo de sujeito abstrato e distante
da experiência e da vida concreta das pessoas que tem gênero, sexo,
raça, idades, classe social etc.
As principais questões que suscitam outras leituras sobre a
moralidade referem-se as descontinuidades entre juízo e ação moral
que levaram pesquisadores a relativizar o papel da justiça e da
racionalidade como princípios exclusivos das decisões morais.
Surgem modelos teóricos e alternativas metodológicas de
investigação sobre o papel da afetividade e da cultura na construção
da moralidade. Foi por estes caminhos que as pesquisas que
apresentarei percorreram, e podem nos fornecer pistas sobre quais
epistemes feministas estão em diálogo nas críticas e na construção de
conceitos e novos modos de investigação sobre a moralidade de
adolescentes e jovens.
4.1 Jovens e violência: estudos sobre as relações entre juízos,
valores e ação moral
Tratarei aqui de situar a discussão sobre algumas das
questões do feminismo nas ciências e nos estudos em psicologia, em
especial da psicologia moral: a razão como atributo psicológico que
73
deve ser conquistado pelo sujeito para ser moralmente competente; a
busca de uma moralidade universal que seja o fim de todo o
processo de construção da moral no sujeito; a valorização da ideia de
continuidade entre juízo e ação moral, a partir do domínio de
competências morais racionais. As críticas feministas operam
deslocamentos nestas afirmações quando: a) alertam para a
afetividade como componente dos processos de construção do
sujeito moral (GILLIGAN 1993); b) ressaltam a necessidade de se
pensar o sujeito concreto e não universal na explicação da
moralidade (BENHABIB, 1992); c) quando incorporam em suas
análises do sujeito moral as descontinuidades e, portanto, a
multiplicidade de caminhos na construção de valores (CAMPBELL
e CHRISTOPHER, 1996).
Estes temas são trabalhados neste capítulo a partir da
interlocução entre três textos (LEMOS de SOUZA e
VASCONCELOS, 2003; LEMOS de SOUZA e
VASCONCELOS, 2009; VASCONCELOS et al, 2010). No
primeiro deles apresentei a pesquisa desenvolvida sobre a moralidade
de adolescentes autores de infração a partir da perspectiva da teoria
dos modelos organizadores do pensamento. Neste estudo,
encontramos diferentes formas dos adolescentes resolverem a
situação de conflito, desvelando sentimentos e valores que fogem do
modelo de justiça e racionalista (masculina) da perspectiva cognitivo
evolutiva. No segundo, foi trabalhado o problema teórico das
relações entre juízo e ação moral, relacionada ao tema do
adolescente autor de infração, no debate em psicologia moral. Nesse
debate, várias perspectivas buscam elementos de análise para
compreender as continuidades ou descontinuidades sobre os juízos
de realidade e os juízos de valor. É tensionado, nos estudos em
psicologia moral, o papel da afetividade e dos conteúdos da situação
74
que a acionam o que es envolvido em pensar e agir moralmente.
No terceiro, foram elencados um conjunto de pesquisas
desenvolvidas a partir da teoria dos modelos organizadores do
pensamento e suas contribuições nos estudos da moralidade
humana, notadamente sobre o papel da cognição e da afetividade.
Em Lemos de Souza e Vasconcelos (2009) esboçamos um
quadro dos estudos sobre a moralidade em psicologia que debate a
relação entre juízo e ação moral e os desdobramentos deste sobre o
campo de investigação. Iniciamos com a análise do livro Juízo Moral
na Criança (1932/1994), considerada obra inaugural sobre os
estudos psicológicos sobre a moralidade, Jean Piaget se propõe
abordar cientificamente a moral, retirando-a do campo especulativo
das filosofia.
Para Piaget a moral é um sistema de regras que respeitamos.
Sua preocupação foi a de descobrir o desenvolvimento do respeito a
regras, ou o modo como a consciência se obriga a respeitá-las. Piaget
adverte que se propõe a investigar a consciência moral no que diz
respeito ao juízo e não aos comportamentos ou sentimentos morais.
Investigou o jogo de bolas de gude entre os meninos e, e entre as
meninas, o de “pique”. Sobre estas últimas não há comentários além
de uma nota explicativa sobre o desenvolvimento moral inferior das
meninas, a partir da menor complexidade de suas brincadeiras.
Mediante observação, entrevistas clínicas e mesmo jogando
com as crianças, Piaget observou que existem mudanças na maneira
como as crianças pensam e praticam as regras do jogo. Existem dois
níveis de análise propostos por Piaget sobre o juízo: o pensamento
verbal teórico (sobre situações hipotéticas) e o pensamento moral
efetivo (sobre situações reais). O pensamento moral verbal teórico
seria uma tomada de consciência das reflexões do pensamento
efetivo na vivência de situações de conflito pelo sujeito. Assim, o
75
pensamento verbal teórico retoma fatos e elementos destacados pelo
pensamento no decorrer da ação.
A filosofia moral kantiana influencia toda obra de Piaget,
notadamente os elementos que elege no seu trabalho sobre a moral,
tais como: a noção da justiça, os deveres e as obrigações morais e a
razão como principal aspecto da moralidade. Assim como Kant, ele
afirma a origem do respeito à regra como uma necessidade racional,
lógica. A razão daria a liberdade (autonomia) em relação às pressões
sociais e grupais. Liberdade esta necessária para o sujeito usar sua
consciência moral. Porém, Piaget opõe-se ao filósofo, quando
considera que essa razão é construída na experiência, na ação e na
interação do sujeito, e não a priori. Portanto, as normas e regras
decorrentes da utilização da razão são oriundas da cooperação, da
elaboração conjunta das mesmas pelos indivíduos, sendo válidas se
todos as respeitarem.
O paralelismo entre o desenvolvimento moral e a cognição é
afirmado na obra piagetiana através da sua fórmula: “a lógica é uma
moral do pensamento assim como a moral é uma lógica da ação”.
Nesse sentido, segundo Freitag (1992), Piaget procura unir razão
prática e razão teórica, cuja divisão foi realizada por Kant. Em sua
posição, Piaget afirma a possibilidade de o desenvolvimento do
pensamento hipotético dedutivo orientar e esclarecer decisões no
âmbito da moral. Entretanto, o este formalismo não nega o
conteúdo como indispensável à construção da moralidade. As
relações sociais, polarizadas nos dois tipos - coação e cooperação -,
agregam valores, sentimentos e outros fatores que são próprios à
cultura e determinam a qualidade da experiência moral dos
indivíduos.
No enfrentamento dos problemas como a violência e os atos
que ferem a sustentação da vida em sociedade, a inteligência é fator
76
necessário, embora não seja suficiente, já que indivíduos intelectual
e moralmente desenvolvidos, no plano dos juízos, podem utilizar
essa inteligência para interesses próprios. É inegável, portanto,
mesmo para a abordagem de Piaget sobre a moralidade, que outros
fatores como os valores, as crenças, os sentimentos também estão
envolvidos no funcionamento psíquico que atua sobre os juízos e as
ações morais. Embora ele afirme que a moral deva ser construída
sobre os alicerces da racionalidade.
As ideias piagetianas sobre a psicogênese da moralidade
atravessaram décadas e foram retomadas por diversos pesquisadores,
mas foi o psicólogo Lawrence Kohlberg que se tornou notório em
suas investigações acerca da moralidade, ampliou e criou outra
tipologia de tendências morais a partir das elaboradas por Piaget,
consolidou perspectivas teóricas e práticas e influenciou diversos
estudos subsequentes.
Kohlberg iniciou suas pesquisas sobre a moralidade a partir
de sua tese de doutorado, publicada em 1958, na qual buscava
verificar a continuidade do desenvolvimento do juízo moral na
adolescência e idade adulta. Ele considera um pressuposto contido
na tese piagetiana: a existência de uma evolução natural do
pensamento moral que se dá em estágios invariantes. O fato
intrigante era de que os estágios de autonomia eram dificilmente
encontrados em idades posteriores aos descritos por Piaget,
acreditando, portanto, que o trajeto até a autonomia deveria
percorrer um caminho mais longo.
Ele utilizou em suas entrevistas dilemas morais hipotéticos
nos quais solicitava do sujeito a resolução do conflito proposto e a
justificativa de suas respostas. Um exemplo é o dilema de Heinz, no
qual o personagem, com sua mulher doente, diante da
impossibilidade de obter o único remédio que a curaria, é colocado
77
em situação de conflito quando se vê na condição de ter que decidir
entre dois valores: o direito à propriedade ou o direito à vida
humana. A escolha do primeiro implica não roubar o remédio do
farmacêutico que o possui e deixar de salvar a vida de sua mulher; a
escolha do segundo salvaria sua mulher, embora tivesse de cometer
uma ação considerada criminosa na sociedade em que vive.
Fiel à vertente estruturalista no campo da psicologia da
moralidade, assim como Piaget, Kohlberg estava interessado no
estudo do juízo moral de estrutura, e não de conteúdo. O juízo
moral de conteúdo é revelado a partir da escolha da resposta ao
dilema. O juízo moral enquanto estrutura, por sua vez, se refere à
argumentação ou à justificativa para a escolha realizada. Como
esclarece o próprio Kohlberg, quando falamos da forma de um
estágio nos referimos só à estrutura de justiça, que se compõe de
operações de justiça e do nível perspectiva social conquistada a partir
da qual se fazem os juízos morais prescritivos.
A partir de suas pesquisas, ele formulou a tese de que eram
seis os estágios pelos quais descreveu o juízo moral, da infância até a
idade adulta. Num primeiro momento, definiu esses estágios como
orientações do pensamento (KOHLBERG, 1992, p. 35),
considerando que era necessária a ampliação das amostras, dos
estudos longitudinais e ainda das investigações interculturais.
Empreendeu pesquisas sobre a moralidade do adolescente e
do adulto durante mais de três décadas (60, 70 e 80), em conjunto
com diversos colaboradores, que buscavam validar o caráter de
universalidade e de sequencialidade dos seis estágios evolutivos. Este
empreendimento resultou na elaboração de três níveis de
moralidade, agrupando dois estágios cada um, num total de seis
estágios que se sucedem evolutivamente, sendo o último mais
complexo e mais adequado em relação ao primeiro. Tais níveis e
78
estágios são definidos segundo a perspectiva moral (o que é correto e
as razões para agir corretamente) empregada pelo sujeito e a
perspectiva social na qual se fundamenta sua argumentação
(KOHLBERG, 1992). Na passagem de um nível para outro, bem
como de cada estágio para outro, observam-se elementos de
transição que apontam para a sequencialidade dos níveis que tendem
a um progressivo equilíbrio entre o indivíduo e a sociedade.
Assim, o desenvolvimento moral para Kohlberg (1992) dá-se
em estágios estruturados das noções de justiça, queo construídos
em função das interações sociais, além de organizarem e serem
organizados pela sociedade em que o sujeito vive. É na interação
entre as condições internas (maturidade do sistema nervoso, níveis
do desenvolvimento cognitivo) e externas (possibilidade de assumir
papéis ou mudar de perspectiva) que o sujeito avança em cada
estágio e torna-se capaz de construir modos de pensar e raciocínios
morais mais avançados que os anteriores.
Kohlberg não exclui o desenvolvimento paralelo das
estruturas cognitivas e as do desenvolvimento moral. Ele afirma que
existe uma relação entre ambas, concordando com as proposições de
Piaget, e transpondo a ideia piagetiana de hard stage sobre o
desenvolvimento cognitivo para o desenvolvimento do juízo moral.
A capacidade de formar juízos mais evoluídos necessita não só do
conhecimento das regras e normas, mas também do desenvolvi-
mento de estruturas cognitivas, o que possibilita a descentração e a
coordenação de perspectivas, necessárias ao avanço no juízo moral,
pois permite a comparação, o estabelecimento de relações, a
hierarquização e a classificação dos elementos envolvidos. No
entanto, o desenvolvimento cognitivo é necessário, porém não
suficiente para o desenvolvimento moral.
79
Esta tese é desenvolvida por ele em estudos sobre
adolescentes autores de infração. Cabe ressaltar que as pesquisas
sobre o desenvolvimento moral de adolescentes autores de infração
têm várias perspectivas de análise
19
. Entretanto, trabalharei apenas
desde esse referencial tendo em conta a proposta de discussão sobre
as epistemes feministas geradas no interior desse referencial, que será
visto mais adiante.
No Brasil, dentre os estudos sobre o desenvolvimento moral
do adolescente autor de infração, destacamos na pesquisa realizada,
desde estes referenciais, os que foram desenvolvidos por Bzuneck
(1979) e Koller (1989). Bzuneck (1979), ao realizar um estudo
sobre a moralidade de adolescentes infratores e não-infratores,
procurou verificar se existia diferença entre o nível de julgamento
moral apresentado por estes dois grupos. Com base nas ideias de
Kohlberg e a partir da análise das respostas dadas pelos sujeitos,
Bzuneck pôde constatar que a maioria da população de infratores
pesquisada tem níveis de julgamento inferiores (pré-convencional
estágio 2) aos de adolescentes não infratores (convencional - estágio
3).
Já Koller (1989), com o objetivo de verificar se existia
diferença entre os níveis de julgamento moral dos adolescentes
infratores e não infratores institucionalizados (internos em
19
Destacam-se, principalmente, três tendências teóricas. A maior parte tem como
referência a perspectiva cognitivo-evolutiva de Lawrence Kohlberg, baseando-se nos níveis
evolutivos descritos por esse autor e nas suas propostas de educação moral. Outra
perspectiva refere-se à moral pró-social de Nancy Eisenberg, que tem como objetivo
analisar o desenvolvimento da moral através do raciocínio sobre situações que envolvem
atitudes altruístas e de colaboração com o outro (EISENBERG, 1979). Com esse enfoque,
aparecem pesquisas sobre a eficiência de ações preventivas nas escolas e em outros espaços
de interação do adolescente e do adolescente autor de infração (por exemplo: CARLO,
EISENBERG & KOLLER, 1998). Também aparecem, com frequência, análises da
moralidade sob a perspectiva psicanalítica. Estas buscam compreender a constituição egóica
dos sujeitos e sua relação com a transgressão e a violência (por exemplo: AL-FALAI, 1992.)
80
programas de assistência social), aplicou o Moral Judgement
Intervew (Entrevista de Julgamento Moral), de Kohlberg, em 40
sujeitos nessas condições, de nível socioeconômico baixo, com idade
média de 16 anos e que cursavam o ensino fundamental. Desses, 20
(10 meninas e 10 meninos) eram infratores e 20 (10 meninos e 10
meninas) eram não-infratores, em situação de orfandade. Os
resultados que obteve são semelhantes aos de Bzuneck (1979) e de
outras amostras americanas. Os dados mostraram que os
adolescentes não-infratores tinham nível de desenvolvimento mais
alto que o dos infratores, sendo que a maioria se encontrava no
estágio 2 da moralidade pré-convencional.
Os resultados e o referencial utilizado nessas pesquisas levam
a entender que o nível de desenvolvimento moral dos adolescentes
autores de infração está situado no estágio-2 do nível pré
convencional kohlberguiano. Esse estágio se define pela moralidade
que se orienta pelo individualismo com finalidade instrumental. O
sujeito que se encontra nesse estágio considera válida ou correta a
regra ou a lei que traz favorecimento para si ou para outrem, ou
ainda, que resulte numa compensação ou numa troca.
O comprometimento com os valores de um grupo ou de
uma sociedade somente é efetivado se dentro desses parâmetros de
julgamento. Para essa linha de análise, o desenvolvimento cognitivo
do adolescente que se encontra nesse estágio se encontraria nos
níveis mais baixos, próximo de um nível operatório concreto, em
cujas ações ainda predominaria o pensamento egocêntrico. Assim,
dependendo da situação e dos conteúdos envolvidos, as
representações dos sujeitos variam, sendo menos ou mais complexas.
Nesse sentido, a vertente utilizada por Bzuneck e Koller nos parece
incompleta para o estudo dos pensamentos ou raciocínios morais.
81
Algumas das críticas a respeito deste referencial explicativo,
sobre as relações entre juízo e ação moral, tem como fonte no debate
feminista de uma ciência masculinista, que privilegia o
desenvolvimento da moralidade a partir do domínio e uso da razão
nas decisões morais. Junta-se com a proposta universalista baseada
nestes recursos operatórios da consciência. As críticas voltadas sobre
essa perspectiva de análise salientam que o desenvolvimento do
raciocínio moral não pode ser descrito apenas alicerçado nos
recursos operatórios e/ou analisado exclusivamente num princípio
ou valor como a justiça (GILLIGAN, 1993; SASTRE &
MORENO, 2000; ARANTES, 2000).
Na busca de novos referenciais que pudessem auxiliar na
compreensão dos processos cognitivos e afetivos envolvidos na
moralidade e na complexidade da relação entre juízo e ação moral,
desenvolvemos uma investigação com adolescentes autores de
infração que frequentavam medias socioeducativas em meio aberto
entre os anos de 2001 a 2003 (LEMOS de SOUZA e
VASCONCELOS, 2003).
Esta investigação teve como pano de fundo teórico
metodológico a Teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento
(MORENO et al, 1999). Esta perspectiva de análise dos processos
cognitivo-afetivos diante do modo como o sujeito compreende a
realidade tem sua origem nas críticas às ciências modernas e sugere a
reformulação de suas bases na direção de uma ciência que avance da
regularidade para a complexidade.
Questionamentos dessa natureza já foram anunciados por
algumas ciências, como a Física e a Biologia, diante da impossi-
bilidade de explicar fenômenos com base no pensamento tradicional
científico. Na Psicologia, os fenômenos psicológicos, notadamente
os da cognição, foram estudados quase exclusivamente pela via da
82
regularidade, muitas vezes sendo considerados como verdade e como
naturais.
No entanto, já sabemos que esse caminho é insuficiente e
que o fenômeno psicológico tem várias faces. É necessário, também,
trilhar o caminho da diversidade e da complexidade e, uma vez
descrita a regularidade, buscarmos as explicações na mudança
(MORENO et al, 1999).
Desde quando a Psicologia passou a estudar o ser humano
enquanto sujeito que evolui, incluiu na esfera psicológica a ideia de
mudança. Mas em toda mudança há algo que permanece, e a
conjunção da permanência e da mudança aumenta a complexidade
dos novos fenômenos que se vislumbram, "urgindo a necessidade de
modelos capazes de descrever e interpretar simultaneamente o que
permanece e o que muda, isto é, capazes de dar conta da
complexidade" (MORENO et al, 1999, p.16-17). Dentro do
paradigma da complexidade é que está a raiz da Teoria dos Modelos
Organizadores.
A complexidade dos modelos organizadores pressupõe
relações entre estrutura e conteúdo e é composta pela realidade
objetiva e subjetiva construída pelo sujeito. Segundo Moreno et al
(2000), os modelos são elaborados na interação do indivíduo com o
meio, que atua como um regulador da atividade cognitiva. O sujeito
- ativo nesse processo - assimila os dados de uma situação concreta e
atribui significado e uma função a eles, construindo um modelo
para explicar a situação.
Nesse sentido um modelo organizador é um conjunto de
representações que o sujeito abstrai elementos de uma situação
(presentes nela ou não) a partir dos quais cria significados e
implicações que lhes permite interpretar e agir sobre problemas e
conflitos no cotidiano.
83
O contexto de experiência é fundamental no processo de
seleção de elementos de uma situação observada. Não são retidos
todos os elementos possíveis a respeito da situação; somente aqueles
a que se atribui significado e que podem ser relacionados entre si
mediante uma organização. Isto também não quer dizer que o
sujeito desconheça os outros dados da situação, somente que não são
considerados como representativos dela. Distinguir uma
propriedade ou abstrair um dado de determinado objeto ou de uma
situação é diferenciá-lo do conjunto de dados presentes o que traz
implícita uma atribuição de significado. O processo de abstração de
um dado traz consigo a sua significação e as implicações para a ação.
Portanto, Moreno et al (2000), um modelo organizador
pode ser descrito a partir de duas ideias básicas: (a) são modelos de
realidade; e (b) são construídos pelo sujeito no processo de
apropriação do conhecimento. São modelos de realidade porque se
constituem produto da representação da realidade de fato elaborada
pelo sujeito. O termo “realidade” utilizado pelas autoras ressalta a
diferença que elas fazem de realidade objetiva e subjetiva. A primeira
é aquela que serve de referência aos modelos organizadores, e a
segunda é o que o sujeito compreende da primeira.
Num texto que pude escrever com colegas especialistas
nessa perspectiva, realizamos uma avaliação das principais
contribuições dela para o estudo da moralidade e do funcionamento
cognitivo (VASCONCELOS et al, 2010). Cabe destacar, antes de
tudo, que as bases críticas dessa perspectiva se assentam na defesa da
complexidade como componente dos processos psicológicos; da
necessidade de alternativas de análise da relação entre cognição e
afeto, portanto sobre a possibilidade de se considerar nesta a
presença e descrição dos conteúdos e recursos operatórios envolvidos
no modo como construímos significados sobre a realidade.
84
Outros trabalhos, como os de Arantes (2003), Pavón (2002)
e Sastre e Moreno (2000) concluíram que a Teoria dos Modelos
Organizadores tem contribuído para a compreensão da relação entre
afetividade e cognição no âmbito da moralidade, bem como para o
entendimento de tipos de raciocínio utilizados pelos sujeitos na
resolução de conflitos morais, por permitir a visualização dos
conteúdos utilizados. Em sua tese de livre docência (ARANTES,
2013), abordou ainda o desenvolvimento teórico metodológico
sobre a análise dos modelos organizadores em diversas produções
acadêmicas, sugerindo uma análise mais próxima da microdinâmica
do funcionamento cognitivo.
Há demandas epistemológicas feministas presentes nessas
proposições da teoria dos modelos organizadores. Primeiramente,
esta perspectiva sugere a necessidade de agregar a concretude e as
experiências das/os sujeitas/os no modo como interpretam seu
cotidiano. Existe também, na relação do pensamento operatório
com a afetividade, a demanda feminista de incorporão dos afetos,
da cultura e da experiência (dos conteúdos) sobre os processos de
conhecer
20
. Embora tenha a intenção de atender estas demandas,
ainda percebe-se uma imersão numa perspectiva epistemológica
feminista de agregação da perspectiva de gênero, desde a experiência
das mulheres, como recurso para se ampliar a análise dos fenômenos
psicológicos, como mencionados por Nogueira (2001) e Saavedra e
Nogueira (2006).
20
Monserrat Moreno e Genoveva Sastre, idealizadoras da teoria dos modelos organizadores
do pensamento, são professoras eméritas da Universita de Barcelona e desenvolveram
diversas pesquisas sobre as temáticas de gênero buscando intervenções educativas e
psicológicas diante da violência contra as mulheres. Sua militância feminista fica explícita
em diversos destes trabalhos, como: Resolução de conflitos e aprendizagem emocional: gênero e
transversalidade (2002), Como se ensina a ser menina (MORENO, 1999), Amor, cooperación
y conflicto (SASTRE e MORENO, 2011). Amor y Política (SASTRE e MORENO, 2015).
85
Neste momento, estes eram referencias potentes que me
ofereciam ferramentas para produzir deslocamentos nas análises
sobre os aspectos psicológico morais de adolescentes autores de
infração. Na pesquisa que realizei (LEMOS de SOUZA e
VASCONCELOS, 2003) foi investigado os modelos organizadores
aplicados por adolescentes autores de infração na resolução de
conflitos morais, envolvendo uma situação de roubo e agressão nas
quais foram feitas duas perguntas: uma referência a juízos de
realidade (pensamentos e sentimentos) e outra sobre juízos de valor
(dever). Participaram da pesquisa vinte adolescentes autores de
infração, todos do sexo masculino e com idade entre 13 e 18 anos,
de nível socioeconômico baixo. Esses participantes faziam parte de
programas socioeducativos, que executam medidas socioeducativas
(Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade),
promovidos por prefeituras de dois municípios do interior do
Estado de São Paulo.
A partir das entrevistas, analisei 20 protocolos de respostas
em cada questão, o que resultou num total de 40 protocolos de
respostas elaboradas pelos 20 participantes da pesquisa. Os modelos
organizadores identificados foram um total de 10, cinco para cada
uma das duas questões colocadas aos jovens sobre a situação. No
processo de “extração” dos conteúdos, os modelos foram
organizados através da análise das relações entre os elementos que
foram destacados e/ou criados pelos sujeitos, seus significados e as
implicações dos raciocínios emitidos.
Os conteúdos dos modelos estenderam-se para além dos
elementos presentes no conflito narrado, com vários sujeitos
recorrendo às necessidades dos personagens, às leis, a figuras de
autoridade, às normas sociais e regras de relacionamento
interpessoal. A interpretação da realidade dependeu do sistema de
86
inferências do participante. Mesmo sem ser solicitados (como na
primeira questão), os participantes recorreram a ações e juízos de
valor moral para solucionar o conflito narrado. Tal fato nos leva a
refletir sobre as relações entre representação e ação, e reitera a
importância do pressuposto de que os modelos de um sujeito servem
de ponto de partida para a ação, já que esta não tem como base a
realidade, mas o que cada um acredita ser a realidade (MORENO et
al, 1999). Conhecer os modelos inferidos pelos sujeitos nos
aproxima de suas ações e/ou, no mínimo, das explicações para suas
ações.
Mesmo sendo distintas as duas questões propostas (uma a
partir de um juízo de realidade e outra a partir do juízo de valor), a
construção dessas categorias emergiu em função da continuidade de
princípios que orientaram os raciocínios dos adolescentes: a busca da
resolução da situação por parte de personagens explícitos e/ou não
explícitos no contexto. Mais ou menos em torno de 40% (quarenta
por cento) dos modelos estão inclusos na categoria A, que expressa
uma ação direta do protagonista, e 60% (sessenta por cento) dos
modelos estão inclusos em categorias (B e C) que recorrem a outros
personagens. Isso revela que, na maioria das vezes, a representação
dos participantes não foi imediatista e centralizadora, mas, sim,
recorrente a conteúdos exteriores. Foi possível visualizar, também, a
integração de perspectivas, como a expressa pela Categoria C, que
leva em consideração diversos aspectos para resolver a situação de
conflito: as necessidades dos personagens da situação, as expectativas
em relação às autoridades (polícia, pais) e direitos e deveres
estabelecidos pela sociedade. A definição das categorias nos permitiu
verificar um aspecto que estava além de nossos objetivos, mas que é
extremamente relevante no contexto da realidade que envolve
87
adolescentes infratores e traz implicações para as ações desenvolvidas
pelas instituições que cuidam dessa população.
Constatei que a agressão e o roubo são comportamentos
condenáveis na maior parte dos modelos, mas considerados
eventualmente " necessários", diante de uma situação real. Tal fato
indica que regras sociais mais gerais são internalizadas pelos
adolescentes, mas relativizadas na ação, dependendo das
contingências e necessidades do sujeito. Portanto, os modelos
construídos pelos participantes indicam que seus julgamentos nem
sempre são centralizadores, pois na maioria das situações recorrem a
personagens que não estão presentes no conflito para solucioná-lo;
consideram as consequências dos atos, pois afirmam que roubo e
agressão são "errados" e que podem produzir consequências; relevam
as figuras de autoridade, pois em 60% dos modelos incluem a
polícia como personagem para solucionar o caso.
Finalmente, os resultados desta pesquisa apontam para a
necessidade de ampliação de investigações envolvendo ação e juízo
moral, para que possamos compreender melhor por que esses
adolescentes pensam de uma maneira e agem de outra forma. A
relação entre estrutura e conteúdos permitiu perceber que valores,
sentimentos e princípios diversos estão em jogo nos modelos que
organizam o pensamento na resolução de conflitos morais.
A diversidade e as regularidades que compõem as complexas
representações que fazem parte da realidade desses sujeitos sugerem
que uma reflexão mais ampla sobre os desdobramentos sobre a
construção da moralidade a partir da conceituação de um self moral
que se compõe por valores, sentimentos, juízos diante da
complexidade. A perspectiva de análise que ressalta o self moral é
um dos desdobramentos das críticas à ciência moderna pelos
feminismos, pois tenta articular os processos afetivos e cognitivos,
88
além de culturais na compreensão da construção da moralidade
(BENHABIB, 1992; PUIG, 1998; SASTRE e MORENO, 2002).
Tentei avançar na contribuição a esta leitura do self moral a
partir da perspectiva das virtudes morais (LEMOS de SOUZA e
VASCONCELOS, 2010) ou mesmo nas análises das abordagens
socioculturais (LEMOS de SOUZA, 2010) que pudessem
contemplar as questões colocadas pelas críticas pós-modernas e
feministas à psicologia da moralidade.
William Damon (1995) e Augusto Blasi (1995) oferecem
contribuições importantes sobre o funcionamento do self moral.
Partem do pressuposto de que os valores estão agregados à
concepção que o sujeito tem de si mesmo. Para eles a motivação em
agir segundo estes valores morais ou não estão relacionadas à
centralidade destes valores em seu self. Entendido aqui como um
conjunto de representações de si ou a sua identidade.
As perspectivas de Damon e Blasi nos permitem refletir
sobre os diversos aspectos que estão implicados na produção da
violência cometida por esses adolescentes ou nos seus atos
infracionais. Aspectos esses que se referem a sua condição de
socialização e cultura (diversidade e quantidade de pessoas e
relações), que o colocam, muitas vezes, sob pressão (situações de
conflitos) e acabam agregando valores a sua forma de pensar sobre si
e a realidade. Consequentemente, tais valores, vinculados a sua
identidade, atuam sobre como agir no seu cotidiano. Assim, a
relação entre a moralidade do adolescente e sua propensão a agir
violentamente pode ser analisada sob essa perspectiva. Como aponta
La Taille (2000), existem formas de violência que não têm
justificativa moral e formas de violência que são legítimas. Quer
dizer que há violência moralmente justificável, podendo até mesmo
não ser considerada ato violento, por exemplo, como o ato de
89
defender-se (com violência física, até a morte) para salvar a própria
vida.
La Taille (2000), de acordo com as proposições de Damon e
Blasi, refletiu sobre a relão entre ação e raciocínio moral entre
adolescentes autores de infração. No caso da violência que não tem
justificativa moral, o autor parte de uma perspectiva em que a
violência (ou a propensão a agir violentamente) não se localiza
exclusivamente no contexto nem exclusivamente no indivíduo. Com
isso, ele afirma que quanto mais central os valores morais numa
personalidade, mas propenso o sujeito está em agir conforme estes
valores. Aqueles que cometem ações que ferem seus próprios
princípios éticos, agregados ao conjunto de representações de si
(self), sentir-se-iam com vergonha diante deles mesmos e perderiam
o autorrespeito.
Muitas vezes os valores agregados ao conjunto de
representações de si são valores contrários aos morais. Se o indivíduo
não respeita os valores agregados à sua identidade (conjunto de
representações de si), atribui valor negativo à sua autoestima. La
Taille sugere que os valores morais podem estar presentes ou
ausentes na identidade dos adolescentes autores de infração. Se
ausentes, agir por dever é inexistente; se presentes, podem ser
centrais ou periféricos e, dependendo dessa posição, é mais
frequente ou não a coerência entre juízo e ação moral.
Neste caso a leitura está mais próxima da vida concreta e da
multiplicidade de fatores e processos envolvidos na construção da
moralidade. A ideia de um sujeito moral universal é tensionada e se
considera possibilidades de uma composição múltipla dos valores.
Embora haja a ideia de centralidade de valores morais na identidade,
ou self, eles não são necessariamente definidos universalmente como
90
morais ou éticos, a depender das condições de socialização e de
experiência.
Numa perspectiva sociocultural
21
, destacam-se uma série de
estudos que fazem emergir a cultura como elemento explicativo da
moralidade e o self como integrador dos elementos que a compõe.
Considerando os processos de mediação e a atividade na construção
de valores, os pesquisadores na abordagem sociocultural sugerem a
investigação do funcionamento mental na solução de problemas
morais, a partir dos aspectos linguísticos e identitários. São
ressaltados, nesse caso, o recurso da narratividade e a ideia de
dialogicidade (LEMOS de SOUZA, 2010).
As considerações acerca do self e a perspectiva narrativista de
investigação também parecem promissoras e conectadas aos
paradigmas contemporâneos de ciência e as leituras com críticas ao
androcentrismo na psicologia moral. Gilligan (1993) por exemplo,
vale-se do recurso das narrativas como proposta de investigação
sobre as experiências morais de mulheres com o aborto. Conectada à
dimensão concreta da vida das pessoas, a narrativa, como forma de
registro da experiência, foge da compreensão do sujeito universal e
abstrato na teleologia da psicologia moral. A atenção às necessidades,
desejos, valores morais ou não, princípios, sentimentos e afetos que
compõe a vida que se depara constantemente em situações de
conflitos e pretende resolvê-los com base no que acredita e interpreta
como possível.
21
Para melhor compreender esta perspectiva ver: SHWEDER, Richard. Culture and moral
development. KAGAN, Jerome. & Lamb, Sharon. (orgs) The emergence of morality in
young children. Chicago: University of Chicago Press, p. 1-83, 1987; SHWEDER, Richard.
e HAIDT, John. The future of moral psychology: truth, intuition and the pluralist way.
Psychologial Science. V.4, n. 6, Nov, 1993, p. 360-365. TAPPAN, Mark Language, culture
and moral development: a vygostkyan perspective. Developmental Review. 17, 1997, p. 78-
100.
91
4.2 Gênero e moralidade na juventude contemporânea: estudos a
partir de situações de homofobia e sexismo em contextos
educativos
As reflexões apresentadas aqui são decorrentes de pesquisas
realizadas no período do doutoramento e após ele entre os anos de
2004 e 2011. O que foi produzido tem como base os questiona-
mentos sobre o papel do gênero na resolução de conflitos morais e
éticos. Desde o doutoramento as pesquisas subsequentes foram
desenhadas para se pensar como as representações de gênero eram
elementos que implicavam em diferentes processos do conhecer e
agir diante de situações de conflito como a homofobia e o sexismo.
Inicialmente pesquisei estes aspectos com crianças,
adolescentes e jovens universitárias/os (LEMOS de SOUZA, 2004;
LEMOS de SOUZA, 2008; LEMOS de SOUZA, 2014; LEMOS
de SOUZA et al 2010; LEMOS de SOUZA et al, 2014). Cada uma
das pesquisas buscou romper com o modelo linear da trajetória da
construção psicológica da moralidade, baseada exclusivamente na
racionalidade, no domínio do valor justiça como avaliador da moral
e do universalismo das etapas de desenvolvimento moral. Foram
aliadas para estas discussões, as perspectivas críticas feministas sobre
a moralidade desde Carol Gilligan (1993), Marilyn Friedman
(1995) e Seyla Benhabib (1992), bem como as críticas à psicologia
da moralidade vinculada ao projeto de ciência moderna
(CAMPBELL e CHRISTOPHER, 1996; PUIG, 1998;
SCHNITMAN, 1996; MacINTYRE, 2001). Em todas elas foram
utilizados questionários abertos sobre situações de conflito que
envolviam preconceito e discriminação de gênero e homofóbica.
Assim, alguns dos trabalhos desenvolveram discussões que tem
92
implicações diretas sobre a educação contra a discriminação e o
preconceito advindos do sexismo e da heteronormatividade
22
.
Foi delineado este conjunto de investigações para se
compreender os deslocamentos de atribuições de princípios, juízos e
valores morais a partir da perspectiva de gênero. A ideia era
perceber, nas situações de conflitos morais apresentadas, como o
gênero era um componente organizador das formas de se interpretar
a realidade. Permanecemos no campo teórico e metodológico da
teoria dos modelos organizadores que, aliado às leituras críticas
feministas sobre o gênero na moralidade, ampliam as análises sobre
os processos de conhecer e interpretar a realidade. Em
contraposição ao grupo de pesquisas anterior, há um aprofunda-
mento dos estudos acerca do gênero como conteúdo, seja desde a
perspectiva de gênero de quem responde, seja desde as
representações sobre as ações, os sentimentos e os juízos baseadas
nos sexos das personagens envolvidas nas situações de conflitos
apresentadas.
Comentaremos cada uma delas para delinear o campo de
investigação que foi produzido por mim em conjunto com equipes
de pesquisadores e pesquisadoras que me acompanharam nestes
últimos anos. Início a tarefa aprofundado a discussão do ponto de
vista teórico em outras investigações sobre o tema das representações
de gênero e a moralidade. Trata-se de pensar o gênero interrogador
da tradição da abstração, universalidade, deontismo, e racionalismo
na explicação da moralidade.
22
As reflexões e implicações para uma educação contra o preconceito e a discriminação das
sexualidades e gêneros dissidentes sempre fora uma preocupação das investigações que
realizei e foram publicadas em alguns textos (LEMOS de SOUZA e ARAÚJO, 2012;
LEMOS de SOUZA, 2016; LEMOS de SOUZA, GONÇALVES e TREVISAN, 2013;
LEMOS de SOUZA et al, 2010; ANDRADE e LEMOS de SOUZA, 2012).
93
Como já foi visto nesta tese, os estudos de psicologia moral
têm como marco de referência a perspectiva cognitivo-evolutiva
representada pelas produções de Jean Piaget (1932/1994) e
Lawrence Kohlberg (1992). Piaget inaugura e torna notório o
estudo psicológico da moralidade a partir do estudo da psicogênese
da prática e da consciência das regras e das noções de justiça entre
crianças. Em função da manutenção e diferenciação das regras,
envolvidas nos jogos de meninas e meninos, ele acaba por concluir
que as meninas “têm o espírito jurídico menos desenvolvido que os
meninos” (PIAGET, 1932/1994, p. 69), o que acarretou a acusação
de sua obra, O juízo moral na criança, como um trabalho de caráter
sexista.
Kohlberg (1992), que deu continuidade aos estudos de
Piaget sobre a moralidade, produziu extensa obra, com seus
colaboradores, na qual buscou comprovar a universalidade da moral
e a sua continuidade em estágios evolutivos depois da infância. Os
dados obtidos por Kohlberg (1992), em amostras do sexo feminino,
demonstraram que as mulheres não atingiam os níveis mais altos de
desenvolvimento moral (localizavam-se nos estágios 3 e 4). As
mulheres, portanto, seriam pouco desenvolvidas moralmente em
função das relações sociais às quais estão submetidas desde a
infância, com brincadeiras pouco estimulantes na troca de papéis e
que exigem a resolução de problemas a partir de uma perspectiva
lógica (KOHLBERG, 1992).
Entretanto, além do fato de Piaget não ter explorado a
questão das diferenças de gênero, dado seu propósito não consistir
em realizar um tratado sobre a moral infantil e avançar nesse tema, o
próprio contexto histórico e temporal de suas pesquisas não ofereceu
a oportunidade para uma crítica sobre essas diferenças. O contexto
de produção da obra inicial de Kohlberg se situa entre as décadas de
94
1950 e 1970, início das problematizações feministas e culturalistas
sobre as relações entre ciência e gênero. Embora Kohlberg (1992)
tenha revisado suas afirmações sobre a moralidade masculina e
feminina, manteve o caráter universal e racional da moral em seu
programa teórico. A razão como principal regulador moral e a
justiça como principal valor demarcam as explicações sobre as
diferenças de gênero a partir do ponto de vista androcêntrico.
A universalidade da moral diminui o peso das relações
sociais e da cultura na produção das diferenças de gênero e no
campo da resolução de conflitos morais. Desse modo, as ideias e
pesquisas de Piaget e Kohlberg geraram críticas das feministas,
notadamente aquelas que se dedicavam a ressaltar o papel da mulher
na ciência não só como pesquisadora, mas também como categoria a
ser lembrada nos estudos científicos, já que uma ciência
androcêntrica é excludente (BENHABIB, 1992).
A principal crítica ao androcentrismo, na psicologia da
moralidade de Piaget e Kohlberg, é de Carol Gilligan (1993).
Gilligan realizou entrevistas abertas, com dilemas, junto a homens e
mulheres de idades que compreendiam a infância, a adolescência e a
maturidade, encontrando a predominância entre os homens de uma
ética da justiça e nas mulheres uma ética do cuidado. Em outro
estudo, Gilligan e Attanucci (1988) afirmam algumas relações entre
as orientações morais (cuidado e justiça) e o sexo dos participantes:
a) o cuidado e a justiça são dimensões da moral tanto no mundo
público quanto no mundo privado e b) homens e mulheres usam as
duas orientações. No entanto, homens orientam-se mais pela justiça
e mulheres mais pelo cuidado. A ética da justiça e a ética do cuidado
estão presentes no homem e na mulher embora em níveis diferentes
de uso. São complementares, não antagônicas.
95
De acordo com Gilligan (1993), tal articulação exige trazer a
dimensão do eu para a explicação da moralidade, sendo que o eu
compreende o modo como o sujeito se representa (sua identidade).
A construção da identidade moral do sujeito é efetivada pela relação
entre a identidade pessoal e a identidade coletiva ou cultural de
gênero. O debate continua atual, e pesquisas indicam que há
diferenças de estilos morais entre os gêneros (ética da justiça e ética
do cuidado) que podem ser explicitadas pelas referências de gênero
que o sujeito elabora sobre si mesmo em relação aos outros (SKOE
et al, 2002).
Outros estudos, como os de Walker (1984) e Friedman
(1995), afirmam a importância da cultura de gênero e, ainda, do
modo como o sujeito a interpreta na análise da moralidade humana.
Walker propõe uma meta-análise dos estudos baseados em Kohlberg
e constata que as diferenças entre os sexos, nos estágios morais,
encontrados por esse último, desaparecem quando a ocupação
profissional e o nível educacional de homens e mulheres são os
mesmos. Já Friedman também considera o fator cultural, mas
acrescenta ainda que as diferenças de gênero em relação à
moralidade também se devem às imagens que o sujeito constrói
sobre o que é ser homem e ser mulher na sociedade.
Entretanto, em meio ao debate, ainda há outros que
articulam o gênero como variável psicológica e o sexo como variável
biológica, estabelecendo que as diferenças existentes nas orientações
morais de homens e mulheres têm pouca influência da identidade
(de gênero) e da cultura (contextuais: nível de escolaridade, religião,
nível socioeconômico) nas orientações morais, afirmando que não
há diferenças de estilos de julgamento moral que possam se
fundamentar na cultura de gênero (ANWAR, BHUTTO,
MAITLO, & KHAWAJA, 2012; YOU, MAEDA, & BEBEAU,
96
2011; FUMAGALLI et al., 2010; KOLLER, VINAS, &
BIAGGIO, 1992).
O conceito de gênero que atravessa as pesquisas apontadas
anteriormente é afirmado como uma construção psicológica em
oposições ou contrastes (masculino, feminino e andrógino). Então,
o conceito tende a uma organização do gênero que é
essencialista/naturalista em sua raiz, já que não está expressa a ideia
de pluralidade sobre o masculino e o feminino. No tocante ao
conceito de moral e ao papel dos conteúdos na orientação da
resolução de conflitos e dilemas, a perspectiva cognitivo-evolutiva
tem como marco a ética da justiça e a razão como reguladoras das
decisões morais.
Outros estudos (KELLY, 2011; McGILLICUDDY-DeLISI,
SULLIVAN, & HUGHES, 2003), na tradição da perspectiva
cognitivo-evolutiva, buscaram compreender as relações entre as
representações de gênero e a elaboração de julgamentos morais por
adolescentes e crianças, considerando diferentes histórias, cujos
participantes têm que julgar as situações a partir da perspectiva de
gênero (com personagens dos sexos masculino e feminino). Tais
pesquisas indicam que há influência dos papéis e das representações
de gênero nas formas de julgar moralmente uma situação, seja pelas
orientações da ética do cuidado, da justiça ou ambas (mista).
As contribuições de Gilligan ainda se destacam para a
discussão ao apresentarem um quadro que aponta para o papel da
cultura (modos de ser e fazer) de gênero e as representações
produzidas nessa cultura na construção da moralidade. A introdução
da cultura de gênero na explicação das diferenças entre homens e
mulheres, no que tange aos modos como resolvem problemas
morais, traz grandes avanços à questão. Todavia, o binarismo
proposto, ética do cuidado e ética da justiça, marca uma linha
97
divisória entre os gêneros e reforça as tendências essencialistas da
diferença. Mas a autora também contribui quando destaca que o eu,
ou as representações de si, agrega o gênero como referência a
identidade pessoal é produzida na relação com a identidade coletiva
ou cultural e configura formas de ser e agir. Embora ainda seja
considerada estruturalista em sua análise (CAMPBELL e
CHRISTOPHER, 1996), outros autores a consideram revolu-
cionária na investigação e na proposta de revisão dos estudos da
moralidade (BOOKMAN, 1999).
Como foi visto, o tema da diferença de gênero adentra o
campo de estudos da Psicologia Moral com tendências naturalistas e
dualistas sobre os comportamentos, considerando alguns avanços
como nas leituras de Gilligan (1993), Friedman (1995) e Walker
(1984). No sentido de problematizar essas tendências, a introdução
de ideias como as de construção e de pluralidade de gênero
(masculinidades e feminilidades) e a de complexidade foram
consideradas em nossas investigações, durante este trabalho, cujo
objetivo foi investigar o modo como as representações de gênero
atuam nas formas de resolução de conflitos entre jovens na escola.
Com os novos paradigmas em ciência (SCHNITMAN,
1996), procura-se romper com as dicotomias, abstrações e reduções
no campo da pesquisa. As perspectivas que elaboram críticas
feministas nos estudos de gênero (SCOTT, 1995; GILLIGAN,
2011; BENHABIB, 1992) auxiliam no avanço do estudo da
moralidade a partir dos novos entendimentos sobre o masculino e o
feminino como produzidos numa rede de relações entre diferentes
dimensões. O gênero exige um tratamento de análise em que se
considere também o seu caráter cultural, histórico e social (embora
não determinista), pluralizando o masculino e o feminino e a
emergência de identidades diversas.
98
Para as pesquisas que vou apresentar aqui, o conceito de
gênero foi compreendido como conjunto de experiências e de
sentidos em construção, em processo, não sendo entendido como
uma categoria binária e essencial, mas que tem marcas de
significação na história, na cultura e no corpo. Masculino e
feminino podem ser considerados em suas pluralidades, podendo se
organizar em formas de pensar, sentir e agir diferentes
arbitrariamente a qual sexo (homem ou mulher) se vinculam. Tais
considerações foram dialogadas com os estudos que se dedicam a
problematizar o gênero em psicologia da moralidade.
A Teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento,
permaneceu como núcleo teórico e metodológico de investigação
que vai ao encontro de estudos sobre os modos de o sujeito
interpretar o mundo e a si mesmo, diante de diversas situações
cotidianas (notadamente morais) (VASCONCELOS et al, 2010).
Os trabalhos sobre a moralidade nesta perspectiva de análise
(SASTRE e TIMÓN, 2003; SASTRE, MORENO e PAVÓN,
1998) têm se articulado com às críticas feministas à perspectiva
cognitivo-evolutiva, ampliando o conceito de moralidade e
abordando outros aspectos envolvidos na sua construção, tais como
a afetividade, os sentimentos, o conhecimento social e a cultura.
Esta opção ainda permaneceu neste momento dado a ideia
de modelo organizador do pensamento (ARANTES, SASTRE e
GONZÁLEZ, 2010; MORENO e SASTRE, 2010; SOUZA, 2009)
como um construto teórico que pretende possibilitar a aproximação
com as regularidades e diversidades da construção de significados
diante de situações cotidianas. Sua definição abarca também que
estas construções são base para a interpretação para o agir diante
destas situações.
99
Os estudos realizados, a partir do marco teórico e
metodológico da Teoria dos Modelos Organizadores do
Pensamento, fornecem algumas pistas sobre o papel do gênero
(como uma representação coletiva e pessoal) na construção da
moralidade.
Com uma investigação acerca das representações de gênero
de sujeitos de diferentes idades (meninos e meninas) sobre a
resolução de um conflito moral, Sastre et al. (1998) encontraram
diferentes representações de gênero sobre as quais perceberam uma
evolução em relação às idades, diferente da encontrada nas propostas
por Kohlberg em estudos semelhantes, destacando-se que os sujeitos,
à medida que a idade aumenta, mostram maior preocupação pelo
bem-estar do amigo do que o respeito pela moral.
Sastre e Timón (2003) estudaram as formas de articulação
da justiça, do comportamento de ajuda e dos sentimentos no
raciocínio moral a partir das diferenças de gênero. Meninas e
meninos elaboraram, em sua maioria, representações que se voltam
mais para a atenção e cuidado na relação entre eles do que direitos e
deveres. No entanto, os meninos tendem a ter uma visão sobre si
mesmos como mais fortes, menos vulneráveis e mais objetivos,
revelando maior facilidade em elaborar modelos a partir da
perspectiva da justiça, do que os referendados na felicidade e na
ajuda. Já as meninas conseguem integrar diferentes domínios
(sentimentos e ajuda), elaborando modelos de justiça com maior
complexidade, indicando que elas têm maior flexibilidade e abertura
na valoração de comportamentos.
Destacam-se também os trabalhos de Leal (2003) e Pupo
(2007), que investigaram as representações que meninos e meninas
de diferentes idades elaboram sobre cenas de conflitos, envolvendo
homens e mulheres, na escola e na vida doméstica. Ambos indicam
100
que meninas e meninos apresentam uma homogeneização e forte
interiorização dos estereótipos de gênero. Pupo (2007) ressalta ainda
que foram encontradas diferenças significativas entre as
representações femininas e masculinas sobre a situação, notadamente
sobre a ação esperada pelo sexo oposto na situação apresentada.
Stach-Haertel (2009) investigou as crenças e valores sobre a
socialização de gênero de adolescentes de um contexto urbano. Seu
estudo aponta para uma hierarquização e subordinação das relações
de gênero em adolescentes na medida em que crescem. Quanto
maiores as idades, mais duram as marcas das diferenças pautadas
pelas desigualdades entre os sexos. Já Martins (2008) analisou o
papel da cultura de gênero na organização do pensamento de
estudantes universitários e estudantes adultos que cursaram somente
o Ensino Fundamental. A autora utilizou situações de conflito ético
envolvendo o tema gênero e violência. Em sua análise, identificou
elementos da cultura na apropriação das situações pelos sujeitos,
indicando também diferenças em função dos níveis de educação
formal.
Todas essas pesquisas tentam avançar teoricamente na
ampliação do conceito de moral, destacando as múltiplas relações
entre cultura, cognição e afetividade na elaboração das
representações sobre uma dada realidade. Metodologicamente,
avançam na busca de instrumentos e análises que deem conta da
complexidade, envolvida na produção de significados, sobre a
realidade e de seu impacto sobre as ações do sujeito no cotidiano, e
procuram superar as dicotomias dos estudos da moralidade que
criam expectativas sobre os comportamentos, sentimentos e
representações de homens e mulheres em situações de conflito.
Alguns desses estudos (com exceção dos de STACH-
HAERTEL, 2009; MARTINS, 2008; PUPO, 2007) não colocam o
101
gênero como objeto central de investigação, mas como categoria que
auxilia na interpretação dos resultados, embora mencionem os
contextos ou relações educativas em que o gênero é produzido e suas
consequências sobre o modo como os sujeitos resolvem problemas
interpessoais e morais.
Os estudos apresentados apontam que o heterossexismo e o
androcentrismo que atravessam as práticas sociais cotidianas são
perpetuados por meio das instituições que mantêm os valores e
representações a respeito do homem e da mulher na sociedade a
igreja, a família e a escola são alguns exemplos.
A presença de sexismo e heterossexismo no cotidiano nos
remete ao conceito de homofobia. Segundo Borrillo (2010), “a
homofobia é a atitude de hostilidade contra as/os homossexuais;
portanto, homens ou mulheres”. Entretanto, ela extrapola essa
definição, considerando que é a partir do sexismo (diferenças
transformadas em desigualdades entre homens e mulheres) que a
homofobia se estabelece, quando papéis de gênero ou a própria
identidade de gênero não correspondem ao sexo biológico.
As consequências desse fato se revelam no estudo de Costa,
Peroni, Bandeira e Nardi (2013) em que verificam que, no Brasil,
entre 1973 e 2011, diversas pesquisas indicam que o preconceito
contra não-heterossexuais não é homogêneo e pode ser localizado,
em sua maior parte, em valores sexistas e no preconceito em relação
à não-conformação de gênero. Do mesmo modo, a presença de uma
masculinidade e feminilidade hegemônica pode construir atitudes
homofóbicas. O estudo de Seidler (2000) é expressivo nesse sentido,
quando desvela as estratégias que relacionam à masculinidade
hegemônica a razão e a moral da justiça, o que inferioriza as
mulheres e homens que não se identificam com esse modelo.
Kimmel (1994) aponta que essa masculinidade hegemônica
102
referente ao homem branco, heterossexual, classe média, ajuda a
construir a homofobia em relação a todas e todos aqueles que não
estão incluídos nessa categoria.
Uma aproximação com estes temas se deu com a
investigação sobre gênero como conteúdo sexista. Foi no trabalho
Modelos de gênero e sua problematização no contexto escolar (LEMOS
de SOUZA, 2004) que investigamos as representações de gênero
construídos por 28 crianças, 18 meninos e 10 meninas entre 10 e 11
anos de idade, de uma escola de periferia urbana.
Perguntamos a todas(os) as(os) participantes o que era ser
menino e ser menina. A partir de suas narrativas escritas e desenhos
buscamos os elementos abstraídos e retidos como significativos e
percebemos que atribuíram grupos de elementos que se referiam às
brincadeiras, valores e responsabilidades. Vale ressaltar que as
categorias brincadeiras e valores aparecem nas respostas de todos e
todas, meninos e meninas, e a categoria responsabilidades nas
respostas de ambos, mas somente ao definirem o que é ser menina.
Apresento, a seguir, as representações de meninas e meninos a partir
das perguntas que foram realizadas a ambos.
No caso das brincadeiras abstraídas pelas participantes sobre
o que é ser menino e menina, ao lado de brincadeiras como pião,
pipa e esportes, como futebol, que são consideradas atividades
masculinas, as meninas abstraem também aquelas cujo modelo é o
de cuidado e de responsabilidade para com as tarefas domésticas
(comidinha, casinha). Assim, são atividades em que se reforçam
papéis sociais sobre o que é esperado de uma mulher e de um
homem no contexto em que vivem.
A respeito dos valores as meninas abstraíram sobre o que é
ser menino um maior número de valores (e muitos podem ser
considerados positivos) do que sobre o que é ser menina. Nesse caso,
103
suas respostas concentraram-se na fragilidade e a preocupação em
dar carinho e cuidar dos outros. Podemos observar, ainda, que sobre
o que é ser menino, as meninas não abstraem elementos que se
referem a responsabilidades. As atividades referentes à responsabili-
dade fazem parte da definição sobre o que é ser menina e
mencionam trabalhos domésticos como cuidar da casa e de seus
irmãos e irmãs.
Sobre os elementos abstraídos pelos meninos podemos
destacar que definiram o que é ser menino e ser menina
principalmente a partir das brincadeiras que cada um deles pratica
no cotidiano. Em suas representações pouco refletiram ou
apresentaram outras possibilidades de brincadeiras que não sejam
aquelas tradicionalmente apresentadas na sociedade sexista para
meninos e meninas. Por exemplo, apenas um dos meninos destacou
a bola de gude como uma brincadeira para ambos os sexos.
Apenas um participante do grupo de meninos destacou em
sua definição sobre o que é ser menina o elemento arrumar a casa. O
grupo responsabilidade não foi encontrado entre as respostas dadas
pelos meninos sobre o que é ser menino. Entre os valores apontados
pelo grupo de meninos, ser menino é ser carinhoso, aparecendo ao
lado de trabalhador e conquistador (do sexo oposto). Dois valores
considerados extremamente definidores do homem-macho são
colocados ao lado de um valor que revela a demonstração de carinho
e afeto.
Os significados apresentados são apenas parte de um
universo mais amplo sobre as representações de gênero. Seja
apresentando ou não um pensamento discriminatório e excludente
sobre o que é ser homem e ser mulher, a complexidade que envolve
a abstração dos elementos pelos participantes es relacionada à suas
histórias de vida e experiências em relação a temática do gênero.
104
A pesquisa tinha cunho exploratório, tanto do ponto de vista
metodológico como do ponto de vista teórico sobre as
representações de gênero. Estava tateando um campo que, a partir
das respostas dadas pelos participantes da pesquisa foi abrindo-se
como possibilidade de pensar a força das relações de gênero na
produção de sexismo em diversos contextos, principalmente o
escolar.
A desigualdade na relação entre homens e mulheres, produz
a formas de submissão da mulher à força do homem. Considerada
como comum na sociedade, esta assimetria situa a mulher
historicamente como subordinada, incapaz e dependente em relação
ao homem na esfera afetiva e socioeconômica. Essa desigualdade nas
relações de poder na família e no trabalho tem sido considerada
natural e convenientemente aceita por ambas as partes. Nos
pensamentos de meninos e meninas que foram participantes da
pesquisa relatada, de certa forma, está presente essa desigualdade
expressa na impossibilidade de meninos e meninas terem ao mesmo
tempo gosto pelas mesmas brincadeiras, os mesmos valores e
responsabilidades.
As representações de gênero elaboradas pelos participantes
fundamentam e orientam pautas de conduta discriminatórias e
excludentes. Entretanto, muitas vezes esses comportamentos não são
conscientes. Isto é, não são coerentes com os modelos que o sujeito
constrói em algumas situações. Como explicitam Moreno, Sastre e
Hernández (2003) nos dados levantados sobre as respostas abstraídas
por crianças, ao analisarem um conflito que envolve a violência de
gênero, diferentes modelos entram em choque num mesmo sujeito.
Ressaltam que um modelo mais próximo a valores igualitários pode
aparecer junto com modelos de valores retrógrados e sexistas. Os
primeiros aparecem quando estão num universo público, sob os
105
olhares dos outros. Os segundos, são mais atuantes em contextos da
vida privada, por exemplo nas relações amorosas.
Ainda sobre as representações de gênero em contextos
sexistas, pude colaborar com uma investigação sobre as
representações acerca de estudantes de enfermagem sobre o trabalho
da(o) enfermeira(o) numa perspectiva de gênero, durante o processo
de formação. (LEMOS de SOUZA et al, 2014)
Tanto na formação quanto na prática profissional o gênero
feminino predomina na enfermagem. Este fato tem gerado muitas
investigações sobre o gênero na construção desta profissão. Há um
grupo de estudos que procuram evidenciar o papel da mulher na
construção da profissão, singularizando ou até mesmo
essencializando a relação entre gênero e enfermagem; há outros que
pretendem problematizar as relações de poder entre homens e
mulheres no contexto da saúde, abrindo espaço para outras
configurações de gênero e as hierarquias no contexto de trabalho.
A pesquisa com a qual colaborei teve a intenção de
interrogar 41 alunas(os) do curso de enfermagem (1o e 9o
semestres), sobre o trabalho da enfermeira e do enfermeiro, com um
questionário aberto, o qual foi analisado a partir do conceito de
modelo organizador e dos estudos críticos de gênero. Eles
distribuíram-se da seguinte maneira: 24 alunos do 1
o
semestre,
sendo 19 do sexo feminino e 05 do sexo masculino; e 17 alunos do
9o semestre, sendo 15 do sexo feminino e 02 do sexo masculino;
totalizando 41 alunos, 36 do sexo feminino e 07 do sexo masculino,
com uma faixa de idade entre 18 a 25 anos. Analisamos as respostas
em geral e por semestre cursado, a fim de perceber se havia
mudanças significativas nas representações de gênero durante a
formação em enfermagem.
106
Para que se pudesse conhecer as representações de gênero
sobre o trabalho da(o) enfermeira(o), as questões foram aplicadas
sequencialmente, que tratavam, respectivamente: a) das atribuições
importantes para ser um bom profissional na enfermagem; b) o que
é ser homem e ser mulher? desde uma perspectiva de gênero,
perguntava-se: c) qualidades do trabalho da mulher e do homem na
enfermagem e d) uma situação experiênciada que revele valorização
baseada nas diferenças essencialistas de gênero. Nesta última,
solicitava-se ainda que fosse avaliado o porquê, de acordo com a(o)
entrevistada(o), do ocorrido.
Destaco o conjunto de resultados referentes as questões
sobre as qualidades da enfermeira e do enfermeiro no seu trabalho.
O núcleo de elementos significativos abstraídos pelas e pelos
participantes, demonstram percepções estereotipadas sobre o
homem e a mulher na profissão de enfermagem. Atribuem as
qualidades a ser enfermeira ou enfermeiro aos comportamentos,
sentimentos, habilidades sociais que revelam sexismos.
No estudo realizado foram atribuídas características gerais da
profissão e outras que são bem localizados de acordo com os
estereótipos de gênero. A mulher enfermeira tem suas características
fundadas na ideia de cuidado e o homem enfermeiro tem suas
características fundadas na ideia da racionalidade. A maioria dos
atributos eleitos como significativos pelos acadêmicos de
enfermagem sobre o trabalho da enfermeira remete-se a uma
imagem da mulher ainda carregada de estereótipos, poucos foram
aqueles que mencionaram outras capacidades, comumente
atribuídas aos homens: liderança; iniciativa; racionalidade;
altruísmo; e planejamento foram características mencionadas por
poucos participantes.
107
O atributo mencionado mais vezes é o do cuidado, como
característico e definidor da enfermagem. Isso leva a ressaltar que
esta profissão tem suas raízes no trabalho feminino, destacando-se o
cuidar como uma qualidade eminentemente feminina. Tal quadro é
semelhante aos dados de Brito et al. (2011) que apontam para um
conjunto de significados atribuídos pelos estudantes de enfermagem
sobre o “ser enfermeiro”. Devido ao fato de ser uma profissão
eminentemente feminina, são atribuídas pelas discentes mais
características, tais como conhecimento e amar, tidas como
fundamentais nas representações sobre a profissão. As características
atribuídas aos “enfermeiros” remetem-se a típicos atributos
masculinos que destacam força física, racionalidade, liderança e
resistência.
Nestes casos, os estereótipos são reforçados por aqueles
participantes que não apresentam reflexões sobre esses lugares
construídos para o enfermeiro e a enfermeira ou são questionados
quando são refletidos, tal como aponta Saffioti (1987) sobre a
delimitação social do papel da mulher e do homem na sociedade.
Portanto, os significados atribuídos pelos participantes ao
enfermeiro e à enfermeira parecem afirmar o papel importante da
cultura na construção social dos gêneros. A naturalização destas
características localizadas nos sexos vincula às práticas de saúde
desdobramentos que podem interferir nos contextos de promoção e
formação na área. Amorim (2009) menciona que no ensinar e no
aprender em enfermagem sexismos são perpetuados nos discursos
das participantes de sua investigação, nos quais se atribuem aos
homens menos capacidade de cuidar. Ainda, por vezes as
participantes tentam minimizar as diferenças em seu discurso
valendo-se da “ciência” fundamento da enfermagem como
neutralizadora das questões sexistas.
108
Vale ressaltar que foi percebido uma continuidade nas
respostas no sentido de que: a) ora elas distinguiam os trabalhos do
enfermeiro com o da enfermeira (com base em estereótipos culturais
dos papéis de gênero); b) ora eles distinguiam, embora
apresentassem reflexões sobre essa distinção, buscando argumentos
para afirmar que nem todos eram diferentes (homens e mulheres
enfermeiras(os), os quais podem ter características semelhantes e
positivas para o trabalho em enfermagem. Na terceira modalidade
de resposta, c), não atribuíam diferenças (e universalizavam) com
base no gênero, os papéis da enfermeira e do enfermeiro. Nesse caso,
a maioria deles não mencionaram quaisquer atributos específicos,
simplesmente afirmaram que eram semelhantes.
Foi percebido também que entre o 1
o
e o 9
o
semestres há
pouca mudança em relação às representações e atribuições de
práticas sexistas. Os alunos que iniciam na vida acadêmica no curso
de enfermagem, carregam consigo cargas culturais que são
construídas em todo o processo de edificação dos saberes e na
convivência social, atribuindo papéis determinados aos sexos.
Porém, de forma ampla, a partir do momento em que estes alunos
passam a conviver com as práticas da enfermagem, práticas estas
impregnadas de estereótipos, sua visão, que antes era considerada
como generalizante, pode, por vezes, passar a ser cristalizada
delimitando as práticas dentro desta profissão, isto se não houver
uma reflexão sobre estas crenças e valores.
As divisões sexistas estão presentes e são claramente visíveis
dentro da profissão de enfermagem, e são trazidas nos relatos dos
alunos e alunas. Embora o homem tenha conquistado espaço dentro
desta profissão, que é considerada como eminentemente feminina,
ainda existe resistência a presença de homens em alguns tipos de
práticas que são realizadas por estes profissionais.
109
De certo modo, concordando com a perspectiva da
universalização da identidade masculina, sugerida por Simões e
Amâncio (2004), em qualquer campo de trabalho, Paixão (1979)
demonstra certa preocupação com a inserção do homem dentro da
enfermagem, pois este, quando inserido em um meio que é
dominado pelo sexo feminino, por ser considerado líder de acordo
com a cultura patriarcal passa a exercer sua liderança, desempe-
nhando papel dominante em um espaço visto antes como feminino,
o que difere quando é a mulher que se insere em uma profissão
masculina, na qual esta não oferece risco, no que tange a dominação,
assumindo posição de subjugada.
No âmbito da formação em enfermagem, no contexto
estudado, pode-se dizer que as práticas nas quais os alunos e alunas
são inseridos estão impregnadas de elementos segregadores que são
apropriados por esses sujeitos no seu processo de aprendizagem da
profissão.
Em alguns estudos (MACHADO, 2004; AMORIM, 2009;
PADILHA et al, 2006) uma certa tendência em positivar as
diferenças de gênero com base na essencialização biológica e cultural
e, assim, afirmar qualidades laborais para a mulher e homem na
enfermagem, definido papéis de trabalho diferenciados dentro de
uma mesma profissão. A questão que cabe aqui é se essa forma de
positivar as diferenças de gênero pode potencializar ainda mais
práticas sexistas e excludentes. No entanto, considera-se que a
perspectiva de negociação de significados e sentidos sobre as
diferenças no contexto pode ser problematizadora das desigualdades
e uma forma de se estabelecer parâmetros éticos de formação e
atuação.
Este quadro de investigações realizadas até então reforçam o
conteúdo sexista presente nas representações de gênero de crianças e
110
de jovens em contextos educativos (escolar e universitário) e aponta
para a manutenção dessas representações em várias idades da vida.
Em sequência, outras investigações que também produzi,
trataram destas representações de gênero de jovens buscando
compreender como estas atuam como conteúdo no funcionamento
psicológico quando resolvem problemas morais (LEMOS de
SOUZA, 2008; 2014). Especificamente, trabalhamos com situações
de homofobia que se remetiam um conflito moral. Trata-se de uma
história que se ambienta no espaço escolar, em que o suposto
comportamento masculinizado (de uma menina) ou efeminado (de
um menino) leva à sua exclusão do convívio social entre os demais
alunos e alunas. Trabalhamos com duas histórias: uma, cujos
personagens eram do sexo masculino e outra com personagens do
sexo feminino. As questões que seguem a história abordam os
pensamentos, sentimentos e ações de uma das personagens que se
envolve num conflito moral diante do preconceito (homofobia)
sofrido por um(a) colega
23
.
Assim como nas pesquisas anteriores, partiu-se do conceito
de gênero como categoria plural, não-essencialista (bio ou
culturalmente), bem como da ideia de representação calcada nas
experiências individuais e coletivas dos sujeitos em interação com o
mundo e os outros. A perspectiva de análise da moralidade também
se abre para outras possibilidades, além da fundada no valor justiça e
de outros aspectos da vida psíquica na formulação de juízos morais
(sentimentos, desejos, valores). Aqui este aspecto da moralidade com
o gênero será mais trabalhado do que nas duas pesquisas anteriores
que apresentei, que tratavam mais dos significados de gênero por
23
Efetuei também as mesmas questões sobre cada uma das personagens (a que sofreu
homofobia, a que presenciou e é amiga de quem sofreu discriminação e quem cometeu a
homofobia), mas destacarei aqui as referentes à personagem que viveu a situação de conflito
moral.
111
crianças e jovens. Apesar de neles as questões morais e éticas eram
expressas em termos dos valores atribuídos a meninas e meninos,
mulheres e homens.
Os participantes foram 400 jovens (15 a 21 anos),
distribuídos igualmente entre escolas públicas (200) e particulares
(200) dos estados de Mato Grosso e São Paulo, bem como de cada
sexo (200 homens e 200 mulheres). A aplicação do questionário
aberto foi distribuído da seguinte forma: para 200 participantes
(100 homens e 100 mulheres), somente as personagens do sexo
feminino; e para os outros 200 (100 homens e 100 mulheres), a
história com personagens do sexo masculino
24
.
A análise foi orientada pela definição de modelo
organizador, destacando seus componentes: os elementos abstraídos
e retidos como significativos, os significados atribuídos aos
elementos e as implicações e/ou relações entre elementos e
significados (MORENO e SASTRE, 2010). Desse modo, busquei
contemplar na análise as exceções e as respostas que caracterizam a
maioria dos participantes. Identifiquei a organização dos conteúdos
pelos participantes, para a construção de suas respostas, e procedi à
construção dos modelos a partir das respostas dos participantes.
A análise das categorias de modelos obedece à mesma
orientação da análise dos modelos, considerando os princípios éticos
atribuídos pelos participantes às personagens. Primeiro, foi efetuada
uma análise em relação às diferenças e semelhanças das respostas
entre os participantes do sexo masculino e as participantes do sexo
24
Em 2010 foi realizada uma investigação com os mesmos instrumentos com 115 crianças
de 09 a 12 anos de idade. Os resultados são semelhantes ao estudo com jovens que
apresentamos neste trabalho. Não apresentaremos os resultados por serem semelhantes ao
que apresento aqui e pelo fato do presente texto se concentrar nos estudos sobre jovens.
(LEMOS e SOUZA et al, 2010).
112
feminino. Foram cinco modelos organizadores encontrados, que se
agrupam em duas categorias.
No modelo 1, os participantes organizaram suas
representações sobre a situação apresentada, a partir do conflito de
ter que escolher entre duas amizades. No modelo 2, os participantes
construíram suas respostas, em torno do comportamento
masculinizado ou efeminado da personagem, como um direito que
deve ser respeitado. No modelo 3, os participantes organizaram suas
respostas a partir das consequências do comportamento do(a)
outro(a) sobre a vida social e a identidade do amigo ou amiga. No
modelo 4, os participantes construíram suas respostas em torno da
necessidade da personagem que presenciou a situação em proteger e
defender o(a) outro(a) pela amizade. No modelo 5, as respostas
partiram do sentimento de rejeição/decepção pelo ato de
preconceito do grupo de amigos(as). Tais modelos podem ser
analisados de acordo com a perspectiva de gênero (sexo dos
participantes em cruzamento com o sexo dos personagens):
Para a personagem do sexo masculino, os jovens consideram,
principalmente, que a indecisão entre as duas relações de amizade
organiza a resolução da situação de conflito e a situação problema
(modelo 1 - 41%), e as jovens destacam a identidade pessoal e a
imagem social como organizadoras da mesma situação para a
personagem do sexo masculino (modelo 3 - 35%).
Já para a personagem do sexo feminino, a maior parte dos
jovens atribui como organizadores da resolução do conflito o
cuidado e a atenção para com as necessidades afetivas do outro
(modelo 4 - 39%), e a maioria das jovens considera o direito e
ajustiça como princípios que organizam a resolução da situação pela
personagem do sexo feminino (modelo 2 - 38%).
113
Após a organização dos modelos, prossegui com a
organização das categorias de modelos. As categorias construídas a
partir dos protocolos baseiam-se nos modelos organizadores.
Compreendi que elas representam conteúdos, organizam-se em
torno de princípios destacados como significativos pelos
participantes e expressam as suas representações sobre a situação em
questão.
No caso da presente pesquisa, elas se referem às
regularidades que podem ser descritas entre os modelos que são
construídos a partir das representações de gênero na situação de
conflito apresentada. Foram construídas duas categorias que se
referem às articulações de dimensão ética e moral no contexto da
situação.
Denominei de Categoria A aquela que agrupa os modelos 1
e 3. A escolha entre as diferentes amizades, os efeitos dessa escolha
sobre a vida social e a identidade sexual da personagem e a decepção
com o grupo de amigos(as), sobre a discriminação cometida por
eles(as), expressam a dimensão pessoal da categoria A. A dimensão
ética e moral dessa categoria, sugerimos estar relacionada à
possibilidade de aproximações com uma moral self-regarding, na
qual o autorrespeito pelos seus valores e pela sua organização
identitária é fundamental para as decisões acerca do conflito
(CAMPBELL & CHRISTOPHER, 1996).
Uma outra categoria, que chamaremos de categoria B, traz à
tona a dimensão das decisões no conflito a partir do direito e o
cuidado/altruísmo para com o colega que sofre o preconceito, seja
pela relação de amizade para com a personagem, seja pelo direito de
ser quem ele(a) é. Os modelos 2, 4 e 5 estão nessa categoria.
O direito de ser respeitado(a) e o cuidado com o outro, no
sentido de proteção e preservação da relação de amizade com
114
aquele(a) que sofre a discriminação, expressam a categoria B.
Percebe-se uma integração entre as dimensões do outro concreto e
do outro generalizado proposta por Benhabib (1992), dado que o
“outro” pode ser aquele abstrato, sujeito de direitos ou aquele do
contexto da situação, em que seus sentimentos e necessidades são
destacados como relevantes para a decisão do conflito.
A categoria A é aplicada por 62% dos jovens participantes
para a personagem do sexo masculino, enquanto que a categoria B é
aplicada por 67% dos jovens participantes para a personagem do
sexo feminino. Para as jovens participantes, a categoria A prevalece
sobre as personagens do sexo masculino (59%); e sobre a
personagem do sexo feminino, as participantes aplicaram, em sua
maioria, a categoria B (65%). O que se pode constatar é que as
mudanças de categoria, em relação ao sexo da personagem, se
confirmam aqui, dado que meninos e meninas participantes
atribuem a categoria A (62% e 59%, respectivamente) ao
personagem do sexo masculino e a categoria B (67% e 65%,
respectivamente) à personagem do sexo feminino.
Pode-se dizer ainda, a partir desses dados, que o sexo da
personagem enquanto conteúdo do conflito parece influenciar no
modo de resolvê-lo. A maioria dos jovens participantes considera
que a personagem do sexo masculino orienta-se pelo cuidado de si
mesmo e pela manutenção de suas amizades e identidade de gênero
e sexual. Esse fato está relacionado ao que representa a
masculinidade hegemônica que exclui outras masculinidades que
não se vinculam à heterossexualidade (SEIDLER, 2000; KIMMEL,
1994). A respeito da personagem do sexo feminino, grande parte
dos jovens participantes considera o outro (seja concreto ou
generalizado) como principal fonte de preocupação na tomada de
decisões para a resolução do conflito. As jovens participantes
115
também consideram que os homens tendem à autopreservação (de si
mesmos e das relações que os cercam) e as mulheres tendem a
orientar-se pelo “outro” nas suas decisões éticas e morais.
Essas representações (categorias A e B) apontam também
para a manutenção de modelos sexistas e heterossexistas no modo
como os jovens resolvem os conflitos envolvidos na situação
apresentada. Um homem centrado em si mesmo e preocupado com
a imagem de si diante dos outros e com medo de perder sua
identidade de gênero e sexual (KIMMEL, 1994). Uma mulher que
se apresenta zelosa e com cuidados com os outros é representação
que reforça as representações do masculino e feminino hegemônicos
na cultura.
O sistema sexo/gênero binário e contínuo (BUTLER, 2003)
também não é questionado pelos participantes tanto em relação às
categorias de modelos (A e B) quanto em relação aos modelos que
fazem parte delas. Remete-se aos significados produzidos sobre os
gêneros, tomando as ações cotidianas (valores, gostos etc.) das
personagens vítimas da homofobia como ato performativo que
produz significados na lógica heteronormativa. Reafirmando uma
continuidade, esse sistema desvela a homofobia presente no modelo
3, que desencadeia respostas, tanto de participantes homens quanto
de mulheres, que atribuem o medo e a vergonha em relação à
identidade (heterossexual) e à imagem diante dos outros.
As representações sobre a personagem de sexo masculino,
tanto por meninas quanto por meninos participantes, referem-se à
categoria A, enquanto as relativas à personagem do sexo feminino
relacionam-se à categoria B. Desse modo, as representações de
gênero, a partir da situação de conflito sugerida na pesquisa,
produzem uma imagem sobre os homens muito diferente da das
mulheres diante da mesma situação (semelhante ao encontrado por
116
PUPO, 2007). Pelos dados encontrados, a mulher tentaria integrar
as dimensões pública e privada nas suas decisões e o homem tende a
se autopreservar, voltando-se para si mesmo na resolução do
conflito.
Esses dados demonstram uma complexidade no dinamismo
do funcionamento psicológico moral dos participantes atravessado
pelo conteúdo de gênero na situação de conflito. Esses participantes
atribuem, de maneira geral, maiores atitudes preconceituosas a
homens do que a mulheres na mesma situação de conflito (quadro
semelhante foi indicado por COSTA et al., 2013).
A partir das categorias A e B, foi possível delinear os modos
como se articulam valores e princípios morais e éticos, considerando
as representações de gênero construídas sobre as personagens da
situação. A categoria A trata de uma dimensão voltada para si
mesma, na qual se sobressai a preservação das amizades, de
identidade de gênero e sexual que se faz binária e heteronormativa.
Na categoria B, a dimensão priorizada é a do cuidado com o outro e
o respeito pelo direito de ser do outro em relação à sua sexualidade.
Do ponto de vista da dimensão moral e ética, trazem à tona
sentimentos e valores envolvidos na relação eu/outro diante do
conflito interpessoal. A categoria A refere-se a uma preocupação
consigo mesmo, trazendo a vergonha como o sentimento básico de
orientação em alguns modelos dessa categoria (modelo 3) e como
regulador moral na situação. A dimensão da preocupação com a
própria imagem diante dos outros e com a preservação dos vínculos
sociais parece trazer um caráter egoísta e individualista a essa
dimensão. Foram trazidos à tona sentimentos ligados às relações
sociais de amizade (seja para preser-las, seja para preservar a
própria imagem) que orientaram as decisões diante da situação de
conflito.
117
Gilligan e Attanucci (1988) e Gilligan (1993, 2011), ao
atribuírem a importância do papel da cultura na construção da
moralidade, já destacaram a função do conteúdo com referência na
situação diante de decisões e juízos morais. Na pesquisa que
desenvolvi, as representações de gênero desencadearam modos de ser
do ponto de vista moral, o que pode ser apontado como mais um
conteúdo nessa construção, assim como foi em outros estudos
(KELLY, 2011; MacGILLIARDY-DeLISI et al., 2003).
Assim, a abordagem da investigação realizada se aproxima
das perspectivas feministas que criticam a produção de pesquisas
sobre moralidade e gênero mais integrativas a partir do self/eu
organiza e a construção do sujeito moral (VASCONCELOS e
SOUZA, 2010; BENHABIB, 1992). Nessa organização,
sentimentos, pensamentos, crenças, ideias e valores estão presentes,
e, nela, o gênero tem ação central nessa organização como uma
construção cognitiva, afetiva e sociocultural.
Sendo o self um conjunto de representações do sujeito sobre
ele mesmo que agrega valores positivos e negativos, ele está em jogo
nas decisões e ações morais enfrentadas no cotidiano. Pode-se
verificar, neste ponto, que as categorias expressam o funcionamento
do self a partir do sexo das personagens.
Quanto às categorias elaboradas e as suas vinculações às
personagens dos sexos masculinos e femininos, consideramos que
elas apontam para novas significações sobre o masculino; por
exemplo, o destaque dado a sentimentos morais e às relações de
amizade como reguladores das relações. No tocante às personagens
do sexo feminino, a categoria B traz a dimensão do direito e do
dever em relação ao outro.
Essas significações sobre o masculino e o feminino do ponto
de vista moral é que abrem espaço para a discussão do gênero como
118
plural. Referimo-nos aqui a possibilidades de vinculação, em relação
a personagens homens, de questões mais afetivas, pessoais e
relacionais de cuidado consigo mesmo e, em relação a personagens
mulheres, de questões mais racionais e de justiça. Talvez, o conteúdo
da situação e o conflito moral em torno do evento da homofobia
com o(a) colega tenham desencadeado essas outras possibilidades.
Notadamente, quando mencionamos a necessidade de
pesquisas na perspectiva da pluralidade do gênero, tal como sugerida
por Benhabib (1992). A discussão sobre a permeabilidade do gênero
configura também uma abertura epistemológica nos estudos sobre a
moralidade, já que a clássica binarização da moralidade em ética do
cuidado e ética da justiça não nos permite ampliar a perspectiva
sobre diferentes orientações, valores e princípios morais nas
personalidades.
Desse modo, a partir dos modelos aplicados pelos
participantes e das categorias destacadas, percebe-se a necessidade de
revisar as teorias morais quando se trata da variável gênero. Isso
significa superar o sujeito kantiano, que é autônomo e descolado de
si mesmo, para assumir um sujeito que tem desejos, individualidade
e necessidades concretas que entram no jogo das decisões morais e
éticas vividas no cotidiano. As estruturas sozinhas não explicam a
moralidade, explicável somente em conjunto com os conteúdos da
situação (gênero e a sexualidade, no caso da presente pesquisa) e
com as experiências (cognitivas, afetivas e socioculturais) dos sujeitos
que também têm papel fundamental na sua construção.
A teoria dos modelos organizadores do pensamento auxilia
no salto de interpretação da moralidade em sua articulação com a
perspectiva de gênero. O gênero passa a ser um articulador
interessante nas pesquisas efetuadas pelo grupo que pesquisa que
utiliza esta perspectiva. A rejeição ao discurso de sujeito fundado na
119
exclusividade da racionalidade e da justiça se apoia na crítica dos
novos paradigmas em ciência, no qual os feminismoso
contribuintes. Contudo, a relação sujeito-objeto sugerida pela teoria
dos modelos organizadores é ainda afeita aos construtivismos
radicais em que o polo do sujeito é fonte das ações e produções da
realidade. A ideia de representação contida nos modelos
organizadores supera a ideia deste processo mental como assimilador
de propriedades de fato da realidade, quando agrega outros possíveis
conteúdos não presentes nas situações estudadas.
Por outro lado, a teoria dos modelos organizadores avança
na discussão da relação entre cognição e afetividade, produzindo
hibridismos interessantes sobre os processos de conhecer, afirmando
os conhecimentos sentidos e os sentimentos conhecidos
25
. A
presença dos sentimentos na interpretação das situões de conflito
propostas nas investigações desvela a necessidade ainda de se romper
as fronteiras fundadas pela modernidade sobre o sujeito e o
conhecimento. O gênero parece ser um grande aliado nessa leitura,
desde os feminismos empiricistas que parte das experiências de
perspectiva que produzem positividade do afeto e do cuidado como
atributos psicológico das mulheres. As pesquisas citadas tendo o
gênero como conteúdo e perspectiva de análise, desde a teoria dos
modelos organizadores, parecem sugerir esse caminho. Montenegro
(2003) aponta a necessidade de se pensar esses feminismos nas
teorias psicológicas da moralidade, evitando que sejam ou
valorizadas as diferenças de gênero ou minimizadas e, ainda, a
desconsiderar os fatores socioculturais nessa valorização ou
minimização.
25
Monserrat Moreno e Genoveva Sastre avançam ainda mais nessa discussão nos textos
Como construímos universos - amor, cooperación y conflicto (2010) e Amor y Política
(2015).
120
Nas pesquisas por mim realizadas, existem também estas
aproximações maximalistas do gênero (MONTENEGRO, 2003).
Tentei apresentar nas investigações a integração, de modo não
dualista, teorizando a moralidade como composições das éticas da
justiça e do cuidado e, mesmo buscando outras possibilidades fora
desse eixo. Entretanto, mesmo articulando metodologicamente a
representação de gênero com a categoria sexo dos participantes, os
deslocamentos do feminino e masculino não permitiram de fato a
visualização das pluralidades de gênero em suas articulações com a
moral, dado que não se perguntava às/aos participantes sua
identidade de gênero, pressupunha-se uma cisgeneridade nos
protocolos. Assim, a perspectiva de gênero estava fundada no gênero
como marcador biológico-cultural (correspondência cisnormativa do
sistema sexo-gênero) como fonte das informações nas pesquisas, não
performático ou auto referencial.
Ademais, as contribuições de epistemes feministas empiristas
nestas pesquisas se devem ao modo como os dados são coletados. Ao
emergir as categorias das próprias respostas e não de categorias
prévias na análise do funcionamento psicológico moral, exige a
abertura ao registro textual ou em voz das/os participantes. Há aqui
uma rejeição aos testes duros e estruturados de modo a obter dados
sobre um sujeito já previamente definido
26
. A teoria dos modelos
organizadores também ofereceu possibilidades nesse sentido, até
mesmo em entrevistas mais próximas de uma abordagem narrativa,
mesmo não explorando o processo de produção de dados pela via do
pesquisador (quem organiza o material fonte).
26
O trabalho de Arantes (2013) explora mais estes aspectos metodológicos da teoria dos
modelos organizadores em suas pesquisas sobre as relações entre cognição e afetividade.
Atenta, sobremaneira, para a abertura na análise dos protocolos e possibilidade de não
produzir previamente categorias.
121
Estes aspectos metodológicos dos estudos em psicologia
sobre gêneros e juventude deixam de lado a referência interseccional
e a problematização da produção da pesquisa quando constrói
fronteiras entre sujeito e objeto do conhecimento. As perspectivas
feministas situadas e interseccionais e as metodologias de
investigação narrativas são caminhos que explorei nas pesquisas que
apresentarei no próximo capítulo. A principal questão tratada por
elas será o tema do amor e violências como mote para estudar o
gênero articulado com outros marcadores, como as sexualidades e as
idades. A referência etária será explorada situando as juventudes
como tempo da vida em movimento e em configuração constante
com as outras gerações, as diferentes expressões de gênero e sexuais
que fogem da norma. Os referenciais se aproximam mais das
epistemes feministas pós-modernas ou da ciência alternativa, que
buscam desmanchar as ilusões criadas pela modernidade de cisões
entre natureza e cultura, para se pensar, desde outros lugares, os
tempos da vida, os gêneros, as sexualidades e o conhecimento.
122
123
V.
JUVENTUDES, AMOR E VIOLÊNCIA: NATUREZA
E CULTURA TENSIONADOS NOS ESTUDOS
SOBRE GÊNEROS E SEXUALIDADES
O conjunto de pesquisas que apresento nesta segunda fase
(realizadas entre 2012 a 2017) busca problematizar os caminhos
metodológicos e teóricos sobre os gêneros e as sexualidades na
juventude contemporânea, tendo o amor e a violência como
dispositivos de análise da tensão entre natureza e cultura nas ciências
humanas e sociais, especialmente na psicologia do desenvolvimento.
Trata-se de uma segunda fase das investigações até então produzidas
com o propósito de buscar novas metodologias e perspectivas
teóricas que se vinculem às epistemologias feministas alternativas ou
pós-modernas, em função do que estas se interrogam sobre a relação
sujeito e conhecimento. O ponto de ruptura com as pesquisas
conduzidas anteriormente se refere, portanto, ao aprofundamento
da crítica feminista contemporânea sobre a produção em psicologia
a partir da intersecção entre os marcador etário juventude,
sexualidades e gêneros.
O que denominamos de tensão entre natureza e cultura está
relacionado ao debate em torno da cisão e dos dualismos como
efeitos da ciência moderna tal como já pontado por Latour (1994) e
pelo debate feminista (HARAWAY, 1991 e 1995; HARDING,
1993). O homem (cisgênero, branco, europeu, heterossexual) como
medida de todas as coisas e fonte da razão e do entendimento do
mundo, funda esta divisão dado que o atributo cultural humano é
124
fruto de sua ação sobre a natureza, sobre a transformação e/ou
manipulação do que é puro e essencial.
Na psicologia que se aproxima das tradições modernas da
relação entre natureza e cultura, opera-se modos de explicação sobre
o funcionamento psicológico buscando que tentam articular o que
se observa como natural (da ordem do biológico ou da teoria
evolutiva) e o adquirido (de origem cultural). Como foi visto no
terceiro capítulo, a psicologia do desenvolvimento, com seu campo
de estudos sobre as mudanças ocorridas ao longo do tempo nas
funções psicológicas e na explicação dos comportamentos humanos.
Estudos comparativos entre o comportamento humano e animal, na
tradição da Psicologia Comparativa, são um exemplo de tentativas
da psicologia em fundamentar muito comportamentos humanos
como advindos da natureza, portanto, naturalizados eles passam a
ser melhor aceitos, como parte do processo normal do curso de vida.
Estas questões são o pano de fundo dos trabalhos que irei
apresentar. O tema da violência é algo um campo de debates sobre
esses processos. A violência é um fenômeno natural (do masculino,
homem) ou produto da cultura? Quando se trata dos jovens que
comentem atos infracionais o marcador etário comparece, via
psicologia, para explicar como passagem, resposta ou resistência a
uma sociedade que cria regras sem sentido e injustas; ou ainda,
como caráter vinculado ao sujeito homem, parte da natureza
violenta, localizada geralmente no gênero masculino, advindo dos
primórdios da humanidade na luta pela vida.
Por outro lado, o amor como tema de investigação pode
levar à sua banalização se recorrer a ideia de que o amor é um
sentimento universal, natural, parte da vida e (que deve ser)
experimentado por todas e todos, principalmente o amor romântico.
A naturalização também se refere ao amor materno como algo
125
próprio da natureza feminina e também o amor legítimo como
aquele entre um homem e uma mulher. Ainda, que as experiências
amorosas só se dão após determinadas idades e que amar pode
matar. Assim, o amor como tema incita o debate às
interseccionalidades, tendo os gêneros e as sexualidades como eixos
possíveis. Também provoca sobre os discursos regulatórios das vidas
sentimentais, das configurações familiares e das violências que se
comentem em nome dele.
Com a primeira pesquisa que apresentarei pretendi
investigar os modos como o amor é significado pela juventude
contemporânea. Aplicamos um questionário aberto
27
jovens
universitários brasileiros, mulheres e homens, que se declararam de
sexualidades dissidentes (gays, lésbicas, bissexuais) ou heterossexuais.
Busquei interseccionar os marcadores de gênero e sexuais com as
juventudes no que se refere às experiências amorosas vivenciadas por
elas e eles, os sentimentos, percepções e conflitos envolvidos.
Ainda nessa pesquisa foram realizadas incursões metodoló-
gicas a partir de outros instrumentos. Foram realizadas entrevistas
narrativas piloto, de modo a complementar algumas informações
que pelo questionário aplicado. Nestas entrevistas, foram solicitados
às/aos participantes que contasse sobre uma experiência amorosas,
seu início meio e fim.
O roteiro de análise ainda estava marcado pela perspectiva
teórica dos modelos organizadores do pensamento. Com ela foi
possível uma análise micro das construções interpretativas dos
27
Projeto Amor e conflitos na juventude contemporânea: um estudo a partir da teoria dos
modelos organizadores do pensamento. Tive como colaboradoras bolsistas as alunas do curso
de psicologia: Anelise Barbara Zoia, Mirela Fios de Oliveira, Gisele Tiemi Sugawara,
Gabriela Cattel Albaraçin, Bruna Sordi Silva. Agradeço a Fapesp e o CNPq pelas bolsas de
iniciação científica ofertadas. Agradeço igualmente a Fapesp pelo financiamento de parte
desta pesquisa como Auxílio Regular (2014-2016) e Estágio Pós-doutoral na Universitat de
Barcelona (2013).
126
participantes, de modo que foi permitido aprofundar nas
significações produzidas pelos participantes. Entanto, havia lacunas
no processo considerando o papel da/o pesquisador/a na produção
dos modelos. A relação sujeito e objeto ainda era, de certo modo,
localizado no conhecedor, mas não problematizava esta atuação na
análise dos modelos organizadores dos participantes.
Teoricamente, também foi um avanço a opção de utilizar o
termo juventude, ao invés de adolescência, marcado pelo modelo
médico e da ciência do desenvolvimento progressiva e linear.
Também foi um avanço as intersecções com os marcadores gêneros e
sexualidades na investigação sobre o amor. Inicialmente a pesquisa
foi idealizada com base na pesquisa de Sastre e Moreno (2010) mas
que nãos e considerava estes marcadores (principalmente a
orientação sexual) como componente das percepções e ações da/na
vida amorosa.
Um segundo momento do conjunto de investigações que
apresento neste capítulo, refere-se justamente a esta crítica que vinha
produzindo ao longo do processo de trabalho com a teoria dos
modelos organizadores. A perspectiva avançava na abertura da
análise, na não categorização prévia dos conteúdos e sua dinâmica
no funcionamento psicológico, bem como na consideração de uma
realidade subjetiva construída pela/o sujeita/o.
Contudo, a ideia de acessar as representações produzidas
pelas/os participantes remetia a uma manutenção do modelo de uma
realidade interna e externa, que se não totalmente distintas, se
apoiavam na premissa desta distinção. Além do mais, como já
apontado, na produção dos modelos a/o pesquisador/a tem um
papel muito importante e que não pode ser deixado de lado. A
maioria das pesquisas também utilizam do questionário aberto como
modo de acessar as respostas das/os participantes. A entrevista
127
permitiria um conjunto de modulações e produções discursivas que
trariam maior complexidade e dinâmica do processo de construção
de significados em uma situação e/ou experiência, como a amorosa.
Para explorar estas críticas que se fundam nas formulações
feministas pós-modernas ou alternativas (HARDING, 1993),
delineamos um conjunto de pesquisas que se dedicaram a se valer de
conhecimentos situados e de metodologias de investigação
implicadas. Mais próximas do modelo artesanal de pesquisa
proposta por Harding (1993) e Haraway (1995), voltei-me ao
propósito de pensar nas pesquisas em processo e que se pretendem
mais simétricas na produção de informações sobre um campo de
questionamentos. Duas alternativas se apresentaram: os estudos
sobre narrativas e a cartografia.
Comecei a desenvolver estas ideias com alunas e alunos de
pós-graduação das áreas de educação e da psicologia. Em alguns
deles exploramos a perspectiva narrativa de investigação com: jovens
travestis sobre suas experiências escolares (SALES, 2012); as
narrativas de jovens, que vivenciam um programa socioeducativo,
sobre o ser jovem em interlocução com as produções discursivas das
políticas públicas que frequentavam sobre eles mesmos (MENDES,
2013
28
); no estudo sobre jovens e seus sentimentos no uso das
tecnologias das redes sociais como o facebook (PAIXAO,
2016).Outras pesquisas, foram trabalhadas desde uma perspectiva
narrativa que buscava mais simetrias na produção textual e na
produção de dados, orientamos a pesquisa de Caio Andreo (2014
29
)
sobre violência e masculinidades nas histórias de vida de
adolescentes em conflito com a lei e a pesquisa de Danielly Mezzari
28
Pesquisa financiada pela Capes com bolsa Demanda Social.
29
Pesquisa financiada pela Capes com bolsa Demanda Social.
128
(2017
30
) sobre as experiências amorosas de jovens mulheres lésbicas.
Por fim, adentrando o campo das cartografias como método na
pesquisa de Fabio Morelli (2017) sobre como homens jovens gay se
utilizam dos aplicativos de geolocalização de smartphones para
encontros afetivos e sexuais.
Concentrarei nestas três últimas pesquisas minhas
considerações. A preocupação, nesse momento, é retomar questões
fundamentais das perspectivas feministas e queer sobre a ciência, o
que implica em questionar os modelos dominantes vigentes no
campo de produção de conhecimento em psicologia. Questiona-se
os modos de operar que levam à exclusão e opressão os
conhecimentos que não atendem aos cânones da objetividade
racionalizada e universal da ciência moderna.
Desse modo, a intenção foi a de promover uma leitura a
partir das contribuições metodológicas das críticas feministas
baseada na perspectiva dos saberes situados e das intersecciona-
lidades. Estas propostas permitiram perceber e conhecer os modos
de expressão das sexualidades e gêneros da juventude
contemporânea, bem como a mudança de perspectiva sobre esse
tempo da vida como processo atravessado por diversos marcadores
sociais.
Estas outras formas de pesquisar, bem como os objetos
escolhidos e as questões que os atravessam remetem a uma ciência
alternativa à moderna no campo da psicologia. As aproximações
com as interseccionalidades e com os saberes situados são uma
possibilidade de pesquisar em que aposto. Estas incursões projetam
outros modos de pesquisar e pensar os objetos de investigação na
30
Pesquisa financiada pela Fapesp na modalidade Bolsa de Mestrado e Bolsa de Estágio de
Pesquisa no Exterior. Processos 14/26841-4 e 16/01896-6.
129
psicologia do desenvolvimento, interrogando a ela mesma sobre o
que produz, para quem produz e com quem produz.
31
5.1 Experiências amorosas nas diferentes expressões de gêneros e
sexuais da juventude
Tratar do tema da juventude contemporânea é trazer o
tempo como foco de problematização. O filósofo Giorgio Agamben
(2009) ao conceituar esse termo, o contemporânea, inicia logo com
a questão “De quem e do que somos contemporâneos?” Ou ainda,
“O que é ser contemporâneo?”. Para Agamben (200), a
contemporaneidade “é uma singular relação com o próprio tempo,
que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distanciamentos;
mais precisamente, essa é a relação com o tempo que a este adere
através de uma dissociação e um anacronismo” (p.59).
Desse modo, os que estão conectados à época e
perfeitamente conformados a ela, de acordo com Agamben, não são
contemporâneos. A contemporaneidade é justamente o entre
31
Coordenei durante a produção deste texto a pesquisa Epistemes feministas na produção
da Psicologia do Desenvolvimento: o gênero como dispositivo de problematização nos
processos de mudança (Proc. Fapesp 17/14706-3). Nele buscamos mapear e problematizar
a produção da Psicologia do Desenvolvimento, considerando as contribuições dos estudos
feministas nas ciências. Este trabalho foi o início desse processo que buscou mapear a
minha própria incursão ao interseccionar as epistemes feministas e a psicologia do
desenvolvimento. Num outro momento, planejei: situar os discursos e saberes sobre os
processos de mudança desde perspectivas de gênero (feministas) ao longo da história da
disciplina Psicologia do Desenvolvimento; mapear os usos do gênero como categoria na
produção acadêmica em psicologia do desenvolvimento no Brasil, tendo como fontes as
disciplinas de cursos universitários e periódicos da área; c) delinear um programa de estudo
a partir das epistemes contemporâneas que operam e produzem conceitos os quais,
sugerimos, forçam uma revisão sobre as bases dos processos de mudança (relações entre
natureza e cultura, razão e afeto, tempo e vida, conhecimento e subjetividade, etc). Desde
essas leituras possíveis busca-se também a produção de outros modos de saber/fazer
pesquisa em psicologia, assumindo perspectivas políticas e éticas que se aproximam de
demandas referendadas também pelos marcadores etários.
130
tempos. Quem é contemporâneo é “aquele que mantém fixo o olhar
no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro”
32
(AGAMBEN, 2009, p. 62). Perceber o escuro significa interpelá-lo
constantemente, ter coragem para manter fixo o olhar nele e
também perceber uma luz que ao mesmo tempo em que se dirige a
nós, se distancia de nós.
Na Sociologia (PAIS, 1990) a juventude tem sido conceituada
como momento ou fase da vida na qual há certa uniformidade
no modo de pensar e agir em seu tempo, próprios de uma faixa
etária. Numa outra vertente essa cultura global juvenil é
rechaçada afirmando a existência de diferentes culturas juvenis
que se ramificam em função de categorias como classe social,
gênero, raça/etnia e outras. Esse mesmo autor apresenta a
juventude como uma categoria geralmente vinculada aos
problemas sociais
33
. Isto é, a juventude como faixa etária que
corresponde a um problema social e produtora desses
problemas, dado que o comportamento do jovem é vinculado à
desordem, delinquência, indiferença aos costumes e ideais da
geração dominante adulta, e a ela deve ser aplicado dispositivos
de controle (educacionais/repressivos) para moldá-la às
necessidades sociais.
Por outro lado, esse comportamento juvenil significados
como “desviantes”, tem sido indicado por algumas leituras
psicanalíticas (ERIKSON, 1976) como um elemento constitutivo
32
Agamben(2009) esclarece que esse conceito de escuro não se refere a privação de algo
(luz). A Neurofisiologia esclarece que a falta de luz não é uma não-visão, mas sim um
resultado de atividade de células da retina denominadas off-cells, excluindo a ideia de
passividade ou inatividade.
33
Peralva (1997) menciona como autores do campo da Sociologia que tratam dessa
representação acerca da juventude: MATZA, D. Subterranean traditions of youth. The
Annals of the American Academy of Political and Social Science, v. 338, Nov. 1961; MATZA,
D., SYKES M, G. Techniques of neutralization: a theory of delinquency. American
Sociological Review, n. 22. pp. 657-669, 1957
131
do ser jovem em busca da construção de uma identidade, que
implica no embate com figuras de autoridade para a produção de
novos modos de ser diante de modelos que não representam e
respondem às demandas atuais. Nesse mesmo sentido, de categoria
social transformadora, Mannheim (1968), na Sociologia, promove
uma leitura da juventude que é fonte dos movimentos sociais e
promotora de rupturas com modelos, promovendo mudança social.
Desse modo ela ganha outro status: a de empreendedora de
mudanças sociais e da inventividade e novidades
34
.
Os diferentes significados atribuídos à juventude em
diferentes campos do saber nos remetem ao conceito de
contemporâneo de Agamben. O tempo é um elemento chave nessa
compreensão do contemporâneo e a juventude como tempo (idade)
da vida tem sido significada de diferentes maneiras ao longo da
história, transitando entre momento de inadequação e de
revolução/novidade; como um grupo que se configura numa
unidade social ou grupo diversificado culturalmente. A juventude é
uma categoria temporal cuja relação com o próprio tempo é inatual,
já que não se adequa à época vivida, e se lança a perceber o escuro
como algo que faz parte de si mesmo e que não cessa de questioná-
lo.
O que de contemporâneo tem as experiências amorosas na
juventude? Tais temas são recorrentes quando se trata da juventude
contemporânea, repercutindo em questões relacionadas a políticas
públicas em relação ao comportamento reprodutivo e sexual
34
Percebemos na mídia que jovens são não só o foco de propagandas destinadas ao
consumo, mas também que eles têm produzido no campo da moda, das artes e do
conhecimento inúmeras contribuições que implicam em mudanças de comportamento e
estilos de vida. Para Pais (1990) a mídia oscila entre a representação de um jovem problema
e um jovem consumidor e criativo, que tem maior interesse para o regime socioeconômico
e político.
132
(HEILBORN, 2004; HEILBORN e CABRAL, 2004) e as
violências decorrentes das diversidades de gênero e sexuais
(ABRAMOVAY e RUA, 2004; JUNQUEIRA, 2009). Os jovens ao
mesmo tempo em que estão sujeitos aos modelos tradicionais de
relacionamento erótico-amoroso também promovem rupturas nos
modelos padrões da sexualidade e das relações amorosas. Algumas
características podem ser destacadas como próprias da adolescência e
da juventude no trajeto de transformações: o questionamento dos
modelos de relações familiares, do comportamento sexual e social
deles próprios e dos outros.
A vida erótico-amorosa dos jovens, embora iniciante, é
intensa e tem desdobramentos nos campos da saúde (políticas
públicas) e da educação (formal e não formal). O tema da vida
afetiva e sexual dos jovens e adolescentes é sempre recorrente no
trabalho nesses campos e é fruto da demanda das constantes
transformações pelas quais essa população passa, tanto do ponto de
vista biopsicossocial (adolescência), quanto do histórico (OZZELA,
2004; ERIKSON, 1976; KEHL, 2004).
As transformações nas relações nos espaços públicos e
privados, marcados pela velocidade, instabilidade e incerteza sobre
os conhecimentos e os costumes, produzem subjetividades que
subvertem os padrões tradicionais sobre ser jovem e ser adolescente.
Como tema de preocupação marcante da juventude e da
adolescência, o amor e as relações erótico-amorosas não têm
significados fixos, mas se transformam ao longo da história e em
função dos domínios simbólicos e culturais dos grupos humanos
(BECK e BECK-GERNSHEIM, 2001). Para Beck e Beck-
Gernsheim as relações conjugais em suas transformações no tempo
histórico, demonstram diversas modalidades de amar e ser amado(a).
A revolução industrial implica em novas maneiras de relacionar-se
133
conjugalmente e em novas configurações familiares. As mudanças
no papel da mulher na vida econômica e familiar desloca a atividade
reprodutiva como foco da família e implica em mais tempo para se
dedicar a relações a dois e à outras formas de conjugalidade. No
setor das relações erótico-amorosas contemporâneas, jovens e
adolescentes expressam seus pensamentos, sentimentos e desejos em
diferentes formas que se aproximam e se distanciam da cultura
heteronormativa e androcêntrica.
A crescente violência e discriminação diante das diferenças
de gênero e sexuais trazem esse tema como mais um elemento de
análise. Há um momento cada vez maior de registro de violência
entre jovens, muito deles relacionado a questões amoroso-passionais
e que envolvem as relações heterossexuais (ARANTES, SASTRE e
GONZÁLEZ, 2010). No caso de gays e lésbicas, justifica-se em
produzir mais informações sobre os modos de ser, de sentir e pensar,
dessa população, ainda pouco presente em estudos que descrevem
suas representações e opiniões sobre suas experiências erótico-
amorosas conjugais (FÉRES-CARNEIRO, 1997; HEILBORN,
2004).
O caráter histórico do conceito de juventude afirma sua
pluralidade e rompe com atributos essencialistas desse tempo da
vida. Os aspectos históricos e culturais ainda entrelaçam-se com
outras categorias, como o gênero e a sexualidade no interior dos
grupos e culturas juvenis, desde uma perspectiva da
interseccionalidade, a qual se refere a dar visibilidade a estruturas e
relações de poder que atravessam a diferentes marcadores
identitários tais como raça, etnia, sexo, gênero, classe, etário etc.
(McCALL, 2005). Assim, existem diferentes maneiras de representar
e significar os sentimentos, as relações amorosas e sexuais, muitos
deles baseados nos modelos androcêntrico e heterossexista, em que a
134
identidade masculina e heterossexual é demarcada como um lugar
do exercício do poder sobre a mulher produzindo violência física e
simbólica (SAFFIOTTI, 1987 e MACHADO, 2004). Todavia,
ainda predominantes, tais modelos podem apresentar-se em diversos
graus de aproximação e ruptura com modelos menos excludentes
(TRAVESSO-YEPEZ, 2005; NASCIMENTO, 2004). Mas é certo
que como categorias histórico-sociais, gênero, etnia e classe social,
por exemplo, definem trajetórias de vidas diferenciadas dos jovens
(OZELLA, 2004).
Embora afirmemos a pluralidade do gênero nas culturas
juvenis, percebemos que o uso da violência é uma marca cada vez
mais frequente nas relações sociais, sendo que o modelo masculinista
e heterossexista têm dominado as cenas da juventude contem-
porânea, em que o uso da força física só reforça a reprodução desse
modelo androcêntrico nas manifestações dos comportamentos
juvenis (ABRAMOVAY e RUA, 2004).
O rompimento com o modelo androcêntrico tem origem no
feminismo, como movimento social no combate à exclusão e
violência contra a mulher em diversos âmbitos sociais (BENHABIB
& CORNELL, 1987; HARDING, 1993). O argumento crítico
feminista reside no fato de que a cultura patriarcal e androcêntrica
impõem uma organização social, política e econômica em que o
homem é o centro do comando e detém o poder nas decisões em
vários setores da vida: na família, no trabalho, na escola, na política
e na ciência. É combatida a exclusão da mulher da vida social e
política da sociedade em que vive, e sua existência é relegada à vida
doméstica, ao mundo privado, sem participação efetiva no mundo
público, que é privilégio dos homens.
Louro (1997) destaca a importância desses estudos em dar
visibilidade à mulher no mundo social, político e científico.
135
Sobretudo em seu caráter político de enfrentamento que, ao assumir
uma posição, rompe com pretensas neutralidades e objetividades, o
que por si só já é uma grande contribuição às ciências. Para Braidotti
(2004) os feminismos têm como pressuposto o fato de que o
“sujeito universal do conhecimento” é falsamente generalizado e,
como consequência, impõe discursos que se referem fundamental-
mente a um sujeito que é homem, branco, heterossexual e de classe
média.
Quando se trata do feminismo se debruçando a realizar uma
crítica ao amor (ao pensamento amoroso) deve-se pensar na sua
importância política (ESTEBAN, 2011). Infância, família, a
política, a religião, enfim, a organização geral da vida cotidiana tem
o amor (os afetos) como inspiração e orientador de relações e
significados. O empenho em tomar o amor (romântico, parental,
materno etc.) como analisador das condições de exclusão, opressão e
produtor de um imaginário sobre o cotidiano normativo se
intensificaram para além dos movimentos feministas na ciência e na
vida cotidiana, nas décadas de 60, 70 e 80 do século XX, e nas
últimas décadas com os movimentos sociais gays e lésbicos. Estes
têm empreendido rupturas aos modelos tradicionais de relações
conjugais, parentais e afetivo-sexuais, desencadeando revisões sobre
as formas de sentir e de relacionar-se.
Os jovens são reivindicadores dessas novas formas de viver,
se expressar, de amar (ALMEIDA e EUGENIO, 2006). O número
de meninos e meninas que lidam com suas sexualidades e diferenças
de gênero não atendendo a estereótipos tem sido mais visto no
cotidiano e em diferentes meios de comunicação, mesmo ainda
sendo tabu para muitos e gerado debates políticos e sociais
governamentais no Brasil.
136
As coletividades têm produzido diferentes formas de
estabelecer como devem ser as relações erótico-amorosas
(MORENO e SASTRE, 2010). Em diferentes culturas variam a
fidelidade amorosa-sexual, os arranjos familiares (liderados por
homens ou mulheres, ou o grupo) as formas de conjugalidade
(casados, divorciados, descasados etc.) e de relação erótico-amorosas
(homem/ mulher, homem/homem, mulher/mulher). Para essas
autoras, os modelos existentes de relações erótico-amorosas, apesar
do imperativo de um modelo, são muito mais variados do que se
imagina.
Geralmente em nossa cultura ocidental e cristã, entende-se
um casal como ideal de amor erótico: o amor entre duas pessoas de
sexos diferentes. No entanto, a poligamia é muito frequente em
diversos grupos e sociedades humanas. Além disso, a finalidade do
casamento entre duas pessoas de sexos diferentes, a procriação, já
não se sustenta na sociedade contemporânea cujas demandas
(hedonistas) transformam o sexo e a sexualidade com outros fins que
não os de reprodução, mas da busca do prazer e do bem-estar.
Com os feminismos surge a necessidade de ampliar as
análises realizadas. Com eles ainda o termo gênero toma lugar crítico
em que se afasta de posições essencialistas e a atenção volta-se para o
processo e a construção da pluralidade das expressões sobre o
masculino e o feminino. Judith Butler com o conceito de
performatividade de gênero introduz a ideia de que o gênero se
performa diante de um conjunto complexo de elementos que
envolvem a linguagem, o corpo, o sexo, a cultura, o desejo
(BUTLER, 1997), se inserindo em modos compulsórios ou não.
Assim, as contribuições dos feminismos aos estudos de gênero
residem principalmente no confronto com as relações sociais e de
137
poder que atravessam as culturas masculinista e heterossexista que
promovem modos de existir compulsórios e normativos.
O amor tem sido problematizado por várias áreas do
conhecimento. Longe de esgotar todas elas aqui neste texto,
pretendemos destacar aquelas ideias que são mais pertinentes aos
propósitos deste estudo. Esteban (2011) nos alerta que é perigoso
conceituar o amor e torná-lo um conceito etnocentrado e
generalizado, ou seja, universalizar o amor desde uma única
perspectiva. Atentos a isso, passaremos à uma breve discussão
histórica sobre o papel do amor na organização das relações
conjugais nas sociedades modernas, algumas contribuições da
Filosofia, Antropologia e da Psicologia para pensarmos o amor na
atualidade. Focaremos nossas considerações em torno da ideia de
amor romântico que predomina nestas perspectivas.
O amor, para Esteban (2011) pode ser definido como "una
forma de interación y vinculación que comporta la idealización y
erotización del otro, y el deseo de intimidad y de durabilidad de la
relación” (p. 42). Esta interação ainda é atravessada pelos
sentimentos, percepções, sensações, erotização, passado, presente,
futuro, ações (individuais e coletivas) que são também produzidas
pelo contexto histórico e social. Para complementar com uma
dimensão específica dessa concepção, tal como para outros autores
como Bozon (2005 apud OLTRAMARI e GROSSI,
2010;OLTRAMARI, 2009), o amor é uma prática social que deve
ser compreendia nas trocas e concessões que as pessoas fazem entre
si, que seriam confidências, intimidade. Com isso sugere pensarmos
o amor como prática social vivenciada como sentimento.
De modo semelhante, Moreno e Sastre (2010) consideram
que a dificuldade em definir o amor resulta não só do fato de que ele
não diz respeito a uma só coisa, mas sim a um conglomerado de
138
emoções e sentimentos que varia de acordo com o tempo, o espaço e
a história individual de cada um, mas também porque ele varia de
acordo com outras circunstâncias como o objeto a que se direciona
(que pode ser a alguém, a uma ideia, a um animal, etc.) e as
situações particulares em que a pessoa se encontra (dimensão
prática). Para além disso, os sentimentos amorosos sempre se
apresentam ligados a outros sentimentos como a ternura, a entrega,
o prazer, mas também a rivalidade, a inveja, etc. Dessa forma, as
pesquisadoras consideram que não se deve pensar o amor como um
sentimento, mas sim como um complexo de sentimentos, tanto pela
variedade que contempla, quanto pelo fato de que nunca aparece
isolado de outros sentimentos. Tanto para Esteban (2011) quanto
para Moreno e Sastre (2010) o amor romântico é a grande faceta,
um tipo de ideologia cultural, que tem sido produzido e construído
nas mais diversas obras artísticas e culturais, desdobrando-se em
narrativas sobre os vínculos na vida cotidiana a dois.
O amor romântico se organiza e se estrutura de acordo com
o pensamento dominante da época os estados cognitivos-emocionais
do enamoramento com a intenção de convertê-lo em um estado
permanente e, inclusive, em uma forma de vida e de relação entre
amantes (MORENO; SASTRE; 2010). Para as autoras as principais
características do amor romântico se baseiam nas crenças de que: se
apaixonar não depende da vontade própria da pessoa; o amor pode
tudo e justifica tudo; é suficiente e incondicional; dura para sempre;
é exclusivo e excludente. Esteban (2011) concentra sua especificação
do amor romântico como um substituto da religião, no contexto da
modernidade, que vincula a paixão à morte na busca a
transcendência e a felicidade. Para ela, a idealização, a durabilidade,
a erotização e a intimidade são características do amor romântico
139
que consolida forma relações desiguais e hierárquicas entre os
sexos/gêneros e nos sexos/gêneros.
Giddens (1993) afirma que o amor romântico é idealizado
como unidade mística entre um homem e uma mulher. Os valores
morais da cristandade são os influentes nesse tipo de amor. Amar a
Deus é devotar-se a ele, conhecê-lo e conhecer-se. O amor
romântico e o amor a Deus se assemelham nas ideias de
incondicionalidade, perpetuação e doação. Apesar do amor à
primeira vista ser condição do amor romântico, ele deve deixar
paulatinamente o ardor sexual para deixar o sublime imperar. Esse
tipo de amor era feminilizado, estando relacionado ao cuidado e as
responsabilidades em relação à família. A mulher torna-se
subordinada às obrigações do lar e isolada do mundo exterior. Os
homens já vivenciavam o amor paixão e o romântico de maneira
tensa: entre o conforto do ambiente doméstico e a sexualidade da
amante ou da prostituta. Para Giddens, novos domínios de
intimidade foram sendo construídos. A mulher passa a utilizar o
espaço privado valorizando mais as amizades entre as mulheres e
buscando nelas a mitigação dos desapontamentos do casamento, e o
homem relegou os sentimentos da camaradagem masculina aos
esportes e as práticas de guerra. As mulheres viraram especialistas do
coração no âmbito privado e os homens distanciaram-se das suas
angústias amorosas.
Para Moreno e Sastre (2010) o amor romântico nem sempre
está separado do amor paixão ou o do estado de enamoramento. As
autoras mencionam algumas características do que elas chamam de
verdadeiro amor na opinião de entrevistadas/os em suas pesquisas: a)
é involuntário; b) pode tudo; c) justifica tudo; d) é suficiente; e) é
entrega total; f) as pessoas se complementam; g) é incondicional; h)
é exclusivo e excludente; i) dura para sempre; j) reflete a felicidade
140
total. Nem sempre todas essas características estão presentes em uma
mesma pessoa apaixonada. Para as autoras, as ideias, crenças e
normas relativas às relações amorosas estão ligadas a organização
social de cada cultura e de cada momento histórico que dão origem
a muitas variedades. Alguns desses significados se aproximam do
amor romântico descrito por Giddens, outros rompem com ele
buscando novas formas de vivenciar o amor (amor confluente).
O amor pode ser conceituado, também, enquanto uma
ideologia cultural que se pratica por meio do que García e
Montenegro (2014) conceituam como “experiências semiótico
encarnadas”, as quais remetem às relações de aspectos simbólicos,
materiais e afetivos que atravessam diretamente os corpos. Nesse
sentido, podemos pensar o amor enquanto prática. hooks
35
(2012)
afirma que pensar o amor enquanto prática é importante para que
possamos descontruir a ideia de que ele é algo dado e inevitável e
perceber que amar está relacionado com a produção de um
investimento, de uma vontade de amar e, portanto, de uma prática
amorosa. Para a autora, pensar o amor mais como uma ação na qual
investimos do que como um sentimento que nos acomete é uma
estratégia para que possamos assumir uma maior responsabilidade
pelas ações que cometemos em nome dele.
A Psicologia tem diferentes abordagens para tratar do tema
do amor e dos sentimentos como um produto/produtor de um
universo simbólico, e/ou de comportamentos e/ou de ações. A
complexidade do tema do amor como sentimento e ação
(MORENO e SASTRE, 2010), que transita entre questões éticas e
do desejo, exige uma perspectiva de investigação do funcionamento
35
Bell Hooks assina suas obras em minúsculo. A autora afirma que seus escritos devem ter
mais destaque que seu nome e faz questão que também seja citada da mesma maneira.
141
psicológico que envolva considere os aspectos afetivos, cognitivos e
culturais.
A Teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento tem
como fundamento a investigação do funcionamento psicológico
diante de situações de conflitos e também as contribuições de outras
áreas do conhecimento e campos do saber que ajudem a construir
ferramentas teórico-metodológicas para se aproximar da
complexidade desse fenômeno.
Na pesquisa realizada, participaram 174 jovens entre 17 e 29
anos, sendo 81 homens e 93 mulheres. Desses, 37 homens e 46
mulheres heterossexuais; 44 homens gays/bissexuais e 47 mulheres
lésbicas/bissexuais.
A proposta da pesquisa foi divulgada em diferentes
universidades e os questionários foram aplicados localmente ou
virtualmente, por intermédio das redes sociais ou por e-mail.
Tratavam-se de questões fechadas para levantamento de dados
objetivos como idade, sexo, religião, orientação sexual, curso de
graduação, série, instituição em que se estuda, se pública ou privada,
e estado civil; trabalhamos também com questões abertas: “Quando
uma pessoa está apaixonada, o que pensa e sente em relação à outra
pessoa? Por que?”; “O que é esperado da pessoa que se ama? Por
que?”; “O que você acredita que faria pela pessoa amada? Por
que?”
36
O total de respostas nos ofereceram os elementos julgados
pelos entrevistados como sendo aqueles mais importantes para a
definição do amor. Tais elementos foram: 1) Involuntariedade e
sentimento de segurança: o amor é compreendido como um
sentimento involuntário 2) Durabilidade: o relacionamento deve
36
Apesar da pesquisa abordar os conflitos nas relações amorosas desses participantes optei
por não tratar deste tema nesta tese por questões de amplitude do trabalho.
142
durar para que seja considerado uma experiência de amor verdadeiro
3) Reciprocidade de ações e sentimentos: Amar e ser amado foi
considerado pela maioria das pessoas participantes uma condição
para viver o amor. O amor relaciona-se a uma ética retributiva na
relação 4) Equilíbrio no cuidado e na doação de si: No caso desta
pesquisa estes elementos sugerem uma busca por um equilíbrio entre
o que se sente pela pessoa amada e entre seus próprios valores 5)
Cuidado e doação integral com/para o outro: referência típica ao
amor romântico no qual a doação e dedicação incondicional ao
outro é uma condição explícita 6) Fazer o outro feliz: Elemento que
aparece como significativo 7) Respeito: Define o amor como um
sentimento que se assenta no respeito 8) Complexo de valores e
sentimentos implicados na relação: Vislumbramos um conjunto de
valores e sentimentos foram considerados base para ser e manter o
amor, tais como como fidelidade, lealdade e amizade 9) Não
erotizado/ sexualizado: remete a um sentido do amor que é mais
próximo à ideia de amor inatingível e “platônico”, idealizado, não
materializado ou transcendente Estes elementos elencados não
apareceram todos juntos nas respostas, mas em composições
diferentes para cada um dos participantes.
Os elementos encontrados nas respostas possibilitaram
pensarmos em dois modelos organizadores do pensamento sobre o
amor em uma relação erótico afetiva. A saber o modelo de amor
romantizado e outro que denominamos de modelo de amor
emergente.
Na primeira categoria há o predomínio do amor romântico
ou como denominaremos, de amor romantizado. Neste modelo dá-
se ênfase a uma certa anulação do sujeito que ama para amar o
outro/a e o significado dado ao amar outra pessoa e ser amado/a traz
muitas referências ao amor romântico: cuidado e doação,
143
involutariedade e a ideia de durabilidade extensa do sentimento.
Estes elementos podem estar presentes organizados entre si de
diferentes maneiras, dada a complexidade que tem os modelos
organizadores.
Neste modelo temos a presença de um contorno mais
convencional. Trata-se de um conjunto de elementos que se
compõem e que descrevem as regras convencionais do vivenciar o
amor romântico numa relação conjugal. Sugere algo também
condicional sobre o amar e ser amado, são eles: a felicidade do outro
como prioridade e o compartilhar; a reciprocidade com que se
espera os sentimentos e ações; a fidelidade como contrato necessário
para o amor de fato. Este modelo se refere a como
contemporaneamente o amor romântico é reeditado e colocado
como regulador e definidor das relações conjugais.
Já na categoria de modelo de amor emergente o amor é
tratado como sentimento que foge dos padrões do amor romântico,
que oscila entre sentimentos de cuidado mais voltados a si mesmo
ou à relação quando se trata de definir o que é amar alguém ou ser
amado/a e não ao outro/a. Nele há referências sobre querer o bem
do outro, mas desde que o de si mesmo, há uma certa percepção da
individualidade de cada um da relação. Tende a ser mais
democrático na forma de viver a dois. Possivelmente, se refere a
vivência deste modo de sentir e agir nas relações conjugais baseadas
em contrastes e contradições advindas das transformações
contemporâneas sobre as relações de gênero, provocando rupturas
com a romantização do amor. Neste modelo, identificamos
elementos que destacam certa individualidade na relação amorosa e
conjugal, bem como uma certa busca de equilíbrio entre demandas
de ambos as/os parceiras/os e mais realista com estas demandas e
144
desejos individuais. No entanto, estão dispostos a compartilhar a
vida e os sentimentos, desde que não se anulem no processo.
Do total de 174 participantes constatamos que 87,36%
estão dentro do modelo 1, ou do Amor Romantizado, no qual a
expressão de elementos acerca do amor romântico são mais
frequentes. Isto é, ainda há uma dedicação considerável de si para a
relação e ao cuidado do outro. Somente 12,64% dos participantes
mostra um novo tipo de amor emergente (modelo 2), com menos
entrega de si tanto para a relação quanto para o outro, havendo
nesse uma certa preocupação em manter a preservação da própria
individualidade dentro do relacionamento amoroso.
Estes dados nos permitem dizer que ainda há grande
influência do modelo 1 no modo como a experiência amorosa é
pensada e vivenciada pela juventude. Estas características do amor
romântico forjam relações de poder entre homens e mulheres
produzindo desigualdades e formas de pensar e viver a relação a dois
que envolvem a submissão ao outro, as desigualdades na divisão do
trabalho doméstico e na vida familiar. Principalmente relacionados a
uma organização da vida familiar e social baseada em modelos
sexistas e heteronormativos.
Em relação aos sexos masculino e feminino, não há grandes
diferenças entre o uso dos modelos por homens e mulheres sobre o
amor. Constatamos na nossa pesquisa que aproximadamente 87%
tantos dos homens quanto das mulheres se situam no modelo 1, do
Amor Romantizado. Isso significa que tanto mulheres quanto
homens estão imersos no mesmo modo de pensar e viver o amor
numa relação. No entanto, sabemos que estes modoso
correspondem necessariamente a uma mesma posição na relação.
Ainda assim, para ambos, homens e mulheres, viver o amor,
predominantemente se relaciona à entrega, ao cuidado e proteção de
145
quem se ama e, ainda, à espera de ter o mesmo para si de modo que
seja duradouro e exclusivo.
O que os dados nos mostram é que tanto eles quanto elas
estão atravessados por estas formas de pensar, sentir e,
provavelmente, agir de maneira a idealizar a relação amorosa, a
pessoa amada e o amor. O fato dos homens estarem também
atravessados por esta ideologia pode desenrolar dados curiosos que
esta pesquisa não chegou a debater, mas é mostrado por Esteban
(2011) cujas participantes demonstraram pensar que os homens, ao
amar, se feminizam, bem como por Neves (2007) em sua revisão de
literatura sobre o tema que aponta a feminização do amor.
Este é um dado interessante que coloca o amor como algo
exclusivo, ou tributário, da condição de ser mulher e os homens se
“inferiorizam” caso se rendam a isso. No caso dos dados da pesquisa
que apresentamos, muitos homens se permitem experimentar o
amor romantizado. Entretanto, isto também quer dizer que a
posição dos homens passa também pelo modelo heteronormativo e
sexista que produzem relações hierárquicas e de submissão na
experiência das relações amorosas com seu companheiro ou
companheira.
A parcela dos/das participantes que buscaram formas
alternativas de amar que fogem do amor romantizado destacou a
necessidade de que mesmo nesta relação a democracia, baseada em
respeito com o outro e o bem estar comum, pode se aliar às práticas
amorosas, produzindo possibilidades alternativas nas formas de amar
e ser amado. Algumas destas se vinculando a perspectiva filosóficas
já clássicas, como a philía. Neste caso, a felicidade do outro, os
vínculos de respeito e solidariedade são fundamentais. Estes dados
da pesquisa se vinculam a como outros autores e autoras (como por
exemplo BECK e BECK-GUERNSHEIM, 2001; MORENO e
146
SASTRE, 2010; ESTEBAN, 2011; LEAL, 2012) demonstram que a
capacidade de amar pode ser revista, embora tenham que imprimir
resistência nos campos já legitimados. De modo que pode se
demonstrar outras formas de amar como sentimento e prática social
das relações afetivo sexuais que pode ser uma fonte de ação e de
(re)conhecimento (de si e do outro), de transformação social e de
vivência de mecanismos de reciprocidade (no caso sobre as
negociações do cotidiano, das práticas relacionais) que visam a
manutenção da solidariedade e do respeito mútuo.
Conforme os dados da pesquisa, percebemos que o modelo 1
predomina dentre todas as respostas das pessoas participantes.
Aproximadamente 93% da mulheres heterossexuais foram situadas
neste modelo; 80% das mulheres lésbicas e bissexuais; 91% dos
homens heteros e 84% dos homens gays e bissexuais. Podemos
destacar aqui que o amor romântico tem presença marcada nas
diferentes expressões das sexualidades e afetos. Podemos pensar, a
partir disso no quanto expressões das sexualidades que diferem da
hegemônica conseguem ou não escapar às crenças e valores sobre o
amor romântico fundado no patriarcado, numa ideia de família e da
presença do amor legítimo apenas a partir da relação homem e
mulher.
Como o amor romantizado não se localiza no tipo de relação
afetivo-sexual, nem gênero, nem classe social, nem faixa etária etc.
temos que nos atentar para estas categorias de análise para
compreender de que modo elas se atravessam e compõem as formas
de amar no contemporâneo, com quais referências elas se fundam
no seu modo de viver a sexualidade e o amor hoje. O que se tem
notícia é que o predomínio dos elementos passionais que se
organizam em torno da fusão conjugal, traz como consequências o
outro como depósito e refúgio de todo o sentimento, doando-se e
147
mergulhando em sentimentos que levam a atos violentos e
passionais.
Já no modelo 2, como já explicitado, temos aqueles
significados que se referem ao amor distanciando-se do romântico.
Podemos destacar que dentre os que se situaram neste modelo, a
maioria (16 do total de 22), eram de mulheres e homens
gays/lésbicas/bissexuais. Isso pode indicar que este grupo, em
específico, busca fugir dos modelos estereotipados pelo patriarcado e
heterossexual, ao contrário do outro que ainda, em sua maioria, se
mantêm preso à crenças e valores. Sabemos que não há grandes
diferenças quando se considera a identidade sexual declarada pelos
participantes. Apesar disso, devemos destacar que a experiência com
o amor difere entre homens e mulheres, como bem apontado por
Esteban (2009; 2011) quando trata das relações de poder que
envolvem esta prática, bem como por Moreno e Sastre (2010) e
Arantes, Sastre e González (2010).
No amor romântico, os sujeitos estão mesclados entre si, em
simbiose com o outro. É o tipo de amor que basta por si só, traz
felicidade plena, o outro basta na relação e me completa. O símbolo
forte desse amor é o casamento, é o estar junto durante uma vida
inteira, manter-se com o outro independente da situação adversa ou
conversa. É o tipo de amor que supera tudo, na alegria e na tristeza,
na saúde e na doença, que por si só basta, é fundante da felicidade
plena, com ele se espera alcançar essa felicidade completa e a
duração eterna desse sentimento. Aqueles que demonstram
consciência de si na relação o fazem como se isso só acontecesse em
alguns momentos da relação, pois os envolvidos estão mesclados
entre si na vivência concreta do amor romântico, se complementam
um no outro em suas respectivas faltas. O que se refere como
reciprocidade, tem mais a ver com a necessidade do outro sentir a
148
mesma coisa que ele/a mesmo/a e, do ponto de vista prático, receber
o que dá ao outro como forma de equilibrar e dar segurança ao
sentimento que une duas pessoas.
Do ponto de vista etário, os jovens parecem ainda estar
vinculados aos modelos patriarcais e heteronormativos que
constituem os pilares do amor romantizado. Matos, Feres-Carneiro
e Jablonski (2005), encontraram os mesmos dados em adolescentes
do Rio de Janeiro (Brasil). Embora os jovens ainda não tenham
experiências amorosas em qualidade e quantidade suficiente para
construir outro arcabouço de sentidos e significados sobre este
sentimento e prática social, percebemos que o fato deles valorizarem
o amor romantizado implica no impacto que tem este modelo de
organização da vida afetivo-sexual das pessoas no modo como vivem
as suas vidas. É importante demarcar que a vida do jovem também é
intensa e relevante, na medida em que nos dá indícios dos modos de
subjetivação que estão (re)produzindo as relações de intimidade
conjugal e práticas afetivo-sexuais baseadas na busca de um ideal de
parceiro/parceira. Assim, como categoria etária em que existe a
marca dos entretempos, a juventude contemporânea é atravessada
pelas marcas do passado e ao mesmo tempo projeta outras
possibilidades de (re)inventar as relações amorosas.
Sobre isso, o modelo de amor emergente expressa de algum
modo esta intencionalidade de uma geração. O amor é descrito
como sentimento que envolve cuidado, carinho e atenção com o
outro, mas também sem esquecer o consigo mesmo. Não há
referências à sensação de completude e de dedicação total a vida a
dois ou à do outro. Pelo contrário, há argumentos conscientes de
que na relação existem duas pessoas que podem ser muito diferentes,
embora unidas pelo sentimento de estar juntos, cuidarem um do
outro, terem companhia afetiva e sexual, tem suas individualidades,
149
demandas e necessidades, independente do outro. A vida a dois
pode ser vivida em alguns momentos, mas nem sempre, e limites
devem ser estabelecidos para preservar as individualidades. Tem
relação com os limites de fato um do outro.
Se tratarmos o assunto desde uma perspectiva feminista e de
gênero sobre o amor, consideraremos as relações de poder envolvidas
na construção das diferenças entre os sexos/gêneros e seus modos de
experimentar o amor desde ser mulher e ser homem numa sociedade
heteronormativa e patriarcal. Em nosso estudo não há indicação de
que seja significativo este modelo entre as mulheres mais do que os
homens. Desse modo, há uma certa feminilização do amor,
advindos de extensões de sentidos sobre este sentimento na
maternagem e no cuidado, o que confere a ele o significado de
fragilidade sendo estendido aos homens. Não podemos nos enganar
que todos vivenciem desta maneira, pois para alguns ele pode estar
em posição diversa, como, por exemplo, aquele que não é frágil e
nem cuida na relação, mas que espera receber todo ao amor e
cuidado da pessoa que o ama, aquele que se coloca na posição de
quem só recebe e é servido. Amar romanticamente é fragilizar-se e se
situar numa posição de submissão na posição feminina. Somente
um estudo micro e desde uma perspectiva das interseccionalidades
seria necessário para saber mais a respeito sobre os participantes
estudados, o que não foi objeto deste trabalho no momento.
Contudo, os jovens de sexualidades dissidentes da norma
apresentam, neste modelo 2, maior número de respostas. Pensamos
ser esta a abertura de possibilidade de vivência do amor como o
dispositivo de reflexividade. Estamos mais propensos a pensar a
experiência amorosa como um híbrido de sentimento e prática
social, calcada na reflexividade sobre a própria relação e pensando
ela a partir de necessidades individuais e com proposições mais
150
democráticas de relação estes jovens gays, lésbicas e bissexuais,
disparam possibilidades de outras vivências e rompem como o
modelo hegemônico. Não deixam por completo esta hegemonia,
mas problematizam os modos de subjetivação ao inserir fissuras e
outras linhas de possibilidades de vida amorosa.
Entretanto, a maioria dos jovens que se identificam com
expressões sexuais dissidentes também se situam no modelo do amor
romântico. Este efeito sobre a população de sexualidades não
hegemônicas nos faz questionar sobre os modelos que são referências
para esta juventude. Outras referências que possam circular como
possíveis surgem a partir dos movimentos feministas e da luta das
mulheres pela autonomia sobre o próprio corpo e a vida afetiva e
sexual. Mas, como se percebe neste estudo, parece que os efeitos
dessas conquistas reverberam de maneira tímida entre jovens. Se por
um lado a problematização dos gêneros no cotidiano e a luta para
novos modos de ser e viver está presente, a presença ainda marcante
dos modelos heteronormativos e patriarcais como referência da
população de meia idade e adulta com sexualidades não
hegemônicas nos leva a pensar que no campo das relações amorosas
(FERES-CARNEIRO, 1997; HEILBORN, 2004; CASTRO, 2007;
NUNAN, 2007), os jovens têm tomado como referências modelos
tradicionais sobre as formas de relacionamento amoroso.
Por estas razões, cabe ainda salientar que os dados
apresentados nos permitem reafirmar o estreito relacionamento
entre as questões de gênero e das sexualidades com as investigações
sobre o amor e conjugalidades. Como indicado por Esteban,
Medina e Távora (2005) tomar o amor como categoria analítica
acerca das (re)produções de formas de se relacionar entre os gêneros
e as sexualidades e no interior de cada uma delas, nos permite
151
conhecer melhor os mecanismos de desigualdades nos campos
afetivos, sexuais e sociais desde os feminismos ou as masculinidades.
Ainda, desde uma perspectiva intersecional, o marcador
etário também é um aspecto importante. Os/as jovens participantes
expressaram nos relatos de suas experiências amorosas elementos que
se assemelham aos estudos com adultos de meia idade, como já
indicados por nós anteriormente. No entanto, as experiências da
maioria dos/das jovens gays, lésbicas e bisssexuais trazem
reflexividade sobre as relações e algumas fissuras que podem
significar maneiras não hegemônicas de se vivenciar as relações
amorosas. Apesar de existirem estudos em adultos, mais estudos que
tratem das experiências dos jovens de cada um destes grupos podem
nos ajudar a compreender melhor a dinâmica dos pensamentos,
sentimentos e ações nas experiências amorosas na configuração da
juventude contemporânea.
Os estudos de gênero (incluindo os estudos feministas e
sobre as masculinidades), aliados aos campos das Ciências Humanas
(Psicologia, Antropologia, Sociologia e Filosofia), podem contribuir
muito para melhor conhecer este tema. Notadamente quando
problematizam as dicotomias acerca de razão e afeto, localizando
estes aspectos como atribuições vinculadas mais a um ou outro
gênero. Esta é uma frente ainda a ser borrada quando se trata do
amor. Durante algum tempo sendo compreendido, nos estudos
teóricos e os dados de investigação empírica, quase que
exclusivamente como um sentimento naturalizado que faz mediação
das relações conjugais entre homens e mulheres, a abertura a estas
outras perspectivas teóricas e metodológicas de investigação nos
fazem romper as barreiras para compreendê-lo e ampliar sua
compreensão como um complexo de emoções, sentimentos e
práticas.
152
5.2 Gêneros e sexualidades desde conhecimentos localizados:
narrativas e cartografias sobre amor, tecnologias e violências
O presente capítulo delineia um percurso que insere novas
metodologias de investigação que se pretendem mais simétricas e
situadas (ANDREO, 2014; MEZZARI, 2017; MORELLI, 2017).
Isso significa, que as investigações acerca das juventudes que foram
realizadas parte da recusa da divisão sujeito e objeto, bem como da
necessidade do/a pesquisador/a se localizar na pesquisa e na relação
com as/os participantes.
A narrativa e cartografia foram estratégias metodológicas
construção da pesquisa tem a preocupação com os processos
envolvidos nas experiências dos/a pesquisadores/a com seus temas e
os efeitos desses sobre o conhecimento e os/as participantes. No caso
específico da abordagem narrativa ela se configura como um
percurso do processo investigativo a partir da dialogicidade e
simetrias, tendo como aliados os estudos de gêneros e feministas.
5.2.1 Masculinidades e violência nas narrativas de jovens em
conflito com a lei
37
As abordagens narrativas foram exploradas no trabalho de
Andreo (2014) que investigou as relações entre masculinidades e
violência nas narrativas de vida de adolescentes autores de infração
que frequentam medidas socioeducativas em meio aberto. Adentra o
campo dos estudos em psicologia que se apropriam das narrativas
como objeto e método de pesquisa, alguns dos quais tem como
37
Este item tem como referências, além da dissertação de Caio Andreo (2014), o texto
Masculinidades e violências: narrativas de vida de jovens em conflito com a lei (ANDREO e
SOUZA, 2020).
153
principais inspiradores a obra de Mikhail Bakhtin (2006) e Walter
Benjamin (1994)
Bakhtin (2006) sugere que a narrativa é uma forma de
organização da experiência na linguagem. A narrativa, ainda, não é
um produto individual, mas se produz na experiência alteritária que
comporta o inacabamento permanente do sujeito. Na alteridade o
estranho é também o que lhe pertence. Assim, nesse processo
dialógico da experiência alteritária, são disparados a produção de
sentidos, os acordos e as negociações.
No processo de pesquisar, o confronto com o outro evoca a
sua presença e exige do pesquisador respostas e um compromisso
ético em que deverá construir textualmente essas experiências
compartilhadas com os sujeitos da pesquisa (AMORIM, 2002). A
presunção da neutralidade então é anulada e o conhecimento é
marcado por um acontecimento único que na tensão produzida
entre o eu e o outro gera um conhecimento compartilhado.
Assim, a narrativa é polifônica, que no sentido bakhtiniano
situa o autor como um regente de um coro de vozes que participa do
processo dialógico, vozes essas que serão criadas e recriadas de modo
a permitir maior autonomia (BEZERRA, 2013). A autoria na
narrativa não é monológica, não que se concentra uma voz unívoca
no processo de criação que se pretende verdade. Ela deve ser pensada
no sentido da heteroglosia, o que implica no reconhecimento de
múltiplas vozes e no princípio criativo de exterioridade. Trata-se de
dizer que se não houver a libertação da linguagem no seu sentido
unitário, não haverá criação, e esta só será possível a partir do
momento em que, através da posição axiológica, ocorra um
deslocamento dessa linguagem que passará a ser pensada como voz
social (FARACO, 2013).
154
Com isso, o conceito de autoria (BAKHTIN, 1997) se
apresenta enquanto uma solução possível frente à tensão gerada pela
origem da criação. O pesquisador, nesse sentido, assumirá a posição
de autor-criador, que dará outra reorganização aos eventos da vida
que foram registrados a partir de uma posição axiológica. Nesta
mesma direção, Walter Benjamim (1994) nos explica as narrativas
como produto dos materiais compartilhados com outras
experiências e com as suas próprias. Ao ser contada uma história, ela
não pertence a ninguém, na medida em que é de todas as pessoas
que a contaram e, do mesmo modo, quando os ouvintes narram esta
mesma história, mergulham nela.
A narrativa se configura, assim, como um tipo específico de
discurso, e tem se tornado cada vez mais frequente nas investigações
em Psicologia desde a década de 80. Ela possibilitou a abertura de
novos horizontes presentes nas “formas de vida” social, cultural e
discursiva, por possuir um caráter aberto e transitório
(BROCKMEIER & HARRÉ, 2003).
Trata-se da emergência de um “outro caminho”, a partir do
posicionamento das narrativas como uma forma distinta de
organizar as experiências e memórias de acontecimentos humanos,
de uma nova tendência que incrementou uma série de implementos
culturais, tais como a linguagem, na produção do conhecimento. A
narrativa se caracteriza como um “princípio organizador” que as
pessoas usam para pensar, perceber, imaginar e posicionar-se
moralmente no mundo, estabelecer conexões a fatos e objetos
(GERMANO & SERPA, 2008). Através dela, é possível acessar os
sentidos da ação, como crenças, compromissos, desejos, razões,
motivos, valores e teorias. Uma das funções da narrativa, portanto, é
a de subjetivar o mundo e abrir espaço para o hipotético, isto é, para
155
perspectivas possíveis capazes de constituir expandir as
interpretações e percepções sobre a vida.
Os feminismos m utilizado a abordagem de pesquisa
narrativa como um dispositivo de interrogação dos métodos e
técnicas das ciências modernas. Ao operar com a crítica da
neutralidade e da abstração do sujeito universal, que deve ser
extraído dos métodos experimentais, os feminismos e os estudos
queer, quando pensam a pesquisa qualitativa nas ciências (FLICK,
2009; GAMSON, 2008; OLESEN, 2008), vêm no estudo a partir
das narrativas um aliado das práticas artesanais, situadas e simétricas
da pesquisa. Mas isso se deve a alguns princípios, pois a abordagem
narrativa pode não presumir a co-produção da narratividade ou
discursividade entre pesquisador e pesquisado/a. Carol Gilligan
(1993), por exemplo, utilizou em seu trabalho, de maneira
inovadora, o uso das narrativas de mulheres sobre suas experiências
com a decisão em fazer ou não aborto como forma de conhecer os
princípios e valores éticos envolvidos.
Nogueira (2004) no caminho da produção de uma
psicologia feminista, dialoga com os construcionismos sociais como
crítica da psicologia, trazendo o papel da linguagem e das relações de
poder na análise dos processos de subjetivação sobre as sexualidades
e os gêneros em diferentes contextos. As narrativas podem
comparecer, como um dos vetores de análise desses processos, dando
destaque ao conjunto de experiências das/os sujeitas/os, aproxi-
mando o conhecimento produzido das demandas e da/o sujeito/a.
As narrativas tornam-se, portanto, uma alternativa feminista da
pesquisa quando promove um deslocamento do sujeito abstrato para
o concreto, da neutralidade para a implicação ética, do relato
descritivo à experiência participativa na pesquisa.
156
No estudo sobre jovens, masculinidades e violências de Caio
Andreo (2014) foram feitas incursões metodológicas e teóricas a
partir dos referencias sobre narrativas abordados. No universo de
pesquisa produzido, os jovens participantes deixaram de ser
pensados como objetos isolados a serem analisados, para serem
considerados como protagonistas de todo o processo criador das
narrativas, situando-as como produção coletiva que conflui para
uma perspectiva de composição do singular com o social.
Para Andreo (2014) os estudos sobre masculinidades podem
ser localizados como uma linha dentro dos estudos de gênero e,
posteriormente, é complementado com discussões nos estudos gays,
lésbicos e queers. Eles ainda são recentes e tem sido dado
visibilidades a estes estudos quando se trata dos mecanismos de
produção da masculinidade hegemônica que imprime dispositivos
de controle e se faz produtora de desigualdades que promovem a
violência de gênero.
Nesse sentido, o que se compreende por masculinidades são
uma série de discursos, conceitos e normas que a todo o momento
atravessam a subjetivação de novas configurações masculinas. Torna-
se necessária a compreensão histórica dessas construções e como elas
se configuram na contemporaneidade juntamente com outros
elementos como raça, idade, classe social e regiões. Os jovens em
conflito com a lei, que fizeram parte da pesquisa desenvolvida por
Andreo (2014), estão atravessados por processos de subjetivação em
que a violência se constitui como modelo de virilidade da sociedade
patriarcal ou se vincula a outras construções relacionadas a práticas
sociais cotidianas de suas vidas.
O tema das masculinidades em sua relação com as violências
emerge nas narrativas dos jovens entrevistados por Andreo (2014).
Como aponta Welzer-Lang (2001) são as relações hierarquizadas
157
situam mulheres como passivas, frágeis, as subordinadas aos
homens, produzindo discursos legitimadores da dominação em
relação às mulheres.
Tais discursos estão aliados a manutenção da virilidade, do
patriarcado e do sexismo. As práticas homofóbicas se vinculam a esse
processo de hierarquização quando situam os homens fora do
universo do feminino, atribuindo o masculino ao não afeminado
38
.
Os “modos de ser homem” são produzidos na cultura e
legitimados sob a dominação dos corpos e existências de mulheres e
do feminino. Essa submissão se fundamenta no elogio a certas
características que os homens, supostamente, teriam com
exclusividade, tais como: a razão, a heterossexualidade, a força, a
agressão e o domínio e posse sobre as mulheres. Em torno desses
atributos foi designado o conceito de masculinidade hegemônica
(CONNELL
39
,2000).
Para Connell (2000) Os trabalhos sobre masculinidade
hegemônica se inserem num conjunto de trabalhos que tentaram
abordar as múltiplas relações de poder envolvidas na manutenção de
hierarquias sociais. Na década de 70, o Movimento de Liberação
Gay denuncia as formas de opressão que homens homossexuais
sofriam diante do imperativo da masculinidade hegemônica imposta
pelo modelo de homem heterossexual. A hierarquia dessas ações está
intrinsecamente relacionadas às relações de poder e ao conceito de
diferença que demarca desigualdades. Já na década de 80, o conceito
de masculinidade hegemônica também é utilizado como análise da
subordinação das mulheres em relação aos homens, ao valorizar uma
maneira única de ser homem pela força e agressividade que são
38
Para uma discussão sobre este tema masculinidades e homofobia ver o trabalho
de Andreo, Peres, Tokuda e Lemos de Souza (2016).
39
A autora passou a utilizar o nome Raywen Connell no lugar de Robert Wiliam
Connell.
158
devidamente sustentadas em instituições, tais como a escola, o
exército e o governo. Essa hegemonia atualmente é exercida não
apenas sobre outras masculinidades que se apresentam possíveis, mas
também em relação à ordem dos gêneros como um todo.
Há, nesse contexto, uma espécie de tensão entre a
masculinidade hegemônica e as subordinadas, as quais escapam da
norma. A masculinidade hegemônica, embora não seja a que tem
maior aderência dos homens a ela, a partir dos mecanismos que
criou de controle e vigilância, impôs às outras seus padrões sobre o
que é ser homem.
A partir dos anos 2000 há maior aplicação do conceito de
masculinidade hegemônica que passou de um modelo restrito
conceitual a um quadro amplo de pesquisas, suscitando diversas
questões, mas trazendo também críticas, tais como a subjacência do
conceito, sua ambiguidade e sobreposição, reificação, exclusividade
do sujeito masculino e certo padrão nas relações de gênero
(NASCIMENTO, 2010).
As aproximações dos estudos de masculinidade com as
idades têm importância fundamental na dinâmica deste conceito nas
análises das relações de gênero. Por exemplo, em estudos que fazem
a interface com as mídias e a educação, a televisão promove
incessantemente modelos de masculinidade para meninos de
diferentes idades através das estrelas do esporte e ou de homens que
exercem a liderança e autoridade. As reivindicações de mulheres em
relação ao patriarcado e mesmo de outros homens para com a
masculinidade hegemônica, confrontam os modos de viver os
gêneros.
Connell e Masserschmidt (2013) afirmam também que
diversas habilidades corporais em muitos jovens se tornarão um
primeiro indicativo de masculinidade, dentre elas o esporte. Outras
159
práticas tais como assumir riscos na estrada, comer carne,
aprendizado, exploração e a conquista sexual, ou práticas que
envolvem riscos no geral também contribuem para essa
incorporação. Essas incorporações estão conectadas com os
contextos sociais, logo não se configuram enquanto um ato isolado e
se referem a um modelo unitário que serve de referência aos
meninos para se chegar à “verdadeira masculinidade”.
Esse regime foi duramente criticado porque ainda propiciava
a dominação masculina principalmente sobre as mulheres e
promoveu mais do que a manutenção das desigualdades entre os
gêneros, também reafirmou a hegemonia de certo padrão de
masculinidade, heterossexual, branca, classe alta, racional e
impenetrável. Mesmo assim, a masculinidade hegemônica não se
configura enquanto um caráter fixo. Por vezes pode ser mantido o
discurso dessa fixidez pela naturalização da masculinidade como
atributos biológicos do masculino. Todavia, pelo seu caráter
histórico, ocupa uma posição hegemônica em um dado tempo das
relações de gênero e está sempre em disputa por conta das
resistências que surgem contra ela.
Quando do reconhecimento das posições assimétricas numa
ordem patriarcal de gênero, deriva-se o conceito de conceito de
masculinidade hegemônica da relação com o de feminilidade
hegemônica (ou feminilidade enfatizada). Entretanto, as mulheres e
o feminino, saíram de foco nas explicações sobre as construções das
masculinidades. Sendo o gênero relacional (SCOTT, 1995), os
estudos recentes sobre masculinidades lamentam esse desvio dado
que um modelo de masculinidade se faz oposto a outro modelo (real
ou imaginário) de feminilidade. (CONNELL &
MASSERSCHMIDT, 2013). Há que se considerar ainda que a
partir da concepção de que as relações de gênero são históricas e as
160
hierarquias de gênero estão sujeitas a mudanças, consequentemente,
a masculinidade hegemônica é suscetível a elas, podendo ser
substituída por outro modelo que poderia assumir nova hegemonia.
Uma das marcações da masculinidade hegemônica é a
violência. A aproximação do conceito de masculinidade hegemônica
com a violência, requer alguns cuidados para não reduzir essa
analogia a uma relação de causa e efeito. Essa redução contribuiu
para estabelecer relações com a conduta criminal de muitos homens,
pois indicava uma maior incidência tanto de crimes convencionais,
como de crimes mais sérios entre homens e meninos. Contudo, em
alguns destes casos, as explicações dos estudos criminológicos,
voltam-se para as explicações de que certas condutas agressivas de
homens e meninos tem a ver com a busca e manutenção da
hegemonia. Para Welzer-Lang (2004) a relação entre masculinidade
e violência passa a ser representada a partir de guerras, esportes,
mortes, estupros, violências domésticas, entre outros.
Além disso, a relação entre masculinidades e violência
perpassa a questão da exclusão social e dos processos de constituição
de identidades masculinas. Muitos jovens excluídos socialmente
encontram no tráfico de drogas e na criminalidade a possibilidade de
afirmação de uma masculinidade marcada pela violência. (GROSSI,
2004). Cabe esclarecer que essa relação não está apenas presente nas
camadas mais pobres e excluídas da população, e nem se pretende
aqui estabelecer uma ligação direta entre nível sócioeconômico e
violência, já que as diversas formas de violências sofridas e cometidas
por jovens atravessam todas as classes sociais. Do mesmo modo,
Oliveira (2005) sugere certa “educação para a violência” no meio
masculino, isto é, uma masculinização da violência que também é
sustentada pela negação da fragilidade do homem em nossa cultura e
161
pela manutenção da mesma em função da preservação de uma
imagem de sujeito forte e provedor.
Por muitas vezes, o homem violento pode não possuir todos
os atributos exigidos pela masculinidade hegemônica que, exercida
plenamente por uma pequena parcela de homens que obtêm o status
de um ideal cultural, está sempre em mudança, pois essa hegemonia
pode ser negociada e consequentemente ressignificada, segundo
apontam Connell e Masserschmidt (2013), fazendo com que esses
atributos também variem. Do mesmo modo, o sujeito que exerce
essa hegemonia não necessariamente a corresponderá com violência,
pois conforme colocou Arendt (1994) o domínio poderá ser feito
através do poder, que necessariamente irá envolver um número
maior de pessoas, ao contrário da violência que pode ser
concretizada a partir de um único sujeito. De tal forma, sugerimos
que a relação entre poder e hegemonia seja mais efetiva do que a
relação entre esta e a violência. Nessa perspectiva, a violência poderá
se instalar mais enquanto uma crença do que como um fato
realmente consumado.
Esse panorama é importante na medida em que muitos
jovens que cometem um ato violento não exercem necessariamente
essa hegemonia em seus cotidianos, assim como aqueles que a
exercem podem não estar envolvidos diretamente com a
consumação do ato. Tanto a hegemonia quanto a violência, em
termos práticos e cotidianos, podem se tornar um mito ou uma
crença nos quais muitos homens vão almejar manterem-se enquanto
um ideal. Esses elementos que constantemente atravessam suas
subjetividades, constituídas durante os diversos processos de
socialização, serão incorporados para dar manutenção a seus
domínios e privilégios que podem se traduzir em práticas violentas e
hegemônicas. (GROSSI, 2004; OLIVEIRA, 2005).
162
As entrevistas narrativas realizadas por Andreo (2014) se
deram em uma instituição socioassistencial situada num município
do interior do Estado de São Paulo, com 04 jovens do gênero
masculino com idades entre 16 e 21 anos, em cumprimento ou que
já haviam cumprido medidas socioeducativas. Depois de convidados
para participar da pesquisa, os jovens foram solicitados a produzir
suas narrativas autobiográficas de forma individual. Uma questão
gerativa de narrativa (FLICK, 2009) foi utilizada para facilitar o
processo de produção das narrativas, tal como a que se segue:
“Gostaria que me contasse sobre a história de sua vida até esse
momento. Durante esse processo, me diga sobre as relações que
estabeleceu na escola, em casa, em seu bairro, entre outros lugares
que foram significativos para você. Disponha do tempo que precisar
para isso, com bastante calma e em detalhes”.
A partir dessa questão, foi oferecido um espaço para que os
jovens
40
contassem suas histórias da maneira que se sentissem mais à
vontade, dispondo do tempo que achassem necessário. As questões
pertinentes emergiram a partir das narrativas, também como forma
de estimular o prosseguimento nos relatos sobre suas histórias de
vida. O registro foi realizado através de gravação de voz e
posteriormente foi procedida à transcrição das narrativas contadas
pelos jovens
41
.
A análise das narrativas autobiográficas tomou como fonte
dos dados as entrevistas realizadas com os jovens com o objetivo de
criar eixos temáticos para uma análise mais detalhada, contem-
plando algumas características presentes nos relatos autobiográficos,
segundo aponta Gibbs (2009), como a cronologia, atores sociais
40
No trabalho de Andreo (2014) consta uma descrição da autobiografia de cada um dos
participantes que resolvemos não reproduzir aqui pelos propósitos do presente trabalho.
41
As narrativas depois de transcritas pelo pesquisador foram devolvidas para leitura e
contribuição dos participantes.
163
presentes, momentos fundamentais ou eventos decisivos, influências
e planejamentos. Através das escolhas dos trechos selecionados por
meio dos relatos dos jovens, pretendeu-se buscar os entrelaçamentos
e sentidos das masculinidades e as violências em suas vidas e o
significado atribuído a esses sentidos.
Na identificação de trechos narrativos que traziam elementos
atribuídos às relações de gênero, masculinidades e/ou violências na
vida dos jovens, tornou possível a construção de três eixos temáticos
para uma posterior discussão mais aprofundada. São eles: Relação
entre os bailes funks com masculinidades, poder e violência;
Violências familiares e estruturais na subjetivação juvenil; e Relações
de violências de gênero e masculinidades presentes nas relações
afetivas.
Sobre o primeiro eixo, ele emerge das narrativas que
trouxeram o envolvimento dos jovens com os bailes funks, as quais
sugerem uma relação mais ampla com a questão das masculinidades,
poder e violência.
Tais experiências apontaram que não só de violências,
machismos e poder se efetivam as relações entre eles dentro desses
bailes, e que por mais que as brigas ocorram em determinados
momentos, estas podem se mostrar também como algo “fora do
padrão”, permitindo assim a manifestação de outras possibilidades
de se reconhecer jovem. Foi permitido compreender os bailes funks
também como um espaço de socialização e experimentações do que
é ser jovem. No entanto, essa relação mais estreita com as
masculinidades, poder e violências, leva a pensar num modo de
subjetivação da masculinidade hegemônica conectada diretamente
com a hierarquização entre gêneros e mesmo com processos de
socialização masculinos, ou seja, os bailes funks correspondem
também a um lugar de afirmação e vivência dessa masculinidade.
164
Essa hegemonia também é produzida através das relações
entre esses jovens e as mulheres presentes nos bailes, conforme o
relato de Júnior, em que destaca gostar mais da presença das
mulheres, do sexo, das drogas e da bebida. No baile ser homem é
exercer a dominação sobre as mulheres que, nesse caso, cumprem
apenas a função de satisfazê-los sexualmente. O baile funk é um
lugar onde os jovens procuram também bebidas e drogas, que
juntamente com as mulheres englobam algumas das características
que reforçam o lugar de ser “macho”, conforme aponta o trabalho
de Zaluar (2000).
Desse modo, os bailes funks
42
contribuem com a produção
do modelo hegemônico de masculinidade, pois para se tornar
homem de verdade o jovem deve desde cedo incorporar essa guerra
prometida entre os próprios homens para que a reprodução desses
ideais seja efetivada frente às mulheres e aos “não-homens”. Por isso,
devem respeitar a hierarquia para que depois se tornem produtores
dessas mesmas premissas.
Os bailes funks, nesse sentido, podem ser analisados com
mais profundidade para que se possa avançar e compreender melhor
suas relações com as masculinidades, poder e violência. Como
elemento cultural da vida juvenil contemporânea, os bailes funk
ocupam na um lugar importante na construção de modos de
socialização entre muitos jovens que todos os dias são vítimas da
realidade nas periferias das grandes e pequenas cidades. Não se trata
de condená-los, mas sugerir que nele existem algumas pistas que
permitem enxergar um pouco como esses jovens significam esse
momento de lazer quando inseridos num contexto onde há
42
Segundo Zaluar (2000) a difusão do movimento funk no Brasil, se dá especialmente no
Rio de Janeiro na década de 90 do século XX, enquanto uma alternativa de lazer até então
inexistente para muitos jovens de classes populares, em sua maioria, pobres e negros.
165
violências de diversas ordens, relações de poder e dominação e
formas de expressão do que é ser homem.
Dayrell (2002) aponta que o funk expressa uma determinada
maneira de se vivenciar essa condição juvenil, na qual os jovens
também experimentam trocas, sonhos e diversões. Desse modo, não
cabe aqui estabelecer essa imagem naturalizada, mas sim descrever o
modo como esses jovens experimentam e significam essa condição
juvenil numa perspectiva das masculinidades, violência e poder.
No eixo sobre as violências familiares e estruturais
experimentadas por esses jovens durante suas vidas percebe-se como
elas se conectam com as masculinidades, que implicações elas têm
no modo de significar essa experiência entendida como masculina.
A violência aqui pode ser compreendida como uma
experiência masculina com as hierarquias. Chauí (1998) denomina
as relações “mando-obediência” ou superior-inferior, o ato violento
quando cometido implica no não reconhecimento do outro
enquanto sujeito, que será visto em relações familiares,
institucionais, afetivas, dentro do trabalho, dentre outras. Esses
operadores hierárquicos têm início na violência sofrida por muitos
meninos, conforme afirma Welzer-Lang (2001), tornando o
masculino inicialmente submisso a esse mesmo modelo para que
depois alcance os privilégios. A guerra incorporada na educação de
muitos meninos o prepara para as futuras guerras que enfrentarão
mais adiante.
Um dos participantes relata as diversas agressões que sofreu
do padrasto ao longo da infância e juventude, demonstrando o peso
que isso teve em seu processo de socialização. Os episódios
envolvendo agressões contra o jovem eram frequentes e exercidos
por outro homem. Para ensinar a ser “homem de verdade”, a
violência é reforçada enquanto um dispositivo que aos poucos vai
166
lapidando esse projeto hegemônico. O sentido atribuído a essa
situação revelou a revolta do jovem que se voltou contra o padrasto
que cometia os atos violentos. Além disso, Leandro afirma ter
apanhado dos pais quando descobriu que ia cumprir medida
socioeducativa sob acusação de estupro.
Nesse sentido, a violência se instaura enquanto um elemento
comum no cotidiano desse jovem, assim como as situações mais
graves experimentadas no próprio bairro onde crescia, tornando-se
um fato corriqueiro, naturalizado e até esperado por quem morava
em bairros pobres da periferia, como no relato de Pedro em que o
significado atribuído por ele sobre violência já era algo esperado
naquela região, por ser localizada num bairro periférico. A violência
passa a ser um componente que se instaura como forma de
negociação de conflitos, pois a guerra que passa a ser incorporada
nesses meninos não é feita apenas com o sofrimento que
experimentam na própria pele, mas também com manifestações que
são observadas durante a própria vida.
Muitas violências também acontecem no âmbito
institucional, nesse caso, o próprio ambiente de cumprimento de
medidas, que deveria justamente romper com essas práticas, ao invés
disso, foi notado que agressões e insultos por parte dos funcionários
faziam parte de seus cotidianos durante a internação, como foi
expressado por Márcio em sua experiência com a privação de
liberdade. Além da violência institucional que proporciona a
manutenção do ciclo de violências ao qual o jovem é exposto,
também a mesma lógica de que o homem não pode fugir da briga
quando o jovem diz que não pode “ficar quieto e que não ia apanhar
de graça”, pois uma posição de passividade remete aos “não-
homens”. Nesse sentido, para a manutenção do status de macho é
167
necessário que se enfrente com coragem e braveza quem estiver pela
frente.
No próximo eixo temático de narrativas foi possível perceber
os modos pelos quais os jovens constroem valores, práticas e
significados, na perspectiva das relações de gênero, tomando por
base suas relações afetivas, a partir de seus relatos autobiográficos, e
buscando-se compreender quais masculinidades puderam ser
notadas nesses relatos e se elas se vinculam a práticas cotidianas ou se
mantêm enquanto um ideal cultural por parte dos jovens.
O principal aspecto presente nos relatos dos jovens foi a
relação com o sexo oposto. Em um dos casos, Pedro conta sobre sua
relação com a esposa e a divisão das atividades consideradas do lar
em seu cotidiano em que, apesar de afirmar que auxilia a esposa nas
atividades consideradas do lar, mantém a premissa de que mulher
tem como principal função o cuidado com a casa, enquanto o
homem deve prover o sustento da família.
Os papéis esperados e desempenhados por cada um (a) se
aproxima da afirmação de Connell (2003) de que muitos homens
preferem manter boas relações com as esposas (e mães), inclusive
auxiliando-as nos afazeres domésticos, mas se negam a questionar
suas posições de privilégios. Com isso, há uma conexão com o
projeto hegemônico de ser homem, embora não tenha elementos de
ódio e violência: às mulheres cabe a maior parte do trabalho
doméstico, mesmo ocupando postos de trabalho fora de casa. Para
os jovens as relações entre mulheres e homens mantém a
subordinação das mulheres que serão mantidos através da
naturalização dos papéis designados para manter os padrões de
masculinidades e feminilidades.
Por outro lado, nos relacionamentos com as mulheres, fica
clara a ideia de que elas têm a função de satisfazer o homem sexual-
168
mente, sendo “descartadas” quando não os satisfaziam mais, reite-
rando certo desprezo e aversão pelo sexo oposto. Para Welzer-Lang
(2001), a produção do homem de verdade pelos processos de socia-
lização masculina envolve a obtenção de privilégios que passa por
essa diferenciação e desprezo pelas mulheres. Nessa perspectiva, esse
processo relaciona o homem como um ser ativo e a mulher como
passivo.
No contexto prisional, um abusador, caracterizado como
alguém que violenta crianças e jovens, tanto do gênero masculino
quanto do feminino, passa a ser discriminado e a ser tratado como
mulher pelos outros homens, ou seja, passa a assumir a posição
passiva que é caracterizada como inferior e mais humilhante,
demonstrando a relação de subordinação presente nas masculi-
nidades. A masculinidade hegemônica, segundo Connell (2003)
assimila a homossexualidade à feminilidade, entendida como uma
violação da honra do homem para que assim se alcance maior
reconhecimento e respeitabilidade social, pois como nos lembra
muito bem Saéz (2011), o homem é quem penetra independente se
forem mulheres ou mesmo outros homens. O importante nesse caso
é ser ativo e impenetrável, pois o (a) penetrado (a) além de ser
passivo e “não homem”, goza de menos prestígio e privilégios.
Dentro das próprias relações afetivas entre os jovens do sexo
oposto essa situação também é vista, tanto nas casuais, como
também dentro de um relacionamento sério. A traição pode ser
pensada como uma violação da honra do homem, pois a única
resposta imediata frente a ela é a violência de gênero. Essa ação pode
ser justificada pelo discurso de que na traição feminina há uma
intencionalidade. Para os jovens, muitas vezes a mulher se desqua-
lifica quando trai o homem seja durante o relacionamento ou
mesmo depois do relacionamento que com ele. Como homem, ele
169
pode ter vários relacionamentos pois é a sua condição viril,
desempenhada por seu papel ativo. Essa situação pode ser vista
através da diferenciação (binômio vínculo/sexo), por parte dos
homens, conforme maior ou menor consideração e respeito por elas
de acordo com os comportamentos sexuais demonstrados.
Nesses termos há uma classificação das mulheres baseada em
marcos hierárquicos. Isso também foi notado em algumas narrativas
onde se identifica a diferença entre as mulheres da rua ou das “zo-
nas” e mulheres que conviviam no seu próprio bairro. As mulheres
das “zonas” são apenas para sexo e diversão. Há uma diferenciação
na forma de conceber as mulheres, sendo as primeiras descartáveis e
usadas apenas para satisfazer suas necessidades de “macho, as quais
se vinculam diretamente ao uso de drogas e bebidas alcoólicas, en-
quanto no segundo caso estabelecem um vínculo maior. Essa dife-
renciação é baseada no modo como o homem se satisfaz sexualmen-
te, visto que com as prostituas há uma maior liberdade sexual que
não implica no vínculo, ao contrário das meninas do próprio bairro
que requerem uma maior negociação em termos sexuais e que rei-
vindicam maior insistência por parte do jovem que, em consequên-
cia, tende a concebê-las como mais valorizadas (SALEM, 2004).
5.2.2 Produções narrativas sobre o amor de jovens mulheres
lésbicas
43
Assim como Andreo (2014), a pesquisa efetuada por Mezzari
(2017) explorou a abordagem narrativa nos estudos das experiências
amorosas contadas por jovens mulheres lésbicas. Entretanto, fez
interlocuções entre os estudos feministas em que a produção
43
Este item tem como referências, além da dissertação de Mezzari (2017), o artigo Do amor
entre mulheres: narrativas de amores e lesbianidades (MEZZARI e LEMOS de SOUZA,
2017).
170
narrativa, foi uma estratégia na qual se afirma o protagonismo das
participantes em conjunto com a pesquisadora, o que permitiu
alianças com metodologias de pesquisa mais simétricas e que faziam
emergir a posição da pesquisadora em diálogo com as participantes
da pesquisa.
Nesse caso, a autora se vale do conceito de experiência e suas
relações com a linguagem como fundamental para abordar o tema
das narrativas tal como já exposto a partir de Benjamin (1994) e
outros autores que buscavam o delineamento metodológico de
coprodução narrativa (GARCÍA e MONTENEGRO, 2014).
Mezzari (2017) comenta que a experiência é indissociável da
produção de conhecimento e este não é indissociável do sujeito. A
linguagem tem papel fundamental pois organiza a experiência e
permite que a compartilhemos (MATURANA, 2001).
No resgate do protagonismo, da ética da pesquisa na
produção do conhecimento e no compartilhamento das
experiências, Mezzari realiza aproximações dos estudos sobre
narrativas em diálogo com os feminismos, notadamente Donna
Haraway (1995). Nesse sentido, procurou estabelecer conexões das
mais diversas que recusam um modo único de produção de
conhecimento, nem que seja mais válido ou mais próximo de uma
verdade sobre a realidade. Se alia à Haraway (1995) que sugere a
uma reconfiguração do conceito de objetividade e explica que esta
é possível quando se assume a parcialidade das nossas perspectivas. A
objetividade, portanto, se refere a uma corporificação específica e
apenas no parcial e no localizado é possível se configurar uma visão
que abra espaço para a responsabilização pelas próprias práticas.
Para Haraway, tanto os relativismos quando as teorias
totalizantes são formas de se alegar não estar em lugar nenhum mas,
ao mesmo tempo, estar por toda a parte o que se desdobra, na
171
verdade, em uma negação de responsabilidade e avaliação crítica.
Dessa maneira, estas teorias ao negarem os posicionamentos, a
corporificação e a parcialidade dos conhecimentos produzidos,
acabam por impedir de ver bem. A partir daí, ela afirma que se
posicionar é a prática-chave no fazer científico. Como consequência
disso, tanto a política quanto a ética se tornam referências para se
pensar o que pode ter vigência como conhecimento racional. Se
assim não for, a racionalidade se torna impossível de ser concebida,
já que seria apenas uma ilusão de ótica projetada de maneira
abrangente, mas de lugar nenhum.
A perspectiva da produção narrativa possibilita o
questionamento da capacidade do ser humano de construir, ou ter
acesso, a um conhecimento da realidade independente da própria
pessoa que o produz, já que ela assume a experiência do sujeito
como intrinsecamente relacionada à produção do conhecimento.
Todo conhecimento é produzido tendo como base as vivências, os
encontros e afetamentos de quem o produz, dessa forma, esta
produção nunca é neutra e nem corresponde a uma realidade
independente, visto que a própria construção da realidade é
dependente da relação que se estabelece entre a pessoa e o meio.
O objeto de Mezzari (2017) foram mulheres lésbicas jovens
(entre 19 e 26 anos) e suas experiências amorosas e entrevistou sete
participantes dentre as quais cinco se comprometeram a cocriar e
transcrever em parceria com a pesquisadora as suas narrativas. A
perspectiva do amor a partir de mulheres lésbicas tem o propósito de
estabelecer um viés interseccional ao estudo e, também, situar as
experiências amorosas dessas expressões das sexualidades em suas
aproximações e distanciamentos com o modelo de amor romântico
heteronormativizado, como já abordamos anteriormente neste
mesmo capítulo.
172
O tema do amor está presente nas narrativas literárias, no
cinema, nas conversas e trocas cotidianas entre amigas/os, parentes,
colegas de trabalho. Para García e Montenegro (2014) as experiên-
cias pessoais são produzidas também por meio da articulação e de
uma tensão entre as narrativas hegemônicas, que atuam de certa
maneira como referências para a produção de significados e as
elaborações “próprias” dos sujeitos. Estas elaborações sempre eso
situadas em contextos específicos e em relação com outras pessoas e
outros sentidos.
Apesar de Andreo (2014) ter realizado o compartilhamento
da produção das narrativas com seus participantes, ao solicitar a eles
a leitura e correção das entrevistas que deram para a pesquisa,
Mezzari (2017), diferentemente, utilizou a metodologia de
Produções Narrativas. Esta consiste, em seus procedimentos, na
realização de sessões com as/os participantes, em que elas possam
falar sobre o tema que se quer estudar. Após as sessões a
pesquisadora e as participantes constroem uma narrativa que reflita a
maneira como cada uma das participantes pensa o fenômeno em
questão (GARCÍA e MONTENEGRO, 2014). Mezzari,
especificamente, construiu uma narrativa baseada nas conversas com
cada participante. Após escrita, a pesquisadora se permitiu fazer
algumas perguntas e tensionar alguns pontos trazidos por elas acerca
de suas concepções sobre amor, sobre hierarquias de gênero, sobre
ciúmes, entre outras coisas. O texto foi enviado para que as
participantes pudessem lê-lo, alterá-lo, reescrevê-lo e responder ou
não aos questionamentos feitos, de maneira que a versões finais
ficassem mais coerentes com suas perspectivas. Estas versões finais
não se apresentam na investigação como dados que foram coletados
e codificados, mas são compreendidas como apontando para um
modo específico de olhar para o fenômeno, estando suscetível de
173
dialogar com outras narrativas da literatura acadêmica (GARCIA e
MONTENEGRO, 2014).
As produções narrativas se fundamentam na proposta de
conhecimentos situados, de Haraway (1995). Esta tem como
consequência a compreensão de que o conhecimento se produz
mediante conexões parciais, localizáveis e encarnadas. A
objetividade, assim como nos diz a autora, passa necessariamente
pelo reconhecimento da dimensão encarnada e situada da produção
de conhecimentos. Neste sentido, o reconhecimento da impossi-
bilidade de haver uma visão totalizadora leva à necessidade de se
pensar a construção do conhecimento através da criação de redes e
de conexões.
O reconhecimento disso, da parcialidade da própria
perspectiva que se adota, leva à necessidade de se produzir conexões
e articulações com outros pontos de partida mediante os quais o
conhecimento é possível (BALASCH, MONTENEGRO, 2003).
Os conhecimentos situados, no contexto das produções narrativas,
são produtos de conexões parciais entre investigadora e participante.
As articulações produzidas ao longo do processo criado, como
asseveram Montenegro e Balasch, não têm a pretensão de apontar
para uma representação da realidade, mas apostam, ao invés disso,
na difração enquanto uma abertura para outros espaços de produção
de significados. Dessa maneira a ênfase recai nos efeitos que surgem,
em termos políticos, do conhecimento produzido.
Disso decorre que para que uma pesquisa participante se
efetive, não basta apenas o desejo de quem a propõe, é preciso haver
também um desejo e um engajamento das pessoas que participarão.
Balasch e Montenegro (2003) nos advertem sobre o perigo de se
partir do pressuposto de “dar voz” às participantes. A compreensão
de que a equipe investigadora possui o poder de dar voz às pessoas
174
participantes estabelece, como nos explicam as/os autoras/es, uma
relação pautada na ideia de que são as/os/investigadoras/es que
possuem legitimidade acadêmica para dar ou não a palavra. Na
metodologia das produções narrativas, uma solução encontrada para
este dilema, ainda de acordo com Balasch e Montenegro, é
justamente a possibilidade de se estabelecer conexões parciais com as
pessoas que se aproximam de alguma maneira dos fenômenos que
pretendemos estudar. Para além disso, as narrativas que são
produzidas não são pensadas como um reflexo de um mundo
interior dos sujeitos, nem como reproduções de narrativas sociais
hegemônicas. Neste sentido, os relatos e as próprias narrativas
produzidas não evocam um sujeito, mas sim uma rede de relações.
Apesar de haver, nas produções narrativas, um pressuposto
da produção de textos conjuntos entre pesquisadora e participantes,
a maneira como eles serão feitos não está dada de antemão. Depende
de acordos, negociações e afetamentos que se constituirão nos
encontros estabelecidos. No entanto, isso não significa que tudo é
permitido, ou que não haja nenhum rigor nestes processos. Guacira
Lopes Louro (2007) nos dá algumas pistas sobre essa problemática
ao procurar responder às críticas que são feitas às perspectivas pós
estruturalistas. Para a autora, é impossível fazer pesquisa sem
experimentar a incerteza já que, nesta perspectiva, qualquer verdade
que se estabeleça está embasada naquilo que nos é possível conhecer
em um dado contexto sendo, portanto, situada, provisória. Assumir
uma desconfiança de toda e qualquer verdade não corresponde a
considerar que tudo é válido, mas implica, ao contrário, em praticar
um questionamento constante de si e das próprias práticas
(LOURO, 2007).
Na proposta das produções narrativas a perspectiva é muito
semelhante. Não podemos conceber as entrevistas como o momento
175
de coletar os dados, como se eles estivessem simplesmente a nossa
espera. Os dados da pesquisa, ao contrário, são produzidos,
inventados pela relação que criamos com cada participante. Para
além disso, as narrativas finais são produto da interação de várias
forças, que remetem tanto a estilos pessoais de cada pessoa envolvida
quanto a contextos particulares e também compartilhados.
Pensar a crítica enquanto uma prática que expõe os moldes
constitutivos da produção de um conhecimento e também os seus
limites nos ajuda a situar o trabalho com as narrativas construídas ao
longo da pesquisa. Não nos interessa alocar os discursos das
participantes em categorias que correspondam a supostos graus de
subversão ou reprodução das normas. Fazê-lo, para além de criar
modelos caricaturais e até mesmo moralizantes, pressuporia que
temos o poder de decidir o que é válido e o que não é em
experiências alheias. Como pondera Suely Rolnik (2011) não
podemos considerar que uma determinada forma de expressão do
desejo seja libertária ou aprisionadora em si mesma. Precisamos nos
perguntar, ao invés disso, se esta configuração serve enquanto
passagem para expressão e experimentação dos afetos do sujeito em
questão ou não. Não nos interessa, tampouco, compreender
possíveis significados e interpretações das narrativas em questão.
Interessa-nos, sobretudo, em consonância com a advertência de
Deleuze e Guatarri (2011) nos perguntarmos com o que elas se
conectam, quais discursos as atravessam, o que prolifera pelas suas
vias.
As concepções acerca do que é o amor estão atravessadas por
discursos hegemônicos, por assim dizer, mas também por
experiências pessoais, de pertencimento a determinados grupos,
contextos, espaços que produzem discursos os mais diversos. Os
significados sobre o amor podem aludir a contextos mais amplos do
176
que os relacionamentos amorosos, incorporando o amor às pessoas
que estão próximas e parte do cotidiano da sua vida.
Para Mezzari (2017) esta ideia de amor e amar tem relação
com a concepção de amor proposta por Maturana (2001). Para o
autor as emoções são apreciações de um(a) observador(a) sobre a
dinâmica corporal do outro, a qual especifica um domínio de ação.
Nada ocorre que não esteja fundamentado em uma emoção. Se
todas as ações estão fundamentadas em alguma emoção, o social
também é fundado por uma emoção. Maturana acredita que nem
todas as relações humanas são sociais.
Há diferentes tipos de relações humanas, dependendo da
emoção que as fundamenta. Para ele, relações sociais são aquelas que
estão fundamentadas no amor. E o amor nada mais é do que a
aceitação do outro como um outro legítimo na convivência. Se não
há aceitação mútua, então não há relação social. O amor, nesta
perspectiva, constitui também o espaço de preocupação com o
outro. Não há preocupação com o outro se ele não pertence ao
domínio social no qual estamos inseridos. Por isso, para Maturana,
as preocupações éticas não pertencem ao domínio do racional, mas
sim do emocional, apesar de haver também reflexões racionais. O
relato de marta também se aproxima destas considerações, ao
apontar o amor e sua relação com uma ética nas relações, pois a sua
felicidade é, em parte, a felicidade da pessoa amada.
Bell Hooks (2012) diz que precisamos conceituar o amor,
porque o fato de todo mundo ter um saber sobre o amor e, ao
mesmo tempo não saber o que ele significa, produz mais violência.
Para ela essa definição é importante, pois torna o amor uma ação,
mais do que um sentimento de maneira que, ao se assumir tal
definição, precisamos assumir também uma responsabilidade pelo
ato de amar.
177
As formas de pensar e experienciar o amor também estão
atravessadas pelas concepções que temos sobre gêneros e
sexualidades. As cinco participantes acreditam que o amor entre
mulheres é sempre mais cuidadoso, mais afetivo ou mais livre. Elas
criam perspectivas diferentes para explicar essa afirmação. Para
algumas as opressões que marcam os corpos das mulheres fazem
com que em um relacionamento entre elas o respeito esteja mais
presente, elas podem compartilhar entre si estas experiências e isso
fortalece os vínculos e afetos. Outras também mencionam o
machismo na produção dos corpos masculinos e femininos
enquanto um fenômeno muito presente na construção dos
relacionamentos amorosos. Contrasta mulheres que se baseiam no
afeto, carinho e cuidado com os homens que são educados a serem
“brutos” e “durões”, sendo raro encontrar homens que destoam
desse modelo.
Podemos perceber que algumas mulheres participantes afir-
mam que um relacionamento entre mulheres tem como diferencial
o respeito e uma delicadeza, situam essas questões como consequên-
cias de sistemas de opressão. Para algumas, ainda, a explicação está
mais ligada a aspectos biológicos, pois marca nos corpos masculinos,
gays ou não, a função sexual é o objetivo final dos homens.
Rubin (RUBIN e BUTLER, 2003), em entrevista concedida
a Judith Butler, afirma que o feminismo lida, muitas vezes, de uma
maneira inadequada com práticas sexuais, mais especificamente com
aquelas não convencionais. Para a autora, as teorizações feministas
acerca dos comportamentos sexuais eram, na maior parte das vezes,
carregadas de um determinismo biológico. Ela relata o fato de que,
pela contratação de uma transexual no final da década de 1970,
Sandy Stone, pela Olivia Records, uma boa parte de artigos
veiculados pela imprensa lésbica começou a discursar sobre “como as
178
mulheres nascem e são feitas” (RUBIN, BUTLER, 2003, pág. 170).
Rubin nos diz que neste período quase todas as práticas sexuais não
convencionais (homossexualismo masculino, promiscuidade, sexo
público, travestismo, sadomasoquismo) eram retratadas em algum
lugar dos feminismos sob termos negativos. Como consequência
dessa postura, a Rubin afirma que os feminismos acabaram por
eleger práticas sexuais e populações minoritárias como um dos
grandes inimigos da liberdade das mulheres, eximindo, de certa
maneira, a responsabilidade de grandes instituições, tais como a
família, a educação e a religião além da falta de direitos etc.
Pode-se fazer um paralelo com a comunidade LGBT
quando alertado por Júlio Simões (2011) que os marcadores sociais
de diferença produzem não apenas uma pluralidade de corpos e
possibilidades, mas também hierarquias e desigualdades dentro da
comunidade LGBT. Como observa o autor estas categorias se
organizam em sistemas classificatórios que, ao mesmo tempo em
que alocam as pessoas em determinados lugares, papeis e posições,
também produzem possibilidades de reconhecimento e de ação.
Rafaela Cyrino (2013) nos diz que as críticas feministas
questionaram tanto as relações assimétricas entre homens e mulheres
quanto colocaram em questão a atribuição de fundamentos
biológicos para a legitimação de relações sociais. No entanto a
autora acredita que se corre o risco de substituir um determinismo
biológico por um determinismo social, o qual acaba por atribuir um
processo de submissão quase que automático às normas de gênero
não abrindo espaço, portanto, para a investigação das rupturas e
incoerências deste sistema.
A tensão entre natureza e cultura, nos estudos sobre gêneros
e sexualidades, aponta como necessário tomar cuidado para não cair
em determinismos nem biológicos nem sócio/culturais. Eles acabam
179
por contribuir para a manutenção de determinadas normas e por
disseminar a concepção de que ser homem ou mulher é algo dado e
inevitável. A questão da monogamia também foi problematizada por
algumas das participantes, sejam questionando que esse modelo não
eram confortáveis para ambos, mas se acredita na possibilidade des-
ses relacionamentos. Outras ressaltam que a maior parte dos relacio-
namentos já tem um acordo silencioso sobre a monogamia. Quando
é colocado em negociação ele passa a ser uma possibilidade, mas
pouco provável nas suas experiências. Apontam também para a reci-
procidade das relações, sendo que o que vale para um/a para outro/a
também.
Determinadas configurações de relacionamentos não são li-
bertárias do que outras. Sabemos que mecanismos de opressão po-
dem se manifestar em quaisquer tipos de relacionamentos, sejam eles
monogâmicos ou não. Desta maneira, não consideramos que haja
relacionamentos mais “livres” do que outros apenas por se configu-
rarem de maneiras menos convencionais. O que não significa des-
considerar a imposição que nos é feita cotidianamente para estarmos
em relacionamentos monogâmicos e heterossexuais e os efeitos disso.
O trabalho de Mezzari (2017) contribui sobremaneira para a
compressão das expressões amorosas atravessadas pelas dissidências
sexuais e de gêneros. Os modelos de expressão de sentimentos e
afetos nas relações amorosas, as hierarquias estabelecidas e os modos
de amar são tensionados pelas críticas feministas e no interior delas
mesmas.
A escolha pela produção de conhecimentos situados a partir
do diálogo com as participantes e a pesquisadora, produziu
narrativas que trazem o amor romântico problematizado. Ao mesmo
tempo em que é vivido e colocado como norma do sentir e agir
diante dos relacionamentos, com as premissas da monogamia, do
180
desejo unidirecional, da reciprocidade de sentimentos, as
participantes também denunciam a opressão dos corpos feminismos
e masculinos hegemônicos, a necessidade de uma ética das relações
amorosas baseadas nas negociações. Suas próprias experiências são
partilhadas com a pesquisadora em um processo reflexivo, colocando
seus amores e suas vidas em fluxo com encontros possíveis das
mudanças históricas sobre o amar.
A lesbianidade também é um marcador importante nesse
estudo. O termo “lésbica”, segundo Platero (2008) faz referência a
um sujeito que é produto da construção de uma identidade
contemporânea e que é própria do ocidente. O termo é uma
categoria também problemática já que está inserido em um
pensamento baseado em classificações binárias em que cada conceito
de um par classifica e aponta para aquilo que o sujeito não é mais do
que para aquilo que é. Já está bastante estabelecido que apesar de o
conceito “lésbicas” ser usado para marcar experiências muito
diversas, o que torna difícil estabelecer contornos ou fronteiras
rígidas, ele contém também uma utilidade estratégica.
Quando as lésbicas se “atrevem” a amar, daí estes
questionamentos são mais tensionados, dado que a temática do
amor também interroga o uso e as definições do termo lésbica. A
relevância desta temática quando a elegemos enquanto um campo
de estudo não foi por desejar criar uma definição sobre o que é ser
lésbica, quem são elas ou o que é estar em um relacionamento
lésbico. Ao invés disso, foi apostar na potência deste trabalho
enquanto uma possibilidade de se produzir questionamentos às
normas de gênero, sexuais, à heteronormatividade e ao próprio
pensamento amoroso.
O marcador juventude é também um importante analisador,
dado que permite situar as linhas de ruptura e de continuidade sobre
181
as experimentações das mulheres lésbicas sobre o amar e serem
amadas. Num contexto em que as visibilidades das expressões de
gêneros dissidentes se fazem mais presentes, as narrativas dessas
mulheres lésbicas abrem espaço para configurações de sentidos
abertos e móveis que questionam os modelos heteronormativos e
hierárquicos baseados nas relações amorosas entre homens e
mulheres. As submissões, subordinações e violências podem ocorrer
também nestas configurões, o que faz questionar também as
capilaridades do amor romântico sobre as diferentes expressões das
sexualidades, dado que se funda na designação de eternidade, posse e
complementaridade, as quais justifique a violência, até mesmo
descolada da naturalização da virilidade/violência como correla-
cionada ao masculino.
5.2.3 Jovens gays, amor e tecnologias: cartografias sobre
sexualidades e gêneros em aplicativos de encontros sexuais e
afetivos.
O trabalho de Morelli (2017) trata dos aplicativos voltados
para o público gay. Seu objetivo é traçar algumas pistas sobre os
processos de subjetivação da cultura gay contemporânea quando do
uso de aplicativos para encontros afetivos e sexuais, como o Grindr e
o Hornet
44
. Inspirado da cartografia como método (DELEUZE e
GUATARRI, 2011; ROLNIK, 2011) o caminho traçado pelo
44
Trata-se de aplicativos de geolocalização nos quais os usuários abrem uma conta que
descrevem seus perfis com imagens e texto sobre suas características físicas,
sociais/relacionamentos, preferências sexuais e o que buscam. O Tinder é outro aplicativo
voltado a um público mais amplo que foi comentado pelo pesquisador, mas não explorado
analiticamente como o Grindr e o Hornett.
182
pesquisador foi estar em campo
45
, com usuário dos aplicativos,
como forma de mapear os processos de subjetivação me jogo.
A subjetividade é constituída num campo de produção, no
qual estão envolvidos elementos diversos (materiais, sociais,
linguísticos, tecnológicos, econômicos etc.) em que a ação do sujeito
nesse campo se dá por agenciamentos de enunciação (KASTRUP,
1999; GUATARRI, 2012). Isto significa que a subjetividade sempre
é coletiva, no sentido de que envolve um duplo descentramento
(singular-social). A produção da subjetividade permite as mais
variadas formas de existências atravessadas pelas assimetrias que
também estão implicadas na produção das diferenças e hierarquias.
Como um campo de produção desejante, Morelli (2017) questiona
se os aplicativos (2017) quais “campos de subjetivação” que são
produzidos e quais desejos estão implicados nas negociações e
formas de existência no uso das plataformas pelos sujeitos.
Com a eleição da cartografia como método (ROLNIK,
2011), Morelli (2017) acompanha a produção de subjetividade e as
relações de poder atravessadas pelas linhas dominantes e singulares
do desejo no uso dos aplicativos. Como um cartógrafo da produção
desejante de homens gays no uso dos aplicativos se preocupa em
fazê-lo a partir da absorção de matérias diversas que se depara ao
longo o caminho.
Morelli, ao descrever o processo de inserção no campo
aponta exigências de deixar as alianças da segurança de métodos que
davam a garantia de previsibilidade, de um direcionamento pré-
definido e estável. Pelo contrário, a inserção na pesquisa desvia desse
caminho, situando quem pesquisa no risco, na imprevisibilidade, do
desvio das rotas. Por estar sob relações de poder que produzem
45
O trabalho de campo consistiu em utilizar o aplicativo e a partir disso registrar na forma
de entrevistas e diários de campo as interações com os usuários.
183
identidades, no processo a/o pesquisador/a pode cair em armadilhas,
bem como criar armadilhas. A diferença com outras formas do
conhecer é que a cartografia não se pretende neutra e está atenta a
estas armadilhas, as coloca em cena no jogo de escrever sobre o que
conhece. Portanto, se alia aos feminismos que sugerem
conhecimentos situados como o de Haraway (1995).
Sendo uma prática política o trabalho do cartógrafo também
é pesquisa-intervenção. Está atenta aos efeitos que produz e quer
produzir. A cartografia como método de pressupõe uma orientação
do trabalho do pesquisador que não se faz de modo prescritivo, por
regras já prontas, nem com objetivos previamente estabelecidos, mas
que estão em fluxo. Não se trata de o entanto, de uma ação sem
direção, ela faz emergir as ferramentas e as estratégias para conhecer
um fenômeno e o desafio é produzir um percurso mais próximo de
um método artesanal, ou um hódos-metá ao invés de um méta-
hódos (pré-fixado), no percurso. (PASSOS & BARROS, 2012)
A escolha do objeto de pesquisa por Morelli (2017) se dá
pela percepção imediata que o uso dos aplicativos poderiam ser uma
forma de viver a sexualidade gay em enfrentamento à homofobia e
ao machismo. No decorrer do caminho essas percepções foram
tomando outros rumos mais complexos, em que o uso dos
aplicativos poderia servir a muitos senhores dentro do próprio
universo gay: ao capital, ao heterossexismo, ao higienismo e à
homofobia.
O que Morelli cartografa na sua pesquisa é que, sendo gay,
pode sentir-se interessado e se aventurar no uso dos mesmos dos
aplicativos, tendo que lidar com códigos que forjam o desejo gay
quais corpos são ou não mais desejados. Ao mesmo tempo, pode se
confrontar com códigos que acessam valores e regras do dispositivo
da sexualidade que controlam os desejos, excluem os corpos e as
184
práticas sexuais abjetas, a configuração de práticas homofóbicas que
recusam as expressões femininas de homens gays estão, pr exemplo,
envolvidas nessas experiências com os aplicativos. O uso para
manter-se no mundo privado do desejo também é efeito da
homofobia que organiza as expressões do desejo no aplicativo. Viver
abertamente a sexualidade, mesmo no aplicativo nem sempre é
possível, pelo contrário, ele permite justamente essa invisibilização
46
.
Aliado ao método cartográfico e à crítica feminista das
ciências, Morelli coloca a necessidade de se localizar na pesquisa. O
pesquisador, inspirado em Ochoa (2004), vale-se de uma narrativa
em que conta como chegou ao objeto de pesquisa e também como
negocia sentidos com elementos locais e globais, em sua existência
como jovem, gay, bicha, professor, namorado, usuário destes
aplicativos e pesquisador. Isso o faz afirmar que se situa com
interlocutores dos mais diversos que compõe o seu próprio desejo e
o campo de produção de subjetividades no qual está atravessado.
Entretanto, faz isso desde uma objetividade como saber parcial
(HARAWAY, 1995) que significa que localizar-se é um ato político
em que se questionam saberes universais, mas, também, provoca-se
o seu deslocamento para que se pluralize e seja menos silenciador.
Minha atenção ao trabalho de Morelli se dará não somente à
escolha metodológica e à própria escrita efetuada pelo autor,
atravessada pelos elementos negociados com estes interlocutores e
interlocutoras, desde de autores e autoras que se aliou às experiências
de vida com os aplicativos e com o ser bicha
47
numa cidade do
46
Aponta ainda que os aplicativos estão presentes em diversos países, sob a mesma
plataforma e sob regras semelhantes. A homogeneização fornecida por essa base comum,
para Morelli (2017) não garante que são utilizados da mesma maneira. Para ele, os sentidos
produzidos são locais e não globais.
47
Morelli (2017) se situa desde estes marcadores da vida gay, como bicha, viado, boiola e
safado. Adjetivações que ganharam tons pejorativos no universo heteropnormativo e
185
interior do estado de São Paulo cristã e tradicionalmente machista e
homofóbica. É abordar também a algumas paisagens por ele
cartografadas com os jovens participantes da sua pesquisa
48
. No item
que ele denomina Mercados do sexo e dos afetos, Morelli faz uma
incursão sobre como nos relacionamos afetiva e sexualmente com o
suporte dos aplicativos.
Para essa análise o pesquisador começa com o argumento da
recusa da dissociação entre o mundo online e offline. O mundo em
que vivemos é um mundo híbrido em que não há a separação entre
um universo real e outro virtual. Para desenvolver esse argumento
ele solicita ao leitor, que preste atenção ao mundo antes dos
aplicativos. Que se deve pensar os aplicativos como resultado de um
processo muito anterior ao da sua invenção: o das mudanças nas
formas como nos relacionamos afetiva e sexualmente.
A urbanização acentuada que reconfigura os espaços de
socialização, junto à uma nova forma de se relacionar com o
trabalho, a economia, o lazer e com os próprios corpos, sugerem
uma “nova economia do desejo” (MISKOLCI, 2014). Esse contexto
produz uma nova ética sexual que é central na vida das pessoas. Os
encontros sexuais, a vida não monogâmica, o prazer com o/a outro/a
não resulta em compromissos como namoro, noivado ou mesmo
casamento. Para Miskolci parte da classe média e rica dos países
ricos essa recusa do modelo compulsório das relações afetivo-sexuais
dá margem a modelos mais flexíveis.
homonormativo, dado que mesmo no universo gay eles podem ser utilizados para demarcar
hierarquias.
48
Em seu trabalho relata o contato a partir do uso do aplicativo como usuário. No processo
se identifica como pesquisador em seu perfil para os demais usuários e com eles inicia uma
série de diálogos no chat e por outras vias como por videoconferência online. Alguns, com
quem teve contato em entrevistas, nomeou e trabalho nas análises mais intensamente,
outros apenas relatou com Usuário N em partes do texto quando seus comentários diante
de questões colocadas pelo pesquisador foram pertinentes aos objetivos da investigação.
186
As tecnologias têm importante papel na manutenção e na
produção destas formas mais flexíveis. Morelli aponta essa trajetória
como descrito no trabalho de Finkel et al (2012), no qual estes
autores localizam a produção de tecnologias de computador para
parear 49 homens e 49 mulheres, realizado por estudantes de
matemática na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos da
América, em 1959.
Trabalhos como o desenvolvido por este grupo de
universitários indicam que a preocupação em como encontrar os
melhores parceiros com o uso das mídias digitais, ou de outras
tecnologias como revistas com anúncios pessoais ou mesmo em
jornais que ganharam o mundo da comunicação após o advento da
imprensa, são evidências de um processo muito maior de
transformações nas relações afetivas e sexuais que se deram durante o
séc. XX e que se estende até os nossos dias.
A própria ideia de que poderemos escolher uma pessoa
dentre muitas outras possibilidades não só para construir uma
relação afetiva, mas também para estabelecer contatos sexuais já é,
por si só, uma característica eminentemente moderna porque ela
carrega consigo elementos, tais como: a liberdade, a autonomia, a
racionalidade e, assim, indica não só uma competência que devemos
desenvolver na disputa por parceiros e parceiras, mas também se
apresenta como um direito fundamental na concepção de cidadania
moderna: os Direitos Civis. Sendo assim, Morelli se vale das ideias
de Illouz (2016), para a qual os critérios com os quais escolhemos
nossas/os parceiras/os atualmente caracterizam uma fonte riquíssima
de pesquisa que nos permitem refletir sobre o nosso contexto atual.
Há, de acordo com Eva Illouz (2016), uma “arquitetura das
escolhas”, ou seja, uma espécie de estrutura que configura ou, no
mínimo, fornece certa direção aos critérios que estabeleceremos para
187
conversar ou se encontra com um parceiro ou com uma parceira,
seja para o sexo ou para relações amorosas. Irei abordar aqui algumas
apontadas por Morelli, as quais têm como marcas: a idade, os
corpos, raça, classe, os interesses, performatividades sexuais e as
estéticas de gênero/masculinidades reguladas pelos direcionamentos
hegemônicos do contexto homoerótico.
Todos os usuários com os quais Morelli (2017) manteve em
interação indicam uma presença de pessoas jovens. A maioria possui
entre 20 e 35 anos, com uma média de aproximadamente 28 anos
de idade. A questão geracional interfere também nas arquiteturas das
escolhas, nas quais a juventude agrega valor competitivo erótica e
emocionalmente. Enquanto um dos usuários além de perceber que o
fato de ser gordo faz com que o interesse sobre ele diminua, ele
também enfatiza o fato de ter apenas 18 anos que, ainda que
simbolize uma idade extremamente jovem, ele percebe ser uma
questão que faz com que algumas pessoas o considerem muito novo.
Por outro lado, outro usuário com 51 anos revela a dificuldade em
circular e se desejado entre os corpos jovens nos aplicativos.
Outro elemento presente é a ideia de “competência sexual”.
São estabelecidos os atributos de atratividade por critérios coletivos,
por meio dos quais o sujeito ou sujeita é reconhecido/a como
possuidor de um “capital erótico” que desperta a capacidade de ser
desejada.
Não só o capital erótico, mas também a ideia de se possuir
uma competência erótica, são respaldados por discursos veiculados
na mídia.
Alguns participantes, segundo Morelli (2017) sentem-se
competentes com sua sexualidade e com o seu sexo porque, de certa
maneira, consultaram o assunto em muitas revistas e, assim,
consideram-se homens sem tabus pois tiveram acesso a informações
sobre como sentir prazer em seu próprio corpo e como deve ser um
188
bom sexo. Essa territorialização do corpo apresenta uma das suas
maiores conquistas nos discursos da biologia que reduz o sexo aos
“órgãos sexuais”, isto é, somente aqueles/as que possuem a
capacidade reprodutiva, como o pênis e a vagina, e todas as outras
partes do corpo como fontes de prazer e sexuais ficam de lado.
Não se trata de qualquer corpo, pois a investida corporal na
cultura gay cristaliza a ideia de capital erótico. As investidas sexuais,
na fala de um dos usuários que compartilharam suas interações em
aplicativos, dizem que se responde ou não rapidamente aos contatos
em função das expectativas dos corpos malhados. Alguns dizem que
não prosseguem pois muito dificilmente o usuário contactante se
interessaria pelo usuário contactado, seja pela exigência estética
corporal e genital padrão de corpo (musculoso) e pênis (grande),
seja pela masculinidade performatizada (macho, viril). Bastava uma
foto para que ele identifique se o usuário corresponde ao seu desejo.
No uso dos aplicativos a masculinidade hegemônica
(CONNELL, 2000) está conectada as expectativas do público gay
que prefere corpos masculinos e não efeminados. A recusa da
efeminação do corpo masculino é produto de dispositivos
homofóbicos de controle da sexualidade. Segundo Morelli (2017) o
conceito de tecnologia de gênero (LAURETIS, 1994) auxilia a
pensar como a diferença sexual se torna um dispositivo disciplina-
dores e reguladores das sexualidades e do desejo. O masculino
hegemônico heterossexualizado torna-se objeto de escolha do desejo
de alguns dos gays que relatam os corpos que buscam nos
aplicativos.
Por outro lado, Morelli relata que durante a vivência em
campo, algumas declarações dos participantes relatam suas
insatisfações quanto ao fato de não conseguirem encontrar homens
que estivessem interessados em construir relações. Para alguns o sexo
189
parece estar banalizado nos aplicativos, e se tornou uma vitrine de
açougue onde cada um só escolhe o pedaço de carne que quer levar.
Nos relatos os participantes mencionam a busca por homens
fortes, malhados, ativos, com a neca
49
(pênis) grande. Para alguns
mesmo se o não tiver corpo, o fator pênis é fundamental, sendo
grande o corpo nem é tão importante, como relata Enzzo. Estes
relatos apontam as hierarquias dentro do das próprias relações
homoeróticas. Outro usuário, por exemplo relata que ser urso
(homem gordo e peludo) tem pouco capital a ser gasto em alguns
aplicativos, como o Grindr e o Hornett e em outros é mais
requisitado, como o Scruff
50
.
Outro componente do capital erótico que envolve a
competência sexual, provém das escolhas baseadas na questão racial.
Nos aplicativos negros e latinos são comumente retratados como os
que irrompem com animalidade gays brancos. Trata-se de um
rompimento com o modelo civilizatório do sexo a partir da
branquitude.
Durante a pesquisa, embora Morelli tenha conseguido
aprofundar as interações com aqueles perfis que se diziam em busca
de sigilo, de discrição e que se chamavam de “machos de verdade” e
que se recusavam a ficar com homens afeminados, a preferência
sexual mais comum era a posição ativa. Sáez e Carrascosa (2011)
assinalam como uma das principais características do masculino a
impenetrabilidade, como se no momento de permitir-se ser
penetrado seja por um dedo, pênis, dildo etc.se perdesse o status
de masculino e se aproximasse de uma prática comumente feminina,
a passividade. Daí decorre a comum e equívoca relação de prazer
49
Neca é o nome dado ao pênis no paujubá/bajubá, linguagem de origem africana utilizada
no cambomblé e na umbanda e apropriado pela comunidade gay e travesti.
50
Scruff é um aplicativo como os outros apresentados na pesquisa de Morelli (2017),
entretanto é mais utilizado por a homens gays ursos.
190
anal masculino com a homossexualidade, quando na verdade é
possível ser heterossexual e sentir prazer anal.
Morelli (2017) não afirma que todos os homens que se
dizem macho só são ativos. Embora alguns que se mostram nos
perfis como ativos, nas práticas de fato são passivos, segundo o relato
dos participantes. A impenetrabilidade é um dispositivo de controle
da masculinidade que fica intocada enquanto suas práticas não
vierem ao conhecimento público, por isso, mesmo que os “machos
de verdade” e “discretos” sejam, muitas vezes, passivos, certamente,
implorarão e se preocuparão em controlar quem sabe e saberá disso.
Ser casado, noivo, namorar mulher é um outro atrativo para homens
gays que procuram homens que se definem como heterossexuais.
O capital cultural e econômico são outros que estão
envolvidos, de forma articulada, com a arquitetura das escolhas.
Morelli (2017) chama de capital cultural a posse de elementos que
garantem níveis de escolarização e práticas de socialização e de
consumo de bens culturais que demonstram um perfil econômico
elevado. Alguns usuários dizem só se relacionar com pessoas com
ensino superior completo.
Além desses atributos, o fator classe social também marca
um critério de escolha dos usuários que se baseiam no capital
econômico. Estes buscam relacionarem-se com pessoas com certo
capital econômico. Se após o contato online ocorre a possibilidade
de um encontro offline, ter “um local” (apartamento, casa) para a
interação sexual garante o espaço privado e sigiloso das relações
homoeróticas. O destaque deste item deve-se a ser um certo
privilégio ter um espaço privado para estas interações.
Um outro elemento que atravessa as relações e os critérios de
escolha estabelecidos nas plataformas midiáticas, segundo Morelli
(2017), está relacionado ao que Illouz (2007) define como campo
191
emocional. Para Illouz (2007) os campos emocionais são campos de
exploração da emoção, pela sociedade capitalista de consumo, dos
diferentes discursos (científicos, sociais, espirituais, econômicos etc.)
sobre os afetos e os sentimentos.
Um dos entrevistados idealiza a possibilidade de conhecer
alguém no aplicativo na expectativa de um encontro que se
assemelha a roteiro hollywoodianos, com toda uma cenografia a fim
de evidenciar qual personagem se apaixonará por qual. O sucesso ou
fracasso desse encontro depende em muito da noção de competência
emocional reconhecida nos momentos em que algumas pessoas são
vistas pelos/as outros/as como alguém que sabe lidar com suas
emoções. As pessoas maduras afetivamente, são capazes de amar,
segundo estas premissas, cujo fator idade não comparece, mas sim, a
qualidade por meio da qual as pessoas administram suas relações e os
sentimentos que as atravessam.
Para alguns usuários, os aplicativos estão invadidos por
pessoas que só se interessam por sexo e que, segundo ele, ter
somente interesse em sexo significa que a pessoa seja vazia. Por isso,
ainda que ele considere ser inevitável sair com as pessoas só por sexo,
no qual o “sexo com afeto” seria mais gratificante. Por outro lado,
outros afirmam que ali só busca por sexo porque não acreditam que
seria possível encontrar um relacionamento sério por meio dos
aplicativos. A busca inicial por relacionamentos amorosos nos
aplicativos é frequente, mas cessa quando se deparam com a
capitalização do corpo.
Os usuários questionam se as relações amorosas pelos
aplicativos é possível. Para alguns as possibilidades disso tem que
atender ao que se tradicionalmente se entende por amar. Segundo
Eva Illouz (2007), o amor romântico (sagrado, imutável, comparti-
lhado, recíproco) como a referência hegemônica, geralmente
192
relacionada ao processo de “encantamento do mundo” e à célebre
frase “foi amor à primeira vista”. Nos aplicativos, ele é a esperança
de alguns dos usuários. Ao mesmo tempo, há os usuários referem-se
a um desencantamento logo com a sua utilização.
O trabalho de Morelli (2017) traz contribuições importantes
sobre os afetos e as formas de se envolver sexualmente de homens
gays mediadas pelas tecnologias de geolocalização. Percebe-se que
elas funcionam como um mercado econômico. Há uma relação de
oferta e procura que privilegia alguns em detrimento de outros por
meio do quanto de valor os usuários possuem ou podem agregar
para si mesmos, a fim de que consigam competir por uma
mensagem ou por um elogio, podendo, assim, conseguir estabelecer
tanto um encontro sexual ou, até mesmo, uma relação amorosa,
quanto também experienciar sensações de decepção.
Para a geração de jovens que utilizam os aplicativos online, a
busca por parceiros pode aparentar ser amplo e atrativo, dada
possibilidade de maiores opções no mercado do desejo, ou pelo
contrário, parecer hostil e árido, dado a competição pelos perfis
considerados mais desejáveis. Morelli (2017) ressalta esse quadro de
vivência de rejeições, frustrações, e discriminações pelos usuários que
acompanhou, bem como a esperança da ampliação do número de
parceiros em potencial.
Outro elemento importante, destacado por Morelli (2017)
foi a necessidade dos usuários se obrigarem a construir uma imagem
e apresentar-se como desejáveis no mercado do desejo nos
aplicativos. Nesse mercado, ser mais desejável significa se aproximar
dos elementos definidos pela “arquitetura das escolhas” dominantes
dos capitais erótico, cultural, econômico e afetivo. O domínio ou
pertencimento a estes capitais dominantes conferem às pessoas
reconhecimento e garantida de acesso a direitos, cidadania. Morelli
193
ainda analisa que as aproximações e distanciamentos a estes capitais
dominantes: ser desejável é estar mais próximo deles e, ao contrário,
quanto mais se distanciam deles, mais longe deste topo e, assim,
com menos condições de competição para ser desejável, bem como
com menores condições de escolher os parceiros que deseja.
Pode-se mapear no trabalho de Morelli (2017) que um
contexto relativamente recente de mudanças nas relações
mercadológicas referentes ao sexo e aos afetos tem nos aplicativos
estudados, um fluxo de possibilidades que mantém as hegemonias
dos gêneros e das práticas sexuais.
Penso que a cisão entre natureza e cultura, gestada pelos
discursos da modernidade, pode ser constantemente tensionado nos
relatos dos participantes. A começar pela própria metáfora de que o
mundo online não serianatural” /real e sim o offline. As nuances
dos limites entre um e outro é abordado pelo pesquisador e
explorado nos relatos dos participantes, dado que em momentos
diversos á conflitos entre manter a conta do aplicativo ou não, pois é
difícil encontrar alguém que valha a pena e/ou é difícil deter todos
os capitais necessários para ser desejado.
Amar se aproxima também do que se considera o que é
hegemônico o amor romântico. Sendo os aplicativos uma
tecnologia para encontros sexuais, prioritariamente, considerando
seu propósito de criação, eles rompem as barreiras dessa proposta e
passam a se tornar dispositivos de busca de parceiros amorosos. A
questão aqui são as arquiteturas de escolhas que se esboçam tornam
a tarefa mais difícil. Há processos implicados nos critérios de
escolha, que os definem com base nos modelos de masculinidade
hegemônica esteticamente (forte, malhado, jovem) e emocional-
mente (maduro afetivamente - contrário à instabilidade) e
performaticamente (penetrativo, viril).
194
Este modelo de masculinidade que se mantém nos critérios
de escolha reforçam as desigualdades nas diferenças sexuais e de
gênero. A aproximação da naturalização da sexualidade masculina
como viril, penetrativo e forte opõem-se à feminina, passiva,
subordinada e frágil. Uma performatividade feminina num corpo do
sexo (bio) masculino é recusado e inferiorizado no universo dos
aplicativos, assim como no mundo offline gay.
A manutenção de parte do sistema opressivo de sexo-gênero
(RUBIN, 1993; 2003) na cultura gay no uso dos aplicativos é
gestado na contradição entre as hegemonias presentes no discurso
sobre as diferenças de gênero e sexuais. Apesar de se perceber o
borramento de fronteiras do mundo online e offline, parece que os
usuários cindem essas vivências, considerando o virtual como
ilusório e irreal, inalcançável, sem condições de capitalizar desejos e
corpos para os afetos.
É no cotidiano que se dá o confronto entre corpos e desejos
em busca do prazer e da felicidade. As subjetividades contemporâ-
neas marcadas pelas dissidências sexuais e de gênero tem nos
aplicativos uma arena de luta, em que suas práticas sexuais, afetivas e
amorosas estão entre render-se à norma ou reinventar-se.
195
VI
DESLOCAMENTOS PROVOCADOS PELAS
EPISTEMES FEMINISTAS NA PSICOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO: PENSAR A PESQUISA
COM JOVENS
“A visão é sempre uma questão do poder de ver e talvez da
violência implícita em nossas práticas de visualização. Com o
sangue de quem foram feitos os meus olhos? Essas observações
se aplicam também ao testemunho a partir da posição de um
“eu”. (HARAWAY, 1995, p. 25)
Neste último capítulo, proponho interrogar as apropriações
da juventude como idade da vida numa linha de temporalidade
universal, linear e com roteiros a serem cumpridos, especialmente no
que se refere às trajetórias do funcionamento psicológico, do desejo
e das expressões de gêneros e sexuais. Farei isso a partir dos quadros
construídos ao longo desta tese tendo as pesquisas delineadas por
mim, orientandas e orientandos.
Propus no início do texto um percurso que levavam as
pesquisas produzidas a serem analisadas em dois eixos: as relações
entre cognição e afeto e entre natureza e cultura. Tomei os estudos
sobre os processos psicológicos envolvidos com a construção da
moralidade pela psicologia como um analisado das relações entre
cognição e afeto. A distinção destes processos opostos foi levada a
196
cabo por muito tempo na psicologia e a necessidade de implicar a
complexidade nas explicações das configurações da moralidade.
Assim, as relações entre afetividade e cognição nas expli-
cações dos juízos e ações morais forneceram um roteiro em que pude
problematizar questões teóricas fundamentais no estudo da moral.
Se antes ela era situada como possível e o seu fim temporal na linha
do desenvolvimento marcada o domínio da razão como o
possibilitador de juízos morais elaborados e mais próximos do valor
da justiça, agregar os processos afetivos, integrados com os
cognitivos e racionais, passa s se desvelar como mais próximo das
explicações sobre como os juízos e as ações se dão no campo moral.
Ao fazer isto, foram questionados modelos de ciência que
distinguiam os processos cognitivos e afetivos. Muito da crítica
elaborada sobre este tema vêm de incursões dos estudos da moral em
psicologia a partir dos feminismos e de epistemologias feministas
que foram elaborando questões aos métodos, teorias e explicações
sobre o funcionamento psi.
A juventude ou a adolescência passa a ser questionada como
tempo em que, no processo de construção de moralidade, é forjada
na racionalidade e no valor justiça. Visão masculinista e racionalista
que dominou os processos e métodos de pesquisa sobre o
desenvolvimento, resultou na explicação linear e universalista do
desenvolvimento da moralidade.
Uma boa parte dos estudos sobre psicologia moral se
dedicam à adolescência e juventude como etapas da vida em que
devem ser domados os ímpetos e a força da natureza do corpo dos
adolescentes e jovens que os impelem a desafiar, correr riscos,
colocar em risco, lançar-se a ações consideradas fora da norma. A
violência cometida por jovens e adolescentes passa a ser explicada
pela psicologia da moralidade, chegando a explicações simplistas (de
197
imaturidade de juízo moral) a complexificações com elementos
afetivos, culturais e cognitivos valores como forma de explicar
como e em que condições podem ser explicadas as infrações,
agressões e violências.
Outros contextos de produção de violência foram
interessantes na explicação da vida juvenil. Como, diante das
diferenças de gênero, outras violências, como a homofobia, podem
ser explicadas? Longe de chegar a esta resposta, o que pesquisei teve
o interesse em aprofundar nas performances de gênero que implicam
em modos diferentes de elaborar pensamentos, sentimentos e ações
morais ou não. O interesse pelo gênero como crítico da moralidade
se acentua nessa investigação e permite as aproximações as epistemes
feministas que interrogam a pesquisa em psicologia.
Com os marcadores de gênero presentes na investigação
pude perceber a complexidade dos processos de subjetivação que
envolvem meninos e meninas diante de situações de preconceito
como a homofobia. Ademais, foi possível compreender alguns dos
processos identitários na juventude e adolescência, marcada pela
heteronormatividade, que produzem a homofobia. O
reconhecimento do/a outro/a como fora da hegemonia na
masculinidade ou da feminilidade provoca exclusões, agressões e
violências contra gays e lésbicas, por ousarem estar fora da norma do
sistema sexo-gênero-desejo.
As trajetórias juvenis têm marcas universalizantes, mas
também tem caminhos que desviam do projetado sobre seus valores
e identidades. Na pesquisa pudemos mapear um pouco destes
desvios. A teoria dos modelos organizadores do pensamento foi
importante como ferramenta de análise das produções das jovens e
das jovens. Não trabalhar com categorias prévias e acompanhar as
modulações dos pensamentos, sentimentos e valores construídos em
198
cada resposta dos/as participantes, permitiu fazer emergir diferentes
fluxos inventivos nas formas de se resolver uma situação de conflito.
No entanto, o questionamento do sujeito no processo de
produção de conhecimento sobre o outro e ele mesmo fazia-se
necessário. As epistemes feministas de segunda onda vinha até aqui
na proposta de fazer emergir a experiência feminina, ou da
diferença, em relação ao masculino ou a tudo que era opressão ao
feminino. Ao sugerir um empiricismo feminista (essencialista ou de
socialização), este conjunto de ideias sobre a ciência e a produção do
conhecimento a partir das mulheres abre espaço a visibilidade de
lacunas que a ciência sempre gestava.
Outra virada epistemológica vem com o feminismo pós-
moderno ou alternativo. A crítica aos feminismos empiricista se deve
a não considerar outros marcadores. O feminismo negro tem
importante contribuições nesse sentido, ao denunciar que as
mulheres não são genéricas: brancas, heterossexuais, ocidental do
norte, classe média, alta. Elas têm no corpo, na pele, nos olhos, na
carne singularidades que se compõem em cores, amores, sexos,
genitais, dildos e coragem que não eram contemplados pelo
feminismo empiricista branco, hetero e do norte.
Nessa virada estão as alianças com outras formas de conhecer
que questionam a ideia de objetividade da ciência moderna colada a
certos feminismos. Assim, as metodologias situadas consideram que
os saberes são sempre parciais e que sua objetividade se refere aos
efeitos que produzem política e eticamente implicados com a
capacidade de se aliar a outras parcialidades. Isto significa que que a
objetividade passa a ser uma condição política dos saberes
localizados. São utilizadas as narrativas autobiográficas, as produções
narrativas e as cartografias.
199
Nesses processos investigativos, o sujeito e objeto não são
distintos, são composições do processo de afetar-se no mundo e com
o mundo que produzem fluxos de conhecer. O interesse em narrar
sobre as experiências vividas permite o compartilhamento das
mesmas e as análises situam no coletivo (como integrativo do
singular e do social) os sentidos quando propostos como produção
narrativa. Na cartografia o acompanhar como se dão as relações de
poder nos processos de subjetivação que envolvem linhas
dominantes e disruptivas dos modelos normativos vigentes.
Nessas perspectivas, as juventudes passam a ser
acompanhadas de leituras interseccionais. Tentei em uma pesquisa
sobre o amor e jovens interseccionar as identidades sexuais com as
de gênero. O amor, como tema que interroga as naturalizações dos
afetos e das práticas sociais e sexuais, foi um campo interessante de
desvio do que se espera do amar e ser amado por jovens de
sexualidades dissidentes e heterossexuais, bem como de homens e
mulheres que constroem valores sobre o amar e ser amado fora da
norma e/ou como a maioria, no fluxo do amor romântico como
regulador dos sexos e dos gêneros.
Nogueira (2017) a ponta a interseccionalidade como uma
possibilidade e um desafio na pesquisa em psicologia. Isso se deve ao
número das identidades que se quer considerar num estudo
interseccional. Nogueira debate esse dado em pesquisas de outras
áreas que levam a questionar se é possível pesquisar na
interseccionalidade. Acreditamos que sim, desde que as identidades
sejam situadas dentro de contextos sociais estruturais. Ao mesmo
tempo que seja possível trabalhar nas análises tanto com categorias
emergentes (identidades dissidentes) quanto master (identidade
dominante).
200
Na pesquisa, portanto, tentando conciliar as perspectivas
qualitativa e quantitativa, foi sendo produzido um conjunto de
dados que permitiram visibilizar pensamentos, sentimentos e ações
nas relações amorosas das/os jovens entrevistados. Eles e elas,
embora tenha o amor romântico como princípio na vivência de suas
relações, normatizando as relações em algumas situações, estabe-
lecem também limites, matizes diferenciados sobre como esse amor
romântico pode ser ressignificado.
Outras paisagens puderam ser construídas nas pesquisas
posteriores em que as narrativas autobiográficas, a produção
biográfica e a cartografia puderam mapear também as relações com
os jovens e as jovens com violências, as escolhas de parceiros sexuais
e as experiências amorosas. A desnaturalização do amor e da
violência são experimentados pela juventude contemporânea, se
colocam em evidência os atravessamentos das críticas das diferenças
de gênero e sexuais. Quero dizer que as sexualidades e os gêneros
das/os jovens estão em constante processo de problematização diante
dos sistemas normativos nos quais estão inseridos. Seja por elas/es
mesmas/os seja nos fluxos de coletivização que agregam estas
discussões em diferentes contextos, onlines ou offlines.
Para Braidotti (2004) por exemplo, as teorias sobre a
diferença sexual construída pelos feminismos podem ser ao mesmo
tempo limitadora da construção de uma ética que dê conta das
necessidades de mulheres ou potente. Neste último, caso desde que
rompa com as diferenças sexuais identitária e vinculada à noção de
subjetividade do humanismo tradicional: racionalidade, homogenei-
dade, estabilidade e autorrepresentação. Nessa fissura debatida por
Braidotti, percebo nos caminhos de pesquisa trabalhados nesta tese,
a potência das narrativas e da cartografia formas de evidenciar e
problematizar as políticas das sexualidades e dos gêneros.
201
Isso porque elas recusam o modelo identitário que as teorias
da diferença sexual demarcam, reforçando essencialismos ou
determinismos sociais. Os conceitos de subjetividade coletivizada se
alia à estas metodologias com permissão de passagens de fluxos
entres as barreiras porosas do singular e do social. Os processos de
subjetivação são atravessados pelas performatividades dissidentes das
sexualidades e gêneros. Estas questionam a racionalidade como
modo de se subjetivar, a homogeneização do desejo e das estéticas, a
previsibilidade das rotas, o idêntico a si mesmo como melhor e
superior às demais subjetividades.
Estas políticas estão presentes nas linhas traçadas pelos
usuários de aplicativos de encontros gays entrevistados por Morelli
(2017). A arquitetura de escolhas que se baseiam nos capitais
emocionais, sexuais e eróticos opressores e vinculados às hegemonias
sobre o ser homem e gay. As identidades construídas dentro da
cultura gay aparecem como mantenedoras de elementos que o
movimento social sempre havia contestado e os estudos queer tem
denunciado a essencialização das sexualidades e dos gêneros. No
caso das jovens lésbicas entrevistas por Mezzari (2017) as políticas
dos afetos abrem e fecham possibilidades de reinventar as relações
amorosas entre duas mulheres. Confluem os pactos de fidelidade
invisíveis, não ditos, e as formas de amar demarcadas pelas
diferenças sexuais.
E a juventude? Como este marcador social opera também
nos modos de se subjetivar? As juventudes são interrogadas aqui
quando recusa-se a pensá-la como uma trajetória única, homogênea
e linear, como foi dito. Nas explicações psicológicas das trajetórias
juvenis depara-se com a/o jovem problema: homossexual, travesti,
violento, usuário de drogas, improdutivo, incapaz intelectualmente,
afetivamente e moralmente, etc.
202
Estes rótulos estão marcados pelas explicações biologizantes
ou psicologizadas sobre o comportamento da adolescência ou
juventude como fase da vida. O termo adolescente tem marcas
profundas com a medicina e a biologia que procuram descrever os
universais deste momento da vida marcado, tradicionalmente,
segundo os termos utilizados por esta perspectiva: pela instabilidade
emocional (em decorrência dos hormônios masculinos e femininos),
pelo processo em vias de amadurecimento, racional, afetivo e
laboral. A capacidade de reprodução também marca a entrada da
adolescência como fim último de todo o processo de identificação
com a correspondência heterocisnormativa.
Coimbra, Bocco e Nascimento (2005) sugerem o termo
juventude, em vez de adolescência, por não se referir a uma faixa
etária específica. A adolescência tem sua história atravessada pela
psiquiatrialização, psicologização e a criminalização na definição de
elementos etários bem demarcados pelas interposições de
características definidas pelo desenvolvimento biológico. Assumem o
termo juventude como tempo da vida em fluxo, como devir.
Escolhem fazer isso como ação política diante dos processos de
subjetivação individualizantes e de interiorização de questões sociais.
Os autores ainda fazem menção ao cuidado de se ter quando se
sugere esta via de entendimento, ou de apenas a troca de uma
palavra pela outra, dado que a juventude pode ser instituída e
capturada.
A opção por manter o termo juventude no campo da
psicologia do desenvolvimento, esteve presente neste trabalho desde
o início e na maioria das pesquisas realizadas e apresentadas aqui.
Principalmente pela possibilidade de romper com as marcações
forjadas no estudo da adolescência, permitindo a investigação com
jovens de modo a respeitar a multiplicidade de trajetórias e
203
possibilidades de existências juvenis em seus diversos aspectos:
psicológicos, sociais, históricos e biológicos.
A interrogação sobre quais destinos cabem às experiências
juvenis são feitas por elas mesmas, no cotidiano, confrontando os
modos de aprender, de ser, de desejar, de expressar, de se relacionar
uns com os outros, com a natureza, com mundo, com os problemas
políticos, econômicos e sociais que vivem: na escola, na família, no
trabalho, no grupo de amigas/os.
A juventude, como categoria analítica das mudanças
(psicológicas, biológicas e sociais), ao longo da vida, se alia aos
gêneros e sexualidades como dispositivos integrantes das críticas às
ciências, notadamente a psicológica. Essa deve ser reinventada e um
dos seus campos, a Psicologia do Desenvolvimento, ressignificada.
Percebe-se que as contribuições das críticas oriundas das epistemes
feministas podem potencializar esse campo, na direção de
conhecimentos situados, a partir das metodologias, conceitos e
teorias que abarcam o acaso, a multiplicidade, não linearidade, o
sujeito concreto, o conhecimento plural, as relações entre simetrias e
assimetrias e os afetos.
Assim, as pesquisas em psicologia do desenvolvimento
podem ressignificar o papel da emoção, do corpo e da experiência a
produção do saber e das subjetividades. O que foi dito por Haraway
(1995), que destaquei na epígrafe deste capítulo: “Com que sangue
foram feitos meus olhos?”, me leva a pensar no papel do/a
pesquisador/a na produção de conhecimento e dos efeitos éticos de
suas produções: a que custos as pesquisas padrão e homogeneizantes
excluem e violam direitos e necessidades quando produzem
conhecimento sobre crianças e jovens?
No entendimento de que, a produção sistematizada até aqui
está em fluxo e abre novas possibilidades de se pensar o campo da
204
psicologia do desenvolvimento, proponho apresentar inquietações
sobre uma aproximação que nem sempre fora possível. Ao mesmo
tempo em que as epistemes feministas foram interlocutoras no
processo de pesquisar e eleger temas e objetos de investigação no
percurso que delineamos, existe ainda necessidade de interrogar as
lacunas que ainda se mantém: o adultocentrismo dos estudos
feministas e queer. Acredito que esta é ainda uma fronteira que deve
ser borrada nos estudos feministas e queer quando se ocupam em
repensar os conhecimentos psi.
O que pode-se interrogar a partir dos marcadores etários
infância e juventudes, quando os levamos para o contexto da
pesquisa em psicologia é: a) qual o lugar de crianças e adolescentes
no direito a expressão de seus gêneros e sexualidades? b) qual a
possibilidade de reconhecimento delas como existências
despatologizadas e viáveis em contextos diversos como nas políticas
públicas de saúde, sociais e de educação; c) existe protagonismo
dessas existências nessas políticas e na pesquisa? d) quais as
possibilidade das contribuições dos feminismos e dos estudos queer
no questionamento das epistemes ainda presentes nas formas e
conteúdos sobre gêneros e sexualidades na psicologia ? e) as
trajetórias distintas das expressões de gêneros e sexuais de crianças e
jovens são reconhecidas pelas teorias e metodologias de pesquisa?
Estas interrogações são disparadas diante do modo como a
psicologia tem produzido conhecimentos sobre a sexualidade e os
gêneros. Um dos eixos de polemização trata das biopolíticas sobre
sexo e os gêneros ainda hegemônicos nos conteúdos de pesquisa e
nos documentos de formação, ou os cânones: livros, artigos e textos
da disciplina de psicologia do desenvolvimento e afins (BARRETO,
2015).
205
A aproximação de crianças à sexualidade ainda é proibitiva,
em relação ao jovem ela é disparadora, uma porta de abertura para a
vivências de relações adultas. Mesmo com as contribuições da
Psicanálise Freudiana que, pelo menos, apesar das críticas binaristas
e heteronormativas, inserem a sexualidade como algo que não deve
ser negado como parte da existência da criança e do jovem. Estas
desqualificações entre crianças, jovens e sexualidades estão presentes
também nos feminismos, nos quais, em algumas perspectivas mais
radicais, as discussões não perpassam a mulher jovem ou criança. De
maneira geral, em grande parte das ciências humanas e sociais, sexo
e gênero fazem leituras desqualificadoras dos marcadores etários em
sua produção, permanecendo a ideia de inocência da criança e a
disfuncionalidade ou inacabamento da adolescência quando se trata
destes temas.
Preciado (2013) em Quem-defende-a-criança-queer? Nos
alerta sobre a situação da criança (ou jovem, acrescento) quando
proibida de expressar seu gênero e seu desejo. Sob o argumento de
proteger seus direitos, criam-se dispositivos de proteção (que mais se
aproximam de punição) da criança para garantir os roteiros que
definiriam a correspondência sexo-gênero e que a inscreve como
supostamente heterossexual. De fato, o que é protegido, segundo
Preciado, é a normatização de gênero e da sexualidade (na
heteronorma) das crianças e jovens e a não seus direitos.
O que meu pai e minha mãe protegiam não eram os meus
direitos de criança, mas as normas sexuais e de gênero que
haviam sido inculcadas dolorosamente neles mesmos, por um
sistema educativo e social que punia toda forma de dissidência
com a ameaça, a intimidação, o castigo e a morte. Tinha um
pai e uma mãe, mas nenhum dos dois podia proteger meu
206
direito à livre autodeterminação de gênero e de sexualidade.
(PRECIADO, 2013, p. 98-99)
De algum modo, os feminismos e os estudos queer, em
algumas de suas linhas, são predominantemente adultocêntricos, ou
seja, exclui a o marcador etário como parte da interseccionalidade
necessária para se pensar os gêneros. A Psicologia
51
, quando se ocupa
de crianças e jovens, tem se vinculado às considerações
psicanalíticas, aos trajetos oral, anal, fálico e latência que afirma
um telos da sexualidade e dos gêneros (advindo do modelo patriarcal
e heteronormativo). A ideia corrente é a de processualidade, de
provisoriedade, que garantiria ainda a oportunidade de retomar a
linha desejada pela hegemonia. Isso tudo mesmo diante dos
protagonismos de crianças e jovens sobre suas sexualidades e
expressões de gênero, que questionam a todo momento estas
referências.
A afirmação dos feminismos de luta de que o “pessoal é
político”, tensiona o público e o privado como sem bordas. É um
outro deslocamento. O público é o que se torna exposto. O privado
é o que está guardado, posto em segredo, colocado à margem.
Tradicionalmente moderno, esta relação público e privado remete-
nos a localizações que definem os gêneros e as sexualidades como
pertencentes ao privado, do segredo, da vida familiar, já que o
espaço público é o da razão, da vida coletiva e da inserção na
normatividade.
Uma devida leitura, desde perspectivas situadas, precisa sair
do jogo das assimetrias (adulto criança, público e privado, família e
sociedade), naturalizadas pelo discurso da modernidade nas relações
51
Sposito (2015) nos seus estudos sobre as pesquisas sobre homossexualidades e psicologia
no Brasil, no âmbito de estudos que propuseram intervenções sobre as homossexualidades
foram patologizantes, com perspectivas preconceituosas e discriminatórias.
207
entre adultos, crianças e jovens. A opção é se inserir nos interstícios,
nas porosidades das fronteiras em busca de simetrias possíveis,
mesmo que provisórias. Estas leituras precisam, ainda, incorporar às
epistemes (re)produzidas na psicologia os marcadores etários que são
considerados periféricos, incapazes, faltantes de desejo, de
capacidade intelectual, afetiva e social. Crianças e jovens têm sido
subjetivados pelo inacabamento, devendo ser tutelados para se
configurarem segundo o modelo de adulto (branco, heterossexual,
cisgênero, racional, justo etc.).
Cabe esclarecer que as perspectivas situadas de crianças e
jovens, tem o sentido de posicionamento, não se trata de uma
assimetria, mas de significar que o lugar periférico é legítimo, como
um olhar desde um lugar. Lugar nunca isolado e sem autocrítica,
como nos ensinam as pensadoras feministas que trabalhamos neste
texto. Esta leitura exige ainda que seja assumido o saber localizado
de crianças e jovens sobre suas sexualidades e gêneros (enquanto suas
próprias experiências) em interlocução com os saberes coletivizados,
históricos e interseccionais do gênero e das sexualidades.
Considerar o que elas dizem sobre suas sexualidades também
implica em considerar o que elas querem saber e também o que não
sabem sobre as existências possíveis das expressões dos gêneros, do
desejo e da vida erótica. Não se trata de deixar a criança ou o jovem
à deriva, ou somente com suas autorreferências. Num sentido
limitado de subjetividade individualizada isso seria o argumento
utilizado por muitos e seria exigido uma condução, um roteiro a ser
seguido pelas crianças e jovens sobre suas sexualidades e expressões
de gênero. O que se propõe tem em conta a ideia de subjetividade
inscrita no coletivo, em que o termo coletivo significa o borramento
das fronteiras entre o social e o individual, uma superação dessa
dicotomia. Assim, as expressões de crianças e jovens sobre suas
208
sexualidades e gêneros estão conectadas a redes mais amplas e
também se constituem, ao mesmo tempo, em singularidades que se
(re)inventam.
209
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SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro BuenoCRB 8/8211
Normalização
Taciana G. Oliveira
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
ςPISTεμEs
FEMιNISTAS E
A PSILOGιδ DO
DESεnVOlVIμσnTo
EPISTEMEs FEMINISTAS E A PSICOLOGIA DO DESEnVOLVIMEnTo
leonardo lemos de souza
LEONδRDO LeMOS DE SOUZA
percursos na pesquisa sobre
gêneros, sexualidades e juventudes
Raquel Gonçalves Salgado
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0039/2022
Processo Nº 23038.001838/2022-11
“Permito-me a ousadia de sintetizar esta
obra, em sua intensa provocação e desa-
fio para a psicologia e a educação: seu
mote é transformar em problemas os
processos de colonização da juventude
empreendidos pela psicologia do desen-
volvimento em sua ambição de descrev-
er e prescrever um regime de inteligibili-
dade da vida e do sujeito. Assim, gêneros,
sexualidades e juventudes são pontos
da travessia, pelos quais Leonardo
transita ao se deparar e interrogar a
produção teórica em série e também
histórico-social e política – de corpos e
subjetividades para o funcionamento da
engrenagem patriarcal e racista, estru-
turante da sociedade brasileira, sem
deixar de sinalizar para as possibilidades
de desalinho do tracejado dessas
normativas.
Neste livro Leonardo Lemos de Souza busca mapear o
modo como as epistemes feministas, enquanto crítica do
conhecimento, interrogaram a pesquisa em Psicologia do
Desenvolvimento. Esse mapeamento foi feito a partir da
análise do percurso de 15 anos de pesquisas que abordam
a juventude atravessada pelos marcadores de gêneros e
sexualidades. Faz isso a partir da interlocução com as
críticas feministas e queer sobre a ciência e o gênero na
produção de conhecimento, estabelecendo temas e
metodologias articuladas aos saberes situados e intersec-
cionais. Nesse sentido, gênero passa a ser um interrogador
da pesquisa em Psicologia do Desenvolvimento, desde
uma perspectiva performativizada (não binária e não
determinista) de positivação das diferenças, que borra e
revê os conceitos de natureza e cultura, e as suas decor-
rentes implicações éticas da/na pesquisa sobre jovens,
gêneros e sexualidades. No itinerário de pesquisas apresen-
tadas vão se desvelando esses entrelaçamentos com as
metodologias narrativas e situadas, as quais buscam
processos simétricos de pesquisa sobre temas como amor,
violências e tecnologias. Com isso, são desenhadas
possíveis contribuições desse percurso para se pensar a
pesquisa sobre sexualidades e gêneros, a partir de marca-
dores etários, como a juventude. Interrogam-se como os
feminismos e os estudos queer contemporâneos agenciam
a produção de políticas de escrita e pesquisa em psicologia
mais simétricos, problematizando o sujeito universal racio-
nal, adulto, heterossexual, branco, cisgênero.